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Livro - Texto - Unidade I - Didática Geral Unip

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Didática Geral

Autores: Prof. Mário Destro Monteiro


Prof. Wanderlei Sergio da Silva
Profa. Ana Paula Mendietta José
Profa. Janaina Pinheiro Vece
Profa. Lisandra Príncepe
Colaboradora: Profa. Christiane Mazur Doi
Professores conteudistas: Mário Destro Monteiro / Wanderlei Sergio da Silva /
Ana Paula Mendietta José / Janaina Pinheiro Vece / Lisandra Príncepe
Mário Destro Monteiro Janaina Pinheiro Vece

Possui graduação em Educação Física e Técnicas Desportivas nas É mestre (2010) e doutora (2020) em Ensino de Ciências e Matemática
Faculdades Integradas de Guarulhos (2002) e mestrado em Educação: pela Universidade Cruzeiro do Sul. Possui licenciatura plena em Pedagogia
Psicologia da Educação pela PUC-SP (2006). É professor adjunto e pelo Centro Universitário São Camilo (2005). É professora adjunta na
coordenador de estágios em educação na UNIP. Tem experiência na Universidade Paulista, atuando na educação a distância e no ensino
área educacional, com ênfase em didática e psicologia escolar, atuando presencial. Tem experiência como docente e tutora em cursos de graduação
principalmente nos temas: didática geral e específica, psicologia educacional, e pós-graduação. É autora de livros e artigos científicos sobre a formação
psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, educação física escolar, inicial e continuada de professores na área de matemática e de materiais
prática de ensino, recreação, e estrutura e funcionamento do ensino. Está didáticos voltados ao público da Educação Infantil e dos anos iniciais do
ligado aos estudos da didática, da psicologia e da educação, lecionando e Ensino Fundamental. Fez parte da equipe de colaboradores no processo de
produzindo materiais e pesquisas há mais de 10 anos. construção e revisão do currículo da Cidade de Matemática e compôs o time
de autores da Revista Nova Escola, elaborando planos de aula de matemática
Wanderlei Sergio da Silva de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. É pesquisadora em
educação matemática com foco na Educação Infantil e nos anos iniciais do
É formado em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP, mestre Ensino Fundamental.
em Ciências (Geografia Humana) pela mesma universidade e doutor em
Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Lisandra Príncepe
Mesquita Filho – Unesp. Trabalhou durante 15 anos no Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, em pesquisas relacionadas com É mestre e doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia
as geociências e o meio ambiente. Atuou como consultor em trabalhos Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui licenciatura plena em
relacionados com o meio ambiente durante seis anos, participando de cerca Pedagogia pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Guarulhos.
de 100 projetos de pesquisa, muitos deles como coordenador de equipe. É professora titular e orientadora de estágio e práticas de ensino na UNIP.
Atualmente é professor titular da UNIP, atuando na educação a distância Tem experiência como docente na Educação Infantil e nos anos iniciais
e no ensino presencial. É autor de cinco livros e 13 trabalhos de congresso. do Ensino Fundamental e como coordenadora pedagógica em projetos
de educação não formal. Desenvolve ações de formação continuada para
Ana Paula Mendietta José professores e gestores escolares no eixo da didática, educação lúdica
e avaliação educacional. Participa, como assistente de pesquisas, no
É formada em Turismo pela Universidade Ibero-Americana de São Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas – FCC,
Paulo – Unibero (1997) e mestre em Educação pela Universidade Cidade onde também integrou a equipe que construiu a política de formação de
de São Paulo – Unicid (2013). Trabalhou durante anos em diversas áreas do professores do Estado do Espírito Santo. É autora de artigos científicos
turismo, em agências de viagens, hotéis, companhias aéreas e operadoras na área da formação de professores e pesquisadora dos processos de
de viagem. Durante cinco anos, foi responsável pelo projeto de recreação, inserção profissional de professores iniciantes. Atualmente realiza estágio
um evento social comunitário realizado semestralmente na UNIP com pós‑doutoral na PUC-SP.
crianças de creches, orfanatos e asilos. É professora assistente da UNIP e
membro da Coordenadoria de Estágios em Educação.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M775 Monteiro, Mário Destro

Didática geral. / Mário Destro Monteiro et al. - São Paulo:


Editora Sol, 2022.

184 p . il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Psicologia 2. Pedagogia 3. Didática I. Título

CDU 37.01

U514.94 – 22

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Profa. Sandra Miessa


Reitora em Exercício

Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo


Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini


Vice-Reitora de Administração

Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia


Vice-Reitor de Extensão

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades do Interior

Unip Interativa

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático

Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Giovanna Oliveira
Ricardo Duarte
Sumário
Didática Geral

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 A DIDÁTICA E SEU CONTEXTO..................................................................................................................... 11
1.1 Definição................................................................................................................................................... 12
1.2 Histórico.................................................................................................................................................... 19
1.3 Especificidades....................................................................................................................................... 25
2 EDUCAÇÃO.......................................................................................................................................................... 27
2.1 A importância da sociologia da educação.................................................................................. 32
3 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS LIBERAIS.............................................................................. 39
3.1 Pedagogia liberal................................................................................................................................... 43
3.2 Pedagogia liberal tradicional............................................................................................................ 43
3.3 Pedagogia liberal renovada progressivista.................................................................................. 45
3.4 Pedagogia liberal renovada não diretiva..................................................................................... 48
3.5 Pedagogia liberal tecnicista.............................................................................................................. 51
4 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS............................................................... 54
4.1 Pedagogia progressista libertadora................................................................................................ 55
4.2 Pedagogia progressista libertária.................................................................................................... 58
4.3 Pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos............................................................ 61
4.4 Análise crítica: clipe de música....................................................................................................... 65
4.5 Análise crítica: filme............................................................................................................................. 68

Unidade II
5 DIDÁTICA PEDAGÓGICA................................................................................................................................ 81
5.1 A importância da pedagogia............................................................................................................ 81
5.2 O processo de ensino e aprendizagem......................................................................................... 84
5.2.1 O professor e o processo de ensino.................................................................................................. 89
5.2.2 O estudante e o processo de aprendizagem................................................................................. 96
6 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO......................................................................................................................100
6.1 O processo de ensino e aprendizagem e o conhecimento.................................................107
6.2 O processo de avaliação do ensino e da aprendizagem......................................................111
Unidade III
7 PLANEJAMENTO DIDÁTICO DO PROFESSOR........................................................................................120
7.1 O planejamento didático e a sua relação com o currículo................................................121
7.2 Os diferentes níveis e modalidades do planejamento escolar..........................................130
7.2.1 Projeto político pedagógico..............................................................................................................131
7.2.2 Plano de ensino..................................................................................................................................... 134
8 MODALIDADES ORGANIZATIVAS DE PLANEJAMENTO....................................................................137
8.1 Plano de aula........................................................................................................................................138
8.2 Sequência didática..............................................................................................................................142
8.3 Projeto didático....................................................................................................................................146
8.4 Atividades permanentes, ocasionais e de sistematização..................................................149
8.5 Semanário..............................................................................................................................................151
8.6 Métodos de ensino.............................................................................................................................154
8.7 Recursos didáticos..............................................................................................................................161
8.8 Análise crítica: texto..........................................................................................................................167
APRESENTAÇÃO

Este livro-texto é um componente curricular imprescindível para a formação dos graduandos dos
cursos de licenciatura. Ao final desta disciplina, espera-se que o graduando possa:

• relembrar o seu processo de escolarização para reconstruir sua concepção pessoal sobre a didática;

• compreender a importância do papel do professor de acordo com as especificidades da área em


que venha a se licenciar;

• aplicar as teorias críticas na sua ação didático-pedagógica, atentando-se às necessidades do


contexto de trabalho;

• analisar e avaliar as tendências didático-pedagógicas e as suas imbricações no processo de ensino


e aprendizagem;

• criar situações de ensino e aprendizagem a partir de conhecimentos sobre a didática geral.

Ao cursar esta disciplina, espera-se que o estudante desenvolva as seguintes habilidades específicas:

• descrever, relatar e identificar as diferentes concepções que permeiam a didática do professor;

• interpretar e explicar com embasamento teórico a importância do professor no processo de ensino


e aprendizagem;

• executar e implementar as teorias críticas na sua ação didático-pedagógica em diferentes


situações, principalmente no processo dos variados níveis de planejamento;

• organizar e estruturar a sua prática pedagógica a partir de uma postura crítica e contestadora;

• planejar situações de ensino e aprendizagem com base nas diferentes modalidades organizativas.

No atendimento aos objetivos gerais e específicos, esta disciplina fundamenta-se a partir de uma
perspectiva crítica, com o intuito de desenvolver um posicionamento político-social na formação do
futuro professor, na constituição de uma sociedade mais democrática e, por isso, mais justa e igualitária.
Portanto, as unidades de estudo deste livro-texto estão organizadas em dois momentos de estudo.

Num primeiro momento, apresentamos a didática a partir de diferentes contextos: etimológico,


histórico, filosófico e sociológico. Contemplamos as discussões teóricas a partir da compreensão sobre
as diversas tendências didático-pedagógicas, problematizando quais são as consequências para a
didática do professor ao optar por uma postura liberal ou progressista em sala de aula. A primeira
parte é eminentemente teórica, uma vez que possibilita a compreensão geral sobre a didática e a sua
articulação com outras áreas de conhecimento.

7
Num segundo momento, iniciamos uma discussão acerca da importância da pedagogia e da
psicologia para a didática do professor. É aqui que faremos um aprofundamento sobre o processo
de ensino e aprendizagem e sobre os elementos que o constituem (estudante, conhecimento,
professor e situações didáticas). E, contemplados os construtos pedagógicos, mergulharemos na
questão do planejamento didático do professor, discutindo os diferentes níveis e modalidades
organizativas de planejamento escolar.

Esse segundo momento, portanto, compreende a parte prática do trabalho didático‑pedagógico


docente, uma vez que apresenta a estrutura e os principais componentes dos planejamentos recorrentes
no contexto educacional.

E, a fim de proporcionar algumas possibilidades de articulação entre a teoria e a prática dos


conhecimentos construídos na disciplina, propomos análises críticas de clipes musicais, filmes e alguns
textos, com o intuito de contextualizar, refletir e resgatar os conteúdos abordados.

Esperamos, assim, que esta disciplina contribua significativamente para a sua formação docente e
que, como decorrência do nosso trabalho, você conquiste desenvolvimento e sucesso profissional.

8
INTRODUÇÃO

Para começar nossa introdução, leia atentamente uma situação que acontece comumente no
contexto escolar:

Joice e Ricardo são estudantes do 1º ano do Ensino Médio. No período de provas, eles costumam se
reunir para estudar e retomar os conteúdos das disciplinas.

No segundo bimestre do ano letivo, optaram por dar início ao estudo da disciplina de língua
portuguesa, porque ambos se identificam com o conteúdo e com as aulas da professora. Durante as
aulas de língua portuguesa, sentem-se confortáveis, alegres e motivados para participar. Notam que a
professora demonstra apreço pela profissão e carinho pelos estudantes.

Joice, muito entusiasmada com a didática da professora, afirma:

— As aulas da professora de português são incríveis! Eu consigo entender tudo, porque ela ensina o
conteúdo a partir das experiências do nosso cotidiano.

Ricardo complementa:

— Concordo com você, Joice. Verdadeiramente, ela tem um “dom” inexplicável, nasceu para
ser professora!

As afirmações dos estudantes são positivas, pois a aula da professora de língua portuguesa é
organizada e planejada. Suas estratégias de ensino variam de acordo com a complexidade dos conteúdos.
Além disso, ela apresenta uma postura aberta ao diálogo com o grupo, ou seja, se preocupa em ouvir
o que os estudantes têm a dizer. Durante as aulas, demonstra muito equilíbrio e “não fica nervosa com
qualquer bobagem”, como os estudantes costumam dizer. Quando há problemas de indisciplina, ela
provoca o grupo a refletir sobre o que é certo e errado, com o intuito de desenvolver a autonomia dos
estudantes na tomada de decisões e resolução de problemas.

Já em relação às aulas de matemática, os comentários dos estudantes são bem diferentes. Ao


comparar a professora de língua portuguesa com o professor de matemática, os alunos consideram
que as especificidades das disciplinas interferem na didática desses professores. Eles acreditam que a
matemática é chata, complexa e difícil, e que por isso não existe meio de planejar uma aula atrativa,
interessante e legal sobre o assunto.

Ricardo, ao analisar a didática do professor de matemática, diz:

— Por mais que o professor escreva as fórmulas na lousa, eu não consigo entender como ele chegou
ao resultado.

Joice, por sua vez, acrescenta:

9
— Também, quando perguntamos, ele não responde. Por mais que estejamos quietos, ele diz que para
aprender basta prestar atenção!

Observa-se que as queixas dos estudantes se concentram na didática do professor, que não explica
o conteúdo de uma maneira compreensível, repetindo por diversas vezes a mesma estratégia – giz, lousa
e aula expositiva.

Joice considera ainda que o professor não tem domínio do conteúdo, por isso repete as mesmas
explicações. Já Ricardo diz que o professor de matemática não tem o mesmo “dom” de ensinar da
professora de língua portuguesa.

Então, futuro professor, você concorda com as afirmações dos estudantes?

Ensinar é um “dom” ou uma habilidade que se aprimora com o desenvolvimento profissional


do docente?

A natureza da área de conhecimento, por si só, pode decidir o dinamismo e a postura do professor em
sala de aula ou essa é uma questão de didática, que pode ser decidida pelo profissional da educação?

Para ensinar basta o domínio do conteúdo ou a didática é fundamental nesse processo?

A aprendizagem se dá no silêncio, “prestando atenção”, ou a interação pode fomentar e enriquecer


ainda mais a aquisição do conhecimento?

Essas e outras problematizações serão aprofundadas nesta disciplina. Esperamos que você não só
encontre respostas para os questionamentos propostos, mas que formule outros ainda mais complexos,
para a construção do seu conhecimento didático-pedagógico.

Mãos à obra, futuro professor, e bom estudo!

10
DIDÁTICA GERAL

Unidade I
1 A DIDÁTICA E SEU CONTEXTO

Para darmos início à nossa discussão, leia o diálogo a seguir, entre três estudantes:

— O professor de que eu menos gostei foi o de química. Não conseguia entender nada do que ele
explicava durante a aula. Sem didática alguma!

— Já eu gostei do professor de física. Suas aulas foram bem diferentes. Um verdadeiro exemplo
de didática!

— Eu me identifiquei com o professor de matemática. Sua didática me fez gostar ainda mais
da disciplina!

Figura 1 – Diálogo entre estudantes sobre a didática dos professores

Disponível em: https://www.openpeeps.com/. Acesso em: 2 fev. 2022.

Certamente você já fez uso de afirmações semelhantes às anteriores para avaliar a prática de algum
professor que fez parte da sua história de escolarização. Por outro lado, assim como no diálogo entre os
adolescentes, você provavelmente recorreu ao termo “didática” a partir de uma concepção generalista,
sem muita compreensão.

Então, futuro professor, prepare-se! Ao lecionar, sua didática também será avaliada, seja por
estudantes e/ou por companheiros de trabalho (professor, coordenador, diretor e supervisor). Ao concluir
o curso de licenciatura, é imprescindível a superação do olhar do senso comum sobre o termo, para uma
compreensão teórica consistente enquanto profissional da educação.

11
Unidade I

Por isso vamos começar apresentando a definição da palavra didática; a construção do seu
significado ao longo da história; algumas de suas especificidades e sua relação com as diversas áreas de
conhecimento; e os elementos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Prepare-se para reconstruir o significado de didática em sua mente e ir além das ideias do senso
comum.

Observação

Atente-se às palavras que aparecem com frequência no texto e àquelas


cujo significado você não compreende muito bem, e faça um glossário
pessoal com suas definições. Essa prática será importante para a ampliação
do repertório e a apropriação dos conceitos da área.

1.1 Definição

A afirmação de que a didática está atrelada ao ensino é indiscutível. Podemos considerá-lo até
mesmo um dos conhecimentos prévios inerentes à compreensão da palavra.

Mas, afinal, o que é didática? Quais são as suas especificidades? Qual a sua importância para a
formação do professor?

Observação

Faça um registro das suas indagações pessoais a respeito da didática.


Indagar, questionar e refletir são ações necessárias para a construção
do conhecimento.

Antolí (2001) justifica o estudo etimológico da palavra didática, pois considera que, embora a
evolução do seu significado tenha sido considerável, é importante não perder de vista as suas origens,
as raízes do termo. Para isso, fez um estudo cronológico sobre a introdução da didática nos dicionários
de diferentes línguas.

De acordo com Antolí (2001), a palavra didática apareceu pela primeira vez entre os anos de 1788
e 1792 no Diccionario castellano, correspondente a três línguas (francês, latim e italiano). O estudo
evidencia que o termo provém do verbo grego didasko, que significa “ensinar, instruir, expor claramente,
demonstrar”, referenciando ainda as palavras didaktikós, que significa “preparado para a docência”, e
didaktiké, que se refere ao gerúndio do verbo ensinar, ou seja, “ensinando”.

Posteriormente, no ano de 1869, a palavra didática foi introduzida no Diccionario de la lengua


espanõla acompanhada dos termos derivados e dos seus respectivos significados da seguinte forma
(ANTOLÍ, 2001, p. 81):
12
DIDÁTICA GERAL

Didática, f. Arte de ensinar.

Didaticamente, adv. m. De maneira didática ou própria de ensinar.

Didático, c. adj. Pertencente ou relativo ao ensino; próprio, adequado para


ensinar, instruir.

De acordo com o Dicionário brasileiro de língua portuguesa Michaelis (2016), a palavra didática se
refere a um substantivo feminino que compreende dois significados, sendo eles:

• técnica ou arte de ensinar, de transmitir conhecimentos;

• ramo ou seção específica da pedagogia que se concentra nos conteúdos do ensino e nos processos
próprios para a construção do conhecimento; ciência e arte do ensino.

A partir de um breve estudo etimológico, podemos concluir que a didática se refere, basicamente, à
“arte de ensinar”. Contudo, será que os teóricos pesquisadores da área compartilham da mesma opinião?
Quais são as definições que atribuem à didática?

Passemos para a fundamentação teórica, uma vez que “toda prática humana tem seus pressupostos
teóricos, e é somente através da explicação e da análise destes pressupostos que ela se torna inteligível
e permite tomar consciência daquilo que fazemos” (SANTOS, 2008, p. 37).

De acordo com Luckesi (2001, p. 30):

[...] a didática, desde os tempos imemoriais dos gregos, significa um modo


de facilitar o ensino e a aprendizagem de modos de conduta desejáveis. Lá,
entre os nossos ancestrais históricos, a didática foi utilizada, especialmente,
na transmissão de conteúdos morais desejáveis; aqui, entre nós, utilizamos a
didática para a transmissão de conteúdos tanto morais como cognitivos [...].

