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Pereira, 2003

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NADIA DO NASCIMENTO PEREIRA

NOVAS POLÍTICAS NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL DA


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA:
PRÁTICAS E CONCEPÇÕES TEÓRICAS NA REINSERÇÃO
PSICOSSOCIAL

Dissertação apresentada à
Escola Nacional de Saúde
Pública da Fundação Oswaldo
Cruz, como parte dos requisitos
para a obtenção do título de
Mestre em Saúde Pública

Área de concentração: Políticas


Públicas e Saúde

Orientador: Profa Dra Maria Helena Mendonça

Co-orientador: Prof. Dr. Paulo Amarante

Rio de Janeiro
2003
Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ

Escola Nacional de Saúde Pública

NOVAS POLÍTICAS NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL DA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA: PRÁTICAS E CONCEPÇÕES TEÓRICAS NA
REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL

Nadia do Nascimento Pereira

BANCA EXAMINADORA

(nome e assinatura)

(nome e assinatura)

(nome e assinatura)

Dissertação defendida e aprovada em: ___/___/_____

2
Ao Darcy, Marlene, Rafael e Diogo, minha
família, pela solidariedade e apoio, sem o
qual não teria sido possível a realização
desta tarefa,

3
AGRADECIMENTOS

A Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz por possibilitar a


realização deste trabalho.

A equipe do Programa Clube Ponto de Encontro pelos momentos reflexão e discussão


que foram decisivos na construção do meu percurso profissional e no presente trabalho.

Aos adolescentes do Programa Clube Ponte de Encontro com os quais tive o grande
prazer de conviver e aprender a cada dia a ser uma profissional da área de saúde mental.

Aos familiares do Programa Clube Ponto de Encontro pelo convívio, amizade e


aprendizado.

A Edson Saggese pelo convite para participação no Programa Clube de Encontro e


oportunidade de poder coordenar os trabalhos e atividades dirigidas aos familiares dos
adolescentes.

A Odila Rangel e Fernanda Borges, Adauto Martins, amigos e imprescindíveis


colaboradoras.

A Maria Helena Mendonça, para além de uma orientadora ...

A Paulo Amarante pelos ensinamentos, apoio e paciência.

4
A civilização não é “razoável”, nem “racional”, como também
não é “irracional”. É posta em movimento cegamente e mantida em
movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de relacionamentos,
por mudanças específicas na maneira como as pessoas se vêem
obrigadas a conviver. Mas não é absolutamente impossível que
possamos extrair dela alguma coisa “razoável”, alguma coisa que
funcione melhor em termos de nossas necessidades e objetivos. Porque
é precisamente em combinação com o processo civilizador que a
dinâmica cega dos homens, entremisturando-se em seus atos e
objetivos, gradualmente leva a um campo de ação, mais vasto para a
intervenção planejada nas estruturas social e individual – intervenção
esta baseada num conhecimento cada vez maior da dinâmica não-
planejada dessas estruturas.

Norbert Elias, O processo Civilizador

5
Sumário

ABSTRACT ............................................................................................... 7
RESUMO.................................................................................................... 8

Introdução................................................................................................... 9
I. Políticas Públicas de Saúde para Infância e Adolescência ................ 12

II. Assistência e Práticas à Infância e Adolescência em Saúde Mental ... 29


2.1. Teorias Orientadoras ................................................................... 41

III. O Problema da Prática de Cuidados e Reinserção Social dos Jovens no


Contexto da Reforma Psiquiátrica ............................................................ 50

IV. Programa Clube Ponto de Encontro e seus Recursos Terapêuticos .. 58


4.1. Metodologia de Trabalho ........................................................... 58
4.2. O Programa Clube Ponto de Encontro ....................................... 60

V. Descrição e Análise dos Recursos Oferecidos no Programa Clube Ponto


de Encontro .............................................................................................. 68
5.1. Registros da Ata de Reunião ....................................................... 70
5.2. Atuação e Concepção dos Técnicos do Programa ....................... 83
5.3. O Programa sob a Ótica Familiar ............................................... 111

VI. Considerações Finais ......................................................................... 136


VII. Referências Bibliográficas ............................................................... 144
VIII. Anexo I ........................................................................................... 149
IX. Anexo II ........................................................................................... 187
X . Anexo III ........................................................................................... 216

6
ABSTRACT

The Program Clube Ponto de Encontro is a dispositive from mental disease. It is


directed to the attendance in psychosocial rehabilitation of adolescents with severe
mental disease, between twelve and incomplete eighteen years old and their results,
concerning to specific experiences with their relations and/or their responsible.
Adolescents are the subject of the analysis of the following research. The exploratory
studies of the implantation of this program and its procedures, practices and instruments
used, are analyzed by the social actors look, involved in the process, and by the
professional of this team, that work in the program and the relations and/or responsible
for the adolescents assisted on it.
Following the context, establishing parameters and treating the question of
psychosocial rehabilitation of adolescents with severe mental disease, there is a short
historical ransom, through the path done by assistance practice and public polices to this
population until this moment. Theories and socio-cultural conceptions are pointed in
each of this period.
The spontaneous documented production and the voice of the involved actors
are used as subject of reflexion and discussion. Concerning to the possibilities of
dissemination of these practice and theory used in other contexts, making possible the
transformation of the public polices of mental disease to the children and youth.

Key-words: psychosocial rehabilitation; severe mental disease; adolescence; public


polices

7
RESUMO

O Programa Clube Ponto de Encontro é um dispositivo da área de saúde mental


voltado ao atendimento e reinserção psicossocial de jovens com grave padecimento
psíquico, na faixa etária de doze a dezoito anos incompletos e seus desdobramentos no
que diz respeito às práticas específicas voltadas a familiares e/ou responsáveis, são
objeto de analise no presente estudo. O estudo exploratório da implantação e pertinência
das práticas, procedimentos e instrumentos utilizados são analisados pela ótica dos
atores sociais envolvidos no processo, os técnicos da equipe multiprofissional que
atuam no programa e os familiares e/ou responsáveis pelos jovens nele assistidos.
No sentido de contextualizar, estabelecer parâmetros e problematizar a questão
da reinserção psicossocial em jovens com grave padecimento psíquico, fazemos um
breve resgate histórico percorrendo o caminho efetuado pelas práticas assistenciais e
políticas públicas para esta população até o presente momento. Concepções teorias e
sócio-culturais são apontadas em cada um destes períodos.
A produção documental espontânea e a vocalização dos atores envolvidos são
utilizadas como material para reflexão e discussão a respeito das possibilidades de
difusão desta ação prático-teórica em outros contextos, possibilitando a transformação
destas em políticas públicas em saúde mental para a infância e adolescência.

Palavras chaves: reinserção psicossocial; transtorno mental grave; adolescência;


políticas públicas.

8
Introdução

Na entrada de um novo milênio ainda há um reduzido número de serviços


ambulatórias em saúde menta, voltado para o atendimento da população infanto-juvenil
e mais ainda, no que diz respeito aos Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil –
CAPS, novos dispositivos em saúde mental orientados para o atendimento de
transtornos mentais graves, objetivando a reinserção deste grupo em seu contexto social.
Há portanto, uma rede de assistência para esta faixa etária em lento e precário processo
de construção. As consultas mensais como mera checagem ou repetição da medicação
prescrita meses atrás – medicalização , como também a internação psiquiátrica nos
dispositivos ainda existentes para esta faixa etária – institucionalização, surgem como
resposta a um momento de crise. A longa peregrinação pelos serviços, ocasionada
geralmente pela incapacidade de acolhimento “destes casos” , quer pela existência de
longas filas de espera ou pela ausência de profissionais habilitados podem levar a uma
outra face da institucionalização, o isolamento domiciliar. Por conta deste quadro pouco
promissor, o presente estudo se propõem realizar a análise de implantação e da
pertinência das práticas, procedimentos e instrumentos utilizados no Programa Clube
Ponto de Encontro e seus desdobramentos, no que diz respeito às atividades voltadas ao
acolhimento dos familiares dos jovens assistidos. Este programa é oferecido à
população de jovens entre doze e dezoito anos incompletos portadores de grave
padecimento psíquico em situação de risco social, desenvolvidos a partir de uma
abordagem terapêutica que se sustenta na interação entre aspectos subjetivos e
objetivos, implícitos nas condições sociais adversas em que os indivíduos jovens se
encontram.
A partir desta prática de cuidados, se propõe avaliar a possibilidade das mesmas
poderem apontar caminhos dentro do campo da reforma psiquiátrica, no sentido de
melhorar as condições de vida destes jovens, considerando-se o processo de
desenvolvimento humano em curso. Tal abordagem vem sendo operada no referido
programa, criado há cinco anos dentro do contexto de reformas sociais recentes, que
incluiu a reorientação da política de atendimento ao jovem com base tanto no Estatuto
da Criança e do Adolescente quanto na reforma sanitária e psiquiátrica.
O Programa Clube Ponto de Encontro, teve suas origens no atendimento
ambulatorial do Programa de Adolescente sob Risco de Internação oferecido pelo
Serviço de Saúde Mental da Infância e Adolescência – Instituto de Psiquiatria da

9
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dentro de seu horário de funcionamento – as
segundas, quartas, quintas e sextas-feiras das 09:00 às 16:00 horas – são oferecidas
diversas oficinas terapêuticas, objetivando trabalhar questões envolvendo a constituição
destes jovens enquanto sujeitos e a promoção da socialização, tentando restabelecer
vínculos sócio-afetivos. Todas as oficinas oferecidas levam em conta as necessidades e
demandas da faixa etária. Investe- se na transformação da condição destes sujeitos, de
suas famílias e da rede social que os cercam.
O objetivo desta análise é fundamentar a pertinência desta abordagem global do
problema dentro do campo da reforma psiquiátrica e possibilitar sua difusão como ação
prático-teórica legítima para a reinserção psicossocial de jovens com transtornos
mentais graves, oferecendo-se como resultado a atuação sobre processos de
incapacitação provisória e permanente dos mesmos.
Na perspectiva do estudo proposto, consideramos que a carência de dispositivos
assistenciais na área de saúde mental para infância e adolescência e de políticas públicas
direcionada a esta área traz um quadro que deve ser revertido. A análise das práticas
efetivadas no Programa Clube Ponto de Encontro servem como ponto de partida para a
discussão e busca de legitimação de novas políticas públicas para a área.
No capítulo I tomamos como ponto de partida a tarefa de delimitação do
conceito de sujeito ao qual o dispositivo assistencial se direciona – o jovem
adolescente. A delimitação deste conceito se dá ao longo do percurso trilhado em busca
do delineamento, numa perspectiva histórico-social, das políticas de assistência em
saúde efetivadas nos dois últimos séculos até o presente momento, para esta população.
No capítulo II descrevemos as práticas de assistência em saúde mental para a
infância e adolescência. Do nascimento da medicina social ao posterior surgimento da
pediatria e puericultura, passando pelo ideário eugênico até a consolidação da
psiquiatria infantil a partir dos anos 30. Discorremos sobre os dispositivos de assistência
em saúde, marcando as diferenças existentes ao longo do desenvolvimento destas
práticas e as teorias científicas que as embasaram.
No segundo item deste capítulo abordamos o campo teórico da reforma
psiquiátrica italiana através de seus principais autores, tendo em vista a utilização deste
marco teórico para a realização da análise das práticas de reinserção psicossocial.
No capítulo IIII através da problematização das práticas de cuidados oferecidas
aos jovens no contexto da reforma psiquiátrica, justificamos a escolha do campo e do
objeto de estudo amparados na utilização do marco teórico estabelecido.

10
No capítulo IV efetuamos a descrição do objeto de estudo, o Programa Clube
Ponto de Encontro. As oficinas terapêuticas e seus objetivos, como práticas voltadas
para os adolescentes assistidos e o Clube de Pais e seus desdobramentos com os
recursos terapêuticos para assistência desta clientela. Também foi delineado o
desenvolvimento das estratégias utilizadas com o objetivo de dar suporte a aquisição
e/ou aumento da capacidade de contratual dos jovens e seus familiares com a escola,
espaço institucional relacionado a esta faixa etária, no qual estes jovens devem estar
inseridos.
No capítulo V realizamos a exposição e iniciamos a analise do material coletado.
Através da ata de reunião da equipe multiprofissional efetuamos a análise de
implantação do programa. As entrevistas com os técnicos da equipe e o grupo focal
realizado com os familiares dos jovens assistidos permitiram analisar a pertinência das
práticas e ações do programa. Como parâmetro para a análise das discussões trazidas
pelas entrevistas utilizamos a portaria de nº 336 de fevereiro de 2002 e o Estatuto da
Criança e do Adolescente. As propostas e estratégias contidas no Projeto Clube “Ponto
de Encontro”. Ressocialização para Jovens em Grave Sofrimento Psíquico: Lazer
Assistido e Reconstrução de Vínculos Afetivos, projeto inicial anterior a implantação do
programa, norteou a análise da discussão provocada pelo grupo focal.
Nas considerações finais apontamos para a importância da criação de um campo
de estudo e pesquisa , especialmente no que diz respeito aos transtornos mentais graves,
para a área de saúde mental da infância e adolescência no intuito de subsidiar ações e
políticas para a área.

11
I. Políticas Públicas para a Infância e a Adolescência

O campo de intervenção para a infância e a adolescência, no que diz respeito às


políticas públicas e a assistência social, é muito controverso devido à própria
delimitação de seu objeto. As dificuldades iniciais de delimitação implicaram , dentro
do percurso histórico-social, na existência de diversos complicadores relativos a
definição do papel e espaço que estes atores deveriam ocupar em seu contexto social. A
forma de inserção e as políticas a eles destinadas geralmente eram externas as reais
necessidades desta população.
As instituições surgidas com a modernização do Estado, utilizaram a infância e
adolescência como um instrumento de controle e promoção de projetos e objetivos
inicialmente voltados a família e posteriormente ao Estado. Sob a tutela do Estado foi
instrumento das mais diversas propostas. Desde a europeização dos costumes e hábitos
da família e sociedade brasileira à aquisição do projeto de Brasil Grande.
Paulatinamente foi se delimitando a quem as políticas públicas se dirigiam.
Assistencialista, voltava-se para a disciplinarização dos que fugiam e norma, dentro das
escolas e de seus próprios lares e aos desvalidos enquadrava, transformando-o em
“menor”, para isto fazendo uso das instituições totais – o abrigo de menor.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, dentro do contexto das políticas mais
recentes objetivou trazer um novo olhar para estas questões e para as reais necessidades
desta população, mas parece ainda estar longe de ser implementada apesar dos doze
anos de existência. Mais recentemente, no que diz respeito a área de saúde mental, alvo
de nosso estudo, houve a regulamentação da portaria de nº 336 de fevereiro de 2002,
onde pela primeira se estabeleceu uma modalidade de assistência voltada para a área
infanto-juvenil. O que esperar deste novo dispositivo? Como transforma-lo num útil
instrumento para efetivação e implementação de novas práticas e modalidades de
assistência?

12
A Criança no Mundo Moderno

No final da Idade Média, crianças e adultos eram uma só massa sem contornos,
não havendo o sentimento de infância. Segundo Ariès (1981), ambos freqüentavam os
mesmos ambientes, partilhavam das mesmas tarefas. A discriminação de idade não
continha valor social. A única distinção feita, na ocasião, foi relativa a criança muito
pequena, que não era levada em consideração, em face da alta mortalidade infantil.
Superando esta etapa entravam no mundo e com estes se confundiam.
Nos séculos XVI e XVII, quando do surgimento de novo sentimento em
relação às crianças, o convívio com elas torna-se agradável, fonte de distração e
relaxamento aos adultos, fazendo que estes as desejassem por mais tempo em casa e
prorrogando sua entrada no convívio social. Os moralistas e educadores exasperavam-se
com esta conduta piegas, repudiavam-na, atribuindo-lhe a má educação destes pequenos
adultos e, então, reforçaram a necessidade do afastamento da criança do círculo
familiar. Essa segunda perspectiva apontou no sentido da infância como objeto de
ordenamento e disciplina que se daria especialmente fora do círculo familiar, e vigorou
por séculos.
As escolas clericais da Idade Média se dirigiam igualmente para crianças e
adultos jovens. Entrar na escola, para as crianças, era entrar no mundo adulto, pois se
afastavam de suas famílias e do resto da sociedade, nelas ocorria o ensino das artes
como também o das tarefas domésticas.
A contribuição do renascimento foi intervir para disciplinar e formar para
atividades diversas. As escolas, diferente das de hoje, seriam o lugar adequado onde se
primaria pela disciplina e racionalidade dos costumes, erradicando a leviandade da
infância.
A partir do século XV, na sociedade absolutista, a escola passa a ser voltada para
a infância e a juventude, instaura-se a repugnância pela mistura de idades e recrudesce
seu papel moral e disciplinador. Buscam-se nas escolas os princípios de comando e
hierarquia, estes preceitos trazem novas transformações ao sentimento de infância, que
passa então a ser vista como uma fraqueza, aumentando o sentimento de
responsabilidade dos mestres.
A vigilância e os castigos corporais se tornam atitudes correntes frente à
infância. Mais adiante, segundo Ariès (1981: 181), "a dilatação da idade escolar
submetida ao chicote: reservado de início às crianças pequenas, a partir do século XVI
ele se estendeu a toda população escolar”.

13
Na França, o rechaço da violência como uma via do autoritarismo disciplinar
escolástico propiciou, no séc. XIX a reforma do sistema escolar e substituiu o
sentimento de fraqueza relacionado à infância pela necessidade de despertar na criança a
responsabilidade para a vida adulta. Institui-se a necessidade de uma disciplina
constante e orgânica, instrumento de aperfeiçoamento moral e espiritual, não só dentro
da instituição como também extensiva às famílias como uma forma de abalizamento da
mesma. Ao ciclo escolar longo correspondia à extensão da infância.
O século XVIII presencia a entrada da divisão social dentro do ensino.
Primeiramente se criam classes escolares distintas para o povo e para a burguesia.
Posteriormente há separação de faixas etárias, as crianças são colocadas em classes
separadas dos mais velhos. Estas mudanças são oriundas de uma elite de pensadores e
moralistas com funções eclesiásticas ou governamentais.
Ariès nos informa que "a criança bem educada seria preservada das rudezas e da
imoralidade, que se tornariam traços específicos das camadas populares e dos moleques.
Na França, essa criança bem nascida seria o pequeno-burguês. Na Inglaterra, ela se
tornaria o gentleman (...)" (idem: 185)
Estas novas denominações adentram o século XIX, colocam-se como uma
confirmação da divisão social em classes e uma resistência ao avanço democrático. Ao
povo destina-se um ensino inferior – a escola, aos burgueses um ensino longo e clássico
– o liceu ou colégio. O sentimento de infância surge junto à classe social burguesa, e a
partir dela se difunde para outras classes, atravessando a idade moderna, transformando
as intervenções e chegando ao século XIX.

A Criança e A Família nos Períodos Colonial e Higienista

A vinda da corte portuguesa para o Brasil trouxe transformações significativas,


no que diz respeito ao papel dos jovens no ambiente familiar e social. Para Jurandir
Freire Costa (1989), o ano de 1808 se torna um marco, delimitando a passagem do
período colonial para o ingresso das concepções e teorias higienistas transformando as
relações sociais, políticas através da introdução de novos conceitos de doença e saúde.
No período colonial que vai desde o descobrimento até o início do século XIX,
o sistema familiar girava em torno da figura paterna em detrimento dos demais
membros e das necessidades da família, que envolviam desde o funcionamento

14
doméstico até questões relativas a propriedade e o desenvolvimento e manutenção
econômica do clã, eram norteadas única e exclusivamente pelos desígnios paternos.
A família não se restringia, no que diz respeito aos membros que a compunham,
ao que chamamos hoje de família nuclear. Havia além destes, agregados, aparentados e
numerosos escravos que se faziam necessários, pois todas as atividades e utensílios
necessários ao desenrolar doméstico eram produzidos no interior deste. O meio social
era exclusivo aos homens, as mulheres e crianças tinham suas vidas ligadas quase em
sua totalidade ao ambiente doméstico. Costa nos traz de forma ilustrativa, a seguinte
definição.

(...) A família colonial fundou sua coesão num sistema piramidal


cujo topo era ocupado pelo homem, em sua polivalente função de pai,
marido chefe de empresa e comandante de tropa. Do homem era exigida
toda iniciativa econômica, cultural, social e sexual. Os demais membros
do grupo ligam-se mutuamente e ao pai, de modo absolutamente
passivo. Toda aliança voluntária em função de objetivos comuns era
excluída. O pai representava o princípio de unidade da propriedade, da
moral, da autoridade, da hierarquia, enfim, de todos os valores que
mantinham a tradição e o status quo da família. (1999: 95)

O papel que cabia à mulher e à criança era totalmente desarticulado de uma


visão individualista e de suas próprias necessidades como entes autônomos. Serviam as
mulheres para gerenciar e zelar pelo patrimônio e funcionamento familiar, já que num
período pré-capitalista, este mantinha funções laborativas importantes para
sobrevivência de todos os que nele estavam inseridos. As crianças, dentro da faixa etária
que hoje chamaríamos de primeira infância, não possuíam valor significativo devido à
incerteza de sua sobrevivência. Passavam a ter relativa relevância quando passavam a
contar com seis, sete anos de idade, quando o risco a sobrevivência diminuía
significativamente, mas ainda dentro das regras familiares, onde serviria como mais um
agente a serviço do mando paterno. O primogênito, era descriminado dentro da prole,
por ser o herdeiro paterno em toda sua plenitude.

Os membros da família antiga eram destituídos daquilo que


poderíamos chamar modernamente de ‘profundidade psicológica’. Eles
eram, por assim dizer, psicologicamente extrovertidos, sentimentalmente

15
centrífugos. Nada, em suas intimidades afetivas, evocaria a
representação que o indivíduo urbano e moderno tem de suas
necessidades psíquicas. O gosto pela exploração, reconhecimento e
cultivo das peculiaridades emocionais não só era estranho ao universo
familiar, mas incompatível com a solidariedade do grupo (...) (Idem: 96)

A ergonomia do ambiente familiar traduzia todo este contexto. Os fundos da


casa era o local onde essa extensa família se reunia para efetuar trocas, momentos onde
se confundiam o lazer, a refeição e as atividades laborativas. As alcovas, locais
designadas à privacidade das mulheres e crianças, se situavam no interior da casa,
impedindo qualquer tipo de contato com o mundo exterior. E foi este ambiente um dos
primeiros alvos de critica e transformação por parte dos higienistas, médicos que
atribuíam a si o papel ordenador da saúde e papel social da família e seus membros.
A vinda da família real para o Brasil, trouxe consigo novos hábitos, costumes e
códigos sociais, bastante diversos dos que haviam no Brasil Colonial, alvo de críticas e
rechaço. A medicina surgiu, então, como regulador, com o objetivo higiênico, de
mudanças no sentido daqueles vigentes nas cortes européias. Os médicos passaram a se
debruçar sobre vários aspectos do cotidiano das famílias da colônia e seus membros.
O novo código social através das prescrições higienistas opunha-se a presença
numerosa dos escravos e a intimidade dentro do ambiente familiar; a ergonomia das
residências coloniais; a indumentária e postura no trato social e a educação dos filhos. A
criança, até então, mero receptáculo dos desígnios paternos, passa a ser vista
inicialmente em seu aspecto físico e sob quais condições higiênicas era submetida.
Inicia-se, portanto, um processo de transformação de um papel meramente
utilitário, não-personalizado dentro da família e da sociedade. Segundo Costa (1999:
155), “nem sempre o neném foi ‘majestade’na família. Durante muito tempo seu trono
foi ocupado pelo pai. O universo cultural dos três primeiros séculos, possuído pelo culto
à propriedade, ao passado e à religião assim o determinava: ao pai, ao adulto, os louros;
ao filho, à criança, as batatas.”
A instituição médica parece trazer aos jovens uma libertação do papel de “coisa”
do período colonial, já que a infância passa a ser extensiva aos quatorze, quinze anos de
idade com o advento da escolarização, onde se faz necessária à separação das crianças
em faixas etárias. Portanto, aos jovens estava designado um novo papel dentro da
medicalização do espaço urbano. A eles caberiam as responsabilidades de propagação

16
dos preceitos éticos e morais compatíveis à nova ordem econômica capitalista, onde o
trabalho e a propriedade privada seriam os seus marcos.
Ao invés de servirem à família sob os desígnios ditatoriais paternos, passariam a
servir os ditames estatais, tendo como preceptores a instituição médica. Estas
transformações trouxeram novas formas de relações interpessoais e sociais nem sempre
mais fáceis que as anteriores.

“As velhas regras do certo e do errado, exclusivamente dependentes


de Deus e do pai, caíam por terra. O controle higiênico era microscópico,
detalhado, improvisado. Não havia um código claro, permanente, que
orientasse o sentido das proibições. A higiene deu margem a este jogo de
variações infinitas. Quase toda atividade humana podia ser
potencialmente mórbida. (Idem: 138, 139)

A Assistência Pública às Crianças Pobres na República Velha e na Era Vargas

Tanto a questão da tutela do Estado à infância, quanto às questões


disciplinadoras como forma de ordenamento social foram mantidas na passagem do
século XIX para o século XX e ao longo deste. Sempre houve duas infâncias, a das
classes abastadas e a das classes populares. As crianças abastadas sob a tutela do
Estado, pela égide medicalizadora dos higienistas, foram sempre preparadas para no
futuro representarem o Estado. As crianças pobres, pelo trabalho ou pelo
enclausuramento domesticador, eram preparadas para servirem a este mesmo Estado.
Neste sentido, as políticas públicas voltadas à infância e posteriormente a adolescência
estavam direcionadas à infância pobre, já que os filhos das famílias burguesas eram
destinados e protegidos pela educação familiar e escolar.
Direcionava-se aos jovens da população pobre, a mesma visão voltada às
famílias coloniais da primeira metade do século XIX. Tidas como nocivas ao
desenvolvimento de sua prole, esta era afastada do convívio familiar, tornando-se
internas em colégios. Com relação aos jovens das classes pobres do início do século
XX, encarava-se a fábrica como substituta da família, transformando-as em “escolas” e
afastando os jovens da rua, sinônimo de delinqüência e futura criminalidade.

17
O Código de Menores de 1927 parece ter sido criado para dar conta das questões
relativas à infância pobre (Vogel, 1995). Há uma tensão, que se estende até os nossos
dias, sobre a relação entre trabalho e a escolarização de jovens de classes populares. Nos
vinte anos subseqüentes a criação do código de menores, foi mantido o monopólio da
gestão da delinqüência e do controle da vigilância do trabalho infantil nas mãos dos
juízes.
No período de pós-guerra até o início da ditadura militar o código de menores
era prioritariamente utilizado em casos de delinqüência, mantida posteriormente sob os
auspícios do Serviço de Assistência ao Menor – SAM, criado em 1941 (Earp,1998).
Seus objetivos eram recuperar crianças e adolescentes delinqüentes e proteger crianças
pobres abandonadas ou, muitas vezes, entregues pelas próprias famílias a este
dispositivo para serem cuidadas, por parecerem representar “melhores condições” do
que era os oferecido por elas. Este foi o período de apogeu dos internatos e das
internações.
A criação do SAM também se deveu ao fato de centralizar numa mesma
instituição a assistência, para dar conta das necessidades surgidas a partir dos novos
conhecimentos médicos, psicológicos e pedagógicos sobre as causas do abandono e
delinqüência e seu tratamento, como também a resolução das questões enfrentadas pelos
Juizados de Menores em suas ações jurídico-sociais. O Serviço de Assistência ao
Menor, responsável pela assistência aos “desvalidos e transviados” iniciou sua ação em
estabelecimentos federais – internatos e pensões agrícolas – posteriormente a partir de
1944 tornando-se prestador de assistência social nos mais diversos aspectos em todo o
território nacional.
A falência deste sistema pode ser constatada a partir da década de 50.
Corrupção, maus tratos com aplicação de castigos corporais, violência sexual de
funcionários a menores internos vêm a tona.

As denúncias mais graves contra a atuação do SAM, marcada


pela corrupção e pela impunidade, foram feitas por um ex-diretor, Paulo
Nogueira Filho, ao publicar a já citada obra “Sangue, Corrupção e
Vergonha”em 1956, pouco tempo depois de deixar o cargo. O ex-diretor
não pode comprovar documentalmente os absurdos denunciados, fato
que não descarta a importância da obra, pelo seu valor como
depoimento histórico. (Rizzini, 1995: 280)

18
Consenso na opinião pública e na imprensa, o SAM passa a ser denominado por
“depósito de menores”, local onde ocorriam abusos e clientelismo. Esta política
assistência deve ser entendida dentro do contexto ideológico da época, no qual o
“menor” na rua, fora das escolas e do ambiente de trabalho representavam risco à
sociedade. Esta população sem vocalização político-econômica e sem possibilidade de
barganha dentro de um Estado Ditatorial sucumbiu aos seus instrumentos de proteção e
recuperação marcando negativamente o SAM no imaginário popular. (Rizzini: 1995)
A Legião Brasileira de Assistência – LBA, criada em 1942 por Darcy Vargas
com o objetivo de prestar assistência à família e à criança, também fez parte das
políticas a população pobre na era Vargas. A extinção de órgãos assistenciais voltados
para a emergência e sua substituição pelo Departamento de Maternidade e Infância,
como também a unidade de ação foram alcançados com o novo regimento da LBA de
outubro de 1943. Ao Departamento de Maternidade e Infância cabia o estudo,
planejamento e execução da assistência através dos serviços de assistência à família, de
puericultura e medicina, de obras sociais e de cadastro e estatística.

A escolha desse “campo”justificou-se pelos problemas que


atingiam a “criança brasileira”, mais especificamente os referentes à
sua educação e a saúde, responsabilizados pelo “ atraso econômico” do
país (LBA,1946). O preparo de “gerações de homens fortes”continua
sendo percebido pelo Estado como uma questão de “defesa
nacional(ibidem).(Idem: 292)

A linha mestra da instituição manteve-se ao longo dos anos, adaptando-se a


demanda de cada período.

Da Política do Menor à Reforma Psiquiátrica

A Fundação Nacional do Bem Estar do Menor - FUNABEM, apesar da


descrença já existente sobre as “instituições totais” e das críticas de toda ordem
dirigidas ao SAM, foi criada para substituí-lo. Apesar de se destinar à formulação de
políticas de assistência ao menor, a FUNABEM herdou do SAM, os internatos e este
fato deu uma dupla face à instituição.

19
As várias mudanças ocorridas no sistema assistencial, incluindo a criação da
FUNABEM, se deram sob os auspícios da revolução de 64. A meta principal deste
período era formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor –
PNBEM, com base nos estudos a nível nacional do levantamento do problema desta
população. Planejar e articular soluções junto a instituições públicas e privadas; dar
subsídio técnicos a equipes de assistência fossem elas estaduais, municipais, de
entidades públicas ou privadas; fiscalizar contratos e convênios como também o
cumprimento das políticas de assistência ao menor fixadas pelo Conselho Nacional
faziam parte das competências da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, entidade
autônoma que faria parte tanto da esfera administrativa quanto financeira, fora criada
para formular e implantar políticas na área.
Este aparato foi criado pra dar conta de uma questão social surgida na segunda
metade da década de 60. O incremento das regiões metropolitanas ocorrendo em
paralelo com aumento da pobreza e conseqüente processo de marginalização, onde boa
parte da população se mantinha excluída do direito ao acesso aos bens sociais, criou
uma massa de desassistidos que em pouco tempo se tornou um grave risco para o
desenvolvimento do país, portanto matéria de segurança nacional.

A massa crescente de crianças e jovens marginalizados fazia


prever, a curto e médio prazo, prejuízos consideráveis, quer do ponto de
vista sócio-econômico, quer do ponto de vista político. No primeiro
caso, em virtude da riqueza que se deixava de gerar e do dispêndio com
o qual se teria de fazer, face aos problemas sociais decorrentes da
marginalização. No segundo, em virtude do risco de que o potencial
constituído por esses “irregulares” viesse a ser capitalizado por forças
contrárias do regime. (Vogel, 1995: 304)

A declaração dos Direitos da Criança aprovada pela assembléia das Nações


Unidas em 1959 era partilhada pela FNBEM, que considerava ser o bem-estar do menor
atendimento de suas necessidades básicas e que esta se realizaria através da
reintegração ao ambiente familiar e ao fortalecimento econômico e social destas
famílias. A FUNABEM, então, se tornou o órgão central destas propostas. Possuía um
caráter normativo e a incumbência básica de repasse de recursos tanto financeiros como
técnicos, calcados para tal em bases científicas. Prevenir e/ou corrigir as causas da
conduta do menor anti-social e do menor desassistido, rompendo com o uso das práticas

20
repressivas era a pedra angular das ações desta instituição. As Fundações Estaduais –
FEBEMs, ficariam então encarregadas da aplicação de recursos no nível local, sob a
lógica metodológica e ideológica da Fundação Nacional.
Apesar do lema: “Brasil Jovem: A base do futuro sem fronteiras” (Vogel apud
Bazílio, 1995), os internatos, herança do SAM, trouxeram uma armadilha da qual a
FUNABEM não conseguiu escapar. A instituição convivia com o paradoxo da estrutura
asilar lado a lado das estratégias de prevenção, com o clientelismo de um lado e os
métodos e técnicas com base numa ação terapêutica em relação ao menor e preventiva
em relação à família, do outro.A crescente marginalização da população infanto-juvenil
na década de 70, deixou claro que a FUNABEM e as FEBEMs não dispunham de
recursos suficientes para enfrentar a situação.
Os dez últimos anos de existência da FUNABEM foram de grandes
transformações. Primeiramente constatou-se falência do modelo e a inviabilidade da
convivência da assistência correcional-repressiva com o assistencialismo, o que gerou
uma busca de abordagens inovadoras sob os auspícios da ainda insipiente abertura
democrática e dos movimentos sociais. O próximo passo então, foi observar e tentar
aprender com uma nova modalidade de trabalho e experiências bem sucedidas
realizadas com meninos e meninas de rua – Projeto Alternativas de Atendimento a
Meninos de Rua. A partir de 1984 a instituição criou uma nova identidade política, em
paralelo acontecia a abertura democrática e a proximidade do primeiro governo eleito
concretizando-se a abertura democrática após longo período de ditadura. A militância
neste momento foi a favor das crianças e dos adolescentes. Nova legislação surgiu a
partir da criação do Código do Menor de 1979 e vários movimentos culturais e técnico-
científicos aconteceram. Em 1986 surgiu, sob a égide de que o atendimento a crianças e
adolescentes era um direito, patrocinado pela FUNABEM, o Projeto Diagnóstico
Integrado Para Uma Nova Política de Bem –Estar do Menor, que chegou aos seguintes
resultados:

Em seu relatório final, o Projeto apresentava uma análise


detalhada das políticas de atendimento ao menor. Demonstrava que,
até 1975, havia predominado um paradigma corretivo, para o qual os
menores carentes e/ou abandonados constituíam a base estrutural de
recrutamento da criminalidade urbana. Combater a pobreza e reduzir
as desigualdades sociais era um empreendimento socialmente útil, na

21
medida em evitasse que o menor carente viesse a se tornar
abandonado e, este, por sua vez infrator. (Idem: 319)

O documento Compromisso Político e Diretrizes técnicas – 1987/1989 foi


gerado a partir dos comentários finais do Diagnóstico com o objetivo de promover a
defesa dos direitos básicos desta população. Tinha-se como situação de alto risco a
vitimização, as situações de exploração, drogadição, deficiência física e/ou mental,
entre outras. O último período da FUNABEM foi marcado pela tentativa de melhoria da
imagem já tão desgastada. Foram criados os Centros de Recursos Integrados de
Atendimento ao Menor – CRIAMs para substituir as escolas-internatos desativadas
principalmente no Rio de janeiro e Minas Gerais. Um último esforço de adaptação aos
novos modelos foi a preocupação com os meninos de rua. Em 1990 foi extinta a
FUNABEM, sendo substituída pelo Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência –
CBIA com o intento de apoiar a implantação do Estatuto da Infância e Adolescência em
todo o país.
Paralelamente, a reforma sanitária e os debates entre os profissionais de saúde
mental, a partir da década de 70, trouxeram ao cenário do sistema de saúde, críticas e
novas propostas de assistência. Os prenúncios da reestruturação da área de saúde mental
se deram através das deliberações do Ministério da Saúde no final da década de 70,
reorientando a área e possibilitando posteriormente, o processo de co-gestão dos
hospitais psiquiátricos públicos pelo Ministério da Saúde – MS e o Ministério da
Previdência e Assistência Social – MPAS. Este processo fomentou discussões relativas
às mudanças do modelo hospitalocêntrico e segregacionistas em novas práticas de
cuidados com uma visão mais singularizada direcionada ao chamado doente mental.
Vemos, no entanto, o avanço lento desta disposição nas décadas seguintes em termos de
políticas públicas.
Ao longo da década de 80 ocorreram lutas e transformações significativas na
área de saúde como um todo e especificamente à área de saúde mental, tornando este
um período fértil. A 8ª Conferência Nacional de Saúde realizada em março de 1986,
firmou diretrizes para a constituição do Sistema Único de Saúde. O Movimento dos
Trabalhadores de Saúde Mental manteve intenso combate ao modelo asilar e lutou pela
revisão da legislação psiquiátrica, sendo, portanto fomentador da I Conferência
Nacional de Saúde Mental em julho de 1987, como também do projeto de lei Paulo
Delgado de 1989.

22
Como decorrência das conquistas ocorridas deste período temos a criação do
Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) de Santos, O Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) de São Paulo e o Centro de Atenção Integral à Saúde Mental (CAIS) de Angra
dos Reis, no final da década de 80 e início da década de 90.
Apesar do grande avanço nas políticas de saúde mental como um todo neste
período, é evidente a disparidade relativa ao setor infanto-juvenil. Não há legislação
nem políticas especificas para esta faixa etária. As propostas existentes dizem respeito a
esta população como um todo e o dispositivo criado em 1986 pela Previdência Social
através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS),
foi à publicação da resolução nº 123 de 27 de maio, instituindo procedimentos e rotinas
para a assistência integral aos adolescentes, em redes básicas de serviços de saúde.
Somente em 1989, a Comissão Interinstitucional de Assessoramento à
Implantação do Programa de Assistencial Integral à Saúde do Adolescente é formada
para propor ações de relevância para seu crescimento e desenvolvimento, para
imunização, para atender doenças sexualmente transmissíveis, gravidez, concepção e
situações de risco como violência, acidentes, drogadição, patologias prevalentes etc.
Não havia qualquer referência à saúde mental do adolescente, embora em 1986,
o Relatório Final do Grupo de Trabalho em Saúde Mental do INAMPS indicasse a
importância do acompanhamento familiar como um recurso terapêutico fundamental na
assistência a esta faixa etária. Até a presente data inexiste uma sistematização da
abordagem às famílias. Como nos aponta Pitta e Alves (1993: 126):

As intervenções de medicina em geral e, da medicina mental em


particular, não deveriam mais ter como objetivo principal acabar com
as disfunções patológicas, mas sim desenvolver as potencialidades do
sujeito e intensificar o seu funcionamento ‘normal’ a fim de encontrar
caminhos significativos para que as pessoas vivam suas vidas da melhor
maneira possível.

O relatório final da I Conferência Nacional de Saúde Mental em julho de1987,


propôs mudanças no modelo hospitalocêntrico, priorizando a criação de novos
dispositivos como os hospitais-dia, Centros de Atenção Psicossocial, dentre outros.
Neste primeiro momento a questão da saúde mental na infância e adolescência e os
dispositivos a ela destinados ainda não haviam sido contemplados.

23
Reflexões sobre as Políticas Atuais

O Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 1990, na tentativa de trazer


novos ares liberalizantes às políticas de assistência ao menor, não conseguiu ganhar
adeptos para além dos juízes e dos envolvidos no seu processo de criação. Foram
identificadas virtudes neste dispositivo jurídico, mas as queixas se concentram na
capacidade de aplicabilidade do Estatuto dentro do atual quadro da realidade brasileira.
Os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares, desdobramentos da nova
legislação e instâncias ligadas diretamente a possibilidade de ação e efetivação do
Estatuto da Criança e Adolescência, até hoje são alvo de críticas dos vários segmentos,
direta ou indiretamente envolvidos com as questões da infância e adolescência. Os
próprios militantes do ECA encontram-se divididos quanto a melhor forma de
atendimento a esta população. Jovens carentes ou jovens infratores? Este ainda continua
sendo um entrave ao avanço das políticas públicas nesta área. Há os que advoguem o
retorno às práticas repressivas e os que defendam o avanço da implantação do Estatuto.

A essa postura regressiva dos que acham que se foi longe


demais, opõem-se os defensores do Estatuto, convictos de que, se
houve pecado, foi por timidez e não excesso. Ao mesmo tempo, não
podem deixar de reconhecer que, se o Estatuto consagrou a proteção
integral, é necessário, para que esta se torne efetiva, consagrar o
Estatuto. Quanto ao que deve ser feito neste sentido parece não haver
dúvida, nem divergência, entre eles. Para garantir a Lei 8069/90
contra investidas daqueles que já reivindicam a sua próxima e radical
revisão, não há senão uma única estratégia passível de êxito: ampliar
drasticamente a criação e atuação dos Conselhos Municipais de
Direitos e Conselhos Tutelares, antes que a posição do Estatuto se
torne insustentável. (Vogel,1995: 325, 326)

Parece ser impossível, até o momento, ver-se de forma global o fenômeno da


Juventude, independentemente das questões de hierarquia social, da inserção escolar e
do status jurídico.
A adolescência, fenômeno social surgido a partir da Segunda Guerra Mundial,
foi construído e definido pela própria ordem social constituída, ou seja, as instituições.

24
Os papéis e status atribuídos, que estabelecem as possibilidades de integração e atuação
social, são cada vez mais dificultados pelo próprio contexto social e seus constituintes.
O adolescente, que com o passar dos anos tem sua faixa etária cada vez mais
extensa, não possui o estatuto de cidadão por inteiro, dependendo ainda do Estado ou de
outra instituição que o represente. Seu posicionamento jurídico dentro da ordem social é
dúbio. Imaturidade e irresponsabilidade jurídica e civil se equivalem trazendo a
cassação de seus direitos enquanto cidadãos. A juventude, assim, é vista com
desconfiança e hostilidade e se torna um problema a ser tratado. Luz (1993: 13) nos traz
várias reflexões:

Podemos observar, deste modo, nas sociedades industriais,


inclusive na sociedade brasileira atual, uma contínua construção
simbólica do ‘jovem’ como modelo de aspirações e de conduta nos mais
diversos campos, que visa basicamente assimilá-lo a ordem, sem nela
integrá-lo, a não ser no plano imaginário. Ao contrário, tende a excluí-
lo permanentemente como sujeito social e político. (...)

A exclusão social dos jovens parece se dar em dois âmbitos. Por um lado através
da ordem econômica via mercado de trabalho. Por outro através da depreciação de sua
figura, rotulando-o de imaturo e rebelde. Esta última sendo utilizada no esvaziamento
das críticas dos jovens, muitas vezes pertinentes, a sociedade que os cerca e também,
como justificativa, as ações coercitivas direcionadas a este grupo. A ordem social parece
incapaz de absorver o novo por se mostrar diferente das relações sociais já
estabelecidas. A ordenação do jovem parece ser objetivo final deste processo, fazendo o
velho da ordem social, emergir no jovem. Ainda para Luz,

Os agentes sociais mencionados se comportam vigilantemente


amorosos, amigáveis, preocupados, hostis, de acordo com a gravidade
do desvio do modelo social dominante. Aos primeiros sinais de grande
inquietação do adolescente em relação à sua identidade face aos valores
que lhe são transmitidos no cotidiano, movem-se os agentes
institucionais em busca de amparo nos discursos competentes, únicos
legitimados pelas sociedades atuais. Em caso de práticas claramente
desviantes das regras instituídas dá-se a passagem da inquietação à
repressão, numa escala que termina no internamento (hospício ou

25
prisão) ou na eliminação. O jovem que não se enquadra nas regras é
por ela enquadrado. (1993: 14)

Dentro deste contexto, os jovens com graves padecimentos psíquicos parecem se


encontrar em dupla desvantagem. Como se comportam então, diante deste impasse, o
Estado e suas Instituições? São exercidas pelo Estado, as funções de proteção a si
atribuídas?
Especificamente relacionado à área de saúde mental, constatamos que no início
do século XX e mais acentuadamente na segunda década deste século, o Higienismo
apoiado no ideário médico positivista, voltado à prevenção, implantava como princípio
filosófico e estratégico fundamental para tratamento de crianças com distúrbios
psíquicos, a intervenção no grupo familiar. Esta estratégia consistia na retirada da
criança do seio familiar, já que os pais eram considerados causadores dos distúrbios,
sendo então lesiva a permanência junto a eles.
Podemos percebe o cerne deste ideário tendo início nos primeiros cinqüenta
anos do século anterior, com a introdução na sociedade colonial da instituição médica,
que por um longo período, teve como regra afastar das famílias abastadas, seus filhos, e
confiá-los a escolas onde poderiam ser adequadamente orientados e salvos do contato
pernicioso com a família.
Esses jovens eram levados a reformatórios, onde seriam ortopedicamente “re-
educados” dentro de parâmetros positivistas de disciplina, ordem, progresso, trabalho e
liberdade, sem levar-se em conta as demandas individuais e as respectivas “culturas
familiares”. Após este saneamento educacional os jovens eram devolvidos as famílias
de origem e à sociedade, mas já como “novos” indivíduos prontos para exercer as
atividades esperadas pelo contexto social.
Apesar da passagem de pelo menos seis décadas, houve poucas mudanças
efetivas na área de saúde mental voltada à infância e a adolescência dentro das políticas
públicas. A preocupação estava voltada aos desviantes e havia uma clara ambigüidade
no que diz respeito à proteção desta população. As instituições totais – reformatórios,
internatos e asilos – eram os aparelhos destinados ao “tratamento” deste contingente
populacional, incluindo-se neste os “doentes mentais”.
Ao focalizarmos especificamente a área de saúde mental, vemos que na II
Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1992, havia pouco relato das ações
voltadas para a área infanto-juvenil. Foi referida a criação de programas de atenção às
pessoas portadoras de deficiências, que buscavam incluí-las em escolas públicas e

26
privadas por meio de atendimento especializado, opondo-se de forma enfática à
existência de instituições para menores e de classes especiais com características
asilares.
A Unidade Hospitalar de Neuropsiquiatria Infantil/Núcleo de Adolescentes do
Complexo Psiquiátrico Pedro II, dispositivo asilar, criada ainda na década de 50,
permaneceu como o único dispositivo no estado do Rio de Janeiro disponível para o
atendimento de crianças e adolescentes com transtornos psiquiátricos por pelo menos
três décadas. Os cinco Centros de Atenção Diária, criados a partir de 1998, são os
recursos existentes na cidade do Rio de Janeiro, área com grande contingente
populacional e um dos pólos nacionais de desenvolvimento técnico, para lidar com a
questão do grave adoecimento psíquico da clientela infanto-juvenil.
A partir do ano de 2001 há o prenúncio de mudanças. A I Conferência de Saúde
Mental do Município do Rio de Janeiro e a II Conferência de Saúde Mental do Estado
do Rio de Janeiro, ambas em 2001, tiveram como tema de grupos de discussão, a saúde
mental da infância e adolescência.. A Pré-Conferência Nacional de Saúde Mental da
Infância e Adolescência, realizada com o objetivo de dar corpo às necessidades e
também apontar políticas para área, foi a materialização dos esforços e sucessos da
temática dentro do contexto geral das Conferências Municipais e Estaduais em todo
Brasil. Uma de suas funções era de aglutinar propostas e profissionais ligados a
temática, tendo em vista a III Conferência Nacional de Saúde Mental. Amplo debate foi
realizado e extenso material foi compilado, sem sombra de dúvida um grande salto,
principalmente se tomarmos como referencial o quadro acima descrito.
Outro passo fundamental para o avanço neste processo foi a criação da Portaria
no 336 de 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta a Lei 10.216, propondo um novo
modelo de atenção – Centros de Atenção Psicossocial/CAPS, introduzindo a noção de
território apesar de utilizar como referencial para implantação do serviço e atendimento
a área adscrita em termos de espaço geográfico e definindo modalidades de
atendimento. Pela primeira vez, nesta portaria, foi contemplada a questão da infância e
adolescência, ao se estabelecer um dispositivo voltado especificamente a esta clientela
acometida por transtornos mentais graves, reconhecendo a importância e necessidade do
atendimento a esta população e as instituições e atores sociais com ela envolvidas.
Mas não podemos esquecer que estamos diante de um longo processo de
construção e validação de práticas com o objetivo de implantar e sedimentar políticas
para uma área importante, mas ainda tão carente. Cabe-nos então, lançar questões para
futuras discussões.

27
Vivendo num país de muitos e graves problemas, convém
perguntar qual a dimensão, tanto ética quanto epidemiológica, das
questões de saúde mental nas crianças e adolescentes? (...) Quais as
nossas ações quanto a este problema em crescimento? (...) Por que a
saúde mental de crianças e adolescentes continua sendo uma questão
menor? Haveria, dentre explorados e excluídos do Brasil, uma
subcategoria ainda mais desprovida de direitos e voz? (Saggese, 1995:
11, 12 e 13)

28
II. Assistência e Práticas à Infância e Adolescência em Saúde Mental

A assistência à saúde da infância e adolescência nem sempre ocorreu da forma


como atualmente é efetuada. A integridade física e mental era vista como um todo e
várias práticas e políticas eram a elas destinadas. Num período que se inicia na segunda
metade do século XIX, houve maior interesse pelas questões da infância e adolescência
surgidas no bojo dos parâmetros da medicina social. Salubridade, taxa de mortalidade,
aleitamento materno foram alvo de atenção, observação e intervenção, pela primeira vez
sob o olhar científico. A pediatria e puericultura surgidas deste momento,
ultrapassavam as questões a elas destinadas, os cuidados com a infância, avançando
pelo campo da moral e da política de estado, já que, desde este período se inicia a
temática do cuidado as populações jovens em prol da identidade e crescimento da
nação.
Nas duas primeiras décadas do século XX o ideário de crescimento e identidade
do país se intensifica num movimento pendular, que ora buscavam estes objetivos
através da utilização de práticas estrangeiras e em outros momentos enfatizavam as
peculiaridades locais e a valorização das produções nacionais. Neste contexto várias
disciplinas contribuíram para a disciplinarização da infância e a domesticação dos
desvios que por ventura ocorressem nos primeiros anos de vida. A pedagogia como
representante do campo da educação e a psiquiatria, um ramo emergente da medicina,
se mesclaram neste intento.
Na psiquiatria, cuja clínica voltada a crianças até então não se distinguia da
clínica dos adultos, começaram a surgir a partir dos anos 30 uma nova abordagem com
compreensão distinta da fase anterior. A busca das doenças e posteriormente das
etiopatogenias na configuração de uma patologia mental da infância, levando em conta
suas fases desenvolvimentistas, que fez surgir uma investigação metodologia desta
clínica. A psicanálise, com sua marcante influência desde a década de 30 até os dias de
hoje, estruturou em grande parte o percurso desta disciplina, a psiquiatria infantil, que
carece de identidade e estruturação até os dias de hoje.

29
Da Medicina Social a Pediatria

A medicina social, surgida inicialmente na Europa e posteriormente trazida ao


Brasil pela família real portuguesa em 1808, efetivou uma série de transformações nos
hábitos higiênicos das famílias brasileiras tornando-as cada vez mais dependentes dos
médicos e incapazes de gerir até mesmo pequenos problemas surgidos no seu ambiente.
Estas transformações ultrapassaram o âmbito doméstico, se estendendo ao espaço
arquitetônico das casas e das cidades, levando até a criação de um esboço de política
sanitária. A alteração nos espaços com transferência dos cemitérios para os arredores
das cidades, a mudança da disposição geográfica com o aterro dos pântanos e
terraplanagem dos morros e o encanamento de águas e tratamento de esgotos foi um
retrato destas políticas sanitárias.
As altas taxas de morbidade e mortalidade foram os dados através dos quais,
inicialmente de forma sutil, a medicina social impôs uma educação física, moral e
sexual à população. Com a introdução destes novos hábitos, que foram se
transformando em instrumentos de controle político e de classes, as crianças tornaram-
se alvo primordial destas ações por serem o meio mais eficiente de atuação nas famílias.
Famílias que, através do discurso normatizador da medicina voltado para atingir seus
costumes domésticos e organizacionais, teriam o seu poder reduzido.
Surgiu, a partir de então, uma rede de aparatos institucionais, assistenciais e de
aprimoramento científico para dar conta deste controle e destas políticas. Ao longo do
século XIX surgiram vários guias maternos com vários artigos sobre higiene infantil.
Deu-se então, o surgimento da medicina social da criança, que no final do século
formalizou sua constituição através da criação da primeira cadeira de moléstias da
criança na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A medicina social sempre atuou
em vários períodos históricos acompanhando as problemáticas existentes propiciando
transformações que beneficiassem o Estado.
A Casa dos Expostos era uma outra face desta política de controle da higiene e
da moral das famílias. Criada no Brasil no século XVII, seu objetivo era proteger a
honra da família colonial e da vida das crianças enjeitadas, desde seu início passou a ter
o efeito oposto incentivando a libertinagem e a mortalidade infantil. No período
higienista, a Casa dos Expostos passou a ser apontada por contribuir com uma das
grandes causas de mortalidade infantil, devido aos precários cuidados oferecidos às
crianças e as péssimas condições de higiene e acomodações. Outro fator causador da
alta taxa de mortalidade, segundo Costa (apud Teixeira, 1989) seriam a falta de

30
educação física, moral e intelectual das mães que entregavam seus filhos aos cuidados
de escravas e amas-de-leite ignorantes e parteiras inábeis. O sentimento de infância foi
modificado neste período por conta do persuasivo e insistente trabalho de médicos
moralistas e educadores e esta mudança se deu primeiro nas classes abastadas por conta
de seu papel e importância no contexto econômico e político.
O aleitamento materno e o aleitamento de aluguel oferecido por amas ou
escrevas se tornou um campo de intenso embate na passagem do século XIX para o
século XX. Esta questão passou a ter grande significação ao pertencer a um problema de
foro nacional. Em função deste impasse foi fundado no Distrito Federal em 1901,por
Moncorvo Filho, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, idealizado para ser um
serviço de exame e atestação de nutrizes mercenárias. Dois anos depois, foram
apresentados dois projetos de lei voltados à proteção da infância pela fiscalização oficial
do aleitamento mercenário no V Congresso Brasileiro de Medicina.
A pediatria social tornou-se então, ao fornecer carteiras com atestado e exames
cada vez mais rigorosos, uma medicina de classe ao dificultar o comércio de amas de
aluguel e controlar a saúde das populações pobres, tornando-as menos perigosas para as
classes ricas (Orlandi, 1995). Nas três primeiras décadas do século XX, o leite materno
foi substituído primeiramente pelo leite condensado e finalmente pelo leite em pó, já
que com a abertura do mercado de trabalho após a Grande Guerra houve o
desaparecimento das mães de aluguel.
As organizações religiosas e os filantropos foram, e não somente os pediatras e
puericultores, os promotores da melhoria dos cuidados às crianças no século XIX. Estas
instituições se transformaram para serem no século XX assumidas pelos poderes
oficiais. As Casas dos Expostos tiveram longa existência e o Hospital Na Sra da Saúde,
na Gamboa, Rio de Janeiro, criado para dar conta das epidemias, acabou por recolher
crianças doentes ou crianças cujos pais internados faleceram, por não a quem entrega-
las. A Policlínica das Crianças, inaugurada por filantropo, teve como seu primeiro
diretor Fernandes Figueira. Nos anos 10 e 20 houve incremento do interesse em torno
da criança. Creches, jardins de infância , maternidades, cursos e publicações foram
criadas.

Na verdade, desde o século XVII, a assistência social no Brasil


foi sempre privada, antecipando-se à ação governamental, até a
década de 30 deste século, quando o Estado começou a se atribuir e
assumir a proteção à infância, mas sempre convocando indivíduos e

31
associações particulares a colaborarem monetariamente com as
instituições assistenciais. Percebem-se nessa atitude duas tendências
que até os dias atuais caracterizam o atendimento à criança: o
Governo proclama sua importância e mostra a impossibilidade de
arcar com ele pelas dificuldades financeiras em que se encontra. O
atendimento não constitui direito, mas favor. Ambas as tendências
ajudam a esconder que o problema da criança se origina na divisão
da sociedade em classes sociais. (Orlandi apud Kramer, 1995: 84)

A Disciplina Escolar e A Eugenia

Os discursos das quatro primeiras décadas do século XX buscaram legitimar o


saber pedagógico como novo, moderno, experimental e científico. A escola como
instituição intrinsecamente disciplinar que se constituiu ao longo dos últimos séculos e
que na modernidade alcançou seu apogeu, tornando-se nela a sociedade da
escolarização. No Brasil, do final do século XIX até a década de 20 as práticas
discursivas e institucionais buscavam legitimação nesta pedagogia.
Em 1914, no Estado de São Paulo, foi instalado anexo à escola normal
secundária, o Laboratório de Pedagogia Experimental no Gabinete de Psicologia e
Antropologia Pedagógica. O professor Ugo Pizzoli veio da Itália trazendo maquinário
complexo de medição com o encargo de instalar , tal qual no exterior, o laboratório
para estudo científico da infância. Ao acompanhar o movimento científico moderno,
através do exame metódico de todas as energias da criança poderia se generalizar todos
princípios, universalizar todos os meios, como se todos os indivíduos pudessem para
comodidade do pedagogista e do professor, adaptar-se à forma de um só modelo
decretado (Carvalho, 1997).
A Carteira Biográfica Escolar, instrumento e dispositivo de produção de
conhecimento sobre o aluno, deveria ser utilizada em todos os grupos escolares e
manteria em seus registros toda a vida do aluno ao longo dos cinco anos de curso. Fotos
anuais do aluno e registros de mensuração advinda das observações antropológicas,
fisiopatológicas, amnésicos da família e individuais obtidas através de exame médico
deveriam constar dos registros da Carteira Biográfica. O conjunto destes dados

32
forneceria o caráter específico do aluno decodificado através de índices de
normalidade, anormalidade e degenerescência.
A Árvore de Pizzoli, forma de representação do campo epistemológico da
pedagogia da época, utilizava as raízes suspensas, o tronco e as folhas e frutos para
designar aspectos do campo e suas interfaces. A raiz representava as outras ciências
que podiam subsidiar o processo pedagógico, tias como: pediatria, ortofrenia,
fisiologia, antropologia, psicologia, anatomia, etc. O tronco representava o processo de
educação que poderia desdobrar-se tanto na educação normal quanto na emendatória,
que por sua vez se desdobraria nas folhas e frutos murchos destinada aos desviantes –
criminosos, amorais, surdo-mudos, idiotas, etc.
A psicologia, segundo Oscar Thompson, diretor da Escola Normal na ocasião e
incentivador do novo movimento científico, seria a ciência que forneceria a ciência da
educação subsídios importantes. O psicodiagnóstico e a pedotécnica, além de estudar o
caráter específico da criança nas diversas fases da vida segundo parâmetros da
normalidade, traçaria normas ao método e didática de ensino harmônicas a natureza
psicológica do aluno.

O estudo desse assunto e dos meios de correção assume


cada dia importância maior e só ele bastaria para pôr em relevo o
fim humanitário da pedagogia científica. Sem uma psicologia
científica não saberíamos estudar a criança no seu caráter especial
não poderíamos distinguir o aluno inteligência tarda do cretino, o
imbecil do idiota. Se há pouco essa criança estava perdida para a
sociedade e relegada ao manicômio a expiar a culpa dos pais, vê-
mo-la atualmente, mercê de um melhor estudo, entregue a institutos
especiais ortofrênicos, onde se educa e corrige para ocupar o seu
posto no convívio social (...) Os casos de correção devidos à ciência
pedagógica não se praticam em prisões, mas em institutos
educativos, com métodos racionais e científicos. (Carvalho apud
Thompson, 1997: 299)

A menção de Thompson aos manicômios, em que crianças espiariam a culpa


dos pais, seria uma referência ao Pavilhão Bourneville criado em 1903 no Hospício de
Pedro II, uma secção de creanças,(...) confiado a um medico (...) actualmente

33
n’aquelle posto humilde e sagrado de medico e educador de creanças infelizes. (Bilac,
1905)
Esta pedagogia pretendia conhecer o escolar através das etiologias,
enquadrando-o numa tipologia através da leitura de sinais no seu corpo, que uma
ciência determinista constituiria em índices de normalidade, anormalidade e
degenerescência1. Sendo que na degeneração operariam parâmetros impostos por
teorias raciais que inundavam o campo intelectual da época – a Eugenia. A distribuição
de crianças por escolas, casas de correção, hospícios ou prisões se tratava de uma
prática humanitária.
Lourenço Filho, em 1930, foi o primeiro a utilizar o termo escola nova ao
publicar artigo sobre curso ministrado no Instituto de Educação. Sob esta designação
encontrava-se um comprometimento com a pedagogia científica mesclado com um
revisionismo de fins sociais, expelindo as questões da anormalidade e regeneração do
contexto pedagógico para outros saberes e poderes. Motivações políticas e sócio-
econômicas atraíram profissionais de diversas categorias para a causa educacional.
Educar seria a saída para o grande problema nacional – saúde e educação – por sua
capacidade de regenerar a população doente e inculta.

