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74 - Alquimia Vegetal

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Alquimia Vegetal

“Há duas espécies de conhecimento: há uma ciência e uma


sabedoria médica. A compreensão animal pertence ao homem
animal, mas a compreensão dos mistérios divinos pertence ao
espírito de Deus nele.”
(Fundamento Sapientia - Paracelso)

O conhecimento indígena do poder curativo das plantas tem


provocado espanto na ciência contemporânea, pois trata de um
outro tipo de ciência, muito antiga, que difere dos princípios da
lógica e dos cinco sentidos convencionais, conduzindo a estados
alterados de consciência.

Richard Schultes, um dos maiores botânicos do mundo moderno,


afirma que tratar desse assunto é um verdadeiro desafio, pois,
dentro da medicina indígena, as doenças do corpo e da alma estão
intimamente ligadas.

A Amazônia é a região que abriga a maior quantidade de espécies


botânicas — verdadeira riqueza natural —, que manifestam no
homem não só forças orgânicas como espirituais.

As divindades existentes nas plantas são manipuladas com


sabedoria pelo xamanismo amazônico, tradição importantíssima
baseada no uso de plantas sagradas como o cipó jagube
(Banisteriopsis caapi) e a folha rainha (Psychotria viridis), que em
cozimento originam o chá ayahuasca, conhecido como santo
dailme, vegetal, íagé, camampi etc...

O cipó, para os índios, é fator de todo o saber e em seus rituais


mágicos lhes per-mite prever o futuro, comunicar-se com os
antepassados, descobrir os inimigos e as causas das doenças. Para
as comunidades que utilizam o santo daime, é o despertar para o
mundo espiritual, instrumento de revelação para o
autoconhecimento.

O chá daime tem obtido sucesso nas doenças nervosas,


leishmaniose (ferida braba), mal de Parkinson, malária e câncer,
desintoxicando o organismo e estabe-lecendo o equilíbrio
terapêutico do doente. É também utilizado para fornecer o
diagnóstico e indicar o tratamento das doenças.

O que acontece com o xamã que toma o daime é um


desdobramento de sua pessoa, que consegue, por meio da
concentração, sair do próprio corpo e ver qual a doença ou
problema que o outro tem; da mesma forma como acontece com o
efeito Kirlian, quando se vê a aura.

Os xamãs entendem que a saúde depende do perfeito equilíbrio do


corpo, dos sentidos, da mente e do espírito, daí a necessidade de
todos os canais estarem desobstruídos para que a energia possa
fluir e assim obter resultados satisfatórios.

A saúde é encarada como uma dádiva de Deus e muitas vezes as


doenças acontecem pela desarmonia da pessoa com a realidade
espiritual nessa vida ou em encarnações passadas. Por isso, para
se obter a cura, é necessário também ter merecimento, pois
algumas doenças são cármicas e não têm remédio, só a
compreensão espiritual.

A utilização de ervas medicinais é muito Importante para o xamã


ou curandeiro, pois muitas receitas dependem do seu
conhecimento no preparo do medicamento, ou seja, a bebida
mágica.

No caso, o santo daime irá mostrar a ele quais as ervas que aquela
pessoa precisa para se restabelecer.

O chá é usado também no parto das mulheres, pois acelera as


contrações, facilitando o trabalho. E cercado de um ritual próprio,
onde todos os que dele participam também ingerem a bebida.

Quando a criança chora, é o sinal de que o espírito encarnou


naquele ser.

Ayahuasca, assim como o peyote (Echinocactus vilianosii),


utilizado pelos índios mexicanos, e a marijuana (Carinabis sativa)
de uso dos índios guajajaras do Maranhão, são Plantas Mestras
que abrem a percepção e nos permitem uma entrada a estados de
realidade diferentes do nosso cotidiano. Constitui-se em um outro
plano ou dimensão de existência em que se confundem os limites
de tempo e espaço, fazendo-se tudo presente. O Universo não é só
o mundo que a nossa cultura acostumou-se a ver, mas vários
mundos superpostos e paralelos.

O rito de transição ao qual o doente se submete num ritual com


Plantas Mágicas — no caso do santo daime — é uma forma de
medicina muito antiga, anterior aos incas, que renasce na região
amazônica a partir do conhecimento ancestral dos grupos
indígenas que vivem na região.
Ayahuasca, “Liana dos Espíritos”

Aqui encontramos um exemplo dinâmico da magia vegetal, que


as comunidades indígenas amazônicas nos apresentam. Trata de
um ritual, legado de antigas é luminosas civilizações: a utilização
das “plantas mágicas, plantas de poder” para a cura de todas as
enfermidades. Para falar da ritualística da ayahuasca (bebida que
abre os olhos do espírito) devemos discorrer sobre a natureza de
duas espécies vegetais: o cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e a
folha rainha (Psichotria viridis), pois é do casamento dessas
plantas que obtemos a bebida milagrosa, a luz que assinala o
caminho do viajante.

