Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Revista 90

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 144

Fotos: Tatiana Cavagnoli

PALAVRA DO PRESIDENTE

O descobrimento do Brasil
ANDRÉ GASPERIN
PRESIDENTE DA ABE

Sim, o Brasil vitivinícola vive sua melhor época. Digo isso porque o brasileiro
está descobrindo o vinho brasileiro, infelizmente, movido pelos reflexos de uma
pandemia que só aqui já subtraiu mais de meio milhão de pessoas. Não temos
como negar, ignorar ou maquiar o momento vivido. Vidas são vidas. E a vida
precisa seguir em frente, forte, renovada, desafiadora e aberta ao novo.

Historicamente, são nas grandes crises que vivemos grandes transformações.


Assim caminha a humanidade. E nós, enólogos brasileiros, que somos agentes de
uma transformação no setor vitivinícola, estamos literalmente vivendo na pele
este novo momento do vinho brasileiro, aguardado com muita ansiedade por
gerações. O vinho brasileiro hoje é fruto da revolução dos últimos 10 anos, que
coloca o nosso país entre os principais produtores do mundo. Não somos mais o
país com vocação apenas para o espumante. Somos a federação que, em 2020,
conquistou mais premiações para seus vinhos finos do que para os próprios
consagrados espumantes.

Mas isso tudo não acontece por acaso. Muito trabalho, tentativa e erro, acertos,
ousadia, investimento, estudo e, por que não dizer, teimosia, formam essa mistura
capaz de reposicionar nossos rótulos em um novo patamar. E a pesquisa, novos
estudos, diferentes olhares e mentes inquietas têm contribuído, e muito, para este
avançar. Uma prova deste grandioso trabalho que envolve uma gigantesca cadeia
produtiva é a Revista Brasileira de Viticultura e Enologia e tudo o que está por
trás dela. São quase 200 artigos inéditos publicados, 12 somente nesta edição.
É a diversidade de temas que não apenas chega para preencher uma lacuna,
como também abre novos horizontes. Afinal, o universo do vinho é um mundo de
descobertas.

Convido você a mergulhar nessa publicação.

Abra a garrafa e deguste cada gole, cada artigo.

Saúde!
Comissão Organizadora
• Enól. André Gasperin
• Enól. Carlos E. Abarzúa
• Enól. Christian Bernardi
• Profa. Dra. Cláudia Alberici Stefenon
• Enól. Daniel Salvador
• Enól. Dario Crespi
• Prof. Dr. Luciano Manfroi
• Enól. Ricardo Morari
• Secretária: Adriane Biasoli

Comitê Editorial
• Prof. Dr. Luciano Manfroi (Editor)
• Prof. Dr. Carlos Eugenio Daudt
• Profa. Dra. Cláudia Alberici Stefenon
• Dr. Celito Crivellaro Guerra
• Prof. Dr. Eduardo Giovannini
Ano 13 | Nº 13 | Novembro | 2021 • Dr. Erasmo José Paioli Pires
Publicação da ABE - Associação Brasileira de Enologia • Dr. Jean Pierre Rosier
Rua Matheus Valduga, 143 - Bento Gonçalves (RS) • Dr. Maurilo Monteiro Terra
Tel. (54) 3452.6289 - revista@enologia.org.br • Profa. Dra. Regina Vanderlinde
www.enologia.org.br • Prof. Dr. Sérgio Ruffo Roberto
• Prof. Dr. Vitor Manfroi
ISSN 2176-2139

Assessores Científicos
Capa
• Prof. Dr. Carlos Eugenio Daudt - UFSM
Augusto Crespi
• Profa. Dra. Carolina Pretto Panceri - IFSC Urupema
Foto Capa • Profa. Dra. Caroline Dani - IPA
Acervo Casa Valduga • Profa. Dra. Cláudia Alberici Stefenon - Biotecsul
Revisão Português • Prof. Dr. Diovane Moterle - IFRS Bento Gonçalves
Professora Teresinha Dalla Costa • Prof. Dr. Fábio Laner Lenk - IFSP São Roque

Revisão Inglês • Profa. Dra. Giselle Ribeiro de Souza - IFRS Bento Gonçalves
Professora Sônia Sperotto Missiaggia • Dr. Giuliano Elias Pereira - Embrapa Uva e Vinho
• Dr. João Caetano Fioravanço - Embrapa Uva e Vinho
Revisão das Referências
• Prof. Dr. Júlio Meneguzzo - IFRS Bento Gonçalves
Djéssica Batisti
• Profa. Dra. Larissa Dias de Ávila - IFRS Bento Gonçalves
Diagramação
• Profa. Dra. Letícia Schneider Ferreira - IFRS Bento Gonçalves
Vania Maria Basso
• Dr. Lucas da Ressurreição Garrido - Embrapa Uva e Vinho
Impressão • Prof. Dr. Luciano Manfroi - IFRS Bento Gonçalves
Fórmula Prática • Prof. Dr. Marcos dos Santos Lima - IF Sertão Pernambucano
Tiragem • Prof. Dr. Marcos Gabbardo - Unipampa Dom Pedrito
1.500 exemplares • Prof. Dr. Marcus André Kurtz Almança - IFRS Bento Gonçalves
• Dr. Maurilo Monteiro Terra - IAC
O conteúdo dos artigos publicados é de inteira
• Profa. Dra. Neide Garcia Penna - UFSM
responsabilidade do (s) autor (es).
• Prof. Dr. Onorato Jonas Fagherazzi - IFRS Bento Gonçalves
Exemplares podem ser adquiridos na sede da ABE. • Dra. Rosemeire de Lellis Naves - Embrapa Uva e Vinho
• Dra. Sandra Valduga Dutra - ABE
• Profa. Dra. Simone B. Rossato - IFRS Bento Gonçalves
• Prof. Dr. Willian S. Triches - IFSP São Roque
SUMÁRIO
Foto: Tatiana Cavagnoli

VITICULTURA
12 Avaliação de nutrientes em mudas ENOLOGIA
de videira cv. Cabernet Sauvignon
em diferentes porta-enxertos
54 Efeito sobre a cinética
fermentativa de carvões
22 Incidência de viroses em videiras enológicos adicionados em
no Vale do Rio do Peixe (Brasil) mostos para elaboração de
e parâmetros de amostragem espumante
para indexação viral em videiras

32 Substâncias alternativas para o 66 Análises físico-químicas e


sensoriais do espumante
controle do míldio em videira
Chardonnay elaborado
no estilo ancestral (pét-nat)
42 Sistema orgânico de produção de
uva Bordô com o uso de húmus
líquido e cobertura vegetal 76 Monitoramento de Ocratoxina A
em vinhos e sucos de uva
comerciais brasileiros

86 Composição físico-química de
vinhos elaborados a partir do
ENOTURISMO cultivar Ruby Cabernet produzido
na Campanha Gaúcha

116 Enoturismo: vantagens e


desvantagens na Campanha
Gaúcha
94 Autenticidade de vinhos e
álcoois exógenos: aplicação
de isótopos estáveis como
ferramenta de controle

ENOCULTURA 104 Avaliação de compostos


fenólicos em espumantes
124 Reescrevendo a história da
vitivinicultura no Brasil, antes
tintos e rosés produzidos no
Rio Grande do Sul, Brasil
da imigração italiana: 1532-1875
Foto: Jeferson Soldi

CARTA DO EDITOR

13ª edição RBVE


prof. dr. luciano manfroi
editor
Comemorando o 29° aniversário da Avaliação Nacional de Vinhos, a
13ª edição da Revista Brasileira de Viticultura e Enologia publica 12
artigos técnico-científicos, sendo quatro relacionados à Viticultura, seis à
Enologia, um de Enoturismo e um sobre Enocultura.

Os artigos de Viticultura abordam temas relacionados à avaliação de


nutrientes em mudas de videira cv. Cabernet Sauvignon em diferentes
porta-enxertos; incidência de viroses em videiras no Vale do Rio do
Peixe (Brasil) e parâmetros de amostragem para indexação viral em
videiras; substâncias alternativas para o controle do míldio em videira;
sistema orgânico de produção de uva Bordô com o uso de húmus líquido
e cobertura vegetal.

Os de Enologia tratam do efeito sobre a cinética fermentativa de carvões


enológicos adicionados em mostos para elaboração de espumante;
análises físico-químicas e sensoriais do espumante Chardonnay
elaborado estilo (pét-nat); monitoramento de Ocratoxina A em vinhos e
sucos de uva comerciais brasileiros; composição físico-química de vinhos
elaborados a partir do cultivar Ruby Cabernet produzida na Campanha
Gaúcha; autenticidade de vinhos e álcoois exógenos: aplicação de
isótopos estáveis como ferramenta de controle; avaliação de compostos
fenólicos em espumantes tintos e rosés produzidos no Rio Grande do Sul,
Brasil.

No tema Enoturismo, temos o artigo: enoturismo: vantagens e


desvantagens na Campanha Gaúcha.

Em relação ao tema Enocultura, o artigo descreve: reescrevendo a história


da vitivinicultura no Brasil, antes da imigração italiana: 1532-1875.

Boa leitura!

8 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.8, 2021


Foto: Arquivo Pessoal

HOMENAGEM

Uma taça para Alberto Miele


dr. alberto miele

Tivemos a honra de conviver com este grande homem. Doutor em


Viticultura e Enologia, Alberto Miele foi um grande protagonista na
evolução e promoção do vinho brasileiro. Com ele, entendemos a força e a
importância da pesquisa. E para ele conferimos o Troféu Vitis - Destaque
Enológico ainda em 2015, durante a 23ª Avaliação Nacional de Vinhos.
Seu incansável trabalho trouxe novos conhecimentos e descobertas, que
transformaram o setor no país. Sua marca vai ficar gravada na história da
vitivinicultura brasileira, assim como cada vinho na vida de um enólogo.

Junto com o Dr. Miele maturamos a Revista Brasileira de Viticultura e


Enologia e, através dela, compartilhamos conhecimento com todos os que
fazem parte da cadeia produtiva da uva e do vinho. Assim, nós, enólogos
do Brasil, estamos disseminando o desenvolvimento.

Doutor Miele, seguiremos firmes, persistentes e dedicados nesse projeto.


Aprendemos com o Senhor a sermos exigentes e criteriosos e, assim será,
porque a vinha e o vinho são vida, e todo conhecimento em torno deles é
imortal.

Diretoria Gestão 2021-2022


Presidente ANDRÉ GASPERIN | Vice-Presidente RICARDO MORARI | 1º Tesoureiro
Dario Crespi | 2º Tesoureiro CHRISTIAN BERNARDI | 1º Secretário DANIEL SALVADOR
| 2º Secretário ANDRÉ LARENTIS | Diretor Social FELIPE BEBBER | Diretora Cultural
BRUNA CRISTÓFOLI | Diretores de Eventos ANDRÉ PERES JR. E JURANDIR NOSINI |
Diretores de Degustação MICHEL ZIGNANI e MARIO LUCAS IEGGLI | Diretores Técnicos
em Viticultura BRUNO MOTTER e JOÃO CARLOS TAFFAREL | Diretores Técnicos em
Enologia LEOCIR BOTTEGA e VAGNER DE VARGAS MARCHI | Diretores Regionais Centro-
Sul ANDERSON DE CÉSARO e ÁTILA ZAVARIzzE | Diretores Regionais Campanha e Serra
do Sudeste ÂNGELA ROSSI MARCON e MARCOS GABBARDO | Secretárias Eliane
Cerveira e Adriane Biasoli

10 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.10, 2021


Emiliano Santarosa

Avaliação de nutrientes em mudas de


videira cv. Cabernet Sauvignon em
diferentes porta-enxertos

Emiliano Santarosa1

Paulo Vitor Dutra de Souza2

Jorge Ernesto de Araújo Mariath3


1
Embrapa Florestas
83411-000 Colombo, PR
2
UFRGS, Depto. Horticultura
e Silvicultura
91540-000 Porto Alegre, RS
3
UFRGS, Depto. Botânica
91509-900 Porto Alegre, RS

Autor correspondente:
emiliano.santarosa@embrapa.br

12 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021


Resumo

objetivo deste trabalho foi avaliar a influência de porta-enxertos sobre o


desenvolvimento de mudas de videira cv. Cabernet Sauvignon, com ênfase em
variáveis nutricionais. O cultivar foi enxertado sobre Paulsen 1103 (Vitis berlandieri
x Vitis rupestris), Mgt 101-14 (Vitis riparia x V. rupestris) e SO4 (V. berlandieri x V.
riparia). Foram avaliadas variáveis de crescimento vegetativo, o teor de macronutrientes e
micronutrientes nos tecidos foliares. As mudas de Cabernet Sauvignon enxertadas sobre
Paulsen 1103, Mgt 101-14 e SO4 apresentaram diferenças na absorção de nutrientes. As
mudas enxertadas sobre Paulsen 1103 apresentam maior absorção de P, Ca, Mg, Zn, Mn
e B, enquanto para Mgt 101-14 apresentaram maiores teores de K, S, Zn e Fe. Em SO4
apresentaram maiores teores de cobre e teores intermediários para os demais nutrientes.
Houve alterações nos índices de relação nutricional, principalmente envolvendo o teor de
potássio. Os porta-enxertos provocaram alteração no crescimento vegetativo do cultivar
copa, com Paulsen 1103 induzindo maior vigor e maior absorção total de nutrientes, SO4
resultando em vigor intermediário e Mgt 101-14 com o menor vigor vegetativo. Os porta-
enxertos influenciam na absorção, nos teores de nutrientes e no balanço nutricional de
mudas de videira cv. Cabernet Sauvignon, resultante da interação porta-enxerto/cultivar
copa.

Palavras-chave: vitivinicultura, fisiologia vegetal, nutrição.

Abstract

Evaluation of nutrients in young grapevines


cv. Cabernet Sauvignon on different rootstocks

The aim of this study was to evaluate the influence of rootstock on the early development
of young grapevines with emphasis on nutritional variables. The vegetative growth and
nutrient content in the leaves of Vitis vinifera cv. Cabernet Sauvignon grafted on different
rootstocks were evaluated: Paulsen 1103 (Vitis berlandieri x Vitis rupestris), Mgt 101-14
(Vitis riparia x V. rupestris) and SO4 (V. berlandieri x V. riparia). Variables were evaluated for
vegetative growth, macronutrients and micronutrients in leaf tissues. Cabernet Sauvignon
grafted on Paulsen 1103, Mgt 101-14 and SO4 show differences in the absorption of
nutrients. Cabernet Sauvignon grafted on Paulsen 1103 have higher absorption of P, Ca,
Mg, Zn, Mn and B. The plants grafted on Mgt 101-14 showed a high level of K, S, Zn and
Fe. SO4 showed higher levels of Cu and intermediate levels of other nutrients. There were
changes in the nutritional ratio indices, mainly involving the potassium (K) content. The
rootstocks altered the vegetative growth of the scion, and Paulsen 1103 induced more
vigor and demanded greater absorption of total nutrients, SO4 caused intermediary vigor
and Mgt 101-14 presented the lowest vegetative vigor. Rootstocks influence nutrient
absorption, nutrient content and nutritional balance in young grapevines cv. Cabernet
Sauvignon, resulting from the physiology interaction between rootstock-scion.
Keywords: viticulture, plant physiology, nutrition.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021 13


Introdução GAUT et al., 2019; PEIRÓ et al., 2020). Mas as
interações entre porta-enxerto e cultivar copa
A vitivinicultura apresenta grande importância também dependem, possivelmente, dos aspectos
econômica em diversos países, com a produção nutricionais envolvidos, como seletividade na
direcionada para a obtenção de produtos com alto absorção dos nutrientes do solo de acordo com
padrão de qualidade enológica. Produtos de alta cada genótipo.
qualidade são obtidos com a utilização de Vitis
vinifera cv. Cabernet Sauvignon, uva de origem Embora os elementos essenciais sejam
francesa da região de Bourdeaux, que destaca-se basicamente os mesmos no tecido vegetal, as
pelo seu grande potencial para a elaboração de quantidades necessárias podem variar para a
vinho tinto fino. Entretanto, para a obtenção de mesma cultura, sendo um fator importante na
produtividade e qualidade enológica dos vinhedos, avaliação do estado nutricional (ROZANE et
destaca-se a importância do planejamento e al., 2015, 2016a; MELO et al., 2016). Segundo
manejo relacionados ao sistema de produção. Tecchio et al. (2011) ocorrem diferenças nos
Um dos aspectos relacionados à viticultura diz teores de nutrientes nas folhas e no acúmulo de
respeito à utilização de porta-enxertos adequados nutrientes pelos cachos da videira em função dos
a cada local de cultivo, cultivar copa, destino da porta-enxertos. O porta-enxerto deve ser um
produção, incluindo os aspectos nutricionais fator a ser considerado na avaliação nutricional
envolvidos. Por isso, a interação fisiológica entre e recomendação de adubação da videira com
porta-enxerto e o cultivar copa é um dos fatores relação aos nutrientes K e Mg (DALBÓ et al.,
importantes para a vitivinicultura (KELLER et al., 2011). Alguns trabalhos também demonstram a
2012; SANTAROSA et al., 2016a; GAUT et al., influência de porta-enxertos sobre a nutrição de
2019; PEIRÓ et al., 2020). diferentes variedades copa (CSIKÁSZ-KRIZSICS;
DIÓFÁSI; 2008; MIELE et al., 2009; DALBÓ et
O melhoramento genético, visando a obtenção de al., 2011). Porém, esses estudos foram realizados
porta-enxertos para viticultura, iniciou-se devido em vinhedos adultos. Ainda há uma grande
à ocorrência de uma praga de raízes: a filoxera carência de estudos em fisiologia da videira que
(Daktulosphaira vitifoliae Fitch, 1855). Entretanto, apresentem os fatores determinantes e em que
além da resistência às pragas e doenças, um estádios têm início essas diferenças, sendo os
mesmo porta-enxerto não pode ser recomendado aspectos nutricionais muito importantes nessa
para todas as condições de cultivo e cultivares interação fisiológica, desde a fase da muda. Faz-se
copa (SOARES; SOUZA LEÃO, 2009). Sabe-se que necessário adequar as exigências nutricionais de
os porta-enxertos influenciam de forma distinta acordo com as diferentes fases da cultura da videira
no vigor e desenvolvimento de um mesmo e, também, verificar a possível interferência dos
cultivar copa, fator que é determinante para porta-enxertos sobre a nutrição em fase de muda,
sua escolha, conforme o destino da produção: quando as diferenças morfológicas do sistema
uva de mesa, suco, vinho de mesa e vinho fino radicular ainda são menores entre os diferentes
(GIOVANNINI, 2005). Porém, ainda faltam genótipos. Diante desse contexto, o objetivo do
estudos que apresentem os fatores determinantes trabalho foi avaliar a influência de porta-enxertos
dessas diferenças, sendo os aspectos nutricionais sobre o teor de macro e micronutrientes em
importantes na interação porta-enxerto x cultivar mudas de Vitis vinifera cv. Cabernet Sauvignon.
copa e na produtividade dos vinhedos.

Diferenças na morfologia, no crescimento do


sistema radicular e as interações fisiológicas são Material e Métodos
fatores importantes nessa relação, afetando
principalmente a capacidade de absorção e O experimento foi executado no período de agosto
fluxo de água na planta, mudanças no balanço de 2010 a janeiro de 2011, na casa de vegetação
hormonal, na anatomia do sistema vascular e no do Departamento de Horticultura e Silvicultura,
potencial hídrico foliar (CARBONNEAU, 1985; Faculdade de Agronomia, da Universidade
CANDOLFI-VASCONCELOS et al., 1994; KELLER Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), localizada
et al., 2012; SANTAROSA et al., 2016a, 2016b; em Porto Alegre, RS, coordenadas geográficas 30

14 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021


04’15.50”S e 51 08’21.15”O, a 46m de altitude. (MELO, 2003; ROLAS, 2004; GIOVANNINI, 2005).
O delineamento experimental utilizado foi
inteiramente casualizado, com três tratamentos Após 150 dias do início da brotação, as plantas
(porta-enxertos), quatro repetições e com 10 foram avaliadas quanto ao crescimento
plantas por parcela. Foram avaliados, no primeiro vegetativo e vigor, sendo mensurados os
ciclo de crescimento vegetativo, o teor de macro seguintes parâmetros: MF - Massa fresca da parte
e micronutrientes no tecido foliar de Vitis vinifera área e raízes (g); MSF - Massa seca das folhas (g);
cv. Cabernet Sauvignon enxertada sobre Paulsen MSR - Massa seca dos ramos (g); MSC - Massa
1103 (Vitis berlandieri x Vitis rupestris), Mgt 101-14 Seca do Caule ou estaca (g); MSR - Massa seca das
(Vitis riparia x Vitis rupestris) e SO4 (Vitis berlandieri raízes (g).
x Vitis riparia). Esses porta-enxertos foram
escolhidos por serem os genótipos mais utilizados A massa seca foi determinada através da coleta
na viticultura do Sul do Brasil e também por serem de folhas, ramos, caule (estaca) e raízes que
híbridos resultantes do cruzamento de diferentes foram destacados das plantas, condicionados em
combinações de espécies de Vitis sp., cada material sacos de papel com identificação e levados ao
com características específicas. O Paulsen 1103 é laboratório, onde foram colocados para secar a
vigoroso, imprimindo médio a alto vigor à copa e 65˚C, em estufa com circulação forçada de ar, até
retardando a maturação da uva. O SO4 confere atingirem estabilização da matéria seca. Após,
desenvolvimento vigoroso e boas produtividades, a massa do material foi pesada em balança de
adiantando a maturação e permitindo qualidade precisão.
de produção regular. O Mgt 101-14 é um porta-
enxerto pouco vigoroso e precoce, com sistema Para o teor de macro e micronutrientes nos
radicular superficial. Imprime fraco vigor à copa, tecidos foliares, foram coletadas amostras de
adiantando a maturação, com média produtividade 50 a 100 folhas completas, com limbo e pecíolo,
e uvas de qualidade superior (CAMARGO, 2003; de 20 plantas de Cabernet Sauvignon para cada
IFV, 2010; SANTAROSA, 2013). combinação, sendo as mudas enxertadas sobre
Paulsen 1103, SO4 e Mgt 101-14, totalizando
Para a instalação do experimento, no final do oito amostras por tratamento. Os tecidos foliares
período de dormência (agosto), foram coletadas foram coletados das plantas na parte mediana dos
as estacas dos porta-enxertos contendo quatro ramos, no mês de janeiro. Foram acondicionados
gemas (1 a 1,5 cm de diâmetro e 30 cm de em sacos plásticos, devidamente identificados,
comprimento) e as estacas (uma a duas gemas) levados para o laboratório e colocados para secar
do cultivar copa. Posteriormente foi realizada a a 65˚C, em estufa com circulação forçada de ar,
enxertia de mesa, utilizando máquina de corte até atingirem estabilização da matéria seca. Após,
tipo ômega, com posterior proteção do enxerto o material foi moído em moinho do tipo Wiley
com cera, através da parafinagem, e colocados em de facas de aço inoxidável, passado em peneira
sala de forçagem. Após a enxertia e enraizamento, de 40 mesh e armazenado, separadamente, em
as estacas foram transplantadas em recipientes sacos de plásticos hermeticamente fechados,
de 5 L, contendo substrato comercial, composto conforme metodologia de análise descrita por
de turfa sphagnum, vermiculita e casca de arroz Miele et al. (2009). Foram tomados 100 mg de
carbonizada, calcário dolomítico, gesso agrícola cada amostra do material foliar para a análise
e NPK, com as seguintes características: pH 5,0 de macro e micronutrientes no Laboratório
(+/-0,5); condutividade elétrica (mS/cm) = 1,5 de Análises de Solos, Água e Tecidos. Os
(+/- 0,3); densidade = 114 Kg/m3; capacidade macronutrientes avaliados foram nitrogênio,
de retenção de água - CRA (10) = 54%; umidade fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre; e os
máxima = 60%. As mudas foram conduzidas em micronutrientes manganês, cobre, ferro, zinco e
haste única em casa de vegetação. A irrigação das boro. Os resultados obtidos, expressos em g kg-1
plantas foi realizada mantendo a disponibilidade de matéria seca para macronutrientes, e mg Kg-1
hídrica próxima à capacidade de campo (vaso de matéria seca, para micronutrientes. Os dados
ou recipiente), com regas diárias. O manejo de crescimento vegetativo e relações nutricionais
fitossanitário e adubação foram adaptados de foram submetidos à análise de variância e a
acordo com as recomendações para cultura comparação de médias foi realizada pelo teste de

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021 15


Tukey, a 5% de probabilidade de erro, utilizando o influenciar na qualidade da uva destinada para a
software SAS. produção de vinhos finos, uma vez que alterando o
teor de nutrientes nas bagas pode-se influenciar na
qualidade do vinho produzido. Existem diferentes
Resultados e Discussão experimentos com indícios da influência do porta-
enxerto nos aspectos fisiológicos, nutricionais
O cultivar Cabernet Sauvignon apresentou e na qualidade enológica da uva em vinhedos
diferenças nos teores nutricionais, influenciado adultos (CARBONNEAU, 1985; CANDOLFI-
pelo tipo de porta-enxerto, sendo constatadas VASCONCELOS et al., 1994; CSIKÁSZ- KRIZSICS;
diferenças desde o primeiro ciclo de crescimento DIÓFÁSI; 2008; MIELE et al., 2009; KELLER
para maior parte dos nutrientes (Tabela 1). et al., 2012). Entretanto, o nitrogênio (N) foi
o nutriente que apresentou menor influência
A combinação desse cultivar copa com Paulsen por unidade de tecido foliar, não apresentando
1103 resultou em maior teor de fósforo (P), diferenças significativas nas concentrações entre
cálcio (Ca) e magnésio (Mg) dos tecidos foliares os tratamentos na fase de muda. Esse efeito não
em comparação com os porta-enxertos SO4 e significativo pode ter ocorrido em função das
Mgt 101-14. Em contrapartida, a combinação características físico-químicas do substrato e
do cultivar Cabernet Sauvignon com Mgt 101- condução do experimento. Mas, para análise,
14 resultou em maiores teores de potássio (K) ressalta-se que esses dados também apresentam
e enxofre (S). As mudas enxertadas sobre SO4 relação com o conteúdo de matéria seca total, no
apresentaram teores intermediários (Tabela 1). As qual o maior vigor vegetativo está relacionado com
faixas de nutrientes verificadas foram similares às a maior extração total dos nutrientes, conforme
encontradas por Dalbó et al. (2011), para os níveis será apresentado no item específico.
de potássio, cálcio, magnésio e relação K/Mg,
sendo os níveis de nitrogênio e fósforo superiores Os porta-enxertos influenciaram também no
no atual experimento. Os níveis de nitrogênio, teor de micronutrientes nos tecidos foliares do
fósforo e potássio também foram superiores aos cultivar Cabernet Sauvignon (Tabela 2). As mudas
encontrados por Miele et al. (2009) para o limbo enxertadas sobre Paulsen 1103 apresentaram
foliar de Cabernet Sauvignon, sendo similar maior teor de zinco (Zn), manganês (Mn) e boro
quanto aos demais macronutrientes. Ressaltando (B) em comparação com as mudas enxertadas
que nos experimentos citados foram utilizadas sobre SO4 e Mgt 101-14. As mudas de Cabernet
plantas adultas de videira. As diferenças nos Sauvignon sobre Mgt 101-14 apresentaram
teores de macronutrientes nesse experimento maior teor de ferro (Fe) e zinco (Zn), nesse último
são indicativos da diferença na absorção de igualando-se significativamente ao Paulsen 1103.
nutrientes, influenciado, possivelmente, pela As mudas enxertadas sobre SO4 apresentaram
diferença morfológica do sistema radicular entre maior teor de cobre (Cu) em comparação aos
os porta-enxertos. Verificou-se que essa diferença demais, apresentando valores intermediários nos
ocorre desde a fase inicial de desenvolvimento demais micronutrientes, exceto em zinco, pois
das plantas. Possivelmente, em videiras adultas as apresentou valor significativamente inferior. A
diferenças nutricionais poderão ser amplificadas e absorção e os teores de micronutrientes foram

Tabela 1. Teor de macronutrientes (nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre) no tecido foliar de mudas
de videiras Vitis vinifera cv. Cabernet Sauvignon, enxertadas em diferentes porta-enxertos (Paulsen 1103,
Mgt 101-14 e SO4).

Macronutrientes (g kg-1)
Tratamento
N P K Ca Mg S
Cabernet Sauvignon / P1103 28,9 ns 12,7 a 17,2 c 15,7 a 6,6 a 3,1 c
Cabernet Sauvignon / Mgt 101-14 29,0 3,9 c 19,4 a 14,0 b 5,0 c 3,6 a
Cabernet Sauvignon / SO4 29,7 8,3 b 18,4 b 14,3 b 5,7 b 3,4 b
C.V. (%) 3,54 3,56 3,98 6,71 3,31 4,32
Pr 0,1897 < 0,0001 < 0,0001 0,0014 < 0,0001 < 0,0001
Médias seguidas pelas mesmas letras minúsculas na coluna não diferem significativamente pelo método de Tukey, a 5% de probabilidade de erro.
ns: não significativo.

16 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021


Tabela 2. Teor de micronutrientes (cobre, zinco, ferro, manganês e boro) no tecido foliar de mudas de videiras Vitis
vinifera cv. Cabernet Sauvignon, enxertadas em diferentes porta-enxertos (Paulsen 1103, Mgt 101-14 e
SO4).

Micronutrientes (mg kg-1)


Tratamento
Cu Zn Fe Mn B
Cabernet Sauvignon / P1103 422,9 b 24,5 a 279,7 c 1430,0 a 85,4 a
Cabernet Sauvignon / Mgt 101-14 418,3 b 25,6 a 310,3 a 919,5 c 23,5 c
Cabernet Sauvignon / SO4 495,1 a 21,7 b 299,6 b 1200,0 b 66,3 b
C.V. (%) 1,64 6,07 2,75 7,99 3,44
Pr < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001
Médias seguidas pelas mesmas letras minúsculas na coluna não diferem significativamente pelo método de Tukey, a 5% de probabilidade de erro.

maiores em relação a outros experimentos (DALBÓ genótipos, o que pode ser pesquisado para fins de
et al., 2011; MIELE et al., 2009), possivelmente adaptação ou tolerância às condições de excesso
devido às diferenças no estádio de avaliação da desse micronutriente, que ocorrem em alguns
cultura, metodologia e características físico- solos com histórico de viticultura, e que devem ser
químicas do substrato. Esses micronutrientes são verificados com experimentos complementares.
importantes, pois estão relacionados à formação
de diferentes compostos orgânicos na planta, Houve diferenças nos indicadores de relação
influenciando nos processos metabólicos (TAIZ; nutricional, principalmente para os nutrientes
ZEIGER, 2009). Nesse sentido, a absorção tanto potássio, magnésio e cálcio no tecido foliar de
de macro, como micronutrientes, é influenciada mudas do cultivar Cabernet Sauvignon sobre
pelos porta-enxertos, podendo afetar a formação diferentes porta-enxertos. As mudas sobre Mgt
dos diferentes compostos orgânicos. Também, 101-14 apresentaram maior relação K/Mg, K/Ca,
os maiores teores de cobre para o SO4 são K/Ca+Mg, Ca/Mg (Figuras 1 e 2) em comparação
indícios do comportamento diferenciado entre os com Paulsen 1103 e SO4, devido à maior absorção

Cabernet Sauvignon / SO4 Cabernet Sauvignon / SO4


Cabernet Sauvignon / Paulsen 1103 Cabernet Sauvignon / Paulsen 1103
Cabernet Sauvignon / Mgt. 101-14 Cabernet Sauvignon / Mgt. 101-14
4,0 a 4,0

3,5 3,5
b
Índice de Relação Nutricional

Índice de Relação Nutricional

3,0 3,0
a
c b
2,5 2,5 b
a
2,0 2,0 b
b
b a
1,5
c 1,5
b a
c a
1,0 1,0 b
c
0,5 0,5

0 0
N/K K/Mg K/Ca K/Ca+Mg Ca/Mg Ca+Mg

Figura 1. Índice de relação entre nutrientes (nitrogênio, Figura 2. Índice de relação entre nutrientes (potássio,
potássio, magnésio e cálcio) no tecido foliar de magnésio e cálcio) no tecido foliar de mudas de
mudas de videiras Vitis vinifera cv. Cabernet videiras Vitis vinifera cv. Cabernet Sauvignon,
Sauvignon, enxertadas em diferentes enxertadas em diferentes porta-enxertos
porta-enxertos (SO4, Paulsen 1103, Mgt (SO4, Paulsen 1103, Mgt 101-14). Médias
101-14). Médias seguidas pelas mesmas seguidas pelas mesmas letras minúsculas na
letras minúsculas na coluna não diferem coluna não diferem significativamente pelo
significativamente pelo método de Tukey, a método de Tukey, a 5% de probabilidade de
5% de probabilidade de erro. erro.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021 17


de potássio em relação aos demais nutrientes. As equilíbrio entre os elementos no tecido vegetal
mudas enxertadas sobre P1103 apresentaram apresentam relação com o crescimento e a
maior relação N/K e Ca+Mg, possivelmente produtividade das videiras, sendo importantes
devido ao maior crescimento vegetativo e maior na avaliação e diagnose do estado nutricional
equilíbrio na absorção de cálcio e magnésio, das plantas (ROZANE et al., 2016b; MELO et al.,
com menores teores de potássio. Plantas com 2016). Nesse sentido, os porta-enxertos, com
maior absorção de potássio tendem a apresentar suas características diferenciadas de crescimento
menor absorção de magnésio e cálcio, conforme e seletividade na absorção, também são fatores
verificado em Mgt 101-14. As relações de importantes nesta interação fisiológica.
potássio com cálcio e magnésio apresentadas são
indicativos da influência do potássio na absorção O conteúdo de matéria fresca foi
de outros nutrientes, como indicado por Dalbó et significativamente superior para as folhas,
al. (2011). Em plantas adultas, as relações entre ramos e raízes das mudas do cultivar Cabernet
potássio, magnésio e cálcio podem ser indicadores Sauvignon enxertadas sobre Paulsen 1103, com
correlacionados com a produtividade. Segundo SO4 apresentando valores intermediários e o
Tecchio et al. (2011) a produtividade correlaciona- Mgt 101-14 apresentando o menor vigor (Figura
se positivamente com os teores de potássio e a 3). As mudas enxertadas sobre SO4 e Mgt 101-
relação K/Mg nas folhas e negativamente com a 14 não apresentaram diferenças significativas
relação Ca+Mg/K e os teores de cálcio e magnésio. apenas quanto ao conteúdo de matéria fresca das
Os resultados desse experimento indicam que os folhas. Assim, como observado para o conteúdo
porta-enxertos apresentam interação fisiológica de matéria fresca, verifica-se que as mudas de
com o cultivar copa, através da seletividade na Cabernet Sauvignon enxertadas sobre o porta-
absorção de nutrientes desde a fase de muda, enxerto Paulsen 1103 apresentaram maior
sendo as exigências nutricionais dependentes conteúdo de matéria seca em comparação aos
do genótipo, possivelmente em virtude das demais (Figura 4). As mudas enxertadas sobre
diferenças fenotípicas, morfológicas e do vigor Paulsen 1103 apresentaram maior matéria seca nas
do sistema radicular. Essa relação nutricional e o folhas, ramos, estaca e raiz, sendo, portanto, mais

16,0
Cabernet Sauvignon / Paulsen 1103
a Cabernet Sauvignon / Mgt. 101-14
14,0
Conteúdo médio de Matéria Fresca (g planta-1)

ns Cabernet Sauvignon / SO4

12,0

10,0

a
8,0

6,0
b
a
b
4,0
b b c
2,0 c

0
MF Folhas MF Ramos MF Estacas MF Raízes

Figura 3. Conteúdo médio de matéria fresca (MF, g planta-1) das folhas, ramos, estacas e raízes por planta, para mudas
de Vitis vinifera cv. Cabernet Sauvignon, enxertadas em diferentes genótipos de porta-enxertos (Paulsen
1103, Mgt 101-14 e SO4). Médias seguidas por letras minúsculas iguais na coluna não diferem entre si ao
nível de 5% (p<0,05) de probabilidade pelo teste de Tukey. ns = não significativo. CV % = 15,6 (folhas); 16,7
(ramos); 6,7 (estacas); 18,1 (raízes).

18 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021


8,0
Cabernet Sauvignon / Paulsen 1103

7,0 Cabernet Sauvignon / Mgt. 101-14


Conteúdo médio de Matéria Seca (g planta -1) a
Cabernet Sauvignon / SO4

6,0
b
b
5,0

4,0

3,0 a
a
2,0
a
b b
1,0 b b
c c

0
MS Folhas MS Ramos MS Estacas MS Raízes

Figura 4. Conteúdo médio de matéria seca (MS, g planta-1) das folhas, ramos, estaca e raiz por planta, para mudas de
Vitis vinifera cv. Cabernet Sauvignon, enxertadas em diferentes genótipos de porta-enxertos (Paulsen 1103,
Mgt 1014 e SO4). Médias seguidas por letras minúsculas iguais na coluna não diferem entre si ao nível de 5%
(p<0,05) de probabilidade pelo teste de Tukey. ns = não significativo. CV % = 13,2 (folhas); 14,7 (ramos); 7,0
(estacas); 12,7 (raízes).

vigoroso e proporcionando maior crescimento produção de biomassa apresenta alta correlação


vegetativo. Os porta-enxertos Mgt 101-14 e com a quantidade acumulada de nutrientes.
SO4 apresentaram valores inferiores de matéria Dentro desse contexto, existem possibilidades
seca, não diferindo significativamente entre si de adequar as adubações de acordo com as
para folhas e estaca, mas diferindo em relação ao características de vigor de cada porta-enxerto,
ramo e raízes. As diferenças de vigor ressaltam a desde a fase de muda, de modo a auxiliar na
importância do manejo conforme a combinação implantação e formação adequada dos vinhedos e
porta-enxerto/cultivar copa, na fase inicial de também maior equilíbrio nutricional para controle
desenvolvimento, assim como as características do crescimento vegetativo, conforme os objetivos
dos genótipos e a distribuição do crescimento da produção. Também, para produção de mudas
nas diferentes partes da planta. Relacionando as em escala comercial ou sistemas de produção,
características nutricionais, o porta-enxerto mais com maior número de plantas ou insumos
vigoroso apresenta maior absorção e exportação utilizados, esses ajustes filotécnicos podem ser
total de nutrientes. No atual experimento, o importantes na condução da atividade, além da
maior crescimento vegetativo do cultivar copa seleção dos porta-enxertos. Outros experimentos
proporcionado pelos porta-enxertos Paulsen são necessários para a validação e detalhamento
1103 e SO4 pode ser relacionado com uma maior desses ajustes, sendo que esses resultados
extração ou absorção total de nutrientes, quando indicam uma importante seletividade na absorção,
correlacionados aos valores de matéria fresca variação entre genótipos e a interação fisiológica
e seca total. Esses resultados são similares ao dos porta-enxertos de videira em relação ao
obtido por Albuquerque e Dechen (2000), onde a cultivar copa.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021 19


Conclusão

1. As mudas de videira cv. Cabernet Sauvignon 3. Os porta-enxertos alteram o crescimento


apresentam diferenças nos teores de nutrientes vegetativo do cv. Cabernet Sauvignon desde a
conforme o porta-enxerto. O Paulsen 1103 fase de muda, sendo Paulsen 1103 mais vigoroso e
apresentou maior absorção de fósforo, cálcio, demandando maior absorção total de nutrientes,
magnésio, zinco, manganês e boro; SO4 com SO4 intermediário e Mgt 101-14 apresentando o
valores superiores de cobre; e Mgt 101-14 com menor vigor vegetativo.
maiores teores de potássio, enxofre, zinco e ferro.
4. Os porta-enxertos apresentam seletividade na
2. Os porta-enxertos interferem nos índices de absorção de macro e micronutrientes, afetando os
relação nutricional para cv. Cabernet Sauvignon, teores de nutrientes no tecido foliar e o balanço
principalmente envolvendo o teor de potássio. nutricional no cv. Cabernet Sauvignon.

Referências

ALBUQUERQUE, T.C.S.; DECHEN, A.R. Absorção DALBÓ, M.A.; SCHUCK, E.; BASSO, C. Influence
de macronutrientes por porta-enxertos e of rootstock on nutrient content in grape petioles.
cultivares de videira em hidroponia. Scientia Revista Brasileira de Fruticultura. São Paulo,
Agricola. São Paulo, v.57, n.1, p.135-139, mar. v.33, n.3, p.941-947, set. 2011. DOI: https://doi.
2000. org/10.1590/S0100-29452011005000092

CAMARGO, U.A. Porta-enxertos e cultivares. In: GAUT, B.S.; MILLER, A.J.; SEYMOUR, D.K. Living
Uvas viníferas para processamento em regiões with Two Genomes: Grafting and Its Implications
de clima temperado. Sistemas de Produção. for Plant Genome-to-Genome Interactions,
Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2003. Phenotypic Variation, and Evolution. Annual
Disponível em: https://sistemasdeproducao. Review of Genetics. Estados Unidos, v.53,
cnptia.embrapa.br. Acesso em: 15 fev. 2020. p.195-215, dez. 2019. DOI: 10.1146 / annurev-
genet-112618-043545
CANDOLFI-VASCONCELOS, M.C.; KOBLET,
W.; HOWELL, G.S.; ZWEIFEL, W. Influence of GIOVANNINI, E. Produção de uvas para vinho,
defoliation, rootstock, training system, and leaf suco e mesa. Porto Alegre: Renascença, 2005.
position on gas exchange of Pinot noir grapevines.
American Journal of Enology and Viticulture. INSTITUT FRANÇAIS DE LA VIGNE ET DU
Estados Unidos, v.45, n.2, p.173-180, jan. 1994. VIN - IFV. Cépages, porte-greffes du Sudouest.
Disponível em: http://www.vignevin-sudouest.
CARBONNEAU, A. The early selection of com/publications. Acesso em: 05 mar. 2020.
grapevine rootstocks for resistance to drought
conditions. American Journal of Enology and KELLER, M.; MILLS, L.J.; HARBERTSON, J.F.
Viticulture. Estados Unidos, v.36, n.3, p.195-198, Rootstock effects on deficit-irrigated winegrapes
jan. 1985. in a dry climate: vigor, yield formation, and fruit
ripening. American Journal of Enology and
CSIKÁSZ-KRIZSICS, A.; DIÓFÁSI, L. Effects of Viticulture. Estados Unidos, v.63, p.29-39, nov.
rootstock-scion combinations on macroelements 2012.
availability of the vines. Journal Central European
Agricultures. v.9, n.3, p.495-504, dez. 2008.

20 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021


MELO, G.W.B. Preparo do solo, calagem e ROZANE, D.E.; PARENT, L.E.; NATALE, W.
adubação. In: Uvas Viníferas para Processamento Evolution of the predictive criteria for the tropical
em Regiões de Clima Temperado. Sistemas de fruit tree nutritional status. Cientifica. São Paulo,
Produção. Embrapa Uva e Vinho: Bento Gonçalves, v.44, n.1, p.102-112, dez. 2016b. DOI: http://dx.doi.
2003. Disponível em: https://sistemasdeproducao. org/10.15361/1984-5529.2016v44n1p102-112
cnptia.embrapa.br. Acesso em: 20 fev. 2020.
SANTAROSA, E. Caracterização anatômica e
MELO, G.W.B; ZALAMENA, J.; BRUNETTO, fisiológica da interação porta-enxerto/copa em
G.; CERETTA, C.A. Calagem, adubação e videiras. 2013. Tese (Doutorado em Fitotecnia) -
contaminação em solos cultivados com videiras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2016. Alegre: UFRGS, 2013.

MIELE, A.; RIZZON, L.A.; GIOVANNINI, E. Efeito SANTAROSA, E.; SOUZA, P.V.D. de; MARIATH, J.E.
do porta-enxerto no teor de nutrientes em tecidos de A.; LOUROSA, G.V. Physiological interaction
da videira ‘Cabernet Sauvignon’. Revista Brasileira between rootstock-scion: effects on xylem vessels
de Fruticultura, São Paulo, v.31, n.4, p.1141-1149, in Cabernet Sauvignon and Merlot grapevines.
dez. 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100- American Journal of Enology and Viticulture.
29452009000400031 Estados Unidos, v.67, p.65-76, jan. 2016a. DOI:
10.5344/ajev.2015.15003
PEIRÓ, R.; JIMÉNEZ, C.; PERPIÑÀ, G.; SOLER, J.
X.; GISBERT, C. Evaluation of the genetic diversity SANTAROSA, E.; SOUZA, P.V.D. de; MARIATH,
and root architecture under osmotic stress of J.E. de A.; LOUROSA, G.V. Alterações anatômicas
common grapevine rootstocks and clones. Scientia do sistema vascular em porta-enxertos de videira.
Horticulturae. Amsterdã, v.266, p.109-283, mai. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.51, n.4, p.320-
2020. DOI: 10.1016/j.scienta.2020.109283 329, abr. 2016b. DOI: https://doi.org/10.1590/
S0100-204X2016000400004
ROLAS. Recomendações de adubações e de
calagem para os estados do Rio Grande do Sul SOARES, J.M.; SOUZA LEÃO, P.C. A viticultura
e Santa Catarina. Passo Fundo: SBCS - Núcleo no Semiárido Brasileiro. Brasília: Embrapa
Regional Sul, 2004. Informação Tecnológica; Petrolina: Embrapa
Semi-Árido, 2009.
ROZANE, D.E.; MATTOS J.R, D.; PARENT, S.É.;
NATALE, W.; PARENT, L.E. Meta-analysis in TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia Vegetal. 4.ed. Porto
the selection of groups in varieties of citrus. Alegre: Artmed, 2009.
Communications in Soil Science and Plant
Analysis. Reino Unido, v.46, n.15, p.1948-1959, TECCHIO, M.A.; TEIXEIRA, L.A.J.; TERRA, M.M.;
ago. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/00103 MOURA, M.F.; PAIOLI-PIRES, E.J. Extração de
624.2015.1069307 nutrientes pela videira ‘niágara rosada’ enxertada
em diferentes porta-enxertos. Revista Brasileira
ROZANE, D.E.; BRUNETTO, G.; MELO, G.W.B.; de Fruticultura. São Paulo, v.33, p.736-742, out.
NATALE, W.; PARENT, S.E.; SANTOS, E.M.H. 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100-
ZALAMENA, J.; PARENT, L.E. Avaliação do 29452011000500103
estado nutricional de videiras pela Diagnose
da Composição Nutricional - CND. In: MELO,
G.W.B; ZALAMENA, J.; BRUNETTO, G.; CERETTA,
C.A. Calagem, adubação e contaminação em
solos cultivados com videiras. Bento Gonçalves:
Embrapa Uva e Vinho, 2016a.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.12-21, 2021 21


Thor Vinícius Martins Fajardo

Incidência de viroses em videiras


no Vale do Rio do Peixe (Brasil)
e parâmetros de amostragem
para indexação viral em videiras

Thor Vinícius Martins Fajardo1

Alexandre Carlos Menezes-Netto2

Osmar Nickel1

1
Embrapa Uva e Vinho
95701-008 Bento Gonçalves, RS
2
Epagri - Estação Experimental
de Videira
89564-506 Videira, SC

Autor correspondente:
thor.fajardo@embrapa.br

22 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021


Resumo

entre os problemas fitossanitários da videira (Vitis spp.), destacam-se os vírus,


patógenos que podem reduzir a qualidade e o rendimento da produção de uva.
No entanto, detectar e identificar infecções virais em videiras pode ser um desafio.
Os objetivos deste trabalho foram identificar as principais espécies virais presentes em
vinhedos comerciais de municípios do Vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina, e avaliar
a detecção viral em diferentes estádios de desenvolvimento da videira e em tecidos,
expressando diferentes intensidades de sintomas, utilizando RT-PCR em tempo real
(RT-qPCR). Todos os sete vírus e o viroide avaliados estão amplamente disseminados
nas áreas amostradas, frequentemente em altas incidências, variando de 27,1% a 85,4%,
e em infecções múltiplas. Evidencia-se a importância que as viroses possuem dentro
dessa prestigiada região de cultivo da videira no Brasil. Em dois ensaios, foram avaliadas
a capacidade e a confiabilidade da RT-qPCR em detectar vírus e viroide em tecidos
vegetais em diferentes estádios de desenvolvimento e em folhas com sintomas severos,
intermediários ou assintomáticas. Amostras de videiras com pouco desenvolvimento
vegetativo (até 74 dias após a poda) não foram adequadas para a diagnose. A detecção
viral foi possível na maioria dos tecidos foliares, expressando diferentes intensidades
de sintomas, inclusive em folhas assintomáticas. Essa informação contribui para definir
parâmetros de amostragem determinantes para um diagnóstico confiável.

Palavras-chave: levantamento, detecção, amostragem, RT-qPCR, Vitis.

