2013 Marcelo Forte
2013 Marcelo Forte
2013 Marcelo Forte
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Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita
justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de
embargo.
RESUMO
This work discusses the possibilities of developing an artistic teaching by intercrossing art,
subjectivity, poetry and teaching during the student's initial formation in Visual Arts. The
research opened spaces to think through this formation that crosses and it's crossed by the
student’s stories and experiences in Visual Arts Class, and outside of it as well. For its
development, participated eight collaborators of Visual Arts Class from Federal University of
Goiás, two being professors from supervised internship and six graduates during their
internship period, in 2011. Discussions and points relative to the course, the instructor’s initial
formation, supervised internship, studio at university and points about school itself were all
present during this process. The investigation and reflection used interviews, research
notebooks and maps referring to the interviews content. From the placing and reverberation
that collaborators words provided, it became clear that this formation space it’s done not only
by the menus and curriculum structure that the course provides, but by the different interests
of each student in searching for determined situations both present and absent in their
formation process.
Eu queria pesquisar muitas coisas. A gente sempre tem curiosidades e às vezes essas
curiosidades insistem em nos cutucar. Dessas muitas curiosidades teve uma que começou a
me cercar. Ela não se deixou mostrar logo de cara, foi sutilmente transitando pelas
redondezas. Às vezes sussurrava palavras que muito rapidamente eu as recolhia e aceitava
para mim. Mas ainda assim não era ela.
Como esperar não era uma opção, segui procurando. E foi revisitando e andarilhando
por outras situações já vivenciadas que me dei conta de que quem me rondava era também
quem me construía. Eu estava tentando encontrar a docência-artística, aquela que também
já havia cruzado meu caminho durante minha graduação.
1 Sinto que todas as coisas do mundo encontram-se na esfera – termo muito apropriado
Trecho do poema O guardador de – da invenção. Por isso, os processos de ser docente e de ser artista também são maneiras
rebanhos de Alberto Caeiro. In:
PESSOA, Fernando. Antologia de se inventar e se reinventar na medida em que vamos nos apropriando da amálgama do
Poética. Porto Alegre: L & PM, 2012. mundo.
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“A dúvida é um estado de espírito polivalente. Pode significar o fim de uma fé, ou pode
significar o começo de uma outra” ressalta Flusser (1999, p. 17). No filme Dúvida2 dirigido por
John Patrick Shanley, como o próprio nome diz, a dúvida é instaurada durante toda a trama,
com fatos que podem ou não significar que o padre e também professor da Escola St.
Nicholas tem intimidades com um aluno além das aceitáveis pelos rigores da Igreja Católica.
As certezas da Irmã Aloysius promovem uma batalha para destituição e expulsão do padre
daquela paróquia e daquela escola.
determinado momento, podemos ter certeza – embora ter certeza seja algo duvidoso – de
que esse fim ainda está aberto a outras continuações.
Flusser (1999, p.18) pontua que “a dúvida pode ser, portanto, concebida como uma
procura de certeza que começa por destruir a certeza autêntica para produzir certeza
inautêntica”. Esse é o suspiro de alívio quando se chega ao final de uma investigação e se
percebe estar sem certezas absolutas, sem verdades que não possam ser questionadas.
Qual é o grau de paixão que se necessita ter com o problema, para que
aceitemos ficar, por um longo tempo, estudando e pensando sobre ele? Para
que aceitemos expor nossas produções, assumindo também os riscos de
suas/nossas fragilidades? (CORAZZA, 2007, p. 108-109)
Diante desse problema, que por sinal está diretamente relacionado com minhas
próprias experiências, estabeleço questões que me lançam à investigação, que me fazem e
me fizeram ao longo desse período percorrer o labirinto, abrir portas, escutar gritos e
sussurros, voltar por caminhos que não me levavam ao mesmo ponto e me desconsertavam
por me colocar diante de outras vias.
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Porém, aterrissar no centro-oeste não consistiu apenas em sentir calor, sentir a comida
apimentada queimar a língua ou ouvir um sotaque carregadin de gerúndios. Foi, em termos
de pesquisa, compreender que o meu lugar de fala não é universal e que quando mudo a
posição em que me encontro, outras perspectivas se abrem. Portanto, o que se segue a partir
daqui ficou organizado da seguinte maneira:
A partir daí, aprofundo o período em que estive inserido na UFSM, abordando o meu
trabalho artístico no ateliê de objeto e multimeios, bem como sobre minhas experiências
docentes durante o Estágio Supervisionado Obrigatório. Além disso, procuro chamar atenção
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aos entrecruzamentos que construí ao longo dessa formação e que se tornaram ponto de
interesse para essa investigação.
Com isso, vou ao longo da escrita, articulando outras falas de autores como Pereira
(2010), Corazza (2001; 2012), Deleuze e Guattari (1996), Deleuze (1988) Loponte (2005),
Almeida (2009) e Hall (2006), buscando ampliar as visões que se tem sobre esse campo e,
inclusive, apontando outras perspectivas próximas ao tema.
Sigo ainda nessa parte do trabalho, explorando a formação inicial docente e discutindo
acerca do Estágio Supervisionado Obrigatório, que para mim, é o ponto crucial onde o
acadêmico tem em mãos a possibilidade de entrecruzar seus fazeres artísticos com seus
fazeres docentes. Dessa forma, busco dialogar com autores como Hernández (2005),
Pimenta e Lima (2011), Guimarães (2008), Oliveira (2005), Filho (2011), entre outros.
A partir do material produzido nessa etapa, elenquei três motes de discussão, a saber:
Artes visuais para quem será professor de artes visuais – texto que trata da formação e
das posturas presentes no curso de Licenciatura em Artes Visuais da FAV. Ateliê ou o quê?
– questões acerca do ateliê em um aspecto geral e dos ateliês na universidade. Escola? –
Presente. – apontamentos sobre a escola, suas práticas e o espaço reservado para as artes
visuais.
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A escrita desse texto segue um padrão de gênero masculino, por um único motivo: a
dificuldade em utilizar as soluções que outros autores utilizam, como por exemplo,
professor(a), professores/as, professor@s. Tenho ciência de que os termos masculinos
carregam um histórico de dominação, de superioridade do homem com relação à mulher. Não
é minha intenção reforçar essas posições, principalmente porque sempre as questionei.
Portanto, espero que quando estiver lendo meu texto, caro/a leitor/a, compreenda que
não utilizarei / (barra), ( ) (parêntesis) ou @ (arroba) por uma questão estética e que escolher
o gênero masculino em vez do feminino para abranger todos(as) os(as) sujeitos(as) está
relacionado à gramática portuguesa e não a um posicionamento machista.
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Nasci no inverno do Rio Grande do Sul. Um baita frio. Minha mãe fez xales,
sapatinhos, calças e blusões de tricô (figura 1). E continuou fazendo ao longo dos anos da
minha infância. Ela também bordava algumas blusas com desenhos retirados de revistas. Era
incrível ver a imagem se formando a cada lance da agulha. Assim como era incrível ver minha
mãe e minha avó materna crochetando. Tanta habilidade em formar longas carreiras, que no
fim virariam cortinas, toalhas de mesa ou tapetes. Minha avó até me ensinou a fazer um
ponto básico.
Figura 1. Eu com dois anos de idade, vestindo um blusão feito pela minha mãe.
Fonte: Arquivo pessoal
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Entre as brincadeiras, que eram basicamente com meus primos, estavam expedições
sobre balsas em pantanais, coleta de lixo, escolinha, escritório, viagens intergalácticas, pega-
pega, esconde-esconde, amarelinha e casinha. Brincava de casinha com minha prima e
minha irmã, só não podia brincar com a boneca que sempre estava presente, só a mamãe ou
a irmãzinha, no caso as meninas que participavam da brincadeira, é que poderiam embalar,
trocar fralda e dar mamadeira. Ficava subentendido que tínhamos papéis marcados a cumprir
e que não poderíamos desviá-los.
Esses objetos eram provocativos não só ao olhar, mas também ao tato. Construía-os
de tal forma que conduzissem o público a uma maior aproximação e à manipulação deles.
