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Um Sonho de Pertencimento: O Fenômeno Comunitário À Luz Do Pensamento de Zygmunt Bauman

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UM SONHO DE PERTENCIMENTO: O FENÔMENO

COMUNITÁRIO À LUZ DO PENSAMENTO DE ZYGMUNT BAUMAN


A DREAM OF BELONGING: COMMUNITY PHENOMENON IN THE LIGHT OF
ZYGMUNT BAUMAN’S THOUGHTS

Bruno Hermes de Oliveira Santos*

Cite este artigo: SANTOS, Bruno Hermes de Oliveira. Um sonho de pertencimento: O fenômeno
comunitário à luz do pensamento de Zygmunt Bauman. Revista Habitus: Revista da
Graduação em Ciências Sociais do IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 113-120, dezembro.
2014. Semestral. Disponível em: <www.habitus.ifcs.ufrj.br>. Acesso em: 31 de dezembro. 2014.

Resumo: No presente artigo buscou-se compreender, por meio da ótica do sociólogo Zygmunt
Bauman, a emergência do fenômeno comunitário contemporâneo. A partir da seleção de
algumas obras deste autor voltadas à significação do mundo atual e dos fenômenos particulares
que nele viceja, pôde-se, então, concluir a centralidade da questão identitária no pensamento
baumaniano para a compreensão do fenômeno em questão, bem como a imprecisão conceitual
da palavra comunidade enquanto terminologia de referência às coletividades que se constituem
no mundo líquido-moderno.

Palavras-chave: Bauman; fenômeno comunitário; comunidade; identidades.

Abstract: In this article we sought to understand through Zygmunt Bauman's perspective the
emergence of the contemporary phenomenon Community. By selecting some author’s works
focused on the significance of today's world and on the particular phenomena that thrives on it
we could then conclude the centrality of the identity’s issue in baumaniano thought for
understanding this phenomenon and also the inaccuracy conceptual of the word “community”
as a reference terminology to collective groups that are emerging in the liquid modern world.

Keywords: Bauman; community phenomenon; community; identities.

D
a multiplicidade de fenômenos sociológicos que emergem no mundo
contemporâneo, o comunitário se destaca entre àqueles que mais vêm despertando
a atenção, dentro e fora da academia. Não são poucos os grupos que hoje, num
contexto de modernidade líquida, autoproclamam-se “verdadeiras” comunidades. E é neste
sentido que, diante a intensidade da presença do termo comunidade e de seu uso cada vez mais
indiscriminado, somos muitas vezes levados a acreditar estarmos presenciando a emergência de
um fenômeno autenticamente comunitário.

No Brasil, o avanço do termo comunidade é muito evidente. Exemplo nítido deste


avanço são as antigas favelas, hoje, reconhecidas como comunidades. No entanto, enganam-se

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aqueles que se limitam a restringir a presença da comunidade apenas às áreas de periferia dos
grandes centros urbanos. A comunidade também se faz presente nas entidades de classe, nas
associações religiosas, nos grupos em defesa da natureza e de lutas por direitos civis; nos
partidos políticos e até mesmo nos centros de formação acadêmica. Desta forma, apresentando
uso corrente e polissêmico é cada vez mais evidente a ampla gama de grupos que hoje se
abrigam sob o guarda-chuva do termo “comunidade”.

Na sociologia contemporânea, um dos autores que mais se destacam por dedicar um


olhar atento à temática comunitária é o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Dono de uma vasta
produção acadêmica, ao todo 29 obras publicadas em idioma português, Bauman é
popularmente reconhecido como um dos teóricos da pós-modernidade. Os trabalhos de Bauman
se destacam, sobretudo, pela dedicação do autor em buscar apreender as razões do mal-estar
cultural de nossa época, assim como compreender a universalização do medo e do sentimento
de insegurança ontológica, derivados da troca da ordem e da segurança pela valoração da
liberdade. Essa, aliás, uma das marcas do autor, a díade pendular segurança e liberdade e as
questões resultantes da tensão entre estes dois valores que emergem e alteram substancialmente
a dinâmica das vidas individuais.

