Livro - Texto - Unidade I - Didática Geral Unip
Livro - Texto - Unidade I - Didática Geral Unip
Livro - Texto - Unidade I - Didática Geral Unip
Possui graduação em Educação Física e Técnicas Desportivas nas É mestre (2010) e doutora (2020) em Ensino de Ciências e Matemática
Faculdades Integradas de Guarulhos (2002) e mestrado em Educação: pela Universidade Cruzeiro do Sul. Possui licenciatura plena em Pedagogia
Psicologia da Educação pela PUC-SP (2006). É professor adjunto e pelo Centro Universitário São Camilo (2005). É professora adjunta na
coordenador de estágios em educação na UNIP. Tem experiência na Universidade Paulista, atuando na educação a distância e no ensino
área educacional, com ênfase em didática e psicologia escolar, atuando presencial. Tem experiência como docente e tutora em cursos de graduação
principalmente nos temas: didática geral e específica, psicologia educacional, e pós-graduação. É autora de livros e artigos científicos sobre a formação
psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, educação física escolar, inicial e continuada de professores na área de matemática e de materiais
prática de ensino, recreação, e estrutura e funcionamento do ensino. Está didáticos voltados ao público da Educação Infantil e dos anos iniciais do
ligado aos estudos da didática, da psicologia e da educação, lecionando e Ensino Fundamental. Fez parte da equipe de colaboradores no processo de
produzindo materiais e pesquisas há mais de 10 anos. construção e revisão do currículo da Cidade de Matemática e compôs o time
de autores da Revista Nova Escola, elaborando planos de aula de matemática
Wanderlei Sergio da Silva de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. É pesquisadora em
educação matemática com foco na Educação Infantil e nos anos iniciais do
É formado em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP, mestre Ensino Fundamental.
em Ciências (Geografia Humana) pela mesma universidade e doutor em
Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Lisandra Príncepe
Mesquita Filho – Unesp. Trabalhou durante 15 anos no Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, em pesquisas relacionadas com É mestre e doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia
as geociências e o meio ambiente. Atuou como consultor em trabalhos Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui licenciatura plena em
relacionados com o meio ambiente durante seis anos, participando de cerca Pedagogia pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Guarulhos.
de 100 projetos de pesquisa, muitos deles como coordenador de equipe. É professora titular e orientadora de estágio e práticas de ensino na UNIP.
Atualmente é professor titular da UNIP, atuando na educação a distância Tem experiência como docente na Educação Infantil e nos anos iniciais
e no ensino presencial. É autor de cinco livros e 13 trabalhos de congresso. do Ensino Fundamental e como coordenadora pedagógica em projetos
de educação não formal. Desenvolve ações de formação continuada para
Ana Paula Mendietta José professores e gestores escolares no eixo da didática, educação lúdica
e avaliação educacional. Participa, como assistente de pesquisas, no
É formada em Turismo pela Universidade Ibero-Americana de São Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas – FCC,
Paulo – Unibero (1997) e mestre em Educação pela Universidade Cidade onde também integrou a equipe que construiu a política de formação de
de São Paulo – Unicid (2013). Trabalhou durante anos em diversas áreas do professores do Estado do Espírito Santo. É autora de artigos científicos
turismo, em agências de viagens, hotéis, companhias aéreas e operadoras na área da formação de professores e pesquisadora dos processos de
de viagem. Durante cinco anos, foi responsável pelo projeto de recreação, inserção profissional de professores iniciantes. Atualmente realiza estágio
um evento social comunitário realizado semestralmente na UNIP com pós‑doutoral na PUC-SP.
crianças de creches, orfanatos e asilos. É professora assistente da UNIP e
membro da Coordenadoria de Estágios em Educação.
184 p . il.
CDU 37.01
U514.94 – 22
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quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Unip Interativa
Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Giovanna Oliveira
Ricardo Duarte
Sumário
Didática Geral
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 A DIDÁTICA E SEU CONTEXTO..................................................................................................................... 11
1.1 Definição................................................................................................................................................... 12
1.2 Histórico.................................................................................................................................................... 19
1.3 Especificidades....................................................................................................................................... 25
2 EDUCAÇÃO.......................................................................................................................................................... 27
2.1 A importância da sociologia da educação.................................................................................. 32
3 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS LIBERAIS.............................................................................. 39
3.1 Pedagogia liberal................................................................................................................................... 43
3.2 Pedagogia liberal tradicional............................................................................................................ 43
3.3 Pedagogia liberal renovada progressivista.................................................................................. 45
3.4 Pedagogia liberal renovada não diretiva..................................................................................... 48
3.5 Pedagogia liberal tecnicista.............................................................................................................. 51
4 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS............................................................... 54
4.1 Pedagogia progressista libertadora................................................................................................ 55
4.2 Pedagogia progressista libertária.................................................................................................... 58
4.3 Pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos............................................................ 61
4.4 Análise crítica: clipe de música....................................................................................................... 65
4.5 Análise crítica: filme............................................................................................................................. 68
Unidade II
5 DIDÁTICA PEDAGÓGICA................................................................................................................................ 81
5.1 A importância da pedagogia............................................................................................................ 81
5.2 O processo de ensino e aprendizagem......................................................................................... 84
5.2.1 O professor e o processo de ensino.................................................................................................. 89
5.2.2 O estudante e o processo de aprendizagem................................................................................. 96
6 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO......................................................................................................................100
6.1 O processo de ensino e aprendizagem e o conhecimento.................................................107
6.2 O processo de avaliação do ensino e da aprendizagem......................................................111
Unidade III
7 PLANEJAMENTO DIDÁTICO DO PROFESSOR........................................................................................120
7.1 O planejamento didático e a sua relação com o currículo................................................121
7.2 Os diferentes níveis e modalidades do planejamento escolar..........................................130
7.2.1 Projeto político pedagógico..............................................................................................................131
7.2.2 Plano de ensino..................................................................................................................................... 134
8 MODALIDADES ORGANIZATIVAS DE PLANEJAMENTO....................................................................137
8.1 Plano de aula........................................................................................................................................138
8.2 Sequência didática..............................................................................................................................142
8.3 Projeto didático....................................................................................................................................146
8.4 Atividades permanentes, ocasionais e de sistematização..................................................149
8.5 Semanário..............................................................................................................................................151
8.6 Métodos de ensino.............................................................................................................................154
8.7 Recursos didáticos..............................................................................................................................161
8.8 Análise crítica: texto..........................................................................................................................167
APRESENTAÇÃO
Este livro-texto é um componente curricular imprescindível para a formação dos graduandos dos
cursos de licenciatura. Ao final desta disciplina, espera-se que o graduando possa:
• relembrar o seu processo de escolarização para reconstruir sua concepção pessoal sobre a didática;
Ao cursar esta disciplina, espera-se que o estudante desenvolva as seguintes habilidades específicas:
• organizar e estruturar a sua prática pedagógica a partir de uma postura crítica e contestadora;
• planejar situações de ensino e aprendizagem com base nas diferentes modalidades organizativas.
No atendimento aos objetivos gerais e específicos, esta disciplina fundamenta-se a partir de uma
perspectiva crítica, com o intuito de desenvolver um posicionamento político-social na formação do
futuro professor, na constituição de uma sociedade mais democrática e, por isso, mais justa e igualitária.
Portanto, as unidades de estudo deste livro-texto estão organizadas em dois momentos de estudo.
7
Num segundo momento, iniciamos uma discussão acerca da importância da pedagogia e da
psicologia para a didática do professor. É aqui que faremos um aprofundamento sobre o processo
de ensino e aprendizagem e sobre os elementos que o constituem (estudante, conhecimento,
professor e situações didáticas). E, contemplados os construtos pedagógicos, mergulharemos na
questão do planejamento didático do professor, discutindo os diferentes níveis e modalidades
organizativas de planejamento escolar.
Esperamos, assim, que esta disciplina contribua significativamente para a sua formação docente e
que, como decorrência do nosso trabalho, você conquiste desenvolvimento e sucesso profissional.
8
INTRODUÇÃO
Para começar nossa introdução, leia atentamente uma situação que acontece comumente no
contexto escolar:
Joice e Ricardo são estudantes do 1º ano do Ensino Médio. No período de provas, eles costumam se
reunir para estudar e retomar os conteúdos das disciplinas.
No segundo bimestre do ano letivo, optaram por dar início ao estudo da disciplina de língua
portuguesa, porque ambos se identificam com o conteúdo e com as aulas da professora. Durante as
aulas de língua portuguesa, sentem-se confortáveis, alegres e motivados para participar. Notam que a
professora demonstra apreço pela profissão e carinho pelos estudantes.
— As aulas da professora de português são incríveis! Eu consigo entender tudo, porque ela ensina o
conteúdo a partir das experiências do nosso cotidiano.
Ricardo complementa:
— Concordo com você, Joice. Verdadeiramente, ela tem um “dom” inexplicável, nasceu para
ser professora!
As afirmações dos estudantes são positivas, pois a aula da professora de língua portuguesa é
organizada e planejada. Suas estratégias de ensino variam de acordo com a complexidade dos conteúdos.
Além disso, ela apresenta uma postura aberta ao diálogo com o grupo, ou seja, se preocupa em ouvir
o que os estudantes têm a dizer. Durante as aulas, demonstra muito equilíbrio e “não fica nervosa com
qualquer bobagem”, como os estudantes costumam dizer. Quando há problemas de indisciplina, ela
provoca o grupo a refletir sobre o que é certo e errado, com o intuito de desenvolver a autonomia dos
estudantes na tomada de decisões e resolução de problemas.
— Por mais que o professor escreva as fórmulas na lousa, eu não consigo entender como ele chegou
ao resultado.
9
— Também, quando perguntamos, ele não responde. Por mais que estejamos quietos, ele diz que para
aprender basta prestar atenção!
Observa-se que as queixas dos estudantes se concentram na didática do professor, que não explica
o conteúdo de uma maneira compreensível, repetindo por diversas vezes a mesma estratégia – giz, lousa
e aula expositiva.
Joice considera ainda que o professor não tem domínio do conteúdo, por isso repete as mesmas
explicações. Já Ricardo diz que o professor de matemática não tem o mesmo “dom” de ensinar da
professora de língua portuguesa.
A natureza da área de conhecimento, por si só, pode decidir o dinamismo e a postura do professor em
sala de aula ou essa é uma questão de didática, que pode ser decidida pelo profissional da educação?
Essas e outras problematizações serão aprofundadas nesta disciplina. Esperamos que você não só
encontre respostas para os questionamentos propostos, mas que formule outros ainda mais complexos,
para a construção do seu conhecimento didático-pedagógico.
10
DIDÁTICA GERAL
Unidade I
1 A DIDÁTICA E SEU CONTEXTO
Para darmos início à nossa discussão, leia o diálogo a seguir, entre três estudantes:
— O professor de que eu menos gostei foi o de química. Não conseguia entender nada do que ele
explicava durante a aula. Sem didática alguma!
— Já eu gostei do professor de física. Suas aulas foram bem diferentes. Um verdadeiro exemplo
de didática!
— Eu me identifiquei com o professor de matemática. Sua didática me fez gostar ainda mais
da disciplina!
Certamente você já fez uso de afirmações semelhantes às anteriores para avaliar a prática de algum
professor que fez parte da sua história de escolarização. Por outro lado, assim como no diálogo entre os
adolescentes, você provavelmente recorreu ao termo “didática” a partir de uma concepção generalista,
sem muita compreensão.
Então, futuro professor, prepare-se! Ao lecionar, sua didática também será avaliada, seja por
estudantes e/ou por companheiros de trabalho (professor, coordenador, diretor e supervisor). Ao concluir
o curso de licenciatura, é imprescindível a superação do olhar do senso comum sobre o termo, para uma
compreensão teórica consistente enquanto profissional da educação.
11
Unidade I
Por isso vamos começar apresentando a definição da palavra didática; a construção do seu
significado ao longo da história; algumas de suas especificidades e sua relação com as diversas áreas de
conhecimento; e os elementos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Prepare-se para reconstruir o significado de didática em sua mente e ir além das ideias do senso
comum.
Observação
1.1 Definição
A afirmação de que a didática está atrelada ao ensino é indiscutível. Podemos considerá-lo até
mesmo um dos conhecimentos prévios inerentes à compreensão da palavra.
