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HUMBERTO MOREIRA SPINDOLA

MARIANA CECCHETTO FIGUEIREDO

TOXICOLOGIA
UNIDADE 12

TOXICOLOGIA SOCIAL 3

RELAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS


Integrar o conhecimento da Toxicologia com ênfase na redução dos riscos de intoxicação.

1. SISTEMA ENDOCANABINOIDE
O principal objetivo desta unidade de toxicologia, é conhecer a relação existente entre
os compostos produzidos naturalmente pelas espécies vegetais do gênero Cannabis
(fitocanabinóides naturais usados para fins medicinais e recreacionais), os fitocana-
binóides sintéticos (usados para fins de pesquisa, terapêuticos e de uso abusivo) e o
sistema endocanabinoide.

O organismo humano produz uma série de compostos importantes para a manutenção


da homeostase derivados de ácidos graxos como o ácido araquidônico, e que atuam
como agonistas ou antagonistas de receptores específicos denominado sistema endo-
canabinoide. Este é um complexo sistema de controle celular envolvido em diferentes
mecanismos fisiológicos.

Os endocanabinoides sintetizados pelo organismo promovem suas atividades biológi-


cas através dos receptores canabinóides CB1 e CB2, descobertos nos anos de 1990.
Ambos são receptores acoplados a proteína G, sendo que os receptores do tipo CB1
estão mais abundantes no sistema nervoso central com presença significativa nos
adipócitos e nos pulmões. Diversas pesquisa têm demonstrado a importante função
na regulação emocional, do apetite, na coordenação motora, percepção da dor, ra-
ciocínio, memória de curto prazo e na produção de células imunes. Já os receptores
do tipo CB2, estão mais envolvidos no controle de órgãos periféricos e associados ao
sistema imunológico.

A identificação dos receptores canabinóides CB1 e CB2 levou à descoberta dos


seus agonistas naturais endógenos, denominados endocanabinoides. Foram iden-
tificados ao menos cinco importantes compostos derivados do ácido araquidônico,
como demonstrados na figura 01: anandamida (AEA), 2-araquidonoilglicerol (2-
AG), N-araquidoniol-dopamina (NADA), 2-araquidonil-éter-glicerol (noladina) e o
O-araquidonil-etanolamina (virodamina).

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Figura 01. Estruturas químicas dos endocanabinoides moduladores dos receptores CB1 e CB2

O O
OH NH2
NH O

N-araquidonil-etanolamina (anandamida ) O-araquidonil-etanolamina (virodamina)


O
O OH
OH OH
O Ácido araquidônico O
OH OH
2-araquidonil-glicerol (2-AG) OH 2-araquidonil-éter-glicerol (noladina)
O
OH
NH

N-araquidonil-dopamina (NADA)

Fonte: adaptada de Oga, Camargo e Batistuzzo (2021, p. 436).

Os endocanabinoides são moduladores fisiológicos dos receptores CB1 e CB2, mas não
atuam como neurotransmissores usuais, que são produzidos por neurônios pré-sinápti-
cos e liberados na fenda sináptica para atuar em receptores pós-sinápticos. Neste caso,
eles fazem a chamada “neurotransmissão retrógrada” onde o neurônio pós-sináptico pro-
duz e secreta na fenda para que o composto se ligue nos receptores canabinóides nos
neurônios pré-sinápticos. Este mecanismo é particularmente importante para os recep-
tores CB1 pois ele produz uma regulação negativa na liberação de neurotransmissores
como serotonina, dopamina, acetilcolina, glutamato e ácido gama-amino-butírico (GABA).
Por ser acoplado a uma proteína G inibitória, os receptores CB1 ativados por agonistas
promovem uma série de reações intracelulares que culminam com a redução da libera-
ção dos referidos neurotransmissores, a saber: i) inibição da enzima adenilato cliclase
promovendo redução dos níveis de AMPc intracelulares; ii) ativação da via MAPK que
promove modulação negativa intracelular; iii) fechamento dos canais de cálcio volta-
gem-dependente reduzindo a entrada de íons Ca++ responsáveis pela liberação de ve-
sículas pré-sinápticas; e iv) abertura de canais de K+ promovendo maior tempo de hiper-
polarização reduzindo os impulsos elétricos neuronais. Dentre os principais agonistas
endógenos dos receptores CB1 estão a anandamida e o 2-AG.

