Os Doze Segredos Robert Gold
Os Doze Segredos Robert Gold
Os Doze Segredos Robert Gold
Gold, Robert
Os doze segredos : todos têm segredos, mas alguns são mortais / Robert Gold ; tradução de Fernand
Silva. — São Paulo : Faro Editorial, 2023.
288 p.
ISBN 978-65-5957-497-1
Título original: Twelve secrets 1. Ficção inglesa 2. Mistério I. Título II. Silva, Fernando
23-2072 CDD 82
O convite para a reunião com Madeline chegou à minha caixa de entrada no fim da
manhã. O e-mail veio sem assunto, mas imediatamente eu soube sobre o que era.
Madeline é muito persistente.
Passei a tarde enrolando. Desisti de fazer qualquer trabalho, incapaz de me
concentrar em qualquer coisa. Beber três xícaras de café nos últimos quarenta e cinco
minutos não ajudou. Na maior parte do tempo, tenho lido uma quantidade interminável
de histórias de celebridades em nosso site de notícias vinte e quatro horas.
— A família Real tem um novo labradoodle ruivo — digo para Min, que está sentada
à minha frente na redação. — Aposto que eles o chamam de Harry.
Min levanta uma sobrancelha. Tentei conversar com ela várias vezes na última hora,
apesar de saber que tem um prazo a cumprir.
— Desculpe — murmuro baixinho e volto para a minha tela. Outro casal de
Hollywood anunciou seu noivado; um jogador de futebol bateu a cabeça de seu
companheiro de equipe em um armário do vestiário. Legal.
Um lembrete diário, que eu não preciso, aparece na minha frente. Olho para o
escritório-aquário de Madeline e a vejo gesticulando furiosamente para dois executivos
de marketing. Ambos encolhem na presença dela. Percebi, há muito tempo, que a única
maneira de trabalhar bem com Madeline é a enfrentando. É uma lição que muitos dos
meus colegas ainda precisam aprender.
— Você vai ser honesto com ela? — pergunta Min, como se pudesse ler meus
pensamentos.
— Sempre tento ser — respondo. Porém, Madeline incutiu em mim uma coisa que é
dela: determinação de alcançar o coração de qualquer boa história. É algo que agora
compartilhamos. Por isso, tenho medo dessa conversa.
— Você é a única pessoa que ela vai realmente ouvir.
— O problema é que, nesse caso, acho que não há meio-termo.
Min faz uma careta solidária para mim antes de colocar seus fones de ouvido. Olho
novamente e vejo os dois marqueteiros se esquivando, sumariamente dispensados.
Decidido, fecho a tela do computador e me levanto.
Através da porta aberta, posso ver Madeline sentada em sua cadeira de couro branco,
com os olhos fixos na tela à sua frente. Sem olhar para cima, ela chama meu nome.
— Ben, não enrole.
— Não há razão para brigarmos por isso — digo ao entrar no escritório de canto,
com janelas do chão ao teto e vista direta para a Tower Bridge. Atrás da mesa de vidro
curvo estão penduradas três impressionantes fotografias iluminadas pelo sol. Cada uma
delas foi tirada pela própria Madeline, como ela me disse inúmeras vezes. A primeira é
das Casas do Parlamento; a segunda, da Casa Branca; e a terceira é de sua própria casa,
com vista para o Richmond Park. Ela as chama de “as três casas do poder global” e acho
que só está brincando, até certo ponto.
— Vinte e nove vírgula quatro milhões — diz ela, ainda sem tirar os olhos do
monitor. — Queda de quase três por cento, e aqueles dois palhaços me dizem para não
me preocupar. Estamos menos de dois milhões de usuários à frente do Mail Online. Não
vamos perder nosso primeiro lugar na minha gestão.
Ela não está esperando uma resposta, e eu não lhe dou uma. Em vez disso, evitando
a mesa da sala de reuniões, pego a cadeira em frente à mesa dela.
— E eu não vou brigar com ninguém — continua ela. — Sei que este é um
momento difícil para você, Ben. Com o aniversário da morte da sua mãe se
aproximando, todos nós vamos ficar reflexivos.
Há uma suavidade em sua voz. Ela ensaiou isso, e eu me recuso a ser envolvido.
— Sua mãe ficaria muito orgulhosa do que você conquistou. Dez anos atrás, os
nossos corações se partiram. Se ela pudesse ver você agora… Um dos melhores
escritores de true crime do país. Tem sido uma jornada e tanto, Ben, um verdadeiro
triunfo sobre a tragédia. Essa história é sua.
— Não importa quantas vezes discutamos isso — respondo —, a resposta ainda é
não.
— Ben! — exclama ela. — Você ainda nem me ouviu.
— Sei o que você está procurando. E não sou eu. Escrevo peças investigativas, não
sentimentais.
— Não estou atrás de uma história de sentimentalismo vulgar. Essa seria a sua
verdade: emocional, comovente, crua e redentora. A verdadeira história, contada pelo
homem por quem todos neste país nutrem tanto carinho.
— Não estou interessado nisso.
— Mas milhões de pessoas estão, Ben. — A voz de Madeline assumiu o tom que ela
usa quando está determinada a conseguir as coisas do seu jeito. Cada palavra é
claramente pronunciada. — Você subestima o quanto as pessoas se importam com você.
O que aconteceu com Nick e depois a morte da sua mãe… todo mundo se lembra disso.
As pessoas sabem quem você é e acreditam que compartilham uma conexão genuína
com você. — Ela se levanta e dá a volta na mesa, empoleirando-se no canto, ao meu
lado. — Não estou dizendo que alguns não sejam um pouco loucos, mas, goste você ou
não, eles imaginam que compartilharam a sua dor. Eles querem apoiá-lo, ao mesmo
tempo que são eternamente gratos por não ter acontecido com eles. E agora eles querem
ler sobre isso, com suas próprias palavras, como nossa exclusiva mundial.
A franqueza não é algo que Madeline evite. Sua capacidade implacável de ir direto ao
ponto é o que a torna uma grande jornalista. Simplesmente balanço minha cabeça.
— Já disse que não vou escrever.
— Ben, nós dois sabemos que você vai escrever. Por mais doloroso que seja, é uma
história boa demais para não ser escrita.
— Se eu escrever o artigo que você quer, passarei o próximo ano tendo pessoas vindo
até mim na rua, me perguntando como estou e dizendo que estou sempre em suas
preces.
— Isso não soa de todo ruim. Essas pessoas têm boas intenções, mesmo as mais
peculiares.
— É um não, Madeline.
— Ben. — Ela se levanta de repente, cruza a sala para fechar a porta e se vira para
me olhar. — Vou ser franca com você. Nossos números estão sob pressão. Estamos
realmente sendo espremidos. Precisamos de uma grande história.
— A resposta ainda é não.
Madeline me ensinou sua própria busca implacável por leitores. Agora, no entanto,
percebi rapidamente que, quando a caçada chega à sua porta, sua perspectiva muda.
— Ninguém está mais comprometido com o sucesso deste site do que eu —
respondo. — Minhas histórias trazem mais leitores novos do que qualquer outro artigo.
Depois, por algum motivo, esses leitores ficam para ler as fofocas inúteis que você chama
de notícias.
Os olhos de Madeline piscam. Por um momento, acho que terminamos.
Em seguida, seus ombros relaxam.
— Você mesma disse, sou o melhor jornalista que você tem — digo.
— Um prêmio não faz de você meu melhor jornalista.
— Foram dois e são os únicos prêmios que o site já ganhou.
— Não estamos aqui pelos prêmios, estamos aqui pelos leitores — diz ela. — E
precisamos de mais deles. Rápido.
Posso sentir que estou perdendo a paciência. Respiro fundo. Se não conhecesse
Madeline tão bem, acharia difícil acreditar que ela estava tentando me intimidar. Por ter
crescido perto da minha casa, ela sabe o quanto a morte do meu irmão Nick foi
traumática, não apenas para minha família, mas para toda a nossa comunidade. Li os
artigos que ela escreveu à época. Ela entendeu o impacto devastador que a morte dele
teve em toda a nossa cidade.
Viro minha cadeira para encará-la, enquanto ela vai até a janela.
— Não vou fazer isso, Madeline. Você precisa aceitar, você nunca vai ter ideia de
como foi. O rosto de Nick em todas as primeiras páginas, o da minha mãe, o meu. Não
tenho vontade de publicar a última parte da minha vida que consegui manter em sigilo.
Não é a resposta que ela quer e posso ver sua irritação aumentando. Ela tamborila os
dedos na mesa. Pensativa, volta para sua cadeira e começa a bater no teclado. Ela não
diz mais nada, e presumo que esteja dispensado. Aliviado, levanto-me para ir embora.
Porém, assim que chego à porta, ela fala:
— Ben, já lhe ocorreu que, se você não escrever isso, outra pessoa poderia?
Faço uma pausa, sem me virar para olhar para ela.
— E, se o fizer, não posso controlar o que iria dizer.
2
S aímos do escritório às quatro da tarde. Digo a Min que preciso de apenas um drinque.
Um se torna dois e, quase imediatamente, me sinto instável sobre meus pés. Parei de
beber há dez anos, mas preciso de algo para aliviar minha fúria com Madeline. Embora
eu admire sua capacidade única de ser a primeira em qualquer história, seu apetite voraz
por leitores às vezes é impossível de engolir.
A notícia da minha conversa com Madeline se espalha rapidamente entre a equipe.
Nosso grupo cresce em número, e quando nos tornamos numerosos demais para o
barzinho do centro da cidade, decidimos ir para o oeste, fora do centro de Londres, ao
nosso lugar favorito: o Mailer’s. Situado às margens do rio Tâmisa, no vilarejo de St.
Marnham, o restaurante, administrado pelo renomado chef londrino East Mailer, está
instalado em um armazém modificado. Fui eu quem o apresentou ao pessoal do
escritório. A maioria não tinha se aventurado tão longe antes, mas a comida incrível,
combinada com a vista deslumbrante do rio, logo conquistou um exército de seguidores.
Mesmo quando não está presente, Madeline tem o hábito de dominar as conversas.
Durante o jantar, o apoio a mim é quase unânime, com a maioria dos colegas indignados
com o fato de ela me pressionar para escrever o artigo. Apenas Min permanece quieta.
Posso vê-la deliberando enquanto o resto de nós protesta contra a determinação de
Madeline de conquistar leitores a qualquer custo. Finalmente, enquanto divide o resto
da última garrafa entre nossos copos, ela me pergunta se Madeline pode estar certa —
pelo menos em parte. Poderia o décimo aniversário da morte da minha mãe ser um
momento para eu fazer uma pausa e aproveitar a oportunidade para realmente entender
o que aconteceu?
Em meus momentos mais sombrios, compartilhei com Min meus sentimentos de
culpa, minha incapacidade de compreender, mesmo depois de todos esses anos, por que
mamãe fez o que fez. Todos ficam em silêncio. Prometo pensar sobre isso. Na verdade,
já sei que nunca vou escrever o artigo por todos os motivos que dei a Madeline. Meu
trabalho pode me permitir explorar a vida dos outros, mas nunca mais quero
experimentar meu próprio passado.
Enquanto a noite se aproxima do fim, e todos vão para casa, Min e eu entramos no
bar de tijolinhos à vista para um último drinque. Apesar de já saber que amanhã de
manhã vou me arrepender de ter bebido tanto, ofereço pouca resistência enquanto Min
me convence de que mais um não fará muita diferença.
Sentado ao lado da lareira, Will Andrews, sócio do restaurante, sorri quando nos vê.
Ele nos convida a fazer companhia, sinalizando ao barman para trazer três copos de
uísque. Mais de vinte anos atrás, Will tinha sido um dos amigos de escola mais próximo
do meu irmão. Cresceu e tornou-se alguém incrivelmente bem-sucedido e, há alguns
anos, juntamente com seu parceiro, East, investiu no restaurante. Eu não o conhecia tão
bem, mas Will foi incrivelmente generoso com minha mãe, nunca esqueceu o
aniversário dela e sempre lhe enviou rosas no aniversário da morte de Nick.
Trocamos gentilezas e compartilhamos as novidades da vida. Ele pergunta sobre o
site, e eu falo sobre um artigo que publiquei recentemente, junto com o demorado
processo de transformá-lo em um podcast de true crime. Em seguida, conto a ele sobre
minha conversa com Madeline.
— Enquanto o resto de nós precisa entrar na linha, Ben está acostumado a fazer o
que quer — diz Min, rindo. — Ele realmente é o favorito dela.
— Não, não sou — protesto. — Bem, talvez só um pouquinho.
— Quando fiz a pergunta no jantar, não estava dizendo que você definitivamente
deveria escrever o artigo — continua ela —, e é claro que isso precisa ser uma decisão
sua, mas você não gosta de brigar com a Madeline.
— Certamente, até a Madeline precisa enxergar isso do ponto de vista de Ben. — diz
Will. — Essa é uma história tão pessoal.
— Não discordo — diz Min —, mas acho que Ben deveria aproveitar a oportunidade
não para escrever o artigo enaltecedor de Madeline, mas para realizar sua própria
investigação. Por mais que me doa dizer isso, ele é o melhor na área.
— Só Ben pode saber a coisa certa a fazer — diz Will. — A morte de Clare teve um
impacto enorme em todos nós. E, antes disso, a de Nick. Mas, para Ben, elas destruíram
sua vida. Madeline precisa respeitar isso e entender que ele passou muitos anos tentando
encontrar um caminho de volta ao normal. Em algum momento, ele tem que ser capaz
de impor limite.
— Posso dar minha opinião sobre isso? — digo, sorrindo, antes de sermos
brevemente interrompidos por East Mailer, que traz nossos drinques. Levanto-me para
cumprimentá-lo, e ele promete se juntar a nós após a saída dos últimos clientes.
— Posso fazer uma pergunta? — diz Min enquanto retomamos nossa conversa.
Concordo com a cabeça. — Como você abordaria isso, se fosse qualquer outra história?
— Não é qualquer outra história, esse é o ponto principal — Will interrompe. — É a
história do Ben. E, de qualquer forma, depois de todo esse tempo, é possível esperar
encontrar algo novo?
— Absolutamente, fazemos isso o tempo todo — responde Min. — Ben, sei que é
doloroso, mais do que qualquer um de nós pode imaginar, mas também sei que, no
fundo, há uma parte sua desesperada para fazer um milhão de perguntas.
— Mas não tem a ver só comigo — digo, girando lentamente o copo de uísque na
mão. — Não acho que mamãe gostaria que eu fizesse isso.
Ao longo da vida, minha mãe me ensinou que as coisas mais simples podem fazer a
maior diferença. Para ela, isso significava deixar que eu me comportasse como qualquer
outro adolescente: jogar futebol, falar sobre garotas, tomar um drinque escondido ou
fumar um cigarro de vez em quando. Ela tratou tudo isso da mesma maneira que
qualquer outra mãe o faria. Ela nunca enlouqueceu e tentou me impedir de fazer algo,
por mais esmagador que esse desejo possa ter sido. Ela nunca usou Nick como desculpa.
Se eu chegasse atrasado trinta minutos ou uma hora, embora isso às vezes deva tê-la
aterrorizado, ela nunca deixou transparecer — nenhum grande drama, nenhuma reação
exagerada. Após sua morte, foram necessárias todas as minhas forças e o apoio das
pessoas mais próximas para colocar a vida de volta nos trilhos. Com certeza, ela não
gostaria que eu jogasse isso fora para vasculhar o passado.
— Entendo isso, Ben, realmente entendo — diz Min gentilmente, adicionando um
pouco de água em seu drinque, depois se virando para mim. — Mas acho que você
ainda tem dúvidas sobre a morte da sua mãe, e isso sempre vai impedi-lo de aceitá-la.
Não acho que sua mãe iria querer isso para você também. Então, eu digo, aproveite
agora a oportunidade para descobrir a verdade.
— Isso pode não ser exatamente o que Madeline está procurando — respondo.
— E desde quando isso é problema para você?
Sorrio, apesar de não querer.
— O que eu odeio é a forma como as pessoas sempre criaram suas próprias ideias
sobre o assunto — continuo. — Elas acham que minha mãe estava tão dolorosamente
infeliz que simplesmente não aguentou mais, que não tinha nada pelo que viver. Mas sei
que não foi assim. Mesmo com tudo o que passamos, ela encontrou uma nova
positividade. Ainda não consigo entender o que ela fez. De alguma forma, tem que haver
algo mais.
— Como o quê, Ben? — responde Will, gentilmente, enquanto East completa nossos
drinques. Faço uma pausa.
— Para mim, é impossível dizer.
Quando os últimos clientes saem, East se junta a nós na mesa, e a conversa se volta
para a vida do vilarejo. Planos para uma roda-gigante no gramado, como parte da festa
local, estão causando polêmica.
— O presidente do comitê organizador ameaçou renunciar — diz East. — E minha
oferta de pagar pela porcaria não foi tão bem recebida quanto eu esperava. Alguns
membros me acusaram de tentar sequestrar todo o evento. Fiquei terrivelmente
ofendido.
— Não dê ouvidos a ele — diz Will, rindo. — Ele ama isso. E eles o amam.
Com a oferta de um último drinque, levanto as mãos para sinalizar que estou muito
acima do meu limite, enquanto Min diz que precisa ir cedo para o escritório, na manhã
seguinte. East chama um táxi para ela, e eu decido caminhar pela margem do rio até
minha cidade natal: Haddley.
— O ar fresco vai me ajudar a espairecer — digo a East, enquanto o vejo acender um
baseado no pátio do restaurante.
— Will só me deixa fumar do lado de fora hoje em dia — responde ele e, enquanto
dá uma tragada, ficamos observando juntos as luzes traseiras do táxi de Min
desaparecerem. East tira a bandana xadrez de chef e, bagunçando seu cabelo grisalho na
altura dos ombros, me oferece uma tragada.
— Acho que não me ajudaria — digo, já sabendo que amanhã de manhã vou me
arrepender dessas duas grandes doses de uísque.
— Você provavelmente está certo.
Saímos do pátio e andamos lentamente em direção às margens do rio.
— Ben — continua East enquanto as luzes do restaurante desaparecem atrás de nós
—, não pude deixar de ouvir antes e realmente não tinha certeza se deveria dizer
alguma coisa…
— Vá em frente — digo. Paramos perto do rio, onde a luz da rua ilumina o acesso
que margeia o rio.
— Conheço Madeline há muito tempo. Ela era frequentadora do meu primeiro
restaurante em Richmond, uma vida atrás. E sei que ela pode ser muito persuasiva. Não
a deixe convencê-lo a fazer algo que não queira fazer. Meu conselho é: continue como
sempre fez e siga em frente com sua vida. Ninguém jamais ganha nada olhando para
trás.
3
E nquanto a luz da manhã rasteja pelas persianas, fico deitado na cama, acordado, sem
nenhuma ideia de que horas são. Estico a mão pela mesa ao lado da cama, procurando
meu telefone, e um copo d’água cai no chão. Temo que, se levantar a cabeça, o quarto
gire. Então, lentamente, viro e olho. Posso sentir o gosto rançoso do álcool na boca.
Dez anos antes, eu estava deitado na mesma cama enquanto minha mãe gritava
comigo pela terceira e última vez para que me levantasse. Era o meu segundo ano na
Universidade de Manchester, e estava passando o feriado de Páscoa em casa, em
Londres, trabalhando em um site de notícias esportivas. Passava meus dias verificando os
fatos dos artigos. Eu tinha levado menos de uma semana para perceber que jornalistas
esportivos não começavam a trabalhar até o meio-dia, terminavam tarde e passavam a
maior parte do tempo livre no pub, assistindo a futebol na Sky. Era uma rotina que eu
ficara feliz em adotar e, deitado na cama naquela manhã, de ressaca, não tivera pressa
em me juntar ao trajeto matinal da minha mãe.
Agora, com os olhos ainda bem fechados, a voz da minha mãe toca repetidamente na
minha cabeça — sua frustração comigo, sua crescente irritação com minha aparente
apatia. Enquanto saía pela porta, ela me chamara uma última vez.
— Ben, pare de desperdiçar seus dias deitado. Levante-se agora! — gritou, e eu a
ouvi pegar a bolsa antes de fechar a porta atrás dela.
Essas foram suas últimas palavras para mim.
Naquela manhã, minha mãe saíra de casa pouco antes das oito. Ela pegara o caminho
através da praça de Haddley e seguira pela borda da floresta, que corre ao lado da linha
férrea. Ela teria levado menos de dez minutos para chegar à estação de St. Marnham,
seguindo o mesmo trajeto que fazia todas as manhãs. Geralmente, ela ia até o outro lado
da plataforma, onde sempre ficava esperando para embarcar na parte de trás do trem —
o único vagão onde ela poderia ter a certeza de um assento para sua viagem de vinte
minutos até o centro de Londres. Mas, quanto ao que ela fizera naquela manhã, tudo o
que sei é o que a polícia me dissera mais tarde.
Eu tinha feito o meu café da manhã e um sanduíche para levar para o trabalho.
Estava de pé na janela do andar de baixo, tomando uma xícara de café e pensando em
começar o dia. Enquanto eu olhava distraidamente para meu vizinho idoso, o Sr.
Cranfield, que estava trabalhando em seu jardim, um carro de polícia parou em frente de
casa.
Dois policiais — um homem e uma mulher — saíram do carro e subiram pelo
caminho. Imediatamente, senti um aperto no estômago. Quando criança, eu tinha visto
muitos policiais chegarem à nossa casa, e o sentimento de pavor que acompanhava a
chegada deles era muito familiar. Várias vezes, depois da morte de Nick, eu me escondia
quando via policiais se aproximarem. Muitas vezes, ficava agachado no topo da escada,
ouvindo atentamente enquanto as informações eram transmitidas à minha mãe. De
repente, sentime como uma criança de novo. Porém, dessa vez, por mais que eu
quisesse, não havia lugar para onde correr e me esconder.
Quando a campainha tocou, fiquei imóvel, congelado na janela, observando
enquanto o Sr. Cranfield apoiava sua forquilha na parede da casa. Em seguida, ele
caminhou até o degrau da frente, sentando-se para tirar as botas de borracha. Ele as
colocou de lado com cuidado antes de se levantar e ir para dentro de casa.
Somente quando a campainha tocou pela segunda vez, eu me mexi. Lentamente
caminhei até o corredor, hesitando antes de colocar a mão no trinco da porta da frente,
desesperado para me agarrar à vida como ela era. Uma vida que, de alguma forma, eu já
sabia que estava se esvaindo.
A campainha tocou uma terceira vez, e eu abri a porta.
Uma ventania soprava no pátio, e os dois policiais na soleira da porta estavam
inconscientemente agrupados. Nem esperei que falassem: virei e voltei pelo corredor, em
direção à cozinha. Os policiais entraram atrás de mim, e eu os ouvi fechar a porta. O
policial perguntou se eu era o senhor Benjamin Harper. Com uma certa resignação,
respondi.
— Sim. — Eles sabiam exatamente quem eu era.
Na cozinha, sentei-me à nossa velha mesa de fazenda. Era uma coisa enorme que
preenchia a maior parte da sala. Depois de Nick, tinha parecido grande demais apenas
para mamãe e eu, mas, ao longo dos anos, tínhamos aprendido a ocupá-la. Agora,
enquanto eu estava sentado lá sozinho, sua vastidão era sufocante.
Enquanto estava à porta da cozinha, a policial me pediu para confirmar se eu era
filho de Clare Harper. Alguém mais estava em casa? — ela perguntou. Balancei a cabeça.
Vi o homem se mover hesitante pela cozinha antes de se inclinar para o lado, onde
estavam meus pratos sujos do café da manhã. Eu tinha esquecido de colocar a manteiga
de volta na geladeira. Dava para vê-la brilhando onde tinha começado a derreter e havia
uma faca saindo do topo de um pote de molho. Minha mãe teria odiado aquilo.
A policial puxou uma cadeira e se virou para mim. Levantei a cabeça e, pela primeira
vez, olhei para ela. O pesar que vi em seus olhos era o mesmo que eu havia passado a
desprezar.
Ela me perguntou novamente se Clare Harper era minha mãe, e eu disse que era. Ela
trabalhava em um escritório na Welbeck Street? Lembro-me de rir, uma risada nervosa,
involuntária, antes de sentir o toque de sua mão. Virei para o outro lado apenas para
chamar a atenção do policial, antes que ele olhasse rapidamente para nosso jardim dos
fundos, onde o sol da primavera havia ajudado a grama a crescer. Minha mãe havia
passado a semana anterior me pedindo para cortar a grama e eu tinha dito a ela para
parar de me incomodar.
A policial perguntou se minha mãe pegava o trem da estação de St. Marnham.
Comecei a falar, dizendo que ela pegava o trem no mesmo lugar todas as manhãs, como
era uma criatura de hábitos, sempre tinha a mesma rotina: saía de casa exatamente no
mesmo horário, caminhava pelo pátio, fizesse chuva ou sol. A policial tentou me
interromper, mas não parei de falar. Ela trabalhava como gerente de projetos em uma
empresa de design de escritórios, sempre levava o almoço de casa, parava por uma hora
ao meio-dia e meia, fazia um café quando chegava de manhã; ela estaria lá agora, e era
onde eles poderiam encontrá-la. A policial apertou minha mão e disse meu nome.
Uma mulher tinha entrado na frente de um trem que estava indo para a estação de
Waterloo.
— Acreditamos que a mulher seja a sua mãe, Ben.
Olhei para o outro policial, que agora estava olhando para mim. Na parede atrás de
nós, eu podia ouvir o tique-taque do relógio da cozinha. De repente, parecia
terrivelmente alto.
— Sinto muito, Ben, mas ela foi morta instantaneamente — disse a policial. Ficamos
em silêncio, até que ela continuou. — Sei que isso é muito para absorver, então talvez
seja melhor você chamar um membro da família para estar com você.
Eu não disse nada.
— Ou talvez um amigo próximo — acrescentou ela rapidamente, olhando para seu
colega.
Ela estava esperando que eu respondesse, mas eu não tinha nada a dizer. Eu queria
que eles fossem embora. Havia formalidades a serem seguidas, mas eu não as ouvi. Seria
necessária uma identificação do corpo, mas não registrei que seria eu quem a faria. Eu
tinha vinte anos.
— Há alguém que possamos chamar para você? — repetiu ela. — Eu realmente acho
que deveria ter alguém com você.
Por alguma razão, tudo em que eu conseguia pensar era no sr. Cranfield no jardim,
com sua forquilha.
— Ben?
Forcei minha atenção de volta para o policial e menti. Disse que ligaria para meu pai.
Eu nem sabia o número dele.
O policial atravessou a sala, colocou a mão em meu ombro e perguntou se eu ia ficar
bem; disse que ficaria. Queria que eles fossem embora. Certamente, eles sentiam o
mesmo.
Levantei-me e caminhei lentamente para o corredor. Eles me seguiram, com a policial
querendo garantias de que eu faria minha ligação.
Mais uma vez, prometi que faria. Só queria que eles fossem embora.
Eles manteriam contato, disseram.
Concordei com a cabeça e agradeci. Eu não sabia por quê.
O vento soprou pelo corredor quando eles abriram a porta da frente para sair. Tinha
começado a chover forte, e os policiais correram para o carro, com a mulher segurando o
chapéu, desesperadamente. Fechei a porta e fiquei sozinho no corredor vazio.
4
D ani Cash saiu de seu quarto, acendeu a luz e atravessou o pequeno corredor para o
quarto dos fundos, no andar de cima, de sua casa em Haddley. Como ela havia adorado
essa casa desde a primeira vez que tinha entrado — suas paredes recém-decoradas, o
cheiro acolhedor de carpetes novos e macios e os móveis cuidadosamente ajustados para
manter tudo em seu lugar. A casa tinha sido perfeita: uma casa com a qual ela sempre
havia sonhado. Para ela, não importava que estivesse a um quilômetro e seiscentos
metros de distância do Tâmisa e do suposto charme vitoriano das propriedades
ribeirinhas de Haddley. Essa seria a sua casa. Ela tinha se convencido de que poderia se
tornar um lugar incrivelmente feliz.
Quatro meses depois, parecia uma prisão.
De pé na porta, ela imaginou o quarto de criança que havia planejado criar —
estampas de animais nas paredes, seus pinguins favoritos nas persianas. Estaria ela se
enganando, esperando que esse dia ainda pudesse chegar?
Agora não era hora de pensar nisso. Precisava focar sua mente de volta no trabalho.
Ela olhou para o uniforme, que tinha colocado com tanto cuidado na cama extra na
noite anterior; por um momento, hesitou. Será que estava pronta?
Ela tinha que estar.
Era sua única saída.
Pegou sua camisa branca engomada, com as dragonas já no lugar. Seus dedos
estavam todos desajeitados enquanto as abotoava e prendia o cachecol. Quando se
abaixou para amarrar os cadarços, ela teve um vislumbre de seu próprio reflexo. Na noite
anterior, havia se sentido orgulhosa ao passar um vinco acentuado em suas calças pretas.
Ela havia pensado em seu pai e nos anos que ele tinha servido, e sabia que era um
orgulho que ele compartilharia.
Sua jaqueta estava pendurada do lado de fora do guarda-roupa. Ela arrancou o
plástico da lavanderia, apertou o botão de cima e a colocou. Estava folgada sobre suas
costas e quadris. Isso não a surpreendeu: seu apetite havia desaparecido nas últimas
semanas. Ela pegou o chapéu da cama e escondeu o máximo possível os seus cachos
loiros. De pé na frente do espelho, por um momento, ela quase não se reconheceu.
Ela era uma policial novamente.
No topo da escada, a mulher parou e ouviu sinais de vida. Com cuidado para evitar o
segundo degrau que, apesar da promessa de um construtor, ainda rangia sob a menor
pressão, desceu as escadas. Quando chegou à porta da sala, encontrou-a firmemente
fechada e expirou silenciosamente.
Do lado de fora de sua casa, Dani fechou os olhos brevemente, virou o rosto para o
céu e deixou os raios do sol aquecerem seu espírito. Ela parou por um momento, então
deu um passo à frente, determinada a deixar os últimos cinco meses para trás.
Seus cinco anos na Força tinham mostrado que ela podia ser uma boa policial. Uma
nova recruta, aos vinte e um anos, ela havia impressionado imediatamente. Ser filha de
Jack Cash só significava que ela seria mais testada. Porém, desde o primeiro dia, ela
havia atendido às expectativas. Calma e com raciocínio rápido, tinha sido uma clara
favorita entre seus supervisores. Apenas seis meses atrás, houve conversas sobre ela
progredindo para sargento.
Dani afastou o pensamento. Ela havia sido uma boa policial na época e seria uma boa
policial agora.
No meio do caminho para Haddley Hill, ela parou para atravessar a rua no semáforo.
O trânsito já estava aumentando, e as crianças se dirigiam para a Haddley Grammar
School. Sorrindo para duas adolescentes que estavam ao seu lado no cruzamento, Dani
deixou seus olhos vagarem em direção ao Tâmisa. Ela parou e observou enquanto o
ônibus fluvial passava sob a ponte Haddley, transportando passageiros para a cidade.
A explosão veio do nada. As meninas gritaram, e Dani pulou para trás com tanta
força que o movimento brusco fez seu chapéu cair no chão. Ela se arrastou na beirada da
calçada, mas estava quase cega de pânico. Onde estavam as meninas? Ela não podia
deixá-las sofrer nenhum dano. Levantou-se rapidamente, mas sua visão embaralhou.
Então, ela sentiu uma mão em seu braço.
— Está bem, moça? — disse uma das meninas, entregando o chapéu para Dani.
— Garotos estúpidos! — gritou a outra, antes de cair na gargalhada. — Vocês são
como crianças!
Dani olhou em volta e viu a vida cotidiana continuar ao seu redor. No lado oposto da
rua, ela vislumbrou três meninos, antes que desaparecessem, correndo para o Haddley
Hill Park.
— Eles estão sempre brincando com fogos de artifício — disse a garota que passou o
chapéu para Dani. — Pensam que são tão homens, mas não passam de garotinhos
bobos! — Esse comentário final, ela gritou para o outro lado da rua, a plenos pulmões.
— Estou bem, obrigada — disse Dani. Vendo o semáforo mudar, ela parou para
arrumar o chapéu. As meninas atravessaram a rua e desapareceram no parque. Antes
que ela percebesse, o tráfego estava se movendo novamente. Mais uma vez, ela apertou
o botão para atravessar.
À medida que descia o morro em direção à rua principal, o tráfego ficou mais
congestionado. Um ônibus indo para Wandsworth bloqueou o cruzamento principal.
Buzinas soaram, e Dani se virou para um motorista frustrado, reprimindo sua raiva com
um olhar. Um entregador parou na via rápida e, depois de mandá-lo seguir em frente,
Dani saiu, com o trânsito fluindo atrás dela.
Ao se aproximar da delegacia de polícia de Haddley, seu ritmo diminuiu. Do lado
oposto da rua, ela viu dois policiais entrarem no prédio e, em seguida, uma mulher
idosa, apoiada em sua bengala. Um policial mais graduado, que saía da delegacia,
segurou a porta para a mulher antes que outro policial a seguisse. Dani não reconheceu
nenhum dos policiais, e os outros pareciam estranhamente desconhecidos para ela,
como pessoas de outra vida que ela havia conhecido apenas vagamente. Será que tinha
ficado afastada por tanto tempo assim? Ela havia tomado uma decisão deliberada de se
manter longe da delegacia nos últimos cinco meses. Tinha se encontrado com um ou
dois dos policiais mais jovens para um drinque, mas havia optado por não entrar em
contato com o resto da equipe. Estava se arrependendo disso agora. Se ela tivesse ligado
apenas um punhado de vezes, talvez tivesse sido mais fácil, quebrado o gelo.
Depois de um momento, ela se afastou da delegacia e caminhou.
Ao chegar à ponte de Haddley, olhou para o relógio: ainda faltavam trinta minutos
para o início de seu turno. Ela atravessaria o rio, apreciaria a vista da ponte e depois
voltaria para a delegacia. Nessa altura, estaria pronta.
Da ponte, ela olhou para o rio, até as casas de barcos de Haddley, já uma multidão
em atividade. Atrás delas ficava a praça de Haddley e depois os bosques até St.
Marnham. Na outra direção, um bloco de torres com fachada de vidro despontava no
lado norte. Eram apartamentos de luxo e abaixo deles havia um supermercado gourmet,
repleto de vegetais orgânicos e vinhos finos. O local perfeito para capturar passageiros
cheios de dinheiro em busca de um jantar fácil quando chegassem em casa.
E o lugar perfeito para um ataque armado durante o último Halloween.
Eles tinham parecido pouco mais do que crianças da escola ao passarem correndo por
ela com suas máscaras de monstro. Ela havia prestado pouca atenção neles, pois sua
mente já estava na garrafa de vinho que planejava desfrutar depois de um longo turno.
Eles não a haviam notado quando ela os seguiu.
Ainda estava de uniforme.
Quando a viram, eles entraram em pânico.
O brilho da lâmina de uma faca. E depois outra.
Clientes gritando.
De repente, havia reféns e uma faca pressionada contra suas costas.
Dani ainda podia ouvir as sirenes em sua cabeça — assim como tinha feito
repetidamente nos últimos cinco meses. Ela deveria ter agido de forma diferente?
Imaginou o rosto de seu pai e as rugas ao redor de seus olhos quando ele sorria. —
Nunca duvide de si mesma, Dani — diria ele. — Você pode ser o que quiser. — Ela se
virou bruscamente e caminhou de volta pela ponte, em direção à delegacia. Sem
diminuir o passo, subiu os três degraus da frente do prédio. Ela caminhou rapidamente
através das portas, determinada a provar a si mesma mais uma vez.
5
A luz que ilumina meu quarto é quase insuportável de tão brilhante. Levanto-me e
alcanço o telefone, deslizando os dedos na tela. O relógio me mostra que já estou
atrasado para o trabalho. Vou dizer à Madeline que ficarei em casa pela manhã,
pesquisando meu próximo artigo. Além disso, como é quinta-feira, metade dos nossos
articulistas já estará pensando no fim de semana.
Examino o quarto. As roupas estão espalhadas pelo chão; minha carteira, vazia,
jogada ao lado do relógio que minha mãe me deu quando fiz dezoito anos. Minha
cabeça ainda está girando e, quando caio de volta no travesseiro, fico olhando para o
teto. Lágrimas começam a rolar, e eu pressiono os dedos nos cantos dos olhos.
Respirando profundamente, empurro o edredom, mas, ao fazê-lo, ouço o som de água
corrente vindo do banheiro.
Segundos depois, a porta do banheiro se abre, e a Sra. Cranfield entra em meu
quarto. Eu nunca ousaria chamar a Sra. Cranfield de governanta de meio-período,
especialmente porque nunca paguei um centavo a ela. Porém, ela faz um ótimo trabalho
em ajudar a manter minha casa em ordem. Ela e seu marido são duas das pessoas
incríveis que ajudaram a me reerguer depois que minha mãe morreu. Para mim, eles se
tornaram mais como uma mãe e um pai substitutos do que qualquer outra coisa. Eu
odiaria ficar sem eles, embora, como todos os pais, às vezes possam ser um pouco
irritantes.
— Então você está acordado — diz a Sra. Cranfield. — Esse banheiro está uma
vergonha.
— Está? — respondo, lutando para arrastar o edredom de volta sobre mim.
— Nada que eu não tenha visto antes. — Ela atravessa o quarto, pega meu short e o
joga na cama. — Você deve ter passado mal novamente depois que entrou. Terei que vir
mais tarde para dar uma boa arrumada.
— Novamente…? — pergunto, tímido.
— Depois de vomitar em nosso jardim da frente, enquanto voltava para casa. George
está lavando as clematites agora.
— Jesus! Sinto muito — respondo, morto de vergonha, tentando pegar meu short.
— Honestamente, Ben, esse banheiro está imundo. Não consigo imaginar quando foi
a última vez que você fez uma boa limpeza.
Debaixo do edredom, de alguma forma, consigo colocar o short antes de me sentar
na cama.
— Senhora C., estou de pé agora, então acho… — Ela está puxando as cortinas e
mal me escuta.
— Vou arrumar aqui enquanto você está no chuveiro. Estou fazendo café da manhã.
No que diz respeito à senhora Cranfield, a resistência é inútil.
— Você está péssimo! — diz ela quando saio da cama, e percebo que meu short está
de trás para a frente. — Quando você não bebe, isso o atinge com muito mais força do
que quando você bebe. Você não criou uma tolerância, como meu George.
Apressadamente, vou para o banheiro e fecho a porta.
— E o que sua mãe diria? — grita ela atrás de mim. O vapor quente do chuveiro faz
pouco para aliviar minha cabeça e, quando volto para o quarto, ela continua latejando. A
Sra. Cranfield já desfez minha cama e tirou as roupas do chão. As janelas foram abertas,
trazendo vida de volta ao quarto. Pego uma camiseta do guarda-roupa e a enfio pela
cabeça enquanto vou até a janela. O sol da primavera também trouxe vida à praça de
Haddley, com narcisos espalhados pela grama e flores de cerejeira cobrindo as árvores.
Um dossel se formou acima do caminho, que vai da beira da estrada — onde os ônibus
param a cada dez minutos — até a entrada escura e sombria da floresta.
Na esquina, vejo o Sr. Cranfield cuidando das flores em seu jardim, exatamente como
havia feito dez anos antes. Semiaposentado desde que me lembro, nos últimos doze
meses ele finalmente se afastou das ópticas que havia dirigido durante quase vinte anos.
A cada duas semanas, tentamos assistir a uma partida no Clube de Rúgbi. Tenho a
impressão de que ele não é um grande fã do jogo, mas começamos a ir a partidas anos
atrás, quando meu melhor amigo, Michael Knowles, chegou ao time principal de
Richmond. Ele jogou apenas uma temporada antes de se mudar para Bath para jogar na
primeira divisão, mas o Sr. C e eu ficamos com nosso time local. Acho que o verdadeiro
prazer do Sr. C durante as partidas hoje é me interrogar sobre a verdade por trás das
histórias que publicamos no site de notícias, sempre querendo saber informações
especiais sobre o último escândalo político. Mesmo que ele raramente pare de falar
durante o jogo, gosto do tempo que passamos juntos.
Observo-o ir para a horta que ele mantém ao lado de sua casa. A casa dos Cranfield
fica na ponta de várias casas geminadas, proporcionando-lhes um pedaço extra de terra,
do qual o Sr. Cranfield cuida com zelo desde o dia que se mudou. Erguendo uma
forquilha com o cabo amarrado com barbante, ele parece exatamente como naquela
manhã dez anos antes. Talvez agora ele carregue alguns quilos a mais, e talvez seu
cabelo grisalho esteja um pouco mais fino. Porém, de todas as outras maneiras, eu
poderia estar olhando para a mesma cena de tantos anos antes.
Ouço a Sra. Cranfield fazendo barulho na cozinha. Naquela manhã, depois que a
polícia deixara minha casa, e eu estava sozinho no meu corredor, a Sra. Cranfield abrira
a porta dos fundos. Ela atravessara a cozinha e viera se sentar ao meu lado, ao pé da
escada e me segurara em seus braços enquanto eu soluçava. Duvido que eu tivesse
chegado ao fim daquele dia sem ela.
Desço as escadas, entro na cozinha e sou saudado pelo cheiro de café recém-passado
e de bacon crepitante.
— Você está parecendo mais respeitável — diz a Sra. Cranfield com aprovação. — O
que te fez ter uma noite tão pesada?
— Trabalho — respondo, pegando o bule de café. — Entrei em uma pequena
discussão. Tolamente, em seguida eu disse que precisava de um drinque para me
acalmar.
— Meu palpite é que piorou as coisas. O álcool normalmente faz isso — diz a Sra.
Cranfield, entregando-me um sanduíche de bacon antes de lutar para se equilibrar nos
bancos do bar, que substituíram as cadeiras de cozinha estilo Shaker da minha mãe. —
Nunca vou entender por que você comprou isto — diz ela, agarrando a ilha para se
equilibrar. Vendo-me suprimir um sorriso, ela começa a rir. — Meu corpo não é feito
para design de cozinha de ponta.
— Para mim, você parece maravilhosa.
— Sedutor — zomba ela.
Foi a Sra. Cranfield que me encorajou a voltar para casa nos últimos anos. Após a
morte da minha mãe, voltei para Manchester, parei de beber e consegui me formar com
um diploma decente. No ano seguinte, viajei pelo mundo. Meu antigo colega de escola,
Michael, pegou um voo e se juntou a mim por algumas semanas quando eu estava nos
Estados Unidos. Passamos o Mardi Gras em Nova Orleans. Eu ainda não tinha bebido
desde a morte da minha mãe, e vê-lo atravessar a janela de vidro ao lado da piscina e
passar duas semanas no Hospital da Universidade de Louisiana me fez ver os perigos do
consumo excessivo de álcool.
Quando voltei para a Inglaterra, consegui meu primeiro emprego de verdade – perto
de Haddley. Eu sabia que era hora de voltar para casa. No começo foi difícil, pois eu
tinha me convencido de que não poderia andar pela Haddley High Street sem ser
reconhecido. Com o tempo, porém, percebi que a maioria das pessoas era mais bem-
intencionada do que maliciosa.
— Então, por que a discussão?
— Adivinhe.
A Sra. C. sorri. Ela ouviu as muitas histórias do meu relacionamento de montanha-
russa com minha chefe.
— Madeline quer que eu escreva um artigo sobre mamãe para o décimo aniversário
de sua morte — digo. — Disse a ela que não — acrescento apressadamente, enquanto a
Sra. Cranfield abre a boca para falar.
— Essa mulher não tem escrúpulos — diz ela, estalando a língua em desaprovação.
— Pedindo que viva isso novamente. Como se isso fosse fazer bem a alguém. Ela
realmente passa dos limites. — Tomo um gole do meu café e sorrio.
— Então você acha que eu não deveria ceder? — A Sra. C. levanta as sobrancelhas.
— Não me diga que você estava pensando o contrário?
— Min achou que isso poderia me ajudar a colocar de lado as últimas dúvidas que
tenho.
— Min é uma garota adorável, mas sinceramente…
— Ainda me pergunto o que teria acontecido se eu não estivesse de ressaca, Sra. C.
Se eu tivesse falado com ela antes de ela ir embora ou ido atrás dela. Talvez tudo tivesse
sido muito diferente.
— Ben, nós já passamos por isso. Não foi sua culpa. Você nunca deve se culpar —
sussurra a Sra. Cranfield, saindo de seu banquinho e apertando meu braço. Ela abaixa a
cabeça e vai até a pia para começar a esfregar a frigideira vigorosamente.
— Você vai queimar suas mãos — digo enquanto o vapor sobe espesso da água.
Porém, a Sra. C continua a esfregá-la. Ando até ela e desligo a torneira. — Você não vai
deixar mais limpo do que isso, essas marcas estão grudadas pra sempre.
Ela seca as mãos em um pano de prato e me examina por um momento.
— Então, conte-me sobre sua noite fora — diz ela. — Você disse que estava com
Min?
— Min e alguns outros colegas.
— Min é apenas uma colega?
— Colega-barra-amiga, não mais do que isso.
— E os outros, eram colegas-barra-amigos? Ou isso se aplica apenas a Min?
— Chega! — digo rindo, voltando para o balcão e espremendo mais ketchup no meu
sanduíche de bacon.
— Muito bem, não vou perguntar mais. — A Sra. C levanta as mãos, simulando uma
rendição. — Colocou ketchup suficiente nisso? — Aperto novamente a garrafa. — A
primeira vez que veio almoçar comigo e George, você se recusou a comer qualquer coisa
antes de cobrir com ketchup.
— Eu tinha dez anos de idade!
— Algumas coisas nunca mudam.
Naquele dia, minha mãe tinha ido para a sua primeira entrevista de emprego desde
que decidira voltar ao trabalho. Eu estava em um dia de meio período de escola, devido
ao treinamento de professores, e o Sr. e a Sra. Cranfield haviam se oferecido para cuidar
de mim. Encontrando-se em apuros, minha mãe ficou encantada em aceitar a oferta dos
novos vizinhos, que haviam se mudado para a praça há apenas algumas semanas.
Enquanto a Sra. Cranfield trabalhava para desfazer as malas de sua nova casa, o Sr.
Cranfield me levava até o rio para me ensinar o básico da pesca em água doce. Assim
que ele abriu o pote de larvas vivas para isca, essa rapidamente se tornou minha
primeira e última experiência de pesca.
— Ela estava tão feliz por estar trabalhando de novo — diz a Sra. C., e eu me lembro
da alegria da minha mãe quando uma carta chegou dois dias depois, oferecendo-lhe o
emprego. — Tudo o que ela queria fazer era cuidar de você. — A Sra. C. faz uma pausa.
— E ela era uma amiga muito boa para mim… — Há um tremor em sua voz. — … mas
é você que eu coloco em primeiro lugar agora, para o seu bem e da sua mãe. — A
senhora C. enxágua a xícara na pia antes de acrescentar: — Venha almoçar no domingo.
Traga alguém se quiser.
Eu rio, e quando ela sai pela porta dos fundos, puxo-a para um abraço.
— Obrigado — digo.
— Pelo quê? — responde a Sra. C. — É para isso que estou aqui. — E, com um
aceno rápido, ela desce o beco em direção aos fundos de sua casa.
Encho minha caneca antes de abrir as portas que dão para o pequeno jardim dos
fundos. Sentado no degrau, sob o sol da primavera, abro a tela do telefone e clico no
aplicativo de notícias. Nosso site de celebridades relata um membro menor da família
real saindo aos tropeços de uma boate com um homem que, claramente, não é o duque
de lugar nenhum. Já o site principal, me leva à história de três pessoas mortas pela queda
de um guindaste, no centro da cidade de Nottingham. A seguir, uma mulher encontrada
morta em seu apartamento de um quarto, nos arredores de Leeds. Clico nos detalhes. A
polícia se recusa a comentar sobre o caso nessa fase, mas não consegue descartar uma
morte em circunstâncias suspeitas. Qualquer jornalista minimamente decente sabe que
isso significa que a mulher provavelmente foi assassinada, mas a polícia não está pronta
para confirmar.
Clico novamente e passo pelas manchetes, parando, de repente, quando os olhos da
minha mãe me encaram.
lembrando de clare harper: dez anos depois.
Duas semanas antes do aniversário da morte da minha mãe, Madeline está
promovendo um artigo que ainda não foi escrito. Sua audácia nunca deixa de me
surpreender.
Olho para o meu telefone. A foto da minha mãe é uma que conheço bem. Foi tirada
em uma noite fria de verão, no ano anterior à sua morte. Envolta em seu suéter favorito,
ela estava sentada às margens do Tâmisa, com a luz desaparecendo atrás dela. Naquela
noite, eu tinha saído e estava caminhando para casa pela beira do rio quando a vi
sentada, sozinha, enquanto o sol nublado se punha atrás da floresta. Sem que ela
percebesse, capturei sua imagem com meu telefone — a imagem de uma mulher em
paz com o mundo. Nós nos sentamos juntos e conversamos sobre a viagem a Bordeaux
que ela havia acabado de fazer com dois de seus amigos mais próximos — como eles
haviam visitado diferentes vinícolas todos os dias e ficavam sentados do lado de fora até
tarde, bebendo vinho no terraço. A foto capturava a liberdade recém-descoberta que a
viagem havia lhe dado. Quando ela morreu, foi a que eu escolhi para divulgar para a
imprensa.