Abstract

Incidence of grapevine viruses in Vale do Rio


do Peixe (Brazil) and sampling parameters
for viral indexing of grapevines
Among phytosanitary problems of grapevines (Vitis spp.), viruses stand out for their
capacity of reducing the quality and yield of grapes. However, detecting and identifying
viral infections in grapevines can be challenging. The objectives of this study were to
identify the main viral species present in commercial vineyards in municipalities of Vale do
Rio do Peixe, Santa Catarina State, Brazil and to evaluate the viral detection in different
stages of grapevine development and in tissues expressing different symptom intensities
using real time RT-PCR (RT-qPCR). All seven viruses and the viroid evaluated are widely
spread in the sampled areas, often with high incidence, ranging from 27.1% to 85.4%, and
multiple infections, highlighting the relevant role that these pathogens have within this
important grape-growing region of Brazil. Two trials assessed the capacity and reliability of
RT-qPCR to detect viruses and a viroid in leaves with severe or intermediate symptoms and
asymptomatic leaves. It has been demonstrated that tissue samples of young vegetative
growth (up to 74 days after pruning) are unsuitable for virus diagnosis. Virus detection
was possible in most leaf tissues expressing different intensities of symptoms, including
asymptomatic leaves. This information contributes to establishing sampling parameters
that are crucial for a reliable diagnosis.
Keywords: survey, detection, sampling, RT-qPCR, Vitis.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021 23


Introdução da planta e, também, da combinação entre a
espécie/cultivar da videira e a espécie/estirpe
O processo infeccioso causado por patógenos viral. Dessa maneira, a infecção viral pode passar
virais em videiras (Vitis spp.) resulta em redução despercebida por não induzir a manifestação de
do rendimento, da qualidade da produção e sintomas facilmente distinguíveis (BASSO et al.,
da vida útil do vinhedo e, por fim, reflete-se 2017).
na rentabilidade da cultura. Existem cerca de
21 e 86 espécies virais relatadas na cultura da Em infecções virais de videiras, comumente
videira, no Brasil e no mundo, respectivamente; se verifica distribuição irregular e baixa
alguns desses patógenos apresentam destacada concentração do vírus na hospedeira, e flutuação
relevância por induzirem perdas relevantes do título viral, tanto ao longo do ciclo da planta
(FUCHS, 2020). A propagação vegetativa da (variação sazonal) quanto em seus diferentes
videira, seu cultivo perene (longa exposição em tecidos (FIORE et al., 2009). Dessa forma, é
campo) e a presença de vetores para alguns vírus importante estudar essas variações, utilizando-se
facilitam a disseminação e a ocorrência de doenças técnicas de diagnóstico sensíveis. Os resultados
complexas pelo acúmulo de diferentes espécies gerados nesse tipo de abordagem podem embasar
virais em uma mesma planta (BASSO et al., 2017). recomendações de amostragens que aumentem a
confiabilidade do diagnóstico (FAJARDO, 2015).
Em Santa Catarina, a vitivinicultura representa
uma atividade econômica expressiva. A área Nesse contexto, este trabalho teve como objetivos:
plantada com videiras no Estado é de cerca de 1) determinar parâmetros de amostragem para
4.000 ha, com uma produção aproximada de uma indexação viral eficiente, por RT-PCR em
60.000 toneladas de uva em 2019 (MELLO; tempo real (RT-qPCR), em tecidos vegetais
MACHADO, 2020). O Vale do Rio do Peixe, no de diferentes estádios fenológicos da videira,
meio-oeste catarinense, é uma região tradicional expressando diferentes intensidades de sintomas;
de cultivo da videira, com pequenas propriedades e 2) a partir do estabelecimento dos parâmetros
agrícolas, sendo responsável por significativa de amostragem, caracterizar a incidência de
parcela da produção estadual, com destaque para viroses em vinhedos localizados no Vale do Rio do
os municípios de Tangará, Videira e Pinheiro Preto. Peixe, em Santa Catarina.
Nessa região, cultivam-se principalmente videiras
americanas. As uvas são destinadas à elaboração
de vinhos e de sucos, e pequena porção é destinada
para o consumo in natura. Inexistem informações Material e Métodos
sobre a incidência de patógenos virais nessa
importante região vitícola brasileira. Levantamento: O levantamento de vírus foi
realizado em quatro vinhedos comerciais de três
Em áreas onde predomina o cultivo de videiras municípios na região do Vale do Rio do Peixe,
americanas (V. labrusca) e híbridas, como no Vale Santa Catarina, em março de 2020. No total, foram
do Rio do Peixe, os sintomas característicos coletadas 48 amostras (12 plantas por vinhedo,
de viroses tendem a estar ausentes ou serem 8-10 folhas maduras com pecíolos/amostra),
medianamente perceptíveis na parte aérea da conforme detalhamento: Vinhedo 1: cv. Isabel
planta, devido à reação tolerante do genótipo Precoce enxertado no porta-enxerto cv. VR 043-
dessas hospedeiras. Isso dificulta a avaliação 43, com 8 anos de idade em Pinheiro Preto, SC;
visual em campo e a constatação dos efeitos mudas prontas adquiridas de viveirista; Vinhedo
negativos da ocorrência das doenças virais nos 2: cv. Bordô enxertado no cv. VR 043-43, com 20
parreirais, sinalizando a necessidade de utilização anos de idade em Videira, SC; mudas formadas
de testes diagnósticos para se determinar o estado pelo produtor com a aquisição da copa e do porta-
fitossanitário das plantas (FAJARDO; NICKEL, enxerto de viveirista e também utilizando cv. copa
2015). Além do genótipo da hospedeira, os colhido na propriedade; Vinhedo 3: cv. Bordô
sintomas de infecção viral na videira podem variar enxertado no cv. VR 043-43, com 10 anos de idade
em função das condições ambientais, do estádio em Videira, SC; mudas prontas adquiridas de
de desenvolvimento, da condição nutricional viveirista; Vinhedo 4: cv. Isabel enxertado no cv.

24 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021


Paulsen 1103, com 40 anos de idade em Tangará, ausência, utilizando-se o kit TaqMan Fast Virus
SC; mudas formadas pelo produtor com o cv. copa 1-Step Master Mix e o termociclador StepOnePlus
colhido na propriedade e aquisição do porta- Real-time PCR System (Applied Biosystems).
enxerto. As reações foram analisadas quantitativa e
graficamente, utilizando-se o StepOne Software
As recomendações geradas no âmbito dos v2.3 (Applied Biosystems), pela determinação do
ensaios 1 e 2 deste trabalho foram seguidas Cq (ciclo quantitativo). Valores de Cq abaixo de
nos procedimentos de coleta de amostras do 35 representam resultados positivos, sendo que,
levantamento em Santa Catarina, objetivando quanto maior a concentração viral na amostra,
que o resultado da indexação viral da amostra menor o valor do Cq.
coletada refletisse o real estado fitossanitário da
planta amostrada. Detecção viral em estádios fenológicos
da videira (ensaio 1): As videiras foram
As plantas, no momento da amostragem, mantidas em canteiros (estufins) dentro de
exibiam sintomas de declínio (vigor reduzido) ou telados na Embrapa Uva e Vinho, condição que
amarelamento foliar (5 a 6 amostras, am./vinhedo) permite adequado desenvolvimento das plantas
ou estavam assintomáticas (7 a 6 am./vinhedo) durante todo o ciclo vegetativo e de repouso,
(Figura 1, a1-a3). As amostras foram analisadas e foram indexadas por RT-qPCR em seis datas,
por RT-PCR em tempo real (RT-qPCR TaqMan) correspondendo a diferentes estádios fenológicos
(DUBIELA et al., 2013), quanto à presença de da videira, conforme escala definida por Eichhorn
sete espécies virais, grapevine leafroll-associated e Lorenz (EPPO, 1984). A poda nas plantas
virus 2, 3 e 4 (GLRaV-2, -3 e -4), grapevine virus avaliadas foi realizada em 29 de agosto.
A (GVA), grapevine virus B (GVB), grapevine fleck
virus (GFkV), grapevine rupestris stem pitting- As épocas, estádios fenológicos correspondentes
associated virus (GRSPaV) e um viroide, grapevine e tipos de tecido avaliados foram os seguintes
yellow speckle viroid 1 (GYSVd-1). (Figura 1, b1-b6): Época 1 (22 dias antes da poda):
raspas do lenho de ramos dormentes (coleta em
RT-PCR em tempo real: A extração de RNA 07 de agosto). Estádio fenológico 47; Época 2 (25
total, a partir de 1 g de folhas (pecíolos e nervuras) dias após a poda): pecíolos de folhas bem jovens
e de ramos verdes ou maduros (pequenos retiradas da base de brotos novos (coleta em 23 de
fragmentos ou raspas do lenho, respectivamente), setembro). Estádio fenológico 09; Época 3 (74 dias
foi realizada triturando-se o tecido vegetal após a poda): pecíolos de folhas jovens retiradas
em nitrogênio líquido com adsorção em sílica da base de brotos com maior desenvolvimento
(ROTT; JELKMANN, 2001). Planta de videira (coleta em 11 de novembro). Estádio fenológico
comprovadamente sadia e RNA total extraído de 15; Época 4 (83 dias após a poda): ramos jovens,
videiras infectadas pelos vírus foram utilizados, bem desenvolvidos, porém ainda verdes (coleta
respectivamente, como controles negativo e em 20 de novembro). Estádio fenológico 19;
positivo das reações. Época 5 (158 dias após a poda): ramos jovens,
bem desenvolvidos, iniciando o amadurecimento
Os oligonucleotídeos e as sondas utilizados nas dos ramos (coleta em 03 de fevereiro). Estádio
reações de RT-qPCR (TaqMan) foram sintetizados fenológico 29 e Época 6 (210 dias após a poda):
com base em trabalhos publicados: GRSPaV, GVA, ramos quase completamente maduros (coleta em
GVB (OSMAN; ROWHANI, 2008); GLRaV-2, 27 de março). Estádio fenológico 38.
GLRaV-3, GLRaV-4 (OSMAN et al., 2007); GFkV e
GYSVd-1 (DUBIELA et al., 2013; FAJARDO et al., Nas épocas definidas, oito plantas foram testadas,
2016). As sondas foram marcadas na extremidade por RT-qPCR, em duplicata conforme metodologia
5’ com os fluoróforos 6-FAM ou VIC para permitir descrita anteriormente, para um dos vírus que as
a detecção simultânea de dois vírus na mesma infectava: Planta 1 (P1), cv. Ruby Cabernet e P2, cv.
amostra e com TAMRA, fluoróforo bloqueador, na Merlot, avaliadas para GLRaV-4; P3, cv. Dolcetto e
extremidade 3’. As condições das reações de RT- P4, cv. Garganega, avaliadas para grapevine virus
qPCR foram descritas previamente (FAJARDO et D (GVD); P5 e P6, dois diferentes acessos do cv.
al., 2016), consistindo em ensaios do tipo presença/ Cabernet Franc, avaliadas para GRSPaV; P7, cv.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021 25


Figura 1. Imagens de algumas amostras de videira indexadas para vírus e viroide. (A) Levantamento de viroses em
Santa Catarina. Amostras colhidas: planta (a1) e folha (a2) do cv. Isabel Precoce, sem sintomas de declínio;
planta (a3) do cv. Bordô, com sintomas de declínio. Ambos cultivares infectadas com cinco vírus e um
viroide; (B) Detecção viral em diferentes estádios fenológicos da videira (ensaio 1), épocas 1 a 6 (b1 a b6);
(C) Detecção viral em folhas de videira com diferentes intensidades de sintoma (ensaio 2). Cultivar Itália,
exibindo sintomas severos (c1), intermediários (c2) e folha assintomática (c3) e cv. Petit Syrah com sintomas
severos (c4), intermediários (c5) e folha assintomática (c6).

Itália (Pirovano 65) e P8, cv. Prosecco, avaliados da planta e folhas assintomáticas (AS), localizadas
para GVA. no topo da planta (Figura 1, c1-c6).

Detecção viral em folhas expressando As plantas e respectivos tipos de amostras


diferentes intensidades de sintomas (ensaio avaliados foram: P1, cv. BRS Núbia (SS, AS); P2, cv.
2): Em março de 2020, seis plantas de videiras Itália (SS, SI, AS); P3, cv. Petit Syrah (SS, SI, AS); P4,
infectadas por diferentes vírus, mantidas em vasos cv. Cabernet Sauvignon (SS, AS); P5, cv. Semillon
em casa de vegetação na Embrapa Uva e Vinho, (SS, AS) e P6, cv. Isabel (AS). À exceção do cv.
foram avaliadas, por RT-qPCR, em duplicata, Isabel, no momento da avaliação, as plantas dos
quanto à presença de sete vírus e um viroide demais cultivares apresentavam sintomas foliares
(GLRaV-2, -3 e -4, GVA, GVB, GFkV, GRSPaV relacionados a infecções virais (alteração de
e GYSVd-1 seguindo protocolo anteriormente textura e cor das folhas, enrolamento dos bordos
descrito. De cada uma das plantas avaliadas, foliares, manchas avermelhadas ou amareladas
coletou-se um a três tipos de amostras com 3-5 no limbo foliar). Os oito patógenos avaliados
folhas/amostra. Os diferentes tipos de amostras em amostras com até três tipos de expressão de
avaliadas foram folhas com sintomas severos (SS), sintomas, incluindo folhas assintomáticas e os seis
localizadas na base da planta; folhas com sintomas cultivares do ensaio totalizaram 104 combinações
intermediários (SI), localizadas no terço mediano distintas indexadas.

26 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021


Resultados e Discussão é transmitido através do material propagativo
infectado da videira (MOURA et al., 2018).
Levantamento: No cv. Isabel, apenas duas
amostras estavam livres de todos os patógenos As médias de incidência viral/viroidal, em cada
(vírus e viroide) avaliados e uma amostra um dos quatro vinhedos avaliados, foram:
apresentou infecção simples com GLRaV-3. As 69,8%, 80,2%, 56,2% e 31,2% de infecção,
demais 45 amostras apresentaram infecções respectivamente, nos vinhedos 1 (cv. Isabel
múltiplas, variando de dois a oito patógenos, Precoce), 2 (cv. Bordô), 3 (cv. Bordô) e 4 (cv. Isabel).
sendo cinco amostras infectadas com dois Embora a incidência de patógenos virais tenha
patógenos, três com três patógenos, nove com sido significativamente diferente entre alguns
quatro patógenos, oito com cinco patógenos, vinhedos, não foi possível vincular esse fato a uma
doze com seis patógenos, quatro com sete causa específica, por exemplo, a origem das mudas
patógenos e quatro com oito patógenos (Tabela utilizadas no plantio, a idade do vinhedo, o local
1). Isso evidencia que, no levantamento, o efeito de plantio ou a um cultivar específico de videira.
prejudicial causado pela infecção viral em videiras Considerando-se, individualmente, cada vinhedo,
poderia ser potencializado pelas possíveis as incidências, por patógeno, variaram de 0%
interações virais sinérgicas nas infecções (GLRaV-4, vinhedo 4) a 100% (GLRaV-3, vinhedo
múltiplas. 3; GRSPaV, vinhedo 1 e GFkV e GYSVd-1, vinhedo
2) (Tabela 1).
A média geral de incidência viral/viroidal nos
quatro vinhedos avaliados foi 59,4% e as médias Destaca-se que, tanto amostras coletadas de
gerais de incidência, por patógeno, considerando- plantas com sintomas de declínio, quanto sem
se os quatro vinhedos foram: GLRaV-2 (81,2%), esse tipo de sintoma (Figura 1, a1-a3), estavam
GLRaV-3 (72,9%), GLRaV-4 (27,1%), GVA (47,9%), infectadas por um ou mais patógenos avaliados,
GVB (29,2%), GRSPaV (66,7%), GFkV (64,6%) e sem que houvesse evidente tendência para a
GYSVd-1 (85,4%). Dessa forma, conclui-se que os prevalência de infecção em um ou outro grupo
patógenos avaliados encontravam-se amplamente de plantas. Foram verificados 109 resultados
disseminados nos vinhedos amostrados. Pode-se positivos de infecção com patógenos em plantas
agrupá-los em três níveis de prevalência: maior com declínio (47,8%) e 119 em plantas sem
(GLRaV-2, GLRaV-3 e GYSVd-1), intermediário declínio (52,2%), de um total de 384 testes
(GVA, GRSPaV e GFkV) e menor (GLRaV-4 e GVB). realizados para vírus e viroide. Também não
Esses níveis de prevalência, provavelmente, têm houve evidência de associação entre um patógeno
relação com o modo de transmissão da espécie específico com plantas apresentando declínio. De
viral/viroidal, ou seja, se o vírus possui vetor (por fato, os sintomas de declínio da videira (menor
ex. cochonilhas), se o patógeno é transmitido vigor, amarelamento foliar), em geral, estão sempre
mecanicamente (por ex. o GYSVd-1) ou se ele associados à infecção por patógenos fúngicos do

Tabela 1. Incidência de vírus e viroide em amostras de videiras colhidas em vinhedos do Estado de Santa Catarina.

Variação no
Infecção por vírus e viroide (%)* número de
Vi- Combinação Município patógenos
nhe- cv. copa / de SC detectados
do porta-enxerto GLRaV-2 GLRaV-3 GLRaV-4 GVA GVB GRSPaV GFkV GYSVd-1
em cada
planta**

1 Isabel Precoce / Pinheiro 83,3 58,3 58,3 66,7 16,7 100,0 83,3 91,7 3a8
VR 043-43 Preto

2 Bordô / VR 043-43 Videira 91,7 83,3 33,3 83,3 58,3 91,7 100,0 100,0 4a8

3 Bordô / VR 043-43 Videira 91,7 100,0 16,7 8,3 25,0 58,3 58,3 91,7 3a6

4 Isabel / Paulsen 1103 Tangará 58,3 50,0 0,0 33,3 16,7 16,7 16,7 58,3 0a6

*Vírus/viroide: grapevine leafroll-associated virus 2, 3 e 4 (GLRaV-2, -3 e -4), grapevine virus A (GVA), grapevine virus B (GVB), grapevine fleck virus
(GFkV), grapevine rupestris stem pitting-associated virus (GRSPaV), grapevine yellow speckle viroid 1 (GYSVd-1).
**12 plantas avaliadas por vinhedo.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021 27


solo e causadores de doenças do tronco da videira, se curar, no campo, uma planta infectada por vírus
sendo que os vírus podem contribuir de forma (BASSO et al., 2017).
sinergística para intensificar esse importante
problema fitossanitário (MENEZES-NETTO et al., Detecção viral em estádios fenológicos da
2016). videira (ensaio 1): Em nenhuma das quatro
épocas iniciais avaliadas as plantas exibiam
Também merece destacar que videiras americanas sintomas de infecção viral, ou porque as folhas
e híbridas, como é o caso dos cultivares avaliados eram jovens (épocas 2, 3 e 4) ou porque a planta
(Isabel, Isabel Precoce e Bordô), geralmente estava em dormência (sem folhas, época 1). No
não manifestam sintomas foliares evidentes entanto, nos estádios fenológicos das épocas 5 e
quanto infectadas por vírus, ao contrário 6, naqueles cultivares propensos à expressão de
dos cultivares viníferas (V. vinifera), que são sintomas de infecção viral, ou seja, basicamente
bastante sensíveis e, na sua maioria, hospedeiros cvs. de V. vinifera, já era possível observar a
sintomáticos de patógenos virais. De fato, as presença de sintomas foliares como enrolamento
amostras avaliadas neste trabalho não exibiam dos bordos foliares, manchas avermelhadas e
sintomas foliares evidentes que pudessem ser bolhosidades no limbo foliar (Figura 1, b1-b6).
atribuídos à infecção viral. Não obstante o fato
de, normalmente, não manifestarem sintomas Neste ensaio, que visou determinar a infecção
foliares evidentes resultantes da infecção viral, as de quatro vírus (GRSPaV, GVA, GVD e GLRaV-4)
videiras americanas são negativamente afetadas em seis estádios fenológicos da videira, foi
em relação ao vigor da planta e ao potencial possível detectar, por RT-qPCR, todos os vírus,
produtivo, embora em menor nível do que as em todas as plantas, apenas na época 1 (22
viníferas (FAJARDO, 2015). dias antes da realização da poda). Essa época é
caracterizada pelo estádio fenológico no qual a
Eventuais problemas de desempenho agronômico planta encontrava-se em repouso (dormente)
das plantas e de qualidade enológica das uvas nos e os tecidos (ramos) estavam completamente
vinhedos amostrados poderiam ser resultantes maduros. A partir da época 4 (83 dias após a
da baixa qualidade fitossanitária desses vinhedos, realização da poda) foi possível reestabelecer a
decorrente de infecções virais. A área cultivada detecção da infecção viral pelo GLRaV-4 na planta
com videiras em Santa Catarina no período de 2 e a partir da época 5 (158 dias após a poda), o
2016 a 2018 foi maior do que aquela cultivada em reestabelecimento da detecção também ocorreu
2019, bem como a produção de uvas no Estado para os vírus GVD, GRSPaV e GVA. Na época 6
foi maior em 2017 e 2018, comparativamente a (210 dias após a poda), a capacidade de detecção
2019 (MELLO; MACHADO, 2020). Vários fatores dos quatro vírus foi mantida. Esse resultado
econômicos, de mercado, climáticos, bem como confirma a orientação pela utilização de tecidos
fitossanitários, dentre os quais as viroses, podem maduros (raspas do lenho de ramos maduros
estar relacionados a esses decréscimos. de videira), pois estes promovem uma diagnose
confiável (OSMAN et al., 2018).
Esses resultados agregam informações sobre
a incidência de viroses em videiras no Brasil, OSMAN et al. (2018) mencionam que a
além daquelas já disponíveis para o Vale do São distribuição irregular dos vírus na videira pode
Francisco e a Zona da Mata em Pernambuco e ser devida a diferenças na interação planta
na Bahia (CATARINO et al., 2015), a região de x vírus que afetariam a eficiência com que o
São Roque em São Paulo (MOURA et al., 2018) e vírus se replica e se movimenta no floema da
a Serra Gaúcha no Rio Grande do Sul (FAJARDO hospedeira. Baixa eficiência, nesse caso, pode ser
et al., 2020). Essa abordagem contribui para o caracterizada por baixo título viral na planta. Com
desenvolvimento de estratégias de controle a crescente evolução do título viral ao longo do
e manejo de viroses, que deve enfatizar a ciclo de crescimento da videira, em determinado
importância da utilização de material propagativo momento (estádio fenológico da planta), o vírus
livre de vírus na implantação de novos vinhedos. atinge um título viral (concentração) capaz de ser
Basicamente, as medidas a serem adotadas devem detectado pelo teste diagnóstico utilizado.
ser profiláticas, pois não existe a possibilidade de

28 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021


Nas épocas 2 e 3 (25 e 74 dias após a realização Na maioria das combinações testadas (oito
da poda, respectivamente), caracterizadas pela patógenos, seis cultivares e tecidos com sintomas
presença de tecidos vegetais ainda muito jovens severos, intermediários ou folhas assintomáticas),
ou menos desenvolvidos, não foi possível detectar foi possível a detecção dos vírus ou viroide em
a presença dos quatro vírus, provavelmente, todos os tipos de tecidos colhidos e indexados
devido à inadequabilidade do título viral para de uma mesma planta, o que inclui os tecidos
a detecção ou ao tempo insuficiente para que assintomáticos. Isso foi verificado em 72,1% ou
o vírus alcançasse os tecidos amostrados. A 94,2% dos casos, considerando-se o número total
replicação viral dentro da planta hospedeira e, de combinações ou apenas aquelas em que as
consequentemente, o tempo necessário para plantas estavam comprovadamente infectadas
atingir o título viral mínimo que permita a detecção com o vírus avaliado, respectivamente (Figura
pelo teste diagnóstico, depende de vários fatores, 1, c1-c6). Assim, a manifestação de sintomas, em
dentre eles a sensibilidade da hospedeira, as diferentes intensidades, ou sua ausência, não
condições ambientais e a espécie viral (OSMAN et foi determinante para a detecção viral por RT-
al., 2018). qPCR. Conclui-se que tecidos vegetais (ex. folhas),
onde não são visualmente perceptíveis sintomas
A impossibilidade de se detectar os vírus nas de infecção viral, não podem necessariamente
épocas 2 e 3 pode ser atribuída à concentração serem considerados sadios, sendo isso válido para
viral muito baixa, abaixo do limite de detecção cultivares de videira viníferas e americanas.
da técnica de diagnóstico, nas preparações de
RNA total obtidas. Essas, por sua vez, também As indexações desse ensaio foram realizadas em
apresentam distintas características (qualidade e março de 2020, ou seja, cerca de 200 dias após
concentração do RNA total extraído), derivadas da a realização da poda, assim, os patógenos virais
eficiência do método utilizado para a extração do presentes nas plantas avaliadas já teriam tido
RNA total. A RT-PCR em tempo real é considerada tempo suficiente para alcançar diferentes tecidos
a técnica “padrão-ouro” da diagnose viral, pois da hospedeira. A natureza sistêmica dos patógenos
reúne sensibilidade, especificidade, viabilidade virais em suas hospedeiras e os resultados
e rapidez de execução (DUBIELA et al., 2013; positivos de detecção viral obtidos no ensaio 1
OSMAN et al., 2018). para a época 6 (210 dias após a poda) embasam
e aportam confiabilidade aos resultados obtidos
Detecção viral em folhas expressando nesse ensaio. No entanto, a confirmação da
diferentes intensidades de sintomas (ensaio presença do vírus em determinado tecido vegetal
2): Considerando as 104 combinações de não implica, necessariamente, que tal tecido já
indexações realizadas, em 22,1% delas, os vírus esteja manifestando sintomas macroscópicos
GLRaV-2 (nos cvs. Cabernet Sauvignon e Isabel), evidentes (FAJARDO et al., 2017). Isso dependerá
GLRaV-3 (no cv. Semillon), GLRaV-4 (no cv. Cab. de vários fatores, tais como: tempo que o vírus já
Sauvignon), GVA (nos cvs. BRS Núbia, Itália, Cab. esteja se replicando no tecido; tempo necessário
Sauvignon, Semillon e Isabel), GVB (nos cvs. BRS para que a replicação viral no tecido resulte em
Núbia e Semillon) e o viroide GYSVd-1 (no cv. danos celulares que serão, adiante, externalizados
Cab. Sauvignon) não foram detectados em folhas visualmente nas folhas ou ramos; título viral
com sintomas severos e intermediários e/ou alcançado no tecido infectado e a virulência do
folhas assintomáticas. Conclui-se que as plantas isolado viral, dentre outros.
avaliadas, de fato, não estavam infectadas com
esses patógenos e, portanto, os sintomas exibidos Os resultados obtidos reforçam a importância
eram induzidos por outro agente causal. de que o diagnóstico viral seja conduzido,
observando-se parâmetros científicos, embasados
Em apenas seis combinações (5,8% do total), no cv. experimentalmente, por exemplo, época e tecidos
Itália, somente foi possível detectar os patógenos indicados para a amostragem (FIORE et al., 2009;
avaliados (GLRaV-4 e GYSVd-1) em folhas com OSMAN et al., 2018), visando-se minimizar a
sintomas severo e intermediário, não tendo sido ocorrência de falso-negativos e aumentar a
possível detectar esses patógenos em tecidos acuracidade da detecção viral em videiras.
assintomáticos desse cultivar.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021 29


Conclusão sintomas pode ser devida à imaturidade (idade)
do tecido, ao curto período em que a infecção
1. A incidência de patógenos virais em uma das ocorreu ou à resposta do genótipo da hospedeira
principais regiões de cultivo da videira no Brasil frente a infecção viral.
(Vale do Rio do Peixe, SC) mostrou-se elevada,
com frequente ocorrência de infecções mistas por
diferentes espécies virais e/ou viroidal, mesmo
em plantas que não apresentavam sintomas Agradecimentos
relacionados a infecções virais. Não foi constatada
associação entre a ocorrência de sintomas de Ao técnico da Embrapa Uva e Vinho, Marcos
declínio e infecções virais. Fernando Vanni, pelo apoio na realização das
análises laboratoriais; aos técnicos da Epagri,
2. Amostras de videiras colhidas em estádios Roberto Bolzani, Arlindo Rech Filho, Alberto
fenológicos com pouco desenvolvimento Farber Junior e Eduardo Zago, pelo auxílio
vegetativo da planta ou imaturidade de tecidos na coleta das amostras; aos agricultores que
vegetais não são apropriadas à diagnose. A opção permitiram a coleta das amostras nos seus
por tecidos maduros garante uma diagnose vinhedos; aos bolsistas PIBIC/PIBITI CNPq
confiável. Ícaro Da Ré, Jordana S. Sonza e Bruna G. Bassani
(Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia,
3. Tecidos vegetais de videira (folhas), mesmo UERGS, Bento Gonçalves, RS) pela colaboração
assintomáticos, não são garantia de sanidade, em etapas do trabalho e à Embrapa, pelo
pois a ausência momentânea ou permanente de financiamento (projeto 22.16.04.035.00.00).

Referências

BASSO, M.F.; FAJARDO, T.V.M.; SALDARELLI, EUROPEAN AND MEDITERRANEAN PLANT


P. Grapevine virus diseases: economic impact PROTECTION ORGANIZATION. EPPO Crop
and current advances in viral prospection and growth stage keys: grapevines. EPPO / OEPP
management. Revista Brasileira de Fruticultura. Bulletin. Paris, v.14, n.2, p.295-298, 1984.
Jaboticabal, v.39, n.1, e-411, 2017. DOI: https://
doi.org/10.1590/0100-29452017411 FAJARDO, T.V.M. Controle de doenças causadas
por vírus. In: GARRIDO, L.R.; HOFFMANN, A.;
CATARINO, A.M.; FAJARDO, T.V.M.; PIO-RIBEIRO, SILVEIRA, S.V. (Ed.). Produção integrada de uva
G.; EIRAS, M.; NICKEL, O. Incidência de vírus em para processamento: manejo de pragas e doenças.
videiras no Nordeste brasileiro e caracterização Brasília: Embrapa, 2015. v.4, cap.3, p.49-70.
molecular parcial de isolados virais locais.
Ciência Rural. Santa Maria, v.45, n.3, p.379-385, FAJARDO, T.V.M.; BERTOCCHI, A.A.; NICKEL, O.
mar. 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/0103- Determination of the grapevine virome by high-
8478cr20140587 throughput sequencing and grapevine viruses
detection in Serra Gaúcha, Brazil. Revista Ceres.
DUBIELA, C.R.; FAJARDO, T.V.M.; SOUTO, E.R.; Viçosa, v.67, n.2, p.156-163, abr. 2020.
NICKEL, O.; EIRAS, M.; REVERS, L.F. Simultaneous
detection of Brazilian isolates of grapevine FAJARDO, T.V.M.; EIRAS, M.; NICKEL, O.
viruses by TaqMan real-time RT-PCR. Tropical Detection and molecular characterization of
Plant Pathology. Brasília, v.38, n.2, p.158-165, Grapevine yellow speckle viroid 1 isolates
abr. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1982- infecting grapevines in Brazil. Tropical Plant
56762013000200011 Pathology. Brasília, v.41, n.4, p.246-253, jul. 2016.

30 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021


FAJARDO, T.V.M.; EIRAS, M.; NICKEL, O. Sintomas MOURA, C.J.M.; FAJARDO, T.V.M.; EIRAS, M.;
de viroses em plantas. Bento Gonçalves: Embrapa SILVA, F.N.; NICKEL, O. Molecular characterization
Uva e Vinho, 2017. (Embrapa Uva e Vinho. of GSyV-1 and GLRaV-3 and prevalence of
Comunicado Técnico, 202). Disponível em: https: grapevine viruses in a grape-growing area.
//ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/ Scientia Agricola. Piracicaba, v.75, n.1, p.43-51,
item/170377/1/Comunicado-Tecnico-202.pdf. fev. 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-
Acesso em: 27 mar. 2020. 992X-2016-0328

FAJARDO, T.V.M.; NICKEL, O. Técnicas de OSMAN, F.; GOLINO, D.; HODZIC, E.; ROWHANI,
detecção e estudo de vírus em plantas. Bento A. Virus distribution and seasonal changes of
Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2015. (Embrapa Grapevine leafroll-associated viruses. American
Uva e Vinho. Comunicado Técnico, 179). Journal of Enology and Viticulture. Davis,
Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/ v.69, n.1, p.70-76, jan. 2018. DOI: 10.5344/
digital/bitstream/item/131838/1/Comunicado- ajev.2017.17032
Tecnico-179.pdf. Acesso em: 27 mar. 2020.
OSMAN, F.; LEUTENEGGER, C.; GOLINO, D.;
FIORE, N.; PRODAN, S.; PINO, A.M. Monitoring ROWHANI, A. Real-time RT-PCR (TaqMan) assays
grapevine viruses by ELISA and RT-PCR for the detection of Grapevine leafroll associated
throughout the year. Journal of Plant Pathology. viruses 1-5 and 9. Journal of Virological
Bari, v.91, n.2, p.489-493, jul. 2009. DOI: https:// Methods. Amsterdam, v.141, Issue 1, p.22-
www.jstor.org/stable/41998649 29, abr. 2007. DOI: https://doi.org/10.1016/j.
jviromet.2006.11.035
FUCHS, M. Grapevine viruses: a multitude of
diverse species with simple but overall poorly OSMAN, F.; ROWHANI, A. Real-time RT-PCR
adopted management solutions in the vineyard. (TaqMan) assays for the detection of viruses
Journal of Plant Pathology. Bari, v.102, p.643- associated with Rugose wood complex of
653, ago. 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/ grapevine. Journal of Virological Methods.
s42161-020-00579-2 Amsterdam, v.154, Issues 1-2 p.69-75,
dez. 2008. DOI: https://doi.org/10.1016/j.
MELLO, L.M.R de; MACHADO, C.A. E. jviromet.2008.09.005
Vitivinicultura brasileira: panorama 2019.
Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2020. ROTT, M.E.; JELKMANN, W. Characterization and
(Embrapa Uva e Vinho. Comunicado Técnico, detection of several filamentous viruses of cherry:
214). Disponível em: https://www.infoteca.cnptia. adaptation of an alternative cloning method
embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1124189/1/ (DOP-PCR) and modification of an RNA extraction
COMUNICADO-TECNICO-214-Publica-602- protocol. European Journal of Plant Pathology.
versao-2020-08-14.pdf. Acesso em: 06 abr. 2021. Dordrecht, v.107, p.411-420, mai. 2001. DOI:
https://doi.org/10.1023/A:1011264400482
MENEZES-NETTO, A.C; SOUZA, A.L.K.; ARIOLI,
C.J.; SOUZA, E.L.; HICKEL, E.R.; ANDRADE, E.R.;
SCHUCK, E.; ARAUJO FILHO, J.V.; GARDIN, J.P.P;
DALBÓ, M.A.; DAMBRÓS, R.N. Declínio e morte
de videiras no estado de Santa Catarina: causas
e alternativas de controle. Florianópolis: Epagri,
2016 (Epagri. Boletim Técnico, 175).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.22-31, 2021 31


Mariangela dos Santos

Substâncias alternativas para o


controle do míldio em videira

Mariangela dos Santos1

Jenniffer Aparecida Schnitzer-Ribeiro1

Marcus André Kurtz Almança1

1
IFRS - Campus Bento Gonçalves
95700-206 Bento Gonçalves, RS

Autor correspondente:
marcus.almanca@bento.ifrs.edu.br

32 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021


Resumo

objetivo deste trabalho foi avaliar a eficiência de produtos alternativos, à base de


extratos vegetais e fosfito de potássio, no controle de míldio (Plasmopara viticola)
em videira Chardonnay cultivada em espaldeira, na Serra Gaúcha. Foram testadas
as substâncias: Extrato de Reynoutria sachalinensis (1,5 L ha-1); Extrato de Melaleuca
alternifolia (1,5 L ha-1); Fosfito de Potássio (2 mL L-1); Extrato Pirolenhoso de Eucalipto (20
mL L-1); Extrato Pirolenhoso de Acácia (20 mL L-1) e mistura de Extrato Pirolenhoso de
Eucalipto (20 mL L-1) + Extrato Pirolenhoso de Acácia (20 mL L-1), aplicadas semanalmente,
a partir do início da floração, totalizando sete aplicações dos produtos. As avaliações da
incidência e severidade do míldio em folhas e cachos da videira foram realizadas em quatro
épocas, a partir do início do surgimento dos sintomas da doença. Com base nos dados de
severidade foi determinada a área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD). Todas
as substâncias estudadas reduziram a incidência e a severidade do míldio nas folhas e
cachos do cultivar Chardonnay, com exceção do extrato pirolenhoso de eucalipto utilizado
isoladamente, que não reduziu a incidência da doença em cachos. Os resultados deste
estudo permitiram concluir que as substâncias avaliadas podem ser uma alternativa para
o manejo integrado do míldio da videira, promovendo a sustentabilidade da viticultura.

Palavras-chave: míldio, Plasmopara viticola, extratos vegetais, fosfitos.

Abstract

Alternative substances for the control


of downy mildew in grapevines

The objective of this work was to evaluate the efficiency of alternative products based
on plant extracts and potassium phosphite in the control of downy mildew (Plasmopara
viticola) in Chardonnay grapevines cultivated in Serra Gaúcha subjected to vertical
shoot positioning trellis. The following substances were tested: Reynoutria sachalinensis
Extract (1.5 L ha-1); Melaleuca alternifolia Extract (1.5 L ha-1); Potassium Phosphite (2 mL
L-1); Eucalyptus Pyroligneous Extract (20 mL L-1); Acacia Pyroligneous Extract (20 mL L-1)
and a mixture of Eucalyptus Pyroligneous Extract (20 mL L-1) + Acacia Pyroligneous Extract
(20 mL L-1), applied weekly, from the beginning of flowering, totaling seven applications
of the products. Assessments of the incidence and severity of downy mildew on leaves
and bunches of the grapevine were carried out in four seasons, starting on the onset of
the first symptoms of the disease. Based on the severity data, the area under the disease
progress curve (AUDPC) was determined. All studied substances reduced the incidence
and severity of downy mildew on the leaves and bunches of the Chardonnay cv., with the
exception of the eucalyptus pyroligneous extract when used alone, which did not reduce
the disease incidence on bunches. The results of this study showed that the evaluated
substances can be an alternative for the integrated management of grapevine downy
mildew, thus improving the viticulture sustainability.
Keywords: downy mildew, Plasmopara viticola, plant extracts, phosphites.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021 33


Introdução al., 2003) e comprometer a sustentabilidade do
sistema produtivo.
A Serra Gaúcha é um dos principais polos da
vitivinicultura do Estado e se destaca pela Na busca de alternativas, o interesse em encontrar
produção de vinhos finos e espumantes de produtos eficazes de origem natural, incluindo
qualidade. No entanto, as condições ambientais extratos de plantas, para controlar o míldio em
encontradas na região Sul favorecem o videira, aumentou recentemente (ISLAM, 2016).
desenvolvimento de doenças fúngicas, que Verificou-se que metabólitos secundários ou
podem causar graves prejuízos às videiras de extratos de plantas não hospedeiras interferem e/
origem europeia (Vitis vinifera L.), americanas ou inibem o desenvolvimento inicial de P. viticola
(Vitis labrusca) ou mesmo híbridas (SÔNEGO et al., em folhas de videira. Também foi demonstrado que
2005; GARRIDO; SÔNEGO, 2014). a aplicação de alguns desses novos metabólitos
exerce resistência sistêmica induzida em plantas
Considerada a principal doença fúngica da videira ou inibe diretamente o crescimento do patógeno
no Sul do Brasil, o míldio causado pelo oomiceto (GESSLER et al., 2011).
Plasmopara viticola (Berk & Curtis) Berl & De Toni),
pode comprometer tanto a quantidade como Nesta linha de produtos alternativos, encontram-
a qualidade da uva produzida (SÔNEGO et al., se também os compostos fosfitos que, além
2003). No Brasil, as principais regiões produtoras de fertilizantes, são extremamente eficazes
de uvas apresentam condições climáticas no controle de doenças fúngicas severas,
favoráveis ao desenvolvimento do patógeno, particularmente aquelas causadas por oomicetos
como a alta umidade relativa do ar e temperaturas e outros míldios que afetam as culturas agrícolas,
médias a altas, podendo causar perdas de até proporcionando benefícios ambientais e
100% na produção quando não são utilizadas econômicos, quando integrados ao manejo de
medidas de controle adequadas (ALMANÇA doenças (ACHARY et al., 2017). Os fosfitos têm
et al., 2015). Segundo Sônego et al. (2005), o apresentado bom desempenho no controle do
míldio pode afetar todas as partes verdes da míldio da videira (SÔNEGO et al., 2003; PEREIRA
planta. Os maiores prejuízos estão relacionados et al., 2010), inclusive com resultados similares
à destruição total ou parcial das inflorescências e/ aos fungicidas (SÔNEGO; GARRIDO, 2005). Sua
ou frutos e ao desfolhamento precoce, que causa eficácia pode ser explicada pela toxidez direta
danos na produção do ano, além de poder afetar sobre P. viticola e pela ativação de respostas de
a produção futura. De acordo com Cavalcanti e defesa em videira (PEREIRA, 2009).
Garrido (2015), esses danos causam maturação
deficitária, diminuição das reservas, diminuição Nesse contexto, o presente trabalho foi
da quantidade de substâncias nitrogenadas e desenvolvido com o objetivo de avaliar a eficiência
alteração na maturação dos ramos. Tudo isso de produtos alternativos à base de extratos
acarretará vinhos mais ácidos, diminuição da vegetais e fosfito de potássio, no controle de
quantidade de gemas frutíferas e menor vigor. míldio em videira.

Entre as estratégias de manejo da doença, a


adoção de algumas práticas culturais relacionadas
ao manejo do vinhedo, pode ajudar na diminuição Material e Métodos
da incidência e severidade da doença (ALMANÇA
et al., 2015). No entanto, mesmo com a utilização O experimento foi conduzido em um vinhedo
dessas práticas, é necessária a utilização do localizado na Estação Experimental do Instituto
controle com fungicidas químicos (SÔNEGO et Federal do Rio Grande do Sul - Campus Bento
al., 2003). As aplicações excessivas de fungicidas Gonçalves (29˚03’26’’S e 51˚34’45’’W), Bento
químicos podem promover o aparecimento de Gonçalves (RS), a 480 m de altitude média. O
cepas resistentes ao patógeno (REUVENI et al., trabalho foi realizado em um vinhedo do cultivar
2006; KORTEKAMP et al., 2008), aumentar o custo Chardonnay (Vitis vinifera L.), com plantas de
de produção, oferecer riscos à saúde humana, 18 anos de idade, enxertadas sobre Paulsen
ocasionar desequilíbrio ambiental (SÔNEGO et 1103, espaçadas em 3,0 m x 1,5 m e fileiras

34 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021


com orientação N-S. Sustentadas no sistema doença foi espontânea e a incidência da mesma
espaldeira com três fios de arame, as plantas foram foi calculada como uma percentagem de folhas
conduzidas em duplo cordão esporonado (sistema e cachos afetados pela presença do patógeno.
Royat), podadas com poda curta (duas gemas). A percentagem de área ocupada por míldio
foi estimada usando as escalas diagramáticas
Os tratamentos foram: (1) extrato de Reynoutria proposta por Buffara et al. (2014) para folhas, e
sachalinensis 1,5 L ha-1 (Regalia Maxx®, 22,4% de por Caffi et al. (2010) para cachos. A intensidade
extrato de Reynoutria sachalinensis); (2) extrato de da doença (em percentagem) foi então calculada
Melaleuca alternifolia 1,5 L ha-1 (Timorex Gold®, como a severidade média da doença em todas as
22,25% de extrato de Melaleuca alternifolia); (3) folhas e cachos amostrados. Com base nos dados
fosfito de potássio 2 mL L-1 ; (4) extrato pirolenhoso de severidade, foi determinada a área abaixo da
de eucalipto 20 mL L-1 ; (5) extrato pirolenhoso de curva de progresso da doença (AACPD), segundo
acácia 20 mL L-1 ; (6) mistura de extrato pirolenhoso Shaner e Finney (1977). Para estabelecer os
de eucalipto 20 mL L-1 + extrato pirolenhoso de índices de controle de míldio proporcionados pela
acácia 20 mL L-1 e (7) testemunha absoluta (não foi aplicação das substâncias foi utilizada a relação 1
aplicado nenhum produto para nenhuma doença). - (x/y), em que x representa o índice da doença das
Os extratos pirolenhosos de eucalipto e acácia plantas tratadas e y representa o índice de doença
foram obtidos pelo produtor Décio Evori Juchem, da testemunha (LI et al., 1996). Os dados de
de São Sebastião do Caí (RS), sendo constituídos incidência e AACPD (transformados para √x) de
de 80 a 90% de água e 10 a 20% de compostos míldio nas folhas e nos cachos foram submetidos
orgânicos (ácido acético, metanol, acetona e à análise de variância, utilizando-se o programa
fenóis), resultantes da condensação da fumaça ASSISTAT Versão 7.7 (SILVA; AZEVEDO, 2016),
que é expelida na queima da madeira. O Fosfito K com as médias sendo comparadas pelo teste de
Organomineral (8% K2O e 6% Carbono Orgânico Duncan ao nível de 5% de probabilidade.
Total) foi obtido da empresa Beifiur, composto
derivado do ácido fosforoso, com a base orgânica
extraída do engaço, bagaço e semente da uva. Foi
utilizado o delineamento em blocos inteiramente Resultados e Discussão
casualizados, composto por sete tratamentos
com três repetições de cinco plantas em linha Durante o período de condução do experimento,
por parcela, com parcela útil formada pelas três setembro/2019 a janeiro/2020, observaram-
plantas centrais da linha de plantio. se condições climáticas favoráveis para o
desenvolvimento do míldio da videira, com a
As pulverizações foram realizadas no período ocorrência de temperaturas médias entre 15,4 a
de 25/10/2019 a 06/12/2019, a partir do 22,2 ˚C e umidade relativa média do ar variando
alongamento da inflorescência; flores agrupadas, entre 61,8 e 77,6%, condições favoráveis tanto
caracterizando o estádio fenológico 15 da escala à infecção, quanto à esporulação de Plasmopara
de Eichhorn e Lorenz (EPPO, 1984), em intervalos viticola (SÔNEGO et al., 2005; GESSLER et al.,
semanais, totalizando sete aplicações, realizadas 2011). A pluviosidade total durante o período
com pulverizador costal manual dotado de bico do experimento foi de 673 mm, sendo o volume
cone, até o ponto de escorrimento. O volume de muito abaixo do esperado, de acordo com a normal
calda aplicado foi de 500 L ha-1. climatológica (Embrapa Uva e Vinho, 2020). No
entanto, em outubro e novembro, os volumes de
As avaliações da incidência e severidade do míldio chuvas foram elevados e ocorreram muitos dias
da videira foram realizadas em quatro épocas, com precipitação, confirmando a ocorrência de
a partir do início do surgimento dos sintomas da uma combinação de temperaturas ótimas, chuva
doença, sendo elas: 20/11/2019, 29/11/2019, frequente e umidade constante, que possibilitou
09/12/2019 e 06/01/2020. Para isso, foram as infecções, especialmente no período de
selecionadas, previamente, 10 folhas da parte florescimento até bagas tamanho ‘ervilha’, crítico
mediana e do ápice dos ramos e cinco cachos, para infecção de míldio.
em três plantas úteis, totalizando 30 folhas e 15
cachos avaliados por tratamento. A ocorrência da Verificou-se uma alta incidência de míldio

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021 35


em folhas no tratamento testemunha, que míldio em cachos, onde a testemunha apresentou
apresentou 98,89% das plantas com sintomas o maior percentual e não diferiu significativamente
da doença (Tabela 1). Ao final das avaliações, do EPE, que conferiu a menor proteção (Tabela
todas as substâncias testadas apresentaram 2). As pulverizações com Melaleuca alternifolia
menor incidência em folhas e diferiram e fosfito de potássio proporcionaram a maior
significativamente da testemunha. No entanto, redução na incidência do míldio nos cachos, com
esses tratamentos mostraram valores de valores de 32,56 e 27,01%, respectivamente, não
incidência intermediários a elevados, variando apresentando diferença estatística entre si (P
de 67,78 a 85,56%. As pulverizações com extrato < 0,05). O tratamento com a mistura dos EPE +
de Reynoutria sachalinensis, extrato de Melaleuca EPA, que propiciou uma maior concentração de
alternifolia e a mistura EPE + EPA proporcionaram ácido pirolenhoso, não apresentou maior eficácia
a maior redução na incidência de míldio nas folhas, na redução da incidência da doença em cachos
não apresentando diferença estatística entre si comparado às pulverizações isoladas dessas
(P < 0,05). Em contrapartida, a menor redução substâncias. Apesar da elevada incidência de P.
de incidência foi proporcionada pelos EPE e EPA viticola em cachos, observou-se que as substâncias
utilizados isoladamente, que não diferiram entre testadas reduziram significativamente a
si e nem do fosfito de potássio. severidade da doença. As pulverizações com
Melaleuca alternifolia e com a mistura dos
Apesar do baixo controle da incidência, observou- extratos pirolenhosos proporcionaram menor
se a eficácia das substâncias na redução do severidade de míldio nos cachos e não diferiram
progresso da severidade do míldio nas folhas das significativamente entre si. Plantas tratadas
videiras, expressa pela AACPD, e constataram- com Reynoutria sachalinensis, fosfito de potássio
se reduções de 78,57% a 55,9%, em relação às e EPA proporcionaram AACPD intermediárias,
plantas sem tratamento (Tabela 1). Reynoutria e não diferiram entre si nem do tratamento com
sachalinensis apresentou a menor AACPD, seguido Melaleuca alternifolia. Os extratos pirolenhosos
de Melaleuca alternifolia, fosfito de potássio, de eucalipto e acácia, quando utilizados
mistura dos EPE + EPA, EPE e pelo EPA, mas não isoladamente, mostraram menor redução da
diferiram estatisticamente entre si. AACPD, não diferindo estatisticamente entre
si, indicando que a matéria-prima vegetal não
Os sintomas do míldio em cachos foram interferiu no controle da doença. No entanto,
observados a partir de meados de novembro, houve uma redução significativa da severidade
correspondendo ao período entre o final do de míldio nos cachos das videiras tratadas com a
florescimento e o início da frutificação (limpeza de mistura desses extratos, quando comparada ao
cachos). Observou-se uma elevada incidência do seu uso isolado.

