Fichamento Teoria Literaria de Jonathan Culler - Compress
Fichamento Teoria Literaria de Jonathan Culler - Compress
Fichamento Teoria Literaria de Jonathan Culler - Compress
CAPÍTULO 1
O Que é Teoria?
Em primeiro lugar, teoria sinaliza “especulação”. Mas uma teoria não é o mesmo que uma suposição;
Para contar como uma teoria, uma explicação não apenas não deve ser óbvia; ela deveria envolver certa
complexidade;
Uma teoria deve ser mais do que uma hipótese: não pode ser óbvia; envolve relações complexas de tipo
sistemático entre inúmeros fatores; e não é facilmente confirmada ou refutada;
Teoria, nos estudos literários é um conjunto de reflexão e escrita cujos limites são excessivamente difíceis de
definir;
Obras consideradas como teoria têm efeitos que vão além de seu campo original;
O principal efeito da teoria é a discussão do “senso comum”: visões de senso comum sobre sentido, escrita,
literatura, experiência. Por exemplo, a teoria questiona: a concepção de que o sentido de uma fala ou texto é o
que o falante “tinha em mente” – ou a ideia de que a escrita é uma expressão cuja verdade reside em outra
parte, numa experiência ou num estado de coisas que ela expressa – ou a noção de que a realidade é o que
está “presente” num momento dado;
A teoria é muitas vezes uma crítica belicosa de noções de senso comum; mais ainda, uma tentativa de mostrar
que o que aceitamos sem discussão como “senso comum” é, de fato, uma construção histórica, uma teoria
específica que passou a nos parecer tão natural que nem ao menos a vemos como uma teoria;
Uma característica do pensamento que se torna teoria é que ele oferece “lances” notáveis que as pessoas
podem usar ao pensar sobre outros tópicos;
O poder é difuso, está em toda parte;
O poder, para Foucalt, não é algo que alguém exerce, mas “poder/conhecimento”: poder sob a forma de
conhecimento ou conhecimento como poder. O que pensamos saber sobre o mundo – o referencial conceitual
dentro do qual somos levados a pensar sobre o mundo – exerce grande poder;
Culler expõe dois modos de se “fazer” teoria, através do modo como Foucalt trata da história da sexualidade, e
do modo como Jacques Derrida sobre Rousseau trabalha a escrita e a experiência (realidade vs. aparência);
Ambos os exemplos de teoria ilustram que a teoria envolve a prática especulativa: explicações do desejo, da
linguagem e assim por diante, que contestam ideias tradicionais (de que há algo natural chamado “sexo”; de
que os signos representam realidades anteriores). Fazendo isso, elas o incitam a repensar as categorias com as
quais você pode estar refletindo sobre a literatura;
O principal ímpeto da teoria recente é a crítica do que quer que seja tomado como natural, a demonstração de
que o que foi pensado ou declarado antural é na realidade um produto histórico, cultural;
Então, o que é teoria? – No primeiro capítulo surgem quatro pontos principais:
1. A teoria é interdisciplinar – um discurso com efeitos fora de uma disciplina original;
2. A teoria é analítica e especulativa – uma tentativa de entender o que está envolvido naquilo que chamamos de
sexo ou linguagem ou escrito ou sentido ou o sujeito;
3. A teoria é uma crítica do senso comum, de conceitos considerados como naturais;
4. A teoria é reflexiva, é reflexão sobre reflexão, investigação das categorias que utilizamos ao fazer sentido das
coisas, na literatura e em outras práticas discursivas.
CAPÍTULO 2
O Que é Literatura e tem ela importância?
Como a própria teoria mescla ideias vindas da filosofia, linguística, história, teoria política e psicanálise, por
que os teóricos se preocupariam se os textos que estão lendo são literários ou não?
Tanto as obras literárias quanto as não-literárias podem ser estudadas juntas e de modos semelhantes;
A distinção central não parece central porque as obras de teoria descobriram o que é mais simplesmente
chamado de a “literariedade” dos fenômenos não-literários, qualidades muitas vezes pensadas como sendo
literárias demonstram ser cruciais também para os discursos e práticas não-literários;
O sentido moderno de literatura mal tem dois séculos de idade – antes de 1800, literatura e termos análogos
em outras línguas europeias significavam “textos escritos” ou “conhecimento de livros”;
Obras que hoje são estudadas nas aulas de literatura em escolas e universidades não eram tratadas como um
tipo especial de escrita, mas belos exemplos do uso da linguagem e da retórica, ao invés de interpretá-los, os
estudantes, antes, as memorizavam e estudavam sua gramática, suas figuras retóricas e suas estruturas ou
procedimentos de argumento;
O sentido ocidental moderno de literatura como escrita imaginativa pode ser rastreado até os teóricos
românticos alemães do final do século XVIII e, se quisermos uma fonte específica, a um livro publicado pela
baronesa francesa, Madame de Staël, Sobre a Literatura Considerada em suas Relações com as Instituições
Sociais;
É tentador desistir e concluir que a literatura é o que quer que uma dada sociedade trata como literatura – um
conjunto de textos que os árbitros culturais reconhecem como pertencentes à literatura;
A curious thing
About the ontological problem
Is its simplicity
Registrada dessa maneira numa página, cercada por imagens intimidadoras de silêncio, essa sentença pode
atrair um certo tipo de atenção que poderíamos chamar de literária: um interesse pelas palavras, suas relações
umas com as outras, e suas implicações, e particularmente um interesse em como o que é dito se relaciona
com a maneira como é dito, isto é, registrada dessa maneira, essa sentença parece conseguir corresponder a
uma certa ideia moderna de poema e responder a um tipo de atenção que, hoje, é associada à literatura;
Isolada dessa forma, a sentença pode dar origem ao tipo de atividade de interpretação associada à literatura;
Quando a linguagem é removida de outros contextos, destacada de outros propósitos, ela pode ser interpretada
como literatura (embora deva possuir algumas qualidades que a tornam sensível a tal interpretação). Se a
literatura é linguagem descontextualizada, cortada de outras funções e propósitos, é, também, ela própria, um
contexto, que promove ou suscita tipos especiais de atenção;
As narrativas literárias podem ser vistas como membros de uma classe mais ampla de histórias “textos de
demonstração narrativa”, elocuções cuja relevância para os ouvintes não reside na informação que
comunicam, mas em sua “narratividade”;
O que diferencia as obras literárias dos outros textos de demonstração narrativa é que eles passaram por um
processo de seleção: foram publicados, resenhados e reimpressos, para que os leitores se aproximassem deles
com a certeza de que outros os haviam considerado bem construídos e “de valor”;
A “Literatura” é uma etiqueta institucional que nos dá motivo para esperar que os resultados de nossos
esforços de leitura “valham a pena”;
A literatura é um ato de fala ou evento textual que suscita certos tipos de atenção, contrastando com outros
tipos de atos de fala (dar informações, responder perguntas, fazer promessas) e na maior parte do tempo, o que
leva os leitores a tratar algo como literatura é que eles a encontram num contexto que a identifica como
literatura – num livro de poemas, na biblioteca, numa livraria, etc.
