Pereira, 2003
Pereira, 2003
Pereira, 2003
Dissertação apresentada à
Escola Nacional de Saúde
Pública da Fundação Oswaldo
Cruz, como parte dos requisitos
para a obtenção do título de
Mestre em Saúde Pública
Rio de Janeiro
2003
Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ
BANCA EXAMINADORA
(nome e assinatura)
(nome e assinatura)
(nome e assinatura)
2
Ao Darcy, Marlene, Rafael e Diogo, minha
família, pela solidariedade e apoio, sem o
qual não teria sido possível a realização
desta tarefa,
3
AGRADECIMENTOS
Aos adolescentes do Programa Clube Ponte de Encontro com os quais tive o grande
prazer de conviver e aprender a cada dia a ser uma profissional da área de saúde mental.
4
A civilização não é “razoável”, nem “racional”, como também
não é “irracional”. É posta em movimento cegamente e mantida em
movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de relacionamentos,
por mudanças específicas na maneira como as pessoas se vêem
obrigadas a conviver. Mas não é absolutamente impossível que
possamos extrair dela alguma coisa “razoável”, alguma coisa que
funcione melhor em termos de nossas necessidades e objetivos. Porque
é precisamente em combinação com o processo civilizador que a
dinâmica cega dos homens, entremisturando-se em seus atos e
objetivos, gradualmente leva a um campo de ação, mais vasto para a
intervenção planejada nas estruturas social e individual – intervenção
esta baseada num conhecimento cada vez maior da dinâmica não-
planejada dessas estruturas.
5
Sumário
ABSTRACT ............................................................................................... 7
RESUMO.................................................................................................... 8
Introdução................................................................................................... 9
I. Políticas Públicas de Saúde para Infância e Adolescência ................ 12
6
ABSTRACT
7
RESUMO
8
Introdução
9
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dentro de seu horário de funcionamento – as
segundas, quartas, quintas e sextas-feiras das 09:00 às 16:00 horas – são oferecidas
diversas oficinas terapêuticas, objetivando trabalhar questões envolvendo a constituição
destes jovens enquanto sujeitos e a promoção da socialização, tentando restabelecer
vínculos sócio-afetivos. Todas as oficinas oferecidas levam em conta as necessidades e
demandas da faixa etária. Investe- se na transformação da condição destes sujeitos, de
suas famílias e da rede social que os cercam.
O objetivo desta análise é fundamentar a pertinência desta abordagem global do
problema dentro do campo da reforma psiquiátrica e possibilitar sua difusão como ação
prático-teórica legítima para a reinserção psicossocial de jovens com transtornos
mentais graves, oferecendo-se como resultado a atuação sobre processos de
incapacitação provisória e permanente dos mesmos.
Na perspectiva do estudo proposto, consideramos que a carência de dispositivos
assistenciais na área de saúde mental para infância e adolescência e de políticas públicas
direcionada a esta área traz um quadro que deve ser revertido. A análise das práticas
efetivadas no Programa Clube Ponto de Encontro servem como ponto de partida para a
discussão e busca de legitimação de novas políticas públicas para a área.
No capítulo I tomamos como ponto de partida a tarefa de delimitação do
conceito de sujeito ao qual o dispositivo assistencial se direciona – o jovem
adolescente. A delimitação deste conceito se dá ao longo do percurso trilhado em busca
do delineamento, numa perspectiva histórico-social, das políticas de assistência em
saúde efetivadas nos dois últimos séculos até o presente momento, para esta população.
No capítulo II descrevemos as práticas de assistência em saúde mental para a
infância e adolescência. Do nascimento da medicina social ao posterior surgimento da
pediatria e puericultura, passando pelo ideário eugênico até a consolidação da
psiquiatria infantil a partir dos anos 30. Discorremos sobre os dispositivos de assistência
em saúde, marcando as diferenças existentes ao longo do desenvolvimento destas
práticas e as teorias científicas que as embasaram.
No segundo item deste capítulo abordamos o campo teórico da reforma
psiquiátrica italiana através de seus principais autores, tendo em vista a utilização deste
marco teórico para a realização da análise das práticas de reinserção psicossocial.
No capítulo IIII através da problematização das práticas de cuidados oferecidas
aos jovens no contexto da reforma psiquiátrica, justificamos a escolha do campo e do
objeto de estudo amparados na utilização do marco teórico estabelecido.
10
No capítulo IV efetuamos a descrição do objeto de estudo, o Programa Clube
Ponto de Encontro. As oficinas terapêuticas e seus objetivos, como práticas voltadas
para os adolescentes assistidos e o Clube de Pais e seus desdobramentos com os
recursos terapêuticos para assistência desta clientela. Também foi delineado o
desenvolvimento das estratégias utilizadas com o objetivo de dar suporte a aquisição
e/ou aumento da capacidade de contratual dos jovens e seus familiares com a escola,
espaço institucional relacionado a esta faixa etária, no qual estes jovens devem estar
inseridos.
No capítulo V realizamos a exposição e iniciamos a analise do material coletado.
Através da ata de reunião da equipe multiprofissional efetuamos a análise de
implantação do programa. As entrevistas com os técnicos da equipe e o grupo focal
realizado com os familiares dos jovens assistidos permitiram analisar a pertinência das
práticas e ações do programa. Como parâmetro para a análise das discussões trazidas
pelas entrevistas utilizamos a portaria de nº 336 de fevereiro de 2002 e o Estatuto da
Criança e do Adolescente. As propostas e estratégias contidas no Projeto Clube “Ponto
de Encontro”. Ressocialização para Jovens em Grave Sofrimento Psíquico: Lazer
Assistido e Reconstrução de Vínculos Afetivos, projeto inicial anterior a implantação do
programa, norteou a análise da discussão provocada pelo grupo focal.
Nas considerações finais apontamos para a importância da criação de um campo
de estudo e pesquisa , especialmente no que diz respeito aos transtornos mentais graves,
para a área de saúde mental da infância e adolescência no intuito de subsidiar ações e
políticas para a área.
11
I. Políticas Públicas para a Infância e a Adolescência
12
A Criança no Mundo Moderno
No final da Idade Média, crianças e adultos eram uma só massa sem contornos,
não havendo o sentimento de infância. Segundo Ariès (1981), ambos freqüentavam os
mesmos ambientes, partilhavam das mesmas tarefas. A discriminação de idade não
continha valor social. A única distinção feita, na ocasião, foi relativa a criança muito
pequena, que não era levada em consideração, em face da alta mortalidade infantil.
Superando esta etapa entravam no mundo e com estes se confundiam.
Nos séculos XVI e XVII, quando do surgimento de novo sentimento em
relação às crianças, o convívio com elas torna-se agradável, fonte de distração e
relaxamento aos adultos, fazendo que estes as desejassem por mais tempo em casa e
prorrogando sua entrada no convívio social. Os moralistas e educadores exasperavam-se
com esta conduta piegas, repudiavam-na, atribuindo-lhe a má educação destes pequenos
adultos e, então, reforçaram a necessidade do afastamento da criança do círculo
familiar. Essa segunda perspectiva apontou no sentido da infância como objeto de
ordenamento e disciplina que se daria especialmente fora do círculo familiar, e vigorou
por séculos.
As escolas clericais da Idade Média se dirigiam igualmente para crianças e
adultos jovens. Entrar na escola, para as crianças, era entrar no mundo adulto, pois se
afastavam de suas famílias e do resto da sociedade, nelas ocorria o ensino das artes
como também o das tarefas domésticas.
A contribuição do renascimento foi intervir para disciplinar e formar para
atividades diversas. As escolas, diferente das de hoje, seriam o lugar adequado onde se
primaria pela disciplina e racionalidade dos costumes, erradicando a leviandade da
infância.
A partir do século XV, na sociedade absolutista, a escola passa a ser voltada para
a infância e a juventude, instaura-se a repugnância pela mistura de idades e recrudesce
seu papel moral e disciplinador. Buscam-se nas escolas os princípios de comando e
hierarquia, estes preceitos trazem novas transformações ao sentimento de infância, que
passa então a ser vista como uma fraqueza, aumentando o sentimento de
responsabilidade dos mestres.
A vigilância e os castigos corporais se tornam atitudes correntes frente à
infância. Mais adiante, segundo Ariès (1981: 181), "a dilatação da idade escolar
submetida ao chicote: reservado de início às crianças pequenas, a partir do século XVI
ele se estendeu a toda população escolar”.
13
Na França, o rechaço da violência como uma via do autoritarismo disciplinar
escolástico propiciou, no séc. XIX a reforma do sistema escolar e substituiu o
sentimento de fraqueza relacionado à infância pela necessidade de despertar na criança a
responsabilidade para a vida adulta. Institui-se a necessidade de uma disciplina
constante e orgânica, instrumento de aperfeiçoamento moral e espiritual, não só dentro
da instituição como também extensiva às famílias como uma forma de abalizamento da
mesma. Ao ciclo escolar longo correspondia à extensão da infância.
O século XVIII presencia a entrada da divisão social dentro do ensino.
Primeiramente se criam classes escolares distintas para o povo e para a burguesia.
Posteriormente há separação de faixas etárias, as crianças são colocadas em classes
separadas dos mais velhos. Estas mudanças são oriundas de uma elite de pensadores e
moralistas com funções eclesiásticas ou governamentais.
Ariès nos informa que "a criança bem educada seria preservada das rudezas e da
imoralidade, que se tornariam traços específicos das camadas populares e dos moleques.
Na França, essa criança bem nascida seria o pequeno-burguês. Na Inglaterra, ela se
tornaria o gentleman (...)" (idem: 185)
Estas novas denominações adentram o século XIX, colocam-se como uma
confirmação da divisão social em classes e uma resistência ao avanço democrático. Ao
povo destina-se um ensino inferior – a escola, aos burgueses um ensino longo e clássico
– o liceu ou colégio. O sentimento de infância surge junto à classe social burguesa, e a
partir dela se difunde para outras classes, atravessando a idade moderna, transformando
as intervenções e chegando ao século XIX.
14
doméstico até questões relativas a propriedade e o desenvolvimento e manutenção
econômica do clã, eram norteadas única e exclusivamente pelos desígnios paternos.
A família não se restringia, no que diz respeito aos membros que a compunham,
ao que chamamos hoje de família nuclear. Havia além destes, agregados, aparentados e
numerosos escravos que se faziam necessários, pois todas as atividades e utensílios
necessários ao desenrolar doméstico eram produzidos no interior deste. O meio social
era exclusivo aos homens, as mulheres e crianças tinham suas vidas ligadas quase em
sua totalidade ao ambiente doméstico. Costa nos traz de forma ilustrativa, a seguinte
definição.
15
centrífugos. Nada, em suas intimidades afetivas, evocaria a
representação que o indivíduo urbano e moderno tem de suas
necessidades psíquicas. O gosto pela exploração, reconhecimento e
cultivo das peculiaridades emocionais não só era estranho ao universo
familiar, mas incompatível com a solidariedade do grupo (...) (Idem: 96)
16
dos preceitos éticos e morais compatíveis à nova ordem econômica capitalista, onde o
trabalho e a propriedade privada seriam os seus marcos.
Ao invés de servirem à família sob os desígnios ditatoriais paternos, passariam a
servir os ditames estatais, tendo como preceptores a instituição médica. Estas
transformações trouxeram novas formas de relações interpessoais e sociais nem sempre
mais fáceis que as anteriores.
17
O Código de Menores de 1927 parece ter sido criado para dar conta das questões
relativas à infância pobre (Vogel, 1995). Há uma tensão, que se estende até os nossos
dias, sobre a relação entre trabalho e a escolarização de jovens de classes populares. Nos
vinte anos subseqüentes a criação do código de menores, foi mantido o monopólio da
gestão da delinqüência e do controle da vigilância do trabalho infantil nas mãos dos
juízes.
No período de pós-guerra até o início da ditadura militar o código de menores
era prioritariamente utilizado em casos de delinqüência, mantida posteriormente sob os
auspícios do Serviço de Assistência ao Menor – SAM, criado em 1941 (Earp,1998).
Seus objetivos eram recuperar crianças e adolescentes delinqüentes e proteger crianças
pobres abandonadas ou, muitas vezes, entregues pelas próprias famílias a este
dispositivo para serem cuidadas, por parecerem representar “melhores condições” do
que era os oferecido por elas. Este foi o período de apogeu dos internatos e das
internações.
A criação do SAM também se deveu ao fato de centralizar numa mesma
instituição a assistência, para dar conta das necessidades surgidas a partir dos novos
conhecimentos médicos, psicológicos e pedagógicos sobre as causas do abandono e
delinqüência e seu tratamento, como também a resolução das questões enfrentadas pelos
Juizados de Menores em suas ações jurídico-sociais. O Serviço de Assistência ao
Menor, responsável pela assistência aos “desvalidos e transviados” iniciou sua ação em
estabelecimentos federais – internatos e pensões agrícolas – posteriormente a partir de
1944 tornando-se prestador de assistência social nos mais diversos aspectos em todo o
território nacional.
A falência deste sistema pode ser constatada a partir da década de 50.
Corrupção, maus tratos com aplicação de castigos corporais, violência sexual de
funcionários a menores internos vêm a tona.
18
Consenso na opinião pública e na imprensa, o SAM passa a ser denominado por
“depósito de menores”, local onde ocorriam abusos e clientelismo. Esta política
assistência deve ser entendida dentro do contexto ideológico da época, no qual o
“menor” na rua, fora das escolas e do ambiente de trabalho representavam risco à
sociedade. Esta população sem vocalização político-econômica e sem possibilidade de
barganha dentro de um Estado Ditatorial sucumbiu aos seus instrumentos de proteção e
recuperação marcando negativamente o SAM no imaginário popular. (Rizzini: 1995)
A Legião Brasileira de Assistência – LBA, criada em 1942 por Darcy Vargas
com o objetivo de prestar assistência à família e à criança, também fez parte das
políticas a população pobre na era Vargas. A extinção de órgãos assistenciais voltados
para a emergência e sua substituição pelo Departamento de Maternidade e Infância,
como também a unidade de ação foram alcançados com o novo regimento da LBA de
outubro de 1943. Ao Departamento de Maternidade e Infância cabia o estudo,
planejamento e execução da assistência através dos serviços de assistência à família, de
puericultura e medicina, de obras sociais e de cadastro e estatística.
19
As várias mudanças ocorridas no sistema assistencial, incluindo a criação da
FUNABEM, se deram sob os auspícios da revolução de 64. A meta principal deste
período era formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor –
PNBEM, com base nos estudos a nível nacional do levantamento do problema desta
população. Planejar e articular soluções junto a instituições públicas e privadas; dar
subsídio técnicos a equipes de assistência fossem elas estaduais, municipais, de
entidades públicas ou privadas; fiscalizar contratos e convênios como também o
cumprimento das políticas de assistência ao menor fixadas pelo Conselho Nacional
faziam parte das competências da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, entidade
autônoma que faria parte tanto da esfera administrativa quanto financeira, fora criada
para formular e implantar políticas na área.
Este aparato foi criado pra dar conta de uma questão social surgida na segunda
metade da década de 60. O incremento das regiões metropolitanas ocorrendo em
paralelo com aumento da pobreza e conseqüente processo de marginalização, onde boa
parte da população se mantinha excluída do direito ao acesso aos bens sociais, criou
uma massa de desassistidos que em pouco tempo se tornou um grave risco para o
desenvolvimento do país, portanto matéria de segurança nacional.
20
repressivas era a pedra angular das ações desta instituição. As Fundações Estaduais –
FEBEMs, ficariam então encarregadas da aplicação de recursos no nível local, sob a
lógica metodológica e ideológica da Fundação Nacional.
Apesar do lema: “Brasil Jovem: A base do futuro sem fronteiras” (Vogel apud
Bazílio, 1995), os internatos, herança do SAM, trouxeram uma armadilha da qual a
FUNABEM não conseguiu escapar. A instituição convivia com o paradoxo da estrutura
asilar lado a lado das estratégias de prevenção, com o clientelismo de um lado e os
métodos e técnicas com base numa ação terapêutica em relação ao menor e preventiva
em relação à família, do outro.A crescente marginalização da população infanto-juvenil
na década de 70, deixou claro que a FUNABEM e as FEBEMs não dispunham de
recursos suficientes para enfrentar a situação.
Os dez últimos anos de existência da FUNABEM foram de grandes
transformações. Primeiramente constatou-se falência do modelo e a inviabilidade da
convivência da assistência correcional-repressiva com o assistencialismo, o que gerou
uma busca de abordagens inovadoras sob os auspícios da ainda insipiente abertura
democrática e dos movimentos sociais. O próximo passo então, foi observar e tentar
aprender com uma nova modalidade de trabalho e experiências bem sucedidas
realizadas com meninos e meninas de rua – Projeto Alternativas de Atendimento a
Meninos de Rua. A partir de 1984 a instituição criou uma nova identidade política, em
paralelo acontecia a abertura democrática e a proximidade do primeiro governo eleito
concretizando-se a abertura democrática após longo período de ditadura. A militância
neste momento foi a favor das crianças e dos adolescentes. Nova legislação surgiu a
partir da criação do Código do Menor de 1979 e vários movimentos culturais e técnico-
científicos aconteceram. Em 1986 surgiu, sob a égide de que o atendimento a crianças e
adolescentes era um direito, patrocinado pela FUNABEM, o Projeto Diagnóstico
Integrado Para Uma Nova Política de Bem –Estar do Menor, que chegou aos seguintes
resultados:
21
medida em evitasse que o menor carente viesse a se tornar
abandonado e, este, por sua vez infrator. (Idem: 319)
22
Como decorrência das conquistas ocorridas deste período temos a criação do
Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) de Santos, O Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) de São Paulo e o Centro de Atenção Integral à Saúde Mental (CAIS) de Angra
dos Reis, no final da década de 80 e início da década de 90.
Apesar do grande avanço nas políticas de saúde mental como um todo neste
período, é evidente a disparidade relativa ao setor infanto-juvenil. Não há legislação
nem políticas especificas para esta faixa etária. As propostas existentes dizem respeito a
esta população como um todo e o dispositivo criado em 1986 pela Previdência Social
através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS),
foi à publicação da resolução nº 123 de 27 de maio, instituindo procedimentos e rotinas
para a assistência integral aos adolescentes, em redes básicas de serviços de saúde.
Somente em 1989, a Comissão Interinstitucional de Assessoramento à
Implantação do Programa de Assistencial Integral à Saúde do Adolescente é formada
para propor ações de relevância para seu crescimento e desenvolvimento, para
imunização, para atender doenças sexualmente transmissíveis, gravidez, concepção e
situações de risco como violência, acidentes, drogadição, patologias prevalentes etc.
Não havia qualquer referência à saúde mental do adolescente, embora em 1986,
o Relatório Final do Grupo de Trabalho em Saúde Mental do INAMPS indicasse a
importância do acompanhamento familiar como um recurso terapêutico fundamental na
assistência a esta faixa etária. Até a presente data inexiste uma sistematização da
abordagem às famílias. Como nos aponta Pitta e Alves (1993: 126):
23
Reflexões sobre as Políticas Atuais
24
Os papéis e status atribuídos, que estabelecem as possibilidades de integração e atuação
social, são cada vez mais dificultados pelo próprio contexto social e seus constituintes.
O adolescente, que com o passar dos anos tem sua faixa etária cada vez mais
extensa, não possui o estatuto de cidadão por inteiro, dependendo ainda do Estado ou de
outra instituição que o represente. Seu posicionamento jurídico dentro da ordem social é
dúbio. Imaturidade e irresponsabilidade jurídica e civil se equivalem trazendo a
cassação de seus direitos enquanto cidadãos. A juventude, assim, é vista com
desconfiança e hostilidade e se torna um problema a ser tratado. Luz (1993: 13) nos traz
várias reflexões:
A exclusão social dos jovens parece se dar em dois âmbitos. Por um lado através
da ordem econômica via mercado de trabalho. Por outro através da depreciação de sua
figura, rotulando-o de imaturo e rebelde. Esta última sendo utilizada no esvaziamento
das críticas dos jovens, muitas vezes pertinentes, a sociedade que os cerca e também,
como justificativa, as ações coercitivas direcionadas a este grupo. A ordem social parece
incapaz de absorver o novo por se mostrar diferente das relações sociais já
estabelecidas. A ordenação do jovem parece ser objetivo final deste processo, fazendo o
velho da ordem social, emergir no jovem. Ainda para Luz,
25
prisão) ou na eliminação. O jovem que não se enquadra nas regras é
por ela enquadrado. (1993: 14)
26
privadas por meio de atendimento especializado, opondo-se de forma enfática à
existência de instituições para menores e de classes especiais com características
asilares.
A Unidade Hospitalar de Neuropsiquiatria Infantil/Núcleo de Adolescentes do
Complexo Psiquiátrico Pedro II, dispositivo asilar, criada ainda na década de 50,
permaneceu como o único dispositivo no estado do Rio de Janeiro disponível para o
atendimento de crianças e adolescentes com transtornos psiquiátricos por pelo menos
três décadas. Os cinco Centros de Atenção Diária, criados a partir de 1998, são os
recursos existentes na cidade do Rio de Janeiro, área com grande contingente
populacional e um dos pólos nacionais de desenvolvimento técnico, para lidar com a
questão do grave adoecimento psíquico da clientela infanto-juvenil.
A partir do ano de 2001 há o prenúncio de mudanças. A I Conferência de Saúde
Mental do Município do Rio de Janeiro e a II Conferência de Saúde Mental do Estado
do Rio de Janeiro, ambas em 2001, tiveram como tema de grupos de discussão, a saúde
mental da infância e adolescência.. A Pré-Conferência Nacional de Saúde Mental da
Infância e Adolescência, realizada com o objetivo de dar corpo às necessidades e
também apontar políticas para área, foi a materialização dos esforços e sucessos da
temática dentro do contexto geral das Conferências Municipais e Estaduais em todo
Brasil. Uma de suas funções era de aglutinar propostas e profissionais ligados a
temática, tendo em vista a III Conferência Nacional de Saúde Mental. Amplo debate foi
realizado e extenso material foi compilado, sem sombra de dúvida um grande salto,
principalmente se tomarmos como referencial o quadro acima descrito.
Outro passo fundamental para o avanço neste processo foi a criação da Portaria
no 336 de 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta a Lei 10.216, propondo um novo
modelo de atenção – Centros de Atenção Psicossocial/CAPS, introduzindo a noção de
território apesar de utilizar como referencial para implantação do serviço e atendimento
a área adscrita em termos de espaço geográfico e definindo modalidades de
atendimento. Pela primeira vez, nesta portaria, foi contemplada a questão da infância e
adolescência, ao se estabelecer um dispositivo voltado especificamente a esta clientela
acometida por transtornos mentais graves, reconhecendo a importância e necessidade do
atendimento a esta população e as instituições e atores sociais com ela envolvidas.
Mas não podemos esquecer que estamos diante de um longo processo de
construção e validação de práticas com o objetivo de implantar e sedimentar políticas
para uma área importante, mas ainda tão carente. Cabe-nos então, lançar questões para
futuras discussões.
27
Vivendo num país de muitos e graves problemas, convém
perguntar qual a dimensão, tanto ética quanto epidemiológica, das
questões de saúde mental nas crianças e adolescentes? (...) Quais as
nossas ações quanto a este problema em crescimento? (...) Por que a
saúde mental de crianças e adolescentes continua sendo uma questão
menor? Haveria, dentre explorados e excluídos do Brasil, uma
subcategoria ainda mais desprovida de direitos e voz? (Saggese, 1995:
11, 12 e 13)
28
II. Assistência e Práticas à Infância e Adolescência em Saúde Mental
29
Da Medicina Social a Pediatria
30
educação física, moral e intelectual das mães que entregavam seus filhos aos cuidados
de escravas e amas-de-leite ignorantes e parteiras inábeis. O sentimento de infância foi
modificado neste período por conta do persuasivo e insistente trabalho de médicos
moralistas e educadores e esta mudança se deu primeiro nas classes abastadas por conta
de seu papel e importância no contexto econômico e político.
O aleitamento materno e o aleitamento de aluguel oferecido por amas ou
escrevas se tornou um campo de intenso embate na passagem do século XIX para o
século XX. Esta questão passou a ter grande significação ao pertencer a um problema de
foro nacional. Em função deste impasse foi fundado no Distrito Federal em 1901,por
Moncorvo Filho, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, idealizado para ser um
serviço de exame e atestação de nutrizes mercenárias. Dois anos depois, foram
apresentados dois projetos de lei voltados à proteção da infância pela fiscalização oficial
do aleitamento mercenário no V Congresso Brasileiro de Medicina.
A pediatria social tornou-se então, ao fornecer carteiras com atestado e exames
cada vez mais rigorosos, uma medicina de classe ao dificultar o comércio de amas de
aluguel e controlar a saúde das populações pobres, tornando-as menos perigosas para as
classes ricas (Orlandi, 1995). Nas três primeiras décadas do século XX, o leite materno
foi substituído primeiramente pelo leite condensado e finalmente pelo leite em pó, já
que com a abertura do mercado de trabalho após a Grande Guerra houve o
desaparecimento das mães de aluguel.
As organizações religiosas e os filantropos foram, e não somente os pediatras e
puericultores, os promotores da melhoria dos cuidados às crianças no século XIX. Estas
instituições se transformaram para serem no século XX assumidas pelos poderes
oficiais. As Casas dos Expostos tiveram longa existência e o Hospital Na Sra da Saúde,
na Gamboa, Rio de Janeiro, criado para dar conta das epidemias, acabou por recolher
crianças doentes ou crianças cujos pais internados faleceram, por não a quem entrega-
las. A Policlínica das Crianças, inaugurada por filantropo, teve como seu primeiro
diretor Fernandes Figueira. Nos anos 10 e 20 houve incremento do interesse em torno
da criança. Creches, jardins de infância , maternidades, cursos e publicações foram
criadas.
31
associações particulares a colaborarem monetariamente com as
instituições assistenciais. Percebem-se nessa atitude duas tendências
que até os dias atuais caracterizam o atendimento à criança: o
Governo proclama sua importância e mostra a impossibilidade de
arcar com ele pelas dificuldades financeiras em que se encontra. O
atendimento não constitui direito, mas favor. Ambas as tendências
ajudam a esconder que o problema da criança se origina na divisão
da sociedade em classes sociais. (Orlandi apud Kramer, 1995: 84)
32
forneceria o caráter específico do aluno decodificado através de índices de
normalidade, anormalidade e degenerescência.
A Árvore de Pizzoli, forma de representação do campo epistemológico da
pedagogia da época, utilizava as raízes suspensas, o tronco e as folhas e frutos para
designar aspectos do campo e suas interfaces. A raiz representava as outras ciências
que podiam subsidiar o processo pedagógico, tias como: pediatria, ortofrenia,
fisiologia, antropologia, psicologia, anatomia, etc. O tronco representava o processo de
educação que poderia desdobrar-se tanto na educação normal quanto na emendatória,
que por sua vez se desdobraria nas folhas e frutos murchos destinada aos desviantes –
criminosos, amorais, surdo-mudos, idiotas, etc.
A psicologia, segundo Oscar Thompson, diretor da Escola Normal na ocasião e
incentivador do novo movimento científico, seria a ciência que forneceria a ciência da
educação subsídios importantes. O psicodiagnóstico e a pedotécnica, além de estudar o
caráter específico da criança nas diversas fases da vida segundo parâmetros da
normalidade, traçaria normas ao método e didática de ensino harmônicas a natureza
psicológica do aluno.
33
n’aquelle posto humilde e sagrado de medico e educador de creanças infelizes. (Bilac,
1905)
Esta pedagogia pretendia conhecer o escolar através das etiologias,
enquadrando-o numa tipologia através da leitura de sinais no seu corpo, que uma
ciência determinista constituiria em índices de normalidade, anormalidade e
degenerescência1. Sendo que na degeneração operariam parâmetros impostos por
teorias raciais que inundavam o campo intelectual da época – a Eugenia. A distribuição
de crianças por escolas, casas de correção, hospícios ou prisões se tratava de uma
prática humanitária.
Lourenço Filho, em 1930, foi o primeiro a utilizar o termo escola nova ao
publicar artigo sobre curso ministrado no Instituto de Educação. Sob esta designação
encontrava-se um comprometimento com a pedagogia científica mesclado com um
revisionismo de fins sociais, expelindo as questões da anormalidade e regeneração do
contexto pedagógico para outros saberes e poderes. Motivações políticas e sócio-
econômicas atraíram profissionais de diversas categorias para a causa educacional.
Educar seria a saída para o grande problema nacional – saúde e educação – por sua
capacidade de regenerar a população doente e inculta.
1
Estes índices seriam aferidos a partir de um roteiro de observação e medidas da compleição física, tipo
racial, traços morais, marcas de hereditariedade e ambiente familiar.
34
Higiene Mental já iniciada no Engenho de Dentro. A LBHM, dentre seus vários
objetivos, tinha como principal meta a realização de um programa de higiene mental e
eugenia visando a melhoria da saúde mental coletiva e a formação moral mais adequada
nas massas. O sistema de formação moral previniria as psiconeuroses e distúrbios
elementares do sistema nervoso que podem gerar paixões, crimes, idéias extremistas,
reivindicadoras ou revolucionárias. (Schechtman, 1981: 25)
Os Arquivos Brasileiros de Higiene Mental , revista produzida pela LBHM, que
circulava no Brasil e fora dele, veiculava seu ideário eugênico não só para médicos,
mas também para professores, juristas e intelectuais sendo este movimento amplamente
divulgado por ocasião da distribuição gratuita a vários colégios, bibliotecas públicas e
demais locais onde houvesse ampla circulação de pessoas. A Higiene Mental, para a
psiquiatria, se iniciaria logo após o nascimento da criança e a acompanharia por toda
vida, justificando o controle e orientação à família.
No que dizia respeito a higiene da criança, houve a partir de então a
regulamentação e padronização dos métodos obstétricos com o estabelecimento do
serviço pré-natal, controle e fiscalização de crianças na escola, pré-escola e no trabalho
com o intuito de reduzir o índice de mortalidade. Estas atividades estariam ligadas ao
serviço de Higiene Mental
Renato Kehl funda em São Paulo no ano de 1918 a Sociedade de Eugenia e em
1931 a Comissão Central Brasileira de Eugenia, que contava com dez membros
também pertencentes a LBHM. Em 1929 se realiza o I Congresso Brasileiro de Eugenia
na Academia Nacional de Medicina, dando mostras da penetração que o ideário
eugênico havia alçando nos meios intelectuais e médicos.
O movimento eugênico, ao relacionar-se com a melhoria da raça, criou um forte
apelo enquanto ciência pudesse possibilitar condições para a “ordem e progresso” no
Brasil. A ansiedade em relação ao perfil e identidade nacional poderia ser abrandada
pelo incorporação desta ciência aos nossos meios acadêmicos (Santos, 2003). A
Eugenia foi uma teoria de grande prestígio na época por seus propósitos de
melhoramento da espécie humana com a extinção dos degenerados e a seleção dos
procriadores. Para os eugenistas haveria sempre uma minoria selecionada para servir de
modelo a uma maioria de seres improdutivos e atrasados. Vários procedimentos e
ramos da medicina foram marcados pela eugenia.
Na revolução de 30, o Estado Novo de Getúlio Vargas, muitos membros da Liga
Brasileira de Higiene Mental ocuparam cargos no Ministério da Saúde e Educação, este
fato permitiu a atuação de vários de seus membros em estabelecimentos municipais que
35
se desdobrou na implantação de serviços para tratamento das neuroses e psicoses e na
instalação do Gabinete de Psicologia Aplicada que atendia à doentes dos ambulatórios e
aos alunos da rede pública. A Clínica Eufrênica direcionava seu atendimento a pré-
escolares e escolares das primeiras séries com o objetivo de garantir a boa formação
psíquica e prevenir doenças nervosas da infância, corrigindo-lhes as reações anormais
e canalizando adequadamente o caráter da juventude. Suas ações tinham duas vertentes
principais. A primeira seria a Eufrenia genealógica, que confundia com os objetivos e
domínio da eugenia e a segunda seria a Eufrenia médico-pedagógica, cujas ações
educacionais estimulariam as qualidades inatas e amenizaria as predisposições
hereditárias.
36
pedagogia, psiquiatria infantil e a ideologia política se confundiam gerando mútua
dependência.
37
O modelo básico seria a paralisia geral com suas fases delirante, maníaca, demencial e
finalmente a estuporosa terminal. Seguiu-se posteriormente a clínica com inclinações
etiopatogênicas, onde cada quadro estava apoiado numa determinada quantidade de
causas e mecanismos patológicos típicos. Morel, dentro deste quadro, opôs as doenças
mentais adquiridas, ligadas a medicina do corpo, a das doenças mentais constitucionais
que seriam do terreno psicológico particular, degenerescência mental hereditária ou
adquirida bem cedo. Ele e seus conceitos dirigiram-se a alienação e patologias mentais
da infância, buscando encontrar na criança síndromes mentais paralelas ao retardo.
Na virada do século com a nosologia do psiquiatra alemão Kraepelin, houve um
incremento nas descoberta neste campo devido a investigações clínicas com parâmetros
e metodologia mais avançadas. Surgiu uma nova geração de tratados. Avanços também
ocorreram no campo do retardo mental ao surgir a distinção das formas congênitas
clássicas – a demência precocíssima. A partir de 1926 se começou a se falar sobre a
esquizofrenia infantil, abrindo maior espaço para a distinção entre a idéia da existência
de psicoses autistas e dissociativas e do retardo mental e das manifestações de caráter e
constitucionais. Teve início neste período a noção moderna de psicose infantil e dos
seus desdobramentos.
O terceiro e último período da psiquiatria infantil, iniciado na década de 30 do
século XX até os nossos dias, surgiu sob a influência marcante da psicanálise. O
conflito psíquico e seus desdobramentos psicopatológicos trouxeram para a clínica
infantil uma configuração específica, principalmente por envolver uma situação atual
ou recente. Manifestações dispersas passam a ser pensadas sob o modelo da histeria e a
sintomatologia psicossomática surgiu de forma rápida e reveladora, com a colaboração
da pediatria, enriquecendo o surgimento de uma nova clínica. Foram acrescidos as
categorias dos dois períodos antecedentes, as doenças psicossomáticas, os distúrbios de
comportamento, os distúrbios afetivos e as perturbações elementares do
desenvolvimento.
