Resumo Tutorial 6
Resumo Tutorial 6
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Febre Amarela
Febre hemorrágica viral é uma doença sistêmica aguda que envolve classicamente
febre, uma constelação de sinais e sintomas inicialmente inespecíficos, e uma
propensão para sangramento e choque. Pode ser causada por mais de 25 tipos
diferentes de vírus de quatro famílias taxonômicas – Filoviridae, Arenaviridae,
Bunyaviridae e Flaviviridae –, embora nem todos os vírus nessas famílias causem a
síndrome. Os vírus da febre hemorrágica viral são muitas vezes nomeados após o local
do primeiro caso reconhecido.
FLAVIVIRIDAE
A família Flaviviridae atualmente inclui quatro gêneros, um dos quais (Flavivirus)
é um vírus humano transmitido por artrópodes. Os flavivírus, em senso estrito,
apresentam genomas de RNA de fita simples e senso positivo, formando partículas
envelopadas esféricas de 40 a 60 nm de diâmetro. Os flavivírus discutidos neste
capítulo pertencem a dois grupos distintos filogenetica e antigenicamente e são
transmitidos entre vertebrados por mosquitos e carrapatos ixodídeos, respectivamente.
Os vetores costumam ser infectados quando se alimentam de hospedeiros
virêmicos; como no caso da maioria dos outros vírus discutidos aqui, os humanos são
hospedeiros acidentais, os quais geralmente são infectados por picadas de artrópodes.
Os artrópodes mantêm as infecções por flavivírus horizontalmente, embora a
transmissão transovariana tenha sido documentada. Em alguns casos, os flavivírus
também podem ser transmitidos por aerossóis ou alimentos contaminados; em
particular, o leite in natura pode transmitir o vírus da encefalite transmitida por
carrapatos.
Com exceção do vírus da dengue, para o qual os seres humanos podem agora ser
considerados como reservatórios, os vírus da febre hemorrágica são zoonóticos, mantido
na natureza em mamíferos reservatórios. Os vírus podem ser transmitidos aos seres
humanos através do contato direto com o reservatório, ou, no caso dos flavivírus e a
maioria dos bunyavírus, por um artrópode vetor.
Embora a febre hemorrágica viral possa ser encontrada em todo o mundo, a área
endêmica de qualquer vírus de febre hemorrágica é limitada pela distribuição de seu
reservatório natural ou artrópode vetor. Com exceção da dengue, a infecção humana
geralmente é rara e os seres humanos são hospedeiros terminais que não
desempenham papel na manutenção natural dos vírus. A dose infecciosa para a maioria
dos vírus da febre hemorrágica parece ser baixa, às vezes na ordem de apenas alguns
poucos vírions.
O vírus da febre amarela é mantido em um ciclo entre macacos e mosquitos das
copas das árvores da floresta. Casos esporádicos ocorrem quando seres humanos são
picados por esses mosquitos. Os surtos maiores ocorrem quando os seres humanos
trazem o vírus de volta para ambientes mais estáveis, onde o mosquito urbano Aedes
aegypti pode espalhar o vírus diretamente entre os seres humanos.
Ae. aegypti, que normalmente coloca ovos em recipientes artificiais ao redor da
casa e pica durante o dia, torna-se infectante poucas semanas após a alimentação em
um macaco ou humano virêmico. As medidas de saneamento e controle de mosquitos
praticamente eliminaram a febre amarela urbana nas Américas, porém os surtos
urbanos continuam a ocorrer na África. Embora os primatas não humanos também
sejam um reservatório de cepas silvestres da dengue, o vírus é atualmente mantido em
grande parte nos humanos, com um ciclo de transmissão regular semelhante à febre
amarela urbana. Apesar da presença do vírus da dengue em todo o mundo tropical,
menos de 10% das pessoas infectadas desenvolvem a febre hemorrágica, principalmente
crianças entre quatro e 12 anos.
O vírus da febre amarela foi responsável pelas principais epidemias na África e
Europa antes da descoberta de sua transmissão pelo mosquito A. aegypti, em 1900. A
febre amarela urbana se estabeleceu no Novo Mundo como resultado da colonização
com o A. aegypti, originalmente um mosquito africano. A seguir, diferentes tipos de
mosquitos e de primatas não humanos foram descobertos como portadores do vírus da
febre amarela em florestas da África e das Américas do Sul e Central. A transmissão
para os seres humanos é incidental, ocorrendo pela picada de mosquitos que se
alimentaram de macacos virêmicos. Após a identificação do mosquito
A. aegypti como vetor da febre amarela, foram destinadas estratégias de
contenção para um maior controle do mosquito. Hoje, a transmissão da febre amarela
urbana ocorre apenas em algumas cidades africanas, mas a ameaça existe nas grandes
cidades da América do Sul, onde a reinfestação pelo A. aegypti ocorreu e a transmissão
da dengue pelo mesmo mosquito é comum. Apesar da existência de uma vacina muito
segura e eficaz, vários casos de febre amarela da selva ocorrem anualmente na América
do Sul, e milhares de casos urbanos e selvagens ocorrem a cada ano na África (29.000-
60.000 estimados para 2013).
A febre amarela é uma febre hemorrágica típica acompanhada por necrose
hepática proeminente. Um período de viremia que dura três ou quatro dias é seguido
por um período de “intoxicação”. Durante a última fase, em casos graves, ocorrem
icterícia, hemorragias, vômitos negros, anúria e delirium terminal típico, talvez
relacionados, em parte, ao extenso acometimento hepático. A contagem de leucócitos
pode estar normal ou reduzida e frequentemente é alta nos estágios terminais.