Paralelamente, neste período, a psiquiatria brasileira se debruçava sobre a


questão da infância, propondo intervenções psiquiátricas preventivas. Há neste período
uma expansão de instituições psiquiátricas públicas e privadas nos principais centros
urbanos. Também tentando se legitimar enquanto instância reguladora do espaço social,
para além dos espaços asilares,surgia a psiquiatria infantil vinculando-se a um saber
preventivo. A psiquiatria foi então convocada a intervir de forma disciplinadora na
população rebelde infantil.
O aparecimento da psiquiatria infantil não se deveu a descoberta de uma
patologia mental própria da infância, mas da designação de um possível objeto de
intervenção para uma prática que não se limitaria a gerir reclusos, mas sim presidir a
inclusão social. (Schechtman apud Donzelot, 1981)
O primeiro passo para este processo se iniciou com Gustavo Riedel, diretor da
Colônia de Alienados do Engenho de Dentro, ao criar em 1919 o Ambulatório
Rivadávia Correa, embrião do Instituto de Profilaxia Mental. Em 1923, foi criada a
Liga Brasileira de Higiene Mental – LBHM, com o objetivo de ampliar a obra de

1
Estes índices seriam aferidos a partir de um roteiro de observação e medidas da compleição física, tipo
racial, traços morais, marcas de hereditariedade e ambiente familiar.

34
Higiene Mental já iniciada no Engenho de Dentro. A LBHM, dentre seus vários
objetivos, tinha como principal meta a realização de um programa de higiene mental e
eugenia visando a melhoria da saúde mental coletiva e a formação moral mais adequada
nas massas. O sistema de formação moral previniria as psiconeuroses e distúrbios
elementares do sistema nervoso que podem gerar paixões, crimes, idéias extremistas,
reivindicadoras ou revolucionárias. (Schechtman, 1981: 25)
Os Arquivos Brasileiros de Higiene Mental , revista produzida pela LBHM, que
circulava no Brasil e fora dele, veiculava seu ideário eugênico não só para médicos,
mas também para professores, juristas e intelectuais sendo este movimento amplamente
divulgado por ocasião da distribuição gratuita a vários colégios, bibliotecas públicas e
demais locais onde houvesse ampla circulação de pessoas. A Higiene Mental, para a
psiquiatria, se iniciaria logo após o nascimento da criança e a acompanharia por toda
vida, justificando o controle e orientação à família.
No que dizia respeito a higiene da criança, houve a partir de então a
regulamentação e padronização dos métodos obstétricos com o estabelecimento do
serviço pré-natal, controle e fiscalização de crianças na escola, pré-escola e no trabalho
com o intuito de reduzir o índice de mortalidade. Estas atividades estariam ligadas ao
serviço de Higiene Mental
Renato Kehl funda em São Paulo no ano de 1918 a Sociedade de Eugenia e em
1931 a Comissão Central Brasileira de Eugenia, que contava com dez membros
também pertencentes a LBHM. Em 1929 se realiza o I Congresso Brasileiro de Eugenia
na Academia Nacional de Medicina, dando mostras da penetração que o ideário
eugênico havia alçando nos meios intelectuais e médicos.
O movimento eugênico, ao relacionar-se com a melhoria da raça, criou um forte
apelo enquanto ciência pudesse possibilitar condições para a “ordem e progresso” no
Brasil. A ansiedade em relação ao perfil e identidade nacional poderia ser abrandada
pelo incorporação desta ciência aos nossos meios acadêmicos (Santos, 2003). A
Eugenia foi uma teoria de grande prestígio na época por seus propósitos de
melhoramento da espécie humana com a extinção dos degenerados e a seleção dos
procriadores. Para os eugenistas haveria sempre uma minoria selecionada para servir de
modelo a uma maioria de seres improdutivos e atrasados. Vários procedimentos e
ramos da medicina foram marcados pela eugenia.
Na revolução de 30, o Estado Novo de Getúlio Vargas, muitos membros da Liga
Brasileira de Higiene Mental ocuparam cargos no Ministério da Saúde e Educação, este
fato permitiu a atuação de vários de seus membros em estabelecimentos municipais que

35
se desdobrou na implantação de serviços para tratamento das neuroses e psicoses e na
instalação do Gabinete de Psicologia Aplicada que atendia à doentes dos ambulatórios e
aos alunos da rede pública. A Clínica Eufrênica direcionava seu atendimento a pré-
escolares e escolares das primeiras séries com o objetivo de garantir a boa formação
psíquica e prevenir doenças nervosas da infância, corrigindo-lhes as reações anormais
e canalizando adequadamente o caráter da juventude. Suas ações tinham duas vertentes
principais. A primeira seria a Eufrenia genealógica, que confundia com os objetivos e
domínio da eugenia e a segunda seria a Eufrenia médico-pedagógica, cujas ações
educacionais estimulariam as qualidades inatas e amenizaria as predisposições
hereditárias.

Assim, um dos mecanismos possibilitadores da intervenção


psiquiátrica sobre a criança será dado pela atuação dos médicos na
assistência ao escolar, através dos serviços de higiene e saúde
escolar. Essa atividade médico-escolar teria uma dupla finalidade,
pois, além de constatar possíveis “distúrbios degenerativos”, serviria
também para classificar e separar crianças conforme sua evolução
psicológica individual. (Schechtman, 1993: 89)

Os programas oferecidos pela LBHM e efetivados pela Clínica Eugênica às


crianças eram o atendimento individual com a avaliação clínica e exames psíquicos
para a compreensão da personalidade com inquéritos médico-sociais das crianças
nervosas. Em caráter coletivo eram realizadas conferências, publicações técnicas
avulsas e periódicas.
A cooperação entre a medicina e a pedagogia, sob os auspícios da LBHM, com
forte conotação político-idealista se manteve de forma estreita até os primeiros anos da
década de 40. Em 1941 se realizou o I Congresso Nacional de Saúde Escolar com
temáticas direcionadas à higiene mental da criança, mais particularmente a “psiquiatria
infantil e saúde escolar”. Em 1942, Getúlio Vargas deu apoio e foi presidente de honra
da Ia Semana da Saúde da Raça, promovida pela Sociedade Brasileira de Urologia.
Segundo Bitencourt (Schechtman, 1981) seria justificável a intervenção psiquiátrica no
ambiente escolar devido ao desajustamento entre este e o meio familiar, como também
na correção dos pais ao gerar um ambiente desfavorável, causador de desajuste mental
às crianças. Para Danilo Perestrello (Idem, 1981) criar e educar filhos seria então uma
missão científica quase impossível de ser cumprida por pais leigos. A fronteira entre a

36
pedagogia, psiquiatria infantil e a ideologia política se confundiam gerando mútua
dependência.

A História da Psiquiatria brasileira criou uma atmosfera


psiquiátrica saturada de conotações ideológicas. A LBHM herdou esse
tipo de pensamento, reforçando-o e desenvolvendo-o, graças a
incapacidade que tiveram seus psiquiatras em discriminar aquilo que
nas suas teorias era determinado pelos conceitos da cultura. (Costa,
1989: 73)

Psiquiatria Infantil e Psicanálise

A história clínica da psiquiatria da criança tem sua existência em termos


cronológicos similar a psiquiatria de adultos, mas diverge quanto ao seu percurso e em
relação ao seu estabelecimento enquanto um campo de conhecimento científico
específico. Bechèrie (1992) destacou a existência de três grandes períodos no processo
de construção e aquisição de conhecimento na psiquiatria infantil.
O primeiro período foi voltado exclusivamente para a questão do retardo
mental, também denominada por Esquirol em 1820 de idiotia. Esta denominação
derivava da observação de adultos e concebia-se na ocasião que a afecção poderia ser
reversível, portanto adquirida ou irreversível devido ao caráter congênito. Para
Esquirol, ao ser adquirida, o idiotismo seria uma forma aguda de demência e quando
congênito, as faculdades mentais do indivíduo nunca se manifestariam ou poderiam se
desenvolver , não se categorizando portanto como doença. Desde Esquirol a descrição
clínica de idiotia fora complexa com a descrição de diferentes graus de acometimento.-
idiotia, retardo infantil , imbecil. A loucura das crianças neste primeiro período era a
idiotia, que mais tarde foi acrescida dos problemas epilépticos, já bem descritos
anteriormente. Mas para alguns autores não existia a loucura propriamente dita nas
crianças.
O segundo período, que iniciou na segunda metade do século XIX e se estende
até as duas primeiras décadas do século XX, se caracterizou por uma reprodução da
clínica clássica de adultos. Inicialmente esta clínica desvelaria doenças e não estados,
portanto estabelecendo ciclos de quadros clínicos que ocorreriam ao evoluir do tempo.

37
O modelo básico seria a paralisia geral com suas fases delirante, maníaca, demencial e
finalmente a estuporosa terminal. Seguiu-se posteriormente a clínica com inclinações
etiopatogênicas, onde cada quadro estava apoiado numa determinada quantidade de
causas e mecanismos patológicos típicos. Morel, dentro deste quadro, opôs as doenças
mentais adquiridas, ligadas a medicina do corpo, a das doenças mentais constitucionais
que seriam do terreno psicológico particular, degenerescência mental hereditária ou
adquirida bem cedo. Ele e seus conceitos dirigiram-se a alienação e patologias mentais
da infância, buscando encontrar na criança síndromes mentais paralelas ao retardo.
Na virada do século com a nosologia do psiquiatra alemão Kraepelin, houve um
incremento nas descoberta neste campo devido a investigações clínicas com parâmetros
e metodologia mais avançadas. Surgiu uma nova geração de tratados. Avanços também
ocorreram no campo do retardo mental ao surgir a distinção das formas congênitas
clássicas – a demência precocíssima. A partir de 1926 se começou a se falar sobre a
esquizofrenia infantil, abrindo maior espaço para a distinção entre a idéia da existência
de psicoses autistas e dissociativas e do retardo mental e das manifestações de caráter e
constitucionais. Teve início neste período a noção moderna de psicose infantil e dos
seus desdobramentos.
O terceiro e último período da psiquiatria infantil, iniciado na década de 30 do
século XX até os nossos dias, surgiu sob a influência marcante da psicanálise. O
conflito psíquico e seus desdobramentos psicopatológicos trouxeram para a clínica
infantil uma configuração específica, principalmente por envolver uma situação atual
ou recente. Manifestações dispersas passam a ser pensadas sob o modelo da histeria e a
sintomatologia psicossomática surgiu de forma rápida e reveladora, com a colaboração
da pediatria, enriquecendo o surgimento de uma nova clínica. Foram acrescidos as
categorias dos dois períodos antecedentes, as doenças psicossomáticas, os distúrbios de
comportamento, os distúrbios afetivos e as perturbações elementares do
desenvolvimento.
A psicanálise e suas noções se incorporaram as teorias psiquiatrias da infância
na Europa por justaposição e nos Estados Unidos através do funcionalismo. Os grandes
tratados criados na década de 30 na Europa – Kanner (1935), Pichon (1936), Robin
(1939) – criaram um corpo teórico de suporte e ação na clínica, havendo maior
destaque para a produção realizada na Inglaterra por sua concepção de conjunto,
homogeneizando as intervenções na clínica. Já nos Estados Unidos, desde o início do
século XX, havia uma integração das teses psicanalistas no conjunto do campo da
psicologia e da psicopatologia, denominado funcionalismo. Esta abordagem, a

38
funcionalista, intimamente inscrita na vida americana, permite incorporar facilmente
uma variedade de sistemas de idéias – psicanálise, gestaltismo, pavlovismo – e se
caracteriza pela idéia de um todo orgânico explicitado na dualidade espírito-corpo e que
este se mantém numa tarefa permanente, contínua e vital de adaptação ao meio.
Determinar a função da atividade psicologia seria de capital importância para a
compreensão sobre as formas de adaptação do psiquismo, parte integrante do
organismo, ao ambiente. O estudo da clínica psicopatológica da criança se deu
essencialmente através dos estudos dos psicanalistas de suas práticas da clínica
psicoterápica como também do imenso material das pesquisas, das etapas do
desenvolvimento da criança dentre outras coisas, de inspiração funcionalista e
behaviorista. O conjunto deste material – clínica e pesquisa – marca, estrutura e funda a
psiquiátrica da criança, ou pedo-psiquiatria, nos Estados Unidos.

Se nós lançamos, agora, um olhar de conjunto sobre esse


diferente processo histórico e sobre os três períodos bem diferentes
que ele recobre , logo aparece algo que certamente não está inscrito
na idéia de uma clínica: é a importância das concepções, das teorias
psicológicas (no sentido amplo) nas quais se inscreve a clínica
psiquiátrica da criança no decorrer de seu desenvolvimento. O que
determina as questões, procedimentos e observações dos clínicos, é o
olhar que eles lançam sobre a infância, a concepção que têm de seu
desenvolvimento e de seu papel na formação do adulto. (Berchèrie,
1992: 33)

Karl Yaspers (apud Berchèrie, 1992) responde a esta questão, a disparidade na


clínica psiquiátrica da criança e do adulto ao enfatizar as “relações de compreensão”, o
engendramento dos estados sincrônicos – compreensão estática e fenomenológica – e
dos estados diacrônicos – compreensão genética – como um esforço para representar o
vivido pelo doente. A subjetividade guia e delimita o próprio campo de observação.
Para ele, o observador no ato de observar traz consigo seu conhecimento espontâneo e
sua intuição psicológica permitindo-lhe compreender e classificar o que diz,
experimenta, o que cala e não experimenta o doente e deste material criar um índice de
princípios, hipóteses e resultados pertinente.

39
Para Berchèrie (1992) falta qualquer compreensão ao observador adulto de uma
medida comum entre o adulto e a criança, sendo este o impeditivo da constituição de
uma clínica psicopatológica. Por um lado há a importação acrítica da clínica dos
adultos. Por outro, na clínica moderna, distanciada dos paradigmas médicos e
impregnada pela psicanálise, há uma abertura para o conjunto da clínica.

40
2.1. Teorias Orientadoras

O isolamento e enclausuramento do louco, dentre outros desviantes sociais, foi


uma prática utilizada em resposta ao caos social e a crise econômica gerada pelas
mudanças nos meios de produção a partir do século XVII. Enorme contingente
populacional se encontrava enclausurado nos hospitais, sendo esta uma das formas de
ocultação da miséria, dentro dos ditames absolutistas da época.
A nova ordem social trazida pela Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, o Contrato Social com a livre circulação de indivíduos e bens de consumo, ou
seja, as bases de contrato social estabelecidos pelo Liberalismo, refletiam sobre os
limites da liberdade, conseqüentemente exigindo uma nova conceituação da loucura. O
enclausuramento absolutista não poderia mais coexistir com as novas regras sociais de
desenvolvimento econômico baseado nas liberdades individuais. O isolamento e
enclausuramento do louco passaram a ser visto como forma de tratamento, já que o
mundo exterior seria o agente perturbador, mobilizando irritações e paixões irracionais.
O confinamento seria a condição primeira do tratamento moral, da domesticação dos
apetites e posteriormente da cura. O movimento alienista tinha como base terapêutica o
isolamento e o tratamento moral e a psiquiatria era, então, o que trazia a legalidade a
privação de liberdade. A promulgação da Lei de 1838, na França, legitimadora da
psiquiatria e do manicômio, jurídica e administrativamente, estabeleceu a tutela médica
da doença mental. Sua influência se exerce até a presente data em toda a legislação
psiquiátrica no ocidente, transformando a loucura em algo a ser tutelado pelo saber
médico e a reclusão como método terapêutico imprescindível ao tratamento do “doente
mental”. O controle do indivíduo que não respondia a imposição da lei, desviante em
suas condutas e transgressor da nova ordem social era confiado à tutela da psiquiatria. O
reconhecimento de algum tipo de razão e subjetividade ao alienado servia somente para
intermediar o contato e a relação com seu tutor, o médico, o qual seria responsável por
seu tratamento, antes de tudo moral e sob a ótica da instituição psiquiátrica.

41
As Reformas Reformistas

A partir da primeira metade do século passado, surgiram vários movimentos e


críticas em resposta ao tratamento oferecido ao doente mental. O crescimento
econômico e a reconstrução social do pós-guerra, com parâmetros igualitários em busca
de uma sociedade pautada na solidariedade, incrementaram este processo. O hospital
psiquiátrico tornou-se, então, alvo de crítica às formas de exclusão social.
Quatro são os movimentos marcantes dentro do contexto da reforma
psiquiátrica. A comunidade terapêutica na Inglaterra, a psicoterapia institucional e
política de setor na França e psiquiatria comunitária nos Estados Unidos. Na Inglaterra,
este movimento iniciou-se sob os auspícios de Bion e Rickman no hospital de
Northfield, que tinham como tarefa tratar de soldados com distúrbios mentais em
decorrência da guerra e retorná-los para o front. Utilizavam para tal, grupos de
discussão no interior do hospital psiquiátrico, no qual pacientes, médicos e auxiliares se
tornavam uma massa orgânica e sem posições hierárquicas, submetidas às mesmas
regras e leis, regidas a partir de então pela decisão do todo. Todos os recursos
institucionais eram utilizados no tratamento. Dentro dos limites da instituição, norteava-
se o tratamento pela democratização das opiniões, tolerância, intenções e objetivos
compartilhados no confronto com a realidade.
A política de setor e a psicoterapia institucional na França, apoiada na
psicanálise, iniciaram-se por volta de 1940. Tosquelles, juntamente com Bonnafé, Oury,
entre outros, criaram no hospital psiquiátrico de Saint-Alban, uma experiência
transformadora baseada no preceito de que “Não são os muros do hospital que fazem
dele um manicômio. São as pessoas: os que prestam cuidados e os enfermos que vivem
neles” (Desviat apud Dessauant, 1999: 25). O hospital psiquiátrico se transforma então,
num campo de relações significantes permitindo a criação de múltiplos focos
transferenciais, através de uma “escuta analítica coletiva”, se tornando também num
instrumento para análise da instituição. Estas mudanças se devem as experiências de
ocupação nazista e dos campos de extermínio ocorridas na Segunda Guerra Mundial,
resultando na transformação da base asilar de tratamento. No recente pós-guerra se
tomou como princípio para organização dos serviços psiquiátricos, o setor. Este
propunha colocar à disposição da população serviços de qualidade em suas várias
formas de atendimento. O conceito de assistência seria abandonado em prol de projetos
terapêuticos individualizados sem abrir mão da dimensão pública e coletiva destes
procedimentos em saúde.

42
A psiquiatria comunitária surgiu nos Estados Unidos após a declaração do
Presidente Kennedy, em 1963. Esta propunha, na ocasião, um Programa Nacional de
Saúde Mental, no qual a doença e o doente seriam vistos sob novo prisma e o
tratamento passaria a ter nova valoração, sendo a assistência comunitária o eixo central.
Desde o início do século havia o Movimento de Higiene Mental, que teve como uma de
suas maiores conseqüências à criação em 1909 do Comitê Nacional de Higiene Mental
– atual Associação Nacional de Saúde Mental, contrário às formas custodiais de
atendimento, advogando por uma forma de tratamento no seio da comunidade (Desviat,
1999). Poucos resultados foram obtidos neste período e nos anos subseqüentes, já que o
atendimento asilar manteve-se como forma prioritária de tratamento ao doente mental.
Os Centros de Saúde Mental Comunitária, criados a partir do Community Mental
Health Centers Act of 1963, que levavam em conta a facilidade de acesso à clientela
atendida, tinham como alguns dos princípios básicos: disponibilidade, gratuidade,
ênfase na prevenção, informação sobre a forma de tratamento disponível a população
alvo e levantamento de necessidades da população com um todo. A psiquiatria
preventiva preconizada por Gerald Caplan era o suporte teórico da psiquiatria
comunitária, o atendimento ao indivíduo adoecido não era o objetivo alvo, este
transcendia à comunidade em suas mais variadas possibilidades – as escolas, os
trabalhos, os asilos, a sociedade de forma geral – na tentativa de produção de mudanças
positivas e bem-estar. Sob esta ótica, além dos profissionais da área de saúde mental, os
agentes comunitários possuíam papel importante na identificação dos fatores ou práticas
de risco, corrigindo-os positivamente.
Os Centro de Crise, substitutos a internação convencional, surgiram como
modelo de aplicação clínica à teoria da crise criada por Langsley e Kaplan. Dentre
várias atribuições, podemos destacar a identificação de grupos em situação de risco, o
planejamento de atividades terapêuticas visando rápida resolução da crise e no pós-
crise, a realização de nova avaliação visando, quando necessário, a confecção de novo
planejamento terapêutico. Estes centros situavam-se em hospitais gerais, centros
comunitários ou locais onde a população era considerada de risco. Como fator de risco
entendia-se fatores ou práticas que exerciam influência negativa contínua no
desenvolvimento da personalidade e os que interferiam de forma pontual em situações
de desequilíbrio.
As reformas psiquiátricas inglesa e francesa conseguiram imprimir uma nova
forma de tratamento e de leitura do adoecimento mental; sob estes novos parâmetros, o
doente mental passou a sofrer novo tipo de ação e proteção do Estado. Ainda como

43
cidadão tutelado, o indivíduo se manteve na condição de doente e submetido às regras e
limitações estabelecidas pela própria instituição – o manicômio. A exclusão e o estigma
social mantiveram-se sob forma humanizada. Aos doentes mentais a igualdade e
liberdade eram asseguradas, contanto que fosse intramuros ou em locais substitutivos.
Já a reforma psiquiátrica dos Estados Unidos, apesar de valorizar o papel da
comunidade e as possibilidades da rede social, mostrando-se flexível quanto à
imprevisibilidade do tempo de tratamento, parece arrastar os muros que circundam a
instituição para toda a sociedade. Os doentes mentais não foram libertados e sim a
sociedade que se tornou refém de regras normatizadoras de conduta, tendo nos
profissionais de saúde e agentes comunitários os guardiões e agentes correcionais do
bem-estar da população.

A Reforma Psiquiátrica Italiana

A Reforma Psiquiátrica Italiana e seus principais autores, na qual nos deteremos


de forma mais pormenorizada, por se tratar de uma das bases teóricas utilizadas para
orientar a análise das práticas e procedimentos efetuados em Centro de Atenção Diária a
adolescentes com grave padecimento psíquico, por possibilitar um entendimento e
intervenção de forma mais completa possível do indivíduo acometido por transtorno
psiquiátrico. Sob esta ótica, o sujeito não está somente recluso em sua doença, é
também partícipe do contexto social com todos os seus desdobramentos. As escolhas
individuais são dotadas de sentido não só dentro dos aspectos subjetivos da doença,
estas também possuem valor social e correspondem a respostas do meio. Este aspecto se
torna de suma importância, quando o sujeito a que estamos nos referindo é um
adolescente, em processo de construção da individualidade psíquica e social,
necessitando do ambiente ao seu redor subsídios para exercer sua capacidade contratual
e o exercício de sua cidadania. Outro aspecto importante trazido por alguns autores da
reforma psiquiátrica italiana, são os caminhos apontados para uma prática de reinserção
social, de forma flexível, saindo da conceituação teórica para o enfrentamento de
impasses cotidianos, respeitando as possibilidades e potencialidades do sujeito
adoecido.
Franco Basaglia, psiquiatra italiano, após vários anos voltados para a prática
docente, inicia experiência institucional assumindo a direção do Hospital Psiquiátrico de
Gorizia. Voltado para a transformação da forma de atendimento aos pacientes

44
psiquiátricos, foi buscar referências para sua prática clínica nas reformas psiquiátricas
da França e da Inglaterra. As influencias também presentes do pensamento
fenomenológico existencial de Sartre, como também de Foucault e Goffman, foram
marcantes para analisar criticamente suas práticas clínicas e a instituição psiquiátrica.

O ato terapêutico se revela, nesse ponto, uma reedição revista


e corrigida da precedente ação discriminatória de uma ciência que,
para se defender, criou a “norma”, cuja infração pressupõe uma
sanção por ela própria revista. ( Basaglia, 1991: 102)

A reflexão, a partir deste novo prisma, traz a luz o papel da instituição


psiquiátrica frente aos pacientes e sua forma de intervenção. O poder, o controle e a
segregação mal conseguem ser disfarçado sob a maquiagem da assistência. Para tratar-
se faz necessário negar todo o contexto institucional e romper com a neutralidade que
afasta o profissional de saúde do verdadeiro sofrimento do sujeito diante de si, até então
camuflado na sua condição de indivíduo institucionalizado.

Encontramo-nos, portanto, diante da necessidade de uma


organização e da impossibilidade de concretizá-la; diante do
imperativo de formular um esboço de sistema que funcione como
ponto de referência para em seguida transcendê-lo e destruí-lo; diante
do desejo de provocar mudanças a partir de cima e da necessidade de
esperar que elas se elaborem e se desenvolvam a partir da base;
diante da busca de um novo tipo de relação entre doente, médico,
equipe hospital e sociedade, em que o papel protetor do hospital se
divida eqüitativamente entre todos ...; diante da necessidade de
manter um certo grau de conflito, capaz de estimular e ao mesmo
tempo reprimir a agressividade, as forças individuais de reação de
cada doente em particular. (Idem: 117)

O trabalho realizado por Franco Basaglia no hospital de Gorizia, envolve nova


demanda para técnicos, pacientes, suas famílias e a sociedade. Este se organiza sobre
três pontos centrais de intervenção na prática cotidiana: origem e pertencimento de
classe dos usuários; a pretensão de neutralidade e conseqüente produção de verdades
científicas e, finalmente, a função social da tutela como controle social da instituição

45
psiquiátrica. A doença como produção psiquiátrica, passa então, a ser colocada entre
parênteses, permitindo a aproximação e relação com o sujeito dentro de sua real
condição de sofrimento psíquico. Despojam-se do indivíduo os valores
institucionalizados da doença, o seu duplo. A periculosidade, a irrecuperabilidade e
incompreensibilidade da doença precisam ser desconstruídas, necessitam ser vistas por
outro prisma, diverso da sintomatologia gerada pelas condições institucionais. A
contratualidade, poder de negociação dos indivíduos nos vários espaços por onde circula
e reinserção psicossocial se tornam metas prioritárias na reconstituição dos sujeitos que
sofrem.
A desinstitucionalização, dentro dos parâmetros da reforma psiquiátrica italiana,
significa, dentre outros aspectos, desmontar o aparato teórico-clínico gerado pela
instituição psiquiátrica. A cura passa a ter sua importância deslocada para um conjunto
complexo de estratégias indiretas e mediatas, na prática cotidiana, de enfrentamento dos
problemas de forma crítica. Priorizam-se projetos de reprodução social, nos quais são
valorizados os recursos positivos do serviço e de todos que estão nele inserido,
objetivando uma inserção saudável destes indivíduos no meio.

(...) os diversos tipos codificados de ‘terapia’(médica,


psicológica, psicoterapêutica, psicofarmacológica, social etc ...) são
considerados como momentos também importantes, mas redutivos e
parciais, sobretudo se isolados e codificados (...) Se se trata de pensar
que “a liberdade é terapêutica”, cada ato em liberdade pode ser
terapêutico. Ao se tratar de desinstituir a doença como experiência
que não é superável da existência, trata-se de valorizar, mais que o
sintoma (sobre o qual se constrói a instituição), o conjunto de
recursos positivos do serviço e da demanda. (...) o trabalho
terapêutico deve enfrentar efetivamente um campo de ação complexa.
(Rotelli, 1990: 46)

A desinstitucionalização tem dentre seus objetivos à supressão da internação,


construindo serviços substitutivos com a responsabilidade de suprir todas as
necessidades em saúde mental da população assistida. Estes, dentro da perspectiva da
reforma psiquiátrica italiana, se tornam o eixo de todo o sistema de saúde mental,
orientando outros recursos e possibilidades correlatas, tais como: moradias assistidas,
cooperativas de trabalho, etc., também dando suporte junto à rede de instituições da

46
organização social, dentre elas, escolas e tribunais. O enriquecimento das competências
técnicas é mais um desdobramento deste processo.
A complexidade do lidar diário com o padecimento psíquico de indivíduos em
Centros de Saúde Mental, impõem um rearranjo nas modalidades e recursos de
intervenção. Valorização e centralização no trabalho em equipe com auto-avaliação
constante do desenvolvimento do trabalho substituem as verdades científicas, assim
como a priorização da dimensão afetiva na relação médico-paciente surgem para tomar
o lugar da neutralidade terapêutica.

(...) a nova política de saúde mental é um campo no qual se


formam “culturas das necessidades e dos recursos” no qual os
cidadãos, as comunidades locais, os “usuários” se mobilizam como
atores em conflito, se organizam, constroem soluções e produzem
inovações no modo de funcionamento das estruturas institucionais.
(Idem: 55)

No que diz respeito à produção de recursos e ao enfrentamento da crise fiscal


nas instituições, da burocratização e desperdício, a desinstitucionalização, traz como
contribuição a possibilidade de produção efetiva através de recursos escassos
deslocando os investimentos em aparatos tecnológicos e materiais para o material
humano, promovendo eficácia e autonomia das pessoas.
A crise produtiva trazida pelo novo modelo de atendimento impele aos serviços
organizar as diversas modalidades de contato, encurtando os tempos de latência nas
crises e tornando mais precoce a intervenção. A prevenção, cura e reabilitação
transformam-se numa prática única, suscitando, portanto, modalidades mais flexíveis de
intervenção, com maior prontidão e adequação as questões demandadas. O papel dos
serviços passa a ser a promoção das mais variadas formas de reprodução social, tanto
dos usuários quanto de seus familiares.

(...) Na nossa experiência, a reconstrução da história através


dos múltiplos momentos de contato e de conhecimento entre o serviço
e a pessoa, nos seus locais de vida, com a rede de suas relações, com
os seus problemas materiais e concretos, tende a colocar a crise no
interior de uma série de nexos que são capazes de torná-la
compreensível (não de explicá-la!), de dar um senso à crise e, enfim,

47
de recuperar a relação entre valências de saúde, os valores de vida e
a própria crise . (Dell’Acqua & Mezzina, 1991: 56)

A invenção de novas estruturas terapêuticas, gerando a Instituição Inventada,


que objetiva produção de vida, investindo na reconstrução de sentido e produção de
valores permitindo ao individuo reingressar ao meio social com novos papeis,
desenvolve estratégias levando ao encontro de um novo tipo de relação, implementando
contratos entre usuários, técnicos e a sociedade, onde responsabilidades são
compartilhadas abandonando critérios de uma ciência abstrata e de instituições pautadas
na violência e na tolerância. A coexistência nos serviços de usuários das mais diversas
patologias – crônicos e agudos – e das mais variadas classes sociais e faixas etárias
através da troca de experiências, permite o crescimento mútuo ao partilhar problemas.

(...) Elementos, traços, segmentos, partes sãs, ‘normais’, são


particularizáveis em cada sujeito ‘doente’ e é sempre possível
reconhecer um significado e valorizar o nexo entre normalidade e
anormalidade, entre estar bem e estar mal, entre estar em condição de
agir e precisar de ajuda. Enquanto a psiquiatria clínica tende a
reconhecer apenas os traços patológicos, anormais, insanos, os
sintomas da doença, a prática do serviço, já descrita, consegue
valorizar o nexo dialético entre saúde e doença e, em conseqüência,
também os componentes sãos, as expressões de saúde, de
normalidade. (Idem: 77)

Nas estratégias desenvolvidas e utilizadas na Instituição Inventada, o momento


de crise perde o caráter de ruptura no curso da existência do indivíduo, são levados em
conta a historia de vida, os percursos institucionais anteriores, contexto familiar,
possibilitando a reconstrução de sua historia, dando sentido a todo este contexto sem o
objetivo de explicá-lo. A crise então, assume um valor dinâmico, de solução e
reconstrução do percurso institucional, social e familiar, como também da própria
ruptura gerada pelo advento da crise. Apesar do caráter inovador e criativo mediante as
demandas apresentadas, por se tratar de um espaço institucional, as atenções devem
estar sempre voltadas aos aspectos regressivos gerados pela própria institucionalização,
que podem ser suscitados tanto por usuários quanto técnicos. Repensar, como exercício
constante inerente às práticas do serviço e sobre as práticas do serviço, torna-se a

48
palavra-chave, tanto no enfrentamento dos riscos da institucionalização quanto para
manutenção da riqueza de trocas existentes dentro deste espaço, aberto as contribuições
da comunidade, influindo qualitativamente nos percursos individuais de todos
envolvidos.

49
III. O Problema da Prática de Cuidados e Reinserção Social dos Jovens no
Contexto da Reforma Psiquiátrica

A prática de cuidados e reinserção psicossocial de adolescentes com grave


padecimento psíquico através dos dispositivos de atenção diária têm como pressuposto
básico os procedimentos orientados pela reforma psiquiátrica. Por se tratar de uma
clientela jovem, esta questão do “desvio da norma” parece estar mais ligada às
instituições da área da educação e da justiça, do que da saúde propriamente dita. Há
poucos serviços e dispositivos na área de saúde mental voltados para seu tratamento.
Institucionalizar esta clientela não parece ser tarefa difícil. Dá-se, no entanto, de
forma sutil. É uma rotina observar jovens com tratamentos por anos a fio em
ambulatórios, nos quais são somente medicados e devem comparecer mensalmente para
avaliar a dosagem do medicamento. Também é uma constante que profissionais, através
desta rotina, informam aos pais ou familiares dos adolescentes, que estes devem se
acostumar e tolerar a difícil situação em que se encontram, apontando esta como a única
forma de tratamento.
Algumas famílias exauridas e descrentes, respaldadas por longo período de
peregrinação pelos poucos serviços existentes, apresentando sempre a mesma forma de
tratamento ou então aventando a possibilidade de um tratamento melhor, mas que tem
de ser efetuado em instituições díspares e distantes, acabam optando pela internação
domiciliar de seus filhos. Passam elas mesmas a ser seus “médicos”, considerando-se
habilitados pela longa experiência oferecida pelo convívio com os serviços.
Esses pais aceitam e acomodam-se ao isolamento dos filhos dentro de um
quarto, geralmente proporcionado pela contenção medicamentosa ou sintomas do
padecimento psíquico em que se encontram. Estes jovens, por sua vez, se mantém por
longos períodos alheios ao ambiente circundante e a tudo aquilo que seria natural ao
mundo adolescente: a escola, as aprovações ou não para o próximo período letivo e o
burburinho dos amigos entrando pela porta de suas casas; os amigos, as patotas e as
contendas constantes com os pais pelo horário da chegada à noite em casa ou a ida um
determinado baile, boate ou discoteca; os namoros, o linguajar e roupas próprias que
entram e saem facilmente do circuito dos modismos; são muitas as coisas que perdem.
Talvez possamos dimensionar esta problemática quando nos reportarmos aos dados
epidemiológicos voltados a população infanto-juvenil. Estes dados apontam para uma

50
prevalência de transtornos mentais para esta faixa etária de 10 a 15%2, sendo que cerca
de 50% destes transtornos tendem a produzir incapacidade permanente3.
O desfecho desta “internação voluntária” é dramático e, geralmente é antecedido
por uma crise. Caso esta crise ocorra ainda dentro do período da adolescência, o
dispositivo de tratamento existente para acolhida a este jovem ainda é o mesmo que o
manteve dentro deste circuito de institucionalização do atendimento
ambulatorial/medicamentoso ou da internação familiar.
Ao completar dezoito anos de idade as perspectivas de atendimento e acolhida à
crise será provavelmente efetuada por um dispositivo de internação, o mesmo que se
destina aos adultos, desfazendo-se de imediato, neste momento, a questão da
especificidade técnica do profissional a lidar com o atendimento ao jovem adulto. Não
há dúvidas de quem irá atendê-lo no hospital psiquiátrico. As circunstâncias em que
geralmente ocorrem as internações envolvem dispositivos de segurança – policiais ou
soldados do corpo de bombeiros e ocorrem sob coação, agressão física de parte a parte,
seguida de imobilização. Saem todos – jovens, familiares, profissionais envolvidos –
traumatizados.
Assim, as bases e preceitos da reforma psiquiátrica brasileira, alicerçados na
Reforma Psiquiátrica Italiana, se fazem igualmente necessárias a esta população jovem.
O atendimento ambulatorial e as internações psiquiátricas como os únicos dispositivos
existentes para lidar com o adolescente frente a um padecimento psíquico grave, só
pode ser vista como uma prática institucionalizante e cronificante que deve ser
desconstruída em nome não somente dessa população em questão, mas de seus
familiares e todo o contexto social no qual estão inseridos.
Rotelli (1990: 29) orienta em que bases esta desinstitucionalização deva se
dar.

(...) este primeiro passo da desinstitucionalização consiste


no fato de que não se pretende enfrentar a etiologia da doença (...),
mas, ao contrário, se adota a direção de uma intervenção prática
que remonte a cadeia das determinações normativas, das definições
científicas, das estruturas institucionais.(...) Por isso, a
reproposição da solução reorienta de maneira global, complexa e

2
Steinberg, D. 1994. Adolescent Services. In: Child and Adolescent Psychiatry: Modern Approaches
(Rutter, M. & Taylor, E. & Hersov,L.) Oxford: Blackwell.
3
Offord,D & Fleming, J. 1995. Epidemiologia. In: Tratado de Psiquiatriada Infância e Adolescência.
(Lewis, M.- Org.) Porto Alegre: Artes Médicas.

51
concreta a ação terapêutica como transformação institucional. (...),
porque a terapia não é mais entendida como a perseguição da
solução-cura, mas como um conjunto complexo, e também cotidiano
e elementar, de estratégias indiretas e mediatas que enfrentam o
problema em questão através de um percurso crítico sobre os
modos de ser do próprio tratamento.

Mesmo dentro da ótica de desinstitucionalização, mantém-se a questão da


especificidade profissional para o enfrentamento destas demandas surgidas na prática
diária com adolescentes. Um dos principais atores deste processo são os técnicos no
interior das instituições, eles ativam o sistema, tornando dinâmicas as competências,
interesses e potencialidades individuais adormecidas, tornando-se também interlocutor
das demandas sociais.
Ter um novo olhar para este sujeito-adolescente imerso na doença mental,
também surgido da homogeneização dos atendimentos e procedimentos, como da
institucionalização das práticas, traz a necessidade de técnicos sensíveis às
peculiaridades e demandas da faixa etária em questão.
Reflitamos então, sobre a importância das cooperativas de trabalho criadas a
partir do processo de desinstitucionalização visando que o material produzido nas
oficinas terapêuticas – a laborterapia – deixasse de ser um mero preenchimento do
tempo ocioso e se transformasse a partir de novos parâmetros em uma produção com
significação social. Tal procedimento não possui a mesma importância para os
adolescentes e deve ser relativizado, pois para estes a geração de um produto com
significação social a partir do trabalho, tem ainda papel secundário, sem falar nas
questões legais e jurídicas envolvidas.
A desinstitucionalização é em essência um trabalho terapêutico, voltado para a
reconstituição de sujeitos que sofrem. Ao se abrir mão do mandato da solução-cura,
descortinam-se várias possibilidades de cuidados, no aqui e agora, transformando tanto
as vivências de sofrimento quanto os modos de vida a elas relacionadas. As
transformações da estrutura em decomposição gestadas pela institucionalização da
doença, devem ser implementadas homeopaticamente, gerando novas práticas que se
fundamentem em três pontos básicos, a saber:
O primeiro está relacionado à construção de uma nova política de saúde mental.
As novas práticas propostas dentro dos Centros de Atenção Diária no que diz respeito à
clientela adolescente, necessitam emergencialmente de novas políticas públicas para a

52
população como um todo, deixando de ser uma prática de vanguarda implantada dentro
de uma instituição formadora de ensino, tal como ocorre há aproximadamente quatro
anos no Programa Clube Ponto de Encontro, um dos programas oferecidos pelo Centro
de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil – CAPSIJ, Instituto de Psiquiatria da UFRJ,
destinado a jovens portadores de grave padecimento psíquico .
O segundo diz respeito à centralização do trabalho terapêutico no objetivo de
enriquecer a existência destes pacientes de forma global, complexa e concreta em seu
cotidiano.
E por terceiro, a construção de estruturas externas e territorializadas em
substituição a internação manicomial.4
Para Rotelli,

A emancipação terapêutica (que se torna o objetivo substituto


da “cura”) só pode ser (cientemente) a mobilização de ações e de
comportamentos que emancipem a estrutura inteira do campo
terapêutico.(1990: 31)

Colocar a doença entre parênteses, ou seja, apartá-la de sua construção teórica e


conceitos classificatórios, para então se encontrar com o sujeito dentro de suas
modalidades de produção humana e social, têm significações diversas entre adolescente
e adultos, gerando portanto demandas diversas. Para Amarante (1996: 78), “o princípio
de colocar a doença mental entre parênteses diz respeito à individuação da pessoa
doente”, abrir mão do constructo da doença produzido pelo saber psiquiátrico,
impregnadora da relação médico-paciente.
A doença psiquiátrica dentro das instituições totais gera em si um a doença
mental e seu duplo, gestado e orientado pela própria prática asilar, trazendo em seu bojo
noções de periculosidade, irrecuperabilidade e incompreensibilidade. Dentro deste
sentido o adulto e o adolescente se assemelham. Dentro desta prática institucional não
há distinção nem especificidade por parte dos técnicos em relação aos diferentes e as
diferenças nos indivíduos acolhidos.
Saraceno (1996: 97), nos traz de forma sintetizada sua concepção de serviço
voltada a qualquer sujeito que se encontre numa existência social de sofrimento
psíquico grave.

53
(...) a integração interna do serviço é a adoção de um estilo de
trabalho com alto consumo afetivo, intelectual e organizativo, onde os
recursos se encontram permanentemente disponíveis, as
competências flexíveis e a organização (seja em termos de acesso da
demanda, seja em termos da não-esteriotipia da resposta) orientada
às necessidades do paciente e não às do serviço.

A desinstitucionalização, através da construção de novas políticas de saúde


mental, do enriquecimento e reconstrução da existência dos pacientes de uma forma
complexa e concreta através do trabalho terapêutico e desconstrução dos manicômios
substituindo-o por novas estruturas, foi benéfica não somente aos pacientes, mas trouxe
também novas possibilidades aos profissionais. O Enriquecimento das competências e
autonomia de decisão foram algumas delas, mas provavelmente o maior legado trazido
à área tão ortopedicamente estruturada, tenha sido o princípio de “aprender a aprender”.
A centralização no trabalho de equipe e auto-avaliação constante da mesma no
desenvolvimento do trabalho é o eixo sobre o qual gira ampla variedade de modalidades
e recursos de intervenção surgidos a partir da desinstitucionalização. A formação de
nova profissionalidade baseada no trabalho operativo, na valorização dos recursos
positivos do serviço e dos usuários, na dimensão afetiva da relação usuário-técnico e nas
trocas sociais e terapêuticas, servem de base para a criação de novas estratégias de
atenção para o surgimento de uma instituição inventada, que no entender de Rotelli ,

A produção da vida e a reprodução social que são o objetivo e


a prática da “instituição inventada” devem evitar as estreitas vias do
olhar clínico, assim como de investigação psicológica e da simples
compreensão fenomenológica, e fazer-se tecido, engenharia de
reconstrução de sentido, de produção de valor, tempo,
responsabilizar-se, de identificação de situações de sofrimento e
opressão, reingressar no corpo social, consumo e produção, trocas,
novos papéis, outros modos materiais de ser para o outro, aos olhos
do outro.(1990: 93)

4
O CAPSI Pequeno Hans, criado em dezembro de 1998 e o CAPSI Elisa Santa-Roza em agosto de 2001,
são os únicos dispositivos de base territorial existentes até o momento no município do Rio de Janeiro,
voltados para infância e adolescência, atendendo respectivamente as APs e .

54
A demanda psiquiátrica é complexa. Além do sofrimento psíquico envolvido,
também estão presentes no processo, os agentes de encaminhamento, a forma de
chegada ao serviço e as passagens institucionais anteriores, tenham elas ocorrido em
dispositivo asilar ou não. A crise, segundo Dell’Acqua (1991), para além de um
episódio de desestruturação e intenso sofrimento psíquico, significa a ruptura de relação
com o contexto familiar e social e recusa a qualquer tipo de tratamento, gera alarme e
incapacidade dessas instâncias para enfrentá-la e se torna um momento onde a prática
de prevenção, cura e reabilitação se converge de forma unitária e se fazem necessárias.
Os Centros de Atenção Psicossocial, como locus privilegiado de intervenção a
crise, têm a responsabilidade de dar conta das múltiplas necessidades em saúde mental
da população assistida, transformando-se portanto no eixo do sistema, coordenando uma
série de possibilidades e estruturas paralelas e complementares, tais como: moradias
assistidas, cooperativas de trabalho e etc. O acolhimento deste sujeito neste contexto se
torna então a função primeira, prescindindo a questão diagnóstica, já que o binômio
solução-cura deixa de ser o eixo do tratamento. Além deste acolhimento não isolar o
usuário de seu ambiente, no caso específico do adolescente, deve ser extensivo aos seus
familiares. A expressão de demandas e os aspectos envolvidos antes e depois da eclosão
da crise são facilitados no sentido de trazer redução da ansiedade e conseqüente alívio,
possibilitando reconstituição da realidade via confrontos e produção de sentido. A
formulação de um programa prático de atendimento pode então ser construída.
As relações entre técnicos e usuários devem ser levadas em conta dentro de suas
particularidades e existir dentro da lógica de enriquecimento e reconstrução das
relações. Os profissionais do serviço devem transitar por todas as valências terapêuticas
propiciando uma relação global entre ele e o usuário. Os laços de afetividade e
cumplicidade devem ser favorecidos dentro e fora dos serviços, como também entre os
mais diversos tipos de usuários, com maior ou menor grau de comprometimento e das
mais diversas classes sociais. O desenvolvimento no território de onde provém o usuário
e onde também deve ser implantado o serviço – territorialidade – é também o locus
apropriado para o desenvolvimento de competências para manutenção da tutela, da
proteção e do apoio a estes indivíduos.
Para Saraceno (apud Basaglia, 1999: 67), “o louco é antes de tudo um sujeito
social condenado a uma perda progressiva de contratualidade não só afetiva, mas
social, econômica e civil” e é nesta perda de contratualidade que os serviços devem
intervir, dando suporte aos pacientes na reinserção em diversas atividades do campo

55
doméstico e social, instrumentalizando-os, material e simbolicamente, na reprodução
social e melhoria de qualidade de vida. Saraceno (1999: 123), nos aponta ainda, que:

A desabilitação é também empobrecimento da rede social,


perda quantitativa e qualitativa: e isso a partir da primeira rede
social disponível que é o núcleo familiar, mais ou menos ampliado.
Creio seja um erro manter distinto demais esses dois âmbitos,
a rede social ampliada e familiar, já que freqüentemente a margem
que as separa é sutil e, sobretudo, o sofrimento da rede familiar influi
na riqueza da rede ampliada e vice-versa. Conseqüentemente,
intervenções que melhorem o setting familiar geram também
expansões da rede ampliada.

Ainda na perspectiva de cuidados aos familiares, visando novas possibilidades


de inserção para os usuários e àqueles diretamente ligados em sua prática cotidiana,
Saraceno (1999: 125) acrescenta, citando Thornicroft:

(...) Os objetivos da intervenção familiar deveriam ser os


seguintes: reduzir os riscos de recaída para os paciente psicóticos
(esquizofrênicos), melhorar a qualidade de vida dos familiares e do
paciente, ensinar habilidades de manejo e minimização dos sintomas e
da desabilitação.

O aumento da capacidade de negociação, objetiva e subjetiva, e de subjetivação dos


usuários e também dos familiares quando estamos lidando com uma população de
usuários adolescentes, faz com que progressivamente surjam novas necessidades e
conscientização, possibilitando a compreensão e expressão de suas próprias exigências e
expectativas, em última instância, norteadores em torno do qual os serviços devem se
organizar. Um exemplo expressivo desta questão foi a criação da Oficina de
Sexualidade dentro do Programa Clube Ponto de Encontro um ano após o início do
programa. Esta demanda não se deu de forma explícita e nem foi verbalizada por
nenhum dos usuários, mas todo o espaço de convivência foi inundado por esta temática,
surgindo em momentos ora significativos ora inapropriados, exigindo por parte da
equipe percepção e capacidade de vocalização das demandas suscitadas.

56
Não se trata, portanto, de abrir mão dos diversos dispositivos técnicos existentes e
já que “os diversos tipos codificados de ‘terapia’(médica, psicológica,
psicoterapêutica, psicofarmacológica, social e etc ...) são considerados como momentos
também importantes, mas redutivos e parciais, sobretudo se isolados e codificados”
(Rotelli, 1990: 46). Criar espaço de autonomia para decisões e cooperação de todas os
atores envolvidos – usuários, familiares, técnicos, comunidade, etc. – possibilita a
expressão da criatividade e dos recursos individuais segundo a própria cultura,
linguagem e comportamento. A programação de atividades culturais, tais como:
passeios, festas e etc. são momentos que permitem o exercício de tomada de decisões,
de criatividade e da aceitação dos limites e disponibilidades de todos os envolvidos.
A complexidade do lidar com a “existência-sofrimento de um corpo em relação
ao corpo social” dentro do espaço institucional dos serviços, deve nos remeter a uma
repensar constante a respeitos das práticas cotidianas desenvolvidas e dos entraves
vividos, para que estas – práticas e entraves – não venham se transformar em “crises”
que possam incorrer no risco de institucionalização do serviço. Dell’Acqua (1991: 74)
nos alerta, com sua experiência, para o fato de que

(...) O serviço é, não obstante, sempre um espaço institucional


e como tal reproduz continuamente aspectos regressivos de
‘institucionalização’, quer nos pacientes em sua relação com o
serviço, quer nos operadores e na sua relação com o trabalho.

A gama de práticas e cuidados oferecidos em Centros de Atenção Psicossocial,


envolvendo direta ou indiretamente, usuários, técnicos, familiares e a comunidade em
suas mais variadas representações, dizem respeito a um novo processo de atendimento a
sujeitos com grave padecimento psíquico. Estas práticas de intervenção valorizam os
potenciais, comportamentos e produções subjetivas da clientela assistida, reconhecendo
os nexos entre normalidade e anormalidade, entre saúde e doença. Este processo se
torna ainda mais significativo, quando se trata de população adolescente, pois estamos
lidando com um sujeito ainda em processo de desenvolvimento psíquico e social. Em
última instância, estaria se desconstruindo a doença nos momentos iniciais de sua
configuração, tentando impedir a construção de uma “carreira manicomial” e abrindo
novas possibilidades de produção e integração no ambiente social.

57
IV. Programa Clube Ponto de Encontro e seus Recursos Terapêuticos

4.1. Metodologia de trabalho

O presente trabalho tem como objetivo geral efetuar um estudo exploratório da


implantação e a pertinência das práticas, procedimentos e instrumentos utilizados no
Programa Clube Ponto de Encontro. São os objetivos específicos desta investigação os
desdobramentos de suas práticas e procedimento no que diz respeito as intervenções
especificamente voltados aos familiares e/ou responsáveis da clientela atendida.
Para realizar o trabalho tomamos como objeto de estudo o Programa Clube
Ponto de Encontro e as práticas de assistência voltadas aos familiares da clientela
assistida, sendo então realizado um estudo de caso, centrado no estudo de caso único do
tipo crítico. O referido programa foi selecionado para esta pesquisa por ser, dentre os
cinco dispositivos de assistência voltados para o atendimento da população infanto-
juvenil, na área de atenção psicossocial no município do Rio de Janeiro, o de maior
tempo de existência e também por atender especificamente a jovens, na faixa etária de
12 anos a 18 anos incompletos. Seu público é constituído por jovens acometidos por
neurose grave e psicose, diferentemente da maioria dos serviços que têm, como
proposta inicial, sua população alvo crianças e como patologia a ser preferencialmente
tratada, o autismo.
Os principais autores da reforma psiquiátrica italiana, já expostos anteriormente,
foram utilizados como base teórica para a confrontação com a realidade empírica
analisada. Partimos da hipótese de que o conjunto destas práticas, inclusive às voltadas
especificamente aos familiares e/ou substitutos, viabilizam a reinserção social, i.e., a
retomada do processo de desenvolvimento psíquico e social, compatível com a
patologia e faixa etária dos jovens atendidos.
Ao levar em conta o principio básico da reforma psiquiátrica e um dos
parâmetros do modelo político e contingente apontado por Denis & Champagne dentro
das teorias das organizações (Hartz, 1993: 67), no qual os atores envolvidos no processo
de reinserção psicossocial são os mais habilitados para discutir e refletir sobre os
benefícios e impasses do processo, utilizamos as dúvidas, afirmações, reflexões e
queixas, ou seja, a ótica dos técnicos da equipe e dos familiares dos jovens assistidos
pelo programa para efetuar esta análise.
Os instrumentos utilizados para propiciar a vocalização dos técnicos da equipe e
dos familiares dos usuários do Clube Ponto de Encontro foram respectivamente as

58
entrevistas semi-estruturadas e o grupo focal. Com estes instrumentos buscou-se
identificar o papel e a implicação da especificidade profissional para o tratamento de
jovens dentro de um contexto multiprofissional; o tipo de relação existente entre os
técnicos da equipe e os familiares e entre os familiares e os adolescentes; o
envolvimento, compreensão e participação dos familiares no tratamento dos filhos;
quais os atributos e competências dos técnicos e quais os tipos de atitudes dos pais ou
responsáveis frente aos adolescentes para que o tratamento dos jovens possa se
desenvolver da forma mais adequada possível dentro do programa. Também foi
utilizados, no presente trabalho, a transcrição do percurso de ingresso e tratamento de
dois usuários do programa com o objetivo ilustrar de forma vívida os caminhos e
descaminhos surgido ao longo do atendimento dos jovens, seus familiares e a rede
social envolvida.
A Ata de Reunião da equipe técnica do programa, que desde seu início contém o
registro da evolução, transformação e criação dos procedimentos utilizados, foram
submetidos a análise de conteúdo onde foram utilizadas as seguintes estruturas: 1)
organizativas – oficinas terapêuticas, clube de pais, etc. e 2) operativas – equipe
profissional, instrumentos utilizados, etc., como suporte para a reflexão e investigação
exploratória da implantação do programa ao longo dos últimos quatro anos.
A legislação psiquiátrica vigente para a área da infância e adolescência – portaria
nº 336 de 19 de fevereiro de 2002, a lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da
Criança e do Adolescente e o projeto inicial do Clube Ponto de Encontro serviram como
pano de fundo para a análise pretendida.
O presente trabalho se insere na perspectiva de fornecer subsídios a nível técnico
ao articular à prática a teoria, dando visibilidade ao processo através de sua
apresentação, quantificação e análise de dados, para o fomento de políticas públicas à
infância e adolescência na área de saúde mental. Pretendendo possibilitar também, num
sentido multiplicador, a formação e treinamento de recursos humanos voltados aos
cuidados a crianças e adolescentes com grave padecimento psíquico em diversas áreas
ainda não cobertas por este tipo de prática de atendimento. Reorientando a
responsabilidade dos profissionais da área para além do ato de executar e produzir
cuidados e os possibilitando também a promover a organização social desta produção
em modelos assistenciais.
Ao privilegiar a reinserção psicossocial e trabalhar com um conceito de saúde
mental para além da visão organicista, levando em conta tanto fatores subjetivos quanto
sociais e seus entrelaçamentos, tem como resultado imediato à melhoria da condição de

59
vida desta população e como objetivo último à reversão do processo de exclusão social
que traz em seu bojo um pesado ônus à sociedade.

4.2. O Programa Clube Ponto de Encontro

O Programa Clube Ponto de Encontro, foco da atenção do presente trabalho, foi


herdeiro direto do Programa Ambulatorial para Adolescentes sob Risco de Internação,
de caráter ambulatorial, criado há cerca de onze anos atrás. Este foi inicialmente
denominado de Programa Ambulatorial de Assistência ao Adolescente Psicótico, por
achar na ocasião, que esta seria a população alvo a ser atendida e que somente ela
estaria sujeita à internação psiquiatria. A experiência de alguns anos de trabalho deixou
claro que adolescentes portadores de neurose grave ou transtorno de conduta5 poderiam
estar sujeitos ao mesmo destino. A dificuldade do diagnóstico para este tipo de
patologia na adolescência e/ou a transgressão de costumes e regras pré-estabelecidas no
contexto social poderiam ocasionar a mesma condução “terapêutica” destinada aos
adolescentes portadores de transtornos psiquiátricos graves. O Programa Ambulatorial
Adolescente sob Risco de Internação contemplava todos os desdobramentos
terapêuticos referentes à clientela atendida. Além do atendimento psicoterápico do
adolescente e do acompanhamento terapêutico aos pais ou substitutos visando a
readequação do jovem ao processo de desenvolvimento emocional, evitar a internação
psiquiátrica do adolescente e conseqüente carreira manicomial a que estaria sujeito após
a primeira internação, era uma de suas tarefas principais.
Apesar da flexibilidade do programa, este se mostrou limitado na questão da
reinserção social do adolescente no que diz respeito à retomada das atividades sociais,
escolares e laborativas. Uma boa parcela dos jovens atendidos, apresentava maior
gravidade no que se referia a própria patologia e/ou a sua relação com seu contexto,
quer fosse ele familiar ou social. E para esta população o atendimento ambulatorial não
apresentava resultados satisfatórios.
O Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil – CAPSIJ, foi inaugurado em
agosto de 1998. Em espaço físico mais adequado ao tipo de funcionamento e atividades
propostas e diferenciado do Setor Infanto-Juvenil do Instituto de Psiquiatria da UFRJ,
onde funcionava e funciona até a presente data o Programa Ambulatorial para

60
Adolescentes sob Risco de Internação. O Programa Clube Ponto de Encontro foi o
primeiro a funcionar neste espaço. Aproximadamente após um ano da inauguração do
CAPSIJ, o Projeto GEPETO – Grupo de Estudos, Pesquisas e Trabalhos em Oficinas –
iniciou seu funcionamento e alguns meses mais tarde o Programa PASMEC – Projeto:
Adolescente, Saúde Mental e Cultura6- também deu início a suas atividades. Os três
programas passaram a dividir o mesmo espaço físico.
O Clube Ponto de Encontro funciona às segunda, quartas, quintas e sextas-feiras
no horário de 9:00 horas às 16:00 horas. Em seu horário de funcionamento são
oferecidas diversas Oficinas Terapêuticas, que objetivam através de atividades lúdicas e
verbalizações relativas às práticas vividas, trabalhar questões da constituição desses
jovens enquanto sujeitos e promover o restabelecimento de vínculos sócio-afetivos e
conseqüentemente a socialização, levando em consideração as características e
necessidades específicas desta faixa etária. As oficinas terapêuticas têm como proposta
central uma abordagem coletiva, mas buscando um direcionamento singular, levando
em conta a história de cada um ali envolvido. Elas também oferecem possibilidades de
no “aqui e agora” poder se investir nestes sujeitos, em sua adolescência, na
transformação da condição patológica, e de seus familiares e da rede social que os cerca.
Os objetivos do programa e conseqüentemente das oficinas são em primeira instância, o
atendimento adolescente na faixa etária de 12 anos a 18 anos incompletos, portadores de
neurose grave ou psicose com a rede de sociabilidade comprometida. Propiciar um novo
espaço, que não o da exclusão e o aumento do poder de contratualidade (Saraceno,
1999) possui neste contexto a mesma valência (Rotelli, 1990) que impedir a construção
de carreira manicomial para estes jovens.
Além do contexto global, cada oficina possui suas especificidades e objetivos
próprios. A Oficina do Movimento se fundamenta no campo teórico da
psicomotricidade e tem como princípio básico ajudar no desenvolvimento psicossocial
pela via da ação e do jogo, privilegiando o corpo através de diversas propostas de
atividades lúdicas sensório-motoras7. A Oficina do Movimento e de Capoeira possuem
em comum a questão do trabalho com o corpo, mas esta última possibilita um canal de

5
Bentes, A. L. S. 1999. “Tudo Como Dantes no Quartel D’Abrantes: Estudo das Internações Psiquiátricas
de Crianças e Adolescentes Através de Encaminhamento Judicial. Dissertação ENSP/FIOCRUZ,
aprofunda o estudo desta temática.
6
O Programa GEPETO e o programa PASMEC, tal qual o Programa Clube Ponto de Encontro
contemplam a questão da exclusão, mas com direcionamento a populações diversas. O primeiro trabalha
com o “fracasso escolar” como um fenômeno social desqualificante e o segundo com jovens
institucionalizados por afastamento ou ausência do contexto familiar.

