Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Obras Escolhidas - Nkrumah - Miolo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 553

Kwame Nkrumah

Obras Escolhidas:
1947-1970

São Paulo. 1ª edição. 2022.


Copyright ©2022 – Todos os direitos reservados a Editora Raízes da América.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte do conteúdo deste livro poderá
ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja ele impresso,
digital, áudio ou visual sem a expressa autorização por escrito da Raízes da
América sob penas criminais e ações civis.

Diagramação: Klaus Scarmeloto


Tradutores: Consciencismo e Rumo a Libertação colonial, são traduções de
Paula Juliana Foltran; Neocolonialismo fora Tradução da livraria Sá da
Costa Editora. Luta de Classes na África: Tradução de Maria Nazaré Campos
da edição Panaf Books. Título original: Class Struggle in Africa. Transcrição:
Marxist.org; Os Apêndices foram realizados pela editora
Revisão: Klaus Scarmeloto
Capa: Klaus Scarmeloto

Conselho Editorial:
João Rafael Chío Serra Carvalho: Mestre em História Social pela USP,
Doutorando em História Social da Cultura pela UFMG;
Apoena Canuto Cosenza: Mestre em História Econômica pela USP, Doutor
em História Econômica também pela USP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário:
Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846

Nkrumah, Kwame.

Obras Escolhidas: 1947-1970


Autores: Kwame Nrkumah
Apresentação: Klaus Scarmeloto
1. ed.– São Paulo: Editora Raízes da América, 2021.
565 p.; fotografias; 16x23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-994637-4-7.

1. Neocolonialismo. 2.Leninismo. 3. Pan-africanismo. 4. Colonialismo.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

CDD 320.531
CDU 316.323.72
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Socialismo e sistemas relacionados: Comunismo, Marxismo, Leninismo;
ideologias políticas.
2. Ciência política: Socialismo, Comunismo e Marxismo; Ideologias.
1ª edição: novembro de 2021
| 4 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 5 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

[...] “Existe apenas uma forma de atingir o socialismo: pela


elaboração de políticas voltadas para os objetivos socialis-
tas gerais, cada uma das quais demandando uma forma par-
ticular nas circunstâncias específicas de um determinado
estado em um período histórico definido. O socialismo de-
pende do materialismo dialético e histórico, na visão de
que há apenas uma natureza, sujeita em todas as suas mani-
festações às leis naturais e que a sociedade humana é, nes-
se sentido, parte da natureza e sujeita às suas próprias leis
de desenvolvimento. É a eliminação das fantasias de cada
ação socialista que faz do socialismo científico. Supor que
existem socialismos tribais, nacionais ou raciais é abando-
nar a objetividade em favor do chauvinismo”.
KWAME NKRUMAH

Este livro é dedicado aos


Operários e Camponeses de África
| 6 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 7 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Índice
Apresentação................................................................................ 101

Livro 1
Rumo à Libertação Colonial

África na luta contra o imperialismo mundial........................................... 23

Prólogo ...................................................................................... 277


Prefácio ................................................................................ 29
Introdução ................................................................................... 31

Capítulo 1
Colonialismo e Imperialismo ......................................................... 35

Capítulo 2
Economia Colonial ........................................................................ 41

Capítulo 3
Políticas coloniais: teoria e prática ................................................ 51

Capítulo 4
Desculpas para apologética ............................................................ 55

Capítulo 5
O que deve ser feito ....................................................................... 61

Livro 2
Neocolonialismo Último Estágio do Imperialismo

1. Recursos da África ..................................................................... 82


2 Obstáculos ao progresso econômico ........................................ 977
3. Finança imperialista ............................................................... 1199
4 . Capitalismo monopolista e o dólar norte-americano.............. 1333
5. A verdade por trás das manchetes......................................... 15151
| 8 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

6. Recursos Primários e Interesses Estrangeiros ....................... 20367


7. O Império Oppenheimer ........................................................ 1933
8. Investimento estrangeiro na mineração sul-africana ................. 203
9. Anglo American Corporalion Limited...................................... 211
10. Os grupos do diamante......................................................... 2211
11. Interesses mineradores na África Central .............................. 237
12. Companhias e combinados................................................. 24545
13. Os gigantes do Estanho Alumínio e Níquel ............................ 257
14. Union Minière du Haut Katanga ............................................ 273
15. Pressões económicas na República do Congo ................... 28787
16. Zonas monetárias e Bancos Estrangeiros................................ 295
17. Novas indústrias: os efeitos sobre nações produtores de materiais
primários ...................................................................................... 303
18. O mecanismo do neocolonialismo ......................................... 315
Conclusão .................................................................................... 331

Livro 3
O Consciencismo

Capitulo 1
Filosofia em Retrospectiva....................................................... 34747

Capitulo 2
Filosofia e Sociedade ................................................................... 370

Capítulo 3
Sociedade e Ideologia .............................................................. 39797

Capítulo 4
Consciencismo ............................................................................. 419

Capítulo 5
Definindo os Termos Teóricos.................................................... 4477

Livro 4
Luta de Classes na África

Introdução ........................................................................ 46161


Origens das classes na África................................................ 464
| 9 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O conceito de classe ......................................................... 46764


Características e ideologias de classe ................................ 47272
Classe e raça ..................................................................... 47575
Elitismo ............................................................................ 47777
“Intelligentsia” e intelectuais ............................................ 48181
Classes reacionárias do Exército e da polícia ................... 4855
Golpes de Estado .............................................................. 49091
A burguesia ........................................................................ 4977
O proletariado....................................................................... 504
O campesinato .................................................................. 51414
A revolução socialista ......................................................... 5188
Conclusão ........................................................................... 5222

Livro 5
Apêndice

Declaração Aos Povos Coloniais Do Mundo ............................... 527


O espectro do Black Power ................................................... 529
Mensagem ao povo negro da Grã-Bretanha........................... 539
O Socialismo Africano Revisitado ...................................... 5393
Eu falo de Liberdade (Excerto) ......................................... 53951
| 10 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 11 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Por Klaus Scarmeloto

Apresentação

Kwame Nkrumah, destacado líder revolucionário, nasceu


em Gana 1909, na época ainda chamada, sobretudo, pelo mundo
eurocêntrico, de “Costa do Ouro”. Uma possível narrativa biográ-
fica do nascimento de Nkrumah, afirma “que ele nasceu, mesmo,
num sábado”1. Neste dia fatídico, “aconteceu um funeral em sua
família”2. Porém, foi-lhe dado o nome de Kofi, dos nascidos nas
sextas-feiras, possivelmente em homenagem a algum parente”3.
Posteriormente, “na política nacionalista que o consagraria, alte-
rou o nome Francis, por ser nome europeu e, Kofi, pela incorre-
ção, quem sabe por “marketing”, pois Kofi, na tradição akã, se
liga com “menino-mau” (Em twi, Kofi-baboni)”. Antes de estu-
dar nos EUA, Nkrumah passa por diversas escolas na África, par-
ticularmente importante foi seu contato com James Emman
Kwegyir Aggrey, destacado intelectual africano que influenciou
Nkrumah de tal maneira, que ele resolveu seguir vossos passos4.
“Francis Nwia Kofi Nkrumah partiu para o Reino Unido
com destino aos Estados Unidos da América. O jovem mestre
iniciava seu caminho seguindo os passos do grande "Aggrey”5.

1 BLAY, J. B. NKRUMAH O PAN-AFRICANISTA. Original “LE-


GEND OF NKRUMAH”. Biografia Disponível em: <https://filosofia-
africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/j._beningor_blay_-
_nkrumah._o_pan_africano.pdf>. Acesso em 20 de Outubro de 2022.
Pag. 13.
2 Idem. Ibidem.
3 Idem. Ibidem.
4 Idem. Pag. 18.
5 Idem. Ibidem.
| 12 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A estada de Nkrumah no continente norte-americano, “não


fora devotada inteiramente ao trabalho acadêmico”6. O maior re-
presentante da esquerda pan-africana foi “também muito ativo no
campo político”7. Assim “ao tempo em que frequentou a Univer-
sidade da Pensilvânia, ajudou a formar a Associação de Estudan-
tes Africanos para América e Canadá”8. “A esta associação”, por
conseguinte “se integraram todos os demais africanos de outros
campos de atividade e este envolvimento, de certa forma, ajudou
a manter todos estes africanos juntos”9. Devido ao seu talento,
brilhantismo e iniciativa, “Já na primeira reunião da Sociedade,
Nkrumah foi eleito Presidente. Este posto lhe pertenceu durante
todo o tempo em que ainda permaneceu nos Estados Unidos”10.
Nkrumah “se tornou membro da União de Estudantes da
Costa Oeste da África, tornando-se seu vice-presidente”11. Logo,
“não muito tempo após sua chegada a Londres, encontrou George
Padmore e Jomo Kenyatta; Dr. Makonen e o escritor sul-africano
Peter Abraham, com os quais iniciou os preparativos para o 5º Con-
gresso Pan-africano, planejado para se efetivar em Manchester”12.
Nkrumah e Padmore foram eleitos por unanimidade “secre-
tários do Comitê. Nesta condição, enviaram cartas para diversas or-
ganizações semelhantes, através da África e das Índias Ocidentais,
expondo os objetivos do Congresso e as medidas que viriam a ser
adotadas visando conseguir a libertação das colônias africanas”13.
No início de 1949, “Kwame NKrumah passou a organizar
uma estrutura de oposição colonial através do PCP (em portu-
guês, Partido da Convenção para o Povo)”14. Assim, foi com este

6 Idem. Pag. 21.


7 Idem. Ibidem.
8 Idem. Ibidem.
9 Idem. Ibidem.
10 Idem. Ibidem.
11 Idem. Pag. 22-23.
12 Idem. Ibidem.
13 Idem. Ibidem.
14 Vissentine, P. Biblioteca do Cidadão. Livro na Rua. Série Diploma-

cia ao alcance de todos. Coleção Países. Gana. Acesso em 20 de Ou-


tubro de 2022. Disponível em: <Ganahttps://funag.gov.br › produto ›
loc_pdf›>. Pag. 7.
| 13 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

grupo que “a independência foi alcançada em 1957, tornando Ga-


na a primeira colônia independente da África subsaariana”15.
Ainda antes da independência, em resposta as atividades
políticas de Nkrumah, as autoridades coloniais o prenderam, algo
que já havia acontecido em outras ocasiões. “Em Cape Coast,
Nkrumah foi preso, com outros cinco companheiros”16. Todos
“foram levados para a prisão de Kumasi. Sentiu, então, que seus
companheiros não estavam felizes, ou pelo caminho seguido, ou
pelas consequências que advieram”17. Um conluio, “visando a
libertação deles, fez com que as autoridades os transferissem de
Kumasi para Tamale, na remota região Norte”18.
Mesmo com todos os problemas acima mencionados, o
Partido de Nkrumah continuou a se mobilizar em defesa da Inde-
pendência, e em resposta aos inúmeros protestos populares (vá-
rios reprimidos violentamente), os colonialistas ingleses cederam
e chamaram eleições gerais para uma Assembleia Legislativa,
onde o PCP obteve massiva maioria, e assim Nkrumah é solto
para formar o novo governo, ainda sob supervisão britânica.

Nem todos, aceitavam, entretanto, a liderança de Nkrumah. Ele


tinha de lutar, a mais, contra toda sorte de oposição. Mas, seu
prestígio popular tornava-se imenso, expressivo e óbvio. O mo-
vimento não mais poderia ir adiante sem sua pessoa. As tentati-
vas pois de alijá-lo não tinham mais condições de prosperar.
Seus comícios reuniam milhares de pessoas. Por consequência,
uma ação afirmativa se tornava imperiosa: demonstrações, jor-
nais, greves, boicotes, etc. Não havia contemporizações, como
também não havia violência. Nkrumah chegou a propor sua re-
núncia, mas o povo não aceitou. Ele tinha, assim, o suporte po-
pular para atuar tanto contra o Colonialismo quanto contra seus
colegas de oposição. E, então, ele começou a luta buscando, em

15 Idem. Ibidem.
16 BLAY, J. B. NKRUMAH O PAN-AFRICANISTA. Original “LE-
GEND OF NKRUMAH”. Biografia Disponível em: <https://filosofia-
africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/j._beningor_blay_-
_nkrumah._o_pan_africano.pdf>. Acesso em 20 de Outubro de 2022.
Pag. 29-30.
17 Idem. Ibidem.
18 Idem.Ibidem.
| 14 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

definitivo, o autogoverno para seus país. Estava, então, inician-


do-se a última fase da grande campanha para a independência
da Costa do Ouro; e Nkrumah era a força essencial e indispen-
sável. Ele apelou para a unidade nacional, nesse estágio crucial
e, amplamente, obteve sucesso. Nkrumah vislumbrou o breve
surgimento de um novo e soberano Estado e, também, prenun-
ciou o surgimento de um novo partido político: o Partido da
Assembleia dos Povos, e suas esperanças tornaram-se realida-
de; ter sido um esforço incruento e cheio de sucesso. Nkrumah
decidiu, finalmente, o que deveria fazer. Ele tinha um caminho
claro e definido a seguir.
Contava com o povo solidariamente a segui-lo, na luta ardente
de libertação de sua pátria, da opressão colonialista e obtenção
rápida de autogoverno, segundo as bases de uma identidade na-
cional, autodeterminação interna e externa, e um governo do
qual o povo todo pudesse participar, livre e igualitariamente. Is-
to era um grande monte a escalar e necessitaria de um homem
com estatura e visão capaz de chegar até o topo. Gana é hoje,
ainda, um grande monumento à sua visão, seu patriotismo e de-
terminação, apesar de todos os obstáculos, especialmente nos
anos de 1948-4919.

As primeiras experiências de Nkrumah no Governo vie-


ram já no ano de 1951, quando seu partido chegou ao poder. Na-
quele fatídico ano de 1951, “havia apenas 1.083 escolas primárias
no país, com total de 154.350 alunos; 539 escola de grau médio,
com um total de 66.175 matrículas; 13 escolas secundárias, com
2.937 alunos; 20 colégios para treinamento de professores, com
1916 alunos; 5 escolas técnicas, para 622 alunos, e um Colégio
Universidade, com apenas 108 estudantes”20.
Já em 1957, ano da plena libertação, Gana contava 3.372
escolas primárias, com uma capacidade de 455.754 alunos; 931
escolas de grau médio, para 115.831 alunos; 38 secundárias, com
9.860; 8 técnicas, com 2.720 alunos; 30 escolas normais com 3.873
alunos e duas instituições para educação de nível superior, com
783 matrículas. E mais adiante, nos anos 1961-62, sob a inspiração
de Nkrumah, o ensino de primeiro grau tornava-se obrigatório e
gratuito em todo o país. O número, então de escolas, nesse nível,

19 Idem. Pag. 31-32.


20 Idem. Pag. 51-52.
| 15 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

havia crescido para 5.451, recebendo 700.980 alunos; as escolas de


nível médio chegaram a 1.575, podendo receber 175.980 alunos; as
secundárias 68, com 18.866 alunos. Escolas normais 32, formando
5.452 novos professores e os estabelecimentos de ensino superior
atingiam a capacidade de 1.390 alunos21.
Quando os revolucionários conseguiram a plena indepen-
dência, adotaram o nome do antigo Império, Gana. No discurso
de 6 de março de 1957, ao proclamar independência de Gana,
Nkrumah fez um chamado a todos as nações oprimidas do conti-
nente africano: “nossa independência é carente de sentido se não
for ligada à libertação de todo o continente africano”. Assim,
Nkrumah faz um chamado de unidade de todo o continente para a
garantia concreta da independência.
Um ano depois, perseguindo objetivos de unidade, Nkru-
mah organiza, em Accra, capital de Gana, a Conferência dos Es-
tados Independentes Africanos, com 8 Estados participantes. A
conferência tentou se colocar como guia das lutas de libertação
nacional do continente africano, levando a cabo as tarefas de con-
cretização da libertação nacional, de unidade do continente, pela
autodeterminação dos povos, colocando as seguintes tarefas para
os movimentos de libertação nacional: independência nacional,
consolidação nacional, unidade transnacional e reconstrução eco-
nômica segundo os princípios do socialismo científico. “O triba-
lismo havia, anteriormente, separado o país e, este fator favoreceu
grandemente aos colonialistas”22. Assim, “Nkrumah teve de apa-
gar esta imagem, já nos primeiros anos de seu esforço de desen-
volvimento de país, procurando formar a noção de um objetivo
final comum — liberdade para todos os povos africanos”23. Sem
dúvida, “para este objetivo, sob o comando de Nkrumah, Gana
deu sua maior contribuição”24.
Em dezembro do mesmo ano, mais uma tentativa de dar
unidade à luta anticolonial do continente seguiu: a I Conferência
dos Povos Africanos. Além de delegações de 28 países, também
compareceram representantes de 62 movimentos de libertação

21 Idem. Pag. 52.


22 Idem. Ibidem.
23 Idem. Ibidem.
24 Idem. Ibidem.
| 16 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nacional do continente. Sua obra “África deve se unir”, que co-


loca os objetivos a longo prazo de socialismo e pan-africanismo,
também foi lançada na reunião fundacional da Organização da
Unidade Africana. Todas estas tentativas de Nkrumah, de chegar
à unidade das nações do continente africano em defesa de seus
interesses contra o imperialismo são relacionadas com sua con-
cepção, de que para a plena conquista da independência e auto-
determinação deveria vir acompanhada de uma resistência de
tipo continental, e para tal, deveria se perseguir os objetivos da
formação dos Estados Unidos de África:

“Nós, aqui na África que agora estamos pressionando por uni-


dade, estamos profundamente cientes da validade de nosso ob-
jetivo. Precisamos da força de nossos números e recursos com-
binados para nos proteger dos perigos inegáveis de retornarmos
para o colonialismo em formas mascaradas. Precisamos disto
para combater as forças enraizadas que dividem nosso conti-
nente e que ainda influenciam negativamente milhões dos nos-
sos irmãos. Precisamos disto para assegurar a total libertação
africana. Precisamos disto para levar adiante nossa construção
de um sistema socioeconômico que levará a grande massa de
nossa população que aumenta constantemente a níveis de vida
que se compararão aos daqueles nos países mais avançados”25.

Em outro trecho ele diz:

“Nosso baluarte essencial contra tais ameaças sinistras e outros


múltiplos desígnios dos neocolonialistas está em nossa união
política. Se quisermos permanecer livres, se quisermos aprovei-
tar todos os benefícios dos ricos recursos da África, devemos
nos unir para planejar nossa defesa total e a exploração total de
nossos meios materiais e humanos, no pleno interesse de todos
os nossos povos. “Ir sozinho” limitará nossos horizontes, redu-
zirá nossas expectativas e ameaçará nossa liberdade”26.

25 NKRUMAH, K. Africa Must Unite. F r e d e r ic ka. Praeger Publis-


her. New York. 1963. PAG. 231 do PDF e 217 da edição. Disponível em:
https://www.zolabantu.org/wp-content/uploads/2021/06/Africa-Must-
Unite-Kwame-Nkrumah-1.pdf. ACESSO EM 20 DE OUTUBRO DE
2022.
26 IDEM. PAG. 14.
| 17 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O projeto de Nkrumah, visava a soberania, liberdade em


todos os aspectos: jurídico, econômico, político, militar e etc:

“O desenvolvimento econômico do continente deve ser plane-


jado e buscado como um todo. Uma confederação fraca dese-
nhada apenas para cooperação econômica não forneceria o ob-
jetivo de unidade necessária. Apenas uma forte união política
pode trazer o desenvolvimento pleno e eficaz de nossos recur-
sos naturais para o benefício de nosso povo. Temos atualmente
28 Estados na África, excluindo a União da África do Sul, e
aqueles países que ainda não são livres. Nada menos do que
nove desses estados têm uma população de menos de três mi-
lhões. Podemos acreditar seriamente que as potências coloniais
queriam que estes países fossem Estados viáveis, independen-
tes? O exemplo da América do Sul, que possui tanta riqueza
quanto, se não mais do que a América do Norte, e ainda assim
permanece fraca e dependente dos interesses externos, é um
exemplo que todo africano faria bem em estudar. A escassa
atenção dada à oposição africana aos testes atômicos franceses
no Saara, e o infame espetáculo das Nações Unidas no Congo
tergiversando sobre sutilezas constitucionais enquanto que a
República beirava à anarquia, são a prova do desprezo à inde-
pendência africana pelas grandes potências. Existe uma época
na história de cada povo quando o momento demanda ação po-
lítica. Foi nesse momento da história dos Estados Unidos,
quando os Pais Fundadores foram capazes de enxergar além das
disputas mesquinhas dos Estados separados e criaram uma Uni-
ão. É a nossa chance. Devemos agir já. Amanhã pode ser muito
tarde e a oportunidade terá passado, e assim a esperança da so-
brevivência da África livre”27.

Ao passo que Nkrumah concebia que a “garantia formal


de independência criou um sistema mais maniqueísta de depen-
dência e exploração, já que para aqueles que os praticam, signifi-

27 NKRUMAH, k. I Speek of Freedom. Excerto Disponível em:


<https://www.marxists.org/subject/africa/nkrumah/1961/speak-
freedom.htm>. Também presente como anexo nesta edição.
| 18 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ca poder sem responsabilidade, e para aqueles que sofrem com


isto, significa exploração sem remediação”28.
Segundo esta avaliação, inclusive, estudada com cuidado
pelos inimigos colonialistas29 — que consideravam Nkrumah uma
ameaça —, o neocolonialismo apresenta uma unidade mais maqui-
avélica e flexível do ponto de vista tático. Em alguns aspectos mais
difícil de combater. “Nos tempos do colonialismo à moda antiga, a
potência imperialista tinha ao menos que explicar e justificar den-
tro da metrópole as ações que levavam a cabo”30, para o neocolo-
nialismo nem a justificativa das ações é realizada. “Na colônia,
aqueles que serviam à potência imperialista dominante poderiam
ao menos procurar por sua proteção contra qualquer movimento
violento feito por seus oponentes”31. Para o neocolonialismo ne-
nhuma das duas características abordadas anteriormente se susten-
ta, a neocolônia é entregue a sua sorte e sofre com o risco de inva-
sões sem que as potências do imperialismo a protejam.

“A essência do neocolonialismo reside no fato de que o Estado


que está submetido a ele é, na teoria, independente e possui to-
dos os indicadores externos de soberania internacional. Mas na
verdade, seu sistema econômico e, portanto, sua política inter-
na, é dirigida de fora. O capital estrangeiro é usado para explo-
ração ao invés do desenvolvimento das partes menos desenvol-
vidas do mundo. O investimento sob o neocolonialismo aumen-
ta, em vez de diminuir, a lacuna entre países ricos e pobres do

28 NKRUMAH, K. Neocolonialismo, última fase do imperialismo. Introdução


da Obra disponível em: https://www.marxists.org/subject/africa/nkrumah/neo-
colonialism/introduction.htm. A obra completa está disponível nesta edição.
29 Recomendamos que todos procurem nos índices de busca do google

pelo termo chave: “Nkrumah e CIA” e outros derivados possíveis. Diver-


sos documentos da agência de inteligência dos estados unidos podem apa-
recer nos resultados da busca, além é claro de artigos que estudam estes
documentos. Neste acervo, o leitor interessado encontrará uma análise
material que demonstra com clareza o quanto Nkrumah era alvo do impe-
rialismo que o considerava perigoso a seus interesses e, portanto, alguém a
ser batido.
30 NKRUMAH, K. Neocolonialismo, último fase do imperialismo. Introdu-

ção disponível em: https://www.marxists.org/subject/africa/nkrumah/neo-


colonialism/introduction.htm. A obra completa está disponível nesta edição.
31 Idem. Ibidem.
| 19 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mundo. Isto não significa que todo o capital do mundo desen-


volvido deva ser excluído, mas ser excluído de ser usado de
forma que se empobreça a parte menos desenvolvida”32.

A proposta de se criar a unidade continental, para resistir


ao neocolonialismo, gerou algumas contradições e debates entre
alguns líderes de países africanos. Assim, os esforços de criar os
Estados Unidos de África não foram plenamente levados até as
últimas consequências no continente como um todo.
Nkrumah, se esforçou também em teorizar sobre a aplica-
ção concreta do socialismo científico para a realidade africana,
concebendo a necessidade da construção do socialismo com a
liberdade e unidade dos povos africanos em sua luta por autode-
terminação. Combinando a capacidade criadora e viva do mar-
xismo com a realidade e aspirações práticas dos povos africanos,
Nkrumah teoriza sua filosofia o qual chamou de Consciencismo.
O Consciencismo é, a seu modo, a fase superior do socialismo
científico adaptado a realidade africana, sendo o marxismo ine-
rente a época da última fase do imperialismo, o neocolonialismo.
Este importante aporte teórico de Nkrumah, contribui teoricamen-
te em todos os campos constitutivos do socialismo cientifico: a
economia política, o materialismo histórico e dialético. Nkrumah
parte do leninismo ao mesmo tempo em que tem elementos que
elevam a teoria a novos patamares, assim como fizeram os corea-
nos liderados por Kim Il Sung ao teorizarem sobre a ideia Juche e
os chineses liderados por Mao Zedong.
A filosofia do consciencismo se baseia em alguns princí-
pios que partem do materialismo histórico dialético: a matéria é a
fonte de todo conhecimento; a matéria é um pleno de forças em
tensão; por conta disso, a matéria é capaz de gerar um movimento
interno autoinduzido na mente; a matéria é tanto unilinear e salti-
tante, isto é, uma mudança na matéria é tanto quantitativa e quali-
tativa; a mente tem uma existência distinta ainda que seu conteú-
do seja produto da matéria; existe interação entre a mente e a ma-
téria, mas a matéria é primária na formação do conteúdo captado
pela mente; na interação da mente e da matéria, pressupostos, teo-

32 Idem. Ibidem.
| 20 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

rias e conclusões são permitidos, mas as hipóteses, teorias e con-


clusões são válidas somente quando confirmadas na prática.

O princípio fundamental dessa filosofia é o materialismo dia-


lético que fundamenta o consciencismo de Nkrumah, uma fi-
losofia especialmente materialista baseada nos elementos so-
cial, econômico e político para estudar a realidade africana.
Sua leitura leva em conta as grandes críticas feitas diante do
regime colonial na África que interfere na esfera dos poderes
públicos com seus mecanismos do neocolonialismo. Por sua
vez, essa filosofia busca se cristalizar na teoria científica por
meio da revolução das inteligências. O conceito de revolução
não trata necessariamente em termo de força, mas de uma sín-
tese somática, uma revolução das inteligências, isto é, uma re-
volução da mente operada por meio das funções positivas ou
negativas que geram a mudança na sociedade africana. Qual-
quer africano, jovem ou adulto é chamado a despertar sua
consciência a fim de estabelecer os princípios de igualdade e
liberdade, decorrentes do consciencismo para uma sociedade
digna de valores morais e éticos. 33
O consciencismo vem fortalecer a ideia da criação dos Esta-
dos Unidos da África. 34
O consciencismo visa ressignificar os elementos existentes na
África para adequá-los ao espírito e personalidade do continen-
te africano, embora pregue a luta contra a hegemonia ocidental
na áfrica.35
O consciencismo embora parta do materialismo dialético, do
socialismo científico, não se resume a exportação da revolução
chinesa ou russa ao continente africano.36

Nkrumah, após a publicação de seu livro Neocolonialis-


mo, o último estágio do imperialismo chamou a atenção do impe-
rialismo estadunidense, fato evidenciado pela carta do subsecretá-

33 MOBMA, J, K. O consciencismo de Kwame Nkrume: uma Filoso-


fia Africana social e revolucionária. Disponível em <revis-
tas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/31976/19780>. Acesso em 20
de outubro de 2022. PAG. 1.
34 Idem. PAG. 2
35 Idem. Ibidem.
36 Idem. Pag. 2-3.
| 21 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

rio dos Estados Unidos para assuntos africanos, G. Mennen Wil-


liams para a embaixada estadunidense em Gana, afirmando que
Nkrumah estava indo contra interesses do governo dos Estados
Unidos na África. Tanto foi assim que quando Nkrumah estava
na China Popular em 1966, em reunião com o Premier Chou En-
lai, oficiais chineses o avisaram que em Gana estava sendo leva-
do a cabo um golpe militar contra seu governo37. A KGB também
teria lhe mostrado documentos no mesmo sentido38.
Um grupo chamado “Conselho pela Libertação Nacional”,
com auxílio da CIA e do Departamento de Estado dos Estados
Unidos, tomou o poder e executou os principais quadros dirigen-
tes do PCP, além de fechar rádios e programas de TV, jogando
as obras de Nkrumah na fogueira. A partir daí a transição para o
socialismo que Nkrumah pretendia realizar em Gana é rompida e
se põe no lugar um governo fantoche do imperialismo. Nkrumah
vai para o exílio em Guiné de Ahmed Sekou Touré, e morre na
Romênia, ao tratar de um câncer.

37 NKRUMAH, K. On the Coup in Ghana. The Black Scholar. PAG:


23–26.
SAVAGE, J. The Confused Moments of Nkrumah in China. Acesso
realizado no dia 20 de outubro de 2020. Disponível no seguinte site:
<https://www.modernghana.com/news/876767/the-confused-
moments-of-nkrumah-in-china-after-the-coup.html>.
38 Andrew, Christopher; Mitrohkin, Vasili (2006). The World Was Going

Our Way: The KGB and the Battle for the Third World. Basic Books.
p. 437.. "C.I.A.: Maker of Policy, or Tool?; Survey Finds Widely Feared
Agency Is Tightly Controlled". The New York Times. 25 April 1966. Ar-
chived from the original on 12 May 2016. Retrieved 27 April 2016., which
cites "authoritative officials outside the CIA" as claiming that allegations
of CIA involvement in Nkrumah's ouster, plots to assassinate Jawaharlal
Nehru, the 30 September Movement, and the assassination of Patrice
Lumumba, among others, "are fabrications".
| 22 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 23 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Kwame Nkrumah

RUMO À LIBERTAÇÃO
COLONIAL:
África na luta contra o
imperialismo mundial

Baseado na publicação de 1962,


de The Windmill Press Ltd,
Kingswood, Surrey
Texto original de 1947
| 24 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 25 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Toda verdadeira revolução é um programa; e derivada


de um princípio geral novo, positivo e orgânico. A
primeira coisa necessária é aceitar esse princípio. Seu
desenvolvimento deve então ser restrito aos homens
que nele creem e emancipado de toda amarra ou co-
nexão com qualquer princípio de natureza oposta.

MAZZINI

Negociar com forças hostis em questões de princípios


significa sacrificar o próprio princípio. O princípio é
indivisível. Ou ele é totalmente mantido ou totalmen-
te sacrificado. A menor concessão em questões de
princípio implica seu abandono.

WILHELM LIEBKNECHT

O futuro da África Ocidental exige que sua juventude


comece a vida com um objetivo distinto. Temos certeza
do poder do cérebro. Não há escassez de habilidade me-
cânica. O que é preciso é a mão direcionadora que apon-
te para o objetivo certo. Uma África Ocidental unida
surge, castigada e inspirada pela convicção de que sua
força está na união, e sua fraqueza na discórdia.

CASELEY HAYFORD
| 26 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 27 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

PRÓLOGO

Em 1942 – vinte anos atrás – quando eu era estudante nos


Estados Unidos da América, fiquei tão revoltado com a cruel ex-
ploração colonial e a opressão política do povo da África que eu
não tinha paz. O assunto ocupou minha mente a tal ponto que de-
cidi escrever meus pensamentos e expandir os resultados de al-
gumas de minhas pesquisas sobre o tema do colonialismo e do
imperialismo. Meus estudos na época, no entanto, me deixaram
pouco tempo para dedicar a esse trabalho. Foi só quando cheguei
a Londres, em 1945, e me deparei com a questão colonial, expe-
rimentando em primeira mão a determinação de estudantes lutan-
do e agitando pela libertação colonial no coração de um país que
possuía um vasto império colonial, é que fui estimulada a preen-
cher este livreto.
Não era de surpreender que, apesar do muito esforço de
minha parte, eu não conseguisse encontrar alguém que se com-
prometesse a publicar meu trabalho naquele momento. Consegui
por conta própria obter algumas cópias impressas, e estas, por sua
vez, foram reproduzidas por mimeógrafo e outros meios, e distri-
buídas aos que estavam ativamente engajados no movimento de
liberdade da África.
Agora, vinte anos depois, quando tantos territórios na
África conseguiram derrubar o jugo colonial, e quando esses no-
vos territórios independentes estão sendo ameaçados por uma no-
va fase do colonialismo, que chamo de neocolonialismo, sinto
que chegou a hora de dar publicidade completa ao livreto Rumo à
libertação colonial.
Eu gostaria de mencionar dois pontos. Primeiro, este li-
vreto, hora publicado pela primeira vez, é exatamente como foi
escrito originalmente, isto é, vinte anos atrás; nenhuma alteração
ou correção foi feita e nada foi adicionado ou retirado dele. Em
segundo lugar, as opiniões que expressei são exatamente as que
tenho hoje sobre a natureza indescritivelmente desumana do im-
perialismo e do colonialismo. Além disso, a maioria dos pontos
que então fiz foram corroborados ao pé da letra e confirmados
por desenvolvimentos subsequentes na África e na Ásia.
| 28 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Há, no entanto, um assunto sobre o qual meus pontos de


vista foram expandidos, sobre a unidade africana. Como tive a
oportunidade de colocar minhas ideias em prática e de experi-
mentar pessoalmente o teste árduo e amargo de inteligência, paci-
ência e resistência que era necessário antes que nossa vitória so-
bre o colonialismo fosse conquistada, enfatizo ainda mais a im-
portância vital para a sobrevivência da África de uma união polí-
tica do continente africano. Vinte anos atrás, minhas ideias sobre
a unidade africana, importantes como eu as considerava até então,
estavam limitadas à unidade da África Ocidental. Hoje, enquanto
me sento à minha mesa em Acra e olho para os vários mapas da
África ao meu redor, vejo o horizonte mais amplo das imensas
possibilidades abertas aos africanos – a única garantia, de fato,
para nossa sobrevivência – em uma união política total do conti-
nente africano.
Espero que, se não conseguir mais nada, este livro forneça
um guia para os alunos da “Questão Colonial” e sirva para enfati-
zar a importância primordial da liberdade e independência, não
apenas para os povos de todos os lugares que ainda estão sob o
jugo colonial, mas também para aqueles que estão se tornando os
fantoches do neocolonialismo.

Kwame Nkrumah
Acra, Gana, abril de 1962
| 29 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

PREFÁCIO
Este ensaio afirma, e postula como inevitável, a solidarie-
dade nacional dos povos coloniais e sua determinação em acabar
com o poder político e econômico dos governos coloniais. O ob-
jetivo deste panfleto é analisar a política colonial, o modo coloni-
al de produção e distribuição, bem como as importações e expor-
tações. Deve servir como um projeto rascunhado dos processos
pelos quais os povos coloniais podem estabelecer a realização de
sua independência completa e incondicional.
Lemos artigos, ensaios, panfletos e livros sobre o assunto
e nos cansamos das banalidades de seus autores e da distorção
dos fatos. Escrevemos conforme vemos os fatos e não devemos
nada a não ser nossa própria consciência vivificada pela rica he-
rança revolucionária das épocas históricas.
O ponto de vista mantido neste livreto se opõe a todas as
políticas coloniais. Expõe as contradições inerentes entre (i) tra-
balho colonial e investimentos de capital nas colônias, entre (ii)
as fusões de monopolistas financeiros e as potências imperialistas
em sua inesgotável sede por domínio e as aspirações nacionais
dos povos coloniais, e entre (iii) as políticas declaradas dos go-
vernos coloniais e a aplicação prática dessas políticas nas áreas
coloniais. Aqueles que formulam a questão colonial de acordo
com o falso ponto de vista das potências coloniais, iludidos pelas
promessas fúteis de “preparar” os povos coloniais para o “auto-
governo”, que sentem que seus opressores imperialistas são “ra-
cionais” e “morais” e abandonarão suas “propriedades” quando
confrontados com a verdade da injustiça do colonialismo, estão
tragicamente enganados. O imperialismo não conhece lei além de
seus próprios interesses.

Kwame Nkrumah
Londres, outubro de 1947.
| 30 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 31 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

INTRODUÇÃO

A existência colonial sob condições imperialistas exige


uma luta feroz e constante pela emancipação do jugo do colonia-
lismo e da exploração. O objetivo de todos os governos coloniais
na África e em outros lugares têm sido a luta por matérias-
primas; e não apenas isso, mas as colônias tornaram-se o depósito
de lixo, e os povos coloniais os falsos destinatários, dos bens ma-
nufaturados dos industriais e capitalistas da Grã-Bretanha, Fran-
ça, Bélgica e outras potências coloniais que se voltam para os ter-
ritórios dependentes que alimentam seus bens industriais. Isso é o
colonialismo em poucas palavras.
A base da dependência territorial colonial é econômica,
mas a base da solução do problema é política. Portanto, a inde-
pendência política é um passo indispensável para garantir a
emancipação econômica. Este ponto de vista exige irrevogavel-
mente uma aliança de todos os territórios e dependências coloni-
ais. Todas as diferenças provinciais e tribais devem ser comple-
tamente destruídas. Operando nas diferenças tribais e no provin-
cialismo colonial, a antiga política de “dividir e governar” das
potências coloniais foi aprimorada, enquanto o movimento de
independência nacional foi obstruído e enganado. O esforço dos
povos coloniais para acabar com a exploração exige a colabora-
ção ardente e séria de todos. Devem trazer a seu serviço todas
suas energias, físicas, mentais, econômicas e políticas.
Sob os fetiches “humanitários” e de “conciliação” dos go-
vernos coloniais, um exame minucioso leva a descobrir nada
além de engano, hipocrisia, opressão e exploração. Expressões
como “caráter colonial”, “tutela”, “parceria”, “guarda”, “comis-
são colonial internacional”, “status de domínio”, “condomínio”,
“liberdade do medo da sujeição permanente”, “reforma constitu-
cional” e outros gestos constrangedores e fraudulentos para mon-
| 32 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tar um mecanismo falso voltado à “evolução gradual em direção


ao autogoverno” são meios para cobrir os olhos dos povos colo-
niais com o véu da trapaça imperialista. Mas os olhos dos povos
coloniais estão começando a ver a luz do dia e estão despertando
para o verdadeiro significado das políticas coloniais. A China
descobriu; Birmânia, Antilhas Holandesas, Indochina Francesa,
Ilha do Caribe e África estão despertando para essa descoberta.
Essa ideia de que a Grã-Bretanha, a França ou qualquer
outro poder colonial estão mantendo colônias sob “custódia” até
que, em sua opinião, se tornem “capazes” de autogoverno, é errô-
nea e equivocada. Os poderes coloniais não podem se expropriar.
Imaginar que esses poderes coloniais entregarão liberdade e inde-
pendência a suas colônias em bandeja de prata, sem compulsão, é
o auge da loucura.
Tomemos, por exemplo, a Grã-Bretanha39. Na tentativa de
reconciliar a contradição inerente à sua economia capitalista, ela
tem apenas dois cursos para impedir que a população de sua casa
morra de fome; ou sua população deve estar dispersa nos territórios
coloniais ou deve garantir sua subsistência pela exploração das co-
lônias. O primeiro, se colocado em ação, exigirá agitação pelo sta-
tus de domínio ou não menos que independência dos colonos bran-
cos, como foi o caso na América colonial ou na União da África do
Sul. Tal passo também pode levar a conflitos de “raça” entre colo-
nos e aborígines, como é agora o caso na União da África do Sul.
Já o último é “natural”, já que a Grã-Bretanha ou qualquer outra
potência colonial depende das exportações de seus produtos manu-
faturados e das importações baratas de matérias-primas.
As colônias são, portanto, uma fonte de matérias-primas e
mão de obra barata e um “depósito de lixo” para excedentes espú-
rios serem vendidos a preços exorbitantes. Portanto, essas colônias
tornam-se avenidas para investimentos de capital, não para o bene-
fício e desenvolvimento dos povos coloniais, mas para o benefício
dos investidores, cujos agentes são os governos envolvidos. É por

39N.A.: Fiz constante referência à Grã-Bretanha e sua relação com as co-


lônias africanas, não porque ela é um caso isolado, mas porque ela é a
maior potência colonial dos tempos modernos. Embora eu tenha me con-
centrado na África colonial, a tese do panfleto se aplica a áreas coloniais
em outros lugares.
| 33 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

isso que é um absurdo incoerente dizer que a Grã-Bretanha ou


qualquer outro poder colonial tem a “boa intenção” de desenvolver
suas colônias para autogoverno e independência. A única coisa que
resta ao povo colonial é obter sua liberdade e independência.
Qualquer que seja a camuflagem que os governos coloni-
ais inventem, seja na forma de conciliações encobertas por “re-
formas constitucionais” ou pelo “pan-africanismo40” de Jan
Smuts, existe apenas um caminho, o caminho do movimento de
libertação nacional, para a independência colonial. Não pode vir
de delegações, dádivas, caridade, paternalismo, subvenções, con-
cessões, proclamações, cartas constitucionais ou reformismo, mas
apenas através da mudança completa do sistema colonial, um es-
forço conjunto para decifrar o enigma colonial dos últimos cem
anos, uma completa ruptura das dependências coloniais de seus
“países-mãe” e o estabelecimento de sua total independência.

40 N.A.: Este plano propõe agrupar os vários territórios coloniais das vá-
rias potências da África em regiões geográficas soltas. Cada grupo de terri-
tórios seria coberto por um Conselho Regional central, no qual participa-
riam representantes dos vários poderes que possuem colônias naquela
zona respectiva. Além desses, haverá também representantes de outros
poderes que têm apenas interesses comerciais estratégicos nessa área, com
cadeira no conselho. Por trás do plano regional de Jan Smuts (condomí-
nio) está uma busca consciente de mercados mais amplos para a produção
de interesses de commodities brutas que a guerra inaugurou e expandiu
nas áreas coloniais. É um subterfúgio para prestar assistência às potências
anexacionistas, para explorar a África em uma escala ainda mais ampla.
Oferece grandes oportunidades para anexos coloniais, aos quais o sistema
de mandatos anacrônicos já abriu caminho.
| 34 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 35 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 1
Colonialismo e Imperialismo
Hoje, a força motriz básica é econômica, e a economia es-
tá na raiz de outros tipos de imperialismo. No entanto, existem
três doutrinas fundamentais na análise filosófica do imperialismo:
(a) a doutrina da exploração; (b) a doutrina da “curadoria” ou
“parceria” (para usar sua contrapartida contemporânea); e (c) a
doutrina da “assimilação”. Os expoentes dessas doutrinas acredi-
tam, implícita e explicitamente, no direito dos povos mais fortes
de explorar os mais fracos para desenvolver recursos mundiais e
“civilizar” os povos contra sua vontade.
Em geral, o imperialismo é a política que visa criar, orga-
nizar e manter um império. Em outras palavras, é um Estado, vas-
to em tamanho, composto por várias unidades nacionais distintas
e sujeito a um único poder ou autoridade centralizada. Esta é a
concepção de império: povos diversos reunidos pela força e sob
um poder comum. Isso remonta à ideia de Alexandre, o Grande,
com seu império greco-asiático. Ele conquistou o mundo então
conhecido, depois sentou-se e chorou porque não tinha mais terri-
tório a conquistar.
O imperialismo de Júlio César dispensa comentários. O
imperialismo moderno, no entanto, deve ser distinguido daquele
dos antigos exemplificados por César e Alexandre, o Grande. Nem
a conquista normanda, nem as anexações de Frederico, o Grande,
nem as expansões dos pioneiros americanos nas planícies ociden-
tais podem ser chamadas de imperialismo, mas a anexação de uma
nação ou Estado por outra e a aplicação de uma força tecnológica
superior por uma nação para a subjugação e a exploração econômi-
ca de um ou outro povo constituem um imperialismo total.
O colonialismo é, portanto, a política pela qual a “pátria-
mãe”, o poder colonial, liga suas colônias a si mesma por laços
| 36 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

políticos com o objetivo principal de promover suas próprias van-


tagens econômicas. Esse sistema depende das oportunidades ofere-
cidas pelos recursos naturais das colônias e dos usos sugeridos pe-
los objetivos econômicos dominantes do poder colonial. Sob a in-
fluência de uma autoconsciência nacional agressiva e da crença de
que, no comércio, uma nação deve ganhar às custas da outra, e da
crença adicional de que as exportações devem exceder as importa-
ções em valor, cada poder colonial segue uma política de estrito
monopólio comercial e de construção do poder da nação. A noção
básica, a do estrito controle político e econômico, governa as polí-
ticas coloniais da Grã-Bretanha, França, Bélgica e outras potências
coloniais modernas.
As razões dominantes para a busca de colônias41 e particu-
larmente a penetração na África pelas potências capitalistas euro-
peias foram declaradas por Jules Ferry, o mestre da lógica imperia-
lista, em uma declaração feita em 1885 na Câmara dos Deputados,
enquanto defendia a política colonial do governo da França, da
qual ele era o primeiro-ministro. Ferry disse: “As nações da Euro-
pa desejam colônias para os seguintes propósitos: (i) para que pos-
sam ter acesso às matérias-primas das colônias; (ii) para ter merca-
dos para venda dos produtos manufaturados do país de origem; e
(iii) como um campo para o investimento de capital excedente”.
Albert Sarraut, Secretário de Estado Colonial da França
em 1923, na École Coloniale, Paris, disse: “Qual é a utilidade de
disfarçar a verdade? No início, a colonização não era um ato de
civilização, não era um desejo de civilizar. Foi um ato de força

41 N.A.: O termo colônia originalmente significava um grupo organizado


de pessoas transplantadas que se estabeleceram em terras estrangeiras. No
sentido político, uma colônia é um assentamento dos sujeitos de uma na-
ção ou Estado além de suas fronteiras, ou uma unidade territorial geogra-
ficamente separada, mas devido à sua lealdade. Assim, a história colonial
moderna exibe dois tipos de colônias: uma colônia de assentamentos e
uma colônia de exploração. Uma colônia de assentamentos é aquela em
que o ambiente geográfico e racial não é muito diferente daquele do “país
mãe”, enquanto uma colônia de exploração consiste tipicamente em gru-
pos de homens de negócios, combinações de monopolistas, cartéis, rela-
ções de confiança, administradores, soldados e missionários – todos eles
são empurrados e despejados em condições e ambientes bastante diferen-
tes do seu país de origem.
| 37 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

motivado por interesses. Um episódio na competição vital que, de


homem para homem, de grupo para grupo, continua crescendo
cada vez mais; as pessoas que se propuseram a tomar e criar co-
lônias em continentes distantes estão pensando principalmente
em si mesmas e estão trabalhando apenas por seu próprio poder e
conquistando seus próprios lucros”. Sarraut concluiu seu discurso
com essas palavras e, assim, expôs a falsidade do “fardo do ho-
mem branco” e a política da “missão civilizadora” na coloniza-
ção: “A origem da colonização nada mais é do que o empreendi-
mento de interesses individuais, uma imposição unilateral e ego-
ísta dos fortes sobre os fracos”. Tal é o fenômeno da agressivida-
de capitalista europeia, que foi corretamente denominado de “im-
perialismo colonial”.
O melhor exemplo é a “disputa da África”, que começou
quando a insuficiência econômica da Grã-Bretanha, França, Ale-
manha, Espanha, Portugal, Bélgica e Itália impeliu seus líderes
políticos a procurar além dos mares por mercados e depósitos de
riqueza e recursos para consolidar seus Estados e garantir sua se-
gurança econômica.
Em 1881, a França estendeu seu domínio colonial sobre a
Tunísia e, no ano seguinte, a Grã-Bretanha garantiu o controle
sobre o Egito. Em 1884, a primeira colônia alemã foi estabelecida
na Baía de Angra Pequena, no sudoeste da África. A ocupação de
Togolândia e Camarões na África Ocidental se seguiu. O espeta-
cular advento da Alemanha como potência colonial provocou in-
veja na França. Uma força francesa foi despachada para tomar o
território desocupado entre os Camarões e a colônia portuguesa
de Angola. Este se tornou o Congo francês. Em 1894, a tricolor
foi lançada sobre Tombuctu, Daomé e Costa do Marfim. Todo o
oeste do Sudão estava logo sob ocupação francesa. Em 1885, um
protetorado foi estabelecido sobre Madagascar.
Em seguida, ocorreu o ciúme colonial anglo-francês que
culminou em uma crise em 1898, quando a ocupação do porto
sudanês de Fachoda ameaçou perturbar as anexações coloniais
britânicas nessa área. A França se retirou e o Sudão Oriental ficou
sob o controle da Grã-Bretanha.
A França começou então a avançar na conquista de Mar-
rocos. Tal ação atrapalhou a intenção da Alemanha. Surgiu uma
disputa entre a França e a Alemanha, que resultou na convocação
| 38 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de uma conferência das potências coloniais na Argélia, em 1905,


que deixou o Marrocos aberto à penetração de todas as outras na-
ções. Mas o direito da França e da Espanha foi reconhecido como
uma espécie de protetorado conjunto sobre o Marrocos. Em 1911,
a Alemanha levantou novas reivindicações coloniais e conseguiu
comprar uma fatia do Congo francês.
A Itália sentiu-se traída por um possível campo de expan-
são pelos movimentos da Grã-Bretanha e da França. Este foi um
dos resultados da formação da Tríplice Aliança. Uma corrida co-
lonial para proteger algumas partes da África ocorreu. Em 1882, a
Itália ocupou a Assab, e três anos depois Massawa foi tomada.
Em 1889, a Somalilândia italiana foi formada em uma colônia.
Os abissínios se revoltaram e a batalha de Adowa se seguiu. A
Itália foi derrotada.
Em 1876, a Associação Africana Internacional foi forma-
da sob a direção de Leopoldo II, rei da Bélgica, para a ocupação
da Bacia do Congo. Em 1885, em uma conferência realizada em
Berlim, Leopoldo obteve permissão de outras potências coloniais
para erguer esses assentamentos belgas em um “Estado Livre do
Congo” sob sua “proteção”. O cruel tratamento dado pelos belgas
aos africanos nas colônias é uma história comum na exploração
colonial. Assim, a África se tornou não apenas o mercado de bens
europeus, mas também um campo para investimentos de capital.
Com a organização das indústrias britânica, alemã, francesa e eu-
ropeia, os produtos foram divididos entre o empresariado e os
capitalistas, que recebiam salários e dividendos às custas do tra-
balhador africano.
Os banqueiros das potências coloniais europeias tinham
capital excedente para investir na competição entre si. Para prote-
ger esses investimentos, eles reduziram as colônias ao status de
exploradas. Foram circunstâncias como essas que levaram à rebe-
lião do Egito sob Arabi Pasha. Enquanto os franceses hesitavam,
a Grã-Bretanha esmagou a revolta e, assim, o Egito se tornou co-
lônia britânica. Resumidamente, então, o imperialismo na África
foi uma resposta direta para os capitalistas, banqueiros e financi-
adores das potências coloniais ao problema de como obter para si
mesmos super lucros de seus investimentos estrangeiros.
O destino das colônias muda de acordo com os resultados
das guerras imperialistas europeias. Após a primeira guerra mun-
| 39 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dial (1914), a Grã-Bretanha recebeu a África Oriental alemã, um


quarto da Togolândia e um pedaço dos Camarões. A França as-
sumiu os três quartos restantes da Togolândia e uma grande parte
dos Camarões, enquanto a Bélgica e Portugal receberam fatias da
África Oriental alemã. A União da África do Sul recebeu o sudo-
este da África alemã. Assim, a divisão atual da África se enqua-
dra nas seguintes regiões coloniais:

I. ÁFRICA DO NORTE, inclui: (1) Rio de Oro (espanhol);


(2) Marrocos (francês); (3) Argélia (francesa); (4)
Tunísia (francesa); (5) Líbia (antiga Itália); (6) Egito
(independente); (7) Sudão Anglo-egípcio (britânico).
II. ÁFRICA ORIENTAL, inclui: (1) Quênia (britânico); (2)
Uganda (britânico); (3) Tanganica (britânica); (4)
Niassalândia (britânico); (5) África Oriental
Portuguesa; (6) Abissínia (independente); (7) Somália
(britânicos, franceses, italianos).
III. ÁFRICA DO SUL42, inclui: (1) União da África do Sul
(regra europeia); e territórios mandatados do sudoeste
da África.
IV. ÁFRICA OCIDENTAL, inclui: (1) Senegal (francês); (2)
Costa do Marfim (francês); (3) Guiné Portuguesa; 4)

42 N.A.: Quase sete milhões de africanos, quase três quartos de toda a po-
pulação da União da África do Sul, possuem menos de vinte por cento da
área total da União. A eles, por lei, é negado o direito de adquirir mais
terras, seja por compra ou por outros meios. Independentemente da quali-
ficação, eles são privados do direito de voto nas eleições parlamentares
regulares e têm constitucionalmente o direito de se tornarem membros do
Parlamento da União. Além disso, são gravemente limitados em seu direi-
to de organizar, formar sindicatos, direito de greve, de circular livremente,
de comprar terras, de comércio, de adquirir educação e de aspirar à cida-
dania plena em seu próprio país.
| 40 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Sudão Francês; (5) Líbia (independente); (6) Daomé


(francês); (7) África Equatorial Francesa; (8) Congo
Belga; (9) Camarões (britânicos e franceses); (10)
Angola (Português); (11) Gâmbia (britânica); (12)
Serra Leoa (britânica); (13) Costa do Ouro
(britânica); (14) Togolândia (mandato francês); (15)
Nigéria (britânica).
| 41 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 2
Economia Colonial

Visto que o mercantilismo – um aspecto do imperialismo –


é a base da economia colonial, uma breve história do termo é es-
sencial. Mercantilismo é um termo aplicado à política econômica
iniciada na Europa no final da Idade Média. Na verdade, foi o de-
senvolvimento histórico posterior ao feudalismo. Sua doutrina, em
sentido estrito, tornou riqueza e dinheiro, idênticos; mas, com o
passar dos anos, os economistas mercantis basearam a definição do
sistema exclusivamente no dinheiro. O dinheiro foi, portanto, con-
siderado o principal objeto da comunidade. Assim, sustentava-se
que a comunidade devia limitar-se a lidar com outras nações de
maneira que atraísse o máximo possível de metais preciosos para
si. Esse método de comércio entre as nações deu origem ao que se
conhece na economia como “balança comercial”, que significava a
relação de equilíbrio entre exportação e importação.
Eventualmente, este sistema de “balança comercial” era
considerado favorável quando mais dinheiro é recebido no país
do que pago. Para assegurar uma balança comercial favorável,
os governos das nações recorriam a certos expedientes econômi-
cos e políticos. Por exemplo: (i) altas taxas de importação; (ii)
exportação de produtos manufaturados domésticos; (iii) receber
apenas matérias-primas de outros países; (iv) restrições à expor-
tação de metais preciosos; (v) exaltação do comércio exterior
sobre o interno; (vi) organização de indústrias e fábricas domés-
ticas; (vii) a importância de uma população densa como elemen-
to de força nacional para salvaguardar o comércio exterior e, por
último, mas não menos importante; (viii) o emprego de ações
seguras para promover tais fins.
| 42 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Os governos tinham grande interesse nesses programas mer-


cantis porque precisavam de dinheiro e homens para a manutenção
do exército e para a unificação de seus Estados nacionais. Assim,
estadistas e a aristocracia empresarial supunham que, para promove-
rem com sucesso suas ambições políticas e econômicas, as indús-
trias e o sistema mercantil precisavam prosperar. No fim, essa con-
cepção de comércio levou ao grande problema da colonização.
O objetivo de fundar colônias era principalmente para ga-
rantir a matéria-prima. Para salvaguardar as medidas de proteção
dessas matérias-primas, as seguintes políticas foram indiretamen-
te postas em ação: (i) tornar as colônias dependências não fabris;
(ii) impedir que os sujeitos coloniais adquirissem o conhecimento
dos meios e técnicas modernas para desenvolver as suas próprias
indústrias; (iii) tornar “sujeitos” coloniais simples produtores de
matérias-primas por meio de mão de obra barata; (iv) proibir as
colônias de organizar comércio com outras nações, exceto com a
mediação da “pátria-mãe”. Os métodos empregados pelos imperi-
alistas hoje são desenvolvimentos do mercantilismo.
A economia colonial pode ser traçada em três fases princi-
pais correspondentes à sua história. O período mercantil, o período
do livre comércio e o período do imperialismo econômico, sendo
dominados, respectivamente, pelo capital mercantil, industrial e
financeiro. Estamos aqui principalmente preocupados com a última
fase, o imperialismo econômico com seu domínio do capital finan-
ceiro. A análise mais investigativa e penetrante do imperialismo
econômico foi feita por Marx e Lenin. De acordo com o ponto de
vista de Marx-Lenin, o imperialismo econômico não é apenas um
estágio natural no desenvolvimento do sistema capitalista, mas seu
estágio mais elevado em que as contradições e inconsistências in-
ternas do sistema prenunciam sua ruína e demolição.
A posição marxista-leninista pode ser afirmada assim: No
sistema capitalista de produção, o trabalho é tratado como uma
mercadoria a ser comprada e vendida no mercado como qualquer
outra. Como tal, ele figura nos cálculos do produtor-capitalista
meramente como um custo de produção entre outros. Mas, como
o sistema é competitivo, o produtor-capitalista é compelido a
manter os salários baixos para manter alta a margem de lucro.
Aqui se torna óbvio que a filosofia econômica de altos salários,
embora possa operar bem em indústrias especiais cujas circuns-
| 43 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tâncias favoreçam uma combinação de altos salários com baixos


custos salariais por unidade de produção, no capitalismo não pode
ser aplicada à indústria como um todo. Isso significa que, no sis-
tema de produção capitalista, logo se chega a um ponto em que os
salários parecem um mal necessário até mesmo para o produtor-
capitalista, que agora percebe que as rendas distribuídas como
salários formam o corpo do mercado para o qual ele quer vender.
E, uma vez que a competição e a necessidade de lucro determi-
nam a perspectiva do capitalismo, ele não pode aumentar a renda
“até os limites da capacidade produtiva”. O produtor-capitalista,
ao buscar o lucro limitando sua folha de pagamento, impede seu
próprio esforço de encontrar compradores para o volume crescen-
te de sua produção.
Esse dilema fica ainda mais confuso com a introdução de
fusões e monopólios devido ao fato de que elas continuam a
competir com outras fusões e monopólios que produzem merca-
dorias semelhantes em outros países. Assim, a eliminação com-
pleta da competição do sistema capitalista de produção não é
apenas uma contradição, mas uma impossibilidade.
Para encontrar uma saída para esta contradição, o produtor-
capitalista se volta, farejando lucros, para as colônias e territórios
dependentes. Ele faz isso, primeiramente, eliminando as artes e
ofícios nessas áreas por meio da competição de seus bens mais ba-
ratos feitos à máquina (exportações) e, depois, investindo emprés-
timos de capital sobre eles para financiar a construção de ferrovias,
portos e outros meios de transporte e comunicação, na medida em
que essas construções atendam a seus lucros e salvaguardem seu
capital. O capital industrial se funde, assim, com o financeiro.
Quando o número de países capitalistas que dependem de
mercados externos e campos de investimento aumenta, e o número
de áreas colonizáveis diminui, é que surgem rivalidades entre as
potências coloniais. Tais rivalidades resultam, primeiro, em guer-
ras menores de conquistas coloniais e, depois, nas grandes guerras
imperialistas dos tempos modernos. Lenin em seu Imperialismo - o
Estágio Superior do Capitalismo, resume a posição assim:

O imperialismo é o capitalismo naquele estágio de desenvolvimento


em que a dominação dos monopólios e do capital financeiro tomou
forma; em que a exportação de capitais adquiriu grande importância;
| 44 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

na qual a divisão do mundo pelos trustes internacionais começou, e na


qual a divisão de todo o território da terra pelos maiores países capita-
listas foi concluída.

O efeito desse tipo de imperialismo sobre os povos colo-


niais é dramático. O estágio é inaugurado com aparecimento de
missionários e antropólogos, comerciantes, concessionários e
administradores. Enquanto “missionários” usando de um “cristia-
nismo” pervertido imploram ao sujeito colonial que acumule seus
“tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem corrompem”,
os comerciantes, concessionários e administradores usurpam seus
recursos minerais e terrestres, destroem suas artes, ofícios e in-
dústrias domésticas. Uma vez que o surgimento da indústria co-
lonial implicaria em mais competição e subcotação, esses produ-
tores de capital financeiro e seus soldados imperialistas fazem
tudo ao alcance para impedir seu desenvolvimento.
O desenvolvimento econômico nas áreas coloniais é per-
vertido justamente porque o estágio monopolista, que deveria vir
como uma característica avançada lógica do capitalismo, é intro-
duzido antes da manifestação mais primitiva do desenvolvimento
capitalista local. Daí a estagnação e a decadência características da
economia colonial. Mas a introdução do capitalismo nas colônias
não segue o curso “normal” tomados nos países ocidentais. Não
existe livre competição, e o controle monopolista de todos os re-
cursos das colônias demonstra a perversão do capitalismo financei-
ro. É canalizado para atender às fusões monopolistas e investido-
res. O capitalista financeiro e o investidor encontram lucros maio-
res e mais fáceis, não através do estabelecimento de uma indústria
nas colônias, que competiria com as indústrias domésticas e exigi-
ria um aumento drástico nos salários e um alto padrão de vida para
criar um poder de compra suficiente para aumentar a produção,
mas exaurindo os recursos naturais e minerais das colônias e con-
siderando seus recursos humanos apenas como mais uma mercado-
ria a ser usada e jogada fora.
Isso nos leva à questão: qual é a relação entre a economia
monopolista e não industrial projetada pelas potências coloniais
nas colônias e o sistema de trabalho migrante? Resumida e preci-
samente, é isto: que a concentração de grandes corpos de trabalha-
dores coloniais em constante contato com realidades de condições
| 45 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de vida repressivas e degradantes, leva os trabalhadores à consci-


ência de classe, que dá condições de defensa contra os opressores.
A todo custo, o capitalista financeiro deve impedir a formação de
um grupo com consciência de classe para evitar sua destruição.
Esta é a razão pela qual os trabalhadores coloniais são recrutados,
forçosamente fragmentados e dispersados, todos os anos, por seus
exploradores capitalistas, e obrigados a se retirar para suas casas e
aldeias onde a exploração capitalista é indiretamente exercida por
meio de chefes “autorizados” corrompidos e uma intelectualidade
vendida politicamente. Assim, o ressentimento contra os opresso-
res capitalistas estrangeiros é contido e as condições para a organi-
zação das massas, abortadas.
Veja a Grã-Bretanha, por exemplo, e veja o que ela faz em
suas colônias africanas. Ela controla as exportações de matéria-
prima das colônias evitando o despacho direto por seus “sujeitos”
coloniais para o mercado externo, a fim de que, depois de atender
às demandas de sua indústria nacional, possa vender o excedente
para outras nações, obtendo enormes lucros para ela mesma.
O agricultor-produtor colonial não participa desses lucros.
Pode-se levantar a questão de que as potências coloniais utilizam
parte desses lucros para obras públicas, projetos de saúde e “em-
préstimos”. O fato geralmente esquecido é que tais “empréstimos”
vêm da tributação dos “sujeitos” coloniais e do lucro obtido com
sua produção e recursos minerais, sendo que a maior parte desses
mesmos empréstimos é usada para pagar funcionários europeus
nas colônias.
Um recente White Paper43 lançado pelo Colonial Office
analisa um lucro fabuloso de 3.676.253 de libras esterlinas obtido
pelo governo britânico da exploração de 800.000 famílias de agri-
cultores coloniais de cacau da África Ocidental. É assim que foi
feito: Um conselho de controle do cacau foi estabelecido pelo, e
era responsável perante o, Colonial Office, e agindo como “cura-
dores” para os “Agricultores de Cacau da África Ocidental”, tinha
poderes para comprar a produção total de cacau e prescrever o pre-
ço a ser pago a eles; e, não só isso, mas o conselho também era
responsável pelo escoamento geral do cacau das colônias. O Con-
selho, durante o período de 1939-1943, extraiu o referido lucro –

43 N.A.: Cmd. 6554. H. M. Stationery Office, London.


| 46 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

um lucro não compartilhado pelos agricultores coloniais. Esses lu-


cros resultavam do fato de que o cacau pelo qual o agricultor afri-
cano recebia um e um quarto de pence (dois centavos e meio) ren-
dia quatro pence (oito centavos) para Londres, e quatro e meio
(nove centavos) para Nova York. Em suma, enquanto o custo de
vida dos camponeses africanos e as demandas de seu trabalho au-
mentavam e sua renda caía, as cooperativas monopolistas de cho-
colate estavam colhendo superlucros.
Soubemos também de um fundo denominado “Ajuda ao
Desenvolvimento Colonial e Bem-Estar”, que fornece 120.000.000
de libras esterlinas em doações às colônias. Uma pequena reflexão
aritmética, no entanto, mostra que, quando se leva em consideração
a população do império colonial, o valor equivale a dezoito pence
(trinta e seis centavos) por habitante ao ano. Durante o primeiro
ano e meio após a aprovação da referida Lei, o valor gasto foi de
dois pence (quatro centavos) por habitante ao ano. E isso não é tu-
do. Os benefícios do Fundo de Desenvolvimento Colonial são am-
plamente ilusórios, uma vez que os 120 milhões de libras esterlinas
não estão sob a guarda de um Banco do Império Britânico, onde
qualquer território colonial possa solicitar o dinheiro de que precisa
para o “desenvolvimento do bem-estar”. Para simplificar a ques-
tão: supondo, digamos, que a Nigéria precise de 40.000 libras para
seu “desenvolvimento de bem-estar”, o governo britânico na Nigé-
ria vai para o Barclays Bank, que adianta os 40.000 para o povo da
Nigéria com juros de 6%. Com base nisso, o povo da “colônia” da
Nigéria acaba ficando em dívida perpétua com as próprias agências
que deveriam estar preocupadas com seu “desenvolvimento de
bem-estar”. É uma experiência econômica comum que onde quer
que haja dependência econômica, não há liberdade.
A política subjacente à situação econômica nas colônias é
a do controle do monopólio, obrigando o agricultor e o camponês
a aceitarem preços baixos fixos, eliminando a concorrência aber-
ta, e obrigando o mesmo agricultor colonial e consumidor cam-
ponês a comprarem a preços fixos elevados. A comercialização
de produtos e bens manufaturados nas colônias britânicas da
África Ocidental, por exemplo, é feita pelos mercadores euro-
peus, por meio de um sistema de garantia global.
Como resultado das operações deste conglomerado mono-
polista e das mineradoras, e com a ajuda do governo (agente do
| 47 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

capitalismo), ouro e dinheiro deixam o país e, consequentemente,


nenhum capital local resta nas colônias. Dessa maneira, a aspiração
e o crescimento industrial e comercial dos colonos são contidos; os
salários caem, e o “sujeito” colonial acha impossível adquirir capi-
tal de qualquer espécie para qualquer empreendimento. Pior que
isso, seja como assalariado ou como camponês, está sempre endi-
vidado pelo fato de que quando compra bens manufaturados, per-
de, e quando vende sua produção, perde; e o governo colonial o
mantém em dívida perpétua, tributando-o ainda mais. O colono é,
portanto, economicamente sufocado por seus próprios “adminis-
tradores” que deveriam prepará-lo para o autogoverno.
Além disso, ele não pode entrar em qualquer forma de ne-
gócio e ter sucesso porque os preços de venda totais cobrados pelas
fusões monopolistas não lhe deixam margem de lucro. E isso, além
dos acordos secretos entre as fusões e os fabricantes, torna impos-
sível para ele comprar diretamente dos fabricantes. Não importa o
tamanho do pedido feito, ele sempre é encaminhado aos agentes
locais, que são membros das poderosas fusões monopolistas.
Desde o advento do capitalismo nas colônias, os povos co-
loniais foram reduzidos ao nível de trabalhadores e escravos con-
tratados, e são incapazes de se organizar de forma eficaz devido à
interferência do governo e dos conglomerados monopolistas. A
filosofia do capitalismo europeu nas colônias é que os sujeitos co-
loniais devem trabalhar sob qualquer governo estrangeiro com re-
signada satisfação. Eles são supostamente “incapazes” de desen-
volver os recursos de seu próprio país, e são ensinados a trabalhar e
valorizar os produtos manufaturados europeus para se tornarem
“bons” clientes. O parco soldo dado a eles como salário pelos capi-
talistas europeus é gasto em bens espúrios manufaturados importa-
dos, o único tipo que eles recebem. Curiosamente, a mesma moeda
que é dada ao “nativo” como salário acaba voltando para o bolso
do astuto explorador.
O mote “compre como britânicos e negocie como imperia-
listas” é usado para estimular a manutenção de preços mais altos
para os produtos manufaturados britânicos. “Tarifas preferenci-
ais” (taxas alfandegárias mais altas e cotas baixas) são aplicadas a
produtos manufaturados estrangeiros. No entanto, os produtos
americanos recebem cotas muito maiores do que os produtos ma-
nufaturados japoneses. Apesar do direito preferencial, os japone-
| 48 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ses continuaram a produzir bens mais baratos e a exportá-los para


as colônias britânicas. A fim de congelar a importação de produ-
tos japoneses mais baratos, o governo local das colônias e indus-
triais britânicos continuaram a aumentar as tarifas sobre os produ-
tos japoneses para, finalmente, congelá-los. Isso está subjacente à
denúncia do Tratado Anglo-Japonês de 1934.
As tarifas geralmente são aplicadas para proteger a econo-
mia doméstica, mas não é assim nas colônias. Pois ali as tarifas são
aplicadas para a proteção do comércio e dos lucros britânicos, uma
vez que as colônias não fabricam seus próprios produtos. A mesma
tarifa preferencial que protege as importações de produtos manufa-
turados britânicos também protege os produtos e matérias-primas
das colônias (exportações) contra embarque para países estrangei-
ros, exceto por meio de agências britânicas. Isso é feito para garan-
tir preços muito mais elevados e, portanto, grandes lucros para os
conglomerados e empresas. Isso é o que chamamos de sistema de
preços fixos de mão dupla, básico na economia colonial. O objeti-
vo desse sistema é comprar matéria-prima barata e mão de obra
das colônias e vender bens manufaturados de alto preço às colô-
nias. São os camponeses coloniais que sofrem mais consideravel-
mente com este sistema maligno. Isso prova mais uma vez que,
enquanto as potências coloniais forem capazes de manter as colô-
nias sob este sistema econômico (importando apenas produtos ma-
nufaturados e exportando apenas matéria-prima), os colonos não
progredirão de forma notável e sempre permanecerão acometidos
pela pobreza, vivendo um padrão subnormal de existência.
Essa é uma das razões pelas quais sustentamos que a única
solução para o problema colonial é a erradicação total de todo o sis-
tema econômico colonialista, por meio da conquista da independên-
cia política dos povos coloniais. A liberdade política abrirá o cami-
nho para a obtenção de melhorias e avanços econômicos e sociais.
Que é necessariamente diferente sob o domínio estrangeiro.

A Questão Da Terra
A alienação de enormes extensões de terra, que antes esta-
vam disponíveis para uso africano, para os europeus, e o conse-
| 49 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

quente aumento do interesse estrangeiro ausente pela terra, uma


classe de colonizadores e concessionários europeus, com a inten-
ção de aumentar o valor em dinheiro de suas propriedades e adqui-
rir ascendência política como um meio para esse fim, é a tendência
básica na questão da terra colonial.
O africano é roubado da maior parte de suas terras, por
meio de extorsão legal e concessão forçada. Nas colônias da
África Ocidental, por exemplo, onde não há propriedade privada
pessoal da terra, pois todas as terras pertencem a algum clã ou
tribo, a propriedade pessoal da terra se desenvolve sempre que os
poderes coloniais desconsideram o sistema de posse africano em
favor de seus próprios. Pois enquanto a agricultura, em seu está-
gio rude e infantil, é essencialmente “assunto” do clã ou tribo
africana, a mineração e as grandes plantações estão inteiramente
nas mãos do próprio poder suserano ou de industriais e capitalis-
tas estrangeiros.
A questão da terra, como qualquer outra questão colonial,
é tratada pelas potências coloniais de forma a render o máximo de
lucros para seus investimentos de mineração e plantações. Para
confiscar a terra dos colonos, certos dispositivos são usados.
Enumeramos as seguintes, usando as táticas britânicas de confis-
co de terras como exemplo típico.
(1) A Grã-Bretanha, por certas sanções “legais”, garantiu
a propriedade direta e indireta, o controle e a posse da terra das
colônias e protetorados. A lei de jurisdição estrangeira de 1890 é
um bom exemplo dessas sanções “legais”. Este ato contém a de-
claração de que “embora os poderes da Coroa possam ter sido
adquiridos, seja por tratado, concessão, uso ou outros meios le-
gais, sua jurisdição é tão ampla como se tivesse sido derivada da
cessão ou conquista de território”. Isso anula suas relações de tra-
tado com as colônias e dá a ela a posse exclusiva, a propriedade
total das colônias. Portanto, torna-se uma zombaria falar das ter-
ras coloniais como pertencentes aos “sujeitos” coloniais, que só
possuem “direitos de superfície” quando minerais valiosos são
encontrados nessas terras. Outras potências coloniais também
usaram decretos semelhantes com o propósito de confiscar as ter-
ras coloniais sob seu controle.
(2) “Ordenanças” são aprovadas para promover o efeito de
confisco e exploração. Essas “ordenanças” fazem com que certas
| 50 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

áreas sejam isoladas para o florestamento. Essas áreas contêm


uma riqueza mineral valiosa. Assim, a arborização é simplesmen-
te a máscara para iludir o povo colonial. No entanto, as terras que
são procuradas para lucros urgentes, mineração e plantação, são
reivindicadas diretamente pelo “Escritório de Terras” da Coroa.
O ônus da prova da propriedade recai sobre o legítimo proprietá-
rio, o “sujeito” colonial, que aqui sofre porque seus ancestrais não
foram obrigados a registrar suas terras.
(3) Arrendamentos de noventa anos são elaborados e im-
postos aos colonos por “comissários provinciais”, agentes das po-
tências coloniais. Esses arrendamentos outorgam concessões a em-
presas privadas para a exploração das terras e das minas. Em al-
guns casos, aluguéis escassos e inadequados são pagos pelas con-
cessões de terras. Este é um método indireto dos britânicos de
apreensão de terras “legalmente”. O método francês de confisco de
terras difere do britânico por não fingir “legalidade”, confiscando a
terra imediatamente. Na África do Sul e Oriental, as outras potên-
cias europeias também usam o método de “captura total”44.
(4) O mais recente desenvolvimento no programa de confis-
co de terras coloniais é a promulgação de atos de defesa militar, pe-
los quais as terras nas colônias estão sendo confiscadas para uso fi-
nal das potências coloniais e outras potências capitalistas envolvidas.

44 N.A. Em fevereiro de 1944, o governador da Nigéria, apesar da forte


oposição, aprovou um projeto de lei na legislatura local dando ao governo
britânico na Nigéria o direito de tomar posse de todos os minerais desco-
bertos em terras em poder de africanos. Essa lei desagradável atinge os
próprios alicerces do sistema de posse de terra da África Ocidental. Se-
gundo as Ordenações de Concessões Ashanti de 1903, os direitos minerais
na Costa do Ouro permanecem com as autoridades africanas, mas as ne-
gociações em relação às concessões são supervisionadas pelos Comissários
Distritais Europeus e o Governo britânico na Costa do Ouro tem o con-
trole de todo o dinheiro derivado das vendas. As concessões não são feitas
com base em royalties, mas com um aluguel fixo, muitas vezes tão baixo
quanto 50 libras, e em nenhum lugar excedendo 400 libras por ano.
| 51 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 3
Políticas coloniais: teoria e prática

No continente africano existem diferentes tipos de áreas


dependentes: colônias, protetorados e mandatos. Nas colônias
britânicas da África Ocidental, por exemplo, cada colônia está
sob o controle direto e administração do Escritório Colonial por
meio de seu representante, o governador, que também é o Co-
mandante Supremo e Vice-Almirante da colônia e protetorado.
Sob esses sistemas, é impossível votar a retirada do “go-
verno” do cargo. Na realidade, o poder legislativo está basica-
mente nas mãos dos parlamentos das “pátrias-mãe”. Na Grã-
Bretanha, isso é justificado pela chamada “prerrogativa real”, que
permite ao rei promulgar legislação para as posses coloniais. Es-
ses sistemas também previnem e restringem deliberadamente
quaisquer aspirações de independência por parte dos povos colo-
niais. Na verdade, tais sistemas administrativos não são apenas a
personificação do caos colonial e da confusão política, mas defi-
nitivamente anulam as ideias de verdadeira democracia.
Embora as regras coloniais tenham feito distinção entre
uma colônia e um protetorado, não há praticamente nenhuma di-
ferença de validade jurídica entre eles na posição internacional.
Os mandatos foram criados após a Primeira Guerra Mun-
dial, quando os antigos territórios alemães na África foram colo-
cados sob a Liga das Nações. A filosofia subjacente comum a to-
dos os mandatos é o princípio de que “o bem-estar e o desenvol-
vimento de tais povos constituem um dever sagrado da civiliza-
ção”. O sistema de mandato é um compromisso fraco e perigoso
entre o idealismo wilsoniano, a autodeterminação e o conceito de
tutela, por um lado, e a ambição dos anexionistas, a subjugação
política e a exploração econômica, por outro. Em outras palavras,
é um compromisso covarde entre o princípio da autodeterminação
| 52 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

para territórios dependentes e o imperialismo. Torna-se apenas


uma ferramenta útil nas mãos dos poderes aos quais os territórios
são mandatados, a fim de realizar suas intenções e para perpetuar
a exploração econômica desses territórios por uma combinação
de potências coloniais. As mesmas consequências ocorrerão se a
recém-proposta supervisão internacional dos territórios depen-
dentes for realizada.
A doutrina da “curatela” é considerada mais humanitária
em seu significado e abordagem do que a da exploração. É o
fator fundamental que subjaz ao sistema de “duplo mandato”,
cujos expoentes pensam que a exploração envolve um dever sa-
grado para com os povos explorados. Os colonos devem ser ex-
plorados e “civilizados”, mas, ao fazê-lo, seus “direitos” devem
ser “respeitados” e “protegidos”. A filosofia subjacente a esta
doutrina nos lembra de um ditado africano que diz que um rato
ao morder os pés de sua vítima, sopra ar fresco pela boca e nari-
nas no local machucado a fim mitigar a dor que está causando.
Em outras palavras, explore os povos coloniais, mas seja astuto
o suficiente para não permitir que percebam. Existem provas
abundantes de que os principais motivos subjacentes à busca de
colônias e as atuais políticas administrativas e econômicas das
potências coloniais estão enraizados na exploração econômica e
não no humanitarismo.
A Conferência de Berlim (1890), o Tratado de Versalhes,
o Pacto da Liga das Nações e o Sistema de Tutela da ONU, todos
e cada um desses pactos continham cláusulas “para proteger e
guardar” os povos coloniais. Essas disposições, no entanto, foram
adotadas para camuflar a filosofia econômica das potências colo-
niais de forma a explorar impunemente. Os desenvolvimentos
materiais – ferrovias, estradas, pontes, escolas, hospitais – que
são perceptíveis nas colônias têm sido apenas acessórios aciden-
tais para facilitar a exploração econômica das colônias.
As potências coloniais constroem hospitais porque, se a sa-
úde dos colonos não for cuidada, isso não só prejudicará sua pró-
pria saúde, mas diminuirá o poder produtivo do trabalhador coloni-
al. Eles constroem escolas a fim de satisfazer a demanda por ativi-
dades clericais, e ocupações para interesses comerciais e mercantis
estrangeiros. As estradas que constroem levam apenas aos centros
de mineração e plantação. Em suma, qualquer ato humanitário de
| 53 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

qualquer potência colonial em direção ao “tutelado” é meramente


para engrandecer seu objetivo principal: a exploração econômica.
Se não fosse assim, por que as colônias da África Ocidental, por
exemplo, não receberam o treinamento necessário para garantir a
independência política e econômica completa?
A atitude da Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália e outras
potências coloniais em relação ao que eles chamam de “participa-
ção” dos povos coloniais no governo colonial e nos negócios pú-
blicos são medidas intermediárias para mantê-los complacentes e
estrangular sua aspiração de independência completa. A principal
diferença entre as políticas coloniais francesa e britânica é que a
primeira apoia a “assimilação”, um governo centralizado com polí-
tica uniforme decidida em Paris, e que considera as colônias fran-
cesas quase como uma parte da França, enfatizando o uso da língua
francesa e traça uma linha de distinção entre uma elite limitada
(notables évolués) com muitos privilégios e as abundantes massas
ignorantes em suas colônias: a Grã-Bretanha, por outro lado, repre-
senta a descentralização e a desunião em suas áreas coloniais; a
ênfase está no “governo indireto”, o encorajamento dos “africanos
a permanecerem africanos”. Pretende construir a cultura africana,
costumes, arte e “civilização” e ajustar o caráter do governo às ne-
cessidades especiais de diferentes tribos e grupos, a aplicação sis-
temática da política de “dividir para governar” e a exibição de ex-
ploração científica por meio de uma “antropologia prática”. No
entanto, paradoxalmente, o pleno crescimento da indústria nas co-
lônias é detido pelos britânicos.
Levando em consideração todos os argumentos a favor
dessas políticas coloniais e o fato de que as atuais condições nas
colônias não estão em harmonia com as teorias declaradas do
domínio colonial, e porque tal harmonia é impossível, não será
incorreto dizer que democracia, autodeterminação, independência
e autogoverno são incompatíveis com as doutrinas de “curatela”,
“parceria” e “assimilação”. Governo indireto, políticas de “admi-
nistração nativa”, projetos sociais, planejamento agrícola, facili-
dades para “plena participação” no governo, condomínio, regio-
nalismo e status de domínio servem apenas como meio para um
fim: a perpetuação do domínio estrangeiro sobre os povos coloni-
ais e a mão de obra para o benefício dos chamados “países-mãe”.
| 54 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Repetimos, portanto, que só o movimento unido do povo


colonial, determinado a fazer valer o seu direito à independência,
pode obrigar qualquer potência colonial a depor o seu “fardo do
homem branco”, que repousa pesadamente sobre os ombros dos
chamados povos “atrasados” que foram subjugados, humilhados,
roubados e degradados ao nível do gado.
| 55 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 4
Desculpas para apologética

Nas páginas anteriores, apresentamos o quadro da situação


colonial como ela existe, demonstramos e expusemos as contradi-
ções entre teorias e práticas do domínio colonial. Mas antes de fa-
zermos qualquer sugestão sobre o que deve ser feito para a liberta-
ção das colônias, queremos apontar brevemente a futilidade dos
pontos de vista lançados por alguns escritores coloniais e não colo-
niais em relação à liberdade e independência das colônias da Áfri-
ca Ocidental. Eles falam de “autogoverno interno” e evolução gra-
dual para a adesão à “Comunidade Britânica”.
O fato insistente que essas pessoas não conseguem perce-
ber é que os governos imperialistas defendem a dominação políti-
ca e econômica, não importa sob que máscara, “democracia” ou o
que quer que seja, e, portanto, nunca darão aos colonos status
igual a outros domínios, como a União da África do Sul, Austrá-
lia, Nova Zelândia e Canadá, dentro da Comunidade Britânica de
Nações. Eles esquecem que os domínios britânicos estão todos
aliados com a oligarquia financeira da Grã-Bretanha para a explo-
ração das colônias, e deixam de ver as conexões íntimas entre
dominação política e exploração econômica. Eles aparentemente
ignoram o fato de que os passos que propõem ao pedir a retirada
gradual da administração política estão na verdade pedindo à “pá-
tria” que se exproprie.
A exploração econômica não é a força motriz e o princípio
básico da colonização? O status de domínio traz consigo certas
vantagens políticas e econômicas as quais a “pátria-mãe” está de-
terminada a negar às dependências coloniais. Ao considerar a
questão colonial, é necessário ter uma distinção clara entre as co-
lônias dos países capitalistas que os serviram como regiões colo-
| 56 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nizadoras para sua população excedente, e que, desta forma, se


tornaram uma continuação de seu sistema capitalista (por exem-
plo, Austrália , Canadá, Nova Zelândia, África do Sul, etc.), e
aquelas colônias que são exploradas pelos imperialistas princi-
palmente como fontes de matérias-primas e mão de obra barata,
como esferas de exportação de capital e como mercados para seus
produtos manufaturados e mercadorias. Nossos apologistas colo-
niais e reformistas social-democratas, que defendem o “autogo-
verno” e o “status de domínio” como solução para o problema
colonial, não percebem que essa distinção não tem apenas uma
carga histórica, mas também um grande significado econômico,
social e político. Eles não conseguem compreender o ponto es-
sencial, que o desenvolvimento capitalista reproduz entre a popu-
lação dos países imperialistas, a estrutura de classes da metrópole
(ou seja, o centro imperial ou “Pátria-mãe”) enquanto a popula-
ção nativa indígena dos territórios coloniais é explorada, subju-
gada ou exterminada.
Nos domínios, os capitalistas não apenas ofertam a exten-
são colonial do capitalismo e do imperialismo das metrópoles,
mas seus interesses coloniais, direta ou indiretamente, coincidem.
É por isso que os termos como “autogoverno”, “status de domí-
nio”, ou o que os imperialistas franceses agora chamam de auto-
nomia, nada mais são do que sombras e limitações no caminho da
luta do movimento de libertação colonial nas colônias rumo à au-
todeterminação e independência nacional completa.
As razões apresentadas para se tornarem membros da
Comunidade Britânica de Nações, e permanecerem como tal, são
que se os “sujeitos” coloniais cortarem as conexões com sua “pá-
tria-mãe”, eles não terão proteção suficiente para afastar outras
nações agressoras europeias. A situação é bastante inversa. Por
exemplo, sempre que a Grã-Bretanha está em guerra, ela precisa
invocá-los para se defender. Não apenas a Inglaterra precisa da
ajuda de suas colônias, mas em todos os casos, na última guerra,
sua política deliberada de recusar a industrialização das colônias
tornou-as suscetíveis na guerra mecanizada moderna. Nem é pre-
ciso chamar a atenção aqui para a forma como a França depende
de suas tropas coloniais para se defender. O ponto de destaque
aqui é que, se deixadas sozinhas, as colônias são capazes de forjar
as armas de defesa que estão impedidas de fazer com sucesso.
| 57 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Outra desculpa oferecida pelos apologistas coloniais para


seu desejo de se pendurar e ser a rabiola da pipa do Império Bri-
tânico é que, se os colonos cortam as conexões com as potências
coloniais, isso dificultará seu avanço científico. A Grã-Bretanha e
outras potências coloniais estão na África há mais de dois sécu-
los, mas esse continente está quase tão atrasado tecnologicamente
como quando o encontraram. Na verdade, eles detiveram e neu-
tralizaram seu crescimento. Se a Libéria e a Abissínia ainda estão
atrasadas no avanço tecnológico, é principalmente porque as po-
tências europeias e outras limitaram deliberadamente seu avanço
por meio de suas maquinações financeiras e econômicas.
A situação política e econômica da Libéria demonstra o
fato de que, a menos que haja uma unidade nacional completa de
todas as colônias da África Ocidental, será praticamente impossí-
vel para qualquer um se livrar de seu jugo estrangeiro. A Rússia e
os Estados Unidos da América são um conglomerado de diferen-
tes povos e culturas, mas cada um deles atingiu a unidade políti-
ca. As diversidades culturais e linguísticas não são de forma al-
guma inconsistentes com a unidade política.
Estamos cientes de que o nacionalismo cego é uma das
armas de agressão, da competição acirrada, do imperialismo e da
guerra, mas discordamos daqueles que defendem o não naciona-
lismo, “o estado de ser uma nação, uma unidade política”. As co-
lônias da África Ocidental, por exemplo, devem primeiro se unir
e se tornar uma entidade nacional, absolutamente livre dos estor-
vos do domínio estrangeiro, antes que possam assumir o aspecto
de cooperação internacional em grande escala; pois o desejo de
cooperar internacionalmente pressupõe um status político inde-
pendente. A Conferência de Segurança de Dumbarton Oaks, a
Conferência Financeira de Bretton Woods, a Organização de Se-
gurança Mundial de São Francisco e a Organização das Nações
Unidas apoiam esta afirmação. Todos eles excluem qualquer con-
sideração das colônias para a independência agora, e implicita-
mente apontam que a maioria da humanidade que habita as colô-
nias não tem direito à igualdade humana, exceto através da gene-
rosidade das potências coloniais, cujo interesse está em preservar
seu poder e renda por meio da exploração.
Organizações americanas como o Conselho de Assuntos
Africanos, o Comitê de África, os Objetivos de Guerra e Paz, o
| 58 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Comitê de Estudos Africanos e o Conselho Especial de Pesquisa


da Associação Nacional para o Avanço dos Povos de Cor em Co-
lônias e Paz, defendem a “evolução gradual para a política de au-
togoverno” para os povos coloniais por meio de algum tipo de
comissão colonial internacional. A razão dada é que os povos co-
loniais estão “despreparados” para a independência agora, como
se os interesses monopolistas europeus, que, aliás, governam tan-
to as potências coloniais quanto as colônias, pudessem ser persu-
adidos a se mudar e devolverem as riquezas naturais das colônias
aos seus povos. Essas organizações esperam que os interesses
monopolistas e seus agentes, os governos coloniais, se expropri-
em? A resposta a esta pergunta é tão evidente quanto a ignorância
com que a maioria dessas organizações, afirma que a política de
“evolução gradual para o autogoverno” é a solução para o pro-
blema colonial. No entanto, entendemos seu ponto de vista, na
medida em que rejeitam o sistema colonial e favorecem o auto-
governo interno, mas sentimos que não vão suficientemente lon-
ge, nem expressam as aspirações fundamentais das massas dos
povos coloniais.
Lembremos nossos apologistas desta ocorrência: falando
nos Estados Unidos da América, o Coronel Oliver Stanley, o ex-
Secretário de Estado das Colônias da Grã-Bretanha, declarou que
o objetivo da Grã-Bretanha na política colonial era a realização
da medida mais completa possível de autogoverno dentro o Impé-
rio Britânico em alguma data futura desconhecida, e acrescentou
que foi a “presença britânica” por si só que evitou “a desastrosa
desintegração em suas colônias”. Concordamos com o Coronel
Stanley de certa forma. É a mesma “presença britânica”, supos-
tamente altruísta, que em 1929 arrasou com tiros de metralhadora
as pobres indefesas mulheres nigerianas por protestarem pacífica
e inofensivamente contra a tributação excessiva, a contrapartida
do Amritsar da Índia. Na verdade, é a “presença britânica” que
obrigou os trabalhadores africanos pobres a trabalhar dia após dia
nas minas e nas plantações por uma ninharia de nove pence (18
centavos) por dia de mais de 10 horas de trabalho. É a “presença
britânica” que tem perseguido, encarcerado e deportado líderes
trabalhistas coloniais, apenas por terem ousado organizar o traba-
lho nas colônias. É a “presença britânica” que trouxe guerra,
opressão, pobreza e doença e perpetuou o analfabetismo em mas-
| 59 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sa sobre os povos coloniais. É a “presença britânica” que os san-


gra pela exploração brutal para alimentar o “Leão britânico” com
carne vermelha. São essas as conquistas do “leão britânico”. São
essas as conquistas da “presença britânica” nas colônias. Esta é a
“desintegração” que a “presença britânica” nobremente impede
nas colônias.
Quando este mesmo Oliver Stanley visitou a Nigéria, uma
colônia britânica da África Ocidental, ele disse à imprensa nigeri-
ana que a Grã-Bretanha deseja “independência econômica” para
as colônias antes da “independência política”. A maneira de al-
cançar essa independência econômica, segundo ele, é que o povo
nigeriano produza mais cacau, mais óleo de palma, mais algodão,
mais borracha e cada vez mais matéria-prima para os fabricantes
e industriais britânicos, que, aliás, pagam por essas matérias-
primas os seus próprios preços.
A demonstração prática de como acelerar essa “indepen-
dência econômica” foi um projeto de lei apresentado ao Conselho
Legislativo da Nigéria, dominado pelos britânicos, quando se reu-
niu em 5 de março. O projeto de lei prevê para a “Coroa” britânica
a propriedade de todos os minerais na Nigéria, algo para se “abrir
os olhos” daqueles que defendem a política de “evolução gradual
em direção ao autogoverno” e falam de forma tão eloquente sobre
o “despreparo” dos povos coloniais para governar a si mesmos.
Uma “Carta para Povos de Cor” recomendando direitos
uniformes para os povos coloniais, e submetida aos governos das
Nações Unidas, foi rejeitada pelo British Colonial Office com o
fundamento de que o Governo Britânico é direcionado a orientar
e ajudar as questões sociais, econômicas e desenvolvimento polí-
tico de cada território de acordo com suas necessidades e capaci-
dades particulares. Que hipocrisia surpreendente! Claro, “direitos
uniformes” não combinam com o gosto britânico ou “anglo-
saxão” de status inferior para os povos coloniais.
Frequentemente, é alegado que os povos coloniais não es-
tão “maduros” para a independência. Os fatos da história não ape-
nas contradizem essa alegação, mas a repudiam. A contenção im-
perialista de “falta de preparação” para o autogoverno é cega, por-
que os imperialistas britânicos não estão tomando medidas sérias
para preparar as colônias para o autogoverno; a direção não é para
o autogoverno, mas para o autoengrandecimento econômico da
| 60 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Grã-Bretanha. Sob a “tutela” das potências coloniais, as colônias


nunca estarão “maduras” para o autogoverno. A razão é bastante
óbvia. Os ingleses, por exemplo, viviam em um estado de semi-
barbárie quando os romanos os deixaram. Mas hoje é uma história
completamente diferente. Os russos, trinta anos atrás, eram quase
tão atrasados na tecnologia ocidental moderna quanto os povos co-
loniais, e tinham 95% de analfabetismo, mas agora são um dos po-
vos mais poderosos da Europa. As repúblicas latino-americanas
têm um analfabetismo considerável e não são tão avançadas eco-
nomicamente quanto outras nações, mas estão se governando. Na
África Ocidental colonial, há uma liderança suficientemente in-
formada para dirigir os assuntos públicos sem a supervisão dos eu-
ropeus. Que direito tem qualquer potência colonial de esperar que
os africanos se tornem “europeus” ou tenham 100% de alfabetiza-
ção antes de considerá-los “maduros” para o autogoverno? O afri-
cano agora considerado “despreparado” para se governar não esta-
va “governando” a si mesmo antes do advento dos europeus? Na
verdade, o modo de vida do africano ainda hoje é mais democráti-
co do que o muito alardeado modo de vida "democrático" e dos
governos do "Ocidente".
| 61 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 5
O que deve ser feito

Nós demonstramos que os poderes imperialistas nunca de-


sistirão de seu domínio político e econômico sobre suas colônias a
menos que sejam obrigados a isso. Portanto, nós sugerimos o se-
guinte plano geral, teoria e método, deixando os detalhes para se-
rem preenchidos pela liderança verdadeira que levará à libertação
colonial. O crescimento do movimento de libertação nacional nas
colônias revela:

(1) As contradições entre os vários grupos estrangeiros e os


poderes coloniais imperialistas em sua disputa por fontes
de matérias-primas e por territórios. Nesse sentido,
imperialismo e colonialismo se tornam a exportação de
capital para fontes de matérias-primas, a luta frenética e
sem coração por uma redivisão do mundo já dividido,
uma luta travada com fúria particular por novos grupos
financeiros e potências que buscam novos territórios e
colônias contra os velhos grupos e poderes que se
agarram firmemente àquilo que eles conquistaram.
(2) As contradições entre o punhado de nações “civilizadas”
dominantes e os milhões de povos coloniais do mundo.
Nesse sentido, imperialismo é a exploração mais
| 62 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

degradante e a opressão mais desumana de milhares de


pessoas vivendo nas colônias. O propósito de tal
exploração e opressão é extrair superlucros. O resultado
inevitável do imperialismo, portanto, é: (a) a emergência
de uma inteligência colonial; (b) o despertar da
consciência nacional por parte dos povos colonizados; (c)
a emergência de um movimento da classe trabalhadora;
(d) o crescimento do movimento pela libertação nacional.

No momento atual do desenvolvimento histórico, a África Oci-


dental representa o foco de todas essas contradições do imperialismo.

Base teórica
A teoria do movimento de libertação nacional dos países
colonizados parte de três teses fundamentais:

(1) O domínio do capital financeiro nos países capitalistas


avançados; a exportação de capital para as fontes de
matérias-primas — imperialismo — e a onipotência de
uma oligarquia financeira — capital financeiro —, revelam
o caráter do capital monopolista que acelera a revolta da
intelectualidade e dos elementos da classe trabalhadora das
colônias contra o imperialismo, e os traz para o movimento
de libertação nacional como sua única salvação.
(2) O aumento da exportação de capital para as colônias; a
extensão das “esferas de influência” e das propriedades
coloniais até abarcarem o mundo inteiro; a transformação
| 63 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

do capitalismo em um sistema mundial de escravidão


financeira e opressão colonial e exploração de uma vasta
maioria da população da terra por um punhado das
chamadas nações “civilizadas”.
(3) A propriedade monopolista de “esferas de influência” e
colônias; o desenvolvimento desigual de diferentes países
capitalistas leva a uma luta frenética entre os países que
“têm” e os países que “não têm”. Então a guerra se torna o
único método de restauração do equilíbrio perturbado.
Isso leva ao agravamento da terceira frente, a frente da
aliança intercapitalista — por exemplo, imperialismo
anglo-americano —, que enfraquece o imperialismo e
facilita a fusão das duas primeiras frentes contra o
imperialismo, nomeadamente, a frente da classe
trabalhadora dos países capitalistas e a frente das massas
trabalhadoras das colônias por emancipação colonial. Logo,
chegamos às conclusões:

a. Intensificação das crises dentro dos poderes colonial-


imperialistas nas colônias.
b. Intensificação das crises nas colônias e crescimento do
movimento de libertação contra os governos coloniais
locais.
c. Que sob o imperialismo a guerra não pode ser evitada e
que uma coalizão entre o movimento proletário dos
países capitalistas e o movimento de libertação
| 64 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

colonial, contra a frente mundial do imperialismo,


torna-se inevitável.

É, portanto, somente nisso que reside a esperança de li-


berdade e independência para as colônias. Mas como alcançar
isso? Em primeiro lugar, Organização das Massas Coloniais.
O dever de qualquer movimento colonial válido para a li-
bertação nacional, entretanto, deve ser a organização do trabalho
e da juventude; e a abolição do analfabetismo político. Isso deve-
rá ser alcançado por meio da educação política de massa, que se
mantém em contato permanente com as massas coloniais. Este
tipo de educação deveria acabar com aquele tipo de intelectuali-
dade que se tornou arquiteta da escravidão colonial.
Então, as organizações devem preparar agentes do pro-
gresso, deve identificar os mais ágeis da juventude e treiná-los
em seus interesses especiais (tecnologia, ciência, política) e esta-
belecer um fundo para a educação, para ajudar e encorajar estu-
dantes das colônias a estudarem em casa e fora, e encontrar esco-
las próprias para a difusão da educação política. O principal obje-
tivo da organização é alcançar a morte final do colonialismo e
interromper a dominação estrangeira imperialista. A organização
deve se enraizar e buscar base e força no movimento dos traba-
lhadores, agricultores (trabalhadores e camponeses) e da juventu-
de. Este movimento de libertação nacional deve lutar por seus
próprios princípios para conquistar seus próprios objetivos.
Deve ter sua própria imprensa. Não pode viver separada-
mente, nem se desviar dos objetivos e aspirações das massas, da
força de trabalho organizada, dos agricultores organizados e da
organização responsável e convincente da juventude. Estes cons-
tituem a força motriz do movimento de libertação colonial e, à
medida que se desenvolvem e ganham consciência política, o im-
pulso para a libertação deixa a esfera das meras ideias e se torna
mais real.
Os povos das colônias sabem exatamente o que eles que-
rem. Eles desejam ser livres e independentes, para poder sentir a
si mesmos como iguais a quaisquer outros povos, e trabalhar seu
próprio destino sem interferências externas, e não ter restrições
para atingir um avanço que os colocará em pé de igualdade com
| 65 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

outras nações tecnicamente avançadas do mundo. Interferência


externa não ajuda a desenvolver seu país. Impede e sufoca e es-
maga não apenas o progresso econômico, mas o espírito e o em-
preendimento indígena dos próprios povos.
O futuro desenvolvimento dos povos da África Ocidental e
de outros povos coloniais só pode acontecer sob condições de li-
berdade política que assegurará ampla latitude para a formação e
execução de planos econômicos e legislação social, como agora
são imperativos para qualquer país verdadeiramente civilizado, que
sejam verdadeiramente benéficos para o povo e que sejam apoia-
dos e aprovados pelo próprio povo. Tais condições não podem
existir sob governos estrangeiros e o povo certamente não prospe-
rará sob o colonialismo e o imperialismo.
Por isso, avançamos com o seguinte programa, confiantes
de que contará com o apoio entusiástico e a aprovação das gran-
des massas dos povos coloniais, porque concretiza o que são seus
desejos já expressos ou instintivos:

(1) Liberdade política, ou seja, absoluta e completa


independência do controle de qualquer governo
estrangeiro.
(2) Liberdade democrática, ou seja, liberdade da tirania
política e o estabelecimento de uma democracia na qual a
soberania está investida nas grandes massas do povo.
(3) Reconstrução social, ou seja, se ver livre da pobreza e da
exploração econômica e melhoramento das condições
sociais e econômicas do povo para que eles sejam capazes
de encontrar melhores meios de alcançar seu sustento e
fazer valer seu direito à vida humana e à felicidade.

Assim, o objetivo do movimento de libertação nacional é a re-


alização da independência completa e incondicional e a construção de
| 66 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma sociedade de povos em que o livre desenvolvimento de cada um


seja a condição para o livre desenvolvimento de todos.
POVOS DE TODAS AS COLÔNIAS, UNI-VOS: os traba-
lhadores de todos os países estão com vocês.
| 67 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Kwame Nkrumah

Neocolonialismo Último Estágio


do Imperialismo
| 68 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 69 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Este livro é dedicado aos lutadores pela liberdade da


África, vivos e mortos.

“As enormes dimensões do capital financeiro concentra-


do na mão de uns poucos e criando uma rede extrema-
mente extensa de laços íntimos e relações que envolve
não apenas os capitalistas pequenos e médios como tam-
bém mesmo os muito pequenos; isso, por um lado, e pelo
outro a luta penosa contra grupos de financistas de outros
Estados nacionais pela partilha do mundo e o direito de
dominar outras nações — esses dois fatores, tomados em
conjunto, causam a conversão completa de todas as clas-
ses possuidoras para o lado do imperialismo. O sinal dos
tempos é um entusiasmo geral quanto às suas perspecti-
vas, uma defesa apaixonada do imperialismo, e de toda a
camuflagem possível de sua natureza real”.

- Lenine, Imperialismo, fase superior do capitalismo.


| 70 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 71 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Introdução

O neocolonialismo de hoje representa o imperialismo no


seu estágio final e talvez o mais perigoso. No passado, era possí-
vel converter uma nação à qual tivesse sido imposto um regime
neocolonial ─ o Egito do século XIX é um exemplo ─ em um
território colonial. Hoje, esse processo não é mais viável. O colo-
nialismo de velho estilo não está, de modo algum, abolido. Cons-
titui um problema africano, mas está em retirada, por toda parte.
Uma vez um território se tornando nominalmente independente,
não é mais possível, como no século passado, inverter o processo.
As colônias existentes podem continuar, por mais tempo,
mas não serão criadas novas colônias. Em lugar do colonialismo,
como principal instrumento do capitalismo, temos hoje o neoco-
lonialismo. A essência do neocolonialismo é de que o Estado que
a ele está sujeito é, independente e tem todos os adornos exterio-
res da soberania internacional. Na realidade, seu sistema econô-
mico e, portanto, seu sistema político, é dirigido no exterior.
Os métodos e a forma de direção podem tomar vários as-
pectos: Por exemplo, num caso extremo as trocas de uma potên-
cia imperialista podem guarnecer o território de um Estado neo-
colonial e controlar o seu Governo. Mais comumente, no entanto,
o controle neocolonialista é exercido através de meios econômi-
cos ou monetários. O Estado neocolonial pode ser obrigado a
aceitar os produtos manufaturados da potência imperialista, com
a exclusão dos produtos competidores de outra origem.
O controle sobre a política governamental do Estado neo-
colonial pode ser assegurado através de pagamentos para fazer
frente ao custo da administração do Estado, pelo fornecimento de
funcionários administrativos, em posições que lhes permitam di-
| 72 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tar a orientação, e por controle monetário do câmbio exterior


através da imposição de um sistema bancário controlado pela po-
tência imperialista.
Onde o neocolonialismo existe, a potência que exerce o
controle é frequentemente o Estado que governou anteriormente o
território em questão, mas isso não acontece necessariamente. Por
exemplo, no caso do Vietnã do Sul, essa antiga potência imperial
era da França, mas o controle neocolonial do Estado passou agora
aos Estados Unidos. É possível que o controle neocolonial seja
exercido por um consórcio de interesses financeiros que não são
especificamente identificáveis com qualquer Estado particular. O
controle do Congo por grandes interesses financeiros internacio-
nais é um caso desse tipo. O resultado do neocolonialismo é que o
capital estrangeiro é utilizado para a exploração, em lugar de ser
para o desenvolvimento das partes menos desenvolvidas do mun-
do. O investimento, sob o neocolonialismo, aumenta, em lugar de
diminuir, a brecha entre as nações ricas e pobres do mundo.
A luta contra o neocolonialismo não tem por objetivo a
exclusão do capital do mundo desenvolvido das operações em
nações menos desenvolvidas. Tem por objetivo impedir que a
força financeira das nações desenvolvidas seja utilizada de tal
maneira a empobrecer os menos desenvolvidos.
O não alinhamento o, como é praticado por Gana e muitas
das outras nações, é baseado na cooperação com todos os Esta-
dos, quer sejam eles capitalistas, socialistas ou tenham uma eco-
nomia mista. Tal orientação, portanto, envolve o investimento
externo das nações capitalistas, mas este deve ser investido de
acordo com um plano nacional organizado pelo Governo do Es-
tado não-alinhado, com seus próprios interesses em mira. A ques-
tão não é qual o retorno que o investidor estrangeiro obtém sobre
os seus investimentos. Ele pode, de fato, alcançar melhores resul-
tados se investir num país não-alinhado do que num país neoco-
lonial. A questão é de poder. Um Estado nas garras do neocoloni-
alismo não é o senhor do próprio destino. É esse fator que torna o
neocolonialismo uma ameaça tão séria à paz mundial. O cresci-
mento das armas nucleares tornou ultrapassada a antiquada ba-
lança de forças, que se apoiava em uma guerra em grande escala,
como sanção maior. A certeza de destruição maciça mútua impe-
de efetivamente qualquer dos grandes blocos de potências de
| 73 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ameaçar o outro com a possibilidade de uma guerra de âmbito


mundial e o conflito militar ficou assim confinado a “guerras li-
mitadas”. Para essas, o neocolonialismo é o caldo de cultura. Es-
sas guerras podem, naturalmente, ocorrer em nações que não são
controladas por neocolonialistas. Seu objetivo pode mesmo ser o
de criar em uma nação pequena, mas independente um regime
neocolonialista. O mal do neocolonialismo é que ele impede a
formação dessas grandes unidades que tornariam impossível a
“guerra limitada”. Para dar um exemplo: se a África se unisse,
nenhum bloco de grandes potências tentaria subjugá-la através de
uma guerra limitada, porque pela própria natureza da guerra limi-
tada o que pode ser conseguido através dela é, em si, limitado. É
apenas onde existem pequenos Estados que se torna possível, de-
sembarcando alguns milhares de fuzileiros ou financiando uma
força mercenária, assegurar um resultado decisivo. A restrição à
ação militar nas “guerras limitadas”, no entanto, não é uma garan-
tia da paz mundial e será provavelmente o fator que finalmente
envolverá os grandes blocos de potências em uma guerra mundi-
al, por mais que estejam ambos decididos a evitá-la.
A guerra limitada, uma vez iniciada, adquire um impulso
próprio. A guerra do Vietnã do Sul é apenas um dos exemplos dis-
so. A escalada ocorre apesar do desejo dos grandes blocos de po-
tências de mantê-la limitada. Embora essa determinada guerra pos-
sa ser impedida de conduzir a um conflito mundial, a multiplicação
de guerras limitadas semelhantes só pode ter um final: a guerra
mundial e as terríveis consequências de um conflito nuclear.
O neocolonialismo é a pior forma de imperialismo. Para
aqueles que o exercem, significa o poder sem a responsabilidade
e para aqueles que o sofrem, significa a exploração sem alívio.
Nos dias do antigo colonialismo, a potência imperial tinha, pelo
menos, que explicar e justificar, internamente, as ações que reali-
zava no exterior. Na colônia, aqueles que serviam à potência im-
perial dominante podiam pelo menos esperar a sua proteção con-
tra qualquer ação violenta dos seus opositores.
Com o neocolonialismo, nenhum dos dois casos acontece. O
neocolonialismo, como antes dele, o colonialismo, adia o embate de
questões sociais que terão de ser enfrentadas pelo setor plenamente
desenvolvido do mundo, para que o perigo de guerra mundial possa
ser eliminado ou o problema da pobreza mundial resolvido.
| 74 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O neocolonialismo, como o colonialismo, é uma tentativa


de exportar os conflitos sociais das nações capitalistas. O êxito
temporário dessa política pode ser visto na brecha cada vez mais
larga entre as nações mais ricas e mais pobres do mundo. Mas, as
contradições e conflitos internos do neocolonialismo trazem a
certeza de que ele não pode pendurar como uma política mundial
permanente. Como deve ser eliminado, é um problema que deve-
ria ser estudado, acima de tudo, pelas nações desenvolvidas do
mundo, porque são elas que vão sentir o impacto total do seu fra-
casso final. Quanto mais pendurar, mais certo é que o seu inevi-
tável colapso destruirá o sistema social do qual o transformaram
em fundamento.
A razão do seu desenvolvimento no período pós-guerra
pode ser resumida. O problema que enfrentavam as nações ricas
do mundo ao fim da Segunda Guerra Mundial era a impossibili-
dade de retornar à situação anterior à guerra, na qual havia uma
grande distância entre os poucos ricos e os muito pobres. Não
importa que partido, particularmente, estava no Poder, as pres-
sões internas das nações ricas do mundo eram tais que nenhuma
nação capitalista do pós-guerra poderia sobreviver a não ser que
se tornasse um Welfare State, uma nação de prosperidade geral.
Podia haver diferenças de grau na extensão dos benefícios
sociais concedidos aos trabalhadores industriais e agrícolas, mas
o que era impossível em toda parte era um retorno ao desemprego
em massa e ao baixo nível de vida dos anos anteriores à guerra.
Do final do século XIX em diante, as colônias haviam si-
do consideradas como uma fonte de riqueza que podia ser usada
para mitigar conflitos de classe nos Estados capitalistas e, como
será explicado adiante, essa política obteve algum êxito. Mas, fa-
lhou em seu objetivo final, porque os Estados capitalistas de antes
da guerra estavam internamente organizados de tal maneira que o
grosso do lucro obtido das possessões coloniais ia parar nos bol-
sos da classe capitalista, e não nos dos operários. Longe de atingir
o objetivo, os partidos da classe operária, às vezes, tendiam a
identificar seus interesses com os dos povos coloniais e as potên-
cias imperialistas viram-se engajadas num conflito em duas fren-
tes, internamente com seus próprios trabalhadores e no exterior
contra as forças crescentes de libertação colonial.
O período do pós-guerra inaugurou uma política colonial
| 75 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

muito diferente. Foi feita uma deliberada tentativa de desviar os


rendimentos coloniais da classe rica e em lugar disso usá-los para
financiar de uma maneira geral o Welfare State. Como se verá
nos exemplos dados adiante, foi esse o método conscientemente
adotado mesmo por aqueles líderes da classe trabalhadora que
antes da guerra haviam considerado os povos coloniais como seus
aliados naturais contra os inimigos capitalistas em seu país.
A princípio, presumiu-se que esse objetivo poderia ser al-
cançado mantendo o sistema colonial anterior à guerra. A experi-
ência demonstrou que as tentativas de fazer isso seriam desastro-
sas e somente provocariam guerras coloniais, dissipando assim os
ganhos esperados pela continuação do regime colonial. A Grã-
Bretanha, particularmente, compreendeu isso num estágio inicial
e a justeza do raciocínio britânico de então foi subsequentemente
demonstrada pela derrota do colonialismo francês no Extremo
Oriente e na Argélia e pelo fracasso dos holandeses em reter
qualquer parte do seu antigo império colonial. O sistema do neo-
colonialismo foi assim instituído e a curto prazo serviu admira-
velmente às nações desenvolvidas. A longo prazo, suas conse-
quências lhes serão provavelmente catastróficas.
O neocolonialismo está baseado no princípio de dispersas
grandes territórios coloniais, anteriormente unidos, em numerosos
pequenos Estados inviáveis, que são incapazes de desenvolvi-
mento independente e precisam depender da antiga potência im-
perial para a defesa e mesmo para a segurança interna. Seus sis-
temas econômico e financeiro são ligados, como nos dias coloni-
ais, aos do antigo dominador colonial.
À primeira vista, pareceria que o sistema traz muitas van-
tagens para as nações desenvolvidas do mundo. Todos os lucros
do neocolonialismo podem ser garantidos se, em qualquer área
determinada, uma razoável proporção dos Estados tiver um sis-
tema neocolonialista. Não é necessário que todos o tenham. A
não ser que os Estados pequenos possam se combinar, são, neces-
sariamente, forçados a vender suas matérias primas a preços dita-
dos pelas nações desenvolvidas e a comprar-lhes seus produtos
manufaturados ao preço por eles fixados. Enquanto o neocolonia-
lismo puder evitar as condições políticas e econômicas para o de-
senvolvimento ótimo, as nações em desenvolvimento, quer este-
jam ou não sob o controle neocolonialista, serão incapazes de cri-
| 76 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ar um mercado suficientemente amplo para sustentar a industria-


lização. Do mesmo modo, lhes faltará a força financeira para for-
çar as nações desenvolvidas a aceitarem suas matérias primas a
um preço justo.
Nos territórios neocolonialistas, uma vez que a antiga po-
tência colonial teoricamente cedeu o controle político, se as con-
dições sociais provocadas pelo neocolonialismo causarem uma
revolta, o governo neocolonialista local pode ser sacrificado e
outro, igualmente, subserviente, posto em seu lugar. Por outro
lado, em escala ampla, as mesmas pressões sociais que podem
produzir revoltas em territórios neocoloniais afetarão também os
Estados que se recusaram a aceitar o sistema e consequentemente
as nações neocolonialistas têm uma arma já preparada com que
podem ameaçar os oponentes, se parecerem desafiar o sistema
com êxito.
Essas vantagens, que à primeira vista parecem tão óbvias,
são, no entanto, ao serem analisadas, ilusórias, porque deixam de
levar em conta os fatos do mundo de hoje.
A introdução do neocolonialismo aumenta a rivalidade en-
tre as grandes potências que foi provocada pelo colonialismo do
velho estilo. Por menor que seja o poder real que um Estado neo-
colonialista possa ter, deve possuir, pelo próprio fato de sua inde-
pendência nominal, uma certa área de manobra. Pode não ser ca-
paz de existir sem um senhor colonialista, mas pode, mesmo as-
sim, ter a capacidade de trocar de senhor.
O Estado neocolonialista ideal seria o que fosse inteira-
mente subserviente aos interesses neocolonialistas, mas a existên-
cia das nações socialistas torna impossível aplicar o rigor total do
sistema neocolonialista. A existência de um sistema alternativo é,
em si, um desafio ao regime neocolonialista. As advertências a
respeito dos “perigos da subversão comunista” são provavelmen-
te uma faca de dois gumes, porque chamam a atenção dos que
vivem sob um sistema neocolonialista para a possibilidade de
uma mudança de regime. De fato, o neocolonialismo é a vítima
de suas próprias contradições. Para torná-lo atraente às vistas da-
queles sobre os quais é praticado, precisa ser apresentado como
capaz de elevar os seus níveis de vida, mas o objetivo econômico
do neocolonialismo é manter esses níveis reprimidos, no interesse
das nações desenvolvidas. É somente quando essa contradição é
| 77 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

entendida que o fracasso de inúmeros programas de “ajuda”, mui-


tos deles bem-intencionados, pode ser explicado.
Em primeiro lugar, os governantes dos Estados neocoloni-
alistas recebem sua autoridade para governar, não dá vontade do
povo, mas do apoio que obtém dos seus senhores colonialistas.
Tem, portanto, pouco interesse em desenvolver a educação, au-
mentar o poder de negociação de seus trabalhadores empregados
em firmas estrangeiras, ou, na verdade, em tomar qualquer medi-
da que possa contrariar a trama colonial de comércio e indústria,
cuja preservação é o objetivo do neocolonialismo. “Ajuda”, por-
tanto, para um Estado neocolonialista, é meramente um crédito
rotativo, pago pelo senhor neocolonial, passando pelo Estado ne-
ocolonial e retornando ao senhor neocolonial sob a forma de lu-
cros aumentados.
Em segundo lugar, é no campo da “ajuda” que a rivalida-
de entre os Estados desenvolvidos individuais primeiros se mani-
festa. Enquanto existir o neocolonialismo, persistirão as esferas
de influência e isso torna a ajuda multilateral — que é na realida-
de a única forma eficiente de ajuda — impossível.
Uma vez iniciada a ajuda multilateral, os senhores neoco-
lonialistas veem-se enfrentados pela hostilidade dos interesses
investidos, em sua própria terra. Seus industriais naturalmente
fazer objeção a qualquer tentativa de elevar o preço das matérias
primas que obtém do território neocolonialista em questão, ou ao
estabelecimento, ali, de quaisquer indústrias manufatureiras que
possam competir direta ou indiretamente com suas exportações
para o território. Mesmo a educação é vista com suspeita, como
passível de produzir um movimento estudantil e é, naturalmente,
verdade que em muitas nações menos desenvolvidas os estudan-
tes têm sido a vanguarda da luta contra o neocolonialismo. No
final, acaba acontecendo que o único tipo de ajuda que os senho-
res neocolonialistas consideram seguro é a “ajuda militar”.
Quando um território neocolonialista é levado a tal estado
de caos econômico e miséria que a revolta chega a se desencade-
ar, então, e somente então, não há limites para a generosidade do
dominador neocolonial, desde que, evidentemente, os fundos for-
necidos sejam utilizados exclusivamente para fins militares.
A ajuda militar na realidade marca o último estágio do ne-
ocolonialismo e seu efeito é autodestruidor. Mais cedo ou mais
| 78 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tarde, as armas fornecidas passam às mãos dos oponentes do re-


gime neocolonialista e a própria guerra agrava a miséria social
que a provocou.
O neocolonialismo é uma pedra amarrada ao pescoço das
nações desenvolvidas que o praticam. A menos que possam li-
vrar-se dele, serão afogadas. Anteriormente, as potências desen-
volvidas podiam fugir às contradições do neocolonialismo, subs-
tituindo-o pelo colonialismo direto. Tal solução não é mais possí-
vel e os motivos disso já foram bem explicados pelo Sr Owen
Lattimore, o perito dos Estados Unidos no Extremo Oriente e
conselheiro de Chiang Kai-shek no período imediatamente poste-
rior à guerra. Lattimore escreveu: "A Ásia, que foi tão fácil e ra-
pidamente subjugada por conquistadores nos séculos XVIII e
XIX, demonstra uma impressionante capacidade para resistir aos
exércitos modernos, equipados com aeroplanos, tanques, veículos
motorizados e artilharia móvel.
Antigamente, grandes territórios eram conquistados, na Ín-
dia, com pequenos contingentes. Os rendimentos, inicialmente pelo
saque, depois por impostos diretos e finalmente através do comér-
cio, inversão de capitais e exploração a longo prazo, cobriam com
incrível rapidez os gastos com operações militares. Essa aritmética
representava uma grande tentação para as nações fortes. Agora tem
pela frente uma nova aritmética, que os desencoraja".
Essa mesma aritmética, provavelmente, se aplica por todo
o mundo menos desenvolvido. Este livro é, portanto, uma tenta-
tiva de examinar o neocolonialismo, não apenas dentro do con-
texto africano e suas relações com a unidade africana, mas em
perspectiva mundial. O neocolonialismo não é, de modo algum,
uma questão exclusivamente africana. Muito antes de ser pratica-
do em larga escala na África, era um sistema estabelecido em ou-
tras partes do mundo. Em nenhum lugar obteve êxito quer em
elevar os níveis de vida, quer, em última análise, em trazer bene-
fício aos países que a ele se entregaram.
Marx predisse que a crescente distância entre a riqueza
das classes possuidoras e os trabalhadores que elas empregam
acarretaria finalmente um conflito fatal ao capitalismo, em cada
Estado capitalista isolado. Esse conflito entre os ricos e os pobres
foi agora transferido para o cenário internacional, mas para pro-
var o que se reconhece acontecer não é mais necessário consultar
| 79 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

os autores marxistas. A situação é exposta com a máxima clareza


nos principais órgãos da opinião capitalista. Tomemos, por
exemplo, os seguintes trechos do The Wall Street Journal, o jor-
nal que talvez reflita melhor o pensamento capitalista norte-
americano. No número de 12 de maio de 1965, sob o cabeçalho
“A Situação das Nações Pobres”, o jornal analisa, em primeiro
lugar, “que nações são consideradas industriais e quais as atrasa-
das”. Apesar disso, afirma: “Um critério de separação geralmente
usado, no entanto, foi recentemente mantido pelo Fundo Monetá-
rio Internacional porque, nas palavras de um funcionário do FMI
a demarcação econômica no mundo está se tornando cada vez
mais evidente”. A separação, diz o funcionário, está baseada no
simples bom senso.
“Do ponto de vista do FMI, as nações industriais são os
EUA, O Reino Unido, a maioria das nações da Europa Oriental,
Canadá e Japão. Uma categoria especial denominada '‘outras
áreas desenvolvidas’' inclui outros países europeus, tais como
Finlândia, Grécia e Irlanda, e ainda a Austrália, Nova Zelândia e
África do Sul. A categoria dos” menos desenvolvidos, para o
FMI, inclui toda a América Latina e praticamente todo o Oriente
Médio, Ásia não comunista e África.
Em outras palavras, as nações “atrasadas” são as situadas
nas áreas neocoloniais. Depois de citar números em apoio aos
seus argumentos, o Wall Street Journal comenta a situação:
“As nações industriais acrescentaram quase dois bilhões
às suas reservas, que agora se aproximam dos 52 bilhões (de dó-
lares). Ao mesmo tempo, as reservas do grupo menos desenvol-
vido não somente pararam de crescer como declinaram em cerca
de 200 milhões. Para analistas como Miss Ward, britânica, o sig-
nificado dessas estatísticas é claro: a disparidade econômica está
rapidamente aumentando, entre uma elite muito pequena do
Atlântico Norte, branca, condescendente, altamente burguesa,
muito rica, e os demais, e isso não é uma herança muito confortá-
vel para deixar aos nossos filhos”. "'Os demais’' inclui aproxima-
damente dois terços da população da terra, espalhados por cerca
de cem países". Esse problema não é novo. No parágrafo inicial
do seu livro A Guerra Contra a Pobreza Mundial, escrito em
1953, o atual líder trabalhista, Harold Wilson, resumiu o mais
importante problema do mundo como então o via:
| 80 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

“Para a grande maioria da humanidade o problema de


maior urgência não é a guerra, ou o comunismo, ou o custo de
vida, ou os impostos. É a fome. Mais de um bilhão e meio de pes-
soas, algo como dois terços da população mundial, vivem em
condições de fome aguda, definida em termos de doença nutrici-
onal identificada. Essa fome é, ao mesmo tempo, o efeito e a cau-
sa da pobreza, sordidez e miséria em que vivem”.
Suas consequências são da mesma maneira compreendi-
das. O correspondente do The Wall Street Journal, anteriormente
citado, ressalta-as: "… muitos diplomatas e economistas encaram
as implicações como preponderantemente — e perigosamente —
políticas. A menos que o declínio possa ser invertido, temem es-
ses analistas, os Estados Unidos e outras potências ricas industri-
ais do Ocidente tem pela frente a possibilidade óbvia, nas pala-
vras da economista britânica Bárbara Ward, de uma espécie de
guerra internacional de classes". O que está faltando são propos-
tas positivas para enfrentar a situação. Tudo o que o correspon-
dente do The Wall Street Journal pode fazer é frisar que os méto-
dos tradicionais recomendados para curar os males provavelmen-
te só serviriam para agravar a situação.
Já foi dito que as nações desenvolvidas deveriam assistir
efetivamente as partes mais pobres do mundo e que o mundo in-
teiro devia ser transformado em um Welfare State. Parece haver
muito poucas perspectivas, no entanto, de que qualquer coisa des-
sa espécie possa ser alcançada. Os chamados programas de “aju-
da” para auxiliar as economias atrasadas representam, segundo
uma estimativa aproximada das Nações Unidas, apenas meio por
cento da renda total das nações industriais. Mas, quanto à pers-
pectiva de incrementar essa ajuda, a disposição é pessimista:
“Uma ampla corrente de pensamento afirma que os esquemas
de repartir a riqueza são idealistas e pouco práticos. Essa corrente ar-
gumenta que o clima, a habilidade humana não desenvolvida, a falta
de recursos naturais e outros fatores ─ não apenas a falta de dinheiro
─ retardam o progresso econômico em muitos desses países, e que as
nações não tem pessoal com o treinamento ou determinação para usar
efetivamente uma ajuda grandemente expandida. Os esquemas de
repartir a riqueza, segundo esse ponto de vista, equivaleriam a verter
dinheiro num poço sem fundo, enfraquecendo as nações doadoras
sem curar efetivamente os males das recebedoras”.
| 81 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O absurdo desse argumento é demonstrado pelo fato de


que cada uma das razões citadas para provar por que as partes
menos desenvolvidas do mundo não podem ser desenvolvidas,
aplicava-se com a mesma exatidão às atuais nações desenvolvi-
das, no período anterior ao seu desenvolvimento. O argumento só
é válido nesse sentido: o mundo menos desenvolvido não se tor-
nará desenvolvido através da boa vontade ou generosidade das
potências desenvolvidas. Só pode se desenvolver através da luta
contra as forças externas que tem interesse investido em conser-
vá-lo subdesenvolvido.
Dessas forças, o neocolonialismo é, neste estágio da histó-
ria, o principal. Pretendo analisar o neocolonialismo, primeiro,
examinando o estado do continente africano e demonstrando co-
mo o neocolonialismo, no momento, o mantém artificialmente
pobre. Em seguida, pretendo demonstrar como na prática a Uni-
dade Africana, que só pode, em si, ser criada pela derrota do neo-
colonialismo, poderia elevar imensamente os níveis de vida afri-
canos. Partindo desse início, pretendo examinar o neocolonialis-
mo em geral, primeiro historicamente e depois através de uma
consideração dos grandes monopólios internacionais, cujo contí-
nuo estrangulamento dos setores neocoloniais do mundo assegu-
ram a continuação do sistema.
| 82 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

1. Recursos da África

A África é um paradoxo que ilustra e coloca em evidência


o colonialismo. Sua terra é rica e, no entanto, os produtos que
vêm do seu solo e do seu subsolo continuam a enriquecer, não
predominantemente os africanos, mas grupos e indivíduos que
trabalham para o empobrecimento da África. Com uma popula-
ção estimada em cerca de 280 milhões perto de oito por cento da
população mundial, a África responde por dois por cento, apenas,
da produção total do mundo. No entanto, dos recursos naturais da
África, mostram que o continente tem uma riqueza imensa e não
explorada. Sabemos que as reservas de ferro são consideradas
como o duplo das Américas, e dois terços dos da União Soviética,
na base de uma estimativa de dois bilhões de toneladas métricas.
As reservas calculadas de carvão são consideradas suficientes pa-
ra durar 300 anos. Novos campos petrolíferos estão sendo desco-
bertos e postos em produção por todo o continente. E, no entanto,
a produção de minérios e minerais primários, embora aparente-
mente considerável, apenas tocou de leve no existente.
A África possui mais de 40 por cento do potencial de
energia elétrica mundial, uma porção maior do que a de qualquer
outro continente. No entanto, menos de cinco por cento desse vo-
lume foram utilizados. Mesmo levando em conta as vastas áreas
desertas do Saara, há ainda mais terreno arável e de pastagens do
que existe seja nos Estados Unidos seja na União Soviética. Há
mesmo mais do que na Ásia. Nossas áreas de florestas são duas
vezes maiores do que as dos Estados Unidos.
Se os múltiplos recursos da África fossem usados em seu
próprio desenvolvimento, poderiam colocá-la entre os continentes
modernizados do mundo. Mas seus recursos têm sidos ainda estão
| 83 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sendo usados para o maior desenvolvimento de interesses do ul-


tramar. A África forneceu à Grã-Bretanha em 1957 as seguintes
proporções de matérias-primas utilizadas em suas indústrias:
Minério de estanho e concen- 19%
trados
Minério de Ferro 29%
Manganês 80%
Cobre 46%
Bauxita 47%
Minério de Cromo 50%
Amianto 66%
Cobalto 82%
Antimônio 91%
A importação francesa de produtos africanos inclui:
Algodão 32%
Minério de Ferro 36%
Minério de Zinco 51%
Chumbo 85%
Fosfatos 100%
A Alemanha, a África forneceu:
Artigos de cobre importados 8%
Minério de ferro 10%
Minério de chumbo 12%
Minério de manganês 20%
Minério de cromo 22%
Fosforitos 71%
No entanto, em nenhuma das novas nações africanas há
uma só indústria baseada em qualquer um desses recursos. Embo-
ra possuindo 53 dos mais importantes minerais e metais industri-
ais básicos do mundo, o continente africano fica muito atrás dos
outros em desenvolvimento industrial. Aferidos pelo volume de
produção de matérias-primas em relação à atividade econômica
total, em comparação com a nação de produção mais avançada,
os Estados Unidos, os fatos podem ser apreciados de um relance.
| 84 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Nação Ano Agricul- Minera- Iindústria


tura ção ee
Floresta Manofatura
e
Pesca
Argélia 1958 21 3 11
Congo 1958 26 16 12
Quênia 1958 42 1 10
Marrocos 1958 34 6 18
Nigéria 1956 63 1 2
Rodésia 1958 20 14 11
e
Niasajandia
Tangânica 1958 59 4 7
Africa do 1958 12 13 2
Sul
EUA 1959 4 1 30

Nãção Constru- Transporte e Comer- Administra-


ção Comunicação cio ção
Pública e
Defesa
Argélia 6 6 19 22
Congo 6 9 7 14
Quênia 4 9 13 10
Marro- 4 + 15 10
cos
Nigéria 11 1 4 6
Rodésia 8 9 10 4
e
Niasa-
| 85 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

jandia

Tangâni- 6 7 5 7
ca
Africa do 5 8 12 10
Sul
EUA 5 8 17 13
Do United Nations Statistical Yearbook. 1960. (porcentagens).

Note-se que nos Estados Unidos a agricultura, a silvicultu-


ra e a pesca representam meramente quatro por cento da atividade
total nacional e a mineração a insignificância de um por cento.
Por outro lado, indústria, manufatura e comércio representam 47
por cento.
Nas nações africanas incluídas no quadro, que são, à ex-
ceção da Nigéria, as de maiores comunidades de colonos e, por-
tanto, as mais exploradas, a agricultura é predominante. A indús-
tria, a manufatura e o comércio ficam muito para trás.
Mesmo no caso da África do Sul, o mais altamente indus-
trializado setor do continente africano, a contribuição da agricul-
tura (12 por cento) e da mineração (13 por cento) são iguais às da
indústria, manufatura e construção somadas.
No entanto, de um modo geral, a mineração mostrou ser
um risco muito lucrativo para o investimento de capital estrangei-
ro na África. Seus benefícios para os africanos de modo algum
foram na mesma escala. A produção das minas, em diversas na-
ções africanas têm um valor de menos de dois dólares por cabeça
da população. Como diz Europe (France) Outremer, “é bem certo
que a produção mineira de um ou dois dólares por habitante não
pode afetar apreciavelmente o nível de vida de uma nação”.
Afirmando corretamente que “nas zonas de exploração a indústria
de mineração introduziu um nível de vida mais alto”, o jornal é
forçado à conclusão de que as explorações mineiras são, no en-
tanto, ilhas relativamente privilegiadas em uma economia total
muito pobre.
O motivo disso se vê na ausência de indústria e manufatu-
| 86 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ra, devido ao fato de que a produção mineira é destinada funda-


mentalmente à exportação, principalmente em forma primária.
Vai alimentar as indústrias e fábricas da Europa e da América,
empobrecendo as nações de origem. Europe (France) Outremer
nota, também, que cerca de 50 por cento da produção das minas
da África permanecem no país de origem, sob a forma de salá-
rios. Mesmo o relance mais superficial aos balanços anuais das
companhias mineradoras refuta essa afirmação. O excesso de ga-
nhos sobre a despesa, em muitos casos, prova conclusivamente,
pelo seu volume, que os salários recebidos pela mão de obra não
constituem, de modo algum, uma proporção tão exagerada quanto
50 por cento do valor produzido. As somas consideráveis pagas,
em altos salários, ao pessoal europeu nas categorias especializa-
das e administrativa, parte das quais é devolvida aos seus pró-
prios países, deve em muitos casos equivaler ao total recebido
pela mão de obra africana, para não falar das grandes somas que
avolumam os rendimentos anuais dos diretores ricos, residentes
nas cidades metropolitanas do Oeste.
Essa suposição ignora também outro importante fato, qual
seja o de que os salários dos trabalhadores braçais, embora bai-
xos, são parcialmente gastos em produtos manufaturados no es-
trangeiro e importados, retirando das nações produtoras de maté-
rias-primas uma boa parte dos salários dos trabalhadores. Em
muitos casos, os bens importados são produtos das companhias
associadas aos grupos mineradores. Frequentemente são vendidos
nos próprios armazéns das companhias, nos centros mineradores
ou pelos seus agentes, e os trabalhadores têm que pagar o preço
fixado pelas companhias. A pobreza do povo da África é demons-
trada pelo simples fato de que sua renda per capita está entre as
mais baixas do mundo. Em alguns países, Gabão e Zâmbia, por
exemplo, até a metade do produto doméstico é paga a expatriados
residentes e firmas do além-mar que possuem as plantações e as
minas. Na Guiné de Sao, Angola, Líbia, Suazilândia, África Sul-
Ocidental e Zimbábue (Rodésia), os lucros das firmas estrangei-
ras e os rendimentos de colonos ou expatriados excedem de um
terço do produto doméstico. A Argélia, Congo e Quênia estavam
nesse grupo antes da independência.
Ao alcançar a independência, praticamente todas as novas
nações africanas desenvolveram planos para a industrialização e
| 87 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

crescimento econômico a fim de aumentar a capacidade de pro-


dução e consequentemente elevar o nível de vida dos seus povos.
Mas enquanto a África continuar dividida, o progresso terá que
ser penosamente lento. O desenvolvimento econômico depende
não apenas da existência de recursos naturais e do tamanho e po-
pulação de um país, mas do tamanho econômico, que leva em
conta tanto a população como a renda per capita. Em muitos esta-
dos Africanos, a população e a produção per capita são extrema-
mente pequenas, dando uma unidade econômica que não é maior
do que uma firma de tamanho médio de uma nação capitalista
ocidental, ou do que uma única empresa estatal de uma economia
socialista europeia.