Às vezes o objeto tem traços que o tornam literário, mas, às vezes, é o contexto literário que nos faz trata-lo
como literatura, porém, linguagem altamente organizada não transforma algo em literatura, obrigatoriamente;
Podemos pensar as obras literárias como linguagem com propriedades ou traços específicos e podemos pensar
a literatura como o produto de convenções e um certo tipo de atenção.
3. Literatura como ficção – as elocuções literárias possuem uma relação ficcional com o mundo. A obra literária
é um evento linguístico que projeta um mundo ficcional que inclui falante, atores, acontecimentos e um
público implícito; ela se refere a indivíduos imaginários e não históricos, mas a ficcionalidade não se limita a
personagens e acontecimentos. Os dêiticos, também, num poema, se referem não ao instante em que o poeta
escreveu a palavra pela 1ª vez, ou ao momento de sua publicação, mas a um tempo no poema, no mundo
ficcional de sua ação. A referência ao mundo não é tanto uma propriedade das obras literárias quanto uma
função que lhes é conferida pela interpretação. A ficcionalidade da literatura separa a linguagem de outros
contextos nos quais ela poderia ser usada e deixa a relação da obra com o mundo aberta à interpretação.
4. Literatura como objeto estético – os aspectos anteriores podem se juntar no que é chamado de função estética
da linguagem. Estética é, historicamente, o nome dado à teoria da arte e envolve os debates a respeito de se a
beleza é ou não uma propriedade objetiva das obras de arte ou uma resposta subjetiva dos espectadores, e a
respeito da relação do belo com a verdade e o bem. Kant: “a estética é o nome da tentativa de transpor a
distância entre o mundo material e espiritual, entre um mundo de forças e magnitudes e um mundo de
conceitos”. Uma obra literária é um objeto estético porque, com outras funções comunicativas inicialmente
postas em parênteses ou suspensas, exorta os leitores a considerar a inter-relação entre forma e conteúdo. Os
objetos estéticos, para Kant e outros teóricos, têm “uma finalidade sem fim” – considerar um texto como
literatura é indagar sobre a contribuição de suas partes para o efeito do todo, mas não considerar a obra como
sendo principalmente destinada a atingir algum fim, tal como nos informar ou persuadir.
5. Literatura como construção intertextual ou autorreflexiva – teóricos recentes argumentaram que as obras são
feitas a partir de outras obras: tornadas possíveis pelas obras anteriores que elas retomam, repetem, contestam,
transformam. Essa noção, às vezes, é conhecida pelo nome imaginoso de “intertextualidade”. Ler algo como
literatura é considerá-lo como um evento linguístico que tem significado em relação a outros discursos. Os
poemas se relacionam entre eles, ou falam sobre eles próprios e se relacionam com as operações da
imaginação poética e da interpretação poética – é a “autorreflexividade” da literatura. A intertextualidade e a
autorreflexividade da literatura não são um traço definidor, mas uma colocação em primeiro plano de aspectos
do uso da linguagem e de questões sobre representação que podem também ser observados em outros lugares.
A “literariedade” da literatura pode residir na tensão da interação entre o material linguístico e as expectativas
convencionais do leitor a respeito do que é literatura – cada qualidade identificada como um traço importante
da literatura mostra não ser um traço definidor, já que pode ser encontrada em ação em outros usos da
linguagem;
Na Inglaterra do século XIX, a literatura surgiu como uma ideia extremamente importante, um tipo especial de
escrita encarregada de diversas funções;
A estrutura das obras literárias é tal que é mais fácil considerar que elas nos contam sobre a “condição
humana” em geral do que especificar que categorias mais restritas elas descrevem ou iluminam;
Em sua particularidade, os romances, os poemas e as peças se recusam a explorar aquilo de que são
exemplares, ao mesmo tempo que convidam todos os leitores a se envolverem nas situações e pensamentos de
seus narradores e personagens – essa universalidade oferecida às obras, dirigida a todos os que podem ler a
linguagem, combinadamente, teve uma função nacional poderosa para a formação de uma identidade nacional
na Inglaterra;
O objeto estético, quando desligado de propósitos práticos, induzindo tipos particulares de reflexão e
identificação, ajuda aos sujeitos a se tornarem liberais através do exercício livre e desinteressado de uma
faculdade imaginativa que combina saber e julgamento na relação correta;
A literatura promove o caráter desinteressado, ensina a sensibilidade e as discriminações sutis, produz
identificações com homens e mulheres de outras condições, promovendo o sentimento de camaradagem
(desencorajando a luta, e também produzindo um senso agudo de injustiça que possibilita lutas progressistas);
A literatura é o veículo de ideologia e também é um instrumento para sua anulação;
Os teóricos sustentam que a literatura encoraja a leitura e as reflexões solitárias como modo de se ocupar do
mundo e, dessa forma, se opõe às atividades sociais e políticas que poderiam produzir mudança – no melhor,
ela encoraja o distanciamento ou a apreciação da complexidade e, na pior, a passividade e aceitação do que
existe;
A literatura, historicamente, foi vista como perigosa por promover o questionamento da autoridade e dos
arranjos sociais;
A literatura é ao mesmo tempo o nome do absolutamente convencional e do absolutamente demolidor, em que
os leitores têm de lutar para captar o sentido.
CAPÍTULO 3
Literatura e Estudos Culturais
Estudos Culturais é o nome da prática do que se chama resumidamente de teoria – é a teoria;
Os estudos culturais incluem e abrangem os estudos literários, examinando a literatura como uma prática
cultural específica;
Barthes ao analisar as práticas culturais, identifica convenções subjacentes – que delimitam os
comportamentos, e suas implicações sociais (ele estimulou a leitura das conotações das imagens culturais e a
análise do funcionamento social das estranhas construções da cultura);
Outra fonte dos estudos culturais contemporâneos é a teoria literária marxista na Grã-Bretanha (teoria marxista
europeia – analisava a cultura de massas [em oposição à cultura popular] como uma formação ideológica
opressora, como significados que funcionavam para posicionar os leitores ou espectadores como
consumidores e para justificar os funcionamentos do poder do Estado);
Os estudos culturais indagam em que medida somos manipulados pelas formas culturais e em que medida ou
de que maneiras somos capazes de usá-las para outros propósitos, exercendo a “agência” (é a questão em que
medida podemos ser sujeitos responsáveis por nossas ações e em que medida nossas escolhas aparentes são
limitadas por forças que não controlamos);
Não existe embate entre os estudos culturais e os estudos literários;
Os estudos culturais surgiram como a aplicação de técnicas de análise literária a outros materiais culturais;
Os estudos culturais, com sua insistência no estudo da literatura como uma prática de sentido entre outras, e no
exame dos papeis culturais dos quais a literatura foi investida, podem intensificar o estudo da literatura como
um fenômeno intertextual complexo.