A psicanálise e suas noções se incorporaram as teorias psiquiatrias da infância
na Europa por justaposição e nos Estados Unidos através do funcionalismo. Os grandes
tratados criados na década de 30 na Europa – Kanner (1935), Pichon (1936), Robin
(1939) – criaram um corpo teórico de suporte e ação na clínica, havendo maior
destaque para a produção realizada na Inglaterra por sua concepção de conjunto,
homogeneizando as intervenções na clínica. Já nos Estados Unidos, desde o início do
século XX, havia uma integração das teses psicanalistas no conjunto do campo da
psicologia e da psicopatologia, denominado funcionalismo. Esta abordagem, a
38
funcionalista, intimamente inscrita na vida americana, permite incorporar facilmente
uma variedade de sistemas de idéias – psicanálise, gestaltismo, pavlovismo – e se
caracteriza pela idéia de um todo orgânico explicitado na dualidade espírito-corpo e que
este se mantém numa tarefa permanente, contínua e vital de adaptação ao meio.
Determinar a função da atividade psicologia seria de capital importância para a
compreensão sobre as formas de adaptação do psiquismo, parte integrante do
organismo, ao ambiente. O estudo da clínica psicopatológica da criança se deu
essencialmente através dos estudos dos psicanalistas de suas práticas da clínica
psicoterápica como também do imenso material das pesquisas, das etapas do
desenvolvimento da criança dentre outras coisas, de inspiração funcionalista e
behaviorista. O conjunto deste material – clínica e pesquisa – marca, estrutura e funda a
psiquiátrica da criança, ou pedo-psiquiatria, nos Estados Unidos.
39
Para Berchèrie (1992) falta qualquer compreensão ao observador adulto de uma
medida comum entre o adulto e a criança, sendo este o impeditivo da constituição de
uma clínica psicopatológica. Por um lado há a importação acrítica da clínica dos
adultos. Por outro, na clínica moderna, distanciada dos paradigmas médicos e
impregnada pela psicanálise, há uma abertura para o conjunto da clínica.
40
2.1. Teorias Orientadoras
41
As Reformas Reformistas
42
A psiquiatria comunitária surgiu nos Estados Unidos após a declaração do
Presidente Kennedy, em 1963. Esta propunha, na ocasião, um Programa Nacional de
Saúde Mental, no qual a doença e o doente seriam vistos sob novo prisma e o
tratamento passaria a ter nova valoração, sendo a assistência comunitária o eixo central.
Desde o início do século havia o Movimento de Higiene Mental, que teve como uma de
suas maiores conseqüências à criação em 1909 do Comitê Nacional de Higiene Mental
– atual Associação Nacional de Saúde Mental, contrário às formas custodiais de
atendimento, advogando por uma forma de tratamento no seio da comunidade (Desviat,
1999). Poucos resultados foram obtidos neste período e nos anos subseqüentes, já que o
atendimento asilar manteve-se como forma prioritária de tratamento ao doente mental.
Os Centros de Saúde Mental Comunitária, criados a partir do Community Mental
Health Centers Act of 1963, que levavam em conta a facilidade de acesso à clientela
atendida, tinham como alguns dos princípios básicos: disponibilidade, gratuidade,
ênfase na prevenção, informação sobre a forma de tratamento disponível a população
alvo e levantamento de necessidades da população com um todo. A psiquiatria
preventiva preconizada por Gerald Caplan era o suporte teórico da psiquiatria
comunitária, o atendimento ao indivíduo adoecido não era o objetivo alvo, este
transcendia à comunidade em suas mais variadas possibilidades – as escolas, os
trabalhos, os asilos, a sociedade de forma geral – na tentativa de produção de mudanças
positivas e bem-estar. Sob esta ótica, além dos profissionais da área de saúde mental, os
agentes comunitários possuíam papel importante na identificação dos fatores ou práticas
de risco, corrigindo-os positivamente.
Os Centro de Crise, substitutos a internação convencional, surgiram como
modelo de aplicação clínica à teoria da crise criada por Langsley e Kaplan. Dentre
várias atribuições, podemos destacar a identificação de grupos em situação de risco, o
planejamento de atividades terapêuticas visando rápida resolução da crise e no pós-
crise, a realização de nova avaliação visando, quando necessário, a confecção de novo
planejamento terapêutico. Estes centros situavam-se em hospitais gerais, centros
comunitários ou locais onde a população era considerada de risco. Como fator de risco
entendia-se fatores ou práticas que exerciam influência negativa contínua no
desenvolvimento da personalidade e os que interferiam de forma pontual em situações
de desequilíbrio.
As reformas psiquiátricas inglesa e francesa conseguiram imprimir uma nova
forma de tratamento e de leitura do adoecimento mental; sob estes novos parâmetros, o
doente mental passou a sofrer novo tipo de ação e proteção do Estado. Ainda como
43
cidadão tutelado, o indivíduo se manteve na condição de doente e submetido às regras e
limitações estabelecidas pela própria instituição – o manicômio. A exclusão e o estigma
social mantiveram-se sob forma humanizada. Aos doentes mentais a igualdade e
liberdade eram asseguradas, contanto que fosse intramuros ou em locais substitutivos.
Já a reforma psiquiátrica dos Estados Unidos, apesar de valorizar o papel da
comunidade e as possibilidades da rede social, mostrando-se flexível quanto à
imprevisibilidade do tempo de tratamento, parece arrastar os muros que circundam a
instituição para toda a sociedade. Os doentes mentais não foram libertados e sim a
sociedade que se tornou refém de regras normatizadoras de conduta, tendo nos
profissionais de saúde e agentes comunitários os guardiões e agentes correcionais do
bem-estar da população.
44
psiquiátricos, foi buscar referências para sua prática clínica nas reformas psiquiátricas
da França e da Inglaterra. As influencias também presentes do pensamento
fenomenológico existencial de Sartre, como também de Foucault e Goffman, foram
marcantes para analisar criticamente suas práticas clínicas e a instituição psiquiátrica.
45
psiquiátrica. A doença como produção psiquiátrica, passa então, a ser colocada entre
parênteses, permitindo a aproximação e relação com o sujeito dentro de sua real
condição de sofrimento psíquico. Despojam-se do indivíduo os valores
institucionalizados da doença, o seu duplo. A periculosidade, a irrecuperabilidade e
incompreensibilidade da doença precisam ser desconstruídas, necessitam ser vistas por
outro prisma, diverso da sintomatologia gerada pelas condições institucionais. A
contratualidade, poder de negociação dos indivíduos nos vários espaços por onde circula
e reinserção psicossocial se tornam metas prioritárias na reconstituição dos sujeitos que
sofrem.
A desinstitucionalização, dentro dos parâmetros da reforma psiquiátrica italiana,
significa, dentre outros aspectos, desmontar o aparato teórico-clínico gerado pela
instituição psiquiátrica. A cura passa a ter sua importância deslocada para um conjunto
complexo de estratégias indiretas e mediatas, na prática cotidiana, de enfrentamento dos
problemas de forma crítica. Priorizam-se projetos de reprodução social, nos quais são
valorizados os recursos positivos do serviço e de todos que estão nele inserido,
objetivando uma inserção saudável destes indivíduos no meio.
46
organização social, dentre elas, escolas e tribunais. O enriquecimento das competências
técnicas é mais um desdobramento deste processo.
A complexidade do lidar diário com o padecimento psíquico de indivíduos em
Centros de Saúde Mental, impõem um rearranjo nas modalidades e recursos de
intervenção. Valorização e centralização no trabalho em equipe com auto-avaliação
constante do desenvolvimento do trabalho substituem as verdades científicas, assim
como a priorização da dimensão afetiva na relação médico-paciente surgem para tomar
o lugar da neutralidade terapêutica.
47
de recuperar a relação entre valências de saúde, os valores de vida e
a própria crise . (Dell’Acqua & Mezzina, 1991: 56)
48
palavra-chave, tanto no enfrentamento dos riscos da institucionalização quanto para
manutenção da riqueza de trocas existentes dentro deste espaço, aberto as contribuições
da comunidade, influindo qualitativamente nos percursos individuais de todos
envolvidos.
49
III. O Problema da Prática de Cuidados e Reinserção Social dos Jovens no
Contexto da Reforma Psiquiátrica
50
prevalência de transtornos mentais para esta faixa etária de 10 a 15%2, sendo que cerca
de 50% destes transtornos tendem a produzir incapacidade permanente3.
O desfecho desta “internação voluntária” é dramático e, geralmente é antecedido
por uma crise. Caso esta crise ocorra ainda dentro do período da adolescência, o
dispositivo de tratamento existente para acolhida a este jovem ainda é o mesmo que o
manteve dentro deste circuito de institucionalização do atendimento
ambulatorial/medicamentoso ou da internação familiar.
Ao completar dezoito anos de idade as perspectivas de atendimento e acolhida à
crise será provavelmente efetuada por um dispositivo de internação, o mesmo que se
destina aos adultos, desfazendo-se de imediato, neste momento, a questão da
especificidade técnica do profissional a lidar com o atendimento ao jovem adulto. Não
há dúvidas de quem irá atendê-lo no hospital psiquiátrico. As circunstâncias em que
geralmente ocorrem as internações envolvem dispositivos de segurança – policiais ou
soldados do corpo de bombeiros e ocorrem sob coação, agressão física de parte a parte,
seguida de imobilização. Saem todos – jovens, familiares, profissionais envolvidos –
traumatizados.
Assim, as bases e preceitos da reforma psiquiátrica brasileira, alicerçados na
Reforma Psiquiátrica Italiana, se fazem igualmente necessárias a esta população jovem.
O atendimento ambulatorial e as internações psiquiátricas como os únicos dispositivos
existentes para lidar com o adolescente frente a um padecimento psíquico grave, só
pode ser vista como uma prática institucionalizante e cronificante que deve ser
desconstruída em nome não somente dessa população em questão, mas de seus
familiares e todo o contexto social no qual estão inseridos.
Rotelli (1990: 29) orienta em que bases esta desinstitucionalização deva se
dar.
2
Steinberg, D. 1994. Adolescent Services. In: Child and Adolescent Psychiatry: Modern Approaches
(Rutter, M. & Taylor, E. & Hersov,L.) Oxford: Blackwell.
3
Offord,D & Fleming, J. 1995. Epidemiologia. In: Tratado de Psiquiatriada Infância e Adolescência.
(Lewis, M.- Org.) Porto Alegre: Artes Médicas.
51
concreta a ação terapêutica como transformação institucional. (...),
porque a terapia não é mais entendida como a perseguição da
solução-cura, mas como um conjunto complexo, e também cotidiano
e elementar, de estratégias indiretas e mediatas que enfrentam o
problema em questão através de um percurso crítico sobre os
modos de ser do próprio tratamento.
52
população como um todo, deixando de ser uma prática de vanguarda implantada dentro
de uma instituição formadora de ensino, tal como ocorre há aproximadamente quatro
anos no Programa Clube Ponto de Encontro, um dos programas oferecidos pelo Centro
de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil – CAPSIJ, Instituto de Psiquiatria da UFRJ,
destinado a jovens portadores de grave padecimento psíquico .
O segundo diz respeito à centralização do trabalho terapêutico no objetivo de
enriquecer a existência destes pacientes de forma global, complexa e concreta em seu
cotidiano.
E por terceiro, a construção de estruturas externas e territorializadas em
substituição a internação manicomial.4
Para Rotelli,
53
(...) a integração interna do serviço é a adoção de um estilo de
trabalho com alto consumo afetivo, intelectual e organizativo, onde os
recursos se encontram permanentemente disponíveis, as
competências flexíveis e a organização (seja em termos de acesso da
demanda, seja em termos da não-esteriotipia da resposta) orientada
às necessidades do paciente e não às do serviço.
4
O CAPSI Pequeno Hans, criado em dezembro de 1998 e o CAPSI Elisa Santa-Roza em agosto de 2001,
são os únicos dispositivos de base territorial existentes até o momento no município do Rio de Janeiro,
voltados para infância e adolescência, atendendo respectivamente as APs e .
54
A demanda psiquiátrica é complexa. Além do sofrimento psíquico envolvido,
também estão presentes no processo, os agentes de encaminhamento, a forma de
chegada ao serviço e as passagens institucionais anteriores, tenham elas ocorrido em
dispositivo asilar ou não. A crise, segundo Dell’Acqua (1991), para além de um
episódio de desestruturação e intenso sofrimento psíquico, significa a ruptura de relação
com o contexto familiar e social e recusa a qualquer tipo de tratamento, gera alarme e
incapacidade dessas instâncias para enfrentá-la e se torna um momento onde a prática
de prevenção, cura e reabilitação se converge de forma unitária e se fazem necessárias.
Os Centros de Atenção Psicossocial, como locus privilegiado de intervenção a
crise, têm a responsabilidade de dar conta das múltiplas necessidades em saúde mental
da população assistida, transformando-se portanto no eixo do sistema, coordenando uma
série de possibilidades e estruturas paralelas e complementares, tais como: moradias
assistidas, cooperativas de trabalho e etc. O acolhimento deste sujeito neste contexto se
torna então a função primeira, prescindindo a questão diagnóstica, já que o binômio
solução-cura deixa de ser o eixo do tratamento. Além deste acolhimento não isolar o
usuário de seu ambiente, no caso específico do adolescente, deve ser extensivo aos seus
familiares. A expressão de demandas e os aspectos envolvidos antes e depois da eclosão
da crise são facilitados no sentido de trazer redução da ansiedade e conseqüente alívio,
possibilitando reconstituição da realidade via confrontos e produção de sentido. A
formulação de um programa prático de atendimento pode então ser construída.
As relações entre técnicos e usuários devem ser levadas em conta dentro de suas
particularidades e existir dentro da lógica de enriquecimento e reconstrução das
relações. Os profissionais do serviço devem transitar por todas as valências terapêuticas
propiciando uma relação global entre ele e o usuário. Os laços de afetividade e
cumplicidade devem ser favorecidos dentro e fora dos serviços, como também entre os
mais diversos tipos de usuários, com maior ou menor grau de comprometimento e das
mais diversas classes sociais. O desenvolvimento no território de onde provém o usuário
e onde também deve ser implantado o serviço – territorialidade – é também o locus
apropriado para o desenvolvimento de competências para manutenção da tutela, da
proteção e do apoio a estes indivíduos.
Para Saraceno (apud Basaglia, 1999: 67), “o louco é antes de tudo um sujeito
social condenado a uma perda progressiva de contratualidade não só afetiva, mas
social, econômica e civil” e é nesta perda de contratualidade que os serviços devem
intervir, dando suporte aos pacientes na reinserção em diversas atividades do campo
55
doméstico e social, instrumentalizando-os, material e simbolicamente, na reprodução
social e melhoria de qualidade de vida. Saraceno (1999: 123), nos aponta ainda, que:
56
Não se trata, portanto, de abrir mão dos diversos dispositivos técnicos existentes e
já que “os diversos tipos codificados de ‘terapia’(médica, psicológica,
psicoterapêutica, psicofarmacológica, social e etc ...) são considerados como momentos
também importantes, mas redutivos e parciais, sobretudo se isolados e codificados”
(Rotelli, 1990: 46). Criar espaço de autonomia para decisões e cooperação de todas os
atores envolvidos – usuários, familiares, técnicos, comunidade, etc. – possibilita a
expressão da criatividade e dos recursos individuais segundo a própria cultura,
linguagem e comportamento. A programação de atividades culturais, tais como:
passeios, festas e etc. são momentos que permitem o exercício de tomada de decisões,
de criatividade e da aceitação dos limites e disponibilidades de todos os envolvidos.
A complexidade do lidar com a “existência-sofrimento de um corpo em relação
ao corpo social” dentro do espaço institucional dos serviços, deve nos remeter a uma
repensar constante a respeitos das práticas cotidianas desenvolvidas e dos entraves
vividos, para que estas – práticas e entraves – não venham se transformar em “crises”
que possam incorrer no risco de institucionalização do serviço. Dell’Acqua (1991: 74)
nos alerta, com sua experiência, para o fato de que
57
IV. Programa Clube Ponto de Encontro e seus Recursos Terapêuticos
58
entrevistas semi-estruturadas e o grupo focal. Com estes instrumentos buscou-se
identificar o papel e a implicação da especificidade profissional para o tratamento de
jovens dentro de um contexto multiprofissional; o tipo de relação existente entre os
técnicos da equipe e os familiares e entre os familiares e os adolescentes; o
envolvimento, compreensão e participação dos familiares no tratamento dos filhos;
quais os atributos e competências dos técnicos e quais os tipos de atitudes dos pais ou
responsáveis frente aos adolescentes para que o tratamento dos jovens possa se
desenvolver da forma mais adequada possível dentro do programa. Também foi
utilizados, no presente trabalho, a transcrição do percurso de ingresso e tratamento de
dois usuários do programa com o objetivo ilustrar de forma vívida os caminhos e
descaminhos surgido ao longo do atendimento dos jovens, seus familiares e a rede
social envolvida.
A Ata de Reunião da equipe técnica do programa, que desde seu início contém o
registro da evolução, transformação e criação dos procedimentos utilizados, foram
submetidos a análise de conteúdo onde foram utilizadas as seguintes estruturas: 1)
organizativas – oficinas terapêuticas, clube de pais, etc. e 2) operativas – equipe
profissional, instrumentos utilizados, etc., como suporte para a reflexão e investigação
exploratória da implantação do programa ao longo dos últimos quatro anos.
A legislação psiquiátrica vigente para a área da infância e adolescência – portaria
nº 336 de 19 de fevereiro de 2002, a lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da
Criança e do Adolescente e o projeto inicial do Clube Ponto de Encontro serviram como
pano de fundo para a análise pretendida.
O presente trabalho se insere na perspectiva de fornecer subsídios a nível técnico
ao articular à prática a teoria, dando visibilidade ao processo através de sua
apresentação, quantificação e análise de dados, para o fomento de políticas públicas à
infância e adolescência na área de saúde mental. Pretendendo possibilitar também, num
sentido multiplicador, a formação e treinamento de recursos humanos voltados aos
cuidados a crianças e adolescentes com grave padecimento psíquico em diversas áreas
ainda não cobertas por este tipo de prática de atendimento. Reorientando a
responsabilidade dos profissionais da área para além do ato de executar e produzir
cuidados e os possibilitando também a promover a organização social desta produção
em modelos assistenciais.
Ao privilegiar a reinserção psicossocial e trabalhar com um conceito de saúde
mental para além da visão organicista, levando em conta tanto fatores subjetivos quanto
sociais e seus entrelaçamentos, tem como resultado imediato à melhoria da condição de
59
vida desta população e como objetivo último à reversão do processo de exclusão social
que traz em seu bojo um pesado ônus à sociedade.
60
Adolescentes sob Risco de Internação. O Programa Clube Ponto de Encontro foi o
primeiro a funcionar neste espaço. Aproximadamente após um ano da inauguração do
CAPSIJ, o Projeto GEPETO – Grupo de Estudos, Pesquisas e Trabalhos em Oficinas –
iniciou seu funcionamento e alguns meses mais tarde o Programa PASMEC – Projeto:
Adolescente, Saúde Mental e Cultura6- também deu início a suas atividades. Os três
programas passaram a dividir o mesmo espaço físico.
O Clube Ponto de Encontro funciona às segunda, quartas, quintas e sextas-feiras
no horário de 9:00 horas às 16:00 horas. Em seu horário de funcionamento são
oferecidas diversas Oficinas Terapêuticas, que objetivam através de atividades lúdicas e
verbalizações relativas às práticas vividas, trabalhar questões da constituição desses
jovens enquanto sujeitos e promover o restabelecimento de vínculos sócio-afetivos e
conseqüentemente a socialização, levando em consideração as características e
necessidades específicas desta faixa etária. As oficinas terapêuticas têm como proposta
central uma abordagem coletiva, mas buscando um direcionamento singular, levando
em conta a história de cada um ali envolvido. Elas também oferecem possibilidades de
no “aqui e agora” poder se investir nestes sujeitos, em sua adolescência, na
transformação da condição patológica, e de seus familiares e da rede social que os cerca.
Os objetivos do programa e conseqüentemente das oficinas são em primeira instância, o
atendimento adolescente na faixa etária de 12 anos a 18 anos incompletos, portadores de
neurose grave ou psicose com a rede de sociabilidade comprometida. Propiciar um novo
espaço, que não o da exclusão e o aumento do poder de contratualidade (Saraceno,
1999) possui neste contexto a mesma valência (Rotelli, 1990) que impedir a construção
de carreira manicomial para estes jovens.
Além do contexto global, cada oficina possui suas especificidades e objetivos
próprios. A Oficina do Movimento se fundamenta no campo teórico da
psicomotricidade e tem como princípio básico ajudar no desenvolvimento psicossocial
pela via da ação e do jogo, privilegiando o corpo através de diversas propostas de
atividades lúdicas sensório-motoras7. A Oficina do Movimento e de Capoeira possuem
em comum a questão do trabalho com o corpo, mas esta última possibilita um canal de
5
Bentes, A. L. S. 1999. “Tudo Como Dantes no Quartel D’Abrantes: Estudo das Internações Psiquiátricas
de Crianças e Adolescentes Através de Encaminhamento Judicial. Dissertação ENSP/FIOCRUZ,
aprofunda o estudo desta temática.
6
O Programa GEPETO e o programa PASMEC, tal qual o Programa Clube Ponto de Encontro
contemplam a questão da exclusão, mas com direcionamento a populações diversas. O primeiro trabalha
com o “fracasso escolar” como um fenômeno social desqualificante e o segundo com jovens
institucionalizados por afastamento ou ausência do contexto familiar.
61
expressão da agressividade socialmente valorizada e permite ao jovem desenvolver sua
auto-estima a partir da aquisição de habilidades físicas além de estimular a expressão
corporal e mantê-lo em contato com a musicalidade e com a cultura afro-brasileira8.
A Oficina da Palavra tem como matéria-prima histórias. Não só as histórias
presentes nos livros, como também, as trazidas pelos adolescentes em forma de textos
escritos ou em conversas.Seu objetivo é oferecer aos participantes um espaço de
expressão, reflexão, elaboração e troca interpessoal através de atividades que giram
em torno da escrita, da leitura e das conversas9. Já a Oficina de Lazer, privilegia o
empreendimento de práticas dentro e fora do espaço físico do programa, dando suporte
aos adolescentes na conquista de autonomia e segurança no gerenciamento de ações em
suas vidas. As atividades da Oficina compõem-se de planejamento e debate sobre as
atividades de lazer, bem como à prática propriamente dita - higiene, festas, almoços,
jogos, etc10.
As Oficinas Terapêuticas oferecidas no presente momento, são: Cartonagem,
Sexualidade, Lazer, Vídeo, Culinária, Bijuteria, Capoeira, Movimento, Medicação e
Cuidados em Saúde, Salão de Beleza, Reciclagem (atividade em conjunto com o
Hospital-Dia de adultos), Palavra e Jornal. Ao todo são 13 oficinas. Além das Oficinas
Terapêuticas são desenvolvidas outras atividades coletivas. A Assembléia, idas ao
Campo de Futebol onde os jovens geralmente partilham atividades com alunos de
Escola Municipal que utiliza o campo para aulas de educação física, o Almoço e as
Atividades Livres que se dão nos intervalos das oficinas – tênis de mesas, jogos de
tabuleiro, ouvir som, etc. O somatório de todas as atividades acima descritas fazem
parte do cotidiano dos adolescentes ao freqüentarem o Programa Clube Ponto de
Encontro.
A questão familiar foi contemplada com a criação do Clube de Pais, onde, de
forma sistematizada, são tomados como responsabilidade do serviço à intervenção junto
aos pais ou responsáveis, assim como a rede social dos adolescentes atendidos.
As atividades desenvolvidas pelo Clube de Pais podem ser caracterizadas
por atividades ditas regulares e atividades sujeitas à demanda. Sua implementação ao
longo do tempo exigiu o esforço de acompanhar e suprir as necessidades dos pais, na
sua própria emergência.
7
Relatório Final do Seminário Interno realizado em agosto de 2002 no Centro de Atenção e Reabilitação
para Infância e Mocidade-CARIM, denominação atual do somatório do que anteriormente foi o CAPSIJ e
o Setor Infanto-Juvenil, com a temática As Especificidades de um Centro-Dia Infanto-Juvenil. Pg. 25.
8
Idem, pg. 28.
9
Idem, pg. 27.
10
Idem, pg. 26.
62
As atividades regulares que ocorrem desde o início do surgimento programa
são o Grupo de Pais e a Oficina do Café da Manhã. O primeiro é realizado todas às
quartas-feiras das 9:00 horas às 10:30 horas sob coordenação de uma psicóloga e de
uma assistente social. Os temas abordados giram em torno das demandas trazidas pelos
participantes, pais ou responsáveis dos adolescentes atendidos no Clube Ponte de
Encontro. Estas demandas são diversas. Usos e desusos da medicação, aceitação da
doença mental, sexualidade dos adolescentes, problemas familiares geradores ou
gerados pela doença dos filhos, dificuldade de convívio com estes jovens adoecidos,
vergonha da doença. Todos estes temas servem como uma forma de propiciar a
possibilidade de escuta, troca de idéias e experiências, investindo na transformação
destas em ações mais adequadas no convívio entre pais e filhos.
A Oficina do Café da Manhã, realizada em dia e hora fixa, funciona a partir
da oferta da primeira refeição aos jovens, extensiva aos pais. É coordenada por
psicóloga e psicomotricista da equipe. O momento informal de reprodução espontânea
de hábitos domésticos e conversas familiares, é utilizado como facilitador de
intervenções mais adequadas e pontuais.
É privilegiado no Clube de Pais o atendimento em grupo o que não se reduz à
mera estratégia assistencial visando à otimização do quantitativo de pais a serem
atendidos. Esta forma de trabalho é utilizada como um meio de quebrar o isolamento
das famílias e propiciar o diálogo. O diálogo para estas famílias, fica evidente desde o
primeiro momento de contato, parece ser uma prática pouco usual dentro ou fora do
habitat doméstico. As comunicações são muito empobrecidas ou se realizam de forma
excludente sem valorizar ou privilegiar o interlocutor. Normas a serem seguidas, ordens
a serem acatadas sem questionamento e sem levar em conta nenhuma das necessidades
dos componentes deste pequeno grupo – a família – sucedem-se sem que eles mesmos
se dêem conta.
Os primeiros sinais da doença dos filhos parece detonar o processo crescente de
isolamento, não só do jovem reconhecido como doente, mas também da maior parte dos
membros deste grupo familiar. Evitam festas, passeios, passando a ter como companhia
somente uns aos outros. O contato com “estranhos” é seletivo, em momentos
necessários ao desenrolar das atividades diárias, mas sem o contexto caloroso e de troca
que o contato humano genuíno nos propicia.
Aproximar, fazer falar, ouvir, despertar interesses, criar um espaço de
interlocução são alguns, da longa lista de objetivos e possibilidades que queremos
despertar nesses pais entorpecidos. O trabalho em grupo, com suas múltiplas
63
possibilidades terapêuticas se torna um útil instrumental para este fim. Transformar
essas falas aparentemente estereotipadas e padronizadas, numa possibilidade de
enriquecimento subjetivo, abrindo espaço para novas identificações dentro do contexto
grupal é, figurativamente, como lançarmos uma gota num espelho imóvel de água que
passa então a se transformar e reverberar paulatinamente por toda sua extensão,
ampliando a pequena ação inicial – a gota d’água. Compartilhar mudanças, abre a
possibilidade e o desejo que elas possam ocorrer no próprio indivíduo. Para Figueiredo
(1997: 72, 73), no grupo:
64
a adolescentes com grave padecimento psíquico passa pelo atendimento de forma
sistemática e visando a restabelecimento da rede social a seus pais, já que são estes os
fundadores de um núcleo social – a família, e responsáveis pela introdução destes
jovens no contexto social mais amplo. Como dar algo que não se tem, como ensinar
algo que não se pode articular e tornar-se um modelo para uma inserção social?
A importância da implicação da família, mais especificamente dos pais ou
substitutos, no atendimento e tratamento de adolescentes com grave padecimento
psíquico, seja na neurose grave ou psicose, tem vasto respaldo no campo teórico e
clínico. Fishman (1996), terapeuta familiar, destaca a necessidade de se atuar junto à
família.
Se a família é o ambiente social em que o adolescente emergiu, deve-se voltar à
atenção para este contexto social que está criando e mantendo o problema em questão,
mesmo sem saber ou desejar faze-lo. Na prática clínica observa-se o quanto à ausência
ou pouco investimento dos pais no tratamento dos filhos, traz dificuldades à evolução
do caso, implicando muitas vezes no abandono do tratamento.
Ao final do primeiro ano de atividade do Programa Clube Ponto de Encontro se
fez necessária à elaboração de estratégias voltadas à retomada da atividade escolar dos
adolescentes atendidos. Essa demanda surgiu em função da evolução positiva dos
adolescentes e de alguns verbalizarem o desejo de retornarem a escola. Essa questão foi
reforçada, na mesma ocasião, pelo ingresso de novos clientes que tiveram a atividade
escolar interrompida pouco tempo antes, em função de uma primeira crise.
A vinculação adolescente-escola é responsabilidade legal dos pais11 e uma
(re)adaptação adequada nesse processo depende do respaldo e acompanhamento destes.
Ao observarmos esses pais, uma extrema ambivalência e dificuldade de dar suporte ao
processo educacional e socialização decorrente deste é percebido. O Clube de Pais toma
para si a responsabilidade de intermediar junto às escolas e aos pais a promoção do
retorno às atividades escolares e o acompanhamento destas atividades durante o período
em que estes jovens se mantêm sob atendimento.
Para isso foi criada uma anamnese específica, voltada à história escolar, que
é feita no momento do primeiro contato com os pais após o ingresso dos filhos no
Programa. As respectivas escolas também são contatadas e solicitado um relatório
inicial relativo ao comportamento e desempenho do adolescente, revisto trimestralmente
a partir do acompanhamento do caso. Desde os últimos meses do ano de 1999, iniciou-
se o contato com o Instituto Helena Antipoff (IHA), através das Agentes de Conduta
65
Típica (CT) – profissionais de formação de nível superior ligadas a questão do ensino -
que nesta instituição são responsáveis pelo atendimento e acompanhamento, quer em
classes especiais (classe multiseriada, desenvolvendo atividades pedagógicas de 1ª à 4ª
série do 1º grau com o número máximo de seis alunos por cada classe) dentro de escolas
regulares, quer em classes regulares (5ª à 8ª série do 1º grau com um agente itinerante
para cada aluno de cada classe), de alunos que apresentem autismo, psicose ou
síndromes correlatas.
Em reuniões com periodicidade bimestral, eram levados os históricos de
jovens habilitados e desejosos do retorno às atividades escolares para encaminhamento,
avaliação psicopedagógica e possível engajamento em classes oferecidas pela rede
municipal de ensino.
Os resultados podem ser observados pelo aumento dos encaminhamentos de
parte a parte. Jovens entre 12 e 18 anos incompletos, que apresentavam sintomas
característicos de nossa clientela, passaram a ser encaminhados pelas escolas através
das agentes de conduta típica, para avaliação e possível ingresso em nosso serviço.
Troca de informações e experiências passou a existir com maior freqüência, como
também a solicitação de auxilio por parte das professoras de classes especiais, cujo
alunos encontravam-se sob atendimento do programa, relativo as suas dificuldades nas
práticas diárias em sala de aula.
Paralelamente, no grupo de pais , o tema escola, passou a ser demandado
por estes, dando oportunidade de tirar dúvidas e suscitar neles um novo tipo de interesse
relativo ao assunto. No momento, com a formalização de uma parceria entre o Programa
Clube Ponto de Encontro e o Instituto Helena Antipoff, sob a responsabilidade do Clube
de Pais, iniciam-se com encontros bimensais, objetivando o estudo de casos clínicos de
alunos da rede municipal sob nosso atendimento, onde participam os técnicos do
programa, os agentes de conduta típica do IHA, e professores de classes especiais.
Futuramente, temos como meta, a formalização sistemática da capacitação dos
professores de classes especiais por de alguns membros da equipe como também a
criação de equipe itinerante para este propósito. Temos a perspectiva de iniciar este
projeto, através de um projeto piloto envolvendo professores de classes especiais de
uma respectiva coordenadoria regional de educação – CRE, áreas em que é dividido o
município para efeito de controle e atendimento da Secretaria Municipal de Educação.
O município do Rio de Janeiro possui 10 CREs.
11
Lei no 8.069, Capítulo IV, Art. 54 § 3o e Art. 55.
66
As atividades sujeitas a demanda, desenvolvidas e oferecidas pelo Clube de
Pais, são aquelas voltadas ao acompanhamento terapêutico a pais, familiares e pessoas
pertencentes à rede social do adolescente. Esta demanda pode surgir tanto por parte dos
familiares ou responsáveis dos jovens assistidos, quanto por indicação da equipe técnica
após discussão em reunião de equipe semanal.
Em geral, o acompanhamento terapêutico surge a partir de uma indicação da
equipe, já que os pais encontram-se imersos num sistema patológico, mostrando-se
perdidos e anestesiados dentro de suas possibilidades de escolha. Outro fator que
contribui negativamente para a procura espontânea deste tipo de atendimento é a cultura
assistencialista, onde se vê os técnicos em saúde como “doutores” detentores de todo o
saber referente à doença e com plenos poderes de intervir e resolvê-la integralmente.
Tal prática tem como contrapartida os pacientes e familiares se
posicionando como sujeitos passivos e estrangeiros a uma doença que influiu
intensamente no seu contexto familiar. A medicação, um entre outros recursos técnicos
a ser utilizado, se transformar na única forma de tratamento e “cura”, anulando qualquer
participação do sujeito no processo e pondo a família como mero espectador e vítima de
uma doença incapacitante que atingiu um de seus membros.
Assim, privilegia-se no Clube de Pais o atendimento em grupo, pois não se trata
de uma mera estratégia assistencial visando à otimização do quantitativo de pais a serem
atendidos. Nesta forma de trabalho, opera-se um meio de propiciar o diálogo e quebrar o
isolamento, pois é patente desde o primeiro momento de contato, que o diálogo para
estas famílias é uma prática em desuso há longa data, dentro e fora de seu habitat.