Abaixo da imagem, há uma série de links para histórias relacionadas. Um é para um
artigo de alguns anos atrás, escrito como parte de uma série chamada Mulheres de
Coragem. Reli a história: ela celebrava uma mulher de grande dignidade e força interior.
Percorrendo o artigo, paro em uma imagem do meu irmão Nick com seu melhor
amigo, Simon Woakes. É uma foto que se tornou sinônimo da história de Nick e Simon,
uma imagem que se tornou infame em todo o mundo. De pé, na linha lateral do Clube
de Rúgbi de Richmond, vestidos com o kit de rúgbi da escola e com sorrisos de
vencedores, estavam Nick e Simon. Junto a eles, com seus braços em volta dos meninos,
estavam duas de suas colegas de classe.
As duas garotas de quatorze anos que semanas depois os matariam selvagemente.
6
E nquanto permanecia ao lado do portão da frente, esperando Nick voltar para casa,
levantei-me e observei as duas garotas, que se esparramavam na grama queimada da
praça de Haddley. A chegada do ônibus as animou, e elas foram rápidas em se levantar
quando o número vinte e nove parou no meio-fio. Nick e Simon, com as mochilas
jogadas nas costas, desceram do ônibus. Olhei por cima do muro do nosso jardim e vi
uma breve conversa acontecer.
Em seguida, a primeira das garotas saiu dançando, com o cabelo girando no sol do
fim da tarde. Ela estendeu as mãos, segurando sua amiga e puxando-a para a frente; as
duas giraram juntas pelo espaço aberto em direção aos bosques densos que separavam
Haddley do vilarejo vizinho de St. Marnham. Do outro lado da praça, eu podia ouvi-las
gritar enquanto giravam e giravam.
Por um momento, Nick e Simon pareceram hesitar, mas em seguida eu os vi acelerar
o passo em busca das meninas. Observando, atravessei a rua em frente à minha casa e
pisei no terreno ressequido da praça. A grama estava seca e rachada. Senti o calor do sol
bater enquanto os dias intermináveis de verão se recusavam a chegar ao fim. À minha
frente, as figuras de Nick e Simon estavam borradas pelo sol. Tive o cuidado de manter
distância, mas logo me vi correndo para mantê-los na minha mira. Como qualquer
criança curiosa de oito anos, eu estava determinado a descobrir para onde eles estavam
indo.
Sem fôlego, cheguei à entrada coberta de vegetação da floresta, engolindo ar seco
antes de curvar os ombros e rastejar para dentro. Instantaneamente, senti o calor se
dissipar, com a copa das árvores obstruindo os raios do sol.
Aproximei-me, sentindo uma linha de suor escorrer lentamente pela minha espinha.
A floresta estava silenciosa, e os galhos das árvores estavam estagnados, sem nenhum
sinal de brisa. O único som veio do triturar de arbustos mortos sob os meus pés.
Esforcei-me para ouvir um som que me guiasse em minha perseguição. Porém, enquanto
fazia isso, um trem passou chacoalhando na linha férrea que atravessava o lado superior
da floresta.
Esperei.
Então, escutei novamente. Minha própria respiração era o único som — até que um
grito distante ecoou pelas árvores. Nick ficaria furioso se me pegasse, mas eu segui em
frente na ponta dos pés, mantendo-me abaixado e escondido entre os arbustos cobertos
de mato. Fui em direção ao pequeno buraco aberto no meio da floresta, onde meu irmão
e seus amigos muitas vezes se escondiam.
O caminho estreito se contorcia à minha frente. Avancei pela vegetação rasteira até
finalmente chegar à clareira. Momentaneamente deslumbrado enquanto a luz do sol se
derramava pela abertura no dossel, cambaleei para um lado. Meu pescoço nu queimava
sob o sol.
O vale estava deserto.
Deslizei meus pés, chutando pontas de cigarro, com a poeira subindo. Sem sinal do
meu irmão e com uma sede crescente, decidi ir para casa.
Uma risada distante reverberou pelas árvores.
Então outra.
E, em seguida, um grito de prazer.
Instantaneamente, eu sabia onde eles estavam — uma pequena área elevada do
outro lado da floresta, perto de St. Marnham —, no lugar secreto de Nick. Para me
aproximar sem ser visto, tive que escalar a margem coberta de vegetação ao lado da
linha férrea. Enquanto eu empurrava os cardos, um espinho se cravou na dobra do meu
braço. Puxando-o para fora, observei uma linha de sangue descer pelo braço, escorrendo
para a palma da mão. Mordi meu lábio para abafar a dor.
Enquanto eu estava ao pé do monte gigante, o silêncio voltou para a floresta sem ar.
Comecei minha subida, escalando a colina com os pés escorregando no chão
empoeirado. Lutando para encontrar um apoio, senti-me deslizar para trás, até que
agarrei uma raiz morta e me levantei. Enquanto me limpava, ao chegar ao cume, olhei
para minha camisa de futebol favorita; estava coberta de terra seca e sangue.
Lentamente, rastejei para a frente.
Um.
Dois.
Três passos hesitantes.
Em seguida, parei.
Prendi a respiração.
Do outro lado do monte, Nick e Simon jaziam nus; seus braços estavam estendidos,
seus pés virados para mim.
Confuso, rastejei para a frente.
Meus gritos quebraram o silêncio.
7
A sargento da recepção sorriu para ela, e Dani Cash precisou se lembrar de respirar
enquanto passava pela mulher e entrava no vestiário feminino. Era difícil acreditar que,
cinco meses atrás, isso parecia sua segunda casa. Empurrando a porta, ela parou para
olhar o quadro de avisos – lugares disponíveis na meia maratona de Richmond, aulas de
pilates, Tai-Chi, festa de vinte e um anos de um policial trainee. Dani havia colocado um
convite semelhante no quadro de avisos para seu próprio vigésimo primeiro aniversário.
Ela havia se juntado à Força apenas algumas semanas antes e tinha comemorado com
muitos novos amigos em uma noitada à beira do rio.
Enquanto ia para seu armário, Dani se perguntava quantos colegas policiais sairiam
com ela hoje em dia. Diante do cadeado, sua mente ficou em branco. Ela tentou uma
combinação, depois uma segunda e finalmente uma terceira – o aniversário de Mat.
Esquecer isso só a fez se sentir pior.
Quando ela encontrou Mat pela primeira vez, ficara impressionada com ele. O
sargento bem-sucedido que todos diziam que seria chefe um dia. Com um metro e
oitenta, cabelo louro cortado, barba por fazer e olhos azuis suaves, ele era difícil de não
ver. Era oito anos mais velho do que ela, mas isso não importava. Grande parte da
delegacia estava fascinada por ele. Ela ficou fascinada por ele.
Em uma noite chuvosa de segunda-feira, a última coisa de que ela tinha vontade era
uma aula de ginástica. Porém, ainda mantendo suas resoluções de Ano-Novo, havia se
arrastado para o Haddley Leisure Centre. Os membros da Polícia Metropolitana
recebiam descontos na associação; isso significa que, na maioria das aulas, você suaria ao
lado de policiais seniores. Uma vez, em uma aula de body pump em que Mat estava
posicionado bem atrás dela, ela se virou e deu um meio sorriso para ele. No final da
aula, deu um meio sorriso novamente. Quando saiu do vestiário, ela o encontrou
sentado em um banco no corredor, esperando.
Talvez aquele terceiro gim-tônica no pub, com vista para o Haddley Hill Park, tenha
sido um erro. Mat havia dito que só bebia duplos e tinha comprado o mesmo para ela.
Antes das nove daquela noite, eles estavam de volta ao apartamento que ele alugou no
topo da colina. Mesmo bêbada, ela adorou a sensação dele ferozmente dentro dela. No
início da manhã seguinte, ele estava mais terno, e ela partiu querendo vê-lo novamente.
Na delegacia eles não se falaram, mas no final do dia ele piscou para ela, e naquela noite
eles ficaram juntos mais uma vez. No final do verão, eles passaram uma semana juntos
em uma praia na Croácia e, com taças geladas do vinho branco local, ela começou a
imaginá-los compartilhando um futuro juntos.
O mau cheiro atingiu Dani assim que ela abriu a porta do armário. Durante cinco
meses, seus sapatos de ginástica e seu conjunto sujo tinham apodrecido. Engasgando-se,
ela os puxou para fora e os jogou na lixeira próxima das pias.
— Não pensei que veríamos você de volta aqui.
Dani se endireitou e se virou para ver a policial Karen Cooke parada ao lado dela. De
alguma forma, o uniforme de Cooke sempre parecia um centímetro mais apertado do
que o de qualquer outra policial.
— Disseram que você não daria mais conta — continuou Cooke, dando à Dani um
sorriso desagradável. Ela nunca havia tentado esconder sua antipatia por Dani, que
presumia que isso vinha dos dias em que seu pai era o chefe, mas ela ainda ficou
surpresa com o veneno no tom de Cooke.
Dani não disse nada e voltou para seu armário. Cooke bloqueou seu caminho.
— A conversa na delegacia é que você seguiu o mesmo caminho do seu pai: perdeu a
coragem. — O rosto de Dani corou, e ela sentiu sua mandíbula apertar, mas manteve o
olhar em Cooke. — Covarde — disse Cooke, com um olhar de ódio. Dani passou por ela
e foi à pia, mas pôde sentir Cooke atrás dela enquanto segurava um pano sob a torneira
quente.
— Pelo menos quando foi seu pai, ele fez a coisa decente e se demitiu. Ninguém te
quer aqui. — Dani sentiu o peso de Cooke pressionar contra ela enquanto forçava um
sussurro em seu ouvido. — Não podemos confiar em você.
Sem aviso, Cooke empurrou Dani contra a pia — com um braço jogado ao redor de
seu pescoço e o outro pressionando com força contra o peito. Dani podia sentir a ponta
da pia cortá-la com o peso de Cooke a esmagando contra o mármore. Lutando para
respirar, Dani tentou desesperadamente se libertar, mas Cooke agarrou seu cinto e a
esmagou contra o espelho.
— Você precisa encontrar outra delegacia. E rápido.
Em um movimento único e ágil, Dani se jogou para trás. Com três passos rápidos, ela
jogou Cooke de volta nos armários e enfiou o pano molhado em seu rosto. Ao fazer isso,
ela ouviu a porta do vestiário se abrir e se virou para ver a sargento-detetive Lesley
Barnsdale atrás delas. Ela largou o pano e caminhou silenciosamente de volta.
— Bom dia, senhoras — disse Barnsdale, calmamente. Dani estava ciente de sua
superior avaliando a cena. — Bem-vinda de volta, policial Cash. Você está comigo hoje.
Temos uma chamada em nome da Força de West Yorkshire. Esteja pronta para sair daqui
a cinco minutos.
— Sim, senhora — respondeu Dani, fechando a bolsa dentro do armário.
— Cooke, você parece um pouco úmida — disse Barnsdale. — Sugiro que você se
seque. Depois disso, eu ainda estou esperando por seus dois relatórios da semana
passada. — Barnsdale atravessou o banheiro e entregou à Cooke o pano molhado, antes
de entrar em uma cabine e fechar a porta.
— Sim, senhora — respondeu Cooke, pegando um punhado de toalhas de papel. —
Ficarei de olho em você — sussurrou ela para Dani. — E mande meu amor para Mat.
Todo mundo quer vê-lo de volta aqui, em breve.
Dani deu um passo para o lado e agarrou a camisa de Cooke.
— Vá se foder — disse, antes de empurrá-la para o lado e sair do banheiro.
8
T reze meses após os assassinatos de Nick e Simon, Abigail Langdon e Josie Fairchild
foram condenadas. Durante o julgamento, nenhuma das meninas mostrou qualquer
remorso. Elas tinham matado os meninos, ambos prestes a se tornar alunos do décimo
ano, da maneira mais desumana.
Foi declarado no tribunal que as meninas tinham atraído Nick e Simon para a
floresta. Acho que não entendi muito do que foi dito, mas fui obrigado a depor através
de um link de vídeo. Lembro-me de ter sido perguntado se eu tinha visto as meninas
beijando os dois meninos quando eles atravessaram a praça. Senti vontade de rir da
pergunta, porque estava certo de que Nick não gostaria de ter sido visto beijando uma
garota na praça. Porém, percebendo a seriedade, eu simplesmente balancei a cabeça.
Nunca me pediram para contar o que encontrei quando descobri os corpos dos
meninos. Fotografias foram colocadas em evidência, mas a imprensa foi proibida de
mostrar os detalhes mais explícitos.
Naquele horrendo dia de verão, eu corri pela frente do monte e, em pânico, fiquei
desorientado. Em vez de correr para casa, eu cambaleei pela floresta e fui parar no
vilarejo de St. Marnham. Corri até chegar ao lago dos patos, no meio da aldeia. Ofegante
e confuso, caí no chão. Ajoelhei-me na grama e chorei, até sentir uma mão repousar
sobre meu ombro. Fiquei de pé. Um homem estava ao meu lado, tentando pegar minha
mão. Olhei para ele e gritei — gritei que meu irmão estava morto, morto na floresta. Ele
me disse para esperar, enquanto corria em direção às casas que davam para o lago.
Desesperado para escapar, eu tinha começado a correr de novo também, dessa vez pela
estrada que liga St. Marnham a Haddley.
Agora sei que é uma distância de quase um quilômetro e meio e, no intenso calor do
verão, naquele dia miserável, eu fiquei esgotado. Incapaz de correr mais, desabei ao lado
da estrada, deitado, abraçando minhas próprias pernas. Como um menino de oito anos,
eu sentia como se estivesse sozinho na beira da estrada durante horas. Porém, minutos
depois, um carro da polícia se aproximou. Sentado no banco de trás, sendo levado de
volta para Haddley, eu tinha começado a tremer. Eu teria que contar para minha mãe o
que eu havia visto.
Três dias depois, as meninas foram presas e acusadas. Suas roupas manchadas de
sangue foram encontradas emboladas debaixo da cama de Abigail Langdon. Com as
condenações das duas, suas identidades foram finalmente reveladas. As fotos tiradas pela
polícia mostravam-nas sorrindo insanamente para a câmera, aparentemente sem se
importar com o mundo. Assassinas sádicas e ritualísticas, elas foram transformadas em
figuras de ódio, representando a depravação de uma geração mais jovem.
Imediatamente após serem condenadas, foram transportadas para diferentes centros
de detenção juvenil de alta segurança. Durante a viagem, o veículo que transportava
uma das meninas foi atacado; um bloco de concreto foi jogado sobre ele de uma ponte
da rodovia. Somente quando as estradas foram fechadas é que o transporte delas pôde
ser garantido. Chamado a comentar os acontecimentos, o primeiro-ministro pediu calma,
mas sua mensagem de fortes valores familiares foi abafada por um desejo nacional de
vingança.
Dois dias depois do assassinato de Nick, meu pai apareceu em nossa porta. Minha
mãe deu a ele o direito de compartilhar nossa dor e o convidou para voltar à casa que ele
havia deixado quando eu tinha apenas três anos. Nos anos seguintes, ele fez aparições
aleatórias, chegando de repente com presentes mal-escolhidos, entregues com
entusiasmo exagerado. Três semanas depois do meu aniversário de sete anos, eu cheguei
da escola e o encontrei sentado em um banco perto da praça. Ele me chamou e me
presenteou com uma réplica do uniforme do Chelsea. Quando ele ficou irritado com a
minha ingratidão, Nick o chamou de lado para explicar que éramos fãs de Brentford, não
do Chelsea.
— Por que ele não sabia disso? — perguntei a Nick, quando, mais tarde naquela
noite, nos sentamos à mesa da cozinha para fazer a lição de casa.
— Ele está longe há muito tempo.
— Mas sempre fomos fãs do Bees.
— Eu sei — Nick respondeu. No fim de semana seguinte, ele e mamãe me levaram
ao meu primeiro jogo no Brentford. Nunca usei a camisa do Chelsea.
Ao voltar para casa, acho que meu pai ofereceu um conforto momentâneo à minha
mãe. Diante de uma dor tão crua, tudo o que havia acontecido entre eles foi brevemente
esquecido. Porém, eu não o conhecia. Sempre que estava com ele, eu ainda era o
menino de três anos esperando na janela o pai voltar da última viagem de trabalho. Foi
de uma dessas viagens que ele nunca mais voltou; por isso, eu nunca poderia perdoá-lo.
Quatro dias após o funeral de Nick, ele se foi novamente.
O primeiro ano após a morte de Nick foi insuportável para a minha mãe. Com um
filho amado para chorar, um julgamento de assassinato para aguentar e uma explosão da
mídia para suportar, muitas vezes me pergunto como ela sobreviveu àquele ano. A dor
dela deve ter sido implacável, e me lembro da desolação que compartilhamos enquanto
nos sentamos juntos à mesa da cozinha, com a cadeira de Nick vazia ao nosso lado.
Todas as noites, minha mãe brincava com a comida, sem realmente comer. Abraçando-a
todas as noites, sentindo seus ossos contra os meus, eu estava com medo de abraçá-la
muito forte, temendo que ela quebrasse.
Enquanto minha mãe sofria e, como ela mesma contou mais tarde, tentava
sobreviver, vivendo uma hora de cada vez, ela estava simultaneamente tentando me
persuadir a voltar ao mundo. Eu precisava de garantia constante de minha própria
segurança e de que ela estaria lá para cuidar de mim. Nas semanas que se seguiram à
morte de Nick, fiquei com medo de sair de casa. Eu não suportava que minha mãe
ficasse fora da minha vista por um único minuto. Todas as noites, ela se deitava comigo
até que eu adormecesse, de muitas maneiras achando isso tão reconfortante quanto eu.
Perdi o ano letivo seguinte, mas semanas antes do Natal comecei a colocar em dia meus
trabalhos escolares, em casa. Depois, em uma manhã coberta de gelo de janeiro, Holly e
Michael, meus melhores amigos para toda a vida, chegaram em casa, com suas mães ao
lado. Segurando a mão da minha mãe com força, caminhei pela beira da praça e depois
ao longo da margem do rio, em direção à escola primária que frequentava, do outro lado
da ponte Haddley. No meio do caminho do rio, Michael começou a correr na frente e eu
me virei para olhar para minha mãe. Ela soltou minha mão, e Holly e eu o perseguimos.
Segundos depois, eu me virei e acenei para a minha mãe enquanto ela caminhava de
braços dados com suas duas amigas.
No final de cada dia de aula, ela estava esperando nos portões da escola, e íamos para
casa juntos. Continuei relutante em ir a qualquer lugar que não fosse a escola e minha
casa. Meu amor pela praça se foi, e mesmo a atração de correr atrás de uma bola de
futebol com meus amigos não conseguiu me afastar da mesa da cozinha.
Nos meses seguintes à conclusão do julgamento, a cobertura da mídia começou a
diminuir, e minha mãe tentou me convencer a começar a viver a vida de um menino de
dez anos. “Por que não vamos assistir ao Brentford novamente?”, ela perguntava. O
clube era muito menos glamoroso do que os grandes times londrinos, mas Nick e eu
tínhamos torcido para eles desde jovens, adotando-os como nossos times familiares.
Embora Nick fosse mais fã de rúgbi, nós três adorávamos ir a partidas juntos. Eu ainda
era um grande fã de futebol, mas, sem Nick, recusei-me a voltar a quaisquer jogos. Foi
só quando os Bees estavam no topo de sua liga, tornando-se um dos melhores times que
comecei a ser varrido pela emoção. Numa sexta-feira à noite, minha mãe me
surpreendeu ao chegar em casa com dois ingressos para o jogo do dia seguinte.
Durante o jogo, abracei minha mãe enquanto o Brentford marcava gol atrás de gol.
Pela primeira vez, senti um pouco do que tivera antes de Nick morrer. Afastando-me do
chão, segurei a mão da minha mãe e conversei sobre a partida, falando sem parar sobre
os gols que havíamos marcado. Eu queria desesperadamente saber quando poderíamos ir
de novo e acho que foi naquele dia que ela percebeu que eu ficaria bem.
Demorou mais um ano, mas, de alguma forma, nós dois juntos começamos a
encontrar um ritmo em nossas vidas. Minha mãe adorava seu novo emprego, enquanto
eu estudava e começava a jogar no time de futebol sub-14 e depois no sub-16 de
Brentford. Com o passar do tempo, minha mãe procurou maneiras de reconstruir
lentamente a vida dela. Apoiada por alguns amigos próximos e vizinhos, ela se forçou a
socializar e a explorar novos interesses. Chorei de rir quando ela me mostrou seus
esforços na cerâmica. Ainda tenho a caneca torta que ela pintou para mim em
homenagem ao Bees. Ela adorava as aulas de culinária que frequentava em Hampstead e
caminhava pela charneca com novos amigos depois de cada aula. Uma noite de
primavera incluiu um mergulho na famosa lagoa de natação ao ar livre. Porém, com o
frio do início da estação, ela jurou que seria apenas uma vez.
Por mais que ela fizesse e por mais apoio que tivesse, eu sabia que às vezes isso não a
impedia de se sentir incrivelmente sozinha. Havia dias que era preciso um esforço
enorme para simplesmente sair pela porta da frente. Atravessar a praça de Haddley
poderia ser uma tarefa intransponível; enfrentar o mundo, uma tarefa exaustiva. Porém,
por tudo o que ela fez, pude ver que estava determinada a enfrentar os desafios e a ser
inabalável em seu compromisso de superá-los.
Para minha mãe, a morte de Nick tinha significado a perda insuportável de um filho
amado. Para mim, significou a morte de um super-herói paciente. Por ele ter se sentado
comigo na nossa mesa da cozinha para me ensinar a ler, ter me treinado na arte dos
pênaltis ou ter inspirado admiração enquanto eu o observava mergulhar do trampolim
mais alto, eu tinha visto em Nick tudo o que eu queria ser. Após sua morte, minha mãe
tinha procurado maneiras de preencher esse vazio. Muito do seu tempo era dedicado a
me proteger e, ao mesmo tempo, me ajudar a descobrir as melhores oportunidades da
vida. Ela me fez passar pelos exames da escola e veio torcer por mim, ganhando ou
perdendo, em todos os jogos de futebol que eu jogava. Geralmente eu estava frio e
úmido por ter ficado no banco, mas ela ouvia atentamente minha análise pós-jogo
enquanto eu revivia cada segundo ao devorar um Big Mac e uma porção gigante de
batatas fritas.
Eu mandei bem nos meus exames avançados e, dez anos após perder meu irmão,
entrei na Universidade de Manchester. No início do segundo ano, me mudei para uma
casa fora do campus, dividindo-a com quatro amigos. Numa noite, eu estava prestes a ir
para a cidade quando minha mãe ligou no meu celular. Eu podia ouvir o desespero em
sua voz. Ela havia sido visitada por um policial comunitário. Eles a haviam informado
que Abigail Langdon e Josie Fairchild seriam libertadas sob novas identidades.
Pelos assassinatos de Nick e Simon, elas tinham cumprido onze anos.
Elas foram libertadas seis meses antes da morte da minha mãe.
9
P endurada no corredor está a foto de Nick, a favorita da minha mãe. Foi tirada no final
de seu último período escolar de verão; Nick tinha perdido a gravata da escola depois de
uma partida de críquete na hora do almoço. Ele pegou uma emprestada de um amigo
para a fotografia e deu um nó enorme. Na imagem, o cabelo escuro está cortado curto, e
o sorriso brilhante ilumina todo o rosto dele. Minha mãe simplesmente adorava a foto.
Capturava a alegria absoluta de Nick no final do período escolar e no início das longas
férias de verão. Fico de pé e olho para a imagem. Ao olhar em seus olhos brilhantes e
sorridentes, tenho que virar para o outro lado.
Faço um zigue-zague para sair da frente da minha casa e ir em direção ao sol
brilhante da primavera. Planejo atravessar a praça na esperança de que um pouco mais
de ar fresco ajude a clarear as ideias. É quando vejo um carro de polícia aparecer na
Lower Haddley Road.
Meu estômago se revira.
Espero junto ao muro que atravessa a frente do jardim e observo o carro parar bem
ao lado. Duas policiais saem, uma vestida à paisana.
— Senhor Harper? Sr. Benjamin Harper? — pergunta ela enquanto sai pela porta do
lado do passageiro. Seu cabelo está puxado para trás. — Eu sou a sargento-detetive
Lesley Barnsdale — diz ela, estendendo a mão. — Gostaria de saber se podemos
conversar discretamente. — Sua colega uniformizada dá a volta pelo lado do motorista.
— Essa é a policial Daniella Cash.
Sorrio para a policial Cash, e ela me oferece um olhar solidário em troca. Elas já
sabem quem eu sou.
— Como posso ajudar? — digo para a sargento-detetive Barnsdale.
— Seria mais fácil se conversássemos lá dentro — ela responde. Suspiro.
— Claro.
Já dentro de casa, mostro-lhes a sala de estar. É um cômodo que raramente uso
porque, embora o tenha redecorado, é uma parte da casa que ainda parece pertencer à
minha mãe.
— Sentem-se — digo, apontando para as poltronas de cada lado da lareira. São as
mesmas que mamãe escolheu há mais de vinte anos.
— Como posso ajudar? — repito depois de um momento desconfortável de silêncio.
— Estou com pouco tempo.
— Vamos tentar não segurá-lo, senhor — diz a policial Cash, com alguns cachos
loiros escapando por baixo de seu chapéu cuidadosamente preso. Quando olho para ela,
conscientemente ela tenta escondê-los.
— Queríamos falar com o senhor — continua a sargento-detetive Barnsdale,
tentando adotar um tom delicado — sobre sua história familiar.
— Entendo — respondo, sem rodeios.
— Precisamos lhe fazer uma série de perguntas — continua Barnsdale — em relação
a um incidente ocorrido nas últimas quarenta e oito horas. A polícia de West Yorkshire
está investigando uma morte inexplicável nos arredores de Leeds. Neste momento, eles
estão tentando estabelecer as circunstâncias que cercam a morte de uma mulher.
— Vocês acham que a mulher foi assassinada? — digo, lembrando-me da história que
tinha visto on-line.
— Não podemos confirmar nada neste momento, mas é uma possibilidade — diz a
policial Cash, não conseguindo ler um olhar de sua superior. Claramente, sua
contribuição seria necessária apenas mediante solicitação.
— A polícia de West Yorkshire ainda está investigando — continua a detetive —,
mas ela é incapaz de descartar circunstâncias suspeitas neste momento.
— E como isso se relaciona comigo? — pergunto.
— Desde que o corpo foi descoberto, uma busca minuciosa na casa da vítima foi
realizada. Durante essa busca, algumas cartas escritas para a vítima foram encontradas
escondidas sob as tábuas do assoalho da sala. Acreditamos que essas cartas, Sr. Harper,
foram enviadas à vítima por sua mãe.
— Por minha mãe? — digo, com a surpresa transparecendo em minha voz. — Vocês
sabem que ela morreu há quase dez anos?
— Estamos cientes disso — diz a sargento-detetive Barnsdale — e nossas
condolências a você permanecem. No entanto, acreditamos que essas cartas foram
escritas nas semanas anteriores à morte da sua mãe. Será que você poderia me contar
alguma razão pela qual sua mãe estaria escrevendo para uma mulher na cidade de
Farsley, nos arredores de Leeds, dez anos e meio atrás?
Balanço minha cabeça.
— Desculpe, não. Nenhuma.
— Ela nunca falou de… — A sargento-detetive Barnsdale faz uma pausa antes de
continuar com sua pergunta. — Sr. Harper, conhece uma mulher chamada Demi Porter?
Ambas as policiais me dão um olhar de expectativa, que eu retribuo com um olhar
vazio.
— Não, desculpem — respondo —, nunca ouvi falar dela. Se é para quem minha
mãe estava escrevendo, não tenho ideia de quem ela era. Desculpem por não poder
ajudar mais.
— Tem certeza de que não conhece o nome? — diz a policial Cash, levantando os
olhos diretamente para os meus.
— Absolutamente. Como disse, eu nunca ouvi isso antes na minha vida. Mas,
novamente, muitas pessoas escreveram para a minha mãe, e ela escreveu de volta para
algumas pessoas. Particularmente por volta dessa época. Vocês podem não estar cientes,
mas isso foi na época em que as assassinas do meu irmão foram libertadas da prisão.
As duas policiais trocam um olhar que não consigo ler.
— Estamos cientes de que um grande número de pessoas entrou em contato com
sua mãe — diz a sargento-detetive. — Mas essas cartas, as que foram descobertas com o
corpo da morta, não são dessa natureza.
— De que natureza? — pergunto. — Você pode me dar uma ideia do que as cartas
diziam?
Cash vai dizer algo, mas a detetive a corta.
— Sr. Harper — diz ela, ignorando completamente minha pergunta —, tem certeza
de que sua mãe nunca falou de nenhum conhecido ou de conhecer alguém em Farsley,
ou mesmo em Leeds, ou nos arredores?
— Não para mim — digo, incisivamente. — Acho que não há mais nada que eu
possa lhes dizer. — Atravesso a sala e abro a porta para elas saírem. — Tem certeza de
que as cartas eram da minha mãe?
— Estamos tão certas quanto podemos estar neste momento — diz a sargento-
detetive Barnsdale, sem se levantar. — Pela leitura das cartas, parece que sua mãe estava
se dirigindo diretamente à vítima. Sr. Harper, tenho que lhe dizer que o nome de
nascimento da mulher para quem sua mãe estava escrevendo não era Demi Porter. Era
Abigail Langdon.
Dois
“Essa poderia ser minha chance de descobrir a verdade que
minha mãe tanto queria.”
10
H olly Richardson estava na porta de sua sala de estar e viu Alice, sua filha de quatro
anos, rir ao ver Peppa Pig pulando de uma poça de lama para outra. Olhando para a
menina, com seus cachos macios e quase ruivos tocando os ombros, Holly lutou contra
o desejo de entrar rápido no quarto, pegá-la em seus braços e correr sem olhar para trás.
Em vez disso, ela silenciosamente fechou a porta da sala e subiu os três lances de escada
até o sótão da casa, que dividia com o marido Jake e a filha, em Haddley.
Quando chegou ao topo, sentiu o estômago embrulhar. Holly abriu a porta do sótão
dizendo a si mesma que não tinha nada a temer. A porta da frente estava trancada — ela
havia verificado duas vezes, mas, ainda assim, viu-se procurando a chave no bolso ao
entrar no sótão.
Sentindo o gosto do ar viciado e mofado do ambiente, Holly levou a mão à boca. Ela
olhou para o caos de móveis descartados, equipamentos de ginástica não utilizados —
um legado de boas intenções — ao lado de decorações de Natal em caixas e até mesmo
uma churrasqueira enferrujada. Do outro lado da sala, no canto mais distante, estava a
escrivaninha com tampo de correr, de onde Jake havia administrado brevemente um
negócio familiar de sucesso. Isso foi há muito tempo, sufocado pela ambição, e agora
estava envolto em uma espessa camada de poeira. Era onde ela iria começar sua busca.
Um sofá vermelho desbotado, que Holly havia trazido para casa sete anos atrás,
quando ela e Jake se casaram, bloqueava seu caminho. Ao passar por ele, sentiu a fenda
cuidadosamente reparada que descia pelas costas. Sua mãe o havia costurado à mão
depois que eles arrastaram o sofá por dois lances estreitos de escadas, e o tecido se
rasgou. Holly não havia se importado com o fato de seu minúsculo conjugado estar
escondido no último andar de um pub; pela primeira vez, ela tinha sua própria casa. Sua
mãe não conseguia entender por que ela estava tão determinada a alugar o que sempre
descreveu como um “apartamento encardido, sem quarto”; porém, para Holly, isso
significava independência. Muitos de seus amigos tinham se mudado, e essa tinha sido
sua chance de se manter sozinha.
Para limpar seu caminho, ela empurrou o sofá em direção à janela, batendo no berço
de Alice. A cama caiu para a frente, e Holly saltou sobre o sofá, para impedi-lo de cair no
chão. Ela o apoiou cuidadosamente contra a parede, gentilmente passando a mão pela
lateral. Pensou na primeira noite em que tinha acomodado Alice em seu próprio quarto,
em como ela havia passado a maior parte da noite dormindo no chão ao lado dela.
Ao lado do berço estava a cadeira alta de Alice, com arranhões na bandeja e balões de
padrões brilhantes ligeiramente desbotados. Tanto a cadeira alta quanto o berço estavam
prontos para o segundo filho. Perdida em seus pensamentos, enquanto arrumava as alças
da cadeira, Holly sabia que a criança nunca chegaria.
Movendo-se mais para dentro do quarto, ela escalou uma pilha de caixas cheias de
roupas velhas e roupas de cama não utilizadas, que a mãe de Jake tinha dado a eles logo
após o casamento. Jake havia aceitado o presente gentilmente, mas depois não permitiu
que Holly abrisse as caixas. Ele estava convencido de que eles não eram um caso de
caridade. Não precisavam das roupas de segunda mão de seus pais. Ele havia tido a
mesma reação com o guarda-roupa de madeira antigo, que agora estava tristemente
encostado na parede oposta, bem na frente da mesa. Todas as forças deles tinham sido
necessárias para manobrá-lo pelas escadas do sótão e atravessar a sala. Quando
terminaram, estavam encharcados de suor e, vendo um ao outro, foram consumidos por
ataques de riso. Eles estavam casados há menos de um mês e, arrancando as roupas
encharcadas de suor, fizeram amor no sótão. Holly se lembrava de observar o corpo
musculoso de Jake na porta espelhada do guarda-roupa. Agora, porém, enquanto se
olhava no espelho desbotado, com seu cabelo castanho-mel amarrado frouxamente para
trás — e sua franja precisando desesperadamente ser modelada antes que se tornasse
totalmente anos 1970 —, ela lutava para se lembrar da paixão que havia incendiado
brevemente seu casamento.
Com rapidez, ela empurrou para o lado uma bicicleta ergométrica sem assento para
então puxar para trás uma cadeira antiga, que fazia o escritório de Jake parecer mais um
museu do que um centro de negócios do século XXI. A tampa da mesa estava trancada.
Empoleirada na beirada da cadeira, ela tirou uma pequena faca do bolso e tentou abrir a
fechadura, que se moveu, mas permaneceu travada. À medida que Holly aumentou a
pressão, a faca escorregou, deixando um pequeno arranhão na superfície. Lambendo o
polegar, ela provou a poeira do quarto antes de esfregar vigorosamente a marca.
Ela ouviu um rangido nas escadas? Com um susto, virou-se para olhar por cima do
ombro.
— Alice? — ela chamou gentilmente, mas não houve resposta. Como ela odiava
sentir tanto medo em sua própria casa.
Então concentrou sua atenção de volta para o quarto. Ela tinha que abrir naquela
mesa. Deslizou a faca de volta na fechadura.
Clique. A fechadura finalmente cedeu, e ela abriu a tampa da mesa. Dentro havia
papéis empilhados sobre papéis: recibos dos negócios de Jake, faturas não pagas e
cobranças de impostos. Holly puxou a primeira pilha e começou a folhear as páginas.
Uma segunda e uma terceira pilhas se seguiram, antes que ela removesse a última. Atrás
dela, outras duas prateleiras estavam abarrotadas de documentos. Holly sentiu o pânico
crescer em seu peito. Alice certamente começaria a chamá-la em breve. Ela vasculhou
furiosamente os documentos restantes; claramente, seu marido nunca havia descartado
um único registro desde o dia da criação da empresa. Se ele ao menos tivesse sido capaz
de deixar tudo ir.
Ela alcançou a parte de trás da última prateleira e sentiu um saco plástico amassado,
empurrado para trás. Ao puxá-lo, descobriu uma sacola laranja de supermercado à moda
antiga, uma coisa bem estranha. Amassado dentro dela estava um pequeno pijama
branco de bebê. Ela deixou o saco de lado e colocou a roupa simples, com um coelho
bordado, em seu colo. Gentilmente, endireitou os braços e as pernas, alisando o traje até
que ele ficasse perfeitamente plano.
Aquela roupa nunca tinha pertencido à Alice. Era de um pequeno recém-nascido.
Holly a ergueu e virou nas mãos. Praticamente nunca tinha sido usada. Dominada
por um desejo inescapável de inalar o cheiro de um recém-nascido, ela a trouxe até o
rosto. Mas o cheiro de qualquer bebê a quem tenha pertencido já havia desaparecido há
muito tempo. Em vez disso, Holly tossiu quando o mofo úmido, que a roupa havia
acumulado, ficou preso em sua garganta.
Ainda alisando cuidadosamente o pijama sobre os joelhos, Holly se perguntou por
quanto tempo ele tinha sido mantido escondido ali atrás da mesa. Com o cuidado de
uma mãe, ela prendeu os três pequenos botões de pressão na gola.
Então, seu coração disparou.
Um rá-tá-tá-tá na porta da frente de sua casa.
Ela congelou.
Em seguida, novamente.
Rá-tá-tá-taá.
Rá-tá-tá-taá.
11
— E stou feliz que ela esteja morta — digo para a sargento-detetive Barnsdale enquanto
dou um passo para trás, apoiando-me na parede da sala. Levo a mão ao rosto enquanto,
por um momento, a escuridão se fecha em meus olhos. Meu corpo começa a tremer e
posso sentir os olhos de Barnsdale em mim. Eu me forço a respirar.
A policial Cash se levanta rapidamente e sinto sua mão repousar suavemente sobre
meu braço enquanto ela me guia de volta pela sala.
— Venha e se sente — diz ela enquanto caminhamos lentamente para a poltrona
favorita da minha mãe. — Claro, isso é um choque.
Deixo minha cabeça cair para a frente e, por um momento, ficamos em silêncio, ao
mesmo tempo em que tento desesperadamente entender o que as policiais estão me
dizendo. Enquanto o décimo aniversário do falecimento da minha mãe se aproxima,
Abigail Langdon foi assassinada. Nas semanas anteriores à morte da minha mãe, elas se
correspondiam diretamente. Nenhum desses fatos faz sentido para mim.
— Espero que tenha sido brutal — digo, levantando os olhos para Barnsdale. A raiva,
o ódio que corre através de mim, mesmo depois de todos esses anos, é irrestrito. Tento
nunca pensar nessas duas garotas. Esse tipo de ódio é muito desgastante.
A sargento-detetive Barnsdale não parece surpresa.
— Sr. Harper, vá com calma — diz ela, suavemente. — Um choque como esse pode
ser difícil de processar.
— Por que alguém ficaria chocado com a morte dela? — digo, ficando em pé
novamente apenas para minhas pernas cederem. A policial Cash avança, mas eu me
estabilizo. — Abigail Langdon era uma das figuras mais odiadas da Grã-Bretanha. Ela
passou grande parte da sua vida encarcerada, como uma assassina de crianças. Não é
difícil imaginar a companhia que ela tem tido desde sua libertação. O único choque é
que isso não tenha acontecido mais cedo.
— Sr. Harper — responde a sargento-detetive Barnsdale, sentada, imóvel —, tenha
certeza de que todas as possíveis vias em torno da morte de Abigail Langdon serão
exploradas em nossa investigação. No entanto, precisamos entender por que sua mãe
escreveu para a falecida e, mais urgentemente, como ela conseguiu seus detalhes de
contato. Essas cartas nos dizem que, durante mais de dez anos, a nova identidade como
Demi Porter foi comprometida.
— Comprometida por alguém que morava nesta casa — digo, recuperando meu
processo de pensamento e juntando os pontos para a detetive.
— Parece que sim.
— Posso ver as cartas?
— Receio que não. Elas são provas, em um caso de assassinato.
— Nesse caso, acho que não há mais nada que eu possa lhe dizer — digo, um tanto
grosseiramente.
Vejo a policial Cash olhar na direção de sua superior.
— Entendemos que isso seja muito difícil para o senhor — começa a policial. —
Tudo o que pedimos hoje é a sua ajuda. Queremos tentar construir uma imagem de
como sua mãe poderia ter entrado em contato com Abigail Langdon e por quê.
— Sem saber o conteúdo das cartas, é quase impossível adivinhar, não é?
— Não é o caso de não querermos compartilhar o conteúdo com o senhor
pessoalmente — responde Cash, cuidadosamente —, mas odiaríamos que qualquer
informação chegasse à imprensa neste momento. E isso, por sua vez, dificultaria o
avanço da investigação.
— E o senhor trabalha para o maior site de notícias on-line do Reino Unido — diz a
sargento-detetive Barnsdale.
— Detetive, tive histórias de primeira página suficientes para uma vida inteira. Fique
tranquila, não tenho vontade de procurar mais manchetes agora.
— Talvez se o senhor pudesse vir e se sentar novamente… — diz a policial Cash,
colocando a mão na cadeira da minha mãe.
Faço como solicitado antes de me inclinar para a policial.
— Se você não pode me mostrar as cartas, pode pelo menos me dar uma ideia do
que minha mãe queria de Langdon?
A policial Cash olha para sua superior enquanto a detetive, desconfortavelmente,
passa as mãos pelo comprimento de sua saia-lápis, endireitando seus vincos imaginários.
— É o nosso entendimento — começa Cash — que duas cartas foram descobertas
na casa da mulher agora conhecida como Demi Porter. A primeira tem um envelope
endereçado à Sra. Porter, mas contém uma carta endereçada diretamente a Abigail
Langdon. A autora afirma que é Clare Harper. É claro que compararemos amostras de
caligrafia, mas não temos motivos para acreditar que a carta seja falsificada. Ela deixa
claro que sabe onde Langdon está, mas não tem vontade de interferir em sua nova vida.
Concordo com a cabeça, em silêncio.
— Sua mãe — continua a policial Cash — escreve sobre a dor intensa que sofreu ao
perder um filho de maneira tão desumana e pergunta diretamente por que Nick e Simon
Woakes foram alvos. Ela diz a Langdon que somente quando ela tiver um filho,
conseguirá começar a compreender a dor que infligiu.
A policial Cash faz uma pausa e se vira para sua superior. A sargento-detetive
Barnsdale retoma a narrativa.
— Nossa avaliação dessa primeira carta é que ela estava procurando construir um
nível de confiança com Langdon. Ela enfatiza repetidamente que nunca compartilhará a
localização ou identidade dela. Termina explicando o impacto emocional do que as duas
garotas fizeram nela e em você. Ela convida Langdon a compartilhar o impacto em sua
própria vida.
Novamente, a sargento-detetive Barnsdale olha diretamente para mim, mas eu não
digo nada.
— A segunda carta — começa Cash, observando-me cuidadosamente — parece ter
sido enviada logo depois que sua mãe recebeu uma resposta à primeira. Sua mãe escreve
com mais detalhes sobre seu irmão — o que ele perdeu, como ela imagina que sua vida
poderia ter sido. Ela continua a carta, especulando que Langdon deve viver sua vida com
medo constante, mas garante que ela não tem nada a temer dela — explica a policial
Cash. — Mas ela também se refere a um pedido de Langdon, que acreditamos estar na
resposta à primeira carta de sua mãe. — Ela hesita. — É claro que estamos
interpretando apenas um lado da troca, mas parece que Langdon havia feito um pedido
de uma quantia de vinte e cinco mil libras pelos segredos que tinha para compartilhar.
— Vinte e cinco mil! — digo, chutando o banquinho à minha frente. —
Inacreditável. Como ela ousa exigir dinheiro depois do que fez?
— Sua mãe deixa claro que não tem interesse em comprar informações — diz a
sargento-detetive Barnsdale. — Sr. Harper, o senhor tem alguma carta que sua mãe possa
ter recebido como resposta de Langdon?
— Não, nada. Nada que eu já tenha encontrado — respondo, ficando de pé
novamente. — A ousadia da mulher exigindo dinheiro! Tudo o que sabemos sobre ela
deve ser verdade.
— Em que sentido? — pergunta Barnsdale, calmamente.
— No sentido de que ela era a líder, que tudo o que aconteceu foi instigado por ela,
que ela usou Josie Fairchild, atraiu-a para seus planos malucos. Que ela era pura
maldade — digo, com minha voz subindo de raiva.
— Tudo isso é especulação da imprensa e não nos ajuda aqui, hoje. Langdon e
Fairchild receberam sentenças iguais.
— Ela estava tentando extorquir dinheiro de minha mãe! Talvez eu devesse
perguntar por que diabos ela foi libertada, em primeiro lugar?
— Sr. Harper, pelos eventos horrendos que ocorreram aqui em Haddley, vinte anos
atrás, o senhor sempre terá a minha mais profunda simpatia, e a simpatia de toda a
Polícia Metropolitana…
Fico imóvel olhando para a detetive enquanto ela procura por suas palavras.
— … mas Abigail Langdon cumpriu sua sentença, e não temos motivos para
acreditar que ela tenha violado qualquer um dos termos de sua libertação durante a
última década. Nos últimos anos, vivendo como Demi Porter em Farsley, Langdon se
estabeleceu com sucesso como membro da comunidade local. Ela era considerada uma
colega confiável no supermercado local e alugava um pequeno apartamento de um
quarto na cidade. Nosso foco hoje tem que estar no fato de que uma mulher foi
assassinada e, pelo que a polícia de West Yorkshire descobriu, não podemos descartar
uma conexão entre a morte dela e a de seu irmão. — Há uma mudança no tom de
Barnsdale. — Sr. Harper, pode me dizer se já visitou a cidade de Farsley?
13
H olly pulou do sofá, jogando o telefone no chão. Como era possível? Ele poderia tê-la
visto? Ele estava vigiando a casa de alguma forma?
Ela sentiu seu rosto corar enquanto esfregava as mãos na parte de trás de seu jeans.
O telefone tocou novamente.
Ela olhou para baixo e viu a tela piscar.
Ela fechou os olhos e, deslizando o telefone de volta no bolso, deixou o alívio tomar
conta. Ela iria procurar novamente mais tarde.
Inclinando-se para a frente, passou os dedos pelos cachos que pincelavam o pescoço
da filha.
— O papai estará em casa para a sua festa? — perguntou Alice.
— Claro, é o nosso aniversário de casamento — respondeu Holly.
— Vamos pegar meu vestido de festa na loja hoje?
— Nós vamos. E vamos comprar sapatos novos para você também.
— Aqueles dourados! — disse Alice, pulando de pé e jogando os braços em volta da
mãe. — Por favor!
— Não estou prometendo. Vamos ver se eles têm no seu tamanho. Eles são muito
caros.
— Mas eu preciso deles para a festa — disse Alice.
Holly apertou a filha com força e seus pensamentos se voltaram para o pijama
minúsculo escondido na escrivaninha, no andar de cima. O que aconteceu com o bebê
que uma vez o usou? Ela se lembrou de sua própria alegria e exaustão nos primeiros
meses de Alice em casa, e também da rapidez com que ela percebeu que faria qualquer
coisa para garantir a felicidade da filha — e sua segurança.
Ela sabia que precisava agir.
Ela sabia que elas deveriam escapar.
16
— B en! — grita a voz de uma criança. Olho para cima para ver Alice Richardson
correndo pela calçada em minha direção.
— Alice! — grito de volta, agachando-me antes de pegá-la em meus braços.
— Vou te dar espaço — diz o Sr. Cranfield.
— Se eu pudesse entender o que estava na mente dela naquela manhã, Sr. C., eu
poderia começar a entender o que ela estava pensando quando chegou à estação de St.
Marnham.
— Cuidado, Ben. — É tudo o que ele diz, com uma mão nas minhas costas, antes de
voltar para o lado da praça e acenar para Holly.
— Ben! — diz Alice com seus braços em volta do meu pescoço. — Mamãe e eu
vamos comprar meu vestido para a festa de casamento dela.
— Você quer dizer o aniversário de casamento dela — digo.
— E eu vou pegar os sapatos dourados.
— Que lindo — respondo enquanto minha afilhada agarra meu cabelo.
— Ben, seu cabelo é tão encaracolado — diz ela. — Olha, se eu o puxar para o lado,
parece uma mola. — Ela ri, e eu não posso deixar de fazer o mesmo.
— Acho que preciso cortar o cabelo — digo enquanto Holly caminha em nossa
direção.
A amizade de Holly tem sido a única constante em toda a minha vida. Confio nela
mais do que em qualquer pessoa no mundo. Aos quatro anos, chegamos ao mesmo
tempo em nosso primeiro dia na escola primária e fomos colocados juntos em uma
mesa. Logo, juntou-se a nós um menino chamado Michael. Ele continuaria sendo o
maior garoto da classe durante toda a escola, mas, naquele primeiro dia, ele também era
o mais petrificado. Quando sua mãe deu adeus, seu rosto inteiro tremeu, e Holly
estendeu a mão para segurar a dele.
Desde aquele primeiro dia, nós três havíamos formado um laço de amizade que nos
uniu por mais de vinte anos. Correndo juntos da escola pra casa ou andando de bicicleta
pela margem do rio, compartilhamos todas as aventuras. E então, naquela manhã gelada
de janeiro, quando eu havia voltado para a escola depois da morte de Nick, foi a amizade
deles que me deu esperança.