61
expressão da agressividade socialmente valorizada e permite ao jovem desenvolver sua
auto-estima a partir da aquisição de habilidades físicas além de estimular a expressão
corporal e mantê-lo em contato com a musicalidade e com a cultura afro-brasileira8.
A Oficina da Palavra tem como matéria-prima histórias. Não só as histórias
presentes nos livros, como também, as trazidas pelos adolescentes em forma de textos
escritos ou em conversas.Seu objetivo é oferecer aos participantes um espaço de
expressão, reflexão, elaboração e troca interpessoal através de atividades que giram
em torno da escrita, da leitura e das conversas9. Já a Oficina de Lazer, privilegia o
empreendimento de práticas dentro e fora do espaço físico do programa, dando suporte
aos adolescentes na conquista de autonomia e segurança no gerenciamento de ações em
suas vidas. As atividades da Oficina compõem-se de planejamento e debate sobre as
atividades de lazer, bem como à prática propriamente dita - higiene, festas, almoços,
jogos, etc10.
As Oficinas Terapêuticas oferecidas no presente momento, são: Cartonagem,
Sexualidade, Lazer, Vídeo, Culinária, Bijuteria, Capoeira, Movimento, Medicação e
Cuidados em Saúde, Salão de Beleza, Reciclagem (atividade em conjunto com o
Hospital-Dia de adultos), Palavra e Jornal. Ao todo são 13 oficinas. Além das Oficinas
Terapêuticas são desenvolvidas outras atividades coletivas. A Assembléia, idas ao
Campo de Futebol onde os jovens geralmente partilham atividades com alunos de
Escola Municipal que utiliza o campo para aulas de educação física, o Almoço e as
Atividades Livres que se dão nos intervalos das oficinas – tênis de mesas, jogos de
tabuleiro, ouvir som, etc. O somatório de todas as atividades acima descritas fazem
parte do cotidiano dos adolescentes ao freqüentarem o Programa Clube Ponto de
Encontro.
A questão familiar foi contemplada com a criação do Clube de Pais, onde, de
forma sistematizada, são tomados como responsabilidade do serviço à intervenção junto
aos pais ou responsáveis, assim como a rede social dos adolescentes atendidos.
As atividades desenvolvidas pelo Clube de Pais podem ser caracterizadas
por atividades ditas regulares e atividades sujeitas à demanda. Sua implementação ao
longo do tempo exigiu o esforço de acompanhar e suprir as necessidades dos pais, na
sua própria emergência.

7
Relatório Final do Seminário Interno realizado em agosto de 2002 no Centro de Atenção e Reabilitação
para Infância e Mocidade-CARIM, denominação atual do somatório do que anteriormente foi o CAPSIJ e
o Setor Infanto-Juvenil, com a temática As Especificidades de um Centro-Dia Infanto-Juvenil. Pg. 25.
8
Idem, pg. 28.
9
Idem, pg. 27.
10
Idem, pg. 26.

62
As atividades regulares que ocorrem desde o início do surgimento programa
são o Grupo de Pais e a Oficina do Café da Manhã. O primeiro é realizado todas às
quartas-feiras das 9:00 horas às 10:30 horas sob coordenação de uma psicóloga e de
uma assistente social. Os temas abordados giram em torno das demandas trazidas pelos
participantes, pais ou responsáveis dos adolescentes atendidos no Clube Ponte de
Encontro. Estas demandas são diversas. Usos e desusos da medicação, aceitação da
doença mental, sexualidade dos adolescentes, problemas familiares geradores ou
gerados pela doença dos filhos, dificuldade de convívio com estes jovens adoecidos,
vergonha da doença. Todos estes temas servem como uma forma de propiciar a
possibilidade de escuta, troca de idéias e experiências, investindo na transformação
destas em ações mais adequadas no convívio entre pais e filhos.
A Oficina do Café da Manhã, realizada em dia e hora fixa, funciona a partir
da oferta da primeira refeição aos jovens, extensiva aos pais. É coordenada por
psicóloga e psicomotricista da equipe. O momento informal de reprodução espontânea
de hábitos domésticos e conversas familiares, é utilizado como facilitador de
intervenções mais adequadas e pontuais.
É privilegiado no Clube de Pais o atendimento em grupo o que não se reduz à
mera estratégia assistencial visando à otimização do quantitativo de pais a serem
atendidos. Esta forma de trabalho é utilizada como um meio de quebrar o isolamento
das famílias e propiciar o diálogo. O diálogo para estas famílias, fica evidente desde o
primeiro momento de contato, parece ser uma prática pouco usual dentro ou fora do
habitat doméstico. As comunicações são muito empobrecidas ou se realizam de forma
excludente sem valorizar ou privilegiar o interlocutor. Normas a serem seguidas, ordens
a serem acatadas sem questionamento e sem levar em conta nenhuma das necessidades
dos componentes deste pequeno grupo – a família – sucedem-se sem que eles mesmos
se dêem conta.
Os primeiros sinais da doença dos filhos parece detonar o processo crescente de
isolamento, não só do jovem reconhecido como doente, mas também da maior parte dos
membros deste grupo familiar. Evitam festas, passeios, passando a ter como companhia
somente uns aos outros. O contato com “estranhos” é seletivo, em momentos
necessários ao desenrolar das atividades diárias, mas sem o contexto caloroso e de troca
que o contato humano genuíno nos propicia.
Aproximar, fazer falar, ouvir, despertar interesses, criar um espaço de
interlocução são alguns, da longa lista de objetivos e possibilidades que queremos
despertar nesses pais entorpecidos. O trabalho em grupo, com suas múltiplas

63
possibilidades terapêuticas se torna um útil instrumental para este fim. Transformar
essas falas aparentemente estereotipadas e padronizadas, numa possibilidade de
enriquecimento subjetivo, abrindo espaço para novas identificações dentro do contexto
grupal é, figurativamente, como lançarmos uma gota num espelho imóvel de água que
passa então a se transformar e reverberar paulatinamente por toda sua extensão,
ampliando a pequena ação inicial – a gota d’água. Compartilhar mudanças, abre a
possibilidade e o desejo que elas possam ocorrer no próprio indivíduo. Para Figueiredo
(1997: 72, 73), no grupo:

(...) de conversa em conversa, a tarefa do psicanalista é


acatar a interlocução taticamente para dela destacar a elocução,
convertê-la em fala associativa como um modo de fazer o sujeito se
apresentar com quantas palavras puder (...) Daí em diante, os dados
estão lançados. O sujeito não está sozinho, inteiramente entregue a
sua sorte.

Cria-se também, no Clube de Pais, a possibilidade de acolhimento, escuta e


troca entre pessoas com a mesma sorte de dificuldades e padecimentos, diferente da
forma mecânica que esses pais foram obrigados, repetidamente, a relatar a “ história da
doença” de seus filhos a uma extensa lista de profissionais e técnicos. Partilhar entre
iguais traz alívio, facilita a elocução e cria o sentimento de participar de um grupo com
os mesmos problemas e interesses. O espaço grupal criado dentro do Clube de Pais,
tenta dar conta dessas necessidades, respeitando a individualidade e possibilidades de
cada membro desse novo grupo, o de pais ou responsáveis por adolescentes com grave
padecimento psíquico. Retornando a Figueiredo, “(...) O que podemos hipotetizar a
partir daí é que no coletivo dos grupos tanto a elaboração quanto a suposição de saber
pode articular entre os participantes.(...) A função coordenadora, a quem é atribuída à
última palavra, deve ser a de operar com facilitador dessa articulação em que
determinadas falas possam produzir efeitos sobre outras provocando a elaboração.”
(1997: 173)
A reinserção psicossocial, a partir desta visão mais geral, não diz respeito
somente aos jovens, que têm de sair do confinamento domiciliar e retornar a rede social
compatível a sua faixa etária. Os pais, também isolados e de certa forma adoecidos,
precisam reforçar sua condição de sujeitos desejantes, retomando projetos pessoais
independentes ou não do contexto familiar. O atendimento em Centro de Atenção Diária

64
a adolescentes com grave padecimento psíquico passa pelo atendimento de forma
sistemática e visando a restabelecimento da rede social a seus pais, já que são estes os
fundadores de um núcleo social – a família, e responsáveis pela introdução destes
jovens no contexto social mais amplo. Como dar algo que não se tem, como ensinar
algo que não se pode articular e tornar-se um modelo para uma inserção social?
A importância da implicação da família, mais especificamente dos pais ou
substitutos, no atendimento e tratamento de adolescentes com grave padecimento
psíquico, seja na neurose grave ou psicose, tem vasto respaldo no campo teórico e
clínico. Fishman (1996), terapeuta familiar, destaca a necessidade de se atuar junto à
família.
Se a família é o ambiente social em que o adolescente emergiu, deve-se voltar à
atenção para este contexto social que está criando e mantendo o problema em questão,
mesmo sem saber ou desejar faze-lo. Na prática clínica observa-se o quanto à ausência
ou pouco investimento dos pais no tratamento dos filhos, traz dificuldades à evolução
do caso, implicando muitas vezes no abandono do tratamento.
Ao final do primeiro ano de atividade do Programa Clube Ponto de Encontro se
fez necessária à elaboração de estratégias voltadas à retomada da atividade escolar dos
adolescentes atendidos. Essa demanda surgiu em função da evolução positiva dos
adolescentes e de alguns verbalizarem o desejo de retornarem a escola. Essa questão foi
reforçada, na mesma ocasião, pelo ingresso de novos clientes que tiveram a atividade
escolar interrompida pouco tempo antes, em função de uma primeira crise.
A vinculação adolescente-escola é responsabilidade legal dos pais11 e uma
(re)adaptação adequada nesse processo depende do respaldo e acompanhamento destes.
Ao observarmos esses pais, uma extrema ambivalência e dificuldade de dar suporte ao
processo educacional e socialização decorrente deste é percebido. O Clube de Pais toma
para si a responsabilidade de intermediar junto às escolas e aos pais a promoção do
retorno às atividades escolares e o acompanhamento destas atividades durante o período
em que estes jovens se mantêm sob atendimento.
Para isso foi criada uma anamnese específica, voltada à história escolar, que
é feita no momento do primeiro contato com os pais após o ingresso dos filhos no
Programa. As respectivas escolas também são contatadas e solicitado um relatório
inicial relativo ao comportamento e desempenho do adolescente, revisto trimestralmente
a partir do acompanhamento do caso. Desde os últimos meses do ano de 1999, iniciou-
se o contato com o Instituto Helena Antipoff (IHA), através das Agentes de Conduta

65
Típica (CT) – profissionais de formação de nível superior ligadas a questão do ensino -
que nesta instituição são responsáveis pelo atendimento e acompanhamento, quer em
classes especiais (classe multiseriada, desenvolvendo atividades pedagógicas de 1ª à 4ª
série do 1º grau com o número máximo de seis alunos por cada classe) dentro de escolas
regulares, quer em classes regulares (5ª à 8ª série do 1º grau com um agente itinerante
para cada aluno de cada classe), de alunos que apresentem autismo, psicose ou
síndromes correlatas.
Em reuniões com periodicidade bimestral, eram levados os históricos de
jovens habilitados e desejosos do retorno às atividades escolares para encaminhamento,
avaliação psicopedagógica e possível engajamento em classes oferecidas pela rede
municipal de ensino.
Os resultados podem ser observados pelo aumento dos encaminhamentos de
parte a parte. Jovens entre 12 e 18 anos incompletos, que apresentavam sintomas
característicos de nossa clientela, passaram a ser encaminhados pelas escolas através
das agentes de conduta típica, para avaliação e possível ingresso em nosso serviço.
Troca de informações e experiências passou a existir com maior freqüência, como
também a solicitação de auxilio por parte das professoras de classes especiais, cujo
alunos encontravam-se sob atendimento do programa, relativo as suas dificuldades nas
práticas diárias em sala de aula.
Paralelamente, no grupo de pais , o tema escola, passou a ser demandado
por estes, dando oportunidade de tirar dúvidas e suscitar neles um novo tipo de interesse
relativo ao assunto. No momento, com a formalização de uma parceria entre o Programa
Clube Ponto de Encontro e o Instituto Helena Antipoff, sob a responsabilidade do Clube
de Pais, iniciam-se com encontros bimensais, objetivando o estudo de casos clínicos de
alunos da rede municipal sob nosso atendimento, onde participam os técnicos do
programa, os agentes de conduta típica do IHA, e professores de classes especiais.
Futuramente, temos como meta, a formalização sistemática da capacitação dos
professores de classes especiais por de alguns membros da equipe como também a
criação de equipe itinerante para este propósito. Temos a perspectiva de iniciar este
projeto, através de um projeto piloto envolvendo professores de classes especiais de
uma respectiva coordenadoria regional de educação – CRE, áreas em que é dividido o
município para efeito de controle e atendimento da Secretaria Municipal de Educação.
O município do Rio de Janeiro possui 10 CREs.

11
Lei no 8.069, Capítulo IV, Art. 54 § 3o e Art. 55.

66
As atividades sujeitas a demanda, desenvolvidas e oferecidas pelo Clube de
Pais, são aquelas voltadas ao acompanhamento terapêutico a pais, familiares e pessoas
pertencentes à rede social do adolescente. Esta demanda pode surgir tanto por parte dos
familiares ou responsáveis dos jovens assistidos, quanto por indicação da equipe técnica
após discussão em reunião de equipe semanal.
Em geral, o acompanhamento terapêutico surge a partir de uma indicação da
equipe, já que os pais encontram-se imersos num sistema patológico, mostrando-se
perdidos e anestesiados dentro de suas possibilidades de escolha. Outro fator que
contribui negativamente para a procura espontânea deste tipo de atendimento é a cultura
assistencialista, onde se vê os técnicos em saúde como “doutores” detentores de todo o
saber referente à doença e com plenos poderes de intervir e resolvê-la integralmente.
Tal prática tem como contrapartida os pacientes e familiares se
posicionando como sujeitos passivos e estrangeiros a uma doença que influiu
intensamente no seu contexto familiar. A medicação, um entre outros recursos técnicos
a ser utilizado, se transformar na única forma de tratamento e “cura”, anulando qualquer
participação do sujeito no processo e pondo a família como mero espectador e vítima de
uma doença incapacitante que atingiu um de seus membros.
Assim, privilegia-se no Clube de Pais o atendimento em grupo, pois não se trata
de uma mera estratégia assistencial visando à otimização do quantitativo de pais a serem
atendidos. Nesta forma de trabalho, opera-se um meio de propiciar o diálogo e quebrar o
isolamento, pois é patente desde o primeiro momento de contato, que o diálogo para
estas famílias é uma prática em desuso há longa data, dentro e fora de seu habitat.

67
V. Descrição e Análise dos Recursos Oferecidos pelo Programa Clube Ponto de
Encontro

Ao privilegiar a ótica dos atores sociais envolvidos – técnicos da equipe


multiprofissional e familiares e/ou responsáveis dos adolescentes – para realizar a
análise da implantação e da pertinência das práticas, procedimentos e instrumentos
utilizados no Programa Clube Ponto de Encontro foram utilizados três tipos de
instrumentos para a coleta do material, ou seja, a vocalização dos atores envolvidos.
O primeiro instrumento utilizado foi a Ata de Reunião da equipe do programa,
registro espontâneo na qual é feita a descrição da evolução, transformação e criação dos
procedimentos implantados e em torno da qual a equipe multiprofissional –
profissionais efetivos, estagiários de graduação e pós-graduação, voluntários e por vezes
profissionais externos convidados à participar em função da discussão a ser efetuada –
realiza as discussões a respeito dos impasses clínicos, das transformações e
implementações burocrático-administrativa que devem ser realizadas e onde as decisões
são tomadas com a participação de todos os membros. Neste material foi feita análise de
conteúdo com a utilização de categorias levantadas especificamente para tal processo, a
saber: estruturas organizacionais e estruturas operacionais.
O segundo instrumento utilizado foi a entrevista semi-estruturada, realizada com
os técnico da equipe multiprofissional. Dentre os oito profissionais efetivos do
programa, pertencentes a diferentes categorias profissionais dentro da área de saúde
mental, foram escolhidos aleatoriamente quatro deles. Este instrumento buscava
identificar a ótica dos técnicos com relação a concepção do programa e suas práticas,
especificidade do tratamento direcionado à adolescentes, as competências e atributos
dos profissionais envolvidos, os resultados esperados e o término do tratamento. Na
seção referente a descrição e análise da atuação e concepção dos técnicos do programa ,
para efeito de identificação, as falas dos entrevistados serão seguidas pelas
denominações subseqüentes: Técnico 1, técnico 2, técnico 3 e técnico 4.
O terceiro instrumento, o grupo focal, foi a técnica de pesquisa qualitativa
utilizada com os familiares e/ou responsáveis dos jovens assistidos pelo programa e a
rede social a eles ligada. A utilização desta técnica visava reproduzir o momento onde
estes atores se reúnem semanalmente para falar de suas dificuldades, trazer suas
sugestões, refletir e buscar soluções para si e seus filhos – o Grupo de Pais. Com o
objetivo de facilitar a interlocução entre os participantes e o coordenador e os

68
participantes entre si, foram arbitrados dez participantes para o grupo focal. Esta escolha
foi aleatória, respeitando o percentual freqüência/representatividade destes no grupo de
pais, ficando portanto o grupo composto por 60% de mães, 30% de pais e 10% de
indivíduos da rede social. Foram excluídos os familiares e representantes da rede social
dos adolescentes ingressos no programa nas duas semanas antes da realização do grupo
focal. Na seção referente a descrição e análise da ótica familiar a respeito do programa,
os participantes do grupo focal serão identificados a partir de suas falas da seguinte
forma: As mães – Mãe 1, Mãe 2, Mãe 3, Mãe 4, Mãe 5 e Mãe 6; os pais – Pai 1, Pai 2 e
Pai 3 e a rede social – Rede 1.
Nestes dois últimos instrumentos a análise do material obtido se realizou através
das categorias explicitadas através das questões contidas nos instrumentos apresentados
– entrevista semi-estruturada e roteiro do grupo focal – como também das
temáticas/categorias surgidas com a introdução dos instrumentos.

69
5.1. Registros da Ata de Reunião

Os registros contidos na Ata de Reunião, reunião esta que ocorre todas às


quintas-feiras com a presença de todos aqueles que atuam no Programa Clube Ponto de
Encontro, trazem pela espontaneidade de seus registros e pela vasta gama de assuntos
discutidos, um retrato de sua história e da construção de um espaço de acolhimento
repleto de recursos, estratégias terapêuticas, que aponta políticas de assistência a
população infanto-juvenil. Este material, por sua riqueza, foi privilegiado como objeto
de análise, de análise documental.

Apelar para estes instrumentos de investigação laboriosa de


documentos, é situar-se ao lado daqueles que, de Durkheim a P.
Bourdieu passando por Bachelard, querem dizer não “à ilusão da
transparência” dos factos sociais, recusando ou tentando afastar os
perigos da compreensão espontânea. É igualmente “tornar-se
desconfiado” relativamente aos pressupostos, lutar contra a evidência
do saber subjectivo, destruir a intuição em proveito do “construído”,
rejeitar a tentação da sociologia ingênua, que acredita poder
apreender intuitivamente as significações dos protagonistas sociais,
mas que somente atinge a projecção da sua própria subjectividade.
(Bardin, 1995: 28)

Ao utilizar a análise de conteúdo pretendemos ultrapassar a incerteza de que o


material analisado possa ser válido e generalizável e o enriquecimento da leitura pela
descoberta de conteúdos e estruturas que possam conduzir a uma descrição de
mecanismos que a priori não tínhamos a compreensão (Bardin, 1995).
Numa primeira leitura do material foi possível perceber que o processo de
implantação do programa se dividia em períodos ou etapas. Para melhor compreensão
da análise resolvemos nomear, definir e delimitar estes “espaços de tempo”, que foram
divididos em três períodos. O primeiro, denominado de “Experimentação como forma
de ação” que teve início em novembro de 1997, período pré-inaugural, no qual não
havia ainda de um espaço físico específico designado para tal atividade, tendo desde
então o registro em livro-ata das atividades, componentes de equipe, idéias, dúvidas,
decisões e dificuldades. Seu término ocorreu em fevereiro de 2000, por ocasião do
primeiro seminário interno, onde somente a equipe técnica em atividade tentava traçar o

70
perfil do serviço, da equipe e dos usuários. O segundo período que teve início em março
de 2000 e término em dezembro do mesmo ano, foi denominado de período de
“Sedimentação”. Espaço de tempo curto marcado inicialmente por toda efervescência
da tentativa de auto-reconhecimento da equipe e das atividades efetuadas. O
rompimento deste percurso adveio e foi marcado por mudanças abruptas de ordem
administrativas/contratuais com relação aos técnicos do programa. O terceiro e último
período, iniciado em janeiro de 2001 e com término em agosto de 2002 foi denominado
de período de “Avaliação e Integração na Rede”. A mudança no tipo de vínculo
funcional da equipe parece ter suscitado inicialmente uma avaliação do seu próprio
papel e importância dentro do programa e esta avaliação parece ter invadido todos os
espaços e aspectos do trabalho.
A análise deste material documental espontâneo acompanha o processo desta a
data inicial até agosto de 2002 , onde pela primeira vez foi realizado seminário interno
com a participação de profissionais da área de saúde mental, externos ao programa,
compartilhando com a equipe técnica do CARIM12, suas experiências e reflexões sobre
a temática proposta – As Especificidades do Atendimento à Crianças e Adolescentes
em Centro-Dia.

Do que se trata quando se fala de um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS?


Qual o sentido do Programa nele inserido? Do que ele deve dar conta? Como o
Programa entende e implementa a proposta de reinserção psicossocial? As Oficinas
terapêuticas constituem o método de trabalho de todo o CAPSIJ? No que difere e o que
tem em comum com CAPS de adultos? Qual a especificidade deste dispositivo? O que
foi feito e que caminhos seguir? Estas foram e são as questões colocadas pelo membros
da equipe e sua coordenação.

Nas leituras subseqüentes pudemos observar o delineamento de estruturas que


acompanharam o processo de implantação do programa. Estas estruturas seriam a
essência do trabalho em si, dando identidade, conformação e viabilidade ao conjunto de
práticas e estratégias efetuadas. Estas estruturas por sua vez possuem características
distintas e por serem distintas foram nomeadas de estruturas organizacionais e estruturas
operacionais. As estruturas organizacionais possuem por atributo dar conformação a
estrutura pelo fato possuir objetivos definidos, acarretando-lhe, portanto, uma função
específica e conseqüentemente um sentido dentro do sistema. As estruturas operacionais
possuem por atributo proporcionar funcionalidade e ação as estruturas organizacionais,

71
pô-las em movimento. Por fazerem parte de um todo, estas estruturas interagem entre si
de forma dinâmica e em freqüências variáveis sendo que as estruturas organizacionais,
com identidade e objetivos próprios, seriam os eixos sobre os quais as estruturas
operacionais realizariam suas ações e permitiriam o funcionamento das
mesmas e do programa como um todo. Há uma composição e hierarquização de
importância, segundo ao raio alcance e efetividade de ação que cada estrutura pode
possibilitar ao programa como um todo, dentro do conjunto de cada uma dessas
estruturas – organizacional e operacional. As estruturas organizacionais, por ordem de
importância são: 1) Oficinas terapêuticas; 2) Clube de Pais; 3) Atividades Extra-Muros;
4) Visita Domiciliar. As estruturas operacionais, também por ordem de importância,
são: 1) Equipe Multiprofissional; 2) Horário de Funcionamento; 3) Instrumentos
(prontuários, atas, etc.). Há duas estruturas que não foram acima relacionadas por
fazerem parte dos dois campos de estrutura, são eles a Reunião de Equipe e o Seminário
Interno. São, ao mesmo tempo, estruturas organizacionais com identidade e objetivos
próprios e instrumentos por suscitarem ações que provocam a reflexão e auto-avaliação
do funcionamento do programa como um todo. Ambas têm alcance e intensidade de
ação semelhantes com o diferencial da periodicidade.
Daremos curso a análise de conteúdo efetuando primeiramente uma breve
exposição historicizada de cada período previamente definido e delimitado, seguida de
posterior análise e reflexão a respeito do funcionamento das estruturas organizacionais e
operacionais em jogo no processo de implantação do programa.

Experimentação como forma de ação – novembro de 1997 a fevereiro de 2000

O programa Clube Ponto de Encontro teve seus primeiros passos a partir de


novembro de 1997, mesmo antes de sua inauguração em 13 de agosto de 1998 e
utilizou-se do espaço físico da sala de musicoterapia, cedida nos momentos em que
estava ociosa. Esta sala se situava dentro do espaço físico do Instituto de Psiquiatria,
mas fora das dependências do Ambulatório Infanto-Juvenil.

As atividades eram oferecidas duas vezes por semana, pelo período de


aproximadamente quatro horas, sendo que um dia à tarde e ou outro na parte da manhã..

12
Centro de Atenção e Reabilitação para Infância e Mocidade-CARIM, denominação atual da unificação
do que anteriormente foi o CAPSIJ e o Setor Infanto-Juvenil.

72
Não havia Oficinas Terapêuticas e as atividades se organizavam segundo o desejo
coletivo e nele se estruturavam. Inicialmente parecia haver uma indefinição quanto a
população alvo e um certo acolamento ao Programa do qual fora originado. O contato
com os familiares era ocasional e sem nenhum tipo de estratégia que visasse à
manutenção do atendimento aos adolescentes. Havia poucos usuários, no máximo três
por dia de atividade, que com a chegada das férias escolares do início do ano de 1998,
deixaram de vir.

A ausência de clientela deu origem as primeiras reflexões. A partir deste período


até a inauguração oficial do programa em agosto de 1998, houve somente reuniões de
equipe com o objetivo de estrutura-lo como um programa. As temáticas giravam em
torno da criação de atividades sistematizadas e estruturadas – as oficinas terapêuticas,
levantamento da possível clientela, divulgação do programa, importância do trabalho
com os familiares e a inauguração do serviço. Objetivos e estratégias foram se
definindo. Desde de junho de 1997, o Grupo de Sala de Espera no ambulatório do Setor
Infanto-Juvenil foi uma das primeiras estratégias de divulgação e captação de clientela.

O modelo de funcionamento do Programa Clube Ponto de Encontro, que se


pretendia diário iniciava-se no café da manhã seguido de turno de atividades matinal;
almoço; turno de atividades vespertina que se finalizavam com o lanche do final de
tarde. Esse modelo se mantém até hoje como ideal, mas as atividades do programa não
conseguiram ser realizadas em todos os dias da semana.

Em 13 de agosto de 1998 foi inaugurado o Programa Clube Ponto de Encontro


em espaço físico próprio e com atividade somente às quartas-feiras. A equipe técnica foi
constituída de coordenador – professor do Instituto de psiquiatria/ Ambulatório Infanto-
Juvenil e seis voluntários. As primeiras contratações ocorreram em novembro do
mesmo ano, o que permitiu que as atividades se realizassem também nas segundas-
feiras. A partir de abril de 1999 as atividades se ampliaram para às sextas-feiras.

As reuniões de equipe, até hoje realizada às quintas-feiras, pareciam ter nos


primeiros meses a finalidade de analisar o ingresso dos usuários, discutir as dúvidas
quanto a atuação dos técnicos nas atividades do serviço e gerar ou não novos
procedimentos. A discussão em equipe girava inicialmente em torno das atividades do
dia e das oficinas terapêuticos. As dúvidas ou procedimentos não bem sucedidos
retornavam a pauta de reunião.
A partir de fevereiro de 1999, de forma sutil, as discussões centradas nas
atividades diárias tendo como pano de fundo os casos clínicos se invertem. Passam a se

73
dirigir no indivíduo, para além da discussão clínica. As relações dentro e fora do
serviço, a família e o contexto social dos adolescentes – a escola, os amigos entram
sistematicamente em pauta, i. e., discute-se o indivíduo no coletivo e sua reinserção no
espaço social. Os assuntos levados para a pauta da reunião de equipe eram discutidos
quase em sua totalidade. Quando ocorria de exceder o tempo, os pontos retornavam
impreterivelmente na próxima reunião. Ao término da reunião eram indicados temas a
serem discutidos num próximo encontro.

Os primeiros ajustes organizacionais ocorreram em maio de 1999 com a criação


de instrumentos específicos para o serviço, como fichas de atendimento, anamnese e
“contrato terapêutico” específico para cada usuário ingresso. Surgem os primeiros
estagiários de graduação – serviço social e psicologia, cuja participação na reunião de
equipe se torna obrigatória.

A “experimentação como forma de ação” aparecia claramente nas discussões de


equipe e formou um continuum ao longo do período. Passeios fora do serviço,
prescrição médica e sua efetivação por parte dos familiares dos usuários, número de
participantes por oficina , número de técnicos por oficina, número de pacientes/dia,
atuação dos técnicos no momento das refeições coletivas eram temas recorrentes no
sentido de possibilitar uma ação consensuada por parte da equipe. Não se constituíam
normas, nem seguiam um padrão.

O “Clube de Pais”, conjunto de atividades terapêuticas direcionadas aos pais


e/ou substitutos como estratégia de manutenção do tratamento dos adolescentes e
propiciador da mudança nas relações entre os usuários e seus familiares, passou a ter
identidade própria deslocando-se da figura do seu coordenador, sendo reconhecido
efetivamente pelos usuários e técnicos. A recepção dos familiares dos usuários que
ingressam no programa passam a ser de responsabilidade do Clube de Pais.
No último trimestre do ano de 1999, o programa, pela mão de seus técnicos,
passou a ser objeto de trabalhos apresentados em seminários, simpósios e congressos.
Houve aproximação e intercâmbio com profissionais de outros serviços voltados para
infância e adolescência para a discussão de caso dos usuários – Centro de Orientação
Infanto-Juvenil – COIJ do Hospital Phillipe Pinel, Departamento de Psicologia Aplicada
– DPA da Universidade Sta. Úrsula, Núcleo de Atenção à Violência – NAV do Instituto
de Psiquiatria/UFRJ. Surgiu uma parceria, inicialmente informal, com o Instituto
Helena Antipoff da Secretaria Municipal de Educação, gerando encaminhamentos de
ambas as partes, visando tratamento e inserção desta clientela no ambiente escolar.

74
O final do ano de 1999 e início de 2000 foi marcado por perdas e ganhos
significativos. Alguns voluntários, coordenadores de oficinas, que não foram efetivados
no programa através de vínculo empregatício, deixaram o serviço por falta de
perspectiva futura quanto a possibilidade de remuneração e inserção na equipe em
igualdade de condições. Por outro lado, a realização do seminário interno, tendo como
pauta de discussão o perfil da clientela, a constituição da equipe, o papel do programa
enquanto formador de recursos para a rede de saúde mental para clientela infanto-
juvenil, trouxe um maior grau de maturidade a todos envolvidos e amplia as
perspectivas e existência futura do programa.

O Seminário Interno trouxe algumas posições consensuadas pela equipe, a saber:


Há uma estreita ligação entre o perfil da clientela e capacidade de acolhimento da
equipe multiprofissional e conseqüentemente do programa, o estabelecimento de
critérios rígidos pautados no quadro diagnóstico limite este perfil; o critério de ingresso
no programa está ligado ao risco de exclusão social, a gravidade clínica e ao sofrimento
psíquico, ou seja, ao diagnóstico situacional; o diagnóstico psiquiátrico não é critério
determinante na permanência do usuário no programa; o desejo e a disponibilidade para
atuação em equipe multiprofissional sem abrir mão de sua formação profissional é a
habilitação necessária para se trabalhar com reabilitação psicossocial.
O período de experimentação como forma de ação foi expressivo com relação a
criação e desenvolvimento de estruturas, quer fossem elas organizacionais ou
operativas. As oficinas terapêuticas surgiram enquanto estrutura com identidade própria
a partir da inauguração do programa e desde então têm solidificado de forma
quantitativa e qualitativa, suas ações. Num primeiro momento, todos os esforços
parecem ter girado em torno deste processo, tendo em vista que por um longo período
se tornou rotina discutir sistematicamente as atividades e desdobramentos terapêuticos
realizados em cada oficina terapêutica existente no programa. As reuniões de equipe
neste período funcionaram, em termos estruturais, de forma mais operacional.
Possibilitaram a criação de instrumentos que solidificassem os alicerces do programa
– as oficinas. Outra estrutura organizacional que solidificou, passando a ter identidade
própria com conseqüente fortalecimento de seus alicerces foi o Clube de Pais. O
reconhecimento e nomeação da atividade por parte dos usuários e da equipe
multiprofissional foi abalizador desta conquista.

Alterações na constituição da equipe multiprofissional mostrou, desde o início


da implantação do programa, sua influência na conformação do mesmo. A solidificação

75
dos vínculos empregatícios desdobraram-se em termos quantitativos e qualitativos na
estrutura organizacional – definição e aumento do número de oficinas terapêuticas – e
nas operativas – aumento do horário de funcionamento, i.e., do número de dias de
tratamento oferecidos aos usuários. Por se tratar de uma estrutura dinâmica, alterar
positivamente ou negativamente uma das partes, influi-se neste mesmo sentido com o
todo.
A introdução e conseqüente criação de uma nova estrutura organizacional foi
precedida de um período de circulação de idéias e reflexão dentro da reunião de equipe,
o que parece não ter ocorrido no mesmo sentido em relação as estruturas operacionais.
Antes da instituição das Atividades Extra-Muros, esta temática se apresentou de
diversas formas nas discussões e no campo de ação dos técnicos, sendo que inicialmente
trazidas através da demanda dos jovens e/ou seus familiares sobre queixas relativas ao
seu isolamento social, quer fossem eles a ausência de passeios nos finais de semana,
visitas a parentes ou desejo de retorno as atividades escolares. As estruturas
operacionais, por serem de caráter pragmático, geraram efeitos e ações rápidas. Neste
período houve uma grande geração de novos instrumentos – formulário, agendamento
para recepção de familiares, atas das oficinas, etc. – para dar suporte as estruturas
organizacionais existentes e em processo de sedimentação.
O seminário interno, ao final deste período, tal qual as reuniões de equipe, serviu
como um instrumento de avaliação da operatividade do programa, mais precisamente da
definição a quem ele se direcionaria, já que este – o programa – pareceu ter se
considerado implantado, mas ainda com dúvidas quanto ao perfil dos demandantes.
Podemos dizer que este período foi marcado pela sedimentação das estruturas
organizacionais básicas ao funcionamento do Programa Clube Ponto de Encontro.

Sedimentação – março a dezembro de 2000

As mudanças ocorridas no programa neste período foram desdobramentos ou


complementos das atividades realizadas até então. Com relação à equipe técnica houve
o ingresso do primeiro médico residente em psiquiatria e a contratação de auxiliar de
enfermagem. Houve criação de novas oficinas, aumento do número de visitas
domiciliares e das atividades “extramuros”. Ocorreram pequenas mudanças nas oficinas
terapêuticas em função da mudança no perfil dos adolescentes recém ingressos no
76
programa. Estes jovens com o surgimento da crise em faixa etária mais avançada
apresentavam uma maior inserção em contexto social com características mais
adolescentes do que infantis demandaram outro tipo de atividades e inserção com a
equipe técnica. Houve troca de funcionária que efetuava o serviço de limpeza, pois a
equipe optou por pessoa que tivesse disponibilidade e afinidade com adolescentes.

Nas reuniões de equipe se consolidou o formato da pauta. Primeiramente eram


discutidas as questões administrativas e posteriormente os “casos clínicos”. O ingresso e
permanência dos usuários eram discutidos neste fórum, como também o limite da
atuação da equipe e das possibilidades de mudança dos usuários, “o que é desejo da
equipe e o que é desejo do usuário e sua família”. A equipe se tornou mais consistente
no suporte a questões paradigmáticas trazidas no acolhimento e atendimento dos jovens,
tais como acatar a decisão dos mesmos em relação ao uso da medicação ou escolha da
forma de reinserção no ambiente escolar.

O ingresso de maior número de usuários no programa fez com que as regras


relacionadas às atividades efetuadas e seus horários fossem revistas, discutidas e
sedimentadas. Maior número de estagiários de graduação foram incorporados ao
programa, mas o controle e definição de suas atividades ainda não se encontrava
totalmente definido.

O segundo seminário interno foi realizado em cima da avaliação dos prontuários


e ocorreu ao final do ano de 2000, e a partir deste período se estabeleceu a realização de
seminários internos anualmente. A escolha dos prontuários como tema de discussão em
equipe foi feita pelo coordenador da equipe, por perceber as deficiências na utilização
do instrumento. Foi constatada a necessidade de adaptação da anamnese para a
população alvo do programa e de maior utilização do instrumento para registro da
evolução e atividades nas oficinas do programa. Em equipe, cada análise de prontuário
ensejou discutir o projeto terapêutico do usuário para o ano subseqüente.

O período de sedimentação se caracterizou pela solidificação das estruturas


organizacionais já existentes. Esta solidificação propiciou a criação de novas atividades
delineadas no período precedente. As Atividades Extra-Muros e posteriormente as
Visitas Domiciliares foram criadas sob a chancela de um conjunto ações bem sucedidas.
Novas estruturas organizacionais criadas geraram uma nova demanda operacional com a
conseqüente criação de novos instrumentos e aprimoramento dos já existentes. Houve
aumento do quadro técnico com a inclusão de novos profissionais e estagiários. Todo

77
este processo resultou no incremento da qualidade das atividades oferecidas e
possibilitando ao mesmo tempo, o ingresso de um maior número de usuários.

Outra marca deste período foram as transformações sutis de caráter qualitativo


ocorridas tanto nas estruturas organizacionais quanto operacionais. O atendimento a
demanda dos usuários, cujo perfil foi mais bem definido em seminário interno ao final
do ano de 1999, foi o norteador destas mudanças. Poderíamos inferir que o período de
experimentação como forma de ação foi marcado por esforços voltados essencialmente
ao crescimento e atendimento das demandas do próprio programa e o período de
sedimentação eminentemente voltado para atender a demando dos usuários assistidos
pelo programa.

Avaliação e Integração na Rede – janeiro de 2001 a agosto de 2002

O ingresso neste período foi precipitado pela mudança abrupta na forma de


vínculo empregatício dos técnicos do programa, isto é, pela passagem de regime de
trabalho CLT para cooperativa. Na primeira reunião de equipe deste ano foi discutida a
questão e aventada a possibilidade de saída dos membros da equipe caso as condições
de trabalho não fossem satisfatórias. Esta possibilidade poderia inviabilizar a existência
do programa, já que todos técnicos tornaram-se cooperativados.

Este episódio suscitou um movimento de crítica/autocrítica e direcionou o foco


do trabalho para dificuldades diárias, como por exemplo o acompanhamento e definição
de estratégia para os usuários faltosos. A pauta de reuniões parecia ter chegado a sua
forma definitiva. Oficinas terapêuticas foram criadas – Oficina de Reciclagem, Oficina
de Cartonagem – ou reformuladas – Oficina da Palavra que se de desdobrou e gerou a
Oficina do Jornal. A atuação da equipe em casos difíceis se tornou mais intensa e com
maior diversificação de recursos, gerando estratégias como: reuniões envolvendo
professores, coordenadores de escola e técnicos do programa, como também contato e
acompanhamento terapêutico envolvendo a rede social de adolescentes assistido pelo
programa. As atividades extramuros se intensificaram – passeios e visitas culturais. Os
acordos realizados na reunião semanal de equipe se solidificaram e passaram a ter peso
de lei para a equipe, possivelmente por serem discutidos exaustivamente até se tornarem
decisões consensuadas.

78
A equipe se tornou cada vez mais exigente reavaliando com maior freqüência os
contratos e/ou projetos terapêuticos acordados com os pacientes. Adolescência normal e
sintomas e doenças psiquiátricas na adolescência eram temas recorrentes nas discussões,
convocando os técnicos a pensar sobre estas diferenças. Intensificou-se a necessidade de
discutir e avaliar a participação e implicação subjetiva daqueles que atuaram
diretamente com os adolescentes. Problemas de relacionamento entre membros da
equipe também foram discutidos, tendo como resultado imediato reavaliação e
conseqüente resolução de pendências e deficiências existentes no trabalho e não
discutidas.

Foi dinamizada a entrada de novos adolescentes no programa e ocorreram as


primeiras altas ou remanejamentos de alguns usuários com faixa etária acima de 18
anos, para serviços de adultos na rede de atendimento em saúde mental.Houve
alterações na constituição e composição da equipe. Por envolvimento em vários outros
projetos, saiu da equipe, técnica que tinha atuação exclusivamente no Clube de Pais.
Outra voluntária, coordenadora de oficina terapêutica, se afastou do programa em
fevereiro de 2001. Houve ingresso de dois novos técnicos, uma enfermeira e uma
assistente social. A psiquiatra da equipe, por assumir cargo de chefia em outro serviço
de saúde mental infanto-juvenil, inicialmente reduziu carga horária no programa e
posteriormente se desligou.

As atividades extramuros se solidificaram com as parcerias institucionais e a


projeção do trabalho efetuado no Programa Clube ponto de Encontro. O Instituto
Helena Antipoff estreitou suas relações e trocas com o serviço, trazendo bons resultados
nas práticas de atenção aos usuários para ambas instituições envolvidas. Contato com
profissionais, coordenadores de oficinas de atividades artísticas do Museu da República
que oferecem programas de profissionalização para adolescentes, gerou parceria,
permitindo a criação de oficina onde os adolescentes inseridos no programa interagiam
com outros adolescentes que lhes transmitiam suas experiências. Este processo efetuou
trocas numa via de mão dupla, permitindo por um lado a aproximação dos usuários do
programa com jovens inseridos no contexto social com a mesma faixa etária e por outro,
rompendo a naturalizada distância entre os “normais” e os “doentes mentais”.

O advento das Conferências Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde Mental


aproximou a equipe desta temática. O programa teve um de seus membro
representando-o como delegado nas conferências municipal e estadual e a mãe de um
dos jovens, na condição de representante do segmento dos familiares dos usuários de

79
serviço de saúde mental, como delega nas três conferências. Os técnicos do programa
passaram a se envolver cada vez mais com atividades e cursos de aprimoramento
permitindo não só a ampliação de conhecimento, mas a divulgação do próprio
programa. O coordenador do Programa foi convidado para dar curso sobre psicose na
adolescência e novos dispositivos de tratamento direcionado a esta clientela em Maputo,
Moçambique. Novo episódio de ordem contratual – ausência de pagamento – ocorre
com os técnicos efetivos do programa ao final do ano de 2001. Como reação ao fato e
sinalização a instituição do desagrado da equipe como um todo, foi consensuado em
reunião de equipe a interrupção das atividades do programa nos últimos dez dias do ano.

Em março de 2002 ocorreu a inauguração do Centro de Atenção e Reabilitação


da Infância e Mocidade – CARIM, em espaço físico reorientado para tal atividade com
o objetivo de unificar o serviço ambulatorial infanto-juvenil e o centro de atenção
psicossocial infanto-juvenil/CAPSIJ. No mesmo ano o Programa Clube Ponto de
Encontro foi recredenciado segundo as normas constantes na portaria 336 de fevereiro
de 2002, que criou e regulamentou os dispositivos em saúde mental para a população
infanto-juvenil. A partir de agosto, sob os auspícios da nova política de integração do
serviço, além da reunião de equipe do programa, tornou-se sistemática a reunião dos
três programas oriundos do CAPSIJ – Programas GEPETO, PASMEC e Clube Ponto de
Encontro. Objetivo desta reunião bimensal foi agilizar e dinamizar a rede assistencial
interna.

Todo este período de intensas mudanças institucionais precedeu a realização do


terceiro Seminário Interno ocorrido na última semana de agosto de 2002 nas
dependências do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, com a participação de convidados,
profissionais da área de saúde mental, externos ao programa. O encontro foi motivado
pela necessidade dos técnicos repensarem seu papel dentro do programa, o papel do
programa para com seus usuários e as especificidades do mesmo como um dispositivo
inserido numa rede de serviços de assistência aos portadores de transtornos mentais
graves. Foi feita uma avaliação do serviço pelos adolescentes, que se transformou em
ponto de pauta do seminário interno.

O período de avaliação e integração na rede se caracterizou por intensa


efervescência deflagrada por uma abrupta alteração no status da relação institucional de
uma de suas estruturas operacionais – a equipe multiprofissional. Inicialmente não se
pode precisar se esta alteração acarretaria impacto negativo ou positivo no programa
como um todo. Ao final de breve período, percebido sutilmente pelo registros na ata de

80
reunião, surgiu o movimento de auto-avaliação, possivelmente alicerçado pela coerência
interna, desenvolvimento e sedimentação das estruturas existentes, organizacionais e
operacionais. A necessidade de autovalorização da equipe multiprofissional e de
garantia da existência e evolução do Programa Clube Ponto de Encontro ocasionou a
intensificação, que ao longo de todo período de existência do programa foi insipiente e
irregular, da divulgação de suas atividades dentro da rede de instituições ligadas as
políticas, formação profissional e assistência a adolescentes portadores ou não de
transtornos mentais graves.

Algumas estruturas do programa se estabelecem quanto sua função


organizacional, entre elas o seminário interno. Ao se estabelecer enquanto estrutura
organizacional, em nova direção, o seminário interno passa a ser o instrumento para a
operacionalização da nova meta a ser alcançada pelo programa/equipe multiprofissional,
a inserção na rede de assistência enquanto. O crescimento em proporção geométrica,
tanto quantitativo quanto qualitativo, sofrido pelo programa possibilitou a integração,
ainda instável de suas estruturas. Esta integração pode ser observada pela resultante
obtida pela supressão de qualquer uma dessas estruturas dentro do todo.

Ao olharmos o processo de implantação como um todo, integrando os períodos


que o compõem podemos perceber seus compassos e descompassos. Houve constante
preocupação em desenvolver atividades, dar significados a elas e acompanhar sua
funcionalidade. Algumas estruturas operacionais ainda são deficitárias – Equipe
Multiprofissional e Horário de Funcionamento – no que diz respeito a sua constituição,
forma de inserção e capacidade total de funcionamento. Estas estruturas deficitárias
provavelmente foram as gerados da integração instável do programa com a rede. A
evolução da formatação e conteúdo das pautas, a resolução e debate dos temas a elas
levados na mesma reunião ou em subseqüente e a evolução das discussões passando a
centrar-se na problemática sujeito e no seu entorno sócio-cultural, podem ser apontadas
como marcas positivas neste processo.

Algumas estruturas operacionais, apesar de aparecerem nos registros da ata


desde momentos iniciais de implantação do programa, foram efetivados muito tempo
depois do surgimento do primeiro registro ou ainda não foram realizadas. Na primeira
condição se encontra dispositivo operacional “técnico de referência” - profissional da
equipe que acolhe desde os momentos iniciais o usuário recém ingresso, tornando-se
referência para este com relação ao tratamento e junto aos demais técnicos do serviço. A
formatação definitiva da anamnese inicial voltada para a população adolescente e a

81
proposta da criação de oficinas permanentes e oficinas temporárias com financiamento
externo possibilitando a concessão de bolsas à voluntários e estagiários, que surgida no
segundo seminário interno, não conseguiu ser implementada.

O objetivo da análise documental foi enriquecer a tentativa exploratória e


verificar, em conjunto com as análises das entrevistas semi-estruturas realizados com
técnicos do programa e análise do grupo focal realizado com os familiares que serão
expostas a seguir, se as hipóteses levantadas são pertinentes ou não, i.e., se o conjunto
destas estruturas organizacionais e operacionais que se desdobram em práticas,
procedimentos e instrumentos viabilizam a reinserção psicossocial dos jovens atendidos
pelo programa.

82
5.2. Atuação e Concepção dos Técnicos no Programa.

O presente trabalho visa trazer a luz às competências e potencialidades dos


procedimentos e práticas realizados em um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-
Juvenil, especificamente no Programa Clube Ponto de Encontro que tem como
população assistida adolescentes portadores de grave sofrimento psíquico. Portanto, este
local se propõe ser um espaço onde estes jovens possam se constituir sujeitos.
Primeiramente no sentido jurídico, visto que de acordo com o código civil em vigência
a pessoa13 ao contar com 18 anos de idade é possuidora de autonomia civil, sendo
independente da autorização dos pais para executar qualquer ato na vida civil,
conseqüentemente privando-os da proteção legal dos pais. Sob outro aspecto, através do
prisma da desinstitucionalização, se possa gerar uma possibilidade de constituição do
sujeito, já que se trata de uma população adolescente , neste espaço de tratamento onde
cuidar trata de ocupar-se no “aqui e agora” deste sujeito que sofre e transformar estes
sofrimentos em formas de sentir e viver (Rotelli, 1990).
Para analisar esta questão nada melhor que ouvir os atores envolvidos no
processo de reinserção psicossocial, por serem potencialmente capazes de participar,
intervir e gerar novas demandas como também discutir e refletir sobre os benefícios e
impasse do processo. Saraceno (1999: 102) também nos aponta que

(...) com certeza, a família passou da condição de cúmplice


para a de protagonista que produz consenso e dissenso ao mesmo
tempo, mas de qualquer forma “senso”, e não é mais simplesmente
“usada” como cúmplice ou como vítima. A própria família pode ser
protagonista das estratégias de cuidado e de reabilitação; mas
também as famílias como sujeitos sociais coletivos podem ser
protagonistas e aliados conflitivos das estratégias abrangentes do
serviço.

A relação do jovem/usuário com o programa/técnicos vão para além da proposta


de intervenção pautada no modelo clínico. “Enquanto a psiquiatria clínica tende a
reconhecer apenas os traços patológicos, anormais, insanos, os sintomas da doença, a
prática do serviço, já descrita, consegue valorizar o nexo dialético entre saúde e

83
doença e, em conseqüência, também os componentes sãos, as expressões de saúde, de
normalidade.” (Rotelli:1990, 77).
Esta visão, historicamente recente, resgata a família do lugar de promotora
ou minimamente mantenedora da doença mental que um de seus membros é acometido.
Transporta-a para um novo papel, possibilitando o resgate de uma culpa e introduzindo-
a como aliada e co-responsável no tratamento e a promoção de ações eficazes em
relação ao sujeito que sofre tanto no contexto familiar quanto no espaço social. Os
profissionais se deslocam da função de responsáveis e promotores da “cura” para se
tornarem partícipes da “produção social” dos usuários.
Estas foram as bases utilizadas para privilegiarmos estes atores como objeto
de nossa pesquisa – as famílias e os técnicos do programa Clube Ponto de Encontro. As
técnicas qualitativas de grupo focal ou grupo de discussão com os primeiros e
entrevistas semi-estruturadas com os últimos. Através destas técnicas pudemos captar as
contribuições e impasses, os sensos e dissensos produzidos a respeitos das práticas e
procedimentos realizados dentro do programa.

Os Técnicos e O Programa

O Programa Clube Ponto de Encontro mantém uma equipe técnica constituída


de um psiquiatra, uma enfermeira, três psicólogos, uma assistente social, uma
fonoaudióloga/psicomotricista e a nível médio um auxiliar de enfermagem. Por estar
inserido numa instituição de assistência e ensino conta com alunos/estagiários de
graduação e pós-graduação em psicologia e serviço social na função de estagiários
participando ativamente das atividades oferecidas.
Para efeito da pesquisa foram selecionados de forma aleatória quatro
profissionais do serviço, tendo-se este quantitativo como representativo do corpo
técnico como um todo. A entrevista semi-estruturada e seu conteúdo visavam captar
como o programa, seus procedimentos e sua finalidade são apreendidos por aqueles que
a efetivam junto a sua clientela, os jovens portadores de grave padecimento psíquico.

13
O código civil de 1916 faz referência ao “homem”, enquanto o atual vigente emprega a palavra pessoa.
Esta mudança está em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que estabelece “homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações”, refletindo a igualdade entre homens e mulheres.

84
A escolha aleatória contemplou a diversidade de especialidades profissionais14
existente no programa, permitindo diversos olhares relativos a mesma temática e seus
desdobramentos. O tempo de atividade na função como também o tempo em atividade
no programa foi bastante diverso, foram encontrados profissionais que atuam na área de
saúde mental com a clientela infanto-juvenil há mais de duas décadas, mas em
contrapartida há poucos meses no programa. Outros tiveram sua experiência na área
quase que exclusivamente devido a sua atuação no programa.
O instrumento utilizado – entrevista semi-estruturada – objetiva captar através
dos atores que realizam as práticas de assistência e atuam junto aos jovens, i.e., aqueles
que produzem a realidade assistencial, no que consiste o programa, quais são as suas
características, como esperam e o que esperam alcançar com as práticas realizadas,
como também como se dá a interlocução com os jovens e seus familiares.

Objetivos e Propostas

“Constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária destinada a crianças


e adolescentes com transtornos mentais”, como consta na Portaria Ministerial no 33615
de 19 de fevereiro de 2002 como uma das características de um novo modelo de
assistência em saúde mental para crianças e adolescentes, regulamentada pela primeira.
Definir quais as categorias profissionais habilitadas a executar esta tarefa e as atividades
a serem desenvolvidas nestes Centros, tais como: atendimento individual, atendimento
em grupos, atendimento em oficinas terapêuticas, visitas e atendimentos domiciliares,
atendimento à família, atividades comunitárias e desenvolvimento de ações
intersetoriais, falam muito pouco do dia-a-dia e do contato vivo e dinâmico existente
num local que se propõe a promover novas práticas de cuidados a esta população.
Vários conceitos se misturam, várias definições se entrelaçam, às vezes num
mesmo interlocutor, e chamo de interlocutor àquele que na prática diária tenta traduzir
suas ações: ações legais, ações clínicas, ações sociais e ações de um sujeito que não se
encontra distante, nem isento e muito menos imune as próprias ações que dirige àqueles
que são alvo do tratamento. Espaço de tratamento, ambiente terapêutico, espaço de

14
A escolha aleatória dos técnicos a serem entrevistados recaiu sobre as seguintes especialidades
profissionais: um psiquiatra, um psicólogo, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem.
15
A portaria nº 336 pode ser acessada através do site
http://www.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/GM/GM-336.HTM

85
convivência, espaço clínico, são algumas das definições deste local, o Programa Clube
ponto de Encontro. O que se faz, apesar de ser feito, também é encharcado desta
mistura e destes entrelaçamentos. Então deixemos quem faz, falar.

(...) na minha leitura, é um espaço de convivência, ao mesmo


tempo ele é um dispositivo de saúde mental para trabalhar com
adolescentes com transtornos e sofrimentos psíquicos, que em
função disto vivem em condições paralisantes em suas vidas, seja
escola, seja sair de casa, ter grupos de amigos, enfim (...) receber
os pais desses meninos e possibilitar que uma vez aqui neste espaço
eles possam lidar com a doença de uma outra forma e seus pais
também. De forma que eles possam minimamente se reorganizar, de
uma forma que eles continuem tendo uma trajetória, principalmente
nesta etapa da vida, que é a adolescência, onde eles vão viver pela
primeira vez seus enfrentamentos fálicos diante da vida (...)
(Técnico 2)

Que pode ser dito de outra forma

(...) um espaço de tratamento mais efetivo, um


ambiente terapêutico para adolescentes com graves problemas
psíquicos. O objetivo é possibilitar que sejam mais autônomos, que
possam lidar melhor com as suas dificuldades e possam estar mais
incluídos na sociedade como um todo. (Técnico 4)

E de outra

(...) quando o paciente chega aqui, chega deprimido por


alguma razão na sociedade. Então, o nosso objetivo é reintegrá-lo a
sociedade. Reabilitar aqui o paciente, para que ele possa sair na rua
e possa ter de novo contato com a sociedade. (Técnico 1)

As práticas e atividades oferecidas no dia-a-dia do programa, que poderíamos


agregá-las para efeito de denominação sob o termo oficinas terapêuticas, parecem ser o
mote para se estar junto, tratar, cuidar.
86
(...) a prática terapêutica das oficinas, do dia-a-dia mesmo,
de virem aqui e estarem junto com outros meninos desenvolvendo
atividades que possam ser interessantes para eles e que possam
também servir como álibi para conversarmos sobre as situações de
sua vida com seus pais, com seus amigos, escola. (Técnico 2)

Como fazer e para que fazer parece ser o pano de fundo que permeia todas as
atividades, que por serem eminentemente lúdicas podem trazer a um espectador menos
avisado uma falta de objetivo e uma indefinição de propósitos. Há um propósito sempre
presente em todas as ações e isto é trazido na seguinte afirmação.

(...) O objetivo de toda esta prática vai ser poder trabalhar as


dificuldades que eles estão encontrando por conta da doença e aliviá-
los dessas dificuldades, inserindo-os novamente na prática da
sociedade, que seria a escola, que seriam os amigos, que seria a família,
o dia-a-dia que eles tinham antes. (Técnico 3)

E como se dão estas práticas e estes objetivos?

(...) As práticas seriam: atendimento individual, no caso


psicoterapia; os atendimentos em grupo, no caso seriam as oficinas.
Dentro das oficinas, aí teria de acordo com cada oficina a sua
prática. Algumas são internas ... são feitas internamente, no espaço
físico do Ponto de Encontro. Algumas são ... têm atividades
externas. Algumas têm atividades manuais, outras são só conversas.
Outras têm trabalho com o corpo. E assim cada oficina vai ter a sua
prática e o seu objetivo. O seu objetivo, acredito que seja assim, um
objetivo geral. Cada oficina vai ter seu objetivo específico, mas o
objetivo geral do programa seria estar tentando inserir estes jovens
numa ... uma ressocialização. (Técnico 3)

As atividades diárias e suas dinâmicas parecem introduzir os atores envolvidos


numa reflexão crítica constante, que podem ser trazidas através das seguintes expressões

87
(...) Eu tendo a radicalizar um pouco isto, eu tendo a achar
que o principal espaço do Ponto de Encontro é o espaço coletivo. O
espaço clínico, analítico, psiquiátrico, ele entra para dar uma força
neste espaço maior. Por isto eu acho que o CAPS é um espaço em
construção, e por isso tem de se elaborar melhor esta clínica, mas
eu tendo a nesse nosso dia-a-dia, quando rola muito atendimento
específico, apesar de ser importante, a achar que a gente tem de
tomar cuidado, pois eu acho que aqui é o espaço do coletivo e
devemos esticá-lo o máximo possível. (Técnico 2)

Diferenças e Especificidades

Retornando a alguns pontos introduzidos pela Portaria 336, voltemos-nos para a


questão da diferenciação em modalidades de serviços da complexidade e abrangência
populacional16, e mais especificamente para a questão da diferenciação quanto ao tipo
de clientela assistida, sendo estes serviços denominados CAPS i II e CAPS ad II,
atendendo respectivamente a clientela infanto-juvenil e de portadores de transtornos
decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas. É trazida pela portaria, de
forma implícita, a questão da especificidade do atendimento a diferentes populações
acometidas de grave padecimento psíquico, mas este fato não se faz traduzir através das
atividades propostas para cada população em questão. Os mesmos tipos de atividades
são propostas indiscriminadamente para todo o tipo de clientela a que se pretende
atender17, só encontramos alguma alteração nas atividades comunitárias propostas às
crianças e adolescentes onde se enfoca a integração dos mesmos na família, na escola,
na comunidade ou quaisquer outras formas de inserção social. Para os técnicos do
Programa Clube de Encontro a relação entre a clientela assistida e a especificidade das
atividades a elas destinadas parece ser clara.

(...) Eu não vejo como você trabalhar com adolescência e


infância, seja em que contexto for, de saúde mental, de escola, de
pobreza, sem você ter um acesso ao universo dessa população, ou seja,
da linguagem dessa população. Para trabalhar com os jovens, tem uma

16
A Portaria 336 no artigo 1o , estabelece as modalidades de serviços quanto a complexidade e
abrangência populacional em CAPS I, CAPS II e CAPS III.
17
Itens 4.1.1, 4.2.1, 4.3.1, 4.4.1, 4.5.1 que se referem as atividades prestadas respectivamente nos CAPS
I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II.

88
questão da linguagem dos jovens, de entrar neste mundo da
adolescência, assim como não tem como trabalhar com infância ser
estar no universo do brincar. (Técnico 2)

Acrescenta-se que

(...) O CAPS de adultos,não demanda uma linguagem como


demanda o CAPS de adolescentes e crianças, têm objetivos
diferentes.(...) Se você trabalha com oficinas terapêuticas para
adolescentes, você tem que oferecer coisas que digam respeito a
adolescência, a este código da adolescência, apostar alguma coisa de
interesse que mobilize-os nessa direção. (Técnico 2)

O quantitativo da população assistida é um ponto mencionado na portaria,


quando esta define que em uma população de aproximadamente 200.000 habitantes
serão atendidos por turno 15 crianças e/ou adolescente e que o limite máximo
paciente/dia é 2518. O quantitativo de usuários a ser atendido, também é ressaltado pelos
técnicos do programa, embora os parâmetros não sejam os mesmos para definir esta
questão.

Uma especificidade seria também, por conta da idade, o


número de pessoas que se pode tratar, porque eles demandam mais
cuidados, eles demandam um tempo maior de atenção. (Técnico 3)

Aspectos clínicos também são levados em questão.

(...) entrar na linguagem destes meninos. Por ex.: eu acho


muito interessante um menino, que a gente conhece, possa dizer
assim: “Eu não tomo remédio porque eu saio para dançar à noite e
ele me deixa mole.” Se você ficar aprisionado na questão do
remédio, você deixa de fora o universo deste garoto e que é um
universo que minimamente amarra a ele a um laço social, que é a
dança. Você tem que escutar. A dança é importante para ele, o
universo da discoteca que ele vai é importante para ele. Você não
pode dizer ... o hegemônico é o tratamento, o que é médico. A gente
tem que ouvir esse universo, essa linguagem que eles falam. Então,

89
acho que aqui no Ponto de Encontro, a gente tem até conseguido
isso. (Técnico 2)

A escola é lembrada e o trabalho via profissionalização também.