67
V. Descrição e Análise dos Recursos Oferecidos pelo Programa Clube Ponto de
Encontro
68
participantes entre si, foram arbitrados dez participantes para o grupo focal. Esta escolha
foi aleatória, respeitando o percentual freqüência/representatividade destes no grupo de
pais, ficando portanto o grupo composto por 60% de mães, 30% de pais e 10% de
indivíduos da rede social. Foram excluídos os familiares e representantes da rede social
dos adolescentes ingressos no programa nas duas semanas antes da realização do grupo
focal. Na seção referente a descrição e análise da ótica familiar a respeito do programa,
os participantes do grupo focal serão identificados a partir de suas falas da seguinte
forma: As mães – Mãe 1, Mãe 2, Mãe 3, Mãe 4, Mãe 5 e Mãe 6; os pais – Pai 1, Pai 2 e
Pai 3 e a rede social – Rede 1.
Nestes dois últimos instrumentos a análise do material obtido se realizou através
das categorias explicitadas através das questões contidas nos instrumentos apresentados
– entrevista semi-estruturada e roteiro do grupo focal – como também das
temáticas/categorias surgidas com a introdução dos instrumentos.
69
5.1. Registros da Ata de Reunião
70
perfil do serviço, da equipe e dos usuários. O segundo período que teve início em março
de 2000 e término em dezembro do mesmo ano, foi denominado de período de
“Sedimentação”. Espaço de tempo curto marcado inicialmente por toda efervescência
da tentativa de auto-reconhecimento da equipe e das atividades efetuadas. O
rompimento deste percurso adveio e foi marcado por mudanças abruptas de ordem
administrativas/contratuais com relação aos técnicos do programa. O terceiro e último
período, iniciado em janeiro de 2001 e com término em agosto de 2002 foi denominado
de período de “Avaliação e Integração na Rede”. A mudança no tipo de vínculo
funcional da equipe parece ter suscitado inicialmente uma avaliação do seu próprio
papel e importância dentro do programa e esta avaliação parece ter invadido todos os
espaços e aspectos do trabalho.
A análise deste material documental espontâneo acompanha o processo desta a
data inicial até agosto de 2002 , onde pela primeira vez foi realizado seminário interno
com a participação de profissionais da área de saúde mental, externos ao programa,
compartilhando com a equipe técnica do CARIM12, suas experiências e reflexões sobre
a temática proposta – As Especificidades do Atendimento à Crianças e Adolescentes
em Centro-Dia.
71
pô-las em movimento. Por fazerem parte de um todo, estas estruturas interagem entre si
de forma dinâmica e em freqüências variáveis sendo que as estruturas organizacionais,
com identidade e objetivos próprios, seriam os eixos sobre os quais as estruturas
operacionais realizariam suas ações e permitiriam o funcionamento das
mesmas e do programa como um todo. Há uma composição e hierarquização de
importância, segundo ao raio alcance e efetividade de ação que cada estrutura pode
possibilitar ao programa como um todo, dentro do conjunto de cada uma dessas
estruturas – organizacional e operacional. As estruturas organizacionais, por ordem de
importância são: 1) Oficinas terapêuticas; 2) Clube de Pais; 3) Atividades Extra-Muros;
4) Visita Domiciliar. As estruturas operacionais, também por ordem de importância,
são: 1) Equipe Multiprofissional; 2) Horário de Funcionamento; 3) Instrumentos
(prontuários, atas, etc.). Há duas estruturas que não foram acima relacionadas por
fazerem parte dos dois campos de estrutura, são eles a Reunião de Equipe e o Seminário
Interno. São, ao mesmo tempo, estruturas organizacionais com identidade e objetivos
próprios e instrumentos por suscitarem ações que provocam a reflexão e auto-avaliação
do funcionamento do programa como um todo. Ambas têm alcance e intensidade de
ação semelhantes com o diferencial da periodicidade.
Daremos curso a análise de conteúdo efetuando primeiramente uma breve
exposição historicizada de cada período previamente definido e delimitado, seguida de
posterior análise e reflexão a respeito do funcionamento das estruturas organizacionais e
operacionais em jogo no processo de implantação do programa.
12
Centro de Atenção e Reabilitação para Infância e Mocidade-CARIM, denominação atual da unificação
do que anteriormente foi o CAPSIJ e o Setor Infanto-Juvenil.
72
Não havia Oficinas Terapêuticas e as atividades se organizavam segundo o desejo
coletivo e nele se estruturavam. Inicialmente parecia haver uma indefinição quanto a
população alvo e um certo acolamento ao Programa do qual fora originado. O contato
com os familiares era ocasional e sem nenhum tipo de estratégia que visasse à
manutenção do atendimento aos adolescentes. Havia poucos usuários, no máximo três
por dia de atividade, que com a chegada das férias escolares do início do ano de 1998,
deixaram de vir.
73
dirigir no indivíduo, para além da discussão clínica. As relações dentro e fora do
serviço, a família e o contexto social dos adolescentes – a escola, os amigos entram
sistematicamente em pauta, i. e., discute-se o indivíduo no coletivo e sua reinserção no
espaço social. Os assuntos levados para a pauta da reunião de equipe eram discutidos
quase em sua totalidade. Quando ocorria de exceder o tempo, os pontos retornavam
impreterivelmente na próxima reunião. Ao término da reunião eram indicados temas a
serem discutidos num próximo encontro.
74
O final do ano de 1999 e início de 2000 foi marcado por perdas e ganhos
significativos. Alguns voluntários, coordenadores de oficinas, que não foram efetivados
no programa através de vínculo empregatício, deixaram o serviço por falta de
perspectiva futura quanto a possibilidade de remuneração e inserção na equipe em
igualdade de condições. Por outro lado, a realização do seminário interno, tendo como
pauta de discussão o perfil da clientela, a constituição da equipe, o papel do programa
enquanto formador de recursos para a rede de saúde mental para clientela infanto-
juvenil, trouxe um maior grau de maturidade a todos envolvidos e amplia as
perspectivas e existência futura do programa.
75
dos vínculos empregatícios desdobraram-se em termos quantitativos e qualitativos na
estrutura organizacional – definição e aumento do número de oficinas terapêuticas – e
nas operativas – aumento do horário de funcionamento, i.e., do número de dias de
tratamento oferecidos aos usuários. Por se tratar de uma estrutura dinâmica, alterar
positivamente ou negativamente uma das partes, influi-se neste mesmo sentido com o
todo.
A introdução e conseqüente criação de uma nova estrutura organizacional foi
precedida de um período de circulação de idéias e reflexão dentro da reunião de equipe,
o que parece não ter ocorrido no mesmo sentido em relação as estruturas operacionais.
Antes da instituição das Atividades Extra-Muros, esta temática se apresentou de
diversas formas nas discussões e no campo de ação dos técnicos, sendo que inicialmente
trazidas através da demanda dos jovens e/ou seus familiares sobre queixas relativas ao
seu isolamento social, quer fossem eles a ausência de passeios nos finais de semana,
visitas a parentes ou desejo de retorno as atividades escolares. As estruturas
operacionais, por serem de caráter pragmático, geraram efeitos e ações rápidas. Neste
período houve uma grande geração de novos instrumentos – formulário, agendamento
para recepção de familiares, atas das oficinas, etc. – para dar suporte as estruturas
organizacionais existentes e em processo de sedimentação.
O seminário interno, ao final deste período, tal qual as reuniões de equipe, serviu
como um instrumento de avaliação da operatividade do programa, mais precisamente da
definição a quem ele se direcionaria, já que este – o programa – pareceu ter se
considerado implantado, mas ainda com dúvidas quanto ao perfil dos demandantes.
Podemos dizer que este período foi marcado pela sedimentação das estruturas
organizacionais básicas ao funcionamento do Programa Clube Ponto de Encontro.
77
este processo resultou no incremento da qualidade das atividades oferecidas e
possibilitando ao mesmo tempo, o ingresso de um maior número de usuários.
78
A equipe se tornou cada vez mais exigente reavaliando com maior freqüência os
contratos e/ou projetos terapêuticos acordados com os pacientes. Adolescência normal e
sintomas e doenças psiquiátricas na adolescência eram temas recorrentes nas discussões,
convocando os técnicos a pensar sobre estas diferenças. Intensificou-se a necessidade de
discutir e avaliar a participação e implicação subjetiva daqueles que atuaram
diretamente com os adolescentes. Problemas de relacionamento entre membros da
equipe também foram discutidos, tendo como resultado imediato reavaliação e
conseqüente resolução de pendências e deficiências existentes no trabalho e não
discutidas.
79
serviço de saúde mental, como delega nas três conferências. Os técnicos do programa
passaram a se envolver cada vez mais com atividades e cursos de aprimoramento
permitindo não só a ampliação de conhecimento, mas a divulgação do próprio
programa. O coordenador do Programa foi convidado para dar curso sobre psicose na
adolescência e novos dispositivos de tratamento direcionado a esta clientela em Maputo,
Moçambique. Novo episódio de ordem contratual – ausência de pagamento – ocorre
com os técnicos efetivos do programa ao final do ano de 2001. Como reação ao fato e
sinalização a instituição do desagrado da equipe como um todo, foi consensuado em
reunião de equipe a interrupção das atividades do programa nos últimos dez dias do ano.
80
reunião, surgiu o movimento de auto-avaliação, possivelmente alicerçado pela coerência
interna, desenvolvimento e sedimentação das estruturas existentes, organizacionais e
operacionais. A necessidade de autovalorização da equipe multiprofissional e de
garantia da existência e evolução do Programa Clube Ponto de Encontro ocasionou a
intensificação, que ao longo de todo período de existência do programa foi insipiente e
irregular, da divulgação de suas atividades dentro da rede de instituições ligadas as
políticas, formação profissional e assistência a adolescentes portadores ou não de
transtornos mentais graves.
81
proposta da criação de oficinas permanentes e oficinas temporárias com financiamento
externo possibilitando a concessão de bolsas à voluntários e estagiários, que surgida no
segundo seminário interno, não conseguiu ser implementada.
82
5.2. Atuação e Concepção dos Técnicos no Programa.
83
doença e, em conseqüência, também os componentes sãos, as expressões de saúde, de
normalidade.” (Rotelli:1990, 77).
Esta visão, historicamente recente, resgata a família do lugar de promotora
ou minimamente mantenedora da doença mental que um de seus membros é acometido.
Transporta-a para um novo papel, possibilitando o resgate de uma culpa e introduzindo-
a como aliada e co-responsável no tratamento e a promoção de ações eficazes em
relação ao sujeito que sofre tanto no contexto familiar quanto no espaço social. Os
profissionais se deslocam da função de responsáveis e promotores da “cura” para se
tornarem partícipes da “produção social” dos usuários.
Estas foram as bases utilizadas para privilegiarmos estes atores como objeto
de nossa pesquisa – as famílias e os técnicos do programa Clube Ponto de Encontro. As
técnicas qualitativas de grupo focal ou grupo de discussão com os primeiros e
entrevistas semi-estruturadas com os últimos. Através destas técnicas pudemos captar as
contribuições e impasses, os sensos e dissensos produzidos a respeitos das práticas e
procedimentos realizados dentro do programa.
Os Técnicos e O Programa
13
O código civil de 1916 faz referência ao “homem”, enquanto o atual vigente emprega a palavra pessoa.
Esta mudança está em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que estabelece “homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações”, refletindo a igualdade entre homens e mulheres.
84
A escolha aleatória contemplou a diversidade de especialidades profissionais14
existente no programa, permitindo diversos olhares relativos a mesma temática e seus
desdobramentos. O tempo de atividade na função como também o tempo em atividade
no programa foi bastante diverso, foram encontrados profissionais que atuam na área de
saúde mental com a clientela infanto-juvenil há mais de duas décadas, mas em
contrapartida há poucos meses no programa. Outros tiveram sua experiência na área
quase que exclusivamente devido a sua atuação no programa.
O instrumento utilizado – entrevista semi-estruturada – objetiva captar através
dos atores que realizam as práticas de assistência e atuam junto aos jovens, i.e., aqueles
que produzem a realidade assistencial, no que consiste o programa, quais são as suas
características, como esperam e o que esperam alcançar com as práticas realizadas,
como também como se dá a interlocução com os jovens e seus familiares.
Objetivos e Propostas
14
A escolha aleatória dos técnicos a serem entrevistados recaiu sobre as seguintes especialidades
profissionais: um psiquiatra, um psicólogo, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem.
15
A portaria nº 336 pode ser acessada através do site
http://www.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/GM/GM-336.HTM
85
convivência, espaço clínico, são algumas das definições deste local, o Programa Clube
ponto de Encontro. O que se faz, apesar de ser feito, também é encharcado desta
mistura e destes entrelaçamentos. Então deixemos quem faz, falar.
E de outra
Como fazer e para que fazer parece ser o pano de fundo que permeia todas as
atividades, que por serem eminentemente lúdicas podem trazer a um espectador menos
avisado uma falta de objetivo e uma indefinição de propósitos. Há um propósito sempre
presente em todas as ações e isto é trazido na seguinte afirmação.
87
(...) Eu tendo a radicalizar um pouco isto, eu tendo a achar
que o principal espaço do Ponto de Encontro é o espaço coletivo. O
espaço clínico, analítico, psiquiátrico, ele entra para dar uma força
neste espaço maior. Por isto eu acho que o CAPS é um espaço em
construção, e por isso tem de se elaborar melhor esta clínica, mas
eu tendo a nesse nosso dia-a-dia, quando rola muito atendimento
específico, apesar de ser importante, a achar que a gente tem de
tomar cuidado, pois eu acho que aqui é o espaço do coletivo e
devemos esticá-lo o máximo possível. (Técnico 2)
Diferenças e Especificidades
16
A Portaria 336 no artigo 1o , estabelece as modalidades de serviços quanto a complexidade e
abrangência populacional em CAPS I, CAPS II e CAPS III.
17
Itens 4.1.1, 4.2.1, 4.3.1, 4.4.1, 4.5.1 que se referem as atividades prestadas respectivamente nos CAPS
I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II.
88
questão da linguagem dos jovens, de entrar neste mundo da
adolescência, assim como não tem como trabalhar com infância ser
estar no universo do brincar. (Técnico 2)
Acrescenta-se que
89
acho que aqui no Ponto de Encontro, a gente tem até conseguido
isso. (Técnico 2)
18
Levando-se em conta a proporção de atendimento paciente turno/dia, encontramos a seguintes
determinações: CAPS I (população entre 20.000 e 70.000 – 20/30; CAPS II (pop. 70.000 a 200.000) -
30/45; CAPS III (pop. Acima 200.000) – 40/60; CAPS ad II (pop superior a 70.000) – 25/45
90
caso de adolescente, a gente já anunciar isso. O nosso caso é o
contrário, o nosso trabalho é tentar que os nossos meninos não entrem
nisso. Mas a nossa tentativa é fazer com que estes meninos possam ter
... por quê eles não podem voltar para a escola e ter uma
escolarização? Normal como qualquer outro menino? Antes de
anunciar o que achamos que pode acontecer com eles. A gente já sabe
o que pode acontecer, então vamos tentar trabalhar de uma outra
forma. (Técnico 2)
Atributos e Competências
(...) uma resposta mais geral (...) estar voltado como qualquer
outro profissional que trabalhe em CAPS, a questão do retorno deste
indivíduo a sociedade, mas no caso específico o profissional que
trabalha num programa tipo o Ponto de Encontro, ele tem que estar
levando em conta a questão do desenvolvimento, (...) aquele
adolescente que está se desenvolvendo com uma série de problemas e
dificuldades diferentes de outros adolescentes, (...) Então, tem de
estar não só fazendo com que ele retorne, mas mais do que isso, que
ele passe por determinadas etapas de vida de uma forma melhor que
ele possa estar passando. (...) pensar que ele não está simplesmente
voltando ao lugar que ele já esteve. Ele (o adolescente) está passando
19
Portaria 336 § 1o
91
pelo trajeto de uma forma diferente, com o sofrimento psíquico dele e
a gente podendo ajudá-lo a passar melhor por este processo.
(Técnico 4)
E mais ...
Acho que os profissionais não são ... não podem ser qualquer
profissional da área de psicologia, da área de enfermagem, da área de
medicina ... de serviço social. (...) a gente trabalha em equipe
multidisciplinar, eu acho que é uma das características que tem que
conseguir saber trabalhar, em equipe multidisciplinar, porque não há
uma definição muito clara dos papéis ... das atividades específicas de
cada um. Cada um até sabe o que tem de fazer, mas não fica definido,
muito claro (...) isso não está escrito e depende muito do olhar de
cada profissional e é nisso é que vai se dar o conjunto da equipe, da
92
diferença de cada área, no olhar. Mas as atividades são muito feitas
em conjunto, pela equipe ... então eu acho que isso é a principal
característica que um profissional que venha trabalhar no Ponto de
Encontro tem que ter, capacidade de trabalhar em equipe
multidisciplinar. (Técnico 3)
Continuando.
93
(...) Um primeiro atributo ... eu acho que tem que ser alguém
sintonizado com as novas tendências em saúde mental. Não dá para
você vir trabalhar num CAPS e achar que você vai estar com a
cabeça, strictu sensu, de um psicanalista. Eu vou estar aqui, mas a
qualquer momento um desses meninos vai virar meu paciente. Eu
acho que tem que mudar, que abrir um pouco mais a cabeça.
(...)Tentar estar sintonizado com estas novas tendências em saúde
mental. Com as discussões da Reforma, com as discussões das
políticas públicas de saúde. O que está se apresentando, o que isto
significa do ponto de vista clínico, terapêutico-clínico. No que é que
estes dispositivos reinventam a clínica? Tem de estar situado um
pouco com esta situação. Não dá para você querer jogar basquete
com regras de vôlei. Estes lugares têm um funcionamento próprio,
uma lógica própria e tem de se estar atento a isso.
(Técnico 2)
20
Atividade e dos Itens: 4.1.1; 4.2.1; 4.3.1; 4.4.1; 4.5.1.
21
As demais atividades ( a, b, c, d, f, g e h) constantes nos Itens previamente citados.
94
obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Dentre elas situam-se
as que dizem respeito ao direito a vida e a saúde e o assseguramento de atendimento a
criança e ao adolescente, através do Sistema único de Saúde, a garantia de acesso
universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da
saúde.23Estes aspectos impõem uma reflexão aos gestores, que organizam a demanda e
a rede de cuidados e supervisionam e capacitam equipes sejam elas em atenção básica,
em programas de saúde da família ou de outros serviços na rede, como aos técnicos que
lidam com a atenção e cuidados aos jovens. Resignificar o papel e o tipo de parceria que
se deseja estabelecer com a família deve atravessar todas as atividades efetuadas neste
serviços que visem a reinserção de crianças e adolescentes em seu espaço social.
O Clube de Pais, como foi denominado o espaço de acolhimento aos pais e/ou
responsáveis pelos jovens assistidos no Programa Clube Ponto de Encontro, parece ter
um espaço real e efetivo para os técnicos que nele atuam.
22
Lei no 8.069 de 13 de julho de 1990 que garante proteção integral a crianças e adolescentes.
23
Art. 11o do Capítulo I do Título II- Estatuto da Criança e do Adolescente.
95
(...) um encontro, é um momento, um espaço que os pais tem
para se encontrar e estarem conversando, debatendo questões sobre
os filhos e sobre as famílias, sobre a questão da doença em relação
ao convívio familiar. (Técnico 3)
As atividades e práticas oferecidas tentam dialogar com este novo lugar a ser
alcançado. O percurso parece surpreender a todos, familiares e técnicos, exigindo o
enfrentamento de conceitos e preconceitos.
96
relações e/ou redefinindo novas parcerias e num aspecto mais amplo, fomentar o
surgimento de novas modalidades de relações no ambiente social.
97
pela doença dos filhos, mas descobrir que eles podem fazer alguma
coisa com esta doença, que não só viver a doença. (Técnico 2)
Esta relação traz marcas e barreiras que devem ser transpostas, caso se queira
ultrapassar a cordialidade aparente e trilhar o árduo caminho de construção de parceria.
98
(...) Às vezes a gente tende a achar que o trabalho com os pais
é uma coisa setorizada, do pessoal que trabalha com os pais. Tem
trabalho setorizado que é preciso que tenha, ponto número um. Ponto
número dois, quem está na lida direta com os adolescentes no dia-a-
dia tem de fazer essa aproximação com os pais e não tem de achar que
a Norma., a Cecília conversam com os pais. (...) Tem que encostar um
pouco nos pais, senão a gente perde o todo deste dispositivo, do
CAPS, que eu gosto de chamar de um dispositivo de convivência.(...)
a população central do nosso trabalho são meninos e pais, seja quem
se apresentar como pai e mãe. A gente não pode perder isto de vista e
trabalhar pela metade. (Técnico 2)
99
As expressões faciais, a forma de comunicação e as disparidades na apresentação
pessoal. Humberto, o pai, trajava-se formalmente, camisa de manga comprida e
colarinho abotoado, num extremo e Carlos um típico “grunge” com vários brincos na
orelha, roupas vários números acima de seu manequim, no outro extremo. Os pais
trouxeram como queixa principal, tanto ao atendimento efetuado no serviço de
emergência como no encaminhamento ao programa, o fato de o filho estar há uma
semana sem ir a escola. Quando questionados a respeito, insistiram ainda algum tempo
sobre a questão escolar, como se o rosto angustiado do jovem ali ao nosso lado e seu
próprio relato a respeito das alucinações visuais e auditivas tivessem menor significado
que a queixa trazida por eles. Carlos quando questionado sobre o porque de ser trazido
ao programa para avaliação, associou o fato aos seus padecimentos psíquicos. Houve
várias divergências entre os pais no momento em que se tentou colher dados a respeito
do primeiros anos de vida do filho. Idas a neurologistas e psicólogos, com suas
respectivas datas e motivos para a procura dos profissionais, eram contestadas todo o
momento de parte a parte, quando não, motivo de áspera discussão. Tiveram de ser
contidos verbalmente várias vezes, pois ao longo da entrevista pareciam ter esquecido o
motivo que os trouxera ali e utilizavam nestes momentos o filho como mero objeto da
pauta de discussão. O motivo da separação do casal, que ocorreu de forma dramática
quando o jovem tinha 9 anos de idade foi exposto de forma cruel na frente do filho.
Frases como: “Me separei de você por não dar conta de seu apetite sexual” e “aquele
seu namorado viciado e traficante que ensinou o nosso filho a usar drogas” ditas pelo
pai, são retaliadas com afirmações da Paula, mãe de Carlos, da seguinte forma: “Estou
com AIDS e segundo os exames contraí a doença há 8 anos, quando ainda estava casada
com você. Nunca o traí e você se recusa a fazer os exames”. Boa parte dos dados a
serem colhidos foram deixados de lado, já que foi impossível ir adiante na anamnese.
Também seria por demais desgastante, principalmente para o jovem, prender-se a meros
fatos quando a própria dinâmica familiar estava sendo ali encenada diante e por si só
explicativa. Delinear com Carlos um contrato de atendimento com a freqüência de três
vezes por semana, foi tarefa fácil, em comparação com as dificuldades que tivemos para
conduzir qualquer tipo de contrato com os pais.
Ao ingresso de cada jovem no Programa Clube Ponto de Encontro,
corresponde a entrada dos pais ou responsáveis no Clube de Pais. Dentro da medida de
suas disponibilidades e necessidades requeridas pelo caso, estes passam a freqüentar as
atividades semanais regulares, que são: Grupo de Pais, realizado todas às quartas-feiras
das 9:00h às 10:00h, cujos temas giram em torno das demandas trazidas pelos pais e a
100
Oficina do Café da Manhã, realizada todas às segundas-feiras das 9:00hs às 9:30hs,
onde a primeira refeição oferecida aos jovens é extensiva aos pais, propiciando neste
momento informal a reprodução de hábitos domésticos e conversas familiares
permitindo intervenções mais adequadas e pontuais. A freqüência de Paula no Grupo de
Pais e na Oficina do Café da Manhã apesar de inicialmente ser relativamente constante,
era silenciosa. Sempre nos procurava ao término da atividade demandando questões
pessoais que de forma alguma conseguia ser articulada a dificuldade real de Carlos.
Somente na segunda semana de sua vinda ao programa, apercebeu-se que o filho teria
de freqüentar o local de tratamento três vezes por semana ao invés de uma única vez.
Paula, em seus contatos com a equipe, sempre trazia questões relativas ao
medicamento, a inclusão de outros médicos no caso além do designado e críticas ao ex-
marido, que em sua ótica religiosa (Evangélico) não aceitava a medicação e os sintomas
da doença. Humberto desde o início manteve um posicionamento mais distante e crítico,
parecia identificar as orientações relativas ao tratamento, com os desejos e caprichos da
ex-mulher.
Em sua primeira vinda ao grupo de pais, o pai de Carlos mostrou-se bastante
angustiado com as questões trazidas. Estas giravam em torno de: Os primeiros sinais e
sintomas trazidos pela doença; as dificuldades de percepção destes sinais e sintomas
pelos familiares, mesmo quando já observado por amigos ou conhecidos; os por quês
de muitas vezes nos momentos dos sintomas mais agudos, os pais não abrirem mão da
negar a doença em detrimento do benefício da execução de forma mais efetiva do
tratamento. Alguns pontos de vista religiosos foram trazidos por Humberto, neste
momento, como uma forma de explicação dos sintomas, mas de imediato foram
refutadas pelo grupo e este tentava discutir inclusive o caráter pernicioso destas crenças
para o próprio paciente, confundindo-os e fazendo com que se recusem a tomar a
medicação e participarem do tratamento. Paula também presente ao grupo, de forma
tímida, neste momento, fala diretamente das dificuldades do ex-marido em aceitar a
doença do filho. Mais adiante no próprio grupo, de forma bastante irritada, Humberto
apontando para ex-mulher, diz: “(...) quando eu era católico como ela, não tinha
compreensão nem caridade ao próximo, mas agora que me tornei cristão consigo viver
isto na prática do meu dia-a-dia (...) ” . Após esta frase bombástica houve comoção
geral no grupo, todos falaram alto e ao mesmo tempo. Um dos pais presentes, retrucou
irritado: “ (...) não vim aqui para ser ofendido (...) ” Batendo com os dedos no mostrador
do relógio completou: “ (...) meu tempo é precioso, caso este tipo de atitude continue eu
me retiro (...) ”. Endossamos a fala do membro do grupo, acrescentando que os limites
101
do aceitável fora ultrapassado. Recordamos aos pais, que no Programa Clube Ponto de
Encontro há uma regra para os jovens que aqui freqüentam, que é a de “Não se ferir e
não ferir ao próximo”, tanto no sentido concreto, quanto abstrato da expressão. E que os
profissionais do programa, imaginam que os adultos, pais destes jovens, teriam a mesma
capacidade que os jovens de cumpri-la. Após este incidente, Humberto afastou-se do
grupo, não mais comparecendo aos encontros semanais.
Nas semanas seguintes nos deparamos com o aumento das queixas de Paula,
ao mesmo tempo em que percebíamos alterações feita por ela, nas doses dos
medicamentos. A permanência dos sintomas e a inconstância na freqüência de Carlos,
fez com que a equipe se decidisse pela intervenção junto a esses pais, sob a forma de
acompanhamento terapêutico do casal. De imediato ambos foram contactados,
informados e convidados a fazerem o atendimento uma vez por semana, aceitando-o.
Inicialmente o acompanhamento psicoterápico foi regular, mas
rapidamente os atendimentos se tornaram raros, a inconstância na freqüência de Carlos
ao tratamento aumentou. Houve recrudescimento dos sintomas. As queixas e postura
inicial dos pais retornaram com maior intensidade. Elane, ex-vizinha e amiga da
família, também madrinha de Sandra, irmã de Carlos dois anos mais jovem que ele,
procurou o programa pedindo ajuda. Traz à equipe um quadro bastante pessimista da
relação familiar de Carlos, das brigas constantes na residência que geram desavenças
com o condomínio e as atitudes agressivas de Carlos com relação à irmã. Elane diz
temer pela integridade física da afilhada e que muitas vezes a leva para sua casa, vendo
ser a única saída para proteger a menina, já que Paula e Humberto parecem não se dar
conta dos riscos a que todos estão submetidos. A introdução deste novo elemento ao
caso parece ter acelerado a interrupção do tratamento, que já vinha se dando de forma
paulatina. Os pais de Carlos informaram a equipe da interrupção do tratamento alegando
não concordar com a terapêutica oferecida, em especial a medicamentosa que para eles
seriam causadoras dos sintomas do filho. Humberto, segundo suas próprias
informações, para colaborar com a melhora do filho, voltou a morar com o mesmo para
poder acompanhar seu tratamento que a partir deste momento seria realizado através da
ingestão dos mais variados chás. Paula concorda com a conduta “terapêutica” do ex-
marido e endossa a interrupção do tratamento.
A equipe, após exaustiva discussão, nada mais coube, além de
encaminhar ao Juiz da 1a Vara da Infância e Adolescência relatório sobre o ocorrido
para apreciação e devido encaminhamento no que diz respeito ao cumprimento da lei. A
impossibilidade de acesso ao tratamento do menor apesar dos esforços conjunto dos
102
vários indivíduos envolvidos e o risco iminente da integridade física de todos os
membros da família, em especial, de Carlos e sua irmã Sandra, motivou o
procedimento da equipe.
103
possibilidade de retorno ao tratamento, pois neste período o jovem freqüenta o
programa somente nos momentos de internação24. Paula verbaliza seu desinteresse no
tratamento e pouca disponibilidade de tempo. Humberto se torna assíduo no grupo de
pais e solicita acompanhamento terapêutico, pois deseja entender melhor o tratamento
do filho e sua doença.
O progressivo agravamento das condições psíquicas de Carlos e as
freqüentes solicitações da família referente aos diversos episódios de confusão mental e
agressividade com delírios e alucinações, causando embaraçosas situações domésticas e
na vizinhança, exigiu da equipe técnica nova discussão quanto aos caminhos a serem
traçados relativo aos cuidados a serem oferecidos à família. Carlos ainda seria um
usuário do programa? Esta foi a pergunta em torno da qual girou a discussão das
estratégias a serem utilizadas no caso. Esta família tão cindida em suas posturas com
relação as suas próprias dificuldades e a forma de acolhimento a este filho com graves
problemas psíquicos, também teria de estar incluída na estratégia de acolhimento e
possível resgate da adesão do jovem ao tratamento. À Paula, Humberto, Sandra e Elane
– sempre presente, dando seu apoio ora a afilhada ora a Paula, sua amiga – foi proposto
acompanhamento terapêutico visando discutir as dificuldades de todos em lidar com
Carlos e sua doença e como poderiam se articular para oferecer apoio efetivo ao rapaz,
já que este parecia ser desejo de todos.
O acompanhamento se iniciou e transcorreu durante o período da última
internação de Carlos, por aproximadamente dois meses. Paula se recusou a participar do
acompanhamento. Inicialmente alegava impossibilidade de tempo, posteriormente
verbalizou que não acreditava na possibilidade de melhora do filho e que, para ela, a
única solução seria a internação. Carlos participou da maioria dos atendimentos e todos
puderam acompanhar sua paulatina melhora, com a remissão dos sintomas produtivos e
conseqüente organização das idéias, possibilitando um melhor entendimento quanto aos
delírios e alucinações, quanto à função da medicação e à proposta do atendimento no
programa.
Após a saída da internação, Carlos compareceu ao atendimento somente
uma vez, por um período de tempo muito breve. Ainda parecia associar a internação ao
tratamento no Clube Ponto de Encontro e neste sentido a proximidade do local de
internação que anteriormente fora utilizada como auxílio na reversão do quadro, neste
24
Na ocorrência de internação de algum jovem assistido pelo programa, a equipe viabiliza que esta seja
feita em local geograficamente próximo. Este procedimento permite que não haja isolamento, nem a
quebra do tratamento e vínculo com a equipe. Permite também que o jovem, no período de internação,
104
momento corroborava com os temores do jovem. Apesar dos diversos contatos da
equipe, Carlos não mais retornou. Seu pai, Humberto, tentou nos ajudar neste processo,
vindo ao programa constantemente, aflito informava que o filho mantinha-se por
vontade própria recluso em seu quarto, recusando, sob qualquer apelo, retomar as
atividades escolares e contato com amigos. Após aproximadamente dois meses, a
equipe constatou que havia haviam chegado ao seu limite e que nada mais poderia fazer
em auxílio a Carlos e sua família. As mais variadas estratégias foram utilizadas ao longo
de aproximadamente três anos de idas e vindas do tratamento. Houve a tentativa de
encaminhar o jovem a um serviço de atenção diária para adultos, já que Carlos estava
próximo de completar 19 anos, mas está estratégia parece também não ter sido bem
sucedida.
Uma primeira resposta a estas questões poderia ser que, a ênfase não é mais
colocada no processo de “cura” mas no projeto de “invenção de saúde” e de
possa ao longo do dia freqüentar o programa e participar das atividades oferecidas de acordo com as suas
possibilidades. Este procedimento tem como um dos objetivos encurtar o período de internação.
25
Lei no 8.069, Título I, Artigo 4o.
26
Idem, Título IV, Artigo 129o, Item VI.
105
“reprodução social do paciente (Rotelli, 1990: 30). A invenção de possibilidades não
deveria se dar somente nos dispositivos originariamente voltados aos que sofrem
psiquicamente, pois a complexidade do objeto implica não análise, mas projetos,
projetos de transformação através dos quais é possível obter conhecimento. Estes
projetos (a invenção e os seus resultados cognitivos) devem considerar
contemporaneamente o universo das instituições e as particularidades singulares dos
indivíduos que chegam aos serviços (Rotelli, 1990: 95/96).
27
Idem, Item III.
106
(...) eu primeiro gostaria que essas pessoas pudessem
encontrar um mínimo de convivência possível com a doença
deles.(...) o mínimo de paz possível com a doença.(...) Que os pais
possam ficar menos ansiosos, menos angustiados. Que estes os
meninos possam minimamente entender um pouco a dificuldade que
estes pais têm de lidar com eles. E os pais também possam entender
e descobrir que é difícil ter filhos desta forma. Que eles possam
tentar resignificar minimamente o que é isso.(...) Quem quer estudar
, que volte a estudar, trabalhar. E que estes pais possam retornar as
suas vidas, que esses pais possam redescobrir a vida e quem sabe
até descobrir a vida a partir da doença de seus filhos, que não
possam estar só refém disso, da doença, do discurso da desistência.