Nos meus projetos essa intenção sempre esteve presente. Segundo Carvalho (2005)
essas questões sobre o envolvimento obra/público foram categorizadas por Helio Oiticica,
artista brasileiro, em dois tipos de participação, em que uma de ordem “sensorial corporal”
determinaria um envolvimento do público através de seu deslocamento no espaço, bem como
manipulando o objeto, e a outra, “participação semântica” estaria relacionada à compreensão
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das questões estéticas e artísticas da obra. Carvalho completa que ambas se entrecruzam, e
que mesmo o artista que deseja a manipulação de seu objeto também deseja essa
participação semântica.
Situo a partir daqui alguns momentos que tiveram relevância no meu processo de
formação docente e artístico, e que contribuíram como dispositivo para esta investigação,
para que eu pudesse pensar em uma possível formação docente-artística.
Meus anseios artísticos sempre estiveram enredados por imagens dúbias, por uma
relação de desconfiança e talvez até de desafio sobre aquilo que é convencionalmente
aceitável na sociedade. O menino que era quietinho, chamado de santinho na escola e que
sabia que não era nada disso, estava agora produzindo objetos fofinhos, coloridos, apelativos
ao toque e à manipulação, mas que partiam de representações de órgãos sexuais e de
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relações sexuais, sem que isso fosse explícito. As diversas interpretações que surgiam das
pessoas a partir do contato com os objetos me instigavam a continuar produzindo. No
trabalho ‘Maldita_cuidado que ela morde’ (figura 2), por exemplo, algumas pessoas diziam ser
um olho, outras um peixe ou uma vagina, e ainda uma amiga disse ser a boca de uma mulher
fofoqueira onde a palavra ‘maldita’ bordada no centro do objeto referia-se a essa boca.
Outro trabalho, intitulado “Prazer” (figura 3), possibilita que as pessoas façam encaixes
ou penetrações entre os objetos. São dezesseis objetos com fendas, buracos ou apêndices
que podem ser conectados. O público pode decidir qual será a configuração entre eles. Um
25
processo de mudanças constantes, visto que cada um faz as conexões que lhe agradar mais.
E mesmo quando não as faz modifica a si próprio desde o contato visual com a instalação.
Raimundo Martins (2009, p. 100) pontua que os deslocamentos das posições do autor,
“abrem perspectivas para abordar a relação imagem-intérprete ou obra-intérprete alertando-
nos para o fato de que a compreensão da imagem depende de circunstâncias comunicativas”
entre aquele que vê, a imagem e o contexto.
separam aquilo que consideram adequado, acrescentam novos modos, adaptando-se aos
contextos nos quais se encontram”.
O que quero evidenciar aqui é que essa sugestão da professora gerou um conflito e ao
mesmo tempo um processo de experimentações, inquietações, planejamentos e pesquisas
para que pudesse decidir afinal como e com o que gostaria de trabalhar em sala de aula. O
que eu poderia levar do meu trabalho artístico, contaminado pelas minhas subjetividades e
experiências para um contexto de sala de aula no qual teria que necessariamente
compartilhar com outras pessoas, que nesse caso seriam os alunos?
Para isso, busquei através dos cinco sentidos, aproximações com produções artísticas
contemporâneas e que envolvessem outras possibilidades além da visão, desenvolvendo em
sala de aula atividades que explorassem o tato, o paladar, o olfato e a audição.
A primeira turma era composta por alunas do Curso Normal, ou Magistério. Esse curso,
em nível médio, habilita professores e professoras a dar aula na educação infantil e nas
quatro primeiras séries da educação básica.4
Como tinha três semestres de estágio em sala de aula para cumprir, ao finalizar o
primeiro fiz algumas considerações sobre o que havia desenvolvido com a turma, eliminando
algumas ideias relacionadas principalmente com os cinco sentidos. Eu gostava dessa
temática, pois dentro das artes visuais poderia passar por diversos períodos e explorar outras
questões presentes na arte contemporânea.
Porém, senti que estava limitando as aulas, pois em cada uma, trabalhava com apenas
um dos sentidos, enfocando todo o conteúdo a partir dele, seguindo à risca o plano de aula.
Assim, eu apresentava artistas que poderiam estar relacionados ao tema e sugeria um
trabalho para que as alunas desenvolvessem, também fazendo referência ao sentido
escolhido.
Para um segundo momento, em uma escola diferente e com alunos do ensino médio,
procurei reformular minhas práticas. Como tínhamos em média oito aulas para cumprir em
cada semestre, fazíamos antes do estágio iniciar, todos os planos de aula.
Nesse semestre fiz apenas três e procurei perceber o que a turma de alunos solicitava
a partir das minhas proposições, o que era rejeitado, bem recebido, que gerava ou não
discussões e produções em aula. Determinei alguns pontos-chave, e fui construindo as partes
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Busquei unir as minhas ideias com o que a professora já estava trabalhando com os
alunos, para não iniciar de forma abrupta. Como eles estavam estudando os acontecimentos
da semana de arte moderna de 1922 e produzindo trabalhos a partir disso, pensei em
levantar tópicos referentes ao evento da época buscando associar com situações presentes
no contato com a arte contemporânea.
A semana de arte moderna de 1922 foi uma semana de eventos artísticos que se
caracterizou como um manifesto à arte vigente no país (AMARAL, 1998). Muitas produções
chocaram o público, levantaram polêmicas, e foi a partir daí que estabeleci um paralelo com a
arte contemporânea, para então entrecruzá-los e possibilitar uma discussão com os alunos.
Levei também apontamentos sobre o dadaísmo, movimento artístico moderno que tem
como referência o ano de 1916, e que rompeu com alguns ideais artísticos daquele período,
muito em decorrência do momento histórico que estavam vivendo, no período entre guerras.
Esses dois acontecimentos da arte, um na Europa e outro no Brasil possibilitava discutir com
32
Para o último semestre de estágio me sentia mais preparado e agrupei o que havia
trabalhado no primeiro e no segundo semestre para discutir os diferentes modos de ver, de
interpretar determinados objetos, artefatos e imagens em geral. Partindo da ideia de Berger
(1999, p. 10) de que “a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo
que acreditamos” desenvolvi atividades atentando ao fato de que “nunca olhamos para uma
5
coisa apenas. Estamos sempre olhando para a relação entre as coisas e nós mesmos” (1999,
Disponível em http://mantraman.
wordpress.com/2009/08/14/para- p.11).
fazer-um-poema-dadaista-tristan-
tzara/ acessado em 28/02/2013
Assim, exploramos nossos sentidos e a maneira como nos envolvemos com
determinados objetos e, além disso, os sentidos que damos a eles. Estivemos em contato
33
com materiais apelativos ao toque, ao cheiro e à visão para desenvolver textos que seriam
mais tarde interpretados e representados através do desenho por outros colegas, para então
trabalhar com fotografias e colagens.
Tomando a ideia de Pereira da vida como obra de arte, que percursos metodológicos
escolhemos para o seu desenvolvimento? Como selecionamos os materiais? Quais
linguagens se adaptam melhor? Em que espaço ou superfície queremos colocá-la? Essas
são algumas inquietações que perpassam o ato de viver, construído dia após dia.
Trata-se de tomar a poética que prioritariamente está para as artes e lançar-lhe para a
docência, tramando, conectando, intersectando uma instância à outra. Assim teríamos alguns
termos como artista-professor, professor-artista, professor-artístico, professor-poético, etc.
Escolhi para esse trabalho utilizar as expressões professor-artista e docência-artística.
Nesse caminho e ainda, buscando a partir de Deleuze e Guattari, cheguei até o termo
desterritorialização, que para mim, tornou-se cada vez mais instigante e adequado para essa
ideia de um campo que abarca dois territórios distintos.
Não quero dizer com isso, que o artista-professor não possa trilhar um caminho
parecido com o do professor-artista, mas entendo que o segundo atende aos meus anseios
de pesquisa, já relatados anteriormente, no que diz respeito às práticas desenvolvidas pelo
acadêmico em formação e pelo profissional na área de atuação.
Um professor-artista também pode ser aquele que encara duas profissões, a de artista
e a de professor, mas também pode ser aquele que produz subjetividades no envolvimento
com práticas artísticas sem que necessariamente elas recebam o nome de arte, que de
alguma forma contaminem outros espaços desse professor-artista, espaços da sala de aula,
que se incorporem aos seus planejamentos e às suas atividades enquanto professores.