O descobrimento desse chá requereu do seu autor grande


conhecimento da botânica oculta capaz de gerar com essa união
vegetal investigando, na natureza das plantas, duas que
realizassem o processo alquímico — um elemental podero-
síssimo (um rei sol coroado).
Banisteriopsis Caapi

É uma planta do elemento fogo, muito seca e de natureza grave


(masculina). Ela é a cobra de fogo que anda no meio do fogo mas
que necessita da umidade para multiplicar-se. Essa umidade e
frieza de que carece é a finalidade da sua natureza, pois com ela
se completa e se nutre: “é como o ventre e a matriz contendo o
verdadeiro calor natural para animar o nosso jovem Rei”
(Nicholas Flamel O Livro das Figuras Hieroglíficas). Não é por
outra razão que constatamos nos rituais mágicos do santo daime
diversas alusões próprias da alquimia: Sol e Lua — o masculino e
o feminino — naturezas opostas que se completam no propósito
de gerar a vida. E como diz Flamel em suas Figuras Hieroglíficas:
“São o sol e a lua de fonte mercurial e origem sulfurosa que pelo
fogo continuado ornam-se de hábitos reais para vencer toda coisa
metálica, sólida, dura e forte assim que estiverem unidos num só
(Sol-Lua) e mudados em quintessêncla.”

O Banisteriopsis é um vegetal ígneo e se une à Psychotria viridis


(do elemento água) num ritual mágico. O fogo é um elemento
misterioso e ninguém conhece a sua composição química. O fogo
anima toda a vida mas não pode, segundo os alquimistas, viver
sem a água, pois é nela que ele habita e é dela que obtém a sua
potência. “E o espírito de Deus se movia sobre a superfície das
águas. E disse Deus, seja feita a luz e a luz se fez”. O fogo do
espírito fecunda as águas da vida.

No entanto o fogo não pode unir-se à água bruta e necessita então


transmutá-la em vapores. Exemplos dessa alquimia encontramos
na natureza as águas evaporando e transformando-se em núvens
que a seguir se transmutam em fogo (raios), precipitando-se então
para baixo como chuva e novamente as águas libertam o fogo que
há em toda semente. Dessa maneira, afirma o sábio alquimista:

“Tens, portanto, duas naturezas casadas onde uma concebeu a


outra, e por essa concepção está convertida em corpo de macho e
o macho no de fêmea, isto é, foram feitos um SÓ corpo que é o
andrógino dos antigos... Desta maneira represento-te que tens
duas naturezas reconciliadas que (se forem conduzidas e regidas
sabiamente) podem formar um embrião na matriz do vaso e
depois dar-te a luz um Rei poderosíssimo, invencível e
incorruptível, porque será urna quintessência admirável.”

A magia vegetal, ao utilizar o Banisteriopsis c. e a Psychotria v.,


reproduz todos os processos da alquimia interior — a gênese
mediante a sábia transmutação dos elementos. Casando ambas as
naturezas vegetais fogo e água; masculina e feminina o fogo
fecundando a água, convertendo-se em um só corpo e dando
origem a uma terceira força — obtemos isto que, com tanta
propriedade, os seguidores da doutrina do santo daime dizem em
seus hinos: “Eu não me chamo
daime, eu sou um Ser Divino.” Um ser originado das naturezas
divinas de duas espécies vegetais, com as qualidades do fogo e da
água, que é fogo e água ao mesmo tempo.

Este é um segredo que somente os alquimistas profundos


conhecedores das transmutações dos elementos poderiam
conceber.
Psychotria Viridis

É uma planta do elemento água. Sua natureza é fria e de grande


umidade. Assim como grande parte das plantas desse elemento, a
Psychotria V. (responsável pelos efeitos psicodélicos da
ayahuasca) possui um forte efeito luminoso e sedante.

Para os iniciados na ayahuasca, fica evidente que são as folhas da


Psychotria Viridis que abrandam os efeitos do cipó. Isto quer
dizer que as folhas são suaves e dão o conforto da Mãe e o cipó,
com sua natureza severa, dá a força e corrige como um Pai.

O preparo da ayahuasca obedece a uma ritualística. Essa


ritualística simboliza e realiza a perfeita transmutação dos
elementos: água e fogo (as naturezas internas desses vegetais)
manipulados durante o processo de magia vegetal.

