Marcos
Marcos
Marcos
Criado no Brasil
— As coisas parecem bem por aqui, não está achando não, Diego? —
Teo estava dizendo, algumas horas depois, quando estávamos os três na
minha cozinha bebendo cerveja, e Alice já tinha ido embora. Tinha que
admitir que estive menos afável e galanteador quando ela se foi, e procurei
um conjunto de razões para não ficar saindo muito enquanto ela estivesse
trabalhando. Não, eu não tinha me transformado em um cara decente de uma
hora para outra, ainda queria ter um vislumbre de um peito, uma bunda
durinha ou de qualquer outra coisa que aparecesse, eu só estava resolvido que
aquilo com Alice era falta de ter o meu pau enfiado em algo, alguém, e ele
estava se voltando para o que estava mais perto, que era Alice, no momento.
O ingênuo. Mas eu tinha voltado atrás resolveria aquilo àquela noite mesmo,
então prestei atenção no que Teo ainda estava dizendo. — Parece até que
outra pessoa andou pondo as coisas em ordem neste apartamento.
Diego franziu o rosto sério por trás dos óculos, olhando para a minha
cozinha impecável. Ele deveria era fazer uma cirurgia isso, sim. Óculos. Às
vezes eu desconfiava que ele nem precisava daquilo, devia ser charme
intelectual ou então ele não era filho do nosso pai — o que eu dizia muito a
ele quando éramos mais novos, longe de mamãe é claro, Deus me livre ela
ouvir uma porra de uma brincadeira dessas. Ia arrancar minhas bolas.
— Agora que você diz, realmente. Dona Esmeralda não tinha te
dispensado, Marcos?
— Você não vale nada, Teo — retruquei, forçando um sorriso,
sabendo muito bem aonde ele queria chegar com aquele papo. Miserável
bocudo. Não sei se queria falar de Alice agora, quando estava tão decidido a
ignorar a atração por ela e procurar diversão em outro lugar.
— O que foi? — Aquele babaca barbudo desconversou, com cara de
desentendido, e eu sorri, dando de ombros sobre o assunto.
— Sim, ela me deu um pé na bunda, mas o nosso amado primo
conseguiu uma outra pessoa para vir fazer uma geral aqui para mim.
— Enfim, espero ter ajudado com a indicação da Alice. — Teo não
largou a porra do assunto, provavelmente retaliando o meu enchimento de
saco no restaurante em relação à sua Malu e em como ele tinha caído feito
um panaca pela mulher. Um cara experiente daqueles, quase bateu em mim e
Ricardo por termos sugerido dar uns pegas nela depois que ele terminasse,
que absurdo. Óbvio que ele quase arrancou nossas cabeças à mordidas pela
sugestão. E agora, ele também não calava o caralho da boca, ao que parecia.
— Dona Amélia me disse que ela é uma moça super-responsável, organizada,
ou seja, vocês vão se dar superbém.
Organizada, responsável, séria, delicada demais, fofinha demais,
aqueles olhinhos verdes parecendo exalar doçura. Eu deveria estremecer de
repulsa com aquilo, isso sim. Diego deu uma risada, outro imbecil
comandado por boceta querendo dar uma de esperto.
— Que seja, a gente quase não vai se topar mesmo, e ela, pelo visto,
não tem um pingo de senso de humor — resmunguei, fazendo pouco caso
para ver se eles abandonavam o assunto. Meu humor não estava dos
melhores, devia ser por causa daquele bundão de merda do Santinni dando
pra trás nos negócios, e a última coisa que eu queria fazer era falar de Alice.
Além do mais, ela não era o tipo de mulher que eu falava com os caras, ela
era diferente, uma coisinha fofa que não se adequava no linguajar que eu
usava para tratar das minhas fodas com eles.
Senti os olhares astutos de Diego e Teo sobre mim e quase quis que
Ricardo chegasse logo para ver se a gente podia discutir sobre futebol e até
marcar a ida em uma festinha especial. Coisas de macho que não estava
babando por uma única mulher, como aqueles dois ali. Com um universo de
bocetas por aí, por que se contentar com uma só? Era vergonhoso, não fazia
sentido.
— Certo, porque de todos os atributos de uma mulher, com certeza o
que está no topo da sua lista de prioridades, é o senso de humor — Teo
retrucou, debochado, e Diego fez um som de assentimento, depois os dois
riram. Eu realmente nunca tinha ligado para aquilo, mas fazer o quê?
Entrementes, mandei eles se foderem e fui em direção à sala. Já tinha ouvido
demais sobre Alice, bastava. Amanhã era provável que eu nem lembrasse que
ela existia, já tendo fodido o suficiente para arrancar a imagem dela da cabeça
do meu pau. Porque era lá que ela estava gravada, na cabeça de baixo, que
nunca pensava direito.
MINUTOS DEPOIS, por puro milagre do todo poderoso, eles
deixaram o assunto de Alice de mão e passamos a falar de futebol, os três
esparramados na sala agora limpa, imaculada, e... puta merda, esquece isso,
homem. Para minha alegria, a campainha tocou, e só podia ser o sacana do
Ricardo.
Quando abri a porta para recebê-lo, a visão quase me fez ter uma
síncope de surpresa. E irritação. Sim, foi a primeira coisa que subiu pela
minha espinha e fez o meu sorriso transformar-se em um apertar de dentes.
Era séria aquela porra ali?
Ricardo estava parado à entrada, aquele sorriso de lobo mau
característico dele, que eu conhecia bem, a mão sobre o ombro delgado de
ninguém menos que Alice, parada ao seu lado, como a porra de uma miragem
que eu tinha conjurado pra ir embora e não tinha rezado o suficiente. Pena
para ele que aquela história ali não era a da Chapeuzinho, a mocinha era outra
e ali o lobo não iria comer ninguém.
Mas o melhor de tudo, além disso, era a forma como ela estava, veja
só, à vontade com Ricardo, ele estava segurando o seu ombro, o corpo colado
ao dela e ele a tinha visto a o quê? Cinco segundos? Mas o golpe maior não
foi esse. Não, ela estava lá em uma outra calça jeans colada e camisa branca,
e estava... sorrindo. Sorrindo com os lábios cheios e amplos e os dentes à
mostra como se Ricardo fosse engraçado. A porra de um sorriso maravilhoso
quando ela mal abria a boca pra falar comigo.
— Olha só o que encontrei no elevador, rapazes. A Alice, não é esse
seu nome, querida? Ela disse que estava vindo para cobertura e me permitiu
escoltá-la até aqui. Escondendo suas amigas de nós, Marcos?
Olhei entre os dois, e exalei fundo. Eu nem tinha que estar irritado,
mas foda-se, estava mesmo, e daí? Ela só era reservada comigo, ao que
parecia. Ótimo. Ótimo, não era isso que eu queria quando ela saiu pela
manhã? Admirar, mas deixar quieto? Perfeito, então.
— Ei, Ricardo, entra aí, cara — eu disse, por fim, cedendo espaço na
porta. Meu olhar não abandonava-a, e aquela mão de Ricardo ali era
interessante, pensei, pondo as duas mãos nos quadris e observando a cena. Eu
só ia observar.
— Alice, o que aconteceu? — resolvi perguntar, porque ela devia ter
um bom motivo para ter voltado, pensando bem. Ela olhou em volta, notando
Diego e Teo sentados do lado direito, e deu um aceno de mão contido na
direção dos dois.
— Seu Marcos, eu sinto muito, estou ligando para o seu celular desde
mais cedo e o senhor não atende, então resolvi vir logo. — Alice voltou a
atenção para mim.
Então voltamos a história do "senhor" agora também, maravilha.
— Marcos. Pode me chamar de Marcos, eu já disse, Alice.
— Ok, Marcos — ela repetiu, e notei o aperto em seu queixo, o modo
como pareceu quase irritada ao dizer meu nome. Maravilha. Ela tinha ficado
com raiva? — Eu deixei a minha mochila aqui pela manhã, a que tem as
minhas coisas que eu preciso para levar para faculdade.
Olhei e Ricardo continuava bem ao nosso lado, braços cruzados como
se acompanhasse o caralho de uma partida de ping-pong. Quando havia saído
pela manhã, ela saiu rápido depois que eu paguei, como se estivesse
constrangida não com o pagamento, eu esperava, mas como se tivesse
percebido que eu estava sorumbático, estranho, quase formal. Certo, talvez eu
tenha agido como um idiota mais cedo.
— Mochila? Quer dizer que você... Marcos, não vai nos apresentar
mesmo à sua amiga? — Ricardo abriu a boca, fazendo com que eu lançasse
um olhar mortífero que ele ignorou, preferindo acenar para os estranhamente
silenciosos Diego e Teo. Alguém ali sabia manter a boca fechada, menos mal.
— E aí, caras, já conhecem a Alice?
A falta de sexo estava atingindo até o meu humor, aquela porra era
séria mesmo, eu nunca tinha passado tanto tempo e estava irritado até com o
meu parceiro de putaria porque ele estava sorrindo cheio de dentes para
Alice. Instinto de proteção, suspirei aliviado. Era isso, instinto de proteção
ativado por ela ser uma responsabilidade minha, de certa forma.
— Ricardo, Diego, Teo, essa é a Alice, a filha da dona Amélia, ela
está me dando uma força aqui no apartamento. — Fiz as honras, de modo
breve, mais tranquilo agora que estava devidamente identificado o outro dos
meus problemas: falta de fazer sexo quente, suado e com todas as devidas
fantasias realizadas, e junto com isso, o jeito doce de Alice me fazia querer
protegê-la de caras como aqueles três ali.
Alice voltou-se para Teo e Diego, sorrindo largamente. Eu não ia me
irritar com essa porra, não ia, o que eu era, o caralho de um controlador de
sorrisos da mulher? Dane-se.
— Olá, Diego, tudo bem? Teo... a minha mãe me fala muito do
senhor e da Julia! — ela anunciou, e ambos se levantaram, sorrisos de galã na
cara, e deram beijos no rosto de Alice, demoradamente. Até Diego. Até o
meu irmão babaca tímido e que ignorava 98% das mulheres dando em cima
dele, resolveu testar seus dotes de conquistador agora, bem ali, com ela.
— Olá, Alice, é um prazer te conhecer — ele disse, depois de beijá-la,
toda a atenção nela. A Cabelo Vermelho não era suficiente, pelo visto. Alice
ficou notavelmente tímida e abaixou os cílios, e eu quase mordi de verdade a
minha língua. Mas então, ainda tinha a atuação de Don Juan de Teo, claro.
Teo, que ela finalmente estava conhecendo, pelo visto, depois de tocar no
nome dele por trezentas vezes seguidas ontem.
— Alice, finalmente a conheço. E nada de me chamar de senhor. Sim,
dona Amélia é a luz da minha existência, não sei o que faria sem ela. Vejo
que você herdou sua beleza, pelo visto — o galã em questão disse, quase me
deixando diabético de tanta doçura que escorreu daquele charme todo dele. E
o cara tinha uma mulher em quem estava vidrado, imagina se não tivesse.
Controlei-me para não revirar os olhos.
Eu quase esqueci que Ricardo ainda estava vivo ali do meu lado, mas
infelizmente, ele estava.
— Ora, vejam só, você é a filha da dona Amélia, já ouvi sobre você
hoje, Alice. Que sorte ter te encontrado lá embaixo, então, não? — Ele piscou
para ela e eu resmunguei "bando de imbecis do caralho", resolvendo que
estava bom de apresentações.
— Um prazer te conhecer também, Alice. Já que você vai estar por
aqui, vamos nos ver de vez em quando, não é mesmo? — Ricardo
questionou, mas olhava para mim. Ignorei-o, só respirei fundo.
— Eu acho que sim... — Alice pareceu, finalmente parecida com a
moça que eu tinha conhecido, agora meio envergonhada e intimidada com a
atenção de nós quatro sobre ela. Estendi a mão em sua direção.
— Ok, terminaram as apresentações? Vem, Alice, vamos pegar a sua
mochila, deve estar no quarto, desculpe, eu realmente estava distraído com
esses imbecis aqui e não ouvi o celular.
Ela fez que sim e passou por mim, e segui-a para o quarto de
hóspedes onde eu disse que ela poderia guardar as suas coisas pela manhã.
Estava tomado de uma sensação de irritação, de exasperação e não era
diretamente com ela, era comigo por estar afetado com aquilo. Eu já fui em
clubes de swing acompanhado, e ao chegar lá, não vi problema nenhum em
ter a minha acompanhante com outro cara, enquanto eu ficava com a esposa
dele. Problema nenhum. Esse lance de estar territorial em torno daquela moça
não era pra mim. Porra, não era mesmo.
Ela abriu a porta, e eu entrei junto, não sabia exatamente o que eu
queria, mas fechei a porta atrás de mim para não ter que ouvir as risadas dos
idiotas lá fora e cruzei os braços, me recostando. Alice foi até a mesinha ao
lado da cama, pegou a sua mochila de florezinhas vermelhas e voltou-se,
parando no lugar, um pouco surpresa quando me viu parado lá. De repente,
me dei conta de que estava apenas de bermuda, afinal, era um encontro com
os caras e eu não contava com ela por lá. Agora, no entanto, seu olhar
deslocou-se rapidamente por meu peito e abdômen, e sua garganta
movimentou-se. Eu percebi porque estava olhando bem para ela, analisando
as suas reações. Os tênis se foram, substituídos pela mesma sandália de tira
vermelha, isso também eu notei, assim que abri a porta pra ser sincero.
— É essa, encontrei — ela murmurou, mas ao contrário do que eu
poderia pensar, não estava tímida e recuando, estava mesmo um pouco
irritada, isso era perceptível na forma como inclinava o queixo para cima para
me encarar. — Eu já vou, como combinamos, estarei aqui na terça.
— Eu teria levado a mochila pra você assim que visse a sua chamada.
— Eu resolvi ignorar para onde ela queria levar o assunto, ou melhor, sua
tentativa de encerrar qualquer assunto.
— Você não estava atendendo, como eu disse, resolvi não correr o
risco. — Alice se aproximou, como se fosse sair, esperando que eu me
afastasse da porta, talvez, então parou bem à minha frente, colocando a
mochila nas costas e me encarando.
— Alice...
— Sim?
— Eu amedronto você?
Ela pareceu perplexa com a pergunta e entreabriu os lábios, depois fez
um gesto com as mãos.
— Claro que não, eu não aceitaria trabalhar aqui e nem mesmo
voltaria hoje pela manhã para atender o seu pedido se tivesse medo de você.
Por que você pergunta isso? — Exasperação também parecia sair em ondas
dela. Encolhi os ombros.
— Não sei, talvez porque você tenha parecido tão tensa perto de mim,
isso me deixou intrigado, eu não costumo deixar as pessoas tensas. Aí de
repente, você aparece aqui e é toda jovial e encantadora, só fiquei preocupado
em estar te transmitindo as vibrações erradas. — Soou ridículo até pra mim,
tenho que admitir, mas eu não ia dar o braço a torcer, decidi, meu olhar se
deslocando do seu rosto para baixo. Então ela me encarou e eu voltei a fixar a
atenção em seus olhos verdes. Alice, para meu espanto, não debochou da
minha pergunta, mas pareceu considerá-la seriamente antes de responder.
— Eu não trabalho para nenhum daqueles homens lá fora, acho que
isso responde a sua pergunta. — Estava lá, a língua rápida, o atrevimento
vindo à tona quando ela era provocada. Doce e picante. Merda, merda.
— Então é isso, você não está tensa necessariamente com a minha
presença, o problema não é comigo... — incitei-a, descruzando os meus
braços e pondo as mãos nos bolsos da bermuda preta, absorvendo cada
detalhe dela. Alice apertou os lábios, o que os fez ficarem mais atrativos, e eu
foquei minha atenção neles.
— É assim que eu me comporto no trabalho, Sr. Marcos, e aqui, é um
local de trabalho, não é? Eu não costumo estar muito jovial e encantadora —
ela repetiu as palavras pingando sarcasmo — com meus chefes,
principalmente quando eles estão de um jeito e depois começam a agir de
outro do nada, acredite, é melhor para as relações de trabalho quando as
coisas são mantidas com um certo afastamento, como eu sugeri no início.
Claro que sim, eu sabia porque ela estava assim. Suspirei.
— Eu mesmo pedi que você não fosse formal comigo, isso não está
mudando.
— Então, eu não tenho por que ser formal com eles, é isso — ela
concluiu enquanto eu falava. Um sentimento amargo e incômodo aferrou meu
peito como a picada de uma abelha, e nenhum caralho de abelha nunca havia
me picado antes. Me afastei da porta e fiquei mais perto dela, sério, zangado,
como eu não gostava de estar, nunca.
— Você é muito... — me interrompi, porque percebi que ela não
havia se afastado. E eu queria ao mesmo tempo que queria que ela não
reservasse apenas reações tensas e comedidas comigo e sorrisos alegres para
os outros, queria que ela visse o perigo, que tomasse consciência que devia
correr. Porque se eu a pegasse como queria, ela não iria correr até que eu não
estivesse mais interessado.
— Muito o quê?
— Doce, meiga, eu não quero que você me tema, mas já percebi que
não posso agir como sempre ajo com outras mulheres, em relação a você, é
por isso que talvez eu tenha estado um pouco estranho quando você saiu hoje.
— Isso e o fato de que eu havia decidido que a atração e a vontade de devorá-
la com beijos e toques que estava me assolando agora, era simplesmente
causada por privação de sexo, e tinha marcado para resolver aquele problema
dali a algumas horas. Mas isso eu não diria, obviamente.
Alice deu um passo à frente, e seu cheiro invadiu as minhas narinas,
atropelando os vestígios quase inexistentes de bom senso que eu ainda tinha.
Bom senso que eu estava juntando os caquinhos para usar com ela e ela não
estava facilitando. Estava na verdade sendo ingrata com meus esforços
porque pareceu ter ficado mais zangada, os olhos soltando chispas ao
aproximar o rosto do meu, determinação brilhando neles.
— Então não venha tentar analisar como eu ajo quando não estou por
aqui trabalhando. Eu posso ser doce, meiga, mas eu não sou de porcelana,
não me trate como uma criança frágil — ela sussurrou, e estava próximo
demais de mim, do meu peito arfando, para que eu ignorasse. Foda-se, ela
não era de porcelana? Não quebrava frágil? Eu ia testar essa porra. Estendi
uma das minhas mãos e pus na lateral do seu pescoço, surpreendendo-me
quando ambos soltamos respirações pesadas. Sua pele era macia como eu
imaginava, quente, sedosa, meus dedos deslizaram.
— Alice, eu não costumo ter muito juízo, então corra daqui agora
enquanto eu ainda posso agir como um cara honrado e não pegar você e te
beijar até que, talvez, não possamos mais parar. Não se engane, eu não sou
um exemplo de nobreza quando se trata de mulheres que eu quero levar pra
cama. E como você disse, você trabalha pra mim, estou sendo claro o
suficiente?
A intenção era chocá-la, era fazer com que ela arregalasse aqueles
olhos límpidos, tão insanamente bonitos, dissesse que nada daquilo era para
ela, e saísse me deixando com a minha ereção furiosa e me sentindo muito
honrado por ter sido sincero com uma garota que me parecia legal, uma
batalhadora, que estava buscando coisas na vida que eu não queria oferecer.
Eu geralmente preferia os artifícios para conseguir estar entre as pernas de
uma beldade, mas ali, eu usei o meu parco arsenal de honra com ela.
O que eu esperava, não foi o que aconteceu, ela deu um passo. Pra
frente, não pra trás como eu achei. Centímetros nos separavam agora, eu juro
que senti aqueles seios tocarem no meu peito. Ah, caralho, eu não era tão
nobre assim.
— Eu sei, e agradeço a sua magnânima honra e a proteção da minha
doçura e meiguice, mas mais uma vez, eu não quebro como uma maldita
louça. Talvez você descubra que eu sou mais resistente do que você pensa. —
Ela estava afrontada com as minhas palavras, zangada com a minha atitude, e
não sei se sabia bem o que estava provocando naquele momento, mas depois
eu pensaria nisso, porque eu não era nem um pouco nobre, mesmo que
estivesse tentando ser com ela.
Puxei-a pela cintura com uma mão, colando seu corpo ao meu, e
trouxe seu rosto ao mesmo tempo, quase a desequilibrando com a intensidade
com que a queria colada a mim. Minha boca estava na sua no segundo
seguinte, e eu estava abrindo seus lábios com os meus, com um gemido
profundo, áspero, provando, saboreando, introduzindo a minha língua na sua
boca quase desesperadamente. Não fui gentil, não fui delicado, era um beijo
selvagem, duro, queria mostrar a ela que eu não era dado à meiguices.
Acabei me perdendo no seu sabor e esqueci minhas resoluções. Seu
gosto era como eu pensei que fosse, doce e pungente, delicioso, parecendo
queimar os meus lábios e os meus neurônios no processo. Aprofundei o beijo,
segurando firme sua nuca para mudar a posição dos nossos lábios unidos.
Alice retribuiu meu ímpeto, me surpreendendo, moldando-se a mim,
insinuante, estendendo os braços e passando pelos meus ombros, puxando os
cabelos da minha nuca, abrindo a boca e enlaçando a língua úmida e quente
na minha. Senti perfeitamente seus contornos no meu corpo excitado, os seios
esmagados no meu peito, sua barriga pressionando meu pau muito duro. Duro
pra caralho, quase insanamente duro. Por ela.
Alice soltou um gemido na minha boca, que foi como o céu nos meus
ouvidos e o som foi parar diretamente no meu pau, que eu pressionei mais
contra ela, instintivamente. Puxei seus lábios com os dentes, ao mesmo
tempo em que apertava a sua bunda com força por baixo, com ambas as mãos
agora, quase a tirando do chão. Como eu pude achar que suas curvas eram
discretas, apenas? Tudo malditamente encaixava-se nas minhas mãos de
modo dolorosamente perfeito. Agarrei a barra da sua camiseta e toquei a pele
cálida da sua cintura, sua barriga, subindo, e voltei aos seus lábios, fazendo
movimentos de investidas com a minha língua, enquanto Alice arfava, gemia
abafado, me deixando louco.
Isso, de tesão, louco de tesão e de vontade de suspendê-la e levá-la
para a cama às nossas costas, tirar suas roupas, provar, lamber aqueles seios
que se encaixavam na palma da minha mão. Cacete, encaixavam mesmo,
apartei e massageei por cima da sua blusa, encontrando o bico durinho, e
cerrei os dentes. Quem imaginava que aquilo podia ser tão erótico, seios
pequenos que se cabiam nas mãos? Eu queria...
Ouvi a risada e o comentário alto de um dos caras lá fora, e parei.
Puta que pariu, eu ia simplesmente transar com ela enquanto eles estavam ali
fora? Claro que não, nem no inferno. Acalmei a minha respiração e
interrompi o nosso beijo, dando lambidas em seus lábios, puxando e
mordendo sua orelha. Ela gemia em uma mistura que era fatal para um cara,
como se estivesse sendo consumida, naturalmente, entregue e sem reservas.
Minhas bolas iam ficar azuis, pelo visto. Eu já tinha ouvido a minha cota de
gemidos na vida, e nada era como a forma como ela derreteu e gemeu na
minha boca.
Alice encontrou a sua respiração e se afastou, mas parecia instável,
trêmula ao olhar para mim. Então, eu me dei conta de que eu realmente parei,
eu, Marcos, que tinha fodido mulheres com outros casais a dois passos de
mim, não queria continuar com Alice bem ali no meu quarto de hóspedes e
outros machos na minha sala. Porque quando ela gemesse daquele jeito —
alto, porque eu a faria gemer e gritar, e eu gostava de uma mulher vocalizava
o seu tesão — eu não queria ninguém, homens principalmente, nem
remotamente perto de nós.
EU QUIS BEIJÁ-LO tanto quanto ele queria me beijar, me
aproximei com a clara intenção de mostrar que não era tão frágil e indefesa
quanto ele estava assumindo que eu fosse. A percepção e a certeza disso não
me incomodou, o que me alarmou foi quando descobri que quem interrompeu
o beijo foi ele; foi ser tomada pela assustadora verdade de que Marcos foi a
voz da sensatez que havia acabado de dizer que não possuía. Mas não foi só
isso, ele tinha deixado claro o que queria: "mulheres que eu quero levar pra
cama", ele disse. O que tinha sido aquilo a não ser um recado inegável do que
eu era para ele? Mas tudo bem, recado dado e assimilado.
A afirmação, na hora deveria me ultrajar, me deixar enfurecida, mas
não, tinha sido um misto de excitação e frustração. E desafio. Eu estava
profundamente irritada desde a manhã, quando tinha relaxado mais com ele, e
de repente ele me fez parecer uma boba ao mudar de atitude, já que passou a
manhã inteira trancado no escritório e quando saiu, parecia frio, fechado,
completamente o oposto do que tinha sido até então comigo. Que diabos ele
queria, afinal? Ficava todo encantador e depois me tratava como se fosse eu
quem sugeriu mais descontração e informalidade entre nós? Então, quando
ele quis bancar o assustador, eu senti a minha indignação vir à tona. Eu era
assim, ficava quieta e era a mais calma das pessoas até ficar com raiva. E ele
tinha me deixado com raiva, afinal, eu não era uma menininha que tinha
medo de um cara sexy e que dizia que ia me beijar.
Mas eu estava assustada, sim. Não com ele, mas com as minhas
reações, deduzi, sentindo a minha pele em chamas, os meus lábios doloridos
de uma forma deliciosa com a força dos lábios dele nos meus, pela forma
como parecia devorar a minha boca. Até isso ele me beijou como se
pretendesse me assustar, me "fazer correr" para as montanhas, ou seja, estava
tudo cristalino: ele era o meu patrão, eu me conhecia e agora sabia com
certeza como ele era. Era isso.
Marcos passou a mão no pescoço, ainda olhando pra mim como se
estivesse surpreso, e depois xingou em voz baixa, frustrado. Eu aproveitei e
inspirei fundo para me recuperar do impacto do beijo. Dos beijos dele, no
plural mesmo. Meu coração estava dando pulos e eu sentia a minha
respiração engatar.
— Alice, eu sinto muito, e...
— Tudo bem! — Notei a sua expressão. Eu não iria ouvir um pedido
de desculpas por algo que eu também quis, que na verdade, eu quase o
desafiei a fazer. — Não precisa se desculpar, eu te beijei de volta, não foi?
Ele apertou os olhos.
— Não estou pedindo desculpas por ter te beijado, ainda estaria
fazendo isso se não fossem os caras lá fora. Mais do que isso até... — Marcos
retrucou, a voz grossa, o que causou um ligeiro arrepio na minha pele. Ele
limpou a garganta e eu dei uma olhada rápida... pra baixo, notando o volume
em sua bermuda e subi o olhar de novo, rápido para não ser pega no flagra.
Minha nossa... — Mas não quero que você pense que usei ou usarei da minha
posição para te constranger de alguma forma aqui. Por favor, não foi essa a
minha intenção.
— Não se preocupe com isso, não foi assim que interpretei.
Ele assentiu e eu fiz menção de me aproximar para sair, ele afastou de
lado, mas quando eu passei, segurou meu pulso com firmeza, depois soltou
quando eu olhei para baixo.
— Lamento que eu tenha te deixado desconfortável mais cedo, só
estou tentando agir decentemente com você, acredite em mim. Aliás, alguém
precisa acreditar, porque nem eu estou acreditando nessa merda — ele
acrescentou, em um murmúrio contrariado, exalando pesadamente.
— Me proteger de você, é isso? — Esperava ter deixado a ironia fora
do meu tom, mas aparentemente não consegui, a julgar pelo movimento tenso
em seu maxilar.
— Algo assim. Ou você quer me fazer acreditar que tem experiência
com o tipo de... conexão — ele sussurrou a palavra como se fosse outra coisa,
e eu sabia que era. — Que eu costumo apreciar com as mulheres, Alice?
Eu ainda pensei em desafiá-lo mais, dizer que eu tinha, sim, que ele
não era diferente do único homem com quem eu tinha me relacionado de
verdade, mas eu nunca gostei de jogos, de mentiras, de fingir ser uma coisa
que eu não era. Para quê, não tinha nem tempo nem paciência para
subterfúgios.
— Não, acho que não posso te fazer acreditar nisso.
Marcos ainda me lançava aquele olhar escrutinador, como se quisesse
desvendar mais do que eu estava mostrando ali naquela declaração. Isso,
porém, eu não ia fazer, esperava que ele pensasse sobre a questão e tirasse
suas próprias conclusões a respeito.
— Você ainda vai voltar, então? A última coisa que quero é atrapalhar
seus planos por causa do que aconteceu aqui. — Seu olhar estava preocupado
agora, eu pude ver a sinceridade lá. Eu voltaria, porque precisava, mas isso
não era tudo, se não voltasse, só confirmaria a impressão dele que eu era uma
mocinha boba "doce e meiga" que corria assustada por qualquer coisa. Nunca
detestei tanto esses adjetivos como agora. Eu podia ter uma visão muito
específica de relacionamentos, queria viver um amor arrebatador, sim, queria
me apaixonar perdidamente um dia e ser retribuída, encontrar o homem da
minha vida, ser respeitada, amada, mas detestava quando esses anseios eram
encarados como fraquezas, ilusão, como se eu fosse um ser estranho,
vulnerável em um mundo tomado por relações onde apenas o sexo ditava as
regras. E parecia que era exatamente assim que ele tinha resolvido me
enxergar.
— Acho que só provamos um ponto, não foi? Você achou que eu sou
muito delicada e eu provei que beijar você não ia me tirar um pedaço. Só isso
— afirmei, e tive a satisfação de vê-lo travar a mandíbula. — Preciso ir
agora.
Marcos concordou e eu abri a porta, caminhando rápido, perdida em
pensamentos sobre o que eu estava fazendo. Então, quase passei batida pelo
que Ricardo disse assim que passei pela sala. Nossa, eu estava correndo como
se estivesse perseguida e quase passava direto pelos bonitões na sala. Queria
que Adélia estivesse aqui pra ver isso, com certeza ela desmaiaria, eu nem sei
como não tinha desmaiado quando os quatro ficaram lá ao meu redor,
olhando para mim, um mais bonito que o outro.
— Ei, Alice, já vai? Está muito cedo, linda. Por que não fica e assiste
ao jogo com a gente? — ele estava dizendo, e eu parei, pondo as mãos no
bolso da minha calça, notando que Marcos estava bem atrás de mim, muito
próximo, na verdade. O sorriso que Ricardo me deu era daqueles que podiam
fazer uma mulher pegar fogo, sinceramente, e eu não entendi porque não me
afetou tanto quanto o do cara para quem eu estava trabalhando, porque
parecia tão safado quanto. Lá embaixo, Ricardo foi solícito e gentil, mas
curiosamente parecia estar dando em cima de mim, agora.
— Obrigada, Ricardo, mas não posso mesmo. — Olhei para Teo e
Diego sentados lá, concluindo que eu estava diante de um time de peso de
beleza masculina, apesar de estar profundamente afetada por apenas um
deles. Merda! Por que aquele lindo de óculos não me deixou de pernas
bambas? Parecia o tipo de cara me atraía, ele até me lembrava o jeito do meu
ex. Ou o próprio Teo e o Ricardo, tão lindos e sexys quanto? Mas não, tinha
acabado de me agarrar como se não houvesse amanhã com o cara que ia me
pagar um salário dali a umas semanas. Que sorte a minha.
— Tchau, então, foi um prazer conhecer vocês — despedi-me quando
eles acenaram de volta.
— Alice... — A voz de Marcos me acompanhou assim que cheguei à
porta, e eu virei-me para novamente ser atingida pela visão que era aquele
homem sem camisa, com apenas aquela bermuda preta baixa nos quadris
estreitos. Ele tinha um "V", meu Deus, daqueles bem desenhados que
obrigavam o olhar da pessoa a seguir por ele e imaginar o que vinha mais
abaixo... Passei a língua nos lábios, me recusando a deixá-lo perceber. Talvez
eu ainda estivesse um pouquinho irritada, só um pouco.
— Posso levar você — ele anunciou, sério, quando me alcançou e
bateu a porta atrás de si com mais força que o necessário, como se estivesse
zangado. Comigo? Que ficasse, se fosse o caso. A partir de agora seria Alice,
que estava trabalhando temporariamente para Marcos, nada além disso. Sim,
eu tinha gostado do beijo, muito, mas nada de bom podia vir de querer ficar
suspirando por um cara como ele. Ao contrário do que as pessoas pensavam,
ser romântica me deixava mais atenta, e não me transformava em uma
boboca alienada.
— Não, eu estou bem, e você tem visitas, não se incomode com isso.
— Ok, então posso pedir ao motorista que leve você, pode ser?
— Não precisa mesmo, sério. — Levantei a mão e ele ficou parado
olhando em meus olhos, me deixando envergonhada e perturbada com a
lembrança dos seus lábios nos meus, da sua boca no meu pescoço, das mãos
no meu corpo... e aqueles olhos focados em mim agora não estavam ajudando
em nada. Marcos pareceu que ia dizer alguma, então se calou e fez um aceno
positivo com a cabeça. — Eu estarei aqui amanhã quando sair da aula, já sei
como proceder em relação ao cartão de acesso, vai ficar tudo bem.
— Me avise qualquer coisa, me ligue caso precise de algo, prometo
que vou atender. — Uma leve insinuação do sorriso apareceu, mas ele ainda
parecia estranho, sério demais.
— Ok, até mais. — Foi só o que eu disse, me virei para o elevador.
Tinha plena consciência dele ali, atrás de mim, sem se mover, porque a porta
não tinha batido, então, ele ainda estava lá, silencioso, me observando.
