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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

33
CAPÍTULO 3

LAGOS, RIOS
E ESTUÁRIOS
Manuela Morais
Doutor em Biologia, Laboratório da Água, ICAM, Universidade de Évora, Portugal

Paulo Pinto
Doutor em Biologia, Laboratório da Água, ICAM, Universidade de Évora, Portugal

Cecilia Gonçalves
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

Bióloga, Professora do Ensino Secundário, Direcção Regional de Educação do Alentejo, Ministério de


Educação, Portugal

Lagos
1. Formação dos lagos
A geomorfologia e o clima influenciam as 1.1 Lagos glaciares
características físicas e químicas dos lagos.
Enquanto que a maior parte dos lagos são for- Há cerca de um milhão e dez mil anos,
mados por eventos catastróficos outros durante a era do Pleistoceno, o nosso planeta
evoluem de uma forma mais gradual (Fig. 1). sofreu quatro glaciações – expansão e recuo
do gelo glaciar sobre a superfície terrestre. Na
era geológica com a máxima cobertura de
gelo, 31.5% da superfície da Terra estava
coberta por glaciares. A última glaciação foi

Lago caldeira Lago glaciar


Lago tectónico

Lago fluvial
Meandros

Represa natural

Lago artificial
Lagoa

Fig. 1. Diferentes origens de lagos

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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

Fig. 2. Um dos três lagos glaciares no topo das montanhas Pindos, Grécia. Estes são os lagos glaciares localizados mais a sul, no hemisfério norte. O seu nome
Drakolimnes - lagos do dragão, foi influenciado por mitos e lendas com dragões e deuses que foram surgindo ao longo tempo associados a estes lagos isolados nas mon-
tanhas.

responsável pela modelação da paisagem nas 1.3 Lagos formados por


regiões temperadas do norte. O gelo glaciar barreiras naturais
poliu as superfícies rochosas relativamente
lisas, causando a formação de um vasto Estes lagos formam-se em vales de rios por
número de pequenos lagos. Estes lagos são trás de barreiras criadas por deslizamentos de
particularmente comuns em regiões montan- terras e materiais rochosos. Grandes quanti-
hosas onde os movimentos glaciares dades de material rochoso não consolidado
removeram o material rochoso desagregado. deslizam para o sopé dos vales, represando
Quando os glaciares recuaram, as bacias os rios e criando lagos. É um tipo de lago
rochosas formadas encheram-se com água muitas vezes transitório, existindo apenas
do degelo. Estes lagos glaciares podem ser durante algumas semanas ou meses. Muitas
encontrados em vários locais da Europa (Fig. cheias com efeitos catastróficas resultaram da
2). rápida remoção do material da represa devido
à força do próprio rio.
1.2 Lagos tectónicos
1.4 Lagos vulcânicos
As bacias tectónicas são depressões for-
madas por movimentos das zonas mais pro- Eventos relacionados com a actividade vul-
fundas da crosta terrestre. Entre estes pode- cânica podem gerar bacias de lagos. As
se referir, no Leste da Sibéria, o Lago Baikal, bacias formadas pelo abatimento do telhado
o mais profundo do mundo, que foi formado de uma câmara magmática parcialmente
no início do período Terciário à aproximada- vazia são chamadas caldeiras. A Lagoa das
mente 65 milhões a 1.8 milhões de anos. O Sete Cidades nos Açores é o exemplo mais
lago Baikal e outros lagos tectónicos têm um espectacular deste tipo de lago (Fig. 3).
interesse particular para compreendermos a 1.5 Lagos Cársicos
evolução da vida na Terra porque mantêm um
grande número de antigas espécies endémi- Os lagos cársicos são comuns em regiões
cas. calcárias do planeta, nomeadamente nas
Os movimentos na crosta da Terra regiões cársicas do Adriático, da Península
causaram um levantamento moderado do leito Balcânica e dos Alpes, na Europa central. As
marinho, isolando várias bacias de grandes bacias cársicas são quase circulares e de
lagos. A antiga bacia marinha da Europa de forma cónica profunda, desenvolvendo-se à
Este foi elevada e dividida pela formação de medida que o calcário solúvel é corroído pela
uma crista montanhosa que isolou o Mar chuva. Normalmente, as depressões criadas
Cáspio de um lado e o Mar Aral do outro. são suficientemente profundas, estendo-se

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até ao lençol freático e proporcionando a
existência água em permanência (Fig. 4).
1.7 Lagoas ou Lagos
1.6 “Oxbow” ou lagos Costeiros
fluviais
Os lagos costeiros normalmente resultam
Muitos lagos formaram-se ao longo de da formação de uma zona de deposição de
grandes rios à medida que os sedimentos sedimentos ao longo da foz de um estuário. O
transportados pelo canal principal são depois escoamento do rio e as correntes de maré são
depositados na confluência dos tributários suficientes para evitar a separação completa
(Fig. 5). Como resultado, o tributário inunda o entre o lago e o mar. Desta forma, o lago pode
vale formando-se um lago lateral. Este tipo de conter água doce, salgada ou salobra, depen-
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

lagos laterais ocorre especialmente nas zonas dendo das marés.


de cabeceira das bacias de drenagem.
À medida que um rio meanderiza ao longo da
sua planície aluvial, a turbulência provoca a
erosão no lado côncavo da curva do rio,
enquanto que do lado convexo, onde a cor-
rente e a turbulência da água são reduzidas,
ocorre deposição. Por vezes um meandro
curva tanto que se torna quase uma volta
completa. Neste caso o rio cria um novo canal
entre o início e o fim da volta, cortando o
meandro e formando um lago fluvial ou um
“Oxbow” (Fig.5).

Fig. 3. Um lago vulcânico. Lagoa das Sete Cidades, Açores, Portugal.

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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

Fig. 4. O lago Kournas na Ilha de Creta, Grécia.