2. FITOCANABINÓIDES DO GÊNERO CANNABIS


As principais espécies vegetais do gênero Cannabis são a sativa, indica e ruderalis onde as
duas primeiras são as principais de interesse tanto recreacional quanto medicinal, este gênero
contém diversos compostos com atividade farmacológica denominados fitocanabinóides.
Esta é uma das espécies vegetais mais antigas cultivadas pelo homem com data apro-
ximada de 4.000 anos a.C. Foi classificada pela primeira vez na Índia no ano de 1753.
No Brasil até o final do século VXIII tinha vasto uso para obtenção das fibras de cânha-
mo usadas para confecção de vestuários e outros materiais.
O gênero Cannabis produz como metabólitos secundários os chamados fitocanabinói-
des, que são princípios ativos capazes de modular o sistema endocanabinóide. A espé-

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cie C. sativa acumula fitocanabinóides e terpenos nos tricomas glandulares localizados


em todas as partes aéreas com maior densidade nas flores “fêmeas” (não há tricomas
nas raízes e portanto não há acúmulo nesta região).
As concentrações de fitocanabinóides formados estão diretamente correlacionados
com o aumento de temperatura ambiente e em solos pobres em nutrientes, o que causa
maior estresse no vegetal aumentando a produção dos compostos. Já foram identi-
ficados mais de 100 compostos no gênero, onde são classificados em tipos distintos
de acordo com os núcleos químicos: delta9- tetraidrocanabinóis (r9 -THCs), delta8- te-
traidrocanabinóis (r8 -THCs), canabinóis (CBNs), canabidióis (CBDs), canabinodióis
(CBNDs), canabigeróis (CBGs), canabiciclóis (CBLs), canabicromenóis (CBCs), cana-
biciclóis (CBLs), canabielsonóis (CBEs) e canabitritóis (CBTs) conforme ilustrado na
figura 02.
As rotas biossintéticas de produção destes compostos estão baseadas nas atividades
enzimáticas metabólicas que geram os derivados com os núcleos CBG, CBC, CBD e
r9 -THC, e os demais compostos produzidos espontaneamente por meio de reações
de oxidação, descarboxilação, ciclização ou mesmo durante o processo de isolamento
dos mesmos. Estas alterações químicas ocorrem devido a instabilidade das moléculas,
especialmente as do r9-THC.
Figura 02. Visão geral dos fitocanabinóides encontrados nas espécies do gênero Cannabis

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Fonte: adaptada de Gülck e Moller (2020, p. 988).

3. USOS RECREACIONAL E MEDICINAL DA CANNABIS


O uso da Cannabis para fins recreacionais foi proibido nos anos de 1930, e es-
tima-se que haja aproximadamente 200 milhões de usuários no mundo. A planta
é usada por suas propriedades psicoativas decorrentes da presença do r9 -THC
que atua como agonista dos receptores canabinóides CB1 no sistema nervoso
central. A distribuição destes receptores, assim como os efeitos produzidos estão
demonstrados na figura 03.
Figura 03. Representação da ação da maconha em áreas do sistema nervoso central onde ocorrem os
efeitos psicoativos modulados principalmente pelo r9-THC nos receptores CB1

Fonte: adaptada de Diehl e Pillon (2021, p. 28).

Por ser um metabólito secundário, a concentração do r9 -THC é dependente da luz,


temperatura, umidade, composição genética, altitude e tipo de solo. Este princípio psi-
coativo foi isolado pela primeira vez em 1964 e suas concentrações são maiores nas
inflorescências, depois nas folhas e por fim no caule (como já mencionado a raiz não
armazena o metabólito).

Existem diferentes preparações para uso recreacional da Cannabis a saber: i) maconha


é a forma conhecida no uso da planta inteira com proporções variáveis de folhas, in-
florescências caules e frutos, usada de forma fumada por meio de cigarros conhecidos
como “baseados” contendo em média de 0,5 a 1,0 g da planta que pode ter teores de
até 3% de r9 -THC; ii) haxixe que é o extrato resinoso seco, coletado das inflorescên-
cias da planta, geralmente fumado com cachimbos, e com teores de até 20% de r9
-THC; e iii) o óleo de haxixe que é o produto obtido da extração com solventes orgânicos
ou por destilação, adicionado em bebidas ou alimentos e que pode atingir em torno de

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60% de teores de r9 -THC (nesta forma raramente é usada de forma recreacional).