A albuminúria é em geral observada e pode ser acentuada. À medida que diminui
a função renal, nos casos graves ou terminais, a concentração sanguínea de ureia
nitrogenada aumenta proporcionalmente. As alterações detectadas nas provas de
função hepática variam de elevações modestas dos níveis de AST em casos leves até
comprometimento grave.
A febre amarela urbana pode ser evitada pelo controle do A. aegypti. A
permanência de ciclos silvestres do mosquito requer a vacinação de todos os visitantes
de regiões potencialmente transmissoras com a vacina variante 17D de vírus vivo
atenuado, que não pode ser transmitido por mosquitos. Com poucas exceções, as
reações à vacina são mínimas; a imunidade é proporcionada em 10 dias e dura 25 a 35
anos. Uma história de alergia a ovo determina cuidados na administração da vacina.
Embora não existam efeitos nocivos documentados da vacina em fetos, mulheres
grávidas devem ser imunizadas somente se estiverem definitivamente em risco de
exposição ao vírus da febre amarela.
Como a vacinação tem sido associada a vários casos de encefalite em crianças < 6
meses de idade, ela é contraindicada nesse grupo etário, e não é recomendada para
crianças de 6 a 8 meses de idade, a menos que o risco de exposição seja muito elevado.
Foram relatadas reações adversas multissistêmicas, graves e raras (ocasionalmente
fatais), em particular afetando os idosos. Portanto, o risco-benefício deve ser ponderado
antes da administração da vacina para indivíduos ≥ 60 anos. No entanto, o número de
mortes de viajantes não vacinados com a febre amarela excede o número de mortes pela
vacina e, portanto, deve-se prosseguir com a política de vacinação para áreas endêmicas.
RESUMO
Febre amarela é uma infecção por flavivírus transmitida por mosquitos, endêmica
na América do Sul tropical e na África Subsaariana. Os sintomas podem incluir início
súbito de febre, bradicardia relativa, cefaleia e, quando grave, icterícia, hemorragia e
falência de múltiplos órgãos. O diagnóstico é realizado com cultura viral, reverse
transcription -polymerase chain reaction (RT-PCR) de transcrição reversa e testes
sorológicos. O tratamento é de suporte. A prevenção envolve vacinação e controle de
mosquitos.
Na febre amarela urbana, o vírus é transmitido pela picada do mosquito Aedes
aegypti, infectado por volta de 2 semanas antes, ao se alimentar em uma pessoa em
período de viremia. Na febre amarela silvestre, o vírus é transmitido
por Haemagogus e Sabethes outros mosquitos de copas de árvores que o adquirem de
primatas silvestres. A incidência é mais alta durante meses de muita chuva, alta
umidade e alta temperatura, na América do Sul tropical, e no final das chuvas e no
início da seca, na África.
SINAIS E SINTOMAS
A infecção varia de sintomas assintomáticos ou leves na maioria das pessoas a
febre hemorrágica com letalidade de 30 a 60%.
A incubação dura de 3 a 6 dias. O início é súbito, com febre de 39 a 40° C,
calafrios, cefaleia, tontura e mialgias. O pulso, normalmente rápido no início, no 2º dia
torna-se lento para o grau de febre (sinal de Faget). A face fica corada e os olhos,
congestos. Náuseas, vômitos, constipação intestinal, prostração grave, inquietude e
irritabilidade são comuns.
A doença leve pode se resolver após 1 a 3 dias. Em casos moderados ou graves,
contudo, a febre diminui repentinamente em 2 a 5 dias após o início e se segue uma
remissão de várias horas ou dias. Há recorrência da febre, mas o pulso permanece lento.
Icterícia, albuminúria acentuada e sensibilidade epigástrica com hematêmese
geralmente ocorrem após 5 dias de doença. Pode haver oligúria, petéquias, hemorragias
de mucosa, confusão e apatia.
A doença pode durar > 1 semana, com rápida recuperação e nenhuma sequela.
Na forma mais grave (chamada de febre amarela maligna), delirium, soluço intratável,
convulsões, coma e falência de múltiplos órgãos podem ocorrer na fase final. Durante a
recuperação, podem ocorrer superinfecções bacterianas, em particular pneumonia.
DIAGNÓSTICO
Cultura viral, reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR)
ou sorologia
Suspeita-se de febre amarela em pacientes em áreas endêmicas, que tenham
desenvolvido febre súbita com bradicardia relativa e icterícia; doença leve
frequentemente fica sem diagnóstico.
Devem ser obtidos hemograma completo, análise de urina, testes hepáticos, testes
de coagulação, isolamento viral no sangue e testes sorológicos. Leucopenia com
neutropenia relativa é comum, bem como trombocitopenia, coagulação retardada e
aumento do tempo de protrombina (TP). Bilirrubinas e níveis de aminotransferases
podem ficar intensamente elevados durante vários meses. Albuminúria, que ocorre em
90% dos pacientes, pode alcançar 20 g/L; isso ajuda a diferenciar a febre amarela
da hepatite. Na forma mais grave, chamada de febre amarela
maligna, hipoglicemia e hiperpotassemia podem ocorrer na fase terminal.
Confirma-se o diagnóstico da febre amarela por cultura, sorologias, (RT-PCR), ou
achados característicos de necrose mediozonal dos hepatócitos na autopsia.
Biópsia do fígado por agulha, durante a doença, é contraindicada em razão do
risco de hemorragia.