Mas, afinal, o que é didática? Quais são as suas especificidades? Qual a sua importância para a
formação do professor?
Observação
Antolí (2001) justifica o estudo etimológico da palavra didática, pois considera que, embora a
evolução do seu significado tenha sido considerável, é importante não perder de vista as suas origens,
as raízes do termo. Para isso, fez um estudo cronológico sobre a introdução da didática nos dicionários
de diferentes línguas.
De acordo com Antolí (2001), a palavra didática apareceu pela primeira vez entre os anos de 1788
e 1792 no Diccionario castellano, correspondente a três línguas (francês, latim e italiano). O estudo
evidencia que o termo provém do verbo grego didasko, que significa “ensinar, instruir, expor claramente,
demonstrar”, referenciando ainda as palavras didaktikós, que significa “preparado para a docência”, e
didaktiké, que se refere ao gerúndio do verbo ensinar, ou seja, “ensinando”.
De acordo com o Dicionário brasileiro de língua portuguesa Michaelis (2016), a palavra didática se
refere a um substantivo feminino que compreende dois significados, sendo eles:
• ramo ou seção específica da pedagogia que se concentra nos conteúdos do ensino e nos processos
próprios para a construção do conhecimento; ciência e arte do ensino.
A partir de um breve estudo etimológico, podemos concluir que a didática se refere, basicamente, à
“arte de ensinar”. Contudo, será que os teóricos pesquisadores da área compartilham da mesma opinião?
Quais são as definições que atribuem à didática?
Passemos para a fundamentação teórica, uma vez que “toda prática humana tem seus pressupostos
teóricos, e é somente através da explicação e da análise destes pressupostos que ela se torna inteligível
e permite tomar consciência daquilo que fazemos” (SANTOS, 2008, p. 37).
Embora faça menção ao sentido clássico, Luckesi (2001) ressalta que a didática não pode ser reduzida
a uma técnica mecânica. Para o autor, a didática só assumirá um papel significativo na formação
do educador se estiver associada às concepções filosófico-políticas da educação, constituindo uma
prática educativa reflexiva, consciente e crítica.
Exemplo de aplicação
O que vem a ser uma concepção filosófica da educação? E qual a sua importância para a didática?
13
Unidade I
Figura 2 – A filosofia é uma ciência preocupada em chegar à sabedoria. Ela utiliza o posicionamento
crítico por meio de questionamentos da realidade
Fonte: SANZIO, R. Escola de Atenas. 1509-1510. Afresco, 500 × 700 cm. Palácio Apostólico, Roma.
Segundo Lorieri e Rios (2004), a filosofia busca a compreensão, que diz respeito ao sentido, ao
significado, ao valor. Ela se apresenta como uma maneira de pensar, a partir de um conteúdo próprio,
os aspectos fundamentais da realidade e da existência humana. Os autores dizem que o pensamento
filosófico pode ser expresso como forma de pensar reflexiva, crítica, profunda, metódica e abrangente,
buscando contextualizar ou colocar em unidades referenciais significativas mais amplas os aspectos
importantes e fundamentais da realidade e da existência humana.
Por meio da reflexão sobre essas ideias, é importante imaginar o quão interligado isso está com a
didática, uma vez que não refletir, questionar, analisar e tentar compreender com mais profundidade o
ato de ensinar pode incorrer em um ativismo precipitado daquilo que se passa a fazer, sem compreender
o que se faz e o que acontece.
14
DIDÁTICA GERAL
Estes são apenas alguns dos questionamentos que a filosofia pode estimular no desenvolvimento de
uma prática educativa reflexiva, consciente e crítica, conforme os estudos de Luckesi (2001).
Reflita sobre as perguntas propostas e, filosofando, tente respondê-las com hipóteses que possam
satisfazê-lo como professor.
Exemplo de aplicação
Imagine a constituição de um mundo ideal e se pergunte como seria possível a educação, enquanto
fenômeno e processo social, ser capaz de construí-lo.
Imagine e discuta com alguns colegas de curso ou pessoas que fazem parte do seu convívio quais
qualidades as pessoas deveriam ter para que pudessem ser felizes e fazer um mundo melhor não apenas
para elas, mas para todas as outras.
Por último, reflita sobre a diferença entre uma postura crítica e, no extremo oposto, uma postura
conformista e acomodada. Reflita sobre a diferença entre ser crítico e ser o que as pessoas chamariam
de chato ou pessimista.
A citação anterior revela-nos que o ensino, enquanto objeto de investigação da didática, não é um
processo neutro; muito pelo contrário, é composto por variáveis que influenciam diretamente o fazer
pedagógico do professor. É o caso, por exemplo, da didática específica, na qual a natureza de uma
determinada área de conhecimento conduz o método de ensinar, e da didática geral, que se atém a
situações de ensino e aprendizagem priorizando a ação do professor, independentemente do conteúdo.
15
Unidade I
Observação
Nesse processo de ressignificação, deparamo-nos com dois termos: a didática geral e a didática
específica. De acordo com Libâneo (2008b), o desencontro entre ambas é recorrente no cenário da
educação, uma vez que:
Exemplo de aplicação
Desse modo, para revermos o conceito de didática específica e didática geral, cabe-nos a seguinte
reflexão: para ensinar basta o domínio do conteúdo ou é necessário considerar as características
individuais e sociais do estudante?
Santos e Costa (2013) propõem a indissociabilidade, ou seja, a não separação entre a didática geral e
a didática específica, pois para exercer a “arte de ensinar” é necessário que se tenha domínio daquilo que
será ensinado, das características sociais, históricas, culturais, econômicas e políticas dos educandos,
bem como dos caminhos e recursos metodológicos que se adéquam a todos esses fatores.
Observação
16
DIDÁTICA GERAL
• conhecimento do conteúdo;
Estes três conhecimentos estão intimamente imbricados na prática docente, conforme o esquema
a seguir:
Conhecimento
didático
Conhecimento do Conhecimento
conteúdo curricular
Prática docente
Figura 3 – Conhecimentos necessários à prática docente de acordo com Lee Shulman (1992)
Exemplo de aplicação
Mas, afinal, qual a relação e quais as implicações do conhecimento do conteúdo, didático e curricular
na didática do professor?
17
Unidade I
Por fim, Shulman (1992) define o conhecimento curricular do conteúdo como a compreensão dos
documentos curriculares, ou seja, para que o conteúdo será ensinado, quais são os seus diferentes usos,
funções e relevância social. Além disso, este conhecimento também está atrelado à ação contínua de
planejar e replanejar, processo inerente à prática docente – portanto, à didática do professor.
Durante a aula, seja no Ensino Fundamental, Médio, Profissionalizante ou Superior, você já se pegou
refletindo sobre alguma das ideias seguintes?
• Não entendo por que o professor está ensinando um conteúdo que nunca vou utilizar no meu
dia a dia.
• Talvez se o professor ensinasse o conteúdo utilizando outros recursos, diferentes de giz e lousa, eu
poderia compreender melhor.
• Realmente os colegas dos anos anteriores comentaram que as aulas desse professor não mudam.
Ele permanece com o mesmo planejamento há anos!
Portanto, futuro professor, a crença de que o domínio do conteúdo é suficiente para ensinar ou
de que uma abordagem didática generalista garante o processo de aprendizagem, na concepção aqui
proposta, não se aplica.
18
DIDÁTICA GERAL
Lembrete
Compreendidas as definições atuais sobre a didática, passamos para a sua análise histórica. Afinal, o
conhecimento de hoje é fruto do passado e, por isso, reflexo para o amanhã.
1.2 Histórico
19
Unidade I
Segundo Haydt (2002), desde a Antiguidade até por volta do século XIX, a didática escolar
predominante era expositiva: o professor era o detentor do saber, enquanto o estudante era
concebido como um sujeito passivo e receptivo. Aprender estava mais relacionado à memorização do
que propriamente à compreensão. Esse modelo didático considerava o ser humano uma “massa de
modelar” que o professor poderia moldar de acordo com os seus princípios éticos, morais, políticos e
científicos. Desde a Grécia Antiga, com Aristóteles, essa concepção foi professada, sendo chamada de
teoria da tábula rasa.
A teoria da tábula rasa pode ser explicada pelos princípios do inglês John Locke (1632-1704).
Para o filósofo, de acordo com o contexto científico da época, todas as pessoas nasciam sem saber
absolutamente nada, sem nenhum conhecimento, como se fossem uma “folha em branco”, uma “tábula
rasa”. Para Locke, o processo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e social
do sujeito estava associado às suas experiências de vida. Desse modo, a “folha em branco” (no caso, o
estudante) só poderia ser preenchida ao longo da sua história de vida (CHAPPELL, 2011).
Fonte: KNELLER, G. Retrato de John Locke. 1697. Óleo sobre tela, 76 × 64 cm. Hermitage Museum, Rússia.
Diante das primeiras manifestações sobre a didática, não podemos deixar de citar a contribuição
do filósofo Sócrates (século V a.C.). Para ele, o saber não era algo que alguém de fora (mestre) pudesse
transmitir; era uma descoberta da própria pessoa. A função do mestre, segundo Sócrates (apud HAYDT,
2002), era apenas ajudar o discípulo a descobrir, por si mesmo, a verdade. O filósofo, inclusive, comparava
sua profissão à de sua mãe, que era parteira, dizendo que ela não dava a luz às crianças, mas sim que as
ajudava nascer, como ele fazia com seus discípulos em relação ao conhecimento.
20
DIDÁTICA GERAL
• A primeira, chamada refutação, era o momento em que ele levantava objeções sobre as opiniões
manifestadas pelos discípulos, até quando estes admitissem sua própria ignorância e se dissessem
incapazes de definir o que anteriormente haviam dito conhecer tão bem.
• A segunda, chamada maiêutica, era o momento em que o discípulo admitia que nada sabia e,
partindo do conhecido para o desconhecido, do mais fácil para o mais difícil, Sócrates conduzia, por
meio de perguntas, um diálogo capaz de induzir a descoberta do conhecimento pelo interlocutor.
Conta-se que ele foi capaz de fazer com que um escravo descobrisse noções de geometria utilizando
esse método. Ele afirmava que os mestres deveriam ter paciência com os erros e as dúvidas de seus
discípulos, pois eram o ponto de partida para que pudessem progredir.
Observação
Figura 6 – Sócrates. Até hoje, muitos professores utilizam algumas partes de seu método didático
21
Unidade I
Exemplo de aplicação
Quase dois mil anos depois de Sócrates, nascia o pai da didática. João Amós Comênio (1592-1670),
um pastor protestante que escreveu a primeira obra clássica sobre didática: a Didactica magna.
Segundo Libâneo (1990), Comênio foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão dos
conhecimentos e a criar princípios e regras de ensino. Ele desempenhou um papel importante não
apenas porque desenvolveu métodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque queria
que todos usufruíssem dos benefícios do conhecimento.
• A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus. Todos os homens merecem a
sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, por natureza, são parte dos desígnios de Deus.
Assim, a educação é um direito natural de todos.
• Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com seu desenvolvimento natural,
dentro de suas capacidades de conhecimento. Portanto, a tarefa principal da didática é estudar
tais características e os métodos de ensino coerentes com elas.
• A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente. Por isso, o ensino tem um papel
decisivo na percepção sensorial das coisas. O conhecimento deve ser adquirido a partir da
observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos
dos sentidos.
• O método intuitivo consiste numa observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o
registro das impressões na mente do aluno.
22
DIDÁTICA GERAL
Observação
Para Comênio, o planejamento de ensino deveria obedecer ao percurso da natureza infantil; por
isso, acreditava que os conteúdos deveriam ser ensinados paulatinamente, um de cada vez, partindo do
conhecido para o desconhecido.
Apesar da grande novidade dessas ideias naquela época, Comênio não escapou de algumas crenças
comuns sobre o ensino. Mesmo partindo da observação e da experiência sensorial, manteve o caráter
de transmissão do ensino e, ainda que tenha tentado adaptá-lo às fases de desenvolvimento infantil, o
método funcionava de forma única com todos os estudantes.
Contudo, Comênio teve um papel importantíssimo, não apenas porque se empenhou em desenvolver
métodos de instrução mais eficientes e rápidos, mas porque concedia igual importância a todos
os estudantes.