Apertei o botão e as portas se abriram: graças a Deus pelos elevadores
privativos, pensei. Quando eu entrei, virei de frente a contragosto, se não ele
acharia que eu era doida, e o encontrei lá, as mãos nos bolsos da bermuda,
sério, as sobrancelhas franzidas, o peito nu, firme, amplo, os cabelos mais
despenteados ainda — afinal, meus dedos deram uma boa contribuída
naquilo. Mas nenhum de nós dois disse mais nada, e quando as portas se
fecharam, aquela minha frase ficou retumbando na minha cabeça: vai ficar
tudo bem. Vai ficar tudo bem.
Inferno.
Ela tinha ido sem aceitar a minha oferta, e eu ia ficar ali um tempinho
até a minha inegável reação física ao nosso beijo arrefecer um pouco para que
eu pudesse encarar os caras lá dentro. Na verdade, eu precisaria ficar um
pouco ali de qualquer forma para agrupar os meus pensamentos em um
conjunto coerente de novo depois daquilo. Puta merda, a mocinha doce me
deixou pegando fogo, respirei fundo e passei a mão no rosto. Sorri sozinho,
balançando a cabeça. Eu notei o desafio na voz dela, na postura, a raiva com
a forma como eu agi pela manhã dando combustível para que ela se atrevesse
a vir em minha direção. Se eu fosse um cara melhor, teria ignorado isso, mas
eu não era. Queria tanto beijá-la... e fazer muito mais, também.
E porra, só a lembrança já me deixava ereto de novo; aquela boca, a
pele, o cheiro que ela exalava, o gosto dela, tudo tinha me bombardeado e me
deixado querendo mais de Alice. Rugi de frustração, me ajustando na
bermuda e tentando acalmar a fúria do meu amigo endurecido. Se fosse
qualquer outra mulher, eu só teria pegado uma camisinha e a comido ali
mesmo, e no sério, não teria me importado nem um pouco que ela gritasse e
eles ouvissem na sala.
Pensando bem, o que ela quis dizer com aquilo de que realmente não
tinha experiência o suficiente para o tipo de caso que eu gostava? Eu já
imaginava aquilo, mas ouvi-la falar tinha fodido a minha concentração e me
deixado pensando sobre isso.
Entrei depois de alguns minutos e fui direto pegar uma cerveja.
Precisava mesmo esfriar o sangue. Diego estava na cozinha e vinha com um
sorriso debochado no rosto.
— O que foi? — grunhi, tomando um enorme gole do líquido gelado.
— O que foi o quê? Você está legal?
— Qual a graça?
Ele me encarou, curioso, por segundos.
— Teo psicopata querendo mandar investigar o ex-namorado da moça
da boate, a Malu. — ele esclareceu, então cruzou os braços, me analisando.
— O que você pensou que fosse?
— Nada.
— Que era sobre a Alice? O que ela tinha, parecia que estava sendo
perseguida por demônios ao sair daqui, ou seja, perseguida por você, se te
conheço bem.
Olhei pra ele, sério.
— Nada, ela estava bem.
— Que bom, fico feliz. Ricardo gostou dela, você viu?
— Do mesmo jeito que gostou da sua Diana, é, eu vi — resmunguei, e
ninguém disse mais nada no cômodo. Ainda bem, porque eu estava sem
humor e sem um pingo de paciência para piadinhas.
Eu eventualmente me distraí, conversei, ri e aguentei as idiotices
deles, até que mais tarde todos foram embora e eu fiquei sozinho novamente.
Meus pensamentos traidores não saíam dos beijos trocados com Alice, o que
só me fez ter mais certeza de que eu não estava sendo eu mesmo, estava fora
do meu estilo usual e tinha sido atingido por uma mulher que estava fora do
meu roteiro de conquista. Mas levando em conta a forma como ela tinha
saído, era provável que não me deixasse mais chegar a dois metros dela, e
isso era bom, não era? Era claro que sim, a confusão de transar com uma
mulher que poderia querer mais de mim não era a última coisa na minha lista
de desejos, sem falar que ela parecia realmente empenhada em obter o
dinheiro que eu pagaria, se eu a levasse para cama agora, quem garante que
ela teria praticidade suficiente para voltar no outro dia como se nada tivesse
acontecido? Eu ainda foderia com os planos da menina e seria um miserável
insensível e egoísta. Então, ainda que ela tenha me feito arder mais do que eu
esperava, aquilo era algo que qualquer mulher faria, bastava ter os
equipamentos certos para tanto. Eu não ia ser muito exigente hoje.
Quando saí de um banho demorado, enrolado em um roupão branco,
me sentei na varanda do meu quarto, observando as luzes da cidade, e fiz
uma ligação. Ângela atendeu ao segundo toque, prestativa como sempre.
— Olá... achei que não ligaria mais, querido. — A voz insinuante,
cheia de promessas, soou do outro lado da linha. Ângela era uma modelo com
quem eu mantinha um caso interessante. Nos conhecemos quando ela ainda
era casada com um dos clientes da empresa em um jantar que o marido
organizou em Minas Gerais, comigo, papai e Diego que na época ainda
estava ligado à nossa empresa. Naquela mesma noite, ela acariciou o meu pau
por cima da calça uma hora depois que o prato principal tinha sido servido, e
mais 45 minutos depois, estava pagando um boquete que valeu a pena, no
banheiro masculino do restaurante. O que eu podia fazer, dispensar um
boquete porque a mulher era casada? Ela era casada, não eu, foda-se. De lá
pra cá, mantínhamos uma interação ocasional, e quando ela se divorciou do
marido, quase 30 anos mais velho que ela — ainda bem, porque papai quase
tinha tido um ataque cardíaco quando eu disse que havia comido a mulher do
cara — esses encontros foram mais regulares, mas nada que pudesse ser
chamado de um namoro, mas nos dávamos bem.
— Eu tinha visitas — respondi, lacônico.
— Visitas de que tipo?
— Do tipo que faz o cara querer uma mulher depois: um bando de
macho bebendo e falando de futebol — disse, e ela riu, e estranhamente,
apesar da minha tentativa de deixar a conversa leve, não consegui
acompanhá-la na diversão.
— E essa mulher seria eu? Pensei que tinha sido devidamente
dispensada pela manhã — ela lembrou, em um tom de voz macio, e imaginei
o biquinho que ela sempre fazia quando falava assim. Ângela era magra e
tinha seios enormes que ela jurava serem naturais, e eu não era nem um
pouco idiota para achar que fossem. Já tinha sentido seios demais na vida
para saber a diferença entre próteses de silicone e mamas naturais. E isso foi
fazer a minha mente ir lá onde eu não queria que ela fosse, em outro tipo de
seios, em um formato e um encaixe tentador. Merda.
— Você não foi dispensada, eu disse que ligaria e estou ligando, não?
— Sim, estava com saudades de você, baby — ela ronronou, naquele
jogo que nós começávamos ainda por telefone e que depois evoluía. Eu
precisava entrar no clima para que evoluísse.
— De mim especificamente? Ou de partes de mim?
Ela riu de novo
— Digamos que de todas as partes suas. Eu vou aí?
Sim, esse era um dos motivos que faziam com que as coisas fossem
fáceis entre nós, mas ainda assim eu resolvi manter a minha resolução,
mesmo com ela.
— Não. O flat, você sabe. Te encontro lá em 20 minutos.
— Ok. Nada de brincadeiras no seu apartamento mais? Estou
decepcionada com você. Adoro esses lençóis que você tem...
— Eu tenho certeza que não são os lençóis que você adora, mas vou
fingir que sim.
— Hum, você está bem? Estou te achando meio estranho.
Franzi a testa e me levantei, tirando o roupão e indo em busca de uma
roupa.
— Estou ótimo. Aliás, só avisando, estou com fome, e não é de
comida — desconversei, porque sabia que talvez eu tivesse um pouco mal-
humorado mesmo, mas aquilo era irrelevante para o que pretendia fazer com
ela.
— Certo, se você diz, tudo bem. Te encontro lá em 20 minutos.
Também estou faminta. — Ângela me atiçou e eu sorri. Quando ela desligou,
me vesti rapidamente, respondi um texto de mamãe me perguntando se ainda
teríamos a reunião em relação às startups, e deixei o apartamento em direção
ao flat. Estava tudo certo, tudo no seu lugar, e eu estava me aquecendo para
entrar com ânimo renovado no tipo de jogo que eu estava acostumado a
jogar, e o melhor, com o tipo de jogadora que entendia bem as regras.
No sábado, eu resolvi chegar mais cedo à casa dos meus pais. Nunca
era tarde para tomar vergonha na cara e passar a ser um pouco mais pontual.
Desde a quarta, eu só havia falado com Alice por telefone, quando ela havia
me dito que não poderia ir no sábado pela manhã porque teve um imprevisto
em casa. Claro que eu quis saber, mas ela disse que estava resolvido, que
estava tudo bem e que iria na segunda pela manhã. Aproveitei, então, para
perguntar sobre o trabalho na casa dos meus pais e ela confirmou.
A conversa com Iza ainda estava na minha cabeça enquanto eu
estacionava na frente de casa. Quando cheguei no meu apartamento naquele
dia, Alice não estava mais, e eu resolvi saber pessoalmente sobre aquela
questão de “sobrecarregada” que estava atormentando o cacete do meu juízo.
Por que eu simplesmente não ignorava isso e partia para o ataque? Era porque
algo nela fazia aquela veia superprotetora que eu sabia que tinha, pulsar
loucamente, quando tudo que eu queria que pulsasse loucamente em relação a
Alice, era outro tipo de veia, mais ao sul do meu corpo. Aquilo era uma
merda.
A casa já estava toda arrumada para a festa, eu podia ver mais ao
longe o imenso espaço gramado perto do jardim com várias tendas brancas
com mesas e cadeiras próximas, tudo muito iluminado. Mas estava cedo
demais, claro, nenhum convidado estava por ali, e eu me dirigi diretamente a
cozinha pela porta lateral, disposto a não perder mais um segundo para saber
o que queria. E ia saber da própria Alice.
A primeira pessoa que eu vi, ao entrar na enorme cozinha da minha
mãe, foi a própria. Depois, Luciana, a dona do buffet. Eu lembrava dela: em
uma das últimas festas ali, eu havia transado com ela em um dos quartos de
hóspedes da mansão. O sorrisinho que ela deu me mostrou que ela lembrava
bem do episódio. Puta merda. Sério aquilo? E logo atrás dela estava Alice.
Certo, eu estava pagando algum tipo de pecado, tudo bem. Eu só
achava que não tinha tanto pecado assim. Então, Alice estava ali ao lado de
mamãe e daquela outra mulher que, talvez achasse que teria repeteco, pela
maneira como me olhava. Puta merda.
A cara de choque que mamãe fez quando eu voltei a atenção para ela,
foi impagável.
— Filho, o que você faz aqui uma hora dessas?! Aconteceu alguma
coisa?
Eu me aproximei e a beijei, mas não pude tirar o olhar de onde Alice
estava, em pé, olhando para mim como se estivesse surpresa também. Ela
estava muito linda, os cabelos presos para trás, vestida em uma blusa branca
de botões e uma saia preta supercolada, demais até, que deixava mais claro
ainda as suas curvas suaves. E ela estava de salto alto. Puta que pariu. Ela
estava linda, bem ali de pé, e estava com um salto preto aberto na frente,
daqui eu podia ver os dois dedinhos que...
— Marcos?
Mamãe estava falando comigo.
— Está tudo bem, mãe. Eu só resolvi chegar um pouco mais cedo
para ver se está tudo ok. Só checando. Olá, Luciana, boa noite. Alice, tudo
bem?
—Tudo bem, Marcos.
Alice me deu um sorriso espontâneo e eu fiquei como um idiota,
sorrindo de volta. Eu precisava mesmo transar com ela, ou ia surtar.
— Marcos, quanto tempo... — Luciana sorriu também, as palavras um
pouco arrastadas demais e cheias de implicações. Ou talvez fosse só
impressão minha. Detestava aquelas complicações, quando você estava de
olho em uma mulher e aparecia outra pra embolar o meio de campo. Cacete.
Pigarreei, e lancei um olhar rápido para Alice, que estava olhando para
Luciana, atenta. Senhor, eu nunca fui de rezar muito, mas dá uma força aí, tá?
Mamãe limpou uma sujeirinha imaginária do meu ombro, animada.
— Que filho maravilhoso e preocupado eu tenho, só não lembro de
você ter feito isso antes, mas... Estou feliz, meu amor. Nem Diego chegou
ainda, sabia?
Paciência. Deus, me dê paciência.
— Eu sei, mãe. Falei com ele ainda há pouco. Ele está vindo pra cá
mais tarde.
Mamãe fez que sim, então virou-se para trás.
— Então, filho, eu finalmente conheci a Alice, a responsável pelas
maravilhas operadas na sua vida desregrada, segundo Iza.
Aquela conversa novamente. Algo me dizia que talvez a coincidência
de Iza talvez não fosse tão coincidência assim, afinal. Alice abaixou um
pouco a cabeça, sorrindo, daquele modo tímido que eu passei a identificar. E
achar bem bonitinho. Ok, eu já estava pensando feito esses caras melosos
idiotas, cuidado com essa merda aí, rapaz.
— A Alice me foi muito bem recomendada por Iza — Luciana disse,
direcionando um olhar mais atento ainda a Alice agora. — Pensei até que
você já a conhecesse há mais tempo, Abigail.
— Não, querida, mas sabe como é, Iza conheceu, e se tem alguém
bom pra julgar o caráter de uma pessoa, esse alguém é a minha filha. Se ela
disse que você poderia confiar em Alice, faça isso, e eu assino embaixo. —
Mamãe olhou para Luciana, depois lançou um belo sorriso para Alice.
— Eu agradeço a confiança, dona Abigail.
— Abigail, meu bem. Só Abigail, tá?
Eu fiquei observando aquela cena, os olhos semicerrados, tentando
buscar intenções ocultas por trás do jogo de palavras de mamãe, mas ela
parecia estar apenas sendo ela mesma, afinal.
— Já resolvemos tudo por aqui, não? Alice você pode ir... — Luciana
estava dizendo, mas eu a atalhei, delicadamente, eu esperava.
— Só um instante, ok? Preciso falar com você, Alice. É meio urgente
— avisei, e Alice franziu a testa, mas fez que sim, lentamente. — Ótimo.
Vou atrapalhar você se roubar a Alice pra mim um instante só, Luciana?
— Não, quer dizer...
— Perfeito. Não estava tudo arranjado já, Lu? Vamos ver como
ficaram as mesas e você tem que falar com o restante do pessoal, não? —
Mamãe pegou uma Luciana confusa pela mão, e foi saindo da cozinha em
direção ao jardim. — Marcos, não esqueça de devolver a menina, tudo bem?
Eu sorri, cruzando os braços sobre o peito, enquanto as duas saíam e
nos deixavam sozinhos. Finalmente.
EU SABIA QUE encontraria com ele, afinal, estava na casa do seus
pais, mas não achei que fosse já, antes do jantar, e que ficaríamos sozinhos
assim. Ao aceitar o convite da irmã de Marcos, Iza, eu estava pensando em
como seria bom poder acelerar os ganhos e talvez até guardar um pouco para
as despesas de Yasmin e para a minha formatura. Sem falar que depois de
passado o susto (e talvez um pouco de ciúmes, eu admitia, claro meu
estômago embolou quando eu vi aquela mulher jovem, linda e elegantíssima
entrar no apartamento sem ser anunciada).
Não que eu devesse me sentir assim por um homem com quem tinha
apenas trocado uns beijos e carícias, mas não podia negar que senti, sim.
Então, desfeita a confusão inicial, eu havia gostado quase imediatamente do
seu jeito sorridente e falante. E como ela falava, só de lembrar, me dava
vontade de sorrir.
Agora, quando a adorável e espirituosa mãe de Marcos se foi, levando
Luciana pela mão, eu me vi sob o efeito do seu olhar fixo. Ele estava usando
um elegantíssimo terno azul marinho e gravata vermelha. Eu estava mesmo
passando a admirar ternos bem cortados e ajustados ao corpo, não era?
Porque aquele era absurdamente bem cortado e ajustava-se perfeitamente a
ele.
Quando voltei a olhar para o rosto de Marcos, ele estava sorrindo com
aquele sorrisinho safado que me deixou perceber que ele notou bem o olhar
que eu estava dando a ele. Droga, eu babei mesmo e ele viu.
— Você está muito bonita — Marcos disse, depois de uns segundos
de silêncio onde ficamos apenas olhando um ao outro. O elogio inesperado
bateu direto em mim, e a minha pulsação acelerou. Assim como no momento
em que ele ligou perguntando se eu iria mesmo trabalhar na festa, no sábado,
e eu disse que sim. Podia ser apenas uma sensação que tive, que ele não
gostou, fiquei me perguntando o motivo, algumas coisas nada legais
passando por minha cabeça, como o fato de que talvez ele não quisesse me
ver na casa dos pais, ou algo assim. Mas eu fiquei na minha, aguardando, e
ele disse que era uma ótima ideia, e que queria conversar comigo. Sobre o
quê, eu não fazia ideia, mas estava no aguardo. Eu iria saber agora, afinal.
Ele pôs as duas mãos nos bolsos, o que afastou as laterais do paletó e
mostrou a camisa branca perfeita que delineava seu torso musculoso. Eu
tinha sentido bem aqueles músculos... Limpei a garganta, de repente meio
afogueada. Eu estava tipo meio acesa, não era possível. Aquele homem
mexia comigo de uma forma que me deixava meio bagunçada, e eu odeio
bagunça de qualquer tipo, emocional, então, nem se fala.
— Obrigada... Estou diferente, não? — resolvi brincar um pouco, para
desanuviar a minha mente de lembranças dos seus lábios e dedos no meu
corpo, mas estava difícil. Que bom que ele não lia mentes, ou a leitura da
minha agora me deixaria em apuros reais.
— Sim, está. Ainda que eu esteja tendo dificuldades em decidir de
que forma você me parece melhor: assim, ou como estava na segunda.
Bom, ele tinha acabado de ruir a minha tentativa de não lembrar da
segunda-feira.
— Hã... Obrigada?
Ele riu, então, uma das meninas que iria trabalhar no serviço de buffet
daquela noite entrou, cantarolando, depois deu uma parada quando nos viu, e
ficou mais sem graça ainda quando olhou para Marcos parado ali. Ela deu
uma conferida também, claro, discreta, mas ficou mais sem graça de vê-lo
por ali. Eu entendia bem.
— Vem, Alice, por favor. Preciso de privacidade pra falar com você
— ele disse, sério agora, e fez um sinal para que eu passasse à sua frente. Eu
também preferia não ser encontrada conversando com um dos donos da casa
ali, quando já devia estar trabalhando. Além do mais, ele havia dito que
queria conversar algo comigo, então, a melhor hora era aquela, antes de
começar o jantar. Concordei, movendo-me para passar por ele. A garota,
Monique, não perdeu aquilo, e olhou para mim de olhos meio arregalados.
Ela era legal, e eu tinha gostado bastante dela no breve treinamento no dia
anterior.
Marcos apontou as escadas e eu parei por um segundo, meio em
dúvida, mas ele confirmou e eu subi, bem consciente dele logo depois de
mim. Aqueles saltos, exigência da dona da empresa, Luciana, não me
deixavam muito confortável, mas eu usava de vez em quando, muito de vez
em quando.
Quando alcancei o topo das escadas, ele surgiu logo atrás, e ficou
parado bem atrás de mim, curvando-se um pouco em minha direção. Mesmo
com saltos como aquele, Marcos ainda era mais alto que eu. Eu deduzia que
ele tinha no mínimo 1,85 m. Jesus...
— Alice… — ele disse, a voz soando áspera no meu ouvido, e quase
fechei os olhos ao sentir seu hálito morno na minha pele. — Você já ouviu
falar na expressão “doce agonia”?
— Sim...
— Acabei de passar por ela agora, só pra você saber.
Eu sabia que ele estava se referindo ao fato de ter subido logo depois
de mim, nas escadas, e não pude deixar de achar divertida o tom de
sofrimento que ele impôs na frase, ainda bem que ele não estava olhando para
o meu rosto.
— Se você não se importar, podemos conversar no meu antigo quarto,
é logo ali. Mas podemos ir para a biblioteca, também. — Ele voltou a pôr as
mãos nos bolsos, uma expressão neutra.
— Onde fica o seu quarto?
Marcos sorriu. Parecia que estava tentando evitar aquele sorriso e não
pôde mais.
— Alice, Alice... Cuidado com as coisas que você diz, a minha mente
é um pouco superprodutiva demais.
— Só estou sendo prática. A biblioteca não fica lá embaixo? Já
estamos aqui, então... — Dei de ombros, e ele apertou os olhos e passou os
dedos pelo queixo.
— Claro, pequena. Além do mais, você não pode ser responsabilizada
pela minha mente superprodutiva, não é? Segunda porta desse corredor.
Depois de você, claro.
Eu tinha que admitir, ele já era bem irresistível o tempo todo, mas
daquele todo galanteador, uma mulher precisava estar bem no seu juízo
perfeito para não derreter completamente. Eu sempre tive bastante juízo,
lembrei a mim mesma.
Fui em direção ao amplo corredor à esquerda, e ele adiantou-se para
abrir a porta. De repente, eu estava em um quarto grande e muito masculino,
com poucos móveis e uma decoração em tons de marrom e preto. Pelo visto,
ainda que ele não morasse mais aqui, aquele local estava sendo mantido
organizado como se ele ainda o ocupasse de vez em quando.
— Não acontece muito, mas eu ainda durmo por aqui — ele
confirmou as minhas suspeitas, assim que fechou a porta atrás de nós dois e
passou por mim.
— É um belo quarto.
Ele olhou em volta e assentiu.
— Passei mais tempo do que o recomendado aqui, pra falar a
verdade. Vamos para a varanda, não quero que você fique de pé tanto tempo,
daqui a pouco vai acabar bem cansada.
Agradeci e gentileza com um murmúrio educado, seguindo para onde
ele havia indicado, e concluí que não era impressão minha. Ele parecia mais...
Encantador, mais sedutor que o normal? O modo como estava me olhando, a
maneira como falava. Meu coração acelerou, e eu percebi que talvez não
fosse apenas conversar a intenção principal dele ao pedir privacidade. Bom,
eu tinha que trabalhar aquela noite, dali a minutos, na verdade... Vamos ver o
que ele queria.
Na varanda, eu me acomodei em uma cadeira e cruzei as pernas,
enquanto Marcos recostava-se na mureta à minha frente. Ele ficou um pouco
em silêncio, me observando, como se analisando uma situação, então, cruzou
os braços sobre o peito.
— Alice, você confia em mim a ponto de pedir ajuda, caso precise?
Fiquei meio desnorteada com a pergunta. Com certeza não era o que
eu esperava.
— Como assim? Eu acho que o que você está fazendo, pagando um
valor acima do que eu receberia em outro lugar, já é ajuda o suficiente.
— Certo, mas acho que você sabe que poderia contar comigo, caso
precisasse. Se estivesse com problemas.
Eu me remexi na cadeira e lambi o lábio. Eu sabia que aquilo era fruto
da conversa com Iza, e não estava exatamente zangada porque não pedi
segredo sobre Adélia. Na verdade, nunca comentei com ele porque não houve
oportunidade. Nem necessidade.
— Eu sei que sim, Marcos, e agradeço muito. Mas como disse, tudo já
está sendo mais do que suficiente, ainda mais com esse trabalho hoje, que
devo agradecer a sua irmã, claro.
— Iza é uma pessoa extraordinária. Se ela decidiu que gosta de você,
segure a sua onda, porque ela costuma grudar em quem gosta — ele disse, e
eu sorri balançando a cabeça. Tinha sido recíproco, então.
— Ela é maravilhosa, e está ajudando bastante.
— Quanto a isso... Bom, você não está sobrecarregada com tanto
trabalho e estudo? Você não disse que estava na fase final do curso, algo
assim?
— Estou, sim, é corrido, mas eu estou dando um jeito. Fico grata com
a sua preocupação, de verdade. — E estava sendo sincera. Talvez por estar
um pouco ansiosa, descruzei e cruzei as pernas para o outro lado, o olhar de
Marcos vagou, lento, pelas minhas pernas e pés. Meus pés. Deus do céu, eu
tinha ido me informar sobre aquilo assim que tinha saído da lanchonete. A
forma como ele olhou para os meus pés, como os tocou, me deixou muito
curiosa. E o que li, causou um misto de curiosidade e fascínio, tudo junto. Ele
era o que chamavam de podólotra? Senti um friozinho no estômago ao
pensar.
— Que bom, então. Eu ficaria imensamente feliz em saber que você
cogita me procurar, caso realmente seja necessário. Você irá fazer isso?
Respirei fundo, pensando na dimensão do que ele estava propondo e
no que significava o meu aceite. Mas Marcos era um cara educado, e pessoas
educadas e gentis ofereciam ajuda o tempo todo. Era só uma questão de
educação aceitar o oferecimento verbal.
— Sim, tudo bem, caso precise, vou lembrar do seu oferecimento.
— E eu vou lembrar que você disse isso, Alice. Tá ok?
Marcos me olhou como se duvidasse, então, moveu-se de onde estava
recostado, e veio para mais perto de mim. Fiquei de pé, engolindo em seco
com o olhar faminto no rosto dele. Bem próximo de mim agora, ele pegou
um cachinho que havia escapado e o enrolou na ponta do dedo, parecendo
muito concentrado naquilo. Depois olhou para o meu rosto, com uma
expressão séria e compenetrada, avaliativa. Minha respiração engatou.
— Eu nunca fui de acreditar em coisas sobrenaturais, Alice. Mas
porra, você torna difícil não acreditar nessas coisas... — Ele tocou o meu
lábio inferior com o polegar, levemente.
— Sobrenaturais?
— Sim, tipo coisinhas pequenas que vivem em jardins, seres
encantados que atormentam as pessoas, já ouviu falar?
Ergui uma sobrancelha.
— Você está me chamando de gnomo?
Ele riu.
— Estou te chamado de fada. Fadas não são seres encantados?
— De modo geral, são... — respondi, lutando por concentração,
quando ele traçou o desenho da minha mandíbula e depois curvou-se, aquele
cheiro impressionante dele turvando todos os meus sentidos.
— Mas sabe o que é foda, Alice? Fadas também lançam maldição,
não é?
Ele me beijou. Forte, com desejo absoluto, segurando as laterais da
minha cabeça, como ele estava acostumado a fazer. Como se quisesse
imprimir sua marca ao me beijar, como se pretendesse dar toda atenção
possível naquele beijo. E ele fazia isso. Com as mãos, com a língua, com os
lábios nos meus.
Estendi os braços e segurei-o pelos ombros, sentindo quando ele
penetrou a língua na minha boca e gemeu ao encontrar a minha.
— Só pode ser isso... Pequena fada — ele grunhiu, sua mão grande
arrastando-se pela lateral da minha saia, agora, enquanto a outra continuava
me mantendo no lugar para que seus lábios e línguas me explorassem. Eu
podia sentir o volume evidente na frente da sua calça, pressionado entre
nossos corpos muito colados, meus seios amassados em seu peito.
— Marcos... eu preciso...
— Fala de novo. Diz o meu nome... — Ele mordeu meu ombro, por
cima da blusa, e eu gemi, segurando em seus cabelos da nuca. — Diz o que
você precisa...
Ele não me deixou dizer, no entanto, sorveu meu gemido, e depois de
murmurar algo que eu não compreendi, me segurou pela cintura e me
levantou, e só então eu realmente me dei conta de que a saia tinha subido a
ponto de permitir aquilo. Quem era bom com encantamentos, afinal?
— Diz... — ele pediu, a voz grave e baixa, me pondo sentada sobre a
mesa ao nosso lado. Quando ele afastou mais as minhas pernas e se colocou
entre elas, segurando a minha coxa, e mordendo o meu pescoço, eu senti a
dureza dele pressionada ainda mais em mim. O que eu queria dizer? Ah sim,
eu precisava voltar lá para baixo e trabalhar.
— Marcos... eu preciso ir — gemi, nem um pouco disposta a isso, no
entanto. Mas sabia que se resolvesse levar quilo adiante com ele, não seria
daquela forma, na casa dos pais dele, uma festa acontecendo lá embaixo,
onde eu tinha dado a minha palavra que ajudaria. Com a mãe dele lá, ainda
mais que ela a acabara de me conhecer? De jeito nenhum. Não era assim que
as coisas funcionavam para mim.
— Perfeita, eu já disse que você é perfeita? — Ele abriu os primeiros
botões da minha blusa, ainda me beijando, dando leves mordiscadas nos
meus lábios e depois usando a língua para aplacar o local. Isso era
enlouquecedor. Quando ele expôs meu sutiã preto, abaixou a cabeça e beijou
bem no espaço entre os meus seios.
— Precisamos parar...
— Eu sei, não me pergunte como vou conseguir, mas eu vou parar. —
Ele me deu mais um beijo intenso, demorado e cálido, que roubou o meu
fôlego, então suspirou junto aos meus lábios.
— Não acredito que eu vou dizer isso.
— Dizer o quê? — inquiri.
— Porra, não sei o que diabos é, Alice, mas também não quero que
seja assim. Quero você com todo o tempo que eu possa ter, no meu
apartamento. A noite toda. Eu não me importaria com o dia também, você se
importaria?
Respirei fundo para acalmar a minha respiração, e sorri. Eu pensava
sobre isso, em como seria e algumas inseguranças queriam voltar com força
total, me atormentando. Eu tinha aprendido a lidar melhor com elas, claro, a
conhecer o meu corpo e a saber que sim, eu só tivera o azar de me apaixonar
e ter uma péssima experiência sexual com um cara, eu não era o problema.
Mas mesmo sabendo disso, aquela pontada de receio vinha se infiltrar. Eu
precisava mandá-la embora.
Marcos encostou a testa na minha.
— Alice... Quero te perguntar algo. Se não vou enlouquecer — ele
sussurrou, ainda espalhando beijos e leves lambidas pelo meu pescoço e
queixo, mas estava novamente fechando os botões da minha blusa. — Você
confiaria em mim para beijar e adorar você toda?
O que uma mulher responderia àquilo? Mesmo uma que não tinha um
“mar de experiência” como eu? Olhei em seus olhos.
— Sim — respondi, mas com cautela, e ele desceu com uma das mãos
pela minha coxa nua, a palma quente fazendo carícias circulares.
— Qualquer parte sua?
— Que parte?!
Agora eu devo ter demonstrado no olhar o meu aturdimento e
desconfiança com a pergunta, porque ele lançou a cabeça para trás e riu.
— Calma... Não é assim que as coisas são... — ele falou ao meu
ouvido, mordendo e chupando um pouco o lóbulo da minha orelha no
processo. — Não é só a minha mente que é superativa, e um pouco suja, pelo
jeito. Vamos explorar isso, então... O que você pensou?
— Eu não pensei nada — disse, mortificada.
— Pensou sim, e olha... — Ele esfregou-se em mim, e eu soltei um
gemido baixo. — Só em pensar nisso que você obviamente pensou, mocinha.
Me deixou mais duro ainda.
— Bem, controle a sua mente superativa, moço.
Ele sorriu e lambeu meus lábios, passando a língua do inferior para o
superior. Meu Deus do céu, quando ele fazia aquilo eu quase sentia que
estava ficando mais molhada ainda.
— Não é a minha mente que precisa de controle agora. Mas me diga,
tirando essa parte que você "não pensou", alguma outra que eu não poderia
me aproximar? Em tese?
— Em tese? — Estreitei os olhos para ele em aviso.
— Discutiremos isso depois.
Depois? Minha mente lógica e organizada se apegava nesses termos e
eu ficava racionalizando as coisas, por mais que tentasse impedir. Às vezes
aquilo era uma droga.
— Agora eu quero saber se posso fazer algo com uma parte sua que,
talvez, para meu imenso prazer, ninguém tenha feito antes — o sussurro e a
sugestão me arrepiaram inteira. Então eu me toquei. Sua mão estava na parte
de trás da minha perna, acariciando a minha panturrilha em gestos lentos e
inebriantes.
Senhor! Eu sabia o que ele queria. Marcos me olhava fixo nos olhos
agora, um olhar quente, penetrante, indagador.
— E então, Alice? Que tal me permitir te dar uma prévia, uma
pequena amostra de que você pode sentir prazer em outras partes do seu
corpo além das que você conhece? E só avisando, eu conheço um monte
delas.
Oh meu Deus, eu precisava dizer algo. Mas sentia a minha língua
pesada e o meu cérebro dando voltas, enlouquecidamente. As mãos dele
estavam na minha perna, na parte de trás do meu tornozelo envolto pelo
sapato de salto, a outra estava acariciando a minha coxa, bem na parte de
dentro. E a sua boca, quando não estava me deixando louca com palavras
estava mordendo e lambendo o meu pescoço. Era um bombardeio de
sensações.
Por que não dar espaço para mais uma? Que mal teria?
— Sim... eu permito.
— Porra, que alívio... — ele pareceu grunhir, fechando os olhos por
um instante. Então, voltou a quase roubar os meus sentidos com um beijo...
Ajoelhou-se na minha frente. Marcos ajoelhou-se bem na minha frente, e
aquilo por si só foi excitante. Não tinha nada de submisso naquela posição,
apesar disso, ele parecia completamente no controle das suas ações.
Sem deixar de me encarar com aquele olhar quente, segurou o meu pé
esquerdo e traçou o contorno da parte de cima com o dedo. Depois contornou
as minhas unhas que apareciam na parte da frente do sapato. Eu sempre havia
cuidado bem dos meus pés por pura mania, e agora dava graças a Deus por
isso.
— Isso assusta você?
Assustava? Eu não sabia. Era uma mistura de apreensão com a
sensação que eu poderia sentir, de novidade, e também de excitação. Porque
o jeito que ele acariciava o meu pé era extremamente sensual. Era como se
estivesse fazendo isso com outra parte minha... Era fascinante. Fiz que não,
incapaz de falar.
