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Desenvolvimento

econômico brasileiro Antonio Delfim Netto2

Retrocessos e avanços1

Resumo: O artigo faz uma análise sobre o desenvolvimento econômico brasileiro: retrocessos e
avanços de 1950 a 2008. Na economia brasileira verificam-se flutuações periódicas que podem ser
atribuídas, em sua grande maioria, à crise energética e à crise do balanço de pagamentos. A análise
alerta sobre os riscos das decisões de congelamento do câmbio e da liquidação do crédito e o que
essas decisões impactaram na agricultura, especialmente na correção de distorções por meio de
ajustes, provocando e acumulando passivos no setor. A análise conclui que crescimento depende
de pesquisa, de conhecimento e de inovação e que o governo deve priorizar suas ações nas tarefas
típicas de governo para que o Brasil volte a crescer em níveis maiores do que os atuais.
Palavras-chave: balança de pagamentos, crise energética, desenvolvimento econômico, Produto
Interno Bruto (PIB).

Brazilian economic developments: retrogresses and advances

Abstract: This article is an analysis on the Brazilian economic development: retrogresses and ad-
vances from 1950 to 2008. In the Brazilian economy, there are periodic fluctuations attributed, in
great part, to the energy crisis and to the balance of payments crisis. The analysis warns of risks of
possible decisions to freeze the exchange rate and credit liquidation and how these decisions impact
agriculture, especially through the correction of distortions, provoking and accumulating passives in
this sector. The analysis concludes that growth depends on research, on accumulation of knowledge
and on innovation, that the government must prioritize its action in typical governmental tasks so
that Brazil comes to grow at higher rates than the current ones.
Keywords: balance of payments, energy crisis, economic development, Gross Domestic Product (GDP).

Introdução dessa conversa, produzir este artigo. É interessante


relembrar que o investimento em pesquisa agrope-
Agradeço à Diretoria-Executiva da Embrapa
a honra de me ter concedido a oportunidade de cuária, que tem na criação da Embrapa seu mais
importante marco institucional, foi uma das me-
conversar com seus chefes de Unidades e, a partir
1
Palestra proferida na Embrapa Instrumentação Agropecuária em 5 de junho de 2008, em São Carlos, SP, e transformada em artigo por Marlene de Araújo
e revisada por Antônio Salazar Pessôa Brandão.
2
Professor emérito da USP, ex-ministro da Fazenda, ex-ministro da Agricultura e ex-ministro do Planejamento. E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

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lhores iniciativas do governo federal. Essa decisão tanto quanto o fizeram Japão e Coreia no Oriente.
nasceu de uma espécie de vingança. Em 1969, Durante esses anos, o País cresceu 6,5 % a.a.,
ocorria a Revolução Verde, mas nossa agricultura um crescimento robusto.
não acompanhava essa tendência. Na época, o
Para se fazer uma análise sem viés, é
Banco Mundial resolveu financiar grandes insti-
preciso separar o crescimento nacional do cres-
tutos, um no México e outro nas Filipinas, mas se
recusou a financiar uma instituição no Brasil. cimento mundial, posto que o Brasil só cresce
efetivamente quando cresce mais do que o
A Embrapa tem sua origem não apenas mundo. Se crescer tanto quanto este, o País está
numa necessidade extraordinária, mas numa de- parado; se crescer menos, está ficando para trás.
cisão do governo do Presidente Emílio Médici, por A Fig. 1 mostra a diferença entre as taxas anuais
sugestão do ministro Cyrne Lima, de enfrentar um de crescimento do Brasil e do mundo, desde
problema que naquele momento parecia muito 1951 até o presente. Observemos que entre
importante e que depois revelou-se realmente 1951 e 1985, o Brasil crescia 2,2 % mais que o
importantíssimo. Em 1972, quando esta instituição mundo, enquanto a partir de 1985, o País veio a
foi criada, não havia certeza de que daria certo, de
crescer menos, 0,73 %. Houve uma diminuição
que iria crescer e se desenvolver. Seus mentores
significativa do nosso crescimento.
estavam longe de imaginar que ela ia transformar
o que era um enorme passivo nacional, o Bioma Ao lado dessa mudança de ritmo, tem-se
Cerrado, num dos melhores ativos do País. verificado flutuações periódicas do crescimento
da economia brasileira, as quais podem ser atri-
buídas, em sua grande maioria, a dois fatores:
O crescimento do Produto Interno crise energética e crise do balanço de pagamen-
Bruto (PIB) no Brasil menos o PIB tos. A crise de 1990 é uma exceção, pois está
associada à instabilidade política no governo
mundial do Presidente Collor. A maioria das outras está
Desde o início da segunda metade do ligada sempre aos dois elementos mencionados
século 20, ao longo de 35 anos, o Brasil foi um acima: crise de energia e/ou crise do balanço de
dos países que mais cresceu no mundo ocidental, pagamentos.

Fig. 1. Taxa de crescimento


do Brasil menos a do mundo
(1951–2008).
Elaboração: Idéias Consultoria
Fonte: FMI (2008); Delfim Netto (2005).