2. Morfologia, luz e temperatura

O sol fornece a energia que origina os das margens ou do fundo do lago. A produção
ventos na Terra. A energia do vento gera primária em lagos grandes e profundos está
ondas que provocam a mistura vertical da inteiramente dependente da luz transmitida
água nos lagos. A energia da luz transmitida através da água e que possibilita a fotossín-
directamente ao lago, através da radiação tese.
solar, influencia a distribuição dos organismos
e da temperatura da água. As componentes 2.3 Temperatura e
estruturais dos lagos incluem a sua forma e a estratificação
distribuição da luz e do calor.
A água nos lagos apresenta um perfil ver-
2.1 Morfologia tical de temperatura, independente da sua
forma. A luz solar penetra a superfície da água
A forma da bacia de um lago é em grande e é absorvida, fornecendo calor e aquecendo
parte determinada pela sua origem. O tempo a água. No Verão a camada superficial é mais
de retenção hidráulica, definido como o tempo quente e menos densa, em consequência a
necessário para toda a água no lago ser ren- água estratifica, apresentando as camadas
ovada, é uma medida importante na avaliação profundas água mais densa e mais fria (ver
da qualidade ecológica e na detecção de capítulo 1).
poluição.

2.2 Luz

As plantas aquáticas, ou sejam, os produ-


tores primários, apenas existem em profundi-
dade até onde penetra a luz solar. A produtivi-
dade do lago depende da espessura desta
zona.
Os elementos de estrutura do lago, que
envolvem a penetração da luz, são muitas Fig. 5. Formação de um “oxbow” ou lago fluvial
vezes usados para descrever as condições

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3. Processos químicos
3.1 Oxigénio 3.2 Nutrientes

A difusão do oxigénio da atmosfera para a A concentração de nutrientes num lago tem


água é um processo relativamente lento. O per- uma importância fundamental na determinação
fil vertical do oxigénio na água de um lago é das suas comunidades biológicas. Os produ-
condicionado pela estratificação térmica de tores primários tais como as algas unicelulares
Verão, dependendo a variação vertical da pro- e as plantas superiores, os macrófitas, depen-
dutividade de cada lago. Nos lagos de baixa dem da disponibilidade de nutrientes para o seu
produtividade (oligotróficos), a concentração desenvolvimento. Os principais nutrientes que
em oxigénio na camada superficial, o epil- os produtores primários necessitam são o azoto
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

imnion, decresce à medida que a temperatura e o fósforo. Em geral, quanto maior a concen-
da água aumenta. Em lagos produtivos (eutrófi- tração de nutrientes maior a actividade fotossin-
cos), a matéria orgânica acumula-se no sedi- tética.
mento de fundo, no hipolimnion. Esta matéria
orgânica acumulada consome oxigénio para a 3.2.1 Azoto
sua decomposição. Consequentemente, o
oxigénio no hipolimnion diminui progressiva- Nos sistemas de água doce o azoto ocorre
mente durante o período de estratificação de em inúmeras formas: na forma molecular dis-
Verão (ver capítulo 1). Por outro lado, à super- solvida (N2); como constituinte de compostos
fície, no epilimnion, durante o dia, o oxigénio orgânicos tais como os aminoácidos; na forma
aumenta devido à fotossíntese realizada pelas de amónia (NH4); de nitritos (NO2); e de
algas em suspensão, pelo contrário à noite nitratos (NO3).
podem-se registar valores próximos da anóxia A fixação do azoto é o processo pelo qual o
(carência de oxigénio) devido à respiração. azoto atmosférico é convertido em formas exis-
tentes na água, como por exemplo, a amónia.
Na natureza, em sistemas não perturbados, a
maior parte do azoto é retirado da atmosfera
por microrganismos formando, amónia, nitritos,
e nitratos, utilizáveis pelas plantas (Fig. 6).
Em lagos produtivos, eutróficos, a anóxia
(carência de oxigénio) contribui para a obser-
vação de níveis mais elevados de amónia e de
Fixação atmosférica nitrito, verificados sobretudo na zona do
(NH3, NO3, NO2) Fixação
N2 Decomposição hipolimnion, em profundidade. Pelo contrário,
nos lagos oligotróficos, as concentrações de
Fertilizantes e efluentes oxigénio mais elevadas permitem a passagem
(NH3, NO3, NO2)
da amónia a nitratos, resultando em baixas con-
centrações de nitritos e de amónia comparativa-
Escorrência NH3 mente com as concentrações tendencialmente
assimilação NH3
pelas algas mais elevadas de nitratos.
e bactérias NO2 NO2
Assimilação
NO3 pelas plantas
NO3
Decomposição

N2 NH4 NO2 NO3


Para Água subterrânea
Denitrification

Fig. 6. O ciclo do azoto, mostrando as principais transferências e os diferentes habitats envolvidos.

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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

3.2.2 Fósforo

O fósforo é um dos principais elementos Atmosfera


limitantes para as plantas apesar de ser
necessário em pequenas quantidades. Em con-
traste com as diferentes formas de azoto num
lago, a forma mais significativa de fósforo Solo
PO4 Organismos
inorgânico é o ortofosfato (PO4) (Fig. 7).
As plantas aquáticas com raízes obtêm as PO4 asimilado pelas algas
concentrações necessárias de ortofosfato a PO4 dissolvido e
partir dos sedimentos, podendo posteriormente suspenso
PO4 dissolvido e
libertar fósforo para a água. Elevadas entradas suspenso
de fósforo orgânico e inorgânico (fósforo total),
P total
nos ecossistemas aquáticos, ocorrem devido à Sedimentos
erosão de partículas das encostas íngremes
com solos facilmente erodíveis. O fósforo é rap-
idamente adsorvido pelas partículas de solo
Fig. 7. O ciclo do fósforo, mostrando as principais transferências e os diferentes habitats envolvidos
não sendo facilmente libertado para a água. Na
Primavera e no Verão, o desenvolvimento inten-
so de algas unicelulares, “florescência algal”
(i.e. quando a densidade total de uma espécie é
superiores a 2000 células/ml, contribui para a
diminuição da concentração de ortofosfato na
água.
Os efluentes provenientes da agricultura e
das actividades domésticas e industriais são as
principais fontes de entrada de fósforo num sis-
tema aquático e contribuem frequentemente
para os elevados níveis de nutrientes regista- Entrada de detritos orgânicos
dos nalguns lagos, ou seja, para a eutrofização,
o que desencadeia o desenvolvimento de “flo-
rescências algais”.