TRATAMENTO
O tratamento da febre amarela é principalmente de suporte. Sangramento pode
ser tratado com vitamina K. Na profilaxia contra sangramento gastrointestinal, deve-se
utilizar um inibidor da bomba de prótons ou um bloqueador H2 em todos os pacientes
enfermos que necessitem de hospitalização. Casos suspeitos ou confirmados devem
permanecer em quarentena.
PREVENÇÃO
As medidas de prevenção incluem
- Evitar os mosquitos
- Vacinação
PONTOS-CHAVE
- Febre amarela é uma infecção por flavivírus transmitida por mosquitos,
endêmica na América do Sul e na África Subsaariana.
- Casos leves geralmente não são reconhecidos; outros causam febre, cefaleia,
mialgia e prostração.
- Casos graves causam icterícia, delirium e, algumas vezes, febre hemorrágica
frequentemente fatal com convulsões, coma, falência de múltiplos órgãos e morte (em
30- 60%).
- Quarentena para os pacientes com febre amarela, suspeita ou confirmada.
- Tratar com suporte (incluindo o uso de vitamina K para tratar o sangramento e
um bloqueador H2 ou um inibidor da bomba de prótons e sucralfato para evitar
sangramento).
- Existe uma vacina eficaz disponível; uma única dose fornece proteção adequada
por toda a vida.
Leptospirose
AGENTE ETIOLÓGICO
As espécies de Leptospira são espiroquetas pertencentes à ordem Spirochaetales e
à família Leptospiraceae. Tradicionalmente, o gênero Leptospira compreendia duas
espécies: a L. interrogans, patogênica, e a L. biflexa, de vida livre, agora designadas
como L. interrogans lato sensu e L. biflexa lato sensu, respectivamente. Vinte e duas
espécies de Leptospira com estado patogênico (10 espécies), intermediário (5 espécies) e
não patogênico (7 espécies) já foram descritas com base em análises filogenéticas e de
virulência. Sequências do genoma de cinco espécies de Leptospira (L. biflexa, L.
interrogans, L. santarosai, L. borgpetersenii e L. licerasiae) foram publicadas, e a
disponibilidade de sequências genômicas de uma ampla variedade de cepas de
Leptospira sem dúvida levará a uma melhor compreensão da patogênese da leptospirose.
Entretanto, a classificação baseada em diferenças sorológicas serve melhor aos
propósitos clínicos, diagnósticos e epidemiológicos. Espécies patogênicas de Leptospira
são divididas em sorovares de acordo com sua composição antigênica. Mais de 250
sorovares compõem os 26 grupos sorológicos.
As leptospiras são microrganismos enrodilhados, finos, altamente móveis, que
têm extremidades em gancho e dois flagelos periplásmicos, com extrusões polares da
membrana citoplasmática que são responsáveis pela motilidade. Esses microrganismos
têm 6-20 μm de comprimento e cerca de 0,1 μm de largura; eles se coram pobremente,
mas podem ser vistos ao microscópio por exame de campo escuro e, depois da coloração
dos tecidos, por impregnação pela prata. As leptospiras precisam de meios de cultura e
condições especiais para crescimento; pode levar semanas a meses para que culturas se
tornem positivas.
O agente etiológico, que pode ser identificado por microscopia de campo escuro ou
por coloração pela prata, é uma espiroqueta móvel com 6 a 20 µm de comprimento e 0,1
µm de diâmetro. As leptospiras são aeróbios obrigatórios, cujo genoma relativamente
grande reflete a sua capacidade de adaptação a ambientes externos e a hospedeiros. As
bactérias do gênero Leptospira são classificadas em 20 espécies e genomospécies, das
quais 9 (L. interrogans, L. kirschneri, L. noguchii, L. weilii, L. borgspetersenii, L.
santarosai, L. alexanderi, L. alstonii e L. kmetyi) são patogênicas, 5 (L. wolffii, L. inadai,
L. fanei, L. broomii e L. licerasiae) são consideradas medianamente patogênicas. A
classificação sorológica fornece informações mais úteis, porque os sorogrupos e
sorovares, dos quais existem mais de 25 e 250, respectivamente, estão associados a
reservatórios animais específicos e variam com respeito à sua capacidade de causar
doenças graves em humanos.
EPIDEMIOLOGIA
A leptospirose tem distribuição mundial por causa do amplo espectro de
reservatórios animais que têm capacidade para fazer a excreção renal persistente de
Leptospira spp patogênicas, inclusive roedores domésticos e silvestres, cães, porcos,
gado e ovelhas. As leptospiras colonizam os túbulos renais, são excretadas na urina e
sobrevivem por semanas a meses no ambiente. A transmissão para os seres humanos
ocorre quando essas bactérias penetram na pele ou nas mucosas durante o contato com
água contaminada, solo ou vegetação. Abrasões na pele facilitam a entrada do agente
patogênico. O contato direto com a urina e tecidos é um importante modo de
transmissão em grupos de risco, como os trabalhadores de matadouros e veterinários.
A ingestão de alimentos contaminados, a inalação de gotículas de aerossol ou
ingestão de água contaminada, como ocorreu durante um surto em 1998, entre
triatletas, ocasionalmente causam infecção. Os seres humanos são hospedeiros
acidentais e não servem como reservatórios, pois concentrações suficientes de
organismos viáveis não são excretadas na urina. A rara transmissão de humano para
humano está associada à infecção transplacentária e à amamentação.
A leptospirose é um problema de saúde pública nos países em desenvolvimento,
especialmente em áreas tropicais, onde é uma doença endêmica entre os agricultores de
subsistência, agricultores/arrendatários e pastores de gado. Além disso, é causa de
grandes epidemias em favelas urbanas, onde o saneamento inadequado favorece por
roedores transmissão.
