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Texto Do Pão

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“ACESSO ÀS COLECÇÕES EM RESERVA”

Projeto semestral

O PÃO CASEIRO

MUSEU ETNOGRÁFICO DA MADEIRA

24 Janeiro a 1 de Maio 2012


O pão de amassadura doméstica

Em quase todas as casas das zonas rurais existiam fornos de pedra,


localizados nas cozinhas. Aqueles que não o possuía utilizavam o do
senhorio ou o chamado forno comunitário

Nas construções urbanas, era também frequente encontrar fornilhos


salientes das paredes a alguns metros do solo.

Popularmente dá-se o nome de “pão de casa” ao pão de amassadura


doméstica.
Na confeção tradicional deste tipo de pão, cuja base era a farinha de trigo, o
povo costumava juntar ainda batata -doce e ovos e, em algumas freguesias,
erva-doce. Além do formato clássico havia quem lhe desse a forma de
rosquilha, com um pequeno buraco no meio.
Antigamente o pão era amassado à mão e cozido em forno de lenha, o que
o tornava mais saboroso, sendo consumido pela família durante vários dias.
Existiam algumas superstições relacionadas com a amassadura do pão:
deveriam, por exemplo, amassar na subida da maré, pois o pão crescia, ou
evitar olhares indiscretos por causa do mau-olhado. Na freguesia dos
Canhas amassavam o pão durante a preia-mar, porque acreditava-se que na
baixa-mar levava muito tempo a levedar.
Devido ao aumento de população, entre outros fatores, o fabrico caseiro
deu lugar ao fabrico mecanizado tendo-se perdido os rituais e tradições
associados ao pão, sendo a sua confeção, atualmente, uma raridade. Devido
também a uma mudança de mentalidades o pão foi destronado por outros
alimentos mais valorizados.

Processo de confeção

A farinha depois de moída no moinho de água ou no moinho de mão (na


unidade doméstica), era peneirada. A mais fina caía na “amassadeira” ou
“masseira”1 e a mais grossa, o “farelo”, ficava no peneira, sendo depois
utilizada para alimentar os animais.
O fermento em pó ou fermento de padeiro era colocado numa tigela e
misturavam com água morna. A farinha era também misturada com água
tépida ou morna, sal e fermento e amassada à mão, na amassadeira, até se
transformar numa massa homogénea.
Além da amassadeira, utilizavam-se também alguidares de barro vidrado,
fixos a um canto da cozinha.

1
Bacio de madeira oblonga ou circular, de uma só peça, talhado a enxó.
Antes de deixar a massa levedar as mulheres estendiam as mãos,
horizontalmente, na posição de orar, e vincavam uma cruz na massa
dizendo:

Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo.


São Mamede te levede; São Vicente te acrescente.

A massa ficava depois a levedar, tapada com uma toalha ou um cobertor, o


que tornava o pão mais leve e com uma textura e cheiro caraterísticos.
Passado esse tempo a massa era repartida (tendida) em pequenas porções
numa mesa ou numa tábua, as quais eram arredondadas com as mãos e
depois achatadas.

Em seguida iam a levedar no tendal - a “cama” do pão2 - e tapavam com


uma toalha e um cobertor e ficavam a levedar, até adquirirem o dobro do
volume. Antes de colocar os pães no tendal, deitavam farinha por cima da
toalha, para que a massa não pegasse.

Para preparar o forno, acendia-se o lume no interior. Este tinha de arder


durante muitas horas para que o forno ficasse bem quente. Depois ponha-
se a cinza ainda quente em dois círculos concêntricos no chão do forno, de
maneira que um círculo pequeno ficasse no centro e o outro maior ficasse
perto do muro do forno. Fazia-se isto com uma pá de ferro ligada a uma
haste cumprida.3

2
Toalha branca, colocada sobre um cobertor, com pequenas dobras, as “covas” ou “casas” onde eram
colocadas as massas.
3
Boletim de Filologia Tomo V – Fascículos 3-4, pág. 305
Quando o forno começava a ficar quente, as brasas eram remexidas com o
auxílio do embrazeador.
O pão só ia para o forno depois de criar pestana, isto é, quando surgia uma
estreita barra acinzentada, da largura máxima de dois dedos, na cantaria da
boca do forno, sobre a face da abertura.
Nessa altura, as brasas eram retiradas com o chamado puxador de brasas
(antigamente era feito com ramos) e limpava-se o chão com um pau,
envolto em trapos velhos molhados em água, o varredor, o qual era
esfregado em todas as direcções. Este servia, também, para arrefecer o
forno, de modo a atingir a temperatura ideal.