41
Pessi (2002, p. 27) ressalta que “a maneira como cada um de nós ensina está
diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino”.
Aquilo que está presente em nosso cotidiano em determinado espaço reverbera sobre outro,
e sobre outro, e assim por diante, tornando nossas experiências e a maneira com que
atuamos, contaminadas, impuras, enriquecidas por outras situações.
Esses atravessamentos permitem que cada aula seja uma aula e não a aula-modelo, a
aula-tradicional ou a aula-conceitual. Uma aula que formule alternativas outras para pensar,
que desconstrua o senso comum e que problematize com o aluno quais outros pontos de
vista são possíveis em determinadas situações.
É, portanto, uma postura docente-artística que se faz presente no ser professor, que
estimule “outros modos de ver e ser visto, dizer e ser dito, representar e ser representado”
(CORAZZA, 2001, p. 03).
A autora sugere esse termo como forma de reinvenção das práticas escolares, mas,
sobretudo, as práticas das próprias professoras6envolvidas nesse processo, a fim de escapar
de modelos prontos e tão enrijecidos no âmbito escolar. É um “modo de ser docente que seja
ele mesmo mais artista” ( 2005, p. 73). Há nessa afirmação, uma proposição de trazer para o
campo docente o próprio processo do artista que desenha, apaga, desenha novamente,
sobrepõe materiais, inquieta-se com os resultados e tenta novamente.
6
A pesquisa foi realizada com um grupo de
professoras da Universidade de Santa Born (2012) em sua pesquisa de mestrado buscou pelas relações entre arte e
Cruz do Sul.
docência a partir de um grupo de professoras artistas pertencentes ao Ponto de Fuga –
7
Coletivo em Arte. Em seu trabalho ela relata sobre a formação em Licenciatura em Artes
Conforme Born, em 2011 acabou o convênio
entre Fundarte e Uergs, sendo que a Fun- Visuais da FUNDARTE/UERGS,7 que privilegia uma formação artística e docente ao longo do
darte não possui mais gerência administra-
tiva e pedagógica sobre os cursos. Há um curso.
termo de cessão de uso do espaço e da
estrutura para a Uergs.
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Para Born, o professor artista, é alguém que possui uma produção artística e uma
produção docente, e que se propõe levar para a docência suas próprias experiências em
artes visuais, seja a partir das linguagens trabalhadas, da materialidade ou mesmo de um
conceito disparador que possibilite adentrar em outras questões com os alunos.
Em Almeida (2009) é possível encontrar uma outra perspectiva que por sua vez é
acompanhada de outra nomenclatura, a do artista-professor. A pesquisadora entrevistou 27
artistas-professores, dentre estes, 25 com experiência no ensino superior, a fim de conhecer
o que eles pensavam acerca da educação e das artes visuais e de como suas profissões
amarram essas questões.
De certa forma não é um julgamento errado, é apenas um mau julgamento, uma forma
reduzida de ver essas duas instâncias. São características que não se resumem a elas
mesmas, pois cada ser humano possui características diferentes que independem da
profissão que escolhem. São identidades em construção permanente. Hall trata essa questão
como um processo em andamento.
Costurar, amarrar, emendar todas essas interrogações para que se produza uma
afirmação de como se constrói uma docência-artística, é possível? Se tudo é construção,
acredito que podemos temporariamente nos apropriar dessas indagações e trazê-las
enquanto meios de pensar uma formação que docente, também se faz artística.
48
2.1. Construindo-indo
Os processos artísticos que venho enfatizando desde o princípio para essa proposição
de docência-artística, não se resumem às linguagens artísticas tal como a pintura, a escultura
ou a performance. Aqui, para esse momento, busco tratar de situações
artísticas/poéticas/subjetivas (não necessariamente nessa ordem), que se manifestem a partir
dos sujeitos ou a partir da natureza, do cotidiano, de situações que provoquem em nós,
experiências afetivas, sensações que nos envolvam e que nos façam refletir.
Nas últimas décadas, tornaram-se cada vez mais comuns projetos, programas
e propostas que buscam estabelecer correlações entre pesquisa científica e
práticas artísticas, num esforço quase sempre profícuo de aproximações entre
os modos de conhecer dos procedimentos científicos e das práticas artísticas.
Resultam, então, metodologias diversas de pesquisa, orientações
epistemológicas, concepções do ato de conhecer, cujos pontos de vista
tendem a uma natureza híbrida, capaz de lidar com rigor e liberdade na
criação, experiência estética e artística, e conhecimento. (MARTINS et al.
2011, p. 226/227)
Há ainda quem considere que o ser professor é alguém imbuído de conteúdos que
chega na sala, pede silêncio, escreve no quadro, dita exercícios para que os alunos
apreendam, aprendam e executem. Mas, as diferentes mudanças que aconteceram no Brasil
desde então, e as transformações que vem acontecendo dia-a-dia afetam de alguma maneira
os vários campos, seja da política, da economia, da ciência ou da educação.
No meu caso, disciplinas tais como pedagogia da educação e arte, arte na infância e
adolescência e estágio supervisionado tiveram esse caráter. Então, repensar nossas posturas
é algo que ao iniciar o curso, já começa a ser operado. E mesmo sem que percebamos,
vamos nos modificando a cada disciplina, no convívio com diferentes professores, colegas,
espaços, e continuamos sempre, ao longo da vida, em mudanças, sejam elas de que ordem
for.
51
Mas como é a receptividade por parte dos acadêmicos com relação a essas
disciplinas? Como suas preferências são negociadas quando consideram um caminho em
detrimento do outro? Ou então, de que forma transitam entre a história da arte, seus
significados e suas teorias e as disciplinas que apontam a relevância de se pensar o aluno, a
sociedade, as possíveis interpretações que cada um opera em contato com produções
artísticas? Como compreender diferentes deslocamentos nas concepções da construção
docente?
Buscar uma formação docente em artes visuais também significa compreender nossas
sensibilidades e subjetividades. Lopes e Rodrigues (2005, p. 216) pontuam que há um
“imaginário coletivo de que o acadêmico já ingressa no curso possuindo uma sensibilidade
aguçada, uma percepção mais concentrada e uma leitura de mundo mais ampliada e aberta
que os acadêmicos dos outros cursos da universidade”.
Mas essa aura que se cria a respeito desses acadêmicos, e que muitas vezes é
reiterada por eles, faz com que se sintam diferentes, e muito provavelmente, melhores que os
outros. E pensando que a sensibilidade não é um privilégio do nosso campo de
conhecimento, de que maneira podemos desenvolver e entender os processos que nos
tornam sensíveis às coisas, às pessoas, ao mundo?
Hernández (2005, p. 29) enfatiza que “ser docente, pai e mãe não são realidades
essenciais, senão sociais, discursivas, e como tais, modificáveis, produto de cada época e
contexto”. E no que diz respeito a essa identidade que se configura e se conforma no
decorrer do curso, ainda é possível falar a partir de Hall (2006) que durante muito tempo as
identidades foram encaradas como fixas, e os sujeitos unificados, mas essas identidades vêm
passando por um processo de transformação, fazendo assim surgir identidades
fragmentadas, em constantes mudanças.
Isso quer dizer que os sujeitos estabelecem sua identidade através de uma
série de relações e identificações com o entorno e com os outros. Relações
que tem a ver com seus desejos, fantasias e fantasmas pessoais e coletivos,
53
Mas quando é que o acadêmico compreende que sua inserção em sala de aula não é
somente uma prática, um treinamento para ser professor, mas que é antes de tudo um
momento de pesquisa? E o que entra em jogo nessa pesquisa? São os conteúdos, a
recepção dos alunos, o comportamento deles, a escola, o corpo docente, a direção, os
recursos disponíveis, ou mesmo o modo com que o acadêmico se vê enquanto docente?
É um duplo processo como afirmam Pimenta e Lima (2011, p. 68), no sentido de que o
acadêmico reelabora seus saberes constantemente através de suas práticas, se
autoformando, bem como, dá formas ao espaço em que atua, no contexto escolar.
O que é adquirido durante a formação dentro dos conteúdos oficiais sofre diversas
interferências que acentuam as práticas escolares dos acadêmicos em período de estágio.