(Técnico 2)
107
eu sempre fico com aquele receio de que, se ele estivesse ainda vindo
ao “Ponto de Encontro”, ele ainda teria ganhos.(...) Mas a gente
também não quer este adolescente preso a nós, a gente quer que ele
possa caminhar sozinho. Então o que nos resta, o que eu acredito que
a gente possa avaliar que ele tenha condições de continuar sozinho e
caso sinta necessidade, que algum sintoma volte e que ele se sinta
fragilizado por algum motivo, que ele retorne ao programa.
(Técnico 3)
E também ...
(...) Acho que terminaria ... têm muitos pacientes que dizem
não querer mais, mas eu acho que não, que não deveria terminar ...
só nós sabemos o que vai acarretar eles saírem do serviço. A gente
deveria forçar um pouquinho mais. (...) O serviço deveria ficar de
portas abertas, se ele ficou melhor, a gente deveria analisar se o
tratamento vem trazendo benefícios para ele. O serviço deveria
deixar a porta aberta e ele voltar para a sociedade ... e se ele algum
dia piorar o serviço está aberto para ele voltar e não dizer que ele
não faz mais parte do serviço ou então ter de retornar pela rotina.
(Técnico 1)
108
poder ter alta de um centro de atenção psicossocial, ainda dentro da
faixa etária de adolescente. Adolescentes que participaram num
momento de crise (...) porque os agravos são menores e ocorreram
mais durante a adolescência. Eles poderão retornar ao
desenvolvimento deles de uma forma mais suave e muitos deles vão
continuar em psicoterapia, continuar fazendo uso de medicação, mas
não vão estar participando de um centro de atenção psicossocial.
(Técnico 4)
109
(...) A gente tem que ter a ousadia de dizer: “você não
precisa vir mais aqui” Ou então, “venha aqui quando você quiser
nos visitar”. Aqui nós tivemos coragem de tomar essas decisões. Em
algumas a gente penou .... a equipe é assim, têm alguns que acham
que a gente ainda tem alguma coisa para fazer e outros que acham
que a gente não pode fazer mais nada ... o tratamento termina
quando a gente acha que terminou um pouco a nossa missão com
aqueles que vieram nos procurar. Ou quando não podemos porque
já é muito sintomático, da ordem da repetição. (Técnico 2)
110
A concepção trazida por Benedetto Saraceno (1999) que ressalta a passagem da
família da condição de vítima no processo de adoecimento e tratamento de um de seus
membros para assumir, com o advento do processo de desinstitucionalização, o papel de
protagonista, podendo a partir desta nova perspectiva estabelecer novas relações de
forças e poder, será retomada neste momento. Esta concepção será utilizada como pano
de fundo para a exposição das reflexões, dúvidas, questionamentos e posturas, aqui
trazidas, dos familiares e/ou pessoas próximas diretamente envolvidas no processo
adoecimento-tratamento dos jovens atendidos no Programa Clube Ponto de Encontro
surgidas no Grupo Focal.
O isolamento dos jovens de suas famílias, como vimos anteriormente, ocorreu
em vários momentos da história. Estas eram vistas como geradoras do individuo no
sentido biológico, mas nociva como educadoras e perpetuadoras das normas e dos bons
costumes vigentes. Mestres de ofício, educadores, padres, médicos, todos eram
habilitados para cumprir uma função da qual a família era incapaz, produzir indivíduos
para ingressar no meio social como cumpridores das normas e perpetuadores da ordem.
As famílias estragariam seus jovens com seus afetos (Áries, 1981) e seriam incapazes de
fornecer uma diretriz segura para a racionalização prescrita a todas as atividades do
gênero humano (Carvalho, 1997). A vigilância moral sobre a família, segundo
Donzelot, possibilita o estabelecimento do processo de tutela que estimula,
111
dos jovens, na realidade expressavam as dificuldades dos pais, que surgiam de forma
disfarçada camuflando os conflitos e a doença desta família (Melman: 2001).
O tratamento e cuidados oferecidos em Centro de Atenção Diária propõem um
novo lugar para estas famílias. O alargamento do cenário terapêutico transbordando do
espaço familiar para o território28, as novas formas de lidar com o problema – a doença
mental e a inclusão participativa na implementação de práticas circunscrevem de forma
flexível um novo papel para aqueles que convivem com jovens portadores de grave
padecimento psíquico.
Este possível caminho não é fácil de ser trilhado nem pelos os técnicos nem
pelos os familiares. Abrindo mão do velho ranço tutelar, deixemos então, os familiares
se apropriarem de suas palavras e apontarem o espaço que desejam ocupar.
28
Território aqui é tido como todos os locais onde estes jovens deveriam circular. A escola, a casa dos
amigos, as discotecas e danceterias, os parques, os campos de futebol, etc.
112
acordo com a demanda dos ali presentes, onde emergem as possibilidades de
transformação da compreensão sobre o adoecimento psíquico, de mudanças de papéis
dentro da dinâmica familiar e do contexto sócio-cultural.
A reprodução deste “fórum” através da utilização da técnica de Grupo Focal
caminharia ao encontro dos objetivos da presente pesquisa em dar voz e ouvir as vozes
daqueles que melhor poderiam dizer de si e da sua compreensão e inserção no
tratamento oferecido pelo programa. Os dez participantes do grupo focal, número este
arbitrado no sentido de facilitar a interlocução do coordenador com os participantes e
dos participantes entre si e da emergência das questões apresentadas, foram escolhidos
de forma aleatória respeitando percentualmente a freqüência/representatividade dos
mesmos no grupo de pais realizado todas às quartas-feiras. O grupo foi composto então,
por 60% de mães, 30% de pais e 10% de indivíduos da rede social dos jovens atendidos.
Foram excluídos os familiares ou dos representantes da rede social dos adolescentes
ingressos no programa duas semanas antes da realização do grupo focal.
É digno de nota acrescentar o fato que todos aqueles, pais, mães e representantes
da rede social, que foram selecionados e convidados a participar do grupo de discussão
sentiram-se imensamente honrados por haver interesse em ouvi-los e pela possibilidade
de poderem expressar suas idéias, contribuições e críticas ao tema suscitado. Este fato,
sem sombra de dúvida, facilitou o agendamento, a freqüência ao encontro como
também o desenvolvimento da atividade.
O Percurso ao Tratamento
29
Estes dados podem ser verificados no Cadastro de Unidades para Atendimento de Crianças e
Adolescentes na Área de Saúde Mental, por Município/2002. Fonte: ASM/SUSC/SES.
113
não possuem quantitativo técnico para efetuar esta demanda. As resultantes deste
impasse são várias famílias e seus jovens desassistidos, presas de uma problemática que
não sabem como lidar e que têm muita dificuldade de expressar.
Sob o prisma das famílias, mas ainda pelo olhar dos técnicos, dos dispositivos
de atendimento e dos órgãos competentes, há uma acomodação e aceitação da doença
apresentada por seus filhos. O isolamento familiar e o enclausuramento daqueles que
sofrem é visto como uma opção abraçada por todos os envolvidos neste drama. Talvez
seja chegado o momento destes atores sociais, os “novos protagonistas” contarem suas
histórias.
A passagem por vários serviços, a busca de tratamento adequado por anos a fio,
parece estar longe de ser exceção. Várias famílias relatam conhecer bem de perto esta
realidade.
30
CAPSIJ- Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil. Para os familiares o Programa Clube Ponto
de Encontro e CAPSIJ são sinônimos e só se referem ao programa por esta denominação.
114
atendia mais, então eles encaminharam para o Pinel. Quando ela
chegou ali, eu fiquei desnorteada sem saber como eu ia fazer e o que
eu ia fazer, aonde que eu iria arrumar um médico. Então me
encaminharam para o serviço infantil e lá mandaram que eu falasse
do problema. Eu encontrei nesta época o Dr. Edmilson, ele estava
nessa hora quando eu cheguei com o encaminhamento do Pinel.
Graças a Deus o Dr. Edmilson foi muito atencioso (...) (Mãe 6)
115
da Boa Vista, pois não tínhamos condições de pagar remédios tão
caros. Chegamos por lá e a médica nos encaminhou para cá.(...)
(Mãe 1)
Ou então.
116
(...) pelo que eu entendi o CAPSIJ trabalha o adolescente
junto com a família e eles fazem questão de frisar isso, de mostrar
isso, que eles não trabalham o adolescente sozinho. Aliás ninguém
existe só, todo mundo tem uma família, nem que seja depois
abandonado, sei lá..., alguma coisa, que durante o percurso tenha um
acidente qualquer, mas tem uma família e que a família reconheça
essa deficiência, essa carência, esse problema, seja lá o que for, como
a pessoa quiser dar esse (...) eu vejo que o CAPSIJ quer, que você
tenha uma estabilidade emocional, afetiva principalmente, porque
você não vai deixar de amar seu filho porque ele é diferente, porque
ele tem uma anormalidade. Então que você reconheça seu filho e que
você trabalhe para poder superar esse problema(...) ( Mãe 3)
31
Termo genérico utilizado no Projeto Clube “Ponto de Encontro” para designar as mais diversas
atividades, dentre elas as oficinas terapêuticas, com características lúdicas funcionando como facilitador
da reconstrução das redes de socialização.
117
socializar com outros adolescentes que não tivesse envolvido com
escola, com outras questões que não fosse a escola.(...) (Mãe 3)
E também.
118
procuro logo a reunião. Eu tenho vontade de estar mais, mas eu
trabalho muito, aí nunca tenho tempo. Aí, se eu tenho tempo, assim 5
minutos, 10 minutos, aí aqueles 10 minutos que eu estou ali é uma
beleza, eu saio até mais aliviada, saio com a mente mais tranqüila (...)
e também a Débora, ela gosta muito aqui do CAPSIJ, ela não quer
nem sair daqui, ela fica, fala: Aí mãe, está chegando o dia do CAPSIJ.
Teve um dia que choveu muito, acho que foi semana passada, a
Débora fez um desespero dentro de casa às 5 horas da manhã para
poder vir por CAPSIJ. Foi uma quarta-feira, chovendo muito e ela:
Ah! Eu quero ir, eu quero ir pro CAPSIJ, eu estou com saudade.(...) o
Edmilson (médico do programa) falou que ela já está com 20 anos,
está na época de ela ficar mais pra lá 32, mas aí para não tirar ela de
vez, ele deixou ela três dias aqui e dois lá enquanto ela acostuma, mas
verdadeiramente esse CAPS foi uma idéia maravilhosa, tanto para os
adolescentes, como para gente, os pais. Quer dizer, eu também tenho
oportunidade de trabalhar tranqüila por causa dela. (...) (Mãe 6)
32
Débora encontrava-se neste período iniciando o processo de transferência para um CAPS de adultos.
119
mais que o sintoma (sobre o qual se constrói a instituição), o
conjunto de recursos positivos do serviço e da demanda. (...) o
trabalho terapêutico deve enfrentar efetivamente um campo de ação
complexa.(1990: 46)
33
Itens 4.1.1; 4.2.1; 4.3.1; 4.4.1; 4.5.1
34
Médico mencionado várias vezes no grupo focal com bastante deferência e credibilidade quanto a sua
habilidade profissional.
120
cima da mãe, não porque a mãe fez alguma coisa, mas porque ele
estava com raiva de outra coisa. Eu, eu ... tô falando um pouco por
ela, eu não sou a mãe dele, mas eu vejo que ... (Rede 1)
35
Homicídio ocorrido em São Paulo alguns meses antes da realização do grupo, no qual a paciente matou
o psiquiatra que a atendia em seu consultório.
121
o psiquiatra toda a semana dava um medicamento diferente, Haldol
e companhia limitada, Neoleptil, não sei o que, não sei o quê. E um
dia o menino estava dopado, um dia não estava e era aquela
confusão. ‘Ele não vai tomar mais nada’. Então ele ficou cinco anos
sem tomar nada, e foi indo com a hiperatividade e eu fui levando
para a escola e para as terapias e tudo mais, tá. (...) (Mãe 3)
36
Prescrição extra de medicamento dada pelo médico para ser utilizada em momentos de agudização do
quadro em que não seja possível acessa-lo.
122
Vários foram os lugares e papéis da família ao longo dos tempos dentro do
contexto sócio-cultural. A família, antes do período moderno, se caracterizava por
agrupamentos consangüíneos cercados de protegidos e serviçais congregados em torno
da sobrevivência e proteção, sem distinção entre o espaço público e o privado tendo
como papel precípuo a transmissão de bens e nome, quando os tinha. Posteriormente,
este grupo vai paulatinamente se tornando nuclear, este processo inicia-se na
aristocracia e burguesia estendendo-se as classes pobres. A provisão sentimental de seus
membros foi incorporada ao contexto familiar como também o estabelecimento de
funções por gênero, fruto da divisão social do trabalho. Ao homem cabia o provimento
financeiro da prole, à mulher os cuidados domésticos e proteção do lar. Já na família
pós-moderna, os cônjuges, quando existem, passaram a ser o suporte financeiro e sócio-
afetivo.
No mundo contemporâneo, com rápidas mudanças, a dificuldade que se impõe é
compatibilizar a individualidade, advinda da perda de papéis pré-estabelecidos e da
centralidade da autoridade, com a reciprocidade familiar. A negociação surge como um
instrumento ao mesmo tempo emancipador, por propiciar escolhas que abrem múltiplas
possibilidades e constrangedor, pela sujeição a normas, regras e cumprimento de papéis
a que todos estão sujeitos. Poder escolher traz angústia. (Sarti, 1997)
Como enfrentar situações tão dramáticas quanto as que são trazidas pelo
surgimento do transtorno mental grave ainda na tenra juventude a um membro destas
famílias, hoje insuladas, depauperadas em seus recursos afetivos e responsabilizadas
em cumprir demandas financeiras e sócio-educativas? Como construir ou reconstruir,
negociar e repensar a realidade cotidiana? Em que espaços, institucionais ou não, isto
pode ser realizado?
123
que é de fundamental importância o Grupo de Pais e mais ainda o
atendimento de pais. (Mãe 5)
124
falasse ‘Mãe’, eu fazia tudo para não aborrecê-la, porque aí vinha
aquela crise, mas não ... (Mãe 2)
- Normalmente ali a pessoa chega sem saída. (Pai 3)
- Então você chega ali desesperado, dizendo não tem
solução, vem na cabeça, só que não tem solução. Mas aí chega ali
conversando, eu o ouço ele e penso: ”Ué, mas o meu não é tão grave” e
assim sucessivamente. Então a gente vai aprendendo que aqui você
realmente tem um suporte. (Mãe 1)
Os Resultados e as Expectativas
125
Apesar do novo ímpeto ocorrido nas duas primeiras décadas do século passado
com a promulgação das primeiras leis e o surgimento de instituições especificas –
sociedades científicas e periódicos – voltadas para a questão da loucura, segundo Costa
(1989: 71) “ a psiquiatria do Rio, durante as três primeiras décadas do século XX,
época em que foi fundada a LBHM (Liga Brasileira de Higiene Mental), era produto do
atraso histórico da psiquiatria no Brasil.”
Diante da impossibilidade da cura, busca-se a prevenção. Prevenção esta
carregada por um biologismo promulgado pela Liga Brasileira de Higiene Mental mas
que trazia em seu bojo aspirações culturais, políticas e morais. A Eugenia, movimento
social e científico compatível com os princípios da medicina social por localizar fatores
que inviabilizam o potencial dos indivíduos, surgem com o ideário de geração de uma
nova conformação física e também mental de uma população (Santos: 2002). Através
de práticas de higiene e saneamento, e com o objetivo promover o aprimoramento da
raça, a eugenia teve na pedagogia um forte aliado, em conjunto direcionando suas
atenções para a população infanto-juvenil.
A “pedagogia moderna” através do estudo científico da criança, pretendia
conhecer este pequeno indivíduo, classificá-lo e enquadrá-lo segundo parâmetros de
uma ciência positivista, dentro de uma tipologia de normalidade, anormalidade e
degenerescência.
37
Os anormais que estariam sujeitos a educação emendatória seriam os criminosos, amorais, tarados,
idiotas, imbecis, surdos-mudos, cegos de nascença e deficientes físicos.
126
A cultura da exclusão àqueles que seriam classificados como degenerados, pelo
decreto do modelo científico gerado por códigos de convívio social, posição sócio-
econômica, raça e estudos científicos metódicos, parece ter se mantido de alguma forma
até hoje. Qual o lugar dentro do contexto social destinado aos outrora degenerados e,
talvez hoje, portadores de grave sofrimento psíquico? Que tipo de tratamento a eles
seria dispensado? Se e quando tratados, o que deles esperar?
(...) Eu acho que ela que é mais antiga aqui, ela deve ter me
visto aqui, eu mesmo que trazia e quando chegava na hora eu estava
aqui para pegá-lo e ia preocupado com ele: “Meu Deus, será que vai
acontecer alguma ... fuga, evasão?” Aí, graças a Deu,s o tempo foi
passando, hoje graças a Deus, o Danilo vem sozinho. Eu dei um
telefone celular para ele e estou sempre em contato com ele, ele vai ao
colégio com ele. Ele não vai só ao cinema e outras coisas mais porque
ainda não bateu aquele interesse mesmo, mas o dia que chegar a
vontade eu libero, logicamente preocupado, porque ele ainda está com
dezoito anos, fez dezoito anos agora em agosto. Mas para quem viu já
o Danilo andando até pelado sem preocupação, porque ele não estava
nem aí, dentro de uma clínica e depois do tratamento aqui, ele está
nesse passo, eu acho que é de grande valia. (Pai 3)
127
uma socialização possível para que a gente possa ser feliz dentro do
quadro clínico dele. (Mãe 5)
- Da limitação dele ... (Rede 1)
- Exatamente, acho que é isso que eu espero. (Mãe 3)
11 O atendimento dos pais dos adolescentes do programa ocorrem independente da situação conjugal.
128
(de uma fração dele) se estabelecem as “dotações de oportunidades”
em medida limitada e de uma vez por todas, o resultado será a
progressiva cegueira daquela parte do serviço em relação às
atribuições que ele não possui.
129
Segundo Marta, os sintomas foram investigados e nada foi encontrado. Falou também
das vozes que ouvia toda vez que ia ao banheiro e que estas controlavam seu ato de
defecar. Terminou o atendimento com a seguinte verbalização, com relação ao desejo
de matar a avó : “Não é porque eu quero, é como um cabo de guerra”. De imediato foi
inserido no programa, sua medicação foi avaliada e o processo psicoterápico individual
foi iniciado.
O ingresso de Ronaldo foi tranqüilo. Mostrou-se inicialmente tímido, mas
rapidamente entrosou-se com os demais jovens, iniciando participação efetiva nas
oficinas. Sua ambivalência quanto à sintomatologia se apresentou desde os primeiros
momentos no programa. Apesar do entrosamento evitava situações de aglomeração,
como festas ou encontros mais entusiasmado dos colegas. Marta foi convidada, como
todos os familiares a participar do grupo de pais, mas sua freqüência inicialmente foi
irregular por alegar problemas com o horário do ingresso no trabalho, que
posteriormente tornou-se bastante flexível. Em função dos relatos, tanto de Ronaldo,
quanto de sua mãe, a respeito das dificuldades de relacionamento entre o rapaz e sua
avó paterna, foi solicitada a presença desta no programa, com o objetivo de estreitar
laços e oferecer auxílio no que fosse necessário. No primeiro contato, foi percebida a
impossibilidade de sua freqüência ao grupo de pais devido ao fato de Consuelo ter idade
avançada, oitenta e dois anos na ocasião, e talvez por isto ter muita dificuldade de
compreender o quadro psiquiátrico em que o neto se encontrava. Houve várias queixas
com relação ao comportamento de Ronaldo. Os hábitos higiênicos, as agressões verbais
a exasperavam, mas por outro lado, demonstrava muito afeto pelo neto e até
superproteção. O comportamento agressivo em relação à Consuelo foi reduzido logo
após o início do tratamento.
A alteração do quadro de Ronaldo entre a depressão e os rituais obsessivos logo
foram percebidos, e o acompanhou durante os anos de tratamento em maior ou menor
intensidade, conforme o momento. Quando o quadro depressivo agudizava, permanecia
em casa, geralmente sem conseguir se levantar da cama. Isolava-se de todos e
conseqüentemente interrompia suas idas ao Clube Ponto de Encontro. No período de
exacerbação dos rituais obsessivos, os hábitos higiênicos iam a extremos. Gastavas
vários sabonetes, frascos de xampu e rolos de papel higiênico por dia. Certa vez, Marta
chegou desesperada ao grupo de pais mostrando a conta de luz de sua casa, que devido
aos consecutivos banhos do filho chegara ao valor de quatrocentos reais. Apesar da
ansiedade em que ficava nestes períodos, vinha ao tratamento e participava das oficinas.
No início do ano de 2000, Alberto, primo de Ronaldo passou a acompanhar seu
130
tratamento. Com certa regularidade, freqüentou o grupo de pais por pelo menos dois
anos e trouxe auxílio significativo ao tratamento. Colaborou com os técnicos, com
Marta e seu primo ao trazer suas observações e registros a respeito dos sintomas
psicóticos apresentados por Ronaldo. Por um tempo significativo Alberto foi o
sinalizador da exacerbação dos sintomas e do surgimento das crises que não eram
percebidos nem por Marta e nem por seu filho.
Em abril do mesmo ano, pela primeira vez, Ronaldo insistiu na retirada da
medicação e passou a demonstrar alguma compreensão do seu quadro. Relatou ao
psiquiatra que o atendia terapêutica e medicamentosamente, que ao ver o filme “Melhor
é ImpossíveI” se identificou com o protagonista em suas “manias de limpeza” e nos
rituais obsessivos. Sinalizou pela primeira vez retornar a escola e disse também nunca
mais piorar de seus sintomas, apesar dos relatos dos familiares de andar eventualmente
nu pela casa.
Em maio Ronaldo parou de tomar a medicação e passou a negar sua
problemática psiquiátrica, enquanto ao mesmo tempo afirmava sua melhora. Mesmo
com o relato de piora feito pela mãe e pelo primo, tais como dificuldade para dormir e
postura verbal acentuadamente agressiva, o rapaz atribuía estes sintomas a questões
espirituais. Mas após insistentes demonstrações das evidências assumiu, o
comportamento sinalizado pelos familiares. Com exacerbação dos sintomas e a recusa
sistemática por parte do rapaz em retornar ao uso da medicação, após exaustivo
atendimento realizado com os técnicos do programa mais diretamente ligados ao caso, o
jovem e seus familiares, foi feito um acordo entre os envolvidos de que seria aceita a
interrupção da medicação, condicionada à manutenção da regularidade de freqüência de
Ronaldo ao programa. E que em caso de piora do quadro, com comportamentos de auto
ou heteroagressão, ele seria internado.
Após um mês sem a medicação e com o aumento dos sintomas de agressividade
e rituais obsessivos, acrescidos das insistentes colocações de Marta e Alberto, Ronaldo
cedeu às argumentações e assumiu temer seu potencial agressivo e começou a aceitar a
idéia de ser introduzida a medicação depot39. Quinze dias após, aceitou de forma
reticente iniciar a medicação depot.
Nos próximos três meses, Ronaldo se recusou a vir ao programa, a tomar
qualquer tipo de medicação e participar de qualquer tipo de atividade intra ou
extramuros – passeios ou visitas domiciliares, mas ao mesmo tempo, se intensificou a
39
Medicação depot ou medicação de depósito é realizada por via injetável intramuscular com espaços
regulares, semanais, quinzenais ou mensais de acordo com o caso.
131
participação de Marta e Alberto no tratamento. A freqüência ao grupo de pais se tornou
regular para ambos. Tanto os relatos, dúvidas e sofrimento de Marta, quanto as
colocações francas e aguçadas de Alberto colaboraram bastante com os presentes no
grupo. Todos puderam tirar dúvidas e refletir a respeito da medicação e da participação
dos familiares no tratamento. Ronaldo indiretamente estava presente no programa e era
assistido por este, quando sua mãe ou seu primo sanavam alguma dúvida ou propunham
alternativas e propostas dentro do tratamento. Ao ficar na cama o dia inteiro e se afastar
do tratamento, o jovem parecia ter a necessidade de viver intensamente uma forma de
desafio entre ele e a loucura.
Aos poucos Ronaldo saiu de sua cama, de sua casa. Retornou ao tratamento
paulatinamente e matriculou-se em curso supletivo, na tentativa de retomar os estudos.
Com o retorno ao programa, solicitou ser atendido por outro psiquiatra que
acompanhasse somente a medicação e manteve o profissional que o vinha
acompanhando desde o início do tratamento para dar continuidade ao tratamento
psicoterápico. Desta forma, para ele as decisões sobre a medicação,as questões sobre a
doença e seu autoconhecimento foram mantidos em separado. Retorna ao uso da
medicação em novembro de 2000, sendo esta negociada passo a passo e as trocas
efetuadas a medida que surgiam os efeitos colaterais. No período de março a setembro
de 2001, manteve com freqüência semanal o atendimento psicoterápico. A freqüência às
atividades do programa também foi retomada e aos poucos se solidificou o engajamento
às atividades escolares. Paqueras, namoros passaram a fazer parte do seu cotidiano e a
servir de material para a sua psicoterapia. Em agosto de 2001 optou por interromper o
uso da medicação. Apesar de ter solicitado sua transferência para um programa de
adultos, nesta ocasião havia acabado de completar dezenove anos. Com a saída de sua
terapeuta do programa, espontaneamente pouco tempo depois, foi diminuída sua
freqüência às atividades e saiu do programa. Segundo recente telefonema de Marta à
técnica do programa em dezembro de 2002, Ronaldo estava terminando o segundo grau
e tentando junto ao primo conseguir algum emprego. Não estava se tratando em
nenhum serviço e também não estava fazendo uso de medicação.
132
formulada, geralmente uma demanda de exclusão, de cuidados impostos, uma demanda
de tutela, mas sim de tratar esta demanda, de intervir tanto no meio ambiente quanto
no próprio sujeito, para que enfim seja aceita a solução que dê a este o máximo de
autonomia e que o livre das sujeições implicadas pela doença.
133
meu filho desde pequeno mas os filhos dele não são amigos do meu
filho, porque eles rejeitam, eu sei que eles rejeitam. (Pai 1)
Melman (2001) nos aponta que as práticas diárias são o instrumental necessário,
para além das potentes construções teóricas, para viabilizar apoio e suporte , no presente
caso, aos jovens e seus pais na busca de alternativas e produção de novos sentidos.
Jovens e familiares, que na maioria das vezes, apresentam dificuldades da mais diversa
ordem, impedindo o gerenciamento de seus problemas. Os novos dispositivos voltados
ao acolhimento e tratamento dos portadores de transtorno psiquiátrico grave, devem ter
como uma de suas funções, a criação de um espaço onde ao problematizar a loucura, os
familiares podem produzir deslocamentos, colocar em questão a própria identidade,
explorando territórios inusitados, encontrando formas mais genuínas de exercitar a
subjetividade, abrindo-se para o devir, para a multiplicidade, resgatando o valor da
alteridade e do trabalho solidário. (Melman, 2001: 149)
134
- No livro de auto-ajuda diz o seguinte, só para ilustrar, a
vida é cheia de problemas, ninguém foge de problemas, senão não
vive. Viver é enfrentar os problemas que nos aparecem. Os únicos que
não têm problemas são os que já morreram nessa vida. Muito bem,
então nós temos que enfrentar os problemas que são nossos e lutar por
eles. No meu caso por exemplo, o meu problema é o garoto, então eu
vou enfrentar o problema, fui morar lá, enfrentei e estou enfrentando.
(Pai 1)
- Mas não são todos que têm esse pensamento. (Mãe 3)
135
VI. Considerações Finais
136
da construção de novos parâmetros para a implementação de políticas públicas de saúde
nesta área.
O Programa Clube Ponto de Encontro foi o objeto de estudo utilizado para a
análise. Sua clientela é de adolescentes com graves transtornos mentais que podem
desenvolver um quadro de incapacidade permanente. Este fato influenciou a escolha do
objeto por possibilitar ao estudo da questão, a importância da prevenção do ingresso
desta população em uma carreira manicomial.
A utilização de diferentes recursos de investigação foram efetuados na tentativa
de dar conta das diversas nuances do objeto investigado. A análise de conteúdo do
material documental produzido pela equipe multiprofissional, a ata de reunião semanal
da equipe, as entrevistas semi-estruturadas com os técnicos da equipe e grupo focal
com os familiares e/ou responsáveis e membros da rede social dos jovens atendidos no
programa permitiram observar os diversos aspectos da relação serviço-usuário. Esta
investigação trouxe a tona sua complexidade, no momento do processo de implantação
do programa, na definição das estratégias efetuadas, na observação da pertinência das
práticas e procedimentos voltados para os usuários e seus familiares e também na
estruturação do trabalho da equipe. A abordagem junto aos atores sociais foi baseada na
possibilidade de ouvir suas demandas e compartilhar responsabilidades na avaliação e
construção de um modelo mais próximo possível das necessidades dos envolvidos no
processo.
Os registros contidos na Ata de Reunião produto do encontro regular semanal,
trouxeram pela espontaneidade de seus registros, o amplo espectro dos temas e assuntos
discutidos e permitiram traçar a história da construção do programa e o
desenvolvimento dos múltiplos recursos e estratégias terapêuticas efetuados para dar
conta do acolhimento e assistência a população infanto-juvenil, seus familiares e a rede
social e instituições que os cercam. A análise de conteúdo possibilitou enriquecimento
da leitura do material e a detecção e isolamento, para efeito de análise, de períodos e
estruturas existentes no contexto ao longo do processo de implantação do programa. Os
“espaços de tempo” definidos e delimitados pelo processo de análise possibilitaram a
visualização de eixos/temáticas em torno dos quais o Programa Clube Ponto de
Encontro girou ao longo do tempo. A periodização proposta teve o intuito de apontar
um processo de desenvolvimento em que as temáticas/eixo presentes em maior
intensidade respondiam pelo momento analisado.
As estruturas que se delinearam para acompanhar e possibilitar o processo de
implantação do programa, foram as fontes geradoras do trabalho em si, permitindo
137
identidade, conformação e viabilidade ao conjunto de práticas e estratégias realizadas.
Com características e funções distintas, essas estruturas foram nomeadas de
organizacionais e operacionais, sendo as primeiras possuidoras do atributo de dar
conformação a estrutura por possuir objetivos definidos, acarretando-lhe, portanto, uma
função específica e conseqüentemente um sentido dentro do sistema. As últimas
possuem por atributo proporcionar funcionalidade e ação as primeiras, pondo-as em
movimento. A interação desta estruturas se realiza de forma dinâmica e com
freqüências variáveis e por sua composição impõem uma hierarquização de importância
dentro do conjunto como um todo. As estruturas organizacionais – oficinas terapêuticas,
clube de pais, atividades extra-muros e visita domiciliar – e as estruturas operacionais –
equipe multiprofissional, horário de funcionamento, instrumentos – funcionam de forma
e intensidade diferenciadas ao longo dos períodos de implantação do programa.
Detectamos também a existência de estruturas híbridas – reunião de equipe e seminário
interno – que de acordo com o período apresentavam características de eixos/função
(organizacionais) ou eixos/ação (operacionais).
No primeiro período – experimentação como forma de ação – percebemos todos
os esforços convergirem para a criação e desenvolvimento dessas estruturas,
narcisicamente investidas, para dar conta da existência e manutenção do sistema, o
Programa Clube Ponto de Encontro. No segundo período – sedimentação – vimos a
consolidação das estruturas criadas no período precedente e a implementação de outras,
esboçadas anteriormente. Este período apesar de brevidade de sua existência trouxe
marcas que permitiram o emergir de reflexões que transcenderam a conformação e
implantação do programa dentro de suas propostas iniciais. Ações externas ao programa
de ordem jurídico-administrativa ligadas a forma de contratação da equipe técnica do
programa, marcaram significativamente seu percurso e nos trouxe a visibilidade da
importância de uma de suas estruturais operacionais, a equipe multiprofissional. A ação
externa que incindiu sobre esta estrutura teria a possibilidade de incidir e decidir o
futuro de todo o sistema. Este incidente também nos permite dimensionar a necessidade
da implementação de políticas públicas possibilitando a regulamentação das estruturas
necessárias a implantação de um modelo assistencial e sua forma de financiamento, o
que não havia sido realizado até aquela data.
No terceiro e último período – avaliação e integração na rede – precipitado pela
ação acima exposta, caracterizou-se pela auto-avaliação e conseqüente análise crítica
das ações oferecidas pelo programa e sua real adequação as necessidades dos usuários e
aos objetivos propostos. A pertinência das práticas endereçada aos jovens e seus
138
familiares quanto a possibilidade e capacidade de inserção desta clientela no contexto
social conferiria fidedignidade aos procedimentos realizados e conseqüente valorização
do programa e dos técnicos nele em atividade assegurando a manutenção de sua
existência. A necessidade de visibilidade e interação de ações em relação a outros
serviços, como conseqüência da auto-avaliação das práticas e da inserção dos jovens em
seu contexto social, precipitou a formalização da inserção do programa na rede de
serviços de saúde e outras instituições, que vinha se realizando de forma irregular,
tímida e informal. As ações desenvolvidas na direção da inserção dos jovens a sua rede
social sofreram um crescimento em proporção geométrica, tanto quantitativa quanto
qualitativamente, gerando maior estabilização na relação entre suas estruturas do
programa.
Ao visualizarmos o processo de implantação do programa como um todo,
podemos apontar que este ocorreu gradual e progressivamente, de forma bem sucedida
em relação as suas propostas fundadoras do programa Clube Ponto de Encontro. O
fortalecimento e sedimentação iniciais de suas estruturas permitiram que suas ações
posteriormente se voltassem quase que integralmente para o objetivo primeiro de suas
ações, a reinserção psicossocial dos jovens. As ações dirigidas a manutenção e
aprimoramento se estabilizaram permitindo em última via um investimento em ações
voltadas aos jovens e suas famílias cada vez mais próximas a suas reais necessidades e
realidades. Como o ideário teórico-prático que fundamenta as ações do programa se
pautam na invenção e dinamismo na superação das deficiências e limitações, sempre
haverão ações a serem efetuadas e transformações a serem realizadas e esta marca deve
servir todo o tempo como pano de fundo para as ações.
139
psicossocial, com sua postura e visão privilegiada, pode nos apontar os benefícios e
impasses do mesmo.