3.2.3 Carbono e Assimilação pelos Água subterrânea e escoa-


decomposição da organismos mento superficial
matéria orgânica Plantas POC
aquáticas

São diversas as fontes e a composição da Escorrência de água subterrânea


profunda
matéria orgânica. Na grande maioria dos lagos o
carbono orgânico dissolvido provem da decom- Decomposição
posição do material vegetal com origem no sis-
tema terrestre e que entra no sistema aquático
Fig. 8. Ciclo do carbono. O diagrama mostra a importância do carbono alóctone proveniente da bacia de
através das águas de escorrência. Este car- drenagem (árvores e águas subterrâneas).
bono, produzido fora do sistema aquático, é
denominado de carbono alóctone. Todavia, o
lago produz o seu próprio carbono através das
plantas aquáticas, ficando este disponível após
a decomposição efectuada dentro do sistema. A
este chamamos carbono autóctone porque é
produzido dentro do lago (Fig. 8).

39
4. Lago - conceito de ecossistema
Os lagos apresentam uma faixa muito b) Zona eufótica é a zona que se estende
produtiva, situada entre a área de drenagem desde a superfície do lago até onde o nível de
do sistema terrestre e a massa de água prin- luz é 1% do nível à superfície. As comu-
cipal. Esta faixa litoral apresenta uma grande nidades biológicas correspondentes são os
variedade de plantas, desde matos e arbustos peixes e o plâncton.
com raiz até espécies de macrófitas submer- c) A zona profunda está posicionada por
sos e flutuantes. Esta faixa litoral, muito com- baixo da zona litoral e da zona eufótica, no
plexa, é extremamente importante na regu- fundo do lago, onde os níveis de luz são
lação do metabolismo dos lagos. Uma vez demasiado baixos para a realização da foto-
que a maioria dos lagos são pequenos e rela- ssíntese. A este nível de profundidade o
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

tivamente pouco profundos, a zona litoral reg- oxigénio é consumido pelas bactérias respon-
ula a sua produtividade. Esta faixa de inter- sáveis pela decomposição da matéria orgâni-
face muito complexa, representa o habitat ca.
menos compreendido dos ecossistemas d) Zona pelágica ou limnética corre-
lacustres e um lago pode subdividir-se em sponde à coluna de água para além da
várias zonas conhecidas no seu conjunto por influência da linha de margem, acima da zona
zonação lacustre (Fig. 9). profunda
As fronteiras entre as diferentes zonas
4.1 Zonação lacustre variam diariamente e sazonalmente com as
alterações da radiação solar e da transparên-
a) A zona litoral estende-se desde a cia da água. Normalmente ocorre uma
margem do lago sob influência das ondas, até diminuição da transparência da água quando
uma profundidade onde a luz é praticamente surgem “florescências de algas” (i.e. quando a
insuficiente para o crescimento das algas densidade total é superiores a 2000
unicelulares que colonizam o sedimento (o células/ml) e quando partículas de sedimento,
perifiton) e para o desenvolvimento das plan- originadas por erosão das margens, entram
tas com raiz (macrófitas). No sedimento de nos ecossistemas aquáticos.
fundo vivem pequenos animais, os macroin-
vertebrados bentónicos.

Zona pelágica
Zona litoral zone ou limnética
Zona litoral

Perifiton

Zona eufótica
Zooplacton e
Macrófitas Fitoplancton

Zona profunda Zona sem luz

Fotossíntese = Respiração
Bentos

Fig. 9. As 4 principais zonas num lago e as comunidades associadas de acordo com o conceito de zonação
lacustre.

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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

CAIXA 1 UTILIZAÇÃO DE PLANTAS


AQUÁTICAS PELO HOMEM

Os macrófitos foram bastante úteis ao


homem ao longo dos séculos, fornecendo
alimento, medicamentos e materiais de con-
strução. Os antigos egípcios colhiam regu-
larmente os lírios de água (Nymphaea spp.)
(Fig. 10) para consumo humano. Herodatus,
um historiador grego, descreveu a seguinte
prática no século quinto AC “os lírios eram
secos e as sementes eram trituradas ou
moídas em farinha para fazer pão”
Fig. 10. Lírios de água (Nymphea alba) no lago
Kerkini, Norte da Grécia.

4.2 Comunidades processo evolutivo se adaptaram ao ambiente


Associadas aquático. O termo "macrófitas" refere-se a
todas as plantas suficientemente grandes
a) A comunidade de plâncton é a fracção para serem visíveis a olho nu, não só plantas
viva que existe na água e é passivamente com flor mas também fetos, briófitas e algas
movido pelo vento ou pela corrente. É com- macroscópicas.
posto por algas unicelulares – o fitoplâncton – d) Os macroinvertebrados bentónicos
que são os produtores primários por excelên- vivem no sedimento do fundo dos lagos. Estes
cia em ecossistemas lacustres. A componente pequenos animais aquáticos são maiores que
animal nutricionalmente dependente do fito- uma cabeça de alfinete (cerca de cinco
plâncton é o zooplâncton. O fitoplâncton posi- microns). Tal como as bactérias, estes organ-
ciona-se, assim, na base das cadeias ali- ismos são importantes no processamento e
mentares dos sistemas aquáticos. Está por decomposição da matéria orgânica, propor-
sua vez dependente das actividades de outros cionado alimento a outras comunidades
microrganismos, principalmente bactérias, aquáticas.
que convertem a matéria orgânica nos nutri- e) Os peixes são vertebrados e os habi-
entes inorgânicos necessários às plantas. Os tantes mais conhecidos dos sistemas de água
constituintes do fitoplâncton são algas doce. Os peixes são os maiores predadores
unicelulares. dos lagos. A pesca de água doce é importante
b) As algas unicelulares podem também para uso doméstico e comercializada em todo
crescer no sedimento de fundo, na zona o mundo.
litoral, e, juntamente com outras comunidades
como os fungos e bactérias, constituindo o
perifiton.
c) os macrófitos são plantas aquáticas.
São descritas como aquáticas porque as
partes da planta envolvidas na fotossíntese
estão submersas ou flutuam à superfície da
água permanentemente ou pelo menos
durante alguns meses por ano. Na sua maior-
ia, são plantas terrestres que ao longo do seu

