A "Democracia Racial" e A Negação Do Racismo No Brasil
A "Democracia Racial" e A Negação Do Racismo No Brasil
A "Democracia Racial" e A Negação Do Racismo No Brasil
Entrevista 1
Lilia Schwarcz: quase pretos, quase brancos
Por Carlos Haag
“[...] Aqui [no Brasil], ‘ninguém é racista’, como determinou, em 1988, no centenário da Abolição, uma
pesquisa cujos resultados eram sintomáticos: 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito.
Mas, ao serem perguntados se conheciam pessoas e situações que revelavam a discriminação racial
no país, 98% responderam com um sonoro ‘sim’. ‘A conclusão informal era que todo brasileiro parece
se sentir como uma ilha de ‘democracia racial’, cercado de racistas por todos os lados’ - avalia a
antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo”.
(Pesquisa Fapesp, 2007, no 134).
Entrevista 2
“[...] Cada país que pratica o racismo tem suas características. As características do racismo brasileiro
são diferentes. Por que o brasileiro não se considera racista ou preconceituoso em termos de raça?
Porque o brasileiro não se olha no seu espelho, nas características do seu preconceito racial. Ele se
olha no espelho do sul-africano, do americano, e se vê: ‘olha, eles são racistas, eles criaram leis
segregacionistas. Nós não criamos leis, não somos racistas. Tem mais: tem o mito da democracia
racial, que diz que não somos racistas. Esse mito (da democracia racial) já faz parte da educação do
brasileiro. [...] Se você pegar um brasileiro até em flagrante em um comportamento racista e
preconceituoso, ele nega. Isso tem a ver com as características históricas que o nosso racismo
assumiu, um racismo que se constrói pela negação do próprio racismo.” (Portal Geledés, 2016).
1. O que seria a denominada “democracia racial” no Brasil? Explique com suas palavras.
2. Por que a democracia racial, segundo o autor do Texto I, seria um recurso de negação do racismo
em nosso país? Qual seria a origem desse discurso? Explique.
3. Qual é a crítica contida no Texto II sobre o racismo ser um atributo do “outro”? O que isso quer
dizer? Em que espaços se manifesta e por quê?
Vocabulário:
Um bantustão era um território separado para os habitantes negros da África do Sul e do Sudoeste
Africano, como parte da política de apartheid adotada no final da década de 1940.
“[...] ninguém nega que exista racismo no Brasil, mas ele é sempre um atributo do ‘outro’. Seja da parte
de quem preconceitua, seja da parte de quem é preconceituado, difícil é reconhecer a discriminação, e
não o ato de discriminar. Além disso, o problema parece se resumir a afirmar oficialmente o
preconceito, e não a reconhecê-lo na intimidade. Esse conjunto de argumentos demonstra como
estamos diante de um tipo particular de racismo; um racismo sem cara, que se esconde por trás de
uma suposta garantia da universalidade das leis que lança para o terreno do privado o jogo da
discriminação.
● Elementos que revelam as relações desiguais de poder entre brancos e negros no Brasil.
Fonte 1. O “cadinho das raças” em Casa-grande & Senzala
“Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo [...] a
sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. [...] Na ternura, na mímica excessiva, no
catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar
menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da
influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de
comer [...]. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da
mulata que nos tirou o primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boa. [...] Do moleque que foi o nosso
primeiro companheiro de brinquedo.” (FREYRE, 1983, p. 283).
Cadinho: recipiente em material refratário, geralmente de barro, ferro ou platina, utilizado para fusão
das reações químicas em altas temperaturas.
Sinhama: escravizada de mais idade, geralmente encarregada do cuidado das crianças da casa-
grande.
“[...] a sociedade colonial foi montada para o branco. A nossa história também é uma história do branco
privilegiado para o branco [...]. O negro foi exposto a um mundo social que se organizou para os
segmentos privilegiados da raça dominante. Ele não foi inerte a esse mundo. Doutro lado, esse mundo
também não ficou imune ao negro. [...] O negro permaneceu sempre condenado a um mundo que não
se organizou para tratá-lo como ser humano e como ‘igual’. Quando se dá a primeira grande revolução
social brasileira [a Abolição da escravatura], na qual esse mundo se desintegra em suas raízes, [...]
nem por isso ele contemplou com equidade as ‘três raças’ e os ‘mestiços’ que nasceram do seu
intercruzamento. Ao contrário, para participar desse mundo, o negro e o mulato se viram compelidos a
se identificar com o branqueamento psicossocial e moral. Tiveram de sair de sua pele, simulando a
condição humana-padrão do ‘mundo dos brancos’. (FERNANDES, 2007)