(...) quando você está trabalhando com adolescente você


também vai estar voltado para a questão da escolaridade. Permitir,
facilitar que ele possa se inserir mais na escola. Seja aquele
adolescente que interrompeu os estudos, seja o que está participando
um pouco, mas que ele possa ficar mais incluído dentro da escola.(...)
Se a gente parte do princípio que o Ponto de Encontro como qualquer
outro Centro de Atenção Psicossocial vai estar o tempo todo tentando
trabalhar para que aquele indivíduo possa estar voltado para a
sociedade,(...) No caso do adolescente, como a questão é a relação
dele com a escola mais do que a relação dele com o trabalho, você vai
sempre estar vendo a questão da escolaridade. (Técnico 4)

Apontando diferenças relevantes no contexto da Reforma Psiquiátrica, onde o


trabalho é apontado como uma forma de investimento para gerenciar a presença do
sujeito portador de grave padecimento psíquico em lugares que lhes são fechados por
certas forma de organizações sociais (Lobosque, 2001:97), não produz esta
equivalência quando lidamos com a população adolescente.

(...) As oficinas terapêuticas para adolescentes são diferentes


das de adultos. São diferentes por conta do que eu falei anteriormente,
uma concepção do trabalho.(...) Eu acho que no caso dos adultos, ela
tem uma diferença também, elas têm uma pegada profissionalizante.
Vamos fazer biscoito, lá na frente tem uma cooperativa de biscoitos.
Vamos fazer silk-screen ... com adolescente a gente tem de ir com
calma com essa profissionalização, mesmo porque eu tenho um pouco
de medo de querer profissionalizar rapidamente estes adolescentes
com o raciocínio do tipo assim: tem que profissionalizar logo, porque
ele tem uma doença mental, não vai conseguir entrar no mercado de
trabalho formal e aí ele tem um outro tipo de trabalho ... que é um
raciocínio que eu acho perigoso às vezes. (...) Eu acho preocupante no

18
Levando-se em conta a proporção de atendimento paciente turno/dia, encontramos a seguintes
determinações: CAPS I (população entre 20.000 e 70.000 – 20/30; CAPS II (pop. 70.000 a 200.000) -
30/45; CAPS III (pop. Acima 200.000) – 40/60; CAPS ad II (pop superior a 70.000) – 25/45

90
caso de adolescente, a gente já anunciar isso. O nosso caso é o
contrário, o nosso trabalho é tentar que os nossos meninos não entrem
nisso. Mas a nossa tentativa é fazer com que estes meninos possam ter
... por quê eles não podem voltar para a escola e ter uma
escolarização? Normal como qualquer outro menino? Antes de
anunciar o que achamos que pode acontecer com eles. A gente já sabe
o que pode acontecer, então vamos tentar trabalhar de uma outra
forma. (Técnico 2)

Atributos e Competências

As funções a serem realizadas por um serviço estão diretamente relacionadas ao


público alvo a ser atendido, as especificidades que esta população traz no bojo das ações
a ela direcionadas e ao corpo técnico com suas respectivas características de formação.
A legislação determina que os serviços de atenção diária, ou seja, os CAPS I, II e III
deverão estar capacitados para realizar prioritariamente o atendimento de pacientes
com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territorial, em regime de
19
tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo. A prática diária de atenção e
cuidados dos técnicos do Programa Clube Ponto de Encontro parece ter contribuído para
uma melhor definição quanto as funções a serem desempenhadas e puseram a prova a
capacidade de atuação junto as demandas emergentes trazidas pelos jovens portadores
de grave padecimento psíquico.

(...) uma resposta mais geral (...) estar voltado como qualquer
outro profissional que trabalhe em CAPS, a questão do retorno deste
indivíduo a sociedade, mas no caso específico o profissional que
trabalha num programa tipo o Ponto de Encontro, ele tem que estar
levando em conta a questão do desenvolvimento, (...) aquele
adolescente que está se desenvolvendo com uma série de problemas e
dificuldades diferentes de outros adolescentes, (...) Então, tem de
estar não só fazendo com que ele retorne, mas mais do que isso, que
ele passe por determinadas etapas de vida de uma forma melhor que
ele possa estar passando. (...) pensar que ele não está simplesmente
voltando ao lugar que ele já esteve. Ele (o adolescente) está passando

19
Portaria 336 § 1o

91
pelo trajeto de uma forma diferente, com o sofrimento psíquico dele e
a gente podendo ajudá-lo a passar melhor por este processo.
(Técnico 4)

E mais ...

(...) ficar meio de assessor de uma série de lugares que este


adolescente, se tiver sorte, ainda transita, para poder falar acalmar
a todos. (...) Não tem como trabalhar com esta população sem saber
que você, muitas das vezes, vai pegar o telefone e ligar trezentas
vezes ao dia. Vai ligar para escola, vai conversar com a escola, vai
conversar com professor (...) a gente tem de estar atento e
sintonizado que esse é um trabalho de rede, no sentido que você
recebe o adolescente, o pai e uma mãe e vem por tabela o diretor da
escola, o avô, o padre da comunidade, o professor do menino,
outros terapeutas que já atendem os meninos fora daqui.
(Técnico 2)

Aí, então, os atributos e competências se confundem, se entrelaçam ...

É fundamental você saber que é um tipo de clínica em


extensão, não tem como fazer esta clínica sem ser em extensão. Estas
coisas se ligam às competências. Tem que ser um técnico um pouco
mais despojado, um pouco mais aberto. (Técnico 2)

As competências são então, expressas de diversas formas pelos técnicos,


tangenciando o questionamento relativo a identidade profissional daquele que trabalha
na área de saúde mental e sua forma de atuação dentro dos novos dispositivos.

Acho que os profissionais não são ... não podem ser qualquer
profissional da área de psicologia, da área de enfermagem, da área de
medicina ... de serviço social. (...) a gente trabalha em equipe
multidisciplinar, eu acho que é uma das características que tem que
conseguir saber trabalhar, em equipe multidisciplinar, porque não há
uma definição muito clara dos papéis ... das atividades específicas de
cada um. Cada um até sabe o que tem de fazer, mas não fica definido,
muito claro (...) isso não está escrito e depende muito do olhar de
cada profissional e é nisso é que vai se dar o conjunto da equipe, da

92
diferença de cada área, no olhar. Mas as atividades são muito feitas
em conjunto, pela equipe ... então eu acho que isso é a principal
característica que um profissional que venha trabalhar no Ponto de
Encontro tem que ter, capacidade de trabalhar em equipe
multidisciplinar. (Técnico 3)

As funções, por vezes, também são sujeitas a estes entrelaçamentos,


prevalecendo então, a dimensão humana das relações.

(...) Apesar do meu papel ser de auxiliar de enfermagem, eu


acho que eu sou além de auxiliar de enfermagem. Às vezes eu acho
que sou psicólogo. Não tenho formação para isso, mas às vezes sou
um psicólogo, porque os pacientes vêm diretamente me perguntar
as coisas. (...) Por eu ser também jovem demais, eles me vêem
como um adolescente, como se fosse eles, um amigo, mas um amigo
que está trabalhando. Muitos pacientes tiram isto como um exemplo
de vida e estão melhorando, pois eles vêem assim: “ ... ele está
trabalhando, ele é tão jovem, tão baixinho, tão magrinho que se
parece um paciente, se eu ficar melhor também vou poder trabalhar
aqui.” (Técnico 1)

Continuando.

(...) O que eu acho interessante, porque o meu trabalho e o


dos colegas de serviço têm uma certa unidade. Essa questão
específica às vezes aparece em alguma coisa mais direcionada a
minha pessoa. É aí que aparece as especificidades ... enquanto
pessoa, por exemplo: o fato de ser homem aqui dentro, isso é uma
realidade. Nós sabemos que os homens que trabalham com infância
e adolescência são poucos. Então aí a especificidade e quanto a
questão de gênero. (Técnico 2)

A reflexão a respeito das práticas efetivadas também pertencem ao horizonte


destes profissionais que se assoberbam nas várias dimensões das práticas institucionais.

93
(...) Um primeiro atributo ... eu acho que tem que ser alguém
sintonizado com as novas tendências em saúde mental. Não dá para
você vir trabalhar num CAPS e achar que você vai estar com a
cabeça, strictu sensu, de um psicanalista. Eu vou estar aqui, mas a
qualquer momento um desses meninos vai virar meu paciente. Eu
acho que tem que mudar, que abrir um pouco mais a cabeça.
(...)Tentar estar sintonizado com estas novas tendências em saúde
mental. Com as discussões da Reforma, com as discussões das
políticas públicas de saúde. O que está se apresentando, o que isto
significa do ponto de vista clínico, terapêutico-clínico. No que é que
estes dispositivos reinventam a clínica? Tem de estar situado um
pouco com esta situação. Não dá para você querer jogar basquete
com regras de vôlei. Estes lugares têm um funcionamento próprio,
uma lógica própria e tem de se estar atento a isso.
(Técnico 2)

A Família e a Rede Social

A portaria 336 ao descriminar as atividades a serem prestadas em todos as


modalidades de serviços em atenção psicossocial – CAPS I, CAPS II, CAPS i II, CAPS
20
ad II e CAPS III, contempla o atendimento à família . Esta forma de atendimento é
determinada pela portaria independente da capacidade operacional do serviço, da
capacidade técnica, do seu período de funcionamento e do tipo de população assistida,
seja ela de adultos, crianças e/ou adolescentes ou portadores de transtornos decorrentes
do uso e dependência de substâncias psicoativas. Apesar da ênfase dada a este tipo de
procedimento, diferentemente das demais atividades prescritas21, não há nenhum tipo
de sugestão quanto a forma com que ela deva ser efetuada ou parâmetro técnico que
possa orientar sua execução.
Ao lidarmos, em qualquer circunstância, com a população infanto-juvenil,
temos o papel, atribuições e responsabilidades da família definidos pelos código civil
com também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente22. Cabe aos pais ou substitutos
legais de acordo com o art. 22o do Capítulo III – Título I do referido estatuto a

20
Atividade e dos Itens: 4.1.1; 4.2.1; 4.3.1; 4.4.1; 4.5.1.
21
As demais atividades ( a, b, c, d, f, g e h) constantes nos Itens previamente citados.

94
obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Dentre elas situam-se
as que dizem respeito ao direito a vida e a saúde e o assseguramento de atendimento a
criança e ao adolescente, através do Sistema único de Saúde, a garantia de acesso
universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da
saúde.23Estes aspectos impõem uma reflexão aos gestores, que organizam a demanda e
a rede de cuidados e supervisionam e capacitam equipes sejam elas em atenção básica,
em programas de saúde da família ou de outros serviços na rede, como aos técnicos que
lidam com a atenção e cuidados aos jovens. Resignificar o papel e o tipo de parceria que
se deseja estabelecer com a família deve atravessar todas as atividades efetuadas neste
serviços que visem a reinserção de crianças e adolescentes em seu espaço social.
O Clube de Pais, como foi denominado o espaço de acolhimento aos pais e/ou
responsáveis pelos jovens assistidos no Programa Clube Ponto de Encontro, parece ter
um espaço real e efetivo para os técnicos que nele atuam.

(...) vejo o Clube de Pais como um espaço de convivência


para pais, (...) que tem um pouco esta função de ser um lugar de
descanso para esses pais.(...) é o lugar de sustentação do trabalho,
é o lugar de recepção destes pais, é um lugar de entrevistas
clínicas, é um lugar de suporte ao tratamento dos filhos. Mas é um
lugar independente, é um lugar onde os pais podem trazer questões,
que transitam, que tem como ponto de partida a questão dos filhos,
mas lá adiante a gente vê que é uma questão deles. (Técnico 2)

Partindo-se da tentativa de delimitação deste espaço e de sua relação com o


Programa Clube Ponto de Encontro como um todo, suas funções se entrelaçam com
seus objetivos. Este “espaço” de atendimento e acolhimento aos familiares, como todo
o programa, uma prática em construção, possui em acréscimo o fato de lidar com uma
população que até então mantém um papel demarcado na cultura institucional, o de
propiciador e mantenedor da doença mental. A ambigüidade ainda existente com
relação a estes atores, novos parceiros, parece se traduzir ao tentar se definir e falar do
dispositivo a eles direcionados.

22
Lei no 8.069 de 13 de julho de 1990 que garante proteção integral a crianças e adolescentes.
23
Art. 11o do Capítulo I do Título II- Estatuto da Criança e do Adolescente.

95
(...) um encontro, é um momento, um espaço que os pais tem
para se encontrar e estarem conversando, debatendo questões sobre
os filhos e sobre as famílias, sobre a questão da doença em relação
ao convívio familiar. (Técnico 3)

Definições a parte, com o dispositivo existente, o que e como fazer para


alcançar os objetivos propostos?

(...) os pais precisam de um suporte, de uma força. Têm


vezes que os pais chegam aqui tão lerdos, tão cansados, que só
faltam se internar. A gente está aqui e dá uma força como se fosse
um amigo. (Técnico 1)

“Suporte”, parceria, como equacionar posições e papéis aparentemente


conflitantes?

(...) é dar uma oportunidade para eles, que possam estar


colocando suas questões suas dúvidas, suas dificuldades e possam
estar trocando com os outros familiares. (Técnico 4)

As atividades e práticas oferecidas tentam dialogar com este novo lugar a ser
alcançado. O percurso parece surpreender a todos, familiares e técnicos, exigindo o
enfrentamento de conceitos e preconceitos.

Tem reunião com os pais uma vez por semana (...)


atendimento com os pais também (...) engraçado que eu pensava
que o atendimento era só com o adolescentes, mas não, é com os
pais também (...) e de vez em quando junto com os filhos para tirar
as dúvidas. Às vezes os pais não estão agüentando dentro de casa
(...) às vezes os pais não agüentam nem mesmo olhar para os filhos,
aí (...) no atendimento ele consegue olhar assim de um jeito, de
outro e já consegue ver o filho. (Técnico 1)

O Clube de Pais tem como proposta dar subsídio na construção de novos


papéis e lugares, seja no âmbito familiar proporcionando a emergência de novas

96
relações e/ou redefinindo novas parcerias e num aspecto mais amplo, fomentar o
surgimento de novas modalidades de relações no ambiente social.

(...) Outra atividade do grupo, eu acho que é fazer uma


aproximação dos pais com os filhos, no sentido de colocar alguma
questão que tem que ser trabalhada ali por eles. Mediar alguma
questão que o adolescente quer trabalhar ou os pais, alguma coisa
que é preciso eles estar junto ali.
(...) A retomada do tratamento quando acontece uma ruptura.
Ligar, retomar, saber o que aconteceu. Tem essa pescaria para ser
feita.
(...) Outro trabalho também é levar estes pais a se
organizarem. O grupo de pais hoje aqui no programa, por comentário
dos próprios pais, eles se constituem enquanto um grupo. Tanto é, que
eu vejo eles circulando lá fora, os papos, as conversas. Aí se formam
um trios, se formam duplas entre eles mesmos. (Técnico 2)

A cultura assistencialista e novos modos de acolhimento a esta clientela por


vezes se mesclam na enunciação dos objetivos.

(...) Porque os pais têm que aprender a lidar com seu


filho.(...) Às vezes quem precisa do tratamento são mais os pais do
que os filhos, porque se os pais não souberem como lidar os filhos,
eles também não vão saber como agir no futuro. (Técnico 1)

Mas na construção deste processo alguns caminhos se delineiam.

O objetivo disso é claro, é fazer com que os meninos fiquem.


Não há trabalho com esses meninos sem minimamente esses pais
ficarem. De que forma vão ficar ... não sei ... vir toda semana, de
quinze em quinze dias, uma vez por mês, não sei. Alguma coisa tem
que fazer para que estes pais fiquem, querer que esses pais
repousem um pouco aqui. O objetivo é conduzir melhor o
tratamento destes meninos, é conduzir melhor o tratamento destes
pais também, fazer com que esses pais possam se sentir atingidos

97
pela doença dos filhos, mas descobrir que eles podem fazer alguma
coisa com esta doença, que não só viver a doença. (Técnico 2)

Ao resignificar o papel destes pais dentro do tratamento de seus filhos, há que se


perguntar, qual o seu papel dentro do tratamento? E qual a relação entre os familiares e
profissionais, que historicamente mantém-se em posições diametralmente opostas, numa
contenda pela posse da cura e da tutela destes jovens?

(...) Uma primeira tarefa que um familiar tem no tratamento


é um momento de falar desta tormenta, desta dificuldade que é ter um
filho com todos os problemas que eles aqui aparecem. Uns mais
graves, outros menos graves.(...) É um momento de chegar, se queixar
e querer dividir isto com alguém. E aí só assim se poderá passar para
um segundo momento que é momento da parceria. Eu entendo a
parceria com os familiares ... um faz a música e outro faz a letra, mas
quando a gente ouve a música no rádio é uma coisa só. (Técnico 2)

E sob que aspecto pode inicialmente se realizar esta parceria?

(...) A questão da autonomia dos adolescentes, isso não pode


ser trabalhado só com o adolescente, precisa da família para dar
continuidade. (Técnico 3)

Esta relação traz marcas e barreiras que devem ser transpostas, caso se queira
ultrapassar a cordialidade aparente e trilhar o árduo caminho de construção de parceria.

(...) é uma relação boa, mas ao mesmo tempo é uma relação


difícil. (...) os pais vão tender às vezes ver os técnicos até como
pessoas que estão podando e em alguns momentos “tirando os filhos”
deles. (Técnico 4)

Abrir mão ou negligenciar os questionamentos e reflexões críticas a respeito das


formas, caminhos e descaminhos que podem ou não ser trilhados na construção desta
parceria pode ser a linha demarcatória entre a instituir o novo ou repetir com nova
roupagem um modelo longamente constituído.

98
(...) Às vezes a gente tende a achar que o trabalho com os pais
é uma coisa setorizada, do pessoal que trabalha com os pais. Tem
trabalho setorizado que é preciso que tenha, ponto número um. Ponto
número dois, quem está na lida direta com os adolescentes no dia-a-
dia tem de fazer essa aproximação com os pais e não tem de achar que
a Norma., a Cecília conversam com os pais. (...) Tem que encostar um
pouco nos pais, senão a gente perde o todo deste dispositivo, do
CAPS, que eu gosto de chamar de um dispositivo de convivência.(...)
a população central do nosso trabalho são meninos e pais, seja quem
se apresentar como pai e mãe. A gente não pode perder isto de vista e
trabalhar pela metade. (Técnico 2)

Uma História, Uma família.

O relato do convívio com situações dramáticas envolvendo jovens e suas


famílias talvez possa trazer uma visão mais dinâmica das experiências, muitas vezes
sem resposta, que adentram o serviço e suscitam aos técnicos, múltiplas possibilidades
de enfrentamento. Carlos e sua experiência de adoecimento trazem esta questão
paradigmática. Depara a todos com as possibilidades ou não de parceria entre técnicos,
familiares e àqueles que são prioritariamente o sujeito ao qual se dirige todo o
dispositivo assistencial.
O ingresso de Carlos no programa, através do encaminhamento da emergência
de serviço hospitalar, já nos antecipava as dificuldades que o contexto familiar nos traria
no atendimento do caso. A dificuldade de comunicação do pai do jovem com sua fala
desconexa, agitação e o alto tom de voz. A apresentação pessoal do jovem com os
cabelos em desalinho, o olhar demonstrando constante estado de alerta e a combinação
um pouco extravagante de seu traje, nos chamava bastante atenção. Neste breve
primeiro contato foi marcada a avaliação de ingresso no programa com um certo grau de
dificuldade, já que apesar da urgência requerida pelo caso e solicitada pelo pai, este teve
uma enorme dificuldade de marcar uma data próxima, como também questionou
algumas vezes a necessidade da presença da mãe.
Poucos dias após o primeiro contato, Carlos e seus pais foram recebidos para
avaliação. Novamente a primeira impressão no contato com a família chamou atenção.

99
As expressões faciais, a forma de comunicação e as disparidades na apresentação
pessoal. Humberto, o pai, trajava-se formalmente, camisa de manga comprida e
colarinho abotoado, num extremo e Carlos um típico “grunge” com vários brincos na
orelha, roupas vários números acima de seu manequim, no outro extremo. Os pais
trouxeram como queixa principal, tanto ao atendimento efetuado no serviço de
emergência como no encaminhamento ao programa, o fato de o filho estar há uma
semana sem ir a escola. Quando questionados a respeito, insistiram ainda algum tempo
sobre a questão escolar, como se o rosto angustiado do jovem ali ao nosso lado e seu
próprio relato a respeito das alucinações visuais e auditivas tivessem menor significado
que a queixa trazida por eles. Carlos quando questionado sobre o porque de ser trazido
ao programa para avaliação, associou o fato aos seus padecimentos psíquicos. Houve
várias divergências entre os pais no momento em que se tentou colher dados a respeito
do primeiros anos de vida do filho. Idas a neurologistas e psicólogos, com suas
respectivas datas e motivos para a procura dos profissionais, eram contestadas todo o
momento de parte a parte, quando não, motivo de áspera discussão. Tiveram de ser
contidos verbalmente várias vezes, pois ao longo da entrevista pareciam ter esquecido o
motivo que os trouxera ali e utilizavam nestes momentos o filho como mero objeto da
pauta de discussão. O motivo da separação do casal, que ocorreu de forma dramática
quando o jovem tinha 9 anos de idade foi exposto de forma cruel na frente do filho.
Frases como: “Me separei de você por não dar conta de seu apetite sexual” e “aquele
seu namorado viciado e traficante que ensinou o nosso filho a usar drogas” ditas pelo
pai, são retaliadas com afirmações da Paula, mãe de Carlos, da seguinte forma: “Estou
com AIDS e segundo os exames contraí a doença há 8 anos, quando ainda estava casada
com você. Nunca o traí e você se recusa a fazer os exames”. Boa parte dos dados a
serem colhidos foram deixados de lado, já que foi impossível ir adiante na anamnese.
Também seria por demais desgastante, principalmente para o jovem, prender-se a meros
fatos quando a própria dinâmica familiar estava sendo ali encenada diante e por si só
explicativa. Delinear com Carlos um contrato de atendimento com a freqüência de três
vezes por semana, foi tarefa fácil, em comparação com as dificuldades que tivemos para
conduzir qualquer tipo de contrato com os pais.
Ao ingresso de cada jovem no Programa Clube Ponto de Encontro,
corresponde a entrada dos pais ou responsáveis no Clube de Pais. Dentro da medida de
suas disponibilidades e necessidades requeridas pelo caso, estes passam a freqüentar as
atividades semanais regulares, que são: Grupo de Pais, realizado todas às quartas-feiras
das 9:00h às 10:00h, cujos temas giram em torno das demandas trazidas pelos pais e a

100
Oficina do Café da Manhã, realizada todas às segundas-feiras das 9:00hs às 9:30hs,
onde a primeira refeição oferecida aos jovens é extensiva aos pais, propiciando neste
momento informal a reprodução de hábitos domésticos e conversas familiares
permitindo intervenções mais adequadas e pontuais. A freqüência de Paula no Grupo de
Pais e na Oficina do Café da Manhã apesar de inicialmente ser relativamente constante,
era silenciosa. Sempre nos procurava ao término da atividade demandando questões
pessoais que de forma alguma conseguia ser articulada a dificuldade real de Carlos.
Somente na segunda semana de sua vinda ao programa, apercebeu-se que o filho teria
de freqüentar o local de tratamento três vezes por semana ao invés de uma única vez.
Paula, em seus contatos com a equipe, sempre trazia questões relativas ao
medicamento, a inclusão de outros médicos no caso além do designado e críticas ao ex-
marido, que em sua ótica religiosa (Evangélico) não aceitava a medicação e os sintomas
da doença. Humberto desde o início manteve um posicionamento mais distante e crítico,
parecia identificar as orientações relativas ao tratamento, com os desejos e caprichos da
ex-mulher.
Em sua primeira vinda ao grupo de pais, o pai de Carlos mostrou-se bastante
angustiado com as questões trazidas. Estas giravam em torno de: Os primeiros sinais e
sintomas trazidos pela doença; as dificuldades de percepção destes sinais e sintomas
pelos familiares, mesmo quando já observado por amigos ou conhecidos; os por quês
de muitas vezes nos momentos dos sintomas mais agudos, os pais não abrirem mão da
negar a doença em detrimento do benefício da execução de forma mais efetiva do
tratamento. Alguns pontos de vista religiosos foram trazidos por Humberto, neste
momento, como uma forma de explicação dos sintomas, mas de imediato foram
refutadas pelo grupo e este tentava discutir inclusive o caráter pernicioso destas crenças
para o próprio paciente, confundindo-os e fazendo com que se recusem a tomar a
medicação e participarem do tratamento. Paula também presente ao grupo, de forma
tímida, neste momento, fala diretamente das dificuldades do ex-marido em aceitar a
doença do filho. Mais adiante no próprio grupo, de forma bastante irritada, Humberto
apontando para ex-mulher, diz: “(...) quando eu era católico como ela, não tinha
compreensão nem caridade ao próximo, mas agora que me tornei cristão consigo viver
isto na prática do meu dia-a-dia (...) ” . Após esta frase bombástica houve comoção
geral no grupo, todos falaram alto e ao mesmo tempo. Um dos pais presentes, retrucou
irritado: “ (...) não vim aqui para ser ofendido (...) ” Batendo com os dedos no mostrador
do relógio completou: “ (...) meu tempo é precioso, caso este tipo de atitude continue eu
me retiro (...) ”. Endossamos a fala do membro do grupo, acrescentando que os limites

101
do aceitável fora ultrapassado. Recordamos aos pais, que no Programa Clube Ponto de
Encontro há uma regra para os jovens que aqui freqüentam, que é a de “Não se ferir e
não ferir ao próximo”, tanto no sentido concreto, quanto abstrato da expressão. E que os
profissionais do programa, imaginam que os adultos, pais destes jovens, teriam a mesma
capacidade que os jovens de cumpri-la. Após este incidente, Humberto afastou-se do
grupo, não mais comparecendo aos encontros semanais.
Nas semanas seguintes nos deparamos com o aumento das queixas de Paula,
ao mesmo tempo em que percebíamos alterações feita por ela, nas doses dos
medicamentos. A permanência dos sintomas e a inconstância na freqüência de Carlos,
fez com que a equipe se decidisse pela intervenção junto a esses pais, sob a forma de
acompanhamento terapêutico do casal. De imediato ambos foram contactados,
informados e convidados a fazerem o atendimento uma vez por semana, aceitando-o.
Inicialmente o acompanhamento psicoterápico foi regular, mas
rapidamente os atendimentos se tornaram raros, a inconstância na freqüência de Carlos
ao tratamento aumentou. Houve recrudescimento dos sintomas. As queixas e postura
inicial dos pais retornaram com maior intensidade. Elane, ex-vizinha e amiga da
família, também madrinha de Sandra, irmã de Carlos dois anos mais jovem que ele,
procurou o programa pedindo ajuda. Traz à equipe um quadro bastante pessimista da
relação familiar de Carlos, das brigas constantes na residência que geram desavenças
com o condomínio e as atitudes agressivas de Carlos com relação à irmã. Elane diz
temer pela integridade física da afilhada e que muitas vezes a leva para sua casa, vendo
ser a única saída para proteger a menina, já que Paula e Humberto parecem não se dar
conta dos riscos a que todos estão submetidos. A introdução deste novo elemento ao
caso parece ter acelerado a interrupção do tratamento, que já vinha se dando de forma
paulatina. Os pais de Carlos informaram a equipe da interrupção do tratamento alegando
não concordar com a terapêutica oferecida, em especial a medicamentosa que para eles
seriam causadoras dos sintomas do filho. Humberto, segundo suas próprias
informações, para colaborar com a melhora do filho, voltou a morar com o mesmo para
poder acompanhar seu tratamento que a partir deste momento seria realizado através da
ingestão dos mais variados chás. Paula concorda com a conduta “terapêutica” do ex-
marido e endossa a interrupção do tratamento.
A equipe, após exaustiva discussão, nada mais coube, além de
encaminhar ao Juiz da 1a Vara da Infância e Adolescência relatório sobre o ocorrido
para apreciação e devido encaminhamento no que diz respeito ao cumprimento da lei. A
impossibilidade de acesso ao tratamento do menor apesar dos esforços conjunto dos

102
vários indivíduos envolvidos e o risco iminente da integridade física de todos os
membros da família, em especial, de Carlos e sua irmã Sandra, motivou o
procedimento da equipe.

Aproximadamente dois anos após, através do Conselho Tutelar, foi


solicitada a reintegração de Carlos no programa. Ao ser encaminhado pela sua escola ao
Conselho, por estar fazendo uso de maconha em suas dependências e por não haver
nenhum encaminhamento ou perspectiva de solução ao problema por parte da família, a
instituição busca no Conselho Tutelar uma saída ao impasse. A postura do Conselho foi
encaminhar o jovem a internação em centro de tratamento de drogaditos por estar a
uma semana de completar 18 anos. Neste ínterim, Carlos solicitou o retorno ao
tratamento que havia interrompido, no que foi prontamente atendido.
Os meses que se seguiram foram de franco restabelecimento e
envolvimento do rapaz no tratamento. Houve remissão dos sintomas, apesar da
gravidade dos mesmos. A equipe por muitas vezes havia testemunhado e compartilhado
a violência e o sofrimento trazido por seus delírios e alucinações. Pode surgir por breve
período o jovem “grunge” com calças escorregando pelo quadril abaixo e cujo meio
prioritário de transporte era o skate. Houve melhor entrosamento com os outros jovens e
maior participação nas atividades propostas pelas oficinas. Surge maior afinidade entre
ele e Diogo, outro adolescente atendido pelo programa. As músicas e o skate permeiam
a afinidade entre ambos. Estas afinidades são estreitadas fora do local de tratamento,
passando a freqüentar um a casa do outro. Trocam cds, camisas como qualquer
adolescente. Seus pais, neste período, mantinham-se a certa distância, acompanhando de
forma silenciosa as mudanças de Carlos e dando suporte ao uso do medicamento,
anteriormente tão criticado por ambos. Ausentam-se das atividades do Clube de Pais.
Após breve período de estabilidade, progressivamente retornam os
sintomas de Carlos. Ao contactar a família, a informação obtida foi a suspensão da
medicação já que “Carlos estava tão bem”. Deste ponto em diante, perde-se totalmente
o controle sobre o tratamento e a remissão dos sintomas recentemente alcançados.
Ocorre, então, a primeira internação, facilitada pela questão da maioridade e a primeira
fuga a internação. Alternam-se períodos de afastamento total do tratamento com
períodos de tentativa de retorno. Carlos associa o tratamento no Programa Clube Ponto
de Encontro à internação e isto o impede de aderir novamente ao tratamento.
A relação entre a equipe e os pais de Carlos entram em nova fase.
Humberto antes tão arredio, passa a investir no tratamento do filho, ou melhor, na

103
possibilidade de retorno ao tratamento, pois neste período o jovem freqüenta o
programa somente nos momentos de internação24. Paula verbaliza seu desinteresse no
tratamento e pouca disponibilidade de tempo. Humberto se torna assíduo no grupo de
pais e solicita acompanhamento terapêutico, pois deseja entender melhor o tratamento
do filho e sua doença.
O progressivo agravamento das condições psíquicas de Carlos e as
freqüentes solicitações da família referente aos diversos episódios de confusão mental e
agressividade com delírios e alucinações, causando embaraçosas situações domésticas e
na vizinhança, exigiu da equipe técnica nova discussão quanto aos caminhos a serem
traçados relativo aos cuidados a serem oferecidos à família. Carlos ainda seria um
usuário do programa? Esta foi a pergunta em torno da qual girou a discussão das
estratégias a serem utilizadas no caso. Esta família tão cindida em suas posturas com
relação as suas próprias dificuldades e a forma de acolhimento a este filho com graves
problemas psíquicos, também teria de estar incluída na estratégia de acolhimento e
possível resgate da adesão do jovem ao tratamento. À Paula, Humberto, Sandra e Elane
– sempre presente, dando seu apoio ora a afilhada ora a Paula, sua amiga – foi proposto
acompanhamento terapêutico visando discutir as dificuldades de todos em lidar com
Carlos e sua doença e como poderiam se articular para oferecer apoio efetivo ao rapaz,
já que este parecia ser desejo de todos.
O acompanhamento se iniciou e transcorreu durante o período da última
internação de Carlos, por aproximadamente dois meses. Paula se recusou a participar do
acompanhamento. Inicialmente alegava impossibilidade de tempo, posteriormente
verbalizou que não acreditava na possibilidade de melhora do filho e que, para ela, a
única solução seria a internação. Carlos participou da maioria dos atendimentos e todos
puderam acompanhar sua paulatina melhora, com a remissão dos sintomas produtivos e
conseqüente organização das idéias, possibilitando um melhor entendimento quanto aos
delírios e alucinações, quanto à função da medicação e à proposta do atendimento no
programa.
Após a saída da internação, Carlos compareceu ao atendimento somente
uma vez, por um período de tempo muito breve. Ainda parecia associar a internação ao
tratamento no Clube Ponto de Encontro e neste sentido a proximidade do local de
internação que anteriormente fora utilizada como auxílio na reversão do quadro, neste

24
Na ocorrência de internação de algum jovem assistido pelo programa, a equipe viabiliza que esta seja
feita em local geograficamente próximo. Este procedimento permite que não haja isolamento, nem a
quebra do tratamento e vínculo com a equipe. Permite também que o jovem, no período de internação,

104
momento corroborava com os temores do jovem. Apesar dos diversos contatos da
equipe, Carlos não mais retornou. Seu pai, Humberto, tentou nos ajudar neste processo,
vindo ao programa constantemente, aflito informava que o filho mantinha-se por
vontade própria recluso em seu quarto, recusando, sob qualquer apelo, retomar as
atividades escolares e contato com amigos. Após aproximadamente dois meses, a
equipe constatou que havia haviam chegado ao seu limite e que nada mais poderia fazer
em auxílio a Carlos e sua família. As mais variadas estratégias foram utilizadas ao longo
de aproximadamente três anos de idas e vindas do tratamento. Houve a tentativa de
encaminhar o jovem a um serviço de atenção diária para adultos, já que Carlos estava
próximo de completar 19 anos, mas está estratégia parece também não ter sido bem
sucedida.

Este caso paradigmático suscita a todos os envolvidos várias questões. Qual o


papel, as possibilidades e os tipos de intervenção que caberiam ao poder público e as
instituições que o representam no sentido de assegurar com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária25?
O que fazer e como dar subsídios às famílias, que por lei, têm a obrigação de
encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado26e eles próprios
quando são sujeitos a cumprir encaminhamento psicológico ou psiquiátrico27? Qual
seria, então, o papel dos técnicos: Acolher nos serviços, da forma possível, tanto no que
diz respeito às disponibilidades e possibilidades materiais e psíquicas, os que trazem e
estão envolvidos com os jovens portadores de padecimento psíquico ou serem guardiões
das leis e da ordem social?
Em que medida a disponibilidade da equipe de técnicos habilitados a lidar com
esta população e os dispositivos legais existentes com suas respectivas prescrições e
determinações das atividades a serem prestadas, seriam capazes de levar a cabo a o
objetivo fim de todo este processo, a reinserção psicossocial?

Uma primeira resposta a estas questões poderia ser que, a ênfase não é mais
colocada no processo de “cura” mas no projeto de “invenção de saúde” e de

possa ao longo do dia freqüentar o programa e participar das atividades oferecidas de acordo com as suas
possibilidades. Este procedimento tem como um dos objetivos encurtar o período de internação.
25
Lei no 8.069, Título I, Artigo 4o.
26
Idem, Título IV, Artigo 129o, Item VI.

105
“reprodução social do paciente (Rotelli, 1990: 30). A invenção de possibilidades não
deveria se dar somente nos dispositivos originariamente voltados aos que sofrem
psiquicamente, pois a complexidade do objeto implica não análise, mas projetos,
projetos de transformação através dos quais é possível obter conhecimento. Estes
projetos (a invenção e os seus resultados cognitivos) devem considerar
contemporaneamente o universo das instituições e as particularidades singulares dos
indivíduos que chegam aos serviços (Rotelli, 1990: 95/96).

Resultados e Término do Tratamento

Os esforços despendidos na criação e manutenção dos novos dispositivos de


atenção diária, criados na área de saúde mental e sua posterior regulamentação trazem,
por vezes, riqueza de detalhes na descrição de suas práticas e utilizam como suporte
teórico os mais variados autores, dentro e fora da área psi. Como mencionamos
anteriormente a qualidade destes projetos, estão ligadas as suas capacidades de
transformação e para que estas se dêem, flexibilidade e adequação as demandas dos
usuários e seu entorno, são palavras de ordem. Partido de uma construção e levando em
conta a singularidade do sujeitos, quais são, então, os resultados esperados? E se
pensarmos como um dos resultados o retorno destes jovens ao seu contexto social, e de
que o papel do serviço substituir e tomar para si a tutela da família em relação ao
portador de padecimento grave, qual seria o ponto de coorte entre o usuário – o
adolescente – e local, serviço ou programa, onde se realizou o tratamento?

(...) Acho que se diferencia um pouco de caso para caso. (...)


em função disso alguns ganham muito com o tratamento, adquirem
muita capacidade de autonomia e reinserção na sociedade.(...) os
resultados são em função de duas coisas. Em função da própria
patologia, que o adolescente apresente, do grau que os sintomas se
encontram, da doença. E também a resposta vai depender de como
essa família vai aderir ao tratamento. (Técnico 3)

Parece que a diversidade de projetos traz diferentes possibilidades de resultados


para os diferentes técnicos.

27
Idem, Item III.
106
(...) eu primeiro gostaria que essas pessoas pudessem
encontrar um mínimo de convivência possível com a doença
deles.(...) o mínimo de paz possível com a doença.(...) Que os pais
possam ficar menos ansiosos, menos angustiados. Que estes os
meninos possam minimamente entender um pouco a dificuldade que
estes pais têm de lidar com eles. E os pais também possam entender
e descobrir que é difícil ter filhos desta forma. Que eles possam
tentar resignificar minimamente o que é isso.(...) Quem quer estudar
, que volte a estudar, trabalhar. E que estes pais possam retornar as
suas vidas, que esses pais possam redescobrir a vida e quem sabe
até descobrir a vida a partir da doença de seus filhos, que não
possam estar só refém disso, da doença, do discurso da desistência.
(Técnico 2)

Os resultados podem trazer surpresas, irem além do esperado.

(...) já tenho visto muitos pacientes que entraram aqui mal,


tiveram tratamento, ficaram alguns meses, anos e hoje em dia já
saíram e estão superbem, já conseguem andar na sociedade.(...) Aí
eu penso: “Puxa, como é que pode, meu paciente entrou assim mal
e eu dizia que não teria resultado, que ele ficaria assim para o
resto da vida e hoje em dia a gente vê o paciente voltando à
sociedade como uma pessoa normal. (Técnico 1)

Quando se daria o término do tratamento? De que forma se daria? Definir este


ponto traz controvérsias e embates nas relações diárias entre técnicos e usuários e
parece por em cheque em que mãos se encontram esta decisão.

(...) É a pergunta mais difícil de ser respondida. (...) fico


sempre com o receio de que a gente tenha mais alguma coisa a fazer
por este adolescente. (...) Por mais que ele esteja bem, esteja
reinserido, esteja com uma rede social melhor, que a família esteja
mais ou menos equilibrada, pronta para continuar sozinha e que este
adolescente esteja razoavelmente bem para enfrentar a vida sozinho,

107
eu sempre fico com aquele receio de que, se ele estivesse ainda vindo
ao “Ponto de Encontro”, ele ainda teria ganhos.(...) Mas a gente
também não quer este adolescente preso a nós, a gente quer que ele
possa caminhar sozinho. Então o que nos resta, o que eu acredito que
a gente possa avaliar que ele tenha condições de continuar sozinho e
caso sinta necessidade, que algum sintoma volte e que ele se sinta
fragilizado por algum motivo, que ele retorne ao programa.
(Técnico 3)

E também ...

(...) Acho que terminaria ... têm muitos pacientes que dizem
não querer mais, mas eu acho que não, que não deveria terminar ...
só nós sabemos o que vai acarretar eles saírem do serviço. A gente
deveria forçar um pouquinho mais. (...) O serviço deveria ficar de
portas abertas, se ele ficou melhor, a gente deveria analisar se o
tratamento vem trazendo benefícios para ele. O serviço deveria
deixar a porta aberta e ele voltar para a sociedade ... e se ele algum
dia piorar o serviço está aberto para ele voltar e não dizer que ele
não faz mais parte do serviço ou então ter de retornar pela rotina.
(Técnico 1)

Parece haver diferentes formas de término.

Alguns adolescentes a gente sabe que eles vão estar passando


de um serviço voltado para adolescentes para um serviço voltado a
idade adulta, mas que eles não vão estar necessariamente tendo alta,
vão estar precisando de um cuidado intensivo por algum tempo e
talvez para o resto de suas vidas.(...) Em outros casos, (...) alguns
podem estar vinculados a um serviço de atenção diária, mas talvez
não precisem estar tantas vezes quanto estavam no início,(...) eles
podem continuar indo a um centro de atenção psicossocial, mas como
se fosse, uma expressão que o E. fala: um quintal. O quintal, que eles
vão para participar de festas e de uma outra atividade, mas eles estão
mais inseridos na comunidade.(...) Outros adolescentes vão realmente

108
poder ter alta de um centro de atenção psicossocial, ainda dentro da
faixa etária de adolescente. Adolescentes que participaram num
momento de crise (...) porque os agravos são menores e ocorreram
mais durante a adolescência. Eles poderão retornar ao
desenvolvimento deles de uma forma mais suave e muitos deles vão
continuar em psicoterapia, continuar fazendo uso de medicação, mas
não vão estar participando de um centro de atenção psicossocial.
(Técnico 4)

A dificuldade, pelos menos para os técnicos, é evidente. Lidar com a


possibilidade de ser útil também.

(...) Terminar o tratamento é difícil em qualquer


circunstância, quer na clínica, quer no ambulatório, no CAPS.(...)
acho, que o tratamento termina, quando a gente já olhou um para a
cara do outro e ao se perguntar assim: O que mais a gente pode
fazer? A gente busca tudo o que a gente já fez, tudo o que a gente já
tentou, tudo o que a gente se descabelou. O que mais a gente já fez,
não no sentido das ações técnicas, mas no sentido das ações éticas.
O que mais a gente pode fazer ali. Eu acho que já chegou no nosso
limite. A gente não pode fazer mais nada e aí é o tratamento que
termina no sentido que nós não possamos fazer mais nada, mas
quem sabe um outro setor. Ou então ao contrário, para não parecer
muito pessimista, o tratamento termina no sentido de que tudo o que
a gente planejou para esse menino e essa família, a gente acha que
chegou a bom termo. Para que ficar aqui mais?
(Técnico 2)

Abrir mão do mandato “solução-cura” e reinventar uma prática com projetos


singulares para sujeitos na adolescência, traz inúmeros desafios a serem enfrentados,
por técnicos, usuários e seus familiares. O término do tratamento é apenas um deles,
mas pode trazer marca da diferença, da possibilidade de real autonomia para estes
jovens que podem ter como futuro a tutela da família e/ou das instituições psiquiátricas.
Partilhar com este jovem cidadão o ingresso de forma autônoma em seu contexto social
pode a diferença de atuação dos novos serviços.

109
(...) A gente tem que ter a ousadia de dizer: “você não
precisa vir mais aqui” Ou então, “venha aqui quando você quiser
nos visitar”. Aqui nós tivemos coragem de tomar essas decisões. Em
algumas a gente penou .... a equipe é assim, têm alguns que acham
que a gente ainda tem alguma coisa para fazer e outros que acham
que a gente não pode fazer mais nada ... o tratamento termina
quando a gente acha que terminou um pouco a nossa missão com
aqueles que vieram nos procurar. Ou quando não podemos porque
já é muito sintomático, da ordem da repetição. (Técnico 2)

5.3. O Programa sob a Ótica Familiar

110
A concepção trazida por Benedetto Saraceno (1999) que ressalta a passagem da
família da condição de vítima no processo de adoecimento e tratamento de um de seus
membros para assumir, com o advento do processo de desinstitucionalização, o papel de
protagonista, podendo a partir desta nova perspectiva estabelecer novas relações de
forças e poder, será retomada neste momento. Esta concepção será utilizada como pano
de fundo para a exposição das reflexões, dúvidas, questionamentos e posturas, aqui
trazidas, dos familiares e/ou pessoas próximas diretamente envolvidas no processo
adoecimento-tratamento dos jovens atendidos no Programa Clube Ponto de Encontro
surgidas no Grupo Focal.
O isolamento dos jovens de suas famílias, como vimos anteriormente, ocorreu
em vários momentos da história. Estas eram vistas como geradoras do individuo no
sentido biológico, mas nociva como educadoras e perpetuadoras das normas e dos bons
costumes vigentes. Mestres de ofício, educadores, padres, médicos, todos eram
habilitados para cumprir uma função da qual a família era incapaz, produzir indivíduos
para ingressar no meio social como cumpridores das normas e perpetuadores da ordem.
As famílias estragariam seus jovens com seus afetos (Áries, 1981) e seriam incapazes de
fornecer uma diretriz segura para a racionalização prescrita a todas as atividades do
gênero humano (Carvalho, 1997). A vigilância moral sobre a família, segundo
Donzelot, possibilita o estabelecimento do processo de tutela que estimula,

(...) o processo de redução da autonomia familiar, portanto,


facilitado pelo surgimento, nesse final do século XIX, de toda uma
série de passarelas e conexões entre a Assistência Pública, a justiça
de menores, a medicina e a psiquiatria. Reunindo, dessa maneira, no
tema de prevenção, as atividades, outrora separadas, da assistência e
da repressão, e o recolhimento dos sem-família com o dos insubmissos
à família, retira-se desta a antiga posição de interlocutor, inverte-se a
relação de conivência entre ela e o Estado para torná-la um campo de
intervenção direta, uma terra de missão.(Donzelot, 1986: 85).

As novas tecnologias de tratamento na área infanto-juvenil – a psicanálise e a


clínica infantil – surgida na primeira metade do século passado, enriqueceram a forma
de entendimento e abordagem do padecimento psíquico na infância e adolescência, mas
por outro lado embasaram cientificamente a culpabilidade da família. As dificuldades

111
dos jovens, na realidade expressavam as dificuldades dos pais, que surgiam de forma
disfarçada camuflando os conflitos e a doença desta família (Melman: 2001).
O tratamento e cuidados oferecidos em Centro de Atenção Diária propõem um
novo lugar para estas famílias. O alargamento do cenário terapêutico transbordando do
espaço familiar para o território28, as novas formas de lidar com o problema – a doença
mental e a inclusão participativa na implementação de práticas circunscrevem de forma
flexível um novo papel para aqueles que convivem com jovens portadores de grave
padecimento psíquico.

A presença de um transtorno mental grave faz com que os


parentes mais próximos mergulhem num mar de dificuldades de toda
natureza. Eles precisam e pedem ajuda. Como ajudá-los sem reforçar
a culpa ou sem vitimizá-los? Nem culpados, nem inocentes, nem
vítimas. É possível sair do registro do julgamento e da dualidade,
para além do “bem” e do “mal”. É possível escapar da necessidade
de encontrar um responsável por todos os eventuais infortúnios da
vida. (Melman, 2001: 142)

Este possível caminho não é fácil de ser trilhado nem pelos os técnicos nem
pelos os familiares. Abrindo mão do velho ranço tutelar, deixemos então, os familiares
se apropriarem de suas palavras e apontarem o espaço que desejam ocupar.

As Famílias e o Clube de Pais

O Grupo de Pais, dentre as atividades oferecidas aos familiares e/ou


responsáveis pelos jovens assistidos no Programa Clube Ponto de Encontro, é um
momento privilegiado onde há confluência dos pais, parentes próximos e representantes
da rede social. Estes sujeitos que de alguma forma estão envolvidos no processo de
adoecimento, mostrando-se desejantes em compreender e reverter este processo, se
fazem representar neste grupo de forma qualitativa e quantitativa, compartilhando suas
indagações, sugestões, inquietudes, angustias e buscas de solução. É neste “fórum”, de

28
Território aqui é tido como todos os locais onde estes jovens deveriam circular. A escola, a casa dos
amigos, as discotecas e danceterias, os parques, os campos de futebol, etc.

112
acordo com a demanda dos ali presentes, onde emergem as possibilidades de
transformação da compreensão sobre o adoecimento psíquico, de mudanças de papéis
dentro da dinâmica familiar e do contexto sócio-cultural.
A reprodução deste “fórum” através da utilização da técnica de Grupo Focal
caminharia ao encontro dos objetivos da presente pesquisa em dar voz e ouvir as vozes
daqueles que melhor poderiam dizer de si e da sua compreensão e inserção no
tratamento oferecido pelo programa. Os dez participantes do grupo focal, número este
arbitrado no sentido de facilitar a interlocução do coordenador com os participantes e
dos participantes entre si e da emergência das questões apresentadas, foram escolhidos
de forma aleatória respeitando percentualmente a freqüência/representatividade dos
mesmos no grupo de pais realizado todas às quartas-feiras. O grupo foi composto então,
por 60% de mães, 30% de pais e 10% de indivíduos da rede social dos jovens atendidos.
Foram excluídos os familiares ou dos representantes da rede social dos adolescentes
ingressos no programa duas semanas antes da realização do grupo focal.
É digno de nota acrescentar o fato que todos aqueles, pais, mães e representantes
da rede social, que foram selecionados e convidados a participar do grupo de discussão
sentiram-se imensamente honrados por haver interesse em ouvi-los e pela possibilidade
de poderem expressar suas idéias, contribuições e críticas ao tema suscitado. Este fato,
sem sombra de dúvida, facilitou o agendamento, a freqüência ao encontro como
também o desenvolvimento da atividade.

O Percurso ao Tratamento

A insuficiência e concentração em determinadas áreas do município e em


determinados municípios do estado do Rio de Janeiro de dispositivos para atendimento
a crianças e adolescentes na área de saúde mental é fato conhecido29. Os dispositivos
destinados ao atendimento da população com grave padecimento psíquico são ainda
menores. Olhando o problema pelo prisma dos técnicos lotados nos serviços, sejam eles
postos de saúde, policlínicas, ambulatórios, entidades filantrópicas, vê-se a rapidez com
que nos primeiros meses de cada ano em curso surgem as listas de espera. Alguns
serviços oferecem um primeiro acolhimento para avaliar a necessidade de atendimento
imediato ou de um possível encaminhamento para outro serviço especializado, outros,

29
Estes dados podem ser verificados no Cadastro de Unidades para Atendimento de Crianças e
Adolescentes na Área de Saúde Mental, por Município/2002. Fonte: ASM/SUSC/SES.

113
não possuem quantitativo técnico para efetuar esta demanda. As resultantes deste
impasse são várias famílias e seus jovens desassistidos, presas de uma problemática que
não sabem como lidar e que têm muita dificuldade de expressar.
Sob o prisma das famílias, mas ainda pelo olhar dos técnicos, dos dispositivos
de atendimento e dos órgãos competentes, há uma acomodação e aceitação da doença
apresentada por seus filhos. O isolamento familiar e o enclausuramento daqueles que
sofrem é visto como uma opção abraçada por todos os envolvidos neste drama. Talvez
seja chegado o momento destes atores sociais, os “novos protagonistas” contarem suas
histórias.

(...) Olha eu vim batendo a cabeça de hospital em hospital,


de clínica em clínica, desde que o Fábio era pequeno. Eu nunca
achei um atendimento adequado, era sempre muito confuso, ou só
tinha o psicólogo ou só tinha o médico. Quando não tinha era uma
vez por mês ou então ... Teve uma época que ele foi a um psiquiatra
e a única coisa que fez por ele foi dar Neoleptil. Toda vez que ele ia
ao psiquiatra, o psiquiatra metia neoleptil nele e o menino dormia o
dia inteiro. E a situação foi ficando difícil. Quando ele estava com
16 anos, minha filha veio fazer estágio aqui no hospital como
enfermeira e descobriu que aqui havia um tratamento para crianças
e adolescentes, então eu vim, foi em 98. Estava começando o
CAPSIJ30 nessa época, ele começou o tratamento ainda no setor
infantil, lá do outro lado. Fábio ficou sendo atendido pelo dr.
Alberto (Mãe 5)

A passagem por vários serviços, a busca de tratamento adequado por anos a fio,
parece estar longe de ser exceção. Várias famílias relatam conhecer bem de perto esta
realidade.

(...) a Débora teve um problema e ela se trata desde os 8 anos


de idade. Ela começou a se tratar no Fernandes Figueira e a Dra.
falou que era um pequeno desequilíbrio. Ela fez vários exames. Fez da
cabeça e só vivia tomando remédio. Quando ela focou maior, lá não

30
CAPSIJ- Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil. Para os familiares o Programa Clube Ponto
de Encontro e CAPSIJ são sinônimos e só se referem ao programa por esta denominação.

114
atendia mais, então eles encaminharam para o Pinel. Quando ela
chegou ali, eu fiquei desnorteada sem saber como eu ia fazer e o que
eu ia fazer, aonde que eu iria arrumar um médico. Então me
encaminharam para o serviço infantil e lá mandaram que eu falasse
do problema. Eu encontrei nesta época o Dr. Edmilson, ele estava
nessa hora quando eu cheguei com o encaminhamento do Pinel.
Graças a Deus o Dr. Edmilson foi muito atencioso (...) (Mãe 6)

Caminhos tortuosos, indicações múltiplas formais e informais, muitas vezes são


as formas de chegar a um local onde as demandas começam a ser atendidas.

Eu cheguei até aqui através de um amigo, marido de uma


colega minha, que trabalhava aqui. Então, eu trouxe minha filha,
como a Inara disse aí, procurei muitos lugares e em muitos não
conseguia vaga para ela apanhar nem o remédio. Levei ela ao
Pedro II, em Engenho de Dentro. Ela tomou remédio, mas quando
cheguei aqui falaram que não tinha nada a ver. Ela começou a ficar
dopada e cada vez o quadro dela ia piorando, piorando, então um
dia, essa colega minha foi na casa da minha vizinha, que falou para
ela o que estava acontecendo comigo. O marido dela trabalhava
aqui e ia ver o que podia fazer por mim. Foi então que eu vim aqui e
graças a Deus me dei bem (...) (Mãe 2)

O inesperado e inusitado da erupção de um quadro grave de transtorno psíquico


é também um dos impasses a serem enfrentados, já que estudos recentes apontam que o
início de diversos transtornos psíquicos graves, dentre eles a psicose e o transtorno
bipolar de humor, podem ocorrer entre 15 e 19 anos de idade.

(...) a minha filha saiu bem do colégio, mas de repente


chegou em casa falando mil e uma coisas. Foi tão de repente que
deixou a gente completamente desnorteada. Tanto fizemos ...
procuramos uma clínica particular para atender rápido, já que nós
nunca tínhamos visto isto acontecer ... foi muito remédio, remédios
caríssimos, teve um remédio, inclusive, que custava 300 reais. Na
verdade, teve uma época que fomos parar no posto de saúde no Alto

115
da Boa Vista, pois não tínhamos condições de pagar remédios tão
caros. Chegamos por lá e a médica nos encaminhou para cá.(...)
(Mãe 1)

O Programa e seus Objetivos

O Programa Clube Ponto de Encontro foi concebido enquanto projeto


terapêutico que utiliza a atividade lúdica no processo de ressocialização e promoção de
saúde mental em um espaço destinado a adolescentes sob risco de internação
psiquiátrica (Saggese, 1996). A manutenção e/ou restabelecimento dos vínculos sócio-
afetivos são os objetivos a serem alcançados. O lazer assistido31 pode ser efetuado e
efetivado dentro e fora das oficinas terapêuticos, podendo também envolver os mais
diversos atores sociais – técnicos do programa, professores, amigos, parentes. A
eficácia das estratégias desenvolvidas e a forma como elas se efetuam são questões que
se impõem nas práticas diárias e nas discussões e análises desenvolvidas nas reuniões
de equipe pelos técnicos do programa. Gestão das atividades, efetividade das
estratégias, criação e avaliação de indicadores fazem parte do universo daqueles que
acolhem os jovens e suas famílias em situação de crise. Para os que vivem a situação de
crise, as estratégias e práticas realizadas são identificadas, mas parecem servir somente
como pano de fundo. O resultado das ações, a divisão de responsabilidades e o
acolhimento parecem se confundir com o que é o programa e para que ele serve.

Quando eu vim pra cá, a primeira idéia que eu tive do


CAPSIJ foi que seria uma creche para o meu filho, onde ele ficaria
três dias da semana e eu descansaria. Talvez eu não tivesse
nenhuma esperança que ele melhorasse, mas era um lugar de alívio
e realmente eu não entendi o funcionamento do CAPSIJ. Um pouco
é remédio, reunião, e eu sou muito cabeça dura, foi complicado, mas
com o tempo ... quer dizer, eu nunca tinha ouvido falar em reunião
de pais, foi uma novidade para mim.(...) (Mãe 5)

Ou então.

116
(...) pelo que eu entendi o CAPSIJ trabalha o adolescente
junto com a família e eles fazem questão de frisar isso, de mostrar
isso, que eles não trabalham o adolescente sozinho. Aliás ninguém
existe só, todo mundo tem uma família, nem que seja depois
abandonado, sei lá..., alguma coisa, que durante o percurso tenha um
acidente qualquer, mas tem uma família e que a família reconheça
essa deficiência, essa carência, esse problema, seja lá o que for, como
a pessoa quiser dar esse (...) eu vejo que o CAPSIJ quer, que você
tenha uma estabilidade emocional, afetiva principalmente, porque
você não vai deixar de amar seu filho porque ele é diferente, porque
ele tem uma anormalidade. Então que você reconheça seu filho e que
você trabalhe para poder superar esse problema(...) ( Mãe 3)

As atividades desenvolvidas pelo programa para atendimento aos jovens,


principalmente as oficinas terapêuticas, são conhecidas de todos. Quando instigados a
falar sobre elas, as respostas são pontuais, se assemelhando as respostas dadas pelas
crianças a seus professores quando perguntados em que ano o Brasil foi descoberto.
Cozinha, reciclagem, oficina de leitura, sexualidade, são respostas que surgem quando
num último esforço de obter respostas, se pergunta ao grupo quais os exemplos
poderiam ser dados de oficinas e de atividades terapêuticas. Bem diferente das
colocações feitas anteriormente e da que se segue.

(...) geralmente você faz tratamento médico, vai para um


lado, faz a terapia com outro, vai na fono com outro, aí você fica
pingando em várias coisas. Você não tem um lugar que você possa
ter um espaço, uma oficina, sei lá, que a criança possa ter, que o
adolescente possa ter atividades, e principalmente na idade ... vi
muitos espaços por aí que existe, não existe, mesmo pagando não
existe, para idade infantil, quando chega na adolescência não existe
pra adolescentes, aí foi um dos motivos mais fortes que me trouxe
aqui, além do tratamento médico a possibilidade de ele ter...de

31
Termo genérico utilizado no Projeto Clube “Ponto de Encontro” para designar as mais diversas
atividades, dentre elas as oficinas terapêuticas, com características lúdicas funcionando como facilitador
da reconstrução das redes de socialização.

117
socializar com outros adolescentes que não tivesse envolvido com
escola, com outras questões que não fosse a escola.(...) (Mãe 3)

Desde o projeto inicial do Programa Clube Ponto de Encontro a participação e


inserção da família é prevista e sua importância dimensionada dentro do processo de
restabelecimento de vínculos sócio-afetivo. A adesão da família ao tratamento e a
melhoria da interação entre os jovens e seus familiares, como facilitador e multiplicador
desta relação para com a comunidade, é inserida no bojo de todo o processo, tendo a
mesma valência que as práticas direcionadas aos adolescentes (Saggese, 1996). Oficinas
terapêuticas de um lado, grupo de pais do outro, se faz necessário o desenvolvimento
destas atividades em espaços e momentos distintos. Esta separação operacional parece
impregnar os técnicos, que como vimos anteriormente, segundo os relatos, ora pontuam
ser necessária uma maior aproximação com os familiares ora relatam que o contato
geralmente é informal, em momentos de trânsito dos adolescentes que ainda necessitam
ser trazidos ou levados embora pelos seus familiares. Para os familiares, os cuidados
dispensados formam um conjunto, independendo a quem ele esteja sendo direcionado
no momento, o alcance é global e indissociável. Cuidados dispensados aos adolescentes
parecem refletir em seus familiares e no contexto onde estão inseridos e, todo o aparato
terapêutico direcionado aos familiares parece trazer como resultante maior
cumplicidade nos objetivos a serem alcançados.

(...) Então eu aprendi junto com o Fábio.O Fábio foi


melhorando, foi aprendendo, e eu fui aprendendo também junto.
Então o CAPSIJ hoje em dia para mim é uma referência, falar
CAPSIJ para mim é o meu corpo, é o meu lugar seguro. Quando o
Fábio tem um problema, não, é no CAPSIJ, vou para CAPSIJ, vou
falar com um, vou falar com a Fátima (técnica do programa), vou
falar com Ciclano. Então, o CAPSIJ se tornou pra mim um fator, um
ponto muito importante, é minha referencia em relação ao Fábio, é
minha referencia hoje.(...) (Mãe 5)

E também.