— Bom. Fica tranquila, essa parte da casa é oposta ao jardim.
Ele retirou o meu sapato lentamente, nunca tirando o olhar do meu, e
eu senti o meu estômago dar voltas, embrulhar, mas era uma sensação... Boa.
Sim. Senti suas mãos bem no meio do meu pé, no meu calcanhar, tocando de
leve, os dedos firmes. Ele contornou a curva do meu pé, acariciou e fez um
som excitado de satisfação que reverberou nos meus mamilos. E no meio das
minhas pernas.
Essas sensações estavam no meu pé? Minha Nossa Senhora. Marcos
levantou um pouco mais a minha perna, agora eu estava com as pernas
afastadas, a saia em volta dos meus quadris, e ele tinha o meu pé nas mãos.
Seu cabelo revolto e os olhos azuis escurecendo ainda mais ao olhar para a
abertura que eu proporcionava.
— Promete fazer o que eu mandar? Quero te mostrar como é, mas
você precisa fazer exatamente o que eu disser, Alice. Tudo bem?
Era tudo na base do aceno agora, eu não tinha mais voz. Ele abriu
ainda mais as minhas pernas com uma mão, a outra fazendo movimentos
enlouquecedores no meu pé.
— Tira a calcinha. Quero ver essa boceta agora...
Engolindo com dificuldade e com o sangue correndo rápido nas
minhas veias, eu fiz o prometido. Sem questionar, levantei um pouco e tirei a
minha calcinha, que ele ajudou a retirar. Não sem antes levar ao nariz, e
olhando para mim, inspirar profundamente. Entre morta de vergonha e
excitada, fiquei apenas olhando para ele sem conseguir expressar nada. Nem
articular um som.
— Cheiro delicioso. De mulher excitada, molhada, não tem nada igual
— Marcos afirmou, e eu senti minha excitação e desejo aumentarem. —
Agora, enfia esses dedinhos na sua boceta que eu sei que está encharcada, e
toque-se pra mim. Abra mais, eu quero ver.
Obedecendo aos comandos dele, quase intoxicada, fiz exatamente
isso. E gemi alto quando as pontas dos meus dedos tocaram a minha carne
molhada, dura, e eu deslizei um dedo pra dentro.
— Caralho... O que eu fui fazer? Puta que pariu. Isso, meu bem,
assim. Mais um. Enfia o outro dedo. — Sua voz era rascante. Enfiei outro
dedo, levemente consciente de que ele continuava com as carícias, agora nos
meus dedos. Um a um, tocando, sentindo. Eu me sentia elétrica e continuei
me acariciando em círculos cada vez mais ansiosos. As sensações no meu pé
acompanhado minha escalada de desejo.
Quando enfiei os dois dedos, ouvi quando ele soltou outro palavrão
entredentes.
— Agora me dê aqui. Quero provar você.
Abri os olhos, confusa, e ele repetiu:
— Seus dedos, Alice. Quero provar seu gosto, vem... ponha esses
dedos melados na minha boca...
Trêmula com suas palavras, estendi a mão e ele cheirou e depois
chupou meus dedos úmidos, longamente, me encarando, me deixando louca.
Então, Marcos pôs meu pé sobre os lábios, beijou os dedos, um a um, e
aquilo... Aquela visão, era poderosa. Eu me sentia poderosa. Logo em
seguida, ele lambeu o dedão, e eu estremeci. Pensei que sentiria cócegas, mas
chocada, notei que parecia a sensação da língua nos meus mamilos. Minha
nossa... Que diabos era aquilo? Eu nunca estive tão perto de um orgasmo
quanto agora.
— Puta merda, se eu provar sua boceta agora, não vou deixar você
sair daqui até o dia amanhecer.
Oh céus!
— Alice, continue se masturbando, desse jeito. — Eu fiz isso,
imediatamente fechando os olhos. — Abra os olhos. Olhe pra mim agora.
E eu olhei. Marcos segurou o meu pé, e com uma devoção e um
desejo inegável, chupou um dedo. Eu senti minha boceta pulsar, e
intensifiquei os movimentos. Depois ele chupou outro, um a um, e cada
chupada, lambida da sua língua quente, molhada e firme nos meus dedos, eu
ficava mais próxima de me desfazer. Era assustador sim, mas de um jeito
maravilhoso. Cada chupão lento me causava uma sensação de fisgada nos
seios e no meu clitóris, e cada vez mais molhada e ofegante, estava me
deixando fora do prumo.
— Olha pra mim. Deixe-me ver você gozar... — ele mandou de novo,
e eu olhei, porque tinha fechado os olhos. Ele chupou com força, um a um, de
novo, e eu não aguentei mais. Senti as contrações de um orgasmo poderoso
me percorrer, com Marcos ajoelhado aos meus pés. Chupando, sugando e
lambendo os meus dedos.
EU NÃO SABIA se merecia uma medalha de honra ao mérito por ter
conseguido deixar Alice sair daquele quarto ou se deveria ser considerado o
mais novo idiota do universo por ter feito isso. Mas acima das necessidades
absurdas do meu pau duro como aço e do desejo de devorá-la de todas as
formas sobre aquela mesa, eu ouvi as palavras da minha mãe, veja só que
absurdo: "não esqueça de devolver a moça". Quem em nome de Deus ouve as
palavras da própria mãe depois de ter proporcionado um orgasmo a uma
mulher que você queria transar desesperadamente? O mais novo idiota do
universo, sim, era isso, estava decidido.
E não era querendo me gabar não, mas a forma como Alice gozou, a
entrega, os gemidos deliciosos que ela deixou escapar, a maneira como
estremeceu e depois quase desabou para trás na mesa, me deu uma ligeira
indicação de que a minha pequena amostra tinha sido no mínimo satisfatória.
Ok, detesto falsa modéstia, não sei nem como é esse lance, Alice tinha
embarcado no meu jogo e seu corpo me deu todos os sinais de que tinha sido
bom. Muito bom. Só a lembrança me deixava ainda desesperado por ela.
Enxuguei o meu rosto com uma toalha e passei as mãos nos meus
cabelos, apoiando os braços na pia do banheiro do meu antigo quarto e
olhando o meu reflexo no espelho. Eu tinha me transformado em alguém
onde a opinião da minha mãe e do restante da família sobre uma mulher era
mais importante do que a minha vontade de estar profundamente enterrado
nela? Porra, não queria nem analisar aquilo, tinha até medo das conclusões
que eu iria chegar, mas elas apontavam para termos como babaca, molenga e
meloso. Ainda assim, pensar que todos lá embaixo saberiam que eu estava
fazendo sexo com ela enquanto ela deveria estar trabalhando me causou um
incômodo do caralho, e isso, por mais incrível que pareça, foi suficiente para
que eu conseguisse refrear a vontade insana de transar com Alice.
Depois que a minha ereção deu um tempo e me deixou sair do quarto
— Alice tinha descido, apressada, tímida, e ainda ofegante, depois que eu a
ajudei a ficar apresentável novamente. Não falamos sobre nada, ela se foi e
eu fiquei tentando me ajustar e pensar sobre o que tinha acontecido. Que
experiência do caralho tinha sido ter aqueles dedinhos na minha boca,
saborear os pés de Alice tinha sido sensacional, e eu nem tinha começado
ainda... Melhor não pensar muito sobre isso se não queria andar com um
volume extra nas calças na casa dos meus pais.
Estava saindo do quarto, quando o meu celular tocou. Era Ricardo,
quem diria.
— Você tinha morrido e ninguém me comunicou? — questionei,
enquanto caminhava em direção às escadas. — Porra, cara, você
simplesmente sumiu esses dias, o que foi?
— Não exagera, você não pode estar com tanta saudade assim.
Estávamos juntos outro dia no seu apartamento, lembra? — ele debochou.
— Lembro, seu imbecil tarado.
— Não vai me dizer que você ainda está chateado porque eu fui gentil
com a Alice, deixa de ser um idiota controlador, cara, a menina estava
gostando.
— Gostando o caralho. E que não se repita, você me ouviu? —
Cheguei na sala e resolvi me servir de uma bebida. Eu ia precisar. Os dias de
celibato aliado à experiência de minutos antes estava me deixando meio fora
da linha.
— Eu já ouvi esse discurso de homem das cavernas antes. Primeiro de
Teo, depois quase apanho de Diego, e agora de você. Algo não está me
soando bem nessa conversa aí, parceiro...
Eu podia ouvir a risada presunçosa dele, e sorri, enquanto derramava
a bebida em um copo.
— Você acha que eu sou como Teo e Diego? Não viaja.
— Vai me dizer que não passou pela sua cabeça nenhuma fantasia
relacionada à Alice por ali, ocupada com a limpeza e...
— Eu já mandei você se foder desde que esse telefonema começou?
Não? Então vá se foder. E eu não tive fantasia alguma, está me confundindo
com você mesmo? — revidei, me sentando no sofá e relaxando. Eu sabia que
a festa já tinha começado, podia ouvir daqui os sons, as conversas que
entravam pela ampla entrada do jardim atrás de mim. Mas de algum modo,
ainda não queria ir pra lá.
Ele deu uma tossida rápida e milagrosamente abandonou o assunto.
— Ricardo, cara, eu tenho certeza de que você ligou por um motivo,
ainda que eu não consiga vislumbrar qual, já que você me disse que não viria.
— Você está chateado por não contar com a minha presença, eu sei.
Já está na casa dos seus pais?
— Já, e acho que já estão todos lá fora. Você está por onde?
— No meu apartamento.
— Não vai trabalhar hoje? — Estranhei.
— Na verdade, estou pensando em aparecer aí. Muita gente com
saudade de mim pelo visto.
Eu sorri.
— Não acredite nisso, meu chapa. Mas de qualquer forma, você ficou
de vir no jantar na quinta e não veio, mamãe ficou uma fera, estava esperando
por você.
Eu pensei que ele fosse fazer uma outra brincadeira usual, como dizer
que mamãe o amava mais do que a meu pai, algo que só falávamos entre nós,
já que eu também dizia que tinha um caso com dona Vanda, a mãe dele. Deus
nos livre do meu pai ou do Rodolfo, pai dele, ouvir essas merdas. Ricardo
ficou em um silêncio estranho e depois respirou fundo.
— Eu liguei pra ela pedindo desculpas, cara. Realmente não tive
como ir, um compromisso de última hora acabou tendo a minha atenção.
— Eu sei... Rui nos contou o tipo de compromisso de última hora que
você teve — provoquei-o. — Quem era a gostosa de vestido vermelho que
estava com você?
Eu só fui perceber que ele estava em silêncio por tempo demais
quando pus o meu copo sobre a mesa de centro. E quando o trovão que era a
voz de Ricardo quando ele estava puto ecoou ao meu ouvido, quase me
fazendo engasgar com o meu uísque.
— Que porra você está dizendo?! Esse filho de uma puta disse que...
Caralho!
— Ei seu corno, quer me deixar surdo, porra?
— Foi mal, cara.
— E afinal, qual o problema? Quem aqui em casa não sabe que você
tem encontros com mulheres?
Ricardo respirou profundamente e eu afastei o celular do meu ouvido
novamente. Vai gritar na casa do caralho, o que era estranho, pensei. Porque
apesar do tamanho, das lutas de boxe e de andar feito um psicopata naquela
sua Harley, dificilmente ele estava entrando em confronto direto com alguém.
O que não quer dizer que não acontecesse eu sabia muito bem disso.
— Eu digo que tenho um compromisso e o escroto do seu tio diz aí
que eu estava com uma mulher? Que idiota, hein?
— E não era um compromisso?
— Porra, Marcos, não fode.
— Cara, relaxa. Você acha que a mamãe não sabe que você é um
safado de merda que ia preferir companhia feminina a um jantar familiar? —
debochei, rindo. Ele literalmente rosnou ao meu ouvido, e eu só entendi
quando ele disse "estou chegando aí", e desligou na minha cara. O cara diz
que não vem, depois liga, não diz o que quer, e de repente está vindo...
Resolvi ignorar os ataques de Ricardo e fui até a cozinha. Só queria
me certificar que Alice estava bem, que o atraso que acabei provocando pra
ela não tinha trazido algum tipo de problema.
Assim que entrei na grande, clássica e iluminada cozinha de casa, que
de algum modo parecia um lugar aconchegante, na minha memória, algumas
moças e rapazes estavam saindo com bandejas repletas de petiscos e bebidas.
Nenhuma delas era Alice, e eu estava voltando quando quase trombo com
Luciana, que estava entrando.
— Oh! Marcos, que susto! — Ela sorriu, levando à mão ao peito, e eu
a segurei pelos ombros para que não caísse. — Obrigada.
— Tudo bem.
— Você está procurando alguém? Precisa de alguma coisa? — Ela
tocou o meu ombro, solícita, e notei que Luciana parecia tão bonita quanto na
noite em que transamos, meses atrás, no entanto, esses dias, apenas, eu ia
concentrar e direcionar os meus esforços na fadinha que estava me
atormentando. Depois, quem sabe... Eu nunca tive problemas em dar atenção
a duas mulheres ao mesmo tempo — literalmente, diga-se de passagem —
mas de alguma forma, eu queria ter total atenção em Alice, e depois, voltaria
a ser quem era.
E como sempre, porque eu estava pagando a porra dos meus pecados,
claro, quem entra nessa mesma hora na cozinha, com uma bandeja vazia e um
sorriso lindo que morreu instantaneamente ao ver Luciana com a mão no meu
ombro e tão próxima a mim — cacete, ela estava mesmo tão próxima assim?
— não foi outra pessoa se não Alice.
— Ah... — Olhei entre Marcos e Luciana e me obriguei a manter a
compostura, ignorando a indesejável sensação de aperto no peito que me deu
quando eu parei à porta e os vi. Não estava acontecendo nada ali, eles só
estavam bem próximos um do outro e ela estava com a mão no braço dele. O
que aquilo tinha de mais? Vamos ser objetiva aqui: não tinha nada de mais,
certo?
Não importava que eu não imaginasse que eles fossem íntimos assim,
mesmo depois daquele sorriso misterioso que ela deu quando Marcos chegou.
E não importava também que não tivesse mais ninguém na cozinha, só os
dois. E eu agora, que merda. E acima de tudo, não importava que as minhas
pernas ainda estivessem praticamente bambas do orgasmo que ele me deu há
poucos minutos lá em cima, e agora estava aqui conversando bem
intimamente com outra mulher. Nada. Disso. Importava. Não era?
— Alice, terminou o setor à esquerda da piscina? — Luciana voltou-
se, agitada, e o pior era que, apesar de não estar acontecendo absolutamente
nada ali, claro, ela tinha ficado visivelmente desconfortável. Por quê?
Olhei rapidamente para Marcos, o rosto impassível, eu esperava, e ele
estava olhando para mim, também sem demonstrar nada. Nem desconforto.
— Eu terminei, sim. Irei para o outro lado agora, certo?
— Isso mesmo, circule, querida, e não esqueça, sorrisos e gentilezas
— ela pediu, parecendo mais relaxada agora, juntando as mãos à frente do
corpo.
— Não vou esquecer — concordei, passando por eles e concentrando-
me no que eu tinha que fazer. Pude sentir o olhar de Marcos sobre mim, mas
fiquei o mais normal possível, mesmo que minha mente estivesse cheia de
pensamentos tempestuosos. Terminei de encher a minha bandeja, e me
concentrei nos meus próprios passos ao passar por eles novamente,
calmamente, mesmo que eu estivesse tudo, menos calma. Que hora para
chegar naquela cozinha, nossa...
— Alice?
Marcos chamou, antes que eu passasse pela porta e senti meu coração
dar um salto. Droga, eu não era talhada mesmo para envolvimentos sexuais
superficiais, por que eu insistia nisso? O homem tinha feito tudo aquilo
comigo e aqui estava eu reagindo dessa forma à sua voz. Incomodada que ele
estivesse juntinho com outra mulher. Não deveria, mas estava, pronto, ia
adiantar alguma coisa eu fingir que não pra mim mesma?
Mas para eles, sim, ia. E eu não ia deixar. Virei-me devagar.
— Sim?
— Está tudo bem?
Não tive coragem de olhar pra Luciana, apenas me concentrei na
expressão séria dele, focada em mim. O que exatamente ele estava
perguntando?
— Está, sim — assegurei, com um ligeiro sorriso, antes de me virar e
sair. As borboletas no meu estômago estavam a todo vapor quando eu saí
novamente no jardim iluminado e já repleto de pessoas àquela hora. Minutos
antes, eu tinha trocado um rápido sorriso com uma jovem linda em um
vestido marrom com uma fenda espetacular, uma das poucas pessoas negras
ali, além de mim e de Iza, pelo jeito, mas poderiam ter mais, claro. Fiquei
realmente encantada ao vê-la, logo depois, ser abraçada carinhosamente por
Teo, e o casal conversava com Diego, um pouco mais adiante.
Assim que desci, encontrei Iza novamente, acompanhada do
namorado, Erik, um rapaz jovem, bonito e educado. De alguma forma, achei
que ele parecia meio deslocado ao lado dela, mas poderia ser só uma
impressão mesmo.
Enquanto trabalhava, indo de um lado a outro, passando o mais
discretamente em meio aos convidados, eu tentei não olhar a toda hora na
direção de Marcos. Quando me virei para servir um casal de meia idade
próximo a mim, na área mais próxima da piscina, notei que agora havia um
grupo maior em torno de Teo, a namorada ou talvez esposa, e Diego. A mãe
de Marcos, Abigail, que assim que eu tinha descido para a cozinha, veio
graciosamente falar comigo, estava agora acompanhada do marido, a quem
eu não tinha sido apresentada, ainda bem. Ele tinha um ar bem intimidador. E
meu Deus, Diego e Marcos não tinham puxado não, tinham herdado beleza,
como mamãe dizia. Dona Abigail era belíssima, mas os dois filhos pareciam
mais com o pai, Diego, então, principalmente.
No grupo, ainda estavam Iza, linda de morrer em um vestido em tons
de dourado colado ao corpo, Erik, e Marcos, que estava olhando diretamente
para mim agora. Voltei a concentrar-me em quem estava servindo, sorrindo e
depois me afastando. Cada vez que eu olhava para ele, lembrava das
sensações que ele tinha provocado em mim, no meu corpo, o desejo
inusitado, a maneira como me mostrou realmente que partes desconhecidas
de mim poderiam ser zonas erógenas... O que era no mínimo intrigante, já
que ele me fez chegar ao ápice do prazer sem me penetrar, e o traste do
Robert dizia que eu era fria, e outras coisas mais que eu tinha deletado da
minha mente...
Acima disso tudo, das questões físicas, tinha a forma emocional como
eu me entreguei e confiei nele naquele momento. Eu queria separar aquelas
duas coisas, queria mesmo, mas toda vez que começava um relacionamento,
eu conhecia o cara, saia com ele, conversava, deixava as coisas rolarem até
estar envolvida o suficiente para começar a me entregar fisicamente. E com
Marcos, estava sendo tudo tão diferente, o desejo sexual passando na frente
de tudo, que estava desorganizando minhas caixinhas emocionais tão bem-
dispostas nos seus devidos lugares...
Forcei-me a deixar aqueles pensamentos para depois quando um
homem moreno, de cabelos e olhos escuros, em um terno sem gravata, que
estava em grupo de outros quatro, fez um sinal discreto para mim. Minutos
antes, quando eu o servi, ele havia começado a conversar comigo e perguntou
o meu nome. Agora, ele estava acompanhado de mais três, e eu fui na direção
deles.
— Olá novamente, Alice. É Alice, não é? — ele disse, com aquele
tipo de sorriso de quem queria mesmo ser encantador. Sorri, claro.
— É, sim — confirmei, aguardando que eles pudessem se servir. Os
outros três olharam entre si, deram sorrisos que pretendiam ser discretos,
talvez, mas não eram, e me lançaram olhares que se não eram impertinentes,
também não eram exatamente respeitosos. Fiquei um pouco mais séria
imediatamente e mudei a postura. Não sou obrigada a sorrir com gente
babaca.
— Alice, eu não sei se me apresentei. Meu nome é Kaio — ele disse,
seu olhar interessado me percorrendo sutilmente. — Esses são Antônio,
Fernando e Pedro.
— É um prazer conhecer vocês. Querem mais alguma coisa,
senhores?
Eu estava olhando naquela direção, então vi quando Marcos veio
caminhando, decidido, a expressão fechada, ainda que estivesse com uma
mão no bolso e a outra segurando um copo. Eu permaneci no lugar quando os
quatro viraram para ver o que eu estava vendo, e então Marcos chegou até
onde estávamos e pôs um braço no ombro do Kaio, descontraído. Agora, seu
rosto tinha um largo sorriso que não chegava aos olhos azuis, eu notei.
— Kaio e sua trupe. E aí, rapazes, tudo bem?
Ele olhou entre todos, antes de seus olhos fixaram-se em mim,
intensos.
— Marcos, não tinha visto você por aqui ainda. Um jantar familiar?
Não acredito nisso, você não é mais o mesmo. — Um deles, que poderia ser
qualquer dos nomes que o tal Kaio disse, deu risada e estendeu a mão para
cumprimentá-lo.
— Não tão familiar assim, Pedro, você há de convir — ele retrucou,
mas o sorriso bonito parecia amenizar um pouco o óbvio corte que ele estava
dando. O cara não notou? Não era possível... — E então, estão gostando da
festa? Apreciando algo específico?
Dois dos caras desviaram os olhos e não sorriam mais, mas Pedro e
Kaio pareciam mais relaxados. De qualquer forma eles pareciam se conhecer
bem, a julgar pela forma como sorriam para Marcos e como o outro disse que
ele "não era mais o mesmo". Sim, e o que eu ainda estava fazendo parada ali
mesmo? Ia sair de fininho, mas...
— Está só começando, mas está tudo maravilhoso, dê os meus
cumprimentos a dona Abigail — Pedro disse, e Marcos assentiu.
— Estavam conhecendo a Alice, rapazes? — ele voltou a perguntar,
quando um silêncio estranho se abateu sobre o grupo.
— A adorável Alice, Marcos, você também não acha que ela é
adorável? — O Kaio disse, e deu uma risadinha, como se estivesse falando
em códigos com Marcos, olhando mais acintosamente ainda para mim.
Lancei um olhar mortal a ele, indignação me tomando aos poucos, mas antes
precisava ouvir o que Marcos diria sobre aquilo. Era importante que eu
ouvisse.
— Acho, sim, cara, mas deixa eu te dizer uma coisa: te proíbo de
achar também, estamos combinados? — Mais uma vez ele olhou diretamente
nos olhos do Kaio, e estava sorrindo largamente. E o que era mais estranho:
parecia mais ameaçador justamente porque estava sorrindo. Outro silêncio se
espalhou, o que quer dizer que eles entenderam. Engoli em seco, alívio e
outros sentimentos enchendo o meu peito.
— Se os senhores não desejam mais nada, peço que me deem licença,
por favor.
— Claro, fique à vontade — Kaio murmurou. O tal Pedro parecia
meio em choque olhando para Marcos. Os outros dois olharam discretamente
pra mim, antes que eu me retirasse. Foi tudo muito estranho e meio
constrangedor, mas uma coisa eu percebi, Marcos não participou da
brincadeirinha dos colegas, algo que no fundo eu achava que ele não faria,
mas não tinha certeza, ainda mais depois do que tinha acontecido entre nós.
Eu não o conhecia bem, não estava acostumada a lidar com homens como
ele, e estava literalmente pisando em ovos.
Quando voltei mais uma vez na cozinha para reabastecer, notei que o
amigo de Marcos que tinha me encontrado no hall do edifício naquele dia,
Ricardo, tinha acabado de chegar e havia se juntado ao grupo. Aquele homem
era gigante, minha Nossa Senhora. E um gato também, óbvio.
Na volta, servi um pouco mais, circulei, falei um pouco com Iza, que
curiosamente me perguntou o que Marcos tinha achado da minha decisão de
trabalhar na festa. Como se ele tivesse algo a dizer sobre aquilo, pensei,
sorrindo... Eu estava voltando dessa vez com a bandeja cheia para a parte da
frente das tendas armadas, onde estavam localizadas as mesas, quando notei
uma mulher alta, magra e muito bonita indo na direção do grupo de homens
onde Marcos ainda estava.
Eu não queria, mas não pude deixar de ficar observando para quem
exatamente ela estava se dirigindo. Talvez a um dos dois babacas, Kaio ou
Pedro, mas aquele friozinho na minha barriga me dizia o contrário. Sorri ao
cumprimento de uma senhora idosa que eu tinha servido, e virei para lá
novamente.
A mulher, bela em um longo vestido verde, aproximou-se e, sem
muita cerimônia, realmente lançou os braços ao redor dos ombros largos de
um dos homens do grupo. E não foi só isso: alta como ela era, ficou
exatamente na posição para abraçá-lo e dar um beijo nele.
A desconhecida deu um beijo em Marcos. Desviei a minha vista
rapidamente e caminhei sem bem saber exatamente para onde, engolindo em
seco e sentido meus olhos arderem de humilhação, mágoa e um perturbador
sentimento de "eu já sabia", mas eu não ia fazer isso, não ia chorar ali. Lá
dentro, talvez, mas não ali fora pra que ele visse.
POOOORRAAAA!
Não era possível, cara, não era possível uma merda daquelas.
A situação era calamitosa, pra dizer o mínimo. Simplesmente fodida
era uma definição melhor, isso sim. Quando um monte de mulher juntas em
uma festa e potenciais fodas em uma única noite deixou de ser algo bom e
virou um maldito pesadelo para mim?
E de onde diabos Ângela tinha surgido na porra daquele jantar se eu
não a convidei? E de onde tinha vindo a ideia demoníaca de simplesmente me
beijar assim que me viu, na frente de todo mundo? Na verdade, eu nem me
importaria se não fossem as circunstâncias especiais daquela noite, e agora...
Enquanto ela vinha na minha direção, nada dava a entender que faria
aquilo, e quando pôs os braços nos meus ombros e encostou os lábios nos
meus — porque foi apenas isso que ela fez — eu imediatamente a segurei
pelos ombros e a afastei, verdadeiramente surpreso com isso. E o que mais
me assustou não foi a reação dela, mas o fato de que meu olhar percorreu
imediatamente ao redor, buscando Alice: ela não poderia ter visto aquela
merda, não quando eu estava praticamente entre as suas pernas ainda há
pouco, cacete. Era o tipo de cafajestagem que eu não faria. Pelo menos não
com alguém como ela.
Como Ângela era casada, o lance que tínhamos era relativamente
sigiloso, e agora que estava divorciada, ela concluiu que poderia
simplesmente chegar e foder com as minhas chances com Alice? Eu nem
tinha convidado ninguém pra porra da festa e agora acontecia isso, ou seja,
quando o cara resolvia prestar uma vez na vida, tudo dava errado nesse
caralho.
— Ei, Ângela, o que está acontecendo? — Tentei ainda ser o mais
dócil possível, ignorando as olhadas e os sorrisos dos caras ao meu redor, e
ela sorriu, o corpo meio instável, o olhar fixo, as pupilas dilatadas e o nariz
um pouco avermelhado: eu já tinha visto aquilo antes e saquei imediatamente
a questão. Cacete, era isso, então.
— Eu só vim visitar você e sua irmã... O que tem de mais, Marcos?
— Você me dá licença um instante, por favor? — disse tentando não
soar ríspido, mas com pressa, olhei em volta novamente e depois avistei
Carlos, um dos nossos seguranças da casa e um cara de confiança, e quando
fiz um aceno, ele se aproximou com a rapidez necessária. Murmurei para ele:
— Por favor, fique de olho na Srta. Ângela, ela pode estar um pouco confusa
e desnorteada, você sabe como é.
Olhei acintosamente e ele compreendeu, apenas acenando. Ele sabia,
não raro levava e trazia minhas companhias de um lado para outro, e sabia
desse meu rolo com a modelo, e de tudo o mais. Não raro tínhamos
conversado vez ou outra.
— Marcos, eu estou bem... aonde você vai? Eu, nós precisamos
conversar, não é? — Ela tentou, mas eu me desvencilhei.
— Não, não precisamos e você vai se dar conta disso assim que
estiver melhor. Carlos, qualquer coisa, leve-a pra casa — completei,
deixando o grupo e caminhando na outra direção. Eu estava duplamente puto.
A mulher não era nada minha, eu não tinha o direito de dizer como ela
deveria viver ou que poderia ou não poderia usar para se sentir bem. Eu era a
última pessoa do mundo a ter algo a dizer a alguém que queria diversão, mas
aquele não era bem o meu tipo, nunca tinha sido. Drogas de todo tipo
rolavam em festas desde que o mundo era mundo, e nas que eu frequentei,
então, havia de todo tipo, nos baldes, ainda assim, aquela praia não era
exatamente a minha.
Ângela uma vez havia me confessado que era algo que, inclusive, o
mundo da moda estava cheio, e muitas modelos faziam uso, mas realmente
aquilo não me descia bem. Chame de falso moralismo ou da merda que
quisesse, mas não rolava para mim, meus uísques e ocasionais charutos já
eram drogas o suficiente no meu organismo.
Caminhando pelo jardim, peguei um vislumbre de Alice entrando pela
parte de trás, uma bandeja vazia nas mãos, mas não pude saber se ela vira ou
não a cena do inferno que acabara de acontecer, mas com a porra do azar que
eu estava hoje, não duvidava que ela tivesse visto, concluí, um pouco
alarmado. Tá ok, um pouco não: muito. O desejo e o sentimento de proteção
por Alice, tudo junto, estava me deixando sinceramente receoso de tê-la
magoado com aquilo.
Ao passar, vi que agora Ricardo estava por ali, mas apenas fiz um
gesto com o queixo e entrei na casa, passando a mão na nuca e tentando
raciocinar. Vamos lá. Meu foco, naquela noite, e nas próximas, até conseguir
tirá-la do meu sistema, era Alice, e como eu sabia que ela não era como as
mulheres mais experientes e descoladas com as quais eu costumava lidar,
precisava pelo menos resolver aquela situação antes que tudo desandasse.
Entrei na casa e fui diretamente à cozinha. Ela não estava por lá.
Onde ela havia se metido então? Inacreditavelmente eu estava
sentindo uma mistura de apreensão, caso Alice tivesse visto a cena, e de
inquietude, caso ela não tivesse visto. Se não viu, onde diabos ela estava?
Fui para a parte de trás, nos fundos da cozinha, bem na hora em que
Alice vinha saindo de um banheiro na parte lateral, e quando ela parou,
surpresa, e me viu, eu soube.
Ela tinha visto, sim.
Evitei o palavrão que quis proferir e a encarei. Os olhos de Alice
afastaram-se dos meus rápidos, e ela passou as mãos nas laterais da saia, mas
eu vi. A decepção, a raiva, e o pior de tudo, vergonha, mas ela mascarou
rápido. Eu estava acostumado com aquele tipo de olhar vindo das mulheres.
Infelizmente, depois de um tempo, eu os recebia muito, pode acreditar. Uma
joia ou um outro presente qualquer, junto com uns sorrisos e umas palavras
gentis e sedutoras sussurradas, às vezes ajudavam a resolver o problema, e eu
era perito naquilo.
Naquele momento, no entanto, o olhar que ela me deu me fez sentir
um abalo inesperado e inconveniente. O foda era que eu nem tinha culpa
daquela porra, não diretamente, pelo menos.
— Marcos, está tudo bem? Você precisa de alguma coisa? Eu já
estava voltando lá pra fora — Alice finalmente disse, de modo neutro, mas
eu notei bem mais do que aquela atitude formal por trás do tom distante da
sua voz. Seu rosto estava tenso, mesmo que ela fingisse muito bem.
Me aproximei um passo e ela recuou outro. Aquela era toda a certeza
de que eu precisava, e soltei uma respiração profunda.
— Ignora o quanto a frase pode parecer a porra de um clichê e foque
na verdade contida nela: não é o que você pensa que viu, tá legal?
Isso, aja como um imbecil pedindo desculpas quando você não fez
nada, pensei, esse é o caminho mais rápido para tornar-se um verdadeiro
escravo de boceta. Só que no meu caso, é mil vezes pior, porque eu nem
mesmo tive uma prova daquela e estava aqui pedindo desculpas e agindo
como um. Era um pesadelo, mas ainda assim, eu continuei lá, porque não era
justo que ela não soubesse. Eu não queria que Alice pensasse que eu faria
aquilo, foda-se o resto.
Ela piscou rápido e franziu a testa.
— O que eu pensei que vi? Não faço ideia do que você está falando.
Aliás, preciso voltar pra festa, servir as pessoas, você sabe, o que eu estou
sendo paga para fazer aqui, portanto, se você me der licença, eu...
— Calma aí, você sabe que eu não estava esperando por aquilo, não
sabe?
Um ligeiro torcer de lábios e eu notei o sarcasmo ali.
— Eu realmente preciso voltar ao que estava fazendo, por favor.
— Alice, ei... — Segurei seu pulso quando ela tentou passar por mim.
O cacete que ela ia sair assim. Uma parte do meu cérebro, provavelmente
aquela que se lembrava como era ter umas bolas, estava me questionando
sobre o papel de idiota que eu estava fazendo. A outra parte, acredito que
aquela que estava totalmente dominada pelo desejo louco de levar Alice pra
cama, me dizia que eu não queria ver aquele olhar magoado em seu rosto,
pelo menos por enquanto, já que eu quase apostava que esse olhar fosse
surgir depois que não houvesse mais aquele desejo todo entre nós e eu
estivesse satisfeito.
— Eu tenho que voltar para os meus afazeres, Marcos. Já perdi tempo
demais aqui. — A sua voz, quase fria, foi o que mais me inquietou.
Momentos antes ela estava relaxada, gemendo e dizendo seu nome de modo
absolutamente entregue, e agora estava soltando cubos de gelo pelos lábios e
pelos olhos enquanto me encarava.