A vocalização destes atores imprescindíveis – técnicos e familiares – surge no
material investigado tanto no processo de análise da execução diária das práticas e
procedimentos realizados dentro do programa quanto na reprodução da interlocução
dinâmica ocorrida dentro do grupo de pais. Foram utilizados como ponto de apoio para
a execução da análise do projeto original do programa, o estatuto da criança e do
adolescente – ECA e a portaria ministerial nº 336, promulgada em fevereiro de 2002, já
que cada um deles apontou para a análise do balizamento como a ousadia de propor
novas abordagens terapêuticas e implanta-las; a regulamentação de novos
procedimentos e atividades para o atendimento e a garantia de direitos estabelecido pelo
ECA . O projeto original do programa surgiu como apoio para a análise numa
tentativa de acompanhar as possibilidades de implantação destas propostas na execução
e implementação do tratamento, a compatibilidade entre projeto e sua execução, entre a
teoria e a prática. A portaria nº 336 possibilitaria uma comparação entre procedimentos
e atividades regulamentadas para atendimento a esta população e as oferecidas pelo
programa, possibilitando uma análise em dupla via. E finalmente com relação ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, a verificação do cumprimento das determinações
estabelecidas pela lei.
Os instrumentos, ou seja, recursos utilizados pelo programa para alcançar os
objetivos propostos, são reconhecidos e discriminados tanto pelos técnicos da equipe
multiprofissional quanto pelos familiares. Para os primeiros há uma maior preocupação
em nomeá-lo e os associar a um contexto dinâmico e a um conhecimento técnico-
teorico subjacente. De forma geral têm como objetivo e poderíamos dizer até
preocupação com o futuro destes jovens e se questionam se através dos recursos
utilizados o “retorno a sociedade” poderá se realizar da melhor forma possível. Os
familiares centram suas preocupações com os resultados, conhecem os procedimentos
sabem nomeá-los, mas estas não parecem ser suas principais preocupações e
inquietações. Verbalizam depositar confiança na equipe e talvez por este motivo não se
preocupam com a “forma” que os procedimentos são realizados, anseiam por resultados
e demonstram um progressivo interesse nos fenômenos desencadeadores da crise e de
que forma poderiam barrar ou intervir em seu curso.
A medicação foi o único instrumento privilegiado no discurso dos familiares,
que em contrapartida apareceu poucas vezes na fala dos técnicos. Apesar da aceitação e
utilização do medicamento por parte dos jovens e suas famílias ter surgido como objeto
140
de preocupação para os técnicos, o medicamento para eles se tratava de um dos muitos
instrumentos importantes na consecução do tratamento. A dialética medicação-família
mostrou um colorido maniqueísta, bastante distanciado de sua real inserção no
tratamento. Num extremo, para algumas famílias, o medicamento se mostrou como o
“salvador da pátria”, a solução mágica para a saída e o “extermínio” da doença
levando-os a possibilidade de exagero no uso da medicação. No extremo oposto ela
aparece como o “vilão” causador dos sintomas apresentados pelos jovens perante aos
olhos de seus familiares, fadado a supressão e exclusão no tratamento. A que atribuir
posições tão díspares entre técnico e familiares, relativo a um aspecto tão importante do
tratamento? A cultura crescente da medicalização poderia ser responsabilizada por estas
reações? Como se daria a interlocução entre técnicos e familiares a respeito da
utilização e o papel da medicação? Estas perguntas talvez não possam ser respondidas
no momento, mas provavelmente a partir da percepção e detecção da existência do
impasse por parte dos atores envolvidos, mobilizando a dinâmica das estruturas
envolvidas e tornando dinâmica a ação de cada uma das estruturas.
As práticas, atuações técnico-profissionais com variada gama de ações e
instrumentos utilizados para alcançar determinados objetivos, foram reconhecidas e
definidas pelos técnicos. Estes reconhecem a inter-relação existente entre as práticas e
os instrumentos utilizados e na atuação cotidiana por vezes têm dificuldade de distinguir
onde começa uma e onde termina a outra. A especificidade técnica na realização das
práticas referente a população alvo – os jovens – mostrou-se um consenso entre eles,
reconhecem suas demandas e se sentem habilitados em corresponde-las. Reconhecem
também o papel que devem exercer e a ponte que devem estabelecer entre as
necessidades e demandas internas e externas ao programa, a reinserção ao contexto
social compatível a faixa etária dos usuários se mantém como pano de fundo as práticas
realizadas pelos profissionais.
A contribuição que a formação profissional de cada membro da equipe traz
consigo foi reconhecida, torna-se um instrumental para lidar com a “doença”, mas a
habilidade de conviver com a diferença e a possibilidade de cumprir diferentes papéis
em sua prática profissional tornou-se para os técnicos um atributo imprescindível para
fazer parte da equipe e realizar de forma confortável e satisfatória as funções e
habilidades requeridas pelo programa.
Novamente os familiares reconhecem as práticas efetuadas pelos profissionais,
identificam suas ações, referendam sua especificidade ao lidar não só com a população
adolescente, mas com as demandas dos familiares. Apontam como atributos para lidar
141
com a reinserção destes jovens em seu contexto social a flexibilidade de suas ações e as
intervenções extra-muros.
A categoria médica foi a única, dentre os membros da equipe multiprofissional,
reconhecida de imediato por sua formação profissional pelos familiares, os demais
membros da equipe foram geralmente mencionados pelo primeiro nome e mesmo
havendo maior proximidade dos familiares com alguns deles, não houve destaque ou
menção de sua formação profissional. Talvez a marca da cultura profissional que
distingui a categoria médica dos demais técnicos dentro dos serviços de saúde, reflita e
reforce a prerrogativa de que somente os profissionais desta categoria têm reconhecido
pelos órgãos municipais sua assinatura e inscrição profissional para validação e
pagamento pelos serviços prestados nos CAPS no documento de autorização de
procedimento de alta complexidade – APAC, estabelecido pela atual legislação –
portaria nº 336. A relação vertical entre os profissionais da área de saúde e seus
resquícios parece ainda invadir a relação dentro da equipe multiprofissional e da equipe
com os usuários dos novos serviços, talvez por este motivo seja facilmente verbalizada
por seus usuários, quer sejam eles os jovens ou seus familiares.
O grupo de pais, uma das estruturas do programa, foi largamente descrito e
reconhecido por técnicos e familiares como recurso terapêutico. Os familiares se sentem
nele inserido e neste ser o contexto, que sentem a possibilidade de resgatar o seu papel
deixando de ser coadjuvante, vítima ou algoz, para se transformar em protagonista de
sua própria história. As modificações abruptas que se operaram com o surgimento de
uma crise ocorrida com um dos membros da família, seus filhos, pode ser enfrentado e
neste aspecto reconheceram a importância do auxílio e acolhimento oferecido pela
equipe multiprofissional. “Colocar o dedo na ferida”, termo utilizado por um dos
familiares, pode ser feito a partir do momento que eles parecem se reconhecer no papel
daqueles que também podem propiciar, através de suas intervenções, a melhora dos
sintomas e o retorno de seus filhos as atividades anteriormente realizadas. Verbalizaram
ter a capacidade e/ou poder adquirir a habilidade de saber distinguir o momento de agir
e o momento de pedir ajuda.
Os técnicos da equipe têm como conduta que a presença e participação da
família e/ou rede social próxima são imprescindíveis na boa consecução do tratamento.
A aproximação dos técnicos e familiares pareceu ter sofrido um salto qualitativo com a
criação de uma estrutura específica voltada para lidar com as suas questões e
dificuldades. A interação entre membros da equipe e os familiares, sob a perspectiva
dos técnicos, pareceu se dar de forma casual ou então dentro das prescrições técnicas
142
consensuadas na reunião de equipe. Formar parcerias pareceu ser um objetivo a ser
alcançado, mas a forma como esta pode se realizar, se traduziu por verbalizações
defensivas e alguma dificuldade em relação a flexibilização de papéis no contexto desta
parceria. Há ainda um distanciamento e este fato foi reconhecido, contudo a
aproximação para a maioria dos técnicos é uma questão para reflexão.
Este percurso, a análise dos procedimentos, práticas e instrumentos utilizados
no Programa Clube Ponto de Encontro, especificamente aqueles voltadas aos familiares
e/ou responsáveis pela clientela atendida, nos possibilitou visualizar a pertinência de sua
realização com relação aos objetivos propostos, qual seja, a reinserção psicossocial dos
adolescentes. Estas práticas permitem a troca de experiências, a reflexão e parceria na
busca de respostas as dúvidas e na tentativa de equacionar as dificuldades, mas
principalmente o compartilhamento de responsabilidades.
A transformação no eixo das relações, da verticalidade para horizontalidade,
parece ser difícil para todos os envolvidos, técnicos, adolescentes e familiares, mas uma
proposta que todos os atores envolvidos parecem se predispor a alcançar. Abrir mão da
dialética fechada em si mesma – a solução-cura – é uma das principais propostas da
reforma psiquiátrica. Ela nos propõe a flexibilização de ações e estratégias como
também a transformação de papéis, nunca dando por terminado, fechado ou completo o
processo de reinserção de sujeitos acometidos por grave transtorno mental em seu
contexto social.
Todas as ações inseridas e oferecidas pelo programa estudado também se
enquadram nesta lógica, podendo, devido ao recente processo de implementação de
ações na área infanto-juvenil, tirar proveito das experiências já consolidadas dentro da
área de saúde mental como um todo e expandir suas conquistar dentro da área de
políticas públicas para a população adolescente.
Para o incremento das ações e programas de saúde mental para a infância e
adolescência, apontamos a necessidade da criação de um campo de estudo e pesquisa,
especialmente no que diz respeito aos transtornos mentais graves. A especificidade da
área suscita uma série de procedimentos diferenciados que precisam ser comprovados
quanto a sua validade e eficácia. Também se faz necessário a criação de instrumentos
para avaliação dos novos serviços surgidos nos últimos cinco para que possam apontar
caminhos mais seguros nesta trajetória . Finalmente, esperamos que com o presente
trabalho tenhamos tido a oportunidade de contribuir para este campo em construção e
que ele também possa gerar uma ponte para novos encontros entre os jovens “normais”
e os “anormais”, entre os familiares e os técnicos, entre ações e políticas.VII.
143
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147
ANEXOS
148
ANEXO I
149
não estavam ali .... agora que eles aprenderam, até falam para mim que perdeu a graça e
por isso que alguns deles ficam de fora.
No começo é como se fosse uma criança, primeiro ela que tem que aprender a
engatinhar, para depois andar, para depois correr ... então quando eles chegam aqui, eles
chegam querendo engatinhar. Então eles já aprenderam isso, engatinhar e estão
aprendendo a andar, agora já estão correndo e muitos não querem voltar ao tratamento
porque falam ser coisa de criança, que já passou da época e agora não são mais tão
jovem, são mais adultos. Quando eles estão em crise, chegando aqui, no primeiro
momento funciona, depois quando eles estão se sentindo melhor e podendo ficar mais
perto da sociedade, aí esse trabalho já deveria ser mudado ... ser criadas novas oficinas,
porque eles mesmos relatam ... Um paciente me disso: “Ahh ... ficar nestas oficinas
fazendo bloquinho de papel ... isso não me interessa, isto é coisa para criança. Isto valeu
no primeiro momento que eu estava aqui, estava mal, em crise. Isto vale para quem está
chegando agora em crise”. Este paciente tem 20 anos.
Também tem os pacientes dentro da idade de 12 a 18 anos que ficam sentados
sem prestar atenção, eles já aprenderam aí e melhoraram, agora eles querem buscar
alguma coisa mais profunda ... e esse paciente tem 16 anos. Conforme ele foi
melhorando, se reabilitando na sociedade, ele está podendo passear, então ele acha que
as oficinas são muito infantis para a faixa etária dele.
150
as medicações. Como é esta medicação e o que é que ela faz. Também isso tem que
falar com muito jeito para não chocá-lo e para que ele venha parar de tomar o remédio,
começar a esconder. Esse jeitinho é explicar, não vai esconder o que é, se vai explicar
de uma outra forma. Você não vai falar com termos técnicos, vai.explicar que o remédio
faz e que o remédio dá efeitos, como por exemplo entortar o pescoço. Explicar do jeito
que vai ficar se não tomar. Com o paciente agudo se tem que falar mais firmemente,
para ele botar na cabeça que tem que dar andamento ao tratamento, pois então não ficará
legal, podendo ser internado. Com o paciente jovem não, se você falar diretamente que
se ele não tomar o remédio poderá ser internado, ele já fica assim com medo ....
151
Eu sou auxiliar de enfermagem desde 1998. Trabalhei em uma clínica mista com
crianças e adultos. Adultos jovens no máximo com 30 anos de idade. Trabalhava com
crianças autistas, deficiente visual. Fiz acompanhamento com todo o tipo de criança.
Acompanhamento em casa, passeava. Fiquei um ano desempregado e no outro ano
recebi a proposta de trabalhar aqui nos CAPS, no Ponto de Encontro.
152
eu acho que voltaria o manicômio, com certeza. Os pais precisam de um tratamento e os
filhos também. Às vezes quem precisa do tratamento são mais os pais do que os filhos,
porque se os pais não souberem como lidar os filhos, eles também não vão saber como
agir no futuro.
153
Eu acho super-boa, de vez em quando tem atrito,mas tem que ter mesmo. Às
vezes os familiares chegam querendo dizer que como o tratamento tem que ser como se
fossem profissionais ... Primeiro os profissionais têm que colher o material, fazer do seu
jeito e os familiares do seu e depois então, ajudar os familiares a lidar com os pacientes.
Os familiares conseguem ter uma ajuda muito boa dos profissionais. Atualmente os
profissionais conseguem falar muito mais com os familiares e vice-versa. No início, na
entrada do paciente no serviço, os familiares têm pouco contato, telefonavam bem
menos, ficavam meio escondidos. Com o transcorrer do tratamento eles já conseguem
brincar, já conseguem sorrir. Por exemplo, você tem um amigo, você vai ter confiança
nele conforme o tempo vai passando ... os pacientes vão ter confiança conforme o
andamento do tratamento ... já podem falar aberto, os técnicos já podem brincar com os
familiares e nesta brincadeira eles vão aprendendo ...
154
aberto para ele voltar e não dizer que ele não faz mais parte do serviço ou então ter de
retornar pela rotina. O paciente pode dizer assim: “Ah, já estou legal, não estou
precisando mais.” Mas a gente deve conversar com o paciente que o serviço está aberto
e no dia que você precisar pode nos procurar.
Há alguns pacientes que eu fico pensando se o serviço está trazendo algum
benefício para ele ou não. Ele estar aqui está matando um pouco do tempo dele, dele
estar fazendo alguma coisa e às vezes ele estar aqui, ele não está crescendo na
sociedade. Vir para cá virou um lazer e não um tratamento. Ele deveria procurar um
curso, uma coisa para a vida profissional dele, para o futuro, para ele não parar no
tempo. Nós sabemos que para vida profissional hoje em dia, é necessário estudar. Às
vezes eu fico pensando, se o paciente está aqui e não está estudando, como será no
futuro? Se já está tão apertado para as pessoas que estão estudando, que têm uma vida
profissional, imagina para estes pacientes. Como será quando eles baterem com a
realidade no futuro, será que eles vão bater de novo aqui? Esta é uma preocupação
minha, quando vejo um paciente deitado ... este paciente tem condições de estar aqui
deitado porque a família dele tem uma renda legal. E os outros? Que não tem uma
renda, como vai ficar no futuro? Este deveria procurar o que fazer, um curso. Vir aqui e
fazer um curso, no horário que não está aqui em tratamento. Mas isto tem de ser
analisado caso a caso.
Considerações finais:
Uma coisa importante é que a Direção do serviço e a Direção do Hospital
colocasse os seus profissionais como profissionais, que viesse dar assistência a seus
profissionais e que eles viessem prestar um serviço bem mais adequado e bem mais
interessante. Quando não se trata o profissional como profissional, o serviço começa a
cair. Eu acho que nós temos profissionais super-bons. Profissionais que vem ensinando
cada dia mais os profissionais que vem aqui e os profissionais que estão chegando como
é o serviço. Um exemplo,eu mesmo quando entrei, já trabalhava com a clientela, mas
entrei frio, sem nada e hoje que meu serviço é importante não só no Clube como no
hospital em geral. Hoje quando eu saio e vou para o pátio muitos pacientes me
procuram, conversam comigo, como eu fizesse parte do serviço de lá. A direção geral
deveria ter estes profissionais como profissionais e não abrir mão deles por nada,
porque eles são bons. Caso eles tenham que sair e outros entrarem no lugar, o serviço
vai cair. Trabalhar na área de saúde mental não é coisa de um dia para o outro, é coisa
de anos e anos. Para o paciente ter confiança em você precisa de anos e anos. O serviço
cai e o paciente pode até ficar deprimido com a saída do profissional. Entra profissional
155
e sai profissional, o paciente vê que ganha e perde, ganha e perde, e acaba acostumando
e se conforma em ficar internado. Apesar de sabermos que temos de deixar os
problemas do lado de fora do trabalho, ele acaba nos influenciando tanto que trazemos
para dentro do serviço e com isso o paciente percebe e toma esta atitude como exemplo.
156
Entrevista Semi-estruturda/Programa Clube Ponto de Encontro
Identificação: Técnico 2
Função: Psicólogo
Idade: 38 anos
Tempo na função/Programa: 4 anos e 3 meses
Tempo de profissão: 13 anos
Local da entrevista: CARIM
Data da entrevista: 22/10/02
157
com este tipo de coisa, hoje em dia tenho menos, é ser um espaço de auto-ajuda
também. Onde eles possam estando com outros adolescentes, os pais estando com
outros pais, eles possam se ouvir mutuamente. Hoje em dia se fala muito em grupo de
auto-ajuda, grupo de ajuda mútua, mas eu vejo que as pessoas olham para estas idéias ...
torcem o nariz, mas acho que estes grupos cumprem uma função muito importante. Este
é outro objetivo, é fazer com que estes adolescentes se encontrem com outros
adolescentes, vejo isso na minha prática aqui. Ouvir outros adolescentes..Eu vejo muitas
vezes o adolescente falar assim: “Eu tive problema com a minha mãe”, o outro fala: “eu
também ... isso também aconteceu comigo”. Eles comentam como foi a internação,
aqueles que já tiveram internado, a situação de ter de tomar remédio, o que acontece
com a sua vida a partir daí, de estar em terapia. O terceiro objetivo, onde a nossa
participação como técnico é fundamental, poder auxiliar estes meninos e estas famílias
naquilo que a doença lhes trouxe de paralisia, ou seja, retorno para escola, uma
possibilidade de um trabalho. Acho que nossa função aí, não é de arrumar coisas e sim
de mediador, ali onde eles não podem ainda caminhar mais fluentemente com as suas
questões ...e às vezes nós cumprimos uma função importante. Às vezes ligando para
uma escola e marcar, ir lá conversar. Não está nada garantido, mas pelo menos ...
porque às vezes eles chegam aqui muito paralisados e a nossa função muitas vezes não é
encobrir esta paralisia com a nossa atividade técnica-profissional, mas é levá-los a poder
rever um pouco esta paralisia e mediar um pouco isso, para que eles também possam se
sentir responsáveis ... então eu acho que são três objetivos: um clínico, um terapêutico e
o da auto-ajuda, esse trabalho da reinserção.
158
Agora, o que se quer com estas práticas é ... nas oficinas têm um objetivo muito
claro e é aí que eu vejo a questão da ajuda-mútua e da auto-ajuda. Eu acho que o grande
objetivo das oficinas é ser um espaço de fala. No meu entender o produto da oficina é o
grupo, o produto não é você reciclar o papel, você fazer a comida, isto são meios. O
objetivo é você estar junto, ser um espaço de conversa, de troca. Claro que se dessa
oficina ele puder derivar para uma coisa onde possa se profissionalizar, fazer uma coisa
que ele possa vender, que a gente possa vender, como é o exemplo da lata, da
reciclagem da lata, que a gente agora vai trocar pelos nossos primeiros produtos, isso é
maravilhoso. Acho que isso não é ... o objetivo principal deste trabalho é eles se
sentirem capazes de assumirem coisas, ou seja, andarem numa direção contrária da
doença. Se a doença trouxe alguma coisa de paralisação, de menos-valia, eles poderem
ver que são capazes de se tornarem um pouco senhores desta doença. Eu sou capaz de
produzir, eu sou capaz de viver uma inclusão, de pensar sobre coisas, de dar opinião, eu
sou capaz de organizar espaços, eu sou capaz de sugerir coisas, então tem um objetivo
muito claro este espaço. E acho que os outros espaços clínicos são espaços
fundamentais. Eu tendo a radicalizar um pouco isto, eu tendo a achar que o principal
espaço do Ponto de Encontro é o espaço coletivo. O espaço clínico, analítico,
psiquiátrico, ele entra para dar uma força neste espaço maior. Por isto eu acho que o
CAPS é um espaço em construção, e por isso tem de se elaborar melhor esta clínica,
mas eu tendo a nesse nosso dia-a-dia, quando rola muito atendimento específico, apesar
de ser importante, a achar que a gente tem de tomar cuidado, pois eu acho que aqui é o
espaço do coletivo e devemos esticá-lo o máximo possível.
159
entrar muito neste universo da violência e da criminalidade, entender um pouco isso e
não ter a princípio um discurso moral sobre estas coisas e buscar o diálogo e se
perguntar para que e por quê isto aparece neste contexto. Então aqui, existe um pedido
disto também, de entrar na linguagem destes meninos. Por ex.: eu acho muito
interessante um menino, que a gente conhece, possa dizer assim: “Eu não tomo remédio
porque eu saio para dançar à noite e ele me deixa mole.” Se você ficar aprisionado na
questão do remédio, você deixa de fora o universo deste garoto e que é um universo que
minimamente amarra a ele a um laço social, que é a dança. Você tem que escutar. A
dança é importante para ele, o universo da discoteca que ele vai é importante para ele.
Você não pode dizer ... o hegemônico é o tratamento, o que é médico. A gente tem que
ouvir esse universo, essa linguagem que eles falam. Então, acho que aqui no Ponto de
Encontro, a gente tem até conseguido isso. Nas assembléias que a gente faz com eles,
nos passeios, onde é que a gente vai? Que lugares interessam a eles?. Eu acho que hoje
em dia a gente está mais atento a isso. No início do nosso trabalho, às vezes a gente
tinha ... a gente não chegou a cair nisso. A gente às vezes, em algumas atividades, talvez
cai em alguma coisa mais regressiva com meninos, até por conta do processo de
adoecimento deles. Alguns às vezes apresentavam algumas coisas muito infantis e a
gente embarcava, é preciso fugir disso. Mas eu não vejo trabalho com adolescente sem
entrar neste universo de domínio próprio da adolescêcia.
160
então, têm de estar acopladas a isso ... As oficinas terapêuticas para adolescentes são
diferentes das de adultos. São diferentes por conta do que eu falei anteriormente, uma
concepção do trabalho. Por outro lado, as atividades oferecidas devem seguir este
raciocínio. Se você trabalha com oficinas terapêuticas para adolescentes, você tem que
oferecer coisas que digam respeito a adolescência, a este código da adolescência,
apostar alguma coisa de interesse que mobilize-os nessa direção. Eu acho que no caso
dos adultos, ela tem uma diferença também, elas têm uma pegada profissionalizante.
Vamos fazer biscoito, lá na frente tem uma cooperativa de biscoitos. Vamos fazer silk-
screen ... com adolescente a gente tem de ir com calma com essa profissionalização,
mesmo porque eu tenho um pouco de medo de querer profissionalizar rapidamente estes
adolescentes com o raciocínio do tipo assim: tem que profissionalizar logo, porque ele
tem uma doença mental, não vai conseguir entrar no mercado de trabalho formal e aí ele
tem um outro tipo de trabalho ... que é um raciocínio que eu acho perigoso às vezes.
Por quê? Porque a gente vê isto acontecendo na vida adulta. Casos graves: Adolescentes
psicóticos às vezes que terminam tendo funções profissionais dentro da própria rede de
saúde mental. Vão trabalhar em CAPS, vão trabalhar em cooperativas, o que eu não
acho ruim. Eu acho preocupante no caso de adolescente, a gente já anunciar isso. O
nosso caso é o contrário, o nosso trabalho é tentar que os nossos meninos não entrem
nisso. Mas a nossa tentativa é fazer com que estes meninos possam ter ... por que eles
não podem voltar para a escola e ter uma escolarização? Normal como qualquer outro
menino? Antes de anunciar o que achamos que pode acontecer com eles. A gente já
sabe o que pode acontecer, então vamos tentar trabalhar de uma outra forma. As
oficinas terapêuticas com adolescentes têm de ter um outro ... tem de estar envolvido
com o universo e a linguagem própria e não se preocupar tanto com profissionalizações.
Isto tem de estar guardadinho ali como um recurso, mas eu acho que não é o prioritário
não.
161
querendo fazer clínica psiquiátrica strictu sensu. Acho que o primeiro atributo é você
tentar estar sintonizado com estas novas tendências em saúde mental. Com as
discussões da Reforma, com as discussões das políticas públicas de saúde, o que está se
apresentando, o que isto significa do ponto de vista clínico, terapêutico-clínico. No que
é que estes dispositivos reinventam a clínica? Tem de estar situado um pouco com esta
situação. Não dá para você querer jogar basquete com regras de vôlei. Estes lugares têm
um funcionamento próprio, uma lógica própria e tem de se estar atento a isso. Uma
coisa que a gente tem de estar atento e sintonizado, no nosso caso, que trabalhamos com
adolescentes, um outro atributo é saber que esse é um trabalho de rede, no sentido que
você recebe o adolescente, o pai e uma mãe e vem por tabela o diretor da escola, o avô,
o padre da comunidade, o professor do menino, outros terapeutas que já atendem os
meninos fora daqui. Então saber que este trabalho está “lincado” com um monte de
coisas. Não tem como trabalhar com esta população sem saber que você, muitas das
vezes, vai pegar o telefone e ligar trezentas vezes ao dia. Vai ligar para escola, vai
conversar com a escola, vai conversar com professor, vai ficar meio de assessor de uma
série de lugares que este adolescente, se tiver sorte, ainda transita, para poder falar
acalmar a todos. É fundamental você saber que é um tipo de clínica em extensão, não
tem como fazer esta clínica sem ser em extensão. Estas coisas se ligam às competências.
Tem que ser um técnico um pouco mais despojado, um pouco mais aberto. Eu gostei
muito de uma coisa que o Eduardo Vasconcellos falou em nosso seminário, que a
interdisciplinaridade exige um tempo para redefinir a identidade. Eu acho que uma
competência que este técnico deve ter é essa capacidade de redefinir um pouco a sua
identidade, enquanto médico, enquanto psicólogo, enquanto psicanalista, enquanto
assistente social. Redefinir a sua identidade para entrar em sintonia com essas novas
discussões. Uma outra coisa, eu acho que tem que ser uma pessoa capaz de entrar no
clima adolescente, sem aquela coisa babaca da adolescência. Tem que estar disponível
para isso. Outra coisa, não para trabalhar com criança sem entrar no código do brincar.
Sentar no chão, brincar, entrar neste universo nesta linguagem própria da infância. A
linguagem própria da adolescência é outra. Por exemplo, não dá para você trabalhar
com adolescente se você não está neste circuito. Quando eu digo estar neste circuito,
não significa você ter domínio desta linguagem, mas estar aberto a esta linguagem.
Conversar sobre um filme, vamos a tal lugar. Porque às vezes eles sugerem coisas aqui
.... por exemplo, eu não gosto de pagode necessariamente 24 horas por dia, mas eles
gostam cara ...então às vezes é uma atividade que envolve este tipo de coisa. Saber
dialogar com estas coisas, você pode não gostar ... e também você ser capaz de
162
introduzir ... você já escutou o cara tal, vou trazer para você ouvir. Criar este diálogo. É
uma competência ser capaz de estar aberto a essas novas linguagens e essa abordagem,
estar sintonizados com esses novos discursos. Ah ... e outra coisa que eu acho
importante também, é você ser capaz, e isto é o mais difícil, trabalhar com a família. Eu
acho que você tem que ser capaz ...se você fala que pai e mãe são um saco, eu falo isso
porque eu conheço gente que não trabalha com criança e com adolescente ... a clínica do
link ... ah ... não trabalho porque eu não tenho saco de trabalhar com a família. Não
adianta, aqui tem um trabalho a ser feito com estas pessoas. É uma competência e você
tem de estar aberto ... se você rivaliza com os pais seu trabalho dançou, por mais que
estes pais muitas vezes nos incomodem, nos chateiem e a gente quebre o pau, brigue,
mas eles são parceiros nossos, então essa competência tem que ter, nessa clínica do
novo, aberta, senão o trabalho não avança.
163
... eu aqui no Ponto de Encontro não tenho uma preocupação com diagnóstico, eu acho
que isto é importante, mas eu me preocupo muito mais de tentar encaminhar pelo ponto
de vista assim ...adoeceu, o que aconteceu e o que vai se fazer com isto a partir de agora
... neste momento da adolescência, neste momento da sua vida. Como os pais vão se
organizar diante desta doença, que ruptura isto trouxe para a sua vida ... noutro dia a
gente estava discutindo um caso, eu falava um pouco disto ... um menino foi internado,
a gente vai internar ele só por conta de tirar ele da “mania”, só isso ou ... ele vai ficar
bom para que, na verdade? ... a mãe não está em casa, o pai vai embora, ficar bom para
quê? São momentos difíceis? São, mas são momentos que a gente tem que discutir. Não
estou pregando que não se tome o remédio e que não se interne quando for preciso, mas
eu acho que a contribuição que a psicanálise e que a psicologia podem trazer neste
sentido é recolocar esta questão da saúde mental a partir de outro enfoque. Dentro da
psicologia tem muitas pessoas rediscutindo a questão da psicologia social, o próprio
Eduardo, que citei anteriormente é um cara que trabalha muito com a psicologia social,
no sentido de rever as políticas, de rever as estratégias de saúde mental, isto é
fundamental. Agora, tem uma outra questão que eu acho importante também, que a mim
interessa, que tem haver com a minha formação, porque eu fiz psicologia e tenho
mestrado em educação. Esta questão da educação, é uma questão que me chama
atenção. Eu acho que uma outra contribuição ... eu me preocupo com a formação das
pessoas. O trabalho diretamente com os estagiários é uma questão que me preocupa, me
chama. Se a gente fala de novos dispositivos, a gente fala de avançar no campo da saúde
mental, principalmente com adolescentes. A gente tem que formar ... falando de sua
outra pergunta sobre competências ... a gente é que tem que formar estas competências e
atributos. Eu acho que as universidades ainda estão longe um pouco disso. A gente vê
quando os estagiários chegam aqui, a tamanha surpresa deles com a tamanha
especificidade que essa população exige no tratamento. Eu vivi isso semana passada,
quando um médico plantonista daqui veio ver um paciente, o M., e essa primeira frase
quando ele chega é maravilhosa,no sentido de que tem haver com o seu trabalho. Ele
chega assim: “Olha, eu não sei tratar de adolescente.” E a gente vê isto em qualquer
lugar. Não sou psicólogo de adolescente, só trabalho com adulto. As pessoas ficam até
um pouco temerárias de entrar neste universo ... Aqui no caso da educação, a educação
de terceiro grau, chama muito a atenção ... eu tento sempre trabalhar com a questão da
formação, de discutir a formação, quais são os interesses, porque vieram para cá
conduzir melhor o estágio deles ... tem que ficar atento a isso também.
164
Aqui no Ponto de Encontro, eu acho que este papel específico fica muito diluído,
diria que não há um papel específico, porque no geral a gente tem outros psicólogos e
teoricamente a gente comunga da mesma concepção de trabalho, então acho que não
tem o meu papel especificamente dentro dessa equipe e é um específico que acaba
diluído dentro da equipe. O que eu acho interessante, porque o meu trabalho e o dos
colegas de serviço tem uma certa unidade. Essa questão específica às vezes aparece em
alguma coisa mais direcionada a minha pessoa. É aí que aparecem as especificidades ...
enquanto pessoa, por exemplo: o fato de ser homem aqui dentro, isso é uma realidade.
Nós sabemos que os homens que trabalham com infância e adolescência são poucos.
Então aí a especificidade e quanto a questão de gênero. Não é uma questão profissional,
pelo menos aqui no Ponto de Encontro eu vejo isso sendo muito discutido, falado ...
165
um trabalho, que enquanto você briga com seu sintoma não tem trabalho. O sintoma é
para você amá-lo. Freud fala em algum momento isso. Se você não ama, então você não
trata. Eles têm que chegar, repousar. Eles vão falar, vão trabalhar, a gente vai rebater
daqui, vai discutir, ter brigas ...eu escuto eles falando: “Hoje o grupo foi fogo ...quer
saber, eu falei mesmo para aquela mãe: Olha aqui, você está prejudicando seu filho,
você não pode fazer isso” ... É um lugar onde a bronca é livre e por isso o manejo
também é difícil ... porque tudo isso que eu estou falando tem que ser transformado em
trabalho. Construção que vai favorecer em última instância, aí a gente a gente retorna de
novo aos meninos. Sem isso o trabalho se perde ... eu tenho um pouco o pé atrás com
todos estes grupos que acontecem em saúde mental, me parece que fica um lugar de
falação ... não é um lugar de falação. A falação é um elemento deste trabalho, mas é um
lugar de costura, um lugar terapêutico, um lugar de fala, de pontuações, de cortes, de
pescar ... um trabalho especificamente com uma mãe, um pai ... é um trabalho de
separar casais, de juntar casais, de juntar aquilo que a gente acha que está junto, mas
não está ... é um manejo muito delicado.
O objetivo disso é claro, é fazer com que os meninos fiquem. Não há trabalho
com esses meninos sem minimamente esses pais ficarem. De que forma vão ficar ... não
sei ... vir toda semana, de quinze em quinze dias, uma vez por mês, não sei. Alguma
coisa tem que fazer para que estes pais fiquem, querer que esses pais repousem um
pouco aqui. O objetivo é conduzir melhor o tratamento destes meninos, é conduzir
melhor o tratamento destes pais também, fazer com que esses pais possam se sentir
atingidos pela doença dos filhos, mas descobrir que eles podem fazer alguma coisa com
esta doença, que não só viver a doença. Uma psicóloga, amiga minha, descobriu que a
filha tem dislexia e resolveu que agora vai cancelar tudo na sua minha vida, só quero
estudar dislexia ... eu falei: “Cuidado, a sua filha que é disléxica e não é você”. Senão
daqui a pouco está tudo mundo disléxico na casa. Uma coisa é você querer saber e
entender o que é psicose, outra coisa é você achar que todo mundo é psicótico. Então
medica todo mundo e manda todo mundo para o divã, não é isso. O objetivo primeiro
também deste trabalho é desembolar um pouco a história, eles chegam aqui
emboladíssimos. O que é de cada um. Tem um trabalho de desmontar um pouco as
armadilhas que eles armaram para eles. De uma forma cuidadosa, porque quem leva o
filho para casa são eles.