A respeito da toxicocinética, a principal via de exposição é a pulmonar, ondo ocorre


rápida absorção pela superfície alveolar, com níveis plasmáticos atingidos em torno de
10 minutos a depender da forma de “tragar”, tempo de retenção e da experiência do fu-
mante. Os efeitos psicoativos de “bem-estar”, relaxamento e redução da fadiga iniciam
em torno de 20 minutos, com duração entre 2 a 4 horas, a depender do usuário. Nesta
forma de uso não há relatos de overdose de maconha. O quadro 01 apresenta de forma
geral os efeitos no curto e no longo prazo pelo uso da cannabis.
Quadro 01. Efeitos agudos e crônicos produzidos pelo uso recreacional da maconha

Fonte: elaborada pelos autores.

4. CANABINÓIDES SINTÉTICOS
Desde o primeiro isolamento do r9 -THC da Cannabis em 1964, foram desenvolvidos
diversos compostos canabinóides sintéticos para fins de estudos do sistema endocana-

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binoide. Desde então já foram sintetizados mais de 450 compostos que tem demonstra-
do fortes efeitos no sistema nervoso central, por isso, apesar de serem de caráter ex-
perimental, muitos acabaram sendo usados como droga de abuso. Para esta finalidade
geralmente são misturados à partes da própria Cannabis, como também com folhas de
Melissa ou Mentha. A figura 04 ilustra a quantidade de novos canabinóides sintéticos
produzidos entre os anos de 2008 e 2018.
Figura 04. Número de canabinóides sintéticos reportados pelo Centro Europeu de Monitoramento de
Drogas e Dependência de Drogas (EMCDDA) entre os anos de 2008 e 2018

Fonte: adaptada de Alves et al. (2020, p. 04).

Estes compostos derivados dos fitocanabinoides possuem as mais variadas formulas


moleculares com a adição de núcleos indólicos, fenólicos, amínicos dentre outros. Suas
propriedades farmacológicas variam entre agonistas e antagonistas tanto de receptores
canabinóides CB1 quanto CB2. Um esquema demonstrando essas alterações pode ser
visto na figura 05, onde há um núcleo principal (core), um anel alterado (ring), e uma
cadeia lipídica alterada (tail).
Figura 05. (A) Modelo básico estrutural dos canabinóides sintéticos; (B) Canabinoide aminoalquilindol; (C)
Canabinoide carboxamida indol

Fonte: adaptada de Alves et al. (2020, p. 06).

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O uso de canabinóides sintéticos para fins não-terapêuticos (pois muitos medicamentos


canabinóides utilizam canabinóides sintéticos em sua composição) pode produzir efeitos
tóxicos bastante significativos podendo inclusive levar a morte por depressão grave do
sistema nervoso central. Dentre os efeitos destacam-se: os cardiovasculares como ta-
qui/bradicardia, hipertensão, infarto do miocárdio, arritmias; os neuropsiquiátricos como
transtornos psicóticos, agressividade, catatonia, paranoia, alucinações auditivas e visuais
e alterações da percepção; os neurológicos sonolência, convulsões déficit de atenção; os
renais como insuficiência renal aguda, dores abdominais, fadiga, hipertermia; os gastroin-
testinais náuseas, vômitos, alterações de apetite, dores abdominais, diarreia, xerostomia;
e as metabólicas como leucocitoses, hipocalemia e acidoses metabólica e respiratória.

5. ATIVIDADES PRÁTICAS
Exercício 1.

Como é chamada a neurotransmissão típica do sistema endocanabinoide?


a. Retrógrada.
b. Recíproca.
c. Regenerativa.
d. Anterógrada.

Exercício 2.

Qual é a molécula-base com efeitos psicoativos presente na Cannabis?


a. THC.
b. CBD.
c. CBN.
d. CBC.

Exercício 3.

Em qual região cerebral os receptores canabinóides CB1 atuam modulando o controle motor
e coordenação?

a. Cerebelo.

b. Hipotálamo.

c. Hipocampo.

d. Amígdala.

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Exercício 4.

Qual das opções abaixo descreve corretamente um dos mecanismos intracelulares dos re-
ceptores CB1 neuronais?

a. Fechamento de canais de cálcio dependentes de voltagem.

b. Fechamento de canais de potássio.

c. Ativação da adenilato ciclase.

d. Bloqueio da via MAPK.

Exercício 5.

Qual das preparações descritas abaixo contêm maiores teores de THC na sua composição?

a. Óleo de haxixe.

b. Maconha.

c. Haxixe

d. Ganja

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