Embora faça menção ao sentido clássico, Luckesi (2001) ressalta que a didática não pode ser reduzida
a uma técnica mecânica. Para o autor, a didática só assumirá um papel significativo na formação
do educador se estiver associada às concepções filosófico-políticas da educação, constituindo uma
prática educativa reflexiva, consciente e crítica.

Exemplo de aplicação

O que vem a ser uma concepção filosófica da educação? E qual a sua importância para a didática?

13
Unidade I

Figura 2 – A filosofia é uma ciência preocupada em chegar à sabedoria. Ela utiliza o posicionamento
crítico por meio de questionamentos da realidade

Fonte: SANZIO, R. Escola de Atenas. 1509-1510. Afresco, 500 × 700 cm. Palácio Apostólico, Roma.

Segundo Lorieri e Rios (2004), a filosofia busca a compreensão, que diz respeito ao sentido, ao
significado, ao valor. Ela se apresenta como uma maneira de pensar, a partir de um conteúdo próprio,
os aspectos fundamentais da realidade e da existência humana. Os autores dizem que o pensamento
filosófico pode ser expresso como forma de pensar reflexiva, crítica, profunda, metódica e abrangente,
buscando contextualizar ou colocar em unidades referenciais significativas mais amplas os aspectos
importantes e fundamentais da realidade e da existência humana.

Por meio da reflexão sobre essas ideias, é importante imaginar o quão interligado isso está com a
didática, uma vez que não refletir, questionar, analisar e tentar compreender com mais profundidade o
ato de ensinar pode incorrer em um ativismo precipitado daquilo que se passa a fazer, sem compreender
o que se faz e o que acontece.

Vejamos alguns importantes questionamentos e análises decorrentes do caráter filosófico inserido


na didática do professor:

• O que significa ter uma boa didática?

• Qual tipo de sujeito se pretende formar?

• Qual é o papel da escola na sociedade?

• Qual é o papel do professor, do estudante e do conteúdo no processo de ensino e aprendizagem?

14
DIDÁTICA GERAL

Estes são apenas alguns dos questionamentos que a filosofia pode estimular no desenvolvimento de
uma prática educativa reflexiva, consciente e crítica, conforme os estudos de Luckesi (2001).

Reflita sobre as perguntas propostas e, filosofando, tente respondê-las com hipóteses que possam
satisfazê-lo como professor.

Exemplo de aplicação

Imagine a constituição de um mundo ideal e se pergunte como seria possível a educação, enquanto
fenômeno e processo social, ser capaz de construí-lo.

Imagine e discuta com alguns colegas de curso ou pessoas que fazem parte do seu convívio quais
qualidades as pessoas deveriam ter para que pudessem ser felizes e fazer um mundo melhor não apenas
para elas, mas para todas as outras.

Por último, reflita sobre a diferença entre uma postura crítica e, no extremo oposto, uma postura
conformista e acomodada. Reflita sobre a diferença entre ser crítico e ser o que as pessoas chamariam
de chato ou pessimista.

Para Santos e Costa (2013, p. 2):

Podemos considerar como marco fundamental em que a didática deixou de


ser considerada tão somente instrumentalização técnica, componente da
formação restrito a prescrição de regras do ensinar já nos fins do século XX
com realização do Seminário “Didática em questão”, realizado em novembro
de 1982.

De forma semelhante, a partir de um posicionamento crítico, Pimenta (2000) propõe a ressignificação


da didática, conforme podemos ler no trecho a seguir:

Enquanto área da pedagogia, a didática tem no ensino seu objeto de


investigação. Considerá-lo como uma prática educacional em situações
historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos
quais se efetiva – nas aulas e demais situações de ensino das diferentes
áreas de conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas,
nas sociedades – estabelecendo nexos entre eles. As novas possibilidades da
didática estão emergindo das investigações sobre o ensino enquanto prática
social viva (PIMENTA, 2000, p. 53).

A citação anterior revela-nos que o ensino, enquanto objeto de investigação da didática, não é um
processo neutro; muito pelo contrário, é composto por variáveis que influenciam diretamente o fazer
pedagógico do professor. É o caso, por exemplo, da didática específica, na qual a natureza de uma
determinada área de conhecimento conduz o método de ensinar, e da didática geral, que se atém a
situações de ensino e aprendizagem priorizando a ação do professor, independentemente do conteúdo.
15
Unidade I

Observação

Ao longo do texto você verá que a definição de didática não é


única, esgotada. Trata-se de um termo complexo, que possui aspectos
gerais relacionados à educação, no seu sentido mais amplo, assim como
especificidades de cada área de conhecimento.

Nesse processo de ressignificação, deparamo-nos com dois termos: a didática geral e a didática
específica. De acordo com Libâneo (2008b), o desencontro entre ambas é recorrente no cenário da
educação, uma vez que:

Há anos professores formadores dos cursos de licenciatura afirmam


que para ensinar química, história, matemática, basta saber o conteúdo
dessas disciplinas, o resto é invenção dos pedagogos. Outros dizem que
para aprender uma disciplina é suficiente pôr o aluno numa pesquisa
ou colocá‑lo num laboratório, supondo uma relação de identidade
entre o processo de ensino e o processo de investigação. Do outro lado,
há os professores de didática que reduzem as práticas de ensino ao
planejamento, ao domínio de métodos e técnicas, às prescrições sobre a
conduta do professor na classe, ou seja, para eles, a didática seria uma
disciplina meramente normativa e prescritiva (LIBÂNEO, 2008b, p. 3).

Exemplo de aplicação

Desse modo, para revermos o conceito de didática específica e didática geral, cabe-nos a seguinte
reflexão: para ensinar basta o domínio do conteúdo ou é necessário considerar as características
individuais e sociais do estudante?

Santos e Costa (2013) propõem a indissociabilidade, ou seja, a não separação entre a didática geral e
a didática específica, pois para exercer a “arte de ensinar” é necessário que se tenha domínio daquilo que
será ensinado, das características sociais, históricas, culturais, econômicas e políticas dos educandos,
bem como dos caminhos e recursos metodológicos que se adéquam a todos esses fatores.

Observação

Atenção, futuro professor: a indissociabilidade das didáticas é a


concepção adotada neste livro-texto, pois o processo de ensino não
se limita ao domínio do conteúdo em detrimento dos procedimentos
pedagógicos e vice-versa.

16
DIDÁTICA GERAL

De acordo com Libâneo (2008b, p. 1):

A busca de integração entre a didática e as didáticas específicas tem sido


uma preocupação constante na investigação didática. Profissionais de um
e outro campo raramente estão em sintonia em relação à interdependência
dos conteúdos dessas disciplinas.

Considerando a importância da integração entre as didáticas, destacamos os estudos do psicólogo


e pedagogo americano Lee Shulman (1992). No que se refere aos aspectos mais gerais da formação
docente, suas contribuições indicam a importância da tríade dos conhecimentos necessários à prática
do professor, sendo ela formada por:

• conhecimento do conteúdo;

• conhecimento didático do conteúdo;

• conhecimento curricular do conteúdo.

Estes três conhecimentos estão intimamente imbricados na prática docente, conforme o esquema
a seguir:

Conhecimento
didático

Conhecimento do Conhecimento
conteúdo curricular

Prática docente

Figura 3 – Conhecimentos necessários à prática docente de acordo com Lee Shulman (1992)

Exemplo de aplicação

Mas, afinal, qual a relação e quais as implicações do conhecimento do conteúdo, didático e curricular
na didática do professor?

17
Unidade I

O conhecimento do conteúdo está relacionado ao domínio dos conceitos e das propriedades do


conteúdo a ser ensinado. Isso implica a compreensão da sua natureza, dos seus significados, do seu
desenvolvimento histórico e das diferentes formas de entendê-lo e organizá-lo. Este conhecimento
requer, portanto, o domínio do que será ensinado.

Sobre o conhecimento didático do conteúdo, Shulman (1992) destaca as ações de ensinar e


aprender como processos distintos, porém imbricados. Trata-se de como o conteúdo será ensinado, ou
seja, como o professor irá torná-lo compreensível ao educando – a partir de quais estratégias, recursos
e metodologias.

Por fim, Shulman (1992) define o conhecimento curricular do conteúdo como a compreensão dos
documentos curriculares, ou seja, para que o conteúdo será ensinado, quais são os seus diferentes usos,
funções e relevância social. Além disso, este conhecimento também está atrelado à ação contínua de
planejar e replanejar, processo inerente à prática docente – portanto, à didática do professor.

A partir da compreensão da integração entre as didáticas, é notório que os estudos de Shulman


(1992) são importantes, pois fornecem subsídios para refletir sobre a articulação entre o que ensinar,
como ensinar e para que ensinar. Tais aspectos tornam-se ainda mais relevantes se os situarmos num
determinado contexto: nosso processo de escolarização.

Durante a aula, seja no Ensino Fundamental, Médio, Profissionalizante ou Superior, você já se pegou
refletindo sobre alguma das ideias seguintes?

• Não entendo por que o professor está ensinando um conteúdo que nunca vou utilizar no meu
dia a dia.

• Talvez se o professor ensinasse o conteúdo utilizando outros recursos, diferentes de giz e lousa, eu
poderia compreender melhor.

• Realmente os colegas dos anos anteriores comentaram que as aulas desse professor não mudam.
Ele permanece com o mesmo planejamento há anos!

Observe que, mesmo se colocando no papel de estudante, é possível identificar a importância da


articulação entre os conhecimentos necessários à didática docente. Quando o professor é questionado
sobre a praticidade, usos e funções de um determinado conteúdo, sobre a metodologia e recursos que
utiliza durante a aula e sobre a vigência e efetividade do seu planejamento, é para esses conhecimentos
que deve direcionar a sua reflexão: o que, como e para que está ensinando.

Portanto, futuro professor, a crença de que o domínio do conteúdo é suficiente para ensinar ou
de que uma abordagem didática generalista garante o processo de aprendizagem, na concepção aqui
proposta, não se aplica.

A ressignificação da didática requer a articulação entre ambos os conhecimentos.

18
DIDÁTICA GERAL

Lembrete

Para ensinar basta o domínio do conteúdo ou a didática é fundamental


nesse processo?

A didática exige do professor o conhecimento sobre o que, para que e


como ensinar. Portanto, embora o domínio do conteúdo seja imprescindível,
isolado, não é suficiente para garantir o processo de aprendizagem.

Compreendidas as definições atuais sobre a didática, passamos para a sua análise histórica. Afinal, o
conhecimento de hoje é fruto do passado e, por isso, reflexo para o amanhã.

Para tanto, algumas indagações são necessárias.

• Onde e quando surgiu a didática?

• Quais são os precursores da didática ao longo da história?

• Quais são as suas contribuições para o contexto atual?

Figura 4 – Questionamentos e dúvidas sobre a didática

Disponível em: https://bit.ly/3upSzYK. Acesso em: 2 fev. 2022.

1.2 Histórico

A história da didática explica como foi configurando-se o aparecimento do ensino no decorrer


do desenvolvimento da sociedade, como forma de atividade sistematizada, planejada, intencional e
dedicada à instrução.

19
Unidade I

Segundo Haydt (2002), desde a Antiguidade até por volta do século XIX, a didática escolar
predominante era expositiva: o professor era o detentor do saber, enquanto o estudante era
concebido como um sujeito passivo e receptivo. Aprender estava mais relacionado à memorização do
que propriamente à compreensão. Esse modelo didático considerava o ser humano uma “massa de
modelar” que o professor poderia moldar de acordo com os seus princípios éticos, morais, políticos e
científicos. Desde a Grécia Antiga, com Aristóteles, essa concepção foi professada, sendo chamada de
teoria da tábula rasa.

A teoria da tábula rasa pode ser explicada pelos princípios do inglês John Locke (1632-1704).
Para o filósofo, de acordo com o contexto científico da época, todas as pessoas nasciam sem saber
absolutamente nada, sem nenhum conhecimento, como se fossem uma “folha em branco”, uma “tábula
rasa”. Para Locke, o processo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e social
do sujeito estava associado às suas experiências de vida. Desse modo, a “folha em branco” (no caso, o
estudante) só poderia ser preenchida ao longo da sua história de vida (CHAPPELL, 2011).

Figura 5 – Filósofo John Locke

Fonte: KNELLER, G. Retrato de John Locke. 1697. Óleo sobre tela, 76 × 64 cm. Hermitage Museum, Rússia.

Diante das primeiras manifestações sobre a didática, não podemos deixar de citar a contribuição
do filósofo Sócrates (século V a.C.). Para ele, o saber não era algo que alguém de fora (mestre) pudesse
transmitir; era uma descoberta da própria pessoa. A função do mestre, segundo Sócrates (apud HAYDT,
2002), era apenas ajudar o discípulo a descobrir, por si mesmo, a verdade. O filósofo, inclusive, comparava
sua profissão à de sua mãe, que era parteira, dizendo que ela não dava a luz às crianças, mas sim que as
ajudava nascer, como ele fazia com seus discípulos em relação ao conhecimento.

20
DIDÁTICA GERAL

Seu método chamava-se ironia e funcionava em duas etapas:

• A primeira, chamada refutação, era o momento em que ele levantava objeções sobre as opiniões
manifestadas pelos discípulos, até quando estes admitissem sua própria ignorância e se dissessem
incapazes de definir o que anteriormente haviam dito conhecer tão bem.

• A segunda, chamada maiêutica, era o momento em que o discípulo admitia que nada sabia e,
partindo do conhecido para o desconhecido, do mais fácil para o mais difícil, Sócrates conduzia, por
meio de perguntas, um diálogo capaz de induzir a descoberta do conhecimento pelo interlocutor.

Conta-se que ele foi capaz de fazer com que um escravo descobrisse noções de geometria utilizando
esse método. Ele afirmava que os mestres deveriam ter paciência com os erros e as dúvidas de seus
discípulos, pois eram o ponto de partida para que pudessem progredir.

Observação

Apesar de antigo, o método socrático não é ultrapassado; pelo contrário,


apresenta algumas contribuições imprescindíveis para o nosso contexto
atual. Por exemplo: considerar as manifestações e os erros dos estudantes,
bem como o diálogo com o professor.

Figura 6 – Sócrates. Até hoje, muitos professores utilizam algumas partes de seu método didático

Fonte: MONSIAU, N.-A. O debate de Sócrates e Aspásia. 1801.


Óleo sobre tela, 65 × 81 cm. Pushkin Museum of Fine Arts, Rússia.

21
Unidade I

Exemplo de aplicação

Considerando as contribuições de Sócrates, reflita:

• No processo de ensino, é importante dar voz ao estudante? Por quê?

• Qual a importância do diálogo entre professor e aluno?

• Como esta abordagem influencia a didática de ensino?

Estas questões serão abordadas e respondidas no decorrer de nosso livro-texto.

Quase dois mil anos depois de Sócrates, nascia o pai da didática. João Amós Comênio (1592-1670),
um pastor protestante que escreveu a primeira obra clássica sobre didática: a Didactica magna.

Segundo Libâneo (1990), Comênio foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão dos
conhecimentos e a criar princípios e regras de ensino. Ele desempenhou um papel importante não
apenas porque desenvolveu métodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque queria
que todos usufruíssem dos benefícios do conhecimento.

O sistema de produção capitalista já influenciava a organização da vida social, política e cultural da


época de Comênio. Sua didática, com ideias avançadas, que se contrapunham às ideias conservadoras
da nobreza e do clero, pautava-se nos seguintes princípios:

• A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus. Todos os homens merecem a
sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, por natureza, são parte dos desígnios de Deus.
Assim, a educação é um direito natural de todos.

• Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com seu desenvolvimento natural,
dentro de suas capacidades de conhecimento. Portanto, a tarefa principal da didática é estudar
tais características e os métodos de ensino coerentes com elas.

• A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente. Por isso, o ensino tem um papel
decisivo na percepção sensorial das coisas. O conhecimento deve ser adquirido a partir da
observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos
dos sentidos.

• O método intuitivo consiste numa observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o
registro das impressões na mente do aluno.

22
DIDÁTICA GERAL

Observação

No momento histórico vivido por Comênio, havia uma influência


religiosa na construção do conhecimento científico, por isso as suas
explicações também eram pautadas na religião.

Para Comênio, o planejamento de ensino deveria obedecer ao percurso da natureza infantil; por
isso, acreditava que os conteúdos deveriam ser ensinados paulatinamente, um de cada vez, partindo do
conhecido para o desconhecido.

Apesar da grande novidade dessas ideias naquela época, Comênio não escapou de algumas crenças
comuns sobre o ensino. Mesmo partindo da observação e da experiência sensorial, manteve o caráter
de transmissão do ensino e, ainda que tenha tentado adaptá-lo às fases de desenvolvimento infantil, o
método funcionava de forma única com todos os estudantes.

Contudo, Comênio teve um papel importantíssimo, não apenas porque se empenhou em desenvolver
métodos de instrução mais eficientes e rápidos, mas porque concedia igual importância a todos
os estudantes.

Ainda assim, mesmo com as excelentes contribuições de Comênio, naquele momento histórico
continuava-se a utilizar os métodos da Idade Média, com ensino intelectualista, verbalista e
dogmático, de memorização e repetição mecânica, em que as ideias dos estudantes não eram levadas
em consideração.

Observação

Os pressupostos do Pai da Didática atendem, de certo modo, as


tendências atuais pelo fato de respeitarem as diferentes fases do
desenvolvimento humano e por atribuírem ao professor a responsabilidade
do ensino, já que, para o filósofo, a aprendizagem não se dá de maneira
natural, instantânea.

Foi um momento histórico de transição dos modos de produção antigos (com o clero e a nobreza
dominando) para o modo de produção capitalista. Esse fato pedia uma importante mudança para a
valorização do desenvolvimento livre das capacidades e dos interesses individuais.

O filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), interpretando bem essas aspirações, propôs uma
nova concepção de ensino, com base nas necessidades e nos interesses imediatos dos estudantes. As
ideias mais importantes de Rousseau, segundo Libâneo (1990), foram:

23
Unidade I

• Os interesses e as necessidades do estudante determinam a organização do estudo e seu


desenvolvimento. O gosto pelo estudo precisa ser despertado, e nada melhor do que a natureza,
a experiência e o sentimento para essa conquista.

• A educação é um processo natural que se fundamenta no desenvolvimento interior do sujeito. As


crianças são boas por natureza, têm uma tendência natural para se desenvolver.

Rousseau não elaborou propriamente uma teoria de ensino, nem colocou nada em prática. Quem
deu continuidade a essas primeiras influências foi outro pedagogo suíço, Johann Heinrich Pestalozzi
(1746‑1827), que trabalhou durante toda a vida com a educação de crianças pobres em suas instituições.
Ele atribuiu grande importância ao ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades
do ser humano, pelo cultivo do sentimento, da mente e do caráter.

Pestalozzi, ao valorizar o método intuitivo, levou muitos educandos a desenvolver o senso de


observação, a análise dos objetos, os fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem, aquela capaz
de expressar em palavras o resultado das observações. Era uma educação intelectual que enfatizava
fortemente a psicologia da criança como base da compreensão do desenvolvimento infantil.