166
Bom, uma primeira atividade desenvolvida é o grupo em si, semanalmente
recebendo e conversando com esses pais. Uma outra atividade, eu acho que no grupo
também e é uma derivação do grupo de pais, atividade mais particular com os pais, mais
pontual com um pai, uma mãe, um casal. Outra atividade do grupo, eu acho que é fazer
uma aproximação dos pais com os filhos, no sentido de colocar alguma questão que tem
que ser trabalhada ali por eles. Mediar alguma questão que o adolescente quer trabalhar
ou os pais, alguma coisa que é preciso eles estar junto ali. Acho que é um trabalho que
começa no grupo e vão tendo pequenas atividades que circulam e comecem a partir
deste grupo. Atividades de rotina que é receber estes pais e inseri-los no grupo. E uma
outra atividade, a retomada do tratamento, quando acontece uma ruptura. Ligar,
retomar, saber o que aconteceu. Tem essa pescaria para ser feita. Outro trabalho também
é levar estes pais a se organizarem. O grupo de pais hoje aqui no programa, por
comentário dos próprios pais, eles se constituem enquanto um grupo. Tanto é, que eu
vejo eles circulando lá fora, os papos, as conversas. Aí se formam um trios, se formam
duplas entre eles mesmos. Isto é mais uma meta deste trabalho, sempre fortificar essa ...
também acho importante nessas atividades dos grupos, eles também participam aqui do
CAPS ...vai ter uma festa, vai ter um passeio ... de que forma eles também podem ser
uma peça fundamental nisso ... “Ah, eu vou trazer ... a comida é por nossa conta, vamos
trazer”. Também acho legal a gente acabar com esse discurso do coitadinho ... vamos
ver o que dentro disto eles podem contribuir. É preciso valorizar isto, pois isto vai tirá-
los desse discurso da menos valia ... “Ah, eu sou pobre” ... Se a gente colar nisto não
tem trabalho. O objetivo ... têm dois objetivos: Um é este primeiro momento do grupos
e as derivações do grupo,atividades específicas e estes manejos. O outro é contribuir
com o que eles podem ...
167
música é com tudo. Parceria para mim é isso, mesmo que cada um cumpra sua função,
que são funções diferentes. Eu não gosto também desta idéia de que os pais viram
técnicos, os técnicos viram familiares. Em momentos pode ser que a gente até toque
estes limites, mas eu acho .... o momento da parceria é o segundo momento. E tem que
ser construído isso e aí às vezes nem sempre a gente tem todos os familiares. Tem o
pai, uma mãe, um irmão. Quantas vezes aqui se chamam um irmão? Eu acho que a
função é que eles possam primeiro chegar falar de sua doença e o que isto atinge a eles,
como foram imobilizados por isso, o que querem fazer com isso e que representação
tem isso para eles. E aí a gente começar a construir uma estratégia para “aquela”
situação, para aquela família ... não tem tratamento sem estes dois momentos.
Acolhimento e parceria ... o que vier daí ...
168
população central do nosso trabalho é de meninos e pais, seja quem se apresentar como
pai e mãe. A gente não pode perder isto de vista e trabalhar pela metade.
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Essa pergunta é difícil. Terminar o tratamento é difícil em qualquer
circunstância, quer na clínica, quer no ambulatório, no CAPS. Eu acho, que o
tratamento termina, quando a gente já olhou um para a cara do outro e ao se perguntar
assim: O que mais a gente pode fazer? A gente busca tudo o que a gente já fez, tudo o
que a gente já tentou, tudo o que a gente se descabelou. O que mais a gente já fez, não
no sentido das ações técnicas, mas no sentido das ações éticas. O que mais a gente pode
fazer ali. Eu acho que já chegou no nosso limite. A gente não pode fazer mais nada e aí
é o tratamento que termina no sentido que nós não possamos fazer mais nada, mas quem
sabe um outro setor. Ou então ao contrário, para não parecer muito pessimista, o
tratamento termina no sentido de que tudo o que a gente planejou para esse menino e
essa família, a gente acha que chegou a bom termo. Para que ficar aqui mais?
A gente não pode ter medo de terminar tratamento. A gente tem que avançar.
Isso me incomoda, como os dispositivos de saúde mental se abriram, a gente às vezes
fica muito ... uma mãe outro dia perguntou para o E.: “O senhor não acha que essa
história de CAPS, CAPS, CAPS, o senhor não acha que os pacientes correm o risco de
ficar do lado de fora? Ficar preso no CAPS?” Acho, a gente tem que ter a ousadia de
dizer: “você não precisa vir mais aqui” Ou então, “venha aqui quando você quiser nos
visitar”. Aqui nós tivemos coragem de tomar essas decisões. Em algumas a gente penou
.... a equipe é assim, têm alguns que acham que a gente ainda tem alguma coisa para
fazer e outros que acham que a gente não pode fazer mais nada ... o tratamento termina
quando a gente acha que terminou um pouco a nossa missão com aqueles que vieram
nos procurar. Ou quando não podemos porque já é muito sintomático, da ordem da
repetição.
Considerações Finais:
Queria reforçar só um pouco a idéia de quem trabalha com adolescente tem de
estar de olho na especificidade da clientela. E outra coisa que eu gostaria de reforçar
que, trabalhos acadêmicos, de mestrado, de especialização, têm que ser implementados,
têm que ser pesquisas nestas áreas tão carentes. Temos uma carência muito grande de
pessoas que relatem como fazem seus trabalhos com adolescentes, principalmente com
adolescentes psicóticos. A gente tem pouco trabalho escrito sobre isso, poucos relatos
de experiências, poucos estudos de caso, poucas etnografias, poucas estratégias
metodológicas. Então é importante que se traga estes trabalhos a tona. Que se escreva,
que se publique. Isto é fundamental. Para fechar aqui, eu gostei do destino ter me
colocado na sua entrevista. A gente já trabalha junto há tanto tempo, já vivemos outros
170
projetos juntos. Você está pegando um trabalho que não é um trabalho fácil. É um
trabalho difícil e eu espero ... estar na torcida, na banca.
171
Entrevista Semi-Estruturada/Programa Clube Ponto de Encontro
Identificação: Técnico 3
Profissão: Enfermeira
Idade: 42 anos
Tempo na função/Programa: seis meses como voluntária e um ano como contratada
Tempo de profissão: 15 anos
Local da entrevista: CARIM
Data da entrevista: 24/10/02
172
inserindo eles, novamente na prática da sociedade, que seria a escola, que seria os
amigos, que seria a família, o dia-a-dia que eles tinham antes.
173
5. Na sua opinião, quais são os atributos e competências dos profissionais que
trabalham no Programa Clube Ponto de Encontro?
Eu acho que ... existe uma especificidade bastante clara no trabalho no Ponto de
Encontro. Acho que os profissionais não são ... não pode ser qualquer um profissional
da área de psicologia, da área de enfermagem, da área de medicina ... de serviço social.
Não acho que possa ser qualquer assistente social, qualquer enfermeiro, não. É
completamente específico. Primeiro porque é saúde mental, por si só já diferencia e por
ser um tipo de atendimento em que: primeiro, a gente trabalha em equipe
multidisciplinar, eu acho que é uma das características que tem que conseguir saber
trabalhar, em equipe multidisciplinar, porque não há uma definição muito clara dos
papéis ... das atividades específicas de cada um. Cada um até sabe o que tem de fazer,
mas não fica definido, muito claro ... isso não está escrito e depende muito do olhar de
cada profissional e é nisso é que vai se dar o conjunto da equipe, da diferença de cada
área, no olhar. Mas as atividades são muito feitas em conjunto, pela equipe ... então eu
acho que isso é a principal característica que um profissional que venha trabalhar no
Ponto de Encontro tem que ter, capacidade de trabalhar em equipe multidisciplinar.
Outro atributo é ... conseguir lidar com essa característica que o nosso paciente
tem. Primeiro porque ele é um adolescente e segundo que ele não é um adolescente ...
um paciente que está internado, ele é um paciente que está na sua vida normal, vamos
dizer ... ele mora numa casa, ele tem a família dele, ele tem os amigos, mas ao mesmo
tempo ele está em tratamento. ... Eu acho que é um atributo do profissional conseguir
entender o que significa isso, estar tratando de um paciente em regime de atendimento
diário e o que é que tem que se dar neste atendimento, o que é que é este atendimento, o
que é que é este tratamento. Porque para alguns profissionais isto é muito subjetivo ... o
profissional não consegue concretizar isto e entender realmente ... eu acredito que
existam muitos médicos, muitos enfermeiros e muitos psicólogos que não conseguem
entender, então eu acho que isso é um dos atributos importantes ... entender o que
significa este tratamento diário e a diferença entre um paciente que está internado, que
isso não se trata assim ... realmente de uma internação, de uma hospitalização. E
também ... acho que tem de ter dentro da saúde mental, um profissional que trabalha no
Ponto de Encontro, o entendimento entre esse limiar da medicação, da terapia
medicamentosa e dessa outra terapia, que a gente poderia dizer que englobaria todo esse
nosso trabalho sem ser a parte medicamentosa ... como o profissional entende isso,
porque eu acho que ele tem de ter essa característica de não entender a saúde mental
apenas por um ângulo ou medicamentoso ou psicanalítica, por exemplo. Não ... eu acho
174
que ele tem que conseguir, para poder estar trabalhando no Ponto de Encontro, ele tem
de ter essa mescla e conseguir trabalhar, conseguir entender que esse tratamento precisa
desses dois vieses concomitantes.
175
paciente do que o médico, o contato ... o contato físico com o paciente. Então esta já é
uma característica da formação, da profissão. Sei que é de ficar muito perto, cuidando.
O Cuidar pode ser clínico e ele pode ser psiquiátrico. Então, eu gosto da parte de saúde
mental e o cuidar então vai se dirigir a esses cuidados com estes objetivos que a gente
tem aqui dentro do programa. Sendo que eu vou ter um olhar também da parte física,
também da parte clínica, porque todas essas questões, por exemplo: pacientes que têm
diabetes, pacientes que têm hipertensão, que tem algum tipo de impedimento para
algumas atividades. Seria de um olhar, vamos dizer clínico, que o enfermeiro poderia
estar fazendo nessa equipe.
176
necessidade de construir um outro tipo de situação, um passeio, ou por exemplo como já
teve uma situação de uma atividade extra, que seria uma oficina de sexualidade fora do
horário do Clube Ponto de Encontro. Então o Clube de pais se organiza para estar indo
alguns representantes. São atividades que não são dirigidas aos pacientes e sim aos
familiares. Então é o Clube de Pais é que vai direcionar estas outras atividades.
177
quando encontra, conversa um pouquinho, quando os familiares vêm trazer ou vêm
buscar sempre há uma troca, sempre se pergunta alguma coisa, o familiar fala um
pouquinho, os técnicos conversam um pouco ...
178
Entrevista Semi-Estruturada/Programa Clube Ponto de Encontro
Identificação: Técnico 4
Profissão: Médica Psiquiatra
Idade: 47 anos
Tempo na função/Programa: 6 meses
Tempo de profissão: 23 anos
Local da entrevista: CARIM
Data da entrevista: 02/11/02
179
Acho que sim. Por exemplo, na oficina da sexualidade, onde você vai lidar com
esta questão, que é diferente de você lidar com a sexualidade de um adulto. Acho que
quando você está trazendo a questão mais lúdica com estes adolescentes, você está
também vendo isso. Esqueci de falar da oficina da culinária, que eu acho que também é
uma forma de fazer isso, fazer com que este adolescente participe mais dentro de sua
própria casa, visando a questão da autonomia, que ele possa estar mais autônomo em
casa, mais participante. Eu acho que dentro destas questões, dá maior especificidade. Eu
acho que as oficinas do Clube Ponto de Encontro tendem a ser mais lúdicas e voltadas a
questões mais específicas desta faixa etária e há até algumas situações para a gente
pensar em termos do próprio cuidado com a saúde, que a gente percebe que em algumas
situações o quanto é mais fácil acessá-los quando a gente consegue falar de cuidados
com os animais, que são coisas que eles conseguem ficar muito mais interessados. A
partir desta relação não só do adolescente, mas da criança vendo aquele bichinho que se
pode pegar, aí então se pode perceber também palavras ligadas ao ensino(?). E outra
coisa que eu queria falar, dentro dessa questão ...tem uma questão que acaba aparecendo
muito é ligada a faixa etária de 12 para 18, mas é ligada também a questão de criança,
de como os pais ficam mais dentro do serviço do que num serviço de adultos. A gente
até faz todo um trabalho para estes pais não fiquem imersos aqui dentro, mas ao mesmo
tempo eles almoçam aqui e estão muito mais próximos do que num CAPS de adultos.
Isso é uma coisa que tem de ser trabalhada, mas que eu acho muito importante se
permitir que este pai e esta mãe estejam mais participantes.
180
no adolescente. Dá até para ver na oficina de cuidados em saúde, acho que a gente
também tem de estar pensando mais nisso.
181
de estar vendo como é aquele adolescente ... como na questão da recepção deste
adolescente. Se é caso ou se não é caso para o Clube Ponto de Encontro. Acho
importante a gente estar participando nesta avaliação inicial, se é ou não elegível.
Porque aí eu acho ... vejo o Ponto de Encontro como um programa dentro de um
programa maior para atendimento da criança e do adolescente. A avaliação deste
adolescente e se ele vai estar se beneficiando ou não do programa. Além disso, essa
compreensão de qual é o significado ... o que aquele adolescente está apresentando, de
que forma é aquele sintoma, se patologia tem algum significado na vida dele e o quanto
tem na daquela família. Não podemos pensar somente no caso de um adolescente que
estar ou não precisando do Ponto de Encontro e de que forma ele está vivendo uma
situação grave se a gente não olhar para a questão desta família. No meu caso, eu acho
importante que o médico esteja participando ativamente da questão desta avaliação,
como isto vai acontecer e além disso, que este profissional possa ajudar nas questões do
cuidado com o próprio corpo do adolescente. Eu acho que o médico tem uma função, é
o profissional mais da área da saúde e que tem uma função importante dentro do Ponto
de Encontro, que é tanto trabalhar a questão de desenvolvimento, pois aquele
adolescente está com o desenvolvimento prejudicado, mas lidar com questões orgânicas
além da área específica de saúde mental, na saúde como um todo. E isto vai estar
repercutindo no desenvolvimento dele.
182
defasagem escolar, mas não uma defasagem muito grande. É diferente de um
adolescente que desde o início começa a ter uma defasagem escolar muito séria. Ele
apresenta um défict cognitivo e tem um transtorno invasivo de desenvolvimento. Esses
adolescentes têm uma questão diferente e obviamente os familiares vão ter uma questão
diferente dos pais dos outros adolescentes. Eles já estão lidando com uma certa
cronicidade. Serão então pais, que embora aquele adolescente vai estar em tratamento
pela primeira vez ou começou o tratamento nos últimos meses, mas já são pacientes
crônicos, eles são adolescentes, mas adolescentes crônicos. Adolescentes que devemos
saber que estaremos ajudando o mais possível para eles se desenvolvam, mas eles não
vão conseguir provavelmente ter um desenvolvimento como os outros vão conseguir ter.
A questão é que aconteceu muito cedo. Ou com déficit cognitivo desde que nasceu e
depois começou a ter alguns transtornos de comportamento. São situações ... ou então
um epilético grave que não é tratado e começa a apresentar distúrbios de
comportamento. São questões assim de uma gravidade muito grande e o sofrimento para
esta família é muito grande e muitas vezes os pais vão estar o tempo todo “toma que o
filho é seu”. Ou alguns que não conseguem separar, trazer da residência e permitir que
possa haver um tratamento. Talvez pais que tenham muita dificuldade de lidar com a
doença e o filho possa até provocar um certo horror a esses pais. Ao mesmo tempo eu
fico me perguntando, a gente não tem de estar compreendendo o horror que esses pais
sentem? Porque esses jovens são muito, muito pesados e fazem inclusive com que esses
pais fiquem com uma sensação de estarem estragados. Acho que essas são ...
183
10. Qual o papel dos familiares no tratamento dos adolescentes?
Primeiro, se ... mesma coisa ...se tiver adolescentes muito graves que precisam
vir aqui, trazer o adolescente para o atendimento . Essa é a coisa fundamental, trazer o
adolescente para o atendimento, é ... estar acompanhando a medicação, que são coisas
assim básicas, mas que a gente não pode estar vendo assim como coisa concreta. Se
estes pais conseguem permitir que esses adolescentes venham ao tratamento, estão
permitindo de alguma forma que esses adolescentes se separem de si e os vejam como
cidadãos do mundo. O uso da medicação também. Fazer com que esse adolescente tome
a medicação inicialmente, fornecendo a medicação para eles, mas depois aos poucos
fazendo com que os próprios adolescentes comecem a se responsabilizar pelo
medicamento, enfim ... a gente está o tempo todo lidando com a posição da guarda. Se a
gente está trabalhando com indivíduos em desenvolvimento, a gente vai estar
trabalhando com os pais que estão o tempo todo sendo os guardiões, cuidadores naturais
e em algumas situações esses pais vão ter dificuldade de lidar com estes adolescentes,
talvez até por questões próprias dos pais. Em outras situações é porque esses
adolescentes têm dificuldades muito barra pesada, então a gente tem de estar permitindo
cada vez mais que o adolescente se independa, ao mesmo tempo que os pais vão
deixando o filho de lado. ...
184
tempo, eu fico me perguntando se é mesmo tão difícil lidar com estes adolescentes com
problemas tão sérios e seus familiares ou se às vezes os técnicos minimizam a
importância desses familiares ou então aumentam a patologia desses familiares? Porque
eu penso que a gente deve dar colo para estes pacientes sim e às vezes é difícil para o
profissional perceber isso. Uma coisa é entrar como feiticeiro que está separando ...
separá-los de um jeito acolhedor para que esses pais não possam se sentir culpados ...
185
interagir com os outros adolescentes, percebendo que o momento de grande sofrimento
que ele viveu não foi colocado debaixo do tapete e que faz parte de sua história .....
Às vezes nós vemos, num ambulatório tradicional, as categorias profissionais
ficarem muito separadas sem interagir suas respectivas especificidades sem haver um
encontro maior. Por outro lado, às vezes, em algumas situações nos centros de atenção
psicossocial evitasse falar sobre as especificidades das categorias profissionais, indo-se
a outro extremo. De um lado o modelo tradicional do outro se esquece destas
especificidades. Acho importante estarmos discutindo este aspecto o tempo todo dentro
da equipe ...
186
ANEXO II
GRUPO FOCAL
187
com adolescente. Minha prima estava com filho com problemas, adolescente, e eu disse
para ela procurar o serviço porque, a princípio, eu achava que era gratuito. Ele me deu
todas as coordenadas. Na ocasião a idéia estava sendo formada, eu não me lembro
exatamente em que data foi, mas durante algum tempo ela ficou aguardando aqui a
formação do grupo, para começar as atividades.
Coord. - Alguém mais?
M5 - Olha, eu vim batendo cabeça de hospital em hospital, de clínica
em clínica, desde que o Fabio era pequeno . Eu nunca achei um atendimento adequado,
era sempre muito confuso, ou você só tinha o psicólogo ou só tinha o neurologista.
Quando tinha era uma vez por mês ou então ... Teve uma época que ele foi a um
psiquiatra e a única coisa que fazia por ele era dar neoleptil. Toda vez que ele ia ao
psiquiatra, o psiquiatra metia neoleptil nele e o menino dormia o dia inteiro. E a
situação foi ficando difícil. Quando ele estava com 16 anos, minha filha veio fazer
estágio aqui no hospital como enfermeira e descobriu que aqui havia um tratamento
para criança e adolescente, então eu vim, foi em 98. Estava começando o CAPSIJ nessa
época, ele começou o tratamento ainda no setor infantil, lá do outro lado. Fábio ficou
sendo atendido pelo Dr. Alberto até ele viajar e foi então que a partir daí a Maria
Antônia começou a medicar o Fábio e achou por bem traze-lo para o CAPSIJ. Foi em
janeiro, seis meses após o CAPSIJ ter sido inaugurado, e de lá para cá ele está no
programa, valeu.
P1 - Quando o meu filho esteve problemas por se meter com negócio
de drogas, não estava conseguindo dormir direito. Estava muito nervoso, querendo
brigar, bater nas pessoas. Estava meio descontrolado, então nós tentamos achar uma
solução para resolver o problema e a solução por ele morar aqui em Botafogo, aqui
perto, pertinho da Urca e também por indicação de algumas pessoas do Pinel que
conheciam o funcionamento encaminharam ele para se consultar aqui. Inicialmente eu
levei ele para Pinel e fui encaminhado aqui pro CAPSIJ que segundo eles, seria um
local melhor para o tratamento também por ele ser de menor de idade. E foi isso que foi
feito.
M1 - Nós também viemos porque a minha filha saiu bem do colégio,
mas de repente chegou em casa falando mil e uma coisas. Foi tão de repente que deixou
a gente completamente desnorteada. Tanto fizemos ... procuramos uma clínica particular
para atender rápido, já que nós nunca tínhamos visto isto acontecer ... foi muito
remédio, remédios caríssimos, teve um remédio inclusive que custava 300 reais. Na
verdade teve uma época que fomos parar no posto de saúde no Alto da Boa Vista, pois
188
não tínhamos condições de pagar remédios tão caros. Chegamos por lá e a médica nos
encaminhou pra cá. Chegar aqui foi uma benção, eu me arrepio até hoje. Inclusive hoje
minha filha está tendo alta da doutora. Minha filha não brincava, coisa que eles estavam
querendo que acontecesse. Minha filha era só remédio, remédio, remédio, uma coisa
que não tinha nada a ver. E aqui não, aqui foi complemente diferente. Minha filha vinha
segundas, quartas e sextas–feiras, depois foi diminuindo. Uma coisa que eu achei
interessante é que aqui não é o remédio que fala mais alto, a criança se sente ... a gente
vê que o filho da gente não está perdido. Então quando eu encontrei isso daqui e eu me
apoiei, foi uma benção, eu não queria mais sair daqui. Eu estava achando que eu estava
até enjoando, mas foi aonde eu me apoiei, senti uma confiança enorme. Meu marido
ainda duvidou: “Será que lá...olha o que você está armando”. Ele achou que porque não
tinha remédio ... nem tudo a solução é remédio, e foi ... eu queria que todo mundo
descobrisse isso aqui ... nós encontramos, mas tem muita gente que não sabe ... então
graças a Deus ... nós fomos assim.
P1 - Eu endosso as palavras dela.
M6 - Eu conheci aqui foi através dá ... a Débora teve um problema e
ela se trata desde os 8 anos de idade. Ela começou a se tratar no Fernandes Figueira e a
Dra. falou que era um pequeno desequilíbrio. Ela fez vários exames. Fez da cabeça e só
vivia tomando remédio. Quando ela focou maior, lá não atendia mais, então eles
encaminharam para o Pinel. Quando ela chegou ali, eu fiquei desnorteada sem saber
como eu ia fazer e o que eu ia fazer, aonde que eu iria arrumar um médico. Então me
encaminharam para o serviço infantil e lá mandaram que eu falasse do problema. Eu
encontrei nesta época o Dr. Edmilson, ele estava nessa hora quando eu cheguei com o
encaminhamento do Pinel. Graças a Deus o Dr. Edmilson foi muito atencioso como
sempre, um médico maravilhoso. Eu tenho muito a agradecer aqui dentro, muito
mesmo, porque a Débota teve uma melhora. Nossa! Já está boa. A Débora é sapeca,
quando faz as coisas em casa, ela é uma pessoas boa, só tem que saber levar ela não é?
Ela é uma pessoa boa. Agora ela foi encaminhada pro Hospital Dia de adultos e fica lá
também. As pessoas lá onde eu moro, falaram essa semana: “Nossa, estou notando que
a Débora está melhorando mesmo, está quase boa. Entende? Então, com o trabalho
maravilhoso daqui, eu tenho que agradecer a todos. No grupo de pais, às vezes eu posso
vir às vezes não, mas é muito bom porque a gente conhece as mães também, conhece as
outras famílias, conhece todo mundo. É uma coisa maravilhosa, as pessoas que
trabalham aqui dentro têm a maior atenção com eles, que dizer, fazem tudo para o bem
deles e eu estou muito satisfeita, graças a Deus.
189
M4 - Olha, eu vim indicada por uma amiga, mãe de um amigo do meu
filho da escola. Montamos um grupo para procurar uma escola especial e dentro das
várias alternativas que a gente estava procurando, ela me informou que existia isso aqui.
Eu já conhecia o CAPSIJ e a Universidade por indicação da escola que meu filho
estudava. Por conta do problema de disponibilidade de tempo, nós íamos a um médico
particular, aonde a gente pudesse agendar de acordo com o nosso tempo. Mas desde o
ano passado eu decidi vir para cá e aí eu fiquei ... me motivei pela proposta acadêmica,
então eu vim, estou satisfeita. Meu filho também está bem aqui, evoluiu bastante, e eu
também estou gostando, principalmente pela ajuda de terapia familiar que nós tivemos.
Tivemos por um tempo terapia familiar com a Norma, uma pessoa super competente, eu
já falei isso para ela. Nós já passamos por muitas pessoas em terapia familiar, mas ela
realmente é uma pessoa muito competente, verdadeira. Assim, eu dou os parabéns para
todo mundo do CAPSIJ.
M2 - Eu cheguei até aqui através de um amigo, marido de uma colega
minha, que trabalhava aqui. Então eu trouxe minha filha, como a Inara disse aí, procurei
muitos lugares e em muitos não conseguia vaga para ela apanhar nem o remédio. Levei
ela ao Pedro II em Engenho de Dentro. Ela tomou remédio, mas quando cheguei aqui
falaram que não tinha nada haver. Ela começou a ficar dopada e cada vez o quadro dela
ia piorando, piorando, então um dia, essa colega minha foi na casa da minha vizinha,
que falou para ela o que estava acontecendo comigo. O marido dela trabalhava aqui e ia
ver o que podia fazer por mim. Foi então que eu vim aqui e graças a Deus me dei bem,
só que no momento ela não está ... mas houve uma melhora muito grande, ela não
aceita. Às vezes ela fala que não está vendo melhora, que não adianta nada, que não está
vendo resultado, mas eu estou vendo. Ela acha que não está havendo, mas está. Estou
aqui, encontrei pessoas maravilhosas, Dr. Cláudio foi uma das pessoas que a
encaminhou para o CAPSIJ. Ela fala que não está, mas eu estou vendo resultados sim.
Foi assim que eu cheguei, através de um conhecimento ... trabalha aqui da portaria, é o
Anderson, foi através dele.
P3 - Eu cheguei até aqui, por intermédio de um Juiz. Ele disse para
visitar o local, porque vale a pena visitar o local, e de lá ele ligou para Dr. Edmilson,
que por sinal é um excelente médico. Ele dá uma atenção muito boa. Eu também vim
até aqui porque estava sobre pressão e procurando melhor qualidade de atendimento ... o
meu filho estava muito, mas muito bem com a Dr. Paula e de repente ela teve que
mudar de serviço e meu filho caiu na mão de outra médica, que eu não vejo o mesmo
atendimento que estava ocorrendo com a Dr. Paula. Eu vejo que houve uma queda na
190
qualidade, então como fazer para retornar a essa qualidade do que colocando este
problema aqui, neste momento. Eu acho isso muito importante.
Coord. - Algumas pessoas já começaram a falar um pouco ... a primeira
pergunta foi o motivo que trouxe vocês aqui e algumas pessoas já colocaram o que
significa o para eles o CAPSIJ, M1 já falou um pouco. Eu queria que vocês falassem
sobre o que significa o serviço e as atividades aqui desenvolvidas.
M4 - Melhora para cada um desses jovens que se tratam aqui. Melhora,
para o Vagner, ele está melhor. Ele disse que amanhã virá sozinho para o CAPSIJ e eu
vou aproveitar para buscar a cesta básica. Ele me disse: “Mãe eu vou sozinho, eu vou
mostrar a senhora que eu vou sozinho, me bota o passe na mochila para eu não perder.”
Ele vem direitinho, pois já sabe qual ônibus pegar. Eu deixei ele vir, porque eu sei que
ele vai tirar nota dez.
M1 - O meu caso foi engraçado porque melhorou a vida da minha filha
e a minha vida conjugal também. Eu e meu marido ... a gente também não estava se
entendendo, em paralelo com esses problemas da minha filha. A Norma fez o
acompanhamento com a gente e valeu muito. O tratamento influiu na gente. Nós
começamos a namorar, estamos namorando, já casados e estamos namorando. Quer
dizer, o CAPSIJ mexeu na estrutura da minha casa todinha, eu posso diz isso e assinar
em baixo. Eu e meu marido estamos nos entendendo, depois de vir, de participamos das
reuniões. Depois tínhamos a reunião só eu ele, individual com a Norma. Eu nem sabia
que existia isso, que a gente podia ter assim esse apoio, então isso também foi ótimo
para minha filha.
P2 - Na realidade é a complementação do tratamento. A vida familiar
estando tranqüila ... obviamente que uma pessoa que também está com problema,
certamente este fato vai trazer coisas boas para ele também. E tudo é um contexto, não
tem como uma coisa ir bem sem tudo estar tranqüilo em volta, e para gente nesse
aspecto...
M1 - A gente aprendeu a conversar, coisa que nós não fazíamos e isso
foi ótimo para minha filha e para o meu filho também. Enfim, o CAPSIJ foi uma benção
em tudo, mexeu com tudo, mexeu com a gente, foi ótimo.
P3 - E eu também tenho que complementar, eu tenho que agradecer.
Eu estou agradecendo ao Juiz. Eu gostaria de um dia de chegar perto dele e agradecer,
não sei como, por carta ou pessoalmente. A Norma e a Fátima, que apesar de ter havido
alguns desentendimentos com elas e a Rosa nos atendimentos e que faz parte da
situação de atendimento ... porque existem coisas que elas falam e eu não sei ficar
191
calado. Eu a retruco e como resposta ou ela me coloca no lugar certo ou eu vou
continuar naquele caminho ... só sei que isso para mim foi uma grande melhoria. Tem
sido, até para o relacionamento entre mim e a minha ex-mulher. Deus faz tudo certo,
porque até quando meu filho estava aparentemente bom, o problema surgiu depois dos
13 ou 14 anos, o negócio de tóxico, e por isso depois foi parar nessa tal clínica. Hoje o
relacionamento entre mim e Rosa, minha ex-mulher, tem sido assim, não vou dizer
excelente, mas bem melhor do que era antes. A Paula sabe, a Norma sabe... nós
éramos...não podíamos nem olhar um para cara do outro quando chegávamos para o
atendimento. Hoje não, hoje a gente já conversa, vou na casa dela, batemos papo. Foi
uma doença, uma doença que está aí no meu filho, que eu espero um dia ele saia dessa,
e eu tenho fé em Deus que ele vai sair, e esta doença que está causando isso aí, essa
harmonia na família. Então eu agradeço, agradeço muito mesmo a Norma, a Paula, a
Fátima e ao Juiz por meu filho estar hoje no estado que ele está, apesar de hoje não estar
evoluindo muito, mas é bastante com relação ao que ele estava há um tempo atrás.
M3 - CAPSIJ, toda a estrutura do CAPSIJ, é uma estrutura no meu
entender boa, talvez a parte mais forte de todo o hospital, talvez seja realmente o
CAPSIJ. Não só porque ele dá assistência psicológica para os familiares, como a
assistência psicológica que dá para os próprios garotos. Com o tempo os pais que não
entendem exatamente como é um convívio melhor, passam a entender melhor como
conviver com os problemas dos filhos, e principalmente o problema dos filhos que estão
com mais problemas do que outros. Mas eu ainda acho que eu devo passar o que
poderia ser melhorado aqui dentro e eu acho que deveria ser melhorado o seguinte: O
CAPSIJ deveria pegar individualmente cada problema dos pais com os filhos, dos filhos
com os pais, e tentar bater em cima desses problemas, especificamente desses
problemas de relacionamento do filho com o pai, porque nem sempre o mesmo
problema ocorre com cada família, são problemas diferentes. Então tinha que estudar
cada caso individualmente e resolver individualmente cada caso, e não fazer um
negócio muito genérico como está sendo feito atualmente. Também ajuda, mas seria
muito melhor resolver especificamente cada caso. Quais são as divergências que estão
havendo entre garoto e os pais, dos pais com os garotos, e especificamente aquilo que
está acontecendo, seria um atendimento mais forte e uma resolução muito melhor se
fosse feito dessa forma, do que de uma forma genérica.
M5 - Nós podemos falar que o CAPSIJ para os pais ... é feito dentro
do CAPSIJ um atendimento para os pais individualmente e é feito entre família, isso
192
acontece comigo. Então é feito sim, um atendimento em cima daquele problema que
existe em cada família. Então com a colega, não sei ... o atendimento foi ...
P1 - Me ajudou muito, foi justamente por isso que eu concluí que
deveria ser feito mais. Uma coisa muito maior, uma integração muito maior do meu
filho conosco, a relação dele comigo, com a irmã, com a mãe dele, que é a mais
problemática de todas, para que haja uma melhora geral, uma melhoria geral. Mas não
houve, talvez até por conta da estrutura da coisa, minha esposa não tem tempo, ex-
esposa, não tem tempo de vir aqui, e o garoto a princípio não queria vir mas agora
começou a vir espontaneamente. Eu sempre vim aos atendimentos e aprendi muito
como eu tenho que conviver com ela, com ele, todo mundo lá, e agradeço muito o
CAPSIJ por isso. Eu tive oportunidade de ler livros de psicologia e me aperfeiçoar.
Peguei na Internet material sobre os remédios todos e para que eles servem, entendi um
pouco mais como é que funcionava. Agora também tenho que lembrar que a parte fraca
é a parte dos remédios, os médicos no tratamento do meu filho, inicialmente não
acertavam, os médicos passaram um tal de Haldol, uns remédios aí que não estavam
resolvendo. Ele tinha uma paralisação cerebral, ficava meio apatetado, dormia e depois
voltava tudo de novo, ficava nervoso de novo. Então não estava resolvendo, até que os
médicos começaram a experimentar outros remédios e aí sim, chegaram a esse remédio
atual, que é o remédio que ele deveria ter tomado desde o início. Ele já estaria melhor
há muito tempo, mas foi com a mudança que ele melhorou.