RENDA PER CAPITA EM DÓLARES 1960-63

Abaixo de 80 81 a 125 126 a 200 a 250 Mais de 400


200
Basutolândia Angola Libéria Argélia África do Sul
Bechuana- Cama- Suazi- Gabão
landia rões lândia
Burundi Gâmbia Tunísia Marfim
Chad Guiné Gabão
Congo Quênia Gana
Daomé Repúbli- Mauritius
ca Mal-
gaze
Etiopia Mauritâ- Senegal
nia
Guiné de São Serra Africa do
Malávi Leoa Sul Oci-
dental
Nigéria Sudão Zâmbia
Niger Togo Rodésia
Ruanda Repúbli- Zimbabwe
ca Ar
Unida
Somália
Tangânica
Zanzibar
Uganda
República
| 88 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A África está tendo que pagar um preço enorme, mais


uma vez, pelo acidente histórico segundo o qual este vasto e
compacto continente trouxe lucros fabulosos ao capitalismo oci-
dental, primeiro através do comércio do seu povo e depois através
da exploração capitalista.
Este enriquecimento de um lado do mundo pela explora-
ção do outro deixou a economia africana sem meios para se in-
dustrializar. A época em que a Europa ingressou na sua revolução
industrial, havia uma diferença consideravelmente menor, no de-
senvolvimento, entre os continentes. Mas a cada passo da evolu-
ção dos métodos de produção e dos lucros crescentes, tirados do
investimento cada vez mais astuto em equipamento manufaturei-
ro e produção de metais básicos, a brecha mais velozmente se
alargava. O relatório da Comissão Econômica das Nações Unidas
para a África, publicado em dezembro de 1962 sob o título de
Crescimento Industrial na África, declarou que a brecha entre “os
continentes separados pelo Mediterrâneo” se alargou mais duran-
te o Século Vinte do que jamais acontecera antes.
É verdade que a produção per capita aumentou na África,
particularmente nas duas últimas décadas, em que houve uma
elevação de cerca de dez e vinte por cento.
Já bem à frente, as nações industriais alcançaram um
avanço per capita, no mesmo período, de 60 por cento e sua pro-
dução industrial per capita pode ser estimada em até 25 vezes
maior do que a africana, em conjunto.
A diferença para a maior parte da África, no entanto, é
ainda mais nítida, uma vez que a indústria neste continente tende
a se concentrar em pequenas áreas do Norte e do Sul. Uma trans-
formação real da economia agrícola, mas aumentar cerca de 25
vezes a produção industrial. O Relatório evidencia que a indús-
tria, e não a agricultura, constitui o meio pelo qual é possível a
melhoria rápida dos níveis de vida na África.
Há, no entanto, especialistas e apologistas do imperialis-
mo que exortam as nações menos desenvolvidas a se concentra-
rem na agricultura e deixarem a industrialização para uma época
futura, quando suas populações estiverem bem alimentadas.
O desenvolvimento econômico mundial, porém, demons-
tra que só com a industrialização avançada tem sido possível ele-
var o nível nutricional do povo, através da elevação dos seus ní-
| 89 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

veis de rendimentos. A agricultura é importante por muitos moti-


vos e os governos de países africanos preocupados com elevar os
níveis de seus povos estão devotando maiores investimentos à
agricultura. Mas mesmo para fazer com que a agricultura produza
mais, é necessária a ajuda da produção industrial; e o mundo sub-
desenvolvido não pode ficar eternamente colocado à mercê dos
mais industrializados. Essa dependência forçosamente diminui a
razão de crescimento da nossa agricultura e a torna subserviente
às exigências dos produtores industriais.
É, por isso, que não podemos aceitar afirmações tão radi-
cais como as que fez o Professor Leopold G. Scheidl, da Escola
de Economia de Viena, em recente reunião do Congresso Geográ-
fico Internacional, em Londres, comentou:
“Os povos das nações em desenvolvimento parecem pensar
que tudo o que lhes é necessário para se tornarem tão ricos quanto
o Ocidente é construir fábricas. A maioria dos peritos concorda em
que é mais sábio e muito mais promissor desenvolver a agricultura
para que atinja a autossuficiência e em seguida o nível de uma
economia de mercado” (The Times, 24 de Julho de 1964).
Essa linha de pensamento liga-se diretamente à do presi-
dente de Booker Brothers, Sir Jock Campbell, cuja associação de
companhias está atarefada monopolizando a indústria de açúcar e
subprodutos de açúcar na Guiana Britânica, a navegação e o co-
mércio nos Caraíbas e África Oriental e penetra agora no Oeste
do continente africano. Sir Jock Campbell afirmou no discurso
anual do Escritório Africano em Londres, no dia 29 de Novembro
de 1962 que “a agricultura é a base do desenvolvimento da África
e que as plantações são um método efetivo de aumentar o poten-
cial econômico”.
Sir Jock Campbell comentou que “enquanto a agricultura
industrializada empregar homens com liberdade de movimenta-
ção, é preferível, em termos tanto de eficiência como de liberda-
de, às fazendas coletivas comunizadas cujos resultados ficaram
aquém da expectativa tanto na Rússia como na China” (The Ti-
mes, 30 de Novembro de 1962).
O autor não parece ter convencido os trabalhadores do
açúcar na Guiana Britânica e é um ponto discutível se ele conse-
guiu convencer dos benefícios da sua filosofia de agricultura
“com liberdade de movimentação” os trabalhadores de suas com-
| 90 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

panhias na Niasalândia, Rodésia e África do Sul. Mesmo os de-


fensores científicos do esquema imperialista têm ciência das fa-
lhas em suas diretivas, mas astuciosamente atribuem a ambições
políticas e não à necessidade econômica e social a ênfase que os
países em desenvolvimento dão à industrialização.
Um representante europeu da Universidade de Malaia, Sr.
D. W. Fryer, falando durante a reunião da Conferência Geográfi-
ca Internacional a que foi feita uma referência anterior, disse que
“um aumento da eficiência das tradicionais indústrias exportado-
ras nas nações subdesenvolvidas era uma medida óbvia, mas poli-
ticamente pouco atraente.
Sugeriu então continuar aceitando a antiga economia co-
lonial… O industrialismo era uma parte integral do movimento
nacionalista. Sua inspiração não era econômica, mas política, e os
resultados políticos frequentemente eram mais importantes do
que a eficiência econômica, na locação de uma indústria nova”.
O aumento de eficiência administrativa na produção de
matérias-primas e o aperfeiçoamento a preços correntes de mer-
cado representam um lucro para o imperialismo e uma perda para
nós. Isso foi bem esclarecido por um personagem da categoria do
presidente do Banco de Londres e América do Sul, Sir George
Bilton, este foi citado, no The Financial Times de 6 de março de
1964, como estando certo de haver um aumento nos preços das
utilidades, que teria considerável efeito sobre o câmbio.
Em benefício de quem? Sir George fornece a resposta.
“Deve fortalecer as moedas de reserva, a libra esterlina e o dó-
lar”, afirmou. Por quê?
Porque estando presos a essas moedas “os produtores de
matéria-prima estarão acumulando suas sobras em saldos em dó-
lares e libras”. Isso parece ser menos do que a confissão direta do
grande interesse do mundo bancário e financeiro na exploração
das nações em desenvolvimento. É interessante, portanto, notar
que os agentes de transferências do Banco em Londres são Patiño
Mines & Enterprises Consolidated, a associação de firmas, con-
trolada por norte-americanos, que opera minas na América Latina
e no Canadá, intimamente associada com os grupos dedicadas a
explorar os recursos naturais da África.
Não somos, certamente, contra o mercado e o comér-
cio. Pelo contrário, somos a favor do alargamento de nossas
| 91 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

possibilidades nessas esferas e estamos convencidos de que


seremos capazes de ajustar a balança a nosso favor, simples-
mente desenvolvendo uma agricultura adequada às nossas
necessidades e apoiando-a com uma industrialização rapida-
mente crescente que romperá o padrão neocolonialista atu-
almente em vigor.
Um continente como a África, por mais que aumente sua
produção agrícola, não lucrará com isso a não ser que esteja poli-
ticamente e economicamente unido para forçar o mundo desen-
volvido a pagar um preço justo pelas suas colheitas primordiais.
Tanto Gana como a Nigéria, por exemplo, desenvolveram,
enormemente, sua produção de cacau no período de independên-
cia do pós-guerra, como mostra o quadro. Esse resultado não foi
atingido por acaso.
É consequência de inversões internas elevadas, no contro-
le da doença e das pestes, no subsídio a inseticidas e máquinas
pulverizadoras fornecidas aos fazendeiros e na importação de se-
mentes de novas variedades do cacau que são resistentes às doen-
ças endêmicas contraídas pelos antigos cacaueiros.
Por meios como esses, a África, em seu conjunto, aumen-
tou grandemente a produção de cacau, enquanto a da América
Latina permanecia estacionária.
Que vantagem Nigéria e Gana tiveram desse estupendo
aumento de produtividade agrícola?
Em 1954/55, quando a produção de Gana era de 210 mil
toneladas, o rendimento obtido com sua safra de cacau foi de 85 e
meio milhões de libras.
No ano de 1964/65, com uma safra estimada em 590 mil
toneladas, a estimativa de recebimento do exterior é de cerca de
77 milhões. A Nigéria atravessou uma experiência semelhante.
Em 1954/55 produziu cerca de 89 mil toneladas de frutos e rece-
beu pela safra 39 milhões e 250 mil libras.
Em 1965, estima-se que a Nigéria produzirá 310 mil tone-
ladas e provavelmente receberá por isso cerca de 40 milhões. Em
outras palavras, Gana e Nigéria triplicaram sua produção desse
determinado produto agrícola, mas os recebimentos brutos obti-
dos dele caíram de 125 milhões de libras para 117 milhões.
| 92 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Produção de Cacau
Toneladas Longas Indez
1949/50 =100
Gana Nigéria Gana Nigéria
1949/50 248.000 99.000 100 100 1950
1950/51 262.000 110.000 106 111 1951
1951/52 211.000 108.000 85 109 1952
1952/53 247.000 109.000 100 110 1953
1953/54 211.000 97.000 85 98 1954
1954/55 220.000 89.000 89 90 1955
1955/56 237.000 114.000 96 155 1956
1956/57 264.000 135.000 106 136 1957
1957/58 207.000 81.000 83 82 1958
1958/59 255.000 140.000 102 141 1959
1959/60 317.000 155.000 128 157 1960
1960/61 432.000 195.000 174 197 1961
1961/62 410.000 191.000 165 193 1962
1962/63 422.000 176.000 170 170 1963
1963/64 421.000 217.000 170 219 1964
1964/65 590.000 310.000 238 313 1965

Um estudo detalhado de produção e preço mostra que é o


país desenvolvido consumidor que tira a vantagem do aumento da
produção do menos desenvolvido. Enquanto os produtores agrí-
colas africanos estiverem desunidos, serão incapazes de controlar
os preços dos seus produtos primários no mercado. Como de-
monstrou a Aliança dos Produtores de Cacau, qualquer organiza-
ção que esteja baseada num mero acordo comercial entre produ-
tores primários é insuficiente para garantir um preço mundial jus-
to. Isso só pode ser obtido quando o poder unificado das nações
produtoras é controlado por uma orientação comum, política e
econômica, e tem por trás de si os recursos financeiros unidos dos
Estados interessados. Enquanto a África continuar dividida, se-
rão, portanto, as ricas nações consumidoras que vão ditar o preço
das colheitas e de exportação. Ainda assim, mesmo que a África
pudesse ditar o preço de suas colheitas no mercado, isso por si só
não criaria o equilíbrio econômico necessário ao desenvolvimen-
to. A solução tem que ser a industrialização.
| 93 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O continente africano, no entanto, não pode esperar se in-


dustrializar efetivamente ao acaso, no sistema laissez-faire da Eu-
ropa. Em primeiro lugar, há o fator tempo. Em segundo, os méto-
dos socializados de produção e tremendos investimentos huma-
nos e de capitais implicados exigem o planejamento coeso e inte-
grado. A África precisará trazer em sua ajuda todo o seu engenho
e talentos latentes, a fim de enfrentar o desafio que a independên-
cia e as exigências de melhores condições de vida para seus po-
vos se erguerem. O desafio não pode ser enfrentado aos pedaços,
mas somente através da mobilização total dos recursos do conti-
nente dentro do quadro de planejamento e desdobramento socia-
listas compreensivos.
Já chamamos a atenção para o fato de que nos países que
tem o maior número de colonos estrangeiros – e consequente-
mente os mais explorados até o presente, na África – Argélia,
Congo, Quênia, Marrocos, Rodésia, Malawai, África do Sul,
Tanganica, a agricultura é predominante. No caso da África do
Sul, a área mais altamente desenvolvida do continente africano, a
contribuição da agricultura e da mineração, somadas, iguala a da
indústria, manufatura e construção. A economia da África do Sul
é consideravelmente reforçada pela exportação do produto de su-
as minas. O outro contribui com até 70 por cento da exportação
total, o que torna a economia, apesar de sua aparente prosperida-
de e do investimento estrangeiro fortemente crescente, basica-
mente quase tão insegura quanto das nações menos desenvolvidas
do continente. Não obstante todas as suas indústrias secundárias
ativadoras, sua manufatura de produtos químicos, produção mili-
tar, fabricação de aço, e do resto, a África do Sul não conseguiu
até agora criar a base de uma sólida industrialização. G.E. Me-
nell, presidente da Anglo-Transvaal Consolidated Investiment
Company, que controla ouro, diamantes e urânio, fez uma decla-
ração muito reveladora no seu discurso anual de 6 de dezembro
de 1963 à assembleia de acionistas.
“A economia da nação está baseada, num grau significativo,
em bens que se esgotam – as minas de ouro do Transvaal e do Estado
Livre de Orange. Certificamo-nos disso, cada vez mais claramente,
nos últimos anos, à medida que novas minas se aproximam do final
de suas vidas sem qualquer sinal de novos campos auríferos grandes,
apesar dos muitos milhões que estão sendo aplicados na pesquisa”.
| 94 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O investimento na economia da África do Sul provém


principalmente de capital ocidental, ao qual os meios financeiros
locais que não tem força suficiente para se manterem por si mes-
mos, estão fortemente ligados.
Lucros rápidos são incentivos, de modo que embora o pre-
sidente da Anglo-Transvaal veja o perigo para a economia, ainda
assim ficou satisfeito por poder anunciar que em 1963 foram ou-
tra vez alcançados lucros sem precedentes.
O conjunto da economia está subordinado aos interesses
do capital estrangeiro que a domina. As estimativas bancárias sul-
africanas, como as da maioria dos outros Estados africanos, são
ramos das casas bancárias e financeiras do Ocidente. A África do
Sul é dominada pelo monopólio ocidental ainda mais do que
qualquer outro setor do continente, porque os investimentos são
muitas vezes maiores e a dependência do ouro e outros produtos
de mineração como centro da economia liga-a firmemente às en-
grenagens desse monopólio. Sua vulnerabilidade é agravada pelo
fato de ser um fornecedor de matérias-primas e produtos semia-
cabados às fábricas do Ocidente em maior escala do que o restan-
te da África, obtendo maiores lucros para seus financiadores. A
Nigéria revela, em algumas cifras fundamentais, uma história di-
versa de desajustamento econômico. Em 1960, a agricultura, sil-
vicultura e pesca respondiam por 63 por cento. O desequilíbrio é
ressaltado pelo índice extremamente baixo de dois por cento para
a indústria e manufatura, eliminando de imediato qualquer com-
paração com a contribuição de um por cento da mineração e de
quatro por cento da agricultura para o produto econômico total
dos Estados Unidos. No caso dos Estados Unidos, essa proporção
baixa sustenta uma vasta superestrutura de indústria e manufatu-
ra. Na Nigéria, revela simplesmente um desprezo total, sob o co-
lonialismo, das potencialidades nigerianas. A razão para isso não
está no fato de que a Nigéria esteja desprovida de recursos indus-
triais naturais, como confirmam as recentes descobertas de petró-
leo e ferro.
Está em que a agricultura na Nigéria acarretava maior lu-
cro ao investimento europeu do que os riscos acarretados pelos
maiores fornecimentos de capital exigidos pela prospecção e ex-
ploração das minas. Em 1962, o petróleo e os produtos de petró-
leo contribuíram com 9,9 por cento para as exportações da Nigé-
| 95 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ria, mas é a Shell-BP que espera colher a maior parte dos benefí-
cios. O grosso dessa exportação foi em óleo cru, mais de três mi-
lhões de toneladas. A companhia estabeleceu uma meta de expor-
tação de cinco milhões de toneladas para 1965. As refinarias fi-
cam na Europa, não na Nigéria. A refinaria em construção em
Port Harcourt é de propriedade da Shell-BP; o conduto de gás
natural é de propriedade de Shell-Barclays D.C. & O.
A refinaria deverá processar apenas dez por cento da pro-
dução de óleo cru da Nigéria e seus produtos servirão apenas ao
mercado interno nigeriano. Esse arranjo permite não perturbar as
operações fora da Nigéria enquanto obtém super-lucro nas opera-
ções nigerianas.
De um modo geral, apesar dos custos de prospecção, que
são de qualquer maneira descontados no imposto e muitas vezes
cobertos por lucros eventuais, a mineração demonstrou ser uma
aventura muito lucrativa para o investimento de capital estrangeiro
na África. Seus benefícios para os africanos, por outro lado, apesar
de toda a frívola conversa em contrário, foram desprezíveis.
Isso se explica pela ausência de indústria e manufatura ba-
seadas na utilização de recursos naturais domésticos, e do comér-
cio que as acompanha. Pois a produção da mineração é destinada,
principalmente, à exportação em sua forma primária. Certas ex-
ceções a essas generalizações podem ser encontradas na África
do Sul, Zâmbia e Congo. Um pouco de conversão tem ocorrido
também em países como Marrocos, Argélia, Moçambique. O Co-
bre da África do Sul é exportado em forma de metal e pequena
parte do seu ferro é enviado ao exterior em lingotes. O ouro é re-
finado. A não ser por essas exceções, a maioria dos minerais ex-
portados é embarcada na África em seu estado primário. Vão
alimentar as indústrias e fábricas da Europa, América e Japão.
O minério que deverá ser produzido na Suazilândia pela
Swaziland Iron Ore Development Corporation (propriedade con-
junta da Anglo-American Corporation e do poderoso grupo britâ-
nico do aço, Guest Keen & Nettlefolds) irá para um grupo japo-
nês do aço, à razão de um milhão e 200 mil toneladas anuais.
Quando as nações de origem são obrigadas a comprar de
volta seus minerais e outras matérias-primas sob a forma de pro-
dutos acabados, fazem-no a preços brutalmente elevados.
Um anúncio da General Electric, publicado no número de
| 96 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

março-abril 1962 de Modern Government, informa-nos que “do


coração da África para os fornos das fundições de aço mundiais
vem minério para um aço mais forte, melhor – aço para constru-
ção, máquinas e mais trilhos”.
Com esse aço da África, a General Electric fornece o
transporte para trazer outros minerais valiosos para seu próprio
uso e o de outros grandes exploradores imperialistas. Em verboso
fraseado, o mesmo anúncio descreve como “no fundo da selva
tropical da África Central fica um dos mais ricos depósitos de
minério de manganês”. Mas será para as necessidades da África?
Absolutamente não. O local, que está “sendo aberto pelo
grupo francês, Compagnie Minière de l’Ogooue, fica no Rio
Ogooue, na República do Gabão. Depois de ser retirado, o miné-
rio será inicialmente transportado em vagonetes suspensos duran-
te 80 quilômetros. Depois será transferido a vagões de minério e
puxado durante 500 quilômetros por locomotivas diesel, até o
porto de Point Noire, onde será embarcado para as usinas de aço
do mundo”. A expressão “são do mundo” deve ser lida como dos
Estados Unidos, primeiro, e da França, em segundo. Exploração
desse tipo só é possível por causa da balcanização do continente
africano. Balcanização é um importante instrumento do neo-
colonialismo e é necessariamente encontrada onde quer que o
neocolonialismo seja praticado.
| 97 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

2 Obstáculos ao
progresso econômico

Falando sobre a África Ocidental, em 1962, a Comissão


Econômica das Nações Unidas para a África ressaltou:
“Poucas outras regiões do mundo mostram uma tal multi-
dão de Estados relativamente pequenos, do ponto da mesma im-
portância é a América Central”.
A África Ocidental está de fato dividida em 19 Estados di-
ferentes, independentes, e inclui dois enclaves coloniais possuí-
dos por Espanha e Portugal.
A população da área é aproximadamente um terço da po-
pulação total da África, mas a população média dos países inde-
pendentes, à exclusão da Nigéria, é de cerca de dois a três mi-
lhões de habitantes. É engano, no entanto, considerar mesmo a
Nigéria como uma exceção à política de balcanização praticada
pelos senhores coloniais.
A constituição imposta à Nigéria quando da independên-
cia dividia o país em três regiões (que depois passaram a quatro)
frouxamente ligadas em base federativa, mas com suficientes po-
deres reservados às regiões para poderem arruinar qualquer pla-
nejamento econômico em conjunto.
Se os outros estados da África são exemplos de balcaniza-
ção política, a Nigéria é um exemplo de balcanização econômica.
Gana, com uma população de mais de sete milhões, só escapou a
um destino semelhante por causa da resistência oposta pelo Gover-
no do Partido Popular da Convenção ao plano britânico de criar
não menos do que cinco regiões, algumas com população inferior a
um milhão, mas todas possuindo suficientes poderes para derrotar
um planejamento centralizado. Quênia, que também foi forçada a
| 98 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

aceitar um tipo similar de constituição, quando da independência,


apenas recentemente conseguiu instituir um regime unificado.
Quando a França encontrou pela frente a possibilidade de ser
forçada a aceitar alguma forma de independência, ou, pelo menos,
um autogoverno para os territórios das antigas federações coloniais
da África Ocidental Francesa, uma série de medidas de balcanização
foram tomadas pelo Governo francês. A Loi-Cadre de 1956 estabe-
lecia as fronteiras dos atuais Estados de língua francesa.
O processo de desmatamento iniciado pela Loi-Cadre foi
completado pelo referendo de 1958 sobre a Constituição da Quin-
ta República Francesa. Cada um dos territórios criados pela Loi-
Cadre foi chamado a decidir separadamente se desejava permane-
cer como um território da França no ultramar, uma república au-
tônoma dentro da Comunidade Francesa, ou ser independente.
Teresa Hayter, assistente de pesquisa do Instituto Britânico de
Desenvolvimento do Ultramar, no número de Abril de 1965 do
jornal do Real Instituto Britânico de Assuntos Internacionais,
descreveu o processo:
“Os territórios deviam tomar decisões em separado; eram
portanto eles, e não as Federações da África Ocidental e Equato-
rial, que deviam legalmente herdar os poderes da França; não foi
tomada medida alguma para reforçar as instituições federativas e
na verdade estas foram desmanteladas após o referendo e chaga-
ram formalmente ao fim em abril de 1959. O propósito original
das federações fora capacitar as colônias e se sustentarem, através
de uma redistribuição de suas rendas; Senghor, particularmente,
acusou com amargura a França de “balcanizar” a África na Loi-
Cadre… Com a escolha de tal modo predisposta, somente a Gui-
né votou contra a Constituição; todas as demais tornaram-se re-
públicas autônomas, membros da Comunidade Franco-Africana”.
Temendo que o exemplo da Guiné pudesse ser seguido
por outros Estados que haviam decidido se unir à Comunidade, o
Governo francês retirou do território tudo o que tivesse valor.
Administradores e professores foram removidos. Documentos e
até lâmpadas elétricas foram tiradas dos prédios da Administra-
ção. Assistência financeira, apoio comercial e o pagamento de
pensões aos veteranos de guerra da Guiné foram suspensos.
Apesar da pressão assim exercida sobre a Guiné, os res-
tantes Estados franceses foram forçados pela pressão interna a
| 99 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

buscar a independência política. Isso destruiu a concepção, usu-


almente associada ao General De Gaulle, criador da Comunidade
Francesa, de um grupo não soberano de Estados africanos, cada
qual ligado separadamente à França. As “repúblicas autônomas”,
uma depois da outra, obtiveram a soberania internacional mas sob
condições tão adversas que foram obrigadas de fato a manter to-
dos os laços militares, financeiros, comerciais e econômicos do
período colonial anterior. Para terem a possibilidade de chegarem
a existir como Estados independentes, esses antigos territórios
franceses foram forçados a aceitar a “ajuda” francesa até para fa-
zer diante das suas despesas comuns.
A “ajuda” francesa às nações em desenvolvimento é, pro-
porcionalmente à renda nacional da França, a mais alta do mundo
e é, em termos absolutos, a segunda. Quase toda essa “ajuda” é
absorvida por compromissos na África e perto da metade vai para
os 14 Estados que eram anteriormente repúblicas autônomas e
cuja população total é apenas ligeiramente maior do que a da Ni-
géria. Ajuda desse tipo pode ditar as relações da África com o
mundo desenvolvido e, como a experiência demonstrou, ser ex-
tremamente perigosa para quem a recebe.
A ajuda francesa à África nasceu originalmente da vanta-
gem que firmas e indivíduos franceses obtinham da zona africana
do franco e isso determinou o esquema segundo o qual a ajuda
ainda é dada. Enquanto as relações criadas pela ajuda eram pro-
veitosas à França, ela naturalmente continuou. Era realmente uma
taxa cobrada aos contribuintes franceses em benefício de indiví-
duos e firmas francesas.
O valor global dessa política para a França era o de que,
em troca de mercados e preços garantidos para produtos primá-
rios coloniais, como café, cacau, amendoim, banana e algodão, os
Estados africanos tinham que importar da França quantidades fi-
xas de certos bens, como maquinaria, produtos têxteis, açúcar e
farinha de trigo, então sem condições de competir em preço ou
supérfluos na Europa, e além disso os Estados eram forçados a
limitar suas importações de países fora da zona do franco. Embo-
ra esse esquema tornasse insensato qualquer plano de comércio
interafricano, foi, durante um período, altamente rendoso para a
França. Com a queda do preço mundial dos produtos primários,
esses proventos começaram a diminuir, assim como o entusiasmo
| 100 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

pela “ajuda” na França. No momento, o máximo que se pode di-


zer em favor da ajuda francesa é que não tira agora, como no pas-
sado, um proveito real para a França em detrimento dos Estados
menos desenvolvidos do seu antigo império africano. Teresa
Hayter resume a situação do seguinte modo:
“A França não ganha nem perde, nessas transações com os
Estados: ajuda, investimento privado, despesas do Governo francês
e importações da África são equilibradas pelas exportações para a
África, repatriação de capital e remessas de lucros e salários”.
Esse estado de coisas não é mais considerado vantajoso
para a França. O Relatório Jeanneney, publicado em 1964 e ex-
pressando o ponto de vista oficial francês, frisou que o sistema
protetor da zona francesa não era mais do interesse da França e o
Relatório consequentemente aconselhava a redistribuição da aju-
da francesa. De qualquer forma, a França e o Relatório conse-
quentemente aconselhavam a redistribuição da ajuda francesa. De
qualquer forma, a França tinha que cumprir suas obrigações para
com o Mercado Comum Europeu. Sob a nova Convenção de As-
sociação que entrou em vigor em meados de 1964, os seis mem-
bros do Mercado Comum Europeu deviam alcançar, por estágios,
a situação de uma área de livre comércio e isso não permite mais
à França discriminar em favor dos estados africanos, nem permite
a esses Estados discriminar contra os associados da França no
Mercado Comum.
As exportações desses Estados, ao fim de um período de
cinco anos, terão que acompanhar os preços mundiais. Em conse-
quência disso, a produção de matérias-primas, criada ante a pro-
messa de garantia de mercados e preços, provavelmente não con-
seguirá alcançar nível competitivo nas condições mundiais. É di-
fícil imaginar como o Senegal, particularmente, poderá se haver
sem um subsídio francês para seu amendoim e o Presidente Sen-
ghor já chamou a atenção para a séria situação econômica em que
isso põe o seu país.
De fato, o limitado neocolonialismo do período francês
está agora sendo dissolvido no neocolonialismo coletivo do Mer-
cado Comum Europeu, que permite a outros Estados, até aqui fo-
ra da área reservada francesa, lucrarem com o sistema.
Racionaliza, também, a divisão da África em zonas econô-
micas baseadas na Europa, ao incluir quatro outros Estados. O
| 101 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Congo (Leopoldville), Burundi e Ruanda são, como antigas colô-


nias belgas, ligados ao sistema econômico belga, e a Somália, é
também incluída como um Estado associado do Mercado Comum.
Um agrupamento como esse provoca os problemas mais
amplos do neocolonialismo africano e acentua sua natureza irres-
ponsável. Dos Estados desmembrados das antigas colônias fran-
cesas, um deles, a Guiné, foi capaz, com grande sofrimento e
perdas, é verdade, de se libertar do tipo de controle neocolonialis-
ta imposto aos demais. Mali foi forçada a aceitar algumas das re-
gras e regulamentos que governam as relações enter as antigas
colônias francesas e a França, mas, pelo menos, instituiu a sua
própria moeda, limita as transferências de dinheiro para o exterior
e recebe da França apenas uma garantia parcial da paridade de
sua moeda com o franco.
No caso de todos os outros Estados, suas moedas foram
estabilizadas em uma paridade fixa com o franco e tem a garantia
total do Tesouro francês. Esses Estados pagam os seus ingressos
de francos franceses através de contas de operação, no Tesouro
francês. Essas contas podem sofrer retiradas além do saldo e os
Estados podem levantar fundos, com a garantia de suas próprias
moedas, sem limite. No entanto, naturalmente, seja qual for a si-
tuação teórica, a posição financeira internacional desses países
está sujeita a controle, uma vez que a qualquer momento suas
contas de operação no Tesouro francês podem ser bloqueadas,
como foi feito no caso da Guiné. A maioria dos Estados interes-
sados, de qualquer maneira, não tem força necessária para enfren-
tar semelhante pressão, como fez a Guiné.
Por que então, pode-se perguntar, esses poderes não foram
suficientes para permitir à França persuadir esses Estados a segui-
rem a atual orientação exterior francesa, baseada num conceito de
“terceira força”? A França não apoiou os Estados Unidos e a Bél-
gica na sua intervenção “humanitária” no Congo, em Stanleyville.
Ao contrário da Grã-Bretanha e outras nações do Mercado Co-
mum, a França opôs-se abertamente à política dos Estados Unidos
em São Domingos, reconheceu a República Popular da China e
recomendou a neutralização do Vietnã. No entanto, apenas uma
minoria dos Estados africanos, aparentemente sob o controle neo-
colonial francês, acompanhou a linha francesa. A maioria deles
recusou-se a reconhecer a China ou a criticar, de modo algum, a
| 102 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

política dos Estados Unidos. Na verdade, comportam-se de modo


que sugere estarem mais sob a influência dos Estados Unidos do
que da França. A resposta a esse aparente paradoxo será encontra-
da, espero, nos capítulos seguintes deste livro no qual procuro ex-
plicar o poder e ramificações do controle financeiro internacional.
Aqui temos um super Estado que pode às vezes até contrariar os
desejos políticos do país que é nominalmente o senhor neocolonial.
O controle dos fundos dos Estados africanos sob o neoco-
lonialismo francês é exercido pelo conselho administrativo dos
seus bancos centrais, que são compostos parcialmente de france-
ses, sem concordância nenhuma decisão sobre política monetária
pode ser tomada. Esse complexo bancário francês, com seu con-
trole absoluto das moedas e pagamento externos dos Estados ne-
ocoloniais, poderia, teoricamente, ditar esses Estados que acom-
panhassem a política francesa. O complexo, no entanto, está por
sua vez sujeito, pela maneira adiante descrita, as pressões exter-
nas que apoiam mais a orientação dos Estados Unidos do que a da
França, quando surge uma diferença de opiniões.
Parte do valor de iniciar um estudo do neocolonialismo
em seu contexto africano está em que esse estudo fornecerá
exemplo para todos os tipos do sistema.
É impossível definir a situação africana em termos de Esta-
dos independentes, divididos entre o campo não-alinhado e o neo-
colonialista, colônias e Estados racistas a África do Sul. Na África,
todas as antigas colônias que agora se tornaram independentes, in-
cluindo particularmente a África do Sul, estão sujeitas a um certo
grau de pressões neocolonialistas às quais, por mais que queiram
resistir, não podem inteiramente escapar, por mais que lutem.
A diferença está realmente entre os Estados que aceitam o
neocolonialismo como política e os que lhe resistem. Do mesmo
modo, o problema colonial da África é, sob muitos aspectos, re-
almente neocolonial. Os territórios africanos portugueses pare-
cem à primeira vista levantar apenas a questão da liberdade do
domínio colonial, mas, na verdade, existem como colônias so-
mente porque Portugal é, em si, um Estado neocolonial. Durante
os últimos 50 anos as grandes potências consideram as colônias
portuguesas como fichas que podem passar às mãos uma das ou-
tras para reajustar o equilíbrio de força. Em 1913, ingleses e ale-
mães rubricaram um acordo dividindo-as e isso só foi impedido
| 103 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

pelo início da Primeira Guerra Mundial. No período de apazi-


guamento anterior à Segunda Guerra Mundial, quando pensaram
que Hitler podia ser comprado com uma oferta de território colo-
nial, as colônias portuguesas foram novamente encaradas como o
preço adequada do suborno. Se Portugal controla hoje essas colô-
nias é apenas por causa da força militar que lhe advém da aliança
da OTAN. Portugal, no entanto, não é membro da OTAN porque
possa dar qualquer assistência militar à aliança, mas porque é
uma maneira conveniente pela qual o território português pode
ser posto à disposição das forças dos demais membros da aliança.
Na outra extremidade da escala está a colônia francesa da
Somália. Continua a existir como uma colônia não porque a
França fosse resistir à pressão para lhe conceder a independência,
mas por causa da desunião africana.
É um ponto de disputa entre a Somália e a Etiópia. A de-
sunião africana conserva a colônia. Se fosse ser entregue a qual-
quer uma das suas duas vizinhas, isso quase inevitavelmente pro-
vocaria um conflito entre elas. A Rodésia, embora teoricamente
uma colônia, é realmente uma forma fossilizada do tipo inicial de
neocolonialismo, praticado na África Meridional até a formação
da União da África do Sul.
A essência do sistema rodesiano é não empregar indiví-
duos retirados do povo do próprio território para administrar o
país, como no tipo mais novo de Estado neocolonial, mas utilizar,
em lugar disso, uma minoria estrangeira.
A maior parte da classe dirigente europeia da Rodésia veio
para a colônia depois da Segunda Guerra Mundial, mas são eles e
não os habitantes africanos ─ que os ultrapassam em número à ra-
zão de 16 por um ─ que a Grã-Bretanha considera o “Governo”.
Esse estado racista está protegido da pressão externa por-
que de acordo com a lei internacional é uma colônia britânica,
enquanto a própria Grã-Bretanha desculpa-se do seu fracasso em
exercer seus direitos legais para impedir a opressão e exploração
dos habitantes africanos (as quais naturalmente ela oficialmente
reprova) por causa de uma suposta convenção parlamentar britâ-
nica. Em outras palavras, ao manter a Rodésia nominalmente co-
mo uma colônia, a Grã-Bretanha na verdade dá a sua proteção
oficial, como a uma segunda África do Sul, e os racistas europeus
ficam livres de tratar os habitantes africanos como lhes convém.
| 104 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O sistema rodesiano tem assim todas as características do


modelo neocolonialista. A potência senhorial, Grã Bretã, cede a
um governo local, sobre o qual diz não ter controle, poderes ili-
mitados e exploração ilimitada dentro do território. No entanto, a
Grã-Bretanha conserva ainda poderes para excluir outras nações
de intervir, seja para liberar sua população africana ou para levar
a sua economia para outra zona de influência. As manobras a res-
peito da “independência” da Rodésia são um excelente exemplo
das atividades do neocolonialismo e das dificuldades práticas a
que o sistema dá azo. Uma minoria europeia de menos de um
quarto de milhão de pessoas não poderia manter, nas condições
atuais da África, o domínio sobre quatro milhões de africanos
sem apoio externo de alguma parte. Quando os colonizadores fa-
lam em “independência” não estão pensando em se firmar sobre
os próprios pés, mas simplesmente em procurar um novo senhor
neocolonialista que pudesse, do ponto de vista deles, merecer
mais confiança que a Grã-Bretanha.
Como se verá nos capítulos seguintes, o moderno neocapi-
talismo está baseado no controle de Estados independentes por
gigantescos interesses financeiros. Esses interesses frequentemen-
te atuam através ou em prol de um determinado Estado capitalis-
ta, mas são perfeitamente capazes de agir por iniciativa própria e
forçar essas nações imperiais nas quais têm um interesse domi-
nante a acompanharem sua orientação. Há, no entanto, um tipo
mais antigo de neocolonialismo baseado primariamente em con-
siderações militares.
Uma potência mundial, tendo decidido de acordo com
princípios de estratégia global que lhe é necessário possuir uma
base militar neste ou naquele país nominalmente independente
precisa assegurar-se de que o país onde a base está situada é ami-
gável. Eis mais um motivo para a balcanização. Se a base pode
ficar situada num país que é de tal maneira constituído, economi-
camente, que não pode sobreviver sem uma “ajuda” substancial
da potência militar que possui a base, então, alegam, a base pode
ficar garantida. Como muitas das outras afirmações em que se
baseia o neocolonialismo, essa é falsa.
A presença de bases estrangeiras provoca a hostilidade
popular contra os arranjos neocolonialistas que as permitem, mais
pronta e certamente do que qualquer outra coisa, e através de toda
| 105 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

a África essas bases estão desaparecendo. A Líbia pode ser citada


como exemplo do fracasso dessa política.
A Líbia tem uma longa história colonial. A partir do sécu-
lo XVI foi uma colônia turca, mas em 1900, no apogeu do colo-
nialismo, a França e a Itália concordaram em que, se a Itália não
se opusesse à França ocupar Marrocos, a França não se oporia à
Itália ocupar a Líbia. Então, quando em 1911 e 1912 a França
ocupava o Marrocos, a Itália entrou em guerra com a Turquia e,
derrotando-a, anexou a Líbia. Apesar das promessas feitas ao po-
vo da Líbia durante a Segunda Guerra Mundial de que jamais
voltariam a ficar sujeitos ao domínio italiano, a França tentou du-
rante os acordos de paz conseguir que a Itália fosse reinstalada na
Líbia, a fim de apoiar sua própria posição da Tunísia. Como essa
solução demonstrou ser impossível, a Líbia tornou-se nominal-
mente independente sob o controle neocolonialista britânico.
Segundo os dados corrigidos pelo Instituto Britânico de
Desenvolvimento no Ultramar, durante o período de 1945 a 1963
a Líbia recebeu nunca menos de 17 por cento da ajuda bilateral
total que a Grã-Bretanha deu a todas as nações estrangeiras fora
da Commonwealth nesse período.
O Instituto de Desenvolvimento do Ultramar ressalta que
“embora esses pagamentos à Líbia fossem registrados como aju-
da”, não há dúvida de que são, no fundo, pagamentos diretos ao
Governo líbio em troca do uso das bases”. Apesar disso, a pres-
são popular na Líbia tornou necessário, agora, ao Governo líbio,
encerrar o acordo militar para as bases britânicas.
Não se deve permitir que essas limitações à independência
real de muitos países da África obscureçam as enormes realiza-
ções alcançadas na luta pela independência e unidade africanas.
Em 1945 a África compreendia principalmente os territó-
rios coloniais de potências europeias e a ideia de que a maior par-
te do continente seria independente dentro de 20 anos teria pare-
cido impossível a qualquer observador político no período poste-
rior à guerra. E, no entanto, não apenas a independência foi al-
cançada, mas foi feito considerável progresso no caminho da cri-
ação da unidade africana. Há ainda obstáculos poderosos a essa
unidade, mas não são maiores do que os obstáculos já vencidos e,
se a sua natureza for compreendida, são transponíveis.
A massa do povo africano já apoia – e essa será o fator
| 106 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

decisivo, afinal – a unidade da mesma maneira por que anterior-


mente apoiou os vários movimentos locais de independência polí-
tica. Muitos dos líderes políticos da África Ocidental Francesa,
por exemplo, não apoiaram de início a independência. Em 1946,
na Assembleia Nacional Francesa, da qual era membro, o Presi-
dente da Costa do Marfim, Houphouet-Boigny, afirmou que “não
há separatistas nestas cadeiras… há um laço poderoso, capaz de
resistir a todas as experiências, um laço moral que nos une. É o
ideal de liberdade, fraternidade, igualdade, para cujo triunfo a
França jamais hesitou em sacrificar o seu mais nobre sangue”.
A mesma política de manter a unidade com a França era
então defendida pelo Presidente Senghor, do Senegal, que disse:
“A união francesa precisa ser uma conjunção de civilizações, uma
fusão de cultura… é mais um casamento do que uma associação”.
Foi a pressão da massa pela independência que forçou es-
ses líderes a inverterem suas posições anteriores e se declararem a
favor da soberania nacional.
Do mesmo modo que a pressão de massa tornou impossível
a um líder africano se opor à independência, hoje a pressão de
massa lhe torna impossível se opor abertamente à unidade africana.
Os que são contra a unidade só demonstram sua posição
através de meios indiretos: sugerindo que estamos indo depressa
demais para ela; que este ou aquele plano é impraticável ou que há
dificuldades processuais que lhes impedem dar assistência na for-
mação de um plano prático para a unidade. A causa da unidade
africana é muito poderosa e a massa do povo está certa. Somente
quando as fronteiras artificiais que a dividem forem eliminadas, a
fim de criar unidades econômicas viáveis e finalmente uma só uni-
dade africana, a África será capaz de se desenvolver industrialmen-
te, em seu próprio interesse e, a longo prazo, no interesse de uma
economia mundial sadia. É necessária uma moeda comum e co-
municações de todos os tipos precisam ser desenvolvidas para
permitir o livre curso de bens e serviços. A Comissão Econômica
para a África frisou várias vezes a necessidade de planejamento
econômico em escala continental. O caráter inadequado do plane-
jamento nacional pode ser demonstrado com um relance às eco-
nomias de, por exemplo, Mali, Alto Volta, Niger e Uganda. Esses
Estados interiores, que exportam grandes quantidades de produtos
alimentícios para outros Estados africanos, não podem continuar
| 107 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

indiferentes aos esquemas de autossuficiência agrícola adotados


por seus vizinhos. Do mesmo modo, um Governo nacional, ao pla-
nejar a criação de uma indústria nova, pode verificar que seu vizi-
nho está desenvolvendo uma igual. Essa duplicação redundaria
provavelmente em recursos desperdiçados, se cada um dos dois
estiver contando exportar os excedentes para o vizinho.
Poucos discutiam a necessidade de planejamento econô-
mico em escala nacional. O argumento do planejamento conti-
nental é muito mais forte. A tendência moderna é para grandes
unidades econômicas e políticas, à medida que cresce a interde-
pendência entre nações e povos. Nenhum país pode ser inteira-
mente auto suficiente ou se dar ao luxo de ignorar os aconteci-
mentos políticos fora de suas fronteiras. A África está claramente
fragmentada em um número demasiado de Estados pequenos, an-
tieconômicos e inviáveis, muitos dos quais estão tendo que lutar
duramente para sobreviver. Como já foi apontado, outros tiveram
que se agarrar a antigos laços com senhores coloniais de ontem e
se tornaram presa fácil para forças neocolonialistas. Alguns deles
se viram, quer gostassem ou não, metidos na guerra fria e em ri-
validades entre potências estrangeiras. O Congo é um notável
exemplo disso. Naturalmente, cada Governo nacional está pri-
mordialmente preocupado com o bem-estar de seus cidadãos. Só
se pode esperar que concorde em sua política de unificação se os
benefícios imediatos e a longo prazo se tornarem tão evidentes
que seja positivamente prejudicial aos seus cidadãos não coope-
rar. Enfrentamos aqui o problema do crescimento econômico de-
sigual. Algumas nações africanas são mais ricas do que outras em
recursos naturais. Os menos afortunados precisarão de garantias
de que seus interesses não sofrerão prejuízos nas mãos dos Esta-
dos mais desenvolvidos.
A experiência anterior de união não foi animadora. A li-
gação entre as Rodésias e Niasalândia beneficiou particularmente
a Rodésia do Sul. Quênia foi o principal ganhador com o Merca-
do Comum do Leste Africano, e Uganda e Tanganica, na melhor
das hipóteses, tiveram apenas lucros marginais. Nas antigas fede-
rações coloniais francesas, os benefícios da unidade econômica
tendiam a se centralizar em Brazzaville, Abidjan e Dakar. Esses
exemplos reforçam ainda mais o argumento do crescimento eco-
nômico planejado para o continente, de modo a que todos os Es-
| 108 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tados possam se beneficiar da industrialização e outras melhorias


tornadas possíveis pela direção unificada. As nações mais ricas
terão capacidade de ajudar as mais pobres. Recursos podem ser
somados e projetos de desenvolvimento coordenados para elevar
os níveis de vida de todo africano. O fator tempo é importante.
Como indicou a Comissão Econômica para a África (CEA), agora
é o momento de agir, antes que cada Estado se envolva profun-
damente demais em grandes investimentos e decisões de estrutura
baseados em mercados estreitos, nacionais. A cada mês, os inte-
resses estrangeiros do neocolonialismo tomam um controle mais
apertado da vida econômica da África. A penetração relativamen-
te recente das grandes companhias estadunidenses na África indi-
ca mais uma vez o perigo do neocolonialismo. Da mesma manei-
ra, a união de grandes firmas para formar poderosos monopólios.
Como alguns dos nossos Estados menores podem esperar
negociar com êxito com poderosas associações estrangeiras, al-
gumas das quais controlam impérios financeiros de valor superior
à renda total do Estado? Quanto menor o Estado e mais formidá-
veis os interesses estrangeiros, menores as possibilidades de al-
cançar as condições para independência econômica.
Gana, por exemplo, por causa do seu tamanho econômico
e indústrias alternadas, tem tido melhor condição para barganhar
com as companhias de alumínio do que Togo, muito menor e
economicamente mais limitado, pode esperar ter ao negociar com
os interesses franceses de fosfato.
O domínio da economia da África por firmas estrangeiras
precisas terminar para termos um crescimento econômico conjun-
to e isso só pode ser alcançado através de uma ação unificada.
Algo da natureza de uma revolução econômica é necessário.
Nosso desenvolvimento tem estado contido por muito
tempo pela economia de tipo colonial. Precisamos nos reorgani-
zar inteiramente, para que cada país possa se especializar na pro-
dução de bens e de safras a que melhor se ajuste.
Com a unidade econômica, essas nações da África que es-
tão começando a criar indústrias modernas teriam o benefício de
mercados mais amplos. Estaríamos todos em melhor posição para
negociar, a fim de alcançar preços mais altos pelos nossos produ-
tos, e criar impostos adequados sobre rendimentos de agentes es-
trangeiros. Na verdade, um padrão totalmente novo de desenvol-
| 109 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

vimento econômico se tornaria possível. A agricultura poderia ser


modernizada mais rapidamente, com maior capital à sua disposi-
ção. Indústrias, em escala maior e mais econômica, poderiam ser
planejadas. Estas teriam condições econômicas para utilizar novas
técnicas que exigem pesado desembolso de capitais. Fábricas me-
nores, planejadas para atender apenas às necessidades nacionais,
tendem a apresentar custos maiores e são eventualmente menos
capazes de reduzir os custos do que unidades de tamanho ideal.
Órgãos de planejamento nacional teriam ainda um papel
muito importante a desempenhar em uma África unificada. Forne-
ceriam, por exemplo, informações essenciais sobre condições de
local, mas seu trabalho se tornaria mais fácil com o conselho expe-
riente e a ajuda de um único órgão planejador que visse os interes-
ses da África como um todo. A pesquisa e treinamento em projetos
de desenvolvimento que já estão sendo realizados pelo Instituto de
Desenvolvimento da CEA em Dakar seriam fortalecidos para ser-
vir tanto aos órgãos continentais como aos nacionais. Fracassos
onerosos, devido à falta de coordenação, seriam evitados. Um caso
específico é o projeto da represa Inga, que deverá fornecer energia
para uma refinaria de açúcar, um complexo de plásticos e painéis
prensados (do bagaço da cana) em Bangui, que por sua vez remete-
rá os plásticos, em volume, a uma indústria de produtos plásticos
em Brazzaville. Naturalmente, deveria haver um órgão planejador
capaz de programar e harmonizar a sequência de construção das
fábricas de Brazzaville e Bangui, das linhas de transmissão de for-
ça desde Inga a Bangui e Brazzaville, e os serviços de transporte
enter Bangui e Brazzaville e a própria represa.
No processo de alcançar a unidade econômica, é de se es-
perar ásperas barganhas entre os vários Estados.
A integração de diferentes aspectos de política econômica
se fará em ritmos diferentes e poderá haver atrasos decepcionan-
tes e soluções conciliatórias a serem encontradas. Mas em face da
vontade de vencer, as dificuldades podem ser resolvidas.
De um modo geral, quanto mais ampla a frente em que for
lançada a unidade econômica, tanto mais rapidamente poderão
ser alcançados os objetivos e diretrizes de uma África plenamente
desenvolvida. Um órgão planejador para toda a África poderia
tomar medidas imediatas para o desenvolvimento de indústria e
energia em grande escala; para a remoção de barreiras ao comér-
| 110 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cio interafricano; e para a criação de um banco central e a forma-


ção de uma política unificada sobre todos os aspectos de controle,
tarifas e acordos de cota de exportação. A CEA realizou vários
levantamentos com o objetivo de fornecer informações para auxi-
liar a tomar decisões sobre esses pontos.
Entre as necessidades imediatas estão a fabricação na
África de maquinaria agrícola de todos os tipos, para acelerar a
modernização da agricultura. Precisamos de suprimentos de equi-
pamento elétrico, para utilizar na crescente produção de energia
elétrica essencial ao crescimento industrial. Maquinaria industrial
e de mineração precisa ser produzida na África a fim de baixar o
custo do aproveitamento de nossos recursos minerais. Maquinaria
de construção e produtos alimentícios, químicos, fertilizantes e
plásticos, tudo isso é urgentemente necessário e a África precisa
produzi-lo para atender às suas próprias necessidades.
Os relatórios das Missões de Coordenação Industrial da
CEA a diferentes regiões da África sugerem que a produção de
ferro e aço, metais não ferrosos, instrumentos de engenharia, pro-
dutos químicos e fertilizantes, cimento, papel e têxteis devem ser
desenvolvidos em uma base interafricana, uma vez que sua efici-
ência depende de produção em grande escala. Outras indústrias
que podem funcionar eficientemente em escala menor podem ser
planejadas nacionalmente.
A localização das várias indústrias dependerá, natural-
mente, de muitos fatores, como a facilidade de acesso à energia
elétrica, depósitos minerais, proximidade de fábricas de proces-
samento, mercados e assim por diante. A produção de alumínio e
cobre, por exemplo, terá que ser desenvolvida nos países onde os
recursos essenciais, minério e energia barata, são encontrados. A
manufatura de produtos de alumínio e cobre, no entanto, não pre-
cisa ter lugar nos países que produzem os metais. Da mesma ma-
neira, a produção de algodão está limitada a certas regiões climá-
ticas, enquanto que as indústrias têxteis de algodão possam ser
criadas mais adiante.
Cada Estado africano tem alguma contribuição a fazer ao
todo econômico. Não há, por exemplo, depósitos conhecidos de
potassa na África Ocidental, mas se as necessidades podem ser
supridas pela África do Norte, Etiópia e possivelmente também
pelo Congo (Brazzaville) e Gabão. Planos para a produção de fer-
| 111 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tilizante nitrogenado em Zâmbia já foram feitos. A fábrica pode-


ria ser suprida com carvão da Rodésia (Zimbábue) e energia de
baixo custo de Victoria Falls. Quênia, com suas grandes reservas
florestais, poderia tornar-se o centro de um complexo de destila-
ção de madeira capaz de suprir os países da África Central e Ori-
ental com gás, acetona, metanol e piche. Há muitos outros exem-
plos, demasiadamente numerosos para apresentar.
A necessidade urgente de planejar o desenvolvimento in-
dustrial em escala continental não deve, no entanto, nos cegar pa-
ra a necessidade igualmente importante de fazer o mesmo para a
agricultura, pesca e silvicultura. Dudley Sneers em O Papel da
Indústria No Desenvolvimento: Algumas Falácias ressaltou a in-
terdependência da agricultura e da indústria: “São necessários
materiais para indústrias em desenvolvimento; o que é mais im-
portante, a crescente força operária na cidade precisa ser alimen-
tada e isso implica em que um excedente cada vez maior tem que
ser produzido no campo… Dar demasiada ênfase à indústria, co-
mo descobriram alguns países às suas próprias custas, leva para-
doxalmente, no fim, a um índice mais lento de industrialização”.
Os Estados africanos estão importando maiores quantida-
des de alimento do exterior do que nunca.
Essa tendência precisa ser interrompida por uma expansão
cuidadosamente planejada de nossa própria agricultura.
Como em uma indústria, pode haver especialização, de
modo que cada região ou Estado se concentre nos produtos agrí-
colas que têm melhores condições para fornecer. Por exemplo, é
um desperdício que cada Estado africano ocidental procure ser
autossuficiente em arroz quando o distrito de Casamance, no Se-
negal, poderia bem ser capaz de suprir a necessidade. Do mesmo
modo, Mali e Volta Superior são obviamente exportadores de
carne fresca, enlatada e processada, enquanto os Estados litorâ-
neos forneceriam peixe fresco, enlatado e defumado.
Outro argumento a favor de uma política agrícola unifica-
da está implícito na necessidade de aumentar os esforços para
combater muitos dos obstáculos ao crescimento econômico. Ga-
fanhotos, a mosca tsé-tsé e doenças vegetais não respeitam fron-
teiras políticas. A pesquisa para o seu controle teria benefícios de
uma conjunção de cérebros e experiência técnica. O mesmo acon-
teceria à medicina e serviços sociais. Como seria maior a possibi-
| 112 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

lidade de eliminar as grandes doenças epidêmicas, como a ce-


gueira dos rios e a doença do sono, se a ação contra elas fosse
coordenada e unificada. A vantagem de orientação unificada mili-
tar e diplomática tanto para nossa própria segurança como para
alcançar a liberdade para todas as partes da África é tão evidente
que não necessita comentários.
Transportes e comunicações são também setores onde é
necessário o planejamento unificado. Estradas, ferrovias, canais,
linhas aéreas devem ser postos ao serviço das necessidades afri-
canas e não das exigências de interesses estrangeiros. As comuni-
cações entre Estados africanos são inteiramente inadequadas. Em
muitos casos ainda é mais fácil viajar de um aeroporto, na África,
até a Europa ou América, do que de um Estado africano para ou-
tro. Para ser efetiva, a unidade econômica deve ser acompanhada
da unidade política. As duas são inseparáveis, ambas necessárias
à futura grandeza do nosso continente, e ao pleno desenvolvimen-
to de seus recursos. Há vários exemplos de importantes uniões de
Estados no mundo de hoje. Em A África Precisa Unir-se, descre-
vi algumas das mais importantes e adverti quanto ao perigo de
federações regionais na África.
A África é hoje o principal terreno de ação das forças ne-
ocolonialistas que buscam o domínio do mundo pelo imperialis-
mo a que servem. Estendendo-se da África do Sul, Congo, Rodé-
sia, Angola, Moçambique, formam uma conexão complexa com
os mais poderosos monopólios financeiros internacionais do
mundo. Esses monopólios estão estendendo suas organizações
bancárias e industriais através do continente africano. Seus porta-
vozes protegem-lhes os interesses nos parlamentos e governos do
mundo e participam de órgãos internacionais que supostamente
existem para promoção da paz mundial e do bem-estar das nações
menos desenvolvidas. Contra tão formidável falange, como po-
demos agir?
Certamente não em caráter isolado, mas em uma combi-
nação que dará força ao nosso poder de negociação e eliminará
tantas das duplicações que dão maior força e maior vantagem aos
imperialistas em sua estratégia de neocolonização.
Descolonização é uma palavra insincera e frequentemente
usada pelos porta-vozes imperialistas para descrever a transferên-
cia de controle político, da soberania colonialista para a africana. A
| 113 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mola mestra do colonialismo, no entanto, continua controlando a


soberania. As nações novas são ainda as fornecedoras de matérias-
primas, as velhas de produtos manufaturados. A alteração das rela-
ções econômicas entre as novas nações soberanas e seus antigos
senhores é apenas de forma. O colonialismo encontrou um novo
disfarce. Tornou-se o neocolonialismo, o último estágio do imperi-
alismo; sua última proclamação de existência, como o capitalismo
monopolista ou imperialismo é o último estágio do capitalismo.
E o neocolonialismo está se entrincheirando rapidamente,
hoje, dentro do corpo da África, através de combinações de con-
sórcios e monopólios que são os carpetbaggers da revolta africa-
na contra o colonialismo e o desejo de unidade continental.
Esses interesses estão centralizados nas companhias mine-
radoras da África Central e do Sul. Da mineração, ramificam-se
em uma trama complexa de companhias de investimento, interes-
ses manufatureiros, organizações de transporte e utilidade públi-
ca, indústrias de petróleo e químicas, instalações nucleares e mui-
tas outras empresas demasiadas numerosas para se enunciar. Suas
empresas derramam-se pelo vasto continente africano e através
dos oceanos, para a América do Norte, Austrália, Nova Zelândia,
Ásia, Caraíbas, América do Sul, Reino Unido, Escandinávia e a
maior parte da Europa Ocidental.
Ligações, diretas ou indiretas, são mantidas com muitos
dos gigantes da indústria e finança estadunidenses. São sustenta-
das por proeminentes banqueiros, financistas e industriais do
Reino Unido, França, Bélgica, Alemanha, América do Norte e
outras partes. As listas de componentes das suas diretorias estão
cheias de nomes que soam familiarmente aos ouvidos dos que
têm um mínimo de conhecimento de indústria e finanças interna-
cionais. Nomes como Oppenheimer, Hambro, Drayton, Roth-
schild, D'Erlanger, Gillet, Lafond, Robiliard, Vander Straten,
Hochschild, Chester Beatty, Patino, Engelhard, Timmins, estão
em todas. Outros, igualmente poderosos nos interesses que domi-
nam, evitam a publicidade das longas listas de diretores, quer pela
completa ausência das páginas das listas ansiosas por anunciar
suas glórias, quer ocultando timidamente sua eminência por trás
de um anúncio isolado com nome e endereço.
Essas intrincadas interconexões dos grandes monopólios
imperialistas revelam as forças reais que estão por trás dos acon-
| 114 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tecimentos mundiais. Indicam também a trama que liga esses


acontecimentos às nações em desenvolvimento em diferentes
pontos do globo. Revelam a dualidade dos interesses que forçam
os países em desenvolvimento a importar bens e serviços que são
produzidos por companhias combinadas com os grupos monopo-
listas que exploram diretamente seus recursos naturais ou estão
intimamente ligadas a eles. Essa é a guilhotina de dois gumes que
amputa da África a riqueza africana, para o maior enriquecimento
das nações que absorvem suas matérias-primas e as devolvem sob
a forma de produtos acabados.
Em meio à sua recente independência, é a esses mesmos
grupos monopolísticos que os novos Estados africanos são obri-
gados a se dirigir, para suprirem as exigências nascidas da neces-
sidade de estabelecer as bases para a sua transformação econômi-
ca. A política de não-alinhamento, sempre que é exercida, impõe
a obrigação de escolher onde comprar, mas desde que o capita-
lismo chegou ao auge do monopólio, é impossível a qualquer um
de nós evitar negociar com o monopólio, de uma forma ou de ou-
tra. Mas é na natureza de nossos entendimentos com os monopó-
lios que está a liberdade ou não dos Estados africanos. Onde cri-
amos e mantemos a integridade de nossas instituições financeiras
e mantemos nossos projetos fundamentais livres do controle im-
perialista, deixamos uma margem para manobrar para fora do al-
cance do neocolonialismo, que infelizmente fechou suas garras
sobre países cuja independência está encoberta por uma profunda
dependência de associações extra-africanas. Nessa atmosfera de
liberdade relativa, os gigantescos interesses que inauguram em-
presas industriais em nosso solo o fazem através de acordos que
ficam bem limitados e fazem parte do progresso nacionalmente
planejado. Os bancos nacionais são verdadeiramente bancos na-
cionais, formados e operados com os próprios recursos do país, e
nossas demais instituições financeiras e econômicas são protegi-
das da infiltração neocolonialista.
Infelizmente, essas condições são raras na África. A maio-
ria dos territórios passa ao estado de soberania nacional em cir-
cunstâncias que inibem mesmo uma pequena liberdade de movi-
mentos dentro das fronteiras nacionais. Essas circunstâncias po-
deriam ser superadas, mas somente dentro da força combinada
que uma unidade continental e uma política socialista central de
| 115 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

conjunto poderiam dar. Como estão as coisas, a maioria de nossos


novos Estados, alarmados ante as perspectivas do mundo áspero
de pobreza, doença, ignorância e falta de recursos financeiros e
técnicos, em que são lançados do ventre do colonialismo, relutam
em romper o cordão que os liga à mãe imperialista. Sua hesitação
é reforçada pela água com açúcar da ajuda, meio-termo entre a
avidez da fome e a maior alimentação esperada, que nunca chega.
Como resultado, verificamos que o imperialismo, tendo se adap-
tado à perde de controle político direto, conservou e estendeu o
seu domínio econômico (e consequentemente sua força política)
pelo artifício da insinuação neocolonialista.
A expansão cada vez maior da capacidade produtiva e da
produção potencial das nações capitalistas avançadas têm como
corolário a necessidade de exportarem escala geometricamente
crescente os produtos acabados da indústria e o excesso de capital
que só poderia inflacionar ainda mais a competição dentro do
próprio país, mas que traz prontamente altos lucros das novas na-
ções industrialmente famintas.
Daí a disputa febril para obter posição nessas áreas, assim
como na do monopólio de matérias-primas, que está usando a
África como campo de ação não apenas da guerra fria (um aspec-
to da luta pela existência do capitalismo contra o socialismo) mas
da batalha competitiva do monopólio internacional. As exporta-
ções estadunidenses para a África aumentaram de 10,3 por cento
em 1959 para 13,7 por cento em 1962, enquanto as dos demais
países ocidentais e do Japão continuavam na mesma ou declina-
vam ligeiramente.
Isso corresponde aos crescentes investimentos norte-
americanos nas indústrias extrativas do continente e no aumento
de participação dos Estados Unidos nos estabelecimentos finan-
ceiros do continente. As casas bancárias estadunidenses estão en-
trando em território anteriormente servidos exclusivamente por
bancos europeus e britânicos.
Os bancos franceses ainda dominam nos antigos territó-
rios franceses e os belgas no Congo, mas isso constitui frequen-
temente uma fachada para a participação estadunidense.
Os assessores financeiros europeus dão constantemente
conselhos às nações africanas sobre as vantagens que podem ter
conservando-se associadas ao antigo “país mãe”, ao mesmo tem-
| 116 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

po que depreciam as possibilidades da associação interafricana.


O comentarista do Financial Times, Lombard, usa de muita
sutileza. Em artigo publicado na edição de 6 de fevereiro de 1964
desse influente jornal londrino, produto da companhia industrial
que publica também o The Economist, Lombard afirmava que
“não há muito que as nações africanas possam fazer diretamente
para se ajudarem financeiramente entre si, neste estágio da sua
evolução econômica”. Lombard, consequentemente , declarava-se
“satisfeito ao ver que as nações independentes da África estão ago-
ra começando a reconhecer que lhes é de grande interesse preser-
var os laços monetários com as principais nações europeias, herda-
dos dos tempos coloniais... Elas (as africanas) obviamente tiveram
fortes suspeitas de que o entusiasmo demonstrado pelas antigas
‘nações mães’, ao lhes permitir que continuassem dentro de suas
áreas monetárias, era motivado principalmente, senão totalmente,
por considerações de interesse próprio. E (as africanas) estão incli-
nadas a concluir que isso significava que seus próprios objetivos
seriam melhor defendidos fazendo seguir à independência política
a sua equivalente financeira, o mais cedo possível”.
Lombard assegurou a seus leitores que os africanos de-
monstraram sabedoria quando o secretariado da CEA, auxiliando
a Organização da Unidade Africana a dar cumprimento à sua re-
solução sobre a possibilidade de criar uma união de estabeleci-
mentos de redesconto africanos, teve o bom senso “de pedir o
conselho da eminente autoridade monetária estadunidense, Pro-
fessor Triffin, da Universidade de Yale”.
Será de surpreender que em seu relatório o eminente pro-
fessor norte-americano tenha ressaltado que “seria extremamente
imprudente condenar ou romper levianamente os acertos finan-
ceiros com companhias comerciais e centros financeiros de maior
importância”? Isso, naturalmente, nós poderíamos considerar co-
mo penetração neocolonialista, mas para Lombard é apenas um
lado da questão.
Pois há dois mundos, e as nações africanas “devem agora
se esforçar por obter o melhor dos dois mundos, conservando e
mesmo desenvolvendo as relações que têm com as principais
áreas monetárias internacionais e ao mesmo tempo construindo
seus próprios mecanismos financeiros de ajuda interna”.
Como é possível conciliar duas contradições, Lombard não
| 117 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

se oferece para explicar, mas o que confessa é que esse inconciliá-


vel procedimento em duas direções “teria nada menos do que a
aprovação plena dos seus atuais associados de área monetária”.
Isso diz muito e não temos dificuldade em crer no que diz,
pelo simples fato de que os que controlam as principais áreas
monetárias internacionais estão colocando suas bombas de tempo
dentro dos “mecanismos de ajuda interna” das nações africanas.
Pois esses mecanismos são controlados pelos monopolis-
tas financeiros do imperialismo, os banqueiros e financistas que
estiveram muito ocupados durante os dois últimos anos criando
estabelecimentos por toda a África, infiltrando-se no coração
econômico de muitos países e ligando-se às mais importantes
empresas que estão sendo criadas para explorar os recursos natu-
rais do continente, em escala maior do que nunca, para seu pró-
prio lucro.
Embora o objetivo dos neocolonialistas seja o domínio
econômico, não limitam suas operações à esfera econômica. Uti-
lizam os velhos métodos colonialistas da infiltração religiosa,
educacional e cultural.
Por exemplo, nos Estados independentes, muitos professores
expatriados e “embaixadores culturais” influenciam as mentes dos
jovens contra o próprio país e o povo. Fazem isso solapando a confi-
ança no Governo nacional e no sistema social, através da exaltação
de suas noções próprias de como um Estado deve ser administrado e
esquecem de que não há monopólio sobre o saber político.
Mas toda essa subversão indireta nada é, em comparação
ao assalto acintoso dos capitalistas internacionais. Aí está o “im-
pério”, o império do capital financeiro, de fato, se não de nome:
uma vasta rede de atividades intercontinentais em escala altamen-
te diversificada, que controla as vidas de milhões de pessoas nas
regiões mais afastadas do mundo, manipulando indústrias inteiras
e explorando o trabalho e riquezas de nações para a satisfação
voraz de alguns.
Aí reside a mola mestra do poder, a direção das orienta-
ções políticas que se opõem à onda crescente da libertação dos
povos explorados da África e do mundo. Aí está o inimigo incan-
sável da independência e unidade africanas, ligado uma cadeia
internacional de interesses comuns que considera a provável uni-
ão das novas nações como sério golpe contra a continuação do
| 118 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

seu domínio sobre os recursos e economias dos outros.


Aí, na verdade, estão as engrenagens reais do neocolonia-
lismo. Aí, na verdade, estão as ramificações econômicas dos mo-
nopólios grupos de empresas. Seus impérios financeiros e
econômicos são pan-africanos e só podem ser enfrentados em ba-
se pan-africana. Só uma África unida, através de um Governo de
uma União Africana poderá derrotá-los.
| 119 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

3. Finança imperialista

Esta é a dura realidade da situação de hoje na África, um


processo que tem continuado e crescido desde a invasão da África
pelas potências europeias e estrangeiras. Ganhou um tremendo
impulso nos últimos anos com o agravamento da luta entre os an-
tagonizas imperialistas e entre capitalismo e socialismo.
O imperialismo foi analisado por Lênin como o mais alto
estágio do capitalismo. Sua exposição foi redigida em plena
Guerra Mundial (1916), que fora desencadeada para determinar a
primeira grande revisão da supremacia imperialista. Ele traçou o
desenvolvimento desigual do capitalismo, que levou os recém-
chegados como a Alemanha e os Estados Unidos a formarem car-
téis e sindicatos antes dos que haviam começado primeiro, e as-
sim os conduziu mais cedo ao estágio mais elevado de monopó-
lio, de onde se desafiavam mutuamente e desafiavam o restante
do imperialismo mundial. O capitalismo monopolista, por meio
de uniões, fusões, acordos de patentes, acertos de vendas, cotas
de produção, fixação de preços e uma série de outros mecanismos
comuns, se constituíra em uma confraria internacional. Por causa
do seu caráter competitivo, no entanto, enraizado no princípio da
produção para lucro privado e no desenvolvimento desigual do
capitalismo, a luta dos monopólios continuou dentro das combi-
nações internacionais. O agravamento dos conflitos entre os trus-
tes e grupos industriais e financeiros europeus e norte-
americanos, pelo redivisão dos recursos mundiais de matérias-
primas e mercados para investimento de capital e artigos manufa-
turados, explodiu em guerra quando se tornaram intensos demais
para ficarem contidos nos limites da diplomacia. A guerra de
1914-18 trouxe a redivisão dos setores coloniais do globo. Ao
mesmo tempo, criou a oportunidade para uma brecha socialista na
| 120 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cadeia de imperialismo que rodeava o mundo.


O triunfo da revolução de outubro na Rússia representou
um golpe severo para o capitalismo monopolista internacional.
Daí por diante, ele enfrentava não apenas a batalha pela hegemo-
nia dentro de suas próprias fileiras, mas, o que era muito pior, foi
forçado a se engajar em luta defensiva contra uma ideologia
oposta. Essa ideologia havia alcançado um êxito significativo ao
retirar um sexto da superfície da terra do campo de operações do
capitalismo monopolista, fato que este nunca perdoou e nem per-
doará, e ameaçava solapara força do imperialismo em outros pon-
tos estratégicos que haviam se enfraquecido sob os golpes da
guerra. Com o fracasso da guerra intervencionista para subjugar o
novo Estado socialista, um “cordão sanitário” foi esticado em
torno da União Soviética para impedir que a contaminação socia-
lista se espalhasse a outras partes da Europa.
O fascismo foi encorajado a sustentar o capitalismo em pon-
tos nos quais este fora seriamente danificado e enfrentava o descon-
tentamento popular, como na Alemanha e na Itália, e a reforçá-lo
nesses postos avançados que eram e continuam sendo apêndices se-
micoloniais do imperialismo ocidental, Espanha e Portugal.
Esses artifícios, no entanto, não eram capazes de dominar
as repetidas crises que se desencadeavam no próprio coração do
capitalismo e agravavam as acirradas disputas entre imperialis-
mos rivais, que explodiram numa Segunda Guerra Mundial, em
1939. Desse holocausto, o socialismo emergiu como um desafio
muito mais ameaçador ao capitalismo do que jamais fora antes.
Ao mesmo tempo, nós, os povos dos “impérios longínquos” do
imperialismo, havíamos compreendido que podíamos ter o con-
trole do nosso próprio destino e começamos a fazer nossa exigên-
cia de independência como nações. Assim, o imperialismo come-
çou a ser desafiado em mais uma frente, a frente colonialista,
numa época em que a ciência havia elevado a capacidade da ma-
quinaria produtiva do capitalismo, aumentando portanto a sua
necessidade de matérias-primas e mercados para novos materiais
primários produzidos quimicamente, produtos manufaturados e
emprego, no ultramar, de excedentes de capital cada vez maiores.
Desafiado pelo anticolonialismo e pelo socialismo, o imperialis-
mo está agora empenhado numa luta mortal pela sobrevivência
ante as forças que lhe são antagônicas e que estão se avolumando
| 121 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

por toda a terra, exatamente quando a luta interna, dentro dele


mesmo, se torna mais e mais brutal.
Nesse múltiplo combate, o imperialismo foi forçado a utili-
zar-se de muitos artifícios para continuar existindo através da per-
manência do processo colonialista sem a ajuda do controle colonial.
As grandes potências coloniais conseguiram monopolizar
o comércio exterior e a produção de matérias-primas agrícolas e
industriais nos territórios que lhes estão respectivamente sujeitos.
As colônias de uma nação menos industrializada como Portugal,
no entanto, que vem sendo há séculos um instrumento da Grã-
Bretanha e se tornou uma semicolônia da finança britânica, foram
dominadas pelo capital britânico, em parceria com os grupos ban-
cários internacionais com os quais está associado. O domínio fi-
nanceiro belga sobre o Congo, por causa das ligações íntimas das
instituições bancárias belgas com casas internacionais como
Rothschild, Lazard Frères e Schroder, por sua vez ligados aos
grupos Morgan e Rockefeller, era partilhado com a finança britâ-
nica, francesa e estadunidense. Os tributos arrancados através da
exploração colonial e semicolonial permitiram às classes capita-
listas das nações metropolitanas passar às suas classes trabalhado-
ras algumas das migalhas e assim comprá-las (especialmente líde-
res políticos e sindicais) quando os conflitos de classe em suas
sociedades se tornaram críticos. Ao mesmo tempo, a competição
por fontes de matérias-primas e a exportação de capital e de arti-
gos se intensificava à medida que melhoravam os métodos de
produção e os produtos saíam das fábricas em escala cada vez
mais maciça.
O desenvolvimento desigual do capitalismo trouxe novos
contendores à arena, que se incluíram nas rivalidades que haviam
surgido com a disputa original pelas colônias. As rivalidades se
agravaram até explodir em duas guerras mundiais que, muito em-
bora a piedosa palavrada sobre guerras para a preservação da de-
mocracia, foram, na realidade, guerras de redivisão do mundo
pelo capitalismo monopolista. “A guerra — ensinou-nos Clause-
witz — é a continuação da política por outros meios”. O que os
poderosos trustes foram incapazes de obter pela competição “pa-
cífica”, seu domínio sobre áreas cada vez mais extensas do mun-
do, levaram seus países a realizar por eles através da ação militar.
Isso não apenas lhes dá uma esfera mais ampla de operação ex-
| 122 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

clusiva, como também enfraquece os monopólios competidores.


A redivisão do mundo não está limitada aos setores menos
desenvolvidos, mas alcança áreas altamente industrializadas. A
importante região industrializada da Alsácia-Lorena foi um prê-
mio cobiçado das invasões alemãs da França, nas guerras de 1871
e 1939. A campanha de Hitler contra a Tcheco Eslováquia era
inspirada pelo desejo de anexar as manufaturas altamente desen-
volvidas da Boêmia e da Morávia aos trustes alemães.
Os capitalistas olhavam com água na boca, havia muito,
as ricas minas de carvão e as indústrias químicas e outras indús-
trias do Sarre, tão próximas do minério de Lorena, e aproveitaram
a oportunidade, nas discussões de paz em 1919, para tomá-las
para a Franca sob a forma de reparações. Um plebiscito posterior
ganhou novamente o Sarre para a Alemanha. Depois da Segunda
Guerra Mundial, um acordo entre os trustes De Wendell-
Schneider-Krupp conseguiu uma união alfandegária entre o Esta-
do do Sarre Alemão e a França, que na realidade torna o Sarre
uma dependência do império de carvão e aço de Wendell.
A Segunda Guerra Mundial terminou com a derrota de Hi-
tler e uma rejeição temporária ao capitalismo alemão, que foi for-
çado a se submeter a uma injeção revitalizadora da finança mo-
nopolista estadunidense. Ao mesmo tempo, produzia-se um soer-
guimento no mundo colonial que provocou o comentário de
Winston Churchill, de que não fora designado Primeiro-Ministro
da Grã-Bretanha para presidir à liquidação do Império Britânico.
Todas as belas e corajosas palavras pronunciadas sobre a liberda-
de que haviam sido difundidas pelo rádio aos quatro cantos da
terra, germinaram e cresceram num local onde não estava previs-
to que isso acontecesse.
A emancipação colonial tornou-se o fenômeno principal
do meio século, assim como a abolição da escravatura o foi no
período correspondente do século XIX, com consequências tam-
bém cruciais nas políticas e economias nacionais e internacionais.
O capitalismo do pós-guerra, que já havia sofrido um im-
pacto devastador após a Primeira Guerra Mundial com o apare-
cimento da União Soviética, sofreu nova derrota esmagadora com
a criação de regimes socialistas em numerosas nações da Europa
Central e Oriental e na China. Amplas fontes de matérias-primas
e mercados de investimento financeiro e de artigos de consumo
| 123 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

foram subtraídas ao seu campo de operações. A reconstrução in-


terna a princípio ocupou a atenção das nações europeias. Os Es-
tados Unidos, contando já com uma tremenda vantagem inicial
por terem entrado na guerra bem depois dos outros, pela sua imu-
nidade física a um ataque, e pelo enorme impulso dado à sua ca-
pacidade produtiva e inventiva por ser o principal fornecedor de
materiais e serviços de guerra, tomaram da Grã-Bretanha a lide-
rança do monopólio financeiro internacional.
Em resultado da sua primazia na esfera financeira, a polí-
tica externa dos Estados Unidos tomou uma direção inteiramente
oposta à sua posição de “isolamento esplêndido” de antes da
guerra, passando a ser de domínio dos assuntos mundiais. A
emersão dos novos Estados saídos da submersão colonial criou a
questão primordial de como manter essas nações dentro das rela-
ções coloniais, uma vez removido o controle evidente. Assim
nasceu uma fase no imperialismo, a da adaptação do colonialismo
à nova condição de eliminação do domínio político senhorial pe-
las potências coloniais, fase em que o colonialismo tem que ser
conservado por outros meios. Isso não quer dizer que a antiga
forma direta do colonialismo tenha sido completamente extinta.
Há evidências numerosas de como as potências imperiais
se apegam tenazmente aos seus territórios coloniais. Vietnã, Co-
reia, Suez, Argélia, todos são exemplos de até que ponto as na-
ções imperialistas vão para se agarrar fisicamente a colônias, ati-
tude reforçada pela interferência dos Estados Unidos como prota-
gonista na luta pelo controle monopolista mundial do capital fi-
nanceiro. Essa luta recebeu conteúdo ideológico ao ser invocado
o anticolonialismo como mola mestra da batalha para trazer de
volta o setor socialista do mundo ao controle explorativo do mo-
nopólio financeiro internacional. Cuba é o exemplo destacado dos
extremos a que esses grupos de nações irão no esforço para impor
a volta do seu controle onde ele foi expulso e manter o que consi-
deram um bastião estratégico na luta para a renovação do domí-
nio sobre o mundo socialista anti-imperialista. O controle dos re-
cursos petrolíferos é um motivador primordial de frenética competi-
ção entre monopólios. O Sarre era disputado entre a França e a
Alemanha por causa dos seus importantes recursos carboníferos. Da
mesma maneira, uma batalha por causa de petróleo se desencadeou
a partir da Primeira Guerra Mundial.
| 124 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O petróleo do Oriente Médio, na realidade, tornou-se um


importante objetivo naquela guerra e a luta prosseguiu depois do
conflito através de meios diplomáticos e econômicos dentro das
fronteiras nacionais e no plano internacional. A supremacia de
Rockefeller foi abertamente desafiada pelos grupos Morgan, que
forçaram entrada nos holdings da Anglo-Dutch, antiga reserva
dos Rothschilds, Lazard Frères, Banco Alemão e seus associados.
A furiosa batalha pelo monopólio petrolífero tem constitu-
ído um fator cardial na supressão dos movimentos populares em
áreas coloniais e semicoloniais do Oriente Próximo, Oriente Mé-
dio e Extremo Oriente, na América Latina e África do Norte.
A série de ocorrências no Irã, Iraque, Kuwait, Aden, Ará-
bia Saudita, Cuba, Venezuela, Brasil, Brunei e Argélia, explodin-
do em violência, revolução e guerra, tem sido em grande parte
estimulada pela luta pelo controle do petróleo. Descobertas de
petróleo em centros europeus, como em Groningen, Holanda,
trouxeram a competição para os centros bem industrializados,
exatamente como acontece com a competição por carvão e ferro.
A competição entre as combinações de grupos petrolíferos
não se limita à produção, mas se estende à distribuição de produtos
de petróleo e à nova indústria de subprodutos petroquímicos. Uma
batalha feroz está se desenvolvendo por todo o mundo, em resulta-
do do forte aumento da quantidade de petróleo consumida e da ex-
pansão territorial do consumo. A indústria petrolífera tem sido do-
minada, desde o seu início, pelos interesses bancários mais podero-
sos, os Rockefellers, Morgans, Rothschilds, por causa dos extraor-
dinários lucros que dá. Hoje, mesmo com os royalties maiores que
os trustes de petróleo foram obrigados a pagar às nações produto-
ras, seus lucros continuam subindo prodigiosamente.
As reservas dos trustes de petróleo elevam-se a bilhões.
Muito foi utilizado em investimentos no exterior, o nisso os Esta-
dos Unidos excederam longe os demais.
As reservas financeiras obtidas com o petróleo, devem se
acrescentar as tiradas dos monopólios de metal e outras matérias-
primas, do monopólio de alimentos e vastos impérios industriais e
agrícolas, da rede monopolística de distribuição e agências distri-
buidoras, dos preparativos militares e das várias guerras que fo-
ram empreendidas com povos coloniais desde o final da Segunda
Guerra Mundial, e finalmente do desenvolvimento de instrumen-
| 125 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tos de destruição nuclear e da corrida frenética pela liderança do


reino da pesquisa espacial.
O capitalismo contém muitos paradoxos, todos eles base-
ados no conceito de produção de utilidades: os poucos ricos e os
muitos pobres; pobreza e fome em meio à superabundância; as
campanhas de “liberdade da fome” e subsídios para a restrição de
safras. Mas talvez o mais cômico seja o constante tráfico nos
mesmos tipos de artigos, produtos e utilidades entre nações. Isso
não é feito por necessidade, mas pela compulsão do lucro e da
extensão do monopólio. O Mercado Comum Europeu tornou-se a
apoteose desse processo, assim como o campo de ação do inves-
timento internacional, dominado pelos gigantescos grupos bancá-
rios estadunidenses e seus satélites britânicos.
A Comunidade Europeia, da qual o Mercado Comum Eu-
ropeu constitui apenas um aspecto, não é absolutamente um con-
ceito novo. Foi delineado por Hobson em sua crítica do imperia-
lismo como “uma federação europeia de grandes potências que,
longe de levar à frente a causa da civilização mundial, poderia
criar o enorme perigo dos parasitas ocidentais, um grupo de na-
ções industriais avançadas cujas classes elevadas arrancassem
vastos tributos da Ásia e da África, com os quais sustentassem
grandes massas de dependentes, não mais engajados nas indis-
pensáveis indústrias de agricultura e manufaturas, mas conserva-
dos na execução de serviços pessoais ou industriais de importân-
cia secundária sob o controle de uma nova aristocracia financei-
ra”. É o imperialismo coletivo.
Foi precisamente o que sucedeu. A competição entre os
monopólios produziu o fenômeno da vasta publicidade e organiza-
ções de relações-públicas, que se ocupam em vender não apenas
artigos e serviços, mas também personalidades. Essas organizações
e os meios através dos quais operam — imprensa, rádio, cinema,
televisão — e as empresas que cuidam da embalagem das merca-
dorias empregam enormes exércitos de gente no que não passa de
empregos parasitários que não teriam lugar em uma sociedade
equilibrada que produza para o consumo e não para o lucro. No
sistema atual, somas enormes são investidas e ganhas pelos inte-
resses financeiros que participam da promoção dessas empresas.
Mas essa é apenas uma pequena faceta da atividade finan-
ceira febril que se desenvolve hoje no mundo capitalista. A cada
| 126 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

semana, cada mês, com uma regularidade quase monótona, ve-


mos os mesmos nomes se repetindo como lançadores de grandes
companhias, como fiadores e emissores de novas ações ou deten-
tores de debêntures, como articuladores em novas instituições
financeiras para obter métodos mais universais de investimento, e
como participante sem novas fábricas e especulações que esten-
derão o monopólio em novas direções e a mais territórios.
São especialmente laboriosos nas nações dos Seis e outras
que ainda esperam penetrar no Mercado Comum como membros
diretos ou associados. A redução das barreiras ao comércio foi o
sinal para a sua entrada. Na prática, algumas das mais importan-
tes nações europeias são servidores financeiros dos grupos domi-
nantes monopolistas banqueiros, os Morgans e os Rockefellers.
Apesar de todo o poder pertencente a bancos tão importantes co-
mo a Société Générale de Bélgique, o Banque de Bruxelles, Kre-
dietbank, Banque Lambert, a grupos industriais-financeiros bel-
gas como Solvay, Boel, Brufina-Cofinindus e Petrofina, a Bélgi-
ca, com Luxemburgo, seu apêndice, é na realidade uma colônia
financeira do capital de investimento norte-americano. Em 1959,
39 novas companhias foram criadas na Bélgica por estrangeiros.
No ano de 1961, o número de novas companhias “estrangeiras”
formadas havia subido a 237. As somas investidas do exterior
haviam aumentado de dois bilhões e 457 milhões de francos bel-
gas, em 1959, para seis bilhões e 664 milhões de francos belgas
em 1961. Desta última cifra, quase 60 por cento, ou seja, três bi-
lhões e 979 milhões de francos belgas, foram fornecidos por fon-
tes estadunidenses. Henry Coston, em seu livro revelador sobre as
ramificações da finança internacional, Europa dos Banqueiros,
declara que essa empresa não se limita ao território do reino e que
as ex-colônias belgas não foram causados pela luta sem quartel
que se desenvolve entre grupos financeiros rivais", conclui ele.
O capital financeiro norte-americano, naturalmente, agiu à
vontade na Alemanha durante a ocupação, após a guerra. A in-
dústria e finança alemãs, já ligadas à indústria e finança estaduni-
denses por acordos de cartéis e trustes, foram ainda mais penetra-
das pelos poderosos grupos monopolistas estadunidenses. Os gi-
gantescos bancos alemães, Deutsche Bank, Dresdner Bank, Dis-
konto Gesellschaft, Commerzbank; os possantes trustes Krupp,
Bayer, Badsche Anilin & Soda Fabrik, Hoechst, e Siemens, estão
| 127 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

todos ligados ao capital norte-americano e, de muitos modos, a


ele subordinados. Bancos e indústria italianos estão em situação
bem parecida. O Banco Commerciale Italiano, Banco di Roma,
Mediobanca, Credito Italiano, estão todos ligados de várias ma-
neiras ao capital financeiro norte-americano, seja direta ou indire-
tamente. Os exemplos podem ser estendidos através do mundo,
ao Japão, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Essa dependência
financeira dos Estados Unidos foi resumida por Lorde Bearsted,
presidente de M. Samuel & Co. durante a assembleia anual de
1963, ao comunicar a compra de 16,66 por cento da companhia
pelo grupo Morgan: “Não se faremos o primeiro banco a ter parte
do seu capital possuído por interesses norte-americanos”.
Essa lastimosa declaração é uma confissão pública da sub-
serviência europeia ao monopólio financeiro norte-americano, um
monopólio expresso nas alianças políticas e estratégicas que
amarram o capitalismo europeu ao norte-americano. Os estadistas
europeus estão profundamente cônscios de sua posição inferior,
mas, no fundo, sentem que pouco podem fazer para melhorá-la. O
ressentimento existe, no entanto, e na França se manifestou atra-
vés da posição firme do General De Gaulle a favor de uma força
de ataque nuclear individual, francesa; em sua aproximação com
o ex-Chanceler alemão, Adenauer; em suas tentativas de excluir a
Grã-Bretanha do Mercado Comum como a “mão de gato” dos
Estados Unidos; e mais recentemente em suas aproximações com
a China e sua excursão pela América Latina. Todos esses atos são
esforços para bloquear o domínio norte-americano da Europa e
exercer a ação independente francesa na frente internacional. Es-
sas tentativas, no entanto, têm pequena possibilidade de sucesso e
não podem causar mais do que uma impressão passageira sobre o
cenário mundial. São expressões dos profundos conflitos compe-
titivos dentro do imperialismo capitalista, que existem sob as ali-
anças e federações superficiais, conflitos oriundos do desenvol-
vimento desigual dos concorrentes, do desenvolvimento desigual
do capitalismo.
A Grã-Bretanha, como precursora da revolução industrial,
tornou-se a oficina do mundo, a movimentadora dos produtos
mundiais, a principal impulsionadora dos produtores mundiais,
com sede na City de Londres. Seu declínio iniciou-se com o de-
senvolvimento dos novos e mais vigorosos Estados capitalistas da
| 128 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Alemanha e Estados Unidos. As duas guerras mundiais foram um


teste da sua força contra as nações capitalistas formadas antes e
um teste entre as duas. Os Estados Unidos saíram triunfante de
ambas as vezes. Mesmo assim, a City de Londres só aos poucos
cede o lugar a Wall Street como símbolo da força do dinheiro
mundial. A City espera ressuscitar estendendo-se pelo Mercado
Comum Europeu, mesmo que tenha que o fazer aliado e subordi-
nado ao monopólio financeiro norte-americano. O capital supér-
fluo na França foi investido mais fortemente nas nações menos
avançadas da Europa — Rússia, Polônia, Hungria, Romênia —
do que o da Grã-Bretanha ou da Alemanha, embora estas também
estivessem grandes investimentos nas mesmas indústrias pesadas,
armamentos, minas e campos petrolíferos europeus. Todas, no
entanto, voltaram-se para as nações produtores de matérias-
primas, alienando algumas como colônias diretas, sob domínio
político, e explorando e tornando subservientes outras, como es-
feras de investimento, de modelo semicolonial.
Por causa do seu início posterior, o capitalismo alemão e
norte-americano levou adiante a união dos grupos industriais e o
monopólio do capital financeiro mais apressadamente do que a
Grã-Bretanha ou a França, cuja supremacia no plano colonial as-
segurava suas hegemonias, interligadas em vários pontos, embora
competidas no nível financeiro internacional. O monopólio finan-
ceiro alemão sofreu um golpe com a derrota de 1918, quando o
mundo colonial foi redividido e outra vez em 1945. O capitalismo
norte-americano, por outro lado, devido a vantagens geográficas e
territoriais (estas inerentes à união política) continuou a avançar
em passos largos e foi o vencedor real de ambas as guerras mun-
diais. A expansão do monopólio financeiro e industrial norte-
americano, no entanto, não se limitou à Europa. O equilíbrio da
força financeira ocidental começou a pender para a Ásia e África,
processo que fora acelerado desde o final da Segunda Guerra
Mundial, com o rompimento do domínio colonial.
Os muitos consórcios que estão sendo criados na maioria
dos novos Estados giram em grande parte em torno dos mesmos
grupos financeiros e industriais que se enraizaram firmemente
desde o início do domínio colonial. As alterações que possa haver
correspondem às mudanças de influência que ocorreram dentro
dos próprios grupos. A influência dominante é mantida pelas oni-
| 129 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

presentes formações estadunidenses de Morgan e Rockefeller,


com seus associados britânicos e europeus vindo atrás. O colonia-
lismo agonizante está revivendo nas coalizações internacionais do
neocolonialismo. Essas coalizões de organismos competidores
refletem o caráter global que o monopólio financeiro atingiu sob
o domínio do mais poderoso imperialismo: o dos Estados Unidos.
São um sinal da luta pela sobrevivência dos imperialismos mais
antigos contra o avanço tenaz da agressividade mais poderosa do
imperialismo norte-americano, cuja enorme força produtiva o le-
va cada vez mais longe.
Tentativas são feitas para adoçar os conhecidos objetivos
do colonialismo político em rápida desintegração: a manutenção
de áreas menos desenvolvidas do mundo como fornecedores de
matérias primas, como esferas de investimento e mercados para
produtos acabados caros e serviços. Os produtos acabados e ser-
viços, agora que as populações dos novos países afirmam suas
exigências de um nível de vida crescente, estão tomando um cará-
ter diferente e extravasando para categorias anteriormente negli-
genciadas. Equipamento de terraplanagem, construção de usinas
hidrelétricas, reconstrução de estradas, moradias, escolas, hospi-
tais, portos, aeroportos, e todos os serviços prévios e suplementa-
res que exigem, estão abrindo novos campos de investimento de
capital e lucro para o monopólio financeiro, tanto no próprio país
como no exterior. Sustentam, também, em empregos muito bem
pagos, um exército dos chamados especialistas, pessoal técnico e
profissional nem sempre do mais alto calibre.
Novas fontes de produtos extrativos ou agrícolas estão
também atraindo grandes somas de investimentos de capital. A
antiga dependência de fontes domésticas para muitos minerais,
nas nações metropolitanas, está cedendo lugar à importação do
exterior. Os mineiros das regiões produtoras de cobre e ferro dos
Estados Unidos, por exemplo, estão sendo despedidos não por
causa da automação, mas também porque estão sendo obtidos lu-
cros maiores da mineração grandemente acelerada de materiais
básicos na África e na Ásia. Em alguns lugares o seu multipro-
cessamento oferece também maiores margens do que pode ser
obtido nas áreas de mão de obra mais cara. Porto Rico e outras
nações latino-americanas que oferecem mão de obra barata estão
se tornando rapidamente centro de artigos de consumo manufatu-
| 130 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

rados, frequentemente processados com matérias primas importa-


das e remetidos para os Estados Unidos para competir com arti-
gos produzidos nos Estados Unidos a preços muito ligeiramente
reduzidos, ou ao mesmo preço. Isso dá ainda maiores lucros ao
capital financeiro.
O intrincado processo de equilibrar os retornos do inves-
timento doméstico com o fluxo de capital para o exterior em bus-
ca de investimento externo mais rendoso está criando brechas sé-
rias na posição econômica de toda nação capitalista ocidental.
Isso se sente particularmente na posição da balança de pagamen-
tos. Mesmos os Estados Unidos, cujas reservas de ouro e moeda
estrangeira eram tão grandes que sustentaram o país durante uma
crescente corrente para o exterior, por longo tempo, atingiram
agora um ponto em que, como as nações similares europeias, me-
nos afortunadas, os Estados unidos estão entrando em uma crise
de balança de pagamentos adversa.
Apesar do aumento da produção nacional e da produtivi-
dade aumentada, os problemas de agricultura, mesmo em econo-
mias de crescimento tão rápido como os da Alemanha Ocidental,
Itália e França, complicam a situação econômica. Nos Estados
Unidos, o sitiante ainda vive na linha limite da pobreza ou mesmo
abaixo dela, enquanto as extensas fazendas mecanizadas das
companhias financiadas por banqueiros recebem todos os favores
de um governo de banqueiros. Preços garantidos pela produção
que vai para os silos construídos pelo governo e pagos pelo go-
verno tornam a agricultura em grande escala altamente rendosa
nos Estados Unidos para o capital financeiro, que passa ao gover-
no o problema e a preocupação do que fazer com as sobras não
vendidas que resultam dos altos preços.
A necessidade de novas saídas para os produtos agrícolas,
assim como dos complexos industriais e comerciais que estão fi-
cando sob controle eletrônico crescente e consequentemente ad-
quirindo um potencial grandemente aumentado, está forçando o
capitalismo ocidental, particularmente o norte-americano, a uma
penetração maior e mais extensiva nas nações estrangeiras alta-
mente industrializadas. A recente farsa da “galinha”, representada
em meio ao cenário da política antiestadunidense de Charles de
Gaulle, que liderou a oposição franco germânica à continuação da
importação, pela Europa, dos produtos granjeiros norte-america-
| 131 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nos, mais baratos, é apenas um dos exemplos mais leves da com-


petição feroz que se desenvolve para descarregar os resultados da
produção em massa vigorosamente mecanizada, financiada por
bancos. O incidente ressaltou por um momento a natureza intrin-
secamente paradoxal do Mercado Europeu, como um organismo
monopolístico, opondo uma forte resistência a um monopólio
competidor dominante. O jogo de forças competidoras, tipo “cabo
de guerra”, é demonstrado pela retaliação sob a forma do aumen-
to de tarifas alfandegárias imposto agora aos carros pequenos
franceses e alemães importados pelos Estados Unidos, tirando-
lhes assim sua principal vantagem sobre o artigo de produção lo-
cal em face da consequente elevação de preço.
Os fatos e os números provam que comércio e investimen-
to entre as nações altamente industrializadas estão ultrapassando
os que são feitos com as regiões menos desenvolvidas. Apoiam
assim, efetivamente, a afirmação de que o imperialismo não está
limitado aos setores do mundo de produção primária. No entanto,
o fato mais notável é de que o índice de lucro da exportação das
áreas menos desenvolvidas é maior do que o obtido das nações
mais industrializadas. Nestas últimas, a competição entre os mo-
nopólios é mais decidida e os interesses domésticos, mesmo os
que estão ligados ao monopólio financeiro internacional, opõem o
tempo todo a maior resistência aos interesses invasores. No en-
tanto, e isso se deve precisamente ao seu caráter imperialista, os
grupos financeiros mundiais dominantes conseguem fazer suas
constantes incursões nos monopólios nacionais e assim aprofun-
dar sua hegemonia sobre porções cada vez maiores do globo.
É muito mais fácil, então, à finança imperialista, penetrar
mais e mais nos países em desenvolvimento onde o domínio co-
lonial se rompeu ou está se rompendo. Premida pela necessidade
de procurar somas cada vez maiores de capital para explorações
geológicas e abertura de novos campos de matérias extrativas, a
finança internacional foi chamada a ajudar a finança nacional dos
respectivos países imperialistas. Esse processo foi estimulado pe-
lo fato de que os monopólios financeiros nacionais já haviam pas-
sado ao estágio de aliança internacional com o ataque do imperia-
lismo, processo que se acelerou fortemente na época atual de
crescente nacionalismo e socialismo. Assim, no presente, todos
os instrumentos e mecanismos do imperialismo internacional, ex-
| 132 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

pressos em coalizões monopolistas, são conjugados em ação si-


multânea sobre os novos e necessitados países.
Essa nova onda de invasão predatória das antigas colônias
opera por trás do caráter internacional dos organismos emprega-
dos: consórcios financeiros e industriais, organizações de assistên-
cia, órgãos de ajuda financeira, etc. A cooperação amistosa é ofe-
recida nos domínios educativo, cultural e social, com o objetivo de
subverter os padrões desejáveis de progresso nacional aos objeti-
vos imperialistas dos monopólios financeiros. Estes são os mais
recentes métodos de conter o desenvolvimento real das nações no-
vas. São o armamento do neocolonialismo, superficialmente forne-
cendo ajuda e orientação; subterraneamente beneficiando os doa-
dores interessados e seus países, por velhos e novos meios.
Há várias definições de “ajuda”, como ressaltou B. Chan-
go Machyo em seu Ajuda e Neocolonialismo: “A definição varia
com os diferentes blocos. Assim, as Nações Unidas tem a sua de-
finição própria, o campo imperialista tem a sua, assim como o
campo socialista, e o campo não comprometido também poderia
ter uma. Mas, de um modo geral, há duas definições principais:
uma das Nações Unidas e outra é entendida pelas chamadas na-
ções doadoras. De acordo com as Nações Unidas, ajuda econômi-
ca consiste apenas de doações diretas e empréstimos a longo pra-
zo, para fins não militares, por organizações governamentais e
internacionais”. Mas as chamadas nações fornecedoras de ajuda
incluem no termo “ajuda” o investimento de capital privado e
créditos de exportação, mesmo por períodos relativamente curtos,
assim como empréstimos para fins militares".
Como diz o professor Benham em seu livro Ajuda Eco-
nômica e Nações Subdesenvolvidas: "É agradável sentir que se
está ajudando os vizinhos e ao mesmo tempo aumentando os pró-
prios lucros". Antes ao declínio do colonialismo, o que se conhe-
ce hoje como ajuda era simplesmente investimento estrangeiro.
| 133 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

4 . Capitalismo monopolista e o dólar


norte-americano

O “fim do império” foi acompanhado de um florescimento


de outros meios de sujeição. O Império Britânico transformou-se
na Commonwealth, mas os proventos da exploração do imperia-
lismo britânico estão crescendo.
Os lucros das companhias de estanho britânicas têm al-
cançado até 400 por cento. Os últimos dividendos dos acionistas
britânicos de diamantes aproximam-se dos 350 por cento.
Certa vez Nehru declarou que os lucros britânicos da Índia
independente mais do que dobraram e o investimento de capital
britânico em seu país subiu de dois bilhões, 65 milhões de rúpias
em 1948 para quatro bilhões, 460 milhões em 1960.
Os investimentos britânicos totais na África subiram rapi-
damente para seis bilhões e os norte-americanos para um bilhão e
cem milhões. Um levantamento recente evidenciou a pilhagem
dos monopólios britânicos.
Apresentou nove dos 20 maiores monopólios da Grã-
Bretanha como companhias de exploração colonial direta: Shell,
British Petroleum, British American Tobacco, Imperial Tobacco,
Burmah Oil, Nchanga Copper, Rhokana Corporation, Rhodesian
Mines e British South África, cinco das quais se dedicam direta-
mente a extrair os recursos naturais africanos. As outras estão
aumentando esforçadamente o seu comércio.
O seu lucro líquido total, 221 milhões de libras, constituiu
mais da metade dos lucros líquidos somados dos 20 maiores mo-
nopólios. Inacreditavelmente, a lista deixa de fora duas das maio-
res associações do mundo, esses estados dentro de um estado —
Unilever e Imperial Chemical Industries — cujas operações se
| 134 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

baseiam fortemente em suas explorações no ultramar. A United


África Company comanda na África em nome da Unilever e cer-
ca de um terço da ICI e suas subsidiárias operam no ultramar.
O ex Primeiro-Ministro conservador britânico, Sir Alec
Douglas Home, em discurso pronunciado no dia 20 de março de
1964, declarou ignorar o significado de neocolonialismo.
Enquanto Sir Alec falava, a Grã-Bretanha se encontrava
empenhada no que a imprensa descrevia laboriosamente como
“áreas de crises importantes” por todo o mundo, reprimindo “difi-
culdades” inspiradas e perpetradas pelo neocolonialismo: Aden e
Arábia Meridional contra o Iemen, Bornéu e Sarawak contra a In-
donésia; Chipre, Guiana Britânica; “mantendo a lei e a ordem” em
Quênia, Tanganica, Uganda, para os governos recém-
independentes. Será o fim do imperialismo? Não, segundo o The
Economist, porta-voz dos interesses comerciais britânicos, que se
achou obrigado a comentar:
"Bases militares, rotas para o Leste, conflitos de frontei-
ras, repressão de motins—tudo isso tem um sabor de século XIX
naturalmente perturbador para os que esperavam que o fim do
colonialismo significasse o fim da implicação militar a leste de
Suez. A verdade contundente acaba sendo de que no momento a
Grã-Bretanha tem tantos compromissos militares naquela área
quanto teve desde antes que as colônias fossem substituídas pela
Commonwealth". (The Economist, 23 de maio de 1964).
A intenção é a de conter o progresso das nações em de-
senvolvimento. Onde as circunstâncias favorecem a criação de
empreendimentos novos de caráter industrial mais do que simbó-
lico, o objetivo é fazer com que sejam realizados com vacilações.
O objetivo primordial é de introduzir um aumento mera-
mente fracionário do campo industrial das novas nações, para que
possam continuar a dar a maior concentração de forças ao vigor do
imperialismo para a prova de força final consigo mesmo e com o
socialismo. O que é notável é que a maior parte do mundo menos
desenvolvido, e aqui temos que incluir a URSS, escolheu e está
escolhendo o caminho socialista para o progresso nacional. Há,
além disso, países como a Índia onde um sistema político, embora
modelado pelas democracias burguesas do capitalismo, mesmo
assim proclama o socialismo como seu objetivo socioeconômico.
As nações que atingem seus pontos altos atuais passando
| 135 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

através dos vários estágios do capitalismo agarram-se desespera-


damente ao sistema que as trouxe aos pináculos do imperialismo.
Cada uma, perigosamente pousada sobre um estreito pico, precisa
manter uma batalha constante para defender seu próprio pináculo.
Maior intensidade é introduzida na luta pela ressurgência
de rivais, dos quais a Alemanha e o Japão são os mais viris. Am-
bos se beneficiaram de fortes injeções de capital norte-americano
e os monopólios dos Estados Unidos estão retirando considerá-
veis lucros da corrida que está sendo realizado por essas duas na-
ções na competição mundial, demonstrando as contradições entre
os interesses em jogo. Competindo contra o imperialismo norte-
americano, os monopolistas alemães e japoneses frequentemente
estão em aliança com seus opostos americanos, que muitas vezes
os colocam à frente na ofensiva geral do imperialismo contra a
África, onde investimentos privados norte-americanos sem dis-
farce poderiam ser encarados com maior suspeita do que outros.
A Alemanha, o que é mais, está agora em segundo plano apenas
em relação aos Estados Unidos, na escala da chamada assistência
às nações em desenvolvimento. Uma vez que o capitalismo é a
personificação da filosofia do interesse próprio, os aliados osten-
sivos dos monopolistas dos Estados Unidos precisam usar a posi-
ção de força a que estão sendo levados para promoverem seu
próprio crescimento.
Essa luta pela ascendência entre imperialistas é contínua e
implica em uma constante busca de renovação dos laços de ener-
gia. Ao lado da batalha pela supremacia imperialista desenrola-se
a luta contra o campo ideológico do socialismo, na qual os impe-
rialistas em guerra desencadeiam um esforço total para envolver
as nações em desenvolvimento como acessórios seus. Desse mo-
do, a campanha anticomunista é utilizada em prol dos objetivos
imperialistas. Líderes do capitalismo monopolista em toda parte
constroem na mente do público uma imagem do sistema em ter-
mos socioculturais pelos quais o transformam em uma civilização
harmônica idealizada, que precisa ser defendida a qualquer custo.
Falam insistentemente em uma maneira de viver que só
pode ser alterada para pior e ressaltam sua continuidade como o
mais importante princípio na luta contra o comunismo.
Quando Harold MacMillan, como Primeiro-Ministro
britânico, disse ao parlamento sul-africano que “o que está em
| 136 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

julgamento agora é muito mais do que nossa força militar ou


nossa capacidade diplomática ou administrativa ─ é nossa ma-
neira de viver”, resumiu a transmudação metafísica de impul-
sos econômicos em uma filosofia social. Isso apesar de sua re-
ferência a “ventos de mudança” que sopravam pela África.
MacMillan repetiu as palavras de vários estadistas do Ociden-
te, qualquer um dos quais poderia ter feito a declaração e, na
verdade, a fez, em diferentes momentos e com expressões qua-
se idênticas.
“A grande questão nesta segunda metade do século XX é
se os povos não comprometidos da Ásia e África se inclinarão
para o Oriente ou para o Ocidente”.
Todas as poderosas nações imperialistas estão decididas a
que os novos Estados se desenvolverão pelo caminho capitalista,
como os fornecedores das necessidades vitais do imperialismo, a
fonte de seus superlucros. A libertação nacional e as evidentes
vantagens do desenvolvimento socialista para as nações que sur-
gem de um domínio colonialista e não tem os meios de capital
para fazer esse desenvolvimento, são importantes fatores deter-
minando a estratégia imperialista em relação a essas nações, tanto
no interesse de sua luta interna como da luta contra o socialismo.
Todas as nações, mesmo as mais profundamente envolvi-
das no imperialismo monopolista, tem um setor estatal. A inclu-
são estatal na economia privada tornou-se parte essencial do seu
processo. Não deveria causar surpresa, portanto, que nações em
desenvolvimento, particularmente em vista das pequenas acumula-
ções de capital privado local, sejam obrigadas a centralizar suas
economias. A extensão do setor estatal e sua expansão planejada,
no entanto, devem depender do sistema econômico escolhido, ca-
pitalista ou socialista.
O objetivo das potências imperialistas, na aplicação dos
seus programas de ajuda, é transformar o setor estatal em acessó-
rio do capital privado. Em vista do processo que foi desenvolvido
nas nações imperialistas, seria de surpreender que isso não acon-
tecesse. A orientação básica declarada da Agência de Desenvol-
vimento Internacional (anteriormente Administração de Coopera-
ção Internacional) é de "empregar a assistência dos Estados Uni-
dos a nações recebedoras de ajuda de modo tal que estimule o
desenvolvimento dos setores privados de suas economias.
| 137 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Assim, o ICA não estará disposto normalmente a financiar


empresas industriais e extrativas de propriedade pública, embora
esteja entendido que poderá haver exceções….
O desenvolvimento das nações novas segundo linhas não
capitalistas precisa ser frustrado, no interesse do imperialismo oci-
dental. Uma série de artigos publicada no The Times de Londres
em abril de 1964 delineava o esquema e não fazia segredo de seus
motivos: “Os dois grandes objetivos da política externa britânica
devem ser impedir o mundo não comunista de ser penetrado pelo
comunismo… e em segundo lugar, impedir que seu próprio aces-
so ao comércio e investimento em qualquer parte do mundo seja
barrado ou limitado”. Muito naturalmente, como concluem os
artigos, “ambos os objetivos levam diretamente à questão ‘neoco-
lonial’” ─ a luta por influência, comercial e política, sobre as na-
ções não comunistas fora da Europa e da América do Norte", o
autor expõe assim no Times, sucintamente, o verdadeiro caráter
da luta ideológica, porque lideram a luta inter-imperialista, estão
os Estados Unidos.
Como a principal potência imperialista do mundo, os Es-
tados Unidos se candidatam como sucessores ao dito vácuo que,
segundo se afirma, as potências coloniais em retirada deixaram
ficar ao cederem lugar a governos nacionalistas.
O Vietnã e o Congo são símbolos óbvios dessa política de
neocolonialismo furioso. São também exemplos de amargos an-
tagonismos entre os norte-americanos e outros imperialismos.
De acordo com o France Observateur (edição do dia 4 de
junho de 1964), “as piores acusações são feitas pelos Estados Uni-
dos contra os círculos comerciais franceses operando no Vietnã….
Peritos norte-americanos em assuntos asiáticos afiançam que plan-
tadores franceses não se contentam com pagar sua contribuição à
Frente de Libertação Nacional. Chegam mesmo a dar assistência e
ocultar os guerrilheiros perseguidos pelo exército do Governo”
Apesar de sua política de franca agressão em muitas partes do glo-
bo, os Estados Unidos frequentemente assumem a posse da potên-
cia “anticolonial”, em coordenação com ao imperialismo britânico.
“A posse é superficial e a máscara cai a todo momento,
mesmo, frequentemente, ante resoluções anticolonialistas cruciais
pressionadas pela maioria afro-asiática e socialista nas Nações
Unidas, quando os Estados Unidos e a Grã-Bretanha se veem iso-
| 138 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

lados, ou apenas com a França, Portugal, África do Sul e Austrá-


lia votando contra ou se abstendo”.7 Nos últimos nove anos os
investimentos norte-americanos neste continente triplicaram,
crescendo em maior ritmo do que em qualquer outra área. So-
mente em 1961, os monopólios norte-americanos obtiveram lu-
cros de 11 milhões e 220 mil libras que retiraram da África.
A maré crescente do nacionalismo nos territórios coloniais
foi considerada pelos operadores mais argutos do capital financei-
ro norte-americano como a oportunidade dos Estados Unidos de
se insinuarem no que eram áreas reservadas de imperialismos ri-
vais, ciumentamente vigiadas. Movimentos anti-imperialistas ha-
viam começado a se mostrar, na Ásia e na África, antes do rom-
pimento da última guerra mundial.
À medida que prosseguiam as hostilidades, a América se
manifestava cada vez mais abertamente pelo fim do domínio co-
lonial. A imprensa e outros meios de propaganda lembravam a
luta dos próprios Estados Unidos contra o colonialismo.
A recordação estava ligada, na mente do povo, aos movi-
mentos nacionalistas recentes, que exerciam pressão abertamente
pela independência, em todo o globo.
A Europa despedaçada pela guerra atenderia parcialmente
à necessidade estadunidense de exportar capital de investimento e
artigos, mas os territórios recém-libertados do poder político de
imperialismos rivais ofereciam campos praticamente virgens.
Um crescimento fabuloso do capitalismo monopolista nor-
te-americano ocorreu durante os primeiros 40 anos do século atu-
al. Os investimentos externos dos Estados Unidos rivalizaram
com os da Europa, e até ultrapassaram-nos.
Em 1900, os investimentos privados norte-americanos no
estrangeiro eram pequenos em comparação aos europeus: 500
milhões de dólares em comparação com 12 bilhões da Grã-
Bretanha e os 600 milhões da França. Por volta de 1930 já o índi-
ce crescimento dos investimentos externos dos Estados Unidos
aproximavam-se da Grã-Bretanha e o total se elevava a 17 bi-
lhões de dólares contra os 19 bilhões britânicos e os sete bilhões
franceses.
O investimento externo norte-americano alcançou a su-
premacia em 1949 – 19 bilhões de dólares em comparação com
os 12 bilhões britânicos, o mesmo montante com que a Grã-
| 139 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Bretanha inaugurava o século. O montante francês baixara para


dois bilhões.
A Primeira Guerra Mundial eliminou os investimentos ex-
ternos alemães e reduziu os franceses; a Segunda Guerra Mundial
eliminou Alemanha, Itália e Japão.
O Governo norte-americano, além disso, havia adicionado
14 bilhões aos 19 de investimentos externos privados de seus
monopolistas. Os empréstimos do Governo “são empréstimos po-
líticos, mais do que investimentos lucrativos diretos.
Mas melhoram a posição do capital financeiro dos Estados
Unidos ao criar mercados para artigos supérfluos e aumentar lucros
dos investidores privados norte-americanos nas nações que rece-
bem o empréstimo.² A Segunda Guerra Mundial deu um impulso
explosivo ao capitalismo norte-americano e o ajudou a aumentar
seus investimentos no ultramar e as exportações de artigos manufa-
turados para reservas coloniais do imperialismo europeu e japonês.
Na década 1938-1948, a parte estadunidense das exporta-
ções para esses territórios elevou-se de 11 por cento para 25 por
cento. O seu comércio com a África, nesse período, elevou-se de
150 milhões de dólares para um bilhão e 200 milhões, quando
passou a representar quase 15 por cento de todo o comércio exte-
rior da África. O apetite dos monopólios norte-americano agu-
çou-se com o rendimento de 18 bilhões que obtivera de seus in-
vestimentos externos no período 1920-1948. As perspectivas em
1948 eram ainda melhores e demonstram ser realidade.
Entre 1950 e 1959, firmas privadas estadunidenses inves-
tiram quatro e meio bilhões nas nações em desenvolvimento e
obtiveram o triplo. Os lucros líquidos atingiram a oito bilhões e
300 milhões, aos quais podem ser somados milhões de dólares
em lucros comerciais, juros sobre empréstimos, fretes e outras
operações correlatas. Tudo isso foi auxiliado pelo Plano Marshall
(a Administração da Cooperação Econômica), nascido do consór-
cio entre o Estado norte-americano e o monopólio. O dólar se
apresentava como panaceia universal para a Europa, trazendo
gordos superlucros para seus proprietários norte-americanos.
Na confusão e devastação deixadas pela guerra, eles ocu-
param sem alarde os melhores lugares, de onde os imperialistas
europeus seriam afastados, tanto na Europa como nos territórios
de ultramar. O capital financeiro e industrial norte-americano uti-
| 140 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

lizou a oportunidade que a fraqueza da Europa no pós-guerra lhe


oferecia para sacar sobre os seus recursos.
Alimentou-se da Europa arruinada pela guerra, embora
não no mesmo grau em que o imperialismo ocidental explorava o
mundo colonial e semicolonial. Os poderosos trustes metalúrgi-
cos e químicos alemães, Vereinigte Stahlwerke e I.G. Farben fo-
ram rompidos. A Alemanha Ocidental, criada em 1949, ficou sob
uma ocupação militar que controlava seu comércio exterior, polí-
tica externa e defesa. Das fábricas que haviam escapado à destrui-
ção pela guerra, algumas foram desmontadas. Muitos dos melhores
cientistas e técnicos da Alemanha foram atraídos para os Estados
Unidos e Grã-Bretanha.
Os segredos e patentes dos grandes trustes foram confis-
cados, os arquivos do banco mais importante, o Deutsche Bank,
cedido às forças de ocupação pelo Dr. Hermann J. Abs, que sa-
queou a Iugoslávia para Hitler e foi salvo da morte a que fora
condenado, salvo primeiro pelos britânicos e depois pelas autori-
dades estadunidenses. A Alemanha estava sendo garantida para a
democracia dos seus conquistadores imperialistas. O Plano Mars-
hall foi utilizado para levar a penetração imperialista estaduni-
dense às fragmentadas instituições industriais e financeiras ale-
mães, que ele comprou em grande escala. Grandes somas foram
também cedidas aos grupos mineradores franceses e belgas, a fim
de estreitar os laços com o capitalismo norte-americano e susten-
tar o seu domínio.
Era preciso também ficar de olho aberto para o socialismo
que avançava na Europa e na Ásia. Antes do início da década dos
50, a guerra fria começou a esquentar. Acharam que a ameaça de
uma forte competição alemã, que inspira as limitações impostas
pelos imperialismos vitoriosos, podia ser amortecida pela inclu-
são da Alemanha na estratégia ocidental e por maiores participa-
ções do capital norte-americano. A posição alemã nos campos
metalúrgico e químico começou a se alterar, à medida que o país
entrava no quadro geral da defesa ocidental.
Exploração mais energética dos recursos de metais e mi-
nerais foi desenvolvida na África e outros lugares. As matérias-
primas africanas são um elemento importante a considerar no re-
forçamento militar das nações da OTAN, entre as quais estão in-
cluídas as do Mercado Comum Europeu. Suas indústrias, especi-
| 141 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

almente as fábricas estratégicas e nucleares, dependem grande-


mente das matérias-primas que vem dos países menos desenvol-
vidos. A Europa sofreu no pós-guerra uma séria escassez de ma-
teriais básicos para suas indústrias de aço. A Bélgica necessitava
de minérios ricos, a Suécia de carvão e coque, que os Estados
Unidos forneciam em troca de minérios finos.
A Grã-Bretanha tinha falta de ferro em barra e sucata, seu
coque era pouco e de qualidade inferior. Tanto a França como a
Alemanha haviam caído, em seu fornecimento de coque. A pro-
dução de carvão da Lorena declinava por falta de equipamento, a
do carvão alemão porque o Ruhr produzia menos.
O investimento em indústrias “com produção de alto va-
lor”, isto é, as indústrias pesadas e as de processamento de miné-
rios, embora trouxesse a oportunidade de influenciar as economi-
as europeias e consequentemente sua política em relação ao do-
mínio ideológico dos Estados Unidos, não dava as mesmas possi-
bilidades para os lucros mais imediatos e maiores que a produção
de matérias-primas nas nações emergentes oferecia.
O Programa do Ponto Quatro apoiou os autores do Plano
Marshall na abertura da África ao capital dos Estados Unidos e
seus associados europeus. Antes da Segunda Guerra Mundial
apenas três por cento dos investimentos externos norte-
americanos eram na África e menos de cinco por cento do comér-
cio do continente eram com os Estados Unidos.
Os interesses da Firestone na borracha liberiana e pequenas
participações em minas da África do Sul e Rodésia representavam
a maior parte dos 200 milhões de dólares investidos na África.
Quando a guerra chegou ao continente, bases militares e ligações
comerciais foram criadas pelos norte-americanos, a partir das quais
realizaram suas penetrações maiores, depois de acabada a guerra.
Os fundos da Administração Da Cooperação Econômica (Plano
Marshall) financiaram os grupos exploradores norte-americanos,
enviados dentro da melhor tradição colonial para preparar o cami-
nho para as companhias mineradoras e expedições militares.
Foi anunciado pela ACE em julho de 1949 que “peritos
norte-americanos” com a ajuda do Plano Marshall estão pesqui-
sando a África, das montanhas Atlas até o cabo da Boa Esperança,
em busca de riquezas agrícolas e minerais” e mais tarde que “opor-
tunidades para a participação de capital norte-americano foram re-
| 142 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

veladas na mineração de chumbo da África do Norte francesa, na


mineração de estanho do Camarões francês, na mineração de
chumbo e zinco do Congo francês…” Um empréstimo da ACE às
Mines de Zellidja, empreendimento francês sob a égide da compa-
nhia Penarroya, o quarto maior produtor de chumbo e zinco do
mundo, permitiu à Newmont Mining Corporation (empreendimen-
to norte-americano de mineração e extração de petróleo com 30
por cento dos seus interesses na África do Sul e Canadá) adquirir
parcialmente a companhia e dirigir suas operações.
A instabilidade da Europa no pós-guerra foi transformada
em vantagens para os Estados Unidos, na nova divisão da África.
Em meados do segundo semestre de 1949, depois que os Estados
Unidos haviam forçado a desvalorização da moeda das nações
europeias, uma comissão de importantes banqueiros britânicos e
norte-americanos foi formada para incrementar os investimentos
dos Estados Unidos na África e outras partes do ainda existente
Império Britânico.
Uma comissão similar, para o objetivo semelhante, foi or-
ganizada dois meses depois entre banqueiros norte-americanos e
os da França. A ação desses estabelecimentos é vista hoje em to-
da a África, nos consórcios que estão rapidamente tomando conta
das riquezas do continente. Instituições Rockefeller, Morgan,
Kuhn Loeb e Dillon Read; os grandes bancos britânicos Barclays,
Lloyds, West-minster, Provincial; as firmas de investimento que
giram em torno de Hambros, Rothschild, Philip Hill; os bancos
franceses Banque de Paris et des Pay-Bas, Banque de l’Union
Parisienne, Banque de l’Indochine, Union Eruopéene Industrielle,
Banque Worms, Crédit Lyonnais, Lazard Frères, etc, e os princi-
pais bancos alemães e italianos.
Estas e suas associadas são as instituições financeiras que
dominam os setores monetário e fiscal de muitas das nações re-
cém-independentes. Apoiam a nova revolução industrial da au-
tomação, o desenvolvimento eletrônico e nuclear e espacial em
que os Estados Unidos tem a liderança e que projetou o imperia-
lismo norte-americano à sua atual ascendência. Os grupos norte-
americanos dominantes na mineração e processamento de miné-
rio e nas indústrias de pesca estão envolvidos diretamente ou
através de pesca ou através de seus banqueiros e financiadores
com os principais produtores europeus e seus sustentáculos finan-
| 143 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ceiros. Os financistas que controlam as mais importantes corpo-


rações nas indústrias extrativa, metalúrgica, química, nuclear e
espacial do Ocidente, podem ser vistos se estendendo através dos
sete mares e tomando o controle das fontes de matéria primas na
Ásia, Oceania, Austrália, Nova Zelândia, América Central e do
Sul e África. Os investimentos norte-americanos no Canadá em
1962 subiram de 700 milhões de dólares, principalmente para o
aproveitamento de propriedades contendo minério de ferro. Ou-
tros 270 milhões investidos em outros países em desenvolvimento
foram principalmente para a Austrália e Japão. Os investimentos
de capital dos Estados Unidos na América Latina aumentaram de
250 milhões em 1962. No ano anterior, o aumento foi de mais de
400 milhões.
O Departamento de Comércio dos Estados Unidos infor-
mou os investimentos e bens privados norte-americanos no além-
mar atingiram a 60 milhões de dólares no fim de 1962 e aumenta-
ram de mais três bilhões nos primeiros meses de 1963. Investido-
res privados nos Estados Unidos adicionaram quatro bilhões e
300 milhões de dólares em 1962 ao seu controle de patrimônio e
investimentos no exterior.
O investimento privado direto norte-americano na África
aumentou entre 1945 e 1958 de 110 milhões para 789 milhões de
dólares, a maior parte dos quais tirados dos lucros. Do aumento
de 679 milhões, o investimento realmente novo no período foi
apenas de 149 milhões.
Os lucros dos Estados Unidos obtidos desses investimen-
tos, inclusive reinvestimento de excedentes, são estimados em
704 milhões. Consequentemente, os países africanos sofreram
prejuízos de 555 milhões de dólares. Se se levarem em considera-
ção os donativos para fins “não militares”, estimados então pelo
Congresso norte-americano em 136 milhões, as percas líquidas
totais da África ainda alcançaram e 419 milhões de dólares.
Estatísticas oficiais estadunidenses orçam os lucros líqui-
dos brutos obtidos pelos monopólios dos Estados Unidos na Áfri-
ca entre 1946-59 em um bilhão e 234 milhões de dólares, embora
outras estimativas atinjam um bilhão e meio. Não importa de que
maneira sejam encarados, não há necessidade de um grande cére-
bro matemático para concluir, desses dados, que o lucro do inves-
timento na África é de quase cem por cento.
| 144 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

As ávidas explorações que tem prosseguido rapidamente


nas últimas duas ou três décadas, em busca de reservas adicionais
de todos os metas e minerais que são importantes para a moderna
supermacia industrial, tem sido instigadas pelo desejo de mono-
pólio, sobre o qual se apoiam a supremacia e seus superlucros.
Um exemplo recente torna claro o princípio.
Alcan Industries, empresa que é associada britânica da
Alcoa (Aluminium Company of America), através da Alcan
(Aluminium Ltd. of Canadá), de acordo com o cabeçalho do
Sunday Times (edição de 18 de outubro de 1964) enrolou “a úl-
tima folha”, isto é, Alcan Industries pagaram cinco e meio mi-
lhões de libras para se apossarem da última firma independente
(Fisher’s Foils) na fabricação britânica de folha de alumínio, já
tendo engolido a maior parte do restante. Isso foi feito, ao que se
disse, para promover a “racionalização”. Mas em linguagem de
negociantes tem outro nome: “fechar a indústria”. Parte do obje-
tivo de ganhar o controle de indústrias e fontes de matérias-
primas recém-descobertas é privar os rivais dos monopólios para
manter os lucros.
Durante três anos, até meados de 1964, as grandes com-
panhias do cobre mantiveram a produção a 80 até 85 por cento da
capacidade, para manter os preços. A produção de aço também
foi contida em cerca de 80 por cento da capacidade. A exploração
sob o capitalismo não se segue sempre, nem se seguirá, à desco-
berta de novas fontes de matérias-primas. Quem quer que mono-
polize as principais fontes de suprimento, controla a produção
através do poder de decidir quais os depósitos que serão ou não
operados e até que ponto.
O monopólio permite aos monopolistas manipularem as
economias de outros países em interesse próprio. No caso da
bauxita, por exemplo.
A Alcoa, dominada por Mellon, é soberana e trouxe para
sua órbita os outros produtores importantes, Kaiser e Reynolds.
Por causa do tremendo custo de construção de usinas de energia,
das quais depende a conversão da bauxita em alumina, a explora-
ção de todas as reservas conhecidas desse minério pelo capital
privado destruiria o principal incentivo do monopólio, o lucro,
pois a consequente superabundância baixaria os preços. A África
Ocidental é excepcionalmente rica em bauxita, mas as nações iso-
| 145 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ladas não são igualmente favorecidas com o poder de desenvolver


os recursos. Gana está fornecendo força hidrelétrica que poderia
ser utilizada para a converter alumina tanto em Gana como na
Guiné. Esse seria um esforço cooperativo bem-vindo, dentro do
quadro de uma economia continental unificada.
Outra arma mantida sobre as cabeças das nações produto-
ras de matérias-primas, é a ameaça de usar alternativas sintéticas
e a substituição dos metais tradicionais por outros.
Fábricas de diamantes sintéticos foram construídas por De
Beers, o monopolista mundial de diamantes naturais, pela com-
panhia belga MIBA, que controla os diamantes naturais do Con-
go, o maior fornecedor da África, pela General Electric Corpora-
tion nos Estados Unidos e pelo Japão.
O preço do cobre foi mantido baixo no mercado de metais
de Londres, num período de recessão da oferta, devido ao prová-
vel uso do alumínio em seu lugar para determinados fins, enquan-
to os plásticos, por outro lado, são frequentemente utilizados co-
mo alternativos para o alumínio.
Enormes somas são gastas em pesquisas de novos materi-
ais e invenção científica de maquinaria e equipamento para eco-
nomia de mão de obra.
Assim, os metais que estão sedo ameaçados de substitui-
ção são ao mesmo tempo aperfeiçoados para uma variedade mai-
or de produtos acabados. Esses projetos de pesquisa e o conse-
quente reequipamento de fábricas e indústrias que precisa ser fei-
to a fim de justificar o investimento original exige tremendas so-
mas de capital, que frequentemente só podem ser levantadas do
patrimônio das empresas de financiamento e seguros.
Consequentemente, bancos e companhias de seguros do-
minam a finança industrial e exercem a liderança no impulso para
a ascendência monopolista. Os bancos e companhias de seguros
tem exercido papel saliente no processo que trouxe o monopólio
ao auge atual e é seu poder financeiro que sustenta o crescente
movimento para cada vez maior concentração de monopólio. Ho-
je a competição, no esforço de obter e manter o monopólio sobre
indústrias inteiras e fontes de matérias-primas, intensificou-se a
tal ponto que as fusões estão ocorrendo em ritmo alucinante.
A luta é tensa e cruel e na batalha pelo domínio, um ar-
mistício é combinado nos momentos críticos, através do qual a
| 146 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

influência fica dividida, por consentimento das partes. A harmo-


nia, no entanto, é mais aparência do que real. A luta para a redivi-
são prossegue permanentemente e as alterações que ocorrem den-
tro das organizações combinadas podem ser observadas cada vez
mais frequentemente.
O monopólio dos dias de hoje é altamente variado e espa-
lhado. Enquanto tira sua força da sua posição monopolista, está
por outro lado seriamente exposto aos perigos que ameaçam um
organismo múltiplo que estende seus membros de maneira extre-
ma em direções diferentes. Uma fratura em qualquer ponto talvez
acarrete uma desarticulação que poderá por sua vez desequilibrar
a estrutura. E os monopólios rivais estão sempre alerta para des-
cobrir os pontos fracos, a fim de desfechar um golpe que permiti-
rá ao competidor mais implacável insinuar-se no órgão partido.
Consequentemente, o monopólio, tendo atravessado os estágios
de cartelização, associação, truste e sindicato, utiliza hoje cada
vez mais uma ulterior garantia protetora.
É o consórcio, através do qual procura imobilizar os rivais
e desarmar os associados a quem é permitido se justar a essa in-
venção imperialista, a mais fascinante de todas. Geralmente, há
no consórcio um participante que o domina, seja diretamente ou
através de (e com) filiados e associados, o que lhe permite exer-
cer a maior influência sobre os assuntos do consórcio. Ademais,
cada um dos participantes do consórcio tem fieira própria de
apêndices ou até mesmo uma matriz fora do consórcio.
Todos continuam a luta, lá fora, enquanto os que estão
dentro exercem esforços para aumentar a importância de sua par-
ticipação nas atividades do grupo.
Por exemplo, o consórcio, como monopólio, controlará
um complexo de companhias ligadas em muitos níveis à produ-
ção de matérias-primas, ao seu processamento desde o estado ori-
ginal, através de todos os estágios de transformação, até uma va-
riedade de produtos semiacabados e acabados, que vão do artigo
mais comum ao equipamento mais complicado e delicado, à in-
dústria pesada e maquinaria.
O monopólio não se limita a uma única matéria-prima,
embora tenha situação destacada em uma ou duas. Nem se limita
a qualquer tipo específico de manufatura ou empresa que esteja
ligado às suas atividades básicas, embora também nesse ponto ele
| 147 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

possa se especializar em determinados tipos.


Muitos monopólios criam ramificações no comércio de
imóveis e obras de urbanização e loteamento, uma vez que a
construção e as empreitadas de obras de engenharia trazem lucros
prontos e altos e aluguéis elevados.
Essa forma de investimento de capital está aumentando ra-
pidamente, nesta era de crescente industrialização e aparecimento
de novas cidades, e se estende à agricultura em grande escala.
Na África, o consórcio está fazendo as mais sinistras pe-
netrações. Estende-se a partir das fusões monopolistas do capital
financeiro norte-americano e europeu, particularmente, e dos que
estão combinados no âmbito do Mercado Comum Europeu, onde
os consórcios financeiros foram organizados como os meios mais
eficientes de tirar lucros da batalha de competição que cresce em
espiral dentro dessa chamada organização unificadora.
O objetivo primordial é monopolizar as fontes de maté-
rias-primas da África e não, como se assegura, auxiliar as nações
africanas a desenvolverem suas economias, pois o material é reti-
rado de um modo geral em seu estado bruto ou sob a forma de
concentrados, para favorecer a capacidade produtiva das nações
imperialistas e ser devolvido às nações de origem sob a forma de
equipamento pesado para a indústria extrativa e da infraestrutura
para carrear do país os recursos.
É dos rendimentos obtidos com a venda dessas matérias-
primas que as nações africanas esperam juntar parte do capital
que lhes tornará possível utilizar esses mesmos produtos para o
seu próprio desenvolvimento. Paradoxalmente, no entanto, esses
preciosos elementos do futuro da África estão enquanto isso sen-
do usados para alargar a brecha econômica entre ela e as nações
altamente industrializadas, que estão apressadamente aproveitan-
do a oportunidade de explorar as deficiências em suas economias.
Uma vez que os que estão realizando a exploração são
também os monopolistas que manipulam os mercados de produ-
tos primários, de um lado, e o preço dos produtos finais, de outro,
as nações de origem estão necessariamente destinadas a uma lon-
ga espera até que possam enfrentar, em escala importante, o pro-
blema capital que se apresenta a todas as nações em desenvolvi-
mento, de elevar seriamente o nível de vida do seu povo, se não
fizerem um esforço para unir seus recursos de maneira mais prá-
| 148 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tica e autossuficiente. Esta é a resposta aos devotos economistas


que nos garantem que o importante não é o que se tira das nossas
terras, mas o que é deixado ficar.
A resposta foi dada pela Comissão de Ajuda ao Desenvol-
vimento, da Organização para a Cooperação Econômica e Desen-
volvimento, em sua estimativa de que, se as nações industriais
continuarem a aumentar o seu produto nacional bruto em três por
cento, por ano, serão necessários pelo menos 200 anos às nações
menos desenvolvidas para alcançar o seu nível de vida, partindo
do princípio de que as nações não industrializadas atinham um
crescimento anual de cinco por cento.
Como é problemático, no entanto, alcançar esses cinco por
cento, à luz da drenagem dos recursos das nações menos desen-
volvidas para as altamente desenvolvidas. Na maioria das nações
africanas o índice de aumento do produto doméstico mal se man-
tém à atura do índice de crescimento da população, de dois e
meio a três por cento. São as nações menos desenvolvidas que
continuam a suportar a carga do crescente desenvolvimento das
altamente desenvolvidas.
A companhia Firestone, por exemplo, levou da Libéria
borracha no valor de 160 milhões de dólares no último quarto de
século. Em retorno, o Governo liberiano recebeu uns míseros oito
milhões. O lucro líquido médio obtido por essa companhia esta-
dunidense é três vezes maior do que toda a renda liberiana. Do
sul ao norte, os consócios financeiros e industriais se estenderam
pela África, demarcando áreas reservadas de exploração de recur-
sos de minérios, metais e petróleo, de silvicultura e agricultura,
construindo indústrias extrativas e de processamento primário nas
quais se entrincheiraram como pontos de apoio.
Na Argélia, por exemplo, a corrida de investimentos real-
mente grande coincidiu com a guerra de libertação nacional. Em
1951 e 1955, houve uma onda de entrada de investimento francês
e franco norte-americano maior do que jamais houvera.
Fosse qual fosse o resultado da guerra, os interesses finan-
ceiros e industriais se entrincheiravam na economia argelina. Por
toda a África, os gigantes industriais são apoiados por instituições
financeiras que dominam os setores monetário e fiscal de tantos
dos Estados independentes. Os mais profundamente envolvidos
são as fabulosas instituições bancárias e de seguros e as compa-
| 149 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nhias multimilionárias como o Banco Mundial e seus filiados.


