101manual Prof 3
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CAPÍTULO 3
LAGOS, RIOS
E ESTUÁRIOS
Manuela Morais
Doutor em Biologia, Laboratório da Água, ICAM, Universidade de Évora, Portugal
Paulo Pinto
Doutor em Biologia, Laboratório da Água, ICAM, Universidade de Évora, Portugal
Cecilia Gonçalves
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
Lagos
1. Formação dos lagos
A geomorfologia e o clima influenciam as 1.1 Lagos glaciares
características físicas e químicas dos lagos.
Enquanto que a maior parte dos lagos são for- Há cerca de um milhão e dez mil anos,
mados por eventos catastróficos outros durante a era do Pleistoceno, o nosso planeta
evoluem de uma forma mais gradual (Fig. 1). sofreu quatro glaciações – expansão e recuo
do gelo glaciar sobre a superfície terrestre. Na
era geológica com a máxima cobertura de
gelo, 31.5% da superfície da Terra estava
coberta por glaciares. A última glaciação foi
Lago fluvial
Meandros
Represa natural
Lago artificial
Lagoa
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
Fig. 2. Um dos três lagos glaciares no topo das montanhas Pindos, Grécia. Estes são os lagos glaciares localizados mais a sul, no hemisfério norte. O seu nome
Drakolimnes - lagos do dragão, foi influenciado por mitos e lendas com dragões e deuses que foram surgindo ao longo tempo associados a estes lagos isolados nas mon-
tanhas.
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até ao lençol freático e proporcionando a
existência água em permanência (Fig. 4).
1.7 Lagoas ou Lagos
1.6 “Oxbow” ou lagos Costeiros
fluviais
Os lagos costeiros normalmente resultam
Muitos lagos formaram-se ao longo de da formação de uma zona de deposição de
grandes rios à medida que os sedimentos sedimentos ao longo da foz de um estuário. O
transportados pelo canal principal são depois escoamento do rio e as correntes de maré são
depositados na confluência dos tributários suficientes para evitar a separação completa
(Fig. 5). Como resultado, o tributário inunda o entre o lago e o mar. Desta forma, o lago pode
vale formando-se um lago lateral. Este tipo de conter água doce, salgada ou salobra, depen-
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
O sol fornece a energia que origina os das margens ou do fundo do lago. A produção
ventos na Terra. A energia do vento gera primária em lagos grandes e profundos está
ondas que provocam a mistura vertical da inteiramente dependente da luz transmitida
água nos lagos. A energia da luz transmitida através da água e que possibilita a fotossín-
directamente ao lago, através da radiação tese.
solar, influencia a distribuição dos organismos
e da temperatura da água. As componentes 2.3 Temperatura e
estruturais dos lagos incluem a sua forma e a estratificação
distribuição da luz e do calor.
A água nos lagos apresenta um perfil ver-
2.1 Morfologia tical de temperatura, independente da sua
forma. A luz solar penetra a superfície da água
A forma da bacia de um lago é em grande e é absorvida, fornecendo calor e aquecendo
parte determinada pela sua origem. O tempo a água. No Verão a camada superficial é mais
de retenção hidráulica, definido como o tempo quente e menos densa, em consequência a
necessário para toda a água no lago ser ren- água estratifica, apresentando as camadas
ovada, é uma medida importante na avaliação profundas água mais densa e mais fria (ver
da qualidade ecológica e na detecção de capítulo 1).
poluição.
2.2 Luz
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3. Processos químicos
3.1 Oxigénio 3.2 Nutrientes
imnion, decresce à medida que a temperatura e o fósforo. Em geral, quanto maior a concen-
da água aumenta. Em lagos produtivos (eutrófi- tração de nutrientes maior a actividade fotossin-
cos), a matéria orgânica acumula-se no sedi- tética.
mento de fundo, no hipolimnion. Esta matéria
orgânica acumulada consome oxigénio para a 3.2.1 Azoto
sua decomposição. Consequentemente, o
oxigénio no hipolimnion diminui progressiva- Nos sistemas de água doce o azoto ocorre
mente durante o período de estratificação de em inúmeras formas: na forma molecular dis-
Verão (ver capítulo 1). Por outro lado, à super- solvida (N2); como constituinte de compostos
fície, no epilimnion, durante o dia, o oxigénio orgânicos tais como os aminoácidos; na forma
aumenta devido à fotossíntese realizada pelas de amónia (NH4); de nitritos (NO2); e de
algas em suspensão, pelo contrário à noite nitratos (NO3).
podem-se registar valores próximos da anóxia A fixação do azoto é o processo pelo qual o
(carência de oxigénio) devido à respiração. azoto atmosférico é convertido em formas exis-
tentes na água, como por exemplo, a amónia.