41
Sistemas de águas correntes
1. Classificação dos sistemas de
águas corrente
Os sistemas de águas correntes, rios e frequentes e menos regulares que os rios do tipo
ribeiras, ocorrem sob uma vasta gama de sazonal.
condições diferentes de vegetação, topografia e
geologia. Contudo, todas estas condições estão 1.4 Rios sazonais
ligadas pelo efeito da precipitação e da evapo-
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

ração que afecta as suas bacias de drenagem. É Apresentam anualmente períodos secos e
útil classificar as águas correntes de acordo com com água corrente, em função da estação do
a disponibilidade de água em termos de previsi- ano. Enchem durante o período húmido e secam
bilidade e permanência. Neste contexto, os rios previsivelmente no final da Primavera princípio de
podem ser classificados desde os sistemas Verão. A água superficial mantém-se durante
menos previsíveis, menos permanentes, meses, o tempo suficiente para os organismos
efémeros e episódicos até aos sistemas mais macroscópicos completarem as fases aquáticas
previsíveis, sazonais e permanentes. dos seus ciclos de vida.

1.1 Rios efémeros 1.5 Rios permanentes

Só se formam depois da ocorrência de chu- Apresentam água corrente permanente ape-


vas imprevisíveis. A água superficial seca passa- sar do nível puder variar. As suas comunidades
dos alguns dias e raramente suportam vida não toleram a falta de água.
aquática macroscópica.

1.2 Rios episódicos

Estão secos a maior parte do ano com cau-


dal superficial raro e irregular que pode persistir
durante meses.

1.3 Rios intermitentes

Apresentam alternadamente períodos secos


e com caudal superficial, sendo contudo menos

CAIXA 2 DETERMINAÇÂO DO CAUDAL

O caudal pode ser determinado pelo profundidade média (P). Assim, o caudal (Q,
produto da secção de área atravessada (m2) m3/s) é: Q= LPV
pela velocidade média da corrente (V, m/s). Na prática, o caudal é obtido dividindo o
Desta forma, as suas unidades são m3/s. rio em segmentos e somando o caudal par-
A secção de área atravessada num rio é cal- cial estimado para os diferentes segmentos.
culada pela largura (L) multiplicada pela

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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

2. Processos físicos em sistemas de


águas correntes

2.1 Escoamento e for-


mação de canais fluviais

A água escoa no sentido descendente do Escoamento superficial


terreno utilizando diferentes vias (Fig. 11). O
Escoamento intersticial
clima, a vegetação, a topografia, a geologia, o Escoamento intersticial
uso do solo e outras características, determi-
nam a quantidade de escoamento superficial
que atinge o canal de uma linha de água. Nível Freático
A corrente de um rio define-se como o
Fluxo de água
movimento da água para jusante. A corrente subterrânea
determina a extensão da erosão no canal, a
quantidade de deposição de partículas e a
Fig. 11. Vias de escoamento de água para o canal de uma linha de água
natureza dos sedimentos e comunidades
biológicas presentes num determinado seg-
mento de rio. A velocidade de corrente é com- mentos é responsável por diferentes estruturas
plexa uma vez que o movimento da água não é existentes nos rios. Os bancos de depósito, por
homogéneo ao longo de todo o canal; carac- exemplo, são zonas alongadas de acumulação
terística que resulta dos vários graus de atrito de sedimento (Fig. 12). Os rios que transportam
exercidos pela água enquanto flúi pelo leito do grandes quantidades de sedimentos (carga alu-
canal do rio. A velocidade pode medir-se uti- vial, podem formar diferentes canais, separa-
lizando medidores de corrente sofisticados ou, dos por bancos de areia alongados e por ilhas
de uma forma mais simples, medindo o tempo (Fig. 13).
percorrido por um objecto flutuante ao longo de Durante a maior parte do ano, o caudal é
uma determinada distância. demasiado baixo para moldar canais ou mover
O caudal é o volume total de água que uma grande quantidade de sedimentos.
atravessa uma secção de rio num determinado Contudo, as enxurradas podem mudar dramati-
período de tempo (Caixa 2). camente este processo; podem-se formar
A quantidade de sedimentos transportada canais e a água pode transportar grandes quan-
aumenta com o caudal. A deposição de sedi- tidades de sedimento.

Fig. 12. Banco de depósito formado por gravilha. Bacia do Guadiana, sul de Fig. 13. Um rio com canais móveis por onde escoa a água.
Portugal.

43
No canal de um rio a água não escoa reg-
ularmente da mesma forma. Por exemplo, os
rápidos (Fig. 14) e as quedas de água (Fig. 15),
formam-se devido ao declive do segmento do
rio e à presença de rochas e substrato gros-
seiro no leito do rio. Em rios de cabeceira,
muitos canais fluviais consistem em sequências
de zonas de fluxo rápido com água turbulenta
denominadas rápidos, seguidos por zonas
intermédios onde a água escoa uniformemente
e por zonas de deposição com escoamento da
água não perceptível (Caixa 3).
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

2.2 Rios meandrizados

Os rios não são lineares, percorrendo pelo


menos uma vez e meia mais do que a distância
Fig. 15. Quedas de água. Ribeira de Arronches, Bacia
do Guadiana no sul de Portugal linear da nascente até à foz, seguindo um
padrão de curvas e voltas denominadas mean-
dros. Uma única curva apresenta uma margem
côncava exterior onde a corrente é mais rápida
e predomina a erosão e na banco convexo inte-
rior onde a água mais lenta deposita os sedi-
mentos transportados.

Fig. 14. Rápidos. Rio Sado no sul de Portugal

44
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

CAIXA 3 CARACTERIZAÇÃO DOS PRINCIPAIS


HABITATS HIDROLÓGICOS

Zona onde a corrente é rápida apesar de poder apresentar diferentes intensidades mas sempre com pro-
fundidades reduzidas o que provoca turbulência. O substrato do leito do rio é constituído por materiais
grosseiros, rocha, pedras e gravilha. Estes materiais proporcionam uma variedade de refúgios para os
Rápidos organismos com condições estáveis até serem arrastados pela corrente. Como resultado da corrente
rápida, as partículas em suspensão são transportadas pelo fluxo de água. Devido à intensidade da cor-
rente os habitats de rápidos são bem oxigenados e geralmente apresentam uma grande disponibilidade
de alimento. Por estas razões estes habitats tendem a manter elevados níveis de biodiversidade.