O Cânone Literário
Até agora, o crescimento dos estudos culturais acompanhou uma expansão do cânone literário (não o
causando);
Sobre o cânone literário existem três aspectos a serem discutidos: “a excelência literária” nunca determinou o
que é estudado; a aplicação do critério de excelência literária foi historicamente comprometida por critérios
não-literários, envolvendo raça e gênero, por exemplo; e, a própria noção de excelência literária foi submetida
a discussão – ela cultua interesses e propósitos particulares como se fossem o único padrão de avaliação
literária?
Modos de Análise
“Embora não haja proibição contra leituras textuais cerradas nos estudos culturais, elas também não são
necessárias” – afirmação tranquilizadora para o crítico literário (leitura cerrada [close reading] se refere ao
modo como os New Critics americanos propunham a análise dos textos, levando em conta somente os
aspectos externos: sua camada sonora, imagens, ambiguidades, ritmo, etc.);
Libertados do princípio que o principal motivo de interesse é a complexidade distintiva das obras individuais,
os estudos culturais podiam facilmente tornar-se um tipo de sociologia não-quantitativa, tratando as obras
como exemplos ou sintomas de outra coisa e não interesse nelas mesmas e sucumbindo a outras tentações;
A teoria recente discute a questão de se há ou não uma totalidade social, uma configuração sociopolítica e, em
caso positivo, como os produtos e atividades culturais se relacionam com ela;
Porém, os estudos culturais são atraídos pela ideia de uma relação direta, na qual os produtos culturais são o
sintoma de uma configuração sociopolítica subjacente;
Se os estudos literários são subsumidos nos estudos culturais, esse tipo de “interpretação sintomática” poderia
se tornar a norma, a especificidade dos objetos culturais poderia ser negligenciada, juntamente com as práticas
de leitura a que a literatura convida;
Os estudos culturais acreditam que seu próprio trabalho intelectual tem obrigação de – pode – fazer diferença;
Eles têm a obrigação de serem radicais, mas a oposição entre estudos culturais ativistas e estudos literários
passivos pode ser mero otimismo dos críticos;
“Um conjunto diferente de questões envolve os métodos para o estudo de objetos culturais de todos os tipos – as
vantagens e desvantagens de diferentes modos de interpretação e análise, tais como a interpretação dos objetos
culturais como estruturas complexas ou sua leitura como sintomas de totalidades sociais. Embora a interpretação
apreciativa tenha sido associada aos estudos literários e a análise sintomática, aos estudos culturais, cada um dos
dois modo pode combinar com cada um dos tipos de objeto cultural. A leitura cerrada da escrita não-literária não
implica valorização estética do objeto; tampouco fazer perguntas culturais a respeito das obras literárias implica
que elas são apenas documentos de um período”. (CULLER, 1999, p. 58)
CAPÍTULO 4
Linguagem, Sentido e Interpretação
A literatura envolve tanto as propriedades da linguagem quanto um tipo especial de atenção à linguagem;
Há pelos menos três dimensões ou níveis diferentes de sentido: o sentido de uma palavra, de uma elocução e
de um texto;
O texto, representando um falante desconhecido proferindo uma elocução enigmática, é algo que um autor
construiu, e seu sentido não é uma proposição, mas o que ele faz, seu potencial de afetar os leitores;
O sentido se baseia na diferença (é um, porque não é outro);
Uma língua é um sistema de diferenças (Ferdinand de Saussure);
Saussure sobre o signo linguístico: “sua característica mais precisa é ser o que os outros não são”;
Para Saussure, a língua é um sistema de signos e o fato-chave é o que ele chama de natureza arbitrária do
signo linguístico:
1. Primeiro, o signo (por exemplo, uma palavra) é uma combinação de uma forma (o “significante”) e de um
sentido (“o significado”) e a relação entre forma e sentido se baseia na convenção, não na semelhança natural;
2. Segundo aspecto da natureza arbitrária do signo: tanto o significante (forma) quanto o significado (sentido)
são eles próprios divisões convencionais do plano do som e do plano do pensamento, respectivamente. As
língua dividem o plano do som e o plano do pensamento de modo diferente;
Cada língua é um sistema de conceitos e de formas: um sistema de signos convencionais que organiza o
mundo;
A relação entre língua e pensamento é uma questão importante para a teoria recente: a língua apenas fornece
nomes para pensamentos que existem independentemente, a língua oferece maneiras de expressar
pensamentos preexistentes (o código linguístico é uma teoria do mundo);
Hipótese Sapir-Whorf – a língua que falamos determina o que conseguimos pensar;
As obras de literatura exploram as configurações ou categorias dos modos habituais de pensar e
frequentemente tentam dobrá-las ou reconfigurá-las, mostrando-nos como pensar algo que nossa língua não
havia previsto, forçando-nos a atentar para as categorias através das quais vemos o mundo irrefletidamente;
Saussure distingue o sistema de uma língua (langue) de exemplos particulares de fala e escrita (parole) – a
tarefa da linguística é reconstruir o sistema subjacente (ou gramática) da língua que torna possíveis os eventos
da parole – isso envolve mais uma distinção entre o estudo sincrônico da língua e o estudo diacrônico;
Compreender uma língua como um sistema que funciona é examiná-la sincronicamente, tentando explicar
detalhadamente as regras e convenções do sistema que tornam possíveis as formas e sentidos da língua;
Noam Chomsky – a tarefa da linguística é reconstruir a “competência linguística” dos falantes nativos: o
conhecimento ou habilidade específica que os falantes adquirem e os capacita a falar e entender até mesmo
sentenças que eles nunca encontraram antes;
Há uma diferença entre os projetos que tentam descrever as estruturas da língua: um, modelado na linguística,
considera os sentidos como aquilo que tem de ser explicado e tenta resolver como eles são possíveis; o outro,
por contraste, começa com as formas e procura interpretá-las, para nos dizer o que elas realmente significam –
nos estudos literários, este é um contrate entre a poética e a hermenêutica;
As obras de crítica literária frequentemente combinam poética e hermenêutica, indagando como um efeito
específico é obtido ou por que um final parece correto (ambas questões de poética), mas também indagando o
que um verso específico significa e o que um poema nos diz sobre a condição humana (hermenêutica);
Adotar os sentidos ou efeitos como ponto de partida (poética) é fundamentalmente diferente de buscar
descobrir o sentido (hermenêutica);
Os estudos literários na época moderna favorecerem a hermenêutica em detrimento da poética;
Pensar nos leitores e na maneira como eles entendem a literatura levou ao que é chamado de “estética da
recepção”, que afirma que o sentido do texto é a experiência do leitor – uma experiência que inclui hesitações,
conjecturas e autocorreções;
Interpretar uma obra é contar uma história de leitura;
Essa interpretação, porém, depende do que os teóricos chamam de “horizonte de expectativas” do leitor – uma
obra é interpretada como resposta a questões postas por esse horizonte de expectativas e um leitor dos anos 90
aborda Hamlet com expectativas diferentes das de um contemporâneo de Shakespeare;
O foco nas variações históricas e sociais dos modos de ler enfatiza que interpretar é uma prática social;
O que é comumente visto como “escolas” de crítica literária ou “abordagens” teóricas da literatura são, do
ponto de vista da hermenêutica, disposições de dar tipos específicos de respostas às questões de sobre o que,
em última instância, uma obra é: “a luta de classes” (marxismo); “a possibilidade de unificação da
experiência” (New Criticism); “conflito edipiano” (psicanálise); “a contenção de energias subversivas” (novo