Embora nos países desenvolvidos a leptospirose tenha sido uma doença
esporádica, tradicionalmente relacionada com determinadas ocupações, ela se tornou
um problema de saúde associado a viagens, esportes aquáticos, corridas de aventura e
recreação (rafting, natação). Os surtos frequentemente se seguem às catástrofes
naturais, chuvas intensas sazonais e inundações, como pode ser visto após os furacões.
A leptospirose também pode ser um problema sub-reconhecido em cidades do interior
norte-americano, na medida em que casos esporádicos têm sido relatados nestes locais.
A leptospirose tem uma distribuição mundial, mas ocorre mais comumente nos
trópicos e subtrópicos por causa do clima, e, ocasionalmente, más condições higiênicas
favorecem a sobrevivência e a distribuição do patógeno. Na maioria dos países, a
leptospirose é um problema subestimado. A maioria dos casos ocorre em homens, com
um pico de incidência durante o verão e o outono, tanto no Hemisfério Norte como no
Sul, e durante a estação chuvosa nos trópicos.
Dados confiáveis sobre morbidade e mortalidade por leptospirose têm começado a
aparecer gradualmente. Informações globais atuais sobre leptospirose humana variam,
mas indicam que aproximadamente 1 milhão de casos graves ocorrem por ano, com
uma taxa média de letalidade de quase 10%.
Como uma zoonose, a leptospirose afeta quase todas as espécies de mamíferos e
representa um ônus veterinário significativo. Roedores, especialmente ratos, constituem
o reservatório mais importante, embora outros mamíferos selvagens, assim como
animais domésticos e de fazenda, também possam albergar esses microrganismos. As
leptospiras estabelecem uma relação de simbiose com seu hospedeiro e podem persistir
no trato urogenital por anos.
A leptospirose se apresenta tanto como uma doença endêmica como epidêmica. A
transmissão de leptospiras pode ser subsequente ao contato direto com urina, sangue
ou tecidos de um animal infectado, ou, o que é mais comum, à contaminação ambiental.
O dogma de que a transmissão entre seres humanos é muito rara é contestado por
achados recentes sobre aglomeração domiciliar, colonização renal assintomática e
excreção prolongada de leptospiras. (Os dois últimos aspectos implicam fontes de
infecção humana que não são reconhecidas.)
Como as leptospiras podem sobreviver em ambiente úmido durante muitos meses,
a água é um veículo importante em sua transmissão. Epidemias de leptospirose não são
bem compreendidas. Surtos podem resultar de exposição a águas de inundação
contaminadas com urina de animais infectados, como tem sido relatado em vários
países. Contudo, é verdadeiro também que surtos podem ocorrer sem inundações, e
inundações acontecem frequentemente sem surtos.
A maioria das infecções por Leptospira não causa doença ou somente doença leve
em seres humanos. Uma pequena porcentagem de infecções (cerca de 1%) leva a
complicações graves, potencialmente fatais. A proporção de casos de leptospirose que
são leves é desconhecida, porque os pacientes ou não procuram, ou não têm acesso à
assistência médica, ou porque os sintomas inespecíficos são interpretados como uma
doença semelhante à gripe.
Os casos notificados seguramente representam uma subestimativa significante do
número total. Certos grupos ocupacionais estão em risco especialmente alto, inclusive
veterinários, trabalhadores agrícolas, trabalhadores em esgotos, empregados de
abatedouros e trabalhadores da indústria de pescados. Fatores de risco incluem contato
direto ou indireto com animais, inclusive exposição à água e ao solo contaminados com
urina de animais. A leptospirose também tem sido reconhecida em zonas centrais
deterioradas de cidades e em áreas suburbanas, onde as populações de ratos estão em
expansão.
Exposição recreativa e contato com animais domésticos são fontes proeminentes
de leptospirose. Atividades de recreação em água doce, como canoagem, windsurfe,
natação e esqui aquático, colocam as pessoas em risco de infecção. Vários surtos foram
subsequentes a eventos esportivos. Por exemplo, um surto teve lugar em 1998 entre
atletas de uma competição de triátlon em Springfield, Illinois. A ingestão de um ou mais
goles de água do lago durante o trecho de natação do triátlon foi um fator de risco
importante para a doença. As chuvas pesadas que precederam o triátlon, com o
consequente escoamento agrícola, provavelmente aumentaram o nível de contaminação
da água do lago com leptospiras.
Além disso, a leptospirose é uma doença de viajantes. Boa parte dos pacientes
adquire a infecção enquanto viaja por países tropicais, geralmente durante atividades
aventurescas, como rafting em corredeiras, caminhadas na selva e exploração de
cavernas. A transmissão por meio de acidentes em laboratórios tem sido relatada, mas é
rara. Dados novos indicam que a leptospirose pode se desenvolver após imersão
imprevista em água contaminada (p. ex., em um acidente de automóvel) mais
frequentemente do que em geral se pensava, e pode resultar também de uma mordida
de animal.
PATOGÊNESE
A transmissão ocorre através de lacerações, abrasões da pele ou das membranas
mucosas, especialmente a mucosa da conjuntiva e a oral. Depois da penetração, os
microrganismos proliferam, atravessam barreiras teciduais e se disseminam por via
hematogênica a todos os órgãos (fase leptospirêmica). Durante esse período de
incubação inicial, leptospiras podem ser isoladas da corrente sanguínea.