Ainda assim, mesmo com as excelentes contribuições de Comênio, naquele momento histórico
continuava-se a utilizar os métodos da Idade Média, com ensino intelectualista, verbalista e
dogmático, de memorização e repetição mecânica, em que as ideias dos estudantes não eram levadas
em consideração.
Observação
Foi um momento histórico de transição dos modos de produção antigos (com o clero e a nobreza
dominando) para o modo de produção capitalista. Esse fato pedia uma importante mudança para a
valorização do desenvolvimento livre das capacidades e dos interesses individuais.
O filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), interpretando bem essas aspirações, propôs uma
nova concepção de ensino, com base nas necessidades e nos interesses imediatos dos estudantes. As
ideias mais importantes de Rousseau, segundo Libâneo (1990), foram:
23
Unidade I
Rousseau não elaborou propriamente uma teoria de ensino, nem colocou nada em prática. Quem
deu continuidade a essas primeiras influências foi outro pedagogo suíço, Johann Heinrich Pestalozzi
(1746‑1827), que trabalhou durante toda a vida com a educação de crianças pobres em suas instituições.
Ele atribuiu grande importância ao ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades
do ser humano, pelo cultivo do sentimento, da mente e do caráter.
Depois desses pensadores, o pedagogo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) foi um dos
que mais influenciaram a formação de uma corrente conservadora da educação. Ele deixou muitos
discípulos e ideias que precisam de uma atenção especial, já que tiveram presença constante na história
da educação brasileira. Herbart teorizou sobre os fins da educação e da pedagogia como ciência, além de
desenvolver uma análise do processo psicológico-didático de aquisição do conhecimento sob a direção
do professor. Para ele, a moralidade é o princípio maior da educação, que deve ser atingido mediante a
prática educativa. Ao homem, a instrução deve fazê-lo querer o bem, de modo que aprenda a comandar
a si próprio. O professor auxilia nesse processo introduzindo ideias corretas na mente do estudante, como
um arquiteto da mente, trazendo a sua atenção para as ideias desejadas, controlando seus interesses.
O método consiste em provocar uma espécie de acumulação de ideias na mente do sujeito.
• apresentação e preparação da nova matéria de forma clara, o que ele denominou clareza;
Exemplo de aplicação
Releia com atenção as etapas do método de ensino proposto por Herbart e reflita: pensando na sua
formação enquanto estudante, porventura você já participou de alguma aula cuja estrutura tenha sido
semelhante à que ele descreveu?
Seus discípulos aperfeiçoaram essa proposta e desenvolveram uma versão com cinco passos:
• preparação;
• apresentação;
• assimilação;
• generalização;
• aplicação.
Contudo, o ensino era entendido como uma transferência de conhecimentos da mente do professor
para a do estudante, com a necessidade de reprodução das ideias do professor pelo aprendiz. Com isso
tivemos, durante um longo período histórico, uma aprendizagem mecânica, que não proporcionava
nada além da memorização e reprodução dos conteúdos sem reflexão.
Exemplo de aplicação
Para sistematizar os conhecimentos sobre a história da didática, você pode situar os filósofos e as
suas principais contribuições numa linha do tempo, em ordem cronológica. É uma maneira interessante
de resgatar os conteúdos.
1.3 Especificidades
Se retomarmos os itens anteriores deste livro-texto, veremos que três conceitos aparecem
com frequência, pois são inerentes à didática. São eles: educação, pedagogia e processo de ensino
e aprendizagem.
Esses conceitos acompanham a trajetória daqueles que trabalham na área educacional. Além disso,
existe a influência de um sobre os outros, determinando a forma como o professor irá conceber o seu
papel e, consequentemente, como desenvolverá sua prática.
25
Unidade I
O trabalho nas escolas requer dos profissionais da educação o domínio de conceitos básicos, uma
vez que influenciam significativamente a postura didático-pedagógica do professor, bem como o
desenvolvimento de uma prática coerente com as novas tendências educacionais.
Portanto, essa discussão contribui para que você, futuro professor, passe a refletir e olhar de maneira
mais questionadora para o termo didática.
Primeiro abordaremos os aspectos gerais referentes à educação, como, por exemplo, a influência das
tendências didático-pedagógicas na prática do professor. Depois discutiremos melhor a pedagogia e o
processo de ensino e aprendizagem.
Figura 7 – O professor precisa dominar uma série de conceitos para construir sua didática
26
DIDÁTICA GERAL
2 EDUCAÇÃO
Diariamente convivemos com o uso social da palavra educação. Algumas frases, inclusive, aparecem
com frequência na fala de muitos professores:
Exemplo de aplicação
Para você, o que significa educação? É algo que se restringe à família ou a escola também é
responsável pela educação do sujeito?
Aprecie o texto de Brandão (1989), que propõe uma reflexão muito interessante e crítica acerca do
conceito de educação.
27
Unidade I
“Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é a coragem minha. Buriti quer todo o
azul, e não se aparta de sua água – carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina,
mas quem de repente aprende” (João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas).
Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz
com os índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre
foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes
mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos.
Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns
anos mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho
que nos interessa:
“Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e
agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações
têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao
saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos
guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas,
quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e
incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo
e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente
inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos
extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar
a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus
jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.”
De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas das questões entre as mais
importantes estão escritas nessa carta de índios. Não há uma forma única nem um único
modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o
melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu
único praticante.
Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo, ou
entre povos que se encontram. Existe entre povos que submetem e dominam outros povos,
usando a educação como um recurso a mais de sua dominância. Da família à comunidade,
a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos
mistérios do aprender; primeiro sem classes de alunos, sem livros e sem professores
especialistas; mais adiante, com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as
pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como crença, aquilo que é
comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um
sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que
reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e
dos símbolos.
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a
criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas
de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que
ensinam‑e‑aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de
conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da
tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de
cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas
que existem dentro do mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a
explicar – às vezes a ocultar, às vezes a inculcar – de geração em geração, a necessidade da
existência de sua ordem.
Por isso mesmo – e os índios sabiam – a educação do colonizador, que contém o saber
de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio,
na verdade não serve para ser a educação do colonizado. Não serve e existe contra uma
educação que ele, não obstante dominado, também possui como um dos seus recursos, em
seu mundo, dentro de sua cultura.
No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o
educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar
servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos
escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas e nas ideias
que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à
sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza.
29
Unidade I
Aqui e ali será preciso voltar a estas ideias, e elas podem ser como que um roteiro
daqui para a frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos
sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a sua missão é
transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se
tem de uns e outros: “[...] e deles faremos homens”. Mas, na prática, a mesma educação que
ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz, ou
do que inventa que pode fazer: “[...] eles eram, portanto, totalmente inúteis”.
É impossível falar sobre educação sem citar o texto de Brandão (1989), que, de maneira reflexiva e
bem-humorada, discute seu significado.
Como vimos no texto, a educação confunde-se com a cultura e a ela serve, pois tem sua formação com
base em pessoas que se revestem de costumes, uma moral, uma ética, comportamentos estabelecidos
que são úteis em cada região e/ou grupo particular.
Segundo Libâneo (1990), em sentido amplo, a educação se dá simplesmente pelo fato de o sujeito
existir socialmente, uma vez que, ao conviver com a sociedade, ele aprende e ensina, formando-a junto
a outros membros dessa mesma sociedade. Ela ocorre em todos os campos, como na organização
econômica, política, religiosa, dos costumes etc. Já em sentido estrito, ocorre em instituições específicas,
escolares ou não, com a finalidade clara de instrução e ensino, de maneira organizada e planejada.
A educação, portanto, além de estar em tudo e ser presente em todos os momentos da vida de
cada um de nós, forma a personalidade do sujeito social, uma vez que envolve o exercício de diferentes
atividades na sociedade em que vive (profissional, econômica, pessoal etc.). Ela ocorre de maneira
intencional e sistemática nas escolas e organizações como educação formal, que tem por fim explícito o
ensino e a instrução (sentido estrito); e de maneira não intencional em todos os lugares como educação
informal (sentido amplo).
Desse modo, dizemos que a educação é, portanto, um fenômeno social, pois está em tudo o que
a sociedade abrange. É um processo social também, uma vez que é determinada por sua época e seu
contexto histórico. Sendo assim, podemos dizer que a educação se transforma de acordo com as
circunstâncias sociais e temporais.
Lembrete
30
DIDÁTICA GERAL
Podemos afirmar que as considerações de Brandão (1989) e de Libâneo (1990) são coerentes com
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/96, que, no art. 1º, adverte que:
31
Unidade I
Por isso, a frase “educação vem de casa” precisa ser revista, pois ela restringe o processo ao meio
familiar. E qual seria o papel da escola, que é responsável pela educação formal?
Ela necessita ser revista também no sentido de que os estudantes chegam ao ambiente escolar com
conhecimentos prévios, pois a educação promovida por outros ambientes, família e comunidade, por
exemplo, também proporcionam a ampliação e aquisição de novos conhecimentos, claro que não de
maneira sistematizada como na escola, conforme ressaltamos anteriormente.
Seria muito incoerente, por exemplo, em pleno século XXI, o professor recorrer a uma didática
obsoleta, que não dialogue com a contemporaneidade dos estudantes, ou até mesmo utilizar uma
ferramenta tecnológica sem rever, atualizar e adequar a sua didática de ensino. Afinal, a educação
acompanha as transformações sociais em seus diferentes âmbitos. Desse modo, se faz necessário
compreender a importância da sociologia para os estudos em educação.
Esses conceitos são importantes para ultrapassar o senso comum e se aproximar da ciência, uma
vez que, durante muito tempo, a educação esteve vinculada a interesses ideológicos de uma minoria
pertencente às elites da sociedade.
Pela influência de grandes teorias sociológicas, temos noção de que a busca de uma sociedade
democrática, que defenda os interesses de toda a população e não apenas de parte dela, faz-se
imprescindível, principalmente no que se refere à garantia dos diretos humanos, como o acesso, a
permanência e a conclusão nos níveis de ensino da Educação Básica.
Segundo Libâneo (1990), a educação é socialmente determinada, pois os fins e as exigências sociais,
políticas e ideológicas guiam todo o processo de funcionamento da sociedade, estabelecendo valores,
normas e particularidades da estrutura social à qual a educação está subordinada.
Desde o início da espécie humana, os homens vivem em grupos e a vida de um está sempre vinculada
às vidas de outros e delas depende. Por exemplo, a organização atual, no Brasil, funciona com a existência
de um Estado que governa, e dele depende todo o futuro da nação. As ações do governo provocam um
efeito cascata, influenciando o preço dos alimentos, o aumento ou a diminuição dos impostos, a oferta
de empregos, a qualidade de vida das pessoas, a criminalidade etc. Essa forma de organização, a divisão
em classes sociais e o capitalismo, que hoje rege praticamente o mundo todo, vão configurando as
relações socioculturais dos homens.
Libâneo (1990) explica que, desde quando passaram a viver socialmente, os homens começaram a
travar relações de reciprocidade diante da necessidade de organizar seu trabalho em conjunto e garantir
a sobrevivência. Essas relações se transformaram, criando novas necessidades e novas maneiras de
organizar o trabalho, conforme sexo, idade e ocupações, de maneira que existisse uma distribuição das
atividades entre todos os envolvidos nesse processo.
33
Unidade I
A divisão do trabalho fazia com que os indivíduos se rotulassem em sua ocupação da atividade
produtiva. Vejamos as etapas descritas por Libâneo (1990, p. 19):
34
DIDÁTICA GERAL
Observação
E o que isso tem a ver com a educação? Tudo, uma vez que a alienação
econômica dos meios e dos produtos do trabalho, que é ao mesmo tempo
uma alienação intelectual, determina a desigualdade social, definindo não
apenas as condições materiais de vida e de trabalho dos indivíduos, mas
também o acesso à cultura e à educação.
O poder alcançado pelo detentor do capital influencia toda forma de fomento à manutenção desse
sistema, fazendo com que todos os agentes da vida social reproduzam esse modelo de vida. A ausência
de outra maneira de organização social provoca no capitalismo tudo o que este precisa para se manter.