Zonas de água corrente com maiores profundidades e com menor velocidade de corrente, o que propor-
ciona a sedimentação de partículas de reduzida dimensões, tais como areia e gravilha. Em consequên-
cia, desenvolve-se um habitat mais uniforme, não fornecendo a mesma diversidade de refúgios. O escoa-
Escoamento uniforme mento de água mais elevado na Primavera e as enxurradas, podem arrastar as partículas do substrato
e qualquer organismo que aí viva. Por outro lado, em situações em que a luz solar penetra até ao fundo
desenvolve-se uma película típica de biofilme. Uma vez que estes habitats são menos estáveis, com o
sedimento facilmente arrastado, desenvolvem menor biodiversidade.

São zonas mais profundas e de corrente lenta; característica que conduz a um sedimento uniforme com
partículas de reduzida dimensão, tais como areias e silte. Estes materiais fornecem espaços e superfí-
cies colonizáveis muito limitadas para os organismos. Complementarmente, estes materiais são facil-
mente arrastados por eventos de enxurrada o que faz com que sejam periodicamente substituídos por
Escoamento não perceptível depósitos provenientes de montante. Contudo, são refúgios valiosos para os peixes, uma vez que ten-
dem a manter-se frescos junto ao fundo e encontram-se frequentemente próximo de margens com veg-
etação, o que lhes fornece protecção de predadores. Em zonas mais profundos, a luz pode não chegar
até ao fundo do rio o que impede que as plantas se desenvolvam. Comparando com os outros dois habi-
tats, estas zonas mantêm uma biodiversidade limitada.

3. Dinâmica de nutrientes e dinâmica da matéria orgânica


3.1 Espiral de nutrientes 3.2 Fluxo de energia em
águas correntes
Em águas correntes, o ciclo dos nutrientes
(por exemplo o azoto e o fósforo) é condiciona- Quando uma folha (MOPG - Matéria
do pelo movimento longitudinal da água, for- orgânica particulada grossa) cai num rio, pode
mando-se uma espiral de nutrientes (Fig. 16). A ser transportada até se afundar numa zona de
eficiência deste processo é medida pela relação deposição ou ser retida por uma rocha ou por
entre a rapidez de processamento do ciclo e a um tronco de árvore tombado. No espaço de 1-
distância entre ciclos. Representa uma medida 2 dias, a matéria orgânica dissolvida (MOD) é
de retenção de nutrientes que é influenciada lixíviada contribuindo para a formação de
pela actividade biológica, pela concentração de matéria orgânica particulada fina (MOPF) (Fig.
nutrientes e pelo fluxo de água. 17). Entretanto, a folha forneceu substrato aos

45
microrganismos (fungos e bactérias). Estes
Baixa retenção microrganismos tornam a folha mais apetecível
Eutrófico
aos invertebrados (detrítivoros) ao mesmo
Elevada retenção
tempo que digerem parcialmente o tecido foliar.
Oligotrófico
Sentido da corrente As algas unicelulares podem também colo-
Eficiência do ciclo/espiral

nizar a folha, fornecendo alimento para


pequenos animais aquáticos, como sejam os
fitófagos (Caixa 4). A folha começa a decompor-
se devido ao hidrodinamismo da corrente, à
abrasão e à actividade alimentar de pequenos
animais aquáticos, os detrítivoros. Os detrítivo-
ros quebram a folha em pequenos fragmentos
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

Distância entre ciclos tornando-os disponíveis para os colectores.


Simultaneamente, dependendo do ensombra-
Fig. 16. Espiral de nutrientes em sistemas de água corrente. As espirais mais próximas indicam uma elevada mento, da estação do ano e da localização ao
retenção, como acontece em condições oligotróficas ou em rios de cabeceira de substrato grosseiro. Espirais longo do percurso longitudinal do rio, dá-se a
mais afastadas representam baixa retenção; são características de sistemas eutróficos com excesso de nutri- actividade fotossintética e produção primária
entes.
com desenvolvimento de algas unicelulares
(perifiton) e de macrófitas superiores. As plan-
tas aquáticas ficam assim disponíveis para os
detrítivoros e, depois da acção destes, para os
colectores.
O modelo do fluxo de energia contempla
duas fontes principais de energia. Uma prove-
niente da actividade fotossintética que ocorre
no rio pelas plantas aquáticas e algas (autóc-
Ecossistemas
tone) e outra proveniente da matéria orgânica
Terrestres produzida fora do rio (alóctone) e que entra nos
Luz solar
ecossitemas aquáticos como folhas de árvore
ou como matéria orgânica dissolvida na água
Macrófitas Algas
de escorrência.

Matéria Matéria
Orgânica Orgânica
Particulada Grossa Particulada Fina

Detrítivoros Detrítivoros Fitófagos

Predadores

Fig. 17. Modelo simplificado da estrutura trófica funcional num rio, mostrando os principais componentes biológi-
cos, fontes de energia e transferências de matéria orgânica. A importância relativa das transferências irá diferir
de rio para rio e de segmento para segmento em função da sua posição ao longo do curso longitudinal do rio.
As setas azuis mais grossas correspondem à contribuição do sistema terrestre. As setas azuis finas correspon-
dem ao fluxo directo de energia ao longo da cadeia alimentar. As setas castanhas a ponteado mostram as difer-
entes origens da matéria orgânica particulada fina (MOPF).

