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NASCER E CRESCER

BIRTH AND GROWTH MEDICAL JOURNAL


year 2018, vol XXVII, n.º 1

Larva Migrans Cutânea


- apresentação típica de dois casos clínicos

Sara Soares, Catarina Ferraz de Liz, Ana Lúcia Cardoso,


Ângela Machado, Joaquim Cunha, Leonilde Machado

CUTANEOUS LARVA MIGRANS RESUMO


– PRESENTATION OF TWO TYPICAL CASES Introdução: A Larva Migrans Cutânea é uma dermatose
provocada por parasitas nematodes, dos quais os mais frequen-
ABSTRACT tes são Ancylostoma brasiliensis e Ancylostoma caninus. É uma
Introduction: Cutaneous Larva Migrans is a dermatosis doença endémica em países tropicais, sendo o seu diagnóstico
caused by nemantode parasites, mainely Ancylostoma pouco comum nos outros países.
brasiliensis and Ancylostoma caninus. It is an endemic disease Caso Clínico: Criança de dez anos emigrada de Angola.
in tropical countries but a rare diagnosis in the rest of the world. Ao exame objetivo, apresentava lesões cicatriciais de incisões
Case Report: We report the case of a ten-year-old child efetuadas previamente como tratamento e uma lesão serpigi-
emigrated from Angola. The physical examination showed scar- nosa no dorso do pé esquerdo, compatível com Larva Migrans
ring injuries from previous incisions made as a form of treatment cutânea. Foi instituída terapêutica com albendazol com regres-
as well as a serpiginous lesion on the dorsum of the left foot, são completa dos sintomas em uma semana, altura em que
compatible with cutaneous Larva Migrans. The patient was star- foi reavaliado. Nessa data, o irmão, que apresentava a mesma
ted on albendazole and complete resolution of symptoms was sintomatologia em ambos os pés, efetuou o mesmo esquema
obtained after one week. About that time, the patient’s brother, terapêutico, com resolução da sintomatologia.
who had the same symptoms on both feet, was submitted to the Discussão: Os autores pretendem salientar a importância
same treatment, also with resolution of symptoms. deste diagnóstico em Portugal, dado o fluxo migratório de paí-
Discussion: The authors wish to enphasize the relevance ses com elevada prevalência desta patologia.
of this case due to the migration from countries with high Palavras-chave: Criança; emigrante; Larva Migrans cutânea
prevalence of cutaneous Larva Migrans.
Keywords: Child; cutaneous Larva Migrans; emigrant

Nascer e Crescer – Birth and Growth Medical Journal


2018; 27(1): 46-9

__________

I
Department of Pediatrics and Neonatology, Centro Hospitalar Tâmega
e Sousa. 4564-007 Penafiel, Portugal.
sara.m.m.soares@gmail.com, 73085@chts.min-saude.pt,
72928@chts.min-saude.pt, anj.machado@gmail.com,
71050@chts.min-saude.pt, 71612@chts.min-saude.pt

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INTRODUÇÃO No Serviço de Urgência, ao exame objectivo apresenta-


A Larva Migrans Cutânea (LMC) é uma doença endémica em va lesões cicatriciais de incisões efetuadas previamente como
países tropicais e subtropicais, nomeadamente países da Ásia, tratamento, tal como descritas pelo pai, e lesão serpiginosa no
África e América Latina.1 Foi descrita pela primeira vez em 1874 dorso do pé esquerdo (figuras 1 e 2). Na região plantar do hálux
e 50 anos depois foi realizada a primeira biópsia cutânea, que apresentava a mesma lesão serpiginosa, mas de consistência
comprovou a presença de um parasita nemátode que penetrava endurecida (figura 3).
a pele e migrava através dela.2,3 O aspecto das lesões e a história de residência em área en-
A parasitose é pouco comum nos países industrializados, démica permitiu o diagnóstico clínico de Larva Migrans Cutânea.
apesar de ser a segunda causa mais comum de morbilidade Foi instituída terapêutica com albendazol, 10mg/kg/dia de
nos turistas, a seguir à diarreia.9. O seu diagnóstico é clínico, 12/12horas, durante cinco dias. A criança foi reavaliada após
baseando-se não só na história clínica, mas também nas lesões uma semana e mostrava regressão completa dos sintomas e
cutâneas típicas ao exame objetivo.2,3 sinais. Nessa data, o irmão de 13 anos apresentava a mesma
Os autores apresentam dois casos clínicos de dois irmãos, sintomatologia e lesões serpiginosas semelhantes na face late-
recentemente emigrados de Angola, e fazem uma revisão teó- ral de ambos os pés. Efetuou o mesmo esquema terapêutico,
rica sobre aspectos pertinentes sobre a Larva Migrans cutânea. com resolução da sintomatologia.