Tabela 1. Efeito dos tratamentos na incidência de sintomas e na área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD),
utilizando dados de severidade de míldio nas folhas de videira cv. Chardonnay, em 06/01/2020, com os
respectivos índices de controle. Estação Experimental IFRS, Bento Gonçalves - Safra 2019/2020.

Tratamento(1) Incidência (%) Controle (%) AACPD(2) Controle (%)

Reynoutria sachalinensis (1,5 L ha-1) 67,78 d 31,46 178,71 b 78,57

Melaleuca alternifolia (1,5 L ha-1) 72,22 d 26,97 235,64 b 71,75

Fosfito de Potássio (2 mL L-1) 75,56 bc 23,60 239,98 b 71,23

Extrato Pirolenhoso Eucalipto (20 mL L ) -1


85,56 b 13,48 310,06 b 62,82

Extrato Pirolenhoso Acácia (20 mL L-1) 84,44 bc 14,61 367,83 b 55,90

EPE (20 mL L-1) + EPA (20 mL L-1) 73,33 cd 25,84 274,96 b 67,03

Testemunha 98,89 a - 834,04 a -

CV% 7,57 9,78


As médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem significativamente entre si pelo teste de Duncan a 5% de probabilidade; (1) EPE: extrato
pirolenhoso de eucalipto; EPA: extrato pirolenhoso de acácia. (2) Dados transformados para √x.

36 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021


Tabela 2. Efeito dos tratamentos na incidência de sintomas e na área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD),
utilizando dados de severidade de míldio nos cachos de videira cv. Chardonnay, em 06/01/2020, com os
respectivos índices de controle. Estação Experimental IFRS, Bento Gonçalves - Safra 2019/2020.

Tratamento(1) Incidência (%) Controle (%) AACPD(2) Controle (%)

Reynoutria sachalinensis (1,5 L ha-1) 72,86 bc 23,75 227,73 bc 57,26

Melaleuca alternifolia (1,5 L ha-1) 64,44 d 32,56 169,41 cd 68,21

Fosfito de Potássio (2 mL L )-1


69,74 cd 27,01 217,10 bc 59,26

Extrato Pirolenhoso Eucalipto (20 mL L ) -1


83,97 ab 12,13 324,17 b 39,17

Extrato Pirolenhoso Acácia (20 mL L-1) 79,32 bc 16,99 279,94 bc 47,47

EPE (20 mL L-1) + EPA (20 mL L-1) 73,33 bc 23,26 155,88 d 70,75

Testemunha 95,56 a - 532,88 a -

CV% 8,66 12,39


As médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem significativamente entre si pelo teste de Duncan a 5% de probabilidade; (1) EPE: extrato
pirolenhoso de eucalipto; EPA: extrato pirolenhoso de acácia. (2) Dados transformados para √x.

A eficácia do extrato de Reynoutria sachalinensis com o extrato na concentração 1%, diferindo


no controle de míldio em folhas também foi significativamente do controle não tratado e
relatada por Schilder et al. (2002), que verificaram semelhante ao controle químico. Porém, os
redução de 46,2% da severidade do míldio em autores observaram maior eficácia da substância
folhas, utilizando oito aplicações desse extrato, ao no controle do míldio em cachos do que em folhas,
longo do ciclo da videira, na concentração de 1%. o que não foi observado no presente estudo.
Segundo os autores, a otimização do momento Resultado diferente ao encontrado no trabalho
de aplicação dessa substância pode melhorar o foi observado por Reuveni et al. (2006), utilizando
seu desempenho, uma vez que é um protetor e cinco pulverizações a cada sete dias do extrato
possui pouca ou nenhuma atividade erradicante. de M. alternifolia 1% (formulação contendo 66%
Resultado semelhante foi observado por Cassuba de óleo da planta), que proporcionaram eficácia
(2018), que relatou 45,9% de proteção nas folhas semelhante ao tratamento com cobre, resultando
do cv. Cabernet Sauvignon pulverizadas com o em 73,9% de redução da incidência de P. viticola
extrato na dose de 200 mL 100 L-1 em tratamento nas folhas dos cultivares Cabernet Sauvignon e
pós infecção. Esse mesmo autor verificou que Carignane. Os autores também verificaram que o
o extrato de R. sachalinensis apresentou bom extrato inibiu a germinação de esporos e teve uma
desempenho na inativação dos zoósporos de P. atividade profilática contra o míldio (P. viticola)
viticola em testes in vitro. Nos estudos de Herger e oídio (Uncinula necator) em plantas jovens
e Klingauf (1990), plantas de videira tratadas conduzidas em câmaras de crescimento, além
preventivamente com esse extrato apresentaram de apresentar atividade curativa e supressora
redução na esporulação e na densidade das hifas sobre esses patógenos nas videiras tratadas no
de P. viticola, bem como senescência retardada e campo. La Torre et al. (2012) observaram que
aumento no teor de clorofila, produção de etileno o óleo essencial de M. alternifolia a 0,75% de
e diversas atividades enzimáticas. concentração proporcionou controle efetivo
P. viticola em folhas e cachos do cv. Malvasia di
Em relação ao bom desempenho do extrato de Candia, e pode ser uma alternativa ao cobre
Melaleuca alternifolia na redução da severidade sob condições de moderada pressão da doença.
do míldio nas folhas e cachos da Chardonnay, Estudos com o óleo de M. alternifolia indicaram
os resultados corroboram parcialmente com que a substância apresentou elevada eficácia na
aqueles observados por Dagostin et al. (2011), inibição da germinação de esporangiósporos de
que verificaram, em média, 78% de controle P. viticola in vitro, no entanto, apresentou menor
da doença em cachos dos cultivares Cabernet eficácia em condições de campo (FIALHO et al.,
Sauvignon, Riesling-Sylvaner e Chasselas tratados 2017). Foi demonstrado que a ação antifúngica do

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021 37


óleo de M. alternifolia pode ser explicada pelo dano a maior redução da severidade da doença nos
que ele causa nas membranas celulares e organelas cachos (70,7%), o que pode ter ocorrido devido à
dos patógenos (YU et al., 2015; REUVENI et al., maior concentração de ácido pirolenhoso e/ou ao
2020), sendo o Terpinen-4-ol e o 1,8-cineol os efeito inibidor da substância, potencializado pelos
principais componentes ativos responsáveis pela componentes da mistura. Segundo Saigusa (2002),
sua eficácia (YU et al., 2015). o efeito ativador ou inibidor do EPI sobre os
organismos vivos depende de sua concentração,
No presente trabalho, o fosfito de potássio e as pulverizações da substância têm efeito
proporcionou um baixo controle da incidência instantâneo e pouco duradouro no controle de
de míldio. No entanto, a substância teve um bom microrganismos. Alguns autores relatam que o
desempenho na redução da severidade da doença ácido acético e os compostos fenólicos presentes
em folhas e cachos do cultivar Chardonnay. nos extratos pirolenhosos promovem a inibição do
Sônego et al. (2003) observaram elevada eficácia crescimento fúngico (BAIMARK et al., 2008).
de fosfitos de potássio na redução da incidência
e severidade do míldio em folhas e cachos, do Bons resultados foram observados para a maioria
cultivar Cabernet Sauvignon. Do mesmo modo, das substâncias avaliadas e, provavelmente, sua
Pereira et al. (2010) verificaram que diferentes eficácia no controle de míldio pode ser ainda
fontes e doses de fosfito, aplicados em intervalos maior, se alguns procedimentos de manejo forem
semanais, a partir das brotações das videiras, ajustados. Para garantir maior proteção, as
reduziram a severidade da doença em folhas e pulverizações podem iniciar logo após a brotação
a incidência em cachos do cv. Merlot. Segundo da videira. Além disso, como alguns produtos de
Sônego e Garrido (2005), a maioria dos fosfitos biocontrole podem apresentar baixa persistência
apresenta controle equivalente, ou até melhor, e baixo nível de resistência à chuva (DAGOSTIN et
ao proporcionado por fungicidas normalmente al., 2010), talvez seja necessário um maior número
utilizados para o controle de míldio da videira, de aplicações e, principalmente, a sua reaplicação
e sua eficácia varia em função da concentração após uma precipitação, garantindo uma maior
de nutrientes e doses utilizadas, o que pode ter eficácia no controle de míldio.
contribuído para um menor desempenho da
substância em nossa pesquisa. Estudos indicaram
que o controle de míldio pelo fosfito de potássio
pode ser explicado pela toxidez direta, inibindo Conclusão
a germinação de esporângios de P. viticola nas
Os resultados deste estudo mostraram que os
folhas da videira Merlot e, também, pela ativação
extratos de Melaleuca alternifolia e de Reynoutria
de respostas de defesa nas plantas, com o
sachalinensis, a combinação dos extratos
aumento nas atividades de enzimas peroxidase,
pirolenhosos de eucalipto e acácia e o fosfito de
polifenoloxidase e quitinase (PEREIRA, 2009).
potássio podem ser uma estratégia para o manejo
integrado do míldio da videira, a fim de reduzir
Os resultados obtidos com os extratos
a quantidade de produtos químicos sintéticos
pirolenhosos mostraram uma redução de 62%, em
aplicados em vinhedos e contribuir para proteger
média, da severidade do míldio em folhas. Esses
a saúde humana e o meio ambiente, promovendo a
resultados são diferentes daqueles verificados
sustentabilidade da viticultura.
por Cassuba (2018), que relatou apenas 31,7% de
proteção nas folhas do cv. Cabernet Sauvignon,
utilizando o extrato pirolenhoso de eucalipto
na dose de 100 mL 100 L-1 em tratamento pós-
Agradecimentos
infecção. Esse mesmo autor constatou, in vitro, Os autores do trabalho agradecem aos estudantes
que o EPE apresentou capacidade de inibir o do curso de Agronomia que auxiliaram na
lançamento dos zoósporos para o meio aquoso, realização do trabalho (Laura Pouluk, Lucas Zuchi,
o que pode estar associado à diminuição da Roberta Rech, Carlos Ferri e Gabriel Fontana) e as
capacidade do P. viticola causar a doença no empresas Beifiur Ltda, o extensionista da Emater,
campo. Também foi observado pelos autores que a Fábio A. da Encarnação, a FMC Agrícola e a BASF
utilização da mistura dos EPE + EPA proporcionou pela cedência dos produtos.

38 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021


Referências
ACHARY, V.M.M.; RAM, B.; MANNA, M.; DATTA, DAGOSTIN, S.; SCHÄRES, H.J.; PERTOT, I.; TAMM,
D.; BHATT, A.; REDDY, M.K.; AGRAWAL, L. Are there alternatives to copper for controlling
P.K. Phosphite: a novel P fertilizer for weed grapevine downy mildew in organic viticulture?
management and pathogen control. Plant Crop Protection. Amsterdã, v.30, n.7, p.776-
Biotechnology Journal. Estados Unidos, v.15, 788, jul. 2011. DOI: https://doi.org/10.1016/j.
n.12, p.1493-1508, ago. 2017. DOI: https://doi. cropro.2011.02.031
org/10.1111/pbi.12803
EMBRAPA UVA E VINHO. Clima e Produção:
ALMANÇA, M.A.K.; LERIN, S.; CAVALCANTI, F.R. dados meteorológicos. Bento Gonçalves:
Doenças da videira. Informe Agropecuário. Belo Embrapa Uva e Vinho, 2020. Disponível em:
Horizonte, v.36, n.289, p.7-12, 2015. https://www.embrapa.br/en/uva-e-vinho/dados-
meteorologicos/bento-goncalves. Acesso em: 05
BAIMARK, Y.; THREEPROM, J.; DUMRONGCHAI, abr. 2020.
N.; SRISUWAN, Y.; KOTSAENG, N. Utilization of
wood vinegars as sustainable coagulating and EUROPEAN AND MEDITERRANEAN PLANT
antifungal agents in the production of natural PROTECTION ORGANIZATION (EPPO). Crop
rubber sheets. Journal of Environmental Science growth stage keys. OEPP/EPPO Bull, v.142, n.2,
and Technology. Alemanha, v.1, n.4, p.157-163, p.295-298, 1984.
2008. DOI: 10.3923 / jest.2008.157.163
FIALHO, R.O.; PAPA, M.F.S.; PANOSSO, A.R.;
BUFFARA, C.R.S.; ANGELOTTI, F.; VIEIRA, CASSIOLATO, A.M.R. Fugitoxicity of essential oils
R.A.; BOGO, A.; TESSMANN, D.J.; BEM, B.P. de. on plasmopara viticola, causal agent of grapevine
Elaboration and validation of a diagrammatic scale downy mildew. Revista Brasileira de Fruticultura.
to assess downy mildew severity in grapevine. São Paulo, v.39, n.4, 2017. DOI: https://doi.
Ciência Rural. Brasil, v.44, n.8, p.1384-1391, org/10.1590/0100-29452017015
ago. 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-
8478cr20131548 GARRIDO, L. da R.; SÔNEGO, O.R. Uvas viníferas
para processamento em regiões de clima
CAFFI, T.; ROSSI, V.; BUGIANI, R. Evaluation of a temperado: doenças fúngicas e medidas de
warning system for controlling primary infections controle. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho,
of grapevine downy mildew. Plant Disease. 2014. Disponível em: https://sistemasdeproducao.
Estados Unidos v.94, n.6, p.709-716, jun. 2010. cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Uva/
DOI:10.1094/PDIS-94-6-0709 UvasViniferasRegioesClimaTemperado/doenca.
htm. Acesso em: 18 mar. 2021.
CASSUBA, K.F. Desempenho de novas substâncias
recomendáveis à viticultura orgânica para o GESSLER, C.; PERTOT, I.; PERAZZOLLI, M.
controle do míldio em condições de casa de Plasmopara viticola: a review of knowledge on
vegetação e campo. 2018. TCC. (Especialização downy mildew of grapevine and effective disease
em Viticultura e Enologia). Instituto Federal de management. Phytopathologia Mediterranea.
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Estados Unidos, v.50, n.1, p.3-44, abr. 2011.
Sul, Bento Gonçalves, 2018.
HERGER, G.; KLINGAUF, F. Control of
CAVALCANTI, F.R.; GARRIDO, L.R. Controle de powdery mildew fungi with extracts of the
doenças. In: GARRIDO, L.R.; HOFFMANN, A.; giant knotweed, Reynoutria sachalinensis
SILVEIRA, S.V. (Ed.). Produção integrada de uva (Polygonaceae). Mededelingen van de Faculteit
para processamento: manejo de pragas e doenças. Landbouwwetenschappen, Rijksuniversiteit
Brasília: Embrapa, 2015. Gent. Alemanha, v.55, n.3a, p.1007-1014, 1990.

DAGOSTIN, S.; FORMOLO, T.; GIOVANNINI, O.; ISLAM, M.T. Bioactive Natural Products for
PERTOT, I.; SCHMITT, A. Salvia officinalis extract Managing Downy Mildew Disease in Grapevine.
can protect grapevine against Plasmopara viticola. In: COMPANT, S.; MATHIEU, F. (Eds.). Biocontrol
Plant Disease. Estados Unidos, v.94, n.5, p.575- of Major Grapevine Diseases: leading research.
580, mai. 2010. DOI: 10.1094/PDIS-94-5-0575 Boston: CABI, 2016.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021 39


KORTEKAMP, A.; WELTER, L.; VOGT, S.; KNOLL, SAIGUSA, T. Aplicação de extrato pirolenhoso
A.; SCHWANDER, F.; TÖPFER, R.; ZYPRIAN, E. na agricultura. São Paulo: APAN - Associação dos
Identification, isolation and characterization produtores de Agricultura natural, 2002.
of a CC-NBS-LRR candidate disease resistance
gene family in grapevine. Molecular Breeding. SCHILDER, A.M.C.; GILLETT, J.M.; SYSAK, R.W.;
Alemanha, v.22, n.3, p.421-432, mai. 2008. WISE, J.C. Evaluation of environmentally friendly
products for control of fungal diseases of grapes.
LA TORRE, A.; MANDALÀ, C.; CARADONIA, F.; In: 10th International conference on cultivation
BATTAGLIA V. Natural alternatives to copper and technique and phytopathological problems in
low-rate copper formulations to control grape organic fruit-growing and viticulture. Anais…
downy mildew in organic farming. Hellenic Plant Weinsberg: Germany, 2002.
Protection Journal. Grécia, v.5, n.1, p.13-21, jan.
2012. SILVA, F.A.S.; AZEVEDO, C.A.V. de. The Assistat
Software Version 7.7 and its use in the analysis of
LI, J.; ZINGEN-SELL, I.; BUCHENAUER, H. experimental data. African Journal of Agricultural
Induction of resistance of cotton plants to Research. África do Sul, v.11, n.39, p.3733-3740,
Verticillium wilt and of tomato plants to Fusarium set. 2016. DOI: 10.5897/AJAR2016.11522
wilt by 3-aminobutyric acid and methyl jasmonate.
Journal of Plant Diseases and Protection. SÔNEGO, O.R.; GARRIDO, L. da R. Avaliação
Alemanha, v.103, n.3, p.288-299, jun. 1996. da eficácia de algumas marcas comerciais de
fosfito de potássio e de fosfonato de potássio no
PEREIRA, V.F. Fosfitos no manejo do míldio controle do míldio da videira. Bento Gonçalves:
da videira: eficácia e modo de ação. 2009. Embrapa Uva e Vinho, 2005. 13p. (Embrapa Uva e
Dissertação. (Mestrado em Fisiologia do Vinho. Circular técnica, 60).
Parasitismo). Universidade Federal de Lavras,
Minas Gerais, 2009. SÔNEGO, O.R.; GARRIDO, L. da R.; CZERMAINSKI,
A.B. da C. Avaliação do fosfito de potássio no
PEREIRA, V.F.; RESENDE, M.L.V.D.; MONTEIRO, controle do míldio da videira. Embrapa Uva e
A.C.A.; RIBEIRO JÚNIOR, P.M.; REGINA, M.D.A.; Vinho-Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento
MEDEIROS, F.C.L. Produtos alternativos na (INFOTECA-E), 2003.
proteção da videira contra o míldio. Pesquisa
Agropecuária Brasileira. Brasil, v.45, n.1, p.25-31, SÔNEGO, O.R.; GARRIDO, L. da R.; GRIGOLETTI
jan. 2010. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100- JÚNIOR, A. Principais doenças fúngicas da videira
204X2010000100004 no Sul do Brasil. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e
Vinho, 2005. 32p. (Embrapa Uva e Vinho. Circular
REUVENI, M.; NEIFELD, D.; PIPKO, G.; MALKA, Técnica, 56).
B.; ZAHAVI, T. Timorex - a novel tea tree-based
organic formulation developed for the control SHANER, G.; FINNEY, R.E. The effect of nitrogen
of grape powdery and downy mildews. In: 5th fertilization on the expression of slow-mildewing
International Workshop on Grapevine Downy resistance in Knox wheat. Phytopathology, v.67,
and Powdery Mildew, 2006, San Michele all’Adige. n.8, p.1051-1056, 1977.
Anais… Istituto Agrario di San Michele all’Adige,
2006. YU, D.; WANG, J.; SHAO, X.; XU, F.; WANG, H.
Antifungal modes of action of tea tree oil and its
REUVENI, M.; SANCHES, E.; BARBIER, M. two characteristic components against Botrytis
Curative and Suppressive Activities of Essential cinerea. Journal of applied microbiology, v.119,
Tea Tree Oil against Fungal Plant Pathogens. n.5, p.1253-1262, 2015.
Agronomy, v.10, n.4, p.609, 2020.

40 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.32-40, 2021


Gunter Timm Beskow

Sistema orgânico de produção de


uva Bordô com o uso de húmus
líquido e cobertura vegetal

Priscila da Silva Lúcio1

Carlos Roberto Martins2

Mauricio Gonçalves Bilharva1

Gustavo Schiedeck2

Marcelo Barbosa Malgarim1


1
UFPel
96010-450 Pelotas, RS
2
Embrapa
96010-971 Pelotas, RS

Autor correspondente:
priscilasilluc@gmail.com

42 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021


Resumo

produção orgânica tem seus princípios na agroecologia, que é uma ciência a qual
integra conhecimento de outras ciências naturais, pautada na busca de novos
pontos de equilíbrio. Para a viticultura, o sistema agroecológico de produção
consiste na aplicação de um conjunto de técnicas, dentre elas podemos citar o uso de
húmus líquido e cobertura verde. O objetivo deste trabalho foi avaliar a produtividade
da variedade de uva Bordô, submetida a diferentes concentrações de húmus líquido
e coberturas vegetais. As diferentes concentrações de húmus líquido aplicadas no
experimento foram 0%, 7,5%, 15% e 30%. Para a cobertura verde foram utilizadas aveia,
ervilhaca e o consórcio entre ambas. O delineamento experimental utilizado foi em
blocos, num arranjo fatorial 4 x 3, ajustado à análise de variância. As variáveis de produção
analisadas foram número de cachos por planta, produção por planta, produtividade por
hectare e massa média de bagas. A combinação de húmus líquido e cobertura vegetal
proporcionou efeito positivo para a produtividade da uva Bordô em sistema agroecológico,
assim como a concentração de húmus líquido a 15% mostrou-se mais eficaz.

Palavras-chave: agroecologia, Vitis labrusca, biofertilizantes, leguminosa, gramínea.

Abstract

Bordô grapes grown in an organic production


system with liquid humus and cover crops

Organic production has its principles in agroecology, which is a science that integrates
knowledge of other natural sciences, based on the search for new points of balance. For
viticulture, the agroecological production system consists in the application of a set of
techniques, including the use of liquid humus and cover crops. The objective of this work
was to evaluate the yield of the Bordô grape variety submitted to different concentrations
of liquid humus and cover crops. The different concentrations of liquid humus applied in
the experiment were 0%, 7,5%, 15% and 30%. The cover crops consisted of oats, vetch
and a combination of both. Blocks were used in the experimental design in a 4 x 3 factorial
arrangement, adjusted for analysis of variance. The production variables analyzed were
number of bunches per plant, yield per plant, yield per hectare and average berry mass.
The combination of liquid humus and cover crops provided a positive effect for the yield
of Bordô grapes in an agroecological system, and the 15% liquid humus concentration was
more effective.

Keywords: agroecology, Vitis labrusca, biofertilizer, legume, grass.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021 43


Introdução (BORTOLINI et al., 2000).

A agroecologia é uma ciência que integra O húmus líquido é uma infusão de húmus sólido de
conhecimento de outras ciências naturais, minhoca usando água como solvente (INGHAM,
sociais e econômicas, possibilitando análises 2005). Segundo Gómez (2006) e Arteaga et al.
e proposições técnico-científicas para (2007), o húmus líquido pode ser utilizado como
que a agricultura seja sustentável em sua biofertilizante, pois possui um grande aporte
multifuncionalidade (BIANCHINI; MEDAETS, nutricional (nitrogênio, fósforo potássio entre
2013). Tal conceito de sustentabilidade pauta- outros), microbiológico, bioquímico e compostos
se na busca permanente de novos pontos de que são importantes para a degradação. Sua
equilíbrio (SAMBUICHI et al., 2017). A adoção aplicação no solo aumenta a resistência da planta
de novas práticas (métodos) e tecnologias no a patógenos, incrementa a fixação biológica de
manejo da produção agrícola estão fortemente nitrogênio e nutrição, aumenta a quantidade de
relacionadas com a agricultura familiar, que carbono existente no solo e incrementa o número
é defendida por Castro Neto (2010), o qual a microrganismos existentes (PIZZEGHELLO et
considera a propriedade rural familiar o locus al., 2001; ZANDONADI et al., 2006; PIRES et al.,
ideal ao desenvolvimento de uma agricultura com 2009; ZHANG et al., 2015).
ações ambientalmente sustentáveis, em função de
suas características produtivas, que se baseiam na Dentro desse contexto, o objetivo desde trabalho
diversificação e pluriatividade, integrando, assim, foi avaliar o efeito de diferentes concentrações de
processos vegetais e animais. húmus líquido e diferentes coberturas verdes, em
um vinhedo agroecológico da variedade Bordô,
Para a viticultura, o sistema agroecológico para visando a sua produtividade.
a produção de uvas consiste na aplicação de um
conjunto de técnicas em que o produto final seja
resultado da interação simultânea de diversos
aspectos, que propiciem o equilíbrio nutricional, Material e Métodos
bioquímico e fisiológico da planta, químico, físico
e biológico do solo e do equilíbrio do ecossistema O experimento foi realizado em uma propriedade
e condições climáticas (NAVARRO, 2010). Outros agroecológica situada no distrito da Sesmaria,
aspectos importantes a serem considerados localizada na cidade de São Lourenço do Sul
são as variedades plantadas, como as uvas (RS), com coordenadas geográficas 31˚21’55’’S
americanas (Vitis labrusca), que se destacam pela e 51˚58’42’’W, em um vinhedo orgânico da
rusticidade. Dentre elas, a variedade Bordô tem variedade Bordô com 11 anos de idade, formado
uma alta resistência a doenças, boa adaptação às por plantas de pé franco, conduzidos em sistema
diversas condições edafoclimáticas e excelente espaldeira, com espaçamento 2,80 x 1,5 m, poda
adaptabilidade à baixa fertilidade (GIOVANNINI, mista, sem sistema de irrigação, sem cobertura
2014). plástica, de clima temperado e solo classificado
como argissolo vermelho amarelo.
As plantas de cobertura são uma alternativa
para a ciclagem de nutrientes, durante o período O delineamento experimental utilizado foi em
de entressafra, pois aprimora a capacidade blocos casualizados em arranjo fatorial 4 x 3,
produtiva do solo, favorecendo sua estruturação sendo quatro concentrações de húmus líquido 0,
e fornecendo nutrientes às culturas em sucessão, 7,5%, 15%, 30% e três tipos de coberturas verde
além de promover a manutenção ou até mesmo (aveia, ervilhaca e o aveia + ervilhaca), divididas
incrementar os teores de matéria orgânica e em quatro blocos com 5 plantas cada, totalizando
controlar plantas invasoras pelo efeito supressor/ 20 plantas por tratamento.
alelopático (HEINRICHS et al., 2001). Acentuam
a redução nas perdas de solo e de água e O experimento compreendeu duas safras,
reduzem a temperatura do solo durante o verão, 2016/2017 e 2017/2018, onde foram
decorrentes da presença de resíduos culturais na selecionadas seis linhas do vinhedo, sendo duas
superfície, após o manejo das espécies de inverno linhas para cada cobertura. No mês de maio de

44 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021


2016 e maio de 2017 realizou-se a semeadura das húmus sólido foi colocado em um saco duplo de
plantas de cobertura, entre as linhas do vinhedo, tecido voil, sendo o conjunto fixado na borda de
processo esse feito manualmente a lanço. Após um recipiente de polipropileno, adicionando-se
o pleno florescimento das culturas de cobertura aeradores acoplados a uma bomba de aeração,
do solo, a massa verde foi cortada e colocada nas durante 24 horas, para facilitar a circulação do
linhas. Esse corte ocorreu manualmente 180 dias ar das partículas no líquido. Esse preparo deve
após o plantio. ocorrer 24 horas antes da aplicação no vinhedo.

O húmus líquido é a infusão do húmus sólido com Com a concentração de 30% de húmus líquido
água - onde o húmus sólido é proveniente da preparada, ocorreram, então, suas diluições:
vermicompostagem de esterco bovino, através de para preparar 15% de húmus líquido, utilizou-
minhocas da espécie Eisenia fetida, mais conhecida se 40 litros de húmus líquido preparado a 30%,
como Vermelha da Califórnia. misturado a 40 litros de água; após retirou-se 40
litros do líquido a 15% e se diluiu 40 litros de água,
A preparação do húmus líquido (Figura 1) ocorreu obtendo-se o húmus líquido a 7,5%. Por sorteio
da seguinte forma: para a concentração de 30%, das linhas, definiu-se onde seriam realizadas as
sendo a mais densa, utilizou-se 30 kg (massa aplicações de cada concentração de húmus líquido
seca) de húmus sólido e 100 litros de água. O 0%, 7,5% 15% e 30%, sendo que, por tratamento,

Água: 100 litros


Húmus Líquido
100 L a 30%

Húmus 30 Kg

Diluições

Solução pura

30% 100 L

Para fazer Húmus Líquido a 15%: retira-se 40 L do Húmus Líquido a 30% e acrescenta-se 40 L de água.

15% 40 L 40 L 80 L

Húmus a 30% Água Húmus a 15%

Para fazer Húmus Líquido a 7,5%: retira-se 40 L do Húmus Líquido a 15% e acrescenta-se 40 L de água.

40 L 40 L 80 L
7,5%

Húmus a 15% Água Húmus a 7,5%

Figura 1. Esquema de diluições do Húmus Líquido. Fonte: Da autora, 2019.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021 45


aplicou-se cerca de 40 litros. médias do fator qualitativo, comparadas pelo
teste de Tukey 5% de probabilidade de erro e as
Na primeira safra - 2016/2017 - foram realizadas médias do fator quantitativo submetidas à análise
duas aplicações de húmus líquido e na segunda de regressão polinomial pelo programa SISVAR.
safra - 2017/2018 - realizaram-se cinco aplicações,
efetuadas na base da planta, junto ao solo, todas
tendo início em novembro, realizando-as a cada
21 dias. Resultados e Discussão

As variáveis de produção analisadas foram: A interação entre as concentrações de húmus


número de cachos por planta (NCP) em cachos líquido e a cobertura vegetal foi significativa nas
planta-1, contados manualmente em campo na variáveis: número de cachos por planta, produção
colheita; produção por planta (PP), em kg.planta-1; por planta e produtividade por hectare, enquanto
produtividade por hectare (PH) em kg.ha-1; massa que a massa média de bagas não foi influenciada
média de bagas (MMB), em gramas (g), pesada em pela concentração de húmus líquido. Entretanto,
uma balança analítica de precisão. ao se analisar a variável isolada, observou-se um
efeito significativo para a cobertura de inverno.
Para as avaliações, retirou-se uma amostra
homogênea de 1 kg de cada tratamento e levou-se A análise de regressão entre os fatores
ao laboratório na Estação Experimental Cascata - concentração de húmus líquido e vegetal para
Embrapa Clima Temperado. a variável número de cachos por planta teve nas
concentrações de 7,5% e 15% sobre a cobertura
Os resultados foram submetidos à análise de ervilhaca efeito positivo, com médias de cachos/
variância e, quando apresentaram interação planta de 90 e 87, respectivamente (Figura 2A).
significativa, foram submetidos à análise de Na safra seguinte, a cobertura aveia sobre as
regressão do fator quantitativo dentro de cada mesmas concentrações de 7,5% e 15% também se
nível do fator qualitativo. mostraram eficazes, tendo médias acima de 114
cachos por planta (Figura 2B). Entretanto, ambas
Para os parâmetros sem interação significativa, as safras mostraram um efeito decrescente com o
foram desdobrados os efeitos simples, sendo as aumento das concentrações aplicadas.
Número de Cachos
(Cachos.planta-1)
Número de Cachos
(Cachos.planta-1)

Concentrações de Húmus Líquido (%) Concentrações de Húmus Líquido (%)

Figura 2. Equações de regressão para número de cacho por planta (Cachos.planta-1) - NCP nas safras 2016/2017 e
2017/2018 da variedade Bordô.

46 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021


Quando utilizada isolada, a leguminosa ervilhaca submetido à análise de regressão, observou-se
tem a capacidade de fixar nitrogênio no solo, na primeira safra um comportamento polinomial
favorecendo um melhor crescimento vegetativo decrescente para a interação entre concentração
da videira e melhorando a qualidade dos frutos de húmus líquido e a cobertura aveia e entre
(HEINRICHS et al., 2001). Já a utilização da concentração de húmus líquido e cobertura
gramínea aveia tem atributos como a capacidade ervilhaca (Figura 3A). Na cobertura aveia, a
de reciclagem e mobilização de nutrientes produção por planta na concentração de 15% foi
(WOLSCHICK et al., 2016). superior perante as demais com 7,100 kg.planta-1.
Já para a cobertura ervilhaca, as concentrações
Alguns trabalhos com a utilização de ácidos intermédias 7,5% e 15% obtiveram 5,430 e 5,290
húmicos, como o de Teixeira (2017), o qual ressalta kg.planta-1. Para a concentração de 30% ocorreu
que as substâncias húmicas aumentam a eficiência uma queda na produção por planta em ambas
de NPK, promovem o condicionamento do solo, as coberturas com 6,745 e 3,650 kg.planta-1. Na
melhorando a porosidade e a retenção de água no não aplicação de húmus líquido (0%) ocorreu
solo, auxilia na descompactação e decomposição a menor produção: 5,510 e 3,410 kg.planta-1,
do solo, aumentando, assim, a produtividade e respectivamente. Já na relação húmus líquido e
a qualidade dos frutos em 38%. Piva (2018) na consórcio (aveia + ervilhaca), ocorreu um efeito
avaliação da uva Bordô em cultivo orgânico e linear crescente, onde a concentração de 30%
biodinâmico não encontrou diferença no número obteve uma produção por planta com média de
de cachos por planta entre os sistemas. Já Ferranti 5,121 kg.planta-1 (Figura 3A).
(2017), nos sistemas convencional, orgânico
sem a utilização de tratamento e orgânico com Para a safra 2017/2018, a regressão ocorreu
tratamento aplicável à produção, obteve um apenas na interação húmus líquido e a cobertura
número de cachos da variedade Bordô 85, 83 e 90, aveia (Figura 3B), com efeito polinomial
respectivamente. Essas médias se assemelham decrescente, onde o maior pico de produção
às encontradas neste trabalho, onde se aplicou ocorreu entre as concentrações 7,5% e 15%, com
húmus líquido sob a cobertura vegetal. peso de 8,330 e 7,110 kg.planta-1, pesos esses
semelhantes ao da safra 2016/2017 para a mesma
Quando o resultado da produção por planta foi cobertura.
Produção/planta
Produção/planta

(Kg.planta-1)
(Kg.planta-1)

Concentrações de Húmus Líquido (%) Concentrações de Húmus Líquido (%)

Figura 3. Equações de regressão para produção por planta (Kg.planta-1) - PP nas safras 2016/2017 e 2017/2018 da
variedade Bordô.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021 47


De acordo com Branco (2010), a manutenção orgânico com e sem a utilização de tratamento e
da umidade do solo é um dos fatores que pode em sistema convencional, observou resultados de
melhorar as condições de absorção de nutrientes produção por planta para a variedade Bordô de
pelas plantas, favorecendo a produtividade. 10,3, 12,05 e 10,55 kg.planta-1, respectivamente,
Wolschick et al. (2016) relatam que as raízes das valores esses superiores aos encontrados neste
gramíneas melhoram a agregação do solo, em trabalho. Porém, essa baixa produção por planta
razão de sua alta densidade de raízes finas que pode estar relacionada às condições climáticas em
promovem a aproximação das partículas de solo ambas as safras.
e aumentam a estabilidade de agregados em
relação às raízes de leguminosas. O desempenho A análise de regressão para a produtividade por
satisfatório do consórcio de aveia e ervilhaca hectare em relação à primeira safra agrícola
deve-se ao efeito de complementaridade entre as foi polinomial decrescente entre as interações
espécies. A ervilhaca promove a fixação biológica concentrações de húmus líquido e cobertura aveia
de nitrogênio, disponibilizando esse nutriente no e ervilhaca. Observou-se a maior produção para a
solo e favorecendo o desenvolvimento da aveia cobertura aveia na concentração 15% com 16,56
(BONJORNO et al., 2010). Em contrapartida, a kg.ha-1 e para a cobertura ervilhaca o pico de maior
aveia, por ter uma elevada produção de fitomassa produção ocorreu entre as concentrações 7,5%
como característica, favorece a deposição lenta e 15% com 12,66 e 12,34 kg.ha-1. Na cobertura
da ervilhaca e uma melhor fixação de nitrogênio consorciada, o efeito observado foi linear
ao solo, disponibilizando-o para a cultura de crescente, onde a concentração de 30% obteve
interesse (HEINRICHS et al., 2001). Já o húmus a maior produtividade, sendo de 11,94 kg.ha-1
líquido, segundo Aremu et al. (2015), fornece (Figura 4A).
nutriente e proporciona o desenvolvimento
de microrganismos, que contribuem para uma Para a safra 2017/2018, a regressão ocorreu
melhoria do solo, com isso proporcionando maior apenas na interação concentração de húmus
nutrição da planta e produzindo frutos de melhor líquido e cobertura aveia, onde nas concentrações
qualidade. de 7,5% 15% a produtividade foi 19,42 e 16,58
kg.ha-1. Entretanto, o efeito observado foi
No trabalho de Ferranti (2017), em sistema polinomial decrescente para as concentrações
Produtividade/hectare
Produtividade/hectare

(Kg.ha-1)
(Kg.ha-1)

Concentrações de Húmus Líquido (%) Concentrações de Húmus Líquido (%)

Figura 4. Equações de regressão para produtividade por hectare (Kg.ha-1) - PH nas safras 2016/2017 e 2017/2018
da variedade Bordô.

48 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021


seguintes, sendo a produtividade em 30% de Ao analisarmos a variável de massa média de bagas,
15,16 kg.ha-1 (Figura 4B). observou-se que as diferentes concentrações de
húmus líquido não tiveram influência. No entanto,
Alguns autores como Zhang et al. (2015) salientam a cobertura vegetal obteve efeito positivo em
que o húmus líquido proporciona maior aporte ambas as safras.
nutricional para as plantas, favorecendo o seu
desenvolvimento e de seus frutos, pois contém Para a massa média de baga na primeira safra,
reguladores vegetais e outras substâncias que não ocorreu diferença significativa entre os
promovem o crescimento, como carboidratos e tratamentos cobertura aveia e o consórcio,
aminoácidos. Já a utilização da ervilhaca como onde as massas foram de 103,88 e 105,20 g,
planta de cobertura constitui uma importante respectivamente, e a cobertura ervilhaca obteve
fonte de nitrogênio ao solo (DONEDA et al., 2012), uma média de 95,63 g. Para a safra 2017/2018,
nitrogênio esse que participa como componente nas plantas onde foi colocada a cobertura
primário de aminoácidos e proteínas, tendo consorciada, obteve-se uma média superior às
função estrutural e metabólica (MELLO, 2012). A demais coberturas com massa média de 104,11
aveia possui um alto valor nutricional e uma rápida g. As coberturas aveia e ervilhaca não diferiram
decomposição, favorecendo, assim, a absorção entre si (Tabela 1).
de nutriente mais rápida pela planta (OLIVEIRA,
2014). De acordo com Michelon et al. (2016), o consórcio
das espécies de cobertura vegetal aveia e ervilhaca
Segundo Giovannini (2008), a média de é benéfica, pois apresenta efeitos positivos
produtividade da variedade Bordô é de 15 a 20 das propriedades físicas do solo (agregação
kg.ha-1. Na avaliação da qualidade e produtividade e estruturação), produz resíduos de relação
da uva Bordô, Rombaldi et al. (2004) encontrou carbono/nitrogênio que favorece a mineralização
uma produtividade por hectare de 12,40 kg.ha-1 de nitrogênio e promove maior equilíbrio e
para o cultivo convencional e de transição na safra acúmulo de carbono no perfil do solo. Casali et
2001/02. Já Ferranti (2017), obteve para a mesma al. (2016) salientam que o consórcio de ervilhaca
variedade, porém em sistemas de produção e aveia adiciona maior quantidade de fósforo no
convencional, orgânico e orgânico sem nenhum solo, a partir da decomposição dos seus resíduos,
tratamento, uma produtividade por hectares de em função da maior absorção de fósforo pela
15,12, 17,20 e 17,61 kg.ha-1. A produtividade planta leguminosa, associado à maior labilidade
da uva bordô neste trabalho se assemelha às dos seus resíduos vegetais.
encontradas na produção orgânica e orgânica
sem tratamento de Ferranti (2017). Isso pode Entretanto, na viticultura, segundo Mello (2012), o
ser atribuído à utilização do húmus líquido, pois fósforo tem papel importante dentro da cultura da
esse contribui para uma maior disponibilidade de videira, pois atua como um componente estrutural
nutrientes e maior absorção pela planta. da membrana celular, fixa o CO2 e é responsável

Tabela 1. Médias para a variável Massa Média de Bagas (MMB) em relação à cobertura vegetal em vinhedo
agroecológico de Bordô nas safras 2016/2017 e 2017/2018, São Lourenço do Sul (RS).

Número de Cachos (Cachos.plantas-1)


Concentrações
de Húmus Líquido Safra 2016/2017 Safra 2017/2018

Massa Média de Bagas (g)


Cobertura Vegetal
Safra 2016/2017 Safra 2017/2018

Aveia 103,88 a 95,09 b

Ervilhaca 95,63 b 88,17 b

Consórcio (aveia+ ervilhaca) 105,20 a 104,11 a

CV% 28,12 21,67


Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem estatisticamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05). CV% = coeficiente de variação.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021 49


pelo metabolismo de açúcares. Ferranti (2017), Conclusão
em seu trabalho de produtividade entre os
sistemas de cultivo, encontrou médias de massa A combinação de húmus líquido e cobertura
de bagas 83 e 90 g para a variedade Bordô. Os vegetal proporcionou efeito positivo para
valores de massa média de baga para a variedade a produtividade da uva Bordô em sistema
Bordô conduzida em sistema orgânico, neste agroecológico, assim como a concentração de
trabalho, foram superiores, fator esse que pode húmus líquido a 15% se mostrou mais eficaz.
estar atrelado à cobertura vegetal que mantém o
equilíbrio, protege o solo e fornece nutrientes que
são indispensáveis para o desenvolvimento dos
cachos.

Referências
AREMU, A.O.; STIRK, W.A.; KULKARNI, M.G.; BRANCO, R.B.F. Cultivo orgânico sequencial
TARKOWSKÁ, D. Evidence of phytohormones de hortaliças com dois sistemas de irrigação e
and phenolic acids variability in garden-waste- duas coberturas de solo. Horticultura Brasileira,
derived vermicompost leachate, a well-known Brasília, v.28, n.1, p.75-80, 2010.
plant growth stimulant. Plant Growth Regulation.
África do Sul, v.75, v.2, p.483-492, dez. 2014. CASALI, C.A.; TIECHER, T.; KAMINSKI, J.;
DOI:10.1007/s10725-014-0011-0 SANTOS, D.R.D.; CALEGARI, A.; PICCIN, R.
Benefícios do uso de plantas de cobertura de
ARTEAGA, M; GARCÉS, N.; NOVO, R.; GURIDI, solo na ciclagem de fósforo. In: TIECHER, T.
F.; PINO, J.A.; ACOSTA, M.; PASOS, M.; BESÚ, D. (Ed.) Manejo e conservação do solo e da água
Influência de la aplicación foliar del bioestimulante em pequenas propriedades rurais no sul do
Liplant sobre algunos indicadores biológicos del Brasil: práticas alternativas de manejo visando
suelo. Revista de Protección Vegetal. Cuba, v.22, a conservação do solo e da água. Porto Alegre:
n.2, p.110-117, maio 2007. UFRGS, p.23-33, 2016.

BIANCHINI, V.; MEDAETS, J. P. P. Da revolução CASTRO NETO, N.; DENUZI, V.S.S.; RINALDI,
verde à agroecologia: Plano Brasil Agroecológico. R.N.; STADUTO, J.R. Produção orgânica: uma
Brasília. Brasília: MDA, 2013. Disponível em: potencialidade estratégia para a agricultura
h t t p s : //d o c p l aye r. c o m . b r / 1 5 5 8 4 9 5 7 - D a - familiar. Revista Percurso. Paraná, v.2, n.2, p.73-
revolucao-verde-a-agroecologia-plano-brasil- 95, dez. 2010.
agroecologico-1-desenvolvimento-sustentavel-e-
a-agricultura-de-base-ecologica.html. Acesso em: DONEDA, A. Fitomassa e decomposição de
20 out. 2018. resíduos de plantas de cobertura puras e
consorciadas. Revista Brasileira de Ciências
BONJORNO, I.I.; MARTINS, L.A.O.; LANA, do Solo. Minas Gerais, v.36, n.6, p.1714-1723,
M.A.; BITTENCOURT, H.H.; WILDNER, L.P.; dez. 2012. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100-
PARIZOTTO, C.; FAYAD, J.A.; COMIN, J.J.; ALTIERI, 06832012000600005
M.A. LOVATO, P.E. Efeito de plantas de cobertura
de inverno sobre cultivo de milho em sistema de FERRANTI, T.H. Caracterização de compostos
plantio direto. Revista Brasileira de Agroecologia. fenólicos de sucos de Vitis labrusca variedade
Rio Grande do Sul, v.5, n.2, p.99-108, 2010. Bordô sob diferentes sistemas de manejo
agrícola. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia
BORTOLINI, C.G.; SILVA, P.R.F.; ARGENTA, G. e Gestão Vitivinícola). Universidade de Caxias do
Sistemas consorciados de aveia preta e ervilhaca Sul, Caxias do Sul. 2017.
comum como cobertura de solo e seus efeitos na
cultura do milho em sucessão. Revista Brasileira GIOVANNINI, E. Produção de uvas: para
de Ciências do Solo. Minas Gerais, v.24, n.4, p.234- vinho, suco e mesa. 3. ed. Porto Alegre: Editora
240, dez. 2000. DOI: https://doi.org/10.1590/ Renascença, 2008.
S0100-06832000000400021

50 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021


GIOVANNINI, E. Manual de Viticultura. Porto PIVA, R. Aspectos agronômicos e fisiológicos
Alegre: Bookman, 2014. de videiras em sistema de produção orgânico e
biodinâmico. Tese (Doutorado em Agronomia).
GÓMEZ, R.B. Compostaje de Resíduos Sólidos Programa de Pós-Graduação em Agronomia em
Orgánicos. Aplicación de técnicas respirométricas Produção Vegetal. Universidade Estadual do
en el siguimiento del processo. Tese (Doutorado Centro-Oeste. Guarapuava, 2018.
em Engenharia Química) Universidade Autônoma
de Barcelona, Barcelona, 2006. PIZZEGHELLO, D.; NICOLINI, G.; NARDI, S.
Hormone-like activity of humic substances in Fagus
HEINRICHS, R.; AITA, C.; AMADO, T.J.C.; sylvaticae L. forests. New Phytologist. Nova Jersey,
FANCELLI, A.L. Cultivo consorciado de aveia v.151, v.3, p.647-657, dez. 2001. DOI: https://doi.
e ervilhaca: relação C/N da fitomassa e org/10.1046/j.0028-646x.2001.00223
produtividade do milho em sucessão. Revista
Brasileira de Ciências do Solo. Minas Gerais, ROMBALDI, C.V.; FERRI, V.C.; BERGAMASCHI,
v.25, n.2, p.331-340, jun. 2001. DOI: https://doi. M.; LUCHETTA, L.; ZANUZO, M.R. Produtividade
org/10.1590/S0100-06832001000200010 e qualidade de uva, cv. Bordô (Ives), sob dois
sistemas de cultivo. Revista Brasileira de
INGHAM, R.E. The Compost Tea Brewing Manual. Agrociência. Pelotas, v.10, n.4, p.519-521, out.
EUA: Soil Foodweb Incorporated, 2005. 2004.

MELLO, L.M.R. Vitivinicultura brasileira: SAMBUICHI, R.H.R.; MOURA, I.F.; MATTOS,


panorama 2012. Comunicado Técnico 137. L.M.; AVILA, M.L.; SPINOLA, P.; SILVA, A.M. A
Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2013. política nacional de agroecologia e produção
Disponível em: http://www.infoteca.cnptia. orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo
embrapa.br/infoteca/handle/doc/961580. Acesso desenvolvimento rural sustentável. Brasília: Ipea,
em: 22 nov. 2018. 2017.

