Lazertrabhumanizaã Ã o
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Introdução
O presente texto tem como finalidade apresentar uma abordagem sobre o conceito
do lazer para além das dimensões temporal e individual, considerando-o como uma produção
social humana de cunho histórico, cultural e político. Ao problematizar o conceito do lazer
numa abordagem sócio-histórico-cultural, não se nega a influência das demais dimensões
citadas na compreensão do fenômeno social. Nosso objetivo é discutir o conceito de lazer
como uma produção humana que se manifesta como uma necessidade a partir das
transformações ocorridas no trabalho do homem.
Tal compreensão supera as relações de tempo e dos interesses pessoais, próprias
na constituição da individualidade humana, compreendendo que tais relações somente se
estabelecem a partir da influência da produção histórico-cultural na constituição do homem
como ser social.
A divisão do trabalho manual e intelectual não somente acarreta diferenças na
produção dos bens culturais, mas na constituição dos sujeitos, que se fazem humanos pelo
trabalho concreto, pela produção e apropriação da cultura elaborada historicamente, mediada
pelas relações sociais.
Apresentam-se, neste artigo, o trabalho e o lazer como unidade dialética, assim
como as categorias produção e apropriação fazem com que a tal unidade se objetive na
análise do fenômeno social. Para tanto, parte-se dos pressupostos teórico-metodológicos do
materialismo histórico-dialético e dos decorrentes estudos da psicologia histórico-cultural que
considera que o processo de transformação do homem e da natureza ocorre a partir da
apropriação dos bens materiais e ideais elaborados historicamente por meio das atividades
humanas. Assim, têm-se as mediações da produção humana nas relações sociais como
elemento essencial para o desenvolvimento humano.
Atualmente, tanto o trabalho alienado quanto o lazer estão inseridos numa
estrutura sócio-econômica que transforma todos os bens materiais e ideais em mercadorias
que devem ser adquiridas para que se perpetuem as relações de exploração, de poder e
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Marx (2008) define três formas de trabalho: trabalho útil ou concreto (homem
satisfaz suas necessidades com os produtos do trabalho e transforma a si e a natureza,
desenvolvendo ambos); trabalho abstrato (homem utiliza a força física e mental e gera valor
de troca nas mercadorias) e trabalho produtivo (homem produz mercadorias e a mais valia).
Marx (2008, p. 63) define o trabalho útil ou concreto como “[...] aquele cuja
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produção que além de produzir mercadorias (valor de uso e valor de troca) gera um valor
excedente (mais valia), se apoderando desta produção e desenvolvendo seu capital.
Conforme Marx (2008, p. 269) explica, “o valor da força de trabalho, como de
qualquer outra mercadoria, se determina pelo tempo de trabalho necessário para produzi-la.”
O trabalhador vende sua força de trabalho para produzir valores-de-uso por um
tempo determinado, que se constitui pelo tempo de trabalho necessário à reprodução do
trabalhador e pelo tempo excedente que tem como objetivo a produção da mais valia.
Assim, o autor relata que o capitalista tem por objetivo aumentar a produtividade
do trabalho visando diminuir o tempo necessário, aquele que o homem trabalha para si
mesmo, e aumentar o tempo excedente, aquelas horas que o indivíduo trabalha gratuitamente
para o capitalista, produzindo mais valia.
No processo de trabalho produtivo, conforme apresenta Marx (2008), o produto
final do trabalho não pertence ao sujeito que produziu, mas ao capitalista que é quem possui
os meios de produção e oferece a matéria para o trabalhador produzir.
Martins e Eidt (2010, p. 677), em concordância com a concepção marxiana,
alertam para o fato de que neste processo de transformação do trabalho “a alienação é um dos
elementos característicos da sociedade capitalista e tem origem na divisão social do trabalho e
na propriedade privada dos meios de produção da vida material.”
A sociedade capitalista impõe um modo de produção que potencializa a alienação
ao dar origem à divisão social do trabalho que separa o trabalhador, sua atividade produtiva
(manual da intelectual), do produto de seu trabalho, fazendo com que o homem não se
reconheça como produtor; o produto apresente-se a ele como algo independente e dotado de
certo poder que se volta contra ele. Nestas condições, o trabalho não se apresenta ao homem
como uma atividade que possibilita o desenvolvimento de suas potencialidades humanas, mas
como meio de sobrevivência.
Com a propriedade privada, limita-se o acesso à produção humana por parte da
maioria dos indivíduos, por meio das atividades necessárias à apropriação da cultura em geral
elaborada pelo ser humano, restringindo as possibilidades de desenvolvimento do homem.
Quando o sujeito realiza o trabalho concreto, o motivo que o leva a executar a
ação é o mesmo que a finalidade do processo de trabalho: a satisfação de uma necessidade
humana pelo produto deste processo. No trabalho alienado, o produto final do processo não
satisfaz a necessidade do trabalhador porque não lhe pertence. O motivo que leva o homem a
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executar a ação não é o mesmo que a finalidade do processo. O objetivo da ação para o
capitalista é a produção da mais valia e para o trabalhador ganhar recursos para satisfazer suas
necessidades de sobrevivência.