Essas formidáveis alianças irradiam-se dos Estados Uni-
dos, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Holanda, Itália, Suécia.
Movimentam-se em torno das associações metalúrgicas e quími-
cas com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, como a
Solacada, GIS (Groupement de l’Industrie Sidérurgique), Sidelor
(Union Sidérurgique Lorraine), Unisor (Union Sidérurgique du
Nord de la France), Krupp, Thyssen, Kuhlmann, Pierrelatte,
Farbwerke, Hoescht, Bayer, BASF (Badische Anilin & Soda Fa-
brik), ICI.
Estão nas assembleias de banqueiros como a Consafrique
(Consortium Européen pour le Développement des Ressources Na-
turalles de l’Afrique), situado no mesmo endereço do Banco Inter-
nacional de Luxemburgo; Eurofin, Compagnie Bancaire, Finsider,
Cofimer, Union Européenne Industrielle e Finacière, e outras.
Poderosas corporações estadunidenses como a Bethlehem
Steel, United States Steel, Republic Steel, Armco Steel, Newmont
Mining, Johns Manville, Union Carbide, Olin Mathieson, Alcoa,
Kaiser, despontam entre todos os projetos de produção de maté-
rias-primas do pós-guerra, neste continente. Suas alianças espa-
lham-se entre as principais companhias metalúrgicas e financeiras
da Europa, em combinações que ocultam a competição subterrâ-
nea. Esse estado de competição irrompe à superfície quando as
circunstâncias causam um desmoronamento na fachada de coe-
xistência pacífica entre imperialistas rivais operando nos Estados
soberanos de outros aos quais dão demonstrações de força e que
usam como peões na batalha pela supremacia monopolista. O
Gabão é um bom exemplo dessas afirmações. O descontentamen-
to popular com o regime existente, que levou às desordens de fe-
vereiro de 1964, foi a oportunidade utilizada pela França para ad-
vertir os Estados Unidos de que não toleraria a usurpação dos di-
reitos e que ela se arroga sobre as riquezas de manganês, urânio e
petróleo dessa sua antiga colônia. Negligenciados sob o regime
colonial, esses recursos assumiram um valor inestimável para a
França na batalha contra o avanço do imperialismo norte-
americano na Europa, na nova época de rivalidade atômica. A
França enviou paraquedistas a fim de reforçar o seu ponto de vis-
ta sobre quem teria o Gabão como pião.
A United States Steel pode ter a participação dominante
| 150 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

na Comilog (Compagnie de l’Ogoouie), que está explorando o


leito dos riquíssimos depósitos de manganês de Franceville, mas
a França, através da Compagnie des Mines d’Uranium de France-
ville, controla o depósito de urânio em Mounana e está urgente-
mente atarefada no esforço para frustar as aspirações dos barões
do petróleo norte-americano ao acesso indisputado às riquezas
petrolíferas submarinas da costa do Gabão.
| 151 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

5. A verdade por trás das manchetes

Para compreender realmente o que acontece hoje no mun-


do é necessário compreender as influências e pressões econômi-
cas que estão por trás dos acontecimentos políticos. As colunas
financeiras da imprensa mundial dão, de fato, “as notícias por trás
das notícias”. Com intervalos de poucos dias encontramos sempre
anúncios pela imprensa de que “Morgan Grenfell participa de um
novo banco francês” (monopólio açucareiro sul-africano) ou
“Nova companhia de agenciamento estabelecida na Alemanha”.
São títulos de jornais realmente colhidos ao acaso. Ao se-
rem examinados, mesmo superficialmente, no entanto, os fatos
revelam uma linha de ligação entre poderosos grupos financeiros
que exercem a pressão mais decisiva sobre os acontecimentos de
nossa época. Os fatos dizem respeito aos homens e interesses re-
lacionados com os arranjos mencionados nos artigos de jornal.
Não que os fatos sejam jamais completamente ocultados e é ne-
cessário conhecer as carreiras das personalidades e grupos que os
artigos ligam entre si para ver por trás deles a direção inevitável
dos arranjos noticiados e seu significado intrínseco, em termos de
força econômica e política.
Teremos o assunto da participação de Morgan Grenfell no
novo banco francês (Financial Times, de Londres, 18 de dezem-
bro de 1962). Morgan Grenfell & Co atua efetivamente como o
terminal londrino do importante aglomerado bancário estaduni-
dense J.P. Morgan & CO., que em 1956 já possuía um terço da
companhia britânica. Não deve ser, portanto, surpreendente saber
que o novo banco “continental” no qual Morgan Grenfell partici-
pa se chama Morgan & Cie; e especialmente porque 70% do ca-
pital de dez milhões de francos novos pertencem a Morgan Gua-
ranty International Finance Corporation e 15% a Morgan Gren-
| 152 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

fell. E os restantes 15%? Estão divididos entre dois bancos ho-


landeses – Hope & CO., de Amsterdam, e R. Mees & Zoonen, de
Rotterdam – com os quais o grupo Morgan tem estado intima-
mente associado há muitos anos. Essa associação foi tornada mais
íntima pela aquisição, em março de 1963, de 14% de ambos pela
Morgan Guaranty International Banking Corporation, subsidiária
da Morgan Guaranty Trust. Como foi feito isso? Através de com-
pra de ações da Bankier-Compagnie, uma companhia que conso-
lidava as atividades dos dois bancos holandeses e que, apesar de
tudo, continuam a negociar em seus próprios nomes. Essa forma,
de um em dois, é a fórmula aceita, pela qual as grandes combina-
ções procuram iludir o mundo sobre suas formações compactas.
O presidente de Morgan et Cie é o Sr. Pierre Meynial, vi-
ce-presidente do Morgan Guaranty Trust em Paris, cujo irmão, o
Sr. Raymond Maynial, é diretor do Banque Worms. O vice-
presidente de Morgan et Cie é o Et. Hon, Visconde de Harcourt,
K. C. M. G., O. B. E., diretor-gerente da Morgan Grenfell e pre-
sidente de quatro companhias de seguros britânicas ─ British
Commonwealth, Gresham Fire & Accident, Gresham Life Assu-
rance, e Legal & General. “Alteração bancária francesa africana”
encabeça uma matéria de pouco menos de oito linhas, no Finacial
Times de 26 de julho de 1963, que nos informa sucintamente de
que “a rede de agências do Banque Commerciale Africaine no
Senegal, Costa do Marfim, República dos Camarões e República
do Congo passou para o controle da Société Générale, o segundo
maior banco francês”.
É o único comentário que o jornal se permite que está o
ponto interessante: “O arranjo resultará em substancial aumento
do volume de depósitos mantidos pela Société Générale.”
A Société Générale foi fundada sob Napoleão III, em
1864. Um dos seus principais participantes era Adolphe Schnei-
der, membro do império Schneider de ferro e aço e que era ao
mesmo tempo um dos regentes do Banquete de France.
Tanto o Banquete de France como a Société Générale fo-
ram agora nacionalizados. Isso significa na realidade que o Go-
verno francês tem um interesse direto na rede do Banque Com-
merciale Africaine de que a Société Générale assumiu o controle.
A nacionalização não atrapalha a associação mais íntima
com as mais poderosas instituições bancárias privadas do mundo,
| 153 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

como ilustram os fatos noticiados sob o título “Grupo bancário


africano” (West África, 22 de setembro de 1963). O título, no
entanto, ilude. Há pouco de “africano” no grupo, sendo o princi-
pal interessado a Bankers International Corporation, subsidiária
da Bankers Trust Company, que divide com a Morgan Guaranty
Trust Company, que divide com a Morgan Guaranty Trust os ne-
gócios comerciais de J. P. Morgan & Co. Os outros são a Société
Générale e outras instituições financeiras europeias não citadas.
Essa combinação de bancos ocidentais, encabeçada pelos
interesses da Morgan, cujos braços se estendem ao longe, incre-
mentará a formação de bancos exatamente nesses territórios onde
a Société Générale adquiriu os interesses do Banque Commercia-
le Africaine, ou seja, Costa do Marfim, Senegal, República dos
Camarões e Congo (Brazzaville).
A Junta Federal de Reserva estadunidense aprovou a ex-
tensão da Morgan, assim como os Governos dos países africanos
a que diz respeito a operação.
Não é necessário fazer comentários, uma vez podermos
aceitar de imediato o ponto de vista do primeiro vice-presidente e
chefe do departamento internacional do Bankers Trust, Sr. G. T.
Davies, que anunciou prazerosamente que a participação desses
quatro países aumentará o alcance das atividades de companhias
de Bankers Trust na África, com continente em que estamos vi-
talmente interessados.
A notícia conclui com a informação de que a Bankers In-
ternational Comparation tem interesses (equity intersts) no Libe-
rian Trading & Development Bank (Tradevco) e no United Bank
of África, na Nigéria.
O fato de que outro consórcio açucareiro (Financial Times
de 8 de novembro de 1962) tenha conseguido obter mais de 50%
das ações ordinárias e, portanto, a maioria de votos no monopólio
açucareiro sul-africano de Sir J. Hulett & Sons parece, superfici-
almente, inteiramente desligado das outras matérias jornalísticas
que já examinamos. Mas continuemos com o exame.
Por trás da combinação de companhias açucareiras que
obteve a ascendência no monopólio Hulett são visíveis as mãos
de duas importantes casas sul-africanas lançadoras e subscritoras
de ações, Philip Hill Higginson & Co. (África) e Union Accep-
tances Ltd.
| 154 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Harold Charles Drayton é a personalidade dominante na


cadeia Philip Hill de companhias financeiras e de investimento,
com base em Londres. Harry F. Oppenheimer, da África do Sul, é
o presidente da Union Acceptances. Entre os cargos do Sr. Dray-
ton nas companhias, estão os de presidente da European & Gene-
ral Corporation, Second Consolidated Trust, e diretor do Midland
Bank e Midland Bank Executor & Trustee Co., Eagle Star Insu-
rance Co., Standard Bank, Consolidated Gold Fielsds of South
Africa e Ashanti Gold Fields Corporation.
O Sr. Oppenheimer, entre os seus mais de 70 cargos em
comapnhias, inclui os de presidente da African Explosives &
Chemical Industrie da Anglo Americana Corporation of South
Africa, De Beers Consolidated Mines, e First Union Investment
Trust. É diretor da African & European Investment Co. e Central
Mining & Investment Corporation.
O vice-presidente da Anglo American Corporattion é Sir.
K. Acutt, que é também diretor da British South Africa Co. e do
Standard Bank.
Codiretor, com o vice-presidente da Anglo American
Corporation, da British South Africa Co. é o Sr. Robert Annan,
que faz parte da diretoria da Consolidated Gold Fields ao lado de
Mr. Drayton. Mr. Annan goza também da distinção de ser diretor
extraordinário da Scottish Amicable Life Assurance Society.
Colega de Mr. Drayton, tanto no Midland Bnak como na
Executor & Trust Co, pertencente ao banco, é o Rt. Hon. Lorde
Baillieu, K. B. E., C. G., que acontece de ser ao mesmo tempo
vice-presidentes da Central Mingongo & Investment Corporation,
onde pode ser encontrado Herry F. Oppenheimer. Lorde Baillieu
tem assento também no English Scottish & Australian Bank. Ou-
tro diretor do Standard Bank é o Sr. William Antony Acton, cujas
estreitas ligações com o mundo bancário se veem na sua vice-
presidência do National Bank e nas diretorias que ocupa no Bamk
of London & Montreal, Standard Bank Finance & Development
Corporation, Bank of London & South American e Bank of West
Africa. Não é certamente por mera coincidência que Lorde Luke
of Pavenham tem assento com H. C. Drayton na diretoria no
Bank of London & South America, da qual faz parte Mr. Acton.
Nem pode ser por mero acaso que o Sr. Esmond Charles
Baring, ex-diretor e agente em Londres da Anglo American Cor-
| 155 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

poration e associado a numerosas outras companhias do grupo


Oppenheimer, é membro da família que opera a casa de negócios
de Baring Bros e mantém os mais íntimos laços com o mundo dos
investimentos. Outros personagens importantes que honraram a
junta diretora da British South Africa Co. em 1963, eram o fale-
cido Sir Charles J. Hambro, P. V. Emrys-Evans e o Visconde de
Mavern, P. C., C. H. K. C. M. H. Sir Charles Hambro era o dire-
tor principal do Banco da Inglaterra. Presidia o maior dos bancos
comerciais da City de Londres, O Hambros Bank, com 178 mi-
lhões de libras, e presidia a Union Corporation, o grupo financei-
ro de mineração sul-africana que abarcava numerosos dos interes-
ses anglo-norte-americanos associados com as firmas ligadas a
Harry F. Oppenheimer. O Standard Bank of South Africa surge
uma vez mais entre os cargos de diretoria de Lorde Malvern, o
que inclui a Scottish Rhodesia de Finance e o Merchant Bank of
Central. Este último é uma criação do grupo bancário Rhoths-
child, no qual se encontra o Banque Lambert, um dos importantes
bancos belgas que tem 17,5% de seus interesses concentrados na
África, especialmente no Congo.
O banco tem ainda interesses em outra criação de Roths-
child, a Five Arrows Securities Co., uma firma de investimentos
operando no Canadá e sob a influência de Rockefeller. Mr. Paul
V. Emrys-Evans, vice-presidente de British South Africa Co., é
agora o presidente da Anglo American Corporation, de Oppe-
nheimer, atualmente em expansão, e também da D.C.O. do Bar-
clays Bank.
Um assento na Rio Tinto Zinc Corporation traz Mr. Em-
rys-Evans para a companhia de Lorde Beillieu, seu vice-
presidente, e suas associações com H. C. Drayton.
Vários outros proeminentes bancos e companhias de segu-
ros britânicos e algumas das suas associadas europeias participam
do Standard Bank. Seu presidente, Sir Frank Kyrll Hawker, já foi
representante do Banco da Inglaterra e seu vice-presidente, Sir F.
W. Leith-Ross, representa a National Provincial Bank. As associ-
ações bancárias de W. A. Acton já foram esboçadas acima. H. C.
Drayton entra com os interesses de seus próprios grupos financei-
ros, assim como os do Midiand Bnak e Eagle Star Insurance. Sir
E. L. Hall Patch, diretor do Standard Bank of South Africa que
renunciou na assembléia-geral anula de julho de 1963, é diretor
| 156 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

da Commercial Union Assurance Co. Sir G. S. Harvie-Watt é só-


cio de H. C. Drayton na Eagle Star Insurance e no Midiand Bnak.
É presidente da Consolidated Gold Fields e diretor da American
Zinc Lead & Smelting Co. dos Estados Unidos.
John Francis Prideaux traz os interesses da Com-
monwealth Development Corporation para o banco, assim como
os do Westminster Bank, do Bank os New Souyh Wales e diver-
sos outros grupos financeiros e de investimentos.
Willian Michael Robson, como vice-presidente da Junta
Diretora Conjunta para a África Oriental e Central do Standard
Bank, pões em ação todos os interesses investidos, reunidos na
junta, enquanto representa separadamente os investimentos da
companhia de financiamento, comércio, navegação e agrícolas do
grupo McConnell, de Booker Bros, que tem o domínio monopo-
lista da economia da Guiana Britânica. Charles Hyde Villiers re-
úne o Banque Belge Ltd. é o desaguadouro londrino do Banque
de La Société Générales de Belgique e controla, por sua vez, en-
tre outros, o Banque du Congo Belge, Belgian-American Banking
Corporation, Belgian-American Bank & Trust Co., Continental
American Fund (Ameri-fund) de Baltimore, Estados Unidos, e
Canadafund Co., de Montreal, Canadá.
O título “Nova Companhia de agenciamento estabelecida
na Alemanha” (Finacial Times, 4 de outubro de 1963) tem uma
aparência superficialmente inócua. O mais breve olhar ao texto,
no entanto, nos leva de pronto diretamente ao mundo dos bancos
internacionais. Pois encontramos extensões do capital britânico e
norte-americano que estimularam e sustentaram uma verdadeira
aventura internacional de agenciamento que se expandiu em mui-
to pouco tempo através de quatro continentes. O foco central é
uma companhia suíça de holding (controladora de outras compa-
nhias através de suas ações), a International Factores (agentes)
AG. Of Chur. Seu capital nominal é de seis milhões de francos
suíços (cerca de 490 mil libras). Estabeleceu agora atividades na
Alemanha, onde uma companhia, a International Factors Deu-
tschland, foi organizada em conjunção com três bancos alemães,
a companhia de Chur retendo 50% do capital. Do restante, 20%
são do Frankfurter Bank, 25% do Mittelrheinische Kreditbank Dr.
Horbanck & Co., e 5% de um banco particular em Frankfurt, Ge-
orge Hauck. A parte do Frankfurter Bank, no entanto, será au-
| 157 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mentada pelo fato de ter adquirido uma participação de 51% de


Horback & Co., através de uma permuta de ações. Os grandes
interesses banqueiros por trás da aventura de agenciamento inter-
nacional, que tem filiadas na Suíça, Austrália, África do Sul, Isra-
el e agora Alemanha, são o First National Bank of Boston, e M.
Samuel & Co., de Londres.
Uma companhia holding sob a influência de Samuel, To-
zer Kemsley & Milbourn (Holdings), constitui um terceiro. O
First National Bank império financeiro Morgan, passou cada vez
mais, desde de 1955, a ficar sob influência de Rockefeller, embo-
ra ainda tenha ligações significativas com Morgan. Está conjuga-
do ao Chase National Bank (Rockefeller) na American Overseas
Finance Corporation.
O presidente de M. Samuel & Co. é o Visconde Bearsted,
diretor da companhia criada por Rothschild, Alliance Assurance
Co., e sua afiliada, Sun Alliance Insurance.
O presidente dessas duas companhias de seguros é Mr. T.
D. Barclay, diretor do Barclays Bank (França) e British Linen
Bank, filiado ao Barclays Bank.
O presidente de M. Samuel & Co. é o Visconde Bearsted,
diretor da companhia criada por Rothschild, Alliance Assurance
Co., e sua afiliada, Sun Alliance lnsurance.
O presidente dessas duas companhias de seguros é Mr. T.
D. Barclay, diretor do Barclays Bank (França) e British Linen
Bank, filiado ao Barclays Bank.
No começo de fevereiro de 1963, o First National City
Bank de New York, através da lnternational Banking corporation,
instituições controladas pelos interesses de Rockefeller, comprou
uma participação de 16,66 por cento em M. Samuel & Co., repre-
sentada por 600 mil ações ordinárias, ao custo de um milhão e
900 mil libras.
O First National City Bank colocou o presidente da sua
comissão executiva, R. S. Perkins, na diretoria da Samuel. Essa
injeção do capital de Rockefeller permitiu à firma bancária Sa-
muel ingressar no Mercado Europeu, onde se uniu à associação
de banqueiras europeus reunidos pelo importante banco francês
Banque de Paris et des Pays-Bas. Essa associação é o Groupe-
ment d'Études pour l'Analyse des Valeurs Européennes, cujo ob-
jetivo é canalizar o chamado “investimento institucional”.
| 158 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A casa M. Samuel foi também encarregada de gerir outra


organização do Mercado Comum, com sede em Londres, a New
European & General Investment Trust, na qual está associada ao
Banque Lambert, Banque de Paris et des Pays-Bas, à proeminente
casa bancária alemã Sal Oppenheim & Cie., os banqueiros holan-
deses Lippmann, Rosenthal & Co., o Crédito Italiano, da Itália,
Banco Urquijo, da Espanha, e Union de Banques Suisses, da Suíça.
Pode parecer que tenhamos estendido muito sobre os in-
tricados detalhes dos interesses financeiros e econômicos que es-
tão por trás de alguns títulos de jornal de aparência inocente. Mas
eles são, de fato, tênues indicações direcionais da atual tendência
para laços cada vez mais estreitos entre um número reduzido de
grupos incrivelmente poderosos que dominam nossas vidas em
escala mundial. A tarefa de estudar mais profundamente, em de-
talhe, sua significação, é o principal objetivo deste livro.
No entanto, mesmo essa breve exposição dá provas escla-
recedoras d'a tortuosa interligação do monopólio internacional,
hoje em dia. O que observamos, acima de tudo, é a constante pe-
netração de instituições bancárias e financeiras em grandes em-
preendimentos industriais e comerciais, criando uma corrente de
elos que as leva a um tipo de relações. Comuns conduzindo ao
domínio tanto da economia nacional como da internacional. A
influência exercida por esse domínio é estendida aos assuntos po-
líticos e internacionais, de maneira que os interesses dos grupos
monopolistas dominantes governam as políticas nacionais. Seus
representantes são colocados em posições-chave no governo,
exército marinha e força aérea, no serviço diplomático, nos orga-
nismos que tomam decisões administrativas, e nas organizações e
instituições internacionais através das quais as orientações esco-
lhidas são filtradas para o cenário mundial.
Esse processo já havia alcançado um impulso bem grande
antes do rompimento da Primeira Guerra Mundial, que provocou
numerosos estudos importantes de seu crescimento e possibilida-
des. Dois desses estudos, Imperialismo, pelo liberal britânico J.
A. Hobson, publicado em 1902, e Capital Financeiro, pelo mar-
xista austríaco Rudolf Hilferding, publicado em 1910, foram usa-
dos por Lênin como base principal do seu estudo de Imperialis-
mo, que ele qualificou de “o mais alto estágio do capitalismo”.
Isso foi no estágio em que a competição se transformava em mo-
| 159 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nopólio, a chamada combinação da produção, isto é, o grupamen-


to, em uma única empresa, de diferentes ramos da indústria, e o
próprio monopólio era dominado pelo capital bancário e financei-
ro. O estudo de Lênin foi escrito em 1916. Desde então o domínio
do monopólio financeiro acelerou-se tremendamente.
Como é possível que o capitalismo, baseado na livre em-
presa e competição, tenha chegado a um estágio em que a compe-
tição está sendo corroída ao ponto em que monopólios de estrutu-
ra piramidal exercem direitos ditatoriais?
A possibilidade está na existência da própria livre iniciati-
va. O incentivo da competição provocou a inventividade em vá-
rios planos. Nova maquinaria foi inventada, para aumentar a pro-
dução e o lucro as fábricas se tornaram maiores.
As pequenas unidades tornaram-se pouco lucrativas e fo-
ram expulsas ou engolidas pelas maiores, A comunicação ferro-
viária melhorou a distribuição e o melhor transporte marítimo
estimulou o comércio transoceânico e a importação de matérias-
primas estrangeiras.
A companhia; por sociedade anônima, que encorajou o
crescimento do transporte ferroviário e marítimo, serviu de ins-
trumento para forjar o crescimento de bancos e seguros.
Novas leis comerciais ajudaram sua extensão a empresas
industriais e comerciais, nas quais o risco do investidor individual
foi diminuído pela limitação de sua obrigação. A competição pas-
sou a outro nível Companhias que possuíam grande capital ou
eram capazes de levantá-lo com garantias próprias puderam exer-
cer uma influência desigual sobre as mais fracas. Os lucros passa-
ram a depender da eliminação dos competidores.
A enorme expansão da indústria no final do século passa-
do e princípio do atual foi acompanhada de rápida concentração,
em empresas cada vez maiores. A combinação da produção se
estabeleceu como principal característica do capitalismo.
Firmas que haviam começado se concentrando em uma
função de indústria estenderam se para constituir uma empresa de
grupo que representava os estágios consecutivos do processamen-
to de matérias-primas ou se subordinaram umas às outras.
Casas de comércio estenderam suas atividades à distribui-
ção e depois à produção de artigos acabados com materiais pri-
mários produzidos em plantações e minas que adquiriram em ter-
| 160 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ritórios do além-mar.
Hilferding, em seu trabalho clássico sobre o assunto, Ca-
pital Financeiro, explica os motivos desse processo:
“A combinação nivela as flutuações do comércio e portan-
to assegura às empresas combinadas um índice de lucro mais es-
tável. Em segundo lugar, a combinação tem o efeito de eliminar o
comércio. Em terceiro lugar, tem o efeito de possibilitar aperfei-
çoamentos técnicos e consequentemente a obtenção de superlu-
cros, acima e além daqueles obtidos pelas empresas ‘puras’ (isto
é, não combinadas).
Em quarto, fortalece a situação das empresas combinadas,
em comparação com a das ‘puras’, fortalece-se na luta de compe-
tição em períodos de depressão severa, quando a queda de preços
nos materiais primários não acompanha o ritmo da queda de pre-
ços dos produtos manufaturados.”
À medida que se estendia o monopólio da indústria e do
comércio, também aumentava a dependência do capital bancário.
Novos métodos de produção, a divisão das fábricas e negócios
em departamentos, a pesquisa de possibilidades de novos materi-
ais e novos métodos de empregar tanto os materiais antigos como
os novos ─ tudo isso, embora eventualmente reforçasse o mono-
pólio e aumentasse os lucros, exigia somas de capital que somen-
te os bancos e seus associados no mundo dos seguros tinham ca-
pacidade de fornecer.
Assim, lado a lado com o processo de fusão de empresas
industriais, houve a concentração de bancos e sua penetração nas
grandes empresas industriais e comerciais para cujo capital con-
tribuíam fortemente.
De intermediários, fazendo inicialmente apenas o papel de
emprestadores de dinheiro, os bancos passaram a poderosos mo-
nopólios, tendo sob seu comando quase que todos os meios de
produção e fontes de materiais primários de um determinado país
e de diversos países. Essa transformação de numerosos interme-
diários humildes em um punhado de monopolistas representa um
dos processos fundamentais da: passagem do capitalismo para o
imperialismo capitalista.
Estabeleceu-se a união entre o industrial e o banqueiro, na
qual dominava o último. Nos Estados Unidos, por exemplo, a
United States Steel Corporation uma fusão de várias firmas gi-
| 161 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

gantescas do aço, controlando metade da produção do país, era


controlada: pelos interesses bancários de J. P. Morgan, por causa
dos grandes investimentos que J. P. Morgan tinha na indústria.
Antes de terminada: a primeira década do século atual, a interli-
gação da indústria e bancos já havia se realizado em alto grau. Na
Alemanha, por exemplo, seis dos maiores bancos eram represen-
tados, por seus diretores, num total de perto de 750 companhias
dedicadas aos mais diversos ramos da indústria: seguros, trans-
porte, indústria pesada, navegação, restaurantes, teatros, arte, edi-
toras, etc. Em troca, tinham assento nas diretorias desses seis
bancos, em 1910, 51 dos maiores industriais, inclusive Krupp,
magnata do ferro e do aço, fabricante de armamentos e diretor da
poderosa linha de navegação Hamburg-American.
Hoje em dia esse processo foi muito mais longe e estende
suas raízes cada vez mais envolventes. Os seis bancos alemães
incluíam quatro gigantes: o Deutsche Bank, o Dresdner Bank, o
Disconto Oesellschaft e o Commerzbank, que se tornaram, todos,
ainda mais poderosos. Aliados a eles hoje, como em 1910, estão
os grandes trustes e cartéis industriais alemães Krupp, AE G Ba-
yer, Badische Anilin & Soda: Fabrik, Farbwerke Hoechst (os três
últimos são os componentes em que a grande I. G. Farben foi di-
vidida pelos aliados ao fim da Segunda Guerra Mundial), os fa-
bricantes de explosivos e armamentos ligados à enorme ICI e sua
filiada continental Solvay.
Por exemplo, o Deutsche Bank é hoje o principal banco da
Alemanha e está colocado em décimo-primeiro lugar entre os
maiores do mundo. Em 1870, o Deutsche Bank tinha um capital
de 15 milhões de marcos, que conseguiu aumentar para 200 mi-
lhões em 1908.
Em 1962, dispunha de fundos no total de um bilhão e 100
milhões de francos antigos. O domínio da oligarquia é mantido
através do principal artifício da holding company, geralmente cri-
ada com um capital puramente nominal, mas que controla direta e
indiretamente subsidiárias e filiadas utilizando finanças enorme-
mente superiores. Partindo do ponto de vista de que a posse de 50
por cento do capital é suficiente para controlar uma companhia
(às vezes pode ser, e é, muito menos), é possível com um inves-
timento de, digamos, cem mil libras, controlar dezenas de mi-
lhões em empresas subsidiárias e interligadas.
| 162 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Concentrado nas mãos de uns poucos, o capital financeiro


exerce um monopólio virtual, em consequência do que extrai lu-
cros enormes e crescentes, de financiamentos de empresas, subs-
crição de ações, posse de debêntures, empréstimos públicos e
emissões de títulos. O Deutsche Bank, por exemplo, adota o pro-
cedimento específico de obter o controle de empresas e colher
novos lucros. Ao participar do lançamento de novos empreendi-
mentos ou de extensões dos já existentes, o banco levanta todo o
capital necessário, nos próprios recursos ou de associados. Quan-
do a formação está terminada, as ações são descarregadas com
vantagens e o banco conserva apenas o suficiente para lhe dar voz
de comando na direção. Ao mesmo tempo, obtém um lucro sobre
o capital original.
O financiamento de empréstimos estrangeiros representa
um dos campos mais rendosos para os lucros monopolistas. Ge-
ralmente um país que pede um empréstimo é feliz se consegue
mais de nove décimos da soma emprestada. Frequentemente con-
segue menos, particularmente se se tratar de um país em desen-
volvimento. Os empréstimos da Libéria são um exemplo clássico
e revelador de como opera a finança monopolista em conjunção
com governos, para aumentar seus lucros.
Na Libéria, em 1904, o Presidente Arthur Barclay comu-
nicou que o empréstimo da Inglaterra, a sete por cento, de 1871,
originalmente de cem mil libras - das quais apenas 27 mil chega-
ram realmente ao Tesouro da Libéria por causa de certos desfal-
ques oficiais - era o maior item da dívida nacional e necessitaria
da arrecadação total de três anos para ser pago.
Um governo liberiano desesperado conseguiu arranjar um
empréstimo internacional de um milhão e 700 mil dólares. Este
foi subscrito por casas bancárias britânicas, francesas, holandesas
e alemãs, associadas às instituições financeiras estadunidenses de
J. P. Morgan, National City Bank, First National Bank of New
York e Kuhn Loeb & Co.
Nessa ocasião, foram utilizados os meios mais arbitrários
para cobrar e garantir o pagamento do empréstimo. Um Recebedor
Geral norte-americano foi nomeado pelos Estados Unidos e sub-
representadores pela Grã-Bretanha, França e Alemanha, arranjo
que se manteve até que os Estados Unidos tomaram controle total
das finanças da Libéria durante a Primeira Guerra Mundial.
| 163 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O dinheiro que chegou às mãos do Governo liberiano foi


pouco, na verdade, mas aos bancos e casa5 que lançaram o em-
préstimo couberam altos lucros. Títulos no valor de 715 mil dóla-
res foram entregues em Londres, 225 mil na Alemanha, 460 mil
em Amsterdam e 158 mil em New York aos credores da Libéria,
em pagamento das dívidas. Foi necessário o dinheiro de repara-
ção de guerra, obtido com a venda de propriedades alemãs na Li-
béria, para liquidar os débitos subsequentes contraídos com o en-
tão British Bank of West Africa para tentar fazer frente as dívidas
desse empréstimo.
Somente depois que um novo empréstimo foi negociado
com a Firestone Corporation of America, em 1926 é que o Go-
verno liberiano conseguiu utilizar 1.180.669 dólares para pagar o
capital e juros acumulados do empréstimo de 1912. O emprésti-
mo oferecido pela Firestone foi da ordem de cinco milhões, ao
juro de sete por cento, mas até 1945 só a metade desse total havia
sido concedida. As condições da Firestone incluíam a abolição do
cargo de Recebedor da Alfândega e sua substituição por um Con-
selheiro Financeiro.
Foi sob a pressão dessas dívidas que a Libéria foi obrigada
a ceder grandes concessões para plantação de borracha à Firesto-
ne e posteriormente à Goodrich Rubber Company. Uma das prin-
cipais funções do capital financeiro é a emissão de títulos em que
as taxas de desconto são ridiculamente altas. É também um méto-
do importante de consolidar a oligarquia financeira.
Em períodos de prosperidade, os lucros são imensos. Du-
rante os períodos de depressão, os bancos adquirem o controle,
através da compra de empresas pequenas e fracas, ou participam,
com lucro, da sua organização. Os bancos ganham dinheiro e a
esfera de controle é ampliada.
A assistência financeira aos especuladores de terras é au-
mentada. Essa assistência aos especuladores de terras é também
um meio de garantir o controle e multiplicar os lucros, em épocas
de expansão industrial. O monopólio do arrendamento de terrenos
une-se ao de comunicações, uma vez que um importante fator que
governa a elevação dos preços dos terrenos é a existência de bons
meios de comunicações com centros urbanos.
Em seu livro Monopoly: A Study of British Monopoly
Capitalism, publicado em 1955 por Lawrence and Wishart, Sam
| 164 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Aaronovitch demonstrou como os recursos financeiros da Grã-


Bretanha se concentraram nas mãos de um pequeno número de
grandes bancos e instituições financeiras. Entre eles, os “Cinco
Grandes” bancos exercem poder imenso. Em 1951, seus 147 dire-
tores ocupavam 1.008 cargos de diretoria dos quais 299, pouco
menos de um terço, eram em outras instituições financeiras. Des-
ses 299, 85 eram em outros bancos e companhias de desconto;
117 eram em companhias de seguros e 97 em trustes de investi-
mentos e companhias financeiras". (Pág. 49.)
“Falar de centralização!” - escreveu Karl Marx no Capital
(Vol. 3, Cap. 33): “O sistema de crédito, que tem o seu centro nos
chamados bancos nacionais e nos grandes emprestadores de di-
nheiro e usurários à sua volta, é uma enorme centralização e dá a
essa classe de parasitas um fabuloso poder… de interferir na pro-
dução real, da maneira mais perigosa ─ essa quadrilha nada sabe
sobre produção e nada tem a ver com ela”.
A hegemonia das instituições financeiras sobre a indústria
é garantida pelas grandes reservas acumuladas pelas várias ma-
neiras através das quais o capital é fornecido à indústria com alto
lucro e retirado dela através de companhias holding e diretorias
interligadas. Esse processo ressalta a separação do capital finan-
ceiro do capital industrial.
Quando essa separação atingiu importantes proporções e o
domínio do capital financeiro se tornou absoluto, o estágio do
imperialismo havia sido atingido. Pode-se dizer que esse estágio
foi levado à maturidade ao se iniciar o século.
Da livre competição, característica fundamental dos seus
estágios iniciais, o capitalismo, em seu estágio mais elevado,
atingiu o monopólio através da polarização, expressada em sindi-
catos, trustes e cartéis, com os quais se fundiu o capital de um
pequeno número de bancos. Os trustes e cartéis assumiram um
caráter internacional e dividiram o mundo entre si.
O monopólio se estende ao controle de materiais primá-
rios e mercados, pela posse dos quais o capitalismo altamente de-
senvolvido se lança a uma luta cada vez mais intensa. Em seu es-
tágio imperialista, a necessidade primordial do capital financeiro
é encontrar esferas de investimento no além-mar que produzam
lucros mais rapidamente do que pode ser obtido no próprio país.
A exportação do capital, portanto, torna-se o dínamo do
| 165 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

imperialismo que movimenta a exportação e leva à captura de


colônias como meio de assegurar o controle monopolista. Sobre
esse processo econômico é constituída a ideologia política, a su-
perestrutura não-econômica, que inspira a batalha pela conquista
colonial. Hilferding exprimiu essa ideologia em uma única frase
concisa: "O capital financeiro não requer liberdade, requer domí-
nio." A posse de colônias dá uma garantia à oligarquia financeira
do país possuidor, do monopólio das fontes atuais e potenciais de
materiais primários e de saída para os produtos manufaturados.

Notas de rodapé:

1: Política Colonial Britânica e Rivalidades Neocolonialistas, R.


PALME DUTT, Assuntos Internacionais, Moscou, agosto de
1964. (página: 66)

2: Vide Imperialismo Norte-Americano, Perlo, págs. 28/29.


(página: 68)
| 166 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 167 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

6. Recursos primários e interesses


estrangeiros

COMPANHIAS estadunidenses e europeias ligadas às mais


poderosas instituições bancárias e financeiras do mundo estão, com
o consentimento de governos africanos, penetrando em projetos de
importância, destinados à exploração de novas fontes de produtos
primários. Em alguns casos, os projetos estão aliados a especula-
ções a longo prazo para a criação de determinadas indústrias es-
senciais. De um modo geral, no entanto, limitam-se à produção de
materiais em estágio básico ou secundário, com o objetivo de pro-
cessá-los nos moinhos e fábricas possuídos e operados pelas com-
panhias exploradoras nos territórios metropolitanos.
A África não conseguiu progredir muito no caminho do
desenvolvimento industrial porque os seus recursos naturais não
foram empregados com esse objetivo, mas foram utilizados para
o maior desenvolvimento do mundo ocidental. Isso tem sido um
processo continuado que ganhou tremendo impulso nos últimos
anos, acompanhando a invenção e introdução de novos processos
e técnicas que aceleraram a produção tanto das indústrias de me-
tal ferroso como de não ferroso, da Europa e da América do Nor-
te, a fim de acompanhar a demanda sempre crescente de artigos
acabados. Os preparativos militares e a expansão nuclear tiveram
um impacto considerável sobre essa demanda. A produção mun-
dial de aço em bruto quase duplicou na década entre 1950 e 1960,
passando de 190 milhões de toneladas para 340. Nem mesmo a
regressão de 1958, que perdurou pelos anos seguintes, conseguiu
paralisar esse progresso, que continuou em grau menor tanto nas
nações orientais como ocidentais.
| 168 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A previsão geral é de que esse ritmo de produção será


mantido. Ao provir de fontes ocidentais, dá pouca margem à ex-
pansão da utilização de produtos primários pela África e pretende
a continuação do fluxo atual entre nações fornecedoras em de-
senvolvimento e nações utilizadoras altamente industrializadas.
Também não leva em conta: a probabilidade de uma tendência
repressiva nas economias ocidentais, que poderá certamente afe-
tar a demanda de matérias-primas. Os anos de pós-guerra, parti-
cularmente desde 1956, demonstraram uma tendência oposta.
Perto de um quarto matérias-primas (90 milhões de toneladas em
400 milhões) utilizadas nas indústrias metalúrgicas mundiais fo-
ram importadas.
Os principais importadores desses materiais são os Esta-
dos Unidos, Europa Ocidental e Japão. A União Soviética e as
nações em desenvolvimento têm à disposição quantidades sufici-
entes de matéria-prima doméstica. Atualmente três grandes áreas
de recursos primários estão sendo exploradas em benefício das
nações grandes produtoras. São a África, Canadá e América do
Sul particularmente Chile e Peru e, recentemente, a Venezuela. O
Canadá tornou-se uma província, do capital norte-americano de
investimento, que retira altos lucros e explora vastos recursos de
produtos primários para serem convertidos em fábricas estaduni-
denses. A América do sul e a África, além de oferecerem essas
vantagens, fornecem mão de obra barata e assistência governa-
mental local através da isenção de taxas para maquinaria e equi-
pamento importados, além de perdão de impostos.
Levantamentos que estão sendo realizados na África reve-
lam mais e mais depósitos de valiosas matérias-primas. Os pes-
quisadores ocidentais as encaram essencialmente como fontes de
exploração para o comércio e indústria do seu mundo, ignorando
completamente o desenvolvimento das nações em que se encon-
tram. Robert Saunal, em artigo publicado em Europe (France).
Outremer de novembro de 1961, examina as possibilidades da
África como fornecedor de matérias-primas ferrosas para as in-
dústrias das grandes nações metalúrgicas. Ele lembra aos leitores
que há fontes dessas matérias-primas na Europa, como a Suécia e
Espanha e que para o Japão há as nações da Ásia e Oceania.
O articulista conclui que a participação europeia é um fa-
tor favorável para iniciar a exploração dos recursos minerais da
| 169 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

África, mas que as novas capacidades produtivas, no curso do


desenvolvimento devem aconselhar prudência e um exame deta-
lhado das possibilidades de venda. Essas minas tendem a iniciar
operações em uma situação de ativa competição o que terá que
acarretar efeitos sobre os níveis de preços. Elas precisam, portan-
to, ser sujeitas a um sério exame preliminar antes de se lançar à
iniciativa, e devem depender de acordos entre as companhias ex-
ploradoras e os Estados hospedeiros, o que dará aos primeiros
uma justa retribuição e aos últimos um regime fiscal para o fun-
cionamento da ''exploração harmônica". Em resumo, os governos
dos novos Estados são encarados como policiais dos consórcios
bancários industriais dedicados a manter o antigo esquema impe-
rialista nas relações entre o Ocidente e a África. O “regime fiscal
estável” que garantirão com essa exploração será, segundo
Robert Saunal, baseado em condições de preços rebaixa-
dos provocadas pela aguda competição.
Houve um aumento considerável na produção de maté-
rias-primas na África desde 1945, sob o estímulo das necessida-
des de reconstrução do pós-guerra em todo o mundo, e das exi-
gências do acúmulo de estoques e de armamentos para a guerra
fria. Outro fator decisivo foi a revolução dos métodos produtivos
e na administração. O impulso dos povos coloniais em direção à
independência precisa ser também reconhecido como uma força
que contribuiu para a extensão da produção de matérias-primas.
Em alguns casos, a produção de matéria-prima foi multipli-
cada, diversas vezes, a partir de 1945, e na maioria dos casos foi
duplicada. A situação, na Guiné, revela muitas alterações depois da
descoberta de depósitos de ferro e bauxita. A mineração de dia-
mantes também fez visível progresso. A Costa do Marfim em 1960
produzia diamantes ao nível anual de cerca de 200 mil quilates e já
começaram as operações nos campos de manganês nas vizinhanças
de Grand Lahou. O fosfato de cálcio está sendo explorado no Se-
negal e alumínio e areia oxidada provocam alguma atividade de
mineração. A extração de minério de ferro está sendo feita na Mau-
ritânia, onde um consórcio anglo-francês pretende produzir quatro
milhões de toneladas como primeiro estágio, a ser posteriormente
aumentado para seis milhões de toneladas. Os depósitos são calcu-
lados em cerca de 115 milhões de toneladas de minério com 63 por
cento de ferro. A descoberta; de depósitos muito ricos de fosfato
| 170 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

no Senegal trouxe ao país uma combinação financeira e mineira


franco-belga para empreender sua exploração. A estimativa de 40
milhões de toneladas de fosfatos brutos deverá permitir a produção
de 13 milhões de toneladas de fosfatos ricos, através da extração de
600 mil toneladas anuais de concentrados durante 20 anos.
Também em Togo se encontra fosfatos, que serão explo-
rados por um consórcio de associados ao Banque de Paris et des
Pays-bas e companhias mineradoras já existentes, ligadas à So-
ciété Générale de Belgique. Descobertas de manganês, urânio,
petróleo e minério de ferro, no Gabão, atraíram um consórcio se-
melhante para a exploração. A República de Camarões pouco
produz através da mineração, além de pequenas quantidades de
ouro, estanho e rutilo. Embora não tenha havido uma alteração
efetiva na situação de Madagascar, houve descobertas de urânio,
monazita, zircônio, cromo e outros minerais, cuja exploração está
sendo estudada. Os depósitos de minério de Ferro da Argélia são
estimados em cem milhões de toneladas e temos ouvido muita
coisa, ultimamente, sobre os recursos de petróleo e gás do Saara.
Os campos petrolíferos argelinos estão atualmente produzindo ao
ritmo de 450 mil barris diários (cerca da terça parte da produção
do Irã) e a Líbia atingiu 150 mil barris diários, com a previdão de
alcançar 600 mil nos próximos anos. No setor argelino do Saara,
as jazidas de minério em Tindouí deverão produzir 50 por cento
de ferro.
Os seguintes números tirados dos anuários estatísticos das
Nações Unidos, ilustram o grande aumento da produção de mine-
rais na África, no período posterior à guerra:

1945 1959
Marrocos Fosfatos Tons 1.654.000 7.164.000
Carvão Tons 178.000 465.000
Zinco Tons 900
Congo Diaman- Quila- 5.475.000 14.854.000
tes tes (em 1947)
Cobre Tons ─ 280.000
Estanho Tons ─ 9.337
Rodésia Cobre Tons 197.000 539.900
Do Norte Zisco Tons 15.500 30.000
| 171 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Manga- Tons 500 29.500


nês
Rodésia Carvão Tons 1.669.000 3.758.000
do Sul Cromo Tons 91.300(em 236.500
Amianto Tons 1938)
51.000 108.600
África do Ouro Quilos ─ 624.108
Sul Diaman- Quila- ─ 2.838.000
tes tes

O maior índice de aumento ocorre na África do Sul onde


uma produção de 624108 quilogramas de ouro faz do país o pro-
dutor da metade do suprimento mundial. Uma produção de
2.838.000 quilates de diamantes em 1959, cerca de 40 por cento
da qual em pedras preciosas, a coloca em terceiro lugar, depois
do Congo e de Gana, cuja produção é quase inteiramente de dia-
mantes industriais, embora o valor recebido, por causa do seu
controle da indústria e do número de pedras preciosas, seja relati-
vamente mais alto do que aquele que Gana obtém. A África do
Sul lidera também a produção de minérios como Cromo e é a se-
gunda do Sudoeste da África em produção de chumbo. Mesmo a
produção sul-africana de urânio, de sete mil toneladas, obtida em
grande parte dos resíduos da mineração de ouro e cobre, está mui-
to à frente da produção de 1761 toneladas do Congo.
A mineração de todos os tipos, na África do Sul, atingiu
um estágio de exploração que pode ser comparado ao do Canadá
e ao que está agora se iniciando febrilmente na Austrália, onde as
mesmas companhias aliadas a interesses norte-americanos e ou-
tros, dominam. A relação íntima é evidenciada até nos nomes das
minas, particularmente no Canadá, que frequentemente são os
mesmos encontrados na África do Sul como nas duas Rodésias.
As matérias-primas industriais possuídas pela África po-
deriam, se fossem usadas para o desenvolvimento, colocá-la entre
os continentes mais modernizados do mundo sem necessidade
recorrer a fontes externas. O minério de ferro, em sua maior parte
de alta qualidade, é encontrado em quantidades gigantescas perto
do litoral, de onde pode facilmente ser embarcado. Quanto à bau-
xita, as ervas estimadas da África representam mais de dois quin-
tos de todo o mundo. São o dobro das australianas, que vem em
| 172 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

segundo lugar. Somente a Guiné, segundo as estimativas, contém


depósitos iguais aos de toda a Austrália, isto é, mais de um bilhão
de toneladas. As reservas de Gana estão estimadas em 400 mi-
lhões de toneladas. Sudão, Camarões, Congo e Malawi são outras
fontes conhecidas de depósitos consideráveis e a prospecção de
reservas prováveis continua sendo realizada em Moçambique,
Serra Leoa, Guiné portuguesa e outras partes da África.
Entre os materiais básicos essenciais à produção de ferro e
aço, o manganês tem um lugar de grande importância. Além de
ser usado para liga com o ferro em barra na fabricação de aços
especiais, é utilizado na indústria química. Para determinados ob-
jetivos, dentro dos processos atuais, o manganês é insubstituível.
Está em uso constante, na produção de 18 a 20 quilos para cada
tonelada de aço. A União Soviética e a China são praticamente
autossuficientes quanto ao suprimento desse material básico es-
sencial. Os outros grandes produtores mundiais de aço, Estados
Unidos, Europa Ocidental e Japão, não tem quantidades apreciá-
veis em seus próprios territórios. Suas principais fontes de supri-
mento são a África, a Índia e o Brasil Destes, a África Fornece a
maior quantidade. Angola, Bechuanalância, Congo, Gana, Mar-
rocos, Rodésia, África do Sudoeste e Egito estão, há algum tem-
po, entre as nações produtoras. Outras, como a Costa do Marfim e
o Gabão estão entrando agora para a lista.
A África do Norte é o maior produtor mundial de fosfato.
Somente o Marrocos exporta sete milhões de toneladas dos nove
milhões, aproximadamente, que saem da África do Norte. Os Es-
tados Unidos vêm em seguida, com uma exportação de quatro
milhões de toneladas. E as novas nações produtoras que surgiram
desde 1957 são a China, com cerca de 600 mil toneladas em
1960, e o Vietnã do Norte, com 500 mil toneladas. O Senegal é o
produtor de Fosfato de alumínio, com uma produção de cerca de
90 mil toneladas anuais, e Togo está surgindo agora no mercado
de fosfato.
O minério de ferro, como o petróleo, tornou-se uma das
descobertas mais recentes de minerais na África, tendo como cen-
tros principais a África do Norte e a África Ocidental. Entre os
produtores de minério de alta qualidade, em 1960, estavam a Libé-
ria (minério com 68 por cento de ferro), Angola (65 por cento),
África do Sul (62 por cento), Serra Leoa (60 por cento), Marrocos
| 173 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

(60 por cento) e Rodésia (55 por cento, o conteúdo mínimo para
minério de ferro de alta qualidade). Tem havido descobertas de
maiores quantidades e qualidade a partir de 1960. Considera-se que
a maioria das nações da África Ocidental, da Mauritânia ao Congo
(Brazzaville) tem depósitos de minério de ferro. O aumento da
produção na Libéria, Guiné e Serra Leoa está sendo estudado, os
depósitos estão sendo postos em produção, ou estudados para a
exploração, na Nigéria, Niger, Mauritânia, Gana, Gabão, Cama-
rões, Senegal e Congo (Brazzaville). As reservas de Gana, estima-
das em perto de um milhão de toneladas, ficam na área de Shiene,
na região norte, não muito acessível, e contêm em média uma por-
centagem de 46 a 51 por cento de ferro. Gana propõe-se a explorar
esses depósitos para a utilização doméstica, quando o lago do Vol-
ta, for aberto para o transporte interior. Os depósitos da República
do Níger são estimados em mais de cem milhões de toneladas, com
teor de ferro de 45 a 60 por cento. Ficam em Say, cerca de 50 qui-
lômetros de Niamey, atualmente distanciados de estradas, ferrovias
e portos. Essas desvantagens afetam também a exploração dos de-
pósitos conhecidos na região Kandi do Daomé e que tem um teor
de ferro de 68 por cento.
A Argélia é há algum tempo produtor de minério de ferro.
A exploração foi encetada em 1913 por uma empresa francesa
conhecida como La Société de L’Ouenz, operando em Djebel
Ouenza, ao sul de Constantine, perto da fronteira com a Tunísia,
anteriormente incorporada como um departamento da França. A
companhia construiu linhas férreas próprias ligando seus dois
centros produtores a Oued-Keberit, para se unir à linha Bone-
Tevessa. Seu equipamento permitiu à Société de L’Oueza expor-
tar ferro principalmente para a Grã-Bretanha, Itália, Bélgica e Pa-
íses-Baixos, e os Estados Unidos. Entre o início da exploração e o
final de 1960, um total de 46 milhões de toneladas de minério
haviam sido extraídas. O pessoal de Ouenza incluía então 609
europeus e 1500 argelinos.
A existência de minério de ferro no Saara deu suas primei-
ras indicações na região de Gara Djebilet, cerca de 170 quilôme-
tros a sudeste de Tindouf, em 1952. As dificuldades de localiza-
ção e suprimentos de água são obstáculos para a exploração. No
entanto, uma comissão composta de representantes da indústria
de ferro e aço da França, Bélgica, Alemanha, Itália, Luxemburgo
| 174 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

e Holanda investiga intensamente as possibilidades, em conjun-


ção com o Escritório Francês de investimentos na África.
Os recursos de minério de ferro da Libéria são calculados
em um milhão de toneladas na cordilheira nimba e 600 milhões
nos depósitos próximos a fronteira da Serra leo. A mina de Num-
ba foi perfurada e está sendo operada por um consórcio denomi-
nado lamco joint venture enterprise (constituído da Libéria-
American-Swedish minerals company e da Bethlehem stell cor-
poration) tem reservas estimadas de mais de 300 milhões de tone-
ladas de minério de hematita de alto teor, com uma produção mé-
dia de mais de 65 por cento de ferro. Os contratos a longo prazo
foram feitos com siderúrgicas alemãs, francesas, italianas e bel-
gas, enquanto uma considerável parte da produção irá para a po-
derosa United States Bethlehem Steel, que tem 25 por cento de
participação no empreendimento, cabendo os restantes 75 por
cento à LAMCO. Afirma-se que a LAMCO é uma companhia
partilhada meio a meio entre o governo liberiano e a iniciativa
estrangeira. O participante não-governamental é a Liberian Iron
Ore Company, um consórcio de interesses financeiros e acioná-
rios norte-americanos e sueco.
O principal destes é a companhia mineradora sueca Gran-
gesberg, que além de ter uma importante participação na mina
Nimba, da LAMBO, atua como agente administrador do empreen-
dimento conjunto, no qual o capital norte-americano predomina.
Grangesberg, que anteriormente mantinha 12/28 avos do sindicato
LAMCO, de acordo com seu relatório anual aprovado na assem-
bleia geral realizada em Estocolmo, no dia 18 de maio de 1962,
aumento sua participação para 15/28 avos, o que lhe dá uma situa-
ção majoritária.
Grangsberg possui minas de ferro na Suécia central, assim
como usinas de força, florestas e fazendas. Também construiu e con-
trole o empreendimento ferroviário Frovi-Ludiviks e ópera a
Oxelsund Ironworks, que produz ferro em barras e chapas pesadas.
Além disso, possui e ópera uma fronta que no final de 1631 contava
com 33 navios e tinha mais quatro encomendados para serem entre-
gues em 1962 e 1963. Uma subsidiária sua, Aktiebolaget Hematit,
opera minas na África do Norte, e outras incluem uma empresa
química e de armamentos, Aktiebolaget Express-Dynamit. O gover-
no sueco adquiriu os títulos que a Gragesberg possuía na Luosavaa-
| 175 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ra-Kürunavaara. AB-LKAB, mas do preço recebido da compra, 925


milhões de coroas, a companhia reinvestiu cem milhões da LKAB.
O valor dado a esse holdings adquiridos pelo Governo foi
quase o dobro do capital inteiramente pago da Grangesberg, de 495
milhões e 800 mil coroas, e mesmo sem eles seus bens no final de
1961 elevavam-se a 403 milhões, 719 mil coroas, além de ações em
subsidiárias e outras companhias num total de 154 milhões 380 mil
coroas. O lucro líquido da companhia nesse ano foi de 38.787.251
coroas e os dividendos absorveram praticamente uma quantia igual,
com 35 milhões e 700 mil coroas. Suas vendas de ferro aumentarem
de um milhão 620 mil toneladas em 1959 para dois milhões 560 mil,
em 1961.
A Bethlehem Steel é uma grande esfera de investimentos
para os lucros de Rockefeller, obtidos da Stantard Oil, que vem se
esforçando para deslocar os interesses petrolíferos anglo-
holandeses no Extremo Oriente. John D. Rockefeller III tornou-se
um especialista no Extremo Oriente, com preferência pelo Japão,
onde foi membro da missão o tratado de paz, de John Foster Duil-
les, em 1951. Criou uma Japan Society Incorporated para inter-
câmbio cultural. Visitas persistentes e pressão incrementaram as
facilidades de que goza a Standard Oil Company no Japão, Indoné-
sia, Nova Guiné e Índia, na produção de petróleo, refinação e ven-
da. O interesse de Rockefeller no Japão reflete-se na ligação com o
grupo metalúrgico Sumitomo, que foi cimentada na Bethlehem
Copper Corporation Ltd, registrada na Columbia Britânica (Cana-
dá) em 1955. As reservas de posse da firma no Highland Valley da
Colúmbia Britânica contêm minério nas proporções de três mi-
lhões e 304 mil toneladas com 1,20 por cento de cobre e 12 mi-
lhões e 723 mil toneladas com 0,82 por cento. Há reservas adicio-
nais legalmente garantidas nas províncias, assim como uma firma
legalmente garantidas nas províncias, assim como uma firma intei-
ramente subsidiária, a Highland Valley Smilting and refining com-
pany. A produção total deverá ir para o grupo de Simitomo Metal
mining Co., responsável por iniciar a produção na propriedade. O
grupo comprou 400 mil ações da Bethlehem e tem opções sobre
outros lotes, em conexão com promessas de empréstimo de cinco
milhões de dólares e um acordo para contribuir com a metade dos
fundos necessários para a expansão. A Sumitomo dá o vice-
presidente e dois outros diretores da Bethlehem, um dos quais
| 176 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

provém da proeminente família Tanaka. As primeiras entregas da


mina de nimba foram feitas durante o mês de maio de 1963 e para
1965 a produção prevista era de sete milhões e meio de toneladas.
Os depósitos de Ferro de Nimba, na Libéria, estenderem-se
à Guiné, onde a prospecção está sendo realizada na região de Nim-
ba-Sumandou, a cerca de mil quilômetros do Mafim. Um grupo
bancário europeu ocidental que se apresenta como o Consórcio Eu-
ropeu para o Desenvolvimento dos Recursos Naturais da África ─
CONSAFRIQUE ─ está empreendendo investigações por contrato
com o Governo da Guiné. O grupo compreende:
Banque de L’indochine, Paris
Deutsche Bank A. G. Grankforte
Hambros Bank, Londres.
Nederlandsche Handel-Maatschappij N. V., amsterdam
Société de Bruxelles por la Finance et L’industrie -
BRUFINA- Bruxelas. S. A. Auxiliare fe Finance et de Commer-
ce- AUXIFI – Bruxelas.
Compagnie Franco-Americanine des Métaux et des Mine-
rals- COFRAMET- Paris.
O banco da Indochina é intimamente associado ao Banque
de Paris et des Pays-Bas, e tem ligações com a Société Générale
de Belguique. Sua esfera original de operações foi em boa parte
fechada com a sua exclusão do Vietnã do Norte, por causa do re-
gime socialista ali estabelecido, enquanto no Vietnã do Sul ficou
agora subordinada à finança estadunidense. O banque de
L’indochine, que já tem uma base na Argélia, está se voltando
cada vez mais para a África, onde se agrupou com vários consór-
cios, usualmente em torno dos interesses ligados à Société Géné-
rale de Belgique, Banque de Paris et des Pays-Bas e o Deustche
Bank, todos coligados com os interesses internacionais Morgan.
O Banque de L’indochine está representado na diretoria
de Le Nickel, que explora variados minerais na Ásia e Oceania e
tem interesses substanciais na Compagnie Française des Minerals
de L’Uranium. O finado H.Robiliart era outro diretor de Le
Nickel. Assim como J. Puerarai anterior era o finado H.Lafonf,
do Banque de Pris et des Pays-Bas. Este e outros interesses fran-
ceses e norte-americanos aliados, agrupados em torno da Société
de Minéraux e Métaux, Patiño e American Metal Climax, for-
mam a combinação conhecida como COFRAMET, vários de cu-
| 177 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

jos componentes receberam créditos do Plano Marshall nos anos


do pós-guerra.
O Deustche Bank, que sempre se preocupou com o inves-
timento na exploração em áreas menos desenvolvidas, tem também
íntimas associações com o Banque de Paris. Mesmo durante a
guerra, o Deustche Bank não abandonou a posição de explorador
colonial, mas seguiu o exército alemão aos territórios conquistados
na Europa. Hoje se dedica a ajudar os interesses alemães-
ocidentais na África, Panamá, Chile, Paquistão, Colômbia e Porto
rico. Lançou empréstimos para a Argentina, a cidade de Oslo e a
Noruega. Tem o controle na Pakistan Industrial Credit and Inves-
timent Corporation ltda. Agiu como órgão fiduciário para corpora-
ções internacionais consideráveis como a General Motors, Phillips
Royal Dutch Petroleum continua a associação do Deutsche Bank
com a concessão petrolífera de Mossul, de antes da Primeira Guer-
ra Mundial, na parte da Turquia que veio a constituir o Iraque, en-
quanto suas atividades em favor da General Motors e Phillips res-
saltam o papel subserviente que o Deustche Bank desempenha em
relação aos interesses de Morgam que levam à expansão internaci-
onal dessas vastas organizações ramificadas.
Na diretoria desse banco tem assento diretores dos interes-
ses acionários Mannesmann do Ruhr também reapresentados em
outro banco alemão, o Dresdner, que está empenhado do mesmo
modo em numerosos empreendimentos de investimento na África.
A companhia de aço Mannesmann, uma das mais impor-
tantes do Ruhr alemão, foi fundada em 1885. Seu presidente Dr.
Wilhelm Zanger, é um dos diretores da Algoma Steel corporation
Ltd. do Canadá, na qual os interesses alemães estiveram ligados
por algum tempo ao grupo Hawker Siddeley da Grã-Bretanha.
Mennesmann está associado a vários projetos na índia e outros
lugares com a Krupp e sua família Demag, de Duisberg. A. G.
Demag opera em estreita colaboração com a firma estadunidense
de Blaw Knox & Co. Essa firma que fábrica equipamentos para
fundições e para indústrias químicas, petrolíferas e outras, perten-
ce à esfera de interesses da Meilon. Daí suas ligações com a
Bethlehem Steel, que se associa à indústria do aço ocidental, na
qual os interesses de Mellon tem forçado cada vez mais a entrada.
Tanto o Deutsche Bank como o Dresdner Bank, com os quais a
Mannesmann está tão intimamente ligada, em aliança com o
| 178 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Morgan Guarany Trust, tem interesses consideráveis nas compa-


nhias Oppenheimer no Sul da África.
Hambros Bank (o finado Sur Charlos Hambro era elo com
o Banco da Inglaterra), cable & Wireless (controle) e as compa-
nhias Holding de Oppenheimer tem interesses valiosos nos em-
preendimentos de mineração de diamante, ouro e outros, na Áfri-
ca central e meridional. Como banco comercial, Hambros está há
muito tempo associado ao mercado de investimentos escandina-
vos e ampliou suas atividades na Europa há alguns anos, anteci-
pando a entrada da Grã-Bretanha no Mercado Comum. Em 1962.
Hambros criou mais uma subsidiária, em Zurique, a Hambros In-
vestiment Companu. Como muitas outras instituições financeiras,
ingressou num campo crescente para o investimento financeiro, o
de arrendar equipamento à indústria. Para esse fim, Hambros cri-
ou a Rquipament Leastria Company (Elco) em 1962. A Elco
tamvém se dedica diretamente ao negócio de importação e distri-
buição de automóveis e veículos comerciais da British Motor
Corporation nos Estados Unidos, através da British Motor Corpo-
ration-Hambros Incorporated, empreendimento conjunto realiza-
do em partes iguais. A British Motor Corporation engloba as fá-
bricas da Austin, M. G., Morris, Riley, Wolseley e companhias
subsidiarias do grupo Muffield e ouitros. Através da sua aquisi-
ção da firma bancária Laidlaw & Co., de New York, Hambros
está fortalecendo suas associações com importantes interesses do
Hambros Bank está sua conexão com a dirma de fundição de ou-
ro em barras Mocatta & Foldsmid, o que elevou suas reservas de
ouro em barras, em 1961, de três milhões e 750 mil libras para
seis milhões e meio.
Outro grupo industrial financeiro, chefiado pela compa-
nhia britânica, BISC (Ore) Ltd., e incluindo participantes finan-
ceiros franceses, alemães e norte-americanos, já está trabalhando
depósitos de minério de ferro na Guiné, em Kaloum, bem próxi-
mos ao porto de Conakry. Esses depósitos, de minério com teor
de 50 a 55 por cento de ferro, foram descobertos em 1904, quan-
do a construção da ferrovia de Conakry a Niger começou. A
prospecção foi realizada entre 1919 e 1922 pela mining company
of french Guinea. Em 1948 uma nova companhia foi constituída
para confirmar as descobertas anteriores. Esta foi a Compagnie
Minière du Conakry, cujas instalações em Kaloum estão prepara-
| 179 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

das para uma produção anual de um milhão e 200 mil toneladas,


que pode ser duplicada sem modificações apreciáveis do conjun-
to. Ao lado de sua produção de ferro, essa companhia está multi-
plicando seus rendimentos com a criação de um complexo de in-
dústrias que incluí a manufatura de explosivos pela Union Chu-
mique de l’Ouest African – UCOA. A participação, na Compag-
nie Minière de Conakry, que tem um capital de um bilhão e meio
de Francos da Guiné é a seguinte:

BISC(Ore) Ltd 30,50%


Bureau de Recherches Geologiques et Minières 24,70%
Caisse Centrale de Co-operation Économique 8,70%
Compagnie Française des Mines de Bor 7,90%
Hoesch Werke 5,00%
Grupo Rothschild 9,56%
Compagnie Franco-Americaine des Métaux et des 2,05%
Minéraux- COFRAMET
Vários 11,59

Hoesch Werke é uma proeminente firma alemã ocidental


de ferro e aço, associada aos combinados maiores, como a Man-
nesmann e Phoenix-Rheinruhr, a última das quais afetou recen-
temente uma fusão com o grupo Thyssen. Antes da última guerra,
Thyssen estava associada a Krupp.
A indústria de ferro e aço alemã ocidental está cada vez
mais buscando suprimentos de matérias-primas para a utilização
em fábricas alemãs, Em outras partes do mundo, onde nações
menos desenvolvidas estão fazendo uma tentativa de se industria-
lizarem, essas indústrias estão localizando fundições de transfor-
mação e usinas de laminação para levar a um estágio secundário
ou intermediário o minério trazido das minas para as quais obti-
veram concessão. Assim a filiada da Mannesmann no Brasil,
companhia siderúrgica Mannesmaan, deve alcançar uma capaci-
dade de produção de aço bruto de 300 mil toneladas, com minério
de ferro retirado das minas a menos de oito quilômetros de dis-
tância, no novo forno de fundição que está construindo em Belo
Horizonte. O capital norte-americano tem grandes participações
na indústria alemã de ferro e aço, em alguns casos mesmo o con-
| 180 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

trole, obtido durante a ocupação norte-americana da Alemanha no


pós-guerra.
Os Bancos Morgan chefiaram essa incursão no campo da in-
dústria pesada da Alemanha e de outras nações europeias, utilizando
seus agentes e associados europeus na Grã-Bretanha, França, Ale-
manha, Itália, Bélgica e Suíça para esse fim. Entre esses associados
está o múltiplo grupo Rothschild, já flanqueando os Morgans em
seus empreendimentos no sul da África. A seção britânica, encabe-
çada por N. M. Rothschild, nas palavras de um comentador, o Hon.
Peter Montefiore Samuel & Co. Ltd., “Restabeleceu suas antigas
conexões com De Rothschild Frères”, que datam dos dias pré-
napolêonicos. A própria firma de M. Samuel está por sua vez ligada
ao Banque Lambert da Bélgica e ao Banque de Paris et des Pays-
Bas, da França, todos dentro da esfera de investimentos da Société
Générale de Belgique, em um consórcio de investimento criado para
explorar o Mercado Comum Europeu. Edmundo L. de Rothschield e
Hon, P. M. Samuel tem assento, juntos, na diretoria de Anglo Israel
Securities Ltd. De Rothschild, diretor de duas companhias de segu-
ros, a Alliance e a Sun Alliance criados pelos Rothschilds, tem as-
sento também na British Newfoundland Corporation, incorporada
no Canadá, que obteve 18 mil quilômetros quadrados de terras de
minérios, em concessão, e uma extensão equivalente de concessão
de petróleo e gás, do Governo de Newfoundland, em 1953; A firma
tem ainda concessões de quase 90 mil quilômetros quadrados no
Ladrador. O nome de Rothschild adorna ainda a diretoria de Five
Arrows Securities Co. Ltd., de Toronto, na qual estão interessados o
Barclays Bank e associados de Morgan. O Hon. P, M. Samuel é di-
retor da Shell Transport & Trading Co. Ltd., controlada pela Shell
Oil, assim como de outras companhias de investimentos, inclusive
várias operando na África Cnetral como a Heywood Investiments
Central África (Pvt.) Ltd., na qual a ele se junto outro membro da
família, o Hon. Anthony Gerald Rothschild, que também tem assen-
to nas diretorias de outros empreendimentos semelhantes assim co-
mo de firmas editoras e de publicidade.
BISC (Ore) Ltd. está incluída em um consórcio, Société
Anonyme des Mines de Fer de Mauritanie ─ MIFERMA ─ que
explora minério de ferro em Fort Gouraud, Mauritânia. Estima-se
que haja um mínimo de cem milhões de toneladas de minérios de
alta qualidade, com teor de 64 a 65 por cento de ferro, contidas
| 181 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nessa propriedade na Orla oriental do Saara, que está sendo pre-


parada para dar uma produção anual de seis milhões de toneladas.
O grupo britânico, assim como grupos alemães e italianos, tem
participações substanciais, mas o interesse principal é mantido
por um grupo francês escabeçado pelo Bureau Minière de France
d’Outre Mer. São os seguintes participantes do empreendimento:

BISC (Ore) Ltd.


British Ore Investiment Corporantion Ltd.
British Steel Corporation Ltd.
Compagnie du Chermin de Fer du Nord.
Compagnir Fianancière pour l’Outremer – COFIMER.
Denain-Anzain.
Republique Islamique de Mauritanie
Societá Financiaria Siderurgica -FINSIDER
Union Siderurgique du Nord de la France- USINOR
A companhia foi capitalizada com 13 bilhões e 300 mil
fracos CFA e tem as seguintes filiadas:
Société d’Acconage et de Manutentios em Mauritanie-
SAMMA (capital cem milhões de francos CFA).
Société Anonyme d’Hebergement em Mauritanie- HE-
BERMA (capital 25 milhões de francos CFA).
Société Anonyme de Transportes Mauritaniens- SO-
TRAM (capital 50 milhões de francos CFA).

E para provar que embora os nomes possam mudar, os


componentes continuam os mesmos, a direção da mina ficará a
cargo de Penarroya.
Finsider é a organização financiadora relacionada com o
grupo industrial compreendendo Ferromun; e o Deutsche Bank
esteve interessado em certas apresentações de ações feitas por ela
durante 1961-62. A Compagnie du Chemin de Fer du Nord está
sob influência do Banque de Paris et des Pays-Bas, como a Union
Sidérurgique du Nord de la France.
O Gabão, cuja madeira fora até então o mais importante
produto de exportação, deu sinais de possuir depósitos de minério
de ferro desde 1895. As prospecções foram realizadas a partir de
1938 pelo que era então o Escritório de Pesquisas Geológicas e
Mineiras, a que se juntou Nethlehem Steel Corporations. A com-
| 182 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

panhia resultante disso, Société des Mines de Fer de Mekambo,


foi fundada em 1955, com o objetivo principal de “criar um grna-
de centro de produção capaz de satisfazer, a longo prazo, parte
das necessidades previstas da indústria de aço da Europa Oriental
e as futuras necessidades da Bethlehem Steel”; Deste modo a
Bethlehem Steel tem uma participação de 50 por centro. Os ou-
tros associados no empreendimento são:

Bureau de Recherches Geologiques et 12,00%


Miniéres
Banque de Paris et des Pays-Bas 5,00%
Compagnie Financière por l’Outremer- 3,00%
COFIMER
Compagnie Fiancière de Suez 5,00%
Companhia Fiat, Itália 3,50%
Consórcio Alemão de Mekambo (indús- 10,00%
tria do aço alemã)
Indústria do aço francesa 9,00%
Indústria do aço Belga 2,00%
Indústria do aço holandesa 0,50%

Esse empreendimento é capitalizado a 200 milhões de


francos CFA e no seu interesse foram realizadas novas investiga-
ções pelo sindicato agrupado em torno do Bureau de Recherches
e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, ressaltando o
interesse que a Comunidade Europeia e seu Mercado Comum tem
nos recursos primários da África. O que torna tão interessante os
depósitos de minério de ferro do Gabão é sua proximidade de im-
portantes fontes de energia elétrica, capazes de fornecer eletrici-
dade abundante ao custo estimado de um franco CFA por qui-
lowatt.
A inclusão da FIAT nesse consórcio é um exemplo da ine-
vitabilidade da extensão do monopólio em investimentos de capital
nas nações desenvolvidas. A FIAT não é apenas uma fábrica de
automóveis, mas uma vasta organização industrial que penetrou
profundamente no investimento financeiro, na Europa e o quarto
do mundo, depois da General Motors, Ford e Volkswagen. Se a
Simca, que é ligada à Fiat veio, não da fabricação de automóveis,
mas da produção industrial ligada a armamentos durante a Primeira
| 183 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Guerra Mundial, e sua expansão continuou durante a Segunda


Guerra Mundial. A companhia obteve lucros com a devastação,
que chegou à Itália, e continuou a crescer no período pós-guerra
sob o seu fundador, um antigo oficial de cavalaria de uma família
abastada de Turim, Giovani Agnelli, em que “o gênio comercial
estava aliado à falta de compaixão característica de um tycoon nor-
te-americano do petróleo ou das estradas de ferro, nos velhos tem-
pos”.
No ano de operação de 1960, a companhia Fiat tinha in-
vestimentos em outras companhias avaliados em cerca de 26 mi-
lhões e 700 mil libras, uma avaliação procedida pela companhia,
uma vez que sob a lei comercial italiana isso fica inteiramente à
discrição dos contadores da companhia e as cifras que constam
nos balanços italianos sob esse título geralmente não tem nenhu-
ma relação com o valor do mercado ou mesmo com o valor no-
minal das equidades e títulos em causa. A fabricação de cimento,
câmeras e filmes está entre os empreendimentos da companhia.
Uma subsidiária, Unione Cementi Marchino, produz anualmente
16 milhões de toneladas de cimento. O vermute Cinzano que é
tão largamente apreciado em todo o mundo está entre os empre-
endimentos da Fiat. Sua subsidiária, Impresit, está presente onde
quer que sejam construídas represas hidrelétricas. Ela construiu a
represa Kariba na Rodésia e está trabalhando na represa do Volta,
em Gana. A Fiat tem propriedades em todo mundo. Praticamente
todo o notório mundo de vida noturna da Rue Blanche, em Paris,
é propriedade da Fiat, assim como terrenos, hotéis e estações em
Sestriere, um importante centro de esportes de inverno italiano.
Como tantas das organizações monopolistas que espalha-
ram os seus interesses pelo mundo e em inúmeros empreendimen-
tos, a FIAT se dedicou também ao petróleo, possuindo 22 por cen-
to da Aquila, a subsidiária italiana da Compagnie Française des
Petroles. Aquila opera agora na Áustria, assim como na Itália. O
transporte marítimo também figura no âmbito de operações da Fiat,
através da propriedade de duas companhias que exploram o ramo
da navegação; Todas essas ramificações, que incluem mais de cem
companhias dentro e fora da Itália, estão quase que inteiramente
investidas na companhia holding, Instituto Financiario Industriale,
fundado em 1927 e conhecida pelas suas iniciais IFI, que mantém
o controle geral. NO segundo semestre de 1962, a FIAT juntou-se
| 184 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ao grupo internacional compreendendo a SABCA – Avions Fairey


(Bélgica), a Focke-Wulf (Alemanha), a Fokker (Holanda), a Haw-
ker Siddeley Aviation (Grã-Bretanha) e a Republic Aviation
(EUA), que submeteram à OTAN planos para um avião militar de
decolagem vertical. A Fiat já havia cooperado com a Bristol Sidde-
ley na manufatura dos mororês do turbojato Bistol Siddeley Or-
pheus para o G.91, que era então o aparelho padrão da OTAN. E
para ajudar a encaminhar a opinião pública na direção adequada, a
Fiat publica o segundo maior jornal diário da Itália, La Stampa. A
compagnie Financière de Suez ficou em considerável dificuldade
depois que os assuntos do Canal de Suez foram assumidos pelo
Governo egípcio, em seguida a uma tentativa mal sucedida do im-
perialismo anglo-francês de dominar mais uma vez o Egito, e tem
sofrido pressão de parte dos seus acionistas. No entanto, a diretoria
conteve os acionistas e readmitiu sua situação procurando investi-
mentos que deem lucros altos e rápidos. Fez certas aquisições de
ações na Austrália, mas está realmente buscando rendimentos
prontos em petróleo do Saara e matérias-primas africanas. Seu in-
vestimento em Coparex deverá dar bons resultados logo, segundo
se espera, uma vez que essa companhia possuía, em 1961 grandes
reservas de petróleo, de onde tirava um rendimento substancial.
A bauxita é ainda mais abundante do que o minério de fer-
ro, na África Ocidental e Equatorial, mas sua exploração aguarda
a disponibilidade de força elétrica. Já nos referimos à FRIA, a
empresa que foi organizada na República da Guiné, de Rockefel-
ler. O segundo maior Holding desse grupo pertence a Péchiney-
Ugine. Esses mesmos grupos, juntamente, com Reynolds, Kaiser
e a Alcan, de Mellon, formaram outra empresa, Les Bauxites du
Midi, que originalmente explorava outros depósitos em Kassa e
Bóke. O governo da Guiné, no entanto, notificou a companhia de
que se dentro de três meses, a partir do dia 24 de novembro de
1961, Bauxites du Midi não tivesse feito os preparativos para cri-
ar uma fábrica de alumínio em Boke até julho de 1964, como fora
inicialmente combinado suas instalações serviços e maquinaria
seriam expropriados, assim como suas propriedades, pelo que se-
ria paga uma indenização. O Governo da Guiné declarou aguar-
dar que a companhia renunciasse a “seus métodos coloniais base-
ados na simples extração de minerais cujo a transformação seria
subsequentemente efetuada fora da nação produtora”.
| 185 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A Péchiney-Ugine é também interessada na Compagnie


Camerounaise d’Aluminiu Pèvhiney-Ugine ─ ALUCAM ─ na
qual a Cobeal, filiada à Société-Générale de Belgique possui uma
participação de dez por cente. A parte da Péchineu-Ugine na pro-
dução total de Alican em 1.962 foi de 46.443 toneladas em
52.226, obviamente a mais importante.
Os recursos naturais do Gabão demonstram ser imensa-
mente ricos. Comissões de energia atômica emprenham-se na
prospecção e investigação de fontes de urânio em Mouanana, na
região do Alto-Ogooue, uma das mais isoladas do país. O único
meio de acesso é pelo cortado por corredeiras de 600 quilômetros
do seu percurso no início de 1959, no entanto, unia rodovia de
cem quilômetros construídas pela Compagnie Minière de
l’Agooue. ─ COMILOG ─ reduziu a distância, de Mounana até a
estrada de ferro que foi aberta em 1962, a cerca de 120 quilôme-
tros, tornando-a assim mais acessível. O minério deverá ser extra-
ído e o Urânio retirado pela Cpmpagnie des Mines d’Uranium de
Franceville, capitalizada em um bilhão de francos CFA. Uma
componente da Comilog, a compagnie de Mokta, é a responsável
pela administração da mina. Comilog está explorando os depósi-
tos de manganês do Gabão em Franceville, inicialmente investi-
gados pelo Bureau Francês de Mineração no Ultramar em colabo-
ração com U. S.Steel, a gigantesca firma estadunidense do aço,
controlada pelos interesses Morgan. Juntamente suas filiadas, a
U. S. Steel tem controle da Comilog com 49 por cento e os outros
componentes comumente presentes nessas empresas são o Bureau
de Recherches Geologogiques et Minières (22 por cento), a Com-
pangnie de Mokta (14 por cento) e a Société Auxiliare du Man-
ganese de Franceville (15 por cento).
O empreendimento está capitalizado em dois milhões e meio
de francos CFA. Os monopolistas dos Estados Unidos e da França
são os principais componentes. Comilog tem como principal acio-
nista (49 por cento) a maior empresa de aço dos Estados Unidos, e,
portanto, do mundo, U. S. Steel, “Uma empresa de ferro e aço per-
feitamente integrada”. A jazida de manganês que a Comilog está
operando em Francebille, no Gabã, é uma das mais importantes do
mundo, com reservas estimadas em 200 milhões de toneladas com
teor de 50 por cento de ferro. A Cie. De Mokta, francesa, tem 19 por
cento de interesse, e além de estar empenhada em operar diretamen-
| 186 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

te a mina de manganês Grand Lahou, na Costa do Marfim, controla


importante produção de minérios de ferro, manganés e urânio atra-
vés da participação acionária na Argélia, Espanha, Tunísia, Marro-
cos e Gabão. De Mokta está ligada diretamente e através de associa-
das aos interesses que irradiam de Anglo-American corporation e do
grande truste de ferro e aço de ARBED.
A U. S. Steel e a General Eletric são gigantes mundiais
em suas esferas interligadas. A primeira em virtude de suas múl-
tiplas divisões abarcando todos os aspectos da indústria do aço, é
a sexta maior companhia industrial dos Estados Unidos; a segun-
da é a principal produtora de equipamentos elétricos e utensílios
do mundo, com fábricas abarcam muitos setores industriais: Ra-
dio, aviação, marítimo, pesquisa científica, e produzem artigos
pesados de importância capital, componentes industriais e artigos
materiais e de defesa, assim como artigos de consumo. A U.S.
Steel foi fundada em 1901 por J. Pierpont Morgam como compa-
nhia Holding, controlando mais da metade da indústria do aço
dos Estados Unidos. Desde então a indústria do aço estaduniden-
se expandiu-se em passos gigantescos e outros trustes importantes
se destacaram. Mas a U.S. Steel mantém a liderança e hoje con-
trola 30 por cento da produção de aço e cimento dos Estados
Unidos. Na diretoria da General Eletric tem assentos Henry S.
Morgan, de modo que não é difícil encontrar a relação entre esse
monopólio internacional e a U. S. Steel na exploração de alguns
dos mais ricos recursos africanos para alimentar as exigências
militares e econômicas do mais perigoso imperialismo do mundo.
Operando universalmente, seus interesses localizam-se em cada
local de crise no mundo.
Afirma-se que, em consequência de complicadíssima tran-
sação, a firma Tanganyaika Concessions cedeu a um grupo finan-
ceiro intimamente associado às mais importantes casas bancárias
dos Estados Unidos um milhão e 600 mil das suas ações, em con-
sequência do que o grupo norte-americano provavelmente tem a
maioria nessa companhia britânica, proprietária de 21 por cento
das ações da Union Minière, cujo império é o Congo*45 O inte-
resse norte-americano no Congo é motivado por investimentos
muito substanciais, frequentemente ocultos sob fachadas britâni-

45France Observateur, 9 de Julho de 1964


| 187 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cas, francesas, belgas e alemãs ocidentais, e empregando impor-


tantes personalidades políticas dos Estados Unidos. O sr. Adlai
Stevenson, por exemplo, representando o seu governo na ONU,
presidia a firma Tempelsman & Son, especialistas em explorar
diamantes no Congo; e o Sr. Arthur H.Dean, que chefia a delega-
ção dos Estados Unidos a conferências de desarmamento, era vi-
ce-presidente e ainda é diretor da American Metal Clímax, grande
consumidor de urânio uma vez responsável por dez por cento da
produção dos Estados Unidos. American Metal, segundo uma in-
formação não confirmada, forma com suas subsidiárias “um po-
deroso grupo internacional de mineração, que inclui, principal-
mente, a Rhodesian Selection Trust, Ltd.”
As potências da OTAN estão interessadas no Gabão por
causa das suas riquezas. Atualmente, a American OFFSHORE In-
ternational teve a oferta de um contrato de perfuração para a Socie-
té de Petrol Afrique Equatorial(SPAFE), com sede em Port Gentil.
Essa companhia emprega mais de 1.2000 africanos, que ficam to-
dos subordinados a mais de 400 brancos. Não há uma refinaria de
petróleo atualmente no Gabão, mas Gabão, Chad, Congo, Brazza-
ville, República da África Central e Camarões concordaram em
instalar uma refinaria que será financiada pelos respectivos gover-
nos e a França. A primeira reunião dos representantes desses go-
vernos foi no dia 22 de julho de 1964, em Port Gentil. De acordo
com o Ministro, as necessárias investigações estão em desenvol-
vimento para instalar a refinaria antes do fim de 1965. Há, segundo
me informaram, muitas descobertas de lençóis petrolíferos, tanto
nas águas territoriais do Gabão como no interior, em quantidades
economicamente grandes, para suprir muitas partes da África. A
informação de que disponho é de que todas as companhias petrolí-
feras atualmente distribuindo produtos de petróleo na África de
língua francesa têm controle de ações da companhia produtora de
petróleo no Gabão. AGIP não tem permissão para possuir ações da
companhia. Os leitores recordam-se do que motivou a queda do Sr.
Adoula no Congo – política do petróleo. Parece-me, portanto, que
duas questões econômicas influenciarão a permanência das forças
francesas de ocupação no Gabão durante muitos anos: o urânio e o
petróleo. É muito provável que a África pudesse fornecer suficien-
te quantidade de fosfatos não apenas para fertilizar a abundante
produção agrícola que cobriria suas necessidades futuras de ali-
| 188 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mentos e industriais, como também para produzir excedentes bas-


tantes para suprir as necessidades de muitas outras partes do mun-
do. No momento, os importantes centro produtores de fosfato são
os depósitos de Djebel-Onk na Argélia, os de Taiba, no Senegal, de
Lac Togo, na República do Togo, e de Khouribga e Youssoufia em
Marrocos a Societé de Djebel-Onk, com um capital de 30 milhões
de novos francos, compreende os seguintes interesses:

Bureau d’’investissement em Afrique 18,88%


Caisse d Equipement de L Algerie Comagnie 16,00%
des Phophates de Constantine

Compagnie Financiere pour le developpement 40,00%


economique, ca ─ Cofidal
Societe Algerienne de Development et 8,50
d’expansion ─ socaldex
Societé Algerienne de Produits Chemiques Et 8,50
d’Engrais Banque Naionale pour le commerce
et Industrie Afrique; Compagnie Algérlenne.
Groupe Schiaffino
Outros
9,00

A Compagnie Senégalaise des Phosphates de Taiba revela


o Governo do Senegal associado ao Bureau de Recherches Géolo-
giques e Minières, Péchiney, Pierrefitte, Compagnie des Phospha-
tes de Constantine, Compagnie des Phosphates d’Océanie, Cofimer
e a Société Auxon. O mesmo grupo encabeçado pelo Banque de
Paris et des Pays’Bas e os interesses franceses que ele representa,
fez um acordo em fevereiro de 1963, sob a assinatura do diretor-
geral do banco, J. J. Reyre, com a International Minerals & Che-
micals Corporation, pelo qual esta última se associou ao consórcio
que explora o que se afirma ser a maior mina de fosfato de alto teor
do mundo, perto de Dakar. Há várias coisas que merecem destaque
nesse acordo.
Em primeiro lugar, há algo de distintamente ominoso em
um acordo entre duas combinações estrangeiras, uma das quais é
participante de uma companhia associada com o Estado cujas ma-
| 189 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

térias-primas está explorando. Isso acentua a atitude de desprezo


em relação ao país hospedeiro implícita no objetivo do monopó-
lio. A International Minerals é o principal produtor de fosfato e
produtos agrícolas fosfatados no continente norte-americano, com
extensas minerações de fosfato e operações químicas de proces-
samento na Flórida, Estados Unidos. Também possui uma mina
de potassa em Carlsbad, Novo México, e uma outra instalação, de
10 milhões de dólares, para a produção de potassa no Canadá.
Tem um mercado para os seus produtos em todas as Américas e
Europa Ocidental. Para o Governo senegalês, esse projeto de mi-
neração de fosfato, que deverá ter uma produção anual de meio
milhão de toneladas, desempenha importante papel no seu plano
quadrienal. Deverá expandir e desenvolver a economia. No entan-
to, o objetivo dos monopólios que controlam o empreendimento é
inteiramente oposto. “Essa associação reforça nossa posição
mundial no que diz respeito a reservas estratégicas de fosfatos”,
teria dito o Sr. Reyre ao firmar o acordo de sociedade com a In-
ternational Minerals (West Africa, 17 de fevereiro de 1962).
Depósitos de fosfatos foram descobertos no Togo a cerca
de 30 quilômetros do mar, em 1952. As investigações vinham
sendo realizadas desde 1884, por interesses franceses e britânicos.
Foi um assessor geológico do Comptoir des Phosphates de
l’Afrique Du Nord que encontrou, na região Akoumape, indica-
ções de depósitos muito importantes, de primeira qualidade, que
se estendiam através do lago Togo. A república do Togo associ-
ou-se à Compagnie Togolaise des Mines de Benin, que está ex-
plorando os depósitos e inclui os interesses já empenhados em
monopolizar outros recursos de fosfatos na África. São a Com-
pagnie Constantine, Penarroya, Cofimer, o Banque de Paris, Pier-
refitte, e a Compagnie Internationale d’Armement Maritime In-
dustrielle et Commerciale. O capital é de um bilhão de 180 mi-
lhões de francos CFA. Os primeiros embarques foram realizados
em setembro de 1961, quando partiram do novo cais de Kpme
para os Estados Unidos e para fábricas no Japão sob controle nor-
te-americano. O plano é de produzir inicialmente 750 mil tonela-
das anuais de concentrado, nível que deverá ser progressivamente
elevado até um milhão de toneladas, se as possibilidades do mer-
cado o permitirem.
Não haveria falta de possibilidade de mercado se os fertili-
| 190 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

zantes fossem postos à disposição dos países em desenvolvimento


a preços compatíveis com o seu poder aquisitivo. Atualmente, a
competição em fertilizantes entre os Estados Unidos e outras fon-
tes é extremamente aguda, e os produtores britânicos, dos quais
Fison Ltd. ICI e Shell praticamente monopolizam o comércio no
Reino Unido, foram objeto de investigação pela Comissão Britâni-
ca de Monopólios, em 1959. Os fertilizantes do Reino Unido têm
sido mantidos em nível de preços subsidiado que provocou sérias
queixas. Fison controla 40% do mercado do Reino unido e agora
entrou em um acordo com a ICI pelo qual esta lhe fornecerá amô-
nia de sua nova fábrica de Immingham. Isso reduzirá o custo, num
esforço para atender às queixas dos acionistas de que os lucros es-
tão diminuindo.
Essa cooperação dos maiores produtores de fertilizantes
está sendo levada à frente para monopolizar os suprimentos e
mercados de matérias-primas, a fim de sustentar preços que pro-
duzirão lucros ainda maiores sobre os consideráveis investimen-
tos necessários.
O presidente da Divisão de Billingham da ICI disse que o
processo de nafta da companhia transformou completamente a
economia da produção de amônia e colocou a companhia em con-
dições de ser um produtor mundial de amônia e não apenas um
produtor do Reino Unido. O transporte é um importante fator no
custo dos fertilizantes e é fácil compreender que se os fosfatos da
África são levados à Europa para processamento e depois devolvi-
dos sob a forma de fertilizantes à África, ensacados, os preços não
podem ser econômicos para a agricultura africana. Sob esse aspec-
to, é interessante notar que Fison de aço e ferro da Tata, uma com-
panhia produtora de fertilizante, a Tata-Fison Ltd., que Sir Clave-
ring Fison, presidente da companhia britânica, descreveu como
sendo agora a maior companhia da indústria. Fison tem a socieda-
de com a Albatros Super-fosfaatbrieken N. V., de Utrecht, Holan-
da, com a qual fundou companhias de fertilizantes e produtos quí-
micos na África do Sul. Durante o seu ano fiscal de 1961/62, a Fi-
son-Albatros admitiu na sua filiada sul-africana Fison (Pty) Ltd.,
empreendimento bancário local, a Federale Volksbeleggings
Beperk, o que fez com que houvesse fundos disponíveis suficientes
para permitir à Fison sul-africana entrar na exploração de depósitos
em Phalaborwa, no Transvaal. Fison tem outras companhias na
| 191 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

África do Sul ligadas a produtos químicos agrícolas e farmacêuti-


cos. Todas essas companhias prosperaram durante o ano 1961/62,
segundo o presidente da Fison que acrescentou que, “apesar das
condições difíceis na África Oriental e na Federação de Rodésia e
Niasalândia, nossas companhias mantiveram sua posição e obtive-
ram lucros satisfatórios”. Sua subsidiária no Sudão, Fisons Pest
Control (Sudan) Ltd., pulverizou uma área recorde de mais de um
milhão de acres de cultura de algodão e obteve lucros considerados
satisfatórios pelo presidente.
Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Malaia e Nigéria são to-
dos países em que a Fison criou companhias para a expansão de
seus mercados de fertilizantes e produto químicos e agrícolas, e
recentemente a companhia começou a se estender para a América
do Sul e Paquistão. Fábricas de fertilizantes foram construídas em
Zandvoorde, na Bélgica, em conjunto com a Union Chimique Bel-
ge S. A. Além da fabricação de fertilizantes e produtos químicos
afins, da produção de aparelhos de horticultura e de aparelhos cien-
tíficos, a Fison participa da firma John Brown Ltd. De processa-
mentos e enlatamento de produtos alimentícios “para o fim de ven-
der know-how (conhecimento técnico especializado) químico e
fábricas à U.R.S.S.”
Petróleo e gás, cujas descobertas na África se tornam cada
vez mais importantes, especialmente no Saara, provocaram a com-
petição febril entre os interesses financeiros e industriais predomi-
nantes, que estão trazendo o monopólio a um círculo cada vez mais
fechado. Mesmo interesses menores estão forçando a entrada nesse
campo que, embora exija um capital inicial extremamente forte
para a prospecção e perfuração, oferece os lucros fabulosos que
fizeram a fortuna da Shell para os Morgan, da Texaco para o grupo
de Gulf Oil para os Mellon, da Continental Oil e Dutch-Shell para
os Morgans, da Texaco para o grupo de Chicago, Hanover Bank e
outros. A Tennesse Corporation, empresa múltipla de Gugenhei-
mer que explora concessões de nitrato e cobre na América do Sul e
holdings no Congo e outras partes da África, estendeu seus interes-
ses além do urânio, fertilizantes e produtos químicos, entrando no
petróleo. Sua subsidiária em Delaware, Tennesse Overseas Co.,
iniciou a exploração de petróleo em Serra Leoa. C. W. Michel, vi-
ce-presidente da Tennesse, já tem ligação com o petróleo através
da Dome Petroleum, subsidiária da Americo-Canadian Dome Mi-
| 192 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nes Ltd., interligada com a Tennesse pela posse de ações e pela


presidência de Michel.
A África continua sendo, acima de tudo, um continente
economicamente inexplorado e a retirada dos dominadores colo-
niais do controle político é interpretada como um sinal para a cor-
rida dos monopólios internacionais aos recursos naturais do con-
tinente. É a nova disputa pela África, sob o disfarce de ajuda e
com o consentimento e mesmo a boa vontade de Estados novos e
inexperientes. Isso pode ser ainda mais mortalmente perigoso pa-
ra a África do que a primeira divisão, porque é apoiado por inte-
resses mais concentrados, dotados de muito maior poder e in-
fluência sobre governos e organizações internacionais.
| 193 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

7. O Império Oppenheimer

O REI da mineração na África do Sul e mesmo na África,


é Harry Frederick Oppenheimer. Pode-se mesmo chamá-lo de rei
da África do Sul, até de imperador, com um império sempre cres-
cente. Há provavelmente poucos recantos da África meridional
em que ele não tenha um dedo próprio ou agarra de alguma filia-
da ou associada. Esses dedos e garras prendem o império de Op-
penheimer firmemente a outros impérios tão grandes ou maiores
do que o dele. O Sr. Harry Frederick Oppenheimer é diretor ou
presidente de cerca de 70 companhias. Essas diretorias, assim
como aquelas exercidas por importantes colegas e elementos no-
meados, cujos nomes se repetem monotonamente nas direções de
um complexo sempre crescente de juntas diretoras de companhi-
as, desmentem a ficção da separação respeitável, mesmo quando
não há uma ligação financeira evidente. Dominando esse com
plexo de companhias estão a Anglo-American Corporation of
South Africa Ltd. e a Consolidated Gold Fields of South Africa
Ltd., das quais se irradiam filiadas, subsidiarias, associadas, com
ligações imediatas ou mais tênues, que por si mesmas dariam um
catálogo muito interessante de comércio, investimento e bancos.
A lista de interesses diretos, de modo algum completa, incluiria:

Anglo American Trust Ltd.


African & European Investment Co. Ltd.
Amalgamated Collieries of South Africa Ltd.
Bamangwato Concessions Ltd.
Central Mining Finance Ltd.
Consolidated Mines Selection Co. Ltd. (CAST).
Coronation Collieries Ltd .
Consolidated Mines of South West Africa Ltd.
| 194 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

British South Africa Company Ltd.


Anglo Transvaal Consolidated Investment Co. Ltd
De Beers Consolidated Mines Ltd.
Free State Development Co. Ltd.
Middle Witwatersrand (Western Areas) Ltd.
Rand Selection Corporation Ltd.
Rand Mines Ltd.
Rhodesian Anglo American Corporation Ltd.
South African Townships Mining & Finance Co. Ltd.
Vereeniging Estates Ltd.
West Rand Investment Trust Ltd.
Johanneshurg Consolidated Investment Co. Ltd.
Rhodesian Broken Hill Development Co. Ltd.
Transvaal & Delagoa Bay Investment Co. Ltd.
Rhokana Corporation Ltd.
Union Corporation Ltd.
Tsumeb Corporation Ltd.
Selection Trust Co. Ltd.
Tanganyika Concessions Ltd.
Union Minière du Haut Katanga S. A.

A maioria desses interesses diretos é constituída de hol-


dings ou firmas de investimentos, criadas para coordenar um gru-
po específico de investimentos, mas interferindo em muitos ou-
tros campos. É difícil, às vezes quase impossível, distinguir a li-
nha que delimita as operações. Tentar desemaranhar as participa-
ções da Anglo-American Corporation e da Consolidated Gold
Fields of South Africa, por exemplo, leva frequentemente às
mesmas implicações. No entanto, deve haver uma linha de de-
marcação, não somente para preservar a aparência de autonomia
como para evitar uma duplicação de tarefas e responsabilidades,
no interesse da economia industrial e financeira e dos lucros.
Há, na realidade, uma modificação constante da estrutura
de organização, seja como resultado da aquisição de novos interes-
ses e projetos, do abandono de minas exauridas, da expansão de
companhias existentes e alianças, mas acima de tudo para impedir
ou enfrentar a competição, dinamizar a estrutura e corrigir a situa-
ção fiscal. Em 1961, por exemplo, a Consolidated Gold Fields of
South Africa Corporation sofreu uma profunda reorganização com
| 195 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

o objetivo de concentrar sua administração nas várias esferas de


operação. Apresentado o relatório durante a reunião sobre as ativi-
dades da corporação no ano que terminou em 30 de junho de 1961,
o presidente, Sir George Harvie-Watt, fixou os bens, pelo valor
cotado na bolsa, em um total aproximado de 58 milhões de libras.
Sessenta e seis por cento desse total eram representados por inte-
resses na África do Sul, dez por cento na América do Norte e seis
por cento na Austrália. A maior parte dos restantes 18 por cento
correspondia a interesses no Reino Unido
Para supervisionar esses interesses e a absorção planifica-
da de outros, várias alterações foram feitas nas companhias con-
troladoras, de modo que a estrutura de agrupamento da Consoli-
dated Gold Fields of South Africa Ltd. tem agora a constituição
descrita no Quadro 1. (V. pág. 132.) Explicando a estrutura aos
acionistas, na assembleia geral anual realizada em Londres no dia
13 de dezembro de 1962, o presidente confirmou que a supervi-
são operacional dos interesses do grupo na África do Sul estava
sob a responsabilidade de “nossa subsidiária inteiramente de nos-
sa propriedade, Gold Fields of South Africa Ltd., com sede em
Johannesburg”. Quando o grupo adquiriu, em 1959, tanto a New
Union Gold Fields, desde então denominada Gold Fields Finance
(S. A.), Ltd. e a South African H. E. Proprietary Ltd., sua admi-
nistração foi também entregue à Gold Fields of South Africa,
embora as ações dessas duas companhias pertencessem direta-
mente à companhia materna, em Londres.Na Austrália, a respon-
sabilidade pelas operações do grupo cabe à Consolidated Gold
Fieds (Austrália) Pty Ltd. O principal investimento da Gold Fi-
elds na Austrália é representado por um interesse majoritário na
Commonwealth Mining Investments (Austrália) Ltd., “uma com-
panhia de financiamento da mineração com ampla participação
em investimentos na Austrália, América do Norte e outros pontos
do ultramar”, segundo o relatório do presidente.
Um interesse majoritário em outra empresa australiana,
Associated Minerais Consolidated Ltd., permite à Consolidated
Gold Fields uma invasão em grande escalada indústria de rutilo e
zircônio. A Associated Minerais adquiriu todas as ações penden-
tes de Z. R . Holdings Ltd., uma companhia originalmente forma-
da para tomar posse de Zircon Rutil e Pty Ltd., juntamente a par-
ticipação dessa companhia em outras e os adiantamentos que lhes
| 196 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tinha feito. Mais ou menos à mesma época, a Associated Minerais


adquiriu todo o capital de ações de Titanium Materials e os bens e
instalações de Rye Park Scheelite. Empresas experientes como a
Consolidated Gold Fields não permitem que outros lucrem com
os seus esforços. Portanto, “enquanto a Associated Minerais au-
mentava sua participação acionária na indústria do rutilo — disse
o presidente da Consolidated — achamos necessário fortalecer
nossa posição em Wyong Minerais, outro produtor de rutilo no
qual a Commonwealth Mining já tinha um investimento substan-
cial. Consequentemente, nossa subsidiária, de nossa inteira pro-
priedadade, Consolidated Gold Fields (Austrália) Pty Ltda. pro-
pôs, em fevereiro de 1962, a compra de 50 por cento de todas as
ações de propriedade da Wyong Minerais que não pertencessem à
Commonwealth Mining Investiments, A oferta teve êxito e a
Wyong Minerais é hoje um a subsidiária pertencente ao grupo”.
A Consolidated Gold Fields merecia parabéns pela sua
perspicácia. Sua posição no campo do rutilo é hoje proeminente.
Nas palavras do seu presidente, “a capacidade total de produção
de rutilo das nossas subsidiárias representa agora quase a metade
da capacidade total do mundo livre. O programa de expansão que
a Associated Minerals agora iniciou deve sustentar essa posição”.
Perdoar-nos-ão se o qualificativo “livre” nessa frase nos parecer
ligeiramente embotado? O rutilo é um material muito procurado,
utilizado na manufatura de pigmenta de titânio. A procura fez
com que o seu preço no mercado livre aumentasse de cerca de 50
por cento, no ano financeiro de 1961/62. O preço do zircônio
permaneceu estável apesar dos fornecimentos consideravelmente
aumentados. A sociedade com Cyprus Mines Corporation, um a
companhia de New York, e com a Utah Construction & Mining
Co., de São Francisco, resultou num empreendimento conjunto
denominado Mount Goldsworthy Mining Associates, para pes-
quisar e explorar o potencial de depósitos de minério de ferro no
Monte Goldsworthy, no noroeste da Austrália. A construção de
uma ferrovia de 180 quilômetros está incluída, terminando em
DepuchIsland, onde está sendo estudado um grande porto marí-
timo. Sir George Harvie-Watt teve o prazer de informar aos acio-
nistas da Consolidated Gold Fields que “estão em progresso ne-
gociações com a indústria japonesa de ferro e aço com vistas ao
mercado para esse minério (do Monte Goldsworthy) que segundo
| 197 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

se pensa, estará em condições competitivas de preço e qualidade


com qualquer que o Japão tenha agora disponível”.
Nas palavras do presidente, as operações da companhia no
Canadá deram “um nítido passo à frente”. Sua companhia subsi-
diária de exploração, Newconex Canadian Exploration Ltd., foi
seguida de outra, a Newconex Holding Ltd. Foi decidido permitir
ao público participar de alguns dos frutos da exploração dos re-
cursos do país por empresas estrangeiras e consequentemente 36
por cento do capital foi oferecido aos canadenses. Os que com-
praram ações ficaram, sem dúvida, muito satisfeitos ao saber que
a participação acionária de 28,33 por cento que a Newconex Ca-
nadian Exploration Ltd. tem na exploração de Mount Hunder e
será passada à companhia holding. Uma jazida de alto teor de
zinco e chumbo (com algum a prata) descoberta nessa região me-
ridional do Yukon inspirou ao presidente a admissão de que era
“muito satisfatório que tão cedo após sua criação a Newconex
Holdings recebesse da Newconex Exploration uma perspectiva
tão encorajadora”.
Rumo ao sul, em direção aos Estados Unidos, uma nova
companhia denominada Gold Fields American Corporation foi
criada em 1961 como subsidiária de inteira propriedade da Gold
Fields Mining & Iindústria Ltd. Gold Fields American assumiu a
organização de New York, criada originalmente em 1911, cuja
principal função nos últimos anos vinha sendo a de administrar a
Tri-Stat e Zinc Inc., da Gold Fields, e a Buell Engineering Co.
Inc., assim como prestar serviços de secretaria à Fresnill o Com-
pany. A Fresnill o Company foi reorganizada em 1961, ano em
que transferiu 51 por cento de suas diversas atividades no México
para Metalúrgica Mexicana Penoles S. A., em face da campanha
do Governo mexicano para ter o controle doméstico dos seus
principais recursos básicos. Uma bela indenização de cinco mi-
lhões e meio de dólares foi concedida a Fresnillo, a ser paga em
cinco anos, pela cessão dessas ações à Compania Fresnillo S. A.,
na qual tem 49 por cento enquanto a Penoles tem 51. A Fresnillo
conserva ainda um interesse de 55 por cento na Somberrete Mi-
ning Company, que possui outra propriedade com ouro e prata no
Estado de Zacatecas, México. Com “o fim da vida útil” das duas
minas da Tri-Stat e Zinc em Illinois e Virgínia, procurou-se um
substituto, uma mina nova na área de New Market, em Tennes-
| 198 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

see. Tri-State está colocando em produção essa mina segundo um


acordo de empreendimento conjunto com American Zinc, Lead &
Smelting Co, Sob esse acordo, a Tri-State extrairá e processará
pelo menos 20 milhões de toneladas de minérios contendo zinco,
de propriedade da American Zinc, existentes perto da propriedade
da Tri-State em New Market. O lucro obtido com a produção de
uma fábrica de processamento, prevista para uma capacidade diá-
ria de 3600 toneladas, será distribuído numa proporção variando
entre 50 e 60 por cento para Tri-State e entre 50 e 40 por cento
para American Zinc, até que o capital tenha sido retornado, após
o que os lucros serão divididos igualmente
As operações da American Zinc estão estreitamente liga-
das à mineração e processamento de minérios de zinco e chumbo
em vários Estados norte-americanos. Tem também um interesse
de dez por cento na Uranium Reduction Co. e de 50 por cento na
Amerícan-Peru Mining Co., entre várias outras filiadas e compa-
nhias de propriedade conjunta. A Buell Engineering Co, a outra
beneficiária da Gold Fields American Corporation, foi ajudada na
expansão de suas instalações fabris pela aquisição de todas as
ações ordinárias da Union Boiler & Manufacturing Co. Os inte-
resses da Consolidated Gold Fields no Reino Unido estão agora
agrupados sob a Gold Fields Industrial Holdings Ltd., anterior-
mente denominada H. E. Proprietary Ltd., como subsidiária de
inteira propriedade de Gold Fields Mining & Industrial Ltd. Suas
principais operações desenvolvem-se através de suas próprias
subsidiárias, Alumasc Ltd., Ambuco Ltd. e Metalion Ltd. Alu-
masc é produtora de recipientes de alumínio, especialmente para
a indústria de cerveja. Estendeu recentemente sua produção a gar-
rafas de alumínio de alta pressão para usos comerciais. Em 1962,
a Alumasc, nas palavras do presidente da Consolidated, “ampliou
seus interesses geográfica e industrialmente” pela aquisição de
uma subsidiária australiana, Laurenson Alumasc Holdings Ltd., e
de duas subsidiárias no Reino Unido, a Non-Ferrous Di e Casting
Co. Ltd. e Brass Pressings (London) Ltd., já estabelecidas nos
ramos de estamparia de metais não-ferrosos e latão.
Dois outros instrumentos de organização, no Reino Unido,
se irradiam da diretoria de Londres. São a Anglo-French Explora-
tion Co. e Mining & Metallurgical Agency Ltd. Anglo-French
Exploration, subsidiária de inteira propriedade da Consolidated
| 199 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Gold Fields, é um empreendimento de investimentos e financeiro,


mantendo, entre outros, interesses em muitas das principais com-
panhias auríferas da África do Sul. Esses interesses cobrem tam-
bém minas de cobre do norte da Rodésia, assim como companhi-
as mineradoras de estanho operando no Reino Unido, África do
Sul e Extremo Oriente. Apex Mines Ltd. e Rooiberg Minerais
Development Co. Ltd. da África do Sul e Anglo-Burma Tin Co.
Ltd. estão entre seus clientes. A Mining Metallurgical Agency
Ltd. foi criada para supervisionar a distribuição de minérios e ad-
quirir suprimentos, assim como para funcionar comercialmente
como agência de navegação, seguros e agente geral. Cinquenta
por cento do seu capital pertence à Consolidated Gold Fields.
Gold Fields of South Africa Ltd. é a subsidiária de inteira
propriedade da Consolidated Gold Fields responsável pela admi-
nistração das operações do grupo em toda a África do Sul. Estas
têm caráter monumental. Pois os investimentos nas minas de ouro
e platina da África do Sul continuam sendo a principal proprieda-
de do grupo da Consolidated Gold Fields e sua principal fonte de
rendimentos. A 30 de junho de 1961, a mineração de ouro repre-
sentava 71 por cento dos investimentos dos grupos citados e o
presidente assegurava aos acionistas que desde o término da Se-
gunda Guerra Mundial a Consolidated Gold Fields investir a so-
mas de capital no valor aproximado de 45.0 milhões de libras nas
minas de ouro da África do Sul.
A exploração tem prosseguido na África do Sul e na Ro-
désia e está sendo realizada em íntima colaboração com West
Witwatersrand Areas Ltd., companhia que a Consolidated Gold
Fields lançou em 1932. Desde então, West Witwatersrand tornou-
se uma importante companhia sul-africana de financiamento e
mineração na África do Sul, com forte participação acionária nas
minas de ouro de Far West Rand e Orange Free State. A "West
Witwatersrand” produziu, em 1962, ouro no valor de mais de 57
milhões de libras, ou seja, o dobro de sua produção de dez anos
antes. A Harmony Gold Mining Co. Ltd., na qual a West Witwa-
tersrand tem uma participação de 1 247 564 ações, através de sua
subsidiária Westwits Investment Ltd., teve também uma produ-
ção recorde. Além desses interesses nas minas de ouro e platina
do Transvaal e de Orange Free State, a Consolidated Gold Fields
tem substancial participação acionária na South West Africa Co.
| 200 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Ltd. e, na Rodésia, na Bancroft Mines Ltd., Nchanga Consolida-


ted Copper Mines Ltd. e Rhodesian Anglo American Ltd,. todas
também na esfera da Anglo American Corporation. Em Gana, a
Consolidated está interessada na Konongo Gold Mines Ltd., que
tem uma concessão de cerca de 50 quilômetros quadrados no dis-
trito de Ashanti-Akim. Com um capital autorizado de 675 mil
libras, não inteiramente coberto (7 004 175 ações de um xelim
emitidas, de um total de 13 500 000), um lucro operacional de
110 587 libras foi alcançado em 1960, elevado para 130 378 em
1961, apesar de um aumento no custo operacional, por tonelada,
de 86s.6d. para 38s.2d. Em 1962, Konongo Gold Mines Ltd. in-
formou ao Governo de Gana que a operação da Konongo Gold
Mine se tornaria antieconômica depois de abril de 1965. A com-
panhia pretendia, portanto, cessar as operações imediatamente
antes desse limite. Em vista da perda de empregos que isso signi-
ficaria, o Governo decidiu comprar a mina a fim de dar continui-
dade de emprego aos trabalhadores ganenses. Depois de demora-
das negociações, um preço de compra de 150 mil libras foi pago
pelo Governo de Gana e a mina está agora sendo administrada
pela Corporação Estatal de Mineração de Ouro. Capitalizada em
15 milhões, a Consolidated Gold Fields obteve lucros consolida-
dos, antes dos impostos, de 6.826.000 libras para o ano de
1960/61, com os dividendos absorvendo 1 729 299 libras. O ano
de 1962 mostrou ser, para a Consolidated Gold Fields, o mais
rendoso desde que iniciou suas operações, resultando em um lu-
cro consolidado, antes dos impostos, de 7.030.000 libras, enquan-
to, nas próprias palavras do presidente, “outro ponto satisfatório
do balanço é que dividendos e juro excederam a cinco milhões de
libras pela primeira vez”.
O rendimento da Consolidated Gold Fields vem princi-
palmente de serviços especializados que presta a companhias
dentro do próprio grupo e às que estão em grupos associados. Va-
riando consideravelmente quanto ao tamanho, seu número é supe-
rior a cem e a capitalização total no mercado, das que estão rela-
cionadas na bolsa de valores, excedia de 170 milhões de libras,
no final do ano operacional de 1962 da companhia. É por esses
meios de investimento e administração que rendimentos muito
maiores são alcançados do que propriamente pela produção das
minas e processamento do material bruto. É por isso que muitas
| 201 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

das mais importantes companhias mineradoras, não somente na


África, mas por todo o mundo, fundiram-se a empresas de parti-
cipação acionária investimentos por trás das quais e entre as quais
figuram as mais importantes personagens do mundo bancário e
financeiro. Tocamos aqui levemente, apenas, na ossatura do es-
queleto da Consolidated Go d Fields. As carnes que o recobrem
estão dispostas em camadas de gordura opulenta que formaram
uma corporação de enorme protuberância orgulhosamente admi-
rada pelo proprietário, mas ominosa para o observador africano,
magro e faminto.
| 202 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 203 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

8. Investimento estrangeiro na
mineração sul-africana

Calcula-se que mais de 50 por cento do capital investi-


do na África foi despejado na África do Sul.
Os investidores britânicos atingem provavelmente um
total de quase dois bilhões e 800 milhões de dólares e os nor-
te-americanos a perto de 840 milhões.
Um levantamento feito em 1957 pelo Governo norte-
americano dos investimentos no ultramar mostra que a área
isolada mais rendosa estava no negócio de mineração e fundi-
ção na África do Sul, cujos lucros são mais altos do que os de
qualquer investimento comparável nos Estados Unidos.
Os altos lucros podem ser em grande parte explicados
pelo baixo preço da mão de obra africana. Segundo o Statisti-
cal Abstract de 1962 dos Estados Unidos, os mineiros norte-
americanos ganham em média 2,70 dólares por hora, ou seja,
27 vezes mais do que a diária dos mineiros africanos.
Quem domina a economia sul-africana é o grupo Anglo
American-De Beers, parte do império de Harry Oppenheimer,
que se estende à África do Sudoeste e Zâmbia e está ligado a
companhias mineradoras em muitos outros Estados africanos.
O valor do império foi realçado pela descoberta de que
o urânio pode ser produzido com os resíduos e a lama que cer-
cam as minas de ouro
A extração de urânio de minérios de ouro e detritos
trouxe a África do Sul ao lugar de principal produtor mundial
de urânio. O processamento dos detritos acumulados durante
os últimos 60 anos, com os da produção aurífera atual, está
ajudando a prolongar a vida de muitas minas de ouro exauri-
| 204 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

das. Em 1956, oito milhões de libras-peso de óxido de urânio


foram produzidas na África do Sul, dando exportações avalia-
das em 39 milhões de libras.
Nessa cifra não foram consideradas as quantidades des-
tinadas ao Conselho de Energia Atômica da África do Sul,
com o qual, várias das minas têm contrato.
O lucro obtido da produção de óxido de urânio está ul-
trapassando o que dá a extração do ouro.
Na realidade, “os lucros operacionais derivados da ex-
tração de urânio excederam os derivados da extração de ouro
nas 17 minas produtoras, tomadas em conjunto, e em cinco
delas chegou a compensar as perdas operacionais sofridas na
produção de ouro”.
O presidente da Harmony é P. H. Anderson, um vice-
presidente de Rand Mines.
Outros diretores comuns são os Srs. R. E. M. Blakeway
e N. W. S. Lewin. O presidente da Rand Mines é C. W. Enge-
lhard, que é também presidente da Rand American Inves-
tments (Pty) LTD, e evidentemente tem uma procuração de
observador dos investimentos dos EUA, que cada vez se infil-
tram mais na extração de matérias primas na África.
Todas as 2.371.049 ações de uma libra emitidas pela
Rand American são de propriedade de Beers investment Trust
LTD. (atualmente randsel), uma subsidiária de inteira proprie-
dade da Rand Selection Corporation desde a recente reorgani-
zação do grupo Rand American possui quase todas as ações
preferenciais pela central mining & investimento Corporation
LTD, assim como um interesse substancial no capital originá-
rio emitido pela rand mines LTD. O elo norte-americano con-
firma a ligação que forma o grupo central mining rand mines.
Os interesses da Consolidated Gold Fields e da Anglo-
American Corporation convergem na Harmony, onde ambos
tem apreciável participação acionária. Graças ao governo sul-
africano, a Harmony conseguiu adquirir os direitos de minera-
ção subterrânea e de minérios sobre cerca de 8 mil acres de
terreno, assim como a livre propriedade de fazendas coberto
aproximadamente outros dez mil acres.
Como essas propriedades e direitos estavam um pouco
acima da capacidade de Hamony, foi considerado rendoso
| 205 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

vender os direitos à mineração de metais preciosos, em duas


de suas áreas arrendadas até 1967.
Os direitos passaram a outra companhia estadunidense.
Virgínia Orange Free State Gold Mining CO. LTD. A remune-
ração da Harmony por esse gesto amistoso para a companhia
irmã foram uns mínimos três milhões de liras, pagáveis tri-
mestralmente sem juros.
A Virginia Orange coloca-nos mais uma vez em conta-
to com o vínculo estadunidense à mineração sul-africana, nos-
so primeiro exemplo sendo o SR. C. W. Engelhard, um norte-
americano democrata que, como presidente da Engelhard In-
dustries, refinadores de metais preciosos nos EUA, buscava
suprimentos constantes para manter suas fábricas trabalhando.
Encontrou-se na África do Sul, onde se ligou a Oppe-
nheimer, encontrou também um nicho nas indústrias de mine-
ração canadenses, através de companhias sediadas em Paris,
Roma e Londres. As qualidades do Sr. Engelhard, assim como
seus serviços a extensão dos interesses norte-americanos no
exterior são reconhecidos pelo fato de pertencer a associação
de política externa dos EUA.
Com a Virgini a Orange, somos levados até a proximi-
dade de um a influência maior do que a que o Sr. Engelhard é
capaz de desenvolver isoladamente, pela associação da pode-
rosa Kennecott Copper Corporation com essa companhia de
mineração de ouro e extração de urânio. Kennecott tinha inte-
resses na Virginia Orange, que passou — juntamente os que
possuía na Merriespruit (Orange Fre e State) Gold Mining Co.
Ltd. — ao concerne reorganizado que foi formado em 1961
par a adquirir esses interesses.
A nova companhia usa o título combinado de Virginia-
Merriespruit (Pty) Ltd. e o rearranjo lhe permitir a cumprir um
importante contrato de fornecimento de urânio à Comissão de
Energia Atômica da África do Sul.
O Sr. Engelhard é membro da diretoria da Virginia
Merriespruit em consequência da participação acionária adqui-
rida diretamente nesta pela sua Engelhar d Industries of
Souther of África Ltd. e suas ligações com a Rand Mines Ltd.,
e Anglo Américan Corporation, que, juntamente a duas outras
associadas, Centramic (South África) Ltd., e Anglo Transvaal
| 206 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Consolidate d Investment Co. Ltd. formam as partes da nova


companhia.
Conjunto de financistas e negociantes em mina se ou-
tras propriedades do Transvaa, a Anglo Transvaa tem um a
subsidiária, Angloval Rhodesian Exploration Co. (Pty) Ltd.,
que opera na Rodésia do Norte e do Sul, incluindo em suas
prospecções carvão, cobre, cromo e níquel.
Com capital autorizado de 4.337.500 libras, não intei-
ramente coberto, a Anglo Transvaal está operando comum
empréstimo a curto prazo, sem garantia, da National Fínance
Corporation of South África, um a organização particular com
a qual os amigos da Anglo American Corporation do mundo
de investimento internacional estão estreitamente associados,
inclusive a Casa Morgan, que tem um interesse financeiro
substancial na Kennecott Copper. Entre as extensas ligações
da Kennecott com a mineração na África consta um investi-
mento de 50 por cento na Anglovaal Rhodesian.
Instruída por amigos Morgan, a Kennecott sabe como
cuidar dos seus muitos negócios. Assim, em consideração pela
cessão dos seus interesses nas minas de Virgina a e Merries-
pruít, deverá receber a quantia de três milhões e meio de li-
bras, pagável em cinco prestações anuais. Isso, no entanto, não
desfaz, a ligação da Kennecott com essas valiosas proprieda-
des de Oppenheimer — Engelhard.
Pois a corporação cuprífera estadunidense terá direito
ao juro de 20 por cento, até o máximo de dois milhões e meio
de libras, sobre qualquer lucro líquido da Virginia-
Merriespruit que possa ser obtido depois que o pagamento das
parcelas dos três milhões e meio estiver quitado.
Esse direito, no entanto, será abandonado caso a Ken-
necott receba em data posterior, dos membros da Virginia-
Merriespruit, 20 por cento do capital em ações então emitido.
Esses são os meios tortuosos através dos quais são mantidas as
garras financeiras.
É evidente que está sendo mantido aberto o caminho
para a reentrada da Kennecott no âmago da companhia. En-
quanto isso, esta pode se banquetear.
A Kennecott é o maior produtor de cobre nos Estados
Unidos, cujas ações no mercado de “futuras” são avaliadas por
| 207 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

operadores experimentados em cerca de 1,48 bilhão de dóla-


res, embora seu capital atual de 11,053,051 ações sem valor
nominal, emitidas de um total de 12 milhões autorizado, tenha
merecido um valor declarado de apenas 74 806 42 4 dólares.
Possuidora de minas de cobre, usinas de processamen-
to, fundições, refinarias, fábricas e ferrovias, possui acordos
de fundição para muitos de seus minérios com a American
Smelting & Refining Company com a qual possui duas subsi-
diárias e m comum.
A American Smelting é, por sua vez, produtora de co-
bre, assim como de prata, chumbo, zinco e ouro, nos Estados
Unidos, México, Canadá e Peru.
Seus interesses estendem-se à Austrália e à Nicarágua e
tem acordos com a Cerro Corporation, Newmont Mining Cor-
poration e Phelps Dodge Corporation, todas as quais possuem
investimentos substanciais em projetos de mineração sul-
africanos, inclusive a Tsume b Corporation of South Africa.
A indústria química estadunidense entra no campo de
operações da Kennecott através de um empreendimento con-
junto com a importante Allied Chemical & Dy e Corporation.
A Allied-Kennecott Titaniu m Corporation dever a produzir e
vender o metal titânio e construiu uma instalação piloto.
Outro avanço foi feito com a aquisição de 25 por cento
d a Western Phosphates Corporation of América e 50 por cen-
to da Garfield Chemical & Manufaeturing Corporation.
Houve um a ramificação na exploração de mineral no
Brasil e no México com duas subsidiárias, Kenran d Pesquisas
Minerais S.A. (6 0 por cento de propriedade d a Kennecott) e
Cia. Kenme x S. A., respectivamente. Outra subsidiária, Bra-
den Copper Co., explora um a propriedade cuprífera no Chile.
A expansão para o Canadá através da Quebec Colum-
bium Ltda., formada pela Kennecott com a Molybdenum Cor-
poration of América para pesquisar um a propriedade conten-
do colúmbio perto de Montreal, e a Quebec Iron & Titanium
Corporation, que é dois terços de propriedade da Kennecott e
um terço da New Jersey ZincCo.
Esta última companhia está ligada à grande organiza-
ção de petróleo Texaco Inc. em uma empresa conjunta, a Te-
xas-Zinc Minerais Corporation, para a construção e operação
| 208 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de uma usina de processamento de urânio em Utah.


Uma mina de urânio em Utah foi adquirida em 1956 e a
usina iniciou operações em 1957, tratando também minérios
de outras proveniências.
O concentrado de urânio produzido é vendido, por con-
trato, à Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos.
Essa incursão da New Jersey-Kennecott através da
Quebec Iron & Titanium vai se mostrar extremamente rendo-
sa, pois o titânio é um metal que não se funde a velocidades
supersônicas e, consequentemente, está sendo muito procura-
do para os aviões a jato.
A Grécia também figura a esfera de interesses da Ken-
necott, que possui 95 por cento da Kenbastos Mining Co, pro-
dutora de amianto.
Na África Ocidental, possui 76 por cento do capital da
Tin & Associated Metals Ltd., operando um a propriedade
contendo colúmbio e estanho, no norte da Nigéria. O colúmbio
dessa min a constitui a maior parte da produção mundial de
nossos dias. Nosso exame da Harmony Gold Mining Co. Ltd.
Nos levou longe pelo mundo a regiões de poder e pro-
digiosa riqueza. Isso parece inevitável quando começamos a
acompanhar os interesses externos que interligam a exploração
da África com muitas outras partes do globo.
Voltando à Harmony, é impressionante notar que essa
companhia, possuindo uma usina de redução de ouro capaz de
tratar 200 mil toneladas mensais de minério, também ostente
uma instalação de extração de urânio cuja capacidade mensal é
de 120 mil toneladas.
Esta usina começou a operar em abril de 1955. Ligada
a ela há um a fábrica de ácido sulfúrico com a capacidade diá-
ria de 120 toneladas, que iniciou a produção em janeiro de
1960.
A usina de extração de urânio foi construída sob acordo
feito como Export-Import Bank de Washington e o Ministério
de Suprimentos da Grã-Bretanha.
Um empréstimo foi obtido com a Comissão de Energia
Atômica da África do Sul para todo o capital de custo da fá-
brica, exceto quanto à capacidade de aumento da produção
mensal de 80 mil toneladas para 120 mil. A companhia tem
| 209 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

contrato com a Agência de Desenvolvimento combinada, as-


sim como com a autoridade britânica, isoladamente, para su-
prir várias quantidades de urânio a preços fixos, segundo
acordos que lhe permitirão, sem incorrerem novos custos, co-
brir até junho de 1965 os gastos de capital investido na fábri-
ca.
Durante o ano encerrado a 30 de junho de 1961, a
Harmony processou um total de 2.116.000 toneladas de miné-
rio, que produziram 857.794 onças de ouro fino, dando um
rendimento de operação de 10.810.496 libras esterlinas e um
lucro operacional de 4.090.677 libras; 2.067.100 toneladas de
detritos tratados forneceram 974.349 livras (peso)de óxido de
urânio, dando um lucro operacional estimado, de urânio piritas
e ácido, 2.680.233 livras esterlinas.
Os balanços dos seis meses seguintes, até o final de
1961, mostraram que 2;285.000 toneladas de minério proces-
sado deram uma produção de ouro no valor de 4.458.177 li-
bras esterlinas. O tratamento de 2.138.300 toneladas de detri-
tos produziu 953.100 libras (peso) de óxido de urânio, dando
um lucro operacional, de urânio, piritas e ácido, de 2.284.647
libras esterlinas. Para o ano de operações 1961/62, o dividendo
pago foi de 55,5 por cento.
O lucro líquido no ano de 1960/61 foi de 6 674 739 li-
bras esterlinas e os dividendos pagos representaram 2.497.500
libras. Isso tudo pode ser considerado extremamente satisfató-
rio para acionistas de um capital inteiramente integralizado de
quatro milhões e meio de libras esterlinas.
Os Srs. Engelhar de Oppenheimer devem ter uma defe-
rência toda especial para com seus amigos do Export-Import
Bank pela sua pronta ajuda a esse empreendimento, num país
que escarnece dos direitos humanos dos seus habitantes que
não sejam brancos. Essa facilidade de assistência, se fosse es-
tendida às nações novas menos desenvolvidas do continente
por uma organização bancária internacional, ajudaria a dimi-
nuirá brecha que as nações desenvolvidas estão reprovando
mas que, por esses meios furtivos, prestam-se a alargar entre
as nações que tem e as que não tem.
| 210 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 211 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

9. Anglo American Corporalion


Limited

O maior polvo no mar de operações da Oppenheimer é


provavelmente a Anglo American Corporation Ltd. Seus investi-
mentos são em escala triplicada e a lista dos principais dá apenas
uma vaga ideia de seu alcance considerável. A lista contém parti-
cipações mais ou menos diretas e não inclui os holdings mais in-
trincados que mantém em comum ou através de subsidiárias e
outros em uma extensão de interesses que atinge ainda mais lon-
ge. Tendo como campo principal a mineração, esses interesses,
no entanto, se ramificam em processamento, transporte e comuni-
cações, concessões de terras e propriedades, silvicultura e indús-
tria madeireira, assim como em projetos de hidrelétricas como a
Congo Border Power Corporation, da Rodésia.
Ouro, urânio, ferro, amianto e minas de carvão estão entre
os empreendimentos mais destacados da corporação na África do
Sul, formando a sólida base em que se sustenta o império Oppe-
nheimer. A mineração do cobre é sua ocupação principal nas
Rodésias, embora associadas, seus interesses estendem-se a Tan-
ganica, Uganda, Congo, Angola, Moçambique, África Ocidental
e mesmo ao Saara e África do Norte, como pode ser visto pela
seguinte lista de investimentos diretos:

Companhias de finanças e investimentos


African & European Investiment Co. Ltd.
African Loans & Investment Ltd.
Anglo American Investment Trust Ltd.
Anglo American Rhodesian Development Corpora-
tion Ltd.
| 212 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Central Reserves (Pty) Ltd.


Central Reserves Rhodesia (Pty) Ltd.
Consolidated Mines (Investment) Ltd. Consolidat-
ed Mines Selection Co. Ltd.
Consolidated Mines Selection (Johannesburg) Ltd.
De Beers Holdings Ltd.
De Beers Investment Trust Ltd.
De Beers Rhodesia Investments Ltd.
Epoch Investments Ltd.
Jameson Mining Holdings (Pty) Ltd.
Lydenburg Estates Ltd. Orange Free State Invest-
ment Ltd.
New Central Witwatersrand Areas Ltd.
New Era Consolidated Ltd. Overseas & Rhodesian
Investment Co. Ltd.
Rand American Investment s (Pty ) Ltd.
Rand Selection Corporation Ltd.
Rhodesian Acceptances Ltd.
Rhodesian Anglo American Ltd.
Rhodes Investments Ltd.
South Africa Mines Selection Ltd.
South African Townships, Mining & Finance Cor-
poration Ltd.
Transvaal Vanadium Holdings Ltd.
Vereeniging Estates Ltd.
Western Ultra Deep Levels Ltd.
West Rand Investment Trust Ltd.
South West Africa Co. Ltd.

Minas de diamante
De Beers Consolidated Mines Ltd.
Consolidated Diamond Mines of South West Africa Ltd.
New Jagersfontein Mining & Exploration Co. Ltd.
Diamond Abrasive Products Ltd.
Diamond Development Co. of South Afric a (Pty)
Ltd. Philmond (Pty) Ltd.
Premier (Transvaal ) Diamond Mining Co. Ltd.
Williamson Diamonds Ltd.
| 213 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Minas de carvão
Amalgamated Collieries of South Africa Ltd.
Bleebok Collieries Ltd.
Coronation Collieries Ltd.
Natal Coal Exploration Ltd.
Natal Coal Exploration Co. Ltd.
New Largo Colliery Ltd.
South African Coal Estates (Witbank) Ltd.
Sprtngbok Colliery Ltd.
New Schoongezicht Colliery Cornelia Colliery Ltd.
Springfield Collieries Ltd.
Transvaal Coal Corporation Ltd.
Vierfontein Coal Holdings Ltd.
Vierfontein Colliery Ltd.
Vryheid Coronation Ltd.
Wankie. Colliery Co. Ltd.
Witbank Coal Holdings Ltd.

Minas de cobre
Brancoft Mines Ltd.
Kansanshi Copper Mining Co. Ltd.
Nchanga Consolidated Copper Mines Ltd.
Rhodesia Copper Refineries Ltd.
Rhokan a Corporation Ltd.

Minas de ouro
Brakpan Mines Ltd.
Daggafontein Mines Ltd.
East Daggafontein Mines Ltd.
Free State Geduld Mines Ltd.
Jeannett Gold Mines Ltd.
President Brand Gold Mining Co. Ltd.
South African Land & Exploration Co. Ltd.
Spring Mines Ltd.
Vaal Reefs Exploration & Mining Co. Ltd.
Wlkom Gold Mining Co. Ltd.
Western Deep Leves Ltd.
Western Holdings Ltd.
Western Reefs Exploration & Development Co. Ltd.
| 214 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

President Steyn Gold Mining Co. Ltd.


Free State Saiplaas Gold Mining Co. Ltd.

Outras minas
Highveld Development Co. Ltd.
Iron Duke Mining Co. Ltd.
King Edward (Cuperiferous) Pyrite
Monasite & Mineral Ventures Ltd. (Solos raros)
Munnik Myburgh Chrysotile Asbestos Ltd.
Rhochrome Ltd.
Rhodesia Broken Hill Development Co. Ltd.
Transvaal Manganese (Pty) Ltd.
Transvaal Vanadium Co. (Pty ) Ltd.
Umgababa Minerals Ltd. (Ilmenita, rutilo e zincônio).
Vereeniging Brick & Tile Co. Ltd.

Prospecção
Anglo American Prospecting Co. Ltd.
Anglo American Rhodesian Mineral Exploration Ltd.
Border Exploration & Development Co. (Pty) Ltd.
De Beers Prospecting (Rhodesian Areas) Ltd.
Kaffrarian Metal Holdings (Pty) Ltd.
Kalindini Exploration Ltd.
Kasempa Minerais Ltd.
Lunga Exploration Ltd.
Prospecting & Mineral Interests Ltd.
Swaziland Rift Exploration Co. Ltd.
Western Rift Exploration Co. Ltd.

Industriais e diversos
Anglo American (Rhodesian Services) Ltd.
Anglo Collieries Recruiting Organization (Pty) Ltd.
Boart & Hard Metal Products (Rhodesia) Ltd.
Boart & Hard Metal Products S. A. Ltd.
Clay Products Ltd. Easan Electrical (Pty) Ltd.
Electro Chemical Industries Ltd. Forest Industries
& Veneers Ltd.
Hansens Native Labour Organization (Pty ) Ltd.
Hard Metals Ltd.
| 215 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Inter-Mine Services O. F . S. (Pty) Ltd.


Lourenço Marques Forwarding Co. Ltd.
Northern Rhodesia Aviation Services Ltd.
Peak Timbers Ltd.
Pearlman Veneers (S. A.) Ltd.
Rhoanglo Mine Services Ltd.
Rhodesia Congo Border Power Corporation Ltd.
Rhodesia Copper Products Ltd.
Rhodesian Steel Developments (Pty) Ltd.
Stone & Allied Industries (O. F . S.) Ltd.
Veneered Plywoods Ltd.
Zinc Products Ltd.

Terrenos e propriedades
Anglo America n (O. F . S.) Housing Co. Ltd.
Anmercosa Land & Estates Ltd.
Cocilia Park (Pty) Ltd.
Falcon Investiments Ltd.
Orange Free State Land & Estate Co. (Pty) Ltd.
Prestin (Pty) Ltd.
Welkon Township Co.