MICHELON, C.J.; NETO, L.R.; OLIVEIRA, M.B.; TEIXEIRA, N.T. Ácidos húmicos aumentam a
VIEIRA, C.C.; CASALI, C.A.; PELLEGRINI, J.B.R. eficiência do NPK. Revista Campo e Negócio
Plantas de cobertura e seu efeito na densidade do Hortifruti. Uberlândia, n.143, p.52-54, maio 2017.
solo e no rendimento de grãos da cultura do milho.
In: XXXV Congresso Brasileiro de Ciência do Solo. WOLSCHICK, N.H.; BARBOSA, F.T.; BERTOL,
Anais... Natal, 2016. I.; SANTOS, K.F.; WERNER R.S.R.; BAGIO, B.
Cobertura do solo, produção de biomassa e
NAVARRO, Z. A agricultura familiar no Brasil: acúmulo de nutrientes por plantas de cobertura.
entre a política e as transformações da vida Revista de Ciências Agroveterinárias. Lages,
econômica. In: GAQUES, J.G.; VIEIRA FILHO, v.15, n.2, p.134-143, ago. 2016. DOI: https://doi.
J.E.R.; NAVARRO, Z. (Org.). A agricultura org/10.5965/223811711522016134
brasileira: desempenhos, desafios e perspectivas.
Brasília: IPEA, 2010. p.185-209. ZANDONADI, D.B.; CANELLAS, L.P.; FAÇANHA,
A.R. Indolacetic and humic acids induce lateral root
OLIVEIRA, B.S.; AMBROSINI, V.G.; LOVATO, P.E.; development through a concerted plasmalemma
COMIN, J.J.; CERETTA, C.A.; SANTOS JUNIOR, E.; and tonoplast H+ pumps activation. Planta.
SANTOS, M.A. dos; LAZZARI, C.J.R.; BRUNETTO, Alemanha, v.225, p.1583-1595, dez. 2006.
G. Produção e nitrogênio no solo e na solução
em pomar de macieira submetido à aplicação de ZHANG, H.; TAN, S.N.; TEO, C.H.; YEW, Y.R.;
fontes de nutrientes. Ciência Rural. Rio Grande GE, L.; CHEN, X.; YONG, J.W.H. Analysis of
do Sul, v.44, n.12, p.2164-2170, dez. 2014. DOI: phytohormones in vermicompost using a novel
https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20131578 combinatives ample preparation strategy of
ultra sound-assisted extractionand solid-phase
PIRES, C.R.F.; LIMA, L.C.O.; VILAS BOAS, E.V.B.; extraction coupled with liquid chromatography-
ALVES, R.R. Qualidade textural de tomates tandem mass spectrometry. Talanta. Amsterdam,
cultivados em substratos orgânicos submetidos v.139, n.1, p.189-197, jul. 2015. DOI: https://doi.
à aplicação de substâncias húmicas. Pesquisa org/10.1016/j.talanta.2015.02.052
Agropecuária Brasileira. Brasília, v.44, n.11,
p.1467-1472, nov. 2009.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.42-51, 2021 51


Bruno Cisilotto

Efeito sobre a cinética fermentativa


de carvões enológicos adicionados em
mostos para elaboração de espumante

Angelo Gava1

Bruno Cisilotto2

Evandro Ficagna2

1
UFRGS - Instituto de Ciências
Básicas da Saúde
90050-170 Porto Alegre, RS
2
IFRS Campus Bento Gonçalves
95700-206 Bento Gonçalves, RS

Autor correspondente:
gava.angelogava@gmail.com

54 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021


Resumo

elaboração do vinho base é um fator estritamente relacionado com a qualidade


dos espumantes. O objetivo desse trabalho foi avaliar o efeito de diferentes
carvões enológicos sobre a atividade fermentativa na elaboração de vinho base
para espumante. Os mostos utilizados foram extraídos de uvas Chardonnay e
a fermentação alcoólica ocorreu a 15 ˚C, utilizando levedura comercial Zymaflore X5 (S.
cerevisiae). O delineamento experimental utilizado foi do tipo bifatorial, sendo 2 mostos (flor
e prensa) e 4 tratamentos (3 carvões e um tratamento controle). A dose aplicada foi de 25
mg L-1, sendo estabelecida através de revisão bibliográfica. Os produtos testados foram:
Deobrett (desodorizante), Deodal (desodorizante) e Decoran XL (descolorante). A cinética
fermentativa foi avaliada representando graficamente a perda de massa diária, devido à
produção de gás carbônico (CO2) em função do tempo. Os resultados foram avaliados
por análise de variância (ANOVA), seguida de teste de Tukey (5%). Para ambos os mostos,
todos os carvões estudados contribuíram para uma melhora dos parâmetros cinéticos
avaliados, exceto a produção máxima de CO2, que não foi afetada. O comportamento dos
carvões foi diferente para cada mosto. Os resultados demonstram um potencial no uso do
carvão, em baixa dosagem, a fim de melhorar a atividade fermentativa.

Palavras-chave: gás carbônico, parâmetros cinéticos, Chardonnay, fermentação alcóolica.

Abstract

Effect on fermentative kinetics of oenological charcoals


in musts for elaboration for sparkling wine

The production of base wine is a factor closely related to the quality of sparkling wines.
The objective of this study was to investigate the effects of different oenological charcoals
on the fermentative activity during the production of sparkling wine. The musts used were
extracted from Chardonnay grapes and the alcoholic fermentation took place at 15 ˚C using
commercial Zymaflore X5 yeast (S. cerevisiae). A bifactorial experimental design was used
including 2 musts (cuvée and taille) and 4 treatments (3 different charcoals and a control
treatment). The 25 mg L-1 dose used was based on a literature review. Three products
were tested: Deobrett (deodorant), Deodal (deodorant) and Decoran XL (decolorant).
Fermentative kinetics response curves were constructed, representing the daily mass loss
due to the production of carbon dioxide (CO2) as a function of time. A two-way analysis of
variance (ANOVA) with a Tukey post hoc test (5%) was performed. All charcoals studied
in both musts improved the kinetic parameters evaluated, except for the maximum CO2
production. The behavior of the charcoals was different in each must fraction. The results
suggest that oenological charcoal products have the potential to be used, in low dosage, to
improve the fermentative activity.

Keywords: carbon dioxide, kinetic parameters, Chardonnay, alcoholic fermentation.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021 55


Introdução O carvão é utilizado na produção de vinhos e
destilados desde o início do século passado, sendo
Em 2018, a comercialização de vinhos espumantes empregado principalmente pela sua característica
produzidos no Rio Grande do Sul foi de adsorvente (SINGLETON; DRAPER, 1962).
aproximadamente 12 milhões de litros (UVIBRA, Pesquisas recentes vêm focando na segurança
2018), sendo que a maior parte dessa produção alimentar do vinho e no poder de remoção de
ocorre na Serra Gaúcha. Tal fato deve-se à região resíduos de agrotóxicos, como fungicidas e
apresentar uma potencialidade para elaboração inseticidas, demonstrando que o carvão ativado
de espumantes de qualidade, especialmente remove uma série de compostos indesejáveis
pela altitude e localização geográfica, que fazem (NICOLINI et al., 2017; DOULIA et al., 2017).
a região apresentar características climáticas,
resultando em uma maturação das uvas adequadas Outro aspecto interessante é que, quando utilizado
para esse fim (MENEGUZZO, 2010). em doses baixas (abaixo de 50 mg L-1), não promove
alterações negativas na qualidade sensorial do
As uvas destinadas para elaboração de vinho vinho finalizado e auxilia na desintoxicação do
base possuem características de maturação meio, favorecendo uma atividade fermentativa
diferenciadas, sendo que o mosto extraído delas controlada e de maior eficiência (NICOLINI et al.,
apresenta baixo pH (3 - 3,2), alta acidez e um 2016).
teor de sólidos solúveis (˚Brix) em torno de 18 a
20% (ZOECKLEIN, 1998; JÉGOU et al., 2017). Dessa forma, o presente trabalho teve por objetivo
A prensagem proporciona uma modificação da avaliar o efeito de diferentes carvões enológicos
composição do mosto ao longo do processo, sobre a cinética fermentativa de duas diferentes
influindo na concentração de componentes frações de mosto obtidas da prensagem direta
tóxicos para a levedura, como ácidos graxos de de uvas Chardonnay. Além disso, a coloração dos
cadeia curta e resíduos de produtos fitossanitários, vinhos obtidos foi avaliada a fim de observar uma
que interferem negativamente no decorrer da possível modificação promovida pelo uso dos
fermentação (TOGORES, 2018). Além disso, a carvões enológicos.
limpeza prévia do mosto torna o meio mais hostil
para a atividade fermentativa das leveduras, uma
vez que pode levar a uma deficiência de compostos
nitrogenados, lipídios e vitaminas (JACKSON, Material e Métodos
2014).
A uva da variedade Chardonnay (Vitis vinifera L.),
A condução e os fatores da fermentação alcoólica utilizada para o experimento, foi proveniente da
do mosto são de grande importância, tendo em estação experimental do IFRS - Campus Bento
vista os aspectos qualitativos do vinho base e, Gonçalves (safra 2018), cujos tratamentos
especialmente, do aspecto aromático, destacando- fitossanitários são controlados e conhecidos.
se, entre os fatores, a inoculação de leveduras, o Optou-se por utilizar essa variedade por
uso de aditivos de fermentação e o controle da ser amplamente difundida na Serra Gaúcha,
fermentação (TOGORES, 2018). sendo mil hectares ocupados e representando
parcela expressiva das uvas processadas para
O mosto obtido de prensagens direta para espumantes (DE MELLO; MACHADO, 2017).
elaboração de espumantes é um meio
considerado adverso para a atividade das Uma massa de 400 kg de uvas selecionadas foi
leveduras, podendo haver uma significativa acondicionada em prensa pneumática (PPA9,
concentração de compostos tóxicos, prejudicando Enoveneta, Itália) e prensada com cachos inteiros
a cinética de fermentação e, consequentemente, (prensagem direta) sob ciclos de pressão e
a qualidade do produto. Uma das alternativas tombamentos controlados, conforme Tabela 1. A
recentes para remoção desses compostos tóxicos separação dos mostos deu-se a partir do controle
é o carvão ativado (NICOLINI et al., 2016; DOULIA de volume de mosto extraído, com base na revisão
et al., 2017). bibliográfica efetuada (ZOECKLEIN, 1998; JÉGOU
et al., 2017), por meio do acompanhamento das

56 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021


porcentagens de mosto extraídas (Tabela 2). A acidez total (g L-1 expresso em ácido tartárico)
prensagem resultou em 6 frações de mostos. foi realizada por método de titulação. O teor
de sólidos solúveis totais (˚Brix) foi obtido pela
À medida que as frações foram obtidas e leitura em refratômetro digital portátil Modelo
separadas ao longo da prensagem (10 L de cada Pal-1 (Atago Brasil). A determinação dos açúcares
fração), foi adicionado dióxido de enxofre (SO2) redutores (g L-1) foi baseada na metodologia de
na dose de 50 mg L-1. Após 15 minutos, adicionou- Lane-Eynon, utilizando-se de reativo de Fehling
se a enzima pectolítica (3 mL hL-1), Zimopec PML A e B. Para a medida de turbidez, utilizou-se o
(Perdomini, Itália). Transcorridas duas horas de turbidímetro HI 98703-02 (Hanna, Romênia)
ação enzimática, realizou-se a clarificação das previamente calibrado com as soluções-padrão
frações com auxílio de 1,5 g L-1 de Sol de Sílica de formazina. A turbidez foi expressa em NTU
(Spindasol BK, AEB, Itália) seguido de 15 mL hL-1 (unidade nefelométrica de turbidez).
de Gelatina (Gelsol, AEB, Itália), sendo os mostos
resfriados a 5 ˚C e mantidos em câmara frigorífica A partir das análises físico-químicas, as frações de
por aproximadamente 12 h para decantação mosto nº 3 e nº 5 foram escolhidas para realizar
estática. Concluída a limpeza prévia do mosto, a os ensaios fermentativos, mosto flor e prensa,
parte límpida foi separada por trasfega e efetuou- respectivamente. O inóculo da levedura foi
se as seguintes análises físico-químicas: pH, acidez adicionado separadamente na repetição de cada
total (g L-1 de ácido tartárico), sólidos solúveis fração estudada, utilizando-se a dose de 0,25 g L-1
totais (˚Brix), açúcares redutores (g L-1) e turbidez de levedura comercial enológica Saccharomyces
(NTU). cerevisiae (Zymaflore X5, Laffort, França), sendo
hidratada e aclimatada conforme ficha técnica
O pH foi determinado através de medidor do produto. Após a adição das leveduras, os
multiparâmetro Edge de marca Hanna (Romênia), carvões foram adicionados na dose de 25 mg L-1.
devidamente calibrado com solução-padrão. A A escolha dessa dose deu-se por meio de pesquisa

Tabela 1. Ciclo de prensagem, pressão e tombamentos, programado e executado na prensa pneumática.

Etapa Pressão (bar) Quantidade de Giros Tempo (minutos)

1 0,0 0 ------

2 0,4 3 2,5

3 0,6 3 3,3

4 1,6 3 3,3

5 1,8 3 3,3

6 2,0 6 6,7

Tabela 2. Frações de mostos obtidas após ciclo de prensagem.

Ordem de
Pressão (bar) Volume Inicial (L) Volume Final (L) Rendimento (%)
prensagem

1º 0 0 10 2,5

2º 0,58 11 60 15,0

3º 1,32 61 110 27,5

4º 1,8 111 160 40,0

5º 1,9 161 210 52,5

6º 2,0 211 240 60,0


Rendimento: Volume Final (L) / Massa de uva prensada (400kg).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021 57


bibliográfica, uma vez que estudos recentes de CO2 (tVmax); tempo de fase de latência para
evidenciaram que concentrações de 20 e 50 mg produção de CO2 (tLag), em horas, e a produção
L-1 de carvão ativado resultam em alterações na máxima de CO2 (Ymax). O fim da fermentação foi
cinética de fermentação (NICOLINI et al., 2017) constatado quando não foi mais observada perda
e, sobretudo, Nicolini et al. (2016) destacam que de massa em um intervalo de 24 h. A metodologia
tratamentos contendo até 50 mg L-1 de carvão utilizada para avaliação do modelo e obtenção de
não modificaram negativamente a maioria dos cada parâmetro cinético foi semelhante à utilizada
compostos aromáticos e a coloração do vinho. por Gava et al. (2020).

As fermentações foram conduzidas a uma O índice de cor amarela dos vinhos obtidos foi
temperatura de 15 ˚C em frascos contendo determinado por leitura de absorbância direta de
250 mL de mosto, sendo realizado um total de 420 nm em espectrofotômetro modelo T92+ (PG
8 ensaios experimentais, em triplicata, para Instruments, Lutterworth, Reino Unido), usando
cada fração de mosto estudada (Tabela 3). A uma cubeta de quartzo com percurso óptico de 10
cinética fermentativa foi avaliada e representada mm. As análises foram realizadas 72 horas após o
graficamente pela perda de massa diária, devido à término da fermentação alcoólica.
produção de dióxido de carbono (CO2) em função
do tempo (RENAULT, 2010; PELTIER et al., 2018; O delineamento experimental utilizado foi
NGUELA et al., 2019; GAVA et al., 2020), cada inteiramente casualizado, em esquema fatorial
ponto do tratamento foi monitorado em balança 2 x 4, sendo duas frações de mosto e quatro
eletrônica, em intervalos aproximados de 12 tratamentos, totalizando 24 ensaios, com 3
h durante 12 dias. Os dados foram analisados repetições em cada ponto. Os resultados foram
de acordo com o ajuste sigmoidal não linear da submetidos à análise de variância (ANOVA) e as
equação de Gompertz modificada (ZWIETERING comparações das médias foram realizadas pelo
et al., 1990), conforme Equação 1, cuja importância teste de Tukey, a 5% de probabilidade de erro,
em pesquisas enológicas tem sido relatada, por com auxílio do software Assistat 7.7 (SILVA;
Rinaldi et al. (2006) e O´Neill, Van Heeswijck e AZEVEDO, 2016).
Muhlack (2011).

(1)
Resultados e Discussão

Segundo alguns autores, o fenômeno da


prensagem faz com que sejam obtidos diferentes
Foram obtidos os seguintes parâmetros cinéticos: mostos de um mesmo lote de uvas, e não apenas
velocidade máxima de produção de CO2 (Vmax); um único mosto com características semelhantes
tempo em que ocorre a taxa máxima de produção do início até o final da extração (ZOECKLEIN,

Tabela 3. Ensaios experimentais realizados em cada mosto.

Dose
Ensaio Fração de Mosto Produto Comercial Marca Comercial Atividade Específica
(mg L-1)

1 Mosto flor (3) Controle ------- ------- 0,00

2 Mosto flor (3) Deobrett Ever Desodorizante 25,00

3 Mosto flor (3) Deodal AEB Group Desodorizante 25,00

4 Mosto flor (3) Decoran XL AEB Group Descorante 25,00

5 Mosto prensa (5) Controle ------- ------- 0,00

6 Mosto prensa (5) Deobrett Ever Desodorizante 25,00

7 Mosto prensa (5) Deodal AEB Group Desodorizante 25,00

8 Mosto prensa (5) Decoran XL AEB Group Descorante 25,00

58 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021


1998; MORENO; PEINADO, 2012; JÉGOU (MORENO; PEINADO, 2012; JÉGOU et al., 2017).
et al., 2017). As 6 frações de mosto obtidas da Tal fato pode ser explicado através do aumento de
prensagem direta de um lote de uvas Chardonnay extração de minerais, como o potássio, elevando o
apresentaram diferentes características físico- pH em decorrência da combinação com parte dos
químicas perante as análises realizadas (Tabela 4). ácidos livres no mosto.

A integridade das prensagens pode ser medida De acordo com Zoecklein (1998), a primeira
comparando as diferenças na acidez total titulável fração da prensagem contém poeira e resíduos
entre as frações (DUNSFORD; SNEYD, 1989). e é frequentemente oxidada como resultado de
Nas frações de mosto obtidas, o comportamento impactos durante a colheita e transporte. Uma
da acidez e do pH (Figura 1) é semelhante ao menor acidez e um maior pH na primeira parcela
encontrado na literatura, na qual também há um de mosto foram encontrados neste trabalho,
decréscimo da acidez após a segunda prensagem podendo ser explicados também pela ausência

Tabela 4. Características físico-químicas das 6 diferentes frações de mosto obtidas na prensagem de uva Chardonnay.

Ordem de pH AT (g L-1) °Brix Açúcares Turbidez (NTU)


Volume Final (L)
prensagem Redutores (g L-1)

1º 10 3,24 5,94 20,0 192,3 60,5

2º 60 3,13 6,56 20,3 195,3 45,3

3º 110 3,11 6,04 20,2 195,7 3,3

4º 160 3,13 5,77 20,3 195,6 3,4

5º 210 3,22 5,12 20,3 196,4 3,2

6º 240 3,38 4,06 20,3 196,8 48,9


AT: Acidez Total (g L-1) expressa em ácido tartárico

Figura 1. Alteração do pH e da concentração de acidez total (g L-1 expressa em ácido tartárico) do mosto obtido
durante a prensagem de uvas Chardonnay para produção de espumante. Acidez Total (g L-1 expressa em
ácido tartárico). As cores foram obtidas através de fotografia, sendo as frações fotografadas logo após a
prensagem, sem adição de SO2.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021 59


de pressão, impossibilitando a extração na região O tempo em que a taxa máxima ocorre (tVmax)
intermediária da baga, zona onde estão localizados também foi afetado pela presença de carvões
os ácidos (ZOECKLEIN, 1998). Além disso, Jégou no mosto (Figura 2B), apresentando diferença
et al. (2017) destacam que alguns produtores significativa do tratamento controle. Novamente o
separam essa primeira fração do mosto flor e a carvão descolorante diferenciou-se dos demais no
misturam com o mosto prensa, uma vez que esse mosto flor, apresentando menor tempo. Quanto
suco liberado durante o carregamento da prensa, ao mosto prensa, todos os carvões apresentaram o
na ausência de pressão, é de baixa qualidade. mesmo efeito sobre esse parâmetro, distinguindo-
se apenas do tratamento controle.
Para os parâmetros SST (˚Brix) e açúcares
redutores (g L-1), os resultados sugerem que as O tempo de latência das leveduras no mosto é um
diferenças encontradas são insignificantes e não fator de extrema importância para a vinificação de
resultariam em maiores diferenças no vinho base vinhos base para espumantes, uma vez que uma
elaborado. Na literatura encontrada, o aumento curta duração está correlacionada à estabilidade
da força de prensagem ocasionou em uma microbiológica, aumentando a probabilidade de
diminuição do teor de açúcares no meio de até que nenhum outro microrganismo se desenvolva
18 g L-1 (MORENO; PEINADO, 2012). Entretanto, anteriormente à levedura desejada. Além disso,
no presente trabalho, não houve diferenças pesquisas indicaram que uma maior produção de
maiores de 6 g L-1. Os valores de turbidez (NTU) glicerol está correlacionada com um maior tempo
mensurados nas diferentes frações atentam para de latência (PELTIER et al., 2018).
a necessidade de tratamentos específicos de
clarificantes para cada uma das frações do mosto, O comportamento sobre o tempo de fase de
sendo que as frações intermediárias obtidas na latência para produção de CO2 (tLag) foi semelhante
prensagem resultaram em menores valores de ao encontrado para o tVmax, de forma que todos os
turbidez (Tabela 4). carvões resultaram em um efeito positivo sobre
esse parâmetro no mosto flor, reduzindo-o (Figura
A fermentação alcoólica foi conduzida a 15˚C 2C). Dessa forma, o uso de carvão ativado pode
e acompanhada pelo desprendimento de resultar em menores riscos de contaminação do
gás carbônico CO2. O processo ocorreu em mosto, uma vez que o tempo entre a inoculação
aproximadamente 200 h e diferentes parâmetros da levedura e o início de sua atividade é menor
cinéticos foram avaliados (Figura 2). A obtenção quando na presença desse agente. Quanto a
de taxas máximas fermentativas mais elevadas uma possível redução na quantidade de glicerol
é um dos objetos de interesse na enologia, uma produzido, embora muitos autores destaquem o
vez que essas taxas significam uma mais rápida efeito benéfico desse composto (MBUYANE et
degradação de açúcares, assegurando a inibição al., 2018; PUŠKAŠ et al., 2020), testes sensoriais
de outros microrganismos presentes no meio, são necessários para avaliar o efeito desse
que possam vir a resultar em características fenômeno sobre as propriedades organolépticas
indesejáveis ao vinho (MARSIT; DEQUIN, 2015). do vinho. Além disso, Nieuwoudt et al. (2002)
Para ambos os mostos, todos os carvões estudados não encontraram em seus resultados uma relação
elevaram a taxa máxima de produção de CO2 entre a qualidade do vinho e a quantidade de
(Vmax), apresentando diferenças estatísticas glicerol presente. Para o mosto flor, o carvão
em comparação ao tratamento controle descolorante diferenciou-se em comparação aos
(Figura 2A). No entanto, o comportamento demais, apresentando menor valor, enquanto no
dos clarificantes foi diferente para cada fração mosto prensa todos os carvões não apresentaram
testada. Para o mosto flor, o carvão de efeito diferença significativa do tratamento controle.
descolorante diferenciou-se significativamente
dos dois carvões desodorizantes, resultando Quanto à máxima produção de CO2 (Ymax), não
em uma maior taxa. Um fenômeno oposto foi foram encontradas diferenças estatísticas entre
observado no mosto prensa, no qual os carvões os tratamentos para ambos os mostos (Figura
desodorizantes apresentaram as maiores taxas, 2D). Todos os tratamentos resultaram na mesma
sendo significativamente diferente do carvão produção de gás carbônico. Dessa forma, não
descolorante. foram observados efeitos significativos sobre

60 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021


Figura 2. Parâmetros cinéticos encontrados para dois mostos (flor e prensa) na presença de diferentes carvões
enológicos: (A) Taxa máxima de produção de CO2 (g L-1 h-1), (B) Tempo em que a taxa máxima ocorre (h), (C)
Tempo de fase de latência para produção de CO2 (h) e (D) Produção Máxima de CO2 (g L-1). Letras iguais,
maiúsculas para tratamento e minúsculas para o mosto, não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey, a
5% de probabilidade. As barras indicam o erro padrão da média de 3 repetições.

o rendimento da fermentação. Entretanto, um DOULIA et al., 2017). Outro destaque é sua


estudo recente envolvendo o uso de carvão na capacidade de remover outros inibidores da
fermentação encontrou uma significativa redução atividade fermentativa das leveduras, como os
na quantidade de açúcares residuais quando ácidos acético e fórmico, e o furfural (KIM et al.,
utilizado carvão (NICOLINI et al., 2016). 2013). Os efeitos benéficos do carvão sobre a
fermentação vistos nesse trabalho corroboram
Diversos estudos relatam o potencial do carvão com estudos recentes, os quais indicam uma
ativado na remoção de compostos indesejáveis, melhora no término da fermentação na presença
como fungicidas, que podem afetar a fermentação de baixas doses de carvão em um mosto contendo
(RUEDIGER et al., 2004; FERNÁNDEZ et al., fungicidas (NICOLINI et al., 2017). Uma hipótese
2005; SEN et al., 2012; NICOLINI et al., 2016; para a melhora da cinética de fermentação

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021 61


Tabela 5. Índice de cor amarela, determinado por leitura de absorbância direta (420nm) dos diferentes tratamentos
após término da fermentação alcoólica.

Tratamento Mosto flor Mosto prensa

Controle 0,126 bA 0,209 aA

Deobrett 0,135 bA 0,202 aA

Deodal 0,131 bA 0,210 aA

Decoran XL 0,126 bA 0,166 aB

Letras iguais, maiúsculas para coluna (Tratamento) e minúsculas para linha (Mosto), não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey, a 5% de
probabilidade.

observada é de que o carvão removeu compostos Conclusão


tóxicos às leveduras, como resíduos de fungicidas
que poderiam estar presentes no meio. No 1. A utilização de carvão na dosagem testada
entanto, este estudo não teve por objetivo afetou a cinética fermentativa. Os carvões
quantificar esses compostos e o efeito do carvão provocaram aumento da velocidade máxima de
sobre a remoção desses. produção de CO2, redução do tempo de fase de
latência e do tempo para ocorrência da velocidade
A análise do índice de cor amarela, determinado por máxima.
leitura de absorbância direta (420 nm), demonstra
que os carvões desodorizantes não impactaram 2. O comportamento dos carvões na fermentação
sobre a coloração de ambas as frações de mosto é diferente sobre cada fração de mosto, sendo que,
estudadas (Tabela 5). Além disso, para a fração no mosto flor, o carvão descolorante apresentou
de mosto flor, o carvão descolorante não afetou melhores resultados. Já no mosto prensa, os
esse índice com a dosagem de carvão adotada. carvões resultaram em efeitos semelhantes para a
Esses achados estão de acordo com os resultados maioria dos parâmetros.
encontrados por Nicolini et al. (2016), os quais
evidenciaram que a cor medida pela absorbância 3. Os carvões desodorizantes não apresentaram
a 420 nm não apresentou diferença estatística efeito sobre a coloração dos vinhos obtidos.
entre o tratamento controle e os tratamentos Além disso, na concentração estudada, o carvão
contendo até 50 mg L-1 de carvão ativado. descolorante não afetou a coloração do vinho
obtido do mosto flor.
Quanto às diferenças no processo fermentativo
entre as frações, o mosto prensa apresentou uma
maior atividade fermentativa em comparação ao
mosto flor, sendo que os parâmetros apresentaram Agradecimentos
diferença estatística, exceto para Ymax. Obteve-se
uma Vmax mais elevada no mosto prensa, enquanto Ao IFRS (Instituto Federal de Educação, Ciência e
tVmax e tLag apresentaram menores valores no mosto Tecnologia do Rio Grande do Sul) - Campus Bento
prensa em comparação ao mosto flor. Um maior Gonçalves pela concessão do espaço.
valor de pH, além de uma maior concentração
de compostos fenólicos, minerais, compostos
nitrogenados presentes no mosto prensa
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2007), podem justificar
uma melhor atividade fermentativa nesse mosto.

62 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021


Referências

DE MELLO, L.M.R.; MACHADO, C.A.E. Cadastro MARSIT, S.; DEQUIN, S. Diversity and adaptive
vitícola do Rio Grande do Sul: 2013 a 2015. evolution of Saccharomyces wine yeast: a review.
Brasilia: Embrapa, 2017. FEMS Yeast Research. Inglaterra, v. 15, n. 7, p.
067, nov. 2015.
DOULIA, D.S.; ANAGNOS, E.K.; LIAPIS, K.S.;
KLIMENTZOS, D.A. Effect of clarification process MBUYANE, L.; KOCK, M.; BAUER, F.; DIVOL, B.
on the removal of pesticide residues in white wine. Torulaspora delbrueckii produces high levels of C5
Food control. Netherlands, v.72, p.134-144, jul. and C6 polyols during wine fermentations. FEMS
2016. yeast research. Inglaterra, v.18, n.7, p.foy084, nov.
2018.
DUNSFORD, P.A.; SNEYD, T.N. Pressing for
quality. In: WILLIAMS, P.J., DAVIDSON D.M., LEE, MENEGUZZO, J. Caracterização físico-química e
T.H. Proceedings of the Seventh Australian Wine sensorial dos vinhos espumantes da serra gaúcha.
Industry Technical Conference. Adelaide: South Tese (Doutorado em Biotecnologia) - Universidade
Australia, 1989. de Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2010.

FERNÁNDEZ, M.J.; OLIVA, J.; BARBA, A.; MORENO, J.; PEINADO, R. Enological chemistry.
CÁMARA, M.A. Effects of clarification and San Diego: Academic Press, 2012.
filtration processes on the removal of fungicide
residues in red wines (Var. Monastrell). Journal of NGUELA, J.; VERNHET, A. JULIEN-ORTIZ, A.;
agricultural and food chemistry. Espanha, v.53, SISCZKOWSKI, N. MOURET, J.-R. Effect of
n.15, p.6156-6161, jun. 2005. grape must polyphenols on yeast metabolism
during alcoholic fermentation. Food research
JACKSON, R.S. Wine science: principles and international. Inglaterra, v.121, pag.161-175, jul.
applications. 4th edition. Cambridge: Academic 2019.
press, 2014.
NICOLINI, G.; ROMÁN VILLEGAS, T.;
GAVA, A.; BORSATO, D.; FICAGNA, E. Effect of TONIDANDEL, L.; MOSER, S.; LARCHER, R. Small
mixture of fining agents on the fermentation amounts of charcoal during fermentation reduce
kinetics of base wine for sparkling wine fungicide residues without penalising white wine
production: Use of methodology for modeling. aroma compounds and colour. Australian journal
LWT. Suíça, v.131, p.109660, set. 2020. of grape and wine research. Austrália, v.22, n.3,
p.376-383, jun. 2016.
JÉGOU, S.; HOANG, D.A.; SALMON, T.;
WILLIAMS, P.; OLUWA, S.; VRIGNEAU, C.; DOCO, NICOLINI, G.; ROMAN, T.; TONIDANDEL,
T.; MARCHAL, R. Effect of grape juice press L.; SBONER, M.; VOLPINI, A; MANARA, M.
fractioning on polysaccharide and oligosaccharide Abbattimento di insetticidi e fungicidi durante la
compositions of Pinot meunier and Chardonnay fermentazione in bianco da parte di coadiuvanti
Champagne base wines. Food chemistry. Londres, enologici. L´Enologo. Espanha, n.7-8, pag.87-91,
v.232, p.49-59, out. 2017. 2017.

KIM, S.K.; PARK, D.H.; SONG, S.H.; WEE, Y.J.; NIEUWOUDT, H.H.; PRIOR, B.A.; PRETORIUS,
JEONG, G.T. Effect of fermentation inhibitors in I.S.; BAUER, F.F. Glycerol in South African table
the presence and absence of activated charcoal wines: an assessment of its relationship to wine
on the growth of Saccharomyces cerevisiae. quality. South African Journal for Enology and
Bioprocess and biosystems engineering. Berlin, Viticulture. África do Sul, v.21, n.1, p.22-30, abr.
v.36, n.6, p.659-666, jun. 2013. 2002.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021 63


O’NEILL, B.; VAN HEESWIJCK, T.; MUHLACK, R. RUEDIGER, G.A.; PARDON, K.H.; SAS, A.N.;
Models for predicting wine fermentation kinetics. GODDEN, P.W.; POLLNITZ, A.P. Removal of
Chemeca 2011: Engineering a Better World. pesticides from red and white wine by the use
Sydney, p.1956, jan. 2011. of fining and filter agents. Australian Journal of
Grape and Wine Research. Austrália, v.10, n.1,
PELTIER, E.; BERNARD, M.; TRUJILLO, M.; p.8-16, mar. 2004.
PRODHOMME, D.; BARBE, J.C.; GIBON,
Y.; MARULLO, P. Wine yeast phenomics: A SEN, K.; CABAROGLU, T.; YILMAZ, H. The
standardized fermentation method for assessing influence of fining agents on the removal of some
quantitative traits of Saccharomyces cerevisiae pesticides from white wine of Vitis vinifera L. cv.
strains in enological conditions. PLoS One. Emir. Food and Chemical Toxicology. Holanda,
Estados Unidos, v.13, n. 1, jan. 2018. v.50, n.11, p.3990-3995, nov. 2012.

PUŠKAŠ, V.S.; MILJIC, U.D.; DJURAN, J.J.; SILVA, F.A.S.; AZEVEDO, C.A.V. The Assistat
VUCUROVIC, V.M. The aptitude of commercial Software Version 7.7 and its use in the analysis of
yeast strains for lowering the ethanol content of experimental data. African Journal of Agricultural
wine. Food Science & Nutrition. Reino Unido, v.8, Research. África do Sul, v.11, n.39, p.3733-3740,
n.3, p.1489-1498, fev. 2020. set. 2016.

RENAULT, P-E. Caractérisation phénotypique SINGLETON, V.L.; DRAPER, D.E. Adsorbents


de l’espèce Torulaspora delbrueckii en conditions and wines. I. Selection of activated charcoals for
œnologiques. Application à la co-inoculation treatment of wine. American Journal of Enology
avec l’espèce Saccharomyces cerevisiae. Tese and Viticulture. Estados Unidos, v.13, n.3, p.114-
(Doutorado em Ciências, Tecnologia, Saúde) - 125, jan. 1962.
Université Victor Segalen Bordeaux 2: Villenave
d’Ornon, 2010. TOGORES, J. H. Tratado de Enologia. 2 ed. Mundi-
Prensa: Madrid, 2018.
RIBÉREAU-GAYON, P.; DUBOURDIEU, D.;
DONÈCHE, B.; LONVAUD, A. Trattato di enologia UVIBRA, União Brasileira de Vitivinicultura.
I: microbiologia del vino vinificazioni. 3 ed. Comercialização de Vinhos e derivados
Edagricole: Bologna, 2007. elaborados no Rio Grande do Sul de 2012 a 2018
- Mercado interno e externo. Bento Gonçalves,
RINALDI, S.; TIANO, A.; SERBAN, S.; PITTSON, 2018.
R.; LAJIC, Z.; POLITI, H.; EL MURR, N.; ARMANI,
A.; CAVAZZA, A. Monitoring wine quality ZOECKLEIN, B.W. A review of methode
and fermentation kinetics with innovative champenoise production. 1998.
technologies. In: XXIX Congreso Mundial de la
viña y el vino. Madrid, 2006. ZWIETERING, M.H. Modeling of the bacterial
growth curve. Applied and Environmental
Microbiology. Alemanha, v.56, n.6, p.1875-1881,
jun. 1990.

64 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.54-64, 2021


Bárbara Marques Dias Mendes

Análises físico-químicas e sensoriais


do espumante Chardonnay elaborado
no estilo ancestral (pét-nat)

Bárbara Marques Dias Mendes¹

Vagner Brasil Costa2

Elizete Beatriz Radmann¹

Wellynthon da Cunha¹
¹Unipampa Daniel Pazzini Eckhardt¹
96450-000 Dom Pedrito, RS
2
UFPel Pedro Kaltbach2
96010-610 Pelotas, RS
Ângela Rossi Marcon¹
Autor correspondente:
barbaramendes.aluno@unipampa.edu.br

66 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021


Resumo

s definições legais de espumantes são bastante restritivas, variando de país


para país, segundo suas denominações de origem e indicações geográficas de
procedência. Pét-Nat é a abreviação do nome dado para os vinhos produzidos
no estilo Pétillant naturel, termo francês que significa “espumante natural”. Este estudo
teve como objetivo avaliar a estabilidade de parâmetros de qualidade do espumante
Chardonnay, elaborado a partir do estilo Pétillant naturel (Pét-Nat), aos 3, 6 e 9 meses
após o engarrafamento. As análises físico-químicas foram realizadas através do uso
do equipamento Wine-Scan SO2 Foss. As análises sensoriais foram realizadas por 12
avaliadores treinados. A fermentação alcoólica se desenvolveu lentamente, em função
de se tratar de uma fermentação espontânea. O teor alcoólico das amostras variou entre
11,10 e 10,84 % v/v e a acidez total foi igual ou superior a 80 meq.L-1. Quanto ao teor de
açúcar, os espumantes foram classificados como extra-brut (legislação brasileira). Aos 3
meses de autólise, não houve diferença significativa nas análises gustativas. Aos 9 meses
ocorreu uma redução na intensidade de perlage e na qualidade da espuma, bem como
algumas alterações de aroma. No entanto, não houve diminuição da qualidade geral no
período avaliado.

Palavras-chave: pétillant naturel, fermentação espontânea, autólise, serra gaúcha,


qualidade.

Abstract

Physicochemical and sensory analysis of the Chardonnay


sparkling wine produced in the ancestral style (pét-nat)

The legal definitions of sparkling wines are quite restrictive, varying from country to
country, according to their appellations of origin and geographical indications of origin. Pét-
Nat is an abbreviation of the name given to wines produced in the Pétillant naturel style, a
French term that means “natural sparkling wine”. This study aimed to evaluate the stability
of quality parameters of Chardonnay sparkling wine, made using the Pétillant naturel (Pét-
Nat) style, at 3, 6 and 9 months after bottling. Analyses of physicochemical parameters
were performed with Wine-Scan SO2 Foss. Sensory analysis was performed by a panel of
12 trained tasters. The alcoholic fermentation progressed slowly, due to the spontaneous
nature of the process. The alcohol content varied between 11.10 and 10.84% v/v. The total
acidity was equal to or higher than 80 meq.L-1. Regarding residual sugars, the sparkling
wines were classified as extra-brut (Brazilian legislation). After 3 months of autolysis,
there was no significant difference in taste analysis. After 9 months, there was a reduction
in the intensity of perlage and in the quality of the foam, as well as some changes in aroma,
however there was no decrease in the overall quality during the evaluated period.

Keywords: pétillant naturel, spontaneous fermentation, autolysis, serra gaúcha, quality.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021 67


Introdução a variedade Cabernet Sauvignon (1.028,69 ha).
Entre as uvas brancas Vitis vinifera, a Chardonnay
Pétillant Naturel é o nome dado para os vinhos é a mais cultivada (MELLO et al., 2017 apud
produzidos no estilo Pét-Nat, termo francês que CISILOTTO, 2017). A produção e comercialização
significa “espumante natural” ou “efervescente de vinhos espumantes vem crescendo anualmente
natural”. É um vinho produzido pelo método no Brasil. Segundo PEREIRA et. al. (2020), em
ancestral, uma maneira de se produzir vinhos relação aos espumantes, os vinhos nacionais têm
espumantes que precede o método Champenoise, se mostrado competitivos, conquistando espaço
utilizado em Champagne. O método ancestral é nos mercados nacional e internacional. Nos
também conhecido como método Dioise (região últimos anos, mais de 80% dos vinhos espumantes
que faz parte dos Alpes Franceses). Essa maneira consumidos no Brasil foram de produtos nacionais.
de produzir vinho, associada normalmente ao sul Muitas empresas vinícolas do Brasil, nas mais
da França, teria sido desenvolvida por monges, diversas regiões vitivinícolas, têm investido na
ainda no século 16, em Limoux (CEREJA, 2015). elaboração de espumantes. No Rio Grande do
Sul, a comercialização de vinhos espumantes
O espumante ancestral é um vinho engarrafado produzidos no Estado superou a de vinhos finos,
ainda durante a primeira fermentação, antes desde 2016. Em 2019, foram comercializados 14,8
de todo o açúcar residual ter sido convertido milhões de litros de vinhos finos e 18,2 milhões de
em álcool. Faz-se um espumante em uma única espumantes.
fermentação, logo na sequência de se elaborar o
“vinho base”. Ou seja, faz-se o “vinho base”, que A variedade Chardonnay produz um vinho de
vai fermentando e, quando chega a um nível de aromas delicados, tipicamente varietal, de cor
açúcar, é engarrafado, finalizando a fermentação amarelo-palha com reflexos dourados; corpo
dentro da garrafa. São engarrafados logo depois com acidez elevada e bom potencial alcoólico.
de parcialmente fermentados e são vedados em Apresenta ótimo potencial para utilização como
seguida, sem adição do licor de tiragem. A primeira base espumante e vinificado em branco, gerando
e única fermentação continua e o CO2 fica retido cor amarelo-palha. A sua utilização em cortes
na garrafa, sem adição do licor de expedição oferece melhora aos vinhos aromaticamente
(CARDOZO, 2019). neutros (VCR, 2014).

A fermentação do espumante ancestral é Tendo em vista que o tema ainda é pouco discutido
espontânea. Segundo Simões (2014), as no meio científico e o método pouco utilizado nas
fermentações espontâneas são aquelas regiões produtoras de vinho no Brasil, o presente
produzidas de maneira natural, ou seja, realizadas trabalho teve o objetivo de avaliar a estabilidade
pelas leveduras provenientes das cascas das uvas, de parâmetros de qualidade do espumante
o que o difere da maioria dos vinhos produzidos Chardonnay, elaborado a partir do estilo Pétillant
atualmente, elaborados com a inoculação de Naturel durante 3 períodos de autólise (3, 6 e 9
leveduras selecionadas que permitem um melhor meses).
controle dos processos fermentativos, através
de suas características metabólicas conhecidas e
sua capacidade de suprimir o desenvolvimento de
outros microrganismos selvagens. A fermentação Material e Métodos
espontânea - que depende do desempenho das
leveduras autóctones - demanda, portanto, uvas Os espumantes deste experimento foram
em perfeito estado de maturação e sanidade elaborados com uvas da variedade Chardonnay,
(SIMÕES, 2014). colhidas em janeiro de 2019, em Bento Gonçalves.
As uvas foram acondicionadas e transportadas em
Segundo o cadastro vitícola de 2013 a 2015, caixas plásticas e armazenadas sob temperatura
entre todas as variedades de uva, a Chardonnay controlada (16 ˚C), para o seu resfriamento por 24
é a segunda uva Vitis vinifera com maior extensão horas. O experimento constou de três tratamentos
de plantio no Rio Grande do Sul, com uma área (3, 6 e 9 meses de autólise) com três repetições.
de plantio de 1.011,40 ha, tendo à frente apenas

68 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021


As etapas pré-fermentativas de elaboração finalizando a análise sensorial técnica.
foram conduzidas em ambiente com temperatura
controlada (16 ˚C ± 2 ˚C). As uvas foram Os seguintes parâmetros foram analisados
desengaçadas e amassadas manualmente, através do uso do equipamento Wine-Scan SO2:
realizando-se uma criteriosa seleção das bagas. álcool, açúcares redutores, acidez total, acidez
Coletou-se uma amostra de mosto para as análises volátil, ácido málico, ácido lático, densidade, pH e
físico-químicas, e o restante transferiu-se para um glicerol. As análises de dióxido de enxofre livre e
garrafão de vidro de 20 litros, onde permaneceu total foram realizadas no equipamento Titulador
em maceração por 24 horas. Enológico QUICK - Marca GIBERTINI®, segundo
métodos analíticos descritos conforme IN nº 24
No dia seguinte realizou-se a descuba e a de 08/09/2005 (BRASIL, 2005). Todas as análises
prensagem (prensa vertical), sem limpeza prévia foram realizadas em triplicata.
do mosto a frio. O mosto foi transferido para um
garrafão de vidro (14 litros) e permaneceu no As análises sensoriais foram realizadas com ficha
laboratório para fermentação alcoólica por 18 desenvolvida especificamente para este trabalho,
dias. Durante esse período, foram mensuradas com o objetivo de caracterizar a qualidade do vinho
temperatura, densidade e análises sensoriais espumante Pét-Nat e descrever as suas principais
rotineiras para verificar a evolução da fermentação características. Essas avaliações foram realizadas
e o surgimento de possíveis características por um grupo de 12 degustadores treinados, com
indesejáveis. experiência mínima em análise sensorial de três
anos. Foram utilizadas taças de cristal, padrão ISO.
Por se tratar de uma fermentação espontânea, a
fermentação alcoólica se desenvolveu lentamente A escala de avaliação variou entre 0 e 5, na
e necessitou de algumas intervenções para qual 0 significa a ausência total de intensidade
oxigenação do mosto, através de trasfegas. Alguns da característica e 5 a presença marcante de
dias antes do envase, adicionou-se ao mosto intensidade da característica. A qualidade geral
em fermentação um clarificante composto por foi avaliada com uma escala entre 0 e 100. Todos
proteína vegetal puríssima, extraído de ervilhas os parâmetros foram dispostos em uma ficha de
(Pisum sativum, não alergênico) de nome comercial degustação.
FITOCLAR®, na dose máxima indicada pelo
fabricante (20 g.hL-1). Essa adição foi necessária Todos os parâmetros avaliados, instrumental ou
para não comprometer a qualidade final do sensorialmente, foram submetidos à análise de
espumante, uma vez que o mosto estava bastante variância seguida por teste de Duncan (p<0.05).
turvo e apresentava alto nível de oxidação na cor.

No 18º dia, antes do envase, foi avaliada a


densidade e os açúcares redutores, o espumante Resultados e Discussão
foi envasado com 18,15 g.L-1 de açúcar e 1,001
g.cm3 de densidade. As características físico-químicas do mosto e do
vinho pré-envase são apresentadas na Tabela
O mosto, ainda em fermentação alcoólica, foi 1. O mosto apresentou baixo teor de açúcares
envasado em garrafas de vidro e fechado com o redutores e, portanto, baixa concentração de
bidule e tampa corona (tampinha de metal). As álcool no vinho pré-envase. Isso se deve às
garrafas foram colocadas na posição horizontal condições da safra de 2019, marcada pelo excesso
para finalização da fermentação por 45 dias. Após de chuvas no período de maturação e colheita,
esse período, foi aberta a primeira garrafa para especialmente das uvas precoces. No início da
verificar se havia a formação de gás carbônico e safra, na Serra Gaúcha, houve um elevado número
realizaram-se análises físico-químicas e sensoriais. de dias de chuva no primeiro e segundo decêndios
Três meses após a data do envase, realizou-se o de janeiro, associado a temperaturas altas e menor
primeiro dégorgement e análise sensorial técnica, insolação (ALVES et al., 2019). A concentração
seguido do segundo dégorgement com seis meses, de 0,3 g.L-1 de ácido glucônico esteve dentro dos
terceiro e último com nove meses de autólise, limites aceitáveis. A taxa de ácido glucônico é um

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021 69


importante indicador da sanidade da uva, uma Para o pH, os maiores valores foram encontrados
vez que concentrações acima de 0,5 g.L-1 atestam no período de autólise de 6 e 9 meses. A
elevado grau de podridão das uvas (ECKHARDT et fermentação malolática parcial foi evidenciada já
al., 2019). aos 3 meses, não havendo diferenças significativas
de ácido málico entre os períodos de 3, 6 e 9
Na Tabela 2 são dispostos os resultados analíticos meses. Segundo Verzeletti (2014), durante a
realizados nos três períodos (3, 6 e 9 meses) de fermentação e maturação de espumantes, ocorre
autólise do espumante Chardonnay. redução da acidez total (observada aos 6 e 9
meses, no presente estudo) e leve aumento da

Tabela 1. Análises físico-químicas do mosto e pré-envase do espumante Chardonnay.

Amostras Mosto DP Pré-envase DP

Álcool (% v/v) - - 10,00 0,14

Açúcares redutores (g.L-1) 181 0,42 18,15 0,35

Acidez total (meq.L ) -1


67,34 0 104,00 0,70

Acidez volátil (meq.L ) -1


- - 0,15 0,07

Ácido lático (g.L-1) - - 0,70 0

Ácido málico (g.L-1) 2,70 0 2,05 0,07

Ácido glucônico (g.L ) -1


0,30 0 - -

Ácido tartárico (g.L-1) 6,20 0 3,50 0

Amônia (mg.L-1) 76,0 1,41 - -

Potássio (mg.L ) -1
957,5 21,92 - -

Densidade (g.cm3) 1,0765 0 1,001 0

Glicerol (g.L-1) - - 7,80 0,14

pH 3,35 0 3,29 0

Resultados obtidos através da média das análises do mosto e pré-envase e desvio padrão (DP). As amostras com (-) não foram realizadas.

Tabela 2. Análises físico-químicas dos três períodos de autólise do espumante Chardonnay.