As ideias dos gregos antigos, de Comênio, de Rousseau e de Pestalozzi influenciaram outros


pedagogos. Podemos dizer que até hoje se encontram traços característicos dessas teorias, mesmo que
não de forma intencional, nas práticas de alguns professores.

Depois desses pensadores, o pedagogo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) foi um dos
que mais influenciaram a formação de uma corrente conservadora da educação. Ele deixou muitos
discípulos e ideias que precisam de uma atenção especial, já que tiveram presença constante na história
da educação brasileira. Herbart teorizou sobre os fins da educação e da pedagogia como ciência, além de
desenvolver uma análise do processo psicológico-didático de aquisição do conhecimento sob a direção
do professor. Para ele, a moralidade é o princípio maior da educação, que deve ser atingido mediante a
prática educativa. Ao homem, a instrução deve fazê-lo querer o bem, de modo que aprenda a comandar
a si próprio. O professor auxilia nesse processo introduzindo ideias corretas na mente do estudante, como
um arquiteto da mente, trazendo a sua atenção para as ideias desejadas, controlando seus interesses.
O método consiste em provocar uma espécie de acumulação de ideias na mente do sujeito.

Herbart buscou também a formulação de um método de ensino único, em conformidade com


as leis psicológicas do conhecimento. Ele estabeleceu quatro passos didáticos que deveriam ser
rigorosamente seguidos:

• apresentação e preparação da nova matéria de forma clara, o que ele denominou clareza;

• associação entre o conhecimento antigo e o novo;

• sistematização dos conhecimentos, visando à generalização para outras áreas;

• aplicação dos conhecimentos aprendidos, o que ele denominou método.


24
DIDÁTICA GERAL

Exemplo de aplicação

Releia com atenção as etapas do método de ensino proposto por Herbart e reflita: pensando na sua
formação enquanto estudante, porventura você já participou de alguma aula cuja estrutura tenha sido
semelhante à que ele descreveu?

Seus discípulos aperfeiçoaram essa proposta e desenvolveram uma versão com cinco passos:

• preparação;

• apresentação;

• assimilação;

• generalização;

• aplicação.

O sistema pedagógico herbartiano trouxe contribuições válidas para a organização da prática


docente. Por exemplo: a necessidade de estruturar e ordenar o processo de ensino, a exigência de
compreensão dos assuntos estudados, e não apenas memorização, e o significado educativo da disciplina
na formação do caráter.

Contudo, o ensino era entendido como uma transferência de conhecimentos da mente do professor
para a do estudante, com a necessidade de reprodução das ideias do professor pelo aprendiz. Com isso
tivemos, durante um longo período histórico, uma aprendizagem mecânica, que não proporcionava
nada além da memorização e reprodução dos conteúdos sem reflexão.

Exemplo de aplicação

Para sistematizar os conhecimentos sobre a história da didática, você pode situar os filósofos e as
suas principais contribuições numa linha do tempo, em ordem cronológica. É uma maneira interessante
de resgatar os conteúdos.

1.3 Especificidades

Se retomarmos os itens anteriores deste livro-texto, veremos que três conceitos aparecem
com frequência, pois são inerentes à didática. São eles: educação, pedagogia e processo de ensino
e aprendizagem.

Esses conceitos acompanham a trajetória daqueles que trabalham na área educacional. Além disso,
existe a influência de um sobre os outros, determinando a forma como o professor irá conceber o seu
papel e, consequentemente, como desenvolverá sua prática.

25
Unidade I

O trabalho nas escolas requer dos profissionais da educação o domínio de conceitos básicos, uma
vez que influenciam significativamente a postura didático-pedagógica do professor, bem como o
desenvolvimento de uma prática coerente com as novas tendências educacionais.

Portanto, essa discussão contribui para que você, futuro professor, passe a refletir e olhar de maneira
mais questionadora para o termo didática.

Primeiro abordaremos os aspectos gerais referentes à educação, como, por exemplo, a influência das
tendências didático-pedagógicas na prática do professor. Depois discutiremos melhor a pedagogia e o
processo de ensino e aprendizagem.

Figura 7 – O professor precisa dominar uma série de conceitos para construir sua didática

Disponível em: https://bit.ly/3sw0fX1. Acesso em: 10 fev. 2022.

26
DIDÁTICA GERAL

2 EDUCAÇÃO

Diariamente convivemos com o uso social da palavra educação. Algumas frases, inclusive, aparecem
com frequência na fala de muitos professores:

• Educação vem de berço.

• Que falta de educação dessa pessoa!

• A educação ficou em casa?

• Você não tem educação?!

Exemplo de aplicação

Para você, o que significa educação? É algo que se restringe à família ou a escola também é
responsável pela educação do sujeito?

Aprecie o texto de Brandão (1989), que propõe uma reflexão muito interessante e crítica acerca do
conceito de educação.

Educação? Educações: aprender com o índio

Figura 8 – Aprender com o índio

Disponível em: https://bit.ly/3Jgnvir. Acesso em: 10 fev. 2022.

27
Unidade I

“Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é a coragem minha. Buriti quer todo o
azul, e não se aparta de sua água – carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina,
mas quem de repente aprende” (João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas).

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo


ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar,
para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações.
E já que pelo menos por isso sempre achamos que temos alguma coisa a dizer sobre a
educação que nos invade a vida, por que não começar a pensar sobre ela com o que os
índios uma vez escreveram?

Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz
com os índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre
foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes
mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos.
Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns
anos mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho
que nos interessa:

“Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e
agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações
têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao
saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos
guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas,
quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e
incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo
e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente
inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos
extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar
a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus
jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.”

De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas das questões entre as mais
importantes estão escritas nessa carta de índios. Não há uma forma única nem um único
modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o
melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu
único praticante.

Em mundos diversos, a educação existe diferente: em pequenas sociedades tribais de


povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países
desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou
aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado,
com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas.
28
DIDÁTICA GERAL

Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo, ou
entre povos que se encontram. Existe entre povos que submetem e dominam outros povos,
usando a educação como um recurso a mais de sua dominância. Da família à comunidade,
a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos
mistérios do aprender; primeiro sem classes de alunos, sem livros e sem professores
especialistas; mais adiante, com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.

A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as
pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como crença, aquilo que é
comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um
sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que
reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e
dos símbolos.

A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a
criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas
de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que
ensinam‑e‑aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de
conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da
tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de
cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas
que existem dentro do mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a
explicar – às vezes a ocultar, às vezes a inculcar – de geração em geração, a necessidade da
existência de sua ordem.

Por isso mesmo – e os índios sabiam – a educação do colonizador, que contém o saber
de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio,
na verdade não serve para ser a educação do colonizado. Não serve e existe contra uma
educação que ele, não obstante dominado, também possui como um dos seus recursos, em
seu mundo, dentro de sua cultura.

Assim, quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um dos meios de


que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos
de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o
saber que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de produção
de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos,
bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é a sua força.

No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o
educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar
servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos
escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas e nas ideias
que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à
sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza.
29
Unidade I

Aqui e ali será preciso voltar a estas ideias, e elas podem ser como que um roteiro
daqui para a frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos
sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a sua missão é
transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se
tem de uns e outros: “[...] e deles faremos homens”. Mas, na prática, a mesma educação que
ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz, ou
do que inventa que pode fazer: “[...] eles eram, portanto, totalmente inúteis”.

Adaptado de: Brandão (1989).

É impossível falar sobre educação sem citar o texto de Brandão (1989), que, de maneira reflexiva e
bem-humorada, discute seu significado.

Como vimos no texto, a educação confunde-se com a cultura e a ela serve, pois tem sua formação com
base em pessoas que se revestem de costumes, uma moral, uma ética, comportamentos estabelecidos
que são úteis em cada região e/ou grupo particular.

Segundo Libâneo (1990), em sentido amplo, a educação se dá simplesmente pelo fato de o sujeito
existir socialmente, uma vez que, ao conviver com a sociedade, ele aprende e ensina, formando-a junto
a outros membros dessa mesma sociedade. Ela ocorre em todos os campos, como na organização
econômica, política, religiosa, dos costumes etc. Já em sentido estrito, ocorre em instituições específicas,
escolares ou não, com a finalidade clara de instrução e ensino, de maneira organizada e planejada.

A educação, portanto, além de estar em tudo e ser presente em todos os momentos da vida de
cada um de nós, forma a personalidade do sujeito social, uma vez que envolve o exercício de diferentes
atividades na sociedade em que vive (profissional, econômica, pessoal etc.). Ela ocorre de maneira
intencional e sistemática nas escolas e organizações como educação formal, que tem por fim explícito o
ensino e a instrução (sentido estrito); e de maneira não intencional em todos os lugares como educação
informal (sentido amplo).

Desse modo, dizemos que a educação é, portanto, um fenômeno social, pois está em tudo o que
a sociedade abrange. É um processo social também, uma vez que é determinada por sua época e seu
contexto histórico. Sendo assim, podemos dizer que a educação se transforma de acordo com as
circunstâncias sociais e temporais.

Lembrete

Educação formal: intencional e sistemática. Ocorre nas escolas.

Educação informal: ocorre de maneira não intencional e assistemática


em todos os lugares.

30
DIDÁTICA GERAL

Figura 9 – A educação, em sentido amplo, confunde-se com a cultura

Disponível em: https://bit.ly/3oHDKNr. Acesso em: 11 fev. 2022.

O trabalho docente é parte integrante do processo educativo mais global


pelo qual os membros da sociedade são preparados para a participação na
vida social. A educação – ou seja, a prática educativa – é um fenômeno
social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência
e ao funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa
cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas
capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e
transformadora nas várias instâncias da vida social. Não há sociedade
sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A prática
educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também
o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências
culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-los
em função de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade
(LIBÂNEO, 1990, p. 16-17).

Podemos afirmar que as considerações de Brandão (1989) e de Libâneo (1990) são coerentes com
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/96, que, no art. 1º, adverte que:

31
Unidade I

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida


familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais (BRASIL, 1996).

Por isso, a frase “educação vem de casa” precisa ser revista, pois ela restringe o processo ao meio
familiar. E qual seria o papel da escola, que é responsável pela educação formal?

Ela necessita ser revista também no sentido de que os estudantes chegam ao ambiente escolar com
conhecimentos prévios, pois a educação promovida por outros ambientes, família e comunidade, por
exemplo, também proporcionam a ampliação e aquisição de novos conhecimentos, claro que não de
maneira sistematizada como na escola, conforme ressaltamos anteriormente.

Então, afinal, qual a relação entre a educação e a didática?

A educação enquanto produto cultural é um objeto histórico e inconcluso. Portanto, está em


constante transformação. Para ensinar é preciso compreender seu movimento, suas manifestações,
significados, usos e finalidades.

Seria muito incoerente, por exemplo, em pleno século XXI, o professor recorrer a uma didática
obsoleta, que não dialogue com a contemporaneidade dos estudantes, ou até mesmo utilizar uma
ferramenta tecnológica sem rever, atualizar e adequar a sua didática de ensino. Afinal, a educação
acompanha as transformações sociais em seus diferentes âmbitos. Desse modo, se faz necessário
compreender a importância da sociologia para os estudos em educação.

2.1 A importância da sociologia da educação

A política, a cultura, os costumes e a economia provêm de uma organização social, e a sociologia


como ciência busca encontrar uma compreensão mais profunda sobre como tudo isso acontece, como
se manifesta e quais são as consequências.

Vejamos o que diz Libâneo (1990, p. 26) sobre a sociologia da educação:

A sociologia da educação estuda a educação como processo social e ajuda


os professores a reconhecerem as relações entre o trabalho docente e a
sociedade. Ensina a ver a realidade social no seu movimento, a partir da
dependência mútua entre seus elementos constitutivos, para determinar
os nexos constitutivos da realidade educacional. A partir disso, estuda a
escola como “fenômeno sociológico”, isto é, uma organização social que
tem a estrutura interna de funcionamento interligada ao mesmo tempo
com outras organizações sociais (conselho de pais, associações de bairros,
sindicatos, partidos políticos etc.). A própria sala de aula é um ambiente
social que forma, junto com a escola como um todo, o ambiente global da
atividade docente organizado para cumprir os objetivos de ensino.
32
DIDÁTICA GERAL

A sociologia da educação, portanto, preocupa-se mais especificamente com como as pessoas se


organizam coletiva e socialmente e como a educação se envolve com esse fator. Para tanto, se faz
necessário desenvolver um olhar crítico sobre as mais diversas relações que acontecem na sociedade,
tais quais: educação, trabalho, política, religião etc.

Esses conceitos são importantes para ultrapassar o senso comum e se aproximar da ciência, uma
vez que, durante muito tempo, a educação esteve vinculada a interesses ideológicos de uma minoria
pertencente às elites da sociedade.

Pela influência de grandes teorias sociológicas, temos noção de que a busca de uma sociedade
democrática, que defenda os interesses de toda a população e não apenas de parte dela, faz-se
imprescindível, principalmente no que se refere à garantia dos diretos humanos, como o acesso, a
permanência e a conclusão nos níveis de ensino da Educação Básica.

Segundo Libâneo (1990), a educação é socialmente determinada, pois os fins e as exigências sociais,
políticas e ideológicas guiam todo o processo de funcionamento da sociedade, estabelecendo valores,
normas e particularidades da estrutura social à qual a educação está subordinada.

Desde o início da espécie humana, os homens vivem em grupos e a vida de um está sempre vinculada
às vidas de outros e delas depende. Por exemplo, a organização atual, no Brasil, funciona com a existência
de um Estado que governa, e dele depende todo o futuro da nação. As ações do governo provocam um
efeito cascata, influenciando o preço dos alimentos, o aumento ou a diminuição dos impostos, a oferta
de empregos, a qualidade de vida das pessoas, a criminalidade etc. Essa forma de organização, a divisão
em classes sociais e o capitalismo, que hoje rege praticamente o mundo todo, vão configurando as
relações socioculturais dos homens.

Libâneo (1990) explica que, desde quando passaram a viver socialmente, os homens começaram a
travar relações de reciprocidade diante da necessidade de organizar seu trabalho em conjunto e garantir
a sobrevivência. Essas relações se transformaram, criando novas necessidades e novas maneiras de
organizar o trabalho, conforme sexo, idade e ocupações, de maneira que existisse uma distribuição das
atividades entre todos os envolvidos nesse processo.

O tempo e os interesses de uma parte da população se encarregaram de manifestar as relações


de desigualdade econômica e de classe. Para os primitivos, as relações davam igual aproveitamento
do trabalho em comum. Contudo, nos momentos seguintes da história da sociedade, cada vez mais
aumentavam a distribuição desigual do trabalho e o aproveitamento que se tirava dele.

33
Unidade I

Figura 10 – O trabalho, a divisão de classes e o sistema capitalista refletem diretamente em como se


configura a escolarização

Disponível em: https://bit.ly/3gGuZz2. Acesso em: 11 fev. 2022.

A divisão do trabalho fazia com que os indivíduos se rotulassem em sua ocupação da atividade
produtiva. Vejamos as etapas descritas por Libâneo (1990, p. 19):

— Sociedade escravista: os meios de trabalho e o próprio trabalhador


(escravo) eram propriedade dos donos da terra.

— Sociedade feudal: os servos trabalhavam gratuitamente para os donos


da terra ou lhes pagavam tributos.

— Sociedade capitalista: existe uma divisão entre os proprietários


privados dos meios de produção (empresas, máquinas, bancos,
instrumentos de trabalho etc.) e os que vendem sua força de trabalho
para seu próprio sustento, vivendo de um salário.

Assim se configurou a história da organização do trabalho até a formação atual da sociedade


capitalista, fortemente marcada pela divisão de classes, em que capitalistas e trabalhadores ocupam
lugares opostos e antagônicos no processo produtivo. Os proprietários tiram seus lucros da exploração
da classe trabalhadora – a maioria da população –, que é obrigada a se submeter às condições impostas
pelos proprietários para a sobrevivência; mas o salário mal chega a cobrir as necessidades básicas.

34
DIDÁTICA GERAL

Observação

E o que isso tem a ver com a educação? Tudo, uma vez que a alienação
econômica dos meios e dos produtos do trabalho, que é ao mesmo tempo
uma alienação intelectual, determina a desigualdade social, definindo não
apenas as condições materiais de vida e de trabalho dos indivíduos, mas
também o acesso à cultura e à educação.

O poder alcançado pelo detentor do capital influencia toda forma de fomento à manutenção desse
sistema, fazendo com que todos os agentes da vida social reproduzam esse modelo de vida. A ausência
de outra maneira de organização social provoca no capitalismo tudo o que este precisa para se manter.
O desemprego, por exemplo, é um excelente mecanismo para fazer com que o trabalhador implore por
um emprego, vendendo sua força de trabalho por qualquer compensação financeira.

Historicamente, em especial no final do século XIX e no início do século XX, principalmente no


continente europeu, foi notória a divisão entre as escolas dos ricos, onde os professores ensinavam os
alunos a pensar, a serem críticos e criativos, para continuar detendo os meios de acumulação de capital,
e as escolas dos menos favorecidos, que focavam no trabalho manual como maneira de formar para
o trabalho e para a exploração, a fim de que os alunos não pensassem nem questionassem, para não
colocar em risco o esquema da elite.

Figura 11 – A ideologia dominante faz com que acreditemos que as condições são as mesmas para
todos e que somente não prospera quem não se esforça

Disponível em: https://bit.ly/3HJDogN. Acesso em: 11 fev. 2022.

35
Unidade I

Libâneo (1990, p. 19) destaca as ideias, os valores e as práticas apresentados pela minoria dominante
como se fossem representativos dos interesses de todas as classes sociais, o que se conhece pelo nome
de ideologia. Ele cita alguns discursos como exemplo da verdade que a minoria dominante quer incutir
nos trabalhadores (LIBÂNEO, 1990, p. 19):

— O Estado faz a sua parte, as pessoas é que não se esforçam!

— Vivemos numa sociedade democrática que dá oportunidades iguais


a todos. Se a pessoa não tem um bom emprego ou não consegue
estudar, é porque tem limitações individuais.

— Os estudantes reprovam porque não se esforçam. Tudo na vida


depende do esforço pessoal.

As frases mostram ideias e valores que não são reais, mensagens subliminares que expressam
a seguinte lógica: o governo, por não cumprir plenamente o seu papel de Estado provedor, atribui
ao sujeito a culpa pela sua condição, ou seja, pertencer a uma determinada classe social é uma
incompetência individual.

Você, futuro professor, certamente deve estar se perguntando: qual a relação das considerações da
sociologia da educação com a didática?

Se considerarmos o paradigma atual da didática, que requer do professor uma conduta crítica e
reflexiva, é incoerente adotar uma postura ingênua, assumindo crenças, valores e concepções equivocadas
da sociedade, do próprio papel da escola e dos estudantes no cenário social.

Observação

A educação não é neutra. O professor tem um papel político‑pedagógico,


que é transmitido, mesmo que de forma inconsciente, a partir da sua
prática docente.