O povo, para controlar a temperatura colocava um papel na pá e metia-a no


forno. Se o papel alourasse estava na temperatura ideal. Se queimasse
estava muito quente.
Colocados os pães, um a um, com o auxílio da pá de madeira, o (a)
padeiro(a) antes de o fechar traçava uma cruz com a pá, diante da boca do
forno, pronunciando estas palavras:

Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo


Assim cresças no forno como cresceste no mundo

Para manter a temperatura ideal do forno abriam a porta para o arrefecer


ou, caso estivesse muito quente, agrupavam as brasas na porta do forno.
Para controlar a cozedura do pão utilizavam a “bruxinha” ou “polícia”4. A
determinada altura, trocavam os lugares do pão.
Para verificar o grau de cozedura davam uma pancada na parte de baixo do
pão. Se soasse a oco, estava bem cozido. Caso contrário voltavam a colocá-
lo no forno.
Depois de cozidos tiravam os pães do forno com o auxílio da pá e
colocavam-nos em lugar fresco para arrefecer, protegidos das correntes de
ar. Era costume limpar os pães, depois da cozedura, com uma vassoura
feita de panos velhos.

4
Sistemas de iluminação a petróleo, constituídos por recipiente cónico feito de folha de flandres.
Utilizava-se ainda a candeia (luz de uma vela), lamparina de azeite ou o candeeiro a petróleo.
ALGUNS TIPOS DE PÃO CONFECIONADOS NO ARQUIPÉLAGO
DA MADEIRA

RECEITAS

Bolo do caco

Pensa-se que este pão tem origem no pão ázimo hebraico, cozido sob as
cinzas.
Segundo os autores das Ilhas de Zarco5, antigamente coziam-no num caco
ou frigideira de barro abafado com cinza, ou em lume vivo, dando-lhe a
forma de bolo redondo e achatado. Depois de cozido, aproximavam-no do
calor da cinza e brasas para tostar a borda. Também era cozido em cima de
uma pedra de tufo, aquecida no lar. Voltavam-no dos dois lados e depois
colocavam-no na vertical, rolando-o sobre a pedra, para que os bordos
ficassem tostados.
É tradicionalmente consumido como acompanhamento da espetada e é
costume barrarem-no com manteiga de alho (mistura de manteiga com
salsa e alho picados).

Ingredientes: 2 kg. Farinha de trigo


½ Kg. Fermento padeiro
½ Kg. Batata-doce
Água q.b.
Sal q.b.

Modo de preparação:

Cozem-se as batatas-doces, descascam-se e esmagam-se com um garfo.


Deita-se a farinha num alguidar, faz-se um buraco no meio, acrescenta-se
água morna com sal e fermento. Junta-se a batata, amassa-se como se fosse
para pão mas deixando-a um pouco mais mole.
Em seguida divide-se a massa em pequenas bolas achatadas, com a
espessura de 3 cm e 1 palmo de diâmetro e deixa-se levedar um pouco
menos do que para o pão.

5
PEREIRA, Padre Eduardo Clemente Nunes; “Ilhas de Zargo II”, 3º Edição, Funchal, 1968.
Brindeiros

Os brindeiros são pequenos pães que os avós ou padrinhos ofereciam aos


netos e afilhados, por altura do Natal.

Ingredientes: Massa
Farinha
Batata-doce

Modo de preparação:

Amassado o pão normalmente, ficam no alguidar os restos da massa.


Acrescenta-se depois a esta massa, farinha e batata doce e volta-se a
amassar. Pode-se juntar açúcar à massa.
Tendem-se os brindeiros em forma de pães, mas muito mais pequenos e
cozem-se.