O desemprego, por exemplo, é um excelente mecanismo para fazer com que o trabalhador implore por
um emprego, vendendo sua força de trabalho por qualquer compensação financeira.
Figura 11 – A ideologia dominante faz com que acreditemos que as condições são as mesmas para
todos e que somente não prospera quem não se esforça
35
Unidade I
Libâneo (1990, p. 19) destaca as ideias, os valores e as práticas apresentados pela minoria dominante
como se fossem representativos dos interesses de todas as classes sociais, o que se conhece pelo nome
de ideologia. Ele cita alguns discursos como exemplo da verdade que a minoria dominante quer incutir
nos trabalhadores (LIBÂNEO, 1990, p. 19):
As frases mostram ideias e valores que não são reais, mensagens subliminares que expressam
a seguinte lógica: o governo, por não cumprir plenamente o seu papel de Estado provedor, atribui
ao sujeito a culpa pela sua condição, ou seja, pertencer a uma determinada classe social é uma
incompetência individual.
Você, futuro professor, certamente deve estar se perguntando: qual a relação das considerações da
sociologia da educação com a didática?
Se considerarmos o paradigma atual da didática, que requer do professor uma conduta crítica e
reflexiva, é incoerente adotar uma postura ingênua, assumindo crenças, valores e concepções equivocadas
da sociedade, do próprio papel da escola e dos estudantes no cenário social.
Observação
Lembrete
Imaginar como seria uma pessoa ideal é um importante exercício para que possamos organizar
didaticamente as ações necessárias para chegar a essa pessoa. Talvez traçar qualidades, comportamentos,
características que possam ser valorizadas pela sociedade e sejam capazes de municiar suficientemente
o sujeito que delas precisar para trabalhar, viver socialmente, ser feliz e produzir cultura.
Exemplo de aplicação
Mas e a sociedade, como funciona? De qual maneira devemos enxergá-la como educadores:
reproduzindo tudo o que já se fez até hoje ou transformando o mundo em algo diferente?
A sociologia aplicada à educação pode contribuir para tentar responder a essas questões, assim
como enxergar possibilidades educativas em uma perspectiva mais interessante para o professor, para
os estudantes e para a própria sociedade.
Por esse motivo, o reconhecimento do papel político do docente envolve a luta pela modificação
dessas relações de poder. Para quem lida com a educação, tendo em vista a formação de um ser
humano, é imprescindível que desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais implicadas em
cada acontecimento, em cada situação da vida real e da sua profissão, em cada área de conhecimento
que ensina e em seu próprio discurso, nos meios de comunicação de massa, nas relações das pessoas
cotidianamente e no trabalho.
Preparar crianças e jovens para a participação ativa na vida social é o objetivo mais imediato
da escola.
37
Unidade I
Libâneo (1990) diz que a escolarização básica constitui um instrumento indispensável para a
construção de uma sociedade mais democrática. Precisamos dar a todos uma formação que permita o
domínio de conhecimentos culturalmente acumulados e um entendimento crítico da realidade.
O professor deverá utilizar o estudo das disciplinas escolares e o domínio dos métodos pelos quais
desenvolve suas capacidades de conhecimento e habilidades para elaborar independentemente os
conhecimentos, a fim de que os estudantes possam expressar de forma elaborada os conhecimentos
que correspondem aos interesses majoritários da sociedade e inserir-se ativamente nas lutas sociais
para sua transformação.
Para a garantia de uma escolarização capaz de lutar pela democratização da sociedade, segundo
Libâneo (1990), é necessária a atuação em duas frentes: política e pedagógica. A política tem caráter
pedagógico, pois visa formar para a sociedade e para o envolvimento dos educadores nos movimentos
sociais e sindicais, nas lutas organizadas em defesa da escola unitária, democrática e gratuita; a
pedagógica tem caráter político, pois busca representar interesses estratégicos de toda uma população,
e não apenas da elite.
A escola deve ser unitária, porque tem que garantir, indiscriminadamente, uma base comum de
conhecimentos sólidos e consistentes a toda a população nacional, de um saber sistematizado que
dê condições de uma compreensão mais ampla por parte do aluno, a fim de formá-lo criticamente
em função dos interesses da população majoritária, sem discriminar por classe, cor de pele, poder
aquisitivo, gênero etc.
38
DIDÁTICA GERAL
A escola, pública principalmente, deve ser democrática, ou seja, todos devem ter acesso a ela. Além
disso, deve garantir a permanência dos estudantes, no mínimo, até o final da Educação Básica (Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e oferecer um ensino de qualidade, que leve em conta as
características específicas daqueles que a frequentam. Deve ser democrática inclusive nos mecanismos
de gestão interna: todos devem estar envolvidos e buscar participar do poder que decide os rumos que
a instituição de ensino deve tomar.
Saiba mais
Para finalizar este tópico do nosso percurso de estudos, é importante ressaltar que deve haver um
compromisso social e ético por parte dos professores, que nada mais é do que seu permanente empenho
na instrução e na educação dos alunos, dirigindo o ensino e as atividades de estudo de modo que estes
dominem os conhecimentos básicos e as habilidades e desenvolvam suas forças, capacidades físicas e
intelectuais, tendo em vista equipá-los para enfrentar os desafios da vida prática no trabalho e nas lutas
sociais pela democratização da sociedade.
Até aqui, ampliamos nossos conhecimentos pedagógicos acerca da definição e dos aspectos
históricos relacionados à didática. Agora serão apresentadas as tendências didático-pedagógicas que
circundam o contexto escolar, principalmente a prática do professor.
Exemplo de aplicação
Para ter uma postura mais crítica, ao realizar a leitura deste livro-texto, procure refletir acerca das
seguintes questões:
39
Unidade I
Segundo Libâneo (1985), verificam-se três tipos de tendências que interpretam o papel da educação
na sociedade:
Saviani (2003) chama de teorias não críticas o que Libâneo (1985) denomina tendências liberais
de educação ou educação como redenção. Todos esses termos convergem para a crença ingênua de
que a educação seria, por si só, suficiente como fator de ascensão social, sem que fosse necessário
adentrarmos nas questões sociopolíticas que a determinam.
Esse tipo de reflexão indica a ausência de uma criticidade sociológica e encontra fatores de
perpetuação da desigualdade ou determinantes de uma herança social que coloca a escola como
reprodutora de uma sociedade injusta e antidemocrática.
Essas teorias pretendem trabalhar com propostas práticas, as quais julgam como suficientemente
capazes de tirar o sujeito de sua condição de desigualdade; entretanto, o fazem sem que haja uma
atenção a todo o contexto social, o que se configura numa falta de criticidade, ou numa ingenuidade
total. São chamadas de liberais pois, ao defenderem a predominância da “liberdade” e dos interesses
individuais da sociedade, estabeleceram uma forma de organização social baseada na propriedade
privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto,
é uma forma de manifestação desse tipo de sociedade, que acaba por ser uma forma de justificação do
sistema capitalista.
40
DIDÁTICA GERAL
Saviani (2003) denomina teorias crítico-reprodutivistas o que Libâneo (1985) chamou de educação
como reprodução. Elas são assim intituladas porque não apresentam uma proposta prática; apenas
se limitam a criticar sociologicamente toda a formação da reprodução social de classes, a ausência
de uma democracia. Defendem que a escola reproduz a desigualdade fora dela, mas não fazem nada
para combater essa forma de desigualdade. Diferente das tendências não críticas, que não concebiam
a educação como capaz de promover a mudança social, combatendo o fenômeno da marginalidade,
o que sabemos ser ingenuidade, as teorias crítico-reprodutivistas são, como diz seu nome, “críticas”;
mas se limitam a criticar e nada fazer de concreto, não produzem nenhuma proposta de trabalho
didático-pedagógico.
Por último, há o que Saviani (2003) chamou de teorias críticas da educação, e Libâneo (1985) de
educação como transformação da sociedade ou teorias progressistas. Estas, como uma espécie de junção
das duas primeiras, são:
• críticas, como as crítico-reprodutivistas, por acreditarem nos determinantes sociais a que a escola
se submete, como fatores de reprodução da desigualdade existente na sociedade atual, e na falta
de uma democracia real e batalhadora de condições mais justas e igualitárias de vida;
• práticas, como as liberais, por apresentarem uma forma de trabalho pedagógico que visa atuar
dentro das escolas, mas não de forma ingênua, como as liberais, e sim procurando conseguir uma
transformação da sociedade em algo mais justo e democrático, combatendo a reprodução da
desigualdade social.
Dessas três abordagens teóricas, apenas a pedagogia liberal e as teorias progressistas serão
aprofundadas neste livro-texto, pois as teorias crítico-reprodutivistas não possuem uma aplicabilidade
prática, apesar de seu valor pelos apontamentos teóricos que fazem.
Saiba mais
A pedagogia liberal também tem a característica de ser um tipo de educação ajustadora, uma
vez que apenas ajusta o estudante para que este possa participar da reprodução da sociedade.
Essa pedagogia possui muitas correntes teóricas; entretanto, as que mais se destacaram e que iremos
detalhar são quatro:
41
Unidade I
• tradicional;
• renovada progressivista;
• tecnicista.
No outro lado, temos a pedagogia progressista, que possui a característica de uma educação
transformadora, por dar condições de desenvolvimento aos estudantes, permitindo que tenham
capacidade de lutar pela transformação social em uma direção mais justa e igualitária. As principais
representantes teóricas dessa pedagogia são:
• libertadora;
• libertária;
Vejamos a partir de agora essas sete tendências: quatro liberais e mais três progressistas.
É evidente que tanto as tendências quanto as manifestações não são puras nem mutuamente
exclusivas, o que, aliás, é a limitação principal de qualquer tentativa de classificação da realidade. Em
alguns casos, as tendências se complementam, em outros, divergem. De qualquer forma, a classificação
e sua descrição poderão funcionar como instrumentos de análise para o professor avaliar a sua prática
de sala de aula.
42
DIDÁTICA GERAL
Lembrete
A educação brasileira, ao menos nos últimos 50 anos, tem sido marcada pelas tendências liberais,
que aqui não têm o sentido de “avançado”, “democrático”, “aberto”. Esse tipo pedagógico, inclusive,
tem se apresentado como liberal conservadora ou, às vezes, liberal renovada. Tais tendências têm se
manifestado concretamente nas práticas escolares e na concepção pedagógica de muitos professores,
ainda que de maneira inconsciente por boa parte deles.
A pedagogia liberal acredita que a escola tem a função de preparar os sujeitos para o desempenho de
papéis na sociedade, correspondentes às aptidões individuais. Por isso, os estudantes precisam aprender
a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes por meio do desenvolvimento
da cultura individual. O relevo na cultura esconde a realidade das diferenças de classes, pois, ainda que
difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em consideração a desigualdade de condições
entre as pessoas, e por isso dá legitimidade à ideologia capitalista.
O trabalho na escola pressupõe uma preparação intelectual e moral dos estudantes a fim de que
assumam sua posição na sociedade. O que a escola propõe é um compromisso com o ensino da cultura.
Os problemas sociais são pertencentes à sociedade. O percurso cultural em direção ao saber é o mesmo
43
Unidade I
para todos os estudantes. Assim, os menos capazes devem se esforçar para tentar superar as dificuldades
e conquistar seu lugar ao lado dos mais capazes.
Sobre os conteúdos de ensino, trata-se dos conhecimentos e valores sociais que se estabeleceram
pelas gerações adultas e que são repassados aos estudantes como verdades. Essas matérias de estudo
visam “preparar o estudante para a vida” e são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os
conteúdos devem ser separados da experiência do estudante, ou seja, descontextualizados da realidade
que a sociedade oferece, sendo válidos pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é
criticada como intelectualista e, às vezes, enciclopédica.
Quanto ao método de ensino, é baseado na exposição verbal da matéria e/ou demonstração. São
feitas pelo professor tanto a exposição quanto a análise do conteúdo, atentando-se aos seguintes passos:
• Generalização: partindo-se dos aspectos particulares, pode-se chegar ao conceito geral, que é a
exposição sistematizada.