Certo de que o fenômeno comunitário vem desafiar não só a análise sociológica, mas a
ciência social como um todo, procurou-se, então, compreender este fenômeno através das
reflexões de Bauman sobre a modernidade líquida. Tendo em vista a amplitude temática
explorada pelo autor, optou-se, aqui, pelo seguinte recorte: primeiramente precisar o conceito
de Bauman sobre comunidade e as prenoções de senso comum que, segundo o autor, orbitam ao
redor do termo. Posteriormente uma passagem sobre algumas reflexões de Bauman a respeito
da modernidade líquida, privilegiando, sobremaneira, a questão das identidades e a
consequente crise de pertencimento no mundo atual.

1. A comunidade em Bauman
Dentre as reflexões de Bauman sobre os aspectos sui generis do mundo contemporâneo,
a comunidade adquire papel nuclear no pensamento deste autor, sobretudo, por que se destaca
como um dos principais conceitos pelos quais, segundo Bauman (2001), a vida humana se
organiza. Cabe ainda ressaltar que as discussões em torno do conceito de comunidade em
Bauman se prestam também como porta de entrada ao conjunto de questões que constituem e
emolduram a sua modernidade líquida.

Talvez a mais popular tese do autor sobre comunidade refere-se a sua impossibilidade
nos dias atuais. Para Bauman, falar em comunidade na modernidade líquida é um anacronismo,
uma realidade impossibilitada dada a própria “natureza” das sociedades líquido-modernas,
onde os padrões de dependência e interação não adquirem solidez. Num mundo líquido
marcado, como afirma Bauman (2001), pelo esgarçamento do tecido social e pela derrocada das
agências efetivas de ação coletiva, a comunidade, definitivamente, sobrevive apenas como
entidade imaginária, incapaz de se realizar como realidade concreta.

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No entanto, para melhor se compreender o significado da impossibilidade de


comunidade no mundo atual, há de se reconhecer, primeiro, o posicionamento categórico
assumido por Bauman frente ao conceito de comunidade, que em muito, sintoniza-se com
alguns termos do conceito de comunidade fundado na tradição sociológica moderna. A saber,
um destes termos remete a “natureza” do entendimento comunitário e tem como inspiração as
contribuições do sociólogo alemãoFerdinand Tönnies (1855-1936) relativas a clássica distinção
entre dois tipos de arranjo social de natureza muito distinta: a comunidade (Gemeinschaft) e a
sociedade (Gesellschaft).

Outra forte inspiração para as concepções de Bauman sobre comunidade remete as


considerações do antropólogo e etnolinguísta estadunidense Robert Redfield (1897-1958),
sobretudo no tocante a comunidade e alguns aspectos que a definem, tais como distinção,
pequenez e autossuficiência. Na obra intitulada “Comunidade”, Bauman explora esses aspectos
da seguinte maneira:

A escolha dos atributos feita por Redfield [para retratar a unidade comunitária] não é aleatória.
‘Distinção’ significa: a divisão entre ‘nós’ e ‘eles’ é tanto exaustiva quanto disjuntiva, não há casos
‘intermediários’ a excluir, (...) não há problema nem motivo para confusão – nenhuma
ambiguidade cognitiva e, portanto, nenhuma ambivalência comportamental. ‘Pequenez’ significa:
a comunicação entre os de dentro é densa e alcança tudo (...) E ‘autossuficiência’ significa: o
isolamento em relação a ‘eles’ e quase completo, as ocasiões para rompê-lo são poucas e
espaçadas. As três características se unem na efetiva proteção dos membros da comunidade em
relação às ameaças a seus modos habituais (...). (BAUMAN, 2003, p.17 - 18).