Lampert (2005, p. 150) ressalta ainda que durante o estágio não devemos apenas
desenvolver ações voltadas a uma experiência do fazer artístico, mas sim, atrelá-las a
propostas pedagógicas, no intuito de produzir um diálogo entre escola, sociedade e a
universidade, além de propor uma reflexão crítica acerca do conhecimento construído,
propiciando práticas abertas e dinâmicas, que abarquem diversas áreas do saber.
A autora sugere então que as aulas desenvolvidas durante o estágio não se pautem
apenas em realizações de atividades artísticas como desenhar, colar, pintar, etc. Mas que se
proponha um olhar ampliado do professor em formação, para que faça desse momento de
estágio, um momento também de investigação, percebendo as reverberações que suas
proposições em sala de aula provocam.
Esse exercício permanente também diz respeito aos diversos contextos existentes em
nosso campo de atuação. “Considerar que a sociedade é plural, no sentido da pluralidade de
saberes, mas também desigual, no sentido das desigualdades sociais, econômicas, culturais
e políticas” (CONTRERAS apud PIMENTA e LIMA, 2011, p. 53) é outro ponto de análise para
o professor em formação que se encontra no período de estágio. Cada turma de alunos,
mesmo que pertencentes à mesma escola, possui características, modos de se relacionar e
interagir diferentes de outras.
Mas qual o tempo necessário para essa pesquisa no estágio? Será que o tempo que
as universidades designam para os acadêmicos estagiarem é suficiente? Há possibilidades
de se conhecer a escola, os alunos e ainda compreender seus processos e suas práticas
58
E que outras questões a formação inicial de professores em artes visuais pode suscitar
além das que levantei a partir de minhas próprias experiências? A proposição de uma
formação docente-artística se manifesta nesse espaço e nesses indivíduos que o povoam?
Que contribuições os colaboradores podem trazer para essa investigação?
60
ação pedagógica além de ser um momento de prática do professor em formação inicial, visa
contribuir para o campo em que está em contato durante esse período, propiciando maiores
relações escola/comunidade, explorando espaços para exposições dos trabalhos dos alunos
e de outros artistas, produzindo material didático e desenvolvendo recursos tecnológicos para
a escola.
professor que está atuando na disciplina, o que vim a constatar também no artigo Bairro,
Escola, Universidade uma experiência interdisciplinar na Licenciatura de Artes Visuais da
UFG, das professoras Leda Maria de Barros Guimarães, Maria Elízia Borges e Ana Rita
Vidica que relatam suas experiências com alunos do Estágio Supervisionado IV no ano de
2005.
Também, durante entrevista com o professor Marcos Soares, que além de professor do
estágio III era coordenador do curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade
presencial em 2011, fui percebendo alguns aspectos das disciplinas de Estágio
64
Conversei também com a professora Noeli Batista, que era responsável pelos grupos
do Estágio Supervisionado Obrigatório IV e V (2011) juntamente com a professora Alice
Martins. Ela explicou que nesse ano eles passaram a ter encontros presenciais e à distância,
através da plataforma moodle, para contar as experiências que cada um teve na escola
durante o Estágio Supervisionado Obrigatório IV a fim de pensar possibilidades de mudanças,
rever caminhos e apontar pontos positivos sobre aquilo que já haviam produzido.
Penso então, que as mudanças que vão acontecendo na estrutura dos estágios são
para melhor comportar as novas situações que vão surgindo, seja no campo de estágio ou na
universidade, com os diferentes professores que assumem as disciplinas.
Durante esse período de imersão na FAV, também assisti algumas aulas da disciplina
de Estágio Supervisionado V, das professoras Alice Martins e Noeli Batista, em que foi
possível falar sobre a pesquisa e convidar alunos que estivessem interessados em participar
dela como colaboradores.
Conversei aproximadamente uma hora com cada colaborador, porém, não estabeleci
um roteiro de perguntas que pudesse ser repetido a cada entrevista. Dei início à conversa
abordando questões e partindo de interesses diferentes com cada um, mas que perpassavam
em algum momento aquilo que havia sido conversado com os outros. Em todas as entrevistas
fiz uso de um gravador de voz, com a prévia permissão dos entrevistados.
Além disso,
<reunimos las experiencias de otras personas porque nos permite ser más
experimentados.> Nos interesan las experiencias concretas de tal niño, tal
adolescente o tal adulto, porque nos permitirán ser <in-formados>, moldeados
o enriquecidos por esta experiencia […] (MANEN, 2003, p. 80)
É, segundo Lewgoy e Arruda (2004, p.124) uma “ponte que estabelece diversas
conexões” sobre a temática em questão. Permite que façamos intervalos entre um mesmo
assunto e retomemos em espaços diferentes, com outras questões.
“Tanto escrever sobre o que fazemos como ler sobre o que fizemos nos permite
alcançar uma certa distância da ação e ver as coisas e a nós mesmos em perspectiva”
(ZABALZA, 2004, p. 136). Ouvir as entrevistas ou ler suas transcrições são ações que estão
em outra esfera quando tenho os escritos do caderno em minha frente. Certamente as
entrevistas estão mais completas, mas ali no papel concentram-se apontamentos, as notas
de rodapé, os balões e sinalizações a respeito de determinado ponto.
69
Deleuze e Guattari (1995, p. 21) pontuam que o mapa “contribui para a conexão dos
campos, para o desbloqueio dos corpos sem órgãos, para sua abertura máxima sobre um
plano de consistência.” Permite-me visualizar os diversos espaços pertencentes à pesquisa
em um único plano e transformar esse plano em outras possíveis dimensões.
Os mapas auxiliam-me nas reflexões e na escrita dos diversos tópicos presentes neles.
Disparam conexões entre espaços antes não habitados, revelam esquemas e trajetos
possíveis, que vão dando rumos à pesquisa, acrescentando ideias e abrindo pontos-porvir.
70
Não queria desconjuntar nem a mim e nem o meu trabalho, queria apenas encontrar
nas entrevistas aquilo que eu esperava, almejava. Mas foi preciso forçar, torcer, quebrar para
poder encontrar nos estilhaços pedaços de ideias que estavam ali e que na superfície plana
não as enxergava. Foi necessário que as lascas e os farelos me apontassem direções, que
se reformulassem em novos mapas.
Passei a desviar o olhar para as margens, para os assuntos que não estavam em
evidência num primeiro momento. Assim, com as transcrições de todas as entrevistas em
mãos, dos professores e dos acadêmicos, busquei abranger outros pontos, alguns que
estiveram presentes nas falas de mais de um colaborador, outros provocativos de reflexão
72
Fui então traçando um esquema das colocações dos colaboradores e de que forma
elas se cruzavam, se repetiam, se sobrepunham, na tentativa de “recobrar o entusiasmo
diante de uma ideia, de um fiapo de pensamento” (PRECIOSA, 2010, P. 59).
73
74
Com esse novo esquema (figura 9) pude perceber como as questões vinham
sendo tratadas pelos colaboradores, com pontos de vista diferentes a respeito do mesmo
assunto, e pude principalmente, refletir sobre alguns tópicos que poderiam ou não adentrar às
discussões da pesquisa.
Precisei retornar às entrevistas e dar maior atenção a esses tópicos que estavam em
evidência, além de tentar buscar pelos sussurros ou por aquilo que em alguns instantes faltou
ser dito, mas que estava à espreita. Analisando, ponderando e assinalando essas falas,
produzi um novo mapa e dessa vez, determinante para que pudesse encontrar a escrita que
tanto esperava.
75
76
Anotei as principais colocações e fiz ligações entre as que poderiam estar contidas
dentro de um assunto geral. A fim de organização e para facilitar minhas buscas pelas falas
dos colaboradores dei para cada entrevista uma letra (de A a H) agregando-as em cada
tópico que estivera presente nas entrevistas. Algumas marcações em cores também serviram
para me guiar durante a escrita.
Dessa forma, elaborei três textos a partir do mapa #4 um que trata de posicionamentos
a respeito da formação que se dá ao acadêmico de Licenciatura em Artes Visuais, outro
acerca de ateliês e de como eles se configuram nas universidades e o terceiro sobre a
escola, ponto também discutido pelos colaboradores.