Sete anos atrás, quando Holly se casou com Jake Richardson, todos tínhamos
comemorado noite adentro. O casamento deles foi um evento elaborado, realizado no
terreno da casa dos pais de Jake. Quando a noite chegou ao fim, Holly, Michael e eu
escapamos da festa para nos sentar às margens do lago do vilarejo e brindar a uma
amizade que acreditávamos que viveria para sempre.
Três anos depois, Alice chegou ao mundo, e eu não poderia estar mais orgulhoso do
que no dia de seu batizado, quando a segurei como seu padrinho. Porém, o orgulho não
poderia eclipsar o desgosto que Holly e eu sentimos com a ausência de Michael; sua
morte tinha ocorrido apenas algumas semanas antes, em um atropelamento e fuga sem
sentido, um golpe devastador para nós dois.
17
— O Sr. C. estava acenando para você — digo a Holly enquanto ela se junta a Alice e a
mim na frente do meu jardim.
— Desculpe, eu estava a um milhão de quilômetros de distância. — Ela se vira para
acenar de volta, mas o Sr. Cranfield já voltou sua atenção para seu canteiro de flores.
— No que está pensando?
— Nada, só estou distraída.
— Preparo um café para você, se quiser — digo a ela. — Conversar seria ótimo.
Com as portas abertas para meu jardim dos fundos, Holly e eu nos sentamos nos
degraus enquanto Alice cava o canteiro de flores no final do gramado.
— Então? — digo.
— Realmente, não é nada — responde Holly. — Estou estressada com a noite de
sábado, é isso.
— Legal da parte de seus sogros darem a festa.
— Depende de sua definição de legal. Na família Richardson, nada é dado sem a
expectativa de algo em troca.
— Hol, é seu aniversário de casamento.
— E Francis vai usá-lo para lembrar a todos de sua própria importância. Herói militar,
homem que construiu tudo do zero, a maior casa de St. Marnham — e ninguém deve se
esquecer disso. Isso vai deixar Jake estressado, e ele provavelmente vai acabar bebendo
demais e dizendo algo de que se arrependa pela manhã.
— Mal posso esperar! — digo, apertando seu braço.
— Ben!
— Vamos, Hol, é uma festa! — digo, mas ela se afasta. — Holly?
— Tudo com Francis tem a ver com controle, e essa festa não é diferente. Ele está
dando uma festa que Jake e eu nunca poderíamos pagar simplesmente para nos lembrar
desse fato.
— Aceite gentilmente, depois siga em frente. É tudo o que você pode fazer.
— Eu sei — responde ela, com resignação em sua voz. — Eu deveria parar de
reclamar. O que está acontecendo com você?
— Há algo que eu preciso te dizer — digo, pausando antes de me aproximar dela.
Ela se vira diretamente para mim.
— Abigail Langdon está morta.
Vejo a descrença no rosto de Holly antes que ela, instintivamente, jogue seus braços
em volta de mim.
— Espero que ela tenha sofrido — sussurra ela, me abraçando com força. — Como
você sabe?
— A polícia veio me ver esta manhã.
— E ela está definitivamente morta?
Concordo com a cabeça.
— Sim.
— Graças a Deus — responde ela. — Eu não me importo com o quanto isso soa
horrível, mas eu não poderia estar mais feliz.
— Ben, encontrei três vermes! — chama Alice do fundo do jardim. — Vem ver.
— Três! — exclamo, e Holly e eu nos levantamos.
— Olha, Ben! — grita Alice, triunfantemente. — Mais um! E está todo retorcido!
— Isso é um verme-monstro — digo, agachando-me ao lado de Alice.
— Vou levar o verme para casa comigo.
— Por que não o deixa aqui com sua família? — digo. — Acho que ele gosta de viver
no solo.
— Acho que sim — diz Alice e sobe de volta para o canteiro de flores, soltando sua
presa enquanto anda. Holly e eu nos viramos para a minha casa.
— A polícia acha que a morte dela pode estar ligada a Haddley e ao assassinato de
Nick — digo.
— O que os faz pensar isso? — pergunta Holly rapidamente. — Eles lhe contaram o
que aconteceu?
Penso em minha conversa final com a sargento-detetive Barnsdale. De repente, sou
transportado de volta para aquele dia de verão insuportável, há mais de vinte anos. A
risada das garotas ecoa em minha mente, e eu ouço seu chamado para os garotos
enquanto eles correm pelas árvores até a área elevada, do outro lado da floresta.
Imagino Nick e Simon de joelhos, as meninas gentilmente puxando a cabeça para
trás e beijando suas bocas abertas. As lâminas brilhantes são empurradas sem hesitação.
Mergulhadas nas laterais do pescoço dos meninos. Força feroz, encravando as facas até o
cabo, antes de serem puxadas para a frente.
Olho para Holly e esfrego os dedos nas têmporas.
— Você se lembra de como Nick e Simon foram mortos, com todos os detalhes mais
horríveis escondidos do público?
Holly estremece em reconhecimento.
— Bem, quem matou Langdon sabia muito mais do que a média das pessoas sobre as
mortes de Nick e Simon. Langdon foi morta exatamente da mesma maneira.
Três
“Nós não sabemos de verdade o que aconteceu com aquelas
garotas depois que elas foram presas.”
18
N athan Beavin fechou a porta da frente atrás de si e olhou para a praça de Haddley. O
sol do fim da manhã trouxe nova vida, uma brisa suave soprou do rio, e o cheiro de
grama recém-cortada preencheu o ar. Ele encheu os pulmões com o ar quente da
primavera antes de descer os degraus da frente da casa para começar sua corrida matinal.
Sua rota o levou para a trilha que margeava a praça. Atrás dele, havia uma fileira de
imponentes vilas vitorianas, cada uma alojada em seus próprios terrenos amplos e
desfrutando de vistas ininterruptas para o Tâmisa. De um lado da praça, havia uma
fileira de casas menores, muitas transformadas pelo novo dinheiro londrino. Correndo
pela trilha, Nathan reconheceu seu vizinho aposentado cuidando do jardim. Porém, seus
olhos se voltaram para as casas, que estavam viradas para a praça e para os bosques
além. Elas tinham visto mais de um século de vida familiar, das dificuldades vitorianas às
blitz, agora renascidas como parte da Londres moderna. Nathan pensou na história
única que cada casa tinha para contar, bem como no segredo mais sombrio que elas
ainda escondiam, teimosamente.
Ele chegou a Haddley no mês anterior, tendo deixado para trás sua cidade natal de
Cowbridge, ligeiramente fora de Cardiff, pela primeira vez. Um menino tranquilo, ele
fora feliz na escola, cuidara de sua irmãzinha e tivera pais que cuidaram dele todos os
dias de sua vida. No entanto, desde tenra idade, ele tinha percebido que havia mais a
descobrir: uma vida a ser vivida, além do que ele havia conhecido. Ele não sabia aonde
sua jornada poderia eventualmente levá-lo, apenas que Haddley tinha que ser sua
primeira parada.
Dois dias depois de sua chegada, ele começou a trabalhar em um dos muitos bares
que povoavam a rua principal. A quinze minutos do centro de Londres, os bares
ribeirinhos de Haddley haviam se tornado locais noturnos cada vez mais populares para
qualquer pessoa disposta a pagar mais de cinco libras por meio litro de cerveja. Servindo
coquetéis no terraço do bar com vista para a Haddley Bridge, Nathan logo havia
percebido que não eram apenas as noites de sexta e sábado que estavam lotadas de
foliões – fossem trabalhadores da cidade parando a caminho de casa, fossem os
remadores vindos do rio, todas as noites eram mais movimentadas do que a noite mais
badalada em Cowbridge. Porém, a noite de sexta-feira era a mais cheia de todas, com as
comemorações de fim de semana começando às quatro da tarde e ainda fortes às duas da
manhã seguinte.
Foi na terceira sexta-feira de Nathan em Londres que o gerente do Watchman lhe
pediu para cobrir um turno extra, no início da noite. Ele havia ficado feliz em ser
voluntário e já sabia que as maiores gorjetas vinham dos trabalhadores da cidade, que
voltavam para casa no fim de semana. O bar estava lotado desde a hora do almoço,
embora Nathan ainda tivesse encontrado um momento para notar a mulher chegar no
final da tarde e se juntar a um grupo de amigas no bar do terraço. Três vezes naquela
tarde, ele havia levado prosecco até a mesa dela. Mais tarde, à noite, quando ela abriu
caminho entre a multidão para pedir uma quarta garrafa, ele estava esperando por ela.
Conversando à toa com Sarah Wright enquanto enchia um novo balde de gelo,
Nathan logo descobriu que ela havia concluído recentemente um processo de divórcio
de um milhão de libras e estava ansiosa para passar o fim de semana com seu filho, Max.
Inclinando-se sobre o bar, ele brincou sobre sua própria necessidade de um drinque e,
enquanto ele olhava nos olhos castanhos-escuros de Sarah, ela olhou para suas amigas e
começou a rir. Elas gritaram do outro lado do bar para que ela o chamasse para se juntar
ao grupo, e Nathan sentiu uma onda de desejo quando viu Sarah corar e enrolar
nervosamente os dedos em seus longos cabelos escuros. Espremendo-se na mesa do
canto, ao lado das quatro mulheres, ele entrou no jogo enquanto elas o provocavam,
querendo saber o que um garoto galês tão adorável estava fazendo sozinho tão longe de
casa. Depois de três semanas, Nathan estava pronto, com respostas ensaiadas para todas
essas perguntas.
Uma quinta garrafa de prosecco se seguiu e, à meia-noite, uma sexta garrafa, essa só
para os dois. Eles já tinham bebido demais, mas isso não os deteve. Juntos, eles trocaram
histórias de vida — a dela consistia em uma infância em Edimburgo, faculdade de direito
em Londres, depois um emprego em uma empresa da cidade, onde ela havia se
apaixonado por um dos sócios seniores, nove anos mais velho que ela. Ela era tão clichê,
ela disse. Nathan lhe assegurou de que ela era tudo menos isso, e ela riu, dizendo que
não tinha certeza de como chamaria aquilo. Sarah havia se formado há menos de um
ano, quando se casou com James Wright, e juntos eles se mudaram para um vilarejo, na
praça de Haddley.
Por um tempo eles foram felizes, ou Sarah pensou que eram. Max nasceu antes de
seu primeiro aniversário de casamento. Porém, três meses depois, James voltou para casa
uma noite para dizer a ela que estava apaixonado por outra mulher. Como parte do
compromisso de sua empresa, de alcançar e investir nas gerações futuras, James estava
dando aula no King’s College. Lá, ele havia se apaixonado desesperadamente por uma
pós-graduada de vinte e dois anos chamada Kitty.
— Arrumei as malas dele e o expulsei naquela noite — disse Sarah enquanto bebia
seu prosecco. — Desde então, ele nunca mais voltou. E você sabe de uma coisa? Ele
nunca vai voltar. Se tem uma coisa que eu sei fazer é encontrar um ótimo advogado de
divórcio.
Seu acordo significava que ela ficaria com a casa e drenaria de James tudo o que
pudesse até que Max completasse dezoito anos. Por que eles deveriam sofrer? Ela havia
largado seu emprego na cidade e estava mais feliz agora, com sua nova firma alocada em
Haddley. Max ficava com o pai nas noites de sexta-feira e voltava para casa nas tardes de
sábado. Não era perfeito, mas Sarah tinha certeza de que poderia criar Max melhor
sozinha.
Nathan tinha sua história pronta para contar. Nascido no País de Gales, infância feliz,
boa escola e ótimos pais, mas agora era hora de aventura. Ele tinha apenas vinte anos,
então estava tirando algum tempo para explorar. Sarah riu.
— Tirar um tempo? Você ainda não fez nada para tirar um tempo. Volte em dez
anos. Aí você vai ser tão velho quanto eu.
Nathan não se importou. Foi aí que ele se inclinou para beijá-la.
Quando o bar fechou, eles caminharam pela margem do rio, abraçados até a casa de
Sarah. Quando chegaram ao pé dos degraus que levavam à impressionante casa dela,
Nathan viu como esse mundo era diferente daquele que ele havia deixado para trás
apenas três semanas antes.
Ele a beijou novamente, e eles subiram os degraus até a porta preta polida da frente.
Ela se atrapalhou em busca das chaves, e eles riram juntos enquanto tentavam
cegamente girar o trinco. Tropeçaram pela entrada, e Nathan rapidamente agarrou Sarah
antes que ela caísse no chão. Ele a tinha sentido encostar-se no seu corpo para buscar
apoio quando a pegou pela mão e a conduziu pela elegante escada. Lentamente, eles
atravessaram o corredor para dentro do quarto dela. Sarah o havia beijado mais uma vez
antes de entrar cambaleante no banheiro. Enquanto ela fechava a porta atrás de si,
Nathan deu uma volta completa, observando seu novo ambiente — o lustre pendurado
no teto, a lareira de mármore. Passando a mão pelas costas da cadeira ao lado da lareira,
sentiu o material macio sob a ponta dos dedos. Ele havia se levantado e olhado para a
pintura pendurada acima da cama — um garotinho andando com sua mãe por uma
praia deserta enquanto o sol se punha no oceano. Era o mesmo garoto que ele tinha
visto Sarah perseguindo pela praça, na semana anterior.
Diminuindo a luz do candelabro, ele deu uma última olhada ao redor antes de sair da
sala. Rapidamente voltou pelo corredor, parando na entrada do quarto do menino.
Quando ele abriu a porta, a luz caiu sobre uma imagem emoldurada em cima da mesa
de cabeceira. Observou a foto, apertando mais forte a maçaneta de latão da porta.
Mesmo com um intervalo de mais de vinte anos, o cabelo castanho desleixado do
homem e o nariz de jogador de rúgbi eram inconfundíveis.
Dando um passo para trás, ele puxou gentilmente a porta em sua direção antes de
fazer depressa seu caminho de volta para baixo. Saindo da casa, parou no degrau,
sentindo o ar frio da noite e deixou a porta da frente se fechar silenciosamente atrás de
si.
19
A gora, cinco semanas depois daquela primeira noite, Nathan acelerou o passo,
saboreando o sol quente nas costas. Os remadores matinais estavam em peso no rio,
treinando equipes para acertar suas braçadas enquanto subiam o Tâmisa, em direção a
St. Marnham. Uma vez que chegou a Haddley Woods, ele se virou e correu de volta pelo
coração da praça na direção da casa de Sarah. Ao fazê-lo, viu Sarah e Max andando de
mãos dadas pelos degraus da frente da casa deles. Sarah estava olhando atentamente
para o filho, segurando sua mão com força enquanto Max dava cada passo com
concentração. Quando chegaram à praça, Max se soltou, e Nathan acenou enquanto o
garotinho corria em sua direção.
— Nathan! — gritou Max, correndo tão rápido quanto seus passos incertos
permitiam. — Eu também estou correndo!
Nathan correu em sua direção, pegou-o e jogou-o para o céu azul-claro, fazendo Max
gritar de alegria. Nunca Nathan imaginou que se tornaria parte de uma família tão unida
tão rapidamente; ele nunca tinha pretendido isso.
Tinha levado apenas cinco semanas para que Sarah, Max e ele formassem um vínculo
tão feliz que qualquer um que os visse brincando no meio da praça presumiria,
instantaneamente, que eram uma família. Quando Sarah cruzou com ele e o
cumprimentou com um beijo, Nathan desejou que fossem realmente isso.
Com os pés firmes no chão, o menino de quatro anos disse a Nathan que eles
estavam indo para a casa de Alice.
— Holly vai cuidar de mim esta tarde enquanto mamãe está no trabalho, e eu vou
almoçar lá, mas não vou tomar meu chá. Você vai voltar para casa para o chá, Nathan?
Nathan se agachou para falar com Max.
— Tenho que trabalhar esta noite, então vou ter que perder o chá hoje — disse ele.
— Mas você vai ficar com fome.
— Vou tentar comer algo antes de ir — respondeu ele, bagunçando o cabelo de Max
antes de se levantar.
— A que horas você termina hoje à noite? — perguntou Sarah.
— Tenho um turno na hora do almoço e depois volto às cinco. Porém, não devo me
atrasar. Juro que estarei em casa às dez.
— Aguardo você nesse horário — respondeu Sarah, ficando na ponta dos pés e
beijando os lábios de Nathan.
Observando mãe e filho caminharem de mãos dadas de volta pela praça, ele sabia
que deveria se sentir sortudo por tê-los encontrado. Na manhã seguinte àquela em que
havia saído do quarto de Sarah, ele criou coragem para voltar à casa dela. Enquanto ele
estava na porta da frente, ouvindo o sino ecoando fracamente pela casa, sentiu um frio
na barriga. Momentos depois, Sarah apareceu, talvez um pouco cansada, mas tão
vibrante quanto ele se lembrava. Loucamente, seu estômago embrulhou.
— Olá — ele disse enquanto estava na frente de Sarah, vendo-a hesitar por um
segundo. Ele esperava não ter cometido um erro ao voltar.
— Acho que devo a você um pedido de desculpas — ela respondeu, e ele viu a cor
voltar para suas bochechas de novo.
— Pensei que era eu quem precisava me desculpar.
— Nem um pouco — disse Sarah, com sua mão chegando ao rosto. — Adormeci no
chão do banheiro, sinto muito.
— De verdade, você não precisa pedir desculpas.
— Acho que cheguei à cama por volta das cinco. Graças a Deus, Max está na casa do
pai. Já passava das dez quando voltei a mim.
Nathan sorriu.
— Estou feliz que você tenha dormido um pouco — ele disse enquanto Sarah
enrolava o cabelo entre os dedos —, mesmo que uma parte tenha sido um pouco
desconfortável.
— E obrigado por me trazer para casa em segurança — ela disse.
— O prazer foi todo meu — disse Nathan. — Nós dois provavelmente bebemos um
pouco demais.
— Um pouco? — respondeu Sarah.
— Talvez umas duas garrafas além da conta — disse Nathan, conscientemente
recuando do degrau mais alto. — De qualquer forma, eu preciso ir. Só queria checar se
você estava bem.
— Você não tem tempo para um café rápido, não é? — perguntou Sarah. — Eu lhe
devo isso, no mínimo.
— Eu adoraria — Nathan respondeu e imediatamente se preocupou que pudesse ter
parecido ansioso demais. Nas duas horas seguintes, eles ficaram juntos na cozinha de
Sarah e, na hora do almoço, Max chegou em casa. Sentado na ilha da cozinha, Nathan
ficou momentaneamente paralisado, olhando para o corredor e vendo Sarah abrir a porta
para um garotinho animado. Quando ela se abaixou para agarrar Max, James Wright
havia olhado diretamente além dela. Seus olhos encontraram os de Nathan, e Nathan,
rapidamente, desviou o olhar.
— Você tem companhia? — James disse, dando um leve passo à frente.
— Sim, e me lembre o que isso tem a ver com você? — Sarah respondeu, movendo-
se com firmeza para bloquear seu caminho.
— Parece que ele poderia ser um companheiro de brincadeiras para Max.
— Vejo você no próximo fim de semana — foi a resposta de Sarah antes que ela
conduzisse seu ex-marido de volta, pela porta aberta. — Não chegue cedo.
Naquela tarde, ele, Sarah e Max caminharam pela margem do rio, parando para
Nathan empurrar Max nos balanços. Quando Nathan insistiu para que Sarah subisse no
balanço ao lado de seu filho, Max riu, encantado, pedindo a Nathan que empurrasse
Sarah cada vez mais alto até ela gritar e implorar para que ele parasse. No final da tarde,
eles caminharam até Haddley e devoraram três cheeseburgers com bacon.
Depois de colocar Max na cama, Sarah se sentou com Nathan, e juntos eles
compartilharam uma garrafa de vinho tinto. Naquela noite, Nathan ficou com Sarah. E
ele tinha ficado com ela na maioria das noites desde então. Ele nunca planejou vir para
Londres, apaixonar-se e encontrar uma família. Porém, observando Sarah e Max irem
embora, ele temia que fosse exatamente o que ele havia feito.
Agora, quando mãe e filho chegaram à beira da praça, o garotinho se virou para olhar
para ele, e Nathan acenou. Então, ele começou sua corrida constante de volta pela
praça. Enquanto seguia pela trilha e entrava na floresta, olhou para o dossel frondoso se
fechando acima dele. O sol se derramava pela cobertura, lançando longas sombras no
caminho. Quanto mais ele corria, mais denso o dossel se tornava e, lentamente, a luz do
sol começava a desaparecer. A temperatura caiu, e Nathan sentiu a floresta se fechando
ao seu redor.
Ao ouvir o som das árvores, ele sabia que esses bosques abrigavam um segredo.
Ele teve que se lembrar de que esse era o segredo que ele tinha vindo a Haddley para
descobrir.
20
— T chau, Ben! Eu te amo! — grita Alice mais uma vez, enquanto ela e sua mãe
caminham pelo beco atrás da minha casa.
— Eu também te amo! — grito em resposta antes de entrar pela cozinha e fechar a
porta dobrável. Enquanto tranco a porta, minha atenção é atraída para a fotografia da
minha mãe e eu que está pendurada na parede da cozinha.
Uma década atrás, bem no início daquele ano, em uma fresca manhã de janeiro,
mamãe e eu saímos cedo de casa e dirigimos por Richmond, em direção ao centro de
testes de direção mais próximo, em Isleworth. Enquanto cruzávamos o rio e passávamos
pelo supermercado, minha mãe se virou para mim e sorriu.
— Estou impressionada — disse enquanto eu parava no semáforo. — Você não subiu
na guia nenhuma vez.
Eu ri. Alguns meses antes, depois de algumas aulas, eu havia dito a ela que estava
pronto para o teste. Ela concordou em me levar para praticar mais. Saindo da praça e
virando na Lower Haddley Road, eu tinha subido na guia, aterrorizando o Sr. e a Sra.
Cranfield enquanto eles voltavam do rio. Minha mãe agarrou o volante e desviou o carro
de volta para a rua, escapando por pouco de um táxi preto que se aproximava. Naquele
exato momento, ela prometeu pagar por mais uma dúzia de aulas e jurou que nunca
mais me levaria para sair.
— A única vez em que subo na guia agora é quando estou estacionando de ré.
— Bem, então não faça isso!
— Todo mundo faz. Eles não vão me reprovar por isso, certo?
— Benjamin, eu não teria tanta certeza!
Uma hora depois, eu presenteei minha mãe com meu certificado de aprovação.
— Sem estacionar de ré! — eu disse com um sorriso. Dirigi de volta para Haddley, e
conversamos sobre a viagem que ela queria fazer para Arran. Foi naquele momento que
eu fiz a promessa de ir com ela, desde que pudéssemos dividir a direção. Muito
relutante, ela concordou.
No início de março, mamãe me encontrou em Manchester antes de viajarmos para a
Escócia. Por três noites, alugamos um chalé com vista para Whiting Bay enquanto
explorávamos a ilha e aproveitávamos nosso tempo anônimo juntos. Passamos nossa
segunda manhã visitando a destilaria de uísque Isle of Arran, e a foto na parede da
cozinha é um momento capturado de nós dois sentados do lado de fora da destilaria, em
um banco de piquenique de madeira, cercados por colinas verdes. Naquela tarde,
andamos pelo caminho costeiro, olhando para a baía, em direção à Ilha Sagrada. Minha
mãe adorava o espaço infinito e o ar puro. Enquanto caminhávamos, eu conversava
sobre o que poderia fazer depois da universidade. Minha licenciatura em política não me
oferecia uma carreira definida, e eu estava brincando com a ideia de me tornar
advogado.
— Um advogado! — exclamou minha mãe. — Não é você, Ben.
Ri da resposta dela.
— Por que não? Acho que eu seria muito bom. Você não pode me imaginar no
tribunal?
— Não é como LA Law.
— O que é LA Law?
Ela balançou a cabeça em descrença.
— É um programa de televisão maravilhoso, de antes de você nascer, que fez os
advogados parecerem incrivelmente interessantes e glamorosos. A realidade da lei é que
ela é incrivelmente orientada por processos e hierarquia. Você não é nenhuma dessas
coisas. — Ela tinha razão. — Tenho certeza de que você poderia se qualificar —
continuou ela —, mas dentro de dois anos você odiaria e iria querer fazer outra coisa. Se
é o que você realmente quer fazer, eu vou apoiá-lo, claro que sim, mas lembre-se de que
você teria que trabalhar ao lado de outros advogados que amam processos e respeitam
hierarquia.
— Eu não acho que gostaria dessas pessoas — eu disse, rindo. — Estou começando
a pensar que posso não gostar do Direito.
Sob um céu azul sem fim, nós caminhamos, falando sobre algumas carreiras
diferentes e muitos programas de televisão diferentes, até que perguntei à minha mãe o
que ela queria fazer a seguir. Era uma pergunta que, até aquele dia, eu nunca tinha
pensado em fazer. Por muito tempo, o futuro tinha sido algo com o qual nenhum de nós
se sentia capaz de contar. Minha mãe havia me ajudado a passar nos exames e a entrar
na universidade, mas sua própria vida parecia uma existência, nada mais. Porém,
naquele dia, ela falou de si mesma, de viajar e reencontrar beleza em nosso próprio país
— que ela havia perdido durante tantos anos —, de seus amigos; e até brincamos que
um dia ela poderia conhecer alguém novo. Com minha vida seguindo em frente, acho
que ela tinha começado a pensar em companheirismo, e eu a encorajei a se inscrever no
Match.com.
— Isso é para crianças! — foi a resposta dela. — Eu ficaria muito envergonhada. E se
alguém me visse?
— Essa é exatamente a ideia — eu respondi. — Um bom senhor mais velho.
— Não tão velho, se você não se importa. A maioria dos homens mais velhos está
atrás de um rabo de saia jovem. Eles não estariam interessados em mim. Seria tão
humilhante!
— Não hoje em dia.
— Absolutamente não, Ben, não. Com certeza, eu acabaria encontrando algum
pervertido que iria me perseguir! Não, eu só quero um companheiro amigável para se
juntar a mim em algumas viagens, visitar alguns bons restaurantes. Ficaria feliz até em
rachar a conta com ele.
— Muito moderno — respondi enquanto voltávamos para nosso chalé. A luz
começava a diminuir e uma brisa forte se iniciava.
O tempo piorou durante a noite e, em nosso último dia na ilha, acordamos com uma
chuva torrencial batendo contra a janela panorâmica na frente do nosso chalé. Depois de
uma manhã preguiçosa lendo os jornais, acendi a lareira enquanto minha mãe nos
preparava um almoço tardio. Depois de comer, mamãe se enrolou no sofá, bebendo um
copo do licor de creme que ela havia saboreado no final de nosso passeio pela destilaria,
no dia anterior. Juntos, ficamos olhando a parede de chuva escorrer pelo vidro.
— Obrigada — ela disse, de repente.
— Pelo quê?
— Por passar três dias com sua mãe em uma ilha escocesa. Eu acho que
provavelmente vai além do esperado. — Eu sorri, e ela continuou. — Não quero que
você passe a vida se preocupando comigo ou sentindo que precisa estar aqui o tempo
todo. É sempre bom para mim ver você, mas eu vou ficar bem. — Ela parou de falar e
olhou para a baía, onde um barco solitário navegava em um mar agitado.
— Eu sei — respondi — e, onde quer que eu esteja, sempre estarei do outro lado da
linha.
— Sei disso.
Ficamos em silêncio por um momento. Na baía, o barco continuou cada vez mais
longe, lutando com determinação contra as ondas crescentes.
— Você tem que viver sua vida, Ben — disse ela. — Não passa um dia sem que eu
pense em Nick, mas não podemos trazê-lo de volta.
— Sempre o teremos em nossos corações.
— Ele ficaria tão orgulhoso de você.
— Ele ficaria orgulhoso de nós dois — disse, com firmeza.
— Às vezes sinto… — Ela para de falar.
Esperei ela continuar. Quando ela não o fez, eu a pressionei.
— Sente o quê?
— Não sei. Essas garotas; por quê, Nick?
Eu a encarei desconfortavelmente.
— Mãe, às vezes não há razão. Essas garotas, elas eram apenas más. Pura e
simplesmente. Se não tivessem sido Nick e Simon, teria sido outra pessoa.
Minha mãe se virou para mim.
— Mas você não imagina que há mais coisas que não sabemos? Poderia ainda haver
pessoas em Haddley que soubessem mais? Nós não sabemos de verdade o que aconteceu
com aquelas garotas depois que elas foram presas.
— Não — eu disse, balançando a cabeça. — Mãe, isso só vai trazer mais dor para
você. Lembre-se do que você sempre me ensinou. Temos que olhar para a frente.
Ela disse com suavidade:
— Mas, se houvesse mais, Ben, você gostaria de saber?
— Não há — disse com firmeza, levantando-me e encerrando a conversa, esperando
que nunca mais fosse reaberta. — Absolutamente não, mãe. Não.
21
Já tomei meu quarto café do dia. Obrigado novamente pelos drinques da noite
passada.
Por quê?
Algumas coisas não fazem sentido para mim. Minha mãe estava procurando por
respostas. Talvez eu possa encontrá-las para ela. Devo isso a ela.
Posso ver que Will está digitando uma resposta, mas nenhuma mensagem chega.
Depois de um minuto, mando uma mensagem para ele novamente.
Eu adoraria ter dez minutos com você para falar sobre o verão em que Nick
morreu.
Estou surpreso em receber um contato dele, tão logo depois de Will. Vendo-o digitar
mais, espero para responder.
Espero que não se importe de eu entrar em contato. Estive pensando sobre
nossa conversa de ontem à noite.
Oi, East, eu começo. Porém, antes que eu possa continuar, sua próxima mensagem
chega.
C orrine Parsons girou seu pescoço e pressionou as mãos contra a base da coluna.
Trabalhar em turno duplo era sempre cansativo, e cada vez mais ela parecia sentir os
efeitos físicos. No início desta manhã, a senhorita Cunliffe tinha levantado da cama para
se aliviar na comadre e sempre precisava de dois membros da equipe para movê-la. Aos
oitenta e oito anos, a mulher, de alguma forma, mantinha um peso três vezes maior que
o de Corrine. Os bolos de creme fresco que ela recebia da padaria todas as tardes sem
dúvida contribuíam. Corrine não tinha ideia de como ela conseguia pagar. A mulher
nunca havia lhe oferecido um único centavo.
A Casa de Repouso Sunny Sea, localizada nas ruas secundárias de Deal, pagava à
Corrine apenas um salário mínimo, mesmo quando ela trabalhava catorze horas seguidas
durante a noite. Pelo menos com o turno duplo da noite passada, ela teria um pouco de
dinheiro extra no final da semana.
Saindo da casa, ela olhou para o relógio. Já eram dez e meia. O dia se estendia à sua
frente. Ela havia ficado mais meia hora para ajudar Eddie com a entrega da cozinha, já
que ele ajudava com alguns suprimentos sempre que ela estava sem nada em casa.
Sabendo que Molly não pagaria pelos trinta minutos extras, ela havia escondido alguns
pacotes de salsichas e um belo pedaço de bife na parte de trás da geladeira. Ela os levaria
para casa amanhã de manhã, quando Molly estivesse de folga.
Apressada, ela se dirigiu ao Seafront Café. Sentiu seu estômago roncar e percebeu
que sua última refeição tinha sido a torta de carne fria que sobrou na cozinha, ontem,
depois do jantar dos residentes. Um café da manhã inglês completo e duas xícaras de
chá fizeram com que ela se sentisse humana novamente. Ao sair, ela viu que as nuvens
estavam começando a se dissipar. Os turistas estavam surgindo para o dia e, sentindo
que o sol estava prestes a aparecer, ela se dirigiu ao caminho da praia para começar a
caminhada de três quilômetros em direção a Walmer.
Sem muito com que preencher seu dia até que seu próximo turno começasse,
Corrine havia começado recentemente a caminhar à beira-mar todas as manhãs. Estar ao
ar livre na primavera era muito melhor do que ficar sentada em seu minúsculo
apartamento e, quando ela finalmente voltava para casa, no início da tarde, quase
sempre estava tão exausta que ia direto dormir. No início, ela havia hesitado em andar
para muito longe pelo caminho da praia. Mesmo agora, ela mantinha o capuz puxado
sobre a cabeça, mas, cada vez mais, descobria o quanto gostava de estar no espaço
aberto.
Passando pelos apartamentos chiques que davam para a beira d’água, ela se
imaginava vivendo uma vida de luxo dentro de um deles. Ela contrataria Eddie como
seu cozinheiro particular e, todas as manhãs, o instruiria a preparar um café da manhã
inglês completo. Depois disso, ela ficaria deitada ao sol por uma hora antes de tomar um
longo e quente banho de banheira. Manteria as janelas bem abertas, dia e noite, inverno
e verão, afastando suas lembranças mais sombrias. E, todas as tardes, ela se sentaria em
sua varanda e comeria três bolos de creme, até ficar tão gorda quanto a senhora Cunliffe.
— Desculpe! — disse ela de repente, abaixando a cabeça depressa e se movendo
para o lado. Sem perceber, ela havia se chocado de frente com uma mulher mais velha,
que ia na direção oposta.
— Você deveria olhar para onde está indo — repreendeu a mulher. — Você poderia
ter me derrubado. — Mas, puxando seu capuz, Corrine já estava bem longe dela.
Mantendo os olhos baixos e para a frente, Corrine caminhou. Ao sair de Deal, o
caminho ficou tranquilo e, aos poucos, ela conseguiu voltar o olhar para o mar. Na costa
de seixos, dois meninos ruivos riam enquanto tentavam empinar uma pipa de dragão
chinês; Corrine tinha certeza de que o tamanho gigante seria um desafio muito grande
para eles. Ela sorriu ao passar, perguntando-se por que eles não estavam na escola. Isso
não era da conta dela, disse a si mesma; ela havia aprendido há muito tempo que o que
as outras pessoas faziam nunca era problema dela.
À medida que o caminho da costa se estreitava, seu ritmo diminuiu. Ela parou ao ver
duas mulheres de meia-idade se despindo — até ficarem em trajes de banho — e
caminhando em direção à beira d’água. Na brisa do início da primavera, ela as
considerou corajosas, mas, sem hesitação, ambas saltaram para o canal para começar a
abrir vigorosamente as ondas. Com o caminho agora quase deserto, Corrine decidiu se
sentar por um momento em um dos bancos de madeira desbotados, tirando o capuz e
deixando os raios do sol aquecerem seu rosto. Em menos de três minutos, a primeira das
mulheres estava fora da água,caminhando de volta à praia para se enrolar em uma
grande toalha de praia com listras rosa. A outra mulher continuou na água, respirando a
cada movimento enérgico. Sorrindo para si mesma, Corrine imaginou que poderia ser
algo de que a senhora Cunliffe teria gostado quando era jovem.
Aproximando-se de Walmer, ela chegou a uma pequena série de casas à beira-mar.
Quando uma velha senhora, que cuidava de suas flores amarelas brilhantes atrás de uma
cerca branca, sorriu para ela, ela percebeu que seu capuz ainda estava abaixado. Ela
puxou-o de volta sobre o rosto e se apressou, pisando com cuidado enquanto o caminho
se tornava mais pedregoso. De um lado do caminho, uma fileira de barracas de praia em
tons pastel parecia já ter estado em melhores condições. Corrine nunca entendeu o
prazer de se sentar dentro de uma barraca apertada e decadente e ficar olhando para as
ondas durante horas intermináveis, e se sentiu deprimida olhando para elas agora. Seu
ânimo melhorou, no entanto, quando chegou ao pub.
Ela havia acabado de chegar à entrada do estabelecimento quando um labrador preto
saiu lentamente de trás de uma das barracas de praia. Corrine se agachou e estendeu a
mão, esperando enquanto o cachorro se aproximava dela, nervosamente.
— Olá, garoto. — O cachorro cheirou sua mão antes de se aproximar para deixá-la
fazer carinho na lateral do seu corpo e estremeceu enquanto ela o fazia. Sob seu pelo
irregular, ela podia sentir os ossos afiados de sua caixa torácica e sentiu uma pontada de
pena por ele. Ela lhe fez um carinho final, levantou-se e foi para dentro. O cachorro
trotou ao lado dela.
— Você não pode vir comigo. Vamos dar uma olhada em onde você mora? —
continuou ela, curvando-se para olhar para o colarinho dele, e percebendo que ele não
tinha um. — Você vai ter que encontrar o seu próprio caminho para casa. Vá, vá
embora. Não há nada para você aqui. — E ela lhe deu um leve empurrão em direção às
barracas de praia antes de entrar.
No bar, ela pediu um copo de cidra e uma torta de carne e cebola, virando as costas
enquanto o barman pegava seu drinque. Saboreou o primeiro gole saciando a boca seca
e, quando sua torta chegou, ela já tinha bebido metade. Voltando para fora, ela ficou
feliz por encontrar uma mesa de madeira só para ela. Quando usou o garfo para quebrar
a crosta da torta, seu recheio generoso fumegou enquanto caía em seu prato. A cebola
caramelizada e a massa mole lhe deram água na boca.
— Isso não é para você — disse ela balançando a cabeça quando o labrador apareceu
novamente ao seu lado. Os olhos tristes do cão a encararam enquanto ela saboreava seu
primeiro bocado, depois o segundo. — Pare de olhar para mim desse jeito — continuou
ela, virando as costas para o cachorro enquanto começava a comer a massa. Sentindo
uma pata alcançar sua perna, ela não pôde deixar de se virar. — Você realmente está
com fome, não está? — disse ela, tomando um gole de seu copo. — Você pode comer só
um pedaço pequeno — continuou, quebrando um pedaço de massa. Olhando para o
rosto triste do cachorro, ela acrescentou um pedaço de carne. — Depois desse, chega —
disse e deixou cair a comida no chão. Instantaneamente, o cachorro comeu a torta e
voltou para o lado dela, pedindo mais. — O que foi que eu disse? — disse ela, sorrindo
e acariciando o corpo ossudo. — Um último bocado — disse levantando o dedo antes de
jogar outro pedaço de torta no chão.
— Ei! — gritou uma voz, aproximando-se da praia. Corrine olhou e viu um homem
barbudo com a barriga pendurada sob a camiseta, sofrendo para subir pelo caminho de
cascalho. — Tire as mãos do meu cachorro — gritou ele.
— Você deveria cuidar melhor dele — gritou Corrine de volta.
— O que isso tem a ver com você? — respondeu ele. Corrine não disse nada. —
Panther, volte aqui! — gritou o homem. — Panther! — Porém, o cachorro não se
mexeu. O homem caminhou adiante e ficou de pé em frente à mesa de Corrine. O
cachorro se aproximou dela.
— Não acho que ele goste de você — disse Corrine. — Na verdade, eu diria que ele
tem medo de você. Talvez devesse tentar alimentá-lo com uma refeição decente.
— Eu disse: o que isso tem a ver com você? — gritou o homem, batendo os dedos
gordos na mesa enquanto enfiava o rosto dele no dela. Em um único movimento,
Corrine pegou seu garfo e o enfiou nas costas da mão do homem. O sangue jorrou para
o céu, e o homem gritou enquanto o cachorro se afastava da mesa.
Corrine ficou de pé, pulou a parede do pub e começou a correr de volta pelo
caminho, em direção a Deal.
— Sua vadia idiota — gritou ele enquanto tentava puxar o garfo das costas de sua
mão. — Vou te pegar por causa disso — gritou ele e, olhando para trás, ela podia vê-lo
segurando a mão no peito enquanto o sangue escorria pelo braço. — Corre, vadia, corre!
— gritou ele — Vou denunciar você para a polícia.
— Vou denunciar você para a Sociedade Animal.
— Você quer dizer a Sociedade de Proteção aos Animais, sua escrota idiota.
— Não importa — gritou Corrine, mostrando o dedo do meio; porém, ao se virar, as
lágrimas encheram-lhe os olhos quando ela percebeu que provavelmente era mesmo
uma idiota.
24
— N ão quero ouvir, Ben — diz Madeline enquanto entro em seu escritório e fecho a
porta atrás de mim. Sem desviar o olhar da tela, ela levanta a mão. — Precisamos de
mais tráfego no site, e isso significa que fazemos todo o possível para alcançá-lo. Fique
tranquilo, sua mãe será lembrada da maneira certa.
— E se eu disser que vou escrevê-lo? — digo, atravessando o escritório.
— Você vai? — diz Madeline, só agora se afastando de sua tela.
— Eu poderia. Se for nas minhas condições.
— Suas condições? E quais seriam elas?
— Um artigo investigativo.
— Não — responde Madeline, sem rodeios. — Não é o que os leitores querem.
— Há perguntas sem respostas sobre a morte da minha mãe — digo, puxando uma
cadeira para me sentar em frente à minha chefe. — Percebo agora que nunca acreditei
que ela acabaria com sua vida dessa maneira. Quero usar essa chance para entender o
que aconteceu.
— Eu disse não. Fim. — Madeline faz uma pausa, antes de se inclinar sobre a mesa.
— Ben, não há nada novo para dizer. Escreva-me dez mil palavras sobre o vínculo entre
você e sua mãe e suas esperanças para o futuro. Faremos uma nova sessão de fotos suas,
em casa. Os leitores vão adorar, e vamos distribuí-lo. Eu te dou um bônus de dez mil
libras.
— É isso o que minha família vale para você?
— Ok, quinze.
— Isso não é uma negociação.
— Tá bom. Eu tenho uma reunião em três minutos, então se você não se importa…
— diz Madeline, levantando-se. Vestida com roupas casuais atléticas de grife, que devem
ter custado mais do que o salário médio semanal, ela dá a volta em sua mesa para ficar
ao meu lado. — Acabamos aqui.
— Abigail Langdon está morta — digo, baixinho.
Sacudindo a sujeira imaginária de suas unhas bem cuidadas, por uma fração de
segundo, Madeline é pega de surpresa. Ela me olha por um momento, tentando me
avaliar. Encontro seu olhar, friamente. Recuperando a compostura, ela aperta um botão
em seu telefone.
— Cancele minha reunião das duas horas. — Ainda segurando o botão, ela faz uma
pausa e olha para mim. — E a das três.
Ela atravessa a sala e pega uma lata de Coca-Cola da geladeira.
— Quer uma?
— Diet, por favor.
Acho que a ouço retrucar quando ela pega uma lata e volta para o outro lado da sala.
Ela puxa uma cadeira da mesa e se senta diretamente na minha frente. Abrindo sua lata
e despejando o líquido em um copo, ela diz:
— Langdon está morta?
Concordo com a cabeça.
— Assassinada.
Madeline esfrega o dedo nos lábios com botox, mas não diz nada.
— A polícia acredita que sua nova identidade foi comprometida — continuo. —
Desde sua libertação, houve uma série de liminares contra a mídia para impedir a
publicação de sua nova identidade.
— Não contra nós. — Madeline se inclina contra a mesa e toma um gole de sua
bebida.
— Langdon foi morta exatamente da mesma maneira que Nick e Simon — digo.
Posso ver o horror em seus olhos. — Como a jornalista local de referência na época,
tenho certeza de que você não precisa de mim para atualizá-la sobre nenhum desses
detalhes.
As mãos de Madeline apertam o copo.
— Ben, eu era uma garota de dezessete anos, ainda na escola, quando seu irmão e
Simon Woakes foram assassinados. — Vivendo em Richmond, Madeline testemunhou o
horror e a devastação que os assassinatos causaram em toda a região. Menos de um ano
após o término do julgamento, começou a trabalhar no jornal local. Ela entrou direto da
escola e logo percebeu que havia pouco futuro em sua grande ideia de se tornar uma
fotojornalista. Ela tinha um verdadeiro talento para descobrir grandes histórias.
— Você escreveu mais sobre o caso do que qualquer outro jornalista.
— Foi como eu comecei, sim, mas nunca fiz segredo disso. — Como uma nova
recruta, Madeline lançou uma história sobre o impacto na Haddley Grammar e seus
alunos. Seu editor gostou da ideia, e a história teve uma boa resposta dos leitores. Ela
lançou uma continuação, dessa vez sobre o pai de Simon, Peter, que estava vivendo em
Haddley. A história foi divulgada em todo o país.
— Levou você à mídia nacional — digo.
— Só escrevi histórias que acreditava que ajudariam a cidade. E sua família.
— E se, ao mesmo tempo, elas por acaso te ajudassem…
— Sou jornalista, Ben, assim como você. Eu não queria passar minha vida
escrevendo histórias sobre os assassinatos de Haddley…
— Mas se elas impulsionassem sua carreira e você acabasse se tornando uma das
pessoas mais influentes da mídia do século XXI, que assim fosse.
— Não sei o que você quer de mim aqui, Ben. Se você quiser escrever seu artigo
investigativo, tudo bem. Eu te dou sete dias. Ele precisa estar disponível no site para o
décimo aniversário de sua mãe. Feliz?
Não digo nada.
— Ben?
Olho para Madeline através da mesa da diretoria.
— Duas cartas, escritas por minha mãe foram encontradas na casa de Abigail
Langdon, que, até ser morta, vivia sob o nome de Demi Porter.
Madeline fica de pé e vai para trás de sua mesa, esfregando as teclas em seu teclado.
Olho para ela incisivamente.
— A polícia está muito interessada em entender como minha mãe pode ter
descoberto a nova identidade de Langdon e depois encontrado uma maneira de entrar
em contato com ela.
Madeline se vira para a janela.
— Vamos dar uma caminhada — diz ela, baixinho.
As barracas do Borough Market estão repletas da mistura usual de turistas sem plano
definido e funcionários de escritório assediados.
Silenciosamente, seguimos nosso caminho através da multidão. Passamos por uma
barraca de queijo, e eu pego uma amostra de um gorgonzola suave.
— Você em algum momento não está com fome? — pergunta Madeline.
— Não almocei — respondo. Afastamo-nos da multidão e subimos em direção ao
Golden Hinde, onde encontramos um assento ao lado do cais, com vista para o Tâmisa.
— A primeira coisa que você me ensinou no primeiro dia — digo. — Todo bom
jornalista tem suas fontes, e jornalistas ainda melhores têm seus segredos. E ninguém
nunca descobriu mais segredos do que você. Diga-me o que aconteceu quando as
meninas foram libertadas.
— Você tem que lembrar, foi em um momento em que eu ainda estava procurando
minha grande chance. Eu estava nisso havia dez anos e estava pronta para editar um
jornal nacional. — A fala de Madeline torna-se apressada. — Eu precisava de mais uma
história realmente ótima, e eles não seriam capazes de dizer não.
— Você seria a editora mais jovem em qualquer um dos nacionais.
— E uma mulher, Ben. Mesmo há dez anos, isso ainda era incrivelmente difícil.
— Não. Apenas me diga o que aconteceu.
— Fiquei sabendo rapidamente que tinha havido problemas em torno da libertação
de Langdon. Ela havia se envolvido em uma apreensão de drogas em Glasgow, e sua
nova identidade tinha ficado ameaçada. Ironicamente, descobriu-se que ela era uma
espectadora inocente, mas precisava ser movida rapidamente. Isso significava que
algumas forças policiais locais se envolveriam e, uma vez que isso acontece, as
informações podem vazar. Logo eu sabia onde ela estava.
— Ótimas informações para se ter, mas nada que você pudesse publicar. Isso deve ter
sido exasperante — digo. — Foi aí que você elaborou um plano para usar a informação
de uma maneira diferente?
— Absolutamente não — é a negação instantânea de Madeline. — Nunca foi assim.
Escrevi alguns artigos no jornal, nos dias e semanas depois que as meninas foram soltas,
é só isso. Eu disse como sua mãe havia sido incrivelmente forte — a dignidade que ela
havia mostrado. Os artigos atraíram muito apoio para ela.
— E depois?
— Foi isso.
— Até?
Madeline tosse e esfrega a garganta.
— Acontece que eu estava em St. Marnham. Sua mãe estava saindo do consultório
médico enquanto eu estava entrando.
— Muita coincidência — digo. — A única coisa que todo jornalista queria era uma
entrevista com minha mãe.
— Fingi demorar um pouco para reconhecê-la e então me apresentei. Ela me
agradeceu pelo que eu havia escrito no jornal, mas disse que a realidade era muito
diferente. Ben, precisa saber que você era tudo para ela. Você tem que acreditar em
mim.
Eu a ignoro, fixando meus olhos na água.
— O que aconteceu depois?
— Nós nos sentamos em um banco perto da lagoa. Ela me perguntou sobre as
meninas, se eu achava possível que outros pudessem ter se envolvido com elas; poderia
haver pessoas em Haddley que soubessem mais do que estavam dizendo?
— Deixe-me adivinhar: você estava pronta para alimentá-la com qualquer teoria da
conspiração que ela pudesse estar imaginando. Se você pudesse ganhar a confiança dela,
ela poderia lhe dar a entrevista que havia recusado a qualquer outra pessoa, e com isso
você teria sido uma editora em pouco tempo.
— Não, Ben, isso não é justo! — Mas, por mais que Madeline tente protestar,
quando me viro para encará-la, ela não consegue esconder a afirmação em seus olhos.
— Eu não estou orgulhosa do que fiz — ela concede, e nós ficamos em silêncio por um
momento, até que ela continua. — Combinamos de nos encontrar novamente. Apenas
para falar, nada registrado.
— E ela lhe perguntou mais sobre as garotas?