Na natureza, em sistemas não perturbados, a
maior parte do azoto é retirado da atmosfera
por microrganismos formando, amónia, nitritos,
e nitratos, utilizáveis pelas plantas (Fig. 6).
Em lagos produtivos, eutróficos, a anóxia
(carência de oxigénio) contribui para a obser-
vação de níveis mais elevados de amónia e de
Fixação atmosférica nitrito, verificados sobretudo na zona do
(NH3, NO3, NO2) Fixação
N2 Decomposição hipolimnion, em profundidade. Pelo contrário,
nos lagos oligotróficos, as concentrações de
Fertilizantes e efluentes oxigénio mais elevadas permitem a passagem
(NH3, NO3, NO2)
da amónia a nitratos, resultando em baixas con-
centrações de nitritos e de amónia comparativa-
Escorrência NH3 mente com as concentrações tendencialmente
assimilação NH3
pelas algas mais elevadas de nitratos.
e bactérias NO2 NO2
Assimilação
NO3 pelas plantas
NO3
Decomposição
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
3.2.2 Fósforo
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4. Lago - conceito de ecossistema
Os lagos apresentam uma faixa muito b) Zona eufótica é a zona que se estende
produtiva, situada entre a área de drenagem desde a superfície do lago até onde o nível de
do sistema terrestre e a massa de água prin- luz é 1% do nível à superfície. As comu-
cipal. Esta faixa litoral apresenta uma grande nidades biológicas correspondentes são os
variedade de plantas, desde matos e arbustos peixes e o plâncton.
com raiz até espécies de macrófitas submer- c) A zona profunda está posicionada por
sos e flutuantes. Esta faixa litoral, muito com- baixo da zona litoral e da zona eufótica, no
plexa, é extremamente importante na regu- fundo do lago, onde os níveis de luz são
lação do metabolismo dos lagos. Uma vez demasiado baixos para a realização da foto-
que a maioria dos lagos são pequenos e rela- ssíntese. A este nível de profundidade o
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
tivamente pouco profundos, a zona litoral reg- oxigénio é consumido pelas bactérias respon-
ula a sua produtividade. Esta faixa de inter- sáveis pela decomposição da matéria orgâni-
face muito complexa, representa o habitat ca.
menos compreendido dos ecossistemas d) Zona pelágica ou limnética corre-
lacustres e um lago pode subdividir-se em sponde à coluna de água para além da
várias zonas conhecidas no seu conjunto por influência da linha de margem, acima da zona
zonação lacustre (Fig. 9). profunda
As fronteiras entre as diferentes zonas
4.1 Zonação lacustre variam diariamente e sazonalmente com as
alterações da radiação solar e da transparên-
a) A zona litoral estende-se desde a cia da água. Normalmente ocorre uma
margem do lago sob influência das ondas, até diminuição da transparência da água quando
uma profundidade onde a luz é praticamente surgem “florescências de algas” (i.e. quando a
insuficiente para o crescimento das algas densidade total é superiores a 2000
unicelulares que colonizam o sedimento (o células/ml) e quando partículas de sedimento,
perifiton) e para o desenvolvimento das plan- originadas por erosão das margens, entram
tas com raiz (macrófitas). No sedimento de nos ecossistemas aquáticos.
fundo vivem pequenos animais, os macroin-
vertebrados bentónicos.
Zona pelágica
Zona litoral zone ou limnética
Zona litoral
Perifiton
Zona eufótica
Zooplacton e
Macrófitas Fitoplancton
Fotossíntese = Respiração
Bentos
Fig. 9. As 4 principais zonas num lago e as comunidades associadas de acordo com o conceito de zonação
lacustre.
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
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Sistemas de águas correntes
1. Classificação dos sistemas de
águas corrente
Os sistemas de águas correntes, rios e frequentes e menos regulares que os rios do tipo
ribeiras, ocorrem sob uma vasta gama de sazonal.
condições diferentes de vegetação, topografia e
geologia. Contudo, todas estas condições estão 1.4 Rios sazonais
ligadas pelo efeito da precipitação e da evapo-
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
ração que afecta as suas bacias de drenagem. É Apresentam anualmente períodos secos e
útil classificar as águas correntes de acordo com com água corrente, em função da estação do
a disponibilidade de água em termos de previsi- ano. Enchem durante o período húmido e secam
bilidade e permanência. Neste contexto, os rios previsivelmente no final da Primavera princípio de
podem ser classificados desde os sistemas Verão. A água superficial mantém-se durante
menos previsíveis, menos permanentes, meses, o tempo suficiente para os organismos
efémeros e episódicos até aos sistemas mais macroscópicos completarem as fases aquáticas
previsíveis, sazonais e permanentes. dos seus ciclos de vida.