Os microrganismos são capazes de sobreviver no hospedeiro não imune: eles
evitam a morte mediada por complemento por ligação com o fator H, um forte inibidor
do sistema complemento, em sua superfície. Além disso, as leptospiras patogênicas
resistem à ingestão e à morte por neutrófilos, monócitos e macrófagos. Durante a fase
imune, o aparecimento de anticorpos coincide com o desaparecimento das leptospiras
do sangue. Entretanto, as bactérias persistem em vários órgãos, inclusive fígado,
pulmão, rim, coração e cérebro.
Achados de necropsia ilustram o envolvimento de múltiplos sistemas orgânicos na
doença grave. A patologia renal mostra tanto lesão tubular aguda como nefrite
intersticial. As lesões tubulares agudas progridem no tempo para edema intersticial e
necrose tubular aguda. Nefrite grave é observada em pacientes que sobrevivem tempo
suficiente para desenvolvê-la e parece ser uma resposta secundária à lesão epitelial
aguda. A desregulação relatada da expressão de vários transportadores ao longo do
néfron, inclusive trocador 3 proximal de sódio-hidrogênio (NHE3), aquaporinas 1 e 2
(AQP1 e AQP2), Na+-K+ ATPase e o cotransportador de Na-K-2Cl, NKCC2, contribuem
para a espoliação tubular de potássio, hipopotassemia e poliúria.
A histopatologia do fígado mostra necrose focal, focos de inflamação e oclusão de
canalículos biliares. Necrose hepatocelular disseminada não é encontrada. Petéquias e
hemorragias são observadas no coração, pulmões, rins (e suprarrenais), pâncreas,
fígado, trato gastrintestinal (inclusive gordura retroperitoneal, mesentério e omento),
músculos, próstata, testículos e cérebro (sangramento subaracnóideo).
Vários estudos mostram uma associação entre hemorragia e trombocitopenia.
Embora os mecanismos subjacentes da trombocitopenia não tenham sido elucidados,
parece provável que o consumo de plaquetas desempenhe um papel importante. Uma
coagulopatia de consumo pode ocorrer, com marcadores elevados de ativação da
coagulação (complexos trombina-antitrombina, fragmentos 1 e 2 de protrombina,
dímeros-D), marcadores anticoagulantes diminuídos (antitrombina e proteína C) e
atividade fibrinolítica desregulada.
Coagulação intravascular disseminada (CID) franca foi documentada em pacientes
da Tailândia e da Indonésia. Níveis plasmáticos elevados de E-selectina solúvel e fator
de von Willebrand em pacientes com leptospirose refletem ativação de células
endoteliais. Modelos experimentais mostram que leptospiras patogênicas ou proteínas
de leptospiras são capazes de ativar células endoteliais in vitro e de romper a função de
barreira das células endoteliais, promovendo a disseminação.
Tem sido demonstrado que plaquetas se agregam sobre o endotélio ativado no
pulmão humano, enquanto a histologia revela tumefação de células endoteliais ativadas,
mas sem vasculite ou necrose evidente. Depósito de imunoglobulina e complemento tem
sido demonstrado no tecido pulmonar envolvido na hemorragia pulmonar.
As espécies de Leptospira têm uma estrutura de parede celular típica de dupla
membrana, albergando uma variedade de proteínas associadas à membrana, inclusive
um número incomumente alto de lipoproteínas. A camada de peptidoglicano está
localizada perto da membrana citoplasmática.
O lipopolissacarídeo (LPS) na membrana externa tem uma estrutura incomum,
com uma potência endotóxica relativamente baixa. As leptospiras patogênicas contêm
uma variedade de genes codificando para proteínas envolvidas na motilidade e na
adesão e invasão de células e tecidos, os quais representam fatores de virulência em
potencial.
Muitos destes são proteínas de membrana externa (PME) expostas à superfície.
Até o presente, o único fator de virulência das leptospiras que se demonstrou satisfazer
os postulados moleculares de Koch é loa22, que codifica uma proteína exposta à
superfície com função desconhecida. Entretanto, o gene não se limita a espécies
patogênicas de Leptospira.
A imunidade à Leptospira depende da produção de anticorpos circulantes a um
LPS específico para sorovar. Não está claro se outros antígenos desempenham um papel
significativo na imunidade humoral protetora. Além disso, a imunidade pode não estar
limitada a respostas de anticorpos; o envolvimento do receptor semelhante ao Toll 2
(TLR2) e de vias de ativação de TLR4 no controle da infecção tem sido demonstrado, ao
passo que, no gado vacinado, uma resposta imune mediada por células está
correlacionada com proteção.
É provável que várias proteínas expostas à superfície medeiem interações
leptospira-célula do hospedeiro, e essas proteínas podem representar componentes
candidatos à vacina. Embora estudos de modelos animais tenham mostrado vários
graus de eficácia de vacinas para diversas PME putativas associadas a virulência, ainda
não está claro se tais proteínas provocam níveis aceitáveis de imunidade esterilizadora.
O desenvolvimento da leptospirose e a evolução da doença são determinados pelas
características de virulência da cepa infectante, a dose do inóculo infectante e fatores de
suscetibilidade do hospedeiro.
As leptospiras se disseminam rapidamente em todos os tecidos, logo após a
infecção, por meio de penetração direta nos tecidos e disseminação hematogênica. O
agente patogênico é resistente à via alternativa da ativação do complemento e se evade
da resposta imune inata do hospedeiro durante as fases iniciais da infecção. Os
pacientes desenvolvem os sintomas de 5 a 14 dias após a exposição, embora o período
de incubação possa variar de 2 a 30 dias.