No quesito aprendizagem, há uma concepção de que a proposta de ensino responde pela tarefa
de repassar os conhecimentos para a aprendizagem do educando, como se ele tivesse a capacidade de
assimilar semelhante à do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas de ensino devem ser
ministrados pelo professor em progressão lógica, sem preocupação com as características próprias de
cada fase que o estudante vivencia. A aprendizagem, assim, é feita por recepção e de maneira mecânica,
utilizando, quase sempre, a coação.
A permanência do que foi ensinado é garantida pela prática repetitiva de exercícios sistemáticos e
de recapitulações da matéria. Transferir a aprendizagem depende do treino; é imprescindível a retenção
a fim de que os estudantes possam lidar com situações novas de forma semelhante ao que fizeram em
situações anteriores; é preciso avaliar por meio de verificações de curto prazo (prova oral, lição de casa)
e de longo prazo (provas escritas, trabalhos para fazer em casa, como projetos). A atitude de reforço é,
44
DIDÁTICA GERAL
em geral, negativa (punição, notas baixas, apelos aos pais); e com menos frequência, positiva (estímulos
para motivação, classificações).
No que diz respeito às manifestações na prática escolar, podemos afirmar que a pedagogia liberal
tradicional ainda é utilizada em nossas escolas religiosas ou leigas, que adotam uma orientação
clássico‑humanista ou uma orientação humano-científica – sendo que esta última é a que mais se
aproxima do modelo de escola predominante em nossa história educacional.
Aprendizagem Ensino
Processo de Exposição verbal
memorização
Conteúdo
Estudante
Valores sociais
Receptor acumulados
Professor
Descontextualizado
Transmissor do
conhecimento
Exemplo de aplicação
O estudante pode ser considerado um mero receptor ou devido às suas experiências pessoais é capaz
de construir conhecimentos?
O objetivo maior da escola é conseguir adequar as necessidades individuais à sociedade; para isso,
ela deve se estruturar de maneira a refletir, tanto quanto possível, a vida do estudante. Todo ser humano
dispõe dentro de si de mecanismos para adaptação progressiva ao meio ou contexto em que vive. Isso
45
Unidade I
se dá por meio de experiências que devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do indivíduo e as
exigências da sociedade.
Às escolas cabe o papel de suprir as experiências que possam permitir ao estudante educar-se,
num processo ativo de construção e reconstrução do objeto de conhecimento, como uma espécie de
interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente.
Como conhecer é, em geral, resultado de ações a partir de necessidades e interesses dos estudantes,
os conteúdos de ensino são contextualizados em função das experiências que o indivíduo vivencia diante
de desafios e conflitos cognitivos, o que se opõe à ideia de conteúdos organizados sistematicamente.
Nessa proposta, trata-se de “aprender a aprender”, ou seja, é mais importante o processo de construção
do saber do que o saber propriamente dito.
No que concerne aos métodos de ensino, o princípio de “aprender fazendo” está constantemente
presente nessa tendência. Há uma valorização do tentar experimentalmente, pesquisar, descobrir, estudar
o meio natural e social, utilizar o método de solução de problemas. Ainda que os métodos variem, as
escolas ativas ou novas (nas propostas de Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) devem partir
sempre de atividades que se adéquam à natureza do estudante e às fases do seu desenvolvimento. Na
maioria delas, existe uma valorização da proposta de trabalho em grupo não somente como técnica,
mas como veículo fundamental para o desenvolvimento mental.
• oportunizar a colocação de soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida.
Saiba mais
46
DIDÁTICA GERAL
Na relação entre professor e estudante, não há lugar prestigiado para o professor; antes de tudo, seu
papel é o auxílio no desenvolvimento aberto e espontâneo do aluno; se ele interfere, é para auxiliar no
despertar de seu raciocínio. A disciplina surge de uma conscientização dos limites da vida grupal; dessa
forma, estudante disciplinado é aquele que se solidariza, participa e respeita as regras do grupo. Para
garantir um clima de harmonia dentro da sala de aula é imprescindível um relacionamento harmonioso
entre professores e alunos, como forma de conseguir uma “vivência democrática”, da maneira como
deve ser a vida em sociedade.
Aprendizagem Ensino
Professor Conteúdo
Auxilia a construção do
Estudante Contextualizado
conhecimento
Sujeito que se
adapta ao meio
47
Unidade I
Exemplo de aplicação
Você considera que a função do professor se limita ao auxílio no processo de ensino e aprendizagem?
Agudiza-se, nessa tendência, a função da escola no que se refere à formação de atitudes, razão pela
qual costuma estar mais preocupada com problemas psicológicos do que com pedagógicos ou sociais.
Todo empenho está em estabelecer um ambiente favorável a uma mudança dentro do sujeito, isto é, a
uma proporcionalidade pessoal às solicitações do ambiente.
Carl Rogers considera que o ensino é uma atividade extremamente valorizada. Para ele, os
procedimentos didático-pedagógicos, a competência no assunto (conteúdo), as aulas, os livros, tudo
tem pouca relevância frente à intenção de favorecer à pessoa um ambiente de autodesenvolvimento
e realização pessoal, o que impõe estar bem consigo mesmo e com os seus. O resultado de uma boa
educação é muito parecido com o de uma boa terapia.
Observação
Fruto de suas pesquisas, Rogers sistematizou o método da terapia centrada no cliente, que depois
evoluiu para a abordagem centrada na pessoa (ACP); mas ele mesmo afirma que seu objetivo nunca
foi criar um sistema próprio de psicoterapia, mas sim estudar os critérios necessários para a evolução da
psicoterapia científica como um todo. Ele é considerado precursor da psicologia humanista e criador
da linha teórica conhecida como ACP.
48
DIDÁTICA GERAL
Saiba mais
Quanto aos conteúdos de ensino, a maior intenção que essa tendência expõe são os processos de
desenvolvimento das relações interpessoais e da comunicação, colocando em segundo plano o ensino
de conteúdos. Os processos de ensino objetivam a facilitação para os estudantes no que se refere aos
meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos, que, no entanto, são desnecessários.
Na relação professor-aluno, essa pedagogia não diretiva propõe uma educação com o estudante
como centro, visando formar sua personalidade por meio da vivência de experiências que sejam
significativas, que lhe permitam desenvolver características inerentes à sua natureza. O professor precisa
ser um especialista em relações humanas ao garantir um ambiente favorável ao relacionamento pessoal
e autêntico. “Ausentar-se” é a melhor forma de respeito e aceitação plena da pessoa do aluno. Toda
intervenção tende a ser ameaçadora e inibidora da aprendizagem.
Aprender, portanto, é se modificar em suas próprias percepções, pois é assim que se aprende o que
estiver significativamente relacionado com elas. O resultado de tudo é o que se retém por ter relação
com o “eu”, pois, quando não existe tal relação, não se aprende. Portanto, a avaliação escolar não tem
o menor sentido nessa proposta, na qual é privilegiada uma autoavaliação.
Quanto ao grande inspirador dessa pedagogia, Carl Rogers, pode-se dizer que ele realmente é mais
psicólogo clínico do que educador. Suas ideias tiveram grande influência sobre um número expressivo
de educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que
dedicavam seu tempo ao aconselhamento dos alunos.
Saiba mais
Ensino
Aprendizagem
Técnicas de
Motivação sensibilização
Conteúdo
Professor
Relações interpessoais e
Facilitador Estudante da comunicação
Capaz de
autodesenvolver-se
50
DIDÁTICA GERAL
Exemplo de aplicação
O que significa ser professor facilitador? Você concorda com esta função pedagógica?
Pelo fato de tal perspectiva conceber que nosso sistema social seja harmônico, orgânico e funcional,
a escola, assim, acaba por funcionar como uma instituição modeladora do comportamento humano, por
meio de técnicas específicas. À educação escolar fica o papel de organizar o processo de acumulação
de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e imprescindíveis para que os sujeitos se
integrem na máquina do sistema social global.
Esse sistema acaba sendo regido por leis naturais (há na sociedade uma mesma regularidade e
as mesmas relações funcionais observáveis entre vários fenômenos da natureza), cientificamente
descobertas. Basta aplicá-las. Atividades como a “descoberta” são função da educação, mas precisam
ser restritas aos especialistas; a “aplicação” é de competência do processo educacional comum.
A escola atua, dessa forma, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista),
articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para isso, precisa empregar a ciência da mudança
de comportamento, ou seja, uma tecnologia comportamental. Seu interesse primário é o de formar
indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo com eficácia informações
precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, a tecnologia educacional e a análise experimental
do comportamento podem garantir uma objetividade da prática escolar, uma vez que os objetivos
instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais que não dependem dos que a conhecem
ou executam.
Em relação aos métodos de ensino, é proposta uma consistência a partir dos procedimentos
e das técnicas necessários à estruturação e ao controle das condições contextuais que garantam
a transmissão/recepção de aprendizagens. Se a primeira missão do professor é dominar respostas
51
Unidade I
• operacionalização de objetivos;
Sobre a relação professor e estudante nessa proposta, deve ser estruturada com objetivos bem
claros e papéis bem definidos. O professor pode administrar as condições de transmissão do conteúdo
como um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de aprendizagem; o estudante irá
receber, aprender e fixar as informações. O professor é apenas uma ligação estabelecida entre a
verdade científica e o estudante, cabendo-lhe utilizar o sistema instrucional previsto. O estudante é
um indivíduo que apenas responde, que não pode participar da elaboração do programa educacional.
Ambos (professor e estudante) são apenas coadjuvantes dessa produção de conhecimento.
A comunicação professor-aluno tem, assim, um sentido exclusivamente técnico de garantir a eficácia
da aquisição, pelo estudante, do aprendizado. Debates, discussões, questionamentos não são úteis,
assim como não são interessantes as relações afetivas e pessoais dos alunos.
No que se refere à aprendizagem, esta se apoia no princípio de que aprender é uma questão de
modificação do desempenho: o bom ensino irá depender da organização eficiente das condições
52
DIDÁTICA GERAL
Saiba mais
Observação
Sobre a máquina oficial, contudo, não há indícios seguros de que os professores da escola pública
tenham conseguido verdadeiramente compreender a pedagogia tecnicista, pelo menos em seu ideário.
A aplicação da metodologia tecnicista (planejamento, livros didáticos programados, procedimentos
de avaliação etc.), entretanto, não representava uma postura tecnicista do professor, pois o exercício
53
Unidade I
profissional continuou bastante calcado nos princípios pedagógicos fixados nas pedagogias
tradicional e renovada.
Ensino
Estudante
Processo de
Sujeito passivo condicionamento
Professor Aprendizagem
Controlador
Modificação do
Administrador Conteúdo desempenho a partir de
Transmissor estímulos externos
Informações e
princípios científicos
Exemplo de aplicação
Costuma-se utilizar o termo “progressista” para designar as tendências que, tomando como ponto
de partida uma análise crítica de realidades sociais, acabam por sustentar as finalidades sociopolíticas
da educação. É claro, porém, que a pedagogia progressista não encontra terreno propício para adentrar
na prática das escolas atualmente, por pertencermos a uma sociedade capitalista. Portanto, ela pode ser
utilizada como instrumento de luta dos professores, ao lado de outras práticas sociais.
Para pensarmos nessa tendência pedagógica, precisamos primeiro desvinculá-la da escola, uma
vez que sua principal contribuição é a atuação não “formal”. Entretanto, professores e educadores
comprometidos com o ensino escolar vêm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, ao falarmos
em educação nessa proposta, dizemos que ela é uma atividade em que professores e estudantes são
intermediados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem para suas
discussões, atingindo um novo nível de consciência dessa mesma realidade, com propósitos de atuar
sobre ela num sentido de transformação social.
Tanto a educação tradicional, chamada de “bancária” por Paulo Freire, que visava depositar
informações sobre o estudante, aplicar a prova e testar o conhecimento, quanto a educação renovada
– que pretendia ser uma forma de libertação psicológica individual – são domesticadoras, pois em nada
colaboram para compreender a realidade social de opressão inerente à sociedade capitalista em que
vivemos. A educação libertadora, diferente das anteriores, questiona concretamente a realidade dessas
relações do homem com a natureza e com os outros homens, pretendendo uma transformação – daí ser
uma educação crítica.
cultural” ou “depósito de informações”, porque não surge do saber popular. Caso seja necessário algum
texto para leitura, este deverá ser redigido pelos próprios alunos, com orientação do professor.