Portanto, a ingenuidade, o preconceito e a generalização das frases apresentadas na citação anterior


não dialogam com as expectativas contemporâneas acerca da prática do professor.

Lembrete

É preciso atentar-se ao fato de que é dentro desse contexto social que


a escola se insere. No trabalho do professor, estão presentes interesses
diversos (sociais, políticos, econômicos e culturais), que precisam ser
bem compreendidos. É importante lembrar que esses interesses não são
imutáveis. As relações sociais são dinâmicas e passíveis de transformações
pelos indivíduos pertencentes à sociedade.
36
DIDÁTICA GERAL

Imaginar como seria uma pessoa ideal é um importante exercício para que possamos organizar
didaticamente as ações necessárias para chegar a essa pessoa. Talvez traçar qualidades, comportamentos,
características que possam ser valorizadas pela sociedade e sejam capazes de municiar suficientemente
o sujeito que delas precisar para trabalhar, viver socialmente, ser feliz e produzir cultura.

Exemplo de aplicação

Mas e a sociedade, como funciona? De qual maneira devemos enxergá-la como educadores:
reproduzindo tudo o que já se fez até hoje ou transformando o mundo em algo diferente?

A sociologia aplicada à educação pode contribuir para tentar responder a essas questões, assim
como enxergar possibilidades educativas em uma perspectiva mais interessante para o professor, para
os estudantes e para a própria sociedade.

Por esse motivo, o reconhecimento do papel político do docente envolve a luta pela modificação
dessas relações de poder. Para quem lida com a educação, tendo em vista a formação de um ser
humano, é imprescindível que desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais implicadas em
cada acontecimento, em cada situação da vida real e da sua profissão, em cada área de conhecimento
que ensina e em seu próprio discurso, nos meios de comunicação de massa, nas relações das pessoas
cotidianamente e no trabalho.

Conforme Libâneo (1990, p. 22):

O campo específico de atuação profissional e política do professor é a


escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sólido domínio
de conhecimentos e habilidades, o desenvolvimento de suas capacidades
intelectuais, de pensamento independente, crítico e criativo. Tais tarefas
representam uma significativa contribuição para a transformação de
cidadãos ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas lutas
pela transformação social. Podemos dizer que, quanto mais a minoria
dominante refina os meios de difusão da ideologia burguesa, tanto
mais a educação escolar adquire importância, principalmente para as
classes trabalhadoras.

Preparar crianças e jovens para a participação ativa na vida social é o objetivo mais imediato
da escola.

37
Unidade I

Figura 12 – O conhecimento contribui para a ascensão social do sujeito

Disponível em: https://bit.ly/33d9Hpo. Acesso em: 11 fev. 2022.

Libâneo (1990) diz que a escolarização básica constitui um instrumento indispensável para a
construção de uma sociedade mais democrática. Precisamos dar a todos uma formação que permita o
domínio de conhecimentos culturalmente acumulados e um entendimento crítico da realidade.

O professor deverá utilizar o estudo das disciplinas escolares e o domínio dos métodos pelos quais
desenvolve suas capacidades de conhecimento e habilidades para elaborar independentemente os
conhecimentos, a fim de que os estudantes possam expressar de forma elaborada os conhecimentos
que correspondem aos interesses majoritários da sociedade e inserir-se ativamente nas lutas sociais
para sua transformação.

Para a garantia de uma escolarização capaz de lutar pela democratização da sociedade, segundo
Libâneo (1990), é necessária a atuação em duas frentes: política e pedagógica. A política tem caráter
pedagógico, pois visa formar para a sociedade e para o envolvimento dos educadores nos movimentos
sociais e sindicais, nas lutas organizadas em defesa da escola unitária, democrática e gratuita; a
pedagógica tem caráter político, pois busca representar interesses estratégicos de toda uma população,
e não apenas da elite.

A escola deve ser unitária, porque tem que garantir, indiscriminadamente, uma base comum de
conhecimentos sólidos e consistentes a toda a população nacional, de um saber sistematizado que
dê condições de uma compreensão mais ampla por parte do aluno, a fim de formá-lo criticamente
em função dos interesses da população majoritária, sem discriminar por classe, cor de pele, poder
aquisitivo, gênero etc.

38
DIDÁTICA GERAL

A escola, pública principalmente, deve ser democrática, ou seja, todos devem ter acesso a ela. Além
disso, deve garantir a permanência dos estudantes, no mínimo, até o final da Educação Básica (Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e oferecer um ensino de qualidade, que leve em conta as
características específicas daqueles que a frequentam. Deve ser democrática inclusive nos mecanismos
de gestão interna: todos devem estar envolvidos e buscar participar do poder que decide os rumos que
a instituição de ensino deve tomar.

Saiba mais

A gratuidade da escola pública é garantida pela Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional, Lei n. 9.394/96, no art. 4º. Consulte o texto da lei:

BRASIL. Lei n. 9.394, de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: https://bit.ly/3JrYG39.
Acesso em: 15 fev. 2022.

Para finalizar este tópico do nosso percurso de estudos, é importante ressaltar que deve haver um
compromisso social e ético por parte dos professores, que nada mais é do que seu permanente empenho
na instrução e na educação dos alunos, dirigindo o ensino e as atividades de estudo de modo que estes
dominem os conhecimentos básicos e as habilidades e desenvolvam suas forças, capacidades físicas e
intelectuais, tendo em vista equipá-los para enfrentar os desafios da vida prática no trabalho e nas lutas
sociais pela democratização da sociedade.

3 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS LIBERAIS

Até aqui, ampliamos nossos conhecimentos pedagógicos acerca da definição e dos aspectos
históricos relacionados à didática. Agora serão apresentadas as tendências didático-pedagógicas que
circundam o contexto escolar, principalmente a prática do professor.

Exemplo de aplicação

Para ter uma postura mais crítica, ao realizar a leitura deste livro-texto, procure refletir acerca das
seguintes questões:

• Qual é a importância de conhecer as diferentes tendências didático-pedagógicas?

• Como essas tendências podem influenciar a didática do professor?

• Você concorda com qual tendência didático-pedagógica? Por quê?

39
Unidade I

Segundo Libâneo (1985), verificam-se três tipos de tendências que interpretam o papel da educação
na sociedade:

• educação como redenção;

• educação como reprodução;

• educação como transformação da sociedade.

Saviani (2003) chama de teorias não críticas o que Libâneo (1985) denomina tendências liberais
de educação ou educação como redenção. Todos esses termos convergem para a crença ingênua de
que a educação seria, por si só, suficiente como fator de ascensão social, sem que fosse necessário
adentrarmos nas questões sociopolíticas que a determinam.

Esse tipo de reflexão indica a ausência de uma criticidade sociológica e encontra fatores de
perpetuação da desigualdade ou determinantes de uma herança social que coloca a escola como
reprodutora de uma sociedade injusta e antidemocrática.

Essas teorias pretendem trabalhar com propostas práticas, as quais julgam como suficientemente
capazes de tirar o sujeito de sua condição de desigualdade; entretanto, o fazem sem que haja uma
atenção a todo o contexto social, o que se configura numa falta de criticidade, ou numa ingenuidade
total. São chamadas de liberais pois, ao defenderem a predominância da “liberdade” e dos interesses
individuais da sociedade, estabeleceram uma forma de organização social baseada na propriedade
privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto,
é uma forma de manifestação desse tipo de sociedade, que acaba por ser uma forma de justificação do
sistema capitalista.

Figura 13 – Pedagogia liberal: meio de reprodução do sistema capitalista

Disponível em: https://bit.ly/3Bnd9dW. Acesso em: 11 fev. 2022.

40
DIDÁTICA GERAL

Saviani (2003) denomina teorias crítico-reprodutivistas o que Libâneo (1985) chamou de educação
como reprodução. Elas são assim intituladas porque não apresentam uma proposta prática; apenas
se limitam a criticar sociologicamente toda a formação da reprodução social de classes, a ausência
de uma democracia. Defendem que a escola reproduz a desigualdade fora dela, mas não fazem nada
para combater essa forma de desigualdade. Diferente das tendências não críticas, que não concebiam
a educação como capaz de promover a mudança social, combatendo o fenômeno da marginalidade,
o que sabemos ser ingenuidade, as teorias crítico-reprodutivistas são, como diz seu nome, “críticas”;
mas se limitam a criticar e nada fazer de concreto, não produzem nenhuma proposta de trabalho
didático-pedagógico.

Por último, há o que Saviani (2003) chamou de teorias críticas da educação, e Libâneo (1985) de
educação como transformação da sociedade ou teorias progressistas. Estas, como uma espécie de junção
das duas primeiras, são:

• críticas, como as crítico-reprodutivistas, por acreditarem nos determinantes sociais a que a escola
se submete, como fatores de reprodução da desigualdade existente na sociedade atual, e na falta
de uma democracia real e batalhadora de condições mais justas e igualitárias de vida;

• práticas, como as liberais, por apresentarem uma forma de trabalho pedagógico que visa atuar
dentro das escolas, mas não de forma ingênua, como as liberais, e sim procurando conseguir uma
transformação da sociedade em algo mais justo e democrático, combatendo a reprodução da
desigualdade social.

Dessas três abordagens teóricas, apenas a pedagogia liberal e as teorias progressistas serão
aprofundadas neste livro-texto, pois as teorias crítico-reprodutivistas não possuem uma aplicabilidade
prática, apesar de seu valor pelos apontamentos teóricos que fazem.

Saiba mais

As teorias crítico-reprodutivistas são: teoria do sistema de ensino


como violência simbólica, teoria da escola como aparelho ideológico
de estado (AIE) e teoria da escola dualista. Aprenda mais sobre elas
consultando o livro:

SAVIANI, D. Escola e democracia. 36. ed. Campinas: Autores Associados, 2003.

A pedagogia liberal também tem a característica de ser um tipo de educação ajustadora, uma
vez que apenas ajusta o estudante para que este possa participar da reprodução da sociedade.
Essa pedagogia possui muitas correntes teóricas; entretanto, as que mais se destacaram e que iremos
detalhar são quatro:

41
Unidade I

• tradicional;

• renovada progressivista;

• renovada não diretiva;

• tecnicista.

No outro lado, temos a pedagogia progressista, que possui a característica de uma educação
transformadora, por dar condições de desenvolvimento aos estudantes, permitindo que tenham
capacidade de lutar pela transformação social em uma direção mais justa e igualitária. As principais
representantes teóricas dessa pedagogia são:

• libertadora;

• libertária;

• crítico-social dos conteúdos.

Figura 14 – Pedagogia progressista: igualdade de direitos

Disponível em: https://bit.ly/3rFRVEP. Acesso em: 11 fev. 2022.

Vejamos a partir de agora essas sete tendências: quatro liberais e mais três progressistas.

É evidente que tanto as tendências quanto as manifestações não são puras nem mutuamente
exclusivas, o que, aliás, é a limitação principal de qualquer tentativa de classificação da realidade. Em
alguns casos, as tendências se complementam, em outros, divergem. De qualquer forma, a classificação
e sua descrição poderão funcionar como instrumentos de análise para o professor avaliar a sua prática
de sala de aula.

42
DIDÁTICA GERAL

Lembrete

Para sistematização do conhecimento, ao final de cada tendência


apresentamos um esquema-síntese com as principais características,
situando o papel do professor, do estudante, da aprendizagem e dos
conteúdos no processo de ensino.

3.1 Pedagogia liberal

A educação brasileira, ao menos nos últimos 50 anos, tem sido marcada pelas tendências liberais,
que aqui não têm o sentido de “avançado”, “democrático”, “aberto”. Esse tipo pedagógico, inclusive,
tem se apresentado como liberal conservadora ou, às vezes, liberal renovada. Tais tendências têm se
manifestado concretamente nas práticas escolares e na concepção pedagógica de muitos professores,
ainda que de maneira inconsciente por boa parte deles.

A pedagogia liberal acredita que a escola tem a função de preparar os sujeitos para o desempenho de
papéis na sociedade, correspondentes às aptidões individuais. Por isso, os estudantes precisam aprender
a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes por meio do desenvolvimento
da cultura individual. O relevo na cultura esconde a realidade das diferenças de classes, pois, ainda que
difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em consideração a desigualdade de condições
entre as pessoas, e por isso dá legitimidade à ideologia capitalista.

Figura 15 – Pedagogia liberal: autoritarismo

Disponível em: https://bit.ly/3oHeHu3. Acesso em: 11 fev. 2022.

3.2 Pedagogia liberal tradicional

O trabalho na escola pressupõe uma preparação intelectual e moral dos estudantes a fim de que
assumam sua posição na sociedade. O que a escola propõe é um compromisso com o ensino da cultura.
Os problemas sociais são pertencentes à sociedade. O percurso cultural em direção ao saber é o mesmo
43
Unidade I

para todos os estudantes. Assim, os menos capazes devem se esforçar para tentar superar as dificuldades
e conquistar seu lugar ao lado dos mais capazes.

Sobre os conteúdos de ensino, trata-se dos conhecimentos e valores sociais que se estabeleceram
pelas gerações adultas e que são repassados aos estudantes como verdades. Essas matérias de estudo
visam “preparar o estudante para a vida” e são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os
conteúdos devem ser separados da experiência do estudante, ou seja, descontextualizados da realidade
que a sociedade oferece, sendo válidos pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é
criticada como intelectualista e, às vezes, enciclopédica.

Quanto ao método de ensino, é baseado na exposição verbal da matéria e/ou demonstração. São
feitas pelo professor tanto a exposição quanto a análise do conteúdo, atentando-se aos seguintes passos:

• Preparo do estudante: define-se o trabalho, recorda-se a matéria anterior, desperta-se o interesse.

• Apresentação: destaque de pontos-chave, demonstrando-se o necessário.

• Associação: combina-se o conhecimento novo com o já conhecido, comparando e abstraindo.

• Generalização: partindo-se dos aspectos particulares, pode-se chegar ao conceito geral, que é a
exposição sistematizada.

• Aplicação: explicam-se fatos adicionais e/ou a resolução de exercícios.

A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas e na memorização propõe uma


disciplina da mente e a formação de hábitos.

Na relação entre professor e estudante, há um predomínio da autoridade do docente, exigindo uma


atitude receptiva dos estudantes e impedindo qualquer comunicação paralela entre eles no decorrer
da aula. O professor deverá transmitir o conteúdo de maneira a ser absorvida; consequentemente, a
disciplina no comportamento é a maneira mais garantida para assegurar a atenção e o silêncio.

No quesito aprendizagem, há uma concepção de que a proposta de ensino responde pela tarefa
de repassar os conhecimentos para a aprendizagem do educando, como se ele tivesse a capacidade de
assimilar semelhante à do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas de ensino devem ser
ministrados pelo professor em progressão lógica, sem preocupação com as características próprias de
cada fase que o estudante vivencia. A aprendizagem, assim, é feita por recepção e de maneira mecânica,
utilizando, quase sempre, a coação.

A permanência do que foi ensinado é garantida pela prática repetitiva de exercícios sistemáticos e
de recapitulações da matéria. Transferir a aprendizagem depende do treino; é imprescindível a retenção
a fim de que os estudantes possam lidar com situações novas de forma semelhante ao que fizeram em
situações anteriores; é preciso avaliar por meio de verificações de curto prazo (prova oral, lição de casa)
e de longo prazo (provas escritas, trabalhos para fazer em casa, como projetos). A atitude de reforço é,
44
DIDÁTICA GERAL

em geral, negativa (punição, notas baixas, apelos aos pais); e com menos frequência, positiva (estímulos
para motivação, classificações).

No que diz respeito às manifestações na prática escolar, podemos afirmar que a pedagogia liberal
tradicional ainda é utilizada em nossas escolas religiosas ou leigas, que adotam uma orientação
clássico‑humanista ou uma orientação humano-científica – sendo que esta última é a que mais se
aproxima do modelo de escola predominante em nossa história educacional.

Aprendizagem Ensino
Processo de Exposição verbal
memorização

Conteúdo
Estudante
Valores sociais
Receptor acumulados
Professor
Descontextualizado
Transmissor do
conhecimento

Figura 16 – Esquema-síntese da tendência liberal tradicional

Exemplo de aplicação

A função do professor se limita à transmissão do conhecimento?

O estudante pode ser considerado um mero receptor ou devido às suas experiências pessoais é capaz
de construir conhecimentos?

A aprendizagem é sinônimo de memorização?

A exposição verbal é o método mais apropriado para o processo de ensino?

Quais consequências a abordagem descontextualizada do conteúdo pode trazer para a formação


do estudante?

3.3 Pedagogia liberal renovada progressivista

O objetivo maior da escola é conseguir adequar as necessidades individuais à sociedade; para isso,
ela deve se estruturar de maneira a refletir, tanto quanto possível, a vida do estudante. Todo ser humano
dispõe dentro de si de mecanismos para adaptação progressiva ao meio ou contexto em que vive. Isso

45
Unidade I

se dá por meio de experiências que devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do indivíduo e as
exigências da sociedade.

Às escolas cabe o papel de suprir as experiências que possam permitir ao estudante educar-se,
num processo ativo de construção e reconstrução do objeto de conhecimento, como uma espécie de
interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente.

Como conhecer é, em geral, resultado de ações a partir de necessidades e interesses dos estudantes,
os conteúdos de ensino são contextualizados em função das experiências que o indivíduo vivencia diante
de desafios e conflitos cognitivos, o que se opõe à ideia de conteúdos organizados sistematicamente.
Nessa proposta, trata-se de “aprender a aprender”, ou seja, é mais importante o processo de construção
do saber do que o saber propriamente dito.

No que concerne aos métodos de ensino, o princípio de “aprender fazendo” está constantemente
presente nessa tendência. Há uma valorização do tentar experimentalmente, pesquisar, descobrir, estudar
o meio natural e social, utilizar o método de solução de problemas. Ainda que os métodos variem, as
escolas ativas ou novas (nas propostas de Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) devem partir
sempre de atividades que se adéquam à natureza do estudante e às fases do seu desenvolvimento. Na
maioria delas, existe uma valorização da proposta de trabalho em grupo não somente como técnica,
mas como veículo fundamental para o desenvolvimento mental.

As etapas de base no método ativo são:

• colocar os indivíduos em situações de experiências que tenham um interesse por si mesmas;

• apresentar uma proposta desafiante, como forma de estímulo à reflexão;

• fornecer informações e instruções que permitam ao estudante pesquisar a descoberta de soluções;

• incentivar o recurso a soluções inicialmente temporárias;

• oportunizar a colocação de soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida.

Saiba mais

Você pode conhecer melhor as propostas pedagógicas de Dewey,


Montessori, Decroly, Cousinet e de outros pensadores da educação no livro:

CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: Unesp, 2002.

46
DIDÁTICA GERAL

Na relação entre professor e estudante, não há lugar prestigiado para o professor; antes de tudo, seu
papel é o auxílio no desenvolvimento aberto e espontâneo do aluno; se ele interfere, é para auxiliar no
despertar de seu raciocínio. A disciplina surge de uma conscientização dos limites da vida grupal; dessa
forma, estudante disciplinado é aquele que se solidariza, participa e respeita as regras do grupo. Para
garantir um clima de harmonia dentro da sala de aula é imprescindível um relacionamento harmonioso
entre professores e alunos, como forma de conseguir uma “vivência democrática”, da maneira como
deve ser a vida em sociedade.