Em linhas gerais, a comunidade em Bauman deve ser compreendida como sendo uma
entidade capaz de transformar o entendimento comunitário em um dado “naturalizado”. Desta
forma qualquer reflexão sobre o pertencimento anuncia sérios problemas ao grupo, colocando
em “xeque” a fidelidade dos indivíduos que compõem a coletividade; uma fidelidade, a todo o
momento, ameaçada pelo fantasma da liberdade de escolha. O que os grupos que hoje se
abrigam sob o guarda-chuva comunitário fazem é, a todo o momento, prestar contas ou
derramar-se lírica sobre os fundamentos que constituem o próprio grupo. Para Bauman, a
comunidade “autêntica” é aquela que se mostra “evidente”, vindo sempre antes da escolha
individual. Este posicionamento, levando-se em conta a interpretação do autor sobre as
peculiaridades do mundo contemporâneo, é fundamental para a compreensão do conceito de
comunidade com qual Bauman opera em suas análises sobre o mundo presente e conclui a
impossibilidade de comunidade.

O processo de desmantelamento desta “autêntica” comunidade, em outras palavras, da


comunidade baumaniana, não remonta ao mundo contemporâneo. É um processo que se inicia
com a emergência do mundo moderno, quando com o advento da informática, a informação não
mais se vê, obrigatoriamente, presa aos corpos dos portadores da mensagem, passando então a
viajar numa velocidade muito além da capacidade dos meios mais avançados de transporte.
Com a emancipação do fluxo de informação dos corpos, as barreiras físico-geográficas que
mantinham as comunidades equidistantes e protegidas das ameaças “estrangeiras” se tornaram

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vulneráveis, à medida que estas comunidades passaram a ser facilmente atravessadas,


principalmente, por outras “comunidades de ideias” (BAUMAN, 2005). Desde então, para
Bauman (2003) pensar em comunidade significa que,

[...] toda homogeneidade deve ser ‘pinçada’ de uma massa confusa e variada por via de seleção,
separação e exclusão; toda unidade precisa ser construída; o acordo ‘artificialmente produzido’ é a
única forma disponível de unidade. [A comunidade] Nunca será imune à reflexão, contestação e
discussão; quando muito atingirá o status de um ‘contrato preliminar’, de um acordo que precisa
ser periodicamente renovado, sem que qualquer renovação garanta a renovação seguinte.
(BAUMAN, 2003, p.19)

Portanto, se a modernidade desferiu um golpe mortal na “naturalidade” do


entendimento comunitário, a modernidade líquida, nas considerações de Bauman, significa o
sepultamento definitivo da “autêntica” comunidade. Ao longo da modernidade, a única
experiência bem sucedida e que conseguiu levar adiante o mais “autêntico” estatuto comunitário
foi a comunidade nacional; êxito somente conseguido em razão de sua estreita associação com a
figura do Estado moderno e suas atribuições.

2. O fetiche da comunidade
Independente de sua significação sociológica, o termo comunidade não escapa a
apreensão do senso comum, tampouco deixa de carregar significados e produzir sensações que
passam a ser compartilhados em comum pelo homem na vida cotidiana. Segundo Bauman,

Ela [a comunidade] sugere uma coisa boa: o que quer que ‘comunidade’ signifique, é bom ‘ter uma
comunidade’, ‘estar numa comunidade’. Se alguém se afasta do caminho certo, frequentemente
explicamos sua conduta reprovável dizendo que ‘anda em má companhia’. Se alguém se sente
miserável, sofre muito e se vê persistentemente privado de uma vida digna, logo acusamos a
sociedade- o modo como está organizada e como funciona. As companhias ou a sociedade podem
ser más, mas não a comunidade. Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa. (BAUMAN,
2003, p.07)

Dentro desta visão, fica claro que, para Bauman, existe uma noção comum sobre o
conceito de comunidade. Uma noção que paira o imaginário coletivo e que concebe a
comunidade como “lugar” de conforto, aconchego e, principalmente, de entendimento mútuo e
compartilhamento fraterno.