Em momento algum o principal ícone e mentor intelectual dessa pedagogia, Paulo Freire, deixou de
mencioná-la com o caráter essencialmente político de sua pedagogia, o que em suas próprias palavras
impede que ela seja colocada em prática em termos sistematizados em instituições oficiais (como a
escola, por exemplo), antes que a sociedade seja transformada. Essa é a razão que justifica o porquê
de sua atuação se dar mais na educação extraescolar, o que nunca impediu, por outro lado, que esses
pressupostos fossem adotados e aplicados por um grande número de professores em escolas, com
possíveis modificações.
Sobre os métodos de ensino, sendo uma ação de construção do conhecimento, esse processo, muito
utilizado na alfabetização de adultos, exige, entre educadores e educandos, uma relação de genuíno
diálogo, do tipo em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram intermediados pelo objeto a
ser conhecido. O diálogo proporciona uma ligação ativa a ambos os sujeitos do ato de conhecer:
educador‑educando e educando-educador.
Assim, a forma de fazer educação é o “grupo de discussão”, ao qual cabe uma gestão autônoma
da aprendizagem, definindo o tipo de conteúdo e a dinâmica própria das aulas ou atividades.
O professor é um mediador que, por necessidade, deve “descer” ao nível dos estudantes, ajustando-se
às suas características e ao desenvolvimento de cada grupo. Deve andar “junto”, intervir o mínimo
possível e só se efetivamente necessário, embora não deixe, caso seja importante, de oferecer
informações sistematizadas.
Lembrete
Nessa proposta, a relação professor e estudante é o que se costumou chamar de relação horizontal,
por meio do diálogo entre o educador e o educando, ambos se colocando como sujeitos do ato de
conhecimento. A absoluta identificação com o povo é o critério de bom relacionamento, pois, do contrário,
56
DIDÁTICA GERAL
O mentor e divulgador da pedagogia libertadora foi Paulo Freire. Ele aplicou suas ideias pessoalmente
em diversos países, primeiramente no Chile, depois na África, em países como Zâmbia, Tanzânia,
Guiné-Bissau, Angola e Cabo Verde, e aqui no Brasil exerceu uma forte e expressiva influência nos
movimentos populares e nos sindicatos. Sua pedagogia praticamente se misturava com a maior parte
das experiências do que se denominou educação popular. Existem diversos grupos que ainda praticam
esse tipo de atividade educativa, mesmo após a morte de Freire, não apenas no nível da prática popular,
como também por meio de publicações, acadêmicas ou não, com relativa independência em relação às
ideias originais da pedagogia libertadora. Ainda que essas formulações teóricas sejam mais limitadas à
educação de adultos ou à educação popular, muitos professores tentam praticá-las em todos os graus
de ensino nas escolas.
Aprendizagem
Ensino
Processo de codificação,
Dialógico recodificação e
problematização
Professor
Conteúdo
Mediador
Sujeito protagonista Estudante Temas geradores
da construção do Cidadão (contextualizado)
conhecimento
Sujeito protagonista
da construção do
conhecimento
57
Unidade I
Exemplo de aplicação
Qual a contribuição dos temas geradores para o processo de aprendizagem e exercício da cidadania?
Nessa pedagogia, deseja-se que a escola exerça uma transformação na personalidade dos
estudantes em sentido libertário e autogestionário. Deve funcionar basicamente como uma introdução
de modificações institucionais, partindo dos níveis mais baixos (população), para que sejam capazes de
ir “contaminando” todo o sistema.
Os conteúdos ficarão à inteira disposição do estudante, mas sem que haja nenhuma exigência de que
se busque a eles, uma vez que serão apenas um instrumento a mais. O verdadeiro conhecimento deve
ser resultante das experiências do grupo, sobretudo nas participações críticas. O conhecimento, esse
caso, não será a investigação intelectual da realidade para que se obtenha algum sistema de elaborações
mentais, mas uma espécie de descoberta que se obtém pelas respostas às necessidades e exigências que
a vida social impõe. Assim, será apenas um resultado das necessidades e dos interesses manifestos por
meio do grupo, embora não exatamente as matérias de estudo.
Quanto à questão dos métodos de ensino, aos estudantes serão propiciadas oportunidades para o
desenvolvimento de bases mais satisfatórias de sua própria constituição, partindo de sua iniciativa e
58
DIDÁTICA GERAL
sem qualquer forma de poder ou dominação do professor ou da instituição. Assim, pode-se dizer que se
trata da instituição de responsabilidades dadas pelo coletivo a todos, como ocorre na vida em conjunto
diariamente, nas atividades e na organização de qualquer trabalho no interior da escola (exceto na
elaboração dos programas e na decisão dos exames, que não dependem nem dos professores nem dos
alunos). A decisão de trabalhar ou não será dos próprios estudantes, resultando no interesse pedagógico,
que ficará na dependência de suas necessidades ou das do grupo.
Sobre a relação entre professor e aluno, nessa pedagogia é objetivado, em primeiro lugar, transformar
a relação entre ambos no sentido da não diretividade, ou seja, são consideradas improdutivas e
prejudiciais todas as formas que se utilizem de obrigações e ameaças dos professores aos estudantes.
Ainda que a condição do professor e dos estudantes seja claramente diferente, não existe nada que
impeça o primeiro de se colocar a serviço do segundo, e é necessário que não imponha suas concepções
e ideias, para não transformar o estudante em objeto. O professor deve ser uma espécie de filtro, como
um orientador, para que aluno e professor possam refletir mutuamente.
Pelo fato de os estudantes serem livres na concepção do professor, reciprocamente, este também
o é no que se refere aos estudantes (ele pode, caso seja sua vontade, deixar de responder a alguma
pergunta, mantendo-se em silêncio). Contudo, esse tipo de liberdade nas atitudes deve ter sentido
muito claro, pois, caso um estudante decida não participar de algo, irá fazê-lo porque não está se
sentindo totalmente integrado.
Da mesma maneira, quando o professor se cala diante de uma ou mais perguntas, seu silêncio
deverá ter um significado educativo, que pede, por exemplo, uma espécie de ajuda para que talvez o
grupo assuma a tarefa de responder ou lidar com a situação criada. Assim, algumas vezes, o professor
terá a função de uma espécie de conselheiro e, outras, de instrutor ou monitor, ficando à disposição do
grupo. De maneira alguma esses papéis do professor se resumem a algum modelo, pois essa pedagogia
recusa qualquer forma de poder ou autoridade.
Sobre a questão da aprendizagem, o principal ocorre por meio do processo informal, durante a
vivência em grupo, excluindo‑se e repudiando-se qualquer forma de repressão, com a intenção de
favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação, portanto, ficará a cargo do interesse
por crescer dentro das possibilidades da vivência em grupo, propiciando desenvolvimento a cada um de
seus membros, e da satisfação de suas aspirações e necessidades (ao menos as intelectuais).
59
Unidade I
Somente após a experimentação de algumas situações, estas poderão ser incorporadas e utilizadas
pelo estudante de maneira autônoma em uma nova situação. Assim, o critério mais importante do saber
organizado é seu possível uso na prática. Por isso, não faria sentido algum qualquer forma de tentativa
de avaliação da aprendizagem, ao menos no que se refere aos conteúdos, que não são essenciais
nessa abordagem.
Sobre algumas manifestações na prática escolar, podemos dizer que essa pedagogia acaba por incluir
quase todas as tendências antiautoritárias em educação, como a anarquista, a psicanalista, a sociológica
e também a dos professores progressistas. Ainda que Rogers e Neill não possam ser considerados
progressistas, pela falta do aspecto de criticidade sociopolítica, não deixaram de influenciar alguns
libertários, como Lobrot, Vasquez, Oury e Ferrer Guardia.
Particularmente importante é o trabalho de Célestin Freinet, que foi e provavelmente ainda será
muito estudado por suas inúmeras contribuições. Algumas escolas ainda hoje aplicam seu método, para
se ter uma ideia da relevância enorme de seu trabalho.
Ainda sobre os estudiosos e divulgadores dessa tendência, citamos Maurício Tragtenberg, embora o
teor de seus trabalhos não seja propriamente pedagógico, mas de crítica às instituições em favor de um
projeto autogestionário de educação.
Ensino Aprendizagem
Ação coletiva Processo informal
autogestionária
Conteúdo
Professor
Orientador e Autogestionário
conselheiro Estudante Derivado de questões
sociopolíticas
Produto cultural
coletivo
Exemplo de aplicação
Se a aprendizagem é um processo informal, o que seria da escola, por exemplo, que é responsável
pela educação formal?
60
DIDÁTICA GERAL
De acordo com a perspectiva dialética adotada neste livro-texto, o estudante pode ser considerado
apenas um produto cultural ou a compreensão biopsicossocial é necessária para o processo de ensino
e aprendizagem?
A apropriação de conteúdos é uma missão essencial nessa proposta. Não se trata de qualquer tipo de
conteúdo, de maneira abstrata, mas de conteúdos concretos, reais, assim, inerentes à realidade da vida
social. A escola é considerada um instrumento capaz de propiciar a apropriação do conhecimento como
serviço prestado aos interesses da grande população, já que ela própria tem condições de contribuir para
a eliminação da seletividade social e torná-la democrática.
Uma vez que a escola é parte da totalidade social, a ação em seu interior é claramente uma forma
de ação rumo a uma transformação da sociedade. Como o que caracteriza uma pedagogia crítica é
exatamente o desenvolvimento da consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a função dessa
pedagogia “dos conteúdos” é se aproximar da tarefa de transformar a escola partindo de condições
já existentes. Assim, o pré-requisito para que a escola possa servir aos interesses da população é a
garantia a todos de um bom ensino, ou seja, a apropriação desses conteúdos escolares básicos que
tenham correspondência com a vida dos estudantes. Dessa forma, a educação passa a ser “uma
atividade mediadora no seio da prática social global” – em outras palavras, uma das mediações a favor
do estudante com a intervenção do professor e, por sua participação ativa, passa de uma experiência
inicialmente confusa e fragmentada (sincrética) a uma visão de síntese, com mais organização e união.
Os conteúdos de ensino, tão importantes nessa proposta, são, da mesma forma que na pedagogia
liberal tradicional, os conhecimentos e os conteúdos culturais universais que se estruturaram em áreas
relativamente independentes, culturalmente incorporados pela humanidade, mas (como peculiaridade
dessa proposta) constantemente reavaliados face às realidades sociais. Ainda que possamos aceitar que
os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que eles devem ser assimilados e não simplesmente
reinventados, nunca serão fechados e avessos às realidades sociais. Não é suficiente que esses conteúdos
sejam apenas ensinados, ainda que seja um trabalho bem-feito; é imprescindível uma conexão de forma
indissociável entre o conteúdo e o seu uso na prática social.
Essa maneira de compreender os conteúdos não manifesta uma oposição entre cultura erudita e
cultura popular ou espontânea, e sim apenas uma relação de continuidade em que, pouco a pouco,
se passa da experiência imediata, ainda precária e desorganizada, ao conhecimento sistematizado e
bem-estruturado. Não que a primeira forma de compreensão da realidade seja errada, mas é necessária
a elevação a uma forma de elaboração superior, pelo próprio estudante, com a ajuda do professor
como mediador.
61
Unidade I
Sobre os métodos de ensino, para resumir, a aula deverá começar pela constatação da prática real,
devendo haver, na sequência, a conscientização dessa mesma prática no sentido de ligá-la aos conceitos
do conteúdo proposto como maneira de confrontar a experiência e a explicação do professor. Assim, o
estudante caminha da ação à compreensão e da compreensão à ação, até que possa fazer uma síntese,
o que significa uma unidade entre teoria e prática.
Tendo conquistado isso, o resultado evidente é que se terá a capacidade de ir do saber acadêmico ao
engajamento político, mas nunca o contrário, sob o forte risco de se distorcer a própria peculiaridade do
conhecer e até cair numa espécie de pedagogia ideológica, que é precisamente o maior alvo de críticas
na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.