CASO CLÍNICO DISCUSSÃO


Criança de dez anos, do sexo masculino, emigrada de Angola A LMC é uma infecção cutânea autolimitada, habitualmen-
desde há duas semanas, é trazida ao Serviço de Urgência por te provocada por parasitas de animais domésticos, dos quais
prurido no pé esquerdo com três semanas de evolução e lesão os mais frequentes são Ancylostoma brasiliensis, presente nas
“em túnel” no dorso do mesmo pé. No início da sintomatologia, fezes de gato, e Ancylostoma caninus, nas fezes de cão.2,5,6
segundo o pai, a criança foi observada num hospital em Angola, Existem outros parasitas descritos como Uncinaria stenepha-
onde, apesar de numerosas incisões, não conseguiram “eliminar o la e Bunosronum phebotunum de animais e Necator america-
bicho”. Manteve-se apirético, sem outra sintomatologia associada. nus, Ancylostoma duodenale e o Strongyloides stercoralis de

Figura 1 - Lesões cicatriciais e lesão serpiginosa na face Figura2 - Lesões cicatriciais e lesão serpiginosa na
medial do dorso do pé face medial do dorso do pé

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em circulação e desencadear Síndrome de Loffler, carateriza-


do por febre, broncospasmo, infiltrados pulmonares, eosinofilia,
eritema polimorfo e, ocasionalmente, urticária.1-3,6
O diagnóstico é clínico, baseando-se na observação das
lesões típicas e na história de residência ou viagem a região
endémica. Raramente se justifica o uso de exames complemen-
tares de diagnóstico, nomeadamente a microscopia de epilu-
miniscência para deteção do percurso da larva, ou a biópsia
cutânea3,8. Estes podem ser utilizados em casos atípicos ou nas
lesões alteradas pelos fármacos, apesar das alterações anato-
mopatológicas – dermatite espongiforme com vesículas con-
tendo neutrófilos e eosinófilos - não serem específicas desta
patologia.2 A. caninum pode ser detetado através de um teste
de ELISA.3
Existem outras dermatoses que podem evoluir como le-
sões lineares ou serpiginosas, como o Granulona Anular,
Poroqueratose de Mibelli e o Eritema Anular Centrifugum, sendo
clínico o diagnóstico diferencial.2,3,5
O tratamento pode ser local, através da crioterapia com azo-
to líquido ou através de um antihelmíntico tópico – tiabendazol.
Este fármaco, que não está disponível em Portugal, está indi-
cado em situações em que não é possível a toma sistémica,
ou como coadjuvante desta. Apesar de eficaz quando aplicado
três vezes por dia, durante cinco dias, o tiabendazol 15% im-
plica uma adesão à terapêutica, por vezes difícil pelo doente. A
Figura 3 - Lesão serpiginosa na região plantar do hálux
crioterapia não está atualmente indicada para uso pediátrico.2,3,5
Para o tratamento sistémico, apesar de existirem vários an-
humanos, que também podem causar LMC.1,7 Estes parasitas tihelmínticos (o tiabendazol, o albendazol e a ivermectina), ape-
habitam no intestino de animais e os seus ovos são eliminados nas o albendazol é comercializado em Portugal, estando a iver-
nas fezes dos mesmos. Uma vez no solo, os ovos dão origem a mectina disponível nas farmácias hospitalares. Trata-se de um
larvas que, nas condições ideais de calor e humidade, perma- antihelmíntico de terceira geração, indicado na dose de 10mg/
necem viáveis no solo durante várias semanas.3,6 O Homem, ao kg durante cinco dias, com duas tomas diárias em idade pe-
contactar com solos ou areias contaminadas com fezes de ani- diátrica. Contrariamente ao tiabendazol, os efeitos laterais do
mais infetados, pode tornar-se hospedeiro acidental.1,2 As larvas albendazol são mínimos e autolimitados, nomeadamente quei-
