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Retrocessos e avanços1
Resumo: O artigo faz uma análise sobre o desenvolvimento econômico brasileiro: retrocessos e
avanços de 1950 a 2008. Na economia brasileira verificam-se flutuações periódicas que podem ser
atribuídas, em sua grande maioria, à crise energética e à crise do balanço de pagamentos. A análise
alerta sobre os riscos das decisões de congelamento do câmbio e da liquidação do crédito e o que
essas decisões impactaram na agricultura, especialmente na correção de distorções por meio de
ajustes, provocando e acumulando passivos no setor. A análise conclui que crescimento depende
de pesquisa, de conhecimento e de inovação e que o governo deve priorizar suas ações nas tarefas
típicas de governo para que o Brasil volte a crescer em níveis maiores do que os atuais.
Palavras-chave: balança de pagamentos, crise energética, desenvolvimento econômico, Produto
Interno Bruto (PIB).
Abstract: This article is an analysis on the Brazilian economic development: retrogresses and ad-
vances from 1950 to 2008. In the Brazilian economy, there are periodic fluctuations attributed, in
great part, to the energy crisis and to the balance of payments crisis. The analysis warns of risks of
possible decisions to freeze the exchange rate and credit liquidation and how these decisions impact
agriculture, especially through the correction of distortions, provoking and accumulating passives in
this sector. The analysis concludes that growth depends on research, on accumulation of knowledge
and on innovation, that the government must prioritize its action in typical governmental tasks so
that Brazil comes to grow at higher rates than the current ones.
Keywords: balance of payments, energy crisis, economic development, Gross Domestic Product (GDP).
Contudo, em que pese o choque do petróleo de as exportações vinham crescendo a uma taxa
1974, o crescimento econômico de 1951 a 1980 de 4,5 % a.a. enquanto a dívida externa crescia
foi muito elevado, alcançando 7,4 % a.a. 6,5 % a.a. Uma contabilidade simples: se a re-
ceita cresce 4,5 % a.a. e a dívida cresce muito
No período (1981–1993), o crescimento
mais, a trombada está anunciada. Um novo
caiu para cerca de 2,5 %, e os elevados picos
empréstimo foi concedido pelo FMI.
observados na relação estão muito associados
ao segundo choque do petróleo. O terceiro Em 2002, no entanto, acontece algo in-
período, que vai de 1995 a 2002, é o governo teiramente misterioso e, dessa data em diante,
do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e o surge um mundo novo. O empréstimo garantiu
último período mostra o que ocorre após 2002. um equilíbrio que, por seu turno, permitiu a
Esse último período foi caracterizado por uma um PT inexperiente, em matéria de governo, o
queda acentuada da relação Dívida Líquida/ tempo necessário para o aprendizado. De re-
Exportações que chegou a 0,5 % – uma relação pente, ocorre um crescimento mais elevado no
muito virtuosa. mundo, combinado com um rápido aumento
da urbanização. Este é o ponto central: com a
O importante é sabermos como isso
urbanização, um grande número de pessoas
aconteceu. Em 1998, o Brasil quebrou. A taxa
deixou o campo (notadamente nos chamados
de câmbio ficou congelada entre 1995 e 1998
países “emergentes”), a oferta agrícola diminuiu,
e o País solicitou ao Fundo Monetário Interna-
embora não de forma expressiva e a renda dessas
cional um empréstimo de 42 bilhões de dólares.
pessoas aumentou.
Naquele momento, o empréstimo foi muito
importante porque estávamos próximos a uma Em consequência, mudou o perfil da de-
eleição presidencial. Caso a ajuda não tivesse manda, aumentando o consumo de proteínas
sido concedida, o Brasil ficaria numa situação (carnes) e reduzindo o consumo de outros pro-
muito delicada e teria que enfrentar o processo dutos (arroz, por exemplo). Essas modificações
eleitoral numa situação de default. Apesar dessa na demanda e na oferta, impulsionadas adicio-
ajuda, o País quebrou novamente em 2002, pois nalmente pela desvalorização do dólar frente a
Foi muito difícil para a agricultura suportar A mesma coisa há de ser observada no
tal situação de endividamento, mas felizmente setor mineral. Para tanto, basta notar que cada
houve uma compreensão da situação que levou um daqueles pneumáticos cuja altura é a de um
à renegociação da dívida agrícola. Seria impor- prédio de quatro andares substitui cerca de cem
tante introduzir o seguro de renda na agricultura, trabalhadores. Faz-se mister, portanto, que a es-
trutura produtiva da economia brasileira oriente-
pois assim, o setor poderá entrar de novo num
se principalmente em direção à indústria, como
caminho muito mais próspero.
tem sido verificado em outros países.