As leptospiras são eliminadas da corrente sanguínea, principalmente por
anticorpos aglutinantes, cujos títulos aumentam no final da fase precoce da doença
“leptospirêmica”, apesar de estudos mais recentes mostrarem que a infecção também
induz a uma resposta adquirida mediada por células. O processo imunopatogênico da
fase tardia é responsável pelas manifestações graves da doença. Lipopolissacarídeos e
lipopeptídeos das Leptospiras são estimuladores potentes de citocinas pró-inflamatórias,
como fator de necrose tumoral α, as quais produzem um quadro do tipo choque séptico.
A leptospirose ativa a cascata de coagulação. Um estudo recente identificou a
coagulação intravascular disseminada (DIC) em aproximadamente 50% dos pacientes
hospitalizados. No entanto, essa DIC é geralmente uma manifestação mais leve e menos
proeminente da leptospirose do que a observada na sepse por Gram-negativo. O dano ao
endotélio vascular, que é uma característica da leptospirose grave, provoca
extravasamento capilar, hemorragia e, em um subconjunto de casos, vasculite.
Acredita-se que os distúrbios pronunciados das funções hepática e renal se devem
aos efeitos tóxicos de produtos liberados de organismos mortos, porque o exame
patológico dos tecidos revela infiltrados leves de células inflamatórias e leptospiras
intactas dispersas. Embora a resposta imune, ao fim, elimine o agente patogénico, as
leptospiras podem persistir durante períodos prolongados em locais imunologicamente
privilegiados, como a câmara anterior do olho e os túbulos renais, e elas podem ser
eliminadas na urina por semanas após a resolução da doença.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas da leptospirose em sua fase precoce (primeiros 3 a 7
dias de doença) são inespecíficos. O aparecimento de febre alta (temperatura de 38°C a
40°C), mialgia e cefaleia (retro-orbital e frontal) podem ser abruptos e acompanhados
por náusea, vômitos, dor abdominal, diarreia, tosse e fotofobia. A dor muscular é
pronunciada, principalmente nas panturrilhas e região lombar, e, se a dor envolver a
musculatura da parede abdominal, pode simular os sintomas de abdome agudo.
O exantema, que ocorre em 10% a 20% dos pacientes, tem componentes
maculares, papulares, urticariformes ou purpúricos eritematosos distribuídos em nas
regiões do tronco ou pré-tibial (“febre de Fort Bragg”). Hepatomegalia, esplenomegalia e
linfadenopatia são achados menos comuns (<20%). A sufusão conjuntival, que é uma
manifestação característica observada em cerca de 30% dos pacientes, desenvolve-se no
final da doença na fase precoce e envolve hiperemia conjuntival dos vasos ao longo das
fendas palpebrais e quemose.
A minoria (5% a 15%) dos pacientes evolui para doença grave na fase tardia. A
icterícia é um sinal de mau prognóstico porque insuficiência renal aguda e hemorragia
são frequentemente complicações associadas (doença de Weil). A leptospirose anictérica
tende a ser um achado mais brando da fase tardia caracterizado por febre prolongada e
meningite asséptica. Hemorragia, hipotensão e insuficiência renal e respiratória são
complicações que podem ser fatais.
A leptospirose provoca insuficiência renal hipocalêmica, não oligúrica com
reabsorção deficiente de sódio proximal, aumento do aporte distal de sódio e perda de
potássio. Como a perda de volume progride, a insuficiência renal oligúrica se desenvolve
como um resultado de azotemia pré-renal e necrose tubular aguda. A insuficiência renal
aguda ocorre em até 40% a 60% dos pacientes com leptospirose grave.
São observadas trombocitopenia grave e anemia secundária à hemólise ou perda
de sangue em até 30% dos pacientes. O tempo de protrombina e o tempo de
tromboplastina parcial ativada são normais ou ligeiramente elevados. Sangramento
gastrointestinal espontâneo maciço e síndrome hemorrágica pulmonar são as principais
causas de morte. A lesão pulmonar aguda é uma característica proeminente da
síndrome de hemorragia pulmonar, mas pode ocorrer na ausência de sangramento
documentado.
O envolvimento cardíaco na forma de alterações eletrocardiográficas (ECG) e
miocardite podem ser negligenciados porque a hemorragia pulmonar evidente e
manifestações hepatorrenais tendem a dominar o quadro clínico em pacientes
gravemente enfermos. No entanto, um estudo recente de autópsia de 24 pacientes que
morreram de leptospirose observou miocardite em 96%, inflamação endocárdica em
50% e inflamação e hemorragia pericárdica em 12% e 29% dos casos, respectivamente.
Pequenas alterações no ECG foram observadas em mais da metade de todos os
pacientes. Alterações no sistema de condução, como bloqueio atrioventricular de
primeiro-grau, representam a mudança mais comum atribuível à miocardite. Tem sido
relatada miocardite fatal. Outros achados de fase tardia incluem pneumonite intersticial
difusa ou focal, além de pneumonia, pancreatite e rabdomiólise.
A meningite asséptica, que é a manifestação neurológica mais frequente,
caracteriza-se por pleocitose no líquido cefalorraquidiano (LCR), com predominância
inicial de células neutrofílicas e tardia de células mononucleares. Também foram
relatadas encefalite, hemorragia cerebral e arterite (doença de moyamoya), mielite
transversa e neuropatias cranianas (paralisia de Bell) e periféricas causadas por
leptospirose.
Embora a leptospirose seja uma doença potencialmente fatal, com sangramento e
falência de múltiplos órgãos como seus marcos clínicos, acredita-se que a maioria dos
casos seja relativamente leve, apresentando-se como o início súbito de uma doença
febril. O período de incubação geralmente é de 1-2 semanas, mas varia de 1-30 dias. A
leptospirose é descrita classicamente como bifásica. A fase leptospirêmica aguda
caracteriza-se por febre de 3-10 dias de duração, tempo durante o qual o microrganismo
pode ser cultivado a partir do sangue.