77
O que é ser professor de artes visuais? Como é a formação desse professor? Que
disciplinas devem contemplar essa formação? Que assuntos? Que práticas? Há vários pontos
de vista que podem ser trazidos para essa discussão. No entanto, partirei dos recortes que fiz
das entrevistas do Professor Marcos e da Professora Noeli, acima citados, apontando duas
perspectivas a respeito da formação de professores de artes visuais. A primeira se refere a
uma formação predominantemente docente, com foco voltado para questões pedagógicas, da
educação das artes visuais. A segunda trata de uma formação que contemple a docência e a
produção artística/poética/subjetiva do acadêmico de maneira que possam se entrecruzar.
O Professor Marcos também enfatiza que o acadêmico deve estar preparado para as
diversas situações da sala de aula, “eles tem que aprender as técnicas, eles tem que
aprender aquilo que é básico para eles ensinarem na escola”, mas completa que isso não é
suficiente, pois devem trabalhar de forma criativa com as diversas técnicas e materiais
disponíveis. Insuficiência também apontada pelos colaboradores que reclamam não só da
falta de técnicas como também a falta de uma reflexão poética acerca do que produzem em
ateliê.
David relata que nas aulas de pintura os materiais solicitados eram papel kraft e
corantes líquidos. Os alunos não podiam escolher trabalhar com outro material, como tinta
óleo, acrílica, tela, madeira, etc. E ainda pontua que a professora falava “que o objetivo da
disciplina não é que você aprenda técnica, [...] é que você construa uma poética [...]”. Mas ele
rebate dizendo que essa construção poética também não acontece.
Que sentido tem você ir para o ateliê de pintura? Você ficar um semestre lá [...]
num lugar onde você não vai aprender técnica, onde você não vai aprender a
conceitualizar a pintura, onde você não vai conhecer sobre, não vai construir
um repertório visual a respeito da pintura. (entrevista David, grifos meus).
79
Mas o que realmente esses acadêmicos esperam aprender? Todos falam em questões
subjetivas, em aprofundar suas produções poéticas, no entanto, frequentemente abordam a
necessidade do ensino de técnicas. Em que pesa essa necessidade diante da proposição de
uma formação que entrecruze arte e docência?
Assim como uma professora que tive durante a graduação (2006-2010), Noeli também
pensou que os alunos poderiam “levar para sala de aula, um pouco do universo que eles têm
proximidade”, ou seja, daquilo que eles gostam de produzir, mesmo que desvinculados dos
ateliês da universidade. Essa alternativa, segundo ela, poderia abrandar as tensões das
primeiras inserções desses acadêmicos ao campo docente, pelo menos no que diz respeito
ao conteúdo a ser trabalhado.
No entanto, Noeli revela que poucos alunos estabeleceram essas relações e acredita
que seja pela falta de confiança naquilo que produzem. Será que os acadêmicos confiariam
mais em seus trabalhos produzidos se houvesse ensino de técnicas? Os colaboradores
relatam que suas produções em ateliê são somente execuções de tarefas, não havendo
proposições artísticas. Será esse o motivo deles não creditarem teor artístico a essa
produção? Será que falta aos alunos perceberem e aos professores fazerem perceber os
entornos, os trabalhos marginais, as construções poéticas estabelecidas em outros contextos
além do que as concepções tradicionais já lhes mostraram?
aumentando a carga horária dos ateliês no curso? Estimulando através das práticas dos
alunos, pensar em formas de entrecruzar esses dois campos que por vezes parecem
antagônicos?
Pela fala dos acadêmicos os ateliês são tão pedagógicos quanto as disciplinas
pedagógicas, restando, portanto, pouco espaço para uma reflexão artística. Mas há indícios
de que alguns professores atravessam essas fronteiras e buscam trabalhar mesmo no campo
específico da licenciatura de maneira mais subjetiva, como relata Bianca ao se reportar à
disciplina de Cultura, Currículo e Avaliação em Arte em que a professora propôs uma ação
pedagógica baseada nos percursos que os alunos faziam da universidade até suas casas.
desenhos que vão se configurando na medida em que as paisagens vão sendo atravessadas
por carros, motos, fumaças, pipas, pássaros, etc.
Será que a falta ou a presença da palavra ateliê no nome de uma disciplina pode afetar
a concepção que temos dela? Será que sua estrutura é diferenciada a partir de uma
expressão que a acompanha? A maneira com que professores e alunos se relacionam com
os conteúdos também é diferente? Que expectativas temos ao entrar num ateliê, numa
oficina, num laboratório ou num estúdio? E que dissonâncias esses espaços criam em nossas
expectativas?
artífices eram educados pelo mestre no próprio lugar onde produziam obras.
(JUNQUEIRA; GOMES, 2009, p. 2069)
E quando se fala em formato, não é somente a estrutura física que está em jogo, mas
a ideia ou o conceito que se tem de ateliê. Junqueira e Gomes ( 2009, p. 2070) ressaltam que
“[...] O ateliê poderia ser visto hoje como um espaço de cruzamento de subjetividades
múltiplas [...]”, ou seja, não é somente o lugar onde o artista isolado do mundo produz suas
obras de arte, aliás, contrariando inclusive o mito da inspiração divina, em que
necessariamente o artista precisa desse ambiente místico e carregado de uma magia que o
fará criar obras maravilhosas.
Mas o que acadêmicos colaboradores desta pesquisa esperavam dos ateliês ao entrar
para o curso de Licenciatura em Artes Visuais? Em seus relatos selecionei pequenos recortes
que sinalizam um desapontamento com as disciplinas de linguagens artísticas da FAV/UFG.
A saber:
86
[...] a bagagem de prática artística que eles tem, a maneira deles trabalharem
essa prática artística muitas vezes não tem assim uma base de uma
continuidade durante todo o curso e nem se volta para uma produção artística
de cunho mais pessoal e intensa [...] muitas situações a gente percebe isso,
que os alunos eles tem que aprender as técnicas, eles tem que aprender
aquilo que é básico pra eles ensinarem na escola. Se eles aprenderem o que é
básico pra ensinar na escola eles já tão preparados então pra quando tiver que
trabalhar com modelagem, trabalhar com tridimensional, trabalhar com pintura,
ter noção dessas técnicas, esses recursos [...]
A história aponta diversas concepções do ensino de artes visuais que conta com a
Missão Francesa de 1816, a livre-expressão, a partir dos artistas modernistas brasileiros, a
Escola Nova e o tecnicismo. E atualmente há uma abordagem a partir dos estudos da Cultura
Visual que vem adentrando os espaços da educação.
88
O desejo pelo ensino de técnicas pode ser entre outras coisas, herança do tecnicismo
e a falta desse ensino nos ateliês pode estar ainda relacionada à livre-expressão. Anita
Malfatti que além de artista também foi educadora, produziu planos de ensino e diversos
escritos sobre os processos de ensino e aprendizagem em sua escola de artes. Em um
trecho seu, segundo Nascimento (2010, p. 90) publicado no diário de São Paulo em 1930 ela
pontuou o seguinte:
Professor Marcos afirma que “[...] a escola tem que ser vista por nós de uma forma
muito realista, com todos os problemas que ela tem.” Mas quais seriam esses problemas? O
que os professores da universidade não estão vendo da escola e por isso, conforme David e
Maria de Fátima apontam, trazem uma visão romântica e idealizada dela?
das janelas são quebrados, e quando chove tem goteiras no teto, como em uma das escolas
em que Bianca estagiou.
Aliado a isso estão os baixos salários pagos, nesse caso, da rede pública. O professor
Marcos cita um exemplo de uma professora que assumiu 27 turmas para atender suas
necessidades financeiras e continua dizendo:
Mas David também coloca que determinados conteúdos não podem ser levados à sala
de aula. Ele se refere a algumas produções contemporâneas muito provocativas no que diz
respeito ao material, como a utilização de fetos humanos, no exemplo em que ele citou. Em
sua justificativa, diz que a escola não está preparada para receber determinadas imagens.
Essas provocariam polêmicas entre os alunos, que levariam o assunto para casa e seus pais
retornariam o assunto para a escola, dessa vez à direção. E isso, segundo David, pode
acarretar na dispensa e demissão do professor.