— Eu não faria isso, não sou esse tipo de cara, por mais difícil que
possa parecer acreditar nisso. Então, por favor, não haja como se eu tivesse
agido feito escroto, por favor. — Apesar da exasperação com a situação toda,
mantive minha voz baixa e persuasiva, eu esperava, sentindo o pulso fino de
Alice ao redor dos meus dedos. Ela não tentou soltar, e também não olhou
pra mim, mas parou para me ouvir.
Por um momento achei que ela não fosse dizer nada, mas então Alice
suspirou.
— Você está se referindo ao fato de estarmos em um momento no seu
quarto e agora há pouco uma mulher ter chegado e beijado você no seu
jardim? É a isso que você se refere? Se for, não se incomode, o que eu
poderia ter a dizer sobre isso?
Estreitei meus olhos para ela.
— Isso não te incomoda? Se eu tivesse realmente beijado outra pessoa
logo depois de estar com você?
Alice desviou o olhar do meu por uma fração de segundos e piscou
rápido, mas depois voltou a me olhar.
— Eu não sou nada sua, você não tem nada comigo, eu posso
entender o básico, não se preocupe. — Ela tentou passar novamente e eu
interceptei. O caralho com aquela conversa ali, claro que nós não tínhamos
nada, mas ainda assim...
— Ela não... que droga, ela não me beijou, Alice. Apenas, ela só
encostou os lábios nos meus... — Cristo, onde estava a porra da minha
dignidade? Apertei a mandíbula, segurei e levantei o queixo de Alice para
que ela me encarasse, o que ela fez. Seus lábios estavam apertados como se
ela estivesse fazendo força para não... chorar? Não, Deus, não a deixe chorar,
por favor, eu não sei lidar com mulher chorando. Estremecia só em pensar.
Era por isso que eu geralmente me afastava delas antes do festival de choro e
das lamúrias.
Alice, no entanto, pareceu travar os dentes e me encarou de volta,
engolindo em seco. Respirei fundo de novo, pensando que teria que utilizar
meu arsenal de convencimento para que não tivesse de desistir dela quando
ainda nem havia dado certo. Viu, seu porra, é por isso que você não deveria
se meter com meninas com coraçõezinhos no olhar, como ela parecia ter.
— Vamos aos fatos: eu conheço aquela mulher, sim, tive algo com
ela, mas não a convidei para vir aqui hoje, nem mesmo sabia que ela viria ou
que tinha sido convidada. O que eu duvido muito que foi, já que papai e Iza
cuidaram das listas de convidados. Ela me pegou de surpresa, foi isso, mas eu
a afastei em seguida. Não teria... — Inclinei-me para falar mais baixo, caso
fôssemos interrompidos ali, não queria expô-la de alguma forma. — Não
teria ido tão longe com você mais cedo se estivesse esperando alguém aqui.
Não sou esse tipo de cafajeste.
Sou de outro tipo, mas ela não precisava saber disso agora. De toda
forma, eu estava sendo sincero como não era há muito tempo, na verdade.
Alice engoliu em seco.
— Tudo bem. Eu acredito. Eu posso ir agora?
Cacete. Ela era mais difícil do que eu supus. Mulheres doces e afáveis
não deveriam ser mais compreensivas e fáceis de convencer? Tentei
novamente, me aproximando mais ainda, sendo imediatamente exposto a seu
cheiro e esperando de alguma forma afetá-la com a minha proximidade,
também.
— Eu não faria isso, Alice. Só espero que você saiba: eu não faria
isso. — Quase mordi a língua com o que estava prestes a dizer, olhando em
seus olhos verdes tão impressionantes. Então, só por agora, mandei a minha
cautela habitual com mulheres ao vento. Porra, o que um pau descontrolado
não nos obrigava a fazer, não era mesmo? — Não com você, ok? Não faria
isso.
Aguardei, ansioso. Eu já tinha feito algo parecido, antes, dito frases,
feito promessas que não tinha a menor intenção de cumprir, declarado coisas
que não sentia, e aguardado pra ver se a tempestade havia passado e eu iria
me safar numa boa, ou no máximo com alguns reais a menos na conta, coisa
insignificante. Mas ali, eu realmente esperava que Alice acreditasse em mim,
que ironia da porra...
Ela abaixou a cabeça por uns segundos, então quando voltou a
levantar, me encarou com um esboço de sorriso que não tinha nada de
divertido. Parecia cansado.
— Marcos, você não precisa fazer ou dizer nada, ok? Você lembra o
que me disse da primeira vez que nos beijamos? — Eu fiquei imóvel,
esperando, porque algo me dizia que devia ter sido uma merda. Quer dizer,
pensando com o pau, só poderia ter sido besteira, então fiquei calado e ela
continuou: — Você costumava ser sincero com as mulheres que pretendia
levar pra cama, eu entendi o recado desde a primeira vez. Não se desculpe
por ser sincero, está tudo bem comigo, mesmo.
Ela soltou-se e saiu caminhando, e eu fiquei estático, tentando
lembrar se eu havia dito mesmo aquela porra, vendo Alice voltar pra cozinha,
andando decidida. Claro que eu havia dito, estava tentando assustá-la e
deixando claro que só queria sexo com ela. Eu ainda queria apenas isso,
lógico, mas não esperava que aquelas simples palavras daquela pequena fada
fossem voltar na minha cara assim tão cedo.
Ali eu tomei duas resoluções enquanto passava as duas mãos nos
cabelos e finalmente xingava todos os palavrões que eu conhecia. Em
primeiro lugar: algo me dizia que era melhor deixá-la ir agora, mais prudente
e mais digno pra mim. Em segundo lugar: o desejo por ela e a vontade de
levá-la pra cama até me saciar por completo, tinha acabado de triplicar, no
mínimo.
O restante da festa foi uma merda, eu tinha que admitir. Meu
conhecido humor estava em queda livre e preferi não me juntar a Ricardo e
Teo, que estavam do outro lado, conversando em voz baixa. Talvez Ricardo
estivesse puto por alguma coisa, a julgar pela expressão em seu rosto, mas eu
não estava disposto a saber o que era. Diego não encontrava-se mais em lugar
algum, mas nada de novo sob o sol, quase ninguém sabia o que acontecia na
vida dele mesmo. Iza e Erik estavam dançando agora, conversando entre si e
ocasionalmente dando algumas risadas. Que bom que alguém estava se
divertindo naquela noite, não?
Fiquei por ali andando em volta e observando Alice de longe, que
aparentemente parecia ter esquecido o episódio, já que estava "toda sorrisos"
para alguns convidados. Sabia que ela estava trabalhando e deveria ser o mais
agradável possível, mas aquilo não me impedia de ficar irritado e de olho, de
qualquer forma. Através de Carlos, descobri que um dos seguranças novos da
entrada da casa cedeu sob a pressão e a ameaça de Ângela e permitiu a sua
entrada, com o único e específico intuito de foder a minha noite, obviamente.
Ângela, por sinal, não deu muito trabalho para ser levada pra casa,
depois de tentar conversar o que quer que fosse comigo. Sem condições. Eu
não tinha nada para resolver com ela, e mesmo que tivesse, não faria isso ali.
Como eu disse, meu humor não estava mais dos melhores e tudo que eu não
queria era ser pego a dois passos dela depois do que tinha acontecido.
Não era por causa de Alice, apenas, apesar de que eu era um homem
em uma missão e não queria nada atrapalhando isso, mas também pelo olhar
sinistro que eu tive a sorte de receber do meu pai, minutos antes que ela fosse
embora. Seu Otávio não precisou dizer nada pra que eu soubesse que estava
puto pela presença dela ali, já que ex ou não, a mulher ainda estava ligada a
Guerreiro, que ainda era a merda do nosso cliente. Isso por si só já bastava
que ele quisesse comer meu fígado.
Só muito mais tarde eu consegui relaxar o suficiente para não querer
socar um dos amigos do meu pai que resolveu segurar no pulso de Alice para
que pudesse babar próximo do ouvido dela, e estava passando para ir ao
encontro de um estranhamente calado e sorumbático Ricardo quando percebi
que Paulo Medeiros, amigo do meu pai de longa data e com quem eu
mantinha uma amizade ocasional, estava fazendo sinal para mim. Resolvi
deixar a curiosidade sobre Ricardo para depois e me aproximei de ambos.
Seu Otávio ainda estava com aquela expressão séria que eu conhecia
bem, aquela mesma que me dizia que eu tinha feito merda, mas ele passou
quase 90% da minha vida olhando daquele jeito pra mim, então, praticamente
não me afetava mais.
— Marcos, meu rapaz, quase não vi você circulando por aí, muitas
preocupações no trabalho estão impedindo você de aproveitar a festa? —
Medeiros deu um tapinha amigável no meu ombro assim que me aproximei.
Era um dos poucos amigos do meu pai com quem eu tinha uma relativa
intimidade fora da arena dos negócios.
— Pelo contrário, estou aproveitando muito, meu caro.
— Se você diz... — Ele sorriu, e eu ergui o meu copo de uísque que
eu não bebia há bons minutos, em um brinde simbólico. Medeiros olhou para
o meu pai, então, me lançou um olhar entre a malícia e a curiosidade, e eu
soube imediatamente o que viria: filho de uma... — Por falar nisso, eu tenho
a impressão de ter visto a ex senhora Guerreiro aqui, você sabe algo sobre
isso?
Não me dei ao trabalho de olhar para o meu pai, ainda não tinha
explicado a situação pra ele e era provável que ele estivesse puto comigo.
Entre na fila, meu velho.
— Ela esteve por aí e já foi. Aliás, ela não foi convidada, para que
fique claro.
— Você sabe que aquilo ali é mexer em casa de maribondo, não sabe,
filho? Dizem que o velho ficou arrasado com o divórcio e espera que ela
volte pra ele — Paulo informou em voz baixa para que só nós três
ouvíssemos.
— Eu realmente não sei nada sobre isso, amigão, até porque não
tenho absolutamente nada com a ex senhora Guerreiro. Ela era casada, não
era? Como eu poderia ter algo com essa senhora? — Dei de ombros e olhei
para ele, que entendeu a deixa, ergueu a sobrancelha e levantou a sua bebida
novamente em um brinde.
— Você está certo, claro. Por falar em casamento, estava aqui
conversando com Otávio... nossos filhos estão se casando cada vez mais
tarde. Você tinha o que quando se casou, Otávio, 20 anos?
— Tinha acabado de fazer 22, e Abigail tinha 21 — papai esclareceu,
lentamente, daquela forma monótona que a pessoa nunca sabia se ele estava
gostando da conversa ou estava profundamente entediado.
— Eu e Isabel nos casamos ambos com 19 anos, namoradinha da
escola, sabe como é. Hoje eu falo de casamento e Leda praticamente corre
para o outro lado da sala, mas pelo menos Leila parece que tem planos de um
dia me dar netos — ele bufou, referindo-se às duas filhas. Leila, mais velha e
também figura conhecida das festas que eu frequentava, eu imaginava bem o
motivo de ela não querer se casar agora. A mais nova, eu nem mesmo
lembrava bem dela, só sabia que costumava frequentar a nossa casa e parecia
tímida como o inferno. Eu mantinha distância de ambas por motivos
diferentes: Leila porque era louca o suficiente para achar que uma foda podia
ser muito mais do que isso, e a outra porque me causava arrepios com aquele
jeitinho de moça recatada ao extremo. Bebi mais um gole.
— Fique tranquilo, então, Medeiros, daqui a pouco sua mais nova lhe
manterá ocupado com um belo e adequado casamento, cara — ofereci, farto
daquela conversa já. Casamento só prestava festa de despedida e diversão
com madrinhas gostosas. E por falar em gostosas... Olhei em volta, atento,
buscando Alice no meio das pessoas, mas não a encontrei.
— Também acho, Paulo, a menina é muito jovem ainda, deixe-a
pensar bem sobre isso — papai opinou, olhando agora para Iza e Erik do
outro lado.
— Alguma chance de juntarmos as nossas famílias, é isso que está me
dizendo, Marcos? Ou você também é daqueles contrários ao casamento? —
Ele riu, balançando a sua bebida no copo e olhando para o meu pai, que olhou
para mim de forma atenta e curiosa. Eu sabia que ele estava falando da linda,
jovem e pacata Leila, e não da desmiolada da filha mais velha. Se ele
soubesse o que eu sabia sobre a filhinha primogênita e do que ela gostava...
— No momento, eu sou dos contrários, sim, mas acho que hora ou
outra isso vai acontecer, não é? Não estou preocupado com isso agora. Por
quê? — Onde diabos Alice estava? De repente notei que ela estava voltando
da cozinha, e pelo jeito, ou não sabia que eu estava daquele lado ou estava
intencionalmente evitando olhar para mim. Eu apostava na segunda opção, no
entanto.
— Talvez uma união entre nossos filhos mais novos seja uma coisa
boa, o que você acha, Otávio? Disposto a dividir netos comigo?
Um sorriso discreto brincou nos lábios do meu pai quando ele olhou
pra mim.
— Qual a sua opinião sobre isso, Marcos? — foi o que ele quis saber.
— Bancando o casamenteiro para as próprias filhas, Medeiros? Você
já foi melhor que isso, meu chapa. — Eu dei um tapinha no seu ombro, e ele
e papai sorriram largamente. — A minha opinião é que a festa parece boa
demais para que eu esteja sendo oferecido em casamento sem nem mesmo ter
pedido por isso. O século XIX mandou lembranças pra vocês dois, aliás. Se
me dão licença, cavalheiros.
Fui embora dali antes que estivesse virtualmente comprometido com
uma mocinha insípida que nem mesmo me fazia o sangue ferver, e resolvi
apostar temporariamente todas as minhas fichas em outra conquista, algo que
nem de longe tinha a ver com compromissos bobos ou casamentos à vista,
mas que prometia ser maravilhosa. Eu ia penar, talvez, mas algo me dizia que
valeria cada segundo do meu empenho.
A FESTA AINDA não tinha acabado quando eu subi para o quarto
de Iza e me troquei, como ela tinha me dito para fazer. Eu sabia que corria o
risco de deixar a proprietária do buffet chateada, mas realmente não estava
me importando mais, não era como se eu fosse realmente voltar a trabalhar
com ela, de toda forma. A minha cabeça estava explodindo de dor, meus pés
estavam me matando e eu já estava suficientemente arrependida de ter
aceitado aquilo. Não por causa de Iza, que só quis ajudar, mas pelo conjunto
da obra.
Enquanto guardava as minhas coisas na mochila, pensava sobre a
breve conversa com Marcos, e mesmo que a minha parte ponderada e
racional gritasse que era bem provável que ele não se importaria nem um
pouco em beijar outra mulher enquanto eu estivesse circulando por ali — e
não qualquer mulher, note-se, mas uma que ele alegou já "conhecer" e que
parecia exatamente o tipo com o qual ele estava habituado: do círculo social
dele — a outra parte de mim, aquela que tinha visto a maneira como ele
olhou pra mim e disse que não faria algo assim, estava me implorando para
deixar aquilo de mão e entender que enganos e mal-entendidos aconteciam,
afinal. Mas ainda assim, o que aquilo significava? Ele ter ou não beijado uma
mulher, o que aquilo significava, se não tínhamos nada um com o outro?
Eu optei por ouvir a parte racional, já que tudo apontava para que
Marcos fosse um mulherengo incorrigível e que eu não podia esperar um
comportamento de lealdade de um cara assim, e que ainda por cima não me
prometeu nada. Tudo bem que eu estava sentindo como se as minhas
entranhas estivessem se revirando e virando mingau, e lutando contra a
vontade de chorar, por mais que tentasse me convencer que era bobagem,
como todo o discurso que eu fiz pra ele naquele momento. Eu acreditava
naquilo que estava dizendo, mas ainda assim estava com aqueles sentimentos
de mágoa, humilhação e arrependimento borbulhando dentro de mim,
trazendo outros, de outras épocas.
Depois de arrumar as minhas coisas e sair pela lateral da casa o mais
rápido possível, já que a festa não ia durar muito mais e eu havia avisado que
não me sentia bem e precisava sair antes, respirei fundo o ar noturno e me
encaminhei para onde Iza havia me avisado que um dos motoristas da casa
iria me esperar. Se eu estivesse bem, teria apenas pegado o meu Uber para ir
pra casa, mas a forma preocupada como ela me olhou e como insistiu, aliada
ao desconforto da dor, me fez aceitar sem mais delongas.
E também o fato de que quanto mais tempo eu passasse ali tentando
explicar a ela por que estava saindo antes da festa, mais perto eu estaria de ter
que responder se algo de errado havia acontecido, como ela perguntou, ou,
pior ainda, encontrar Marcos novamente e ter que continuar aquela conversa.
Eu iria encontrá-lo, eventualmente, mas não agora. Agora eu só queria
pôr os meus sentimentos bagunçados no lugar, me reorganizar, e então eu o
enfrentaria, claro, se fosse preciso. Eu não estava fugindo, estava me
poupando, e acho que era a melhor coisa a fazer naquele momento.
Sérgio, o jovem motorista que também tinha ido me buscar, estava me
esperando onde Iza disse que ele estaria, encostado na lateral do carro. A ida
pra casa foi de certa forma distraída pela conversa agradável e a simpatia de
Sérgio, que conversou comigo e me fez deixar alguns pensamentos um pouco
recuados, o que me fez bem naquele momento.
Quando cheguei em casa, mamãe estava sentada na sala, cochilando
na frente da TV ligada em um programa de humor, mas acordou assim que eu
estava girando a chave na fechadura para fechar a porta atrás de mim.
— Alice? — Percebi o alívio em sua voz e sorri, meu coração
aquecendo naquele momento.
— Oi, mãe. A senhora está aí esperando em vez de estar descansando,
não é? Já é tarde, não precisava.
Fui sentar-me ao seu lado e ela afastou-se para que eu pudesse
compartilhar o sofá menor com ela. Imediatamente pus a cabeça em seu
ombro, depois de beijá-la no rosto.
— Eu só estava aqui vendo esse programa, aí acabei dormindo. Já ia
me levantar. Mas ainda bem que você já está aqui, minha filha.
Sorri mais ainda.
— Você não estava me esperando chegar em casa, então? —
provoquei-a, e ela nem se deu ao trabalho de negar, e eu encolhi as minhas
pernas e me aconcheguei nela, desfrutando daquela sensação única que era ter
a mãe ao nosso lado, cheia de amor e preocupação por você. Suspirei, feliz
por tê-la comigo, e pedindo a Deus que ainda pudesse tê-la por longos anos.
Um nó de emoção formou-se na minha garganta. — Eu vim em segurança, a
Iza pediu que o motorista me trouxesse.
— Graças a Deus. E como foram as coisas lá, até pensei que você iria
chegar mais tarde — Senti sua mão em meus ombros e a abracei pela cintura,
pensando sobre a sua pergunta.
— Tudo bem, a festa foi linda, muita gente, a casa é impressionante,
precisava ter visto.
— Eu imagino. Então, correu tudo bem?
Se a senhora considerar que eu me peguei com o cara que é
temporariamente o meu patrão, e depois de minutos uma mulher estava
beijando-o no meio da festa, ainda que ele afirme que foi inesperado e que
não retribuiu, sim, correu tudo bem. Tudo na mais perfeita ordem e
tranquilidade.
— Então tá certo, mas minha filha, olha... não sei se quero que você
ainda faça essas coisas, tendo que trabalhar assim, você estuda, Alice, as
coisas já estão melhorando, não quero que você se canse dessa forma,
chegando tarde. Pra quê?
— Eu sei, mãe. Vou dar um tempo, acho que o que vou guardar é
suficiente por um tempo, não precisa se preocupar mais.
— É sim, e logo Adélia está melhor, as coisas vão se ajeitar. Quero
que você se concentre é nos seus estudos, minha filha, isso sim.
Sorri largamente, fechando os olhos e apertando-a ainda mais.
Ficamos assim em silêncio por uns segundos, e eu estava quase sugerindo
que fôssemos dormir quando ela voltou a falar de novo.
— Você não me disse como foi lá na casa do Marcos. Eu estava até
falando com o Teo outro dia que você seria uma ótima ajuda para aquele
menino enquanto estivesse lá.
Menino. Evitei bufar porque era mamãe, mas de alguma forma, ela
deve ter percebido algo, talvez eu tenha ficado tensa, sei lá, mas ela afastou
um pouco o rosto pra poder olhar para mim. Por que os assuntos sobre os
quais você não quer falar são justamente os que as pessoas (as mães, em
especial) resolvem insistir?
— Algum problema com ele, Lili? — A surpresa em seu tom me
deixou exasperada, como se de alguma forma as pessoas achassem que "ter
problemas" com Marcos era algo difícil, quase impossível de acontecer, mas
devia ser apenas a minha irritação com ele vindo à tona. Exalei
profundamente e me contive, se eu demonstrasse alguma coisa, era provável
que aquela conversa se estendesse ainda mais. E isso era tudo que eu não
queria agora.
— Não, mãe, nenhum problema. Está tudo ótimo, é fácil trabalhar por
lá, na verdade, como a senhora disse que seria. Aliás, eu estou tão cansada,
por que não vamos pra cama, hein?
Passei a mão em seu braço e sorri, mas ela estava me olhando de
modo atento, e eu usei todo o meu poder de fazer uma cara de paisagem
enquanto isso.
— Está mesmo tudo bem com você, Alice? Estou te achando tão
murchinha, minha filha.
Eu apertei os lábios, não querendo demonstrar a confusão que eu
estava no momento.
— Cansaço, mãe. Você tem razão: cansaço e dor de cabeça. Vou dar
um tempo pra mim mesma e relaxar mais. E então, vamos lá?
Levantei e estendi minha mão pra ela, ajudando-a a ficar de pé, então
fomos juntas em direção ao quarto. Antes de entrar, virei-me pra minha mãe.
— E as meninas, como estão? Dormiram bem?
— Dormiram, tudo na paz, só faltava você chegar. Boa noite, filha.
— Boa. Durma bem, mãe. Até amanhã.
— Alice... — Eu ia me virar, mas seu chamado me fez voltar,
apreensão me tomando. Mamãe estava com os braços cruzados e a expressão
preocupada. —Você não teve mais notícias do Robert, não é?
— Robert? — Por um momento fiquei parada tentando entender de
onde ela havia tirado aquilo, então compreendi. De alguma forma, ela sabia
que havia algo errado, e deduziu que o meu ex-namorado pudesse ser o
problema. — Claro que não, mãe. Ele nem mesmo está mais na faculdade, eu
disse isso a você que ele saiu. Por que você acha que eu voltei a ter contato
com ele?
Certo, eu não deveria ter perguntado isso, pra alguém que não queria
alongar uma conversa, mas também não queria deixá-la preocupada com algo
desnecessário.
— Não sei, só estou perguntando mesmo. Só pra saber. Você sofreu
por conta daquele rapaz, Alice, eu não queria que você voltasse a ter algo
com ele, só isso. Não quero que você sofra, minha filha.
Certezas estavam raras na minha vida naquela noite, a julgar por
minha reação ao ver Marcos sendo beijado por outra mulher, mas aquela ali,
aquela, eu poderia me gabar de ter. Pus as duas mãos em torno de seus
ombros frágeis, magros, lembrando de uma outra cena, alguns anos atrás, ali
na porta daquele mesmo quarto; aqueles ombros que tinham sido firmes para
sustentar duas filhas sozinhas, sem ajuda de praticamente ninguém, mesmo
que uma dessas filhas fosse fruto de um relacionamento com um homem que
tinha dinheiro o suficiente para ajudá-la; ombros onde eu tinha apoiado a
cabeça para chorar a minha amarga decepção quando esse mesmo homem
havia se recusado a falar comigo, e praticamente me escorraçado do seu
prédio luxuoso, junto com o sarcástico filho mais velho "verdadeiro". Ainda
hoje as palavras que eles tinham dito pra mim ecoavam na minha mente, a
vergonha, a dor, e finalmente o arrependimento por ter feito algo que a minha
mãe havia dito, pedido, implorado que eu não fizesse: procurar o meu pai
biológico.
As lembranças daquela tarde — a forma como eu saí da sala dele, de
cabeça em pé, rígida, depois te ter dito muitas coisas para eles, de ter deixado
claro que eu não queria um real do maldito dinheiro deles, de ter desabafado
e por final, mandado que eles fossem para o inferno — ainda estavam muito
vívidas na minha memória. Os olhares que eles me lançaram... primeiro, o
olhar aturdido e quase atormentado do homem que era o meu pai, quando me
encarou assim que entrei na sala. Eu pensei, por um momento, que ele fosse
ter outra postura, me acolher, como eu inocente e estupidamente achei que
fosse acontecer. Que idiota eu tinha sido, que menina boba e crédula. E
teimosa. Como um cara que não acolheu a mulher dizia amar, quando ela
engravidou, poderia fazer isso por uma filha que anos depois aparecia na sua
empresa?
Mas essa minha impressão equivocada se desfez quando o filho dele
começou a falar, e ele abaixou a cabeça por longos momentos, e então, tudo
tinha sido um pesadelo: a forma como falavam, o ar de deboche do homem
mais novo, que eu tinha asco de pensar que era meu irmão até. O jeito como
aquele imbecil me deixou saber que eu não era bem-vinda, que eu era apenas
uma interesseira em busca de um bocado da herança podre do pai dele.
Em nenhum momento tinham sido claramente racistas, nem fizeram
nenhum comentário incisivo nesse sentido, mas estava lá, sob a superfície,
latente, quase "despercebido", a maneira como ele falou do relacionamento
do pai com a "empregada" da família depois que a mãe faleceu: um erro,
comum e perdoável, que os homens cometem de vez em quando, mas quem
estava ligando? A culpa seria sempre dela, não era mesmo? Quem mandou
engravidar? Era assim que se pensava, era desse modo que a sociedade via as
coisas, não importava que ele fosse tão responsável quanto ela.
A minha raiva daquele homem que havia engravidado a minha mãe
era maior não porque ele estava diretamente me rejeitando, sendo grosso, me
humilhando, não, era maior porque eu percebi que ele era um covarde. Um
covarde absoluto e mal caráter. Como eu me arrependia de ter questionado a
minha mãe quando entrei na adolescência, por ter perguntado por que ela não
ia atrás dele, por que ela não entrava na justiça para que ele fosse obrigado a
me reconhecer. E ela dizia um simples e sonoro não, apegada à visão de
mundo dela, da sua época, ao seu orgulho, e eu não entendia e não queria
concordar. E ficava com raiva. No fundo, achava que meu pai mudaria de
ideia quando me visse, quando conhecesse a filha... Que erro eu tinha
cometido.
Quando eu me levantei, defendendo a minha mãe e deixando-os
chocados com tudo que saiu da minha boca, eu tinha tomado duas decisões
importantes: não queria estar a dois passos daquela gente escrota, nunca mais.
E em segundo lugar, eu só tinha mãe, sempre tive só mãe, e o arrependimento
por ter sequer procurado aquele homem me cobriu como um manto de gelo.
Ela era e sempre seria o suficiente para mim, e era por ela, e por mim, que eu
estudaria, teria a minha profissão, a ajudaria, e nunca, em hipótese alguma,
queria qualquer tipo de reconhecimento daquele homem como meu pai, ele
simplesmente estava morto, ele e seus filhos, e eu não precisaria dele para
viver. De uma maneira cruel, aquilo foi um tipo de motivação para que eu
seguisse em frente, que fosse forte e independente, e não precisasse deles.
Nunca.
Eu lembro de ter prendido a respiração quando passei pela recepção,
pelos olhares chocados e intrigados das funcionárias que devem ter ouvido a
minha voz dentro da sala, meus gritos... até entrar no elevador e desabar no
chão, abraçando os meus joelhos, em um choro convulsivo de raiva,
vergonha, minha dignidade em farrapos, uma dor quase física que me fazia
ficar sem ar enquanto as lágrimas me cegavam. A lembrança do olhar de
mamãe pedindo que eu nunca o procurasse, que não valia a pena, que ela não
queria que eu me machucasse, aquilo era como uma punhalada, sentia como
se a tivesse traído, e chorei até que o elevador abriu novamente e uma mulher
me ajudou a sair até que eu me recompusesse.
Ao chegar em casa, abracei-a apertado e chorei novamente, sem
fôlego, repetindo que a amava e que ela estava certa, que sempre estivera, que
me perdoasse por ter sido uma menininha estúpida e teimosa. Ela nunca me
perguntou, nem disse que tinha me avisado, nem quis saber o que houve,
apenas me garantiu que me amava e que estava tudo bem. De qualquer modo,
eu não consegui repetir o que havia acontecido naquela sala, a cada vez que
eu lembrava, a humilhação, a dor e a raiva me consumiam, e assim nunca
mais tocamos naquele assunto ao longo dos anos.
Agora, ali, uma de frente para a outra, tudo isso havia voltado de
repente, mas eu empurrei para debaixo do tapete do esquecimento, que era
onde aquilo deveria ficar.
— Pode ficar tranquila, mãe, não vou permitir que isso aconteça
novamente. Robert é passado, e hoje eu sei um pouco mais da vida do que
antes, tá? Não vou deixar ninguém me machucar assim de novo, prometo.
Eu só esperava cumprir de verdade aquela promessa.
Ela assentiu, aliviada, e sorriu, antes de me beijar e voltar-se para o
seu próprio quarto. E eu tentei me convencer que foram aquelas lembranças
amargas e doloridas do episódio com aquele homem, anos atrás, que me
fizeram deitar na cama, olhar para o teto, e sentir a umidade de lágrimas nos
cantos dos meus olhos, e não o que aconteceu essa noite, quando por um
momento eu revivi a dor da humilhação e da vergonha. Mas eu não era mais
a mesma, não era mesmo.
A primeira coisa que notei ao acordar na manhã seguinte, foi que meu
celular estava vibrando com a chegada de uma mensagem, bem ao lado da
minha cabeça. Ainda bem que havia colocado no silencioso, pensei, ao olhar
para o lado e ver que Adélia e Yasmin ainda estavam dormindo na cama ao
lado da minha. Eram 7h40 ainda e eu não conseguiria mais dormir pelo jeito.
Quando peguei o celular, notei que havia pelo menos oito ligações de
Marcos, e eu tentei, mas não pude evitar aquela acelerada no meu pulso, mas
me mantive externamente neutra. O que quer que fosse, poderia esperar, eu
só não voltaria a trabalhar na segunda-feira? Eu iria retornar mais tarde, claro.
Aquilo não era prioridade. Porque sim, antes de dormir, eu decidi que não ia
ser o medo, a covardia ou qualquer outra coisa do tipo que iria pautar a minha
vida e direcionar as minhas decisões, assim, eu ia honrar o meu compromisso
assumido com Marcos, faltavam poucas semanas apenas, e não ia correr com
o rabinho entre as pernas pelo que tinha acontecido. Maturidade o nome
daquilo, eu estava exercitando cada vez mais.
Com essa decisão em mente, tomei o meu café, o mais tranquila
possível, depois conversei com mamãe e Adélia na cozinha, ambas em um
acordo mútuo de evitar temas pesados enquanto estávamos assim juntas, as
quatro — já que a nossa bebezinha estava por ali com a mãe — e parte da
manhã passou de modo agradável. A única parte tensa foi quando Adélia
informou que sairia à tarde, ali perto, na pracinha, para conversar com o ex-
namorado. Que eles estavam entrando em um acordo sobre o que ele
precisaria dar à filha. Eu e mamãe nos entreolhamos, preocupadas, e o
silêncio atraiu a atenção de Adélia, que pareceu ficar chateada com a nossa
reação, ou com que a falta dela parecia significar.
— Eu estou bem ciente do que ele fez, mas é o pai de Yasmin, preciso
conversar com ele, e ele precisa ajudar com as despesas da própria filha. Se
não der certo assim, eu vou procurar a justiça. — Seus olhos buscaram os
meus, depois os de mamãe, e sua voz suavizou: — Não se preocupem
achando que eu estou tentando voltar pra ele, não é isso. E eu não quero ter
que sobrecarregar você e Alice porque a minha vida de repente se
transformou nessa... nisso tudo, mãe. Não era isso que eu deveria fazer?
O silêncio se estendeu por alguns segundos, antes que eu o quebrasse.
— Que bobagem, eu não estou...
— Eu sei que não, Lili. Você nunca diria isso, nem me deixaria saber
que estou sendo um fardo. Me deixem continuar — ela atalhou, quando eu e
mamãe fizemos menção de contradizê-la. — Vocês não estão dizendo isso,
eu sei que estou sendo um fardo, ainda que não queira, e não é justo com
nenhuma de vocês. O que é justo é que o pai dela ajude a sustentá-la, ainda
que eu não queira mais nada com ele, não posso privar a minha filha disso, de
ter o que o pai dela pode dar...
Aquele tópico parecia estar novamente em pauta, rondando a nossa
casa, e quando o meu olhar de aviso e alarme encontrou o de Adélia, só então
ela pareceu se dar conta do que havia dito, e que mesmo sem querer, acabara
de tocar naquele assunto superdelicado na nossa família. Mamãe suspirou.
— Sim, minha filha, você está certa, sim. Procure o pai da sua filha.
E virou-se para pia, devagar.
Adélia fechou os olhos e murmurou um palavrão, depois levantou da
mesa e me entregou Yasmin. Eu a peguei no colo e sai da cozinha a tempo de
ver que ela abraçou mamãe por trás e pediu desculpas. Claro que ela não
queria magoá-la, e nem acho que mamãe tenha se magoado de verdade, mas
de todo modo, parece que esses dias estavam sendo muito delicados, além
disso, nós fomos criadas assim, para ajudar uma a outra e pedir desculpas
quando necessário. Tornava tudo mais fácil.