É interessante notar que duas entre as companhias se de-


dicam a contratar “mão de obra nativa”: a Anglo Collieries Re-
cruiting Organization (Pty) Ltd. e a Hansens Native Labour Or-
ganization (Pty) Ltd. recrutar trabalhadores para as minas sul-
africanas foi sempre um problema absorvente, ligado ao qual se
desenvolveu há muito tempo uma organização eficiente para im-
portar operários não apenas das reservas da própria África do Sul,
mas também dos protetorados, das Rodésias e Niasalândia.
Há acordos a longo prazo com as autoridades de colônias
portuguesas, particularmente Moçambique, para o recrutamento de
mão de obra africana para o trabalho nas minas da África do Sul.
A execução do apartheid através da criação de Bantustans,
como a que foi recentemente realizada no Transkei, forçará os
chefes, sob coação, a fornecer quantidades cada vez maiores de
homens para as minas. Há agora um plano de suspender o empre-
go de trabalhadores de Zâmbia, Rodésia e Malawi e mesmo dos
protetorados. Pode bem ser que pensem que esses homens estarão
| 216 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

infeccionados com a “doença” do nacionalismo e portanto signi-


ficariam lenha na fogueira da inquietação que foi acesa na própria
África do Sul. É significativo que os africanos de Moçambique
têm ainda direito ao privilégio de enriquecer os proprietários das
minas da África do Sul como seu trabalho e não menos a Anglo
American Corporation.
Esta companhia foi incorporada em 1917 para reunir nu-
merosas companhias mineradoras, de investimentos e industriais,
já controladas pelo Sr. Harry Oppenheimer e para levá-las a uma
organização mais compacta com outros interesses como o Sr. C.
W. Engelhard, presidente da Rand Mines, Kennecott Copper
Corporation e outras associadas. Como guardiã desses interesses,
a Anglo American age como gerente técnico e secretário para um
extenso número de companhias de mineração e investimentos que
caem no seu amplo perímetro. Em suas capacidades executiva,
administrativa e secretarial, também arruma a vida financeira de
muitas empresas que estão sob os seus cuidados.
A lista apresentada indica apenas os pontos mais salientes
dos inúmeros interesses da Anglo American e se os fôssemos
examinar detalhadamente nos encontraríamos em meio a um in-
trincadíssimo complexo de artérias e tendões. Muitos dos empre-
endimentos não são somente importantes em si mesmos, mas têm
implicações formando a tessitura que une o mundo minerador,
industrial e financeiro da África ao do resto do planeta. Organiza-
ções como a Rand Selection Corporation, Union Corporation,
Rhokana Corporation Ltd. e determinadas outras participam de
um conjunto exclusivista e autoperpetuador, a interação e inter-
penetração de interesses é uma característica predominante res-
saltando a natureza monopolística da indústria de mineração da
África, cujos líderes são os árbitros poderosos do crescimento
industrial do continente, especialmente ao sul do Saara. Não é
difícil compreender como, com essa situação, eles e seus associa-
dos e financiadores europeus e norte-americanos possuem uma
influência predominante sobre a orientação política dos respecti-
vos governos em relação ao cenário africano. Um olhar à Rand
Selection Corporation Ltd., por exemplo, nos leva imediatamente
a um dos principais instrumentos da Anglo American Corporation
na operação do seu vasto império. Rand traz imediatamente à
memória a visão das corridas febris dos diamantes e do ouro que
| 217 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

seguiram os aventureiros de Cecil Rhodes e seu irmão no fim da


década iniciada em 1870. A briga de Rhodes com os bôeres foi
por causa da luta para penetrar no interior e chegar ao ouro de
Witwatersrand. Sua liderança política foi assumida para se tornar
o rei da riqueza mineral que fora descoberta. Segundo o parecer
da comissão instalada na cidade do Cabo para examinar a partici-
pação de Jameson raid, foi “na sua capacidade de controlador das
três grandes sociedades anônimas, a British South Africa Com-
pany, a De Beers Consolidated Mines e a Gold Fields of South
Africa, que ele dirigiu e controlou a combinação que tornou um
processo tal como o Jameson raid possível”. O Jameson raid li-
quidou politicamente Rhodes na África do Sul. Foi então que ele
se voltou para o que é hoje a Rodésia, onde tornou a British South
África Company a potência nacional que tem sido desde então. E
o controle dos assuntos políticos pelas grandes combinações de
firmas mineradoras não se abateu, sob qualquer aspecto, desde
então. Antes se intensificou, até o ponto em que constituem as
potências que controlam e dirigem os assuntos, não apenas na
África mas, pela sua integração a outras formidáveis combina-
ções na Europa e América, exercem grande influência também
nesses continentes e portanto internacionalmente.
A De Beers e a Gold Fields permanecem. Os anos decor-
ridos, naturalmente, presenciaram uma multiplicação da abertura
de minas e de sua exploração, acompanhada de um a constante
adaptação de seus arranjos financeiros. A Gold Fields entrou para
a periferia da Rand Selection Corporation, mas ainda controla
dentro do seu próprio grupo de companhias a produção e distri-
buição da maioria dos diamantes do mundo.
Por direitos próprios, a Rand Selection possui cerca de
14.890 acres de propriedade livre em algumas das mais ricas
áreas de mineração da África do Sul. A companhia criou vários
distritos, nos quais mantém direitos de arrendamento de alto va-
lor. Alguns desses direitos estão assegurados através de um inte-
resse de 92 por cento na South African Townships, Mining & Fi-
nance Corporation Ltd., e suas subsidiárias de propriedade inte-
gral, African Gold & Base Metals Holdings Ltd., Cecília Paris
(Pty) Ltd. e Dewhurst Farms Ltd.
A Rand Selection é, no entanto, um a subsidiária da Anglo
American, sob cuja direção seu campo de ação foi ampliado, no
| 218 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

final de 1960, para lhe permitir participar de qualquer negócio


empreendido pela Anglo American até primeiro de outubro de
1970, em uma base porcentual mais elevada. A ampliação da
Rand Selection foi efetivada pela contribuição de empréstimos,
ações e dinheiro para a De Beers Investment Trust pela Anglo
American, subsidiárias da British South África Co., Central Mi-
ning & Investments Corporation Ltd., De Beers Consolidated
Mines Ltd. e Johannesburg Consolidated Investment Co. Ltd., a
quem se juntaram a companhia sul-africana controlada pelos nor-
te-americanos Engelhard Hanovia Inc. e International Nickel Co.
of Canadá Ltd., controlada pelos grupos norte-americanos
Rockefeller-Morgan.
A Rand Selection, então, adquiriu todo o capital emitido
da De Beers Investment Trust em troca de suas próprias ações
para os acionistas do Investment Trust.
Com esse arranjo, a De Beers Investment tornou-se uma
subsidiária de inteira propriedade da Rand Selection. Por outro la-
do, com a aquisição de sua participação acionária na Rand Selec-
tion, De Beers tem agora a maioria das 33.085.365 ações emitidas
pela Rand e inteiramente pagas, dos 35 milhões de ações autoriza-
dos para constituir o seu capital de 8.270.000 libras esterlinas. É
inteiramente óbvio que os empréstimos e o dinheiro adiantado à de
Beers pelas companhias acima relacionadas tiveram a finalidade de
lhe permitir facilitar a própria ampliação e a da Rand.
Como resultado da implementação, em 1962, do remane-
jamento acertado a De Beers Investment é agora conhecida como
Randsel Investments Ltd. Suas três subsidiárias de propriedade
integral, Rand American Investments (Pty) Ltd., Rhodes Inves-
tments Ltd. e Jameson Mining Holdings (Pty) Ltd., estão agora
consolidadas na organização Rand Selection. As duas companhi-
as holding, Rand Selection e Randsel, participaram também em
1962 da ampliação de outra criação anglo estadunidense, a Con-
solidated Mines Selection Co. Ltd., registrada no Reino Unido em
1897, cujos interesses cobrem as principais atividades minerado-
ras da África meridional.
Os bens da Consolidated Mines elevaram-se subitamente
a 15 milhões de libras pela aquisição, de companhias dentro da
esfera da Anglo American, de participações acionárias no valor
de mais de dez e meio milhões de libras esterlinas da British
| 219 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

South África Co., Central Mining & Investment Corporation Ltd.


e Selection Trust Ltd., assim como de participações menores em
Bay Hall Trust Ltd. e Rhodesian Anglo American Ltd.
Em troca da cessão de suas ações, as companhias partici-
pantes adquiriram ações da Consolidated Mines Selection Co. Ltd.
Ao mesmo tempo, a Rand Selection assumiu, em associa-
ção com Anglo American, Consolidated Mines Selection e com-
panhias filiadas, uma opção de compra de 400 mil ações da Hud-
son Bay Mining & Smelting Co. Ltd., uma das três principais
companhias mineradoras de cobre e ouro do Canadá, controlada
pela finança estadunidense. O exercício dessa opção foi tornado
possível por empréstimos levantados na América do Norte, pro-
vavelmente dos mesmos interesses que se encontram por trás da
Hudson Bay Mining.
As operações da Rand Selection coincidem também com
as da Anglo American na muito importante Swaziland Iron Ore
Development Co. Ltd., que fechou contratos com dois importan-
tes produtores de aço japoneses, Vawata Iron & Steel Co. Ltd. e
Fuji Iron & Steel Co. Ltd., assim como a General Ore Internatio-
nal Corporation, para lhes vender 12 milhões de toneladas de mi-
nério de ferro durante um período de aproximadamente dez anos.
A Anglo American permitiu à Rand Selection participar da com-
pra, à British Coated Board & Paper Mills Ltd., uma firma do
Reino Unido, de uma grande participação acionária na South
African Board Mills Ltd. “Essa companhia — declarou o Sr.H.F.
Oppenheimer em seu relatório à 71ª assembleia geral anual da
Rand Selection Corporation Ltd., em Joanesburgo, no dia 26 de
fevereiro de 1963 — é uma das de maior crescimento na África
do Sul e é administrada por Stafford Mayer Co., com quem a An-
gio American Corporation tem por longo tempo se associado na
indústria do carvão”.
Os arranjos contratuais com a Anglo American garantiram
à Rand Selection a participação em numerosos melhoramentos de
propriedades no centro de Joanesburgo. As duas também se em-
penharam, de mãos dadas, nas extensas atividades de prospecção
da Anglo American e em certos projetos de desenvolvimento. En-
tre eles estão as explorações sobre a viabilidade do complexo íg-
neo de bushveld da África do Sul.
É realmente aí, na Anglo American, que se encontra a es-
| 220 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

trutura industrial e financeira mais ramificada da África, poderosa


e dominadora, a organização que governa o destino de muitos
milhões no continente e estende sua influência ao ultramar. Como
todos os monopólios, a Anglo American nunca está satisfeita com
as fronteiras atuais do seu império e está sempre procurando ex-
tensões, em parte porque não pode permitir que a ultrapassem.
Daí estar continuamente desenvolvendo um programa previdente
de prospecção em muitas partes da África e outros lugares, a fim
de localizar fontes novas de recursos minerais que possam ser
exploradas com lucro.
| 221 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

10. Os grupos do diamante

A indústria do diamante na África do Sul deu uma renda de


93 milhões de libras esterlinas em 1962. Dois terços dessa renda
foram provenientes dos diamantes preciosos, cujo preço por quilate
foi recentemente elevado pelos controladores da indústria. De tal
importância é a indústria do diamante para a África do Sul que não
há impostos de exportação sobre os diamantes brutos.
Os diamantes são um dos principais negócios do Sr. Harry
Oppenheimer e é através da De Beers e da Diamond Corporation,
com suas companhias associadas e alianças, que as operações da
sua Anglo American Corporation se estendem da África do Sul à
África do Sudoeste, Angola, Congo, África Ocidental e Oriental,
para controlar até recentemente a produção e venda de bem uns
85 por cento dos diamantes mundiais.
Mesmo a distribuição da produção bem importante da
União Soviética foi adicionada à sua, através de um arranjo para
vender os diamantes “vermelhos” através da organização de ven-
da da De Beers.
O grupo de companhias De Beers, como vimos, é contro-
lado pela Rand Selection Corporation Ltd. Estreitamente entrete-
cido, interliga-se com as companhias de pedras preciosas de An-
gola e Moçambique e o complexo dominante que se estende atra-
vés das Rodésias e do Congo. A Rand Selection agora domina a
administração do grupo pela sua recente aquisição do total das
ações da De Beers Investment Trust Ltd., hoje conhecida como
Randsel Investiments Ltd.
A principal companhia operadora é a De Beers Consolida-
ted Mines Ltd., e na sua diretoria ainda se encontra um membro
da família de Solly Joel, o companheiro nascido no East End de
Londres que se aventurou com Rhodes e Alfred Beit na busca aos
| 222 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

diamantes. O objetivo original da companhia era a consolidação


da De Beers, Kimberley e Griqualan West Mines of South-West
Africa. Um número considerável de interesses aliados e mesmo
diferentes foi acrescentado desde então. Além das minas na Áfri-
ca do Sul, De Beers opera usinas de moldagem ao longo da costa
meridional e em Namaqualand, África do Sudoeste. Mantém um
interesse de 50 por cento na Williamson Mine, em Tanganica. A
outra metade pertence ao Governo de Tanganica.
Entre suas companhias subsidiárias, a De Beers Consoli-
dated inclui a Premier (Transvaal) Diamond Mining Co. Ltd., a
Consolidated Mines of South-West Africa Ltd., a Diamond Cor-
poration Ltd. e a De Beers Industrial Corporation Ltd. Direta e
indiretamente mantém cerca de 40 por cento do capital da Dia-
mond Purchasing & Trading Co. Ltd. e 31,5 por cento da Indus-
trial Distributors (1946) Ltd. Todas essas companhias comprado-
ras e distribuidoras são os principais caminhos através dos quais a
produção de diamantes preciosos e industriais dos principais pro-
dutores do mundo é distribuída. A De Beers Industrial tem tam-
bém interesses na produção de diamantes através do seu controle
da Griqualand West Diamond Mining Co., Dutoitspan Mine Ltd.,
New Jagersfontein Mining & Exploration Co. Ltd. e Consolidated
Co. Bultfontein Mine Ltd.
O que parece ao primeiro relance ser um interesse até certo
ponto curioso para uma companhia engajada na indústria do dia-
mante é a posse, pela De Beer Consolidated, de 50 por cento das
ações de capital emitidas pela African Explosives & Chemical In-
dustries Ltd. Examinado mais atentamente, não parecer à tão estra-
nho. A companhia considerou prático e lucrativo ter seus próprios
meios para adquirir os explosivos utilizados na abertura de áreas de
exploração nas suas próprias minas e nas das companhias associa-
das. Esse foi o objetivo original, mas uma vez tendo ingressado
nos negócios de explosivos, pouco faltava para fabricá-los e ex-
pandir-se em uma séria fabricação de produtos químicos, especi-
almente os que são aliados à manufatura de explosivos.
As operações atuais da African Explosives absolutamente
não são limitadas, nem há qualquer coisa de inocente nelas ou na
composição da companhia. Através da De Beers Industrial Cor-
poration, ela pertence conjuntamente ao constituinte da De Beers,
Anglo American Corporation e ao ramo sul-africano da Imperial
| 223 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Chemical Industries Ltd. As ramificações da ICI e seu controle de


numerosos processos químicos sintéticos e de fabricação tornam-
na um dos mais poderosos monopólios do mundo. Há muito tem-
po alcançou o estágio de cartelização com outras organizações
proeminentes da indústria química e armamentista. Seus arranjos
de cartel com a principal companhia de materiais químicos e plás-
ticos do mundo, a I. E. du Pont de Nemours Corporation, ligam-
na à moderna indústria de equipamento militar que parece nascer
inevitavelmente da manufatura química.
Explosivos forneceram as bases da ascensão da Du Pont
ao poder. Sua primeira grande encomenda foi suprir Napoleão na
tentativa frustrada de esmagar Tous-saint L'Ouverture e o povo
de São Domingos e a seguinte foi a da guerra dos Estados Unidos
— contra os chamados “Piratas da Barbárie”.* A citação seguinte
é de Carteis in Action, citada por Victor Perlo em The Empire of
High Finance, página 195:
"Isso firmou o papel da du Pont, que continua até o pre-
sente, quando domina a maior e mais lucrativa corporação isolada
do mundo, a General Motors.
A associação da du Pont com a ICI data de cerca de 40
anos. Foi em 1921 que mais da metade das ações da General Mo-
tors, vendidas pela Casa Morgan, foram adquiridas por Explosi-
ves Trade Ltd., uma subsidiária britânica das indústrias Nobel,
com a qual a ICI tinha ligação. Explosivos estavam entre as ope-
rações iniciais da ICI e seus interesses nos concerns da Nobel
nesse e em outros campos foram subsequentemente absorvidos
para o centro do império da ICI.
Desde essa aproximação inicial, a aliança entre a du Pont
e a ICI tornou-se mais complexa. Ambas possuíam direitos efeti-
vos de patentes e processos com o grande combinado químico
alemão I. G. Farben, e dividiram o mundo entre elas.
Tanto a du Pont como a ICI, continuaram a respeitar seus
acordos com a I. G. Farben durante a guerra. Du Ponte ICI aban-
donaram qualquer simulacro de rivalidade de negócios em nume-
rosos mercados estrangeiros, inclusive Canadá, Argentina e Brasil.
Negociam, ali, como uma só empresa unificada, através
de companhias locais de propriedade conjunta… conseguiram
cartelizar esses mercados químicos tributários graças ao seu po-
der e prestígio combinados."
| 224 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Se vemos a ICI associada a companhias Oppenheimern a


África do Sul, isso não nos deve espantar. Os monopólios estão
constantemente se aproximando, alinhados por interesses indus-
triais e financeiros comuns em um dado campo e em um dado
momento. A combinação ICI-Oppenheimer não se limita a Afri-
can Explosives, mas se repete na associação com outros rebentos
e grupos da Oppenheimer.
A bênção britânica é concedida à empresa através da
agregação, à companhia por contrato, de um perito do estabele-
cimento britânico de armamentos nucleares. O que é mais impor-
tante, o equipamento militar produzido nas fábricas segue as es-
pecificações exigidas pelas Forças Armadas da Grã-Bretanha.
Embora a African Explosives seja importante para o com-
binado Oppenheimer e os objetivos militares sul-africanos na
África, deve a existência à mineração de diamantes, onde foi ori-
ginalmente concebida. É apenas dos descendentes da De Beers
Consolidated. Há vários outros, entre os quais a companhia de
investimentos De Beers Holding Ltd., da qual a Consolidated
controla 84,5 por cento. Ao falecer J. T. Williamson, a De Beers
Holding conseguiu obter um a opção para o total de 1.200 ações
que constituía o capital de sua mina em Tanganica. O negócio foi
fixado em 4.139.996 libras esterlinas com De Beers responsável
por impostos do inventário e juros sobre as ações de Williamson.
O cumprimento desses itens foi feito através da cessão de
320 ações da Williamson Diamonds Ltd. ao Governo de Tangani-
ca, que subsequentemente adquiriu outras 280. O preço de
1.317.272, acordado para estas, foi pago juntamente juros totais
de seis por cento, dos dividendos recebidos pelo Governo referen-
tes ao seu bloco total de 600 ações.
A Consolidated Diamond Mines of South-West Africa
Ltd., na qual a De Beers Consolidated possui maioria de ações, te
m um a concessão abarcando amplas áreas de depósitos da em-
presa aluvião diamantífera, na África do Sudoeste, com validade
até o final do ano 2010. O prazo foi estendido pelo Governo lo-
cal, uma vez que a caducidade ocorreria, segundo o contrato ini-
cial, em 1972. Um item valiosíssimo no inventário de rendimen-
tos da De Beers são os royalties "De Pass", de propriedade da
South-West Financial Corporation Ltd., inteiramente subsidiária à
Consolidated Diamond Mines. Esse royalty dá ao possuidor oito
| 225 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

por cento da renda bruta da venda de diamantes produzidos na


área de Pomona da África do Sudoeste, na qual a South-West
possui propriedades e outros direitos minerais e royalties.
A participação no comércio distribuidor de diamantes
chega até a Consolidated Diamond Mines através da propriedade
das seguintes ações:
Diamond Corporation Ltd. — 5.996.903 ações. Diamond
Trading Co. Ltd. — 80.000 ações. Diamond PD e Beers Holdings
Ltd. — 1.150.000 ações.
Sua produção própria de diamantes elevou-se de 895.744
quilates em 1958 para 933.937 em 1960. Tomada em conjunto
com seus rendimentos obtidos através de royalties e investimen-
tos no mercado de diamantes, não é de admirar que nos últimos
15 anos tenha conseguido declarar os impressionantes dividendos
que se seguem:

1946-1949: 40% mais 10 % de bonificação anual.


1950: 40% mais 20%
1951: 125%
1952-1958: 150% anuais.
1959: 200%
1960: 200%

O capital da companhia, autorizado e totalmente pago, é de


5.240.000 libras esterlinas. Seu lucro líquido consolidado e m 1960
foi de 10.734.460 libras, depois de pagar 4.622.731 libras em im-
postos. Os dividendos absorveram 5.667.437, sendo seu maior be-
neficiário a De Beers Consolidated. O lucro estimado par a 1961
foi de 12.848.000 libras, depois de pagos 5.410.000 libras de im-
postos e 168 mil libras de dividendos para as ações preferenciais.
A cifra correspondente aos dividendos ordinários não foi incluída,
mas é provável que seja mais elevada do que no ano anterior.
A Diamond Mining & Utility Co. (S. W. A.) Ltd. é asso-
ciada à De Beers Consolidated através da cessão, a esta, de uma
ampla parte de uma área diamantífera na África do Sudoeste, em
troca de um interesse de 20 por cento no lucro líquido de diaman-
tes colhidos. A companhia tem 180 mil ações na Diamond Dred-
ging & Mining Co. (S. W. A.) Ltd. Para pagar essa aquisição, a
Diamond Mining & Utility emitiu mais 540 mil ações ao par em
| 226 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

julho de 1960, ficando então aumentado o capital autorizado de


300 mil libras para 500 mil. Seus outros interesses são 114.400
ações da Industrial Diamonds of South Africa (1945) Ltd., que
cessou operações na primavera de 1960, mas conserva 148.200
ações da Diamond Mining & Utility, assim como 197.900 da Lo-
relei Copper Mines Ltd., na qual Diamond Mining & Utility pos-
sui também 200 mil ações. Em suma, isso demonstra o que pode-
ria ser qualificado de uma combinação rígida, mas interessante. O
centro mais interessante das velozes engrenagens do diamante é a
Diamond Corporation, cujo capital de 22 milhões de libras per-
tence principalmente a De Beers Consolidated Mines, Diamond
Mines of South-West Africa e à onipresente Anglo American
Corporation. A Diamond Corporation compra, por contrato pe-
riódico, a produção de diamantes dos maiores produtores do
mundo, usualmente num a base de cotas específicas. Esses dia-
mantes são então colocados no mercado através da Central Sel-
ling Organization, juntamente com a produção das minas do gru-
po De Beers e das escavações que o Governo sul-africano possui
e explora por sua própria conta.
Onde entram as outras companhias vendedoras? A Dia-
mond Trading Company Ltd. recebe e vende aos mercados dia-
mantes preciosos ou de valor aproximado. A Industrial Distribu-
tors (Sales) Ltd. tem uma participação na venda, ao mercado, de
material de perfuração o boart para as minas.
Associados íntimos da De Beers também têm interesses
nessas companhias tributárias do grupo. A Société Minière du
Beceka S. A., companhia pertencente à rede da Société Générale
de Belgique, tem ações na Industrial Distributors (1946) Ltd., Di-
amond Trading Co. Ltd., Diamond Purchasing & Trading Co.
Ltd., Diamond Development Co. Ltd. e em outra das pupilas da
Société Générale, Société Diamant Boart. A Industrial Distribu-
tors, que também faz parte da relação de investimentos diretos da
Société Générale, aumentou seus dividendos de 1961 de cerca de
20 por cento em relação aos últimos anos. A associação da Bece-
ka com o Congo é continuada através da Société d'Élevage et de
Culture au Congo (CEC) e Cie. Maritime Belge (CMB).
Operando depósitos no rio Lubilash, no Congo, que pro-
duzem principalmente diamantes industriais e boart para tritura-
ção, a Beceka possui uma subsidiária, Société Beceka-
| 227 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Manganese, explorando depósitos de manganês perto de um en-


troncamento numa estrada de ferro congolesa. No início de 1962,
Beceka-Manganese criou uma subsidiária de 500 milhões de
francos, a Société Minière de Kisenga, na qual é a principal acio-
nista. Kisenga recebeu determinados direitos de concessão e ex-
ploração da Beceka-Manganese, que também participou, em ou-
tubro de 1962, da criação da Société Europeène des Derives du
Manganese — SEDEMA. OS principais participantes na forma-
ção da Sedema são os associados da Société d'Entreprise et dln-
vestissements du Beceka — SIBEKA, e a Manganese Chemicals
Corporation of U. S. A.
Do relatório de 1962 da Société Générale, dirigente de to-
da essa segmentação, surge que uma reunião extraordinária da
Beceka em 21 de março de 1962 concordou em que a Beceka de-
veria renunciar a todos os seus direitos de mineração no Congo
(principalmente na região de Bakwanga) em favor de uma nova
companhia, Société Minière de Bakwanga, e deveria se tornar a
Société d'Enterprise et dInvestissements du Beceka, a ser conhe-
cida pela sigla Sibeka. A finalidade da Sibeka foi reformulada,
para cobrir a investigação, promoção e financiamento, por quais-
quer meios, tanto na Bélgica como no Congo e outros países es-
trangeiros, de toda espécie de empresas, seja em mineração, in-
dústria, comércio, agricultura ou transporte, especialmente aque-
las que tenham ligação com substâncias minerais de todos os ti-
pos, assim como seus derivados e substitutos. Dentro da estrutura
desse novo objetivo, as participações anteriores foram aumenta-
das e novas participações foram adotadas ou estavam em estudos,
particularmente determinadas delas que tinham a ver com a pro-
dução de diamantes artificiais. A principal atividade da Sibeka,
no entanto, deverá ser a sua importante participação na Société
Minière de Bakwanga, conhecida como Miba. A produção da
Miba em 1961, seu primeiro ano de trabalhos, foi de cerca de 15
quilates de diamantes, o que o presidente da Société Générale
considerou dever ser o seu “ritmo” normal, tendo em vista o mer-
cado de vendas.
Sibeka tem estado atarefada no Kasai meridional, no Con-
go, onde outros investimentos foram feitos, inclusive a moderni-
zação de uma estrada de 150 quilômetros de Bakwanga à estação
de Mwene-Ditu. A participação da Société Générale na Sibeka é
| 228 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de 525 mil ações tem valor nominal e ajudou a Beceka-


Manganese a colocar dez dos 11 milhões de francos que lhe fo-
ram reservados no capital de 81 milhões de francos da Sedema.
Sibeka adquiriu outros dez milhões de francos. O objetivo da Se-
dema é a manufatura de compostos de manganês e metais inclu-
indo manganês no mercado europeu.
Não custa muito para que qualquer esforço de identificar
as companhias empenhadas em determinado campo de mineração
leve a associações ligando a outros setores da produção de maté-
rias-primas. Esse nosso exame das empresas diamantíferas De
Beers nos levou ao mundo ainda mais vasto dos interesses da So-
ciété Générale, que tornaremos a encontrar mais de uma vez no
curso de nossas jornadas pela teia emaranhada do controle inter-
nacional das riquezas básicas africanas.
É também significativo que a cada canto encontramos al-
gum elo oculto com importantes interesses industriais norte-
americanos. No caso presente, a Manganese Chemicals Corpora-
tion surge imediata e diretamente.
Indo adiante na produção diamantífera africana, encon-
tramos outro rebento da Société Générale operando no Congo. A
Société Forestière et Minière du Congo, conhecida como Formi-
nière, ocupa-se de objetivos de mineração, comércio, indústria e
agricultura, principalmente em Kasai. Sua principal preocupação
é a mineração de diamantes.
A Forminière é uma das primeiras concessões originais do
Rei Leopoldo, no Congo. Ele formou a companhia em 1906 com
a ajuda, entre outros, de dois homens de negócio norte-
americanos, Thomas F. Fortune e Daniel Guggenheim, o último
dos quais fez uma fortuna com a mineração na América do Sul.
Hoje a Forminière faz parte do vasto complexo dominado pela
Société Générale, Tanganyika Concessions e sua filha, a Union
Minière du Haut Katanga, que tem a vida econômica do Congo
nas mãos e agora se estendeu gulosamente à Angola e Moçambi-
que. Através de sua subsidiária, Société International e Commer-
cial e et Fmancière de la Forminière — INTERFOR — tem inte-
resses fraternais com a Beceka em várias companhias agrícolas
operando plantações no Congo em grande escala.
Outras participações acionárias de propriedade da Formi-
nière são em companhias mineradoras como a Société de Recher-
| 229 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ches et d'Exploitation des Bauxites du Congo — BAUXICONGO


— relacionada também na extensa lista dos interesses mais im-
portantes da Union Minière. O petróleo faz também parte do im-
pério da Société Générale através da Société de Recherches et
d'Exploitation des Petroles — SOCOREP. Esta encontra-se entre
os investimentos da Forminière.
A Diamond Corporation atua como centro de reunião para
a mercadoria oferecida à venda por todos os grandes produtores.
No seu papel de organização aquisitiva central para os comprado-
res internacionais de diamantes, não é de surpreender que tenha
participação em algumas das mais importantes companhias pro-
dutoras fora do grupo sul-africano. Os Srs. H. F. Oppenheimer e
H. J. Joel, da sua própria diretoria, têm assento na da Angola Di-
amond Co. (Companhia de Diamantes de Angola), que por sua
vez tem outros dois de seus diretores, os Srs. Albert E. Thiele e
A. A. Ryan, adornando a diretoria da Forminière. O Sr. Thiele
tem importantes conexões com poderosos grupos norte-
americanos. Iniciou sua carreira em 1909 com os irmãos Gugge-
nheim, um dos quais foi tão útil a Leopoldo II. Daí elevou-se à
presidência da diretoria da Pacific Tin Consolidated Corporation
e a diretoria na Kennecott Copper Corporation e sua subsidiária,
Braden Copper Co. Petróleo e nitratos fazem também parte dos
negócios do Sr. Thiele. A Maracaibo Oil e a Barber Oil contam-
se entre seus cargos de diretor, assim como a Chilean Nitrates
Sales Corporation e a presidência da diretoria da Feldspar Corpo-
ration. Como diretor da Angola Diamond e da Forminière, muito
certamente não teve a inocência de abandonar suas ligações bási-
cas, presas a Guggenheim, Kennecott Copper, petróleo, estanho e
nitratos, nos quais está a mão prestativa dos Morgans. O Morgan
Guaranty Trust é um a das principais artérias das quais fluem as
finanças para o combinado Oppenheimer. Morgan está também
associado ao Banque Belge, o principal elo bancário na estrutura
da Société Générale e o maior banco da Bélgica. Representada na
diretoria da Angola Diamond está outra empresa angolana, Com-
panhia de Pesquisas Mineiras de Angola.
A Angola Diamonds tem direitos monopolistas que lhe
permitem extrair diamantes em quase um milhão de quilômetros
quadrados de Angola, uma área quase quatro vezes maior do que
Gana ou a Grã-Bretanha. Estão em operação 43 minas, três das
| 230 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

quais são novas, abertas para substituir outras tantas cujas reser-
vas se extinguiam. A prospecção se mantém feita, em busca de
novos depósitos, com 19 grupos em operação. A companhia é
registrada em Portugal e o Governo de Angola tem nela interesse
direto, como agente administrativo local do Governo português.
O Governo de Angola possui 200 mil ações, ligeiramente acima
das… 198.800 pertencentes à Société Générale. Cerca da metade
dos trabalhadores africanos da companhia são forçados, reunidos
compulsoriamente pelas autoridades e recebem um ordenado
mensal de 70 escudos, equivalentes a perto de 16 xelins. Os exce-
lentes lucros da companhia são divididos igualmente entre a Pro-
víncia de Angola e os acionistas, depois de seis por cento terem
sido reservados à administração. O lucro dos acionistas ao final
das operações, em 1960, foi de 137.000.931 escudos, depois de
ter sido reservada igual soma para a Província de Angola e…
15.341.649 escudos como reserva legal. Os lucros totais, na reali-
dade, elevaram-se a 289.343.511 escudos, dos quais 114.800.000
escudos provenientes de lucros mantidos em reserva. Os dividen-
dos parciais e finais absorveram a soma de 136.670.000 escudos,
no ano de 1960.
A companhia não paga direitos de importação sobre má-
quinas e material nem direitos de exportação sobre diamantes.
Possui também um empréstimo de cem milhões de escudos, do
Governo de Angola, em troca da emissão gratuita de cem mil
ações, de 170 escudos cada, à Província de Angola em 1955. A
taxa de juros, sem precedentes e antieconômica, sobre esse em-
préstimo, é de um por cento e o capital deverá ser pago até 1971.
Angola Diamond Co., possui 16.266 por cento do capital emitido
pela Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes.
Diamond Corporation tem acordos contratuais para a
compra da produção da Angola Diamond, que vinha sendo recen-
temente de mais de um milhão de quilates e poderá ser ainda
maior, segundo as estimativas, pois foram instaladas escavadoras
mecânicas e máquinas para lavagem depois de verificada a exis-
tência de extensos depósitos de aluvião. Os diamantes preciosos
representam 65 por cento da produção.
A Diamond Corporation invadiu a Costa do Marfim, com
a formação de uma subsidiária local para adquirir diamantes no
mercado livre desse país. Até que ponto esse mercado continuará
| 231 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

livre, ninguém sabe. Algumas das outras nações africanas recém-


independentes estão lutando para fugir ao domínio da Diamond
Corporation.
Gana criou seu próprio mercado de diamantes em Acra e
todos os vendedores, inclusive a Consolidated African Selection
Trust Ltd. (CAST), que explora uma concessão de 176 quilôme-
tros quadrados no distrito de Akim Abuakwa, são obrigados a
vender através dele. A Sierra Leone Selection Trust Ltd. é a sub-
sidiária do CAST operando em Serra Leoa.
Por incrível que pareça, a Sierra Leone Selection teve direi-
tos exclusivos de mineração de diamantes sobre todo o país, prati-
camente. Em 1955, em consequência de protestos populares, espe-
cialmente na rica região diamantífera de Konor, a extensão da área
de concessão foi reduzida para aproximadamente 590 quilômetros
quadrados, que era a área então explorada efetivamente pela com-
panhia. A diminuição de direitos, no entanto, foi mais aparente do
que real. Os direitos de concessão são por 30 anos, mas foram con-
cedidos direitos restritos sobre outros 650 quilômetros quadrados,
dos quais cerca de cem foram utilizados desde então. A companhia
tem também a permissão para pesquisar qualquer local de Serra
Leoa em busca de depósitos profundos de diamantes, durante o
período de não menos de dez anos, e explorá-los.
Que o acordo foi um a farsa está provado pela promessa
feita então pelo Governo Colonial de não conceder até 1975 a
quaisquer requerentes que não fossem cidadãos do país ou compa-
nhias nas quais os interesses beneficiários ou a sua maior parte per-
tencessem a cidadãos do país, qualquer licença ou arrendamento
par a prospecção de diamantes sem primeiramente oferecer essas
licenças e arrendamentos ao Sierra Leone Selection Trust. Embora
isso desse virtualmente liberdade total à companhia, o Governo
ainda assim lhe pagou um milhão e meio de libras esterlinas como
compensação das oportunidades supostamente perdidas.
Todos os seis milhões de ações emitidas, do total de seis
milhões e 400 mil autorizadas para formar o capital de um milhão
e 600 mil libras, são de propriedade da CAST.
Os lucros que a companhia esteja obtendo não são publi-
camente conhecidos, uma vez que os balanços são revelados ape-
nas aos acionistas.
O presidente da diretoria tanto da CAST como da Sierra
| 232 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Leone Selection é o Sr. A. Chester Beatty, que tem como colegas


em ambas as diretorias os Srs. E. C. Wharton-Tigar, T. H. Brad-
ford e P. JT. Oppenheimer. O Sr. P. J. Oppenheimer faz parte
também da diretoria da Diamond Corporation, juntamente como
Sr. W. A. Chapple, outro colega na diretoria da CAST. Ambos
têm assento no Comité de Londres da De Beers Consolidated Mi-
nes e o Sr. Oppenheimer também ocupa um lugar no Comité de
Joanesburgo, no qual está associado com o Major-General I. P. de
Villiers, C. B. e o Sr. A. Wilson, estes últimos também unidos na
diretoria da Consolidated Diamond Mines of South Africa Ltd.
O Sr. Thomas Horat Bradford representa a Selection Trust
Ltd., da qual é diretor-gerente, em suas principais companhias
associadas na América, Rodésias, Canadá e Venezuela. O Sr. Be-
atty faz companhia ao Sr. Bradford em várias dessas diretorias. A
ligação do Sr. Chapple com o mundo dos diamantes é, sem dúvi-
da, em alto nível, a julgar pelo seu cargo de diretor do Banque
Diamantair e Anversoise S. A. Antwerp, que é ainda o maior cen-
tro mundial de corte de diamantes, empregando mais de 13 mil
pessoas na indústria. O Antwerp Diamond Bank ocupa uma im-
portante posição estratégica. Cerca de 40 a 50 mil quilates são
cortados semanalmente em Antuérpia, principalmente pedras bru-
tas provenientes da Diamond Trading Company, o extremo lon-
drino da Central Selling Organization, pertencente à De Beers.
Mas Antuérpia busca outras fontes para seus suprimentos de dia-
mantes e em 1961 obteve cerca de 30 por cento do peso total em
quilates de outros fornecedores.
É evidente que o Sr. A. Chester Beatty pertence aos altos
escalões do mundo dos diamantes, especialmente àquele seu setor
preponderante que é dominado pelo grupo De Beers e gira em
torno da Diamond Corporation e sua Selling Organization. É,
portanto, difícil de entender a manobra que o Sr. Beatty fez em
conexão com a lei do Governo de Serra Leoa, aprovada em fins
de 1961, obrigando os produtores de diamantes em Serra Leoa a
negociá-los através da Agência dos Diamantes, do Governo.
O Sr. Beatty, como presidente da diretoria da Selection
Trust Ltd., assim como da CAST e da Sierra Leone Selection, sua
subsidiária, afirmou que o contrato expirado que a CAST tinha
com a Diamond Corporation não fora renovado por causa da co-
missão excessiva de 12 por cento exigida. CAST oferecera quatro
| 233 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

por cento, o que foi rejeitado. Um contrato foi feito, portanto,


com Harry Winston, Inc., de New York, proprietários e cortado-
res do famoso diamante Jonker, que segundo se dizia procuravam
uma fonte direta de suprimento que contornasse a Diamond Cor-
poration. Em vista da interligação entre a Selection Trust e as
companhias da De Beers, inclusive a Diamond Corporation, atra-
vés de participações acionárias interdependentes assim como dos
elementos comuns em suas diretorias, é estranho ver um dos mais
proeminentes elos da corrente, o Sr. A. Chester Beatty, protestan-
do sua ansiedade de proteger os interesses de Serra Leoa contra a
Corporação de que ele participa tão profundamente.
O protesto do Sr. Beatty foi no sentido de que, se a Sierra
Leone Selection fosse forçada a entregar sua produção à Agência
de Diamantes do Governo, esta pararia nas mãos da Diamond Cor-
poration, que era o comprador final da Agência, e que isso era pre-
cisamente o que ele não admitia. Além do mais, o novo sistema
significaria romper o contrato com Winston, obrigando a pagar
uma compensação por quebra de contrato. O Sr. Beatty ressaltou
que a sua solicitude pelos interesses de Serra Leoa o havia levado a
obter uma reavaliação do contrato da Diamond Corporation em
1957, de modo que dois milhões e 700 mil libras esterlinas adicio-
nais haviam sido recebidas nos últimos três anos de operação.
Há nesse ponto uma característica interessante, porque o
Sr. Beatty afirma que mais meio milhão de libras em rendimentos
seriam recebidos pelo Governo de Serra Leoa sob o contrato com
a Winston do que sob o da Diamond Corporation. Quatro pergun-
tas pertinentes decorrem disso: Que aumento percentual do ren-
dimento representaram os dois milhões e 700 mil libras adicio-
nais que o Sr. Beatty disse ter obtido da Diamond Corporation
nos últimos três anos do contrato expirado? Que parte disso veio
ter às mãos do Governo de Serra Leoa e que percentagem de au-
mento representou para o rendimento do Governo? Como é que o
Sr. Beatty não podia obter termos igualmente vantajosos de um
novo contrato com a Diamond Corporation? O preço de Winston,
melhor em oito por cento, estava rigorosamente refletido na esti-
mativa de cerca de meio milhão de libras de rendas adicionais
para o Governo em consequência de um acordo com Winston?
Mas não será tudo isso apenas uma farsa com o objetivo
de manter a ficção de que a Selection Trust e a Diamond Corpo-
| 234 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ration são entidades isoladas entre si, uma ficção repetida mesmo
por uma imprensa que seria de esperar que tivesse melhores co-
nhecimentos? Pois temos o correspondente de West Africa em
Freetown declarando, na edição de 27 de janeiro de 1962 do jor-
nal, que “os dois gigantes europeus na indústria (de diamantes)
— Diamond Corporation e Selection Trust — estão evidentemen-
te em desacordo”. O âmago da questão, realmente, está na queixa
do Sr. Beatty de que o regulamento baixado pelo Governo de Ser-
ra Leoa interfere com a liberdade de sua companhia, expressa-
mente garantida pelo antigo Governo Colonial em seu acordo de
concessão, de vender como lhe parecer melhor. O Sr. Beatty, co-
mo os interesses monopolistas que representa tão eficientemente
em muitas diretorias, não quer reconhecer os ventos de mudança
que vieram com a independência africana, dando às novas nações
oportunidade de ordenar suas economias da maneira que conside-
rarem mais interessante para o seu próprio bem.
Houve recentemente a intrusão, no campo diamantífero,
de um texano que aparece mais comumente onde quer que haja
petróleo borbulhando. O Sr. Sam Collins dedicou-se a colher di-
amantes do fundo do mar, no Chameis Reef, na costa da África
do Sudoeste, que se afirma conter uma reserva mínima de 14 mi-
lhões de quilates. O Sr. Collins procurou obter capital adicional
para sua Se a Diamonds Company, que tem o controle acionário
da companhia operadora, Marine Diamonds. Foi dito que o Sr.
Oppenheimer, depois de observar suas atividades com alguma
preocupação, decidiu colaborar com o Sr. Collins. Ao que parece,
a General Mining & Finance Corporation e a Anglo Transvaal
Consolidated, que já encontramos como parte do complexo da
Anglo American, haviam se engajado no empreendimento. Ca-
bia-lhes fornecer fundos adicionais de até meio milhão de libras a
fim de igualar a quantia a ser fornecida pelo Sr. Collins e compa-
nhias por ele controladas. A General Mining tem um intercâmbio
de ações com a Anglo American e a De Beers Consolidated está
entre os seus clientes de investimentos, assim como a National
Finance Corporation of South Africa, que é tão útil a numerosas
companhias de Oppenheimer na questão de empréstimos.
De Beers aparentemente tinha uma opção de 25 por cento
nas ações da Sea Diamonds e preferência para o bloco de ações
do Sr. Collins, que se disse ser de 80 por cento. Se a Diamonds,
| 235 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

por sua vez, possui cerca de 44 por cento do capital de ações da


Marine Diamonds, cabendo 25 por cento do restante à General
Mining, 16 por cento a Anglo Transvaal e sete e meio por cento a
outra companhia de Oppenheimer, Middle Witwatersrand (Wes-
tern Areas) Ltd., administrada pela Anglo Transvaal. O remanes-
cente ficou de posse dos donos originais da concessão. A Middle
Witwatersrand tem direito a dez por cento de participação em
quaisquer empreendimentos de prospecção realizados por An-
glovaal Rhodesian Exploration Ltd., metade de cujas ações per-
tence à Kennecott Copper. Tudo parece girar em movimento cir-
cular, num carrossel sem fim. O Sr. Sam Collins pode ter agido
rápida e argutamente ao registrar seus direitos sobre um veio de
diamantes submarino e com toda a probabilidade ganhará uma
fortuna. Mas os grandes beneficiários acabarão sendo, no fim de
contas, o Sr. Oppenheimer e suas coortes. Os movimentos nos
bastidores para obter o controle do que promete ser um empreen-
dimento altamente lucrativo levaram o correspondente do The
Economist em Joanesburgo a comentar que “a história completa
das recentes negociações, se jamais for revelada, poderia descre-
ver uma luta violenta pelo controle entre os magnatas da minera-
ção da África do Sul, nas melhores tradições dos primeiros dias,
duros e brutais, de Kimberley e do Rand” (16 de março de 1963).
É pouco provável que a De Beers seja capaz de forçar a
entrada na companhia japonesa que está atualmente construindo
uma fábrica no Japão para manufaturar diamantes sintéticos, que
produzirá inicialmente 300 mil quilates anuais, devendo chegar a
600 mil. De Beers, em associação com a Société Minière de Be-
ceka, têm sua própria fábrica de areia de diamante sintética, ope-
rada por unidades de pressão ultraelevada. A General Electric
também tem um processo para produzir diamantes manufatura-
dos. Os japoneses afirmam que seu processo não é o mesmo. E já
mencionamos anteriormente o interesse de Sibeka na possibilida-
de de produzir diamantes artificiais. Houve várias tentativas de
criar diamantes através de um processo fabril, mas até agora de-
monstram ser, até certo ponto, antieconômicos. Com a extrema
probabilidade de que as pedras sintéticas em condições de com-
petir em preços e qualidades com o produto natural serão fabrica-
das dentro em breve, outro golpe poderá ser desfechado contra as
nações produtoras da África, em desenvolvimento.
| 236 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 237 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

11. Interesses mineradores


na África Central

Se examinarmos os intrincados detalhes da extensão da


Anglo American através da exploração das matérias-primas da
África, veremos sua mão forte contendo o enriquecimento da Ro-
désia, África do Sul e África do Sudoeste, tanto através de parti-
cipação acionária direta em empresas como através das de suas
associadas, American Engelhar de Kennecott Copper e da British
South Africa Company Ltd. A British South Africa Company foi
uma criação do gênio de Cecil Rhodes para a construção de impé-
rios. Observando a corrida em busca de terrenos na África do Sul,
no início da década de 1890, ele resolveu que, a menos que en-
trasse logo, outros aventureiros europeus tomariam “grandes ex-
tensões de terra valiosas governadas por chefes nativos selvagens
no interior da África”.
Utilizando seus agentes notórios, Rudd, Maguire, Ro-
chford e Thompson, foi provocada uma guerra entre os Matabe-
les, da região hoje conhecida como Rodésia, e seu chefe, Lo Ben-
guela. Soldados da South African Company, a quem fora conce-
dida uma patente real em 1889, saíram ostensivamente em apoio
ao chefe contra seu povo. Esse truque de Rhodes, descrito por
certos historiadores como “hábil manobra”, garantiu à companhia
uma concessão para explorar direitos minerais na vasta área de
terrenos que atualmente constitui toda a Rodésia. Quando Lo
Benguela despertou e teve a amarga compreensão do truque que o
havia privado, assim como seu povo, dos direitos sobre a própria
terra, fez um requerimento à Rainha Vitória nos seguintes termos:
"Há algum tempo um grupo de homens entrou na minha
terra, seu chefe parecendo ser um homem chamado Rudd. Eles
me pediram um local para escavar ouro e disseram que me dari-
am determinadas coisas pelo direito de fazer isso. Eu lhes disse
| 238 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

que trouxessem o que pretendiam dar e então eu lhes mostraria o


que eu daria. Um documento foi redigido e me foi apresentado
para assinar. Perguntei o que continha e me disseram que nele
estavam minhas palavras e as dos outros homens. Estampei mi-
nha mão nele.
Cerca de três meses depois, ouvi de outras fontes que e
dera naquele documento os direitos a todos os minerais de minha
terra. Convoquei uma reunião dos meus Indunas e também dos
homens brancos e exigi uma cópia do documento. Provaram-me
que eu havia cedido com a minha assinatura os direitos aos mi-
nerais de toda a minha terra ao tal Rudd e seus amigos. Tive de-
pois uma reunião dos meus Indunas e eles não aceitam reconhe-
cer o papel, uma vez que não contém nem as minhas palavras
nem as daqueles que o obtiveram. Depois da reunião, exigi que o
documento original me fosse devolvido. Ainda não chegou, em-
bora já se tenham passado dois meses, e eles tivessem prometido
trazê-lo logo. Os homens do grupo que estavam na minha terra
então receberam ordem de permanecer até que o documento fos-
se trazido de volta. Um deles, Maguire, partiu agora sem meu
conhecimento e contra as minhas ordens. Escrevo-lhe par a que
possa conhecer a verdade sobre tudo isso e não ser iludida. Com
renovadas e cordiais saudações, Lo Benguela."
Quem, naqueles dias, devolveria terra tomada por quais-
quer meios escusos a “chefes nativos selvagens”?
E quem vai devolver hoje, ao povo de quem foi tomada, a
não ser que o povo insista em sua devolução através de sua von-
tade determinada e unificada, expressa por um Governo Unido?
No fim do século XIX, Rhodes, sonhando com um impé-
rio que fosse de Capetown ao Cairo, avançou de Matabeleland
para Mashonaland, através do Zambesi, até uma terra que hoje se
chama Zâmbia. Com isso, enfiou uma cunha entre as colônias
portuguesas de Moçambique e Angola. Tudo isso foi feito com os
bucaneiros de sua South Africa Company, que havia recebido três
cartas patentes reais suplementares, posteriores à original, de
1889. Inicialmente a companhia tinha direitos administrativos
sobre território na África meridional situado ao norte de Bechua-
nalândia, ao norte e oeste do Transvaal e oeste da África Ociden-
tal Portuguesa. Possuía direitos também de prolongar os sistemas
ferroviário e telegráfico do Cabo em direção ao norte e dar con-
| 239 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cessões de direitos de mineração, florestas e outros, além de mui-


tas outras coisas. Seus direitos administrativos e monopolísticos
na Rodésia do Norte e do Sul foram cedidos ao Governo britânico
somente em 1923-24. Os direitos minerais nas Rodésias, no en-
tanto, foram ainda conservados, assim como um interesse de 50
por cento, durante 40 anos, nos processos ulteriores de cessão de
terras no noroeste da Rodésia. Em troca, a British South Africa
Company recebeu um pagamento em dinheiro, do Governo britâ-
nico, de 3.750.000 libras. O cancelamento do seu interesse de 50
por cento foi feito em 1956, em troca de um pagamento anual de
50 mil libras durante oito anos a partir de 31 de março de 1957. A
aquisição, em dinheiro, dos direitos à mineração foi feita pelo
Governo da Rodésia do Sul em 1933 por dois milhões de libras,
desta vez provenientes dos contribuintes africanos.
Isso deixou ainda à companhia os seus direitos de minera-
ção na Rodésia do Norte que, por acordo, deveria manter até 1°
de outubro de 1986. Desde 1° de outubro de 1949, no entanto, a
companhia pagava ao Governo da Rodésia do Norte 20 por cento
do rendimento líquido dos seus direitos de mineração, soma que
era computada como “despesa” sob o ponto de vista do cálculo de
imposto sobre a renda norte rodesiano. Além disso, “rendimento
líquido” foi definido como os lucros obtidos pela companhia dos
seus direitos de mineração calculados da mesma maneira adotada
para o cálculo do imposto sobre a renda, isto é, depois de deduzi-
das todas as despesas.
O arranjo previa a isenção de royalties de mineração, es-
pecificamente, na Rodésia do Norte, enquanto o Governo de Sua
Majestade empenhava-se em assegurar na medida do possível que
qualquer governo que se tornasse responsável durante os 37 anos,
isto é, até 1° de outubro de 1986, pela administração da Rodésia
do Norte, ficaria obrigado ao cumprimento desses acordos.
A British South Africa Company, apesar das recentes me-
didas tomadas pelo Governo de Zâmbia para assegurar direitos
minerais, é ainda extremamente poderosa.
Possui florestas, propriedades agrícolas a terrenos em
Zâmbia, Rodésia e Bechuanalândia. Tem também direitos de mi-
neração sobre 42 mil quilômetros quadrados de território de Ma-
lawi. Constituiu a Cecil Holdings Ltd., a fim de adquirir todo o
capital de ações das subsidiárias da British South Africa Com-
| 240 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

pany, à exceção da Rhodesia Railways Trust Ltd. Outra criação, a


British South Africa Investments Ltd., adquiriu a maior parte dos
investimentos da companhia-mãe, em 1958. Outras subsidiárias
incluem:

British South African Company Management Services


Ltd.
British South Africa Citrus Products Ltd.
Charter Properties (Pvt), Ltd.
Indaba Investments (Pvt) Ltd.
Beit Holdings (Pvt) Ltd.
Jameson Development Goldings (Pvt) Ltd.
British South Africa Company Holdings Ltd. (Reino Uni-
do)

A British South Africa Company foi privada da maior par-


te de sua participação acionária em companhias que operam pri-
mordialmente na República da África do Sul pela sua participa-
ção na permuta de ações realizada em 1961 com a De Beers In-
vestment Trust Ltd. Conserva ainda sua participação de 700 mil
ações na Union Corporation Ltd.
A estreita associação da companhia com o Sr. Harry Op-
penheimer e a Anglo American Corporation na Rodésia deverá
ser tornada ainda mais íntima através de uma operação proposta,
pela qual um milhão e 200 mil ações ordinárias de dez xelins da
Anglo American serão permutadas por dois e meio milhões, em
ações de uma libra esterlina, da New Rhodesia Investments Ltd.,
uma companhia pública registrada na Rodésia e possuída, em par-
tes iguais, por Brenthurst Investment Trust (Pty) Ltd., do Sr. Op-
penheimer e Cecil Holdings, tributária da British South Africa. A
New Rhodesia Investments inclui: financiamento de minas, 45,94
por cento; de ouro, 14,45 por cento; diamantes, 9,3 8 por cento;
de carvão. 2,49 por cento; outras companhias, 1,9 por cento. No
dia 31 de dezembro de 1962 o valor de mercado dessas ações foi
calculado em dez milhões e meio de libras esterlinas, enquanto os
bens líquidos da New Rhodesia Investments valiam 12 milhões e
100 mil libras. Quanto a Anglo American Corporation, seus bens
líquidos no fim de 1961 eram de 114 milhões e meio de libras.
A Bancroft Mines parece dar os bocados mais ricos para a
| 241 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

digestão de ferro fundido da hidra Anglo American.


Essa companhia somente em 1953 foi formada, para ad-
quirir dos “proprietários dos direitos de mineração, a British
South Africa Co.”, as concessões especiais de direitos de minera-
ção e direitos de prospecção adquiridos da Rhokana. O capital
autorizado é de… 13.750.000 libras. A British South Africa Co,
adquiriu três milhões de ações, a Rhokan a nove milhões e meio e
a Rhodesian Anglo American, 74.700 ações. Houve uma permuta
de ações com a Rhokana assim como com a Rhodesian Anglo
American. Em 1955, dois milhões de ações adicionais foram
subscritas pela Anglo American e British South Africa Co., que
forneceram empréstimos de dois milhões e três milhões de libras,
respectivamente. A Anglo American, a Rhodesian Anglo Ameri-
can, Nchanga e Rhokana receberam uma opção sobre três mi-
lhões das ações ordinárias da Bancroft, com prazo até 31 de mar-
ço de 1963. Em dezembro de 1961 o direito foi exercido sobre
um milhão de ações, das quais a Rhodesian Anglo American ad-
quiriu 400 mil. O capital próprio da Rhodesian Anglo American é
de sete milhões de libras e seu lucro consolidado para o ano que
terminou a 30 de junho de 1961 foi de… 20.590.783 libras ester-
linas, depois de reservar 11.541.475 libras para impostos. Os di-
videndos absorveram 5.403.535 libras.
Esses interesses estreitamente ligados concernem especi-
almente ao povo de Zâmbia e da Rodésia, cuja existência e desti-
no eles dominam. Não é à toa que o Sr. Oppenheimer está ampli-
ando a sua parte pessoal através de propostas de permuta de ações
entre a Anglo American e a British South Africa Co., na New
Rhodesia Investments, tributária da Cecil Holdings, que é por sua
vez tributária da British South Africa. Pelo acordo, British South
Africa terá uma participação maior nas atividades da Anglo Ame-
rican através da criação de uma Diretoria Rodesiana local, sob a
presidência de Sir Frederick Crawford, para a companhia porta-
dora de cartas de privilégios reais. Sir Frederick Crawford é atu-
almente o diretor-presidente da companhia na Rodésia. Como
antigo Governador de Uganda, trouxe consigo uma experiência
de pro cônsul quanto ao governo de “nativos”. Uganda fornece
também, como diretor local em Zâmbia, C. P. S. Allen, até recen-
temente Subsecretário de Estado Permanente junto ao seu Primei-
ro-Ministro. Assim são os agentes imperialistas recompensados
| 242 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

pelos serviços aos seus verdadeiros senhores.


A oposição à constituição da nova diretoria local foi com-
batida pelo presidente da British South Africa Co., P. V. Emrys-
Evans, com a explicação de que a medida da maior grau de auto-
nomia à administração local e fortalecerá a representação da
companhia em Zâmbia.
O próprio Sr. Emrys-Evans 9 diretor da Anglo American
Corporation, assim como da Rio Tinto Zinc Corporation Ltd. O
Sr. Emrys-Evans defende os interesses de Barclays Bank D. C. O.
pelo seu cargo de diretor do banco e sua solicitude pelo desen-
volvimento da Rodésia está implícita na sua condição de diretor
da Rhodesia Railways Trust Ltd., subsidiária da British South
Africa Company. Outras conexões com o imenso império Oppe-
nheimer são confirmadas pela sua condição de membro do Comi-
té Londrino da Rand Selection Corporation Ltd. A morte de Lor-
de Robins elevou-o da vice-presidência à cabeceira da diretoria
da British South Africa Co., onde se contavam entre seus colegas
o finado Sir C. J. Hambro, Harry Oppenheimer, L. F. A. d'ErIan-
ger e outro ex-procônsul, o Visconde Malvern, que traz consigo
as bênçãos do Merchant Bank of Central África, Scottish Rhode-
sian Finance Ltd. e Standard Bank of South África. Boa parte do
relatório anual de 1962 apresentado por Emrys-Evans aos acio-
nistas foi devotada ao que o documento descreve como críticas
mal-informadas à “política atribuída ao grupo de retirar grandes
somas de dinheiro do país ao mesmo tempo que se recusa a inter-
vir no seu desenvolvimento”.
A tentativa de rejeitar essas críticas com a afirmativa de
que durante dez anos a companhia investir a mais de dez milhões
de libras no território, uma média de um milhão por ano, não sa-
tisfazia os africanos rodesianos, que sabiam muito bem que a
companhia recebera em rendimento bruto de seus royalties sobre
o cobre do norte da Rodésia, somente no ano de 1961-62, a soma
de dez milhões e 900 mil libras. Os impostos vão ter ao Reino
Unido e à África do Sul, assim como os dividendos que, para o
ano de 1959-60, absorveram 4.128.863 libras de um lucro conso-
lidado de 8.148 245 libras, atingido depois de abater quase um
milhão de libras para depreciação de investimentos e mais de
5.400.000 libras para impostos.
Os elos originais de Rhodes com as minas de Rand e
| 243 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Kimberley foram ligados mais estreitamente, por uma teia de mil


fios, com a Rodésia e Zâmbia, do que lhe poderia ter sido possí-
vel prever, embora fosse essa sua principal esperança e ambição.
Esse tecido interligado fornece, em parte, a corda do carrasco que
está servindo para tentar estrangular a independência africana e a
unificação política da África.
| 244 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 245 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

12. Companhias e combinados

Dar algo semelhante à relação completa da complicada


rede de companhias estrangeiras que atualmente governa tão
grande parte da vida econômica africana leria impossível, no
espaço de um único livro. No entanto, é necessária uma refe-
rência às mais importantes e em muitos casos seus interesses
comuns podem ser demonstrados sob a forma de diagrama. Por
trás da fachada de separação, fortes elos de união amarram
apertadamente essas poderosas firmas.
Uma das mais poderosas empresas do Leste Africano é
Tanganyika concessions. O nome ilude. Foi realmente registra-
da em Londres, em fins de janeiro de 1899, e hoje o controle da
companhia é exercido de Balisbury, Rodésia, para onde foi
transferido no segundo semestre de 1950. As operações em
Tanganica não foram ainda totalmente desenvolvidas, embora
incluam duas importantes minas de ouro e uma companhia de
mineração, além de alguns direitos de prospecção. A escritura
da companhia tem significado maior na Zâmbia, onde foi ad-
quirida da British South África Co, uma concessão de extensa
área, juntamente a determinados direitos de prospecção. De
Zâmbia, propagam-se ao Congo, onde a companhia controla
uma concessão de minério de 15 quilômetros quadrados obtida
do Comité Especial (belga) de Catanga. Para dar à Tanganyika
Concessions os direitos sobre essa extensão de território do
Congo, o Comité de Catanga tornou-se beneficiário de 60 por
cento do royalty pago pela Union Minière.
Não devemos, no entanto, admitir por um só momento
que nos induzam ao erro de pensar que a Tanganyika Concessi-
ons permitiu que o Comité Especial “levasse a melhor”. A
companhia tornou-se membro do Comité. À maneira dos finan-
| 246 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cistas que, cautelosa e argutamente, não jogam todos os trunfos


numa só cartada, uma nova organização foi criada para cuidar
de uma concessão que abarca uma área equivalente a três quin-
tos do território de Gana. Trata-se da famosa Union Minière du
Haut Katanga, cuja reputação, com o correr dos anos, tornou-se
notória pela exploração impiedosa do Congo.
Outro interesse estratégico de Tanganyika Concessions é
a ferrovia que liga a Baía do Lobito, na Angola, à fronteira an-
golana com o Congo, operada pela Companhia do Caminho de
Ferro de Benguela. A companhia ferroviária é uma criação da
Tanganyika Concessions, que possui 2.700.000 libras, ou seja,
90 por cento de suas ações de duas libras, assim como o capital
total de debêntures. A Companhia Caminho de Ferro de Ben-
guela em 1961, construiu um ramal da cidade de Robert Willi-
ams para a região de mineração de Guima, que foi inaugurado
em agosto de 1962. A Commonwealth Timber Industries Ltd.,
vasto negócio de silviculturas e madeira, é também controlada
pela Tanganyika Concessions, que possui 60 por cento dela.
Novobord (U. K.) Ltd., a filiada britânica da Com-
monwealth Timber, conseguiu com a assistência das companhi-
as africanas em que a Société Générale é associada, construir
uma serraria e uma fábrica para a manufatura de painéis de fi-
bra de madeira em Thetford, em Norfolk. A capacidade da fá-
brica permitirá produzir cerca de 2,33 milhões de metros qua-
drados de painéis, anualmente, com um capital investido de
cerca do dois milhões de libras. Quando a Tanganyika Conces-
sions estava para transferir sua sede de Londres para Salisbury,
assumiu um compromisso com o Tesouro de Sua Majestade que
bem dúvida teve alguma influência na vacilação política do
Governo britânico durante o colapso da Federação Centro-
Africana. Deve também esclarecer o seu comportamento quanto
ao Congo e ao domínio português na África. O compromisso é
o de que, por um prazo mínimo de dez anos, a Tanganyika
Concessions não iria, sem o consentimento do Tesouro Britâni-
co, “dispor dos seus interesses, cedê-los ou hipotecá-los em to-
do ou em parte na Union Minière du Haut Katanga ou na Ben-
guela Railway (Caminho de Ferro de Benguela), exceto, no ca-
so desta, em favor do Governo português nos termos do Acordo
de Concessão”.
| 247 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A restrição não terminava com o prazo de dez anos, uma


vez que uma cláusula estabeleceu ainda que subsequentemente
“nenhuma venda ou outra forma de alienação dos interesses ou
de qualquer parte deles (exceto como foi mencionado) será feita
sem que os valores postos à venda ou de outra forma alienados
sejam primeiramente oferecidos ao Tesouro de Sua Majestade ao
mesmo preço e nos mesmos termos oferecidos à terceira parte”.
Essas cláusulas deram ao Governo britânico um interes-
se direto, nas operações da Tanganyika Concessions, União
Minière e Caminho de Ferro de Benguela, que deverá influen-
ciar seu procedimento em relação à luta pela independência no
centro e no sul da África. Ainda mais tendo em vista as relações
de tipo especial que a Grã-Bretanha tem mantido com seu mais
antigo aliado, Portugal. Do ponto de vista das companhias, em
si, estas devem se sentir encorajadas por esse interesse especial
do Governo britânico em mantê-las em posição estratégica
através do grande cinturão central da África.
A Tanganyika Concessions, tanto diretamente como
através da Tanganyika Holdings, tem uma participação impor-
tante na Rhodesia Katanga Co. Ltd, com a qual, em conjunção
com Zambesia Exploring , foram adquiridos interesses em Ka-
kamega Gold Fields, no Quênia, depois transferidos a Kentan
Gold Areas, na qual a Rhodesia-Katanga tem uma parcela subs-
tancial. A Rhodesia-Katanga é devedora da British South Africa
Co., por causa dos direitos perpétuos de mineração que esta lhe
cedeu sobre quaisquer minerais, inclusive carvão, mas excluí-
dos diamantes e pedras preciosas, que podem ser encontrados
em cerca de 6.500 quilômetros quadrados de Zâmbia. Além dis-
so, tem direitos perpétuos à mineração de carvão em 20 áreas
de 300 acres, cada uma delas sujeita a 15 por cento de comissão
para a British South Africa Co. O rol completo das subsidiárias
da Tanganyika Concessions inclui finalment e a Tanganyika
Properties (Rhodesia) Ltd., de inteira propriedade da Concessi-
ons e registrada em Salisbury, Rodésia. Fornece escritórios e
alojamentos para o pessoal, além de serviços afins, assim como
mantém determinados investimentos.O lucro consolidado da
Tanganyika Concessions durante o ano que se encerrou a 31 de
julho de 1961 foi de 3.296.325 libras, de um rendimento total
de 4.462.667 libras. Seu ativo atual é de 4.380. 163 libras em
| 248 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ações e debêntures da Benguela Railway Co.; 5.300.318 libras


em ações e empréstimos à Commonwealth Timber Industries;
1.317.793 libras na Tanganyika Holdings, e 4.019.629 libras na
Union Minière, cujas ramificações serão estudadas em um capí-
tulo posterior.
Chegando à South-West Africa Co. Ltd., encontramos a
Anglo American Corporation e a Consolidated Gold Fields
fundidas para explorar uma vasta parte da riqueza da África
meridional. A South-West Afric a Co. Ltd. foi registrada em
Londres em 18 de agosto de 1892, e tem uma concessão especi-
al de direitos exclusivos de prospecção e mineração sobre cerca
de oito mil quilômetros quadrados da área de concessão de
Damaraland, na África do Sudoeste. Essa concessão foi feita
pela administração da África do Sudoeste por um período de
cinco anos a partir de dois de janeiro de 1942; posteriormente
foi sendo renovada e tem validade até dois de janeiro de 1967.
A companhia possui ainda áreas de mineração em vários outros
distritos da África do Sudoeste. Produz concentrados de estanho
volfrâmio e zinco chumbo, assim como vanaditos.
Várias áreas de terra como as que são possuídas pela
South "West Africa Co. exigem investimento de capital extre-
mamente pesado para explorar e encorajar a formação de alian-
ças entre grupos desejosos de controlar a produção, distribuição
e portanto os preços das matérias-primas. Não somente isso,
facilita a canalização do seu processamento através de organi-
zações aliadas. Para seguir essa política de coordenação, a
South-West Africa assinou um acordo com um empreendimen-
to conjunto da Anglo-American Consolidated Gold Fields,
através do qual subarrendou determinados direitos seus de pes-
quisar e explorar suas concessões. (Ver o Quadro 3.)
Várias áreas de terra como as que são possuídas pela
South "West Africa Co. exigem investimento de capital extre-
mamente pesado para explorar e encorajar a formação de alian-
ças entre grupos desejosos de controlar a produção, distribuição
e, portanto, os preços das matérias-primas. Não somente isso,
facilita a canalização do seu processamento através de organi-
zações aliadas. Para seguir essa política de coordenação, a
South-West Africa assinou um acordo com um empreendimen-
to conjunto da Anglo-American Consolidated Gold Fields,
| 249 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

através do qual subarrendou determinados direitos seus de pes-


quisar e explorar suas concessões. (Ver o Quadro 3.)
A Newmont Mining Corporation foi formada em Dela-
ware, Estados Unidos, no dia dois de maio de 1921. O objetivo
da companhia é adquirir, desenvolver, financiar e operar pro-
priedades mineiras. Para esse fim, um capital acionário de 60
milhões de dólares foi autorizado. Em 31 de dezembro de 1961,
2.824.518 dos seis milhões de ações autorizadas, de dez dólares
cada, haviam sido emitidas e pagas. A exploração das minas é
realizada pela companhia através da Newmont Exploration Ltd.
(Delaware), Newmont Mining Corporation of Canada Ltd. e
Newmont of South Africa (Pty) Ltd. O Quadro 4 (pág. 196) dá
uma ideia do alcance dos seus interesses.
Já encontramos algumas das companhias Rio Tinto em
Zâmbia e Rodésia e falamos de outras em conexão com as as-
sociações da Société Générale de Belgique com o cenário fi-
nanceiro e industrial norte-americano. O complexo Rio Tinto é
algo que seria difícil omitir em qualquer tentativa de examinar
as ramificações do mundo internacional da mineração. Estende-
se a partir do Reino Unido, através da Espanha e África e atra-
vés do Atlântico ao Canadá e Estados Unidos, com incursões
pela Alemanha, Bélgica, Áustria, Austrália e outros lugares. As
mãos da Anglo American Corporation, Consolidated Zinc Cor-
poration e grupos do alumínio de âmbito mundial estão firme-
mente dadas a ele e representantes dessa combinação de com-
panhias do Congo Adornam as diretorias que possuem nomes
aristocráticos como Rothschild e Cavendish-Bentick.
Embora seus interesses fossem originalmente minas de
pirita na Espanha, a Rio Tinto Co. Ltd. foi registrada em Londres
em 1873. De acordo com a época e a tendência geral para a
combinação e o monopólio, a companhia sofreu algumas altera-
ções. Seus diretores fitavam entre os mais fervorosos partidários
do General Franco à época da Guerra Civil Espanhola. Essa de-
voção à causa do Caudilho sem dúvida os fez prosperar, de modo
que com seus associados na esfera financeira mais ampla pude-
ram estender seus tentáculos através da indústria de zinco e alu-
mínio até os metais preciosos e o campo dos metais, em geral.
Em 1954, a Rio Tinto transferiu suas posses na Espanha
a uma companhia que criou naquele país com um capital de um
| 250 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

bilhão de pesetas, sob o título de Companhia Espanhola de Mi-


nas de Rio Tinto S. A. Por essa digna prova de sua sensibilida-
de ao patriotismo espanhol, recebeu uma compensação de
36.666.830 pesetas, em pagamento de lucros acumulados até 1°
de janeiro de 1954 e todas as 333.333.333 ações “B” de mil pe-
setas cada, da nova companhia. Além disso, foi lhe concedido
um pagamento em espécie de 7.666.665 libras esterlinas. A Rio
Tinto tem ainda uma retirada de honorários por serviços técni-
cos e comerciais prestados em Londres à companhia espanhola,
na qual a sua posse de todas as ações “B” lhe dá ainda um inte-
resse direto.
A Rio Tinto é agora uma companhia holding de investi-
mentos, levada por suas operações financeiras à vanguarda do
empreendimento industrial. A África figura com destaque em
suas esferas de atividade e suas mais importantes participações
acionárias no continente são na Rhokana Corporation e na
Nchanga Copper Mines, nas quais, como já vimos, se associa à
British South Africa Co., Anglo American Corporation, Union
Corporation, Tanganyika Concessions, Union Minière e Rand
Selection Trust, em suas participações nos importantes empre-
endimentos mineiros e industriais da Rodésia e África do Sul.
Tão tortuosos e incrivelmente expandidos são os elos
que ligam os grupos que exploram os recursos da África aos
dos que enriquecem em outros recantos da terra, que nada de
extraordinário devemos ver ao seguirmos a Rio Tinto da África,
através de algumas das mais poderosas forças financeiras esta-
dunidenses e britânicas, até a Rio Tinto do Canadá.
Uma das molas motivadoras do monopólio mais prontas
à ação é a de impedir, em áreas novas ou inexploradas, a entra-
da de grupos rivais e, onde esse esforço se mostre inútil ou im-
possível, de colaborar com eles. Veremos, em capítulo posteri-
or, como a Canadian Eldorado forçou a Union Minière a baixar
o preço do urânio e como seus interesses se conjugam através
da representação de Sogemines na diretoria da primeira. No
mundo da livre iniciativa ocidental, a competição está sendo
corroída pelo papel do monopólio, de batedor solitário em bus-
ca de lucros que não sejam divididos.
Assim as riquezas africanas são levadas a ajudar as ra-
mificações manipulativas do capital financeiro internacional.
| 251 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Entre a Société Générale e a Rio Tinto se interpõe uma sólida


falange de poder entrelaçado que avança furtivamente pelo
mundo. Penetrando no mundo do alumínio, a Rio Tinto formou
uma aliança com a Consolidated Zinc Corporation Ltd, Essa
fusão parecia, superficialmente, unir dois grupos poderosos que
não tinham ligações conjuntas. Essa separação ostensiva iludi-
ria apenas o ignorante. Seu subterfúgio é destruído imediata-
mente, com um simples olhar de relance dirigido à diretoria
combinada, que logo mostra as conexões com a mineração e os
interesses financeiros sul-africanos. P. V. Emrys-Evans é um
membro proeminente e o Rt. Hon. Lorde Baiílieu, K. B. E., C.
M. G., é o vice-presidente. Lorde Baillieu é também o vice-
presidente da Central Mining and Investment Corporation Ltd.,
importante firma de investimento e finança do grupo de compa-
nhias da Anglo American dirigido por Harry F. Oppenheimer e
C. W. Engelhard. O Sr. Emrys-Evans é também importante,
sendo vice-presidente da British South Africa Co. e diretor da
Anglo American.
No entanto, a ligação vai além disso. A British South
Africa Holdings Ltd. e algumas das suas associadas, segundo
um acordo datado de sete de dezembro de 1960, subscreveram
dez milhões de libras esterlinas, em ações, para a Consolidated
Zinc, sob a forma de um empréstimo a 5,5 por cento em esto-
que, em troca de opção para adquirir 2.285.714 ações ordinárias
de uma libra cada, na Consolidated Zinc, ao preço de 87 xelins
e seis pences por ação. Aqui entramos na trama intrincada da
política financeira do alumínio, na qual a Consolidated Zinc fez
profundas incursões através da sua aliança com a Kaiser Alu-
minium & Chemical Corporation na Commonwealth Alumini-
um (Pty) Ltd., comumente conhecida como Comalco. As op-
ções adquiridas pela British South Africa Holdings podem ser
exercidas a qualquer tempo entre o dia 1° de junho de 1966 e 1º
de julho de 1968, ou na data em que a Commonwealth ou suas
companhias associadas na operação tiverem produzido um total
de 200 mil toneladas longas de lingotes de alumínio na nova
refinaria planejada pela Comalco, o que vier por último.
O principal interesse da Kaiser Aluminium está em Kai-
ser Bauxite Co., Jamaica, de sua inteira propriedade. Além de
suas atividades na mineração, a Kaiser opera indústrias de pro-
| 252 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cessamento e produtos químicos nos Estados Unidos e Canadá


e possui investimentos em instalações de mineração, purifica-
ção e produção de alumínio e na indústria de fabricação de arti-
gos de mercado, no Reino Unido, América do Sul, África e
Ásia. Opera através de duas subsidiárias de sua inteira proprie-
dade, a Kaiser Aluminium & Chemical Sales Inc. e a Kaiser
Aluminium International Corporation. Como a Reynolds Me-
tals, Kaiser Aluminium somente invadiu a indústria do alumínio
nos Estados Unidos sob o ímpeto da demanda, em tempo de
guerra, de metal para aviões. Antes da Segunda Guerra Mundi-
al, a Aluminium Co. of America — ALCOA — era o único
produtor doméstico de alumínio primário.
A Consolidated Zinc, com um capital autorizado de 25
milhões de libras, tem extensos interesses que a tornam um
formidável controlador de numerosos metais importantes e pro-
dutos químicos importados. Formada há menos de 15 anos, em
fevereiro de 1949, suas finalidades eram “desenvolver, expandir
e prosseguir ou financiar, seja por si mesma ou através de suas
companhias subsidiárias ou associadas, o desenvolvimento, ex-
pansão e prosseguimento da mineração de chumbo e zinco e de
indústrias produtoras de matérias-primas e outras e a fundição,
refino e manufatura e outras indústrias associadas a partir desse
ponto, por todo o mundo e particularmente na Commonwealth”.
Tudo isso aparentemente não tem ligação com a África,
mas é bastante olhar par a algumas das diretorias para descobrir
imediatamente como são estreitos os laços de união com a rede
Oppenheimer e os grupos financeiros a ela associados.
São esses os colossais interesses envoltos em ouro que
estão por trás da fusão Consolidated Zinc-Rio Tinto. A nova
companhia holding, Rio Tinto-Zinc Corporation Ltd., foi criada
por uma operação financeira que deu aos acionistas da Consoli-
dated Zinc 58 ações ordinárias de dez xelins, cada, na nova
companhia, em troca de cada 20 ações de uma libra da Consoli-
dated Zinc. Os acionistas da Rio Tinto receberam 41 ações de
dez xelins, cada, da nova companhia, em troca de cada grupo de
20 unidades ordinárias de estoque de dez xelins possuídas na
Rio Tinto. As ações preferenciais de ambas companhias foram
também trocadas por ações preferenciais da nova.
A fusão colocou a Rio Tinto-Zinc bem na vanguarda do
| 253 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

campo do alumínio, acentuando sua posição já importante no


campo do zinco-chumbo e metais não-ferrosos. Trouxe a Con-
solidated Zinc mais completamente para a esfera da exploração
mineral na África, através da participação acionária da Rio Tin-
to em algumas das principais empresas que operam na África
do Sul, Rodésia e outros pontos. As conexões com os cenários
financeiros e industriais norte-americanos, canadenses e austra-
lianos tornam-se evidentes após o breve resumo da situação
apresentada. Através desses interesses, o combinado Rio Tinto-
Zinc tem cordéis adicionais que o ligam outra vez à África.
Há alguns materiais não-metálicos raros e localizados
que são usados em indústrias básicas e secundárias. Entre eles
estão incluídos amianto, corindo, mica, vermiculite, rocha fos-
fatada, gesso, pigmentos minerais, fluorita e sílica. O mais im-
portante é o amianto. É encontrado em três fibras principais:
crisólita, crocidolita ou amianto azul e amosita. Todas as três
têm características comuns. São incombustíveis, não conduzem
o calor ou a eletricidade. São praticamente insolúveis em ácidos
e podem ser tecidas.
São as pequenas variações nas propriedades que lhes dão
diferentes usos. A crisólita é a mais resistente ao fogo e sua tex-
tura forte, de boa flexibilidade, torna-a altamente adequada para
tecidos de amianto e para a utilização em lonas de freio, discos
de embreagem e encaixes de isoladores. E também usada para
placas de amianto e produtos de mistura de amianto. O amianto
azul tem maior elasticidade e resistência à tensão e embora não
seja tão resistente ao fogo, suporta melhor ácido e água do mar.
É usado particularmente na manufatura de tecido de filtro, re-
vestimento de caldeiras, embalagem de isoladores e produtos de
amianto. A amosita tem um comprimento de fibra de sete e
meio a 15 centímetros e tem maior resistência ao calor do que a
crocidolita e maior resistência à água do mar do que o amianto
azul. Essas propriedades tornam-na particularmente adequada à
utilização em materiais tecidos e na aviação. A África do Sul é
atualmente quase que o único lugar onde são encontrados tanto
o amianto azul como a amosita. O Canadá é o maior produtor
de crisólita; a África do Sul e a Rodésia ficam-lhe muito atrás.
Os depósitos sul-africanos ficam principalmente na Sua-
zilândia e no leste do Transvaal. Estão sob o controle virtual de
| 254 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma firma britânica, Turner & Newall Ltd., registrada em 1920,


que tem em suas mãos 90 por cento do comércio britânico de
amianto. Esse fato permitiu-lhe obter um acordo em 1930 com a
União Soviética regulando as entregas ao mercado continental.
A União Soviética, importante produtor de crisólita de
alto teor, cessou de exportar após a última guerra.
Superficialmente pouco impressionante, a diretoria da
Turner & Newall tem como presidente Ronald G. Scothill, que
está associado ao mundo dos seguros como diretor da Liverpool
and Globe Insurance Co. Ltd. e Royal Insurance Co. Ltd. e com
a finança como diretor do District Bank. Seu capital, no entan-
to, é impressionante, estando autorizado a 60 milhões de libras
com quase 50 pagos.
Originalmente de três milhões de libras, o aumento do
capital da companhia dá um a indicação da ampliação do seu
domínio sobre a mineração de amianto e indústrias conexas.
Essa capitalização torna-se mais clara quando se relaci-
ona com a extensão do reino do amianto, de Turner & Newall,
que se baseia nas minas africanas e canadenses. Companhia
holding, a Turner & Newall tem uma rede de subsidiárias por
todo o mundo, que manufaturam e vendem amianto, magnésia e
produtos afins. (Ver o Quadro 7). Um recente levantamento
mostra que cerca de 60 a 70 por cento de toda a atividade de
negócios do mundo são controlados por menos de dois por cen-
to de todas as companhias do mundo. O colossal Unilever Trust
é um exemplo perfeito dessa proporção monopolística de con-
trole. Para milhões de donas de casa, uma entidade incorporada
chamada Unilever é algo que não existe. Há apenas a rotina diá-
ria de escolher entre Lifebuoy e Lux, Pepsodent e Gibbs, Omo e
Surf — de comprar chá Lipton, salsichas Wall e alimentos con-
gelados Bird's Eye, Flytox, margarina Stork e cosméticos de
Harriet Hubbard Ayer. Também do ponto de vista do coletor de
impostos, Unilever tampouco é uma entidade incorporada, mas
duas companhias separadas, a companhia britânica Unilever
Limited, e a companhia holandesa Unilever N. V. Mas a Unile-
ver tem subsidiárias por toda a Europa, na Bélgica, Áustria, Di-
namarca, Alemanha, Finlândia, Itália, Suécia e Suíça. Em todas
essas nações, tende a controlar a produção de sopas, alimentos
congelados, sabão, margarina, inseticidas, detergentes, cosméti-
| 255 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cos e óleos comestíveis. Tem também interesses poderosos e


centenários na América Latina, África do Sul, África Ocidental
e Central, Índia, Ceilão, Federação da Malásia, Trinidad, Tai-
lândia e Filipinas.
O mais robusto rebento da Unilever no ultramar é a Uni-
ted Africa Company através da qual o truste se tornou conheci-
do como o “Rei sem coroa da África Ocidental”. A United
Africa Company é a maior companhia internacional de comér-
cio do mundo, e contra a crença de que a liberação dos territó-
rios coloniais suprimiria automaticamente o capitalismo mono-
polista, o império Unilever continua a prosperar. Isso acontece
porque soube adaptar sua política ao “desafio dos tempos”, nas
palavras de um relatório da companhia. E assim, a Unilever está
aplicando objetivos de lucro a outros setores mais rendosos.
Acelerou sua retirada do comércio de mercadorias e produtos
da África Ocidental para se concentrar no desenvolvimento em
carros, engenharia e no lado farmacêutico do negócio. O objeti-
vo neocolonialista não é apenas o de exportar capital, mas tam-
bém o de controlar o mercado do ultramar. Desse modo são su-
tilmente feitas tentativas para evitar que os países em desenvol-
vimento deem passos decisivos rumo à industrialização, uma
vez que a exploração do crescente mercado indígena é agora o
seu objetivo primordial. Se falham os esforços para impedir a
industrialização, então é preciso garantir para o truste, a todo
custo, uma participação no desenvolvimento que ele não conse-
gue impedir. E por sua própria natureza essa participação frus-
tra qualquer novo progresso, uma vez que assegura um fluxo
regular de pagamentos aos cofres do capital monopolista sob a
forma de royalties, patentes, acordos de licença, assistência téc-
nica, equipamento e outros “serviços”. Dá também prioridade à
montagem e embalagem de produtos estrangeiros frequente-
mente apresentados sob falsos rótulos de companhias nativas. A
preferência dada atualmente pela Unilever às indústrias de em-
balagem não é coincidência.
O moderno truste se apoia menos no montante de divi-
dendos do que em determinadas cláusulas dos acordos da Com-
panhia que tornam o capital nativo dependente do capital mo-
nopolista para a renovação de contratos e a destinação de fun-
dos. É significativo que numa recente edição da New Commor-
| 256 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

vwealth, a United Africa Company tenha sido citada como “o


gigante gentil”. Os métodos monopolistas tornaram-se mais su-
tis, mas a famosa afirmação de Lever parece ser ainda verdadei-
ra: “Afinal de contas, estamos trabalhando em prol dos interes-
ses permanentes da Grã-Bretanha.”
| 257 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

13. Os gigantes do Estanho


Alumínio e Níquel

O império estanífero de Patiño of Canadá Ltd. e suas as-


sociadas estende-se da América do Sul ao Reino Unido e Améri-
ca do Norte e através da África ao Pacífico e à Ásia, capitalizada
em dez milhões de dólares, a Patiño of Canadá emitiu e pagou
1.971.839 ações de dois dólares.
Destas, 47,2 por cento estão na posse de uma casa finan-
ceira panamenha pertencente ao grupo Patiño, Companhia de
Bonos Acciones y Negócios Industriales — COBANISA.
A aquisição feita por Patiño na General Tin Investments
Ltd. em 1962 trouxe a esse tycoon uma parte maior da expansão
do Reino Unido no mundo de mineração e comercialização do
estanho. A General Tin Investments é acusada de adquirir e pos-
suir ações em companhias mineradoras, financeiras e industriais,
sendo suas principais participações acionárias ligadas à indústria
do estanho.
A General Tin desenvolve suas operações de financia-
mento através de uma subsidiária de sua inteira propriedade, Ge-
neral Metal Securities (London) Ltd. A Patiño preside ambas as
diretorias, onde tem como colegas o Conde G. du Boisbouvray,
J. Ortiz-Linares e E. R. E. Cárter. Cárter é o presidente da Bru-
nswick Mining & Smelting Corporation e de várias outras com-
panhias associadas ao grupo Patiño.
Brunswick entra na esfera de influência de Morgan atra-
vés do interesse mantido por Saint Joseph Lead Co. Sabemos
também que a Sogemines se ligou, com um investimento subs-
tancial, à New Brunswick Mines, da Brunswick Mining.
Os raios que partem do eixo africano da Société Générale
| 258 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de Belgique rumo aos assuntos dos mais poderosos monopólios


financeiros do mundo parecem crescer sem limite.
Os investimentos diretos de Patiño no Canadá incluem
substanciais participações na Copper Rand Chibougama Mines
Ltd., Advocate Mines Ltd., Nipissing Mines Co. Ltd., e Bru-
nswick Mining. Através de artifícios financeiros, a consolidação
das principais companhias canadenses do grupo foi alcançada em
1960. Isso foi feito através de um acordo entre a Copper Rand,
Nipissing Mines, Chibougama Jaculet Mines Ltd., Portage Island
(Chibougama) Mines Ltd., Patiño of Canada e Bankmont & Co.,
uma casa de financiamento. O cobre é o principal mineral extraí-
do, mas ouro e prata são também produzidos. A propriedade da
Copper Rand cobre cerca de dez mil acres, em quatro conces-
sões. Portage Island é uma propriedade da Copper Rand conten-
do ouro e cobre, e a mina Jaculet é produtora de cobre.
A Nipissing entra no quadro como contribuidora financei-
ra para o desenvolvimento da propriedade de Portage Island.
Possui numerosos direitos registrados a mineração de áreas em
Quebec e diversos interesses acionários. Suas operações se rami-
ficam para os Estados Unidos, através de uma subsidiária de sua
inteira propriedade, Apalachian Sulphides Inc., com direitos de
mineração sobre depósitos de minério nos estados norte-
americanos de Vermont e Carolina do Norte. Nipissing adquiriu
a sua participação da Brunswick Mining comprando de uma sub-
sidiária de Patiño, Patiño Mines & Enterprises Consolidated
(Inc.), 137.143 ações e 537.429 dólares de títulos de cinco por
cento da Brunswick, dando a Patiño 1.061.145 ações da Nipis-
sing. As participações de Patiño no grupo Chibougama e a sua
associação com Maritime Mining Corporation e Irving Oil Co.
Ltd. na compra de 40 por cento das ações de mineração da Bru-
nswick ampliam substancialmente o império Patiño em outros
campos além do estanho.
Interesses mineradores e financeiros norte-americanos e
belgas tão poderosos quanto os de Patiño ligaram-se à Patiño of
Canada na investigação e exploração de depósitos de minério,
em base de exclusividade, através de 1950 quilômetros quadra-
dos de terras na costa nordeste de Newfoundland, conforme di-
reitos concedidos à Advocate. No final de 1960 as reservas com-
provadas de minério totalizavam 35 milhões de toneladas de ma-
| 259 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

terial de teor comercial. A Advocate está processando amianto


dentro de um projeto empreendido por Patiño of Canada em con-
junto com Canadian Johns-Manville Co. Ltd., Amet Corporation
Inc. e Fmancière Belge de l’Asbestos-Ciment S. A. Os partici-
pantes concordaram em colocar a propriedade em base operativa
através do fornecimento à Advocate da soma total de 17.900.000
dólares. A Canadian Johns-Manville contribuirá com 49,62 por
cento, a Patiño com 17,3 por cento, e a Amet e a Fmancière Bel-
ge com 16,54 por cento, cada uma. O capital da Advocate foi
estabelecido em 23 milhões de dólares e as partes no acordo en-
tram na divisão do capital na proporção de suas contribuições,
considerando os múltiplos de cem dólares.
A Canadian Johns-Manville, que é ligada ao Imperial-
Commerce Bank, o maior do Canadá e no qual tem assento um
diretor de Johns-Manville, é uma subsidiária de inteira proprie-
dade da Johns-Manville Corporation dos Estados Unidos. Seus
principais interesses estão no amianto, que processa, produzindo
fibra, e fábrica materiais de construção e industriais. Tem o con-
trole da administração da Advocate e possui também um interes-
se majoritário e controle administrativo de Coalinga Asbestos
Co., da Califórnia, EUA, um empreendimento conjunto com a
Kern County Land Co. A empresa-mãe, Johns-Manville, estadu-
nidense, fabrica produtos de amianto, magnésia e perlite, pos-
suindo fábricas nos Estados Unidos, Canadá e outros países.
A Advocate adiantou determinadas quantias a Maritime
Mining, que tem relações íntimas com Patiño em virtude de sua
associação na compra dos holdings da Saint Joseph Lead na
Brunswick Mining. A parte da Maritime nessa compra foi de 46
por cento do custo de 4.840.000 dólares. A Maritime explora o
cobre em concessões localizadas em New Brunswick, Canadá, e
em propriedades localizadas em Newfoundland, que lhe perten-
cem diretamente e também indiretamente, através de uma subsi-
diária de sua inteira propriedade, Gull Lake Mine Ltd., através da
qual também possui todas as ações de Gullbridge Mines Ltd.
Tem um acordo com a Falconbridge Nickel Mines dando a esta o
direito à participação, no máximo de um terço, em qualquer fi-
nanciamento que a Maritime possa empreender. Maritime e Pa-
tiño of Canada possuem um diretor comum em W. F. James, que
pertence também à diretoria da Falconbridge.
| 260 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A Quebec Metallurgical é outra companhia holding que


tem amplos interesses dentro e fora do Canadá. Entre estes estão
incluídos uma propriedade contendo platina, no Transvaal, Áfri-
ca do Sul, uma pequena mina de ouro no Brasil, e interesses em
níquel e cobalto na Nova Caledônia, onde, através de ligações
com patina, está associada a Le Nickel. Infelizmente para Patiño,
determinados bens localizados na Bolívia tiveram que ser cedi-
dos sob um programa de nacionalização. A Bolívia foi, por mui-
tos anos mais do que seu povo desejava, sugada em seus recursos
minerais por interesses estrangeiros. Esses recursos, em que pre-
domina o estanho, incluem também prata, chumbo, zinco, anti-
mônio e cobre. Suas jazidas de petróleo são suficientemente
grandes para atrair a standard Oil Co., de Rockefeller, que tomou
posição explorando uma ampla concessão, enquanto a Gugge-
nheimer Brothers, dos Estados Unidos, assim como britânicas,
francesas e outras extraíam estanho e cobre por longo tempo, pa-
gando aos trabalhadores índios cerca de seis pences diários.
As propriedades de Patiño Mines & Enterprises Consoli-
dated, incorporada em Delaware, foram nacionalizadas pelo Go-
verno boliviano no dia 31 de outubro de 1952 e cedidas à Corpo-
ración Minera de Bolívia (Comibol), de propriedade do Estado.
Essas propriedades de Patiño consistiam em direitos registrados
de mineração e prospecção, direitos de águas, locais de moinhos,
usinas de redução, concentração e hidrelétricas, assim como uma
estrada de ferro ligando as minas a um ponto no tronco principal
da Antofagasta-Bolivian Railroad Co. Ltd. Patiño formou outra
subsidiária em Delaware no ano de 1959, Patiño Enterprises Inc.
Como um dos maiores empreendedores da indústria do es-
tanho, A. Patiño tem assento nas principais organizações consoli-
dadas que defendem os interesses dos que se dedicam a esse cam-
po, geralmente em companhia do Conde de Boisbouvray e de J.
Ortiz-Linares. Todos os três encontram-se na diretoria da British
Tin Investment Corporation Ltd., companhia do Reino Unido fun-
dada em 1932 para assumir a British-American Tin Corporation
Ltd. Juntament e com suas subsidiárias de sua inteira propriedade,
Tin Industrial Finance & Underwriting Ltd., e BTIC (Overseas)
Ltd., a British Tin possui grandes blocos de ações na indústria de
mineração do estanho na Malaia, assim como investimentos em
companhias que produzem outros metais e minerais.
| 261 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A General Tin Investments possui um interesse de 35 por


cento na Eastern Smelting Co. Ltd., que possui fundições em Pe-
nang, Malaia. Uma subsidiária de inteira propriedade da Conso-
lidated Tin Williams Harvey & Co. Ltd. possui 75 por cento do
capital de ações emitido por Makeri Smelting Co. Ltd., incorpo-
rada na Nigéria, em 1961. Makeri construiu uma fundição de es-
tanho no platô Jos, ao norte da Nigéria, que inicio uma produção
em dezembro de 1961. Vivian, Younger & Bond Ltd., os únicos
agentes vendedores da Consolidated Tin, estão bem estabeleci-
dos na Nigéria.
A diretoria d a London Tin Corporation Ltd. não inclui
nenhum dos diretores da Patiño, mas a relação com os interesses
Patiño fica claramente evidenciada quando notamos em sua dire-
toria C. Waite, presidente e diretor-gerente da Consolidated Tin
Smelters e sua subsidiária Williams Harvey & Co. e diretor de
British Tin Investment Corporation e General Tin Investments. O
Sr. Waite tem assento também à diretoria de subsidiárias da Con-
solidated Tin: a Fenpoll Tin Smelting Co. Ltd., Eastern Smelting
Co., Wm. Symington & Sons Ltd., comerciantes de borracha, e
de seus agentes distribuidores Vivian, Younger & Bond.
Diretor da Southern Kint a Consolidated Ltd., da
Southern Malayan Tin Dredging Ltd., da Kamunting Tin Dred-
ging Ltd., da Malayan Tin Dredging Ltd., o Sr. Wait e de fato
representa nessas diretorias os interesses (inclusive os de Patiño)
da Consolidated Tin. Diretor, ainda, do Chartered Bank e mem-
bro da Diretoria de Londres do British & Foreign Marine Insu-
rance Co. Ltd., ele certamente representa os interesses financei-
ros que os sustentam. Essa conclusão é confirmada pela presença
de Francis G. Charlesworth como diretor da British Tin e como
presidente da diretoria da Malayan Tin Dredging e da Southern
Malayan Tin. O Sr. Charlesworth é também diretor de determi-
nadas outras companhias estaníferas operando na área da Malaia,
ou seja, a Kramat Pulai Ltd., Ackam Tin Ltd., e Ayer Hitam Tin
Dredging Ltd. É, ainda, membro da diretoria da Locana Mineral
Holdings Ltd., que tem a honra de incluir um rebento do império
austro-húngaro, Sua Alteza o Arquiduque Roberto Carlos, da
Áustria. Locana é uma companhia de investimentos e holdings,
ligada principalmente à indústria canadense de mineração. O Sr.
Charlesworth é um elo direto com o mundo de mineração e co-
| 262 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mercialização do estanho, através de sua associação com British


Tin e respectivos interesses na Malaia. Ao lado do Sr. Char-
lesworth, sentam-se à diretoria da Locana os Srs. N. K. Kindhe-
ad-Weekes e J. N. Kiek. Ambos têm assento também nas direto-
rias de importantes companhias da África do Sul e Rodésia.
O Sr. Kiek é presidente da diretoria da Chicago-Gaika
Development Co. Ltd., uma companhia em existência desde
1897, com direitos registrados em 17 jazidas auríferas no distrito
Sebakwe de Metabeleland, Rodésia, que já esteve sob a jurisdi-
ção da British South Africa Company. Outras associações do Sr.
Kiek são com a London and Rhodesian Mining and Land Co.
Ltd., que possui diretamente o registro de 384 minas de ouro,
jazidas de metais básicos e terrenos abarcando 187 mil acres na
Rodésia. Algumas das propriedades são arrendadas à base de ro-
yalties e também é desenvolvida a pecuária.
As companhias subsidiárias da London & Rhodeilan in-
cluem a Mazoe Consolidated Mines Ltd., Lonrho Exploration
Co. Ltd. e African Investment Trust Ltd., que assumiu todos os
investimentos da companhi a em 1958, exceto ações em subsidi-
árias e investimentos no comércio. Suas associadas incluem a
Arcturus Mines Ltd., Homestake Gold Mining Co. Ltd., Corona-
tion Syndicat e Ltd. e North Charterland Exploration Co. (1937)
Ltd. Entre outros interesses adquiridos pela London & Rhodesian
em 1961 estavam 90 por cento da Consolidated Holdings (Pvt)
Ltd., cem por cento da Masnaba Gold Mines (Pvt) Ltd., que ope-
ra a Empress Gold Mine em Masnaba, perto de Fort e Vitória,
Rodésia, 36, 6 por cento da Kanyemba Gold Mines e 51 por cen-
to da Associated Overland Pipelines of Rhodesia (Pyt) Ltd, em
troca de um milhão e meio de ações na London & Rhodesian e
de um a opção sobre outros dois milhões.
De que a London & Rhodesian esteja incluída nos inte-
resses do grupo Oppenheimer não pode haver dúvida, apesar da
fachada independente que é mantida. G. Abdinor, diretor de Arc-
turus Mines, Coronation Syndicate, Homestake, Kanyemba e
Mazoe; é também membro das diretorias da Calcon Mines Ltd.
(Rodésia do Norte), Spaarwater Gold Mining Co. Ltd. e West
Spaarwater Ltd., assim como S. F. Dench, que é presidente da
diretoria de West Spaarwater e do Coronation Syndicate e
Kanyemba. Spaarwater Gold está entre os interesses da Consoli-
| 263 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dated Gold Fields, enquanto a Henderson Transvaal Estates Ltd.,


da qual o Sr. Dench é diretor, inclui-se no grupo de companhias
holding do African Investment Trust, de Oppenheimer, em cuja
diretoria tem assento o Sr. Kiek. O truste é, na verdade, proprie-
tário absoluto da African Exploration Co, Ltd., que presta servi-
ços de secretaria a West Spaarwater e Coronation Syndicate.
A Henderson's Transvaal Estates, o que é significativo,
tem uma subsidiária de sua inteira propriedade, Henderson Con-
solidated Corporation Ltd., que por sua vez tem uma companhia
totalmente subsidiária, Mineral Holdings Ltd., possuindo terras
de sua livre propriedade no Transvaal e no Estado Livre de
Orange, num total de 3.706 acres, e direitos sobre minérios em
outros 689.380 acres. Além disso, tem duas concessões de miné-
rios na Suazilândia, num total de 84.019 acres.
Outra subsidiária de propriedade total da Henderson’s Trans-
vaal é a Mineral Holdings Investments Ltd., que possui 720 mil
ações de Leslie Gold Mines Ltd. e 200 mil na Bracken Mines Ltd.,
ambas pertencentes ao grupo Union Corporation do império Oppe-
nheimer. Ambas as minas gozam de um empréstimo de um milhão
de libras cada, do National Finance Corporation of South Africa, na
qual a Anglo American Corporation e numerosos outros grupos e
instituições associados com ela têm substanciais interesses.
J. N. Niek também ocupou a posição de diretor-gerente
da Rhodesia Railways Trust Co. Ltd. e de duas outras empresas
financeiras de Oppenheimer, Willoughby's Consolidated Co.
Ltd. e Willoughby's (Investments) Ewell Ltd. O diretor associado
do Sr. Kiek, N. K. Kindhead-Weekes, é diretor de empresas de
Oppenheimer da importância de Wankie Colliery (ligada à Tan-
ganyika Concessions e à Union Minière), Chibuluma Mines,
Chisangwa Mines e Chambishi Mines, e também de Charterland
Exploration Ltd., todas elas na Rodésia. A Charterland recebeu a
concessão de direitos exclusivos de prospecção, das mãos da Bri-
tish South Africa Co., sobre áreas num total de 306 mil quilôme-
tros quadrados, em Zâmbia.
A rede de Patiño é apresentada no Quadro 8. Das organi-
zações dominando a indústria do alumínio, notamos em primeiro
lugar a Aluminium Co. of America (ALCOA) e o império de
Mellon. Essa companhia dedica-se à mineração de bauxita em
Arkansas e tem subsidiárias escavando e retirando minério de
| 264 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

locais longínquos para alimentar as fundições e usinas de proces-


samento nos Estados Unidos. Estas se localizam principalmente
nos Estados do Sul, embora haja usinas em Massena, New York.
Estabelecimentos de usinagem e fabricação operam em 12 dos
Estados norte-americanos, enquanto subsidiárias de inteira pro-
priedade da companhia estão pesquisando a Europa, América
Central e do Sul, a região dos Caraíbas, Austrália e a África em
busca de matéria-prima.
A Surinam Aluminium Co é a principal subsidiária pro-
dutora do minério. Extrai a bauxita no território holandês de Su-
rinã, parte da Guiana, que se estende pelo canto ao nordeste do
continente Sul-Americano e fica ao norte do Amazonas e sul do
Orinoco. Segundo um acordo com o Governo do Surinã, a Suri-
nam Aluminium tem uma concessão de 75 anos para a minera-
ção de bauxita. Está construindo instalações de força e vai cons-
truir uma fundição com capacidade para 60 mil toneladas de
alumínio. A construção eventual de uma refinaria de bauxita uti-
lizando minérios locais está prevista, de acordo com o material
de publicidade distribuído pela companhia. Outra plena subsidiá-
ria está extraindo bauxita na República Dominicana e, em maio
de 1960, foram adquiridos os direitos de mineração em 30 mil
acres da Jamaica. O Quadro 9 mostra a extensão dos interesses
da Alcoa no estrangeiro.
Por causa das leis antitrustes não há conexão legal direta
entre a Alcoa e a Aluminium Ltd., mas são ambas de propriedade
do mesmo grupo de acionistas norte-americanos dominado por
Mellon-Davis. Dois irmãos, Arthur V. Davis, da Alcoa, e
Edward K. Davis da Aluminium Ltd., foram por muitos anos
presidentes das respectivas companhias. Quando este último
morreu, em 1947, foi sucedido pelo filho, Nathaniel V. Davis. O
bloco de ações dos Davis nas companhias de alumínio Mellon é
aproximadamente um terço do bloco dos Mellons. Em 1957, o
Fortune, jornal norte-americano lido por todos os que desejam
estar bem informados sobre assuntos dos grandes negócios, cita-
va Arthur V. Davis como uma das sete pessoas com fortunas en-
tre 400 e 700 milhões de dólares. Das outras seis pessoas, quatro
eram Mellons. O Davis da Aluminium Ltd. é um dos diretores do
Mellon Bank. No Reino Unido está a subsidiária Alcan Industri-
es Ltd., e a França apresenta mais uma subsidiária de proprieda-
| 265 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de integral, a S. A. des Bauxites et Alumines de Provence, na


qual a Aluminium Ltd. investiu cerca de cem milhões de dólares.
Suas minas produziram em 1960 300 mil toneladas, de onde é
tirada a alumina.
Para alcançar a independência na esfera do transporte, a
Alcan criou a Saquena y Shipping Ltd., inteirament e financiada
por ela, que possui e freta uma frota de cargueiros para levar a
bauxita, alumina e lingotes do grupo.
Embora Kaiser e Reynolds tivessem organizado compa-
nhias com o objetivo de obter a independência do império Mel-
lon, no caso do primeiro a aliança financeira foi logo criada.
Reynolds também não conseguiu se manter inteiramente a salvo
dos tentáculos de Mellon, Formada em meados de 1928, a Rey-
nolds Metals Co criou em 1940 sua subsidiária, Reynolds Mi-
ning Corpolation, para explorar 6.100 acres de terrenos possui-
dores de bauxita que obtivera em Arkansas e para extrair a fluo-
rita no México, que é embarcada par a processamento nas usinas
da companhia, nos Estados Unidos.
No exterior, Reynolds possui minas de bauxita e áreas de
exploração no nordeste da Guiana Britânica, assim como no Hai-
ti e Jamaica. Os minérios secos são embarcados para fábricas em
Massachusetts, Delaware, Arkansas e Texas, nos Estados Uni-
dos, e mais de três milhões de toneladas foram extraídos e em-
barcados durante o ano de 1961. Outras subsidiárias e filiadas
operam em Bermudas, Venezuela, Filipinas, México, Canadá,
Austrália, África, Colômbia e outras partes do mundo. A Rey-
nolds Jamaica Mines Ltd. adquiriu em 1957 do Governo da Ja-
maica o direito à mineração de bauxita durante 99 anos em todas
as terras que então possuía ou sobre as quais possuía opção, em
troca de royalties sobre o minério e impostos. Essas terras totali-
zavam 74 mil acres. Arrendamentos para mineração foram obti-
dos em 5.822 acres.
No Reino Unido, as atividades de Reynolds no alumínio
são realizadas através da British Aluminium Ltd. Houve época
em que parecia que Mellon ia tomar conta da companhia britâni-
ca, mas uma aliança entre Tube Investment Ltd, e Reynolds ga-
rantiu-lhe o controle de 96 por cento da British Aluminium, ca-
bendo 49 por cento a T. I. e 47 por cento a Reynolds. A Com-
monwealth, Europa, Ásia e África são abarcadas na esfera de
| 266 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

atividades da companhia, com suas subsidiárias e afiliadas con-


trolando recursos hidrelétricos, jazidas de bauxita, usinas de pro-
cessamento, até um Grande Hotel e um truste de aposentadorias,
todos eles relacionados entre os interesses da Tube Investments,
como empresa-mãe principal.
A British Aluminium adquiriu em meados de 1961 â
Reynolds T. I. Aluminium, que na época pertencia à Tube Inves-
tmente à Reynolds, na proporção, respectivamente, de 51 e 49
por cento. Membros da família Reynolds têm assento à diretoria
da British Aluminium, que Inclui W. B. C. Penycoste, diretor da
Ghana Bauxite Co. Ltd., uma subsidiária de inteira propriedade
da companhia, registrada em Londres em 1933. Outros interesses
africanos são representados por E. F.
O. Gascoigne, presidente da diretoria de Tanganyika
Holdings, Kcntan Gold Areas, Zambesia Exploring e Zambesia
Investment, todas dentro da esfera da Tanganyika Concessions.
A imprensa “objetiva” britânica também está representada pela
presença, na diretoria da British Aluminium, de Sir Geoffrey
Crowther, ex-editor de The Economist e seu atual diretor vice-
presidente. A Commercial Union Assurance está também entre
as diretorias a que pertencem Sir Geoffrey e Lorde Plowden.
FRIA, Cie. Internationale pour a Production de l'Alumi-
ne, na Guiné, é um dos maiores interesses da British Aluminium
na África, na qual possui dez por cento das ações. Os planos são
de produzir de início 480 mil toneladas anuais, das quais dez por
cento estarão à disposição da British Aluminium.
Os Mellons foram o grupo original, diretamente interes-
sado em desenvolver a exploração dos recursos de bauxita da
Guiné, mas não tendo condições para pressionar o novo Estado
independente africano, seus propostos foram obrigados a se reti-
rar, depois de despender sem resultado, segundo seus próprios
cálculos, cerca de vinte milhões de dólares. Outros associados na
FRIA são:
Olin Mathieson Chemical Corporation, EUA 48,5%
Péchiney-Ugine, França26,5% Aluminium Industrie Aktien-
gesellschaft, Suíça 10,0% Vereinigte Aluminium-Werke A. G.,
Alemanha 5,0%
Olin Mathieson está dentro da esfera de influência de
Rockefeller, representado na diretoria da companhia por
| 267 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Lawrence Rockefeller, que atua em nome da família nas ativida-


des alheias ao petróleo. O controle, no entanto, é partilhado com
os Morgans. Assim, o grupo Mellon cedeu caminho a um grupo
compacto de interesses esmagadoramente mais poderoso, oculto
atrás da fachada de Olin Mathieson.
O segundo maior acionista da FRIA é um combinado das
companhias Péchiney e Ugine. Péchiney é uma abreviatura de
Compagnie des Produits Chimiques et Electrometallurgiques.
Entre seus diretores conta-se Paul Gillet, um governador honorá-
rio da Société Générale de Belgique, presidente da diretoria da
Union Minière e associado de muitos dos mais importantes ne-
gócios que exploram os recursos africanos. Seu diretor-
presidente é Paul de Vitry, diretor do Banque de Paris et des
Pays-Bas. Esse banco, do qual Henry Lafond também foi diretor,
além de participar com Paul de Vitry da diretoria da Péchiney,
opera no Congo e África do Sul. Na verdade, está em toda parte,
nos novos empreendimentos iniciados na África, especialmente
nos novos Estados à beira do Saara.
Péchiney, registrada em Paris no início do ano de 1896,
em continuação a uma companhia formada há mais de cem anos,
em 1855, tem como outras importantes companhias de minera-
ção e metalurgia na França, ligações com as principais casas
bancárias do país. Suas proliferações são numerosas, cobrindo a
produção de bauxita, baritos e lignita, manufatura de produtos
químicos, processamento de alumínio e outros metais e produtos
eletrometalúrgicos.
Fábrica quase tudo, desde plásticos e ligas de ferro, pro-
dutos de grafite, até novos metais e produtos nucleares. Tem
posse parcial ou total de companhias filiadas na França e outras
companhias na Europa, África e outras regiões. Suas operações
de mineração se estendem do norte ao sul da França e à África.
Responsável, hoje, por quatro quintos da produção fran-
cesa de alumínio, o comércio do metal pela Péchiney responde
por quase 60 por cento do seu fornecimento. Seu único competi-
dor francês digno de nota é a Ugine, que colabora com a Péchi-
ney na política de investimento, como vimos acima, e numa sub-
sidiária conjunta de vendas, Aluminium Français. As duas firmas
estão se expandindo rapidamente e a Péchiney tem operações tão
extensas quanto as companhias de alumínio britânicas e estadu-
| 268 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nidenses, embora estas últimas tenham maior produção. Espera-


se que a capacidade da Péchiney-Ugine possa alcançar 300 mil
toneladas até 1963. Péchiney utiliza 15 por cento da produção
total francesa de força, de modo que a descoberta de gás natural
em Lacq, no sudoeste da França, representa uma considerável
contribuição para a sua expansão. Tinha elevado para 37 por cen-
to o setor do alumínio em suas exportações e espera baixar o cus-
to de produção pela introdução de um novo processo de reduzir a
bauxita a alumínio. Uma fábrica piloto foi posta em operação e
seu êxito permitirá à Péchiney se expandir em novas indústrias
de alumínio.
Através do Banque de Paris, que segundo se diz é o maior
acionista da importante companhia química franco-norueguesa
Norsk Hydro, na qual o Governo norueguês tem o controle majo-
ritário, a Péchiney pode se ligar ao projeto. Os noruegueses estão
ansiosos por aumentar sua produção do nível atual de 200 mil
toneladas para 600 mil até 1970, A Péchiney já participa de con-
sórcios operando na Grécia, Espanha e Argentina e tem partici-
pações em projetos no Senegal e Madagascar. Na realidade difi-
cilmente aparece um novo consórcio hoje na África, particular-
mente na região do Mahgreb, no qual a Péchiney não tenha al-
guma participação. Sem a menor dúvida, observa atentamente os
vastos depósitos de gás natural do Saara, que não ficam a uma
distância antieconômica dos campos de bauxita de Mali. O cam-
po internacional do níquel reúne uma seleta coleção de compa-
nhias de extração, processamento e financiamento, cujo controle
o conserva dentro de limites numéricos bem exclusivos. Agrupa-
dos em torno de International Nickel Co. of Canada Ltd. — IN-
CO — Falconbridge, Sherritt Gordon Mines Ltd. do Canadá e
Faraday Uranium Mines Ltd. e Freeport Sulphur Co., dos Esta-
dos Unidos, não confinam geograficamente. Desfazendo a trama
de seus compromissos, encontramos suas penetrações na África,
assim como em outras partes do mundo.
A ligação direta da Inco com os interesses mineiros de
Oppenheimer na África já foi evidenciada pela interligação das
funções diretivas de Sir Ronald L. Prain e Sir Otto Niemeyer.
Veremos ainda como, através de seus interesses em de-
terminadas minas, estes estão ligados indiretamente com combi-
nados que possuem laços definidos com a exploração dos recur-
| 269 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sos minerais da África. É ao examinarmos os interesses financei-


ros por trás deles que encontramos a continuidade do poder.
O nome Mond traz imediatamente à lembrança o níquel,
assim como explosivos, produtos químicos e armamentos, e o en-
contramos ligado a mais poderosa organização internacional do
níquel, sob a forma de International Nickel Co. (Mond) Ltd. Foi o
fundador de Brunner Mond & Co. Ltd., Ludwig Mond, quem,
tendo inventado o processo de soda de amônia e encontrado uma
fonte barata de força no carvão miúdo, descobriu um método de
recuperar o níquel de minérios de baixo teor. Isso levou à desco-
berta, aquisição e exploração de minas no Canadá, atualmente a
principal fonte mundial, vindo os minérios, em sua quase totalida-
de, do distrito Sudbury de Ontário. A Brunner Mond, com Novel
Industries, United Alkali Co. Ltd. (fusão do 48 usinas) e British
Dyestuff s Corporation Ltd., foram reunidos em dezembro de
1926 para formar a Imperial Chemical Industries Ltd.
Mond Nickel Co. Ltd. foi fundada em 1914 para explorar
a mina vizinha às propriedades da Inco, na cadeia de Sudbury.
Os interesses de ambas as companhias se fundiram em 1928. A
mudança de nome para a forma atual foi feita em fevereiro de
1961, e a companhia é uma subsidiária da Anglo Canadian Mi-
ning & Refining Co. Ltd., que possui os nove milhões de ações
emitidas, dos 11 milhões autorizados para formarem o capital de
cinco milhões de libras. A Anglo Canadian, em si, é uma subsi-
diária de inteira propriedade da Inco.
Entre as extensas propriedades e instalações pertencentes
à International Nickel Mond no Reino Unido estão uma usina de
refino no Sul de Gales e uma refinaria de metais preciosos numa
zona industrial de Londres, e numerosas usinas de laminação em
várias partes da Grã-Bretanha, assim como todo o capital de
ações de Henry Wiggin & Co. Ltd., fabricantes de níquel e de
ligas de níquel e outros produtos. Dois itens interessantes do te-
souro da Nickel Mond são o capital total de Clydach Estates Ltd.
e Mond Nickel (Retirement System) Trustees Ltd. Este é o ramo
da Inco no Reino Unido e a Inco designou sua diretoria e conso-
lida as contas desta firma com as suas próprias.
Para manter suas fábricas funcionando a plena capacida-
de, a Inco tem acordos com associados para o tratamento de seus
produtos. Daí certos concentrados de níquel, acima das próprias
| 270 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

instalações de processamento, serem tratados para a Sherritt


Gordon Mines, e há um acordo com a Texas Gulf Sulphur Co
sobre a operação de uma fábrica-piloto para investigar processos
de recobrar o enxofre elementar. Esses acordos decorrem de cer-
tas participações comuns que produzem a identidade de interes-
ses entre empresas aparentemente competidoras, ligadas ao pe-
tróleo e seus grupos financeiros aliados.
Os interesses controladores da Inco não são evidentes,
uma vez que não há uma companhia mãe estadunidense visível,
embora o capital norte-americano da maioria dos principais gru-
pos financeiros predomine e a Inco tenha a posse de todo o esto-
que de capital da The International Nickel Co. Inc., que possui as
instalações de operação localizadas nos Estados Unidos e da
Whitehead Metal Products Co. Inc., distribuidores norte-
americanos de metais não-ferrosos. Lawrence Rockefeller faz
parte da diretoria da United States Inco.
O presidente da companhia canadense é H. S. Wingate,
diretor da casa bancária estadunidense de J. P. Morgan & Co., e
da Canadian Pacific Railway. William C. Bolenius, diretor da
Inco, faz parte também das diretorias de várias companhias da
Bell Telephone, assim como da diretoria do Guaranty Trust Co.,
de New York, controlada por Morgan. Outro diretor da Inco, R.
S. McLaughlin, é diretor da General Motors e participa da direto-
ria do Toronto-Dominion Bank, que se liga a interesses da du
Pont. A própria du Pont está profundamente sob a influência de
Morgan. Donald Hamilton McLaughlin é o presidente da Ameri-
can Trust Co., que tem três cargos de diretoria interligados com
bancos e companhias de seguros de Morgan.
Também preside a diretoria da Homestake Mining Co.,
ligada através de sua participação no Idarado Mining Co., à
Newmont Mining Co., que se inclui na esfera de influência de
Morgan. Cerro de Pasço, outra das diretorias a que pertence D.
H. McLaughlin, possui numerosas companhias que operam mi-
nas e propriedades petrolíferas no Peru. A Newmont Mining tem
um interesse substancial em Cerro de Pasco.
Theodore Giles Montague, outro norte-americano na dire-
toria da Inco, é o diretor-presidente da Borden Co., administrador
do Bank of New York e diretor da American Sugar Refining Co.
Cada uma dessas três companhias está sob o controle da família
| 271 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Rockefeller. John Fairfield Thompson reflete também os interes-


ses dos Estados Unidos na diretoria da Inco. Outro administrador
do Bank of New York, êle representa os mesmos interesses na
organização distribuidora estadunidense da Inco, Whitehead Me-
tal Products Co., e indica a ligação com a Texas Gulf Sulphur,
sob o domínio de Morgan e da Standard Oil (Rockefeller). J. F.
Thompson revela os interesses africanos desses grupos pelos car-
gos de diretoria que ocupa na American Metal Climax, e suas as-
sociadas britânicas, Amalgamated Metal Corporation e Henry
Gardner & Co. Ltd., que estão também ligadas a interesses fran-
ceses de estanho e níquel. Estas são algumas das gigantescas
combinações envolvendo o estanho, o alumínio e o níquel, que
estão esgotando os recursos minerais da África.
| 272 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 273 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

14. Union Minière du Haut Katanga

Dificilmente haverá, talvez, uma organização no mundo


que tenha tido uma publicidade tão ampla nos últimos cinco anos
quanto a Union Minière, por causa do papel que representou na
independência do Congo e na sua unificação. Essa grande compa-
nhia mineradora tem sido, desde a independência do Congo, o cen-
tro da disputa entre o Governo do Congo e a província separatista
de Catanga. De propriedade principalmente de pequenos acionis-
tas, o controle da companhia cabia a financistas belgas e britânicos.
O maior bloco de ações da companhia, 18,4 por cento das
1.242.000 ações, que anteriormente pertencia à administração co-
lonial belga, passou com a independência ao Governo congolês e
foi conservado durante algum tempo em custódia pelo Governo
belga, na dependência da solução de problemas políticos. Em no-
vembro de 1964, Moise Tshombe, que havia então regressado do
exílio para se tornar o Primeiro-Ministro do Congo, publicou um
decreto que tinha o efeito de transferir o controle da Union Mi-
nière, dos interesses bancários belgas e outros, para o Governo
congolês, sem compensação. O decreto dava ao Governo do
Congo o domínio total de 315.675 ações da Union Minière man-
tidas pelo Comité Special du Katanga, uma companhia a quem
cabia dar concessões, dois terços da qual pertencem ao Governo
congolês e um terço a interesses belgas.
O Governo belga considerou que 123.725 dessas ações
pertenciam à Compagnie du Katanga, que é um rebento da So-
ciété Générale de Belgique. O efeito que teve o decreto foi o de
reduzir a força de votação, na Union Minière, da Société Généra-
le e sua associada, a Tanganyika Concessions Ltd., de 40 por cen-
to para menos de 29 por cento, enquanto os votos do Governo do
Congo passavam de quase 24 por cento para quase 36 por cento.
| 274 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Isso significava que qualquer divergência de orientação colocaria


os belgas na necessidade de reunir o apoio dos pequenos acionis-
tas, que representavam cerca de 36 por cento.
Durante semanas o Governo belga e o do Congo falaram
em realizar reuniões para discutir a situação. Cada um tinha um
trunfo. O Governo belga mantinha todo o bloco de ações em cus-
tódia, enquanto a força do Governo congolês estava na data de
expiração do arrendamento da Union Minière, em 1990.
No dia 28 de janeiro de 1965, Tshombe chegou a Bruxelas
para conferenciar com o Ministro do Exterior belga, Sr. Spaak,
Pediu a entrega imediata do bloco de ações avaliadas em 120 mi-
lhões de libras. Estas incluíam 21 por cento dos direitos de voto
na Union Minière. Os belgas, por sua vez, exigiam compensação
por propriedades belgas danificadas nos conflitos congoleses e
pelas companhias detentoras de cartas de privilégio que haviam
perdido concessões em consequência do decreto de novembro.
Insistiram também em que o acordo deveria cobrir os juros devi-
dos por títulos congoleses recusados.
Depois de dias de dura barganha, Tshombe conseguiu o
que parecia ser um grande triunfo. Recebeu o lote de ações de
120 milhões de libras e também um cheque da Union Minière de
660 mil libras, representando os royalties e dividendos das
210.450 ações da Union Minière pertencentes ao Congo e que lhe
davam 24 por cento dos votos da companhia. Com essa vitória
diplomática, Tshombe retornou a Leopoldville, com a posição
fortalecida para enfrentar os permanentes problemas políticos e
militares do país. Desde então, tem tido motivos para pensar so-
bre até que ponto o que ele obteve foi uma vitória.
Em minha mensagem à Assembleia Nacional de Gana, no
dia 22 de março de 1955, dei os detalhes da situação existente no
Congo: "Nos cinco anos que precederam à independência, o fluxo
líquido de capital para a Bélgica, somente, foi de 456 milhões de
libras. Quando Lumumba assumiu o poder, foi retirado tanto capital
do Congo que houve um deficit nacional de 40 milhões de libras.
Tshombe foi notificado agora de que o Congo tem uma
dívida externa de 900 milhões de dólares. Essa cifra é completa-
mente arbitrária — significa uma exploração evidente, baseada
em puro colonialismo. Os 900 milhões de dólares seriam devidos
a monopólios dos Estados Unidos e da Bélgica depois que eles
| 275 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

roubaram o Congo de somas de dois bilhões e meio de libras, 464


milhões de libras e 40 milhões de libras. Imaginem o que isso te-
ria significado para a prosperidade e bem-estar do Congo. Mas a
tragicomédia continua… Par a reforçar politicamente Tshombe,
os monopólios decidiram que, dessa dívida fictícia de 900 mi-
lhões de dólares, somente 250 milhões precisam ser pagos. Que
generosidade, esta!
Títulos avaliados em 1959 a 267 milhões de libras, repre-
sentando riqueza extraída do Congo, deverão ser devolvidos ao
Congo após a ratificação por ambos os parlamentos. Mas os mo-
nopólios decidiram que o valor dos títulos é agora apenas de 107
milhões. Então o lucro desses monopólios é de 160 milhões de li-
bras. Os monopólios anunciaram, ainda, um programa fraudulento
para liquidar alegadas dívidas externas congolesas de cem milhões
de libras. Ao anunciar isso, declaram que o Congo será responsável
por mais uma dívida interna de 200 milhões de libras.
Em suma, estão privando o povo congolês de mais cem
milhões de libras. E chamam isso de generosidade!
Ficamos sabendo que os monopólios declararam um encar-
go adicional para o povo sofredor do Congo: uma dívida interna de
200 milhões de libras, pela qual o Congo precisará pagar a com-
pensação adicional de 12 milhões e meio de libras a interesses pri-
vados belgas. Além disso, uma organização conjunta belgo-
congolesa foi formada. Está recolhendo os títulos antigos e substi-
tuindo-os por uma emissão de 40 anos avaliada em cem milhões de
libras. Estes pagaram um juro anual de três e meio por cento.
Note-se: como os títulos antigos não têm valor, a nova or-
ganização precisa pagar todos os juros dos títulos antigos, de 1960
a 1965, aos monopólios e cada possuidor dos títulos antigos sem
valor deverá receber um título novo por cada um dos antigos. Em
suma, a organização é um instrumento para tirar mais, para enri-
quecer mais os monopólios e fraudar o povo sofredor do Congo.
Tshombe prometeu não nacionalizar investimentos avali-
ados em 150 milhões de libras e conservar oito mil belgas no
Congo. Ele montou um Banco de Investimentos para administrar
todas as participações acionárias. O valor é estimado em 240 mi-
lhões de libras. É controlado por belgas.
Em um ano, os lucros da Union Minière foram de 27 mi-
lhões de dólares. Mas embora a produção nacional do Congo au-
| 276 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mentasse de 60 por cento entre 1950 e 1957, o poder aquisitivo


africano baixou de 13 por cento… Os congoleses foram taxados
em 280 milhões de francos para pagar funcionários públicos eu-
ropeus, em 440 milhões de francos para fundos especiais da Bél-
gica, em um bilhão e 329 milhões de francos para o exército. Fo-
ram taxados até para a Exposição de Bruxelas. Apesar da inde-
pendência política, o Congo continua sendo uma vítima do impe-
rialismo e do neocolonialismo… Mas o controle econômico e fi-
nanceiro do Congo por interesses estrangeiros não se limita ape-
nas ao Congo. Os países em desenvolvimento da África estão to-
dos sujeitos a essa influência doentia, de um modo ou de outro."
Se essa citação parece conter muitos detalhes, os povos
recém-independentes e seus líderes não têm hoje tarefa mais ur-
gente do que gravar em suas consciências exatamente esses deta-
lhes. Pois é esse material que constituía dura realidade desse
mundo em que estamos tentando viver e no qual a África está
emergindo para encontrar o seu lugar. O significado pleno do pa-
pel representado pela Union Minière nos assuntos congoleses só
pode ser compreendida através de um exame dos interesses en-
volvidos nessa poderosa companhia. Quase todas as grandes em-
presas dedicadas à exploração das inúmeras riquezas do Congo
estão diretamente abarcadas por ela ou têm com ela relações indi-
retas. Não constituem, no entanto, a extensão total dos compro-
missos da companhia. Suas conexões com destacadas casas segu-
radoras, financeiras e industriais da Europa e dos Estados Unidos
são demonstradas na seguinte lista, assim como suas conexões
com o cinturão de cobre da Rodésia:
Compagnie Foncière du Katanga.
Société Générale des Force s Hydro-electriques — SO-
GEFOR.
Société Générale Africaine d'Electricité — SOGELEC.
Société Générale Industrielle et Chimique de Jadotville —
SOGECHIM.
Société Métallurgique du Katanga — METALKAT.
Minoteries du Katanga.
Société de Recherche Minière du Sud-Katanga — SUD-
KAT.
Ciments Métallurgiques de Jadotville — CMJ.
Charbonnages de la Luena.
| 277 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Compagnie des Chemins de Fer Katanga-Dilolo-


Leopoldville. — KDL.
Société Africaine d'Explosifs — AFRIDEX.
Compagnie Maritime Congolaise.
Société d'Exploitation des Mines du Sud-Katanga —
MINSUDKAT.
Société d’Elevage de la Luilu — ELVALUILU.
Compagnie d'Assurances d'Outremer.
Société de Recherches et d'Exploitation des Bauxites du
Congo — BAUXICONGO.
Exploitation Forestière au Kasai.
Centre d’Information du Cobalt.
Société Générale Métallurgique de Hoboken.
Société Anonyme Belge d'Exploitation de la Navigation
Aeriénne — SABENA.
Société Générale d'Enterprises Immobilières — SEI.
Compagnie Belge pour l’Industrie de l’Aluminium —
OOBEAL.
Foraky.
Compagnie Belge d'Assurances Maritimes — BELGA-
MAR.
Société Auxiliaire de la Royale Union Coloniale Belge —
SARUC.
Wankie Colliery Co. Ltd.
Belgian-American Bank & Trust Co., New York.
Belgian-American Banking Corporation, New York.
Compagnie Générale d'Eiéctrolyse du Palais S. A., Paris.
Trefileries et Laminoire du Havre S. A., Paris.
Société Belge pour l’Industri e Nucleaire — BELCO
NUCLEAIRE.
A Tanganyika Concessions é um dos pais da Union Mi-
nière du Haut Katanga. O outro é o Comité Especial de Catanga
(belga). A Union Minière foi formada entre eles com o propósito
declarado de reunir os interesses das duas organizações nas des-
cobertas de minérios que a Tanganyika Concessions fizera sob a
vigência de uma concessão recebida do Comité, na província
congolesa de Catanga. A concessão, cujo prazo de vigência vai
até 11 de março de 1990, cobre uma área de 20 mil quilômetros
quadrados, contendo ricas jazidas de cobre, assim como jazidas
| 278 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de zinco, cobalto, cádmio, germânio, rádio, ouro, prata, além de


calcário. Incluída na concessão há uma área estanífera de cerca de
10.500 quilômetros quadrados.
O minério extraído é processado em numerosas usinas,
passando pelos estágios de fundição e concentração. A força hi-
drelétrica é fornecida por quatro usinas principais de força, uma
das quais foi instalada por uma subsidiária da Union Minière, a
Société Générale des Forces Hydro-electriques. As três outras
pertencem à própria Union Minière. Essas três usinas estão liga-
das a uma rede distribuidora, parte da qual se destina a fornecer
força elétrica ao cinturão do cobre da Rodésia do Norte, à razão
de 600 milhões de quilowatts anuais. Parte dessa rede é de pro-
priedade da Société Générale Africaine d'Electricité — SOGE-
LEC — na qual a Union Minière possui substancial interesse. As
fábricas da companhia, em Elizabethville, Jadotville, Kolwezi e
Kpushi consumiram 75 milhões de quilowatts em 1962, ano du-
rante o qual certos danos causados às instalações em dezembro de
1961 foram completamente reparados.
A maioria das empresas em que a Union Minière tem inte-
resse são mantidas pela Société Générale de Belgique. Muitas
também têm conexões com a Anglo-American Corporation, seja
diretamente ou através da Tanganyika Concessions e da Union
Minière e suas subsidiárias. A Société Générale tem a posse dire-
ta de 57.538 ações, do total de 1.242.000 sem valor nominal que
constituem o capital autorizado e emitido de oito bilhões de fran-
cos da Union Minière. Outros acionistas principais são o Comité
Especial de Catanga e a Tanganyika Concessions. O royalty pela
concessão é pago ao Comité de Catanga através de uma soma
equivalente a dez por cento de qualquer dividendo distribuído
superior ao total de 93.150.000 francos, em qualquer ano. A Tan-
ganyika Concessions, mediante acordo com o Comité, participa
em 40 por cento desse benefício especial. Originalmente incorpo-
rada no Congo, a companhia transferiu sua sede administrativa e
todos os fundos para a Bélgica em 1960, quando o Congo estava
alcançando a independência e precisava do apoio daqueles que,
durante anos, lhe haviam arrancado tão pesado tributo.
O patronato da Société Générale vigia de bem perto a
Union Minière. Ligada ao Comité Especial de Catanga está a
Compagnie du Katanga. Esta companhia pertence ao grupo da
| 279 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Compagnie du Congo pour le Commerce et 1'Industrie — CCCI


— constituída em 1886, quando Leopoldo II criava o seu império
pessoal no Congo. Foi sob a iniciativa de um dos valentões de
Leopoldo, o Capitão Thys, que a CCCI, segundo o diretor-
presídente da Société Générale, se tornou a primeira empresa bel-
ga estabelecida no coração da África. Seu nome está ligado à es-
tação de reparos da primeira estrada de ferro de Matadia Leopol-
dville. Thysville é hoje um importante elo no sistema ferroviário
e a CCCI, nas palavras do diretor-presidente da Société Générale,
tem se ligado, desde a sua criação, diretamente ou através de fili-
adas, a todos os setores de atividade econômica do Congo, pela
criação de empresas de transporte, indústrias agrícolas, fábricas
de cimento, companhias de construção civil, companhias admi-
nistradoras de propriedades, indústrias alimentícias, assim como
firmas comerciais. A companhia, afirmou o diretor-presidente,
“contribuiu para dotar o Congo de um equipamento que coloca o
país nas primeiras filas dos Estados africanos negros”.
Várias dessas empresas interligadas estão incluídas na lis-
ta dos interesses da Union Minière, que frequentemente se juntam
aos da Société Générale. Assim, a Société Générale Métallurgi-
que de Hoboken, uma companhia da qual a Société Générale pos-
sui 50 mil ações, processa determinados produtos semi-acabados
das minas da Union Minière para o mercado, em metais acabados
de alta pureza e especificação individual. Em conjunção com a
Fansteel Metallurgical Corporation of Chicago, a Hoboken criou
uma subsidiária conjunta, Fansteel-Hoboken, em dezembro de
1962, com um capital de 360 milhões de francos. Essa nova com-
panhia produzirá metais refratários, especialmente tântalo, colú-
mbio, tungsténio e molibdênio, em várias formas comerciais.
Wankie Colliery Co. Ltd. representa a participação da
Union Minière nas minas de carvão da Rodésia do Sul. Embora
seu bloco de ações não seja destituído de importância, a Anglo-
American Corporation predomina e age como secretária da com-
panhia e como engenheiro-assistente. Capitalizada em seis mi-
lhões de libras, das quais 5.277.810 foram cobertos, a companhia
possui direitos de mineração do carvão sobre 42 mil acres e direi-
tos de superfície sobre cerca de 29 mil acres de terreno no distrito
Wankie da Rodésia do Sul. Os meios através dos quais os interes-
ses mineradores dominam o governo das “colônias de povoado-
| 280 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

res” são muitos mas a maneira pela qual a terra é concedida pela
administração e depois arrendada de volta pelos proprietários ou
concessionários evidencia uma das mais desavergonhadas e fran-
cas manobras possíveis. Assim, a Wankie Colliery obteve um ar-
rendamento a longo termo, por acordo com o Governo da Rodé-
sia, de direitos de superfície sobre 26 mil acres de terras, além
dos terrenos acima mencionados em troca do que, a Wankie gra-
ciosamente arrendou quatro mil acres de seus terrenos originais
ao Governo.
Um elo na diretoria, o Sr. Van Weyenbergh, associou a
Wankie Colliery à Société Métallurgique du Katanga — ME-
TALKAT —, uma subsidiária da Union Minière, fundada na
Bélgica em 1948 em conjunção com a S. A. des Mines de Fonde-
ries de Zinc de la Vieille-Montagne, para construir em Kolwezi
uma fábrica capaz de produzir anualmente 50 mil toneladas de
zinco eletrolítico utilizando concentrados fornecidos pela mina
Príncipe Leopoldo, da Union Minière. A usina Metalkat produz
zinco, cádmio e cobre refinado. Com um capital de 750 milhões
de francos, representados por 150 mil ações sem valor ao par, a
companhia obteve um lucro líquido de 160.831.393 francos em
1961, depois de satisfazer várias obrigações, entre as quais divi-
dendos contabilizados em 120 milhões de francos (quase três
quartos do lucro líquido) e percentagens de diretores no valor de
7.857.517 francos.
O sócio da Union Minière na Metalkat, Vieille-Montagne,
é um dos maiores negócios europeus de mineração, produtor de
zinco, chumbo e prata. Companhia belga, fundada em 1837, pos-
sui propriedades de prata-chumbo-zinco na Bélgica, França, Ar-
gélia, Tunísia, Alemanha e Suécia e usinas metalúrgicas na Bél-
gica, França e Alemanha. Das 405 mil ações sem valor ao par que
constituem seu capital de um bilhão de francos, a Société Généra-
le possui 40.756. Suas contas relativas ao ano encerrado a 31 de
dezembro de 1961 demonstram um lucro líquido de 143.287.506
francos, depois de separadas várias verbas, a maior das quais para
o reequipamento, que se elevou a cem milhões de francos. Os di-
videndos levaram 101.250.000 francos e os impostos sobre eles
27.700.000 francos. As percentagens de diretores levaram
14.327.760 francos. As reservas legais parecem responder por
somas consideráveis que essas grandes companhias deixam de
| 281 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

lado. Esse item foi creditado com cem milhões de francos, nas
contas da Vieille-Montagne relativos a 1961.
A Compagnie du Katanga, como a Union Minière ligada
ao Comité Especial de Catanga, juntou-se à Union Minière para
criar no Congo, em 1932, a Société de Recherche Minière du
Sud-Katanga — SUDKAT. Tanto a Compagnie du Katanga co-
mo a Union Minière tinham interesses em ampla área adjacente
às propriedades desta última, que decidiram operar em combina-
do. Com a independência do Congo, o controle da Sudkat, assim
como seus fundos, foram transferidos para a Bélgica. As jazidas
de cobre em Musoshi e Lubembe e os minérios de zinco-chumbo-
enxôfre de Kengere e Lombe de propriedade da Sudkat foram
transferidos para a Société d'Exploitation des Mines du Sud-
Katanga — MINSUDKAT — formada no Congo em junho de
1955, com capital de 50 milhões de francos congoleses.
A Sudkat tem interesses na Companhia Carbonífera de
Moçambique, dedicada à mineração de carvão, assim como na
Bauxicongo e na Metalkat. Esta última criou em 1962 uma com-
panhia local, a Société Métallurgique Katangaise, com um capital
de 600 milhões de francos representados por 150 mil ações, para
a qual transferiu suas instalações de Catanga. Os lingotes de zin-
co produzidos estão sendo processados pela Metalkat.
Um dos mais importantes investimentos da Metalkat está
na Sogemines Ltd. Essa companhia, embora registrada em Mon-
treal e operando no Canadá, é tão intimamente ligada à Société
Générale que tem em sua diretoria seis dos diretores da Société,
dois dos quais pertencem também à diretoria da Union Minière.
O investimento da Société Générale na Sogemines cobre 259.250
ações preferenciais de dez dólares e 1.281.250 ações ordinárias
de um dólar, representando um quinto do capital emitido pela
companhia canadense.
Subsidiária de propriedade integral, a Sogemines Deve-
lopment Co. Ltd. desenvolve o trabalho de exploração em várias
partes do Canadá e possui interesses minoritários em outras em-
presas de mineração. Sogemines Ltd. é uma companhia de inves-
timentos e holdings que participa de empreendimentos mineiros,
petrolíferos e industriais. L. C. e F. W. Park, em The Anatomy of
Big Business, demonstraram graficamente que as “relações entre
o capital canadense e belga se baseiam nas alianças que operam
| 282 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ao mesmo tempo na Bélgica ou no Congo e no Canadá” (p. 157).