No processo de produção capitalista, o homem perde sua condição de sujeito em
face do objeto produzido, porque não é mais proprietário daquilo que produz; e também o
homem não é o sujeito no processo, pois, com a divisão do trabalho, executa apenas uma fase
do processo de trabalho; e a estrutura social (re)produtiva, pautada cada vez mais na
concorrência, é quem dita o ritmo do trabalho produtivo.
Nessa perspectiva, o trabalho torna-se uma atividade alienada e alienante porque
na sociedade capitalista o trabalho alienado é meio de sobrevivência e não expressão de vida
humana. Como, de acordo com Marx e Engels (2005), o homem se define pelo trabalho que
realiza, o homem aliena a si próprio e à natureza.
Apesar das transformações e evoluções do modo de produção capitalista ao longo
do tempo, os indivíduos tornaram-se ou detentores do capital (capitalistas) ou vendedores de
sua força de trabalho (trabalhadores); mesmo que tenham consciência da alienação decorrente
do processo de trabalho, os homens sujeitam-se a ela, já que precisam sobreviver diante da
estrutura sócio-econômica.
Uma das proposições, ainda que contraditória, para a superação desta condição
social e histórica é a utilização dos próprios instrumentos e meios da produção capitalista
visando ocupar menos tempo na produção da mais valia e mais tempo na produção e consumo
da cultura elaborada historicamente.
Esta realidade, no entanto, não se objetiva de fato na sociedade capitalista
contemporânea em virtude do processo de alienação instituído historicamente. A produção
alienada faz com que o indivíduo se aliene e, ao invés de buscar satisfazer suas necessidades
consumindo cultura, satisfaz as necessidades do capital comprando cada vez mais
mercadorias.
Para Padilha (2000, p. 17), “não pode haver uma sociedade emancipada enquanto
o trabalho for extrínseco ao homem, enquanto seu produto pertencer a um outro e levar o
trabalhador à perda de si mesmo [...].” Por isso a autora conclui que na sociedade capitalista
não pode haver emancipação humana. Segundo a autora, emancipação humana é “o processo
de libertação dos homens em relação ao seu estado de sujeição ao sistema e aos imperativos
econômicos oriundos do modo de produção.”(p.16)
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de uma produção humana (material e ideal) que se objetiva diante das múltiplas relações
instituídas na sociedade historicamente. Neste sentido, pode-se afirmar que na sociedade
contemporânea a cultura é síntese do modo de produção capitalista, que se organiza nas
relações de poder e de classes geradas pela divisão do trabalho manual e intelectual. Concebe-
se, portanto que as forças produtivas têm grande influência nas relações sociais e,
consequentemente, na cultura que o sujeito se apropria e produz ao longo da vida.
Assim, considera-se que muitos dos problemas sociais que restringem a realização
humana e os processos de transformação da natureza e do homem encontram, na atualidade,
sua essência no trabalho alienado e vinculam-se à problemática do capital. É preciso explicitar
que tal estrutura sócio-econômica é decorrente do processo de transformação no modo de
produção, assim como é decorrente de um modo de compreender as relações entre o homem e
o mundo. Tal fato nos leva a considerar como unidade os elementos da cultura e os modos de
produção para alterar as relações sociais e produtivas dos homens, alterando,
consequentemente, a forma e conteúdo do trabalho alienado e do lazer.
Conclui-se que qualquer alteração na produção e no consumo dos bens culturais é
realizada por homens, ou seja, estabelece-se no plano da socialidade. O que se defende é a
necessidade de transformação no modo de produção e nas relações sociais que medeiam a
forma como os homens se apropriam desta produção. Tais mudanças acarretam em
transformações no significado e sentido do trabalho alienado e do lazer para que os mesmos
sejam constituídos como atividades realizadas pelo homem e, dialeticamente, sejam
constitutivas do próprio homem.
Candido (2008) afirma que o lazer é historicamente uma prática social de
recomposição e potenciação da força de trabalho. Identifica-se na produção teórica do lazer
que se deseja, ou se busca, no lazer uma prática de fruição da cultura, vivência de novos
valores e de transformação social. No entanto, segundo o autor, o lazer é um fenômeno
moderno que nasce junto com o capitalismo e mesmo com todas as crises do capital e suas
reestruturações a sua essência se mantém intacta desde o século XIX.
Percebe-se que na sociedade capitalista contemporânea, que valoriza o princípio
do mérito, o trabalho alienado adquire pelo trabalhador, além do sentido de um meio para a
aquisição de recursos necessários à sua sobrevivência, uma forma de conseguir tempo livre e
ou renda para serem usufruídos no lazer. A renda obtida no trabalho alienado pelos
trabalhadores retorna para o sistema de produção com as vendas das mercadorias, onde muitas
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ser visto para além de ações individuais, lúdicas e prazerosas, mas como uma produção
humana estruturada intencionalmente com atividades sociais, educativas e produtivas que
possibilitam (ou não) ao homem a satisfação de suas necessidades e o seu desenvolvimento.