46
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

CAIXA 4 GRUPOS TRÓFICOS DOS MACROINVERTEBRADOS

MOPG = Matéria orgânica particulada grossa


MOPF = Matéria orgânica particulada fina
Modo de
Grupo trófico Tipo de alimento Exemplos
alimentação

Depósitos de folhas (CPOM),


Detrítivoros Mastigação Tricópteros, alguns Crustáceos
plantas aquáticas verdes

Madeira, predominantemente Plecópteros, alguns coleópteros,


Detitívoros Mastigação e escavação
raizes alguns quironomídios

Filtração através de sedas


Tricópteros, larvas de Díipteros, algu-
Colectores filtradores MOPF em suspensão na água especializadas, redes ou
mas larvas de Chironomídios
secreções

Muitos Efemerópetros, Plecópteros,


Raspagem e escavação em
Colectores escavadores FPOM depositada no sedimento Tricópteros, Dípteros, Oligoquetas,
sedimento fino
alguns Crustáceos

Alguns Efemerópteros, Tricópteros,


Fitófagos Biofilme algal Raspagem do biofilme algal
Gasterópodes, larvas de Coleópteros

Odonatas, Herudinios, alguns


Predadores Pequenos animais Mastigação
Tricópteros, Dípteros, e Coleópteros

4. Continuo lótico: um modelo que explica a distribuição


longitudinal das espécies
O Conceito do Contínuo Lótico é uma tenta- a corrente é demasiado rápida e o substrato é
tiva ousada para descrever o funcionamento dos grosseiro, maioritariamente constituído por blo-
sistemas água corrente desde a nascente até à cos, pedras e cascalho. Os nutrientes existem em
foz. Ao longo do seu percurso, o rio aumenta de reduzidas concentrações limitando o crescimento
tamanho, recebe tributários e drena uma área de macrófitos. Por outro lado, a vegetação ripíco-
cada vez maior. (Fig. 18). la característica destes troços de cabeceira con-
Este conceito foi inicialmente concebido para tribui com a entrada de muitos detritos lenhosos e
descrever os pequenos rios de montanha de folhas de árvore. Os detrítivoros decompõem
clima temperado. Junto à nascente o rio é estre- esta matéria orgânica, tornando-a disponível para
ito e normalmente bem ensombrado pelas os colectores. Os fitófagos estão praticamente
árvores. Consequentemente, nestas zonas, a luz ausente devido à reduzida existência de algas
é insuficiente para promover o crescimento algal, unicelulares.

47
Detrítivoros
MOPG Fitófagos

P/R<1 Predadores

Microrganismos Colectores
Colectores
Macrófitas

Ordem do rio
P/R<1 Detrítivoros
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

Predadores
Fitófagos
Microrganismos

Microrganismos
MOPF

P/R<1 Predadores

Colectores
Fitoplancton
Zooplancton

Fig. 18. Relação entre a dimensão dos segmentos do rio (ordem), as fontes de energia e o funcionamento do
ecossistema, segundo o modelo do Contínuo Lótico (Vannote et al., 1980)

À medida que o rio aumenta de tamanho, a são resultante do excesso de produção da zona
influência da floresta circundante diminui, o a montante. Este material em suspensão limita a
ensombramento e a entrada de matéria orgânica penetração da luz. A comunidade bentónica está
particulada grossa diminui e a influência da luz em grande parte formada por colectores fil-
solar aumenta, o que resulta numa produção tradores e escavadores. Não estão presentes os
algal significativa. Os colectores são tão detrítivoros nem os fitófagos. Ao longo do contín-
numerosos como a montante, apesar de estarem uo, a proporção de predadores, nomeadamente
representados por espécies diferentes. A maior de peixes, permanece relativamente constante
alteração ocorre na inversão do número detrítivo- embora com espécies diferentes
ros, relativamente ao número de fitófagos. A Este modelo do Contínuo Lótico demonstra a
matéria orgânica particulada grossa reduz-se e sequência natural dos processos. Contudo, per-
as algas abundantes; em consequência os detrí- turbações tais como desflorestação e construção
tivoros são raros e os fitófagos são mais de represas no rio, interrompem as condições
numerosos. As plantas aquáticas (macrófitos) tor- naturais, e podem conduzir a perturbações irre-
nam-se mais abundantes com o aumento da versíveis.
largura do rio, particularmente nos rios de planície
onde o reduzido gradiente e os sedimentos mais
finos criam condições favoráveis ao seu desen-
volvimento. Mais para jusante, a entrada de
matéria orgânica com origem no sistema terrestre
não é significativa. A água apresenta grandes
concentrações de matéria orgânica em suspen-

48
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

5. Zonação dos peixes


As características físicas do habitat de um Zona do Barbo – Corresponde a zonas de planí-
rio influenciam as comunidades piscícolas. As cie mas ainda com algumas características de
espécies adaptaram-se a habitats ribeirinhos cabeceira. Apresenta um declive suave com
específicos. Por exemplo, as barbatanas velocidades de corrente e temperaturas modera-
peitorais bem desenvolvidas e os perfis planos dos. A água apresenta-se bem oxigenada e o
permitem a alguns peixes sobreviver nos rios substrato é uma mistura de silte e gravilha que
com rápidos e com velocidade de corrente eleva- permite o desenvolvimento de plantas com
da. Outros desenvolvem bocas especializadas raízes. A maioria das espécies deposita os seus
para se adaptarem a substratos finos caracterís- ovos na vegetação aquática enraizada no leito
ticos das zonas de escoamento uniforme e de do rio; facto que garante uma boa protecção e
deposição. Estas adaptações observadas nos permite aos ovos uma boa oxigenação fornecido
peixes conduziram ao desenvolvimento da teoria pelas plantas. Os peixes presentes incluem
da zonação. A distinção entre zonas não é pre- todas as espécies das zonas anteriores, incluin-
cisa, mas dão-nos uma indicação dos diferentes do também barbos (Barbus sp.), ruivos (Rutilus
habitats para peixes que se formam ao longo do sp.) percas (Perca sp.), lúcios (Esox lucius) e
curso longitudinal do rio. Na grande maioria dos enguias (Anguilla anguilla).
grandes rios Europeus é possível distinguir as
zonas de ‘truta’, de “salmão”, de “barbo” e de Zona de Ciprinídios – Corresponde às zonas de
“ciprinídios” que podem ser caracterizadas da planície mais próximas da foz; apresenta um
seguinte forma: declive muito suave com velocidades de corrente
lenta e a temperatura é muito variável. Esta zona
Zona da truta – Esta zona apresenta um grande apresenta substrato fino, com água frequente-
declive; a velocidade da corrente é elevada e a mente turva. As espécies características desta
água é fria. A elevada velocidade da corrente zona depositam os ovos nas plantas aquáticas.
provoca turbulência da água mantendo-se esta As espécies incluem apenas algumas da Zona
bem oxigenada. As espécies características do Barbo (ruivos percas e lúcios), tincas (Tinca
desta zona produzem ovos adesivos que se sp.) e carpas (Cyprinis sp.).
fixam ao substrato grosseiro (blocos, pedras e
gravilha) o que evita que estes sejam arrastados
pela corrente. As espécies características são: a
truta (Salmo sp.) e o salmão (Salmo sp.).