— Sim.
— E onde você pensou que elas poderiam estar?
— Ela tinha o direito de saber.
Mesmo tendo minhas suspeitas, desde minha conversa com a sargento-detetive
Barnsdale esta manhã, ouvir Madeline confessar me enche de raiva.
— Eu me pergunto se a polícia veria dessa forma, porque eu suspeito que, agora, sou
a única pessoa que está impedindo você de ser diretamente implicada no assassinato de
Langdon.
— O que você disse a eles?
Não olho para ela, mas posso ouvir o alarme na voz de Madeline.
— Nada. Até agora, eu não tinha certeza — digo. Viro novamente para encará-la. —
Você sabia que minha mãe estava desesperada, deu a ela um pouco de informação e a
fisgou.
— Não, Ben…
— A única coisa que você poderia dar a ela era Abigail Langdon. Então, foi isso que
você fez.
Madeline deixa a cabeça cair em suas mãos.
— Algumas semanas depois, minha mãe estava morta. — Posso sentir que estou
tremendo de raiva. — Você já pensou que, se não fosse por você, ela poderia estar viva
hoje?
Ouço Madeline me chamando, mas não me viro. Já estou indo embora.
Quatro
“Ele se tornou um fantasma de seu antigo eu e se afastou de
todos que o amavam e respeitavam.”
25
Q uando você procura on-line por Nick ou Simon Woakes, a fotografia dos dois meninos
juntos com Langdon e Fairchild, no Clube de Rúgbi de Richmond, é sempre a primeira
imagem exibida. É a foto de que todos se lembram, estampada em todos os jornais após
os assassinatos e, depois, novamente, após a morte de mamãe. A imagem comovente
que une nossas duas famílias.
A fotografia foi tirada apenas algumas semanas antes da morte dos meninos, no dia
final da temporada de rúgbi da escola. Pela primeira vez em sua história, a equipe sênior
da Haddley Grammar havia chegado à final, com uma equipe capitaneada por James
Wright. Nossa equipe júnior foi comandada por Nick. Nick levou Haddley a uma vitória
de quarenta pontos, enquanto a equipe sênior encerrou o reinado de oito anos da
Twickenham Duke Boys’ School como campeã regional. Como um estudante que
gritava, ajudando a encher as arquibancadas, eu não poderia ter ficado mais orgulhoso.
No final da partida, todos descemos das arquibancadas e fomos para a linha lateral.
Enquanto as equipes triunfantes se reuniam para a entrega de prêmios, foram tiradas
fotos com todos os vencedores. Cenas dos meninos comemorando com a família e os
amigos foram capturadas, incluindo uma de Nick e Simon de pé, lado a lado, com os
braços em volta dos ombros um do outro, sorrindo de orelha a orelha. E então, em
outra, acompanhados por Langdon e Fairchild, uma imagem que, mais de vinte anos
depois, ainda me deixa tremendo.
Antes daquele verão, minha mãe e a sra. Woakes nunca foram muito próximas.
Porém, sempre paravam e se cumprimentavam quando estavam juntas em uma linha
lateral varrida pelo vento, torcendo por seus filhos. O marido da Sra. Woakes, Peter, era
conhecido em toda Haddley como diretor da Haddley Grammar. Imediatamente após a
morte do filho, o Sr. Woakes foi colocado em licença, por compaixão. Perder o filho o
havia devastado, e sua perda foi agravada quando ele se tornou a testa de ferro da dor da
escola e de sua comunidade, a personificação da perda da cidade. Era um fardo que se
tornou impossível de carregar para ele. Incapaz de retornar ao trabalho que havia
apreciado tanto, nos dois anos que se seguiram às mortes de Nick e Simon, ele sofreu
uma queda muito pública e sofreu o que agora percebo como um colapso emocional e
nervoso completo. Ele se tornou um fantasma de seu antigo eu e se afastou de todos que
o amavam e respeitavam. Seus dias eram passados andando sozinho pela margem do rio,
projetando uma figura angustiante, cuja lenta desintegração toda a cidade assistia,
impotente. Todos os dias, ele fazia o mesmo caminho — ao longo da margem do rio,
atravessando a ponte, até o vilarejo de St. Marnham, antes de voltar pela floresta, onde
Simon e Nick haviam sido mortos. Toda vez, ele emergia da escuridão com os olhos
injetados de sangue antes de atravessar a praça e voltar para a margem do rio. De lá, ele
começaria sua jornada tortuosa mais uma vez, repetidamente, a cada dia. Com o passar
do tempo, ele ficou cada vez mais desgrenhado e, à medida que novos moradores
chegaram a Haddley, com a cidade tentando desesperadamente seguir em frente, ele se
tornou um personagem cada vez mais bizarro e misterioso.
Desconectado de sua antiga vida e família, ele começou a viver de forma difícil.
Todas as manhãs, enquanto eu caminhava para a escola, às margens do Tâmisa, eu o via
encolhido sob a ponte de Haddley. De vez em quando, eu via a sra. Woakes andando
pela trilha simplesmente para levar comida ou roupas limpas para ele. Ela me disse mais
tarde que, depois de um tempo, ele deixou de reconhecê-la, e ela simplesmente deixava
uma refeição quente debaixo da ponte, na esperança de que ele a encontrasse.
Então, três anos depois de Simon e Nick terem sido mortos, o Sr. Woakes
desapareceu. Seguindo sua mesma caminhada diária, ele foi de Haddley a St. Marnham,
mas, em vez de retornar pela floresta, ele simplesmente continuou andando.
Quando seu marido se afastou de Haddley, a Sra. Woakes decidiu fazer o mesmo. Ela
se mudou para um apartamento em Richmond com sua filha, Jane. Embora estivesse a
apenas quinze minutos de distância de Haddley, era longe o suficiente para permitir que
ela começasse a construir uma nova vida. Foi só quando voltei para Haddley, depois da
universidade, que esbarrei em Jane durante uma noitada. Constrangidos no início, logo
descobrimos que compartilhávamos uma infinidade de experiências e emoções. Como
eu, ela era mais nova do que o irmão, idolatrava-o como muitos irmãos mais novos
faziam e, ao longo de muitos anos, foi tendo que encontrar uma maneira de administrar
a própria dor enquanto apoiava a mãe na dela. Começamos a nos encontrar para um
drinque a cada dois meses, confortando-nos em nossas lembranças de infância
compartilhadas.
Quatro anos atrás, Jane ficou noiva de um construtor da Nova Zelândia, Leon, que
administrava um negócio de sucesso em Richmond. Um ano depois, enquanto ela
caminhava pelo corredor da igreja de Santa Catarina, todos nós esperávamos que ela
tivesse encontrado uma felicidade que não havia conhecido quando era uma menina de
dez anos. Depois que a fotógrafa terminou seu trabalho, os convidados voltaram pelas
margens do rio até uma das casas de barcos vitoriana para celebrar o casamento. Eu
caminhei com a Sra. Woakes, conversando baixinho enquanto nos lembrávamos
daqueles em nossas famílias que não estavam lá para comemorar. Eu perguntei sobre o
Sr. Woakes. Ela me contou como acordou com uma notícia, dezoito meses depois que
ele havia desaparecido. Em uma manhã gelada de janeiro, o corpo sem vida de um sem-
teto tinha sido encontrado em decomposição do lado de fora do Windsor Great Park. Era
onde ela e o Sr. Woakes haviam caminhado em seu primeiro encontro, vinte anos antes.
Ela soube, então, que nunca mais o veria.
27
N o trem para Richmond, arrasto as últimas notícias no meu telefone. Nenhum relato
sobre a morte de Abigail Langdon. Apenas uma breve menção no Yorkshire Post de que
a morte inexplicável de uma mulher em Farsley estava sendo investigada. O último
embate do time de futebol local recebe mais centímetros de coluna.
Da estação de Richmond, luto contra a enxurrada de passageiros que se dirigem para
os trens com destino a Londres. Atravesso as ruas laterais vitorianas e me dirijo ao café à
beira do rio, onde marquei um encontro com Elizabeth Woakes. Sou o primeiro a
chegar, e o garçom me leva a uma mesa perto da janela.
Quando olho para o menu, sinto uma mão repousar no meu ombro e me viro para
ver Elizabeth Woakes parada ao meu lado. Eu me levanto para encontrar seu abraço
caloroso. Ela se senta à minha frente, tira seu longo casaco vermelho e ajusta as presilhas
em seu cabelo grisalho, amarrado frouxamente.
— Sinto muito pelo atraso, Ben. Prometi que deixaria Finlay na creche para Jane e
Leon. Pensei que tinha mais tempo.
— Como está Fin? — pergunto.
— Está maravilhoso. — Seu rosto inteiro se ilumina quando ela fala sobre seu neto.
— Quase andando, agora. Não vai demorar muito até que eu não consiga acompanhá-lo.
Jane mandou um abraço. Faz muito tempo desde que estivemos todos juntos. Você deve
vir para o jantar.
— Eu adoraria.
O garçom volta à nossa mesa, e vejo a senhora Woakes sorrir enquanto peço um
sanduíche de salsicha e ovo.
— Vou querer a granola — diz ela, entregando seu cardápio ao garçom. — E um
cappuccino.
— Dois — digo. Enquanto o garçom se afasta, eu me inclino para a mesa. —
Suponho que elas tenham entrado em contato?
Empurrando os óculos de armação branca para trás na cabeça, Elizabeth Woakes
afasta a cadeira da mesa e me dá um longo olhar.
— Ben, não somos os criminosos aqui — diz ela, baixinho. — Sofri uma vida inteira
por causa dessas garotas. E você também. Então, não deixe ninguém convencê-lo do
contrário. — Ela faz uma pausa. — Elas me disseram como ela morreu. — Concordo
com a cabeça. — Quero que você saiba que estou feliz; feliz por ela ter sofrido. Ela não
receberá nenhuma simpatia de mim.
— Nem de mim — respondo, e a Sra. Woakes sorri. — Perguntaram sobre seu
paradeiro?
Ela balança a mão com desdém.
— Eu não tinha nada para dizer a elas. Cuidar de Finlay, almoçar na casa da Jane,
fazer compras na cidade. Claro que elas estavam tentando me prender com os detalhes,
mas eu não tenho que responder a elas e eu lhes disse isso.
— Perguntaram se você já havia visitado Farsley?
— Esse foi o lugar onde ela foi encontrada? Algum lugar perto de Leeds?
— Sim.
— Eu disse que nunca tinha ouvido falar do lugar. Ben, como eu disse — continua a
Sra. Woakes, deliberadamente —, estou feliz que ela esteja morta. Encantada. Eu
aplaudo quem a matou, e a polícia não terá nenhuma ajuda minha para encontrá-los.
Quem quer que seja.
O garçom chega com nossa comida, e a Sra. Woakes recoloca os óculos brevemente
para examinar seu café da manhã. Colocando-os de volta na cabeça, ela agradece ao
garçom e acena para ele ir. Corto meu sanduíche.
— Você parece precisar disso.
— Desesperadamente — digo, com a boca já meio cheia. — Pulei o jantar ontem.
— Um dia, teremos que te casar. Finlay tem babá, dois dias por semana —
australiana, adora crianças. E ela ensina ioga nos outros três dias da semana. Vou
convidá-la para jantar conosco.
Rio.
— Você também, não! A Sra. Cranfield continua tentando me casar.
— Conhecendo-a, será com alguma irlandesa desleixada.
— Não seja maldosa.
— Estou só brincando. Ela ainda está cuidando de você? — Concordo com a cabeça
antes de continuar.
— A polícia acha que há algum tipo de conexão com Haddley.
— Elas perguntaram sobre as cartas que sua mãe escreveu?
— Você sabia?
— A polícia me disse — responde apressadamente a Sra. Woakes —, embora eles
não compartilhem nenhum detalhe.
— Langdon queria dinheiro — digo.
— Essa é uma surpresa. Ela contou alguma coisa para sua mãe?
— Não faço ideia. Nunca encontrei respostas.
— Não, claro que não — diz a Sra. Woakes, empurrando o prato para o lado e
recostando-se na cadeira.
— A polícia está tentando entender como minha mãe entrou em contato com
Langdon e conseguiu descobrir sua verdadeira identidade — digo, e vejo a Sra. Woakes
tirar os óculos para afastar um cílio perdido. — Madeline Wilson falou com você?
A Sra. Woakes aparenta confusão.
— Conheço Madeline melhor do que qualquer pessoa — digo. — Ela não teria
parado com meia história, não quando havia outro ângulo para seguir.
A Sra. Woakes sinaliza ao garçom seu desejo por outra xícara de cappuccino. Eu
espero.
— Vários jornalistas me ligaram ao longo dos anos solicitando uma entrevista — diz
ela. — Sempre as mesmas perguntas: como eu estava conseguindo viver sem Peter, se eu
achava que ele ainda poderia estar vivo, se eu sentia falta de Simon. Malditas perguntas
estúpidas.
Uma falha na voz da Sra. Woakes faz cair seu véu. Sempre tão alegre, sempre tão
bem-arrumada,é fácil esquecer a fragilidade que ela esconde. Ela olha para o restaurante
e observa um jovem casal tomando seus lugares — o passado caminhando por ela,
lentamente. Sua mão trêmula toca seu rosto. Voltando-se para mim, ela dá um tapa na
perna.
— Sou tão estúpida. É só quando estou com você. Eu nunca deixaria ninguém ver.
— Ela aperta brevemente minha mão e inspira profundamente. — Sempre recusei
qualquer pedido de mídia, à queima-roupa. Sua mãe e eu estávamos absolutamente de
acordo.
Concordo com a cabeça, em silêncio.
— Madeline Wilson era diferente. Ela não tinha perguntas. Ela só queria me ajudar.
Claro que ela queria. Ela disse que queria tentar entender o que havia acontecido,
principalmente com Peter. Imediatamente, disse a ela que não tinha interesse em nada
que ela tivesse a dizer. Algumas coisas é melhor deixar para trás. Essa foi a decisão que
tomei, anos antes. Por mais que você tente se convencer de que revisitar o passado
mudará o presente, nunca muda. O passado se foi. Aprendi isso da maneira mais difícil.
Ouvindo a Sra. Woakes, posso sentir que toda a dor que vi em minha própria mãe
vive nela, talvez mais.
— Madeline pode ser persistente…
— Ela me pressionou sobre o motivo da saída de Peter, queria que eu especulasse por
que ele havia sido afetado dessa maneira. Eu disse que a dor da perda era impossível de
entender, mas ela continuou pressionando. Eu sabia que ela tinha interesses, e eu era a
única que restava para proteger a memória de Peter. Então, concordei em conhecê-la. Foi
estúpido de minha parte. Quando nos conhecemos, perdi a paciência com ela.
— Isso acontece facilmente.
— Ela me disse que sabia onde Langdon estava. Eu disse que não acreditava nela, e,
ali mesmo, ela me deu todos os detalhes. Eu disse que não me importava. Ela tentou me
dar a impressão de que ela mesma ia falar com Langdon, descobrir uma história. Eu
sabia que ela estava mentindo, que ela nunca arriscaria entrar em contato com Langdon,
e eu disse isso a ela.
— O que você fez?
A Sra. Woakes agradece ao garçom enquanto ele lhe traz o segundo cappuccino. Ela
olha para mim por um momento, claramente ponderando o que dizer em seguida.
— Fui para Farsley. Não me pergunte por quê. Não sei o que esperava encontrar. Não
era como se eu fosse descer a rua principal e, de repente, lá estaria Abigail Langdon.
Passei algumas horas na cidade, depois voltei para casa.
— Como você diz, o luto pode fazer com que nos comportemos de maneiras
inexplicáveis.
— Pode — responde a Sra. Woakes. — Uma semana depois, Wilson estava de volta,
tentando entrar em contato comigo.
— O que você acha que ela queria?
— Qualquer história que pudesse extrair. Ela estava vasculhando, procurando algum
tipo de ângulo sobre Peter — responde ela. — Wilson não conhecia Peter, não sabia que
tipo de homem ele era e, ainda assim, aqui estava ela, fingindo ser minha amiga,
quando, o tempo todo, ela estava buscando apontar o dedo.
Sentado à mesa de frente para a Sra. Woakes, posso ver como ela ainda se sente mal;
o quanto ela precisa proteger a memória do marido.
— O dia em que Peter foi nomeado diretor da Haddley Grammar foi o dia de maior
orgulho de sua vida — e estou dizendo isso como mãe de seus dois filhos. Mas é isto:
Peter via todas as crianças daquela escola como seus filhos. Cada decisão que ele tomava
era ponderada, e sua preocupação primordial sempre foi o bem-estar de cada criança.
Tomo um gole do meu cappuccino.
— Por quanto tempo ele foi diretor?
— Por cinco anos, antes de Simon e Nick… — Concordo com a cabeça.
— Ele não esperava conseguir o emprego, não quando o fez. Quando a posição foi
anunciada, concordamos que ele não tinha nada a perder ao tentar. Porém, durante todo
o processo, ele foi visto como o estranho — diz a Sra. Woakes, juntando forças. — Os
dois últimos candidatos foram Peter e o vice-chefe à época, E. E. Hathaway — Ernest,
embora eu nunca tenha descoberto o que o segundo “E” representava. Ele agora está
um pouco mais velho, mas acho que ainda mora em um dos apartamentos da mansão,
do outro lado de St. Marnham. Ele era antiquado, mesmo vinte e cinco anos atrás.
Acreditava na disciplina estrita e em vigiar os alunos, não em ouvi-los. Ele e Peter não se
davam bem. Peter era um modernizador, queria colocar os alunos no centro da escola,
arrancar as coisas e começar de novo. Ele apresentou seu caso e fez um apelo
apaixonado ao Conselho de Governadores. Então, contra todas as probabilidades, o
homem inexperiente, que à época era apenas o chefe do Ano Sete, foi nomeado o novo
diretor. Nesse ponto, Peter esperava que Hathaway pudesse renunciar ou se aposentar.
Porém, ele estava determinado a continuar, como uma pedra no sapato de Peter. Para
tentar afastá-lo, Peter o nomeou chefe do sexto ano. Ele sabia que os alunos mais velhos
dariam pouca atenção a Hathaway, pois a verdadeira cultura da escola era estabelecida
nos primeiros anos. Hathaway logo percebeu que Peter o havia marginalizado,
excluindo-o de qualquer tomada de decisão real. À margem, ele começou a procurar
maneiras de interferir, de criar problemas para Peter. Ainda havia um grupo de
governadores que apoiava Hathaway, e ele encontrou aliados fáceis quando pediu a
reintrodução de uma disciplina muito maior. Peter acreditava que, se desse corda
suficiente a Hathaway, ele seria o arquiteto de sua própria queda. Concordando com uma
revisão da conduta e disciplina da escola, a única exigência de Peter era que os alunos
tivessem voz. Logo depois, começaram a surgir preocupações e seguiram-se as queixas
apresentadas diretamente contra Hathaway. Os pais se apresentaram primeiro, depois
um ou dois ex-alunos e, finalmente, alguns meninos mais velhos, ainda na escola. A
disciplina havia sido levada ao extremo — bullying dos meninos. A certa altura, falou-se
em envolvimento da polícia, mas Peter aproveitou a oportunidade para agir. Solicitado a
renunciar, Hathaway recusou-se veementemente. Peter respondeu que, se não recebesse
sua demissão em quarenta e oito horas, iniciaria uma investigação completa, trazendo de
volta ex-alunos dos últimos vinte anos para oferecer provas. Hathaway renunciou na
manhã seguinte e, daquele momento em diante, Peter estava convencido de que sempre
faria o que fosse certo para as crianças da escola. Ele disse que seu único
arrependimento foi não ter impedido a nomeação de Hathaway como vice em
Twickenham Duke.
A Sra. Woakes faz uma pausa e mexe o chocolate em cima de seu cappuccino.
— Aquele maldito dia das finais de rúgbi foi uma das poucas vezes que vimos
Hathaway depois de sua demissão. Ele era tão arrogante com Peter. Um pouco
infantilmente, nós nos divertimos com a vitória, provavelmente um pouco demais.
Naquela noite, ficamos tão bêbados com champanhe que Peter teve que cancelar a
assembleia na manhã seguinte.
Segurando firme seu copo, a Sra. Woakes se inclina para mim.
— O que estou tentando dizer, Ben, é que Madeline Wilson não conheceu aquele
homem, um homem bom e genuíno, disposto a dar o melhor de si.
— O que Madeline viu? — pergunto.
— É mais o que ela ouviu. Histórias em torno de Langdon e Fairchild; deturpação e
manchas. Talvez a disciplina pudesse ser mais forte; Peter estava mudando uma cultura e
aprendendo à medida que avançava. Eu não queria mais nada com ela. Eu me recusei a
falar com ela novamente.
Terminando sua bebida, a Sra. Woakes sinaliza ao garçom para trazer a nossa conta.
— Essa é por minha conta, Ben — diz ela, enfiando a mão no bolso da jaqueta para
pegar seu cartão de crédito. — O que quer que a polícia pergunte, lembre-se, você e eu
somos as únicas vítimas reais desse crime.
Olho para a Sra. Woakes e me odeio por pensar em Madeline. Madeline Wilson não
alcançou a posição que tem publicando fofocas sem fundamento. Ela é uma jornalista
obstinada, com a capacidade de descobrir a verdade por trás de qualquer história. É o
que a torna inigualável em nosso setor.
Qual era a verdadeira história que ela estava tentando seguir?
E, independentemente do que fosse, por que Elizabeth Woakes está optando por não
me contar agora?
28
H olly olhou para o sogro enquanto ele estava no corredor e reparou como ele ainda era
imponente, mesmo se aproximando de seu septuagésimo aniversário. Perguntando-se,
ela imaginou que ele se descreveria como distinto — sua cabeça cheia de cabelos
grisalhos bem penteados, mas mantidos mais longos para suavizar o rosto. Ela imaginou
que sua altura deve ter sido uma ferramenta útil para comandar uma sala e impressionar
um oponente. Marcante na juventude, confiante com a idade.
Sempre intimidante.
— Espero que nos vejamos amanhã à noite — disse Francis concentrando sua
atenção em Sarah. — Você adicionaria um certo estilo a qualquer ocasião.
Sarah riu enquanto Holly pediu a Alice e Max que não saíssem do jardim da frente.
— Farei o meu melhor, Sr. Richardson — respondeu ela.
— Francis, por favor.
— Farei o meu melhor, Francis. Mal posso esperar para ver sua casa maravilhosa.
Holly me falou muito sobre ela.
— Nada disso é obra minha. Katherine é responsável por toda a decoração. Tudo o
que faço é dizer a ela como o trabalho que fez ficou ótimo. Isso e pagar as contas.
— Tenho certeza de que você faz mais do que isso — disse Sarah, olhando para sua
amiga. — Você não me parece alguém que fica de braços cruzados.
— Eu tento me manter ocupado — disse Francis, respirando fundo. — Com meus
interesses comerciais em andamento, é difícil para mim acompanhar o que Katherine
está fazendo. É muito mais um caso de ela fazer as coisas dela e eu as minhas.
Holly o observa tocar suavemente no braço de Sarah.
— Sarah prometeu que vai trazer seu novo namorado amanhã à noite — disse ela.
— Não é, Sarah?
— Certamente vou tentar.
— Ficaríamos muito felizes se ele pudesse ir. Mas, se não, ficaríamos igualmente
felizes em tê-la por conta própria — disse Francis.
— Obrigado, Sr. Richards… Francis — respondeu Sarah, dando um pequeno passo
para o lado e virando-se para Holly. — Muito obrigado por esta manhã.
— Fique para outro chá, se quiser — respondeu Holly quando Sarah se inclinou para
abraçá-la. — Vou colocar a chaleira no fogo novamente para Francis.
— Eu adoraria algum tempo com Alice — disse ele, falando por cima de sua nora. —
Nós, avós, ficamos possessivos.
Sarah se virou para Holly.
— Eu preciso ir — disse ela antes de sair e chamar o filho. — Vamos, Max, quase
hora do almoço — disse ela, enquanto o filho corria pelo jardim e a agarrava pela mão.
Correndo para dentro, Alice pulou nos braços do avô.
— Vovô! — gritou de alegria quando ele a levantou no ar. — Meu vestido de festa
está pronto para amanhã.
— Você vai ser a mocinha mais linda da festa, não é, mamãe?
— Tenho certeza de que será — disse Holly fechando a porta da frente, enquanto
Francis se sentava com a neta ao pé da escada.
— Você conseguiu seus sapatos de bico dourado? — perguntou ele.
Alice deixa cair o lábio.
— Mamãe não me deixou.
— Compramos sapatos muito bonitos para você.
— Mas eu queria aqueles dourados.
— Nós conversamos sobre isso, Alice, e como eles eram caros.
— Mas eles são sapatos para uma princesa.
— E você é minha princesa — disse Francis. — E uma princesa não pode ir ao baile
sem sapatos de bico dourado — continuou ele, levantando as mãos em horror simulado.
— Posso ficar com eles, vovô? Sério?
— Nada é demais para minha garotinha — disse Francis enquanto Alice jogou os
braços em volta dele.
Holly se virou e foi até a cozinha. Ela ligou o botão da chaleira e ficou de frente para
o balcão, esperando que fervesse. Ela o sentiu na porta, atrás dela.
— Você vai me empurrar no balanço agora, vovô? — veio a voz de Alice.
— O maior empurrão de todos os tempos?
— Sim!
— Em cinco minutos — disse Francis, colocando a neta no chão —, depois que eu
tomar uma xícara de chá com a mamãe. E só se você me der um beijo primeiro. —
Holly se virou para ver Alice pular e, quando Francis se abaixou, ela deu um enorme
beijo molhado em sua bochecha. — Vá para fora — disse ele —, e eu irei te empurrar
em alguns minutos.
Alice correu pela cozinha e saiu para o jardim dos fundos.
— Você a mima demais.
— Se eu não posso mimá-la, quem pode?
— Ela tem que aprender que não pode ter tudo — respondeu Holly, vendo sua filha
correr para a casa de bonecas gigante que os avós haviam comprado para seu terceiro
aniversário.
— Por quê? Ela é nossa princesinha.
Holly ouviu Francis fechar a porta da cozinha. Ela prendeu a respiração. De repente,
um braço envolveu seu pescoço, e ela foi jogada para a frente, no balcão de mármore
preto. Seu rosto estava pressionado contra a superfície fria e dura. Sentindo seu sogro
alcançar dentro de sua calcinha, ela ficou tensa quando ele rapidamente levantou sua
saia e se forçou dentro dela. Instantaneamente, ele estava batendo forte, com um ritmo
brusco. Ela fechou os olhos e tentou pensar em sua filha brincando lá fora.
— Seja rápido — sussurrou ela, enquanto Francis apunhalava dentro dela.
— Você não deveria ter me deixado esperando com sua amiguinha.
Holly estendeu a mão e o tocou, sabendo que isso retardaria seu movimento. Ela o
ouviu gemer, e enquanto ela gentilmente se empurrava de volta para ele, ele diminuiu o
ritmo. Ela agarrou a bancada antes de alcançá-lo e tocá-lo mais uma vez.
— Não — disse Francis e, ao se aliviar, emitiu um gemido suave que embrulhou o
estômago de Holly. Ela sentiu o peso de seu sogro repousar sobre ela e prendê-la contra a
superfície dura. — Você realmente não deveria fazer isso — disse ele, com seus lábios
pressionados contra sua orelha. Ela o sentiu forçar a língua em seu ouvido e rapidamente
se virou para se libertar.
— Não, Francis — disse ela, puxando a calcinha.
— Você só gosta que acabe o mais rápido possível, não é?
— Alice está logo ali fora.
— Ela está bem — disse ele. Holly o observou abotoar as calças e o cinto. —
Quando Jake volta?
— Volta tarde.
— Hora de eu voltar de novo; talvez você esteja se sentindo um pouco mais relaxada.
— Não, Francis.
— Tenho minha chave, então não há necessidade de você esperar acordada. Eu
poderia aparecer e surpreendê-la.
Holly se virou, determinada a não mostrar nenhuma fraqueza. Francis atravessou a
cozinha e bateu na janela.
— Venha para fora, vovô — gritou Alice.
— Você está pronta para o maior empurrão de todos os tempos?
— Sim! — respondeu ela.
— Cuidado com ela — disse Holly, sem olhar para Francis.
— Vejo você mais tarde — disse ele, enquanto saía dos fundos da casa. Ao fazê-lo,
Holly o observou jogar três notas de cinquenta libras no chão da cozinha. — E compre
os sapatos da garota.
30
N o final de seu turno, Corrine voltou rapidamente para casa, tecendo seu caminho por
uma série de ruas laterais, determinada a evitar a beira-mar. Ela cozinhou salsichas e
batatas fritas, mas não fez mais do que beliscar. Na pia, no canto da pequena cozinha,
ela esperou a água esquentar antes de enxaguar o prato e enxugá-lo com o pano que
uma das moradoras havia comprado para ela. Corrine tinha ficado tocada por a velha
senhora ter pensado nela.
Pegando o copo de água, ela foi para o quarto e colocou-o no chão ao lado da cama.
Ela foi até a janela e colocou as caixas de papelão desmontadas no lugar. Quatro delas,
coladas juntas, ajudavam a bloquear a luz do dia. Ela se sentou na cama e pressionou
tampões de espuma amarela em seus ouvidos, embora eles nunca realmente
bloqueassem o barulho e o zumbido do fliperama lá embaixo. Deitada, olhou para a
lâmpada nua e lembrou-se do abajur de papel que havia visto em Wilco. Eram apenas
duas libras, mas, por esse preço, ela se perguntou se realmente faria alguma diferença.
Talvez ela pudesse encontrar um antigo em Sunny Sea.
Esticando as costas, ela congelou quando ouviu a campainha da porta soar no nível
da rua abaixo. Removeu um tampão de ouvido e escutou com atenção, deitada, imóvel,
esperando.
A campainha soou novamente.
Ela desceu da cama e espiou por uma fresta entre duas das caixas desmontadas.
Quando ficou na ponta dos pés e olhou para baixo, pôde ver dois policiais parados em
sua porta.
O bastardo gordo de rosto vermelho, pensou ela. Ele foi à polícia, afinal. Pensando
bem, ela havia fincado o garfo com força através de seus dedos gordos.
Deu um passo para trás e esperou.
Silêncio.
Olhando para a frente novamente, ela podia ver os dois policiais começando a
caminhar em direção à rua principal. Ela deu um suspiro de alívio e, rapidamente,
calçou os sapatos antes de voltar para a sala de estar. Abrindo a janela na parte de trás da
sala, ela escalou para fora, para a escada de incêndio de metal, e desceu para a entrada
traseira do fliperama. Ela parou na porta dos fundos e digitou o código de segurança para
entrar. Passou pelo banheiro fedorento dos funcionários antes de abrir a porta de
incêndio defeituosa e entrar no barulho e nos sons do fliperama.
O cheiro de pipoca barata revirou seu estômago, e ela piscou para as luzes
intermitentes sem ar. Passando por uma jovem família enquanto eles coletavam fichas de
um jogo de Pac-Man, ela entrou numa cabine no centro do fliperama.
— A polícia estava procurando por você — disse Chad, o dono do fliperama.
— Eu sei — respondeu Corrine. — Eles entraram aqui?
— Eu disse que não te via há alguns dias.
— Você é um amor — respondeu Corrine. — Te devo uma.
— O que você fez? — perguntou Chad enquanto pegava uma nota de cinco libras de
um aposentado, ansioso para voltar aos slots de dez centavos.
— Quem disse que eu fiz alguma coisa?
— Apenas uma visita social, foi isso?
— Algo parecido.
— Então, da próxima vez, vou mandá-los subir.
— Você só me deu quatro libras de volta — disse a mulher no balcão.
— Desculpe, gata — respondeu Chad, enfiando outra pequena pilha de moedas de
dez pence sob o vidro. A mulher jogou a última pilha em seu pequeno pote de plástico e
saiu.
— “Gata”? Ela tem idade suficiente para ser sua avó.
— Você não é a única que gosta de um pouco de bate-papo — disse Chad, virando-se
e passando a mão pelo interior da coxa de Corrine.
— Tire a porra da mão — disse ela, dando um tapa.
— Você não estava reclamando na outra noite.
— Na outra noite, eu estava bêbada.
— Você parecia perfeitamente feliz para mim, especialmente com seus pequenos
ganidos.
— Talvez sua esposa goste de ouvi-los da próxima vez.
— Faça isso e seus amigos da delegacia irão procurá-la no abrigo para sem-teto.
Corrine se moveu para a frente e descansou contra o balcão, deixando sua perna
suavemente encostada no braço de Chad.
— Se eles voltarem, você diz a eles que eu fui embora, apenas por alguns dias?
Chad gentilmente bateu os dedos juntos.
— Você está me pedindo um favor agora, é isso que você está dizendo?
— Não seja assim — respondeu Corrine. — Nós nos divertimos na semana passada,
mas foi uma única vez.
— A última coisa que preciso por aqui é de alguém se envolvendo com a polícia. Há
muito dinheiro fluindo pelo fliperama, e às vezes cai bem se o pessoal de azul deixar
passar essa. Prefiro ser um bom cidadão e ajudar sempre que posso.
Corrine sabia que, se pudesse evitar a polícia por alguns dias, eles logo se cansariam
de procurá-la. O cara gordo da praia nunca seria sua prioridade número um. Ela se
inclinou e gentilmente passou os dedos pela tatuagem de cavalo-marinho que decorava o
antebraço de Chad.
— Vamos, querido, você e eu somos iguais: nenhum de nós quer problemas.
— Tenho a tarde livre amanhã; Dean vai cobrir. Eu poderia trazer um pouco de peixe
e batatas fritas, algumas garrafas de cidra, fazer companhia.
— Eu prefiro que Dean, o Manchado, suba com um kebab.
— Foda-se! Eu só estou tentando te ajudar — disse Chad, novamente esfregando a
mão no interior da coxa de Corrine. — Tenho a sensação de que você pode estar um
pouco velha para Dean nos dias de hoje. Seus talentos são mais apreciados por um
homem experiente como eu.
— Tudo bem, então, três horas — disse Corrine, resignada. — E, se você for trazer
peixe e batatas fritas, certifique-se de que haja bastante vinagre.
31
S aindo da estação de St. Marnham, ando pelo vilarejo antes de virar pelo caminho ao
longo do rio. Quando chego ao terraço ao ar livre do restaurante Mailer’s, encontro Will
sentado sozinho no canto mais distante. Ele está sentado em uma mesa que costuma
ocupar no final da manhã, enquanto East e sua equipe estão se preparando para o
almoço. Ele está curvado sobre o teclado e não me vê até que eu esteja parado ao lado
dele.
— Ben — diz ele, olhando para cima e fechando seu laptop. — Eu não esperava te
ver de novo tão cedo.
— Eu estava passando por aqui. Então, pensei em parar e ver se você tinha dez
minutos para falar sobre Nick e o verão em que ele morreu.
— Agora mesmo? — responde Will. — Acho que sim. Não percebi que era tão
urgente. Se você está indo em frente e escrevendo um artigo, é sobre sua mãe, certo?
— Com certeza é, mas está tudo conectado. De uma forma ou de outra, tudo
começa naquele verão. Posso? — Alcanço uma das cadeiras de ferro forjado com
almofadas grossas.
— Claro que sim. Posso te trazer um café? — pergunta Will, olhando para o
restaurante.
— Não, obrigado. Estou totalmente cafeinado.
— Não tenho certeza se há muito que possa lhe dizer — começa ele. — Nick e eu
éramos amigos na escola; nem tanto fora dela.
— Mas vocês tinham o time de rúgbi? — digo, lembrando de Will como um dos
membros da equipe vitoriosa de Nick.
— Sim e não — diz Will. — A equipe estava muito focada em vencer. Não nos
deixou muito tempo para mais do que isso. Nós não saíamos muito fora da escola.
O que Will está me contando parece estar em desacordo com minhas próprias
memórias: vez por outra, Nick jogando uma bola de rúgbi através da praça com seus
amigos. Tenho certeza de que Will estava entre eles. Porém, vejo que ele está
desconfortável e decido não pressioná-lo.
— No tempo em que você passou com ele, Nick alguma vez falou sobre Langdon e
Fairchild, talvez quando vocês estavam na aula? Ou você os viu saindo juntos?
— Não pelo que me lembre. Todos nós as conhecíamos na escola, mas além disso, eu
não poderia dizer.
— E naquele verão? Elas poderiam ter passado algum tempo com Nick e Simon?
— Sou a pessoa errada para responder a isso. Acho que não vi Nick mais de um dia
durante todas as férias.
— E naquele dia? — pergunto.
— Ben, faz mais de vinte anos, não consigo me lembrar do que fizemos.
Provavelmente encontrei Nick em Haddley, e acabamos passando a tarde no
McDonald’s. Ou talvez tenhamos caminhado até o Haddley Hill Park. Coisas normais de
férias de verão, matando o tempo. Nada mais do que isso.
— Naquele dia, Nick falou sobre Langdon e Fairchild?
— Não, não que eu me lembre — responde Will cruzando as pernas
desconfortavelmente. Há uma pausa. — Não sei, talvez uma referência passageira, nada
mais do que isso.
— De que maneira? — pressiono.
— Coisas de colegial, rindo e brincando. De bobeira. Abigail e Josie eram o tipo de
garotas que atraíam a atenção, muitas vezes dos tipos errados de pessoas. Podemos ter
feito uma piada sobre elas, mas, honestamente, Ben, não há mais nada que eu possa lhe
dizer.
— Você consegue lembrar quanto tempo se passou antes dos assassinatos?
— Uma semana, talvez duas. Tento não pensar sobre isso. Isso é realmente relevante
para o que aconteceu com sua mãe?
— Estou começando a pensar que pode ser. Mas posso ver que estou te
interrompendo — digo, acenando com a cabeça para o laptop de Will e me levantando
—, então eu vou deixar você continuar.
— Mandando alguns e-mails, é isso.
— Obrigado pelo seu tempo. Diga oi para o East por mim.
Estou prestes a me afastar, quando penso na mensagem de East e faço uma pausa.
— Ben? — pergunta Will, olhando para mim.
— Não se preocupe, não é nada.
Somente quando volto ao caminho beirando o rio e sigo em direção a Haddley, ligo o
telefone. Mando uma mensagem para East.
Conversei com Will, mas acho que você estava se preparando para o almoço.
Te encontro na próxima vez.
Estou a apenas um minuto no caminho, quando sinto meu telefone vibrar com sua
resposta.
Sei que East quer me persuadir a não escrever o artigo. Não sei por quê, mas sei que
não serei convencido disso.
A gente vai se falando é minha resposta.
32
Will, algo que você disse ficou na minha cabeça nessa última hora. Você disse
que Langdon e Fairchild atraíam a atenção dos tipos errados de pessoas? O
que você quis dizer com isso?
A s lâmpadas da rua iluminam o caminho para o meu carro enquanto ando pela beira da
praça nas primeiras horas da manhã de sábado. Quando ligo o telefone, a hora passa
para 3h. Quero estar em Farsley antes que a imprensa nacional sinta o cheiro de uma
história. Com uma brisa forte soprando do rio, fecho minha jaqueta e abotoo a gola.
Ao fazer isso, vejo uma figura começar a atravessar a praça da Lower Haddley Road.
— É você, Ben? — diz uma voz. Espio na escuridão e vejo Nathan Beavin
caminhando em minha direção. Ótimo. — Começando cedo ou terminando tarde? —
pergunta ele.
— Saindo agora — respondo. — Noite longa para você?
— Fechamos às duas e, mesmo assim, sempre há alguns retardatários. Depois disso,
fazemos uma rápida limpeza antes de ir para casa.
— Isso deve tornar o dia longo.
— Eu gosto. É sempre um público divertido em uma noite de sexta-feira — responde
ele, agora parado ao lado do meu carro. — Fiquei esperando você aparecer esta noite,
mas não o vi.
— O trabalho me derrotou — respondo. — Estou começando uma nova história e
tentei avançar em minha pesquisa.
— É isso que você está fazendo agora? — pergunta ele.
Rapidamente, nossa conversa assumiu o tom de um interrogatório. Com Nathan, isso
parece ser padrão.
— Algo assim.
— Que tipo de história se passa no meio da noite?
— Você ficaria surpreso — digo —, mas tenho uma certa jornada pela frente, então
pensei em tentar evitar o tráfego.
— Chegar na frente do pelotão?
— Você poderia dizer isso — respondo.
— Algo interessante?
Só posso admirar sua persistência.
— Ainda é cedo. Nessa fase, você nunca sabe como uma história vai se desenrolar.
— Olho em volta, esperando a policial Cash. Disse a ela que estava saindo às três. —
Vou deixar você ir — continuo. — Você deve estar exausto.
— Estou completamente exausto — diz Nathan —, mas você se acostuma com isso.
Com Max fora, espero dormir de manhã. O pai dele vai ficar com ele pela segunda noite
neste fim de semana, para que Sarah e eu possamos ir à festa dos Richardson.
— Legal — respondo.
— Decente da parte dele ficar com Max por uma noite extra.
— É filho dele.
— Verdade. Arranjou uma namorada jovem e bonita, pelo que Sarah diz. Não acho
que ela esteja muito impressionada.
— Como disse ontem de manhã, eu realmente não conheço o homem.
— Não — responde Nathan. — Perguntei um pouco por aí, e ninguém parece saber
muito sobre ele. Isso ou eles simplesmente não estão falando.
— Você parece bastante interessado. Sarah é a pessoa com quem você deveria falar,
se tiver preocupações.
— Não preocupações, não, nada disso. Estou apenas interessado no que aconteceu
antes de eu chegar.
— Tenho certeza de que Sarah lhe diria qualquer coisa que ela achasse que você
precisa saber.
— Acho que sim — responde ele e, enquanto o faz, fico aliviado ao ver a policial
Cash subindo a rua em nossa direção. — Ela está com você? — pergunta ele enquanto
ela se aproxima, vestida com calça jeans e um suéter preto.
— Dani — diz a policial Cash, rapidamente apresentando-se a Nathan antes que eu
precise. Explico que ela está trabalhando comigo na história.
— Você trabalha com Ben no site?
— Sou freelancer — responde ela, instantaneamente.
— Uma das melhores — acrescento, ganhando brevemente um olhar dela.
— Que tipo de coisa? — pergunta Nathan.
— Principalmente crime — responde ela —, mas eu também gosto de escrever
algumas histórias de interesse humano.
Abro as portas do carro, enquanto Nathan diz:
— Saindo de Londres?
— Indo para o Norte — respondo —, mas prometi a Holly que voltarei esta noite.
Vou procurar você na festa.
— Você não vai querer perdê-la — diz ele, afastando-se. Na escuridão, eu o vejo
caminhar em direção à casa de Sarah.
34
C orrine deu um coice para trás na poltrona. Um momento depois, sua cabeça caiu para
a frente e seus olhos se fecharam novamente. Então, outro baque ecoou no corredor, e
ela se sentou, esticando o pescoço. Eles não deveriam dormir na sala dos residentes, mas
ela não conseguiu dormir naquela tarde, e o que mais eles deveriam fazer a noite toda?
Olhando para o relógio, ela viu que não eram nem quatro. Ela se inclinou para a frente e
olhou para o corredor. Nenhuma das portas estava aberta, e nenhuma luz estava acesa.
Ela se esforçou para ouvir mais sons. Porém, exceto pela Sra. Hinchliffe roncando
pesadamente no quarto quatro, tudo estava em silêncio.
Ela ajeitou as almofadas empilhadas atrás de si e tentou se acomodar novamente,
torcendo as costas em um esforço para encontrar um lugar confortável. Finalmente,
descansou a cabeça contra a poltrona acolchoada, apenas para estalá-la para trás quando
seu nariz tocou o material texturizado. Ela tinha certeza de que ainda podia sentir o
cheiro do jantar rançoso da noite anterior. Ela odiava a forma como os cheiros
permaneciam dentro da casa. Cada odor estava destinado a vagar durante dias, uma
mistura constante de repolho cozido e urina.
Descansando o rosto contra a mão, ela fechou os olhos e começou a flutuar.
Começara a trabalhar às seis da noite anterior, tirando os pratos do jantar antes de levar
os residentes para a cama cedo.
— Posso acompanhá-lo de volta ao seu quarto? — Foi isso que Molly lhe disse que
tinha que dizer a cada um deles todas as noites. Corrine mal podia esperar para levá-los
para a cama. Havia sempre alguns retardatários no salão, aqueles que queriam conversar.
As mesmas histórias repetidas, noite após noite. Sobre suas famílias, principalmente. Eles
diriam a ela o quanto seu filho, filha ou neta eram maravilhosos e bem-sucedidos, gentis
e populares. Para Corrine, era como se exibir. Nenhum deles parecia reconhecer que
aquelas mesmas famílias os deixavam trancados em Sunny Sea, semana após semana,
quase sem uma visita entre elas. Porém, a família era tudo a respeito do que eles
pareciam querer falar, fosse a deles ou a dela.
Com o tempo, ela havia começado a criar suas próprias histórias. Às vezes, ela dizia a
eles que seus pais haviam morrido em um acidente de carro; outra vez, em um acidente
ferroviário. Ela gostava da sensação calorosa que sentia quando as pessoas olhavam para
ela com olhos cheios de compaixão. Quase sempre, ela era capaz de arrancar uma
lágrima das velhas dondocas. Uma vez, porém, um dos velhos a havia questionado sobre
a localização exata. Ele tinha tido algo a ver com segurança ferroviária quando era mais
jovem. Paddington, ela havia dito a ele, com o coração na boca. Para seu alívio, ele
pareceu aceitar e ofereceu suas condolências. Depois disso, ela percebeu que ele era
sempre particularmente gentil com ela e, no Natal, comprou-lhe uma caixa de
chocolates. Na próxima vez em que um novo residente perguntou sobre sua família, ela
disse que seus pais haviam morrido no acidente de avião de Lockerbie, mas que ela não
gostava de falar sobre isso. No final da semana, a velha colocou uma nota de dez em sua
mão, e ela não podia acreditar em sua sorte. Depois disso, foi sua irmã que morreu nos
bombardeios de Londres, e ela ganhou vinte libras. Depois, sua mãe foi esmagada sob
uma árvore na Grande Tempestade, mas o velho intrometido começou a fazer perguntas,
e logo ela percebeu que as datas não se encaixavam. Ele teve um ataque cardíaco no
final da semana seguinte, e ela ficou feliz em vê-lo partir.
Um alarme soou de repente. Despertando, ela olhou para trás no corredor. A luz
estava piscando do lado de fora do número sete: Sr. Talisbrook — pelo menos ela pensou
que era o nome dele. Ela se espreguiçou e, mal estava de pé, Molly apareceu do corredor
da frente, ao seu lado.
— Sr. Talisbrook, quarto sete, eu acho, Molly. Eu estava a caminho — disse ela,
apressadamente. Molly a ignorou e seguiu em frente. Ela odiava Molly.
Abrindo a porta do quarto, ela viu Molly correr para a frente. O Sr. Talisbrook estava
deitado no chão do banheiro. A calça do pijama dele estava abaixada, e Corrine pensou
que fosse vomitar com o cheiro. Ela permaneceu na porta, respirando em direção ao
corredor, enquanto Molly tentava reanimá-lo. Quando Molly gritou para ela chamar uma
ambulância, ficou grata pela desculpa para ir para a frente da casa.
Os paramédicos estavam a quinze minutos de distância, disse a mulher do outro lado
da linha. Corrine decidiu que era melhor esperar na porta para deixá-los entrar. Quando
a ambulância chegou, cinco minutos adiantada, ela ficou desapontada ao ver que os
paramédicos eram mulheres.
Minutos depois, elas levaram o Sr. Talisbrook para longe, e Molly a instruiu a ir
limpar o quarto dele. Ela foi até o armário no final do corredor. Lá dentro estava uma
bagunça: roupas de cama velhas enfiadas ao lado de panos de limpeza, frascos de
desinfetante e higienizador para as mãos. Ela puxou um esfregão e um balde e depois
encontrou um novo par de luvas grossas de borracha, ainda no pacote. Agora, aquelas
seriam dela.
De volta ao quarto do Sr. Talisbrook, ela abriu a janela para deixar uma brisa fresca
entrar. Encheu o balde na banheira e derramou uma quantidade generosa de
desinfetante. Virando a cabeça, começou a esfregar o chão do banheiro, aliviada quando
o fedor foi gradualmente superado pelo aroma artificial de limão.
Ela deixou o chão secar e voltou para o quarto para desfazer a cama. Quando jogou
os lençóis no corredor, viu Molly falando ao telefone. Para ela ligar para os parentes no
meio da noite, deve ser uma má notícia. Corrine voltou para o quarto e olhou para os
poucos pertences que o Sr. Talisbrook ainda tinha no final de sua vida. Uma pilha de
livros de bolso, uma caneta que ele usava para as palavras cruzadas todas as manhãs,
uma lata arranhada de biscoitos Victoria cheia de algumas cartas antigas e um pacote de
biscoitos digestivos de chocolate na mesa de cabeceira. Dentro de seu armário, havia
uma lata de biscoitos amanteigados da Walker fechada, que sua sobrinha havia lhe
enviado no Natal. Ela voltaria para buscá-los mais tarde. Penduradas na parede, estavam
duas fotos emolduradas. A primeira era do Sr. Talisbrook com uma mulher, que ela supôs
ser sua esposa, tirada pelo menos vinte anos antes. Ela achou que eles pareciam felizes e
esperava que ele não tivesse ficado sozinho por muitos anos. A segunda era de uma
mulher segurando um bebê recém-nascido. Corrine a havia visto em uma visita.