Para falarmos de aprendizagem nesta concepção, precisamos mencionar a questão da motivação,


pois, no que se refere a ela, tudo depende de como foi feita a estimulação do problema e das disposições
internas e dos interesses dos alunos. Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, uma
aprendizagem autônoma, sendo o ambiente apenas o meio estimulador. É armazenado o que foi
incorporado à atividade do aluno pela descoberta pessoal; o que é internalizado passa a fazer parte da
estrutura cognitiva para ser utilizado em novas situações. A avaliação é espontânea e tenta ser eficaz à
medida que os esforços e êxitos são pronta e explicitamente ressaltados pelo professor.

A respeito das manifestações na prática escolar, os conceitos da pedagogia progressivista têm


sido difundidos, em larga escala, nos cursos de licenciatura, e muitos professores vêm sofrendo essa
influência. Contudo, sua aplicação é extremamente restrita, não somente por faltarem condições
objetivas, como também por se chocarem com as práticas tipicamente tradicionais. Alguns métodos
são utilizados em escolas particulares, como o Montessori, o dos centros de interesse de Decroly e o de
projetos de Dewey. Podemos dizer que é um ensino baseado na psicologia genética de Piaget, que se
concentra apenas na descoberta, com larga aceitação na educação pré-escolar. Também pertencentes
à tendência progressivista são muitas das escolas denominadas experimentais, escolas comunitárias
e, mais raramente (década de 1960), a escola secundária moderna, na versão difundida por Lauro de
Oliveira Lima.

Aprendizagem Ensino

Descoberta Solução de problemas

Professor Conteúdo
Auxilia a construção do
Estudante Contextualizado
conhecimento
Sujeito que se
adapta ao meio

Figura 17 – Esquema-síntese da tendência liberal renovada progressivista

47
Unidade I

Exemplo de aplicação

Você considera que a função do professor se limita ao auxílio no processo de ensino e aprendizagem?

Quais são as outras funções da prática docente no século XXI?

Se a aprendizagem se dá por descoberta e o estudante, a partir das suas vivências cognitivas e


sociais, se adapta ao meio, qual é o papel da escola como provedora da educação formal?

Qual a importância da contextualização do conteúdo para o processo de aprendizagem?

3.4 Pedagogia liberal renovada não diretiva

Agudiza-se, nessa tendência, a função da escola no que se refere à formação de atitudes, razão pela
qual costuma estar mais preocupada com problemas psicológicos do que com pedagógicos ou sociais.
Todo empenho está em estabelecer um ambiente favorável a uma mudança dentro do sujeito, isto é, a
uma proporcionalidade pessoal às solicitações do ambiente.

Carl Rogers considera que o ensino é uma atividade extremamente valorizada. Para ele, os
procedimentos didático-pedagógicos, a competência no assunto (conteúdo), as aulas, os livros, tudo
tem pouca relevância frente à intenção de favorecer à pessoa um ambiente de autodesenvolvimento
e realização pessoal, o que impõe estar bem consigo mesmo e com os seus. O resultado de uma boa
educação é muito parecido com o de uma boa terapia.

Observação

Carl Ransom Rogers (1902-1987), psicólogo norte-americano, foi o


primeiro a gravar sessões psicoterapêuticas (com as devidas permissões),
tornando possível o estudo objetivo de um processo eminentemente
subjetivo.

Fruto de suas pesquisas, Rogers sistematizou o método da terapia centrada no cliente, que depois
evoluiu para a abordagem centrada na pessoa (ACP); mas ele mesmo afirma que seu objetivo nunca
foi criar um sistema próprio de psicoterapia, mas sim estudar os critérios necessários para a evolução da
psicoterapia científica como um todo. Ele é considerado precursor da psicologia humanista e criador
da linha teórica conhecida como ACP.

“Subvertendo” a “relação de poder” terapeuta-cliente (decorrente do pressuposto, até então, de


que psicólogos e psiquiatras é que detinham o conhecimento da subjetividade de seus pacientes), seu
trabalho “subverteu” também outras áreas.

48
DIDÁTICA GERAL

Saiba mais

Seus métodos científicos estão descritos em livros como:

ROGERS, C. R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1986.

ROGERS, C. R.; ROSENBERG, R. L. A pessoa como centro. São Paulo:


EPU, 1988.

Toda a subversão que seu trabalho promoveu só se tornou visível para


o próprio Rogers após décadas de atividades, como relatou em uma de
suas últimas e melhores obras, Sobre o poder pessoal, livro em que traça
um paralelo entre suas descobertas e as de Paulo Freire e sua Pedagogia do
oprimido. Leia:

ROGERS, C. R. Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Quanto aos conteúdos de ensino, a maior intenção que essa tendência expõe são os processos de
desenvolvimento das relações interpessoais e da comunicação, colocando em segundo plano o ensino
de conteúdos. Os processos de ensino objetivam a facilitação para os estudantes no que se refere aos
meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos, que, no entanto, são desnecessários.

Os métodos de ensino usualmente utilizados são deixados de lado, predominando quase


que exclusivamente o empenho do professor em desenvolver uma forma própria para facilitar a
aprendizagem dos estudantes. Algumas das características do professor “facilitador” consistem em
respeitar e aceitar as individualidades dos estudantes, ser confiável, receptivo e ter absoluta convicção
sobre as suas habilidades e desenvolvimento, e auxiliar os estudantes quanto à organização dos estudos,
utilizando técnicas de sensibilização em que os seus sentimentos e conhecimentos possam ser expostos
sem ameaças. Assim, espera-se que o professor facilitador compreenda os processos de relacionamento
interpessoal como condição para o crescimento pessoal dos educandos.

Na relação professor-aluno, essa pedagogia não diretiva propõe uma educação com o estudante
como centro, visando formar sua personalidade por meio da vivência de experiências que sejam
significativas, que lhe permitam desenvolver características inerentes à sua natureza. O professor precisa
ser um especialista em relações humanas ao garantir um ambiente favorável ao relacionamento pessoal
e autêntico. “Ausentar-se” é a melhor forma de respeito e aceitação plena da pessoa do aluno. Toda
intervenção tende a ser ameaçadora e inibidora da aprendizagem.

Para entender a aprendizagem, dizemos que a motivação resulta do desejo de se adequar


pessoalmente na busca da autorrealização; é, portanto, um ato que ocorre internamente. A motivação
costuma aumentar quando o sujeito desenvolve o sentimento de que pode ser capaz de agir no
sentido de alcançar suas próprias metas pessoais, isto é, desenvolver o valor do seu próprio “eu”.
49
Unidade I

Aprender, portanto, é se modificar em suas próprias percepções, pois é assim que se aprende o que
estiver significativamente relacionado com elas. O resultado de tudo é o que se retém por ter relação
com o “eu”, pois, quando não existe tal relação, não se aprende. Portanto, a avaliação escolar não tem
o menor sentido nessa proposta, na qual é privilegiada uma autoavaliação.

Quanto ao grande inspirador dessa pedagogia, Carl Rogers, pode-se dizer que ele realmente é mais
psicólogo clínico do que educador. Suas ideias tiveram grande influência sobre um número expressivo
de educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que
dedicavam seu tempo ao aconselhamento dos alunos.

Saiba mais

Não tão recentes, podemos mencionar também tendências inspiradas


na escola de Summerhill, do educador inglês Alexander S. Neill.

Sobre isso sugerimos a leitura do livro a seguir, que oferece um relato


de como uma experiência verdadeira de democracia pode ser criada por
gente jovem.

VAUGHAN, M.; READHEAD, T. B.; STRONACH, I. Summerhill e A. S. Neill:


a escola com a democracia infantil mais antiga do mundo. São Paulo:
Vozes, 2001.

Ensino
Aprendizagem
Técnicas de
Motivação sensibilização

Conteúdo
Professor
Relações interpessoais e
Facilitador Estudante da comunicação
Capaz de
autodesenvolver-se

Figura 18 – Esquema-síntese da tendência liberal renovada não diretiva

50
DIDÁTICA GERAL

Exemplo de aplicação

Qual a relação entre o autodesenvolvimento e a motivação no processo de aprendizagem?

O que significa ser professor facilitador? Você concorda com esta função pedagógica?

Qual a importância das técnicas de sensibilização para o processo de ensino?

Na sua opinião, os conteúdos escolares podem se limitar às relações interpessoais e à comunicação?


Se positivo, qual seria, então, a função dos conteúdos conceituais e procedimentais?

3.5 Pedagogia liberal tecnicista

Pelo fato de tal perspectiva conceber que nosso sistema social seja harmônico, orgânico e funcional,
a escola, assim, acaba por funcionar como uma instituição modeladora do comportamento humano, por
meio de técnicas específicas. À educação escolar fica o papel de organizar o processo de acumulação
de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e imprescindíveis para que os sujeitos se
integrem na máquina do sistema social global.

Esse sistema acaba sendo regido por leis naturais (há na sociedade uma mesma regularidade e
as mesmas relações funcionais observáveis entre vários fenômenos da natureza), cientificamente
descobertas. Basta aplicá-las. Atividades como a “descoberta” são função da educação, mas precisam
ser restritas aos especialistas; a “aplicação” é de competência do processo educacional comum.

A escola atua, dessa forma, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista),
articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para isso, precisa empregar a ciência da mudança
de comportamento, ou seja, uma tecnologia comportamental. Seu interesse primário é o de formar
indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo com eficácia informações
precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, a tecnologia educacional e a análise experimental
do comportamento podem garantir uma objetividade da prática escolar, uma vez que os objetivos
instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais que não dependem dos que a conhecem
ou executam.

Os conteúdos de ensino, como fundamentais nesta proposta, são as informações, os princípios


científicos, as leis etc., eleitos e estruturados numa sequência lógica e psicológica por especialistas.
Deve ser ensinado apenas o que é passível de ser observado e mensurado, os conteúdos decorrentes
da ciência objetiva, e deve ser eliminado qualquer sinal de subjetividade e reflexão. O material para
instrução deve encontrar-se sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, nos módulos de ensino,
nos dispositivos audiovisuais etc.

Em relação aos métodos de ensino, é proposta uma consistência a partir dos procedimentos
e das técnicas necessários à estruturação e ao controle das condições contextuais que garantam
a transmissão/recepção de aprendizagens. Se a primeira missão do professor é dominar respostas

51
Unidade I

apropriadas aos objetivos instrucionais, a principal é conseguir um comportamento apropriado pelo


controle do ensino; daí a importância da tecnologia educacional.

A tecnologia educacional é a aplicação sistematizada de princípios científicos comportamentais


e tecnológicos a questões educacionais, buscando resultados efetivos, utilizando uma metodologia e
abordagem sistêmica mais ampla. Qualquer que seja o sistema instrucional (há uma enorme
variedade deles), deve possuir três componentes básicos: objetivos instrucionais operacionalizados em
comportamentos observáveis e mensuráveis, procedimentos instrucionais e avaliação.

E as etapas básicas de um processo de aprendizagem devem ser:

• estabelecimento de comportamentos finais, utilizando-se de objetivos instrucionais;

• análise da missão de aprendizagem a fim de organizar sequencialmente os passos da instrução;

• execução do programa, reforçando parcialmente as respostas corretas correspondentes aos


objetivos.

O essencial da tecnologia educacional é a programação de maneira sequencial, empregada na


instrução programada, nas técnicas de microensino, multimeios, módulos etc. O emprego de uma
tecnologia instrucional na escola pública pode aparecer nas formas de:

• planejamento em moldes sistêmicos;

• concepção de aprendizagem como mudança de comportamento;

• operacionalização de objetivos;

• uso de procedimentos científicos (instrução programada, audiovisuais, avaliação, inclusive na


estruturação de livros didáticos).

Sobre a relação professor e estudante nessa proposta, deve ser estruturada com objetivos bem
claros e papéis bem definidos. O professor pode administrar as condições de transmissão do conteúdo
como um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de aprendizagem; o estudante irá
receber, aprender e fixar as informações. O professor é apenas uma ligação estabelecida entre a
verdade científica e o estudante, cabendo-lhe utilizar o sistema instrucional previsto. O estudante é
um indivíduo que apenas responde, que não pode participar da elaboração do programa educacional.
Ambos (professor e estudante) são apenas coadjuvantes dessa produção de conhecimento.
A comunicação professor-aluno tem, assim, um sentido exclusivamente técnico de garantir a eficácia
da aquisição, pelo estudante, do aprendizado. Debates, discussões, questionamentos não são úteis,
assim como não são interessantes as relações afetivas e pessoais dos alunos.

No que se refere à aprendizagem, esta se apoia no princípio de que aprender é uma questão de
modificação do desempenho: o bom ensino irá depender da organização eficiente das condições
52
DIDÁTICA GERAL

estimuladoras, de modo que os estudantes possam sair da situação de aprendizagem diferentes de


quando entraram. Em outras palavras, o ensino é um processo de condicionamento por meio do uso
de reforço das respostas que se quer obter. Assim, os sistemas instrucionais objetivam um controle do
comportamento individual frente aos objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque direto do ensino,
tendo como centro o controle das condições que envolvem um organismo que se comporta. O principal
objetivo da ciência pedagógica, a partir da psicologia, é uma análise científica do comportamento,
descobrindo leis naturais que presidem as reações físicas do organismo que aprende, a fim de aumentar
o controle das variáveis que o afetam.

Os componentes da aprendizagem, motivação, retenção, transferência, provêm da aplicação do


comportamento operante. De acordo com a psicologia comportamental, o comportamento humano
é uma resposta a estímulos externos, controlados por meio de reforços que decorrem da resposta ou
surgem depois dela. Se a ocorrência de um comportamento operante é seguida pela apresentação
de um estímulo reforçador, a probabilidade de reforço aumenta. Entre os autores da perspectiva
comportamental, behaviorista, destacamos Skinner.

Saiba mais

Entenda melhor a proposta de Skinner acerca da psicologia behaviorista


no livro:

GAMEZ, L. Psicologia da educação. São Paulo: LTC, 2013.

Quanto às possíveis manifestações na prática escolar, podemos afirmar que remonta à


segunda metade dos anos 1950 a influência da pedagogia tecnicista, pelo Programa de Assistência
Brasileiro‑Americana ao Ensino Elementar (Pabaee). Entretanto, a pedagogia tecnicista foi incorporada
ao sistema educacional mais efetivamente no fim dos anos 1960, com a intenção de ajustar esse sistema
à orientação político‑econômica do regime militar: adequar a escola aos modelos de racionalização do
sistema de produção capitalista. A orientação escolanovista cedeu então lugar às tendências tecnicistas,
ao menos no nível político oficial daquele momento.

Observação

Os marcos da implantação do modelo tecnicista são as promulgações


das Leis n. 5.540/68 e n. 5.692/71, as quais reorganizaram o Ensino Superior
e o ensino de 1º e 2º grau, respectivamente.

Sobre a máquina oficial, contudo, não há indícios seguros de que os professores da escola pública
tenham conseguido verdadeiramente compreender a pedagogia tecnicista, pelo menos em seu ideário.
A aplicação da metodologia tecnicista (planejamento, livros didáticos programados, procedimentos
de avaliação etc.), entretanto, não representava uma postura tecnicista do professor, pois o exercício

53
Unidade I

profissional continuou bastante calcado nos princípios pedagógicos fixados nas pedagogias
tradicional e renovada.

Ensino
Estudante
Processo de
Sujeito passivo condicionamento

Professor Aprendizagem
Controlador
Modificação do
Administrador Conteúdo desempenho a partir de
Transmissor estímulos externos
Informações e
princípios científicos

Figura 19 – Esquema-síntese da tendência liberal tecnicista

Exemplo de aplicação

Quais as implicações para o ensino e a aprendizagem quando o conteúdo é o centro


desse processo?

É pertinente a postura de um professor controlador?

A aprendizagem pode ser considerada um processo estritamente externo ao sujeito?

Se o ensino é um processo de condicionamento, é coerente a passividade do estudante durante a


aula nessa perspectiva?

4 TENDÊNCIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS

Costuma-se utilizar o termo “progressista” para designar as tendências que, tomando como ponto
de partida uma análise crítica de realidades sociais, acabam por sustentar as finalidades sociopolíticas
da educação. É claro, porém, que a pedagogia progressista não encontra terreno propício para adentrar
na prática das escolas atualmente, por pertencermos a uma sociedade capitalista. Portanto, ela pode ser
utilizada como instrumento de luta dos professores, ao lado de outras práticas sociais.

Existem três tendências que podem se manifestar na pedagogia progressista:

• Libertadora: mais conhecida como a pedagogia de Paulo Freire.

• Libertária: que acaba por reunir defensores da autogestão pedagógica.


54
DIDÁTICA GERAL

• Crítico-social dos conteúdos: mais conhecida e apregoada atualmente no Brasil; diferentemente


das anteriores, enfatiza a necessidade da utilização dos conteúdos no seu confronto com as
realidades sociais.

Figura 20 – Pedagogia progressista: democrática

Disponível em: https://bit.ly/3BiQrUi. Acesso em: 11 fev. 2022.

4.1 Pedagogia progressista libertadora

Para pensarmos nessa tendência pedagógica, precisamos primeiro desvinculá-la da escola, uma
vez que sua principal contribuição é a atuação não “formal”. Entretanto, professores e educadores
comprometidos com o ensino escolar vêm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, ao falarmos
em educação nessa proposta, dizemos que ela é uma atividade em que professores e estudantes são
intermediados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem para suas
discussões, atingindo um novo nível de consciência dessa mesma realidade, com propósitos de atuar
sobre ela num sentido de transformação social.

Tanto a educação tradicional, chamada de “bancária” por Paulo Freire, que visava depositar
informações sobre o estudante, aplicar a prova e testar o conhecimento, quanto a educação renovada
– que pretendia ser uma forma de libertação psicológica individual – são domesticadoras, pois em nada
colaboram para compreender a realidade social de opressão inerente à sociedade capitalista em que
vivemos. A educação libertadora, diferente das anteriores, questiona concretamente a realidade dessas
relações do homem com a natureza e com os outros homens, pretendendo uma transformação – daí ser
uma educação crítica.

Quanto aos conteúdos de ensino da pedagogia progressista libertadora, trata-se de “temas


geradores”, obtidos por meio da problematização da prática de vida dos estudantes. Os conteúdos
tradicionais são descartados, pois cada pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica, dispõe em si
mesmo, ainda que de forma precária, dos conteúdos necessários dos quais parte. O mais importante de
tudo não é a transmissão de conteúdos específicos, mas o despertar de uma nova forma de se relacionar
com a experiência vivida. Transmitir conteúdos estruturados a partir de fora é considerado uma “invasão
55
Unidade I

cultural” ou “depósito de informações”, porque não surge do saber popular. Caso seja necessário algum
texto para leitura, este deverá ser redigido pelos próprios alunos, com orientação do professor.