Zona de salmão – Similar em características


físicas à zona anterior, apesar da temperatura
ser ligeiramente mais elevada. As espécies tam-
bém produzem ovos aderentes, incluem as ante-
riores com a ocorrência de escalos (Leuciscus
sp.).

49
Estuários lagunares Estuários
1. Classification of

Sand split
Banco de
areia
Rio
Banco de
Mar
estuaries
areia
1. Classificação de
estuários

Vista superior Secção transversal


Os estuários classificam-se em quarto
tipos de acordo com a sua origem (Fig 19):
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

1.1 Estuários lagunares


Estuários de planície costeira

Estuários que se formaram em lagoas


costeiras ou baías pouco profundas protegi-
Rio das do oceano por bancos de areia ou por
Delta
Delta
barreiras de ilhas.
Banco de
areia 1.2 Estuários de planície
costeira
Vista superior Secção transversal
Estuários que ocorrem quando a elevação do
nível do mar inundou os vales dos rios.

Estuários Tectónicos 1.3 Estuários tectónicos

Falhas Estuários que resultaram da elevação ou


do abaixamento de falhas geológicas.
Falhas
Banco de
areia 1.4 Fiords

Os fiordes são um tipo muito específico


de estuários que resultaram do enchimento de
Vista superior Secção transversal
vales glaciares, geralmente com secção

Fiorde
C D
Escarpa
Barreira
Fiorde Mar
A B
Barreira

Fiorde

Vista superior Secção transversal Secção transversal

Fig. 19. Tipos de estuários de acordo com a sua origem. À esquerda encontra-se a vista superior e à direita a secção transversal assinalada por letras no esquema da
esquerda.

50
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

2. Habitats inter-tidais
Os habitats inter-tidais são zonas húmidas
situadas entre a linha da praia-mar e da baixa-
mar, tanto em estuários como em zonas
costeiras. Os organismos que habitam estas
zonas encontram-se sujeitos a acentuadas flutu-
ações de parâmetros ambientais, tal como a
salinidade. Algumas destas zonas inter-tidais são
muito produtivas, sendo importantes habitats
para a fauna e flora. Bancos vasosos, sapais e
mangais são importantes habitats inter-tidais.

2.1 Bancos vasosos

Os bancos vasosos são característicos da


maior parte dos estuários, resultando da
deposição de sedimentos provenientes do mar e
Fig. 20. Sapal durante a baixa-mar no estuário do rio Mira (Portugal). Sobre a vasa cresce uma densa vegetação
dos rios. Estes habitats são suficientemente pro- de gramíneas atravessada por canais.
dutivos para manterem uma cadeia trófica com-
pleta.

2.2 Sapais 2.3 Mangais

Os sapais ocorrem em zonas pouco profun- Os mangais tendem a substituir os sapais


das e com turbulência reduzida onde as partícu- nas zonas tropicais, desempenhando as mesmas
las em suspensão sedimentam e se acumulam funções (Fig. 22). As densas raízes das plantas
no fundo (Fig. 20). Os sapais encontram-se no que compõem o mangal representam um san-
interior dos ecossistemas estuarinos, geralmente tuário para peixes, répteis e insectos. A folhagem
em zonas planas, permitindo o desenvolvimento densa disponibiliza espaço para nidificação e
de gramíneas que são parcialmente alagadas refúgio de aves quando procuram alimento nas
durante o ciclo de maré. A produtividade nos águas pouco profundas. Os mangais também
sapais é elevada, sendo mesmo considerados são bastante importantes na protecção das zonas
um dos habitats mais produtivos do mundo. A costeiras contra a erosão.
matéria orgânica neles produzida é em quanti-
dade tal que pode influenciar zonas costeiras e
oceânicas muito distantes.
Os sapais assemelham-se a prados, onde se
desenvolve uma vasta comunidade de
gramíneas, verificando-se junto ao fundo um
crescimento abundante de algas. Caranguejos,
caracóis, insectos, aves répteis e mamíferos são
habitantes comuns dos sapais. Os sapais tam-
bém são um habitat preferencial para a paragem
de aves migradoras. Muitos patos e gansos,
durante as suas migrações, encontram refúgio Fig. 21. Mangal durante a baixa-mar no estuário do rio
temporário nos sapais, tanto na Primavera como Gâmbia (Gambia, África Ocidental). Os pontos cor de
laranja que se vêem na vasa são caranguejos típicos
no Outono. dos mangais

51
3. Principais características de um
estuário

3.1 Formação de deltas gia dos organismos.

Os processos físicos associados à mistura 3.3 Componente


de águas no estuário são complexos e depen- biológica
dem da geologia, da topografia e do caudal do
rio. Por exemplo, os deltas ocorrem em locais Os estuários são dos ecossistemas mais
onde o sedimento transportado pelo rio é eleva- produtivos do planeta. Dezenas de aves,
do e se acumula na foz espalhando-se em mamíferos, peixes e outras espécies selvagens
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

direcção ao mar. Os sedimentos dos deltas, de dependem dos habitats estuarinos para
um modo geral, são finos, apresentando pre- viverem, alimentarem-se e reproduzirem-se. Os
dominância de silte e de argila, com reduzida estuários são importantes para aves
presença de areias. As margens dos canais for- migratórias, que os usam como zonas de des-
mados nos deltas permitem a existência de canso e de recuperação das longas distâncias
zonas pouco profundas capazes de suportar percorridas e para os peixe e marisco que aí
coberturas densas de plantas vasculares. encontram locais protegidos para desovarem.