Variáveis 3 meses 6 meses 9 meses CV (%)

Álcool (% v/v) 11,10 a 10,84 b 10,84 b 0,17

Ácidez total (meq.L-1) 89,33 a 80,00 b 80,00 b 0,0

pH 3,42 a 3,95 b 3,93 b 0,17

Ácidez volátil (g.L ) -1


0,30 b 0,30 b 0,40 a 1,70

Ácido lático (g.L-1) 2,25 a 1,80 b 2,10 a 1,99

Ácido málico (g.L-1) 0,35 a 0,55 a 0,50 a 12,37

Glicerol (g.L )
-1
8,35 a 8,20 a 8,20 a 1,10

Açúcar redutor (g.L-1) 4,50 a 4,75 a 4,80 a 4,69

SO2 total (mg.L-1) 6,8 a 13,6 b 10,4 c 7,71

SO2 livre (mg.L ) -1


3,8 a 3,8 a 4,8 b 0,22

Densidade (g.L ) -1
0,99 a 0,99 a 0,99 a 0,0

Resultados obtidos através das médias das análises físico-químicas realizadas após a autólise nos três períodos de tempo. Letras diferentes entre os
períodos de tempo demonstram diferenças estatísticas, pelo teste de Tukey, ao nível de 5% de probabilidade.

70 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021


acidez volátil, as quais se refletem no aumento do controle (BOULTON et al., 2002 apud SILVA,
pH no produto final. 2019).

A acidez total apresentou o maior teor no Todos os teores de acidez volátil obtidos no
período de três meses. Durante o 6° e 9° mês, presente trabalho estão abaixo do limite máximo
houve estabilidade da acidez total. O vinho base estabelecido pela legislação brasileira, de 20,0
de qualidade deve apresentar acidez total mais meq.L-1 (BRASIL, 2018).
acentuada do que os vinhos tranquilos, ou seja,
entre 80 meq.L-1 e 90 meq.L-1 (RIZZON et al.,
2000), pois isso proporciona maior frescor ao Análise sensorial do
espumante. Todas as amostras encontram-se espumante Chardonnay ancestral
dentro dos valores estabelecidos pela legislação
brasileira para acidez total: 40,0 - 130,0 meq.L-1 Os resultados das análises sensoriais estão
(BRASIL, 2018). A acidez dos vinhos influencia dispostos na Figura 1 e na Tabela 3.
sua estabilidade microbiológica e coloração,
sendo uma das características gustativas mais A intensidade de perlage e qualidade da espuma
importantes (REZENDE et al., 2019). foram significativamente menores aos 9 meses. No
período do 9º mês, no momento do dégorgement,
O espumante Chardonnay apresentou maior as garrafas apresentaram grande quantidade
acidez volátil (0,40 meq.L-1) no período de nove de sedimentação no bidule, o que, juntamente
meses de autólise. Cabe ressaltar que esse nível com a temperatura alta, pode ter influenciado
é considerado baixo e não prejudicial à qualidade na perda do gás carbônico. Segundo Cardozo
do produto. Segundo Silva (2019), que realizou (2019), a geração de borra de um espumante
um experimento com fermentação espontânea ancestral é maior dentro da garrafa, dificultando
sem adição inicial de SO2 em vinhos Bordô, a o dégorgement, fazendo com que, muitas vezes, os
qualidade final foi afetada pela formação de ácido produtores desistam de degorjar. Acredita-se que,
acético. Esse tipo de vinificação, com leveduras nesses casos, a pressão gerada pelo espumante não
autóctones e ausência de dióxido de enxofre, seja suficiente para expulsar toda a sedimentação,
pode produzir aromas e gostos peculiares, além deixando-o assim turvo.
do aparecimento de defeitos. Assim sendo, trata-
se de uma fermentação imprevisível e de difícil Maiores intensidades na qualidade do aroma

Figura 1. Características sensoriais da evolução do espumante Chardonnay Pét-Nat nos três períodos de
autólise. Fonte: autora, 2019.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021 71


e intensidade de aroma foram obtidas aos 3 manteiga, leveduras, entre outros). Segundo
meses. Segundo Caliari (2014), no exame olfativo, Gabbardo e Celotti (2015), as notas aromáticas,
os vinhos espumantes submetidos à autólise relacionadas à liberação promovida pelas
apresentam aromas específicos característicos leveduras durante a maturação, podem ser dentre
e persistência dos componentes aromáticos. A elas as lactonas como o ‘sotolon’ (aroma de nozes).
maior intensidade de aroma floral foi percebida Um trabalho realizado com diferentes tempos
no período de autólise de 9 meses. No descritor de autólise com Chardonnay método tradicional
aromático herbáceo, a maior nota foi aos 6 meses relatou que conforme o aumento do tempo de
e a menor aos 9 meses. O descritor aromático pão envelhecimento pode haver uma diminuição
foi maior aos 6 e 9 meses. Esse resultado indica da intensidade do aroma frutado e aumento da
que a partir do sexto mês de autólise surgem os intensidade do aroma fermentado (CALIARI,
aromas de evolução do espumante (pão, brioche, 2014).

Tabela 3. Características sensoriais da evolução do espumante Chardonnay Pét-Nat em três períodos de autólise.

Visual 3 meses 6 meses 9 meses

Intensidade de cor 3,7 a 3,6 a 3,2 a

Intensidade de perlage 3,2 a 3,6 a 2,2 b

Qualidade da espuma 3,5 a 3,6 a 2,08 b

Olfativa

Intensidade do aroma 3,6 a 3,3 a 3,5 a

Qualidade de aroma 3,8 a 3,4 a 3,7 a

Frutado 3,4 a 3,3 a 2,8 a

Floral 1,2 b 1,4 b 2,8 a

Lático 1,9 a 2,2 a 2,9 a

Cravo 0,1 a 0,1 a 0,1 a

Mel 1,2 a 2,0 a 2,2 a

Mamão 0,9 a 0,4 a 0,5 a

Fruta fresca 3,1 a 2,5 a 2,0 a

Herbáceo 1,0 ab 2.0 a 0,6 b

Acético 0,0 a 0,1 a 0,0 a

Pão 1,7 b 3,2 a 3,3 a

Odor indesejado 0,6 a 0,3 a 0,2 a

Gustativa

Persistência 3,3 a 3,4 a 3,4 a

Equilíbrio 3,9 a 3,6 a 3,6 a

Amargor 1,2 a 1,5 a 0,8 a

Intensidade de sabor 3,8 a 3,6 a 3,5 a

Nitidez 3,7 a 3,5 a 3,5 a

Gosto indesejado 0,2 a 0,1 a 0,0 a

Cremosidade 3,7 a 3,0 a 3,5 a

Qualidade geral 71,9 a 85,8 a 86,5 a


Resultados obtidos através das médias das análises sensoriais realizadas após a autólise nos três períodos de tempo. Letras diferentes entre os
períodos de tempo demonstram diferenças estatísticas, pelo teste de Tukey, ao nível de 5% de probabilidade.

72 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021


Em relação às notas de frutas brancas, as mesmas Conclusão
podem ser associadas como característica do
cultivar Chardonnay (DUTEURTRE, 2014 apud 1. Não houve diferença significativa entre as
GABBARDO; CELOTTI, 2015). Segundo Gabbardo análises gustativas nos três períodos de autólise
e Celotti (2015), de uma forma geral, pensando (3, 6 e 9).
na qualidade de um espumante, a definição
de qualidade aromática poderia ser baseada 2. Houve diferença significativa no aroma
numa variada quantidade de aromas de famílias herbáceo aos 6 e 9 meses, e menor intensidade
aromáticas diversas, associada a uma adequada nos aromas de pão aos 3 meses.
intensidade do aroma.
3. Aos 9 meses, ocorreu uma redução na
No caso dos descritores do gosto, as notas de intensidade de perlage e na qualidade da espuma.
frutas cítricas foram as que menos apareceram Os espumantes apresentam maior intensidade
no período de autólise de 9 meses, já o lático nos aromas florais e menor intensidade nos
teve a maior percepção nesse mesmo período. aromas herbáceos.
A cremosidade ficou bem semelhante entre os
períodos de 3 e 9 meses. Em uma análise sensorial 4. Não houve diminuição da qualidade geral nos
descritiva, o vinho espumante deve apresentar períodos avaliados.
na boca intensidade média a forte, estrutura,
equilíbrio, persistência aromática, aroma franco,
frutado e sabor predominante de levedura,
caracterizando, assim, um produto elaborado pelo Agradecimentos
método tradicional (CALIARI, 2014).
À Universidade Federal do Pampa. Aos
Quanto à qualidade geral, o painel de provadores professores, a eterna gratidão pelas orientações
considerou pontuações médias elevadas em todos e sugestões no referente trabalho, e à família
os períodos de autólise, mesmo não havendo pelo amor incondicional e incentivo na luta pelos
diferenças significativas entre os tratamentos. nossos ideais.
Ainda assim, observaram-se tendências de
maiores pontuações nos dois períodos de 6 e 9
meses pós-envase.

Referências
ALVES, M.E.B.; ZANUS, M.C.; TONIETTO, J. BRASIL. IN nº 24 de 08 de setembro de 2005.
Condições meteorológicas e sua influência na Aprova o manual operacional de bebidas e
safra vitícola de 2019 em regiões produtoras vinagres. Revoga a portaria nº 77 de 27 de
de vinhos finos do Sul do Brasil 111. Bento novembro de 1986. Disponível em: www.
Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2019. agricultura.gov.br. Acesso em: 17 mai. 2021.

BRASIL. IN nº 14 de 08 de fevereiro de CALIARI. V. Influência da variedade de uva, do


2018. Ministério da Agricultura, Pecuária e método de elaboração e envelhecimento sobre
Abastecimento. Esta instrução normativa borras na composição química e sensorial de
aplica-se ao vinho e derivados da uva e do vinho espumantes. 2014. Tese (Doutorado em Ciência
comercializados em todo o território nacional, dos Alimentos) - Universidade Federal de Santa
produzidos no Brasil e importados. MAPA, 2018. Catarina, Florianópolis, 2014.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021 73


CARDOZO, A.; GRIZZO, A. Como é feito o RIZZON, L.A; MENEGUZZO, J.; ABARZUA, C.E.
“espumante natural”? Revista Adega. São Elaboração de vinho espumante na propriedade
Paulo, v.168, out. 2019. Disponível em: https:// vitícola. Bento Gonçalves: Embrapa uva e vinho,
revistaadega.uol.com.br/artigo/como-e-feito-o- 2000.
espumante-natural_12070.html. Acesso em: 11
mar. 2021. REZENDE, F.A.; DOS SANTOS, B.; DO
NASCIMENTO, J.; CANDIOTTO, A. Processo
CEREJA, L. Que raios é “Pet Nat”? São Paulo, fev. de fabricação de vinho. In: VIII Encontro de
2015. Disponível em: https://www.saintvinsaint. Engenharia de Produção Agroindustrial, 2019,
com.br/2015/02/que-raios-e-pet-na/. Acesso em: Paraná. Anais… Paraná: UNESPAR, 2019.
12 abr. 2019.
SILVA, C.B. Alternativas para fermentação
CISILOTTO, B. Utilização de Resina de Troca de vinho Bordô orgânico da Campanha
Iônica Pré-fermentativa para Elaborar Vinhos Gaúcha. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso
Base de Espumantes. 2017. Tese (Mestrado em (Bacharelado em Enologia) - Universidade Federal
Biotecnologia e Gestão Vitivinícola). Universidade do Pampa, Dom Pedrito, 2019.
de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2017.
SIMÕES. L.M. Curva de crescimento de
ECKHARDT, D.P; CUNHA, W.; SCHUMACHER, Saccharomyces durante fermentação alcoólica
R.; COSTA, V.B.; GABBARDO, M. Ácido Glucônico em vinho e extração de DNA genômico total
como Indicador de Qualidade da Uva. Revista diretamente do vinho. 2014. Trabalho de
Brasileira de Viticultura e Enologia. Bento Conclusão de Curso (Bacharelado em Enologia)
Gonçalves, v.11, n.11, p.66-71, set. 2019. - Universidade Federal do Pampa, Dom Pedrito,
2014.
GABBARDO, M. CELOTTI, E. Caracterização
Físico-Química de Espumantes Brasileiros. VCR. VIVAI COOPERATIVI RAUSCEDO.
Ciência e Técnica Vitivinícola. Portugal, v.30, n.2, Catálogo geral das castas e dos clones de uva de
pag.94-101, out. 2015. vinho e de mesa, 2014. Itália: VCR, 2014.

OIV. INTERNATIONAL ORGANIZATION OF VERZELETTI, A. Evolução aromática e autofagia/


VINE AND WINE. 2020 State of the World autólise durante a segunda fermentação de
Vitiviniculture. China, abr. 2021. Disponível espumantes. 2014. Dissertação (Mestrado em
em: https://www.acibev.pt/multimedia/1/ Biotecnologia) - Universidade de Caxias do Sul,
d o c u m e n t o s / 7 8 /o i v - s t a t e - o f - t h e - w o r l d - Caxias do Sul, 2014.
vitivinicultural-sector-in-2020.pdf. Acesso em: 14
mai. 2021.

PEREIRA, G.E.; ZANUS, M.C.; MELLO, L.M.R.


de; LIMA, M. dos S.; PEREGRINO, I. Panorama
da produção e mercado nacional de vinhos
espumantes. Embrapa Uva e Vinho. Artigo em
periódico indexado. Informe Agropecuário, v.41,
n.310, p. 7-18, 2020.

74 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.66-74, 2021


Fernando Dias

Monitoramento de Ocratoxina A
em vinhos e sucos de uva
comerciais brasileiros

Fernanda Rodrigues Spinelli1

Ana Paula Drehmer1

Caren Regina Cavichioli Lamb1,2

Plinio Manosso1,2
1
LAREN / SEAPDR
Fabíola Boscaini Lopes1,2
95084-470 Caxias do Sul, RS
2
SEAPDR
90150-004 Porto Alegre, RS

Autor correspondente:
fernanda-spinelli@agricultura.rs.gov.br

76 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021


Resumo

s micotoxinas são metabólitos secundários produzidos por fungos filamentosos,


que podem ser formadas naturalmente em alimentos e bebidas. Dentre
as micotoxinas, a Ocratoxina A (OTA) destaca-se por suas características
carcinogênicas, nefrotóxicas, imunotóxicas e teratogênicas. Como a OTA foi relatada em
vários estudos como um contaminante de uva, vinho e suco de uva, agências reguladoras
realizaram avaliações de risco para determinar o efeito do consumo dessa micotoxina na
saúde humana. Seu controle contínuo permite reduzir o risco de ingestão. Um total de
210 amostras comerciais brasileiras (107 sucos de uva e 103 vinhos) foram coletadas para
análises de monitoramento. As amostras foram preparadas em colunas de imunoafinidade
e analisadas por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência com Detecção de Fluorescência
(CLAE-FLD). Todas as amostras apresentaram concentrações abaixo do limite estabelecido
em lei (2 μg L-1), e a maioria das amostras (99%) apresentou valores abaixo do limite de
detecção (0,12 μg L-1). Esses resultados indicam um baixo risco de exposição à OTA
através do consumo de vinhos e sucos de uva brasileiros.

Palavras-chave: cromatografia líquida de alta eficiência, micotoxinas, controle de


qualidade, bebidas.

Abstract

Ochratoxin A monitoring in brazilian


commercial grape juices and wines

Mycotoxins are secondary metabolites produced by filamentous fungi that can be formed
naturally in food and beverages. Among the mycotoxins, Ochratoxin A (OTA) stands out
because of its carcinogenic, nephrotoxic, immunotoxic and teratogenic characteristics.
Since OTA has been reported in various studies as a contaminant of grape, wine and
grape juice, regulatory agencies have undertaken risk assessments to determine the
effect of the consumption of this mycotoxin on human health. Its continuous control
allows to reduce the risk of ingestion. A total of 210 Brazilian commercial samples (107
grape juices and 103 wines), were collected for monitoring analyzes. The samples were
prepared through immunoaffinity clean-up columns and analyzed by High Performance
Liquid Chromatography with Fluorescence Detection (HPLC-FLD). All samples showed
concentrations below the limit established by the legislation (2 μg L-1) and, the majority of
the samples (99 %) presented values even lower than the limit of detection (0.12 μg L-1).
These results indicate a low risk of exposure to OTA through the consumption of Brazilian
wines and grape juices.

Keywords: high performance liquid chromatography, mycotoxins, quality control,


beverages.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021 77


Introdução Tabela 1. A maioria das análises foi aplicada em
vinhos, por ser um produto elaborado quase que
A Ocratoxina A (OTA) é frequentemente mundialmente.
encontrada em uma variedade de alimentos e
bebidas. É a principal micotoxina encontrada nas Considerando o representativo número de
uvas e seus derivados, sendo considerada um amostras coletadas, o objetivo deste estudo
dos contaminantes mais nocivos à saúde humana foi analisar amostras comerciais de sucos de
(TERRA et al., 2012). A presença de OTA deve- uva e vinhos de diferentes regiões vitivinícolas
se principalmente à contaminação das uvas por brasileiras, quanto ao seu teor de OTA por
Aspergillus carbonarius e Aspergillus niger (FREIRE Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE).
et al., 2020) na vinha ou em fases anteriores à
elaboração dos produtos. Durante o processo de
elaboração dos vinhos e sucos de uva ocorre uma
redução nos níveis de OTA (FREIRE et al., 2020). Material e Métodos
Além disso, a concentração depende do tipo de
uva, região de cultivo, bem como do período de Amostras de vinho
colheita, entre outros fatores (SOLFRIZZO et al., As amostras utilizadas neste trabalho foram
2010). coletadas por fiscais estaduais agropecuários
da Secretaria da Agricultura, Pecuária e
A elaboração de vinhos e sucos de uva tem Desenvolvimento Rural do Estado do Rio Grande
importante impacto socioeconômico no Brasil. do Sul (SEAPDR). Foram coletados 107 sucos de
Nos últimos anos, o suco de uva foi incluído uva comerciais, das safras 2017, 2018 e 2019, e
nas refeições de escolas públicas dos Estados 103 vinhos, das safras de 2012 a 2018. Os Estados
brasileiros do Rio Grande do Sul e Santa Catarina de proveniência estão listados na Tabela 2.
(DACHERY et al., 2016). Portanto, a possível
contaminação de OTA no suco de uva é uma Reagentes e materiais
grande preocupação, uma vez que as crianças Metanol (grau CLAE), acetonitrila (grau CLAE),
são seus principais consumidores e o consumo de ácido acético, PEG 6000, bicarbonato de
suco é superior ao do vinho (TERRA et al., 2012). sódio e cloreto de sódio foram adquiridos na
Atualmente, a legislação brasileira (ANVISA, Merck (Darmstadt, Alemanha). As colunas de
2011), bem como a legislação da União Europeia imunoafinidade utilizadas para extração foram
(2006) estabeleceram um máximo de 2 μg L-1 de OCHRATEST®, obtidas na VICAM (Milford,
OTA em uvas, vinhos e seus derivados (incluindo Estados Unidos). A solução padrão de OTA
espumante, vinho aromatizado, bebidas à base (99,5%) na concentração de 50 μg mL-1, diluída
de vinho aromatizado e coquetéis aromatizados em benzeno: ácido acético (99:1), foi adquirida
de produtos vínicos). A OIV estabeleceu em 2002 na Sigma Aldrich (Milão, Itália). Essa solução foi
(CST 1/2002) o mesmo limite para os vinhos. Em usada para preparar soluções de calibração para
2005, a OIV, através da RESOLUÇÃO VITI-OENO determinações em CLAE-FLD e para realizar
1/2005 (OIV, 2005), decidiu adotar o código de experimentos de recuperação analítica. As
boas práticas vitivinícolas, com o objetivo de soluções padrão foram preparadas em fase móvel
limitar ao máximo a presença de OTA nos produtos de acordo com as concentrações estabelecidas
à base da uva e do vinho. Esse código determina (0,2, 0,5, 1, 2, 5, 10 e 20 μg L-1).
ações a serem implementadas para contribuir
para a redução dos riscos associados à presença Análise OTA
de OTA nos produtos supracitados. As análises foram realizadas no LAREN
(Laboratório de Referência Enológica), vinculado
A OTA foi detectada em vinhos pela primeira vez à SEAPDR, em Caxias do Sul, Rio Grande do
em 1996 por Zimmerli e Dick (1996), estando Sul, Brasil. As análises foram realizadas em
presente em 70% dos vinhos europeus testados. Cromatógrafo Líquido de Alta Eficiência (CLAE)
Depois disso, vários estudos foram realizados série 1100 da Agilent Technologies (Santa Clara,
em todo o mundo (LABRINEA et al., 2011). Um Ca, EUA), com detector de fluorescência (FLD;
levantamento dos estudos pode ser visto na G1315B, comprimento de onda de excitação λex

78 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021


Tabela 1. Estudos relatando dados sobre a ocorrência de OTA (μg L-1) em vinhos e sucos de uva.

País Amostra Safra Média Faixa Presença Referência

Brasil SU - ND - 0,05 ND - 0,32 5 (12) Baggio et al. (2014)


Sucos de Uva

SU - ND ND 0 (38) Shundo et al. (2006)

SU - 0,038 0,021 - 0,1 14 (48) Rosa et al. (2004)

Espanha SU - ND ND 0 (10) Bellí et al. (2004)

Irã SU - 0,52 0,125 - 2,69 39 (70) Yusefi et al. (2018)

África do Sul VT - <0,03 <0,03 1 (1) Shundo et al. (2006)

Argentina VT - <0,03 <0,03 1 (6) Shundo et al. (2006)

VTM - 0,035 0,028 - 0,042 2 (7) Rosa et al. (2004)

VBM - ND ND 0 (5) Rosa et al. (2004)

Brasil VT - 0,10 - 1,33 0,10 - 1,33 9 (29) Shundo et al. (2006)

VT 2002-2008 0,031 0,021 - 0,050 7 (17) Krüger et al. (2012)

VTM 2002-2008 0,031 0,021 - 0,050 18 (26) Krüger et al. (2012)

VTM - 0,035 0,028 - 0,042 3 (10) Rosa et al. (2004)

VBM - 0,028 0,028 2 (10) Rosa et al. (2004)

Chile VT - ND ND 0 (7) Shundo et al. (2006)

VTM - 0,049 0,028 - 0,070 2 (5) Rosa et al. (2004)

Espanha VT - 0,07 - 0,12 0,07 - 0,12 2 (2) Shundo et al. (2006)

VTM - 0,042 0,042 1 (4) Rosa et al. (2004)

VBM - ND ND 0 (4) Rosa et al. (2004)


Vinhos

VT - 0,30 0,05 - 4,24 24 (120) Bellí et al. (2004)

VB - 0,18 0,05 - 1,13 4 (40) Bellí et al. (2004)

Estados Unidos VT 2010-2015 1,0 0,3 - 2,1 26 (28) De Jesus et al. (2017)

VB 2010-2015 0,9 0,6 - 1,2 3 (3) De Jesus et al. (2017)

França VT - 0,20 - 0,29 0,20 - 0,29 3 (5) Shundo et al. (2006)

VTM - 0,028 0,028 2 (5) Rosa et al. (2004)

VBM - 0,021 0,021 1 (5) Rosa et al. (2004)

Grécia VT 1999-2006 0,21 ND - 1,31 45 (64) Labrinea et al. (2011)

VB 1999-2006 0,21 ND - 0,51 31 (49) Labrinea et al. (2011)

Itália VT 2009-2013 0,02 - 0,73 0,02 - 0,73 41 (57) Di Stefano et al. (2015)

VT - 0,03 - 0,32 0,03 - 0,32 5 (5) Shundo et al. (2006)

VTM - 0,033 0,028 - 0,042 3 (5) Rosa et al. (2004)

VBM - 0,021 0,021 1 (4) Rosa et al. (2004)

Portugal VT - 0,03 - 0,25 0,03 - 0,25 5 (5) Shundo et al. (2006)

VT - 1,23 1,23 1 (35) Pena et al. (2010)

VB - 2,4 2,4 1 (25) Pena et al. (2010)

VTM - 0,040 0,028 - 0,056 3 (7) Rosa et al. (2004)

VBM - 0,028 0,028 1 (5) Rosa et al. (2004)

Uruguai VT - <0,03 <0,03 1 (3) Shundo et al. (2006)

Espu- Espanha Cava - 0,44 0,14 - 0,71 4 (10) Bellí et al. (2004)
mante
ND: não detectado; SU: suco de uva; VT: vinho tinto; VTM: vinho tinto de mesa; VB: vinho branco; VBM: vinho branco de mesa.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021 79


= 333 nm e comprimento de onda de emissão determinada a partir da relação matemática entre
λem = 460 nm). Uma coluna C18, marca Agilent a resposta medida e a concentração do analito. O
Technologies, foi utilizada (15 cm x 4,6 mm, LOD e o LOQ foram calculados utilizando relações
tamanho de partícula de 5 µm) com sua respectiva sinal-ruído (S/R) de 3 e 10, respectivamente.
pré-coluna. Uma mistura de acetonitrila / água / A precisão do método foi expressa de forma
ácido acético (99:99:2, v/v/v) foi utilizada como quantitativa por meio da repetibilidade. Para
fase móvel, sob fluxo de 1 mL min-1. O volume de avaliar a exatidão foram realizados ensaios de
injeção foi de 100 µL. As análises foram realizadas recuperação analítica, nos quais os vinhos foram
após passagem das amostras pela coluna de fortificados com padrão analítico de OTA em
imunoafinidade, de acordo com o método oficial níveis de concentração diferentes ao longo da
da OIV, método OIV-MA-AS315-10 (estabelecido faixa linear. Todas as análises de validação foram
pela Resolução Oeno 16/2001, revisada por realizadas com 7 preparos, todos analisados em
Oeno 349-2011) (OIV, 2020). Nessas condições, triplicata.
o tempo de retenção do pico da OTA foi de
aproximadamente 4 min. A validação do método Dados estatísticos
analítico foi verificada em termos de seletividade, Curvas de calibração com e sem matriz foram
linearidade, limites de detecção (LOD) e comparadas utilizando o teste F. A curva de
quantificação (LOQ), precisão, exatidão e incerteza calibração foi estabelecida aplicando análises
de medição. Para a análise do efeito de matriz, de regressão linear. A incerteza do método foi
a seletividade do método foi verificada através calculada através do software GUM Workbench
do teste F Fisher-Snedecor. A linearidade foi 2.4.

Tabela 2. Sucos de uva e vinhos comerciais brasileiros usados neste estudo e seus Estados de proveniência.

Estado
Amostras
RS SC PR SP ES CE

Branco 10 - - - - -
Suco

Rosé 1 - - - - -

Tinto 83 9 - 2 1 1

Branco de mesa 7 - - - - -

Branco Vitis vinifera 14 - - - - -


Vinho

Tinto de mesa 37 1 1 - - -

Tinto Vitis vinifera 37 - - - - -

Espumante 6 - - - - -

Total de amostras 195 10 1 2 1 1


RS: Rio Grande do Sul, SC: Santa Catarina, PR: Paraná, SP: São Paulo, ES: Espírito Santo, CE: Ceará.

Tabela 3. Desempenho do método analítico para determinação de OTA nas matrizes suco de uva e vinho.

Parâmetros Suco de Uva Vinho

Seletividade 1,05 < 9,28 0,07 < 9,28

Linearidade (R ) 2
0,9999 0,9999

Faixa linear (μg L-1) 0,22 - 20 0,22 - 20

LOD (μg L-1) 0,12 0,12

LOQ (μg L )-1


0,22 0,22

Precisão média (%) 4,8 4,8

Recuperação média (%) 106 102

Incerteza (μg L ) -1
0,16 0,16

80 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021


Resultados e Discussão Os resultados deste estudo estão de acordo
com o estudo de Dachery et al. (2016), que
Validação do método analisaram a ocorrência de OTA em 41 amostras
Considerando a complexidade da matriz, de sucos de uva brasileiros e não encontraram
foram observados resultados satisfatórios em concentrações acima do limite de detecção do
termos de sensibilidade analítica. O método se método aplicado (0,05 µg L-1). Ao contrário do que
mostrou seletivo para sucos de uva e vinhos. Os foi observado no estudo de Yusefi et al. (2018),
resultados dos parâmetros de validação podem em sucos de uva do Irã 55,7% das amostras
ser visualizados na Tabela 3. O Fcalculado foi menor apresentaram concentrações de OTA acima do
do que o Ftabulado para ambas as matrizes. limite de quantificação (0,125 µg L-1), com médias
de 0,5 µg L-1 e concentração máxima de 2,6 µg L-1.
Através da análise dos resultados da seletividade, Esses resultados são preocupantes devido à alta
verificou-se que a linearidade pôde ser realizada incidência de contaminação.
em ambas as matrizes. Os resultados foram
satisfatórios e os R2 ficaram acima de 0,99. A No presente estudo, nenhum dos 103 vinhos
partir dos resultados dos limites de detecção e analisados foi positivo para OTA. Todos os
quantificação foi possível estabelecer as faixas de resultados ficaram abaixo do limite de detecção do
trabalho. Os limites de detecção e quantificação método. A Figura 1 apresenta um cromatograma
foram considerados satisfatórios, sendo 20 e 10 de uma amostra de vinho e um padrão analítico.
vezes menores que o limite máximo regulatório
da OTA. Para cálculo da precisão, análises de sete Esses resultados estão de acordo com os relatados
leituras dos padrões ao longo da faixa linear da por outros autores. Shundo et al. (2006) não
curva analítica foram realizadas e consideradas encontraram a presença de OTA em vinhos tintos
satisfatórias, uma vez que atende aos critérios
da AOAC (2016) para a concentração analisada.
Para a verificação da exatidão, foi calculada a
média geral e todos os resultados analíticos de
recuperação, e tais resultados atenderam aos
parâmetros estabelecidos de acordo com a AOAC
(2016). Na avaliação da incerteza do método, os
seguintes parâmetros foram considerados como
fontes de incerteza: incerteza de calibração
da vidraria, precisão, reprodutibilidade entre
dois analistas, resíduo da curva de calibração
e incerteza do padrão analítico. A incerteza do
método foi considerada satisfatória, estando
abaixo do limite de quantificação do método.

Resultados de sucos de uva e vinhos


Considerando o limite de detecção do método,
entre as 107 amostras de sucos de uva analisadas,
somente duas apresentaram teores OTA, com
valores de 0,16 ± 0,1 µg L-1 e 0,47 ± 0,05 µg L-1,
estando aproximadamente 10 e 5 vezes abaixo do
limite regulatório de 2,0 µg L-1. Esses resultados
estão de acordo com estudos anteriormente
publicados sobre a investigação das concentrações
de OTA em sucos de uva produzidos no Brasil que
também relataram níveis abaixo do limite máximo
Figura 1. Cromatograma de uma amostra de vinho com
regulatório (BAGGIO et al., 2014; TERRA et al., sobreposição do pico de um padrão analítico
2012; SHUNDO et al., 2006; ROSA et al., 2004). de OTA.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021 81


secos do Chile, assim como Rosa et al. (2004) em Os dados de ocorrência de OTA são de extrema
vinhos de mesa brancos da Espanha e Argentina. importância para apoiar estudos de avaliação de
Por outro lado, nossos resultados foram diferentes risco relacionados à dieta humana.
dos descritos por outros autores, como Labrinea
et al. (2011), que analisou 123 vinhos secos e 27
vinhos licorosos da Grécia e observou a presença Conclusão
de OTA em 69% das amostras, sendo que 91%
delas apresentaram concentrações abaixo de 1 1. As amostras de vinhos e sucos de uva comerciais
µg L-1, sendo a maior concentração encontrada brasileiros apresentam, em geral, ausência ou
em vinhos licorosos. Outros estudos também níveis traços de concentração de OTA, estando
relataram a presença de OTA, como o estudo de De todas abaixo dos limites regulatórios.
Jesus et al. (2017), o qual observou concentrações
de OTA em aproximadamente 94% das amostras 2. Os resultados deste estudo demonstram a
de vinhos americanos, porém em concentrações qualidade dos sucos de uva e vinhos comerciais
abaixo do limite regulatório. analisados em relação ao teor de OTA.

Em relação aos vinhos espumantes, Bellí et al. 3. Embora a OTA não tenha sido detectada em
(2004), relataram a presença de OTA nas amostras 99% das amostras, é fundamental a realização
analisadas, com média de 0,44 µg L-1 (variação 0,14- de análises de monitoramento em vinhos e sucos
0,71 µg L-1). Na literatura, são escassos os estudos de uva comerciais, uma vez que a contaminação
sobre a presença de OTA em vinhos espumantes. das uvas pode variar entre as diferentes safras.

A ausência de OTA e/ou as baixas concentrações


podem ser devidas ao tipo de uva, à origem Agradecimentos
geográfica, condições climáticas e/ou às diferentes
práticas enológicas, que afetam a produção Este trabalho teve apoio e financiamento do
de OTA nas uvas. No entanto, novos estudos Fundovitis, via SEAPDR. Os autores agradecem
investigando a contaminação por OTA em sucos à DIPOV/DDA/SEAPDR e aos fiscais estaduais
e vinhos brasileiros são importantes e podem agropecuários que coletaram as amostras.
ser um controle de monitoramento contínuo.

Referências
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. BAGGIO, M.; SPINELLI, F.R.; DUTRA, S.V.;
Ministério da Saúde. Resolução da Diretoria VANDERLINDE. R. Determinação de Ocratoxina A
Colegiada nº 07, de 18 de fevereiro de 2011. em suco de uva integral por cromatografia líquida
Dispõe sobre limites máximos tolerados (LMT) para de alta eficiência. Revista Brasileira de Viticultura
micotoxinas em alimentos. Diário Oficial da União, e Enologia. Bento Gonçalves, v.6, p.24-29, set.
22 fev. 2011. Seção 1, p.72. Disponível em: http:// 2014.
portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2968262/
RDC_07_2011_COMP.pdf/. Acesso em: 01 set. BELLÍ, N.; MARÍN, S.; DUAIGÜES, A.; RAMOS, A.J.;
2020. SANCHIS, V. Ochratoxin A in wines, musts and
grape juices from Spain. Journal of the Science
AOAC. Official methods of analysis of AOAC of Food and Agriculture. Estados Unidos, v.84,
International, in Guidelines for Standard Method n.6, p.591–594, mar. 2004. DOI: https://doi.
Performance Requirements (Appendix F). org/10.1002/jsfa.1702
Gaithersburg: AOAC International, 2016.
UNIÃO EUROPEIA. Commission Regulation
(EU) 1881/2006 of 19 December 2006 setting
maximum levels for certain contaminants in
foodstuffs. Official Journal of the European Union.
Bruxelas, l.364, p.5-34, dez. 2006.

82 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021


DACHERY, B.; MANFROI, V.; WELKE, J.E. Exposure OIV. INTERNATIONAL ORGANIZATION OF
to ochratoxin A through consumption of grape VINE AND WINE. Compendium of international
juices produced by steam distillation method and methods of analysis of Wines and Musts. Method
intended for school meals. Ciência Rural. Santa OIV-MA-AS315-10 - Measuring Ochratoxine A
Maria, v.46, n.10, p.1868-1871, out. 2016. DOI: in wine after going through an immunoaffinity
https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20150649 column and HLPC with fluorescence detection.
vol.2, 2020. Disponível em: http://www.oiv.int/
DE JESUS, C.; BARTLEY, A.; WELCH, A.; BERRY, J. public/medias/2539/oiv-ma-as315-10.pdf. Acesso
High Incidence and Levels of Ochratoxin A in Wines em: 01 set. 2020.
Sourced from the United States. Toxins. Suíça, v.10,
n.1, pag.1, dez. 2017. DOI: https://doi.org/10.3390/ PENA, A.; CEREJO, F.; SILVA, L.J.G.; LINO, C.M.
toxins10010001 Ochratoxin A survey in Portuguese wine by LC–
FD with direct injection. Talanta. Amsterdã, v.82,
DI STEFANO, V.; AVELLONE, G.; PITONZO, R.; n.4, p.1556-1561, set. 2010. DOI: 10.1016/j.
CAPOCCHIANO, V.G.; MAZZA, A.; CICERO, N.; talanta.2010.07.041
DUGO, G. Natural co-occurrence of ochratoxin A,
Ochratoxin B and aflatoxins in Sicilian red wines. ROSA, C.A.R.; MAGNOLI, C.E.; FRAGA,
Food Additives & Contaminants: Part A. Estados M.E.; DALCERO, A.M.; SANTANA, D.M.N.
Unidos, v.32, n.8, p.1343–1351, jul. 2015. DOI: Occurrence of Ochratoxin A in wine and
10.1080/19440049.2015.1055521 grape juice marketed in Rio de Janeiro, Brazil.
Food Additives and Contaminants. Estados
FREIRE, L.; BRAGA, P.A.C.; FURTADO, M.M.; Unidos, v.21, n.4, p.358-364, abr. 2004. DOI:
DELAFIORI, J.; DIAS-AUDIBERT, F.L.; PEREIRA, 10.1080/02652030310001639549
G.E.; REYES, F.G.; CATHARINO, R.R.; SANT’ANA,
A.S. From grape to wine: Fate of Ochratoxin A SHUNDO, L.; DE ALMEIDA, A.P.; ALABURDA,
during red, rose, and white winemaking process J.; RUVIERI, V.; NAVAS, A.S.; LAMARDO, L.C.A.;
and the presence of Ochratoxin derivatives in SABINO, M. Ochratoxin A in wines and grape
the final products. Food Control. Amsterdã, juices commercialized in the city of São Paulo,
v.113, n.1, p.107-167, fev. 2020. DOI: 10.1016 / Brazil. Brazilian Journal of Microbiology. Brasil,
j.foodcont.2020.107167 v.37, v.4, p.533-537, dez. 2006. DOI: https://doi.
org/10.1590/S1517-83822006000400024
KRÜGER, C.D.; FERNANDES, A.M.; ROSA, C.A.R.
Ochratoxin A in wines from 2002 to 2008 harvest SOLFRIZZO, M.; AVANTAGGIATO, G.; PANZARINI,
marketed in Rio de Janeiro, Brazil. Food Additives G.; VISCONTI, A. Removal of Ochratoxin A from
& Contaminants: Part B. Estados Unidos, contaminated red wines by repassage over grape
v.5, n.3, p.204-207, set. 2012. DOI: 10.1080 / pomaces. Journal of Agricultural and Food
19393210.2012.697485 Chemistry. Estados Unidos, v.58, p.317-323, jan.
2010. DOI: 10.1021 / jf9030585
LABRINEA, E.P.; NATSKOULIS, P.I.; SPIROPOULOS,
A.E.; MAGAN, N.; TASSOU, C.C. A survey of TERRA, M.F.; PRADO, G.; PEREIRA, G.E.; EMATNE,
Ochratoxin A occurence in Greek wines. Food H.J.; BATISTAD, L.R. Detection of Ochratoxin A in
Additives & Contaminants: Part B. Estados Unidos, tropical wine and grape juice from Brazil. Journal
v.4, n.1, p.61-66, mar. 2011. DOI: https://doi.org/10 of the Science of Food and Agriculture. Estados
.1080/19393210.2010.539707 Unidos, v.93, p.890-894, 2012.

OIV. INTERNATIONAL ORGANIZATION OF YUSEFI, J.; VALAEE, M.; NAZARI, F.; MALEKI,
VINE AND WINE. Code of sound vitivinicultural J.; MOTTAGHIANPOUR, E.; KHOSROKHAVAR,
practices in order to minimise levels of Ochratoxin R.; HOSSEIN, M.J. Occurrence of Ochratoxin
A in vine-based products. Resolution viti-oeno A in Grape Juice of Iran. Iranian Journal of
1/2005. Disponível em: http://www.oiv.int/public/ Pharmaceutical Research. Irã, v.17, n.1, p.140-146,
medias/2079/viti-oeno-1-2005-en.pdf. Acesso em: 2018.
20 ago. 2020.
ZIMMERLI, B.; DICK, R. Ochratoxin A in table
wines and grape juice: occurrence and risk
assessment. Food Additives Contaminants.
Estados Unidos, v.13, n.6, p.655-668, set. 1996.
DOI: 10.1080/02652039609374451

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.76-83, 2021 83


Iuri Castro de Rosso

Composição físico-química de vinhos


elaborados a partir do cultivar Ruby
Cabernet produzido na Campanha Gaúcha

Mariane Richardt Langbecker1

Iuri Castro de Rosso1

Wellynthon Machado da Cunha1

Daniel Pazzini Eckhardt1

Vagner Brasil Costa1

1
Unipampa
96450-000 Dom Pedrito, RS

Autor correspondente:
marianelangbecker@hotmail.com

86 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021


Resumo

or ser uma região vitivinícola relativamente nova, é necessário avaliar o

desenvolvimento de diferentes cultivares viníferas na Campanha Gaúcha,

verificando as características dos vinhos elaborados, em função das variáveis

edafoclimáticas regionais que influenciam a qualidade da uva. Assim, o objetivo do

trabalho foi avaliar as características físico-químicas do vinho elaborado com o cultivar

Ruby Cabernet da Campanha Gaúcha. Foram vinificados 4700 kg e 2870 kg de uvas Ruby

Cabernet, nas safras vitícolas de 2019 e 2020, respectivamente, provenientes do município

de Maçambará (RS). A vinificação foi realizada em uma vinícola localizada em Itaqui (RS),

onde também foram realizadas as análises físico-químicas do mosto. As análises físico-

químicas dos vinhos foram realizadas no laboratório de TPOAV da Universidade Federal do

Pampa (Unipampa), campus Dom Pedrito. O cultivar Ruby Cabernet possui bom potencial

enológico, uma vez que o vinho elaborado apresenta boa intensidade e tonalidade de cor.

Palavras-chave: vitivinicultura, compostos fenólicos, maturação.

Abstract

Physicochemical composition of wines made from the


Ruby Cabernet cultivar grown in Campanha Gaúcha

As it is a relatively new wine-growing region, it is necessary to evaluate the behavior of


different wine grape cultivars in the Campanha Gaúcha region, verifying the characteristics
of the wines produced, according to the regional edaphoclimatic variables that influence
the quality of grapes. Thus, the objective of this work was to evaluate the physicochemical
characteristics of wine made from the Ruby Cabernet cultivar from Campanha Gaúcha. A
total of 4,700 kg and 2,870 kg of Ruby Cabernet grapes grown in Maçambará (Rio Grande
do Sul, Brazil) were vinified in 2019 and 2020, respectively. The vinification was carried
out in a winery located in Itaqui (Rio Grande do Sul, Brazil), where the physicochemical
analyzes of the must were also carried out. The physicochemical wine analyzes were
performed in the TPOA laboratory of Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Dom
Pedrito campus. The Ruby Cabernet cultivar has good oenological potential, since the
wine produced has good intensity and color tone.

Keywords: vitiviniculture, phenolic compounds, maturation.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021 87


Introdução pelo Dr. Harold Olmo, e oficialmente lançada
em 1948 (BOULTON et al., 1999). O objetivo do
A região da Campanha Gaúcha está situada cruzamento dessas castas foi obter um vinho com
entre os paralelos 30˚ e 50˚S, bem como as sabor próximo ao Cabernet Sauvignon, porém
grandes regiões vitivinícolas mundiais, e vem se com plantas tolerantes a climas mais quentes. O
desenvolvendo como um grande polo vitivinícola cultivo ocorre principalmente nos Estados Unidos,
nacional. Os primeiros parreirais desta região na Austrália, na África do Sul, na Argentina, no
foram implantados pelos Jesuítas no século XVII. Chile e, nos últimos anos, começou a ser cultivada
No entanto, somente na década de 1970, após também no Brasil.
estudos da Universidade de Davis (EUA), com
participação da Universidade Federal de Pelotas Assim, por ser a Campanha Gaúcha uma
e da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do região vitícola relativamente nova, onde
Sul, foram identificados aspectos desta região, o desenvolvimento de muitas variedades
favoráveis à produção de uvas viníferas (FLORES; menos exploradas ainda não foi devidamente
MEDEIROS, 2013). experimentado, este trabalho objetivou avaliar as
características físico-químicas do vinho elaborado
Além das condições climáticas favoráveis, a partir de uvas Ruby Cabernet produzidas na
a topografia da região é privilegiada, pois região da Campanha Gaúcha.
facilita a execução de práticas culturais, como
a mecanização, por ser essencialmente plana
(BRIXNER, 2013). Com isso, a produção vitícola
no Rio Grande do Sul agrega ao país vinhos de Material e Métodos
elevada qualidade, pois a região disponibiliza solo,
clima e água em condições adequadas de cultivo, O experimento foi realizado nas safras vitícolas
agregando à matéria-prima maior quantidade de 2019 e 2020, com a colheita de 4700 kg
de metabólicos secundários, como taninos e e 2870 kg respectivamente, de uvas Ruby
polifenóis (TOMAZETTI et al., 2015). Cabernet, enxertadas sobre Paulsen 1103
(Vitis berlandieri x Vitis rupestris), provenientes
Vários fatores influenciam a qualidade de um de vinhedo localizado em Maçambará (RS),
vinho: manejo da videira, condições climáticas, (29˚03’10.9”S 55˚40’53.8”W). O solo do vinhedo
tipo do solo, condições sanitárias da uva e é caracterizado como Nitossolo Vermelho
a tecnologia de vinificação utilizada. Esses Distroférrico latossólico com baixa fertilidade,
fatores são responsáveis por determinar as altos teores de ferro nos horizontes superficiais
características químicas que compõem o vinho, e presença de um horizonte latossólico (SANTOS
como açúcares, álcool, compostos fenólicos, et al., 2013). O clima da região, de acordo com a
ácidos orgânicos, compostos nitrogenados, entre classificação climática de Köppen, é classificado
outros. Os compostos fenólicos são metabólitos como Cfa - subtropical, sem estação seca definida,
secundários, encontrados em tecidos vegetais, com precipitação média anual de 1.700 mm e
desde os mais simples até os mais complexos temperatura média anual de 19 ˚C (ALVARES et
(FERRER-GALLEGO et al., 2014), e representam al., 2013). A densidade do vinhedo de estudo é de
um dos principais grupos de moléculas que afetam 2525 plantas em 0,68 hectares, com espaçamento
as características físico-químicas e sensoriais de 3,30 m entre linhas e 1,20 m entre plantas.
dos vinhos (ZAMORA, 2003). Vários efeitos
benéficos à saúde humana já foram atribuídos aos As colheitas das uvas ocorreram no dia 01
compostos fenólicos, especialmente atividades de março de 2019 e no dia 15 de março de
antioxidantes, anti-inflamatória, antimicrobiana e 2020, de forma manual. Após colhidas, as uvas
anticarcinogênica (ABE et al., 2007). foram acondicionadas em caixas plásticas de
20 kg, transportadas até a vinícola, pesadas e
A Ruby Cabernet é uma variedade tinta Vitis selecionadas (onde foram descartados os cachos
vinifera, resultado do cruzamento entre as e as bagas deteriorados). A elaboração dos vinhos
variedades Carignan e Cabernet Sauvignon, criada foi realizada de forma idêntica nas duas safras, em
em laboratório na Universidade da Califórnia, uma vinícola comercial localizada em Itaqui (RS). O

88 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021


desengace e o esmagamento foram realizados de Pedrito, utilizando o equipamento WineScan SO2
forma mecânica no equipamento Desengaçadeira (Foss Analytics, Hillerød, Dinamarca), através do
SIPREM (Siprem Internacional, Pesaro, Itália). método de espectroscopia de infravermelho com
Logo após o desengace, o mosto resultante Transformada de Fourier (FTIR). Foram efetuadas
recebeu a adição de 6 g.hL-1 de metabissulfito de as seguintes determinações: pH, acidez total
potássio (BASF SE, Ludwigshafen, Alemanha) e (meq.L-1), acidez volátil (g.L-1), teor alcoólico (%
3 g.hL-1 de enzimas pectolíticas Colorpect VR-C® v/v) e açúcares redutores (g.L-1). Os compostos
(Amazon Group Ltda, Bento Gonçalves). Antes fenólicos foram analisados utilizando-se a
da fermentação alcoólica, foi realizada uma técnica de espectrofotometria de UV/VIS (UV-
maceração pré-fermentativa a frio (durante 48 2000A, Instrutherm, São Paulo, SP, Brasil). Foram
horas a 10 ˚C), com o objetivo de incrementar o analisados intensidade de cor, tonalidade de cor,
aporte de compostos fenólicos. índice de polifenóis totais (IPT), antocianinas
totais (mg.L-1) e taninos totais (g.L-1), seguindo a
Após a maceração pré-fermentativa, foi metodologia de Ribéreau-Gayon et al. (2006).
realizada a inoculação das leveduras, com a
adição de 20 g.hL-1 de leveduras Saccharomyces
cerevisiae (Zymaflore XPURE®, Laffort, França).
A fermentação alcoólica foi realizada por oito Resultados e Discussão
dias a 23 ± 2 ˚C e duas remontagens diárias. Ao
final da fermentação alcoólica, foram realizados A caracterização físico-química do mosto de Ruby
os processos de descuba e prensagem. Três Cabernet está expressa na Tabela 1. Na safra
dias após, foi realizada a transferência do vinho vitícola de 2019, o mosto obteve 20 ˚Brix e 198
límpido para outro recipiente de mesmo volume e g.L-1 de açúcares redutores, resultado de uma
realização da fermentação malolática por 15 dias safra de condições adversas, com alto índice de
(20 ˚C a 22 ˚C). Ao final do processo, houve nova precipitação (ALVES et al., 2019). A precipitação
adição de SO2 (6 g.hL-1), na forma de metabissulfito registrada no município de Itaqui, na safra vitícola
de potássio, para conservação do vinho. Após, foi de 2019, foi de 1138 mm (setembro de 2018 a
realizada a estabilização tartárica por 35 dias (0 fevereiro de 2019) (GEAS, 2020). Já na safra 2020,
˚C) e, posteriormente, o envase do vinho. o mosto obteve 27,7 ˚Brix e 251 g.L-1 de açúcares
redutores. Nessa safra, a menor precipitação
As análises físico-químicas dos mostos foram registrada foi de 822 mm (setembro de 2019 a
realizadas na vinícola. Foram efetuadas as fevereiro de 2020) (GEAS, 2020), que possibilitou
seguintes determinações: sólidos solúveis (˚Brix), às uvas um melhor índice de maturação, já que
densidade (g.mL-1), pH, acidez total (meq.L-1), permaneceram 15 dias a mais no campo.
açúcares redutores (g.L-1) e acidez volátil (meq.L-1).
Todas as análises foram feitas através dos métodos A acidez total do mosto na safra de 2019 foi
descritos por Rizzon (2010). de 129 meq.L-1. Esse valor se deve ao período
úmido durante a maturação das uvas, que exigiu
As análises físico-químicas dos vinhos foram a antecipação da colheita, impossibilitando a
realizadas no laboratório de TPOAV da completa maturação das bagas e a consequente
Universidade Federal do Pampa, campus Dom degradação dos ácidos (FOGAÇA et al., 2007).