Enquanto se sentava na parte da frente da casa, onde um pequeno
jardim cultivado por mamãe adornava o imóvel com um portão de ferro meio
desgastado na frente, aconcheguei Yasmin no ombro, dando pequenas
batidinhas nas suas costas, como já tinha visto mamãe e Adélia fazerem
quando ela terminava de mamar. Inalei aquele cheirinho único e gostoso da
sua cabecinha, ouvindo seus sons fraquinhos e inarticulados, perdida em
pensamentos.
Minha mente voou para a noite anterior, para tudo, desde os
momentos no quarto com Marcos, até tudo depois, e enquanto cantarolava
uma conhecida musiquinha infantil, meu celular voltou a tocar no bolso da
minha saia. Fiz um malabarismo e peguei o aparelho, para descobrir que
quem estava ligando era Iza. Ela, claro, eu atenderia logo.
— Ei!
— Alice, tudo bem? Eu já tinha ligado pra você.
Droga, devo ter perdido uma das ligações dela no meio das ligações
de Marcos.
— Ah, desculpa, Iza, mas está tudo bem, sim.
— Que bom, queria saber se você tinha chegado bem, já estava muito
tarde para perguntar ontem.
— Sim, cheguei sim, mamãe estava esperando, inclusive — brinquei.
— Essas mães, eu sei como é... — Percebi a risada na sua voz. —
Então, ok, eu estou ligando por dois motivos, vamos ao primeiro. Queria
saber se você não quer fazer algo comigo um dia desses, um cinema, uma
praia, ou mesmo uma saída à noite pra algum lugar. Eu sei que você está
estudando, não precisa se preocupar, a gente pode adaptar o nosso programa,
que tal?
Era difícil dizer não a ela, ainda mais quando Iza parecia espalhar
entusiasmo por todo canto, mas confesso que eu fiquei apreensiva, só um
pouco, mas depois lembrei que uma coisa não precisaria ter nada a ver com a
outra. A forma como eu continuaria trabalhando para o irmão dela, mantendo
as coisas no lugar e me mantendo afastada de problemas, não tinha nada a ver
com aquela recente e tão agradável ligação com Iza.
Observei o sorriso gostoso sem dentes de Yasmin e sorri também.
— Tá ok, vamos pensar em algo pra fazer sim. Pra falar a verdade, eu
acho que estou precisando de um descanso, distrações, relaxar só um pouco,
sabe? Essa é uma boa ideia.
— Meu amor, se você falou em relaxar, diversão, está falando com a
pessoa certa, pode apostar!
Eu não tinha a menor dúvida disso.
— E Iza, obrigada, de verdade, eu preciso agradecer a você por
ontem, e preciso pedir desculpas mais uma vez por ter saído antes que a festa
terminasse completamente. Sei que provavelmente Luciana não tenha ficado
muito feliz em me liberar, mas...
— Esquece a Luciana, Alice, eu conversei com ela depois, claro, e
fica tranquila, você vai receber pelo seu trabalho, está bem, integralmente.
— Iza...
— Sem discussões, não quero parecer prepotente nem nada, mas
lembre-se que nós estamos pagando à empresa dela — Iza disse, a voz mais
séria, e depois respirou fundo, e eu me questionei se tinha sido tudo tão fácil
assim quanto ela estava alegando. — Eu conversei com ela e você não estava
se sentindo bem. Não há problema algum com isso, só pra deixar claro.
— Tudo bem, então, só não queria causar problemas.
— Não causou. Mas... bom, agora chegamos ao outro motivo da
minha ligação, Alice.
A mudança no seu tom de voz era nítida, e eu fiquei alerta.
— O que foi?
— Aconteceu algo, quer dizer, não me entenda mal, não estou
querendo ser uma enxerida nem nada, mas... aconteceu alguma coisa entre
você e o Marcos? Algum problema?
Meus pensamentos fizeram piruetas, e eu engoli em seco, e enquanto
pensava sobre isso, Iza estava falando de novo. Graças a Deus que ela parecia
gostar mais de falar do que ouvir.
— Se você não estiver à vontade, não precisa dizer nada, tá legal? Eu
meio que já desconfiava pelo surto dele quando soube que eu tinha convidado
você para trabalhar na festa. Até me arrependi: devia ter convidado você para
estar na festa comigo como convidada, isso sim..., mas eu vou remediar isso
em breve.
— Iza, por favor, você tinha acabado de me conhecer, e eu estava
precisando do trabalho, esqueceu? — Eu tentei sorrir, olhando para rua, onde
agora uma menina de uns oito anos pulava amarelinha na pracinha em frente,
de costas para mim, as longas tranças balançando — E outra, de jeito nenhum
que eu aceitaria, imagine só. Mas por que você está perguntando isso?
Ela soltou um suspiro audível.
— Porque ele ficou surtado de novo quando procurou por você e eu
avisei que você não estava se sentindo bem e tinha ido embora com o
motorista. Quis saber por que você não o procurou, por que não disse que não
estava bem, blá-blá-blá... Talvez ele tenha ligado pra você? — ela especulou.
Eu ainda estava tentando absorver as informações que Iza estava repassando.
Limpei a garganta.
— Hum, acho que sim, ele ligou, sim. Eu inclusive vou já retornar.
— Você não atendeu nenhuma das ligações? — Ela parecia estar se
divertindo, ainda que a minha barriga estivesse dando nó e eu não
conseguisse me divertir junto.
— Eu vou, quer dizer, eu ia, mas... daqui a pouco ligo de volta, eu
trabalho para o Marcos, então...
— Alice, sem essa, tá? Não pra cima de mim, amiga — ela
murmurou, gentilmente. ─ Eu entendo a sua reserva, e muito mais do que
você imagina, mas eu vi como o Marcos estava ontem. Bom, você está bem,
isso que interessa, vamos nos falando, eu volto a ligar pra marcarmos algo.
Tem essa boate aí que eu estou louca pra ir, talvez você devesse vir comigo,
seria perfeito, na verdade...
— Boate?
— É, mas eu te explico mais sobre isso depois. Beijos, depois
falamos.
— Beijos, Iza.
Depois que ela desligou, eu ainda fiquei parada olhando para tela e
tentando organizar meus pensamentos. Logo depois, Adélia apareceu e pegou
Yasmin para um banho, bem na hora em que uma van cor de rosa parou e um
rapaz magrinho com boné de logotipo vermelho parou no portão, olhou para
a frente da minha casa, depois para o papel que tinha nas mãos, sua visão
quase impedida pelo que ele trazia nas mãos. Quando pareceu confirmar que
era o endereço certo, ele olhou diretamente pra mim que olhava pra ele
perplexa.
— Número 220? — ele perguntou.
— Isso — confirmei, já descendo as poucas escadas até ele, meus
olhos vidrados no maior e mais maravilhoso buquê de rosas vermelhas que eu
já vi na vida, mesmo que eu não tenha visto muitos. Recebi um de Robert
uma vez, mas nem se comparava ao tamanho e a imponência daquele ali.
Aquela entrega era ali, na nossa casa? Quem poderia ter enviado flores
assim? Meu coração começou a bater descompassado enquanto eu me
aproximava.
— Você é Alice? — ele questionou, parecendo aliviado.
— Sim, sou eu.
— Ótimo, são para você. Pegue aqui.
Foi tudo muito rápido, e eu assinei com dedos trêmulos, ciente
inclusive de alguns vizinhos observando a cena, curiosos. Logo depois ele me
repassou o buquê enorme, e eu fui invadida pelo aroma inebriante que se
desprendia daquelas flores, quase não conseguindo abarcá-las todas. Era
inevitável não fechar os olhos para inalar aquele aroma único, a maciez das
pétalas na ponta do meu nariz, e eu não movi de lá, enquanto desfrutava
disso, daquela sensação. Eu imaginava bem quem havia enviado aquelas
flores, e ainda assim aquele cartão branco e dourado ali no meio delas estava
me matando de curiosidade, mas eu só leria na privacidade do meu quarto,
claro. Eu quase ri de mim mesma ao pensar em privacidade em um quarto
que eu dividia com uma irmã curiosa e um bebê.
Por isso mesmo estava distraída, e só ouvi da segunda vez quando o
meu nome foi gritado por uma criança na rua, acenando pra mim do outro
lado, animada: era a menina das tranças na pracinha.
— Professora Alice, ei! Professora Alice!
Era Bianca, minha aluna, e eu sorri de volta, surpresa, acenando pra
ela. Mas ela não estava sozinha agora, no entanto, seu pai vinha em direção a
mim, tomando-a pela mão, e eu fiquei parada esperando-os. Quando Bianca e
seu pai — acho que seu nome era Renato. Isso, Renato Fernandes, chegaram,
eu pus o enorme buquê de um lado do braço e olhei para eles. Ele estava de
camisa e bermuda, os óculos finos no rosto, e olhava com um sorriso
divertido e curiosidade brincando no olhar ao notar as flores. E tinha como
não notar?
— Professora, a senhora mora aqui? Olha que coincidência, papai, a
tia Alice mora aqui pertinho — Bianca estava dizendo, dando pulinhos.
— Nossa, sim, que legal, meu amor. Você está passeando por aqui?
— Fixei a atenção na criança, porque de alguma forma, o olhar do seu pai
estava mais intenso do que naquele dia na nossa reunião, e me desconcertou,
mas não de um jeito ruim, no entanto.
— A vovó mora ali, naquela casa amarela. — Ela apontou para o
outro lado da rua, além da praça. — Eu e o meu pai viemos passar o dia com
ela. Não é legal a tia Alice morar aqui também, papai?
Renato finalmente olhou para a filha.
— É muito legal, sim, filhota. Bom dia, Alice.
— Bom dia, tudo bem?
— Que flores lindas, tia! É do seu namorado? — Bianca perguntou
antes que o pai pudesse dizer algo, mas ele não pareceu se importar, parecia,
na verdade, curioso pela minha resposta. Ele advertiu a filha com um
"Bianca", baixo, mas ainda olhava para mim, aguardando.
— Não, não são — respondi, suspirando, e Renato ergueu uma
sobrancelha, mas sorriu mais amplamente.
— Que bom saber — foi o que ele disse, e eu pisquei, pensando que
aquele domingo tinha começado com a corda toda.
— QUAL O SEU PROBLEMA, cara? — Ricardo segurou com
firmeza o saco de pancadas depois que eu soquei com força, absorvendo o
impacto e fechando a cara para mim. Respirei pesadamente, ofegante e
ajustei a luva no meu pulso esquerdo, sentindo o suor escorrer da minha
têmpora e o meu cabelo grudar na testa, úmido. Do outro lado, ele não estava
em melhor estado, suado e, assim como eu, usando apenas um calção e luvas
de boxe. Tendo aquela visão nauseante, eu pensei que aquela era uma das
poucas ocasiões em que estar tão perto de um cara seminu e suado podia ser
tolerada, aliás.
— Que problema?
— Tire a sua cabeça da bunda, idiota, está devagar nos movimentos
que você já conhece, qual é, Marcos?
Estávamos no ringue da verdadeira academia que Ricardo mantinha
na parte de baixo da casa há pelo menos uma hora, e ainda assim ele estava
muito menos ofegante do que eu. Vamos combinar que por mais em forma
que eu estivesse, aquele cara era a porra de um animal quando se tratava de
lutar boxe.
— Estou bem, vamos continuar. — Fiz um sinal para que ele soltasse
o saco, ajustando a minha postura e posicionando-me para um movimento de
ataque. Sentia gotas de suor escorrendo pelo meu peito, e meus músculos
arderem pelo esforço, mas estava me sentindo muito bem, revigorado, o
estresse escorrendo junto.
— Porra nenhuma — Ricardo resmungou e soltou o saco, mas veio
pra frente e cruzou os braços sobre o peito, franzindo as sobrancelhas e
fazendo cara de mau, provavelmente aquela imagem deveria causar medo em
um cara ou dois, um homem daquele tamanho em luvas de boxe, naquela
posição? Mas não comigo. Reforcei o movimento de ataque.
— Qual é? Vai substituir o saco pela sua cara feia? Sem problemas,
amigo.
— Você não está concentrado, está socando de forma aleatória e
furiosa, e sua esquiva está lenta. O que foi, broxou ontem e está com
raivinha? — Ele desceu do ringue e caminhou em direção ao banco, e eu
soube que o nosso treino improvisado tinha acabado. Segui-o, retirando as
luvas.
— Eu não sou você, tudo está funcionando perfeitamente bem por
aqui, por sinal. E não sou eu quem está correndo do treino.
Ele riu, também retirando as luvas.
— Não sei não, você me parece disperso desde que chegou, e não
estou disposto a quebrar o seu nariz sem querer porque você está fora de
órbita.
— Que exagero, puta que pariu.
— Você só voltou a atenção pra luta quando eu ameacei jogar a porra
do seu celular fora, cara. Esperando alguma ligação muito importante, é isso?
Lembrei das inúmeras chamadas que eu tinha feito a Alice apenas
para saber se ela estava bem e se pretendia voltar para o nosso acordo, na
segunda, ainda que eu também estivesse curioso para descobrir se ela havia
recebido as flores que eu havia encomendado naquela manhã. Enviar flores
não tinha sido grande coisa, eu até fazia isso de vez em quando, na verdade,
quando precisava me redimir ou estava muito empenhado em levar uma
mulher pra cama: no caso de Alice, eram as duas coisas ao mesmo tempo, e a
ideia das rosas me pareceu muito boa na hora. Por que ela não dava sinal de
vida?
Agora eu estava curioso e inquieto, e Ricardo podia ter um pouco de
razão sobre a minha falta de atenção, e estava me sentindo ligeiramente
culpado, ainda que Iza tivesse me garantido que ela estava bem. Recordei da
irritação que me tomou — e alguma outra coisa que eu não estava muito
disposto a analisar agora — quando descobri que Alice tinha simplesmente
ido embora com o motorista sem se dar ao trabalho de falar nada comigo
antes. Além de Iza, eu era a pessoa que ela realmente conhecia ali, custava ter
dito que estava mal, me deixado providenciar para que ela fosse embora se
fosse o caso?
Mas nem fodendo eu ia comentar nada disso com esse babaca
provocador aqui do meu lado.
— Eu estou sempre esperando uma ligação importante —
desconversei, antes de pegar a minha garrafa de água e tomar um longo gole.
— E vim aqui pra desestressar, não estou a fim de me empenhar em socar a
sua cara hoje, talvez seja só isso.
Ricardo deu risada, e eu sorri junto, sentando-me também e usando
uma toalhinha para enxugar um pouco do suor do rosto e do pescoço. Se
tinha algo que eu admitia sem nenhuma vergonha, era que não havia a menor
chance de aquilo acontecer. O cara tão bom que uns 15 anos antes poderia
facilmente ter sido um boxeador profissional, se tivesse optado por aquilo, o
que não foi o caso.
— Isso significa que você está estressado. — Ricardo voltou à tona,
porque não seria ele se não o fizesse, claro. — Falta de quê? Não pode ser
dinheiro, então é de mulher. Diz aí, temos tempo, já que você fodeu o treino
mesmo.
— Eu não fodi nada, você estava incomodado, não eu.
— Mulher, então. É a modelo gostosa que estava no seu pé na festa?
Pensei que esse navio já tivesse partido, você não disse que estava com pena
do corno e não ia mais foder a mulher dele? — Ricardo jogou as luvas de
lado no banco e recostou-se, afastando com uma mão aqueles cabelos
ridículos pra trás.
— Nunca disse isso, seu merda. — Eu ri, mexendo na minha bolsa ao
lado e dando uma verificada rápida no meu celular. Àquela hora ela já
deveria ter recebido as flores, e ainda não tinha retornado. Apertei os dentes,
tentando lembrar que era difícil me tirar do sério, mas alguma razão que eu
desconhecia, Alice parecia estar se especializando naquilo.
— Por que diabos você convidou a mulher pra sua casa, afinal?
Otávio deve ter ficado puto com isso, e Abigail sabe disso? Se não me
engano, ela não é amiga da primeira senhora Guerreiro?
Passei a mão no rosto, exalando um suspiro entediado.
— Que caralho, por que todo mundo resolveu foder a minha paciência
com essa história? Eu não convidei a Ângela pra festa, ela só resolveu
aparecer. Claro que papai ficou puto, e quanto a mamãe, sim, ela é amiga da
primeira mulher dele, não faço ideia se ela sabe, mas como ela sempre sabe
de tudo no universo, eu não duvido nada.
— Se não é isso que está te estressando, o que é?
— Ah pronto, agora eu vi, você desistiu da porra do treino pra gente
ficar um ao lado do outro aqui fazendo confidências sobre nossas vidas
sexuais? Você já foi mais discreto sobre essas suas manias e frescuras, cara.
Ele deu aquele sorriso debochado de sempre.
— A sua vida sexual inexistente, pelo visto, a julgar pelas
reclamações que tenho ouvido.
— Reclamação e vida sexual na mesma frase associado ao meu
nome? Pode apostar que não, meu caro. — Dei um tapinha no ombro dele.
— Não é o que parece, já que a Cassandra apareceu lá na boate esses
dias e estava dizendo que você sumiu, que na verdade relaxou um convite
para uma bebidinha especial no apartamento dela. Estava com uma prima,
bem interessante a priminha, por sinal.
— Quem?!
— A morena, está sempre pela boate nas sextas.
— E eu não relaxei a mulher, só adiei essa bebidinha especial pra
uma outra ocasião. Estou ocupado com outras questões mais relevantes no
momento, mas deixarei isso em standby. E você, não pegou por quê? —
indaguei, desinteressado, bebendo mais água. Eu lembrava agora da tal
Cassandra, do tipo que até valia a pena um repeteco, mas por enquanto,
melhor deixar em espera mesmo.
— Não estava no clima nesse dia — Ricardo retrucou, dando de
ombros.
— No clima pra pegar uma mulher? Eu nem sabia que existia isso.
— Vai te catar, Marcos, você acabou de dizer que deixou uma em
standby.
— Algo raríssimo na minha trajetória, você há de convir, então, não é
exatamente um problema — informei, pegando a minha bolsa esportiva e
começando e segui-lo para fora.
Logo, passamos pela ampla garagem e fomos para a parte de cima da
casa. Quando Ricardo fez o convite para um pouco de boxe e umas cervejas,
eu vi a oportunidade perfeita para desanuviar a mente, logo depois de ter
encomendado as flores e dado o endereço de Alice. Eu tinha resolvido, por
alguma razão obscura, ter um inconveniente instinto de proteção em relação
àquela fadinha, a porra era que aquilo era incômodo e me deixava fora da
minha zona de conforto, já que a não ser mamãe e Iza, era raro que eu tivesse
esse tipo de atitude com outras mulheres.
Assim que chegamos à cozinha aberta, Ricardo pegou duas cervejas,
me entregou uma e se sentou na minha frente. Bebemos alguns goles naquele
silêncio tranquilo, o líquido gelado muito bem-vindo agora. Tentei afastar os
pensamentos incômodos por um momento e encarei Ricardo, de repente
lembrando de algo.
— Ei, afinal de contas, qual era o seu problema no jantar? —
questionei, um pouco porque queria desviar a atenção dele de qualquer merda
que ele ainda quisesse me perguntar, em parte porque estava curioso mesmo.
Ele franziu a testa, concentrado na própria bebida.
— Não faço ideia, que problema?
— Me diga você, tive a impressão que estava puto com algo em um
momento, enquanto conversava com Teo.
Ricardo cruzou os braços, mas continuava sem olhar pra mim. Diego
tinha fama de trancado, mas aquele ali também sabia ter os seus momentos
quando queria, e era muito bom apertar alguns "botões" dele quando ele
adorava fazer justamente aquilo com os outros.
— Então foi isso, o Teo. — Ricardo concordou rápido demais para o
meu gosto — Você sabe que quando ele decide ser, é um verdadeiro pé no
saco.
— E desde quando qualquer um de nós se emputece com algo que o
Teo diz?
— Quando ele se empenha, ele consegue tirar do sério um monge em
meditação, e você sabe disso.
— Pode ser. Na verdade, eu estou até surpreso que ele tenha tido
tempo para notar qualquer outra coisa na festa que não fosse a Malu. Bom, a
não ser que você tenha testado a paciência do cara sobre a mulher dele, aí, dê
um desconto... nós também sabemos que você é um expert nisso.
Ricardo balançou a cabeça, um sorriso espalhando-se pelo seu rosto.
— Não, se você reparar bem, parece que o negócio ali é sério mesmo,
e nosso loirão virou oficialmente a casaca para o time dos governados por
mulheres, deixa o cara se recuperar primeiro desse baque.
Eu fiz uma careta para aquela possibilidade.
— É, mas ele tem experiência no currículo, passou 15 anos com
Amanda, não deve ser muito difícil voltar pro banco de reserva quando se
esteve esse tempo lá, certo?
— Ele vinha fazendo um bom trabalho em ser solteiro, hein?
Olhamos um para o outro e caímos na risada, não precisaríamos
verbalizar aquilo. Nos últimos anos, nós tínhamos tido um pouco de diversão,
para dizer o mínimo, e Teo tinha tido a sua parte naquela equação.
— Virou um ferrolho, eu disse isso a ele, e sabe o que é pior, o cara
está tão amarrado que admite sem o menor problema, quem diria — Ricardo
murmurou, parecendo impressionado.
— Por falar nisso, tem tido notícia de Luciano?
— Ele voltou da lua de mel, só conseguiu umas duas semanas mesmo.
E prepare-se para esta notícia: a Cris já está grávida. O cara acabou de se
casar e já vai ser pai — Ricardo informou, levantando a sua latinha em um
brinde. Eu levantei a minha em resposta, lembrando da despedida de solteiro
e do episódio com as duas mulheres no apartamento. Parecia que aquilo tinha
sido há séculos.
— Puta merda, o combo completo logo assim de cara? — murmurei,
impressionado também. Eu adorava crianças, de verdade, e sempre achei que
um dia seria pai, quando finalmente resolvesse que a minha carreira com as
mulheres estava encerrada, o que não seria tão cedo. Mas casamento e filho
logo assim um atrás do outro? Parecia um pouco traumatizante.
— Pois é, os caras estão caindo feito mosca no mel, que merda é
essa?
— Porra, e não é? Se você prestar bem atenção, dá pra ouvir o som
das correntes arrastando nos tornozelos dos caras quando eles andam.
— E eu que pensei que só Diego fosse o tipo "uma de cada vez", mas
pelo visto, parece uma onda de caras comprometidos, de repente — Ricardo
disse, passando a mão na barba e me encarando com mais seriedade do que
eu esperava. Logo aquele silêncio retornou, e por mais louco que pudesse
parecer, daquela vez eu tinha a impressão de que era um silêncio estranho...
mas queria que a minha língua caísse da boca se eu fosse aprofundar o
assunto, e algo me dizia que Ricardo podia ter a mesma opinião.
E por que elas não estavam pelo menos na pista de cima, mais
reservada?, me perguntei, fazendo uma curva e entrando na avenida já
próximo da área abarrotada em que ficava a Lounge, a primeira boate de
Ricardo. Digamos que eu estava intrigado, confuso e no meio disso tudo, um
pouco puto, por isso tinha pegado o carro de papai e saído de casa assim que
Ricardo me ligou.
Eu estava intrigado porque ela não atendia, confuso porque ela estava
em uma boate, tudo bem, era apenas uma boate, mas não parecia o tipo de
programa que Alice iria, e os cinemas, as sorveterias? No fim de tudo, eu
estava puto pelas duas questões anteriores, precisava admitir.
Eu era um filho de uma... um sacana hipócrita, isso sim, pensei, assim
que estacionei nas proximidades da boate. Eu estava ontem mesmo transando
com outra mulher, ainda que eu não fosse digno o suficiente pra dizer isso a
ela, mesmo que eu tenha plena consciência de que nós não tínhamos
absolutamente nada um com o outro, mas estava sentindo o incômodo em
cada célula do meu corpo só em pensar que ela poderia fazer exatamente a
mesma coisa.
E por isso eu agora estava me espremendo no meio dessa boate que eu
conhecia como a palma da minha mão — onde já tinha perdido o número de
vezes que saí daqui pra transar com uma, ou duas mulheres, ou nem mesmo
cheguei a sair, vamos ser sinceros — banheiros estavam aí pra isso — e
agora tinha vindo correndo para cá com a porra da roupa que eu estava em
casa comendo lasanha?
Fui passando e chegando perto do imenso balcão iluminado da área
inferior e central, completamente lotado àquela hora, que era onde Ricardo
tinha me avisado que elas estavam. As duas tinham ignorado a recomendação
de Caio de irem para a parte de cima, e eu me perguntei exatamente por quê.
Do momento em que Ricardo tinha ligado até a hora que cheguei, não
devia ter passado mais de 25 minutos, mas ainda assim, eu não os estava
vendo em parte alguma perto daquele balcão. Seria uma missão quase
impossível ouvir alguma coisa ali, mas fiz uma ligação pra Iza, que não foi
atendida, e logo depois enviei uma mensagem para saber onde Ricardo
estava, e se estava tudo bem, enquanto os procurava.
Alice, claro, simplesmente não atendia e eu deduzi que ou ela não
estava com a porra do celular ou não queria atender. E a não ser que ela
tivesse uma bola de cristal, não teria por que ela não querer falar comigo.
Aquilo, estranhamente, me causou mais uma daquelas sensações
desagradáveis que eu estava sentindo desde ontem.
Então, eu a vi.
Engoli em seco e assimilei a aparência dela, ali sozinha ligeiramente
inclinada, os cotovelos sobre o balcão, mexendo no cabelo. Sozinha?
Incrédulo e preocupado, parei e fiquei observando-a, pensando que ela não
poderia passar despercebida ali, sozinha, num lugar como aquele. Não linda
do jeito que estava...
As luzes não permitiam uma análise muito detalhada, mas o que dava
pra ver de onde eu estava, era diferente de tudo que eu já tinha visto, e eu já a
tinha visto linda antes, pode apostar. Com um tipo de vestido colante ao
extremo que devia ser cor de rosa ou algo do tipo, uma perna apoiada na
borda inferior da banqueta, em uma pose que poderia ser considerada
intencionalmente provocante, ela estava um tesão em cima de saltos altos,
literalmente.
Desde quando Alice se vestia assim com aquela aparência tão...
perfeita e lindamente fodível, pelo amor de Deus? Ela não tinha nada da
aparência quase juvenil de sempre. Sorri, começando a me aproximar
devagar, um pouco surpreso em constatar que não era minha imaginação ao
longo daquela semana, eu queria Alice novamente, muito. Passei a mão na
mandíbula preocupado com isso, mas nesse momento ela olhou na minha
direção e sorriu daquele jeito lindo, leve e calmo, aquele tipo de sorriso que
eu lembrava bem como trabalhei para obter da primeira vez.
Sorri de volta, perdido em o quanto ela estava linda, quase chegando
perto dela agora e... Não era para mim que ela estava sorrindo. Não era???
Sentindo um bolo de apreensão no meu estômago, virei na direção
que ela estava sorrindo, de verdade, um pouco atrás, e um cara alto estava
passando por mim nesse momento, dois copos de bebidas nas mãos, indo na
direção de Alice. Acompanhei aquilo, estupefato. Que caralho, ele... Ela...
Alice estava com outro cara na boate? Por que no inferno Ricardo não me
disse aquilo?
Senti que parei no meio da pista, atônito, tomado por um misto de
sentimentos tão fodidos que nem pude compreender bem: incredulidade,
raiva, e o pior, algo como medo rastejando pela minha espinha. Medo de que
porra mesmo? Passei a mão no cabelo, inquieto. Aquilo era como se eu
estivesse sufocando? Que porra era aquela? Respirando fundo, senti os
ciúmes subirem como fogo pela minha garganta, como ácido, corroendo toda
as conclusões absolutamente lógicas e maduras que eu tinha feito mais cedo.
E ontem, quando estava certo de tudo. Quando estava com outra.
Obriguei os meus pés a saírem do lugar, indo ao encontro deles,
tentando lembrar da última vez que estive sentindo como se a minha bílis
estivesse inundando a minha garganta e o sentimento de posse se alastrar pelo
meu peito.
Alice olhou para mim, mas não estava mais tão surpresa como eu
pensei que estaria. Puta que pariu, cara, se eu achei sensual de longe, agora
estava solenemente nocauteado, imagina o amigo de merda ali ao lado. Seu
cabelo era uma massa de cachos livres, todo solto e cheio como eu nunca
tinha visto. Ela deveria estar dançando, claro, mexendo na porra do cabelo,
mas a impressão era como se alguém tivesse simplesmente enfiado os dedos
por ele e o bagunçado todo... Estreitei o olhar pra ela. Uma maquiagem
diferente, sensual. Seu rosto era hipnotizante, e as luzes não ajudavam muito
na minha concentração. Sexy pra caralho, e eu quis simplesmente xingar
todos os malditos palavrões que eu conhecia porque eu tinha certeza que
qualquer homem que olhasse pra ela iria chegar à mesma conclusão.
O tal Léo olhava para o fundo do copo, nitidamente constrangido com
a minha postura, eu sabia, mas estava pouco me lixando. Alice veio em seu
socorro, para minha irritação.
— Léo, você...
— Está tudo bem, Alice, mas eu posso esperar se você quiser — ele
atalhou, e eu olhei para o cara como se quisesse arrancar a sua cabeça, e ele
percebeu.
— Por que você esperaria? — perguntei a ele, puto, cruzando os
braços na frente do peito, e ele franziu a testa e olhou pra ela em busca de
explicação.
— Opa, calma aí, cara.
— Marcos... Você está aqui por causa de Iza, ela está bem, apenas
tomando um pouco de água. Qual o problema? — Alice me questionou,
como se estivesse ansiosa pela minha resposta. Percebi que era importante o
que eu dissesse.
Isso, qual a porra do meu problema, sim? Eu estava enfurecido porque
aquele cara nitidamente a queria? Sim. Com raiva de mim mesmo por ser tão
hipócrita e machista sobre isso? Também, mas acima de tudo, eu estava no
olho do furacão e mais do que nunca não sabia como encaixar aquele instinto
de levar Alice dali com o meu mantra de encontros e relações superficiais.
— Não estou aqui por causa de Iza apenas. Acho que preciso falar
com você.
Ela cruzou os braços, e eu percebi sua hesitação, então ela olhou para
o cara que agora estava de pé.
— Agora? Quer dizer, a Iza está quase voltando e eu vim com ela.
Você quer ter essa conversa aqui?
Respirei fundo.
— Você pode nos dar licença um instante, companheiro? — solicitei,
tão gentilmente quanto meus dentes cerrados permitiam, sem nem olhar pra
ele.
— Alice, ok, você o conhece, pelo visto, se precisar, eu estou por
perto — ele disse, fazendo-me virar a cabeça na sua direção e encará-lo
furioso. Então ele apenas se afastou, com um sorrisinho. Controlei os meus
instintos caóticos e olhei pra ela novamente.
— Ela não vai precisar de você — grunhi, perdendo a paciência com
aquele imbecil. E eu era um cara paciente, sempre. Mas não ali.
— Obrigada, Léo.
Acompanhei-o com o olhar até que ele se misturou na multidão,
exalei lentamente uma respiração.
— Iza deve ficar bem se está com Ricardo, mas vou esperar por ela. E
você, está bem? — perguntei, exalando devagar, atento novamente a
aparência dela, terrivelmente surpreso com a vontade de simplesmente tê-la.
Eu estava errado, terrivelmente errado? Caralho, fazer sexo com outra
mulher não tinha simplesmente me tornado "normal de novo", eu queria
Alice, mesmo correndo o risco de envolver mágoas e corações despedaçados
no futuro? E com certeza não seria um coração antirromântico como o meu.
— Maravilhosa! — ela respondeu à minha pergunta, abriu os braços e
eu notei que ela estava um pouco bêbada, talvez. — Eu estava simplesmente
dançando com sua irmã, e de repente, todos vocês estão aqui, e eu gostaria de
saber por quê.
— Coincidência. Você chegou aqui com ele ou com Iza?
— Você quer mesmo conversar aqui sobre isso?!
— Só queria saber... você pode me responder isso, Alice? — Se está
rolando algo com o cara, pensei. Ela era solteira, pelo amor de Deus, assim
como eu. Passei as mãos pelos cabelos, frustrado, e a afastei de um grupo de
jovens que iriam literalmente cair por cima dela, puxando-a pra mim.
— Eu cheguei sozinha, mas o que me impediria de sair
acompanhada? — ela disse, em alto e bom som, mas aproximando-se para
falar ao meu ouvido. Cerrei os dentes.
— Eu não vim só pela Iza, ok? Você acha que de alguma forma eu
não me importo com você? Eu disse que depois do que aconteceu a gente ia
precisar de uma conversa.
Eu nunca estive tão apavorado com uma conversa antes, e olha que eu
já fui pego em flagrante, lembrei. Contei até cinco lentamente, segurando-a
levemente pelo cotovelo, e tive vontade de abraçá-la. Jesus, que merda.
— Alice, que tal eu te levar pra casa, você não está acostumada a
beber e...
— Isso não quer dizer que eu não possa beber. Ou não beba de vez
em quando — ela cortou, e nunca pareceu tão provocante. Vestida,
lindamente bêbada, me provocando mais do que a última mulher nua que eu
tinha tido. Inferno, não era nem hora de lembrar daquilo. Pareceu ter sido em
outra vida, na verdade.
— Ok. Tudo bem. A gente conversa assim que sair do meio dessa
gritaria toda, pode ser? — sugeri, fechando os olhos e passando a mão no
rosto. De modo nenhum que eu sairia dali sem Alice, nem no inferno, se eu
tivesse que convencê-la de qualquer forma, tudo bem.
— Você quer conversar agora mesmo? Sobre... tudo? — Ela segurou
no meu braço novamente para falar ao meu ouvido e equilibrar-se, e eu achei
adorável, o que era ruim. Adorável não era algo que eu queria lembrar que ela
era, porque coisas assim não combinavam com o tipo de ligação que eu
apreciava: rasa, rápida e intensa. Adorável era ruim pra cacete.