historicismo); “a assimetria das relações de gênero” (feminismo); “a natureza autodesconstrutivista do texto”
(desconstrução); “a oclusão do imperialismo” (teoria pós-colonial); “a matriz heterossexual” (gay and lesbian
studies);
Essas abordagens dão origem a tipos específicos de intepretação nos quais os textos são mapeados numa
linguagem-alvo;
A vivacidade da instituição dos estudos literários depende dos fatos duplos de que (1) esses argumentos nunca
se resolvem, e (2) devem-se produzir argumentos sobre como cenas ou combinações de versos específicas
sustentam qualquer hipótese científica;
Intenção, texto, contexto, leitor – o que determina o sentido? – O sentido é complexo e esquivo, não algo
determinado de uma vez por todas por qualquer um desses fatores;
O sentido de uma obra não é o que o autor tinha em mente em algum momento, tampouco é simplesmente
uma propriedade do texto ou a experiência do leitor. O sentido é uma noção inescapável porque não é algo
simples ou simplesmente determinado. É simultaneamente uma experiência de um sujeito e uma propriedade
de um texto;
As explicações da hermenêutica frequentemente distinguem uma hermenêutica do resgate que busca
reconstruir o contexto original de produção (as circunstâncias e intenções do autor e os sentidos que um texto
poderia ter tido para seus leitores originais) de uma hermenêutica da suspeita, que busca expor os
pressupostos não examinados com os quais um texto pode contar (políticos, sexuais, filosóficos, linguísticos);
“Mais pertinente que essa distinção pode ser uma distinção entre (1) a interpretação que considera o texto, em seu
funcionamento, como tendo algo valioso a dizer (isso poderia ser hermenêutica reconstrutiva ou suspeitosa) e (2)
a interpretação “sintomática” que trata o texto como o sintoma de algo não-textual, algo supostamente “mais
profundo”, que é a fonte real de interesse, seja ele a vida psíquica do autor ou as tensões sociais de uma época ou
a homofobia da sociedade burguesa. A interpretação sintomática negligencia a especificidade do objeto – é um
signo de outra coisa – e portanto não é muito satisfatória enquanto um modo de interpretação, mas, quando
enfoca a prática cultural da qual a oba é um exemplo, pode ser útil para uma explicação daquela prática”.
(CULLER, 1999, p. 71)
CAPÍTULO 5
Retórica, Poética e Poesia
Poética – tentativa de explicar os efeitos literários através da descrição das convenções e operações de leitura
que os tornam possíveis e está intimamente associada à retórica (técnicas de linguagem e pensamento que
podem ser usadas para construir discursos eficazes);
A poesia se relaciona com a retórica: é linguagem que faz uso abundante de figuras de linguagem e linguagem
que visa a ser poderosamente persuasiva;
Aristóteles afirmou o valor da poesia enfocando a imitação (mimèsis) ao invés da retórica;
A poética não pode ser reduzida a uma explicação das figuras retóricas, mas a poética poderia ser vista como
parte de uma retórica expandida que estuda os recursos para os atos linguísticos de todos os tipos;
Uma figura retórica é geralmente definida como uma alteração ou desvio do uso “comum”;
Tradicionalmente a figura mais importante é a metáfora – ela trata algo como outra coisa, essa figura é tratada
como básica à linguagem e à imaginação porque é cognitivamente respeitável, não intrinsicamente frívola ou
ornamental;
Roman Jakobson: a metáfora e a metonímia são as duas estruturas fundamentais da linguagem: se a metáfora
se liga por meio da semelhança, a metonímia liga por meio da contiguidade;
Outros teóricos acrescentam a sinédoque e a ironia para completar a lista dos “quatro tropos principais”
(sinédoque – substituição do todo pela parte, as partes representam o todo; a ironia justapõe aparência e
realidade, o que ocorre é o oposto do que se espera);
Esses quatro tropos principais são usados pelo historiador Hayden White para analisar a explicação histórica
ou o “emplotment”, como ele a chama: são as estruturas retóricas básicas através das quais percebemos o
sentido da experiência;
A literatura depende de figuras retóricas, mas, também, de estruturas mais amplas como os gêneros literários;
Para os leitores os gêneros são conjuntos de convenções e expectativas – ficamos à espreita de coisas
diferentes e fazemos suposições sobre o que será significativo de acordo com o gênero;
Historicamente, muitos dos gêneros seguiram os gregos, que dividiram as obras em três classes extensas, de
acordo com quem fala: poesia ou lírica, em que o narrador fala na primeira pessoa; épica ou narrativa, em
que o narrador fala em sua própria voz, mas permite aos personagens falarem nas deles; e drama, em que só os
personagens falam – a esses três gêneros elementares, pode-se acrescentar o gênero moderno do romance, que
se dirige ao leitor através de um livro;
O poema – mais desenvolvido a partir da metade do século XX – parece ser uma elocução, mas é uma
evolução de uma voz de status indeterminado; ler suas palavras é colocar-se na posição de dizê-las ou então
imaginar uma outra voz dizendo-as, a voz, muitas vezes se diz, de um narrador ou falante construído pelo
autor;
Os poemas líricos são imitações ficcionais de elocução pessoal;
Os poemas líricos, geralmente, não se referem a um público real, mas utilizam de inflexões hiperbólicas
(dirigindo-se a um tigre, ao vento, à morte, etc.);
A extravagância da poesia inclui sua aspiração ao que os teóricos chamam de “sublime” – uma relação que
excede a capacidade humana de compreensão, provoca temor ou intensidade apaixonado, dá ao falante uma
percepção de algo além do humano (com uso de figuras retóricas como a apóstrofe, a personificação, a
prosopopeia);
A exigência hiperbólica de que o universo o escute e aja de acordo é uma providência pela qual os falantes se
constituem como poetas sublimes ou como visionários;
Os poemas narrativos narram um acontecimento, os poemas líricos lutam para ser um evento;
Northrop Frye: “a lírica é o gênero que mais claramente mostra o cerne hipotético da literatura, da narrativa e
do sentido em seus aspectos literais enquanto ordem de palavras e desenho de palavras”;
Frye chama os constituintes básicos da lírica de tartamudeio e garatuja, cujas raízes são o sortilégio e o
enigma – os poemas tartamudeiam, colocando em primeiro plano os traços não-semânticos da linguagem –
som, ritmo, repetição de letras – para produzir sortilégio ou encantamento, os poemas garatujam ou nos
propõem enigmas, em sua dissimulação caprichosa, em suas formulações enigmáticas;
Colocar a linguagem em primeiro plano e torná-la estranha através da organização métrica e da repetição de
sons é a base da poesia;
As teorias da poesia postulam relações entre diferentes tipos de organização da linguagem – métrica,
fonológica, semântica, temática – ou, para dizer de forma mais geral, entre as dimensões semânticas e não-
semânticas da linguagem, entre o que o poema diz e como o diz;
A tradição da poética torna disponíveis diversos modelos teóricos: os formalistas russos do início do século
XX postulam que um nível de estrutura num poema deveria espelhar outro, os teóricos românticos e os New
Critics ingleses e americanos traçam uma analogia entre os poemas e os organismos naturais: todas as partes
do poema deveriam se encaixar harmoniosamente, as leituras pós-estruturalistas postulam uma tensão
inelutável entre o que os poemas realizam e o que dizem, a impossibilidade de um poema, ou talvez de
qualquer ato de linguagem, praticar o que prega;
A interpretação do poema depende não apenas da convenção de unidade, mas também da convenção de
importância: a regra é que os poemas, não importa quão insignificantes na aparência, devem ser sobre algo
importante, e, portanto, os detalhes concretos deveriam ser considerados como tendo importância geral.