(...)Eu também, quando eu tenho assim qualquer problema,


quando eu estou assim angustiada, quero chorar, quero desabafar eu

118
procuro logo a reunião. Eu tenho vontade de estar mais, mas eu
trabalho muito, aí nunca tenho tempo. Aí, se eu tenho tempo, assim 5
minutos, 10 minutos, aí aqueles 10 minutos que eu estou ali é uma
beleza, eu saio até mais aliviada, saio com a mente mais tranqüila (...)
e também a Débora, ela gosta muito aqui do CAPSIJ, ela não quer
nem sair daqui, ela fica, fala: Aí mãe, está chegando o dia do CAPSIJ.
Teve um dia que choveu muito, acho que foi semana passada, a
Débora fez um desespero dentro de casa às 5 horas da manhã para
poder vir por CAPSIJ. Foi uma quarta-feira, chovendo muito e ela:
Ah! Eu quero ir, eu quero ir pro CAPSIJ, eu estou com saudade.(...) o
Edmilson (médico do programa) falou que ela já está com 20 anos,
está na época de ela ficar mais pra lá 32, mas aí para não tirar ela de
vez, ele deixou ela três dias aqui e dois lá enquanto ela acostuma, mas
verdadeiramente esse CAPS foi uma idéia maravilhosa, tanto para os
adolescentes, como para gente, os pais. Quer dizer, eu também tenho
oportunidade de trabalhar tranqüila por causa dela. (...) (Mãe 6)

Medicamento e suas Relações com o Tratamento

Os novos serviços – Centros de Atenção Psicossocial/CAPS – com sua nova


proposta de atendimento para além de reconstituição do sujeito em todas as suas
dimensões – afetivo-relacional, social e política – estabelece que, para se dar conta da
complexidade desta proposta, múltiplas formas de atendimento devem ser oferecidos
pelos mais diversos tipos de profissionais, sendo eles ou não da área de saúde mental.
Rotelli nos aponta.

(...) os diversos tipos codificados de ‘terapia’(médica,


psicológica, psicoterapêutica, psicofarmacológica, social etc ...) são
considerados como momentos também importantes, mas redutivos e
parciais, sobretudo se isolados e codificados (...) Se se trata de
pensar que “a liberdade é terapêutica”, cada ato em liberdade pode
ser terapêutico. Se se trata de desinstituir a doença como
experiência que não é superável da existência, trata-se de valorizar,

32
Débora encontrava-se neste período iniciando o processo de transferência para um CAPS de adultos.

119
mais que o sintoma (sobre o qual se constrói a instituição), o
conjunto de recursos positivos do serviço e da demanda. (...) o
trabalho terapêutico deve enfrentar efetivamente um campo de ação
complexa.(1990: 46)

Em consonância com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica, no que diz


respeito à valência das “modalidades” terapêuticas, a proposta do Programa Clube
Ponto de Encontro, desde o projeto inicial, utiliza o termo grave sofrimento psíquico
para se referir ao jovem que chega ao programa e por ele é acolhido, para indicar que a
prática clínica a ser utilizada não se restringirá a conceitos diagnósticos padronizados
que empobrecem a avaliação da realidade global dos adolescentes atendidos.
(Saggese, 1996: 7)
A portaria ministerial 336 de fevereiro de 2002 ao constituir e regulamentar os
CAPS como modalidade assistencial aos portadores de transtorno mental grave,
prescreve e determinada as mais variadas atividades a serem oferecidas a esta
população, sendo o atendimento individual medicamentoso33, uma atividade entre tantas
outras de igual ao maior importância.
As indagações, dúvidas e afirmações trazidas pelos familiares a respeito da
medicação parecem de formas diversas povoar seu imaginário e, em muitos momentos,
a medicação e seus desdobramentos se transformam no eixo sobre o qual gira todo o
tratamento. Estas colocações nos confrontam com a questão relativa ao tempo que se
faz necessário para que estas reformas, leis e portarias sejam assimiladas por aqueles a
quem elas se direcionam.

Minha prima reclama achando que inclusive quem está


tratando do Fernando hoje, que é o doutor Emilson34, que coloca
assim para ela, enfim, que o Fernando precisa só daquela
quantidade de remédio e tal; então eu acho que ... eu não sei como
ele imagina como o Fernando é ... eu realmente acho que, depois
desse caso lá de São Paulo35, eu mãe de filho, trancava meu quarto
na hora de dormir, porque eu não sei se esse menino não pode ter de
repente uma atitude, sabe? Porque eu já vi ele agredir a mãe, ir em

33
Itens 4.1.1; 4.2.1; 4.3.1; 4.4.1; 4.5.1
34
Médico mencionado várias vezes no grupo focal com bastante deferência e credibilidade quanto a sua
habilidade profissional.

120
cima da mãe, não porque a mãe fez alguma coisa, mas porque ele
estava com raiva de outra coisa. Eu, eu ... tô falando um pouco por
ela, eu não sou a mãe dele, mas eu vejo que ... (Rede 1)

O “remédio” parece em alguns momentos estar ligado à questão da


periculosidade e da violência.

(...)de repente o rapaz, o menino começou a chutar coisas e a


gritar, e a fazer tudo aquilo que a gente fica...sabe? (...) então pra
mim, na minha cabeça ele precisava ter um remédio de emergência. O
que fazer numa hora dessas? Entende? Deixar ele quebrar as coisas
que tem em casa? Vai deixar ele se agredir? Vai deixar ele bater com
a cabeça? É um negócio que sabe...eu já o vi tendo crises, mas
imagino que se no momento de uma reunião com outras pessoas, as
pessoas ou não querem ver isso, ou esperam não ver isso. Então o
tratamento de medicamento que ele tem, que o Dr. vem dizendo: Não,
a gente só pode dopar ele, ele agindo de tal forma (...) O que é que se
faz? (...) Eu acho que ele é uma criatura com problemas neurológicos,
psiquiátricos. O que ele tem, que eu não sei exatamente o que é, é que
ele precisa de medicamento sim, e regular, para conviver com as
pessoas, para ser um pouco aceito. Porque quando ele está bem, ele é
agradável, eu gosto dele, ele é agradável. Agora, quando ele enfurece,
entendeu? Eu não quero ficar sozinha com ele.(...) (Rede 1)

Por outro lado.

(...) ele tinha três anos de idade quando eu detectei o


problema. E na época nós fomos ao médico. O menino era muito
hiperativo, tinha tremendos problemas de comportamento, e o
médico prescreveu uma vitamina e a vitamina era tipo uma pilha.
Era dar uma vitamina e piorava mais ainda. Então eu fui contra,
teve uma época até que eu me estressei e falei para o médico: eu sou
contra, contra aquele medicamento. E aí fui para outro psiquiatra e

35
Homicídio ocorrido em São Paulo alguns meses antes da realização do grupo, no qual a paciente matou
o psiquiatra que a atendia em seu consultório.

121
o psiquiatra toda a semana dava um medicamento diferente, Haldol
e companhia limitada, Neoleptil, não sei o que, não sei o quê. E um
dia o menino estava dopado, um dia não estava e era aquela
confusão. ‘Ele não vai tomar mais nada’. Então ele ficou cinco anos
sem tomar nada, e foi indo com a hiperatividade e eu fui levando
para a escola e para as terapias e tudo mais, tá. (...) (Mãe 3)

Prós e contra, a favor ou com pavor, esta ambivalência parece assombrar


técnicos, usuários e familiares. Em uma mesma família podemos observar este
descompasso: momentos em que o remédio é idolatrado curando todas as mazelas e em
outros se transformando em vilão. Entender o lugar que a medicação ocupa dentro do
tratamento ainda é um ponto de discussão que alguns conseguem se aproximar, mas o
consenso mostra-se ainda distante.

(...) a gente tem uma certa tendência de achar que o


medicamento resolve tudo, que o remédio ... a ... o dopar, vai
resolver o problema. Eu sou meio contra o remédio, acho que só na
hora necessária. Não gosto de dar SOS36 porque eu acho perigoso, a
gente acaba achando que o remédio vai curar ... que vai pelo menos
anestesiar o pobre do infeliz, quer dizer: a gente tira ele de uma
droga e mete em outra droga. É perigoso, a gente tem que ter muito
cuidado com medicamento. Eu sou uma pessoa meio agitada, eu não
aceitaria que me dopassem porque eu sou agitada, acho que cada
um tem o direito de ser como é, dentro de um limite do suportável,
não é? A gente tem que saber, ser orientada, para segurar essa
onda. (Mãe 5)

Grupo de Pais. Um Espaço para Encontros

36
Prescrição extra de medicamento dada pelo médico para ser utilizada em momentos de agudização do
quadro em que não seja possível acessa-lo.

122
Vários foram os lugares e papéis da família ao longo dos tempos dentro do
contexto sócio-cultural. A família, antes do período moderno, se caracterizava por
agrupamentos consangüíneos cercados de protegidos e serviçais congregados em torno
da sobrevivência e proteção, sem distinção entre o espaço público e o privado tendo
como papel precípuo a transmissão de bens e nome, quando os tinha. Posteriormente,
este grupo vai paulatinamente se tornando nuclear, este processo inicia-se na
aristocracia e burguesia estendendo-se as classes pobres. A provisão sentimental de seus
membros foi incorporada ao contexto familiar como também o estabelecimento de
funções por gênero, fruto da divisão social do trabalho. Ao homem cabia o provimento
financeiro da prole, à mulher os cuidados domésticos e proteção do lar. Já na família
pós-moderna, os cônjuges, quando existem, passaram a ser o suporte financeiro e sócio-
afetivo.
No mundo contemporâneo, com rápidas mudanças, a dificuldade que se impõe é
compatibilizar a individualidade, advinda da perda de papéis pré-estabelecidos e da
centralidade da autoridade, com a reciprocidade familiar. A negociação surge como um
instrumento ao mesmo tempo emancipador, por propiciar escolhas que abrem múltiplas
possibilidades e constrangedor, pela sujeição a normas, regras e cumprimento de papéis
a que todos estão sujeitos. Poder escolher traz angústia. (Sarti, 1997)
Como enfrentar situações tão dramáticas quanto as que são trazidas pelo
surgimento do transtorno mental grave ainda na tenra juventude a um membro destas
famílias, hoje insuladas, depauperadas em seus recursos afetivos e responsabilizadas
em cumprir demandas financeiras e sócio-educativas? Como construir ou reconstruir,
negociar e repensar a realidade cotidiana? Em que espaços, institucionais ou não, isto
pode ser realizado?

(...) as oficinas são importantes para ele. A psicoterapia,


olha, faz milagre. Eu tenho visto fazer coisas aí do arco da velha.
Grupo de pais então, nem se fala, a gente se pega lá dentro (...) tem
até uma agora que não está falando comigo não (risos), fui brincar e
dancei. Mas eu sei que isso vai passar, são quase quatro anos, mas
sabe, às vezes a gente fala alguma coisa que a pessoa não está a fim
de ouvir, aí ela se volta contra a gente mas eu sei que isso passa.
Isso faz parte do grupo de pais também. É importante, não perco
um. Para eu perder eu tenho que estar muito mal, porque foi o que
segurou a minha onda e fica segurando a minha onda, então eu acho

123
que é de fundamental importância o Grupo de Pais e mais ainda o
atendimento de pais. (Mãe 5)

Um espaço de encontros. Acompanhemos este colóquio.

- O que eu vejo em relação ao CAPSIJ é nos ouvir. O que eu


vejo na minha vida e na vida das pessoas que eu tenho visto aqui.
Toda vez que foi necessário para mim, que eu estive aqui com um
problema, toda a vez que eu precisei, elas saem da oficina para me
atender. Já aconteceu de eu ficar três horas conversando com a
psicóloga aqui dentro. E eu vi isso com várias pessoas também. Agora
eu acho que a nossa ansiedade às vezes faz com que a gente queira
mais do que a gente precisa. (Mãe 5)
- Ué? Mas é uma ansiedade, é um problema. É uma
ansiedade. (Pai 1)
- Sabe, o meu filho é assim, ele me pergunta:”mãe, o
machucado vai curar hoje?” – “ Não.” – “‘Mãe o machucado vai
curar hoje?” – “ Não meu filho, leva uma semana.” – “Mãe, o
machucado vai curar hoje?” Eu acho que a gente está por aí. A gente
ouve a resposta mas a gente não ouve. Então eu acho que nesse
momento a gente acha que o tratamento não está sendo ... a gente não
está sendo devidamente ouvido porque a nossa expectativa faz com
que a gente não ouça a resposta. A gente quer mais, mais e mais.
(Mãe 5)

Encontros num mesmo espaço.

- Eu acredito até que esse Grupo de Pais, só de as pessoas


estarem se interando de outros problemas similares, isso parece que
não, mas uma coisa ajuda a outra. Vai falando a experiência do que a
senhora está passando, do que eu estou passando, com isso a pessoa vai
se interando.(...) (Mãe 1)
- Cada caso é um caso, quer ver ajudar muito é esse grupo
aí dos pais. Eu aprendi a lidar, porque eu achava que se minha filha

124
falasse ‘Mãe’, eu fazia tudo para não aborrecê-la, porque aí vinha
aquela crise, mas não ... (Mãe 2)
- Normalmente ali a pessoa chega sem saída. (Pai 3)
- Então você chega ali desesperado, dizendo não tem
solução, vem na cabeça, só que não tem solução. Mas aí chega ali
conversando, eu o ouço ele e penso: ”Ué, mas o meu não é tão grave” e
assim sucessivamente. Então a gente vai aprendendo que aqui você
realmente tem um suporte. (Mãe 1)

A busca de definição para os espaços e dispositivos criados para oferecer


acolhimento aos familiares de jovens com grave padecimento psíquico, talvez possa ser
mais simples do que imaginamos.

- Vocês falaram muito do Grupo de Pais. Para uma pessoa


que não conhece o Grupo de Pais, como eu por exemplo, que não
conheço e nunca freqüentei, como vocês definiriam o Grupo de Pais?
(Coordenador do grupo focal)
- É quase isso aqui. (Mãe 5)
- (risos). (Todos)

Os Resultados e as Expectativas

O nascimento da psiquiatria, primeiramente na Europa através de Pinel e


Esquirol e posteriormente no Brasil, sob sua forte influência, com a criação do Hospital
Pedro II, também chamado de Palácio da Praia Vermelha por sua beleza estética e de
propósitos, traz um posicionamento claro através de um discurso humanitário,
assistencialista e higienista: o manicômio, por si só, é o instrumento de cura e a
reclusão é uma medida médica necessária (Teixeira, 1980: 47).
A assistência aos portadores de ‘doença mental’ desde este período foi
estabelecida pela marca da exclusão social, exclusão do contexto sócio-cultural e da
família, dos cuidados impostos e da tutela. A cura esperada, que não acontecia e a
medida médica da exclusão, acabaram gerando cada vez mais espaços para abrigar o
louco.

125
Apesar do novo ímpeto ocorrido nas duas primeiras décadas do século passado
com a promulgação das primeiras leis e o surgimento de instituições especificas –
sociedades científicas e periódicos – voltadas para a questão da loucura, segundo Costa
(1989: 71) “ a psiquiatria do Rio, durante as três primeiras décadas do século XX,
época em que foi fundada a LBHM (Liga Brasileira de Higiene Mental), era produto do
atraso histórico da psiquiatria no Brasil.”
Diante da impossibilidade da cura, busca-se a prevenção. Prevenção esta
carregada por um biologismo promulgado pela Liga Brasileira de Higiene Mental mas
que trazia em seu bojo aspirações culturais, políticas e morais. A Eugenia, movimento
social e científico compatível com os princípios da medicina social por localizar fatores
que inviabilizam o potencial dos indivíduos, surgem com o ideário de geração de uma
nova conformação física e também mental de uma população (Santos: 2002). Através
de práticas de higiene e saneamento, e com o objetivo promover o aprimoramento da
raça, a eugenia teve na pedagogia um forte aliado, em conjunto direcionando suas
atenções para a população infanto-juvenil.
A “pedagogia moderna” através do estudo científico da criança, pretendia
conhecer este pequeno indivíduo, classificá-lo e enquadrá-lo segundo parâmetros de
uma ciência positivista, dentro de uma tipologia de normalidade, anormalidade e
degenerescência.

Discriminar as crianças normais das anormais37 ou


degeneradas era tarefa que se instalava no âmago da pedagogia
científica que segundo Thompson, deveria ‘confrontar e distinguir os
casos normais dos anormais para cuidar de cada um segundo seu
valor exato’. Para tanto, importava não confundir ‘os casos de
anomalia simples com os de grave e profunda degeneração’. Pois os
primeiros podem ‘ser compatíveis com a natureza e fim da escola’,
sendo-lhes facultado ‘freqüentar as escolas normais’, onde seriam
‘corrigidos e modificados por métodos especiais’. Já ‘os degenerados’
devem ser ‘excluídos absolutamente das escolas dos normais, seja
qual for a forma de seu caráter degenerativo’. (Carvalho, 1997:
298/299)

37
Os anormais que estariam sujeitos a educação emendatória seriam os criminosos, amorais, tarados,
idiotas, imbecis, surdos-mudos, cegos de nascença e deficientes físicos.

126
A cultura da exclusão àqueles que seriam classificados como degenerados, pelo
decreto do modelo científico gerado por códigos de convívio social, posição sócio-
econômica, raça e estudos científicos metódicos, parece ter se mantido de alguma forma
até hoje. Qual o lugar dentro do contexto social destinado aos outrora degenerados e,
talvez hoje, portadores de grave sofrimento psíquico? Que tipo de tratamento a eles
seria dispensado? Se e quando tratados, o que deles esperar?

(...) Eu acho que ela que é mais antiga aqui, ela deve ter me
visto aqui, eu mesmo que trazia e quando chegava na hora eu estava
aqui para pegá-lo e ia preocupado com ele: “Meu Deus, será que vai
acontecer alguma ... fuga, evasão?” Aí, graças a Deu,s o tempo foi
passando, hoje graças a Deus, o Danilo vem sozinho. Eu dei um
telefone celular para ele e estou sempre em contato com ele, ele vai ao
colégio com ele. Ele não vai só ao cinema e outras coisas mais porque
ainda não bateu aquele interesse mesmo, mas o dia que chegar a
vontade eu libero, logicamente preocupado, porque ele ainda está com
dezoito anos, fez dezoito anos agora em agosto. Mas para quem viu já
o Danilo andando até pelado sem preocupação, porque ele não estava
nem aí, dentro de uma clínica e depois do tratamento aqui, ele está
nesse passo, eu acho que é de grande valia. (Pai 3)

O que é considerado tratamento bem sucedido? O que a diversidade destas


opiniões nos diz?

- Melhora do paciente, dos jovens. (Mãe 2)


- É. Do jovem que está aqui. (Mãe 1)
- Se possível a alta, não é? (Mãe 2)
- (várias conversar simultâneas)
- Se a filha dela melhorou, isso é uma vitória. (mãe 3)
- (várias conversas simultâneas)
- Olha, cada caso é um caso. Eu vejo o caso dela, o caso
dela é um caso que tem alta. O meu caso, o caso do Fernando não tem
alta. Para nós, para mim e para Dalva (mãe de Fernando) o
importante é melhorar a qualidade de vida, isso é importante, que o
nosso filho tenha uma qualidade de vida, uma aceitação na sociedade,

127
uma socialização possível para que a gente possa ser feliz dentro do
quadro clínico dele. (Mãe 5)
- Da limitação dele ... (Rede 1)
- Exatamente, acho que é isso que eu espero. (Mãe 3)

A exclusão e o afastamento podem ser revertidos, a ‘doença mental’pode


promover a aproximação.

(...) E atendimento aos pais eu só tive uma vez38 (...) porque eu


infelizmente sou separada do pai dela, mas houve uma vantagem
muito grande porque eu nem suportava olhar para a cara dele, estava
mesmo separada. Depois do dia sete de junho, que ele chegou lá em
casa e encontrou ela numa crise, no aniversário dela, sete de junho,
ele começou a dar mais atenção a ela, ele não dava nada, não me
procurava. Aí o que eu faço, ao invés de eu vir com ela para cá, eu
mando ele, eu peço. Aí, ele está tendo mais uma aproximação com ela,
e isso tem ajudado muito também. (Mãe 2)

Sucessos e Insucessos do Tratamento

O ingresso de um jovem no Programa Clube Ponto de Encontro é resultante de


vários momentos sucessivos de descontinuidades no processo de desenvolvimento
sócio-afetivo e o surgimento da crise sela este processo com os episódios de auto e/ou
heteroagressão. As famílias e seus jovens chegam confusos, imersos em expectativas,
sem saber como todo o quadro se desenrolará, o que esperar como resultado e quando a
“normalidade” se restabelecerá. Os técnicos que os acolhem também partilham destes
sentimentos, mas com a visão que nos aponta Saraceno (1999: 95/96).

Um serviço de alta qualidade deveria ser um ‘lugar’


(constituído de uma multiplicidade de lugares/oportunidades
comunicantes) permeável e dinâmico, onde as oportunidades (ou seja,
os recursos e as ocasiões negociáveis) encontram-se continuamente à
disposição dos pacientes e dos operadores. De fato , se de um serviço

11 O atendimento dos pais dos adolescentes do programa ocorrem independente da situação conjugal.

128
(de uma fração dele) se estabelecem as “dotações de oportunidades”
em medida limitada e de uma vez por todas, o resultado será a
progressiva cegueira daquela parte do serviço em relação às
atribuições que ele não possui.

Portanto as respostas obtidas pelo tratamento são a soma das possibilidades,


capacidades e competências desencadeadas pela relação entre os jovens, os técnicos,
seus familiares, a rede social e cultural em que todos estão imersos.
Junior, como era chamado pelos familiares, chega pela primeira vez ao
programa trazido por sua mãe em julho de 1999, quando contava com dezessete anos de
idade. Parecia muito desta depender, a princípio, para falar de suas queixas e angústias.
Marta relata que após a morte de Ronaldo, pai de Ronaldo Junior, em 1995, este se
tornou depressivo, sem sair de casa e passando a apresentar dificuldades de
aprendizagem na escola. Também apresentou mania de limpeza. Lavava as mãos
compulsivamente e só utilizava o sabonete uma única vez, este hábito fez com que
tivesse escamações na pele da mão até o antebraço. Não tocava diretamente nos
alimentos somente com guardanapo. No ano de 1996 fez tratamento psicológico em
consultório particular próximo de sua casa, posteriormente fez tratamento com
psicopedagoga por ter “dificuldades de estudar”. Parou de estudar na primeira série do
segundo grau em 1998. Iniciou tratamento no Hospital Universitário Pedro Ernesto em
1997 e no mesmo ano, no mês de setembro foi absorvido no hospital-dia em regime de
internação parcial, por motivo da tentativa de suicídio, pois segundo ele “queria
dormir”, “queria acabar com a vida”. Ingeriu vários remédios de bronquite da mãe. Em
período anterior relatou que, tal qual seu pai, tinha péssimas relações com avó paterna,
moravam juntos desde o casamento dos pais em 1978, por imposição deste e mesmo
após sua morte permaneceram na mesma casa. As desavenças com a avó foram as
justificativas utilizadas para o fato de ter quebrado portas dos armários, da cozinha e
rabiscar os móveis. Verbalizou ter vontade de matar a avó. Tempos depois ao participar
de tratamento espiritual em centro espírita, relata ter “recebido” o pai e neste momento
ter se ajoelhado aos pés da avó pedindo desculpas.
Neste primeiro contato mostrou-se muito angustiado. Irrequieto, saiu várias
vezes da sala onde fora entrevistado, indo ao banheiro. De forma entrecortada, afirmou
que seus problemas eram no corpo. Sem maiores detalhes informou ter muita dor de
cabeça e na nuca como também tremedeira, tal qual seu pai antes de falecer com câncer
no estômago. “Não sei explicar, minha mente é presa” relatou com muita angústia.

129
Segundo Marta, os sintomas foram investigados e nada foi encontrado. Falou também
das vozes que ouvia toda vez que ia ao banheiro e que estas controlavam seu ato de
defecar. Terminou o atendimento com a seguinte verbalização, com relação ao desejo
de matar a avó : “Não é porque eu quero, é como um cabo de guerra”. De imediato foi
inserido no programa, sua medicação foi avaliada e o processo psicoterápico individual
foi iniciado.
O ingresso de Ronaldo foi tranqüilo. Mostrou-se inicialmente tímido, mas
rapidamente entrosou-se com os demais jovens, iniciando participação efetiva nas
oficinas. Sua ambivalência quanto à sintomatologia se apresentou desde os primeiros
momentos no programa. Apesar do entrosamento evitava situações de aglomeração,
como festas ou encontros mais entusiasmado dos colegas. Marta foi convidada, como
todos os familiares a participar do grupo de pais, mas sua freqüência inicialmente foi
irregular por alegar problemas com o horário do ingresso no trabalho, que
posteriormente tornou-se bastante flexível. Em função dos relatos, tanto de Ronaldo,
quanto de sua mãe, a respeito das dificuldades de relacionamento entre o rapaz e sua
avó paterna, foi solicitada a presença desta no programa, com o objetivo de estreitar
laços e oferecer auxílio no que fosse necessário. No primeiro contato, foi percebida a
impossibilidade de sua freqüência ao grupo de pais devido ao fato de Consuelo ter idade
avançada, oitenta e dois anos na ocasião, e talvez por isto ter muita dificuldade de
compreender o quadro psiquiátrico em que o neto se encontrava. Houve várias queixas
com relação ao comportamento de Ronaldo. Os hábitos higiênicos, as agressões verbais
a exasperavam, mas por outro lado, demonstrava muito afeto pelo neto e até
superproteção. O comportamento agressivo em relação à Consuelo foi reduzido logo
após o início do tratamento.
A alteração do quadro de Ronaldo entre a depressão e os rituais obsessivos logo
foram percebidos, e o acompanhou durante os anos de tratamento em maior ou menor
intensidade, conforme o momento. Quando o quadro depressivo agudizava, permanecia
em casa, geralmente sem conseguir se levantar da cama. Isolava-se de todos e
conseqüentemente interrompia suas idas ao Clube Ponto de Encontro. No período de
exacerbação dos rituais obsessivos, os hábitos higiênicos iam a extremos. Gastavas
vários sabonetes, frascos de xampu e rolos de papel higiênico por dia. Certa vez, Marta
chegou desesperada ao grupo de pais mostrando a conta de luz de sua casa, que devido
aos consecutivos banhos do filho chegara ao valor de quatrocentos reais. Apesar da
ansiedade em que ficava nestes períodos, vinha ao tratamento e participava das oficinas.
No início do ano de 2000, Alberto, primo de Ronaldo passou a acompanhar seu

130
tratamento. Com certa regularidade, freqüentou o grupo de pais por pelo menos dois
anos e trouxe auxílio significativo ao tratamento. Colaborou com os técnicos, com
Marta e seu primo ao trazer suas observações e registros a respeito dos sintomas
psicóticos apresentados por Ronaldo. Por um tempo significativo Alberto foi o
sinalizador da exacerbação dos sintomas e do surgimento das crises que não eram
percebidos nem por Marta e nem por seu filho.
Em abril do mesmo ano, pela primeira vez, Ronaldo insistiu na retirada da
medicação e passou a demonstrar alguma compreensão do seu quadro. Relatou ao
psiquiatra que o atendia terapêutica e medicamentosamente, que ao ver o filme “Melhor
é ImpossíveI” se identificou com o protagonista em suas “manias de limpeza” e nos
rituais obsessivos. Sinalizou pela primeira vez retornar a escola e disse também nunca
mais piorar de seus sintomas, apesar dos relatos dos familiares de andar eventualmente
nu pela casa.
Em maio Ronaldo parou de tomar a medicação e passou a negar sua
problemática psiquiátrica, enquanto ao mesmo tempo afirmava sua melhora. Mesmo
com o relato de piora feito pela mãe e pelo primo, tais como dificuldade para dormir e
postura verbal acentuadamente agressiva, o rapaz atribuía estes sintomas a questões
espirituais. Mas após insistentes demonstrações das evidências assumiu, o
comportamento sinalizado pelos familiares. Com exacerbação dos sintomas e a recusa
sistemática por parte do rapaz em retornar ao uso da medicação, após exaustivo
atendimento realizado com os técnicos do programa mais diretamente ligados ao caso, o
jovem e seus familiares, foi feito um acordo entre os envolvidos de que seria aceita a
interrupção da medicação, condicionada à manutenção da regularidade de freqüência de
Ronaldo ao programa. E que em caso de piora do quadro, com comportamentos de auto
ou heteroagressão, ele seria internado.
Após um mês sem a medicação e com o aumento dos sintomas de agressividade
e rituais obsessivos, acrescidos das insistentes colocações de Marta e Alberto, Ronaldo
cedeu às argumentações e assumiu temer seu potencial agressivo e começou a aceitar a
idéia de ser introduzida a medicação depot39. Quinze dias após, aceitou de forma
reticente iniciar a medicação depot.
Nos próximos três meses, Ronaldo se recusou a vir ao programa, a tomar
qualquer tipo de medicação e participar de qualquer tipo de atividade intra ou
extramuros – passeios ou visitas domiciliares, mas ao mesmo tempo, se intensificou a

39
Medicação depot ou medicação de depósito é realizada por via injetável intramuscular com espaços
regulares, semanais, quinzenais ou mensais de acordo com o caso.

131
participação de Marta e Alberto no tratamento. A freqüência ao grupo de pais se tornou
regular para ambos. Tanto os relatos, dúvidas e sofrimento de Marta, quanto as
colocações francas e aguçadas de Alberto colaboraram bastante com os presentes no
grupo. Todos puderam tirar dúvidas e refletir a respeito da medicação e da participação
dos familiares no tratamento. Ronaldo indiretamente estava presente no programa e era
assistido por este, quando sua mãe ou seu primo sanavam alguma dúvida ou propunham
alternativas e propostas dentro do tratamento. Ao ficar na cama o dia inteiro e se afastar
do tratamento, o jovem parecia ter a necessidade de viver intensamente uma forma de
desafio entre ele e a loucura.
Aos poucos Ronaldo saiu de sua cama, de sua casa. Retornou ao tratamento
paulatinamente e matriculou-se em curso supletivo, na tentativa de retomar os estudos.
Com o retorno ao programa, solicitou ser atendido por outro psiquiatra que
acompanhasse somente a medicação e manteve o profissional que o vinha
acompanhando desde o início do tratamento para dar continuidade ao tratamento
psicoterápico. Desta forma, para ele as decisões sobre a medicação,as questões sobre a
doença e seu autoconhecimento foram mantidos em separado. Retorna ao uso da
medicação em novembro de 2000, sendo esta negociada passo a passo e as trocas
efetuadas a medida que surgiam os efeitos colaterais. No período de março a setembro
de 2001, manteve com freqüência semanal o atendimento psicoterápico. A freqüência às
atividades do programa também foi retomada e aos poucos se solidificou o engajamento
às atividades escolares. Paqueras, namoros passaram a fazer parte do seu cotidiano e a
servir de material para a sua psicoterapia. Em agosto de 2001 optou por interromper o
uso da medicação. Apesar de ter solicitado sua transferência para um programa de
adultos, nesta ocasião havia acabado de completar dezenove anos. Com a saída de sua
terapeuta do programa, espontaneamente pouco tempo depois, foi diminuída sua
freqüência às atividades e saiu do programa. Segundo recente telefonema de Marta à
técnica do programa em dezembro de 2002, Ronaldo estava terminando o segundo grau
e tentando junto ao primo conseguir algum emprego. Não estava se tratando em
nenhum serviço e também não estava fazendo uso de medicação.

Talvez possamos dizer que o sucesso do tratamento seja seus insucessos e a


reconstrução a partir destes insucessos. A ausência de resultados pré-estabelecidos
também produz no processo de reinserção um aspecto enriquecedor, envolvendo não só
o aprendizado, mas também a experiência humana de todos. Em conformidade com o
que nos traz Desviat (1999: 29), não se trata de atender à demanda tal como é

132
formulada, geralmente uma demanda de exclusão, de cuidados impostos, uma demanda
de tutela, mas sim de tratar esta demanda, de intervir tanto no meio ambiente quanto
no próprio sujeito, para que enfim seja aceita a solução que dê a este o máximo de
autonomia e que o livre das sujeições implicadas pela doença.

A Relação Familiar e a Evolução do Tratamento

O envolvimento da família no tratamento, como já vimos anteriormente, nem


sempre foi bem-vindo. Entidades autônomas, famílias e pacientes, com objetivos
diferenciados e perspectivas de vida diferentes. A doença e o contexto social parecendo
peças de uma mesma engrenagem, mas sem encaixe, onde a sobrevivência da família
significaria a anulação ou sujeição do doente em prol de um entorno harmônico e vice-
versa. O isolamento do louco, sustentado pelo conhecimento científico, traria garantias
da gestão da autoridade e do controle das racionalidades tão presente na sociedade atual.
As famílias ao permitirem o isolamento de um de seus membros adoecidos também
entram nesta lógica de isolamento, perdendo a possibilidade interação e troca produtiva
com o meio, “adoecendo” também.

- Eu acredito assim, que o a atendimento dos pais é um


treinamento. Treinamento, porque o casal teve filho e a expectativa é
de que o filho vai ser normal, que você vai seguir aquele rumo de vida
como as pessoas normalmente fazem, com o avô, a avó, a tia, a família
toda assim e de repente nasce uma pessoa estranha, uma pessoa com
problema ... (Pai 1)
- Estranho entre aspas. (Pai 3)
- É, exatamente, estranho entre aspas, exato. A gente tem
sempre que falar assim. Mas a gente está aqui na mesma problemática
e vocês estão entendendo a minha linguagem. E aí, como lidar com
isso? Como lidar com isso? Como lidar com os parentes? Como
explicar para os parentes que ele dá escândalo? Que ele não é
socialmente adequado? Ou como o meu vizinho, o meu vizinho não
fala comigo, é oi, oi e ele não quer saber, ele é meu vizinho de porta.
Mas eu e o meu filho já estamos morando lá há 15 anos, conhece o

133
meu filho desde pequeno mas os filhos dele não são amigos do meu
filho, porque eles rejeitam, eu sei que eles rejeitam. (Pai 1)

Melman (2001) nos aponta que as práticas diárias são o instrumental necessário,
para além das potentes construções teóricas, para viabilizar apoio e suporte , no presente
caso, aos jovens e seus pais na busca de alternativas e produção de novos sentidos.
Jovens e familiares, que na maioria das vezes, apresentam dificuldades da mais diversa
ordem, impedindo o gerenciamento de seus problemas. Os novos dispositivos voltados
ao acolhimento e tratamento dos portadores de transtorno psiquiátrico grave, devem ter
como uma de suas funções, a criação de um espaço onde ao problematizar a loucura, os
familiares podem produzir deslocamentos, colocar em questão a própria identidade,
explorando territórios inusitados, encontrando formas mais genuínas de exercitar a
subjetividade, abrindo-se para o devir, para a multiplicidade, resgatando o valor da
alteridade e do trabalho solidário. (Melman, 2001: 149)

- Lá na minha casa eu tive ... a empregada deixou de


freqüentar, então eu aproveitei que a empregada não estava lá e fui
morar lá, na casa da minha ex-esposa. Sempre dormindo na sala e
tudo mais, mas com o objetivo de quê? Com o objetivo não só de
observar como ela estava indo com o remédio, como também de tentar
se eu apaziguar tudo lá dentro usando esses conceitos explicados aqui
dentro, que a Flávia (técnica) cansou de fazer atendimento individual
explicando como que eu tinha que enxergar, como eu tinha que
encarar o problema. E melhorou realmente bastante lá dentro. Para
mim foi fundamental. E o Carlos ainda assim foi internado três vezes.
O remédio não estava bom, até que esse último foi dado e ele
melhorou. Ele saiu da internação e dificilmente vai voltar. (Pai 1)
- Quando se consegue que a família ... quando você
consegue que pai e mãe se juntem para promover essa melhora do
filho, é importante. No meu caso e no caso da Dalva, os pais, os
homens, estão ausentes. Eles se ausentam da doença, eles negam a
doença, eles não ... não ... ignoram o filho e isso é um fator gerador de
mais problema. Eu acho que é fundamental a presença do pai e da
mãe no tratamento. (Mãe 5)

134
- No livro de auto-ajuda diz o seguinte, só para ilustrar, a
vida é cheia de problemas, ninguém foge de problemas, senão não
vive. Viver é enfrentar os problemas que nos aparecem. Os únicos que
não têm problemas são os que já morreram nessa vida. Muito bem,
então nós temos que enfrentar os problemas que são nossos e lutar por
eles. No meu caso por exemplo, o meu problema é o garoto, então eu
vou enfrentar o problema, fui morar lá, enfrentei e estou enfrentando.
(Pai 1)
- Mas não são todos que têm esse pensamento. (Mãe 3)

O tratamento à doença mental tendo como eixo principal a inclusão, não só


daqueles que apresentam os sintomas, mas também dos seus familiares, produz
transformação na relação entre os envolvidos? Que transformação promove?

- O conhecimento do relacionamento em si. Quando nós


passamos a saber o que é certo, o que é errado, qual a maneira de
agir e interagir com eles, melhora muito. Não só eles como nós
também. A minha ex-esposa eu sei que ela não vem aqui, mas eu falo
com ela por telefone como ela tem que agir. Ela não gosta, fica com
raiva, mas pára para pensar. Isso que é fundamental. (Pai 1)
- No meu caso particular, eu acho que mudou ainda
pouco. Eu preciso ver o meu filho mais como um indivíduo, eu tenho
a mania de vê-lo como uma posse, então eu acho que eu ainda tenho
que mudar muito, mas está mudando. (Mãe 5)
- Eu também. A mesma coisa, eu concordo, eu preciso
ver o meu filho como uma pessoa que vive nesse mundo e que tem
suas características próprias. Eu preciso me programar para aceitar
essas características e eu acho assim que o CAPSIJ ajudou bastante
para ... realmente ele cresceu bastante. (Mãe 3)

135
VI. Considerações Finais

Na perspectiva de contribuir para a orientação das novas práticas e políticas em


saúde mental para a infância e adolescência e possibilitar a reprodução de experiências
bem sucedidas na tentativa de reverter as condições em que se encontram os
dispositivos assistenciais, em especial aos portadores de grave transtorno mental, foi
efetuada a análise de um dispositivo de atenção psicossocial cujos cuidados são
voltados para esta população.
A assistência à infância e adolescência no campo da saúde só se estabeleceu
enquanto temática nas conferências de saúde mental do Estado e do Município do Rio
de Janeiro em 2001. A regulamentação dos novos dispositivos em saúde mental para a
infância e adolescência, em fevereiro de 2002, foi a etapa seguinte num ciclo de
transformações na esfera política que trouxe visibilidade e reorientações para atenção
aos jovens.
Desde 1998, indo ao encontro das carências existentes e objetivando criar novas
modalidades de atendimento, foram inaugurados programas e serviços pautados nos
preceitos da reforma psiquiátrica , que visavam desinstitucionalizar cuidados e suprir as
necessidades desta população, no que diz respeito a sua reinserção psicossocial.
Desburocratizar as relações com modalidades mais flexíveis de intervenção, promover
as mais variadas formas de reprodução social dos adolescentes e seus familiares,
reconstruir sentidos e produção de valores para que todos possam reingressar no
contexto social com novos papéis foram princípios que nortearam a produção destes
novos espaços.
Este trabalho pretendeu articular à prática a teoria sobre as políticas de
assistência em saúde a adolescentes e a trajetória que passou do discurso à
experimentação e da experimentação à investigação de natureza exploratória do
processo em desenvolvimento, visando reorientar a responsabilidade dos profissionais
da área para além do ato de executar e produzir cuidados e também possibilitar e
promover a organização social desta produção em modelos assistenciais, ou seja,
gerando a possibilidade de uma aliança entre a ciência e a técnica com as políticas de
assistência.
Com esta perspectiva, o estudo exploratório da implantação e dos procedimentos
desenvolvidos em um programa em saúde mental voltado a população infanto-juvenil,
procurou dar visibilidade a esta questão e refletir sobre o reordenamento das práticas e

136
da construção de novos parâmetros para a implementação de políticas públicas de saúde
nesta área.
O Programa Clube Ponto de Encontro foi o objeto de estudo utilizado para a
análise. Sua clientela é de adolescentes com graves transtornos mentais que podem
desenvolver um quadro de incapacidade permanente. Este fato influenciou a escolha do
objeto por possibilitar ao estudo da questão, a importância da prevenção do ingresso
desta população em uma carreira manicomial.
A utilização de diferentes recursos de investigação foram efetuados na tentativa
de dar conta das diversas nuances do objeto investigado. A análise de conteúdo do
material documental produzido pela equipe multiprofissional, a ata de reunião semanal
da equipe, as entrevistas semi-estruturadas com os técnicos da equipe e grupo focal
com os familiares e/ou responsáveis e membros da rede social dos jovens atendidos no
programa permitiram observar os diversos aspectos da relação serviço-usuário. Esta
investigação trouxe a tona sua complexidade, no momento do processo de implantação
do programa, na definição das estratégias efetuadas, na observação da pertinência das
práticas e procedimentos voltados para os usuários e seus familiares e também na
estruturação do trabalho da equipe. A abordagem junto aos atores sociais foi baseada na
possibilidade de ouvir suas demandas e compartilhar responsabilidades na avaliação e
construção de um modelo mais próximo possível das necessidades dos envolvidos no
processo.
Os registros contidos na Ata de Reunião produto do encontro regular semanal,
trouxeram pela espontaneidade de seus registros, o amplo espectro dos temas e assuntos
discutidos e permitiram traçar a história da construção do programa e o
desenvolvimento dos múltiplos recursos e estratégias terapêuticas efetuados para dar
conta do acolhimento e assistência a população infanto-juvenil, seus familiares e a rede
social e instituições que os cercam. A análise de conteúdo possibilitou enriquecimento
da leitura do material e a detecção e isolamento, para efeito de análise, de períodos e
estruturas existentes no contexto ao longo do processo de implantação do programa. Os
“espaços de tempo” definidos e delimitados pelo processo de análise possibilitaram a
visualização de eixos/temáticas em torno dos quais o Programa Clube Ponto de
Encontro girou ao longo do tempo. A periodização proposta teve o intuito de apontar
um processo de desenvolvimento em que as temáticas/eixo presentes em maior
intensidade respondiam pelo momento analisado.
As estruturas que se delinearam para acompanhar e possibilitar o processo de
implantação do programa, foram as fontes geradoras do trabalho em si, permitindo

137
identidade, conformação e viabilidade ao conjunto de práticas e estratégias realizadas.
Com características e funções distintas, essas estruturas foram nomeadas de
organizacionais e operacionais, sendo as primeiras possuidoras do atributo de dar
conformação a estrutura por possuir objetivos definidos, acarretando-lhe, portanto, uma
função específica e conseqüentemente um sentido dentro do sistema. As últimas
possuem por atributo proporcionar funcionalidade e ação as primeiras, pondo-as em
movimento. A interação desta estruturas se realiza de forma dinâmica e com
freqüências variáveis e por sua composição impõem uma hierarquização de importância
dentro do conjunto como um todo. As estruturas organizacionais – oficinas terapêuticas,
clube de pais, atividades extra-muros e visita domiciliar – e as estruturas operacionais –
equipe multiprofissional, horário de funcionamento, instrumentos – funcionam de forma
e intensidade diferenciadas ao longo dos períodos de implantação do programa.
Detectamos também a existência de estruturas híbridas – reunião de equipe e seminário
interno – que de acordo com o período apresentavam características de eixos/função
(organizacionais) ou eixos/ação (operacionais).
No primeiro período – experimentação como forma de ação – percebemos todos
os esforços convergirem para a criação e desenvolvimento dessas estruturas,
narcisicamente investidas, para dar conta da existência e manutenção do sistema, o
Programa Clube Ponto de Encontro. No segundo período – sedimentação – vimos a
consolidação das estruturas criadas no período precedente e a implementação de outras,
esboçadas anteriormente. Este período apesar de brevidade de sua existência trouxe
marcas que permitiram o emergir de reflexões que transcenderam a conformação e
implantação do programa dentro de suas propostas iniciais. Ações externas ao programa
de ordem jurídico-administrativa ligadas a forma de contratação da equipe técnica do
programa, marcaram significativamente seu percurso e nos trouxe a visibilidade da
importância de uma de suas estruturais operacionais, a equipe multiprofissional. A ação
externa que incindiu sobre esta estrutura teria a possibilidade de incidir e decidir o
futuro de todo o sistema. Este incidente também nos permite dimensionar a necessidade
da implementação de políticas públicas possibilitando a regulamentação das estruturas
necessárias a implantação de um modelo assistencial e sua forma de financiamento, o
que não havia sido realizado até aquela data.
No terceiro e último período – avaliação e integração na rede – precipitado pela
ação acima exposta, caracterizou-se pela auto-avaliação e conseqüente análise crítica
das ações oferecidas pelo programa e sua real adequação as necessidades dos usuários e
aos objetivos propostos. A pertinência das práticas endereçada aos jovens e seus

138
familiares quanto a possibilidade e capacidade de inserção desta clientela no contexto
social conferiria fidedignidade aos procedimentos realizados e conseqüente valorização
do programa e dos técnicos nele em atividade assegurando a manutenção de sua
existência. A necessidade de visibilidade e interação de ações em relação a outros
serviços, como conseqüência da auto-avaliação das práticas e da inserção dos jovens em
seu contexto social, precipitou a formalização da inserção do programa na rede de
serviços de saúde e outras instituições, que vinha se realizando de forma irregular,
tímida e informal. As ações desenvolvidas na direção da inserção dos jovens a sua rede
social sofreram um crescimento em proporção geométrica, tanto quantitativa quanto
qualitativamente, gerando maior estabilização na relação entre suas estruturas do
programa.
Ao visualizarmos o processo de implantação do programa como um todo,
podemos apontar que este ocorreu gradual e progressivamente, de forma bem sucedida
em relação as suas propostas fundadoras do programa Clube Ponto de Encontro. O
fortalecimento e sedimentação iniciais de suas estruturas permitiram que suas ações
posteriormente se voltassem quase que integralmente para o objetivo primeiro de suas
ações, a reinserção psicossocial dos jovens. As ações dirigidas a manutenção e
aprimoramento se estabilizaram permitindo em última via um investimento em ações
voltadas aos jovens e suas famílias cada vez mais próximas a suas reais necessidades e
realidades. Como o ideário teórico-prático que fundamenta as ações do programa se
pautam na invenção e dinamismo na superação das deficiências e limitações, sempre
haverão ações a serem efetuadas e transformações a serem realizadas e esta marca deve
servir todo o tempo como pano de fundo para as ações.

Os procedimentos, práticas e instrumentos oferecidos e realizados no Programa


Clube Ponto de Encontro possuem dois objetivos importantes dentro da perspectiva do
estudo em questão. O primeiro deles diz respeito a viabilização da constituição de
sujeitos adolescentes, para além da questão psíquica referente a patologia de que possa
o indivíduo ser portador, tendo em vista a autonomização do futuro cidadão e
conseqüente inserção no espaço social. O outro ponto de destaque diz respeito ao
resgate da importância do papel dos familiares no tratamento de um de seus membros
adoecidos, propiciando-lhes a condição de parceria dentro do tratamento, subtraindo-
lhes da condição de vítima ou culpabilização pelo processo de adoecimento do filho.
As reflexões, dúvidas, questionamentos dos atores envolvidos no processo de reinserção

139
psicossocial, com sua postura e visão privilegiada, pode nos apontar os benefícios e
impasses do mesmo.
A vocalização destes atores imprescindíveis – técnicos e familiares – surge no
material investigado tanto no processo de análise da execução diária das práticas e
procedimentos realizados dentro do programa quanto na reprodução da interlocução
dinâmica ocorrida dentro do grupo de pais. Foram utilizados como ponto de apoio para
a execução da análise do projeto original do programa, o estatuto da criança e do
adolescente – ECA e a portaria ministerial nº 336, promulgada em fevereiro de 2002, já
que cada um deles apontou para a análise do balizamento como a ousadia de propor
novas abordagens terapêuticas e implanta-las; a regulamentação de novos
procedimentos e atividades para o atendimento e a garantia de direitos estabelecido pelo
ECA . O projeto original do programa surgiu como apoio para a análise numa
tentativa de acompanhar as possibilidades de implantação destas propostas na execução
e implementação do tratamento, a compatibilidade entre projeto e sua execução, entre a
teoria e a prática. A portaria nº 336 possibilitaria uma comparação entre procedimentos
e atividades regulamentadas para atendimento a esta população e as oferecidas pelo
programa, possibilitando uma análise em dupla via. E finalmente com relação ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, a verificação do cumprimento das determinações
estabelecidas pela lei.
Os instrumentos, ou seja, recursos utilizados pelo programa para alcançar os
objetivos propostos, são reconhecidos e discriminados tanto pelos técnicos da equipe
multiprofissional quanto pelos familiares. Para os primeiros há uma maior preocupação
em nomeá-lo e os associar a um contexto dinâmico e a um conhecimento técnico-
teorico subjacente. De forma geral têm como objetivo e poderíamos dizer até
preocupação com o futuro destes jovens e se questionam se através dos recursos
utilizados o “retorno a sociedade” poderá se realizar da melhor forma possível. Os
familiares centram suas preocupações com os resultados, conhecem os procedimentos
sabem nomeá-los, mas estas não parecem ser suas principais preocupações e
inquietações. Verbalizam depositar confiança na equipe e talvez por este motivo não se
preocupam com a “forma” que os procedimentos são realizados, anseiam por resultados
e demonstram um progressivo interesse nos fenômenos desencadeadores da crise e de
que forma poderiam barrar ou intervir em seu curso.
A medicação foi o único instrumento privilegiado no discurso dos familiares,
que em contrapartida apareceu poucas vezes na fala dos técnicos. Apesar da aceitação e
utilização do medicamento por parte dos jovens e suas famílias ter surgido como objeto

140
de preocupação para os técnicos, o medicamento para eles se tratava de um dos muitos
instrumentos importantes na consecução do tratamento. A dialética medicação-família
mostrou um colorido maniqueísta, bastante distanciado de sua real inserção no
tratamento. Num extremo, para algumas famílias, o medicamento se mostrou como o
“salvador da pátria”, a solução mágica para a saída e o “extermínio” da doença
levando-os a possibilidade de exagero no uso da medicação. No extremo oposto ela
aparece como o “vilão” causador dos sintomas apresentados pelos jovens perante aos
olhos de seus familiares, fadado a supressão e exclusão no tratamento. A que atribuir
posições tão díspares entre técnico e familiares, relativo a um aspecto tão importante do
tratamento? A cultura crescente da medicalização poderia ser responsabilizada por estas
reações? Como se daria a interlocução entre técnicos e familiares a respeito da
utilização e o papel da medicação? Estas perguntas talvez não possam ser respondidas
no momento, mas provavelmente a partir da percepção e detecção da existência do
impasse por parte dos atores envolvidos, mobilizando a dinâmica das estruturas
envolvidas e tornando dinâmica a ação de cada uma das estruturas.
As práticas, atuações técnico-profissionais com variada gama de ações e
instrumentos utilizados para alcançar determinados objetivos, foram reconhecidas e
definidas pelos técnicos. Estes reconhecem a inter-relação existente entre as práticas e
os instrumentos utilizados e na atuação cotidiana por vezes têm dificuldade de distinguir
onde começa uma e onde termina a outra. A especificidade técnica na realização das
práticas referente a população alvo – os jovens – mostrou-se um consenso entre eles,
reconhecem suas demandas e se sentem habilitados em corresponde-las. Reconhecem
também o papel que devem exercer e a ponte que devem estabelecer entre as
necessidades e demandas internas e externas ao programa, a reinserção ao contexto
social compatível a faixa etária dos usuários se mantém como pano de fundo as práticas
realizadas pelos profissionais.
A contribuição que a formação profissional de cada membro da equipe traz
consigo foi reconhecida, torna-se um instrumental para lidar com a “doença”, mas a
habilidade de conviver com a diferença e a possibilidade de cumprir diferentes papéis
em sua prática profissional tornou-se para os técnicos um atributo imprescindível para
fazer parte da equipe e realizar de forma confortável e satisfatória as funções e
habilidades requeridas pelo programa.
Novamente os familiares reconhecem as práticas efetuadas pelos profissionais,
identificam suas ações, referendam sua especificidade ao lidar não só com a população
adolescente, mas com as demandas dos familiares. Apontam como atributos para lidar

141
com a reinserção destes jovens em seu contexto social a flexibilidade de suas ações e as
intervenções extra-muros.
A categoria médica foi a única, dentre os membros da equipe multiprofissional,
reconhecida de imediato por sua formação profissional pelos familiares, os demais
membros da equipe foram geralmente mencionados pelo primeiro nome e mesmo
havendo maior proximidade dos familiares com alguns deles, não houve destaque ou
menção de sua formação profissional. Talvez a marca da cultura profissional que
distingui a categoria médica dos demais técnicos dentro dos serviços de saúde, reflita e
reforce a prerrogativa de que somente os profissionais desta categoria têm reconhecido
pelos órgãos municipais sua assinatura e inscrição profissional para validação e
pagamento pelos serviços prestados nos CAPS no documento de autorização de
procedimento de alta complexidade – APAC, estabelecido pela atual legislação –
portaria nº 336. A relação vertical entre os profissionais da área de saúde e seus
resquícios parece ainda invadir a relação dentro da equipe multiprofissional e da equipe
com os usuários dos novos serviços, talvez por este motivo seja facilmente verbalizada
por seus usuários, quer sejam eles os jovens ou seus familiares.
O grupo de pais, uma das estruturas do programa, foi largamente descrito e
reconhecido por técnicos e familiares como recurso terapêutico. Os familiares se sentem
nele inserido e neste ser o contexto, que sentem a possibilidade de resgatar o seu papel
deixando de ser coadjuvante, vítima ou algoz, para se transformar em protagonista de
sua própria história. As modificações abruptas que se operaram com o surgimento de
uma crise ocorrida com um dos membros da família, seus filhos, pode ser enfrentado e
neste aspecto reconheceram a importância do auxílio e acolhimento oferecido pela
equipe multiprofissional. “Colocar o dedo na ferida”, termo utilizado por um dos
familiares, pode ser feito a partir do momento que eles parecem se reconhecer no papel
daqueles que também podem propiciar, através de suas intervenções, a melhora dos
sintomas e o retorno de seus filhos as atividades anteriormente realizadas. Verbalizaram
ter a capacidade e/ou poder adquirir a habilidade de saber distinguir o momento de agir
e o momento de pedir ajuda.
Os técnicos da equipe têm como conduta que a presença e participação da
família e/ou rede social próxima são imprescindíveis na boa consecução do tratamento.
A aproximação dos técnicos e familiares pareceu ter sofrido um salto qualitativo com a
criação de uma estrutura específica voltada para lidar com as suas questões e
dificuldades. A interação entre membros da equipe e os familiares, sob a perspectiva
dos técnicos, pareceu se dar de forma casual ou então dentro das prescrições técnicas

142
consensuadas na reunião de equipe. Formar parcerias pareceu ser um objetivo a ser
alcançado, mas a forma como esta pode se realizar, se traduziu por verbalizações
defensivas e alguma dificuldade em relação a flexibilização de papéis no contexto desta
parceria. Há ainda um distanciamento e este fato foi reconhecido, contudo a
aproximação para a maioria dos técnicos é uma questão para reflexão.
Este percurso, a análise dos procedimentos, práticas e instrumentos utilizados
no Programa Clube Ponto de Encontro, especificamente aqueles voltadas aos familiares
e/ou responsáveis pela clientela atendida, nos possibilitou visualizar a pertinência de sua
realização com relação aos objetivos propostos, qual seja, a reinserção psicossocial dos
adolescentes. Estas práticas permitem a troca de experiências, a reflexão e parceria na
busca de respostas as dúvidas e na tentativa de equacionar as dificuldades, mas
principalmente o compartilhamento de responsabilidades.
A transformação no eixo das relações, da verticalidade para horizontalidade,
parece ser difícil para todos os envolvidos, técnicos, adolescentes e familiares, mas uma
proposta que todos os atores envolvidos parecem se predispor a alcançar. Abrir mão da
dialética fechada em si mesma – a solução-cura – é uma das principais propostas da
reforma psiquiátrica. Ela nos propõe a flexibilização de ações e estratégias como
também a transformação de papéis, nunca dando por terminado, fechado ou completo o
processo de reinserção de sujeitos acometidos por grave transtorno mental em seu
contexto social.
Todas as ações inseridas e oferecidas pelo programa estudado também se
enquadram nesta lógica, podendo, devido ao recente processo de implementação de
ações na área infanto-juvenil, tirar proveito das experiências já consolidadas dentro da
área de saúde mental como um todo e expandir suas conquistar dentro da área de
políticas públicas para a população adolescente.
Para o incremento das ações e programas de saúde mental para a infância e
adolescência, apontamos a necessidade da criação de um campo de estudo e pesquisa,
especialmente no que diz respeito aos transtornos mentais graves. A especificidade da
área suscita uma série de procedimentos diferenciados que precisam ser comprovados
quanto a sua validade e eficácia. Também se faz necessário a criação de instrumentos
para avaliação dos novos serviços surgidos nos últimos cinco para que possam apontar
caminhos mais seguros nesta trajetória . Finalmente, esperamos que com o presente
trabalho tenhamos tido a oportunidade de contribuir para este campo em construção e
que ele também possa gerar uma ponte para novos encontros entre os jovens “normais”
e os “anormais”, entre os familiares e os técnicos, entre ações e políticas.VII.

143
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Rizzini, I. (Org.) A Arte de Governar Crianças. A História das Políticas Sociais, da
Legislação e da Assistência à Infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto
Interamericano del Nino, Editora Universitária Santa Úrsula, Amais Livraria e Editora.
YASUI, S. 1989. CAPS: Aprendendo a Perguntar. In.: Lancetti, A. (Org.) Saúde e
Loucura 1 São Paulo: Editora Hucitec, p.p. 47-59.

147
ANEXOS

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ANEXO I

Entrevista Semi-estruturada/Programa Clube Ponto de Encontro


Identificação: Técnico 1
Função: Auxiliar de Enfermagem
Idade: 23 anos
Tempo na função/Programa: 2 anos e 7 meses
Tempo de profissão: 4 anos
Local da Entrevista: CARIM
Data da Entrevista: 22/10/2002

1. O que é o Programa Clube Ponto de Encontro? Quais são os seus objetivos?


Os objetivos do Ponto de Encontro, o que eu sei é ... quando o paciente chega
aqui, chega deprimido por alguma razão na sociedade. Então, o nosso objetivo é
reintegrá-lo a sociedade. Reabilitar aqui o paciente, para que ele possa sair na rua e
possa ter de novo contato com a sociedade.

2. Quais são as práticas de tratamento oferecidas aos adolescentes dentro do


Programa? O que se pretende alcançar com elas?
São oferecidas várias oficinas e até o contato com os pacientes que chegam
distante do Clube e não conseguem falar com as pessoas, então a gente tenta busca-lo ...
se aproximar bastante dele, para que ele possa ter no futuro um convívio com a
sociedade. Com as oficinas eles vêm aprender várias coisas. Na oficina da sexualidade
eles vem aprender ... porque são pacientes jovens demais, adolescentes, então nós
tentamos ensiná-los para que eles venham ter no futuro isso como uma abertura na vida
deles ... as mães têm muita dificuldades de conversar essas coisas com eles ... e a gente
vem conversando com eles para até uma força para os pais, para as famílias ... o
objetivo que a gente tem é de reintegrá-los a sociedade.

3. Há alguma especificidade no tratamento voltado a jovens entre 12 anos e 18


anos incompletos oferecido pelo Programa?
Na primeira demanda sim, depois conforme os pacientes vão crescendo e já vão
aprendendo, eu acho que as oficinas deveriam ser trocadas, pois eles já aprenderam o
suficiente .... até há o relato de pacientes que vem me dizer que as oficinas não têm mais
graça ... porque já passou ... naquele tempo que eles não conseguiam raciocinar direito,

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não estavam ali .... agora que eles aprenderam, até falam para mim que perdeu a graça e
por isso que alguns deles ficam de fora.
No começo é como se fosse uma criança, primeiro ela que tem que aprender a
engatinhar, para depois andar, para depois correr ... então quando eles chegam aqui, eles
chegam querendo engatinhar. Então eles já aprenderam isso, engatinhar e estão
aprendendo a andar, agora já estão correndo e muitos não querem voltar ao tratamento
porque falam ser coisa de criança, que já passou da época e agora não são mais tão
jovem, são mais adultos. Quando eles estão em crise, chegando aqui, no primeiro
momento funciona, depois quando eles estão se sentindo melhor e podendo ficar mais
perto da sociedade, aí esse trabalho já deveria ser mudado ... ser criadas novas oficinas,
porque eles mesmos relatam ... Um paciente me disso: “Ahh ... ficar nestas oficinas
fazendo bloquinho de papel ... isso não me interessa, isto é coisa para criança. Isto valeu
no primeiro momento que eu estava aqui, estava mal, em crise. Isto vale para quem está
chegando agora em crise”. Este paciente tem 20 anos.
Também tem os pacientes dentro da idade de 12 a 18 anos que ficam sentados
sem prestar atenção, eles já aprenderam aí e melhoraram, agora eles querem buscar
alguma coisa mais profunda ... e esse paciente tem 16 anos. Conforme ele foi
melhorando, se reabilitando na sociedade, ele está podendo passear, então ele acha que
as oficinas são muito infantis para a faixa etária dele.

