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Aula Sobre Modernismo em Portugal VV

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LITERATURA –230

MODERNISMO EM PORTUGAL/
FERNANDO PESSOA
PROFESSORA DIRCE MEINHARDT

O Modernismo português tem início em 1915, com o lançamento do primeiro


número da Revista Orpheu, revista que, inspirada pelos movimentos da
Vanguarda Europeia, desejava romper com o convencionalismo, com as FERNANDO PESSOA
idealizações românticas, chocando a sociedade da época. Vários artistas
participaram da elaboração da revista, entre eles destacaram-se:  Nasceu em 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa, e sua primeira
Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros. Os escritores do infância é marcada por acontecimentos que deixam cicatrizes para
Orfismo, como ficaram conhecidos, queriam imprimir à literatura portuguesa toda a vida.
as inovações europeias. Anos depois, em 1927, outra importante revista passa  Com apenas cinco anos de idade, em 1893, perde o pai, que morre de
a ser divulgadora dos novos ideais modernistas – A Revista Presença, que tuberculose. A morte dele traz tantas dificuldades financeiras à família
teve como maior representante, o escritor José Régio. que a mãe e seus filhos são obrigados a baixar o nível de vida,
passando a viver na casa da avó do poeta. São as duas primeiras
As divisões do Modernismo Português: perdas do menino: o pai, a quem era muito apegado, e a casa.
1ª geração – o Orfismo: Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Almada  Em 1895, dois anos depois, a mãe se casa com um cônsul de Portugal
Negreiros e até o brasileiro Ronald de Carvalho e outros. na cidade de Durban, uma colônia inglesa na África do Sul, e é para lá
2ª geração – o Presencismo: José Régio, João Gaspar Simões e outros. que a família se muda no ano seguinte.
3ª geração – o Neorrealismo: Alves Redol, Ferreira de Castro, Jorge de Sena
 Em 1903, é admitido na Universidade do Cabo e cria várias
e outros.
“personalidades literárias”, ou seja, vários poetas fictícios que vão
A primeira fase: Concentrou-se em torno de Orpheu, revista cujo
assinar as poesias que “eles próprios” escrevem. Entre os poetas
primeiro número vem a público em 1915. Fundada sob influência das
saídos da imaginação de Pessoa nessa época, destacam-se dois:
grandes correntes estéticas europeias, a publicação contou logo de
Alexander Search, um adolescente, como o seu criador, que, inclusive,
início com as figuras mais importantes da época: Fernando Pessoa,
nasceu no dia do seu aniversário, e Charles Robert Anon, também
Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, etc. Preocupada em
adolescente, mas totalmente oposto ao temperamento de Fernando.
provocar o burguês e em sacudir o acanhado meio cultural português,
De alguma maneira, começava a se delinear aquilo que faria de
essa geração, nas páginas da revista, publicou uma poesia complexa,
Fernando Pessoa um poeta como nenhum outro no mundo: um poeta
de difícil acesso, que causou o maior escândalo na época. Orpheu tem
que, sendo um, era muitos poetas.
curta duração. Os modernistas portugueses entregam-se à vertigem
 Morre no dia 30 de novembro de 1935, aos 47 anos, de cirrose
das sensações da vida moderna, da velocidade, da técnica, das
hepática.
máquinas. Era preciso esquecer o passado, comprometer-se com a
nova realidade e interpretá-la cada um a seu modo.
OS EUS DE PESSSOA
A segunda fase: Teve como um dos principais fundadores José Régio
e pretendia continuar apenas sem tanto radicalismo o trabalho da
A fragmentação em Fernando Pessoa envolve um ato de fingimento que se
revista Orpheu, acabando de vez com tendências românticas e
completa na utilização de várias linguagens, reveladoras do sujeito como um
simbolistas.
ser múltiplo.
A terceira fase, contemporânea à explosão da Segunda Guerra,
HETERONÍMIA
também chamada Neorrealismo, defendia a literatura de caráter social,
Quando o autor faz uso de “heterônimos”, não se esconde sob um nome falso.
documental e reformadora. Iniciou-se em 1940 com a publicação de
Ocorre bem o contrário, “ele se coloca em posição de diálogo com o sujeito
Gaibéus, de Alves Redol, e o término, para alguns autores, foi em
lírico que ele mesmo criou, além de assinar a sua própria obra.”
1968, para outros, 1974, com o fim da ditadura de Salazar.
O heterônimo é um personagem criado pelo poeta, que escreve a sua própria
obra. Tem nome, obra, biografia e, sobretudo, um estilo próprios. O autor, o Nesse poema o eu lírico retoma a imagem da criança que abre os olhos e vê o
criador do heterônimo, passa a ser chamado de “ortônimo” e a sua criação mundo pela primeira vez, sem nenhuma ideia preconcebida. Rejeita o pensar
passa a ser chamada de “heterônimo”, não havendo possibilidade de sobre o mundo, ele quer sentir o mundo “ Eu não tenho filosofia: tenho
existência de um sem o outro. sentidos”.