Coord. - Só um momento antes de continuar. Eu sei que quando a gente
abre a pergunta, todos ficam com vontade de falar diversas situações e que se vai falar
daquilo que está causando ao maior angustia e preocupação naquele momento. O
medicamento e o atendimento dos pais poderá ser discutido mais detalhadamente um
pouco mais adiante. Pediria que vocês nesse momento falassem um pouco mais sobre o
que significa e o que é o CAPSIJ para vocês. Eu sei que estou pedindo algo um pouco
difícil, mas ... mas retomaremos ao tema medicamento ...
M5 - Quando eu vim pra cá a primeira idéia que eu tive do CAPSIJ
foi que seria uma creche para o meu filho, onde ele ficaria três dias da semana e eu
descansaria. Talvez eu não tivesse nenhuma esperança que ele melhorasse, mas era um
lugar de alívio e realmente eu não entendi o funcionamento do CAPSIJ. Um pouco é
remédio, reunião, e eu sou muito cabeça dura, foi complicado, mas com o tempo ...
quer dizer, eu nunca tinha ouvido falar em reunião de pais, foi uma novidade para mim.
Estamos a uns 6 ou 7 anos na luta e eu nunca tinha visto um grupo de pais. Então eu
aprendi junto com o Fábio. O Fábio foi melhorando, foi aprendendo, e eu fui
193
aprendendo também junto. Então o CAPSIJ hoje em dia é para mim uma referencia,
falar CAPSIJ para mim é o meu corpo, é o meu lugar seguro. Quando o Felipe tem um
problema, não, é no CAPSIJ, vou para o CAPSIJ. Vou falar com um, vou falar com a
Fátima, vou falar com Cicrano. Então o CAPSIJ se tornou pra mim um fator, um ponto
muito importante, é minha referencia em relação ao Fábio, é minha referencia hoje.
M6 - Eu também, quando eu tenho assim qualquer problema, quando eu
estou angustiada, quero chorar, quero desabafar, eu procuro logo a reunião. Eu tenho
vontade de estar mais e mais vezes, mas eu trabalho muito, aí nunca tenho tempo. Aí se
eu tenho tempo, assim 5 minutos, 10 minutos, então aqueles 10 minutos que eu estou ali
são uma beleza. Eu saio até mais aliviada, saio com a mente mais tranqüila, quer dizer
eu acho muito bom aqui no CAPS, e também a Débora. Ela gosta muito aqui do CAPS,
ela não quer nem sair daqui, ela fica e fala: “Aí mãe, está chegando o dia do CAPS”.
Teve um dia que choveu muito, acho que foi na semana passada, a Débora fez um
desespero dentro de casa às 5 horas da manhã para poder vir por CAPS. Foi uma
Quarta-feira, chovendo muito e ela: “Ah! Eu quero ir, eu quero ir pro CAPS, eu estou
com saudade, eu fui para lá só dois dias”. Ela adora o CAPS, então o Edmilson falou
que ela já está com 20 anos e está na época de ela ficar mais para o CAPS de adultos,
mas para não tirar-la de uma só vez, ele deixou ela freqüentar três dias no CAPSIJ e
dois dias no CAPS de adultos para ela se acostumar. Mas verdadeiramente esse
CAPSIJ foi uma idéia maravilhosa, tanto para os adolescentes, como para gente, para os
pais. Quer dizer, eu também tenho oportunidade de trabalhar tranqüila por conta dela
ficar no tratamento. Arrumaram até carteirinha do ônibus para ela vir, facilitaram
também a carteirinha para a gente não deixar de trazer, entendeu? Então é muito bom
mesmo, se meu marido fosse cabeça boa, mas meu marido é cabeça dura, para entender
as pessoas. Eu acho que eu já estaria até bem com ele e ele estaria bem com a Débora e
eu também estaria participado um pouco mais da reunião, porque a Norma foi muito
boa, as meninas todas são maravilhosas. Só um pouco duronas, às vezes tem que falar
... eu sou muito sensível, eu fico até magoada, mas depois eu vou raciocinando ...
M5 - Depois cai em si...
M6 - Aí eu volto não é ? Mas tudo tem que ser com dureza, se não for
assim a gente nunca leva a sério.
Coord. - Mais alguém quer falar?
M3 - Bom, quando eu estava procurando uma proposta, eu comecei a
participar ... quando ele veio para cá já estava com 14 anos. Aí já tinha participado de
colônias, ficava na escola o dia inteiro, e eu queria um lugar, que existisse um lugar, que
194
tivesse uma proposta de tratamento e principalmente para ele que tem um problema de
socialização. Ele tem um diagnóstico de autista, então a medida que ele vai ficando mais
velho, mais ele vai se adentrando, então isso também me motivou muito de deixar ele
aqui. Quando eu pensei em trazê-lo pra cá e foi esse um dos grandes motivos, ao mesmo
tempo que estava ligado ao tratamento médico ... porque geralmente você faz
tratamento médico, vai para um lado. Faz a terapia com outro, vai na fono com outro, aí
você fica pingando em várias coisas. Você não tem um lugar que você possa ter um
espaço, uma oficina, sei lá, que a criança possa ter, que o adolescente possa ter
atividades, e principalmente na idade ... vi muitos espaços por aí em que isso não existe,
mesmo pagando não existe, para idade infantil. Quando chega na adolescência não
existe para adolescentes, este foi um dos motivos mais fortes que me trouxe aqui, além
do tratamento médico a possibilidade de ele ter ... de socializar com outros adolescentes
que não tivesse envolvido com escola, com outras questões que não fosse a escola. A
outra tem em relação com que ele falou também, o médico. Ele começou aqui também
com a Dra. Paula e achei o atendimento excelente, u fui muito bem atendida por ela.
Depois quando ela saiu, o atendimento caiu, realmente caiu muito e hoje o atendimento
médico não é realmente o esperado, depois da partida da Dra. Paula.
R1 - Eu tenho uma ... eu não vivo com o Fernando, meu convívio com
ele é irregular, diariamente é com a mãe. Convivo porque nós somos muito amigas,
muito chegadas, no fim de semana eu sou a outra pessoa da família, da família dela que
é pequena e juntamos com a minha família, eu tenho diversos irmãos, que convidamos
ela e o Fernando para passar um fim de semana. Há um grande problema, a partir da
rejeição do próprio pai. É muito saudável ver como o casal pode estar junto numa
situação dessas e outra coisa também é ver a diferença dos problemas. O Fernando, eu
vejo, como um problema que está muito mais para orgânico do que comportamental,
nesses anos todos que eu venho convivendo com ele, eu vejo que ele melhorou em
algumas coisas, mas quando ele é atendido ... hoje se contrariar ele, ele pode te agredir,
como já me agrediu, me tirou sangue do rosto. Hoje eu tenho medo dele, hoje eu já não
fico com ele, já está com quase 1,70 m, quase 80 quilos. É impossível tirar ele da cama
quando ele diz que não quer ir para o colégio, ou ele não quer vir pra cá. Então o que eu
vejo no CAPSIJ, a minha idéia inicial foi de fazer com que a minha prima entendesse
que o filho tinha um problema e precisava ser tratado. As pessoas que convivem com
ela sabem que no curso desse tempo todo de tratamento do Felipe e dela, que houve
uma ... ela caiu numa realidade, meu filho tem um problema, psiquiátrico, neurológico.
Até hoje a família não sabe exatamente a classificação, o diagnóstico que ele tem, e isso
195
no CAPSIJ eu vi resultado, ela hoje não fantasia os problemas que ele tem, ela
reconhece e sabe as limitações que ele tem. Por outro lado ela tinha uma expectativa, ela
imaginava assim que fosse ter ... ela está querendo que o rapaz, porque ele não é mais
criança, já tem 18 anos, que esse rapaz possa aprender alguma coisa, pois até a 4a série
primária ele fez, mas não adianta, você veio até aqui ... ele não vai aprender, ele tem
dificuldade mesmo de um aprendizado além ... então ele sabe ler e escrever muito bem,
mas que ele tivesse um aprendizado além do mínimo necessário. E isso ela tem uma
expectativa que eu não vejo aqui. Eu acho que o aspecto maior aqui no CAPSIJ, eu acho
que é a aspecto social, de interação. Então isso ficou, eu acho, na cabeça da minha
amiga também, esse vazio, a expectativa não atendida, de que o tratamento fosse
colocar ele, sei lá, nos computadores, com gente capacitada para ... porque não adianta
pegar o Fernando e levar para um curso de computação normal, é preciso ter alguém
preparado para isso, e em qualquer outra atividade que pudesse encontrar nele uma
aptidão. Então, enfim, CAPSIJ pra mim ... eu ainda tenho uma expectativa de que ele
pudesse, mas ele agora também está com dezoito, já está passando para outro grupo, não
sei, eu não sei se ela vai continuar assim, com quem, para onde, eu fico preocupada
porque não tenho conhecimento de onde mais ela possa procurar um atendimento nesse
aspecto fora o atendimento da saúde.
Coord. - Até agora nós ouvimos mais vocês que ... a expectativa que vocês
tem ... mas na opinião de vocês o que o CAPSIJ hoje pretende alcançar com o serviço
que ele oferece, o que ele está querendo?
M4 - Olha, pelo que eu entendi o CAPSIJ trabalha o adolescente junto
com a família e eles fazem questão de frisar isso, de mostrar isso, que eles não
trabalham o adolescente sozinho. Aliás ninguém existe só, todo mundo tem uma
família, nem que seja depois abandonado, sei lá, alguma coisa, que durante o percurso
tenha um acidente qualquer, mas tem uma família e que a família reconheça essa
deficiência, essa carência, esse problema, seja lá o que for, como a pessoa quiser dar
esse nome. Eu sei porque quando eu tenho as sessões com a Norma a gente fica sempre
discutindo que nome a gente vai dar, se é normal ou anormal, se é carente ou não é
carente, enfim, até hoje eu ainda não cheguei a um termo, que você conheça e conviva
com essa realidade, é como você ter por exemplo, é você ter um câncer que você vai
conviver. Se o médico diz que você vai viver três meses, o que você vai fazer, vai se
desesperar e se jogar pela janela, você vai ... o que você vai fazer? Então isso o médico
vai fazer, ele vai te trabalhar para você ser mais ou menos emocionalmente estável
durante esses três meses, ou um ano, dois anos, sei lá. É isso que eu vejo que o CAPSIJ
196
quer, que você tenha uma estabilidade emocional, afetiva principalmente, porque você
não vai deixar de amar seu filho porque ele é diferente, porque ele tem uma
anormalidade, então que você reconheça seu filho e que você trabalhe para poder
superar esse problema. Porque realmente também, no outro verso, ninguém ... eu sou
mãe e tenho um filho que nasceu autista e aí? Eu não tirei mestrado nem pós-graduação
para trabalhar com autista, de repente pode ... não houve o caso da senhora que era
psiquiatra e a filha matou, entendeu? E ela era psiquiatra, então era uma pessoa que
cuidava da cabeça, e foi vitima da própria filha ... então o que acontece é que não pedi,
então eu também preciso de ajuda, então eu tenho que reconhecer esse lado vulnerável
que eu tenho, esse lado fraco, esse lado de ignorância em relação ao problema ... então
eu acho que foi isso que o CAPSIJ quis passar para mim, foi isso que eu tirei das
entrevistas que eu tive com Norma e com Flavia.
M1 - Olha, eu entendo que o CAPSIJ é inovador. A proposta é uma proposta
inovadora, que eu não vejo em outro lugar, tratamento com adolescente, junto com a
família ... como uma proposta de referência e que se Deus quiser vai ser uma porta que
vai abrir para que mais pessoas, que mais CAPSIJ ou mais qualquer outros nomes que
trabalhem com adolescentes, aconteça ... porque realmente como foi falado no começo,
não existe, eu sei, lugar para adolescente. O adolescente é jogado de um lado pro outro,
esculachado, é safado, é sem vergonha, é drogado, é isso, é aquilo, e eu só conheço aqui
para adolescente. Eu vejo como referência, eu vejo como uma inovação...
Coord. - O que o programa quer com esse adolescente que está aqui?
M5 - Então é um tratamento inovador que vai abrir para esses adolescentes
uma porta para o mundo, de volta pro mundo, porque esses meninos estavam fora do
mundo. Uma das propostas é de reinserção social, que eu acho muito importante, ele
seja reinserido na família, na sociedade e também de apontar a família como uma parte
importante no tratamento da doença.
P3 - Eu não vou nem me alongar no assunto, porque na primeira pergunta
já desviei um pouco, na realidade para fazer uma análise ... mas especificamente a
equipe toda trabalha muito bem em todos os sentidos.
P1 - O CAPSIJ nos ajuda bastante a compreender a doença. Ele nos ajuda
bastante a conviver da melhor maneira com o doente e principalmente ele ajuda o
doente a entender a doença dele e a se recuperar mais rápido. Agora sem esse suporte,
essa ajuda psicológica acho que ele não conseguiria melhorar, acho que isso é
fundamental essa ajuda do CAPSIJ para nós é fundamental. Agora tem gente que
realmente não consegue entender a importância das reuniões, a importância dessas
197
reuniões separadas, para debater assuntos pessoais e que precisa ser melhorado, que
precisa ser mais aperfeiçoado ainda, ou seja, vamos supor que o menino tenha algum
problema assim de ser respondão, agressivo, ou de querer sair para rua, então tem que
pegar esse problema e anotar com todas as tendências do menino e trabalhar cada uma
dessas tendências do que ele está fazendo de errado separado. Acho que é isso que tem
que ser feito, aperfeiçoar. E eu fiquei surpreso também de ver estagiários vindo lá da
Europa para cá, para aprender no CAPSIJ, ou pelo menos entender como funciona aqui
para levar pra lá. Como é mesmo? Acho que é Suécia, o pessoal da Suécia vem para cá,
pois era para gente ir para lá aprender com eles, e eles estão vindo aqui aprender
conosco, então isso é bom, prova que o CAPSIJ está tendo um avanço em relação aos
outros países.
M 6 - E aqui no CAPS não é só tão bom para família como para o
adolescente. Eles se preocupam muito, todos eles que trabalham aqui, estagiários,
psicólogos, todos eles se preocupam muito com a saúde do adolescente. O adolescente
está passando mal, eles chamam outro médico para cuidar. Se é um dente, vai e leva
também ao dentista. É uma coisa inteira, muito diferente, é importante mesmo o
CAPSIJ, é nota 10 e não pode acabar nunca.
Coord. - Em relação a isso alguém quer falar mais alguma coisa? Então
eu já passo para outro ponto que algumas pessoas já começaram a falar ... ao falar de
tratamento, eu não estou falando de tratamento só com medicamento, inclusive isso,
mas dentro do tratamento vou estar falando de alguns ponto que já está sendo falado
aqui. E eu gostaria de saber o que vocês pensam sobre eles, como por exemplo as
oficina terapêutica. Vocês poderiam me dar algum exemplo a respeito das oficinas e de
outras atividades terapêuticas?
M5 - Cozinha.
M2 - Reciclagem.
Coord. - O que mais?
R1 - Oficina de leitura.
M1 - Sexualidade.
Coord. - Então quando nós estivermos falando de oficinas terapêuticas, nós
estamos falando dessas atividades. Outro ponto que eu queria que vocês abordassem do
tratamento é o que vocês pensam do tratamento com medicamento. (Fim do lado A da
1a fita).
R1 - ...porque de repente alguém poderia dizer alguma coisa ou
poderia desencadear alguma reação contrária e ele partir para alguma coisa não
198
desejada, já que é no dia ... tinha que ser maravilhoso. E graças a Deus funcionou, ao
final do dia eles dormiram lá em casa e o restante da família depois foi embora, tiramos
retratos, foi tudo bem, jóia. No dia do aniversário da mãe dele, dia 18 de outubro, eu fiz
... vou comemorar no sábado, na minha casa, com mais um amigo e a aniversariante
também. E no dia mesmo do aniversário, foi numa sexta-feira e eu fui na casa deles, de
repente alguém ligou para festejar, dar os parabéns para ela e por acaso falou-se numa
outra pessoa que para ele é o estopim. De repente o rapaz, o menino começou a chutar
coisas e a gritar, a fazer tudo aquilo que a gente fica ... sabe? o remédio dele, então para
mim, na minha cabeça, ele precisava ter um remédio de emergência. O que se faz numa
hora dessas? Entende? Deixar ele quebrar as coisas que tem em casa, deixar ele se
agredir, deixar ele bater com a cabeça? É um negócio que sabe ... eu já vi ele tendo
crises, mas imagino que se ela acontece no momento em que há uma reunião com outras
pessoas, as pessoas, ou não querem ver isso, ou esperam não ver isso. Então o
tratamento medicamentoso que ele tem, o Dr. Edmilson vem dizendo: “Não, a gente só
pode dopar ele, ele agindo de tal forma ... eu não entendo que numa situação de
emergência ... quer dizer, o que é se faz? E eu quando pergunto a mãe, minha prima, ela
diz para mim R1 mas o ... remédio, entende, ou naquela hora não é possível dar ou o
remédio não é para isso. Enfim, então, eu vivo um pouco com eles, mas não vivo o dia a
dia, e eu sei porque ela liga pra mim sempre.
Coord. - Você está falando de uma coisa bem pontual da história do tratamento
medicamentoso...
R1 - Eu estou falando do medicamento.
Coord. - Certo, que significado tem dentro do tratamento, de um modo geral,
essas situações específicas que você comentou do Fernando, esse exemplo que você
comentou?
R1 - Eu acho que ele é uma criatura com problemas neurológicos e
psiquiátricos, que ele tem, que eu não sei exatamente qual é e que ele precisa de
medicamento sim e regular, para conviver com as pessoas, para ser um pouco aceito.
Porque quando ele está bem ele é agradável, eu gosto dele, ele é agradável. Agora,
quando ele enfurece, entendeu? Eu não quero ficar sozinha com ele.
Coord. - E as outras pessoas pensam e podem estar colocando tanto ...
M5 - Eu acho que é um pouco pessoal, não é?
Coord. - ... fazer uma reflexão. Ficar livr, para ... quiserem fazer uma
comparação com a situação do filho, com o exemplo que ela colocou ... pode estar
falando especificamente do seu caso.
199
M3 - No caso do meu filho, ele ficou muito tempo sem medicamento
porque ... desde os três anos ... ele tinha três anos de idade quando eu detectei o
problema. E na época nós fomos ao médico e o menino era muito hiper-ativo, tinha
tremendos problemas de comportamento. O médico prescreveu uma vitamina e a
vitamina era tipo uma pilha. Era dar uma vitamina e piorava mais ainda. Então eu fui
contra, teve uma época até que eu me estressei e falei para o médico: “eu sou contra,
contra aquele medicamento.” E aí fui para outro psiquiatra e o psiquiatra toda a semana
dava um medicamento diferente, haldol e companhia limitada, neoleptil, não sei o que,
não sei o que. E um dia o menino estava dopado, um dia não estava e era aquela
confusão. “Ele não vai tomar mais nada.” Então ele ficou cinco anos sem tomar nada e
foi indo com a hiper-atividade e eu fui levando para a escola e para as terapias e tudo
mais. Chegou aqui a dr. Paula falou: “Não, ele é autista”. Ele já tinha passado a hiper-
atividade, e agora quem vê o garoto nunca vai dizer que ele teve aquele comportamento
quando ele tinha três, quatro, cinco anos. Ela disse: “Ele vai tomar o Isoperidol, ele é
autista”. Ele tem algumas coisas, por exemplo, há horas que ele pula, ele sai daquilo que
ele está fazendo e fica pulando, pulando, pulando. Ele tem uns esquecimentos que você
diz: “Vai ali ... pega a toalha, pega a toalha azul.” Ele vai e quando ele chega lá ele
esqueceu. “Pega o caderno.” Ele vai e esqueceu, ou “Lê uma frase”, ele esqueceu, Então
eu já passei tudo isso para ela, e ela disse não, ele vai tomar Risperdal, porque é um
remédio de ponta, taratatá, taratatá. O que acontece, dorme muito, tem incríveis
problemas para acordar. Mudou o horário da medicação. Depois saiu a dr. Paula e
mudou agora para dr. Maira. A mesma coisa, estou falando as coisas para ela e ela
continua com o mesmo remédio. O remédio continua com os mesmos efeitos. Para
aquilo que eu estou querendo que tenha efeito, ou seja, ativar a atenção dele, porque ele
tem um déficit de atenção muito grande, não faz, não faz, entendeu? Não funciona para
isso e não funciona também para a parte de, por exemplo, se é que funciona para a parte
de insociabilidade, não é? Quanto as oficinas terapêuticas, como ele é um garoto assim
... muito ... ele é alienado, bem zen, ele não é de falar muito, ele só fala muito aquilo que
ele quer, então ele fala pouco nas terapias que acontecem aqui. Tanto que o pessoal
falou muito aqui no grupo e eu fui incapaz de falar sobre alguma terapia, porque eu já
perguntei várias vezes para as pessoas daqui, elas nunca me falaram, didaticamente,
quais são as terapias que acontecem. Eu sei que tem capoeira, mas as outras terapias?
Didaticamente, quarta-feira tem isso, sexta tem isso, eu não sei, eu realmente não sei.
Sei que quarta feira tem capoeira, porque ele arruma o material e está profundamente
interessado em capoeira, gosta e tudo mais. Tem a de sexualidade, que eu já vim aqui e
200
vi alguém conversando que tem. Mas informação do pessoal do CAPSIJ, nunca fui
informada do que realmente ... a psicoterapia, eu não sei se ele tem algum atendimento
individual, de alguém, se ele é atendido por alguma psicóloga. Grupo de pais, grupo de
pais eu venho de vez em quando, quando o tempo dá. Eu trabalho de nove da manhã às
sete da noite. Eu venho aqui, participo do Grupo de Pais, faço o possível, o meu marido
também vem. Atendimento de pais, tive por um bom tempo, acho que mais de seis
meses fui atendida pela Norma, muito bom atendimento. A Norma é uma excelente
profissional, eu inclusive já falei para ela, aliás estou repetindo aqui de novo, eu já
passei por muitas mãos de terapia familiar, porque esse é o segundo filho que eu tenho.
Então com esse filho deslanchou um problema familiar, entre eu e o meu marido. Foi
com o problema do filho, porque isso acontece em todas as trocas de figurinhas que se
faz com outras famílias que têm filhos com problema, sempre deslancha, sempre
aparecem os problemas familiares ... é o dinheiro ... e há problema quando a família
tem algum elemento que não está dentro da normalidade ou me desculpem o termo
anormalidade, se vai ofender alguém, mas eu não estou achando outra palavra. Se não
está dentro da normalidade o sistema quebra. Foi isso que aconteceu com a nossa
família. Então a Norma percebendo isso nos chamou e nós tivemos um bom tempo de
atendimento. Muito bom, excelente ... infelizmente, devido ao trabalho eu tive de
declinar do atendimento. Também tem algumas decisões que eu tenho que tomar dentro
da família, decisões que nós temos que tomar dentro da família para poder ir adiante
com o atendimento ... é isso que eu tenho a falar.
Coord. - Antes de continuar, seria bom se a gente tivesse tempo para cada
um falar sobre o que pensa. Eu queria que a gente tentasse fazer o exercício, eu sei que
é difícil de resumir o máximo o que cada um pensa sobre o tratamento. Agora eu sei
que são muitos itens e que levam muito tempo ...
P1 - O que essa senhora citou aí, que é um problema do meu filho:
hiper-atividade. Só que ele nunca foi tratado e piorou com as drogas, com as drogas ele
piorou e ficou descontrolado, não conseguia dormir e tudo mais. É o problema que a
senhora acabou de citar. Só que todos os remédios que foram experimentado, o Haldol e
todas essas porcarias aí, não funcionam direito, não funcionavam muito. O único
remédio é a combinação desses dois que estão sendo usados atualmente é que está
dando certo, ele está se recuperando rapidamente, de uma maneira espantosa, eu peço
que se você quiser anotar aí e passar lá para a dr. Maira experimentar com o seu garoto,
é o ... , é bom anotar aí, o .... e o Amplictil, ele está tomando esses dois, seria bom, ela é
a mesma médica do Carlos, talvez fosse até bom experimentar com o seu garoto, de
201
repente ele vai ter uma estabilidade igual à do Carlos e melhorar da noite para o dia,
como está acontecendo com ele.
M3 - É que cada caso é um caso.
P1 - É, cada caso é um caso, mas seria bom falar com ela. De repente
ela experimenta e dá certo, já que a doença é a mesma, hiper-atividade.
Coord. - Eu só peço que a gente dê continuidade, pois o está curto e eu sei
que vocês também têm compromisso depois. O compromisso de vocês pode atrasar.
M4 - Eu tenho que ir.
Coord. - Está tudo bem.
M6 - Eu posso ir também? Eu vou para longe.
Todos - (risos)
Coord. - Tudo bem então.
M5 - Eu posso falar um pouco? Essa questão do medicamento é perigosa.
Você ...
Todos - Tchau!
Coord. - Obrigado pela presença.
M5 - ... a gente tem uma certa tendência de achar que o medicamento
resolve tudo, que o remédio ... a ... o dopar, vai resolver o problema. Eu sou meio contra
o remédio, acho que só na hora necessária, não gosto de dar SOS, porque eu acho
perigoso, a gente acaba achando que o remédio vai curar ... que vai pelo menos
anestesiar o pobre do infeliz, quer dizer, a gente tira ele de uma droga e mete em outra
droga. É perigoso, a gente tem que ter muito cuidado com medicamento. Eu sou uma
pessoa meio agitada, eu não aceitaria que me dopassem porque eu sou agitada. Acho
que cada um tem o direito de ser como é, dentro de um limite do suportável, não é? A
gente tem que saber, ser orientada, para segurar essa onda. Tem que ter cuidado com
esse negócio de estar falando muito em ... Oficinas terapêuticas, eu acho que ... para os
meninos, o que eu observo de uma maneira geral é que elas funcionam
maravilhosamente bem. O meu filho aprendeu a comer com garfo e faca rapidamente,
coisa que até dezessete anos não tinha aprendido. Foi muito ... as oficinas são
importantes para ele. A psicoterapia, olha, faz milagre. Eu tenho visto fazer coisas aí do
arco da velha. Grupo de pais então, nem se fala. A gente se pega lá dentro, mas o grupo
de pais, tem até uma mãe que agora não está falando comigo (risos), fui brincar e
dancei. Mas eu sei que isso vai passar, são quase quatro anos, mas sabe, às vezes a gente
fala alguma coisa que a pessoa não está a fim de ouvir, aí ela se volta contra a gente,
mas eu sei que isso passa. Isso faz parte do grupo de pais também. É importante, não
202
perco um. Para eu perder,tenho que estar muito mal, porque foi o que segurou a minha
onda e fica segurando a minha onda, então eu acho que é de fundamental importante o
Grupo de Pais e mais ainda o atendimento de pais.
Coord. - Eu vi que existe assim um consenso em algumas situações do
tratamento, principalmente atendimento de pais, o Grupo de Pais, há um consenso.
Mas há uma certa dúvida um certo questionamento quanto ao tratamento
medicamentoso, que eu acho que é geral. Aí me vem uma pergunta que nem estava
aqui. Vocês se sentem ouvidos em relação ao tratamento, ou vocês se sentem ouvidos
pelo CAPSIJ ou pelas pessoas que fazem o CAPSIJ em relação ao tratamento dos filhos
ou parentes? Vocês se sentem ouvidos em relação ao tratamento medicamentoso?
R1 - Minha prima reclama.
P1 - Não, Não!
M5 - Eu creio que não.
M3 - É uma das grandes queixas que eu tenho.
R1 - Minha prima reclama achando que inclusive quem está tratando do
Fernando hoje, que é o dr. Edmilson, coloca assim para ela, enfim, que o Fernando
precisa daquela quantidade só de remédio e tal, então eu acho que ... eu não sei o que
ele imagina como o Fernando ... eu realmente acho que, depois desse caso lá de São
Paulo, eu, mãe de filho, trancava meu quarto na hora de dormir, porque eu não sei se
esse menino não pode ter de repente uma atitude, sabe? Porque eu já vi ele agredir a
mãe, ir em cima da mãe, não porque a mãe fez alguma coisa, mas porque ele estava com
raiva de outra coisa. Eu, eu ... estou falando um pouco por ela, eu não sou a mãe dele,
mas eu vejo que ...
P1 - No meu caso, por exemplo, houve uma verdadeira batalha aqui
dentro, porque eu sempre fui contra esse medicamento que estaca sendo dado e não
estava funcionando como deveria. Eu fui contra, bati, bati, até que eles foram trocando,
trocando e chegaram nesse que agora eu tenho certeza que é o certo para ele. E ele está
realmente melhorando, tanto que ficou três meses internado, já teve alta e esse mês vai
voltar, tenho certeza para o atendimento no CAPSIJ. O comportamento dele mudou em
casa.
M5 - O que eu vejo em relação ao CAPSIJ é nos ouvir. O que eu vejo na
minha vida e na vida das pessoas que eu tenho visto aqui. Toda vez que foi necessário
para mim, que eu estive aqui com um problema, toda a vez que eu precisei, elas saem da
oficina para me atender. Já aconteceu de eu ficar três horas conversando com a
203
psicóloga aqui dentro. E eu vi isso com várias pessoas também. Agora eu acho que a
nossa ansiedade às vezes faz com que a gente queira mais do que a gente precisa.
P3 - Ué? Mas é uma ansiedade, é um problema. É uma ansiedade.
M5 - Sabe, o meu filho é assim, ele me pergunta: “mãe, o machucado
vai curar hoje?” - “Não.” - “Mãe o machucado vai curar hoje?” - “Não meu filho, leva
uma semana.” - “Mãe, o machucado vai curar hoje?” Eu acho que a gente está por aí. A
gente ouve a resposta mas a gente não ouve. Então eu acho que nesse momento a gente
acha que o tratamento não está sendo ... a gente não está sendo devidamente ouvido
porque a nossa expectativa faz com que a gente não ouça a resposta. A gente quer mais,
mais e mais.
Coord. - Falando um pouco mais em relação ao tratamento. Com certeza ...
ficou uma dúvida minha. Existem determinadas discussões aqui onde vocês são melhor
ouvidos ou recebem melhor atenção, são mais escutados, do que em outras situações,
ou por exemplo. Há determinada situação no tratamento onde a fala de vocês não é
levada muito em consideração, em alguns pontos aqui?
M3 - É, naturalmente, eu acredito. Primeiro pela expectativa, como ela
falou, há ansiedade, a expectativa de cada um em relação a um desses itens, entendeu?
Se você tem uma expectativa em relação ao medicamento e não foi, a expectativa não
foi alcançada, aí você vai dizer que não, mas aí cabe ao CAPSIJ explicar por que. Há
um atendimento de pais, em grupo para explicar isso, por que não, ao mesmo tempo eu
tenho que ter o meu argumento, o meu filho na hora da escola ele dorme, entendeu? Ele
apaga e cai em cima do caderno. Como que ele vai aprender desse jeito, com uma
medicação assim? Por conta de que ele tem que ficar calmo, então tem que ter um
medicamento, eu não sou o médico, o médico tem que saber disso, tem que resolver
esse problema.
Coord. - Alguém pensa igual ou diferente e quer falar? Vamos encerrar essa
parte, porque como são mais de sete horas, para a gente passar para as três últimas
perguntas.
R1 - Eu queria só colocar um adendo aí. Houve uma conversa que eu sei
de que o Fernando estava tomando determinado medicamento, Dalva falou que o
medicamento estava deixando o menino muito sonolento e tal e houve mudanças. Há o
fato de ela ter uma idéia de que há uma fórmula mágica, ela ainda acredita numa
fórmula mágica de que o menino vai ficar bom um dia, entende? E encontrar essa
fórmula que ainda não foi encontrada e não sei se existe, faz com que as expectativas
sejam grandes, a verdade é essa. O medicamento não faz milagre, não age só, não é?
204
Então, houve época em que ela levantou a situação de forma bem clara, o remédio é
dado e quem observa isso é quem está o dia-a-dia com o paciente, houve retorno e
mudança, só que a fórmula mágica não foi encontrada.
Coord. - A senhora quer falar? Eu ouvi uma conversa e achei que a senhora
queria falar.
M2 - Eu estava falando sobre medicamento. A minha filha, coisa de um
mês atrás, parou de tomar o medicamento. Conversa as outras pessoas, está dormindo.
Antigamente ela era revoltada e acordava: “Ah, estou tomando muito remédio, é muito
remédio, está me fazendo mal, eu não vejo motivo para ficar tomando remédio, eu não
vou tomar, eu não vou tomar.” E ela não tomava. Quando foi da última consulta ela
criou um caso com o Cláudio para não passar remédio para ela, porque ela estava bem.
O doutor me chamou e falou do remédio outra vez. Vamos respeitar ela, está dormindo
maravilhosamente bem, está saindo, está procurando curso, está fazendo curso. Só tem
uma coisa, é um mal humor de vez em quando que ... sabe, de repente ela está bem
daqui a pouco ela fica assim, esses dias ela virou e falou assim para mim: “Que droga de
vida” Porque está fazendo informática, está fazendo telemarketing e agora está
querendo fazer digitação. Eu falei para ela: “Pelo amor de Deus, assim não dá. Ninguém
pode fazer tudo isso ao mesmo tempo.” E ela respondeu: “Que droga de vida, daqui a
pouco todo mundo vai falar para mim sabe o que? Vai trabalhar vagabunda. Entendeu?”
E nas reuniões de pais, as vezes que eu venho aqui, eu tenho aprendido muito, tem me
ajudado muito, mas eu não posso vir constantemente por motivo de saúde, não estou
podendo acompanhar as oficinas. A única coisa que eu sei é que ela chega lá ... no dia
que tem capoeira, ela adorou a capoeira, a reciclagem também, ela falou que gosta
também do estudo. Mas olha, foi ... ela faz assim ó, já fui.
M1 - Agora tem bijuteria também.
M2 - Tem bijuteria?