Imaginara que fosse a neta do Sr. Talisbrook. O bebê estava mais velho agora,
provavelmente nove meses. A mulher havia perguntado se ela gostaria de pegá-lo no
colo. Ela havia desesperadamente desejado dizer sim. No final, porém, ela havia
balançado a cabeça e dito que precisava voltar ao trabalho.
Saindo do quarto, ela parou no armário de cabeceira e abriu a gaveta de cima. Três
moedas de uma libra estavam soltas na frente. Embaixo das palavras cruzadas daquela
manhã, havia uma nota de dez libras. Ela enfiou tudo no bolso e, ao fazê-lo, desejou
tudo de bom ao senhor Talisbrook.
35
H olly fechou os olhos com força e controlou a respiração. Virando-se lentamente, ela
fingiu entrar e sair de um sono profundo. Ela podia sentir seu marido acordado ao seu
lado, sentir seus olhos sobre ela. Então, ela sentiu o toque dele em seu braço e a
respiração dele em seu pescoço. Ela enrolou o corpo na beirada da cama. Momentos
depois, quando sua filha gritou do quarto vizinho, ela se odiou por causa da onda de
alívio que a invadiu.
Pulando da cama, pegou o telefone e sussurrou para Jake enquanto saía do quarto.
— Tenho certeza de que é apenas um sonho ruim — disse ela. — Volte a dormir.
Vou cuidar dela. Você deve estar exausto.
— Feliz aniversário de casamento — respondeu Jake, esticando os braços acima da
cabeça. — Não demore.
— Feliz aniversário de casamento para você — disse ela com um beijo rápido na
bochecha do marido.
Holly atravessou o andar e entrou no quarto da filha, onde encontrou Alice sentada
no chão, cercada por seus brinquedos favoritos.
— O que você está fazendo? — perguntou Holly.
— Rugas estava comendo todos os bolos — respondeu Alice.
— Quem? — disse Holly.
— Rugas — respondeu Alice, segurando seu cachorro fofinho. — Estamos fazendo
uma festa. Eu, Rugas, Woody e Floco de Neve. Rugas estava querendo tudo para ele.
Holly puxou o edredom da cama e se aninhou ao lado de Rugas, o cachorro, Woody,
o macaco, e Floco de Neve, o coelho.
— Por que não posso ficar toda a sua festa hoje à noite, mamãe? — disse Alice,
enquanto servia outra bebida para Woody. — E não derrame esta — ela o repreendeu.
— Você estará durante grande parte dela — respondeu Holly. — E você tem seu
novo vestido de festa para usar.
— Mas eu não quero ter que ir para a cama. Não quero dormir na casa da vovó.
Quero dormir na minha casa.
— É só se você se cansar. Tenho certeza de que a vovó terá a cama toda linda e
aconchegante para você.
— A vovó não gosta de mim.
— Que coisa boba de se dizer. Claro que ela gosta.
— Não como o vovô me ama.
— Vovó também te ama, eu prometo. Por que não vamos até a casa dela esta tarde,
para que você possa ser a primeira a ver a festa?
— Antes de qualquer pessoa?
— Sim.
— Antes mesmo do papai?
— Sim, antes mesmo do papai. Você pode ajudar a colocar os balões.
— Posso pegar um? Ou dois? Ou três, ou quatro, ou cinco, ou seis.
— Tenho certeza de que você pode — disse Holly, desembaraçando a parte de trás
do cabelo da filha. — Acho que vamos ter que lavar isso antes de hoje à noite.
— Floco de Neve também pode vir? Ela adora festas. E Max.
— Acho que Max pode estar na casa do pai dele esta tarde.
— Ou ele pode estar brincando com Nathan. Nathan agora mora na casa do Max.
— Às vezes ele faz isso.
— Nathan agora é o pai do Max? Ele me ajudou no escorregador. Eu gostaria de ter
um escorregador como ele — disse Alice, colocando o braço em volta de sua mãe.
— O pai do Max ainda é pai dele — disse Holly. — Quem sabe você possa ganhar
um escorregador no seu próximo aniversário?
Alice pensou por um momento, então disse:
— Rugas precisa de outra bebida. Pode servir para ele, por favor? — Holly pegou o
bule de chá da filha e serviu uma bebida imaginária. — Se eu não puder ter um
escorregador até meu aniversário, podemos ir brincar nos escorregadores do parque?
— Quando estivermos vestidos e tivermos tomado nosso café da manhã.
— E o papai também?
— Sim, e papai também, se ele quiser.
— E o vovô?
— Não, não acho que o vovô virá esta manhã.
— Papai pode me ajudar no escorregador, então. Vou encher meu bule — disse
Alice, pegando o pote e saindo da sala.
— Não com muita água — avisou Holly, ouvindo a filha entrar no banheiro.
Rapidamente pegando o telefone, Holly manda uma mensagem para Sarah.
Sorte sua!
Holly fez uma pausa. Apenas digitar as palavras fez suas mãos tremerem.
O beco atrás das lojas da rua principal de Farsley está deserto. Um vendedor de
garrafas está limpando as vazias, enquanto Dani e eu passamos pela entrada dos fundos
do bar da esquina. Vapor sobe quando passamos pela lavanderia; de pé, na entrada dos
fundos do salão de cabeleireiro Gracie’s, está um cabeleireiro acendendo um cigarro
matinal. As escadas descem do primeiro andar de cada edifício ao longo do terraço, com
cada conjunto levando a dois andares de acomodação. O portão na parte de trás da casa
de curry está aberto, e o pátio está cheio de caixas descartadas, ao lado de sacos azuis,
prontos para reciclagem.
Dani esfrega meu braço. Ela olha para um policial uniformizado, inclinado
letargicamente no parapeito dos fundos de um dos apartamentos. Sua cabeça está caindo
para a frente, e suas pálpebras estão fechando.
— Esse deve ser o apartamento dela — diz Dani.
Não hesito. Rapidamente, dou dois passos de cada vez, sinalizando para Dani me
seguir.
— Ben, não… — diz Dani, mas já estou no topo da escada.
— Policial — digo, em um tom rápido e afiado. Virando-se para mim, ele
freneticamente tenta ficar de pé e endireitar seu uniforme. — Sargento-detetive Leslie
Barnsdale, Polícia Metropolitana. Essa é a policial Dani Cash. Desculpas se o acordamos.
— Senhor, não, desculpe, senhor — responde o policial. — Eu estava apenas…
— Descansando o peso dos pés? — digo, com um sorriso. — Eu pude perceber isso.
— Sim, senhor — responde ele, agradecido. — Descansando o peso dos pés.
— Sabe, estamos cooperando com a polícia de West Yorkshire nisso. Negócio
desagradável.
— Sim, senhor. De Londres, não é, senhor?
— Eu poderia conversar um pouco, senhor — Dani diz para mim com os olhos
arregalados.
— Não agora, policial — respondo.
— Estamos aqui apenas pela manhã — digo ao policial local. — Abra, sim?
Ele tateia atrás de uma chave antes de abrir a porta do apartamento de Langdon.
— Não vamos demorar mais de dez ou quinze minutos. — Entro, e Dani segue logo
atrás de mim. — Feche a porta, Cash — digo, assim que estamos dentro.
— Você sabe que pode ser preso por se passar por um policial? Leslie Barnsdale?
— Gênero fluido — respondo. — Comece a procurar. Qualquer coisa que possa nos
dizer sobre a vida dela desde sua libertação. Ou qualquer coisa para ligá-la a Haddley.
— Ben, você sabe que a equipe da cena do crime da polícia já esteve por todo o
apartamento.
— A mesma equipe que não sabia que sua identidade foi comprometida há mais de
uma década? — respondo, abrindo gavetas e armários no espaço confinado da cozinha.
— Ela era incrivelmente organizada — digo, percebendo a limpeza e a precisão dos
poucos pertences de Langdon.
— Onze anos de prisão — responde Dani. — Você aprende muito rapidamente que
tudo tem seu lugar. E se você quiser manter, guarda à noite.
— Legal que algo de bom tenha saído disso — digo, enquanto entro em uma sala de
estar separada. — Caralho — digo baixinho antes de me virar para o outro lado, depois
de ver um sofá cinza claro coberto de sangue. Dani entra na minha frente e olha para a
cena do crime.
— Muito sangue — diz ela, calmamente —, mas nenhuma grande perturbação ao
redor da cena. Nenhum rasgo de faca no sofá, nada que sugira que houve uma luta. Eu
diria que uma única facada e ela estava morta — continua ela, enquanto esfrego meus
dedos em volta do meu pescoço.
— Alguém entra pela cozinha, vem por trás dela e, antes que perceba, ela está
acabada — sugiro, ficando de pé na lateral da sala.
— Não há sinal de arrombamento — diz Dani.
— É bom saber que você estava verificando enquanto eu distraía a atenção do
policial. Acha que Langdon convidou o assassino para entrar? Se assim for, podemos
supor que, com grande probabilidade, eles já eram conhecidos. Poderia ser um negócio
de drogas que deu errado?
— Não é impossível. Alguém descobre como Nick e Simon foram mortos, então a
mata da mesma maneira para criar uma distração.
— Ou, muito mais provável — digo —, era alguém ligado a ela e aos assassinatos
originais. E conectado a Haddley.
Do outro lado do quarto há uma cortina, que eu puxo para trás para revelar uma
cama de solteiro bem-feita, com roupas penduradas ordenadamente em um trilho
aberto. — Dificilmente vivendo a vida boa — digo, enquanto me ajoelho e abro uma
gaveta, debaixo do divã. — Toalhas limpas e um travesseiro sobressalente.
— Parece que ela fez pouco mais do que existir — diz Dani.
Olho para ela.
— Ela teve mais existência do que Nick.
Rastejo pelo quarto e puxo uma segunda gaveta, sob a extremidade superior da cama.
Está bloqueada por uma pequena mesa de cabeceira. Olho dentro da mesa, mas não há
nada além de um romance de E. L. James. Empurro a mesa para um lado e abro a
segunda gaveta da cama. Sou atingido por um cheiro de mofo de jornais úmidos.
Imediatamente, eu os reconheço. Edições nacionais de dez anos atrás. Enquanto os
remexo, vejo a mesma imagem, repetidas vezes, olhando para mim. Minha mãe naquela
noite, nas margens do Tâmisa.
Estes são os relatos de sua morte.
— Encontrei algo — digo, enquanto puxo os papéis e os espalho sobre a cama. Vejo
Dani olhando o rosto da minha mãe. Viro a página de um tabloide. Novamente, vejo a
infame imagem de Nick e Simon, parados lado a lado, sorrindo, com os braços em volta
das duas assassinas. O dia de celebração agora só traz horror.
Enquanto me viro, sinto a mão de Dani esfregar suavemente as minhas costas.
— Você está bem? — pergunta ela.
— Vendo-os aqui — respondo, incapaz de esconder um tremor na minha voz —,
com ela. É como se ela ainda tivesse controle sobre eles.
Há uma batida na porta da cozinha. Ouvindo-a abrir, coloco os jornais de volta na
gaveta.
— Com licença, senhor — chama o policial, da cozinha.
— Estarei com você em um momento, policial — respondo, e Dani corre de volta
para a sala.
— Estamos quase prontos para ir embora — escuto-a dizer.
Coloco os últimos jornais na gaveta e, ao fazê-lo, de dentro de um exemplar do The
Times, cai um envelope. Instantaneamente, reconheço a caligrafia da minha mãe. Enfio
a carta no bolso interno da jaqueta antes de fechar a gaveta silenciosamente e colocar a
mesa de cabeceira de volta no lugar.
— Tudo certo, policial? — pergunto enquanto ando rapidamente pela sala, passando
por ele e indo direto para a porta dos fundos do apartamento.
— Sim, senhor. Eu só queria que vocês soubessem — responde ele, enquanto Dani e
eu começamos a descer as escadas traseiras, do lado de fora — que falei com o inspetor
Kavanagh, e ele gostaria de se encontrar com vocês aqui na cena do crime, em trinta
minutos.
— Excelente — digo quando chegamos ao pé da escada. — Vamos pegar um café e
encontrá-lo aqui.
— A única coisa, senhor: depois de sua ligação de ontem, ele estava com a impressão
de que o senhor fosse uma mulher.
39
C om o canto do olho, vejo Dani olhar por cima do ombro enquanto a conduzo pelo
quintal e de volta para o beco.
— Feliz agora? — diz ela, quando saímos para a rua principal de Farsley.
Retiro o envelope do meu bolso e o seguro para ela. Vejo o reconhecimento em seus
olhos, antes que eles se estreitem.
— Você mente com uma facilidade exasperadora, se faz passar por um policial, e
agora remove evidências de uma cena de crime — diz ela.
— Três boas habilidades — respondo, sorrindo.
— Não tem graça, Ben.
— Vamos entrar no carro — respondo, pegando minhas chaves, antes de começar a
descer o morro em direção ao estacionamento do pub. — Estaremos de volta à estrada
muito antes da chegada do inspetor Kavanagh.
Destranco as portas, e Dani abre a do lado do passageiro. Ela não diz nada até
estarmos quase de volta ao anel viário.
— O que acontece quando ele ligar para Barnsdale?
— Poderia ter sido qualquer um — respondo. — E por que você se personificaria?
Não faz sentido.
— Alguém se fez passar por mim, até os cachos loiros?
— Isso pode ser complicado, admito.
— E quem saberia que Barnsdale e eu estamos trabalhando no caso?
— Bem, o que diabos Barnsdale estava fazendo em Londres, afinal? Foda-se tudo, é
isso.
— Devagar — diz Dani quando chego a sessenta. — Não queremos ser parados. E
lembre-se das câmeras.
— Sim, senhora — respondo.
— Tenho a sensação de que você não leva nada disso a sério!
— Aprendi a não me preocupar com as pequenas coisas da vida. Vou descobrir a
verdade e não me importo com o que tenho que fazer para chegar a ela. Barnsdale pode
me prender se quiser, mas boa sorte com a merda de imprensa que vai desencadear. Vou
descobrir o que aconteceu com minha mãe, e a pessoa que assassinou Abigail Langdon
vai me ajudar.
— Vou deixar você vender a ideia para Barnsdale. Você não deveria subestimá-la.
Seguimos em silêncio até a rodovia. Porém, ao passarmos por um comboio de
equipamentos militares em direção ao sul, viro-me para Dani e pergunto se ela pode
alcançar minha jaqueta. Ela se contorce e a puxa do banco de trás.
— Está no bolso com zíper — digo.
— Tem certeza de que quer fazer isso agora? — pergunta ela, descansando o
envelope no colo.
Olho para a carta.
— Eu reconheceria a caligrafia da minha mãe em qualquer lugar — digo, vendo o
envelope endereçado a Demi Porter.
— Por que não lemos isso quando pararmos? Isso é uma prova.
— Não, vamos fazer isso agora — digo, mudando de faixa para passar por uma van
branca. — Quero saber o que minha mãe disse. Se você não quer fazer isso, eu faço.
Dani pega lentamente o envelope e retira a carta de dentro, cuidadosamente.
Reconheço o papel de carta — creme, com nosso endereço impresso no topo. Minha
mãe gostava de enviar notas pessoais e manuscritas sempre que podia. Enquanto Dani
desdobra a carta, vejo que é apenas uma folha, de um lado.
— Quer que eu leia?
— Sim, por favor — respondo.
— Prezada Abigail — começa Dani. — Quero começar agradecendo por me
escrever. Isso, por si só, exigiu coragem real de sua parte, e sou grata por isso. Como
prometi, destruí sua carta.
“Como disse em meu bilhete anterior, não tenho o dinheiro que você está pedindo.
Entendo que suas circunstâncias atuais são difíceis, mas acredito que posso ajudá-la de
outras maneiras.
“Eu gostaria de tê-la ajudado quando era uma menina. Estou começando a
entender o quanto você estava infeliz e desesperada. Eu gostaria de tê-la conhecido
naquela época. Eu poderia ter ajudado você a encontrar outro alívio para sua raiva
contra todos que a cercavam. Lendo sua carta, comecei a entender a animosidade que
mantém em relação a Haddley e a algumas das pessoas que ainda vivem aqui.
“É por isso que estou escrevendo para você novamente. Tenho certeza de que você
guarda um segredo profundo, que lhe foi dito para carregar pelo resto de sua vida.
Como mãe que perdeu um filho, sei que é um fardo enorme para carregar sozinha.
Não estou em posição de ajudá-la da maneira que você pede, Abigail. Mas acredito
que posso ajudar seu filho. Você só precisa me dizer o que sabe.
“Atenciosamente, Clare Harper.”
Seis
“O amor de um pai pode ser uma força irresistível. É algo
que nunca desaparece.”
40
E mpurro meu sanduíche de queijo torrado meio comido para o lado. No café da
autoestrada, bem acima da M1, Dani está sentada à minha frente comendo uma salada
de quinoa, lentamente. O som de carros correndo abaixo de nós se mistura com o
barulho do restaurante e com o zumbido baixo de conversas tímidas, mantidas em
volume baixo, no espaço aberto. Dani e eu, porém, nos sentamos em silêncio.
Estou ciente da brecha que se abriu entre nós desde que lemos a carta de minha
mãe. Para Dani, a carta é evidência em um caso de assassinato, e eu comprometi sua
posição. Para mim, tenho certeza de que, se não tivéssemos ido a Farsley, a carta não
teria sido descoberta e ninguém jamais teria sabido o verdadeiro motivo pelo qual minha
mãe entrou em contato com Abigail Langdon. Agora sei que o desejo de minha mãe de
entrar em contato com Langdon nunca teve a ver com redenção ou perdão. Teve a ver
com sua crença de que Langdon havia dado à luz um filho e com sua esperança de que o
filho pudesse ser de Nick. Há mais perguntas que preciso fazer a Madeline e à Sra.
Woakes. Não vou parar agora.
— Poderia sua mãe ter guardado a carta que recebeu de Abigail Langdon? —
pergunta Dani, finalmente quebrando nosso silêncio.
— Não. Ela sempre cumpriu sua palavra — respondo.
— Você vasculhou todas as suas coisas?
— Sim — respondo.
— Isso deve ter sido difícil — diz Dani, depois de um momento.
— Limpar as coisas da minha mãe foi apenas mais uma tentativa de recomeço na
vida. No momento em que havíamos terminado, a Sra. Cranfield e eu estávamos
chamando a equipe da loja de caridade Shooting Star pelo primeiro nome. — Levanto e
arrumo os pratos de nossa mesa. — Vou pegar um café para tomar na estrada — digo.
— Você quer um?
— Não, obrigada — responde Dani. — Vou ao banheiro rapidamente. Te encontro
no carro.
De pé no balcão, vejo Dani atravessar o café e descer as escadas. Peço minha bebida,
abrindo meu telefone para pagar antes de ligar para o número de Elizabeth Woakes.
Enquanto o barista espuma meu leite, a voz da Sra. Woakes me diz que ela não pode
atender o telefone agora, mas, se eu deixar uma mensagem, ela me retornará. Desligo.
Digito uma série de mensagens curtas, dando um aceno rápido para o barista, que
pergunta se quero chocolate no meu cappuccino.
De volta ao carro e indo para o sul, vejo as pálpebras de Dani caírem lentamente e
fico feliz. Ouço o comentário de futebol de Oliver Hughes. Ao norte de Londres, saímos
da autoestrada, e estou feliz por estar de volta às estradas familiares que atravessam a
capital em direção a Haddley. No meio da tarde, estamos nos aproximando da rua
principal, e chamo o nome de Dani baixinho. Ela se mexe, e eu posso ver que está
surpresa por estar quase em casa.
— Você deveria ter me acordado antes — diz ela.
— Achei que você precisava descansar. Posso te deixar em algum lugar? — pergunto,
percebendo que não sei onde Dani mora.
— Não, não, não precisa — diz ela, parecendo confusa. — Deixe-me na sua casa.
Vou andar de lá.
Dirigimos ao longo da rua do rio e viramos para a praça de Haddley.
A sargento-detetive Lesley Barnsdale está parada do lado de fora da minha casa.
Olho para Dani, mas ela está olhando para a frente.
— Você chamou Barnsdale? — digo, parando rapidamente em um espaço no final da
rua.
— Eu não tive escolha, Ben. Desculpe.
— O que aconteceu com em off?
— Aquela carta é uma prova. — E, antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela
abre a porta do passageiro e sai.
— Eu confiei em você! — digo, batendo minha porta, frustrado tanto comigo mesmo
quanto com Dani. Passando por ela, ando em direção a Barnsdale.
— Sr. Harper — diz a detetive enquanto me aproximo. Passo direto por ela. — Sr.
Harper — repete ela.
Chego à porta da frente e coloco a chave na fechadura.
— Precisamos conversar — continua ela.
Abro a porta e, sem convite, ela me segue para dentro. Entro na cozinha e, quando
me viro, ela está parada na porta.
— Sr. Harper, o senhor está andando em corda bamba.
Abro a porta da geladeira, tirando uma garrafa de água.
— Removendo provas de uma cena de crime, se passando por um policial. Eu
poderia prendê-lo agora.
— Mas você não vai — digo, abrindo a garrafa —, porque a história do assassinato
de Abigail Langdon estaria na primeira página de todos os sites de notícias e todos os
jornais do país, expondo sua investigação incompetente.
— Onde está a carta? — pergunta ela.
— Está comigo, senhora — responde Dani, agora de pé, atrás de sua superior.
— Me dê isto — diz a detetive, estendendo a mão sem olhar para Dani. Ela abre um
saco de provas, e desliza a carta para dentro. — Espere por mim na porta da frente,
policial.
Dani olha para mim, mas eu viro meus olhos para a janela. Quando olho para trás,
ela se foi.
— Sr. Harper, estou conduzindo essa investigação — diz Barnsdale, dando um passo
adiante e ficando bem na minha frente. — Seu trabalho como jornalista investigativo
não lhe dá liberdade para interferir em provas ou procedimentos policiais.
— Detetive, farei o que for preciso para descobrir a verdade sobre o que aconteceu
com minha mãe. Se isso significa pisar no seu calo ou no de qualquer outra pessoa, é
exatamente isso que farei.
— Compartilhei informações com o senhor na mais estrita confidencialidade. O
senhor traiu essa confiança.
— Não quebrei nenhuma confiança.
— O senhor acessou uma cena de crime! — Barnsdale deixa sua raiva transparecer.
— Um assassinato ao qual o senhor e Elizabeth Woakes estão intrinsecamente ligados.
— Como vítimas — respondo.
— Ainda vamos averiguar — diz Barnsdale, e a ameaça em seu tom é quase
palpável. — O que espero do senhor agora, Sr. Harper, é total cooperação com nossa
investigação do assassinato de Abigail Langdon.
É minha vez de mostrar raiva.
— Detetive, tenho cada vez mais a impressão de que estou sendo visto não como
vítima, mas como suspeito. Se quiser me interrogar com base nisso, vá em frente e me
prenda, aí podemos ficar à vontade em uma sala de interrogatório.
— Não pense que eu não faria isso — responde Barnsdale. — Estou tendo uma
sensação muito desconfortável de que cometi um erro ao compartilhar informações com
o senhor.
— Talvez tenha cometido — respondo.
Barnsdale me encara do outro lado da cozinha.
— Exigimos uma amostra adicional da caligrafia de sua mãe para verificar a
veracidade das cartas.
— Tenho certeza de que posso encontrar algo. — Atravesso a cozinha, passo pela
policial e saio para o corredor. — Qualquer coisa para ajudar sua investigação.
Dani olha para mim, mas eu subo as escadas sem olhar de volta. De pé no topo da
escada, ouço Barnsdale abaixar a voz enquanto caminha em direção a Dani.
— Dei uma chance a você em um momento em que outros não o fariam. Espero que
você não me decepcione.
— Não, senhora — responde Dani.
— Temos novas provas e um potencial suspeito para perseguir. Se eu aceitar sua
explicação de que as coisas simplesmente saíram do controle, com o Sr. Harper agindo
impulsivamente, tenho certeza de que posso encontrar uma maneira de posicionar isso
como um bom trabalho policial.
— Obrigada, senhora — escuto Dani responder.
— Cash, preciso estar cem por cento certa de onde está sua lealdade.
— Sim, senhora. Absolutamente.
— Bom. Agora vá e espere no carro — diz ela à sua subordinada, dispensando Dani.
Nunca tendo tido o desejo de redecorar o quarto no topo da casa, que ainda
considero o espaço de Nick, deixei-o gradualmente se tornar mais uma despensa do que
um quarto. Estou cercado pelo lixo que acumulei ao longo dos anos — caixas de livros
que trouxe da universidade para casa, a coleção de CDs da minha adolescência, a velha
mesa da cozinha de minha mãe junto com os últimos pertences dela que decidi guardar.
Quando afasto a mesa, a porta para o depósito sob o beiral é revelada. Eu me agacho
para abri-la. Ao lado de outra pilha empoeirada de livros, estão as velhas decorações de
Natal da minha mãe e duas velhas caixas de sapatos esfarrapadas. Dentro da primeira,
encontro um leão de brinquedo gasto, com sua juba laranja brilhante achatada e sua
cauda solta. Vou pegá-lo, mas então rapidamente fecho a tampa e empurro a caixa de
volta para baixo do beiral. A segunda caixa de sapatos contém os papéis finais do espólio
de minha mãe. Dentro estão as instruções manuscritas que ela deixou para seu próprio
funeral, instruções que a Sra. Cranfield e eu seguimos até o último detalhe. Olho para
elas, reconhecendo a mesma caligrafia precisa que vi em sua carta no início do dia.
Dobro o papel e o coloco no bolso de trás do meu jeans.
Depois de abrir a caixa pela primeira vez em anos, folheio o conteúdo —
documentos antigos do seguro, certidões de nascimento e os documentos legais que
transferem a propriedade da casa da minha mãe para mim. Folheio os papéis até o fundo
da caixa e encontro um pacote desbotado de fotografias.
Pela segunda vez hoje, sou confrontado com a imagem infame de Nick e Simon com
Langdon e Fairchild. Dessa vez é a cor original. Inspiro profundamente, absorvendo as
cores vibrantes do dia — o céu azul brilhante, as camisas brancas de rúgbi dos meninos,
o brasão vermelho brilhante da escola em seus peitos, o rosto sardento de Simon
Woakes, o preto suntuoso do cabelo de Nick, do mesmo jeito que o meu e o da minha
mãe. Olho o resto das fotos e percebo que é o conjunto completo de imagens tiradas no
dia do triunfo de rúgbi da Haddley Grammar.
— Sr. Harper — ouço Barnsdale chamar do andar de baixo e começo a empurrar as
fotos de volta para o pacote.
— Vou descer em um segundo — grito e, na minha pressa, coloco a pilha de fotos na
caixa. As fotos se espalham e vejo o nome do fotógrafo impresso no verso de várias das
imagens.
O nome é Madeline Wilson.
41
C orrine esvaziou uma terceira garrafa de cidra antes de tropeçar em direção à geladeira
para pegar uma quarta.
— Você quer outra? — disse ela para Chad, enquanto ele se espreguiçava em seu
surrado sofá de dois lugares.
— Melhor não, não quero decepcionar você — respondeu ele, com seu sorriso tolo
mostrando o dente de ouro na lateral da boca.
Corrine abriu a tampa e tomou um gole da nova garrafa enquanto Chad olhava
novamente para o relógio.
— Está preocupado em chegar em casa para sua esposa? — disse ela, com uma
risadinha. Ela se sentou em frente a ele, na poltrona manchada, que ela havia resgatado
de Sunny Sea depois de uma doação, de um morador, de novos móveis para o salão. Ela
duvidava que Molly tivesse gastado o dinheiro se o testamento não tivesse estipulado
claramente. Quando os móveis novos chegaram, ela perguntou se podia pegar uma das
poltronas velhas do quintal, e Molly havia dito que poderia ficar com uma por trinta
libras. Corrine disse para ela se foder. Duas noites depois, Chad trouxe sua van para a
porta dos fundos. Molly nunca sequer notou que a poltrona estava faltando.
Acho que ele tem sido bom para mim, pensou ela e foi sentar-se ao lado dele no
sofá. Enrolando as pernas para cima, ela se inclinou para a frente e começou a beijar seu
pescoço; então, ela parou.
— Chad! Pare de olhar para a porra do seu relógio.
Houve uma batida na janela, na parte de trás da sala de estar.
— Quatro horas, bem na hora — disse Chad, pulando de pé.
— Que porra…? — disse Corrine.
— Eu queria nos dar tempo para comer o peixe e batatas fritas. — Corrine observou
Chad abrir a janela traseira antes de ajudar Dean, o Manchado, a subir do topo da
escada de incêndio.
— Seu desejo é uma ordem — disse Chad. — Dois pelo preço de um. É o seu dia de
sorte, Corrine.
— Você deve estar brincando. De jeito nenhum, de jeito nenhum, porra —
respondeu ela enquanto Dean ficava imóvel perto da janela. Um corpo alto e muito
magro, em sua camiseta branca e jeans justos.
— Oi, Corrine — disse ele.
— Vá embora — foi a resposta dela, cruzando em direção a eles. — Porra, deem o
fora daqui vocês dois!
Dean congelou, mas Chad saltou para a frente e agarrou Corrine pelo braço,
puxando-a de lado para a cozinha.
— Você me deve, lembre-se. Aqueles dois policiais voltaram esta manhã. Dei
algumas notas a eles e disse que você tinha ido embora por alguns dias, que não havia
nada para eles verem aqui, e eles ficaram felizes com isso.
Corrine se pressionou contra Chad.
— Você é um querido, mas é a você que eu quero agradecer.
— Não funciona assim, querida. Eu lhe faço um favor, e você faz um para mim. E
para Dean.
Corrine fechou os olhos. Ela faria como sempre. Fechar os olhos e deixar sua mente
levá-la a algum lugar muito, muito longe.
— Estamos todos bem aqui, Corrine? — Ela abriu os olhos e concordou. — Vamos,
então, Dean, vamos ver o que você tem — disse Chad, segurando com força o braço de
Corrine, e levando-a para o quarto. — Pegue aquela garrafa vazia da mesa — ele pediu a
Dean —, podemos encontrar uma utilidade para ela.
Entrando no quarto, Corrine viu Dean olhar para as janelas.
— A vadia acabou de colocar papelão na janela.
Ela sentiu seu rosto ficar vermelho.
— Não se preocupe, Dean — respondeu Chad. — Você não vai foder a janela.
43
H olly segurou a filha pela mão enquanto Alice dançava pelas poças à beira do lago do
vilarejo de St. Marnham. Uma fileira de patos seguia atrás, perseguindo os pedaços de
pão velho que Alice estava espalhando em todas as direções. Ela se agachou e estendeu
um grande pedaço para os patos mais próximos dela, guinchando de alegria quando eles
bicaram a comida em sua mão.
— Agora chega — disse Holly, enquanto os pássaros batiam as asas ao lado dela. —
Jogue o pão na água.
— Mas, mamãe, os patos gostam de ficar perto de mim — respondeu Alice.
— Eu sei que eles gostam. É porque você os está alimentando — disse Holly,
pulando para trás enquanto mais dois pássaros pousavam a seus pés.
— Não tenha medo, mamãe — disse Alice, alegremente cercada pelos animais, que
batiam as asas. — Eles não vão te machucar.
Holly sorriu para a filha.
— Obrigada, querida, mas acho que alimentamos toda a população de aves de St.
Marnham. Jogue o resto de seu pão na água.
Alice rasgou o saco de papel e esvaziou o conteúdo restante na beira do lago.
— Venha, vamos — disse Holly, enquanto três gansos corriam em direção a elas. —
Vovó está esperando por nós.
Holly se afastou da água e subiu a margem inclinada que cercava o lago. Vendo sua
mãe sair, Alice espirrou água ao longo da beira do lago e correu atrás dela.
— Mamãe? — disse ela, pegando a mão de Holly enquanto elas cruzavam em
direção à casa dos Richardson. — Vou precisar tirar minhas botas enlameadas para
entrar na casa da vovó?
— Você definitivamente precisará.
— Mas eu não tenho nenhum outro sapato comigo, então talvez eu precise ficar com
eles.
— Você pode brincar dentro de casa vestindo suas meias.
Alice pensou por um momento.
— Meus pés podem ficar frios — disse, olhando para a mãe.
— Na casa da vovó, eles não ficarão.
— Não — respondeu Alice. — Vovó tem pisos aquecidos.
— Ela tem — disse Holly. — Seus pés ficarão superaconchegados.
— Podemos ter pisos quentes em nossa casa?
— Custa muito dinheiro. Então, provavelmente, agora não.
— Vovô poderia pagar por isso. Ele tem muito dinheiro.
— Ele tem? — respondeu Holly.
— Ele comprou meu balanço, minha casa no jardim e o carro do papai. — Holly não
disse nada. — Ele compraria para nós um piso aquecido, se lhe pedíssemos.
— Vovô não pode pagar por tudo — disse Holly, mais bruscamente do que pretendia.
Alice olhou para ela, surpresa. — É muita gentileza do vovô quando ele compra alguma
coisa… — Holly se agachou, para olhar para a filha — … mas, Alice, dinheiro não é
tudo. Estarmos juntas e felizes é muito mais importante.
— Vovô diz que, com dinheiro, você pode comprar quem quiser.
— Bem, às vezes o vovô está simplesmente errado.
Holly pegou a filha pela mão e a conduziu pelo caminho de cascalho curvo que dava
para a casa de Francis e Katherine Richardson. Art déco em design, a casa comandava
uma posição imponente. Com uma vista sobre St. Marnham, lançava uma sombra sobre
todos os habitantes do vilarejo. Janelas de vidro em arco dominavam a propriedade, com
um terraço ao ar livre alongado no primeiro andar, onde aconteceria a celebração
daquela noite.
Ao se aproximarem da porta azul brilhante da frente, Katherine Richardson estava
esperando do lado de fora. Ela estava imaculadamente vestida com um terninho creme e
com o cabelo penteado para trás com precisão.
— Eu vi você alimentando os patos? — disse Katherine para sua neta.
— Três patos vieram e comeram na minha mão — respondeu Alice.
— Eu a vi da minha janela, no andar de cima.
— Você deveria ter saído e se juntado a nós — disse Holly.
— Não gosto de chegar muito perto da lagoa.
— É muito lamacento, vovó — disse Alice. — Você precisaria ter galochas como as
minhas.
— E veja quanta lama tem nas suas!
— Eu posso tirá-las aqui — respondeu Alice, imediatamente se sentando na calçada.
— Você é uma boa garota — respondeu Katherine. — Quando você estiver pronta
para ir para casa, lavaremos a lama na torneira do jardim.
— Você não pode ver, vovó, mas minhas botas são cor-de-rosa e têm flores amarelas.
— Que adorável. Eu gostaria de ter umas assim.
— Tenho certeza de que o vovô compraria para você — disse Alice, antes de morder
o lábio e olhar para Holly.
— Vamos entrar? — disse Katherine. — Está quase tudo pronto para esta noite.
— Você tem muitos balões? — perguntou Alice.
— A casa está cheia deles.
— Posso ver?
— Corra para cima e veja se você consegue encontrar todos — disse Katherine,
afastando seu corpo alto e esguio enquanto a neta corria para dentro. — Entre, querida
— continuou ela, levando Holly para dentro de sua casa.
Atravessando o corredor de ladrilhos em espiral preto e branco e subindo a vasta e
sinuosa escada de pedra, Holly se sentia constantemente oprimida. Ela seguiu a sogra até
a sala de estar, onde a luz entrava das janelas do chão ao teto, com sua visão abrangente
do vilarejo. Katherine havia levado anos para refinar essa sala, obter cada um dos
requintados originais art déco, a iluminação dramática, o papel de parede folheado a
ouro e os móveis curvos de veludo. Acima da lareira aberta, havia uma imagem que
causava medo em Holly toda vez que entrava na sala. Dominando seus arredores, havia
uma pintura original de seu sogro. Retratava-o apenas do pescoço para baixo, vestido
com um terno preto, camisa branca e gravata vermelha.
Apesar de não mostrar o rosto, inequivocamente retratava Francis Richardson — e o
controle que ele exercia.
— Sem Francis esta tarde? — perguntou Holly, enquanto Alice passava segurando
três balões.
Sob o céu brilhante, Katherine e Holly saíram para o terraço, onde os designers
estavam dando os toques finais nas decorações florais.
— Ele está se divertindo — respondeu Katherine, antes de convidar Holly para se
sentar ao lado dela na mesa de jantar de mosaico, com um aquecedor externo aceso
atrás delas. — Estou feliz, desde que ele se mantenha longe de mim — continuou ela,
servindo três copos de limonada fresca. Holly concordou com a cabeça, gentilmente. —
Duvido que ele volte muito antes das sete — continuou Katherine. — Desde que ele
tenha tempo suficiente para se arrumar.
Ainda segurando seus balões, Alice veio até a mesa e pegou uma bebida.
— Cuidado — disse Holly para a filha. — Vovó não quer nenhum derramamento.
— Eu sou cuidadosa — disse Alice antes de colocar o copo na mesa e passar a mão
na boca.
— Boa garota — disse Katherine. Alice correu de volta pelo terraço para olhar os
patos na lagoa. — O pai dela adorava aqueles patos. Ela deve ter herdado isso dele.
— Tanto Jake quanto eu somos imensamente gratos a você e a Francis. A casa inteira
está incrível — disse Holly enquanto dois garçons, carregando a base de uma torre de
champanhe, saíam cautelosamente.
— Sob o toldo — disse Katherine, instruindo os garçons para um canto coberto do
terraço.
— Realmente, não era necessário fazer tanto esforço.
— Gosto disso.
— Mas o custo! É tão generoso de sua parte.
— Deixo Francis se preocupar com isso. Para mim, o prazer é poder fazer isso por
vocês dois. Eu só queria poder dar mais.
— Isso é mais do que suficiente.
Katherine sorriu, mas fracamente, e Holly pensou nos presentes acumulados no
quarto do loft. Como se ela também pudesse vê-los, Katherine disse, pensativa: — Jake
sempre valorizou sua independência. Ele é assim desde pequeno. Lembro-me de que,
depois da escola preparatória, ele estava desesperado para ir para o internato, como
todos os seus amigos. Francis recusou, disse que ele aprenderia o valor do trabalho
pesado ficando na Haddley Grammar. Ele pensou que isso iria mantê-lo com os pés no
chão. Jake ficou arrasado. Nos dois anos seguintes, ele mal saiu de seu quarto, como se
fosse seu próprio dormitório pessoal.
Holly sorriu.
— Ele pode ser muito teimoso.
— Isso definitivamente vem do pai — respondeu Katherine.
— Esse sempre foi um relacionamento difícil?
— De alguma forma, eles sempre falharam em atender às expectativas um do outro.
Ocasionalmente, suas aspirações colidem, assim como quando Jake montou seu negócio,
mas, como sabemos, rapidamente divergem novamente em direções diferentes.
— Deixando você numa posição delicada?
— Algo parecido. Sempre quis dar a Jake o máximo que pudesse; Francis queria que
ele conquistasse tudo, incluindo seu amor. Em algum lugar no meio de tudo isso,
suponho que deveríamos ter sido capazes de encontrar um meio-termo.
— Nenhum de nós jamais fingiria que criar filhos é fácil — respondeu Holly. —
Onde está Francis esta tarde, afinal? Ele está jogando golfe? — perguntou ela, antes de
imediatamente se arrepender de sua pergunta.
— Não acho que ele esteja com seus tacos, querida — respondeu Katherine. Sob o
olhar da sogra, Holly sentiu o rosto começar a corar.
44
— B en! Aqui! — grita Jake Richardson quando entro na sala de seus pais, e ele me
chama para me juntar a ele e a um pequeno grupo de amigos. — Uma taça de
champanhe para este homem — diz ele, enviando um dos garçons correndo em minha
direção. Pego um copo meio cheio antes de Jake devolver seu copo vazio e pegar outro.
— Traga uma garrafa — diz ele, despachando o garçom de volta para o bar. — Você
conhece Martin e Duncan, do vilarejo. Seus filhos vão para a creche com Alice.
Trocamos breves acenos introdutórios. Rapidamente, examino a sala em busca de
amigos que possam me resgatar.
— Foi assim. Entediado, bebo uma segunda cerveja, termino minha torta de porco e
dirijo por este pequeno vilarejo sonolento, que fez St. Marnham parecer uma maldita
metrópole. — Martin e Duncan riem quando necessário, e percebo que cheguei
enquanto Jake recitava, bêbado, os destaques de sua semana de trabalho. — Estou
absolutamente exausto, tendo passado dois dias enchendo os bolsos daqueles merdas,
para quem meu próprio pai vendeu minha empresa — a empresa que eu comecei.
Então, decidi me dar a tarde de folga, começando com um cochilo debaixo de uma
árvore. Estou cochilando e escuto uma batida irritante na janela do meu Audi. Eu
entreabro um olho e vejo um velho militar espiando pela janela. A princípio, acho que
estou tendo um maldito pesadelo e que é meu velho — isso lhe dirá exatamente o tipo
com o qual eu estava lidando. Fecho meus olhos e o ignoro, mas ele começa de novo –
rá-tá-tá-tá, rá-tá-tá-tá. Abro a janela. Ele se chama Major Edwards — não suporto esses
tipos ex-militares que ainda usam sua patente — e pergunta se eu me importaria de ir
embora. “Maldito país livre”, digo a ele, e é claro que ele não perde tempo em me dizer
que lutou por essa liberdade. Então, ele diz que minha presença está causando
nervosismo entre “as senhoras do vilarejo”. “A maldita sorte pode ser uma coisa ótima”,
digo. Eu me levanto em meu banco e peço que ele explique. Ele logo dá um passo para
trás, quando me mexo em direção à porta, mas ainda continua falando sobre a ansiedade
entre “as senhoras”. Pergunto ao maldito intrometido se ele realmente falou com alguma
delas. Porém, antes que ele possa dizer mais alguma coisa, eu faço como se estivesse
prestes a pular para fora. Rápido como você gosta, ele tropeça para trás e cai de costas na
lama espessa. Não resisti e tirei uma foto.
Jake alcança seu telefone enquanto pega uma garrafa de champanhe do garçom. Ele
reabastece o próprio copo, depois enche os de Martin e Duncan. Quando ele o faz, sinto
um toque no meu cotovelo. Me viro e vejo Will Andrews parado ao meu lado.
— Precisando ser resgatado? — pergunta ele, baixinho.
— Você é uma dádiva divina — respondo, pedindo licença ao grupo de Jake.
Enquanto atravessamos a sala de estar, ainda posso ouvir Jake planejando ridicularizar
publicamente o rosto marrom-avermelhado do major Edwards.
— Desculpe por não ter lhe dado mais tempo ontem, Ben. Você me pegou em um
dia um pouco ruim — diz Will.
— Não há necessidade de se desculpar. Nada pior do que ser interrompido por um
jornalista intrometido quando você está tentando trabalhar.
Will ri e sugere que saiamos da sala lotada e entremos no escritório de Francis, que
foi preparado para os bebedores de uísque, no final da noite.
— Isso tudo é muito Francis — digo enquanto entramos na sala com painéis de
madeira. Olho para as estantes, cheias de primeiras edições.
— Não tenho certeza de quantos deles foram realmente lidos — diz Will —, mas
eles parecem impressionantes.
— E isso é muito importante para Francis.
— É claro. Vamos ser os primeiros a provar o uísque? — pergunta Will, pegando um
dos quatro single malt colocados em exposição.
— Acho que já tive o suficiente para esta semana — digo, levantando a mão.
Will se serve de uma dose dupla antes de se sentar ao meu lado, em uma das
cadeiras de couro de espaldar alto.
— Eu realmente queria ter um momento para me desculpar. Não há alegria para
nenhum de nós em lembrar aquele verão, mas se houver alguma maneira de ajudá-lo…
— Sua voz vai abaixando.
— Você me perguntou no restaurante, na quarta-feira à noite, o que significaria se
minha mãe não tivesse tirado a própria vida — respondo —, e eu disse que era
impossível dizer. Se você me perguntasse agora, eu diria que significa que alguém a
matou.
Will toma um gole de seu copo. No frio do escritório, é sua única reação.
— Acredito que a morte da minha mãe esteja ligada ao que aconteceu naquele verão,
à possível existência de uma criança e a alguém que estava mais envolvido com Langdon
e Fairchild do que poderíamos imaginar. — Eu me viro para Will. — Diga-me o que você
quis dizer quando me enviou uma mensagem sobre “todos os tipos de homens”. Você as
viu com alguém?
— Não, eu nunca as vi. — Will continua a beber de seu copo, lentamente. —
Durante o ano letivo anterior, porém, circulou a conversa de que Josie havia estado com
alguns dos meninos mais velhos. Isso lhe deu uma reputação na escola. Vamos apenas
dizer que, uma vez que se tornou conhecido… bem, as crianças podem ser muito
cruéis. Eu não estou dando justificativas para ela, mas ela recebeu um tratamento duro,
mesmo de Abigail, no início.
— Meu coração chora — digo, friamente.
— Josie foi condenada ao ostracismo, intimidada sem remorsos, e não apenas por
nossa classe, mas por todo o ano. As agressões psicológicas eram implacáveis. — Will faz
uma pausa, então começa a sussurrar. — Josie é uma vadia, Josie é uma vadia. Esse era o
canto repetido toda vez que ela entrava em uma sala. Em qualquer lugar da escola, a
cada hora, todos os dias. E então, a batida viria a seguir, baixinho, no início… — Will
começa a bater o ritmo rápido na mesa de Francis. Rá-tá-tá-tá. Rá-tá-tá-tá. — Josie é uma
vadia, Josie é uma vadia. Crescendo e crescendo. — Rá-tá-tá-tá. Rá-tá-tá-tá. — Subindo
em um crescendo, aonde quer que ela fosse. Cada vez mais rápido. Mais alto e mais alto.
Josie é uma vadia…
— Chega! — grito. Por um momento, ficamos em silêncio.
— Todo menino, toda menina, todo dia. Quando não podíamos cantar, simplesmente
fazíamos a batida.
— Não há desculpas para o que Langdon e Fairchild fizeram — digo. — Nenhuma.
— Sei disso — diz ele. — Abigail viu a fraqueza dela e se tornou sua única amiga.
Cada uma seduzida pelo mal na outra. Tudo o que estou dizendo é que não teria
demorado muito para outra pessoa testemunhar sua alienação — e encontrar uma
maneira de se aproveitar dela.
48
H olly parou na porta da sala de visitas e observou, horrorizada, uma bandeja de prata,
carregada de taças de champanhe, voar pelo terraço. Quando Jake caiu em cima de um
garçom infeliz, ela levou as mãos ao rosto e se viu desejando que a noite acabasse,
desesperadamente.
— Ele já está bêbado — gritou Francis Richardson com uma risada insensível. —
Maldita vergonha — continuou ele, gritando para a esposa, que apareceu na porta ao
lado de Holly. — Alguém o coloque de pé.
— Nada para ver aqui — disse Katherine, com uma severa repreensão ao marido.
Com um aceno rápido de sua mão, dois garçons instantaneamente colocaram Jake no
canto de um sofá de veludo bordô. — Café preto forte e um copo de água — continuou
ela, disparando instruções enquanto o vidro quebrado era rapidamente varrido. — E
depois, algo para comer. Nada muito pesado: algumas fatias de torrada, provavelmente é
melhor. — Ela pegou o braço do garçom-chefe e falou com ele tão baixinho que apenas
Holly, a mais próxima deles, podia ouvir. — Deixe-o beber o café e depois leve-o para a
cozinha. Segure-o lá por pelo menos trinta minutos. E mantenha-o longe do pai.
— Sinto muito — disse Holly. — Eu me sinto horrível. Você se empenhou tanto na
festa e é assim que nós lhe retribuímos.
— Não pense mais nisso — respondeu Katherine. — Todos sabemos que a festa é
realmente para Francis. Isso só aumentou sua diversão. — Holly se virou para olhar para
Katherine, chocada. — Cada um deles tem um prazer cruel nas falhas do outro — disse
ela, passando o braço pelo de Holly e levando-a para fora da sala de estar. — Eles sempre
foram assim. Jake já lhe contou sobre seu décimo segundo aniversário?
Holly balançou a cabeça.
— Por volta dos onze anos, Jake ficou obcecado por basquete. Francis tinha uma
viagem de negócios para Manhattan. Então, Jake e eu nos juntamos a ele por alguns dias
— continuou ela, descendo lentamente a escada em caracol antes de atravessar o
corredor lotado em direção à porta da frente da casa. — Levamos Jake ao Madison
Square Garden para ver o New York Knicks. Foi uma noite feliz, Jake adorou. Quando
chegamos em casa, ele estava desesperado por sua própria rede. Seu aniversário estava
chegando, e eu construí uma pequena quadra nos fundos do jardim. Eu sei — não
fazemos nada pela metade aqui. Em seu aniversário, ele tinha alguns amigos por perto, e
o pai montou dois times, um capitaneado por ele mesmo e outro por Jake. A equipe de
Jake era boa e, apesar dos melhores esforços de Francis, eles chegaram à frente no jogo.