CAPÍTULO 6
Narrativa
As teorias literárias e cultural têm afirmado cada vez mais a centralidade cultural da narrativa;
A teoria da narrativa (“narratologia”) é um ramo ativo da teoria literária e o estudo literário se apoia em teorias
da estrutura narrativa: em noções de enredo, de diferentes tipos de narradores, de técnicas narrativas;
A poética da narrativa, como poderíamos chamá-la, tanto tenta compreender os componentes da narrativa
quanto analisa como narrativas específicas obtêm seus efeitos;
Aristóteles diz que o enredo é o traço mais básico da narrativa, que as boas histórias devem ter um começo,
meio e fim e que elas dão prazer por causa do ritmo de sua ordenação;
Um enredo exige transformação – uma mera sequência de acontecimentos não faz uma história;
A teoria narrativa também deve enfocar a capacidades dos leitores de identificar enredos;
A teoria da narrativa postula a existência de um nível de estrutura – o que geralmente chamamos de “enredo”
– independentemente de qualquer linguagem específica ou meio representacional;
Diferentemente da poesia, que se perde na tradução, o enredo pode ser preservado na tradução de uma
linguagem ou de um meio para outro (de um livro para um filme, por exemplo);
Os três níveis da narrativa são: acontecimentos, enredo (ou história) e discurso – funcionam como duas
oposições: entre acontecimentos e enredo e entre história e discurso;
O enredo ou história é o material que é apresentado, ordenado a partir de um certo ponto de vista pelo
discurso, mas o próprio enredo já é uma configuração de acontecimentos – o enredo é algo que os leitores
inferem a partir do texto, e a ideia dos acontecimentos elementares a partir dos quais esse enredo foi formado é
também uma inferência ou construção do leitor;
A distinção básica da teoria da narrativa, portanto, é entre enredo e apresentação, história e discurso;
Quem fala? Por convenção, diz-se que toda narrativa tem um narrador;
Quem fala para quem? O autor cria um texto que é lido pelos leitores – o público do narrador é, muitas vezes,
chamado de narratário. Quer os narratários sejam ou não explicitamente identificados, a narrativa
implicitamente constrói um público através daquilo que sua narração aceita sem discussão e através daquilo
que explica;
Quem fala quando? A narração pode estar situada na época em que os eventos ocorrem ou pode se seguir
imediatamente a acontecimentos específicos, como nos romances epistolares (romances sob a forma de cartas)
ou, como é mais comum, a narração pode ocorrer depois dos acontecimentos finais da narrativa, à medida que
o narrador olha em retrospecto para a sequência inteira;
Quem fala que linguagem? As vozes narrativas podem ter sua própria linguagem distintiva, na qual narram
tudo na história, ou podem adotar e relatar a linguagem de outros;
O teórico russo Mikhail Bakhtin descreve o romance como fundamentalmente polifônico (múltiplas vozes) ou
dialógica ao invés de monológico (única voz): a essência do romance é sua encenação de diferentes vozes ou
discursos e, portanto, do embate de perspectivas sociais e pontos de vista;
Quem fala com que autoridade? Narrar uma história é reivindicar uma certa autoridade, que os ouvintes
concedem – os teóricos falam de narração autorreflexiva quando os narradores discutem o fato de que estão
narrando uma história, hesitam sobre como conta-la ou até mesmo ostentam o fato de que podem determinar
como a história vai acabar, ela realça o problema da autoridade narrativa;
Quem vê? As discussões sobre a narrativa frequentemente falam do “ponto de vista a partir do qual uma
história é contada” – a história é, usando um termo desenvolvido pelos teóricos da narrativa Mieke Bal e
Gérard Genette, focalizada através dela, é dela a consciência ou posição através da qual os acontecimentos são
enfocados, o focalizador pode ou não ser o mesmo que o narrador, há inúmeras variáveis aqui:
1. Temporal – a narração pode focalizar os acontecimentos a partir da época em que ocorreram, a partir de logo
depois, ou a partir de muito tempo depois;
2. Distância e velocidade – a história pode ser focalizada através de um microscópio, por assim dizer, ou através
de um telescópio, avançando lentamente com grandes detalhes ou rapidamente nos contando o que aconteceu.
Mais distintivo é o que Gérard Genette chamada de “pseudoiterativo”, no qual algo tão específico que não
poderia acontecer repetidas vezes é apresentado como o que aconteceu regularmente;
3. Limitações de conhecimento – num extremo, uma narrativa pode focalizar a história através de uma
perspectiva muito limitada – a perspectiva de um “olho de câmera” ou de uma “mosca na parede” – relatando
as ações sem nos dar acesso aos pensamentos do personagem. A narração não é confiável, pois pode resultar
de limitações do ponto de vista – quando se percebe que a consciência através da qual ocorre a focalização é
incapaz de ou não está disposta a compreender os acontecimentos como o fariam os leitores competentes de
histórias.