O caudal pode ser determinado pelo profundidade média (P). Assim, o caudal (Q,
produto da secção de área atravessada (m2) m3/s) é: Q= LPV
pela velocidade média da corrente (V, m/s). Na prática, o caudal é obtido dividindo o
Desta forma, as suas unidades são m3/s. rio em segmentos e somando o caudal par-
A secção de área atravessada num rio é cal- cial estimado para os diferentes segmentos.
culada pela largura (L) multiplicada pela
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
Fig. 12. Banco de depósito formado por gravilha. Bacia do Guadiana, sul de Fig. 13. Um rio com canais móveis por onde escoa a água.
Portugal.
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No canal de um rio a água não escoa reg-
ularmente da mesma forma. Por exemplo, os
rápidos (Fig. 14) e as quedas de água (Fig. 15),
formam-se devido ao declive do segmento do
rio e à presença de rochas e substrato gros-
seiro no leito do rio. Em rios de cabeceira,
muitos canais fluviais consistem em sequências
de zonas de fluxo rápido com água turbulenta
denominadas rápidos, seguidos por zonas
intermédios onde a água escoa uniformemente
e por zonas de deposição com escoamento da
água não perceptível (Caixa 3).
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
Zona onde a corrente é rápida apesar de poder apresentar diferentes intensidades mas sempre com pro-
fundidades reduzidas o que provoca turbulência. O substrato do leito do rio é constituído por materiais
grosseiros, rocha, pedras e gravilha. Estes materiais proporcionam uma variedade de refúgios para os
Rápidos organismos com condições estáveis até serem arrastados pela corrente. Como resultado da corrente
rápida, as partículas em suspensão são transportadas pelo fluxo de água. Devido à intensidade da cor-
rente os habitats de rápidos são bem oxigenados e geralmente apresentam uma grande disponibilidade
de alimento. Por estas razões estes habitats tendem a manter elevados níveis de biodiversidade.
Zonas de água corrente com maiores profundidades e com menor velocidade de corrente, o que propor-
ciona a sedimentação de partículas de reduzida dimensões, tais como areia e gravilha. Em consequên-
cia, desenvolve-se um habitat mais uniforme, não fornecendo a mesma diversidade de refúgios. O escoa-
Escoamento uniforme mento de água mais elevado na Primavera e as enxurradas, podem arrastar as partículas do substrato
e qualquer organismo que aí viva. Por outro lado, em situações em que a luz solar penetra até ao fundo
desenvolve-se uma película típica de biofilme. Uma vez que estes habitats são menos estáveis, com o
sedimento facilmente arrastado, desenvolvem menor biodiversidade.
São zonas mais profundas e de corrente lenta; característica que conduz a um sedimento uniforme com
partículas de reduzida dimensão, tais como areias e silte. Estes materiais fornecem espaços e superfí-
cies colonizáveis muito limitadas para os organismos. Complementarmente, estes materiais são facil-
mente arrastados por eventos de enxurrada o que faz com que sejam periodicamente substituídos por
Escoamento não perceptível depósitos provenientes de montante. Contudo, são refúgios valiosos para os peixes, uma vez que ten-
dem a manter-se frescos junto ao fundo e encontram-se frequentemente próximo de margens com veg-
etação, o que lhes fornece protecção de predadores. Em zonas mais profundos, a luz pode não chegar
até ao fundo do rio o que impede que as plantas se desenvolvam. Comparando com os outros dois habi-
tats, estas zonas mantêm uma biodiversidade limitada.
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microrganismos (fungos e bactérias). Estes
Baixa retenção microrganismos tornam a folha mais apetecível
Eutrófico
aos invertebrados (detrítivoros) ao mesmo
Elevada retenção
tempo que digerem parcialmente o tecido foliar.