3.2 Circulação da água 3.3.1 Plantas

A circulação da água junto à margem é Só certo tipo de plantas consegue tolerar


complexa e é afectada por: diferenças de den- as condições físicas peculiares dos estuários,
sidade entre água doce e água salgada; difer- ocupando nichos específicos. Algumas plantas
enças de temperatura da água; correntes de herbáceas (Spartina sp. e Distichlis sp.) toleram
maré; ventos e forças gravitacionais terrestres. elevadas concentrações salinas, excretando o
A água mais quente e menos densa ocupa as sal que absorvem através de poros localizados
camadas superficiais, enquanto que a água na superfície das folhas. Outras só conseguem
mais fria, por ser mais densa, ocupa os níveis sobreviver em água doce, localizando-se muito
inferiores, originando-se, assim, uma coluna de próximas de terra.
água estratificada. No entanto, por acção do Um Segundo factor que influencia o cresci-
vento e das marés, esta estratificação pode ser mento das plantas num estuário é o tempo de
quebrada, originando-se a mistura vertical da submersão. Zonas com maiores tempos de
coluna da água. Durante o processo de mistura submersão têm menor disponibilidade de
ocorrem trocas entre a superfície e as camadas oxigénio no fundo, obrigando as plantas aí exis-
mais profundas (Fig. 23). tentes a desenvolverem mecanismos de
Em alguns grandes rios, com caudal acen- armazenamento de oxigénio. Em zonas perma-
tuado, um nível inferior de água salgada em nentemente submersas existem extensas
forma de crista, denominada de crista salina, pradarias marinhas subaquáticas. Em zonas
avança para montante como consequência do temperadas, estas pradarias são fundamental-
fluxo contrário de água doce à superfície. Esta mente formadas por angiospérmicas do género
crista salina pode penetrar vários quilómetros Zoostera sp. que tem uma função importante na
para montante da foz. estabilização dos sedimentos costeiros. Esta
Os estuários e as águas costeiras, em planta, em algumas regiões é denominada por
geral, contêm mistura de água salgada e de moliço e é utilizada como fertilizante de solos
água doce que condiciona a fisiologia e a ecolo- arenosas, tal como sucede na ria de Aveiro,

52
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

onde esta actividade é muito importante

3.3.2 Fauna

Os estuários são habitats específicos para


alguns organismos, particularmente para deter- Direcção do fluxo do rio
minados estádios do seu ciclo de vida. Só um
número reduzido de espécies é capaz de sobre-
viver durante todo o seu ciclo de vida nests Água doce
habitats, necessitando, para esse efeito, de
estarem bem adaptadas a constantes variações
de salinidade, de oxigénio e de temperatura. A Maré de água salgada
maior parte são residentes temporários que
usam os estuários para se alimentarem e se Leito do rio
reproduzirem. A sobrevivência dos predadores
depende, assim, das populações de peixes e de
aves que usam os ecossistemas costeiros em Fig. 22. Mistura entre água doce e água salgada num estuário, mostrando a estratificação associada à diferença
de densidades. A água salgada, por ser mais densa, penetra no interior do estuário junto a fundo. A água doce,
períodos importantes dos seus ciclos de vida. menos densa, ocupa as camadas superficiais da coluna da água.
Apesar do aspecto desolador, estes ecossis-
temas apresentam uma diversidade de inverte-
brados, incluindo bivalves, gastrópodes,
anfipodes, outros artrópodes e anelídeos, que
se enterram nos sedimentos vasosos, tornan-
do-se presas para peixes e aves.
Podemos encontrar espécies de aves
como o pilrito-comum (Calidris alpina), o alfa-
iate (Recurvirostra avosetta), a tarâmbola-
cinzenta (Pluvialis squatarola), o borrelho-
grande-de-coleira (Charadrius hiaticula), o bor-
relho-de-coleira interrompida (Charadrius
alexandrinus) e o perna-longa (Himantopus
himantopus). É ainda possível encontrar golfin-
hos, garças, cisnes, flamingos, pássaros, patos,
aves de rapina, assim como lontras. Facto que
evidencia a biodiversidade associada aos
estuários.

53
4. Fluxo de nutrientes num estuário

Os estuários são importantes locais de Os nutrientes existentes nos estuários têm


sequestro físico e biológico de nutrientes. Este também origem na zona terrestre envolvente. A
processo envolve a retenção e a reciclagem de erosão e a decomposição da matéria orgânica
nutrientes pelos organismos bentónicos, a for- de origem terrestre são uma fonte complemen-
mação de detritos orgânicos e a mobilização de tar de nutrientes e de minerais.
nutrientes provenientes dos sedimentos profun- O fornecimento de nitratos para os produ-
dos pela actividade microbiológica e a pela tores que habitam os estuários pode ainda ser
absorção radicular das plantas. complementado pela precipitação ou por descar-
gas de efluentes de origem antropogénica.
Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

5. Importância dos estuários


Para além de serem importantes zonas de Por ultimo, são de salientar os benefícios
biodiversidade, os habitats inter-tidais típicos económicos dos estuários, nomeadamente
dos estuários, desempenham outras funções para o turismo, para a pesca e para outras
importantes. A água proveniente de montante actividades comerciais que dependem da sua
transporta sedimentos, nutrientes e poluentes integridade como ecossistema. Para além
que são filtrados e retidos pelos sapais. Este disso, as zonas costeiras protegidas pelos
processo de filtração melhora a qualidade da estuários são importantes áreas para a localiza-
água, com benefícios para as comunidades. ção de infra-estruturas portuárias, importantes
Estes ecossistemas funcionam como zona de ao longo da história da humanidade como fac-
tampão entre a terra e o oceano, atenuando os tor de desenvolvimento e progresso.
efeitos das cheias e dissipando os efeitos das
tempestades oceânicas. As plantas dos sapais,
bem como outras plantas marinhas também
ajudam a controlar os efeitos da erosão, con-
tribuindo para a estabilização da linha de costa.
Os estuários, por se situarem na zona de tran-
sição entre a terra e o mar, são verdadeiros lab-
oratórios naturais para cientistas e estudantes,
proporcionando lições sobre biologia, geologia,
química, física, história e sociologia. Esta sua
localização também lhes permite ter uma valia
significativa como zonas de lazer, navegação,
pesca e observação de aves.

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Capítulo 3 - Lagos, rios e estuários

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