A progenitora da Sogemines, Société Générale, devota um
espaço considerável em seu relatório anual às operações da subsidiá-
ria. A mais importante empresa em que estão interessadas é a Cana-
dian Petrofina Ltd. Em 1961, a Canadian Petrofina obteve o lucro
recorde de 5.516.926 dólares. Petrofina é uma companhia petrolífera
belga com associações internacionais, especialmente nos novos Es-
tados africanos, tanto dentro como fora da indústria petrolífera. Suas
conexões com a Société Générale não se limitam a participação aci-
onária e interligação de diretorias. São mantidas associações com
vários bancos importantes, inclusive o Banque Belge, o Banque de
l’Union Français, o Crédit Foncier de Belgique, o Banque de Paris et
des Pays-Bas, e várias companhias de seguros.
Sob o impulso da Société Générale e de certas associadas,
uma subsidiária da Petrofina, Société Chimique des Derives du
Petrols — PETEOCHIM — sofreu uma reorganização financeira
durante 1962, quando determinados bens lhe foram passados,
principalmente pela Petrofina. A Société Générale utilizou a
oportunidade para entrar com uma participação de 29 milhões de
francos no capital da companhia, “nas quais várias outras empre-
sas do grupo possuem igualmente interesses” A participação aci-
onária da Société Générale é de 58 mil ações sem valor nominal.
Cobenam, um empreendimento conjunto de Petrochim e Union
Carbide, une os interesses da Société Générale com aqueles inte-
ressados na grande corporação química estadunidense, a Conti-
nental Insurance Co., e o Hanover Bank, que está envolvido com
a Anglo-American Corporation e o consórcio bancário que atu-
almente se empenham em empreendimentos nos novos Estados
africanos. Há alguma influência de Rockefeller no Hanover Bank
e este está ligado por operações financeiras comuns ao grupo da
American Fire de New York, uma importante companhia de se-
guros de incêndios e acidentes.
A Union Carbide & Carbon fabrica urânio enriquecido e
através da influência dos seus financiadores diretos, Hanover
Bank, e associações indiretas com o grupo Rockefeller-Mellon,
tornou-se o principal contratante das usinas de energia atómica de
propriedade do Governo em Oak Ridge, Tennessee, e Paducah,
Kentucky. Para esse fim uma divisão separada foi criada, a Union
Carbide Nuclear Company, e minas de urânio e vanádio estão
| 283 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sendo exploradas em Colorado, e uma mina e usina de processa-


mento de tungsténio na Califórnia. A extensão dos interesses da
Union Carbide no campo da química é grande, tendo a compa-
nhia um amplo setor de materiais sintéticos. Uma subsidiária ca-
nadense da Union Carbide é Shawinigan Chemicals, que a Union
possui a meias com Monsanto Chemical Co. e Canadian Rosins
& Chemicals Ltd. Uma filiada, B. A.-Shawinigan Ltd., é de pro-
priedade da British American Oil, ligada ao Bank of Montreal e a
Mellon. Shawinigan Chemicals tem várias subsidiárias que são da
mesma forma controladas por companhias estadunidenses. A So-
ciété Générale tem seu próprio negócio nuclear, Société Belge
pour l’Industrie Nucleaire — BELGONUCLEAIRE — na qual
apontamos o interesse da Union Minière.
Este é apenas um curto trecho da emaranhada teia que liga
os interesses bancários predominantes na Europa e América a em-
preendimentos industriais na África e em outras partes do mundo.
Dá apenas uma leve indicação do caráter elástico desses interesses.
As incursões da Société Générale no mundo do petróleo não se
limitam à Petrofina e suas associadas. Petrobelge, outra companhia
dedicada à prospecção no norte da Bélgica em associação com a
Société Campinoise de Recherches et d'Exploitations Minérales,
tem uma filiada operando na Venezuela, Petrobelge de Venezuela.
A Petrobelge está ligada à Petrofina e ao Bureau de Recherches et
de Farticlpations Minières Marocain em prospecções no Marrocos,
os primeiros estágios das quais estarão completos em 1963. A Itá-
lia é outro cenário das atividades da Petrobelge, onde, em colabo-
ração com a companhia italiana, Ausonia Mineraria, e a organiza-
ção francesa, Société Française de Participations Petrolières —
PETHOBAR — investiga hidrocarbonetos nas concessões obtidas
pela Ausonia. Além disso, a Petrobelge associou-se ao consórcio
ítalo franco-alemão num empreendimento de prospecção de regi-
ões sísmicas na costa do Adriático. A Petrobelge e a Petrofina uni-
ram-se à companhia espanhola Ciepsa para pesquisar hidrocarbo-
netos numa concessão de propriedade da Ciepsa.
As ligações diretas com o programa militar belga e, por-
tanto, como da OTAN, são operadas estreitamente através de
Poudreries Réunies de Belgique, cujo capital foi aumentado, em
1962, de 203.900.000 francos para 266.700.000. No início do ano
a companhia absorveu a Fabrique Nationale de Produits Chimi-
| 284 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ques et d'Explosifs em Boncelles, Bélgica, cuja compra incluiu


uma participação no capital da S. A. d'Arendonk. A aquisição da
organização de vendas desta última ampliou o âmbito de ativida-
des civis da companhia. Essas empresas belgas estão ligadas à
Société Africaine d'Explosifs — AFRIDE X — na qual a Union
Minière tem interesses. A interpenetração militar e nuclear dá
uma ênfase especial à produção de urânio do complexo da Union
Minière, que nos anos do pós-guerra sustentou a economia belga
e ajudou a recondicionar seu equipamento industrial. Do Congo
vieram os despojos que financiaram a continuação da exploração
do território e o alto nível de produção que o país recentemente
devastado pela guerra e ocupado pelos nazistas alcançou tão rapi-
damente. Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, o urânio já
tornava a mina Shinkolobwe uma propriedade muito importante
para a Union Minière e o Governo belga.
Como diz um escritor, “a Union Minière alcançou uma
certa notoriedade nas décadas dos 20 e dos 30 por forçar eventu-
ais compradores de rádio a pagar 70 mil dólares pela grama, até
que a competição da companhia Canadian Eldorado forçou o pre-
ço a baixar para uns meros 20 mil dólares a grama, nível em que
ambas as companhias conseguiram obter lucro.” (Anatomy of Big
Business, p. 156).
De acordo com os cálculos dos peritos, os lucros da Union
Minière foram estimados em três bilhões de francos anuais, equi-
valentes a 60 milhões de dólares ou 20 milhões de libras esterlinas.
Apesar da situação perturbada em Catanga e dos protestos
da companhia de que seus negócios haviam sido seriamente pre-
judicados, o balanço da Union Minière durante o ano encerrado a
31 de dezembro de 1960 demonstrou um lucro líquido de
2.365.280.563 francos. Os dividendos absorveram não menos do
que 1.863.000.000 francos, bem mais que a metade dos lucros
líquidos, produzindo impostos sobre dividendos que dera ao Go-
verno belga 381.578.313 francos. Os emolumentos a diretores,
auditores e fundos para o pessoal (europeu) absorveram
84.609.333 francos, enquanto os membros do Comité Permanente
recebiam 7.111.56 7 francos.
A Eldorado Mining & Refining Ltd. absolutamente não é
independente do Big Business e dos interesses financeiros que
têm sob seu controle a indústria do Canadá e cujas associações
| 285 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

com a África e outras áreas menos desenvolvidas do mundo são


interligadas. Um antigo secretário particular de um ex-ministro
tem assento à diretoria, que é ligada à Canadian Aluminium, cuja
diretoria inclui um ex-Governador-Geral do Canadá.
À medida que prosseguimos, veremos como essas interli-
gações da finança internacional com personalidades públicas de
realce e “os representantes do povo” criam uma oligarquia de po-
der buscando e alcançando seus interesses especiais, que não têm
nenhuma relação com “o bem público” do qual são apresentados
como sinônimos. Veremos que o Royal Bank of Canadá, represen-
tado na diretoria do Eldorado por W. J. Bennett, tem conexões com
a Société Générale e a Union Minière através de interligações via
Sogemines e grupos proeminentes seguradores e bancários.
Wankie Colliery Co. Ltd., por exemplo, nos dá o Sr. Van
Weyenbergh, diretor da Union Minière, Metalkat e Société Géné-
rale, vários de cujos colegas de diretorias têm assento na Sogemi-
nes, que tem como diretor-presidente W. H. Howard que além de
vice-presidente do Royal Bank e diretor-presidente da Montreal
Trust, está ligado ao grupo jornalístico Rothermer e na Grã-
Bretanha e é diretor da Algoma Steel Corporation Ltd., que pos-
suem quatro minas de carvão em West Virgínia e jazidas de po-
tassa e dolomita no Estado de Michigan. A Algoma forneceu o
aço para a construção de uma fábrica de 20 milhões de dólares
em Sault Ste. Marie, Ontário, para a Mannesmann Tube Co., sub-
sidiária da siderúrgica Mannesmann, que é proeminente membro
da indústria do Ruhr alemã-ocidental. Afirma-se que a Mannes-
mann está aumentando rapidamente sua penetração na indústria
canadense. Sua diretoria inclui representantes do Deutsche Bank
e do Dresdner Bank, ambos muito em evidência nos consórcios
empenhados na África e ligados primordialmente à Anglo-
American Corporation. O diretor-presidente da Mannesmann
desde 1934 é W. Zanger, “antigo membro do partido nazista e das
S.S.; fêz parte do grupo de grandes industriais alemães que finan-
ciaram a subida dos nazistas ao poder e forneceram os armamen-
tos à máquina de guerra nazista. Nos dias da invasão da União
Soviética pelos nazistas, a Mannesmann abriu filiais em Kiev e
Dniepropetrovsk que pouco tempo tiveram de existência” (Ana-
tomy of Big Business, págs. 109-110). São essas forças que se
ligam aos magnatas e industriais da África do Sul, Rodésia, Con-
| 286 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

go, Angola e Moçambique e agora as vemos penetrar nos projetos


de desenvolvimento de muitos dos novos Estados africanos, ocul-
tando sua identidade por trás de agências governamentais e inter-
nacionais, cujo caráter real se evidencia imediatamente ante um
exame cuidadoso. São os diretores reais do neocolonialismo.
| 287 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

15. Pressões econômicas na


República do Congo

No dia 30 de junho de 1960, quando o Congo alcançou a


independência, teve início o que, sem dúvida, será considerado
pelos historiadores como o capítulo mais tempestuoso e mais
complexo da história daquele país e, por sinal, de toda a África.
Em poucas semanas desmoronaram a lei e a ordem quando os
soldados da Força Pública, desapontados porque a independência
não havia significado imediata melhoria em suas condições, pe-
garam em armas, aprisionaram os oficiais brancos e os suboficiais
e finalmente se dividiram em bandos de arruaceiros. Foi nesse
ponto que Moise Tshombe, com a ajuda de assessores belgas, ini-
ciou o processo que levou à secessão da província de Catanga. A
recém-independente República do Congo estava arruinada pela
desordem e inquietação.
As histórias da intervenção das Nações Unidas e do assas-
sínio de Lumumba são bem conhecidas. Menos comentados, por
motivos óbvios, têm sido os aspectos econômicos envolvidos em
toda a tragédia do Congo. No entanto, são de muitas maneiras os
aspectos mais significativos e certamente os mais sinistros, uma
vez que estão sob o domínio de interesses estrangeiros cuja maior
preocupação foi sempre o seu lucro particular.
Não havia muitos investimentos norte-americanos no
Congo antes de 1960. O que havia era um grande investimento
indireto, através de Tanganyika Concessions e da Union Minière
e da participação acionária do grupo Oppenheimer na Anglo-
American, e provinha principalmente do grupo Rockefeller. Esse
grupo tinha também participação na importante companhia têxtil
Filatures et Tissages Africains, criada em 1946 pela Cotton Union
| 288 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

e Société Générale. A família Rockefeller possui 60 mil ações,


das quais mil estão nas mãos de Nelson Rockefeller e 26.438 per-
tencem a Laurence Rockefeller, que tem também interesses mino-
ritários em duas outras companhias do grupo da Société Générale,
a Companhia Générale d'Automobiles et d'Aviation au Congo e a
Les Ciments du Congo. Ele possui cerca de 14 por cento do capi-
tal da companhia para a manufatura, no Congo, de caixas metáli-
cas e todos os outros artigos de folhas esmaltadas, e a mesma na
participação na companhia congolesa para a produção e comércio
de abacaxi, ANACONGO. Em 1952, tanto Laurence como David
Rockefeller participaram da aquisição de cerca de 30 por cento do
Syndicat pour l'Étude Géologique et Minière de la Cuvette Con-
golaise. Todos os produtos de petróleo utilizados no Congo con-
tinuam a ser importados e o gigantesco truste Rockefeller, Esso-
Standard, criou uma subsidiária distribuidora no Congo em 1956,
a Esso Congo Belge, rebatizada de Esso Central África em 1960.
Outra subsidiária, a Socony Vacuum Petrol Company e Texas
Petroleum, tem participações minoritárias na Société Congolaise
d'Entre Posage des Produits de Petrole.
Há algumas companhias estadunidenses produzindo ma-
deira compensada, como a United States Plywood Corporation,
com Agrifor e Korinacongo, e no Syndicat du Papier.
Pluswood Industries tem um acordo com a Cominière, que
formaram juntas a Société Congolaise Belgo-Americaine pour la
Transformation du Bois du Congo — SOOOBELAM. A Olin
Mathieson Industries, que tem interesses na Poudreries Réunies
de Belgique, participou com a Union Minière e diversos outros
grupos da Société Générale na criação da Société Africaine d'Ex-
plosifs — AFRIDEX. Olin Mathieson tem um quinto do capital.
Outros investidores locais são a Industrial and Investing Corpora-
tion, de New York, Armco Steel, Bell Telephone, General Motors
e Otis Elevators.
Desde 1960 o Bank of America adquiriu 20 por cento do
Socobanque, do grupo Lambert Bank; Ford fundou a Ford Motors
(Congo); a Union Carbide adquiriu uma participação dominante
na Somilu, criada e m 1960 para explorar uma mina de pirocloro.
Esse mineral contém nióbio, um metal raro utilizado na
fabricação de aços especiais. David Rockefeller fez um a viagem
ao Congo e m 1959, buscando “informação” depois que o seu
| 289 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

grupo adquiriu 1.030 das 2,6 mil ações da Société de Recherche


set d'Exploitation de Bauxitesau Congo — BAUXIOONGO.
Em junho de 1960, ele anunciou que adquiriria cerca de
oito por cento dos 65 milhões de capitais da Compagine du Con-
go pour le Commerce et lTndustrie, e C.C.C.I. Dillon Read & Co.
e J. H. Whitne y & Co., banqueiros de New York, criaram uma
companhia de investimentos para examinar as possibilidades de
investimento norte-americano no Congo. Trata-se do Fundo Eura-
fricano Norte-americano.
Por interessante que seja essa penetração estadunidense no
Congo, o continuado domínio belga de tão grande parte da eco-
nomia congolesa traz uma preocupação mais imediata.
No livro Les Trusts au Congo, de Pierre Joye e Rosine
Lewin, é apresentado um quadro claro dos acontecimentos imedi-
atamente anteriores e posteriores à independência.
Segundo esse relato, o Estado independente do Congo,
sob Leopoldo II, possuía uma grande parte do capital das compa-
nhias originais, assim como das “companhias com carta de privi-
légio” criadas na época e de empresas privadas.
Depois que o Governo belga assumiu a administração do
Congo, essas participações foram aumentadas de várias maneiras:
através de intervenção direta na criação de novos órgãos de natu-
reza paraestatal; assumindo certos direitos como recompensa pe-
las concessões dadas; pelo exercício do direito de subscrição no
aumento de capital de companhias em que o Estado do Congo já
possuía ações.
Como resultado disso, o Congo Belga tinha um conside-
rável volume de investimentos que, pelas estimativas mais mode-
radas, eram avaliados em cerca de 40 milhões de francos. Além
disso, possuía várias prerrogativas, como o direito de voto e o
direito de designar representantes nas diretorias de uma série de
empresas em que não tinha participação acionária. Essas partici-
pações e direitos incluíam: Empresas de caráter paraestatal, tais
como o Banque Centrale du Congo Belge; Société de Crédit au
Colonat; Caisse d'Épargne du Congo Belge; Offices des Cites
Africaines OCA, OTRACO; Régie de Distribuition d'Eau e d'Éle-
ctricité Regideso, etc. As companhias com carta de privilégio:
Comité Special du Katanga (CSK), Comité National du
Kivu (CNKI); Compagnie des Chemins de Ferdes Grands Lacs.
| 290 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Companhias de investimentos como a Unatra; Compagnie


du Katanga, etc.
Companhias mineradoras como a Forminière; Mines d'or
de Kilo-Moto, etc.
Empresas de transporte como Cicicongo; Transport en
Commun de Leopoldville-Chemin de Fer K. L. D.; Sabena, etc.
Produção e distribuição; empreendimentos como a força
elétrica, do tipo de Forces de l'Este Forces du Bas-Congo.
Empresas privadas nas quais o Congo possuía apenas inte-
resses minoritários.
A posse desse importante conjunto de títulos permitia às
autoridades, em princípio, exercer uma influência considerável
sobre a economia do Congo e mesmo controlar completamente
alguns setores de importância. Mais do que isso, declarações ofi-
ciais justificavam essas participações porque permitiam ao Estado
desempenhar o seu papel de “guardião do interesse público e tu-
tor dos nativos”.
O exemplo do CSK é significativo, a esse respeito. Leo-
poldo II havia controlado esse órgão semipúblico reservando ao
Estado o direito de nomear quatro dos seis membros da sua dire-
ção. Mas depois que a Bélgica assumiu o domínio sobre o Congo,
o CSK foi, durante 20 anos, um instrumento dócil da Union Mi-
nière, embora tivesse todas as oportunidades para controlar o
grande truste de Catanga.
O CSK era, destacadamente, o maior acionista da Union
Minière e os estatutos elaborados em 1906 lhe conferiam impor-
tantes direitos na Union Minière, especialmente, o de designar o
conselho administrativo e um determinado número de diretores.
O CSK jamais utilizou esses direitos e, pelo contrário,
confiou sua representação aos mais óbvios líderes do capital pri-
vado. O domínio dos trustes sobre o Governo do Congo era total,
tanto mais porque as grandes companhias puderam assegurar
consideráveis vantagens materiais aos representantes do Estado
que passaram para o seu serviço.
Os trustes aceleraram suas manobras, antes de junho de
1960, para impedir que o povo congolês tomasse posse do seu
patrimônio. À época da Conferência de Mesa Redonda, a impren-
sa financeira insistia enfaticamente em que o Governo belga obti-
vesse garantias da futura República do Congo. “Em primeiríssi-
| 291 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mo lugar é necessário abrigar as empresas contra uma eventual


nacionalização”. Os partidos nacionalistas congoleses foram, no
entanto, unânimes em se oporem à manutenção, pelos grupos fi-
nanceiros belgas, de um protetorado econômico sobre o Congo
depois do dia 30 de junho de 1960.
Consequentemente, insistiram em que os títulos e direi-
tos pertencentes ao Congo fossem transferidos integralmente e
sem condições à jovem República, que estaria capacitada a
exercer os direitos consequentes de nomear seus próprios repre-
sentantes nos órgãos paraestatais e, se fosse o caso, nas compa-
nhias privadas congolesas.
Foi isso que amedrontou os círculos financeiros belgas; a
perspectiva de ver a República do Congo exercendo os direitos
incontestáveis que a posse dos títulos lhe conferia.
Para evitar isso, Raymond Scheyven tentou em vão uma
manobra logo reconhecida pelos líderes congoleses: propôs aten-
der às necessidades financeiras do Congo através da criação de
uma “companhia de investimento mista”, à qual o Congo conferi-
ria a administração dos títulos.
A Bélgica, por sua parte, daria uma contribuição anual de
um bilhão de francos. Se essa tentativa falhou, o Governo belga
ficou bem mais satisfeito com o caso das companhias com carta
de privilégio, cuja dissolução in extremis ia decretar alguns dias
antes do 30 de junho.
A Bélgica decidiu também dissolver o C.S.K. e o C.N.Ki.
antes que o Congo alcançasse a independência.
Por ocasião da Conferência da Mesa Redonda, Scheyven
parlamentou com determinados delegados congoleses, que tentou
persuadir de que seria melhor que o próprio Governo belga to-
masse a medida, antes do dia 30 de junho. Conseguiu que acredi-
tassem que isso era preferível porque se o Governo congolês o
fizesse mais tarde isso poderia criar uma impressão má no exteri-
or, provocando a crença de que o Congo tinha alguma coisa con-
tra as companhias privadas.
A manobra foi inteligente. Foi mais fácil convencer os de-
legados congoleses, uma vez que a maioria deles demonstrava
uma compreensível desconfiança em relação às companhias com
carta de privilégio.
Haviam frequentemente afirmado que as companhias fazi-
| 292 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

am o jogo dos grandes trustes. Quanto a estes, alguns partidos


congoleses haviam pedido a dissolução das companhias e a trans-
ferência dos seus direitos para o Estado congolês.
Os funcionários belgas encarregados de dar esclarecimen-
tos técnicos aos participantes da Conferência da Mesa Redonda
tiveram abertamente o cuidado de indicar que a República do
Congo poderia indenizar os colonialistas pela parte que lhes ca-
bia, utilizando no interesse do povo congolês as prerrogativas nas
companhias, que deveriam ser devolvidas ao Estado.
Um apressado decreto de 27 de junho de 1960, três dias
antes da declaração de independência, sancionava a dissolução do
Comité Special du Katanga e a divisão dos seus bens entre o
Congo e a Compagnie du Katanga.
De uma tacada, a República do Congo perdeu a possibili-
dade de utilizar os poderosos instrumentos de comando de que
disporia assumindo a direção do C.S.K; e assim as prerrogativas
da Union Minière foram preservadas.
Através do intermediário C.S.K., que se teria tornado de
fato um órgão paraestatal congolês, a República do Congo teria
na realidade obtido o direito estatutário de designar o presidente
do truste de Catanga e um certo número de outros membros de
sua diretoria.
E o Governo congolês poderia mesmo ter imposto previ-
amente os seus pontos de vista nas assembleias gerais da Union
Minière através do C.S.K., que era o maior acionista da compa-
nhia. A dissolução do C.S.K. não apenas retirou à República do
Congo a possibilidade de se beneficiar das prerrogativas do ór-
gão. A convenção de 27 de junho de 1960 concedeu considerá-
veis vantagens adicionais à Compagnie du Katanga, que recebeu
plena propriedade de um terço das terras valorizadas pelo
C.S.K. (zonas de loteamento), seus imóveis e negócios bancá-
rios, assim como o direito a um terço das rendas que teriam sido
obtidas futuramente pelo C.S.K. através da distribuição de con-
cessões de mineração.
Se os direitos sobre terrenos e os direitos sobre mineração
ainda não concedidos reverterem ao Congo, essa restituição de
direitos sobre a terra e o patrimônio mineral congolês não se efe-
tuar á sem compensação, uma vez que a convenção estipula que a
República do Congo precisará pagar em compensação uma inde-
| 293 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nização, por confisco, de cem milhões à Compagnie du Katanga.


O C.N.Ki. foi criado por um prazo que expirará no dia 31 de de-
zembro de 2011.
Aqui, mais uma vez, bastaria que o Governo congolês uti-
lizasse os direitos que lhe são conferidos estatutariamente para
exercer uma influência preponderante no órgão paraestatal.
As autoridades belgas, no entanto, concluíram com os
funcionários do C.N.Ki. uma convenção que decidiu que o Con-
go Belga se retiraria pura e simplesmente como um sócio na
concessão e ao mesmo tempo renunciaria a todos os seus direi-
tos na associação. Um decreto emitido no dia 30 de maio de
1960 aprovou essa convenção e, de um golpe, o C.N.Ki. deixou
de ser um órgão semioficial.
No dia 21 de junho de 1960 seus acionistas decidiram,
além disso, transformá-lo em uma companhia por ações ordiná-
rias denominada Société Belgo-Africaine du Kivu — SOBAKI.
Essa companhia reservou-se o direito de explorar para seu
exclusivo lucro particular as minas do C. N. Ki., assim como a
propriedade integral do conjunto de títulos que esse órgão consti-
tuíra. Se as autoridades governamentais assumirem a administra-
ção das terras da coroa, a convenção estabelece que os acionistas
da SOBAKI receberão “uma justa indenização”.
Para dar uma aparência de legalidade a essas convenções,
os representantes do Governo belga declararam agir “de acordo
com os desejos expressados pela conferência econômica, finan-
ceira e social realizada em Bruxelas nos meses de abril e maio de
1960”. Na realidade, ao pronunciar a dissolução do C.S.K. e do
CN.Ki., as autoridades belgas queriam, acima de tudo, colocar o
novo Estado congolês ante um fato consumado.
Para demonstrar quanto era indispensável o apoio finan-
ceiro da Bélgica, as companhias belgas haviam, de fato, cuidado
de fazer retiradas maciças de capital ao mesmo tempo que força-
vam ao máximo a exportação de produtos congoleses e, por outro
lado, limitavam ao extremo suas importações. A balança comer-
cial congolesa resultante dessas medidas deu um superavit excep-
cionalmente alto em 1959 (13 bilhões e 417 milhões de francos),
que nada fez para salvar o Congo de enormes dificuldades finan-
ceiras. De fato, uma alta proporção das somas antecipadas pela
venda de produtos congoleses não foi devolvida à colônia e mais
| 294 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de sete bilhões de capitais privados deixaram o Congo no curso


desse exercício. Essas manobras custaram ao jovem Estado afri-
canos tristes convulsões e o levaram à beira do caos. E nada fize-
ram para resolver o problema essencial para o futuro do Congo
como se livrar de seu subdesenvolvimento.
| 295 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

16. Zonas monetárias


e bancos estrangeiros

O Comitê Permanente de Comércio da Comissão Econô-


mica das Nações Unidas para a África descreveu recentemente o
continente africano como estando “crivado de diferentes regimes
de comércio e sistemas de pagamento, em muitos casos suple-
mentados por laços econômicos específicos com nações ou gru-
pos de nações de fora da África.”¹ Uma das maneiras mais efici-
entes pelas quais a Grã-Bretanha e a França conservaram laços
econômicos com antigos territórios coloniais é através de medi-
das que asseguram que os novos Estados permaneçam nas zonas
monetárias centralizadas em Londres e Paris.
Há sete grupos correspondentes a sistemas monetários
importantes na África: a zona do franco francês, a área da libra
esterlina, a área do franco-belga, as áreas da peseta espanhola e
do escudo português, a área do rand sul-africano e as nações co-
mo República Árabe Unida e o Congo (Leopoldville) com unida-
des próprias de moeda. A parte maior do comércio da África,
bem superior ao restante, realiza-se na zona da libra e na zona dos
francos africanos.
A área esterlina tem sido de algum modo menos estreita
do que o bloco francês. Por exemplo, Nigéria e Gana criaram su-
as próprias moedas e seus próprios bancos centrais, embora con-
tinuem, na maior parte, a manter suas reservas internacionais sob
a forma de libras esterlina. Quando fundei o Banco de Gana, em
fins de julho de 1959, falei do papel decisivo representando por
um banco central na vida econômica de um país; “Nossa inde-
pendência política não terá significação a menos que a utilizemos
para alcançar o autogoverno e a independência econômica e fi-
| 296 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nanceira. A fim de obter isso é de absoluta e suprema importância


que um banco central seja instituído pelo governo.” Para instituir
o Banco de Gana, tivemos a assistência do Banco da Inglaterra,
mas nosso banco sempre seguiu uma orientação com o objetivo
de assegurar nossa independência econômica e incrementar o de-
senvolvimento geral do país.
O Banco de Gana, como outros bancos instituídos de ma-
neira semelhante, não faz reivindicações sobre as reservas de di-
visas estrangeiras da Grã-Bretanha, mas tem completo controle
sobre seus próprios ganhos em divisas estrangeiras.
A Junta Monetária da África Oriental é a principal insti-
tuição monetária multinacional na área da libra esterlina.
Inclui Quênia, Tanzânia e Uganda, na África, e Aden, fora
da região, com uma moeda livremente conversível em libras es-
terlinas a uma taxa fixa. As nações membros da Junta Monetária
não têm controle sobre os suprimentos de moeda doméstica. Estes
acabam sendo controlados pelos níveis de importação e exporta-
ção e fluxos de investimentos do exterior, em longo prazo, e a
curto prazo pela política de empréstimos dos bancos de Londres.
Dentro desse arranjo, o crescimento dirigido nacionalmente mui-
tas vezes leva a uma escassez de moeda que restringe a expansão.
Na Grã-Bretanha os nomes dos “Cinco Grandes” bancos
são termos familiares domésticos. Esses bancos, com seus imer-
sos recursos, são intimamente ligados aos grandes industriais para
formar um grupo pequeno e especialmente poderoso, com inte-
resses de âmbito mundial. Em 1951, os 147 diretores dos Cinco
Grandes bancos mantinham entre si 1.008 cargos de diretoria, dos
quais 299 em outras instituições financeiras, como outros bancos,
empresas de seguros e trustes de investimento. Muitas das maio-
res companhias têm diretores na administração de mais de um dos
grandes bancos. “Quanto maior interligação houver, menos se
ponderá dizer que fulano é um financista e sicrano um industrial.
Está emergindo um grupo de capitalistas financeiros que domi-
nam tanto a finança como a indústria.”³
Os perigos, portanto, de laços demasiadamente estreitos
com bancos estrangeiros são evidentes. No entanto, a ampla par-
ticipação de bancos estrangeiros nos bancos africanos pode se
aquilatar em vista do seguinte:
| 297 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

República do Congo: O Crédit Congolais é um subsidiário


do Barclays Bank D.C.O. através de seu filiado em Antuérpia, o
Banquete de Commerce; o Banque Internationale pour le Com-
merce et I’industrie du Congo é subsidiário do B.N.C.I., Paris,
através do B.N.C.I. (Afrique); o Banque Commerciale Congolai-
se é subsidiário do Crédt Lyonnais; a Société Générale de Ban-
quetes ao Congo é constituída por Bayerische Vereinsbank (5%),
Société Générale de Paris (51%), Banco Nazionale Del Lavoro,
Banque de I’Union Perisienne e Bankers International Corpora-
tion (Morgan Guaranty).
Congo (Leopoldville): O Banquete Internationale pour le
Commerce é subsidiário do B.N.C.I.; a Société Congolaise do
Banque é também uma subsidiária do B.N.C.I.; o Banque Belge
d’Afrique (Banque de Bruxelles e Brufina); Banque Centrale du
Congo Belge et du Ruanda Urundi (Société Générale de Belgi-
que); Banque du Congo pour le Commerce et I’Industrie); Ban-
que Belgo-Congolaise (Société Générale de Belgique e C.C.C.I.).
República dos Camarões: A Société Camerounaise de
Banque (Deutsche Bank – 5%- e Crédit Lyonnais); o Banque In-
ternationales pour le Comerce et I’Industrie (B.I.CI. du Came-
roun é subsidiário do B.N.C.I.); a Société Générales de Banques
em Cameroun é composta do Bayerienne de Paris (51%), Banque
de I’Union Parisienne, Banco Nazionale Del Lavoro e Bankers
International Corporation (Morgan Guaranty).
Gabão: Union Gabonaise de Banque (Deutsche Bank –
10% - e Crédit Lyonnais).
Libéria: O Bank of Monrovia é de propriedade total do
First National City Bank of New York (Morgan); o Liberian Tra-
ding & Development Bank é constituído por Mediobanca (60%) e
Bankers International Corporation (Morgan).
Líbia: O Sahara Bank (Tripoli) é constituído por Bank of
America International N.Y. Bank of America, California, Banco
de Sicília, Palermo (associado ao Bank of America).
África Central: A Union Bancaire em Afrique Centrale é
de propriedade da Société Générale de Paris e Crédt Lyonnais.
Nigéria: Barclays Bank D.C.O.; Bank of West Africana;
Philip Hill (Nigéria) Ltd. é constituído por Philip Hill (40%)
Banca Commerciale Italiana (30%); o United Bank for Africa
(B.N.C.I., Rotterdamsche Bank, Banco Nazionale dek Lavoro e
| 298 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Bankers Trust Corporation – Morgan); Nigerian Industrial Deve-


lopment Bank (Chase International Corporation Bank, Irving In-
ternational Finance Corporation, Bank of Tokyo, Instituto Mobi-
liares Italiano e Commerzbank adquiriram, em conjunto, ações
valor de 480 mil libras); a Société Financiére pour les Pays
d’Outremer é constituída por International Finance Corporation
(490 mil libras), Bank of Nigéria (490 mil libras), investidores
particulares nigerianos (20 mil libras) e a Investment Company of
Nigéria (500 mil libras). Um empréstimo do Governo eleva o to-
tal dos fundos a quatro e meio milhões de libras.
Ruanda Burundi: O Banquete de Ruanda Urundi é subsi-
diário do B.N.C.I.
Sudão: O Nilein Bank (Banque des Deux Niles) é subsidi-
ário do Crédit Lyonnais.
Costa do Marfim: A Société Générale de Banques em
Côte d’Ivoire é constituída por Bayerische Vereinsbank, Société
Générale de Paris, Banque de I’Union Parisienne, Banco Nazio-
nale del Lavoro e Bankers International Corporation (Morgan
Guaranty); o Banque Ivoirienne de Crédit é subsidiário do Crédt
Lyonnais; B.I.C.I. du Côte d’Ivoire é subsidiário do B.N.C.I. e
Société Ivorienne de Banque é constituída por Deutsche Bank
(16%), Crédt Lyonnais (42%), International Banking Corporation
(16%) e o Governo da Costa do Marfim (10%).
Daomé: A Société Dahomienne de Banque é subsidiária
do Crédit Lyonnais.
Mali: O Banque Malienne de Crédit et de Dépôts é subsi-
diário do Crédt Lyonnais.
Marrocos: O Banque Franco-Suisse pour le Maroc é cons-
tituído por Swiss Bank Corporation (50%); o Banque Nationale
pour le Developpement Économique é constituído por Doutsche
Bank, Banco Nazionale del Lavoro e Commerzbank; a Caisse
Marocaíne des Marchés é em parte propriedade do Crédt Foncier
de France; o Banque Foncière du Maroc é em parte propriedade
do Crédt Nord; o Banque Commerciale du Maroc é constituído
por Cie Industrielle et Commerciale (C.I.C.), Crédit Lyonnais du
Maroc, Union Africaine et Financiere Maroc e a Union Europee-
nne Industrialle et Financiere.
Chad: O Banque Tchadienns do Crédit et de Déspois (Go-
verno de Tchad e Crédit Lyonnais).
| 299 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Tunísia: Union Bancaire pour le Commerce et Industrie


(B.N.C.L e Banco di Roma); Banque (Société Tunisienne de
Banques, Banca Commerciale Italiana, Commerzbank e Bank of
America); o Banque d’Escompte et de Crédt à I’Industrie en Tu-
nisio (B.E.I.T.) é constituído por Banque Industrielle pour
I’Afrique no Nord (Banque de I’Indochine, 5%), International
Banking Corporation (Morgan Guaranty) e Comptoir National
d’Escompte de Paris.
Madagascar: Banque Malgache d’Escompte et de Crpedt
(Governo malgaxe e Comptoir National d’Escomple de Paris).
África do Sul: Além do Barclays D.C.O., Crédit Lyonnais
e outros grandes bancos britânicos e franceses, há o French Bank
of South África (Banque de I’Indochine), First Nattional City
Bank of New York (S.A.) Ltd, Banque Commerciale Africaine
(C.I.C., 12.631 ações) e o Standard Bank.
Além disso, há numerosos outros bancos funcionando por
toda a África, como o British Bank of the Middle East, que opera
na Tunísia, Marrocos e Líbia, e o National and Grindlays Bank,
com ramificações e agências na República do Somail. Um banco
de criação recente é o Merchant Bank of Central Africana, funda-
do pelo grupo bancário Rothschild. O Banque Lambert tem parti-
cipação, assim como o Mediobanca.
Os relatórios de importantes bancos franceses relativos ao
ano financeiro de 1963/64 indicam a maneira pela qual se adap-
tam às novas condições dos Estados independentes sem perder
parte alguma de sua antiga influência. O seguinte relatório, do
Comptoir National d’Escompte de Paris, foi publicado em Le
Monde, no dia 16 de julho de 1964:
“Firmamos de nova forma nossa orientação na África.
Abrimos em abril, como havíamos indicado no ano passado, o
Banque d’Escompte et de Crédit à L’Industrie en Tunisie (BEIT),
que fundamos em Túnis com o Banque Industrielle de I’Afrique
du Nord (BIAN) e o Morgan Guaranty International Banking
Corporation, esse novo estabelecimento absorveu nossas ramifi-
cações locais e as do BIAN. Decidimos também criar, com o go-
verno malgaxe, o Banque Malgache d’Escompte et de Crédit
(BAMES), ao qual desde então cedemos nossas agências em Ma-
dagascar, e que é presidido por uma personalidade malgaxe, ad-
ministrado por uma junta comum e gerido por nosso representan-
| 300 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

te. Esperamos dar a esse setor tradicional de nossa influência de


novo impulso e realçar assim a posição que mantemos em Mada-
gascar desde de 1885. Na Argélia estamos conservando apenas
uma agência em Argel, onde, apesar das circunstâncias, manti-
vemos alguma atividade.
Três dias antes, a 13 de junho, Le Monde continha o rela-
tório das atividades do Crédit Lyonnais:
“Em Marrocos durante o mês de fevereiro de 1963, com
a ajuda do Banquete Marocaine du Commerce Extérieur, pas-
samos a transformar nossas agências em uma companhia, de
acordo com a lei marroquina. O BMCEE adquiriu uma partici-
pação importante no capital registrado de seis milhões de
dirhams da nova companhia, que funciona sob o título registra-
do de Crédit Lyonnais-Maroc.
A Tunísia, onde nossas agências alcançaram resultados
satisfatórios, as conversações encetadas com a Société Tunisienne
de Banque, a Banca Commerciale Italiana, o Commerzbank A.G.
e o Bank of America, finalizaram com a criação da Union Inter-
nationales de Banque, com um capital de 700 mil dinares, que
assumiu, a partir do dia dois de janeiro de 1964, a operação de
nossa agência.
Com a associação da República do Chad foi criado em fe-
vereiro de 1963 o Banque Tchadienne de Crédt et de Dépôts, com
um capital de cem milhões de francos CFA. Essas duas participa-
ções ajudam a completar nossa representação na África Negra,
onde nosso estabelecimento está agora interessado em 11 compa-
nhias bancárias.
Os franceses têm mantido estreito laços monetários com
as nações da antiga África Ocidental Francesa e África Equatorial
Francesa. O Banque Centrale des Etats de I’Afrique de I’Ouest
(BCEAO) controla as moedas da Mauritânia Senegal, Costa do
Marfim, Volta Superior, Daomé e Nigéria. A moeda emitida pelo
banco é ainda chamada de franco CFA, mas agora em lugar de
“Colônias Francesas da África”, as iniciais significam Comuni-
dade Financeira Africana. Comissão monetária foram formadas
em vários Estados e há um grau limitado de representação africa-
na no conselho administrativo.
Ao mesmo não se aplica ao Banque Centrale des États de
I”Afrique Equatoriale et du Cameroun (BCEAC) que se ocupa do
| 301 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Congo (Brazzaville), Gabão, República da África Central, Chad e


Camarões. As comissões monetárias nacionais têm os mesmos
poderes que as que existiam na antiga África Ocidental Francesa,
mas os administradores do banco central as dominam e o conse-
lho administrativo é composto de franceses.
Como ressaltou um grupo de pesquisas do Departamento
Econômico da Universidade de Gana, “o aspecto mais significa-
tivo nesses blocos monetários é o de que as reservas de divisas
estrangeiras das nações da zona do franco ainda são acumuladas
na própria França. Podem ser calculadas individualmente para
cada membro, mas não podem ser sacadas além de uma certa
margem de crédito governada, em cada caso, por um acordo bila-
teral com o governo francês. A política monetária local, o contro-
le cambial e a política fiscal… precisam funcionar dentro do es-
quema dessa distribuição central feita pelos franceses.”
Determinadas colônias antigas da França, como Tunísia,
Marrocos, Argélia, Mali e Guiné criaram desde a independência
seus próprios bancos centrais e moedas, mas ataram suas moedas
ao franco.
A existência de zonas monetárias separadas está tendo um
efeito prejudicial sobre o crescimento do comércio na África. Es-
tá provocando o comércio ilegal e perdas fiscais em várias nações
e dificultada a criação de um Mercado Comum Africano. Como
as fronteiras políticas, antigas e artificiais, que são uma relíquia
do período colonial, as várias zonas monetárias ajudam a ressaltar
diferenças quando os Estados africanos independentes deviam
estar todos trabalhando para o desenvolvimento econômico unifi-
cado. Perpetuam laços com antigas potências coloniais e aumen-
tam as forças do neocolonialismo.
Um passo adiante significativo, na cooperação econômica
continental, foi dado em setembro de 1964, quando foi fundado o
Banco Africano de Desenvolvimento. Sua sede será em Abidjan,
na Costa do Marfim, e os membros são limitados aos governos
africanos independentes. Todos os poderes do banco estão nas
mãos da junta de Governadores, cada Governador sendo um re-
presentante de um Estado-membro. O objetivo do banco é acele-
rar o desenvolvimento econômico e o processo social de seus paí-
ses-membros e para conseguir isso o banco está autorizado a
promover o investimento de capital público e privado na África.
| 302 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Embora o investimento privado estrangeiro deva ser enco-


rajado, precisa ser cuidadosamente regulamentado de modo a que
seja orientado para importantes setores de crescimento sem deixar
o controle desses setores em mãos estrangeiras. Aqui, mais uma
vez, vemos a necessidade de planejamento unificado. Com o
apoio de um governo central e um código continental para de De-
senvolvimento seria capaz de acelerar o estímulo que já está dan-
do ao desenvolvimento econômico do continente.
| 303 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

17. Novas indústrias: os efeitos sobre


nações produtores de materiais
primários

A Segunda Guerra Mundial, com a escala quase global


que alcançou, exigiu gênio científico e inventivo em medida
sem precedentes, tudo com um único objetivo: o de destruição.
A necessidade de enormes quantidades de equipamentos e os
serviços de suprimento que são parte inseparável do objetivo
de exterminar povos e cidades, animaram – como jamais fez a
paz – o apoio governamental à investigação e pesquisa de mei-
os mais velozes e mais racionais de produção em massa. Os
Estados Unidos, que se tornaram o principal arsenal e fornece-
dor dos seus aliados ocidentais, foram naturalmente os primei-
ros a adaptar sua maquinaria industrial aos novos métodos, ao
fim da guerra.
Desde então, as exigências de reconstrução de cidades
arruinadas e a reedificação de economias abaladas aceleraram
essa tendência. A política de contenção, aventuras militares co-
mo o do Vietnã, Chipre e Coreia, o armazenamento de armas
para a guerra fria e a corrida na montagem de foguetes e cons-
trução de naves espaciais adicionaram a sua parte. A situação e
o uso da eletrônica se expandem rapidamente e, como nos Esta-
dos Unidos, se estabelecem onde quer que a produção em gran-
de escala demonstre que são mais lucrativas, substituindo a mão
de obra humana por mecanismo controlados por botões e neces-
sitados de poucos cuidados humanos.
O tremendo saldo consequente, no potencial de produ-
ção, criou uma crescente demanda de materiais básicos da in-
| 304 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dústria e surgiu uma série rapidamente crescente de materiais


sintéticos brutos, muitos dos quais suplementando os produtos
naturais e frequentemente os substituindo. Isso está tendo con-
sequências sobre os preços de mercado dos produtos primários
naturais, fato ressaltado pelo presidente da diretoria da Union
Minière du Haut Katanga na assembleia de acionista de 1964.
A London Metal Exchange, que ainda controla os preços
mundiais dos metais, está grandemente sob a influência dos
principais produtores e processadores, como a própria Union
Miniète, e seus associados, Rhodesian Selection Trust, Conzinc-
Rio-Tinto, Amalgamated Metal Corporation, Minerals et Mé-
taux e London Tin Corporation.
Os utilizadores do cacau, por sua vez, estão constante-
mente ameaçando as nações plantadoras de borracha enfrentam
a utilização crescente do produto artificial. Assim como altas
cotações e flutuações dos produtores primários são influencia-
dos pelos produtores monopolistas, a ameaça da utilização de
sintéticos não é uma advertência vã, uma vez que os controlado-
res dos produtores naturais são também os principais produtores
de materiais artificiais. Pelo menos motivo, os produtores de
sintéticos terão cuidado de não competir demasiado vigorosa-
mente com produtos naturais. Por exemplo, já se afirmou que a
Duniop custou a iniciar a produção de borracha sintética por
causa dos seus grandes interesses em plantações na Malásia.
Todos os quatro gigantes da produção de borracha dos
Estados Unidos, Firestone, B.F. Goodrich, Goodyear e United
States Rubber, estão engajados na produção de borracha artifici-
al. A United Status Rubber opera 90 mil acres de plantações de
borracha na Malásia e Indonésia, assim como concessões no
Brasil, Venezuela, Colômbia e outras nações latino-americanas.
Suas fábricas de borrachas sintéticas e produtos afins, à
exceção da Naugatuck, Connecticut, estão localizadas, como as
de sua divisão têxtil, nos Estados sulistas dos Estados Unidos,
onde a mão de obra é mais barata do que no Norte. Em 1962
houve uma “expansão significativa” nas instalações de plásticos
de companhia, em consequência da qual a capacidade de produ-
ção do seu material, Kralastic, foi aumentada.
Esse material é descrito como uma “mistura resistente de
plástico e borracha”, para a qual utilizações cada vez mais fre-
| 305 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

quentes estão sendo encontradas em automóveis e vários outros


artigos, todos originalmente fabricados em borracha.
A Goodyear, entre as primeiras 20 companhias nos Esta-
dos Unidos, tem suas próprias plantações de borrachas na Indo-
nésia, Costa Ria, Brasil e Guatemala. Opera com fábrica de bor-
racha sintética em Houston, Texas, e Akron, Ohio. Um aumento
de 30% foi feito nas instalações da companhia para a pesquisa
sobre borracha, plásticos e outras investigações científicas em
1961, pois a companhia se interessou, desde então, em produtos
químicos e aeronáutica.
Firestone é uma palavra muito conhecida na África Oci-
dental, onde até o recente aparecimento das companhias extrato-
ras de minério de ferro dominava a economia da Libéria. É ain-
da a “Rainha da Borracha” ali e, como outros gigantes da borra-
cha, obtém sua matéria-prima de seringais nas nações latino-
americanas, assim como em Ceilão. Tem 58 fábricas por todo o
território norte-americano, inclusive quatro de borracha sintética
e uma trabalhando para o que é chamado de “defesa nacional
dos Estados Unidos”. Outras 53 fábricas estão espalhadas por
todo o mundo, no hemisfério Ocidental.
A B F. Goodrich Company funciona da mesma maneira
mas tem interesses maiores em plásticos, uma vez que é a pro-
dutora de resina de vinil sob a marca registrada Geon e, entre
uma longa lista de subsidiárias e de outros interesses, controla a
Brittah Geon, em colaboração com a Distillers Company, um
combinado controlando o comércio de uísque e gim na Grã-
Bretanha, com mais de uma centena de companhias subsidiárias
empenhadas em bioquímica, álcool industrial, plásticos, ligas de
magnésio para motores a jato e muitas outras operações.
E. T. R. Indnstries, que controla entre outras companhias
a British Tyre & Rubber Company, está incluída entre as filia-
das de Goodrich. Os seringais operados pela Goodrich Company
encontram-se na Libéria, assim como na América Latina e Ma-
lásia. Essa companhia está ligada à A.K.U. (Algemene Kuns-
tzijde Unie) da Holanda, numa companhia que manufatura bor-
racha sintética para fins especiais e controla os importantes fa-
bricantes de borracha, Kleber-Colombes. Como a Firestone e a
United States Rubber, tem também companhias no Japão.
| 306 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Essas e outras principais companhias internacionais da


borracha, como o Pirelli Italiana, as companhias alemãs Conti-
nental e Phoenix, as francesas Michelin e Kleber-Colombes e a
britânica Dunlop, completam, mais ou menos, o pequeno círculo
de trustes que dominam a produção mundial de borracha. Estão,
todas elas empenhadas na fabricação de borracha artificial e de
outros produtos sintéticos. A furiosa campanha de publicidade
que se desenvolve em todos os países para impor seus produtos
individuais não permite dúvidas quanto à competição pelos mer-
cados e todas elas têm fábricas assim como uma multidão de
agentes e representantes espalhadas por todo o globo.
Essa breve revista dos monopólios da borracha ilustra
suas inter-relações e seu domínio tanto da borracha sintética
como da natural, em todo o mundo. Isso se torna cada vez mais
evidente à medida que nos aprofundamos nas operações dos
monopólios industriais com eles mantém as nações em desen-
volvimento em posição de absoluta desvantagem.
Como fornecedores dos novos produtos básicos tanto pa-
ra novas como para antigas indústrias em escala continuamente
crescente, as nações altamente industrializadas são os grandes
investidores e concessionários dos materiais iniciais, obtidos
primariamente de fontes largamente subindustrializadas. Entre
estas, incluímos a Austrália e o Canadá, mais avançados que
são, para todos os fins práticos, colônias financeiras do capital
ocidental dominado pelos Estados Unidos.
Por causa dos custos de capital extremamente altos ne-
cessários para descobrir a aperfeiçoar novos produtos e suas uti-
lizações e construir usina e fábricas para sua manufatura e pro-
cessamento, a produção desses materiais sintéticos tornou-se
monopólio de umas poucas organizações internacionais gigan-
tescas como o Imperial Chemical Industries (ICI), Dupont de
Nemours, Union Caribe, Coutraulds, Snia Viscosa, Montecatini,
AKU, Unilever, o grupo tripartide da antiga I. G. Farben – Ba-
yer, Hoechst e BASF – Dow Chemical, Texas Gulf Sulphur,
Lonza e Scichime. O importante rebento do complexo Mitsui,
Toyo Rayon Company, liga-se aos maiores gigantes norte-
americanos e europeus, Du Pont, ICI e Montecatini, por acordo
de patentes, tendo a Du Pont adquirido um interesse direto na
companhia durante a ocupação estadunidense do Japão imedia-
| 307 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tamente após a guerra. Esses gigantes unem as forças em deter-


minados pontos focais, na luta por domínio. Desenvolvem per-
manentemente uma feroz competição para assegurar os merca-
dos monopolísticos e suprimentos de material de fontes origi-
nais, não apenas para sua produção de sintéticos como para a
indústria metalúrgica, eletrônica e nuclear que se tornaram parte
integrante de sua expansão no pós-guerra. Não é de surpreender,
portanto, que menos um relance superficial aos seus interesses
revele a participação na exploração de materiais primários afri-
canos, embora suas manobras financeiras possam parecer super-
ficialmente estar muito longe desses empreendimentos.
Quando a fusão de Courtauld com a ICI foi debatida em
1961, teve “repercussões de âmbito mundial”, o que não é de
surpreender quando suas próprias ramificações são recordas e se
reconhece a influência da ICI nos mercados industriais e comer-
ciais do mundo. Representando mais de 30% da indústria quími-
ca britânica, a ICI obtém 88% dos seus rendimentos no exterior,
em cerca de 50 países.
Seu capital emitido é várias vezes maior do que os orça-
mentos da maioria dos Estados africanos, elevando-se, no final
de 1962, a 3003.393.910 libras, maior ainda do que o orçamento
da África do Sul, a nação mais industrializada do continente.
Com químicos, corantes, tintas, produtos farmacêuticos, fibras,
plásticos, produtos químicos orgânicos pesados, explosivos e
fertilizantes, essa vasta organização criou uma nova companhia
holding em 1962, a Imperial Metal Industries Ltd., a fim de al-
cançar – segundo a literatura distribuída pela companhia – maior
concentração de esforço sobre um aspecto dos negócios da
companhia que é materialmente diferente de suas atividades
principais de fabricação de produtos químicos: sues interesses
em metais não-ferroso diversos do alumínio. Neste último cam-
po, a ICI está ligada, em base de igualmente, na Imperial Alu-
minium,à ALCOA (Aluminium Company of America), o impé-
rio dos interesses de Mellon.
A Imperial Metal Industries tem um interesse na Exten-
ded Surface Tube Company. O mesmo sucede a Stewarts &
Lloyds, uma companhia de 60 milhões de libras até tubos de
todas as variedades. Através de subsidiária, companhias asso-
ciadas e agentes por todo o mundo, Stewarts & Lloyds tem
| 308 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma parte de todos os mercados internacionais. Entre estas es-


tão um interesse de 70% na Stewarts & Lloyds of South Africa
Ltd., que controla seis companhias operando na África do Su-
deste, Rodésia e a própria África do Sul; e uma participação
acionária de 13% no importante projeto de conversão de aço
em Zâmbia, a Rhodesian Iron & Steal Companay, subsidiária
da Rhodesian Anglo American Ltd., que é controlada pela An-
glo-American of South Africana. A Stewarts & Lloyds enfren-
ta a competição do monopólio norte-americano na África do
Sul, onde sua subsidiária estava há alguns meses negociando
com grupos dos Estados Unidos e ditos brasileiros para a cria-
ção de uma fábrica ao lado da que existe em Vereeniging, perto
de Johanesburgo. Os norte-americanos e seus vassalos brasilei-
ros estavam tentando levar a melhor através da imposição de
uma cláusula que reduzia a participação de Stewarts & Lloyds
de 51% para 25%, no caso de a indústria britânica do aço ser
nacionalizada ou, na opinião dos dois sócios de fora, de ser
provável que venha a ser nacionalizada.
A ICI está ajudando o Governo sul-africano a fortalecer
suas indústrias de produtos químicos e armamento através da
ICI (South Africa) Ltd. e da African Explosives & Chemical In-
dustries, nas quais se associa a De Beers. A African Explosives
fornecerá, do seu complexo em construção em Sasolburg, mui-
tos dos materiais para alimentar de polímeros a fábricas de fios
de nylon que está sendo erguida pela British Nylon Spionners,
ao custo de três milhões de libras, no terreno adquirido por ela
em 1963 em Belville, perto da Cidade do Cabo. A subsidiária
rodesiana da African Explosives está por trás da planejada fábri-
cas de fertilizantes, de dois milhões de libras, a ser construída
em Livingstone, Zâmbia, com o apoio do governo, em conexão
com a qual a companhia está construindo outra fábrica em Do-
rowa, Rodésia, para a exploração de jazidas de fosfato.
O uso de combustível, energia e mineral comuns aumen-
tou fenomenalmente desde a guerra e as nações capitalistas oci-
dentais, como também o Japão, recorreram às não-industrializa-
das para as quantidades rapidamente crescente. Antes da guerra,
as nações industrializadas dependiam em grande parte de suas
próprias reservas de minérios de ferro ou das de outras fontes
ocidentais. Hoje as gigantescas corporações de ferro e de aço da
| 309 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Europa, América do Norte e Japão, além de seus investimentos


no Canadá e Austrália, estão se voltando cada vez mais, em bus-
cas de seus materiais básicos, para a África, onde a mão de obra
barata, as concessões fiscais e o apoio do governo abrira novos
caminhos de maiores lucros para enormes fontes inexploradas,
M. d. Banghart, vice-presidente da Newmont Mining, importan-
te companhia holding em mineração e petróleo cru, disse que
essas firmas estadunidenses poderiam obter maiores lucros na
África do que de quaisquer investimentos comparáveis nos Es-
tados Unidos. O Sr. Banghart deve conhecer intimamente o as-
sunto, uma vez que a Newmont Mining participa de consórcios
operando os maiores empreendimentos de exploração no Norte e
no Sul da África, como a O’Okiep Copper Co., a Tsumeb Cor-
poration, Palabora Mining, Société N. A. du Plomb e Société
des Mines de Zellidja. Tem uma participação de 12,1% na
Cyprus Mines, o que lhe dá um interesse local na manutenção de
Chipre para a causa da OTAN. O fato de os mineiros norte-
americanos ganharem, em média 2,70 dólares por hora em com-
paração à média de menos de dez centavos pago aos mineiros
africanos na África do Sul torna evidente a maneira pala qual
são obtidas esses superlucro. Não admira que o investimento
original da Newmont em Tsumeb tenha multiplicado 20 vezes o
seu valor, no espaço de três anos.
As nações africanas tem a necessidade de transformar
economias de subsidiárias em organismos que criem condições
viáveis e melhores de vida para suas populações. No entanto,
muitos governos africanos, em lugar de se juntarem em uma
ação unida que estimulasse a máxima acumulação de capital e a
construção de uma sólida economia global africana, estão dando
concessões para exploração de recursos minerais, agrícolas e de
silvicultura cujo objetivo é a retirada de recursos da produção
para sustentar e ampliar as indústrias e economias das nações
imperialistas. Nenhum dos sindicatos investidores tem qualquer
intenção de fundar em qualquer dessas nações um complexo in-
dustrial integrado que de impulso a um genuíno crescimento
econômico. Nem é provável que os rendimentos obtidos com a
exploração de produtos primários da mineração. Agricultura e
silvicultura constituem, em volume de alguma importância, o
esperado capital para investir na fundação industrial.
| 310 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Os rendimentos das nações produtoras obtidas da explo-


ração dos produtos primários são mínimos em comparação aos
lucros obtidos pelos concessionários monopolistas, que são, ao
mesmo tempo, vendedores e processadores. Um bom exemplo a
tomar em relação a isso é a Union Miniére. Em Catanga, a Uni-
on opera em 34 mil quilômetros quadrados de concessões, nos
quais explora três minas de cobre, uma de cobre e zinco, cinco
minas de cobre e cobalto, uma de ferro e uma jazida de potassa.
Todas elas são ligadas por rodovias ou ferrovias pertencentes a
companhia. Os concentrados de cobre, cobalto e zinco, em seu
estágio inicial, são processados em seis usinas. A companhia
possui quatro usinas geradoras de energia que alimentam a fun-
dição em Lubumbashi e as usinas eletrolíticas em Jadotville-
Shituru e Kolwezi-Luilu para refinação do cobre e do cobalto,
dos quais produziu 295.236 toneladas e 9.683 toneladas, respec-
tivamente, no ano de 1962. A maior parte do cobre e do cobalto,
no entanto, vai sob a forma de concentrado para a refinaria ele-
trolítica de sua associada, Sté. Générale Métallurgique de Hobo-
ken, Bruxelas, que também trata os resíduos de rádio e metais de
urânio de Catanga, assim como refina o germânio que também
vem da produção da Union Miniére. O zinco é exportado de Ca-
tanga sob forma de concentrado bruto.
A produção de Catanga é remetida através do Congo pela
Cie. des Chemins de Fer Katanga-Dilolo—Leopoldville, e em-
barcado para ultramar pela Cie, Maritime Congolaise. O seguro
é feito pela Congolaise d’Assurance ou Sosiété Auxiliares de La
Royale Union Coloniale Belge. O movimento bancário é reali-
zado através da Société Belge de Banque, Banque du Congo
Belge, Belgian-American Banking Corporation. O pessoal é
transportado de avião pela Sabena A Union Miniére tem partici-
pação acionária em todas essas empresas, assim como em mui-
tas outras.
É costume desses grandes monopólios – e devemos re-
cordar que a Union Minière é o terceiro produtor mundial de
cobre e o primeiro de cobalto – fixar preços de acordo com suas
noções de lucro, sujeitos a certas oscilações nos mercados mun-
diais, que frequentemente eles operam e provocam. A produção
inferior a capacidade e a retenção de fornecimento são táticos
utilizadas com frequência. A maioria dos produtos de cobre, nos
| 311 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

três últimos anos, vem operando a não mais de 85% de sua ca-
pacidade, mas voltam agora gradualmente a se aproximar do
regime de plena produção. Após a greve em Mufulira durante
1963, a Rhodesian Selection Trust fez funcionar sua usina em
regime de plena capacidade, a fim de reconstruir seu estoque,
mas limitou as vendas a 85%. No final de 1963 havia, segundo
estimativas, cerca de 300 mil toneladas anuais de capacidade de
mineração não utilizada, em todo o mundo, em consequência da
limitação deliberada de produção. Os estoques acumulados fora
dos Estados Unidos com a finalidade de manter os preços eram
calculados em 130 a 150 mil toneladas. O preço havia sido esta-
bilizado por volta de 234 libras esterlina a tonelada, para
1962/63. Havendo aumento a demanda de cobre, os estoques se
esgotaram em meados de janeiro de 1964 e o preço subiu na
Bolsa de Metais de Londres. Os produtores da Rodésia, no en-
tanto, elevaram seu preço para 236 libras e pelas declarações do
diretor-presidente da Union Minière parece que a Bolsa foi for-
çada a ceder, embora os produtores estivessem reduzidos a limi-
tação da produção a 10%. Apesar da greve e da produção redu-
zida, as transações e lucros líquidos da Rhodesian Selection
Trust foram mais elevados em 1963 do que em 1962 e conside-
ravelmente superiores aos de 1960, quando os preços eram mais
altos. O volume de transações em 1960 foi de 31.019.000 libras;
em 1962, de 46.298.000 libras e em 1963 de 50.931.000 libras.
Os lucros após retirados os impostos foram de 7.600.000 em
1960. 7.735.000em 1962 e 8.273.000 em 1963. Isso ocorreu em
consequência da descarga de estoque.
Constantemente lemos sobre os altos preços que são obti-
dos pelo cobre, estanho, zinco, etc. O que poucos percebem é que
são os preços dos artigos no memorando industrial, sob forma já
processada. Os metais deixam os países de origem geralmente em
sua condição primária de minério os concentrados e as vezes no
primeiro estágio de transformação, o que resulta em rendimentos
apenas simbólicos para esses países. Os rendimentos são ainda
mais insignificantes quando comparados com valores que são
adicionados quando o material é colocado a bordo de veículos de
transporte, no ponto de saída; esse cargueiro, como já vimos no
caso da Union Minière, estando relacionado direta ou indireta-
mente com o próprio produtor. Os numerosos outros acréscimos
| 312 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

que se acumulam no trânsito do país produtor até os centros es-


trangeiros de transformação e através dos subsequentes estágios
de conversão cabem aos combinados concessionários e às organi-
zações de transporte marítimo, transporte terrestre, bancos, segu-
ros, manufaturas e vendas, com as quais, na maioria dos casos,
tem ligação. Como dramaticamente sintetiza Victor Perlo em
American Imperialism, “países fracos, sem indústria adequada
para construir navios e aviões, precisam pagar taxas aos monopó-
lios imperialistas de transporte pelos bens que importam e expor-
tam. Nações sem recursos financeiros adequados precisam pagar
taxas aos centros do capital financeiro pelo uso de instalações
bancárias e pelo seguro” (pág. 62).
As quantias que permanecem nos países produtores sob
forma de salários são trimestres fracionárias. Mais de 50% da
renda nacional do Congo ia regularmente para residentes euro-
peus e firmas estrangeiras. O restante ficava para ser distribuído
entre vários setores da economia. Não é de surpreender que os
14 milhões de habitantes do território vivam na mais extrema
pobreza. No Gabão, um terço da renda vai para a população não
africana. Dois quintos da renda total da Libéria cabem a firmas
estrangeiras (Relatório das Nações Unidas E/CN. 14/246, sete
de janeiro de 1946). E quando as nações independentes da Áfri-
ca tentam introduzir uma certa retificação criando impostos so-
bre os lucros das companhias, provocam um ressentimento que
ecoa em advertências medonhas da imprensa imperialista, de
que sufocarão os investimentos estrangeiros se persistirem em
tais usurpações sobre os direitos do capital expatriado.
“Ashanti golpeado por imposto de Gana”, bradava um
entre título num jornal da City de Londres datado de 28 de janei-
ro de 1964, apresentando em seguida cifras para demonstrar que
o imposto decretado pelo governo de Gana reduziria os lucros
de 1962/63 da Ashanti Gold Fields de 1.111.162 libras para
609.142. Apesar de tudo a companhia ainda foi capaz de decla-
rar um dividendo total de 37,5%, evidentemente uma queda em
relação aos 50% e mais que vinham sendo mantidos durante vá-
rios anos anteriores, mas, ainda assim, um elevado lucro para
um capital original de 250 mil libras que fora sendo multiplica-
do, ates chegar aos atuais três milhões de libras, mediante a
acumulação de reservas retiradas dos lucros passados e atuais.
| 313 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Que a companhia fosse capaz de pagar o dividendo, é prova de


reservas bem fornidas, acumuladas durante um determinado pe-
ríodo de operação, além das que foram incluídas no capital.
Os diamantes estão sendo dando um rendimento suple-
mentar às nações do Oeste da África, através de novos acordos
de venda que estão tornando uma parte do lucro que ia anteri-
ormente para CAST (Conslidated African Selection Trust) e su-
es chefes da De Beers. Gana tem seu próprio mercado de dia-
mantes e uma junta governamental de vendas que recebe a co-
missão que anteriormente cabia aos intermediários que agiam
para De Beers. Em Serra Leoa, os lucros do CAST são mais ele-
vados, mas uma taxa de serviços paga à junta governamental
“sob protesto” e custos de produção mais altos os reduzem, de
certo modo. No entanto, CAST pode declarar um dividendo fi-
nal que deixou o dividendo total do ano de 1962/63 inalterado,
ao nível de três xelins e cinco pences, para cada ação do valor de
cinco xelins (70%), das quais havia 18.198.664, emitidas e pa-
gas, dos vinte milhões de ações autorizadas. Esse capital emiti-
do, no valor de 4.549.663 libras e dez xelins, foi constituído em
menos de 20 anos, com reservas obtidas do capital original de
250 mil libras. Além do mais, os anos de operações, tinham um
valor estimado em seis milhões de libras.
Outros lucros, ainda, são retirados à força da África sob a
forma do custo inflacionado de produtos acabados, equipamen-
tos e serviços que ela é forçada a adquirir das fontes monopolis-
tas que extraem as matérias-primas. Esse é o grande aperto que
se acha a África e que se agravou desde as vésperas da Primeira
Guerra Mundial. Os peritos das Nações Unidas calcularam que
os países dependentes tiveram que pagar de 2 ½ a três milhões
de dólares mais pela importação de produtos manufaturados em
1947 do que teriam que pagar por eles se os índices de preços
fossem os mesmos de 1913. Para o período de 1950 a 1961, se-
gundo a FAO, Organização de Alimentação e Agricultura das
Nações Unidas, o índice de rendimento para matérias-primas
caiu de 97 para 91 (70, para cacau, café e chá), enquanto que
para os produtores manufaturados se elevava de 86 para 110.
Para o aço, artigo indispensável em escala crescente às nações
em desenvolvimento, alcança a cifra muito mais alta de 134. Em
termos de troca entre nações produtoras de matérias-primas e as
| 314 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

exportadoras de produtos manufaturado, houve em declínio, em


dez anos, de 113 para 82, em desvantagem para as primeiras. O
valor das exportações de Gana em 1962 foi o mesmo de 1961,
mas o volume havia aumentado em cerca de 6%. O valor das
importações em 1962 foi reduzido de 16%, mas o volume caiu
em 14%, apenas. Na República do Congo (Brazzaville), enquan-
to em 1962 houve um aumento de 77% nas exportações, em re-
lação a 1961, e as importações baixaram em 15%, o valor das
exportações mal cobriu a metade do valor das importações mal
cobriu a metade do valor das importações (E/CN. 14/239, Parte
A, dezembro de 1963).
| 315 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

18. O mecanismo do neocolonialismo

Para sustar a interferência estrangeira nos assuntos das na-


ções em desenvolvimento é preciso estudar, compreender, revelar
e combater ativamente o neocolonialismo sob qualquer disfarce
que este possa usar. Pois os métodos dos neocolonialistas são su-
tis e variados. Operam não apenas no campo econômico, mas
também nas esferas políticas, religiosa, ideológica e cultural.
Frente aos povos militares dos antigos territórios coloniais
na Ásia, África, região do Caraíbas e América Latina, o imperia-
lismo simplesmente muda de tática. Sem qualquer escrúpulo, dis-
pensa as bandeiras e mesmo determinados dos seus funcionários
mais odiados no estrangeiro. Isso significa, segundo afirma, que
está “dando” independência aos seus antigos súditos, que será
seguida de “ajuda” para o desenvolvimento. Sob essas frases, no
entanto, imagina meios inumeráveis para alcançar os objetivos
que eram anteriormente atingidos pelo colonialismo sem rebuços.
É a soma dessas tentativas modernas para perpetuar o colonia-
lismo, ao mesmo tempo que falam em ‘liberdade”, que veio a ser
conhecida como neocolonialismo.
Em primeiro lugar entre os neocolonialistas estão os Esta-
dos Unidos, que há muito exercem o seu poder na América Lati-
na. A princípio tateando, voltou-se para a Europa e depois, com
mais firmeza após a Segunda Guerra Mundial, quando a maioria
das nações daquele continente era devedora. Desde então, com
perfeição metódica e comovente atenção aos detalhes, o Pentágo-
no dedicou-se a consolidar sua ascendência, podendo-se encon-
trar evidências disso por todo o mundo. Quem manda realmente,
em lugares como Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental, Japão, Es-
panha, Portugal ou Itália? Se o General de Charles de Gaulle está
“desertando” controle monopolístico dos Estados Unidos, que
| 316 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

interpretação pode ser dadas às suas “experiências” no Saara, aos


seus paraquedistas no Gabão, às suas viagens ao Camboja e à
América Latina?
Ocultos atrás dessas questões encontram-se os tentáculos
do polvo de Wall Street. E suas ventosas e força muscular são
provindos por um fenômeno apelidado de “O Governo Invisível”,
nascido da conexão entre Wall Street, o Pentágono e vários servi-
ços de informações. Passo a citar:
“O Governo Invisível…é um agrupamento frouxo e
amorfo de indivíduos e órgãos tirados de muitas partes do go-
verno visível. Não se limita à Agência Central de Inteligência
embora a CIA seja o seu coração. Nem está confinada aos nove
outros órgão que constituem o que é conhecido como comuni-
dade de informações: o Conselho de Segurança Nacional, a
Agência de Informações da Defesa, a Agência de Segurança, o
Serviço de Informações do Exército, o Serviço de Informações e
Pesquisas da Marinha, a Comissão de Energia Atômica e o Bu-
reau Federal de Investigações.”
“O Governo Invisível inclui também muitas outras unida-
des e agências, assim como indivíduos, que aparentam externa-
mente ser parte normal do governo convencional, inclui, mesmo,
firmes comerciais e instituições aparentemente privado.”
“Até certo ponto que apenas principia a ser aquilatado, es-
se governo secreto está orientando as vidas de 190 milhões de
norte-americanos. Um cidadão bem informado poderia ver a sus-
peitar de que a política externa dos Estados Unidos frequente-
mente opera numa direção publicamente em direção exatamente
oposta, através do Governo Invisível.”
“Esse Governo Invisível é uma instituição relativamente
nova. Nasceu em consequência de dois fatores conjugados: a ele-
vação dos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, a
uma posição de potência mundial proeminente, e o desafio a esse
poder pelo comunismo soviético.” “Em 1964, a rede de informa-
ções de desenvolveram até constituir um mecanismo maciço,
oculto, empregando secretamente cerca de 200 mil pessoas e des-
pendendo bilhões de dólares por ano”*
Aqui partindo da própria cidadela do neocolonialismo está
uma descrição do aparelho que dirige agora todas as outras orga-
nizações ocidentais de informação, seja pela persuasão ou pela
| 317 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

força. Os resultados foram alcançados na Argélia, durante o com-


plô de abril de 1961, dos generais contrários a De Gaulle; assim
como na Guatemala, Irã, Iraque, Suez e na famosa intromissão de
espionagem dos U-2 no espaço aéreo soviético que fez fracassar a
Conferência de Cúpula programada, depois na Alemanha Ociden-
tal e nos tumultos de 1953 na Alemanha Oriental, na crise abor-
dada em 1959 na Hungria, na Polônia em setembro de 1956, e na
Coreia, Birmânia, Formosa, Laos, Camboja e Vietnã do Sul. São
evidentes na crise do Congo (Leopoldville) iniciada com o assas-
sínio de Lumumba e que continuam até hoje em acontecimentos
em Cuba, Turquia, Chipre, Grécia e outros lugares, demasiada-
mente numeroso para serem inteiramente catalogados.
E com que objetivo ocorrem esses inumeráveis inciden-
tes? O objetivo geral foi mencionado: obter o colonialismo de
fato pregando, ao mesmo tempo, a independência
Na frente econômica, um forte fator favorecendo os mo-
nopólios ocidentais e agindo contra o mundo em desenvolvi-
mento é o controle do mercado mundial pelo capital internacio-
nal, assim como dos preços de artigos nele comprados e vendi-
dos. De 1951 a 1961, sem levar em consideração o petróleo, o
nível geral de preços para produtos primários caiu de 33,1%,
enquanto os preços de produtos manufaturados subiam em 3,5%
(entre estes últimos, os preços de maquinaria e equipamentos
subiram de 31,3%). Nessa mesma década, isso causou uma per-
da às nações asiáticas, africanas e latino-americanas, usando
como base os preços de 1951, de cerca de 41 milhões e 400 mil
dólares. No mesmo período, enquanto crescia o volume de ex-
portações dessas nações, os rendimentos em divisas obtidos de
tais exportações decresciam.
Outras técnicas do neocolonialismo é a utilização de al-
tas taxas de juros. Dados publicados pelo Banco Mundial de
1962 mostram que 71 nações asiáticas, africanas e latino-
americanas tinham dívidas externas de cerca de 27 bilhões de
dólares, sobre as quais pagaram, em juros e taxas de serviços,
cerca de cinco bilhões. Desde então, essas dívidas externas fo-
ram estimadas em mais de 30 trilhões de libras, nessas áreas.
Em 1961, as taxas de juros de quase três quartos dos emprésti-
mos oferecidos pelas grandes potências imperialistas atingiam a
| 318 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mais de 5% e em alguns casos até 7% ou 8%, enquanto os pra-


zos eram penosamente curtos.
Embora tivesse sido exportado capital no valor de 30 bi-
lhões de dólares para cerca de 56 nações em desenvolvimento
entre 1956 e 1962, estima-se que somente o juro e o lucro extraí-
do das nações devedoras sobre essa soma elevaram-se a mais de
15 bilhões de libras. Esse método de penetração pela ajuda eco-
nômica adquiriu notoriedade, recentemente, quando várias nações
começaram a recusá-la. Ceilão, Indonésia e Camboja estão entre
os que rejeitaram. Essa “ajuda” teve sua média anual calculada
em 2.600 bilhões de dólares, entre 1.951 e 1.955; em 4.007 bi-
lhões entre 1.956 e 1.959 e em 6 bilhões entre 1.960 e 1.962. Mas
as somas médias retiradas dessas nações por esses doadores num
ano de amostra, em 1.961, são calculadas em 5 bilhões de dólares
em lucros, 1 bilhão e, juros e 5.800 bilhões em câmbio não equi-
valente, num total de 11.800 bilhões de dólares extraídos contra 6
bilhões empregados. Assim a “ajuda” demonstra ser outro meio
de exploração, um método moderno de exportação do capital sob
um nome mais atraente.
Outra armadilha neocolonialista na frente econômica veio
a ser conhecida como “ajuda multilateral” através de organiza-
ções internacionais: o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (conhecido
como Banco Mundial), a Corporação Internacional de Finanças e
a Associação Internacional de Desenvolvimento são exemplos,
todos eles, significativamente, tendo o capital norte-americano
como seu maior financiador. Esses órgãos têm o hábito de forçar
os candidatos a empréstimo a se submeter a várias condições
ofensivas, como o fornecimento de informações sobre suas eco-
nomias, submeter sua orientação e planos a exame pelo Banco
Mundial e aceitar a supervisão do uso dado aos empréstimos. E
quando ao desenvolvimento alegado, entre 1960 e meados de
1963 a Associação Internacional de Desenvolvimento prometeu
um total de 500 milhões de dólares a candidatos, dos quais apenas
70 milhões chegaram realmente a ser recebidos. Nos últimos
anos, como destaca o Monitor, no The Times de 1 de julho de
1965, houve um aumento substancial nas atividades de ajuda téc-
nica e econômica comunista nas nações em desenvolvimento.
Durante o ano de 1964, o total de assistência oferecida foi de
| 319 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

aproximadamente 600 milhões de libras. Isso representou quase


um terço do total de ajuda comunista fornecido durante a década
anterior. O Oriente Médio recebeu cerca de 40% do total, Ásia
36%, África 22%, e a América Latina o restante. O aumento de
atividade da China foi responsável até certo ponto pela maior
quantidade de ajuda oferecida em 1964, embora a China contribu-
ísse apenas com a quarta parte. A União Soviética entrou com
metade e as nações da Europa Oriental com o restante.
Embora a ajuda dos países socialistas ainda hoje seja infe-
rior à que é oferecida pelo Ocidente, é muitas vezes mais impres-
sionante, uma vez que é rápida e flexível e as taxas de juros nos
empréstimos comunistas são apenas de cerca de 2%, em compa-
ração aos 5% cobrados em empréstimos das nações ocidentais.
E toda a história da “ajuda” não é contada em números,
pois há condições que a dificuldade: a conclusão de tratados de
comércio e navegação, acordos de cooperação econômica; o di-
reito à intromissão em finanças internas, inclusive a moeda e o
câmbio, a fim de baixar as barreiras comerciais em favor dos
artigos e do capitalismo do país doador; a proteção aos juros dos
investimentos privados; a determinação de como serão empre-
gados os fundos; forçar o recebedor a entrar com fundos, em
contrapartida; a fornecer matéria-prima ao doador; e o uso de
tais fundos – a maior parte deles, de fato – para adquirir artigos
da nação doadora, essas condições aplicam-se à indústria, co-
mércio, agricultura, navegação e seguros, além de outras que
são políticas e militares.
O chamado “comércio invisível” dá aos monopólios oci-
dentais ainda outro meio de penetração econômica. Mais de
90% do transporte marítimo mundial é controlado pelas nações
imperialistas. Controlam os preços de transporte e, de 1951 a
1961, os elevaram por cinco vezes, num aumento total de cerca
de 60% que continua. Assim as despesas líquidas anuais com
fretes da Ásia, África e América Latina elevam-se a não menos
do que um total estimado de 1.600 bilhão de dólares, bem supe-
rior a todos os outros pagamentos de lucros e juros. Quando aos
pagamentos de seguros, somente em 1961 representaram uma
balança desfavorável, na Ásia, África e América Latina, de ou-
tros 370 milhões de dólares.
| 320 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Após termos vistos tudo isso, no entanto, começamos a


compreender apenas os métodos básicos do neocolonialismo. A
extensão plena de seu espírito de iniciativa está longe de ser al-
cançados. No campo operário, por exemplo, o imperialismo opera
através de instrumentos sindicais como os partidos social-
democráticos da Europa, liderados pelo Partido Trabalhista britâ-
nico e através de instrumentos como a Confederação Internacio-
nal dos Sindicatos Livres, que agora parece ser superada pelo
Centro Trabalhista Africano-Americano de New York sob orien-
tação do chefe da AFL-CIO, George Meany, e do conhecido
agente da CIA nos altos escalões sindicais, Irving Brown.
Em 1945, na euforia da vitória antifascista, a Federação
Mundial dos Sindicatos havia sido formada, incluindo todo o sin-
dicalismo mundial à exceção da Federação Americana do Traba-
lho (AFL), dos Estados Unidos. Em 1949, no entanto, liberados
pelo Congresso dos Sindicatos (TUC) britânicos, vários órgãos
sindicais pró-imperialismo romperam com a Federação Mundial
por causa da questão da libertação anticolonialista e formaram a
Confederação Internacional dos Sindicatos Livres.
Durante dez anos esta continuou sob liderança do TUC
britânico. Seu passado na África, Ásia e América Latina poderia
satisfazer apenas grandes monopólios internacionais que extraiam
superlucros dessas áreas.
Em 1959, em Bruxelas, a central sindical estadunidense
AFL-CIO lutou pelo controle da Junta Executiva da Confedera-
ção Internacional de Sindicatos Livres e conseguiu obtê-lo. A
partir de então, uma enxurrada de máquinas de escrever, mimeó-
grafos, carros, suprimentos, prédios, salário e, ao que se afirma
ainda subornos diretos a lideranças sindicais em várias partes do
mundo em desenvolvimento rapidamente associaram a Confede-
ração Internacional, aos olhos dos trabalhadores, à Agência Cen-
tral de Informações (CIA) estadunidense. De tal modo sofreu o
prestígio da organização sob seus patrões norte-americanos que
em 1964 os cérebros da AFL-CIO acharam necessário criar um
novo órgão. Formaram a Central Sindical Africano Americana
(AALC) em New York, bem defronte à sede das Nações Unidas,
do outro lado do rio.
“Como decidido campeão da independência nacional, de-
mocracia e justiça social – diz descaradamente o boletim publica-
| 321 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

do por essa Central em abril de 1965 – AFL-CIO aumentara seus


esforços para ajudar a melhoraria das condições econômicas dos
povos africanos. Para esse fim foram tomadas medidas para ex-
pandir a assistência aos sindicatos livres africanos através da or-
ganização da Central Sindical Africano-Americana. Essa assis-
tência ajudará os trabalhadores africanos a desempenhar um papel
vital no soerguimento econômico e democrático de seus países.”
O número de março desse boletim, no entanto, denunciou
a manobra; “Ao mobilizar recursos de capital para investimento
em Educação de Trabalhadores, Treinamento Vocacional, Coope-
rativas, Clínicas de Saúde e Habitação, a Central operará com ins-
tituições privadas e públicas. Também encorajará a cooperação
entre os sindicatos e a direção das empresas para expandir o in-
vestimento de capital norte-americano nas nações africanas”. Os
itálicos são meus. Poderia haver maior clareza?
Segundo uma orientação previamente estabelecida pela
Confederação Internacional dos Trabalhadores Livres, a Central
já iniciou aulas: uma para motoristas e mecânicos na Nigéria, ou-
tra para alfaiates no Quênia. Bolsas sindicais estão sendo ofereci-
das, a africanos que queiram estudar sindicalismo na Áustria —
local inesperado — ostensivamente pelos sindicatos austríacos.
Em outros lugares o sindicalismo, organizado em partidos políti-
cos dos quais o Partido Trabalhista britânico é um exemplo desta-
cado e típico, demonstrou aptidão semelhante para encorajar “a
cooperação entre os sindicatos e a administração das empresas
para expandir o investimento de capital nas nações africanas.”
Mas à medida que se acentua a luta, mesmo essas medidas
neocolonialistas estão demonstrando ser demasiadamente bran-
das. Assim, a África, Ásia e América Latina começaram a sofrer
uma série de golpes de estado e tentativas de golpe, com uma se-
quência de assassinatos políticos que destruíram no início da car-
reira alguns dos melhores líderes das nações recentemente surgi-
das. Para assegurar o êxito desses esforços, os imperialistas fize-
ram uso amplo e astucioso de armas ideológicas e culturais sob a
forma de intrigas, manobras e campanhas de calúnias.
Alguns desses métodos utilizados pelos neocolonialistas
para se infiltrarem pela nossa defesa precisam agora ser examina-
dos. O primeiro é a retenção, pelos colonialistas em retiradas, de
várias espécies de privilégios que infringem nossa soberania: o de
| 322 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

instalar bases militares ou aquartelar tropas em antigas colônias e


de fornecer “conselhos” de um ou outro tipo. Às vezes vários “di-
reitos” são exigidos: concessões de terras, direitos de prospecção
de minerais e/ou petróleo; o “direito” de recolher impostos, de
exercer a administração, de emitir papel-moeda; à isenção de tari-
fas alfandegárias e/ou de impostos sobre empresas transferidas
para o exterior, a cima de tudo o “direito” de fornecer “ajuda”.
Também são solicitados e concedidos privilégios no campo cultu-
ral; que os serviços ocidentais de informação sejam exclusivos e
que os das nações socialistas sejam excluídos.
Mesmo as histórias de cinema da fabulosa Hollywoord
são viciadas. Basta ouvir os aplausos de uma audiência africana
aos heróis de Hollywoord massacrando índios peles-vermelhas ou
asiáticos para compreender a eficiência dessa arma. Pois nos con-
tinentes em desenvolvimento, onde a herança colonialista deixou
uma grande maioria analfabeta, até crianças mais novas aprende a
mensagem contida nas histórias de sangue e violência saídas da
Califórnia. E justamente com o assassínio e o Wild West vai uma
barragem incessante de propagando antissocialistas, na qual os
sindicalistas, o revolucionário ou o homem de pele escura rece-
bem geralmente o papel do vilão, enquanto o policial, o agente
secreto, o agente federal – em suma, o espião tipo CIA – é sem-
pre o herói. Aí está realmente o funcionamento ideológico desses
assassínios políticos que tão comumente usam gente do local co-
mo instrumento.
Enquanto Hollywoord se encarrega da ficção, a enorme
imprensa monopolista, com fluxo de revistas macias, hábeis e
cara, cuida do que se refere chamar “notícias”. Uma ou duas
agências de notícias controlam, em países distintos, o forneci-
mento de notícias, de modo que à obtida uma uniformidade fatal,
não importa qual seja o número de jornais individuais ou revistas,
enquanto internacionalmente a preponderância financeira dos Es-
tados Unidos é sentida cada vez mais através de seus correspon-
dentes estrangeiros e agências no exterior, assim como através de
sua influência sobre o jornalismo capitalista internacional. Sob
esse disfarce, uma enxurrada de propaganda antilibertária emana
das principais cidades do Ocidente, dirigidas contra China, Viet-
nã, Indonésia, Argélia, Gana e todas as nações que desbravam o
próprio caminho rumo a independência. O preconceito domina.
| 323 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Por exemplo, onde quer que haja luta armada contra as forças da
reação, os nacionalistas são chamados de rebeldes, terroristas ou
frequentemente “terroristas comunistas”.
Um dos métodos mais insidiosos dos neocolonialistas é
talvez o evangelismo. Em seguida ao movimento de libertação
houve uma verdadeira enchente de seitas religiosas, em grande
maioria estadunidenses. Exemplo típico são as Testemunhas de
Jeová, que recentemente criaram dificuldades em algumas nações
e desenvolvimento ensinando diligentemente os seus cidadãos a
não saudar as bandeiras nacionais. “Religião” era uma desculpa
muito fraca para abafar o protesto que se elevou contra essa ativi-
dade e houve em seguida uma calmaria temporária. Mas o núme-
ro de evangelistas continua a crescer.
O evangelismo e o cinema, no entanto, são apenas dois
ramos de uma árvore muito maior. Desde fins de 1961, os Esta-
dos Unidos vem ativamente aperfeiçoando um imenso plano
ideológico para invadir o chamado Terceiro Mundo, utilizando
todos os seus meios, desde a imprensa e o rádio ao Corpo da Paz.
Durante 1962 e 1963, numerosas conferências internacio-
nais foram realizadas com esse fim em vários locais, como Nicó-
sia no Chipre, São José da Costa Rica e Lagos na Nigéria, Entre
os participantes incluíam-se a CIA, a Agência de Informações dos
EUA, o Pentágono, a Agência de Desenvolvimento Internacional,
o Corpo da Paz e outros. Forma estudados programas que incluí-
am a utilização sistemática de cidadãos norte-americanos no exte-
rior em atividades de informação, virtualmente, e trabalho de
propaganda. Métodos para recrutar agentes políticos e de forçar
“alianças” com os Estados Unidos foram estudados. No centro
desses programas estava a exigência de um monopólio absoluto
dos Estados Unidos no campo da propaganda, assim como a de
combater qualquer esforço independente de países em desenvol-
vimento no domínio da informação.
Os Estados Unidos provocam e procuram ainda, com êxi-
to considerável, coordenar à base de sua própria estratégia as ati-
vidades de propaganda de todas as nações ocidentais. Em outubro
de 1951, foi realizada uma conferência das nações da OTAN, em
Roma, para discutir problemas de guerra psicológica. As conclu-
sões solicitavam a organização de operações ideológicas combi-
nadas, nas nações afro-asiáticas, por todos os participantes.
| 324 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Em maio e junho de 1962 os Estados Unidos convocaram


um seminário sobre guerra ideológica em Viena. Este seminário
adotou uma decisão secreta de lançar uma ofensiva de propagan-
da contra as nações em desenvolvimento, seguindo orientação
traçada pelos Estados Unidos. Ficou aprovado que as agências de
propaganda da OTAN se manteriam, na prática, se não de públi-
co, em contato estreito com as embaixadas norte-americanas em
seus respectivos países.
Entre os instrumentos dessa guerra psicológica ocidental
contam-se as agências de informação de nações ocidentais, lidera-
das pelas do “Governo Invisível” dos Estados Unidos. Mas os mais
significativos dentre eles são o Rearmamento Moral, o Corpo da
Paz e a Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA).
O Rearmamento Mortal é uma organização fundada em
1936 pelo norte-americano Frank Buchaman. Nos últimos dias
antes da Segunda Guerra Mundial, advogava o apaziguamento de
Hitler, frenquentemente enaltecendo Himmiler, o chefe da Gesta-
po. As incursões do Rearmamento na África tiveram início ao
findar a Segunda Guerra Mundial. Em face da maré montante de
anticolonialismo que se seguiu à vitória em 1945, o Rearmamento
gastou milhões aconselhando a colaboração entre as forças que
oprimiam os povos africanos e esses mesmos povos. Não é pouco
é pouco significativo que Moise Tshombe e Josph Kasavubu, do
Congo (Leopoldville), fosse ambos defensores do Rearmamento,
George Seldes, em seu livro One Thousand Americans (Mil Nor-
te-Americanos) caracterizou o Rearmamento como uma organi-
zação fascista “subvencionada por fascistas e com uma longa his-
tória de colaboração com fascistas em todo o mundo.” Essa des-
crição é apoiada pela participação ativa de gente como o General
Carpontier, antigo comandante das forças de terra da OTAN, e do
General Ho Ying-Chin, um dos mais destacados generais de Chi-
ang Kai-shek, no Rearmamento. Para completar, vários jornais,
alguns deles pertencentes ao mundo ocidental, afirmaram que o
Rearmamento é, na verdade, subvencionado pela CIA.
Quando a influência do Rearmamento Moral começou a
cair, desejou-se ter algum novo instrumento para cobrir a arena
ideológica. Este veio com a criação do Corpo de Paz norte-
americano pelo presidente John Kennedy, em 1961, entregue ao
seu cunhado Sargent Shriver Júnior. Shriver, um milionário que
| 325 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

fez a fortuna em especulação de terrenos em Chicago, era tam-


bém conhecido como amigo, confidente e colaborador do antigo
dirigente da Agência Central de Informações (CIA), Allen Dulles.
Os dois haviam trabalhado juntos tanto no Departamento de Ser-
viços Estratégicos (OSS), o órgão de informação norte-americano
durante a guerra, como a CIA.
O passado de Shriver torna ridícula as instruções atribuí-
das ao Presidente Kennedy de que Shriver devia “manter a CIA
afastado do Corpo da Paz”, assim como o fato de que embora o
Corpo da Paz seja anunciado como uma organização de voluntá-
rios, todos os seus membros sejam cuidadosamente selecionados
pelo Bureau Federal nas Investigações norte-americanas (FHI).
Desde sua criação em 1961, membros do Corpo da Paz
têm sido desmascarados e expulsos de muitas nações africanas,
asiáticas e do Oriente Médio, por atos de subversão ou preconcei-
to. Indonésia, Tanzânia, Filipinas e mesmo nações ocidentalistas
como a Turquia e o Irã queixam-se de suas atividades.
O principal executor da guerra psicológica estadunidense,
no entanto, é talvez a Agência de Informação dos EUA (USIA).
Mesmo para a nação mais rica do mundo, os Estados Unidos gas-
tam generosamente uma quantidade incomum de homens, materi-
al e dinheiro nesse veículo para seus objetivos neocolonialistas.
O USIA tem um corpo de empregados de mais de 12 mil
pessoas, no montante de mais de 130 milhões de dólares anuais.
Possui mais de 70 corpos editoriais trabalhando em publicações
no exterior. Da sua cadeia de 110 estações de rádio, 60 ficam fora
dos Estados Unidos. Programas são irradiados para a África por
estações estadunidenses localizadas em Marrocos, Eritréia, Libé-
ria, Creta e Barcelona, assim como por emissoras situadas em na-
vios ao longo do litoral africano. Somente na África, os EUA
transmitem cerca de 30 programas territoriais e nacionais de rádio
cujo texto exalta os Estados Unidos enquanto tenta desacreditar
as nações que adotam uma política externa independente.
O USIA ostenta mais de 120 sucursais em cerca de cem
nações, 50 das quais somente na África. Tem 250 centros em na-
ções estrangeiras, cada um deles associado a uma biblioteca. Em-
prega cerca de 200 cinemas e oito mil projetores que servem de
suas quase 300 filmotecas.
| 326 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Essas agências são dirigidas por um corpo central que atua


em nome do Presidente dos Estados Unidos, planejado e coorde-
nando sua atividade em estreito contato com o Pentágono, a CIA
e outros órgãos da Guerra Fria, inclusive os centros de informa-
ção das Forças Armadas.
Em países em desenvolvimento, o USIA procura ativa-
mente impedir a expansão dos maios de informação nacionais, de
modo a capturar para si o mercado das ideias. Investe enormes
somas na publicação e distribuição de cerca de 60 jornais e revis-
tas na África, Ásia e América Latina.
O Governo norte-americano apoia o USIA através de
pressões diretas sobre as nações em desenvolvimento. Para asse-
gurar a sua agência o monopólio absoluto da propagando, por
exemplo, muitos acordos de cooperação econômica oferecido pe-
los Estados Unidos incluem a exigência de que sejam concedidos
a norte-americanos direitos preferenciais à disseminação de in-
formações. Ao mesmo tempo, ao tentar vedar as nações novas
outras fontes de informações, emprega outras pressões. Por
exemplo, depois de concordar com a criação de centros de infor-
mação do USIA em seus países tanto Togo como Congo (Leo-
poldville) esperavam originalmente adotar o não-alinhamento,
permitindo a criação de centros de informação russos para equili-
brar. Mas Washington ameaçou suspender toda a ajuda, forçando
assim dois países a renunciarem aos seus planos.
O estudo imparcial do USIA por autoridades como Dr. R.
Holt, da Universidade de Princeton, o Coronel aposentado R. Van
de Valde, os ex-agentes de informações Murril Dayer, Wilson
Dizard e outros, ressaltou as íntimas ligações entre a agência e a
Informação dos EUA. Por exemplo, o Vice-Diretor Donald M.
Wilson era um agente de informação política no Exército norte-
americano. O Diretor-assistente para a Europa, Joseph Phillips,
era um agente de espionagem bem-sucedido em várias nações da
Europa Oriental.
Algumas das obrigações do USIA revelam mais claramente
sua natureza de importante instrumento de informação dos impe-
rialistas norte-americanos. Em primeiro lugar, deve analisar a situ-
ação em cada país, fazendo recomendações à Embaixada estaduni-
dense, e portanto ao Governo, sobre modificações que possam alte-
rar o equilíbrio local a favor dos Estados Unidos. Em segundo lu-
| 327 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

gar, organiza redes de monitoramento para rádio emissões e con-


versas telefônicas, ao mesmo tempo que recruta informantes nas
repartições governamentais. Contrata pessoas, também, para distri-
buir propaganda estadunidense. Em terceiro lugar, coletas infor-
mações secretas, especialmente relativas a defesa e economia, co-
mo um meio de eliminar seus competidores internacionais milita-
res e econômicos. Em quarto lugar, penetra financeiramente em
publicações locais a fim de influenciar sua orientação, e disso a
América Latina fornece numerosos exemplos. Tem-se mostrado
ativo no suborno de personalidades públicas, por exemplo no Quê-
nia e na Tunísia. Finalmente, financia, dirige e frequentemente su-
pre de armamento todas as forças antineutralistas nas nações em
desenvolvimento, como demonstra Tshombe no Congo (Leopol-
dville) e Pank Hung Ji na Coréia do Sul. Numa palavra, com meios
financeiros virtualmente limitados, não parece haver fronteiras à
sua capacidade inventiva em matéria de subversão.
Um dos mais recentes desenvolvimentos na estratégia neo-
colonialista é a sugestão da criação de um Corpo de Homens de Ne-
gócios que atuará, como o Corpo da Paz, nas nações em desenvol-
vimento. Num artigo sobre “A espionagem estadunidense e os mo-
nopólios”, publicado em International affairs (Moscou, janeiro de
1965). V. Chernyavsky afirma: “Dificilmente pode haver qualquer
dúvida de que esse Corpo é uma nova organização de informações
dos Estados Unidos criada por iniciativa dos monopólios norte-
americanos a fim de utilizar o Big Business para espionagem”.
Não é absolutamente fora do comum que a informação dos
EUA crie suas próprias firmas de negócios que são meramente
centros de espionagem mal disfarçados. Por exemplo, segundo
Chernyavsky, a CIA criou uma firma em Formosa conhecida como
Western Enterprise Inc. Por trás dessa fachada, enchia espiões e
sabotadores ao sul da China. A New Ásia Trading Company, uma
firma da CIA na Índia, tem também ajudado a camuflar agentes de
informações norte-americanos operando no Sudeste da Ásia.
Eles assim catalogados das atividades e métodos do neo-
colonialismo em nossos dias. Ao lê-lo, os tímidos poderiam achar
que devem desistir, desanimados ante tamanho aparelhamento de
força aparente e recursos que não a aparência de serem inexaurí-
veis. Felizmente, no entanto, a história fornece inúmeras provas
de uma das suas leis mais importantes: de que o futuro em germi-
| 328 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nação é sempre mais forte do que o passado que vai murchando.


Isso tem sido amplamente demonstrado em todas as revoluções
importantes, através da história.
A Revolução Estadunidense de 1776 alcançou a vitória lu-
tando através de um emaranhado de ineficiência, má administra-
ção, corrupção, subversão direta e contrarrevolução que se tem
repetido, em certo grau, em todas as revoluções subsequentes até
hoje. A Revolução Russa, durante o período de Intervenção, de
1917 a 1922, parecia condenada. A Revolução Chinesa, em de-
terminado momento, foi forçada a abandonar as bases existentes,
de maneira total e absolutamente, a realizar a Grande Macha sem
precedentes; e, no entanto, triunfou. Os mercenários brancos im-
perialistas que com tanta confiança caíram dos céus sobre Stan-
leyville depois de uma viagem aérea iniciada na Ilha de Ascen-
são, pensavam que sua tarefa seria “uma sopa”. No entanto, até
hoje as forças nacionalistas do Congo (Leopoldville) continuam o
seu caminho em quanto vencerem.
A Ásia fornece mais um exemplo da força da decisão de
um povo em determinar o próprio futuro. No Vietnã do Sul, a
“guerra especial” está sendo travada para conter a maré de mu-
dança revolucionária. A “guerra especial” é um conceito do Ge-
neral Maxwell Taylor e uma extensão militar do credo de John
Foster Dulles; que asiáticos combatem asiáticos. Em resumo, a
técnica manda que a potência estrangeira forneça dinheiro, avi-
ões, equipamento militar de todos os tipos e o comando estratégi-
co e tático, desde um Quartel-general até os oficiais “assessores”,
enquanto as tropas do governo títere suportam o embate da luta. E
no entanto, apesar dos bombardeios e da imensa concentração de
força estrangeira na área, o povo tanto do Vietnã do Norte quanto
do Sul está se revelando inconquistável.
Em outras partes da Ásia, Camboja, Laos, Indonésia e
agora Filipinas, Tailândia e Birmânia, os povos das nações ex-
colônias se mantiveram firmes e estão vencendo batalhas contra o
inimigo imperialista supostamente superior. Na América Latina,
apesar das expedições punitivas “finais”, as crescentes insurrei-
ções armadas na Colômbia, Venezuela e outras nações continuam
a consolidar terreno ganho.
Na África, nós, de Gana, temos resistido aos esforços do
imperialismo e seus agentes; Tanzânia esmagou complôs subver-
| 329 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sivos no nascedouro, assim como Brazzaville, Uganda e Quênia.


A luta se desenvolve, avançando e recuando. As forças populares
emergentes poderão ser ainda embaraçadas pela herança colonia-
lista, mas, mesmo assim, avançam inexoravelmente.
Todos esses exemplos comprovam, fora de dúvida, que o
neocolonialismo não é um indício de força do imperialismo, mas
seu último e repugnante estertor. Demonstra sua incapacidade de
dominar por mais tempo utilizando os métodos antigos. A inde-
pendência é um luxo que ele não pode mais admitir nos povos
sujeitados, de modo que mesmo o que ele afirma ter “concedido”,
procura agora tomar.
Isso quer dizer que o neocolonialismo pode ser e será der-
rotado. Como pode ser feito isso?
Até agora todos os métodos do neocolonialismo se origi-
naram numa direção, a antiga e comprovada orientação de todas
as classes dirigentes através da história – dividir e dominar.
Como é óbvio, portanto, a unidade é o primeiro requisito
para destruir o neocolonialismo. A necessidade de um governo de
união geral, neste muito dividido continente africano, é básica e
fundamental. Com isso, o fornecimento da Organização de Soli-
dariedade Afro-asiática e do espírito de Bandung já se faz. Para
isso, precisamos buscar a adesão, em base cada vez mais formal,
dos nossos irmãos latino-americanos.
Além disso, todas essas forças liberadores têm, em todas
as questões de importância e em qualquer instância possível, o
apoio do crescente setor socialista do mundo.
Finalmente, precisamos encorajar e utilizar plenamente
esses ainda muito poucos mas crescentes exemplos de apoio à
libertação e ao anticolonialismo dentro do próprio mundo imperi-
alista.
Para executar tal programa político, precisamos todos
apoiá-lo com planos nacionais com o objetivo de nos fornecer-
mos como nações independentes. Uma condição externa para es-
se desenvolvimento independente é a neutralidade ou não ali-
nhamento político. Isso foi afirmado em duas conferências das
Nações Não Comprometidas realizadas recentemente, a última
das quais, reunida no Cairo em 1964, se mostrou clara e inevita-
velmente de comum acordo com as forças emergentes de liberta-
ção e dignidade humana.
| 330 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

E a condição prévia para tudo isso, a que frequentemente


se dedicam palavras exaltadas, mas raramente ação, é promover o
esclarecimento ideológico entre as massas anti-imperialistas, an-
ticolonialistas, pró-libertação de nossos continentes. Elas e so-
mente elas podem sustentar ou interromper revoluções.
Com maior rapidez, o neocolonialismo precisa der anali-
sado em termos simples e claros para o pleno entendimento da
massa, pelas organizações nascentes dos povos africanos. A Fe-
deração dos Sindicatos de Toda a África (AATUF) já iniciou um
movimento nesse sentido, enquanto o Movimento da Juventude
Pan-africano, as mulheres, jornalistas, fazendeiros e outros não
estão muitos atrás. Apoiando em clareza ideológica, essas organi-
zações, estreitamente ligadas aos partidos governantes onde as
forças de libertação estão no poder, comprovarão que o neocolo-
nialismo é o sintoma da fraqueza do imperialismo e que pode ser
derrotado. Pois no final das contas é o chamado homem comum,
com as costas curvadas, explorado, mal nutrido, o ensanguentado
lutador pela independência que decide. E ele invariavelmente de-
cide a favor da liberdade.
| 331 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Conclusão

Na introdução procurei apresentar o dilema que o mundo


enfrenta atualmente. O conflito entre ricos e pobres na segunda
metade do século dezenove e na primeira metade do século vinte,
após o combate entre ricos e pobres nas nações desenvolvidas do
mundo, terminou em transigência. O capitalismo é um sistema
desaparecido de grandes áreas do mundo, mas onde o socialismo
foi estabelecido, isso ocorreu em suas partes menos desenvolvi-
das e não nas mais desenvolvidas e de fato a revolta contra o ca-
pitalismo teve seus maiores êxitos nessas áreas onde o neocoloni-
alismo inicial não fora mais ativamente praticado. Nas nações
industrialmente mais desenvolvidas, o capitalismo, longe de de-
saparecer, tornou-se infinitamente mais forte. Essa força só foi
adquirida através do sacrifício de dois princípios que haviam ins-
pirado o capitalismo primitivo, ou seja, a subjugação das classes
trabalhadoras dentro de cada nação individual e a exclusão do
Estado de qualquer ingerência no controle da empresa capitalista.
Ao abandonar esses dois princípios e substituí-lo por “estados
próspero”, baseado em altos níveis de vida para as classes traba-
lhadoras e num capitalismo regulado pelo Estado no setor domés-
tico, as nações desenvolvidas conseguiram exportar seu problema
interno e transferir o conflito entre ricos e pobres do palco nacio-
nal para o internacional.
Marx havia sustentado que o desenvolvimento do capita-
lismo produziria uma crise dentro de cada Estado capitalista, in-
dividualmente, porque em cada Estado a brecha entre os que
“tem” e os que “não tem” se alargaria até o ponto em que um
conflito fosse inevitável, e que os capitalistas seriam derrotados.
A base do argumento não é invalida pelo fato de que o conflito,
que ele previu como nacional, não ocorreu em toda parte em es-
| 332 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cala nacional, mas foi em lugar disso transferido para o palco


mundial. O capitalismo mundial adiou sua crise, mas isso somen-
te ao custo de transformá-la em crise internacional. O perigo ago-
ra não é a guerra civil dentro de estados individuais, provocada
por condições intoleráveis dentro desses Estados, mas a guerra
internacional, provocada finalmente pela miséria da maior parte
da humanidade que cada vez se torna mais pobre.
Quando a África de tornar economicamente livre e politi-
camente unida, os monopolistas se encontrarão face a face com
suas próprias classes trabalhadoras, em seus próprios países, e uma
nova luta surgirá, dentro da qual a liquidação e o colapso do impe-
rialismo serão totais. Como este livro procurou demonstrar demo-
craticamente, da mesma maneira que a crise interna do capitalismo
no mundo desenvolvido surdiu através da ação sem controle do
capital nacional, uma crise maior está sendo provocada hoje por
uma ação incontrolada similar do capitalismo internacional nas
partes do mundo em desenvolvimento. Antes que o problema pos-
sa ser solucionado, precisará pelo menos ser compreender que os
métodos atualmente empregados para resolver o problema da po-
breza mundial não terão provavelmente outro resultado senão o de
ampliar a crise.
Falando em 1951, o então Presidente Truman, dos Estados
Unidos, disse que “a única espécie de guerra que buscamos é a
boa e velha luta contra os antigos inimigos do homem a pobreza,
doença, fome e analfabetismo”. Sentimentos de natureza seme-
lhante foram repetidos por todos os líderes políticos do mundo
desenvolvido, mas o simples fato permanece: de quaisquer guer-
ras que possam ter sido vencidas desde 1951, nenhuma é uma
guerra contra a pobreza, a doença, a fome e o analfabetismo.
Por menor que fosse o objetivo buscado por outros tipos
de guerra, foram estas guerras as únicas desencadeadas. Nada se
ganha em assumir que os que apresentam esses pontos de vista
são insinceros. A situação dos líderes das nações capitalistas de-
senvolvidas do mundo, em relação aos grandes combinados fi-
nanceiros internacionais neocolonialistas é muito semelhante à
que Lorde Macaulay descreve como existindo entre os diretores
da Companhia das Índias Ocidentais e seu agente, Warren Has-
tings, que no século XVIII se dedicou ao saque em larga escala,
na Índia. Escreveu Macaulay:
| 333 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

“Os diretores, é verdade, jamais ordenaram ou aplaudiram


qualquer crime. Longe disso. Quem quer que examine suas cartas
redigidas na época verá que há muitos sentimentos humanos e jus-
tos, muitos preceitos excelentes, em suma, um admirável código de
ética política. Mas cada exortação é alterada ou anulada por uma
solicitação de dinheiro. Absolutamente não acusamos ou suspeita-
mos de hipocrisia dos que redigiram esses documentos. É provável
que, escritos a 24 mil quilômetros do local onde suas ordens deve-
riam ser executadas, jamais perceberam a crassa inconsistência se
tornou imediatamente evidente ao seu representante em Calcutá.”
“{…} Hastings viu que lhe era absolutamente necessário
desprezar ou os discursos morais ou as requisições pecuniárias
dos seus empregadores. Forçado a desobedecer-lhes em alguma
coisa, teve que ponderar que espécie de desobediência lhe perdo-
ariam mais prontamente; a concluiu erroneamente que o caminho
mais seguro seria o de negligenciar os sermões e buscar as rú-
pias.”
A necessidade atual de manter um estado próspero, isto é,
um estado parasita internamente, e ao mesmo tempo, sustentar um
peso enorme e cada vez maior de despesas de armamentos, torna
absolutamente essencial às nações capitalistas desenvolvidas obter
o máximo retorno em lucros das partes do complexo financeiro
internacional que controlam. Por mais que o capitalismo privado
seja exortado a promover o rápido desenvolvimento e o aumento
do nível de vida nas áreas menos desenvolvidas do mundo, aqueles
que manipulam o sistema compreendem a inconsistência entre fa-
zer isso e produzir ao mesmo tempo os fundos necessários à manu-
tenção do vigor bélico e do estado próspero na frente interna. Sa-
bem que quando chegar a hora serão perdoados se deixarem de
promover um aumento do nível de vida em escala mundial. Sabem
que jamais serão perdoados se traírem o sistema e produzirem uma
crise interna que destrua o Estado afluente ou interfira com sua
preparação militar.
Os apelos ao capitalismo para promover uma cura para a
divisão do mundo em ricos e pobres provavelmente não terão me-
lhor resultado do que os apelos dos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a Warren Hastings para que assegurasse a justi-
ça social na Índia. Ao ter que escolher, o capitalismo, a exemplo
de Hastings, tenderá para o lado da exploração.
| 334 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Não há então, um método de escapar ao inevitável conflito


mundial ocasionado por uma guerra de classes internacional?
Aceitar que o conflito mundial é inevitável é rejeitar qualquer
crédito à coexistência ou à política de não-alinhamento como é
praticada atualmente por muitas das nações que procuram escapar
ao neocolonialismo. Há uma saída possível.
Para começar, pela primeira vez na história da humanida-
de os recursos materiais potenciais do mundo são tão grandes que
não há necessidade de haver ricos e pobres. O que está faltando é
apenas a organização para manejar esses recursos potenciais.
Uma efetiva pressão mundial pode forçar esse remanejamento,
mas a pressão mundial não é exercida por apelos, embora elo-
quentes, ou por argumentos, embora conveniente. Só é alcançado
por atos. É necessário garantir um realinhamento mundial para
que aqueles que são no momento as vítimas impotentes de um
sistema sejam capazes, no futuro, de exercer uma contrapressão.
Essas contrapressões, não levam a guerra. Pelo contrário, é fre-
quentemente sua ausência que constitui uma ameaça a paz.
Um paralelo pode ser estabelecido com os métodos pelos
quais o colonialismo direto foi terminado. Nenhuma potência im-
perial jamais concedeu a independência a uma colônia a não ser
que as forças fossem tais que não houvesse outro caminho possí-
vel e há muitos casos em que a independência só foi alcançada
através de uma guerra de libertação, mas há muitos outros em que
não houve tal guerra. A própria organização das forças de inde-
pendência dentro da colônia foi o suficiente para convencer a po-
tência imperial de que a resistência a independência seria impos-
sível ou que as consequências políticas e econômicas de uma
guerra colonial excediam qualquer vantagem a ser obtida pela
conservação da colônia.
Em capítulos anteriores deste livro, apresentei o argumento
a favor da unidade africana e expliquei como essa unidade destrui-
ria o neocolonialismo na África. Em capítulos posteriores expli-
quei como é forte a situação mundial dos que lucram com o neoco-
lonialismo. Apesar de tudo, a unidade africana é algo que está ao
alcance dopovo africano. As firmas estrangeiras que exploram nos-
sos recursos de há muito compreenderam a força que pode ser ob-
tida através da ação em escala pan-africana. Por meio de diretorias
interligadas, participações acionárias mútuas e outros artifícios,
| 335 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

grupos de companhias aparentemente diferentes formaram, de fato,


um enorme monopólio capitalista. O único meio de desafiar esse
império econômico e recuperar a posse de nossa herança é agirmos
também em escala pan-africana, através de um governo unido.
Ninguém poderia dizer que se todos os povos da África
combinariam formar a sua unidade, sua decisão poderia ser revo-
gada pelas forças do neocolonialismo. Pelo contrário, antes a no-
va situação, os que praticam o neocolonialismo se adaptariam a
esse novo equilíbrio de forças mundiais exatamente da mesma
maneira pela qual o mundo capitalista se adaptou no passado a
quaisquer outras alterações no equilíbrio de poder.
O perigo para a paz mundial surge, não da ação dos que
procuram acabar com o neocolonialismo, mas da inação dos que
permitem que continue. Argumentar que uma terceira guerra
mundial não é inevitável é uma coisa, supor que pode ser evitada
fechando os olhos ao desenvolvimento de uma situação que tem
probabilidade de provocá-la é inteiramente outra.
Se a guerra mundial não deve ocorrer, precisa ser evitada por
ação positiva. Essa ação positiva está dentro das possibilidades dos
povos dessas áreas do mundo que atualmente sofrem sob o neocolo-
nialismo, mas somente se agirem imediatamente, resolutos e unidos.

Bibliografia

Aaronovitch, Sam. Monoply: a study of British Monopoly


capitalism, Lawerence & Wishart, Londres, 1995.
African-American Labour Centre (AALC), Bulletins,
Março e Abril, 1965.
Chernyavsky, V., United States Intelligence and the Mo-
nopolies, International Affairs, Moscou, Janeiro, 1965.
Clansewitz, Vom Krieg, 1832
Cole, Monica Mary, South Africa, Methuen, Londres,
1961.
Coston, Henry, L’Europe des Banquiers, Coleção “Docu-
ments et Témoinages”, La Librairie Françalse, 1963.
Coutteney, Frederic Charles, Economic Aid to Underdeve-
loped Countries, Oxford University Press, Londres, 1961.
| 336 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Department of Economics, The Economics of African


Unity, Universidade de Gana, 1964.
Dizard, Wilson P., The Strategy of Truth: the Story os the
United States Information Service, Public Affairs Press, 1961.
Dutt, Rajani Palme, British Colonial Policy and Neocolo-
nialist Rivalries, International Affairs, Moscou, Abril, 1965.
Hilferding, Rudolf, Marx Studien, volume 3: Das Finanz-
kapital, Viena, 1910.
Hobson, J. A., Imperialism, Londres, 1902.
Holt, Robert T.,e Van de Valde, Robert, W., Strategic
Psycholoyical Operations and American Foreign Policy, Univer-
sity of Chicago Press, Chicago, 1960.
Jeanneney, Relatório, La Politique de Cooperation avec
les Pays en Vaie de Développement, 1964.
Joye, Pierre e Lewin, Rosine, Les Trusts au Congo, So-
ciété Populaire d’Editions, Brussels, 1961.
Lênin, Imperialism: the Highest Stage of Capitalism,
1961.
Macaulay, Thomas Babington, Warren Hastings, Edin-
burgh Revlew, Outubro, 1841.
Machyo, B., Chango, Aid and Neo-colonialism, Africania
Study Group, 1964.
Marx, Capital, 1867.
N’Krumah Kwame, Africa Must Unite, Helnemann, Lon-
dres, 1963.
Park, L., C., e F. W., TheAnatomy of Big Business, Toron-
to Progress Books, 1962.
Perlo, Victor, American Imperialism, International Publis-
hers, New York, 1951.
Perlo, Victor, The Empire os High Finance, Internacional
Publishers, New York, 1957.
Organização das Nações Unidas, Comitê Africano de
Comissão Econômica Permanente para Comércio, Background
Paper on the Establishment of na African Common Market, 13 de
Outubro de 1963.
Organização das Nações Unidas, Statistical Year Book,
1945, 1959, 1960.
Organização das Nações Unidas, Relatório E/CN 14/239,
Parte A, Dezembro, 1963.
| 337 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Organização das Nações Unidas, Relatório E/CN 14/246,


7 de Janeiro, 1964.
Relatório da Comissão Econômica para a África das Na-
ções Unidas, Parte 3: Industrial graroth in Africa, New York,
1963.
Relatório da Comissão Econômica para África Industrial –
Coordenação das Missões para diferentes regiões da África.
Seldes, George, One Thousand Americans, Boni & Gaer,
New York, 1947.
Wilson, Harold, The War on Word Poverty: na Appeal to
the Conscience of Mankind, Gollancz, Londres, 1953.
Wise, David, e Ross, Thomas B., The Invisible Govern-
ment, Random House, New York, 1964.
Referencias feitas aos seguintes relatórios de companhias:
Anglo-American Corporation, AGM, 1962.
Anglo-Transvaal Consolidated Investment Company, In-
forme Anual, 6 de Dezembreo de 1963.
Consolidated African Gold Fields of South Africa Corpo-
ration, AGM, 30 de Junho, 1961.
Grangesberg, Relatório Anual, 18 de Maio, 1962.
Harmony Gold Mining Co. Ltd., AGM, Junho, 1961.
Rand Selection Corporation Ltd., 71 st AGM, 26 de Feve-
reiro, 1963.
M. Samuel Co., AGM, 1963
Société Générale, Relatório de 1962
Referência passim aos seguintes jornais e periódicos:

The Economist, Europe (France) Outremer (Novembro,


1961), Nouvel Observateur =, The Financial Times, Fortune, In-
ternational Affairs, Le Monde, Modern Goverment (Março/Abril,
1962), New Commomoealth, The Sundey Times, Wall Street
Journal, West Africa.

Notas de rodapé
1: Background Paper on the Establishment of na African
Comon Market, 13 de outubro de 1963. (p. 257)
2: Tanzânia anunciou planos para instituir sua própria mo-
eda. (p. 258)
| 338 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

3: Monopoly: A Study of British Monopoly Capitalism, de


Sam AARONOVITOE, pág. 54. (p. 259)
*O Governo Invisível, David Wise e Thomas B. Ross,
Ramdon House, N.Y., 1964. (Editado em português pela Civili-
zação Brasileira S. A., em 1956. N do T). (p. 283)
| 339 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

KWAME NKRUMAH

Consciencismo
Filosofia e ideologia Para
descolonização
(tradução: Paula Juliana Foltran)
| 340 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 341 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

NOTA DO AUTOR

Desde a publicação da primeira edição do Consciencismo,


em 1964, a Revolução Africana entrou decisivamente em uma
nova fase, a fase da luta armada. Em todas as partes do nosso
continente, os revolucionários africanos estão se preparando para
a luta armada ou estão ativamente engajados em operações mili-
tares contra as forças de reação e contrarrevolução.
As questões estão agora mais claras do que nunca. A su-
cessão de golpes militares que ocorreram nos últimos anos na
África expôs a relação entre os interesses do neocolonialismo e a
burguesia nativa. Esses golpes trouxeram à tona a natureza e a
extensão da luta de classes na África. Os capitalistas monopolis-
tas estrangeiros estão em estreita associação com os reacionários
locais e têm feito uso de oficiais das forças armadas para frustrar
os propósitos da Revolução Africana.
É em consideração à nova situação na África que algumas
mudanças se tornaram necessárias nesta edição. Tais mudanças se
concentram principalmente no capítulo três.

15 de agosto de 1969
Conacri
| 342 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 343 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Introdução

As linhas de divisão da África naturalmente afetaram a


educação de africanos colonizados. Estudantes de territórios de
língua inglesa foram para a Grã-Bretanha por uma questão de roti-
na, assim como aqueles de língua francesa que foram para a Fran-
ça. Dessa maneira, a ânsia por uma educação formal, que estudan-
tes africanos só poderiam satisfazer ao custo de muito esforço,
vontade e sacrifício, foi cercada dentro dos limites do sistema co-
lonial. Fugindo dessa camisa de força, vários de nós tentaram es-
tudar em centros fora da metrópole de nosso poder administrati-
vo. Foi assim que os EUA me atraíram como um país ocidental
que permaneceu refrescantemente intocado pelo colonialismo ter-
ritorial na África. Para lá, portanto, eu fui; como e em quais cir-
cunstâncias, eu já relatei em minha biografia, Gana. Eu passei
quase 10 anos nos EUA, estudando e trabalhando para viver; en-
sinando e realizando minhas próprias pesquisas.
A avaliação do próprio contexto social faz parte do proces-
so de análise de fatos e eventos, e esse tipo de avaliação é, eu sinto,
tão bom ponto de partida da investigação sobre as relações entre
filosofia e sociedade quanto qualquer outro. A filosofia, ao tentar
entender a sociedade humana, exige uma análise de fatos e even-
tos, e uma atenção para ver como eles se encaixam na vida huma-
na, e, então, como eles criam a experiência humana. Desse modo, a
filosofia, como a história, pode enriquecer, definir de fato, a expe-
riência do homem.
Os dez anos que eu passei nos EUA, representam um perí-
odo crucial no desenvolvimento de minha consciência filosófica.
Foi nas Universidades de Lincoln e da Pensilvânia que essa cons-
ciência despertou pela primeira vez. Eu fui introduzido aos grandes
sistemas filosóficos do passado aos quais as Universidades ociden-
| 344 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tais têm dado sua benção, organizando-os e classificando com o


mesmo cuidado delicado que se dedica a peças de museu. Uma vez
que esses sistemas fossem tão manuseados, era natural que fossem
considerados como monumentos da inteligência humana. E mo-
numentos, porque marcam conquistas em seu ponto particular da
história, logo se tornam conservadores na impressão que causam
na posteridade.
Eu fui introduzido a Platão, Aristóteles, Descartes, Kant,
Hegel, Schopenhauer, Nietzsche, Marx e outros imortais, a
quem eu gostaria de me referir como os filósofos universitários.
Mas esses titãs eram apresentados de tal modo que um estudante
da colônia poderia facilmente ter seu peito agitado por atitudes
conflitantes. Essas atitudes podem ter efeitos que se espalham
por toda sociedade, e tal estudante deveria, finalmente, perse-
guir uma vida política. Um estudante colonial não pertence, por
origem, à história intelectual na qual os filósofos universitários
estão marcados de modo tão expressivo. O estudante colonial
pode ser tão seduzido por essas tentativas de se fornecer um re-
lato filosófico do universo, que entrega sua personalidade com-
pletamente a elas. Quando ele faz isso, perde a visão do fato so-
cial fundamental de que ele é um sujeito colonial. Assim, ele se
omite de extrair de sua educação e da grande preocupação de-
monstrada pelos grandes filósofos a respeito dos problemas hu-
manos qualquer coisa que se possa relacionar aos problemas re-
ais da dominação colonial, que, por acaso, condicionam a vida
imediata de todo africano colonizado.
Com uma devoção obstinada, o estudante colonial serpen-
teia pelos meandros dos sistemas filosóficos. E, no entanto, esses
sistemas visavam fornecer uma narrativa filosófica do mundo nas
circunstâncias e condições de seu tempo. Pois mesmo os sistemas
filosóficos são fatos históricos. No momento, porém, em que pas-
sam a ser aceitos nas universidades para serem expostos, eles
perdem o poder vital que tinham em sua primeira enunciação,
perdem seu dinamismo e referência polêmica. Esse é um resulta-
do do tratamento acadêmico que recebem. O tratamento acadêmi-
co é resultado de uma atitude em relação aos sistemas filosóficos,
como se não houvesse nada a não ser afirmações em relação lógi-
ca entre si. Essa abordagem problemática do conhecimento foi so-
frida por diferentes categorias de estudantes coloniais. Muitos fo-
| 345 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ram escolhidos a dedo e, por assim dizer, carregavam certificados


de mérito. Estes foram considerados aptos a se tornarem serviçais
esclarecidos da administração colonial. O processo pelo qual essa
categoria de estudantes se tornava apto a isso era, geralmente, ini-
ciado em tenra idade, pois, não raro, eles perdiam contato cedo
com a formação tradicional. Pela razão de sua falta de contato com
suas próprias raízes, eles se tornavam propensos a aceitar alguma
teoria de universalismo, desde que expressos em termos vagos e
suaves. Munidos de seu universalismo, eles traziam de seus cursos
universitários uma atitude totalmente divergente da realidade con-
creta de seu povo e de sua luta. Quando se deparavam com doutrinas
de natureza combativa, como as do marxismo, as reduziam a abstra-
ções áridas, sutilezas comuns. Desse modo, através das boas graças
de seus patronos colonialistas, esses estudantes, agora competentes
na arte de formar não uma visão concreta ambientada dos problemas
políticos sociais, mas uma visão abstrata e liberal, começaram a
cumprir as esperanças e expectativas de seus guias e guardiões.
Alguns estudantes coloniais ganharam acesso às universi-
dades metropolitanas quase como um direito, por conta de sua
posição social. Em vez de considerar a cultura como uma dádiva
e um deleite, o intelectual que dela emergia agora a via como
uma distinção e um privilégio pessoal. Ele poderia ter sofrido le-
ve perseguição nas mãos dos colonialistas, mas quase nunca re-
almente na carne. De seu pedestal bambo, ele se entregou à histó-
ria e à sociologia de seu país e, assim, conseguiu preservar algu-
ma medida de envolvimento positivo com os processos nacionais.
No entanto, deve ser óbvio que o grau de consciência nacional
alcançado por ele não era de tal ordem que permitisse que ele
compreendesse plenamente as leis do desenvolvimento histórico
ou da natureza profunda da luta a ser travada, se a independência
nacional fosse conquistada.
Por fim, havia um grande número de africanos comuns,
que, animados por uma vívida consciência nacional, buscaram o
conhecimento como um instrumento de emancipação e integrida-
de nacionais. Isso não quer dizer que esses africanos ignorassem
o valor puramente cultural de seus estudos. Mas, para que sua
aquisição cultural fosse valiosa, eles precisavam ser capazes de
apreciá-la como homens livres. Eu fui um desse número.
| 346 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 347 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 1
Filosofia em Retrospectiva

O estudo crítico das filosofias do passado deve levar ao


estudo das teorias modernas, pois estas últimas, nascidas do fogo
das lutas contemporâneas, são militantes e vivas. Não é apenas o
estudo da filosofia que pode se perverter. O estudo da história
também pode ser distorcido. O estudante africano colonizado,
cujas raízes em sua própria sociedade são sistematicamente pri-
vadas de sustentação, é apresentado à história grega e romana, a
história do berço da Europa moderna, e é incentivado a tratar essa
parte da história do homem, com a história subsequente da Euro-
pa, como a única porção que vale a pena. Esta história é ungida
com um aroma universalista que excita o paladar de certos inte-
lectuais africanos de maneira tão agradável que eles se tornam
alienados de sua própria sociedade imediata.
Para a terceira categoria de estudantes coloniais, era espe-
cialmente impossível ler as obras de Marx e Engels como filoso-
fias abstratas dessecadas que não tinham influência na nossa situ-
ação colonial. Durante minha estadia nos EUA, foi firmemente
criada em mim a convicção de que grande parte do pensamento
deles poderia nos ajudar na luta contra o colonialismo. Eu aprendi
a ver os sistemas filosóficos no contexto do meio social que os
produziu. Portanto, eu aprendi a olhar para o conflito social nos
sistemas filosóficos. Eu não estou dizendo, contudo, que este é o
único modo de se ver a filosofia.
Obviamente é possível ver a história da filosofia de diver-
sos modos, cada maneira de vê-la sendo de fato um esclarecimen-
to do tipo de problema tratado neste ramo do pensamento huma-
no. É possível, por exemplo, considerar a filosofia como uma sé-
rie de sistemas abstratos. Quando a filosofia é assim entendida,
mesmo os filósofos morais, com timidez lamentável, dizem que
| 348 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

suas preocupações não têm nada a ver com a vida. Dizem que sua
preocupação não é nomear princípios morais ou melhorar o cará-
ter de ninguém, mas estritamente elucidar o significado de termos
usados no discurso ético, e determinar o status de princípios e re-
gras morais, no que diz respeito às obrigações que elas nos im-
põem. Quando a filosofia é vista à luz de uma série de sistemas
abstratos, pode-se dizer que se preocupa com duas questões fun-
damentais: primeiro, a questão “o que existe?”; segundo, como a
questão “o que existe?” pode ser explicada.
A resposta à primeira questão tem muitos aspectos. Esta-
belece um número mínimo de ideias gerais sob as quais todas as
coisas do mundo podem e devem ser entendidas. Esse processo
acontece sem se nomear as coisas em si, sem fornecer um inven-
tário, por assim dizer, uma lista de itens, os objetos no mundo.
Especifica não objetos particulares, mas os tipos básicos de obje-
tos. A resposta posterior implica em certo reducionismo, pois ao
nomear apenas alguns tipos básicos, todos os objetos são agrupa-
dos diretamente sob um desses tipos.
O exemplo a seguir ajuda a ilustrar. Tales [de Mileto], o
mais antigo filósofo ocidental conhecido, sustentou que tudo era
água. Com isso, ele não quis dizer, obviamente, que tudo era be-
bível. Que tudo era diretamente água ou que poderia ser construí-
do apenas a partir da água como matéria-prima é, de fato, o cora-
ção de sua epigrama. Tales reconheceu somente um tipo básico
de substância. Para outro exemplo, deixe-me usar Berkeley, o
homem segundo o qual o mundo consistia em espíritos e suas
ideias. Para Berkeley, cada coisa do mundo era em si um espírito
ou alguma ideia possuída por algum espírito. Deve-se dizer, para
atenuar, que nem Berkeley nem Tales furtaram um único item ou
objeto ao mundo. O mundo ainda estava cheio de atletas e uvas,
bispos e maçãs. Mas, em ambos os casos, tipos básicos mínimos
foram selecionados, e tudo no mundo, dizia-se, estava sob eles,
tanto diretamente como por uma análise que os reduzia aos tipos
básicos. Isto é, para Tales, tudo era água ou poderia ser reduzido
à água; para Berkeley, tudo era espírito ou ideia ou poderia ser
reduzido a espíritos e ideias.
Apelando aos dois veneráveis filósofos, procurei ilustrar o
caráter das respostas à primeira questão da filosofia, “o que exis-
te?” A resposta de Tales foi a água, a resposta de Berkeley foram
| 349 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

os espíritos e suas ideias. Nesta primeira resposta, os filósofos de


fato abordam a questão da origem das coisas. Tales traça essa
origem na água, Berkeley nos espíritos e em suas ideias. Na rea-
lidade, porém, ambos buscam as origens das variedades de obje-
tos do mundo em algo que faz parte do mundo. Surge, assim, uma
necessidade superveniente de discorrer sobre as possíveis origens
da matéria-prima cósmica.
É assim que a necessidade de explicar a matéria-prima
cósmica levanta a segunda questão da filosofia. Existem dois as-
pectos em sua resposta. Em seu primeiro aspecto, a explicação
oferece um relato da origem da matéria-prima cósmica. Se, de
acordo com Tales, a água era tudo o que Deus precisava quando,
na véspera da criação, preparou-se para a ação, então, antes de
tudo, a resposta à segunda pergunta oferece um relato da origem
da matéria-prima cósmica, ou nesse caso, da água.
Em seu segundo aspecto, é um relato da extensão da maté-
ria-prima cósmica. Permite saber se Deus, dirigindo-se à tarefa no
dia da criação, pôde descobrir que há uma escassez econômica,
ou seja, uma escassez de matéria-prima; permite-nos saber se um
erro de custo pode vir a frustrar o plano de Deus para a constru-
ção do universo. Na urgência da segunda questão da filosofia,
pode-se perceber certa ansiedade em relação ao Princípio da Ra-
zão Suficiente. De acordo com esse princípio, tudo tem uma ex-
plicação sobre porque é, como é e não de outra maneira. A maté-
ria-prima cósmica tem uma causa ou explicação, ou não? Consi-
derar que não há uma (causa ou explicação) é demandar uma ex-
ceção ao Princípio da Razão Suficiente. Agora, a pressão para
ocultar uma causa da matéria-prima cósmica – aquilo que é a ma-
triz do universo e da qual brota tudo o que existe ou pode existir –
parte do fato de que qualquer causa proposta para ela deve ser
contestada por problemas persistentes.
De acordo com a hipótese de que o que procuramos expli-
car é a matéria-prima básica, qualquer causa proposta para ela só
pode surgir a partir da matéria-prima básica. Portanto, a causa
deve fazer parte da matéria-prima básica ou ser um produto dela.
Se faz parte, então a matéria-prima básica está sendo considerada
uma causa de si mesma. Se a causa é um produto da matéria-
prima básica, diz-se paradoxalmente que um efeito causa sua
própria causa! Um círculo de tipo vicioso é, portanto, descrito.
| 350 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Além disso, dizer que “o que existe” é autocausado seria, falando


sem viés, negar absolutamente que se tenha uma causa.
Nisto, há uma sugestão tão ampla quanto se possa desejar
de que a questão da origem do “que existe” não tem resposta
afirmativa. De fato, o círculo vicioso também não é a única tribu-
lação que aguarda uma resposta afirmativa. Se uma causa é suge-
rida para a matéria-prima cósmica, essa insistência neurótica em
uma causa abrirá uma regressão infinita sobre a causa do material
cósmico, e assim por diante.
Em suma, a negação de que “o que existe” tenha uma cau-
sa é uma reivindicação de exceção ao Princípio da Razão Sufici-
ente, ou, de forma moderada, é uma ressalva de que esse princí-
pio seja aplicável apenas no mundo, e não, de fora, para o mundo.
Aplica-se apenas às transformações da matéria-prima cósmica,
apenas a seus produtos. Aplicar a lei à matéria-prima cósmica é
cair em contradição; mesmo dizendo que é sua própria causa, é
um aceno meramente formal ao princípio, pois não pode haver
diferença científica ou significativa entre uma coisa ser autocau-
sada e ser sem causa.
No entanto, é digno de nota como esta segunda questão da
filosofia, em seu primeiro aspecto, fica em relação às crenças teo-
lógicas. Nesse aspecto, a questão se refere à possível origem da
matéria-prima cósmica; relaciona-se, se quiser, com sua possível
licença do Princípio da Razão Suficiente. Se pensarmos que esse
princípio se aplica a ele; se, quer dizer, a matéria-prima cósmica
for concebida como tendo uma origem, então adotaremos uma
posição teísta ou deísta. Em ambos os casos, postula-se uma força
transcendente à matéria-prima cósmica e no que a ocasiona. Al-
guém é teísta se supõe que essa força transcendente é, no entanto,
imanente, de algum modo, do que existe, continuando a afetá-lo
de uma maneira ou de outra. Se, por outro lado, toma-se a força
como estritamente transcendental, excluindo-a do mundo uma
vez feito, então se é deísta.
Se, no entanto, acredita-se que o Princípio da Razão Sufi-
ciente não se aplica ao que existe, e, desse modo, o mundo é ne-
gado do lado de fora, então o indivíduo é ateu. Para esse propósi-
to, o panteísmo é apenas uma espécie de ateísmo. É ateísmo
usando linguagem teológica.
No outro aspecto da segunda questão da filosofia, a exten-
| 351 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

são da matéria-prima cósmica é determinada. A consideração bá-


sica é se essa matéria-prima é finita ou infinita. Aqui, o principal
interesse é que o mundo deveria ser permanente.
Existem várias maneiras pelas quais esse interesse é aten-
dido. Por exemplo, algumas pessoas dizem que é impossível que
nada exista, que a afirmação de que nada existe não pode ser con-
cebida como verdadeira. (E esse, aliás, é um caso em que a ver-
dade de uma proposição determina a realidade, e não o contrário.)
Dessa maneira, muitos ficam convencidos de que, em qualquer
dado momento, deve haver algo. Desse modo, também, o desejo
de permanência passa a ser mais do que satisfeito. Mas não se
pode inferir dessa não-vacuidade do universo que algum determi-
nado objeto sempre existirá. Portanto, é impossível inferir a exis-
tência de Deus a partir do fato de que algo deve sempre existir.
Outras pessoas, demonstrando mais paixão pela contro-
vérsia do que pela força filosófica, dizem que o mundo é periódi-
co, que o universo se repete ad infinitum em ciclos de tempo.
Mas, para isso, é desnecessário que a matéria-prima básica inicial
seja infinita em extensão, pois, por mais escassa que seja, foi in-
fundida com o poder fênix da autorregeneração, dizendo-se que
ela se repete.
Infelizmente, o problema do tempo é uma pedra no cami-
nho para essa teoria do ciclo. Tudo o que é múltiplo pode ser or-
denado em série. É evidente que os ciclos do universo devem, por
serem múltiplos, admitir a ordem em série. Consequentemente,
esses ciclos podem ser associados a uma dimensão de tempo line-
ar que se estenda infinitamente para além de qualquer um dos
próprios ciclos. De fato, essa dimensão do tempo deve ordenar os
ciclos, porque alguns deles devem vir antes de outros. Agora é
possível conceber essa dimensão temporal como ela própria,
abrangendo um universo, no qual os supostos ciclos, em vez de
universos, apenas explicitam mudanças sazonais dentro de um
superuniverso. Quando isso é feito, parte-se de uma série de uni-
versos para uni-los em um superuniverso. Assim, a natureza do
ciclo do universo empalidece como um pesadelo.
Várias pessoas que rejeitam a teoria cíclica aclamam o
universo como uma presença infinita e buscam, dessa maneira,
torná-lo permanente. Mas um universo infinito não é mais per-
manente do que um finito. Mesmo um universo infinito pode
| 352 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

chegar ao fim, independentemente de ser infinito no tempo, no


espaço ou em ambos. Um universo infinito no tempo pode termi-
nar da mesma maneira que os números inteiros negativos, pois é
suficiente que tivesse existido infinitamente para trás. Um univer-
so que existe infinitamente para trás pode cessar a qualquer mo-
mento sem que sua infinitude sofra restrição. Sua cessação seria
comparável a um corte em qualquer ponto da série de números
inteiros negativos. Dado qualquer número inteiro negativo, há
sempre uma infinidade de números inteiros negativos por trás de-
le. Quanto a um universo infinito no espaço, ele pode deixar de
existir a qualquer momento, sem prejuízo de seu tamanho.
Para que um universo seja permanente, ele não deve ter
começo nem fim, como a continuidade do negativo com números
inteiros positivos.
Quase todos os que consideram a questão da permanência
do mundo procuram ancorar o mundo no fundamento de uma
causa permanente que eles identificam com Deus. Dessa forma,
eles esperam que o universo seja devidamente protegido. Mas
todos postulam algo como permanente ao longo do tempo, seja o
próprio universo, seus ciclos ou Deus. De fato, a relutância em
conceber o tempo como vazio de todo conteúdo é outra manifes-
tação do desejo de permanência. Pois o processo histórico é aqui
aceito como eterno, para que o tempo não tenha suas entranhas
expostas. Dessa maneira, a permanência é garantida.
E, no entanto, à primeira vista, uma existência infinita pa-
rece não menos milagrosa do que uma existência espontânea e
sem causa. Pelo menos está claro que o mundo não pode vir a ser
conhecido como infinito ou finito. Somente pela provisão de uma
concepção teórica o mundo pode ser dito finito ou infinito. Se o
mundo é finito, deve ser porque assim é concebido; se é infinito,
deve ser porque assim é concebido. A finitude ou infinitude do
mundo é logicamente incapaz de exposição experimental. Nem
mesmo é possível construir um modelo do universo, pois todo
modelo é ele próprio constitutivo do universo, ao passo que é
uma característica lógica de qualquer modelo que esteja à parte
daquilo que se deseja representar; não pode ser parte dele.
Mas especialmente se o universo for infinito, é impossível
construir um modelo dele. A construção de um modelo implica
implementação, acabamento. E iniciar e concluir um modelo do
| 353 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

infinito é da mesma ordem de pungência que a performance de


um homem que, para usar o exemplo de Wittgenstein, entra em
uma sala, ofegante, falando “... menos quatro, menos três, menos
dois e menos um: consegui! recitei os números negativos!”
Para que uma situação pudesse ser coerentemente descri-
ta como a causa ou a falta de causa do mundo, teria que ser uma
em que o mundo pudesse ser colocado. Mas qualquer situação
só pode ser uma situação que faça parte do mundo. O mundo
não pode ter um fora; e como não pode ter um fora, não pode ter
uma causa. Portanto, não pode haver fundamento material sobre
os quais os adjetivos “causado” e “não causado” ou “finito” e
“infinito” possam ser aplicados descritivamente ao universo.
Nenhum discurso empírico pode logicamente constituir o fun-
damento material de qualquer um dos epítetos. Só resta que eles
sejam postulados.
Se, no entanto, alguém postula uma causa para “o que
existe”, está comprometido com a concepção de um “fora” e um
“dentro” do mundo. Isso não precisa levar a nenhuma contradição
irredutível, pois se o mundo é finito ou infinito depende, como
sugerido anteriormente, do modo de conceber o mundo. Portanto,
a oposição é estritamente dialética.
Além da mera dialética formal, entretanto, um significado
do contraste cósmico do “interior” e do “exterior” do mundo é
que implica o reconhecimento de que há uma conversão de um
processo que começa “fora” do mundo para dentro do mundo e
seu conteúdo. Portanto, não surpreende que exatamente isso seja
mantido na Bíblia cristã. Lá, Deus, primeiro é convertido a Adão
por meio do seu sopro vivificante, e depois a Jesus Cristo por
meio de uma encarnação mística. Apropriadamente, portanto, o
cristianismo afirma que temos nosso ser em Deus em quem vi-
vemos.
Mas, especialmente quando se pensa que essa conversão é
reversível, uma contradição definitiva é criada na sociedade, a
contradição entre interesses internos e externos ao mundo. Esse
tipo de contradição é articulada na religião; no cristianismo, por
exemplo, somos obrigados a acumular tesouros no céu, onde as
traças não corroem. Santo Agostinho também nos assegura que,
embora estejamos no mundo, não somos dele, somos viajantes.
A contradição aparece quando, com o olhar firmemente
| 354 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

fixo nas coisas “fora” do mundo, os requisitos da vida terrena,


que de fato condicionam a existência de todo ser humano, sofrem
negligência. Essa oposição de interesses, essa oposição social en-
tre “dentro” e “fora”, é de natureza dialética e pode ser usada para
explicar o curso de muitas sociedades, incluindo as africanas. O
curso de tais sociedades é determinado por uma gangorra, uma
disputa entre o interior e o exterior, entre os termos da contradi-
ção descrita acima. É o reconhecimento desse tipo de contradição
e de seu uso na exploração dos trabalhadores que levou Marx a
criticar a religião como um instrumento de exploração, porque a
religião foi usada para desviar a atenção do trabalhador do valor
criado por seu trabalho para “preocupações externas”.
De fato, muitas sociedades africanas evitaram esse tipo de
perversão. A contradição dialética entre “dentro” e “fora” foi re-
duzida ao tornar o mundo visível contínuo com o mundo invisí-
vel. Para eles, o paraíso não estava fora do mundo, mas dentro
dele. Essas sociedades africanas não aceitaram o transcendenta-
lismo e podem, de fato, ser consideradas como tendo buscado sin-
tetizar os opostos dialéticos “fora” e “dentro”, tornando-os contí-
nuos, ou seja, abolindo-os. Na África atual, porém, um reconhe-
cimento da contradição dialética entre “dentro” e “fora” tem mui-
to a contribuir para o processo de descolonização e desenvolvi-
mento, pois nos ajuda a prever dispositivos colonialistas e impe-
rialistas para promover a exploração por meio do desvio de ener-
gias das preocupações seculares. O reconhecimento da oposição
dialética é universalmente necessário. A religião é um instrumen-
to da reação social burguesa. Mas seu uso social nem sempre é
restrito a colonialistas e imperialistas. O sucesso em suas mãos
pode exercer certo fascínio nas mentes dos africanos que come-
çam sendo revolucionários, mas acabam enfeitiçados por qual-
quer chance oportunista de usar a religião para obter ganhos polí-
ticos. Aproveitando a menor dessas chances, dão dois passos para
trás para dar um passo à frente, a fim de desfrutar de uma conso-
lidação transitória baseada em crenças e práticas religiosas co-
muns. Essa tática idiossincrática cria mais problemas do que
promete resolver. Certamente, isso aferirá um avanço na consci-
ência social das pessoas. Além disso, em longo prazo, uma oposi-
ção dialética entre igreja e Estado será recriada por meio do que
começa sendo um movimento tático, indo à trincheira. Essa tática
| 355 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

idiossincrática incentiva ativamente formas e práticas religiosas,


bem como uma ideologia religiosa. Quando a relativa consolida-
ção política a que se visou é alcançada, a tática é abandonada,
mas o reavivamento religioso que ela fomentou e explorou não
pode ser contido tão facilmente. É fundamental sublinhar, na
condição histórica da África, que o Estado deve ser secular.
A insistência na natureza secular do Estado não deve ser
interpretada como uma declaração política de guerra contra a re-
ligião, pois a religião também é um fato social e deve ser enten-
dida antes que combatida. Declarar guerra política contra a reli-
gião é tratá-la como um fenômeno ideal, supor que ela possa ser
desejada, ou, na pior das hipóteses, expulsa da existência. O pon-
to de partida indispensável é observar a conexão sociológica entre
crença e prática religiosa, por um lado, e pobreza, por outro. As
pessoas mais agressivamente religiosas são as mais pobres; pois,
de acordo com a análise marxista, a religião é social, e as formas
e práticas religiosas contemporâneas têm sua raiz principal na
depressão social dos trabalhadores. Uma rápida confirmação pode
ser encontrada na África, Ásia, América Latina e entre afrodes-
cendentes nos EUA e no Caribe.
O pauperismo aterrorizante, decorrente da natureza pré-
técnica da maioria das sociedades contemporâneas, combinado
com as invasões do capitalismo mundial, uma combinação que
pode causar prostituição, destruição, ruína e morte por fome e
exploração de suas vítimas, rapidamente reforça o sentimento re-
ligioso. O medo criou os Deuses e o medo os preserva: medo em
épocas passadas de guerras, pestes, terremotos e natureza enlou-
quecida, medo de “atos de Deus”; medo hoje das forças igual-
mente cegas do atraso e do capital voraz.
As respostas para a pergunta “o que existe?” podem ser
consideradas idealistas ou materialistas. Entretanto, como uma
filosofia empirista pode ser idealista, mesmo que uma filosofia
materialista não possa ser racionalista, a oposição entre idealismo
e materialismo não pode ser tomada como idêntica à oposição
entre racionalismo e empirismo.
O racionalismo é uma espécie filosófica imbuída de certos
caracteres distintos. Nela, uma explicação é concebida de tal ma-
neira que a explicação deve criar uma inferência lógica para o
que é explicado. O empirismo, por outro lado, não oferece uma
| 356 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

inferência. Se um tipo de evento é regular e invariavelmente se-


guido por outro, o empirismo aceita o primeiro tipo de evento
como explicação do segundo tipo. Mas o racionalismo não pode,
porque essa sucessão de eventos não é necessária; não há inferên-
cia lógica entre a ocorrência de um tipo de evento e a ocorrência
de outro tipo de evento. De fato, David Hume é comemorado
principalmente por estabelecer a posição empirista, e é por essa
razão que os racionalistas estão convencidos de que Hume igno-
rava a natureza real de uma explicação.
O racionalismo e o empirismo também variam nas veredas
do conhecimento. De acordo com o racionalismo, um conjunto de
procedimentos ou tarefas só pode constituir um método de obten-
ção de conhecimento – desde que as tarefas tenham sido executa-
das corretamente – se o conhecimento desejado for infalivelmente
obtido. Aqui uma comparação frutífera pode ser feita com o mé-
todo de adição. Este nos impõe certas tarefas, a de que os dígitos
sejam somados da coluna das unidades, passando pela das deze-
nas até a coluna final. E se essas tarefas forem executadas corre-
tamente, a correção do total emergente é garantida. O método de
adição, portanto, satisfaz as especificações de método exigidas
pelo racionalismo.
De acordo com o empirismo, no entanto, um método não
precisa garantir infalivelmente seu próprio sucesso. John Stuart
Mill diz que a indução, apesar de ser um método válido de obten-
ção da verdade, ainda é falível. Para o racionalismo, um procedi-
mento válido, mas falível, é um erro lógico.
Finalmente, o racionalismo sustenta que na mente huma-
na existem algumas ideias inatas. Ou seja, ideias que não entra-
ram na mente, nem poderiam entrar, a partir de fora. Na prática,
os racionalistas não concordam com um catálogo exato de tais
ideias, mas tendem a concordar que a noção de Deus é um
exemplo brilhante. Já o empirismo não pode aceitar ideias ina-
tas. Aqui, todas as ideias, sem exceção, vêm à mente a partir do
mundo externo; ou são, em outras palavras, exclusivamente
compostas a partir do que vem à mente do mundo externo por
meio dos sentidos.
Quanto ao idealismo, é uma espécie de filosofia na qual
os fatores espirituais são reconhecidos como primários, e a ma-
téria é considerada dependente de sua existência no espírito. Na
| 357 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

filosofia idealista de Leibniz, por exemplo, a matéria é conside-


rada um espírito realmente inconsciente. E na filosofia idealista
de Berkeley, embora a matéria não seja considerada espírito, e
sim uma ideia possuída pelo espírito, diz-se que sua existência e
continuidade consistem em ser possuída pelo espírito. Para
Leibniz, o mundo não era senão espírito; para Berkeley, nada
mais era do que espíritos e seu conhecimento. Visto que, no en-
tanto, o princípio central do idealismo é a retirada da matéria de
uma existência independente do espírito, o materialismo em sua
oposição ao idealismo deve, no mínimo, afirmar a existência
independente da matéria.
Mas agora, na medida em que o idealismo torna a existên-
cia da matéria dependente da percepção ou da posse de ideias pe-
la mente, tenho certeza de que ele pode ser refutado. Das fontes
normais de idealismo, duas podem ser discernidas. Por um lado, o
idealismo vem do solipsismo, completo ou incipiente; por outro,
vem de uma ou outra teoria da percepção.
No solipsismo completo, o indivíduo é identificado com o
universo. O universo passa a consistir no indivíduo e em sua ex-
periência. E quando procuramos indagar um pouco do que esse
indivíduo gigantesco que preenche o universo é composto, somos
confrontados com diversos graus de incoerência. No solipsismo,
o indivíduo parte de um ceticismo deprimente sobre a existência
de outras pessoas e outras coisas. Enquanto está preso a esse pes-
simismo, ele agradavelmente ignora o fato de que seu próprio
corpo faz parte do mundo externo, que ele vê e toca seu próprio
corpo exatamente no mesmo sentido que ele vê e toca qualquer
outro corpo. Se outros corpos são apenas partes da experiência do
indivíduo, pela mesma mágica ele deve desencarnar a si mesmo.
Dessa forma, o papel do indivíduo como centro do solipsismo
começa a oscilar seriamente; ele não é mais o ponto em que o
universo está sustentado, o centro em torno do qual ele gira. O
solipsismo começa a lançar seu ponto focal para o universo. O
indivíduo começa a se fundir com sua própria experiência. O in-
divíduo como sujeito, o que sofre e desfruta da experiência, desa-
parece e somos deixados com uma experiência sem conexão.
No solipsismo incipiente, como o que afligia Descartes,
encontramos uma forma de argumento que é em sua essência sin-
ceramente falaciosa. Descartes diz que ele pode pensar em si
| 358 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mesmo como estando sem olhos, ou sem braços, etc. Em resumo,


ele afirma que pode pensar em si mesmo como tendo sido priva-
do de qualquer uma de suas características físicas. Qualquer que
seja o valor de verdade disso, ele o define como uma razão para
dizer que ele pode pensar em si mesmo como estando sem corpo.
Embora não se queira negar que Descartes possa realmente ter
sido deformado fisicamente, inclusive de maneira horrenda, creio
que é preciso sustentar resolutamente que a desencarnação não é
uma deformidade física! Ainda resta uma distinção entre mera
deformidade e desencarnação. O raciocínio de Descartes é do
mesmo nível de ilusão que a noção de que, como se pode pensar
em uma cauda ou chifres etc., pode-se pensar em uma vaca sem
corpo. Pensar em uma vaca sem corpo é diferente do pensamento
de uma vaca sem cauda, como pensar em Descartes sem corpo é
diferente do pensamento de si mesmo sem braços.
A razão para me referir ao cartesianismo como solipsismo
incipiente é que o suposto primeiro princípio de Descartes é a
admissão de sua própria existência. Com base neste único princí-
pio, ele propôs, de maneira bastante inabalável, suspender todo o
universo, bem como Deus. Eu digo que o cartesianismo é um so-
lipsismo incipiente porque contém dentro de si as sementes de um
solipsismo de pleno direito. Pode-se observar que essas sementes
crescem da seguinte maneira: Descartes propõe duvidar de tudo
que pode ser conhecido pelos sentidos ou pela razão. Ele começa
a duvidar de tudo que pode ser conhecido através dos sentidos,
porque os sentidos às vezes sofrem de ilusões e delírios, sem
mencionar o fato de que qualquer coisa que se diz fazer parte da
experiência de vigília pode igualmente fazer parte da experiência
dos sonhos. Afinal, os objetos e situações que os sonhos represen-
tam não são qualitativamente diferentes da representação dos sen-
tidos. Como os sentidos podem ser afetados por ilusões e delírios,
ele propõe tratá-los como testemunhas não confiáveis da verdade.
E quanto ao motivo, embora na melhor das hipóteses deseje con-
siderá-lo essencialmente infalível, ele aponta para os conhecidos
paralogismos de seus antecessores em filosofia e geometria. Se a
razão poderia tanto os ter enganado, ela também deve, por en-
quanto, ser considerada não confiável.
Descartes observa bem a tempo que aquele que está tão
ansioso com a verdade e dúvida de tudo está pensando e deve
| 359 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

existir se pensa. Hobbes se enganou quando pensou que era


igualmente aberto a Descartes dizer que, porque ele andava, exis-
tia. Descartes, tendo duvidado de seu corpo, não podia supor que
andasse. Mas mesmo que duvidasse que pensava, ainda pensaria,
pois duvidar era uma forma de pensar. Foi necessário para Des-
cartes excluir o que ele não poderia coerentemente duvidar, a fim
de atribuir sua existência a isso. E é por essa razão que ele diz
que pensa, e, portanto, existe.
Mas é nesse ponto que Descartes enfrenta o desafio de um
solipsismo rasteiro. Embora Descartes tenha o direito de dizer:
Cogito: ergo sum – “penso: logo existo” – claramente estaria indo
longe demais se a partir disso entendesse que algum objeto exis-
tia, quanto mais que o senhor Descartes existia. Tudo o que é in-
dubitável na primeira parte da declaração de Descartes é que exis-
te pensamento. A primeira pessoa nesse enunciado não é mais do
que o sujeito do verbo, sem mais conotação de objeto do que o
“isso” antecipatório da frase “está chovendo”46. O pronome nes-
ta sentença é um mero sujeito da oração e não se refere a nenhum
objeto ou grupo de objetos que esteja chovendo. “It” nessa frase
não significa nada. É um pronome charlatão47.
E assim, mais uma vez, temos uma experiência solta, pen-
sando sem um objeto que pensa. E como o assunto é meramente
gramatical, não pode servir como um princípio genuíno de cole-
ção de pensamentos que marcará um lote de pensamentos como
pertencendo a uma pessoa e não a outra. O universo torna-se, as-
sim, uma pluralidade de pensamentos soltos.
É mais comum encontrar idealismo em alguma teoria da
percepção. Aqui, o idealista sustenta que só conhecemos o mundo
externo através da percepção; e, se a matéria é considerada cons-
titutiva do mundo externo, só conhecemos a matéria através da
percepção. De forma gratuita, conclui-se que a matéria deve sua
existência à percepção. Admitindo-se que a percepção seja fun-
ção da mente ou do espírito, a matéria acaba dependendo do espí-
rito para sua existência.