Nessa proposta, os métodos devem se subordinar aos conteúdos, pois, como o objetivo é oportunizar
a aquisição do saber vinculado às realidades sociais, é imprescindível que os métodos favoreçam uma
correspondência dos conteúdos com os interesses dos estudantes, e ainda que estes possam reconhecer os
conteúdos como suporte ao seu esforço de compreensão da realidade (prática da vida social). Assim, não
se trata de métodos impositivos e inquestionáveis do saber da cultura, como na pedagogia tradicional,
tampouco da sua troca pela descoberta, pela investigação ou pela livre expressão das opiniões, como se
o saber pudesse ser criado pela criança, como na concepção da pedagogia renovada.
Podemos dizer que os métodos dessa pedagogia crítica não partem, assim, de um saber
superficialmente construído, inserido a partir de fora, nem do espontâneo, como numa obra do acaso.
Provêm de uma experiência direta na relação com o estudante, oportunizada pelo confronto com o saber
trazido de fora da escola. O trabalho do professor precisa relacionar a prática vivida pelos estudantes
com os conteúdos propostos, para que ocorra a “ruptura” em relação à experiência rústica e precária que
acontece inicialmente. Essa ruptura somente se torna possível com a introdução clara, pelo professor,
dos novos elementos de análise a serem aplicados criticamente à prática do estudante.
A respeito da relação professor e estudante, pelo fato de o conhecimento ser resultado de trocas
estabelecidas na relação com o meio (natural, social e cultural) e o sujeito, e por ser o professor uma
espécie de mediador, então a relação pedagógica consistirá na oportunização das condições em que
professores e estudantes poderão colaborar para fazer progredirem essas trocas.
62
DIDÁTICA GERAL
implicará, por consequência, um envolvimento com o estilo de vida dos estudantes, inclusive tomando
consciência dos descompassos entre sua própria cultura e a do estudante.
O docente não se contentará com a satisfação das necessidades e carências apenas, buscará
o despertar de outras necessidades, para acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigindo um
esforço por parte do estudante, propondo conteúdos e modelos que possam ser compatíveis com suas
experiências, para que esses alunos se dinamizem para uma participação ativa.
Obviamente o papel dessa mediação, exercido em torno da análise dos conteúdos, deverá excluir
a não diretividade como maneira de organizar o trabalho escolar, porque o diálogo entre adulto e
adolescente é muito desigual. O adulto, com certeza, terá mais experiência acerca das realidades sociais
e “deve dispor” de uma formação para poder ensinar, possuindo conhecimentos, e a ele caberá fazer
uma análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais.
A não diretividade deixaria os estudantes à mercê de suas próprias vontades, como se tivessem uma
tendência espontânea de alcançar todos os objetivos esperados da educação por si próprios. Sabemos
que as tendências espontâneas e naturais não são “naturais”, mas inerentes às condições de vida e do
meio. Não basta apenas o amor, a aceitação para que os filhos dos trabalhadores conquistem a vontade
de estudar, de progredir. É necessária uma intervenção especial do professor para que esses alunos
acreditem nas suas possibilidades de ir mais longe e de prolongar a experiência vivida.
No que se refere à aprendizagem, esta ocorrerá por meio de um esforço próprio do estudante, que
deverá ser capaz de se reconhecer nos conteúdos e nos modelos sociais apresentados pelo professor;
assim, terá condições de ampliar sua experiência por meio de seu próprio esforço. Para que possa
aprender, o estudante utilizará sua estrutura prévia de conhecimento, ou o professor proverá uma
maior estruturação do que o estudante ainda não dispõe. O grau de envolvimento na aprendizagem
irá depender diretamente da capacidade e da disposição do estudante, assim como do professor e do
contexto da sala de aula.
O professor precisa ter ciência do que os estudantes dizem ou fazem, assim como estes últimos
precisam compreender o que o professor pretende lhes passar. A transferência ocorrerá no momento
da síntese, quando os alunos superam sua visão parcial e confusa e adquirem uma visão mais clara
e unificadora.
O resultado precisará ser avaliado em termos motivacionais não como julgamento definitivo e
indiscutível do professor (como avaliação punitiva), mas como comprovação para o estudante de seu
progresso em direção a noções mais sistematizadas.
63
Unidade I
Sobre as principais formas de manifestações na prática escolar dessa proposta, podemos citar a
experiência pioneira do educador e escritor ucraniano Makarenko.
Observação
Dizemos que todo o esforço de elaboração de uma pedagogia “dos conteúdos” está em dispor de
modelos de ensino voltados para a correlação entre conteúdos e realidades sociais. Assim, visa ao avanço
em termos de uma articulação dos aspectos político e pedagógico, aquele como extensão deste, ou
seja, a educação “a serviço da transformação das relações de produção”.
Ainda que em curto prazo se esperem do professor mais conhecimentos sobre os conteúdos de
sua disciplina e o domínio de uma boa didática, a fim de garantir maior competência técnica, sua
contribuição será muito mais produtiva se puder entender todos os vínculos de sua prática com a
prática social global, tendo em vista uma busca da democratização da sociedade, o atendimento dos
interesses das camadas populares e a transformação da estrutura da sociedade por meio de princípios
de mais justiça e igualdade.
Ensino
Aprendizagem
Partir da realidade
dos estudantes Capacidade de
(relação entre teoria processar informações
e prática)
Estudante
Professor
Conteúdo Sujeito ativo
Mediador histórico-cultural
Saberes da cultura
popular e erudita
(contextualizados)
Exemplo de aplicação
Quais são os aspectos da tendência progressista crítico-social dos conteúdos com os quais você
concorda e dos quais discorda?
64
DIDÁTICA GERAL
Qual a importância da relação entre os saberes da cultura popular e os saberes eruditos (científicos)?
Qual é o papel da escola nesse processo?
Saiba mais
Assista ao videoclipe:
PINK FLOYD. Another brick in the wall. 2012. 1 vídeo (6 min). Publicado
pelo canal Guilherme Alves. Disponível em: https://bit.ly/355rQGi. Acesso
em: 17 fev. 2022.
A música “Another brick in the wall” [Mais um tijolo no muro], da banda britânica Pink Floyd, foi
lançada no ano de 1979. A partir de uma linguagem metafórica, propõe ao público uma crítica severa
ao sistema educacional de sua época, que, ao invés de contribuir com o processo de formação do
estudante, restringia-o e oprimia-o a partir da sua ideologia alienante e antidemocrática.
Exemplo de aplicação
Anteriormente neste livro-texto abordamos as tendências pedagógicas que adotam esse modelo
educacional. Quais são elas?
65
Unidade I
A tradução da letra da música evidencia, em alguns trechos, as contestações e revoltas por parte
dos jovens contra o autoritarismo e as crenças proferidas pelo professor, tais quais (PINK FLOYD, [s.d.]):
Exemplo de aplicação
Acerca da análise crítica da música, podemos destacar três aspectos importantes (PINK FLOYD, [s.d.]):
• Princípios de anarquia.
A música comprova que não é de hoje que o autoritarismo do professor e a relação de poder têm
ocupado um espaço de destaque no ambiente educacional. As diferentes concepções e tendências
pedagógicas que abordamos anteriormente neste livro-texto justificam essa relevância. Enquanto, de
um lado, concentram-se aqueles que adotam uma postura democrática e dialógica, de outro, temos
aqueles que optam por uma abordagem restritiva e controladora do processo de ensino e aprendizagem.
66
DIDÁTICA GERAL
Exemplo de aplicação
A partir das discussões propostas nesta disciplina você concorda com a postura de superioridade
hierárquica do professor?
Repare: as crianças do videoclipe adentram na escola com as suas características pessoais, próprias,
subjetivas e, conforme vivenciam o sistema educacional, suas identidades desaparecem, dando espaço
a padrões de vestimenta – uniforme –, expressão facial e comportamento. A crítica refere‑se, assim,
ao poder de manipulação que a escola pode promover na formação do sujeito. É daí que vêm as frases
contestadoras (PINK FLOYD, [s.d.]):
No desfecho do clipe, a partir de uma postura anarquista, os estudantes se rebelam contra o sistema
educacional com o intuito de romper com o paradigma imposto.
Exemplo de aplicação
É por isso que, no videoclipe, o grupo de estudantes, inconformado com o sistema, torna-se violento,
não aceitando ser oprimido por ele. Essa rebelião, de certo modo, retrata um grito imperativo de liberdade
e de poder, numa forma desesperada de protesto para chamar a atenção das incoerências dos princípios
disciplinares da escola.
67
Unidade I
Exemplo de aplicação
Pesquise outro clipe que aborda a temática e faça uma análise crítica a partir dos conteúdos
estudados na unidade I desta disciplina.
Vamos agora analisar um filme com o intuito de resgatar os conteúdos aprendidos e observar na
prática os pressupostos teóricos estudados.
Saiba mais
Sociedade dos Poetas Mortos, embora seja um filme produzido no final da década de 1980, propõe
uma discussão atual e necessária acerca do papel de afirmação e reprodução ideológica assumido
historicamente pela instituição escolar na sociedade.
Lembrete
O filme se desenrola na tradicional Welton Academy, instituição concebida como padrão de escola
de qualidade da época, uma vez que os métodos disciplinares eram utilizados para oprimir e reprimir
a expressão de pensamentos e opiniões que não se enquadravam nos padrões sociais e culturais. As
primeiras cenas evidenciam a postura elitista e antidemocrática do diretor do colégio com os estudantes:
“Vocês, estudantes, estão diante de uma oportunidade única, pois estudar na Welton Academy é
privilégio para poucos!” (SOCIEDADE..., 1989).
Exemplo de aplicação
A frase “Estudar na Welton Academy é privilégio para poucos” representa qual período histórico
da educação?
Atualmente é possível afirmar que a educação é privilégio de poucos ou há uma discussão acentuada
em relação ao processo de democratização do ensino?
Se, por um lado, ao professor do filme cabe unicamente controlar o comportamento dos seus
alunos e transferir conteúdos, por outro, o estudante assume um papel passivo, não podendo opinar ou
manifestar os seus conhecimentos prévios. Nessa perspectiva, cabe ao estudante apenas reproduzir os
conteúdos prontos e acabados transmitidos pelo professor. Fica evidente que na concepção tradicional
o adolescente, descaracterizado das peculiaridades dessa etapa do desenvolvimento humano, é
considerado um adulto em miniatura, reprimindo‑se os aspectos físico, motor, cognitivo, afetivo e social
que o constituem.
69
Unidade I
Exemplo de aplicação
Na sua opinião, por que é importante que o professor considere as características biopsicossociais
dos estudantes?
Assim, no filme Sociedade dos Poetas Mortos, fica evidente a relação verticalizada entre professor
e estudante, conforme discutimos quando falamos da tendência pedagógica liberal, tão criticada por
Paulo Freire. Também fica claro o sistema de reprodução capitalista como hierarquização dos sujeitos
no contexto educacional, que privilegia características padronizadas de comportamento, aprendizagem,
relação familiar etc.
Entretanto, o filme aborda a importância de que para ensinar é preciso considerar as características
da fase de desenvolvimento humano em que o aprendiz se encontra.
Exemplo de aplicação
Qual a importância da sociologia da educação para analisar e compreender a relação entre escola e
sociedade?
70
DIDÁTICA GERAL
Exemplo de aplicação
A experiência proporcionou aos alunos, assim, uma aprendizagem para além dos muros da escola,
pois a partir do lema carpe diem, os integrantes eram convidados a viver com intensidade cada momento
da vida. Um exemplo é o desejo do personagem Neil, que sonha em ser ator, mas é contrariado,
repreendido e oprimido pelo seu pai, que, por sua vez, projeta no filho uma imagem capitalista de
cidadão bem‑sucedido no mercado de trabalho.
Lembrete
Desse modo, o professor Keating, a partir de uma didática crítica e diferenciada, alcançou a ascensão
de alguns estudantes que até então eram oprimidos pela postura ortodoxa da instituição. Por exemplo:
• Neil, que, a partir do encorajamento decorrente das reflexões propostas pelo professor, decide
desistir de tornar-se um doutor para conquistar o seu sonho: ser ator.
• Todd, que aprende a vencer a fobia de falar em público, obtendo aos poucos autoconfiança.
• Knox, que se desvencilha do medo de se aproximar e declarar o seu amor à garota por quem
estava apaixonado.
71
Unidade I
postura passiva e reprodutiva dos estudantes numa ação consciente, pensante, de reflexão, de tomada
de decisão e crítica do mundo. De certo modo, foi essa a discussão que propusemos até aqui, neste
livro-texto.