Em momento algum o principal ícone e mentor intelectual dessa pedagogia, Paulo Freire, deixou de
mencioná-la com o caráter essencialmente político de sua pedagogia, o que em suas próprias palavras
impede que ela seja colocada em prática em termos sistematizados em instituições oficiais (como a
escola, por exemplo), antes que a sociedade seja transformada. Essa é a razão que justifica o porquê
de sua atuação se dar mais na educação extraescolar, o que nunca impediu, por outro lado, que esses
pressupostos fossem adotados e aplicados por um grande número de professores em escolas, com
possíveis modificações.

Sobre os métodos de ensino, sendo uma ação de construção do conhecimento, esse processo, muito
utilizado na alfabetização de adultos, exige, entre educadores e educandos, uma relação de genuíno
diálogo, do tipo em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram intermediados pelo objeto a
ser conhecido. O diálogo proporciona uma ligação ativa a ambos os sujeitos do ato de conhecer:
educador‑educando e educando-educador.

Assim, a forma de fazer educação é o “grupo de discussão”, ao qual cabe uma gestão autônoma
da aprendizagem, definindo o tipo de conteúdo e a dinâmica própria das aulas ou atividades.
O professor é um mediador que, por necessidade, deve “descer” ao nível dos estudantes, ajustando-se
às suas características e ao desenvolvimento de cada grupo. Deve andar “junto”, intervir o mínimo
possível e só se efetivamente necessário, embora não deixe, caso seja importante, de oferecer
informações sistematizadas.

No que concerne à questão da aprendizagem, esta se realiza por um processo de codificação,


recodificação e problematização da situação, dando condições aos educandos de compreensão do
“vivido”, até que, finalmente, cheguem a um nível mais crítico de conhecimento da própria realidade,
sempre por meio de uma troca de experiência em torno da prática social.

Sendo dessa maneira, não há a menor necessidade de um programa previamente estruturado,


trabalhos escritos, aulas expositivas, assim como qualquer forma de verificação direta de aprendizagem
(avaliação), o que acaba por ocorrer exatamente na educação bancária – e, portanto, domesticadora.
Contudo, aceita-se uma avaliação da prática vivida entre educador e educandos no processo de grupo
e, às vezes, a autoavaliação como práticas contrárias aos modelos tradicionais de avaliação, que pouco
contribuem para a formação dos estudantes.

Lembrete

Educação bancária é como Paulo Freire chama a educação tradicional.

Nessa proposta, a relação professor e estudante é o que se costumou chamar de relação horizontal,
por meio do diálogo entre o educador e o educando, ambos se colocando como sujeitos do ato de
conhecimento. A absoluta identificação com o povo é o critério de bom relacionamento, pois, do contrário,
56
DIDÁTICA GERAL

a relação pedagógica perderia a força e a consistência. Toda relação de autoridade é absolutamente


eliminada, uma vez que descaracterizaria a proposta do trabalho de conscientização, de aproximação
de consciências. Existe uma não diretividade – não da maneira como Rogers dizia, ausentando-se, mas
permanecendo em alerta para garantir ao grupo um espaço mais humano para se expressar e assumir
uma posição.

Sobre a questão da aprendizagem, a motivação é exposta pela concepção de educação problematizadora,


ligada à educação libertadora. A partir de alguma situação-problema, a motivação aparece, e cabe
ao educando afastar-se para analisá-la criticamente. O motivo da realidade dos fatos, por meio de
representações da realidade concreta, é a meta a ser alcançada por meio dessa análise. Da situação real
vivida e refletida pelo educando, o resultado passa a ser a aprendizagem como um ato de conhecimento
dessa realidade. O que é aprendido não provém de uma imposição ou memorização, mas de um nível
crítico de conhecimento, a que se chega pelo processo de compreensão, de crítica e de reflexão.

O mentor e divulgador da pedagogia libertadora foi Paulo Freire. Ele aplicou suas ideias pessoalmente
em diversos países, primeiramente no Chile, depois na África, em países como Zâmbia, Tanzânia,
Guiné-Bissau, Angola e Cabo Verde, e aqui no Brasil exerceu uma forte e expressiva influência nos
movimentos populares e nos sindicatos. Sua pedagogia praticamente se misturava com a maior parte
das experiências do que se denominou educação popular. Existem diversos grupos que ainda praticam
esse tipo de atividade educativa, mesmo após a morte de Freire, não apenas no nível da prática popular,
como também por meio de publicações, acadêmicas ou não, com relativa independência em relação às
ideias originais da pedagogia libertadora. Ainda que essas formulações teóricas sejam mais limitadas à
educação de adultos ou à educação popular, muitos professores tentam praticá-las em todos os graus
de ensino nas escolas.

Aprendizagem
Ensino
Processo de codificação,
Dialógico recodificação e
problematização

Professor
Conteúdo
Mediador
Sujeito protagonista Estudante Temas geradores
da construção do Cidadão (contextualizado)
conhecimento
Sujeito protagonista
da construção do
conhecimento

Figura 21 – Esquema-síntese da tendência progressista libertadora

57
Unidade I

Exemplo de aplicação

De acordo com Paulo Freire, qual a implicação de o professor e o estudante compartilharem o


protagonismo no processo de construção do conhecimento? O ensino dialógico é coerente com
essa proposta?

Qual a contribuição dos temas geradores para o processo de aprendizagem e exercício da cidadania?

Você concorda que a aprendizagem é um processo de codificação, recodificação e problematização


do conhecimento? Explique.

4.2 Pedagogia progressista libertária

Nessa pedagogia, deseja-se que a escola exerça uma transformação na personalidade dos
estudantes em sentido libertário e autogestionário. Deve funcionar basicamente como uma introdução
de modificações institucionais, partindo dos níveis mais baixos (população), para que sejam capazes de
ir “contaminando” todo o sistema.

A escola introduzirá mecanismos de mudanças qualitativas na questão da participação do sujeito


na própria educação, com base na participação em forma de grupos, como assembleias, conselhos,
eleições, reuniões, associações etc., de maneira que o estudante, uma vez que tenha atuado nas
instituições “externas”, leve para lá tudo o que possa ter aprendido. Outra forma de exercer a pedagogia
libertária é a tentativa de aproveitamento da margem de liberdade do sistema quando são criados
grupos de pessoas com princípios educativos autogestionários (associações, grupos informais, escolas
autogestionárias). Começa a existir, portanto, um sentido claramente político, de maneira que se passa
à afirmação do indivíduo como produto do social e de que o desenvolvimento individual somente se
realizará no coletivo.

Na pedagogia escolar ou institucional, a pedagogia libertária almejará ser uma alternativa de


resistência contra os mecanismos burocráticos, os quais servem de instrumento da ação dominadora do
Estado, que controla praticamente tudo (professores, programas, provas etc.), excluindo a autonomia
do processo.

Os conteúdos ficarão à inteira disposição do estudante, mas sem que haja nenhuma exigência de que
se busque a eles, uma vez que serão apenas um instrumento a mais. O verdadeiro conhecimento deve
ser resultante das experiências do grupo, sobretudo nas participações críticas. O conhecimento, esse
caso, não será a investigação intelectual da realidade para que se obtenha algum sistema de elaborações
mentais, mas uma espécie de descoberta que se obtém pelas respostas às necessidades e exigências que
a vida social impõe. Assim, será apenas um resultado das necessidades e dos interesses manifestos por
meio do grupo, embora não exatamente as matérias de estudo.

Quanto à questão dos métodos de ensino, aos estudantes serão propiciadas oportunidades para o
desenvolvimento de bases mais satisfatórias de sua própria constituição, partindo de sua iniciativa e

58
DIDÁTICA GERAL

sem qualquer forma de poder ou dominação do professor ou da instituição. Assim, pode-se dizer que se
trata da instituição de responsabilidades dadas pelo coletivo a todos, como ocorre na vida em conjunto
diariamente, nas atividades e na organização de qualquer trabalho no interior da escola (exceto na
elaboração dos programas e na decisão dos exames, que não dependem nem dos professores nem dos
alunos). A decisão de trabalhar ou não será dos próprios estudantes, resultando no interesse pedagógico,
que ficará na dependência de suas necessidades ou das do grupo.

Para continuar a progressão da autonomia, com a desvinculação de qualquer direção de fora do


grupo, teríamos uma crescente oportunidade por todos os contatos, em aberturas da iniciativa dos
integrantes (os estudantes). Assim, esses indivíduos vislumbrarão um amplo leque de relações informais
entre si. Somente após isso o grupo poderá começar a se organizar de modo que todos possam participar
das discussões, das cooperativas e das assembleias, isto é, através de inúmeras formas de participação e
expressão verbal. Contudo, aquele que quiser fazer outras coisas deverá negociar para entrar em acordo
com o grupo ou se retirar. No terceiro e penúltimo momento, o grupo deverá se organizar de maneira
mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, partirá para uma execução do trabalho previamente
elaborado pelo grupo.

Sobre a relação entre professor e aluno, nessa pedagogia é objetivado, em primeiro lugar, transformar
a relação entre ambos no sentido da não diretividade, ou seja, são consideradas improdutivas e
prejudiciais todas as formas que se utilizem de obrigações e ameaças dos professores aos estudantes.
Ainda que a condição do professor e dos estudantes seja claramente diferente, não existe nada que
impeça o primeiro de se colocar a serviço do segundo, e é necessário que não imponha suas concepções
e ideias, para não transformar o estudante em objeto. O professor deve ser uma espécie de filtro, como
um orientador, para que aluno e professor possam refletir mutuamente.

Pelo fato de os estudantes serem livres na concepção do professor, reciprocamente, este também
o é no que se refere aos estudantes (ele pode, caso seja sua vontade, deixar de responder a alguma
pergunta, mantendo-se em silêncio). Contudo, esse tipo de liberdade nas atitudes deve ter sentido
muito claro, pois, caso um estudante decida não participar de algo, irá fazê-lo porque não está se
sentindo totalmente integrado.

Da mesma maneira, quando o professor se cala diante de uma ou mais perguntas, seu silêncio
deverá ter um significado educativo, que pede, por exemplo, uma espécie de ajuda para que talvez o
grupo assuma a tarefa de responder ou lidar com a situação criada. Assim, algumas vezes, o professor
terá a função de uma espécie de conselheiro e, outras, de instrutor ou monitor, ficando à disposição do
grupo. De maneira alguma esses papéis do professor se resumem a algum modelo, pois essa pedagogia
recusa qualquer forma de poder ou autoridade.

Sobre a questão da aprendizagem, o principal ocorre por meio do processo informal, durante a
vivência em grupo, excluindo‑se e repudiando-se qualquer forma de repressão, com a intenção de
favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação, portanto, ficará a cargo do interesse
por crescer dentro das possibilidades da vivência em grupo, propiciando desenvolvimento a cada um de
seus membros, e da satisfação de suas aspirações e necessidades (ao menos as intelectuais).

59
Unidade I

Somente após a experimentação de algumas situações, estas poderão ser incorporadas e utilizadas
pelo estudante de maneira autônoma em uma nova situação. Assim, o critério mais importante do saber
organizado é seu possível uso na prática. Por isso, não faria sentido algum qualquer forma de tentativa
de avaliação da aprendizagem, ao menos no que se refere aos conteúdos, que não são essenciais
nessa abordagem.

Sobre algumas manifestações na prática escolar, podemos dizer que essa pedagogia acaba por incluir
quase todas as tendências antiautoritárias em educação, como a anarquista, a psicanalista, a sociológica
e também a dos professores progressistas. Ainda que Rogers e Neill não possam ser considerados
progressistas, pela falta do aspecto de criticidade sociopolítica, não deixaram de influenciar alguns
libertários, como Lobrot, Vasquez, Oury e Ferrer Guardia.

Particularmente importante é o trabalho de Célestin Freinet, que foi e provavelmente ainda será
muito estudado por suas inúmeras contribuições. Algumas escolas ainda hoje aplicam seu método, para
se ter uma ideia da relevância enorme de seu trabalho.

Ainda sobre os estudiosos e divulgadores dessa tendência, citamos Maurício Tragtenberg, embora o
teor de seus trabalhos não seja propriamente pedagógico, mas de crítica às instituições em favor de um
projeto autogestionário de educação.

Ensino Aprendizagem
Ação coletiva Processo informal
autogestionária

Conteúdo
Professor

Orientador e Autogestionário
conselheiro Estudante Derivado de questões
sociopolíticas
Produto cultural
coletivo

Figura 22 – Esquema-síntese da tendência progressista libertária

Exemplo de aplicação

Você concorda com o princípio autogestionário no processo de ensino e de seleção de conteúdo?

Quais são os aspectos positivos e negativos desse modelo?

Se a aprendizagem é um processo informal, o que seria da escola, por exemplo, que é responsável
pela educação formal?

60
DIDÁTICA GERAL

De acordo com a perspectiva dialética adotada neste livro-texto, o estudante pode ser considerado
apenas um produto cultural ou a compreensão biopsicossocial é necessária para o processo de ensino
e aprendizagem?

4.3 Pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos

A apropriação de conteúdos é uma missão essencial nessa proposta. Não se trata de qualquer tipo de
conteúdo, de maneira abstrata, mas de conteúdos concretos, reais, assim, inerentes à realidade da vida
social. A escola é considerada um instrumento capaz de propiciar a apropriação do conhecimento como
serviço prestado aos interesses da grande população, já que ela própria tem condições de contribuir para
a eliminação da seletividade social e torná-la democrática.

Uma vez que a escola é parte da totalidade social, a ação em seu interior é claramente uma forma
de ação rumo a uma transformação da sociedade. Como o que caracteriza uma pedagogia crítica é
exatamente o desenvolvimento da consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a função dessa
pedagogia “dos conteúdos” é se aproximar da tarefa de transformar a escola partindo de condições
já existentes. Assim, o pré-requisito para que a escola possa servir aos interesses da população é a
garantia a todos de um bom ensino, ou seja, a apropriação desses conteúdos escolares básicos que
tenham correspondência com a vida dos estudantes. Dessa forma, a educação passa a ser “uma
atividade mediadora no seio da prática social global” – em outras palavras, uma das mediações a favor
do estudante com a intervenção do professor e, por sua participação ativa, passa de uma experiência
inicialmente confusa e fragmentada (sincrética) a uma visão de síntese, com mais organização e união.

Em suma, a atuação da escola consistirá na preparação da pessoa do estudante para um mundo


de adultos com suas próprias contradições, fornecendo-lhe um instrumental adquirido por meio da
aquisição dos conteúdos e da socialização, para que possa ter uma participação organizada e ativa na
democratização social.

Os conteúdos de ensino, tão importantes nessa proposta, são, da mesma forma que na pedagogia
liberal tradicional, os conhecimentos e os conteúdos culturais universais que se estruturaram em áreas
relativamente independentes, culturalmente incorporados pela humanidade, mas (como peculiaridade
dessa proposta) constantemente reavaliados face às realidades sociais. Ainda que possamos aceitar que
os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que eles devem ser assimilados e não simplesmente
reinventados, nunca serão fechados e avessos às realidades sociais. Não é suficiente que esses conteúdos
sejam apenas ensinados, ainda que seja um trabalho bem-feito; é imprescindível uma conexão de forma
indissociável entre o conteúdo e o seu uso na prática social.

Essa maneira de compreender os conteúdos não manifesta uma oposição entre cultura erudita e
cultura popular ou espontânea, e sim apenas uma relação de continuidade em que, pouco a pouco,
se passa da experiência imediata, ainda precária e desorganizada, ao conhecimento sistematizado e
bem-estruturado. Não que a primeira forma de compreensão da realidade seja errada, mas é necessária
a elevação a uma forma de elaboração superior, pelo próprio estudante, com a ajuda do professor
como mediador.

61
Unidade I

Sobre os métodos de ensino, para resumir, a aula deverá começar pela constatação da prática real,
devendo haver, na sequência, a conscientização dessa mesma prática no sentido de ligá-la aos conceitos
do conteúdo proposto como maneira de confrontar a experiência e a explicação do professor. Assim, o
estudante caminha da ação à compreensão e da compreensão à ação, até que possa fazer uma síntese,
o que significa uma unidade entre teoria e prática.

Conquistando-se um conhecimento relativamente autônomo, temos o saber como detentor de um


conteúdo relativamente objetivo; entretanto, ao mesmo tempo, se deve contar com a possibilidade
de um reencontro crítico. Em outras palavras, o professor, de um lado, deve propiciar o acesso do
estudante aos conteúdos, ligando-os com a experiência concreta dele, paulatinamente. Contudo, por
outro lado, ele deverá proporcionar elementos de análise crítica que possam ajudar o aluno a ultrapassar
a experiência, os estereótipos, as pressões da ideologia dominante – é o momento de ruptura.

Tendo conquistado isso, o resultado evidente é que se terá a capacidade de ir do saber acadêmico ao
engajamento político, mas nunca o contrário, sob o forte risco de se distorcer a própria peculiaridade do
conhecer e até cair numa espécie de pedagogia ideológica, que é precisamente o maior alvo de críticas
na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.

Nessa proposta, os métodos devem se subordinar aos conteúdos, pois, como o objetivo é oportunizar
a aquisição do saber vinculado às realidades sociais, é imprescindível que os métodos favoreçam uma
correspondência dos conteúdos com os interesses dos estudantes, e ainda que estes possam reconhecer os
conteúdos como suporte ao seu esforço de compreensão da realidade (prática da vida social). Assim, não
se trata de métodos impositivos e inquestionáveis do saber da cultura, como na pedagogia tradicional,
tampouco da sua troca pela descoberta, pela investigação ou pela livre expressão das opiniões, como se
o saber pudesse ser criado pela criança, como na concepção da pedagogia renovada.

Podemos dizer que os métodos dessa pedagogia crítica não partem, assim, de um saber
superficialmente construído, inserido a partir de fora, nem do espontâneo, como numa obra do acaso.
Provêm de uma experiência direta na relação com o estudante, oportunizada pelo confronto com o saber
trazido de fora da escola. O trabalho do professor precisa relacionar a prática vivida pelos estudantes
com os conteúdos propostos, para que ocorra a “ruptura” em relação à experiência rústica e precária que
acontece inicialmente. Essa ruptura somente se torna possível com a introdução clara, pelo professor,
dos novos elementos de análise a serem aplicados criticamente à prática do estudante.

A respeito da relação professor e estudante, pelo fato de o conhecimento ser resultado de trocas
estabelecidas na relação com o meio (natural, social e cultural) e o sujeito, e por ser o professor uma
espécie de mediador, então a relação pedagógica consistirá na oportunização das condições em que
professores e estudantes poderão colaborar para fazer progredirem essas trocas.

A função do adulto é fundamental, mas aumenta-se também a participação do aluno no processo.


Ou seja, o estudante, com sua vivência imediata no contexto da cultura, poderá participar da busca
da verdade e terá de confrontá-la com os conteúdos e modelos que serão expressos pelo professor.
Contudo, essa forma de esforço do professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos conteúdos,

62
DIDÁTICA GERAL

implicará, por consequência, um envolvimento com o estilo de vida dos estudantes, inclusive tomando
consciência dos descompassos entre sua própria cultura e a do estudante.

