Caderno TCC - Daniela Lopes
Caderno TCC - Daniela Lopes
Caderno TCC - Daniela Lopes
Comece do começo.
Pode ser do meio.
Ou do fim, se quiser.
Talvez não.
tema do trabalho nasce primeiro como uma autocrítica, e depois, de
forma mais abrangente, uma crítica ao modo como lidamos com a dimensão
humana das cidades. A sensibilidade humana e a influência psicológica do 01
espaço no usuário não costuma ser parte do processo de ensino ou de traba-
lho do urbanista, e meu desejo é trazer estes tópicos à tona nessa discussão.
A arquitetura é um ofício extremamente humano, e acredito que tenha
grande influência na psique humana, porém essa influência é pouco discu-
tida dentro da academia. Projetamos de modo determinista (e eu me incluo
aqui), tantas vezes assumindo sentimentos do usuário, que nada mais é que
um personagem criado por nós mesmos. São nossas próprias projeções, e
dificilmente temos a consciência desse processo.
Desde as grandes revoluções industriais, as intensas separações ocorridas
na sociedade são a base de sua espetacularização. A institucionalização da
divisão social do trabalho e a formação das classes constitui, como colocado
por Marx, uma imposição de uma ordem mítica ao inconsciente social. Essa
02 é a base, segundo Guy Debord, da nova ordem que se coloca desde lá no
mundo. Para ele, a manutenção desse estado inconsciente é o que conserva
a sociedade do espetáculo. Essa espetacularização, que traz constantemente
estímulos danosos ao psicológico do indivíduo, mantém o inconsciente cole-
tivo urbano. Assim cria-se a atitude blasé, que afasta os cidadãos da experiên-
03 cia urbana, tão primordial para a formação da essência humana.
Na escola urbana, é o movimento moderno que sintetiza essa maneira de
construir a cidade. A intensa racionalização trazida pelo urbanismo moderno
trata de seus problemas de forma isolada e impede a criação de soluções mais
04 completas, principalmente no que diz respeito ao papel social e psicológico
do meio urbano. E esta maneira de projetar a cidade ainda vem influenciando
o urbanismo amplamente, especialmente no Brasil, onde o movimento mo-
derno foi tão forte. Porém, uma cidade é e sempre foi construída em cima de
relações sociais antes de mais nada.
O pensamento pós-moderno traz à tona alguns desses problemas, ten-
tando levantar questões que a era passada deixou em segundo plano. Teorias
05 influentes, como a fenomenologia de Husserl, o existencialismo sartreano, e
até a teoria marxista, influenciam pensamentos que se voltam a pontos mais
humanos, tanto individual quanto socialmente.
Porém, as discussões pós-modernas, apesar de tratarem da realidade co-
locada naquele momento no mundo, ainda se mantém mais na teoria e, a
não ser de forma mais pontual, dificilmente vê-se as preocupações trazidas
06 pelos pós-modernismo de forma mais prática na interpretação e construção
da cidade – apesar de terem avançado de maneira mais concreta no fazer da
arquitetura.
Mais que a construção em si, minha preocupação é na interpretação da
cidade e da relação dos cidadãos com ela. Penso que é primordial o enten-
dimento dessa relação para qualquer construtor do espaço, já que é nela que
reside o significado urbano, e uma cidade que não trata dessa relação acima
de tudo, não cumpre seu papel principal.
A observação e experimentação da cidade é, para mim, o principal ins-
trumento para a interpretação dela, como espaço tanto pessoal quanto social.
É assim que, primeiro, criamos nossa própria relação com ela, e depois, com
aqueles à nossa volta, cada um com sua própria relação.
Essa experimentação e observação da dinâmica urbana é o principal ins-
trumento que encontramos como construtores do espaço da cidade. Assim
criamos a sensibilidade necessária para entender melhor o papel psicológico
do ambiente urbano no usuário, e adquirimos um repertório de sentimentos
e situações.
Sempre gostei de tocar as coisas. Nunca soube o porquê.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Deve ser por isso que gosto tanto dessa construção. É inesperada, em
meio aos apertados e antigos quarteirões de Paris. Ou talvez pelos contorci-
dos tubos na fachada, mostrando o que sempre se esconde. Não é exatamente
bela. Não sei o que é.
Ainda assim, parece que cativa a tantos outros. A pequena inclinação da
praça é perfeitamente confortável para sentar-se e fazer nada. Ou jogar con-
versa fora. Ou observar o sol batendo na fachada. A praça está sempre cheia,
viva, com os vários cafés ao seu redor. Não deve ser pela beleza da construção.