M2 - E atendimento aos pais eu só tive uma vez com a Norma, porque
eu infelizmente sou separada do pai dela, mas houve uma vantagem muito grande
porque eu nem suportava olhar para a cara dele e só estava mesmo separada. Depois do
dia sete de junho, que ele chegou lá em casa e encontrou-a numa crise, no aniversário
dela, sete de junho, ele começou a dar mais atendimento a ela. Ele não dava nada, não
me procurava. Aí o que eu faço, ao invés de eu vir com ela para cá, eu mando ele, eu
peço. Aí é ele que está tendo mais uma aproximação com ela e isso tem ajudado muito
também. Mas eu não tenho nada a falar, eles só me escutam, só me escutam. Como eu
205
sou ajudada por eles, pelas meninas, pelo Cláudio. Eu tenho até o número do telefone do
Cláudio comigo, acontecendo qualquer coisa eu ligo para ele e ele está me retornando.
Coord. - Vocês falaram muito do Grupo de Pais. Para uma pessoa que não
conhece o Grupo de Pais, como eu por exemplo, que não conheço e nunca freqüentei,
como vocês definiriam um Grupo de Pais?
M5 - É quase isso aqui.
Todos - (risos).
M2 - Ajuda. Ajuda muito a gente, eu pelo menos às vezes que vim, me
ajudou muito a conviver com a minha filha, aceitar certas coisas da minha filha, porque
as vezes eu cobrava muito dela e não queria também ... se eu cobrasse que ela tinha
que fazer aquilo que eu queria. Não, tem que ser assim: “Deise, isso não Deise. Deise,
isso não”, cobrava ela. Hoje ela respondeu para mim, eu falei lá um negócio e ela falou
assim: “Mãe a senhora hoje descobriu a América” (risos).. Eu falei para ela, que ela
quer tudo o que vê, e eu não posso ... “É, até que enfim, a senhora hoje descobriu a
América.”
M1 - Eu acredito até que esse Grupo de Pais ... só das pessoas estarem
se interando de outros problemas similares, parece que não, mas uma coisa ajuda a
outra. Vai se falando da experiência que a senhora está passando, do que eu estou
passando, com isso a pessoa vai se interando. O tratamento até, é rapidinho. Juntando
tudo .... minha filhinha, graças a Deus está tendo alta hoje. Independente da alta hoje,
ela vem estudando, vem fazendo as coisinhas dela, graças a Deus normal, graças a Deus
sem problema nenhum. Fechando, o tratamento para mim é cem, em todos os aspectos.
Inclusive ela chegou aqui dopada e graças a Deus gradativamente esse medicamento foi
tirado, ficou tudo maravilhosamente bem, por isso é tudo 100% para mim. Espero que
vocês todos tenham logo o mesmo êxito.
M2 - Cada caso é um caso, quer ver ajudar muito é esse grupo aí dos
pais. Eu aprendi a lidar, porque eu achava que se minha filha falasse “Mãe”, eu teria que
fazer tudo para não aborrecê-la, porque para mim viria a crise, mas não ...
P3 - Normalmente a pessoa chega sem saída.
M1 - Então você chega desesperado, dizendo que não tem solução, só
vem na cabeça que não tem solução. Mas aí a gente chega ali conversando, eu ouço ele
e penso: “Ué, mas o meu caso não é tão grave” e assim sucessivamente. Então a gente
vai aprendendo que aqui você realmente tem um suporte.
M5 - Um importante, R1, é que a gente pode falar, porque a gente
está falando de uma coisa comum. Em outro lugar a gente não tem liberdade de falar, eu
206
não posso falar com a família, a grande família. Eu não posso falar com os amigos
porque nossos jovens são discriminados, são rejeitados, então a gente se fecha, se cala,
esconde. E aqui eu posso falar porque o assunto é igual. Então a gente tem essa
identidade.
P3 - No Grupo dos Pais eu ganhei força, porque quando meu filho
chegou aqui ele chegou comigo. Até hoje, do ponto de vista do Danilo, é comigo. Ele
convive com a mãe, mas o ponto de referência sou eu. Meu filho adora cinema e ele só
vai ao cinema comigo. Sair, viajar é comigo. Ele já viajou com a Rosa sim, mas a Rosa
ficou meio preocupada, mas felizmente foi tudo bem, ele nadou, ele adora nadar. Faço
questão de levá-lo em todos os finais de semana, logicamente quando é possível, mas
quando eu cheguei aqui com ele, ele só chegava aqui e então eu teria que vir aqui pegá-
lo ao final do dia. Eu acho que ela que é mais antiga aqui, ela deve ter me visto aqui, eu
mesmo que trazia e quando chegava na hora eu estava aqui para pegá-lo e ia preocupado
com ele: “Meu Deus, será que vai acontecer alguma ... fuga, evasão” Aí, graças a Deus
o tempo foi passando, hoje graças a Deus, o Danilo vem sozinho. Eu dei um telefone
celular para ele e estou sempre em contato com ele, ele vai ao colégio com ele. Ele não
vai só ao cinema e outras coisas mais porque ainda não bateu aquele interesse mesmo,
mas o dia que chegar a vontade eu libero, logicamente preocupado, porque ele ainda
está com dezoito anos, fez dezoito anos agora em agosto. Mas para quem viu já o
Danilo andando até pelado sem preocupação, porque ele não estava nem aí, dentro de
uma clínica e depois do tratamento aqui, ele está nesse passo, eu acho que é de grande
valia. E o atendimento dos pais, no meu entender, foi bastante proveitoso para a gente
enxergar onde a gente está só piorando o estado dele. Quer dizer, a gente começa a ver o
que nós estamos dizendo, o que nós estamos fazendo, a maneira que a gente está agindo
para piorar esse ... ou seja, faz com que a gente melhore o relacionamento com ele e isso
é fundamental.
P1 - Eu acredito assim, que o a atendimento dos pais é um treinamento,
treinamento, porque o casal teve filho e a expectativa é de que o filho vá ser normal, que
você vai seguir aquele rumo de vida como as pessoas normalmente fazem, com o avô, a
avó, a tia, a família toda assim e de repente nasce uma pessoa estranha, uma pessoa com
problema ...
P3 - Estranho entre aspas.
P1 - É, exatamente, estranho entre aspas, exato. A gente tem sempre que
falar assim. Mas a gente está aqui na mesma problemática e vocês estão entendendo a
minha linguagem. E aí, como lidar com isso? Como lidar com isso? Como lidar com os
207
parentes? Como explicar para os parentes que ele dá escândalo? Que ele não é
socialmente adequado? Ou como o meu vizinho, o meu vizinho não fala comigo, é oi, oi
e ele não quer saber, ele é meu vizinho de porta. Mas eu e o meu filho já estamos
morando lá há 15 anos, conhece o meu filho desde pequeno mas os filhos dele não são
amigos do meu filho, porque eles rejeitam, eu sei que eles rejeitam.
M3 - Mas é isso, é isso que tem que ser feito, é você entender, é você se
sentir confortável com essa situação. O teu filho vai ser rejeitado num prédio que tem
uma área de lazer, as pessoas não entendiam o meu filho. Depois que eu coloquei ele
numa aula de piano, há cinco anos que ele estuda piano, aí ele começa a tocar lá a
música e aí todo mundo começa: “Ó, mas como pode, está tão bem” Ele já adquiriu um
outro status, entendeu? Ele nem desce mais, porque ele é todo tímido e tudo, ele já
adquiriu um outro status, já o .. a ... o conceito em relação e ele é diferente, entende?
Então é tudo isso que tem que ser trabalhado, você tem um filho, em que as pessoas, não
só a família, mas todo o mundo não aceita e é esta que é a importância maior do
atendimento aos pais.
P1 - Agora, eu acho, o que eu acho ... não sei se as psicólogas vão
concordar, se o CAPSIJ vai concordar. Já falei algumas vezes, mas ninguém concordou.
Mas devia de ser implementado aqui uma auto-ajuda. Há vários livros de auto-ajuda. O
que é auto-ajuda? Auto-ajuda é ... conversar não só com os pais, mas também com os
próprios pacientes sobre como eles têm que fazer para se sobressair na vida.
M5 - Para sobreviver.
P1 - Para sobreviver. Eles precisam criar isso aqui dentro. Não é só
ver se tem alguma dificuldade, orientar no dia-a-dia, mas criar uma estrutura mais
eficiente, mais inteligente do que os outros meninos aí fora. Há crianças que estão aqui
dentro, que por mais dificuldades que elas tenham, as novas idéias de desenvolvimento,
de estrutura que existem esses livros de auto-ajuda, tipo dr. Lair Ribeiro e outros livros.
Eu acho que vai acelerar rapidamente, não só melhorar a auto-estima dos meninos,
como fazer com que eles entendam melhor o mundo em que eles estão vivendo. Eu acho
que deveria implementar isso aqui.
Coord. - Só um minuto. Que horas são agora?
M1 - Sete e meia.
Coord. - Se terminar às oito está bom?
P1 - Olha, para mim, se terminar às sete e meia está bom.
Coord. - É que já estamos aqui há duas horas, não é? É que eu tenho
aqui algumas perguntas. E a gente ... fora oP1, mais alguém quer sair às sete e meia?
208
M5 - Faz a pergunta.
Coord. - Posso fazer uma proposta?
M5 - Pode.
Coord. - Que a gente se atenha só as perguntas. Que não fale sobre os
filhos e tal, só responder o que é perguntado para que a gente possa ir embora.
Todos - (risos).
Coord. - Então vamos lá. Os profissionais coordenam o Grupo de Pais, a
Norma, a Fátima e, quem mais? E a Cecília. Como é a troca de informações entre
vocês e os profissionais?
P1 - Bom, para mim fica muito vaga a pergunta. A troca de informação
em relação ao que? Em relação entre as crianças?
Coord. - Como é a convivência?
M3 - A convivência? A convivência é ótima. Excelente, a Norma é
muito profissional, ela tem uma coisa assim que ela não mistura o emocional com o
profissional, ela é profissional mesmo, ela desvincula totalmente o emocional ...
P1 - Ela quando tem que fazer na ferida ela bate ...
M3 - Ela bate na ferida, ela diz a verdade, ela é verdadeira, ela é autêntica,
eu acho isso de um profissionalismo que eu nunca vi em ninguém. E eu já bati em
muitas portas, eu já fiz muitas terapias, mas aqui a Norma é incrível. Ela é de verdade
impressionante. Ela não quer agradar o cliente.
M5 - E para quem não conhece muito, pensa até que é uma pessoa
grossa, não é? Eu já tive essa impressão.
M2 - Já, realmente.
M1 - Eu sai daqui: “Pó” , mas ... mas não, ela vai exatamente dentro do
profissionalismo.
M5 - O Grupo tem muito a cara dela, não é? A alma dela está muito
presente aqui.
M3 - Teve momentos que eu sai daqui caída, aí eu tenho que sair daqui
e ir direto para a empresa, eu tenho que me refazer ...
P1 - O livro de auto-ajuda do dr. Lair Ribeiro diz que você tem que
raciocinar e funcionar e agir de acordo com o raciocínio e não de acordo com o sistema
nervoso.
Coord. - Desculpa, mas vamos falar do Grupo. O que ele perguntou foi
da nossa relação com a Norma.
209
P1 - Eu sei, mas deveria ser implementado aqui dentro no Grupo.
Esse é o meu pensamento.
M3 - Sim, só que isso é outro ponto, é o que eu estou falando.
Coord. - Só encerrando essa parte e já passando para uma pergunta
seguinte: O que é que vocês consideram um tratamento bem sucedido, que teve
sucesso?
M2 - Melhora do paciente, dos jovens.
M1 - É. Do jovem que está aqui.
M2 - Se possível a alta, não é?
Todos - (várias conversar simultâneas)
M3 - Se a filha dela melhorou, isso é uma vitória.
Todos - (várias conversas simultâneas)
Coord. - Vamos falar um de cada vez?
M5 - Olha, cada caso é um caso. Eu vejo o caso dela, o caso dela é um
caso que tem alta. O meu caso, o caso do Fábio não tem alta. Para nós, para mim e para
Dalva o importante é melhorar a qualidade de vida, isso é importante, que o nosso filho
tenha uma qualidade de vida, uma aceitação na sociedade, uma sociabilização possível
para que a gente possa ser feliz dentro do quadro clínico dele.
R1 - Da limitação dele ...
M3 - Exatamente, acho que é isso que eu espero.
P3 - ... que o problema mental oferece.
P1 - É impossível ... ver esse problema com uma nova visão.
Coord. - Falando disso, qual o papel que tem a família para que esse
sucesso aconteça?
M5 - Exemplo aqui ...
M3 - Fundamental ...
P - Um exemplo desse casal ...
R1 - É super importante.
M2 - Aqui está um exemplo.
P1 - Eu me coloco também como um exemplo, mesmo vendo,
logicamente, que a gente tem uma outra história. Ah, voltei e vou voltar por causa do
meu filho, ou ela vai voltar ...
M3 - Não tem nada a ver.
P3 - Não, é uma coisa, aí é outra coisa, mas o relacionamento entre eu
e a mãe melhorou 100% dentro do quadro da doença do meu filho.
210
P1 - Lá na minha casa eu tive ... a empregada deixou de freqüentar, então
eu aproveitei que a empregada não estava lá e fui morar lá, na casa da minha ex-esposa,
sempre dormindo na sala e tudo mais, mas com o objetivo de que? Com o objetivo não
só de observar como ela estava indo com o remédio como também tentar apaziguar tudo
lá dentro usando esses conceitos explicados aqui dentro, que a Fátima cansou de fazer
atendimento individual, explicando como que eu tinha que enxergar, como eu tinha que
encarar o problema. E melhorou realmente bastante lá dentro. Para mim foi
fundamental. E o Carlos ainda assim foi internado três vezes aqui dentro, o remédio não
estava bom, até esse último que foi dado possibilitando a melhora e saída da internação,
que ele dificilmente vai voltar.
M5 - Quando se consegue que a família ... quando você consegue que pai
e mãe se juntem para promover essa melhora do filho, é importante. No meu caso e no
caso da Dalva, os pais, os homens, estão ausentes. Eles se ausentam da doença, eles
negam a doença, eles não ... não ... ignoram o filho, e isso é um fator gerador de mais
problema. Eu acho que é fundamental a presença do pai e da mãe no tratamento.
P1 - Na auto-ajuda diz o seguinte, só para ilustrar, a vida é cheia de
problemas, ninguém foge de problemas, senão não vive. Viver é enfrentar os problemas
que nos aparecem. Os únicos que não têm problemas são os que já morreram nessa vida.
Muito bem, então nós temos que enfrentar os problemas que são nossos, e lutar por eles.
No meu caso, por exemplo, o meu problema é garoto, então eu vou enfrentar o
problema, fui morar lá e enfrentei e estou enfrentando.
M3 - Mas não são todos que têm esse pensamento.
P1 - Mas isso é auto-ajuda, tem que ler esses livros de auto-ajuda para
entender como é que se tem que agir ...
M2 - Mas o pai da minha filha, ele procura, eu mando recado, vou
procurar ou então ela vai. Porque ir em casa para procurar saber como está a menina, se
está precisando de medicamento, se precisa disso, o dia que tem médico, sou eu que vou
R1 - Na minha opinião, a etiologia da doença é um pouco genética. Para
mim o pai tem distúrbio psiquiátrico.Este com a Dalva foi o segundo casamento, ele já
está no terceiro casamento. Ele é uma pessoa super problemática. Então eu não vejo
ajuda para o futuro, a Dalva vai ter que encontrar solução dentro dela ...
P1 - Ele não vem, ele como ...
R1 - Ele não vem.
211
Coord. - Eu tenho uma pergunta final e aí a gente encerra. Ao mesmo tempo
eu queria fazer um convite, um lanche, uma confraternizaçãozinha com a gente, dentro
do devido tempo ....
P3 - Isso foi uma surpresas.
Coord. - Pegando um pouco do que a Regina falou durante ... várias
situações, eu acho que ela foi a mais queixosa com relação ao sucesso ...
R1 - É, porque o meu ouvido ... não sou a mãe, mas todo o dia ouço e
eu sei de uma coisa, ele vem muito pouco, porque existe uma tentativa por parte daqui
do Grupo e por parte do pessoal do Helena Antipoff, lá perto do Maracanã, de fazer com
que o Fernando se integre no ensino, que desenvolva e isso aí está chocando com a
realidade dele. Então a Dalva está desanimada, então ela acha que ... entendeu? Está
sendo mal interpretado.
Coord. - Eu vou fazer a pergunta: O que mudou no relacionamento com o
filho antes e depois do início do tratamento. O que era antes de vir para cá e depois que
veio para cá, o que mudou na relação?
P1 - O conhecimento do relacionamento em si. Quando nós passamos
a saber o que é certo, o que é errado, qual a maneira de agir, interagir, nós com eles,
melhorou muito. Não só eles como nós também. A minha ex-esposa eu sei que ela não
vem aqui, mas eu falo com ela por telefone como ela tem que agir. Ela não gosta, fica
com raiva, mas pára para pensar, isso que é fundamental.
M5 - No meu caso particular, eu acho que mudou ainda pouco. Eu
preciso ver o meu filho mais como um indivíduo, eu tenho a mania de vê-lo como uma
posse, então eu acho que eu ainda tenho que mudar muito, mas está mudando.
Coord. - Mais alguém?
M3 - Eu também. A mesma coisa, eu concordo, eu preciso ver o meu
filho como uma pessoa que vive nesse mundo e que tem suas características próprias e
eu preciso me programar para aceitar essas características e eu acho assim que o
CAPSIJ ajudou bastante para ... realmente ele cresceu bastante.
P1 - Meu filho me disse uma vez o seguinte. O único que me entende
aqui dentro é o meu pai.
Todos - (risos)
P1 - Não, ele me disse isso uma vez lá: “ O único que me entende é
o meu pai.” Aí eu me lembrei que ele não estava dizendo isso a toa. Eu realmente sou o
único que está bem orientado aqui dentro pelo pessoal lá, principalmente a Fátima e a
212
Norma, que conversam muito comigo para que eu passe para ele de que maneira ele tem
que melhorar o relacionamento lá e ele percebe isso.
P3 - O único ... o senhor que entende, é o pai, mas aonde? Lá o que?
P1 - Lá na minha casa, na casa da Pamela, a minha ex-esposa, que ...
e por que isso? Porque eu sou o único que percebo quando ele está fingindo e percebo
quando ele realmente está com problemas, quando ele está alucinando como as pessoas
falam. Eu percebo quando ele está fingindo e quando ele não está. Uma noite ele chegou
para a minha ex-esposa e falou assim para ela:
‘Ah, eu acabei de conversar com uns seres aí, não sei o que, eu estou melhor, estou
melhor” Eu percebi que ele estava inventando. Mas aí a minha esposa veio toda
nervosa: “Gente, está piorando!” Eu percebi que ele estava fazendo isso para fazer ela
ficar nervosa mesmo. É o prazer que ele tinha, masoquista nessa hora. Eu nem liguei, eu
sei que ele estava inventando. Aquilo era invenção, mas há vezes que realmente está
fora de si.
Coord. - Mais alguém? Eu falei que era a última, mas eu acho que ainda
tem uma última. Algo que não foi falado, não foi perguntado e que vocês gostariam de
colocar para encerrar.
P3 - Então uma última coisa: O que eu percebo aqui, os jovens, grande
parte dos jovens, não vão na escola, e aí ... parece, me parece que o CAPSIJ não faz
nada por isso. Não é que, por exemplo, a Norma várias vezes me perguntou se eu
achava que tivesse uma escola ... Jamais achei essa escola, jamais. Mas ... como ele
falou, a escola, como eles são adolescentes, a escola e mais, a visão profissionalizante
tem que bater (fim da fita).
P1 - Eu vou explicar para vocês. Eu já li muitos livros de auto-ajuda,
e não só isso, eu escrevi. Eu fiz um resumo desses livros todos e fiz um livro meu, só
que não foi publicado até agora, eu não publiquei. Mas o que nós temos que fazer em
relação ao problema dos filhos é o seguinte, no meu entender: primeiro, procurar nós
mesmos evoluirmos, não vim para essa reunião só para discutir o problema, mas
procurar aprender o máximo que nós pudermos da convivência com o filho, essa é a
primeira coisa. Segundo, nós temos que pesquisar, entrar na internet, ler a bula dos
remédios, procurar ver se está dando certo o tratamento, observar se ele está
melhorando mesmo, onde que ele está melhorando, onde que ele está piorando e debater
aqui com eles, com o médico, debater com a Norma ...
M1 - E sobretudo procurar os profissionais, não é?
213
M5 - Mas nem todos têm o QI que você tem, tem muita gente aqui
dentro que não tem esse QI, não tem essa capacidade ...
P1 - Mas eu estou explicando que vocês deveriam ...
P3 - Nem internet como você está falando, entendeu?
M1 - Mas sobretudo procurar os profissionais.
P1 - Não pessoal, eu não sou nenhuma exceção ...
P3 - Veio uma senhora aqui, estou colocando ela, ela estava sentada
aqui, ela tem condições?
P1 - Não, mas ela pode pedir para alguém fornecer para ela.
M5 - Não tem, não tem ,não tem, é difícil.
M3 - Para nós pais, acompanharmos é complicado, imagina a gente
alugar alguém para fazer isso.
P1 - Eu sei, é. Não, mas alguém que tenha acesso a computador. Não,
alguém que tenha computador e que tenha acesso à internet pode pegar, vamos supor o
remédio, e ver o que tem.
M5 - Mas as pessoas estão até fugindo de perto da gente, quem dirá ter
um trabalho desses.
P1 - É verdade.
P1 - Mas nós temos que ver da seguinte forma. Nós temos que ter
calma, encarar o problema de uma forma profissional, como faz a Norma. Vocês
acabaram de elogiar a Norma, vocês percebem? Nós também temos que agir igual a ela
em relação ao filho, tirar um pouco as emoções e tratar de uma forma mais lógica o
problema, então acompanhar o garoto. Como é que ele está melhorando, ou a menina, e
ir passando para eles, ir conversando com eles: “Olha, está melhor assim, está piorando
ali, está acontecendo isso, acontecendo aquilo.” Para que eles possam também, entende?
Dar uma solução para o problema. Vocês não podem ser apenas um espectador,
acompanhar, vocês têm que participar e falar para eles o que vocês estão notando.
P3 - Eu acho que a teoria é muito boa, mas na hora do vamos ver, aí .
P1 - Mas eu estou fazendo isso.
M5 - Na hora do vamos ver o raciocínio não funciona, teoria não
funciona, nada ...
P1 - Mas você tem que ter calma.
M5 - A calma não funciona na hora da emergência.
P1 - Tem que ter lógica. Se o meu garoto passar mal e quer me
agredir, eu vou prontamente chamar a defesa civil ou chamar os bombeiros para trazer
214
ele para cá e internar ele. Eu faço isso, sem problemas e depois eu venho buscar ele de
volta, mesmo ele tendo me batido. Eu esqueço que ele me bateu e levo de volta. Eu faço
de conta que não aconteceu nada, eu faço de conta que não aconteceu nada. A minha
filha não, ela já não tem essa estrutura, ela fica lembrando.
P3 - O senhor falou que chama a defesa civil ou chama os bombeiros.
P1 - Isso.
P3 - Nenhum dos dois vai atendê-lo.
P1 - Atendeu, os bombeiros sempre ... já me trouxeram quatro ou
cinco vezes aqui.
P3 - Para mim eles não me atenderam.
M2 - Mas se não tiver nenhum bombeiro para vir atender o senhor não
vai ser atendido nunca.
P1 - Não, mas já veio, quatro ou cinco vezes.
P3 - Mas há muito tempo atrás.
P1 - Não, há três meses atrás eles trouxeram, a Norma sabe disso. Já
quatro ou cinco vezes eles foram lá com o carro e nos trouxeram aqui.
M5 - Vocês que são felizardos.
P1 - Não, não é isso. Vocês têm que ter um comprometimento, tem
que ligar para lá e dizer olha ...
M5 - É, mas eu liguei e eles falam assim: “Você vem aqui buscar a
gente que a gente vai aí.”
P1 - Ah não ...
M5 - Você tem que arrumar um carro ir ao corpo de bombeiros, aí o
bombeiro vem com você. Isso aconteceu comigo.
P1 - Eu fui várias vezes conversar com o tenente de plantão e pedi
para eles mandarem lá.
M1 - Gente ó ...
Coord - Só para ... agradecendo a presença de todos e pedindo
desculpas se na mediação da reunião (fim da fita).
215
ANEXO III
216
ÍNDICE
217
I- UM PROBLEMA EM CRESCIMENTO
40
Steinberg, D. Adolescents Services. In: Michel Rutter. Eric Taylor, Lionel Hersov (ed) Child and
Adolescent Psychiatry: Modern Approaches. Oxford: Blackwell, 1994.
41
Offord, D. & Fleming, J. Epidemiologia. In: Melvin Lewis. Tratado de Psiquiatria da Infância e
Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
42
Burke, K.C., Burke J.D., Regier, D.E., Rae D. S. Age of onset of select mental disorders in five
community populations. Arch. Gen. Psychiatry, 1990,47:511-518.
43
IBGE, estimativa para 1991.
218
A adolescência é um período particularmente rico em possibilidades
desestabilizadoras. Momentos de definições diversas no campo sexual, profissional,
familiar, a adolescência lança questões que alguns indivíduos não têm condição de
responder, provocando a eclosão de quadros psicopatológicos graves.
Diversamente das sociedades tradicionais, que possuem mecanismos para
demarcar os lugares que cada um dos seus membros deve ocupar no se tornar adulto, a
sociedade moderna desafia seus jovens a buscar uma definição singular e única para
suas vidas. A tarefa, inerente ao homem moderno, de apresentar-se como um sujeito
singular, encontra seu clímax na adolescência, quando o indivíduo é compelido a tomar
a palavra para definir suas opções frente às diversas exigências próprias à sua incrusto
no mundo adulto.
5
Relatório final da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental, Brasília: Ministério da Saúde, secretaria de
Assistência à Saúde, departamento de Assistência e Promoção à Saúde, Coordenação de Saúde Mental,
1994.
219
A internação psiquiátrica de um adolescente com graves problemas
emocionais, mostra-se bastante prejudicial pois funciona como reforço ao isolamento já
vivido pelo mesmo em seu cotidiano. A exclusão em um hospício, por um longo
período de tempo, solidifica a ruptura dos laços sociais comum nos episódios psicóticos.
O estigma da loucura, demarcado pela internação psiquiátrica, traz limites concretos
quanto à constituição de possibilidades de reinserção laborativa e social. Construiu-se,
ao longo da história, todo um posicionamento cultural que oferece ao "louco", como
único destino, o hospício. Por tudo isso, novos modelos devem ser investigados para
permitir a desospitalização de pacientes há longo tempo internados e impedir a entrada
de novos indivíduos na carreira manicomial.
Nesse. segundo aspecto ganha relevância a busca de meios que impeçam a
entrada de adolescentes na estrutura asilar mantendo-os, o mais possível, ligados ao seu
contexto social. Com base na experiência bem sucedida de acompanhamento,
exclusivamente ambulatorial, de alguns adolescentes em grave sofrimento psíquico, o
autor formulou a proposta do Programa Ambulatorial Para Adolescentes Psicóticos6: a
busca de novas soluções para a questão da doença mental no jovem, impedindo sua
precoce estigmatização e incapacitação. O Programa, iniciado em 1988, reúne recursos
psicoterápicos, psicofarmacológicos e de terapia familiar, propiciando manter o
adolescente fora do circuito asilar.
Ao longo dos últimos anos, o Programa7 atendeu mais de 100 jovens, obtendo
êxito na sua proposta principal que era a de evitar a internação psiquiátrica do
adolescente. Uma pesquisa recentemente realizada sobre uma amostra do universo total
dos clientes admitidos, aponta que nos três primeiros anos de realização do Programa,
apenas 8,70% da clientela sofreu internação durante o tratamento ambulatorial8. O
projeto, entretanto, revelou-se limitado quanto a sua capacidade de promover a
retomada pelo adolescente das suas atividades sociais, escolares ou laborativas. Não
colocá-lo no circuito asilar é apenas parte da tarefa, resta o problema da sua reinserção
social. Esse aspecto é tão mais relevante quando se pensa que na adolescência estão
6
Saggese, E. e col. Programa Ambulatorial Para Adolescentes Psicóticos. J. Bras. Psiq. , 39 (5): 237-
243,1990.
7
Inicialmente o Programa visava assistir aos clientes diagnosticados como psicóticos. No entanto, com o
tempo constatou-se o crescimento da demanda de casos graves, porém, não estritamente psicóticos. Este
fato permitiu a ampliação da clientela alvo e possibilitou a redefinição do projeto de pesquisa que recebeu
um novo nome: Programa Ambulatorial Para Adolescentes Sob Risco de Internação Psiquiátrica. Desta
forma, o critério de admissão no mesmo passa a ser a gravidade do sofrimento psíquico do jovem e
conseqüente risco de internação.
8
Delgado, S.M. (p. 81) Análise das Relações entre Política e Assistência no Campo de Saúde Mental da
Infância e Adolescência, Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto de Psiquiatria, 1997 (mimeo).
220
lançadas, conforme já foi assinalada, questão básica sobre a integração do indivíduo na
sociedade.
Dois exemplos9 , extraídos da clientela do Programa, podem ilustrar essa
questão, identificando o complexo processo de reestruturação sócio-afetiva:
- E., 15 anos, estava há mais de um ano sem estudar quando, sentindo-se capaz,
resolveu voltar para a escola. Esta decisão marcou um momento significativa no
tratamento da adolescente, na medida em que um dos fatores desencadeantes de sua
primeira crise havia sido o fracasso escolar. Nos dias que antecederam o início das
aulas, E. mostrava-se bastante animada. No entanto, assim que retomou a escola, o
entusiasmo cedeu lugar a uma grande ansiedade, que se traduzia como medo
ser chamada ao quadro-negro e não saber responder às perguntas que lhe fossem feitas.
E. foi ficando cada dia mais tenso e abandonou a escola depois de uma semana. Esse
novo :fracasso marcou o início de um desinvestimento progressivo de suas atividades
cotidianas.
-D., 17 anos, volta às sessões após três faltas consecutivas. Diz então que não
está trabalhando mais na oficina mecânica: não agüentei o trabalho, era muito difícil,
muito pesado para mim. Não consegue dizer com clareza quando parara de trabalhar e
nem se saíra por vontade própria ou se fora demitido. A terapeuta nunca o vira tão
deprimido. D. sofre também diante do temor de completar 18 anos e ter que se
apresentar ao Exército: Exército é coisa de homem, vão dizer que não sirvo.
Se o Programa Ambulatorial conseguiu bloquear a entrada dos adolescentes na
carreira manicomial, o que mais pode proporcionar a eles? Não permitir o internamento
desses jovens dentro do espaço familiar e não limita-los à condição de clientes crônicos
das consultas ambulatoriais. Desse contexto surge a necessidade do desenvolvimento de
novas estratégias que favoreçam a reaproximação, dentro das possibilidades de cada
um, de novas instâncias socializantes.
Como um cuidado alternativo às práticas asilares, o programa configura,
parcialmente, um tratamento-dia que busca intensificar o atendimento ambulatorial sem
incorrer nos efeitos iatrogênicos da hospitalização e apresentando menor custo frente à
solução hospitalar.
Os objetivos principais do tratamento-dia podem ser resumidos em:
1 - apoio e manutenção para os clientes de forma a evitar a hospitalização;
9
Esses exemplos foram extraídos de outro artigo sobre o Programa:Saggese, E. & col. Psicanálise como
alternativa à internação psiquiátrica. In: Denise Maurano (Org.) Circulação Psicanalítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1992.
221
2- avaliação extensiva proporcionando a identificação de áreas comprometidas,
possibilitando a formulação de projetos terapêuticos singularizados;
222
entrar no hospital, pedem para voltar e querem trazer amigos para brincar. O isolamento
do "doente" é atenuado, estimulando seu desejo de retomar permanentemente ao
convívio familiar e comunitário11.
A experiência adquirida nesse projeto, que emprega o lúdico no processo de
ressocialização e promoção de saúde mental, pode e deve ser usada em outros
contextos, como o da implantação de um espaço destinado a adolescentes sob risco de
internação psiquiátrica. Esse espaço como centro de convivência com características
lúdicas, integra-se na proposta de construção de uma estrutura intermediária voltada
para as especificidades do jovem.
Portanto, o clube constitui-se como um projeto terapêutico ampliado,
na'medida'em que possa se tomar estruturante para jovens que convivem com a
desagregação e desestabilização psíquicas. Portanto, deve funcionar como facilitador da
reconstrução de redes de socialização.
10
Saggese, E. Projeto Brincar. J. Bras. Psiq, 44(4): 185-187, 1995.
11
O Projeto Brincar recebeu o Prêmio Criança 94 da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, prêmio
atribuído, em âmbito nacional, a atividades em prol da criança nas áreas de saúde, educação e direitos.
223
II - OBJETIVOS
Objetivos Gerais:
O Projeto visa estruturar e implementar um espaço lúdico de acompanhamento
a jovens com grave sofrimento psíquico12, investigando de que forma essa estratégia
pode contribuir para a manutenção ou restabelecimento de seus vínculos sócio-afetivos,
configurando-se como um núcleo da construção de um Hospital-Dia infanto-juvenil.
Objetivos Específicos:
12
Quando optamos pela terminologia “grave sofrimento psíquico”, estamos querendo indicar que nossa
prática clínica procura não se restringir a conceitos diagnósticos padronizados que empobrecem a
avaliação da realidade global dos adolescentes atendidos.
224
III- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A IMPLANTAÇÃO E
AVALIAÇÃO DO PROJETO:
Desenvolvimento:
13
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. OMS, Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993.
225
A equipe técnica intenciona ainda, realizar intervenções no âmbito das famílias
dos adolescentes. A execução dessas estratégias dar-se-á através da formação de grupos
operativos, palestras, trocas de vivências, etc.
Vale ressaltar que, a equipe técnica construirá um planejamento de atividades,
elaborado mensalmente, podendo ser reavaliado ao longo de sua implementação.
Desde os primeiros passos do clube, estamos atentos à escuta da demanda dos
adolescentes: elaboramos um questionário (vide anexo 1) que será entregue aos jovens
assistidos pelo Programa Ambulatorial. O objeto deste instrumento é assinalar as
diferentes formas de fazer com as quais os adolescentes gostariam de se vincular. Este
questionário, portanto, funcionará corno subsídio ao planejamento das atividades do
clube.
226
IV - CRONOGRAMA
Término
Equipe supervisões
227