Tabela 1. Análises físico-químicas do mosto do cultivar Ruby Cabernet nas safras 2019 e 2020.

Variável 2019 2020

Sólidos Solúveis (˚Brix) 20,0 27,7

Acidez Total (meq.L-1) 129,0 86,0

pH 3,55 4,10

Açúcares Redutores (g.L-1) 198,0 251,0

Acidez Volátil (meq.L-1) 5,0 4,0


Fonte: Autor

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021 89


Esses valores são elevados, quando comparados foi concluída com sucesso nas duas safras, tendo
a outras regiões produtoras. A acidez mais baixa em vista o açúcar residual de 2,75 g.L-1 e 2,8 g.L-1,
(103 meq.L-1) foi encontrada na avaliação de respectivamente. Nessas condições, os vinhos
mostos de Cabernet Sauvignon (cultivar que são caracterizados como “seco” (BRASIL, 2014).
deu origem a esse cruzamento) na região de Na safra de 2018, Rodrigues (2019) elaborou
São Joaquim (Santa Catarina) na safra de 2013 vinhos Ruby Cabernet com 13,51% v/v de álcool,
(FELIPPETO et al., 2016), região que possui no Vale do São Francisco. Assim, verifica-se que
acúmulo térmico inferior à Campanha Gaúcha em safras com melhores condições climáticas
e umidade superior, favorecendo a obtenção de para a maturação das uvas, na Campanha Gaúcha,
mostos e vinhos mais ácidos (TONIETTO et al., podem ser elaborados vinhos com maior potencial
2012). alcoólico.

Na Campanha, tende-se a obter mostos e vinhos A acidez total, ao final do processo de vinificação,
de menor acidez devido às condições climáticas foi de 94,93 meq.L-1 e 83 meq.L-1, para as safras
(na maioria das safras), aliada ao relevo da região, de 2019 e 2020, respectivamente. Esses valores
que permite uma maior insolação (BELMIRO et já eram esperados, uma vez que se optou pela
al., 2017). Essa tendência pode ser observada na realização da fermentação malolática. A acidez
safra 2020, quando a maturação tecnológica foi total do vinho do cultivar Ruby Cabernet na
possibilitada, uma vez que a baixa precipitação região do Vale do São Francisco foi de 84,91
possibilitou um maior acúmulo de radiação sobre meq.L-1 na safra de 2018 (RODRIGUES, 2019).
as bagas, resultando em mosto com acidez total Os resultados indicam que o cultivar apresenta
de 86 meq.L-1. Em relação ao pH, foi encontrado o um bom potencial para acúmulo de acidez, o
valor de 3,55 no mosto na safra 2019 e 4,1 na safra que pode ser interessante, principalmente por
2020 (Tabela 1). contribuir na manutenção da coloração vermelha
por mais tempo (JACKSON, 2008). Os valores
O vinho da safra 2019 apresentou graduação de pH encontrados neste estudo foram de 3,76
alcoólica de 11,2% v/v, enquanto que o vinho e 3,61 (Tabela 2), para as safras de 2019 e 2020,
da safra 2020 apresentou graduação alcoólica respectivamente. Esses valores são inferiores
de 14,3% v/v (Tabela 2). Esses valores são ao encontrado por Rodrigues (2019), mas ainda
consequência dos teores de açúcares presentes elevados. Vinhos com pH próximos a 4,0 são
nos mostos e indicam que a fermentação alcoólica mais suscetíveis a contaminações bacterianas,

Tabela 2. Análises físico-químicas do vinho do cultivar Ruby Cabernet nas safras de 2019 e 2020.

Variável 2019 2020

Álcool (% v/v) 11,2 14,3

Acidez Total (meq.L ) -1


94,93 83,00

pH 3,76 3,61

Açúcares Redutores (g.L-1) 2,75 2,80

Acidez Volátil (meq.L ) -1


6,66 7,50

DO 420nm 0,610 0,586

DO 520nm 0,825 0,674

DO 620nm 0,221 0,658

Intensidade de cor (420 + 520 + 620nm) 1,656 1,919

Tonalidade de cor (420/520nm) 0,739 0,869

Antocianinas Totais (mg.L-1) 126,3 104,1

Taninos Totais (g.L )


-1
1,5 2,1

Índice de Polifenóis Totais 40,5 56,9


Fonte: Autor

90 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021


e tendem também a obter uma coloração mais Os vinhos elaborados obtiveram um valor de
alaranjada, diferentemente do que é buscado por 126,3 mg.L-1 e 104,1 mg.L-1 de antocianinas totais
esse cultivar. e 1,5 g.L-1 e 2,1 g.L-1 de taninos, em 2019 e 2020,
respectivamente. O teor de antocianinas obtido
Em relação à coloração, os vinhos apresentaram na safra 2019 foi superior aos 105,4 mg.L-1
1,656 e 1,919 de intensidade de cor (IC), 0,739 encontrados por Rodrigues (2019), enquanto
e 0,869 de tonalidade de cor (TC) para os vinhos na safra de 2020 foi semelhante. Em relação aos
de 2019 e 2020, respectivamente. Esses índices taninos, pode-se considerar que os valores são
são superiores aos encontrados por Heras- medianos, uma vez que podem ser alcançados até
Roger et al. (2014) em onze amostras de vinho 4 g.L-1 em alguns vinhos (RIBÉREAU-GAYON et al.,
do mesmo cultivar nas Ilhas Canárias (Espanha), 2006).
nas safras entre 2006 e 2012. Ribéreau-Gayon
et al. (2006) explicam que valores de TC entre Os resultados encontrados neste trabalho
0,5 e 0,7 representam uma predominância da permitem compreender a Ruby Cabernet como
cor vermelha (DO 520), e que valores a partir de um cultivar potencial para a região da Campanha
1,0 demonstram desenvolvimento da cor laranja, Gaúcha. A coloração é um atributo bastante
em virtude de maior representatividade da cor importante do ponto de vista do consumidor, e
amarela (DO 420). Assim, a tonalidade de cor a Ruby Cabernet apresentou bons resultados
encontrada neste estudo está de acordo com nas duas safras. Além disso, a possibilidade de
as características de um vinho jovem, com boa prolongar a maturação da uva, em condições
intensidade da cor vermelha. Além disso, vinhos climáticas favoráveis, como na safra vitícola
Ruby Cabernet se destacam em comparação a de 2020, resulta em vinhos de bom potencial
outras variedades tintas em relação à coloração, alcoólico e com estrutura adequada para um bom
especialmente por apresentar maiores teores de envelhecimento.
malvidinas, principais antocianinas encontradas
em vinhos (HERAS-ROGER et al., 2016).

O índice de polifenóis totais encontrado foi de 40,5 Conclusão


para a safra de 2019 e 56,9 para a de 2020. Esses
valores indicam a possibilidade de envelhecimento O cultivar Ruby Cabernet possui bom
desse vinho, visto que o valor mínimo aconselhável potencial enológico na Campanha Gaúcha,
de IPT para o envelhecimento de vinhos é de 40 onde os vinhos elaborados apresentam boa
(ZAMORA, 2003). Rodrigues (2019) encontrou intensidade e tonalidade de cor. Além disso, o
índice de polifenóis totais com valor de 67,96 em índice de polifenóis totais obtido possibilita o
vinhos Ruby Cabernet no Vale do São Francisco. envelhecimento desse vinho.

Referências
ABE, L.T.; DA MOTA, R.V.; LAJOLO, F.M.; ALVES, M.E.B.; ZANUS, M.C.; TONIETTO, J.
GENOVESE, M.I. Compostos fenólicos e capacidade Condições meteorológicas e sua influência na
antioxidante de cultivares de uvas Vitis labrusca L. e safra vitícola de 2019 em regiões produtoras de
Vitis vinifera L. Ciência e Tecnologia de Alimentos. vinhos finos do Sul do Brasil. Bento Gonçalves:
Brasil, v.27, n.2, p.394 400, jun. 2007. DOI: https:// Embrapa Uva e Vinho, 2019. (Documentos 111).
doi.org/10.1590/S0101-20612007000200032 Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/
digital/bitstream/item/202707/1/Doc111.pdf.
ALVARES, C.A.; STAPE, J.L.; SENTELHAS, Acesso em: 12 mar. 2020.
P.C.; GONÇALVES, J.L.M.; SPAROVEK, G.
Köppen’s climate classification map for Brazil.
Meteorologische Zeitschrift. Berlin, v.22, n.6,
p.711-728, dez. 2013. DOI: 10.1127/0941-
2948/2013/0507

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021 91


BELMIRO, T.M.C.; PEREIRA, C.F.; PAIM, A.P.S. Red GEAS - Grupo de Estudos em Água e Solo. Dados
wines from South America: Content of phenolic Meteorológicos. Universidade Federal do Pampa.
compounds and chemometric distinction by origin. Itaqui-RS. Disponível em: https://geasunipampa.
Microchemical Journal. Amsterdã, v.133, p.114- wordpress.com/dados-meteorologicos/. Acesso
120, jul. 2017. DOI: https://doi.org/10.1016/j. em: 04 abr. 2020.
microc.2017.03.018
HERAS-ROGER, J.; POMPOSO-MEDINA,
BOULTON, R.B.; SINGLETON, V.L.; BISSON, M.; DÍAZ-ROMERO, C.; DARÍAS-MARTIN, J.
L.F.; KUNKEE, R.E. Principles and practices of Copigmentation, colour and antioxidant activity of
winemaking. Boston: Springer, 1999. single cultivar red wines. European Food Research
and Technology. Alemanha, v.239, n.1, p.13-19, jan.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e 2014. DOI:10.1007/s00217-014-2185-0
Abastecimento - MAPA. Decreto Nº 8.198, de 20
de fevereiro de 2014, que regulamenta a Lei Nº HERAS-ROGER, J.; ALONSO-ALONSO, O.;
7678, de 08 de novembro de 1988. Disponível GALLO-MONTESDEOCA, A.; DÍAZ-ROMERO, C.;
em: http://sistemasweb.agricultura.gov.br//sislegis. DARIAS-MARTÍN, J. Influence of copigmentation
Acesso em: 10 mar. 2020. and phenolic compositionon wine color. Journal
of Food Science and Technology. Alemanha, v.53,
BRIXNER, G.F. Caracterização da aptidão climática n.6, p.2540-2547, jul. 2016. DOI:10.1007/s13197-
da região da Campanha do Rio Grande do Sul 016-2210-3
para a viticultura. 2013. Dissertação. (Mestrado
em Sistemas de Produção Agrícola Familiar). JACKSON, R.S. Wine science: principles and
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2013. applications. 3 ed. San Diego: Academic Press,
2008.
SANTOS, H.G.; JACOMINE, P.K.T.; ANJOS, L.H.C.;
OLIVEIRA, V.A.; LUMBRERAS, J.F.; COELHO, RIBÉREAU-GAYON, P.; GLORIES, Y.; MAUJEAN,
M.R.; ALMEIDA, J.A.; ARAUJO FILHO, J.C.; A.; DUBOURDIEU, D. Handbook of enology: the
OLIVEIRA, J.B.; CUNHA, T.J.F. Sistema Brasileiro chemistry of wine; stabilization and treatments.
de Classificação de Solos. 3 ed. Brasília, EMBRAPA, 2ed. Inglaterra: John Wiley & Sons, 2006.
2013.
RIZZON, L.A. Metodologia para análise de vinho.
FELIPPETO, J.; ALEMBRANDT, R.; CIOTTA, M.N. Bento Gonçalves, Embrapa Uva e Vinho, 2010.
Maturação e composição das uvas Cabernet
Sauvignon e Merlot produzidas na região de RODRIGUES, C.F. Características físico-químicas
São Joaquim, SC. Agropecuária Catarinense. dos vinhos tintos da Indicação de Procedência
Florianópolis, v.29, n.2, p.74-79, out. 2016. Vale do São Francisco. Dissertação (Mestrado em
Ciência e Tecnologia de Alimentos). Universidade
FERRER-GALLEGO, R.; HERNÁNDEZ-HIERRO, Federal Rural de Pernambuco, Pernambuco, 2019.
J.M.; RIVAS-GONZALO, J.C.; ESCRIBANO-
BAILÓN, M.T. Sensory evaluation of bitterness TOMAZETTI, T.C.; ROSSAROLLA, M.D.; ZEIST, A.R.;
and astringency sub-qualities of wine phenolic GIACOBBO, C.L.; WELTER, L.J.; ALBERTO, C.M.
compounds: synergistic effect and modulation by Fenologia e acúmulo térmico em videiras viníferas
aromas. Food Research International. Amsterdã, na região da Fronteira Oeste do Rio Grande do
v.62, p.1100–1107, ago. 2014. DOI: 10.1016/j. Sul. Pesquisa Agropecuária Brasileira. Brasil, v.50,
foodres.2014.05.049 n.11, p.1033-1041, nov. 2015. DOI: https://doi.
org/10.1590/S0100-204X2015001100006
FOGAÇA, A.O.; DAUDT, C.E.; DORNELES, F.
Potássio em uvas II - análise peciolar e sua TONIETTO, J.; MANDELLI, F.; ZANUS, M.C.;
correlação com o teor de potássio em uvas GUERRA, C.C.; PEREIRA, G.E. O clima vitícola das
viníferas. Ciência e Tecnologia dos Alimentos. regiões produtoras de uva para vinhos finos do
Brasil, v.27, n.3, p.597-601, set. 2007. DOI: https:// Brasil. In: Clima, zonificación y tipicidad del vino
doi.org/10.1590/S0101-20612007000300026 en regiones vitivinícolas Iberoamericanas. p.111-
146. Madrid: Cyted, 2012.
FLORES, S.S.; MEDEIROS, R.M.V. Ruralidades
na compreensão dos territórios do vinho e sua ZAMORA, F.M. Elaboración y Crianza Del Vino
identidade. Revista Campo-território. Brasil, v.8, Tinto: aspectos científicos y práticos. 1ed. Madrid:
n.15, p.1-19, mar. 2013. Ediciones Mundi-Prensa, 2003.

92 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.86-92, 2021


Letícia Leonardelli

Autenticidade de vinhos e álcoois exógenos:


aplicação de isótopos estáveis como
ferramenta de controle

Susiane Leonardelli1,2

Regina Vanderlinde1

1
UCS - Instituto de Biotecnologia
95070-560 Caxias do Sul, RS
2
LAREN/SEAPDR
95084-470 Caxias do Sul, RS

Autor correspondente:
susileonardelli@gmail.com

94 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021


Resumo

iversos fatores têm influenciado as adulterações em vinhos há muitos anos. Entre


eles podemos citar a viabilidade econômica de outras matérias-primas, o excesso
de produção de outras culturas, ou ainda, a baixa concentração de açúcares
fermentáveis da própria uva em uma determinada safra, produzindo vinhos de baixo
teor alcoólico. Esses fatores podem incentivar o uso de matérias-primas mais baratas
em relação à uva para produzir álcool, ou ainda a utilização de resíduos ou subprodutos
oriundos dessas matérias-primas também para produção de etanol. Contudo, a adição
de álcool em vinhos não é permitida em lei. Nesse sentido, os isótopos estáveis são
ferramentas aplicadas para controle de autenticidade do vinho. Diversos métodos, usando
análises isotópicas, têm sido desenvolvidos para controle do uso de álcool ou açúcares
adicionados ao vinho. Entretanto, diferentes matérias-primas mostram-se viáveis para
produção de álcool para adulteração, tornando necessário reavaliar as ferramentas de
controle. Dessa forma, essa revisão tem o objetivo de apresentar fatos históricos que
relacionam a autenticidade de vinhos com a legislação, abordar o porquê do uso de álcoois
exógenos para adulterar vinhos e, por fim, a aplicação dos isótopos estáveis como método
de controle de adulterações.

Palavras-chave: etanol, teor alcoólico, legislação, análise isotópica, adulteração.

Abstract

Wine authenticity and exogenous alcohol:


application of stable isotopes as control tool

Several historical facts have impacted on wine adulteration for many years, including the
economic viability of certain raw materials, the overproduction of some crops, or even the
low concentration of fermentable sugar in grapes in a specific harvest resulting in wines
with low alcohol content. These factors may encourage the production of alcohol in wine
by using cheaper materials in relation to grapes, or the use of waste and by-products from
such crops. However, adding alcohol to wine is not allowed by law. For this reason, stable
isotopes are an important tool applied to control wine authenticity. Several methods
have been developed to control the addition of alcohol or sugar to wine, nonetheless,
different raw materials have become viable to produce alcohol which can be used in the
adulteration of wine, making it necessary to reassess these control measures. Therefore,
this review aims to present historical facts that relate the wine authenticity to the wine
legislation, and to approach the use of exogenous alcohol in order to adulterate wines and
the application of stable isotopes as an efficient method to control adulteration.

Keywords: ethanol, alcohol content, legislation, isotopic analysis, adulteration.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021 95


Introdução no combate à adulteração em alimentos e bebidas
(BAMPA et al., 2017).
O vinho tornou-se, ao longo dos anos, um produto
de grande importância econômica e está entre as Nesse sentido, essa revisão tem o objetivo de
bebidas mais consumidas no mundo (DANIELE, apresentar fatos históricos que relacionam a
2016). De acordo com dados publicados em 2019 autenticidade de vinhos com a legislação, abordar
pela Organização Internacional da Vinha e do o porquê do uso de álcoois exógenos para adulterar
Vinho (OIV), a produção de vinhos em 2018 foi vinhos e, por fim, a aplicação dos isótopos estáveis
de 292 milhões de hectolitros e consumo de 246 como método de controle de adulterações.
milhões de hectolitros (OIV, 2019).

Muitas formas de adulteração em bebidas


e alimentos surgiram nos últimos anos e, Relação ente legislação e
particularmente, o vinho, em função do seu valor autenticidade do vinho
econômico, vem sendo uma das bebidas mais
adulteradas quando comparado a outras bebidas. Algumas pesquisas sugerem que as primeiras
Acredita-se que a história de adulterações em versões de regulamentação e legislação para o
vinhos surgiu praticamente junto com o início da vinho ocorreram no império romano, de 81 d.C. a
sua elaboração (CSAPÓ; ALBERT, 2018). 96 d.C. (LINDSEY, 2011). Na Figura 1, a cronologia
da legislação do vinho pode ser observada com
Diversas formas de adulteração podem ser citadas, fatos de destaque pontuados na história do vinho.
como dietilenoglicol para aumentar a doçura, Em 1650, com o surgimento da garrafa de
fontes mais baratas de açúcar, diluição para vidro e o processo de fechamento com rolha,
aumentar o volume, sais para iluminar a cor, entre surgiram as primeiras propriedades individuais
outras, as quais são facilmente detectadas por e a preocupação com a qualidade do vinho,
equipamentos e técnicas analíticas. Entretanto, principalmente em relação às demarcações
as técnicas de adulteração na vinificação têm geográficas e à origem do produto. A crescente
se tornado mais refinadas e requerem novos demanda no ano de 1700 provocou uma fase de
métodos de detecção (LACHENMEIER, 2016). corrupção e falsificação, tendo em vista que o
Em vista disso, a determinação da composição baixo custo do produto incentivou os produtores
isotópica tornou-se uma importante ferramenta a aumentar o volume com aditivos e diluentes

Figura 1. Principais fatos da cronologia da legislação do vinho no Brasil e no mundo. Fonte: Leonardelli (2020).

96 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021


baratos (MUNSIE, 2002). exclusivamente, da fermentação alcoólica
completa ou parcial de uvas frescas ou mosto
Em 1889 foi emitida a primeira definição legal de uva, com grau alcoólico mínimo de 8,5%. Na
de vinho. A necessidade dessa definição foi definição, deve ser considerado também o clima,
impulsionada porque o mundo do vinho foi o solo, a variedade de uva, fatores qualitativos
devastado pela filoxera em 1863, praga que tradicionais ou específicos de um determinado
destrói as raízes da videira. Nesse período, vinhedo, podendo o grau alcoólico ser reduzido
houve uma grande demanda por vinhos na para 7%, conforme a legislação local (OIV, 2020).
França, provocando a replantação precipitada e
desorganizada das videiras, a qual não evitou a A primeira lei brasileira para o vinho é de 1937, a
alta dos preços (BONNEY, 2020). lei federal 549 de 20 de outubro. Essa lei unificou a
legislação brasileira de vinhos, que anteriormente
O oportunismo de preços altos e pouca oferta era determinada pelos Estados. Em 1940, surgiu o
levou ao uso de substitutos artificiais e todos Laboratório Central de Enologia para aplicar a lei.
esses fatores obrigaram o governo a promulgar a Ainda assim, até a década de 50, a vitivinicultura
primeira definição legal de vinho. Esta definição brasileira era muito pobre em tecnologia e faltava
foi seguida de vários decretos, os quais tentavam domínio das técnicas para o cultivo das videiras.
reprimir a fraude. Em 1907, o governo francês Além disso, era permitida a adição de vinhos de
implantou fortes regulamentos para combater mesa na elaboração dos vinhos finos. A partir da
a fraude e a superprodução, os quais exigiam década de 70, iniciou-se uma sensível melhora da
relatórios de colheita de uvas e definiam o vinho qualidade do vinho (ABE, 2017). Em 1988, surge
como um produto elaborado exclusivamente a lei que é a principal diretriz atual para o vinho
da fermentação de uvas fresca ou do suco de brasileiro (MAPA, 2019).
uvas frescas (PHILLIPS, 2016). Em 1910, uma
organização de viticultores locais reconhecida
oficialmente constituiu o primeiro sindicato para
rastrear e processar quem comprasse ou vendesse Autenticidade do vinho
vinho adulterado (MUNSIE, 2002; COLMAN,
2008). A autenticidade do vinho não está somente ligada
ao cumprimento das diretrizes legais e à proteção
A grande mudança na Europa para o mercado do consumidor. Na verdade, falar em autenticidade
do vinho foi a assinatura do Tratado de Roma e a vai muito além desses parâmetros, pois engloba
criação do EEC (European Economic Community) também o interesse dos produtores em oferecer
em 1957. Os primeiros membros da EEC foram produtos de alta qualidade e confiáveis ao mercado
Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo e consumidor. Além disso, há um grande interesse
Holanda. A EEC, em 1959, iniciou um processo econômico e político dos países produtores, para
para unificar a indústria de vinho, com o objetivo que cada vinho produzido em seu país apresente
de reduzir a competitividade, padronizando o uma boa reputação internacional. Alguns países,
tipo de vinho e o conteúdo de álcool e açúcares como forma de proteger a produção de uva e a
(MUNSIE, 2002). autenticidade do vinho, já controlam e fiscalizam
misturas de variedades, de safras e de diferentes
Em 3 de abril de 2001, em substituição ao áreas geográficas, como por exemplo, o controle
Escritório Internacional da Vinha e do Vinho (Office das DOC (Denominação de Origem Controlada)
International de la Vigne et du Vin) existente desde (CHRISTOPH et al., 2015).
1924, foi estabelecido o acordo do surgimento da
Organização Internacional da Vinha e do Vinho No Brasil, também são adotados diversos controles
(OIV), uma organização intergovernamental, analíticos baseados nos parâmetros estabelecidos
com carácter técnico e científico, relacionado na legislação vigente, como por exemplo, controle
às videiras, ao vinho, às bebidas à base de vinho, da adição de água exógena, controle do excesso
às uvas de mesa e passas e a outros produtos de açúcar de cana para correção do álcool, grau
da videira. A OIV é composta por 47 membros alcoólico, açúcares totais, acidez total e volátil,
e define vinho como a bebida resultante, entre outros (MAPA, 2019).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021 97


Independentemente do resultado final da safra, do isotópica dessas culturas, com o objetivo de
comportamento da natureza ou do valor mínimo elucidar adulterações com adições de álcoois em
estabelecido para a comercialização da uva, a vinhos (BRINGHENTI, 2014).
legislação determina que a correção do álcool
pode ser realizada somente com álcool vínico, ou
com açúcar de cana, durante a fermentação do
mosto, de acordo com o limite estabelecido na
lei. Além disso, a denominação vinho é exclusiva Isótopos estáveis como
do produto oriundo da uva sã, fresca e madura,
ferramenta de controle de
sendo vedada a utilização de produtos obtidos de
qualquer outra matéria-prima (MAPA, 2019).
autenticidade
Nos últimos anos, as determinações de isótopos
estáveis têm se tornado uma ferramenta
no combate a adulterações e controle de
Álcoois exógenos em vinho
autenticidade de alimentos, ingredientes
alimentícios e bebidas, especialmente sucos de
O emprego de tecnologia ou material que não está
frutas e vinhos (MAGDAS et al., 2014). Desde
autorizado na legislação de produção do vinho é
1986, a União Europeia e a OIV reconhecem e
considerado adulteração. Entretanto, é inegável
tornam oficiais os métodos de razão isotópica
que o mercado de fraudes e adulterações é movido
para controle de autenticidade (PERINI; CAMIN,
pela viabilidade econômica, seja para aumento
2013).
de volume, para ter um produto mais agradável
ao paladar ou ainda para obter um produto mais
Os procedimentos de controle de autenticidade
competitivo em relação a outros países, os quais
usando isótopos estáveis são muito complexos, em
produzem vinhos com um nível de álcool mais
função da diversidade dos vinhos (CHRISTOPH et
elevado (CSAPÓ; ALBERT, 2018).
al., 2015). O Brasil utiliza essas ferramentas de
controle há 20 anos e, ainda assim, o percentual
O grande volume de produção de algumas
de adulteração determinado através do isótopo
matérias-primas é um fator importante para a
de carbono (δ13C) em amostras comerciais foi
viabilidade econômica da sua utilização para
superior a 10% nos últimos dois anos, adulterações
produção de álcool. O Brasil, por sua vez, destaca-
relacionadas à chaptalização do vinho com açúcar
se por ser um importante produtor de frutas,
de cana (LEONARDELLI, 2020).
porém a comercialização da fruta in natura gera
altos índices de desperdício, sendo descartadas
Há muitos anos, uma das mais preocupantes
grandes quantidades diariamente, simplesmente
adulterações em vinhos estaria relacionada ao
por não apresentar a qualidade aceitável para o
aumento do teor de álcool, as quais utilizam os
consumo. Dessa forma, a elaboração de bebidas
açúcares de cana ou de beterraba. A quantidade
fermentadas a partir de frutas é uma técnica
de métodos para determinação de isótopos
eficiente e de baixo custo para aproveitamento
estáveis existentes, para determinação dos
dos descartes (FAGUNDES et al., 2015). Além das
açúcares citados, demonstram essa preocupação
frutas, existem outras fontes de carboidratos para
(CHRISTOPH et al., 2015). Entretanto, atualmente
produção de etanol, com uma grande viabilidade
surgiu a demanda de determinação de outros
econômica, como as tuberosas amiláceas, por
álcoois, como os álcoois de cereais, os quais são
exemplo, a mandioca (CABELLO, 2007).
utilizados para o mesmo propósito. A Tabela 1
apresenta os métodos disponíveis para controle
Considerando a grande variedade de matérias-
de adulterações relacionados à adição de açúcares
primas, as quais podem ser utilizadas para
e de etanol em vinhos.
produção de álcool, e que teoricamente não é
possível detectar as diferenças quando álcoois
Outros estudos já demonstraram preocupação
exógenos estão misturados ao vinho utilizando as
com a determinação de álcoois de outras
técnicas convencionais de determinação, surge
matérias-primas em relação ao vinho. Perini
um fator a ser considerado, que é a composição

98 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021


Tabela 1. Métodos de razão isotópica para controle de adulterações relacionados à adição de açúcares e etanol.

Adulteração Ano Isótopo Técnica Referência

Adição de açúcar 1987 Martin (2001)


D/H SNIF-NMR
(beterraba, cana) 1990 EU Reg. 2676/90

Adição de açúcar 1997 EU Reg. 822/97


(cana) 1990
13
C/12C IRMS EU Reg. 2676/90

Etanol (D/H)I, (D/H)II, SNIF-NMR


2001 OIV-MA-AS312-06
(Chaptalização) 13
C/12C IRMS

Açúcares 2011 (D/H)I, (D/H)II, SNIF-NMR OIV-MA-AS311-05


(beterraba, cana e misturas) 2017 13
C/12C IRMS OIV-MA-AS311-09

Etanol em vinhos 2013 δ18O etanol IRMS Perini; Camin (2013)


δ18O água

Chaptalização 2019 δDn etanol EIM-IRMS Smajlovic et al. (2019)


δ18O etanol
Fonte: adaptado de Camin (2021) e Christoph et al. (2015).

e Camin (2013) investigaram o (D/H)I, (D/H)II, entre eles. Os valores das propriedades
δ13C e δ18O de diferentes frutas e cereais e ainda como densidade, ponto de fusão e ebulição e
relacionaram o δ18O da água e do etanol. No viscosidade, dos compostos com isótopos mais
estudo demonstraram que é possível diferenciar pesados são mais altos quando comparados
o vinho de outras frutas e de alguns cereais. Além aos isótopos mais leves. As diferenças são mais
desse estudo, Smajlovic et al. (2019) trabalharam significativas para compostos com massa atômica
no desenvolvimento de um novo método, inferior a 50, como por exemplo, o carbono (C),
utilizando o δ2H, δ13C e o δ18O na molécula de hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N). Além
etanol, através de um sistema de destilação disso, compostos com isótopos leves apresentam
automático de amostras. Os pesquisadores maior movimento vibracional e necessitam de
também demonstraram que é possível diferenciar menos energia para quebrar as ligações químicas
o álcool do vinho de outras matérias-primas. (TIWARI et al., 2015).

A determinação das diferenças das matérias-


primas através da molécula de etanol é um fator
importante a considerar, visto que os isótopos Isótopos de Hidrogênio (2H)
apresentam variações de acordo com suas
e Oxigênio (18O)
propriedades químicas e físicas. Sabe-se que a
estrutura eletrônica de um elemento determina
A maioria dos resultados analíticos conectam a
o seu comportamento químico, enquanto que
composição isotópica do hidrogênio e oxigênio
o núcleo é responsável pelas diferenças nas
da água da chuva que, em seu ciclo, evapora e, em
propriedades físicas. Os isótopos são átomos em
parte, é absorvida pelas plantas e escoa como água
que o núcleo contém o mesmo número de prótons,
superficial, infiltrando-se como água subterrânea.
mas diferente número de nêutrons. Podem ser
Essa água carrega informações sobre o clima local,
divididos em dois tipos: estáveis e não estáveis
as condições geográficas, a temperatura, volume
ou radioativos, havendo aproximadamente 300
de precipitação, umidade, altitude ou latitude
estáveis e 1200 radioativos descobertos até o
(COSTINEL et al., 2011).
momento (HOEFS, 2018).
O fracionamento dos isótopos de hidrogênio
As variações nas propriedades físicas e químicas
e oxigênio ocorrem durante os processos de
aumentam em função de pequenas variações
evaporação e condensação do ciclo da água

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021 99


Figura 2. Variação do δ2H e δ18O dos processos hidrológicos. Fonte: Leonardelli (2020).

(Figura 2). A água, ao passar do seu estado líquido, Conclusão


no oceano, para o estado de vapor, na atmosfera,
sofre um forte fracionamento isotópico, 1. A autenticidade e qualidade dos vinhos estão
resultando em uma diminuição do isótopo mais relacionadas com o surgimento de leis de proteção
pesado, no caso o δ2H e o δ18O (CALDERONE; e controle de qualidade.
GUILLOU, 2008).
2. Algumas matérias-primas apresentam um
A única fonte de hidrogênio na planta é a grande potencial de conversão em etanol,
água. Já o oxigênio é assimilado pela planta de apresentando viabilidade econômica para a
diversas formas, como: através do oxigênio da produção de álcool. A grande disponibilidade
atmosfera, do dióxido de carbono e da água e a matéria-prima barata, aliadas ao fato de
do solo (CALDERONE; GUILLOU, 2008). Além algumas safras produzirem vinhos com baixo
disso, Informações importantes relacionadas teor de álcool, são fatores relevantes para
aos isótopos de oxigênio e hidrogênio em vinhos justificar erroneamente a adulteração de vinhos.
estão na molécula de etanol, permitindo buscar Entretanto, é importante salientar que a adição de
as diferenças da composição isotópica do etanol álcoois exógenos não é permitida em vinhos.
proveniente de diferentes matérias-primas
(PERINI; CAMIN, 2013). 3. Os isótopos estáveis apresentam-se como uma
importante ferramenta para controle de adição de
álcoois, principalmente o isótopo de hidrogênio e
oxigênio.

100 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021


Referências

ABE. Associação Brasileira de Enologia. (2017). CAMIN, F. Stable isotope ratio analysis for
Disponível em: http://www.enologia.org.br. protecting foods with denomination. Disponível
Acesso em: 08 de dez. De 2020. em: https://fdocuments.in/document/federica-
camin.html. Acesso em: 13 jul. 2021.
BAMPA, G.; MORAITOU, D.; METALLIDOU, P.;
KOSTA-TSOLAKI, M. Metacognition in MCI: A CHRISTOPH, N.; HERMANN, A.; WACHTER,
research proposal on assessing the efficacy of a H. 25 Years authentication of wine with stable
metacognitive intervention. Hellenic Journal of isotope analysis in the European Unios - Review
Nuclear Medicine. Grécia, v.20, n.2, p.12-20, jul. and outlook. Bio Web Conference. França,
2017. v.5, n.02020, p.1-8, jan. 2015. DOI: https://doi.
org/10.1051/bioconf/20150502020
BONNEY, A. Even the sacramental cup was
not exempt from adulteration – the hazards COLMAN, T. Wine politics: how governments,
of drinking an old bottle of claret. Jan. 2020. environmentalists, mobsters, and critics influence
Disponível em: https://review.gale.com. Acesso the wines we drink. Los Angeles: University of
em: 30 mar. 2021. California Press, 2008.

MAPA. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, COSTINEL, D.; TUDORACHE, A.; IONETE, R.;


PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Anexo VREMERA, R. The impact of grape varieties to
à Norma Interna Dipov nº 01/2019. wine isotopic characterization. Analytical Letters.
Consolidação das normas de bebidas, Reino Unido, v.44, n.18, p.2856-2864, dez. 2011.
fermentado acético, vinho e derivados da uva DOI: https://doi.org/10.1080/00032719.2011.58
e do vinho. Dez. 2019. Disponível em: https:// 2546
w w w. g o v. b r /a g r i c u l t u ra /p t - b r /a s s u n t o s /
i n s p e c a o /p r o d u t o s - ve g e t a l / l e g i s l a c a o - 1 / CSAPÓ, J.; ALBERT, C. Wine adulteration and its
biblioteca-de-normas-vinhos-e-bebidas/ detection based on the rate and the concentration
AnexoNormaInternaDIPOVverso301219001. of free amino acids. Acta Agraria Debreceniensis.
pdf. Acesso em: 11 jul. 2021. Hungria, v.150, p.139-151, set. 2018. DOI: https://
doi.org/10.34101/actaagrar/150/1710.
BRINGHENTI, L. Qualidade do álcool
produzido a partir de resíduos amiláceos DANIELE, A.P. Determinação de elementos
da agroindustrialização da mandioca. 2014. essenciais em vinhos por análise por ativação
Dissertação. (Mestrado em Agronomia). com nêutrons. 2016. Dissertação. (Mestrado
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita em Tecnologia Nuclear - aplicações). Instituto de
Filho, Botucatu, 2014. Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN. São
Paulo, 2016. DOI: 10.11606/D.85.2017.tde-
CABELLO, C. Matérias-primas amiláceas para fins 16022017-111238
energéticos. In: V Workshop sobre tecnologias
em agroindústrias de tuberosas tropicais, 2007, FAGUNDES, D.; SILVEIRA, M.; SANTOS, C.;
Botucatu. Anais… Botucatu, 2007. SAUTTER, C.; PENNA, N. Fermentado alcoólico
de fruta: uma revisão. In: 5º Simpósio de Segurança
CALDERONE, G.; GUILLOU, C. Analysis of Alimentar. Resumo. p.5. Bento Gonçalves, 2015.
isotopic ratios for the detection of illegal watering
of beverages. Food Chemistry. Amsterdã, v.106, HOEFS, J. Stable Isotope Geochemistry. 8th ed.
n.4, p.1399-1405, feb. 2008. DOI: https://doi. Alemanha: Springer, 2018.
org/10.1016/j.foodchem.2007.01.080

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021 101


LACHENMEIER, D.W. Advances in the detection OIV. INTERNATIONAL ORGANISATION OF
of the adulteration of alcoholic beverages VINE AND WINE. Statistical Report on World
including unrecorded alcohol. Advances in Food Vitiviniculture, 2019. Disponível em: https://
Authenticity Testing. Amsterdã, p.565-584, ago. www.oiv.int/public/medias/6782/oiv-2019-
2016. DOI: https://doi.org/10.1016/B978-0-08- statistical-report-on-world-vitiviniculture.pdf.
100220-9.00021-7. Acesso em: 03 abr. 2021.

LEONARDELLI, S. Controle de Autenticidade OIV. INTERNATIONAL ORGANISATION


em Vinhos. In: 1° Encontro Isotópico: Análises OF VINE AND WINE. International Code of
Forenses de Alimentos e Bebidas, 2020. Rede Oenological Practices, 2020. Disponível em:
Nacional de Isótopos Forenses. Disponível em: https://www.oiv.int/public/medias/7713/en-oiv-
https://www.renifbrasil.org/. Acesso em: 10 dez. code-2021.pdf. Acesso em: 03 jan. 2021.
2020.
PERINI, M.; CAMIN, F. δ18O of ethanol in
LEONARDELLI, S. Caracterização das relações wine and spirits for authentication purposes.
isotópicas de álcoois de diferentes matérias- Journal of Food Science. Estados Unidos, v.78,
primas e sua adição em vinhos. 2020. Tese Issue 6, p.839-844, jun. 2013. DOI: https://doi.
(Doutorado em Biotecnologia). Universidade de org/10.1111/1750-3841.12143
Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2020.
PHILLIPS, R. French Wine: a history. Oakland:
LINDSEY, A. Domitian’s Vine Edict: The Story of University of California Press, 2016.
the First Wine Law. On Reserve. 2011. Disponível
em: http://www.winelawonreserve.com. Acesso SMAJLOVIC, I.; WANG, D.; QIDING, Z.; VERES,
em: 15 mar. 2021. M.; SPARKS, K. L.; SPARKS, J.P.; JAKSIC, D.;
VUKOVIC, A.; VUJADINOVIC, M. Quantitative
MAGDAS, A.; CRISTEA, G.; ROMULUS, P.; TUSA, F. analysis and detection of chaptalization and
The use of isotope ratios in commercial fruit juices watering down of wine using isotope ratio
authentication. Romanian Journal of Physics. mass spectrometry. BIO Web of Conferences.
Romênia, v.59, n.3, p.355-359, jan. 2014. França, v.15, p.1-9, out. 2019. DOI: https://doi.
org/10.1051/bioconf/20191502007.
MUNSIE, J.A. Brief History of the International
Regulation of Wine Production. Digital Access TIWARI, M.; SINGH, A.K.; SINHA, D.K.
to Scholarship at Harvard. Harvard, 2002. Stable Isotopes tools for Understanding Past
Disponível em: http://nrs.harvard.edu/urn-3:HUL. Climatic Conditions and Their Applications in
InstRepos:8944668. Acesso em: 15 mar. 2021. Chemostratigraphy. In: RAMKUMAR, M. (Ed.)
Chemostratigraphy: concepts, techniques, and
applications. p.65-92. Amsterdã: Elsevier, 2015.

102 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.94-102, 2021


Gilmar Gomes

Avaliação de compostos fenólicos em


espumantes tintos e rosés produzidos no
Rio Grande do Sul, Brasil

Deise Demori¹

Fernanda Stoffel2

Fernanda Rodrigues Spinelli1,3


1
UCS, Engenharia de Alimentos
95070-560 Caxias do Sul, RS Luciani Tatsch Piemolini-Barreto1
2
IFSC, Ciência, Tecnologia e
Processamento de Alimentos
89900-000 São Miguel do Oeste, SC
3
LAREN / SEAPDR
95084-470 Caxias do Sul, RS

Autor correspondente:
ltpbarre@ucs.br

104 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021


Resumo

setor vitivinícola brasileiro vem ganhando cada vez mais espaço no mercado
mundial. No Rio Grande do Sul, as regiões da Serra Gaúcha e Campanha destacam-
se na produção de vinhos espumantes. Estes contêm compostos bioativos, como
os compostos fenólicos que, além de contribuírem nos aspectos sensoriais dos vinhos,
possuem propriedades antioxidantes que são benéficas à saúde. Nesse sentido, o
objetivo deste trabalho foi avaliar a atividade antioxidante e a composição fenólica de
vinhos espumantes comerciais rosés e tintos das regiões da Serra Gaúcha e Campanha,
analisando as concentrações de conteúdo fenólico total, antocianinas totais, trans-
resveratrol, catequina, epicatequina, tirosol, ácido cafeico, ácido ferúlico e ácido
cumárico. Os resultados demonstram que o vinho espumante tinto produzido na região
da Campanha contém os maiores teores de antocianinas totais, catequina, ácido cumárico
e trans-resveratrol, enquanto no vinho espumante tinto produzido na Serra Gaúcha foram
observadas as maiores quantidades de epicatequina, ácido ferúlico e conteúdo fenólico
total, sendo que as duas amostras apresentaram capacidade antioxidante similar. De
maneira geral, esses compostos têm influência de diversos fatores ligados ao cultivo e à
variedade da uva, bem como das técnicas de vinificação utilizadas.

Palavras-chave: vinhos espumantes, compostos fenólicos, CLAE, capacidade antioxidante.

Abstract

Evaluation of phenolic compounds of red and rosé


sparkling wines produced in Southern Brazil

The brazilian wine industry is gaining more and more space in the worldwide market. In
Rio Grande do Sul, the Serra Gaúcha and Campanha regions stand out in the production of
sparkling wines. These wines contain bioactive compounds, such as phenolic compounds,
which in addition to contributing to the sensory aspects of wines, have antioxidant
properties that are beneficial to health. In this sense, the objective of this study was
to evaluate the antioxidant activity and phenolic composition of commercial rosé
and red sparkling wines from the Serra Gaúcha and Campanha regions, analyzing the
concentrations of total phenolic content, total anthocyanins, trans-resveratrol, catechin,
epicatechin, tyrosol, caffeic, ferulic and coumaric acids. The results show the red sparkling
wines produced in the Campanha region contains the highest levels of total anthocyanins,
catechin, coumaric acid and trans-resveratrol, while the red sparkling wines produced in
Serra Gaúcha contain the highest amounts of epicatechin, ferulic acid and total phenolic
content, and the two analyzed samples showed similar antioxidant capacity. In general,
these compounds are influenced by various factors related to grape cultivation and
variety, as well as the vinification techniques used.