Oligotrófico
Sentido da corrente As algas unicelulares podem também colo-
Eficiência do ciclo/espiral
Matéria Matéria
Orgânica Orgânica
Particulada Grossa Particulada Fina
Predadores
Fig. 17. Modelo simplificado da estrutura trófica funcional num rio, mostrando os principais componentes biológi-
cos, fontes de energia e transferências de matéria orgânica. A importância relativa das transferências irá diferir
de rio para rio e de segmento para segmento em função da sua posição ao longo do curso longitudinal do rio.
As setas azuis mais grossas correspondem à contribuição do sistema terrestre. As setas azuis finas correspon-
dem ao fluxo directo de energia ao longo da cadeia alimentar. As setas castanhas a ponteado mostram as difer-
entes origens da matéria orgânica particulada fina (MOPF).
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
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Detrítivoros
MOPG Fitófagos
P/R<1 Predadores
Microrganismos Colectores
Colectores
Macrófitas
Ordem do rio
P/R<1 Detrítivoros
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
Predadores
Fitófagos
Microrganismos
Microrganismos
MOPF
P/R<1 Predadores
Colectores
Fitoplancton
Zooplancton
Fig. 18. Relação entre a dimensão dos segmentos do rio (ordem), as fontes de energia e o funcionamento do
ecossistema, segundo o modelo do Contínuo Lótico (Vannote et al., 1980)
À medida que o rio aumenta de tamanho, a são resultante do excesso de produção da zona
influência da floresta circundante diminui, o a montante. Este material em suspensão limita a
ensombramento e a entrada de matéria orgânica penetração da luz. A comunidade bentónica está
particulada grossa diminui e a influência da luz em grande parte formada por colectores fil-
solar aumenta, o que resulta numa produção tradores e escavadores. Não estão presentes os
algal significativa. Os colectores são tão detrítivoros nem os fitófagos. Ao longo do contín-
numerosos como a montante, apesar de estarem uo, a proporção de predadores, nomeadamente
representados por espécies diferentes. A maior de peixes, permanece relativamente constante
alteração ocorre na inversão do número detrítivo- embora com espécies diferentes
ros, relativamente ao número de fitófagos. A Este modelo do Contínuo Lótico demonstra a
matéria orgânica particulada grossa reduz-se e sequência natural dos processos. Contudo, per-
as algas abundantes; em consequência os detrí- turbações tais como desflorestação e construção
tivoros são raros e os fitófagos são mais de represas no rio, interrompem as condições
numerosos. As plantas aquáticas (macrófitos) tor- naturais, e podem conduzir a perturbações irre-
nam-se mais abundantes com o aumento da versíveis.
largura do rio, particularmente nos rios de planície
onde o reduzido gradiente e os sedimentos mais
finos criam condições favoráveis ao seu desen-
volvimento. Mais para jusante, a entrada de
matéria orgânica com origem no sistema terrestre
não é significativa. A água apresenta grandes
concentrações de matéria orgânica em suspen-
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
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Estuários lagunares Estuários
1. Classification of
Sand split
Banco de
areia
Rio
Banco de
Mar
estuaries
areia
1. Classificação de
estuários
Fiorde
C D
Escarpa
Barreira
Fiorde Mar
A B
Barreira
Fiorde
Fig. 19. Tipos de estuários de acordo com a sua origem. À esquerda encontra-se a vista superior e à direita a secção transversal assinalada por letras no esquema da
esquerda.
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
2. Habitats inter-tidais
Os habitats inter-tidais são zonas húmidas
situadas entre a linha da praia-mar e da baixa-
mar, tanto em estuários como em zonas
costeiras. Os organismos que habitam estas
zonas encontram-se sujeitos a acentuadas flutu-
ações de parâmetros ambientais, tal como a
salinidade. Algumas destas zonas inter-tidais são
muito produtivas, sendo importantes habitats
para a fauna e flora. Bancos vasosos, sapais e
mangais são importantes habitats inter-tidais.
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3. Principais características de um
estuário
direcção ao mar. Os sedimentos dos deltas, de dependem dos habitats estuarinos para
um modo geral, são finos, apresentando pre- viverem, alimentarem-se e reproduzirem-se. Os
dominância de silte e de argila, com reduzida estuários são importantes para aves
presença de areias. As margens dos canais for- migratórias, que os usam como zonas de des-
mados nos deltas permitem a existência de canso e de recuperação das longas distâncias
zonas pouco profundas capazes de suportar percorridas e para os peixe e marisco que aí
coberturas densas de plantas vasculares. encontram locais protegidos para desovarem.
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
3.3.2 Fauna
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4. Fluxo de nutrientes num estuário
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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários
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