Pão de casa com batata-doce

Ingredientes: 5 kg. Farinha de trigo


40 Gr. Fermento de padeiro
2 Kg. Batata-doce
Sal q.b.
Água q.b.

Modo de preparação:

(Para 15 pães)
Cozem-se as batatas em água temperada com sal, descascam-se e
esmagam-se com um garfo ou à mão. Em seguida coloca-se num alguidar a
farinha, faz-se uma cova no meio e aí adiciona-se o fermento, a batata e o
sal. Primeiro amassa-se a batata e o fermento. Depois vai-se juntando aos
poucos a farinha e amassa-se, calcando a massa com os punhos fechados e
tentando-se distribuir este ritmo a toda a massa. Sempre que seja necessário
junta-se um pouco de água morna até a massa ficar unida, elástica (até
fazer bexiga, como diz o povo).
Tapa-se com uma toalha, faz-se uma cruz na massa e fica a descansar
durante cerca de 10 minutos.
Corta-se a massa em medidas idênticas e em pequenas porções (350 gr.) e
espalma-se a massa na tendeira, adquirindo a forma de um pão vulgar ou
em forma de argola, ficando um dos lados da argola mais grosso. Coloca-se
a massa no tendal, tapa-se com uma toalha e um cobertor e deixa-se
levedar, até adquirir o dobro do volume.
Ao pressionarmos com o dedo a massa do pão, se a cova subir é porque já
está levedado, podendo-se levar a cozer no forno bem quente, durante 30
minutos. Em alguns locais colocavam uma bolinha de massa num copo
com água. Quando a bolinha sobe à superfície, o pão está pronto para
cozer.
Ao pão que não “abria” o povo dava a designação de bruxo, e tinham-no
por muito feio, impróprio para oferta ou para venda, mas era o mais
gostoso e preferido por todos no uso doméstico.

Pão de centeio

Ingredientes: 2 kg. Farinha de centeio


1 Kg. Batata-doce
0,5 Kg. farinha de trigo
40 Gr. Fermento caseiro
Sal q.b.
Água q.b.

Modo de preparação:

Cozem-se as batatas e esmagam-se com um garfo ou à mão. Introduzem-se


num alguidar juntamente com a farinha, o sal e o fermento. Adiciona-se um
pouco de água morna para que a massa fique um pouco dura e mexe-se até
a massa ficar unida, leve e fofa. É conveniente molhar sempre as mãos para
melhor mexer a farinha. Tapa-se e deixa-se levedar cerca de três horas.
Em seguida tende-se a massa em pequenas porções (350 gr.) e deixa-se
levedar novamente. Leva-se ao forno médio a cozer sobre uma folha de
couve.
Pão-doce ou bolo de noiva

Este pão doce feito de trigo de amassadura doméstica era confecionado na


véspera do dia de Natal, e era servido logo a seguir do almoço do dia 25,
como um doce. Em algumas freguesias era também nos casamentos e atos
religiosos.

Ingredientes: 2 kg. farinha


7,5 Dl. Leite
1 Kg. Açúcar
260 Gr. Fermento de padeiro
130 Gr. Manteiga
9 Ovos
Sal q.b.
2 Paus canela
Passas q.b.
Pimenta moída q.b.
4 Colheres de erva-doce
1 Kg. Batata-doce
Folhas de couve

Modo de preparação:

Mistura-se a farinha e o açúcar, na proporção de uma chávena de açúcar


para 1 kg. de farinha e coloca-se num alguidar. Cozem-se as batatas,
esmagam-se com um garfo ou à mão e deita-se no alguidar com o
fermento. Bate-se até a massa ficar composta.
À parte faz-se uma calda com o leite e os restantes ingredientes e depois
mistura-se e amassa-se.
Após a amassadura tende-se a massa em pequenas porções e vai a levedar
cerca de duas horas. Depois de preparado o forno o pão é cozido, com duas
folhas de couve, durante cerca de 45 minutos.
Bolo de noiva ou bolo doce (variante)