Dentro deste consenso, a comunidade é percebida como ambiente naturalmente


predisposto a incluir e acomodar relações interpessoais de caráter virtuoso, marcada por laços
de lealdade sólidas e incondicionais. Relações assentadas, sobretudo, no desprezo a qualquer
vínculo pautado pela lógica e princípio racional moderno das relações de custo-benefício. Nesta
comunidade, certamente idealizada, os indivíduos supõem estarem sempre seguros, amparados
pelo grupo e imunes a qualquer falha ou carência individual que não seja recompensada e
prontamente remediada por aqueles que ali compartilham das mesmas intenções. A
comunidade é percebida mais ainda como sendo o ambiente do não constrangimento, da

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solidariedade e da fraternidade. Por quais razões ter vergonha de ser aquilo que se é dentro de
um ambiente comunitário?

A comunidade, portanto, sobrevive no imaginário coletivo como o lugar de prazer. Um


ambiente estimulante ao desenvolvimento das potencialidades individuais sempre conciliáveis
com os interesses da coletividade. Uma percepção de que ela traz consigo um manual prático de
sobrevivência, de como lidar com as incontingências e as eventualidades que persistem em
sabotar as rotinas e os planos individuais de se levar uma vida satisfatória e repleta de prazeres.
É a suposição de que a comunidade funciona como um oráculo, uma fonte de certezas em um
mundo de incertezas, um mapa-mundi que ensina como viver. Esta é a “comunidade”, segundo
Bauman, a que todos os indivíduos do mundo líquido- moderno sonham um dia encontrar.

Esta noção de “comunidade” que se abriga no imaginário dos indivíduos da


modernidade líquida, num primeiro momento, parece se construir de forma diametralmente
oposta a tudo àquilo que concebem como sendo a dimensão da sociedade. Se a comunidade é a
realização do paraíso na Terra, a sociedade é percebida e sentida, cada vez mais, como sinônimo
de riscos e perigos, de insegurança e incertezas. O mundo fora da “comunidade” o que promete é
desabrigo, não um “lar comunal”. É um ambiente de armadilhas, de medo e insegurança.

À comunidade também se associada à ideia de pertencimento. Na atualidade não “ter”


uma comunidade significa não pertencer, estar desprotegido e fadado a viver uma vida de riscos
e incertezas. Por outro lado, pertencer, integrar um grupo e estabelecer vínculos e
compromissos de longo prazo, significa ver-se comprometido com uma escolha, o que significa
abrir mão de parcela da liberdade individual. Eis mais um dos paradoxos e sentimentos de
ambivalência que habitam o mundo líquido-moderno: a comunidade representa um pêndulo
projetado em direção ao valor segurança enquanto o não pertencimento comunitário representa
a liberdade do indivíduo em relação aos vínculos e compromissos estabelecidos a longo prazo.

3. O problema das identidades e a crise de pertencimento


Para Bauman (2005) a identificação vem se tornando cada vez mais importante para os
indivíduos em busca de um “todo” a que fazer parte, um fenômeno diretamente associado ao
processo de “desencaixe” (GIDDENS, 1991) das identidades no mundo atual. Para melhor
compreender este processo tão recente, mas não sui generis na história da modernidade, há de
se ter claro que, dadas as condições do mundo contemporâneo, as forças que serviram ao longo
da modernidade como pontos de orientação coletiva para a construção da identidade não mais
estão obstinadas a empreender, nos dias atuais, semelhante tarefa. A identidade é única e
exclusivamente um problema individual, cabendo apenas ao indivíduo empreender, com os
recursos que lhe cabe, a captura da identidade e não mais construí-la com o cuidado os rigores
necessários à construção de um projeto.