Não pode ser.
Ainda que a construção da cidade não tenha sido abordada de forma mais
prática pelo pós-modernismo, a maneira de experimentar a cidade é coloca-
da de diversas formas em diversos tempos, inclusive na era pós-moderna, e
a rua – ou espaço público - sempre foi o lugar da vivência, do experimento.
“Precisamos matar a rua! ” Esta afirmação de Le Corbusier retrata a ma-
neira como o urbanismo moderno tratava esse espaço. O movimento era
contra a mistura e falta de racionalidade que as ruas apresentavam histo-
ricamente, e tinha motivos para isso. A racionalização do meio urbano era
trazida pela rapidez com que se tinha que reconstruir cidades inteiras.
Mas afinal, a cidade é mais que um conjunto de funções. Ela é produto
e meio das relações humanas que ela comporta. Assim, a maneira moderna
de urbanizar não permite a plenitude de experimentação dos fenômenos da
cidade.
Por outro lado, a rua também desperta um interesse mais antropológico.
A rua “é boa para pensar” (LEVI-STRAUSS, 1975). A ideia de experimentar
a cidade já aparece há um certo tempo vinculada à ideia de caminhar.
Os primeiros escritos sobre o caminhar na cidade remontam ao simbo-
lismo, movimento literário que surgiu na França no fim do século XIX. Al-
gumas de suas características se assemelham com no pensamento que surge
nessa época, especialmente a filosofia fenomenológica. Ele tem um caráter
mais individual, baseado na intuição e em temas mais abstratos e subjetivos.
O maior expoente do simbolismo foi Baudelaire, que desenha muito bem
a figura do flanaeur em sua literatura. O flanaeur tem um papel chave para
entender, participar e retratar as experiências da cidade.
Assim como apareceu na literatura, a experiência urbana volta a aparecer
em outros contextos. Na década de 60, a experimentação diferenciada da
cidade surgiu como forma de rever a ordem que vinha se impondo no país
e no mundo. No âmbito das artes, as deambulações de Hélio Oiticica e seus
parangolés, e o movimento tropicalista reivindicavam as experiências plenas
e uma maior consciência do indivíduo.
Tal pensamento filosófico começa com o sujeito humano, não meramente
o sujeito pensante, mas as suas ações, sentimentos e a vivência de um ser
humano individual. Assim, reconhece-se uma importância crucial à experi-
ência. É ela que forma a essência humana ao longo do tempo.
Pois, aquele homem blasé, que pouco experimenta a cidade, tem uma for-
mação empobrecida de sua essência. Faz-se necessário uma cidade aberta à
experiência de seus usuários para que tenham uma formação plena.
Tais experiências aumentam a consciência de corpo e mente, aguçam a
percepção do ser. Elas são uma interação entre o mundo físico e nossas me-
mórias corporificadas – memórias de experiências passadas. Assim se dá a
formação humana.
Noite chuvosa de uma quinta-feira. Fomos ver a Camerata tocar na Cate-
dral. Saindo de lá, olhamos para trás uma última vez para ver a fachada ilu-
minada, o pórtico servindo de abrigo da chuva para os espectadores. Ele disse
que depois da aula de patrimônio em que o professor nos contou que aquele
pórtico é uma adição posterior à fachada da igreja, ele nunca mais conseguiu
olhar o pórtico como parte integrante do conjunto.
Eu também não.
4. CIDADE MODERNA
FENOMENOLOGIA
Fenomenologia significa o estudo dos fenômenos que aparecem
à consciência. Essa abordagem filosófica aborda o sentido dado aos
fenômenos, mostrando que o mundo é fenômeno que precisa ser
revelado.
A fenomenologia foi primeiro proposta por Edmund Husserl,
que tomava a descrição como fundamental nesta corrente. A vivên-
cia do mundo não está nas coisas em si, nos fatos, mas nos fenôme-
nos que esses fatos representam para aquele que está vivenciando.
Pois bem, se cada ser possui sua própria verdade, uma cidade é feita das
infinitas interpretações que ela recebe. Essas verdades são a essência huma-
na, em paralelo com as teorias de Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista.
O conceito filosófico existencialista prega que a existência precede a es-
sência, e assim o homem antes existe, e depois vai formando sua essência.
Para os existencialistas, não existe uma natureza humana pré-estabelecida.
Fica bastante claro a influência da fenomenologia em Sartre, que trata os
fenômenos que aparecem à consciência como aqueles formadores do ser hu-
mano.