ALBERTO CAEIRO
RICARDO REIS
Alberto Caeiro representa o poeta que busca o campo e a vida ingênua e
simples, despojada de inquietações intelectuais. Seu olhar é o olhar de quem A veia clássica dos heterônimos de Fernando Pessoa. Monarquista, educado
vê o mundo pela primeira vez, sem metafísica ou religião. em colégio de jesuítas, amante das culturas grega e latina. Buscou sempre o
Para ele, o que importava era viver o mundo, era nele estar presente, sem mais alto, o impossível em sua poesia, esta refinada, concisa, com linguagem
querer saber o porquê de estar-se ali naquele momento, sem interrogar-se do bem trabalhada e vocabulário rebuscado.
que se vive. O objetivo era aprender a desaprender, aprender a não pensar, a Seus poemas eram odes, poemas líricos, com métrica, estrofes regulares e
silenciar a mente, a somente viver o contato direto com a realidade que se variáveis. Suas odes voltavam-se aos deuses da mitologia grega. Ao contrário
tinha à frente, palpável. A vida para ele era o puro sentir. de seu mestre, Reis pensava bastante nos deuses, esses que, para ele,
controlavam o destino dos homens e estavam acima de tudo.
O guardador de rebanhos
“(...) O meu olhar é nítido como um girassol, Tão cedo passa tudo quanto passa!
Tenho o costume de andar pelas estradas Morre tão jovem ante os deuses quanto
Olhando para a direita e para a esquerda, Morre! Tudo é tão pouco!
E de vez em quando olhando para trás... Nada se sabe, tudo se imagina.
E o que vejo a cada momento, Circunda-te de rosas, ama, bebe
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E cala. O mais é nada.
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial! No poema, há um questionamento sobre o que fazer diante da passagem
Que tem uma criança se, ao nascer, do tempo, uma vez que tudo passa muito rápido e conhecemos tão pouco da
Reparasse que nascera deveras... vida e nada da morte – “Tudo é tão pouco! Nada se sabe, tudo se imagina”. A
Sinto-me nascido a cada momento saída é circundar-se de rosas, amar, beber e calar, ou seja, aproveitar do
Para a eterna novidade do Mundo... pouco que a vida oferece. Termina, contudo, o poema afirmando que “O mais
Creio no mundo como num malmequer, é nada”, como se não houvesse esperança.
Porque o vejo. Mas não penso nele A tensão preponderante entre a razão e a emoção, que se estabelece no
Porque pensar é não compreender... universo da criação heteronímica como força geradora das personalidades
O Mundo não se faz para pensarmos nele
poéticas, garantindo-lhes natureza específica, tende em Reis ao primado da
(Pensar é estar doente dos olhos)
razão.
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, ÁLVARO DE CAMPOS
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama Apresentou-se como o mais moderno entre os heterônimos. E, pode-se
dizer também, o mais indisciplinado. Homem voltado para o impulso das
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... emoções, para o presente, para as modernidades que o mundo apresentava,
aberto à realidade. Foi o heterônimo que mais se aproximou da terceira fase
Amar é a eterna inocência,
do modernismo português.
E a única inocência não pensar... (...)”
Nesse poema, fica evidente o niilismo do eu lírico. Ele não crê me nada, não
vê sentido em nada, rejeita todas as teorias e interpretações sobre o sentido
da vida humana: “Não me venham com conclusões! / A única conclusão é
Lisbon Revisited (l923) morrer”. Por isso recusa, também, as convenções da vida burguesa, o
NÃO: Não quero nada. casamento, a vida social. A natureza não lhe diz nada: “ Ó céu azul- o
Já disse que não quero nada. mesmo da minha infância-/ Eterna verdade vazia e perfeita!”

Não me venham com conclusões!


A única conclusão é morrer. FERNANDO PESSOA ELE MESMO
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral! Nos poemas em que ele assina Fernando Pessoa, temos o poeta da saudade
e da melancolia, que retoma formas tradicionais do lirismo português, muitas
Tirem-me daqui a metafísica! vezes com o uso de redondilhas maiores e menores. Mas trata-se de um
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas lirismo contido, quase sempre marcado por uma nota de inquietação
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — existencial.
Das ciências, das artes, da civilização moderna! Mar Português

Que mal fiz eu aos deuses todos? Ó mar salgado, quanto do teu sal
Se têm a verdade, guardem-na! São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Quantos filhos em vão rezaram!
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus! Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? Quem quer passar além do Bojador
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Tem que passar além da dor.
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Assim, como sou, tenham paciência! Mas nele é que espelhou o céu.
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Esse poema está presente na obra Mensagem. Essa obra é composta por
Para que havemos de ir juntos? pequenos poemas que, no conjunto, contam a história de Portugal e
projetam, de maneira mística, o sonho de um futuro novo império.
Não me peguem no braço!
No poema, o eu lírico incorpora em sua fala, o próprio povo português –
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. (...)
Ó céu azul — o mesmo da minha infância — falando em nome de uma coletividade e faz alusão às grandes navegações
Eterna verdade vazia e perfeita! (...) portuguesas dos séculos XV e XVI.
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...


E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

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