Que imagens são essas tão poderosas e tão complicadas para serem levadas à
escola? Trabalhos artísticos que envolvem fetos humanos, sangue, esperma, objetos
religiosos, sexo, entre outros. Mas por que será que imagens como essas tão divulgadas
pelas mídias e tão corriqueiras nas vidas de várias crianças e adolescentes não podem ser
problematizadas na escola a partir de produções artísticas? Que efeito elas causam em seus
cotidianos e que efeitos causariam no espaço escolar?
Aguirre ainda completa dizendo que cada um desses contextos simbólicos costuma
estar conformado por valores éticos e estéticos diferentes e muitas vezes contraditórios. Em
que ponto se aproximam e se distanciam os contextos escolares dos demais contextos do
educando?
93
Para que esses sistemas falados cessem de enlouquecer ou incomodar, não há outro
meio exceto habitar um deles (BARTHES, 1987, p. 39). Habitei durante esse período as
entrevistas produzidas, embora muitas vezes não me sentisse em casa em algumas delas.
Era um desconforto de ser visita, de não dormir na própria cama, de pedir licença para
realizar qualquer atividade. Somente o tempo foi capaz de me acomodar, embora eu continue
sabendo que os incômodos persistem.
Este mapa situa três eixos principais, a formação, o ateliê e a escola, brevemente
falando. Eles são resultados de considerações feitas a partir dos mapas anteriores, em que
as entrevistas davam as coordenadas. Elas continuam exercendo esse papel, porém agora,
com um olhar mais focado em direções específicas. São eixos que permitem viajar, buscar
por outras ilhas e até outros continentes, mas que continuam tratando de suas questões.
Inicio então essa viagem partindo do ateliê e das questões que permearam esse ponto ao
longo das discussões já estabelecidas anteriormente.
Então, qual a relação existente entre espaço e conteúdo? A maioria dos acadêmicos
colaboradores reporta-se ao ateliê de gravura como o único onde realmente há o exercício
das artes visuais, da produção artística. Lygia e Priscila também comentam que o ateliê de
fotografia foi interessante para elas, pois ensinava técnicas, enquadramento, etc. e não
vinculava a produção fotográfica a planejamentos de aulas.
Quando realizada e entrevista em grupo a primeira pergunta que fiz foi: “o que vocês
acham que um ateliê deve contemplar para alunos de licenciatura?” As respostas que
começaram tímidas foram ganhando corpo. Priscila começou dizendo que falta mostrar mais
possibilidades. Ela seguiu falando que durante os ateliês poderia ser explorado mais os
materiais e as linguagens. Os outros colaboradores também seguiram o pensamento dela
acrescentando ainda seus anseios pelo ensino de técnicas. Para eles, é muito forte a ideia de
que aprender dentro de um ateliê significa compreender os usos que cada instrumento opera
sobre os suportes com os diferentes materiais.
seja, o ensino de técnicas ou a produção espontânea não andam sozinhos. Para eles, é
preciso buscar no aluno o que os afeta, estimulando o pensamento artístico para o
desenvolvimento de seus trabalhos.
Na continuação de seu relato, ela conta que ninguém conseguia entender a proposta
da professora e por isso os trabalhos eram tais como planos de aula. Resultado de vários
semestres desenvolvendo esses planos em ateliê, como forma de treinar os professores em
formação.
100
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
e que no curso, ele conhece mais trabalhos em arte de alunos da licenciatura do que do
bacharelado.
Lygia enfatiza que deveria haver um diálogo entre bacharelado e licenciatura no que
diz respeito ao ateliê. Unir acadêmicos dessas duas formações em um mesmo espaço
possibilitaria outras percepções acerca das artes visuais? Em minha formação convivi durante
quatro semestres em um ateliê onde estavam colegas da licenciatura e do bacharelado, de
diferentes períodos.
102
Segundo Bianca e David, quem escolhe o curso de Licenciatura deve ter ciência de
que será professor e, portanto, suas atividades na universidade terão esse direcionamento.
Mas em que pesa essa afirmação se considerarmos que aprender a ser professor é também
aprender a lidar com situações extremas, de encontrar em uma escola equipamentos
tecnológicos avançados e noutra a falta até de carteiras?
Além disso, há diferentes faixas etárias, culturas, crenças, e anseios desses alunos na
escola, bem como projetos pedagógicos largos ou estreitos no que diz respeito à liberdade de
inventividade do professor no exercício da docência.
É preciso que o professor esteja preparado para a sala de aula, diz Marcos, para a
realidade da escola, que não é a mesma idealizada por alguns professores, segundo David.
Quais são os requisitos para que o professor esteja preparado para a docência? Que
103
Ainda há a ideia, pela fala de alguns colaboradores, de que ateliê é o lugar onde o
professor ensinará o aluno as técnicas para desenvolver um trabalho artístico. Assim como a
história conta, dos grandes mestres ensinando seus pupilos a criar belíssimas obras de arte.
Então, além das estruturas compositivas e dos conteúdos trabalhados em ateliê, há o
imaginário do acadêmico que se insere no curso de artes visuais.
Disciplinas 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º Total
período período período período período período período período
Núcleo 4 5 3 4 2 1 1 2 22
11
Comum
Núcleo 2 1 3 3 4 5 5 3 26
12
Específico
buscaram atender essa necessidade em cursos fora da universidade. Mas e os que não
tiveram condições de entrar em cursos paralelos? Serão maus professores? Incompetentes
por não terem aprendido técnicas? E aprendê-las é garantia de ser um bom professor?
O que os dois eixos apontados anteriormente tem a ver com o curso de licenciatura em
artes visuais da FAV? As falas recortadas são de dois professores do seu corpo docente, o
que não quer dizer que sejam duas posturas predominantemente marcadas dentro do curso.
Enfatizo que são recortes feitos para tratar dessas duas possibilidades de formação.
Esses são alguns posicionamentos que ajudam a pensar na configuração que o curso
de licenciatura em artes visuais da FAV vai adquirindo a partir do entrelaçamento dos
componentes curriculares com as posturas adotadas pelo corpo docente e discente. São
crenças, constatações e desconfianças sobre aquilo que rege as disciplinas, sobre as artes
visuais, sobre a produção artística no âmbito da licenciatura, etc.
108
Além disso, há relatos dos colaboradores sobre situações específicas vivenciadas por
eles dentro do curso, que provocam questionamentos acerca do que se propõe enquanto
formação inicial docente em artes visuais. Essas são, por exemplo, o uso de batatas para a
realização de gravuras, pinturas com corantes líquidos sobre papel kraft e produção de
formas geométricas e caixinhas em argila.
Cabe aqui então, relativizar. O uso de batatas conforme relato de Lygia, foi uma
proposta de atividade junto às outras possíveis no âmbito da gravura, tais como xilogravura e
litogravura, também comentadas pelos colaboradores. David também comenta que a
professora de pintura no semestre seguinte ao que ele participou começou a abrir espaço
para o uso de outros materiais para as atividades de pintura. Com isso, percebe-se que esses
acontecimentos não podem ser generalizados para o curso de Licenciatura em Artes Visuais
como um todo.
Tomado por essas inquietações que estiveram presentes durante as entrevistas, penso
na escola a partir dos estudos da Cultura Visual e, buscando autores que transitam por essa
“trama teórico-metodológica” (HERNÁNDEZ, 2005, p. 37) vejo algumas questões que podem
ser trazidas para a investigação.
[...] uma imagem pode evocar diferentes respostas por parte de diferentes
pessoas. Levar isso em conta pressupõe valorizar não apenas a exploração
das versões díspares de interpretação que se derivam de uma representação,
mas também as defendidas por cada aluno e aluna, para, a seguir, situar suas
diferentes visões em contextos teóricos, sociais e culturais mais amplos.
Destarte, percebe-se que o foco de interesse da cultura visual não está diretamente
ligado à imagem-obra de arte, mas sim aos territórios visuais, priorizando as experiências do
cotidiano (R. MARTINS, 2009), possibilitando ao professor inserir em sala de aula conteúdos
interdisciplinares, tornando híbridas as relações de, por exemplo, conteúdos factuais da
história da arte com imagens do cinema, da internet, da arte contemporânea, da TV e dos
caminhos percorridos nos trajetos rotineiros de cada aluno.
Aguirre (2011, p. 69) situa três fenômenos que ocorrem atualmente sobre a ideia
tradicional da arte, que a estremecendo, estremece também a educação das artes visuais.