Jake estava adorando isso, mas é claro que Francis não aguentou. Ele ficou mais
agressivo e, sem querer, tenho certeza, derrubou Jake no chão. Não teria sido nada
demais. Porém, quando Jake caiu, o anel de sinete de Francis cortou o canto do seu
olho. Quando Jake se levantou, o sangue escorria pelo lado esquerdo de seu rosto. Ele se
recusou a me deixar cuidar do corte e se sentou sozinho, ao lado da quadra, enquanto o
jogo continuava. Ele deixou o sangue intocado. Seu único desejo era que seus amigos
testemunhassem as falhas do pai.
Deixando o clamor da festa para trás, Katherine conduziu sua nora pela entrada de
sua casa antes que as duas contornassem cuidadosamente as margens mal-iluminadas do
lago do vilarejo.
— Não seremos incomodadas aqui — disse Katherine ao chegarem a um banco
recém-envernizado, com uma pequena placa de bronze. — Eu queria te mostrar isso.
Este é o banco de Lily.
Holly olhou para a inscrição. Ela nunca tinha reparado.
Risos e alegria foram os presentes que ela nos deu.
— Você nunca falou dela — disse Holly, só agora vendo a tristeza que Katherine
sempre havia escondido.
— Não — respondeu Katherine —, nós nunca o fazemos. Dizemos a nós mesmos
que é muito doloroso. Porém, pergunto-me se as coisas seriam melhores se o fizéssemos.
Ela era tudo que eu sempre havia desejado. Minha própria filha. Assim como você e
Alice, tenho certeza.
— Eu não poderia imaginar o mundo sem ela.
— Era o mesmo para mim. Eu adorei cada momento que passei com ela. Todas as
pequenas coisas — vesti-la no início de cada dia, ler seu livro favorito, horas juntas no
banho, envolvê-la em uma toalha enorme depois. De muitas maneiras, foi o mesmo para
Francis; de alguma forma, foi mais fácil com Lily.
— Posso perguntar o que aconteceu? — disse Holly.
Katherine olhou para o lago. As luzes da casa dos Richardson dançavam sobre a água.
— Era um fim de tarde de novembro. Uma daquelas tardes úmidas e enevoadas, nas
quais você não pode se aquecer e deveria estar seguro do lado de dentro. Lily adorava
estar ao ar livre, correndo, pulando nas poças. Ela usava galochas roxas… — Ela
hesitou.
— Podemos voltar para dentro, se você preferir — disse Holly, com uma suavidade
na voz.
— Não — disse Katherine. — Eu não venho aqui o suficiente. — Depois de um
momento, ela continuou. — Eu me distraí do lado de dentro, nada importante. Acho
que estava descascando cenouras ou algo igualmente inútil. Lily saiu pelo portão, nos
fundos do jardim. Estava escuro, mas mesmo assim ela encontrou o caminho até o lago.
Ela adorava os patos. Gritava de prazer sempre que algum se aproximava dela. Nós os
alimentávamos juntos quase todas as manhãs. Ela não tinha medo; assim como Alice, ela
os alimentava direto de sua mão.
“As folhas ao redor do lago estavam encharcadas; e a lama, muito espessa. Eu disse a
ela várias vezes para não chegar muito perto da borda, mas ela era tão curiosa. ‘Nunca
chegue perto da borda, era o que eu dizia. Ela conhecia a regra, mas, de alguma forma,
deve ter escorregado.
“Um transeunte a encontrou, puxou-a para fora. Os médicos vieram correndo do
consultório do outro lado da rua. Eles fizeram tudo o que podiam, mas era tarde
demais.”
Enquanto Katherine estava perdida em suas memórias desesperadas, Holly lutou
contra a vontade de correr para dentro, agarrar Alice e nunca mais soltá-la.
— Eu emparedei o portão — disse Katherine. Então, as duas mulheres se sentaram
juntas em silêncio. O zumbido baixo vindo da festa era o único som.
49
H olly segurou a cabeça nas mãos, espalhando os dedos pelo rosto. Ao ouvir as
gargalhadas do jardim dos Richardson, ela lutou contra uma vontade crescente de tapar
os ouvidos. Do outro lado da lagoa, seus olhos foram atraídos para Ben, engajado em
uma conversa animada com Madeline Wilson.
— Foi Francis quem a convidou — disse Katherine. — Ele acompanha sua carreira
desde que ela estava no Richmond Times; diz a si mesmo que tem “contatos influentes
na mídia”. Eu tinha esquecido de que ela era a chefe de Ben. Você ainda é próxima dele?
— Ele é meu melhor amigo — respondeu Holly, com sua sogra mantendo o olhar
nela. — Nunca nada mais do que isso — adicionou ela. — Eu deveria lhe contar sobre
Alice.
— Só se você quiser. Eu lhe falei sobre Lily porque queria que você soubesse. Nós a
mantemos escondida muito profundamente.
— Me apavora até mesmo imaginar a dor que vocês sofreram. Todos vocês. Se eu
tivesse sabido antes.
— Foi há muito tempo, antes de você nascer. Que diferença teria feito? — perguntou
Katherine, e Holly se viu incapaz de responder. — Cada um de nós teve que encontrar
sua própria maneira de lidar com isso. Cada vez mais, Francis tinha a vida dele e eu a
minha. Fechei os olhos para as coisas que ele fez, e agora percebo que estava errada.
Ela olhou para Holly com medo, e Holly balançou a cabeça.
— Francis não é o pai de Alice — disse Holly, sentindo Katherine expirar ao lado
dela. — Nada aconteceu com ele até depois que ela nasceu. Eu nunca quis machucar
Jake, mas quando me casei com ele, eu estava apaixonada por outro homem. Talvez eu
não soubesse — ele era um homem que eu conhecia desde que tínhamos apenas a idade
de Alice —, e eu tento dizer a mim mesma que meus sentimentos estavam confusos.
“Seu nome era Michael. Ele, Ben e eu começamos a escola juntos, no mesmo dia.
Durante anos, nós três fomos inseparáveis. Para ser honesta, algo dentro de mim me
disse que eu o amava de uma maneira que nunca amaria mais ninguém. Na Haddley
Grammar, Michael e eu nos tornamos próximos e, quando partimos, pensei que
estivéssemos destinados a passar o resto de nossas vidas juntos. Porém, na escola, todos
tinham certeza de que Michael jogaria rúgbi profissional algum dia e, mais cedo do que
ele poderia imaginar, ofereceram-lhe um contrato com o Bath. Na época, ainda éramos
pouco mais que crianças e sabíamos que tínhamos que deixar um ao outro ir. Eu queria
permanecer em Londres para ficar perto da minha mãe, e ele estava jogando ou
treinando todos os dias. Nossas vidas foram em direções diferentes.
“Michael e Ben ainda continuaram próximos e, depois que a mãe de Ben morreu,
eles viajaram juntos. Quando Ben voltava para Haddley, Michael ficava em sua casa. Eu
havia me casado com Jake recentemente, mas nós três começamos a tomar um drinque
ocasionalmente para conversar sobre os velhos tempos.”
Holly virou para Katherine.
— No momento em que o vi novamente, eu soube. Tudo o que eu queria era
encontrar uma razão para passar o tempo com ele, estar perto dele. Ele é o pai da Alice.
— Jake faz alguma ideia disso?
— Nenhuma — respondeu Holly. — Eu nunca quis machucá-lo, você tem que
acreditar em mim. — Katherine concordou com a cabeça. — Só Ben sabe. E agora,
você.
— Ele morreu, não foi? Michael? — perguntou Katherine, depois de uma pausa. —
O atropelamento na floresta?
Holly lutou para controlar as lágrimas. Ela se levantou e, envolvendo os braços em
volta de si mesma, ficou na beira da água. Depois de um momento, ela sentiu a mão de
Katherine em suas costas, gentilmente.
— Ele sabia que tinha uma filha?
Holly acenou com a cabeça.
— Ele conseguiu passar algum tempo com ela?
— Sim. Pretendíamos ir embora juntos. Michael havia recebido uma oferta para
jogar na Austrália. Eu estava providenciando um passaporte para Alice. Na semana
anterior à nossa partida, fomos visitar a mãe dele para Michael se despedir. Ela não
estava bem. Ela havia sido atingida pela doença de Alzheimer, quando tinha apenas
cinquenta e poucos anos. Foi tão triste ver. Quando Michael falava com ela, havia
momentos em que ela parecia entendê-lo. Ela estava sentada em sua cadeira olhando
para o outro lado da sala quando ele perguntou se ela gostaria de abraçar Alice. Sua
resposta sempre ficou comigo. Ela olhou para ele e simplesmente perguntou: “Devo?”.
“Eu acho que você deveria”, disse ele, e eu coloquei Alice em seus braços. Observei
enquanto ela apertava a mão de Michael. Eu sempre me perguntei se ela sabia.
— Ela sabia — respondeu Katherine, parada ao lado de sua nora, imóvel. — E eu
vou ajudá-la.
51
V oltando à casa dos Richardson, Holly correu até o quarto onde Alice estava. Ao abrir a
porta, encontrou a filha dormindo profundamente. Exausta com a excitação do dia, Alice
estava enrolada no meio da enorme cama com seu vestido de festa pendurado
ordenadamente na porta do guarda-roupa.
Holly entrou no quarto, subiu na cama e se deitou ao lado da filha. Acariciando
suavemente seus cachos macios, ela fez uma promessa a Alice, de cuidar dela para
sempre. Fechando os olhos, ela se viu começando a divagar enquanto sonhava com uma
vida longe de Haddley.
Em seguida, ela sentiu uma respiração em seu pescoço.
— Dormindo como um anjo — sussurrou uma voz em seu ouvido. Confusa e
atordoada, não totalmente acordada, por um momento ela pensou em Michael. Então,
seus olhos se ajustaram, e ela se sentou, totalmente reta.
— Francis! — exclamou ela.
— Shhh — disse ele, colocando o dedo nos lábios de Holly. — Você vai acordar
nossa princesinha. Venha comigo — continuou ele, pegando Holly pela mão.
Enquanto Francis a conduzia pelo corredor em direção à suíte máster que dividia
com Katherine, Holly sentiu o medo correr por ela. Lá embaixo, o burburinho da festa
continuava. Porém, quando Francis fechou a porta do quarto atrás deles, eles ficaram em
silêncio. Ele deu um passo à frente, forçando-a a dar um passo para trás, em direção à
cama gigante com sua cabeceira Gatsby.
— Não, Francis, não aqui, não agora. Não — disse Holly, mas Francis agarrou seus
braços, guiando-a para trás. — Não, eu disse. — Mas ela se viu tropeçando no divã que
estava na ponta da cama e ela caiu para trás. — Francis, eu disse não! — E ela escalou a
cama para o canto mais distante do quarto.
Francis veio calmamente em direção a ela, com um sorriso ameaçador brincando na
borda de sua boca.
— Você não me diz não — disse ele, baixinho. — Você nunca me diz não.
Holly podia ouvir o aço em sua voz. Ela sentiu suas costas pressionarem contra o
canto da sala. Ela não tinha para onde ir.
— Francis, você vai me deixar passar por você e sair deste quarto agora ou eu vou
gritar.
— Eu não negocio — respondeu ele, com seus olhos fixos nela. — Sou seu dono.
— Não mais. Isso tem que parar.
— Eu decido quando isso para. Nós fizemos um acordo.
— Não. Não é justo com Jake. Não é justo com Katherine.
— Não me diga o que é justo.
— Eu não posso mais fazer isso.
— Eu não acho que essa escolha seja sua. — Francis avançou e, ao fazê-lo, Holly
deslizou para o lado e pulou para trás, na cama.
— Não brinque comigo — continuou ele, virando-se para dar a volta ao redor do
quarto.
Holly pegou um abajur da mesa de cabeceira e puxou com força, arrancando o
plugue da tomada da parede. Segurando-o, ela disse: — Eu o avisei, Francis, isso tem
que parar.
— Não seja estúpida — respondeu ele. — A última coisa que você quer fazer é
acabar com nosso acordo.
— Deixe-me ir — disse Holly, segurando o abajur como um taco de beisebol e dando
um passo em direção a Francis.
— Você vai se arrepender disso.
— Deixe-me ir! — gritou Holly e, quando seu sogro deu um passo para o lado, ela
avançou em direção à porta, jogando o abajur de vidro no chão de madeira.
O vidro quebrou, e os cacos voaram pela sala. Francis se virou para proteger o rosto.
— Você vai pagar por isso — rugiu ele, enquanto Holly abria a porta. — Você vai
pagar por isso, porra — foi tudo o que Holly ouviu enquanto corria para fora do quarto e
descia o corredor, em direção ao quarto da filha. Correndo para o quarto, ela pegou Alice
da cama e fugiu em direção às escadas.
52
T arde da noite, entro na cozinha com teto de vidro dos Richardson, um ambiente que
compartilha uma grandeza semelhante ao resto da casa. Espiando uma bandeja de
pequenas pavlovas de morango, caminho até a ilha de granito branco.
— Eu te amo, Ben — diz uma voz atrás de mim. Como um cadáver, Jake se levanta
do assento estofado azul brilhante da mesa de banquete. — Você é como um irmão para
Hol e eu. — Antes que eu possa responder, ele cai de volta e fecha os olhos. Enquanto
isso, Will caminha pelo corredor cheio de arte que liga a cozinha ao hall de entrada de
azulejos pretos e brancos.
— Sobremesa? — digo, pegando um bolo de chocolate em seguida à minha pavlova.
— Vou continuar com isso — responde Will, pegando um cubo de gelo do freezer
para refrescar seu copo de uísque. — Dei uma volta pelo jardim — continua ele,
encostado na parte de trás do assento. — Eu não acho que tenhamos terminado nossa
conversa de antes.
— Interrompida pelas travessuras de Jake — digo, olhando para ele enquanto dorme
profundamente.
— Não quero que você tenha a impressão de que eu estava inventando desculpas
para Josie ou Abigail. Nunca pode haver qualquer defesa para o que elas fizeram.
— Eu não achei isso — respondo. — Minha mãe sempre apreciou a maneira como
você cuidava dela, desde o início, quando você era pouco mais que uma criança.
— Nós éramos todos crianças — responde Will, puxando uma cadeira. — O que eu
estava tentando dizer era que eu sabia o que era ser condenado ao ostracismo, ser o
garoto que era diferente de todos os outros.
— Mas você e Nick sempre continuaram sendo bons amigos.
— Éramos, mas eu era um garoto de quatorze anos que acabara de perceber que era
gay. Logo aprendi que crianças podem ser cruéis. A mentalidade de bando toma conta.
De repente, eu era o garoto ao lado de quem ninguém queria se trocar na educação
física. Eu me vi fora do círculo de amigos próximos. Por um tempo, eu estava
desesperado para não ser quem eu era. Isso me fez sentir um merda. Aquele verão foi
difícil. Quase não vi nenhum dos meus colegas de escola, de alguma forma comecei a
me afastar.
— Isso deve ter sido difícil.
— Eu não apenas esbarrei em Nick naquele dia nas férias de verão. Eu havia
combinado de encontrá-lo. Era uma quinta-feira, e nós caminhamos até Haddley Hill
Park. Eu disse a ele que tinha visto Josie e Abigail no início da semana.
— Você era amigo delas?
— Não, eu as tinha visto na ponte, rondando. Estávamos todos na mesma classe na
escola.
— No dia das finais de rúgbi, elas te seguiram até o vestiário.
— Isso foram elas sendo estúpidas, nada mais.
— E nesse dia?
— Eu havia concordado em encontrá-las na floresta, naquela noite. Eu queria que
Nick viesse comigo.
— O que ele disse?
— Ele disse que estava levando você para nadar naquela tarde e não sabia a que
horas estaria de volta.
Olho pelas portas francesas, para o jardim traseiro iluminado dos Richardson.
Enquanto penso em Nick me ensinando a mergulhar em Tooting Bec Lido, vejo East
acender um cigarro, enquanto ele fica sozinho na beira da piscina.
— Você ainda foi?
Will bebe seu uísque e acena com a cabeça.
— Nos encontramos na clareira. De cara, Abigail perguntou se eu queria
experimentar.
Olho para Will.
— Você fez sexo com ela?
Will balança a cabeça.
— Você tem que se lembrar, Ben, eu era uma criança. Não é algo de que me
orgulho.
— O que aconteceu?
— Ela estava me oferecendo Josie. Era como se ela a estivesse aliciando. Abigail se
sentou e observou. Uma semana depois, elas mataram Nick e Simon.
Oito
“Ao longo dos últimos vinte e um anos, ela havia passado a
odiar Abigail. Como sua vida teria sido diferente se elas
nunca tivessem se conhecido.”
53
N ão digo mais nada, e Will fica em silêncio ao meu lado. Nossos olhos são atraídos para
o jardim. Observamos o vapor que sobe da piscina aquecida, lançando uma névoa ao
redor de East enquanto ele fica parado sozinho.
— Eu deveria ir ver como ele está — diz Will, finalmente.
Eu o deixo ir, e ele me deixa sozinho na janela aberta enquanto vai ficar com East.
Eles andam pela beira da piscina, conversando, antes de irem para o outro lado do
jardim. Eu me viro para entrar e, ao fazê-lo, Jake rola para o chão da cozinha e fica de
pé, cambaleando.
— Eu vou encontrar Hol — diz ele, dando um aceno cansado enquanto vai. — Amo
você, Ben.
Eu me levanto e bebo minha água, então o sigo pelo corredor até o hall de entrada.
Com a tranquilidade de fim de noite, os convidados dos Richardson estão começando
a ir embora, de volta às suas casas em St. Marnham e além. Jake já desapareceu, mas
vejo Nathan Beavin tomando um gole de um copo de conhaque de cristal de chumbo
enquanto se senta no sofá curvo, que contorna a base da escadaria principal.
— Por favor, não me diga que você vai sair para correr às seis da manhã — digo,
sentando-me ao lado dele.
— Eu poderia dormir até as sete — responde ele. — A regra é nunca se dar uma
desculpa para não ir.
Eu me pego desejando ser dez anos mais jovem.
— Espere até ter a minha idade — digo e, assustadoramente, acabo lembrando o Sr.
Cranfield. Nathan olha para mim com pena, como se eu fosse de meia-idade.
Instantaneamente, arrependo-me de minha resposta automática. — Talvez eu o veja na
praça às sete. — Eu já sei que é um compromisso que dificilmente vou cumprir.
— Que casa eles têm aqui! — diz Nathan, enchendo seu copo com o conhaque
Hennessy de Francis, com a garrafa aninhada ao lado dele ordenadamente. — Você já
esteve aqui antes?
— Algumas vezes — respondo. — Holly e Jake fizeram sua recepção de casamento
em uma marquise no jardim.
— Aposto que foi uma festa e tanto.
— Como você deve ter percebido, o Sr. e a Sra. Richardson não fazem nada pela
metade.
— Ele deve valer um pouco. Dinheiro de família, não é?
— Não tenho certeza — digo. — Ele se deu bem nos negócios, mas eu não acho que
ele veio de uma família pobre. — Nathan ri. — Seu pai tinha algum tipo de negócio de
manufatura — têxteis, acho. Francis estava no exército no início, mas logo percebeu que
estava muito mais interessado em ganhar seu próprio dinheiro.
— E Jake simplesmente se casou com uma garota local?
— Você quer dizer Hol? Sim, ela viveu em Haddley por toda a sua vida.
— Não arranjaram para ele alguém que viesse com mais influência?
— Acho que não — respondo. — Francis já tinha o suficiente.
— Você a conhece a vida toda?
— Você adora fazer perguntas, não é?
— Acho que sou um pouco curioso, nada mais do que isso.
— Sério? Eu não tenho tanta certeza.
Nathan toma um grande gole de seu copo, que deve queimar enquanto ele engole.
— Por que não me conta sobre você?
— Sobre mim? — diz ele, e eu espero. — Eu realmente não tenho uma história para
contar. Nascido no País de Gales, infância comum, uma irmã, fomos para uma boa
escola, tivemos ótimos pais.
— Legal — digo. — E?
— Fui para a universidade em Cardiff, depois quis um tempo. Vim a Londres para
uma aventura. É isso. Nunca imaginei que conheceria uma mulher como Sarah.
— Você a conta bem.
— Conta o quê?
— Sua história. Já ouvi um milhão e uma vezes. Agora, um milhão e duas.
— Não sei o que você quer dizer — diz Nathan, girando os restos de seu drinque em
seu copo.
— O que você realmente está fazendo aqui?
— Exatamente como eu disse: um pouco de aventura na cidade grande.
— A verdade. Você me perguntou sobre minha mãe, meu irmão, meus amigos,
James Wright, meu trabalho. Por quê?
Nathan abaixa o copo com uma expressão de alarme no rosto.
— Ben! — ouço a voz de Holly gritar. Pulando de pé, procuro seu rosto entre os
foliões restantes. — Aqui em cima — ela chama. Viro e a vejo descendo precariamente
a escada em caracol, com Alice dormindo em seus braços.
— O que está acontecendo? — digo. Conforme ela se aproxima, posso ver uma
vermelhidão em seus olhos. — Hol?
— Você pode pegar um carro para nos levar para casa? E encontrar Jake.
Ouço a urgência em sua voz. Imediatamente, pego meu telefone.
— Eu deveria ir e encontrar Sarah — diz Nathan, ficando de pé e correndo.
— Haverá um Uber aqui em quatro minutos. Venha e se sente — digo, mas Holly se
recusa.
— Quero esperar lá fora — responde ela, enrolando um cobertor firmemente em
torno de Alice. Enquanto ela se dirige para a porta da frente, Sarah e Nathan
rapidamente saem da cozinha pelo corredor.
— Holly, você está bem? — pergunta Sarah.
— Estamos partindo. Preciso encontrar Jake e ir.
— Ele não está na cozinha — responde Sarah.
— Vou verificar a sala de estar — diz Nathan, subindo as escadas aos pulos enquanto
vou para o solário, na parte de trás do corredor. Ao abrir a porta, encontro Jake
dormindo em um dos sofás de pelúcia, enrolado como um bebê.
— Jake, você vai embora — digo, acordando-o com um sobressalto. — Acho que
Alice está um pouco doente, então Holly quer levá-la para casa.
Ele rola para fora do sofá e cambaleia atrás de mim pelo corredor. Caminho com ele
até a entrada.
— A festa acabou? — pergunta ele, apenas semiconsciente.
— Quero levar Alice para casa — responde Holly, enquanto Sarah e Nathan se
juntam a nós do lado de fora.
— Meu bebê se sentindo mal — diz ele, olhando para Alice.
— Expliquei que ela não estava se sentindo bem — digo a Holly. — Muito bolo,
misturado com um sonho ruim. — Jake acena com a cabeça e tropeça na nossa frente.
— Hol, você está bem? — pergunto.
— Só preciso ir.
Não digo mais nada até chegarmos ao final da entrada, quando East Mailer atravessa
o jardim, vindo dos fundos da casa.
— Ben, você já vai embora? Eu estava realmente esperando que tivéssemos a chance
de conversar.
— Preciso levar a pequena para casa — respondo enquanto nosso Uber chega. —
Vamos tomar um drinque em breve.
East desliza a porta, e Sarah e Nathan sobem nos bancos traseiros. Jake cai na fileira
do meio da minivan antes de Holly subir, ao lado dele. Seguro Alice, então a passo
gentilmente de volta para a mãe. Alice se enrola em Holly, e vejo Holly apertá-la com
força. Dou um passo à frente para me sentar na frente, com o motorista, olhando para a
casa dos Richardson, onde os últimos convidados continuam bebendo no terraço. Uma
figura solitária nos observa cuidadosamente através da janela em arco que dá para o alto
da casa. Enquanto nos afastamos lentamente, ao redor do lago do vilarejo, eu me viro e
vejo Katherine Richardson parada ali, imóvel.
Parando nos semáforos temporários da Lower Haddley Road, ligo meu telefone e abro
nosso aplicativo de notícias. Lendo a manchete espalhada, tenho que lutar para respirar.
ENFIM, VINGANÇA! ABIGAIL LANGDON ASSASSINADA!
— Estou em apuros — digo, enquanto dirigimos pela parte inferior de Haddley
Woods. — Você pode diminuir a velocidade? — pergunto ao motorista, precisando de
tempo para pensar. — Basta encostar aqui, por um segundo.
— Ben? — diz Holly, e eu passo meu telefone de volta para ela.
Olho através da praça, para a frente da minha casa.
Do lado de fora, estão estacionados dois carros de polícia. Apontando para eles, digo:
— Acho que eles vieram atrás de mim.
— O que eles estão fazendo aqui? — pergunta Sarah do fundo do carro. Holly
entrega a ela meu telefone.
— E esse artigo não tem nada a ver com você? — diz Holly.
Jake e Alice continuam dormindo profundamente ao lado dela.
— Não, nada — respondo, enquanto Sarah se inclina para a frente e me devolve meu
telefone.
— Alguém abriu o bico — diz Holly.
Já estou mandando mensagem para Madeline.
Não fomos os primeiros. Veja o The Sun on Sunday. Eu não tive escolha a não
ser seguir.
Preciso de um advogado.
— Vocês todos sigam — digo, abrindo a porta do carro. — Melhor vocês ficarem fora
disso.
— Você quer que eu vá com você? — pergunta Sarah.
— Certamente é melhor não se envolver, não é? — diz Nathan, com a voz calma.
— Madeline está mandando alguém — respondo olhando para ele pelo espelho
retrovisor.
— É o mínimo que ela pode fazer — diz Holly. — Tem certeza de que não quer que
um de nós vá com você?
— Vou ficar bem. Ligo para você amanhã.
Atravessando a área comum, vejo as luzes traseiras vermelhas do carro
desaparecerem. Quando me aproximo de casa, vejo a sargento-detetive Barnsdale
sentada sozinha em um dos carros de polícia que aguardam. Passo direto por ela.
Instantaneamente, ela me persegue.
— Sr. Harper — grita ela. — Por favor, espere. Temos uma série de perguntas que
gostaríamos de fazer ao senhor. — Olho por cima do ombro. Dani Cash aparece do
segundo veículo e segue três passos atrás de sua superior. Ignorando as duas, abro a
porta da frente. Vou batê-la, mas Barnsdale a empurra com o pé. — Sr. Harper — diz
ela, empurrando a porta para abrir. — Precisamos conversar.
Começo a tirar minha jaqueta.
— É quase meia-noite — digo, de costas para a detetive. — Não posso imaginar o
que seja tão urgente que não possa esperar até de manhã.
— Temos uma série de perguntas que gostaríamos que o senhor respondesse — diz
ela, entrando sem ser convidada. — Na delegacia.
Eu a encaro, do outro lado do corredor.
— Não contei a história nem ninguém do meu site. — É melhor que Madeline esteja
me dizendo a verdade.
— Alguém contou — responde Barnsdale, movendo-se em minha direção —, caso
contrário, como diabos isso teria acabado aqui? — Ela me entrega uma impressão da
primeira página da primeira edição do The Sun on Sunday. Na capa, está a imagem de
Langdon. — Quando estiver pronto, Sr. Harper, adoraria ouvir sua explicação.
O vazamento a humilhou. Eu modero meu tom.
— Como disse, eu não tive nada a ver com isso. Mas eu posso ver que esta é uma
situação muito difícil, então ficarei muito feliz em ir à delegacia logo de manhã, por
minha própria vontade. — Barnsdale não diz nada, e eu olho para ela. — Uma
reportagem de jornal realmente muda alguma coisa?
— Nada, além da legitimidade de toda a investigação.
— Langdon está morta. Ia sair em algum momento. Minha participação em um
interrogatório fajuto no meio da noite não vai mudar isso.
— Posso prendê-lo agora, se o senhor preferir. — Ela é implacável.
— Com que fundamento?
— Já passamos por isso, Sr. Harper. Passando-se por um policial, removendo
evidências da cena de um crime. Você gostaria que eu continuasse?
Dani Cash está estudando o próprio reflexo em seus sapatos muito polidos.
— Você não gosta do fato de que a história foi vazada, então está me punindo.
— O senhor está tornando as coisas muito fáceis para nós, Sr. Harper. O senhor
mesmo disse que teria matado Abigail Langdon se tivesse tido a chance. Sua mãe era
uma das poucas pessoas que sabia onde ela estava.
Percebo que não tenho escolha.
Saímos pela frente da minha casa, com Dani Cash me escoltando até o banco de trás
do carro de polícia que aguardava. Quando ela abre a porta, eu abaixo minha cabeça e
um flash pisca em meus olhos. A mão de Dani me guia para o banco de trás e, enquanto
ela fecha a porta, ouço o disparo rápido de uma lente de câmera de imprensa,
empurrada contra a janela.
— Obra de Barnsdale, presumo? — digo, afastando-me da janela. Sob a luz das
lâmpadas da rua, lentamente nos afastamos do lado da praça. Olho através do espaço
aberto e penso naquele dia extremamente quente e cheio de ódio que tem assombrado
minha vida desde então.
C orrine se protegeu do vento que soprava do Canal antes de cruzar a estrada que corria
ao longo da costa de Deal. A pequena cidade litorânea, que para ela parecia uma prisão
da qual ela nunca seria libertada, estava lentamente despertando para sua monótona
vida cotidiana. Ciclistas pedalavam ao longo do caminho marítimo, um limpador de rua
coletava os detritos da noite de sábado e uma passeadora de cães solitária apertava o
lenço enquanto se dirigia para o castelo.
Desesperada para ficar sozinha e a salvo de interrupções, Corrine atravessou o parque
à beira-mar, subindo a margem gramada até o coreto isolado. Sentou-se nos degraus que
davam para a praia e tirou uma lata de cerveja da bolsa. Ela sentiu o formigamento do
líquido frio e amargo na garganta e fechou os olhos, ouvindo as ondas quebrarem na
praia de seixos. Tentou se imaginar longe daqui — uma praia quente com ondas batendo
em seus pés. Porém, tudo em que ela conseguia pensar era em sua segunda lata de Skol
e no quanto ansiava pelo conforto que isso traria. Só depois que ela terminou, seus
nervos começaram a se acalmar, e ela subiu os degraus do coreto em busca de um local
mais protegido. Abrindo sua bolsa, ela tirou o jornal amassado e começou a ler.
Corrine parou e apertou o jornal contra o peito. Ao longo dos últimos vinte e um
anos, ela havia passado a odiar Abigail. Como sua vida teria sido diferente se elas nunca
tivessem se conhecido. Se ao menos ela a tivesse ignorado naquele dia em que ficou
sozinha na fila do almoço, segurando seus vales-refeição da escola, com o ritmo
insuportável das provocações de seus colegas de escola zumbindo em seus ouvidos. Em
vez disso, ela havia se agarrado a uma amizade fugaz; um momento de triunfo para
substituir a vergonha ardente que sentia em sua própria pele. Foi um momento de
triunfo pelo qual ela pagou caro desde então.
O dia em que elas haviam deixado o tribunal como assassinas condenadas foi a
última vez em que ela havia visto Abigail. Rumores haviam surgido sobre sua
localização, mas ela nunca havia ficado interessada. Sua amiga a havia controlado, criado
a tempestade ao redor dela, apenas para buscar vingança por sua própria existência.
Após sua libertação, Corrine havia mantido sua vida off-line, deliberadamente. Ela
evitava as redes sociais e não possuía um smartphone. Até mesmo alguns dos residentes
da casa de repouso tinham celulares, mas Corrine não desejava estar conectada a nada
nem a ninguém. Ela nunca procurou por Abigail Langdon ou Josie Fairchild. Para ela,
elas não existiam mais.
Agora, por um momento passageiro, ela sentiu aquela amizade fugaz novamente. O
amor que Abigail havia lhe dado. As duas juntas contra o mundo. A promessa de estar
sempre lá, uma para a outra. Ninguém havia conhecido um amor como elas tiveram.
Abigail estava morta.
Assassinada.
A única amiga que ela já havia tido.
Corrine continuou lendo.
Corrine estremeceu. Foi um choque perceber que a vida de Abigail tinha sido tão
deprimente quanto a dela. Vivendo sozinha e com medo de ser descoberta, Corrine
sentiu que seus dias eram dominados pelo arrependimento. Pelo menos no trabalho ela
estava cercada por outras pessoas, por mais deprimente que fosse. Dormir durante as
tardes a fazia se sentir mais segura, não tendo que enfrentar a escuridão sozinha. Uma
faca debaixo do travesseiro a havia convencido de que estava segura. Mas ela estava?
Corrine amassou o jornal em uma bola. Com as gaivotas gritando acima, ela correu
de volta pelo parque em direção a seu apartamento. Quando ela se aproximou do
fliperama, jogou o jornal em uma lixeira. Ela não queria isso dentro de sua casa.
Procurando as chaves na bolsa, ela abriu a porta e rapidamente subiu as escadas, então
ligou a televisão na sala de estar. Ligou o noticiário, e o rosto de Abigail olhou para ela.
Depois o dela mesma.
“A forma como Langdon morreu deu origem a especulações de que este é um
assassinato por vingança, pelas mortes dos estudantes Nick Harper e Simon Woakes”,
dizia o âncora do noticiário. “A pergunta que a polícia deve estar se fazendo é: por que
agora?”
Corrine não estava particularmente interessada naquela pergunta. Para ela, as mortes
de Simon e Nick poderiam ter sido ontem. Outra pergunta a atormentava.
Josie seria a próxima?
56
— Como eles podem saber disso? — respondeu Sarah, colocando saquinhos de chá
em suas xícaras. — As paixões sempre foram fortes em torno dessas garotas, em todo o
país. Qualquer louco poderia ter tropeçado em Langdon e decidido se vingar. — Sarah
fez uma pausa por um momento. — E sabe o que mais? Se eles o fizeram, ótimo.
— Essa é a sua opinião profissional?
— Às vezes, o sistema de justiça criminal não atende as vítimas tão bem quanto
deveria.
Sarah pegou o telefone. Nathan a observou digitar uma resposta e colocar o telefone
no balcão, cruzando a cozinha para pegar a chaleira. A resposta à mensagem de Sarah
foi instantânea.
Nathan olhou para a tela e começou a virar as páginas do The Sun on Sunday.
— Quem a matou queria que ela sofresse — disse ele, examinando os detalhes
doentios no jornal. — Eles queriam que ela sofresse da mesma forma que os meninos.
Para mim, isso torna tudo pessoal.
— Impossível para nós sabermos — disse Sarah, despejando leite no chá de Nathan.
— Quem mais passava tempo com elas, as meninas, quando eram crianças?
— Não faço ideia — respondeu ela, entregando a caneca a Nathan, antes de pegar o
telefone. — Era muito antes do meu tempo em Haddley.
— Você falou sobre isso com Holly? — perguntou Nathan, enquanto Sarah digitava
outra resposta.
— Nathe, são sete horas da manhã de domingo e estou um pouco de ressaca. Nós
realmente temos que falar sobre isso agora?
— Holly era bem mais nova que aquelas duas garotas? — continuou Nathan, sem
ouvir.
— Cinco ou seis anos, eu acho, mas isso importa?
— Seis — respondeu Nathan. — Se ela tem a mesma idade de Ben, ela teria oito
anos na época. — Sarah olhou para Nathan. — Está aqui no jornal — disse ele.
— Nick e Simon tinham quatorze anos. Langdon e Fairchild o mesmo — disse
Sarah, antes de acrescentar. — E meu querido ex-marido tinha dezoito anos.
— Ele estava na mesma escola?
— James era o monitor-chefe. Ele é Haddley por completo.
— Você acha que algum dia ele iria querer voltar?
— Não, enquanto ele tiver seu quarto à beira do rio para trepar com Kitty.
Nathan riu.
— Alguma vez ele falou sobre os assassinatos?
— Nathe!
— Faça-me feliz.
— Só para dizer que foi uma época horrível. Até mesmo James era sensível o
suficiente para reconhecer isso.
— Ele conhecia alguma delas?
— Não que eu saiba. Eu suponho que naquela época ele realmente namorava
mulheres da idade dele.
Nathan sorriu.
— Eu me pergunto se as meninas tinham namorados.
— Nathan, não faço ideia — respondeu Sarah. — Foi tudo há muito tempo. A única
coisa que importa agora é ter certeza de que Ben esteja bem.
— Só acho interessante — disse Nathan. — Aposto que a outra está nervosa. Josie
Fairchild.
— Não há razão para pensar que sua identidade esteja ameaçada. Muito
provavelmente, esse foi um caso de Langdon sendo descuidada, falando com as pessoas
erradas.
— Mesmo assim, isso não me impediria de me preocupar, se eu fosse ela.
— A polícia provavelmente vai mudá-la por precaução.
— Eles não mudaram Langdon.
— Duvido que soubessem que ela corria esse tipo de risco. Fairchild poderia estar do
outro lado do mundo, quem sabe.
Nathan observou Sarah ler a primeira página do The Sun on Sunday. Afastando-se,
ele não conseguia se livrar das imagens adolescentes de Langdon e Fairchild.
Rá-tá-tá-tá.
Rá-tá-tá-tá.
— Eu vou — disse Nathan, pegando sua camisa de corrida e puxando-a sobre a
cabeça enquanto se dirigia pelo corredor.
— Nathan! — gritou Max abrindo a porta da frente e pulando em seus braços
enquanto Nathan se ajoelhava para dizer olá.
— Esta é a mala de Max — disse James Wright, perto da porta.
— Eu fui ao grande dragão na Legoland! E tomei dois sorvetes.
Nathan encarou James Wright.
— Vou colocar aqui, certo? — continuou James, entrando e largando a bolsa no
corredor. — Você deve ser o famoso Nathan. Ele fala muito sobre você.
— Ele é um bom garoto — respondeu Nathan.
— A essa hora? — disse Sarah, caminhando da cozinha.
— Estou uma hora adiantado. E daí?
— Mamãe, eu fui ao grande dragão e tomei dois sorvetes — disse Max, pulando e
correndo para ela.
— Você é um garoto de sorte — disse Sarah, pegando-o nos braços. — Um
telefonema teria sido bom — continuou ela por cima do ombro de Max.
— Surgiram coisas com as quais preciso lidar hoje.
— Sim, como cuidar de seu filho — disse Sarah, baixando a voz. — São sete horas
de uma manhã de domingo.
— Você está de pé e seu garoto aqui está pronto para uma corrida. — Nathan não
disse nada. — Até semana que vem, campeão — disse James, beijando o filho no topo
da cabeça. — Pode ser que eu volte a vê-lo em algum momento — disse ele a Nathan,
ao sair.
— Posso comer um muffin de chocolate no café da manhã? — disse Max para a
mãe.
— Você não tomou café da manhã no apartamento do papai?
— Não, Kitty estava dormindo. Ela está sempre dormindo.
— Vamos fazer ovos cozidos moles? — disse Sarah.
— Não! Muffin de chocolate.
— Estou saindo — disse Nathan, enquanto Sarah carregava o filho para a cozinha.
Ao descer correndo os degraus da frente da casa, ele parou na calçada e observou James
Wright subir em seu Range Rover branco, com sua namorada cochilando ao lado dele.
Quando o carro avançou, diminuiu a velocidade ao lado de Nathan e a janela do lado do
motorista desceu.
— Um conselho. Troque sua namorada por um modelo mais jovem — disse James,
apertando a coxa de Kitty. — Você vai se divertir muito mais.
58
E ra fim de tarde, quando Corrine Parsons desceu do trem e subiu na plataforma três da
estação de Haddley. Sua respiração ficou presa na garganta. Nunca tinha imaginado
voltar a este lugar. Ela subiu os degraus e saiu para a rua principal para descobrir que
pouco havia mudado desde sua adolescência. Lojas, cafés e bares — tudo parecia muito
familiar. Deveria ter se sentido em casa, mas não se sentia. Nenhum lugar parecia um lar
para Corrine.
Por um momento, ela tinha quatorze anos novamente. Percebeu que estava meio que
esperando ver Abigail — debaixo da ponte ou no parque, perto da casa de barcos ou na
floresta. Corrine balançou a cabeça. Ela não tinha vindo aqui à procura de fantasmas.
Parada do lado de fora da estação, ela não pôde deixar de parar e olhar para o morro,
em direção ao Haddley Hill Park. As casas onde ela havia morado. Algumas por apenas
alguns dias, outras por meses; nenhuma por mais do que isso. Nunca uma para chamar
de lar. Cada uma trouxe seu próprio medo. Às vezes, simplesmente o desconhecido,
Josie sendo uma estranha em um lugar estranho.
Ela puxou o capuz com força sobre a cabeça e começou uma caminhada rápida pela
rua principal em direção ao Tâmisa. Pisando na trilha, avistou o rio e seu ânimo se
elevou brevemente. A maré estava subindo em uma corrente de fluxo rápido. Ela parou
para deixar passar uma equipe de remadores. Eles agradeceram, levando o barco para a
casa de barcos. Quando ela se sentou no aterro, queria que o momento durasse para
sempre.
Uma olhada em seu relógio lhe disse que não poderia.
Ela se afastou do rio e olhou para a praça de Haddley. E então para a floresta além
dela.
Um lugar que ainda a assombrava.
Um lugar que ela nunca havia desejado ver novamente.
Porém, ela estava desesperada e precisava de ajuda. Abigail estava morta e não havia
razão para pensar que ela não seria a próxima.
Ela caminhou rapidamente ao longo da beirada da praça. À sua frente, o ônibus
número vinte e nove diminuiu a velocidade e parou para um passageiro sair. Ela
observou enquanto o homem, gentilmente apoiado em sua bengala, descia lentamente
os degraus e seguia para o caminho à sua frente. Com cabelos brancos que tocavam seu
colarinho, ele a lembrou do Sr. Talisbrook enquanto, curvando-se, cruzava em direção à
praça. Descansando contra a parede de inundação, ela observou e esperou. Uma vez que
o homem estava fora de vista, ela avançou, lentamente. Precisava ter certeza de que
estava sozinha. Olhou por cima do ombro e viu cada uma das casas brilhando por toda a
praça. Entre elas, estava a casa de Nick Harper, com o sol poente refletindo em suas
janelas.
Acompanhada apenas pelo som da própria respiração, ela continuou em direção à
floresta. Ela deveria continuar andando pela Lower Haddley Road e cortar pelas árvores
apenas quando se aproximasse do vilarejo de St. Marnham. Ao fazer aquela curva, olhou
para o relógio. Ela tinha dez minutos para esperar pela única pessoa no mundo que ela
sabia que a ajudaria.
59
N o final do dia, querendo esfriar a cabeça, desço até o rio e compro um sanduíche de
ovo na barraca popular entre todos os remadores de domingo. Sento-me em um banco
para comê-lo, observando o último dos competidores subir o rio em direção a St.
Marnham. Sem dormir na noite anterior, passei o dia deitado na frente da tv, assistindo a
notícias 24 horas recontarem a história da minha família.
Dani me disse que Simon Woakes não era pai da criança. Eu não fui capaz de parar
de me perguntar se o verdadeiro pai não faria de tudo para manter esse segredo.
O sol está desaparecendo e está esfriando. Então, termino meu sanduíche e caminho
de volta pela trilha em direção à Haddley Bridge. Um sem-teto está dormindo sob os
arcos enquanto eu passo, e deixo meu troco em sua lata de coleta.
Quando anoitece, subo os degraus do caminho do rio até a rua principal, cruzando
nos semáforos e indo em direção ao Watchman. Lá dentro, sou direcionado para o bar
de coquetéis, onde encontro Nathan reabastecendo o estoque para a noite.
— Preciso falar com você — digo enquanto me aproximo.
— Ben! — responde ele. — O que você está fazendo aqui?
— Eles me deixaram ir.
— Claro que deixaram — responde ele. — Eu quis dizer, o que você está fazendo
aqui no bar? Posso pegar algo para você? Um uísque, talvez?
— Pela primeira vez, eu poderia tomar um duplo, mas acho que agora vou passar. —
Sento-me no bar em frente a Nathan enquanto ele começa a descarregar copos da
máquina de lavar.
— Que tipo de perguntas eles te fizeram na delegacia? Havia algo específico que eles
queriam saber?
— Isso não tem a ver comigo — respondo. Há um lampejo de atitude defensiva em
seu rosto. Por um momento, acho que ele vai dizer não. — Você precisa me dizer o que
sabe.
— Eu não sabia sobre Abigail Langdon, eu juro.
— Então é melhor você me dizer o que sabe.
Nathan coloca a garrafa que está segurando no balcão. Ele fica de frente para mim,
com as mãos descansando no bar entre nós.
— Meu registro de adoção foi selado. Embora eu tivesse dezoito anos, negaram-me
qualquer informação. Minha mãe e meu pai me disseram que eu fui adotado de uma
mãe solteira que morreu no parto. Eu disse a eles que não faria isso, mas uma das razões
pelas quais fui para a Universidade de Cardiff é que eles têm um ótimo departamento
jurídico. Os alunos se envolvem com esquemas pro bono, e quatro deles trabalharam
comigo para que meu registro de adoção fosse aberto.
— E você ganhou?
— Sim — responde Nathan, suando mais do que quando corre pela praça. — O
registro foi aberto para mim e apenas para mim. Não compartilhei com ninguém. Vim
aqui querendo entender de onde eu era. Você tem que acreditar em mim.
— Como isso fez você se sentir?
— Desesperado — responde ele. — Amo minha mãe e meu pai, mas, de repente,
saber quem eu sou… eu nunca imaginei isso.
— E agora, sua mãe biológica está morta.
— Ben, não faço ideia do que aconteceu com ela. — Meus olhos se estreitam, e ele
diz: — Abigail Langdon não é minha mãe biológica.
E, de repente, sou atingido pelas suposições que fiz. Repito em minha cabeça a
conversa que tive com Will ontem à noite.
— Sua mãe é Josie Fairchild.
Nove
“Eu deveria ter dito algo antes. Não planejei te contar
assim, mas tudo está saindo do controle.”
60
— P osso brincar lá fora agora? — perguntou Alice enquanto terminava seu último
bocado de cereal.
— Ainda é muito cedo — respondeu Holly, olhando para o relógio da cozinha para
ver que eram quase oito horas.
— Por favor! Eu prometo que vou ficar quieta. Eu não vou acordar o papai. — Holly
sorriu. — Mamãe, você acha que o papai ainda está com a barriga ruim?
— Espero que ele esteja se sentindo muito melhor hoje.
— Não gosto quando estou com a barriga ruim — disse Alice, pegando suas galochas
na porta dos fundos. — Só posso comer torradas sem mel.
— É verdade — disse Holly, sentando a filha no colo. — Vai brincar na sua bicicleta?
— Não, eu vou entrar na minha casinha e fazer uma torrada para o papai.
— Faça isso em silêncio, então — disse Holly, enquanto Alice descia e cruzava a
porta da cozinha.
— E talvez um pouco de mingau — disse Alice, ao sair —, com muitos mirtilos e
geleia de morango — gritou ela correndo pelo jardim.
Holly se levantou e observou a filha abrir a porta da frente de sua casa de brinquedo.
Quando ela se virou, encontrou Jake parado atrás dela, do outro lado da cozinha.
— Mingau com mirtilos me parece bom — disse ele.
— A receita especial da Alice — respondeu Holly, deixando a porta dos fundos
aberta. — Você está se sentindo mais humano hoje?
— Ainda um pouco delicado, mas tenho o prazer de dizer que não é bem uma
ressaca de dois dias.
— Café da manhã?
— Parece que Alice tem tudo na mão.
Holly sorriu e olhou para a filha, que cavava no jardim.
— Não tenho certeza de que ela esteja usando os melhores ingredientes.
Jake se jogou no pequeno sofá que ficava embaixo da janela da cozinha. Quando ele
bateu na janela, Alice se virou e acenou.
— Você está melhor, papai? — disse ela.
— Muito — respondeu ele.
— Estou fazendo mingau para você. Você vem comer na minha casinha?
— Vou, em um minuto.
— Posso trazer para você o de verdade, se quiser — disse Holly.
— Isso seria ótimo — disse Jake, levantando-se e pegando um smoothie da geladeira.
Ele pegou um suéter da parte de trás de uma cadeira da cozinha e se esforçou para
colocá-lo, depois encontrou um par de tênis que combinava, perto da porta.
— Você está bem em deixá-la na creche esta manhã? — perguntou Holly. — Prometi
encontrar sua mãe em St. Marnham.
— Sem problemas — respondeu Jake. — Conversar com minha mãe, que surpresa.
Ocasião especial?
— Queria agradecê-la pela noite de sábado — disse Holly, começando a esquentar o
leite.
— E pedir desculpas pelo comportamento do filho dela.
— Tenho certeza de que ela já o perdoou.
— Que bom que você passou um tempo com ela — disse Jake. Ele ficou parado na
porta. — Vocês também passaram algum tempo juntas no sábado à noite. Eu não vi
vocês duas entrando juntas na sala de música? Tenha cuidado ou você correrá o risco de
se tornar muito próxima.
Mexendo a aveia no leite, Holly desviou o olhar do marido.