A alquimia que aqui se realiza compara-se ao processo da criação


da vida a gênese dos mundos: “E disse Deus, seja feita a luz e a
luz se fez...” isto porque o fogo movia-se sobre as águas e pôde
fecundá-la para que nascesse a luz.

Esses dois elementos vegetais (Banisteriopsis c. e Psychotria v.)


de naturezas opostas podem fecundar-se mediante procedimentos
da magia vegetal para dar a luz ao Menino de Ouro — um ser de
incontáveis poderes, de natureza flamígera, encerrado no líquido
da ayahuasca.

Para trabalhar com os gênios elementais das plantas, o alquimista


necessita de meios próprios, digo, ferramentas. Assim como
quando mexemos com a eletricidade necessitamos de ferramentas
adequadas: os rituais são chaves com as quais podemos abrir
algumas portas, intransponíveis para o mundano. A ritualística
tem um fim que é exatamente o de “chamar a força” para
manipulá-la, mas somente iniciados podem fazê-lo, pois têm
autoridade e, antes de tudo, conhecimento. Aquele que não
conhece os procedimentos adequados nada pode
fazer, ainda que o deseje.

Nas ritualísticas o verbo representa Importante papel: “No início


era o Verbo e o Verbo estava com Deus e Deus era o Verbo.”
Assim é que os cânticos e mantras são entoados durante a colheita
dos vegetais a quem solicitamos ajuda. No caso da ayahuasca,
canta-se, durante todo o preparo do chá, a música inefável dos
anjos. E como cada uma das espécies vegetais é complementar à
outra em sua natureza Interna — masculino e feminino — o
trabalho de feitio da bebida mágica é dividido entre homens e
mulheres: os homens colhem e contundem o cipó, e as
mulheres trabalham com as folhas. Somente os homens devem
entrar na mata para reconhecer e colher o cipó que é de natureza
masculina , depois esmagá-lo com marretas de madeira. Este é um
trabalho árduo, que requer a força masculina.

As mulheres são encarregadas da colheita e limpeza das folhas da


Psychotria v., o que é feito uma a uma. Este é um trabalho
delicado e próprio da natureza feminina.

Durante o feitio, todos consomem a ayahuasca e o silêncio só é


cortado pelos cânticos de louvor e graça. Depois, nas panelas,
depositam-se cipó e folha para ferver somente os homens podem
manusear o fogo. As mulheres menstruadas são proibidas de
participar do ritual de fabricação da bebida sob pena de “gorar”
todo o processo.

Há notadamente nesse ritual mágico um casamento entre duas


naturezas. Assim como da união entre um homem e uma mulher
resulta um terceiro ser, obtemos o filho Divino da união entre dois
seres elementais, chispas divinas potentes dos elementos. Essa
alquimia que realizamos no reino vegetal é o que pede a natureza
dessas duas espécies botânicas a natureza de um quer se
completar na do outro e com a do Outro: um rei não pode viver
longe de sua rainha.

Essa ritualística é portentosa! Ela segue os princípios


fundamentais da alquimia e encerra o segredo dos sábios
filósofos, aquele segredo que não se pode revelar abertamente sob
o risco de sermos considerados loucos.

Essas “plantas de poder” que constituem o sumo da ayahuasca,


por tudo o que foi dito. Devem ser utilizadas em rituais com a
finalidade de clarear o nosso universo interior, para que possamos
empreender um estudo cada vez mais profundo de nossas partes
desconhecidas — estudo de si, observação de si, trabalho sobre si.

No ritual do santo daime, observamos que homens e mulheres


formam uma corrente contrária e contínua de bailados que se
harmonizam com a música, posto que estes pólos contrários,
energias criadoras de toda a natureza Deus Pai-Mãe —, fundem-
se em um ponto para gerar a vida, magnífica obra de criação.

Essas energias são muito bem definidas e representadas em todos


os processos rituais que envolvem o chá luminoso do espírito e
em tudo este preceito é evidenciado, pois nem mesmo o Ser
Divino — elemental da ayahuasca — poderia receber a vida se
também para Ele não houvesse um Pai e uma Mãe.

Assim é que o cipó, potência elemental vigorosa masculina,


fecunda com o seu fogo as águas elementais da Psychotria viridis
— princípio feminino por sua natureza — convertendo-se ambos
em um só corpo, juntando o que se encontrava separado na
natureza.

Somente os homens que mergulharam no profundo oceano de si


próprio possuem este entendimento, pois nesta vastidão
insondável encontram finalmente a pérola oculta dos sábios.

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