Durante a fase imune, a resolução dos sintomas pode coincidir com o
aparecimento de anticorpos, e leptospiras podem ser cultivadas a partir da urina. A
distinção entre a primeira e a segunda fase nem sempre é clara: os casos mais brandos
nem sempre incluem a segunda fase, e a doença grave pode ser monofásica e
fulminante. A ideia de que síndromes clínicas distintas estão associadas a grupos
sorológicos específicos tem sido refutada, embora alguns sorovares tendam a causar
doença mais grave que outros.
- Leptospirose Leve -
A maioria dos pacientes é assintomática ou apenas levemente doente e não busca
assistência médica. Evidência sorológica de infecção pregressa inaparente é encontrada
frequentemente em pessoas que foram expostas, mas não ficaram doentes. A
leptospirose leve sintomática geralmente se apresenta como uma doença semelhante à
gripe, de início súbito, com febre, calafrios, cefaleia, náusea, vômitos, dor abdominal,
sufusão de conjuntivas (vermelhidão sem exsudato) e mialgia. A dor muscular é intensa
e afeta especialmente as panturrilhas, as costas e o abdome.
A cefaleia é intensa, localizada na região frontal ou retro-orbitária (semelhante à
que ocorre na dengue) e, às vezes, acompanhada de fotofobia. Meningite asséptica pode
estar presente e é mais comum em crianças que em adultos. Embora leptospiras
possam ser cultivadas a partir do líquido cerebrospinal (LCS) na fase inicial, a maioria
dos casos segue um curso benigno com relação ao sistema nervoso central; os sintomas
desaparecem dentro de poucos dias, mas podem persistir por semanas.
O exame físico pode incluir qualquer dos seguintes achados, nenhum dos quais é
patognomônico para leptospirose: febre, sufusão conjuntival, congestão da faringe,
dolorimento muscular, linfadenopatia, exantema, meningismo, hepatomegalia e
esplenomegalia. Caso ocorra, o exantema muitas vezes é transitório; pode ser macular,
maculopapular, eritematoso, ou hemorrágico (com petéquias ou equimoses); e pode ser
mal diagnosticado como tifo endêmico ou infecção viral. A ausculta pulmonar pode
revelar estertores crepitantes, e icterícia leve pode ocorrer.
A evolução natural da leptospirose leve geralmente envolve resolução espontânea
dentro de 7-10 dias, mas sintomas persistentes têm sido documentados. Na ausência de
um diagnóstico clínico e terapia antimicrobiana, a taxa de mortalidade da leptospirose
leve é baixa.
- Leptospirose Grave -
Embora o início da leptospirose grave possa não ser diferente do da leptospirose
leve, a doença grave com frequência é rapidamente progressiva e está associada a uma
taxa de letalidade variando de 1-50%. As taxas de mortalidade mais altas estão
associadas a idade > 40 anos, estado mental alterado, insuficiência renal aguda,
insuficiência respiratória, hipotensão e arritmias. A apresentação clássica,
frequentemente designada como síndrome de Weil , abrange a tríade de hemorragia,
icterícia e lesão renal aguda.
Os pacientes morrem de choque séptico com falência de múltiplos órgãos e/ou
complicações hemorrágicas graves, que envolvem mais frequentemente os pulmões
(hemorragia pulmonar), o trato gastrintestinal (melena, hematoquezia), o trato
urogenital (hematúria) e a pele (petéquias, equimoses e sangramento em locais de
punção venosa).
A hemorragia pulmonar (com ou sem icterícia) é reconhecida atualmente como
um problema de saúde pública disseminado, apresentando-se com tosse, dor torácica,
dificuldade respiratória e hemoptise, que pode não ser aparente até que os pacientes
sejam intubados.
Icterícia ocorre em 5-10% de todos os pacientes com leptospirose; ela pode ser
profunda e dar uma tonalidade alaranjada à pele, mas geralmente não está associada
com necrose hepática fulminante. O exame físico pode revelar um fígado aumentado e
doloroso.
A lesão renal aguda é comum na doença grave, apresentando-se depois de vários
dias de doença e pode ou não ser oligúrica. Anormalidades eletrolíticas típicas incluem
hipopotassemia e hiponatremia. A perda de magnésio na urina está associada
peculiarmente à nefropatia por leptospiras. A hipotensão está associada a necrose
tubular aguda, oligúria ou anúria, requerendo reidratação e, às vezes, terapia com
vasopressores. A hemodiálise pode salvar vidas, com a função renal geralmente
retornando ao normal nos sobreviventes.
Outras síndromes incluem pancreatite (necrosante), colecistite, envolvimento de
músculos esqueléticos, rabdomiólise (com níveis moderadamente elevados de
creatinaquinase sérica) e manifestações neurológicas, inclusive meningite asséptica.
O envolvimento cardíaco geralmente é retratado no eletrocardiograma como
alterações inespecíficas de ST e onda T. Anormalidades de repolarização e arritmias são
consideradas fatores de prognóstico ruim. Miocardite já foi descrita. Complicações
hematológicas raras incluem hemólise, púrpura trombocitopênica trombótica e
síndrome hemolítico-urêmica.
Sintomas de longa duração subsequentes à leptospirose grave incluem fadiga,
mialgia, mal-estar geral e cefaleia, podendo persistir por anos. Uveíte autoimune
associada, condição potencialmente crônica, é uma sequela reconhecida da leptospirose.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico clínico de leptospirose deve basear-se em história apropriada de
exposição combinada com uma das manifestações proteiformes da doença. Viajantes
retornando de áreas endêmicas geralmente têm uma história de atividades recreativas
em água doce ou outro contato percutâneo ou de mucosas com águas superficiais
contaminadas ou solo. Para não viajantes, contato recreativo com água e perigos
ocupacionais que envolvem contato direto ou indireto com animais devem ser
investigados.