— Ela me perguntou se Alice gostaria de aulas de piano. É um instrumento tão
bonito, e ninguém nunca o toca.
— Vamos esperar até que ela esteja um pouco mais velha — respondeu Jake. — Um
pouco cedo demais, eu diria. Legal da parte dela oferecer, mas ela provavelmente se
sentiu obrigada. Ela realmente não gosta de ninguém tocando o piano. Quando criança,
eu nunca tinha permissão para chegar perto dele.
Holly baixou o gás do fogão e atravessou a cozinha para se sentar no braço do sofá.
— É porque era para ser o piano de Lily um dia?
Holly observou a mão do marido agarrar a maçaneta da porta.
— Nós nunca falamos sobre ela — disse ele, antes de sair para o jardim,
silenciosamente.
61
H olly colocou uma tigela fumegante de mingau na mesa de madeira do pátio, que ficava
do lado de fora da casa. Olhando através do jardim, ela viu Jake espremido dentro da
casinha de Alice.
— Alice, é hora de o papai vir tomar seu café da manhã.
— Estamos tomando nosso café da manhã na minha casinha — respondeu a filha. —
Eu fiz mingau.
— Tenho certeza de que está gostoso, mas eu também fiz o café da manhã do papai.
Ele só vai demorar cinco minutos, depois poderá voltar e brincar um pouco mais. —
Pela janela da casinha, Holly podia ver o marido permanecer firmemente de costas para
ela. — Jake, vou deixar aqui.
Momentos depois, Alice surgiu pela frente da casa, e Jake engatinhou atrás dela.
— Papai, vou cavar no jardim enquanto você toma seu outro café da manhã para a
mamãe — disse Alice. — Quando terminar, você pode me empurrar no meu balanço.
Jake beijou a filha na testa e caminhou pelo jardim. Enquanto ele se sentava à mesa,
Holly saiu da cozinha para se sentar ao lado dele.
— Desculpe-me se joguei isso em cima de você — disse ela.
— Minha mãe lhe contou?
Holly disse que sim.
— Por que você escondeu isso de mim?
— Não era tanto um segredo; como família, simplesmente nunca falamos dela. Sei
que parece duro, mas acho que para meus pais foi muito doloroso, especialmente para
minha mãe. Ela lhe contou no sábado à noite?
— Sim — disse Holly, observando o marido comer. — Obviamente, ainda é
incrivelmente doloroso para ela. Isso me ajudou a entendê-la melhor. Você sabe que
poderia ter me dito.
— Não era meu segredo para compartilhar.
— Jake, é uma tragédia. Algo com o qual sua família teve que conviver durante
tantos anos. Eu poderia ter ajudado.
Jake deu de ombros.
— Às vezes, pode ser mais fácil deixar essas coisas guardadas.
— Na sua família, sim.
— Isso é um pouco duro.
— É? — respondeu Holly. Porém, não querendo começar uma discussão, ela não
acrescentou mais nada. — Você sente falta dela? — perguntou ela, depois de um
momento.
— Foi há muito tempo. Só me lembro vagamente dela. Eu tinha sete anos, acho.
Lembro-me da minha mãe, desesperadamente perturbada. Por semanas a fio, ela não
saiu de seu quarto. Dias e dias se passavam e eu nunca a via. Eu entrava no quarto
apenas para olhar para ela. Ela deve ter sido sedada; eu realmente não sei. Tudo o que
ela fazia era dormir. Aprendi a ficar muito quieto.
— E seu pai?
— Ele ficava muito tempo fora. Talvez, à sua maneira, ele tenha tentado, não me
lembro. Ele devia estar sofrendo. Você pode imaginar como nos sentiríamos se algo
acontecesse com Alice?
— Não. Não posso nem começar a imaginar.
— Eles desenvolveram uma maneira de lidar com a dor simplesmente não falando
sobre ela. Estou surpreso que minha mãe tenha lhe contado, mesmo agora. Acho que ela
nunca contou a ninguém. Como o assunto surgiu?
— Eu não tenho certeza. Eu tinha ido lá com Alice mais cedo, durante o dia, para
alimentar os patos. Katherine havia ficado na janela, nos observando, e perguntei por
que ela não tinha vindo se juntar a nós. Ela disse que o lago a aterrorizava, que ela não
podia chegar perto. Perguntei a ela por quê, e ela me disse.
— Assim, do nada? — respondeu Jake.
— Praticamente — disse Holly. Ela se levantou e ficou de pé, de braços cruzados, à
beira do jardim, observando a filha encher o regador. — Sua mãe não tem nenhuma foto
de Lily em casa?
— Muito doloroso para ela. Tenho certeza de que tem algumas lembranças.
— Eu estava procurando a certidão de nascimento de Alice na semana passada, para
matriculá-la na escola. — Holly observa o marido, enquanto ele raspa sua tigela de
mingau.
— E?
— Não consegui encontrá-la, mas encontrei um pijama de bebê na parte de trás da
sua velha escrivaninha.
— Não faço ideia de por que isso estava lá — respondeu Jake, pegando sua tigela e
colocando-a na cozinha. — Provavelmente ficou presa com as tranqueiras velhas que
minha mãe mandou para cá.
— Acho tão triste que Lily seja mantida escondida.
— É do jeito que eles querem — disse Jake, atravessando o jardim e pegando Alice,
enquanto ela corria em direção a ele.
62
A cordo com o som de alguém batendo em minha porta da frente. Já passa das oito.
Porém, depois de enfrentar a noite anterior na delegacia da polícia de Haddley, não estou
com muita pressa. Quando a campainha toca, saio da cama e espio pelas persianas. Um
carro da polícia está estacionado em frente à minha casa. Encontro um par de shorts,
puxo uma camiseta pela cabeça e, rapidamente, passo a mão no meu cabelo.
Quando abro a porta, Dani está olhando para a praça, claramente perdida em
pensamentos.
— Oi — digo.
Ela se vira para mim e sorri.
— Acordei você, não foi?
— Não é um problema. Eu sempre gosto de uma visita da polícia local de manhã.
— Eu estava a caminho de lá, então pensei em parar e ver como você está.
— Muito gentil de sua parte — digo, afastando-me, a título de convite. — Café?
— Por favor.
— Você nunca tira um dia de folga?
— Sem folga, agora. Ordem de Barnsdale. Ela quer tração. Palavra dela, não minha.
Sorrio para Dani enquanto carrego uma cápsula de café e pego o leite na geladeira.
— Você tomou café da manhã? — pergunto.
— Comi um pouco de torrada antes de sair de casa.
— Isso não vai durar a manhã toda. Tigela de cereal? — digo, pegando uma caixa do
armário.
— Você realmente tem a pior dieta possível!
— Preciso de alguém que cuide de mim — digo, sorrindo. — Seu marido não sabe a
sorte que tem.
— Você deveria dizer isso a ele.
Viro e espero que ela continue.
— Ele teve um ano difícil. Se envolveu em um acidente.
— Muito grave?
— Ele está em uma cadeira de rodas.
— Merda. — Passo a Dani seu café. — Sinto muito, mesmo.
— Obrigada — responde ela, tomando sua bebida enquanto encho a máquina de
água. — Eu disse que ele é um policial? — Concordo com a cabeça. — Ele foi pego em
um incidente no último Halloween.
Isso desperta uma lembrança. Cobrimos a história no site.
— No supermercado, debaixo dos apartamentos que ficam perto da ponte?
— Sim.
— Eu me lembro. Um policial quase morreu? — Dani estremece e eu a encaro. —
Aquele era seu marido?
— Ele não era meu marido na época. Suponho que você diria que estávamos
namorando. Eu estava no supermercado na mesma hora, pegando algumas coisas, depois
do trabalho.
— Mas você ficou bem?
— Tudo bem — responde ela. — Eu não sabia que eles tinham facas. Eu deveria ter
percebido. Eu deveria ter agido de forma diferente.
— Como você poderia saber?
Ela me corta.
— Eu entrei em pânico. Um deles me pegou pela garganta, colocou uma faca nela.
— Essa é uma situação difícil para qualquer um — digo, sentando-me em frente a
Dani.
— Mat foi o primeiro a chegar. Ele entrou pelos fundos da loja. Se eu tivesse
percebido antes que havia facas, não teria me colocado em uma posição tão vulnerável.
Eu fui ingênua.
— Como você poderia ter percebido?
— Sou uma policial, eu deveria ter percebido.
— Você estava fazendo suas compras. Você sequer estava de serviço?
— Não, mas isso não deveria fazer diferença.
— Você não é sobre-humana.
Despejo meu cereal em uma tigela e o afogo em leite.
— Você tem o suficiente aí? — pergunta Dani.
— Gosto de beber o leite depois.
— Você tem o quê, cinco anos de idade?
Eu rio.
— Posso perguntar o que aconteceu depois?
— Um segundo cara atacou Mat por trás. Ele foi esfaqueado na base da coluna
vertebral.
— Nada bom.
— Ele está paralisado da cintura para baixo.
— Isso deve ser incrivelmente difícil.
Dani engole.
— Simplesmente parece um desperdício. Ele poderia ter ido longe na força policial.
— Ele ainda pode? — pergunto.
— Ele perdeu sua garra. Espero que talvez um dia. — Dani faz uma pausa. — É meu
trabalho ajudá-lo.
— Você não pode se culpar — digo.
— Ben, você não estava lá.
Ficamos em silêncio. Estou desesperado para dizer a Dani o que estou pensando: que
nada disso foi culpa dela. Quero dizer que ela é linda, inteligente e engraçada e que ela
não precisa se punir por uma tragédia que não foi criada por ela. Porém, não digo. As
palavras não vêm.
Dani me observa tomando meu café da manhã, antes de estender a mão sobre a
mesa para a pilha de fotografias que descobri entre as coisas da minha mãe.
— Posso ver?
— Claro.
— Aquele é seu pai? — pergunta ela, pegando a foto de cima.
Concordo com cabeça.
— Então sua mãe sabia que ele estava no jogo?
— Pela foto, acho que sim — respondo. — Ela nunca mencionou isso, porém.
— Tudo o que vou dizer é que ele se parece com qualquer outro pai orgulhoso. —
Não respondo. — Meu pai e eu passamos por momentos difíceis — diz Dani —, mas eu
tento me lembrar das coisas divertidas.
— Você era próxima dele?
— Um pouco como você e sua mãe, por muito tempo éramos só eu e ele. Minha
mãe morreu quando eu era muito jovem. De muitas maneiras, meu pai era meu herói.
Ele é a razão de eu estar aqui hoje. Eu não seria policial sem ele. — Dani faz uma pausa
e olha novamente para a fotografia. — Talvez um dia você tenha essa foto na parede,
também.
Sirvo-me de mais cereal.
— Imagino que você não tenha passado por aqui para relembrar o passado e me ver
tomar meu café da manhã infantil.
— Possivelmente não — responde Dani.
— Nem mesmo só para ver como eu estava.
— Recebemos mais documentos do julgamento original. Alguns são de
interrogatórios realizados enquanto as duas meninas estavam sob custódia. Ambas foram
questionadas sobre seu potencial envolvimento com homens mais velhos.
Ao colocar uma segunda cápsula de café na minha máquina, eu me viro para Dani.
— Por favor, me diga que você não está pensando ainda que Peter Woakes estava
envolvido com as duas garotas.
— Sua esposa foi menos do que cooperativa quando perguntamos sobre ele ontem.
— Talvez por causa do assassinato de reputação que a polícia de Haddley está
tentando fazer? — Pego o vaporizador, e o leite quente cai na minha mão. — Porra! —
Enfio minha mão sob a torneira fria. — O filho dela foi assassinado — digo, deixando a
água me refrescar.
Dani não está disposta a se distrair.
— As meninas poderiam ter Simon Woakes como alvo?
— Você está muito longe, Dani.
— Nós vamos falar com a mãe dele novamente hoje.
Seco minhas mãos e caminho até o balcão.
— Venha comigo — digo, pegando Dani pela mão. Saímos rapidamente dos fundos
da minha casa, subindo o beco em direção aos Cranfield.
— Ben, aonde estamos indo?
— Ambos concordamos que, de alguma forma, Langdon e Fairchild estavam
envolvidas com homens mais velhos, aliciadas por eles. E eu diria que Abigail preparou
Josie — usou-a e a atraiu, como o preço da amizade. Porém, a família Woakes passou
por um inferno por causa dessas duas garotas. A Sra. Woakes é uma boa pessoa, mas não
é uma mulher que protegeria a memória do marido por lealdade cega. Quero que você
fale com alguém que conheceu Peter Woakes. — Enquanto nos aproximamos do topo
do beco, chamo o Sr. Cranfield, sabendo que ele estará lá fora, cuidando da sua horta. —
Sr. C., podemos conversar por dois minutos?
— Bom dia, Ben, como posso ajudar?
— Essa é a policial Daniella Cash — digo, apresentando os dois. — Em confiança,
gostaria que você contasse a ela o que me contou sobre o Sr. Woakes na noite de sábado.
— O Sr. C. olha para mim, inseguro. — Por favor — digo.
Resumidamente, o Sr. C. relata à Dani a conversa que ele compartilhou comigo — o
arrependimento que consumiu Peter Woakes, a oportunidade que ele perdeu quando
teve a chance de agir.
— Eu diria que ele foi assombrado por isso.
— Assombrado pelo arrependimento? — digo.
— De muitas maneiras, sim. Em sua própria falha em agir.
— Ele considerou entrar em contato com a polícia na época? — pergunta Dani.
— Às vezes, só quando você vive com uma vida inteira de arrependimentos, você
consegue juntar as coisas de real importância — responde o Sr. C.
— Entendo — digo. — Vamos deixá-lo em paz.
— Obrigada pelo seu tempo — diz Dani enquanto nos afastamos e voltamos pela
margem da praça.
— Houve rumores de uma ligação sendo feita para a escola — digo a ela. — Não sei
até que ponto eles são verdadeiros, mas uma falha em agir sobre isso pode ter levado a
seu arrependimento.
— Uma ligação de quem?
— Um pai? — respondo. — Mas eu estou supondo.
— Mesmo assim, ele optou por não fazer nada.
— Se ele tivesse provas claras de que os alunos estavam em perigo, acredito que teria
feito. Na verdade, estou cem por cento certo.
— Você pode estar, mas eu não estou — responde Dani. — Ainda não podemos
descartar a possibilidade de que o próprio segredo de Peter Woakes o tenha destruído.
— Você está errada — digo. — Foi o que Peter Woakes não fez que o abalou, tornou
a perda de seu filho ainda mais insuportável. Dani, estou lhe dizendo, há um homem,
um homem mais velho, que se envolveu com as meninas — talvez até o pai da criança
— que ainda está muito vivo e disposto a tudo para manter seu segredo.
63
P or que você não me acordou? — perguntou Sarah, enfiando a blusa na calça enquanto
descia as escadas e vestia o paletó. — São quase oito e meia. Eu tenho que estar em uma
audiência às dez.
— Você tem bastante tempo — respondeu Nathan, olhando para cima, do chão onde
estava sentado com Max tomando café da manhã. — Você parecia estar precisando de
uma hora a mais.
— Eu queria me dar trinta minutos para revisar o caso mais uma vez. Você pode
deixar Max na creche?
— Claro, estamos bem com isso, não estamos, amigo? — disse Nathan, vestido com
sua roupa de corrida.
— Nathan me fez ovos cozidos moles com torradas.
— Isso foi legal da parte de Nathan.
— Eu adoro torradas! — gritou Max, levantando-se ao lado de sua própria mesa para
crianças.
— Eu sei que você adora — disse Sarah, sorrindo para Max. — Beba seu suco antes
de irmos.
— Há algo que eu preciso falar com você — disse Nathan. Ele se levantou e
atravessou a cozinha.
— Agora? — respondeu Sarah, jogando um saquinho de chá em sua caneca favorita,
desenhada por Max. — Não pode esperar até esta noite?
— Não sei se pode.
— Mesmo? — disse Sarah. — Vou me certificar de que estarei em casa a tempo.
— Você pode se sentar por apenas dois minutos?
— Nós poderíamos ter feito isso antes, se você tivesse me acordado — respondeu
Sarah enquanto Nathan puxava uma cadeira para ela.
— Como eu disse, não queria te acordar. — Havia um desconforto em sua voz
enquanto ele torcia uma toalha em suas mãos. — Eu deveria ter dito algo antes. Não
planejei te contar assim, mas tudo está saindo do controle.
— Nathe? — disse Sarah.
— Mamãe? — disse Max.
— Beba seu suco, querido.
— Posso levar uma barra de chocolate na minha bolsa para a creche?
— Ok — respondeu Sarah, ainda olhando para Nathan.
— E uma para Alice?
— Se ela estiver lá, sim. Agora, beba seu suco — disse Sarah.
— Você precisa saber que eu não vim para Haddley simplesmente para explorar
Londres — continuou Nathan, sentado ao lado de Sarah. — Vim aqui para tentar me
conhecer, para entender de onde eu vim.
— Você é do País de Gales? — disse Sarah.
— Mais ou menos. Sou adotado. Minha família adotiva vem de Cowbridge —
respondeu ele. — Meus pais biológicos são de Haddley.
— Você tem razão, eu não estava esperando isso — disse Sarah.
— Tem mais. Eu sei quem é minha mãe. — Nathan se preparou. Ele sabia que não
haveria volta. — Josie Fairchild — disse ele, rapidamente.
O rosto de Sarah congelou.
— Só descobri recentemente. Vim aqui para entender o que aconteceu e ver se
consigo descobrir quem é meu pai. Sei que parece estúpido, mas quero saber quem sou,
o que esse lugar fez com minha mãe e se meu pai sabia que eu existia. Eu não tinha
ideia de que conheceria você, me apaixonaria e adoraria cuidar de Max.
Sarah ficou de pé, levantando Max em seus braços.
— Eu amo estar aqui com vocês dois. Por favor, diga alguma coisa.
— Mamãe, para onde vamos?
— Mamãe vai deixar você na creche — respondeu Sarah.
— Eu não terminei meu suco.
Entrando no corredor, Sarah pegou sua bolsa, junto com a mochila de Max, pegou as
chaves da mesa lateral e abriu a porta da frente. Nathan a seguiu.
— Sarah, fale comigo, por favor.
— Eu não posso lidar com isso agora — disse ela.
— Eu só precisava que você soubesse. Eu não queria guardar segredos.
Baixando a voz, Sarah encarou Nathan na porta.
— Eu acolhi você na minha casa, depositei minha confiança em você. E você nunca
pensou em mencionar isso até agora? Até Abigail Langdon morrer?
— Não foi assim.
— Quero que você vá embora até o final do dia.
Nathan ficou imóvel enquanto Sarah carregava Max para fora.
— Mamãe, você disse que eu poderia comer uma barra de chocolate! — gritou Max.
— Compramos uma na loja — disse Sarah, cuidadosamente descendo os degraus da
frente de sua casa.
— E uma para a Alice?
— E uma para a Alice.
Nathan a observou beijar o filho na testa e abraçá-lo, como se o protegesse de alguma
ameaça invisível. Ela caminhou rapidamente pela praça e não olhou para trás.
64
— A vida do vilarejo em St. Marnham estava despertando para a nova semana. Holly
deu um passo para o lado enquanto o verdureiro arrastava buquês de plantas de canteiro
para a frente de sua loja. Ao lado, o padeiro estava enchendo uma cesta vazia com
pãezinhos marrons frescos. O primeiro horário movimentado da manhã havia acabado e
agora a rua principal estava cheia de mães aliviadas, que voltavam da escola. Holly
desejou ser uma das mulheres amontoadas na cafeteria da esquina, rindo e tagarelando e
se preocupando apenas em cumprir a rotina do dia.
Katherine havia ligado para ela no final da noite de domingo, ainda prometendo
ajudar. Ela estava certa em colocar sua fé nela? Ela queria confiar na sogra, mas Holly
estava ciente do poder que Francis poderia exercer. Ela o havia deixado controlar sua
vida durante anos. Como ela poderia ter certeza de que ele não estaria usando Katherine
agora?
Aproximando-se do lago dos patos, Holly viu Katherine sentada sozinha no banco de
Lily. Ela acelerou o passo e se sentou ao lado da sogra. Por um momento, elas ficaram
em silêncio, até que Katherine, olhando para a própria casa do outro lado do lago, disse:
— Que bom que você veio.
— Sinto muito pelo abajur — respondeu Holly.
— Eu só queria que você tivesse batido nele com isso.
— Bem, me desculpe por ter errado, então.
Katherine sorriu.
— Lâmpadas são substituíveis. Não há prêmios para ficar presa dentro de um
casamento sem amor. Só por Deus, eu sei como é. As coisas poderiam ter sido muito
diferentes se eu tivesse sido honesta comigo mesma desde o início. Você diz a si mesma
tantas verdades diferentes simplesmente para tornar a vida tolerável.
— Você e Francis foram felizes no começo? — perguntou Holly.
Katherine ponderou.
— Essa é uma boa pergunta a se fazer. Ao longo do meu casamento, eu nunca quis
nada. Eu podia sair e comprar o que quisesse, sem um único questionamento crítico do
meu marido. Suponho que seja sorte para alguns padrões. Ele não tinha escrúpulos sobre
eu sair e gastar centenas ou mesmo milhares de libras. Ele nunca se importava com o
que eu gastava. Era nossa própria capacidade de gastar que lhe dava prazer. Dava a ele
controle sobre as pessoas, controle sobre mim. — Katherine fez uma pausa. — Mas ao
mesmo tempo, em todos os nossos anos juntos, Francis nunca me deu nada. —
Katherine parou e se virou para Holly. — Isso faz sentido?
— Faz.
— Como nosso primeiro aniversário de casamento — continuou ela, movendo-se
para encarar Holly, pegando sua mão. — Eu havia passado semanas comprando uma
série de presentes para Francis, cada um deles representando nosso primeiro ano juntos.
Encomendei uma réplica, pintada à mão, do veleiro onde havíamos passado nossa lua de
mel, uma maquete da nossa casa, com a porta da frente azul brilhante, um pequeno
berço, um barco a remo, para o nosso tempo passado no rio. Tudo pessoal para nós.
Francis comprou para mim um micro-ondas top de linha e me disse que tinha acabado
de ser lançado no mercado. — As duas mulheres riram. — Foi, de muitas maneiras,
uma revelação, mas optei por ignorá-la e por tantos anos depois.
— E Jake?
— Eu queria tanto que fosse diferente com ele — disse Katherine. — Tudo o que dei
a ele veio com amor, mas ele passou a se ressentir de tudo. Ele teria trocado cada coisa
que lhe dei para receber um pouco de amor de presente do pai.
Holly apertou a mão da sogra.
— Ele realmente dá valor…
— Não — interrompeu Katherine. — Por favor, não. Eu estava tão desesperada para
que Jake me amasse que…
— Ele ama.
— Deixe-me terminar, por favor. Eu teria dado qualquer coisa para criar uma conexão
entre nós dois, um vínculo. Mas quanto mais eu tentava, mais eu o afastava. —
Katherine fechou os olhos. — Nunca teria sido fácil. Nunca é o mesmo quando é filho
de outra mulher.
Holly encarou a sogra.
— O que você quer dizer com isso?
— Jake não é meu filho — continuou Katherine, com a voz surpreendentemente
calma. — Ele é filho de Francis com outra mulher, de antes de nos casarmos. Pelo que
sei, Francis pode ter uma família inteira de outros filhos.
— Eu não fazia ideia. Jake sabe?
— Não. Eu sempre tentei tratá-lo como meu, mas de alguma forma isso significava
que ele precisava ter mais do pai; algo que Francis se recusou a dar a ele, e eu
simplesmente não conseguia encontrar uma maneira. — Holly viu a tristeza nos olhos
de Katherine, um segredo enterrado profundamente por tantos anos. — Duvido que
Jake algum dia seja feliz.
— Não sem a aprovação de Francis — respondeu Holly. — Eu tentei encontrar uma
maneira…
— É muito profundo — disse Katherine. — Você não ama Jake?
— Não — disse Holly. Ouvir-se dizer as palavras em voz alta a fez estremecer.
— Então você não precisa dizer mais nada. — Katherine se levantou, e Holly a
seguiu, com a sogra enlaçando seu braço no dela. — Eu tenho algum dinheiro meu e
quero que ele vá para você e Alice — disse Katherine, enquanto as duas mulheres
começaram uma lenta caminhada ao redor das margens do lago. — Use-o para se afastar
daqui e recomeçar sua vida.
— E se eles vierem atrás de Alice? — disse Holly, expressando seu maior medo. —
Tenho procurado por sua certidão de nascimento em todos os lugares. Se eu pudesse ter
Michael nomeado como pai dela…
— Eu não vou deixá-los ir atrás de você. Você tem minha palavra. — A voz de
Katherine era firme, urgente. — Nem Francis nem Jake devem ter ideia do que estamos
planejando. Devemos levar você e Alice para longe em segurança, e então lidarei com
Francis. Você tem sua própria conta bancária?
— Tudo está no nome dos dois.
— Então saia direto daqui e abra sua própria conta. Envie-me os detalhes e
transferirei duzentas mil libras. Planeje sair no mais comum dos dias. Saia pela porta,
como se estivesse levando Alice ao parque. E nunca olhe para trás.
Holly sentiu vontade de jogar os braços ao redor de Katherine.
— Nunca poderei agradecer o suficiente — disse ela, com um tremor na voz.
— Eu só queria ter aberto meus olhos antes — respondeu Katherine. — Você precisa
ser forte.
As mulheres se despediram. Holly se levantou e observou Katherine dar a volta no
lago em direção à sua casa. Então, ela se virou e rapidamente voltou através do vilarejo.
Com os olhos no chão, ela não sabia que Francis observava cada passo que ela dava.
65
— S ra. Woakes, é Ben — digo no meu fone de ouvido enquanto saio de casa e
começo a caminhar ao redor da praça. — Gostaria que atendesse. Desculpe se coloquei
você em uma posição difícil. Sei que você está apenas tentando proteger o Sr. Woakes,
mas só peço que seja honesta com a polícia. Ele era um bom homem, pego em uma
situação ruim. Isso não foi culpa dele. Tenho certeza de que ele não fez nada de errado,
e eu sei que você não fez. Ligue-me quando ouvir isso.
Desligo meu telefone e examino meus contatos. Ligo novamente e dessa vez minha
chamada é atendida quase imediatamente.
— Will, é Ben Harper — digo.
— Oi. — Will é abrupto, tenso.
— Você está bem? — pergunto.
— Sim, me desculpe. Estou bem, exceto que estou parado na minha garagem, onde
algum idiota cortou os pneus do meu R8. O que há de errado com essas pessoas?
— Simplesmente inacreditável.
— Mas, ei, mais importante: como você está? — pergunta ele. — Ouvi dizer que a
polícia o levou para interrogatório. Eles devem estar loucos.
— Estou bem, mas queria fazer mais algumas perguntas. Apenas questões
secundárias.
— Manda — responde Will, sem hesitar.
— Se a polícia lhe perguntasse sobre a cidade de Farsley, como você responderia?
— Ben, isso realmente não soa como secundário — diz Will. — Eu leio os jornais de
domingo.
— Talvez seja mais eu querendo te avisar — digo. — Meu palpite é que a polícia
logo começará a procurar por homens que tiveram contato com Langdon e Fairchild
antes dos assassinatos.
— Eu era apenas uma criança.
— Elas também — respondo. — Mas eu sei, com certeza, que há uma criança; não
de Langdon, mas de Fairchild. — Meu telefone fica mudo. — Will, você ainda está aí?
Um momento depois, a linha se reconecta.
— Desculpe, Ben, estou aqui.
— Acho bem possível que a polícia tente encontrar o pai da criança.
— Não é um processo simples.
— Não — concordo. — Sei que o que você me disse foi em confidência…
— Não tenho nada a esconder.
— Não quero colocá-lo em uma posição difícil — digo.
— Ben, semana passada passei três dias em Frankfurt. Cheguei de volta ao aeroporto
de Heathrow na quarta-feira, na hora do almoço, onde East estava esperando para me
encontrar. Haverá muitas testemunhas para confirmar que eu não estava nem perto de
Farsley.
— Não tenho intenção de oferecer nada sobre você para a polícia.
— Você já passou uma noite na delegacia de Haddley — responde Will. — Não
preciso que você passe outra simplesmente para me proteger. Se a polícia quiser falar
comigo em algum momento, tenho certeza de que será capaz de me encontrar. Tenho
que ir, Ben. Vamos tomar uma cerveja quando tudo isso acabar.
Aliviado com o álibi de Will, ainda não consigo deixar de me perguntar se ele pode
ser o pai de Nathan. Olho para a rua e vejo o Sr. C. abrindo a porta da garagem. Ando
em direção a ele.
— Obrigado por mais cedo — digo, enquanto me aproximo. — Está tudo pronto
para um dia no jardim? Você pode vir e fazer o meu, quando terminar.
— Apenas matando tempo — responde ele, caminhando para me cumprimentar. —
Fiquei surpreso ao ver você ajudando a polícia depois de passar uma noite na delegacia.
— Dani é diferente — respondo —, pelo menos acho que é. No interrogatório, eles
estavam apenas caçando material, nada mais. Eles me veem como uma fonte útil de
informações, não um suspeito real.
— Parece que você está fazendo o trabalho deles.
— Talvez eu seja melhor em fazer as perguntas certas.
— A Sra. C. estava pronta para trazer seu almoço ontem à tarde — diz ele,
aproximando-se de maneira conspiratória —, mas eu a convenci de que você ficaria feliz
em ficar um pouco sozinho.
— Obrigado — respondo. — Tenho que admitir que eu estava exausto. Ela está aí?
— É o clube do livro dela em Richmond, nesta hora do almoço. Ela saiu cedo para
encontrar um de seus comparsas para um café. Eles vão ter muito o que falar.
— Tenho certeza de que isso está mantendo todos engajados.
— Vai acabar em breve, Ben — diz o Sr. C., com uma mão no meu ombro. — Uma
corrida vai lhe fazer bem.
— Vamos chamar isso de trotada — respondo, pegando meu telefone para iniciar o
Spotify. — Trinta minutos para espairecer.
— Divirta-se — diz o Sr. C., enquanto eu me viro e começo uma corrida lenta pelo
centro da praça.
Estou prestes a clicar em minha playlist de corrida quando, ao ouvir passos, eu me
viro e vejo Jake Richardson aparecendo atrás de mim.
— Se importa se eu for com você? — diz ele.
— Claro que não — respondo, desligando minha música. — Sem trabalho hoje? —
Começamos uma corrida pela praça conversando e descemos até a Lower Haddley Road.
— Tenho uma reunião em Paddington esta tarde, mas parece ser um desses clientes
em potencial que são um pouco como uma missão inútil. Hol está visitando minha mãe,
e eu acabei de deixar Alice na creche. Então, pensei em fazer um esforço para sair.
— Esforço é a palavra certa — digo enquanto passamos em fila indiana pelos
passageiros que descem do ônibus número vinte e nove. — Dor de cabeça ontem? —
pergunto, virando-me para sorrir para ele.
— Toda vez digo a mim mesmo que não vou fazer isso de novo. Desta vez, eu falo
sério!
— Até a próxima vez — respondo, e nós aceleramos ligeiramente nosso ritmo
enquanto corremos em direção a Haddley Woods.
Acabamos de chegar ao caminho do rio quando um barulho angustiante nos faz
parar. Por um momento, enquanto o ônibus passa por nós e a vida na Lower Haddley
Road continua normalmente, acho que foi nossa imaginação. Então, vem de novo: o som
inconfundível do grito de uma criança ecoando de dentro da floresta.
Jake é o primeiro a reagir. Ele corre pela praça até a abertura onde eu havia entrado
na floresta há mais de vinte anos. Com o coração acelerado, corro atrás dele, e juntos
afastamos os galhos, agora muito mais crescidos do que naquele verão.
A poucos passos da vegetação rasteira, dois meninos, com não mais de dez ou onze
anos, vêm correndo em nossa direção por entre as árvores. O terror está estampado em
seus rostos. O mais velho dos dois tropeça em suas palavras.
— No meio da floresta, há uma mulher… — Pulando de um pé para o outro, com o
suor cobrindo seu rosto vermelho brilhante, o menino mais novo não consegue mais
ficar em silêncio.
— Ela está pendurada em uma árvore!
— Vocês conseguem encontrar o caminho de volta para lá? — pergunta Jake com
urgência, e posso ver a hesitação no rosto dos dois meninos.
— Não se preocupe, estaremos com vocês — digo. — Vamos todos ficar juntos. —
Enquanto o menino mais velho se vira, conduzindo Jake pela floresta, o menino mais
novo pega minha mão, e corremos lado a lado. Esquivando-me por entre as árvores,
tenho oito anos novamente, seguindo o caminho estreito e tortuoso em direção ao
espaço aberto no coração da floresta. À medida que a rota se torna cada vez mais coberta
de vegetação e as raízes das árvores se projetam, eu aviso os que estão à frente.
— Jake, espere um segundo.
Eu o vejo diminuir a velocidade e, quando ele faz isso, eu me viro para o menino que
corre ao meu lado.
— Qual o seu nome? — pergunto.
— Oscar, e esse é meu irmão Harry. Tenho nove anos, e ele tem onze. Atravessamos
a floresta todas as manhãs para ir à escola. Estávamos atrasados esta manhã, porque tive
que ir ao dentista para uma restauração.
— Meu nome é Ben, e esse é Jake. Estamos chegando perto agora? — Oscar acena
com a cabeça. — Você está bem para continuar? — pergunto, e ele concorda.
— É bem por aqui — diz Harry, com uma urgência na voz, enquanto ele assume a
liderança novamente, empurrando galhos do nosso caminho. À nossa frente, a luz do dia
irrompe e, quando nos aproximamos da clareira, vejo pontas de cigarro ainda espalhadas
pelo chão.
Entramos no vale e ficamos juntos no centro. Virando-se para olhar para trás, acima
do caminho de onde viemos, Harry aponta para um grande carvalho, orgulhoso, de pé
no coração da floresta.
Sinto Oscar enterrar a cabeça na lateral do meu corpo. Eu o seguro perto, mas não
posso desviar o olhar.
A árvore é ligeiramente separada das outras, e seus galhos se espalham por todas as
direções.
E, do galho mais grosso, balançando misteriosamente na brisa, está pendurado o
corpo de Elizabeth Woakes.
Dez
“O incessante gotejar da chuva no chão frio de concreto
havia mantido Corrine acordada a maior parte da noite. Isso
e o som do grito ensurdecedor da mulher tocando
repetidamente em sua cabeça.”
66
— F ique no jardim — gritou Holly para a filha, enquanto Alice saía pelo portão da
frente na ponta dos pés para espiar os policiais na rua.
— Sarah vai para a cadeia? — perguntou Alice enquanto observava as duas policiais
subirem os degraus para a porta da frente da casa de Sarah Wright. — E Max!
— Não, a polícia só precisa fazer algumas perguntas a ela.
— Por quê, mamãe?
— Não tenho ideia — disse Holly, sem saber como responder à sua jovem filha. —
Venha, vamos entrar e tomar um chá. Está começando a chover novamente.
— Quero brincar aqui — disse Alice. — Este é o meu lugar favorito para brincar.
— Alice, para dentro, agora. — Holly ficou ao lado da porta enquanto Alice
relutantemente se afastou do portão, arrastando os pés deliberadamente. — Rápido.
Porém, segundos depois, ao espiar duas figuras subindo a rua, Alice avançou
novamente.
— Max! — gritou ela. — Max, a polícia vai te prender na cadeia!
— Não, eles não vão — disse Holly.
— Hol, você pode ficar com ele? Só por meia hora — disse Sarah, enquanto Max
corria em direção a Alice.
— É claro — respondeu Holly, pegando Max pela mão. — Posso lhe dar um chá?
— Obrigada — diz Sarah. — Pobre mulher, isso é simplesmente horrível. Eu preciso
descobrir o que está acontecendo.
— Eu não posso acreditar que aconteceu novamente em Haddley.
— Você está bem?
— Eu ficarei — respondeu Holly, abraçando a amiga, que caminhou rapidamente
pelo pátio em direção à sua casa.
Nathan ficou na janela e observou as duas policiais subirem os degraus da casa de
Sarah. Ele abriu a porta assim que elas tocaram a campainha.
— Sr. Nathan Beavin? — perguntou a sargento-detetive Barnsdale. As policiais se
apresentaram a ele.
— É melhor vocês entrarem — respondeu ele. — Pode-se dizer que eu estava
esperando por vocês.
De pé na cozinha com as duas policiais, Nathan ouviu a porta da frente abrir.
— Srta. Wright? — disse Barnsdale, enquanto Sarah entrava na cozinha.
— Senhora — disse Sarah —, sou divorciada.
— Ah, sim.
— Como posso ajudá-la?
— Estamos aqui para fazer algumas perguntas ao Sr. Beavin sobre a mãe dele —
disse Barnsdale.
— Você quer dizer a mãe biológica dele?
— Sim — disse Barnsdale. — Você está ciente? — continuou ela, permitindo que
sua voz revelasse sua surpresa.
— Que é Josie Fairchild? Sim.
— Sr. Beavin, temos uma série de perguntas que gostaríamos de fazer a respeito de
seus movimentos ontem. Gostaria que o senhor nos acompanhasse até a delegacia.
Nathan se virou para Sarah.
— Vocês vão prendê-lo? — perguntou Sarah.
— Não — respondeu Barnsdale —, mas eu agradeceria se o Sr. Beavin cooperasse
com nossa investigação.
— Se vocês têm perguntas, façam-nas — disse Sarah —, mas ele não vai com vocês
para a delegacia.
— A senhora está representando o Sr. Beavin?
— Se você quiser — respondeu Sarah à policial. Nathan expirou, mas Barnsdale
pressionou.
— O senhor marcou um encontro com sua mãe em Haddley ontem à noite?
— Nunca conheci minha mãe biológica — disse Nathan. — Não tenho ideia de
onde ela esteja.
— Você já tentou entrar em contato com ela?
— Nunca.
— Mas você teve seu registro de adoção aberto?
— Por ordem judicial, sim — respondeu Nathan.
— O senhor conheceu Elizabeth Woakes?
— Não.
— O senhor marcou um encontro com Josie Fairchild ou Elizabeth Woakes no bar
Watchman, ontem à noite?
— Não.
— Esse é o seu local de trabalho?
— Sim, mas meu turno terminou às oito.
— Depois disso, ficamos aqui juntos, a noite toda — disse Sarah.
— A noite toda?
— A noite toda.
— O senhor pode me falar sobre seu interesse em James Wright?
— James? — disse Sarah, virando-se para Nathan. — O que tem James?
Natan ficou em silêncio. Passando a mão pelo cabelo, ele viu todos os olhos na sala
sobre ele.
— Sr. Beavin — disse Barnsdale. —, será que você gostaria de esclarecer para nós –
todos nós?
— Sarah, eu não planejei nada disso. Eu realmente não achei que fosse ficar desse
jeito. Eu não fiz nada de errado. Você tem que acreditar em mim.
— O que tem James? — disse Sarah.
Nathan pegou sua jaqueta e tirou sua carteira do bolso interno. Ele recuperou a
imagem em miniatura que havia encontrado escondida nas profundezas de uma
pesquisa on-line. A única imagem desconhecida que ele conseguiu encontrar de sua
mãe.
E, ao lado dela, James Wright.
Ele entregou a foto a Sarah.
— Depois que o arquivo de adoção foi liberado para mim, descobri esta foto on-line.
Sarah entrega a imagem à sargento-detetive Barnsdale.
— Esse é seu ex-marido?
— Sim.
— Tudo o que eu estava fazendo era tentar descobrir quem era meu pai.
— Teremos mais perguntas nos próximos dias — disse Barnsdale —, para ambos.
— Tenho certeza de que estaremos ansiosos por isso — disse Sarah, saindo da
cozinha e entrando no corredor. Barnsdale e Cash a seguiram, em silêncio. Quando elas
deixaram sua casa, Sarah fechou a porta atrás delas.
— Você precisa acreditar em mim — disse Nathan, seguindo Sarah para o corredor.
— Eu nunca quis te magoar.
— Eu disse que queria que você fosse embora antes do fim do dia — disse Sarah. —
Vou pegar Max e não quero você aqui quando eu voltar.
69
O incessante gotejar da chuva no chão frio de concreto havia mantido Corrine acordada
a maior parte da noite. Isso e o som do grito ensurdecedor da mulher tocando
repetidamente em sua cabeça.
Quando a mulher os encontrou na clareira, Corrine se virou e correu. Na escuridão
crescente, ela cambaleou por entre as árvores e saiu para a aldeia de St. Marnham.
Atormentada pelo medo e convencida de que seria reconhecida, ela puxou o capuz
sobre o rosto e rapidamente desceu para o rio. A casa de barcos Peacock estava
abandonada há anos. Mesmo quando Corrine era jovem, ninguém a havia reivindicado.
A porta traseira estava quase completamente podre na dobradiça. Foi só forçá-la e se
abrigar.
Dentro, pouco havia mudado.
Corrine enrolou seu casaco firmemente ao redor de si, mas ainda era impossível
escapar da umidade e do abafado da noite. Ela se encolheu contra os suportes de barcos
decadentes, tentando bloquear a memória de sua primeira visita aqui.
Este era o lugar onde Abigail a havia trazido.
A surpresa que ela havia prometido. O segredo que elas compartilhariam.
O homem pressionando dentro dela.
O piso de concreto duro, inflexível.
Repetidas vezes, Abigail a trouxe aqui.
Seu algoz escondido, observando por trás das estantes. Ao longo do dia, Corrine não
pôde deixar de se perguntar se ela não deveria ter escapado na noite anterior, quando a
oportunidade havia se apresentado. Com a chuva torrencial, teria sido simples para ela
caminhar despercebida ao longo da margem do rio até Richmond. Um trem dali e ela
poderia estar de volta a Deal agora mesmo, no andar de cima do fliperama. Esta noite,
ela deveria trabalhar em Sunny Sea. Molly aproveitaria qualquer oportunidade para
demiti-la. De repente, sua vida sombria parecia muito atraente. Pelo menos era segura.
Agora, Corrine duvidava de que estaria segura novamente em qualquer lugar.
Com frio e fome, ela espiou pela porta podre o céu sombrio do fim da tarde e se
perguntou por que havia pensado que seria uma boa ideia voltar para Haddley. Ela
odiava Haddley. A vida aqui só tinha sido desgraçada. Agora, ela havia quebrado os
termos de sua libertação. Se a polícia a encontrasse, sua prisão seria imediata. O som de
sirenes zumbindo durante grande parte do dia a havia paralisado. Ela não ousava pensar
no que tinha acontecido com a mulher da noite anterior, mas sabia que ela não estaria
viva hoje.
Ele havia matado Abigail.
Ele havia matado a mulher.
E ele iria matá-la em seguida.
Ela deveria sair agora, enquanto ainda podia.
Ela abriu a porta e viu a maré subindo pela margem.
Esta tinha sido sua última chance. Sua última oportunidade de escapar da vida de
Corrine Parsons. Para se tornar outra pessoa, alguém novo.
Ela havia voltado para Haddley para aproveitar essa chance.
Com a mulher morta na floresta, talvez sua oportunidade fosse ainda maior. Seria
algo que ele estaria desesperado para esconder.
Puxando o capuz de volta sobre a cabeça, ela momentaneamente saiu. A chuva
estava começando novamente. Carros na ponte de Haddley estavam parados, com suas
luzes acesas.
Apalpando a faca dentro de seu casaco, ela voltou para a casa de barcos e trancou a
porta. Esperaria até o anoitecer e depois voltaria para o vilarejo de St. Marnham.
70
M eu telefone vibra com uma mensagem de Madeline anunciando que ela está a sete
minutos de distância. Uma segunda mensagem segue quase imediatamente dizendo-me
para não responder a uma única pergunta de qualquer jornalista. Em cada tragédia,
Madeline vê uma exclusiva.
A confusão ainda consome a praça. A rua entre Haddley e St. Marnham permanece
fechada, com fita policial estendida de um lado ao outro. Dois policiais estão na entrada
da floresta, e metade da praça permanece isolada. Veículos da imprensa se misturam
com os da polícia, enquanto os meios de comunicação informam ao vivo, em canais de
notícias, 24 horas por dia. Vejo Francis Richardson caminhando pelo caos, comentando
enquanto caminha em direção à casa de Jake e Holly. Barnsdale e Cash descem os
degraus da frente da casa de Sarah. A detetive então atravessa a praça em direção à
entrada da floresta, enquanto Dani é despachada para pegar o carro.
Quando abro a porta da minha casa, as câmeras voltam suas lentes para mim. Ao sair,
porém, ignoro a enxurrada de perguntas lançadas em minha direção. Jornalistas
perguntam sobre minha mãe e seu relacionamento com Elizabeth Woakes; se ela e eu
éramos próximos; isso traz de volta memórias de Nick? Perguntas óbvias. Abaixo minha
cabeça, indicando que não tenho nada a dizer. Eles continuam a gritar meu nome, e eu
digo a mim mesmo que eles estão simplesmente fazendo seu trabalho.
Ando diretamente em direção a Dani, gentilmente tocando seu braço, parando-a
quando ela chega ao carro.
— Diga-me por quê — digo. — Por que Nathan finalmente descobriria quem era sua
mãe apenas para vir a Haddley e se envolver em um assassinato?
— Aqui não, Ben — responde ela, olhando para o grupo de repórteres que me segue
pela rua.
Olhando para trás, através da praça, vejo uma equipe do meu próprio site. Em
seguida, repentinamente, Min dá um passo à frente da multidão.
— Ben, venha falar conosco — ela chama. Eu hesito. — Ben, apenas trinta
segundos, deixe todos saberem que você está bem.
— Vamos entrar — diz Dani, pegando meu braço.
— Ben! — chama Min, mas Dani me leva de volta pela rua e, com as câmeras ainda
apontadas para nós, voltamos para dentro do corredor.
— Não faz sentido — digo, voltando à minha linha de pensamento. — Barnsdale
pode verificar os registros do tribunal para ver quando ele descobriu a identidade de sua
mãe. Porém, estamos falando de semanas, nem mesmo meses. Nesse tempo, ele deveria
ter descoberto a localização dela, formado um vínculo assassino com ela e traçado um
plano para matar primeiro Langdon, depois a Sra. Woakes? É ridículo.
— Eu não discordo e acho que a sargento-detetive Barnsdale também não — diz
Dani enquanto nos dirigimos para a cozinha. — No entanto, seria um abandono do
dever se não falássemos com o filho de Fairchild no momento em que ele aparece em
Haddley. Ele pode não ser o assassino, mas pode estar protegendo-a. O vínculo entre
uma mãe e seu filho pode ser forte.
Tenho que admitir a possibilidade.
— É impossível para nós sabermos como Nathan se sente em relação à mãe biológica
— digo —, mas ainda não há nada que o ligue a Elizabeth Woakes. Ele veio a Haddley
para tentar entender sua família. Tenho certeza de que ele é o foco errado. A grande
questão é: por que Josie Fairchild voltou para Haddley?
— Nathan poderia ser o motivo.
— Eu falei com ele, eu simplesmente não vejo isso. Você vê? — Dani balança a
cabeça, lentamente. — Ele está procurando pelo pai aqui, não pela mãe.
— Ele tinha uma foto de Josie Fairchild em pé com James Wright.
Pego as fotos tiradas no dia das finais de rúgbi e as manuseio, rapidamente.
— Esta? — digo a Dani, passando-lhe a original de James Wright ao lado de Langdon
e Fairchild.
— Sim — diz Dani. — Ele era o capitão do time dos mais velhos? — Eu concordo
com a cabeça. — Acho que todo mundo queria tirar uma foto com ele.
— Verdade — respondo —, mas poderia haver algo mais? A Sra. Woakes sentiu-se
profundamente desconfortável naquele dia. Langdon e Fairchild fazendo-se passar por
duas adolescentes bobas; James Wright, capitão do time de rúgbi e a caminho de
Oxford…
Dani é cuidadosa.
— Foi tudo o que qualquer pessoa viu.
— Ele era quatro anos mais velho que elas – um adulto prestes a deixar a escola.
— Mas não há evidências para torná-lo um assassino, não mais do que qualquer
outro membro da equipe principal de Haddley.
— Isso pode ser verdade, mas eu sei que agora ele tem muito a proteger.
— Barnsdale quer que eu verifique onde ele estava ontem. Vamos ver no que isso dá.
— Você não parece convencida — digo.
— Depois que você me levou para falar com o Sr. Cranfield, voltei novamente ao
arquivo original do caso. Investigações foram feitas em uma ligação anônima. Foi feita à
escola, a respeito de duas meninas não identificadas e seu potencial envolvimento com
um homem mais velho. Quando a ligação veio à tona, Langdon e Fairchild já haviam
sido presas. Após uma breve conversa com Peter Woakes, foi tomada a decisão de
encerrar a linha de investigação.
— Você sabe exatamente o que a pessoa que ligou disse?
— É tudo o que temos. Duas meninas, mas muito forte a sugestão de um “homem
mais velho”. Isso é de fato James Wright — ou qualquer outra pessoa do time de rúgbi
da escola?
— Quando foi feita a ligação?