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Entre 1951 e 1955, o Brasil viveu uma crise uma crise cambial. Em 2001, tivemos o “apagão”
energética por conta da falta de investimentos causado pela falta de investimento no setor de
no setor. Nesse período, foram nacionalizadas energia, que cobrou um preço de 2 % sobre o
empresas estrangeiras produtoras e distribuidoras PIB do ano.
de energia; as tarifas foram congeladas durante
Em síntese, as crises sempre estiveram
anos e, por consequência, as empresas deixaram
de investir. ligadas ou a uma deficiência de oferta de ener-
gia ou à incapacidade de pagar a importação
A partir de 1957 (governo Juscelino Ku- necessária para manter o sistema funcionando
bitscheck) seguiu-se um período de rápido adequadamente. Quando elas se apresentam,
crescimento da economia, com a retomada o crescimento murcha. A explicação para isso
dos investimentos na infraestrutura, inclusive pode ser dada por meio de um sistema extrema-
no setor energético. Como as exportações não mente simples do processo do desenvolvimento
foram estimuladas, houve uma crise cambial econômico.
acompanhada de uma grande desaceleração do
crescimento no período 1963–1964, em meio a
uma crise política e institucional. É necessário Processo do
frisar que durante o governo Juscelino a taxa de desenvolvimento econômico
câmbio ficou congelada em CR$ 18,72 por dólar,
causando grande prejuízo para os exportadores, O desenvolvimento econômico é um pro-
notadamente para a agricultura. cesso termodinâmico. A sociedade organiza a
energia que tem a sua disposição na natureza e
No período de 1967 a 1972, contornada a depois a dissipa de forma ordenada para realizar
crise cambial, ocorreu uma recuperação expres- a produção (Fig. 2).
siva. Entretanto, a partir do primeiro choque do
petróleo, em 1974, houve uma queda no cresci- Inicialmente, consideremos os dois fatores
mento do PIB. Em 1980–1981, ocorre o segundo básicos: força de trabalho e estoque de capital. É
choque do petróleo e uma nova crise cambial. da população que se extrai a força do trabalho.
Outra crise cambial foi produzida pelo Plano Juntamente com esta, temos que considerar que
Cruzado (1986–1987) quando o Brasil congelou existe o estoque de capital na economia que
o câmbio. Em 1996, o Plano Real provocou bai- inclui máquinas, prédios, estradas, instituições,
xo crescimento do PIB e em 1998 ocorreu mais e assim por diante. A força de trabalho e o es-

Fig. 2. Processo de crescimento econômico.


Elaboração: Idéias Consultoria.
Fonte: Delfim Netto (2004).

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toque de capital são transformados em energia. explicam apenas uma parcela do resultado.
A primeira já era usada para produzir alimentos Quando os economistas fizeram uma análise
desde o início dos tempos, quando o homem foi empírica desse processo, tiveram uma enorme
expulso do paraíso por usar a energia errada... desilusão: a força de trabalho e o estoque de
O estoque de capital é movido por energia capital explicavam, em conjunto, pouco mais
e, portanto, é inteiramente óbvio que, se a energia da metade do crescimento. Isso ocorre mesmo
faltar, as duas variáveis – força de trabalho e esto- quando as medições da quantidade de trabalho
que de capital – não funcionam. Essas variáveis e do estoque de capital são feitas de forma muito
são ligadas ao processo produtivo por meio de sofisticada.
uma coisa misteriosa que os economistas cha- No caso do trabalho, foram feitas diferen-
mam de Produtividade Total dos Fatores (PTF). A ciações por idade, sexo e educação, entre outros.
PTF é exatamente tudo aquilo que se desconhece, Da mesma forma, o capital foi medido com alta
mas que se supõe que ajuda a produzir. Ela de- sofisticação. Apesar de todos esses esforços, a
pende fundamentalmente da atuação do Estado conclusão é de que quase metade do cresci-
e da incorporação de novas tecnologias. mento é explicada pelo avanço tecnológico e a
É preciso entender que não existe luta entre inovação. A pesquisa agropecuária e a utilização
Estado e mercado. O mercado é um mecanismo do seu resultado, fortemente desenvolvidos pela
descoberto e aperfeiçoado ao longo da história, Embrapa, inserem-se nesse contexto.
que funciona quando o Estado garante a pro- Os fatores de produção, através do proces-
priedade privada. Esta, por sua vez, assegura ao
so descrito acima, geram o PIB, que corresponde
empreendedor a apropriação do produto de sua
a tudo aquilo que nós produzimos durante o ano:
atividade. Se uma pessoa tem o incentivo para
os produtos agrícolas, industriais e os serviços. O
produzir, a propriedade privada garante que os
PIB pode ser exportado, consumido ou investido
resultados do esforço realizado e do risco assu-
pelo setor privado e pode ser apropriado pelo go-
mido sejam dela. Se ela possui incentivos para
verno através dos impostos. A parcela apropriada
inventar, deve fazê-lo, posto que os resultados da
pelo governo é usada para consumo próprio ou
invenção serão seus. É esse acordo que permite
que opere o espírito animal do empresariado, para investimentos públicos.
que fundamentado na intuição e capacidade de Vale notar que, para produzir, é necessário
suportar riscos, de realizar o investimento. importar. Nesse caso, a importação é um fator
O desenvolvimento econômico ocorre de produção. A ideia de que ela atrapalha o
quando uma sociedade consegue incitar, naque- crescimento é equivocada, pois caso não possa-
les que possuem o espírito empresarial, o ânimo mos importar em níveis adequados, reduz-se a
de assumir riscos e investir. O Estado, ao garantir produção e restringe-se o crescimento. A impor-
a apropriação privada dos resultados, favorece o tação é também fundamental porque traz novas
despertar dessa capacidade. Essa descoberta é um tecnologias. Além disso, a ampliação do mercado
fato empírico. Antes, havia a impressão de que interno propicia a substituição dos bens antes
os dois fatores – força de trabalho e estoque de importados pela produção local.
capital – eram os únicos elementos fundamentais A manutenção das importações em níveis
do desenvolvimento econômico. Observou-se, adequados para o crescimento depende basica-
mais recentemente, que nesse buraco negro da mente das exportações. Estas devem gerar a ca-
Produtividade Total dos Fatores (PTF), os mais pacidade de importar que o País necessita. Caso
importantes são a incorporação de avanços tec- contrário, crescem os déficits em contas correntes
nológicos e a inovação. até se tornarem difíceis de serem financiados,
A grande descoberta é que os fatores físicos gerando uma crise cambial. Se isto ocorrer, o
que produzem o desenvolvimento econômico crescimento é abortado.