Esses fatos mostram que existe a possibi-
lidade de uma crise em contas correntes? Pro-
vavelmente não. Entre o final de 2008 e início Crise de energia e
de 2009 deverá ocorrer uma estabilização dos crescimento econômico
níveis de preços, ou mesmo uma redução, o que E o que afirmar do ponto de vista de ener-
diminui o ritmo de crescimento das exportações. gia? A Fig. 5 mostra, no eixo vertical, o consumo
Em 2008, o governo providenciou um programa per capita de energia em toneladas equivalentes
denominado industrial exportador. Esse programa de petróleo e no eixo horizontal o PIB per capita
deve levar 3 anos para obter resultados e vem em diversos países. O PIB per capita é calculado
exatamente compensar a possibilidade de re- com base na paridade do poder de compra.
dução do ritmo de crescimento das exportações
O cálculo é simples. Considera-se uma
agrícolas.
cesta de bens: sapato, gravata, feijão, arroz,
Caso o Brasil cresça 5 %, vai continuar batata, etc. Para cada país, mede-se essa cesta
aumentando as importações de maneira impor- na moeda local – seja reais, euros, dólares, etc.
tante, mas provavelmente terá tempo para evitar
qualquer crise. O País está com 200 bilhões de
dólares de reserva, suficientes para suportar uns 4
anos de dificuldades, até que se consiga planejar
melhor o futuro. E acredito que isso irá ocorrer
antes desses 4 anos.
Essa conduta de planejar, a longo prazo,
25 anos à frente, está começando a se consolidar
no País. A falta desse planejamento provocou as
dificuldades que ocorreram após 1985. Daqui a
25 anos, o Brasil terá algo como 220 milhões de
pessoas, deverá dar emprego decente para 150
milhões de trabalhadores ativos entre 15 e 65
anos e isso não será possível com a composição Fig. 5. Consumo de energia primária e PIB (2002).
das exportações que temos hoje, dominada pelo Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
agronegócio. Fonte: Goldman Sachs (2007).
200 mil leis; mais de 300 mil decretos; mais Economic Forum (2008) publicou o ranking
de 400 portarias, no total de quase mil disposi- 2007–2008 da competitividade global para 131
ções. No nível municipal, foram emitidas mais países. As Tabelas 3 e 4 mostram aspectos sele-
de 400 mil leis; mais de 400 mil decretos; mais cionados dessa classificação.
de 1 milhão de portarias, mais de 2 milhões de No quesito Extensão e Efeito de Taxação,
disposições, no total maior que 3 milhões de o Brasil está classificado em último lugar; no
disposições fiscais. quesito regulamentação do governo, está em
Isso que dizer que são 730 medidas por dia 128º. Também ocupamos posições muito ruins
útil, exigindo dos empresários alguma obrigação nos quesitos procedimentos alfandegários, crime
adicional. É por isso que o custo de preparação organizado, desvio de dinheiro público, qualida-
dos papéis para pagar o governo leva, aqui no de de educação primária, prática de contratações
Brasil, mais de 2.600 homens-hora por ano. Na e demissões, todos com um nível alto, maiores
China, são 872 horas, na Índia 264 horas, e na do que 121.
Rússia 256 horas. A posição geral do Brasil é o 126º lugar
A carga tributária brasileira implica num em 131 países. Nossos competidores diretos, os
custo de arrecadação gigantesco. É interessante outros Brics, estão em posições melhores, confor-
ainda observar que, segundo o último artigo me pode ser visto na Tabela 3. O País está numa
publicado no Anuário Jurídico, das leis emiti- desvantagem gigantesca naquilo que diz respeito
das no nível federal, 60 % têm algum tipo de às atividades de governo. Tudo que depende da
ação do governo está defasado com relação ao
inconstitucionalidade e vão parar no Supremo;
resto do mundo.
no nível estadual essa porcentagem está na faixa
de 70 %, e no nível municipal 97 % têm alguma Vejamos agora como o Brasil está no que
inconstitucionalidade. diz respeito ao setor privado. Examinando a
Tabela 4, notamos que em fatores como dispo-
nibilidade local de máquinas e equipamentos o
A eficiência do governo País está com uma pontuação boa (24); a Chi-
na, 9; Índia, 17 e a Rússia, 31. Em capacidade
e da iniciativa privada inovadora das empresas, o Brasil é o melhor de
Gostaria de mostrar, agora, que é no gover- todos. Neste quesito a Embrapa tem uma contri-
no que as coisas funcionam com dificuldade. O buição importante para a tal boa pontuação. Em
setor privado brasileiro produziu um ajuste para sofisticação do mercado financeiro, a distância
um crescimento muito mais robusto. O World brasileira de seus competidores é brutal.
A supervalorização do dólar, ocorrida re- nismos de arbitragem funcionam com tal perfeição
centemente, foi produzida exatamente por essa que o dólar se valoriza enormemente.
extrema eficiência de intermediação do Brasil. O Em outros itens do ranking, o Brasil tam-
País tem um sistema financeiro tão sofisticado que bém está em boa situação. Em sofisticação no
em qualquer elevação da taxa de juros, os meca- processo de produção, o Brasil está na frente; nos
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