4. Há diferença entre oficinas terapêuticas direcionadas a adolescentes das


direcionadas aos adultos? Se há, quais são?
Eu acho que tem diferença ... é tem diferença. Tem muita diferença. Porque na
de adultos se pode falar um pouco mais abertamente as coisas ... pode falar bem mais
claro com os adultos ... falar mesmo .... tem que se fazer isso ... e com adolescentes têm
que maquiar, jogar para um lado, jogar para o outro com muita calma para que isso não
venha chocar o adolescente.
Na oficina de sexualidade mesmo, eu acho que quando o paciente é muito
jovem, você tem que mapear, tem que ir devagarzinho, tem que “comer o mingau pela
beiradinha” para não chocá-lo e ele venha sumir. Já com adultos não, você pode falar
livremente, jogar aberto. Já com o adolescente não, mapear devagarzinho para que não
venha chocar.
Não me ocorre outra oficina agora para eu poder dar exemplo porque os
pacientes me procuram para falar mais da oficina da sexualidade. Falam também sobre

150
as medicações. Como é esta medicação e o que é que ela faz. Também isso tem que
falar com muito jeito para não chocá-lo e para que ele venha parar de tomar o remédio,
começar a esconder. Esse jeitinho é explicar, não vai esconder o que é, se vai explicar
de uma outra forma. Você não vai falar com termos técnicos, vai.explicar que o remédio
faz e que o remédio dá efeitos, como por exemplo entortar o pescoço. Explicar do jeito
que vai ficar se não tomar. Com o paciente agudo se tem que falar mais firmemente,
para ele botar na cabeça que tem que dar andamento ao tratamento, pois então não ficará
legal, podendo ser internado. Com o paciente jovem não, se você falar diretamente que
se ele não tomar o remédio poderá ser internado, ele já fica assim com medo ....

5. Na sua opinião, quais são os atributos e competências dos profissionais que


trabalham no Programa Clube Ponto de Encontro?
Eles têm que ser pessoas boas e deveriam cada vez mais se envolver com o
trabalho. No começo era assim, agora que o serviço cresceu, fica se deixando um
pouquinho de lado. Antes a gente chegava junto, queria saber sobre o paciente, se o
paciente faltava uma semana a gente já estava ali, telefonando, reclamando. Acho que
conforme o serviço foi crescendo a gente foi deixando isso também ir embora .... eu
acho que, ... conforme os profissionais vem sendo recebidos pela Direção, isso vem
fazendo com que os profissionais venham deixando de lado .... as coisas que eles iam
fazendo.
No começo, quando o serviço ainda era pequeno, eram vinte pacientes no Ponto
de Encontro a gente conseguia ...olha, o paciente faltou, vamos ligar para ver o que está
acontecendo ... tinha-se mais contato com o paciente e a família. Hoje em dia que nós
temos 54 pacientes inscritos no Ponto de Encontro, fica até um pouco mais difícil. Os
pacientes estão entrando rápido e às vezes também sai muito rápido.. e aí acaba sumindo
caindo no esquecimento. Antes a gente corria atrás, tentava buscar esses pacientes de
uma forma ou de outra, com a família .... paciente vinha e a família não e vice-versa ....
sempre dando andamento ao tratamento do paciente, ou pela família, pela tia ou por
algum outro motivo. Ainda acontece isso, mas está bem menos do que antes. Antes a
gente parava muito mais para fazer isso e tinha mais tempo. Também conforme as
coisas vão crescendo no Ponto de Encontro e na vida profissional da pessoas, as coisas
ficam um pouco de lado, porque elas têm que fazer outras coisas ...

6. Qual sua formação profissional?Quanto tempo a exerce?

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Eu sou auxiliar de enfermagem desde 1998. Trabalhei em uma clínica mista com
crianças e adultos. Adultos jovens no máximo com 30 anos de idade. Trabalhava com
crianças autistas, deficiente visual. Fiz acompanhamento com todo o tipo de criança.
Acompanhamento em casa, passeava. Fiquei um ano desempregado e no outro ano
recebi a proposta de trabalhar aqui nos CAPS, no Ponto de Encontro.

7. Qual o tipo de contribuição sua formação profissional pode trazer ao tratamento


oferecido? E que papel desempenha dentro da equipe multiprofissional?
Minha formação tem haver com a medicação e os cuidados, a higiene, os
cuidados com o corpo e o cuidado com o próximo. Apesar do meu papel ser de auxiliar
de enfermagem, eu acho que eu sou além de auxiliar de enfermagem. Às vezes eu acho
que sou psicólogo. Não tenho formação para isso, mas às vezes sou um psicólogo,
porque os pacientes vem diretamente me perguntar as coisas. Às vezes eles não querem
falar com os médicos sobre tal remédio e o que eles estão sentindo, me procuram. Por
eu ser também jovem demais, eles me vêem como um adolescente, como se fosse eles,
um amigo, mas um amigo que está trabalhando. Muitos pacientes tiram isto como um
exemplo de vida e estão melhorando, pois eles vêem assim: “ ... ele está trabalhando, ele
é tão jovem, tão baixinho, Tão magrinho que se parece um paciente, se eu ficar melhor
também vou poder trabalhar aqui.” Muitos pensam assim: “ Vou trabalhar no teu lugar
quando você entrar de férias.” Quando eles não querem falar com o médico e vem falar
comigo, eu vou falar com o médico e isto adianta bastante o tratamento. Quando estão
deprimidos, às vezes não querem falar com o profissional, querem falar com as pessoas
que estão ali perto.

8. O que é Clube de Pais? Quais são os seus objetivos?


O Clube de Pais é ... às vezes eu me perguntava o porque do tratamento para
com os pais .... depois eu fui perceber que é muito importante os pais terem tratamento
porque os pais têm que aprender a lidar com seu filho. Às vezes a gente pensa: “Ahh, o
garoto está super-bem”, mas a gente não está na casa deles vinte e quatro horas para
saber o que está acontecendo, para ver como é que é. Então, às vezes os pais precisam
de um suporte,de uma força. Há vezes que os pais chegam aqui tão lerdos, tão cansados,
que só faltam se internar. A gente está aqui e dá uma força como se fosse um amigo. A
gente passa o telefone e permite que eles possam ligar a qualquer hora que precisar e
então eles vêem que é um serviço público, mas atua como se fosse um serviço
particular. Acho muito importante para os pais e se um dia terminasse o Clube de Pais,

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eu acho que voltaria o manicômio, com certeza. Os pais precisam de um tratamento e os
filhos também. Às vezes quem precisa do tratamento são mais os pais do que os filhos,
porque se os pais não souberem como lidar os filhos, eles também não vão saber como
agir no futuro.

9. Quais são atividades desenvolvidas no Clube de Pais? O que pretendem


alcançar?
As atividades envolvidas?
Tem reunião com os pais uma vez por semana ... atendimento com os pais
também ... engraçado que eu pensava que o atendimento era só com o adolescentes,
mas não, é com os pais também ...e de vez em quando junto com os filhos para tirar as
dúvidas. Às vezes os pais não estão agüentando dentro de casa ... às vezes os pais não
agüentam nem mesmo olhar para os filhos, aí .... no atendimento ele consegue olhar
assim de um jeito, de outro e já consegue ver o filho. Passeios também com os pais,
puxar isso na reunião ... colocar o pai e o filho, todo mundo junto, reabilitar a sociedade.
Têm muitos pais que têm até medo de sair com os seus filhos na rua, vergonha: “Ahh
...meu filho é assim estranho”. Estranho, por que é estranho? Será que seu filho que é
estranho ou a sociedade que é estranha?

10. Qual o papel dos familiares no tratamento dos adolescentes?


Não só dos pais, dos familiares ... os familiares, quando eles chegam aqui não
sabem lidar com o paciente, muitas vezes eles agridem. Não sabem lidar porque é uma
coisa muito nova para eles. Nunca viram aquilo e acham que só aconteceria na casa do
lado, na minha casa não. E aí eles não sabem como lidar. ... eles vem para cá e ficam
bem melhor, conseguem dar atenção para os seus filhos .... se aparecem só uma vez na
casa dos tios, já conseguem ir mais vezes. Conseguem sair com o paciente, trazer o
paciente para o atendimento, mesmo com muita dificuldade. Consegue dialogar muito
mais com o paciente. Saber o que o paciente está sentindo ... se torna amigo ... o
familiar também tem o papel de trazer o paciente para a sociedade. Eu acho que se os
familiares não chegarem junto, os pacientes dirão assim: “se da minha família ninguém
chega junto, imagine as pessoas de fora, elas não vão me aceitar.”

11. Como se dá, dentro do tratamento, a relação entre os profissionais e os


familiares dos jovens atendidos no Programa?

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Eu acho super-boa, de vez em quando tem atrito,mas tem que ter mesmo. Às
vezes os familiares chegam querendo dizer que como o tratamento tem que ser como se
fossem profissionais ... Primeiro os profissionais têm que colher o material, fazer do seu
jeito e os familiares do seu e depois então, ajudar os familiares a lidar com os pacientes.
Os familiares conseguem ter uma ajuda muito boa dos profissionais. Atualmente os
profissionais conseguem falar muito mais com os familiares e vice-versa. No início, na
entrada do paciente no serviço, os familiares têm pouco contato, telefonavam bem
menos, ficavam meio escondidos. Com o transcorrer do tratamento eles já conseguem
brincar, já conseguem sorrir. Por exemplo, você tem um amigo, você vai ter confiança
nele conforme o tempo vai passando ... os pacientes vão ter confiança conforme o
andamento do tratamento ... já podem falar aberto, os técnicos já podem brincar com os
familiares e nesta brincadeira eles vão aprendendo ...

12. Que resultados você espera do tratamento oferecido?


Como eu já tenho visto muitos pacientes que entraram aqui mal, tiveram
tratamento, ficaram alguns meses, anos e hoje em dia já saíram e estão super-bem, já
conseguem andar na sociedade. Antes estavam deprimidos. Já encontrei com alguns
pacientes na rua e me disseram que estão super-bem, estudando, trabalhando, fazendo
curso, jogando bola ali na praia. Aí eu penso: “Puxa, como é que pode, meu paciente
entrou assim mal e eu dizia que não teria resultado, que ele iria ficar assim para o resto
da vida e hoje em dia a gente vê o paciente voltando à sociedade como uma pessoa
normal.” Muitas vezes o paciente esconde o tratamento. Mas percebo que quando eles
estão bem e os encontro na rua, eles são como amigos e quando perguntados de onde
me conhecem, respondem que conheceram do lugar onde fizeram tratamento.
Eu espero que muitos deles venham a aprender ... venham andar sozinho na rua,
venham ter amigos. Ver eles crescerem com as famílias, estudar. Seguir os objetivos
que eles têm na vida.

13. Sob que condições se daria o término do tratamento?


Eu acho que terminaria ... têm muitos pacientes que dizem não querer mais, mas
eu acho que não, que não deveria terminar ... só nós sabemos o que vai acarretar eles
saírem do serviço. A gente deveria forçar um pouquinho mais.
O serviço deveria ficar de portas abertas, se ele ficou melhor, a gente deveria
analisar se o tratamento vem trazendo benefícios para ele. O serviço deveria deixar a
porta aberta e ele voltar para a sociedade ... e se ele algum dia piorar o serviço está

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aberto para ele voltar e não dizer que ele não faz mais parte do serviço ou então ter de
retornar pela rotina. O paciente pode dizer assim: “Ah, já estou legal, não estou
precisando mais.” Mas a gente deve conversar com o paciente que o serviço está aberto
e no dia que você precisar pode nos procurar.
Há alguns pacientes que eu fico pensando se o serviço está trazendo algum
benefício para ele ou não. Ele estar aqui está matando um pouco do tempo dele, dele
estar fazendo alguma coisa e às vezes ele estar aqui, ele não está crescendo na
sociedade. Vir para cá virou um lazer e não um tratamento. Ele deveria procurar um
curso, uma coisa para a vida profissional dele, para o futuro, para ele não parar no
tempo. Nós sabemos que para vida profissional hoje em dia, é necessário estudar. Às
vezes eu fico pensando, se o paciente está aqui e não está estudando, como será no
futuro? Se já está tão apertado para as pessoas que estão estudando, que têm uma vida
profissional, imagina para estes pacientes. Como será quando eles baterem com a
realidade no futuro, será que eles vão bater de novo aqui? Esta é uma preocupação
minha, quando vejo um paciente deitado ... este paciente tem condições de estar aqui
deitado porque a família dele tem uma renda legal. E os outros? Que não tem uma
renda, como vai ficar no futuro? Este deveria procurar o que fazer, um curso. Vir aqui e
fazer um curso, no horário que não está aqui em tratamento. Mas isto tem de ser
analisado caso a caso.
Considerações finais:
Uma coisa importante é que a Direção do serviço e a Direção do Hospital
colocasse os seus profissionais como profissionais, que viesse dar assistência a seus
profissionais e que eles viessem prestar um serviço bem mais adequado e bem mais
interessante. Quando não se trata o profissional como profissional, o serviço começa a
cair. Eu acho que nós temos profissionais super-bons. Profissionais que vem ensinando
cada dia mais os profissionais que vem aqui e os profissionais que estão chegando como
é o serviço. Um exemplo,eu mesmo quando entrei, já trabalhava com a clientela, mas
entrei frio, sem nada e hoje que meu serviço é importante não só no Clube como no
hospital em geral. Hoje quando eu saio e vou para o pátio muitos pacientes me
procuram, conversam comigo, como eu fizesse parte do serviço de lá. A direção geral
deveria ter estes profissionais como profissionais e não abrir mão deles por nada,
porque eles são bons. Caso eles tenham que sair e outros entrarem no lugar, o serviço
vai cair. Trabalhar na área de saúde mental não é coisa de um dia para o outro, é coisa
de anos e anos. Para o paciente ter confiança em você precisa de anos e anos. O serviço
cai e o paciente pode até ficar deprimido com a saída do profissional. Entra profissional

155
e sai profissional, o paciente vê que ganha e perde, ganha e perde, e acaba acostumando
e se conforma em ficar internado. Apesar de sabermos que temos de deixar os
problemas do lado de fora do trabalho, ele acaba nos influenciando tanto que trazemos
para dentro do serviço e com isso o paciente percebe e toma esta atitude como exemplo.

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Entrevista Semi-estruturda/Programa Clube Ponto de Encontro

Identificação: Técnico 2
Função: Psicólogo
Idade: 38 anos
Tempo na função/Programa: 4 anos e 3 meses
Tempo de profissão: 13 anos
Local da entrevista: CARIM
Data da entrevista: 22/10/02

1. O que é o Programa Clube Ponto de Encontro? E quais são os seus objetivos?


O Ponto de Encontro, na minha leitura, é um espaço de convivência, ao mesmo
tempo ele é um dispositivo de saúde mental para trabalhar com adolescentes com
transtornos e sofrimentos psíquicos, que em função disto vivem em condições
paralisantes em suas vidas, seja escola, seja sair de casa, ter grupos de amigos, enfim ...
receber os pais desses meninos e possibilitar que uma vez aqui neste espaço eles possam
lidar com a doença de uma outra forma e seus pais também. De forma que eles possam
minimamente se reorganizar de uma forma que eles continuem tendo uma trajetória,
principalmente nesta etapa da vida, que é a adolescência, onde eles vão viver pela
primeira vez seus enfrentamentos fálicos diante da vida. É importante para esta
população ter um espaço onde eles possam minimamente se reorganizar, já que para ela
além das questões da adolescência eles portam problemas outros, que necessitam de um
olhar e de uma escuta um pouco mais específica. Não só eles como os pais. A criação
do Clube Ponto de Encontro foi criar um espaço, um espaço de convivência para lidar
com esta população e as questões que esta população traz para a gente.
O primeiro objetivo deste espaço é clínico. Eu vejo Ponto de Encontro como um
lugar de tratamento. Eu não acho que aqui seja um lugar onde exista uma prioridade de
tratamento ... o que existe é o tratamento terapêutico e o tratamento psiquiátrico. As
oficinas do Ponto de Encontro, o dia-a-dia são coadjuvantes? Não ... eu acho que vir
aqui, estar aqui, passar nas oficinas, isto é uma clínica, um tipo de clínica que ... a gente
tem que traduzir melhor essa clínica, escrever melhor essa clínica, que clínica é essa que
a gente faz. Não é uma clínica psicanalítica strictu sensu, não é uma clínica psiquiátrica
strictu sensu. Mas que clínica é essa? E que espaço clínico é este? Então acho que o
primeiro objetivo é um objetivo terapêutico, eles vem aqui para se tratar, eles vem aqui
para ter uma clínica, para se tratar. O segundo objetivo, eu já tive muito preconceito

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com este tipo de coisa, hoje em dia tenho menos, é ser um espaço de auto-ajuda
também. Onde eles possam estando com outros adolescentes, os pais estando com
outros pais, eles possam se ouvir mutuamente. Hoje em dia se fala muito em grupo de
auto-ajuda, grupo de ajuda mútua, mas eu vejo que as pessoas olham para estas idéias ...
torcem o nariz, mas acho que estes grupos cumprem uma função muito importante. Este
é outro objetivo, é fazer com que estes adolescentes se encontrem com outros
adolescentes, vejo isso na minha prática aqui. Ouvir outros adolescentes..Eu vejo muitas
vezes o adolescente falar assim: “Eu tive problema com a minha mãe”, o outro fala: “eu
também ... isso também aconteceu comigo”. Eles comentam como foi a internação,
aqueles que já tiveram internado, a situação de ter de tomar remédio, o que acontece
com a sua vida a partir daí, de estar em terapia. O terceiro objetivo, onde a nossa
participação como técnico é fundamental, poder auxiliar estes meninos e estas famílias
naquilo que a doença lhes trouxe de paralisia, ou seja, retorno para escola, uma
possibilidade de um trabalho. Acho que nossa função aí, não é de arrumar coisas e sim
de mediador, ali onde eles não podem ainda caminhar mais fluentemente com as suas
questões ...e às vezes nós cumprimos uma função importante. Às vezes ligando para
uma escola e marcar, ir lá conversar. Não está nada garantido, mas pelo menos ...
porque às vezes eles chegam aqui muito paralisados e a nossa função muitas vezes não é
encobrir esta paralisia com a nossa atividade técnica-profissional, mas é levá-los a poder
rever um pouco esta paralisia e mediar um pouco isso, para que eles também possam se
sentir responsáveis ... então eu acho que são três objetivos: um clínico, um terapêutico e
o da auto-ajuda, esse trabalho da reinserção.

2. Quais são as práticas de tratamento oferecidas aos adolescentes dentro do


Programa? O que se pretende alcançar com elas?
As práticas oferecidas são práticas terapêuticas de forma geral. Ou ligada a uma
clínica psiquiátrica, quando o adolescente necessita de um atendimento psiquiátrico, aí
entramos na parte dos fármacos. A prática terapêutica. Estas duas práticas como falei
anteriormente, em strictu sensu uma prática analítica, uma prática psiquiátrica. E a
prática terapêutica das oficinas, do dia-a-dia mesmo, de virem aqui e estarem junto com
outros meninos desenvolvendo atividades que possam ser interessantes para eles e que
possam também servir como álibi para conversarmos sobre as situações de sua vida com
seus pais, com seus amigos, escola. Acho que as práticas basicamente são estas e que
estas práticas são as que rondam o CAPS de certa forma.

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Agora, o que se quer com estas práticas é ... nas oficinas têm um objetivo muito
claro e é aí que eu vejo a questão da ajuda-mútua e da auto-ajuda. Eu acho que o grande
objetivo das oficinas é ser um espaço de fala. No meu entender o produto da oficina é o
grupo, o produto não é você reciclar o papel, você fazer a comida, isto são meios. O
objetivo é você estar junto, ser um espaço de conversa, de troca. Claro que se dessa
oficina ele puder derivar para uma coisa onde possa se profissionalizar, fazer uma coisa
que ele possa vender, que a gente possa vender, como é o exemplo da lata, da
reciclagem da lata, que a gente agora vai trocar pelos nossos primeiros produtos, isso é
maravilhoso. Acho que isso não é ... o objetivo principal deste trabalho é eles se
sentirem capazes de assumirem coisas, ou seja, andarem numa direção contrária da
doença. Se a doença trouxe alguma coisa de paralisação, de menos-valia, eles poderem
ver que são capazes de se tornarem um pouco senhores desta doença. Eu sou capaz de
produzir, eu sou capaz de viver uma inclusão, de pensar sobre coisas, de dar opinião, eu
sou capaz de organizar espaços, eu sou capaz de sugerir coisas, então tem um objetivo
muito claro este espaço. E acho que os outros espaços clínicos são espaços
fundamentais. Eu tendo a radicalizar um pouco isto, eu tendo a achar que o principal
espaço do Ponto de Encontro é o espaço coletivo. O espaço clínico, analítico,
psiquiátrico, ele entra para dar uma força neste espaço maior. Por isto eu acho que o
CAPS é um espaço em construção, e por isso tem de se elaborar melhor esta clínica,
mas eu tendo a nesse nosso dia-a-dia, quando rola muito atendimento específico, apesar
de ser importante, a achar que a gente tem de tomar cuidado, pois eu acho que aqui é o
espaço do coletivo e devemos esticá-lo o máximo possível.

3. Há alguma especificidade no tratamento voltado a jovens entre 12 anos e 18


anos incompletos oferecido pelo Programa?
Eu acho que qualquer pessoa que vá trabalhar com esta faixa etária é uma prática
sempre específica. Eu não vejo como você trabalhar com adolescência e infância, seja
em que contexto for, de saúde mental, de escola, de pobreza, sem você ter um acesso ao
universo dessa população, ou seja, de linguagem dessa população. Para trabalhar com os
jovens, tem uma questão da linguagem dos jovens, de entrar neste mundo da
adolescência, assim como não tem como trabalhar com infância ser estar no universo do
brincar. Seja qual for o trabalho ... acho que aqui não deva ser diferente, se você
trabalhar com adolescente é entrar neste universo, é entender um pouco que momento
da vida é este especificamente falando, que linguagem transita, quais são os códigos de
acesso desta população. Não dá para trabalhar com meninos de rua, por exemplo, sem

159
entrar muito neste universo da violência e da criminalidade, entender um pouco isso e
não ter a princípio um discurso moral sobre estas coisas e buscar o diálogo e se
perguntar para que e por quê isto aparece neste contexto. Então aqui, existe um pedido
disto também, de entrar na linguagem destes meninos. Por ex.: eu acho muito
interessante um menino, que a gente conhece, possa dizer assim: “Eu não tomo remédio
porque eu saio para dançar à noite e ele me deixa mole.” Se você ficar aprisionado na
questão do remédio, você deixa de fora o universo deste garoto e que é um universo que
minimamente amarra a ele a um laço social, que é a dança. Você tem que escutar. A
dança é importante para ele, o universo da discoteca que ele vai é importante para ele.
Você não pode dizer ... o hegemônico é o tratamento, o que é médico. A gente tem que
ouvir esse universo, essa linguagem que eles falam. Então, acho que aqui no Ponto de
Encontro, a gente tem até conseguido isso. Nas assembléias que a gente faz com eles,
nos passeios, onde é que a gente vai? Que lugares interessam a eles?. Eu acho que hoje
em dia a gente está mais atento a isso. No início do nosso trabalho, às vezes a gente
tinha ... a gente não chegou a cair nisso. A gente às vezes, em algumas atividades, talvez
cai em alguma coisa mais regressiva com meninos, até por conta do processo de
adoecimento deles. Alguns às vezes apresentavam algumas coisas muito infantis e a
gente embarcava, é preciso fugir disso. Mas eu não vejo trabalho com adolescente sem
entrar neste universo de domínio próprio da adolescêcia.

4. Há diferença entre oficinas terapêuticas direcionadas a adolescentes das


direcionadas aos adultos? Se há, quais são?
A primeira diferença é que, eu não vejo a vida adulta como uma etapa que tem
elementos significativos que mereçam um olhar específico. A gente fala de infância, de
adolescência e de velhice, mas dificilmente a gente fala de vida adulta. É claro, a vida
adulta tem as suas especificações, tem as suas questões particulares. Infância,
adolescência e velhice trazem e nos colocam questões, para nós profissionais, que são
muito específicas, que manejam coisas específicas. A infância, o fato de ser criança, o
fato de estar colado e ainda não responder totalmente e discursivamente pela sua vida. A
adolescência, essa coisa transitória, as passagens, as rupturas, o querer falar em nome
próprio que o adolescente traz. No caso da velhice, toda esta idéia, o que passou , o que
viveu, o que fazer agora que está numa idade de maturidade onde se vê como se fosse
uma etapa final. São três momentos que trazem discursos e momentos da vida
específicos. Eu acho que o CAPS de adultos não demanda uma linguagem como
demanda o CAPS de adolescentes e crianças, têm objetivos diferentes. As atividades

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então, têm de estar acopladas a isso ... As oficinas terapêuticas para adolescentes são
diferentes das de adultos. São diferentes por conta do que eu falei anteriormente, uma
concepção do trabalho. Por outro lado, as atividades oferecidas devem seguir este
raciocínio. Se você trabalha com oficinas terapêuticas para adolescentes, você tem que
oferecer coisas que digam respeito a adolescência, a este código da adolescência,
apostar alguma coisa de interesse que mobilize-os nessa direção. Eu acho que no caso
dos adultos, ela tem uma diferença também, elas têm uma pegada profissionalizante.
Vamos fazer biscoito, lá na frente tem uma cooperativa de biscoitos. Vamos fazer silk-
screen ... com adolescente a gente tem de ir com calma com essa profissionalização,
mesmo porque eu tenho um pouco de medo de querer profissionalizar rapidamente estes
adolescentes com o raciocínio do tipo assim: tem que profissionalizar logo, porque ele
tem uma doença mental, não vai conseguir entrar no mercado de trabalho formal e aí ele
tem um outro tipo de trabalho ... que é um raciocínio que eu acho perigoso às vezes.
Por quê? Porque a gente vê isto acontecendo na vida adulta. Casos graves: Adolescentes
psicóticos às vezes que terminam tendo funções profissionais dentro da própria rede de
saúde mental. Vão trabalhar em CAPS, vão trabalhar em cooperativas, o que eu não
acho ruim. Eu acho preocupante no caso de adolescente, a gente já anunciar isso. O
nosso caso é o contrário, o nosso trabalho é tentar que os nossos meninos não entrem
nisso. Mas a nossa tentativa é fazer com que estes meninos possam ter ... por que eles
não podem voltar para a escola e ter uma escolarização? Normal como qualquer outro
menino? Antes de anunciar o que achamos que pode acontecer com eles. A gente já
sabe o que pode acontecer, então vamos tentar trabalhar de uma outra forma. As
oficinas terapêuticas com adolescentes têm de ter um outro ... tem de estar envolvido
com o universo e a linguagem própria e não se preocupar tanto com profissionalizações.
Isto tem de estar guardadinho ali como um recurso, mas eu acho que não é o prioritário
não.

5. Na sua opinião, quais são os atributos e competências dos profissionais que


trabalham no Programa Clube Ponto de Encontro?
Eu acho que ... esta questão é um ponto que me interessa muito. Um primeiro
atributo ... eu acho que tem que ser alguém sintonizado com as novas tendências em
saúde mental. Não dá para você vir trabalhar num CAPS e achar que você vai estar com
a cabeça, strictu sensu, de um psicanalista. Eu vou estar aqui, mas a qualquer momento
um desses meninos vai virar meu paciente. Eu acho que tem que mudar, que abrir um
pouco mais a cabeça. Outra questão, os médicos. Eu acho que não dá para ficar aqui

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querendo fazer clínica psiquiátrica strictu sensu. Acho que o primeiro atributo é você
tentar estar sintonizado com estas novas tendências em saúde mental. Com as
discussões da Reforma, com as discussões das políticas públicas de saúde, o que está se
apresentando, o que isto significa do ponto de vista clínico, terapêutico-clínico. No que
é que estes dispositivos reinventam a clínica? Tem de estar situado um pouco com esta
situação. Não dá para você querer jogar basquete com regras de vôlei. Estes lugares têm
um funcionamento próprio, uma lógica própria e tem de se estar atento a isso. Uma
coisa que a gente tem de estar atento e sintonizado, no nosso caso, que trabalhamos com
adolescentes, um outro atributo é saber que esse é um trabalho de rede, no sentido que
você recebe o adolescente, o pai e uma mãe e vem por tabela o diretor da escola, o avô,
o padre da comunidade, o professor do menino, outros terapeutas que já atendem os
meninos fora daqui. Então saber que este trabalho está “lincado” com um monte de
coisas. Não tem como trabalhar com esta população sem saber que você, muitas das
vezes, vai pegar o telefone e ligar trezentas vezes ao dia. Vai ligar para escola, vai
conversar com a escola, vai conversar com professor, vai ficar meio de assessor de uma
série de lugares que este adolescente, se tiver sorte, ainda transita, para poder falar
acalmar a todos. É fundamental você saber que é um tipo de clínica em extensão, não
tem como fazer esta clínica sem ser em extensão. Estas coisas se ligam às competências.
Tem que ser um técnico um pouco mais despojado, um pouco mais aberto. Eu gostei
muito de uma coisa que o Eduardo Vasconcellos falou em nosso seminário, que a
interdisciplinaridade exige um tempo para redefinir a identidade. Eu acho que uma
competência que este técnico deve ter é essa capacidade de redefinir um pouco a sua
identidade, enquanto médico, enquanto psicólogo, enquanto psicanalista, enquanto
assistente social. Redefinir a sua identidade para entrar em sintonia com essas novas
discussões. Uma outra coisa, eu acho que tem que ser uma pessoa capaz de entrar no
clima adolescente, sem aquela coisa babaca da adolescência. Tem que estar disponível
para isso. Outra coisa, não para trabalhar com criança sem entrar no código do brincar.
Sentar no chão, brincar, entrar neste universo nesta linguagem própria da infância. A
linguagem própria da adolescência é outra. Por exemplo, não dá para você trabalhar
com adolescente se você não está neste circuito. Quando eu digo estar neste circuito,
não significa você ter domínio desta linguagem, mas estar aberto a esta linguagem.
Conversar sobre um filme, vamos a tal lugar. Porque às vezes eles sugerem coisas aqui
.... por exemplo, eu não gosto de pagode necessariamente 24 horas por dia, mas eles
gostam cara ...então às vezes é uma atividade que envolve este tipo de coisa. Saber
dialogar com estas coisas, você pode não gostar ... e também você ser capaz de

162
introduzir ... você já escutou o cara tal, vou trazer para você ouvir. Criar este diálogo. É
uma competência ser capaz de estar aberto a essas novas linguagens e essa abordagem,
estar sintonizados com esses novos discursos. Ah ... e outra coisa que eu acho
importante também, é você ser capaz, e isto é o mais difícil, trabalhar com a família. Eu
acho que você tem que ser capaz ...se você fala que pai e mãe são um saco, eu falo isso
porque eu conheço gente que não trabalha com criança e com adolescente ... a clínica do
link ... ah ... não trabalho porque eu não tenho saco de trabalhar com a família. Não
adianta, aqui tem um trabalho a ser feito com estas pessoas. É uma competência e você
tem de estar aberto ... se você rivaliza com os pais seu trabalho dançou, por mais que
estes pais muitas vezes nos incomodem, nos chateiem e a gente quebre o pau, brigue,
mas eles são parceiros nossos, então essa competência tem que ter, nessa clínica do
novo, aberta, senão o trabalho não avança.

6. Qual sua formação profissional? Quanto tempo a exerce?


Minha formação é psicologia. Eu exerço há onze anos, é o tempo que eu tento
estar aí na ativa.

7. Qual o tipo de contribuição sua formação profissional pode trazer ao


tratamento oferecido? E que papel desempenha dentro da equipe
multiprofissional?
Dentro da minha profissão, a psicologia, eu tenho uma ligação com a
psicanálise. Especificamente a contribuição da psicologia e da psicanálise, esses
discursos. Primeiro a contribuição de ser mais uma ferramenta para rediscutir a questão
do tratamento em saúde mental, o tratamento de uma forma ampliada, não só a clínica,
mas todos os dispositivos. Dispositivos clínicos, a formação das pessoas, as políticas,
enfim ... Por outro lado, eu acho que especificamente, falando em relação a psicanálise.
Acho a psicanálise ... eu não consigo ver hoje saúde mental sem o dispositivo analítico.
O que eu acho é que a psicanálise foge, principalmente hoje, deste discurso organicista
da psiquiatria. A gente está vivendo uma época muito intensa dessa psiquiatria
biológica. Eu acho que a psicanálise ainda é o discurso que vem causar esta ruptura, que
vem se perguntar por aquilo que quer ser esquecido, que são as questões do sujeito, do
desejo, como é que ele se coloca diante de sua doença. Faz um outro tipo de escuta,
onde a loucura por conta disto toma um outro espaço. Eu tento, dentro de minha prática
aqui, seguir um pouco nesta trajetória de trabalhar com a loucura, trabalhar com estes
meninos e com os problemas que eles trazem, dentro de um outro enfoque, quer dizer,

163
... eu aqui no Ponto de Encontro não tenho uma preocupação com diagnóstico, eu acho
que isto é importante, mas eu me preocupo muito mais de tentar encaminhar pelo ponto
de vista assim ...adoeceu, o que aconteceu e o que vai se fazer com isto a partir de agora
... neste momento da adolescência, neste momento da sua vida. Como os pais vão se
organizar diante desta doença, que ruptura isto trouxe para a sua vida ... noutro dia a
gente estava discutindo um caso, eu falava um pouco disto ... um menino foi internado,
a gente vai internar ele só por conta de tirar ele da “mania”, só isso ou ... ele vai ficar
bom para que, na verdade? ... a mãe não está em casa, o pai vai embora, ficar bom para
quê? São momentos difíceis? São, mas são momentos que a gente tem que discutir. Não
estou pregando que não se tome o remédio e que não se interne quando for preciso, mas
eu acho que a contribuição que a psicanálise e que a psicologia podem trazer neste
sentido é recolocar esta questão da saúde mental a partir de outro enfoque. Dentro da
psicologia tem muitas pessoas rediscutindo a questão da psicologia social, o próprio
Eduardo, que citei anteriormente é um cara que trabalha muito com a psicologia social,
no sentido de rever as políticas, de rever as estratégias de saúde mental, isto é
fundamental. Agora, tem uma outra questão que eu acho importante também, que a mim
interessa, que tem haver com a minha formação, porque eu fiz psicologia e tenho
mestrado em educação. Esta questão da educação, é uma questão que me chama
atenção. Eu acho que uma outra contribuição ... eu me preocupo com a formação das
pessoas. O trabalho diretamente com os estagiários é uma questão que me preocupa, me
chama. Se a gente fala de novos dispositivos, a gente fala de avançar no campo da saúde
mental, principalmente com adolescentes. A gente tem que formar ... falando de sua
outra pergunta sobre competências ... a gente é que tem que formar estas competências e
atributos. Eu acho que as universidades ainda estão longe um pouco disso. A gente vê
quando os estagiários chegam aqui, a tamanha surpresa deles com a tamanha
especificidade que essa população exige no tratamento. Eu vivi isso semana passada,
quando um médico plantonista daqui veio ver um paciente, o M., e essa primeira frase
quando ele chega é maravilhosa,no sentido de que tem haver com o seu trabalho. Ele
chega assim: “Olha, eu não sei tratar de adolescente.” E a gente vê isto em qualquer
lugar. Não sou psicólogo de adolescente, só trabalho com adulto. As pessoas ficam até
um pouco temerárias de entrar neste universo ... Aqui no caso da educação, a educação
de terceiro grau, chama muito a atenção ... eu tento sempre trabalhar com a questão da
formação, de discutir a formação, quais são os interesses, porque vieram para cá
conduzir melhor o estágio deles ... tem que ficar atento a isso também.

164
Aqui no Ponto de Encontro, eu acho que este papel específico fica muito diluído,
diria que não há um papel específico, porque no geral a gente tem outros psicólogos e
teoricamente a gente comunga da mesma concepção de trabalho, então acho que não
tem o meu papel especificamente dentro dessa equipe e é um específico que acaba
diluído dentro da equipe. O que eu acho interessante, porque o meu trabalho e o dos
colegas de serviço tem uma certa unidade. Essa questão específica às vezes aparece em
alguma coisa mais direcionada a minha pessoa. É aí que aparecem as especificidades ...
enquanto pessoa, por exemplo: o fato de ser homem aqui dentro, isso é uma realidade.
Nós sabemos que os homens que trabalham com infância e adolescência são poucos.
Então aí a especificidade e quanto a questão de gênero. Não é uma questão profissional,
pelo menos aqui no Ponto de Encontro eu vejo isso sendo muito discutido, falado ...

8. O que é Clube de Pais? Quais são os seus objetivos?


Eu vejo o Clube de Pais como um espaço de convivência para pais. Eu vejo ele
como um lugar onde, o pai e a mãe ... noutro dia eu escutei uma coisa muito bonita de
uma analista que trabalha com adolescentes. Ela dizia que uma das nossas funções é
fazer o sintoma repousar um pouco, descansar um pouco ...eu acho que o Clube de Pais
tem um pouco esta função de ser um lugar de descanso para esses pais. O Edson
(coordenador) até já criou uma frase: que o ponto de Encontro como um todo é um lugar
onde o adolescente e a família pode vir ... mas eu acho que especificamente o Clube de
Pais é esse lugar central, porque eu acho que o lugar onde ele pode vir, não só falar de
suas questões em relação aos seus filhos, falar sem culpa e aí as pessoas que fazem este
tipo de trabalho não podem ter nenhum tipo de incursão moralista ... é um lugar onde o
pai pode falar que: “eu gostaria que esse menino sumisse da minha vida ... eu queria que
esse menino morresse .... eu não estou dando mais conta”... a gente escuta questões
difíceis que retornam ... com toda a formação que se tem ... “ahh, você não pode desejar
isso para o seu filho, você é pai” .... Podem, no trabalho a gente aprende que podem e a
gente tem que acabar com essa naturalização da imagem de pai e mãe ... a gente aprende
aqui que pai e mãe também, em circunstâncias específicas, querem que os filhos se
explodam ... a gente tem de escutar isso, senão não tem trabalho a ser feito. O Clube de
Pais é o lugar de sustentação do trabalho, é o lugar de recepção destes pais, é um lugar
de entrevistas clínicas, é um lugar de suporte ao tratamento dos filhos. Mas é um lugar
independente, é um lugar onde os pais podem trazer questões, que transitam, que tem
como ponto de partida a questão dos filhos, mas lá adiante a gente vê que é uma questão
deles. Por isso é um lugar de todos esses sintomas repousar, respirar, repousar para ter

165
um trabalho, que enquanto você briga com seu sintoma não tem trabalho. O sintoma é
para você amá-lo. Freud fala em algum momento isso. Se você não ama, então você não
trata. Eles têm que chegar, repousar. Eles vão falar, vão trabalhar, a gente vai rebater
daqui, vai discutir, ter brigas ...eu escuto eles falando: “Hoje o grupo foi fogo ...quer
saber, eu falei mesmo para aquela mãe: Olha aqui, você está prejudicando seu filho,
você não pode fazer isso” ... É um lugar onde a bronca é livre e por isso o manejo
também é difícil ... porque tudo isso que eu estou falando tem que ser transformado em
trabalho. Construção que vai favorecer em última instância, aí a gente a gente retorna de
novo aos meninos. Sem isso o trabalho se perde ... eu tenho um pouco o pé atrás com
todos estes grupos que acontecem em saúde mental, me parece que fica um lugar de
falação ... não é um lugar de falação. A falação é um elemento deste trabalho, mas é um
lugar de costura, um lugar terapêutico, um lugar de fala, de pontuações, de cortes, de
pescar ... um trabalho especificamente com uma mãe, um pai ... é um trabalho de
separar casais, de juntar casais, de juntar aquilo que a gente acha que está junto, mas
não está ... é um manejo muito delicado.
O objetivo disso é claro, é fazer com que os meninos fiquem. Não há trabalho
com esses meninos sem minimamente esses pais ficarem. De que forma vão ficar ... não
sei ... vir toda semana, de quinze em quinze dias, uma vez por mês, não sei. Alguma
coisa tem que fazer para que estes pais fiquem, querer que esses pais repousem um
pouco aqui. O objetivo é conduzir melhor o tratamento destes meninos, é conduzir
melhor o tratamento destes pais também, fazer com que esses pais possam se sentir
atingidos pela doença dos filhos, mas descobrir que eles podem fazer alguma coisa com
esta doença, que não só viver a doença. Uma psicóloga, amiga minha, descobriu que a
filha tem dislexia e resolveu que agora vai cancelar tudo na sua minha vida, só quero
estudar dislexia ... eu falei: “Cuidado, a sua filha que é disléxica e não é você”. Senão
daqui a pouco está tudo mundo disléxico na casa. Uma coisa é você querer saber e
entender o que é psicose, outra coisa é você achar que todo mundo é psicótico. Então
medica todo mundo e manda todo mundo para o divã, não é isso. O objetivo primeiro
também deste trabalho é desembolar um pouco a história, eles chegam aqui
emboladíssimos. O que é de cada um. Tem um trabalho de desmontar um pouco as
armadilhas que eles armaram para eles. De uma forma cuidadosa, porque quem leva o
filho para casa são eles.

9. Quais são atividades desenvolvidas no Clube de Pais? O que pretendem


alcançar?

166
Bom, uma primeira atividade desenvolvida é o grupo em si, semanalmente
recebendo e conversando com esses pais. Uma outra atividade, eu acho que no grupo
também e é uma derivação do grupo de pais, atividade mais particular com os pais, mais
pontual com um pai, uma mãe, um casal. Outra atividade do grupo, eu acho que é fazer
uma aproximação dos pais com os filhos, no sentido de colocar alguma questão que tem
que ser trabalhada ali por eles. Mediar alguma questão que o adolescente quer trabalhar
ou os pais, alguma coisa que é preciso eles estar junto ali. Acho que é um trabalho que
começa no grupo e vão tendo pequenas atividades que circulam e comecem a partir
deste grupo. Atividades de rotina que é receber estes pais e inseri-los no grupo. E uma
outra atividade, a retomada do tratamento, quando acontece uma ruptura. Ligar,
retomar, saber o que aconteceu. Tem essa pescaria para ser feita. Outro trabalho também
é levar estes pais a se organizarem. O grupo de pais hoje aqui no programa, por
comentário dos próprios pais, eles se constituem enquanto um grupo. Tanto é, que eu
vejo eles circulando lá fora, os papos, as conversas. Aí se formam um trios, se formam
duplas entre eles mesmos. Isto é mais uma meta deste trabalho, sempre fortificar essa ...
também acho importante nessas atividades dos grupos, eles também participam aqui do
CAPS ...vai ter uma festa, vai ter um passeio ... de que forma eles também podem ser
uma peça fundamental nisso ... “Ah, eu vou trazer ... a comida é por nossa conta, vamos
trazer”. Também acho legal a gente acabar com esse discurso do coitadinho ... vamos
ver o que dentro disto eles podem contribuir. É preciso valorizar isto, pois isto vai tirá-
los desse discurso da menos valia ... “Ah, eu sou pobre” ... Se a gente colar nisto não
tem trabalho. O objetivo ... têm dois objetivos: Um é este primeiro momento do grupos
e as derivações do grupo,atividades específicas e estes manejos. O outro é contribuir
com o que eles podem ...

10. Qual o papel dos familiares no tratamento dos adolescentes?


Eu acho que o primeiro é se tratar. Uma primeira tarefa que um familiar tem no
tratamento é um momento de falar desta tormenta, desta dificuldade que é ter um filho
com todos os problemas que eles aqui aparecem. Uns mais graves, outros menos graves.
Ter um momento mesmo de botar isto para fora e a gente tem que escutar isto. No
primeiro momento não se devem cobrar coisas da família. É um momento de chegar, se
queixar e querer dividir isto com alguém. E aí só assim se poderá passar para um
segundo momento que é momento da parceria. Eu entendo a parceria com os familiares
... um faz a música e outro faz a letra, mas quando a gente ouve a música no rádio é uma
coisa só. Você escuta tudo, pode até se falar que letra bonita, que melodia bonita, mas a

167
música é com tudo. Parceria para mim é isso, mesmo que cada um cumpra sua função,
que são funções diferentes. Eu não gosto também desta idéia de que os pais viram
técnicos, os técnicos viram familiares. Em momentos pode ser que a gente até toque
estes limites, mas eu acho .... o momento da parceria é o segundo momento. E tem que
ser construído isso e aí às vezes nem sempre a gente tem todos os familiares. Tem o
pai, uma mãe, um irmão. Quantas vezes aqui se chamam um irmão? Eu acho que a
função é que eles possam primeiro chegar falar de sua doença e o que isto atinge a eles,
como foram imobilizados por isso, o que querem fazer com isso e que representação
tem isso para eles. E aí a gente começar a construir uma estratégia para “aquela”
situação, para aquela família ... não tem tratamento sem estes dois momentos.
Acolhimento e parceria ... o que vier daí ...

11. Como se dá, dentro do tratamento, a relação entre os profissionais e os


familiares dos jovens atendidos no Programa?
Vou falar muito a partir da minha posição. Eu acho que no geral, existe uma
relação entre os familiares e os profissionais. Agora, eu percebo também, que às vezes,
nos aproximamos mais daqueles pais que temos mais proximidade com o filho. Eu vejo
hoje os espaços muito bem construídos. Vejo um trânsito muito bom entre os técnicos e
os familiares. Eu, em particular, tenho trânsito com alguns familiares especificamente,
eu não tenho trânsito com todos, não conheço todos porque não estou aqui no CAPS
todos os dias. Acho que até deveria me interar um pouco mais com os pais, os pais dos
pacientes novos.
Às vezes a gente tende a achar que o trabalho com os pais é uma coisa
setorizada, do pessoal que trabalha com os pais. Tem trabalho setorizado que é preciso
que tenha, ponto número um. Ponto número dois, quem está na lida direta com os
adolescentes no dia-a-dia tem de fazer essa aproximação com os pais e não tem de achar
que a N., a C. conversam com os pais. Há algumas coisas que passa por ali e que tudo
que diz respeito a montagem de uma ação com os familiares têm que passar pelo setor
responsável, para não ter confusões de línguas. Mas a gente que está na lida direto com
os meninos, é sempre saudável chegar para um pai ... “eu sou M., trabalho no serviço”
... isso é importante. Mas às vezes o profissional tende a achar que o trabalho dele é com
os meninos. Tem que encostar um pouco nos pais, senão a gente perde o todo deste
dispositivo, do CAPS que eu gosto de chamar de um dispositivo de convivência. Trocar
com os técnicos mais ligados aos pais, as impressões de seus próprios contatos com os
familiares. Não pode ter uma cabeça de achar que os meninos é a população central ... a

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população central do nosso trabalho é de meninos e pais, seja quem se apresentar como
pai e mãe. A gente não pode perder isto de vista e trabalhar pela metade.

12. Que resultados você espera do tratamento oferecido?


Eu espero ... a primeira coisa que eu gostaria que acontecesse, e aí é puro desejo
mesmo.. eu primeiro gostaria que essas pessoas pudessem encontrar um mínimo de
convivência possível com a doença deles. A doença dos pais. O mínimo de paz possível
com a doença, pode parecer piegas. O que eles podem fazer com isso. Um certo
descanso, um certo repouso. Nós temos isso, mas hoje nós sabemos conviver melhor
com isso. Que os pais possam ficar menos ansiosos, menos angustiados. Que estes os
meninos possam minimamente entender um pouco a dificuldade que estes pais têm de
lidar com eles. E os pais também possam entender e descobrir que é difícil ter filhos
desta forma. Que eles possam tentar resignificar minimamente o que é isso. “Meu filho
é psicótico, já passei por muitas coisas, mas hoje consigo ver isto de outra forma”.
Descobrir uma maneira de lidar com isso. E o que vai vir daí. Quem quer estudar , que
volte a estudar, trabalhar. E que estes pais possam retornar as suas vidas, que esses pais
possam redescobrir a vida e quem sabe até descobrir a vida a partir da doença de seus
filhos, que não possam estar só refém disso, que é só doença, o discurso da desistência.
É difícil, eu acho que eu quero muito. Já que eu trabalho com isso, eu me dou ao direito
de querer muito. É difícil, é uma ida, uma vinda, é começar sempre. Eu acho que aqui
temos conseguido, nestes quatro anos de trabalho bons resultados. Tenho visto aqui,
muita gente que chegou discursivamente colado numa situação e hoje em dia, transita
bem, fala bem. A gente vê isto nos meninos e nos pais. Há pais que são emblemáticos e
que a gente chega a se assustar e aí, voltando a primeira pergunta, qual é o objetivo do
Clube de Pais. Todos os lugares aqui são centrais, mas o trabalho com os pais é
fundamental. É fundamental naquele sentido que Lacan costumava falar, que ele chama
“os quatro conceitos fundamentais da psicanálise” não que ele sejam fundamentais
porque são importantes, são fundamentais porque fundam uma prática. Então, um
trabalho que se quer com adolescentes tem que ter um lugar de pais, que é um lugar que
funda este trabalho. Estes pais precisam vir. Uma boa parte destes meninos vem
acompanhados ...

13. Sob que condições se daria o término do tratamento?

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Essa pergunta é difícil. Terminar o tratamento é difícil em qualquer
circunstância, quer na clínica, quer no ambulatório, no CAPS. Eu acho, que o
tratamento termina, quando a gente já olhou um para a cara do outro e ao se perguntar
assim: O que mais a gente pode fazer? A gente busca tudo o que a gente já fez, tudo o
que a gente já tentou, tudo o que a gente se descabelou. O que mais a gente já fez, não
no sentido das ações técnicas, mas no sentido das ações éticas. O que mais a gente pode
fazer ali. Eu acho que já chegou no nosso limite. A gente não pode fazer mais nada e aí
é o tratamento que termina no sentido que nós não possamos fazer mais nada, mas quem
sabe um outro setor. Ou então ao contrário, para não parecer muito pessimista, o
tratamento termina no sentido de que tudo o que a gente planejou para esse menino e
essa família, a gente acha que chegou a bom termo. Para que ficar aqui mais?
A gente não pode ter medo de terminar tratamento. A gente tem que avançar.
Isso me incomoda, como os dispositivos de saúde mental se abriram, a gente às vezes
fica muito ... uma mãe outro dia perguntou para o E.: “O senhor não acha que essa
história de CAPS, CAPS, CAPS, o senhor não acha que os pacientes correm o risco de
ficar do lado de fora? Ficar preso no CAPS?” Acho, a gente tem que ter a ousadia de
dizer: “você não precisa vir mais aqui” Ou então, “venha aqui quando você quiser nos
visitar”. Aqui nós tivemos coragem de tomar essas decisões. Em algumas a gente penou
.... a equipe é assim, têm alguns que acham que a gente ainda tem alguma coisa para
fazer e outros que acham que a gente não pode fazer mais nada ... o tratamento termina
quando a gente acha que terminou um pouco a nossa missão com aqueles que vieram
nos procurar. Ou quando não podemos porque já é muito sintomático, da ordem da
repetição.
Considerações Finais:
Queria reforçar só um pouco a idéia de quem trabalha com adolescente tem de
estar de olho na especificidade da clientela. E outra coisa que eu gostaria de reforçar
que, trabalhos acadêmicos, de mestrado, de especialização, têm que ser implementados,
têm que ser pesquisas nestas áreas tão carentes. Temos uma carência muito grande de
pessoas que relatem como fazem seus trabalhos com adolescentes, principalmente com
adolescentes psicóticos. A gente tem pouco trabalho escrito sobre isso, poucos relatos
de experiências, poucos estudos de caso, poucas etnografias, poucas estratégias
metodológicas. Então é importante que se traga estes trabalhos a tona. Que se escreva,
que se publique. Isto é fundamental. Para fechar aqui, eu gostei do destino ter me
colocado na sua entrevista. A gente já trabalha junto há tanto tempo, já vivemos outros

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projetos juntos. Você está pegando um trabalho que não é um trabalho fácil. É um
trabalho difícil e eu espero ... estar na torcida, na banca.

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Entrevista Semi-Estruturada/Programa Clube Ponto de Encontro

Identificação: Técnico 3
Profissão: Enfermeira
Idade: 42 anos
Tempo na função/Programa: seis meses como voluntária e um ano como contratada
Tempo de profissão: 15 anos
Local da entrevista: CARIM
Data da entrevista: 24/10/02

1. O que é o Programa Clube Ponto de Encontro? E quais são os seus objetivos?


O programa Ponto de Encontro reúne adolescentes que têm graves problemas
psíquicos, têm dificuldades de socialização, ou que estão afastados da escola por algum
motivo, ou que estão sem rede social por causa da doença e que ... estão no Ponto de
Encontro com o objetivo de um tratamento para este sofrimento e que este tratamento
incluí atividades diárias em que eles possam receber ... os que necessitam atendimento
individual. Os que não, atendimento em grupo que seriam oficinas, onde eles possam
trabalhar essas dificuldades e que possam receber também atenção médica. No caso, os
que necessitarem de medicação, os que não, esse tipo de atendimento através das
oficinas. E que estas atividades todas incluem uma equipe multidisciplinar que vai estar
dando atendimento nas várias áreas de saúde.

2. Quais são as práticas de tratamento oferecidas aos adolescentes dentro do


Programa? O que se pretende alcançar com elas?
As práticas seriam: atendimento individual, no caso psicoterapia; os
atendimentos em grupo, no caso seriam as oficinas. Dentro das oficinas, aí teria de
acordo com cada oficina a sua prática. Algumas são internas ... são feitas internamente,
no espaço físico do Ponto de Encontro. Algumas são ... há atividades externas. Algumas
têm atividades manuais, outras são só conversas. Outras têm trabalho com o corpo. E
assim cada oficina vai ter a sua prática e o seu objetivo. O seu objetivo, acredito que
seja assim, um objetivo geral. Cada oficina vai ter seu objetivo específico, mas o
objetivo geral do programa seria poder estar tentando inserir estes jovens numa ... uma
ressocialização. Uma prática, vamos dizer... dentro do seu grupo familiar, dentro de seu
grupo de amigos. O objetivo de toda esta prática vai ser poder trabalhar as dificuldades
que eles estão encontrando por conta da doença e aliviá-los dessas dificuldades

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inserindo eles, novamente na prática da sociedade, que seria a escola, que seria os
amigos, que seria a família, o dia-a-dia que eles tinham antes.

3. Há alguma especificidade no tratamento voltado a jovens entre 12 anos e 18


anos incompletos oferecido pelo Programa?
Eu acredito que sim, acho que existe com certeza, por causa da necessidade que
essa idade tem em função das características específicas da adolescência, que seriam,
vamos dizer, ter o cuidado de não confundir o que é da idade e o que é da doença, por
conta de algumas questões e de algumas dificuldades de socialização da própria idade ...
algumas questões de grupo, que acontecem por conta da idade e não da doença. É uma
especificidade ... um cuidado que se tem que ter ao cuidar destes jovens, de estar atento
a estas características da idade e não misturar com as questões da doença. Tratá-los
muitas vezes como adolescentes, porque eles precisam ser tratados de acordo com a
suas idades. Uma especificidade seria também, por conta da idade, o número de pessoas
que se pode tratar, porque eles demandam mais cuidados, eles demandam um tempo
maior de atenção. A gente tem de estar sempre pensando na demanda que é da idade,
que seria a prioridade da escola, a prioridade dos amigos, nesta idade que é muito
importante. Sabe-se que na adolescência tem uma questão muito forte com o social,
com o passear, estar com amigos, que isso ao longo da fase adulta vai repercutir. Então,
eu acredito que seja, nas questões próprias da adolescência, que existem muitas questões
que envolvem este período e, portanto, por conseqüência no número de adolescentes
que a gente pode cuidar.

4. Há diferença entre oficinas terapêuticas direcionadas a adolescentes das


direcionadas aos adultos? Se há, quais são?
Eu acredito que existe diferença, novamente por conta da demanda, da
necessidade do adolescente ser mais voltadas as questões, ainda educacionais. É uma
época que ele ainda está mais voltado para o aprender, para a escola, para questões
básicas de ensino e não tanto voltado para o trabalho. O adulto já tem uma questão
assim ... de uma necessidade de ocupação, de uma atividade talvez remunerada, ou
senão remunerada, mas pelo menos da produção de alguma coisa. E o adolescente ainda
está mais voltado para o aprender e também pela questão, que já falei, das amizades, do
social, que é uma necessidade mais eminente no adolescente. Então as oficinas elas vão
ser voltadas ... vão ter objetivos diferentes sim.

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5. Na sua opinião, quais são os atributos e competências dos profissionais que
trabalham no Programa Clube Ponto de Encontro?
Eu acho que ... existe uma especificidade bastante clara no trabalho no Ponto de
Encontro. Acho que os profissionais não são ... não pode ser qualquer um profissional
da área de psicologia, da área de enfermagem, da área de medicina ... de serviço social.
Não acho que possa ser qualquer assistente social, qualquer enfermeiro, não. É
completamente específico. Primeiro porque é saúde mental, por si só já diferencia e por
ser um tipo de atendimento em que: primeiro, a gente trabalha em equipe
multidisciplinar, eu acho que é uma das características que tem que conseguir saber
trabalhar, em equipe multidisciplinar, porque não há uma definição muito clara dos
papéis ... das atividades específicas de cada um. Cada um até sabe o que tem de fazer,
mas não fica definido, muito claro ... isso não está escrito e depende muito do olhar de
cada profissional e é nisso é que vai se dar o conjunto da equipe, da diferença de cada
área, no olhar. Mas as atividades são muito feitas em conjunto, pela equipe ... então eu
acho que isso é a principal característica que um profissional que venha trabalhar no
Ponto de Encontro tem que ter, capacidade de trabalhar em equipe multidisciplinar.
Outro atributo é ... conseguir lidar com essa característica que o nosso paciente
tem. Primeiro porque ele é um adolescente e segundo que ele não é um adolescente ...
um paciente que está internado, ele é um paciente que está na sua vida normal, vamos
dizer ... ele mora numa casa, ele tem a família dele, ele tem os amigos, mas ao mesmo
tempo ele está em tratamento. ... Eu acho que é um atributo do profissional conseguir
entender o que significa isso, estar tratando de um paciente em regime de atendimento
diário e o que é que tem que se dar neste atendimento, o que é que é este atendimento, o
que é que é este tratamento. Porque para alguns profissionais isto é muito subjetivo ... o
profissional não consegue concretizar isto e entender realmente ... eu acredito que
existam muitos médicos, muitos enfermeiros e muitos psicólogos que não conseguem
entender, então eu acho que isso é um dos atributos importantes ... entender o que
significa este tratamento diário e a diferença entre um paciente que está internado, que
isso não se trata assim ... realmente de uma internação, de uma hospitalização. E
também ... acho que tem de ter dentro da saúde mental, um profissional que trabalha no
Ponto de Encontro, o entendimento entre esse limiar da medicação, da terapia
medicamentosa e dessa outra terapia, que a gente poderia dizer que englobaria todo esse
nosso trabalho sem ser a parte medicamentosa ... como o profissional entende isso,
porque eu acho que ele tem de ter essa característica de não entender a saúde mental
apenas por um ângulo ou medicamentoso ou psicanalítica, por exemplo. Não ... eu acho

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que ele tem que conseguir, para poder estar trabalhando no Ponto de Encontro, ele tem
de ter essa mescla e conseguir trabalhar, conseguir entender que esse tratamento precisa
desses dois vieses concomitantes.

6. Qual sua formação profissional?Quanto tempo a exerce?


A minha formação profissional é como enfermeira. Na área de psiquiatria há um
ano e meio, eu estou tendo esta experiência aqui no CAPS, mas já tive algumas
experiências na área de psiquiatria, não formais. Seria como acompanhamento de
pacientes a domicílio e também experiências com crianças, num hospital-dia. Um
serviço mais ou menos parecido, só que com as patologias diferentes e eram crianças
que a gente não tinha tanta troca. Aqui no CAPS existe uma troca maior por conta do
nível em que os pacientes se encontram, de possibilidade de troca. Em outras áreas na
enfermagem, aí eu tenho experiência em outras áreas que não a psiquiatria. Tenho
quinze anos de formada e na psiquiátrica uns seis anos.