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O investimento privado é incorporado ao combinação de crescimento com um pouco me-
estoque de capital privado; o investimento públi- nos de desigualdade, ou melhor, combinação de
co em infraestrutura é incorporado ao estoque de crescimento com a redução das desigualdades e
capital público. Se fosse construído um modelo, com o aumento da igualdade de oportunidades.
ele funcionaria como uma equação diferencial. Isso é fundamental porque a economia de mer-
Depois de um impulso inicial, o sistema funciona cado é um processo ferozmente competitivo:
sozinho, digamos endogenamente, desde que é como se fosse uma corrida, quem pode mais
não seja bloqueado pela escassez de energia ou chora menos, um pisa na cabeça do outro, faz
pela escassez de divisas para importar. tudo o que puder fazer. O que se exige no início
Outro item que afeta o crescimento é a da corrida para que se tenha uma conduta de
divisão do PIB entre o que vai ser consumido e o moralidade é que todos saiam do mesmo lugar
que vai ser investido. Esta não é uma decisão téc- e que todos tenham duas pernas.
nica ou científica, é uma decisão essencialmente Esse é o princípio do mecanismo para
política. Normalmente, ao final do processo de reduzir a desigualdade. Aumentar as oportu-
produção, sabemos o que foi produzido e quanto nidades significa que cada um dos brasileiros
foi produzido. Porém, a decisão de para quem precisa, desde a sua origem, ter o aparato para
será produzido é tomada nas urnas eleitorais. apreensão do mundo razoavelmente parecido
Quando há um sufrágio universal, a urna revela ou equilibrado. Assim, é importante a atenção
a preferência da sociedade. O povo deixa uma para coisas comuns como alimentação, saúde
mensagem: queremos uma sociedade de um e educação. Quando a desigualdade atinge um
determinado tipo, o povo explicita na urna como nível de ruptura, a economia escolhe caminhos
quer que o produto seja dividido entre o consumo ruins e não há desenvolvimento e nem redução
e o investimento. Nessa escolha, existe um trade- das desigualdades.
off, uma troca, entre presente e futuro.
Uma vez entendido isso, fica claro por
Caso se exija, na urna, muito consumo que aqueles dois fatores – energia e equilíbrio da
presente, o governo reduz o investimento, mas conta corrente do balanço de pagamentos – são
essa decisão pode comprometer o crescimento importantes. Esses dois fatores estão estritamente
no futuro. Se a sociedade estiver consciente de ligados ao trabalho da Embrapa e à capacidade
que existe esse trade-off entre presente e futuro, do País de produzir conhecimento que resultará
a política econômica pode continuar com suas no aumento da produção.
virtudes. Entretanto, quando a sociedade não
está convencida da existência dessa troca entre
presente e futuro, ela pode desejar mais consumo A aritmética do crescimento do PIB
presente e mais consumo futuro, gerando assim Ultimamente, fala-se muito em crescimen-
uma série de problemas. to do PIB em 5 %. Qual a razão para nos fixarmos
Os resultados das eleições em alguns países nesse percentual? A resposta é clara e bastante
latino-americanos, como aqueles que elegeram intuitiva. O Brasil cresceu enormemente de 1950
Evo Morales e Hugo Chávez, não foram acidentais. a 1984, conforme mostram os dados da Tabela 1.
Pode-se dizer que foram o produto de anos de Durante esses anos, o crescimento médio anual
disparidade, de separação entre a vontade da so- foi da ordem de 6,5 % enquanto a população
ciedade e aquilo que os governos entregaram para cresceu em média, no mesmo período, 2,7 %
ela. Esse talvez seja um dos pontos mais importantes a.a. Assim, o PIB per capita cresceu 3,7 % a.a.,
do momento que estamos vivendo no Brasil. o que quer dizer que a renda dobrava a cada 19
anos. Como uma geração é, por convenção, um
O presidente Lula entendeu esse processo período de 25 anos, com o crescimento de 6,5 %
e percebeu que a manifestação da sociedade a.a., dobrava-se a renda em cerca de três quartos
brasileira na urna indicou uma preferência pela de uma geração.

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Tabela 1. Taxa anual de crescimento.

PIB População PIB per capita Anos necessários


Período
(% a.a.) (% a.a.) (% a.a.) para dobrar a renda
1950–1984 6,5 2,4 3,7 19
1985–2007 2,9 1,7 1,2 58
Meta atual de acordo com o
Programa de Aceleração do 5,0 1,3 3,7 19
Crescimento (PAC)
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
Fonte: IBGE (2008).

Isso significa que, quando o filho entrou Restrição externa


na universidade, a renda do pai tinha mais que da economia brasileira
dobrado; quando o neto entrou na universidade,
a renda do avô tinha quintuplicado. Era uma Vamos começar com a restrição externa.
sociedade com um crescimento robusto, com o A evolução da relação Dívida Externa Líquida
emprego e o salário real crescendo 3 % a.a. sobre a Exportação de Bens e Serviços, está
representada na Fig. 3. Convencionalmente,
Entre 1985 e 2007, o crescimento anual estabelecem-se três paradigmas para a análise
caiu para 2,9 %, o crescimento populacional dessa relação: de 0 (zero) a 1,5; de 1,5 a 3, e de
caiu para 1,7 % a.a., e o PIB per capita passou 3 a 5. Quando a razão dívida/exportação está
a crescer 1,2 % a.a.. Isso quer dizer que são abaixo de 1,5, o País é considerado virtuoso, é
necessários 58 anos para dobrar a renda. O que um País que merece crédito porque tem condi-
antes se fazia em menos de uma geração, agora ções financeiras para honrar seus compromissos
só poderá ser feito num período a quase duas externos. O julgamento ocorre da mesma forma
gerações. Esse cenário provoca um sentimento que os empresários julgam seus clientes – se
de tristeza, de desespero, de desilusão com o o cliente tem uma relação dívida/faturamento
próprio País. pequena, aumentam suas chances de obter cré-
No momento, o Brasil está vivendo uma dito; se essa relação for crescente, ele consegue
revolução demográfica: o crescimento da popu- pouco crédito.
lação caiu para 1,3 % a.a. e, em consequência, O mundo olha os países como fornece-
se o crescimento ficar em 5 % a.a., como ocorreu dores/clientes e é enquanto tais que eles entram
nos últimos 2 anos, o PIB per capita voltará a nas análises de riscos. Quando a relação está
crescer 3,7 % a.a., ou seja, teremos a reprodução entre 1,5 e 3, o País entra em observação. Nessa
do sistema anterior. situação, os financiamentos continuam, mas os
O País não precisa mais de crescimentos credores observam se está havendo esforço para
gigantescos. O crescimento de 5 % a.a., que é manter essa relação Dívida Externa Líquida/ Ex-
perfeitamente factível (e pode até ser superado com portação de Bens e Serviços num nível adequado.
facilidade) garantiria a volta a um nível de desenvol- Quando a relação passa de 3, o País está numa
vimento robusto. A probabilidade disso não acon- situação crítica e perde o crédito. A crise cambial
tecer é fundamentalmente determinada por duas é iminente.
condições: ocorrência de crise na conta corrente do Entre 1951 e 1963, a relação se eleva até
balanço de pagamentos ou de crise energética. ocorrer a crise de 1963, quando se inicia uma
Em seguida, procurarei mostrar que, sob tendência decrescente. Com o primeiro choque
condições bastante razoáveis, essas duas crises de petróleo, em 1974, há retomada da trajetória
podem ser esquecidas. O Brasil criou as condi- ascendente que, passando pela crise de 1983, é
ções para superar ambas. observada até a crise cambial do Plano Cruzado.