— Sim, acho que quanto antes, melhor — decidi, e Alice me encarou,
pareceu ponderar. — Eu posso buscar a Iza e nós vamos...
Meu celular tremeu no bolso da camisa, e era uma mensagem de
Ricardo dizendo que Iza estava indo pra casa, que ela estava bem, e se eu
poderia levar Alice, por favor. Qual o problema com Iza, pensei, intrigado.
Ela estava tão bêbada assim? Não acreditava naquilo, mas pelo menos ela já
estava em segurança indo pra casa, se ele se encarregou disso.
— O que foi? — Alice quis saber.
— Iza está indo pra casa, Alice. Vocês vieram com o motorista de
papai, certo? Eu posso levar você, aproveitamos e conversamos.
Ela pareceu pensar por um instante, mas então fez que sim. Saímos
rapidamente, com Alice na minha frente, de repente consciente de que
qualquer um que ela permitisse, obviamente, qualquer um poderia fazer a
mesma coisa, levá-la pra casa, tirar aquele vestido enlouquecedor dela, e até
mesmo oferecer muito mais do que eu estava disposto. Engoli o nó de
apreensão, pensando se não era hora de testar algo diferente.
Por quê, quer saber? Foda-se e vá pro quinto dos infernos aquela
porra de autocrítica masculina, eu era um escroto de merda sim, eu assumia,
porque eu estava me lixando para o fato de que eu mesmo estava com outra
mulher na noite anterior, simplesmente não me caía bem que ela estivesse
com outro cara. Me apavorava, ok? Quem disse que eu não poderia mesmo
oferecer um meio-termo, sei lá, se Alice estivesse disposta? Se aquela
sensação do caralho era alguma indicação, eu sairia do sério se Alice ficasse
com outra pessoa, deduzi, então, por que não arrumar uma forma de mantê-la
pra mim e fazer algumas poucas concessões?
Saímos pela saída privativa e entramos no carro do meu pai. Depois
de uns minutos de um silêncio pesado, olhei pro lado e percebi que Alice
estava muito quieta, a cabeça encostada na janela, os braços e as pernas
cruzadas. Linda e um pouco bêbada, sim. Pela primeira vez depois que a vi
com aquele "amigo" de merda, me permiti sorrir de leve, pensando que ela
estava adormecendo. Eu já a tinha visto adormecer antes, e era... Adorável.
Palavra de merda de novo.
— Marcos? — Ouvi sua voz baixinha soar, segundos depois,
nitidamente sonolenta.
— Oi?
— Foi tudo bem na sua viagem a Santa Catarina? — ela sussurrou, e
eu compreendi que sim, era a porra de uma sensação de culpa e medo real
envolvendo a minha pele agora. Passei a mão na mandíbula devagar.
— Sim, Alice, tudo bem, sim. Nada fora do normal — respondi com
um murmúrio que eu esperava, fosse suficiente para esconder o meu
desconforto. Ela balançou a cabeça em sinal de positivo e se encolheu mais.
Ela iria dormir. Será que eu poderia estar mesmo terrivelmente errado?
MUITAS VEZES, era preciso unir o útil ao agradável. E se no meio
disso você pudesse contar com uma dose extra de curiosidade, outras doses
de álcool, e ainda pudesse ajudar uma amiga, então, era isso mesmo, fazer e
torcer para que não estivesse tomando uma decisão precipitada. Mas desde
quando se tomava decisões sensatas quando o álcool estava envolvido? E
mesmo que isso fosse raro, era bom experimentar de vez em quando.
Eu não estava um grau de sobriedade adequado, ok, estava vestida de
um jeito que não estava acostumada, e ainda encontrava-me no carro de
Marcos, uma combinação letal que gritava "você está saindo ainda mais da
linha". Que tipo de conversa iríamos ter, eu não sabia exatamente, mas depois
da ligação de Iza, e do convite que ela tinha feito mais cedo, eu estaria
fazendo exatamente o que combinei com ela.
Eu não podia ignorar a expressão surpresa de Marcos, e tive um
prazerzinho perverso em ver que não era o que ele esperava que eu fizesse.
Pedi o seu celular, fiz uma rápida ligação para a minha mãe, sob o seu atento
silêncio enquanto voltava a dirigir, eu percebi, e depois de convencê-la que
eu estaria em segurança na casa dos pais de Iza — evitei tocar no assunto que
era a casa dos pais de Marcos, mas mamãe não era boba, apenas deve ter
preferido não dizer nada agora — eu resolvi tudo para dormir fora de casa,
algo que eu também não fazia com muita regularidade, devo admitir.
— Você já havia combinado com Iza dormir na casa dos meus pais?
— ele perguntou, depois de um tempo em que ficamos observando o trânsito
ainda intenso àquela hora.
Hesitei só por um mísero segundo, acho, mas Marcos olhou de lado,
me analisando.
— Sim, ela já havia me convidado mais cedo — informei, olhando
pra frente, a expressão neutra. Eu não sabia exatamente o que Iza estava
aprontando, mas dava para montar um quadro mais ou menos nítido, a julgar
por quem a tinha levado para casa. Deus do céu, algo me dizia que por mais
amigo que Marcos fosse de Ricardo, ele não aceitaria tão bem assim aquela
história. Tomara que Iza soubesse o que estava fazendo. De todo modo, eu
estaria do lado dela, decidi.
— É perfeito, na verdade — ele disse, olhando rapidamente para mim
de um modo intenso, mas sério.
Eu notei e estranhei a sua tensão desde que saímos da boate. Era
como se ele estivesse muito longe do jeito despreocupado e do humor leve e
fácil de sempre, daquela fala macia cheia de sedução divertida. Devia ter algo
a ver com o que ele queria conversar comigo. Eu estava ligeiramente confusa,
a tontura tinha passado um pouco mais, mas ainda conservava meu poder de
autocrítica, no mínimo.
Apenas assenti em concordância ao que ele informou, esfregando os
meus braços com um pouco de frio. Imediatamente ele aumentou a
temperatura dentro do carro, e aquele clima permaneceu até que eu voltei a
falar.
— Você ainda acha que devemos ter algum tipo de conversa agora? É
algo específico que você queira me dizer ou...?
Marcos pareceu pensar um pouco, batendo o dedo indicador no
volante. Ele estava inquieto e isso me deixou desassossegada também. Eu não
podia dizer que era exatamente uma pessoa intuitiva, mas era muito
observadora, e por conta disso, tinha decidido meio do nada lhe perguntar
sobre a sua viagem.
Algo, talvez, na forma como Iza tinha afirmado que ele costumava
ficar por lá no fim de semana. Oficialmente, nós não tínhamos nada, pessoas
iam pra cama todos os dias sem que elas estivessem ligadas por algum tipo
de compromisso. Agora, por mais que eu tentasse me convencer disso, lá no
fundo algo tinha mudado radicalmente para mim em relação a ele, e isso me
assustava e me fazia pensar sobre o fato de que ele poderia ter tido sexo com
quem quisesse, normalmente, mas ainda doía um pouco só pensar nisso.
— Nós não chegamos exatamente a deixar tudo claro, depois que... —
ele finalmente disse, e então passou a mão no cabelo rápido, mas concentrado
na direção. — Eu não sei exatamente o que você está pensando ou o que
espera de mim, Alice. Isso é fundamental para que a gente consiga se
entender, certo?
O que eu espero? O que eu estou pensando?
Não sei se estava com a mente aprumada o suficiente para dizer o que
eu estava pensando ou esperava naquele momento, mas de uma coisa eu
sabia: o que eu não queria, e isso ia deixar claro pra ele.
— Marcos, eu não quero que você parta do pressuposto que tem que
fazer alguma coisa, ou tomar algum tipo de atitude, tendo em vista o que eu
quero ou o que eu espero, se não for isso que você quer fazer. Não seja
condescendente comigo. — Suspirei, meu coração apertado, mas segui em
frente. Eu tinha o meu orgulho, afinal. Eu não iria dar uma de coitada e me
arrastar, ainda que estivesse envolvida por ele, inegavelmente. — Eu sou
adulta o suficiente para lidar com.... com qualquer coisa que aconteça. Não
quero que você pense, como antes, que vou desmoronar porque fiz sexo com
você, ou que irei de alguma maneira agir como uma lunática e te perseguir
por aí.
Eu até levantei uma sobrancelha para reforçar o meu intento relaxado,
mas ele pareceu não achar diversão alguma no que eu disse. Virou-se
rapidamente, a testa franzida, como se estivesse indignado.
— O que você quer dizer com isso?
— É simples, na verdade. Acho que você é quem tem que me dizer o
que quer, Marcos, porque foi você que deixou bem claro o que era sexo pra
você, e que tipo de relações você tinha, sempre.
Ele parecia estar ficando mais irritado a cada minuto, o que era
estranho, porque eu não estava dizendo nada que ele próprio não soubesse ou
que não tenha deixado claro para mim.
— Eu não estou sugerindo que você vai me perseguir, Alice. Mas
também não posso negar que você irradia vibrações de que leva uma relação
sexual muito a sério, que não está acostumada a lidar com isso de uma
perspectiva puramente física. Estou errado em supor algo assim?
Aquilo me irritou, não porque fosse mentira, porque não era, mas pelo
modo como ele disse, como se isso fosse um problema, um peso pra alguém
como ele.
— Não, não está, mas perceba que você me encontrou em uma boate,
conversando com um velho amigo, e não chorando em casa porque fomos
pra cama e você não estava aqui — rebati, olhando para frente rigidamente.
Ele soltou um palavrão entredentes e eu gostei de irritá-lo. Muito.
— Eu lembro bem disso, vai levar um tempo até que eu esqueça, pode
acreditar — ele quase rosnou. Aquilo era ciúme, posse, bem estranho para um
cara descomplicado "e eu sou o deus do sexo e não me ligo em nada e nem
em ninguém". Respirei fundo para acalmar as batidas aceleradas do meu
coração e ter a tranquilidade necessária para fazer o que era certo.
— O que eu quero, Alice, é você: quero você, e percebi hoje que
quero mais do que antes — ele murmurou.
— E o que isso significa?
— Maldição, eu não sei, mas espero descobrir em breve — ele disse,
em uma inflexão atormentada. — O que significa pra você?
Engoli em seco, não era uma pergunta fácil.
— Significa que eu vou agir como sei, de acordo com as minhas
convicções. Estou mais madura hoje do que há um ano, não sou uma menina
ingênua e sonhadora como você acha, posso compreender como as relações
são, como nem sempre são da forma que a gente espera, no entanto, não
posso ignorar quem sou ou no que acredito para seguir uma filosofia oposta à
minha, e sofrer com isso, entendeu? — Olhei para ele, analisando o seu perfil
tenso, a mandíbula travada naquele momento.
— Entendido — ele informou, baixo. Ele tinha entendido mesmo? O
Marcos que eu conhecia?
Não demorou e chegamos, e a ansiedade me dominou tanto por mim e
Marcos quanto por Iza. Às escuras, na sua maior parte, a casa estava bem
diferente da última vez em que estive aqui, e eu não via outro carro ali na
frente em parte alguma. Melhor assim. Assim que ele abriu a porta para que
eu descesse do carro, segurou o meu rosto entre as suas mãos, colando o seu
corpo ao meu e me surpreendendo com a veemência do gesto. Eu podia sentir
o seu cheiro e fui inundada com o calor do seu corpo no meu.
— Durma comigo, Alice — ele pediu, sussurrando junto aos meus
lábios, os olhos abertos fixos nos meus. Um pouco da tontura voltou, mas
talvez não tivesse a ver com a bebida, e tudo com a proximidade, o tom
necessitado da sua voz, o ardor do pedido.
Antes que eu dissesse algo, ele enfiou uma mão nos meus cabelos e
segurou a minha nuca, levantando meu rosto na direção do seu e mantendo o
meu rosto firme no lugar. — Acredito que você pretenda dormir no quarto
com Iza, mas... fica comigo. — Marcos encostou os lábios nos meus, a
respiração pesada e morna atingindo meus lábios, e quando eu os umedeci
levemente, ele fez um som grave deu uma mordidinha leve, me fazendo
suspirar.
Eu não estava mais exatamente pensando em uma conversa, e por
mais que aquela estranha intuição de que havia algo errado com ele estivesse
emitindo um alerta fraquinho na minha cabeça, naquele momento eu a
ignorei. Haveria tempo para voltar a isso.
Assim que pus o celular de novo na bolsa, ouvi a voz de Iza responder
a algo que Malu tinha perguntado.
— Eu sou uma garota com planos, Malu. Saí do Brasil com eles e
voltei com eles, melhorados e mais ousados, mas não parece que estão dando
muito certo, no entanto. Talvez eu tenha que fazer uma mudança de rota.
— Tipo mudar quem você está aguardando para perder a virgindade?
— eu quis saber, incapaz de não me surpreender com aquilo.
— Isso mesmo. Eu sou uma mulher paciente, ser virgem aos 20 anos
é um exemplo disso, mas minha paciência está acabando rapidamente, então,
talvez eu só dê um jeito de resolver isso por aí com alguém legal.
— Cuidado, Iza. Se você esperou até agora, simplesmente não saia
por aí e transe com qualquer um, por raiva ou algo assim. Eu tenho que
admitir, não te daria esse conselho há uns anos, bem, nem eu seguiria esse
conselho, essa que é a verdade, mas as coisas mudam, e posso te dizer que
não é o melhor caminho. Pense melhor — Diana disse, em um tom solene. Eu
concordei, olhando para Iza e balançando a cabeça.
Eu estava tonta, sim. E bocejei. Meu celular vibrou novamente e eu o
peguei. Iza estava olhando para mim agora, curiosa. Li a mensagem dele.
Imediatamente outra mensagem chegou.
— Bem, como você deve imaginar, Túlio, eu não tenho tempo para as
suas lamúrias, há muito o que fazer, então, peço que você seja ágil no
processo de sumir daqui. Não quero encontrar nada que lembre você, nem
remotamente, nesta empresa. Porque eu vou reerguê-la. Não será fácil, você a
fodeu o suficiente, mas eu consigo. Essa é apenas uma das diferenças entre
nós: eu sou malditamente bom no que faço. E você, é um verme incompetente
mesmo para roubar — afirmei, franzindo a testa, focando a minha atenção
novamente no homem agora à minha frente.
— Eu não entendo... por que você iria querer uma empresa quase
quebrada? É apenas para se vingar? E então, é isso, você fica com a MR
Construções e... é tudo? — Túlio perguntou, movimentando-se na cadeira e
devolvendo a pasta para a mesa. Seu semblante estava caído, ele era a
imagem de um homem que, de repente, estava vendo seu castelo de cartas
ruir.
E eu mal havia começado a soprar. Cocei a minha barba, devagar,
olhando para ele.
— Respondendo a sua primeira pergunta, sim, é apenas para me
vingar. O lance do prato que se come frio e tal. Quanto a sua outra pergunta,
não, não é tudo. Tem mais. Por que diabos eu apenas gastaria o meu dinheiro,
compraria uma empresa e deixaria você se safar assim? Qual parte da minha
explicação de que eu não sou um idiota você não entendeu?
A frieza no meu tom deve ter deixado todos os seus sentidos em
alerta, e ele mais uma vez respirou fundo, sua garganta movendo-se rápido e
medo refletindo-se nos seus olhos.
— Você vai me mandar para a cadeia? Eu pensei que você havia dito
que...
Eu dei uma risada sarcástica, súbita, e ele nitidamente se espantou
com isso.
— Eu tinha dito à Alice que você até poderia ser um psicopata, eu não
duvido, mas no fundo, eu apostava as minhas fichas em que você era apenas
um mimado do caralho, egoísta, mesquinho, que sente prazer em humilhar e
que foi criado achando que era o centro do universo. Mas acima de tudo,
assim como o seu pai, você é um maldito covarde. — As palavras saíram
agora em um silvo raivoso, e mais uma vez eu me levantei, apoiando as
minhas mãos sobre a mesa e elevando-me sobre ele. — Apenas isso. Não tem
colhões pra lidar com um homem, mas praticamente goza ameaçando uma
mulher, não é?
Ele desviou o olhar, apertando os lábios.
— Vamos lá, mostre pra mim como é ser um fodido perturbado. Me
mostre quem você é. — Ele continuou em silêncio, mexendo nos botões da
camisa sem me encarar. Eu voltei a sentar. — Não? Então vamos continuar.
Ouça os meus termos, eu cansei de olhar pra sua cara. Dois de vocês em
única manhã, é demais para o meu humor.
— O que você quer que eu faça?
— Não faça perguntas as quais você não está preparado para as
respostas. Bem, para começar, você está fora de qualquer coisa que diga
respeito à empresa da família. Em segundo lugar, você vai devolver todo o
dinheiro que roubou para as contas da empresa. Cada maldito centavo. Como
a empresa agora é minha, eu tenho o amparo legal para mover as
investigações contra o diretor financeiro e mandá-lo direto pra cadeia, você
sabe. Para que você faça isso eu te dou... — olhei no meu celular, registrando
o ofego desesperado que ele emitiu quando me ouviu — ... 48 horas, é mais
do que suficiente, certo? Nesse meio tempo, decida com sua esposa se ela
quer ir pra cadeia com você, converse com suas filhas, decida o que vai ser.
Eu não sou um chantagista muito paciente, sinto muito.
— Você quer que eu devolva o dinheiro. E quer que eu acredite que
ainda assim, com todos esses documentos, você não vai me denunciar? — ele
perguntou, como se estivesse voltando ao modo "negócios". Encolhi os
ombros.
— Sim, não há garantias de que eu não faça exatamente isso, só por
prazer, entende? Além do mais, vou providenciar um pedido de medida
protetiva. Não quero nem sonhar que você chegue a 2 metros de Alice e da
sua mãe. Enquanto isso, procure um novo emprego, peça dinheiro ao seu pai,
ele acabou de vender uma empresa, faça um maldito tratamento, procure
ajuda psicológica, o que for, eu não me importo de verdade. Pra ser sincero,
Túlio, eu espero, na verdade, imploro, que você não devolva todo o dinheiro
no prazo estipulado, para que eu possa lavar as minhas mãos e te mandar
direto pra cadeia. Ficarei no aguardo, não me decepcione.
Levantei-me mais uma vez, fechei os botões do meu terno e peguei as
pastas sobre a mesa. Ele continuou em silêncio. Provavelmente estava
pesando as suas alternativas. Do fundo do meu coração, eu queria que em
dois dias o dinheiro não estivesse nas contas da empresa, já que eu tinha
quase certeza de que ele já havia gastado parte do montante em
investimentos. Dessa vez, investimento certo, para lucrar.
— Tente não roubar nada da minha sala ao sair. Você vai ter notícias
minhas.
Antes que eu chegasse à porta, ele finalmente saiu do transe de
silêncio que tinha entrado.
— Eu só estava protegendo a minha família. Você faria o mesmo, eu
tenho certeza. Olha de onde viemos, como crescemos, de repente, aparece
alguém e ameaça destruir tudo, o amor dos seus pais, sua segurança
financeira, a Amélia e a Alice significavam... — Não o deixei terminar, nem
mesmo me importava com o que ele diria. Voltei como uma bala da porta,
peguei-o pelo colarinho e o puxei, apertando sua garganta no processo. A
cadeira desabou atrás dele, e o levei em direção à parede, seu corpo batendo
duro, o olhar alarmado e surpreso no rosto.
Praticamente colei meu rosto ao dele, ainda segurando-o pelo
colarinho, firmemente.
— Eu disse: não se atreva a dizer o nome dela, seu miserável! Aliás,
novos termos do nosso acordo, você agora tem 24 horas para devolver o
dinheiro, ou não importa o que aconteça, você vai apodrecer na cadeia, como
o lixo humano que você é — rosnei na sua cara, soltando-o subitamente, e
vendo-o cair, arrastando-se lentamente, o olhar assustado ainda preso no meu.
Arrumei os punhos da minha camisa e desentortei minha gravata. — Meu
advogado vai entrar em contato com você.
Com meu sangue ainda zunindo nos meus ouvidos, passei pela
secretária, pela recepção, e saí do prédio, implorando aos deuses que ele não
fosse capaz de devolver. Alice não poderia dizer que eu não tentei proteger a
família dele. Sem falar que, ele não sabia, mas caso ele se ferrasse, como eu
esperava, parte desse dinheiro que iríamos reaver depois da investigação
policial seria destinado a garantir que suas filhas não ficassem desamparadas.
Minutos depois, eu havia chegado ao prédio da Avellar, meus
pensamentos conturbados, minhas emoções em frenesi, mas eu sabia
exatamente o que estava fazendo, e isso era o suficiente. Quase em frente ao
prédio, havia uma grande livraria, do outro lado da rua, e um pouco antes, eu
havia entrado lá. Agora, eu estava carregando um grande pacote, que eu
despacharia imediatamente, junto com um buquê de rosas vermelhas. Ainda
no elevador, puxei o meu celular do bolso e fiz uma ligação para Alice.
Depois de alguns toques, eu fui brindado com o som baixo e suave da sua
voz. Eu fechei os olhos e sorri, recostando-me.
— Eu espero que você ainda esteja exatamente onde eu te deixei —
eu disse, depois que ela disse alô. Ela fez um som de quem estava se
espreguiçando, meio um gemido e quase um "ronronar", e isso mexeu com
partes distintas do meu corpo: a parte que já estava acostumado que se
manifestasse, e outra, mais relevante, complexa, mais profunda. Fechei os
olhos e imaginei-a sorrindo.
— No seu apartamento? — Alice perguntou, um inegável indício de
sorriso na sua voz.
— Na minha cama, mas eu me contento com você ainda estar no meu
apartamento.
— Sim, eu segui o seu conselho e apenas descansei. Ainda nem me
levantei daqui. — Outro sonzinho delicioso daquele, e porra, a vontade era
voltar para lá e fazer com que ela ficasse por mais algumas horas no mesmo
lugar. Mas eu tinha assuntos para resolver, assuntos que diziam respeito a ela
e não tinha muito tempo.
— Você está tornando difícil ter que me concentrar aqui e trabalhar,
meu bem.
— Ah, sinto muito. — Ela riu, como quem não sentia nem um pouco.
— Me espere em casa, Alice. Vamos almoçar.
— Ok, eu espero você — ela respondeu, sem hesitação, sem
desculpas.
Depois que nos despedimos, eu ainda estava com um sorriso nos
lábios quando abri a porta do escritório de César e pus a cabeça para dentro.
Ele levantou a vista dos papéis que lia e me encarou, sobrancelhas franzidas.
— Qual é a desse sorriso idiota?
Eu não respondi, apenas entrei, fechei a porta atrás de mim e sentei-
me à sua frente.
— Bom, eu estou morrendo de curiosidade. Que porra está
acontecendo? Que mensagem enigmática era aquela que você me mandou,
que precisava dos meus serviços urgentemente?
Pus o enorme pacote sobre a mesa dele e me ajeitei na cadeira. Eu
esperava que o serviço de entrega que eu costumava utilizar não demorasse,
mas direcionei a minha atenção para César.
— Longa história.
— As melhores, então. Que pacote é esse?
— Livros.
— Porra, uma grande quantidade deles. Desde quando você lê algo
que não seja sobre administração? Não é Diego o viciado em livros da
família? — Ele sorriu, provocativo, inclinando-se para trás em sua cadeira.
— Sim, ele é. Mas não são livros de administração, na verdade, esses
livros aqui são algumas coleções, séries de uma autora chamada Julia
Quinn, Os Bridgertons, Quarteto Smythe-Smith, e mais alguns outros que eu
não lembro o nome agora, mas estão todos aqui. Tudo que havia dela por lá.
César me encarava embasbacado.
— Julia quem, cara?
— Quem, não: Quinn. É uma autora americana de romances
históricos, você sabe, aqueles de mocinhas e lordes — informei, dando de
ombros, lembrando das informações que recebi da atendente na livraria.
César continuou olhando para mim, admirado, e eu cruzei os braços. — Bom,
vamos aos negócios então?
EU AINDA ESTAVA com um sorriso meio bobo no rosto vários
minutos depois enquanto tomava café calmamente na cozinha. Tinha
permanecido na cama por um longo tempo... suspirando e me espreguiçando
entre os lençóis macios e com certeza caríssimos da enorme cama de Marcos.
Isso era algo extremamente raro na minha vida nos últimos anos, que eu
ficasse simplesmente deitada, assim, no início de uma semana, bem depois
das 10h da manhã. Mas a oportunidade apareceu e eu iria desfrutar de cada
segundo dela, claro...
Quando o interfone tocou e foi anunciada a chegada de um pacote
para mim, eu estranhei, mas imediatamente imaginei que fosse algo que
Marcos estava mandando, já que havíamos acabado de falar por telefone e
marcar um almoço para daqui a pouco.
Eu ainda iria em casa pegar algo mais apropriado para vestir do que as
roupas que eu havia trazido do fim de semana na casa dos seus pais, mas não
estava com pressa. Segundos depois, abri a porta para um funcionário de
uma empresa de entregas que tinha um enorme buquê de rosas vermelhas,
além de um grande pacote quadrado envolto em papel cor de rosa, com um
grande, elaborado e vistoso laço branco. Sorrindo, e com o coração aos pulos,
confirmei minha identidade, assinei a entrega e esperei que ele educadamente
deixasse o pacote sobre o aparador, antes de sair. Eu mal podia me conter
para saber o que era o pacote.
Novamente sozinha, aspirei profundamente o perfume das rosas,
fechando os olhos e sorrindo mais largamente ainda enquanto pensava que
poderia me acostumar a receber flores assim. Sim, eu com certeza, poderia
me acostumar àquilo. Quase saltitando, fui providenciar um vaso para as
flores e depois, quase morrendo de curiosidade, fui em busca do pacote,
desfazendo o laço bonito com o máximo de delicadeza possível.
Eu era dessas que não podia ver um papel, uma embalagem bonita
que queria guardar. E aquela era simplesmente linda e iria ser devidamente
guardada. Assim que consegui desfazer os laços, tirar os papéis acetinados do
caminho e finalmente vi o que a caixa continha, passei uns cinco segundos
perplexa, muda, olhando para a maior e mais linda coleção de livros da minha
autora preferida que eu poderia imaginar. Quando a realidade finalmente se
infiltrou no meu cérebro entorpecido pela surpresa, eu dei um grito e pulei
várias vezes no meu lugar. Além de flores, Marcos havia me dado, pelo visto,
todos os livros que eu amava da Julia Quinn?
Se eu já não estivesse apaixonada por esse homem, teria me
apaixonado perdidamente por ele neste exato momento!
— Bom, se você queria ver um homem quase nu, eu estava bem aqui
embaixo, era só ter chamado — resmunguei para Alice, enquanto ela ria e
escondia o rosto no meu peito. Gargalhava, na verdade.
Eu não estava achando muita graça, mas estava tudo bem.
— Você... a sua cara, Marcos! A cara de todos vocês, meu Deus... —
Ela riu mais. Eu apertei sua bunda com mais força em retaliação,
acomodando-a sobre a minha ereção já completamente desperta àquela hora,
com Alice sentada sobre mim, as pernas abertas ao redor dos meus quadris,
em uma espreguiçadeira, na parte mais escura da casa da piscina. E ela estava
de vestido. Combo perfeito.
Todos tínhamos nos dispersado pela casa depois do episódio do tal
filme. Por coincidência ou não, os casais estavam agora juntos, por aí, e tenho
certeza de que o assunto entre eles devia ser o mesmo que o nosso. Do outro
lado da piscina, eu podia ver Carlos com Stella no colo. Os outros não
estavam à vista, mas provavelmente na parte de dentro da casa. Não que
ninguém fosse ridículo o suficiente para ficar com ciúme de filmes, claro,
mas porra, elas inverteram a lógica da coisa e só nos surpreenderam. Só isso.
E mereciam punição por isso, obviamente. Eu, particularmente, iria
punir essa fadinha atrevida de várias e deliciosas formas. De repente, estava
com uma vontade enorme de deixar a porra daquela despedida de solteiro
fajuta e levá-la pra casa. Pra nossa cama.
— É só um filme, uma comédia, na verdade. E é a despedida de
solteira da Malu, também, oras. Supercomportada, aliás: mulheres na cama
vendo um filme. Vocês querem algo mais inocente do que isso? — ela
argumentou, dando um beijo na minha mandíbula.
Segurei sua cintura fina e a pressionei mais contra o meu pau duro,
grunhindo com a fricção. Realmente, hora de ir para casa.
— Inocente estávamos nós, como bobos apaixonados, bebendo
cerveja e papeando. Não tinha nenhum filme com peitos e bundas de fora,
não — rebati, sorrindo e lambendo a lateral do seu pescoço. Alice gemeu, as
mãos sobre os meus ombros. Então olhou para trás e viu que nossos colegas
de piscina estavam eles próprios muito concentrados um no outro em um
beijo quente. Ela virou, então, de volta para mim e esfregou-se sobre o
volume na frente do meu jeans.
Quase me engasguei. As cervejas, e o tesão, eram combustíveis
suficientes para mim.
— Vai dizer que vocês não estavam falando de mulheres também? —
ela incitou, cética, movendo-se e me deixando louco.
— Só sobre vocês, mulheres sem coração — respondi, segurando seu
rosto e beijando-a com ferocidade, provando-a.
— Mentiroso — ela sussurrou, sorrindo nos meus lábios quando
paramos para respirar.
— Vamos lá, baby, estou morrendo de tesão aqui, e ainda quero fazer
você pagar por estar babando naqueles caras ridículos com aquelas sungas
enfiadas da bunda.
Alice riu e ficou de pé, ajeitando o vestido.
— Não vamos nos despedir de todos?
— Querida, acredite em mim, acho melhor não sairmos por aí
procurando por eles, a julgar por aqueles dois bem ali. — Apontei Carlos e
Stella, que também haviam se levantado, mas ainda estavam em um beijo
demorado. — Me espere bem aqui, só vou pegar a minha camisa e já volto.
Alice concordou e eu fui para a sala de jogos. Teo estava no puff que
eu estava antes, com Malu deitada ao seu lado. Eles tinham os olhos fechados
e falavam baixinho, uma música ainda soando no lugar, sua mão sobe a
barriga redonda dela, em movimentos circulares.
Uma emoção forte e desconhecida passou por mim, e evitando
chamar a atenção deles, peguei a minha camisa caída no chão perto da mesa
de sinuca e estava voltando para onde deixei Alice quando lembrei de Iza.
Merda. Ela tinha vindo comigo já que seu carro tinha ido para o conserto
naquela manhã, mas eu iria pedir para Diego passar na casa dos nossos pais e
deixá-la. Se ela atendesse a porra do celular, claro, o que ela não fez.
Resmungando, dei meia-volta. A última vez que a tinha visto, ela
estava com Diana e Diego na cozinha. No entanto, naquele momento, apenas
Max e Marisa estavam dançando por lá, abraçados, ambos com taças de
champanhe nas mãos. Sorri para ele por cima da cabeça dela e subi as
escadas em direção ao mezanino. O quarto estava vazio.
A primeira coisa que ouvi foi a voz de Ricardo, baixa, tensa, quando
me aproximei do corredor que levava a parte de trás, para o outro espaço na
parte superior que ele usava como escritório:
— Eu só estou tentando manter a minha sanidade aqui!
— Eu não te pedi nada! Também estou tentando esquecer que você
existe. — Era a voz de Iza, raivosa, também baixa. Eu a conhecia, ela estava
a ponto de chorar, e meus músculos ficaram tensos, meu instinto de proteção
surgindo como uma erupção. Fiquei paralisado. — Quer saber? Pare de agir
como um estúpido e esqueça que eu existo...
As palavras dela foram bruscamente interrompidas. Com o meu
coração batendo meio errático no peito, me aproximei, rápido, tentando não
pensar no sentido daquela conversa, nos motivos pelos quais eles estavam
brigando.
Eu descobri por que as palavras dela foram interrompidas.
Iza e Ricardo estavam agarrados em um beijo impressionante. Ele
praticamente tirando-a do chão, segurando-a firme, enquanto a beijava como
se nunca mais fosse parar de fazer aquilo.
Ricardo. Beijando a minha irmã. Quase devorando-a.
Eu já o vi fazer aquilo muitas vezes. Com outras mulheres, não com a
minha irmã, não com Iza. Nunca com uma menina que ele conhecia desde a
adolescência. O sangue ferveu na minha cabeça, nublou a minha visão, e eu
nem percebi que fiz algum som, mas devo ter feito, porque eles se separaram,
em choque, com expressões alarmadas quando me viram parado ali.
— Seu...! O que porra você está fazendo?! — rugi, meus punhos
apertados enquanto ia na direção dele.
Ricardo passou uma das mãos nos cabelos em desespero, e estendeu a
outra na minha direção, dando um passo atrás, o rosto contorcido.
— Marcos, cara, por favor, não é...
Eu conhecia Ricardo muito bem. Muito. Sabia quem ele era e como
tratava suas mulheres. E ele estava literalmente fodendo o nosso acordo
moral implícito: estava tocando na minha irmã. Porra, eu o conhecia o
suficiente para sentir o meu peito apertar com uma sensação de traição, de
dor, mas sobretudo de fúria, antes de avançar para ele e lançar o meu braço
em um soco no seu rosto, com toda a minha força. Iza gritou. Ele foi para
trás, desequilibrado, mas em vez de revidar, como eu sabia que ele poderia, e
deveria fazer, apenas me olhou nos olhos, apoiando-se na mesa e estendendo
uma mão para me barrar.
Iza entrou na minha frente, as mãos no meu peito, o rosto alarmado,
olhos arregalados e lágrimas brilhando neles.
— Marcos, não! Para, por favor!
Olhei para ele por cima da cabeça dela, a respiração pesada, minha
garganta ardendo e os punhos ainda apertados enquanto olhava para ele. Ela
me abraçou, chorando, pedindo que eu parasse. Mas eu já havia parado.