O docente não se contentará com a satisfação das necessidades e carências apenas, buscará
o despertar de outras necessidades, para acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigindo um
esforço por parte do estudante, propondo conteúdos e modelos que possam ser compatíveis com suas
experiências, para que esses alunos se dinamizem para uma participação ativa.

Obviamente o papel dessa mediação, exercido em torno da análise dos conteúdos, deverá excluir
a não diretividade como maneira de organizar o trabalho escolar, porque o diálogo entre adulto e
adolescente é muito desigual. O adulto, com certeza, terá mais experiência acerca das realidades sociais
e “deve dispor” de uma formação para poder ensinar, possuindo conhecimentos, e a ele caberá fazer
uma análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais.

A não diretividade deixaria os estudantes à mercê de suas próprias vontades, como se tivessem uma
tendência espontânea de alcançar todos os objetivos esperados da educação por si próprios. Sabemos
que as tendências espontâneas e naturais não são “naturais”, mas inerentes às condições de vida e do
meio. Não basta apenas o amor, a aceitação para que os filhos dos trabalhadores conquistem a vontade
de estudar, de progredir. É necessária uma intervenção especial do professor para que esses alunos
acreditem nas suas possibilidades de ir mais longe e de prolongar a experiência vivida.

No que se refere à aprendizagem, esta ocorrerá por meio de um esforço próprio do estudante, que
deverá ser capaz de se reconhecer nos conteúdos e nos modelos sociais apresentados pelo professor;
assim, terá condições de ampliar sua experiência por meio de seu próprio esforço. Para que possa
aprender, o estudante utilizará sua estrutura prévia de conhecimento, ou o professor proverá uma
maior estruturação do que o estudante ainda não dispõe. O grau de envolvimento na aprendizagem
irá depender diretamente da capacidade e da disposição do estudante, assim como do professor e do
contexto da sala de aula.

Dizemos que aprender, portanto, nessa visão, é desenvolver a capacidade de processamento de


informações e, ao mesmo tempo, de lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados
disponíveis da experiência. Consequentemente, é necessária a verificação daquilo que o estudante já
sabe como pré-requisito de uma aprendizagem significativa.

O professor precisa ter ciência do que os estudantes dizem ou fazem, assim como estes últimos
precisam compreender o que o professor pretende lhes passar. A transferência ocorrerá no momento
da síntese, quando os alunos superam sua visão parcial e confusa e adquirem uma visão mais clara
e unificadora.

O resultado precisará ser avaliado em termos motivacionais não como julgamento definitivo e
indiscutível do professor (como avaliação punitiva), mas como comprovação para o estudante de seu
progresso em direção a noções mais sistematizadas.

63
Unidade I

Sobre as principais formas de manifestações na prática escolar dessa proposta, podemos citar a
experiência pioneira do educador e escritor ucraniano Makarenko.

Observação

Anton Semionovich Makarenko (1888-1939) foi um pedagogo ucraniano


que se especializou no trabalho com menores abandonados, especialmente
os que viviam nas ruas e estavam associados ao crime.

Dizemos que todo o esforço de elaboração de uma pedagogia “dos conteúdos” está em dispor de
modelos de ensino voltados para a correlação entre conteúdos e realidades sociais. Assim, visa ao avanço
em termos de uma articulação dos aspectos político e pedagógico, aquele como extensão deste, ou
seja, a educação “a serviço da transformação das relações de produção”.

Ainda que em curto prazo se esperem do professor mais conhecimentos sobre os conteúdos de
sua disciplina e o domínio de uma boa didática, a fim de garantir maior competência técnica, sua
contribuição será muito mais produtiva se puder entender todos os vínculos de sua prática com a
prática social global, tendo em vista uma busca da democratização da sociedade, o atendimento dos
interesses das camadas populares e a transformação da estrutura da sociedade por meio de princípios
de mais justiça e igualdade.

Ensino
Aprendizagem
Partir da realidade
dos estudantes Capacidade de
(relação entre teoria processar informações
e prática)

Estudante
Professor
Conteúdo Sujeito ativo
Mediador histórico-cultural
Saberes da cultura
popular e erudita
(contextualizados)

Figura 23 – Esquema-síntese da tendência progressista crítico-social dos conteúdos

Exemplo de aplicação

Quais são os aspectos da tendência progressista crítico-social dos conteúdos com os quais você
concorda e dos quais discorda?

64
DIDÁTICA GERAL

Qual a importância da relação entre os saberes da cultura popular e os saberes eruditos (científicos)?
Qual é o papel da escola nesse processo?

Se a aprendizagem é a capacidade do sujeito de processar informações, isso significa que é um


processo individual, de responsabilidade da capacidade e do interesse do estudante. Você concorda com
esta afirmação?

4.4 Análise crítica: clipe de música

Sugerimos a apreciação de um clipe com o intuito de resgatar os conteúdos aprendidos e observar


na prática os pressupostos teóricos estudados.

Saiba mais

Assista ao videoclipe:

PINK FLOYD. Another brick in the wall. 2012. 1 vídeo (6 min). Publicado
pelo canal Guilherme Alves. Disponível em: https://bit.ly/355rQGi. Acesso
em: 17 fev. 2022.

Figura 24 – Sugestão de videoclipe para análise

Disponível em: https://bit.ly/3uGHgLQ. Acesso em: 11 fev. 2022.

A música “Another brick in the wall” [Mais um tijolo no muro], da banda britânica Pink Floyd, foi
lançada no ano de 1979. A partir de uma linguagem metafórica, propõe ao público uma crítica severa
ao sistema educacional de sua época, que, ao invés de contribuir com o processo de formação do
estudante, restringia-o e oprimia-o a partir da sua ideologia alienante e antidemocrática.

Exemplo de aplicação

Anteriormente neste livro-texto abordamos as tendências pedagógicas que adotam esse modelo
educacional. Quais são elas?

65
Unidade I

O grupo faz referência ao paradigma fascista político-institucional das escolas britânicas


na década de 1970, um aparato ideológico extremamente conservador e inibidor da identidade
individual dos estudantes, visto que o desenvolvimento do sujeito deveria acontecer em consonância
aos padrões sociais idealizados e representados pelo professor. Nesse período histórico, a postura do
professor era desprovida de valores éticos. Desse modo, a didática era permeada de atitudes violentas
e ameaçadoras, com os estudantes concebidos como transgressores, ou seja, aqueles que contestam
ou burlam os mandamentos.

A tradução da letra da música evidencia, em alguns trechos, as contestações e revoltas por parte
dos jovens contra o autoritarismo e as crenças proferidas pelo professor, tais quais (PINK FLOYD, [s.d.]):

• Ei, professor! Deixe essas crianças em paz!

• Não precisamos de nenhuma educação!

• Não precisamos de controle mental!

Exemplo de aplicação

Faça a tradução da música para melhor compreensão do contexto e da mensagem transmitida.

Acerca da análise crítica da música, podemos destacar três aspectos importantes (PINK FLOYD, [s.d.]):

• O autoritarismo do professor e a relação de poder.

• A reprodução dos padrões sociais.

• Princípios de anarquia.

A música comprova que não é de hoje que o autoritarismo do professor e a relação de poder têm
ocupado um espaço de destaque no ambiente educacional. As diferentes concepções e tendências
pedagógicas que abordamos anteriormente neste livro-texto justificam essa relevância. Enquanto, de
um lado, concentram-se aqueles que adotam uma postura democrática e dialógica, de outro, temos
aqueles que optam por uma abordagem restritiva e controladora do processo de ensino e aprendizagem.

No clipe da música, fica evidente que o professor é o detentor do conhecimento, enquanto o


estudante, por sua vez, sente-se desvalorizado no processo de aprendizagem, concebendo o mestre
a partir de um olhar pejorativo, ou seja, como aquele que apenas dita regras. Devido à ausência de
diálogo, as ações do professor conotam o abuso de poder, destituindo o direito do estudante de se
expressar e contestar. O autoritarismo relacionado ao arbítrio e a práticas antidemocráticas e antissociais
é fortemente criticado no clipe.

66
DIDÁTICA GERAL

Exemplo de aplicação

A partir das discussões propostas nesta disciplina você concorda com a postura de superioridade
hierárquica do professor?

A mensagem transmitida no título da música, “mais um tijolo no muro”, retrata o processo de


reprodução dos padrões sociais a partir do sistema educacional. As pessoas, devido às influências
sociais, políticas e culturais, de um modo geral, adéquam-se de maneira acrítica aos modelos de vida
pré-estipulados pela sociedade que lhes são impostos: estudar, trabalhar, constituir família, acumular
riquezas, seguir regras para serem aceitas em grupos, dentre outros.

Repare: as crianças do videoclipe adentram na escola com as suas características pessoais, próprias,
subjetivas e, conforme vivenciam o sistema educacional, suas identidades desaparecem, dando espaço
a padrões de vestimenta – uniforme –, expressão facial e comportamento. A crítica refere‑se, assim,
ao poder de manipulação que a escola pode promover na formação do sujeito. É daí que vêm as frases
contestadoras (PINK FLOYD, [s.d.]):

• Não precisamos de nenhuma educação!

• Não precisamos de controle mental!

No desfecho do clipe, a partir de uma postura anarquista, os estudantes se rebelam contra o sistema
educacional com o intuito de romper com o paradigma imposto.

Exemplo de aplicação

Você concorda que o anarquismo é resultado do autoritarismo?

O autoritarismo pouco favorece o desenvolvimento do autocontrole e do respeito pelo próximo. Por


isso, os conteúdos que estudamos e que foram contextualizados na música reforçam que o abuso de
poder, como as atitudes do professor do videoclipe, a partir de castigos, ameaças e constrangimentos,
faz com que os estudantes obedeçam aos regulamentos sem qualquer interesse, apenas para livrar-se
das punições e censuras. E, quando o autoritarismo do professor passa dos limites, a indisciplina, sem
dúvida alguma, é consequência.

É por isso que, no videoclipe, o grupo de estudantes, inconformado com o sistema, torna-se violento,
não aceitando ser oprimido por ele. Essa rebelião, de certo modo, retrata um grito imperativo de liberdade
e de poder, numa forma desesperada de protesto para chamar a atenção das incoerências dos princípios
disciplinares da escola.

67
Unidade I

Exemplo de aplicação

Pesquise outro clipe que aborda a temática e faça uma análise crítica a partir dos conteúdos
estudados na unidade I desta disciplina.

É uma estratégia de estudo possível para articular a teoria e a prática!

4.5 Análise crítica: filme

Vamos agora analisar um filme com o intuito de resgatar os conteúdos aprendidos e observar na
prática os pressupostos teóricos estudados.

Figura 25 – Sugestão de filme: Sociedade dos Poetas Mortos

Fonte: SOCIEDADE... (1989, capa).

Saiba mais

Este filme apresenta características peculiares da abordagem tradicional


do processo de ensino e aprendizagem e suas consequências para a
formação dos estudantes. Veja:

SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção: Peter Weir. EUA: Touchstone


Pictures, 1989. 128 min.
68
DIDÁTICA GERAL

Sociedade dos Poetas Mortos, embora seja um filme produzido no final da década de 1980, propõe
uma discussão atual e necessária acerca do papel de afirmação e reprodução ideológica assumido
historicamente pela instituição escolar na sociedade.

Lembrete

A discussão acerca da importância da filosofia e da sociologia para


a educação poderá auxiliá-lo no aprofundamento da análise sobre a
reprodução ideológica da escola.

O filme se desenrola na tradicional Welton Academy, instituição concebida como padrão de escola
de qualidade da época, uma vez que os métodos disciplinares eram utilizados para oprimir e reprimir
a expressão de pensamentos e opiniões que não se enquadravam nos padrões sociais e culturais. As
primeiras cenas evidenciam a postura elitista e antidemocrática do diretor do colégio com os estudantes:
“Vocês, estudantes, estão diante de uma oportunidade única, pois estudar na Welton Academy é
privilégio para poucos!” (SOCIEDADE..., 1989).

Exemplo de aplicação

A frase “Estudar na Welton Academy é privilégio para poucos” representa qual período histórico
da educação?

Atualmente é possível afirmar que a educação é privilégio de poucos ou há uma discussão acentuada
em relação ao processo de democratização do ensino?

Evidentemente, de acordo com os padrões educacionais da época, a concepção tradicional


fundamenta as ações da instituição. Portanto, é possível identificar métodos rígidos e inflexíveis
de ensino, professores com uma postura extremamente autoritária e submissa ao próprio sistema
educacional. Desse modo, os professores da Welton Academy, no filme, não dispõem de liberdade para
experimentar novas metodologias e estratégias didáticas, nem mesmo propor o ensino de conteúdos
diferentes daqueles delimitados pela instituição.

Se, por um lado, ao professor do filme cabe unicamente controlar o comportamento dos seus
alunos e transferir conteúdos, por outro, o estudante assume um papel passivo, não podendo opinar ou
manifestar os seus conhecimentos prévios. Nessa perspectiva, cabe ao estudante apenas reproduzir os
conteúdos prontos e acabados transmitidos pelo professor. Fica evidente que na concepção tradicional
o adolescente, descaracterizado das peculiaridades dessa etapa do desenvolvimento humano, é
considerado um adulto em miniatura, reprimindo‑se os aspectos físico, motor, cognitivo, afetivo e social
que o constituem.

69
Unidade I

Exemplo de aplicação

Na sua opinião, por que é importante que o professor considere as características biopsicossociais
dos estudantes?

Assim, no filme Sociedade dos Poetas Mortos, fica evidente a relação verticalizada entre professor
e estudante, conforme discutimos quando falamos da tendência pedagógica liberal, tão criticada por
Paulo Freire. Também fica claro o sistema de reprodução capitalista como hierarquização dos sujeitos
no contexto educacional, que privilegia características padronizadas de comportamento, aprendizagem,
relação familiar etc.

Entretanto, o filme aborda a importância de que para ensinar é preciso considerar as características
da fase de desenvolvimento humano em que o aprendiz se encontra.

Exemplo de aplicação

Qual a importância da sociologia da educação para analisar e compreender a relação entre escola e
sociedade?

Cientes do papel da qualificação profissional para a conquista e garantia de um espaço no mercado


de trabalho – posicionamento decorrente do capitalismo – os pais dos estudantes da Welton Academy
valorizavam o diploma a partir da sua importância na formação cultural e nas funções sociais, no caso,
o trabalho. Essa ideologia pode ser identificada de maneira explícita na atitude opressora do pai do
personagem Neil.

John Keating, professor recém-contratado e egresso da instituição, conhecendo o funcionamento


organizacional e os enfoques ideológicos (formação de sujeitos estereotipados, automatizados, passivos
e acríticos) da escola, a partir de uma abordagem progressista, adota em sua prática um posicionamento
diferente com o intuito de priorizar o diálogo, valorizar as diferenças individuais dos estudantes,
incentivar a construção e não a reprodução do conhecimento, refletir sobre o conteúdo aprendido
etc. No decorrer do filme, Keating torna-se um professor querido, pois, contrariamente aos moldes da
ideologia capitalista, estimula os alunos a se constituírem como sujeitos de sua aprendizagem, e não
objetos dela.

Observa-se, portanto, na postura do professor, uma abordagem didática diferenciada – progressista


– que privilegia o processo de construção do conhecimento a partir da interação dos estudantes com
os meios físicos e sociais. Desse modo, as aulas sobre poemas do professor John Keating, por conta da
sua metodologia, tornavam-se para os estudantes mais dinâmicas e participativas. A frase carpe diem,
“aproveitar o dia” (a vida), pronunciada com frequência pelo professor, justifica a alusão que faz ao
processo de aprendizagem contínuo e inacabado que acontece ao longo da vida.

70
DIDÁTICA GERAL

Exemplo de aplicação

De acordo com as funções atribuídas ao professor, na tendência progressista, analise a didática


pedagógica de John Keating.

Quais funções podem ser identificadas em sua prática?

Com o auxílio do professor revolucionário, os estudantes tomaram consciência da reprodução


ideológica massificada e opressiva da filosofia de ensino da instituição Welton Academy. Em busca de
uma nova aventura e estimulados pelo sentimento de libertação dos padrões ideológicos, os estudantes
do professor Keating, curiosos por compreender os mistérios da sociedade da qual Keating fazia parte
no colégio, propõem a reabertura da Sociedade dos Poetas Mortos.

Com a reabertura da sociedade, os estudantes passam a viver profundamente a essência da vida


e a compreender que ideias e palavras podem mover e transformar o mundo. Desse modo, reuniões
para leitura, recitação e produção de poemas passaram a alimentar a paixão pela literatura e pelo
conhecimento e o próprio processo de autoaprendizagem.

A experiência proporcionou aos alunos, assim, uma aprendizagem para além dos muros da escola,
pois a partir do lema carpe diem, os integrantes eram convidados a viver com intensidade cada momento
da vida. Um exemplo é o desejo do personagem Neil, que sonha em ser ator, mas é contrariado,
repreendido e oprimido pelo seu pai, que, por sua vez, projeta no filho uma imagem capitalista de
cidadão bem‑sucedido no mercado de trabalho.

Lembrete

Observa-se, portanto, que os ideais capitalistas estão impregnados não


só na instituição escolar, mas sobretudo na cultura social.

Desse modo, o professor Keating, a partir de uma didática crítica e diferenciada, alcançou a ascensão
de alguns estudantes que até então eram oprimidos pela postura ortodoxa da instituição. Por exemplo:

• Neil, que, a partir do encorajamento decorrente das reflexões propostas pelo professor, decide
desistir de tornar-se um doutor para conquistar o seu sonho: ser ator.

• Todd, que aprende a vencer a fobia de falar em público, obtendo aos poucos autoconfiança.

• Knox, que se desvencilha do medo de se aproximar e declarar o seu amor à garota por quem
estava apaixonado.

Podemos concluir, a partir dos ensinamentos didático-pedagógicos abordados no filme, que


a Sociedade dos Poetas Mortos, por meio dos saberes artísticos, filosóficos e sociais, transformou a

71
Unidade I

postura passiva e reprodutiva dos estudantes numa ação consciente, pensante, de reflexão, de tomada
de decisão e crítica do mundo. De certo modo, foi essa a discussão que propusemos até aqui, neste
livro-texto.

Voltando ao filme, não é surpreendente dizer que Keating foi questionado e punido pelos colegas
de trabalho por sua metodologia, que incomodava profundamente o diretor da escola. Acusado de
trabalhar com métodos inadequados, o professor por fim sofre uma chamada de atenção do diretor da
Welton Academy: “O currículo aqui é fixo. Está provado que funciona!” (SOCIEDADE..., 1989).

Fica, portanto, a reflexão: este modelo de formação funciona para quem? Para qual público e com
quais interesses?

É indiscutível que o filme possibilita uma reflexão sobre a prática pedagógica do professor e a
importância do papel da escola em formar um estudante alienado e conformado com as condições
futuras que lhe são predefinidas ou um cidadão participativo, dinâmico, que age criticamente na
sua realidade.