7. Qual o tipo de contribuição sua formação profissional pode trazer ao tratamento


oferecido? E que papel desempenha dentro da equipe multiprofissional?
Eu acredito que a enfermeira, na equipe multidisciplinar, nesse tipo de
programa, ela é importante porque tem uma visão, mesmo exercendo a enfermagem
psiquiátrica, que difere bastante do resto, da enfermagem clínica, da assistência ao
paciente com problemas clínicos ...
A enfermagem clínica, a enfermeira exerce muitas técnicas e procedimentos,
como por exemplo: colocar uma sonda, fazer um curativo mais delicado, uma punção
venosa, então você faz procedimentos delicados que precisa ser um profissional
capacitado e ao mesmo tempo não é o médico que faz estes procedimentos. Então ele
conta com o enfermeiro para cuidar deste paciente dele. Só que é um paciente operado,
um outro tipo de situação. E na enfermagem psiquiátrica não existem procedimentos,
técnicas invasivas no corpo do paciente. Eu considero totalmente diferente. Na
enfermagem, a formação é a mesma, mas o que para alguns é muito difícil de lidar,
como por exemplo, trabalhar numa neonatologia. Para alguns isto é quase impossível,
para outros é a psiquiatria. São dificuldades diferentes e que para cada um aparece de
uma maneira diferente. Eu particularmente me identifico mais com a área de saúde
mental do que com a parte clínica. Mas eu acho importante ter uma enfermeira, porque
a formação que a gente tem é muito de estar ao lado do paciente, sempre. Comparando-
se a formação médica com a do enfermeiro, o enfermeiro fica muito mais perto do

175
paciente do que o médico, o contato ... o contato físico com o paciente. Então esta já é
uma característica da formação, da profissão. Sei que é de ficar muito perto, cuidando.
O Cuidar pode ser clínico e ele pode ser psiquiátrico. Então, eu gosto da parte de saúde
mental e o cuidar então vai se dirigir a esses cuidados com estes objetivos que a gente
tem aqui dentro do programa. Sendo que eu vou ter um olhar também da parte física,
também da parte clínica, porque todas essas questões, por exemplo: pacientes que têm
diabetes, pacientes que têm hipertensão, que tem algum tipo de impedimento para
algumas atividades. Seria de um olhar, vamos dizer clínico, que o enfermeiro poderia
estar fazendo nessa equipe.

8. O que é Clube de Pais? Quais são os seus objetivos?


O Clube de Pais é um encontro, é um momento, um espaço que os pais têm para
se encontrar e estarem conversando, debatendo questões sobre os filhos e sobre as
famílias, sobre a questão da doença em relação ao convívio familiar. Eu entendo assim
... eles precisam ter um suporte, ter um atendimento e poder estar trocando entre as
famílias e as famílias com os profissionais do CAPS, questões que aparecem sobre a
doença e como lidar, como passar por estas dificuldades. Eu acho que é
importantíssimo, que é uma das coisas mais importantes no programa, porque não tem
como lidar com o adolescente sem estar lidando com a família, com o meio. Porque
muitas vezes ele vem para cá, ele está bem aqui, mas ele sabe que quando ele voltar
para o meio familiar, as questões vão aparecer novamente. E como é um hospital-dia,
uma situação só diária, ele vai para casa todo o dia e ele vai ter de se deparar com estas
questões. Ele tem que estar junto, ele tem de estar sendo trabalhada. E eu entendo que o
Clube de Pais é esse momento e através desse momento se irradiam várias outras
situações. Passeios, encontros, outras reuniões a partir deste Clube de Pais é que vão
sair outras situações de encontros com os pais.

9. Quais são atividades desenvolvidas no Clube de Pais? O que pretendem


alcançar?
As atividades são desenvolvidas através de um encontro semanal, que é fixo e
que os pais ficam durante uma hora e meia, com alguns profissionais do CAPS, do
Ponto de Encontro e o objetivo desta atividade é dar uma oportunidade para eles, que
possam estar colocando suas questões suas dúvidas, suas dificuldades e possam estar
trocando com os outros familiares. Outras atividades além deste horário fixo , são estas
que são estipuladas pelo próprio grupo de pais, por exemplo: se o grupo de pais sentir

176
necessidade de construir um outro tipo de situação, um passeio, ou por exemplo como já
teve uma situação de uma atividade extra, que seria uma oficina de sexualidade fora do
horário do Clube Ponto de Encontro. Então o Clube de pais se organiza para estar indo
alguns representantes. São atividades que não são dirigidas aos pacientes e sim aos
familiares. Então é o Clube de Pais é que vai direcionar estas outras atividades.

10. Qual o papel dos familiares no tratamento dos adolescentes?


Como já falei, eu acho que é imprescindível, que é um papel tão importante
quanto a vinda deles ao tratamento nos dias combinados. Eu acho que são as pessoas
que estão diretamente ligadas ao paciente, as questões da doença. São eles que vão ter
de lidar com estas questões para o resto da vida e acho que a função dos pais no
tratamento é acompanhar intensamente tudo o que for, tudo que fizer parte deste
tratamento. Seja se responsabilizar para acompanhar a medicação, seja se
responsabilizar por estar sabendo como o paciente está permanecendo aqui. O que o
paciente tem trazido de casa, das questões familiares, poder trocar isso com os pais. A
questão da autonomia dos adolescentes, que isso não pode trabalhar só com o
adolescente, precisa da família para dar continuidade. Todos os nossos objetivos com o
paciente, a gente vai precisar da família para que elas possam estar trabalhando estes
objetivos em casa também.

11. Como se dá, dentro do tratamento, a relação entre os profissionais e os


familiares dos jovens atendidos no Programa?
Como a equipe toda não tem contato direto com o grupo de pais neste encontro
semanal. Acredito que a equipe se encontra com os pais de uma maneira informal. A
equipe como um todo, porque tem alguns profissionais que são responsáveis pelo grupo
de pais. Mas no dia-a-dia este encontro é mais informal. Se o pai vier acompanhando o
adolescente, para trazer ou para buscar, aí então os técnicos têm contato com estes pais.
Além de que também existe uma atividade que é o Café da Manhã com os pais, que
também é um outro momento, que os técnicos que estão presentes naquele dia, tem
contato. Eu acho que, sempre que necessário, discutido em equipe, a necessidade de
entrar em contato com algum familiar, isto é feita de uma maneira mais organizada. Por
exemplo: tal familiar está precisando de uma atenção especial, de um contato, então
algum técnico é responsável por este contato. O familiar é chamado, ou então quando
ele vem ao CAPS, ele é solicitado a permanecer por um período maior para poder
conversar com o técnico. Senão for assim, organizado, a maneira é mais informal. É

177
quando encontra, conversa um pouquinho, quando os familiares vêm trazer ou vêm
buscar sempre há uma troca, sempre se pergunta alguma coisa, o familiar fala um
pouquinho, os técnicos conversam um pouco ...

12. Que resultados você espera do tratamento oferecido?


Bom, eu acho que se diferencia um pouco de caso para caso. Quando eu vejo um
adolescente, em função do quadro dele, de como ele chegou aqui e de como ele se
desenvolveu, a resposta dele ao tratamento, eu começo a fazer um prognóstico. Eu vejo
como vai ser nos próximos anos de vida dele. Eu acho, que em função disso ... porque
alguns ganham muito com o tratamento. Adquirem muita capacidade de autonomia e
reinserção na sociedade. Estes são o que têm o prognóstico melhor. A gente consegue
perceber que a família se envolveu com o tratamento, a família foi bastante interessada
e receptiva e que os sintomas e a patologia daquele adolescente permitiu a ele ter um
ótimo resultado. Alguns a gente sabe, que por mais que a gente tenha os mesmos
objetivos, provavelmente não vai conseguir alcançá-los. Então eu acho que os
resultados são em função de duas coisas. Em função da própria patologia, que o
adolescente apresente, do grau que os sintomas se encontram, da doença. E também a
resposta vai depender de como essa família vai aderir ao tratamento.

13. Sob que condições daria o término do tratamento?


Eu acho que é a pergunta mais difícil de ser respondida. Eu fico sempre com o
receio de que a gente tenha mais alguma coisa a fazer por este adolescente. Por mais
que ele esteja bem, esteja reinserido, esteja com uma rede social melhor, que a família
esteja mais ou menos equilibrada, pronta para continuar sozinha e que este adolescente
esteja razoavelmente bem para enfrentar a vida sozinho, eu sempre fico com aquele
receio de que, se ele estivesse ainda vindo ao “Ponto de Encontro”, ele ainda teria
ganhos. Essa melhora é sempre muito frágil, por conta do problema que ele tem, isto
pode desequilibrar novamente. Mas a gente também não quer este adolescente preso a
nós, a gente quer que ele possa caminhar sozinho. Então o que nos resta, o que eu
acredito que a gente possa avaliar que ele tenha condições de continuar sozinho e caso
sinta necessidade, que algum sintoma volte e que ele se sinta fragilizado por algum
motivo, que ele retorne ao programa.

178
Entrevista Semi-Estruturada/Programa Clube Ponto de Encontro

Identificação: Técnico 4
Profissão: Médica Psiquiatra
Idade: 47 anos
Tempo na função/Programa: 6 meses
Tempo de profissão: 23 anos
Local da entrevista: CARIM
Data da entrevista: 02/11/02

1. O que é o Programa Clube Ponto de Encontro? E quais são os seus objetivos?


O Ponto de Encontro é um tipo de serviço que se propõe a dar um espaço de
tratamento mais efetivo, um ambiente terapêutico para adolescentes com graves
problemas psíquicos. O objetivo é possibilitar que sejam mais autônomos, que possam
estar lidando melhor com as suas dificuldades e possam estar mais incluídos na
sociedade como um todo.

2. Quais são as práticas de tratamento oferecidas aos adolescentes dentro do


Programa? O que se pretende alcançar com elas?
As oficinas terapêuticas e atividades lúdicas como por exemplo: passeios e
festas. Atendimento medicamentoso, atendimento psicoterápico, suporte de medicação
no sentido de poder receber a medicação. Atendimento familiar, seja em grupo de
familiares, seja em atendimento de família nuclear. A parte que falei de oficinas, aí tem
algumas oficinas que vão permitir que estes adolescentes estejam mais inseridos até na
sua própria escola. Sejam oficinas profissionalizantes. Sejam oficinas de integração, que
permitam com que eles possam se desenvolver melhor ... oficina da sexualidade, onde
eles aprendam a se relacionar com o seu próprio corpo e se relacionar melhor com os
outros adolescentes. Oficina de cuidados em saúde, para que eles possam se relacionar
melhor com o seu próprio corpo também, tendo um cuidado maior com ele mesmo, um
cuidado maior com os outros adolescentes.

3. Há alguma especificidade no tratamento voltado a jovens entre 12 anos e 18


anos incompletos oferecido pelo Programa?

179
Acho que sim. Por exemplo, na oficina da sexualidade, onde você vai lidar com
esta questão, que é diferente de você lidar com a sexualidade de um adulto. Acho que
quando você está trazendo a questão mais lúdica com estes adolescentes, você está
também vendo isso. Esqueci de falar da oficina da culinária, que eu acho que também é
uma forma de fazer isso, fazer com que este adolescente participe mais dentro de sua
própria casa, visando a questão da autonomia, que ele possa estar mais autônomo em
casa, mais participante. Eu acho que dentro destas questões, dá maior especificidade. Eu
acho que as oficinas do Clube Ponto de Encontro tendem a ser mais lúdicas e voltadas a
questões mais específicas desta faixa etária e há até algumas situações para a gente
pensar em termos do próprio cuidado com a saúde, que a gente percebe que em algumas
situações o quanto é mais fácil acessá-los quando a gente consegue falar de cuidados
com os animais, que são coisas que eles conseguem ficar muito mais interessados. A
partir desta relação não só do adolescente, mas da criança vendo aquele bichinho que se
pode pegar, aí então se pode perceber também palavras ligadas ao ensino(?). E outra
coisa que eu queria falar, dentro dessa questão ...tem uma questão que acaba aparecendo
muito é ligada a faixa etária de 12 para 18, mas é ligada também a questão de criança,
de como os pais ficam mais dentro do serviço do que num serviço de adultos. A gente
até faz todo um trabalho para estes pais não fiquem imersos aqui dentro, mas ao mesmo
tempo eles almoçam aqui e estão muito mais próximos do que num CAPS de adultos.
Isso é uma coisa que tem de ser trabalhada, mas que eu acho muito importante se
permitir que este pai e esta mãe estejam mais participantes.

4. Há diferença entre oficinas terapêuticas direcionadas a adolescentes das


direcionadas aos adultos? Se há, quais são?
Bom , quando você está trabalhando com adolescente você também vai estar
voltado para a questão da escolaridade. Permitir, facilitar que ele possa se inserir mais
na escola. Seja aquele adolescente que interrompeu os estudos, seja o que está
participando um pouco das atividades escolares, mas que ele possa ficar mais incluído
dentro da escola. Se a gente parte do princípio que o Ponto de Encontro, como qualquer
outro Centro de Atenção Psicossocial, vai dar estar o tempo todo trabalhando para que
aquele indivíduo possa voltar para a sociedade, vai então, trabalhar neste sentido. No
caso do adolescente, como a questão é a relação dele com a escola mais do que a relação
dele com o trabalho, você vai sempre estar vendo a questão da escolaridade. Torno a
falar na questão da sexualidade, que está eclodindo. É diferente de uma situação com os
adultos, que você vive, mas de uma outra forma. Há toda uma questão de aprendizagem

180
no adolescente. Dá até para ver na oficina de cuidados em saúde, acho que a gente
também tem de estar pensando mais nisso.

5. Na sua opinião, quais são os atributos e competências dos profissionais que


trabalham no Programa Clube Ponto de Encontro?
Você está falando de forma geral ... Não só a assistência em si, mas estar
...repete de novo ... Vou dar primeiro uma resposta mais geral ... Não só ele vai estar
voltado, como qualquer outro profissional que trabalhe em CAPS, para a questão do
retorno deste indivíduo a sociedade, mas no caso específico o profissional que trabalha
num programa como o Ponto de Encontro, ele tem que estar levando em conta a questão
do desenvolvimento. Para aquele adolescente que está se desenvolvendo com uma série
de problemas e dificuldades diferentes de outros adolescentes, mas que ele tem em
comum como os adolescentes em geral a questão do desenvolvimento. Você tem de
estar não só fazendo com que ele retorne, mas mais do que isso que ele passe por
determinadas etapas de vida da forma melhor que ele possa passar. Pensar que ele não
está simplesmente voltando ao lugar onde ele já esteve. Ele está passando por este
trajeto de uma forma diferente, com o sofrimento psíquico dele e nós podermos ajudá-lo
a passar melhor por este processo. Isso nós vemos, não só em relação ao grave
sofrimento psíquico, mas a outras situações também ligadas a uma perda muito grande
por parte do indivíduo, seja adolescente, seja com a questão da droga. Diferente de um
adulto que já passou mais ou menos pela vida e teve uma perda muito grande. Este
adolescente, ele tem a perda no meio do processo dele.

6. Qual sua formação profissional?Quanto tempo a exerce?


Minha formação profissional ... sou médica, médica psiquiatra, especialização
em adolescentes. Sou psicanalista, tenho formação em psicoterapia de grupo. Tenho
também formação em psicanálise e em psicanálise de criança. Terminei minha
faculdade há vinte e três anos. Quando eu estava no internato matava aula para assistir a
reunião de psiquiatria infantil.

7. Qual o tipo de contribuição sua formação profissional pode trazer ao tratamento


oferecido? E que papel desempenha dentro da equipe multiprofissional?
Como a minha formação que é tanto em psiquiatra e como também em
psicanalista na área de infância e adolescência ... eu vou falar sobre isso ... eu acho que
é extremamente importante um psiquiatra ter uma visão psicodinâmica. Tanto a questão

181
de estar vendo como é aquele adolescente ... como na questão da recepção deste
adolescente. Se é caso ou se não é caso para o Clube Ponto de Encontro. Acho
importante a gente estar participando nesta avaliação inicial, se é ou não elegível.
Porque aí eu acho ... vejo o Ponto de Encontro como um programa dentro de um
programa maior para atendimento da criança e do adolescente. A avaliação deste
adolescente e se ele vai estar se beneficiando ou não do programa. Além disso, essa
compreensão de qual é o significado ... o que aquele adolescente está apresentando, de
que forma é aquele sintoma, se patologia tem algum significado na vida dele e o quanto
tem na daquela família. Não podemos pensar somente no caso de um adolescente que
estar ou não precisando do Ponto de Encontro e de que forma ele está vivendo uma
situação grave se a gente não olhar para a questão desta família. No meu caso, eu acho
importante que o médico esteja participando ativamente da questão desta avaliação,
como isto vai acontecer e além disso, que este profissional possa ajudar nas questões do
cuidado com o próprio corpo do adolescente. Eu acho que o médico tem uma função, é
o profissional mais da área da saúde e que tem uma função importante dentro do Ponto
de Encontro, que é tanto trabalhar a questão de desenvolvimento, pois aquele
adolescente está com o desenvolvimento prejudicado, mas lidar com questões orgânicas
além da área específica de saúde mental, na saúde como um todo. E isto vai estar
repercutindo no desenvolvimento dele.

8. O que é Clube de Pais? Quais são os seus objetivos?


Eu acho que o Clube de Pais, um programa de atendimento a adolescentes com
grave sofrimento psíquico, vai ajudar, seja os pais que têm filhos que abruptamente
abriram um quadro de transtorno mental, que surgiu repentinamente e que eles estão
extremamente aturdidos com isso sem sabem como lidar. O Clube de Pais permitirá que
eles possam conversar, trocar vivências, trocar experiências. E poder inclusive permitir
a entrada de profissionais num contato maior com estes adolescentes, pois muitas vezes,
os pais podem estar impedindo este contato e o Clube de Pais vai poder ajudar que eles
se separem um pouquinho para o tratamento possa se efetivar, e perceber se esta é uma
das dificuldades principais do problema que aconteceu com este adolescente. Porque é
que eu estou separando estes dois pontos? Porque eu acho que tem uma questão
principal no ponto de encontro, eu não sei se você vai falar mais sobre isso, ou vai
perguntar sobre isso mais tarde, mas eu acho que existem os adolescentes que tiveram
problema na adolescência e existem, mesmo que seja aquele adolescente que já era meio
timidozinho em criança, mas que ele foi se desenvolvendo, estava na escola, tendo uma

182
defasagem escolar, mas não uma defasagem muito grande. É diferente de um
adolescente que desde o início começa a ter uma defasagem escolar muito séria. Ele
apresenta um défict cognitivo e tem um transtorno invasivo de desenvolvimento. Esses
adolescentes têm uma questão diferente e obviamente os familiares vão ter uma questão
diferente dos pais dos outros adolescentes. Eles já estão lidando com uma certa
cronicidade. Serão então pais, que embora aquele adolescente vai estar em tratamento
pela primeira vez ou começou o tratamento nos últimos meses, mas já são pacientes
crônicos, eles são adolescentes, mas adolescentes crônicos. Adolescentes que devemos
saber que estaremos ajudando o mais possível para eles se desenvolvam, mas eles não
vão conseguir provavelmente ter um desenvolvimento como os outros vão conseguir ter.
A questão é que aconteceu muito cedo. Ou com déficit cognitivo desde que nasceu e
depois começou a ter alguns transtornos de comportamento. São situações ... ou então
um epilético grave que não é tratado e começa a apresentar distúrbios de
comportamento. São questões assim de uma gravidade muito grande e o sofrimento para
esta família é muito grande e muitas vezes os pais vão estar o tempo todo “toma que o
filho é seu”. Ou alguns que não conseguem separar, trazer da residência e permitir que
possa haver um tratamento. Talvez pais que tenham muita dificuldade de lidar com a
doença e o filho possa até provocar um certo horror a esses pais. Ao mesmo tempo eu
fico me perguntando, a gente não tem de estar compreendendo o horror que esses pais
sentem? Porque esses jovens são muito, muito pesados e fazem inclusive com que esses
pais fiquem com uma sensação de estarem estragados. Acho que essas são ...

9. Quais são atividades desenvolvidas no Clube de Pais? O que pretendem


alcançar?
Talvez algumas coisas eu não possa saber falar então ... o Clube de Pais é tanto
este espaço de encontro para que os pais possam trocar experiências entre si e para
organizar festas aqui no próprio Ponto de Encontro, no sentido de estarem colaborando
com o Ponto de Encontro e principalmente lidando com a questão do sofrimento, que
para eles pais, é muito grande. Eles poderem ter momentos lúdicos com seus filhos,
poderem ser ajudados e que está experiência possa permitir então que eles tenham
momentos lúdicos fora do espaço de tratamento. Seja nos passeios, nas festas. Acho que
deveria também fazer parte do Clube de Pais, que já foi falado em relação ao CAPS,
uma oficina de geração de renda para os pais. Eu acho que isso permitiria que esses pais
pudessem lidar melhor, enfim ... Na questão de atendimento da família nuclear, eu não
sei se você colocaria dentro do Clube de Pais, ou não, mas ...

183
10. Qual o papel dos familiares no tratamento dos adolescentes?
Primeiro, se ... mesma coisa ...se tiver adolescentes muito graves que precisam
vir aqui, trazer o adolescente para o atendimento . Essa é a coisa fundamental, trazer o
adolescente para o atendimento, é ... estar acompanhando a medicação, que são coisas
assim básicas, mas que a gente não pode estar vendo assim como coisa concreta. Se
estes pais conseguem permitir que esses adolescentes venham ao tratamento, estão
permitindo de alguma forma que esses adolescentes se separem de si e os vejam como
cidadãos do mundo. O uso da medicação também. Fazer com que esse adolescente tome
a medicação inicialmente, fornecendo a medicação para eles, mas depois aos poucos
fazendo com que os próprios adolescentes comecem a se responsabilizar pelo
medicamento, enfim ... a gente está o tempo todo lidando com a posição da guarda. Se a
gente está trabalhando com indivíduos em desenvolvimento, a gente vai estar
trabalhando com os pais que estão o tempo todo sendo os guardiões, cuidadores naturais
e em algumas situações esses pais vão ter dificuldade de lidar com estes adolescentes,
talvez até por questões próprias dos pais. Em outras situações é porque esses
adolescentes têm dificuldades muito barra pesada, então a gente tem de estar permitindo
cada vez mais que o adolescente se independa, ao mesmo tempo que os pais vão
deixando o filho de lado. ...

11. Como se dá, dentro do tratamento, a relação entre os profissionais e os


familiares dos jovens atendidos no Programa?
Eu acho que é uma relação boa, mas ao mesmo tempo é uma relação difícil. Por
um lado eu acho que é uma relação difícil por conta das dificuldades que os pais estão
vivendo. Pais, eles mesmos, que não conseguiram se separar dos adolescentes. No
sentido de ficar super-protegendo ou de ter uma relação muito ambivalente. A relação
ambivalente neste sentido impede que a pessoa se independa. Também esses pais que
têm filhos com um agravo maior, é uma situação muito difícil para eles vivenciarem. Eu
acho que muitas vezes os pais vão tender a ver os técnicos como pessoas que estão
podando e em alguns momentos “tirando os filhos” deles. Então já é uma relação que é
mais difícil. Eu, às vezes, fico pensando assim: “Como é difícil a gente estar lidando o
tempo todo com essa questão, a gente estar percebendo estes pais vivendo dessa forma a
relação com os técnicos, que ajudam mas ao mesmo tempo são pessoas que separam os
pais dos filhos adolescentes.” Não só separam como também são pessoas que mostram
que seus filhos têm problemas, um fato que eles às vezes tentam negar. Mas, ao mesmo

184
tempo, eu fico me perguntando se é mesmo tão difícil lidar com estes adolescentes com
problemas tão sérios e seus familiares ou se às vezes os técnicos minimizam a
importância desses familiares ou então aumentam a patologia desses familiares? Porque
eu penso que a gente deve dar colo para estes pacientes sim e às vezes é difícil para o
profissional perceber isso. Uma coisa é entrar como feiticeiro que está separando ...
separá-los de um jeito acolhedor para que esses pais não possam se sentir culpados ...

12. Que resultados você espera do tratamento oferecido?


Fazer com que o adolescente possa lidar com as suas dificuldades emocionais
sérias, para uns. E para outros é mais uma situação difícil de um determinado momento.
Fazer com que os adolescentes possam lidar com uma série de situações, poder se tornar
um cidadão, da melhor forma possível um cidadão do mundo. No sentido de poder ser
mais independente e poder atuar na sociedade. E permitir que possam ter uma relação
melhor com seus familiares e que também estes familiares possam ter uma melhor
relação com seus adolescentes.

13. Sob que condição se daria o término do tratamento?


Sabemos que alguns adolescentes passarão de um serviço voltado para
adolescentes para um serviço voltado a idade adulta, mas não terão necessariamente
alta. Estarão precisando de um cuidado intensivo por algum tempo e talvez para o resto
de suas vidas. Isso abre a questão: o que acontece que estes adolescentes vão poder
passar por serviços voltados para esta faixa etária por um certo tempo, mas irão para
outros serviços? Alguns poderão estar vinculados a um serviço de atenção diária, mas
talvez não precisem freqüentar o serviço tantas vezes quanto no início. Se eles estão
sendo ajudados para serem um cidadão do mundo, eles podem continuar freqüentando
um serviço de atenção psicossocial como se fosse ... uma expressão que o Edmar fala,
um quintal. O quintal, que eles vão para participar de festas e de outras atividade, mas
eles estarão mais inseridos na comunidade. Têm outros adolescentes que vão realmente
poder ter alta, ainda dentro da faixa etária de adolescente. Adolescentes que
participaram num momento de crise dum centro de atenção ... eles vão estar em parte ...
porque estes agravos são menores e ocorreram durante a adolescência. Eles vão retornar
ao desenvolvimento de uma forma mais suave e muitos vão continuar em psicoterapia,
ou fazendo uso de medicação, mas não precisarão participar de um centro de atenção
psicossocial. Estarão mais inseridos na comunidade. Ao mesmo tempo isso faz a gente
pensar como é importante o jovem ter alta, mas que ele possa voltar para encontrar e

185
interagir com os outros adolescentes, percebendo que o momento de grande sofrimento
que ele viveu não foi colocado debaixo do tapete e que faz parte de sua história .....
Às vezes nós vemos, num ambulatório tradicional, as categorias profissionais
ficarem muito separadas sem interagir suas respectivas especificidades sem haver um
encontro maior. Por outro lado, às vezes, em algumas situações nos centros de atenção
psicossocial evitasse falar sobre as especificidades das categorias profissionais, indo-se
a outro extremo. De um lado o modelo tradicional do outro se esquece destas
especificidades. Acho importante estarmos discutindo este aspecto o tempo todo dentro
da equipe ...

186
ANEXO II
GRUPO FOCAL

No Participantes: 10 ( 6 mães; 3 pais; 1 rede social)


Identificação:
Coordenador - Coord.
Técnico do Programa - Técn.
Mães - M1; M2; M3; M4; M5 e M6
Pais - P1; P2 e P3
Rede Social - R1
Local: CARIM
Data: 12.11.02

Coord. - Alguém quer fazer alguma pergunta antes de começar?


M4 - Eu quero fazer uma pergunta. Eu quero falar, eu quero saber se o
Vagner tem direito a algum auxílio?
Técn. - Isso a gente conversa amanhã. Eu direi para vocês todos os
direitos.
M4 - Está bem, mas amanhã eu vou apanhar a cesta básica e ele vem
sozinho. Eu virei só segunda feira. Já estou avisando para todo mundo ficar ciente.
Amanhã vocês não vão me ver.
Coord. - Eu estou aqui para ouvir. Eu não vou tirar dúvida das pessoas,
nós estamos aqui para ouvir a opinião de vocês. Para vocês o CAPSIJ e o Programa
Clube Ponto de Encontro são a mesma coisa, não é isso?
M5 - É.
Coord. - Ou vai ter alguma diferença?
M4 - Para mim não tem diferença.
M6 - Falar CAPSIJ ou falar ponto de encontro não tem...
M3 - A gente não é familiarizado com o Clube Ponto de Encontro...
Coord. - Então é melhor que eu fale todo tempo CAPSIJ, certo? Então
para começar, quais foram os motivos que levaram vocês a procurar o CAPSIJ?
R1 - Bem, eu conhecia o Dr. Edmilson da época que ele estava fazendo,
não sei se mestrado ou doutorado. Eu trabalhava na biblioteca e eu vi que ele trabalhava

187
com adolescente. Minha prima estava com filho com problemas, adolescente, e eu disse
para ela procurar o serviço porque, a princípio, eu achava que era gratuito. Ele me deu
todas as coordenadas. Na ocasião a idéia estava sendo formada, eu não me lembro
exatamente em que data foi, mas durante algum tempo ela ficou aguardando aqui a
formação do grupo, para começar as atividades.
Coord. - Alguém mais?
M5 - Olha, eu vim batendo cabeça de hospital em hospital, de clínica
em clínica, desde que o Fabio era pequeno . Eu nunca achei um atendimento adequado,
era sempre muito confuso, ou você só tinha o psicólogo ou só tinha o neurologista.
Quando tinha era uma vez por mês ou então ... Teve uma época que ele foi a um
psiquiatra e a única coisa que fazia por ele era dar neoleptil. Toda vez que ele ia ao
psiquiatra, o psiquiatra metia neoleptil nele e o menino dormia o dia inteiro. E a
situação foi ficando difícil. Quando ele estava com 16 anos, minha filha veio fazer
estágio aqui no hospital como enfermeira e descobriu que aqui havia um tratamento
para criança e adolescente, então eu vim, foi em 98. Estava começando o CAPSIJ nessa
época, ele começou o tratamento ainda no setor infantil, lá do outro lado. Fábio ficou
sendo atendido pelo Dr. Alberto até ele viajar e foi então que a partir daí a Maria
Antônia começou a medicar o Fábio e achou por bem traze-lo para o CAPSIJ. Foi em
janeiro, seis meses após o CAPSIJ ter sido inaugurado, e de lá para cá ele está no
programa, valeu.
P1 - Quando o meu filho esteve problemas por se meter com negócio
de drogas, não estava conseguindo dormir direito. Estava muito nervoso, querendo
brigar, bater nas pessoas. Estava meio descontrolado, então nós tentamos achar uma
solução para resolver o problema e a solução por ele morar aqui em Botafogo, aqui
perto, pertinho da Urca e também por indicação de algumas pessoas do Pinel que
conheciam o funcionamento encaminharam ele para se consultar aqui. Inicialmente eu
levei ele para Pinel e fui encaminhado aqui pro CAPSIJ que segundo eles, seria um
local melhor para o tratamento também por ele ser de menor de idade. E foi isso que foi
feito.
M1 - Nós também viemos porque a minha filha saiu bem do colégio,
mas de repente chegou em casa falando mil e uma coisas. Foi tão de repente que deixou
a gente completamente desnorteada. Tanto fizemos ... procuramos uma clínica particular
para atender rápido, já que nós nunca tínhamos visto isto acontecer ... foi muito
remédio, remédios caríssimos, teve um remédio inclusive que custava 300 reais. Na
verdade teve uma época que fomos parar no posto de saúde no Alto da Boa Vista, pois

188
não tínhamos condições de pagar remédios tão caros. Chegamos por lá e a médica nos
encaminhou pra cá. Chegar aqui foi uma benção, eu me arrepio até hoje. Inclusive hoje
minha filha está tendo alta da doutora. Minha filha não brincava, coisa que eles estavam
querendo que acontecesse. Minha filha era só remédio, remédio, remédio, uma coisa
que não tinha nada a ver. E aqui não, aqui foi complemente diferente. Minha filha vinha
segundas, quartas e sextas–feiras, depois foi diminuindo. Uma coisa que eu achei
interessante é que aqui não é o remédio que fala mais alto, a criança se sente ... a gente
vê que o filho da gente não está perdido. Então quando eu encontrei isso daqui e eu me
apoiei, foi uma benção, eu não queria mais sair daqui. Eu estava achando que eu estava
até enjoando, mas foi aonde eu me apoiei, senti uma confiança enorme. Meu marido
ainda duvidou: “Será que lá...olha o que você está armando”. Ele achou que porque não
tinha remédio ... nem tudo a solução é remédio, e foi ... eu queria que todo mundo
descobrisse isso aqui ... nós encontramos, mas tem muita gente que não sabe ... então
graças a Deus ... nós fomos assim.
P1 - Eu endosso as palavras dela.
M6 - Eu conheci aqui foi através dá ... a Débora teve um problema e
ela se trata desde os 8 anos de idade. Ela começou a se tratar no Fernandes Figueira e a
Dra. falou que era um pequeno desequilíbrio. Ela fez vários exames. Fez da cabeça e só
vivia tomando remédio. Quando ela focou maior, lá não atendia mais, então eles
encaminharam para o Pinel. Quando ela chegou ali, eu fiquei desnorteada sem saber
como eu ia fazer e o que eu ia fazer, aonde que eu iria arrumar um médico. Então me
encaminharam para o serviço infantil e lá mandaram que eu falasse do problema. Eu
encontrei nesta época o Dr. Edmilson, ele estava nessa hora quando eu cheguei com o
encaminhamento do Pinel. Graças a Deus o Dr. Edmilson foi muito atencioso como
sempre, um médico maravilhoso. Eu tenho muito a agradecer aqui dentro, muito
mesmo, porque a Débota teve uma melhora. Nossa! Já está boa. A Débora é sapeca,
quando faz as coisas em casa, ela é uma pessoas boa, só tem que saber levar ela não é?
Ela é uma pessoa boa. Agora ela foi encaminhada pro Hospital Dia de adultos e fica lá
também. As pessoas lá onde eu moro, falaram essa semana: “Nossa, estou notando que
a Débora está melhorando mesmo, está quase boa. Entende? Então, com o trabalho
maravilhoso daqui, eu tenho que agradecer a todos. No grupo de pais, às vezes eu posso
vir às vezes não, mas é muito bom porque a gente conhece as mães também, conhece as
outras famílias, conhece todo mundo. É uma coisa maravilhosa, as pessoas que
trabalham aqui dentro têm a maior atenção com eles, que dizer, fazem tudo para o bem
deles e eu estou muito satisfeita, graças a Deus.

189
M4 - Olha, eu vim indicada por uma amiga, mãe de um amigo do meu
filho da escola. Montamos um grupo para procurar uma escola especial e dentro das
várias alternativas que a gente estava procurando, ela me informou que existia isso aqui.
Eu já conhecia o CAPSIJ e a Universidade por indicação da escola que meu filho
estudava. Por conta do problema de disponibilidade de tempo, nós íamos a um médico
particular, aonde a gente pudesse agendar de acordo com o nosso tempo. Mas desde o
ano passado eu decidi vir para cá e aí eu fiquei ... me motivei pela proposta acadêmica,
então eu vim, estou satisfeita. Meu filho também está bem aqui, evoluiu bastante, e eu
também estou gostando, principalmente pela ajuda de terapia familiar que nós tivemos.
Tivemos por um tempo terapia familiar com a Norma, uma pessoa super competente, eu
já falei isso para ela. Nós já passamos por muitas pessoas em terapia familiar, mas ela
realmente é uma pessoa muito competente, verdadeira. Assim, eu dou os parabéns para
todo mundo do CAPSIJ.
M2 - Eu cheguei até aqui através de um amigo, marido de uma colega
minha, que trabalhava aqui. Então eu trouxe minha filha, como a Inara disse aí, procurei
muitos lugares e em muitos não conseguia vaga para ela apanhar nem o remédio. Levei
ela ao Pedro II em Engenho de Dentro. Ela tomou remédio, mas quando cheguei aqui
falaram que não tinha nada haver. Ela começou a ficar dopada e cada vez o quadro dela
ia piorando, piorando, então um dia, essa colega minha foi na casa da minha vizinha,
que falou para ela o que estava acontecendo comigo. O marido dela trabalhava aqui e ia
ver o que podia fazer por mim. Foi então que eu vim aqui e graças a Deus me dei bem,
só que no momento ela não está ... mas houve uma melhora muito grande, ela não
aceita. Às vezes ela fala que não está vendo melhora, que não adianta nada, que não está
vendo resultado, mas eu estou vendo. Ela acha que não está havendo, mas está. Estou
aqui, encontrei pessoas maravilhosas, Dr. Cláudio foi uma das pessoas que a
encaminhou para o CAPSIJ. Ela fala que não está, mas eu estou vendo resultados sim.
Foi assim que eu cheguei, através de um conhecimento ... trabalha aqui da portaria, é o
Anderson, foi através dele.
P3 - Eu cheguei até aqui, por intermédio de um Juiz. Ele disse para
visitar o local, porque vale a pena visitar o local, e de lá ele ligou para Dr. Edmilson,
que por sinal é um excelente médico. Ele dá uma atenção muito boa. Eu também vim
até aqui porque estava sobre pressão e procurando melhor qualidade de atendimento ... o
meu filho estava muito, mas muito bem com a Dr. Paula e de repente ela teve que
mudar de serviço e meu filho caiu na mão de outra médica, que eu não vejo o mesmo
atendimento que estava ocorrendo com a Dr. Paula. Eu vejo que houve uma queda na

190
qualidade, então como fazer para retornar a essa qualidade do que colocando este
problema aqui, neste momento. Eu acho isso muito importante.
Coord. - Algumas pessoas já começaram a falar um pouco ... a primeira
pergunta foi o motivo que trouxe vocês aqui e algumas pessoas já colocaram o que
significa o para eles o CAPSIJ, M1 já falou um pouco. Eu queria que vocês falassem
sobre o que significa o serviço e as atividades aqui desenvolvidas.
M4 - Melhora para cada um desses jovens que se tratam aqui. Melhora,
para o Vagner, ele está melhor. Ele disse que amanhã virá sozinho para o CAPSIJ e eu
vou aproveitar para buscar a cesta básica. Ele me disse: “Mãe eu vou sozinho, eu vou
mostrar a senhora que eu vou sozinho, me bota o passe na mochila para eu não perder.”
Ele vem direitinho, pois já sabe qual ônibus pegar. Eu deixei ele vir, porque eu sei que
ele vai tirar nota dez.
M1 - O meu caso foi engraçado porque melhorou a vida da minha filha
e a minha vida conjugal também. Eu e meu marido ... a gente também não estava se
entendendo, em paralelo com esses problemas da minha filha. A Norma fez o
acompanhamento com a gente e valeu muito. O tratamento influiu na gente. Nós
começamos a namorar, estamos namorando, já casados e estamos namorando. Quer
dizer, o CAPSIJ mexeu na estrutura da minha casa todinha, eu posso diz isso e assinar
em baixo. Eu e meu marido estamos nos entendendo, depois de vir, de participamos das
reuniões. Depois tínhamos a reunião só eu ele, individual com a Norma. Eu nem sabia
que existia isso, que a gente podia ter assim esse apoio, então isso também foi ótimo
para minha filha.
P2 - Na realidade é a complementação do tratamento. A vida familiar
estando tranqüila ... obviamente que uma pessoa que também está com problema,
certamente este fato vai trazer coisas boas para ele também. E tudo é um contexto, não
tem como uma coisa ir bem sem tudo estar tranqüilo em volta, e para gente nesse
aspecto...
M1 - A gente aprendeu a conversar, coisa que nós não fazíamos e isso
foi ótimo para minha filha e para o meu filho também. Enfim, o CAPSIJ foi uma benção
em tudo, mexeu com tudo, mexeu com a gente, foi ótimo.
P3 - E eu também tenho que complementar, eu tenho que agradecer.
Eu estou agradecendo ao Juiz. Eu gostaria de um dia de chegar perto dele e agradecer,
não sei como, por carta ou pessoalmente. A Norma e a Fátima, que apesar de ter havido
alguns desentendimentos com elas e a Rosa nos atendimentos e que faz parte da
situação de atendimento ... porque existem coisas que elas falam e eu não sei ficar

191
calado. Eu a retruco e como resposta ou ela me coloca no lugar certo ou eu vou
continuar naquele caminho ... só sei que isso para mim foi uma grande melhoria. Tem
sido, até para o relacionamento entre mim e a minha ex-mulher. Deus faz tudo certo,
porque até quando meu filho estava aparentemente bom, o problema surgiu depois dos
13 ou 14 anos, o negócio de tóxico, e por isso depois foi parar nessa tal clínica. Hoje o
relacionamento entre mim e Rosa, minha ex-mulher, tem sido assim, não vou dizer
excelente, mas bem melhor do que era antes. A Paula sabe, a Norma sabe... nós
éramos...não podíamos nem olhar um para cara do outro quando chegávamos para o
atendimento. Hoje não, hoje a gente já conversa, vou na casa dela, batemos papo. Foi
uma doença, uma doença que está aí no meu filho, que eu espero um dia ele saia dessa,
e eu tenho fé em Deus que ele vai sair, e esta doença que está causando isso aí, essa
harmonia na família. Então eu agradeço, agradeço muito mesmo a Norma, a Paula, a
Fátima e ao Juiz por meu filho estar hoje no estado que ele está, apesar de hoje não estar
evoluindo muito, mas é bastante com relação ao que ele estava há um tempo atrás.
M3 - CAPSIJ, toda a estrutura do CAPSIJ, é uma estrutura no meu
entender boa, talvez a parte mais forte de todo o hospital, talvez seja realmente o
CAPSIJ. Não só porque ele dá assistência psicológica para os familiares, como a
assistência psicológica que dá para os próprios garotos. Com o tempo os pais que não
entendem exatamente como é um convívio melhor, passam a entender melhor como
conviver com os problemas dos filhos, e principalmente o problema dos filhos que estão
com mais problemas do que outros. Mas eu ainda acho que eu devo passar o que
poderia ser melhorado aqui dentro e eu acho que deveria ser melhorado o seguinte: O
CAPSIJ deveria pegar individualmente cada problema dos pais com os filhos, dos filhos
com os pais, e tentar bater em cima desses problemas, especificamente desses
problemas de relacionamento do filho com o pai, porque nem sempre o mesmo
problema ocorre com cada família, são problemas diferentes. Então tinha que estudar
cada caso individualmente e resolver individualmente cada caso, e não fazer um
negócio muito genérico como está sendo feito atualmente. Também ajuda, mas seria
muito melhor resolver especificamente cada caso. Quais são as divergências que estão
havendo entre garoto e os pais, dos pais com os garotos, e especificamente aquilo que
está acontecendo, seria um atendimento mais forte e uma resolução muito melhor se
fosse feito dessa forma, do que de uma forma genérica.
M5 - Nós podemos falar que o CAPSIJ para os pais ... é feito dentro
do CAPSIJ um atendimento para os pais individualmente e é feito entre família, isso

192
acontece comigo. Então é feito sim, um atendimento em cima daquele problema que
existe em cada família. Então com a colega, não sei ... o atendimento foi ...
P1 - Me ajudou muito, foi justamente por isso que eu concluí que
deveria ser feito mais. Uma coisa muito maior, uma integração muito maior do meu
filho conosco, a relação dele comigo, com a irmã, com a mãe dele, que é a mais
problemática de todas, para que haja uma melhora geral, uma melhoria geral. Mas não
houve, talvez até por conta da estrutura da coisa, minha esposa não tem tempo, ex-
esposa, não tem tempo de vir aqui, e o garoto a princípio não queria vir mas agora
começou a vir espontaneamente. Eu sempre vim aos atendimentos e aprendi muito
como eu tenho que conviver com ela, com ele, todo mundo lá, e agradeço muito o
CAPSIJ por isso. Eu tive oportunidade de ler livros de psicologia e me aperfeiçoar.
Peguei na Internet material sobre os remédios todos e para que eles servem, entendi um
pouco mais como é que funcionava. Agora também tenho que lembrar que a parte fraca
é a parte dos remédios, os médicos no tratamento do meu filho, inicialmente não
acertavam, os médicos passaram um tal de Haldol, uns remédios aí que não estavam
resolvendo. Ele tinha uma paralisação cerebral, ficava meio apatetado, dormia e depois
voltava tudo de novo, ficava nervoso de novo. Então não estava resolvendo, até que os
médicos começaram a experimentar outros remédios e aí sim, chegaram a esse remédio
atual, que é o remédio que ele deveria ter tomado desde o início. Ele já estaria melhor
há muito tempo, mas foi com a mudança que ele melhorou.
Coord. - Só um momento antes de continuar. Eu sei que quando a gente
abre a pergunta, todos ficam com vontade de falar diversas situações e que se vai falar
daquilo que está causando ao maior angustia e preocupação naquele momento. O
medicamento e o atendimento dos pais poderá ser discutido mais detalhadamente um
pouco mais adiante. Pediria que vocês nesse momento falassem um pouco mais sobre o
que significa e o que é o CAPSIJ para vocês. Eu sei que estou pedindo algo um pouco
difícil, mas ... mas retomaremos ao tema medicamento ...
M5 - Quando eu vim pra cá a primeira idéia que eu tive do CAPSIJ
foi que seria uma creche para o meu filho, onde ele ficaria três dias da semana e eu
descansaria. Talvez eu não tivesse nenhuma esperança que ele melhorasse, mas era um
lugar de alívio e realmente eu não entendi o funcionamento do CAPSIJ. Um pouco é
remédio, reunião, e eu sou muito cabeça dura, foi complicado, mas com o tempo ...
quer dizer, eu nunca tinha ouvido falar em reunião de pais, foi uma novidade para mim.
Estamos a uns 6 ou 7 anos na luta e eu nunca tinha visto um grupo de pais. Então eu
aprendi junto com o Fábio. O Fábio foi melhorando, foi aprendendo, e eu fui

193
aprendendo também junto. Então o CAPSIJ hoje em dia é para mim uma referencia,
falar CAPSIJ para mim é o meu corpo, é o meu lugar seguro. Quando o Felipe tem um
problema, não, é no CAPSIJ, vou para o CAPSIJ. Vou falar com um, vou falar com a
Fátima, vou falar com Cicrano. Então o CAPSIJ se tornou pra mim um fator, um ponto
muito importante, é minha referencia em relação ao Fábio, é minha referencia hoje.
M6 - Eu também, quando eu tenho assim qualquer problema, quando eu
estou angustiada, quero chorar, quero desabafar, eu procuro logo a reunião. Eu tenho
vontade de estar mais e mais vezes, mas eu trabalho muito, aí nunca tenho tempo. Aí se
eu tenho tempo, assim 5 minutos, 10 minutos, então aqueles 10 minutos que eu estou ali
são uma beleza. Eu saio até mais aliviada, saio com a mente mais tranqüila, quer dizer
eu acho muito bom aqui no CAPS, e também a Débora. Ela gosta muito aqui do CAPS,
ela não quer nem sair daqui, ela fica e fala: “Aí mãe, está chegando o dia do CAPS”.
Teve um dia que choveu muito, acho que foi na semana passada, a Débora fez um
desespero dentro de casa às 5 horas da manhã para poder vir por CAPS. Foi uma
Quarta-feira, chovendo muito e ela: “Ah! Eu quero ir, eu quero ir pro CAPS, eu estou
com saudade, eu fui para lá só dois dias”. Ela adora o CAPS, então o Edmilson falou
que ela já está com 20 anos e está na época de ela ficar mais para o CAPS de adultos,
mas para não tirar-la de uma só vez, ele deixou ela freqüentar três dias no CAPSIJ e
dois dias no CAPS de adultos para ela se acostumar. Mas verdadeiramente esse
CAPSIJ foi uma idéia maravilhosa, tanto para os adolescentes, como para gente, para os
pais. Quer dizer, eu também tenho oportunidade de trabalhar tranqüila por conta dela
ficar no tratamento. Arrumaram até carteirinha do ônibus para ela vir, facilitaram
também a carteirinha para a gente não deixar de trazer, entendeu? Então é muito bom
mesmo, se meu marido fosse cabeça boa, mas meu marido é cabeça dura, para entender
as pessoas. Eu acho que eu já estaria até bem com ele e ele estaria bem com a Débora e
eu também estaria participado um pouco mais da reunião, porque a Norma foi muito
boa, as meninas todas são maravilhosas. Só um pouco duronas, às vezes tem que falar
... eu sou muito sensível, eu fico até magoada, mas depois eu vou raciocinando ...
M5 - Depois cai em si...
M6 - Aí eu volto não é ? Mas tudo tem que ser com dureza, se não for
assim a gente nunca leva a sério.
Coord. - Mais alguém quer falar?
M3 - Bom, quando eu estava procurando uma proposta, eu comecei a
participar ... quando ele veio para cá já estava com 14 anos. Aí já tinha participado de
colônias, ficava na escola o dia inteiro, e eu queria um lugar, que existisse um lugar, que

194
tivesse uma proposta de tratamento e principalmente para ele que tem um problema de
socialização. Ele tem um diagnóstico de autista, então a medida que ele vai ficando mais
velho, mais ele vai se adentrando, então isso também me motivou muito de deixar ele
aqui. Quando eu pensei em trazê-lo pra cá e foi esse um dos grandes motivos, ao mesmo
tempo que estava ligado ao tratamento médico ... porque geralmente você faz
tratamento médico, vai para um lado. Faz a terapia com outro, vai na fono com outro, aí
você fica pingando em várias coisas. Você não tem um lugar que você possa ter um
espaço, uma oficina, sei lá, que a criança possa ter, que o adolescente possa ter
atividades, e principalmente na idade ... vi muitos espaços por aí em que isso não existe,
mesmo pagando não existe, para idade infantil. Quando chega na adolescência não
existe para adolescentes, este foi um dos motivos mais fortes que me trouxe aqui, além
do tratamento médico a possibilidade de ele ter ... de socializar com outros adolescentes
que não tivesse envolvido com escola, com outras questões que não fosse a escola. A
outra tem em relação com que ele falou também, o médico. Ele começou aqui também
com a Dra. Paula e achei o atendimento excelente, u fui muito bem atendida por ela.
Depois quando ela saiu, o atendimento caiu, realmente caiu muito e hoje o atendimento
médico não é realmente o esperado, depois da partida da Dra. Paula.
R1 - Eu tenho uma ... eu não vivo com o Fernando, meu convívio com
ele é irregular, diariamente é com a mãe. Convivo porque nós somos muito amigas,
muito chegadas, no fim de semana eu sou a outra pessoa da família, da família dela que
é pequena e juntamos com a minha família, eu tenho diversos irmãos, que convidamos
ela e o Fernando para passar um fim de semana. Há um grande problema, a partir da
rejeição do próprio pai. É muito saudável ver como o casal pode estar junto numa
situação dessas e outra coisa também é ver a diferença dos problemas. O Fernando, eu
vejo, como um problema que está muito mais para orgânico do que comportamental,
nesses anos todos que eu venho convivendo com ele, eu vejo que ele melhorou em
algumas coisas, mas quando ele é atendido ... hoje se contrariar ele, ele pode te agredir,
como já me agrediu, me tirou sangue do rosto. Hoje eu tenho medo dele, hoje eu já não
fico com ele, já está com quase 1,70 m, quase 80 quilos. É impossível tirar ele da cama
quando ele diz que não quer ir para o colégio, ou ele não quer vir pra cá. Então o que eu
vejo no CAPSIJ, a minha idéia inicial foi de fazer com que a minha prima entendesse
que o filho tinha um problema e precisava ser tratado. As pessoas que convivem com
ela sabem que no curso desse tempo todo de tratamento do Felipe e dela, que houve
uma ... ela caiu numa realidade, meu filho tem um problema, psiquiátrico, neurológico.
Até hoje a família não sabe exatamente a classificação, o diagnóstico que ele tem, e isso

195
no CAPSIJ eu vi resultado, ela hoje não fantasia os problemas que ele tem, ela
reconhece e sabe as limitações que ele tem. Por outro lado ela tinha uma expectativa, ela
imaginava assim que fosse ter ... ela está querendo que o rapaz, porque ele não é mais
criança, já tem 18 anos, que esse rapaz possa aprender alguma coisa, pois até a 4a série
primária ele fez, mas não adianta, você veio até aqui ... ele não vai aprender, ele tem
dificuldade mesmo de um aprendizado além ... então ele sabe ler e escrever muito bem,
mas que ele tivesse um aprendizado além do mínimo necessário. E isso ela tem uma
expectativa que eu não vejo aqui. Eu acho que o aspecto maior aqui no CAPSIJ, eu acho
que é a aspecto social, de interação. Então isso ficou, eu acho, na cabeça da minha
amiga também, esse vazio, a expectativa não atendida, de que o tratamento fosse
colocar ele, sei lá, nos computadores, com gente capacitada para ... porque não adianta
pegar o Fernando e levar para um curso de computação normal, é preciso ter alguém
preparado para isso, e em qualquer outra atividade que pudesse encontrar nele uma
aptidão. Então, enfim, CAPSIJ pra mim ... eu ainda tenho uma expectativa de que ele
pudesse, mas ele agora também está com dezoito, já está passando para outro grupo, não
sei, eu não sei se ela vai continuar assim, com quem, para onde, eu fico preocupada
porque não tenho conhecimento de onde mais ela possa procurar um atendimento nesse
aspecto fora o atendimento da saúde.
Coord. - Até agora nós ouvimos mais vocês que ... a expectativa que vocês
tem ... mas na opinião de vocês o que o CAPSIJ hoje pretende alcançar com o serviço
que ele oferece, o que ele está querendo?
M4 - Olha, pelo que eu entendi o CAPSIJ trabalha o adolescente junto
com a família e eles fazem questão de frisar isso, de mostrar isso, que eles não
trabalham o adolescente sozinho. Aliás ninguém existe só, todo mundo tem uma
família, nem que seja depois abandonado, sei lá, alguma coisa, que durante o percurso
tenha um acidente qualquer, mas tem uma família e que a família reconheça essa
deficiência, essa carência, esse problema, seja lá o que for, como a pessoa quiser dar
esse nome. Eu sei porque quando eu tenho as sessões com a Norma a gente fica sempre
discutindo que nome a gente vai dar, se é normal ou anormal, se é carente ou não é
carente, enfim, até hoje eu ainda não cheguei a um termo, que você conheça e conviva
com essa realidade, é como você ter por exemplo, é você ter um câncer que você vai
conviver. Se o médico diz que você vai viver três meses, o que você vai fazer, vai se
desesperar e se jogar pela janela, você vai ... o que você vai fazer? Então isso o médico
vai fazer, ele vai te trabalhar para você ser mais ou menos emocionalmente estável
durante esses três meses, ou um ano, dois anos, sei lá. É isso que eu vejo que o CAPSIJ

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quer, que você tenha uma estabilidade emocional, afetiva principalmente, porque você
não vai deixar de amar seu filho porque ele é diferente, porque ele tem uma
anormalidade, então que você reconheça seu filho e que você trabalhe para poder
superar esse problema. Porque realmente também, no outro verso, ninguém ... eu sou
mãe e tenho um filho que nasceu autista e aí? Eu não tirei mestrado nem pós-graduação
para trabalhar com autista, de repente pode ... não houve o caso da senhora que era
psiquiatra e a filha matou, entendeu? E ela era psiquiatra, então era uma pessoa que
cuidava da cabeça, e foi vitima da própria filha ... então o que acontece é que não pedi,
então eu também preciso de ajuda, então eu tenho que reconhecer esse lado vulnerável
que eu tenho, esse lado fraco, esse lado de ignorância em relação ao problema ... então
eu acho que foi isso que o CAPSIJ quis passar para mim, foi isso que eu tirei das
entrevistas que eu tive com Norma e com Flavia.
M1 - Olha, eu entendo que o CAPSIJ é inovador. A proposta é uma proposta
inovadora, que eu não vejo em outro lugar, tratamento com adolescente, junto com a
família ... como uma proposta de referência e que se Deus quiser vai ser uma porta que
vai abrir para que mais pessoas, que mais CAPSIJ ou mais qualquer outros nomes que
trabalhem com adolescentes, aconteça ... porque realmente como foi falado no começo,
não existe, eu sei, lugar para adolescente. O adolescente é jogado de um lado pro outro,
esculachado, é safado, é sem vergonha, é drogado, é isso, é aquilo, e eu só conheço aqui
para adolescente. Eu vejo como referência, eu vejo como uma inovação...
Coord. - O que o programa quer com esse adolescente que está aqui?
M5 - Então é um tratamento inovador que vai abrir para esses adolescentes
uma porta para o mundo, de volta pro mundo, porque esses meninos estavam fora do
mundo. Uma das propostas é de reinserção social, que eu acho muito importante, ele
seja reinserido na família, na sociedade e também de apontar a família como uma parte
importante no tratamento da doença.
P3 - Eu não vou nem me alongar no assunto, porque na primeira pergunta
já desviei um pouco, na realidade para fazer uma análise ... mas especificamente a
equipe toda trabalha muito bem em todos os sentidos.
P1 - O CAPSIJ nos ajuda bastante a compreender a doença. Ele nos ajuda
bastante a conviver da melhor maneira com o doente e principalmente ele ajuda o
doente a entender a doença dele e a se recuperar mais rápido. Agora sem esse suporte,
essa ajuda psicológica acho que ele não conseguiria melhorar, acho que isso é
fundamental essa ajuda do CAPSIJ para nós é fundamental. Agora tem gente que
realmente não consegue entender a importância das reuniões, a importância dessas

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reuniões separadas, para debater assuntos pessoais e que precisa ser melhorado, que
precisa ser mais aperfeiçoado ainda, ou seja, vamos supor que o menino tenha algum
problema assim de ser respondão, agressivo, ou de querer sair para rua, então tem que
pegar esse problema e anotar com todas as tendências do menino e trabalhar cada uma
dessas tendências do que ele está fazendo de errado separado. Acho que é isso que tem
que ser feito, aperfeiçoar. E eu fiquei surpreso também de ver estagiários vindo lá da
Europa para cá, para aprender no CAPSIJ, ou pelo menos entender como funciona aqui
para levar pra lá. Como é mesmo? Acho que é Suécia, o pessoal da Suécia vem para cá,
pois era para gente ir para lá aprender com eles, e eles estão vindo aqui aprender
conosco, então isso é bom, prova que o CAPSIJ está tendo um avanço em relação aos
outros países.
M 6 - E aqui no CAPS não é só tão bom para família como para o
adolescente. Eles se preocupam muito, todos eles que trabalham aqui, estagiários,
psicólogos, todos eles se preocupam muito com a saúde do adolescente. O adolescente
está passando mal, eles chamam outro médico para cuidar. Se é um dente, vai e leva
também ao dentista. É uma coisa inteira, muito diferente, é importante mesmo o
CAPSIJ, é nota 10 e não pode acabar nunca.
Coord. - Em relação a isso alguém quer falar mais alguma coisa? Então
eu já passo para outro ponto que algumas pessoas já começaram a falar ... ao falar de
tratamento, eu não estou falando de tratamento só com medicamento, inclusive isso,
mas dentro do tratamento vou estar falando de alguns ponto que já está sendo falado
aqui. E eu gostaria de saber o que vocês pensam sobre eles, como por exemplo as
oficina terapêutica. Vocês poderiam me dar algum exemplo a respeito das oficinas e de
outras atividades terapêuticas?
M5 - Cozinha.
M2 - Reciclagem.
Coord. - O que mais?
R1 - Oficina de leitura.
M1 - Sexualidade.
Coord. - Então quando nós estivermos falando de oficinas terapêuticas, nós
estamos falando dessas atividades. Outro ponto que eu queria que vocês abordassem do
tratamento é o que vocês pensam do tratamento com medicamento. (Fim do lado A da
1a fita).
R1 - ...porque de repente alguém poderia dizer alguma coisa ou
poderia desencadear alguma reação contrária e ele partir para alguma coisa não

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desejada, já que é no dia ... tinha que ser maravilhoso. E graças a Deus funcionou, ao
final do dia eles dormiram lá em casa e o restante da família depois foi embora, tiramos
retratos, foi tudo bem, jóia. No dia do aniversário da mãe dele, dia 18 de outubro, eu fiz
... vou comemorar no sábado, na minha casa, com mais um amigo e a aniversariante
também. E no dia mesmo do aniversário, foi numa sexta-feira e eu fui na casa deles, de
repente alguém ligou para festejar, dar os parabéns para ela e por acaso falou-se numa
outra pessoa que para ele é o estopim. De repente o rapaz, o menino começou a chutar
coisas e a gritar, a fazer tudo aquilo que a gente fica ... sabe? o remédio dele, então para
mim, na minha cabeça, ele precisava ter um remédio de emergência. O que se faz numa
hora dessas? Entende? Deixar ele quebrar as coisas que tem em casa, deixar ele se
agredir, deixar ele bater com a cabeça? É um negócio que sabe ... eu já vi ele tendo
crises, mas imagino que se ela acontece no momento em que há uma reunião com outras
pessoas, as pessoas, ou não querem ver isso, ou esperam não ver isso. Então o
tratamento medicamentoso que ele tem, o Dr. Edmilson vem dizendo: “Não, a gente só
pode dopar ele, ele agindo de tal forma ... eu não entendo que numa situação de
emergência ... quer dizer, o que é se faz? E eu quando pergunto a mãe, minha prima, ela
diz para mim R1 mas o ... remédio, entende, ou naquela hora não é possível dar ou o
remédio não é para isso. Enfim, então, eu vivo um pouco com eles, mas não vivo o dia a
dia, e eu sei porque ela liga pra mim sempre.
Coord. - Você está falando de uma coisa bem pontual da história do tratamento
medicamentoso...
R1 - Eu estou falando do medicamento.
Coord. - Certo, que significado tem dentro do tratamento, de um modo geral,
essas situações específicas que você comentou do Fernando, esse exemplo que você
comentou?
R1 - Eu acho que ele é uma criatura com problemas neurológicos e
psiquiátricos, que ele tem, que eu não sei exatamente qual é e que ele precisa de
medicamento sim e regular, para conviver com as pessoas, para ser um pouco aceito.
Porque quando ele está bem ele é agradável, eu gosto dele, ele é agradável. Agora,
quando ele enfurece, entendeu? Eu não quero ficar sozinha com ele.
Coord. - E as outras pessoas pensam e podem estar colocando tanto ...
M5 - Eu acho que é um pouco pessoal, não é?
Coord. - ... fazer uma reflexão. Ficar livr, para ... quiserem fazer uma
comparação com a situação do filho, com o exemplo que ela colocou ... pode estar
falando especificamente do seu caso.