Ingredientes: 1kg. Farinha


250 G. Açúcar
125 G. Manteiga
30 G. Banha
0,5 Dl leite
2 Ovos
0,5 Dl vinho tratado
30 G. Passas
1 Colher chá de canela moída
1 Colher chá canela moída
1 Colher chá erva-doce
Raspa de um limão
½ Noz-moscada ralada
50 G. Fermento padeiro
Sal fina q.b.
Pimenta q.b.
Folhas de bananeira

Modo de preparação:

Coloca-se o fermento numa tigela e junta-se a metade do açúcar e do leite


morno, ligando todos estes ingredientes.
À parte, na masseira, mistura-se a farinha com a canela, o restante açúcar, a
noz-moscada, o sal, a erva-doce, a raspa de limão e a soda.
Junta-se o vinho, a manteiga e a banha em temperatura ambiente, os ovos,
as passas e a primeira mistura do leite com o fermento. Amassa-se estes
ingredientes, incorporando o leite, pouco a pouco, até se poder separar a
massa das mãos. Polvilha-se com a farinha e deixa-se repousar durante 30
minutos, tapando-os com um cobertor.
Após este tempo, corta-se a massa em pedaços e tende-se em pequenos
pães e deixa-se levedar. Colocam-se sobre pedaços de folhas de bananeira e
leva-se ao forno a 190 graus, até ficarem louros. Mexe-se e retiram-se as
folhas de couve, para acabarem de cozer.
Ao saírem do forno, com uma toalha, limpa-se os bolos da cinza ou de
algum pedaço de couve. Finalmente esfrega-se manteiga nos bolos e
cobrem-se com folhas de papel vegetal ou uma toalha, até arrefecerem.
Pão de milho

Ingredientes: 8 kg. Farinha de milho peneirada


2 Kg. Farinha de trigo
2 Quilos de batata-doce
Sal q.b.
Água morna q.b.
2 Kg. De fermento de padeiro

Modo de preparação:

Cozem-se as batatas, descascam-se e esmagam-se com um garfo ou à mão.


Aquece-se água quase até ferver, coloca-se no alguidar a farinha de milho,
deita-se a água, mexe-se muito bem com uma colher de pau, tapa-se bem e
fica em repouso durante umas duas horas para que a farinha fique
escaldada.
Depois junta-se o fermento, a farinha de trigo, o puré de batata, o sal e
amassa-se bem.
Deixa-se levedar cerca de três horas. Passado esse tempo tendem-se os
bolos e colocam-se sobre folhas de couve, levemente aquecidas e deixa-se
levedar mais um pouco.
Por fim vai a cozer em forno médio durante 30 minutos.

FICHA TÉCNICA

COORDENAÇÃO: Lídia Góes Ferreira

TEXTO: César Ferreira

FOTOS: César Ferreira


Jorge Freitas Branco
Roberto Pereira

MONTAGEM: César Ferreira


Fernando Líbano
Florêncio Pereira
Bibliografia

BRANCO, Jorge Freitas, “Camponeses da Madeira. As bases materiais do


quotidiano no Arquipélago (1750-1900)”. Publicações Dom Quixote,
Lisboa, 1987

FIGUEIRA, Ana Isabel; “Cozinha Regional da Madeira”, Publicações


Europa-América, Sintra, 1996.

GARCIA, L. Jacinto; “Comer como Deus manda”, Editorial Notícias,


Lisboa, 2000

NEVES, Lídia Paiva; “O Processo de Fabrico do Pão Caseiro”, Edição da


autora, Machico, 2008.

PEREIRA, Padre Eduardo Clemente Nunes; “Ilhas de Zargo II”, 3º Edição,


Funchal, 1968.

SARAMAGO, Alfredo; Para uma História da Alimentação no Alentejo,


Assírio & Alvim, Lisboa, 1997

VALLE, Lucília Boullose; “O paladar madeirense”, Edição do autor,


Funchal.

“Aprender Cozinha Madeirense”, projecto e apresentação de Margarida


Rodrigues Camacho e Ana Isabel Canessa Figueira.

Boletim de Filologia, Tomo V – Fascículos 3-4, Imprensa Nacional de


Lisboa, 1938.

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