— Eu não queria que fosse assim ... — Ricardo disse, com a voz
áspera, com dor em seus olhos. Eu olhei para longe dele, imóvel, em silêncio,
a minha mão latejando de dor, mas o meu peito doendo muito, muito mais.
PROVAVELMENTE O GRITO de Iza arrastou quase todos ali para
cima, pois quando me dei conta, estava sendo firmemente segurado pelos
ombros por Diego, enquanto Diana puxava uma atordoada Iza dos meus
braços. Senti os dedos de Alice enroscando-se nos meus e inspirei fundo para
me acalmar.
Registrei tudo isso ao mesmo tempo em que fuzilei Ricardo com os
olhos. Ele continuava do outro lado, respirando pesadamente e me encarando
de volta como se quisesse me dizer um mundo de coisas. Agora, eu
simplesmente não queria ouvir. Na minha cabeça, cenas de mais de uma
década de amizade se misturavam à outras, com imagens vívidas de tudo que
eu tinha visto Ricardo fazer, além das que eu apenas soube que ele fazia em
seus relacionamentos.
Eu estava tentando bravamente não ser um filho da puta hipócrita e
moralista ali, tanto que tinha dado apenas um soco nele, mas uma coisa era
conviver com o cara sabendo quem ele era e estava tudo bem, outra coisa era
saber que ele estava jogando com a minha irmã... E de repente, outra questão
me veio à mente, apertando um nó do caralho no meu peito: desde quando?
Tudo que passava na minha mente, naquele momento, era há quanto tempo
isso vinha acontecendo. Meses? Anos? Eu me torturei, apertando os punhos.
Sempre confiei em Ricardo com a minha vida, mas de repente, ele
estava com Iza nos braços e não dizia uma única palavra para mim? Ele a
estava tratando exatamente como tratava suas outras mulheres? Outra
questão, tão terrível quanto, levantou a cabeça como um monstro dentro de
mim: quem mais sabia daquela merda? Esta última pergunta me fez desviar o
olhar do rosto de Ricardo e focar na expressão séria e apreensiva de Diego
diante de mim.
— As coisas só vão piorar assim — ele disse, a mandíbula tensa,
lançando um olhar por cima do ombro para Ricardo que estava passando as
mãos no rosto.
— Você sabia? — inquiri, entredentes quando Diego voltou a sua
atenção para mim. Ele juntou as sobrancelhas em uma carranca.
— Desconfiava, mas sinceramente acredito que não há muito para
saber, Marcos — foi o que ele respondeu, enigmático.
— Como não...?! Eu vi... — comecei, sibilante, então me interrompi e
olhei em volta, notando os olhares tensos de todos ao meu redor, e o pior, o
olhar magoado no rosto de Iza, e isso fez o meu peito apertar e doer. Fechei
brevemente os olhos e exalei o ar lentamente. A sensação de que Ricardo
havia traído a minha confiança doía quase tanto quanto a dor que eu via na
expressão de Iza, e isso me deu a fodida e inapropriada dimensão do quanto
aquele imbecil era importante para mim.
— Marcos... — era a voz de Alice. Seu tom era mistura de súplica e
aviso, e imediatamente me tirou do transe louco dos meus pensamentos.
Assenti em concordância para ela e depois para Diego, que me soltou com
um profundo suspiro de alívio. Aquela aparente apatia dele não estava
entrando na minha cabeça, nem o fato de que ele não tinha perguntado o que
estava acontecendo, afinal. Como se ele soubesse. Porra, como se todos eles
soubessem, decidi, meu olhar encontrando o de Teo, que estava abraçado a
Malu perto da porta.
Cerrei os dentes e olhei de volta para Alice, para o seu olhar temeroso
e um pouco assustado.
— Tudo bem, está tudo bem — assegurei a ninguém em particular. —
Vamos embora — murmurei para Alice, que concordou com um gesto,
olhando para o chão. Passei por Diego, mas parei na frente de Iza, que estava
de cabeça baixa e as mãos nos bolsos do jeans. Estendi a mão e segurei seu
queixo, levantando o seu rosto para mim. Seus olhos ainda estavam úmidos,
mas havia um brilho de determinação lá que me fez pensar que ela não era
mais uma menininha.
— As coisas não são, de verdade, como você está pensando — ela
disse, baixinho, ecoando o que Ricardo havia afirmado, antes mesmo que eu
pudesse dizer alguma coisa. Eu suspirei e passei meu polegar em sua
bochecha e me inclinei para beijar sua testa, demoradamente.
— Eu só quero o teu bem, você sabe. Amo você — disse para ela,
antes de me virar para Alice, pegar sua mão e sair em direção à porta. Parei
quando cheguei ao lado de Teo.
— Sinto muito! — Suspirei, olhando entre ele e Malu e fazendo uma
ligeira careta. Ela sorriu tristemente e fez um gesto que estava tudo bem. Eu
estava saindo quando Teo pôs a mão no meu peito, me parando.
— Tudo bem. Cabeça fria, cara — ele pediu, seriamente. Eu só olhei
para ele e segui em frente. A dúvida cruel sobe o que poderia estar
acontecendo ou não, ou quem saberia ou não, estava me deixando louco, mas
a minha vontade de sair de lá era mais urgente. No momento, eu precisava
me acalmar, sim, e pensar, e a casa de Ricardo não era o melhor lugar para
fazer aquilo.
— Marcos.
Ele estava apoiado no balcão da cozinha, as pernas cruzadas na altura
dos tornozelos, uma das mãos no bolso da calça, enquanto com a outra
balançava o líquido no fundo do copo, parecendo profundamente perdido em
pensamentos.
Alguns dias haviam se passado desde o impactante encontro com
Murilo e todas as revelações que ele tinha trazido. Eu não podia dizer que
estava bem com tudo que agora eu sabia que estava dentro da caixa, e o que
aquilo significava. Para ser sincera, o fato de que ele estava deixando para
mim uma enorme quantia em dinheiro, além de outras coisas, como a casa em
que ele vivia, por exemplo, ainda estava me dando nos nervos.
Eu havia falado com a minha mãe sobre isso, e tínhamos a mesma
opinião: não iríamos aceitar dinheiro como compensação por ausência, como
moeda de troca para correção de erros e atitudes tomadas no passado.
Pretendia falar pessoalmente com ele sobre isso, mas não me sentia pronta,
ainda, não depois da nossa última conversa. Um pouco de tempo para respirar
fundo e assimilarmos as coisas faria bem a todos nós.
E por falar em tempo para assimilar as coisas...
Voltei a observar Marcos do outro lado da cozinha. Ele já estava
pronto, o que era surpreendente, visto que Marcos era conhecido por ser uma
pessoa que não exatamente prezava pela pontualidade. Mas ele estava
ligeiramente tenso, pensativo, desde cedo, e eu podia entender a razão.
— Marcos — chamei novamente, mais incisivamente, mas com
ligeira cautela. Ele estava lindo e elegante em seu terno cinza escuro e
gravata azul, que se ajustava aos seus músculos definidos e a sua figura
máscula e esbelta. Marcos finalmente olhou para mim, um vinco entre as
sobrancelhas escuras.
— Desculpa, meu bem, eu estava distraído. O que você disse?
— Você conversou com Ricardo? — questionei, devagar, pisando em
ovos, enquanto buscava seus olhos. Marcos olhou de volta para mim
inexpressivamente, por um segundo, antes de respirar fundo e beber um gole
da sua bebida e então desviar o olhar do meu.
— Sim, nós conversamos.
Parei mais perto dele, na expectativa. Marcos continuou olhando para
o fundo do seu copo, e eu instiguei:
— E...?
— Nós conversamos, meu amor, é isso. Eu não vou criar uma cena
com Ricardo com o casamento do Teo depois de amanhã, fique relaxada.
Respirei fundo e pedi paciência aos céus, fechando os olhos
brevemente. Era um assunto delicado, e eu sabia que homens, de modo geral,
preferiam arrancar uma unha a falar sobre conversas tensas e dramáticas que
por acaso tenham tido com alguém. Principalmente se esses temas envolviam
a irmã caçula se envolvendo com um homem mais velho e experiente, que
por acaso, era amigo da família há anos.
— Marcos, há uma semana você deu um soco no seu melhor amigo.
Ontem, vocês estiveram juntos e conversaram, certo? Quer dizer, está tudo
bem entre vocês? De verdade?
Ele apertou os dentes, depois deu um sorriso que tinha a intenção de
me aplacar, mas não conseguiu.
— Tudo bem é um exagero, mas digamos que nós temos os nossos
próprios meios de resolver as coisas sem necessariamente precisar de uma
longa sessão de terapia.
Fiquei olhando para ele desconfiada.
— Ok. E esses meios não envolveram mais socos, certo?
Marcos bebeu outro gole, lentamente, sem me encarar.
— Imagine, claro que não. Você acha que somos algum tipo de
homem das cavernas? — ele perguntou, ofendido, quando eu continuei
olhando sem esboçar reação, ele sorriu.
Meu Deus, que criaturas mais irritantes, esses homens, pensei,
tentando não me preocupar. Estávamos saindo agora para um tipo de
comemoração íntima pela entrega do meu TCC. Finalmente, depois de
agruras as mais variadas, de longas noites insones, enfrentamento com
orientadora, choros, erros, muitos, acertos... eu havia concluído tudo, e agora,
podia respirar um pouquinho mais aliviada, antes de pensar na defesa. Por
hora, também não queria pensar em nada disso. Só relaxar, curtir a
companhia do meu amor, e esquecer um pouco de tudo.
Ainda assim, com o casamento de Teo daqui a poucos dias, eu me
preocupava com o clima entre aqueles dois cabeças duras. Tinha conversado
com Iza dois dias antes, e tínhamos quase varado a madrugada no terraço,
olhando a noite e derramando as nossas almas uma para a outra. Suspirei,
pensando em como os dias seriam difíceis para ela, mas eu acreditava no
poder de algo que fazia as pessoas mudarem, e fazia com que elas agissem e
pensassem de forma diferente: o amor. Eu acreditava piamente que aquele
enorme detalhe faria toda a diferença na delicada situação em que ela estava.
Amor de pais, amor de irmão, amor entre amigos e, principalmente, o amor
de um homem por uma mulher, mesmo que ela não estivesse acreditando
especificamente nesse, no momento.
Marcos depositou o copo de lado e fez sinal para mim, que estava
prendendo um dos brincos em forma de fadinha. Um que ele me dera, mais
cedo, que combinava com a pulseira de berloques em forma de fadas,
adornada com pedras vermelhas; uma que ele me dera para pedir perdão por
ser um imbecil cafajeste e ter dormido com outra enquanto me deixava em
espera. Só recentemente eu passei a usá-la, e não conseguia mais tirá-la do
pulso. E, bom, eu juro, esqueci esse episódio completamente, nem lembrava
disso, aliás.
— Venha até aqui, Alice.
Eu fui, meus saltos ecoando no piso, enquanto me aproximava dele.
Quando parei na sua frente, Marcos varreu-me de cima a baixo com um olhar
quente, uma mistura de emoção e afeto genuínos e pura luxúria que se
alastrava feito pólvora pela minha pele. E eu tinha bastante pele nua no
momento para sentir aquecer.
— Você está simplesmente deslumbrante.
Sorri, então virei de costas para que ele pudesse fechar o botão
solitário na parte de trás do meu pescoço, onde era praticamente o único lugar
em que o meu vestido vinho estava firme no meu corpo. Na altura dos joelhos
e com as costas completamente nua, ele dispensava o uso de um sutiã, e
mesmo sendo completamente diferente das roupas que eu costumava usar, eu
me sentia muito bem: confiante, segura, sensual.
— Obrigada... você pode me ajudar com isso?
— Que porra, Alice... acabei de repensar totalmente essa merda de
sair de casa com você vestindo isso... — Marcos murmurou, enrolando a mão
em torno da minha barriga e me puxando de encontro ao seu corpo firme. Na
mesma hora, senti seus músculos ondularem, pressionados contra as minhas
costas, e sua barba roçar contra o meu ombro e pescoço, me arrepiando
inteira. O que uma barba roçando na pele podia fazer com a nossa libido,
minha nossa senhora... pensei, revirando os olhos e me apertando mais contra
ele.
— Você gostou, então?
— Odiei, profundamente — ele gemeu, sua mão descendo na minha
barriga e a outra levantando a saia do vestido, apertando a minha coxa e
depois a minha bunda. Sim, era difícil ter que sair de casa, mesmo, concluí.
— E adorei. É complicado decidir sobre isso agora, minha mente está meio
que entrando em curto circuito, no momento, espere só um instante.
Eu ri, deliciada, virando-me para beijá-lo.
— Tem certeza de que você vestiu tudo? Não ficou alguma parte
desse vestido caído lá no quarto? Eu posso verificar, se você quiser — ele
ofereceu, solícito, mordendo de leve a região logo abaixo da minha orelha, e
arrancando um longo gemido de mim.
— Eu tenho certeza, sim — respondi, logo antes dele tomar a minha
boca em um beijo intenso, completado pelo aperto de seu braço em torno da
minha cintura, praticamente me curvando, deliciando-se com os meus lábios.
Quando ambos interrompemos o beijo para buscar por ar, seu olhar estava
ardente, profundo.
— Por onde você estava, quando eu pensei que era feliz? — Marcos
perguntou, de súbito. Surpresa, abri a boca para responder, mas ele
continuou, tocando o indicador nos meus lábios. — Eu tenho medo de que
você ache que estamos indo rápido demais, mas eu te amo, nunca senti nada
igual, e sei o que estou fazendo. Nunca estive mais certo do que estou
fazendo, Alice.
Concordei, lentamente, intrigada com o discurso dele.
— Que bom, porque eu também estou muito certa do que estou
fazendo aqui com você. Eu sempre pensei que tudo na vida podia ser
planejado, organizado da forma que a gente pretende, mas às vezes só
acontece de algo muito bom surgir, e precisamos adaptar as nossas
prioridades para viver o momento e ser feliz — eu disse, afastando uma
mechinha teimosa do cabelo dele da testa.
— Eu não estava brincando quando disse que quero realizar todos os
seus sonhos. Basta você me pedir.
— O meu maior sonho era encontrar o amor, e você já está realizando
esse — confessei, em um murmúrio sobre seus lábios. Ele fechou os olhos
como se estivesse muito concentrado.
— Obrigada por existir, por me dar a chance de ver que eu poderia ser
bem melhor do que eu pensei que fosse, meu amor.
Dessa vez, ficamos presos em um abraço apertado, no silêncio da
cozinha, sem nem nos movermos, até que o som de chamada do seu telefone
nos tirou desse limbo romântico em que estávamos. Marcos alcançou o bolso
do jeans e atendeu, ainda me mantendo apertada junto dele.
— Oi. Sim. É ele... — Eu ouvi uma voz masculina dizer algumas
coisas rápidas, e então Marcos desfez o abraço e deu um beijo na minha testa.
— Certo. Isso mesmo. Ok. — Ele desligou, me deu um sorriso e estendeu a
mão. — Vamos lá? Se não podemos perder a nossa reserva.
— Mas ainda são 19h30, pensei que você tinha dito que a reserva era
para as 20h30 — estranhei, ajeitando o vestido que estava um pouco torto.
Era impressão minha ou de repente ele tinha ficado novamente tenso,
agitado?
— Era do restaurante, amor, houve um engano em relação ao horário
da disponibilidade da mesa, melhor irmos mais cedo. Tudo bem pra você?
Fiquei olhando para ele, tentando ignorar o fato de que a conversa de
segundos atrás não parecera nada com isso, sobre um aviso de engano em
relação ao horário da reserva. E pelo que eu conhecia de Marcos, um erro
desses em um local caríssimo para comemorar algo que ele fizera questão,
não seria levado assim tão despreocupadamente. Mas eu omiti qualquer outro
questionamento, sorri e resolvi apenas observar.
— Tudo bem, sim. Vamos.
A noite não poderia ter sido mais perfeita nem se eu tivesse escrito
uma das minhas famosas listas e tivesse decidido e escolhido tudo que queria.
Vivi, provei e senti coisas que eu nem sabia que existiam e, portanto, não
poderia ter desejado. Enfim, perfeita.
Quando paramos no estacionamento do prédio, eu estava extasiada,
leve e feliz. Uma combinação maravilhosa, para alguém que estava
comemorando a entrega de um trabalho feito a duras penas com o homem
que amava. Marcos agiu como um verdadeiro lorde a noite toda, mais do que
ele costumava ser: atencioso, carinhoso, amável. Cada gesto, cada sorriso,
cada toque, tudo era como se ele estivesse demonstrando como me amava e
como parecíamos certos um para o outro, apesar de todas as diferenças entre
nós.
Inclusive as diferenças, aliás, nos tornavam perfeitos um para o outro.
Ele abriu a porta do carro e segurou a minha mão, me ajudando a
descer e me equilibrando ao segurar a minha cintura. Não era para tanto, eu
estava bem, apenas alegrinha, mas deixaria que ele tivesse toda a cena de
cavalheiro que quisesse ter, pensei, sorrindo com a cabeça de encontro ao seu
peito, enquanto caminhávamos para o elevador.
O silêncio entre nós era do tipo, bom, cúmplice, leve, bem-vindo.
Assim que chegamos à porta do apartamento, ele tirou o cartão do
bolso e deu uma ligeira parada, depois pegou o celular, rapidamente. Então,
olhou para mim com uma intensidade feroz e segurou o meu rosto.
— Eu te amo... — ele disse, antes de abrir a porta, com uma lentidão
estranha.
Não tínhamos deixado as luzes acesas? Não. Foi a primeira coisa que
notei. A segunda, foram as notas iniciais, melódicas, únicas, de "She", de
Elvis Costello, a música que eu amava, que encheram o apartamento, e
imediatamente fizeram o meu coração dar um salto louco no peito, emoção
me tomando de forma inesperada.
Fiquei estática na porta, ouvindo a música ecoar, levemente
consciente da presença de Marcos ao meu lado, e então, notei um caminho
inteiro de pétalas de rosas vermelhas, um verdadeiro tapete que ia da entrada
até o terraço iluminado com velas. Com as mãos juntas, virei-me e ele estava
com as mãos nos bolsos, parecendo tudo, menos o homem confiante,
arrogante e dono de si que eu conhecia. Ele parecia mais um menino
inseguro, olhando para mim de uma forma que eu nunca tinha visto antes, os
olhos brilhando com uma intensidade nova.
— Marcos, isso... — tentei encontrar as palavras, sem conseguir me
mover. Ele estendeu uma mão e pegou a minha na sua. Parecia que ambos
estávamos tremendo um pouco, quando conectamos os nossos dedos.
— Vem, eu tenho algo para dizer a você — ele afirmou, a voz baixa e
solene.
Enquanto caminhávamos pelas pétalas, eu sentia tudo ao meu redor
desfocar por conta das lágrimas que já estavam inundando os meus olhos. A
decoração do apartamento, as velas, a música, o meu coração quase saltando
do peito e a minha garganta apertada de emoção me diziam exatamente o que
ele poderia querer dizer, perguntar, mas ainda assim, parte de mim estava
incrédula, pasma, absurdamente surpresa com tudo aquilo.
O terraço do apartamento estava iluminado com velas e mais rosas.
Ramos e ramos de rosas vermelhas, além das pétalas em que estavam
espalhadas no chão. Em uma mesa, uma garrafa do mesmo champanhe que
bebemos no restaurante, taças e, para meu assombro e diversão, potes de
sorvetes, de todos os sabores estranhos, de acordo com ele, que eu mais
gostava. Eu ri e chorei, olhando ao redor, impactada com tudo que ele tinha
feito. E eu que pensei que o restaurante fosse toda a surpresa que eu teria
naquela noite.
Foi nesse momento que eu perdi o próximo movimento de Marcos,
pois quando olhei em sua direção, ele tinha acabado de ficar de joelhos, bem
na minha frente, e eu senti as minhas pernas quase cederem, tremendo,
quando vi o que ele estava fazendo. A leve brisa estava bagunçando os seus
cabelos, e ele nunca me pareceu mais lindo do que naquele momento. Então,
lentamente, como em um sonho que eu tive milhares de vezes na vida, ele
enfiou uma das mãos no bolso interno do paletó e retirou uma caixinha azul-
turquesa... e arfei, incapaz de segurar o choro quando vi o que era. O que
estava realmente acontecendo.
Como uma romântica incurável, e que tinha assistido incontáveis
vezes ao filme Bonequinha de Luxo ("Breakfast at Tiffany's) poderia se
enganar sobre a cor mundialmente famosa, o conteúdo e a simbologia
daquela caixinha? Chorando copiosamente, eu juntei as mãos e olhei para ele,
tão lindo, inseguro, nervoso, parado ali sobre um dos joelhos, mas me vi
incapaz de falar algo. Eu nem precisava, Marcos começou a falar, a voz
instável.
“— Ela, que sempre parece tão feliz no meio da multidão.
Cujos olhos podem ser tão secretos e tão orgulhosos
Ninguém pode vê-los quando eles choram.
Ela pode ser o amor, que não pode esperar para durar
Pode vir para a mim das sombras do passado.
Que eu vou me lembrar até o dia que eu morrer
Ela
Pode ser a razão pela qual sobrevivo
O porquê e o motivo de eu estar vivo
A única que eu vou cuidar prontamente ao longo dos anos durante as
adversidades.
Eu vou pegar as risadas e as lágrimas dela
E farei delas todas as minhas lembranças
Para onde ela for, eu tenho que estar
O sentido da minha vida é
Ela”
A cena toda à minha frente era vista sob o véu de lágrimas que não
paravam de descer, principalmente quando eu percebi o que ele estava
fazendo: citando um trecho da música, para mim, enquanto ela tocava.
Quando ele terminou, eu mal podia me manter firme, e eu percebi que ele
também tinha os olhos úmidos.
— Meu amor, agora vem a parte mais difícil, quando eu vou ter que
usar as minhas próprias palavras para te convencer a ficar comigo, por toda a
minha vida. — Ele sorriu, inseguro, depois olhou para a caixinha mais
seriamente, pensativamente, enquanto eu mal conseguia manter a respiração
regular olhando pra ele ali. — Eu pensei muito sobre onde poderia fazer a
você a pergunta mais importante da minha vida. Ao final de tudo, decidi que
queria que fosse aqui, onde eu te vi pela primeira vez, onde eu mudei desde a
primeira vez que te vi, mesmo que não tenha notado isso de imediato. Aqui,
onde você compartilhou comigo o teu corpo, os teus sentimentos, as tuas
mais profundas emoções, onde eu te disse que te amava, pela primeira vez,
onde eu soube, que tudo que veio antes, na minha vida, nada disso se
comparava a você.
Ele respirou fundo, e continuou:
— Eu vivi a minha vida, até você, me escondendo sob uma máscara
de indiferença, fingindo que nada importava, que o amor não era pra mim.
Mas você me fez ver isso... você, entrando por aquela porta e alterando todo
o curso da minha vida, com uma história totalmente diferente da minha,
lutando lutas que eu nem podia imaginar, e ainda assim, tão amorosa, tão
doce, tão... Alice. Não me deixe ser aquele homem em cuja vida você não
está, não me deixe mais viver sem que você seja a minha esposa, meu amor.
Marcos abriu a caixinha, revelando um anel maravilhoso, com uma
única pedra em formato de flor, brilhante como um mosaico, faiscante, em
destaque.
— Você aceita se casar comigo, Alice?
— Ah, meu amor... — sussurrei, tremendo, então ele pegou a minha
mão e pôs o anel, devagar, nossos dedos decididamente tremendo, e então eu
não pude mais me segurar e fiquei de joelhos, sendo amparada por Marcos,
que me segurou de encontro ao peito, apertado, como se eu pudesse fugir se
ele não me segurasse bem forte. Como se isso fosse possível.
— Isso é um sim, meu bem? Você está me matando aqui — ele disse,
meio sorrindo e um pouco agoniado, as sobrancelhas franzidas. Perplexa, eu
olhei para o anel, depois para o seu rosto expectante.
— Como você ainda pode duvidar disso? É claro que eu quero me
casar com você! — murmurei, jogando meus braços ao redor do seu pescoço
e beijando-o como se a minha vida dependesse daquilo.
— Acredite em mim, amor, eu não mereço alguém como você, mas
vou lutar bravamente todos os dias para mostrar que eu posso conseguir.
Não me dei ao trabalho de contradizê-lo, só fechei os olhos e aspirei o
seu perfume, enlevada demais para sentir outra coisa que não fosse o seu
coração batendo descompassado de encontro ao meu.
— EU NÃO ESTAVA nervosa até ontem, eu juro pra vocês, e
agora... — Malu confessou, olhando para o seu reflexo no espelho e tocando
as bochechas com as pontas dos dedos, decididamente nervosa.
Ela estava magnífica em seu vestido de noiva de um tom de
champanhe, com toques levemente dourados, que se destacava ainda mais na
sua pele. E se fosse possível, ainda mais bela por causa da barriga de quase
cinco meses, visível no corte fluído do vestido. Eu não conseguia parar de
olhar para ela e ficar emocionada com a sua felicidade... E quando eu pensava
na minha própria felicidade nos últimos dias, então, era como se eu estivesse
verdadeiramente flutuando. As boas novas do meu noivado se espalharam
muito rápido, claro, e assim que nós chegamos à casa de Abigail para a
cerimônia, fomos recebidos com todas as felicitações devidas, mesmo que eu
tentasse desviar o foco de nós, afinal, aquele era o dia de outro casal, não o
nosso.
— Você estava nervosa, sim, só que agora está um pouquinho mais;
mas relaxe, está tudo pronto, tudo lindo, você está... nem sei o que dizer
sobre você, perfeita é a palavra. Só respire fundo — James, melhor amigo de
Diana, sorriu e pôs as mãos sobre os ombros de Malu tentando acalmá-la.
Ele estava terminando os últimos detalhes na maquiagem de Malu, e
logo seríamos chamadas para o jardim da casa de Abigail, onde a cerimônia
aconteceria.
— Estou calma, estou calma, eu estou... — ela repetiu, soltando a
respiração, os olhos fechados, então pôs a mão sobre a barriga e ri. — O bebê
está discordando da minha tentativa de me acalmar, ele começou a mexer
bastante agora.
Todas nós sorrimos e fizemos sons apaixonados, olhando para ela
passando a mão na barriga. Estávamos todas nós já prontas no quarto de Iza
— eu, a noiva, Diana, Stella, Marisa, Julia, e a própria Iza — onde o QG
feminino fora montado, para que pudéssemos nos vestir, maquiar, conversar,
rir e, quem de nós pudesse, beber champanhe. Várias fotografias estavam
sendo feitas por um casal colega de Diana, algumas, inclusive naquele
momento, enquanto estávamos ali, rindo; ainda assim, Diana estava com a
sua própria máquina fazendo alguns breves e especiais registros da nossa
reunião.
Às vezes, era difícil lembrar que até pouco tempo atrás, nós não nos
conhecíamos, a julgar pelo clima de amizade, carinho e afeto que se alastrava
pelo ambiente. Mesmo os mais recentes problemas e tensões pareciam ter
dado uma bem-vinda e necessária trégua, pensei, aliviada.
— Já o meu parece estar discordando de tudo o que faço ou penso em
fazer: acordar bem, maravilhosa, sem náusea e sem vômitos? "Discordo,
mamãe". Comer um pouco pela manhã, deixar algo pelo menos ficar
durante meia hora no meu estômago? "Discordo, mamãe" — Diana gemeu,
ela própria acariciando a barriguinha ainda discreta, mas certamente maior do
que a da própria Malu era, no mesmo período.
— Mas já está perto de passar, não é? — perguntei, com uma careta
de empatia, enquanto punha a minha mão sobre a dela e fazia um gesto de
consolo. Diana sorriu com leveza. Mesmo um pouco mais abatida do que
antes devido às constantes crises de enjoos e mal-estar do início da sua
gravidez, ela demonstrava estar mais feliz do que nunca.
— Está, sim; é isso que eu fico repetindo como um mantra todos os
dias pela manhã. — Ela levantou uma das mãos, fechou os olhos e sorriu, e
Iza encostou a cabeça no ombro dela. — Mas a minha avó me avisou, se você
escapou disso tudo do primeiro, do segundo não escapa.
Julia, parecendo linda etérea no seu vestido esvoaçante, foi até a
janela do quarto e olhou para baixo. Virou-se com uma expressão divertida.
— Se você está nervosa, Malu, você precisa ver o meu pai lá
embaixo. Agora, ele está andando de um lado para o outro, feito um leão
enjaulado, enquanto os tios estão ao redor dele, rindo de alguma coisa.
Eu e Iza nos entreolhamos. Isso era bom. Qualquer sinal de que
Marcos e Ricardo estivessem juntos no mesmo ambiente, rindo, ainda por
cima, era um ótimo sinal. Eu acreditava na força daquela amizade.
— Aposto que algum deles está sugerindo que você vai desistir. —
Iza sorriu.
— Coitado do meu amor. — Malu suspirou.
— Tenho certeza de que ele faria exatamente o mesmo se o noivo
fosse outro — James disse, com uma piscada para Malu.
— Não faria o mesmo, não: Teo faria bem pior. — Malu suspirou, e
todas rimos novamente.
Marisa, sentada ao lado de Stella, olhou ao redor de um jeito
divertido, e passou a mão na barriga lisa.
— Eu só sei de uma coisa, meninas, casamento com uma noiva
grávida e com uma madrinha também grávida... olha, acho que os ventos da
fertilidade estão passando por aqui, viu? Vou ficar atenta para eles passarem
por mim!
Não era segredo para ninguém que ela e Max estavam "tentando
engravidar". Teo, inclusive, estava dizendo que Max estava fazendo aquilo de
propósito, já que Max estava noivo antes e casaria depois de Teo; e também
queria que os filhos deles tivessem pouca diferença de idade entre si. Teo
dizia aquilo como se estivesse entediado e irritado com o amigo, mas quem
ouvia ele falando sabia que não era nada daquilo. Homens e suas formas
doidas de demonstrar afeição.
— Opa, me avise onde esse vento está para eu correr na direção
contrária! Por enquanto, pelo menos — Stella disse. Carlos tinha um filho um
pouco mais novo do que ela, do primeiro casamento, e o relacionamento
entre eles estava indo bem o suficiente para que nós cogitássemos que um
novo casamento estava se formando no horizonte.
— Sei... então continue tendo alguns "vacilos" que você não vai ser
pega por esse vento não, minha amiga, vai ser arrastada por ele e jogada no ar
de pernas pra cima — Malu disse, visivelmente mais relaxada, quando nós
sorrimos e Stella fez uma careta, escondendo o rosto para beber da sua
champanhe. Os clics das fotos continuavam.
— Eu também estou inscrita para correr na direção contrária, gente,
só pra deixar claro, tá? — Julia disse, timidamente, encolhendo os ombros.
Ela tinha acabado de completar 18 anos e namorava com Arthur, que devia
estar em algum lugar lá embaixo, jovem e lindo em seu terno escuro, e com
certeza ainda tentando olhar para Teo e os "tios" sem tremer, eu imagino,
pelo que ouvi de Malu.
— Pelo amor de Deus, sim, meu amor! O Teo teria um treco sério, e
eu quero ter o pai do meu filho por longos e longos anos comigo, então, por
enquanto, você faz assim: você vê esse vento chegando e por favor, corra
para o mais longe que puder dele — Malu avisou, juntando as mãos em
prece, depois caiu na risada, igual a todas nós.
Aquela seria uma cerimônia simples, em um estilo natural, ao ar livre,
apenas com a família e os amigos muito próximos, mas ainda assim, eu podia
imaginar como ela estava se sentindo, casando-se com o homem que amava,
depois de tudo que passou com o ex. Eu podia imaginar e pensar também em
como eu me sentiria quando fosse a minha vez. Depois do pedido
absolutamente lindo e emocionante que Marcos me fez, curtimos um ao outro
mais do que nunca, e mesmo que Marcos estivesse me
pressionando levemente — ele negava, mas estava fazendo isso sim, pensei,
sorrindo — eu queria que tudo fosse mais devagar: me formar, casar, me
estabilizar, ensinar, que era o que eu amava fazer, e mesmo tentar uma
colocação melhor em outro lugar: enfim, realizar os meus sonhos possíveis,
como ele mesmo prometeu me ajudar a fazer. Mesmo assim, o protagonismo
disso teria que ser meu, e precisávamos estar de acordo em quando essas
coisas aconteceriam.
Depois, com mais calma, eu queria formar a minha própria família.
Esse era um desejo especial, único, que eu sentia no fundo do meu coração:
dar aos meus filhos uma referência sólida e amorosa, que eu já tinha como
exemplo, de mãe, mas, principalmente, de pai. Marcos era esse homem, eu
não tinha a menor dúvida disso, ele era o meu amigo, o meu amante, meu
protetor, meu noivo, o homem da minha vida, e quem eu queria para ser o pai
dos meus futuros filhos, mas ele era também, recentemente, uma criatura
terrivelmente apressada que, parecia querer tudo para ontem: filhos,
casamento, outro lugar para morar, etc.
Sim, exatamente nessa ordem, pensei, suspirando.
Nesse momento, a porta do quarto foi aberta e Abigail surgiu,
parecendo radiante, inspecionando a todas nós com uma ar de aprovação.
Atrás dela, a moça responsável pelo cerimonial, nos aguardava também.
Chegou a hora.
— Meninas, e menino, claro, precisamos ir. Vocês estão lindas, todas
vocês, e você também, James, mas você... — Ela se aproximou de Malu e pôs
as mãos em seu rosto. — Você está esplendorosa, meu bem. Obrigada por
fazer do meu Teo um homem muito mais feliz.
Eu tinha certeza de que aquele tinha sido um clic perfeito, pensei, ao
ouvir o som, enxugando o cantinho dos olhos quando fizemos silêncio e as
duas se abraçaram apertado no meio do quarto.