Keywords: sparkling wines, phenolic compounds, HPLC, antioxidant capacity.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021 105


Introdução localização geográfica, estádio de maturação
da uva e os processos tecnológicos utilizados
Os vinhos espumantes têm sido elaborados em durante a vinificação (BARTOLOMÉ et al., 2004;
diferentes regiões brasileiras, com reconhecido LACHMAN et al., 2009; KEMP et al., 2015).
sucesso. Na região Sul destaca-se principalmente a
Serra Gaúcha (PEREIRA et al., 2020). Outra região Diversos estudos analisaram a composição
de destaque é a região da Campanha, considerada fenólica e a capacidade antioxidante de vinhos
uma região singular (DA GAMA, 2018). A região espumantes (AUGER et al., 2005; STEFENON et
da Serra Gaúcha apresenta topografia acidentada, al., 2010a, 2010b; CALIARI et al., 2014; CALIARI
com vinhedos situados em altitudes variáveis de et al., 2015; SARTOR et al., 2018). Nesses
200 a 800 m. Os solos são de origem vulcânica com estudos, os pesquisadores observaram diferenças
predominância da rocha basáltica, de pH baixo e significativas entre os vinhos espumantes
de estrutura argilo arenosa (RIZZON et al., 2008). estudados, demonstrando que a variedade da
De latitude de 29˚ S, longitude 51˚ L, apresenta uva, o método pelo qual o vinho espumante é
clima temperado do tipo subtropical, mesotérmico elaborado (CALIARI et al., 2014; CALIARI et al.,
úmido, com verões amenos e úmidos (TONIETTO; 2015) e a concentração de açúcar (STEFENON et
MANDELLI, 2003). A região da Campanha Gaúcha al., 2010b) interferem na quantidade de conteúdo
está localizada a Oeste/Sudoeste do Estado do fenólico total e capacidade antioxidante presente
Rio Grande do Sul, no chamado Paralelo 31˚ Sul, no produto final. Porém, não se encontram estudos
e caracteriza-se pelos dias longos, com grande voltados a analisar vinhos de diferentes regiões do
período de luminosidade e grande variação de Rio Grande do Sul.
temperatura (SARMENTO, 2017; IBRAVIN,
2018). Além de um solo rico em granito e calcário, Percebe-se, inclusive, que as pesquisas realizadas
sua topografia apresenta coxilhas com elevações até o momento estão voltadas, principalmente,
entre 100 e 200 m (GUERRA et al., 2005; para os vinhos espumantes brancos. Observa-
IBRAVIN, 2018). As diferentes características se, assim, a deficiência de estudos voltados
dessas regiões influenciam na quantidade e aos vinhos espumantes rosés e tintos, logo, a
qualidade dos produtos produzidos (TONIETTO; identificação e a quantificação desses compostos
MANDELLI, 2003). são de grande importância para a associação com
a sua capacidade antioxidante. Nesse contexto,
Os vinhos espumantes são resultantes da este estudo tem o objetivo de avaliar a capacidade
segunda fermentação do vinho base, a fim de antioxidante e o conteúdo fenólico total, além de
produzir naturalmente dióxido de carbono, pelos analisar as concentrações de trans-resveratrol,
métodos Charmat (em grandes recipientes) ou catequina, epicatequina, tirosol, ácido cafeico,
Champenoise (na garrafa), ou, ainda, o método ácido ferúlico e ácido cumárico, de vinhos
Asti, uma versão modificada do processo Charmat, espumantes comerciais rosés e tintos das regiões
porém neste não há um vinho base (GUERRA et da Serra Gaúcha e Campanha.
al., 2005; BRUCH, 2012). Os vinhos espumantes
podem ser classificados de acordo com seu teor
de açúcar e, ainda, conforme sua coloração em Material e Métodos
brancos, rosés e tintos, determinada pela ausência
ou presença da casca da uva em contato com o As amostras utilizadas para as análises foram:
líquido durante a fermentação (GUERRA et al., dezenove vinhos espumantes rosés e tintos,
2005; JACKSON, 2008; BRASIL, 2014). sendo quatorze elaborados por vinícolas da região
da Serra Gaúcha, os quais seis produzidos pelo
Os vinhos apresentam-se como uma importante método Charmat, cinco pelo Champenoise e três
fonte de compostos fenólicos e capacidade moscatéis, e cinco produzidos por vinícolas da
antioxidante (ABE et al., 2007; STEFENON et região da Campanha, sendo um produzido pelo
al., 2010a; LINGUA et al., 2016). Alguns estudos método Charmat, três pelo Champenoise e um
evidenciaram que diversos fatores influenciam moscatel.
qualitativa e quantitativamente na composição
fenólica dos vinhos, incluindo fatores climáticos, As amostras de vinhos espumantes rosés foram

106 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021


diluídas 10 vezes com água ultrapura obtida em dos vinhos espumantes rosés e tintos foi realizada
sistema Milli-Q (Millipore, EUA), e as amostras em equipamento CLAE (Agilent Technologies,
de vinhos espumantes tintos foram diluídas 100 modelo 1100, EUA), coluna Zorbax SB C18 (250
vezes, para posterior análise de conteúdo fenólico mm x 4,6 mm; 5 m) e pré-coluna Zorbax 300
total e antocianinas totais. SB C18 (12 mm x 4,6 mm; 5 m) equipado com
detectores de arranjo de diodos (DAD) e detector
Determinação do conteúdo de fluorescência (FLD). Os comprimentos de onda
fenólico total utilizados foram de 204, 280 e 320 nm para DAD,
Para a determinação do conteúdo fenólico total, e 320 nm para DAD e excitação 280 nm. A análise
em 0,3 mL da amostra, foram adicionados 1,5 em fase reversa foi constituída de: solvente A
mL de Folin-Ciocalteau a 10 % (v/v) e 1,2 mL - solução 50 mMol.L-1 de diidrogenofosfato de
de Na2CO3 a 7,5% (m/v). O tubo foi agitado em amônio (NH4H2PO4), solvente B - 20% solvente A
Vórtex e deixado em repouso por 30 min. Após e 80% de acetonitrila, e solvente C - solução 0,2
o tempo de repouso, o complexo azul formado mol.L-1 de ácido ortofosfórico (H3PO4). O fluxo
foi quantificado em espectrofotômetro (Thermo padrão do sistema de bombeamento foi mantido
Scientific™, modelo Genesys 10 UV-VIS Scanning, a 1 mL.min-1. A quantificação do conteúdo fenólico
EUA), com comprimento de onda de 765 nm total foi realizada por comparação com padrões
(SINGLETON; ROSSI, 1965). A concentração externos, da marca Sigma Aldrich (EUA), através da
de conteúdo fenólico total foi estimada correlação da área (mAU*s) do pico do composto à
correlacionando-se a absorbância das amostras a curva padrão realizada com cada padrão avaliado
uma curva padrão realizada com ácido gálico, onde (trans-resveratrol, (+)-catequina, (-)-epicatequina,
o resultado foi expresso em mg de equivalentes tirosol, ácido cafeico, ácido ferúlico e ácido
de ácido gálico.L-1 (mg EAG.L-1). cumárico). As curvas analíticas elaboradas
apresentaram coeficiente de determinação (R2)
Determinação de antocianinas totais de 0,99685, 0,99975, 0,99982, 0,99972, 0,99999,
A determinação das antocianinas totais dos 0,99988 e 0,99945, respectivamente. A análise foi
espumantes rosés e tintos foi realizada utilizando realizada em duplicata e o resultado expresso em
o método descrito por Lees; Francis (1972) com mg.L-1.
algumas modificações. A leitura da absorbância
das amostras foi realizada em espectrofotômetro Determinação da capacidade
(Thermo Scientific™, modelo Genesys 10 UV-VIS antioxidante
Scanning, EUA), no comprimento de onda de 535 Para a determinação da capacidade antioxidante foi
nm e Ɛ1% = 98,2. A concentração de antocianinas realizada a análise de determinação da capacidade
foi calculada utilizando a Equação 1. de redução do radical ABTS•+ [2,2-azinobis
(3-etilbenzotiazolina-6-ácido sulfônico)]. O
(Equação 1)
método ABTS•+ foi utilizado de acordo com Re et
al. (1999) com algumas modificações. O ABTS•+ foi
dissolvido em água destilada a uma concentração
Onde A é a absorbância das amostras, FD é o final de 7 mM, e adicionados 88 µL de solução de
fator de diluição utilizado e Ɛ1% é o coeficiente de persulfato de potássio a 140 mmol/L. A mistura foi
extinção molar da cianidina (98,2). O experimento deixada em repouso, durante 16 horas no escuro,
foi realizado em triplicata. antes da utilização. Para cada amostra, a solução
ABTS•+ foi diluída com etanol até uma absorbância
Determinação de compostos fenólicos por de 0,70 ± 0,05 a 734 nm, em espectrofotômetro
Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE) (Thermo Scientific™, modelo Genesys 10 UV-VIS
A determinação dos compostos fenólicos dos Scanning, EUA). Em seguida, 30 µL de amostra
espumantes rosés e tintos foi realizada utilizando foram misturadas com 3,0 mL de solução de
o método descrito por Gómez-Alonson et ABTS•+. A absorbância foi medida a 734 nm após
al. (2007). Uma alíquota de 1,5 mL de vinho 6 minutos de incubação à temperatura ambiente
espumante foi filtrada com membrana de éster (± 25 ˚C). Os resultados foram expressos em µmol
de celulose com poro de 0,45 µm e injetada no de Trolox equivalente/mL, utilizando uma curva
CLAE. A determinação de compostos fenólicos padrão de Trolox (0 a 3 µmol/L).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021 107


Os resultados das análises foram submetidos à amostra 15BR; em todos os vinhos espumantes
análise de variância (ANOVA) e teste de médias de analisados, o principal componente fenólico foi o
Tukey com nível de significância estabelecido em tirosol.
5% através do programa GraphPad Prism 2.01.
Os valores mais elevados de conteúdo fenólico
total foram observados nos vinhos espumantes
tintos. Esses resultados podem ser explicados
Resultados e Discussão devido ao fato de que a maior parte dos compostos
fenólicos da uva vem da casca e das sementes,
Foram observadas diferenças significativas no e esses são transferidos da uva para o vinho
perfil fenólico dos vinhos espumantes rosés durante as operações de vinificação (trituração,
e tintos analisados (Tabela 1). Ao analisar os maceração e fermentação) (ABE et al., 2007;
resultados (Tabela 1), foi possível observar LINGUA et al., 2016). O conteúdo fenólico total no
algumas diferenças específicas: a amostra 3BT vinho espumante tinto produzido na Campanha
contém os maiores teores de antocianinas, e dos (643,14 mg EAG.L-1) e na Serra Gaúcha (799,47
compostos fenólicos catequina, ácido cumárico mg EAG.L-1) podem ter associação com a região
e trans-resveratrol; maiores quantidades de de produção. Contudo, a safra e a variedade da
epicatequina, ácido ferúlico e conteúdo fenólico uva são variáveis que interferem na composição
total foram observadas na amostra 10EBT; teores fenólica, uma vez que o vinho espumante tinto
mais elevados de tirosol foram verificados na da Campanha (safra 2015) foi elaborado com

Tabela 1. Composição química de espumantes brasileiros produzidos em diferentes regiões.

Vinhos CFT ANT Catequina Epicatequina Ácido cafeico


Espumantes (mg EAG.L-1)* (mg.L-1) (mg.L-1) (mg.L-1) (mg.L-1)

1BR
Champenoise

1BR 387,97 ± 13,16 cd 0,78 ± 0,12 i 1,17 ± 0,00 ij 0,81 ± 0,01 h 5,17 ± 0,01 c
Campanha Gaúcha

2BR
2BR 264,75 ± 17,47 fg 0,54 ± 0,06 j 0,87 ± 0,02 j 1,14 ± 0,00 ef 1,74 ± 0,30 ghi

3BT
3BT 643,14 ± 36,49 b 16,29 ± 0,00 a 8,64 ± 0,23 a 2,41 ± 0,10 b 2,11 ± 0,02 fg
Charmat

4BR 277,17 ± 18,00 f 0,81 ± 0,18 i 2,85 ± 0,21 f 1,96 ± 0,01 c 1,22 ± 0,00 ij

5MR 307,51 ± 4,84 ef 2,85 ± 0,00 d 1,56 ± 0,00 hi 0,96 ± 0,05 fgh 1,60 ± 0,05 ghi

6BR 211,88 ± 9,69 g 1,05 ± 0,12 h 4,91 ± 0,52 c 0,88 ± 0,03 gh 2,91 ± 0,12 e

7BR 351,19 ± 17,24 de 1,39 ± 0,06 g 2,13 ± 0,15 gh 0,96 ± 0,03 fgh 1,86 ± 0,04 gh
Champenoise

8NR 386,59 ± 17,23 cd 1,63 ± 0,00 f 1,05 ± 0,01 ij 0,48 ± 0,01 i 3,74 ± 0,20 d

9NR 396,25 ± 33,70 cd 1,63 ± 0,00 f 1,34 ± 0,01 ij 1,14 ± 0,06 ef 4,83 ± 0,01 c

10EBT 799,47 ± 31,85 a 11,20 ± 0,00 b 5,64 ± 0,06 b 3,32 ± 0,03 a 3,72 ± 0,11 d

11BR 425,67 ± 13,89 c 1,32 ± 0,00 g 2,63 ± 0,09 fg 1,48 ± 0,04 d 3,01 ± 0,11e
Serra Gaúcha

12BR 422,92 ± 3,47 c 4,82 ± 0,06 c 2,58 ± 0,09 fg 2,34 ± 0,04 b 2,69 ± 0,01 ef

13BR 272,57 ± 11,73 f 1,66 ± 0,06 f 2,02 ± 0,11 h 1,36 ± 0,01 de 0,73 ± 0,01 j

14BR 223,37 ± 13,89 g 0,51 ± 0,00 j 0,65 ± 0,04 j 0,47 ± 0,01 i 0,65 ± 0,01 j
Charmat

15BR 402,69 ± 12,44 cd 0,48 ± 0,12 j 3,66 ± 0,01 de 1,74 ± 0,18 c 1,43 ± 0,02 hi

16BR 253,72 ± 5,75 fg 0,71 ± 0,00 i 0,88 ± 0,02 j 1,08 ± 0,01 fg 0,96 ± 0,00 j

17MR 386,13± 7,08 cd 1,39 ± 0,06 g 5,74 ± 0,04 b 1,88 ± 0,10 c 6,73 ± 0,05 b

18MR 311,19 ± 6,22 ef 2,14 ± 0,00 e 4,14 ± 0,04 d 1,33 ± 0,00 de 8,52 ± 0,54 a

19MR 324,53 ± 21,54 ef 0,61 ± 0,00 ij 3,53 ± 0,01 e 0,74 ± 0,00 h 3,09 ± 0,02 e
BR: Brut Rosé; BT: Brut Tinto; MR: Moscatel Rosé; NR: Nature Rosé; EBT: Extra-brut Tinto; CFT: Conteúdo fenólico total (*miligramas de equivalentes de ácido gálico.L-1); ANT:
Antocianinas; CA: Capacidade Antioxidante (**TE: Trolox equivalente). Os resultados estão expressos na forma de média ± desvio padrão. Letras iguais na análise (coluna)
indicam que não há diferença significativa a 5% (p<0,05) no parâmetro avaliado.

108 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021


100% de uvas Merlot e o da Serra Gaúcha (safra assim como a localização do vinhedo, o sistema
2014) utilizou 50% de uvas Sangiovese e 50% de de cultivo, o clima e o tipo de solo, as práticas
uvas Pinot Noir. Auger et al. (2005) encontraram de cultivo da videira, o tempo de colheita, o
um teor de 570 mgEAG.L-1 de conteúdo fenólico processo de produção e o envelhecimento do
total em vinho espumante tinto elaborado com vinho, variáveis relacionadas à região produtora.
uvas Pinot Noir e Chardonnay, corroborando Verificou-se que nos vinhos espumantes
para a afirmação de que as variedades de uvas moscatéis os teores de conteúdo fenólico total
influenciam nos compostos fenólicos. Kemp et al. foram similares, independente da região de
(2015) já relataram diferenças na concentração produção, corroborando com o fato de que a
fenólica de diversas variedades de uvas utilizadas variedade de uva e o método de processamento
na elaboração de vinho espumante. interferem nos teores desses compostos, visto
que esses são produzidos a partir do mosto de uva
Os vinhos espumantes rosés variaram de 211,88 moscatel (BRASIL, 2004). Em estudo realizado
a 425,67 mg.L-1, para os elaborados na região da com vinhos espumantes brancos, Caliari et al.
Serra Gaúcha, e 264,75 a 387,97 mg.L-1, para a (2015) verificaram teores de conteúdo fenólico
região da Campanha. Bartolomé et al. (2004) e total variando de 88,03 a 95,71 mg EAG.L-1 e
Lachman et al. (2009) em estudos realizados em atribuíram esses valores à variedade de uva
cascas de uvas, uvas e vinhos também verificaram utilizada na elaboração do vinho espumante, que,
que a variedade da uva influencia o conteúdo de segundo eles, teve uma influência maior do que o
compostos fenólicos e da capacidade antioxidante, método de produção.

Ácido cumárico Ácido ferúlico Tirosol Trans-resveratrol CA


(mg.L-1) (mg.L-1) (mg.L-1) (mg.L-1) (µmol TE/mL)**

1,44 ± 0,00 c 0,45 ± 0,01 a 17,66 ± 0,42 i 0,37 ± 0,00 e 431,8 ± 6,3 e

0,26 ± 0,02 hi 0,43 ± 0,06 a 4,39 ± 0,13 k 0,36 ± 0,01 e 196,6 ± 17,9 i

4,47 ± 0,01 a 0,29 ± 0,01 b 93,84 ± 0,69 b 1,24 ± 0,01 a 6404,1 ± 41,2 b

0,44 ± 0,02 fgh 0,13 ± 0,01 f 51,24 ± 0,01 f 0,37 ± 0,01 e 219,5 ± 17,6 i

0,50 ± 0,06 f 0,16 ± 0,01 ef 65,19 ± 1,00 e 0,37 ± 0,00 e 357,1 ± 15,2 f

0,50 ± 0,12 f 0,31 ± 0,01 b 67,34 ± 3,86 e 0,41 ± 0,00 d 308,6 ± 51,7 g

0,90 ± 0,01 e 0,20 ± 0,01 de 71,19 ± 1,24 de 0,39 ± 0,01 de 273,0 ± 12,5 h

1,50 ± 0,01 c 0,23 ± 0,01 cd 22,26 ± 0,96 hi 0,41 ± 0,01 cd 276,3 ± 12,2 h

1,90 ± 0,01 b 0,25 ± 0,01 c 7,95 ± 0,13 k 0,44 ± 0,01 c 303,6 ± 1,0 g

2,01 ± 0,02 b 0,44 ± 0,04 a 8,86 ± 0,03 jk 0,60 ± 0,01 b 6891,3 ± 17,5 a

0,48 ± 0,03 fg 0,18 ± 0,01 de 67,96 ± 3,96 e 0,37 ± 0,00 e 367,8 ± 65,5 f

1,10 ± 0,04 d 0,15 ± 0,01 ef 86,17 ± 1,15 bc 0,44 ± 0,00 c 422,3 ± 16,2 e

0,27 ± 0,03 hi 0,16 ± 0,02 ef 32,71 ± 0,65 g 0,40 ± 0,00 de 327,1 ± 35,7 g

0,50 ± 0,05 f 0,13 ± 0,01 f 16,89 ± 1,74 ij 0,37 ± 0,01 e 134,4 ± 7,03 j

0,81 ± 0,05 e 0,22 ± 0,01 cd 108,26 ± 1,40 a 0,36 ± 0,00 e 640,4 ± 12,0 c

0,32 ± 0,01 gh 0,22 ± 0,01 cd 19,82 ± 0,29 hi 0,37 ± 0,00 e 395,1 ± 46,0 ef

0,12 ± 0,00 i 0,16 ± 0,01 ef 79,24 ± 6,22 cd 0,38 ± 0,01 e 585,5 ± 23,8 d

0,58 ± 0,05 f 0,20 ± 0,00 de 48,26 ± 1,49 f 0,36 ± 0,01 e 362,8 ± 6,2 f

0,53 ± 0,06 f 0,31 ± 0,03 b 27,76 ± 0,11 gh 0,37 ± 0,00 e 294,2 ± 3,5 gh

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021 109


Dos compostos fenólicos presentes nos vinhos, ser explicadas, pois as etapas de processamento
da classe dos flavonoides, pode-se destacar os dos vinhos não são padronizadas, variando entre
flavanóis catequina e epicatequina, as antocianinas as vinícolas de cada região, de forma que produtos
e as proantocianidinas, sendo esses os principais que passaram por maiores períodos de maceração
responsáveis pela cor dos vinhos (CABRITA et resultam em teores mais elevados de antocianinas,
al., 2003). Com relação às análises de catequina e visto que essas são extraídas da casca. Sartor et al.
epicatequina, as amostras que obtiveram maiores (2018), ao analisarem os teores de antocianinas em
teores desses compostos foram a 3BT e a 10EBT, vinhos espumantes rosés, verificaram que a etapa
respectivamente, sendo as duas amostras de de vinificação na qual se adicionam os agentes
vinhos espumantes tintos. Esse resultado pode enológicos, a utilização de diferentes insumos
ser explicado devido ao fato de que a catequina enológicos, bem como o período de contato com as
é o flavan-3-ol mais representativo nas películas borras de levedura e o armazenamento comercial
das uvas, enquanto o composto epicatequina influenciam na concentração de antocianinas dos
ocorre em menores quantidades (HASLAM, vinhos espumantes.
1980). Além da casca, a catequina e a epicatequina
estão presentes nas demais partes sólidas dos Com relação aos compostos fenólicos da classe
cachos das uvas, como o pedúnculo e as sementes dos não flavonoides, ressaltam-se os ácidos
(RIBERÉAU-GAYON et al., 2006), e seus teores se fenólicos, como os ácidos benzóico, cinâmico e
alteram durante o período de amadurecimento da seus derivados, incluindo o ácido ferúlico, o ácido
uva (JACKSON, 2008). Kemp et al. (2015) afirmam cumárico e o ácido cafeico, e outros derivados
que os compostos fenólicos presentes na casca e fenólicos como o trans-resveratrol, da classe dos
sementes de uva podem ser resultado de fatores estilbenos (CABRITA et al., 2003).
ambientais, safra, luz, temperatura, manejo do
dossel e disponibilidade de água, variáveis que são O ácido cafeico apresentou maior concentração
dependentes da região onde a uva é cultivada. A entre os três ácidos estudados e seus níveis
maior concentração de catequina neste estudo variaram entre 0,65 mg.L-1 (14BR) a 8,52 mg.L-1
(8,64 mg.L-1) vai de encontro com o verificado por (18MR). No vacúolo das células, na polpa da uva
Auger et al. (2005) em estudo realizado com vinho e, consequentemente, no vinho, estão presentes
espumante tinto, no qual encontraram um teor de os ácidos ferúlico, cafeico e cumárico, geralmente
7,31 mg.L-1. na forma de ésteres do ácido tartárico (CABRITA
et al., 2003; RIBERÉAU-GAYON et al., 2006).
Da mesma forma que os demais compostos Auger et al. (2005) encontraram 7,89 mg.L-1 de
flavonoides, as maiores concentrações de ácido cafeico e 3,09 mg.L-1 de ácido cumárico
antocianinas foram observadas nas amostras de em vinho espumante tinto, resultados esses que
vinho espumante tinto, justamente devido ao fato vão de encontro com o observado no presente
de que esses são, segundo Cabrita et al. (2003), os estudo. Segundo Cabrita et al. (2003), o ácido
compostos mais importantes no que se refere à cafeiltartárico é o mais abundante na polpa das
cor dos vinhos e das uvas. Nesse caso, na amostra uvas, sendo o feruriltartárico o que se encontra
da região da Campanha (3BT) foi verificado um em menor quantidade.
resultado mais elevado (16,29 mg.L-1). A diferença
entre os dois vinhos espumantes tintos pode O trans-resveratrol está presente principalmente
ocorrer em razão de que, durante o processo de na casca das uvas e nas sementes, de forma
vinificação e envelhecimento, as antocianinas que o tempo de maceração durante o processo
podem reagir com outros compostos fenólicos de fermentação do mosto constitui um fator
para produzir pigmentos mais estáveis, associados determinante na sua extração (ABE et al., 2007).
a importantes mudanças nas características Esse fato vai ao encontro com o observado nas
de cor, principalmente ligados ao processo de análises dos vinhos espumantes desse estudo,
acastanhamento (FULCRAND et al., 2006). onde os maiores conteúdos de trans-resveratrol
foram observados no vinho espumante tinto
Os resultados nas análises de antocianinas produzido na Campanha (1,24 mg.L-1) e no
variaram de 0,48 a 4,82 mg.L-1 nos vinhos produzido na Serra Gaúcha (0,60 mg.L-1), seguidos
espumantes rosés, diferenças essas que podem pelos vinhos espumantes rosés com variação de

110 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021


0,36 a 0,44 mg.L-1. Em estudo realizado por Caliari qual verificou-se a maior concentração de tirosol,
et al. (2014), o conteúdo de trans-resveratrol em demonstrando, assim, que os compostos fenólicos
vinhos espumantes brancos elaborados com uvas estão relacionados com a capacidade antioxidante
clássicas não ultrapassou 0,14 mg.L-1. Stefenon et dos vinhos espumantes. Outros autores também
al. (2010b) concluíram que o conteúdo de trans- afirmam que os compostos fenólicos conferem
resveratrol está inversamente correlacionado capacidade antioxidante (ABE et al., 2007;
com a concentração de açúcar, fato esse que SARTOR et al., 2018). Da mesma forma, estudos
não foi verificado no presente estudo, pois na vêm atribuindo capacidade antioxidante ao tirosol
amostra 10EBT verificou-se menor teor de trans- (DUDLEY et al., 2008; SARTOR et al., 2018). Ao
resveratrol do que na 3BT. analisarem vinhos espumantes rosés, Sartor et
al. (2018) verificaram que todos os fitoquímicos
Ao contrário dos demais compostos fenólicos presentes estão envolvidos com a capacidade
analisados nesse estudo, o tirosol não é antioxidante e podem contribuir para o potencial
encontrado nas uvas, mas sim produzido durante bioativo dos espumantes. Stefenon et al. (2010a),
a fermentação do vinho como metabólito estudaram a capacidade antioxidante de dezenove
secundário da tirosina (BORONAT et al., 2018). vinhos espumantes pelo método do DPPHl
Devido a isso, pode ser encontrado tanto em (1,1-diphenyl-2-picrylhydrazyl) e encontraram
vinhos brancos como em tintos (RIBERÉAU- variações de 34,8 a 100,00%.
GAYON et al., 2006). Segundo Jackson (2008), a
concentração média de tirosol nos vinhos é de 25
mg.L-1, porém pode ser mais significativo nos vinhos
espumantes, nos quais sua concentração aumenta Conclusão
durante a segunda fermentação, conforme foi
evidenciado no presente estudo, onde 68% dos 1. O vinho espumante tinto produzido na
vinhos espumantes ficaram acima dessa média. A região da Campanha contém os maiores teores
concentração de tirosol nos vinhos espumantes de antocianinas, catequina, ácido cumárico
analisados no presente estudo variou de 4,39 a e trans-resveratrol, enquanto que no vinho
108,26 mg.L-1, o que pode ser explicado, pois a espumante tinto produzido na Serra Gaúcha
concentração inicial de açúcar e tirosina no mosto foram observadas as maiores quantidades de
e a espécie de levedura utilizada na fermentação epicatequina, ácido ferúlico e conteúdo fenólico
influencia na sua concentração no vinho. Caliari et total, e as duas amostras contêm capacidade
al. (2014) elaboraram vinhos espumantes brancos antioxidante similar.
com diferentes variedades de uvas, mas com as
mesmas condições de vinificação e encontraram 2. Os vinhos espumantes tintos, independente da
valores de tirosol que variaram de 18,6 a 48,0 região onde foram elaborados, contêm maiores
mg.L-1. Sartor et al. (2018) analisaram o teor de teores de compostos benéficos à saúde, quando
tirosol em vinhos espumantes rosés e verificaram comparados aos vinhos espumantes rosés.
valores mais elevados do que o encontrado em
outros estudos e relacionaram esse aumento à
adição de agentes enológicos.
Agradecimentos
Foi possível verificar (Tabela 1) que a capacidade
antioxidante foi maior nas duas amostras de Ao LAREN/SEAPDR pela realização de parte das
vinhos espumantes tintos (3BT e 10BT), nas quais análises para que fosse possível a realização deste
também foram observadas as maiores quantidades trabalho.
de compostos fenólicos, e na amostra 15BR, na

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021 111


Referências
ABE, L.T.; DA MOTA, R.V.; LAJOLO, F.M.; CALIARI, V.; BURIN, V.M.; ROSIER, J.P.;
GENOVESE, M.I. Compostos fenólicos e BORDGNON-LUIZ M.T. Aromatic profile of
capacidade antioxidante de cultivares de uvas Brazilian sparkling wines produced with classical
Vitis labrusca L. e Vitis vinifera L. Ciência e and innovative grape varieties. Food Research
Tecnologia de Alimentos, v.27, n.2, p.394-400, International, v.62, p.965-973, ago. 2014. DOI:
jun. 2007. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101- https://doi.org/10.1016/j.foodres.2014.05.013
20612007000200032
CALIARI, V.; PANCERI, C.P.; ROSIER, J.P.;
AUGER, C.; ROUANET, J.M.; VANDERLINDE, BORDIGNON-LUIZ, M.T. Effect of the Traditional,
R.; BORNET, A.; DÉCORDÉ, K.; LEQUEUX, N.; Charmat and Asti method production on the
CRISTOL, J.P.; TEISSEDRE, P.L. Polyphenols- volatile composition of Moscato Giallo sparkling
enriched chardonnay white wine and sparkling wines. LWT - Food Science and Technology.
pinot noir red wine identically prevent early Suíça, v.61, p.393-400, mai. 2015. DOI: https://doi.
atherosclerosis in hamsters. Journal of org/10.1016/j.lwt.2014.11.039
Agricultural and Food Chemistry. Estados Unidos,
v.53, n.25, p.9823-9829, nov. 2005. DOI: https:// DA GAMA, F.C. A nova geografia da produção
doi.org/10.1021/jf050988m vitivinícola do Brasil: concentração e
desconcentração espacial. Revista Brasileira de
BARTOLOMÉ, B.; NUÑEZ V.; MONAGAS M.; Viticultura e Enologia. Bento Gonçalves, v.10,
GÓMEZ-CORDOVÉS, C. In vitro antioxidant p.156-165, set. 2018.
activity of red grape skins. European Food
Research and Technology, v.218, n.2, p.173-177, DUDLEY, J.I.; LEKLI, I.; MUKHERJEE, S.; DAS,
jan. 2004. DOI: https://doi.org/10.1007/s00217- M.; BERTELLI, A.A.; DAS, D.K. Does white wine
003-0833-x qualify for French paradox? Comparison of the
cardioprotective effects of red and white wines
BORONAT, A.; MARTÍNEZ-HUÉLAMO, M.; and their constituents: trans-resveratrol, tyrosol,
COBOS, A.; DE LA TORRE, R. Wine and olive and hydroxytyrosol. Journal of Agricultural and
oil phenolic compounds interaction in humans. Food Chemistry. Estados Unidos, v.56, p.9362-
Diseases, v.6, n.3, p.76-88, set. 2018. DOI: https:// 9373, 2008. DOI: https://doi.org/10.1021/
doi.org/10.3390/diseases6030076 jf801791d

BRASIL. Ministério da Agricultura. Lei nº 10.970, FULCRAND, H.; DUEÑAS, M.; SALAS, E.;
de 12 de novembro de 2004. Altera dispositivos da CHEYNIER, V. Phenolic reactions during
Lei nº 7.678, de 8 de novembro de 1988, que dispõe winemaking and aging. American Journal of
sobre a produção, circulação e comercialização do Enology and Viticulture. Estados Unidos, v.57,
vinho e derivados da uva e do vinho. Diário Oficial n.3, p.289-297, jan. 2006. DOI: https://hal.inrae.
da União. Brasília. 2004. fr/hal-02666048

BRASIL. Ministério da Agricultura. Decreto GÓMEZ-ALONSO N.; GARCIA-ROMERO, E.;


n°. 8198. Regulamenta a Lei nº 7.678, de 8 de HERMOSIN-GUTIERREZ, I. HPLC analysis of
novembro de 1988, que dispõe sobre a produção, diverse grape and wine phenolics using direct
circulação e comercialização do vinho e derivados injection and multidetection by DAD and
da uva e do vinho. Diário Oficial da União. Brasília. fluorescence. Journal of Food Composition
2014. and Analysis. Amsterdã, v.20, n.7, p.618-626,
nov. 2007. DOI: https://doi.org/10.1016/j.
BRUCH, K.L. Nem tudo que borbulha é jfca.2007.03.002
ESPUMANTE. 2 ed. Bento Gonçalves: IBRAVIN,
2012. GUERRA, C.C.; MANDELLI F.; TONIETTO, J.;
ZANUS, M.C.; CAMARGO, U.A. Conhecendo o
CABRITA, M.J.; RICARDO DA SILVA, J.; essencial sobre uvas e vinhos. Bento Gonçalves:
LAUREANO, O. Os compostos polifenólicos das Embrapa Uva e Vinho, 2005.
uvas e dos vinhos. In: I Seminário Internacional de
Vitivinicultura. Anais.... México: INIFAP, 2003.

112 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021


HASLAM, E. In vino veritas: Oligomeric procyanidins RIBÉREAU-GAYON P.; GLORIES Y.; MAUJEAN
and the ageing of red wines. Phytochemistry. A.; DUBOURDIEU D. Handbook of Enology, The
Amsterdã, v.19, n.12, p.2577-2582, 1980. DOI: Chemistry of Wine: Stabilization and Treatments.
https://doi.org/10.1016/S0031-9422 (00)83922- 2nd ed. Estados Unidos: John Wiley & Sons, 2006.
9
RIZZON, L.A.; SALVADOR, M.B.G.; MIELE, A.
INSTITUTO BRASILEIRO DO VINHO. Qualidade Teores de cátions dos vinhos da Serra Gaúcha.
marca a safra de uva 2018 no Rio Grande do Sul. Ciência e Tecnologia de Alimentos. São Paulo,
Bento Gonçalves: IBRAVIN, 2018. Disponível em: v.28, v.3, p.635-641, set. 2008.
https://www.agroplanning.com.br/2018/06/26/
qualidade-marca-a-safra-de-uva-2018-no-rio- SARMENTO, M.B. Diagnóstico da cadeia
grande-do-sul/. Acesso em: 18 mar. 2021. da vitivinicultura na campanha gaúcha:
potencialidades para o desenvolvimento regional.
JACKSON, R.S. Wine Science: principles and Bagé: Ediurcamp. 2017.
applications. 3nd ed. USA: Elsevier, 2008.
SARTOR, S.; BURIN, V.M.; PANCERI, C.P.; DOS
KEMP, B.; ALEXANDRE, H.; ROBILLARD, B.; PASSOS, R.R.; CALIARI, V.; BORDIGNON-
MARCHAL, R. Effect of production phase on LUIZ, M.T. Rosé sparkling wines: influence of
bottle-fermented sparkling wine quality. Journal winemaking practices on the phytochemical
of Agricultural and Food Chemistry. Estados polyphenol during aging on lees and commercial
Unidos, v.63, n.1, p.19-38, dez. 2015. DOI: https:// storage. Journal of Food Science. Estados Unidos,
doi.org/10.1021/jf504268u v.83, n.11, p.2790-2801, out. 2018. DOI: https://
doi.org/10.1111/1750-3841.14379
LACHMAN, J.; SULC, M.; FAITOVÁ, K.; PIVEC, V.
Major factors influencing antioxidant contents SINGLETON, V.L.; ROSSI, J.A. Colorimetry
and antioxidant activity in grapes and wines. of Total Phenolics with Phosphomolybdic-
International Journal of Wine Research. Nova Phosphotungstic Acid Reagents. American
Zelândia, v.2009, n.1, p.101-121, mar. 2009. DOI: Journal of Enology and Viticulture. Estados
https://doi.org/10.2147/IJWR.S4600 Unidos, v.16, n.3, p.144-158, jan. 1965.

LEES, D.H.; FRANCIS, F.J. Standardization of STEFENON, C.A.; COLOMBO, M.; BONESI, C.
Pigment Analysis in Cranberries. HortScience, DE M.; MARZAROTTO, V.; VANDERLINDE R.;
v.7, n.1, p.83-84, 1972. SALVADOR, M.; HENRIQUES, J.A.P. Antioxidant
activity of sparkling wines produced by
LINGUA, M.S.; FABANI, M.P.; WUNDERLIN, Champenoise and Charmat methods. Food
D.A.; BARONI, M.V. From grape to wine: changes Chemistry. Amsterdã, v.119, n.1, p.12-18,
in phenolic composition and its influence on mar. 2010a. DOI: https://doi.org/10.1016/j.
antioxidant activity. Food Chemistry. Amsterdã, foodchem.2009.01.022
v.208, n.1, p.228-238, out. 2016. DOI: 10.1016/j.
foodchem.2016.04.009 STEFENON, C.A.; BONESI, C. DE M.;
MARZAROTTO, V.; BARNABÉ, D.; AGOSTINI,
PEREIRA, G.E.; ZANUS, M.C.; DE MELLO, F.; PERIN, J.; SERAFINI, L.A.; VANDERLINDE, R.
L.M.R.; LIMA, M.S.; PEREGRINO, I. Panorama Sugar levels in Charmat sparkling wines can affect
da produção e mercado nacional de vinhos the quality and trans-resveratrol levels. Redox
espumantes. Informe Agropecuário. Produção Report. Reino Unido, v.15, n.6, p.243-249, jan.
de Vinhos Espumantes na Serra da Mantiqueira. 2010b. DOI: 10.1179/135100010x1282644692
Belo Horizonte, v.41, n.310, p.7-18, jan. 2020. 1626

RE, R.; PELLEGRINI, N.; PROTEGGENTE, A.; TONIETTO, J.; MANDELLI, F. Uvas Viníferas
PANNALA, A.; YANG, M.; RICE-EVANS, C. para processamento em regiões de clima
Antioxidant activity applying an improved ABTS temperado. EMBRAPA Uva e Vinho, 2003.
radical cation decolorization assay. Free Radical Disponível em: https://sistemasdeproducao.
Biology and Medicine. Amsterdã, v.26, Issues cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Uva/
9-10, p.1231-1237, mai. 1999. DOI: https://doi. UvasViniferasRegioesClimaTemperado/clima.
org/10.1016/S0891-5849(98)00315-3 htm

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.104-113, 2021 113


Montagem: as autoras

Enoturismo: vantagens e
desvantagens na Campanha Gaúcha

Patricia Lopes Kaufmann1

Ângela Rossi Marcon1

¹Unipampa
96450-000 Dom Pedrito, RS

Autor correspondente:
p.kaufmann2011@gmail.com

116 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021


Resumo

s atividades ligadas ao turismo de produção de vinhos estão em expansão e podem


representar, para algumas regiões, uma possibilidade real de desenvolvimento, bem
como um instrumento de promoção para os produtos vitivinícolas. O presente
artigo aborda o tema enoturismo na região da Campanha Gaúcha. O objetivo é ampliar a
discussão sobre as vantagens e desvantagens do enoturismo na Campanha Gaúcha, tendo
em vista a afirmação da região como produtora de vinhos de excelente qualidade. Este
trabalho fez um levantamento das oportunidades de desenvolvimento do enoturismo
na microrregião de Bagé. Caracteriza-se por ser uma pesquisa bibliográfica e descritiva,
através de uma revisão bibliográfica em publicações físicas e digitais sobre turismo,
enoturismo e desenvolvimento econômico e social. Realizou-se também questionários
para vinícolas da região e turistas. Através desse estudo detecta-se que, assim como
outras atividades turísticas, para introduzir/instaurar o enoturismo em qualquer região,
a rota deve ter à sua disposição uma infraestrutura adequada, a fim de propor mudanças
e atender às necessidades dos visitantes, o que atualmente é uma desvantagem das
vinícolas pesquisadas.

Palavras-chave: enoturismo, Campanha Gaúcha, turismo local.

Abstract

Wine Tourism: advantages and disadvantages


in Campanha Gaúcha

Activities related to wine tourism are expanding and may represent, for some regions,
a real possibility of development, as well as a promotional tool for wine products. This
article addresses the theme of wine tourism in the Campanha Gaúcha Region. The aim is to
broaden the discussion about advantages and disadvantages of wine tourism in Campanha
Gaúcha, in view of the consolidation of the region as a producer of excellent quality
wine. This article will survey the opportunities for development of wine tourism in the
microregion of Bagé. This is a bibliographic descriptive research through a bibliographic
review in physical and digital publications on tourism, economic and social development.
This study shows that, just like other tourism activities, to introduce/establish wine tourism
in any region, the route must have at its disposal an adequate infrastructure in order to
meet the needs of visitors, which is currently a disadvantage for the wineries surveyed.

Keywords: wine tourism, Campanha Gaúcha, local tourism.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021 117


Introdução nela elaborados. Essa distinção trará muitos
benefícios para a região, podendo contribuir
As atividades ligadas ao turismo de produção de com o enoturismo e o desenvolvimento regional
vinhos estão em expansão e podem representar, (EMBRAPA, 2020).
para algumas regiões, uma possibilidade real de
desenvolvimento, bem como um instrumento de O objetivo deste trabalho é ampliar a discussão
promoção para os produtos vitivinícolas. sobre as vantagens e desvantagens do enoturismo
na Campanha Gaúcha (municípios de Bagé, Dom
O enoturismo é um segmento da atividade Pedrito e Candiota), especificamente relacionados
turística, que se baseia na viagem motivada pela ao turismo local, estabelecendo parâmetros e
apreciação do sabor e aroma dos vinhos e das relações entre eles, em prol do desenvolvimento
tradições e cultura das localidades que produzem local.
essa bebida (VALDUGA, 2011).

A Campanha Gaúcha está situada na divisa do Rio


Grande do Sul (Brasil) com Uruguai e Argentina. Material e Métodos
Caracteriza-se pelo seu clima temperado com
verões quentes e invernos rigorosos. Segundo O trabalho aborda a microrregião de Bagé, sendo
Tonietto e Mandelli (2003) sua temperatura média composta pelos municípios de Bagé, Dom Pedrito e
anual fica em torno de 17 ˚C. Tem como mês mais Candiota. Efetuou-se uma busca de dados sobre a
quente janeiro, com temperatura média de 24 ˚C, população, economia e infraestrutura relacionada
e mês mais frio junho, com 12,5 ˚C de temperatura ao enoturismo na microrregião. Sua relevância
média, e relevo plano, com solos bem drenados, norteia algumas empresas do ramo turístico nas
profundos e de baixa acidez. A precipitação média mudanças necessárias para melhor atender ao seu
anual é em torno de 1.300 mm e sua altitude público e, assim, oferecer um serviço de melhor
varia de 100 a 300 m (SARMENTO, 2017). Essas qualidade.
características fazem com que a região ganhe
destaque na produção de uvas viníferas e vinhos Para a coleta de dados realizou-se uma pesquisa
de excelente qualidade, motivo pelo qual tem se descritiva através da aplicação de questionários
tornado destino enoturístico do Sul do país nos pré-elaborados: um para turistas e outro para
últimos anos. empresas ligadas ao enoturismo.

Conforme disposto pela Organização Mundial do O questionário foi enviado por meio de formulário
Turismo (OMT, 2014, p. 3), “O turismo compreende eletrônico para e-mails de clientes cadastrados
as atividades que realizam as pessoas durante ou potenciais clientes das vinícolas que fazem
suas viagens e estadias em lugares diferentes ao parte da Associação Vinhos da Campanha Gaúcha
seu entorno habitual, por um período consecutivo e consumidores de vinhos em geral. A coleta dos
inferior a um ano, com a finalidade de lazer, dados foi realizada no período de outubro de
negócio ou outras”. 2019 a março de 2020 e obteve-se 70 respostas.
As questões encaminhadas aos entrevistados
Conforme Fávero (2012), competitividade no foram: você conhece a Campanha Gaúcha no
ramo turístico é a soma de medidas estratégicas que se refere ao enoturismo? Teria interesse em
que levam à qualificação de um destino turístico conhecer? Caso já conheça, como ficou sabendo
com inovação. da possibilidade de fazer enoturismo na região?
Qual o motivo da viagem? Pontos fortes e pontos
Recentemente a Campanha Gaúcha obteve fracos? Você voltaria?
o reconhecimento da Indicação Geográfica,
auxiliando ainda mais na valorização dos produtos O formulário para as empresas vitivinícolas
foi enviado através da Associação Vinhos da

118 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021


Campanha Gaúcha e obteve-se oito respostas. turístico estadual e nacional.
As perguntas questionadas foram: A empresa
trabalha com enoturismo? Há quanto tempo? Em Conforme a Secretaria Municipal de Cultura
média quantas pessoas por mês a empresa recebe? e Turismo (Secult), Bagé possui uma estrutura
A empresa cobra do turista algum valor para a turística de oito hotéis e 22 estabelecimentos
visitação? Quais os pontos a serem melhorados classificados como restaurantes, churrascarias,
pela empresa no atendimento ao enoturista? A pizzarias, lancherias e cafeterias. Fundada em
empresa faz parte de alguma associação? Qual? 1811, conta com uma população total de 121.335
A referida associação desenvolve algum trabalho habitantes (IBGE, 2020). Hoje Bagé possui duas
para fortalecer o enoturismo na região? Quais os vinícolas (Vinícola Peruzzo e Vinícola Estância
pontos fortes da região para o enoturismo? Quais Paraízo) e uma agroindústria de azeite de oliva
os déficits da região no setor enoturístico? (Azeites do Pampa Agroindústria).

A outra cidade estudada, Candiota, foi fundada


em 1992 e emancipada do município de Bagé.
Resultados e Discussão Segundo dados do IBGE - Censo 2010, Candiota
possui 9.647 habitantes. A cidade conta com 10
Enoturismo é o turismo em empresas ligadas estabelecimentos que servem refeições e cinco
à produção de vinhos, que permite ao turista estabelecimentos que oferecem hospedagem,
conhecer ou até mesmo participar das entre eles hotéis, pousadas e hostel (Prefeitura
atividades ali desenvolvidas. Sabe-se que, com o Municipal de Candiota). As vinícolas localizadas
deslocamento do turista até as regiões produtoras no município são a Vinícola Miolo - Fortaleza do
de uva e vinho, há uma necessidade de que esta Seival e a Vinícola Batalha.
região ou cidade específica apresente condições
mínimas para recepcionar os visitantes recém- Dom Pedrito, terceira cidade da microrregião,
chegados. Os turistas, ao chegarem, trazem foi fundada em 1872 e possui 38.339 habitantes
consigo uma demanda de serviços necessários, (IBGE, 2020). O município conta com três
como alimentação, higiene e lazer. Com isso, empresas vitivinícolas: Vinícola Guatambu e dois
ao redor dos empreendimentos enoturísticos empreendimentos vitícolas que terceirizam a
surge a necessidade de uma rede de empresas produção (Dunamis Vinhos e Vinhedos e Vinhos
que ofereça os serviços de hotéis, restaurantes, Dom Pedrito). A cidade possui quatro hotéis,
teatros, cinemas e artesanatos locais. sendo três urbanos e um hotel fazenda.

O enoturista percorre longas distâncias pela Em relação aos turistas entrevistados, a maioria
oportunidade e prazer de degustar os produtos (42,9%) possui entre 30 e 40 anos. No que diz
no local onde são produzidos. Esse é o principal respeito à renda familiar, os entrevistados
motivo que leva o enoturista a decidir por um possuem renda familiar entre 2 a 4 salários e
roteiro, mas não é o único. Podem também decidir de 6 a 8 salários-mínimos, sendo que os dois
por um roteiro a partir de indicações, que podem grupos somam 77,1% das respostas. Com base
deixar de ocorrer caso a prestação de serviços não nas informações acima, podemos observar que o
atenda à expectativa do turista, principalmente maior público visitante das empresas vitivinícolas
em tempos em que as redes sociais servem para da região são jovens com bom poder aquisitivo
divulgar, promovendo ou mesmo criticando uma e que investem em turismo de experiência e,
localidade. provavelmente, não estão muito preocupados
com o valor gasto durante a viagem. Quando
Somente com o planejamento de ações integradas, questionados sobre o trabalho de enoturismo
que envolva todos os elos do setor enoturístico desenvolvido na região, 60% dizem já saber da
regional, será possível conseguir que o turismo existência de empresas vitivinícolas com foco
ligado à vitivinicultura se consolide como roteiro no desenvolvimento do enoturismo e 85,7% têm

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021 119


interesse em conhecê-la. Com relação à forma de feedback de clientes sobre seu produto.
como ficou sabendo do enoturismo na Campanha
Gaúcha, metade diz que foi por indicação de Os pontos fortes destacados foram: bioma
amigos e apenas 8% com informações de sites pampa, bucolismo do pampa, carne, clima, cultura,
especializados, porém o motivo principal das paisagens, pôr do sol, receptividade, solo, tradição
viagens à região são viagens de trabalho aliadas ao e relação ao gaúcho, paisagens, qualidade dos
enoturismo. produtos, bem como outras atrações.

Os dois pontos fortes que mais se destacaram Como vantagens Hall (2002) indica: o aumento
foram as belas paisagens e a boa gastronomia/ da exposição do consumidor ao produto e da
vinhos, tendo cada um deles mais de 30% das oportunidade de mostrar o produto; a construção
respostas. Com relação à alternativa outros, de maior ligação do consumidor à marca com o
tivemos quatro respostas referindo-se ao estabelecimento e maior ligação entre o produtor
agronegócio da região. Com relação aos pontos e o consumidor; o aumento das margens de
fracos, as alternativas de respostas foram as retorno com a venda direta ao consumidor e a
seguintes: hotéis, restaurantes, infraestrutura, eliminação dos custos com intermediários; uma
segurança e outros. A infraestrutura obteve 57,1% nova possibilidade de vendas para pequenos
das respostas, seguido pela opção “outros”, que produtores - que não podem garantir grandes
obteve 28,6%, sendo destacada a desinformação volumes aos fornecedores; a construção de
como aspecto. O que chama atenção nessa um banco de dados com contatos diretos aos
questão é o fato de segurança e restaurantes não consumidores e, finalmente, o conhecimento
terem sido considerados como ponto fraco, o que acerca dos tipos de vinhos e da sua produção.
demonstra que a gastronomia regional é uma
excelente opção aliada ao desenvolvimento do Nos aspectos negativos, os pontos relatados
enoturismo. Em relação ao retorno para a região foram: distanciamento entre localidades, poucas
da Campanha, 70% dos questionados afirmaram opções de locomoção, infraestrutura de transporte
que voltariam. (estradas, aviões e malha rodoviária precária),
hotéis e restaurantes, falta de informações,
Com base nos dados obtidos através dos divulgação e de operadores de turismo, falta de
questionários respondidos pelas empresas, pontos de apoio ao enoturista e precariedade na
verificamos que cinco delas trabalham com o identificação de locais a serem visitados ou rotas
enoturismo e três ainda não. Das empresas que enoturísticas específicas. Alguns desses aspectos,
trabalham com receptivo, a média de tempo que como custos para instalação de infraestrutura de
estão atendendo varia de 3 a 20 anos. A respeito hospitalidade, já foram apontados por Hall (2002).
da quantidade de turistas atendidos por essas
empresas, fica em torno de 300 ao ano para a Conforme Hall (2000), o trade turístico vê no vinho
que menos recebe e 5.000 ao ano para a que mais uma oportunidade de promover positivamente a
recebe. Em relação à cobrança para realização de imagem do destino de maneira mais ampla para
visitas, três empresas o fazem. consumidores de alto rendimento.

O enoturismo pode trazer vantagens e O desenvolvimento do enoturismo é um processo


desvantagens para pequenas e grandes vinícolas. longo e custoso, que depende, de acordo com Getz
Ele é um importante componente no mix de (2000) de dimensões como o produto vinícola,
marketing, na venda a varejo, e muitas novas a atratividade do destino e o produto cultural
vinícolas já escolhem seus terrenos levando em associado.
conta o tráfego turístico local (HALL, 2004).
Para vinícolas menores, o enoturismo gera um Marzo-Navarro e Pedraja-Iglesias (2012)
importante ponto de vendas local; para as maiores, declararam que o enoturismo contribui com a
a atividade funciona como um canal promocional e indústria do vinho no sentido de fortalecer as

120 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021


relações entre as vinícolas e os clientes atuais Conclusão
e em potenciais, interessados em adquirir
experiências no segmento da vitivinicultura, além Assim como outras atividades turísticas, para
de fortalecerem suas marcas e possibilitar a venda introduzir/instaurar o enoturismo em qualquer
direta aos clientes, o que resulta em aumento do região, as cidades envolvidas devem ter uma
fluxo de receitas. infraestrutura adequada, a fim de atender às
necessidades dos visitantes, o que atualmente é
O comércio de vinhos torna-se, gradualmente, uma desvantagem das vinícolas pesquisadas.
atrativo e competitivo, sendo o enoturismo um
aparato para conservar um contato integral com os Os pontos fortes apontados foram o bioma
clientes, notificando e esclarecendo-os a respeito pampa, bucolismo do pampa, carne, clima, cultura,
dos benefícios do vinho, ofertando degustações paisagens, pôr do sol, receptividade, solo, tradição
de produtos e fidelizando esses clientes com em relação ao gaúcho, paisagens, qualidade dos
excelência de produtos e serviços. Entretanto, a produtos, os quais podem ser bons atributos a
fim de ampliar e fortalecer a atividade de maneira serem trabalhados pelas empresas.
sustentável, torna-se crucial inserir a sociedade
local no processo do planejamento turístico e Como deficiências/pontos fracos foram
doutriná-la a respeito da relevância e notoriedade mencionados o distanciamento entre localidades,
de receber o visitante da melhor maneira possível. poucas opções de locomoção, infraestrutura de
transporte (estradas, aviões e malha rodoviária
Para que esse caminho torne-se mais atrativo, precária), hotéis e restaurantes, falta de
é fundamental o rastreio de diferenciais informações, divulgação e de operadores de
culturais, introduzindo o turista nas tradições e turismo, falta de pontos de apoio ao enoturista e
tipicidade local, de modo que conheça e sinta as precariedade na identificação de locais a serem
particularidades da região da Campanha Gaúcha visitados ou rotas enoturísticas específicas.
produtora de uvas e vinhos.