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Fig. 3. Dívida externa líquida sobre a exportação de bens e serviços.
ρ = Taxa de crescimento anual do PIB real.
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
Fonte: BACEN (2008).

Contudo, em que pese o choque do petróleo de as exportações vinham crescendo a uma taxa
1974, o crescimento econômico de 1951 a 1980 de 4,5 % a.a. enquanto a dívida externa crescia
foi muito elevado, alcançando 7,4 % a.a. 6,5 % a.a. Uma contabilidade simples: se a re-
ceita cresce 4,5 % a.a. e a dívida cresce muito
No período (1981–1993), o crescimento
mais, a trombada está anunciada. Um novo
caiu para cerca de 2,5 %, e os elevados picos
empréstimo foi concedido pelo FMI.
observados na relação estão muito associados
ao segundo choque do petróleo. O terceiro Em 2002, no entanto, acontece algo in-
período, que vai de 1995 a 2002, é o governo teiramente misterioso e, dessa data em diante,
do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e o surge um mundo novo. O empréstimo garantiu
último período mostra o que ocorre após 2002. um equilíbrio que, por seu turno, permitiu a
Esse último período foi caracterizado por uma um PT inexperiente, em matéria de governo, o
queda acentuada da relação Dívida Líquida/ tempo necessário para o aprendizado. De re-
Exportações que chegou a 0,5 % – uma relação pente, ocorre um crescimento mais elevado no
muito virtuosa. mundo, combinado com um rápido aumento
da urbanização. Este é o ponto central: com a
O importante é sabermos como isso
urbanização, um grande número de pessoas
aconteceu. Em 1998, o Brasil quebrou. A taxa
deixou o campo (notadamente nos chamados
de câmbio ficou congelada entre 1995 e 1998
países “emergentes”), a oferta agrícola diminuiu,
e o País solicitou ao Fundo Monetário Interna-
embora não de forma expressiva e a renda dessas
cional um empréstimo de 42 bilhões de dólares.
pessoas aumentou.
Naquele momento, o empréstimo foi muito
importante porque estávamos próximos a uma Em consequência, mudou o perfil da de-
eleição presidencial. Caso a ajuda não tivesse manda, aumentando o consumo de proteínas
sido concedida, o Brasil ficaria numa situação (carnes) e reduzindo o consumo de outros pro-
muito delicada e teria que enfrentar o processo dutos (arroz, por exemplo). Essas modificações
eleitoral numa situação de default. Apesar dessa na demanda e na oferta, impulsionadas adicio-
ajuda, o País quebrou novamente em 2002, pois nalmente pela desvalorização do dólar frente a

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outras moedas, provocaram grande aumento dos Continuamos a executar uma política
preços agrícolas e o Brasil estava preparado para monetária de forma oportunista para valorizar o
tirar proveito dessa situação. Estava preparado câmbio. Esse tipo de política sempre cobra um
em consequência da descoberta da agricultura preço alto no futuro. É ilusão pensar que o Bra-
tropical. sil não vai sofrer consequências negativas com
As exportações cresceram de maneira o que está fazendo com o câmbio no presente
extraordinária. É interessante observar que entre (junho/2008).
2001 e 2002, as exportações cresceram 4 %, em Voltando ao tema, vejamos o que acon-
valor, enquanto entre 2002 e 2003, aumentaram teceu com os outros países no período: a par-
22 % e vêm se mantendo nesse patamar de ticipação da Coreia nas exportações mundiais
crescimento desde então. Deve-se observar que passou de 1,2 % em 1980—1984, para 2,8 %
esse crescimento ocorreu em grande parte pelo em 2007; a participação da China foi de 1,2 %
aumento dos preços. para 9,0 % e só em 2007, Brasil voltou ao nível
A maneira de examinarmos o desempenho de participação do período 1980–1984.
das exportações brasileiras nos últimos 25 anos O Brasil expandiu as exportações, mas
é mostrada na Fig. 4, cuja principal mensagem expandiu, praticamente, na mesma taxa que o
é que o Brasil correu e ficou parado. De 1980 a mundo, beneficiando-se apenas da grande me-
1984, a participação do Brasil nas exportações lhoria observada na produtividade do setor agrí-
mundiais era exatamente a mesma que a da cola, o qual vem sendo o principal responsável
Coreia e a da China. Os três países exportavam pelo crescimento da exportação.
cerca de 23 bilhões de dólares por ano e cada
um participava com 1,2 % da exportação do Em síntese, aprendemos que na exportação
mundo. não foram os outros países que prejudicaram o
Brasil, não foi o mundo que perseguiu o Brasil;
De 1985 em diante, o Brasil fez muita este foi perseguido por si mesmo, pela política
“arte”: congelou o câmbio no Plano Cruzado; econômica que usou ao longo desses anos.
congelou novamente no governo Collor; e no Basicamente, políticas monetárias e de câmbio
governo de Fernando Henrique durante 4 anos. que amarraram o setor exportador. O agricultor
O Brasil destruiu as energias de seu setor expor- brasileiro foi o maior prejudicado nesse processo
tador e isso explica parte do baixo crescimento porque, quando ocorre a valorização do câmbio,
da economia brasileira nesses anos. a agricultura se torna a principal vítima da trans-
ferência de renda. O setor agrícola foi enganado
várias vezes em todo esse processo.
O principal exemplo disso ocorre no início
do Plano Real. Na antevéspera do lançamento
do Real, foi anunciado um programa de governo
para estimular a utilização de novas áreas e ex-
pandir a produção, justamente por que a estabi-
lização de preços só poderia ser alcançada com
uma oferta adequada de alimentos. Prometeu-se
equivalência entre preço e produto; prometeram-
se preços mínimos adequados; crédito e garantia
de compra. Quando o Real se instalou, tudo isso
foi cortado, os preços agrícolas vieram abaixo,
caíram 24 % em 3 ou 4 meses, provocando
Fig. 4. Exportações de bens. uma transferência gigantesca de renda do setor
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008. agrícola para o setor urbano, processo que foi
Fontes: Bloomberg (2007); Goldman Sachs (2008). conduzido pela ação do governo.