Primeiro há o “fracasso da utopia estética da modernidade” em que a ideia de transformação
se perdeu junto com o fim das vanguardas históricas. Segundo que há um “deslocamento do
estético do âmbito das artes para todos os cantos da vida cotidiana”. E em terceiro supõe que
o período da arte que “impulsionava a materialização do espírito em obras de arte” chegou ao
seu fim, dando espaço para discussões intelectuais e discursivas.
Sendo assim, a educação das artes visuais também passa por esse processo de
revisão de posturas, principalmente porque, na escola são diversas vidas que estão em
111
contato e que carregam consigo repertórios visuais próprios de suas culturas e seus espaços
de vivências.
Se somos todos os dias invadidos por um turbilhão de imagens, por que não levá-las à
sala de aula? Por que não solicitarmos que os alunos levem aquelas que os invadem
também? Maria de Fátima na entrevista coletiva ressaltou que
desenhos prontos xerocados, reverberando a ideia de que a aula de artes visuais é recreação
ou passatempo.
O que vejo de mim nesta representação visual? O que diz esta imagem de
mim? Como essa representação contribui na minha construção identitária –
como modo de ver-me e ver o mundo? (2011, p.38)
Assim, seria possível avançar no conteúdo das aulas de artes visuais, saindo do que
Lygia apontou em entrevista, da estagnação no modernismo. Lygia refere-se aos artistas da
Semana de Arte Moderna de 1922, que frequentemente povoam as aulas de artes visuais.
Ela complementa que a arte está sendo relacionada com a vida e que é importante pensar de
que maneira abordá-la a partir do contexto dos alunos.
E mesmo que todos esses recursos não estejam disponíveis Sommer (2006, p.259)
ainda acredita que
Fazer da escola algo diferente do que ela tem sido ao longo da história [...]
parece uma atitude possível, independentemente de todas as instâncias legais
reguladoras de seu funcionamento, independentemente dos textos canônicos
que tem balizado nossa formação como professores.
artes visuais na escola seria através da arte contemporânea. Na inserção de seus conteúdos
em sala de aula, com todas suas discussões possíveis e pertinentes para alcançar os alunos
e tocá-los de alguma forma.
Uma outra questão enfatizada por David e que ainda me permite dialogar com
perspectivas da cultura visual é sobre as imagens que podem ou não podem ser trabalhadas
em sala de aula. Referindo-se à polêmica que determinadas imagens provocam, ele diz que a
escola, incluindo professores, alunos e pais de alunos, não estão preparados para recebê-las.
Volto a essa questão sem querer apontar uma solução ou buscar alternativas, mas
para continuar duvidando, questionando, remexendo nesse assunto que é realmente
provocador. E novamente eu pergunto: Por que determinadas imagens provocam desconforto
na escola, mas quando vistas em outros contextos não? Por que uma mulher seminua na
propaganda de cerveja é aceitável enquanto que uma Vênus de Urbino na sala de aula
desconserta alguns alunos?
115
Percorrendo os espaços do mapa que abriu este capítulo, foi possível trazer à
discussão as diferentes situações encontradas durante o período de investigação, dos pontos
de vista dos participantes, dos regulamentos e de sistemas que se conformam nesses
espaços de formação.
Meu olhar sobre a investigação que se modifica a cada etapa, trouxe para este
capítulo, a partir do material produzido, outras percepções e novas possibilidades de
deslocamentos no mapa. Assim, pude rever alguns aspectos presentes nas entrevistas e
realocá-los, reconfigurá-los ao passo em que ia buscando por outras posições.
O começo do texto do fim não é mais fácil que o começo do texto do início. O início é
cheio de proposições, de aspirações daquilo que se quer com a pesquisa. A chegada do fim
está contaminada pelo meio. Está carregada de bagagens que ao longo do caminho foram se
acumulando, fossem bem vindas ou não.
Esse exercício de finalizar propõe um reencontro com os vários eus, eles e nós que
estiveram presentes nesse caminho. Reencontro que sugere (re)ver, (re)pensar, (re)avaliar e
(re)inventar cada etapa realizada, cada chão, parede e espaços vazios ou cheios desse
labirinto ao qual percorri.
Em todo labirinto, espera-se chegar à porta de saída. Mas a grande descoberta que a
pesquisa me proporcionou foi que no labirinto que adentrei não havia uma porta de saída,
mas várias. Cada uma delas contemplando possibilidades dependentes do caminho trilhado.
O caminho que trilhei não foi definido apenas por escolhas minhas. Não segui somente
meus instintos. Ao abrir espaço para oito colaboradores, o trajeto dessa investigação foi se
delineando de maneira que nem sempre era de comum acordo dobrar à direita ou à
esquerda.
119
O exercício mais difícil agora é abrir as malas e organizar aquilo que já tinha com
aquilo que adquiri nesse percurso. Tenho uma formação docente-artística não porque o curso
queria que eu tivesse, mas porque insisti nisso. Eu poderia, assim como alguns colegas da
licenciatura, ter migrado para o bacharelado, já que eu gostava mesmo era de produzir
artisticamente. Porém, ao longo do curso fui percebendo que me interessava muito discutir e
pensar sobre educação e docência. E estava cada vez mais envolvido com as questões da
sala de aula, dos conteúdos, dos alunos e ao mesmo tempo envolvido com minha produção
artística, com exposições, intervenções e eventos da área.
Do meu contato com os colaboradores desta pesquisa, percebi que cada um dos
acadêmicos trazia a partir de assuntos em comum, diferentes perspectivas, e que suas
formações vinham sendo construídas de maneiras diversas, apesar de estarem no mesmo
curso e em processo de finalização.
O que se percebe então, tanto pela minha experiência revisitada quanto pelas dos
colaboradores, que a potencial relação entre artes visuais e docência se instaura antes nos
propósitos de professores e alunos do que em estatutos e regulamentos de cursos. Salvo
algumas exceções, como é o caso do curso de Licenciatura em Artes Visuais da
FUNDARTE/UERGS, citado no segundo capítulo. Portanto, para a pesquisa esse foi um
ponto determinante para compreender os processos de formação docente em artes visuais e
da possibilidade de formação docente-artística.
O curso de Licenciatura em Artes Visuais da FAV não tem como propósito formar
professores-artistas. Contudo, não há nada na estrutura do curso que impeça professores e
alunos de buscar por essa formação.
Tanto que, havia entre os colaboradores a professora Noeli que procura em suas
práticas docentes voltadas à licenciatura, trabalhar poeticamente e estimular seus alunos a
uma reflexão também poética, envolvendo questões metodológicas de produções artísticas
com produções em sala de aula.
Mas o que acontece, segundo os colaboradores, é que nas disciplinas em comum com
o bacharelado, os professores direcionam as aulas, que se caracterizariam como artísticas,
para as questões docentes. No que diz respeito a minha proposição de entrecruzamento de
arte e docência, esse poderia ser um ponto de conexão. No entanto, os relatos apontam uma
ligação apenas instrumental, no que confere a apreensão de determinada linguagem artística
a fim de reproduzi-la em sala de aula.
relação às artes visuais e à escola, mas à própria formação do professor, de suas escolhas,
seus espaços de convivência e de trocas com outras pessoas.
[...] Orientar artistas e suas poéticas, mas revelar que qualquer um, em
determinado momento, pode pensar como um artista, e que, por motivações,
podemos ultrapassar procedimentos meramente técnicos inventando e
produzindo modos distintos de ver, de falar sobre arte e sobre si mesmo. Se o
aluno irá constituir uma poética, levando adiante as questões presentes no
trabalho, ou se esse será apenas um exercício, não é o relevante; o importante
é que eles vivenciem essa operação inventiva, [...] (GONÇALVES, 2002 p.53).
Mas parece, segundo os relatos, que o interesse pelos ateliês vai diminuindo na
medida em que outras disciplinas teóricas vão ocupando seu tempo. O que o ateliê poderia
oferecer além do semestre em que a disciplina é realizada? Em que o professor de ateliê
pode contribuir? Que propostas ele pode fazer que instigue o aluno a buscar além das
atividades de aula? Ou, que participem dessas atividades seus repertórios, aquilo que
considera relevante, que o faz parar para pensar, para sentir e assim produzir subjetividades
a partir disso?