Voltando ao filme, não é surpreendente dizer que Keating foi questionado e punido pelos colegas
de trabalho por sua metodologia, que incomodava profundamente o diretor da escola. Acusado de
trabalhar com métodos inadequados, o professor por fim sofre uma chamada de atenção do diretor da
Welton Academy: “O currículo aqui é fixo. Está provado que funciona!” (SOCIEDADE..., 1989).
Fica, portanto, a reflexão: este modelo de formação funciona para quem? Para qual público e com
quais interesses?
É indiscutível que o filme possibilita uma reflexão sobre a prática pedagógica do professor e a
importância do papel da escola em formar um estudante alienado e conformado com as condições
futuras que lhe são predefinidas ou um cidadão participativo, dinâmico, que age criticamente na
sua realidade.
Exemplo de aplicação
Pesquise outro filme que aborda a temática e faça a sua análise crítica a partir dos conteúdos
que abordamos até aqui. Essa é uma estratégia de estudo possível para articular a teoria e a prática,
principalmente para aqueles que não lecionam.
72
DIDÁTICA GERAL
Etimologicamente, didática refere-se a "arte de ensinar", mas por conta da
A filosofia e a complexidade do papel do professor, ela não pode ser reduzida á apenas
sociologia transmissão de conhecimento.
contribuíram Resumo
para a Didática: conjunto de prática reflexiva, consciente e crítica de cada
formação de professor ligado ao seu contexto social e político e ao dos alunos também.
uma didática Estudamos os aspectos gerais relacionados à didática e ao seu
mais crítica e contexto, compreendendo a sua definição, os aspectos históricos,
questionadora as suas especificidades e os elementos que envolvem o processo de
que leve em
conta as ensino e aprendizagem.
especificidade
s das De acordo com o estudo etimológico da palavra, a didática se refere
sociedades.
à “arte de ensinar”. Entretanto, considerando a complexidade do papel
Libâneo: do professor na atual conjuntura, o termo não pode ser reduzido à
divide o papel transmissão de conhecimentos. Ensinar requer do professor a tríade de
da educação
em três conhecimento do conteúdo, didático e curricular. Espera-se que o docente,
tendências: a partir da perspectiva e da contribuição de outras áreas de conhecimento,
educação como a filosofia, a história e a sociologia, possa construir uma prática
como
redenção, reflexiva, consciente e crítica, o que compreende, em sua totalidade, a
educação didática do professor.
como
reprodução e A filosofia contribui para o desenvolvimento de uma didática mais
educação
como crítica, questionadora, pois os conhecimentos filosóficos permitem ao
transformação professor refletir acerca da sociedade como um todo, do papel da educação
(mais nessa sociedade e, por decorrência, da sua própria função no contexto
valorizada
atualmente). educacional. A postura filosófica contribui também para a ressignificação
da didática a partir da aproximação e do complemento entre a natureza
da didática geral e a da didática específica. Concernente aos aspectos
históricos e filosóficos, destacamos a importância de Comênio, conhecido
como pai da didática.
Pedagogia liberal:
Adéqua o aluno
socialmente para que A importância da sociologia se concentra na compreensão acerca da
possa participar da organização da sociedade e da sua implicação para o contexto educacional.
reprodução da Vimos que a maneira como a sociedade está organizada interfere
sociedade (educação
ajustadora). É ligada significativamente nos objetivos e nas intencionalidades da escola,
com a meritocracia e evidenciando que a educação não é um processo neutro, mas político.
não leva em conta a
desigualdade das
sociedades
Segundo Libâneo (1985), há três tipos de tendências que interpretam
capitalistas. O aluno o papel da educação na sociedade: educação como redenção, educação
deve se adequar ao como reprodução e educação como transformação da sociedade, a mais
seu contexto (se vive valorizada academicamente.
em um contexto que
só pode se tronar
operário, ele vai ter O mesmo autor explica que a pedagogia liberal caracteriza-se como
que ser operário). sendo um tipo de educação ajustadora, uma vez que apenas adéqua
o estudante socialmente para que possa participar da reprodução da
sociedade. Essa pedagogia possui muitas correntes teóricas; entretanto, o
73
Unidade I
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DIDÁTICA GERAL
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Unidade I
O professor é
um mediador • antes de ser estudante, o sujeito é um cidadão de direitos;
(tanto ele
quanto o aluno • o professor é o mediador entre o estudante e o objeto de conhecimento;
são
protagonistas • o processo de ensino se dá por meio de uma abordagem dialógica;
no processo de
aprendizagem). • a aprendizagem envolve codificação, recodificação e problematização;
O
conhecimento • os conteúdos são contextualizados e nascem das necessidades e dos
surgem a partir
da interação
interesses dos estudantes a partir dos temas geradores.
entre ambos. o
professor deve Na pedagogia progressista libertária, acredita-se no modelo autogestionário, Progressista libertária: a
abordar temas ou seja, na constituição de grupos (assembleias, conselhos, eleições, reuniões escola deve ser um
geradores em
suas aulas que e associações) no interior da escola de maneira que o estudante transfira espaço propicio para o
aluno transmitir os
sejam os conhecimentos adquiridos na autogestão a outros âmbitos sociais. Por conhecimentos que
relacionados isso, esse pressuposto, eminentemente político, considera: adquiriu. O professor é
com o contexto um
social e politico orientador/conselheiro.
dos alunos • o estudante como produto cultural coletivo;
O ensino é uma ação
levantando coletiva. A educação se
discussões. • o professor como um orientador e conselheiro; dá em qualquer
Tem o objetivo contexto (não só na
de formar • o ensino como um processo de ação coletiva autogestionária; escola). O conteúdo
indivíduos não é predefinido, mas
críticos que • a aprendizagem como um processo informal, que se dá em qualquer vem de questões
possam se
libertar da contexto, independentemente da escola; sociopolíticas vigentes.
opressão da
classe • o conteúdo não como algo predefinido, mas oriundo de questões
dominante. A sociopolíticas vigentes.
educação deve
ser libertadora.
Na pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos, a ascensão do
saber popular para o saber erudito é essencial na formação do sujeito, e a
critico social: a escola é
escola, por sua vez, é a principal responsável por isso. Sendo assim, o processo a responsável pela
de ensino e aprendizagem é organizado a partir dos princípios de que: ascensão do saber
popular para o erudito.
O conteúdo deve ser
• o conteúdo ocupa o papel principal e deve ser contextualizado de contextualizado de
acordo com a realidade dos estudantes; acordo com a realidade
dos estudantes. O
• o professor é concebido como mediador no processo de aquisição e professor é mediador. O
superação de saberes; ensino está ligado á
relação entre teoria e
prática. Aprendizagem é
• o ensino se dá a partir da relação entre teoria e prática; a capacidade de
processar informações e
• a aprendizagem é a capacidade de processar informações; o estudante tem um
conhecimento prévio
• o estudante é um sujeito histórico-cultural que chega à escola com (popular) que deve ser
conhecimentos prévios (populares e espontâneos). valorizado.
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DIDÁTICA GERAL
Exercícios
Trajetória da didática
No século XVI, a Reforma Protestante, liderada na Alemanha por Lutero, consolidou uma reforma
religiosa e educacional. A Igreja Católica reagiu com a Contrarreforma, criou congregações de ensino
pela Ordem dos Jesuítas e instalou, em 1599, seu projeto educacional com a obra Ratio atque institutio
studiorum, destinada às classes dominantes.
Influenciado pelos ideais da Reforma, o monge luterano João Amós Comênio escreveu, no
século XVII, Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos com intuito de criar um
método único de ensino, contendo ideais ético-religiosos provenientes da Reforma, com a finalidade de
ensinar a população a ler e a escrever, promovendo o acesso às Escrituras dominadas pela Igreja Católica
(GASPARIN, 1994). Nesse período, entendia-se que, conforme a Bíblia, o único meio de alcançar a Deus
seria pela educação com perspectivas didático-pedagógicas.
Outro educador significativo do movimento realista foi o alemão Ratke, primeiro a usar o termo
didático “para designar o investigador que estuda os princípios e regras do ensino” (LARROYO, 1982,
p. 412-413). Em 1618, ele escreveu um regulamento de estudos que abrangia os passos para o ensino,
aprendizagem por partes, do simples para o complexo, e na língua materna, sendo utilizado até os
dias de hoje.
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Unidade I
Castro (1991) aponta João Frederico Herbart como um grande transformador da educação por ter
elaborado um método geral para o processo de instrução. Tal método consistia no professor seguir
passos formais compreendidos pela clareza, pela associação, pelo sistema e pelo método, a fim de
combinar e estabelecer relações considerando-se os estágios de desenvolvimento cultural e psicológico
do aluno/criança (MONROE, 1968). Até esse momento, a didática acompanhava a pedagogia tradicional,
que tinha como característica principal o professor como centro do aprendizado. Com o movimento da
Escola Nova, o centro do aprendizado passou a ser o aluno. A educação nova iniciou seu legado em 1889
na Inglaterra, na Alemanha, na França e nos Estados Unidos. Posteriormente, estendeu-se pela Rússia,
pela Áustria, pela Itália, pela Espanha e pela Bélgica.
Fonte: BORGES, C.; HUNGER, D.; SOUZA NETO, S. Conceitos de didática: depoimentos de docentes universitários
da área de educação física. Motriz, Rio Claro, v. 15, n. 2, p. 228-235, abr./jun. 2009.
II – O ensino introduzido pela Ordem dos Jesuítas não era destinado, de modo equânime, às várias
classes sociais.
III – A intenção do método proposto por Comênio em Didática magna: tratado da arte universal de
ensinar tudo a todos era propiciar à população o acesso aos textos da Igreja Católica.
IV – O movimento Escola Nova rompeu com preceitos da pedagogia tradicional praticada até então
ao colocar o aluno no centro do aprendizado.
B) II e IV, apenas.
C) I e III, apenas.
E) II e III, apenas.
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DIDÁTICA GERAL
I – Afirmativa incorreta.
II – Afirmativa correta.
Justificativa: segundo o texto, “no século XVI, a Reforma Protestante, liderada na Alemanha por
Lutero, consolidou uma reforma religiosa e educacional”. Além disso, “a Igreja Católica reagiu com a
Contrarreforma, criou congregações de ensino pela Ordem dos Jesuítas e instalou, em 1599, seu projeto
educacional com a obra Ratio atque institutio studiorum, destinada às classes dominantes”.
Justificativa: segundo o texto, “influenciado pelos ideais da Reforma, o monge luterano João Amós
Comênio escreveu, no século XVII, Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos
com intuito de criar um método único de ensino, contendo ideais ético-religiosos provenientes da
Reforma, com a finalidade de ensinar a população a ler e a escrever, promovendo o acesso das Escrituras
dominadas pela Igreja Católica”.
IV – Afirmativa correta.
Justificativa: segundo o texto, “com o movimento da Escola Nova, o centro do aprendizado passou
a ser o aluno”.
Placedônio Pedarete apresenta-se para ser admitido ao conselho dos trezentos; é recusado; volta
satisfeito por ter encontrado em Esparta trezentos homens mais dignos que ele. Suponho que essa
demonstração era sincera; é de se acreditar que era. Eis o cidadão.
Uma mulher de Esparta tinha cinco filhos no exército e aguardava notícias da batalha. Chega um
hilota; ela pede-lhe, trêmula, informações: “Vossos cinco filhos morreram”. – Vil escravo, perguntei-te
isso? – “Alcançamos a vitória”! A mãe corre ao templo, onde rende graças aos deuses. Eis a cidadã.
Adaptado de: ROUSSEAU, J.-J. Emílio ou da educação. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1973.
Tendo como referência o texto apresentado e a noção de verdadeiro cidadão desenvolvida por
Rousseau, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.
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Unidade I
I – Rousseau acredita que a educação realizada pelas boas instituições consegue desnaturalizar o
homem e torná-lo um verdadeiro cidadão.
porque
Essa é a ideia de Thomas Hobbes.
II – A natureza do homem é de grande violência e os instintos naturais precisam ser contidos pela
educação, para que ele atinja a condição de civilidade.
I – Asserção verdadeira.
II – Asserção falsa.
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