Se as identidades durante a modernidade sólida eram coletivizadas, na modernidade


líquida estão cada vez mais individualizadas. São empreendimentos que não conseguem
demonstrar a aparência de concretude e se darem por completos. A condição em que as
identidades hoje se encontram o que fazem, na concepção de Bauman, é tornar patente a

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fragilidade e a condição eternamente provisória e sempre inconclusa da identidade. Se durante a


modernidade a incompletude da identidade era laboriosamente suprimida, no mundo
contemporâneo, considera Bauman que,

As forças mais determinadas a ocultá-la perderam o interesse, retiraram-se do campo de batalha e


estão contentes com a tarefa de encontrar ou construir uma identidade para nós, homens e
mulheres, individual ou separadamente, e não conjuntamente. A fragilidade e a condição
eternamente provisória da identidade não podem mais ser ocultadas. O segredo foi revelado. Mas
esse é um fato novo, muito recente (BAUMAN, 2005, p.22).

Na modernidade líquida as identidades perderam as âncoras sociais que antes


permitiam que fossem experimentadas com “naturalidade” e dignas de serem consideradas
inegociáveis. Para Bauman estas âncoras sociais podem ser traduzidas pelas antigas afiliações
sociais tradicionalmente atribuídas, tais como raça, gênero, local de nascimento, nacionalidade,
família e classe social. Filiações estas que não mais conseguem significar fonte segura e
suficiente para que delas se extraiam identidades significativas. Em outras palavras são
categorias que não conseguem abarcar as demandas por identificação do mundo atual, e com
isso a tarefa de se construir a identidade torna-se um trabalho de responsabilidade
exclusivamente individual e não mais facilitado pelas possibilidades antes oferecidas pelos
tradicionais grupos de referência de identificação. A razão, segundo Bauman, para o
anuviamento destes grupos como fonte significativa para as identidades deve-se, sobretudo, ao
recente “colapso da hierarquia das identidades” (BAUMAN, 2005).

O desarranjo hierárquico entre as identidades fora causado em grande medida pela


depreciação da identidade nacional e pela relativa perda de poder com a que a mesma tinha em
suprimir toda e qualquer outra fonte de identificação que ameaçasse surrupiar-lhe a posição de
absoluta. O poder e a influência do discurso nacional, no entanto, valeu-se principalmente da
legitimação que lhe eram dados pela forte presença da figura do Estado e de seus aparelhos de
coerção. Foram as instituições do Estado nacional moderno que durante longo período
mostraram-se suficientemente capazes de ocultar a “natureza” evasiva das identidades. Estas
instituições, além de subsidiar a construção identitária, tinham o poder de revigorar e conferir
aos indivíduos a percepção de solidez a todas as demais identidades localizadas abaixo da
hegemonia da identidade nacional.

Contudo, na atualidade, face à sinalização cada vez mais real de rompimento


matrimonial entre Estado e Nação, a última passa a não mais exercer a mesma influência frente
aos grupos de referência antes relegados a invisibilidade. Carente de autoridade e com um
discurso cada vez mais desprovido de legitimação, a nação passa a ver-se entregue apenas ao
poder do convencimento e persuasão, condição que, certamente, não lhe serve de garantia de
êxito quando estreitamente associada à figura do Estado. Sem o seu braço político, a nação,
hoje, vê reduzido o seu potencial mobilizador, à medida que se verifica a diminuição de sua
capacidade decisória e, como consequência, a diminuição da capacidade de reprodução.

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Portanto, com o “colapso da hierarquia das identidades” e a depreciação da identidade


nacional, os indivíduos, em busca de identificação, encontram apenas uma “areia movediça”
onde devem extrair com o máximo de segurança e certeza a tão necessária identidade. As
identidades, em tempos de modernidade líquida, ganharam livre curso e podem ser cada vez
mais livremente imaginadas. No limite, devem ser capturadas em pleno vôo, haja vista estarem
“flutuando no ar”. Empreender tal tarefa contando única e exclusivamente com os esforços e
recursos individuais, de fato, é uma missão a que nem todos são capazes de realizar, e mesmo
para aqueles que possuem uma maior capacidade assertiva de se autoconstruir, a missão se
mostra angustiante, cheia de incertezas, conduz muitas vezes a caminhos contraditórios e
anuncia os horrores de uma busca por identificação a fim de sanar, individualmente, a crise de
pertencimento dos dias atuais.