— Pelo que entendo, algumas semanas antes de Nick e Simon serem mortos. Ainda
temos que estar abertos à possibilidade de que Peter Woakes tenha ficado feliz em
enterrá-la.
— Não — respondo.
— Então por que ele não foi mais adiante, na época?
— Porque foi só uma ligação — digo. — Ou porque estava com muito medo da
pessoa que poderia desmascarar?
Dani dá de ombros.
— Você acha que Elizabeth Woakes marcou um encontro com Fairchild na noite
passada? — pergunto.
— Por que Josie combinaria de conhecê-la para depois matá-la?
— Concordo. Se você fosse Fairchild, voltando para Haddley, como se sentiria?
— Assustada.
— Definitivamente — respondo. — Você está apavorada. Você vê as notícias sobre
Abigail Langdon e pensa que é a próxima. Você quer proteção e precisa de dinheiro. Ao
retornar a Haddley, você sabe que está arriscando a sua vida.
— Então, quem em Haddley valia esse risco?
De repente, há um barulho na porta da frente e um clamor irrompe na praça.
Quando voltamos para o corredor, Dani e eu ouvimos vozes. Abrimos a porta para uma
enxurrada de perguntas, câmeras disparando e luzes piscando na luz do fim da tarde.
— Não temos comentários a fazer, mas se você quiser ler a história comovente de
Ben Harper, em suas próprias palavras, há apenas um lugar onde você pode fazer isso. —
As câmeras disparam novamente, antes de Madeline se virar e entrar. — Malditos
animais. — Ela sorri e então olha para Dani, que reajusta seu chapéu. — Você tem
companhia.
— Policial Daniella Cash; ela está trabalhando no caso.
— Oi — diz Dani, olhando para a minha chefe.
— Receio que Ben e eu tenhamos coisas para discutir — diz Madeline, dispensando-
a, como se Dani fosse um membro júnior da equipe do site. — Copos na cozinha? —
pergunta ela, virando-se para mim e puxando uma garrafa de uísque Hibiki de seu
casaco enorme.
Dani fica de boca aberta enquanto Madeline caminha pelo corredor.
— Prazer em conhecê-la — diz ela, baixinho.
— Igualmente — responde Madeline, acenando com a garrafa.
— Essa é Madeline Wilson — diz Dani.
— Ela é um tanto única — respondo. — Eu deveria deixar você voltar para
Barnsdale.
Dani acena com a cabeça e revira os olhos.
— Aviso se descobrir alguma coisa — tranquilizo-a.
Há outro flash ofuscante de câmeras quando Dani sai. Fecho a porta atrás dela. Em
seguida, vou para a cozinha, onde Madeline já serviu dois copos de uísque.
— Você sabe que eu quase não bebo — digo.
— Por favor, não me decepcione mais — responde Madeline, já sentada. Escondo
meu sorriso enquanto pego três cubos de gelo do freezer para mim.
— Em primeiro lugar — diz ela —, me diga que você está bem.
— Estou bem — respondo, deixando cair o gelo no meu copo.
— E você não está prestes a ser preso por assassinato?
— Não — respondo. — Acho que estou a salvo.
— Fiquei triste ao ouvir sobre Elizabeth Woakes. Sei que você era próximo.
— Obrigado.
— Em segundo lugar… — Madeline faz uma pausa. — Sinto muito. Pronto, falei.
Aceno com a cabeça em reconhecimento ao pedido de desculpas de Madeline. Ela
não diz mais nada. Ficamos em silêncio, ambos esperando o outro falar.
— Droga! — diz ela, depois do que parece uma espera interminável. — Você é
melhor nisso do que eu. E eu te ensinei.
Sorrio.
— Olhe — diz ela —, talvez eu tenha feito o caminho errado com sua mãe, mas não
vim de um lugar totalmente ruim. No mínimo, eu a fiz sentir como se eu estivesse
tentando ajudar. Isso não me faz de todo ruim. E o que havia de tão errado em ela
querer saber sobre a criança, principalmente se fosse seu neto?
— Não era — respondo. — Na verdade, não era filho de Langdon, mas de Fairchild.
— Diga mais.
— A criança está aqui em Haddley — continuo, sabendo que os olhos verdes de
Madeline irão se iluminar com as notícias. — E Josie Fairchild também.
— Meu Deus, Ben, isso é dinamite. Precisamos publicar, mas…
— Mas o quê? Hesitar não faz o seu tipo.
— Sei que você acha difícil de acreditar, mas até eu tenho a estranha pontada
momentânea de lealdade.
— Veja, você não é de todo ruim — respondo. — Suponho que estejamos falando de
East?
Madeline acena com a cabeça.
— Ele tem pressionado você?
— Algo assim. E é claro que devemos publicar.
— Uma vez que tenhamos tudo.
— E você é nossa exclusiva?
— Cumpro minha palavra — digo. — Eu disse que escreveria essa história, mas só
quando puder contar tudo. Então, fale-me sobre East.
Madeline volta para seu assento, bebendo seu uísque.
— Somos amigos desde a escola, bons amigos. Sendo eu, você tende a não atrair um
grande número de amigos próximos, e os que você tem, acaba esfaqueando pelas costas.
— Ou pela frente.
Madeline sorri.
— É verdade, mas desde a escola East sempre esteve lá para mim. Desde o início,
simplesmente nos demos bem, compartilhamos tudo um com o outro.
Concordo com a cabeça.
— Incluindo o fato de que havia uma criança?
— Sim — responde Madeline. — Nós dois crescemos em torno da história,
conhecemos muitas das pessoas envolvidas.
— East conhecia os alunos da Haddley Grammar?
— Ele era capitão do time de rúgbi da Twickenham Duke, apesar de odiar o jogo.
Procuro a imagem de East coberta de sangue no dia da final.
— Jogo brutal — digo, passando a foto para Madeline.
Ela sorri.
— Ele sequer jogou.
— Como ele acabou naquele estado, então?
— Nós dois chegamos ao clube de rúgbi algumas horas mais cedo. Eu queria verificar
a luz, depois tirar algumas fotos do campo sendo montado, das bandeiras sendo
levantadas, esse tipo de coisa. East queria fumar um baseado enorme.
Rio.
— Ótima preparação para o jogo.
— O que diabos havia naquilo, eu não sei. Porém, uma hora antes da partida, ele mal
conseguia ficar de pé. Eu o estava colocando de pé quando E. E. Hathaway tropeçou em
nós. Mesmo na época, ele andava com uma bengala, e East não estava em posição de se
proteger quando ele bateu com ela na lateral de seu rosto.
Estremeço com o pensamento.
— E esse foi o resultado? — pergunto, pegando a fotografia.
— East passou toda a partida nas arquibancadas.
— Ele teria visto todo mundo, até Langdon e Fairchild?
— Naquele dia, Langdon e Fairchild eram apenas mais duas garotas em um jogo de
rúgbi.
— Talvez, sim; talvez, não — digo, cada vez mais assombrado por todas as imagens
daquele dia. — E Will? — pergunto. — East o conhecia naquele tempo?
— Não, Will é quatro anos mais novo, a mesma idade de Nick. East e Will não se
conheceram até anos depois. Mas anos depois, quando eles ficaram juntos, East já sabia
que havia uma criança — e então, em algum momento, Will disse a ele que tinha feito
sexo com Josie Fairchild.
Madeline emaranha os dedos pelo cabelo.
— Concordamos que era melhor não contar a Will sobre a criança. Que diferença
faria?
— E East queria muito que permanecesse em segredo.
— Quem gostaria de ser exposto como o pai do filho de Josie Fairchild? East está
apavorado que isso possa destruí-los.
— Sem contar o que poderia ser para a criança. — Madeline toma um gole de seu
drinque. — Você conheceu a criança?
— Conheci.
— E? — diz Madeline, erguendo as sobrancelhas.
— Quem sabe? Vamos esperar até que tudo acabe.
Madeline estende a mão pela ilha da cozinha até as fotos do dia do jogo. Em
segundos, ela tem a pilha classificada em três seções.
— Jogo do campeonato, cortes de torcida e comemorações pós-jogo.
— Impressionante.
— Não é um dia que eu vou esquecer.
Juntos, começamos a olhar as imagens. Mais uma vez, vejo os rostos de uma era
atrás.
— Estão faltando duas fotos — diz ela —, uma da ação do jogo e uma das
comemorações pós-jogo.
— Como você sabe? — pergunto.
— Na Idade das Trevas, tirávamos fotos em rolos de filme de vinte e quatro. Você
tem vinte e três em ambos os conjuntos. Elas poderiam ter sido exposições erradas, mas
eu não tinha muitas dessas.
— Sempre a perfeccionista — digo.
— Isso me levou longe.
— Isso e levar vantagem sobre a concorrência.
Madeline enche generosamente seu copo. Sem fazer comentários, ela me passa uma
fotografia de Elizabeth Woakes apertando a mão de James Wright. Seus rostos estão
cobertos de sorrisos, e eu só consigo dar uma olhada rápida na foto.
— Sei que isso não é fácil, Ben — diz Madeline —, mas quando publicarmos essa
história, ela vai explodir. Vai lhe enviar para a estratosfera.
— Junto com seus números de leitores.
— Estamos administrando um negócio.
— Mas nada será publicado até que eu diga?
— Você tem minha palavra — responde Madeline, com um sorriso. — Esta é a sua
história, Ben, e a sua vida. Não publicarei até que você me diga. Aonde você vai em
seguida?
— Josie Fairchild veio a Haddley por um motivo. Acredito que o motivo era
encontrar-se com o homem que aliciou ela e Abigail, possivelmente o pai de seu filho.
— Para chantageá-lo?
— Sim. E, se ainda estiver aqui, ela vai tentar encontrá-lo novamente.
— Mas quem é ele?
— Sei que o pai não é Nick ou Simon, mas além disso…? — Dou de ombros.
— E se ela já tiver o que veio buscar?
— Então eu continuo procurando — mas algo me diz que ela não tem. Matar
Elizabeth Woakes não pode ter estado em seu plano.
Madeline não responde. Olho e percebo que ela está olhando fixamente para uma
das fotografias.
— O que foi?
Madeline coloca a fotografia na minha frente. A imagem mostra a equipe sênior
triunfante, agrupada em torno de James Wright. Ela aponta para o canto superior.
Afastando-se de sua equipe vencedora está Peter Woakes, com sua atenção voltada para
o outro lado do campo.
Só agora vejo o que ele viu. Na extrema esquerda, pouco visíveis, estão Abigail
Langdon e Josie Fairchild. E, de pé entre elas, com os braços em volta de ambas, está
Francis Richardson.
71
E nquanto estou deitado no velho sofá, no fundo da minha cozinha, com o futebol de
segunda à noite passando silenciosamente no canto, Holly olha para a imagem de
Francis Richardson com Langdon e Fairchild. O telefone de Madeline logo a havia
chamado de volta a Londres para rastrear o cheiro de um escândalo político enterrado
nas profundezas de Westminster. Disse a ela que minha esperança era lhe entregar meu
artigo na próxima semana e disse novamente que acreditei em sua palavra de que ela
não publicaria nada até então. Depois que ela saiu, mandei uma mensagem para Holly,
querendo perguntar mais sobre seu sogro. Ela veio à minha casa assim que Alice se
acomodou na cama.
— Não suporto olhar para ele — diz Holly, jogando a foto no sofá enquanto ela se
senta no canto, enrolada.
— Hol? — digo, sentando e me inclinando em direção a ela. — É apenas uma foto.
Ainda não sabemos nada definitivo. — Observo Holly esfregando a palma da mão na
testa. — A foto liga Francis a Langdon e Fairchild. Sim, é a evidência mais clara que
temos, mas ainda é um grande salto para Nathan ser filho dele.
Holly está quieta. Olho para ela interrogativamente.
— Há mais que eu deveria ter dito a você — diz ela.
— Sobre Francis? — pergunto, puxando meus pés para baixo de mim enquanto
Holly cruza as pernas e olha para mim do outro lado do sofá.
— Eu nunca tive a intenção de guardar segredos de você.
— Hol?
— Eu estava com medo de contar a alguém, até mesmo a você — diz ela. Seu corpo
tensiona enquanto ela se inclina para a frente. — Começou com a morte de Michael. Eu
deveria ter falado com você naquela época. Eu fui estúpida. Eu queria te contar, mas ele
me convenceu de que ninguém deveria saber, de que seria mais seguro assim. Mais
seguro para mim e para Alice.
— Francis disse isso? — respondo, odiando ouvir o desespero na voz de Holly.
— Eu estava apavorada com o que ele poderia fazer.
— Não estou entendendo — digo, inclinando-me para colocar meu braço em volta
de Holly. Ela estremece e recua. — Hol, fale comigo.
Ela pega minhas mãos e, lentamente, inclina-se para a frente.
— Fiquei petrificada de te perder, de achar que você nunca me perdoaria. — Balanço
a cabeça. — Não, sério, Ben. Eu amava Michael, de uma maneira que nunca amei
ninguém. Mas sua amizade com ele era tão profunda que ele havia se tornado um outro
irmão. — Nossas cabeças se tocam suavemente. — Naquela noite, na noite em que ele
foi morto… tínhamos estado na floresta, caminhando, finalizando nossos planos de ir
embora.
Penso nas conversas intermináveis que havíamos tido ao redor da mesa da minha
cozinha, depois que Michael havia recebido um contrato para jogar na liga de rúgbi da
Austrália. Isso havia prometido uma nova vida para ele, Holly e Alice. Era uma chance
que eles não podiam deixar passar.
— Estávamos sentados juntos, sob um carvalho na floresta. Meu telefone tocou e era
Jake. Eu disse a ele que estava saindo com as garotas do meu grupo de apoio de pais. Ele
disse que não poderia cuidar de Alice. Corri de volta para o meu carro. Um minuto
depois, virei a esquina correndo. Jake estava ligando novamente. Estiquei-me para pegar
meu celular. Michael deve ter saído correndo da floresta. Eu só o vi um segundo antes
de atingi-lo. Fui eu que o matei.
Deixo suas palavras ecoarem em minha cabeça. Não consigo compreendê-las.
— Ben?
Quando olho para ela, seus olhos estão enormes, cheios de lágrimas. E ela parece tão
assustada.
— Eu sinto muito mesmo — diz ela.
— Você poderia ter me dito — digo, com a voz quase inaudível. — Como você
suportou?
— Não sei, foi… foi horrendo. Ainda é. Mesmo agora, há momentos em que mal
consigo respirar só de pensar nisso. Mas eu estava desesperada; tive que pensar em
Alice.
— O que aconteceu?
— Eu sabia que não podia contar a Jake. Eu pensei em te ligar, mas eu precisava de
alguém que pudesse fazer tudo ir embora.
— Hol, eu teria ajudado.
— Eu não podia arriscar me separar de Alice. Eu não estava olhando para a rua,
estava pegando meu telefone — diz Holly, saindo do sofá e andando lentamente pela
cozinha. Envolvendo os braços em volta de si mesma, ela continua. — Eu sabia que
Francis era a única pessoa que poderia fazer tudo ir embora. Três minutos e ele estava lá.
Michael estava morto, Ben; não havia nada que eu pudesse fazer. — Eu aceno com a
cabeça, lentamente. — Francis me mandou para casa, me disse para deixar o carro do
lado de fora da minha casa, com as chaves dentro. Como todo o resto, o carro pertencia
a Francis. Na manhã seguinte, ele desapareceu. Nunca mais o vi. Não sei o que ele disse
a Jake. Porém, dois dias depois, tínhamos um carro novinho em folha.
— E Michael?
— Exatamente como foi noticiado na imprensa. Ele estava correndo na Lower
Haddley Road. Estava escuro, uma estrada tranquila pela floresta. Um atropelamento e
fuga. Não houve testemunhas. O motorista nunca foi pego. Ninguém soube — exceto
Francis.
Atravesso o cômodo para segurar Holly em meus braços. Porém, ela se afasta.
— Hol?
— A questão é que tudo com Francis Richardson tem um preço — diz ela, virando-
se e olhando para o jardim enluarado. — Ele veio até mim no dia do funeral de Michael,
disse-me que eu tinha uma dívida a pagar. Ele me estuprou, Ben. Me estuprou,
enquanto Alice dormia no berço.
Onze
“Ele tem dinheiro, e isso lhe dá poder; poder de controlar.
Ele exala merecimento.”
72
U ma estranha calma havia descido sobre a praça quando saio na terça-feira de manhã.
No lugar da agitação do dia anterior, há um silêncio vazio. Os moradores permanecem
escondidos, e o corpo de imprensa reunido partiu, enquanto o ciclo de notícias de 24
horas continua. Na entrada da floresta, um policial solitário está de sentinela. A fita de
isolamento da cena do crime balança na entrada, ao passo que a brisa do rio endurece.
Meu telefone vibra, e eu leio uma mensagem de Dani Cash.
Não respondo.
Tomo o caminho que atravessa o coração da praça lamacenta e pisoteada. Holly
atravessa a rua em frente à sua casa. Quando nos encontramos, ela gentilmente pega
minha mão. Vejo as olheiras devorando seus olhos naturalmente aguçados, com seu
brilho apagado pela exaustão.
— Você tem certeza de que quer fazer isso?
— Absolutamente — vem sua resposta firme, enquanto viramos pela Lower Haddley
Road.
— Como está Alice? — pergunto.
— Acordada às cinco e pronta para o café da manhã — responde ela. Sua filha
sempre invoca uma leveza em sua voz.
— Não sei como você faz isso. Gosto muito do meu sono.
— Eu estava acordada muito antes da Alice, se é que dormi. E você?
— Dormia e acordava — respondo, virando para St. Marnham, com o trânsito do
horário de pico começando a aumentar.
— Não conseguia tirá-lo da minha cabeça — diz Holly.
Atravessamos rapidamente em frente ao ônibus número vinte e nove lotado, antes de
ele virar sentido Richmond.
— Ele é um ser humano revoltante — digo, enquanto tomamos o caminho para o
coração do vilarejo.
— Isso faz dele um assassino?
— Quando penso no que ele fez com você, nora dele. Ele tem dinheiro, e isso lhe dá
poder; poder de controlar. Ele exala merecimento. Sua arrogância o faz acreditar que é
intocável, e ele aprecia a posição que ocupa. Minha aposta é que ele faria qualquer coisa
para se proteger, até mesmo matar.
— Mas por que matar Elizabeth Woakes?
— Fairchild volta para Haddley, tendo marcado uma reunião com ele. Ela quer
dinheiro. Ela caminha em direção a St. Marnham e ao ponto de encontro combinado. A
Sra. Woakes a vê, a segue, apenas para descobrir que ela encontra Francis na floresta.
Holly e eu caminhamos pelo vilarejo. Contornamos as margens do lago e paramos na
entrada do estacionamento dos Richardson.
— Pronta? — pergunto.
— Sim — responde ela. — Katherine realmente quer ajudar. Ela conhece Francis
melhor do que ninguém. Acho que ela vai nos dizer a verdade.
— Exceto que ela não sabe o que vamos perguntar.
Subimos a entrada de cascalho. Ao nos aproximarmos da casa dos Richardson, a
porta da frente se abre. Somos convidados a entrar no solário, nos fundos da casa, onde
encontramos Katherine Richardson já sentada.
— Obrigada, Monique — diz ela quando entramos, oferecendo-nos um assento em
um dos sofás brancos profundos. — Não devemos ser incomodados. — Monique sai da
sala enquanto Katherine nos serve um café de uma jarra de vidro. — Eu deveria ter
perguntado se vocês gostariam de comer alguma coisa. Eu não tomo café da manhã, mas
deixe-me chamar Monique de volta.
— Não, não, não precisa — digo, sentando em frente a Katherine e pegando uma
xícara das mãos dela.
— Para mim também não — acrescenta Holly.
— Devemos agradecer por nos receber tão cedo — digo.
— Sempre fui madrugadora. Gosto de aproveitar o dia ao máximo. Meu marido é
mais uma coruja noturna, talvez uma maneira conveniente de limitar nossa interação.
Não digo nada; Holly adiciona leite à sua bebida e toma um primeiro gole.
— Sr. Harper… — diz Katherine.
— Ben, por favor.
— Holly perguntou se eu estaria disposta a me encontrar com você para responder a
algumas perguntas sobre meu marido.
Holly olha para a sogra.
— Ben sabe sobre… — Sua voz diminui.
— Então, pelo menos, deixe-me começar por aí.
— Obrigado — respondo.
— Seria errado de minha parte descrever meu casamento como de conveniência —
diz Katherine, com o braço apoiado no canto do sofá. — Nosso relacionamento tem
funcionado para nós, mutuamente. Havia um vínculo entre nós e houve momentos no
passado nos quais eu poderia ter me descrito como feliz. — Katherine para e se inclina
para a frente, falando diretamente com Holly. — Eu sabia como o Francis era, e, onde
quer que a oportunidade se apresentasse, ele a agarrava. No entanto, eu nunca acreditei
que ele tinha se forçado a qualquer mulher — até agora. Por isso, eu nunca vou me
perdoar. Nunca. — Holly fecha os olhos. — Eu o julguei totalmente errado.
— É possível que Francis tenha feito isso com outras mulheres? — pergunto.
Katherine se encolhe.
— Suponho que sim. Fico doente em pensar nisso, porém.
— Você deve ter lido que Abigail Langdon, a garota, agora mulher, condenada por
assassinar meu irmão, foi morta na semana passada.
Lentamente, Katherine se serve de uma xícara de café preto, para então se recostar
no canto do sofá.
— Li.
— A polícia está investigando que, no momento dos assassinatos, Langdon e
Fairchild poderiam estar em contato com um homem, ou grupo de homens, em um
cenário de aliciamento.
Olho para Katherine em busca de uma reação, de um lampejo de reconhecimento ou
confirmação, mas ela não revela nada.
— Posso lhe mostrar uma fotografia? — pergunto.
— Certamente — diz Katherine. Tiro do bolso do paletó a foto que mostra Francis
Richardson com as duas garotas.
Ao entregar para ela, digo
— No canto da foto você pode ver…
— Estou vendo.
Katherine encara a imagem com uma intensidade em seus profundos olhos
castanhos. Ela coloca a foto na mesa de café de mármore preto, aproximando-a de mim.
— Sra. Richardson? — pergunto.
— Você quer que eu comente se acredito que meu marido poderia estar envolvido
em um relacionamento sexual com aquelas duas garotas? Não posso dizer isso. Sinto
muito.
— A senhora está dizendo que é impossível? — pergunto.
— Não tenho motivos para acreditar que o relacionamento dele com aquelas garotas
foi além do que você vê naquela fotografia. Uma celebração em uma partida de rúgbi da
escola. Excesso de entusiasmo, sim. Inapropriado? Provavelmente. Mas nada além.
Holly levanta os olhos e os fixa em Katherine.
— Não conheço nada que sugira um relacionamento com essas garotas em particular
— continua Katherine, apertando as mãos com força para impedi-las de tremer —, mas
ele gerou um filho com uma menina, uma menina de dezesseis anos. Imagino que ela
mesma era pouco mais do que uma criança.
Deixando suas palavras pairarem na sala, Katherine estende a mão para pegar a jarra
de água gelada, que está sobre uma bandeja de prata, no meio da mesa de centro.
Servindo três copos, ela pega um para si antes de apoiar uma almofada vermelha
escarlate atrás das costas.
— Fiquei noiva de Francis no meu vigésimo primeiro aniversário — diz Katherine.
— De muitas maneiras, o casamento foi arranjado muito antes disso. Meu pai conhecia
o dele há anos. Desde o momento em que nasci, eles imaginaram unir nossas famílias. A
tentação de combinar história e dinheiro, talvez. Ou era simplesmente arrogância
masculina?
“Na época de nosso noivado, Francis já havia servido dez anos nas Forças Armadas e
estava trabalhando no Ministério da Defesa. Após o casamento, ele deveria renunciar ao
cargo e assumir uma nova função em uma empresa da cidade grande. Ele precisava da
esposa perfeita para apresentar aos investidores, para ser a anfitriã de todas as festas
corporativas.
“Não estou dizendo que não tivemos um romance, mas eu o descreveria como um
turbilhão, quase frenético. Dentro de seis semanas, estávamos noivos. Três semanas
depois, ele veio até mim, dizendo-me que estava adiantando a data do casamento.
Tínhamos planejado um noivado de vários meses e, de repente, nos casaríamos em
apenas cinco semanas. Ele se recusou a explicar por quê. Quando falei com meu pai, ele
simplesmente me disse para aceitar o plano como proposto e ser grata. Como todo
mundo, ele presumiu que eu estivesse grávida. Eu não estava.
“Na noite anterior ao casamento, Francis veio à minha casa. Nos meus momentos
mais sombrios, perguntei-me por que ele esperou até aquela noite. Talvez para me
impedir de ter tempo de recuar? Ou foi simplesmente a veia cruel que o atravessa
usando a adversidade para estabelecer o controle? Sentamos juntos no escritório do meu
pai, e nossa conversa foi incrivelmente prática. Uma menina de dezesseis anos estava
grávida. Seu pai trabalhava na propriedade dos pais de Francis, e a família da menina
morava na portaria. O pai de Francis interveio para cuidar das coisas — pagar a família,
por assim dizer. A criança nasceria em dois meses. Francis e eu deveríamos ficar com ela,
assim que nascesse.
“Francis tinha trinta e um anos.”
73
U m trem passou chacoalhando quando Corrine entrou pelo caminho coberto de mato
que corria ao longo do lado superior de Haddley Woods. Abrindo caminho com cuidado
pelos densos arbustos de cardos, ela parou na base do monte elevado, olhando para o
cume que a havia assombrado por tantos anos. Mudas jovens, agora crescidas, cobriam a
margem com uma nova floresta de árvores.
Esgueirando-se para o lado oposto, ela encontrou o buraco onde ele havia se
escondido naquele dia, tantos anos antes, agora sufocado por um espesso arbusto de
espinheiro. Tudo havia sido preparado uma semana antes, mas apenas um menino havia
emergido por entre as árvores. Ele tinha insistido que deveriam ser dois: tanto ela quanto
Abigail compelidas a provar sua devoção.
Sete dias depois, mais uma vez, tudo estava no lugar.
A expectativa aumentada de Abigail havia sido palpável, enquanto dançavam para
longe do ônibus na lateral da praça.
A perseguição através da floresta sem ar.
As facas escondidas sob a hera rastejante, enquanto ela crescia no monte.
Quando os meninos se ajoelharam, Abigail não havia vacilado. Ela tinha soltado um
grito de prazer enquanto enfiava a faca.
Para Josie, um momento de hesitação. Os olhos de Nick Harper sobre ela; o medo e a
confusão dele igualados apenas aos dela.
O grito do vale. Seu mergulho da faca. Abigail segurando sua mão para rasgar para a
frente.
Ele havia ficado com elas enquanto elas mutilavam os corpos.
E ela havia sentido a emoção que emanava dele. O entendimento de que ela e
Abigail eram para sempre dele.
Ontem à noite, sob a escuridão do céu noturno, ela saiu da casa de barcos Peacock,
através do vilarejo de St. Marnham, em direção à casa dele. No frio, ela esperou,
tremendo no meio das árvores, esgueirando-se pela névoa para ver as luzes da casa
acesas. Tendo visto a porta da frente aberta, deixando-o sozinho, ela ficou tensa; sentiu
que era o seu momento.
Mantendo o capuz puxado para baixo sobre o rosto, correu pelo terreno aberto
seguindo o caminho em direção à casa dele. As cortinas da frente estavam abertas, e ela
congelou olhando para dentro. Observá-lo atravessar a sala, irradiando sua arrogância
inexpugnável, enviou um tremor através dela.
Seus dedos duros segurando um copo, tocando a pele dela. Suas mãos fortes
correndo pelos cabelos, esfregando seus ombros.
As pernas dele, cuidadosamente cruzadas, pressionando contra as costas dela.
Seus olhos na janela, olhando para fora, vendo cada movimento dela.
Virando-se, ela correu de volta para as árvores, buscando refúgio sob a escuridão que
o dossel criava. Tecendo pela floresta, ela percebeu que deveria retornar apenas quando
pudesse forçar seu ultimato.
Silenciosamente, ela voltou para a casa de barcos. Desesperada por calor, tentou se
enrolar nos coletes salva-vidas pendurados na parede. A noite toda ela ficou acordada,
sentada, tremendo de medo.
Até esta manhã, quando ela finalmente fez seu plano.
Ela levaria a criança.
74
R á-tá-tá-tá.
Rá-tá-tá-tá.
Uma batida na porta do solário quebra meus pensamentos. Desligo meu telefone,
rapidamente colocando-o no bolso da jaqueta.
Rá-tá-tá-tá pela terceira vez, e a porta se abre.
Francis Richardson entra, vindo do corredor.
— Você é escória — grito. Minha raiva ferve, e eu corro através do aposento.
— Ben, não! — grita Holly, enquanto eu salto pelo sofá branco com minhas botas
deixando uma marca indelével. Eu me lanço na direção de Richardson, o impulso se
acumulando atrás do meu corpo de 1,80 metro. Meu punho voa para a frente, e minhas
articulações dos dedos quebram sua mandíbula enquanto ele cai no chão. Com ele
esparramado na porta, eu me abaixo, arrasto-o para que fique de pé e bato nele
novamente. Sua cabeça recua, e o sangue jorra de seu rosto pelo chão de pedra branca.
Enquanto ele se agacha na porta, eu o levanto novamente, e meu braço torce quando
bato nele pela terceira vez.
Holly agarra meu braço e me arrasta de volta. Só então ouço um grito de Katherine.
— Chega! — diz ela. — Chega!
76
— C hame um táxi, vá direto para a creche da Alice e certifique-se de que ela esteja
segura — digo para Holly, enquanto passo por cima de Francis Richardson e entro no
corredor.
— Alice? — responde Holly.
— Precisamos ter certeza de que ela está segura — continuo, recuando pelo corredor
enquanto Katherine vai até a nora.
— Deixe-me levá-la — diz ela, pegando Holly pela mão. — Chegaremos lá
rapidamente.
— Ben, aonde você está indo? — grita Holly enquanto eu me viro e corro para fora
da casa.
— Certifique-se de que a Alice está segura — grito, antes de correr pela calçada e
sair para o vilarejo. Percebo que meu caminho mais rápido de volta para Haddley é
descendo a Lower Haddley Road. Esquivando-me frente ao trânsito congestionado da
escola, sigo rapidamente ao longo do rio da floresta e volto para a praça. Imagens correm
pela minha mente. Meu eu de oito anos, fugindo da floresta, o calor escaldante
queimando meu pescoço. Michael sendo atropelado pelo carro de Holly. Os rostos de
Nick e Simon. Minha mãe caindo na frente do trem das 8h06 para Waterloo.
Tantos mortos para proteger um segredo.
Corro pela praça.
Abro a porta da frente da minha casa e corro para o andar de cima. De pé na entrada
do quarto de cima, recuperando o fôlego, olho para os fragmentos restantes da vida de
Nick. Minha mãe costumava passar momentos de silêncio aqui, sozinha com seu filho
mais velho. Memórias presas no tempo, conectando-o a ela.
Pouco agora foi deixado intocado. Minha vida gradualmente invadiu o quarto, mas a
mesa de Nick permanece no canto, coberta de caixas e livros velhos. Rapidamente,
folheio os papéis antigos da minha mãe, mas não há nada lá que eu não tenha visto
antes. Eu sei que já terá sido examinado. Abro uma caixa cheia de livros escolares de
Nick, vasculho-os, mas não encontro nada. Esvazio um envelope marrom cheio de
nossos boletins escolares, espalhando-os pelo chão. Dentro de outra caixa, encontro o
prêmio do ano de inglês que Nick ganhou. Seu prêmio foi por um ensaio sobre The
Return of the Native, de Thomas Hardy. Minha mãe tinha ficado muito orgulhosa
quando ele subiu no palco em nossa assembleia escolar para receber seu prêmio. Era
Nick quem sonhava em se tornar um jornalista, não eu.
Sento-me no chão, soprando a poeira das sobrecapas de uma pilha de livros
empilhados no canto. Folheando-os, encontro a cópia do livro de Nick. Agarrando-o,
rapidamente folheio as páginas desbotadas.
Dentro da contracapa estão duas fotografias.
As duas fotos do dia do jogo que estavam faltando.
As duas imagens que me dizem que minha mãe foi assassinada.
E por quê.
77
O lho para as duas imagens. Elas permaneceram escondidas aqui, todos esses anos.
Minha mãe teria sido a última pessoa a tocá-las.
Ela teria visto o que eu vejo agora. E ela iria querer respostas.
Na noite anterior à sua morte, ela foi em busca dessas respostas, ainda esperando que
estivesse errada. Ela teria desejado acreditar no melhor.
O que quer que tenha acontecido naquela noite, não foi suficiente para acalmar suas
preocupações. Na manhã seguinte, quando ela gritou comigo enquanto eu estava de
ressaca na cama, ela estaria angustiada com o que tinha descoberto. Agitada e insegura,
ela sairia de casa se sentindo confusa e traída.
Descansando na cama de Nick, pego a primeira fotografia — uma foto tirada
momentos depois que o time campeão havia posado com seu troféu. À medida que o
grupo se separa, James Wright ainda segura firmemente a taça, mas ele agora está de
costas para a câmera.
Phil Doorley salta pelo ar.
Abigail Langdon e Josie Fairchild estão ao lado do grupo.
Francis Richardson já não as abraça.
Vestindo sua camisa branca imaculada, é seu filho, Jake, que agora tem os braços em
volta delas.
Tenho que me forçar a pegar a segunda fotografia. É a que minha mãe teria achado
impossível de entender.
Tirada após os pontos vitoriosos finais terem sido marcados, ela captura um momento
de pura alegria, mas que agora me deixa desolado.
Jake Richardson está triunfante ao lado da bandeira do canto. Com os braços
estendidos, ele sorri para a mulher que está de pé, com os braços erguidos,
comemorando na lateral. Com seu rosto iluminado pelo orgulho, é a mulher chamada
anos antes pelo Richmond Times de Mary Hess. Só que, na época dessa partida, ela teria
sido conhecida pelo nome de casada.
Mary Cranfield.
Doze
“Agora tínhamos nosso próprio segredo — um que nunca
poderíamos compartilhar, mas que nos uniria para sempre.”
78
M inhas pernas são pesos mortos enquanto desço do último andar da minha casa.
Descansando minha mão no trinco da porta da frente, eu paro. A casa dos Cranfield tem
sido meu porto seguro — um lugar para onde eu ia para me sentir amado. Um lugar
para me esconder do mundo. Quando eu entrar na casa deles agora, isso vai acabar.
Abro a porta da frente e começo uma caminhada lenta e pesada pela lateral da praça
deserta. Apenas o barulho de um avião passando por cima quebra o silêncio da manhã.
Dando os passos que dei mil vezes, os mesmos que minha mãe deu no primeiro dia em
que os Cranfield chegaram a Haddley, olho para o céu. Lembro-me da felicidade que ela
encontrou com a chegada de nossos novos vizinhos, dois anos após a morte de Nick.
Para ela, eles trouxeram a esperança de um novo começo.
Do lado de fora da casa, olho novamente para as fotos e sei como elas teriam deixado
a mente de minha mãe acelerada. Sem nenhuma conexão com a região, por que a Sra.
Cranfield havia comemorado tão animadamente na lateral de uma partida de rúgbi da
escola, disputada tantos anos antes? Minha mãe teria feito uma conexão imediata? Não
sei, mas sei que ela teria dado à Sra. C. todas as oportunidades para explicar. Ela teria se
sentado com a amiga na noite anterior à sua morte, buscando respostas e compreensão.
Qualquer que tenha sido a resposta dada, ela não satisfez. Consumida por sua
descoberta, ela fez sua caminhada até a estação de St. Marnham na manhã seguinte,
debatendo-se com a mais grave traição possível.
Caminhando pelo lado da casa, olho pela janela da cozinha dos Cranfield — panelas
velhas pendem acima do fogão, livros de receitas bem manuseados estão empilhados um
sobre o outro, evocando um cheiro de comida caseira.
Gentilmente, abro a porta dos fundos.
O Sr. Cranfield está sentado sozinho à mesa, com sua toalha de linho azul desbotada
um pouco gasta. Em seu estupor, ele olha fixamente para um bilhete de trem encostado
no moedor de pimenta de madeira. Sentindo minha presença, ele pega o bilhete e o
empurra sobre a mesa, em minha direção. Olhando para baixo, vejo que é datado de
quarta-feira passada. Uma passagem de volta, de King’s Cross para Leeds.
— Ela me disse que estava em uma viagem de ônibus com seu grupo de leitura para
Chawton House. Eu disse que ela tinha tido sorte com o clima.
Lentamente, empurro o bilhete de volta para o outro lado da mesa. Dando um passo
à frente, noto a porta da garagem entreaberta. Uma cadeira de cozinha almofadada está
colocada no centro do cômodo. Acima dela, está pendurado um laço, feito em casa.
Coloco minha mão no ombro do Sr. Cranfield, e ele levanta os olhos.
— Não — é a única palavra que digo.
79
O pânico tomou conta de Holly enquanto ela corria da sala de aula de Alice para o clube
do café da manhã e para o parquinho. Ninguém na creche tinha visto sua filha naquela
manhã. Seu corpo começou a tremer, enquanto Katherine a segurou pelo braço e discou
999.
Em poucos minutos, a polícia estava na frente da creche. Holly reconheceu a policial
loira que ela tinha visto com Ben.
— Sra. Richardson? — Dani Cash colocou a mão em seu braço. — A senhora
poderia nos contar novamente o que aconteceu?
Holly repetiu o que sabia. Alice não tinha chegado à creche naquela manhã.
— Seu pai deveria tê-la deixado — disse Holly, enquanto Dani a conduzia para fora
dos portões da escola, em direção ao carro da polícia que esperava. — Só que ele não é o
pai dela e não sei se ele sabe disso. Ben disse para pegar Alice, para ter certeza de que
ela estava segura.
— Onde está Ben agora? — perguntou Dani, e Katherine estava com ela ao lado do
carro.
— Ele voltou para Haddley — respondeu Katherine —, mas não sabemos para onde
ele foi.
— Ele acredita que seu marido possa estar envolvido no assassinato da mãe dele?
— Não meu marido — respondeu ela. — Meu filho.
82
Eu posso lhe contar sobre todos eles. Francis Richardson, Mary Cranfield,
todos eles. Você não acreditaria nas coisas que eu poderia lhe dizer.
— Eu não poderia me livrar disso explicando. Quando tiramos as coisas de sua mãe
da sua casa, eu encontrei a carta. Que alívio foi isso, mesmo que eu nunca tenha
conseguido encontrar as fotos.
“Naquela noite, tentei ao máximo convencer sua mãe, mas não teve jeito. Na manhã
seguinte, observei-a atravessar o pátio, consumida em seus próprios pensamentos. Eu
tinha que proteger Jake. Ele tinha conseguido tantos avanços. Eu gostaria que pudesse
ter sido qualquer um, menos ela.
— Você a empurrou — digo, mal controlando a raiva na minha voz. — E, depois,
você veio me confortar. Como você ousa! — grito. — Eu a amei como uma mãe, e o
tempo todo era você.
A Sra. Cranfield fica sentada, imóvel.
— Conte-me o resto — digo, ficando de pé para me erguer sobre a Sra. Cranfield.
— Ben, não, por favor.
— Diga!
— A morte de sua mãe serviu de aviso para Langdon. Passaram-se mais três anos
antes que ela entrasse em contato diretamente, mas a essa altura ela já estava
ameaçando — havia uma ameaça real. Enquanto Jake tinha o negócio, nós
administramos a situação. Mas, conforme o tempo passava, ela queria mais e mais e, no
final, não sobrou dinheiro. Jake começou a degringolar. Ele começou a desconfiar de
Michael Knowles e, estupidamente, decidiu lidar com isso sozinho. Ele o empurrou para
a rua, mas de maneira muito desajeitada. Sua paranoia aumentou. Aproveitei a
aproximação do aniversário da morte de Clare para agir.
— Jogando suspeita em mim.
— Não em você, Ben. Eu sabia que todo mundo estaria falando sobre o aniversário
da morte da sua mãe. Qualquer um poderia ter rastreado Langdon e a matado. Eu só
estava causando confusão. Ela era escória, Ben.
— E Josie Fairchild?
— Ela nunca teve a ganância de Langdon. Após a morte de Langdon, ela só queria
escapar, começar uma nova vida. Ela esperava que Jake lhe desse o dinheiro para fazer
isso. Eu teria dado isso a ela. Eu não queria mais sangue.
— Mas Elizabeth Woakes a seguiu pela floresta?
— Sim. Com tudo de repente tão fresco mais uma vez, ela a reconheceu na estação.
Fairchild fugiu, e Jake ficou sem escolha. Ele a estrangulou e voltou durante a noite para
pendurá-la na árvore.
Olho para ela com nojo, e ela diz:
— Tive que cuidar do meu bebê, Ben. — Ela estende a mão para pegar a minha, e
eu recuo. Não a quero perto de mim.
— Onde está Jake agora? — digo, baixinho, olhando para a Sra. Cranfield, enquanto
ela diminui diante de mim. — Onde ele está?
— Não sei — diz ela, agora com medo na voz. — O que você vai fazer?
— Vou matá-lo.
83
C orro pela praça em direção à casa de Jake e Holly. Bato na porta da frente, mas não há
resposta. Vou até a janela, não vejo sinais de vida, mas a mesa de centro da sala está
virada. Corro para a parte de trás da casa e subo a cerca dos fundos. A porta do jardim
está aberta, e eu corro para dentro.
— Jake — chamo, no silêncio. Atravesso até o corredor e chamo novamente,
enquanto subo as escadas. — Jake, é Ben Harper. Eu sei de tudo.
— Ben. Ajude-me!
O grito envia terror através de mim. Corro para a frente.
— Alice, onde você está? — grito.
— Ben, estamos no quarto da Alice. — Com a voz cheia de medo, Jake chama do
outro lado do patamar. — Por favor, entre devagar.
Gentilmente, empurro a porta, abrindo-a.
Jake está paralisado na lateral do quarto, enquanto Alice está sentada no centro,
cercada pela festa do chá de brinquedo.
Uma mulher se agacha atrás dela, segurando uma faca em sua garganta.
Agacho, ficando de joelhos.
— Alice, estou aqui agora e tudo vai ficar bem. Apenas fique bem quietinha e faça
tudo o que essa senhora pedir.
Alice mal acena com a cabeça. Olho para a mulher.
— Oi, Josie — digo, olhando diretamente para a assassina do meu irmão. Meu único
pensamento agora é Alice. — Meu nome é Ben Harper. — Vejo o reconhecimento em
seus olhos. — Você não veio aqui para machucar Alice.
Ela balança a cabeça, e ouço o toque de uma sirene da polícia.
Sua mão vacila.
— Abaixe a faca e deixe-me ajudá-la — digo. — Sei que você não machucou a
mulher na floresta.
— Eu não. Ele machucou. Ele fez tudo. Desde o início, ele e Abigail — diz ela, com
medo em seus olhos, enquanto olha para Jake.
— E agora ele vai pagar. Josie, abaixe a faca e tudo isso pode acabar.
Seus olhos se arregalam quando digo esse nome novamente.
— Sou Corrine agora — sussurra ela.
— Alice não fez nada de errado, Corrine. Deixe-a ir.
Atrás de mim, ouço o ranger de passos na escada.
— Machucar Alice não vai lhe dar o que você quer — digo, prendendo a respiração e
fazendo um pequeno movimento para a frente.
— Eu só quero começar tudo de novo — diz Josie. Ela me dá um olhar triste. Sinto a
miséria de sua vida, mas não sinto piedade.
— Você ainda pode fazer isso — respondo, avançando. — Você só precisa largar a
faca.
Ela me encara. Então, muito lentamente, ela deixa cair a faca. Expiro rapidamente
quando Alice corre para meus braços e enterra a cabeça em meu ombro. Seguro-a perto
de mim enquanto Josie Fairchild se contorce no chão, soluçando. Quando a porta da
frente é arrombada, o quarto de Alice é escancarado. Confuso, viro e vejo Mary
Cranfield parada na porta.
— Isso tem que acabar — diz ela, pegando a faca do chão.
Com uma mão, empurro Josie para trás, contra a cama de Alice.
— Sra. C., não! — grito.
— Mãe! — grita Jake, de trás da porta.
Sem hesitar, ela se vira e, em um único movimento, avança, mergulhando a faca no
coração dele, antes de apertá-lo contra seu peito. Segurando-o perto, coberta pelo seu
sangue, Mary Cranfield embala o filho enquanto ele cai no chão.
— Shhh — sussurra ela, enquanto Jake estremece em seus braços. — Agora acabou.
Está tudo acabado.
Ela se vira para mim, com lágrimas nos olhos.
— Eu deveria ter terminado isso há anos. Eu sinto muito.
EPÍLOGO
P eguei Alice gentilmente e a carreguei para fora de seu quarto. Holly nos encontrou ao
pé da escada. Passei a filha para ela, e Alice envolveu os braços com tanta força ao redor
do pescoço da mãe que pensei que ela nunca fosse soltar. Juntos, caminhamos
lentamente de volta para a minha casa.
Segui Holly e Alice para dentro, sabendo que agora teria de protegê-las, da mesma
forma que minha mãe me protegeu. Com o tempo, vou ajudá-las a construir novas vidas,
e sei que um dia verei Alice correr alegremente pelo campo de novo. Ela é minha família
agora.
Todos os dias desde então, a mulher que Alice considera como sua avó a visitou,
passando tempo com ela no jardim e conhecendo-a um pouco melhor a cada visita. O
advogado de Katherine já chegou a um acordo de divórcio com Francis.
Dani Cash prendeu Mary Cranfield e a acusou do assassinato da minha mãe, bem
como o de Abigail Langdon e de Jake Richardson. Falei com a Dani ontem à tarde, e ela
disse que a polícia espera uma confissão de culpa. Duvido que eu volte a ver a Sra.
Cranfield.
Dani encerrou nossa ligação com uma reprimenda.
— Sei que provavelmente estou gastando saliva — disse ela —, mas você sabe que
deveria ter esperado a polícia antes de entrar na casa de Jake Richardson.
— Acho que você já sabe que eu nem sempre gosto de esperar a polícia.
— Ela tinha uma faca, Ben — respondeu Dani, com firmeza. — Qualquer coisa
poderia ter acontecido, eu deveria saber. Eu vi o que aconteceu com um homem bom.
Eu não poderia suportar que isso acontecesse com outro.
Jurei que tomaria cuidado no futuro. Eu disse que seria bom nos encontrarmos para
uma caminhada pelo rio uma noite. Ela prometeu que ligaria.
Nos dias após a morte de Jake, Nathan Beavin e Will Andrews visitaram uma clínica
particular em Richmond para um teste de paternidade. Quando de repente os vi juntos,
o resultado não foi uma surpresa completa. Nathan se mudou para St. Marnham e está
trabalhando no restaurante do pai. Holly e eu tomamos conta de Max no sábado à noite,
enquanto Sarah foi ao que ela chamou de seu “segundo primeiro encontro” com
Nathan.
Nesta manhã, abri um cartão com uma fotografia do labirinto da Hampton Court na
frente. Minha mãe adorava contar a história de como, em família, passamos uma hora
tentando encontrar o caminho através do intrincado quebra-cabeça. Nick correu na
frente com meu pai, enquanto minha mãe, lutando com meu carrinho de bebê, seguia
seu próprio caminho. Fomos os primeiros a chegar ao centro, por alguma distância, algo
que ela apreciava. Eu era muito jovem para me lembrar do dia. Era uma memória da
minha mãe.
Dentro do cartão, meu pai escreveu como esperava que um dia pudéssemos nos ver
novamente. Holly me impediu de rasgar o cartão. Ela o colocou sobre a lareira da sala de
estar. Deixei lá, por enquanto. Voltei para o armário sob o beiral e tirei a outra caixa de
sapatos. O leão de cores vivas se juntou à última festa do chá de Alice. Foi o último
presente que meu pai me deu antes de deixar nossa família.
Ontem à noite, quando Max e Alice estavam finalmente dormindo, li o rascunho
final do meu artigo para Holly. Então, enviei por e-mail para Madeline, para ela publicar
hoje. Escrevi sobre a força da minha mãe, como sua bravura me deu esperança e como
eu estava orgulhoso dela construir uma nova vida — uma nova vida, que foi
brutalmente roubada.
Por mais de vinte anos, segredos obscuros foram mantidos escondidos em Haddley
e St. Marnham. Junto com muitos outros, minha mãe agora tem justiça. E a lição que
ela me ensinou, quando eu era menino, soa mais verdadeira do que nunca —
segredos são uma coisa perigosa.
Sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Dedicatória
Um
3
4
Dois
10
11
12
13
14
15
16
17
Três
18
19
20
21
22
23
24
Quatro
25
26
27
28
29
30
31
32
Cinco
33
34
35
36
37
38
39
Seis
40
41
42
43
44
45
46
Sete
47
48
49
50
51
52
Oito
53
54
55
56
57
58
59
Nove
60
61
62
63
64
65
Dez
66
67
68
69
70
71
Onze
72
73
74
75
76
77
Doze
78
79
80
81
82
83
Epílogo
Sumário