46 N.T.: No original em inglês, há o pronome it na afirmação it is raining.


O “isso” se refere ao it que antecede a afirmação de que cai chuva.
47 N.T.: No português, “está chovendo” é oração sem sujeito, cujo verbo
é impessoal e não se refere a uma pessoa do discurso.
| 360 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Nesta fase, sou obrigado a enfatizar mais uma vez que


nossos próprios corpos são elementos no mundo externo. Se, por-
tanto, a matéria dependesse do conhecimento para sua existência,
o mesmo aconteceria com nossos corpos. Nesse caso, no entanto,
a percepção exigiria uma concepção totalmente nova. Pois a per-
cepção ocorre apenas pela ação dos sentidos, e os sentidos são
capacidades do corpo vivo e orgânico. Se, portanto, o corpo, sen-
do matéria, ganha sua existência a partir do conhecimento percep-
tivo, não pode ao mesmo tempo ser o meio para esse conheci-
mento; não poderia ser o caminho para a percepção. A ideia de
percepção através dos sentidos físicos torna-se, portanto, incoe-
rente no idealismo. E com esse único passo, o idealismo entra em
colapso em nossas mãos; na verdade, o próprio idealismo se reve-
la como o voraz autodevorado da filosofia.
O filósofo ganense do século XVIII, Anthony William
Amo, que lecionou nas universidades alemãs de Halle, Jena e Wit-
tenberg, apontou em seu De Humanae Mentis Apatheia que o idea-
lismo estava enredado em contradições. A mente, disse ele, foi
concebida pelo idealismo como uma substância pura, ativa e não
estendida. As ideias, os supostos constituintes dos objetos físicos,
eram considerados apenas na mente e incapazes de existir fora de-
la. A questão de Amo aqui era como as ideias, principalmente as
de objetos físicos, muitas das quais ideias de extensão, poderiam
subsistir na mente; uma vez que os objetos físicos foram realmente
estendidos, se eles fossem de fato ideias, algumas deveriam real-
mente ser estendidas. E se todas as ideias devem estar na mente,
tornou-se difícil resistir à conclusão de que a própria mente foi es-
tendida, a fim de ser um receptáculo espacial para suas ideias es-
tendidas. A contradição está na negação da natureza espacial da
mente e na compulsão de abrigar objetos espaciais nela. Pois no
idealismo não são apenas nossos corpos que estão em nossas men-
tes, em vez de nossas mentes estarem em nossos corpos; todo o
universo, na medida em que podemos percebê-lo ou estar ciente
dele, está cuidadosamente guardado em nossas mentes.
O idealismo sofre do que eu poderia chamar de complexo
de Deus; é o que Marx chamou de “especulação embriagada”; é o
que pode ser chamado de êxtase do intelectualismo. O conceito
de um objeto, muito menos o conceito de um mesmo objeto, não
pode ser formulado adequadamente no idealismo. Depois de
| 361 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

desmantelar o mundo, os idealistas são incapazes de reuni-lo no-


vamente, e Berkeley precisa dizer que sua maçã é apenas uma
simultaneidade de doçura, redondeza, suavidade etc. É como se
não se pudesse mais tomar sopa, mas tão somente seus ingredien-
tes. A distinção entre realidade e aparência desliza entre os dedos
espectrais do idealismo, pois no idealismo a realidade se torna
meramente uma aparência persistente. Dessa maneira, o idealis-
mo se torna incompatível com a ciência.
Que a matéria pode existir sem ser percebida, que tem
uma continuidade independente da mente, deveria ser realmente
axiomática. Os próprios idealistas anseiam por essa realidade in-
dependente, quando se esforçam tanto para conciliar sua empol-
gação teórica com a sobriedade da linguagem comum. A lingua-
gem comum não é apenas um vocabulário e uma gramática.
Também compreende uma estrutura conceitual amplamente rea-
lista e objetivista. A tentativa idealista de reconciliar seu giro teó-
rico com a linguagem comum deve, portanto, ser considerada
como um desejo arraigado de ancorar o idealismo em certa medi-
da de objetividade.
Agora, o materialismo é um tipo sério, objetivo, quase
descritivo de metafísica. No mínimo, afirma a existência da maté-
ria independente do conhecimento pela mente. Essa concepção
mínima é, obviamente, grosseiramente inadequada. Está aberto,
sem ser obrigatório, a uma filosofia materialista afirmar, para sua
segunda tese, a realidade primária da matéria. Aqui, a matéria
seria tudo o que tem massa e é perpetuamente ativo; e, em sua
manifestação, a matéria seria coextensiva com o universo.
Se, no entanto, a realidade única ou primária da matéria
for afirmada, a pessoa será fortemente levada contra certos fatos
concretos, notadamente aqueles centrados no fenômeno da cons-
ciência e da autoconsciência. Se a consciência é para ser explica-
da em termos de resposta aberta aos estímulos, ela deve ser dife-
renciada da autoconsciência, e percepção da apercepção. Da au-
toconsciência temos apenas uma experiência interna. Outro fato
difícil é a distinção entre qualidades e quantidades, enquanto um
terceiro é a distinção entre energia e matéria.
Pode-se pensar involuntariamente que a afirmação da rea-
lidade única, ou mesmo primária, da matéria diante dessas difi-
culdades revelaria uma intrepidez injustificada diante do parado-
| 362 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

xo e do absurdo categorial. A chave para a solução do problema,


a chave para a acomodação desses fatos concretos, está na con-
vertibilidade categorial. Mas não é tarefa da filosofia rastrear os
detalhes de tal conversão; essa é uma das tarefas da ciência. A
filosofia é chamada apenas para mostrar a possibilidade da con-
versão. Por conversão categorial quero dizer o surgimento da au-
toconsciência daquilo que não é autoconsciente; algo como o sur-
gimento da mente da matéria, da qualidade da quantidade.
A filosofia pode demonstrar a possibilidade da conversão
de duas maneiras: por meio de uma análise conceitual ou apontan-
do para um modelo. Por acaso, a filosofia está em posição de fazer
as duas coisas. A filosofia se prepara para acomodar os fatos con-
cretos afirmando não a única realidade crua da matéria, mas sua
realidade primária. Outras categorias devem, então, ser mostradas
para serem capazes de surgir da matéria através do processo. É
nesse ponto que o materialismo filosófico se torna dialético.
Problemas de conversão categorial assombram a filosofia
pelo menos desde os primeiros tempos da Grécia. Os monistas
gregos, começando, até onde sabemos, com Tales, foram todos
confrontados com esses problemas. Pensando que os opostos
eram irredutíveis um ao outro, o sucessor de Tales, Anaximandro,
postulou um monismo neutro em sua “Ápeiron”,48 uma fonte
amorfa, indiferenciada e indeterminada, capaz de gerar proprie-
dades opostas, o útero do mundo diferenciado. Parece-me, no en-
tanto, que o monismo neutro é apenas criptodualista ou criptoplu-
ralista. Pois, mesmo que estejam apenas em um estado sufocado,
todos os elementos de posições dualistas e pluralistas nadam em
monismo neutro.
Hoje, no entanto, a filosofia tem pouca necessidade de
executar criticismos. Em termos gerais, posso dizer que a filoso-
fia formou dois ramos de estudo que a habilitam a resolver o pro-
blema da conversão categorial de maneira satisfatória. Essas fer-
ramentas são a Lógica e a Ciência, ambas devendo sua origem e
desenvolvimento inicial às demandas da filosofia. As ferramentas
conceituais que a filosofia moldou na Lógica, e por meio das
quais ela pode lidar com os problemas formais de conversão ca-
tegorial, estão contidas no nominalismo, no construcionismo e no

48 N.T.: Do grego: ilimitado, infinito, ou indefinido.


| 363 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

reducionismo. Para o modelo de conversão categorial da filosofia,


ele se volta para a ciência. Matéria e energia são duas categorias
distintas, mas, como a ciência tem demonstrado, não são desco-
nectadas ou irredutíveis. A interredutibilidade de matéria e ener-
gia oferece um modelo para conversão categorial. E outro modelo
é dado na distinção entre mudança física e mudança química, pois
na mudança química as quantidades físicas dão origem às quali-
dades emergentes.
No nominalismo, construcionismo e reducionismo materi-
alista, considera-se que uma categoria é uma categoria primária
da realidade, e outras coisas reais tornam-se reais apenas na me-
dida em que derivem, em última análise, da categoria primária da
realidade. A derivação é tal que, para toda proposição verdadeira
sobre um item que se enquadra em uma categoria derivada, são
fornecidas proposições verdadeiras sobre itens que se enquadram
na categoria primária, de modo que a proposição anterior não po-
deria ser verdadeira, a menos que as últimas proposições fossem
verdadeiras; e, além disso, de tal forma que a proposição anterior
nem sequer faria sentido, a menos que houvesse itens que se en-
quadram na categoria principal.
Para uma comparação explicativa, pode-se pensar no ho-
mem comum. O homem médio pertence a uma categoria derivada
da categoria de homens e mulheres vivos. Para qualquer proposi-
ção verdadeira sobre o homem médio, deve haver proposições
verdadeiras sobre homens e mulheres, de modo que as proposi-
ções sobre o homem médio não possam ser verdade, a menos que
as proposições sobre homens e mulheres sejam verdadeiras. Além
disso, proposições sobre o homem comum não poderiam sequer
fazer sentido, a menos que houvesse itens que se enquadram na
categoria de homens e mulheres. Ou seja, proposições sobre o
homem comum não poderiam fazer sentido, a menos que houves-
se homens e mulheres reais.
Do mesmo modo, se alguém disser que a matéria é a cate-
goria principal, o espírito deve, na medida em que é reconhecido
como uma categoria, ser uma categoria derivada. E para que as
proposições sobre espírito façam sentido, deve haver matéria. Em
segundo lugar, mesmo quando proposições sobre espírito fazem
sentido, para que sejam verdadeiras, certas proposições sobre ma-
téria precisam ser verdadeiras.
| 364 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

No construcionismo, temos uma imagem de como esses


conceitos que são adequados às categorias derivadas podem ser
formados, usando como matéria-prima os conceitos adequados à
categoria principal. No reducionismo, vemos como os conceitos
próprios de uma categoria derivada podem ser completamente
reduzidos a conceitos adequados a uma categoria primária.
Quando um certo reducionismo considera a matéria como primá-
ria, essa redução tem, para seu produto, conceitos que são direta-
mente aplicáveis apenas à matéria. No nominalismo, apenas exis-
tências concretas são consideradas primárias e reais, sendo todas
as outras existências, por assim dizer, substitutas de existências
concretas em um plano lógico mais elevado.
Agora, é claro, seria um erro tentar inferir do que precede
que, de acordo com o materialismo dialético filosófico, a mente é,
digamos, o cérebro; qualidades são quantidades; energia é massa.
Essas locuções cometeriam o que é chamado de erros de categoria.
O materialismo dialético reconhece as diferenças entre mente e
cérebro, entre qualidades e quantidades, entre energia e massa. No
entanto, fornece um relato especial da natureza das diferenças.
Tanto na metafísica quanto na teoria do conhecimento, ela não
permite que as diferenças se tornem fundamentais e irredutíveis.
Uma filosofia sóbria não pode ignorar diferenças categori-
ais. Mas tem o direito de fornecer um relato válido dessas diferen-
ças de modo a revelá-las como façons de parler49. Do ponto de
vista da teoria do conhecimento, o materialismo filosófico trata as
diferenças como pertencentes à gramática lógica. Isso, se alguém
pode expressar uma opinião, é o tipo de diferença também traçada
por Frege entre conceitos e objetos, quando ele disse com verdade
que o conceito “cavalo” não era um conceito, mas um objeto. A
diferença em questão é uma diferença no papel ou na função de
certos termos, e a diferença está sujeita à análise lógica.
Deixe-me ilustrar esse ponto de outra maneira. Suponha
que um homem tenha sido solicitado a fornecer um inventário de
objetos em uma sala e ele contasse todas as pernas de mesas e
cadeiras, além de tampos e encostos, então ele não poderia, no
mesmo inventário, contar mesas e cadeiras. É verdade que uma
mesa compreende uma parte superior plana e pernas, no entanto,

49 N.T.: Em francês no original: maneiras de falar.


| 365 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

há uma diferença entre uma mesa e uma parte superior plana e


pernas. Diz-se que a diferença é epistemológica, não ontológica.
Ou seja, não existem mesas, enquanto tampos e pernas existem
lado a lado. Do mesmo modo, pode-se admitir diferenças episte-
mológicas entre mente e cérebro, qualidade e quantidade, energia
e massa, sem aceitar diferenças metafísicas entre elas, sem, em
outras palavras, admitir que, para a mente, é necessário mais do
que um cérebro em certa condição; para qualidade, mais do que
uma certa disposição de quantidade; para energia mais do que
massa em um determinado estado crítico.
Do ponto de vista da metafísica, o materialismo filosófico
aceita a mente ou a consciência apenas como um derivado da ma-
téria. Agora, nominalismo, construcionismo e reducionismo indi-
cam que as diferenças categoriais são diferenças de gramática e
sintaxe lógica. Tais diferenças são, mesmo assim, objetivas, e não
arbitrárias ou ideais. Elas são fundadas na condição da matéria e
em suas leis objetivas. A qualidade é um substituto de uma dispo-
sição quantitativa da matéria: ela pode ser alterada pela alteração
das disposições quantitativas da matéria.
A mente, de acordo com o materialismo filosófico, é o re-
sultado de uma organização crítica da matéria. A organização
nervosa deve atingir um certo mínimo de complexidade para a
exibição de atividade inteligente ou a presença da mente. A pre-
sença da mente e a obtenção desse mínimo crítico de organização
da matéria são uma e a mesma coisa. A energia também é um
processo quantitativo crítico da matéria. O calor, por exemplo, é
um tipo particular de processo de átomos. Embora nenhuma das
equivalências acima seja uma equivalência formal, elas são pelo
menos equivalências materiais. Ou seja, não obstante o significa-
do de, por exemplo, “mente”, não seja “uma organização crítica
da matéria nervosa”, como o significado de “submarino” é “um
navio capaz de se mover debaixo d'água”, a mente nada mais é
que o resultado da matéria com um arranjo nervoso crítico. A
equivalência pretendida é material, não definidora ou formal; isto
é, as proposições sobre mentes, qualidades, energia, são redutí-
veis, sem sobra a proposições sobre corpo, quantidade e massa; as
proposições anteriores não fariam sentido, a menos que as últimas
fossem verdadeiras algumas vezes. Por assim dizer, mente, quali-
dade, energia são adjetivos metafísicos.
| 366 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Penso que o assunto ficaria mais claro se o materialismo


filosófico fosse distinguido de nominalismo, construcionismo e
reducionismo. O mérito desta última como espécie de metafísica
surge da demonstração de redutibilidade de categoria. Sua fra-
queza como espécie de metafísica repousa em sua falta de vida.
Eles se propõem a nos dizer que x, estritamente falando, é, ou é
realmente, ou no fundo é nada além de yz. Mas eles não dão a
menor dica sobre a condição sob a qual yz é x.
De fato, é apenas na filosofia da matemática, na geração
de números críticos, que são dadas condições para um salto cate-
górico na geração de números.
Quando o materialismo se torna dialético, o mundo não é
considerado como um mundo de estados, mas como um mundo
de processos; um mundo não de coisas, mas de fatos. A resistên-
cia do mundo consiste em processo; e atividade, ou processo, tor-
na-se o sangue vital da realidade. Construcionismo, nominalismo,
reducionismo, todos param na base lógica da conversão categori-
al; eles determinam apenas que a conversão é logicamente possí-
vel. Mas quando o materialismo se torna dialético, ele garante a
base material da conversão categorial.
A mudança dialética na matéria é aquela que serve de base
para a possibilidade da evolução dos tipos. A evolução de um tipo
é a perda de um conjunto de propriedades antigas e a aquisição de
um novo conjunto através do movimento dialético da matéria.
Quando se diz que um tipo evoluído surge ou é redutível à maté-
ria, a preocupação é com a fonte dialética ou origem do tipo evo-
luído, não com sua natureza formal. Dizer, portanto, que mente,
qualidade ou energia surge de, ou é redutível à matéria, não é di-
zer que a mente tem massa, ou a qualidade tem massa, nem dizer
que a energia tem massa. É dizer que, dada a matéria básica do
universo com suas leis objetivas, o universo é imediatamente fe-
chado no sentido de que nada pode se tornar presente no universo
se não estiver ancorado na matéria inicial.
Deixe-me sugerir um paralelo com a lógica formal. Diz-se
que um sistema formal axiomático está completo quando seus axi-
omas são suficientes para a dedução, por meio de regras de infe-
rência admitidas, de todas as proposições pertencentes ao sistema.
Se proposições pertencentes ao sistema são feitas paralelamente a
itens do universo, se as regras de inferência admitidas são paralelas
| 367 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

às leis objetivas da matéria e se o conjunto inicial de axiomas é


paralelo à matéria inicial, então, a completude do sistema axioma
torna-se paralela à construibilidade da matéria, de acordo com suas
leis objetivas, de todos os itens supervenientes do universo. É, em
certo sentido, análogo àquele em que um sistema formal axiomáti-
co é, digamos, Gödel-completo50 e, portanto, fechado, que o uni-
verso da matéria aqui é considerado fechado.
E quando se diz que um sistema é Gödel-completo, o que
se quer dizer é que toda verdade não inicial nele pode ser derivada
apenas das verdades iniciais pelo uso das regras de derivação. Por-
tanto, por analogia, toda forma ou categoria no universo que não
seja diretamente matéria deve ser derivada somente dela, de acordo
com as leis dialéticas da evolução da matéria. Sugeri que a dialéti-
ca é aquela que torna possível a evolução dos tipos, que, conse-
quentemente, é o fundamento da evolução da mente da matéria, da
qualidade da quantidade, da energia da massa. Esse tipo de emer-
gência, uma vez que depende de uma organização crítica da maté-
ria, representa realmente um salto. Quando uma crise resulta em
um avanço, é de sua natureza perpetrar um salto. A solução de uma
crise sempre representa uma descontinuidade. E, assim como nos
fundamentos da matemática, os números críticos representam uma
quebra na continuidade da evolução dos números, assim, na natu-
reza, o surgimento da qualidade da quantidade representa uma
quebra na continuidade de um processo quantitativo.
É importante que a evolução dialética não seja concebida
como linear, contínua e mono direcional. A evolução, assim con-
cebida, não tem explicação a oferecer e, principalmente, não expli-
ca a transformação de um tipo em outro, pois representa apenas um
acúmulo de fenômenos do mesmo tipo. A evolução linear é in-
compatível com a evolução dos tipos, porque a evolução dos tipos
representa uma descontinuidade linear. Na evolução dialética, o
progresso não é linear; é, por assim dizer, de um plano para outro.
É através de um salto de um plano para outro que novos tipos são
produzidos e o surgimento da mente a partir da matéria é atingido.
A posição materialista dialética na mente deve ser dife-
renciada de uma posição epifenomenalista. Para os primeiros, a

50 N.T.: Referência ao Teorema da completude de Gödel, demonstrando


em 1929.
| 368 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mente é um desenvolvimento da matéria; para o último, é apenas


algo que acompanha a atividade da matéria.
É impossível esconder o fato de que, através dos tempos,
o materialismo foi alvo de numerosas piadas. A crítica mais ele-
gante da Antiguidade estava na questão de propósito e consciên-
cia. Os críticos do materialismo sentiram que havia certas dificul-
dades conceituais (geralmente não reveladas) para impedir o sur-
gimento de propósito e consciência daquilo que é sem propósito e
sem consciência. Esse tipo de objeção foi atendida na discussão
da conversão categorial. Uma objeção mais importante ao materi-
alismo é alegadamente fornecida pela Teoria da Relatividade. Es-
sa objeção é importante porque o próprio materialismo dialético
sustenta a ciência.
De acordo com essa objeção, a fusão do espaço-tempo pe-
la Relatividade constitui uma objeção ao materialismo, seja dialé-
tico ou não. Há uma sensação incômoda de que, com a fusão do
espaço e do tempo, a vida da matéria no espaço e seu movimento
no tempo são eliminados. Mas esse sentimento irritante pode ser
acalmado pela reflexão de que apenas a realidade independente
permitida pelo materialismo filosófico é matéria; e como o tempo
absoluto e o espaço absoluto devem ser concebidos como inde-
pendentes se forem absolutos, de certa forma são incompatíveis
com o materialismo filosófico. O abandono de ambos estaria,
portanto, tão longe de representar a desgraça do materialismo fi-
losófico, que seria seu triunfo.
O mecanismo da sensação também foi algumas vezes
brandido em face do materialismo filosófico. De fato, é uma es-
pécie de ceticismo. Diz-se que a sensação é a nossa principal via
para o conhecimento. Alega-se que a humanidade não tem cami-
nho para o conhecimento, exceto o caminho da sensação. Mas a
sensação não nos dá nenhum conhecimento direto da matéria,
portanto, não há razão para supor que exista algo como matéria.
Acredito que esse ceticismo esboçado se volte contra si
mesmo. Não é possível usar a física da percepção para impugnar
a realidade e a independência do mundo externo, pois a própria
física da percepção pressupõe e confia na realidade e na indepen-
dência do mundo externo. É apenas através de algum raciocínio
oculto que a física pode ser usada para localizar o mundo externo
dentro de nossa mente.
| 369 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Diz-se ainda que nem todos os processos na fisiologia da


percepção são físicos. Diz-se, por expansão, que se a luz não
atingisse o olho, uma imagem se formasse na retina, etc., não po-
deríamos ver. Mas a viagem da luz e a formação de uma imagem
na retina não poderiam ser, isolada ou coletivamente, a interiori-
dade daquela iluminação que é ver. Esses processos estão tão
longe de explicar a percepção que aprofundam o mistério.
E, no entanto, até certo ponto, tudo isso deve ser conside-
rado correto. Quando é feita uma base para o idealismo, no entan-
to, ocorre uma indulgência em falácias. Sabemos que, em condi-
ções fisiológicas e físicas normais, não podemos escolher entre
ver ou não. Se o espírito ou a consciência fossem completamente
independentes da matéria para o seu surgimento, deveria haver a
possibilidade de rupturas na percepção que não são completamen-
te explicáveis em termos de fisiologia e física. O médico, supõe-
se, precisaria ser auxiliado ocasionalmente pelo sacerdote, como
de fato deveria ser o caso na Idade das Trevas do Conhecimento.
Nosso universo é um universo natural. E sua base é a ma-
téria com suas leis objetivas.
| 370 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 371 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 2
Filosofia e Sociedade

É óbvio, pelo esqueleto da história anterior da filosofia,


que a filosofia poderia muito facilmente se divorciar da vida hu-
mana. Torna-se tão abstrata em certas universidades ocidentais
que deixa seus praticantes sob a suspeita de serem taxidermistas
de conceitos. No entanto, a história inicial da filosofia mostra que
ela tinha raízes vivas na vida e na sociedade humana.
A filosofia teve origem na especulação teológica. As pri-
meiras especulações teológicas foram um conglomerado de pen-
samentos em torno das grandes ideias de Deus, Alma, Destino e
Lei. A todo momento, esses pensamentos desfrutavam de uma
inspiração prática. Pois, naqueles dias longínquos, a vida religio-
sa era uma das principais preocupações da existência humana.
Era uma época em que se acreditava sinceramente que o cultivo
dos Deuses pelo homem, ao mesmo tempo que suas colheitas, era
um de seus principais objetivos na terra. Religião e adoração
eram preocupações da vida cotidiana, eram as maneiras pelas
quais o homem se conduzia em sua privacidade, diante dos outros
e na presença de seus Deuses.
Mesmo muito depois dos tempos antigos, mesmo na Idade
Média da Europa, outras preocupações da vida eram tiranicamen-
te sujeitas à preocupação religiosa por insistência do clero. As
preocupações econômicas, sem as quais o próprio clero não pode-
ria ter sobrevivido, foram obrigadas por eles a serem confinadas
dentro dos limites do sustento humano. Transgredir esses limites
era a seus olhos condescender com a ganância e, assim, arriscar
seu desfavor nesta vida e o desfavor divino na vida após a morte.
Adequadamente, portanto, a principal preocupação da fi-
losofia continuou sendo uma elucidação da natureza de Deus, da
alma humana, da liberdade humana e de conceitos afins.
| 372 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

De acordo com essa noção de filosofia, quando as preocu-


pações primárias da vida humana são concebidas de maneira dife-
rente, a filosofia revela um viés diferente. E à medida que a socie-
dade se organiza de maneira diferente, a filosofia é concebida de
maneira diferente. Durante o Renascimento europeu, quando o
homem se tornou o centro do universo, a mente humana e as ma-
neiras pelas quais ele poderia fixar os limites do que é real se tor-
naram os principais tópicos da filosofia. Houve uma tentativa cres-
cente de identificar o que poderia ser com o que poderia ser conhe-
cido, e essa tendência atingiu sua declaração mais sutil e definitiva
na filosofia crítica de Kant. A ascensão do racionalismo foi, de fa-
to, toda uma corrente de pensamento que manteve a realidade fir-
memente à luz da razão humana, até que, nos escritos de Leibniz,
os processos passaram a ser meros análogos na natureza das rela-
ções lógicas. Dessa maneira, os limites da compreensão humana
passaram a ser identificados com os limites da natureza. Essa ideia
sobrevive hoje na noção de que logicamente não há mistérios, de
que para cada pergunta há uma resposta, de que não há nada na
terra, embaixo das águas ou acima no céu, que seja, em princípio,
incognoscível.
O empirismo também foi, apesar de seu antagonismo ao
racionalismo, um reflexo da concepção do homem de sua própria
posição no esquema das coisas. Também procurou fazer com que
os limites do real coincidissem com os limites da compreensão
humana. Pois tendia a considerar o que é real exclusivamente em
termos de impressões sobre nossos sentidos.
Durante o Renascimento europeu, quando o homem pas-
sou a valorizar cada vez mais sua dignidade e liberdade pessoal e
individual, a filosofia respondeu com discussões sobre a caráter
dos direitos naturais e das ideias conexas. A filosofia tentou for-
necer princípios que deveriam fundamentar qualquer teoria polí-
tica, se ela quisesse se conformar com a concepção renascentista
do homem. A filosofia também não se afastou de seu caráter pri-
mitivo. Em todos os estágios entre Tales e os tempos modernos, a
filosofia estava firmemente voltada para o que, por enquanto, era
concebido como preocupações primárias da vida.
A história da democracia grega, por exemplo, deve real-
mente ser atribuída a Tales. Tales liderou duas revoluções. A
primeira revolução amadureceu em sua tentativa de explicar a
| 373 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

natureza em termos da natureza. A segunda revolução baseou-se


em sua crença de que a unidade da natureza não consistia em seu
ser, mas em sua materialidade.
O meio social em que Tales viveu o encorajou a insistir
em explicar a natureza em termos de natureza. Na Jônia, onde ele
morava, o poder político estava se entrincheirando nas mãos de
uma classe mercantil que se interessava pelo desenvolvimento de
técnicas náuticas e de produção, pois sua prosperidade dependia
dessas técnicas – mais ainda quando a sociedade se tornou fir-
memente baseada no trabalho escravo.
Os gregos, como Xenofonte confirma em sua Economia,
passaram a considerar as artes mecânicas com desprezo. Mas, na
época de Tales, os indivíduos, inclusive os filósofos, dependiam
de sua própria produtividade para se sustentar. De fato, durante
uma colheita de azeitona particularmente boa, Tales controlou
astutamente as prensas de azeite disponíveis em Mileto e subse-
quentemente as alugou a preços exorbitantes. Devido à mudança
na estrutura da sociedade pela qual a hegemonia político-social
passou para as mãos da oligarquia mercantil, a prosperidade não
dependia mais de maneira crucial de uma propiciação dos Deuses
em conexão com a agricultura. Dependia do comércio com seus
acessórios, por meio do qual os produtos jônicos eram comercia-
lizados ao longo do Mediterrâneo.
Consequentemente, não havia necessidade de continuar ex-
plicando o mundo por referência aos Deuses. Os antecessores inte-
lectuais de Tales haviam invocado o sobrenatural para explicar a
natureza. Mas, se os Deuses fossem dispositivos explicativos para
elucidar os fenômenos, não haveria nada para impedir que surgis-
sem as mais cruéis desigualdades na sociedade. Onde os Deuses
são usados para explicar a natureza, um certo grau de poder sacer-
dotal é inevitável; e onde os sacerdotes exercem poder político, não
são apenas as explicações dos fenômenos naturais que foram con-
fundidas com a teologia; explicações teológicas para fenômenos
sociais também foram encorajadas. Com os sacerdotes firmemente
instalados como os únicos divulgadores autorizados da vontade
divina, as únicas pessoas aptas a chamar e pela graça a expor pro-
pósitos místicos, surgem desigualdades sociais para fortalecer seu
papel exclusivo. E uma vez que seu poder é pensado como estando
enraizado na vontade divina, torna-se difícil contestar. Portanto,
| 374 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

assume a forma de um autoritarismo que, se desimpedido, pode se


deleitar com a mais extrema opressão. A história das sociedades
nas quais os sacerdotes exerceram poder político ilustra abundan-
temente essa tendência.
No caso particular das sociedades gregas, no entanto, cer-
tas qualificações precisam ser feitas. Os primeiros gregos, sem
dúvida, tinham uma religião. Esta religião foi distinguida pela
falta de um credo estabelecido. No entanto, os sacerdotes gregos
desfrutavam de poder político social, pelo qual podiam, entre ou-
tras coisas, instaurar ações na corte por acusações de irreligião.
Por si só, esse era um poder que poderia ser traduzido em termos
políticos, mesmo durante o julgamento de Sócrates.
A religião grega era congregacional. Esse fato ajudou a
consolidar o poder sacerdotal, pois quando os ritos são realizados
em comunidade e não individualmente (a fim de que uma peque-
na comunidade agrícola seja assegurada pelos Deuses contra a
seca e a fome), o sacerdote é encorajado a atacar pesadamente os
indivíduos que por sua irreligião põe em perigo a comunidade ou
o Estado. E era verdade com os gregos. Foi quando a religião de-
les se tornou mais congregacional e mais individual que o poder
do sacerdote, já implicitamente questionado pelas novas filosofi-
as, diminuiu significativamente. A ascensão da classe mercantil,
com sua dependência das artes mecânicas e não dos rituais religi-
osos, tendeu a reduzir a relevância social do sacerdote e incenti-
vou a individualização da religião grega. Foi essa irrelevância
crescente do sacerdote que Tales enfatizou dispensando comple-
tamente os Deuses como fontes de explicação dos fenômenos na-
turais ou sociais.
Tales conseguiu pacificamente liderar essa revolução inte-
lectual, que em si era um reflexo de uma revolução social, porque
o sacerdócio grego não formava estritamente uma classe.
Os gregos, atentos ao enorme poder constritor que o sa-
cerdócio poderia exercer se constituísse uma classe, evitavam o
exemplo oriental, desanimavam os sacerdotes vitais e muitas ve-
zes fixavam o tempo em que alguém era sacerdote ou sacerdotisa.
Além disso, o sumo sacerdócio era frequentemente investido ex
officio no líder político.
O contraste acima da sociedade grega com a sociedade
oriental não deveria sugerir que a sociedade grega estivesse sem
| 375 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

manifestações teocráticas, como se costuma pensar. A sociedade


grega tinha manifestações teocráticas que foram intensificadas
sob o domínio persa.
A aristocracia hereditária pré-Tales, que integra a classe de
proprietários de terras, converteu os cultos antigos dos clãs em sa-
cerdócios hereditários. A esses sacerdócios foi atribuído o poder de
passar e executar sentenças a seu critério, especialmente àqueles
que foram acusados de homicídio. À medida que a propriedade
privada crescia, aumentava também o incentivo ao homicídio por
parte daqueles que desejavam garantir que herdassem a proprieda-
de. O poder do sacerdócio aristocrático era baseado na crença de
que aqueles que cometeram certos crimes infringiam a ordem mo-
ral sagrada da sociedade, e que precisavam expiar seus crimes e ser
absolvidos para que toda a comunidade não fosse posta em risco. A
ideia de que toda a comunidade estava ameaçada diante dos Deu-
ses como resultado de certas práticas impróprias de indivíduos não
foi abandonada nem por Sólon, um contemporâneo do Anaximan-
dro. A primeira revolução de Tales, portanto, derrubou o fundo
das manifestações teocráticas e criptoteocráticas da sociedade
grega. Ao destruir os Deuses como artifícios explicativos, ele os
neutralizou e minou a eficácia social do sacerdócio aristocrático.
A segunda revolução consistiu em sua afirmação de que a
unidade da natureza consistia não em seu ser, mas em sua materi-
alidade. Sua escolha de uma substância para seu monismo teve
raiz no mercantilismo, na crença de que todos os bens eram per-
mutáveis em termos de um denominador comum.
Água, o denominador comum escolhido por Tales, refletia
adequadamente a dependência jônica de sua marinha do mercan-
tilismo, sendo o crescimento da marinha crucial para o comércio
mediterrâneo de Jônia.
Mas a interação entre a alteração das circunstâncias soci-
ais e o conteúdo da consciência não é unilateral, pois as circuns-
tâncias podem ser alteradas pela revolução e as revoluções são
provocadas pelos homens, por homens que pensam como homens
de ação e agem como homens de pensamento. É verdade que os
revolucionários são produzidos por circunstâncias históricas – ao
mesmo tempo, não são bobos diante do vento da mudança, mas
têm uma base ideológica sólida. A revolução tem dois aspectos.
Revolução é uma combustão contra uma ordem antiga; e
| 376 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

também é um concurso para uma nova ordem. A ênfase marxista


na força determinante das circunstâncias materiais da vida está
correta. Mas também gostaria de dar grande ênfase ao poder de-
terminante da ideologia. Uma ideologia revolucionária não é me-
ramente negativa. Não é uma mera refutação conceitual de uma
ordem social moribunda, mas uma teoria criativa positiva, a luz
norteadora da ordem social emergente. Isso é confirmado pela
carta de Engels citada na epígrafe deste livro.
Não só é significativo que Tales tenha escolhido a água
como substância fundamental, mas o fato de ele sustentar que tu-
do é derivado de uma única e mesma substância era de grande
importância. Pois, mantendo isso, implicava também a identidade
fundamental do homem, que, segundo ele, não é um pouco natu-
ral, um pouco sobrenatural, mas totalmente natural.
Ou seja, no plano social, seu princípio metafísico equiva-
lia a uma afirmação da igualdade e irmandade fundamentais dos
homens. No entanto, sua filosofia apoiava apenas uma revolução
que fosse, em certo sentido, burguesa. A afirmação da igualdade
fundamental e da irmandade do homem não resulta automatica-
mente no socialismo, pois não equivale à afirmação da igualdade
social. De fato, a especificação de Tales de uma forma de matéria
como básica naturalmente valoriza a água e, no plano social,
permanece compatível com uma estrutura de classes. Portanto,
sua filosofia apoiava apenas uma espécie de revolução democrá-
tica burguesa, e não socialista.
Na única oportunidade que Tales teve de traduzir sua me-
tafísica em política, ele insistiu firmemente na unidade dos esta-
dos balcânicos da Jônia. O que não é de se surpreender, pois ele
havia afirmado a unidade da natureza. Os jônicos prestaram pou-
ca atenção a ele e foram devidamente desfeitos.
O ponto que estou ansioso para enfatizar não é apenas que
as primeiras filosofias carregavam implicações de natureza política
e social e, portanto, estavam calorosamente ligadas às realidades da
vida; estou sugerindo que essas filosofias eram reflexos de corren-
tes sociais, que surgiram de exigências sociais. Assim, a filosofia
de Tales precisava, para destruir a sociedade aristocrática suposta-
mente sancionada pelo céu, afirmar a irrelevância de um panteão, e
isso ele fez na tentativa de trazer toda a explicação da natureza ao
âmbito da própria natureza. Uma atenuação revolucionária, em
| 377 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

oposição à reformista, da influência clerical, pedia mais que uma


melhora aqui e ali das desigualdades sociais, uma suavização dessa
curva acentuada ou um recorte dessa eminência, mas uma rejeição
total da ideia de desigualdade social.
O que, na metafísica, implica essa rejeição da desigualdade
social é precisamente o que é comum a todos os monistas, aqueles
que afirmam a unidade da natureza e de diferentes tipos de coisas
como sendo manifestações diversas do mesmo.
Foi essa ideia da unidade da natureza, bem como da
igualdade e justiça básicas, que exigiu que Tales generalizasse
essas regras práticas adotadas nos pântanos do delta do Nilo. As
regras práticas permitem uma certa medida de arbitrariedade e
parcialidade na aplicação. As regras que os arpedonaptas egípcios
usavam na marcação de fazendas estavam fadadas a levar a injus-
tiças, pois eram medidas com pedaços de cordão atados. As per-
cepções igualitárias de Tales, necessárias para uma economia
mercantil, o levaram a procurar formas gerais de regras. Quando
as regras se tornam gerais, elas garantem uma imparcialidade ob-
jetiva, e a imparcialidade é a marca externa do igualitarismo.
O sucessor de Tales, Anaximandro, argumentou, no entan-
to, que a unidade da natureza não poderia por si só garantir igual-
dade e imparcialidade. De fato, o próprio Tales era burguês em
sua vida política real. No pensamento de Anaximandro, sentiu-se
a necessidade de um princípio social ativo que iluminasse e san-
cionasse a estrutura social. Isso ele chamou de princípio de justi-
ça, um princípio de base que no sistema de Anaximandro regula-
va a organização social e a geração metafísica das coisas.
Em sua filosofia, ele concebeu um estoque de material
neutro, no qual nada era diferenciado, uma extensão eterna sem
limites, sem características, cuja inquietação separava as coisas
deste mundo. Essas coisas permanecem no mundo por um tempo,
medidas de acordo com os princípios da justiça. No final de seu
tempo, eles dão lugar a outras coisas e retornam de onde vieram,
de volta ao estoque neutro sem limites. Assim, ao passo que, à
primeira vista, Anaximandro parece ter divergido amplamente de
Tales, seu mestre e amigo, ele na verdade apenas tentou garantir
objetivos sociais semelhantes por meio de instrumentos conceitu-
ais não muito diferentes dos de Tales. Os primeiros filósofos gre-
gos tinham uma preocupação social moral que expressavam em
| 378 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

termos de metafísica. Foi essa preocupação social moral que os


fez sofrer continuamente de perseguição política. O ponto que
desejo sublinhar a esse respeito é que os sacerdotes haviam fun-
damentado seu poder e todo tipo de hierarquia social em sua vi-
são sobrenatural do mundo. Para destruir o poder sacerdotal e sua
estrutura social arbitrária, foi necessário remover seu fundamen-
to; era necessário dar uma explicação natural do mundo. Dessa
maneira, a filosofia serviu como um instrumento de justiça social.
Por mais revolucionários que fossem os monistas, ou seja,
aqueles que afirmavam que tudo era no fundo da mesma coisa,
eles ainda estavam atolados depois de reivindicarem a igualdade
fundamental de todos. É possível, é certo, considerar Anaximan-
dro como tendo consciência dessa estagnação, pois ele previa não
uma igualdade social estática e imóvel, mas uma igualdade social
perseguida o tempo todo pelo princípio ativo da justiça. Anaxi-
mandro não era um filósofo apático51. Ele não podia permitir que
a sociedade permanecesse adormecida, complacente com a estru-
tura social atual em sua época. Seu princípio de justiça pedia mu-
dança social, pois ele não podia vislumbrar uma sociedade iguali-
tária como naquela em que tudo permanecia como era, em que as
desigualdades quedam inalteradas. Coube a Heráclito introduzir a
noção de crescimento na concepção de sociedade.
Os primeiros filósofos gregos estavam tão empenhados
em destruir os fundamentos do poder aristocrático sacerdotal que
prestavam pouca atenção ao crescimento social. Eles estavam tão
extasiados com seus propósitos que também zombavam da imor-
talidade da alma, sendo Sócrates o primeiro a fazer dela um prin-
cípio da filosofia, distinto da crença religiosa. Também de acordo
com Heráclito, todas as coisas são uma. Mas o fogo, o elemento
fundamental, sofre transformações em outras coisas. Existe um
potencial permanente de instabilidade em tudo, e é essa instabili-
dade que torna possíveis as transformações. Os objetos são ape-
nas enganosamente serenos, todos são delicados equilíbrios de
forças opostas. Essa oposição de forças é concebida por Heráclito

51 NT: No original, Nkrumah usa a expressão “Lotus-eater”, que se refere


à pessoa apática, dada à luxúria e à preguiça, sem se preocupar ou lidar
com questões práticas da vida. A flor de lótus é um narcótico, que causa
sonolência e apatia prazerosa.
| 379 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

como sendo tão fundamental que, sem ela, tudo sumiria. Um ob-
jeto é uma sintonização de tensões opostas e sem as tensões não
poderia haver objeto.
As leis sociais também são concebidas por Heráclito da
mesma maneira. Ele as concebe como uma sintonização de ten-
sões, resultante de tendências opostas. Sem as tendências opostas,
não poderia haver leis. Percebe-se que Heráclito concebeu a socie-
dade como um dinamismo, no qual do conflito de opostos emerge
uma sintonização. Heráclito torna esse conflito de opostos indis-
pensáveis ao crescimento e à criação, tanto na natureza quanto na
sociedade. E crescimento, ou criação, não passa de sintonização ou
equilíbrio que emerge de uma luta de opostos. Em termos sociais,
isso significa que a sociedade está permanentemente em revolução
e que a revolução é indispensável ao crescimento e ao progresso
social. Evolução por meio da revolução é a pedra de toque heracli-
tiana do progresso.
A ideia do conflito cósmico dos opostos veio a ser impres-
sa em Heráclito pelas erupções que abalaram a sociedade grega.
Depois que os aristocratas derrubaram as monarquias, as colônias
gregas vieram a ser estabelecidas nos lábios da bacia do Mediter-
râneo. Com isso e a introdução da cunhagem de moedas, o valor
da propriedade fundiária como instrumento de transações econô-
micas diminuiu. O comércio tornou-se mais difundido, e o desen-
volvimento de uma marinha mercante para ajudar na expansão do
comércio deprimiu ainda mais o significado econômico da aristo-
cracia de terras. A nova força mercantil começou a buscar prê-
mios políticos da aristocracia decadente. Essa mudança social
fundamental iniciada por impulsos econômicos, com a oposição
das forças locais ao domínio persa nos Estados menores da Ásia,
criou entre os gregos uma sociedade que foi comparativamente
compensada. Mesmo os trinta tiranos marcaram uma redenção da
sociedade grega. Redenção, no entanto, não poderia significar
uma sociedade definhando em entorpecida serenidade. As dissen-
sões internas persistiram por todos os lados, a sociedade estava
distorcida por mudanças rápidas, mas sempre de uma luta corpo a
corpo emerge, com o passar do tempo, um padrão discernível.
Disputa e um padrão emergente, uma sintonia aparente,
que servia como um ponto de descanso até que as forças em con-
flito voltassem a se tornar nitidamente facciosas, essa gangorra,
| 380 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

esse ambiente social sufocante deu origem, na mente de Herácli-


to, à ideia de que o próprio universo é uma sintonização de forças
perpetuamente em conflito. A partir desse momento, a ideia de
uma história finita morreu e a da dialética nasceu.
Nos exemplos escolhidos, tentei ilustrar a maneira pela
qual a filosofia materialista primitiva de tipo monista é sugerida
pelos fenômenos sociais e, por sua vez, inspira fenômenos e polí-
ticas sociais. Talvez eu possa ilustrar a maneira pela qual a filoso-
fia idealista cumpre a mesma função citando a filosofia de
Anaxágoras. Nesta filosofia, dizia-se que as diversas coisas do
universo surgiam das sementes. Essas sementes das coisas foram
concebidas de tal maneira que representavam universos minúscu-
los, cada semente, de fato, contendo toda a gama de diversidade
no universo macrocósmico.
Cada objeto específico não passava de um acúmulo de
sementes. Anaxágoras disse que toda a aglomeração de sementes
que constitui o universo tem um princípio externo de movimento.
Naturalmente, era necessário um princípio de movimento para
regular as quantidades de sementes envolvidas em cada objeto, se
essa fosse a fonte das diferenças entre as coisas; e esse princípio
de movimento foi para Anaxágoras um princípio intelectualista.
Ele chamou isso de nous52, razão, mente.
Anaxágoras também pode ser apresentado como apoio a
um igualitarismo. De fato, sua teoria da unidade da natureza é,
em certos aspectos, mais rigorosa e estreita do que a dos monis-
tas. Ele não afirmou uma mera identidade de composição básica.
Ele apresentou uma teoria da participação de qualquer tipo de ob-
jeto em qualquer outro tipo de objeto. Em sua filosofia, a nature-
za estava mais firmemente unida do que em qualquer outra filoso-
fia. A distinção entre sua visão e a dos monistas, se dada expres-
são social, é aquela entre socialismo e democracia. Enquanto nes-
sa última é suficiente afirmar um mero igualitarismo, no socia-
lismo é preciso afirmar um envolvimento conversível de cada um
no todo. Em outras palavras, enquanto os monistas, em termos
sociais, procuravam transformar uma sociedade oligárquica em

52 N.T.: Nous é um termo filosófico que não possui tradução para o


português e se refere à atividade do intelecto ou da razão em oposição à
atividade dos sentidos.
| 381 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma sociedade democrática, Anaxágoras procurava transformar


uma sociedade democrática em uma sociedade socialista.
De fato, uma vez que Anaxágoras enfatizou a responsabi-
lidade socialista de cada um por todos e de todos por cada um, o
próximo passo será enfatizar o valor intrínseco do indivíduo. As-
sim, um movimento social progressista, que começou com a su-
pervisão de um povo sobre uma classe, terminou com a separa-
ção, o culto, dos indivíduos. Foi dado aos sofistas alcançar isso.
Essa fase recebeu sua expressão mais definitiva na afirmação pro-
tagoriana de que o homem é a medida de todas as coisas. O uni-
verso passou das mãos dos Deuses para as mãos dos homens. Es-
sa visão protagoriana, que foi um testemunho apaixonado do no-
vo lugar do homem no esquema das coisas, foi rapidamente per-
vertida pelas mentes inferiores em um subjetivismo idealista.
Nesta forma transformada, alegava-se que a realidade era uma
réplica da vontade subjetiva. De fato, foi dessa forma que Sócra-
tes a criticou. Era necessário destruir esse subjetivismo idealista;
primeiro, porque era apenas um pequeno passo para o solipsismo,
a visão de que só existe a si mesmo e outras coisas existem como
experiências; e segundo, porque, além de prejudicar a possibili-
dade da ciência e o fundamento público e objetivo da verdade, ela
solapou os fundamentos da sociedade, pois fez com que a reali-
dade social também dependesse da vontade subjetiva. A tentativa
original de redimir a sociedade dando-lhe uma base unida, afir-
mando a unidade e a irmandade do homem, agora prometia des-
truir a sociedade a que se propôs salvar. O igualitarismo precisa-
va desesperadamente ser distinguido do anarquismo, pois o anar-
quismo é a expressão política do idealismo subjetivo.
Sócrates, consequentemente, assumiu como dever destruir
essa forma da máxima protagórica. Seu objetivo social era restau-
rar a objetividade da sociedade. Sócrates também acreditava fir-
memente no igualitarismo. Ele exemplificou isso em toda a sua
vida por meio de seu inabalável desprezo pela pompa, circunstân-
cia e embuste. Ele nos deixou um testemunho eterno de suas
crenças igualitárias em seu uso do menino escravo no Mênon:
nesse diálogo platônico, Sócrates tenta provar a existência desen-
carnada da alma e o caráter inato de certas ideias da matemática e
da ética. Ao selecionar um menino escravo com o propósito de
sua prova, ele mostrou que acreditava na natureza comum e igua-
| 382 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

litária do homem. Essa crença ativa toda a filosofia de Sócrates.


Ele acreditava que todos eram igualmente dotados de ideias ina-
tas e de capacidade para se levar uma vida boa. Conhecimento,
disse ele, era virtude. E o conhecimento, sustentava ele, era inato,
sendo o aprendizado, na verdade, uma maneira de lembrar o que
já estava gravado na alma individual.
Embora no Mênon, Sócrates apresentasse um igualitaris-
mo fundamental, não se pretendia que o igualitarismo pudesse ser
encontrado entre os fatos estabelecidos da vida. A razão dessa
discrepância entre verdade e fato social foi concebida por ele em
termos morais. Se as pessoas não fossem presunçosas, confun-
dindo sua ignorância com conhecimento, e se refletissem, todos
seriam igualmente morais, tanto porque virtude é conhecimento,
como porque, fundamentalmente, todos teriam o mesmo conhe-
cimento sugerido no Mênon. Não foi meu objetivo argumentar
que todos os primeiros precursores de nossos filósofos modernos,
ao tentar modificar ou apoiar uma modificação da sociedade,
conceberam isso em termos de igualitarismo. Mas mesmo quando
eles buscaram uma linha social em reação à linha igualitária, ain-
da respondiam aos impulsos e condições sociais. Num sentido
genuíno, suas filosofias eram reflexos intelectuais das condições
sociais contemporâneas.
Um exemplo de um dos primeiros filósofos que se tornou
reacionário em relação ao desenvolvimento igualitário foi Platão.
Os juízes e carrascos de Sócrates não foram, com ele, tão cruéis
quanto foi Platão, seu traidor, e também seu discípulo amoroso.
Enquanto Sócrates havia afirmado que os homens são
igualmente dotados e explicado as diferenças entre os homens em
termos de educação, Platão não acreditava nessa igualdade fun-
damental. Ele sustentava que a desigualdade original dos homens
seria revelada rapidamente por um sistema educacional inabalá-
vel. Para ele, alguns homens tinham a razão mais elevada do que
outros, e embora a educação pudesse até certo ponto escondê-las,
tais diferenças estavam fadadas a se revelar após um certo estágio
de uma educação completa. Essas diferenças no nível de inteli-
gência, de acordo com Platão, implicavam uma divisão natural e
hierárquica do trabalho, cada homem sendo equipado por nature-
za para funções que lhe são próprias, sendo os menos inteligentes,
na verdade, apenas qualificado para assumir formas de trabalho
| 383 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

servis. Todo poder político e social deveria estar concentrado nas


mãos dos intelectuais, na confiança. Dessa maneira, Platão de-
fendeu um totalitarismo desmedido dos intelectuais.
Nem isso pôde esgotar o anti-igualitarismo de Platão. Ele
procurou maneiras pelas quais esse grupo de intelectuais cabeçu-
dos pudesse se tornar uma classe. Ele encontrou sua solução na
eugenia: mulheres e homens deveriam se unir em casamento de
acordo com princípios eugênicos e, assim, seria criada uma su-
cessão, com base no nascimento, de pessoas que perpetuamente
teriam todo o poder.
Deve-se dizer que Platão ficou profundamente abalado
com a reviravolta na democracia ateniense. Em particular, ele não
podia perdoar um sistema que permitia que seu mestre, Sócrates,
fosse executado. Em busca de sua vingança pessoal, ele elaborou
os princípios da República. Nisso, no entanto, ele traiu seriamente
Sócrates, pois ele próprio reconheceu o sistema político ao virtu-
osamente se recusar a fugir dele quando teve a oportunidade. Não
quero, dizendo que Platão traiu Sócrates ao atacar a democracia
ateniense, sugerir que a democracia ateniense fosse plena. A de-
mocracia grega como um todo, mas especialmente a ateniense,
nunca abrangeu todos os adultos residentes, nem teve como obje-
tivo, mesmo como um ideal, a redistribuição da riqueza. As mu-
lheres não foram incluídas nas disposições da constituição demo-
crática. E os aristocratas e a classe mercantil continuaram a de-
pender de escravos e outros trabalhadores explorados para suas
riquezas. Na verdade, era devido à disponibilidade de trabalho
escravo que os cidadãos livres não eram tão oprimidos quanto
poderiam ter sido. Esperava-se que os cidadãos continuassem sa-
tisfeitos com o fato de que certos cargos de Estado eram ocupa-
dos por sorteio, e os cidadãos comuns pudessem se tornar juízes e
executivos.
Há um outro aspecto interessante na traição de Platão. A
filosofia tem sua própria sociologia, e não é de surpreender que
Platão tenha falhado em fazer uma distinção apropriada. Diante
de um efeito desagradável da democracia grega, ele não conse-
guiu distinguir a teoria da democracia e sua prática em Atenas.
Teoria e prática estão sempre conectadas; mas nem sempre da
maneira que Platão pensava. Enquanto cada sistema social tem
uma ideologia de apoio, uma ideologia revolucionária procura
| 384 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

introduzir um novo sistema social. Além disso, é comum que a


prática não atenda às exigências da teoria. A democracia não po-
deria, portanto, resistir ou cair com a sociedade ateniense. Platão
falhou grotescamente em separar uma condenação da prática polí-
tica ateniense de uma condenação da teoria democrática.
Mas o próprio Platão era reacionário demais para se con-
tentar em simplesmente criticar, até mesmo condenar, a deturpa-
ção ateniense da democracia.
A filosofia reacionária de Platão recebeu desenvolvimento
pelas mãos de intelectuais cristãos. Pois quando eles precisaram
de uma filosofia para sustentar sua divisão entre uma ordem ce-
lestial e uma ordem terrena, foi para Platão e, em menor grau,
para Plotino, que eles se voltaram.
É importante ver claramente a natureza do balanço que as-
sim ocorreu. Comecei esse esboço do pensamento filosófico oci-
dental desde os tempos de seus fundadores gregos, quando uma
classe aristocrática, auxiliada por uma oligarquia sacerdotal, pos-
suía a soma total do poder político-social.
Os primeiros filósofos, rebelando-se contra uma ordem
social encorajada por explicações teológicas dos fenômenos natu-
rais, foram à raiz da questão, introduzindo um tipo diferente de
explicação para os fenômenos sociais e naturais. A implicação
social de sua metafísica era um certo igualitarismo que, teorica-
mente, sugeria democracia e socialismo.
À medida que a metafísica secular e sua preocupação com a
identidade fundamental do homem sofreu corrupção, ela tendeu para
um idealismo subjetivo, uma mudança que se completou na época
dos sofistas. E a imagem política do idealismo subjetivo é o anar-
quismo. Sócrates e alguns de seus alunos foram importantes para
conter a ascensão do anarquismo que os sofistas, tanto por seus pre-
ceitos quanto por sua neutralidade moral, já estavam promovendo.
Mas esse mesmo igualitarismo que Sócrates tentava, de maneira li-
mitada, salvar em sua forma objetiva, já havia acomodado elemen-
tos do ensino dos sofistas. Isso havia gerado um individualismo vo-
raz que não aceitava correção levianamente. O sistema destruiu Só-
crates. E o soi-disant vingador de Sócrates, Platão, procurou, por sua
vez, destruir até mesmo essa democracia limitada. Nesta tentativa,
ele apenas conseguiu esboçar uma filosofia que poderia ser usada
para apoiar uma sociedade na qual uma classe se senta no pescoço
| 385 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de outra. Incentivou uma nova oligarquia. E essa nova oligarquia da


Idade Média e das Trevas, como aquela de onde partimos, buscou
seu aliado sacerdotal. É assim que Platão, ao tentar vingar o defen-
sor da igualdade humana, aquele que sempre disse que os homens
não diferiam como homens, assim como as abelhas não diferiam
como abelhas, ajudou, ironicamente, sua mais completa derrubada.
Alguns séculos depois, o platonismo tendo tomado posse, o sa-
cerdócio começou a adquirir um império e um poder político. O
mundo foi conduzido a um novo arranjo de argumentos velhos e
familiares, sobrecarregado com uma explicação teológica do
cosmos. A hipótese de Heráclito de que nem Deus nem o homem
fizeram o universo estava imersa em beatices fervorosas. Os sa-
cerdotes enfatizaram seu papel de especialistas em assuntos divi-
nos; e, como este mundo era considerado apenas um dividendo
do empreendimento divino, eles também reivindicaram conheci-
mento sobre assuntos mundanos. Em aliança íntima com os aris-
tocratas, eles mergulharam a Europa na Idade das Trevas e no
feudalismo mais terrível já registrado pela história, enquanto a
Igreja exercia seu direito divino de roubar.
A Igreja, no entanto, não teve permissão para manter o do-
mínio imperial por muito tempo. Considerando que o papa tinha
sido um igual e colega de Carlos Magno, com a ascensão de Otto I,
ele caiu para uma posição inferior. De fato, ele estava em débito
com Otto por este ter contido as ameaças italianas ao papado. Com
o surgimento desse tipo de imperador secular, protetor do papa,
toda a questão da relação entre Igreja e Estado foi vigorosamente
abordada. E os secularistas argumentaram que, como o papa não
havia fundado um império, ele não poderia governar um. A reivin-
dicação do papa domínio terreno havia se inspirado na Civitas Dei
de Santo Agostinho, que foi extraída de Platão e Plotino. Enquanto
fingia estar interessada apenas na realidade superior do céu, a Igre-
ja não relutou em se envolver na sordidez da política de poder.
Com o papa sob controle, a eficácia de uma filosofia platô-
nica como a ideologia do domínio papal ficou seriamente com-
prometida, pois não poderia garantir a ascensão contínua do papa.
Com Platão assim desacreditado, a Igreja se voltou para Aristóte-
les, o crítico contundente de Platão. Aristóteles foi um defensor de
alguma forma de democracia. Ele conectou a democracia ao co-
nhecimento, dizendo que a verdade, em qualquer assunto, tinha
| 386 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

vários lados que nenhuma pessoa poderia compreender em seu


olhar individual. Qualquer indivíduo só poderia compreender uma
parte, e foi através da colaboração de muitos que toda a verdade foi
alcançada. Uma leitura do significado sociopolítico disso seria a
rejeição do anarquismo – o extremo político do individualismo.
Aristóteles, no entanto, não acreditava que cada homem
fosse capaz de contribuir para a verdade. Nisso, ele refletia, em
seu pensamento, o que era fato social na Grécia. Dizer que cada
homem fosse capaz de contribuir para a verdade exigiria, no nível
social, que cada homem tivesse direitos políticos. Dizer que cada
homem era igualmente capaz de contribuir para a verdade exigi-
ria que cada homem tivesse direitos políticos iguais. Os fatos da
sociedade grega não estavam de acordo com isso. A democracia
dos gregos era uma democracia apoiada, sobretudo, no trabalho
escravo. Aristóteles não criticou nem a desigualdade entre os se-
xos nem a exploração do trabalho escravo. Ele até achava que a
escravidão era certa, desde que o escravo fosse naturalmente infe-
rior ao seu mestre. Tais homens, disse ele, não eram, por nature-
za, de si próprios. Ele encorajou seus compatriotas a não escravi-
zarem gregos, mas apenas uma raça inferior, com menos espírito.
Segundo Aristóteles, o Estado não é um mero agregado de
homens, mas uma união de indivíduos empenhados em um obje-
tivo comum por meio de ações cooperativas. Tem como objetivo
a busca do bem maior. Os homens, porém, não são iguais e não
desempenham as mesmas funções na busca desse objetivo co-
mum. Ao mesmo tempo, nenhum homem pode, por si só, trazer o
bem maior. O Estado, portanto, emerge da interdependência de
homens que buscam o mesmo objetivo final.
Aristóteles foi impedido de perceber plenamente o igualita-
rismo por sua vênia supersticiosa dos fatos. A interdependência
dos membros da sociedade implica a ilegitimidade da busca de in-
teresses setoriais acima do bem comum, ou a conquista deste últi-
mo como mero subproduto da busca do primeiro. No entanto, ele
costuma ser mal interpretado quando enfatiza que existem diferen-
ças entre os homens. Igualitarismo não pode significar a ausência
de diferença. Não requer isso. Ele reconhece e aceita diferenças
entre os homens, mas permite a diferença apenas no nível funcio-
nal. Além disso, não é permitido que as diferenças façam diferen-
ça, certamente não no nível do valor intrínseco do indivíduo.
| 387 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Assim, não bastava Aristóteles reconhecer que havia es-


cravos. Ele deveria ter criticado a instituição da escravidão, pois
vênia aos fatos não significa embriaguez. Não significa que eles
não possam ser avaliados, criticados e minados. Afirmar que a
escravidão era um fato não significa abençoá-la. Sua importância
econômica para a sociedade grega não deveria ter ludibriado
Aristóteles a considerá-la necessária ou mesmo aceitável, pois se
a sociedade, segundo ele, é uma pluralidade complementar e coo-
perativa de homens, acrescente-se que a cooperação é livre.
Quando o próprio Aristóteles chegou a considerar como a coope-
ração poderia ser espontânea, ele sempre sublinhou a necessidade
da educação, nunca da tirania ou da injustiça.
O homem, diz Aristóteles, visa o bem. Mas como se pode
dizer que um escravo contínuo visa algo? Segundo Aristóteles, o
princípio da ordem em uma sociedade política é a justiça, o vín-
culo dos homens nos estados. Mas de que justiça se pode dizer
que os escravos desfrutam? Aristóteles, geralmente obstinado,
fica complacente demais quando escreve sobre escravidão. Ao
mesmo tempo, seus escritos sobre a escravidão foram distorcidos.
Quando ele define um escravo como alguém que, por natureza,
não pertence a si, mas a outro, sendo um ser humano e, ainda as-
sim, uma posse, então ele está dizendo que pode haver homens
que, por sua própria natureza como homens, não pertencem a si,
mas a outros? Não se pode descobrir que um homem é escravo
por meio do exame de sua natureza.
O que Aristóteles quer dizer é que, se alguém é escravo,
disso segue-se que ele não pertence a si, mas a outro, é um ser
humano e, ainda, uma posse. O igualitarismo inicial não determi-
na previamente seu próprio curso futuro. Seu curso depende de
fatos de produção e das relações socioeconômicas subsequentes.
O igualitarismo inicial pode ser pervertido em um atomismo so-
cial cruel e ganancioso, um vale tudo bárbaro em que se diz que
cada homem é por si mesmo e Deus por todos nós. Esse é o tipo
de curso seminal no igualitarismo de Aristóteles.
Para destruir a base filosófica platônica da oligarquia, co-
mo já mencionei, Aristóteles rejeitou a hipótese platônica sobre o
conhecimento da verdade. Para a mente de Platão, a verdade só
pode ser percebida e apreciada pelas razões mais elevadas sujei-
tas à disciplina mais exigente. A verdade política e social era,
| 388 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

portanto, acessível apenas às mentes com lavagem cerebral da


oligarquia intelectual. Aristóteles rejeitou isso e tornou a verdade
acessível a todos e aberta à apreciação. Platão, para garantir que a
verdade estivesse realmente fora do alcance de muitos, depositou-
a em um banco celestial. Ele chamou suas verdades de “formas” e
as tornou a população misteriosa de um paraíso tênue. Assim co-
mo Marx colocou a “ideia” de Hegel de cabeça para baixo, Aris-
tóteles trouxe as “formas” de volta à Terra e as restabeleceu à na-
tureza, esta que está aberta a todos nós e com a qual todos esta-
mos familiarizados. Ele negou que as “formas” fossem capazes
de existir fora dos objetos naturais. Ele sustentava que quem era
capaz de observar objetos naturais era capaz de detectar “for-
mas”. Mas, de todo modo, ele impugnou as “formas” com base
em sua absoluta inutilidade como instrumentos de conhecimento
ou de explicação. Nenhum carpinteiro, argumentou, estudou antes
uma “forma” para então fabricar seus móveis.
Com a adoção do neoaristotelismo pela Igreja, ela se sal-
vou a tempo. Pois adotou um ponto de vista filosófico que lhe
permitiu fazer concessões ao Renascimento e recuperar a impor-
tância social do homem.
No entanto, em sua ansiedade em restaurar a forma iguali-
tária da sociedade, Aristóteles realmente tentou deter a dialética do
pensamento. Tentou a conter estabelecendo suas categorias. Se-
gundo ele, essas categorias são os conceitos mais gerais sob os
quais o mundo pode ser pensado. Não há objeto ou processo na
natureza, desde que possa ser concebido, que não se enquadre em
uma ou mais das categorias. São exemplos a qualidade, a quanti-
dade, o repouso, o movimento, o tempo, o lugar. Boa parte de me-
tafísica nessa visão pode, portanto, consistir apenas na identifica-
ção e na elucidação dessas categorias. Mas também dessa forma, é
feita uma tentativa de fixar de antemão a forma de qualquer meta-
física futura. De fato, os prolegômenos para a metafísica futura são
lugares-comuns da filosofia. Esses prolegômenos são uma espécie
de prefácio escrito por filósofos e dirigido aos do futuro. Nesses
prefácios, os autores estabelecem os limites, os propósitos e as
formas que, segundo eles, devem guiar todas as filosofias futuras.
Kant é outro exemplo de filósofo que identificou os conceitos bási-
cos em termos de que somente a natureza pode aparecer para nós e
se tornar inteligível.
| 389 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O motivo por trás dos prolegômenos é natural. Em certas


circunstâncias, é até louvável. É uma tentativa de garantir que as
ideias filosóficas de alguém sejam conservadas, uma tentativa de
convencer o mundo de que todo o trabalho preliminar da filosofia
foi feito, e que o que resta a fazer é construir a partir desse fun-
damento. É uma reivindicação à perfeição.
Na esfera política, Aristóteles fez uma afirmação seme-
lhante à perfeição. Tendo analisado a natureza de uma constitui-
ção democrática, ele disse que essa era a maneira natural de orga-
nizar uma sociedade. Afirmar que seja natural equivale a contras-
tá-la com outros tipos de constituição, presumivelmente antinatu-
rais ou menos naturais. Por uma constituição natural, Aristóteles
queria dizer aquela que mais se relacionasse com os talentos do
homem e a ética que melhor lhe convinha. Uma constituição na-
tural era, portanto, uma que desse expressão política à natureza
do homem. Portanto, ao dizer que uma constituição democrática é
a maneira natural de organizar uma sociedade, ele estava reivin-
dicando perfeição a isso.
Platão foi chamado a Siracusa para educar um futuro go-
vernante. Teve uma bela oportunidade de produzir um governante
adaptado às suas ideias políticas. Ele aproveitou a oportunidade e
falhou, retornando a Atenas decepcionado. Aristóteles também
teve a responsabilidade pela educação de Alexandre, mais tarde
chamado de o Grande. Mas as sementes democráticas que ali ele
plantou murchavam em solo árido. Esses dois grandes filósofos
da antiguidade, tão cheios de ideias para a “regeneração” da soci-
edade, careciam totalmente do poder de trazê-las à fruição social.
Um ponto interessante é que, apesar da diferença entre Pla-
tão e Aristóteles, ambos conceberam a sociedade em termos estáti-
cos. Concepção a qual não permitia a revisão. Na visão de Platão,
uma vez que uma sociedade tivesse sido criada de acordo com as
disposições delineadas em A República, a sociedade perfeita seria
alcançada. E o que é perfeito não pode mudar para melhor. Assim,
ele introduziu a ideia de uma evolução social finita. E Aristóteles,
na medida em que considerava a sociedade democrática a forma
perfeita de sociedade, também operava a concepção de uma evolu-
ção social finita.
Embora nem Platão nem Aristóteles tivessem o poder de
levar suas ideias à fruição social, a Europa criou homens que ti-
| 390 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nham poder e vontade, mas não a boa sorte de implementar a


“sociedade perfeita”. Napoleão foi assim. E sobre o Estado prus-
siano, Hegel confessou representar a encarnação política de sua
ideia absoluta: a marcha de Deus na história. Hitler também, em
nossos dias, procurou introduzir “a sociedade perfeita”! Uma vez
que “a sociedade perfeita” é concebida em termos de evolução
social concluída, seus genitores têm persistentemente contempla-
do milênios de monotonia inabalável!
Sugeri que a tentativa de fixar categorias, conceitos gerais
básicos, em termos de que somente o mundo deve aparecer para
nós e se tornar inteligível, é uma tentativa de interromper a dialé-
tica do pensamento, uma tentativa de congelá-la em um determi-
nado estágio. Na dialética do pensamento, uma ideia fundamental
é introduzida e desenvolvida em detalhes consideráveis. Depois
de certo ponto, uma ideia antitética aparece em cena. E, na tenta-
tiva de reconciliá-las, uma nova ideia é produzida. E essa nova
ideia inicia um processo semelhante. Ao estabelecer conceitos
básicos que não admitem revisões, Aristóteles estava tentando
interromper a dialética do pensamento.
Sugiro também que, no campo social, Aristóteles tentou
barrar a dialética da sociedade, pois, ao tratar a sociedade demo-
crática como a forma perfeita de sociedade, tentou estabelecer um
ponto final para a evolução social e, assim, frustrar a dialética.
E, no entanto, sua própria posição representa um estágio
no desenvolvimento da dialética social. O igualitarismo introdu-
zido pela filosofia grega primitiva poderia ser formulado em ter-
mos de individualismo. E o ideal democrático de Aristóteles, com
sua insistência em um individualismo igualitário, era, afinal, uma
maneira particular de expressar aquele igualitarismo que os pri-
meiros filósofos gregos opuseram à oligarquia sacerdotal aristo-
crática. Na medida em que o individualismo aceita como axiomá-
tico a igualdade de valor do indivíduo, o igualitarismo pode ser
formulado nesses termos. Mas, evidentemente, o individualismo
por si só não pode determinar a forma de organização social. Pois
o individualismo pode levar ao capitalismo ou pode levar ao soci-
alismo. Se dermos como exemplo as doutrinas econômicas de
Stuart Mill, deve-se reconhecer que ele as baseou em um indivi-
dualismo apaixonado. De fato, sua defesa do individualismo era
tão apaixonada que exigia que os governos exercessem o mínimo
| 391 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de regulamentação sobre os cidadãos. Ele defendia a atividade


econômica livre. Mas por mais verdade que na doutrina de Mill
todo cidadão tivesse direito à livre a atividade econômica, no
contexto de uma sociedade já técnica isso pouco significava. Na
sociedade técnica, isso inevitavelmente geraria uma desproporção
econômica e levaria a sociedade diretamente ao capitalismo.
Se, no entanto, alguém considerar o individualismo não co-
mo dando aos homens o mesmo direito de dominar e explorar, mas
como impondo a todos o dever de apoiar um ao outro e fazer da feli-
cidade dos outros uma condição para a felicidade de si, então o indi-
vidualismo assim concebido e praticado levaria ao socialismo.
É precisamente porque o individualismo não determina a
forma de organização social que a tradição capitalista e quanto a so-
cialista na Europa podem traçar suas origens até os primeiros filóso-
fos gregos. Na verdade, como a história cultural da Europa é o des-
dobramento de uma dialética social, não é de surpreender que linhas
de pensamento antitéticas devam, simultaneamente, remontar sua
primavera e origem ao mesmo berço. A dialética não estaria com-
pleta a menos que as antíteses estivessem presentes. Neste ponto,
devo voltar à Renascença, porque ela é muitas vezes concebida co-
mo a emancipação do pensamento, como a época em que o pensa-
mento se libertou de todos os grilhões sociais e algemas limitadoras.
O Renascimento realmente se libertou de certos grilhões
específicos. Por exemplo, era em espírito profundamente não re-
ligioso. Esse aspecto em particular, no entanto, permaneceu am-
plamente endêmico no século XVI, exceto nas obras de alguns
como Rabelais que, em seu pensamento, rejeitou o catolicismo e
o protestantismo como enormes irrelevâncias para o cristianismo.
Para negar a emancipação, a teologia cristã modificou sua posi-
ção aqui e aceitou um compromisso ali. O humanismo ao qual o
Renascimento deu origem serviu de elo entre a emancipação do
pensamento das amarras religiosas e o fortalecimento do capita-
lismo. Pois suscitou da esfera econômica a insensível competição
e a busca da supremacia que caracteriza o capitalismo, e as trans-
pôs para uma concepção filosófica em que cada homem, munido
de seus direitos naturais e inalienáveis, se opõe a todos os outros.
Essa transposição se tornou um tour de force na filosofia política
de John Locke. É essa filosofia política que inspirou amplamente
a Constituição americana.
| 392 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Tanto o Renascimento quanto o humanismo que ela forti-


ficou foram o segundo renascimento e humanismo. O primeiro
renascimento e humanismo foram representados por Aristóteles.
Ele também, como tentei mostrar, representou o homem como o
centro do universo e fez com que os limites do conhecimento
coincidissem com os limites da compreensão humana ao recupe-
rar as “formas” e colocá-las de volta na natureza; e também na
fixação das categorias de pensamento que eram ao mesmo tempo
as categorias de ser. Seu humanismo era cooperativo, no qual ca-
da homem, percebendo um aspecto diferente da verdade, contri-
buía para a compreensão do todo.
Aristóteles salvou o pensamento das brumas místicas com
que Platão o cercou. O segundo renascimento libertou o pensamen-
to do misticismo da Idade Média.
Mas enquanto Aristóteles representava um humanismo co-
operativo, o segundo humanismo era atomístico. Esse humanismo
atomístico foi auxiliado pelas viagens de mercadores e aventurei-
ros, que voltando com histórias de diversas organizações sociais,
diversos princípios e práticas morais e religiosas, ajudaram a ex-
pandir a ideia de que não poderia haver um único credo religioso,
moral ou ordem social universalmente válido. Esse pensamento
confirmou seu desafio à hegemonia da igreja.
Mas, assim como a filosofia política de John Locke era
uma tentativa humanista de afirmar a dignidade pessoal e inde-
pendente do homem, e fazer do homem, e não de Deus, o ponto
de referência da organização política, também em sua filosofia
empirista ele tentou fazer do homem o centro e a fonte de conhe-
cimento. Como o conhecimento não é, portanto, uma questão de
revelação divina, mas de atividade mental humana, a independên-
cia intelectual e a dignidade do homem foram afirmadas por esse
sinal. Eu disse que, diante do humanismo desenvolvido pela Re-
nascença, a Igreja se preservou fazendo uma concessão e um
compromisso, evitando uma colisão frontal. A Igreja se tornou
sutil e, embora parecesse endossar as filosofias do humanismo,
tentou colocar Deus no centro delas. Ela correu com a lebre e ca-
çou com os cães.
Na filosofia de Berkeley, o empirismo parece ser endos-
sado, mas, na verdade, estritamente falando, é negado. Por mais
que Berkeley tenha dito com clareza que os objetos materiais
| 393 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

eram aglomerações de ideias dos sentidos, ele também disse que


era Deus quem realmente colocava as ideias em nossa mente. O
sentido era completamente ocioso na filosofia de Berkeley. Isso
acontecia necessariamente porque, para ele, nossos corpos eram
carregados em nossa mente. O palco não poderia, portanto, ser
montado para a sensação. Tão impressionantes foram as insinua-
ções desse discurso de Berkeley que a Igreja, agradecida, o re-
compensou com um bispado.
O poder da Igreja ainda podia ser sentido, e filósofos co-
mo Descartes e Leibniz, inspirados pelo medo de serem reconhe-
cidos imediatamente como minadores do poder social da Igreja
em favor do humanismo, abafaram prudentemente suas obras de-
finitivas, que só vieram à luz postumamente.
Eu já disse que o humanismo se ramificou em um capita-
lismo democrático e em um socialismo cooperativo. As duas filo-
sofias de Leibniz e Descartes fornecem mais ilustrações da ma-
neira pela qual isso aconteceu.
Leibniz acreditava que o universo consistia em um núme-
ro infinito de unidades, que ele chamava de mônadas. Cada mô-
nada era um espírito, que desfrutava de diferentes níveis de cons-
ciência. E a matéria, em sua filosofia, era uma coleção de espíri-
tos que estavam em um estado completo de inconsciência. Ele era
um idealista. Mas não foi isso que constituiu sua contribuição ao
capitalismo democrático. Para isso, devemos recorrer às suas ob-
servações sobre a natureza das mônadas. Segundo Leibniz, toda
mônada é completamente independente e não tem ligação com
qualquer outra mônada. Além disso, toda mônada é investida do
direito privado ao seu desenvolvimento, uma lei que provê às ve-
zes a obscuridade de outras mônadas em um momento em que
uma mônada particular se deleita com o bem-estar. E todo esse
arranjo é santificado pelo princípio da harmonia preestabelecida.
Em termos sociais, isso significa que todo indivíduo tem um di-
reito inalienável a se desenvolver de acordo com sua natureza,
mesmo que seu desenvolvimento exija o sofrimento e a subordi-
nação de outros, no sentido político ou econômico. É assim que a
filosofia de Leibniz contribui para um capitalismo democrático.
Por outro lado, na filosofia de Descartes, o apoio é dado
ao socialismo cooperativo. Descartes parte da posição de que a
razão é a mesma em todos, e que, fundamentalmente, somos
| 394 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

igualmente capazes de perceber e apreciar as mesmas verdades.


Nós não temos verdades particulares; todos compartilhamos ver-
dades objetivas públicas e as perseguimos. E mesmo quando, por
não termos prestado total atenção ao assunto em questão, ainda
não tenhamos averiguado a verdade, devemos cooperar com os
outros no apoio às demandas da ordem conforme concebidas por
eles. Consequentemente, Descartes diz que, enquanto estava ocu-
pado duvidando de tudo para melhor apreciar o que era verdade,
ele ainda pensava ser necessário cooperar com os outros no apoio
à estabilidade e ordem da sociedade. Ao multiplicar exemplos
para mostrar como há uma disputa social, implícita ou explícita,
no pensamento dos filósofos, a história da filosofia, como a des-
crevi anteriormente, repentinamente desfruta de uma transfusão
de sangue e ganha vida. Essas filosofias aparecem in situ não co-
mo sistemas etéreos abstratos, mas como armas intelectuais que
implicam propósitos sociais.
É evidente pelo exposto que a filosofia cartesiana represen-
tou a ruptura mais radical no sentido social da hegemonia da Igreja
e de seus aliados aristocráticos. A disseminação do cartesianismo
na forma de pensamento livre, portanto, garantiu que surgissem na
França filosofias concorrentes que engendrassem um agudo confli-
to social e ideológico. Por um lado, havia a filosofia oligárquica da
Igreja, por outro, a filosofia igualitária de Descartes, com a remo-
ção da região da verdade da revelação mística para a demonstração
matemática e pública. O agudo conflito social e ideológico assim
gerado só poderia ser resolvido pela revolução.
A tensão intelectual vinha aumentando há cem anos ou
mais. Os libertinos, os pensadores livres franceses, sofreram per-
seguições e crise após crise. Em 1624, o Parlamento de Paris,
obediente à Igreja, impediu certos químicos de disseminar teses
anti-aristotélicas. As doutrinas não-canônicas foram proscritas e
seus disseminadores libertinos foram acusados como Imoralistas,
trapaceiros e hipócritas que professavam publicamente a religião,
mas em particular a minavam. Os jesuítas atingiram novos pata-
mares de violência e atrocidade quando lidaram com os liberti-
nos, que, naturalmente, não deram a outra face, mas deram suas
respostas com toda força de sua inteligência, acusando os escolás-
ticos de falsificação, vaidade, vazio e inutilidade.
Essa dicotomia no pensamento francês rachou seriamente
| 395 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

a nação, e Huet, Foucher e Pascal contribuíram para essa dicoto-


mia, em oposição a Malebranche e Montaigne. Em 1789, a diver-
gência havia se endurecido seriamente, e somente uma revolução
poderia reorganizar o pensamento francês e distribuí-lo de novo.
Nos séculos XVIII e XIX, a disputa social em filosofia
tornou-se explícita, especialmente quando o direito, a política, a
economia e a ética passaram a ser publicamente fundadas na filo-
sofia. A contenda social da filosofia foi aceita até mesmo na revo-
lução russa de 1917. Portanto, não é nem um pouco surpreenden-
te que, no século XX, os filósofos ocidentais tenham amplamente
se deserdado e alcançado uma despreocupação profissional aris-
tocrática em relação às realidades sociais. Até os filósofos éticos
dizem que não é problema deles melhorar a si mesmos ou a qual-
quer outra pessoa. Eles restringem seu chamado a elucidações
discutíveis de termos morais, que todos sabemos como usar cor-
retamente. Eles dizem que seu trabalho profissional começa e
termina com a elucidação do significado dos termos e princípios
morais e a fonte da obrigação moral. Eles nunca pretendem apoi-
ar e manter princípios morais. De fato, alguns deles às vezes con-
fessam sua incapacidade de ver ou admitir qualquer diferença en-
tre a declaração de princípios morais e a exclamação bruta.
Sobre a irrelevância dos tormentos sociais e impulsos para
o conteúdo da filosofia, os filósofos ocidentais estão amplamente
de acordo. Eles dizem que não estão interessados no que fez um
filósofo dizer as coisas que diz; mas tão somente nas razões que ele
dá. Portanto, a filosofia é efetivamente emasculada e perde seu po-
der de apreensão. Enquanto os grandes filósofos, os titãs, sempre
se interessaram apaixonadamente pela realidade social e pelo bem-
estar do homem, muitos de seus descendentes do século XX no
Ocidente decidem serenamente a uma compilação de um dicioná-
rio de frases em oposição a um dicionário de palavras; envolvidos
em seu eremitério intelectual, eles se dispensam de comentários
filosóficos sobre progresso social ou opressão social, paz ou guer-
ra. Enquanto perseguem, assim, “o sentido exato da palavra”, toda
autoridade, política ou moral, passa cada vez mais firmemente às
mãos dos políticos.
Porém, por mais ressequidas que sejam as novas paixões
de alguns filósofos ocidentais, elas podem admitir que comparti-
lham uma continuidade com a história cultural europeia. Um es-
| 396 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tudante de filosofia não ocidental não tem desculpa, exceto uma


pedagógica, para estudar a filosofia ocidental com o mesmo espí-
rito. Ele não tem sequer a desculpa mínima de pertencer a uma
história cultural na qual figuram as filosofias. É minha opinião
que, quando estudamos uma filosofia que não é nossa, devemos
vê-la no contexto da história intelectual a que pertence, e deve-
mos vê-la no contexto do meio em que nasceu. Dessa forma, po-
demos usá-la para promover o desenvolvimento cultural e forta-
lecer a nossa sociedade humana.
| 397 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 3
Sociedade e Ideologia

No último capítulo, tentei mostrar, e confirmar pela dis-


cussão dos casos, que a filosofia sempre surgiu de um meio social
e que a disputa social está sempre presente nela, explícita ou im-
plicitamente. O meio social afeta o conteúdo da filosofia, e o con-
teúdo da filosofia procura afetar o meio social, seja pela confir-
mação ou oposição. Em qualquer dos casos, a filosofia implica
algo da natureza de uma ideologia. No caso em que a filosofia
confirma um meio social, implica algo da ideologia dessa socie-
dade. No outro caso em que a filosofia se opõe a um meio social,
implica algo da ideologia de uma revolução contra esse meio so-
cial. A filosofia em seu aspecto social pode, portanto, ser consi-
derada como a indicação de uma ideologia.
Na epígrafe do meu livro Rumo à libertação colonial, cito
Mazzini: Toda verdadeira revolução é um programa; e derivado de
um princípio geral novo, positivo e orgânico. A primeira coisa ne-
cessária é aceitar esse princípio. Seu desenvolvimento deve então
ser restrito aos homens que nele creem e emancipado de toda
amarra ou conexão com qualquer princípio de natureza oposta.
Mazzini afirma a conexão entre revolução e ideologia.
Quando a revolução é bem-sucedida, a ideologia passa a caracte-
rizar a sociedade. É a ideologia que dá um rosto ao meio social
resultante. Mazzini afirma ainda que o princípio é geral, positivo
e orgânico. A declaração, explicação e defesa teórica de tal prin-
cípio formarão coletivamente uma filosofia. Portanto, a filosofia
admite ser um instrumento da ideologia.
De fato, pode-se dizer que em toda sociedade existe uma
ideologia. Em toda sociedade há, pelo menos, um segmento mili-
tante que é o dominante. Nas sociedades comunalistas, esse seg-
mento coincide com o todo. Esse segmento dominante tem seus
| 398 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

princípios fundamentais, suas crenças sobre a natureza do homem


e o tipo de sociedade que deve ser criada. Seus princípios funda-
mentais ajudam a projetar e controlar o tipo de organização a ser
usado. E os mesmos princípios dão origem a uma rede de propó-
sitos, fixando compromissos possíveis. Pode-se acomodar pro-
grama, mas não o princípio. Qualquer concessão em relação ao
princípio é abandoná-lo.
Nas sociedades em que existem ideologias concorrentes, é
usual que uma seja dominante, a do grupo hegemônico. Embora a
ideologia seja a chave para a identidade interior do grupo, ela é
intencionalmente solidária. Pois uma ideologia não busca apenas
unir uma parte do povo, mas toda a sociedade. Em seus efeitos,
certamente atinge toda a sociedade, quando é dominante. Pois,
além de procurar estabelecer atitudes e propósitos comuns, a ide-
ologia dominante é aquela que, à luz das circunstâncias, decide
quais formas as instituições devem tomar e em que canais o es-
forço comum deve ser direcionado.
Assim como pode haver ideologias concorrentes na mes-
ma sociedade, também pode haver ideologias opostas entre soci-
edades diferentes. Contudo, enquanto sociedades com diferentes
sistemas sociais podem coexistir, suas ideologias não. Existe uma
coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais diferen-
tes; mas enquanto existirem classes opressoras, não poderá haver
coexistência pacífica entre ideologias opostas.
O imperialismo, que é o último estágio do capitalismo,
continuará a florescer de diferentes formas, enquanto as condi-
ções o permitirem. Embora seu fim seja certo, isso só pode ocor-
rer sob a pressão do despertar nacionalista e da aliança de forças
progressistas que acelerem seu fim e destruam suas condições de
existência. Terminará quando não houver nações e povos explo-
rando outros; quando não houver interesses investidos na explo-
ração da terra, onde seus frutos e recursos beneficiem poucos à
revelia do bem-estar de muitos.
Quando digo que em todas as sociedades existe pelo me-
nos uma ideologia, não quero dizer que em todas as sociedades
seja encontrado um conjunto de declarações articulado. De fato,
não é apenas a ideologia que pode ser tão difundida e, ao mesmo
tempo, amplamente dissimulada.
Em toda sociedade, deve ser encontrada uma moralidade;
| 399 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

isso dificilmente significa que existe um conjunto explícito de


declarações que a definam. Uma moral é uma rede de princípios e
regras para a orientação e avaliação de conduta. E sobre essas re-
gras e princípios, constantemente recuamos. São elas que dão su-
porte às nossas decisões e opiniões morais. Muitas vezes temos
clareza quanto à qualidade moral de um ato, mas mesmo quando
estamos tão certos, não temos um posicionamento necessariamen-
te finalizado, com razões inquestionáveis de uma decisão ou opi-
nião. Não se deve inferir de tal reticência que não existam tais
razões. Compartilhamos dentro da mesma sociedade um corpo de
princípios e regras morais acumulados em nossa própria experi-
ência e na de nossos antepassados. Os princípios que dirigem es-
sas experiências nos dão habilidade para formar opiniões morais
sem que tenhamos que expressar com total clareza a relação entre
elas e as fontes dos julgamentos.
Exemplo de fenômeno semelhante pode ser encontrado
em Freud. Ele acreditava que nada jamais era esquecido pelo in-
divíduo. Ele não sugere que o indivíduo se lembre consciente-
mente de tudo. Por um lado, o fato de as pessoas não se lembra-
rem conscientemente de tudo é o que torna a psicanálise necessá-
ria – como uma sonda no subconsciente e no inconsciente. Por
outro lado, é porque nada é realmente esquecido que a psicanálise
é possível, pois tudo está aí para ela sondar. Assim, de acordo
com Freud, todas as nossas experiências são armazenadas e afe-
tam nosso comportamento manifesto, mesmo que não tenhamos
memória consciente das próprias experiências.
Assim como a moral orienta e busca conectar as ações de
milhões de pessoas, uma ideologia visa unir as ações de milhões a
objetivos específicos e definidos, apesar de poder ser amplamente
implícita. Estou ciente de que, nesse uso, me afasto um pouco do
uso da moda. Costuma-se pensar que uma ideologia deve ser um
corpo de escrita de um indivíduo, ou um pequeno grupo de indiví-
duos, direcionado apenas para uma mudança fundamental em uma
sociedade. Este é um erro evidente. Uma ideologia, mesmo quando
é revolucionária, não expressa apenas o desejo de que uma ordem
social atual seja abolida. Procura também defender e manter a nova
ordem social que introduz. Mas enquanto defende sua própria or-
dem social, ainda é uma ideologia, e a mesma coisa. Ou seja, uma
ideologia pode permanecer uma ideologia enquanto defende uma
| 400 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sociedade progressista existente. Tampouco o fato de alguma ideo-


logia particular não estar explícita no papel impede que ela exista.
O que é crucial não é o papel, mas o pensamento.
Eu disse que uma ideologia procura trazer uma ordem es-
pecífica para a vida total de sua sociedade. Para conseguir isso,
ela precisa empregar uma série de instrumentos. A ideologia de
uma sociedade se exibe na teoria política, na teoria social e na
teoria moral, e as utiliza como instrumentos. Estabelece uma ga-
ma particular de comportamentos políticos, sociais e morais, de
modo que, a menos que um comportamento desse tipo caia dentro
da faixa estabelecida, seria incompatível com a ideologia. O que
quero dizer também pode ser expresso nos seguintes termos. Da-
da a ideologia de uma sociedade, algum comportamento político
pode ser incompatível com ela e outro não. Dada uma ideologia
socialista, por exemplo, a ditadura política do capital seria in-
compatível. Há sempre uma faixa definida dentro da qual a teoria
e a prática político-social devem se enquadrar para que se con-
formem com a ideologia socialista. Assim, a ideologia se mostra
na teoria e na prática moral. No relato de alguns filósofos gregos
no último capítulo, sugeri como uma ideologia humanista conti-
nha implicações para a teoria política, e ilustrei isso a partir prin-
cipalmente de Aristóteles.
A ideologia de uma sociedade é total. Ela abrange toda a
vida de um povo e se manifesta em sua estrutura de classe, histó-
ria, literatura, arte, religião. Também adquire uma afirmação filo-
sófica. Se uma ideologia é intencionalmente integradora, isto é, se
busca introduzir uma certa ordem que unirá as ações de milhões
em direção a objetivos específicos e definidos, então seus instru-
mentos também podem ser vistos como instrumentos de controle
social. É até possível considerar a “coerção” como uma ideia
fundamental na sociedade. Essa maneira de olhar a sociedade dá
origem prontamente à ideia de um contrato social. De acordo com
essa ideia, o homem viveu, durante as idades das trevas, num pas-
sado obscuro, fora do âmbito da sociedade. Durante a idade das
trevas, o homem teria levado uma vida pobre, desagradável, bru-
tal, curta e assustadora. Não é de se surpreender que a vida logo
se tornou intolerável. E assim os pobres se reuniram e sutilmente
concordaram com um contrato. Por meio deste contrato, eles re-
nunciaram a certos direitos para investir um representante com
| 401 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

poderes legislativos e executivos de coerção sobre si mesmos.


Sabemos que o contrato social é totalmente a-histórico,
pois a menos que os homens já vivessem em sociedade, eles não
poderiam ter uma linguagem comum, e uma linguagem comum já
é um fato social, o que é incompatível com o contrato social. No
entanto, seja como for que as sociedades tenham surgido, a noção
de sociedade implica uma obrigação organizada.
Mencionei a maneira pela qual a ideologia requer faixas
definidas de comportamento. É difícil, no entanto, fixar os limites
dessa extensão. Ainda assim, a impressão não deve ser formada a
partir dessa dificuldade de que os intervalos não são definidos.
São tão definidos quanto territórios, mesmo que, ocasionalmente,
surjam incertezas nas fronteiras entre territórios próximos um do
outro. Obviamente, existem pelo menos dois sentidos de defini-
ção. O primeiro é matemático. Nesse sentido, uma gama de con-
dutas é definitiva se, e somente se, cada item cair sem ambigui-
dade dentro ou fora dela. No outro sentido, uma gama de condu-
tas é definitiva se houver itens de comportamento que caem ine-
quivocamente dentro e fora dela. Qualquer ambiguidade que exis-
ta deve estar apenas nos extremos. É essa fluidez possível nos
extremos que torna o crescimento e o progresso logicamente pos-
síveis na conduta humana.
Cada sociedade enfatiza seus limites permitidos de condu-
ta e desenvolve instrumentos pelos quais busca obter conformi-
dade com tais limites. Ela evolui esses instrumentos porque a
unidade da diversidade que a sociedade representa é dificilmente
automática, exigindo meios para garantir a unidade e, quando ga-
rantida, manter a unidade. Embora, em sentido formal, esses mei-
os sejam de “coerção”, intencionalmente eles são meios de coe-
são. Tornam-se meios de coesão ao destacar valores comuns, os
quais geram interesses comuns e, portanto, atitudes e reações co-
muns. É essa comunidade, essa identidade na gama de princípios
e valores, na gama de interesses, atitudes e, portanto, de reações,
que está na base da ordem social. É também essa comunidade que
torna necessária a sanção social, que inspira as instituições físicas
da sociedade, como a força policial, e decide os propósitos para
os quais são convocados.
De fato, quando falei na Conferência de Direito de Acra,
em janeiro de 1962, enfatizei que a lei, com seus braços executi-
| 402 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

vos, deve se inspirar, em todos os níveis, nos ideais de sua socie-


dade. No entanto, uma sociedade tem uma escolha de instrumen-
tos. Com isso, não quero dizer apenas que sociedades diferentes
podem ter instrumentos diferentes. Quero dizer que uma sociedade
pode, por exemplo, decidir que todos os seus instrumentos de “co-
erção” e unidade devem ser centralizados. O extremo lógico disso
é onde todo direito permissivo está explicitamente respaldado por
uma promulgação e toda desaprovação social está explicitada em
uma proibição. Desnecessário dizer que esse extremo lógico da
centralização é impossível de ser alcançado. Mas qualquer socie-
dade pode tentar se aproximar dela tanto quanto desejar. Porém,
uma sociedade que se aproxima muito desse extremo engendra
uma burocracia tão pesada que a intenção da burocracia será anu-
lada. Evidente que, idealmente, a intenção da burocracia é alcançar
a imparcialidade e evitar o arbítrio. Mas quando uma sociedade
desenvolve uma burocracia pesada, ela permite que esse medo do
arbítrio se torne patológico, ele próprio, autocrático.
E ainda uma sociedade deve contar entre seus instrumen-
tos de “coerção” e coesão, proibições e permissões que são expli-
citadas de maneira estatutária. Em muitas sociedades, existe,
além disso, toda uma gama de instrumentos que são ao mesmo
tempo sutis e insidiosos. O sermão no púlpito, as pressões do sin-
dicalismo, o opróbrio infligido pela imprensa, o ridículo de ami-
gos, o ostracismo de colegas; o desdém, o desprezo e inúmeros
outros dispositivos, são todos instrumentos não estatutários, por
meio dos quais as sociedades exercem coerção, alcançam e pre-
servam a unidade.
Infelizmente, a “coerção” pode ser bastante dolorosa, mas é
muito eficaz para garantir que o comportamento individual não se
torne perigosamente irresponsável. O indivíduo não é uma unidade
anárquica. Ele vive em um ambiente ordenado, e o alcance desse
ambiente ordenado exige métodos explícitos e perspicazes.
Um desses métodos pode ser encontrado no relato da his-
tória. A história da África, apresentada por estudiosos europeus,
está repleta de mitos maliciosos. Foi negado até que éramos um
povo histórico. Dizia-se que, enquanto outros continentes haviam
moldado a história e determinado seu curso, a África ficou para-
da, presa pela inércia; que a África só foi impulsionada para a
história pelo contato europeu. A história africana foi, portanto,
| 403 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

apresentada como uma extensão da história europeia. A autorida-


de de Hegel foi emprestada a essa hipótese a-histórica sobre a
África, que ele próprio, infelizmente, ajudou a promover. E os
apologistas do colonialismo perderam pouco tempo tentando
apreendê-la ou escrevendo descontroladamente sobre isso. Ao
apresentar a história da África como a história do colapso de nos-
sas sociedades tradicionais na presença do advento europeu, o
colonialismo e o imperialismo empregaram seu relato da história
e da antropologia africanas como um instrumento de sua ideolo-
gia opressora.
Anteriormente, relatos tão depreciativos haviam sido fei-
tos sobre a sociedade e a cultura africanas que pareciam justificar
a escravidão, e a escravidão, em contraste a esses relatos, parecia
uma libertação positiva de nossos ancestrais. Quando o comércio
de escravos e a escravidão se tornaram ilegais, os especialistas
em África cederam ao novo vento da mudança, e começaram a
apresentar a cultura e a sociedade africanas como sendo tão rudi-
mentares e primitivas que o colonialismo era um dever do cristia-
nismo e da civilização. Mesmo se não fôssemos mais, pela evi-
dência da forma de nossos crânios, considerados o elo perdido,
não abençoados com as artes do bom governo, do progresso ma-
terial e espiritual, ainda seríamos considerados como representan-
tes da infância da humanidade. Dizem que nossa cultura altamen-
te sofisticada é simples e paralisada pela inércia, e que devería-
mos ser tutelados. E essa tutela só poderia ser implementada se
fôssemos subjugados politicamente.
Infelizmente, a história de uma nação é facilmente escrita
como a história de sua classe dominante. Mas se a história de
uma nação, ou de um povo, não pode ser encontrada na história
de uma classe, quanto menos a história de um continente pode ser
encontrada naquilo que nem sequer faz parte dela – a Europa. A
África não pode ser tratada de forma válida apenas como o espa-
ço em que a Europa cresceu. Se a história africana for interpreta-
da em termos dos interesses das mercadorias e capitais europeus,
missionários e administradores, não é de admirar que o naciona-
lismo africano seja considerado uma perversão, e o neocolonia-
lismo uma virtude.
No novo renascimento africano, colocamos grande ênfase
na apresentação da história. Nossa história precisa ser escrita co-
| 404 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mo a história da nossa sociedade, não como a história das aventu-


ras europeias. A sociedade africana deve ser tratada como desfru-
tando de sua própria integridade; sua história deve ser um espelho
dessa sociedade, e o contato europeu deve encontrar seu lugar
nessa história apenas como uma experiência africana, ainda que
crucial. Ou seja, o contato europeu precisa ser avaliado e julgado
do ponto de vista dos princípios que animam a sociedade africana
e do ponto de vista da harmonia e do progresso dessa sociedade.
Quando a história é apresentada desta forma, pode não ser
um relato de como aqueles estudantes africanos mencionados na
introdução se tornaram mais europeizados do que outros; pode se
tornar um mapa da crescente tragédia e do triunfo final de nossa
sociedade. Desta forma, a história africana pode vir a orientar e
direcionar a ação africana. A história africana pode assim tornar-
se um indicador da ideologia que deve guiar e direcionar a re-
construção africana.
Essa conexão entre um ponto de vista ideológico e a escri-
ta da história é perene. Uma verificação do trabalho dos grandes
historiadores, incluindo Heródoto e Tucídides, rapidamente expõe
sua preocupação apaixonada pela ideologia. Seus comentários
morais, políticos e sociológicos são manifestações particulares de
pontos de vista ideológicos mais gerais. Classicamente, os gran-
des historiadores foram nomeados promotores públicos, acusando
em nome do passado e advertindo em nome do futuro. Suas acu-
sações e advertências foram colocadas em uma estrutura rígida de
pressupostos, tanto sobre a natureza do homem bom quanto sobre
a natureza da boa sociedade, de tal maneira que esses pressupos-
tos servem como intimações de uma ideologia implícita.
Até Ranke, o grande historiador alemão do século XIX,
que se vangloriava de que seu objetivo não era julgar o passado,
mas apenas mostrar-nos o que realmente aconteceu, estava longe
de ser um mero cronista do passado. Apesar de suas afirmações,
ele era um historiador comprometido. A chave para a atitude que
ele assume em suas obras históricas reside primeiro em suas opi-
niões sobre a necessidade de lutar pelo progresso, e em segundo
lugar, em suas ideias sobre as origens do Estado e a relação do
indivíduo com o Estado. Rangendo obedientemente um machado
por Sua Majestade Prussiana, Ranke sustenta, no primeiro ponto,
que é precisamente através de um Estado buscando a hegemonia
| 405 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

da Europa e, portanto, provocando uma rivalidade, que a civiliza-


ção do Estado europeu é mantida; no segundo ponto, ele afirma
que o Estado, sendo uma ideia de Deus, goza de uma personali-
dade espiritual e, portanto, nem reforma nem revolução são even-
tos que possam ser exportados, pois isso violaria a personalidade
do Estado importador. Ele também sustenta que é apenas através
do Estado ao qual se pertence que um indivíduo pode desenvolver
e preservar sua plenitude de ser. O ideal de liberdade que ele po-
de propor aos súditos da Prússia é uma sujeição espontânea ao
Estado. É surpreendente que ele tenha “explicado” a condenação
de Lutero à guerra dos camponeses? Ranke, escrevendo a histó-
ria, implementa um ponto de vista ideológico que, ao mesmo
tempo, procura ocultar.
Mencionei a arte como outro dos instrumentos sutis da
ideologia. Pode-se ilustrar isso de várias maneiras. Na Era Medi-
eval da Europa, quando a religião era considerada a principal
preocupação da vida, todas as outras preocupações eram subordi-
nadas aos religiosos, e as ações tendiam a obter aprovação na
medida em que apoiassem a religiosidade ou pelo menos não en-
trassem em conflito. No segundo capítulo, ilustrei como a ativi-
dade econômica estava subordinada à preocupação religiosa. A
arte também foi infectada por essa ideia. Por conseguinte, especi-
alizou-se em ilustração bíblica e apocalipses do paraíso.
Hoje, nos países socialistas da Europa, onde o âmbito
comportamental é definido por princípios socialistas, a arte parti-
cular que glorifica a ideologia socialista é incentivada em detri-
mento daquela que a supremacia dos aristocratas ou da burguesia
possa inspirar. A aristocracia, em geral, incentivava uma arte bu-
cólica e clássica, seus temas apropriados da classe de deuses e
deusas, e pastores que tocavam flauta. A burguesia, por sua vez,
injetou uma linha puritana na arte, e em geral a direcionou para o
retrato. A arte nem sempre propagou ideais dentro de uma ideo-
logia já aceita. Às vezes, prosperou na vanguarda da reforma ou
mesmo da revolução. Goya, por exemplo, foi responsável por
uma pintura significativa de consciência e de protesto, na qual,
com tinta e pincel, criticou as brutalidades das classes dominantes
do século XIX. Aqui ele não estava defendendo uma ideologia,
mas estava expondo uma ao ataque.
Também na arte africana, a sociedade era retratada. É a
| 406 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

preocupação filosófica moral em termos da qual esse retrato foi


feito que explica seu poder típico. É isso também que explica a
distorção característica da forma na arte africana. Na representa-
ção da força, seja como forças do mundo, de geração e morte ou
como força do destino, era essencial que não fosse delineada
como algo assimilado e superado. E essa é a impressão que as
simetrias suaves da arte realista teriam dado. É para evitar que
essa impressão de força supere que a arte africana recorreu à
distorção de formas.
Ao tratar de tais exemplos, pode-se ilustrar métodos sutis
de “coerção” e coesão. Para lidar com o problema dos Teddy-boys,
muitas igrejas na Grã-Bretanha formaram clubes. Nesses clubes,
eles tentavam atrair Teddy-boys com rock-and-roll. Uma vez que
os jovens se envolviam nos clubes, as igrejas tentavam influenciá-
los e “coagi-los” de modo a restabelecer seu comportamento den-
tro dos limites comportamentais aceitáveis. As igrejas usavam um
instrumento não sutil e ao mesmo tempo não centralizado.
Também na União Soviética, recorreu-se ao ridículo,
aberta e sistematicamente, e quando se percebeu a ineficiência, os
Teddy-boys foram transferidos de uma área do país para outra.
Ao incomodá-los, as autoridades soviéticas procuraram, por um
instrumento não estatutário, influenciar e, assim, “coagir”, os
Teddy-boys, a fim de colocar suas atividades dentro da faixa
comportamental aceitável.
Todos esses instrumentos estão relacionados a alguma
concepção de “sociedade desejável”. É uma concepção alimenta-
da pela ideologia. À medida que a concepção de “sociedade dese-
jável” muda, alguns de seus instrumentos também mudam, os su-
tis mudam de maneira silenciosa e discreta. Quando isso aconte-
ce, diz-se que um novo terreno está aberto.
A filosofia também é um dos instrumentos sutis da ideo-
logia e da coesão social. De fato, fornece uma base teórica para a
coesão. Na República de Platão, somos confrontados com um
exemplo em que a filosofia é feita a base teórica de uma ordem
social proposta. Nela, a filosofia seria um instrumento da ideolo-
gia pertencente à ordem social proposta por Platão.
A filosofia desempenha essa função de duas maneiras.
Como uma afirmação teórica geral à qual uma teoria político-
social específica é paralela. Ilustrei isso na discussão de alguns
| 407 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dos primeiros filósofos gregos no segundo capítulo. A filosofia


também desempenha essa função ideológica quando se configura
como filosofia política ou ética. Através da filosofia política, es-
tabelece certos ideais para nossa busca e fortalecimento, e torna-
se um instrumento de unidade, estabelecendo os mesmos ideais
para todos os membros de uma determinada sociedade.
Como ética, a filosofia propõe lançar luz sobre a natureza
dos princípios e julgamentos morais; também procura expor a
fonte da validade dos princípios éticos e, portanto, da obrigação
moral. Na ética, temos um instrumento de grande fascínio que
corre paralelamente aos instrumentos legais sem ser ele próprio
estatutário. Leis morais nunca foram aprovadas; não há policiais
ou tribunais para garantir o seu cumprimento.
Há um certo fascínio pela moralidade. Quando alguém per-
gunta por que deve tomar conhecimento de qualquer lei estadual, a
intenção da lei pode ser explicada. Se a explicação não satisfizer,
pode-se apontar que existe uma constituição, ou que, pelo menos,
uma determinada constituição vigora, de acordo com a qual o Par-
lamento está habilitado a promulgar leis. Se isso também não satis-
faz, pode-se dizer que as leis da terra devem ser observadas, sob
pena de consequências desagradáveis. Mas se alguém perguntar
por que se deve ser moral, um tipo semelhante de resposta não po-
de ser dado. De fato, esse fato levou David Hume a dizer que a ra-
zão não poderia lhe dizer por que ele não deveria preferir a segu-
rança do seu dedo mindinho à sobrevivência da humanidade.
Os filósofos, lutando com a questão da fonte da obrigação
moral, tentaram diferentes tipos de resposta. Muitos deram sua
resposta em termos da psicologia individual, em termos do prazer
ou da dor que certos cursos de ação acarretam para seus autores.
Aqui, esses filósofos tentaram ancorar a obrigação moral em algo,
em relação ao qual a pergunta “por quê?” seria, eles esperavam,
impossível. Consequentemente, esperavam que a questão de por-
que alguém gosta de coisas agradáveis e não gosta de coisas dolo-
rosas não pudesse ser formulada com sensatez. Se, portanto, a
obrigação moral pudesse ser fundada no prazer e na dor de tal ma-
neira que a moralidade aumentasse as expectativas de prazer e a
imoralidade aumentasse as expectativas de dor, uma resposta final
seria obtida para a pergunta por que alguém deveria ser moral. Mas
essa conta se refere ao bem-estar individual e não ao social.
| 408 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Alguns tentaram basear as leis morais na natureza da pró-


pria razão humana. Dessa forma, eles esperavam dar uma respos-
ta final à pergunta por que alguém deveria ser moral. Se as leis
morais eram puramente comandos da razão, perguntar por que
alguém deveria ser moral seria como perguntar por que deveria
ser consistente. Assim como a consistência é um requisito do dis-
curso humano, a moralidade seria um requisito da ação humana.
No entanto, outros, evitando uma resposta psicológica ou
racionalista, exploram uma resposta sociológica, prestando contas
em termos de bem-estar geral ou de consenso. De acordo com os
utilitaristas, por exemplo, uma ação é correta na medida em que
tende a promover o bem-estar geral, e errada na medida em que
tende a impedi-la. Aqui eles consideram desprovida de significa-
do a pergunta por que alguém deve procurar o bem-estar geral. Se
esta questão é desprovida de sentido, também é a questão de pôr
que alguém deveria ser moral. Uma consequência dessa visão é
que os funcionários das políticas de bem-estar social deveriam
estar entre os mais éticos dos homens. A necessidade de meios
sutis de coesão social reside no fato de que há uma grande parte
da vida que está fora da intervenção central direta. Para que essa
parte da vida seja preenchida com ordem, são necessários méto-
dos não estatutários. Esses métodos não estatutários, em geral,
são os meios sutis de coesão social. Porém, sociedades diferentes
colocam ênfases diferentes nesses meios sutis, mesmo que a faixa
de conformidade que busquem seja a mesma. A ênfase que uma
sociedade em particular coloca em um determinado meio depende
da experiência, das circunstâncias socioeconômicas e do funda-
mento filosófico dessa sociedade.
Na África, esse tipo de ênfase deve levar em consideração
objetiva nossa situação atual no retorno da independência políti-
ca. Desse ponto de vista, há três recursos gerais a serem distin-
guidos aqui. A sociedade africana possui um segmento que com-
preende nosso modo de vida tradicional; tem um segundo seg-
mento que é preenchido pela presença da tradição islâmica na
África; possui um segmento final que representa a infiltração da
tradição e cultura cristãs da Europa Ocidental na África, usando o
colonialismo e o neocolonialismo como seus principais veículos.
Esses diferentes segmentos são animados por ideologias concor-
rentes. Mas como a sociedade implica uma certa unidade dinâmi-
| 409 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ca, é necessário emergir uma ideologia que, atendendo genuina-


mente às necessidades de todos, substitua as ideologias concor-
rentes e, portanto, reflita a unidade dinâmica da sociedade e seja
o guia para o progresso contínuo.
A face tradicional da África inclui uma atitude em relação
ao homem que só pode ser descrita, em sua manifestação social,
como sendo socialista. Isso decorre do fato de que o homem é
considerado na África principalmente como um ser espiritual, um
ser dotado originalmente de certa dignidade, integridade e valor
internos. Ela se opõe de forma revigorante à ideia cristã do peca-
do original e da degradação do homem.
Essa ideia do valor original do homem nos impõe deveres
de tipo socialista. Aqui reside a base teórica do comunalismo
africano. Essa base teórica se expressava no nível social em ter-
mos de instituições como o clã, sublinhando a igualdade inicial
de todos e a responsabilidade de muitos por um. Nessa situação
social, era impossível surgirem classes do ponto de vista marxis-
ta. Por um tipo de classe marxista, quero dizer aquela que tem um
lugar em uma estratificação social horizontal. Aqui as classes são
relatadas de tal maneira que há uma desproporção de poder eco-
nômico e político entre elas. Em tal sociedade, existem classes
que são esmagadas, dilaceradas e reduzidas pelo peso da explora-
ção. Uma classe que se senta no pescoço de outra.
Na sociedade africana tradicional, nenhum interesse seto-
rial poderia ser considerado supremo; nem o poder legislativo
nem executivo ajudaram os interesses de qualquer grupo em par-
ticular. O bem-estar do povo era supremo.
Mas o colonialismo veio e mudou tudo isso. Primeiro, ha-
via as necessidades da administração colonial a que me referi na
Introdução. Para seu sucesso, a administração colonial precisava de
um quadro de africanos, que, ao serem introduzidos em um certo
nível mínimo de educação europeia, foram infectados com os ide-
ais europeus, que eles tacitamente aceitaram como válidos para as
sociedades africanas. Como esses instrumentos africanos da admi-
nistração colonial eram vistos por todos como intimamente associ-
ados às novas fontes de poder, eles adquiriram certo prestígio e
posição a que não tinham direito pelas exigências do desenvolvi-
mento harmonioso de sua própria sociedade.
Além deles, surgiram grupos de mercadores e comercian-
| 410 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tes, advogados, médicos, políticos e sindicalistas que, munidos de


aptidões e níveis de riqueza gratificantes para a administração co-
lonial, iniciaram algo paralelo à classe média europeia. Havia tam-
bém certos elementos de mentalidade feudal que se tornaram im-
buídos de ideais europeus por meio da educação europeia direta ou
por meio de relações com a administração colonial local. Eles de-
ram a impressão de que poderiam ser considerados implicitamente
como repositórios de todas as virtudes sérias e conservadoras in-
dispensáveis a qualquer administração exploradora. Eles, por assim
dizer, pagaram a taxa de inscrição para ingressar em uma classe
que agora estava associada ao poder e à autoridade social.
A educação que nos foi dada nos colocou diante de nossos
ideais de infância dos países metropolitanos, ideais que raramente
podiam ser vistos como representando o esquema, a harmonia e o
progresso da sociedade africana. A escala e o tipo de atividade eco-
nômica, a ideia da responsabilidade da consciência individual intro-
duzida pela religião cristã, inúmeras outras influências silenciosas,
todas causaram uma impressão indelével na sociedade africana.
Mas nem a subjugação econômica nem a política poderi-
am ser consideradas como estando em sintonia com a visão igua-
litária tradicional africana do homem e da sociedade. De qualquer
forma, o colonialismo deveria ser eliminado. O Hércules africano
está com seu bastão pronto para golpear qualquer nova cabeça
que a hidra colonialista queira lançar.
Com a verdadeira independência recuperada, no entanto,
uma nova harmonia precisa ser forjada, uma harmonia que permi-
tirá a presença combinada da África tradicional, da África islâmi-
ca e da África eurocristã, para que essa presença esteja em sinto-
nia com os princípios humanistas originais subjacentes à socieda-
de africana. Nossa sociedade não é a antiga, mas uma nova, am-
pliada por influências islâmicas e eurocristãs. Portanto, é necessá-
ria uma nova ideologia emergente, uma que possa se solidificar
em uma afirmação filosófica, mas, ao mesmo tempo, que não
abandonará os princípios humanistas originais da África.
Tal afirmação filosófica nascerá da crise da consciência
africana confrontada com as três vertentes da sociedade africana
atual. Proponho denominar essa afirmação filosófica de conscien-
cismo filosófico, pois fornecerá a base teórica para uma ideologia
cujo objetivo será unir a experiência africana da presença islâmi-
| 411 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ca e eurocristã, bem como a experiência da sociedade africana


tradicional e, pela gestação, empregá-los para o crescimento e
desenvolvimento harmonioso dessa sociedade.
Toda sociedade está na natureza. E procura influenciá-la,
impor a ela transformações, para desenvolver o ambiente para a
melhor realização da sociedade. O ambiente alterado, ao propor-
cionar uma melhor realização da sociedade, altera a sociedade. A
sociedade inserida na natureza é, portanto, capturada na correla-
ção da transformação com o desenvolvimento. Essa correlação
representa o trabalho do homem tanto como ser social quanto
como indivíduo. Esse tipo de correlação alcançou expressão em
várias teorias sociopolíticas. Para uma teoria político-social, há
uma seção que determina como as forças sociais devem ser em-
pregadas para aumentar a transformação da sociedade.
A escravidão e o feudalismo representam teorias sociopolí-
ticas nas quais o desdobramento de forças não é uma questão pro-
blemática. Tanto na escravidão quanto no feudalismo, os trabalha-
dores, as pessoas cujo trabalho transforma a natureza para o desen-
volvimento da sociedade, são dissociados de qualquer regra. Por
uma divisão cruel do trabalho, uma classe de cidadãos trabalha e
outra colhe onde não semeou. Na sociedade escravista, assim como
na sociedade feudal, a parte da sociedade cujo trabalho transforma
a natureza não é a mesma que se cumpre melhor com essa trans-
formação. Se é pelos frutos que conhecemos a árvore, deve-se pri-
meiro cultivá-las. Na sociedade escravista e feudal, quem frutifica
não são os fruticultores. Esse é o fator principal na exploração, que
o setor da sociedade cujos trabalhos transformam a natureza não é
o mesmo que melhor cumpre os resultados dessa transformação.
Em toda sociedade não socialista, podem ser encontrados
dois estratos que correspondem aos do opressor e do oprimido, do
explorador e do explorado. Em todas essas sociedades, a relação
essencial entre os dois estratos é a mesma que entre senhores e
escravos, senhores e servos. No capitalismo, que é apenas uma
teoria político-social na qual os aspectos importantes da escravi-
dão e do feudalismo são refinados, uma sociedade estratificada é
necessária para seu funcionamento adequado, uma sociedade na
qual a classe trabalhadora é oprimida pela classe dominante; pois,
no capitalismo, a parte da sociedade cujos trabalhos transformam
a natureza e produz bens não é a parte que desfruta dos frutos
| 412 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dessa transformação e produtividade. Nem é o todo da sociedade


que é melhorado.
Isso pode realmente ser chamado de contradição. É uma
contradição social, na medida em que é contrária aos princípios
genuínos de equidade e justiça social. É também uma contradição
econômica, na medida em que é contrária a um desenvolvimento
econômico harmonioso e ilimitado.
O capitalismo é um desenvolvimento por refinamento do
feudalismo, assim como o feudalismo é um desenvolvimento por
refinamento da escravidão. A essência da reforma é combinar uma
continuidade do princípio fundamental, com uma mudança tática
na maneira de expressão do princípio fundamental. Reforma não é
uma mudança no pensamento, mas na sua maneira de se expressar,
não uma mudança no que é dito, mas na linguagem. No capitalis-
mo, o feudalismo sofre, ou melhor, desfruta de reformas, e o prin-
cípio fundamental do feudalismo apenas atinge novos níveis de
sutileza. Na escravidão, pensa-se que a exploração, a alienação dos
frutos do trabalho de outras pessoas, requer um certo grau de sujei-
ção política. No feudalismo, pensa-se que um menor grau do mes-
mo tipo de sujeição é adequado ao mesmo objetivo. No capitalis-
mo, pensa-se que um grau ainda menor é adequado. Desse modo,
os estímulos psicológicos para a revolução são apaziguados, e a
exploração encontra um novo sopro de vida, até que o povo descu-
bra a oposição entre reforma e revolução.
Assim, o capitalismo continua com seus planos pomposos
característicos de reformas desagradáveis, enquanto coage uma
parte da sociedade a tornar-se disponível para a outra. O desen-
volvimento que o capitalismo marca sobre a escravidão e o feuda-
lismo consiste tanto nos métodos pelos quais o trabalho é coagido
quanto no modo de produção. O capitalismo é apenas o método
de escravidão dos cavalheiros.
De fato, hoje em dia, o padrão ardil do capitalismo é imitar
algumas das propostas do socialismo e colocar essa imitação a seu
serviço. Correr com a lebre e caçar com os cães é muito mais que
um passatempo para o capitalismo; é o cerne de uma estratégia
completa. No socialismo, buscamos o aumento dos níveis de pro-
dução para que apenas as pessoas, por meio de cujos esforços a
produção é possível, aumentem seu padrão de vida e alcancem
uma nova consciência e nível de vida. O capitalismo também faz
| 413 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

isso, mas não com o mesmo objetivo. O aumento da produtividade


no capitalismo realmente leva a um aumento no padrão de vida;
mas quando a proporção da distribuição de valor entre explorados
e exploradores é mantida constante, então qualquer aumento nos
níveis de produção deve significar uma maior quantidade, mas não
proporção, de valor acumulado para os explorados. O capitalismo
descobre, assim, uma nova maneira de parecer implementar a re-
forma, enquanto realmente a evita. Cria o estado de bem-estar.
Enquanto o capitalismo é um desenvolvimento por reno-
vação da escravidão e do feudalismo, o socialismo não contém o
ingrediente fundamental do capitalismo, o princípio da explora-
ção. O socialismo representa a negação daquele mesmo princípio
em que o capitalismo tem sua existência, vive e próspera, aquele
princípio que liga o capitalismo à escravidão e ao feudalismo.
Se alguém procura o ancestral político-social do socialis-
mo, deve ir ao comunalismo. O socialismo tem características em
comum com o comunalismo, assim como o capitalismo está liga-
do ao feudalismo e à escravidão. No socialismo, os princípios
subjacentes ao comunalismo são expressos em circunstâncias
modernas. Assim, enquanto o comunalismo em uma sociedade
não técnica pode ser laissez faire, em uma sociedade técnica onde
meios de produção sofisticados estão disponíveis, se os princípios
básicos do comunalismo não receberem expressão centralizada e
correlacionada, surgem clivagens de classe, que são o resultado
de disparidades econômicas e as desigualdades políticas que as
acompanham. O socialismo, portanto, pode ser e é a defesa dos
princípios do comunalismo em um ambiente moderno. O socia-
lismo é uma forma de organização social que, guiada pelos prin-
cípios subjacentes ao comunismo, adota procedimentos e medidas
necessários aos desenvolvimentos demográficos e tecnológicos.
Essas considerações lançam uma grande luz sobre o rumo
da revolução e reforma do socialismo.
A passagem da linhagem ancestral da escravidão, via feu-
dalismo e capitalismo, para o socialismo, só pode estar na revolu-
ção: não pode estar na reforma. Pois na reforma, os princípios
fundamentais são mantidos constantes e os detalhes de suas ex-
pressões modificadas.
Nas palavras de Marx, deixa intactos os pilares do edifí-
cio. De fato, algumas vezes, a própria reforma pode ser iniciada
| 414 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

pela necessidade de preservar princípios fundamentais idênticos.