Exemplo de aplicação

E você, futuro professor, concorda com essa análise crítica do filme?

Quais observações você acrescentaria?

Pesquise outro filme que aborda a temática e faça a sua análise crítica a partir dos conteúdos
que abordamos até aqui. Essa é uma estratégia de estudo possível para articular a teoria e a prática,
principalmente para aqueles que não lecionam.

72
DIDÁTICA GERAL
Etimologicamente, didática refere-se a "arte de ensinar", mas por conta da
A filosofia e a complexidade do papel do professor, ela não pode ser reduzida á apenas
sociologia transmissão de conhecimento.
contribuíram Resumo
para a Didática: conjunto de prática reflexiva, consciente e crítica de cada
formação de professor ligado ao seu contexto social e político e ao dos alunos também.
uma didática Estudamos os aspectos gerais relacionados à didática e ao seu
mais crítica e contexto, compreendendo a sua definição, os aspectos históricos,
questionadora as suas especificidades e os elementos que envolvem o processo de
que leve em
conta as ensino e aprendizagem.
especificidade
s das De acordo com o estudo etimológico da palavra, a didática se refere
sociedades.
à “arte de ensinar”. Entretanto, considerando a complexidade do papel
Libâneo: do professor na atual conjuntura, o termo não pode ser reduzido à
divide o papel transmissão de conhecimentos. Ensinar requer do professor a tríade de
da educação
em três conhecimento do conteúdo, didático e curricular. Espera-se que o docente,
tendências: a partir da perspectiva e da contribuição de outras áreas de conhecimento,
educação como a filosofia, a história e a sociologia, possa construir uma prática
como
redenção, reflexiva, consciente e crítica, o que compreende, em sua totalidade, a
educação didática do professor.
como
reprodução e A filosofia contribui para o desenvolvimento de uma didática mais
educação
como crítica, questionadora, pois os conhecimentos filosóficos permitem ao
transformação professor refletir acerca da sociedade como um todo, do papel da educação
(mais nessa sociedade e, por decorrência, da sua própria função no contexto
valorizada
atualmente). educacional. A postura filosófica contribui também para a ressignificação
da didática a partir da aproximação e do complemento entre a natureza
da didática geral e a da didática específica. Concernente aos aspectos
históricos e filosóficos, destacamos a importância de Comênio, conhecido
como pai da didática.
Pedagogia liberal:
Adéqua o aluno
socialmente para que A importância da sociologia se concentra na compreensão acerca da
possa participar da organização da sociedade e da sua implicação para o contexto educacional.
reprodução da Vimos que a maneira como a sociedade está organizada interfere
sociedade (educação
ajustadora). É ligada significativamente nos objetivos e nas intencionalidades da escola,
com a meritocracia e evidenciando que a educação não é um processo neutro, mas político.
não leva em conta a
desigualdade das
sociedades
Segundo Libâneo (1985), há três tipos de tendências que interpretam
capitalistas. O aluno o papel da educação na sociedade: educação como redenção, educação
deve se adequar ao como reprodução e educação como transformação da sociedade, a mais
seu contexto (se vive valorizada academicamente.
em um contexto que
só pode se tronar
operário, ele vai ter O mesmo autor explica que a pedagogia liberal caracteriza-se como
que ser operário). sendo um tipo de educação ajustadora, uma vez que apenas adéqua
o estudante socialmente para que possa participar da reprodução da
sociedade. Essa pedagogia possui muitas correntes teóricas; entretanto, o

73
Unidade I

autor destaca quatro delas: tradicional, renovada progressivista, renovada


Tradicional: não diretiva e tecnicista.
prepara o
estudante para
assumir uma A pedagogia liberal tradicional tem como principal objetivo preparar
posição na os estudantes para assumir uma posição na sociedade, desconsiderando
sociedade
desconsiderando as desigualdades sociais. A partir desses pressupostos, a pedagogia liberal
a desigualdade tradicional, concebe:
social. O
professor é o
centro e o aluno é
• o professor como protagonista e transmissor do conhecimento;
apenas um
receptor. Os • o estudante como mero receptor de informações;
conteúdos são
cristalizados e • o conteúdo como conhecimentos e valores sociais que passam de
não abre espaço geração em geração, sendo ensinados como verdades absolutas,
para discussões, descontextualizados das experiências sociais dos estudantes;
as aulas são
expositivas, a
aprendizagem é
• o método de ensino como um processo restrito à exposição verbal
um processo do conteúdo;
mecânico (o
aluno só reproduz • a aprendizagem como um processo mecânico, de memorização, que
e memoriza o que se dá por meio de exercícios e repetição de conceitos e fórmulas.
está sendo
ensinado).
A pedagogia liberal renovada progressivista pressupõe a adaptação do
estudante à sociedade. Por isso, o objetivo principal da escola consiste em
adequar as necessidades individuais dos sujeitos aos padrões da sociedade.
Renovada Para tanto, nessa tendência, os componentes do processo de ensino e
progressista:
adapta o aluno a
aprendizagem são concebidos da seguinte maneira:
sociedade. Seu
principal objetivo • o estudante é o protagonista do processo de aprendizagem, porém
é adequar as seu papel se restringe à adaptação ao meio em que vive;
necessidades
individuais dos
sujeitos aos • o professor é aquele que auxilia na construção do conhecimento,
padrões da e perde a sua função didático-pedagógica, tendo em vista que o
sociedade. O estudante possui capacidade suficiente para adaptar-se ao meio;
conteúdo é
contextualizado • a aprendizagem é um processo de descoberta do sujeito;
aos interesses do
estudantes e ele é
mais ativo (porém
• o ensino é realizado a partir da resolução de problemas extraídos das
seu papel se vivências dos estudantes;
restringe a se
adaptar ao meio • o conteúdo é contextualizado aos interesses dos estudantes.
que vive).
A pedagogia liberal renovada não diretiva atribui à escola a
responsabilidade pela formação moral/atitudinal dos estudantes. Por
isso, sua preocupação deve concentrar-se nos fatores psicológicos. Desse
modo, considera que:

74
DIDÁTICA GERAL

• o estudante é o centro do processo, sujeito capaz de


Renovada não
diretiva: Formação autodesenvolver-se;
moral/atitudinal dos
estudantes • o professor é um facilitador na construção do conhecimento;
concentrando-se em
fatores psicológicos. • a aprendizagem se dá pela motivação do estudante; caso contrário,
O estudante é o o processo de construção do conhecimento é anulado;
centro do processo
de aprendizagem e o • o ensino ocorre por meio de técnicas de sensibilização;
professor é apenas
um facilitador. O
conteúdo está
• o conteúdo se associa a relações interpessoais e de comunicação.
associado a relações
interpessoais e A pedagogia liberal tecnicista nasceu de uma necessidade do contexto
comunicação. global de formação de mão de obra para o trabalho. A escola, desse modo,
para garantir a ordem social vigente (capitalismo), estabelece objetivos
Tecnicista: Formação relacionados ao sistema produtivo. Desse modo, concebe:
de mão de obra para
o trabalho • o conteúdo como o centro do processo de ensino e aprendizagem
contribuindo para o
sistema vigente
a partir de informações e princípios científicos necessários para a
(capitalismo). O formação de trabalhadores;
estudante é um
sujeito passivo no • o professor num papel extremamente técnico – administrador –
processo de conforme os modelos dos profissionais do âmbito empresarial,
conhecimento e o
ensino é um
perdendo a sua função pedagógica;
processo de
condicionamento de • o estudante como um sujeito passivo, mero receptor de informações;
comportamentos.
• o ensino como um processo de condicionamento de comportamentos;
• a aprendizagem como um processo de modificação de comportamento
a partir de estímulos externos.
Pedagogia
progressista: No outro extremo, temos a pedagogia progressista, que tem a
Educação deve característica de uma educação transformadora, por dar condições ao
ser transformadora desenvolvimento dos estudantes, permitindo que tenham capacidade de
dando a
capacidade dos
lutar por uma transformação social em uma direção mais justa e igualitária.
alunos a pensarem As principais tendências teóricas dessa pedagogia são: libertadora, libertária
criticamente e e crítico-social dos conteúdos.
lutarem por uma
sociedade mais
igualitária. A pedagogia progressista libertadora foi disseminada por Paulo Freire.
Seus pressupostos críticos questionam a realidade das relações do homem
com a natureza e com outros homens, vislumbrando uma transformação e
ascensão social. Ela defende que:

• tanto o professor quanto o estudante assumem o protagonismo do


processo de construção do conhecimento;

75
Unidade I

O professor é
um mediador • antes de ser estudante, o sujeito é um cidadão de direitos;
(tanto ele
quanto o aluno • o professor é o mediador entre o estudante e o objeto de conhecimento;
são
protagonistas • o processo de ensino se dá por meio de uma abordagem dialógica;
no processo de
aprendizagem). • a aprendizagem envolve codificação, recodificação e problematização;
O
conhecimento • os conteúdos são contextualizados e nascem das necessidades e dos
surgem a partir
da interação
interesses dos estudantes a partir dos temas geradores.
entre ambos. o
professor deve Na pedagogia progressista libertária, acredita-se no modelo autogestionário, Progressista libertária: a
abordar temas ou seja, na constituição de grupos (assembleias, conselhos, eleições, reuniões escola deve ser um
geradores em
suas aulas que e associações) no interior da escola de maneira que o estudante transfira espaço propicio para o
aluno transmitir os
sejam os conhecimentos adquiridos na autogestão a outros âmbitos sociais. Por conhecimentos que
relacionados isso, esse pressuposto, eminentemente político, considera: adquiriu. O professor é
com o contexto um
social e politico orientador/conselheiro.
dos alunos • o estudante como produto cultural coletivo;
O ensino é uma ação
levantando coletiva. A educação se
discussões. • o professor como um orientador e conselheiro; dá em qualquer
Tem o objetivo contexto (não só na
de formar • o ensino como um processo de ação coletiva autogestionária; escola). O conteúdo
indivíduos não é predefinido, mas
críticos que • a aprendizagem como um processo informal, que se dá em qualquer vem de questões
possam se
libertar da contexto, independentemente da escola; sociopolíticas vigentes.
opressão da
classe • o conteúdo não como algo predefinido, mas oriundo de questões
dominante. A sociopolíticas vigentes.
educação deve
ser libertadora.
Na pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos, a ascensão do
saber popular para o saber erudito é essencial na formação do sujeito, e a
critico social: a escola é
escola, por sua vez, é a principal responsável por isso. Sendo assim, o processo a responsável pela
de ensino e aprendizagem é organizado a partir dos princípios de que: ascensão do saber
popular para o erudito.
O conteúdo deve ser
• o conteúdo ocupa o papel principal e deve ser contextualizado de contextualizado de
acordo com a realidade dos estudantes; acordo com a realidade
dos estudantes. O
• o professor é concebido como mediador no processo de aquisição e professor é mediador. O
superação de saberes; ensino está ligado á
relação entre teoria e
prática. Aprendizagem é
• o ensino se dá a partir da relação entre teoria e prática; a capacidade de
processar informações e
• a aprendizagem é a capacidade de processar informações; o estudante tem um
conhecimento prévio
• o estudante é um sujeito histórico-cultural que chega à escola com (popular) que deve ser
conhecimentos prévios (populares e espontâneos). valorizado.

76
DIDÁTICA GERAL

Exercícios

Questão 1. Leia o texto a seguir:

Trajetória da didática

Para discutir a docência universitária, entendeu-se necessário compreender, inicialmente, a


trajetória histórica percorrida pela didática para, na sequência, reinterpretar seus conceitos presentes
na literatura. Compreender esse caminho significa contextualizar a prática pedagógica e a profissão
docente. Entretanto, os estudos realizados acerca da didática se referem especificamente à formação de
professores da educação básica. O artigo de Castro (1991), intitulado “A trajetória histórica da didática”,
utilizado como referência, aborda a temática desde a Grécia Antiga, passa pelos movimentos da Reforma
e da Contrarreforma, por Comênio, Ratke, Rousseau e Herbart, pela Escola Nova, pelo tecnicismo até
chegar às pedagogias progressistas.

Na Grécia, século V a.C., o termo pedagogia significava a condução/instrução das crianças, e a


didática referia-se às escolas de instrução, às lições e aos mestres que ensinavam leitura e escrita.

No século XVI, a Reforma Protestante, liderada na Alemanha por Lutero, consolidou uma reforma
religiosa e educacional. A Igreja Católica reagiu com a Contrarreforma, criou congregações de ensino
pela Ordem dos Jesuítas e instalou, em 1599, seu projeto educacional com a obra Ratio atque institutio
studiorum, destinada às classes dominantes.

Influenciado pelos ideais da Reforma, o monge luterano João Amós Comênio escreveu, no
século XVII, Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos com intuito de criar um
método único de ensino, contendo ideais ético-religiosos provenientes da Reforma, com a finalidade de
ensinar a população a ler e a escrever, promovendo o acesso às Escrituras dominadas pela Igreja Católica
(GASPARIN, 1994). Nesse período, entendia-se que, conforme a Bíblia, o único meio de alcançar a Deus
seria pela educação com perspectivas didático-pedagógicas.

Outro educador significativo do movimento realista foi o alemão Ratke, primeiro a usar o termo
didático “para designar o investigador que estuda os princípios e regras do ensino” (LARROYO, 1982,
p. 412-413). Em 1618, ele escreveu um regulamento de estudos que abrangia os passos para o ensino,
aprendizagem por partes, do simples para o complexo, e na língua materna, sendo utilizado até os
dias de hoje.

Rousseau, representante do Iluminismo, com novas propostas apresentou a pedagogia naturalista,


reconhecendo o desenvolvimento do homem, em que a criança deixou de ser vista como um
“homenzinho” e passou a ser vista como criança (HUBERT, 1976).

77
Unidade I

Castro (1991) aponta João Frederico Herbart como um grande transformador da educação por ter
elaborado um método geral para o processo de instrução. Tal método consistia no professor seguir
passos formais compreendidos pela clareza, pela associação, pelo sistema e pelo método, a fim de
combinar e estabelecer relações considerando-se os estágios de desenvolvimento cultural e psicológico
do aluno/criança (MONROE, 1968). Até esse momento, a didática acompanhava a pedagogia tradicional,
que tinha como característica principal o professor como centro do aprendizado. Com o movimento da
Escola Nova, o centro do aprendizado passou a ser o aluno. A educação nova iniciou seu legado em 1889
na Inglaterra, na Alemanha, na França e nos Estados Unidos. Posteriormente, estendeu-se pela Rússia,
pela Áustria, pela Itália, pela Espanha e pela Bélgica.

Fonte: BORGES, C.; HUNGER, D.; SOUZA NETO, S. Conceitos de didática: depoimentos de docentes universitários
da área de educação física. Motriz, Rio Claro, v. 15, n. 2, p. 228-235, abr./jun. 2009.

Com base na leitura, avalie as afirmativas:

I – Na Grécia Antiga, os termos “pedagogia” e “didática” eram indistintos. Eram distintos.

II – O ensino introduzido pela Ordem dos Jesuítas não era destinado, de modo equânime, às várias
classes sociais.

III – A intenção do método proposto por Comênio em Didática magna: tratado da arte universal de
ensinar tudo a todos era propiciar à população o acesso aos textos da Igreja Católica.

IV – O movimento Escola Nova rompeu com preceitos da pedagogia tradicional praticada até então
ao colocar o aluno no centro do aprendizado.

É correto o que se afirma em:

A) I, II, III e IV.

B) II e IV, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II, III e IV, apenas.

E) II e III, apenas.

Resposta correta: alternativa D.

Escola nova- O centro da aprendizagem passou a


ser o aluno.

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DIDÁTICA GERAL

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: segundo o texto, na Grécia Antiga, “o termo pedagogia significava a condução/instrução


das crianças, e a didática referia-se às escolas de instrução, às lições e aos mestres que ensinavam
leitura e escrita”.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: segundo o texto, “no século XVI, a Reforma Protestante, liderada na Alemanha por
Lutero, consolidou uma reforma religiosa e educacional”. Além disso, “a Igreja Católica reagiu com a
Contrarreforma, criou congregações de ensino pela Ordem dos Jesuítas e instalou, em 1599, seu projeto
educacional com a obra Ratio atque institutio studiorum, destinada às classes dominantes”.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: segundo o texto, “influenciado pelos ideais da Reforma, o monge luterano João Amós
Comênio escreveu, no século XVII, Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos
com intuito de criar um método único de ensino, contendo ideais ético-religiosos provenientes da
Reforma, com a finalidade de ensinar a população a ler e a escrever, promovendo o acesso das Escrituras
dominadas pela Igreja Católica”.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: segundo o texto, “com o movimento da Escola Nova, o centro do aprendizado passou
a ser o aluno”.

Questão 2. (Enade 2017) Leia o texto a seguir:

Placedônio Pedarete apresenta-se para ser admitido ao conselho dos trezentos; é recusado; volta
satisfeito por ter encontrado em Esparta trezentos homens mais dignos que ele. Suponho que essa
demonstração era sincera; é de se acreditar que era. Eis o cidadão.

Uma mulher de Esparta tinha cinco filhos no exército e aguardava notícias da batalha. Chega um
hilota; ela pede-lhe, trêmula, informações: “Vossos cinco filhos morreram”. – Vil escravo, perguntei-te
isso? – “Alcançamos a vitória”! A mãe corre ao templo, onde rende graças aos deuses. Eis a cidadã.

Adaptado de: ROUSSEAU, J.-J. Emílio ou da educação. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1973.

Tendo como referência o texto apresentado e a noção de verdadeiro cidadão desenvolvida por
Rousseau, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

79
Unidade I

I – Rousseau acredita que a educação realizada pelas boas instituições consegue desnaturalizar o
homem e torná-lo um verdadeiro cidadão.

porque
Essa é a ideia de Thomas Hobbes.
II – A natureza do homem é de grande violência e os instintos naturais precisam ser contidos pela
educação, para que ele atinja a condição de civilidade.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a asserção II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a asserção II é uma proposição verdadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

Resposta correta: alternativa C.


Segundo Rousseau, as instituições sociais devem desnaturar o
homem a fim de torna-lo um bom cidadão. Para ele, o homem é
Análise das asserções naturalmente bom valorizando os instintos e sentimentos.

I – Asserção verdadeira.

Justificativa: o trecho de Emílio reproduzido no enunciado da questão mostra que o verdadeiro


cidadão é aquele que foi desnaturalizado. Na obra, Rousseau afirma que “as boas instituições sociais
são as que mais bem sabem desnaturar o homem, tirar-lhe sua existência absoluta para dar-lhe outra
relativa e colocar o eu na unidade comum, de modo que cada particular não se acredite mais ser um,
que se sinta uma parte da unidade, e não seja mais sensível senão no todo” (ROUSSEAU, 2017).

II – Asserção falsa.

Justificativa: para Rousseau, o homem é naturalmente bom. Contrário à tendência iluminista da


época, o filósofo valorizava os instintos e os sentimentos.

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