Referências

EMBRAPA. Indicações Geográficas de Vinhos HALL, C.M.; SHARPLES, L.; CAMBOURNE, B.;
do Brasil. Bento Gonçalves. 2020. Disponível MACIONIS, N. Wine tourism around the world:
em: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/ Development, management and markets. Oxford:
indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil. Butterworth-Heinemann, 2004.
Acesso em: 04 mai. 2021.
HALL, C.M.; SHARPLES, L.; CAMBOURNE,
FÁVERO, I.M.R. A competitividade do Turismo. O B.; MACIONIS, N. Wine tourism around the
Caso de Bento Gonçalves - Serra Gaúcha. In: VII world: development, management and markets.
Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul, Amsterdam: Elsevier, 2002.
2012, Caxias do Sul. Anais.... Caxias do Sul: UCS,
2012. IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA. Cidades. Disponível em: https://
GETZ, D. Explore Wine Tourism: Management, cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/. Acesso em: 30 abr.
Development & Destinations Cognizant 2021.
Communication Corporation. New York:
Cognizant Communication Corp, 2000.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021 121


MARZO-NAVARRO, M.; PEDRAJA-IGLESIAS, M. SARMENTO, M.B. Diagnóstico da cadeia
Critical factors of wine tourism: incentives and da vitivinicultura na Campanha Gaúcha:
barriers from the potential tourist’s perspective. potencialidades para o desenvolvimento regional.
International Journal of Contemporary Bagé: Ediurcamp, 2017.
Hospitality. Reino Unido, v.24, mar.2012. DOI:
10.1108/09596111211206196. SECRETARIA DE ESTADO DO
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO (SEDETUR). Plano de Desenvolvimento do
(OMT). Crónicas del turismo: el desarrollo Turismo no Estado do Espírito Santo (2004-
comunitario sobre el terreno. 2014. Disponível 2013). Vitória: Governo do Estado do Espírito
em: http://wtd.unwto.org/es/content/tourism- Santo, 2004.
stories-communitydevelopment-ground. Acesso
em: 02 nov. 2020. TONIETTO, J.; MANDELLI, F. Uvas Viníferas
para processamento em regiões de clima
PREFEITURA MUNICIPAL DE BAGÉ. Economia temperado. Embrapa Uva e Vinho, 2003.
e Estatísticas. Disponível em: https://www.bage. Disponível em: https://sistemasdeproducao.
rs.gov.br/index.php/o-municipio/economia-e- cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Uva/
estatisticas. Acesso em: 20 out. 2020. UvasViniferasRegioesClimaTemperado/clima.
htm. Acesso em: 23 out. 2020.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CANDIOTA.
Informativo. Disponível em: https://www. VALDUGA, Vander. Enoturismo no Vale dos
candiota.rs.gov.br/informativo/. Acesso em: 20 Vinhedos. Jaguarão: Unipampa, 2011.
out. 2020

PREFEITURA MUNICIPAL DE DOM PEDRITO.


História da Cidade. Disponível em: http://
dompedrito.rs.gov.br/pagina/78_Historia-da-
Cidade.html. Acesso em: 20 out. 2020.

122 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.116-122, 2021


Filipe Nóbrega

Reescrevendo a história da
vitivinicultura no Brasil, antes
da imigração italiana: 1532-1875

Fernando Cesar Barros da Gama1

1
Universidade Candido Mendes
20011-901 Rio de Janeiro, RJ

Autor correspondente:
fgama.geo@gmail.com

124 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


Resumo

objetivo desta pesquisa é reescrever a narrativa histórica da evolução da atividade


vitivinícola no Brasil entre 1532 e 1875, ano em que inicia a imigração italiana, que
expandiu e modernizou essa atividade a partir do século XIX. Porém, o atual nível de
qualidade alcançada tem seus precedentes e precursores, os quais precisam ser resgatados
e reconhecidos. Na metodologia, optou-se por analisar um referencial bibliográfico de
literatura especializada: documentos, mapas, registros e pesquisas históricas. Buscou-se,
também, introduzir um estudo iconográfico a partir de brasões do domínio holandês com a
representação de uvas. Constataram-se dados novos, como o papel pioneiro da Capitania
de Pernambuco em detrimento da de São Vicente e o reconhecimento da importância
da força produtiva da mão de obra africana no período do escravismo colonial, quando
se registra, concomitantemente, a produção de uvas e vinhos introduzida por imigrantes
portugueses continentais e insulares - açorianos e madeirenses - holandeses, sempre
com base na exploração da mão de obra de origem africana. Os colonos alemães fogem
a essa regra. Os italianos constituíam mão de obra livre, cuja imigração tem relação com
a expansão da cafeicultura paulista e a decadência do escravagismo, sendo também o
principal vetor formador da única região vitivinícola consolidada: Serra Gaúcha.

Palavras-chave: vitivinicultura, história, escravidão colonial, imigração europeia.

Abstract

Rewriting the history of the viticulture


and wine production in Brazil, before
the Italian immigration: 1532-1875

The purpose of this study was to rewrite the historical narrative of the evolution of wine-
growing activity in Brazil between the period of 1532 and 1875, when Italian immigration
began, thus expanding and modernizing this activity in the 19th century. However,
the current level of the wine quality that Brazil has reached possess their precedents
and precursors that must be acknowledged and recognized. The methodology used
included a specialized literature bibliography, maps and records of historical research. An
iconographic study was also introduced based on the coat of arms of the Dutch domain
with representation of grapes. New data was found, such as the pioneering role of the
Captaincy of Pernambuco to the detriment of São Vicente’s, besides the recognition of
the importance of the productive force of African slave labor, when the production of
grapes and wines was, simultaneously registered, introduced by Portuguese immigrants
– Azoreans, Madeirans – Dutchmen, always with employment of slave labor. German
settlers did not follow this pattern. The Italians were free laborers, whose immigration
was linked to the coffee growing expansion in São Paulo and to the decadence of slavery, in
addition to being the main driving force behind the only consolidated wine-growing region
in Brazil: Serra Gaúcha.
Keywords: viticulture/wine production, history, slavery, European immigration.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 125


Introdução ‘negro de fora’, uma multidão de escravos anônimos
hiper explorados, com baixo índice de longevidade,
O objetivo da presente pesquisa é apresentar cerca de 19 anos, trabalhando diuturnamente, nas
um estudo, revisitando a história da evolução diversas lavouras (SCHWARTZ, 1988). À época, a
da vitivinicultura brasileira entre 1532 e 1875, riqueza de um proprietário podia ser medida, por
ano em que se registra o início da entrada dos exemplo, pela quantidade de escravos. Assim, por
imigrantes italianos. Optou-se em dar um enfoque meio do tráfico negreiro e ao longo de mais de
na vitivinicultura do período, seu modo de 300 anos, cerca de 4,8 milhões de africanos foram
produção e o escravismo colonial (GORENDER, desembarcados no Brasil (SCHWARCZ; GOMES,
2016), quando se destaca a produção de vinhos, 2018).
liderada por portugueses continentais e insulares
- açorianos e madeirenses - holandeses, sempre A pesquisa traz, também, uma mudança na
com base na exploração da mão de obra de narrativa histórica, na qual resgata o papel pioneiro
origem africana. A imigração alemã se insere de Pernambuco na vitivinicultura brasileira. O fato
nesse período, porém, sem a exploração da norteador e indiscutível é reconhecer que, desde
mão de obra escrava, constituindo, assim, uma o início da colonização através do sistema das
exceção. O escravismo caracteriza-se pela falta Capitanias Hereditárias, Itamaracá, atualmente
do assalariamento do trabalho, no qual o escravo parte de Pernambuco, obteve êxito em sua
é coisificado, estando legalmente sob um domínio atividade vitivinícola completa e sem interrupção,
jurídico que legitima a apropriação de sua força de cuja representação das uvas está registrada
trabalho e de seus descendentes. nos brasões da Capitania de Itamaracá e no das
Armas do domínio holandês com Maurício de
O resgate da contribuição do trabalho anônimo Nassau, atual Pernambuco, enquanto Brás Cubas,
do escravizado torna-se relevante para na Capitania de São Vicente, atual parte de São
reconhecer, criticamente, uma tentativa de sua Paulo, fica com o mérito de ter sido, unicamente,
exclusão na construção da narrativa histórica na o primeiro português a plantar a videira no Brasil.
produção vitivinícola nacional, mantendo o vinho
incólume e ilibado, levando-o a se distanciar do A chegada dos imigrantes italianos, a partir de
escravismo, ao reafirmar apenas as glórias da 1875, traz consigo uma mudança de paradigma,
força transformadora dos espaços produtivos pois constituíam mão de obra livre, sendo ao
por meio exclusivo da mão de obra do imigrante mesmo tempo, produtores e consumidores.
europeu, tratando-se, assim, de europeizar a Assim, essa imigração está muito relacionada
própria história da vitivinicultura nacional antes à intensa expansão da cafeicultura paulista e
da abolição. à decadência do sistema escravagista, sendo o
principal vetor de difusão e modernização da
O europeu trouxe as videiras, as técnicas e os vitivinicultura brasileira e da formação da única
métodos de cultivo, cabendo aos escravos a região vitivinícola consolidada no Brasil: a Serra
execução e manutenção dessa cultura. Contudo, Gaúcha.
apesar de não haver um levantamento estatístico
específico sobre isso, é consenso que todo o
trabalho braçal agrícola - cana-de-açúcar, tabaco,
algodão - ficava sob a obrigação dos escravos. Material e Métodos
Assim sendo, a vitivinicultura não constituía uma
exceção. Os métodos aqui empregados, largamente
utilizados nas interfaces entre os campos de
É o escravagismo colonial que explica a família conhecimento da História, Economia e Geografia,
patriarcal, e não o contrário (GORENDER, 2016). correspondem à utilização de referenciais ou
Apesar da despersonalização e reificação do aportes teóricos e metodológicos inerentes às
escravo, havia uma divisão do trabalho, tendo Ciências Humanas e Sociais. Assim, optou-se por
como referência a Casa Grande: o ‘negro de dentro’ analisar um referencial bibliográfico de literatura
que, por fazer as tarefas do lar, conseguia mais especializada, documentos e dados históricos
reconhecimento e proximidade com o poder, e o em páginas publicamente disponíveis online que

126 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


constituíram fontes relevantes para a pesquisa. correspondem, como é comum nas Ciências
Assim, foi realizada uma revisão bibliográfica Humanas e Sociais, à bibliografia referida ao final
através de análise de registros e pesquisas deste artigo e, sendo uma pesquisa de cunho
históricas sobre a produção de uvas e vinhos. teórico e empírico, vem somar ao conjunto de
Buscou-se também dar relevância a um estudo estudos e pesquisas consistentes que vimos
iconográfico a partir de brasões, análise de acesso desenvolvendo, aprofundando e divulgando em
a fontes complementares como mapas históricos, publicações no mundo acadêmico.
pinturas e outros documentos imagéticos, cujas
fontes constam nas referências bibliográficas,
tendo em vista que esses documentos são Resultados e Discussão
considerados, cientificamente, fontes primárias
essenciais para análise histórica. O escravismo na colônia portuguesa nas Américas
e a necessidade contínua por trabalhadores braçais
Há uma maior variedade de documentos, registros, fizeram com que esse comércio fosse aberto para
bibliografia, relatos, fotografias que atestam a os colonos instalados no Brasil. Estima-se que os
importância do trabalho dos imigrantes italianos primeiros escravizados africanos entraram no país
na vitivinicultura brasileira. Assim, a escolha do entre 1539 e 1542, na Capitania de Pernambuco
recorte espaço-temporal anterior ao início dessa (SILVA, 1997, p.96). É importante ressaltar que o
imigração se deveu ao resgate do trabalho de território do Brasil Colonial a que nos referimos
outros agentes produtivos, como a contribuição corresponde apenas a uma porção de terras
da mão de obra dos escravizados, portugueses litorâneas dentro da área portuguesa do Tratado
continentais e insulares, holandeses e alemães de Tordesilhas. As Capitanias Hereditárias - início
através de pesquisas documentais disponíveis. em 1534 e término em 1821 - foi a primeira divisão
política do Brasil, cujas terras foram doadas a
É importante destacar que todas as fontes das fidalgos de grande prestígio e poder econômico
imagens e materiais utilizados nesta pesquisa (Figura 1).

Figura 1. Mapa da divisão política das Capitanias Hereditárias.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 127


Em meados do século XVI, com o constante mar, obrigando a reconstrução da vila num sítio
assédio de estrangeiros ao litoral brasileiro e a mais distante do oceano. A Igreja Matriz, a Casa
decadência do comércio português do Oriente, do Conselho, a cadeia, o pelourinho e inúmeras
tornou-se necessária a implantação de uma casas foram destruídas. Vinte anos depois, Brás
política de administração presencial mais efetiva. Cubas optou por subir a serra para implantar novo
Em primeiro lugar, era preciso garantir a posse vinhedo próximo a Tatuapé, onde obteve algum
da terra e, também, iniciar a geração de lucros sucesso (MELLO, 2004).
imediata para a Coroa, que se encontrava em
grave crise econômica. Não são poucas as referências bibliográficas
que repetem tais registros e dados acima que,
Segundo vasta referência bibliográfica, a porém, precisam ser revisitados, questionados
atividade vitícola brasileira tem seu início em e reavaliados. A história, muitas vezes, é escrita
São Paulo, em 1532 - ano da fundação da Vila como verdade absoluta, que atenda aos interesses
de São Vicente, na capitania de mesmo nome de uma elite dominante, podendo distorcer os
- pelas mãos do fidalgo português Brás Cubas. fatos. Ocorre que, segundo diversas fontes aqui
Tal iniciativa não obteve êxito, pois as condições pesquisadas e a título de apresentar uma nova
ambientais não colaboravam. A área escolhida contribuição histórica, consideraremos a primeira
por Cubas corresponde, atualmente, ao município experiência completa e exitosa de vitivinicultura
de Cubatão, área de planície insular, junto ao do Brasil com os portugueses das Capitanias de
litoral paulista. As encostas da Serra do Mar e Pernambuco e Itamaracá, praticamente nesse
suas características naturais, com clima tropical mesmo período. Em 1534, ocorreu a primeira
úmido de elevada pluviosidade e presença de expedição para reconhecimento do território
fungos, formigas, pragas desconhecidas e outros da Capitania de Pernambuco sob o comando do
obstáculos, não favoreceram o sucesso dessa donatário Duarte Coelho (Figura 2).
atividade, que logo entrou em decadência.
Acrescente-se a isso que, em 1542, a ilha sofreu Dessa forma, embora as Capitanias de São Vicente
seu pior desastre natural, sendo invadida pelo e de Pernambuco sejam quase concomitantes na

Figura 2. Mapa histórico da Ilha de Itamaracá (PE) por João Teixeira Albernaz, 1640. Localizada próximo das
cidades de Igarassu e Olinda, onde foi fundada uma feitoria em 1526. Em 1534, a Capitania de Itamaracá
foi doada a Pero Lopes de Sousa.

128 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


viticultura, quando se trata de vinho, é preciso das uvas, são também mais secas, mantendo a
mudar o foco da abordagem, descartando a concentração de açúcar nos cachos, fundamental
eleição de um único homem em favor da imigração para a produção do grau alcoólico do vinho. O solo
de colonos portugueses para a Capitania de local é do tipo aluvional massapê, apresentando
Pernambuco, oriundos, em parte, da Ilha da grande fertilidade. A topografia plana facilitou a
Madeira. O fato norteador e incontestável é agricultura, com a presença de rios que nascem
reconhecer que, desde o início, Pernambuco no Planalto da Borborema e deságuam no Oceano
obteve êxito em sua atividade vitivinícola Atlântico, servindo para a irrigação.
completa e sem interrupção, enquanto Brás
Cubas coube o mérito de ter sido, unicamente, o A experiência com a implantação das quatorze
primeiro português a plantar a videira no Brasil. capitanias, no entanto, não obteve os resultados
Não por um acaso, no brasão da Capitania de econômicos esperados. Apenas duas prosperaram
Itamaracá (Figura 3) verifica-se a presença de sete - Pernambuco e São Vicente - principalmente pelas
cachos de uva, sendo o único dentre os brasões de respostas positivas alcançadas com a produção
todas as capitanias a adotar essa representação. de açúcar. Pernambuco, maior produtor mundial
As características climáticas do litoral oriental da mercadoria, foi a mais rica das capitanias do
da Região Nordeste apresentam o mesmo clima Brasil e já se havia destacado por ser grande
tropical úmido do litoral da Região Sudeste, exportadora de pau-brasil, também denominado
porém, com regimes pluviométricos distintos. “pau de Pernambuco”. Assim, apesar da primazia
No primeiro, localizado em latitudes mais baixas, de Pernambuco, nessas capitanias, as experiências
as chuvas se concentram no outono/inverno, de vitivinicultura foram praticamente simultâneas,
enquanto no segundo, localizado em latitudes pois os portugueses, dentro de seus domínios, não
mais altas, na primavera/verão. concebiam a vida sem o consumo do vinho, quer
para acompanhar os ritos religiosos ou para as
Dessa forma, as videiras se adaptaram melhor refeições, ainda mais em áreas tão prósperas. “Não
ao terroir do litoral da Região Nordeste, pois as se pode duvidar, dado o arraigado amor português
estações mais quentes, tão propícias ao êxito à vinha, que ali e àquele tempo tivessem sido
do seu ciclo fenológico completo e maturação amanhadas as primeiras parreiras do Nordeste”
(ALBUQUERQUE, et al., 1987, p.2).

Registra-se que no período das Grandes


Navegações, nas naus portuguesas, o vinho
substituía a água que ficava estragada com o
decorrer do tempo, cujo cientista Louis Pasteur
considerou, em suas pesquisas de 1866, como
a mais sã e higiênica das bebidas - le vin peut
être à bon droit considéré comme la plus saine, la
plus hygiénique des boissons (PASTEUR, 1866).
Em Pernambuco, deve-se ressaltar que a
vitivinicultura, que obteve pleno êxito desde o
início da colonização, foi a praticada na Ilha de
Itamaracá, de característica insular como a Ilha da
Madeira. Os escravizados já estavam presentes
no cultivo da cana-de-açúcar, sendo também
empregados, por extensão, na viticultura dessa
área. Embora o escravismo em Roma antiga fosse
distinto daquele praticado no Brasil no período
moderno, essa relação de produção encontrava
uma convergência, isto é, mostrava-se lucrativa.
Apesar do, ou possivelmente por causa do uso
Figura 3. Brasão oficial da Capitania de Itamaracá. dos escravizados, a agricultura nas villas romanas
Pintura de Frans Post. produziu um excedente, suficiente não só para

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 129


propiciar uma vida de elevado padrão para a que gozavam de maior fama pela abundância e
classe alta, mas também o vinho, cerâmica, têxteis qualidade de suas uvas, que não eram inferiores
e móveis para exportar para outros territórios às de Portugal, que davam duas colheitas por ano”
(GOODY, 2008). (ALBUQUERQUE et al., 1987, p.2).

Apenas dez anos após o registro de Brás Cubas, a Enquanto a vitivinicultura prosperava na
Ilha de Itamaracá já cultivava a uva por iniciativa Capitania de Pernambuco, no século seguinte,
de João Gonçalo, que construiu, em Vila sob mais precisamente em 1626, o jesuíta Roque
o nome de Conceição de Itamaracá, a antiga Gonzáles da Santa Cruz, vindo do porto de Santa
povoação. Quanto às dúvidas concernentes à Maria de Los Buenos Aires, fundou a primeira
exata origem da viticultura de Itamaracá, a tese Missão no Brasil, mais precisamente no Rio
mais condizente com a verdade histórica é “tomá- Grande do Sul. Como a prática da catequese
la como descendente direta da viticultura lusitana pressupunha a fixação da população, coube aos
por iniciativa de João Gonçalo em 1542 [...] [ele] jesuítas introduzirem as primeiras videiras para
fomentou a lavoura, importou mudas e sementes, produzir o vinho sagrado com a colaboração do
fundou engenhos, iniciou o cultivo da cana, da trabalho livre dos indígenas locais. É importante
vinha, do tabaco e do algodão” (grifos meus) ressaltar que as condições ambientais do terroir
(POMBO, 1959, p.73). Destaca-se que, à época, o eram favoráveis ao cultivo e, por vezes, eram
trabalho escravo já era explorado em Pernambuco. obtidas duas colheitas. “A viticultura pioneira em
Isso é ratificado pelos depoimentos prestados, território gaúcho estava baseada exclusivamente
em 31 de março de 1888, pela Sociedade de em variedades europeias, sendo indiscutível que
Agricultura de Pernambuco, cujo texto já aponta, as primeiras videiras foram trazidas pelas Missões
inclusive, para o emprego do sistema de condução Jesuítas, certamente de Buenos Aires” (DAL
tipo latada e a possibilidade de haver duas colheitas PIZZOL; SOUZA, 2014).
de uva anualmente, no qual se lê que, desde
tempos memoriais, “nos terrenos de aluviões A Reforma Pombalina em 1759, no Reinado de D.
antigos e modernos do litoral da província, sob a José I, levou centenas de jesuítas a serem expulsos
forma de parreiras provenientes de cepas vindas do Brasil, vide registro das ruínas de São Miguel
de Portugal e das ilhas, e dispostas em sistema das Missões (Figura 4), cabendo aos bandeirantes
de condução latada, como na Ilha da Madeira” paulistas destruir as vilas jesuítas e, com violência,
(ALBUQUERQUE et al., 1987, p. 2). A presença de expulsar os padres dos Sete Povos das Missões,
parreiras, sendo cultivadas enroscadas a árvores comprometendo aquela incipiente vitivinicultura.
frutíferas, indica a descendência da Ilha da Madeira
e do Minho. “Os parreirais da Ilha de Itamaracá Em 1640, em São Paulo, os vinhedos alcançaram
e do Abreu de Una (ao Sul de Recife) eram os as áreas de Tamanduateí (818 m) de altitude e

Figura 4. Ruínas de São Miguel das Missões (RS). Foto de César Grossmann.

130 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


Mogi das Cruzes (780 m), onde o clima tropical dentre outros. Havia riqueza cultural e liberdade
de altitude é mais favorável à viticultura. Sua religiosa, construindo-se, por exemplo, a primeira
importância fica registrada na Ata de Sessão de sinagoga das Américas, lembrando que o vinho
implantação da Câmara de São Paulo, no mesmo está presente no ritual da religião judaica. Diante
ano, que tratou, pela primeira vez, da padronização de tanta riqueza e opulência, pode-se inferir que
da qualidade dos vinhos da Capitania de São o consumo do vinho fosse significativo, fazendo
Vicente. Nesse momento, São Paulo se destacava parte dos hábitos de consumo na Europa e, por
na produção de vinhos rudes de mesa, importante extensão, da elite dominante europeia no Brasil,
para os consumidores locais e para o ritual da estando seu consumo sempre associado ao poder.
missa.
Diante da atomização espacial da economia e
Ainda no século XVII, a vitivinicultura na área fragilidade de seu controle, a Cia Holandesa das
que corresponde ao município de São Roque, Índias Ocidentais invadiu a Colônia Portuguesa,
também em São Paulo, constituiu uma exceção. na área que corresponde a Pernambuco e
Única área portuguesa que conseguiu manter uma adjacências. Além disso, o açúcar apresentava um
produção vitivinícola até os dias atuais, São Roque elevado valor comercial. Os holandeses invadiram
já foi fundada produzindo uvas e trigo, sendo a Ilha de Itamaracá em 1631 e lá ergueram o Forte
denominada “Terra do Vinho” pelos portugueses. Orange, na entrada Sul do canal de Santa Cruz.
A Figura 5 mostra uma pintura de Frans Post da
Entre 1630 e 1654, ainda na franja litorânea Ilha de Itamaracá, onde se registra a presença
oriental, ocorreu o domínio holandês pela de escravizados. A tela Ilha de Itamaracá, feita
Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, por Post dois meses depois de sua chegada,
no vasto litoral nordestino, onde se destacava a em 1637, é o primeiro quadro a óleo de tema
Capitania de Pernambuco. A capital rebatizada profano executado por um artista profissional nas
de Maurisstad (atual Recife) apresentava uma Américas (VIEIRA, 2012).
grande prosperidade econômica, com palácios,
pontes, canais, jardim botânico, zoológico, lojas, Apesar do franco domínio canavieiro, em 1640, na
armazéns e sobrados de até quatro andares, Ilha de Itamaracá, localizada ao Norte de Recife, o

Figura 5. Ilha de Itamaracá, primeira pintura de Frans Post, 1637 - Rijksmuseum.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 131


Conde Maurício de Nassau manteve e incentivou, No século XVIII, com a Inglaterra iniciando a
com êxito, o cultivo de uvas de mesa e Vitis viniferas primeira Revolução Industrial, juntamente com a
voltadas para o consumo in natura e a elaboração recém-formação dos primeiros estados nacionais
de vinho. modernos no período de vigência do sistema
Westfaliano, o vinho aparece inicialmente com
Igualmente fica bem patenteada a vetustez dos destaque nas relações internacionais com a
parreirais de Itamaracá, pois, se os holandeses, ao assinatura do Tratado de Methuen entre Portugal
ocuparem a região de Itamaracá, em 1636 já se e Inglaterra. Segundo esse tratado, reproduzido
impressionaram com a extraordinária qualidade a seguir, ipsis litteris, que recebe também a
e vulto de sua produção vitícola, é porque tal denominação de tratado dos “Panos e Vinhos”,
atividade vinha sendo a largos anos ali praticada [...] o governo português se comprometia a dar
De Itamaracá, a viticultura implantada por mãos exclusividade às compras de tecidos britânicos e,
portuguesas mereceu dos súditos de Maurício de em troca, o mercado inglês se tornaria também
Nassau muita atenção e difundiu-se por algumas exclusivo para seus vinhos.
localidades do continente (ALBUQUERQUE et al.,
1987, p.2). I. Sua Majestade El Rey de Portugal promete tanto
em Seu próprio Nome, como no de Seus Sucessores,
Nesse período, a importância vitícola se faz de admitir para sempre daqui em diante no Reyno de
presente também na representação dos símbolos Portugal os Panos de lã, e mais fábricas de lanifício
no brasão das armas do domínio holandês, em que de Inglaterra [...] II. He estipulado que Sua Sagrada e
figuram três cachos de uvas, de autoria do pintor Real Majestade Britânica, em seu próprio Nome e no
Frans Post, mandado confeccionar pelo Conde de Seus Sucessores será obrigada para sempre daqui
Maurício de Nassau (Figura 6). em diante, de admitir na Grã-Bretanha os Vinhos
do produto de Portugal. Conforme o artigo XXVI do
O mapa de Georg Marcgraf e Johanes Blaeus, de Tratado de Commercio de 19 de fevereiro de 1810
1643 (Figura 7), representa o engenho de açúcar (BATISTA, 2014, p.127).
com o trabalho escravo e a divisão com duas
Capitanias Hereditárias. Na pintura de Frans O comprometimento com o tratado de Methuen
Post, nota-se o uso dos respectivos brasões de é apontado por historiadores como o principal
sua autoria, com destaque para o da Capitania de fator impeditivo ao desenvolvimento industrial
Itamaracá com os cachos de uva. português. O Brasil, por extensão, sofreu as
consequências do erro dessa estratégia comercial
portuguesa, incluindo a agroindústria vitivinícola,
pois, como colônia, foi obrigado a desistir de
qualquer iniciativa industrial sob pena de perda
e multas em caso de desobediência à Coroa, que
estabeleceu tal proibição através do Alvará de
Dona Maria I, de 1785, onde se lê:

Hei por bem ordenar que todas as fábricas,


manufaturas ou teares de algodões, de tecidos,
de brilhantes cetins, tafetás ou de qualquer outra
qualidade de fazenda de algodão ou de linho, branca
ou de cores; […] ou de qualquer qualidade de tecidos de
lã, ou misturados e de tecidos uns com os outros; […],
todas as mais sejam extintas e abolidas em qualquer
parte onde se acharem os domínios do Brasil, debaixo
da pena de perdimento em tresdobro do valor de cada
uma das manufaturas ou teares, e das fazendas que
Figura 6. Brasão das Armas do domínio holandês do neles houver […].
pintor Frans Post.

132 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


Figura 7. Mapa de Georg Marcgraf e Johanes Blaeus e pintura de Frans Post, 1643.

Em 1789, apenas quatro anos depois, a Corte áreas do litoral Sul Brasil, porém, isso não se
proibiu expressamente a produção de uvas e, constituía novidade no corpo das autoridades da
consequentemente, a de vinhos, a fim de proteger Coroa Portuguesa, inclusive já se havia aventado
a indústria portuguesa. A exceção fica por conta esse procedimento para dar apoio à fundação
de São Roque que, localizada no interior e longe do forte e fixação de famílias - açorianas e
do poder, manteve sua produção vitivinícola. madeirenses - no vilarejo da barra do Rio Grande,
RS (DAL PIZZOL; SOUZA, 2014).
“Apesar da proibição, em 11 de março de 1803, Dom
João VI reconheceu, por decreto, ter sido o açoriano Os portugueses açorianos trouxeram mudas lusas
Manoel de Macedo Bruma Silveira o primeiro a - do Arquipélago dos Açores, da Ilha da Madeira e
plantar a videira e a elaborar vinho na Capitania de do continente - implantando vinhedos em Porto
Rio Grande” (ALZER; BRAGA, 2014). Dessa forma, dos Casais (1772, atual Porto Alegre) e Gravataí
ele admitiu, indiretamente, existir a agroindústria (1763), repetindo assim, aquela viticultura
vitivinícola local. praticada nas Capitanias de Pernambuco e Bahia,
que se expandiu para o Vale do Submédio São
A presença desses imigrantes se explica pelo Francisco. Os cultivares trazidos da Bahia e do
fato de o arquipélago dos açorianos ter sofrido Recife eram todos Vitis viniferas, as mesmas que
dois terremotos com alto teor de destruição. os primeiros colonizadores seiscentistas fizeram
Assim, a imigração para o Brasil surgiu como uma vir da Ilha da Madeira e enumeradas pelo Padre
alternativa. D. João V foi sensível, acatando essa Fernão Cardim, em 1583 em suas narrativas
demanda dos seus súditos ilhéus. A alternativa foi epistolares, como sejam Ferraes, Boaes, Bastardo,
trazer casais açorianos e madeirenses para iniciar Verdelho, Galego, as quais cumprem acrescentar
um processo de povoamento português naquelas as Malvasias, as Moscatéis e a Dedo de Dama

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 133


[...] esse elenco de variedades nobres já dava assim, a posse definitiva do território ameaçado
celebridade ao vinho da madeira, ao tempo das pelos vizinhos hispânicos.
primeiras viagens colonizadoras para o Brasil
(ALBUQUERQUE et al., 1987, p.3). Para atrair e convencer os alemães a migrarem
para o Brasil, o governo de Dom Pedro I ofereceu
Quanto à imigração não ibérica, a chegada dos algumas vantagens, tais como um lote de terra de
primeiros imigrantes alemães ao Brasil data de 77 hectares, seis anos de isenção de impostos e
1818. Eles se concentraram no Sul da Bahia. mais ajuda em forma de ferramentas, sementes,
A partir de 1824, o Rio Grande do Sul recebeu animais, assim como recursos durante os primeiros
a maior parte dos alemães que imigraram no 18 meses (WOORTMANN, 2000, p. 206).
país (Figuras 8 e 9). Havia preocupação sobre a
manutenção do domínio português, motivado pelo Esses imigrantes fundaram São Leopoldo e Novo
desejo de povoar o Sul do Brasil, com interesses Hamburgo que, depois das missões jesuítas e dos
nas terras férteis da Bacia do Prata, garantindo, portugueses açorianos e madeirenses, também

Brasil, Argentina - Para o Sul do Brasil - Santa Catarina etc.


Uma pátria, ou um lar, para colonos alemães, clima saudável – condições
favoráveis para a compra de propriedades. Empresa e Administração alemães.
Figura 8. Navio de ligação entre o Sul do Brasil e a Alemanha, sem data.

134 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


Figura 9. Chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul - Autoria de Ernst Zeuner.
Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.

praticaram a vitivinicultura no Rio Grande do consumidores. O casal Sebastião Ruschel e Maria


Sul, porém não obtiveram o mesmo sucesso dos Mayer, oriundos da região vitivinícola de Mosela,
italianos. Até mesmo a proximidade geográfica também produziram vinhos na localidade de
da capital Porto Alegre não foi suficiente para Feliz. Jacob Ruschel, filho de Sebastião, forneceu
dinamizar essa atividade. bacelos que deram origem aos primeiros vinhedos
da colônia italiana localizada na Serra Gaúcha (DAL
O fluxo de imigrantes alemães para o Rio Grande PIZZOL; SOUZA, 2014). Os autores consideram o
do Sul foi contínuo entre os anos de 1824 e 1847, casal como o precursor da viticultura da região de
totalizando, nesse período, mais de 8.176 mil colonização italiana na Serra Gaúcha.
recém-chegados (MAUCH, 1994). Eles não eram
apenas colonos de agricultores, mas também Em 1825, D. Pedro I enviou oficialmente o técnico
representavam uma mão de obra qualificada, ou italiano João Batista Orsi, com o objetivo de
seja, ferreiros, carpinteiros, marceneiros, tecelões, promover a atividade vitícola dos imigrantes
médicos, professores, dentre outros, trazendo portugueses. Ele trouxe bacelos a serem
consigo sua enorme capacidade produtiva. cultivados. Os alemães, posteriormente, valeram-
se desses conhecimentos.
Nos primeiros cinquenta anos de imigração, foram
introduzidos entre 20 e 28 mil alemães no Rio Em 1839, no Brasil, foi introduzida a uva Vitis
Grande do Sul. Eles ocuparam, principalmente, labrusca, Isabel, através do porto de Rio Grande.
as regiões do Vale dos Sinos, do Taquari, do Rio Sem querer estabelecer uma inferioridade a
Pardo e do Jacuí. Embora relativos conhecedores partir de paradigmas culturais já estabelecidos
e consumidores de vinhos, os germânicos são, na previamente por padrões hegemônicos
sua maioria, luteranos e não têm no vinho parte eurocêntricos, essa cepa, de origem norte-
de seu ritual religioso, porém Johann Daniel americana, é menos afeita para elaborar vinhos
Rockenbach era de família católica e já produzia finos. A Isabel vai-se expandir rapidamente,
vinho para o ritual das missas das igrejas e outros desbancando as Vitis viniferas, de origem europeia

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 135


e próprias para fazer vinhos de melhor qualidade. ambientais menos propícias, o velho Rockenbach
Isso contribuiu para que São Leopoldo se firmasse fazia bons vinhos e o seu negócio prosperava, pois
como exportador de vinhos entre 1872 e 1881. não tinha muitos concorrentes. Seu descendente,
Adão Rockenbach, manteve a tradição da
O cultivo de uva no Brasil era feito por pequenos vitivinicultura. Durante sua vida, ele cultivava um
fazendeiros, especialmente na região úmida e passatempo que tinha a sua preferência: cultivar
montanhosa da Serra Gaúcha, uma área do Estado uvas Vitis viniferas e a fabricação artesanal de
do Rio Grande do Sul em que a pluviosidade vinhos finos. Nessa atividade, herdada dos seus
é extrema e alta, com média de 1.750 mm ao ascendentes, participou frequentemente de
longo do ano, e os solos têm drenagem difícil. concursos estaduais e nacionais de vinhos em
Por essa razão, uvas Vitis labruscas como a Isabel feiras e exposições. Dessas participações, os seus
acabaram sendo a escolha da região, por serem descendentes guardam, ainda hoje, diplomas e
mais resistentes aos fungos e demorarem mais troféus por ele conquistados, pois ele possuía uma
para apodrecer, sendo usadas em 85% de todos rara habilidade de conferir altos padrões a esta
os vinhedos brasileiros (grifos meus para sinalizar bebida. Exemplo disso é a medalha conquistada,
substituições necessárias, respectivamente, nos em 1901, num Concurso Nacional de Vinhos
termos originais “híbridas” e “mofo”) (JOHNSON; Brancos em Porto Alegre (ADÃO, 1935).
ROBINSON, 2014, p.322).
A colonização alemã ampliou o número de
Dessa forma, registra-se a solidariedade entre interessados em consumir vinhos (IBRAVIN,
esses imigrantes europeus que, desde o início, 2019). A viticultura e mesmo a vinicultura foram
enfrentaram grandes dificuldades de diversas praticadas na região de São Leopoldo e, em
ordens. Os alemães já estavam na segunda geração seguida, expandiu-se para Montenegro, São
à época da chegada dos primeiros imigrantes Sebastião do Caí, Bom Princípio, Feliz e outras
italianos. “Os colonos alemães, tanto nos seus cidades próximas.
lotes coloniais, como em suas casas comerciais,
cumpriram a tarefa especial de apoiar os italianos, Isolados, falando um idioma de matriz anglo-
que vieram depois, fornecendo-lhes víveres e saxônica, os germânicos, de maneira geral,
mercadorias de toda sorte, além de pousada e encontraram mais dificuldades de se deixar
outras facilidades” (DAL PIZZOL; SOUZA, 2014, assimilar culturalmente, podendo criar quistos
p.52). raciais. Ser Deutscher, na concepção desses
colonos, é ser de origem alemã, quando se
Após esse fluxo de imigrantes ter cessado por contrastam aos luso-brasileiros ou aos ítalo-
“fortes críticas e queixas que chegavam à Prússia, brasileiros, em relação aos quais se consideram
em 1859, aprovou-se formalmente o “Rescrito superiores quanto à ética de trabalho. Mas é
de Heydt”, no qual se cobravam do Império ser também rural, simples, ingênuo e pouco
brasileiro explicações pelos maus-tratos de seus familiarizado (WOORTMANN, 2000). Além disso,
cidadãos e o não cumprimento das promessas havia o Rescrito de Heydt, revogado apenas em
preestabelecidas” (ARBEX; OLIC, 1997, p.22). 1896. Assim, o governo do Imperador Pedro II
mudou o foco para a Itália, país recém-unificado
Na Alemanha, a vitivinicultura também é uma em 1871, com forte pressão demográfica e uma
atividade tradicional tal qual na Itália e Portugal, estrutura fundiária caracterizada pela grande
porém com uvas de terroirs locais. Essa atividade, concentração de terras nas mãos da nobreza,
todavia, não prosperou como nas comunidades Igreja e comerciantes. Acrescente-se a isso a
italianas formadas no Rio Grande do Sul no último política oficial de branqueamento e o fato de os
quarto do século XIX. Isso se deve, principalmente, italianos serem latinos, fácil para estabelecer uma
ao clima impróprio das terras baixas onde estavam comunicação verbal, sendo também católicos,
instalados. Além disso, enquanto a vitivinicultura como os portugueses. Coube aos imigrantes
alemã estava limitada a poucos produtores, os italianos construir a moderna vitivinicultura
italianos da Serra Gaúcha a praticavam em maior brasileira, colocando o Brasil entre os atores
número, formando uma rede de viticultores produtivos - players - mundiais.
disseminados pela serra. Mesmo com condições

136 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


Conclusão

A história, muitas vezes, é escrita como verdade não foi uma atividade central da colônia, daí as
absoluta, para atender aos interesses ou a serviço análises sistêmicas terem como foco a presença
de uma elite dominante, acabando por distorcer dos escravizados apenas nas atividades base da
ou omitir fatos reais relevantes. Assim, o resgate exportação: canavieira e mineração. A inclusão
histórico do pioneirismo da atividade vitivinícola e reconhecimento do trabalho escravo traz uma
completa ter ocorrido em Pernambuco, com mudança na narrativa histórica.
portugueses da Ilha da Madeira, traz uma
importante contribuição histórica. A Capitania de Fatores relacionados ao poder econômico,
São Vicente, atual São Paulo, embora com papel marítimo e industrial da Inglaterra e sua
de destaque, perde essa proeminência, ficando, influência mundial solaparam o desenvolvimento
apenas, com o mérito de ter iniciado o cultivo da da incipiente vitivinicultura no Brasil-Colônia.
uva. Portugal, por sua vez, não desejava ter nos seus
domínios coloniais novos concorrentes aos seus
Dada a relevância da vitivinicultura vinhos da metrópole, criando obstáculos legais.
pernambucana, Frans Post, sob o poder e ordens
do Conde Maurício de Nassau, registrou em suas No caso dos portugueses açorianos e alemães
pinturas vários cachos de uvas nos brasões de que migraram para o Rio Grande do Sul, onde as
Itamaracá e no das Armas, durante o domínio condições ambientais para o cultivo de uvas são
holandês, no litoral do Nordeste, revelando a mais apropriadas do que as áreas de clima tropical,
manutenção da atividade vitivinicultora iniciada constatou-se que houve um impulso na produção
com êxito por portugueses madeirenses desde vitivinícola local, porém, de maneira geral, sem
o início do processo de colonização do Brasil. grande sucesso quanto sua continuidade e
As chuvas concentradas no outono/inverno expansão. Apesar disso, eles forneceram cepas
criam condições ambientais no terroir local mais e apoio material aos imigrantes italianos que
favoráveis do que as do litoral úmido paulista, chegaram no último quarto do século XIX para
concentradas no verão. ocupar a Serra Gaúcha, onde constituíram o
principal vetor de expansão: o desenvolvimento
No Rio Grande do Sul, as primeiras videiras foram da vitivinicultura moderna brasileira, elaborando
trazidas pelas missões jesuítas, certamente de 90% dos vinhos finos, obtendo o reconhecimento
Buenos Aires, para onde os espanhóis enviavam de sua alta qualidade nos mercados nacional e
vinhas com o intuito de estimular e fixar a internacional.
colonização hispânica no Prata. Apesar do terroir
favorável, com a expulsão desses religiosos, a
prática da vitivinícola gaúcha foi abortada.
Agradecimento
Os portugueses, culturalmente, são grandes
produtores e consumidores de vinho, buscando O autor agradece à Enóloga e Mestre Josi
cultivar uvas e produzir vinhos em seus domínios Cardoso, UFRGS, à Historiadora Mestre Maria
coloniais no mundo. A América Portuguesa não Eulália do Carmo, PUC RJ, Dr. e Mestre Eduardo
constituiu uma exceção, porém, sempre com o Mello, UFRJ e ao Dr. e Mestre Carlos Eduardo
emprego da mão de obra escrava. A vitivinicultura Oliva, Ciência Política UFF.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021 137


Referências

ADÃO, A.R. Der Familienfreund - katholischer GORENDER, J. O Escravismo colonial. 6. ed. São
hauskalender und wegweiser. Almanaque. Porto Paulo: Editora Expressão Popular, 2016.
Alegre: Tipografia do Centro, 1935.
IBRAVIN. Instituto Brasileiro do Vinho. História
ALBUQUERQUE, T.C.S.; OLIVEIRA, F.Z.; SOUZA, do vinho no Brasil. Disponível em: https://www.
J.S.I. A Expansão da viticultura no Médio São ibravin.org.br/Historia-do-Vinho-no-Brasil.
Francisco. In: Simpósio latino-americano de Acesso em: 12 out. 2019.
enologia e viticultura, 2.; Jornada latino-americana
de viticultura e enologia, 2.; Simpósio anual de JOHNSON, H.; ROBINSON, J. Atlas mundial do
viticultura, 2., 1987, Garibaldi, RS. Anais.... Porto vinho. 7. ed. São Paulo: Globo Estilo, 2014.
Alegre: ABTVE, 1987.
MAUCH, C. Os alemães no Sul do Brasil: cultura,
ALZER, C.; BRAGA, D. Tradição, conhecimento e etnicidade e história. Canoas: Ulbra, 1994.
prática dos vinhos. 16. ed. Rio de Janeiro: Editora
José Olympio, 2014. MELLO, C. E. C. Presença do vinho no Brasil: um
pouco de história. São Paulo: Editora de Cultura,
ARBEX, J. J.; OLIC, N. B. A hora do sul. São Paulo: 2004.
Moderna, 1997.
POMBO, R. A História do Brasil: descobrimento e
BATISTA, F. A. Os tratados de Methuen de 1703: colonização. v.1, São Paulo: Jakson, 1959.
guerra, portos e vinhos. Rio de Janeiro: UFRJ,
2014. SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. Dicionário da
escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das
CARVALHO, J.B. A Verdadeira história das Letras, 2018.
capitanias hereditárias. Rio de Janeiro: Editora
do Autor, 2008. SCHWARTZ, S.B. Segredos Internos: engenhos e
escravos na sociedade colonial (1550-1835). São
DAL PIZZOL, R.; SOUZA, S. Memórias do vinho Paulo: Companhia das Letras, 1988.
gaúcho. v.1, Porto Alegre: AGE, 2014.
SILVA, L.D. Rebeliões negras em Pernambuco.
DOMINGUES, J.E. Ensinar História. Disponível Ciência & Trópico. Recife, v.25, n.1, p.95-106, jan/
em: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/linha- jun 2011.
do-tempo/alvara-de-proibicao-de-fabricas-e-
manufaturas/. Acesso em: 10 nov. 2020. VIEIRA, H.C. Brasil holandês: história, memória
e patrimônio compartilhado. São Paulo: Alameda
FRANS POST e suas pinturas do Brasil. Casa Editorial, 2012.
Disponível em: https://www.arteeblog.
com/2016/11/franz-post-e-suas-pinturas-do- WILLE, J. Memória da imigração no Brasil.
brasil_6.html?m=1 Acesso em: 23 abr. 2021. Disponível em: https://www.jws.com.br/2019/06/
memoria-da-imigracao-no-brasil/. Acesso em: 30
GOODY, J. O Roubo da história. São Paulo: Editora out. 2020.
Contexto, 2008.
WOORTMANN, E.F. Identidades e Memória
entre Teuto-Brasileiros: os dois lados do Atlântico.
Porto Alegre: Horizontes Antropológicos, 2000.

138 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.124-138, 2021


A ABE
Há 45 anos, a Associação Brasileira de
Enologia (ABE) atua na promoção e
divulgação da cultura do vinho, mas, acima
de tudo, na qualificação dos enólogos.
São 45 safras em constante evolução.
Assim, os enólogos brasileiros se
uniram e evoluíram ao longo do
tempo, como os melhores vinhos.
Hoje, a entidade é reconhecida
mundialmente pela sua forte
atuação, pela relevância
de seus eventos, pela
legitimidade de suas ações
e pela representatividade
institucional. Mais de 300
enólogos de todo o Brasil
integram o quadro social da
entidade.

www.enologia.org.br
Foto: Jeferson Soldi

140 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.140, 2021


Reconhecida como a maior degustação de vinhos de uma safra do mundo,

AVALIAÇÃO a Avaliação Nacional de Vinhos é única no gênero. Tornou-se o maior


momento do vinho brasileiro, servindo de ferramenta na evolução da
NACIONAL produção nacional, além de reunir toda cadeia produtiva da uva e do vinho.
DE VINHOS Este ano, o evento culmina com a divulgação e degustação das amostras
mais representativas da Safra 2021, no dia 6 de novembro.

Único Concurso Internacional de Vinhos realizado no Brasil com a


chancela da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), BRAZIL
o Brazil Wine Challenge acumula uma década de história, com WINE
realização sempre em anos pares. Em 2020, bateu recorde com 774
CHALLENGE
amostras, de 16 países. A 11ª edição será em 2022.

CONCURSO DO Maior vitrine do espumante brasileiro, o Concurso chega a sua 12ª


edição, programada para os dias 13 e 14 de outubro de 2021. Em 2019,
ESPUMANTE foram avaliados 376 espumantes de 89 vinícolas, de sete Estados. O
BRASILEIRO desafio é seguir avançando na qualidade e representatividade.

Única publicação técnico-científica da cadeia produtiva da uva e


do vinho no Brasil, a Revista anual compartilha artigos inéditos
REVISTA
de pesquisadores nas áreas da Enologia, Viticultura, Enoturismo, BRASILEIRA DE
Enocultura e Gestão. Já são mais de 150 trabalhos publicados em VITICULTURA
12 edições. A 13ª edição será apresentada durante a Avaliação E ENOLOGIA
Nacional de Vinhos - Safra 2021.

CURSOS, PALESTRAS
E MISSÕES TÉCNICAS DEGUSTAÇÕES
Eventos técnicos também fazem parte da agenda
da entidade. Mesmo em tempos de pandemia, a
TEMÁTICAS
ABE tem dado continuidade a este tipo de ação Já é tradição a realização de degustações
por meio de ferramentas digitais. temáticas de vinhos e espumantes. Com
a pandemia do Coronavírus, a ABE se
reinventou, dando continuidade ao
ENVIO DE AMOSTRAS projeto, agora em formato on-line, com o
A divulgação, coordenação e envio de amostras envio das amostras em pequenas garrafas.
para concursos realizados no mundo inteiro é Assim, o acesso a rótulos de diferentes
um trabalho liderado pela ABE, que mantém procedências e novas tendências tem
parcerias com Associações de Enólogos e outras continuado, fazendo o longe virar perto.
entidades do mundo do vinho. O ranking oficial
de medalhas alcançadas pelos rótulos brasileiros
é atualizado pela entidade.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.13, p.141, 2021 141

Você também pode gostar