Com o processo de “desencaixe” das identidades individuais e, por conseguinte, a crise


de pertencimento, cresce a demanda por novos grupos com os quais se possa extrair o
sentimento de pertencimento e junto a isto a noção de totalidade. Em um mundo marcado pela
crescente individualização dos sujeitos e pela “emancipação” do indivíduo dos vínculos sociais, o
que os indivíduos esperam é, ainda que na duração de um flash, extrair destes grupos
ferramentas mais industriosas para o aparelhamento de suas identidades. Identidades que ao
mesmo tempo representam a ambivalência que tanto afeta os indivíduos contemporâneos. De
um lado, a procura pelo pertencimento. Do outro, o pesadelo do comprometimento e a redução
da liberdade de, ininterruptamente, empreender escolhas. Um paradoxo que consome o
indivíduo contemporâneo e que se localiza em diferentes níveis de consciência.

O recolhimento comunal, frente à volatilidade em que se encontram as identidades,


passa, desta forma, a se afigurar como uma das mais sedutoras e oportunas estratégias para o
(re)encaixe das identidades. O que querem os indivíduos na busca pela comunidade é a
experiência de totalidade; uma experiência de que todos os habitantes do mundo líquido sentem
falta de alguma forma, mas que não se encontra ao alcance.

Considerações Finais
Hoje, a busca individual para se alcançar a comunidade traduz-se como a busca pelo
sentimento de pertencimento, algo que, no limite, em tempos de liquidez, é representativo da
ânsia por segurança no mundo atual. Desta forma, pensar o fenômeno comunitário
contemporâneo a partir da leitura de Zygmunt Bauman é reconhecer a existência de um desejo
de comunidade, uma intencionalidade impulsionada pela necessidade sintomática de se aplacar
o sentimento de insegurança individual.

Bauman vem demonstrar que a comunidade, hoje, é apenas uma abstração que reside e
viceja nos sonhos individuais; uma entidade imaginária que não encontra no mundo líquido-
moderno possibilidades reais de se manifestar stricto sensu, ou seja, ser uma realidade a priori
com a capacidade de se “naturalizar” aos olhos dos indivíduos contemporâneos. Em um mundo
onde fazer escolhas é uma fatalidade, a “comunidade” e o pertencimento não escapam aos juízos
individuais, nem tampouco da ação viciante de empreender escolhas, inviabilizando, desta

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forma, qualquer possibilidade de arranjo digno de ser reconhecido por Bauman como arranjo do
tipo comunitário. Nesse sentido, “escolher” pertencer a uma ou outra comunidade, significa
“abrir mão” de outros pertencimentos, ou, em última instância, limitar e escolher uma(s)
identidade(s) em detrimento de outra(s).

Por outro lado, se há entre as mais distintas coletividades um crescente apelo pelo uso
do termo comunidade, isto se deve, sobretudo, em razão das sensações e dos significados que a
palavra comunidade ainda desperta no imaginário dos indivíduos contemporâneos e que, no
mundo líquido-moderno, representam tudo àquilo que mais falta aos indivíduos
contemporâneos: segurança e abrigo contra os efeitos do esgarçamento do tecido social.

NOTAS
*Bruno Hermes de Oliveira Santos é estudante de graduação do curso de Ciências Sociais na
Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). E-mail: bruno_hermes@hotmail.com.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1998.
_______________. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2001.
_______________. Comunidade. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2003.
_______________. Identidade. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2005.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed.Unesp, 1991.
REDFIELD, Robert. The litlle community and peasent society and culture. Chicago:
The University Chicago Press, 1971.
TÖNNIES, Ferdinand. Comunidade e Sociedade. In. MIRANDA, Orlando (org.) Para ler
Ferdinand Tönnies. São Paulo: EDUSP, 1995.

Recebido em 21 de março de 2014


Aprovado em 29 de julho de 2014

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