têm a capacidade de penetrar a pele humana pela produção de xas digestivas, febre, aumento das transaminases e alopécia.2,3
hialuronidase ou através dos folículos pilosos, glândulas sudo- A ivermectina é a mais recente proposta para o tratamento
ríparas ou de fissuras cutâneas, ficando habitualmente confina- desta patologia, estando descritos bons resultados com uma
das à epiderme e derme superficial1,6. Apesar de conseguirem toma única e sem efeitos laterais. No entanto, não está indicado
migrar vários centímetros na epiderme e induzirem uma respos- a crianças com menos de 15 Kg.3
ta inflamatória, as larvas não têm a capacidade de completar o A infeção secundária deve ser tratada com antibioterapia
seu ciclo de vida no Homem e morrem num período de semanas direcionada. O prurido desaparece 48 horas após o início do
a meses, sendo por isso uma doença auto-limitada.1 tratamento, pelo que não é necessária terapêutica adicional.2,3,5
A sintomatologia pruriginosa inicia-se horas após a pene- A instituição de medidas preventivas, como a desparasita-
tração da larva, sendo esse prurido tão intenso que interrompe ção de animais domésticos e uso de calçado e vestuário que
o sono. Por vezes, estas lesões também são descritas como impeça o contacto com solos infectados, são medidas difíceis
dolorosas.5 Um a cinco dias após a penetração da larva, é visível de implementar nos países endémicos devido às suas condi-
uma lesão eritematosa linear ou serpiginosa, com aproximada- ções socioeconómicas. O uso de calçado protetor e a evicção
mente três milímetros de largura, que progride um a dois cen- de praias onde a presença de animais não seja interdita são
tímetros por dia.1,2,6 Os pés são os locais mais frequentemente exemplos de prevenção aconselhada aos turistas.1
afetados, seguindo-se as pernas e o períneo, as mãos, os bra- Além disso, dado o fluxo migratório para Portugal de imi-
ços e o couro cabeludo e, raramente, as mucosas.2,3,6 grantes provenientes de países endémicos, é essencial alertar
As complicações mais frequentes são provocadas por so- os clínicos para esta hipótese diagnóstica.9
breinfeção bacteriana (geralmente por Staphylococcus aureus Em conclusão, após uma história clínica cuidadosa e um
e Streptococcus) das lesões pruriginosas, originando impétigo, exame objetivo atento, a infecção por Larva Migrans Cutânea é
foliculite ou vesículas.3,6 Apesar de raro, A. caninum pode entrar de fácil diagnóstico e tratamento.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORRESPONDENCE TO


Sara Soares
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Migrans cutânea – a propósito de um caso clínico´. Revista Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
SPDV 2013; 71. Avenida do Hospital Padre Américo 210
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em idade pediátrica. Nascer e Crescer 2003; 12: 261-4. Email: sara.m.m.soares@gmail.com
3. Heukelbach J, Feldmeier. Epidemiological and clinical
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migrans. Lancet Infect Dis. 2008; 8:302-9. Received for publication: 08.06.2016
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Barnett ED, Stauffer WM, GeoSentinel Surveillance Network.
Illness in Children After International Travel: Analysis From
the GeoSentinel Surveillance Network. Pediatrics 2010; 125:
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9. Moreira, H. Emigração Portuguesa - Estatísticas
retrospectivas e reflexões temáticas. Revista de Estudos
Demográficos 38: 47-65.

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