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M3 - No caso do meu filho, ele ficou muito tempo sem medicamento
porque ... desde os três anos ... ele tinha três anos de idade quando eu detectei o
problema. E na época nós fomos ao médico e o menino era muito hiper-ativo, tinha
tremendos problemas de comportamento. O médico prescreveu uma vitamina e a
vitamina era tipo uma pilha. Era dar uma vitamina e piorava mais ainda. Então eu fui
contra, teve uma época até que eu me estressei e falei para o médico: “eu sou contra,
contra aquele medicamento.” E aí fui para outro psiquiatra e o psiquiatra toda a semana
dava um medicamento diferente, haldol e companhia limitada, neoleptil, não sei o que,
não sei o que. E um dia o menino estava dopado, um dia não estava e era aquela
confusão. “Ele não vai tomar mais nada.” Então ele ficou cinco anos sem tomar nada e
foi indo com a hiper-atividade e eu fui levando para a escola e para as terapias e tudo
mais. Chegou aqui a dr. Paula falou: “Não, ele é autista”. Ele já tinha passado a hiper-
atividade, e agora quem vê o garoto nunca vai dizer que ele teve aquele comportamento
quando ele tinha três, quatro, cinco anos. Ela disse: “Ele vai tomar o Isoperidol, ele é
autista”. Ele tem algumas coisas, por exemplo, há horas que ele pula, ele sai daquilo que
ele está fazendo e fica pulando, pulando, pulando. Ele tem uns esquecimentos que você
diz: “Vai ali ... pega a toalha, pega a toalha azul.” Ele vai e quando ele chega lá ele
esqueceu. “Pega o caderno.” Ele vai e esqueceu, ou “Lê uma frase”, ele esqueceu, Então
eu já passei tudo isso para ela, e ela disse não, ele vai tomar Risperdal, porque é um
remédio de ponta, taratatá, taratatá. O que acontece, dorme muito, tem incríveis
problemas para acordar. Mudou o horário da medicação. Depois saiu a dr. Paula e
mudou agora para dr. Maira. A mesma coisa, estou falando as coisas para ela e ela
continua com o mesmo remédio. O remédio continua com os mesmos efeitos. Para
aquilo que eu estou querendo que tenha efeito, ou seja, ativar a atenção dele, porque ele
tem um déficit de atenção muito grande, não faz, não faz, entendeu? Não funciona para
isso e não funciona também para a parte de, por exemplo, se é que funciona para a parte
de insociabilidade, não é? Quanto as oficinas terapêuticas, como ele é um garoto assim
... muito ... ele é alienado, bem zen, ele não é de falar muito, ele só fala muito aquilo que
ele quer, então ele fala pouco nas terapias que acontecem aqui. Tanto que o pessoal
falou muito aqui no grupo e eu fui incapaz de falar sobre alguma terapia, porque eu já
perguntei várias vezes para as pessoas daqui, elas nunca me falaram, didaticamente,
quais são as terapias que acontecem. Eu sei que tem capoeira, mas as outras terapias?
Didaticamente, quarta-feira tem isso, sexta tem isso, eu não sei, eu realmente não sei.
Sei que quarta feira tem capoeira, porque ele arruma o material e está profundamente
interessado em capoeira, gosta e tudo mais. Tem a de sexualidade, que eu já vim aqui e

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vi alguém conversando que tem. Mas informação do pessoal do CAPSIJ, nunca fui
informada do que realmente ... a psicoterapia, eu não sei se ele tem algum atendimento
individual, de alguém, se ele é atendido por alguma psicóloga. Grupo de pais, grupo de
pais eu venho de vez em quando, quando o tempo dá. Eu trabalho de nove da manhã às
sete da noite. Eu venho aqui, participo do Grupo de Pais, faço o possível, o meu marido
também vem. Atendimento de pais, tive por um bom tempo, acho que mais de seis
meses fui atendida pela Norma, muito bom atendimento. A Norma é uma excelente
profissional, eu inclusive já falei para ela, aliás estou repetindo aqui de novo, eu já
passei por muitas mãos de terapia familiar, porque esse é o segundo filho que eu tenho.
Então com esse filho deslanchou um problema familiar, entre eu e o meu marido. Foi
com o problema do filho, porque isso acontece em todas as trocas de figurinhas que se
faz com outras famílias que têm filhos com problema, sempre deslancha, sempre
aparecem os problemas familiares ... é o dinheiro ... e há problema quando a família
tem algum elemento que não está dentro da normalidade ou me desculpem o termo
anormalidade, se vai ofender alguém, mas eu não estou achando outra palavra. Se não
está dentro da normalidade o sistema quebra. Foi isso que aconteceu com a nossa
família. Então a Norma percebendo isso nos chamou e nós tivemos um bom tempo de
atendimento. Muito bom, excelente ... infelizmente, devido ao trabalho eu tive de
declinar do atendimento. Também tem algumas decisões que eu tenho que tomar dentro
da família, decisões que nós temos que tomar dentro da família para poder ir adiante
com o atendimento ... é isso que eu tenho a falar.
Coord. - Antes de continuar, seria bom se a gente tivesse tempo para cada
um falar sobre o que pensa. Eu queria que a gente tentasse fazer o exercício, eu sei que
é difícil de resumir o máximo o que cada um pensa sobre o tratamento. Agora eu sei
que são muitos itens e que levam muito tempo ...
P1 - O que essa senhora citou aí, que é um problema do meu filho:
hiper-atividade. Só que ele nunca foi tratado e piorou com as drogas, com as drogas ele
piorou e ficou descontrolado, não conseguia dormir e tudo mais. É o problema que a
senhora acabou de citar. Só que todos os remédios que foram experimentado, o Haldol e
todas essas porcarias aí, não funcionam direito, não funcionavam muito. O único
remédio é a combinação desses dois que estão sendo usados atualmente é que está
dando certo, ele está se recuperando rapidamente, de uma maneira espantosa, eu peço
que se você quiser anotar aí e passar lá para a dr. Maira experimentar com o seu garoto,
é o ... , é bom anotar aí, o .... e o Amplictil, ele está tomando esses dois, seria bom, ela é
a mesma médica do Carlos, talvez fosse até bom experimentar com o seu garoto, de

201
repente ele vai ter uma estabilidade igual à do Carlos e melhorar da noite para o dia,
como está acontecendo com ele.
M3 - É que cada caso é um caso.
P1 - É, cada caso é um caso, mas seria bom falar com ela. De repente
ela experimenta e dá certo, já que a doença é a mesma, hiper-atividade.
Coord. - Eu só peço que a gente dê continuidade, pois o está curto e eu sei
que vocês também têm compromisso depois. O compromisso de vocês pode atrasar.
M4 - Eu tenho que ir.
Coord. - Está tudo bem.
M6 - Eu posso ir também? Eu vou para longe.
Todos - (risos)
Coord. - Tudo bem então.
M5 - Eu posso falar um pouco? Essa questão do medicamento é perigosa.
Você ...
Todos - Tchau!
Coord. - Obrigado pela presença.
M5 - ... a gente tem uma certa tendência de achar que o medicamento
resolve tudo, que o remédio ... a ... o dopar, vai resolver o problema. Eu sou meio contra
o remédio, acho que só na hora necessária, não gosto de dar SOS, porque eu acho
perigoso, a gente acaba achando que o remédio vai curar ... que vai pelo menos
anestesiar o pobre do infeliz, quer dizer, a gente tira ele de uma droga e mete em outra
droga. É perigoso, a gente tem que ter muito cuidado com medicamento. Eu sou uma
pessoa meio agitada, eu não aceitaria que me dopassem porque eu sou agitada. Acho
que cada um tem o direito de ser como é, dentro de um limite do suportável, não é? A
gente tem que saber, ser orientada, para segurar essa onda. Tem que ter cuidado com
esse negócio de estar falando muito em ... Oficinas terapêuticas, eu acho que ... para os
meninos, o que eu observo de uma maneira geral é que elas funcionam
maravilhosamente bem. O meu filho aprendeu a comer com garfo e faca rapidamente,
coisa que até dezessete anos não tinha aprendido. Foi muito ... as oficinas são
importantes para ele. A psicoterapia, olha, faz milagre. Eu tenho visto fazer coisas aí do
arco da velha. Grupo de pais então, nem se fala. A gente se pega lá dentro, mas o grupo
de pais, tem até uma mãe que agora não está falando comigo (risos), fui brincar e
dancei. Mas eu sei que isso vai passar, são quase quatro anos, mas sabe, às vezes a gente
fala alguma coisa que a pessoa não está a fim de ouvir, aí ela se volta contra a gente,
mas eu sei que isso passa. Isso faz parte do grupo de pais também. É importante, não

202
perco um. Para eu perder,tenho que estar muito mal, porque foi o que segurou a minha
onda e fica segurando a minha onda, então eu acho que é de fundamental importante o
Grupo de Pais e mais ainda o atendimento de pais.
Coord. - Eu vi que existe assim um consenso em algumas situações do
tratamento, principalmente atendimento de pais, o Grupo de Pais, há um consenso.
Mas há uma certa dúvida um certo questionamento quanto ao tratamento
medicamentoso, que eu acho que é geral. Aí me vem uma pergunta que nem estava
aqui. Vocês se sentem ouvidos em relação ao tratamento, ou vocês se sentem ouvidos
pelo CAPSIJ ou pelas pessoas que fazem o CAPSIJ em relação ao tratamento dos filhos
ou parentes? Vocês se sentem ouvidos em relação ao tratamento medicamentoso?
R1 - Minha prima reclama.
P1 - Não, Não!
M5 - Eu creio que não.
M3 - É uma das grandes queixas que eu tenho.
R1 - Minha prima reclama achando que inclusive quem está tratando do
Fernando hoje, que é o dr. Edmilson, coloca assim para ela, enfim, que o Fernando
precisa daquela quantidade só de remédio e tal, então eu acho que ... eu não sei o que
ele imagina como o Fernando ... eu realmente acho que, depois desse caso lá de São
Paulo, eu, mãe de filho, trancava meu quarto na hora de dormir, porque eu não sei se
esse menino não pode ter de repente uma atitude, sabe? Porque eu já vi ele agredir a
mãe, ir em cima da mãe, não porque a mãe fez alguma coisa, mas porque ele estava com
raiva de outra coisa. Eu, eu ... estou falando um pouco por ela, eu não sou a mãe dele,
mas eu vejo que ...
P1 - No meu caso, por exemplo, houve uma verdadeira batalha aqui
dentro, porque eu sempre fui contra esse medicamento que estaca sendo dado e não
estava funcionando como deveria. Eu fui contra, bati, bati, até que eles foram trocando,
trocando e chegaram nesse que agora eu tenho certeza que é o certo para ele. E ele está
realmente melhorando, tanto que ficou três meses internado, já teve alta e esse mês vai
voltar, tenho certeza para o atendimento no CAPSIJ. O comportamento dele mudou em
casa.
M5 - O que eu vejo em relação ao CAPSIJ é nos ouvir. O que eu vejo na
minha vida e na vida das pessoas que eu tenho visto aqui. Toda vez que foi necessário
para mim, que eu estive aqui com um problema, toda a vez que eu precisei, elas saem da
oficina para me atender. Já aconteceu de eu ficar três horas conversando com a

203
psicóloga aqui dentro. E eu vi isso com várias pessoas também. Agora eu acho que a
nossa ansiedade às vezes faz com que a gente queira mais do que a gente precisa.
P3 - Ué? Mas é uma ansiedade, é um problema. É uma ansiedade.
M5 - Sabe, o meu filho é assim, ele me pergunta: “mãe, o machucado
vai curar hoje?” - “Não.” - “Mãe o machucado vai curar hoje?” - “Não meu filho, leva
uma semana.” - “Mãe, o machucado vai curar hoje?” Eu acho que a gente está por aí. A
gente ouve a resposta mas a gente não ouve. Então eu acho que nesse momento a gente
acha que o tratamento não está sendo ... a gente não está sendo devidamente ouvido
porque a nossa expectativa faz com que a gente não ouça a resposta. A gente quer mais,
mais e mais.
Coord. - Falando um pouco mais em relação ao tratamento. Com certeza ...
ficou uma dúvida minha. Existem determinadas discussões aqui onde vocês são melhor
ouvidos ou recebem melhor atenção, são mais escutados, do que em outras situações,
ou por exemplo. Há determinada situação no tratamento onde a fala de vocês não é
levada muito em consideração, em alguns pontos aqui?
M3 - É, naturalmente, eu acredito. Primeiro pela expectativa, como ela
falou, há ansiedade, a expectativa de cada um em relação a um desses itens, entendeu?
Se você tem uma expectativa em relação ao medicamento e não foi, a expectativa não
foi alcançada, aí você vai dizer que não, mas aí cabe ao CAPSIJ explicar por que. Há
um atendimento de pais, em grupo para explicar isso, por que não, ao mesmo tempo eu
tenho que ter o meu argumento, o meu filho na hora da escola ele dorme, entendeu? Ele
apaga e cai em cima do caderno. Como que ele vai aprender desse jeito, com uma
medicação assim? Por conta de que ele tem que ficar calmo, então tem que ter um
medicamento, eu não sou o médico, o médico tem que saber disso, tem que resolver
esse problema.
Coord. - Alguém pensa igual ou diferente e quer falar? Vamos encerrar essa
parte, porque como são mais de sete horas, para a gente passar para as três últimas
perguntas.
R1 - Eu queria só colocar um adendo aí. Houve uma conversa que eu sei
de que o Fernando estava tomando determinado medicamento, Dalva falou que o
medicamento estava deixando o menino muito sonolento e tal e houve mudanças. Há o
fato de ela ter uma idéia de que há uma fórmula mágica, ela ainda acredita numa
fórmula mágica de que o menino vai ficar bom um dia, entende? E encontrar essa
fórmula que ainda não foi encontrada e não sei se existe, faz com que as expectativas
sejam grandes, a verdade é essa. O medicamento não faz milagre, não age só, não é?

204
Então, houve época em que ela levantou a situação de forma bem clara, o remédio é
dado e quem observa isso é quem está o dia-a-dia com o paciente, houve retorno e
mudança, só que a fórmula mágica não foi encontrada.
Coord. - A senhora quer falar? Eu ouvi uma conversa e achei que a senhora
queria falar.
M2 - Eu estava falando sobre medicamento. A minha filha, coisa de um
mês atrás, parou de tomar o medicamento. Conversa as outras pessoas, está dormindo.
Antigamente ela era revoltada e acordava: “Ah, estou tomando muito remédio, é muito
remédio, está me fazendo mal, eu não vejo motivo para ficar tomando remédio, eu não
vou tomar, eu não vou tomar.” E ela não tomava. Quando foi da última consulta ela
criou um caso com o Cláudio para não passar remédio para ela, porque ela estava bem.
O doutor me chamou e falou do remédio outra vez. Vamos respeitar ela, está dormindo
maravilhosamente bem, está saindo, está procurando curso, está fazendo curso. Só tem
uma coisa, é um mal humor de vez em quando que ... sabe, de repente ela está bem
daqui a pouco ela fica assim, esses dias ela virou e falou assim para mim: “Que droga de
vida” Porque está fazendo informática, está fazendo telemarketing e agora está
querendo fazer digitação. Eu falei para ela: “Pelo amor de Deus, assim não dá. Ninguém
pode fazer tudo isso ao mesmo tempo.” E ela respondeu: “Que droga de vida, daqui a
pouco todo mundo vai falar para mim sabe o que? Vai trabalhar vagabunda. Entendeu?”
E nas reuniões de pais, as vezes que eu venho aqui, eu tenho aprendido muito, tem me
ajudado muito, mas eu não posso vir constantemente por motivo de saúde, não estou
podendo acompanhar as oficinas. A única coisa que eu sei é que ela chega lá ... no dia
que tem capoeira, ela adorou a capoeira, a reciclagem também, ela falou que gosta
também do estudo. Mas olha, foi ... ela faz assim ó, já fui.
M1 - Agora tem bijuteria também.
M2 - Tem bijuteria?
M2 - E atendimento aos pais eu só tive uma vez com a Norma, porque
eu infelizmente sou separada do pai dela, mas houve uma vantagem muito grande
porque eu nem suportava olhar para a cara dele e só estava mesmo separada. Depois do
dia sete de junho, que ele chegou lá em casa e encontrou-a numa crise, no aniversário
dela, sete de junho, ele começou a dar mais atendimento a ela. Ele não dava nada, não
me procurava. Aí o que eu faço, ao invés de eu vir com ela para cá, eu mando ele, eu
peço. Aí é ele que está tendo mais uma aproximação com ela e isso tem ajudado muito
também. Mas eu não tenho nada a falar, eles só me escutam, só me escutam. Como eu

205
sou ajudada por eles, pelas meninas, pelo Cláudio. Eu tenho até o número do telefone do
Cláudio comigo, acontecendo qualquer coisa eu ligo para ele e ele está me retornando.
Coord. - Vocês falaram muito do Grupo de Pais. Para uma pessoa que não
conhece o Grupo de Pais, como eu por exemplo, que não conheço e nunca freqüentei,
como vocês definiriam um Grupo de Pais?
M5 - É quase isso aqui.
Todos - (risos).
M2 - Ajuda. Ajuda muito a gente, eu pelo menos às vezes que vim, me
ajudou muito a conviver com a minha filha, aceitar certas coisas da minha filha, porque
as vezes eu cobrava muito dela e não queria também ... se eu cobrasse que ela tinha
que fazer aquilo que eu queria. Não, tem que ser assim: “Deise, isso não Deise. Deise,
isso não”, cobrava ela. Hoje ela respondeu para mim, eu falei lá um negócio e ela falou
assim: “Mãe a senhora hoje descobriu a América” (risos).. Eu falei para ela, que ela
quer tudo o que vê, e eu não posso ... “É, até que enfim, a senhora hoje descobriu a
América.”
M1 - Eu acredito até que esse Grupo de Pais ... só das pessoas estarem
se interando de outros problemas similares, parece que não, mas uma coisa ajuda a
outra. Vai se falando da experiência que a senhora está passando, do que eu estou
passando, com isso a pessoa vai se interando. O tratamento até, é rapidinho. Juntando
tudo .... minha filhinha, graças a Deus está tendo alta hoje. Independente da alta hoje,
ela vem estudando, vem fazendo as coisinhas dela, graças a Deus normal, graças a Deus
sem problema nenhum. Fechando, o tratamento para mim é cem, em todos os aspectos.
Inclusive ela chegou aqui dopada e graças a Deus gradativamente esse medicamento foi
tirado, ficou tudo maravilhosamente bem, por isso é tudo 100% para mim. Espero que
vocês todos tenham logo o mesmo êxito.
M2 - Cada caso é um caso, quer ver ajudar muito é esse grupo aí dos
pais. Eu aprendi a lidar, porque eu achava que se minha filha falasse “Mãe”, eu teria que
fazer tudo para não aborrecê-la, porque para mim viria a crise, mas não ...
P3 - Normalmente a pessoa chega sem saída.
M1 - Então você chega desesperado, dizendo que não tem solução, só
vem na cabeça que não tem solução. Mas aí a gente chega ali conversando, eu ouço ele
e penso: “Ué, mas o meu caso não é tão grave” e assim sucessivamente. Então a gente
vai aprendendo que aqui você realmente tem um suporte.
M5 - Um importante, R1, é que a gente pode falar, porque a gente
está falando de uma coisa comum. Em outro lugar a gente não tem liberdade de falar, eu

206
não posso falar com a família, a grande família. Eu não posso falar com os amigos
porque nossos jovens são discriminados, são rejeitados, então a gente se fecha, se cala,
esconde. E aqui eu posso falar porque o assunto é igual. Então a gente tem essa
identidade.
P3 - No Grupo dos Pais eu ganhei força, porque quando meu filho
chegou aqui ele chegou comigo. Até hoje, do ponto de vista do Danilo, é comigo. Ele
convive com a mãe, mas o ponto de referência sou eu. Meu filho adora cinema e ele só
vai ao cinema comigo. Sair, viajar é comigo. Ele já viajou com a Rosa sim, mas a Rosa
ficou meio preocupada, mas felizmente foi tudo bem, ele nadou, ele adora nadar. Faço
questão de levá-lo em todos os finais de semana, logicamente quando é possível, mas
quando eu cheguei aqui com ele, ele só chegava aqui e então eu teria que vir aqui pegá-
lo ao final do dia. Eu acho que ela que é mais antiga aqui, ela deve ter me visto aqui, eu
mesmo que trazia e quando chegava na hora eu estava aqui para pegá-lo e ia preocupado
com ele: “Meu Deus, será que vai acontecer alguma ... fuga, evasão” Aí, graças a Deus
o tempo foi passando, hoje graças a Deus, o Danilo vem sozinho. Eu dei um telefone
celular para ele e estou sempre em contato com ele, ele vai ao colégio com ele. Ele não
vai só ao cinema e outras coisas mais porque ainda não bateu aquele interesse mesmo,
mas o dia que chegar a vontade eu libero, logicamente preocupado, porque ele ainda
está com dezoito anos, fez dezoito anos agora em agosto. Mas para quem viu já o
Danilo andando até pelado sem preocupação, porque ele não estava nem aí, dentro de
uma clínica e depois do tratamento aqui, ele está nesse passo, eu acho que é de grande
valia. E o atendimento dos pais, no meu entender, foi bastante proveitoso para a gente
enxergar onde a gente está só piorando o estado dele. Quer dizer, a gente começa a ver o
que nós estamos dizendo, o que nós estamos fazendo, a maneira que a gente está agindo
para piorar esse ... ou seja, faz com que a gente melhore o relacionamento com ele e isso
é fundamental.
P1 - Eu acredito assim, que o a atendimento dos pais é um treinamento,
treinamento, porque o casal teve filho e a expectativa é de que o filho vá ser normal, que
você vai seguir aquele rumo de vida como as pessoas normalmente fazem, com o avô, a
avó, a tia, a família toda assim e de repente nasce uma pessoa estranha, uma pessoa com
problema ...
P3 - Estranho entre aspas.
P1 - É, exatamente, estranho entre aspas, exato. A gente tem sempre que
falar assim. Mas a gente está aqui na mesma problemática e vocês estão entendendo a
minha linguagem. E aí, como lidar com isso? Como lidar com isso? Como lidar com os

207
parentes? Como explicar para os parentes que ele dá escândalo? Que ele não é
socialmente adequado? Ou como o meu vizinho, o meu vizinho não fala comigo, é oi, oi
e ele não quer saber, ele é meu vizinho de porta. Mas eu e o meu filho já estamos
morando lá há 15 anos, conhece o meu filho desde pequeno mas os filhos dele não são
amigos do meu filho, porque eles rejeitam, eu sei que eles rejeitam.
M3 - Mas é isso, é isso que tem que ser feito, é você entender, é você se
sentir confortável com essa situação. O teu filho vai ser rejeitado num prédio que tem
uma área de lazer, as pessoas não entendiam o meu filho. Depois que eu coloquei ele
numa aula de piano, há cinco anos que ele estuda piano, aí ele começa a tocar lá a
música e aí todo mundo começa: “Ó, mas como pode, está tão bem” Ele já adquiriu um
outro status, entendeu? Ele nem desce mais, porque ele é todo tímido e tudo, ele já
adquiriu um outro status, já o .. a ... o conceito em relação e ele é diferente, entende?
Então é tudo isso que tem que ser trabalhado, você tem um filho, em que as pessoas, não
só a família, mas todo o mundo não aceita e é esta que é a importância maior do
atendimento aos pais.
P1 - Agora, eu acho, o que eu acho ... não sei se as psicólogas vão
concordar, se o CAPSIJ vai concordar. Já falei algumas vezes, mas ninguém concordou.
Mas devia de ser implementado aqui uma auto-ajuda. Há vários livros de auto-ajuda. O
que é auto-ajuda? Auto-ajuda é ... conversar não só com os pais, mas também com os
próprios pacientes sobre como eles têm que fazer para se sobressair na vida.
M5 - Para sobreviver.
P1 - Para sobreviver. Eles precisam criar isso aqui dentro. Não é só
ver se tem alguma dificuldade, orientar no dia-a-dia, mas criar uma estrutura mais
eficiente, mais inteligente do que os outros meninos aí fora. Há crianças que estão aqui
dentro, que por mais dificuldades que elas tenham, as novas idéias de desenvolvimento,
de estrutura que existem esses livros de auto-ajuda, tipo dr. Lair Ribeiro e outros livros.
Eu acho que vai acelerar rapidamente, não só melhorar a auto-estima dos meninos,
como fazer com que eles entendam melhor o mundo em que eles estão vivendo. Eu acho
que deveria implementar isso aqui.
Coord. - Só um minuto. Que horas são agora?
M1 - Sete e meia.
Coord. - Se terminar às oito está bom?
P1 - Olha, para mim, se terminar às sete e meia está bom.
Coord. - É que já estamos aqui há duas horas, não é? É que eu tenho
aqui algumas perguntas. E a gente ... fora oP1, mais alguém quer sair às sete e meia?

208
M5 - Faz a pergunta.
Coord. - Posso fazer uma proposta?
M5 - Pode.
Coord. - Que a gente se atenha só as perguntas. Que não fale sobre os
filhos e tal, só responder o que é perguntado para que a gente possa ir embora.
Todos - (risos).
Coord. - Então vamos lá. Os profissionais coordenam o Grupo de Pais, a
Norma, a Fátima e, quem mais? E a Cecília. Como é a troca de informações entre
vocês e os profissionais?
P1 - Bom, para mim fica muito vaga a pergunta. A troca de informação
em relação ao que? Em relação entre as crianças?
Coord. - Como é a convivência?
M3 - A convivência? A convivência é ótima. Excelente, a Norma é
muito profissional, ela tem uma coisa assim que ela não mistura o emocional com o
profissional, ela é profissional mesmo, ela desvincula totalmente o emocional ...
P1 - Ela quando tem que fazer na ferida ela bate ...
M3 - Ela bate na ferida, ela diz a verdade, ela é verdadeira, ela é autêntica,
eu acho isso de um profissionalismo que eu nunca vi em ninguém. E eu já bati em
muitas portas, eu já fiz muitas terapias, mas aqui a Norma é incrível. Ela é de verdade
impressionante. Ela não quer agradar o cliente.
M5 - E para quem não conhece muito, pensa até que é uma pessoa
grossa, não é? Eu já tive essa impressão.
M2 - Já, realmente.
M1 - Eu sai daqui: “Pó” , mas ... mas não, ela vai exatamente dentro do
profissionalismo.
M5 - O Grupo tem muito a cara dela, não é? A alma dela está muito
presente aqui.
M3 - Teve momentos que eu sai daqui caída, aí eu tenho que sair daqui
e ir direto para a empresa, eu tenho que me refazer ...
P1 - O livro de auto-ajuda do dr. Lair Ribeiro diz que você tem que
raciocinar e funcionar e agir de acordo com o raciocínio e não de acordo com o sistema
nervoso.
Coord. - Desculpa, mas vamos falar do Grupo. O que ele perguntou foi
da nossa relação com a Norma.

209
P1 - Eu sei, mas deveria ser implementado aqui dentro no Grupo.
Esse é o meu pensamento.
M3 - Sim, só que isso é outro ponto, é o que eu estou falando.
Coord. - Só encerrando essa parte e já passando para uma pergunta
seguinte: O que é que vocês consideram um tratamento bem sucedido, que teve
sucesso?
M2 - Melhora do paciente, dos jovens.
M1 - É. Do jovem que está aqui.
M2 - Se possível a alta, não é?
Todos - (várias conversar simultâneas)
M3 - Se a filha dela melhorou, isso é uma vitória.
Todos - (várias conversas simultâneas)
Coord. - Vamos falar um de cada vez?
M5 - Olha, cada caso é um caso. Eu vejo o caso dela, o caso dela é um
caso que tem alta. O meu caso, o caso do Fábio não tem alta. Para nós, para mim e para
Dalva o importante é melhorar a qualidade de vida, isso é importante, que o nosso filho
tenha uma qualidade de vida, uma aceitação na sociedade, uma sociabilização possível
para que a gente possa ser feliz dentro do quadro clínico dele.
R1 - Da limitação dele ...
M3 - Exatamente, acho que é isso que eu espero.
P3 - ... que o problema mental oferece.
P1 - É impossível ... ver esse problema com uma nova visão.
Coord. - Falando disso, qual o papel que tem a família para que esse
sucesso aconteça?
M5 - Exemplo aqui ...
M3 - Fundamental ...
P - Um exemplo desse casal ...
R1 - É super importante.
M2 - Aqui está um exemplo.
P1 - Eu me coloco também como um exemplo, mesmo vendo,
logicamente, que a gente tem uma outra história. Ah, voltei e vou voltar por causa do
meu filho, ou ela vai voltar ...
M3 - Não tem nada a ver.
P3 - Não, é uma coisa, aí é outra coisa, mas o relacionamento entre eu
e a mãe melhorou 100% dentro do quadro da doença do meu filho.

210
P1 - Lá na minha casa eu tive ... a empregada deixou de freqüentar, então
eu aproveitei que a empregada não estava lá e fui morar lá, na casa da minha ex-esposa,
sempre dormindo na sala e tudo mais, mas com o objetivo de que? Com o objetivo não
só de observar como ela estava indo com o remédio como também tentar apaziguar tudo
lá dentro usando esses conceitos explicados aqui dentro, que a Fátima cansou de fazer
atendimento individual, explicando como que eu tinha que enxergar, como eu tinha que
encarar o problema. E melhorou realmente bastante lá dentro. Para mim foi
fundamental. E o Carlos ainda assim foi internado três vezes aqui dentro, o remédio não
estava bom, até esse último que foi dado possibilitando a melhora e saída da internação,
que ele dificilmente vai voltar.
M5 - Quando se consegue que a família ... quando você consegue que pai
e mãe se juntem para promover essa melhora do filho, é importante. No meu caso e no
caso da Dalva, os pais, os homens, estão ausentes. Eles se ausentam da doença, eles
negam a doença, eles não ... não ... ignoram o filho, e isso é um fator gerador de mais
problema. Eu acho que é fundamental a presença do pai e da mãe no tratamento.
P1 - Na auto-ajuda diz o seguinte, só para ilustrar, a vida é cheia de
problemas, ninguém foge de problemas, senão não vive. Viver é enfrentar os problemas
que nos aparecem. Os únicos que não têm problemas são os que já morreram nessa vida.
Muito bem, então nós temos que enfrentar os problemas que são nossos, e lutar por eles.
No meu caso, por exemplo, o meu problema é garoto, então eu vou enfrentar o
problema, fui morar lá e enfrentei e estou enfrentando.
M3 - Mas não são todos que têm esse pensamento.
P1 - Mas isso é auto-ajuda, tem que ler esses livros de auto-ajuda para
entender como é que se tem que agir ...
M2 - Mas o pai da minha filha, ele procura, eu mando recado, vou
procurar ou então ela vai. Porque ir em casa para procurar saber como está a menina, se
está precisando de medicamento, se precisa disso, o dia que tem médico, sou eu que vou
R1 - Na minha opinião, a etiologia da doença é um pouco genética. Para
mim o pai tem distúrbio psiquiátrico.Este com a Dalva foi o segundo casamento, ele já
está no terceiro casamento. Ele é uma pessoa super problemática. Então eu não vejo
ajuda para o futuro, a Dalva vai ter que encontrar solução dentro dela ...
P1 - Ele não vem, ele como ...
R1 - Ele não vem.

211
Coord. - Eu tenho uma pergunta final e aí a gente encerra. Ao mesmo tempo
eu queria fazer um convite, um lanche, uma confraternizaçãozinha com a gente, dentro
do devido tempo ....
P3 - Isso foi uma surpresas.
Coord. - Pegando um pouco do que a Regina falou durante ... várias
situações, eu acho que ela foi a mais queixosa com relação ao sucesso ...
R1 - É, porque o meu ouvido ... não sou a mãe, mas todo o dia ouço e
eu sei de uma coisa, ele vem muito pouco, porque existe uma tentativa por parte daqui
do Grupo e por parte do pessoal do Helena Antipoff, lá perto do Maracanã, de fazer com
que o Fernando se integre no ensino, que desenvolva e isso aí está chocando com a
realidade dele. Então a Dalva está desanimada, então ela acha que ... entendeu? Está
sendo mal interpretado.
Coord. - Eu vou fazer a pergunta: O que mudou no relacionamento com o
filho antes e depois do início do tratamento. O que era antes de vir para cá e depois que
veio para cá, o que mudou na relação?
P1 - O conhecimento do relacionamento em si. Quando nós passamos
a saber o que é certo, o que é errado, qual a maneira de agir, interagir, nós com eles,
melhorou muito. Não só eles como nós também. A minha ex-esposa eu sei que ela não
vem aqui, mas eu falo com ela por telefone como ela tem que agir. Ela não gosta, fica
com raiva, mas pára para pensar, isso que é fundamental.
M5 - No meu caso particular, eu acho que mudou ainda pouco. Eu
preciso ver o meu filho mais como um indivíduo, eu tenho a mania de vê-lo como uma
posse, então eu acho que eu ainda tenho que mudar muito, mas está mudando.
Coord. - Mais alguém?
M3 - Eu também. A mesma coisa, eu concordo, eu preciso ver o meu
filho como uma pessoa que vive nesse mundo e que tem suas características próprias e
eu preciso me programar para aceitar essas características e eu acho assim que o
CAPSIJ ajudou bastante para ... realmente ele cresceu bastante.
P1 - Meu filho me disse uma vez o seguinte. O único que me entende
aqui dentro é o meu pai.
Todos - (risos)
P1 - Não, ele me disse isso uma vez lá: “ O único que me entende é
o meu pai.” Aí eu me lembrei que ele não estava dizendo isso a toa. Eu realmente sou o
único que está bem orientado aqui dentro pelo pessoal lá, principalmente a Fátima e a

212
Norma, que conversam muito comigo para que eu passe para ele de que maneira ele tem
que melhorar o relacionamento lá e ele percebe isso.
P3 - O único ... o senhor que entende, é o pai, mas aonde? Lá o que?
P1 - Lá na minha casa, na casa da Pamela, a minha ex-esposa, que ...
e por que isso? Porque eu sou o único que percebo quando ele está fingindo e percebo
quando ele realmente está com problemas, quando ele está alucinando como as pessoas
falam. Eu percebo quando ele está fingindo e quando ele não está. Uma noite ele chegou
para a minha ex-esposa e falou assim para ela:
‘Ah, eu acabei de conversar com uns seres aí, não sei o que, eu estou melhor, estou
melhor” Eu percebi que ele estava inventando. Mas aí a minha esposa veio toda
nervosa: “Gente, está piorando!” Eu percebi que ele estava fazendo isso para fazer ela
ficar nervosa mesmo. É o prazer que ele tinha, masoquista nessa hora. Eu nem liguei, eu
sei que ele estava inventando. Aquilo era invenção, mas há vezes que realmente está
fora de si.
Coord. - Mais alguém? Eu falei que era a última, mas eu acho que ainda
tem uma última. Algo que não foi falado, não foi perguntado e que vocês gostariam de
colocar para encerrar.
P3 - Então uma última coisa: O que eu percebo aqui, os jovens, grande
parte dos jovens, não vão na escola, e aí ... parece, me parece que o CAPSIJ não faz
nada por isso. Não é que, por exemplo, a Norma várias vezes me perguntou se eu
achava que tivesse uma escola ... Jamais achei essa escola, jamais. Mas ... como ele
falou, a escola, como eles são adolescentes, a escola e mais, a visão profissionalizante
tem que bater (fim da fita).
P1 - Eu vou explicar para vocês. Eu já li muitos livros de auto-ajuda,
e não só isso, eu escrevi. Eu fiz um resumo desses livros todos e fiz um livro meu, só
que não foi publicado até agora, eu não publiquei. Mas o que nós temos que fazer em
relação ao problema dos filhos é o seguinte, no meu entender: primeiro, procurar nós
mesmos evoluirmos, não vim para essa reunião só para discutir o problema, mas
procurar aprender o máximo que nós pudermos da convivência com o filho, essa é a
primeira coisa. Segundo, nós temos que pesquisar, entrar na internet, ler a bula dos
remédios, procurar ver se está dando certo o tratamento, observar se ele está
melhorando mesmo, onde que ele está melhorando, onde que ele está piorando e debater
aqui com eles, com o médico, debater com a Norma ...
M1 - E sobretudo procurar os profissionais, não é?

213
M5 - Mas nem todos têm o QI que você tem, tem muita gente aqui
dentro que não tem esse QI, não tem essa capacidade ...
P1 - Mas eu estou explicando que vocês deveriam ...
P3 - Nem internet como você está falando, entendeu?
M1 - Mas sobretudo procurar os profissionais.
P1 - Não pessoal, eu não sou nenhuma exceção ...
P3 - Veio uma senhora aqui, estou colocando ela, ela estava sentada
aqui, ela tem condições?
P1 - Não, mas ela pode pedir para alguém fornecer para ela.
M5 - Não tem, não tem ,não tem, é difícil.
M3 - Para nós pais, acompanharmos é complicado, imagina a gente
alugar alguém para fazer isso.
P1 - Eu sei, é. Não, mas alguém que tenha acesso a computador. Não,
alguém que tenha computador e que tenha acesso à internet pode pegar, vamos supor o
remédio, e ver o que tem.
M5 - Mas as pessoas estão até fugindo de perto da gente, quem dirá ter
um trabalho desses.
P1 - É verdade.
P1 - Mas nós temos que ver da seguinte forma. Nós temos que ter
calma, encarar o problema de uma forma profissional, como faz a Norma. Vocês
acabaram de elogiar a Norma, vocês percebem? Nós também temos que agir igual a ela
em relação ao filho, tirar um pouco as emoções e tratar de uma forma mais lógica o
problema, então acompanhar o garoto. Como é que ele está melhorando, ou a menina, e
ir passando para eles, ir conversando com eles: “Olha, está melhor assim, está piorando
ali, está acontecendo isso, acontecendo aquilo.” Para que eles possam também, entende?
Dar uma solução para o problema. Vocês não podem ser apenas um espectador,
acompanhar, vocês têm que participar e falar para eles o que vocês estão notando.
P3 - Eu acho que a teoria é muito boa, mas na hora do vamos ver, aí .
P1 - Mas eu estou fazendo isso.
M5 - Na hora do vamos ver o raciocínio não funciona, teoria não
funciona, nada ...
P1 - Mas você tem que ter calma.
M5 - A calma não funciona na hora da emergência.
P1 - Tem que ter lógica. Se o meu garoto passar mal e quer me
agredir, eu vou prontamente chamar a defesa civil ou chamar os bombeiros para trazer

214
ele para cá e internar ele. Eu faço isso, sem problemas e depois eu venho buscar ele de
volta, mesmo ele tendo me batido. Eu esqueço que ele me bateu e levo de volta. Eu faço
de conta que não aconteceu nada, eu faço de conta que não aconteceu nada. A minha
filha não, ela já não tem essa estrutura, ela fica lembrando.
P3 - O senhor falou que chama a defesa civil ou chama os bombeiros.
P1 - Isso.
P3 - Nenhum dos dois vai atendê-lo.
P1 - Atendeu, os bombeiros sempre ... já me trouxeram quatro ou
cinco vezes aqui.
P3 - Para mim eles não me atenderam.
M2 - Mas se não tiver nenhum bombeiro para vir atender o senhor não
vai ser atendido nunca.
P1 - Não, mas já veio, quatro ou cinco vezes.
P3 - Mas há muito tempo atrás.
P1 - Não, há três meses atrás eles trouxeram, a Norma sabe disso. Já
quatro ou cinco vezes eles foram lá com o carro e nos trouxeram aqui.
M5 - Vocês que são felizardos.
P1 - Não, não é isso. Vocês têm que ter um comprometimento, tem
que ligar para lá e dizer olha ...
M5 - É, mas eu liguei e eles falam assim: “Você vem aqui buscar a
gente que a gente vai aí.”
P1 - Ah não ...
M5 - Você tem que arrumar um carro ir ao corpo de bombeiros, aí o
bombeiro vem com você. Isso aconteceu comigo.
P1 - Eu fui várias vezes conversar com o tenente de plantão e pedi
para eles mandarem lá.
M1 - Gente ó ...
Coord - Só para ... agradecendo a presença de todos e pedindo
desculpas se na mediação da reunião (fim da fita).

215
ANEXO III

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE PSIQUIATRIA

PROJETO CLUBE “PONTO DE ENCONTRO”


RESSOCIALIZAÇÃO PARA JOVENS EM GRAVE SOFRIMENTO
PSÍQUICO: LAZER ASSISTIDO E RECONSTRUÇÃO DE
VÍNCULOS AFETIVOS

216
ÍNDICE

I- Um problema em crescimento ............................................................. ....... 3

II- Objetivos .......................................................................................................9

III- Procedimentos Metodológicos para a Implantação e Avaliação do


Projeto ..........................................................................................................10

IV- Cronograma ................................................................................................12

217
I- UM PROBLEMA EM CRESCIMENTO

Dados epidemiológicos apontam para prevalência de transtornos


mentais entre crianças e. adolescentes em torno de 10 a 15%, chegando até 21% se
tomarmos apenas uma população de adolescentes mais velhos40. Cerca de 50% destes
transtornos tendem a produzir incapacidade permanente41. Registros epidemiológicos já
bem estabelecidos revelam que 45% dos casos novos de esquizofrenia, o mais
incapacitante dos transtornos mentais, surgem entre 15 e 24 anos. Um estudo recente
42
demonstra que a idade de começo de diversas doenças mentais é muito mais precoce
do que se julgava. O pico de risco para fobias, por- exemplo, situa-se entro 10 e 14
anos; para alguns tipos de transtorno do humor o risco máximo está situado entre 15 e
19 anos (este estudo epidemiológico envolveu uma amostra de mais de 20 mil pessoas
de cinco comunidades americanas).

Como resposta ao impacto dessas questões o governo americano aumentou de


92 para 283 milhões o orçamento para pesquisa na área de saúde mental infanto-juvenil.
Considerando os dados epidemiológicos internacionais válidos para o Brasil
teríamos, só no município do Rio de Janeiro, os seguintes números: como 36,5% da
população da cidade está na faixa etária até 19 anos ( 2 002 881 crianças e
adolescentes)43 240 mil crianças e adolescentes necessitariam de cuidados quanto saúde
mental; tomando somente a faixa entre 15 e 19 anos (543 247) 114 mil adolescentes
apresentariam transtornos mentais.

Outras pesquisas epidemiológicas, apontam para o crescimento das taxas de


suicídio entre os jovens. Nos Estados Unidos, na faixa entre 15 e 24 anos, essa taxa
cresceu 5 vezes entre as décadas de 50 e 80. O que se torna mais significativo se
considerarmos que: a cada suicídio efetivamente cometido corresponderiam 50
tentativas; muitos suicídios são ocultados ou passam por acidentes ( além do fenômeno
da morte por overdose); nas faixas mais jovens, abaixo dos 15 anos, as taxas de suicídio
estão também aumentando.

40
Steinberg, D. Adolescents Services. In: Michel Rutter. Eric Taylor, Lionel Hersov (ed) Child and
Adolescent Psychiatry: Modern Approaches. Oxford: Blackwell, 1994.
41
Offord, D. & Fleming, J. Epidemiologia. In: Melvin Lewis. Tratado de Psiquiatria da Infância e
Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
42
Burke, K.C., Burke J.D., Regier, D.E., Rae D. S. Age of onset of select mental disorders in five
community populations. Arch. Gen. Psychiatry, 1990,47:511-518.
43
IBGE, estimativa para 1991.

218
A adolescência é um período particularmente rico em possibilidades
desestabilizadoras. Momentos de definições diversas no campo sexual, profissional,
familiar, a adolescência lança questões que alguns indivíduos não têm condição de
responder, provocando a eclosão de quadros psicopatológicos graves.
Diversamente das sociedades tradicionais, que possuem mecanismos para
demarcar os lugares que cada um dos seus membros deve ocupar no se tornar adulto, a
sociedade moderna desafia seus jovens a buscar uma definição singular e única para
suas vidas. A tarefa, inerente ao homem moderno, de apresentar-se como um sujeito
singular, encontra seu clímax na adolescência, quando o indivíduo é compelido a tomar
a palavra para definir suas opções frente às diversas exigências próprias à sua incrusto
no mundo adulto.

Dentre os agravos à saúde mental dos jovens os quadros psicóticos


situam-se em primeiro plano tanto pelos prejuízos imediatos que causam ao adolescente
quanto pelas restrições que podem determinar no seu futuro desenvolvimento. Durante o
período agudo a psicose está freqüentemente associada ao risco de suicídio e a
exposição a outras situações de risco (uso de drogas., internação psiquiátrica,
comportamento violento, envolvimento em acidentes, etc.). Nos quadros de evolução
crônica, comum quando em se tratando de esquizofrenia, o futuro do adolescente
está em risco.
Freqüentemente pode-se constatar fracassos escolares, laborativos ou amorosos
ligados à dificuldade do sujeito psicótico em sustentar os novos laços sociais
necessários a essas atividades. Essa questão, relacionada à inserção social do psicótico,
coloca-se duplicada por apresentar-se, na adolescência. Percebemos então as
dificuldades destes sujeitos, especialmente na adolescência, frente às situações
que fazem apelo a tomada de posição no contexto social.

Estratégias de atenção à saúde mental de adolescentes:

A superação do modelo asilar como base da assistência em saúde mental


foi apontada como meta básica pela 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental5. Tanto
do ponto de vista técnico quanto ético as restrições ao manicômio tomaram-se,
praticamente, consenso internacional.

5
Relatório final da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental, Brasília: Ministério da Saúde, secretaria de
Assistência à Saúde, departamento de Assistência e Promoção à Saúde, Coordenação de Saúde Mental,
1994.

219
A internação psiquiátrica de um adolescente com graves problemas
emocionais, mostra-se bastante prejudicial pois funciona como reforço ao isolamento já
vivido pelo mesmo em seu cotidiano. A exclusão em um hospício, por um longo
período de tempo, solidifica a ruptura dos laços sociais comum nos episódios psicóticos.
O estigma da loucura, demarcado pela internação psiquiátrica, traz limites concretos
quanto à constituição de possibilidades de reinserção laborativa e social. Construiu-se,
ao longo da história, todo um posicionamento cultural que oferece ao "louco", como
único destino, o hospício. Por tudo isso, novos modelos devem ser investigados para
permitir a desospitalização de pacientes há longo tempo internados e impedir a entrada
de novos indivíduos na carreira manicomial.
Nesse. segundo aspecto ganha relevância a busca de meios que impeçam a
entrada de adolescentes na estrutura asilar mantendo-os, o mais possível, ligados ao seu
contexto social. Com base na experiência bem sucedida de acompanhamento,
exclusivamente ambulatorial, de alguns adolescentes em grave sofrimento psíquico, o
autor formulou a proposta do Programa Ambulatorial Para Adolescentes Psicóticos6: a
busca de novas soluções para a questão da doença mental no jovem, impedindo sua
precoce estigmatização e incapacitação. O Programa, iniciado em 1988, reúne recursos
psicoterápicos, psicofarmacológicos e de terapia familiar, propiciando manter o
adolescente fora do circuito asilar.
Ao longo dos últimos anos, o Programa7 atendeu mais de 100 jovens, obtendo
êxito na sua proposta principal que era a de evitar a internação psiquiátrica do
adolescente. Uma pesquisa recentemente realizada sobre uma amostra do universo total
dos clientes admitidos, aponta que nos três primeiros anos de realização do Programa,
apenas 8,70% da clientela sofreu internação durante o tratamento ambulatorial8. O
projeto, entretanto, revelou-se limitado quanto a sua capacidade de promover a
retomada pelo adolescente das suas atividades sociais, escolares ou laborativas. Não
colocá-lo no circuito asilar é apenas parte da tarefa, resta o problema da sua reinserção
social. Esse aspecto é tão mais relevante quando se pensa que na adolescência estão

6
Saggese, E. e col. Programa Ambulatorial Para Adolescentes Psicóticos. J. Bras. Psiq. , 39 (5): 237-
243,1990.
7
Inicialmente o Programa visava assistir aos clientes diagnosticados como psicóticos. No entanto, com o
tempo constatou-se o crescimento da demanda de casos graves, porém, não estritamente psicóticos. Este
fato permitiu a ampliação da clientela alvo e possibilitou a redefinição do projeto de pesquisa que recebeu
um novo nome: Programa Ambulatorial Para Adolescentes Sob Risco de Internação Psiquiátrica. Desta
forma, o critério de admissão no mesmo passa a ser a gravidade do sofrimento psíquico do jovem e
conseqüente risco de internação.
8
Delgado, S.M. (p. 81) Análise das Relações entre Política e Assistência no Campo de Saúde Mental da
Infância e Adolescência, Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto de Psiquiatria, 1997 (mimeo).

220
lançadas, conforme já foi assinalada, questão básica sobre a integração do indivíduo na
sociedade.
Dois exemplos9 , extraídos da clientela do Programa, podem ilustrar essa
questão, identificando o complexo processo de reestruturação sócio-afetiva:
- E., 15 anos, estava há mais de um ano sem estudar quando, sentindo-se capaz,
resolveu voltar para a escola. Esta decisão marcou um momento significativa no
tratamento da adolescente, na medida em que um dos fatores desencadeantes de sua
primeira crise havia sido o fracasso escolar. Nos dias que antecederam o início das
aulas, E. mostrava-se bastante animada. No entanto, assim que retomou a escola, o
entusiasmo cedeu lugar a uma grande ansiedade, que se traduzia como medo
ser chamada ao quadro-negro e não saber responder às perguntas que lhe fossem feitas.
E. foi ficando cada dia mais tenso e abandonou a escola depois de uma semana. Esse
novo :fracasso marcou o início de um desinvestimento progressivo de suas atividades
cotidianas.
-D., 17 anos, volta às sessões após três faltas consecutivas. Diz então que não
está trabalhando mais na oficina mecânica: não agüentei o trabalho, era muito difícil,
muito pesado para mim. Não consegue dizer com clareza quando parara de trabalhar e
nem se saíra por vontade própria ou se fora demitido. A terapeuta nunca o vira tão
deprimido. D. sofre também diante do temor de completar 18 anos e ter que se
apresentar ao Exército: Exército é coisa de homem, vão dizer que não sirvo.
Se o Programa Ambulatorial conseguiu bloquear a entrada dos adolescentes na
carreira manicomial, o que mais pode proporcionar a eles? Não permitir o internamento
desses jovens dentro do espaço familiar e não limita-los à condição de clientes crônicos
das consultas ambulatoriais. Desse contexto surge a necessidade do desenvolvimento de
novas estratégias que favoreçam a reaproximação, dentro das possibilidades de cada
um, de novas instâncias socializantes.
Como um cuidado alternativo às práticas asilares, o programa configura,
parcialmente, um tratamento-dia que busca intensificar o atendimento ambulatorial sem
incorrer nos efeitos iatrogênicos da hospitalização e apresentando menor custo frente à
solução hospitalar.
Os objetivos principais do tratamento-dia podem ser resumidos em:
1 - apoio e manutenção para os clientes de forma a evitar a hospitalização;

9
Esses exemplos foram extraídos de outro artigo sobre o Programa:Saggese, E. & col. Psicanálise como
alternativa à internação psiquiátrica. In: Denise Maurano (Org.) Circulação Psicanalítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1992.

221
2- avaliação extensiva proporcionando a identificação de áreas comprometidas,
possibilitando a formulação de projetos terapêuticos singularizados;

3- tratamento ambulatorial intensivo a clientes para quem uma ou duas sessões


ambulatoriais por semana são insuficientes; 1
4 - preocupação em evitar o estigma para o adolescente resultante do
afastamento familiar e social.
O tratamento-dia para adolescentes deve incluir uma estrutura que, levando em
consideração características específicas dessa faixa etária, trabalhe principalmente no
seu processo de ressocialização. Na construção dessa estrutura deve-se estar atento para
os valores culturais e opções de lazer da população em questão. Um centro de
convivência para jovens, portanto, deve priorizar as atividades lúdicas tornando, o mais
possível, o aspecto de um clube onde a socialização possa ser promovida através de
jogos, música, arte, interação grupal, etc.

A importância das atividades lúdicas na promoção de saúde mental:

Buscando desenvolver novas estratégias alternativas em saúde mental,


principalmente na área infanto-juvenil, o autor criou o Projeto Brincar10. O projeto
baseia-se em atividades lúdicas e envolve crianças, familiares e pacientes internados no
Instituto de Psiquiatria da UFRJ. O contato entre crianças e pacientes contribui para um
processo de diminuição do preconceito contra o chamado “doente mental” e para a
solidificação dos vínculos relacionais, intermediados pelo lúdico intencionando a
constituição de urna base que possa sustentar rupturas, num grupo considerado de risco
(filhos de pacientes psiquiátricos).
O Projeto Brincar valoriza o uso da capacidade lúdica das crianças e
adolescentes na promoção de saúde mental e na redução do preconceito contra o
"doente mental". Presente desde as primeiras fases do desenvolvimento infantil, a
possibilidade de brincar é fonte de liberdade e criatividade e sua inibição é indicativa de
riscos quanto à saúde mental. Brincar é um ato seriíssimo: para as crianças é condição
de crescimento, para os adolescentes é fator de interação com o grupo de pares e fonte
de experiências culturais.
O Projeto Brincar altera o aspecto carregado do pátio de um hospital
psiquiátrico que se transforma numa área de lazer. O número de visitantes aumenta,
diminuindo a solidão dos pacientes nos fins de semana. As crianças antes proibidas de

222
entrar no hospital, pedem para voltar e querem trazer amigos para brincar. O isolamento
do "doente" é atenuado, estimulando seu desejo de retomar permanentemente ao
convívio familiar e comunitário11.
A experiência adquirida nesse projeto, que emprega o lúdico no processo de
ressocialização e promoção de saúde mental, pode e deve ser usada em outros
contextos, como o da implantação de um espaço destinado a adolescentes sob risco de
internação psiquiátrica. Esse espaço como centro de convivência com características
lúdicas, integra-se na proposta de construção de uma estrutura intermediária voltada
para as especificidades do jovem.
Portanto, o clube constitui-se como um projeto terapêutico ampliado,
na'medida'em que possa se tomar estruturante para jovens que convivem com a
desagregação e desestabilização psíquicas. Portanto, deve funcionar como facilitador da
reconstrução de redes de socialização.

10
Saggese, E. Projeto Brincar. J. Bras. Psiq, 44(4): 185-187, 1995.
11
O Projeto Brincar recebeu o Prêmio Criança 94 da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, prêmio
atribuído, em âmbito nacional, a atividades em prol da criança nas áreas de saúde, educação e direitos.

223
II - OBJETIVOS

Objetivos Gerais:
O Projeto visa estruturar e implementar um espaço lúdico de acompanhamento
a jovens com grave sofrimento psíquico12, investigando de que forma essa estratégia
pode contribuir para a manutenção ou restabelecimento de seus vínculos sócio-afetivos,
configurando-se como um núcleo da construção de um Hospital-Dia infanto-juvenil.

Objetivos Específicos:

1. Implantar uma atividade de lazer assistido para adolescentes em grave sofrimento


psíquico;
2. Promover o treinamento de profissionais de saúde mental para a formação de uma
equipe capaz de gerir as atividades de um Hospital-Dia infanto-juvenil;

3. Responder a algumas questões chaves sobre a eficácia da estratégia de lazer assistido


pare adolescentes; são elas:

• O espaço de convivência pode funcionar como provedor de indicadores que


permitam a construção de melhores estratégias de assistência?

• O clube "Ponto de Encontro" funcionará como ambiente facilitador do convívio


social para este adolescente? De que forma?

• As atividades desenvolvidas nesse espaço terão repercussão em outras áreas da


vida do jovem (educação, profissionalização, relações afetivas, etc.) ?
• O clube é capaz de gerar uma maior adesão (vínculo) do adolescente e sua
família no serviço infanto-juvenil?

• A criação desse espaço permite melhor interação do adolescente com a família e


possibilita uma ampliação de sua relação com a comunidade ?

12
Quando optamos pela terminologia “grave sofrimento psíquico”, estamos querendo indicar que nossa
prática clínica procura não se restringir a conceitos diagnósticos padronizados que empobrecem a
avaliação da realidade global dos adolescentes atendidos.

224
III- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A IMPLANTAÇÃO E
AVALIAÇÃO DO PROJETO:

População Alvo: jovens, entre 13 e 18 anos, de ambos os sexos atendidos pelo


Programa Ambulatorial para Adolescentes sob risco de internação psiquiátrica do Ser-
viço Infanto-juvenil do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Gradualmente, objetiva-se
ampliar esta clientela para que o clube possa absorver encaminhamentos, dentro do
perfil do programa advindos de outras instituições, intencionando inclusive com isso a
promoção de parcerias com outros dispositivos assistenciais na realização deste projeto.

O Programa usa os seguintes critérios de seleção para a admissão dos clientes:


-Tipos de transtornos mentais13: Esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e
delirantes, transtornos do humor (com sintomas psicóticos), transtornos de conduta,
transtornos dissociativos.
-Avaliação do risco de internação psiquiátrica do adolescente, considerando:
a) seu atendimento anterior em emergências, psiquiátricas ou gerais;
b) possibilidade de internação, cogitada ou demandada pelos pais ou
responsáveis.

-Acesso à família para autorização e formulação do processo terapêutico;

-Início ou acentuação do sofrimento psíquico grave na adolescência


comprometendo o desenvolvimento psicossocial.

Desenvolvimento:

1 - Construção do espaço de convivência “Ponto de Encontro", configurador


do campo de pesquisa. Será estruturado um espaço de convívio para os jovens com
atividades culturais e lúdicas. Este espaço possui duas características principais:
funcionará como lugar de múltiplas trocas afetivo-sociais entre os adolescentes e
também constituirá o campo de pesquisa a ser utilizado para o levantamento de dados.
É importante assinalar que o "Ponto de Encontro" pretende utilizar múltiplos
espaços, tais como: as dependências do Campus Universitário da Praia Vermelha
(piscina, campo de futebol, etc.), recursos do IPUB (oficinas terapêuticas do CAD, sala
de vídeo, bibliotecas, etc.). Propõe-se, também a lançar mão de alternativas de lazer fora
do campus: shoppings, cinemas, praias, parques, etc.

13
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. OMS, Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993.

225
A equipe técnica intenciona ainda, realizar intervenções no âmbito das famílias
dos adolescentes. A execução dessas estratégias dar-se-á através da formação de grupos
operativos, palestras, trocas de vivências, etc.
Vale ressaltar que, a equipe técnica construirá um planejamento de atividades,
elaborado mensalmente, podendo ser reavaliado ao longo de sua implementação.
Desde os primeiros passos do clube, estamos atentos à escuta da demanda dos
adolescentes: elaboramos um questionário (vide anexo 1) que será entregue aos jovens
assistidos pelo Programa Ambulatorial. O objeto deste instrumento é assinalar as
diferentes formas de fazer com as quais os adolescentes gostariam de se vincular. Este
questionário, portanto, funcionará corno subsídio ao planejamento das atividades do
clube.

2 - Coleta de dados: serão utilizados como instrumento de pesquisa a


observação participante; entrevistas temáticas com adolescentes, com os profissionais
do setor e familiares, baseadas nos pressupostos estabelecidos anteriormente; análise de
imagens fotográficas e vídeos. Serão produzidos diários de campo como forma de
registro das atividades realizadas, freqüência dos adolescentes, situações significativas e
funcionamento geral. Esse diário servirá posteriormente como fonte para análise de
dados.

3 - Através da análise dos indicadores será estabelecido um perfil da


reestruturação dos laços sócio-afetivos de cada adolescente. As situações que se
constituírem paradigmáticas serão utilizadas como fonte de análise, assim como o
levantamento de índices quantitativos relevantes para a avaliação da eficácia da
intervenção do espaço de convívio (freqüência, execução de atividades, nº e horas de
funcionamento efetivo). Os dados dos adolescentes coletados no campo serão cruzados
com os dados clínicos ambulatoriais dos mesmos (freqüência dos atendimentos,
evolução sintomática, uso de psicofármacos, participação da família).

4 - Elaboração de relatório parcial e final: preparação de vídeo e artigo


científico, formalização de campo de estágio para profissionais e estudantes da área de
saúde mental, desdobramento da pesquisa inicial em novas pesquisas correlatas.

226
IV - CRONOGRAMA

ETAPAS AÇÕES INÍCIO Previsão

Término

Treinamento da Seminários e 1º Mês 12º Mês

Equipe supervisões

Instalação do Clube Aplicação do 1º Mês 2º Mês


“Ponto de Encontro” questionário,
compra de material,
arrumação do
espaço, inserção da
equipe/ primeiro
contato com os
adolescentes

Funcionamento do Programação e 3º Mês 12º Mês


clube execução das
atividades. Coleta
permanente de
dados

Tratamento dos 6º Mês 12º Mês


dados, elaboração de
relatórios

227

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