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Para corrigir a distorção, o ajuste na agri- No Brasil, as exportações estão concentra-
cultura deu-se pelo patrimônio. Antes do Plano das em produtos dos setores agrícola e mineral.
Real, poder-se-ia dizer que a agricultura tinha Tais setores são poupadores de mão-de-obra, isto
um patrimônio de 100 e dívida de 30. O siste- é, os ganhos de produtividade neles observados
ma estava funcionando, mas depois das artes reduzem a necessidade do insumo trabalho. Em
do congelamento do câmbio e da liquidação pouco tempo, toda a colheita de cana, algodão,
do crédito, o patrimônio caiu pra 50 e a dívida cereais, laranja e café será mecanizada, resul-
passou para 60, de forma que se acumulou um tando na expulsão de muitas pessoas no setor
enorme passivo no setor. agrícola.

Foi muito difícil para a agricultura suportar A mesma coisa há de ser observada no
tal situação de endividamento, mas felizmente setor mineral. Para tanto, basta notar que cada
houve uma compreensão da situação que levou um daqueles pneumáticos cuja altura é a de um
à renegociação da dívida agrícola. Seria impor- prédio de quatro andares substitui cerca de cem
tante introduzir o seguro de renda na agricultura, trabalhadores. Faz-se mister, portanto, que a es-
trutura produtiva da economia brasileira oriente-
pois assim, o setor poderá entrar de novo num
se principalmente em direção à indústria, como
caminho muito mais próspero.
tem sido verificado em outros países.
Esses fatos mostram que existe a possibi-
lidade de uma crise em contas correntes? Pro-
vavelmente não. Entre o final de 2008 e início Crise de energia e
de 2009 deverá ocorrer uma estabilização dos crescimento econômico
níveis de preços, ou mesmo uma redução, o que E o que afirmar do ponto de vista de ener-
diminui o ritmo de crescimento das exportações. gia? A Fig. 5 mostra, no eixo vertical, o consumo
Em 2008, o governo providenciou um programa per capita de energia em toneladas equivalentes
denominado industrial exportador. Esse programa de petróleo e no eixo horizontal o PIB per capita
deve levar 3 anos para obter resultados e vem em diversos países. O PIB per capita é calculado
exatamente compensar a possibilidade de re- com base na paridade do poder de compra.
dução do ritmo de crescimento das exportações
O cálculo é simples. Considera-se uma
agrícolas.
cesta de bens: sapato, gravata, feijão, arroz,
Caso o Brasil cresça 5 %, vai continuar batata, etc. Para cada país, mede-se essa cesta
aumentando as importações de maneira impor- na moeda local – seja reais, euros, dólares, etc.
tante, mas provavelmente terá tempo para evitar
qualquer crise. O País está com 200 bilhões de
dólares de reserva, suficientes para suportar uns 4
anos de dificuldades, até que se consiga planejar
melhor o futuro. E acredito que isso irá ocorrer
antes desses 4 anos.
Essa conduta de planejar, a longo prazo,
25 anos à frente, está começando a se consolidar
no País. A falta desse planejamento provocou as
dificuldades que ocorreram após 1985. Daqui a
25 anos, o Brasil terá algo como 220 milhões de
pessoas, deverá dar emprego decente para 150
milhões de trabalhadores ativos entre 15 e 65
anos e isso não será possível com a composição Fig. 5. Consumo de energia primária e PIB (2002).
das exportações que temos hoje, dominada pelo Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
agronegócio. Fonte: Goldman Sachs (2007).

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– e em seguida divide-se pela do outro. Assim, razoável para exploração em áreas ainda mais
obtém-se uma espécie de taxa de câmbio que profundas. Incidentalmente, isso significa uma
transforma uma moeda em outra, sem as flutua- possibilidade de expansão da indústria produtora
ções do câmbio nominal. de equipamentos de petróleo e de navios, o que
permite que o sistema industrial volte a crescer e
É possível notar que há uma relação entre o retome uma posição que já teve no passado.
PIB per capita e o consumo de energia. Na Fig. 5,
os pontos vermelhos refletem, respectivamente, É importante lembrar que o Brasil já foi o
a posição atual do Brasil e a projeção para 2030. maior produtor de navios do mundo e também o
Nota-se que estamos muito próximos da linha maior produtor de chapas para produzir navios,
média, sendo que a variância é relativamente na segunda metade do século 20. O que não
pode acontecer é jogar fora esses ganhos de com-
grande, de forma que não existe, talvez, nenhu-
petência, como ocorreu a partir de 1985, quando
ma indicação séria que o País venha a ter algum
decisões frágeis, baseadas no argumento de que
problema com energia.
o setor era ineficiente, levaram à sua extinção.
A partir do “apagão” de 2001, acelerou-se o Esqueceu-se de que tudo começa ineficiente, e
desmonte da matriz energética. Sem investimentos é investindo e fazendo que se aprende. Quem
em hidroelétricas nos anos anteriores, recorremos não faz, não aprende.
às termos de petróleo, óleo, diesel e gás; e cami- Atualmente, o Brasil está na posição de
nhamos para a energia atômica em 2008. Todas se transformar em exportador de petróleo. A
essas escolhas tiveram custos crescentes, o que posição do País é muito confortável, quando se
indica que talvez não se tenha falta de energia, vê que utiliza apenas 55,6 % de energia não-
mas provavelmente custos mais elevados. renovável, contra 86 % no mundo. São 44,4 %
Em consequência, faz-se necessária a edi- de energia renovável no Brasil contra 14 % no
ção de um programa de economia de energia. mundo. Conforme mostra a Fig. 6, o petróleo tem
38,8 % de participação na matriz energética, a
Para situar a questão em longo prazo, deve-se
lenha e o carvão vegetal têm 12,4 %. O petróleo
chamar a atenção para o fato de que nos Estados
já ultrapassou a madeira.
Unidos, o consumo de energia por unidade de
produto reduziu-se à metade, da primeira crise Entretanto, gostaria de observar que algu-
do petróleo de 1974 a 2006. mas vezes a insistência exagerada, embora bem
intencionada, dos ecologistas provoca conse-
Entre 1974 e 1981 (no início da segunda crise quências inesperadas. O excesso de exigências
do petróleo), o consumo de energia por unidade do para a implantação de usinas hidrelétricas levou
PIB naquele país decresceu à taxa anual de 2,67 o Brasil a se voltar para a energia nuclear, existin-
% e de 1981 a 2006 decresceu à taxa anual de do no momento planos para a construção de oito
1,87 %. Isso mostra que o Brasil tem possibilidade usinas atômicas no País. O que essa experiência
de fazer uma economia substancial de energia, mas mostra é que é preciso que sejam evitados os
é um problema que precisa ser enfrentado junto exageros de lado a lado. A virtude está sempre
com as outras iniciativas em andamento. no meio, como dizia o filósofo Aristóteles. Mas,
Contudo, aqui, o Brasil também teve sorte. em minha opinião, não há risco de uma crise
O US Geological Survey publicou um relatório energética no Brasil, nos próximos anos.
em 2000, informando que o satélite tinha detecta- No que se refere ao gás natural, vale sa-
do no subsolo de Santos, uma reserva de petróleo. lientar inicialmente a imprevidência do governo.
O governo disse que tinha em torno de 33 bilhões Quando estimulou o uso do gás veicular, a oferta
de barris, isso é um fato conhecido desde aquele energética de gás era abundante. É evidente que
ano. A Petrobras, a Shell e os portugueses foram não podia prever os acontecimentos de 2001,
até o local, fizeram testes e confirmaram o fato e mas o fato é que hoje temos problema de abas-
a Petrobras desenvolveu uma tecnologia bastante tecimento com esse tipo de combustível. Por

Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009 14


menos por problemas internos, por equívocos
administrativos, por governança ineficiente, por
uma porção de coisas, mas não causados pelos
componentes que são os vetores da interrupção
do crescimento (déficit não financiável das contas
correntes e crise de energia).
Contudo, restam barreiras e uma das prin-
cipais a ser superada é a alta carga tributária.
O Brasil não somente tem uma carga tributária
pesada: para seu nível de renda, ele tem a maior
carga tributária do mundo. A Fig. 7 mostra o PIB
per capita de 2006, calculado usando-se a pa-
Fig. 6. Matriz energética em 2006. ridade do poder de compra de vários países e a
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008. correspondente carga tributária média entre 2003
Fontes: IBGE (2008); Conab (2008). e 2005. A figura está dividida em quatro regiões:
rendas abaixo e acima de 10 dez mil dólares, e
carga tributária abaixo e acima de 26 %.
sua vez, houve alguns avanços. Um dos mais No quadrante compreendido pelo PIB per
importantes foi a aquisição, em 2008, de dois capita inferior a US$ 10 mil e carga tributária
navios que operam como usinas para transfor- inferior a 26 %, encontram-se países que estão
mação do gás liquefeito importado, de modo crescendo a taxas elevadas – média de 7,2 % a.a.,
que a oferta de gás está praticamente garantida. no período 2004–2006 (circulado na Fig. 7) –,
Apesar dos percalços e da possibilidade de se incluindo China, Índia e outros emergentes.
tornar um problema grave, a questão do gás está
Do lado direito, estão países com renda per
sendo resolvida.
capita superior a US$ 10 mil e carga tributária
O que é importante enfatizar é que, nos inferior a 26 %, países antigos que possuem renda
próximos anos, o País não tem previsão de crises per capita alta, carga tributária mais leve e cres-
semelhantes às que ocorreram no passado, que cimento um pouco menor que o do quadrante
podem abortar o crescimento. Podemos crescer analisado anteriormente. Subindo na vertical,

Fig. 7. Carga tributária


mundial.
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008
Fonte: IMD World Competitiveness
Yearbook (2006).

15 Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009


estão os países mais velhos que construíram um vários países em torno da curva que é a média
estado de bem-estar. Esses países têm alto nível mundial e a elipse inclui os países que estão
de renda, carga tributária mais elevada e um em piores situações – Brasil, Bulgária, Rússia e
crescimento bem menor do que os do quadrante Turquia: cobra-se muito em termos de tributos,
anterior. No último quadrante, país com renda mas a qualidade dos serviços prestados é péssi-
per capita inferior a US$ 10 mil e carga tributária ma. O Brasil é um dos países que tem o maior
acima de 26 %, temos somente o Brasil. O cresci- custo pelos serviços prestados pelo Estado. Não
mento, no período de 2004 a 2006, foi de apenas se tem nenhuma correspondência entre aquilo
4,1 % e em foi 5,4 %, o que mostra que a carga que é tomado da sociedade e o que se devolve
tributária é um retardador do crescimento. com serviços.
Em síntese, essa figura sugere que o sistema Outro fator inibidor do crescimento é a
tributário pesado e complexo retarda o cresci- insegurança jurídica e tributária, que vem de-
mento, mas não é impeditivo. É preciso gastar sestimulando o espírito animal do empresário.
muito mais energia para fazer o mesmo tipo de O Brasil é um dos poucos países onde o futuro é
crescimento que o País teria com um sistema mais incerto mas, o passado também o é. Não se tem
leve e simples. O Brasil não tem apenas a carga uma garantia com relação ao passado, porque
tributária mais pesada do mundo, tem os piores de repente alguém mais esperto descobre no
serviços do mundo para a sociedade. Portanto, passado um problema e o reproduz, trazendo-o
quando se combina carga tributária com qualida- para o presente. Para exemplificar essa ideia de
de de serviços, chega-se a uma relação de custo/ insegurança e ver como isso é possível, observe
benefício, que é a pior do mundo. a Tabela 2.
Desde a promulgação da Constituição, em
Indicadores sociais agosto de 1988, até outubro de 2007 passaram-
se 226 meses. Admitindo-se que o mês tem em
Uma forma de mostrar a qualidade dos ser- média 22 dias úteis, isso corresponde a 4.972 dias
viços (Fig. 8) é colocar a carga tributária bruta no úteis. Nesse período, foram emitidas inúmeras
eixo horizontal e o Índice de Desenvolvimento disposições tributárias. No nível federal, 3.863
Humano (IDH) no eixo vertical. leis; mais de 6 mil medidas provisórias; 9 mil
Esse índice é um indicador geral que inclui decretos; 128 mil portarias. Sozinho, o governo
o PIB per capita e uma série de características da federal emitiu, nesse período, mais de 148 mil
educação e da saúde. Na Fig. 8, encontram-se disposições. No nível estadual, houve mais de

Fig. 8. Carga tributária bruta


versus IDH.
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
Fonte: IMD World Competitiveness
Yearbook (2006).

Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009 16


Tabela 2. Número de disposições fiscais da Constituição Federal de 1988.

Lei(1) Medida provisória(2) Decreto Portaria(3) Total


Federal 3.863 6.503 9.240 128.904 148.510
Estadual 218.762 – 317.469 420.464 956.695
Municipal 432.466 – 479.253 1.611.022 2.522.741
Total 655.091 6.503 805.962 2.160.390 3.627.946
Por dia útil 132 1 162 435 730
(1)
Leis complementares e ordinárias.
(2)
Inclui reedições.
(3)
Portarias e instruções normativas.
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
Fonte: Academia Brasileira de Direito (2007).

200 mil leis; mais de 300 mil decretos; mais Economic Forum (2008) publicou o ranking
de 400 portarias, no total de quase mil disposi- 2007–2008 da competitividade global para 131
ções. No nível municipal, foram emitidas mais países. As Tabelas 3 e 4 mostram aspectos sele-
de 400 mil leis; mais de 400 mil decretos; mais cionados dessa classificação.
de 1 milhão de portarias, mais de 2 milhões de No quesito Extensão e Efeito de Taxação,
disposições, no total maior que 3 milhões de o Brasil está classificado em último lugar; no
disposições fiscais. quesito regulamentação do governo, está em
Isso que dizer que são 730 medidas por dia 128º. Também ocupamos posições muito ruins
útil, exigindo dos empresários alguma obrigação nos quesitos procedimentos alfandegários, crime
adicional. É por isso que o custo de preparação organizado, desvio de dinheiro público, qualida-
dos papéis para pagar o governo leva, aqui no de de educação primária, prática de contratações
Brasil, mais de 2.600 homens-hora por ano. Na e demissões, todos com um nível alto, maiores
China, são 872 horas, na Índia 264 horas, e na do que 121.
Rússia 256 horas. A posição geral do Brasil é o 126º lugar
A carga tributária brasileira implica num em 131 países. Nossos competidores diretos, os
custo de arrecadação gigantesco. É interessante outros Brics, estão em posições melhores, confor-
ainda observar que, segundo o último artigo me pode ser visto na Tabela 3. O País está numa
publicado no Anuário Jurídico, das leis emiti- desvantagem gigantesca naquilo que diz respeito
das no nível federal, 60 % têm algum tipo de às atividades de governo. Tudo que depende da
ação do governo está defasado com relação ao
inconstitucionalidade e vão parar no Supremo;
resto do mundo.
no nível estadual essa porcentagem está na faixa
de 70 %, e no nível municipal 97 % têm alguma Vejamos agora como o Brasil está no que
inconstitucionalidade. diz respeito ao setor privado. Examinando a
Tabela 4, notamos que em fatores como dispo-
nibilidade local de máquinas e equipamentos o
A eficiência do governo País está com uma pontuação boa (24); a Chi-
na, 9; Índia, 17 e a Rússia, 31. Em capacidade
e da iniciativa privada inovadora das empresas, o Brasil é o melhor de
Gostaria de mostrar, agora, que é no gover- todos. Neste quesito a Embrapa tem uma contri-
no que as coisas funcionam com dificuldade. O buição importante para a tal boa pontuação. Em
setor privado brasileiro produziu um ajuste para sofisticação do mercado financeiro, a distância
um crescimento muito mais robusto. O World brasileira de seus competidores é brutal.

17 Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009


Tabela 3. Ranking de quatro países em relação aos pontos negativos.

Ponto negativo Brasil China Índia Rússia


Extensão e efeito da taxação 131º 47º 29º 97º
Regulamentação governamental 128º 35º 79º 118º
Desperdício nos gastos do governo 127º 48º 47º 100º
Spread da taxa de juros 127º 36º 47º 77º
Confiança do público nos políticos 126º 45º 83º 104º
Crime organizado 125º 99º 68º 103º
Desvio de fundos públicos 124º 83º 64º 94º
Procedimentos alfandegários 124º 48º 73º 110º
Qualidade da educação primária 123º 48º 88º 46º
Práticas de contratações e demissões 121º 41º 102º 15º
Média 126º 53º 68º 86º
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
Fonte: World Economic Forum (2006, 2008).

Tabela 4. Ranking de quatro países em relação aos pontos positivos.

Ponto positivo Brasil China Índia Rússia


Disponibilidade local de máquinas e 24º 9º 17º 31º
equipamentos
Capacidade inovadora das empresas 29º 34º 31º 54º
Sofisiticação do mercado financeiro 31º 91º 33º 88º
Gastos das empresas em P&D 35º 32º 28º 50º
Sofisiticação do processo de produção 36º 81º 41º 79º
Solidez dos bancos 36º 128º 46º 108º
Qualidade dos fornecedores locais 40º 73º 33º 86º
Fuga de cérebros 40º 38º 45º 49º
Qualificação dos diretores das empresas 40º 63º 24º 70º
Qualidade das instituições de pesquisa 42º 56º 22º 44º
Média 35º 61º 32º 66º
Elaboração: Idéias Consultoria, 2008.
Fonte: World Economic Forum (2006, 2008).