Essas e outras variações na narração e focalização são responsáveis por determinar o efeito global dos
romances;
Os teóricos também discutem a função das histórias;
O prazer da narrativa se vincula ao desejo. Os enredos falam do desejo e do que acontece com ele, mas o
movimento da própria narrativa é impulsionado pelo desejo sob a forma de “epistemofilia”, um desejo de
saber: queremos descobrir segredos, saber o final, encontrar a verdade;
As história também têm a função de nos ensinar sobre o mundo, nos mostrando como ele funciona, nos
possibilitando – através dos estratagemas da focalização – ver as coisas de outros pontos de vista e entender as
motivações dos outros que, em geral, são opacas para nós;
O romancista E. M. Foster observa que, ao oferecer a possibilidade de conhecimento perfeito a respeito dos
outros, os romances compensam nossa falta de clareza sobre os outros na vida “real”;
Através do conhecimento que apresentam, as narrativas policiam;
Na medida em que nos tornamos quem somos através de uma série de identificações, os romances são um
mecanismo poderoso de internalização das normas sociais. Mas as narrativas também fornecem uma
modalidade de crítica social.
CAPÍTULO 7
Linguagem Performativa
“O conceito de elocução performativa foi desenvolvido no decênio de 1950 pelo filósofo britânico J. L. Austin.
Ele propôs uma distinção entre duas espécies de elocuções: as elocuções constativas, tais como “Jorge prometeu
vir”, fazem uma afirmação, descrevem um estado de coisas e são verdadeiras ou falsas. As elocuções
performativas não são verdadeiras ou falsas e realmente realizam a ação a que se referem. Dizer “Prometo pagar-
lhe” não é descrever um estado de coisas, mas realizar o ato de prometer; a elocução é ela própria o ato”.
(CULLER, 1999, p. 95)
A elocução performativa pode ser adequada ou inadequada, dependendo das circunstâncias; pode ser “feliz”
ou “infeliz”;
As elocuções performativas não descrevem, mas realizam a ação que designam – é ao pronunciar essas
palavras que prometo, dou ordens ou me caso, por exemplo;
A distinção entre performativa e constativa capta uma diferença importante entre os tipos de elocução e tem
uma grande virtude de nos alertar para o grau em que a linguagem realiza ações ao invés de simplesmente
relatá-las;
As elocuções constativas também realizam ações – ações de declarar, afirmar, descrever e assim por diante.
Vêm a ser um tipo de performativa, isso se torna significativo num estágio posterior;
“Os críticos literários adotaram a noção de performativa como algo que ajuda a caracterizar o discurso literário.
Há muito tempo os teóricos afirmam que devemos atentar para o que a linguagem literária faz tanto quanto para o
que ela diz e o conceito da performativa fornece uma justificativa linguística e filosófica para essa ideia: há uma
categoria de elocuções que, sobretudo, fazem algo. Como a performativa, a elocução literária não se refere a um
estado anterior de coisas e não é verdadeira ou falsa. A elocução literária também cria o estado de coisas ao qual
se refere, em diversos aspectos. Primeiro e mais simplesmente, cria personagens e suas ações (...) Segundo, as
obras literárias criam ideias, conceitos, que colocam em campo.” (CULLER, 1999, p. 97)
Em resumo, a performativa traz para o centro do palco um uso da linguagem anteriormente considerado
marginal – um uso ativo, criador do mundo, da linguagem, que se assemelha à linguagem literária – e nos
ajuda a conceber a literatura como ato ou acontecimento. A noção de literatura como performativa contribui
para uma defesa da literatura: a literatura não é uma pseudodeclaração frívola, mas assume seu lugar entre os
atos de linguagem que transformam o mundo, criando as coisas que nomeiam;
A performativa rompe o vínculo entre sentido e intenção do falante, já que o ato que realiza com minhas
palavras não está determinado pela minha intenção, mas por convenções sociais e linguísticos;
Austin: a elocução não deveria ser considerada como o sinal exterior de algum ato interior que ela
representava verdadeira ou falsamente;
Como as elocuções literárias são também acontecimentos em que a intenção do autor não é pensada como
sendo o que determina o sentido, o modelo da performativa parece altamente pertinente;
A felicidade de uma elocução literária poderia, portanto, envolver sua relação com as convenções de um
gênero;
A possibilidade de repetição é básica para a linguagem e as performativas em particular só podem funcionar se
forem reconhecidas como versões ou citações de fórmulas regulares;
A linguagem é performativa no sentido de que não apenas transmite informação, mas realiza atos através de
sua repetição de práticas discursivas ou de maneiras de fazer as coisas estabelecidas. Isso será importante para
os destinos posteriores da performativa;
Derrida também relaciona a performativa com o problema geral dos atos que dão origem ou inauguram, atos
que criam algo novo, tanto na esfera política quanto na literária;
Tanto o ato político quanto o literário dependem de uma combinação complexa, paradoxal, da performativa e
da constativa, em que, para ser bem-sucedido, o ato deve convencer, referindo-se a estados de coisas em que o
sucesso consiste em criar a condição à qual se refere. As obras literárias afirmam falar-nos sobre o mundo,
mas, se são bem-sucedidas, o são através da criação dos personagens e acontecimentos que relatam;
A dificuldade que Austin encontra em separar a performativa da constativa pode ser vista como uma
característica crucial do funcionamento da linguagem – se cada elocução é tanto performativa quanto
constativa, incluindo pelo menos uma afirmação implícita de um estado de coisas e um ato linguístico, a
relação entre o que uma elocução diz e o que ela faz não é necessariamente harmoniosa ou cooperativa;
A constativa é linguagem que afirma representar as coisas como elas são, nomear as coisas que já estão aqui, e
a performativa são as operações retóricas, os atos de linguagem, que minam essa afirmação impondo
categorias linguísticas, criando as coisas, organizando o mundo em lugar de simplesmente representar o que
existe – é uma “aporia”, um “impasse”;
O argumento de que o ato de afirmar ou descrever é de fato performativo deve assumir a forma de afirmações
constativas;
O caráter histórico do processo performativo cria a possibilidade de uma luta política;
Austin: o conceito de performativa ajuda a pensar um aspecto específico da linguagem negligenciado por
filósofos anteriores;
Butler: o conceito de performativa é um modelo para se pensar os processos sociais cruciais em que uma
quantidade de questões está em jogo: (1) a natureza da identidade e como ela é produzida, (2) o funcionamento
das normas sociais, (3) o problema fundamental do que hoje chamamos de “agência”, e (4) a relação entre o
indivíduo e mudança social;
Austin sobre a natureza do acontecimento literário: podemos dizer que a obra literária realiza um ato singular,
específico – ela cria aquela realidade que é a obra, e suas sentenças realizam algo em particular naquela obra.