Reforma é uma tática de autopreservação.
A revolução é, portanto, um caminho indispensável para o
socialismo, onde a estrutura político-social antecedente é animada
por princípios que são uma negação dos do socialismo, como em
uma estrutura capitalista (e, portanto, também em uma estrutura
colonialista, pois uma estrutura colonialista é essencialmente
acessória ao capitalismo).
De fato, faço distinção entre dois colonialismos, domésti-
co e externo. O capitalismo em casa é o colonialismo doméstico.
Mas porque o espírito do comunalismo ainda existe até
certo ponto nas sociedades com um passado comunalista, o socia-
lismo e o comunismo não são, no sentido estrito da palavra, cre-
dos “revolucionários”. Eles podem ser descritos como reformula-
ções no idioma contemporâneo dos princípios subjacentes ao co-
munalismo. Por outro lado, em sociedades sem história de comu-
nalismo, os credos do socialismo e do comunismo são totalmente
revolucionários, e a passagem para o socialismo deve ser guiada
pelos princípios do socialismo científico.
A natureza e a causa do conflito entre a classe dominante
e a classe explorada são influenciadas pelo desenvolvimento de
forças produtivas, ou seja, mudanças na tecnologia; as relações
econômicas que essas forças condicionam; e as ideologias que
refletem as propriedades e o psicológico das pessoas que vivem
nessa sociedade. A base de uma revolução socialista é criada
quando a luta de classes em uma determinada sociedade resulta
em consentimento e desejo em massa de ações positivas para mu-
dar ou transformar essa sociedade. É então que se lançam as ba-
ses para a forma mais elevada de ação política – quando uma re-
volução atinge sua excelência e os trabalhadores e camponeses
conseguem derrubar todas as outras classes.
Expliquei como o desejo da sociedade de transformar a
natureza se reflete em diferentes teorias político-sociais. Gostaria
agora de sugerir como o mesmo desejo se reflete na filosofia. As-
sim como as teorias político-sociais, na medida em que empre-
gam forças para o aproveitamento e o desenvolvimento da natu-
reza, se dividem em dois grupos, o mesmo ocorre com as filoso-
fias. Desse ponto de vista, as duas alternativas sociopolíticas reais
que a sociedade enfrenta são: ou uma parte produz e a outra en-
| 415 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

gorda, ou todas partes produzem e são preenchidas pelo valor cri-


ado pelo trabalho.
Do mesmo modo, existem duas alternativas filosóficas re-
ais. Essas alternativas coincidem com o idealismo e o materialis-
mo. No capítulo anterior, expliquei como o idealismo estava co-
nectado a uma sociedade hierárquica, e como, por meio de seu
modo de explicar a natureza e os fenômenos sociais por referência
ao espírito, o idealismo favorecia uma estrutura de classes de tipo
horizontal, na qual uma classe se sentava no pescoço da outra.
Expliquei também como o materialismo, por outro lado, es-
tava conectado a uma organização humanista, e como, por ser mo-
nístico e por referir todos os processos naturais à matéria e às suas
leis, inspirou uma organização igualitária da sociedade. A unidade
e a identidade fundamental da natureza sugerem a unidade e a
identidade fundamental do homem na sociedade. O idealismo fa-
vorece uma oligarquia, o materialismo favorece um igualitarismo.
Os indivíduos têm tendências idealistas e materialistas. O
mesmo vale para as sociedades, tanto idealistas quanto materialis-
tas. Mas essas camadas não existem no equilíbrio. Elas estão co-
nectadas por um conflito no qual a cada hora uma camada domina.
Em razão da conexão do idealismo com a oligarquia e do
materialismo com o igualitarismo, a oposição de idealismo e
materialismo na mesma sociedade é paralela à oposição de for-
ças conservadoras e progressistas no nível social. Quando na
oposição dialética do capitalismo ao socialismo, o primeiro se
torna triunfante por um tempo, o progresso social não é assim
detido, embora seja seriamente atenuado. Mas, como não é eli-
minado, dificilmente se surpreende que os trabalhadores de ho-
je, em muitos aspectos, desfrutem de melhores circunstâncias de
vida do que muitos dos senhores feudais do passado. Reconhe-
cer esse grau de progresso não significa, contudo, que o capita-
lismo tenha ficado sem suas favelas e subúrbios, e seus traba-
lhadores cativos definhando e morrendo em praças públicas, ví-
timas da fome, do frio e de doença.
A questão não é se houve progresso discernível no capi-
talismo, mas se o progresso admitido pode ser considerado ade-
quado. Aqui discernimos um dos pecados capitais do capitalis-
mo. Sob esse sistema político-social, a abordagem materialista
do homem em relação à natureza perde seu rumo. Ele lança seu
| 416 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

estímulo humanista sob o impulso do lucro. Se a felicidade é


definida no contexto da sociedade, então a felicidade se torna
aquele sentimento que um indivíduo obtém, de um determinado
contexto econômico, político e cultural, de que ele está em posi-
ção de realizar suas aspirações. Como o desenvolvimento capi-
talista é, infelizmente, um processo no qual uma oligarquia vo-
raz é lançada contra uma massa explorada, a felicidade, de acor-
do com essa definição, é negada a muitos. As realizações da oli-
garquia capitalista definem novos limites do que é alcançável
pelo indivíduo e, assim, empurram para fora as fronteiras das
aspirações legítimas. Mas o capitalismo é um sistema em que
essas aspirações limitadoras são, por definição, negadas ao povo
e reservadas apenas para alguns.
O mal do capitalismo consiste na alienação do fruto do
trabalho daqueles que, com o trabalho do corpo e o suor da tes-
ta, produzem esse fruto. Este aspecto do capitalismo torna-o in-
conciliável com os princípios básicos que animam a sociedade
africana tradicional. O capitalismo é injusto; em nossos países
recém-independentes, não é apenas complicado demais para ser
viável, mas também estranho.
No socialismo, no entanto, o estudo e o domínio da natu-
reza têm um impulso humanista e são direcionados não a uma
realização lucrativa, mas a proporcionar uma satisfação cada vez
maior para as necessidades materiais e espirituais de um maior
número. As ideias de transformação e desenvolvimento, na me-
dida em que se relacionam com os propósitos da sociedade co-
mo um todo e não com um objetivo oligárquico, são propria-
mente adequadas ao socialismo.
Também no nível filosófico, é o materialismo, não o
idealismo, que de uma forma ou de outra dará a base conceitu-
al mais firme para a restituição dos princípios igualitários e
humanistas da África. O idealismo gera uma oligarquia, e sua
implicação social, conforme delineado em meu segundo capí-
tulo, é desagradável para a sociedade africana. É o materialis-
mo, com seu relato monístico e naturalista da natureza, que
impedirá a arbitrariedade, a desigualdade e a injustiça. Expli-
quei em meu segundo capítulo como o materialismo sugere
uma filosofia socialista.
| 417 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Em suma, a restituição dos princípios humanistas e


igualitários da sociedade africana requer o socialismo. É o ma-
terialismo que garante a única transformação efetiva da nature-
za, é o socialismo que obtém o maior desenvolvimento dessa
transformação.
| 418 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 419 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 4
Consciencismo

A prática sem pensamento é cega; o pensamento sem


prática é vazio. Os três segmentos da sociedade africana que es-
pecifiquei no capítulo anterior, o tradicional, o ocidental e o is-
lâmico, coexistem desconfortavelmente; os princípios que os
animam estão frequentemente em conflito entre si. A título ilus-
trativo, tentei mostrar como os princípios que orientam o capita-
lismo estão em conflito com o igualitarismo socialista da socie-
dade africana tradicional. O que deve ser feito então? Eu enfati-
zei que os outros dois segmentos, para serem corretamente vistos,
devem ser acomodados apenas como experiências da sociedade
africana tradicional. Se não fizermos isso, nossa sociedade será
atormentada pela esquizofrenia mais maligna.
Nossa atitude em relação à experiência ocidental e islâmi-
ca deve ter um propósito. Também deve ser guiada pelo pensa-
mento, pois a prática sem pensamento é cega. O que é exigido
como primeiro passo é um corpo de pensamento conexo que de-
terminará a natureza geral de nossa ação em unificar a sociedade
que herdamos, considerando, em todos os momentos, os ideais
elevados subjacentes à sociedade tradicional africana. Por trás da
revolução social deve haver uma revolução intelectual, na qual
nosso pensamento e filosofia são direcionados para a redenção de
nossa sociedade. Nossa filosofia deve encontrar suas armas no
ambiente e nas condições de vida do povo africano. É a partir
dessas condições que o conteúdo intelectual de nossa filosofia
deve ser criado. A emancipação do continente africano é a eman-
cipação do homem. Isso requer dois objetivos: primeiro, a resti-
tuição do igualitarismo da sociedade humana e, segundo, a mobi-
lização logística de todos os nossos recursos para a consecução
dessa restituição.
A filosofia que deve estar por trás dessa revolução social é
aquela que eu já referi como consciencismo filosófico. O consci-
| 420 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

encismo é o mapa em termos intelectuais da disposição de forças


que permitirá à sociedade africana digerir os elementos ocidentais
e islâmicos e eurocristãos da África e desenvolvê-los de maneira
que se encaixem na personalidade africana. A personalidade afri-
cana é definida pelo conjunto de princípios humanistas subjacen-
tes à sociedade africana tradicional. Consciencismo filosófico é o
ponto de vista que, partindo do conteúdo atual da consciência
africana, indica a maneira como o progresso é forjado a partir do
conflito nessa consciência.
Sua base está no materialismo. A afirmação mínima do
materialismo é a existência absoluta e independente da matéria. A
matéria, contudo, é também um plenum de forças em antítese. O
interesse filosófico nesta afirmação é que a matéria é dotada de
poderes de movimento próprio.
Obviamente, existem diversos tipos de movimento. Os fi-
lósofos aceitaram diferentes tipos de fenômenos como ilustração
do movimento. Existe o caso óbvio de mudança de lugar. Se um
objeto muda sua posição em relação a outros em uma localidade,
diz-se que ele se move. Contra isso, pode-se pensar, a princípio,
que todo o universo poderia girar assimetricamente em torno de
um objeto, caso em que, em termos absolutos, podia-se imaginar
que o objeto não se movesse. Se isso acontecesse, seria indistin-
guível da primeira situação em que o próprio objeto muda de po-
sição em relação ao resto do universo; isso não significa diferen-
ça. E se esses dois estados putativos não significam diferença, o
último não pode constituir uma objeção ao primeiro.
A afirmação de que um objeto se move é significativa. E
quando duas declarações significativas falham da maneira acima
para indicar uma diferença, elas devem significar a mesma coisa.
O que estou enunciando aqui é bem diferente do Princípio da Ve-
rificação. O princípio de verificação, como é bem conhecido, tem
duas partes. Em primeiro lugar, afirma que uma proposição é sig-
nificativa apenas se estiver sujeita a verificação empírica; e em
segundo lugar, afirma que o sentido de uma proposição significa-
tiva é obtido pelo método de verificação. O princípio que estou
defendendo, porém, não declara condição para a significação,
mas apenas estabelece uma condição suficiente para a identidade
do significado. A ideia central é a seguinte: se há duas expressões
tais que precisamente as mesmas consequências decorram tanto
| 421 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

da conjunção da primeira com qualquer outra proposição quanto


da conjunção da segunda com a mesma proposição, então ambas
expressões são idênticas em significado.
Veremos que este princípio de identidade do significado é
semelhante tanto ao de Leibniz e como ao de Frege. Eu descrevi
um tipo de movimento aceito por filósofos. Eles também distin-
guem o movimento rotativo, que Platão ilustrou com o movimen-
to de um pião. Existe, no entanto, um terceiro tipo de movimento,
que consiste na alteração da propriedade. Se as propriedades po-
dem ser distinguidas das relações, podemos dizer que existem
duas grandes categorias de movimento, uma introduz mudança na
relação enquanto a outra introduz mudança na propriedade, con-
siderando que os movimentos lineares e o rotativo envolvem mu-
dança de relação. Se existem esses dois tipos de movimento, o
primeiro resultando numa mudança de relação e segundo, mu-
dança de propriedade, então quando se diz que a matéria tem um
poder original de movimento próprio, nenhum tipo está necessa-
riamente implícito, nem ambos estão juntos.
Está na moda, em particular entre os filósofos que evitam
a dialética, dizer que a matéria é inerte. O significado disso deve
ser diferenciado da inércia da matéria em Newton. Este definiu
inércia axiomaticamente como em sua primeira lei do movimen-
to. De acordo com essa lei, um corpo, exceto na medida em que é
pressionado por uma força externa, continua em seu estado de
movimento uniforme em linha reta. A posição de repouso é fa-
cilmente acomodada como um caso limite de movimento em li-
nha reta. É bastante conveniente, em vez de dar uma definição
direta de um termo introduzido, elucidar seu significado por meio
de axiomas. De fato, os axiomas definirão o que se deve reunir
com o uso do termo introduzido. No caso da primeira lei do mo-
vimento de Newton, vemos que aqui também é negado o poder de
um movimento automático de um corpo.
De fato, Newton também negaria o poder de autolocomo-
ção rotativa de um corpo. Para emprestar uma palavra inventada
por Whitehead, a inércia da matéria corresponde à sua agressivi-
dade. Quando é perguntado o que os filósofos querem dizer com
a inércia da matéria, algo diferente acontece. Na realidade, os fi-
lósofos buscam um paralelo intelectual ao movimento físico, e
negam isso da matéria. Consequentemente, os encontramos insis-
| 422 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tindo incontinentemente na “estupidez” da matéria. Eles querem


dizer com isso que a matéria é incapaz de ação intelectual, pen-
sar, perceber ou sentir. Obviamente, eles são gratos por Newton
ter negado a atividade física da matéria. Partindo disso, aumen-
tam com uma negação adicional da atividade intelectual da maté-
ria. Portanto, quando um filósofo diz que a matéria é “estúpida”,
não quer dizer que ela seja lenta, mas que não tem inteligência
nenhuma. Nessa negação da atividade da matéria, tanto física
quanto mental, não é incomum os filósofos se contradizerem. Se
olharmos para a Magnum opus de Locke, The Essay on Human
Understanding, rapidamente encontraremos tais contradições.
Locke nega que a matéria seja ativa, atribuindo toda ativi-
dade ao espírito. No entanto, em sua teoria da percepção, ele diz
que corpúsculos viajam de um objeto percebido para nosso órgão
sensorial apropriado, a fim de que possamos percebê-lo. Diz ele
que esses corpúsculos são partes do objeto percebido que se des-
tacam e nos submetem a uma espécie de bombardeio radiativo.
Aqui, Locke se contradiz claramente. Pois esta atividade da maté-
ria não é induzida, conforme ele argumenta, mas original, natural.
Mesmo a teoria da gravidade, embora explique o movi-
mento atual dos corpos (incluindo o repouso), é convenientemen-
te silenciosa sobre a questão dos antecedentes. Não enfrenta a
questão de “por que” os corpos se movem, “como” é que os cor-
pos celestes, por exemplo, passam a se mover; apenas lidam com
a questão de como eles continuam se movendo e por que continu-
am se movendo como se movem.
Ainda assim, todos aqueles que concebem o universo em
termos de um superátomo original que multiplicou as tensões in-
ternas a tal ponto que explodiu em pedaços, implicando assim
que a matéria tem poderes de movimento próprio, não concebem
esse edifício primordial de tensões internas em termos de forças
externamente impressas. Tanto o fenômeno da radiação quanto a
mecânica das ondas da teoria quântica pressupõem indubitavel-
mente que o corpo tem poderes originais de automovimento,
mesmo no sentido que requer algo além de mudança de proprie-
dade. Se a matéria efetua uma emissão espontânea, na medida em
que há uma emissão de partículas, há movimento; na medida em
que essa emissão é espontânea, há automovimento.
De fato, os filósofos clássicos ficaram impressionados
| 423 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

com, pelo menos, duas considerações. A primeira é que não dis-


cernimos um fenômeno direto de radiação ou movimento corpus-
cular por nenhum dos nossos cinco sentidos. Mas vemos maçãs
arremessadas para o alto. E observamos penas que, sopradas ao
vento, flutuam no ar. Em contraste, embora conheçamos casos em
que humanos e animais sejam empurrados, testemunhamos coti-
dianamente o fenômeno mais evidente e diretamente obstrutivo
do movimento espontâneo nos seres vivos. Nossos filósofos clás-
sicos, então, sem muito alarde, fecharam o dossiê, identificando
os limites de seu próprio conhecimento com os do que pode ser.
Agora, se alguém deseja manter a inércia filosófica da ma-
téria, deve atribuir o automovimento fenomenal dos corpos a al-
gum princípio não material, geralmente uma alma ou um espírito.
Pode-se dizer que essa alma ou espírito seja inerente à matéria ou
externo a ela. Mas mesmo quando se diz que existe um espírito
ou uma alma na matéria que é responsável por seu movimento
espontâneo, não terá sido dito que em todos os casos de movi-
mento fenomenal espontâneo de um corpo, deva-se presumir que
haja um espírito oculto, um fantasma à espreita. Portanto, a inér-
cia filosófica da matéria não é alcançada pelo mero postulado de
um espírito ou alma. Na verdade, torna-se uma característica de-
finidora da matéria o fato dela ser filosoficamente inerte.
No postulado de uma alma ou espírito, o vitalismo e as di-
versas formas de ocultismo poderiam facilmente ser fornecidos
como sustentação e defesa. Mas também nisso encontramos a se-
gunda consideração que impressionou os filósofos. Essa é a ideia
da intenção. Pensava-se que o movimento espontâneo só poderia
ser deliberado ou proposital, subsumindo a ideia de intenção em
qualquer caso. Deliberação, propósito, intenção eram, ao mesmo
tempo, atribuídos exclusivamente às coisas vivas, e não para to-
das as coisas vivas. A matéria, em si sem vida, era, portanto, con-
siderada incapaz de deliberação, propósito ou intenção. Não se
pode, portanto, atribuir-lhe espontaneidade. Isso é, de fato, o cer-
ne da inércia filosófica, curiosamente chamada de “estupidez”!
De certa forma, não são os filósofos de hoje os sucessores
dos filósofos antigos, mas os cientistas naturais. Atento ao fenô-
meno da radiação, da emissão espontânea de partículas de matéria
e do silêncio de Newton sobre a fonte do movimento original dos
corpos, pode-se, se um filósofo “inerte”, abraçar um animismo
| 424 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

completo e infundir matéria não viva com uma pletora de espíri-


tos, ou pode-se abandonar corretamente a negação agora infunda-
da da capacidade da matéria para o automovimento.
De fato, o ancestral filosófico de todos os filósofos oci-
dentais, Tales, foi encarado de frente por ambas as alternativas.
Ele havia dito que o mundo não deveria ser explicado em termos
do sobrenatural e, portanto, havia dito que tudo era água. Cabe
agora a ele explicar por que muitas coisas não eram “aquosas”. O
mínimo que ele poderia fazer era colocar um princípio de mudan-
ça na própria água, de modo que, pela operação desse princípio,
fosse possível uma transmutação do estado que conhecemos co-
mo água para outras coisas. Mas, se ele não abandonou sua pri-
meira afirmação de que tudo é água, o princípio deve permitir
apenas mudanças geométricas na água, ou seja, em sua operação,
deve se limitar à rarefação e condensação da água. Para isso, o
princípio precisava ser um princípio de movimento. Por isso, ele
disse que as coisas estavam cheias de deuses. Embora isso não
cheire bem ao animismo, ele apenas pretendeu, ao afirmar a ca-
pacidade da matéria para o movimento próprio espontâneo, rejei-
tar sua inércia. Ao dizer que as coisas estavam cheias de Deuses,
ele não quis dizer que todo objeto era o locus de algum deus, pois
toda a sua revolução filosófica consistia em neutralizar os deuses,
tornando-os irrelevantes para fins de explicação dos objetos e
processos do mundo. É seu idioma, não seu pensamento, que era
pitoresco. Assim como Aristóteles mais tarde recuperou as for-
mas do céu de Platão e as restaurou para a matéria, Tales estava
agora recuperando a fonte do movimento e a causa dos processos
do paraíso para a matéria.
A matéria não é inerte no sentido dos filósofos. É capaz de
se automover tanto no sentido de mudança de relação quanto no
sentido de mudança de propriedade. Mas a matéria tem inércia. A
inércia e a ausência de movimento foram suficientemente distin-
guidas e, embora a ausência de movimento implique inércia, a
inércia não implica ausência de movimento.
As afirmações iniciais do que proponho como conscienci-
smo filosófico são, portanto, duplas. Primeiro, há a afirmação da
existência absoluta e independente da matéria; segundo, há a
afirmação da capacidade da matéria para o movimento próprio
espontâneo. Na medida dessas duas afirmações iniciais, o consci-
| 425 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

encismo filosófico é profundamente materialista.


Há uma necessidade suprema de distinguir aqui entre o
materialismo que está envolvido no consciencismo filosófico e o
materialismo que implica a existência única da matéria. Eu apon-
tei no primeiro capítulo que uma filosofia materialista que aceita
a realidade primária da matéria deve negar outras categorias de
ser, ou então afirmar que elas são uma e todas redutíveis sem so-
bras à matéria. Se isso não apresentar um dilema, pelo menos a
escolha é muitas vezes dolorosa. Numa filosofia materialista que
admite a realidade primária da matéria, se o espírito é aceito co-
mo uma categoria de ser, a redução não residual da matéria deve
ser reivindicada. Além disso, o fenômeno da consciência, como o
da autoconsciência, deve ser considerado, em última análise, ape-
nas um aspecto da matéria.
A rigor, a afirmação da única realidade da matéria é ateís-
ta, pois o panteísmo também é uma espécie de ateísmo. O consci-
encismo filosófico, embora profundamente enraizado no materia-
lismo, não é necessariamente ateu.
De acordo com o consciencismo filosófico, certas ativida-
des que possuem todas as síndromes de propósito ainda podem
ser a atividade direta da matéria. Essa atividade é generalizada e é
caracterizada por uma resposta não aperceptiva ao estímulo; isto
é, é caracterizada por uma resposta ao estímulo esvaziado de toda
autoconsciência, uma resposta desprovida de qualquer cognição
além da reação àquilo que, por enquanto, está agindo como estí-
mulo. Resposta instintiva é esse tipo de atividade, pois há uma
resposta não-receptiva ao estímulo, que não é condicionada por
qualquer realização de uma possível relação de propósito entre o
estímulo e o estimulado. Por outro lado, a resposta aperceptiva é
deliberada. Aqui, existe uma autoconsciência e uma avaliação da
situação que envolve estímulo e resposta.
A suspeita de que os seres vivos exibam uma resposta não
aperceptiva não é nova. De fato, Descartes achava que a resposta
de todos os animais não humanos era não aperceptiva. Ele, por-
tanto, negou que animais não humanos possuíssem almas, perma-
necendo satisfeito em acreditar que todas as ações de tais animais
poderiam receber uma explicação mecânica completa. Mas mes-
mo os seres humanos não estão inteiramente acima da resposta
não aperceptiva. De fato, uma resposta que começa por ser aper-
| 426 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ceptiva pode, com o tempo, tornar-se não aperceptiva pela técnica


de produzir um reflexo condicionado.
Aristóteles, antes de Descartes, mantinha uma opinião
semelhante, de que apenas os seres humanos eram capazes de
uma resposta consciente e aperceptiva. Essa opinião de Aristóte-
les foi confirmada em sua invenção das almas vegetal e animal,
distintas da alma racional. Aristóteles, antes de Descartes, manti-
nha uma opinião semelhante, de que apenas os seres humanos
eram capazes de uma resposta consciente e aperceptiva. Essa opi-
nião de Aristóteles foi confirmada em sua invenção das almas
vegetal e animal, distintas da alma racional.
Pode parecer que uma posição filosófica que aceite uma
dualidade do tipo cartesiano não possa tratar tranquilamente todas
as ações de animais como puramente mecânicas. Para esse tipo de
dualidade, deve haver uma dúvida incômoda, a dúvida de que o
espírito como categoria não deva realmente ser extirpado com a
navalha de Ockham. De acordo com o princípio da navalha de
Ockham, as entidades não devem ser multiplicadas sem necessi-
dade lógica.
Mas, de acordo com a dualidade cartesiana, existem dois
tipos irredutíveis de substância. Existe substância espiritual que é
puramente ativa, pensa e não se estende. Depois, há matéria pu-
ramente estendida e inerte no sentido do filósofo. Agora, muitas
das ações dos animais são bastante semelhantes às dos homens.
Portanto, é um tipo de apelo especial sustentar que, em um caso,
essas ações sejam produzidas pelo espírito, em no outro não, es-
pecialmente porque Descartes coloca em questão a existência de
outras mentes, além da dele e de Deus.
Para se superar o sentimento de que a navalha de Ockham
pode ser aplicada para extirpar o espírito, é necessário mostrar,
diferentemente de alegar, que ações que têm síndromes de inspi-
ração mental podem resultar de mera matéria. Fazer isso é mos-
trar como alguma linguagem mental é redutível sem resíduos para
a linguagem corporal. Ou seja, para mostrar como as expressões
que podem ser usadas na descrição de operações direcionadas
pelo espírito podem ser completamente adequadas para descrever
a ação mecânica; quase para mostrar, de fato, que mentes rudi-
mentares nada mais são do que matéria ativa. O fato é que isso foi
afirmado explicitamente por Leibniz, que disse que a matéria era
| 427 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma mente rudimentar, quebrando assim o gelo categorial entre


matéria e mente.
No primeiro capítulo, discuti detalhadamente como é pos-
sível a conversão ou redução de categorias, fazendo referência
livre no decorrer da discussão ao trabalho dos lógicos. Se os fe-
nômenos espirituais são de fato o resultado de fenômenos materi-
ais, não surpreende que o ambiente, que é apenas uma disposição
da matéria, possa melhorar, intensificar e até desenvolver a cons-
ciência. Além disso, o problema mente-corpo está resolvido. Esta
solução do problema mente-corpo às vezes assumiu a forma de
cortar o nó górdio53. O problema mente-corpo surge da seguinte
maneira. Se alguém disser que existem apenas dois tipos de subs-
tância, matéria e mente, além de permitir a interação entre elas,
surge a questão de como pode haver interação entre substâncias
que são tão díspares. A mente é puramente ativa, pensa e não é
estendida; a matéria é passiva, estendida e sem consciência. Se
alguém afirma a realidade exclusiva da matéria, como fazem os
materialistas extremos, ou afirma a realidade exclusiva do espíri-
to, como Leibniz fez, então o problema mente-corpo é resolvido
removendo as condições em que surge a perplexidade. Isso é para
cortar o nó górdio, pois agora a mente e o corpo não serão díspa-
res, mas serão formas de matéria ou formas de espírito.
No consciencismo filosófico, no entanto, a interação da
mente e do corpo é aceita como um fato. A perplexidade filosófi-
ca que obscurece essa interação é removida pela demonstração da
possibilidade de conversão categorial. A conversão categorial de-
ve ser diferenciada do paralelismo. O próprio Descartes tentou
resolver o problema mente-corpo recorrendo a uma espécie de
paralelismo. Ele instituiu ocorrências paralelas e, assim, explicou
a dor como sendo o sofrimento que a alma sente pelo dano ao seu
corpo. Nesse ponto, como em vários outros, Descartes foi assal-
tado pela perspicácia crítica do filósofo ganense Anthony Willi-
am Amo. De acordo com Amo, tudo o que a alma poderia fazer
nos termos de Descartes é reconhecer o fato de que há um buraco
em seu corpo ou uma contusão nele e, a menos que o conheci-
mento seja doloroso, não se pode dizer que a mente sofra com

53 Metáfora de problema insolúvel, vinculada à lenda do nó dado por Górdio,


Rei da Frígia, para amarrar sua carroça numa coluna no templo de Zeus.
| 428 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

isso. Certamente, se se pode dizer que a mente sofre dessa manei-


ra, com o simples conhecimento do estado do corpo, pode-se di-
zer que o corpo pode afetar a mente. Mas não necessariamente,
pois, em termos estritos, de acordo com Descartes, o corpo não
afeta a mente, mas a mente se compadece do corpo.
O consciencismo filosófico não tem espaço para um mero
paralelismo no problema mente-corpo. Pois o consciencismo filo-
sófico mantém as duas categorias de mente e corpo, reconhece o
problema ao aceitar o fato da interação, mas oferece uma solução.
O paralelismo, embora reconheça as duas categorias, nega de fato
a interação. A solução oferecida pelo consciencismo filosófico se
apoia na conversão categorial.
Segundo o consciencismo filosófico, as qualidades são ge-
radas pela matéria. Por trás de qualquer aparência qualitativa,
existe uma disposição quantitativa da matéria, de modo que a
aparência qualitativa é um substituto da disposição quantitativa.
Não quero dizer com isso que qualidades sejam as próprias quan-
tidades. Não estou dizendo, por exemplo, que uma cor é a mesma
coisa que um certo comprimento de onda. É claro que o compri-
mento de onda não é a cor, embora saibamos, graças aos físicos,
que cores individuais estão ligadas a comprimentos de onda ca-
racterísticos. No entanto, estou dizendo que a cor é precisamente
a substituta visual de um comprimento de onda.
Uma cor é o modo de impressão ocular de uma onda com
certas propriedades matemáticas; é o substituto visual de uma
disposição quantitativa da matéria. Os sons, da mesma forma, são
o modo de impressão que o ouvido tem de ondas com certas pro-
priedades. Em geral, sensações e percepções são substitutos sen-
soriais das disposições quantitativas da matéria. Todas as propri-
edades naturais, qualquer que seja a propriedade discernível por
um sentido ou mais, não passam de substitutos sensoriais das dis-
posições quantitativas da matéria.
No primeiro capítulo, refutei a alegação de que a Teoria
da Relatividade de Einstein era incompatível com o materialismo.
O cerne da objeção era que o materialismo filosófico requer a
existência absoluta e independente do espaço e do tempo como
receptáculos necessários para a matéria. Naquele momento, ex-
pliquei que não havia conflito com a Teoria da Relatividade, e
também que o próprio materialismo era inconsistente com a exis-
| 429 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tência absoluta e independente do espaço ou do tempo.


Se a existência única da matéria é afirmada, o espaço e o
tempo, na medida em que não são matéria, devem ser irreais. O
consciencismo filosófico não afirma a realidade única da matéria.
Pelo contrário, afirma a realidade primária da matéria. Aqui, no-
vamente, se o espaço fosse absoluto e independente, a matéria
não poderia, em relação a ele, ser primária. Portanto, o conscien-
cismo filosófico, ao afirmar a existência primária da matéria,
também sustenta que o espaço deve, na medida em que é real,
derivar suas propriedades daquelas da matéria por meio de uma
conversão categorial. E como as propriedades do espaço são ge-
ométricas, segue-se do consciencismo filosófico que a geometria
do espaço é determinada pelas propriedades da matéria.
Ao nos voltarmos para a Teoria Geral da Relatividade de
Einstein, encontramos exatamente a mesma conclusão. Pois em
sua teoria, Einstein se apoia no princípio de Mach sobre as condi-
ções de importância para afirmar que as propriedades do espaço
são fixadas pelas massas de corpos em um campo gravitacional.
Esse princípio de Einstein, como o consciencismo filosófico, re-
jeita a existência absoluta e independente do espaço. Com relação
ao espaço, a relatividade e o consciencismo filosófico são mutu-
amente consistentes.
Ao discutir a possibilidade de conversão categorial, eu
disse que duas abordagens estavam disponíveis para a filosofia.
Primeiro, a possibilidade de conversão categorial poderia ser de-
monstrada em termos conceituais. Isso foi alcançado pela lógica
moderna. Em segundo lugar, os modelos que atendem às condi-
ções de conversão categorial podem ser citados. Esses modelos
são oferecidos pela ciência moderna.
O consciencismo filosófico reivindica a realidade da con-
versão categorial. Mas, se a conversão de uma categoria para ou-
tra não representa uma mera aparição, uma vontade filosófica,
então essa conversão deve representar uma variação na massa de
sua matéria inicial. A conversão é produzida por um processo
dialético, e se for de um tipo lógico inferior para um tipo lógico
superior, envolve perda de massa.
Aqui, novamente, a perda de massa que realmente ocorre
é dedutível da Teoria Geral da Relatividade de Einstein. Resulta
dessa teoria que toda mudança química de substâncias mais sim-
| 430 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ples para substâncias mais complexas, na medida em que implica


o surgimento de novas propriedades, representa uma perda de
massa. Na verdade, representa uma conversão de parte da massa
da matéria. Na teoria de Einstein, a perda é calculável de acordo
com a fórmula geral e = mc2, onde e representa ergs de energia,
m a massa e c a velocidade da luz. Se, por exemplo, um grama de
massa for substituído por m, a equivalência em ergs de energia
será de 9 x 2010 ergs, pois, nesse caso, e será igual a c2. De acor-
do com o consciencismo filosófico, porém, embora toda essa
quantidade de massa seja convertida, não é tudo que é convertido
nas propriedades emergentes. Em mudanças químicas reais, parte
delas transpira como calor.
É essa realidade da conversão categorial que leva o cons-
ciencismo filosófico a afirmar não a realidade única da matéria,
mas sua realidade primária. Se categorias superiores são apenas
substitutas de processos quantitativos da matéria, elas ainda não
são aparições vazias, mas são bastante reais.
Segue-se disso que, no consciencismo filosófico, a maté-
ria é capaz de mudança dialética, pois se as propriedades naturais
nada mais são que substitutos das disposições quantitativas da
matéria, então, como as propriedades naturais mudam, a matéria
deve mudar na disposição quantitativa. E a matéria, por ser um
plenum de forças em tensão, já contém a mudança incipiente na
disposição necessária para provocar uma mudança na qualidade
ou na propriedade. A própria força é a maneira pela qual as partí-
culas de matéria existem; é sua constituição matemática ou quan-
titativa. Força não é a descrição de uma partícula de matéria; não
é algo que as partículas de matéria exibam em seu rosto. Em vez
disso, é interno a elas.
Uma vez que a matéria é um plenum de forças em tensão,
e uma vez que a tensão implica mudança incipiente, a matéria
deve ter o poder de automovimento original. Sem automovimen-
to, a mudança dialética seria impossível.
Por uma mudança dialética, quero dizer o surgimento de
um terceiro fator de um tipo lógico superior a partir da tensão en-
tre dois fatores ou dois conjuntos de fatores de um tipo lógico in-
ferior. A matéria, propriedades e qualidades da matéria, pertence
a um tipo lógico superior, e as propriedades das propriedades, a
um tipo lógico ainda mais superior.
| 431 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Isso levanta apropriadamente questões de natureza epis-


temológica sobre o consciencismo. Os problemas epistemológi-
cos são aqueles que dizem respeito à natureza do conhecimento e
seus tipos, e também aos caminhos para eles que estão abertos à
mente. O consciencismo, ao evitar a afirmação da realidade única
da matéria, prepara-se para o reconhecimento indolor da objetivi-
dade dos diferentes tipos de ser. De fato, a própria concepção de
dialética está ligada ao reconhecimento de diferentes tipos de ser.
Tipos de seres são tipos lógicos. Se eles formam uma escala de
ser, não se deve inferir que essa escala esteja correlacionada com
uma escala de valor. Os tipos são lógicos, de modo que os objetos
materiais formam um tipo lógico; esses termos gerais, que podem
ser aplicados na descrição apenas a objetos materiais, formam um
tipo lógico superior; os termos gerais que podem ser aplicados na
descrição aos termos gerais do primeiro grupo formam outro tipo
lógico ainda mais superior.
Objetos materiais e suas propriedades pertencem a dife-
rentes tipos lógicos, assim como objetos materiais e mente. São
essas diferenças que tornam possível o absurdo categorial. Por
um absurdo categorial, quero dizer aquele absurdo especial que
surge do acoplamento de tipos de termos que não devem ser aco-
plados. Os termos podem ser acoplados apenas quando pertencem
ao mesmo tipo ou pertencem a tipos próximos. Assim, “pessoas”
e “independência” pertencem a tipos próximos e, portanto, podem
ser acopladas como na proposição “somos um povo independen-
te”. Mas o número dois e “vermelho” não pertencem ao mesmo
tipo nem pertencem a tipos próximos; portanto, não inesperada-
mente, a proposição “o número dois é vermelho”, que os une,
comete um absurdo de categoria.
Da mesma forma, os termos que podem ser acoplados a
substitutos filosóficos na descrição deste último não podem ser
acoplados aos itens que dão origem aos substitutos, embora não
haja nada que seja incapaz de tradução, sem resíduo, para propo-
sições sobre esses itens cujos substitutos eles são.
Os termos que podem ser associados a substitutos filosófi-
cos na descrição deles não podem ser associados aos itens que
dão origem aos substitutos, porque se um termo pode ser associa-
do a um substituto filosófico, ele deve ser do mesmo tipo lógico
que o substituto filosófico, ou, se estiver na descrição, deve ser de
| 432 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

um tipo superior e próximo ao qual o substituto pertence. Os ter-


mos que podem ser acoplados na descrição a um substituto filosó-
fico devem ser um tipo lógico acima do substituto, uma vez que
tais termos são sempre um tipo acima de seus sujeitos. Como tal,
esses termos são pelo menos dois tipos superiores aos itens que
dão origem ao substituto. Por conseguinte, não podem ser atribu-
ídos nem como complemento. Não se pode dizer que o número
dois é vermelho (complemento), assim como não se pode dizer
que o número dois é vermelho (descrição).
Essa consequência epistemológica do consciencismo filo-
sófico fornece uma justificativa filosófica antecedente para ativi-
dades como a investigação da natureza da mente pelos meios ex-
clusivos de investigação da natureza e funcionamento do cérebro.
Essa é uma grande vantagem, pois, como a mente não está sujeita
à exposição experimental, se todas as proposições sobre a mente
são, em princípio, traduzíveis, sem resíduo, para proposições so-
bre o sistema nervoso, que está sujeito à exposição experimental,
uma grande quantidade de pesquisas mentais pode ser feita em
termos de pesquisa neural. Em geral, o consciencismo filosófico
reduz a extensão do eremitério acadêmico. Ele faz isso tornando
possível a pesquisa sobre a natureza de uma categoria em termos
de outra categoria.
Há uma tendência crescente entre alguns filósofos que sus-
tentam a visão de que quando o materialismo triunfou e obteve vi-
tória sobre o idealismo, ele deve, como sua vítima, desaparecer ou
“definhar” como filosofia. Prevê-se que isso ocorrerá quando a so-
ciedade sem classes for alcançada. Marx e Engels consideravam o
materialismo como a verdadeira forma de ciência e, de fato, sus-
tentavam que, com a derrocada final do idealismo, o materialismo
deve ter a ciência como seu conteúdo positivo. O importante não é
tanto que não seja necessário enfatizar o materialismo como uma
filosofia quando o idealismo é derrubado, mas sim que a importân-
cia e correção do materialismo não serão de forma algumas dimi-
nuídas em sua hora de vitória. Alguns filósofos esperam que o ma-
terialismo desapareça e dê lugar a uma filosofia da mente – e que a
teoria filosófica da mente que não é explicitamente precedida pelo
materialismo filosófico abrirá as portas para um novo idealismo.
O pensamento sem prática é vazio, e o consciencismo fi-
losófico exibe constantemente áreas de significado prático, como
| 433 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

a acima. Se o consciencismo filosófico afirma inicialmente a


existência absoluta e independente da matéria e considera que a
matéria é dotada de suas leis objetivas, o consciencismo filosófi-
co se constrói tornando-se um reflexo da objetividade, em termos
conceituais, do desdobramento da matéria. Quando uma filosofia
se restringe a refletir o desenrolar objetivo da matéria, também
estabelece uma conexão direta entre conhecimento e ação.
Essa ideia de filosofia como imagem conceitual da nature-
za também é encontrada em Spinoza e, de fato, é um princípio do
racionalismo em geral. Segundo Spinoza, a ordem e a conexão
das ideias são as mesmas que a ordem e a conexão da natureza. O
erro dos racionalistas em relação à conexão entre filosofia e natu-
reza está em tratar a filosofia como o modelo, a camisa de força
da natureza, em vez de se contentar com uma afirmação de refle-
xão mútua. Se, no entanto, a ordem e a conexão das ideias são as
mesmas que as da natureza, então, de acordo com Spinoza, o co-
nhecimento de uma deve ser o conhecimento da outra. De fato,
pode-se dizer que, ainda com Spinoza, a mente é a ideia daquilo
cujo corpo é a natureza. Na medida em que ele permite que a
ação seja possível, o conhecimento da mente pode ser a base ob-
jetiva direta de uma intervenção na natureza.
Eu disse anteriormente que, apesar da profunda divisão
entre idealismo e materialismo, eles não apresentavam diferentes
registros do mundo. Isso não significa que eles compartilhem a
mesma atitude em relação ao mundo. Certamente diferem em sua
concepção da natureza da conexão entre pensamento e ação. Nes-
se campo, o idealismo é ignorante e grotescamente ineficaz. O
materialismo é, por outro lado, dinâmico e constantemente lança
áreas de significado prático.
Mas se o consciencismo filosófico conecta conhecimento
e ação, ainda é necessário indagar se ele concebe tal conexão co-
mo puramente mecânica ou se a torna suscetível a influência e
crítica éticas. É evidente que o consciencismo filosófico não pode
emitir um conjunto fechado de regras éticas, um conjunto de nor-
mas que deva ser aplicado em qualquer sociedade e a qualquer
momento. O consciencismo filosófico é incapaz disso, porque ele
próprio se baseia numa visão da matéria inexoravelmente dialética.
Na medida em que o materialismo se atrela ao igualitaris-
mo no plano social, atrela-se à ética. O igualitarismo não é apenas
| 434 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

político, mas também ético; pois implica um padrão de conduta


humana aceitável. Ao mesmo tempo, por conceber a matéria como
um plenum de tensões que originam mudanças dialéticas, não pode
congelar suas regras éticas, tornando-as imutáveis. Seria errado, no
entanto, procurar inferir disso que os princípios éticos que o cons-
ciencismo filosófico sanciona são injustificados e desprovidos de
fundamentação objetiva; pois mesmo quando as regras mudam,
elas ainda podem ser informadas e governadas pelos mesmos prin-
cípios básicos à luz da mudança das condições sociais.
É necessário entender corretamente a relação entre regras
e princípios. Essa relação é semelhante àquela entre ideais e insti-
tuições e também entre leis e costumes. As leis, obviamente, es-
tabelecem princípios gerais, mas não explicitam os procedimen-
tos pelos quais podem ser executadas e cumpridas. Os costumes
são uma aplicação desses princípios. É evidente que, quando as
condições que operam os costumes são seriamente alteradas, po-
de ser necessário alterá-los para que a mesma lei continue a ser
cumprida. As leis não estão no mesmo nível que os costumes,
nem implicam nenhum costume específico. É por isso, e apesar
de poderem ser úteis para qualquer pessoa, que é possível alterar
o costume sem alterar a lei.
A relação entre ideais e instituições é semelhante. Que as
circunstâncias mudam é um fato banal. Por tudo isso, é significa-
tivo. Pois significa que, se os ideais devem ser perseguidos ao
longo das mudanças nos cenários da vida, pode ser necessário
modificar ou substituir as instituições para que os mesmos ideais
sejam efetivamente atendidos. Não há instituições particulares
que, independentemente das circunstâncias locais, estejam exclu-
sivamente ligadas aos seus ideais. As instituições devem ser mi-
radas com pragmatismo.
É dessa mesma maneira que os princípios estão relaciona-
dos às regras, mesmo quando são éticas. A ideia de que regras
éticas podem mudar, e de fato precisam mudar, é algo confirmado
pela reflexão.
Evidentemente, mesmo quando duas sociedades comparti-
lham os mesmos princípios éticos, elas podem diferir nas regras
que tornam os princípios eficazes. Os burros eram animais de
uma importância tão avassaladora em Israel que Deus achou ne-
cessário regular as relações humanas por uma regra ética mencio-
| 435 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nando-os especificamente. Não cobiçarás o burro do teu próximo.


Se Deus se dignasse a nos dar uma regra semelhante hoje, ele,
sem dúvida, nos proibiria de cobiçar o automóvel do nosso vizi-
nho, dificilmente o burro. Aqui, Deus daria uma nova regra ética,
destinada a dar efeito a um princípio ético imutável, mas levando
em consideração os tempos modernos.
O progresso conquistado pelo homem e o aproveitamento
das forças da natureza tem um efeito profundo no conteúdo de
regras éticas. Algumas são suspensas, porque as situações em que
entram em que elas vigoram perdem toda a probabilidade de re-
corrência; outros dão lugar ao seu oposto, como, por exemplo,
quando uma sociedade matriarcal se transforma em patriarcal,
pois as regras éticas decorrentes da posição da mulher darão lugar
àquelas que surgem da nova posição do homem. E, no entanto, os
princípios subjacentes a essas regras éticas podem permanecer
constantes e idênticos de uma sociedade a outra.
Segundo o consciencismo filosófico, as regras éticas não
são permanentes, mas dependem do estágio alcançado na evolu-
ção histórica de uma sociedade; portanto, os princípios funda-
mentais do igualitarismo são conservados.
Uma sociedade não muda sua ética mudando regras. Para
alterar a ética, os princípios devem ser diferentes. Assim, quando
a sociedade capitalista pode se torna socialista, então essa socie-
dade mudou sua ética. Qualquer mudança de ética constitui uma
mudança revolucionária.
No entanto, muitas vezes as regras morais mudam de ma-
neira tão surpreendente que dão a impressão de uma revolução na
ética. Por exemplo, pode-se considerar a profunda mudança de
atitude em relação a infratores, pela qual a psicologia moderna é
responsável. A psicologia moderna chama atenção para fatos re-
levantes que ignorávamos. Quando novos fatos mudam nossa ati-
tude, as regras morais não necessariamente mudam. Mas a apli-
cação delas recua, pois as novas considerações provocam uma
reclassificação do ato envolvido e, possivelmente, o sujeitam a
uma regra ética diferente. Nesse caso, uma atitude moral diferen-
te pode se tornar relevante.
Investigações sobre a psicologia da delinquência são um
exemplo. Tais investigações tendem a atenuar a acrimônia de
nossa atitude moral em relação a infratores, obrigando-nos não a
| 436 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

renunciar a regras morais, mas a reclassificar atos o que se consi-


dera atos de delinquência.
O princípio ético basilar do consciencismo filosófico é tra-
tar cada homem como um fim em si mesmo e não apenas como
um meio. Isso é fundamental para todas as concepções socialistas
ou humanistas do homem. É verdade que Immanuel Kant também
identificou isso como um princípio fundamental da ética, mas,
embora o considerasse um comando imediato da razão, deriva-
mos de um ponto de vista materialista.
Essa derivação pode ser feita por meio do igualitarismo
que, como vimos, é o reflexo social do materialismo. O igualita-
rismo é baseado na tese monística do materialismo. A matéria é
uma mesma coisa em suas diferentes manifestações. Se a matéria
é uma, conclui-se que existe uma ligação entre quaisquer mani-
festações da matéria. Isso não significa que entre duas manifesta-
ções da matéria não exista uma rota que se ligue a uma terceira
forma; a rota não precisa ser direta, pois pode levar de volta à
forma primária da matéria. Os processos dialéticos não são unili-
neares, eles não seguem apenas uma linha, mas ramificações.
Existe uma rota que conecta um galho de uma árvore a qualquer
outro galho, de modo que o caminho nunca deixe a árvore. Mas
isso não significa que todos os galhos tenham algum ponto em
comum, pois pode ser necessário passar para o tronco e juntar-se
a outro ramo para passar de um galho para outro. No entanto, a
rota existe. As diferentes manifestações da matéria resultam de
processos dialéticos que se desenrolam de acordo com leis objeti-
vas. Existe um processo determinado através do qual toda mani-
festação é derivada.
Ao dizer, no entanto, que existe uma rota entre duas formas
de matéria, não implico que qualquer forma de matéria possa deri-
var de qualquer outra, pois isso pode envolver a revogação de um
processo irreversível. O resultado do que eu quero dizer é a conti-
nuidade da natureza: embora a evolução dialética da matéria possa
levar a um beco (como as plantas e os animais desaparecidos nos
tempos pré-históricos), a evolução dialética não contém hiatos.
É a unidade básica da matéria, apesar de suas variadas
manifestações, que dá origem ao igualitarismo. Basicamente, o
homem é um, pois todos os homens têm a mesma base e surgem
da mesma evolução, de acordo com o materialismo. Este é o fun-
| 437 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

damento objetivo do igualitarismo.


David Hume levantou a questão de que as filosofias éticas
começam com declarações de fato e, de repente, procuram basear
declarações de avaliação, sem explicar a legitimidade dessa infe-
rência. Se o homem é basicamente um, e, se a ação é objetivamen-
te atenta a esse fato, deve ser guiada por princípios. Os princípios
orientadores podem ser declarados com tanta generalidade que se
tornam autônomos. Isso quer dizer, primeiro, que se a ação se con-
forma com a objetividade da unidade humana, deve ser guiada por
princípios gerais que mantenham no horizonte a objetividade, prin-
cípios que impediriam a ação que considerasse os homens basica-
mente diferentes. Segundo: esses princípios, por se relacionarem
com fatos, podem ser declarados com ousadia, como se fossem
autônomos, tal qual o princípio de que um indivíduo não deve ser
tratado como um meio, mas sempre como um fim.
Se os princípios éticos são baseados no igualitarismo, eles
devem ser objetivos. Se os princípios éticos surgem de uma ideia
igualitária da natureza do homem, eles devem ser generalizáveis,
pois, de acordo com essa ideia, o homem é basicamente um no
sentido definido. É a essa generalização não diferencial que a ex-
pressão é dada no comando para tratar cada homem como um fim
em si mesmo, e não apenas como um meio. Ou seja, o conscien-
cismo filosófico, embora tenha o mesmo princípio básico da ética
que Kant, difere dela ao fundar a ética em uma ideia filosófica da
natureza do homem. É isso que Kant descreve como ética basea-
da na antropologia. Por antropologia, ele quis dizer qualquer es-
tudo da natureza do homem, e proibiu que a ética se baseasse em
tal estudo.
É precisamente isso que o consciencismo filosófico faz.
Também concorda com a perspectiva tradicional africana em
muitos pontos e, portanto, preenche uma das condições que esta-
belece para si mesma. Em particular, concorda com a ideia afri-
cana tradicional da existência absoluta e independente da matéria,
a ideia de seus poderes de movimento próprio no sentido explica-
do, a ideia de conversibilidade categorial e a ideia de fundamen-
tar os princípios básicos da ética na natureza do homem.
O ponto de vista tradicional africano, evidentemente, acei-
ta a ideia de que a matéria é absoluta e independente. Se adota-
mos a filosofia do africano, descobrimos que nela é aceita a exis-
| 438 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

tência absoluta e independente da matéria. Além disso, a matéria


não é apenas peso morto, mas está viva com as forças em tensão.
De fato, para o africano, tudo o que existe, existe como um com-
plexo de forças em tensão. Ao manter a força sob tensão como
essencial para tudo o que existe, ele está, como Tales e como os
consciencistas filosóficos, dotando a matéria com um poder ori-
ginal de automovimento, eles a estavam dotando com o que a ma-
téria precisaria para iniciar mudanças qualitativas e substanciais.
Quando existe uma pluralidade de homens na sociedade, e
é aceito que cada homem precisa ser tratado como um fim em si
mesmo, não apenas como um meio, transparece uma transição da
ética para a política. A política se torna real, pois é preciso criar
instituições para regular o comportamento e as ações da plurali-
dade de homens na sociedade, de maneira a conservar o princípio
ético fundamental da dignidade inicial de cada indivíduo. O cons-
ciencismo filosófico, consequentemente, denuncia uma teoria po-
lítica e uma prática político-social que, juntas, buscam garantir
que os princípios fundamentais da ética sejam eficazes.
A prática político-social visa a impedir o surgimento ou a
solidificação de classes, pois na concepção marxista de estrutura
de classes há exploração e sujeição. Exploração e sujeição de
classe são igualmente contrárias ao consciencismo.
Em razão de seu princípio igualitário, o consciencismo fi-
losófico procura promover o desenvolvimento individual, mas de
tal maneira que as condições para o desenvolvimento de todos se
tornem condições para o desenvolvimento de cada um; isto é, de
maneira que o desenvolvimento individual não introduza diversi-
dades que destruam a base igualitária. A prática político-social
também busca coordenar forças sociais de maneira a mobilizá-las
logisticamente para o máximo desenvolvimento da sociedade,
seguindo verdadeiras linhas igualitárias. Para isso, o desenvolvi-
mento planejado é essencial.
Em seu aspecto político, o consciencismo filosófico se
depara com as realidades do colonialismo, imperialismo, desuni-
ão e falta de desenvolvimento. Singular e coletivamente, os qua-
tro atuam contra a realização de uma justiça social baseada em
ideias de verdadeira igualdade. O primeiro passo é liquidar o co-
lonialismo onde quer que esteja. Em relação à libertação colonial,
afirmei que o objetivo dos governos coloniais é tratar suas colô-
| 439 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nias como produtoras de matérias-primas e, ao mesmo tempo,


como o depósito de lixo dos produtos manufaturados de industri-
ais e capitalistas estrangeiros. Sempre acreditei que a base do co-
lonialismo é econômica, mas a solução do problema colonial está
na ação política, em uma feroz e constante luta pela emancipação
como um primeiro passo indispensável para garantir a indepen-
dência e a integridade econômica.
Eu disse anteriormente que o consciencismo considera a
matéria como um plenum de forças em tensão; e que em seu as-
pecto dialético, considera possível a conversão categorial por
uma disposição crítica da matéria. Isso nos dá uma pista de como
analisar o fato do colonialismo, não apenas na África, mas em
toda parte. Também nos dá uma pista de como derrotá-lo.
Numa situação colonial, há forças que tendem a promover
o colonialismo, a criar os laços políticos que ligam colônia e me-
trópole, para que esta última alcance as vantagens econômicas. O
colonialismo exige esforço, e muito desse esforço é dirigido ao
combate às forças progressistas, que procuram reverter o empre-
endimento opressivo de indivíduos e classes gananciosas, que
impõe sua vontade egoísta dos fortes sobre os fracos.
Assim como a aparência plácida da matéria apenas disfar-
ça a tensão das forças subjacentes, como no arco de Heráclito, em
um território colonial, a oposição entre forças reacionárias e revo-
lucionárias pode dar uma impressão de subjugação e aquiescên-
cia. Porém, assim como uma qualidade pode ser alterada por mu-
danças quantitativas (mensuráveis) de natureza crítica na matéria,
essa impressão aquiescente pode ser obliterada por uma mudança
na relação das forças sociais. Esses conjuntos de forças opostas
são dinâmicos, no sentido em que procuram e tendem a estabele-
cer alguma condição social. Portanto, pode-se referir a eles pelo
nome da ação, a fim de tornar explícita sua natureza dinâmica.
Nesse caso, pode-se dizer que em uma situação colonial podem
ser discernidas ações positivas e negativas. A ação positiva repre-
sentará a soma das forças que buscam justiça social em termos de
destruição da exploração e opressão oligárquica. A ação negativa
representará, correspondentemente, a soma dessas forças que ten-
dem a prolongar a subjugação e a exploração colonial. A ação
positiva é revolucionária e a negativa, reacionária.
Deve-se reconhecer desde o início que os termos introduzi-
| 440 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dos de ação positiva e negativa são abstrações. Mas o terreno para


eles está na realidade social. É bem possível, por meio da análise
estatística, descobrir as maneiras pelas quais a ação positiva e a
ação negativa estão relacionadas. A análise estatística se baseia em
fatos, tais como a produção, a distribuição, a renda etc. Qualquer
análise desse tipo deve revelar uma das três situações possíveis. A
ação positiva pode exceder a negativa, ou a ação negativa pode
exceder a positiva, ou pode se formar um equilíbrio instável.
Em uma situação colonial, a ação negativa supera, sem dú-
vida, a ação positiva. Para que a verdadeira independência seja
conquistada, é necessário que a ação positiva venha a suplantar a
ação negativa. É certo que é possível uma aparência de verdadeira
independência, mesmo sem haver essa relação específica. Quando
isso acontece, dizemos que o neocolonialismo se estabeleceu, pois
o neocolonialismo é um disfarce adotado pela ação negativa, a fim
de dar a impressão de que foi superado pela ação positiva. O neo-
colonialismo é uma ação negativa que se finge de morta.
Para evitar isso, é necessário que uma ação positiva seja
apoiada por um partido de massa e, cuja qualidade política seja
melhorada com a educação e conscientização, com vistas tornar a
aptidão para ação positiva mais elevada. Portanto, podemos dizer
que em um território colonial, a ação positiva deve ser apoiada por
um partido de massa, amparado por instrumentos de educação. Foi
por isso que o Partido Popular da Convenção de Gana desenvolveu
desde cedo sua ala de educação, ala de trabalhadores, ala de agri-
cultores, ala de jovens, ala de mulheres, etc. Dessa maneira, o povo
recebeu educação política constante, sua autoconsciência aumen-
tou e uma autoimagem foi formada excluindo implacavelmente o
colonialismo em todas as suas formas. É também na assistência de
milhões de membros e apoiadores, unidos por um objetivo radical
comum, que o caráter revolucionário do Partido Popular da Con-
venção consiste, e não apenas na pungência de seus programas. O
suporte nacional e das massas tornou possível pensar em termos
realistas a introdução de mudanças de natureza fundamental na
miscelânea social legada do colonialismo.
A democracia parlamentar do povo com um sistema de
partido único é mais capaz de expressar e satisfazer as aspirações
comuns de uma nação como um todo, do que um sistema parla-
mentar de partido múltiplo, que na verdade é apenas um ardil pa-
| 441 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ra perpetuar e encobrir o luta inerente entre os que têm e os que


não têm. Para que um território adquira os atributos nominais da
independência, é claro que não é necessário que a ação positiva
exceda a negativa. Quando um país colonialista vê o avanço da
ação positiva, infalivelmente desenvolverá uma política de con-
tenção, pela qual procura observar esse avanço e limitá-lo. Essa
política geralmente ocorreu por meio de conferências e reformas
constitucionais.
A contenção é, no entanto, aceita pelo país colonialista
apenas como uma segunda opção. O que ele realmente quer é re-
verter a ação positiva. Quando há impossibilidade de reversão dos
efeitos da história, é que ele aplica a política de contenção, que
tenta limitar a realização do progresso, desenvolvendo reformas
frívolas. O país colonialista procura desviar ações positivas para
canais inofensivos a ele.
Para fazer isso, recorre a diversos meios sutis. Tendo
abandonado a violência direta, o país colonialista dá uma orienta-
ção enganosa às forças negativas em seu território. Essas forças
negativas tornam-se o lobo político disfarçado de ovelha, juntam-
se ao clamor pela independência e são aceitas de boa-fé pelo po-
vo. É então que, como uma doença devastadora, eles procuram
infestar por dentro, corrompendo, pervertendo e frustrando as as-
pirações do povo.
O povo, o corpo e a alma da nação, a sanção final das de-
cisões políticas e os herdeiros da soberania, não podem ser enga-
nados por muito tempo. Rapidamente pelo faro, descobrem esses
políticos de duas faces como Jano, que correm com a lebre e ca-
çam com os cães. Afastam-se deles. Uma vez exposto esse sub-
terfúgio colonialista, e os cúmplices correligionários desacredita-
dos, o poder colonial não tem outra opção senão reconhecer a in-
dependência do povo. No seu ato seguinte, no entanto, procura
sem graça neutralizar essa mesma independência, fomentando
descontentamento e desunião; e, finalmente, por meio da ingrati-
dão e da intimidação, tenta deserdar o povo e constituir-se em sua
consciência e sua vontade, senão em sua voz e em seu braço. As
decisões políticas, exatamente como eram antes da conquista da
independência, deixam de ter o bem-estar do povo como referên-
cia, e servem mais uma vez ao bem-estar e à segurança do antigo
poder colonial e à camarilha de políticos egocêntricos.
| 442 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Qualquer tentativa oblíqua de uma potência estrangeira de


frustrar, recusar, corromper ou perverter a verdadeira indepen-
dência de um povo soberano é neocolonialista. É neocolonialista
porque procura, apesar da reconhecida soberania de um povo,
subordinar seus interesses aos de uma potência estrangeira.
Um país colonialista pode de fato oferecer independência
a um povo, não com a intenção que tal ato possa implicar, mas na
esperança de que as forças positivas e progressistas assim apazi-
guem e se acalmem, o povo possa ser explorado com maior sere-
nidade e conforto.
O neocolonialismo é um perigo maior para os países inde-
pendentes do que o colonialismo. O colonialismo é bruto, essen-
cialmente aberto, e pode ser superado por um acordo intencional
de esforço nacional. No neocolonialismo, no entanto, as pessoas
são separadas de seus líderes que, em vez de fornecerem verda-
deira liderança e orientação, informadas pelo ideal de bem-estar
geral, passam a negligenciar as próprias pessoas que os colocam
no poder e, inadvertidamente, e tornam instrumentos de supressão
em nome dos neocolonialistas.
É muito mais fácil para o proverbial camelo passar pelo
olho da agulha, com corcunda e tudo, do que para uma antiga
administração colonial dar conselhos sólidos e honestos de natu-
reza política ao seu território liberado. Permitir que um país es-
trangeiro, especialmente um país repleto de interesses econômi-
cos em nosso continente, nos diga quais decisões políticas tomar,
que curso político seguir, é de fato devolver nossa independência
ao opressor em uma bandeja de prata. Da mesma forma, uma vez
que a motivação do colonialismo, quaisquer que sejam as formas
multiformes que possa assumir, é verdadeiramente econômica, o
próprio colonialismo sendo apenas a instituição de laços políticos
que prendem as colônias a um país colonialista, com o objetivo
principal das vantagens econômicas metropolitanas, é essencial
que um território libertado não deva vincular sua economia à dos
governantes expulsos. A libertação de um povo institui princípios
que determinam o reconhecimento e a destruição da dominação
imperialista, seja ela política, econômica, social ou cultural. Para
destruir a dominação imperialista nessas formas, a ação política,
econômica, social e cultural deve sempre ter referência às neces-
sidades e à natureza do território liberado, e é dessas necessidades
| 443 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

e natureza que a ação busca autenticidade. A menos que essa au-


torreferência seja mantida religiosamente, um território liberado
acolherá de braços abertos o próprio inimigo que procurou des-
truir à custa de um sofrimento terrível. O verdadeiro bem-estar de
um povo não admite acordo. Se comprometermos o verdadeiro
interesse de nosso povo, um dia o povo deverá nos julgar, pois é
com seu esforço e seu sacrifício, com sua tolerância e negação,
que a independência é conquistada. Uma vez conquistada, é pos-
sível governar contra o antigo poder colonial, mas não é realmen-
te possível governar contra o desejo e o interesse do povo.
As pessoas são a espinha dorsal da ação positiva. É pelo
esforço do povo que o colonialismo é derrotado, é pelo suor da
testa do povo que as nações são construídas. As pessoas são a
realidade da grandeza nacional. São as pessoas que sofrem as de-
predações e indignidades do colonialismo, e as pessoas não de-
vem ser insultadas por flertes perigosos com o neocolonialismo.
Existe uma lei fundamental da evolução da matéria para
formas superiores. Essa evolução é dialética. E é também a lei fun-
damental da sociedade. É da tensão que o ser nasce. Tornar-se é
uma tensão, e ser é o filho dessa tensão de forças e tendências
opostas. Assim como no universo físico, já que o objeto em movi-
mento é sempre marcado por forças externas, qualquer movimento
é de fato um resultado; assim, na sociedade todo desenvolvimento,
todo movimento progressivo é resultado de forças desarmônicas, o
triunfo de ação positiva sobre a negativa. Esse triunfo deve ser
acompanhado de conhecimento. Pois, da mesma forma que o pro-
cesso de evolução natural pode ser auxiliado pela intervenção hu-
mana baseada no conhecimento, a evolução social pode ser auxili-
ada pela intervenção política baseada no conhecimento das leis do
desenvolvimento social. A ação política que visa acelerar a evolu-
ção social é como um catalisador. A necessidade desse catalisador
é criada pelo fato de que a evolução natural é sempre um desperdí-
cio. Ocorre às custas de maciça perda de vidas e angústia extrema.
A evolução acelerada pelo conhecimento científico é mais rápida e
representa uma economia de material. Do mesmo modo, a catálise
que a ação política introduz na evolução social representa uma
economia de tempo, vida e talento.
Sem ação positiva, um território colonial não pode ser
verdadeiramente libertado. Está fadado a rastejar no seu ritmo
| 444 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

insignificante todos os dias em direção à conquista de uma falsa


independência que se transforma em pó, independência que é
atravessada de ponta a ponta pelo supremo interesse de um po-
der estrangeiro. Para alcançar a verdadeira libertação, a ação
positiva deve começar com uma análise objetiva da situação que
ela procura mudar. Eu tentei fazer essa análise no meu Rumo à
libertação colonial. A ação positiva deve, além disso, buscar um
alinhamento de todas as forças do progresso e, organizando-as,
confrontar as forças negativas. Ao mesmo tempo, deve antecipar
e conter suas próprias contradições internas, pois, embora a ação
positiva una as forças de uma situação que, em relação a um ob-
jetivo específico, sejam progressistas, muitas dessas forças con-
terão tendências que são, em outros aspectos, reacionárias.
Portanto, quando a ação positiva recorre a um alinha-
mento de forças, ela cria, em si mesma, costuras nas quais esse
alinhamento pode se desfazer. É essencial que a ação positiva,
em sua evolução dialética, antecipe essa desintegração seminal e
descubra uma forma de conter as tendências cismáticas futuras,
uma forma de cortar a fragmentação à medida que o colonialis-
mo começa a titubear e cambalear sob o ataque frontal da ação
positiva.
Mas mesmo com o colonialismo prejudicado, a ação po-
sitiva não pode ceder, pois é nessa época que as tendências cis-
máticas referidas se amadurecem. Além disso, a independência
política, embora valha a pena em si mesma, ainda é apenas um
meio para a redenção e realização mais completas de um povo.
Quando a independência é conquistada, a ação positiva exige
uma nova orientação, afastando-se da pura destruição do coloni-
alismo e em direção à reconstrução nacional.
É de fato neste discurso da reconstrução nacional que a
ação positiva enfrenta seus perigos mais graves. A bajulação, as
lisonjas, as seduções e os cavalos de Troia do neocolonialismo
devem ser fortemente resistidos, pois o neocolonialismo é uma
harpia moderna, um monstro que atrai suas vítimas com doce
música. Para poder levar a cabo esta resistência ao neocolonia-
lismo em todos os pontos, a ação positiva precisa estar armada
com uma ideologia, uma que, vitalizando-a e operando através
de um partido de massas, deve dotá-la de uma concepção rege-
neradora do mundo e da vida, forje para ela um vínculo forte e
| 445 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

contínuo com nosso passado e ofereça-lhe um vínculo seguro


com nosso futuro. Sob o holofote de uma ideologia, todos os
fatos que afetam a vida de um povo podem ser avaliados e jul-
gados, e as aspirações prejudiciais e prestidigitações do neoco-
lonialismo ficarão constantemente expostas.
Para que esta ideologia seja abrangente, para que ilumine
todos os aspectos da vida do nosso povo, para que afete o inte-
resse total da nossa sociedade, estabelecendo uma continuidade
com o nosso passado, deve ser socialista na forma e, no conteú-
do, abraçada por um partido de massa.
No entanto, o socialismo na África hoje tende a perder
seu conteúdo objetivo em favor de uma terminologia perturba-
dora e em favor de uma confusão geral. A discussão centra-se
mais nos vários tipos concebíveis de socialismo do que na ne-
cessidade de desenvolvimento socialista. É certamente necessá-
rio mais do que uma mera reação contra uma política de domi-
nação. Independência é do povo; é conquistada pelo povo para o
povo. Que independência é do povo é algo admitido por toda
teoria da soberania. O fato de ser conquistada pelo povo deve
reconhecer o sucesso dos movimentos de massa em todos os lu-
gares. O fato de ser conquistado pelo povo decorre da posse da
soberania. O povo não dominou sua independência até que ela
recebesse um conteúdo e um propósito nacional e social que ge-
rassem seu bem-estar e elevação.
O socialismo de um território liberado está sujeito a vá-
rios princípios para que a independência não seja alienada do
povo. Quando o socialismo é fiel a seu propósito, ele busca uma
conexão com o passado igualitário e humanista do povo de antes
de sua evolução social ter sido devastada pelo colonialismo;
busca a partir dos resultados do colonialismo os elementos (co-
mo novos métodos de produção industrial e organização econô-
mica) que podem ser adaptados para servir ao interesse do povo;
procura conter e impedir a propagação dessas anomalias e inte-
resses dominadores criados pelo hábito capitalista do colonia-
lismo; recupera a psicologia do povo, apagando dela a “mentali-
dade colonial”; e defende resolutamente a independência e a se-
gurança do povo.
Em suma, o socialismo reconhece a dialética, a possibili-
dade de criação a partir de forças que se opõem; reconhece a
| 446 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

criatividade da luta e, de fato, a necessidade da operação de for-


ças para qualquer mudança. Também abraça o materialismo e
traduz isso em termos sociais de igualdade.
| 447 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

CAPÍTULO 5
Definindo os Termos Teóricos

Tão alerta pode ser a ação positiva, alerta a todas as possi-


bilidades negativas, e alerta, sob a orientação de uma ideologia,
para lidar com essas possibilidades, para que o curso da ação po-
sitiva possa ser mapeado em termos teóricos definidos. Para isso,
um número mínimo dos símbolos iniciais é necessário.

Pa Representa a ação positiva de um indivíduo.


Na Representa a ação negativa de um indivíduo
Pa Representa a ação positiva de uma sociedade.
Na Representa a ação negativa de uma sociedade.
> Representa maior que
< Representa menor que
g Representa um território
(na>pa)g Representa um território em que a ação negativa é
maior que a ação positiva.
(pa>na)g Representa um território em que a ação positiva é
maior que a ação negativa
col,g Representa que g é uma colônia
lib.g Representa que g é liberado
(na) Representa para todos na
(pa) Representa para todos pa
(g) Representa para todos g
Ǝ Representa existe um
Gi Representa um território liberado
→ Representa se então
←→ Representa se e somente se
Representa o momento dialético em geral. Define
| 448 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

D um fator que altera a relação entre pa e na, conver-


tendo pa maior que na para na maior que pa ou vi-
ce-versa
D Representa uma medida do momento dialético con-
forme definido acima
↗ Representa no aumento
↘ Representa na diminuição
M Representa materialismo filosófico
C Representa consciencismo filosófico em geral
Cg Representa consciencismo filosófico elaborado pe-
las condições de g experiência e consciência de seu
povo
0 Representa Zero
Lm Representa limite de
Ɛ Representa uma quantidade desprezível
UGi Representa Gi é unido
+ Representa em Conjunto com
P Representa índice de Desenvolvimento
= Representa Igual a
Ф Representa a relação de forças necessárias para o
desenvolvimento
Σ Representa a soma de
S Representa socialismo em geral
Sg Representa socialismo em condição g
 Representa uma zona ideal para o desenvolvimento
S Representa socialismo em condição de ᴽ

Eu disse que uma colônia é qualquer território em que os


interesses do povo sejam alienados e submetidos aos de um grupo
distinto do próprio território. Segue-se que uma colônia pode ser
subjugada externa ou internamente. Quando o interesse do povo
está sujeito aos de um grupo fora do próprio território, diz-se que
está subjugado externamente. Quando os interesses estão sujeitos
aos de uma classe, no sentido marxista, no próprio território, diz-
se que está subjugado internamente. A União da África do Sul
seria um exemplo de colônia submetida internamente. É óbvio
que essa colônia goza dos atributos legais da independência.
| 449 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Colônia é um termo econômico-político, não legal. É pos-


sível que o mesmo território seja subjugado interna e externamen-
te. A Rodésia do Sul é uma colônia. Em ambos tipos de colônia,
no entanto, a ação negativa é essencialmente maior que a positi-
va. Consequentemente, a representação simbólica de um território
g, que é uma colônia, é:

(i) col.g. ←→ (na>pa)g

Uma vez que, de acordo com o consciencismo filosófico,


ao abraçar o materialismo dialético filosófico, uma mudança só
pode resultar de uma operação de forças, para libertar uma colô-
nia é preciso ser introduzido um momento dialético em (tta> pa)
g para transformá-lo em (pa> na) g. Portanto, um território libe-
rado surge sob a condição:

(ii) lib.g ←→ [D(na>pa)g → (pa>na)g]

Nesta fórmula, também é dito que o momento dialético


deve ser suficiente para a transformação de (na>pa) em (pa>na).
E como a intenção desse momento dialético é produzir a relação
(pa>na), surge outra fórmula:

(iii) D(na>pa) → pa + na

O


Desde que D(na>pa)→ pa + na há sempre um momento di-
alético ↘
O

Momento de tal modo que

(iv) d(na>pa)g→ (pa>na)g

Isso em sua forma geral é:

(v) (pa)(na)(g) Ǝ d[d(na>pa)g → (pa>na)g]


| 450 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Para nos dar um teorema da existência. Mas, igualmente,


o seguinte é obtido:

(vi) D(pa>na) → na + pa

O

Por isso, há sempre um momento dialético tal que:

(vii) d(pa>na)g → (na>pa)g

Por sua vez, isso pode ser universalizado como:

(viii) (pa)(na)(g) Ǝ d[d(pa>na)g → (na>pa)g]

Ou seja, em qualquer território, a libertação pode ser con-


quistada (v) ou perdida (viii).
É por isso que todo território libertado deve continuar au-
mentando sua ação positiva se quiser permanecer livre. Em parti-
cular, a fim de impedir o neocolonialismo, a ação positiva deve
ser mantida em preponderância sobre a ação negativa. Por instan-
ciação sucessiva, obtemos as seguintes deduções:

(pa)(na)(g) Ǝ d[d(na> pa)g → (pa>na)g]


(na)(g) Ǝ d[d(na> pa)g → (pa> na)g]
(g) Ǝ d [d(na> pa)g → (pa>na)g]
Ǝ d[d(na> pa)g →(pa>na)g]

Será observado a partir da fórmula (iii) segundo a qual



D{na> pa) → pa/ + n

O

que a diminuição da ação negativa garantida pela introdu-


ção de um momento dialético em (na> pa) se aproxima de zero.
Mas nem mesmo no limite (na)\0 chega a zero, pois de acordo
com o consciencismo filosófico, toda situação é um plenum de
| 451 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

forças em tensão. Portanto, a ação negativa não pode desaparecer


completamente, mas pode se tornar apenas uma quantidade des-
prezível.
Por isso, coloco como

(ix) Lm D(na>pa) → pa + Ɛ na

As fórmulas acima estão sujeitas a uma regra de substitui-


ção, que nos permite substituir constantes em variáveis, e uma
regra de desligamento que nos permite, concedido um anteceden-
te, afirmar uma consequência. Assim, se b é o nome de uma co-
lônia, podemos obter a seguinte derivação:

col g ←→ (na> pa)g ... (i)


col b←→ (na> pa)b ... regra de substituição.

Por essa regra, a condição geral de uma colônia é aplicada


a toda colônia individual. Novamente, podemos obter a seguinte
derivação:

(pa)(na)(g) Ǝ d[d(na>pa)g → (pa>na)g] ... a


(pa)(na) Ǝ d [d(na> pa)g → (pa> na)g] ... b
(na) Ǝ d[d(na> pa)g → (pa> tla)g] ... c
Ǝ d[d(na>pa)g → (pa>na)g] ... d
d(na>pa)g → (pa>na)g ... e
d(na>pa)g ... f
. . (pa> na) regra de desapego ..g.

Essa derivação, de acordo com regras análogas às de cál-


culo predicado, mostra que se um combatente da liberdade pode
introduzir um momento dialético suficiente (na> pa) g aumentan-
do a ação positiva, ele pode ter certeza da conquista da indepen-
dência. Alternativamente,

(pa)(na)(g) Ǝ d [d(na>pa)g → (pa> na)g] ........ (a)


lib.g ←→ D(na>pa)g → (pa>na)g ... (ii)... (b)
.'. [D(na> pa)g → (pa> na)g] → lib.g . . . . .. (c)

de (ii), (iii), (iv) , (c)


| 452 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

[d(na>pa)g → (pa>na)g] -→ lib.g ... (d)


mas de (a) (na)(g) Ǝ d [d(na>pa)g → (pa>na)g]. (e)
mas de (e) (g) Ǝ d [d(na>pa)g→ (pa>na)g] . (f)
mas de (f) Ǝ d [d(na>pa)g-→ (pa>na)g] .(g)
mas de (g) d(na>pa)g → (pa>na)g . (h)
. .. . de (d) e (h) lib.g.

Mas a independência não traz automaticamente a unidade


de propósito necessária para mantê-la. De fato, uma reação pode-
ria rapidamente ocorrer, pois assim como um território libertado
pode ser produzido pela aplicação de D (na> pa), um território
neocolonizado pode ser produzido pela aplicação de D (pa> na).
Ações positivas adicionais e sustentadas são necessárias para
consolidar a independência e elevar um território livre ao nível de
uma nação unida. Consequentemente,

(x) UGi ←→ (pa/ + na)

O Gi

Em um território recém-independente, embora a unidade


possa ser produzida por esse aumento da ação positiva sobre a
negativa, essa unidade não estará necessariamente segura contra
os estragos da ação negativa. Pelo contrário, forças reacionárias
lançam seu aríete no coração de suas fundações. Para conter e
reverter esse avanço da reação, é necessária uma união de territó-
rios libertados. Deixe Gi a Gk representar territórios libertos em
uma zona geográfica; então, uma união de Gi a Gk, designada
como UGi ... k é necessária para manter essa unidade e preservar
a independência. Para produzir unidade em uma zona de territó-
rios libertos, Gi a Gk, é necessário aumentar nelas ações positivas
em conjunto. Consequentemente,


(xi) UG I...K ←→ (pa + na)

O G I...K
| 453 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Mas uma distinção qualitativa precisa ser introduzida na


fórmula (xi). Infelizmente, uma união de territórios libertos pode-
ria ser formada para fins reacionários e para ajudar e favorecer os
interesses neocolonialistas. Portanto, a união progressiva dos ter-
ritórios libertos, por exemplo, uma união dos Estados africanos,
pode estar melhor representada como:

(xii)U G I...k←→ (pa+na)

O G I...k

Ou, mais analiticamente:


↗ ↗
(xiii)Upa Gi ... k ←→ [(pa +na) + (pa + na) + ...

O GI O G2

↗ ↗
... + (pa/ + na) + (pa/ + na) Gk]
↘ ↘
O G k...I O
KI
Vimos que, para propósitos de verdadeiro desenvolvimen-
to, um território liberto deve abraçar o consciencismo filosófico.
Em seu aspecto materialista, o consciencismo filosófico preserva
um igualitarismo humanista. O materialismo filosófico que faz
parte do consciencismo acomoda a dialética e a considera a causa
eficiente de toda mudança. Para que o desenvolvimento não seja
torto, o consciencismo filosófico insiste que devem ser levadas
em consideração as condições materiais do território envolvido,
assim como a experiência e a consciência das pessoas cuja reden-
ção é buscada. Um povo só pode ser redimido se levantando pe-
los cordões de suas botas. Nestas circunstâncias, o desenvolvi-
mento deve ser socialista. É apenas um esquema socialista de de-
senvolvimento que pode garantir que a sociedade seja resgatada,
que o bem-estar geral seja honestamente perseguido, que a auto-
| 454 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nomia repouse na sociedade como um todo e não em parte, que a


experiência e a consciência do povo não sejam devastadas, des-
truídas e estupradas. É apenas um esquema socialista de desen-
volvimento que pode encontrar a objetividade apaixonada do
consciencismo filosófico. Podemos simbolizar a relação de forças
necessárias para o desenvolvimento como <p. Nesse caso, obte-
mos uma fórmula:

(xiv) Ф ←→ m + C + D,

de modo que Ф é garantido apenas na presença de materi-


alismo filosófico, dialético e consciencismo. Ver-se-á imediata-
mente que essa fórmula contém uma redundância, pois m faz par-
te de C e, portanto, é uma crença em D. Essa formulação redun-
dante tem, no entanto, um aspecto psicológico que é valioso ao
fazer a necessidade de m e D explícita e inconfundível.
Argumentei que a condição para o desenvolvimento ideal,
que deve ser humanista, é totalmente socialista. Se fizermos S
representar o socialismo, podemos obter uma fórmula analítica da
seguinte maneira:

(xv) S←→ Ф+ UGi

Esta curta fórmula resume várias verdades importantes, a


saber, que existe socialismo se e somente se houver a presença
conjunta de materialismo filosófico, consciencismo filosófico,
unidade dialética e nacional, em um território liberto. É essencial
que o socialismo inclua uma consideração superior à experiência
e à consciência de um povo, pois, se não o fizer, estará servindo a
uma ideia e não a um povo. Isso irá gerar uma contradição. Se
tornará dogmático. Abandonará sua base materialista e realista.
Se tornará fanatismo, obscurantismo, um alienador da felicidade
humana. Quando falamos de socialismo na África, portanto, re-
almente pretendemos incluir como parte do socialismo o aspecto
primordial de nossas condições materiais reais, o aspecto primor-
dial de nossa experiência e consciência. Apropriadamente, por-
tanto, surge uma fórmula geral assim:

(xvi) S ←→ m+ C+ D+ UGi
| 455 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Aqui m é uma constante, pois as teses do materialismo fi-


losófico são constantes. C, no entanto, representa o consciencis-
mo filosófico em geral, e não o conteúdo real que ele deveria ter
em um território, para prestar atenção às condições materiais lo-
cais e à experiência e consciência de seu povo. D também repre-
senta um momento dialético em geral, mas a forma e o conteúdo
reais desse momento dependem da situação que ele procura mu-
dar e dos recursos que, em um caso particular, possui para provo-
car a mudança desejável. D é, portanto, uma variável. UGi, por
ser uma ação de d, pa e na, também é uma variável, porque de-
pendente. É a natureza variável dos parâmetros da fórmula (xv)
que determina sua generalidade.
Mas a fórmula, ao mesmo tempo, é devida ao modo que
deve assumir em qualquer território em particular, g. Resulta:

(xvii) Sg ←→ m + cg + d + U lib.g

e para uma zona ideal ᴽ, tem a forma:

(xviii) S oc ←→ m +c oc + d + U lib. 

Se b for o nome de um território específico, obteremos:

(xix) Sb ←→ m + cb + d + U lib.b.

Portanto, para que o socialismo seja aplicável em um país,


o país deve ser livre; deve gozar de unidade; deve abraçar o mate-
rialismo filosófico; deve ter um consciência filosófica específica,
mantendo sua natureza geral em comum, mas expressando sua
individualidade através das condições materiais reais do território
para o qual foi formulado, e através da experiência e consciência
do povo daquele território; deve aplicar momentos dialéticos
apropriados e adequados, expressos através de ações positivas,
exercidos através de um partido de massa.
Para liberar um território, um aumento da ação positiva
sobre a ação negativa deve ser obtido pela introdução de um mo-
mento dialético. Esse momento dialético pode ser introduzido
unindo as forças da ação positiva em um partido político de mas-
| 456 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sa, educando o povo, explicando-lhes a natureza maligna do co-


lonialismo, ou seja, analisando sua experiência e lhes dando uma
maior consciência desta experiência através das secções operá-
rias, camponesas, juvenis, femininas, jornais e outros instrumen-
tos de organização partidária. Para unir o território liberto, o par-
tido político de massa deve se desenvolver ao tamanho de um
movimento popular. As políticas de desenvolvimento precisam
então concordar com as teses do materialismo filosófico, e devem
estar sujeitas ao consciencismo filosófico, mostrando uma sensi-
bilidade às condições materiais e à experiência do povo.
A forma analítica de (xvi) - (xix) revela que o socialismo
não pode ser dogmático em suas disposições específicas, pois con-
tém elementos constantes e variáveis. Em princípio, o socialismo
permanece o mesmo e puro; na aplicação, é realista e científico.
Cuidado é extremamente necessário aqui. Um neocolonia-
lismo inteligente e inescrupuloso pode perverter e corromper esse
aspecto relativista do socialismo específico e usá-lo de fato para
recolonizar um povo. É essencial que o socialismo, em sua forma
específica, seja justificado em todos os momentos e em todos os
níveis apenas por referência a princípios gerais socialistas. O so-
cialismo específico só pode ser uma instanciação da fórmula ge-
ral. Portanto, o povo não deve ser traído sob o pretexto de relaci-
onar o socialismo às suas condições reais.
Neste ponto, darei mais esclarecimentos ao conceito de
ação positiva. Eu já apontei que a ação positiva como uma ala-
vanca para a independência está relacionada a um partido de mas-
sa e à educação política, unidade de propósito e ação que ele pode
transmitir ao povo. A ação positiva como quantidade pode, por-
tanto, variar com o povo, seu grau de consciência e seu grau de
mobilização para o progresso. O povo, no entanto, não é consci-
ente ou mobilizado à revelia da consciência e mobilização dos
indivíduos. Portanto, pa pode ser considerado a soma da ação po-
sitiva, Pa, contida em indivíduos associados a uma organização
de massa. Portanto,

(xx) pa = Pa1 + Pa2 + ... + Pa K—I+ Pak K = ΣPa I...k


KI
| 457 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Da mesma forma, na representa a soma da ação negativa,


Na, dos indivíduos em uma sociedade na medida em que é orga-
nizada e articulada. Consequentemente,

(xxi) na = Na1 + Na2 + ... + NaK—I + NaK = Σ NaI...k


KI
Assim, pa e na são revelados como funções.
Como todos os passos dados em direção a um desenvol-
vimento genuíno de um território liberto envolvem uma relação
de ação positiva com ação negativa, o índice de desenvolvimento,
p, pode ser definido assim: k...I
KI
pa
(xxii) P= pa
na

Como na nunca desaparece completamente, por mais que


se aproxime de 0, p nunca pode se tornar infinito, mas em seu
pico tem a seguinte equivalência:

pa
(xxiii) P= pa
Ɛna

P é, portanto, assintótico em relação à infinidade no seu


pico. Isso é incrementado aumentando pa e diminuindo na. Na
prática, no entanto, na nunca é insignificante e t nunca é atingido.
Mas, embora nunca seja alcançado, o índice de desenvolvimento
pode aumentar à medida que pa aumenta e na diminui. Se é isso
que é requerido de acordo com a equação para o índice de desen-
volvimento, então pode ser assegurado pela mesma alavancagem
que gera

... + (pa/ + na)

O
A intensificação do momento dialético que produz indepen-
dência aumentará o índice de desenvolvimento. Uma ação positiva
maior emerge, portanto, como a chave do desenvolvimento ao longo
| 458 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

das linhas socialistas. Ou seja, para o desenvolvimento socialista, a


consciência socialista do povo deve ser aprimorada por meio da
educação e da atividade partidária. As forças da ação positiva, polí-
tica, econômica e cultural, precisam ser mobilizadas e aperfeiçoadas
para o progresso.
Isso requer um aumento no número de pessoas que contri-
buem para ações positivas e uma melhoria na qualidade de sua
contribuição. Isso requer um maior espaço oc, alcançado através
da unidade positiva, conforme definido na fórmula (xiii), e cria
uma zona ideal de desenvolvimento autoinduzido.
Neste ponto, gostaria de voltar a uma característica geral do
consciencismo filosófico. O consciencismo filosófico é uma filosofia
geral que admite ser aplicada a qualquer país. Mas é especialmente
aplicável a colônias e países recém-independentes e em desenvolvi-
mento. No caso da África, por meio dos métodos teóricos anteriores,
estabelece-se a necessidade de uma união de Estados africanos inde-
pendentes, uma união integrada pelo socialismo, sem a qual nossa
independência conquistada a duras penas pode ainda ser pervertida e
negada por um novo colonialismo.
| 459 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Kwame Nkrumah

Luta de Classes na África

São Paulo. 1ª edição. 2022.


| 460 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 461 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Luta de Classes na África


•••

Introdução
Devido à diversidade existente em África de condições
políticas, sociais e econômicas, não é tarefa fácil generalizar em
termos políticos e socioeconômicos. Encontram-se ainda vestí-
gios em um estágio comunitário e feudal e, em determinadas re-
giões do continente, o modo de vida tradicional se modificou
muito pouco. Por outro lado, houve regiões que atingiram um ní-
vel elevado de industrialização e urbanização. No entanto, apesar
da diversidade socioeconômica e política, é possível distinguir
determinados problemas e situações que parecem comuns aos Es-
tados africanos, derivados de um passado tradicional, aspirações
comuns e experiência compartilhada sob o domínio do imperia-
lismo, colonialismo e neocolonialismo.
Não há nenhuma parte do continente que não tenha co-
nhecido a opressão e exploração e que não esteja implicada no
processo da revolução africana. Por todo lado torna-se cada vez
mais evidente a unidade de propósitos dos povos de África, e não
há nenhum dirigente que, para manter seu poder, não pretenda ao
menos ter aderido à causa dos objetivos revolucionários de liber-
tação, unificação e socialismo. Assim, chegou a altura e passar à
fase decisiva do processo revolucionário, na qual a luta armada
que há pouco começou deve ser agora intensificada e coordenada
a níveis estratégicos e táticos. Ao mesmo tempo, é preciso atacar
com determinação a minoria reacionária, fortemente entrinchei-
rada entre nossos povos. Porque a sucessão de golpes de Estado
reacionários, perpetrados na África ocidental e central, e a eclo-
são de guerras civis demonstram claramente a importância e a
| 462 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

natureza da luta de classes na África e a relação existente entre os


interesses do neocolonialismo e os da burguesia local. A luta de
classes está no cerne do problema. Os comentadores políticos e
sociais tiraram durante demasiado tempo conclusões erradas, pos-
tulando que a África constituía uma entidade distinta, a qual não
se aplicavam os critérios econômicos e políticos válidos para o
resto do Mundo. Espalharam-se mitos tais como os do “socialis-
mo africano” e do “socialismo pragmático”, sugerindo a existên-
cia de uma ou mais variedades de socialismo exclusivamente
africano; e quanto a nossa história, escreveram-se teorias socioan-
tropológicas e históricas, em termos que pareciam ignorar que a
África teve um passado histórico pré-colonial. Uma destas distor-
ções sugeria que a luta de classes, existente noutras partes do
Mundo, não se verificava em África. Nada está mais longe da
verdade. A África é atualmente o cenário de uma violenta luta de
classes.
Basta olharmos à nossa volta. Como por toda a parte, tra-
ta-se fundamentalmente duma luta entre opressores e oprimidos.
A revolução africana é parte integrante da revolução socialista
mundial, e da mesma forma como a luta de classes é base do pro-
cesso revolucionário mundial, está também na base da luta dos
operários e camponeses de África. Durante o período precedente
à independência, as divisões de classe foram momentaneamente
esquecidas, período esse em que parecia existir unidade nacional
e todas as classes se ligaram com o objetivo de expulsar o poder
colonial. Foi esta época que inspirou a tese segundo a qual a
África não conhecia divisões sociais e não havia luta de classes
numa sociedade tradicional africana comunitária e igualitária. Es-
ta teoria provou-se falsa. A independência fez emergir de novo,
por vezes até com maior intensidade, as divisões sociais, tempo-
rariamente esquecidas na luta pela liberdade política, sobretudo
nos Estados recentemente independentes de tendência socialista.
Porque a burguesia africana, classe que se desenvolveu
sob o colonialismo, é a mesma classe que beneficia, depois da
independência, do neocolonialismo. O seu interesse reside na
manutenção das estruturas socioeconômicas. A sua aliança com o
neocolonialismo e o capital financeiro monopolista internacional
coloca-a em conflito direto com as massas africanas, cujas aspira-
ções só serão realizadas num socialismo científico. Ainda que
| 463 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

numérica, financeira e politicamente inferior à burguesia dos paí-


ses superindustrializados, a burguesia africana dá a impressão de
ser uma força econômica devido à sua estreita ligação com os in-
teresses capitalistas financeiros e comerciais das potências es-
trangeiras. São numerosos os membros da burguesia africana que,
sendo empregados em firmas estrangeiras, têm um interesse dire-
to na manutenção da exploração econômica de África pelas po-
tências estrangeiras. Outros, ocupando postos na função pública,
em sociedades mineiras, empresas, exército, polícia e nas profis-
sões liberais, reclamam-se do capitalismo devido à sua origem de
classe, à sua educação no estrangeiro e à sua posição privilegiada.
Esses veneram as instituições e organizações do mundo capitalis-
ta e copiam os seus antigos mestres coloniais, de quem estão bem
decididos a preservar o estatuto e o poder que herdaram.

Minoria Privilegiada E Massas Oprimidas Durante As Épocas


Colonial E Neocolonial

Colonialismo

classes
privilegiadas
burguesia classes
burocrática, quadros oprimidas
do exército e da operários,
polícia, intelligentsia, camponeses,
profissões liberais, pequenos
compradores”, etc. proprietários,
pequenos
comerciantes

Neocolonialismo

A África possui, assim, um núcleo central de burguesia,


pouco diferente do dos colonizadores pelas posições privilegiadas
que ocupa, e que constitui uma minoria egoísta, interesseira, rea-
cionária, entre vastas massas exploradas e oprimidas.
A despeito do seu aparente poder, que repousa no apoio
que recebe do neocolonialismo e do imperialismo, esta burguesia
é extremamente vulnerável. Basta que este elo vital seja rompido
| 464 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

para que perca suas posições privilegiadas. E perante a tomada de


consciência da luta de classes na África e o levante crescente das
massas operárias e camponesas, a burguesia africana e seus acóli-
tos disfarçados, neocolonialistas e imperialistas, vacilam.

Origens das classes na África


Com uma superfície total de 20 milhões de km² e uma po-
pulação avaliada em 500 milhões, a África e suas ilhas poderiam
facilmente englobar a Índia, a Europa, o Japão, as Ilhas Britâni-
cas, a Escandinávia e a Nova Zelândia. Os Estados Unidos cabe-
riam facilmente no deserto do Saara. Geograficamente, a África
apresenta-se como uma massa compacta que por seus recursos
naturais é potencialmente o continente mais rico do Mundo. Mui-
to antes do começo da era colonial, a África, cujo desenvolvimen-
to econômico é desigual, possuía sistemas políticos muito com-
plexos. É neste mundo africano, a que chamam subdesenvolvido,
na Ásia e na América Latina que a luta de classes e o combate
contra a exploração do homem pelo homem passaram ao estágio
decisivo, irreversível, do processo revolucionário.
Não seria inexato afirmar que a consciência política das
massas africanas nasceu, de certo modo, das estruturas socioeco-
nômicas tradicionais. Por exemplo, a sociedade de tipo comunitá-
rio, a terra e os meios de produção pertenciam à comunidade. Era
a época da propriedade pública. O trabalho era não apenas uma
necessidade, mas também um hábito. Quem quer que alugasse
uma parcela de terra para uso pessoal não era livre de fazer o que
lhe apetecesse com ela, porque, na realidade, a terra pertencia à
comunidade.
Os chefes estavam submetidos ao rigoroso controle dos
conselheiros e podiam ser demitidos. Sabe-se de cinco grandes
tipos de relações de produção: o comunismo primitivo, o escra-
vismo, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo.
Este último conduz ao comunismo.
A luta de classes é o resultado do surgimento da proprie-
dade privada e do declínio da sociedade de tipo comunitário, em
proveito das sociedades escravagista e feudal.
De modo geral, os povos africanos passaram, no começo
da era colonial, a um estádio superior de sociedade comunitária
caracterizado, por um lado, pela dissolução da democracia tribal
| 465 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

e, por outro, pelo nascimento de relações feudais e de sistemas


hereditários tribais e monárquicos. Sob o impulso do imperialis-
mo e do colonialismo, as estruturas socioeconômicas deste tipo
de sociedade dissolveram-se logo após a introdução de culturas
de exportação, tais como o cacau e o café. As economias das co-
lônias ligaram-se estreitamente aos mercados do mundo capitalis-
ta. Com o capitalismo e o individualismo, tendências para a pro-
priedade privada desenvolveram-se. Pouco a pouco, a sociedade
comunitária primitiva desintegrou-se, e isto foi o declínio do espí-
rito coletivo. Assistiu-se a partir daí a uma expansão da explora-
ção agrícola privada e da pequena produção.
Os europeus não tiveram dificuldade nenhuma em se
apropriarem das terras que eram bens públicos. Assim, no Ma-
lawi, mais de 16% das terras foram apropriadas e aproximada-
mente 3/4 estavam sob controle de onze grandes sociedades.
Quando a terra era apropriada pelos colonos, os “proprie-
tários” africanos tornavam-se, em alguns casos, rendeiros ou lo-
catários, mas somente em terras que os colonizadores julgavam
pouco rentáveis para si. Estes últimos recebiam do Governo Bri-
tânico, por meio dos consulados, títulos de propriedade. E qual-
quer terra que não pertencesse a ninguém em particular era decla-
rada “propriedade da Coroa”. Isto repetia-se em outras partes da
África colonizada.
O colonialismo aboliu a propriedade comunal em proveito
da propriedade privada. O “sistema de governo indireto” fez dos
chefes nativos instrumentos e, muitas vezes, agentes do poder
colonial. A alienação da terra e dos seus recursos naturais, ou se-
ja, dos meios de produção, provocou o surgimento de dois setores
econômicos: os setores africano e europeu, sendo o primeiro
submetido à exploração do segundo. A agricultura de subsistência
desapareceu pouco a pouco e os africanos viram-se obrigados a
oferecer seus serviços aos colonialistas, que capitalizaram os pro-
veitos que daí retiraram. Foi nestas condições que surgiu a luta de
classes, que era também uma luta de raças. Com o desenvolvi-
mento da produção de mercadorias destinadas à exportação, as
economias de monocultura tornaram-se dependentes do capita-
lismo estrangeiro. As colônias tornaram-se centros de investimen-
to e exploração.
| 466 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Capitalismo tornou-se sinônimo de colonização. Ao mes-


mo tempo, o desenvolvimento da iniciativa privada, junto a ex-
pansão da administração colonial, fez nascer uma pequena bur-
guesia primeiramente, depois uma burguesia urbana, composta
por burocratas, intelectuais reacionários, comerciantes, que se
ligaram cada vez mais a estruturas socioeconômicas coloniais.
A fim de facilitar a exploração, os colonialistas impediram
todo o progresso social e cultural nas colônias. Restauraram e
preservaram formas arcaicas de relações sociais e, em seguida,
introduziram modos de produção e relações sociais capitalistas.
Com o objetivo de reforçar a autoridade dos administradores co-
loniais, os conflitos tribais foram por vezes deliberadamente en-
corajados. Sempre no interesse do capitalismo, foram empreendi-
dos certos desenvolvimentos econômicos no domínio das indús-
trias extrativas, das plantações e das explorações agrícolas de tipo
capitalista, da construção de portos, de estradas e de ferrovias.
Como resultado disto, produziram-se profundas mudanças soci-
ais. O aparecimento de um proletariado rural e urbano provocou o
declínio do feudalismo e do semifeudalismo. Nesta mesma altura
verificou-se o surgimento de uma burguesia e de uma intelligent-
sia nacionais.
Nesta situação, os trabalhadores africanos viam nas com-
panhias estrangeiras e nos colonos europeus os seus exploradores.
Assim, a luta de classes na África foi dirigida, a princípio, contra
o imperialismo, e não contra a burguesia local. Foi isto que retar-
dou o despertar das massas africanas, impedindo-as, por essa
forma, de compreender mais cedo que a burguesia local era seu
real inimigo. No fim do período colonial, a maioria dos Estados
africanos estavam dotados de uma máquina administrativa bem
montada, também de uma aparente democracia parlamentar, dis-
simulando um Estado coercivo dirigido por uma elite burocrática
toda poderosa. Estes Estados compreendiam: uma intelligentsia
totalmente ligada aos valores ocidentais; um movimento operário
praticamente inexistente; um exército e polícia cujos quadros ha-
viam sido formados nas academias militares ocidentais, e dirigen-
tes preparados para uma administração de tipo colonial. Contudo,
e felizmente, é preciso notar o surgimento, no decorrer das lutas
de libertação nacionais, de dirigentes saídos das massas e das
quais tinham total apoio. Os seus objetivos não se limitavam so-
| 467 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mente à libertação política, mas também e, sobretudo, visavam


uma transformação radical da sociedade. Se estes dirigentes revo-
lucionários se aliaram à burguesia nacional, durante as lutas para
a independência nacional, separaram-se dela imediatamente após
a conquista da independência, firmemente decididos a lutar pelos
ideais socialistas. A luta contínua.

O conceito de classe
A luta de classes é um tema histórico de importância fun-
damental. Qualquer sociedade não socialista compreende duas
grandes categorias de classes: as classes dirigentes e as classes
dominadas. As primeiras detêm os instrumentos econômicos de
produção e de distribuição e os meios de estabelecer sua domina-
ção política, enquanto que as classes dominadas não fazem senão
servir aos interesses das classes dominantes, de quem são depen-
dentes no plano político, econômico e social. O conflito que opõe
dirigentes e dominados é o resultado do desenvolvimento das for-
ças produtivas.
Com a introdução da propriedade privada e da exploração
capitalista dos trabalhadores, os capitalistas tornam-se uma nova
classe ─ a burguesia ─ e os trabalhadores explorados formam a
classe operária, porque, em última análise, uma classe não é se-
não o conjunto de indivíduos ligados por determinados interesses
que tentam salvaguardar. Qualquer forma de poder político ─ re-
gime parlamentar, multipartidarismo, sistema de partido único,
ditadura militar ─ reflete os interesses de uma ou várias classes
sociais. Assim, qualquer governo socialista é a expressão dos in-
teresses dos operários e camponeses, enquanto que um governo
capitalista representa a classe exploradora. O Estado é, portanto, a
expressão da dominação de uma classe sobre as demais.
Do mesmo modo, os partidos políticos são expressão das
diferentes classes. Poder-se-ia então concluir daí que um Estado
de partido único não conhece um sistema de classes. O que nem
sempre é o caso, a não ser que um Estado seja expressão da do-
minação política pelo povo. Em muitos Estados com um sistema
bipartidário ou multipartidário, e onde as categorias sociais são
muito nítidas, o governo não representa, de fato, senão um único
partido. Tomemos como exemplo os Estados Unidos, onde os
| 468 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

partidos Republicano e Democrático não são senão duas tendên-


cias de um único e mesmo partido: o das classes possuidoras.

LUTA DE CLASSES
Classe ou Classe ou
classes dirigentes CONFLITO classes
exploradas e
oprimidas

determinado por
mudanças nas
forças produtivas

Entre os Partidos Conservador e Trabalhista, na Grã-


Bretanha, há praticamente pouca diferença. Concretamente, o
Partido Trabalhista, criado para defender os interesses da classe
operária, converteu-se em um partido de tendência burguesa. Os
partidos Conservador e Trabalhista são, desta maneira, expressão
dos interesses da burguesia, de quem refletem a ideologia.
A única solução possível para o problema da desigualdade
social é a abolição do sistema de classes. Porque a divisão exis-
tente entre aqueles que planificam, organizam e administram, por
um lado, e os que executam os trabalhos manuais, por outro, re-
produz incessantemente o sistema de classes.
Em geral, é difícil, se não impossível, a um indivíduo evadir-
se do seu meio de origem. Mesmo quando se fala de “igualdade de
oportunidades”, a desigualdade subsiste, quando a intenção de
“oportunidade” é aspirar a uma posição mais elevada em uma socie-
dade estratificada. As classes dirigentes não têm apenas força de co-
esão: estão também conscientes da sua posição dominante, assim
como do fato de que terão de defender seus interesses e sua posição,
perante a ameaça da revolta ─ cada dia mais premente ─ do proleta-
riado africano. Porque em África a classe dirigente constitui só 1%
da população total, contra 90% que representam massas rurais e os
5% do proletariado urbano. Contudo, a luta de classes na África so-
| 469 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

freu com a presença dos interesses estrangeiros e dos seus represen-


tantes. E todas as outras contradições foram dissimuladas pelo con-
flito que opõe povos africanos e interesses neocolonialistas, colonia-
listas e imperialistas. É esta, em parte, a razão pela qual os partidos
políticos apareceram tão tarde em África. O quadro seguinte é uma
descrição esquemática da sociedade africana contemporânea.

Classes Organização interna Elites


das classes

Camponeses

Proletariado — rural, trabalhado-


(assalariado) res agrícolas, etc.
- industrial (empre-
gado nas grandes in-
dústrias, nas minas,
nos transportes)

Pequena burguesia
a) agricultores — estatuto social ba-
(pequena burguesia seado na importância
rural, proprietária, da propriedade e na
empregando mão de mão de obra empre-
obra); gue;
b) pequena burgue- — estatuto social de-
sia das cidades terminado pela im-
(pequenos comerci- portância e número
antes, artífices). de negócios e propri-
edades.

Burguesia nacional — alta — intelectuais


reclamando-se do — altos burocra-
capitalismo: tas

— Média
— Comerciantes — Quadros do
— Comerciantes Exército
| 470 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

— Altos funcioná- — Profissões


rios liberais (grandes
— Compradores juristas, médi-
(quadros superiores cos, etc.)
nas sociedades es-
trangeiras). — Tecnocratas
— Empreiteiros
— Profissões libe-
rais e chefes de ser-
viços administrati-
vos, etc.

Autoridades tradi- — Chefes de clãs


cionais — Chefes
(assente na tradição, — Soberanos
nos costumes, etc., e — Emires
não na propriedade
de terras)

É ao desenvolvimento desigual da economia africana que


deve-se a diversidade das estruturas sociais, tanto nos territórios
colonizados como nos novos Estados. Assim, na Rodésia, 4 mi-
lhões de africanos são obrigados a viver em um espaço muito in-
ferior à metade da superfície total do território. Em outras pala-
vras, mais de metade do território está nas mãos de uns 500 mil
europeus. É tal estado de coisas a origem do fosso que separa
brancos ricos e camponeses e trabalhadores africanos pobres, po-
liticamente paralisados. Como em todas as regiões sob domina-
ção colonial, trata-se, antes de tudo, de um problema racial. Os
senhores são brancos, e os desprovidos, negros, e todos os argu-
mentos habituais – mito da inferioridade racial, direito de domi-
nação dos mais capazes – foram apresentados para justificar o
sistema de dominação racial e seu reforço.
Na África francófona, os esquemas sociais nasceram de di-
visões particulares nesta zona de colonização. Havia primeiramen-
te os “cidadãos franceses” e os colonos franceses, depois, os “as-
similados” – isto é, os mulatos e a intelligentsia negra –, os africa-
nos que conseguiram entrar no Exército e na Administração à custa
dos seus próprios esforços; por fim estavam os sujets, compreen-
| 471 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dendo as grandes massas populares. Se o “assimilado podia, facil-


mente, tornar-se” cidadão”, o sujet tinha primeiro de se tornar “as-
similado”. Tal sistema existia em todas as colônias francófonas,
assim como nos territórios sob dominação colonial espanhola e
portuguesa. Segundo o princípio da assimilação, todo sujet podia
naturalizar-se francês. De fato, mesmo aqueles que tinham atingido
um nível de educação relativamente elevado não pretendiam des-
frutar de tal privilégio, pois, fora das “quatro comunas”, a cidada-
nia francesa era incompatível com a retenção do estatuto pessoal,
ou seja, do direito de viver segundo o direito consuetudinário afri-
cano, por oposição ao código civil francês. Havia nisto uma certa
lógica, do ponto de vista assimilacionista. Quem quer que aceitasse
a nacionalidade francesa devia aceitar as leis e instituições france-
sas e, por conseguinte, a monogamia e o direito de sucessão. Tais
obrigações não fazem mais do que destacar o insucesso da política
de assimilação, que já não se mostrava rentável. E, fora das “quatro
comunas”, o termo “cidadão francês” permaneceu como sinônimo
de “francês branco e metropolitano”.
Enquanto que a natureza dos laços econômicos entre colô-
nia e metrópole determinava a natureza do conflito social de uma
dada região, certos fatores sublinhavam a importância da imposi-
ção dos valores culturais do invasor colonial, se bem que se pudes-
se, em seguida, atribuí-los às alterações observadas na estrutura das
relações de produção. Nas colônias britânicas, um certo grau de
urbanização permitiu o desenvolvimento de uma burguesia e de
minorias elitistas burguesas que desenvolveram suas próprias ati-
tudes e organizações de classe. Conseguir um trabalho de escritório
tornou-se a ambição de todo africano desejoso de subir na hierar-
quia social. Os trabalhos manuais e agrícolas pareciam indignos
para todos os que tinham recebido mesmo o grau mais rudimentar
de instrução.54 Mas foi apenas depois da conquista colonial que se
desenvolveu uma estrutura de classe de tipo europeu, delineando
dois grupos bem distintos: o proletariado e a burguesia. Observa-
dores reacionários nunca quiseram admitir isto, a pretexto de que
as sociedades africanas eram homogêneas, logo, sem classes. Uma
tal teoria é um desafio à evidência da própria luta de classes. A

54.Na África pré-colonial, nas condições do regime comunitário, do es-


cravismo ou do feudalismo, já existiam embriões da clivagem em classes.
| 472 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

burguesia é declaradamente aliada dos neocolonialistas, colonialis-


tas e imperialistas, na vã esperança de manter as massas africanas
em um estado de permanente sujeição.

Características e ideologias de classe


Existe uma estreita relação entre o desenvolvimento socio-
político, a luta de classes e a história das ideologias. Em geral, os
movimentos intelectuais refletem fielmente as tendências fundamen-
tais dos desenvolvimentos econômicos. Por outro lado, nas socieda-
des de tipo comunitário, onde praticamente não existe sistema de
classes, as atividades humanas relacionadas com a produção têm
uma influência direta na psicologia dos indivíduos. Além disso é
indispensável ter em conta a psicologia das classes antagônicas.
Cada uma dessas classes possui os seus hábitos sociais e
de vestuário, as suas instituições e as suas organizações. A partir
da aparência geral, comportamento e vestuário, é possível identi-
ficar o meio de origem de um indivíduo.
Cada classe tem também suas instituições e organizações:
cooperativas e sindicatos, por exemplo, são próprios da classe
operária, enquanto que associações profissionais, câmeras de co-
mércio, bolsas de valores, clubes Rotary, lojas maçônicas, etc.,
são instituições burguesas. As ideologias exprimem a consciência
e os interesses das classes: o liberalismo, o individualismo, o eli-
tismo e a “democracia” burguesa – que não passa de uma ilusão –
são exemplos de ideologia burguesa. O fascismo, o imperialismo,
o colonialismo e o neocolonialismo são igualmente a expressão
do pensamento, das aspirações políticas e econômicas burgueses.
O socialismo e o comunismo, pelo contrário, são as ideologias da
classe operária, de quem refletem as aspirações e as instituições
políticas e econômicas.
Expressão típica da ideologia burguesa é a teoria da liber-
dade considerada como a ausência de restrições, o laissez faire, a
livre iniciativa, o “cada um por si”. Esta teoria define o papel de
todo governo enquanto defensor da propriedade privada e do direi-
to do indivíduo possuir meios de produção e distribuição. A liber-
dade limita-se ao campo político e não toca o campo econômico. O
capitalismo – cuja única lei é o seu próprio interesse – é sinônimo
de liberdade econômica. Inseparável desta concepção de liberdade
é o ponto de vista segundo o qual a riqueza e a pobreza correspon-
| 473 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dem a habilidade e inépcia. A esta concepção burguesa de liberda-


de associa-se o culto burguês de “Lei e Ordem” sem levar em con-
sideração quem faz a lei, nem os interesses do povo, mas, pelo
contrário, os de uma classe, de uma elite. Em resposta à crescente
violência revolucionária no mundo nestes últimos anos, a reação
lançou uma nova terminologia enganadora. Os mitos da “maioria
silenciosa” e do “cidadão médio” são outros exemplos que se apli-
cam a um espírito contrarrevolucionário e a favor do status quo.
Na realidade, a classe operária, maioria nas sociedades capitalistas,
está longe de ser silenciosa: grita sua intenção de levar a cabo uma
transformação radical da sociedade.
neocolonialismo

elitismo individualismo

EXEMPLOS DE
CONCEPÇÕES E
IDEOLOGIAS
BURGUESAS
capitalismo

liberalismo racismo
político liberalismo
econômico democracia
burguesa

Desejosa de adotar teorias e tendências da burguesia euro-


peia, a burguesia africana confundiu frequentemente classes e
raças. Não conhecendo suficientemente a sociedade europeia, é
incapaz de discernir as características de cada classe, tanto no
comportamento como na linguagem, nos hábitos de vestuário, em
suma, tudo o que na Europa denuncia o meio de origem. Mem-
bros da classe operária europeia vivem como burgueses nas colô-
nias. Apesar do nível de vida que levam (têm carros, criadas; suas
mulheres estão livres dos trabalhos domésticos), as suas origens
sociais não podem escapar à perspicácia dos seus compatriotas.
Aspirando a um estatuto social elevado, logo a seguir à indepen-
dência a burguesia nativa imitou o modo de vida dos seus antigos
senhores coloniais, sem saber que imitava uma raça, e não uma
classe. A burguesia africana adotou, pois, um modo de vida que,
sendo o da antiga classe dirigente, não é verdadeiramente o da
| 474 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

burguesia europeia. Tomou hábitos de um grupo racial, em uma


situação colonial. Neste sentido, a burguesia africana não faz
mais do que perpetuar a relação senhor-servo do período colonial.
Ao adotar servilmente ideologias da burguesia europeia, a
burguesia africana criou certos mitos, desenvolvidos em um con-
texto africano, que refletem bem a mentalidade burguesa africana.
A pretensa teoria da “negritude” é o exemplo mais flagrante disto.
Esta pseudoteoria pretende conciliar a classe média africana, do-
minada por estrangeiros, com a ideologia burguesa francesa. Esta
concepção contrarrevolucionária, irracional e racista, imbuída de
valores ocidentais, reflete bem a confusão que reina no espírito de
determinados intelectuais africanos de expressão francesa; e faz,
além disso, uma descrição equivocada da personalidade africana.
O “socialismo africano” é uma outra concepção inconse-
quente e sem fundamentos, que pretende demonstrar a existência
de uma forma de socialismo exclusivamente reservada à África e
que está baseada nas estruturas comunitárias e igualitárias da so-
ciedade africana tradicional.
O mito do socialismo africano é utilizado com o fim de
negar a luta de classes e espalhar a confusão no espírito dos ver-
dadeiros militantes socialistas. É utilizado pelos dirigentes africa-
nos que se veem obrigados – no clima da revolução africana – a
adotar uma teoria socialista, mas que estão, ao mesmo tempo,
profundamente comprometidos com o capitalismo internacional e
não têm a intenção de promover um desenvolvimento econômico
verdadeiramente socialista. Se a revolução socialista não passou a
ser um dogma, na medida em que a forma que vier a assumir será
determinada por circunstâncias específicas em um período histó-
rico definido, é evidente que não pode assentar sobre compromis-
sos. Os princípios do socialismo científico são imutáveis e impli-
cam a socialização dos meios de produção e distribuição. Todos
aqueles que, por oportunismo político, se dizem socialistas e es-
tendem a mão ao imperialismo e neocolonialismo servem os inte-
resses da burguesia. Induzidas momentaneamente ao erro, as
massas acabarão por tomar consciência e desmascarar esse pre-
tenso socialismo, tornando assim possível a aproximação de uma
autêntica revolução socialista.
| 475 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Classe e raça
Qualquer situação histórica produz a sua própria força di-
nâmica. Na África, os estreitos laços entre os problemas sociais e
raciais nasceram da exploração capitalista: a escravidão, as rela-
ções senhor-servo e a mão de obra barata são exemplos fundamen-
tais disto.
Um exemplo clássico é a África do Sul e a dupla explora-
ção, de classes e racial, da qual sofrem os sul-africanos. Tal situa-
ção repete-se nos EUA, nas Antilhas, na América Latina e por
toda parte onde o desenvolvimento das forças de produção en-
gendrou uma estrutura social racista. Nestes países, a posição so-
cial é função do grau de pigmentação da pele. A cor serve para
avaliar o lugar ocupado na hierarquia social.
Os sistemas sociais baseados na discriminação racial são o
resultado de um desenvolvimento econômico capitalista, e não da
colonização. Porque aí a exploração social está baseada em uma
discriminação racial; em tais sociedades, a exploração capitalista
e a opressão racial caminham de mãos dadas. Para colocar fim a
isto basta abolir um destes tipos de exploração.
No mundo moderno, a luta das raças tornou-se parte inte-
grante da luta de classes. Em outras palavras: o problema racial é
simultaneamente um problema de classes.
Na África, como por toda parte, a industrialização acele-
rou o crescimento da burguesia e, ao mesmo tempo, de um prole-
tariado consciente. As duas classes, fundamentalmente opostas
nos seus objetivos (a burguesia não tem outra ambição senão seu
enriquecimento e o poder político, enquanto que o proletariado
tem aspirações ao socialismo e nacionalismo), constituem os fun-
damentos do Estado racista. As duas classes reclamam-se de duas
ideologias bem distintas: a burguesia quer-se capitalista, enquanto
que o proletariado tende para o socialismo.
Na África do Sul, onde diferentes grupos étnicos coexis-
tem em bases discriminatórias, a burguesia constitui dificilmente
1/5 da população. Para proteger suas posições privilegiadas, bri-
tânicos e boers associaram-se contra “negros”, “gente de cor” e
“indianos”, que constituem 4/5 da população total. A “gente de
cor” e os “indianos”, que são grupos minoritários, desempenham
o papel de “tampões”, protegendo a minoria branca da maioria
negra, a cada dia mais militante e revolucionária. A mesma luta
| 476 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sociorracial é empreendida nos outros territórios africanos sob a


dominação colonial.
O aparecimento de uma sociedade não racial só pode ser
fruto de uma ação revolucionária conduzida pelas massas.
Não será nunca uma dádiva da minoria dirigente, porque é
impossível separar as relações raciais das relações de classe que as
sustentam. Aqui, ainda, poderia citar-se o exemplo da África do
Sul. No começo da colonização holandesa, a distinção era feita,
não entre brancos e negros, mas entre cristãos e pagãos. Somente a
partir da introdução da economia capitalista é que apareceram as
relações feudais de tipo capitalista e a discriminação racial conhe-
cida pelo nome de apartheid. O apartheid é o sistema mais intole-
rável e mais iníquo jamais engendrado pelo Ocidente burguês capi-
talista: 80% da população da África do Sul, não sendo branca, não
tem direito de voto.

Relações de Racismo
classe de tipo
capitalista dupla exploração

classe raça

A escravidão e a dominação racista colonial são, portanto,


a causa, e não a consequência, do racismo. Esta situação cristali-
zou-se e reforçou-se depois da descoberta de ouro e diamantes. A
mão de obra africana foi a partir de então comprada a baixo pre-
ço. Com o tempo, tornou-se necessário justificar a exploração e a
opressão dos trabalhadores africanos. Assim nasceu o mito da
inferioridade racial. Na época do neocolonialismo continua a
atribuir-se o “subdesenvolvimento” à inferioridade racial, e não à
exploração, e acentos raciais acompanham sempre a luta de clas-
ses. Só com a abolição do capitalismo, do colonialismo e do neo-
colonialismo e com a instauração mundial do comunismo se po-
derão estabelecer as condições para a eliminação definitiva do
problema racial.
| 477 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Elitismo
O elitismo é uma ideologia burguesa nascida durante a se-
gunda metade do século XIX, dos trabalhos de dois sociólogos
italianos, Vilfredi Pareto (1840-1923) e Gaetano Mosca (1858-
1941). Nesta época, a burguesia, que acabava de arrancar o poder
político das mãos da aristocracia, via-se, por sua vez, ameaçada
por uma classe operária cada vez mais ativa e imbuída dos prin-
cípios marxistas. Pareto e Mosca pretendiam refutar a doutrina
marxista e desmentir formalmente a possibilidade de uma revolu-
ção socialista que eliminaria o sistema de classes. Opondo-se a
Marx, afirmavam que o talento político designava os verdadeiros
dirigentes e que, por outro lado, toda sociedade seria sempre go-
vernada por uma ou mais elites.
Os defensores do elitismo afirmam que é praticamente
sempre uma minoria que detém o Poder, e que esta escapa ao
controle da maioria, quaisquer que sejam as instituições democrá-
ticas em vigor. A coesão das elites é sua força principal. Ainda
que numericamente fracas em comparação com o conjunto da
nação, possuem um poder desproporcional ao seu tamanho.
A ideologia elitista é, portanto, perfeitamente ajustável à
doutrina capitalista e justifica a dominação da burguesia em uma
sociedade de classes. Uma tal ideologia, ao permitir a defesa do
mito da superioridade e inferioridade racial, intensifica os precon-
ceitos raciais.
Recentemente o estudo das elites tem se desenvolvido, e
surgiu uma multiplicidade de teorias elitistas nos últimos tempos.
É interessante constatar que este desenvolvimento coincide histori-
camente com a explosão revolucionária que rebentou no mundo
inteiro. Ao pretender trazer uma justificação para a continuação da
exploração capitalista, os teóricos burgueses viram-se obrigados a
aproveitar a doutrina elitista, porque nenhum argumento racional
podia justificar a cruel irracionalidade do capitalismo. Tentaram
demonstrar que haveria sempre uma elite no poder e que um mo-
vimento estaria sempre nas mãos dos mais capazes. Deste modo,
negam a estrutura das classes econômicas, assim como a existência
da luta de classes no seio da sociedade capitalista.
Um dos princípios fundamentais da teoria elitista pretende
que o poder gera o poder e que, no que diz respeito à política, as
massas são apáticas, submissas e indiferentes.
| 478 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A democracia foi definida como um conflito de oligarqui-


as rivais. Está na moda, hoje em dia, falar de homens com poder
de decisão e divergir que grupo ou grupos exercem realmente o
poder no seio de um Estado. Pergunte-se: “existe concentração ou
difusão do Poder? Como são tomadas as decisões políticas? São
tomadas por uma elite no Poder? Qual é o grau de influência das
massas?” Ou ainda: “as decisões políticas são o resultado do con-
certo entre várias elites? É verdade que os governos não gover-
nam, mas se limitam a controlar o aparelho estatal, estando eles
próprios sob o controle de uma autoridade oculta?” Segundo os
pluralistas, o poder não está nas mãos de uma elite, mas de um
conjunto de elites. Diz-se, então, que o poder é cumulativo (sendo
intervenientes fortunas, estatuto social e poder político). Relacio-
nado com isto surge o conceito de consenso elitista ou coesão po-
lítica de elites importantes.
Os primeiros elitistas não escondiam sua intenção de de-
molir o mito da “democracia”. Pretendiam comprovar que, nas
pretensas democracias, o povo ou a maioria do povo não governa
e que, pelo contrário, isto é trabalho de uma elite. Indo além,
afirmam que participar do governo não é uma característica da
democracia e não é um ideal essencial.
Não pode haver classes no seio de uma classe única. Pode
haver várias elites no seio de uma só classe. As elites são o resul-
tado do desenvolvimento e da formação de uma classe.
As estruturas sociais europeias são aproximadamente as se-
guintes: a aristocracia tradicional – assente na propriedade imobili-
ária e títulos; a classe média – assente nas finanças e dividida em
alta, média e pequena burguesia; a classe operária – assente na
agricultura e indústria e dividida em média e baixa classe operária.
Na classe média (nova aristocracia) é preciso ainda citar os pluto-
cratas, administradores, intelectuais, burocratas, tecnocratas, etc.,
cada um destes grupos constituindo uma elite. Com o progresso do
desenvolvimento tecnológico e da especialização, os tecnocratas –
outra burguesia – passam a participar ativamente na vida política.
Certos elitistas afirmam que a meritocracia, ou governo dos peri-
tos, é agora realidade.
A burguesia africana tem elites europeizadas. Na época co-
lonial, a elite era constituída por aqueles que estavam na direção
dos conselhos legislativos e serviços administrativos, ou nas pro-
| 479 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

fissões jurídicas, médicas, administrativas, ou ainda que desempe-


nhavam altos cargos no exército e na polícia. A sua posição foi re-
forçada após a independência. De resto, já não estavam submetidos
a uma autoridade colonial. Nos Estados novos, os membros das
profissões liberais se beneficiaram da política de africanização.
Foi também nesta época que surgiram o que se pode cha-
mar os “novos-ricos do partido”. É uma elite que se desenvolveu
no seio do próprio partido que arrancou a independência política
ao colonialismo. As tendências de direita e de esquerda entraram
em conflito, porque, uma vez conquistada a independência e o
partido no Poder, os elementos de direita não ambicionavam se-
não seu enriquecimento pessoal. Serviram-se das suas posições
privilegiadas para se entregar ao nepotismo e à corrupção, desa-
creditando assim o partido e abrindo o caminho para golpes de
Estado reacionários.
É então que, graças à aplicação de planos de desenvolvi-
mento econômico e, por vezes, ao encorajamento de empresas
comerciais locais, os capitalistas em potência encontram novas
ocasiões de fazer frutificar seus negócios.
Contudo, de modo geral, os capitalistas africanos não são
senão os subalternos do imperialismo. Recebem apenas as miga-
lhas dos lucros tirados dos investimentos, das sociedades comer-
ciais e dos quadros das empresas estrangeiras. Eis como, uma vez
mais, caem nas armadilhas do neocolonialismo.
Devido a sua experiência colonial e neocolonial, a África
não possui uma elite de homens de negócios. E como a maioria
dos Estados africanos se concentra, preferencialmente no setor
público do que no setor privado da economia, os capitalistas afri-
canos são pouco numerosos. Um homem de negócios africano
interessa-se não tanto pelo desenvolvimento da indústria, mas
pelo seu enriquecimento pessoal via especulação, mercado negro,
corrupção, graças às comissões sobre contratos e diversas mani-
pulações financeiras relacionadas com a pretensa “ajuda” recebi-
da do estrangeiro. É desta forma que o capitalismo africano é ali-
ado da burguesia capitalista. Mas não passa de um peão no imen-
so tabuleiro do xadrez dos monopólios capitalistas internacionais.
O capitalismo africano está, assim, em relação direta com
os grandes monopólios capitalistas. Segundo alguns, o papel dos
homens de negócios em política é nos Estados Unidos, cada vez
| 480 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mais importante, porque são os responsáveis pela elaboração das


grandes medidas políticas. Compreende-se então o papel de pode-
rosas companhias, tais como a Ford, Du Pont de Nemours e Ge-
neral Motors, por exemplo. Em 1953 havia nos Estados Unidos
mais de 27 mil milionários, e a concentração de riquezas aumenta
cada vez mais. Calcula-se que 1,69% da população possuem pelo
menos 32% dos ativos de quase todos os ativos extraídos dos in-
vestimentos. Mas cerca de metade da população não tem pratica-
mente nada. Não se pode dizer que nos Estados Unidos o poder
esteja nas mãos dos mais qualificados, pois a fortuna é hereditá-
ria, mas não necessariamente meritória.
No entanto, certos elitistas sustentaram que o desenvolvi-
mento das sociedades industriais marcava a passagem de um sistema
de classes a um sistema de elites, baseado no mérito e no esforço.
Semelhante teoria é reduzida ao nada perante a realidade da feroz
luta de classes que se desenrola no mundo capitalista. Os elitistas
não são unânimes no que diz respeito ao grau de coesão, de consci-
ência e de conspiratividade das elites. É, evidentemente, impossível
precisar a influência e o poder de decisão, assim como o grau de co-
esão, de uma elite em particular ou de um grupo de elites.
Uma das elites políticas dos países em vias de desenvol-
vimento é formada pelos dirigentes nacionalistas, pelos burocra-
tas e pela intelligentsia. Depois das eleições de 1954, em Gana,
notava-se que 29% dos deputados eleitos estavam no ensino e
17% exerciam profissões liberais. Entre membros da Assembleia
Legislativa da ex-África Ocidental Francesa (originários de oito
territórios colonizados), depois das eleições de 1953, 22% ensi-
navam, enquanto que 27% eram altos funcionários do Governo e
20% exerciam profissões liberais.
A burguesia dos países em via de desenvolvimento era, em
geral, produto de uma administração e de um sistema de educação
de tipo colonial. O papel predominante da intelligentsia burguesa
deve-se à política deliberada do poder colonial, cujo interesse era
formar uma intelligentsia ligada às ideologias ocidentais, para as-
segurar o bom funcionamento da administração colonial. Ao mes-
mo tempo, o poder colonial refreou a formação de uma classe de
homens de negócios nativa. Com o desenvolvimento das elites,
surgem associações como clubes, sociedades médicas, lojas fran-
co-maçônicas, rotary clubs, etc. Estas associações favorecem a
| 481 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

formação de classes ao institucionalizar as diferenças sociais. A


consciência de classe manifesta-se pelo desejo de aderir a tais as-
sociações e clubes, na certeza de reforçar a posição social.
O elitismo é essencialmente um preconceito de classe, que
reforça o capitalismo e, consequentemente, o racismo. O elitismo,
inerente às classes dominantes, inspira-lhes o desprezo que nutrem
pelas massas. O elitismo é inimigo do socialismo e do proletariado.

“Intelligentsia” e intelectuais
Durante a época colonial, apareceu, pretendendo servir de
ligação entre o poder colonial e as massas, uma intelligentsia de
formação ideológica ocidental. Originária em grande parte das fa-
mílias de chefes tradicionais e das classes possuidoras, limitava-se
a um mínimo de elementos capazes de assegurar o bom funciona-
mento da administração colonial. Esta intelligentsia tornou-se uma
elite hábil em oportunismo, tanto de direita como de esquerda.
Na África, como na Europa e em outras regiões do mundo,
a posição social é, em grande medida, proporcional ao nível de
educação. Com o aumento da alfabetização, as características tri-
bais e étnicas amenizam-se e a divisão em classes acentua-se. Exis-
te – e muito particularmente entre os que fizeram os estudos no
estrangeiro – um certo esprit de corps. Os que o possuem torna-
ram-se estranhos ao seu meio de origem e não têm, geralmente,
outra ambição que não seja a de fazer uma brilhante carreira políti-
ca, ter uma posição social elevada e adquirir um estatuto profissio-
nal. Com efeito, logo que um grande número de Estados africanos
passa a contar com estabelecimentos de ensino e universidades,
milhares de africanos preferem, no entanto, ir realizar seus estudos
no estrangeiro. Atualmente, cerca de 10 mil estudantes africanos
moram em França, e outros tantos na Grã-Bretanha. Nos Estados
Unidos há cerca de 2 mil.
Nas ex-colônias britânicas existem estabelecimentos de en-
sino, criados durante a época colonial, segundo o modelo das céle-
bres public-schools inglesas e com a mesma organização, tanto no
programa de estudos, quanto à disciplina e às atividades desporti-
vas. Os colégios de Adisabel, de Mfantsipim e de Achimota, em
Gana, são exemplos típicos. Estas escolas têm por objetivo formar
uma elite política comprometida com as ideologias burguesas capi-
talistas da sociedade europeia. Na Grã-Bretanha o sistema de clas-
| 482 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ses está estreitamente ligado com o sistema de ensino. 3% dos que


passam pelas public-schools são considerados por muitos os “diri-
gentes legítimos”, isto é, os mais qualificados para dirigir o país,
tanto pelo nascimento, como pela educação. Porque, na Grã-
Bretanha, o sistema de ensino é inseparável da superstrutura socio-
política. Na medida em que as public-schools abrem as portas a
apenas 6% da população, e que as universidades recebem apenas
uma fraca percentagem (5%), os quadros da nação (60% chefes de
empresas, 70% parlamentares conservadores e 50% delegados das
comissões de inquérito) são produtos das public-schools. Em ou-
tras palavras, é esta pequena minoria que detém os lugares chaves
na vida política e econômica do país. A despeito dos esforços ten-
tados, visando torná-lo acessível às massas, este sistema de ensino
irracional e arcaico continua em vigor.
E o número cada vez maior de peritos formados em esta-
belecimentos que não estes que mencionamos não é considerado
como uma ameaça para a continuidade deste sistema. O mesmo
se dá com as pressões exercidas cada vez mais frequentes pela
classe operária: de fato, se tivessem meios para isso, a maioria
das famílias operárias não hesitariam em inscrever seus filhos nos
registros dos grandes estabelecimentos particulares, o que lhes
permitiria mais tarde disputar funções elevadas na vida social. Os
produtos das public-schools têm seus homólogos nas ex-colônias
britânicas de África: são estes membros da burguesia africana,
que se pretendem mais britânicos que os próprios britânicos, co-
piando seus hábitos, vestuário, linguagem afetada dos grandes
colégios particulares e das Universidades de Cambridge e Ox-
ford. Ao formar uma intelligentsia africana, os colonialistas pre-
tendiam, segundo seus próprios termos, “formar quadros locais
chamados a tornar-se nossos assistentes em todos os campos e a
assegurar o desenvolvimento de uma elite cuidadosamente sele-
cionada”. Viam nisso uma necessidade, ao mesmo tempo, política
e econômica. E como é que procedem?
— “Damos a prioridade aos filhos de chefes e aristocra-
tas…. O prestígio das suas origens deve reforçar o respeito que o
saber inspira”.Em Gana, antes da independência, em 1953, dos
208 estudantes da Universidade, 12% eram oriundos de famílias
que possuíam um rendimento superior a 600 libras anuais, en-
quanto que uma porcentagem de 38% tinha rendimento anual va-
| 483 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

riável entre 250 e 600 libras e a porcentagem restante, 50%, tinha


rendimento de cerca de 250 libras anuais.
Compreende-se a importância disso ao saber que em
1962, após grandes esforços no plano econômico, foi possível à
população ter um rendimento anual de cerca de 94 libras por ha-
bitante. Ao contrário dos britânicos e dos franceses, os belgas não
quiseram formar uma intelligentsia. A sua palavra de ordem pa-
rece ter sido a seguinte: “sem elites não há problemas”.
Conhecem-se os resultados de tal política: em 1960, no
Congo, era praticamente impossível encontrar nativos suficien-
temente qualificados para estarem à frente do novo Estado, en-
quadrar o Exército ou ocupar os numerosos quadros administrati-
vos e técnicos deixados vagos pela partida dos colonialistas. A
intelligentsia conduziu sempre os movimentos nacionalistas no
seu início. O objetivo não era trazer uma transformação radical
das estruturas sociais, mas tomar o lugar do poder colonial. Sua
intenção não é mudar o “sistema”, mas controlá-lo. Neste sentido,
ela é burguesa e formalmente oposta a qualquer transformação
socialista revolucionária.
Depois da independência, a intelligentsia perdeu a sua
homogeneidade. Podiam então distinguir-se três grupos bem de-
marcados: havia, em primeiro lugar, os aliados da nova classe
privilegiada nativa, isto é, a burguesia burocrática política e co-
mercial, abertamente aliada do imperialismo e do neocolonialis-
mo. Entre estes, recrutavam-se os teóricos antissocialistas, anti-
comunistas, reclamando-se dos valores político-econômicos do
mundo capitalista.
Seguia-se então o grupo dos partidários de um desenvol-
vimento “não capitalista” e de uma “economia mista”, adaptáveis
aos países menos industrializados, como fase necessária à passa-
gem para o socialismo. Interpretado erroneamente, este conceito
pode revelar-se mais perigoso para a causa socialista revolucioná-
ria da África do que um conceito nitidamente a favor do capita-
lismo, se não for utilizado com um fim muito provisório; porque
poderia retardar o processo revolucionário.
A história provou-o: permitir ao capitalismo e à iniciativa
privada desenvolverem-se simultaneamente em um Estado que se
diz socialista é abrir caminho ao triunfo das forças reacionárias.
O setor privado da economia não deixará de tentar expandir-se
| 484 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

em detrimento da linha socialista seguida pelo governo. Final-


mente, na maior parte dos casos, a reação conseguirá, com a aju-
da do neocolonialismo, perpetrar um golpe de Estado que derru-
bará esse governo socialista.
Os intelectuais revolucionários constituem o terceiro gru-
po que surgiu no seio da intelligentsia após a independência. Fo-
ram estes que enquadraram as massas em sua luta para o verda-
deiro socialismo. Formados, na sua maioria, em escolas coloniais,
reagiram fortemente ao processo de assimilação, tornando-se as-
sim autênticos socialistas revolucionários e nacionalistas. É, por-
tanto, a este grupo que cabe a tarefa de anunciar e promulgar os
objetivos socialistas da Revolução Africana e, consequentemente,
desmascarar e refutar a corrente de ideologias capitalistas e os
pretensos conceitos propagados pelo imperialismo, pelo neocolo-
nialismo e pela reação nativa, com a ajuda dos meios de comuni-
cação modernos.
Os intelectuais estudantes, professores, etc., das socieda-
des capitalistas e neocolonialistas são, em sua maioria, membros
de uma elite burguesa suscetível de tornar-se uma força política
revolucionária, ou contrarrevolucionária, a despeito do fato de
terem sido, antes da independência, dirigentes nacionalistas. Es-
tão presentemente divididos em vários grupos. Em primeiro lu-
gar, os que tomaram parte na luta nacionalista revolucionária e
estão agora no governo, dando sua preferência quer aos “novos-
ricos” do partido, quer aos revolucionários socialistas. Vêm a se-
guir os que estão na oposição, ou os que se não interessam pela
política, ou ainda os que são a favor de uma política de compro-
misso. Há por fim os intelectuais de “má fé”, que embora reco-
nheçam a irracionalidade do capitalismo, não rejeitam seus bene-
fícios e seu modo de vida. Estes estão prontos a prostituírem-se e
a tornarem-se agentes e aliados do privilégio e da reação, para
defender seus interesses. Os intelectuais saídos dos meios proletá-
rios são geralmente mais determinados do que os que provêm dos
setores privilegiados da sociedade. Mas a elite intelectual é a me-
nos capaz de coesão e homogeneidade. Nos Estados Unidos, na
Grã-Bretanha e na Europa Ocidental, a maioria dos intelectuais
são direitistas. Do mesmo modo, as aspirações da maioria dos
intelectuais africanos são características da classe média: aspiram
ao poder, à riqueza, ao prestígio e a posições sociais elevadas,
| 485 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

para eles próprios e para os membros das suas famílias. A maior


parte dos que vieram de meios operários aspiram a pertencer à
classe média e evitar os trabalhos manuais, tornando-se assim es-
tranhos ao seu meio de origem.
Cada vez que intelectuais socialistas revolucionários de-
sempenharam cargos em uma administração progressista, foi, em
regra, devido à adoção dos princípios marxistas como base políti-
ca e à formação de partidos comunistas e outras organizações,
pondo-os constantemente em contacto direto com as massas.
Se quiser desempenhar um papel na revolução africana, a
intelligentsia e os intelectuais devem estar conscientes da luta de
classes que se desenrola em África e pôr-se ao lado das massas
oprimidas. Isso implica a tarefa difícil, mas não impossível, de se
libertar do doutrinamento dos conceitos burgueses divulgados pelo
poder colonial, por meio do ensino e da propaganda. A ideologia
da Revolução Africana liga a luta de classes conduzida pelas mas-
sas africanas aos movimentos socialistas revolucionários mundiais
e ao socialismo internacional. Nascida das lutas de libertação naci-
onal, tende à libertação total, à unidade política e à socialização do
continente. Única no gênero, desenvolveu-se no quadro da Revo-
lução Africana. É produto da personalidade africana, assim como
dos princípios do socialismo científico.