Quando finalmente todas saímos, nos encaminhando para o jardim,
Abigail veio na minha direção, os olhos espertos brilhando e um sorriso
conhecedor.
— E você, Alice, está literalmente brilhando... — ela disse,
encaixando o braço na curva do meu e inclinando-se na minha direção e
falando baixinho, como se fosse me contar um segredo. Eu sorri. — Aliás,
tudo em você brilha, dos seus olhos a essa pedra linda que você tem no dedo.
Tudo bem, eu já sei que você decidiu ser discreta sobre isso e deixar para
comemorarmos depois do casamento da Malu... mas tenho que confessar que
estou quase dando pulos de ansiedade para me reunir com Amélia e começar
a providenciar tudo.
Assenti, suspirando de alegria, meus olhos disparando para a pedra
linda, enorme e faiscante que eu tinha no dedo. Para uma pessoa discreta
como eu, a adaptação não estava sendo exatamente fácil, mas a cada vez que
eu lembrava da emoção e da felicidade, do rosto de Marcos quando fez o
pedido, o meu amor e orgulho por aquele símbolo no meu dedo suplantava
qualquer coisa. Até o meu senso de discrição e timidez.
— Já fizeram prometer que faríamos uma comemoração adequada
quando Teo e Malu voltarem da lua de mel — confessei, mal cabendo em
mim de felicidade. Abigail me encarou e sorriu de volta.
— Maravilha, eu tenho muito o que planejar no casamento de vocês,
então, até que a minha Iza decida se casar. Você sabe, eu tenho um filho tão
impaciente e ansioso quanto eu, e detalhe, não é Diego... Aliás, pelo que
Marcos me disse, quer que se planeje uma festa que será lembrada por anos
nesta cidade. — Ela riu, deliciada.
Eu me encolhi com aquilo, mesmo achando graça.
— Abigail, Marcos está sendo exagerado, a senhora sabe como ele é.
Eu quero sim uma festa, casar-me na igreja, tudo como manda o figurino,
sempre sonhei com isso... — confessei, também dizendo baixinho como se
lhe contasse um segredo. — Mas não precisa ser algo tão suntuoso quanto o
ele está pensando. E ele está me deixando louca com isso.
— Ah, querida, você ainda não entendeu nada, não é? Quem está
pensando em algo absolutamente suntuoso sou eu, meu bem, e me demover
da ideia é mais difícil. — Ela deu um tapinha confortador no meu braço. —
Entenda a minha situação: Teo está casando aqui em casa, Diego vai casar na
nossa casa de praia, e apesar da inegável beleza e emoção desses casamentos,
eu estou maluca para um casamento com toda pompa e circunstância, com
você como uma noiva divina entrando em uma igreja, a marcha nupcial, o
meu bebezinho lá esperando sua noiva no altar... — Ela olhou para mim e já
parecia mesmo estar imaginando aquilo tudo. — Meu Deus, eu me tornei a
minha sogra e a minha mãe e nem percebi isso!
Eu ri, e ela riu de volta, encostando a cabeça na minha, continuando a
nossa caminhada para a cerimônia de Malu e Teo.
Era oficial: tudo o que você dizia quando ainda estava na infeliz
condição de um imbecil solteiro, egocêntrico e mulherengo, voltava para te
assombrar quando você se transformava em um homem de respeito e
apaixonado. E, claro, profundamente preocupado com os planos escusos da
sua noiva em relação a uma maldita despedida de solteira.
Não era justo. Nem um pouco justo comigo.
— Não sei por que você insiste nisso, Alice, pra quê? Isso nem é algo
que as pessoas ainda fazem, pelo amor de Deus — eu argumentei,
observando a esponja de banho macia e cheia de espuma deslizar pelo meu
peito, por entre os dedos delicados de Alice. Aquilo estava servindo para me
distrair, claro, e eu estava enormemente distraído, a julgar pelo meu pau ereto
e muito alerta, parecendo atento e ansioso, por sob a camada de espuma entre
as minhas pernas, dentro da banheira.
Alice, sentada de pernas abertas atrás de mim, envolvia essas mesmas
pernas em torno dos meus quadris, seus seios nus pressionados contra as
minha costas. Ela deslizava a espoja sobre o meu peito e ombros, em um
ritmo hipnotizante. Nós tínhamos acabado de fazer amor e então fomos para
banheira. Estava tudo ótimo, eu já estava plenamente recuperado
e pronto para a ação novamente, quando ela trouxera à tona aquela conversa
indesejável.
Na verdade, até um pouco broxante, se você observasse que meu
amigo ali embaixo pareceu ter ficado um pouquinho mais abatido com a
ideia.
— Bom, eu não estou insistindo — ela frisou, apertando a esponja e
derramando água no meu peito. — Só estou te contando que as meninas estão
dizendo que seria uma boa ideia se nós pensássemos em algo para fazer na
semana que vem. Só isso.
— Eu não gosto de despedida de solteiros — resmunguei. Pelo menos
não gosto mais, ora essa. Um homem não podia mais mudar de opinião nessa
merda de mundo, aliás?
— Não? Surpreendente isso.
— Eu não gosto da ideia da minha despedida de solteiro, Alice. Não
vejo mais graça nisso.
Ela parou um pouco e depois senti que ela estava rindo.
— Marcos, o que você acha que nós vamos fazer? Ir a Las Vegas,
entrar em uma limusine e varar a noite em um clube de strip-tease feminino?
Eu virei o corpo para encará-la, carrancudo.
— E isso, algum dia, esteve na pauta das conversas de vocês?
— Não... — Ela recomeçou o lento trabalho de passar a esponja em
mim, despreocupadamente. — Nós só estávamos pensando em algo bem
legal para manter a tradição, só as mulheres, claro, um dia em um hotel com
spa, uma praia, uma conversa à noite sob as estrelas, uma fogueira, você
sabe... como fizemos na despedida da Marisa.
Cruzei os braços sobre o peito, devagar.
— Ah, que interessante, como a despedida da Marisa naquele hotel
onde os massagistas do spa pareciam ter saído diretamente de um catálogo
de gogo boys, e que a boate do hotel também estava recebendo uma
despedida de solteiros? Com um monte de idiotas bêbados achando que
poderiam cruzar a festa deles com a de vocês? Essa despedida de solteira,
Alice?
— E tivemos alguma culpa disso? Aliás, vocês foram pra lá do nada,
como sempre, invadindo a nossa despedida, que coisa feia da parte de vocês
— ela disse com doçura, esfregando mais abaixo no meu abdômen. Fiquei
observando sua mão descer, deliciado, mas então lembrei do nosso tópico de
conversa e franzi a testa.
Lembrar dessa noite ainda me causava um surto de irritação. O que
estava acontecendo com os homens, afinal, tinham todos virado uns animais,
que viviam à caça das mulheres dos outros? E pior, com
mulheres grávidas no meio. Onde a porra do mundo iria parar?
— Você poderia fazer algo tipo... sei lá, um clube do livro, não seria
legal? Dê a cada uma delas um livro daqueles de duques devassos e mocinhas
tímidas que você tanto ama, e depois, vão discutir sobre as histórias, que tal?
Alice ficou em silêncio, parada, a mão sobre a minha barriga, então,
seu corpo foi sacudido por uma enorme gargalhada. Fiquei sério, sem achar a
menor graça, e esperei ela terminar de rir. Quando ela terminou, eu me virei
em um gesto rápido que a surpreendeu, segurando a sua perna. Ela me olhou
surpresa, linda, o cabelo cacheado amarrado para cima, totalmente nua sob
aquela água perfumada e macia. Seus seios pequenos e empinados estavam
visíveis, os mamilos duros e escuros, deliciosos. Eu estava mais cheio de
espuma do que ela, na verdade.
— O que foi, está debochando da minha sugestão por quê? Eu acho
que é uma ótima ideia — murmurei, e olhando para ela, enlacei o seu
calcanhar, beijando a lateral da sua perna, pouco acima do tornozelo. Alice
suspirou, ainda divertida.
— Ela é maravilhosa, mas isso não é uma despedida de solteira, está
mais para um clube do livro, e nem todas gostam de romances históricos
como eu, Marcos. Se você não quiser fazer nada, tudo bem, mas não venha
com as suas ideias doidas. — Ela riu, depois ficou mais séria quando eu virei
o seu pé na mão e lambi o seu dedo mindinho. Depois, o outro, e o próximo,
chupando com delicadeza e força, meus movimentos exatamente iguais aos
que eu faço com a língua quando sua boceta estava na minha boca:
deliciando-me.
Ela engoliu em seco, seu olhar acompanhando a trajetória da minha
língua e quando falou, sua voz estava mais baixa e lenta:
— A gente pode pensar em algo para fazermos juntos, todos nós, só
para manter a tradição de uma festinha para os noivos.
— Pode ser, amor, mas na verdade, detesto tradições — decidi, meu
pau duro e praticamente explodindo agora, ao subir um pouco mais os beijos
e lambidas pela sua perna, explorando com os lábios a sua panturrilha. Alice
manteve os olhos quase fechados, me observando, inclinando o corpo dentro
da banheira, quase ondulando.
— Detesta? Achei que você fosse um homem que gostasse
de manter as tradições. Já ouvi você dizer isso — ela teimou, e gemeu
quando eu lambi a parte de trás do seu joelho, aquela região tão sensível
erótica, pouco explorada pelos homens, de modo geral.
Ótimo, aliás, eu preferia manter esse tipo de sabedoria ancestral só
para mim. E para Alice, também, que se derretia inteira quando eu lambia a
parte de trás dos seus joelhos, o interior das suas coxas macias, quando eu
beijava, chupava e arranhava com a minha barba. Eu geralmente não estava
nem perto do meu banquete principal quando fazia isso, e ela já estava
perfeita e deliciosamente molhada... todas as vezes.
— Sabe o que eu gosto de verdade de manter? Você assim, aberta pra
mim, gemendo, doida pela minha língua... — rebati, a voz baixa, deslocando
os meus olhos para a sua barriga lisa e para os seus seios. Eu não podia ver
muito mais abaixo, por causa da espuma, mas o que eu imaginava já era o
suficiente para me incentivar.
Me aproximei mais e segurei sua coxa, mordendo de leve bem no
meio, na parte interna, e depois lambendo lentamente, mordendo, usando os
lábios para pressionar a região, a língua para formar círculos. Ela segurou na
borda da banheira, emitindo aquele tipo de gemido longo e quase doloroso,
como um choro, que me deixava quase louco, insanamente desesperado para
me afundar nela.
— Sabe o que eu amo mesmo? — perguntei, meus olhos nos dela,
próximo o bastante agora para continuar a lamber sua coxa e com a outra
mão, segurar um seio, escondendo-o inteiro na palma da minha mão,
apertando um mamilo escuro, circulando-o com o dedo até que ele estivesse
totalmente ereto.
— Hum? O quê?
— Eu amo me deliciar com cada pedacinho da sua pele, me lambuzar
inteiro com seu gosto. — Peguei-a pela cintura e a pus de pé, levantando-me
com ela, admirando seu corpo esguio, nu, molhado, escorregadio, coberto de
água e espuma. Uma visão do caralho, concluí, minha ereção quase dolorida
agora. Sentei-me na borda larga da banheira —graças a Deus por esses
modelos — e trouxe o corpo de Alice, lânguido, em expectativa para junto de
mim. Encostei-me na parede, as pernas ligeiramente abertas, e então segurei o
meu pau rígido pela base, manuseando-o em movimentos lentos e firmes de
subir e descer.
Meu olhar não se desviou do dela, enquanto eu me masturbava, a
respiração ofegante, marcando cada pedaço do corpo dela com o meu olhar
lento e decidido, sedento.
— Mas sabe o que eu amo mesmo, meu amor? Comer você como se
eu fosse um homem faminto, e você fosse a única refeição que me fizesse
sobreviver — murmurei, aumentando o ritmo dos meus movimentos
frenéticos, minha mão deslizando no meu pau duro e molhado.
Alice entreabriu os lábios, deu um suspiro trêmulo e me olhou como
se ela também quisesse me devorar, ainda que estivesse pensando em algo,
considerando, o olhar fixo nos meus movimentos. Mas ela não considerou o
que quer que fosse por muito tempo, graças a Deus, eu estava ficando
impaciente e mais duro ainda; Ela se aproximou e, para o perfeito
derretimento do meu cérebro, se inclinou sobre mim, seus joelhos de cada
lado das minhas coxas, sem deixar de me encarar. Aqueles olhos doces e a
expressão de desejo, era uma mistura explosiva. Ela sempre teria aquele
poder de me deixar assim, trêmulo e desesperado por ela.
Eu engoli um bolo de excitação e emoção na minha garganta, luxúria,
desejo, amor, misturados na forma em que eu segurei sua cintura com ambas
as mãos para apoiá-la. Na mesma hora, Alice segurou o meu pau, ela própria
deslizando seus dedos para cima e para baixo, os dedos me apertando um
pouco, como eu gostava que ela fizesse... eu soltei uma respiração sibilante
por entre os dentes cerrados.
— Caralho, assim, meu amor... isso...
E quando ela, decidida, ergueu o corpo esguio em um movimento
lento e torturante, deslizou para baixo sobre cada centímetro do meu pau
ereto, me engolindo inteiro, me deixando enterrar na sua boceta molhada e
quente... sem nenhuma maldita proteção da porra, eu inclinei a cabeça para
trás e quase rugi, apertando seus quadris e sentindo o seu aperto em torno de
mim.
Meio desvairado de tesão e do que aquilo significava, para mim, para
nós, segurei seu pescoço, beijando-a com ardor, nossos dentes batendo um no
outro e as nossas línguas encontrando-se, ansiosas. Chupei sua língua na
mesma medida em que ela levantava e depois descia, escorregadia, quente,
molhada, no meu pau. Segurei sua bunda, abrindo-a mais e lhe dando
impulso, enquanto ela cavalgava sobre mim, o pescoço jogado para trás, cada
vez mais rápido, mais forte, meus quadris batendo de encontro em suas
coxas.
Não era delicado, não era lento. Era meio desesperado, rápido e
intenso. Segurei seu seio na boca, lambendo e mordendo, mas os movimentos
delas frenéticos faziam com que ele escapasse dos meus lábios, e isso me
deixava alucinado, enquanto eu tentava segurar seus mamilos com os dentes.
Quando ela gemeu mais alto, apertando as coxas em torno de mim, as mãos
sobre os meus ombros, eu estendi a mão e friccionei seu clitóris rígido e
inchado, no mesmo ritmo rápido, forte, duro, das minhas estocadas dentro
dela. No mesmo ritmo acelerado, vertiginoso e enlouquecedor em que ela
subia e descia sobre mim.
E quando Alice gozou, gemendo e estremecendo, eu fui logo atrás,
um som rouco e quase selvagem rasgando a minha garganta enquanto eu
estremecia e jorrava dentro dela, enchendo-a totalmente, apertando sua
cintura e enterrando meus dedos em sua carne, para ter um mínimo de senso
de realidade.
Aquela noite foi perfeita em todos os sentidos, pensei depois, com
Alice dormindo sobre o meu peito, exausta. E no dia seguinte, não foi mais
preciso pensar em mais festas, despedidas de solteira e nem nada, já que Nik
resolveu vir ao mundo, deixando Teo quase louco e me deixando muito
satisfeito com o momento oportuno que esse guri tinha decidido entrar nas
nossas vidas. Ele teria a eterna gratidão do tio.
Senti algo macio, ao mesmo tempo áspero, deslizar pelo meu ombro.
Murmurei em meu estado semiconsciente, tentando dormir, então,
novamente, aquilo, aquela sensação insinuante, gostosa, agora um pouco
úmida, no meio das minhas costas nuas. Então, senti mãos se juntarem aos
lábios e sorri preguiçosamente.
Hummm.
Se existia alguma forma melhor no mundo inteirinho de acordar, do
que aquela, com Marcos, eu desconhecia. Duplamente maravilhosa: acordar
casada com o homem que eu amava, e que me amava com loucura, e sendo
habilmente beijada e acariciada antes do café da manhã.
A cerimônia do meu casamento foi, exatamente como Abigail previra,
e planejara, junto com a minha mãe, maravilhosa, mágica, suntuosa e
emocionante. Tudo parecia ter saído diretamente de um conto de fadas.
Daqueles cintilantes, românticos, que te fazia suspirar por horas. Por dias.
Meu Deus. Para sempre, eu fecharia os olhos e teria as lembranças de toda
aquela beleza, exuberância e luxo ao meu redor, mas principalmente, eu teria
as lembranças do que aquilo significava: uma união de duas vidas, através do
amor. De uma que sempre tinha acreditado no amor, e de outra que aprendera
a tê-lo na sua vida.
Tinha sido perfeito. E tão absurdamente caro que eu estremecia de
verdade a cada vez que sequer ouvia falar sobre isso. Marcos desviava do
assunto, mas eu sei que ele tinha desembolsado algo próximo da indecência
para praticamente "furar" a fila de espera para que a recepção pudesse ser
realizada no Salão Nobre do Copacabana Palace, depois da cerimônia na
igreja.
Na verdade, esse fora o único motivo que ele aceitara esperar "um
pouco mais" para nos casarmos, porque ele simplesmente não poderia mandar
cancelar o casamento de outras pessoas, para que o nosso fosse realizado
antes, certo?
Não poderia, mas isso não queria dizer que ele não quisesse, na
verdade.
Meus argumentos em contrário eram delicadamente descartados. Eu
nunca vi, na minha vida, um noivo que estivesse tão empenhado não apenas
em gastar, porque ele podia, mas em estar atento e preocupado com cada
detalhe, cada minúcia, para que o nosso casamento fosse lindo, especial,
memorável. E para que eu estivesse plenamente feliz e satisfeita.
E eu estava, mais do que um dia poderia imaginar.
Não precisaria de tanto, mas ele dizia que tinha feito uma promessa, e
era assim que iria ser. E no final eu estava feliz, realizada e deslumbrada
demais para reclamar. E toda vez que eu fazia isso, alguém — Abigail, seu
Otávio, Marcos e até o próprio Murilo, envolvido de formas que eu nem
queria realmente pensar quais, no que dizia respeito a dinheiro — pediam
para eu ficar quieta. Eu cansei, e então, passei só a apreciar e aproveitar. E
estava ficando tudo tão lindo que era impossível não se sentir a noiva mais
feliz do mundo.
Todos aqueles sonhos, alguns que eu nem sabia que tinha, estavam
ali, se realizando: um vestido volumoso, clássico, todo em renda com
motivos florais, pedras e tule, com mangas longas e corte reto, romântico e
delicado. O estilo era, na verdade, vitoriano, e isso me deixou com a
emocionante sensação de usar um desses vestidos dos meus livros amados.
Uma cauda longa, enorme e um véu de organza completavam tudo, com um
buquê de rosas brancas simples, escolhidas por mim.
Aquilo tudo era um sonho, decidi, quando entrei na igreja
acompanhada por Murilo.
Aquela não fora uma decisão tão difícil quanto eu pensei que seria.
Na verdade, tendo em vista a forma como tudo estava caminhando, eu
simplesmente não conseguiria entrar na igreja sem que ele, que estava agora
sempre por perto, estivesse comigo. Eu estava seguindo aquela lógica de
Marcos, ainda: pensando em mim. Ele merecia? Não sei. Mas me faria bem,
me faria feliz, ter o meu pai, depois de tudo que passamos, entrando comigo
na igreja no dia do meu casamento? Então, eu faria isso. Por mim.
Safira, Jade e João Pedro, absolutamente lindos, foram as nossas
daminhas e pajem, respectivamente. Foi um momento particularmente
emocionante, e enquanto a marcha nupcial ia tocando, enchendo o ambiente,
cada vez mais dramática, impressionante e linda, eu apenas vislumbrava, por
sob os dois véus, o de organza que cobria o meu rosto, e o de lágrimas, as
pessoas queridas ao meu redor.
Estavam todos lá: meus pais, os de Marcos, meus irmãos, juntos,
minhas melhores amigas, Janice, minha mais antiga e querida amiga, Iza,
Malu, Diana, Diego, Ricardo, Teo, até mesmo Celina e dona Paula, além de
colegas de trabalho... Era difícil distingui-los, mas eu sabia que todo mundo
que importava, que eu amava, estava ali, me vendo passar, me vendo
caminhar lenta e decididamente para o altar, para encontrar o amor da minha
vida, parado ali.
E ele estava lá, tão bonito que poderia ser considerado ilegal ser
assim, em um terno cinza claro de três peças, tão clássico quanto o meu
vestido, a flor na lapela combinando com o meu buquê. Tudo isso eu via
enquanto as lágrimas desciam lentamente, a cada passo que eu me
aproximava dele.
Quando a minha caminhada foi concluída, e eu cheguei perto de
Marcos, meu coração parecia prestes a explodir no meu peito. Um filme
estava passando na minha cabeça, desde a primeira vez que o vi, aquele
sorriso torto e cínico, a lembrança do seu instinto de proteção, da sua
confissão de amor, do seu pedido de casamento... e quando ele levantou o
meu véu e nossos olhos se encontraram, eu vi que ele estava nervoso, os
olhos marejados, a mandíbula apertada, e o seu olhar quente, amoroso, cheio
de promessas de vida e de amor, que ambos ainda estávamos dispostos a
cumprir.
Tínhamos uma vida inteira para isso, afinal.
— Minha fada — ele sussurrou, solenemente, seus lábios roçando a
minha testa, carinhosamente, e então, ele sorriu. E quando ele sorria, o meu
coração não resistia.
— MEU FILHO, TENTA relaxar, pelo amor de Deus, você vai
apenas descobrir se vocês terão um menino ou uma menina... imagino como
você estaria se estivesse nascendo... — A voz da minha mãe, familiar,
aconchegante e macia, bem como o seu toque na minha coxa, atravessaram
os meus pensamentos inquietos. Eu sei que aqueles gestos pretendiam me
acalmar, eu sabia, mas lá no fundo, eu também podia perceber a leve e
inequívoca nota de provocação em seu tom maternal. Não seria a minha mãe
se ela não me provocasse, isso era certo.
— Se estivesse nascendo, mãe, eu estaria desmaiado bem aqui agora.
— Eu não duvido nem um pouco — ela murmurou, um sorriso na sua
voz.
Continuei de olhos fechados, no entanto, a cabeça caída para trás na
poltrona acolchoada da sala de espera privada da clínica em que estávamos.
Lá dentro, Alice estava se preparando para o exame que nos diria, finalmente,
se teríamos um menino ou uma menina. A simples ideia fazia as minhas
entranhas revolverem-se de um modo que só se equiparava ao em que
confessei que a amava. Não, ao dia em que a pedi em casamento. Porra, não,
ao dia em que estava lá plantado e sufocante em um terno aguardando-a
entrar, no dia do nosso casamento.
Em comum, nas três ocasiões? Minha insegurança aflorada no último
nível, em relação a uma decisão da minha doce e amada Fada. Insegurança
que eu achava que fosse um sentimento fora do leque de sentimentos que eu
costumava ostentar. Ledo engano. Aqui fora, na elegante e exclusiva clínica
em que vínhamos desde que descobrimos a nossa gravidez, me faziam
companhia além da minha mãe, dona Amélia, sentada do outro lado. Elas me
pareciam calmas, confiantes, trocando informações entre si da época em que
engravidaram e como as coisas tinham mudado e... eu não sabia mais do
resto.
Estava praticamente gritando de ansiedade.
Engoli em seco, lembrando dos últimos meses, quando descobrimos
que sim, que Alice estava grávida, que nós teríamos o nosso bebê, que
finalmente eu poderia ser pai... Não que eu estivesse reclamando das
atividades das tentativas de literalmente enchê-la com as possibilidade de
deixa-la grávida, mas tinha que admitir que começava a ficar levemente
decepcionado quando, mês após o outro, ela não estava carregando o meu
filho. Ou filha. Decidimos esperar que Alice concluísse a sua graduação, que
desse prosseguimento nos planos da construção do Centro Educacional
Amélia, que consolidasse sua carreira como professora e iniciasse o curso de
gestão. Eu estava muito feliz que ela fizesse tudo isso, mas então Nik, filho
de Teo, nasceu, e não muito tempo depois Luís Felipe, de Diego, nasceu, e eu
comecei a me imaginar cada vez mais com um bebê como os meus sobrinhos
nos braços, em me imaginar — foda-se imaginar, eu comecei a ansiar
desesperadamente — por ser um pai, isso sim. E não apenas por isso.
Eu sempre fui apaixonado por crianças, mas não tinha real noção do
quanto realmente queria ter um filho com Alice, até que a possibilidade real
se apresentou. E quando, naquele dia fatídico e especial, ela saiu do banheiro
e me encontrou na sala, com a cabeça entre as mãos, eu estava
desenferrujando as minhas habilidades de falar diretamente com Deus e
implorando por uma resposta positiva. Então ela saiu segurando aquele teste
de gravidez, eu juro, juro que o meu coração parou algumas batidas. Alice
estava séria, olhando nos meus olhos, mas depois... sorriu, aquele sorriso
enorme, esplêndido, que me deixava estendido aos seus pés, que era capaz de
fazer o meu coração voltar à vida, e trazer a minha respiração de volta, como
fez naquele momento. Como naquele exato momento.
— É... parece que nós vamos ter um bebê, meu amor... — ela disse, e
eu me lembro de ter fechado os olhos e pensado “Obrigado, Deus!” antes de
dar um salto e segurá-la apertado, meu rosto enterrado em seu pescoço,
cheirando seus cabelos lindos e desordenados, como se ela fosse a minha vida
inteira, como se ela fosse a razão da minha felicidade.
Tudo que ela realmente era, aliás.
Eu ainda sentia um nó de emoção entalado na minha garganta e sentia
meus olhos marejarem quando lembrava da sensação de abraçar a minha
mulher levando o nosso filho em seu corpo. Então, desculpe-me se eu estava
aqui praticamente com as pernas bambas com a iminência de descobrir por
esse exame, se eu teria um menino ou menina. Podíamos ter feito isso antes,
por um simples exame de sangue, mas eu descobri recentemente que tinha
algumas tendências masoquistas, pelo visto, e resolvemos esperar esse exame
de imagem que diria se estava tudo realmente bem — claro que estava.
Claro. Que. Estava — para aproveitar e vermos o sexo do bebê.
— Ela não está demorando demais, hein? — eu questionei, surpreso
pela minha voz ter saído “normal”, quando tudo que eu queria era invadir
aquela sala e ter a certeza de que o nosso bebê estava maravilhosamente bem
e esperando para ser amado por seus pais. Por toda a nossa família. Sentei-me
em uma posição mais ereta e descansei os antebraços nas coxas, olhando na
direção da porta fechada à nossa frente.
— Eles já devem chamar você, um instante só — dona Amélia me
disse, lançando-me um olhar confortador. Ela estava sentada em silêncio,
quietinha, como sempre, mas tinha as mãos juntas, os dedos apertando uns
aos outros. Ela sorriu para mim, e eu sorri de volta, antes de abaixar a cabeça
e fechar os olhos novamente. Na mesma hora, a porta se abriu e uma
enfermeira alta e forte, com um sorriso alegre apareceu. Levantei-me na
mesma hora. Nos últimos meses, eu descobri que era como se eu tivesse
desenvolvido uma mola na bunda. Alice suspirava de um jeito diferente, e lá
estava eu em cima dela. Ela fazia uma careta — geralmente de azia ou algo
do tipo — e lá estava eu na mesma hora querendo saber se ela estava bem.
Talvez eu fosse um pouco preocupado demais, mas quem poderia me
culpar? Teo praticamente adoeceu com a gravidez de Malu e ninguém disse
nada. Bem, eu disse, debochei dele, na verdade, mas isso não vinha ao caso
agora, certo?
— Sr. Avellar de Barros? Você pode me acompanhar, por favor? Sua
esposa está pronta para o exame — a enfermeira estava dizendo, enquanto eu
já caminhava em sua direção. Parei antes de acompanhá-la para dentro e olhei
para as nossas mães, sentadas lá.
— Vai, meu filho, esse é um momento de vocês, assim que vocês
saírem nós vamos descobrir se temos uma netinha ou um netinho — mamãe
decidiu, suspirando. A mãe de Alice acenou em concordância.
— Estaremos aqui ansiosas. Vai lá, meu amor.
Eu engoli em seco. E fui. Não sei como passei por todos os
procedimentos típicos, meus olhos não conseguiam se desgrudar da minha
mulher ali, deitada e muito feliz, com aquela bata rosada descoberta
parcialmente e mostrando sua barriguinha arredondada, não muito mais que
isso em seu corpo pequeno, parecendo ansiosa, sim, mas tranquila ao mesmo
tempo, segurando a minha mão. A médica falava algumas coisas, algumas
brincadeiras, algumas informações que eu sabia que eram importantes, e
tentei ficar atento ao máximo, mas agora meus olhos estavam em partida de
ping-pong que tinha como alvo o rosto de Alice e a tela em que imagens
absurdamente nítidas e coloridas começavam a dançar diante dos meus olhos.
— Olha só o que temos aqui, hein papais? Quem diria? Por essa
barriguinha desse tamanho? — A incrível e paciente dra. Fátima sorriu
olhando para nós dois enquanto passava aquele troçinho com um gel na
barriga de Alice e também encarava a tela.
Acho que Alice percebeu primeiro o que estava acontecendo ali.
Claro que sim. Além de linda e inteligente, ela devia estar com todas as
faculdades mentais, cognitivas e cardíacas em dia, porque as minhas tinham
acabado de me abandonar, quando as implicações do que elas continuavam
falando começaram a fazer um download lento na minha alma.
Ah, Deus, parece que você me ouviu, não? E muito bem, pelo visto,
pensei, sufocado, inebriado, estupidamente atordoado, e acima de tudo,
emocionado, quando encarei uma Alice de olhos arregalados e lágrimas
brilhando em seus olhos verdes. Minhas pernas quase cederam, e eu acho que
talvez tenha me segurado, já que sua mão, que tinha presa sobre a minha me
apertou um pouco.
Acho que estava um pouco em choque. Um pouquinho, talvez.
Uma palavra que a médica tinha dito há poucos segundos estava
rodopiando feito um pedaço de sacola jogada no vento na rua: rodopiando
sem parar, enquanto eu mantinha meus olhos fixos nas formas nítidas e
coloridas naquela tela. Em duas formas lindas e perfeitas, juntinhas, rostinhos
colados.
— ... gêmeas... nitidamente... duas meninas, vejam só.... — a dra.
Fátima dizia, conversando com Alice e tentando me inserir na conversa, mas
até ela deve ter percebido que eu não estava em minhas perfeitas
competências motoras e intelectuais. Uma palavra rodopiando:
Gêmeas.
Gêmeas.
Eu... engoli em seco, só para testar a capacidade de fazer tal coisa...
seria pai de duas meninas: gêmeas, ainda por cima.
Gêmeas.
Acho que eu estava em choque. Era provável, a julgar pela forma
como Alice apertou a minha mão, um sorriso preocupado, e um vinco entre
as sobrancelhas.
— Meu amor, você está bem?
Eu estava? Bem? Não sei. Estava eufórico, meio alucinado, assustado
pra caralho, mas acima de tudo isso, feliz, uma felicidade quase asfixiante de
tão suprema, de tão intensa...
Lentamente, desviei a atenção da tela para o rosto desfocado dela,
porque, foda-se se eu não estava chorando, mais do que em todas as vezes em
que pensei que conseguiria me emocionar com aquela mulher que estava me
dando tudo de mais precioso na vida. Ela acabou de se superar: estava me
dando duas meninas, duas pessoas a quem amar desesperadamente, da
mesma forma que eu a amava. Minha voz foi para algum fodido lugar que eu
não podia adivinhar qual fosse, apenas os meus olhos, os nossos olhos
focados, úmidos, e felizes, fixos um no outro, agora, me ligavam à realidade.
Aquilo, e a imagem das minhas filhas naquela tela: as minhas meninas.
Juntas, unidas, como eu esperava que elas efetivamente fossem, e como eu
sabia que a nossa família seria. E aquela era uma promessa que eu pretendia
cumprir, todos os dias da minha vida.
TEO
SINOPSE:
Teo
Quando fez uma proposta ousada para Malu, e ela aceitou, Teo Stein
concluiu que era um cara de sorte. Ela era uma mulher linda, sensual, e que
sabia apreciar as vantagens de "uma noite e nada mais". Divorciado e com
uma filha adolescente, tudo que ele não queria era um relacionamento sério e
toda a complicação que eles traziam para a vida de um cara. Mas uma noite
de sexo alucinante com aquela mulher? Pode apostar que ele queria.
Malu
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DIEGO
SINOPSE:
Diego é um homem discreto que gosta de seguir regras. Tudo que ele
não quer são complicações... ou que as coisas saiam de um jeito diferente do
qual ele as estabeleceu para si próprio.
Quando encontra Diana, uma jovem que parece ter confusão e
indisciplina inscritas em cada parte do corpo, ele sabe que não deveria se
deixar levar. O problema para Diego é que às vezes a vida te empurra para
quebrar algumas regras, e os resultados podem ser bem catastróficos... ou te
trazer coisas maravilhosas que você nem sabia que queria, mas precisava.
Em uma única noite, suas vidas tomam um rumo inesperado, que irá liga-los
de uma maneira especial, para sempre, apesar das suas inegáveis diferenças.
Uma trama de sexo, escolhas, erros, perdão e amor.
Venha conhecer a história de Diego e Diana, o segundo livro da Série
Avassaladores.
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TINHA QUE SER VOCÊ: Abigail e Otávio (Spin-Off da
Série Avassaladores)
SINOPSE:
A jovem Abigail conhece apenas os limites de uma criação rígida e
de um ambiente familiar severo, e ousada como ela é, está disposta a (quase)
tudo para sentir o doce vento da liberdade soprar no seu rosto de vez em
quando...
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