Para cada obra, pode-se tentar especificar o que ela e suas partes realizam, da mesma maneira que se pode
tentar explicitar o que é prometido num ato específico de promessa;
Butler sobre a natureza do acontecimento literário: uma obra é bem-sucedida, se torna um acontecimento,
através de uma repetição maciça que adota normas e, possivelmente, muda coisas. Se um romance acontece,
isso ocorre porque, em sua singularidade, ele inspira uma paixão que dá vida a essas formas, em atos de leitura
e rememoração, repetindo sua inflexão das convenções do romance e, talvez, efetuando uma alteração nas
normas ou nas formas através das quais os leitores vão confrontar o mundo – a performatividade do poema, da
obra literária não é um ato singular realizado de uma vez por todas, mas uma repetição que dá vida às formas
que ela repete.
CAPÍTULO 8
Identidade, Identificação e o Sujeito
Vertentes básicas do pensamento moderno sobre a identificação:
1. Optando pelo dado e pelo individual, trata o eu como algo interno e singular, algo que é anterior aos atos que
realiza, um âmago interior que é variadamente expresso (ou não expresso) em palavras e atos;
2. Combinando o dado e o social, enfatiza que o eu é determinado por suas origens e atributos sociais: você é
homem ou mulher, branco ou negro, britânico ou norte-americano, e assim por diante, esses são fatos
primários, dados do sujeito ou eu;
3. Combinando o individual e o construído, enfatiza a natureza cambiante de um eu que se torna o que é através
de seus atos específicos;
4. Combinação do social e do construído enfatiza que me torno o que sou através das variadas posições de sujeito
que ocupo, como patrão e não empregado, rico e não pobre, etc.
A tradição moderna dominante no estudo da literatura trata da individualidade do indivíduo como algo dado,
um âmago que é expresso em palavras e atos e que pode, portanto, ser uado para explicar a ação;
A “teoria” tem contestado não apenas esse modelo de expressão, em que atos ou palavras funcionam
expressando um sujeito anterior, mas a prioridade do próprio sujeito;
Michel Foucault escreve, “as pesquisas da psicanálise, da linguística, da antropologia, ‘descentralizam’” o
sujeito em relação às leis de seu desejo, às formas de sua linguagem, às regras de suas ações, ou ao jogo de seu
discurso mítico e imaginativo;
Se as possibilidades de pensamento e ação são determinadas por uma série de sistemas que o sujeito não
controla e nem ao menos compreende, então o sujeito está “descentralizado”, no sentido de que não é uma
fonte ou centro ao qual nos referimos para explicar os acontecimentos, ele é algo formado por essas forças –
assim, a psicanálise trata o sujeito não como uma essência singular, mas como o produto de mecanismos
psíquicos, sexuais e linguísticos que se entrecruzam;
A teoria marxista vê o sujeito como determinado pela posição de classe – ou ele lucra com o trabalho de
outrem ou trabalha para o lucro de outrem;
A teoria feminista enfatiza o impacto dos papeis de gênero socialmente construídos no processo de fazer o
sujeito que ele ou ela é;
A “Queer Theory” argumenta que o sujeito heterossexual é construído através da repressão da possibilidade
do homossexualismo;
A teoria se inclina a argumentar que ser um sujeito é estar sujeitado a vários regimes (psicossocial, sexual,
linguístico);
As obras literárias oferecem uma gama de modelos implícitos de como se forma a identidade;
A explosão da recente teorização sobre raça, gênero e sexualidade no campo dos estudos literários deve muito
ao fato de que a literatura fornece materiais ricos para complicar as explicações políticas e sociológicas acerca
do papel que esses fatores desempenham na construção da identidade;
A estrutura, em que você tem de se tornar o que supostamente já era surgiu como um paradoxo ou aporia para
a teoria recente, mas tem estado em ação o tempo todo nas narrativas;
As obras literárias caracteristicamente representam indivíduos, de modo que as lutas a respeito da identidade
são lutas no interior do indivíduo e entre o indivíduo e o grupo: os personagens lutam contra ou agem de
acordo com as normas e expectativas sociais;
Os teóricos argumentam que os romances, ao fazer da individualidade do indivíduo seu foco central,
constroem uma ideologia da identidade individual, cujo descuido das questões sociais mais amplas os críticos
deveriam questionar;
As obras literárias encorajam a identificação com os personagens, mostrando as coisas do seu ponto de vista;
Diz-se que a literatura corrompe através de mecanismos de identificação – os paladinos da educação literária,
esperam, ao contrário, que a literatura nos transforma em pessoas melhores através da experiência vicária e
dos mecanismos de identificação;
O discurso representa identidades que já existem ou as produz?
Freud: a identificação é um processo psicológico no qual o sujeito assimila um aspecto do outro e é
transformado, inteira ou parcialmente, de acordo com o modelo que o outro fornece – a personalidade ou o eu
é constituído por uma série de identificações;
Jacques Lacan: “estádio do espelho” – o eu é constituído pelo reflexo que é devolvido à criança, por um
espelho, pela mãe e por outrem nas relações sociais em geral. A identidade é o produto de uma série de
identificações parciais, nunca completadas;
Mikkel Borch-Jakobson: a identificação precede o desejo e a identificação com outrem envolve imitação ou
rivalidade que é a fonte do desejo;
René Girard e Eve Sedgwick: o desejo nasce da identificação e da rivalidade;
A identificação também desempenha um papel na produção de identidades de grupo;
Para os membros de grupos historicamente oprimidos ou marginalizados, as histórias estimulam a
identificação com um grupo potencial e trabalham no sentido de fazer do grupo um grupo, mostrando-lhes
quem ou o que poderiam ser;
O que torna o problema da identidade crucial e inevitável são as tensões e conflitos que ela encapsula (nisso se
assemelha a “sentido”);
O processo de formação da identidade não apenas coloca em primeiro plano algumas diferenças e negligencia
outras, toma uma diferença ou divisão interna e a projeta como uma diferença entre os indivíduos ou grupos;
Uma fonte de confusão é um pressuposto que muitas vezes estrutura o debate nessa área, o de que as divisões
internas no sujeito de alguma maneira excluem a possibilidade de “agência”, de ação responsável;
Judith Butler: “a reconceituação da identidade como um efeito, isto é, como produzido ou gerado abre
possibilidades de “agência” que são insidiosamente excluídas pelas posições que consideram as categorias da
identidade como fundacionais e fixas” – Butler situa a agência nas variações da ação, nas possibilidades de
variação na repetição que carregam sentido e criam identidade;
Porém, as concepções tradicionais do sujeito na realidade trabalham no sentido de limitar a responsabilidade e
a agência. Se o sujeito significa “o sujeito consciente”, então você pode alegar inocência, negar
responsabilidade, se você não escolheu conscientemente ou pretendeu as consequências de um ato que
cometeu – se, ao contrário, sua concepção de sujeito inclui o inconsciente e as posições de sujeito que você
ocupa, a responsabilidade pode ser ampliada;
A noção ampliada de sujeito combate a restrição de agência e responsabilidade derivada das concepções
tradicionais de sujeito.