Classes reacionárias no seio do Exército e da polícia


Em África, a maioria das forças armadas e da polícia fo-
ram formadas pela administração colonial. Raros são os membros
que participaram nas lutas de libertação nacional. Tomaram antes
parte nas operações policiais destinadas à eliminação destes mo-
vimentos de libertação. Nesta mesma época, a maioria dos exérci-
tos estava sob as ordens de oficiais europeus. Com a independên-
cia, quando as políticas de africanização foram postas em prática,
devido à falta de candidatos qualificados, um grande número de
africanos que não tinham, no entanto, recebido a formação neces-
sária receberam o grau de oficiais. Muitos deles, que haviam
exercido cargos de professores no exército, pertenciam à pequena
burguesia instruída. Tinham recebido, simultaneamente com os
antigos oficiais dos exércitos atualmente em serviço em África,
formação militar, quer dos próprios colonialistas, quer nas aca-
demias militares europeias. Tal formação não podia senão torná-
| 486 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

los cúmplices das normas e ideais do Ocidente. Devido a sua po-


sição na sociedade, poder-se-iam colocar na mesma categoria que
a burguesia burocrática, com quem partilham a preferência por
um modo capitalista de produção.
Entre os jovens oficiais há alguns que na adolescência par-
ticiparam das lutas de libertação nacional, o que os torna mais re-
ceptivos à ideologia socialista revolucionária. No entanto, embora
um pequeno número entre estes seja favorável à Revolução Afri-
cana, a maioria dos oficiais superiores sucumbiu ao mesmo doutri-
namento burguês que os antigos oficiais assimilaram. Porque estão
estreitamente ligados, pela posição que ocupam na sociedade e pe-
las suas aspirações, à burguesia e às elites militares reacionárias de
outros países.
Em muitos casos, oficiais de carreira e funcionários foram
formados nos mesmos estabelecimentos particulares, tanto na Áfri-
ca como no estrangeiro. Esta experiência comum desenvolveu en-
tre eles uma semelhança de pontos de vista e de interesses e uma
aversão comum à mudança, assim como o culto das organizações e
instituições da sociedade burguesa. Esta atitude encontra-se até
mesmo na nova geração de oficiais e burocratas que dividem entre
si o poder na sequência dos golpes de Estado. A rigidez das suas
posições e dos seus conceitos reflete o clima sociopolítico do perí-
odo colonial.
Quando se dá um golpe de Estado, o exército, a polícia e a
burocracia trabalham em conjunto. Isso não quer necessariamente
dizer – embora tenha sido por vezes o caso – que tenham sido
eles os autores do golpe de Estado. Mas, como partilham os
mesmos interesses, tornam-se dependentes uns dos outros. Com
efeito, os burocratas só por si não podem derrubar um governo; e
nem os militares, nem a polícia têm a competência necessária pa-
ra administrar um país. Assim, combinam seus esforços de modo
a produzir uma situação impressionantemente semelhante à época
colonial, na qual o governo se apoiava na administração, no exér-
cito e na polícia, assim como nos chefes tradicionais.
A maioria dos golpes de Estado foram perpetrados sem a
participação das massas. Estas, traídas e reprimidas, caem nova-
mente nas condições de vida da época colonial. O poder dos chefes
tradicionais é reinstaurado. O apoio no aparelho repressivo policial
é, nestes Estados neocolonialistas, outra reminiscência da época
| 487 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

colonial. Pela natureza do seu trabalho, a polícia – contrariamente


aos militares – está em contato direto com o povo. Logo que se dá
um golpe de Estado, sabem exatamente quem prender e para onde
devem levar os prisioneiros. Sabem também organizar e manobrar
um motim ou uma manifestação. Frequentemente, há polícias im-
plicados em negócios de corrupção. Conhecem todos os aspectos
do crime e põem frequentemente em prática o ditado “o fim justifi-
ca os meios”. Tal como os militares, estão estreitamente ligados à
burguesia burocrática, de quem partilham os interesses.
Os elementos subalternos do exército e da polícia são, em
geral, camponeses. Sem cultura, em sua maioria, aprenderam a
nunca discutir ordens e a servir os interesses capitalistas da bur-
guesia. Estão, portanto, afastados da luta empreendida pelas mas-
sas, de onde, no entanto, saíram. Porque, se a obediência cega às
ordens superiores é uma das regras fundamentais da disciplina mi-
litar, esta regra pode ser perigosamente interpretada pela minoria
privilegiada que está à altura de aplicá-la por sua conta. Em outras
palavras, um simples soldado, assim como um mero policial, pode
se tornar o instrumento de suporte dos regimes reacionários. É des-
ta forma que o camponês ou o operário se tornam adversários da
sua própria classe.
A única solução para este problema é a politização do
exército e da polícia, que devem ficar sob controle restrito do par-
tido socialista revolucionário e de comissões dirigidas por verda-
deiros militantes revolucionários socialistas. É igualmente indis-
pensável que a disciplina, no exército e na polícia, seja baseada
na compreensão, e não na obediência cega. Trata-se de pôr fim a
este espírito mercenário que aí impera e de criar um exército na-
cional, assim como uma milícia popular: operários, camponeses,
soldados e policiais deveriam dar-se as mãos, porque pertencem à
mesma classe e aspiram a uma mesma revolução socialista.
O exército e a polícia são mais disciplinados, mais móveis
e estão tecnicamente melhores equipadas do que outras organiza-
ções sociais. Estão armados, o que faz deles forças de importân-
cia fundamental. O uso destes depende da ascendência desta ou
daquela tendência política dentro da sociedade e das pressões,
internas e externas, exercidas sobre os seus quadros.
Cada vez que o exército intervém na vida política, o faz
como força social. Os golpes de Estado não são senão a expressão
| 488 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de uma luta de classes e do conflito que opõe o imperialismo à


revolução socialista. Depois de tomar o poder, o exército dá sua
adesão a um determinado partido. Neste sentido, o exército não
só é um instrumento de luta, mas também parte integrante da luta
de classes, rompendo assim o véu que o isolava das transforma-
ções socioeconômicas e políticas da sociedade. O que reduz a na-
da a teoria da “neutralidade” das forças armadas lançada pela
classe dominante.
A intervenção do exército, em matéria de política, é dirigi-
da pela minoria privilegiada, ansiosa por defender seus interesses.
Postos perante o fato consumado, os membros do exército não po-
dem senão inclinar-se. Se em casos semelhantes, em África, um
golpe de Estado permitiu a instauração de um regime menos reaci-
onário, a maioria dos golpes de Estado foram perpetrados por mili-
tares burgueses, estreitamente ligados à burguesia burocrática e ao
neocolonialismo, para assegurar a continuidade do capitalismo e
frustrar os planos da revolução socialista africana.
Em certos países africanos, onde o exército pretendeu in-
tervir em nome da revolução socialista, o fez com objetivo pura-
mente nacionalista. Pretendendo pôr fim à exploração estrangeira,
melhorar as condições de vida, “nacionalizar” – em certos casos –
sociedades estrangeiras e fechar as bases militares estrangeiras,
não trouxe de fato nenhuma melhoria às condições de vida do
povo, que se vê então explorado, não por estrangeiros, mas pela
burguesia nativa. O país converte-se em presa do neocolonialis-
mo e da burguesia, ora representada por políticos de segunda or-
dem, ora por militares e policiais burgueses. É instalado um re-
gime fantoche. Mas a revolução socialista não terá lugar senão
com a tomada do poder pelos operários e camponeses em luta.
Os exércitos regulares africanos são mantidos à custa de
enormes quantias de dinheiro. O exército congolês, por exemplo,
recebeu durante os quatro primeiros anos da independência 1/6
do rendimento nacional – ou sejam 25 milhões dos 150 milhões
do orçamento nacional. Em previsões das receitas orçamentárias
da África francófona para 1967-1968, oito dos quinze Estados
francófonos forneceram ao exército entre 15% e 25% dos seus
recursos. Mali, Guiné, Chade e Camarões estavam dispostos a
despender 1/4 do seu orçamento nacional para fins militares.
| 489 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Geralmente, os ordenados dos oficiais são aproximada-


mente os mesmos do que os dos oficiais estrangeiros. Consequen-
temente, a diferença de estatuto e de poder que separa os quadros
do exército das suas tropas é considerável. Muito mais do que na
Europa, nos Estados Unidos e em outros lugares.
Em África, o ordenado de um tenente-coronel é dez ou
quinze vezes mais importante que na Europa e na América. Seu
estatuto social, artificialmente elevado, dá aos oficiais africanos
uma arrogância insuportável. Mesmo simples soldados e policiais
tomam-se por uma elite, porque têm salários mais elevados do
que os pequenos empregados da administração. A prática cada
vez mais corrente de nomear quadros do exército para altos car-
gos diplomáticos mostra bem a importância da sua posição na
sociedade africana. A enormidade das somas gastas para a manu-
tenção dos exércitos nos Estados africanos não tem razão de ser,
porque os territórios africanos não estão ameaçados pelo exterior.
De resto, as disputas fronteiriças – herança do colonialismo – são
suscetíveis de ter resoluções pacificamente.
Os combates travados para pôr fim aos últimos bastiões
do colonialismo são obra não de exércitos permanentes, mas de
movimentos de guerrilha. Se apenas uma pequena parte das so-
mas despendidas com a manutenção dos exércitos permanentes
fosse gasta no equipamento dos combatentes da liberdade, a Re-
volução Africana estaria mais próxima. A única razão que poderá
justificar a manutenção de grandes exércitos permanentes é a ne-
cessidade vital que os objetivos revolucionários africanos im-
põem: a unificação política da África sob a direção de um alto
Estado-Maior Pan-africano.
No caso de haver uma crise política, o exército tende a
apresentar as mesmas divisões que a comunidade política. Tende
a dividir-se segundo classes e tribos. A classe dos oficiais é ge-
ralmente conservadora, isto é, reacionária. Existe para a manu-
tenção da ordem estabelecida. Do ponto de vista histórico, conhe-
ce-se sobejamente o papel dos exércitos permanentes na repres-
são dos movimentos revolucionários; são instrumento das classes
dominantes no seu esforço de dominação burguesa.
O efetivo dos exércitos africanos é fraco em relação ao
dos exércitos europeus, asiáticos, americanos (do Norte e do Sul).
Há três países a sul do Saara que têm exércitos de mais de 10 mil
| 490 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

homens: Sudão, Etiópia e Congo-Kinshasa; 14 Estados africanos


têm exércitos inferiores a 2 mil homens.
É verdade que, devido à sua fraca densidade populacional e
à pouca viabilidade das suas economias, a manutenção de tais
exércitos é, para muitos destes, um verdadeiro fardo. Mas o fato da
maioria dos exércitos ser dirigidos por oficiais que partilham inte-
resses com a burguesia burocrática e do colonialismo dá ao seu
papel na vida política do continente importância totalmente des-
proporcional.
Estes exércitos recebem ajuda de países capitalistas sob for-
ma de fornecimento de armas, de equipamento e de treinamento. Em
1964, contavam-se em África 3 mil peritos franceses e 6 mil peritos
militares britânicos. 1500 africanos receberam treino militar em
França, enquanto que 700 o foram fazer na Grã-Bretanha. Cerca de
14 Estados africanos concluíram acordos com o Estado de Israel,
que lhes fornece armas e treina seus exércitos. Recentemente a
Alemanha Ocidental concluiu acordos, relativos ao envio de peritos
e outras formas de ajuda militar, com estes Estados situados nas re-
giões mais estratégicas do continente africano.
Entretanto, os EUA estabelecem, ao mesmo tempo que de-
senvolvem seus interesses comerciais, redes militares e de informa-
ção que lhes permitem exercer fortes pressões sobre a vida política
em África. Enquanto os Estados africanos dependerem, de algum
modo, da ajuda dos países capitalistas para o treinamento, as armas e
o equipamento, a Revolução Africana está comprometida. Não é por
acaso que nunca se desferem golpes de Estado nos países em que o
exército está sob ordens de oficiais estrangeiros: apesar do seu redu-
zido número, estão à altura de impedir qualquer mudança do status
quo, em virtude de representar a força militar da potência estrangeira
da qual depende a segurança dos governos nativos.

Golpes de Estado
Os golpes de Estado são uma forma de luta que visa a to-
mada do poder político. E, sendo o resultado da ação combinada de
determinados membros de um órgão do Estado aparentemente iso-
lado da sociedade, são parte integrante da luta de classes e do con-
flito que opõe capitalismo e revolução socialista. Se não modifi-
cam a natureza ou o conteúdo desta luta, modificam-lhe a forma.
| 491 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

A situação político, econômica e social permanece a


mesma, enquanto que as aspirações revolucionárias continuam
insatisfeitas. Os golpes de Estado reacionários contribuem de fato
para o avanço revolucionário, na medida em que as condições
necessárias a uma transformação revolucionária aumentam.
Os golpes de Estado reacionários e pró-imperialistas são a
prova da derrota do imperialismo e seus aliados que, não podendo
servir-se dos métodos tradicionais, recorrem às armas para travar o
avanço do socialismo e reprimir as massas. Deixam assim transpa-
recer o desespero e a fraqueza das forças reacionárias, e não sua
força. São o último recurso das classes exploradoras nativas e dos
neocolonialistas para manter o status quo burguês reacionário.
Os observadores burgueses avançaram com inúmeras teori-
as no sentido de explicar a sucessão de golpes de Estado decorri-
dos em África no decurso dos últimos anos. Em certos casos, vi-
ram neles a consequência do tribalismo e do regionalismo ou ainda
o descontentamento de determinados membros do exército e da
polícia perante a incompetência, a corrupção e o “caos econômico”
criado pelos políticos.
Mas nenhuma destas teses está de acordo com a realidade.
São explicações superficiais e inexatas que dão uma falsa imagem
da realidade. Todas parecem ignorar a existência da luta de classes
e do papel dos interesses burgueses, assim como das pressões neo-
colonialistas. Fazem silêncio bem significativo sobre a natureza
repressiva dos golpes de Estado e sobre a não participação das
massas. No entanto, uma vez realizado o golpe de Estado, fala-se
de multidões que “entusiasmadamente” aplaudem o golpe, e são
cuidadosamente preparadas manifestações que visam fazer crer
que os autores do golpe de Estado tiveram apoio das massas. Si-
multaneamente, as claques reacionárias que se apoderaram do Po-
der – e que apenas representam a mesquinhez do espírito burguês –
põem em funcionamento os chamados “conselhos revolucionários”
ou de “libertação”. O uso dos termos destina-se a dar ao povo a
ilusão de que o novo regime o libertou e que sua única finalidade é
satisfazer suas aspirações.
Quando se trata de golpes de Estado nacionalistas revolu-
cionários, tendo os membros do novo regime proclamado sua in-
tenção de colocar fim à dominação política e econômica das po-
tências estrangeiras, poder-se-ia então crer que estariam a agir no
| 492 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

interesse do povo. De fato, sua revolução não é socialista: é resul-


tado da ação conjunta da burguesia nacionalista. A situação do
proletariado urbano e rural, após o golpe de Estado, dificilmente
se modificou: continua a ser explorado e oprimido, mas desta vez
pela burguesia nativa, cujos interesses comerciais – ligados aos
das potências estrangeiras – se disfarçam por detrás de uma fa-
chada nacionalista.
A África é atualmente o teatro de lutas que opõem os im-
perialistas e as massas africanas. A agressão imperialista não tem
apenas assumido a forma de golpes de Estado, manifesta-se tam-
bém pelo assassinato de dirigentes revolucionários e do estabele-
cimento de centros de informação.
Além disto, têm sido intensificadas as existentes redes de
informação do capitalismo ocidental, que trabalham em colabora-
ção com os governos neocolonialistas para impedir o avanço do
socialismo. EUA, Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental, França,
Israel, Portugal, Rodésia e África do Sul mantêm ativamente este
tipo de cooperação.
A maior parte destas organizações estão estreitamente re-
lacionadas umas com as outras, quanto aos interesses vitais. E
frequentemente estão por detrás dos golpes de Estado. Verifica-
se, de fato, que não ocorrem golpes de Estado nos países onde
exército, polícia e serviços de informação são dirigidos por ofici-
ais brancos das antigas potências coloniais.
Estes velam para impedir qualquer tentativa de golpe de
Estado, porque sabem que o regime fantoche e neocolonialista a
qual servem é instrumento do poder neocolonialista de quem de-
fendem os interesses.
Por outro lado, a escalada militar e político-econômica de
colaboração dos países que formam o triângulo branco (Portugal,
Rodésia, África do Sul) intensificou-se no transcurso dos últimos
anos, que viram também um ressurgimento das atividades socia-
listas revolucionárias em África.
Demonstra-o a resistência cada vez maior das massas
camponesas e operárias aos regimes reacionários, assim como a
multiplicação dos movimentos de resistência clandestinos por
todo o continente africano.
No espaço de sete anos, de janeiro de 1963 a janeiro de
1970, sucederam-se 25 golpes de Estado em África:
| 493 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Datas Países
13 de janeiro de 1963 Togo
12-15 de agosto de 1963 Congo-Brazzaville
19-28 de outubro de Daomé
1963
18 de fevereiro de 1964 Gabão
1 de janeiro de 1965 República Centro-Africana
4 de janeiro de 1965 Alto Volta
18 de junho de 1965 Argélia
25 de novembro de 1965 Congo-Kinshasa
22 de dezembro de 1965 Daomé
15 de janeiro de 1966 Nigéria
24 de fevereiro de 1966 Gana
29 de julho de 1966 Nigéria
29 de novembro de 1966 Burundi
13 de janeiro de 1967 Togo
24 de março de 1967 Serra Leoa
17 de dezembro de 1967 Daomé
18 de abril de 1968 Serra Leoa
3 de agosto de 1968 Congo-Brazzaville
4 de setembro de 1968 Congo-Brazzaville
19 de novembro de 1968 Mali
25 de maio de 1969 Sudão
1 de setembro de 1969 Líbia
15-19 de outubro de Somália
1969
10 de dezembro de 1969 Daomé
30 de janeiro de 1970 Lesoto

Houve, além destes, numerosas tentativas de golpes de Es-


tado e outras tantas de assassinatos. Em janeiro de 1964, rebenta-
ram motins no seio dos exércitos da Tanzânia, Uganda e Quênia.
As tropas britânicas ajudaram a reprimi-los, enquanto que do
mesmo modo eram desmanteladas conspirações e tentativas de
golpes de Estado em outros Estados. A própria natureza das rela-
ções político-econômicas existentes entre o neocolonialismo e os
regimes fantoches de uma África balcanizada demonstra bem que,
enquanto o continente africano não realizar a sua unificação políti-
| 494 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ca, haverá sempre golpes de Estado. Todos estes golpes de Estado


são consequência de uma mesma situação: existem, por um lado,
as potências neocolonialistas que manobram os Estados neocoloni-
alistas dando seu apoio às elites reacionárias burguesas que lutam
pelo poder; e por outro, as massas africanas, cuja crescente tomada
de consciência revela o impulso cada vez mais forte da revolução
socialista africana. Na altura da independência, as massas não po-
diam discernir a presença do neocolonialismo cuidadosamente es-
condido por detrás do novo governo. Mas sua tomada de consciên-
cia, que cresce a cada ano, revela-se uma ameaça para a burguesia
nativa e para seus senhores neocolonialistas, alarmados perante o
aumento das atividades revolucionárias por todo o continente afri-
cano. Não existe em África um só país onde a tomada de consciên-
cia das massas operárias e camponesas tenha levado à instauração
de um regime socialista.
Em todos Estados independentes existem o governo e seu
partido, a burguesia nacionalista e as classes trabalhadoras. A
burguesia nacionalista está frequentemente ligada – aparentemen-
te ou não – ao partido, logo, ao governo. Logo que o partido da
burguesia nacionalista não esteja representado no governo, a bur-
guesia nacionalista organiza a subversão e tenta um golpe. Apesar
de ter participado nas lutas de libertação, antes da independência,
o proletariado africano não assumiu ainda a liderança como clas-
se. Em quase todos os Estados – independentes ou não – existem
ou estão sendo preparadas guerras de guerrilha como única forma
de luta contra regimes colonialistas e neocolonialistas. Outros
movimentos, sob direção de membros da burguesia nacional, com
o objetivo de libertar os territórios da dominação estrangeira, e
não de instaurar um regime socialista, constituem ameaça para a
Revolução Africana; porque apenas o socialismo científico reali-
zará a libertação e a unificação total da África.
| 495 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ESTADO
poder mantém NEOCOLONIAL explora Massas
neocolonial africana
(força explora e oprime s
escondida)

Aumento da
consciência política

Ativismo guerrilha
(greves, etc.)

golpes de Estado
reacionários
Os movimentos de libertação conhecidos são os seguintes:

África do Sul
PAC: Congresso Pan-africanista
ANC: Congresso Nacional Africano
APDUSA: União Democrática dos Povos Africanos da
África do Sul

Zimbabué (Rodésia)
ZANU: União Nacional Africana do Zimbabwe
ZAPU: União Popular Africana do Zimbabué

Sudoeste Africano
SWAPO: Organização Popular do Sudoeste Africano
SWANU: União Nacional do Sudoeste Africano

Angola
MPLA: Movimento Popular de Libertação de Angola
GRAE: Governo Revolucionário de Angola no Exílio
| 496 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

UNITA: União Nacional para a Independência Total de


Angola.

Moçambique
FRELIMO: Frente de Libertação de Moçambique
COREMO: Comité Revolucionário de Moçambique

Guiné-Bissau
PAIGC: Partido Africano para a Independência da Guiné
e Ilhas de Cabo Verde

Chade
FROLINAT: Frente de Libertação Nacional Congo-
Kinshasa
CNL: Movimento Congolês de Libertação Nacional Eri-
treia
ELF: Frente de Libertação da Eritreia

Enquanto os meios de produção não forem controlados pe-


las massas, os movimentos de guerrilha continuarão as suas ativi-
dades nos Estados africanos. Enquanto os dirigentes africanos não
se entregarem à causa do socialismo científico, retardarão o pro-
cesso revolucionário.
Atualmente o vento da guerrilha sopra sobre o Gabão, a
Etiópia, o Malawi, o Sudão, a Eritreia, o Quênia, os Camarões, a
Nigéria e todos os Estados que não estão unidos no socialismo.
Governos reacionários tentam conter o despertar político
das massas, seja através de pretensas políticas socialistas, seja
através da repressão, seja, por fim, permitindo golpes de Estado
militares. Seja qual for o método que empreguem, afirmam sem-
pre servir aos interesses do povo, desembaraçando-se de políticos
corruptos e incompetentes e reorganizando a economia. Na reali-
dade, estão salvaguardando os interesses capitalistas, assim como
seus próprios interesses burgueses e os dos monopólios capitalis-
tas internacionais.
A explosão de golpes de Estado militares na África revela
a falta de organização socialista revolucionária, a necessidade
premente de um partido do proletariado de toda a África, assim
como a necessidade de um exército pan-africano.
| 497 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Seja política, econômica ou militar, a luta revolucionária


socialista não será efetiva se não for organizada e não estiver pro-
fundamente enraizada na luta dos operários e camponeses.

A burguesia
O colonialismo, o imperialismo e o neocolonialismo são
expressões do capitalismo e das aspirações econômicas da bur-
guesia. Em África, o desenvolvimento do capitalismo provocou o
declínio do feudalismo e o aparecimento de uma nova superstru-
tura social.
Antes da colonização, o poder dos chefes africanos – que
não eram proprietários de terras – estava submetido a um controle
restrito. Era a função do chefe, e não o próprio chefe, que era sa-
grada. Um conselho de anciãos exercia o controle. O colonialismo
reforçou o poder dos chefes pelo sistema de “administração indire-
ta”. Além dos seus novos poderes, eram por vezes remunerados,
tornando-se assim, na maioria, agentes locais do colonialismo. Em
certas colônias, a administração colonial designava novos chefes,
que foram então conhecidos pelo nome de “chefes de cantões”. Os
imperialistas serviram-se da nobreza feudal e tribal para assegurar
sua exploração, o que aumentou as contradições sociais, já que o
feudalismo mantinha as massas camponesas sob seu rígido contro-
le e impedia qualquer possibilidade de organização revolucionária.
Subsistem ainda, em algumas regiões de África, restos de
feudalismo. Assim, na Nigéria setentrional, tal como nas regiões
setentrionais e ocidentais de Camarões, os chefes de tribos vivem
da exploração de camponeses, que devem não só pagar taxas e
tributos, mas também executar trabalhos forçados.
Contudo, embora permaneçam vestígios do feudalismo, o
colonialismo introduziu estruturas capitalistas na sociedade afri-
cana. Surgiu então uma pequena burguesia e uma pequena (mas
influente) burguesia nacional, composta principalmente por inte-
lectuais, funcionários, representantes das profissões liberais e
quadros da polícia e do exército.
Os capitalistas africanos primavam pela ausência, pois o
poder colonial tinha desencorajado qualquer tentativa local de em-
presa privada. Consequentemente, quem quer que desejasse fazer
fortuna e adquirir status social não tinha outro caminho senão par-
ticipar na administração, no exército, ou tornar-se praticante de
| 498 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma profissão liberal. Indústrias mineiras, empresas industriais,


bancos, grande comércio e grandes explorações agrícolas estavam
na mão de estrangeiros. Em geral, a burguesia africana é, de fato,
uma classe média. É em parte devido a estas restrições desfavorá-
veis ao comércio local que a burguesia africana se opôs à domi-
nação imperialista.
Depois da Segunda Guerra Mundial, quando os movimen-
tos de libertação se estavam a tornar cada vez mais virulentos, os
imperialistas viram-se obrigados a integrar a burguesia africana
nas esferas onde anteriormente havia estado excluída. Nesta altu-
ra, passou a ter um número muito maior de africanos na adminis-
tração e nas companhias estrangeiras. Assim nasceu a nova elite
africana, estreitamente ligada ao capitalismo estrangeiro. Ao
mesmo tempo, medidas repressivas abateram-se sobre os partidos
progressistas e sindicatos; os colonialistas entraram em guerra
contra os povos de Madagascar, de Camarões e da Argélia. Foi
nesta altura que se lançaram as bases do neocolonialismo.
Durante as lutas de libertação nacional, a pequena burguesia
dividiu-se em três categorias: em primeiro lugar, aquela que defen-
dia o colonialismo e um desenvolvimento econômico e social de
tipo capitalista. Eram, de forma geral, os funcionários, os membros
das profissões liberais e agentes de firmas estrangeiras; depois, os
“pequeno-burgueses revolucionários” – nacionalistas –, que queriam
o fim da dominação colonial, mas não pretendiam uma transforma-
ção radical da sociedade. Constituem parte da burguesia nacional;
por fim, os “espectadores”, isto é, todos os que seguiam passivamen-
te os fatos. Em geral, poucos membros da burguesia africana acu-
mularam capital importante que lhes permitisse desenvolver um
mundo de negócios africano. Permanece, portanto, uma burguesia
compradora, tributária em grande escala dos interesses imperialis-
tas em África.
O colonialismo e o neocolonialismo nunca encorajarão
sua integração – a título de igualdade – nas esferas econômicas,
porque não querem fazer dela rival. A burguesia nativa deve, por-
tanto, submeter-se ao capitalismo estrangeiro. Eis por que sua
força reside apenas, por um lado, no apoio que recebe dos ele-
mentos feudais reacionários do país e, por outro, na ajuda políti-
ca, econômica e militar do capitalismo internacional. Acontece
que o imperialismo encoraja os movimentos de libertação, e isto
| 499 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

nas regiões coloniais onde a exploração capitalista atingiu estágio


tal que a influência de um partido trabalhista ameaça os interesses
do capitalismo internacional. Ao dar independência aos partidos
burgueses, as forças nativas reacionárias ficam em posição de po-
der, cimentando então sua aliança com a burguesia internacional.
As lutas de libertação conhecem quase sempre duas tendências:
uma, verdadeiramente a favor não apenas da libertação nacional
mas, sobretudo, da instauração do socialismo; enquanto que outra
– que conta com apoio do imperialismo – tem por objetivo a con-
servação das estruturas capitalistas.
Na maioria dos Estados africanos existem embriões de
burguesia rural. Em Gana colocam-se nesta categoria os grandes
proprietários e plantadores de cacau. Segundo o censo realizado
em 1960, o número de membros da burguesia rural eleva-se a 1,4
milhão, enquanto que o da burguesia urbana se eleva a 300 mil
membros. Isto em uma população em que a porcentagem urbana
é de 24%. As burguesias urbana e rural não têm frequentemente
consciência de classe que lhes permita medir a extensão da sua
força e poderio em relação às massas, cuja crescente resistência
constitui uma ameaça a sua situação privilegiada. O proletariado
urbano e rural aliou-se à burguesia nacional na luta pela indepen-
dência que visa a supressão do poder colonial. Os antagonismos
sociais apagaram-se momentaneamente, porém, uma vez conquis-
tada a independência, ressurgiram com políticas econômicas e
sociais dos novos governos.
Não é possível dar-se uma fusão das classes após a inde-
pendência: o governo é, nesta altura, de uma ou outra tendência.
Certos teóricos sustentam que, para derrubar a ordem burguesa, o
proletariado e a pequena classe média deveriam formar uma coa-
lizão, conquistando para sua causa o campesinato. Mas parecem
ignorar este fato: no que diz respeito aos interesses econômicos, a
pequena classe média colocar-se-á sempre ao lado da burguesia
para defender estruturas capitalistas. Só a união do proletariado
com as massas camponesas poderá conduzir a estruturas autenti-
camente socialistas. Em conflitos que impliquem interesses polí-
ticos e econômicos, estes últimos levam sempre a melhor. Assim
como a burguesia internacional, a burguesia africana está con-
vencida de que os governos devem proteger a propriedade priva-
| 500 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

da e que o sucesso se mede pela fortuna, pela aquisição de bens


pessoais e de um status social.
Existem, portanto, em África organizações burguesas –
clubes e associações profissionais – semelhantes àquelas que se
encontram nas sociedades burguesas da Europa e da América. Se-
gundo a burguesia, a vida política deve limitar-se às rivalidades
entre os diversos grupos proprietários. Não é raro assistir-se em
África, assim como na Ásia, na América Latina e em outras partes
do Mundo, a uma sucessão de golpes de Estado em um só país.
Trata-se então de uma luta pelo poder entre dois grupos capitalis-
tas. Porque países da África, Ásia e América Latina têm um mes-
mo passado de exploração imperialista e colonialista e tornaram-
se, após os movimentos de independência, satélites do neocolonia-
lismo. A maioria dentre eles tem, além disso, à frente elementos
burgueses que não ambicionam senão o poder político, que dispu-
tam entre si. Porque, qualquer que seja a facção no Poder, a ques-
tão é sempre a aquisição de bens e de estatuto social. Outros fato-
res, tais como o regionalismo e o tribalismo, entram em questão na
corrida ao poder que se joga nas fileiras da burguesia. Mas é preci-
so não esquecer que estas rivalidades se passam entre privilegiados
e que não se trata de luta de classes.
Avança-se frequentemente com a questão tribal para eclip-
sar as forças sociais criadas pelo colonialismo na sociedade africa-
na. Nas numerosas regiões em que a desigualdade do desenvolvi-
mento econômico, durante a época colonial, criou uma diferencia-
ção das funções econômicas segundo considerações de ordem étni-
ca, tendência é explorada pelo capitalismo internacional.
É necessário distinguir entre tribos e tribalismo. O clã é a
extensão da célula familiar, enquanto que a tribo é a extensão ét-
nica do clã através de um território. Anteriormente à penetração
imperialista em África existiam as tribos, mas não tribalismo, no
sentido moderno do termo. O tribalismo é um produto do colonia-
lismo, que se serviu de sobrevivências feudais e tribais para lutar
contra a pressão dos movimentos de libertação nacional.
O atraso na formação das nacionalidades é resultado da
conquista colonial, quando os imperialistas repartiram entre si a
África, desprezando realidades geográficas, linguísticas e étnicas.
O crescimento da economia e a evolução das estruturas sociais
sofreram com isso. Foram artificialmente apresentadas estruturas
| 501 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

patriarcais e feudais, e houve preocupação de impedir por todos


os meios possíveis o surgimento de um proletariado politizado e
consciente. Ora, os modos de exploração capitalistas empregadas
nas regiões mineiras e nas plantações, como na África do Sul e do
Leste e no Congo-Kinshasa, engendraram inevitavelmente o des-
pertar do proletariado. A classe operária foi mantida no seio de es-
truturas tradicionais, de maneira a impedir-lhe a tomada de consci-
ência de classe.
Após a independência, as potências coloniais seguiram a
encorajar separatismo e antagonismos tribais, ajudando a consti-
tuir federações. O neocolonialismo, sob todas as formas, impediu
o estabelecimento de uma independência real. Na época do neo-
colonialismo, o tribalismo é o instrumento de poder das classes
burguesas, na sua tentativa de conter o descontentamento das
massas. Muitos destes ditos antagonismos tribais são, na realida-
de, resultado de antagonismos sociais em relação com a transição
de uma situação colonial para uma situação neocolonial. O triba-
lismo é consequência, e não causa, do subdesenvolvimento. A
maioria dos conflitos “tribais” são resultados da exploração bur-
guesa ou feudal, em estreita relação com os interesses de classe
do imperialismo e do neocolonialismo. Os chefes tradicionais vi-
ram-se desprezados em proveito da nova burguesia urbana, que
estava em melhor posição para defender os interesses do capita-
lismo internacional. Fala-se de conflitos tribais, mas trata-se de
uma luta de classes.
O surgimento de tribos, em todos os países, é considerado
como um processo normal, segundo o desenvolvimento histórico.
As tribos, como as nacionalidades, podem existir sempre, mas o
tribalismo (ou política das tribos) deve ser eliminado. Graças a um
governo socialista pan-africano, o tribalismo (e não as tribos) de-
saparecerá. Certos elementos da burguesia africana e chefes tradi-
cionais – tais como os intelectuais revolucionários – são capazes
de se dissociarem dos seus meios de origem e da ideologia pró-
pria a tais meios: são “trânsfugas revolucionários”. Estes podem
ser admitidos nas fileiras da revolução socialista.
Porém, na maioria dos países em que o desenvolvimento
socialista está ainda no princípio, a pequena minoria burguesa
sente-se ameaçada pelo ímpeto do socialismo. Consequentemen-
te, as elites burguesas cooperam estreitamente entre si, assim co-
| 502 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

mo com os militares. Golpes de Estado neocolonialistas e burgue-


ses são perpetrados por militares, para impedir qualquer tomada
de poder pelo povo e pelos socialistas.
Estes golpes de Estado têm apoio da enorme máquina ne-
ocolonialista. Porque, a fim de proteger seus interesses, os impe-
rialistas e os neocolonialistas apoiavam a classe privilegiada du-
rante a época colonial. A burguesia nativa e o neocolonialismo
têm interesses comuns na manutenção da sua supremacia e das
estruturas do Estado colonial. A burguesia burocrática, em parti-
cular, é a “menina dos olhos” dos governos neocolonialistas. São
numerosos os Estados africanos que despendem somas enormes,
a torto e a direito, com a sua burocracia. O Gabão, por exemplo,
cuja população é inferior a 500 mil habitantes, possui um parla-
mento de 65 membros, recebendo, cada um, 165 mil francos por
ano, enquanto que o salário anual do operário médio não ultra-
passa 700 francos. No Daomé, 60% do rendimento anual são con-
sagrados aos salários dos funcionários do governo.
Herdeira das antigas classes dominantes, a burguesia bu-
rocrática está estreitamente ligada às firmas estrangeiras, aos di-
plomatas dos países imperialistas e às classes exploradoras afri-
canas. Embora não possuam grande força de coesão, é uma elite
que resulta do modo capitalista de produção e um dos agentes
mais dedicados do neocolonialismo.

Colonialismo capitalismo neocolonialismo

Administração encorajamento de conflitos


indireta internos que favorecem os
interesses dos monopólios
internacionais

tribalismo
(política das tribos)
| 503 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Após a independência, a posição dos burocratas foi refor-


çada pelas políticas de africanização dos novos governos, assim
como pelo aumento de trabalho trazido pelas grandes transforma-
ções econômicas e sociais projetadas por estes mesmos governos.
Porque os burocratas têm competência administrativa e técnica
requerida para este trabalho, estão aptos a selecionar e organizar
as informações necessárias aos ministros para formulação das su-
as políticas.
Neste sentido, desempenham um papel importante nas
tomadas de decisões políticas. Mas muitos burocratas assumem
funções para as quais não foram devidamente preparados. Estes
burocratas têm tendência a mostrar-se arrogantes e a isolar-se da
classe inferior de funcionários e empregados de escritório e a
mostrar-se servis ante os burocratas estrangeiros neocolonialistas.
Qualquer que seja sua influência política, é sempre exercida em
uma perspectiva de classe. A sua educação e posição social sepa-
ram-nos das massas e fazem deles acólitos dos capitalistas locais,
intelectuais desonestos, quadros ambiciosos do exército e da polí-
cia e neocolonialistas. Ainda que sempre submetidos ao controle
das autoridades política e militar, ocupam posição extremamente
importante no aparelho de Estado neocolonialista e exercem sua
influência com a bênção das classes dominantes. Em certos casos
e, sobretudo, em caso de ditadura militar, exercem de fato a fun-
ção de agentes políticos (sem ter sido plebiscitados). Isto torna-se
particularmente evidente quando se trata de acordos com burocra-
tas estrangeiros.
Quando se dá um golpe de Estado militar reacionário, a
burocracia, tenha ou não participado dele, dá seu apoio imediato
aos novos detentores do Poder, dando continuidade a rotina ad-
ministrativa e colaborando na elaboração das novas leis. Os gran-
des burocratas aglomeram-se em todos os conselhos, comissões,
etc., que surgem a partir de um golpe de Estado. Porque o estabe-
lecimento de um regime arbitrário, militar e policial, reforça sua
posição, já que os novos dirigentes dependem inteiramente deles.
Contrariamente aos governos civis, os regimes militares
podem impor uma política sem ter anuência do parlamento, o que
dá aos burocratas maior liberdade de ação. Em muitos países, os
grandes funcionários participam na elaboração das políticas. Nos
EUA, cada governo tem sua própria administração, que é parte
| 504 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

integrante da elite no poder. Na Grã-Bretanha, pelo contrário, os


burocratas devem mostrar-se apolíticos e servir o governo que
está no poder, seja ele qual for. Mas em África a burguesia está
associada ao imperialismo, ao colonialismo e ao neocolonialismo.
Embora não passe de um setor minoritário da população, repre-
senta um perigo para as massas africanas, devido à força que lhe
dá sua dependência ao capitalismo estrangeiro, que pretende
manter as massas operárias e camponesas em um perpétuo estado
de sujeição.
De fato, é impossível dissociar os interesses da burguesia
africana dos do capitalismo monopolista internacional. O declínio
de uma trará o declínio do outro. A aliança da burguesia nativa e
do capitalismo monopolista internacional é reforçada pela tendên-
cia crescente dos governos para formar associações, ou organiza-
ções econômicas regionais, com corporações gigantes, multinacio-
nais e imperialistas. Determinados governos africanos que se di-
zem a favor de um desenvolvimento de tipo socialista, e que “naci-
onalizam” as indústrias estratégicas, são aliados destas corporações
gigantes. Associam-se ao imperialismo na sua continuação da ex-
ploração do proletariado rural e urbano. Quebram a resistência dos
operários, proibindo ou impedindo as greves. Durante este tempo,
as corporações consolidam sua influência na economia africana,
sabendo que podem contar com o apoio dos governos.
Na verdade, os governos africanos tornaram-se os guardi-
ões das corporações multinacionais imperialistas, constituindo as-
sim um obstáculo ao avanço do socialismo. É com a anuência da
burguesia que os monopólios internacionais continuam a pilhar a
África e a frustrar os planos da Revolução Africana. Por conse-
guinte, é necessário denunciar e pôr fim à ação da burguesia afri-
cana. É o objetivo da luta do proletariado, que pretende a libertação
total e a socialização do continente africano, contribuindo desta
forma para o progresso da causa da revolução socialista mundial.

O proletariado
Existe um proletariado moderno em África, embora ainda
seja pouco importante. Constitui o nó essencial da edificação do
socialismo e deve colocar-se no contexto da luta operária interna-
cional, da qual vem muita da sua força.
| 505 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O surgimento da classe operária em África está ligado à


implantação do colonialismo e do capitalismo. Na maior parte
dos países africanos, o proletariado está pouco desenvolvido, de-
vido à fraca industrialização. Contudo, nos países economica-
mente mais desenvolvidos, tais como Egito e África do Sul, exis-
te uma poderosa classe operária. Foi nestes países que surgiram,
durante os anos 20 deste século, os primeiros partidos comunistas
africanos, compostos por trabalhadores, camponeses e intelectu-
ais. Na mesma época nasceram os partidos comunistas na Argé-
lia, Marrocos e Tunísia, ligados ao Partido Comunista Francês.
Na primeira metade dos anos 50, a África já contava com
mais de 10 milhões de assalariados, dos quais cerca de 50% eram
empregados no setor agrícola, 40% na indústria e nos transportes
e 10% na função pública e no setor comercial.
Em 1962, o número de trabalhadores africanos era avalia-
do em 15 milhões, ou sejam 6% ou 7% da população total. Se
esta porcentagem parece fraca em comparação com a dos traba-
lhadores asiáticos, cujo número se eleva a 100 milhões, é preciso,
contudo, ter em conta o que representa, suas potencialidades e sua
solidariedade com movimentos proletários do mundo inteiro.
Os trabalhadores africanos desempenharam um importan-
te papel nas lutas de libertação nacional. Através de uma sucessão
de greves, conseguiram perturbar a vida econômica e a adminis-
tração. Nos anos que precederam a independência, assistiu-se a
greves gerais no Quênia, na Nigéria, em Gana e na Guiné. A
África colonial conheceu um número incalculável de greves que
afetaram determinados setores da economia; a greve dos mineiros
do Rand, em 1946, e as greves que afetaram a indústria do sisal,
de 1957 a 1959, no Tanganica são exemplos clássicos. Graças a
todas estas greves, e outras ainda mais eficazes, os trabalhadores
adquirem uma consciência de massa, que se tornou, de certo mo-
do, uma consciência de classe.
É na África do Sul que se encontra o grau de urbanização
mais elevado da África. Julga-se que em 1966 o proletariado urba-
no representava aproximadamente uma população de 7 milhões.
Foi isto que levou certos teóricos a dizer que na África do Sul é
possível não passar pelo estágio da democracia e chegar imediata-
mente ao socialismo. A este respeito, tomemos o exemplo da Chi-
na, onde a porcentagem da população operária industrial não era,
| 506 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

antes da revolução comunista, superior a 1%. A força dos exércitos


de libertação vinha, sobretudo, do apoio que recebiam das massas
camponesas, das quais eram oriundos. Atualmente a classe operá-
ria industrial chinesa representa 3% da população.
Compete ao proletariado urbano da África conquistar as
massas camponesas para a causa da revolução, levando-a ao
mundo rural. Porque, em geral, as massas camponesas estão ainda
desorganizadas e não são revolucionárias. Muitos são iletrados.
Mas a aliança do proletariado urbano e das massas camponesas
na luta pelo socialismo conduzirá a Revolução Africana à vitória.
Porque a burguesia africana e seus mestres imperialistas e neoco-
lonialistas não podem vencer sua poderosa união.
Em muitos Estados africanos, a ausência de uma indústria
em grande escala, a ausência de qualificação profissional e o fra-
co nível de educação dos trabalhadores retardam a tomada de
consciência. Muitas vezes não são revolucionários e têm mentali-
dade pequeno-burguesa. No Senegal, por exemplo, onde a classe
operária é superior à de muitos outros Estados africanos e onde a
população operária masculina compreende 95% de analfabetos e
a população feminina 99%, existe, no entanto, um poderoso mo-
vimento operário.
Sob dominação colonial, a luta dos operários era essenci-
almente dirigida contra a exploração estrangeira. Neste aspecto,
era mais uma luta anticolonial do que uma luta de classes. E tinha
até um certo cunho racista. O aspecto sociorracial da luta dos tra-
balhadores africanos persiste ainda na época neocolonialista, ten-
tando fazer esquecer aos trabalhadores a existência da burguesia
nativa exploradora. O ataque dos operários é dirigido contra os
europeus, libaneses, indianos e outros, esquecendo-se do explora-
dor nativo reacionário.
Encontra-se uma situação semelhante nos estados colonia-
listas onde trabalha um proletariado imigrante e o desemprego é
abundante. Perante o descontentamento dos operários, o governo
tudo faz para que se considere a presença destes trabalhadores
“estrangeiros” como responsável da situação geral e não sua pró-
pria política reacionária. O resultado é que os trabalhadores afri-
canos imigrantes são acusados pelos seus próprios companheiros
de trabalho e pelo governo, que toma então medidas para restrin-
gir a emigração, limita oportunidades de contrato e expulsa de-
| 507 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

terminadas categorias. Assim, o governo faz os trabalhadores na-


cionais crer que a presença dos trabalhadores imigrantes é a causa
principal do desemprego e das más condições de vida. É isso que
cria uma atmosfera de tensão geral, fazendo despertar velhas que-
relas étnicas e nacionais. Eis como, em vez de se unir aos imi-
grantes para fazer pressão sobre o governo, o proletariado nacio-
nal toma o partido do governo. E é assim que a burguesia se
aproveita da falta de consciência das massas para as dividir.
Quaisquer que sejam as suas nacionalidades, raças, tribos,
religiões – que não entram em linha de conta na luta pelo socia-
lismo –, todos os operários são explorados. A revolução socialista
africana rejeita o argumento segundo o qual o proletariado não
africano é obstáculo ao progresso econômico; opõe-se igualmente
às calúnias e às medidas de expulsão que os imigrantes sofrem.
Em África não se deveria nunca utilizar o termo “estrangeiro”,
porque todos são africanos. Não são os trabalhadores imigrantes
que é preciso combater, mas a balcanização nascida das fronteiras
artificiais traçadas pelo imperialismo. O proletariado imigrante
das cidades pode tornar-se um elemento determinante para o alas-
trar do socialismo. Efetivamente, estes homens que trabalham nas
cidades e em Estados africanos diferentes para regressar ao seu
país de origem após algum tempo são um laço de união entre os
movimentos revolucionários proletários e camponeses de outros
Estados. São, portanto, elemento essencial do processo revoluci-
onário, destacando assim a importância da mobilidade permanen-
te da mão de obra africana, que é necessário organizar.
As grandes migrações são uma das características de Áfri-
ca. Há, por um lado, o êxodo rural; por outro, a imigração. As
cidades são, em grande parte, o produto de forças externas; são o
resultado da economia de mercado introduzida pelo colonialismo
europeu. Uma das causas do êxodo rural é a procura de emprego.
Vem em seguida o desejo de adquirir produtos manufaturados, a
educação das crianças e a tentação das vantagens da vida citadi-
na.
As concentrações urbanas, em África, desenvolveram-se
consideravelmente ao longo destes últimos anos.
Tomemos o exemplo de três cidades de Gana que viram
acelerar o seu grau de crescimento:
| 508 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

População
Anos
(números aproximados)
1936 38 mil
Accra
1960 338 mil
1921 24 mil
Kumasi
1966 190 mil
1921 4 mil
Tamale
1960 40 mil

Poder-se-ia dividir a estrutura social das cidades africanas


em três grandes grupos: 1) A burguesia, que reagrupa as profissões
liberais, os intelectuais, a burocracia, o exército, o mundo de negó-
cios, as elites políticas e de dirigentes, o professorado, o clero, os
comerciantes, os chefes de serviços ministeriais; 2) A classe operá-
ria, que compreende o conjunto dos pequenos comerciantes, operá-
rios, vendedeiras e trabalhadores imigrados; 3) O grupo dito “mar-
ginal”, agrupa mendigos, prostitutas e todos os que constituem o
lumpenproletariado. Agrupar-se-ão nesta última todos jovens que,
vindos de famílias pequeno-burguesas, deixaram seu mundo rural
para vir às cidades, não à procura de emprego, mas para viver a
expensas da família. Estes constituem elemento importante da luta
de libertação, porque têm laços ao mesmo tempo rurais e urbanos,
permitindo-lhes tornarem-se quadros revolucionários eficazes.
Os membros das elites burguesas encontram-se em clubes
e associações, que passam por cima da questão racial, acentuando
o estatuto de classe. A existência de uma consciência de classe
manifesta-se no desejo destas elites de aderir a estas associações
que acentuam o seu estatuto. Quanto mais elevado é o grau de
educação, mais importante é o estatuto social e profissional.
Quem quer que tenha estudado no estrangeiro é sempre favoreci-
do. Os trabalhadores imigrantes trazem consigo suas próprias es-
truturas sociais, suas ideologias, religiões e costumes. À parte al-
guns deles que se conseguem integrar completamente na popula-
ção local, sua estadia é temporária: trabalham para regressar aos
seus países de origem passados alguns anos. Segundo o censo
realizado em Gana em 1960, apenas 25% da população de Tako-
radi eram originários do local, em Kumasi a porcentagem era de
37% e em Sekondi, de 40%. Em 1948, mais de 50% da população
| 509 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de Takoradi e 36% da de Accra tinham permanecido menos de


cinco anos nestas cidades. A porcentagem de trabalhadores imi-
grantes em Gana é de cerca de 40%.
Ainda que a porcentagem de imigrantes entre populações
urbanas varia de país para país, a presença do proletariado imigran-
te em África constitui vasta força móvel que poderia tornar-se fator
vital da revolução socialista africana, podendo, com efeito, ajudar à
integração dos trabalhadores na luta revolucionária e à infiltração
em cada setor da economia neocolonialista e burguesa. Sob a do-
minação colonialista, o proletariado imigrante tem tendência para
retardar o desenvolvimento de uma consciência de classe e para
frear o desenvolvimento das organizações operárias. Efetivamente,
trabalhadores imigrantes formam as suas próprias associações tri-
bais, que são, sobretudo, sociedades de socorros mútuos.
No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, o sindicalis-
mo africano conheceu um período de desenvolvimento. Em muitos
Estados africanos, sindicatos participaram ativamente na luta de
libertação nacional, organizando greves, boicotes e outras formas
de luta. As potências coloniais opuseram-se vigorosamente à ação
dos sindicatos, tentando – por vezes com sucesso – fazer vacilar o
poder dos dirigentes sindicalistas na introdução de políticas refor-
mistas e de um socialismo de direita. Em maio de 1961, por inicia-
tiva dos sindicatos de Gana e do Mali, a Conferência Sindical Pan-
Africana reuniu-se em Casablanca: 45 organizações sindicais e 38
países estiveram representados. Foram lançadas as bases da União
Sindical Pan-Africana (USP) segundo os princípios da solidarieda-
de proletária e do internacionalismo. Em janeiro de 1962, após
uma conferência realizada em Dakar, foi fundada uma organização
sindical, a Central Sindical Pan-Africana (CSP), na presença de
delegados das organizações africanas ligadas à Confederação In-
ternacional de Sindicatos Livres e de 8 organizações sindicais in-
dependentes. Na Carta da Confederação dos Sindicatos Africanos
não foi feita nenhuma alusão aos monopólios estrangeiros ou ao
internacionalismo proletário.
O movimento sindical, em África, deve ser organizado à
escala do pan-africanismo, ser orientado segundo os princípios do
socialismo e desenvolver-se no contexto da luta dos trabalhadores
africanos. É por esta razão que a criação de uma União Sindical
Pan-africana deve tender para o desenvolvimento da ação sindical
| 510 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

em todo o continente africano. Sendo diferente das uniões sindi-


cais de outros países, trabalhará, no entanto, com elas a nível in-
ternacional. A urbanização está na base das transformações soci-
ais. Consequentemente, a industrialização, que é a causa principal
da urbanização, determina as estruturas sociais. O aumento da
industrialização determina, pois, o crescimento do proletariado
africano, que adquirirá maior consciência de classe. Atualmente,
a indústria africana é das menos desenvolvidas do mundo. Embo-
ra produza 1/7 das matérias brutas, produz, no entanto, apenas a
quinquagésima parte dos produtos manufaturados. A contribuição
da indústria no rendimento total dos países africanos é inferior a
14%. Esta situação é herança do imperialismo e do colonialismo,
da exploração da África pelos monopólios capitalistas estrangei-
ros. É também resultado da continuação da exploração imperialis-
ta e capitalista da África pelo neocolonialismo. Os monopólios
ocidentais controlam ainda cerca de 80% do volume do comércio
em África. O rápido desenvolvimento da implantação americana
é um exemplo significativo:

Em milhões de dólares
1950 1960 1964
Investimentos 287 925 1700
Exportações
(dos EUA para a 494 926
África)
Importações (da
362 1211
África)

De 1951 a 1955, os investimentos americanos diretos em


África aumentaram mais do que dobro, passando de 313 milhões
a 793 milhões de dólares. Isso sucede particularmente na África
do Sul, na Rodésia e no Congo-Kinshasa.
O neocolonialismo procede das seguintes maneiras: exerce
controle econômico através do sistema de “ajudas”, de “emprésti-
mos” e de “trocas comerciais e financeiras”; controla economias
locais através do vasto dispositivo de corporações internacionais;
controla politicamente governos fantoches; penetra na sociedade
através do desenvolvimento da burguesia nativa, da imposição de
| 511 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

acordos de “defesa”, da instalação de bases militares e aéreas, da


infiltração ideológica, nitidamente anticomunista, através dos mei-
os de comunicação modernos (imprensa, rádio, televisão); fomenta
discórdias entre países e tribos; pratica um imperialismo coletivo –
veja-se, a título de exemplo, a cooperação político-econômica e
militar entre Rodésia, África do Sul e Portugal. O neocolonialismo
não pode, por sua própria natureza, resolver seus problemas e suas
contradições. Se o imperialismo não é senão o capitalismo agoni-
zante, o neocolonialismo é o colonialismo agonizante, e a intensi-
dade das suas contradições internas conduz a sua destruição. O ne-
ocolonialismo não pode trazer o seu apoio aos regimes “neobur-
gueses” e favorecer um desenvolvimento econômico estável, já
que o seu verdadeiro objetivo é salvaguardar os seus interesses e
investimentos. Consequentemente, a burguesia local nunca poderá
estar segura do seu poder, e recorre cada vez mais frequentemente
a intervenções do exterior ou à repressão interna, estado de coisas
tal que acelera o desenvolvimento de uma luta de classes verdadei-
ramente revolucionária.
A “ajuda econômica” estabelecida pelos países capitalistas
é uma das maneiras mais insidiosas empregadas pelo neocolonia-
lismo para refrear o desenvolvimento dos países do Terceiro
Mundo, retardando assim a industrialização e o crescimento de
um proletariado relevante. Apenas 10% das ajudas estaduniden-
ses são utilizadas no desenvolvimento da indústria, e isto nos paí-
ses considerados “seguros” para o capitalismo. Pelo contrário,
70% da ajuda dos países socialistas vão para industrialização e
para organização da produção. As taxas de lucro sobre emprésti-
mos dos países capitalistas variam entre 6,5% e 8%, enquanto que
as dos países socialistas não ultrapassam 2,5%. A ajuda socialista
é sobretudo empregada na planificação, enquanto que a ajuda
ocidental visa o setor privado.
A ajuda francesa às suas ex-colônias africanas cifra-se em
cerca de 2 bilhões de francos. Graças a esta quantia a França
mantém laços culturais, políticos e econômicos que fazem destes
países grandes mercados para as exportações francesas. Para os
governos franceses trata-se de um “bom investimento”.
Uma grande parte das somas gastas pelo Ocidente na
“ajuda bilateral” não sai do país doador, porque é dada sob forma
de artigos de consumo; ou então estas somas são reembolsadas
| 512 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

em prazo de tempo relativamente curto, como pagamento de ex-


portações adicionais. Existem ainda outras maneiras de recuperar
as somas que esses países despendem nas “ajudas”.
De cada 100 libras que a Grã-Bretanha aplicou como
“ajuda bilateral” entre 1964 e 1966, 72,5 libras eram destinadas
ao envio de artigos de consumo ou à compra de bens e serviços.
A “ajuda multilateral” permite igualmente aos países doa-
dores afirmar sua posição econômica. Avalia-se que a Grã-
Bretanha tem garantidas exportações da ordem das 116 libras por
100 da sua “ajuda multilateral”, o que é devido, em grande parte,
às operações da Agência Internacional de Desenvolvimento
(AID). Assim, foi recentemente conduzido, no Whitehall, um es-
tudo que demonstra que por 100 libras entregues à AID pela Grã-
Bretanha de 1964 a 1966 a AID gastou 150 em mercadorias bri-
tânicas. De fato, muitos projetos de “ajuda” são destinados a
equilibrar a balança de pagamentos dos países doadores, e não a
favorecer o desenvolvimento econômico do país beneficiado. Es-
te deve não somente assumir o reembolso da pesada dívida, mas
também aceitar uma dependência política e econômica, que limita
seu desenvolvimento e retarda seu crescimento econômico.
São garantidos, pelos países capitalistas, créditos aos paí-
ses africanos, asiáticos e latino-americanos, para que tenham in-
fraestrutura necessária à exploração pelos monopólios. O objetivo
é, simultaneamente, político e econômico. Trata-se de impedir o
avanço do socialismo ofertando à burguesia nativa uma parte dos
interesses capitalistas, estendendo a empresa monopolista inter-
nacional às economias dos países em vias de desenvolvimento. O
proletariado rural, que é composto de pequenos agricultores e tra-
balhadores das plantações de algodão, sisal, cacau, café, borra-
cha, citrinos, etc, – que os coloca na órbita do comércio e das in-
dústrias internacionais –, faz parte da estratégia da luta do prole-
tariado africano. No entanto, o imperialismo, na sua fase neoco-
lonialista, tira a maioria dos seus proveitos do controle dos seto-
res avançados da produção, tais como minas, comércio, pesca e
transportes. Cerca de 90% dos investimentos capitalistas em
África vão para empresas relacionadas com estes setores, e é nes-
tes setores chaves que o proletariado industrial – força de trabalho
indispensável à continuidade do neocolonialismo – está em posi-
ção de enquadrar a revolução socialista.
| 513 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Houve quem tentasse negar a existência de uma classe ope-


rária em África. Em áreas onde é impossível negar sua existência,
como nas regiões mineiras da África do Sul, do Congo-Kinshasa e
da Zâmbia, esforçaram-se por integrá-la no sistema capitalista e
neocolonialista de exploração, pondo à frente dos sindicatos diri-
gentes reformistas e garantindo um certo número de benefícios.
Em certos países africanos, e particularmente naqueles onde a in-
dústria mineira está muito desenvolvida, as políticas de africaniza-
ção são utilizadas para apaziguar o descontentamento dos operários
e elevar os salários a um escalão extranacional. Isso permitiu, em
certos casos, tornar os operários menos desejosos de prosseguir as
atividades revolucionárias.
A tendência que caracteriza o período de transição que se-
para o capitalismo do socialismo é o aburguesamento. A visão
que a classe operária tem do socialismo pode ser perturbada pela
corrupção do “estado da prosperidade”; podem então tornar-se
filisteus bem alimentados, a favor da reação e do conservantismo.
Dão então menos importância à revolução socialista.
Tanto economicamente como ao nível da indústria, a Eu-
ropa e os Estados Unidos estão maduros para o socialismo. Estão
de posse dos elementos fundamentais para a instauração imediata
de um regime socialista. Nos Estados Unidos, onde o desenvol-
vimento da energia nuclear atingiu seu ponto mais alto, graças à
automatização e à cibernética, as forças produtivas atingiram um
ponto em que o estabelecimento de uma sociedade sem classes,
tal como Marx a previu, se pode apenas atingir através do comu-
nismo. Mas, embora seja a sociedade mais rica e a mais industria-
lizada, a sociedade americana é também a mais retrógrada social
e politicamente.
Parte da classe operária, na Europa e nos Estados Unidos,
reivindica-se do capitalismo: certos operários, tendo-se aburgue-
sado, diminuíram, assim, as forças do proletariado que caminha
para a revolução socialista.
Em 1968, cerca de 10 milhões de operários franceses entra-
ram em greve, paralisando praticamente a ação do governo; não fo-
ram, porém, capazes de conduzir a uma transformação revolucioná-
ria. A revolta dos estudantes de todo o mundo tornou-se uma ca-
racterística fundamental da nossa época. Mas estudantes sofrem
de uma dupla alienação: por um lado, são alienados pela ordem
| 514 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

burguesa, e frequentemente pela sua própria família; por outro


lado, são estranhos à classe operária, que poderia utilizar seus es-
forços na luta revolucionária.
O Partido Conservador, na Grã-Bretanha, depende em
grande parte do apoio eleitoral dos trabalhadores ingleses que nele
votam. Aspirando à riqueza e à promoção social, um grande núme-
ro de operários reclama-se da classe média. No “estado da prospe-
ridade”, muitos operários vivem como a baixa classe média, asse-
gurando ao Partido Conservador os votos que pretende. Assim, a
extensão do direito de voto às massas não reduz o poder da classe
dirigente. Provocou antes o declínio do radicalismo das classes
operárias. A tendência, na sociedade capitalista, dos operários a
limitarem-se a ação sindical é um perigo para o avanço do socia-
lismo. Perante o aburguesamento das classes operárias nos países
capitalistas, cabe aos povos oprimidos da África, Ásia e América
Latina a grande tarefa de promover a revolução socialista mundi-
al. Neste sentido, o papel do proletariado africano no avanço re-
volucionário africano é vital e estratégico.

O campesinato
Em África, as massas camponesas constituem, de longe, o
contingente mais vasto da classe trabalhadora, e potencialmente o
elemento fundamental da revolução socialista.
Mas as massas estão dispersas, desorganizadas e, geral-
mente, não são revolucionárias. É, no entanto, indispensável que
tomem consciência e que sejam enquadradas pelos seus aliados
naturais: o proletariado e a intelligentsia revolucionária.
No cume da hierarquia social das zonas rurais situam-se
os proprietários feudais de terras, que vivem da exploração dos
camponeses, e os proprietários capitalistas, na sua maioria absen-
tistas, que vivem da exploração de uma mão de obra assalariada.
Entre os proprietários capitalistas – que formam a burgue-
sia rural – enfileira o clero, das diversas seitas e religiões, viven-
do da exploração feudal e capitalista dos camponeses. A burgue-
sia rural possui propriedades relativamente grandes, um capital e
uma mão de obra que explora; especializa-se na cultura de expor-
tação. Os pequenos agricultores, que se poderiam colocar na ca-
tegoria de pequena burguesia rural, possuem pequeno capital e
| 515 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

cultivam a terra que lhes pertence e que alugam. Empregam


membros das suas famílias ou mão de obra assalariada.
Em geral, quando a terra é alugada, o pequeno agricultor
guarda cerca de 2/3 das receitas, e dá 1/3 ao proprietário. A seguir
à pequena burguesia rural estão, na hierarquia rural, os campone-
ses que cultivam pequenas porções de terra e são por vezes força-
dos a vender seus serviços à jorna. No fim da escala social vêm
os assalariados agrícolas, que formam o proletariado rural, pos-
suindo apenas sua força de trabalho.
Desta forma, a sociedade rural divide-se em dois grupos
distintos, os exploradores e os explorados, grupos esses que se
poderiam subdividir em vários grupos mais limitados: explorado-
res: proprietários das plantações, proprietários absentistas, agri-
cultores (que possuem terras relativamente grandes), pequenos
agricultores; explorados: camponeses, proletariado rural.
A maioria dos proprietários das plantações são estrangei-
ros (como na Nigéria, em Camarões, no Congo-Kinshasa, na
África do Sul e na Rodésia). Essas plantações são extensões dos
monopólios em África. O sistema das plantações é de acordo com
os princípios fundamentais do capitalismo: assenta-se na explora-
ção dos trabalhadores agrícolas. Esta exploração é tornada possí-
vel pelo nível de vida pouco elevado dos trabalhadores, o que
permite aos monopólios pagar-lhes salários nominais irrisórios.
Contudo, devido à crescente subida dos preços dos produtos de
consumo, os salários reais desses trabalhadores não cessam de
baixar. O resultado é a gravidade crescente do conflito que opõe
capital e trabalho. Os monopólios estrangeiros pertencem aos
proprietários absentistas estrangeiros. Mas existem também ab-
sentistas locais.
Os absentistas locais são geralmente proprietários africa-
nos que vivem na cidade, luxuosamente, controlando, graças aos
seus capitais, vastas extensões de terras nas regiões rurais. Vivem
da exploração dos trabalhadores agrícolas. A exploração reside
no tipo de pagamento: um trabalhador agrícola não recebe salário
fixo e trabalha durante todo o dia. O conflito que opõe capital e
trabalho é tão intenso nestas propriedades como nas plantações.
Frequentemente, o proprietário absentista explora também na ci-
dade, exigindo preços exorbitantes pelas casas que aluga aos tra-
balhadores. Uma outra categoria de exploradores são os grandes
| 516 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

agricultores, que são normalmente proprietários nativos, por ve-


zes mais ricos que os proprietários absentistas. Ao contrário des-
tes últimos, vivem nas suas próprias terras.
São prósperos, porque suas terras são férteis e porque têm
meios técnicos para as cultivar e possibilidade de alugar mão de
obra. São, em geral, pessoas muito importantes na região em que
habitam, e costumam ter grandes famílias. Os seus métodos de
produção são semifeudais e praticam, por vezes, o pagamento em
gêneros. Em muitos casos devem fidelidade aos chefes ou anciãos
de uma aldeia mais importante. Preocupam-se com a cultura de
exportação. Depois dos grandes agricultores vêm, na escala social,
os possuidores de pequenas quintas. São pequenos proprietários que
possuem também suas máquinas e seu gado. Segundo a psicologia
revolucionária marxista, são instáveis e hesitantes. Empregam os
membros das suas famílias e alugam serviços de jornaleiros na épo-
ca das colheitas e das lavouras. Aspiram a tornar-se prósperos, o que
lhes permitiria ter mão de obra permanente e obter uma grande pro-
priedade. Preocupam-se sobretudo com a produção local para con-
sumo imediato.
Ao lado do pequeno agricultor situa-se o camponês, que é
o menor proprietário de terras. A sua vida é a própria inseguran-
ça. Trabalha um pequeno retalho de terra, com ou sem gado. Está
sempre dependente das condições atmosféricas e da própria natu-
reza, porque sua colheita só será boa se estiver bom tempo, mas o
mau tempo pode arruiná-lo, e vê-se então obrigado a alugar seus
serviços nas plantações e nas grandes propriedades. Devido à su-
bida crescente dos preços e ao custo elevado dos produtos manu-
faturados, por exemplo, as dificuldades do camponês aumentam a
cada dia. Geralmente produz tudo o que precisa em casa e rara-
mente ganha com sua produção. O camponês pode tornar-se um
elemento revolucionário, sob a condição de ser enquadrado pelo
proletariado rural e urbano. O proletariado rural é constituído por
trabalhadores, no sentido marxista do termo. São parte integrante
da classe operária e a camada social mais revolucionária do mun-
do rural africano.
É necessário desenvolver o potencial revolucionário desta
camada rural de camponeses e operários agrícolas, porque consti-
tuem a força principal da revolução. Compete aos quadros revo-
lucionários a tarefa primordial de os levar a tomar consciência
| 517 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

das realidades do seu potencial econômico, e de os conquistar, a


eles e aos pequenos agricultores, para um método socialista de
produção e distribuição agrícolas. Isto deve ser feito através do
desenvolvimento de diversos tipos de cooperativas agrícolas: es-
tas são essenciais em uma transição de um modo de agricultura
privado, baseado na pequena produção, a uma agricultura moder-
na, mecanizada, socialista. Existem já em diversos países africa-
nos cooperativas de mercado, que têm sido bem-sucedidas, e co-
operativas de crédito, que são menos frequentes, devido à falta de
fundos. Mas a mais importante forma de cooperação agrícola é a
cooperativa de produção que organiza a administração e o meca-
nismo da produção agrícola. Este tipo de cooperativa está ainda
na sua infância, devido à falta de pessoal qualificado para a pôr a
funcionar e à falta de maquinaria agrícola. Só um governo pro-
gressista a saberia utilizar. Porque nos países neocolonialistas as
cooperativas servem já os interesses da burguesia rural e dos mo-
nopólios capitalistas. As elites neocolonialistas exploram o iso-
lamento relativo e o atraso cultural das massas camponesas, le-
vando-as assim a aceitar sua dominação política.
É sobretudo no mundo rural que subsistem vestígios de
feudalismo. Em geral, as condições de vida dos camponeses não
se modificaram desde as épocas pré-coloniais e coloniais: conti-
nuam a ter que pagar pesadas taxas e fazer trabalhos forçados.
Quando emigram para a cidade, são geralmente vítimas dos ex-
ploradores coloniais e neocoloniais. Tal como os camponeses da
Ásia e da América Latina, os camponeses africanos sofreram du-
rante muito tempo o feudalismo e a exploração imperialista capi-
talista. Do Cairo ao cabo da Boa Esperança, e das ilhas de Cabo
Verde ao Quênia e a Zanzibar, a situação e os problemas dos
camponeses africanos são praticamente idênticos. O campesinato
tem que se libertar das relações de produção semifeudais e capita-
listas. A agricultura deve passar de uma pequena produção a uma
agricultura moderna, baseada na utilização de cooperativas, ins-
trumentos e técnicas mais modernos.
Atualmente, os camponeses africanos apoiam-se na pe-
quena propriedade dos meios de produção, exceto nas regiões on-
de existe uma agricultura de subsistência e um sistema de propri-
edade comunal. O centro do problema agrário, na África ociden-
tal, é o prevalecimento da pequena produção. Em Gana, 97% das
| 518 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

quintas têm uma superfície inferior a 4 hectares; 60% têm menos


de 2 hectares. A pequena exploração agrícola é um obstáculo à
expansão das ideias socialistas, porque traz consigo o conserva-
dorismo, a avidez e uma mentalidade burguesa.
Sob a dominação colonial, assim como nos Estados neo-
colonialistas, o governo fez recrutamentos entre as massas cam-
ponesas para a sua polícia e o seu exército, porque se diz que são
mais “leais”. Na verdade, o governo apenas explorou a ignorân-
cia, o espírito de submissão e o conservadorismo, características
das massas camponesas iletradas. Durante as lutas de libertação
nacional, os camponeses bateram-se pela independência e contra
o feudalismo, nos movimentos políticos criados por dirigentes
sindicalistas, operários e intelectuais revolucionários. É indispen-
sável que as massas camponesas recebam o apoio dos seus alia-
dos naturais, na luta revolucionária pelo socialismo. Nos países
onde as lutas revolucionárias socialistas resultaram na derrubada
de governos burgueses – como na China, Cuba, Vietnã e Coreia –
as massas camponesas foram aliadas de outras forças sociais, en-
quadradas por partidos marxistas. Os laços estreitos que unem o
proletariado e as massas camponesas são os mesmos que unem os
movimentos de guerrilha urbanos e rurais. São parte integrante da
luta revolucionária socialista, e nenhum poderá alcançar a vitória
final sem o outro.
A luta revolucionária socialista, em África, deve apoiar-se
nas massas camponesas e no proletariado rural, porque estes
constituem a grande maioria da população, e o seu futuro está no
socialismo. Os combatentes da liberdade, que fazem parte destas
massas, dependem delas quanto ao recrutamento e abastecimento.
O mundo rural é o bastião da revolução. É o campo de batalha no
qual as massas camponesas e os seus aliados naturais – o proleta-
riado e a intelligentsia revolucionária – serão a força motriz da
construção e das transformações socialistas

A revolução socialista
A ação política atinge seu ponto mais alto logo que o prole-
tariado, sob a direção de um partido de vanguarda guiado pelos
princípios do socialismo científico, consegue derrubar o sistema de
classes: a revolução atingiu então o auge. As bases de uma revolu-
ção são lançadas logo que as estruturas orgânicas e condições em
| 519 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

uma determinada sociedade levaram as massas a desejar ardente-


mente a derrubada completa das estruturas desta sociedade. Embo-
ra não haja dogmas estabelecidos rigorosamente quanto à revolu-
ção socialista, já que a história não se repete, a experiência provou
que, nas condições da luta de classes, a revolução socialista não se
pode realizar sem recorrer à violência. A violência revolucionária é
um princípio fundamental das lutas revolucionárias. Porque as eli-
tes privilegiadas não cederão o poder a não ser que sejam obriga-
das; mesmo quando aceitam efetuar reformas, não cederão nunca
porque sua posição está ameaçada. Somente a ação revolucionária
as poderá derrubar. Não há nenhum acontecimento histórico que
não tenha sido conquistado à custa de violentos esforços e vidas
humanas. Ficarão desiludidos aqueles que esperam que a passa-
gem do modo de produção capitalista ao modo de produção socia-
lista se fará sem o recurso da violência. Porque a mudança qualita-
tiva inerente à revolução socialista é muito mais profunda do que a
que provocou a passagem do feudalismo ao capitalismo. Os revo-
lucionários socialistas querem uma transformação total da socieda-
de e a abolição do sistema de classes. Pelo contrário, o declínio do
feudalismo trouxe a introdução de novas estruturas sociais, através
das quais o dinheiro, e não os títulos de propriedades, se tornou a
condição fundamental do poder e do privilégio. A revolução socia-
lista opõe-se aos conceitos elitistas e pretende a abolição do siste-
ma de classes, assim como a abolição do racismo. Os revolucioná-
rios socialistas lutam pela instauração de um Estado que garanta a
realização das aspirações das massas e lhes assegure uma partici-
pação em todos os escalões do governo.
Em uma sociedade capitalista a liberdade é o direito de fa-
zer o que a lei permite, no interesse da classe burguesa que está
no poder. Ora, capitalismo, quanto mais se desenvolve, mais
anárquico torna-se. A revolução socialista é, então, o resultado
lógico e inevitável.
Nos países em que o desenvolvimento capitalista e indus-
trial está no seu começo, e onde a burguesia representa uma mino-
ria da população, o proletariado está em condições de, através da
tomada do poder, instaurar o regime socialista. Sob a direção dos
revolucionários socialistas, a África pode passar de um estágio de
propriedade burguesa capitalista a um estágio em que os meios de
| 520 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

produção são distribuídos segundo um modo de propriedade socia-


lista comunista.
Mas a luta revolucionária não poderia contar com a partici-
pação da burguesia e da pequena classe média, porque, a despeito
da sua participação nas lutas de libertação nacional, tentarão sem-
pre impedir a criação de um Estado socialista, para conservar os
seus privilégios. São fiéis ao capitalismo e sua sobrevivência de-
pende do apoio que recebem do imperialismo e do neocolonialis-
mo. Uma transformação total da sociedade só será realizada com a
derrubada da burguesia pela revolução socialista. Há certos fatores
que fazem acelerar o processo da revolução socialista: o mais im-
portante é o desenvolvimento capitalista e a industrialização, que,
ao provocar a ampliação da classe operária, favorece o surgimento
de futuros dirigentes da revolução proletária. Entre outros fatores
estão o abandono das classes dirigentes pelos intelectuais, os go-
vernos ineficazes e a incompetência política da classe burguesa no
poder. O exemplo e a ajuda das outras revoluções socialistas favo-
recem igualmente o avanço do socialismo. Há, por fim, a influên-
cia dos conflitos sociorraciais e dos antagonismos de classes. No
século XX, é nos países menos industrializados – países com um
passado marcado pela exploração imperialista, colonialista e neo-
colonialista – que tiveram lugar as tomadas de poder mais violen-
tas. Estas mudanças violentas não podem ser consideradas como
lutas pelo poder entre diversas elites: representam ações de classes.
No caso da revolução socialista, trata-se de uma tomada de poder
pelo proletariado.
Mas no caso de golpes de Estado reacionários, dá-se a der-
rubada, pela burguesia, de um governo de tendência socialista ou
então uma luta pelo poder entre diversas facções da burguesia. Em
África, na Ásia e na América Latina, a ebulição econômica, políti-
ca e social deve ser explicada no contexto da revolução socialista
mundial, porque hoje em dia o processo revolucionário reúne três
correntes: sistema socialista mundial, movimentos de libertação
dos povos de África, Ásia e América Latina e movimentos operá-
rios dos países industrializados capitalistas. Os povos dos países
menos industrializados têm um papel estratégico a desempenhar no
processo revolucionário, devido a sua experiência do imperialismo,
do colonialismo e do neocolonialismo. Veem os problemas tanto
mais quanto os processos de produção e distribuição não tiverem
| 521 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

sido ainda obscurecidos pelas manobras falaciosas do “estado da


prosperidade” e pela corrupção capitalista. A causa da revolução
proletária internacional é parte integrante das lutas de libertação do
mundo em vias de desenvolvimento, centro dos antagonismos de
classes na época contemporânea. Os países do 3º Mundo tornaram-
se os “pontos quentes” da revolução mundial, dando golpes diretos
e mortais no imperialismo. O emburguesamento de certos setores
da classe operária internacional e o economismo de certos dirigen-
tes proletários socialistas tornam as lutas revolucionárias socialis-
tas dos países em vias de desenvolvimento importantes; assim, de
certo modo, a luta revolucionária socialista desenvolveu um ele-
mento sociorracial. Ora, se seria perigoso não reconhecer um tal
fator, é, no entanto, preciso não perder de vista o objetivo funda-
mental da revolução socialista: a luta de classes.
| 522 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Revolução mundial

sistema classe
socialista Luta de libertação nacional operária
mundial na Ásia, África e América Latina internacional

Revolução africana

luta de guerra
classe civil
s

Vitória popular
Liberdade. Unidade. Socialismo.
Governo pan-africano

O mundo em vias de desenvolvimento não é um bloco ho-


mogêneo oposto ao imperialismo. O conceito de “Terceiro Mun-
do” é ilusório. Na verdade, está em grande parte dependente do
imperialismo. A luta contra o imperialismo tem lugar no interior e
no exterior do mundo imperialista: trata-se de uma luta entre o so-
cialismo e o capitalismo, e não entre um chamado Terceiro Mundo
e o imperialismo. O eixo do problema é a luta de classes. Além
disso, é impossível edificar o socialismo no mundo em vias de de-
senvolvimento isoladamente do sistema socialista mundial.

Conclusão
A revolução africana, ao concentrar-se na destruição do
imperialismo, do colonialismo e do neocolonialismo, visa realizar
uma transformação completa da sociedade. Já não se trata, para
os Estados africanos, de escolher um modo de produção capitalis-
ta ou não capitalista, porque a escolha já foi feita pelos trabalha-
dores africanos: a libertação e unidade do continente, que apenas
a luta armada para o socialismo realizará.
| 523 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Porque a unidade política de África só é possível no socia-


lismo. “Capitalismo popular”, “capitalismo esclarecido”, “paz
entre as classes”, “harmonia social”, tudo isto corresponde a ten-
tativas falaciosas e burguesas de alienar as massas.
Alguns sugerem uma via “não capitalista” seguida de uma
“união das forças progressistas”; ora, um tal sistema não pode
convir à África dos tempos modernos.
Porque os Estados africanos não podem escolher entre
uma ou outra destas possibilidades: regressar à dominação impe-
rialista pelo capitalismo e neocolonialismo, ou adotar os princí-
pios do socialismo científico. Seria falso pretender que a instau-
ração de um regime socialista não é possível nos países pouco
industrializados, onde um proletariado forte é ainda pouco nume-
roso. A história provou que um proletariado relativamente pouco
numeroso, bem organizado e dirigido, pode levar as massas cam-
ponesas a tomar consciência e a fazer rebentar uma revolução.
Em uma situação neocolonialista, não pode haver com-
promissos; apenas o socialismo pode pôr fim à exploração capita-
lista imperialista. O socialismo só será realizado através da luta
de classes. Na África, o inimigo interno, que é a burguesia reaci-
onária, deve ser desmascarado: trata-se de uma classe de explora-
dores, de parasitas e de colaboradores de imperialistas e neocolo-
nialistas, dos quais depende a manutenção das suas posições pri-
vilegiadas. A burguesia africana é essencialmente a continuidade
da dominação e da exploração imperialista e neocolonialista. Pe-
rante a necessidade da sua eliminação, um partido revolucionário
socialista de vanguarda organizará e enquadrará a solidariedade
operária camponesa.
Graças à derrota da burguesia nativa, do imperialismo, do
neocolonialismo e dos inimigos exteriores da Revolução Africa-
na, as aspirações do povo africano serão realizadas.
Como nas outras regiões do mundo em que a revolução
socialista está bastante dependente das massas camponesas, os
quadros da Revolução Africana veem-se perante uma tarefa gi-
gantesca: têm de conquistar o proletariado urbano e rural para a
revolução e estendê-la até aos campos; é então que os combaten-
tes da liberdade – de quem depende muito a revolução na sua fase
armada – poderão desenvolver e alargar suas áreas de operações.
| 524 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

É necessário politizar os dois principais pilares do poder


burguês – a burocracia e a polícia e exército. A vitória das forças
revolucionárias depende da habilidade do partido revolucionário
socialista em fixar a importância das classes sociais e em distin-
guir os aliados e os inimigos da revolução.
O partido deve estar à altura de mobilizar e dirigir o con-
junto das forças para a revolução socialista já existente, e desper-
tar e estimular o imenso potencial revolucionário ainda por explo-
rar. Enquanto a violência for utilizada contra os povos africanos,
o partido não alcançará seus objetivos sem utilizar todas as for-
mas de luta política, inclusive a luta armada. Se a luta armada
deve ser empreendida de modo eficaz, deve – tal como o partido
– ser centralizada.
Um alto Estado-Maior Pan-africano, enquadrado por um
partido operário pan-africano, deveria poder planificar uma estra-
tégia e uma tática unificada, atacando assim mortalmente o impe-
rialismo, o colonialismo e o neocolonialismo, assim como os re-
gimes minoritários europeus em África.
A resistência armada não é um fenômeno novo para a
África: durante séculos, africanos lutaram contra o intruso colo-
nialista, se bem que estes combates heroicos tenham sido relega-
dos ao silêncio por historiadores estrangeiros e burgueses.
Na realidade, os africanos nunca deixaram de impor resis-
tência diante da penetração e da dominação imperialista, mesmo
quando esta resistência se tornou não violenta à medida que a
opressão e a exploração imperialistas se acentuavam.
Quando a colonização se encontrava no seu apogeu, a re-
sistência africana pareceu, momentaneamente, ter sido finalmente
vencida, e aparentava então que a dominação política e econômi-
ca do continente pelas potências estrangeiras estava definitiva-
mente estabelecida. Mas isto era ilusório: a resistência africana
ressurgiu depois da Segunda Guerra Mundial, sob a forma de lu-
tas de libertação nacional. Se algumas destas conseguiram triun-
far sem o recurso às armas, outras só após anos de combate ar-
mado conheceram a vitória.
| 525 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

inimigos da Revolução Africana

internos
burgueses externos
reacionários, feudais, imperialismo
CAPITALISMO
governos fantoches, colonialismo
regimes minoritários neocolonialismo
europeus

apoiam

A independência política não trouxe o fim nem da opres-


são e da exploração econômica, nem da ingerência estrangeira na
vida política. O período neocolonialista começou logo que os
monopólios capitalistas internacionais deram seu apoio, durante a
época colonial, à burguesia nativa, para assegurar seu controle da
vida econômica do continente. O neocolonialismo passou a em-
pregar uma nova forma de violência contra os povos africanos,
através de dominação política indireta, pela burguesia nativa e
pelos governos fantoches teleguiados pelo neocolonialismo; ex-
ploração econômica direta através da extensão das operações de
corporações poderosas; controle dos meios de comunicação, infil-
tração ideológica.
E muitas outras maneiras insidiosas de penetração. Nestas
circunstâncias, compreende-se a importância da luta armada.
Porque a libertação e a unificação da África não podem estar de-
pendentes de um consentimento, de preceitos morais ou de uma
conquista moral. É somente recorrendo às armas que a África po-
derá se livrar dos últimos vestígios de colonialismo, imperialismo
e neocolonialismo e se libertará e unirá no socialismo. As massas
africanas terão então o apoio e a assistência do mundo socialista.
A luta revolucionária africana não é uma luta isolada; não
faz apenas parte da revolução socialista mundial, mas também da
revolução do Mundo Negro. Por toda parte onde os descendentes
| 526 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

africanos são oprimidos – como nos Estados Unidos e nas Anti-


lhas55 – rebentam lutas pela libertação.
Porque nestas regiões do Mundo, onde o homem negro é
colonizado, é simultaneamente vítima de uma discriminação de
classe e de raça. A África é o centro da revolução do Mundo Ne-
gro; enquanto não for unificada sob a direção de um governo so-
cialista, os homens negros do mundo inteiro não terão uma naci-
onalidade. É à volta da luta dos povos africanos pela libertação e
unidade do continente que tomará forma uma autêntica cultura
negro-africano. A África é um continente, um povo, uma nação.
A teoria segundo a qual uma nação não tem razão de ser se não
tiver um território comum, uma língua comum e uma cultura co-
mum não conseguiu sobreviver ao teste do tempo, que define ci-
entificamente a realidade objetiva.
Porque, se de fato esses elementos podem constituir uma
nação, a presença desses três elementos não é necessária à sua
existência. Um território comum e uma língua comum podem ser
suficientes para a formação de uma nação, assim como um terri-
tório comum e uma cultura comum.
Às vezes até um só destes elementos é suficiente. Um Es-
tado pode existir sobre bases multinacionais; porque é a econo-
mia que reúne os indivíduos em um mesmo território. É nesta ba-
se que os africanos de hoje se reconhecem a si próprios potenci-
almente como uma nação, cujo domínio é todo o continente afri-
cano. O objetivo principal dos revolucionários do Mundo Negro
deve ser a libertação e a unificação totais da África sob a direção
de um governo pan-africano socialista. É um objetivo que satisfa-
rá as aspirações dos povos africanos de todo o mundo.

55.Todos os povos de descendência africana, quer vivam no Norte ou no


Sul da América, nas Antilhas ou em outra parte do Mundo, são africanos e
pertencem à nação africana.
| 527 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

APÊNDICES

Declaração Aos Povos Coloniais Do Mundo


Aprovado e adotado pelo Congresso Pan-Africano ocorrido em
Manchester, Inglaterra, de 15 a 21 de outubro de 1945.

Nós acreditamos no direito de todos os povos de governa-


rem a si mesmos. Nós afirmamos o direito de todos os povos colo-
niais de controlar seus próprios destinos. Todas as colônias devem
ser livres do controle estrangeiro imperialista, seja político ou eco-
nômico. Os povos das colônias devem ter o direito de eleger seu
próprio governo, um governo sem restrições do poder estrangeiro.
Nós dizemos aos povos das colônias que eles devem lutar por esse
fim com todos os meios disponíveis.
O objetivo dos poderes imperialistas é explorar. Ao conce-
der o direito aos povos coloniais de se governarem, eles estão der-
rotando esse objetivo. Portanto, a luta pelo poder político pelos po-
vos e sujeitos coloniais é o primeiro passo, e o pré-requisito neces-
sário, rumo à completa emancipação social, econômica e política.
O primeiro Congresso Pan-africano, portanto, convoca os
trabalhadores e agricultores das colônias a se organizarem efetiva-
mente. Trabalhadores coloniais devem estar na linha de frente da
batalha contra o imperialismo.
Este primeiro Congresso Pan-africano convoca as classes in-
telectuais e profissionais das colônias a despertarem para sua res-
ponsabilidade. A longa noite acabou. Lutando pelos direitos sindi-
cais, pelo direito de formar cooperativas, liberdade de imprensa, as-
sembleia, manifestação e greve; liberdade de publicar e ler a literatu-
ra necessária para a educação das massas, você usará os únicos mei-
os pelos quais sua liberdade vencerá e será mantida. Hoje só há um
caminho para a ação efetiva – a organização das massas.

POVOS COLONIZADOS DO MUNDO: UNI-VOS!


| 528 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 529 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O espectro do Black Power


Para
Ernesto Che Guevara
Ben Barka
Malcolm X

We could mourn them


but they don't want our tears.
We scorn death knowing
that we cannot be defeated.

Introdução
O Pan-africanismo tem sua origem na luta de libertação
dos afro-americanos, expressando as aspirações de africanos e
dos povos de descendência africana. Da primeira Conferência
Pan-africana, realizada em Londres em 1900, até a quinta e úl-
tima Conferência Pan-africana realizada em Manchester em
1945, os afro-americanos se mostraram a principal força diri-
gente do movimento. O Pan-africanismo então guinou para a
África, sua verdadeira casa, com a realização da Primeira Con-
ferência dos Estados Africanos Independentes em Accra, em
abril de 1958, e a Conferência do Povo de toda a África, em de-
zembro daquele mesmo ano. O trabalho dos antigos pioneiros do
Pan-africanismo tais como Sylvester Williams, Dr W.E.B. Du
Bois, Marcus Garvey, e H. George Padmore, nenhum deles nas-
cidos na África, se tornou uma parte separada da história africa-
na. É significativo que dois deles, Dr. Du Bois e George Padmo-
re, vieram morar em Gana sob meu convite. Dr. Du Bois mor-
reu, como desejava, em solo africano, enquanto trabalhava em
Accra na Enciclopédia Africana. Padmore tornou-se meu asses-
sor em assuntos africanos, e gastou os últimos anos de sua vida
em Gana, ajudando na luta revolucionária pela unidade africana
e pelo socialismo.
| 530 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

As estreitas ligações estabelecidas entre os africanos e os


povos descendentes da África por cerca de meio século de luta
comum continua a nos inspirar e nos fortalecer. Pois, ainda que
as formas externas de nossa luta possam mudar, na essência
permanecem a mesma, uma luta até a morte contra a opressão,
racismo e exploração.
A maior parte da África agora conquistou a independência
política. Mas o imperialismo não desapareceu. O capital financei-
ro internacional, aparecendo agora na sua nova forma de neoco-
lonialismo, busca manter e estender seus domínios sobre a vida
econômica de nosso continente. Os imperialistas e neocolonialis-
tas estão recorrendo a todo tipo de estratagema para garantir seus
objetivos. Se aliaram com os elementos reacionários em nosso
meio para organizar golpes militares e outras formas de ação dire-
ta em uma tentativa de travar o avanço da Revolução Africana.
Ao mesmo tempo, estão trabalhando das formas mais traiçoeiras
para minar nossa moral e desviar nossa atenção do principal pro-
pósito de nossa luta – a total libertação do continente africano,
um governo de união de toda a África e o socialismo.
A Organização da Unidade Africana tornou-se pratica-
mente inútil como resultado das maquinações dos neocolonialis-
tas e seus fantoches. Assim, está sendo mantida como uma or-
ganização inócua na esperança de que se possa atrasar a forma-
ção de uma organização pan-africana verdadeiramente eficaz
que levará à unificação política genuína. O incentivo está sendo
dado à formação das organizações econômicas regionais africa-
nas no conhecimento de que sem coesão política serão inefica-
zes e servirão para fortalecer, e não enfraquecer, a exploração e
dominação neocolonialista.
Toda forma de excentricidade está sendo usada para dis-
trair e desviar de nosso propósito.
Existe a conversa do “socialismo africano”, socialismo ára-
be, socialismo democrático, socialismo muçulmano, e em último
lugar, o “padrão pragmático de desenvolvimento”, e assim todos
alegando que encontraram as soluções para nossos problemas.
Assim como existe apenas um socialismo verdadeiro, o
socialismo científico, cujos princípios são universais e perma-
nentes, existe apenas um caminho para conquistar os objetivos
revolucionários da África, de libertação, unificação política e
| 531 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

socialismo. Se chega a este caminho pela luta armada. A época


de discursos, conferências, soluções temporárias, por acordos
está no passado.
De forma semelhante, com o surgimento do Black Po-
wer nos Estados Unidos da América, o movimento de libertação
dos afro-americans se tornou militante, e armado. Mas, como na
África, o movimento tem que estar atento, contra o inimigo in-
terno, bem como o inimigo externo. Deve haver um cerramento
de fileiras e um persistente esforço conjunto para levar a cabo a
luta até uma conclusão vitoriosa.

O espectro do Black Power


Com uma força e poder de decisão que não podem mais
se manter ocultos, o espectro do Black Power desceu sobre o
mundo como um raio caindo do céu. Surgindo dos guetos, pân-
tanos e campos de algodão dos Estados Unidos, agora assombra
as ruas, assembleias legislativas e gabinetes superiores e assim
chocou e aterrorizou estadunidenses, fazendo com que apenas
agora estejam começando a compreender seu significado pleno,
o fato de que o Black Power, em outras manifestações, está em
confronto com o imperialismo, colonialismo, neocolonialismo,
exploração e agressão em várias partes do mundo. Nos EUA, a
“Questão Negra” tem sido uma discussão mais ou menos deli-
cada desde que os primeiros escravos de África pousaram em
James Town em 1619. Por três séculos e cinquenta anos, entre-
tanto, o assunto das “revoltas de escravos” se tornou um tabu e
foi eliminado dos livros didáticos. Nos últimos 30 anos, foram
feitos esforços rigorosos para encobrir e obscurecer o problema
real da Guerra Civil dos Estados Unidos: se a escravidão dos
africanos deveria continuar ou não. De fato, não é mais conside-
rado apropriado nos Estados Unidos mencionar a “Guerra Ci-
vil”. Algumas vezes se fazem referências delicadas à “guerra
infeliz entre os Estados”.
Após a Guerra Civil, as 13ª, 14ª e 15ª Emendas da Cons-
tituição dos Estados Unidos aboliram a escravidão africana e
garantiram direitos de cidadania aos homens livres. Imediata-
mente, a maioria dos Estados passaram leis anulando estes direi-
tos e, em geral, a opinião pública de todo o país apoiaram suas
ações. Alguns legisladores apontaram a injustiça e mesmo os
| 532 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

perigos de seguir este rumo, e em 1875 o Congresso passou uma


Lei de Direitos Civis moderada para os homens libertos. Contu-
do, em 1884, a Lei foi revogada pela Suprema Corte dos Esta-
dos Unidos. E assim, ao longo dos anos, o povo de descendência
africana vem pedindo, implorando, indo aos tribunais e protes-
tando por “direitos” livremente garantidos a qualquer imigrante
naturalizado. À medida que os Estados Unidos ficavam mais
ricos, mais poderoso e imperialista, enquanto se expandia e es-
tendia sua influência e controle pela América Latina e as ilhas
do Caribe, seu racismo, opressão e desprezo pelos povos africa-
nos se tornou aceito como parte da cultura estadunidense. A
Revolução de Outubro da Rússia não penetrou nas massas dos
afro-americanos. Alguns intelectuais, no entanto, a saudaram
como um triunfo dos oprimidos e dos explorados, uma vitória
proletária socialista. Alguns viajaram para a recém-estabelecida
União Soviética. Vários continuaram ali, e deram sua força e
habilidade para construir o primeiro Estado socialista do mundo.
Mas aqueles que retornaram não encontraram meios de aplicar o
que haviam visto para a situação dos Estados Unidos. Enquanto
isso, operários brancos estavam organizando agitações por me-
lhores condições de trabalho. Mas até a organização do Comitê
por Organização Industrial (CIO) e a Segunda Guerra Mundial,
os negros americanos eram regularmente excluídos das organi-
zações trabalhistas. A necessidade de aumentar a mão de obra
durante este período encorajou a imigração do Sul de milhares
de trabalhadores negros que se aglomeravam para cidades do
Norte à procura de emprego, porém sem lugar para viver, a não
ser em favelas em meio a condições muito piores do que os bar-
racos rurais que haviam deixado no Sul.
Apesar do longo e incansável trabalho na educação e or-
ganização dos pioneiros dos “Direitos Civis”; apesar de os es-
forços diligentes dados por cidadãos afro-americanos dos Esta-
dos Unidos para educar seus filhos e do trabalho duro para al-
cançar a “aceitação” na sociedade americana, os negros ameri-
canos mantiveram-se apenas como estrangeiros excluídos em
sua terra natal, a grande massa deles relegados da básica justiça
humana. Isto é um fato que agora chama a atenção de todos
aqueles que, ao longo dos anos, tiveram a partir de seu poder os
meios de ordenar e moldar o mundo de acordo com seus interes-
| 533 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

ses. Interesses brancos controlaram a riqueza econômica; inte-


resses brancos foram capazes de estabelecer os padrões “mo-
rais” do qual os Estados Unidos devem viver; o Imperialismo
interno branco56 fez todas as leis, regras e regulamentações. Es-
te era o mundo moderno até, e durante toda a primeira metade
do século XX. A independência de Gana, conquistada em 6 de
março de 1957, inaugurou a luta decisiva pela liberdade e inde-
pendência de toda a África – a liberdade do jugo colonial e do-
minação dos ocupantes. Naquele dia, eu proclamei para o mun-
do que “a independência de Gana é sem sentido a não ser que se
ligue à libertação total do continente africano”. Imediatamente o
soar da batida dos tambores enviou esta mensagem para além
dos rios, montanhas, florestas e planícies. As pessoas ouviram e
agiram. Os movimentos de libertação ganharam força, e comba-
tentes pela liberdade começaram a treinar. Um após o outro, no-
vos Estados africanos surgiram, e acima do horizonte do mundo
surgiu a Personalidade Africana. Chefes de Estado da África
iam para a ONU; africanos vestiam orgulhosamente as regalias
de sua terra ancestral; africanos se levantavam e falavam na tri-
buna do fórum mundial, e falavam por africanos e pelos povos
de descendência africana onde quer que estivessem.

56. “Imperialismo interno” é um termo que denota o processo de formação


dos Estados Unidos e do racismo ali, onde os negros acabavam se contor-
nando majoritariamente na região que foi chamada de “Cinturão Negro”, o
que daria aos negros nos Estados Unidos aspectos de uma nacionalidade
própria, dado que removeram as oportunidades tanto deles se identificarem,
em termos nacionais, com sua terra natal por serem removidos da África no
processo da Diáspora, quanto com a própria identidade nacional estaduni-
dense, já que no processo de formação da identidade nacional dos Estados
Unidos, se excluíram os negros desta identidade, não os reconhecendo co-
mo norte-americanos. O Comintern, nos anos 30, a partir da teorização do
líder negro do PCUSA, Harry Haywood, desenvolveu sobre como este
“Cinturão Negro” se compreenderia como uma “Nação Negra” própria que
sofreria um “Colonialismo Interno” nos marcos territoriais dos Estados
Unidos. O Partido Comunista da África do Sul também usou das teorias de
Colonialismo Interno ao tratar do tema da segregação forçada com o
Apartheid, dos governos satélites do Imperialismo.
| 534 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Eu vivenciei o impacto imediato nos despojados da Áfri-


ca nos Estados Unidos – a dignidade negra poderia ser conquis-
tada. A beleza negra era uma realidade. Eu sei como determinou
e inspirou estudantes afro-americanos a sair de suas escolas do
Sul e “sentar” naqueles lugares onde as leis e os costumes reser-
vavam apenas para os “brancos”. Ouviram dizer quando esta-
vam sendo arrastados para a prisão por policiais enfurecidos:
“toda a África será libertada antes que aqui possamos pegar uma
xícara de café ruim!”. Os livros didáticos dos Estados Unidos
fogem da discussão das revoltas escravas, ainda que rebeliões e
insurreições formem uma parte considerável da história afro-
americana. Sabemos como homens e mulheres negros e negras
lutaram através dos pântanos da Louisiana, como os fazendeiros
de Virginia se intimidaram diante do nome do revoltoso Nat
Turner, como Harriet Tubman liderou bandos armados de escra-
vos foragidos do Sul, e de sua fama como perspicaz atiradora. A
maior revolta de escravos foi planejada e liderada por um ho-
mem branco cujo nome foi imortalizado em canção. Foi na pon-
te de Harpers Ferry que John Brown começou a Guerra Civil
que levou inevitavelmente à libertação dos escravos.
Os jovens afro-americanos que “sentaram”, nos últimos
anos não cometeram nenhum ato de violência, e nem os vários
estudantes brancos que, seguindo seu exemplo, saíram das Uni-
versidades do Norte para protestar contra o racismo, segregação
e discriminação. Mas seus pedidos e apelos por justiça foram
recebidos com violência, espancamentos selvagens e prisão. Al-
guns deles morreram na luta.
Então, em 18 de agosto de 1965, no gueto negro de
Watts, na cidade de Los Angeles, os negros americanos pegaram
em armas contra seus agressores.
Desde então, praticamente toda cidade grande dos Estados
Unidos viu armas, rifles e bombas nas mãos de homens negros
que, a cada tiro disparado, estão defendendo seu direito de nascen-
ça. Desde 1966, o grito da rebelião tem sido “Black Power”.
O que é Black Power? Eu vejo nos Estados Unidos como
parte da vanguarda da revolução mundial contra o capitalismo, im-
perialismo e o neocolonialismo que escravizou, explorou e oprimiu
os povos em todo o mundo, e contra o qual as massas do mundo
agora estão se revoltando. O Black Power é parte da rebelião mun-
| 535 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

dial dos oprimidos contra o opressor, dos explorados contra o ex-


plorador. Atua em todo o continente africano, na América do Norte
e do Sul, no Caribe, onde quer que os africanos e povos de descen-
dência africana vivam. É ligado à luta pan-africana por unidade no
continente Africano, e com todos aqueles que lutam para estabele-
cer uma sociedade socialista. A análise da estrutura social dos Es-
tados Unidos indica que os negros dali compreendem a base prole-
tária do país. Sob suas costas, seu trabalho, suor, escravização e
exploração, foi construída a riqueza, prosperidade e altos padrões
de vida desfrutados nos Estados Unidos hoje. Até recentemente, os
afro-americanos buscavam aliviar sua opressão, através da integra-
ção à maioria branca.
Eles protestavam pelo fim da discriminação social e por “di-
reitos iguais”, querendo ganhar acesso às escolas e faculdades, res-
taurantes, hotéis, e outros lugares de onde estavam excluídos. Eram
estas as exigências do Movimento por Direitos Civis. Ainda assim,
um número grande de afro-americanos não tinha emprego, moradia
decente, e nem dinheiro para aproveitar os restaurantes, hotéis e pis-
cinas reservadas para “apenas brancos”. O Movimento por Direitos
Civis não falava pelas necessidades das massas afro-americanas.
Entretanto, se pensava que o apelo por direitos civis seria
ouvido, porque a Constituição dos Estados Unidos, com suas
várias emendas, apoia estas demandas. Ao invés disso, milhares
de afro-americanos foram presos, intimidados, espancados, e
alguns assassinados por protestarem por estes direitos garantidos
pela Constituição. As massas compreenderam instintivamente o
significado e o objetivo do Black Power: os oprimidos e explo-
rados não tem poder. Aqueles que tem poder tem tudo, aqueles
sem poder não têm nada: se você não acredita em armas, você já
está morto.
O Black Power dá aos afro-americanos dimensão intei-
ramente nova. É um movimento de vanguarda do povo negro,
mas abre caminho para todas as massas oprimidas. Infelizmente
os sindicatos são tão capitalistas no formato e objetivos quanto
qualquer corporação milionária. E a maioria dos brancos operá-
rios especializados com suas casas bem mobiliadas, dois carros,
televisões e grandes viagens são complacentes. Eles têm muito
mais a “perder do que seus grilhões”. Mas existem massas bran-
cas potencialmente revolucionárias nos EUA. Considerem a
| 536 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

massa de “brancos pobres” nas colinas da Geórgia, Tennesee e


as Carolinas, os agricultores brancos nas planícies de Alabama e
Mississippi. Frequentemente se referem a estes como “lixo
branco pobre”. Mas estes, também são despojados; frequente-
mente não tem esperanças. Mesmo assim, “brancos pobres” e
negros não podem ser marginalizados para sempre. Quando en-
xergam um caminho para eles, os oprimidos e explorados se re-
voltam. O Black Power guia o caminho; O Black Power já é
uma ponta de lança.
Neste importante período histórico, quando a era da re-
volução popular armada está em curso na África, eu vejo próxi-
mo o triunfo do espírito humano, o colapso das forças da desu-
manização e o surgimento do glorioso esforço finalmente para
libertar a humanidade da exploração, degradação e guerras de-
sumanas e sem sentido. A velha África está desabando; a nova
África está sendo construída. Na África, pensamos que poderí-
amos conquistar a liberdade e independência, e nosso objetivo
final de unidade e socialismo por meios pacíficos. Isto nos fez
cair nas garras do neocolonialismo. Nós não poderíamos ser vi-
toriosos com métodos não-violentos. A mesma estrutura de po-
der que está bloqueando os esforços dos afro-americanos nos
Estados Unidos também está agora bloqueando o caminho da
África. O imperialismo, neocolonialismo, aos países ocupados e
o racismo buscam nos abater e subjugarmo-nos novamente. Na
África, América Latina, no Caribe, Oriente Médio e no Sudeste
Asiático, os imperialistas e neocolonialistas, com a ajuda de fan-
toches locais, tentam governar pelas armas. Estão unidos em sua
determinação em estender e prolongar sua dominação e explora-
ção. Então devemos lutar onde quer que o neocolonialismo, im-
perialismo e racismo existam. Nós também devemos combinar
nossa força e coordenar nossa estratégia em uma luta armada
unificada. Métodos não-violentos agora são anacrônicos na re-
volução. E assim eu digo às forças progressistas e revolucioná-
rias do mundo, nas palavras do Ernesto Che Guevara: “que de-
senvolvamos um verdadeiro internacionalismo proletário, com
exércitos proletários internacionais; a bandeira sob a qual deve-
mos lutar deve ser a causa sagrada da humanidade redentora”.
Deve se compreender que os movimentos de libertação
na África, a luta do Black Power nos EUA ou em qualquer outra
| 537 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

parte do mundo, pode ser consumada apenas na unificação polí-


tica da África, a casa dos homens negros e do povo de descen-
dência africana através do mundo. Afro-americanos foram sepa-
rados de suas raízes nacionais e culturais. Crianças negras no
exterior não são ensinadas sobre a glória da civilização africana
na história da humanidade, das cidades saqueadas e tribos des-
truídas. Eles não sabem dos milhões de mártires negros que
morreram resistindo à agressão imperialista. Os imperialistas e
os neocolonialistas dentro ou fora dos EUA designam tudo de
“bom” como “branco” e tudo de “mau” como “negro”. O Black
Power diz: “nós definiremos a nós mesmos”. Por séculos, afro-
americanos foram vítimas do racismo. Agora pegaram em armas
para aboli-lo para sempre, e para destruir sua base de reprodu-
ção, o sistema capitalista. Pois apenas com a construção da soci-
edade socialista que a paz e harmonia racial pode ser conquista-
da finalmente. Somente o socialismo mundial pode fornecer a
solução dos problemas do mundo hoje.
Para nós na África e para o povo de ascendência africana
em todo o mundo, não pode haver vacilação, nenhuma capitula-
ção, sem medo do fracasso e da morte. A África deve e deverá
cumprir seu destino. Mesmo que a revolução em outras partes
do mundo possa definhar ou se desviar, a Revolução Africana
deve alcançar seu objetivo de unidade e socialismo. Nós pega-
mos a via correta, ainda que perigosa. Nós encaramos a morte
como encaramos a vida, de cabeça erguida, com os olhos aber-
tos, orgulhosos e com bravura. A semente morrendo faz com
que a vida possa surgir. Então, nós podemos encontrar a morte,
mas sabendo que não podemos ser derrotados. Para os povos
oprimidos do mundo, um dia triunfaremos.
Centenas e milhares de nós morreram em várias guerras
imperialistas. Se morrermos na luta da emancipação negra, se-
rá como homens trazendo a este mundo o louvável, os ricos
benefícios do Black Power. E então, para nós o Black Power
anuncia o tão esperado dia da libertação das sombras da escu-
ridão. Nós tomamos nosso lugar entre os povos do mundo sem
ódio ou desculpas, com confiança e com boa vontade para to-
dos os homens. O espectro do Black Power tomou forma e en-
vergadura e sua presença material luta para dar fim à explora-
ção do homem pelo homem.
| 538 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Conclusão
A discriminação racial é produto de um meio, um meio
de uma sociedade dividida em classes, e sua solução é a trans-
formação deste meio. Isto pressupõe o fato que somente sob o
socialismo nos Estados Unidos da América que os afro-
americanos podem realmente ser livres na sua terra natal.
| 539 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Mensagem ao povo negro


da Grã-Bretanha

Membros do Black Panther Movement e todos meus Ir-


mãos e Irmãs negros e negras, camaradas e amigos do Caribe,
África e Ásia, América Latina e todos os cantos do mundo socialis-
ta. Saudações! A história raramente se move de maneira unilinear;
seu curso é desigual. Hoje, como resultado das contradições do
capitalismo, neocolonialismo e racismo, o Black Power vem sur-
gindo nesta etapa da história. Os oprimidos do mundo buscam um
novo caminho para resolver estas contradições e levar a cabo a
emancipação total. O que é o Black Power? Por Black Power,
compreendemos o poder dos quatro quintos da população mundial
que foi sistematicamente condenada a um estado de desumaniza-
ção pelo colonialismo e neocolonialismo. Em outras palavras,
Black Power é a sumarização total do poder político, cultural e
econômico no qual o homem negro deve ter a fim de conquistar
sua sobrevivência em uma sociedade com a técnica altamente de-
senvolvida, em um mundo assolado pelo imperialismo, colonialis-
mo, neocolonialismo e fascismo. O Black Power simboliza uma
nova etapa da consciência revolucionária dos anseios e aspirações
do homem negro. Como o homem negro é a mais oprimida das
raças da humanidade, o Black Power, portanto, é a luta por deter o
poder político, econômico, social e cultural, do qual este, conjun-
tamente com oprimidos e explorados do mundo, deve ter para de-
bandar e derrubar o opressor. Se não estivermos preparados para
isto, então temos que nos preparar para sermos escravizados. A sua
organização, então, é parte desta explosão revolucionária mundial
de hoje. Vocês estão na Inglaterra não por oportunidades ou esco-
lha; estão na Inglaterra por razões históricas; vocês estão na Grã-
Bretanha porque britânicos os colonizou e reduziu os vários países
| 540 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

que vocês pertenciam ao nível de status colonial. Vocês estão na


Grã-Bretanha porque o neocolonialismo britânico está os sufocan-
do em seus países natais. Onde mais vocês podem buscar meios de
sobreviver a não ser que seja na “pátria mãe” que os escravizou?
Mas não se esqueçam que suas terras natais, neste momen-
to, estão sob o jugo do colonialismo ou neocolonialismo. Todos
vocês sabem que mesmo que suas organizações sejam antirracistas,
estas combatem o racismo na Inglaterra. Vocês foram vítimas de
confusão durante tanto tempo, que se tornaram vítimas do racismo
branco. Não existe nenhuma solução para a questão racial até que
todas as formas de discriminação e segregação racial em todo o
mundo sejam considerados crime. Sob o socialismo real, o racismo
desaparece. Vocês que vivem na Grã-Bretanha tem um papel signi-
ficativo no movimento negro revolucionário internacional. Vocês
vivem no centro da própria citadela do Imperialismo e neocolonia-
lismo britânico.
O dedo da história agora está apontando para a direção cor-
reta. Nos meus dias em Londres, organizamos a Coloured Men’s
Association, e hoje, com o surgimento do Black Power, vocês têm
organizações como a RASS (Racial Adjustment Action Society)
liderada por Michael X e o Black Panther Movement liderado por
Obi Egbuna. Estas duas organizações defendem o Black Power, e
devem mobilizar, educar e re-despertar o povo negro da Grã-
Bretanha para a plena realização de seu potencial revolucionário.
Sabemos das dificuldades que vocês têm enfrentado: a dis-
criminação, o preconceito e a hostilidade racial. Sabemos que o
que acontece na Grã-Bretanha, acontece em várias partes do mun-
do onde o poder branco continua no poder; seja nos Estados Uni-
dos, na África do Sul do apartheid, América Latina, Austrália, Ro-
désia, Angola, Moçambique ou a Guiné “Portuguesa”. Suas terras
natais estão sob regimes fantoches teleguiados pelo neocolonialis-
mo. A verdadeira liberdade negra somente chegará quando a Áfri-
ca estiver politicamente unida. Somente então homens negros se-
rão livres para respirar o ar da liberdade, que é seu para respirar,
em qualquer parte do mundo. Àqueles de vocês que querem fazer
da Inglaterra sua pátria eu digo, lembrem-se que o que é importan-
te não é onde vocês estão, mas o que vocês fazem. E para aqueles
que querem voltar para casa e lutar pela unidade, independência e
emancipação total de África, e digo, venham para casa.
| 541 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Precisamos de vocês. Quero que todos entendam que eu não


estou exilado em Conakry. Todo país e cidade na África é minha
casa, então estou em casa em Conakry na Guiné, assim como estaria
em casa em qualquer parte do mundo negro. Estou em forma, vivo e
alerta. A luta pela unificação política da África nunca foi mais clara
e melhor traçada. Vocês me pediram para ser seu protetor. Minha
resposta é SIM, eu os apoiarei em todos seus esforços revolucioná-
rios Black Power, e espero que respondam meu chamado quando as
trombetas soares. Desejo-lhes boa sorte e sucesso.
| 542 |Nkrumah – Obras Escolhidas|
| 543 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

O socialismo africano revisitado

O termo “socialismo” tornou-se uma necessidade na dicção


da plataforma e nos escritos políticos dos líderes africanos. É um
termo que nos une no reconhecimento de que a restauração dos
princípios humanistas e igualitários da sociedade africana exige o
socialismo. Todos nós, portanto, mesmo adotando políticas am-
plamente contrastantes na tarefa de reconstruir nossos vários Esta-
dos-nação, ainda usamos “socialismo” para descrever nossos res-
pectivos esforços. 'A questão deve, portanto, ser enfrentada: que
significado real o termo retém no contexto da política africana con-
temporânea? Eu avisei sobre isso em meu li-
vro Consciencism (Londres e Nova York, 1964, p. 105) .
E, no entanto, o socialismo na África hoje tende a perder
seu conteúdo objetivo em favor de uma terminologia que distrai e
em favor de uma confusão geral. A discussão centra-se mais nos
vários tipos concebíveis de socialismo do que na necessidade do
desenvolvimento socialista.
Alguns líderes políticos e pensadores africanos certamente
usam o termo “socialismo” como, em minha opinião, deveria ser
usado: para descrever um complexo de propósitos sociais e as con-
sequentes políticas sociais e econômicas, padrões organizacionais,
estrutura do estado e ideologias que podem levar ao alcance desses
propósitos. Para tais líderes, o objetivo é remodelar a sociedade
africana na direção socialista; reconsiderar a sociedade africana de
tal maneira que o humanismo da vida africana tradicional se rea-
firme em uma comunidade técnica moderna.
Consequentemente, o socialismo na África introduz uma no-
va síntese social na qual a tecnologia moderna é reconciliada com os
valores humanos, na qual a sociedade técnica avançada é realizada
sem os espantosos malefícios sociais e os cismas profundos da soci-
| 544 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

edade capitalista industrial. Pois o verdadeiro desenvolvimento eco-


nômico e social não pode ser promovido sem a real socialização dos
processos produtivos e distributivos. Esses líderes africanos que
acreditam nesses princípios são os socialistas na África.
Existem, no entanto, outros líderes políticos e pensadores
africanos que usam o termo “socialismo” porque acreditam que o
socialismo iria, nas palavras de Chandler Morse, “aplainar o cami-
nho para o desenvolvimento econômico”. Torna-se necessário que
eles empreguem o termo em um “esforço carismático para angariar
apoio” para políticas que realmente não promovem o desenvolvi-
mento econômico e social. Esses líderes africanos que acreditam
nesses princípios devem ser os “socialistas africanos”.
É interessante lembrar que, antes da cisão da Segunda In-
ternacional, o marxismo era quase indistinguível da social-
democracia. De fato, o Partido Social Democrata Alemão era
mais ou menos o guardião da doutrina do marxismo, e tanto Marx
quanto Engels apoiavam aquele Partido. Lenin também se tornou
membro do Partido Social Democrata. Após a dissolução da Se-
gunda Internacional, no entanto, o significado do termo “social-
democracia” mudou e tornou-se possível traçar uma distinção real
entre socialismo e social-democracia. Uma situação semelhante
surgiu na África. Há alguns anos, líderes políticos e escritores
africanos usaram o termo “socialismo africano” para rotular as
formas concretas que o socialismo pode assumir na África. Mas
as realidades das diversas e irreconciliáveis relações sociais e as
políticas econômicas seguidas pelos estados africanos hoje torna-
ram o termo “socialismo africano” sem sentido e irrelevan-
te. Parece estar muito mais associado à antropologia do que à
economia política. O “socialismo africano” agora conquistou al-
guns de seus maiores divulgadores na Europa e na América do
Norte justamente por causa de seu charme antropológico predo-
minante. Seus publicitários estrangeiros incluem não apenas os
social-democratas sobreviventes da Europa e da América do Nor-
te, mas também outros intelectuais e liberais que estão imersos na
ideologia da social-democracia. O “socialismo africano” agora
conquistou alguns de seus maiores divulgadores na Europa e na
América do Norte justamente por causa de seu charme antropoló-
gico predominante. Seus publicitários estrangeiros incluem não
apenas os social-democratas sobreviventes da Europa e da Amé-
| 545 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

rica do Norte, mas também outros intelectuais e liberais que estão


imersos na ideologia da social-democracia.
Não foi por acaso, deixe-me acrescentar, que o Colóquio de
Dakar de 1962 tornou tão capital o “socialismo africano”, mas as
incertezas sobre o significado e as políticas específicas do “socia-
lismo africano” levaram alguns de nós a abandonar o termo porque
ele falha em expressar o seu sentido original e porque tende a obs-
curecer o nosso compromisso socialista fundamental.
Hoje, a frase “socialismo africano” parece abraçar a visão
de que a sociedade africana tradicional era uma sociedade sem
classes imbuída do espírito do humanismo e expressar uma nos-
talgia por esse espírito. Tal concepção de socialismo faz da soci-
edade africana comunal um fetiche. Mas uma idílica sociedade
africana sem classes (na qual não havia ricos nem pobres) desfru-
tando de uma serenidade drogada é certamente uma simplificação
fácil; não há nenhuma evidência histórica ou mesmo antropológi-
ca para tal sociedade. Receio que as realidades da sociedade afri-
cana fossem um pouco mais sórdidas.
Todas as evidências disponíveis da história da África até as
vésperas da colonização europeia mostram que a sociedade africa-
na não era nem sem classes nem sem hierarquia social. O feuda-
lismo existia em algumas partes da África antes da colonização; e
o feudalismo envolve uma estratificação social profunda e explo-
radora, fundada na propriedade da terra. Também deve ser notado
que a escravidão existia na África antes da colonização europeia,
embora o contato europeu anterior tenha dado à escravidão na
África algumas de suas características mais cruéis. A verdade, po-
rém, é que antes da colonização, que se difundiu na África apenas
no século XIX, os africanos estavam dispostos a vender, muitas
vezes por não mais que trinta moedas de prata, companheiros de
tribo e até membros da mesma “família extensa” e clã. O colonia-
lismo merece ser responsabilizado por muitos males na África, mas
certamente não foi precedido por uma Idade de Ouro africana ou
paraíso. Um retorno à sociedade africana pré-colonial evidente-
mente não é digno da engenhosidade e dos esforços de nosso povo.
Apesar de tudo isso, pode-se ainda argumentar que a or-
ganização básica de muitas sociedades africanas em diferentes
períodos da história manifestou um certo comunalismo e que a
filosofia e os propósitos humanistas por trás dessa organização
| 546 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

são dignos de recaptura. Uma comunidade em que cada um via


seu bem-estar no bem-estar do grupo certamente era louvável,
mesmo que a maneira pela qual o bem-estar do grupo fosse bus-
cado não contribuísse para nossos propósitos. Assim, o que o
pensamento socialista na África deve recapturar não é a estrutura
da “sociedade africana tradicional”, mas seu espírito, pois o espí-
rito do comunalismo está cristalizado em seu humanismo e em
sua reconciliação do progresso individual com o bem-estar do
grupo. Mesmo que haja evidências antropológicas incompletas
para reconstruir a “sociedade africana tradicional” com preci-
são, ainda podemos recuperar os ricos valores humanos dessa so-
ciedade. Em resumo, uma abordagem antropológica da “socieda-
de africana tradicional” é muito pouco comprovada; mas uma
abordagem filosófica está em terreno muito mais firme e torna a
generalização possível.
Uma das dificuldades na abordagem antropológica é que
existe alguma disparidade de opiniões relativamente às manifesta-
ções da "falta de classe" da "sociedade africana tradicional". En-
quanto alguns sustentam que a sociedade se baseava na igualdade
dos seus membros, outros sustentam que ela continha uma hierar-
quia e divisão do trabalho em que a hierarquia - e portanto o poder
- se baseava em valores espirituais e democráticos. É claro que ne-
nhuma sociedade pode ser fundada na igualdade dos seus mem-
bros, embora as sociedades sejam fundadas no igualitarismo, o que
é algo bastante diferente. Do mesmo modo, uma sociedade sem
classes que ao mesmo tempo se regozija com uma hierarquia de
poder (por oposição à autoridade) deve ser considerada uma mara-
vilha de fineza sócio-política.
Sabemos que a “tradicional sociedade africana” foi fundada
em princípios de igualitarismo. Em seu funcionamento real, no en-
tanto, tinha várias deficiências. Seu impulso humanista, no entanto,
é algo que continua a nos impelir para nossa reconstrução socialis-
ta em toda a África. Postulamos que cada homem seja um fim em
si mesmo, não meramente um meio; e aceitamos a necessidade de
garantir a cada homem oportunidades iguais para o seu desenvol-
vimento. As implicações disso para a prática sócio-política devem
ser trabalhadas cientificamente, e as políticas sociais e econômicas
necessárias perseguidas com resolução. Qualquer humanismo sig-
nificativo deve começar do igualitarismo e deve levar a políticas
| 547 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

objetivamente escolhidas para salvaguardar e sustentar o igualita-


rismo. Daí o socialismo. Daí, também, o socialismo científico.
Outra dificuldade que surge da abordagem antropológica
do socialismo, ou “socialismo africano”, é a flagrante divisão en-
tre as sociedades africanas existentes e a sociedade comunalista
que existia. Eu avisei em meu livro Conscienciismoque “a nossa
sociedade não é a velha sociedade, mas uma nova sociedade am-
pliada por influências islâmicas e euro-cristãs”. Este é um facto
que qualquer política socioeconómica deve reconhecer e ter em
conta. No entanto, a literatura do “socialismo africano” chega
perto de sugerir que as sociedades africanas de hoje são comuna-
listas. As duas sociedades não são coincidentes; e tal equação não
pode ser apoiada por nenhuma observação atenta. É verdade que
esta disparidade é reconhecida em parte da literatura do “socia-
lismo africano”; assim, meu amigo e colega Julius Nyerere, ao
reconhecer o desequilíbrio entre o que era e o que é em termos de
sociedades africanas, atribui as diferenças às importações do co-
lonialismo europeu.
Sabemos, é claro, que a derrota do colonialismo e mesmo
do neocolonialismo não resultará no desaparecimento automático
dos padrões importados de pensamento e organização social. Pois
esses padrões se enraizaram e são, em graus variados, caracterís-
ticas sociológicas de nossa sociedade contemporânea. Tampouco
um simples retorno à sociedade comunalística da África antiga
oferecerá uma solução. Defender um retorno, por assim dizer, à
rocha da qual fomos talhados é um pensamento encantador, mas
nos deparamos com problemas contemporâneos, que surgiram da
subjugação política, exploração econômica, atraso educacional e
social, aumento da população, familiaridade com os métodos e
produtos da industrialização, técnicas agrícolas modernas. Estas
— assim como uma série de outras complexidades — não podem
ser resolvidas por uma mera sociedade comunitária, por mais so-
fisticado que seja, e qualquer um que o defenda deve ser pego em
um dilema insolúvel do tipo mais excruciante. Todas as evidên-
cias disponíveis da história sócio-política revelam que tal retorno
a um status quo ante é bastante inédito na evolução das socieda-
des. Não há, de fato, nenhuma razão teórica ou histórica para in-
dicar que seja possível.
| 548 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Quando uma sociedade se encontra com a outra, a tendên-


cia histórica observada é que a aculturação resulta em um equilí-
brio de movimento para frente, um movimento em que cada socie-
dade assimila certos atributos úteis da outra. A evolução social é
um processo dialético; tem altos e baixos, mas, no geral, representa
sempre uma tendência ascendente.
A civilização islâmica e o colonialismo europeu são experi-
ências históricas da sociedade africana tradicional, experiências pro-
fundas que mudaram permanentemente a aparência da sociedade
africana tradicional. Eles introduziram novos valores e uma organi-
zação social, cultural e econômica na vida africana. As sociedades
africanas modernas não são tradicionais, ainda que atrasadas, e en-
contram-se claramente num estado de desequilíbrio socioeconômi-
co. Eles estão nesse estado porque não estão ancorados em uma ide-
ologia estabilizadora.
A saída certamente não é regurgitar todas as influências
islâmicas ou eurocoloniais em uma tentativa inútil de recriar
um passado que não pode ser ressuscitado. A saída é apenas
para a frente, para uma forma de sociedade mais elevada e re-
conciliada, na qual a quintessência dos propósitos humanos da
sociedade africana tradicional se reafirma em um contexto
moderno — para frente, em suma, para o socialismo, por meio
de políticas que são cientificamente concebidas e aplicado cor-
retamente. A inevitabilidade de uma saída adiante é sentida
por todos; assim, Leopold Sedor Senghor, embora favorecendo
algum tipo de retorno ao comunalismo africano, insiste que a
sociedade africana remodelada deve acomodar a “contribuição
positiva” do domínio colonial, “como a infraestrutura econô-
mica e técnica do sistema educacional francês”. A infra-
estrutura econômica e técnica até mesmo do colonialismo fran-
cês e do sistema educacional francês deve ser assumida, embo-
ra isso possa se mostrar imbuído de uma filosofia sócio-política
particular. Essa filosofia, como se deve saber, não é compatível
com a filosofia subjacente ao comunalismo, e a acomodação
desejada se revelaria apenas uma miragem sócio-política.
Senghor, de fato, deu conta da natureza do retorno à Áfri-
ca. Seu relato é marcado por afirmações com algumas de suas pró-
prias palavras: que o africano é “um campo de pura sensação”; que
não mede nem observa, mas “vive” uma situação; e que esta forma
| 549 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

de adquirir “conhecimento” por confronto e intuição é “negro-


africana”; a aquisição do conhecimento pela razão, “helêni-
ca”. Em African Socialism [Londres e Nova York, 1964, pp.72-3],
ele propõe “que consideremos o negro-africano como ele enfrenta
o Outro: Deus, homem, animal, árvore ou seixo, fenômeno natural
ou social. Ao contrário do europeu clássico, o negro-africano não
traça uma linha entre si e o objeto, não o mantém à distância, nem
se limita a olhá-lo e analisá-lo. Depois de segurá-lo à distância,
depois de escaneá-lo sem analisá-lo, ele o pega vibrante em suas
mãos, com cuidado para não matá-lo ou consertá-lo. Ele toca, sen-
te, cheira. O negro-africano é como um desses vermes do terceiro
dia, um puro campo de sensações... Assim o negro-africano se
compadece, abandona sua personalidade para se identificar com o
outro, morre para renascer no outro. Ele não assimila; ele é assimi-
lado. Ele vive uma vida comum com o outro; ele vive em uma
simbiose. É evidente que o socialismo não se pode basear neste
tipo de metafísica do conhecimento.
É evidente que existe uma ligação entre o comunalismo e o
socialismo. O socialismo representa o comunalismo como o capita-
lismo representa a escravatura. No socialismo, os princípios subja-
centes ao comunalismo são expressos nas circunstâncias modernas.
Assim, enquanto o comunalismo numa sociedade não técnica pode
ser laissez-faire(não interventor), numa sociedade técnica onde
meios sofisticados de produção estão à mão, a situação é diferente;
pois se os princípios subjacentes ao comunalismo não receberem
expressão correlacionada, surgirão clivagens de classe, que estão
ligadas a disparidades económicas e, consequentemente, a desi-
gualdades políticas. O socialismo, portanto, pode ser, e é, a defesa
dos princípios do comunalismo num contexto moderno; é uma
forma de organização social que, orientada pelos princípios subja-
centes ao comunalismo, adota procedimentos e medidas tornados
necessários pela evolução demográfica e tecnológica. Só sob o so-
cialismo podemos acumular de forma fiável o capital de que neces-
sitamos para o nosso desenvolvimento e também assegurar que os
ganhos de investimento sejam aplicados para o bem-estar geral.
O socialismo não é espontâneo. Não surge de si mesmo.
Tem princípios de obediência segundo os quais os principais meios
de produção e distribuição devem ser socializados se se pretende
evitar a exploração dos muitos por poucos; se, isto é, se se pretende
| 550 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

proteger o igualitarismo na economia. Os países socialistas em


África podem diferir neste ou naquele pormenor das suas políticas,
mas tais diferenças não devem ser arbitrárias ou sujeitas a capri-
chos de gosto. Devem ser cientificamente explicadas, como neces-
sidades decorrentes das diferenças nas circunstâncias particulares
dos próprios países.
Só existe uma maneira de alcançar o socialismo; pela con-
cepção de políticas voltadas para os objetivos socialistas gerais,
cada uma das quais assume sua forma particular a partir das cir-
cunstâncias específicas de um estado particular em um período his-
tórico definido. O socialismo depende do materialismo dialético e
histórico, da visão de que existe apenas uma natureza, sujeita em
todas as suas manifestações às leis naturais e que a sociedade hu-
mana é, nesse sentido, parte da natureza e sujeita a suas próprias
leis de desenvolvimento. É a eliminação da fantasia da ação socia-
lista que torna o socialismo científico. Supor que existem socialis-
mos tribais, nacionais ou raciais é abandonar a objetividade em
favor do chauvinismo.
| 551 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Eu Falo de Liberdade (Excerto)

Durante séculos, os europeus dominaram o continente afri-


cano. O homem branco arrogava-se o direito de governar e ser obe-
decido pelo não-branco; sua missão, afirmava ele, era "civilizar" a
África. Sob este manto, os europeus roubaram ao continente vastas
riquezas e infligiram sofrimentos inimagináveis ao povo africano.
Tudo isso dá uma história triste, mas agora devemos estar
preparados para enterrar o passado com suas memórias desagra-
dáveis e olhar para o futuro. Tudo o que pedimos às antigas po-
tências coloniais é sua boa vontade e cooperação para remediar os
erros e injustiças do passado e conceder independência às colô-
nias na África?
É claro que devemos encontrar uma solução africana para
nossos problemas, e que isso só pode ser encontrado na unidade
africana. Divididos somos fracos; unida, a África pode se tornar
uma das maiores forças do bem no mundo.
Embora a maioria dos africanos sejam pobres, nosso conti-
nente é potencial e extremamente rico. Nossos recursos minerais,
que estão sendo explorados com capital estrangeiro apenas para
enriquecer investidores estrangeiros, vão desde ouro e diamantes
até urânio e petróleo. Nossas florestas contêm algumas das melho-
res madeiras cultivadas em qualquer lugar. Nossas culturas de ren-
dimento incluem cacau, café, borracha, tabaco e algodão. Quanto à
energia, que é um fator importante em qualquer desenvolvimento
econômico, a África contém mais de 40% do potencial hídrico do
mundo, em comparação com cerca de 10% na Europa e 13% na
América do Norte. No entanto, até agora, menos de 1% foi desen-
volvido. Esta é uma das razões pelas quais temos em África o pa-
radoxo da pobreza no meio da abundância e da escassez no meio
da abundância.
| 552 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

Nunca antes um povo teve ao seu alcance uma oportuni-


dade tão grande de desenvolver um continente dotado de tantas
riquezas. Individualmente, os Estados independentes da África,
alguns deles potencialmente ricos, outros pobres, pouco podem
fazer por seu povo. Juntos, por ajuda mútua, eles podem conse-
guir muito. Mas, o desenvolvimento econômico do continente
deve ser planejado e perseguido como um todo. Uma confedera-
ção frouxa projetada apenas para cooperação econômica não for-
neceria a necessária unidade de propósito. Só uma união política
forte pode levar a um desenvolvimento pleno e eficaz dos nossos
recursos naturais em benefício do nosso povo.
A situação política na África hoje é animadora e, ao
mesmo tempo, perturbadora. É animador ver tantas novas ban-
deiras hasteadas no lugar das antigas; é preocupante ver tantos
países de tamanhos variados e em diferentes níveis de desenvol-
vimento, fracos e, em alguns casos, quase desamparados. Se es-
se terrível estado de fragmentação continuar, pode ser desastro-
so para todos nós.
Existem atualmente cerca de 28 estados na África, excluin-
do a União da África do Sul, e os países ainda não livres. Nada
menos que nove desses estados têm uma população de menos de
três milhões. Podemos acreditar seriamente que as potências colo-
niais pretendiam que esses países fossem estados independentes e
viáveis? O exemplo da América do Sul, que tem tanta riqueza, se-
não mais do que a América do Norte, e ainda permanece fraco e
dependente de interesses externos, é aquele que todo africano faria
bem em estudar.
Os críticos da unidade africana frequentemente se referem
às grandes diferenças de cultura, idioma e ideias em várias partes
da África. Isso é verdade, mas permanece o fato essencial de que
somos todos africanos e temos um interesse comum na indepen-
dência da África. As dificuldades apresentadas por questões de lín-
gua, cultura e diferentes sistemas políticos não são insuperáveis. Se
todos concordamos com a necessidade da união política, então
nasce a vontade de criá-la; e onde há vontade, há um caminho.
Os atuais líderes da África já demonstraram uma notável
disposição para consultar e buscar conselhos entre si. Os africanos
começaram, de fato, a pensar continentalmente. Eles percebem que
têm muito em comum, tanto em sua história passada, em seus pro-
| 553 |Nkrumah – Obras Escolhidas|

blemas presentes quanto em suas esperanças futuras. Sugerir que


ainda não é tempo de considerar uma união política da África é
fugir dos fatos e ignorar as realidades da África hoje.
A maior contribuição que a África pode dar para a paz
mundial é evitar todos os perigos inerentes à desunião, criando
uma união política que, também, pelo seu sucesso, sirva de exem-
plo para um mundo dividido. Uma União de Estados africanos pro-
jetará de forma mais eficaz a personalidade africana. Ele exigirá
respeito de um mundo que considera apenas o tamanho e a in-
fluência. A escassa atenção dada à oposição africana aos testes
atômicos franceses no Saara, e o espetáculo ignominioso da ONU
no Congo discutindo sutilezas constitucionais enquanto a Repúbli-
ca estava cambaleando para a anarquia, são evidências do desres-
peito insensível à independência africana pelos Grandes Poderes.
Temos que provar que a grandeza não se mede em esto-
ques de bombas atômicas. Acredito forte e sinceramente que com
sabedoria e dignidade profundamente enraizadas, o respeito inato
pela vida humana, a intensa humanidade que é a nossa herança, a
raça africana, unida sob um governo federal, emergirá não apenas
como mais um bloco mundial para ostentar sua riqueza e força,
mas como uma Grande Potência cuja grandeza é indestrutível
porque não é construída sobre o medo, a inveja e a suspeita, nem
conquistada à custa de outros, mas fundada na esperança, na con-
fiança, na amizade e voltada para o bem de toda a humanidade .
O surgimento de uma força estabilizadora tão poderosa
neste mundo desgastado por conflitos deve ser considerado não
como o sonho sombrio de um visionário, mas como uma proposi-
ção prática, que os povos da África podem e devem traduzir em
realidade. Há uma maré nos assuntos de cada povo quando chega
o momento de ação política. Tal foi o momento na história dos
Estados Unidos da América quando os Pais Fundadores viram
além das mesquinhas disputas dos estados separados e criaram
uma União. Esta é a nossa chance. Devemos agir agora. Amanhã
pode ser tarde demais e a oportunidade terá passado, e com ela a
esperança da sobrevivência da África livre.

Você também pode gostar