A supervalorização do dólar, ocorrida re- nismos de arbitragem funcionam com tal perfeição
centemente, foi produzida exatamente por essa que o dólar se valoriza enormemente.
extrema eficiência de intermediação do Brasil. O Em outros itens do ranking, o Brasil tam-
País tem um sistema financeiro tão sofisticado que bém está em boa situação. Em sofisticação no
em qualquer elevação da taxa de juros, os meca- processo de produção, o Brasil está na frente; nos

Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009 18


gastos nas empresas com P&D, temos uma situa- cuidando. O grande economista Alfred Marshall
ção muito confortável, como também é o caso da dizia que o governo pode fazer uma maravilhosa
qualidade de fornecedores locais; da solidez dos edição da obra de Shakespeare, mas não é capaz
bancos (essa nem se discute); da fuga de cérebros; de produzir a obra de Shakespeare. Ao Estado
da qualificação de diretores de empresas e da cabe um papel decisivo na produção de bens
qualidade das instituições de pesquisas, estamos que só ele pode produzir: fornecer uma razoável
bastante bem. A classificação de ranking positivo é prestação de justiça e trabalhar para um razoável
de 35, praticamente igual à Índia e muito superior aumento no nível de igualdade e oportunidade.
aos outros, ou seja, o setor privado produziu, foi Um bem público essencial é a estabilidade do
submetido a um processo de apertos e mesmo valor da moeda, porque é ela que dá condições
assim fez ajustes. O Brasil precisa melhorar a para que o espírito animal dos empresários
participação do governo nesse processo. funcione e eles se disponham a assumir riscos,
investir e com isso promover o desenvolvimen-
Precisamos convencer o governo de que
to. O Brasil está caminhando na direção certa.
ele deve concentrar suas atividades na produção
União, estados e municípios estão cumprindo
daqueles bens públicos que só ele pode fazer.
melhor suas funções.
Com a prática, a área pública aprendeu que a
estrada é muito melhor quando é feita pelo setor E qual é o nosso futuro? O Brasil continu-
privado através de concessões e de leilões. O ará crescendo. Em 2008, o PIB cresceu 5 % e a
governo deu um avanço muito importante, um inflação, 5,5 %, conforme a previsão feita em
avanço ideológico em relação à participação do julho de 2008. A inflação ficou pouco acima da
setor privado. Antes, o governo tinha uma dúvida meta e o índice de Gini vai continuar diminuindo.
absolutamente correta e a expressava nos seguin- Esse índice mede a distância entre as pessoas,
tes termos: “Eu não ponho em concorrência a sua redução indica que se caminha na direção
estrada por que o poder concedente que sou eu certa: quando ele está reduzindo, a igualdade
sabe muito menos do que o potencial concessio- de oportunidades está aumentando. As nossas
nário, que sabe muito mais e esconde de mim o reservas internacionais eram US$17 bilhões em
que sabe. Se eu der a concessão o usuário será 2002 e devem chegar a US$ 200 bilhões no final
explorado no futuro, então não dou nada.”. de 2008 (Tabela 5).
Com o amadurecimento, o governo per-
Tabela 5. Indicadores macroeconômicos do Brasil.
cebeu que estava errado, aprendeu sobre a
assimetria da informação e incorporou a ideia Indicador
2002 2007 2008(1)
que existem mecanismos de leilão que permitem macroeconômico
fazer a concorrência de tal forma que o poder PIB (Var. %) 2,4 5,4 5,0
concedente pode obrigar o concessionário a ex-
Inflação (%) 12,5 4,3 5,5
plicitar o que sabe e deseja esconder e descobriu
formas de garantir que depois de ter ganhado a Índice de Gini 0,61 0,54 < 0,54
concorrência, o concessionário continue servin- Reservas livres
17 180 -200
do bem o usuário. (US$ bilhões)
(1)
Previsão.
O aprendizado permitiu acelerar o investi-
Elaboração: Idéias Consultoria.
mento público, não somente no governo federal, Fonte: IBGE (2008); Bacen (2008).
mas também nos governos estaduais, como são
os casos dos Estados de São Paulo, Minas Gerais
e Pernambuco. Existem coisas que o governo não Conclusão
precisa fazer, mas há coisas que só o governo Estou convencido de que se nós enten-
pode fazer, como a pesquisa básica e a ciência dermos que o crescimento é igual à pesquisa, é
básica. Dessas coisas o governo precisa continuar igual ao conhecimento e é igual à inovação e se

19 Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009


o governo entender que deve entregar as tarefas Reencontro com desenvolvimento esquecido. Brasília:
que não são típicas de governo ao setor privado Câmara dos Deputados, 2004. p. 24-62.
e concentrar os recursos naquelas que somente DELFIM NETTO, A. Crescimento e estagnação: e agora?
ele pode fazer, naquelas em que realmente tem a São Paulo: Centro Acadêmico Visconde de Cairu, 2005.
Texto para a FEA-USP.
maior taxa de retorno, o Brasil vai voltar a crescer
em níveis maiores do que os 5 % atuais e não FMI. International Monetary Fund. Data and statistic: Brazil.
Disponível em: <http://www.imf.org/external/country/BRA/
terá dificuldades nos próximos 25 anos. index.htm>. Acesso em: 6 abr. 2008.
GOLDMAN SACHS. Commodities. Disponível em: <http://
www2.goldmansachs.com/services/securities/products/
Referências commodities/index.html>. Acesso em: 7 maio 2008.
ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO. A carga tributária no GOLDMAN SACHS. Energia. Disponível em: <http://www2.
Brasil. Disponível em: <http://www.abdir.com.br/>. Acesso goldmansachs.com/services/securities/products/commodi-
em: 5 jan. 2007. ties/index.html>. Acesso em: 14 set. 2007.
BACEN. Banco Central do Brasil. Focus BC: indicadores de IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indica-
sustenbilidade externa do Brasil: evolução recente. Disponí- dores de desenvolvimento sustentável 2008: Brasil. Brasília:
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BLOOMBERG. Commodity futures. Disponível em: <http:// IMD WORLD COMPETITIVENESS YEARBOOK. Competiti-
www.bloomberg.com/markets/commodities/cfutures.html>. veness trends: overall: Brazil. 2006. Disponível em: <http://
Acesso em: 20 maio 2007. www.imd.ch/research/publications/wcy/upload/samplepro-
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CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. O etanol
WORLD ECONOMIC FORUM. The global competitiveness
como o novo combustível universal: análise estatística e
report 2005-2006. 2006. Disponível em: < http://www.
projeção do consumo doméstico e exportação de álcool
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report 2007-2008. 2008. Disponível em: < http://www.
DELFIM NETTO, A. Meio século de economia brasileira: weforum.org/pdf/annualreport/2008/annualreport08/annu-
desenvolvimento e restrição externa. In: DELFIM NETTO, A. al_report08.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2008

Ano XVIII – No 1 – Jan./Fev./Mar. 2009 20

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