Formalismo Russo
Os formalistas russos dos primeiros anos do século XX salientaram que os críticos deveriam se preocupar com
a literariedade da literatura: as estratégias verbais que a tornam literária, a colocação em primeiro plano da própria
linguagem, e o “estranhamento” da experiência que elas conseguem.
New Criticism
Concentrava sua atenção na unidade ou integração das obras literárias. O New Criticism tratava os poemas
como objetos estéticos e não como documentos históricos e examinava as interações de seus traços verbais e as
complicações decorrentes do sentido ao invés das intenções e circunstâncias históricas de seus autores. Procurava
mostrar a contribuição da forma poética para uma estrutura unificada.
Fenomenologia
Ela busca evitar o problema da separação entre sujeito e objeto, consciência e mundo, enfocando a realidade
fenomenal dos objetos tal como eles aparecem para a consciência. Para o leitor, a obra é o que é dado à consciência;
pode-se argumentar que a obra não é algo objetivo, que existe independentemente de qualquer experiência dela, mas é
a experiência do leitor.
Uma outra versão da fenomenologia orientada para o leitor é chamada de “estética da recepção” (Hans Robert
Jauss). Uma obra é uma resposta a perguntas colocadas por um “horizonte de expectativas”. A interpretação das obras
deveria enfocar a história da recepção de uma obra e sua relação com as normas estéticas e conjuntos de expectativas
mutáveis que permitem que ela seja lida em diferentes épocas.
Estruturalismo
Também tem como foco a maneira como o sentido é produzido. O estruturalismo se originou em oposição à
fenomenologia: ao invés de descrever a experiência, a meta era identificar as estruturas subjacentes que a tornam
possível. O estruturalismo buscava analisar as estruturas que operam inconscientemente (as estruturas da linguagem,
da psique, da sociedade).
Nos estudos literários, o estruturalismo promove uma poética interessada nas convenções que tornam possíveis
as obras literárias; busca não produzir novas interpretações das obras, mas compreender como elas podem ter os
sentidos e efeitos que têm.
Pós-estruturalismo
O pós-estruturalismo demonstra menos as inadequações ou erros do estruturalismo do que se desvia do projeto
de resolver o que torna os fenômenos culturais inteligíveis e enfatiza, em lugar disso, uma crítica do conhecimento, da
totalidade e do sujeito. Trata cada um deles como um efeito problemático. As estruturas dos sistemas de significação
não existem independentemente do sujeito, como objetos do conhecimento, mas são estruturas para os sujeitos, que
estão emaranhados nas forças que os produzem.
Desconstrução
É mais simplesmente definida como uma crítica das oposições hierárquicas que estruturam o pensamento
ocidental: dentro/fora; corpo/mente; literal/metafórico; fala/escrita; presença/ausência; natureza/cultura; forma/sentido.
Desconstruir uma oposição é mostrar que ela não é natural nem inevitável, mas uma construção produzida por
discursos que se apoiam nela, e mostrar que ela é uma construção num trabalho de desconstrução que busca
desmantelá-la e reinscrevê-la – isto é, não destruí-la, mas dar-lhe uma estrutura e funcionamento diferentes. Na
expressão de Barbara Johnson, uma “separação de forças de significação em guerra no interior de um texto”.
Teoria Feminista
As teorias feministas defendem a identidade das mulheres, exigem direitos para as mulheres e promovem os
textos de mulheres como representações da experiência das mulheres. Por outra lado, as feministas empreendem uma
crítica teórica da matriz heterossexual que organiza as identidades e culturas em termos de oposição entre homem e
mulher. Elaine Showalter distingue a “crítica feminista” de pressupostos e procedimentos masculinos da “ginocrítica”,
uma crítica feminista preocupada com as autoras e com a representação da experiência das mulheres.
Psicanálise
É a hermenêutica moderna mais poderosa: uma metalinguagem ou vocabulário técnico autorizado que pode
ser aplicado às obras literárias, assim como a outras situações, para entender o que está “realmente” acontecendo.
Lacan descreve o sujeito como um efeito da linguagem e enfatiza o papel crucial na análise do que Freud
chamou de transferência, na qual o analisando coloca o analista no papel de figura de autoridade do passado
(“apaixonar-se pelo seu analista”). É uma disciplina pós-estruturalista na qual a interpretação é uma reapresentação de
um texto que a pessoa não domina.
Marxismo
Para o marxismo, os textos pertencem a uma superestrutura determinada pela base econômica (as “relações
reais de produção”). Interpretar os produtos culturais é relacioná-los de volta com a base. Althusser mapeia uma
explicação marxista da determinação do indivíduo pelo social na psicanálise. O sujeito é um efeito constituído no
processo do inconsciente, do discurso e das práticas relativamente autônomas que organizam a sociedade.
Novo Historicismo/Materialismo Cultural
Por um lado, há o materialismo cultural britânico, definido por Raymond Williams como “a análise de todas
as formas de significação, inclusive muito centralmente a escrita, no interior dos meios e condições reais de sua
produção”, de outro lado há o novo historicismo nos Estados Unidos, que está menos inclinado a postular uma
hierarquia de causa e efeito à medida que rastreia as ligações entre os textos, os discursos, o poder e a constituição da
subjetividade. Os dois se voltam à Renascença.
Teoria Pós-Colonial
Um conjunto relacionado de questões teóricas surge na teoria pós-colonial: a tentativa de compreender os
problemas postos pela colonização europeia e suas consequências.
Queer Theory
Como a desconstrução e outros movimentos contemporâneos, a Queer Theory usa o marginal – o que foi posto
de lado como perverso, além dos limites, radicalmente outro – para anlisar a construção cultural do centro:
normatividade heterossexual. No trabalho de Eve Sedgwick, Judith Butler e outros, a Queer Theory tornou-se o espaço
de um questionamento produtivo não apenas da construção cultural da sexualidade, mas da própria cultura, tal como
baseada numa negação das relações homoeróticas.
AUTORES
Jacques Derrida: autor do movimento pós-estruturalista. Sua crítica ao conceito de “estrutura” e ao estruturalismo
estão na base da desconstrução, uma posição teórica declaradamente “pós-estruturalista”, que questiona o pressuposto
de que as estruturas de sentido correspondem a algum padrão mental enraizado que determina os limites da
inteligibilidade. Em suas formulações, a desconstrução propõe que se desmontem as oposições binárias
(razão/desrazão, natureza/cultura, homem/mulher, fala/escrita) que, segundo os desconstrucionistas, caracterizam o
pensamento ocidental.
Como não existe neutralidade na teoria ou na crítica, fica claro que, ao privilegiar essa posição teórica. Culler
deixa de discutir outros modos de ler as relações entre mundo e linguagem e entre literatura e mundo. A desconstrução
desconsidera, por exemplo, a noção de literatura como prática social, não levando em conta as formas de significação
no contexto das condições reais de sua produção.