123
Considerando que desde 2003 a Faculdade de Artes Visuais conta com o Programa de
Pós-Graduação em Cultura Visual, que em 2010 passou a se chamar Arte e Cultura Visual,
possui desde 2008 o Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual, bem como no
curso de Licenciatura em Artes Visuais há uma disciplina de Teoria da imagem e cultura
visual, acredito que o posicionamento de alguns colaboradores ainda está por avançar
nessas discussões. Esses apontam questões tais como ensino de técnicas artísticas,
habilidades específicas e a ideia de aprender para ensinar, que fazem parte de um ideário
positivista de ensino de arte.
Ademais, temos no quadro atual das artes visuais, diversas linguagens que se
reinventam a cada dia, a partir de pesquisas e/ou devaneios de artistas. Hibridizações, uso de
tecnologias, efemeridades, uso do espaço público, etc. que não competem ao acadêmico em
formação aprender suas técnicas para ensinar na escola. As linguagens atuais não se
comportam da mesma maneira que se comportava a pintura na renascença e a escultura no
classicismo, por exemplo.
Penso que, as contemporaneidades nas artes visuais abrem caminhos para que o
professor em formação aviste outras maneiras de aprender e ensinar e até mesmo reformule
os conceitos de aprender e ensinar. Não são as técnicas de uma performance ou de uma
videoarte que entram no jogo da sala de aula, necessariamente. São suas reverberações, os
diálogos possíveis entre a produção, os alunos, o professor e a sala de aula, ou como
acrescenta Aguirre (2011, p. 96)
Assim, um trabalho produzido do outro lado do mundo, em outro período, pode dentro
da sala de aula ter tantas possibilidades de discussão quanto uma fotografia feita por um
aluno. Há aproximações, mesmo que pelo distanciamento, mesmo quando os alunos não se
identificam com a imagem, mesmo quando não simpatizam com elas.
rever o tratamento que se tem com essas imagens. Dar ao aluno a chance de perceber seus
entornos, de opinar a respeito delas, de comunicar sua posição frente a elas.
Foi nesse momento que percebi que a estrutura do labirinto comportava mais portas do
que eu imaginava. E obviamente, os caminhos até elas seriam determinados pelas escolhas
ao longo do trajeto. Se eu tivesse escolhido meus colaboradores por outro viés que não o do
estágio, se eu tivesse elaborado um roteiro padrão e direcionado as entrevistas às práticas
docentes-artísticas, provavelmente estaria em outra porta de saída.
ampliação dos meus pontos de vista, buscando compreender aquilo que foi falado, mas
também aquilo que foi silenciado. Observar os fatos apontados a partir de diferentes ângulos,
e não apenas aceitá-los como verdades instituídas.
Além disso, em aproximadamente uma hora de conversa com cada colaborador muitas
coisas foram ditas. E sinto que se os encontrasse mais umas vinte ou trinta vezes, todos os
assuntos ainda seriam passíveis de aprofundamentos, de diálogos e de outras produções de
sentidos.
Penso também que se eu voltar a ouvir ou ler as transcrições das entrevistas, terei
outras considerações a fazer. “Há que se escovar as palavras, raspar delas os conceitos e
descascar-lhes significados” (BARROS, 2007 s/p). Provavelmente ainda há palavras a serem
raspadas, querendo dizer mais do que já disseram até o momento.
Muitas questões também ficaram em aberto, muitas não foram estabelecidas com o
propósito de serem respondidas de imediato. Estão à deriva nesse labirinto e passíveis de
interpretações-outras, de aprofundamentos e reflexões que as movimentem em outras
direções.
128
REFERÊNCIAS
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TOURINHO, Irene. Educação da Cultura Visual: Narrativas de ensino e pesquisa. Santa
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Paulo: Editora UNESP, 2009.
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BERGER, Jonh. Modos de ver. Tradução de Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco,1999
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129
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LISTA DE IMAGENS
Cabide post it – Arquivo pessoal .................................... 10, 11, 12, 29, 32, 43, 53, 60, 100, 104
Girls eaten by a tree – Mark Ryden (recorte com interferência) ............................................ 118
Atenciosamente,
Pró-Reitora de Graduação
Profa. Sandramara Matias Chaves
Assessora
Profª Dalva Eterna Gonçalves Rosa
Coordenadora de Licenciaturas
Profª Lana de Souza Cavalcanti
Pró-Reitoria de Graduação
Coordenação de Estágios
Prédio da Reitoria, térreo, Cx. Postal 131
Campus Samambaia Goiânia Goiás
www.prograd.ufg.br
Sumário
Apresentação
1 INTRODUÇÃO 05
2- OBJETIVOS 05
3- DAFORMAÇÃO PEDAGÓGICA 06
4- DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA E EXECUTORA 08
5- DOS LOCAIS DA PRÁTICA E ESTÁGIO 09
6- DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA 11
7- DA AVALIAÇÃO 11
8- DA SISTEMATIZAÇÃO DOS TRABALHOS REALIZADOS 11
9- DA SIMULTANEIDADE DO ESTÁGIO CURRICULAR COM O TRABALHO DE
CONCLUSÃO DE CURSO - TCC 12
10- DISCIPLINAS DO ESTÁGIO 13
11-DISCIPLINA DIRETAMENTE ENVOLVIDAS
Regulamento de Estágio
5
I - Introdução
Este documento foi elaborado com vistas a normatizar o estágio supervisionado do Curso
de Artes Visuais – Licenciatura, da Universidade Federal de Goiás. A preocupação do
documento é compor o conteúdo, fixando as orientações básicas. Vários foram os
documentos que serviram de guia para a sua elaboração bem como a revisão da prática
que temos desenvolvido na FAV até o presente momento.
II - Objetivos:
Obs. A área de Didática é composta pelas disciplinas citadas no item III - letra a,
que trata da formação pedagógica específica.
Obs: Existe, na Pró-Reitoria de Graduação - PROGRAD - UFG, uma lista com os locais
já conveniados, pelos quais os alunos e alunas podem optar para desenvolver seus
projetos de intervenção pedagógica (7º. e 8º. Semestres).
VII - Da avaliação: Conforme Art 8º. da Resolução – CONSUNI no. 06/2002 a avaliação
do desempenho do aluno no estágio será regulamentada pelos respectivos cursos e será
de responsabilidade do professor orientador que considerará as observações e relatórios
feitos pelo aluno e pelo supervisor, assim como outros mecanismos utilizados na avaliação
do desempenho do aluno. Recomendamos que a avaliação seja vista numa perceptiva
global do processo, sendo assim, deve-se considerar:
Conforme Art. 7º. da mesma resolução para obter aprovação na disciplina estágio o
aluno deverá:
a) ter freqüência de no mínimo 75% nas atividades previstas;
b) obter, no mínimo 7,5 na média final.
c) a nota do aluno será resultado de um processo e considerará conhecimento,
habilidades e atitudes;
d) só haverá 2ª. chamada e exame final em relação a conhecimentos teóricos
constantes na ementa da disciplina estágio de cursos que prevêem tal procedimento.
DISCIPLINAS DO ESTÁGIO
Disciplinas hs Sem Ementas
Estágio I - 64 4º. Mapeamento de possibilidades,
Pesquisa de reconhecimentos de territórios; de
campo em multiplicidade; diferentes construções de
diversas situações projetos pedagógicos (Ensino formal
de ensino de arte. municipal e estadual, projetos com Educação
de Jovens e Adultos, escolas particulares,).
Entender a diversidade das situações de
ensino e das maneiras onde arte tem espaço.
Elaboração descritiva e analítica de um
relatório de campo.
Estágio II – 64 5º. Estrutura da rotina escolar, Projeto Político
Imersão no Pedagógico–PPP, sala de aula, planejamento,
cotidiano escolar. vida cultural da escola, integração com a
comunidade, projetos, etc.....
Estágio III - 96 6º. Mapeamento e imersão em experiências de
Imersão em ensino não formal que privilegiem
situações de experiências de arte e cultura. Ver: estrutura
ensino não- dos projetos, financiamentos, ONGs e Projetos
formal. Governamentais, formas de planejamento e
avaliação, relação arte e trabalho,
recuperação social, etc.
Estágio IV - 96 7º. Definição de um espaço para estágio (ensino
elaboração de formal ou não formal) elaboração do projeto
Regulamento de Estágio
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