Estas categorias – produção e apropriação – fazem com que a relação dialética
presente na sociedade capitalista entre o lazer e o trabalho forme uma unidade. O tipo de
trabalho do sujeito determina o lazer do mesmo, assim como o tipo de ação de lazer realizado
pelo indivíduo influencia as relações produtivas e sociais que este homem estabelece na
sociedade capitalista.
Muitas das diferenças na qualidade e quantidade das ações de lazer são resultados
de diferenças nos recursos e no tempo livre do indivíduo, determinados pelo seu trabalho.
Partindo de uma análise contextual do trabalho concreto e do trabalho como venda
da força de trabalho, sabe-se que a primeira forma ainda existe na sociedade capitalista
contemporânea com muita limitação. Tem-se, consequentemente, que o lazer também existe
em suas duas formas: uma como atividade humana que potencializa o desenvolvimento
humano e outra que a contradiz, restringindo as possibilidades do homem se desenvolver,
porém a serviço do consumo de mercadorias e do capital.
Parker (1978, p. 51) afirma que “os usos do lazer relacionam-se frequentemente
de modo profundo, à natureza e às condições de trabalho”, já que é o trabalho que condiciona
o tempo, a energia, os recursos e até o comportamento pessoal e social do indivíduo na
realização das ações do lazer.
Resulta com isso a reflexão de que na sociedade capitalista para o lazer constituir-
se como uma atividade humana que potencialize o desenvolvimento humano, as condições do
trabalho alienado também devem possibilitar tal desenvolvimento, tornando-se uma atividade
humana. A ação deve transformar-se em atividade, a alienação deve transformar-se num
processo de emancipação do homem frente ao capital.
Desse modo a luta por tempo livre do trabalho alienado sem redução de salário é
uma necessidade na sociedade capitalista contemporânea, para que seja possível ao sujeito a
participação e a criação de ações de lazer que levem ao questionamento desta sociedade e à
transformações neste sujeito e nesta sociedade.
O Lazer como uma Produção Social Humana de cunho Histórico, Cultural e Político
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apropriação dos bens materiais e ideais, não há como superar as condições imediatas e
instituídas nos sujeitos, pois não são criadas situações para que os mesmos possam adquirir
novos conhecimentos, valores e desenvolver novas habilidades; não são criadas condições
necessárias ao desenvolvimento humano.
O lazer tem como objeto a ocupação do tempo livre do trabalho alienado com
ações que possibilitam o descanso, o divertimento e o desenvolvimento do homem. No
entanto, as relações sociais contraditórias estabelecidas pelos homens na sociedade capitalista
fazem com que as ações de lazer muitas vezes não satisfaçam estas necessidades humanas.
Além disso, muitas ações de lazer podem ser realizadas de forma obrigatória e ou
desprazerosa, dependendo das circunstâncias do momento. A educação pelo e para o lazer,
meio e fim educativos que deveriam possibilitar aos homens a vivência do lazer como um
direito social, mediatizando a cultura elaborada historicamente, limitam e regulam as ações de
descanso, divertimento e desenvolvimento do homem de acordo com interesses econômicos e
políticos. Sejam como ações de lazer que se convertem em mercadorias, desenvolvendo o
capital; sejam como ações de lazer que distraem os sujeitos dos problemas sociais fazendo
com que se conformem com a situação e os descansam e desenvolvem para o mercado de
trabalho produtivo.
Compreende-se que o lazer é uma produção social humana de cunho histórico,
cultural e político que, para superar a alienação instituída na atividade é preciso a
transformação do trabalho alienado no trabalho concreto, alterando assim as forças produtivas
e, consequentemente, a mediação da produção e da apropriação da cultura elaborada
historicamente pelas relações sociais, alterando os sentidos pessoais do sujeitos frente às
atividades.
Algumas Considerações
REFERENCIAS
DUMAZEDIER, Joffre. (1973). Lazer e cultura popular. Tradução: Maria de Lourdes Santos
Machado. São Paulo: Perspectiva.
MARTINS, Ligia Márcia.; EIDT, Nádia Mara. (2010). Trabalho e Atividade: categorias de
análise na psicologia histórico-cultural do desenvolvimento. Psicologia em Estudo; Maringá,
v. 15, n. 4, p. 675-683, out./dez.
MARX, Karl. (2008). O capital: crítica da economia política: livro I. Tradução: Reginaldo
Sant’Anna. 26 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Claret.
PADILHA, Valquíria. (2000). Tempo livre e capitalismo: um par imperfeito. Campinas, SP:
Alínea.
PARKER, Stanley. (1978). A sociologia do lazer. Tradução: Heloisa Toller Gomes. Rio de
Janeiro: Zahar Editores.