Embora achados bioquímicos, hematológicos e de exame de urina sejam
inespecíficos na leptospirose aguda, certos padrões podem sugerir o diagnóstico. Os
resultados laboratoriais geralmente mostram sinais de uma infecção bacteriana,
inclusive leucocitose, com um desvio para a esquerda e marcadores de inflamação
elevados (nível de proteína C-reativa e velocidade de hemossedimentação).
Trombocitopenia (contagem de plaquetas ≤ 100 x 109/L) é comum e está
associada a sangramento e insuficiência renal. Na doença grave, sinais de ativação da
coagulação podem estar presentes, variando de anormalidades limítrofes a um distúrbio
sério compatível com CID, como definido por critérios internacionais. Os rins estão
invariavelmente envolvidos na leptospirose.
Os achados relacionados variam desde alterações no sedimento urinário
(leucócitos, hemácias e cilindros hialinos ou granulosos) e proteinúria discreta, na
doença leve, até insuficiência renal e azotemia, na leptospirose grave. Insuficiência renal
com hipopotassemia e sem oligúria é característica da leptospirose inicial. Os níveis
séricos de bilirrubina podem estar altos, ao passo que aumentos dos níveis de
aminotransferases e fosfatase alcalina geralmente são moderados.
Embora sintomas clínicos de pancreatite não sejam um achado comum, os níveis
de amilase frequentemente estão elevados. Quando sintomas de meningite asséptica se
desenvolvem, o exame do LCS mostra pleocitose, que pode variar de poucas células a >
1.000 células/µL, com um predomínio de células polimorfonucleares. A concentração de
proteína no LCS pode estar elevada; os níveis de glicose no LCS são normais.
Na leptospirose grave, anormalidades radiográficas pulmonares são mais comuns
do que seria esperado com base no exame físico. O achado radiográfico mais comum é
um padrão alveolar bilateral esparso, que corresponde à hemorragia dispersa.
Essas anormalidades afetam predominantemente os lobos inferiores. Outros
achados incluem densidades com base na pleura (representando áreas de hemorragia) e
atenuação difusa em vidro fosco típica da síndrome da angústia respiratória aguda
(SARA).
Um diagnóstico definitivo de leptospirose baseia-se no isolamento do
microrganismo do paciente, em um resultado positivo da reação em cadeia da
polimerase (PCR) ou na soroconversão ou um aumento no título de anticorpos. Em
casos com evidências clínicas fortes de infecção, um título de anticorpo isolado de
1:200-1:800 (dependendo se o caso ocorre em uma área de endemicidade alta ou baixa)
no teste de aglutinação microscópica (MAT) é necessário.
Preferivelmente, um aumento de título de quatro vezes ou mais é detectado entre
espécimes de soro nas fases aguda e convalescente. Os anticorpos geralmente não
atingem níveis detectáveis até a segunda semana de doença. A resposta de anticorpos
pode ser afetada pelo tratamento precoce com antibióticos.
O MAT, que usa uma bateria de cepas vivas de leptospiras, e o ensaio
imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA), que utiliza um antígeno largamente reagente,
são os procedimentos sorológicos padrão.
O MAT geralmente está disponível apenas em laboratórios especializados, e é
usado para determinação do título de anticorpo e para tentativa de identificação do
sorogrupo de leptospira envolvido – e, quando informação do retrospecto epidemiológico
está disponível, do sorovar putativo.
Esse ponto destaca a importância de testar antígenos representativos dos
sorovares prevalentes na área geográfica em particular. Entretanto, reações cruzadas
ocorrem frequentemente, e, assim, a identificação definitiva do sorovar ou grupo
sorológico infectante não é possível sem isolamento do organismo causador. Como os
testes sorológicos carecem de sensibilidade na fase aguda inicial da doença (até o 5º dia),
eles não podem ser usados como base para decidir quando iniciar o tratamento.
Além do MAT e do ELISA, vários testes rápidos com valor diagnóstico já foram
desenvolvidos, e alguns deles estão disponíveis comercialmente. Esses testes rápidos
aplicam principalmente metodologia de fluxo lateral, aglutinação (látex) ou ELISA, e são
razoavelmente sensíveis e específicos, embora os resultados relatados na literatura
variem, provavelmente em consequência de diferenças na interpretação dos testes,
riscos de (re)exposição, distribuição de sorovares e uso de painéis de soro enviesados.
Esses métodos não requerem instalações para cultura ou MAT e são úteis em
locais que carecem de uma infraestrutura médica forte. Metodologias de PCR,
principalmente PCR em tempo real, têm se tornado largamente implantadas de forma
crescente. Em comparação com a sorologia, a PCR oferece uma grande vantagem: a
capacidade de confirmar o diagnóstico de leptospirose com um alto grau de precisão
durante os primeiros cinco dias de doença.
TRATAMENTO
A terapêutica antimicrobiana é eficaz na leptospirose precoce e na tardia grave. A
leptospirose leve é tratada com doxiciclina por via oral (100 mg duas vezes ao dia) ou
ampicilina (500 mg a cada 6 horas) ou ainda amoxicilina (500 mg a cada 8 horas). A
azitromicina (1 g seguido de 500 mg uma vez ao dia durante 2 dias) não é inferior à
doxilina e é mais bem-tolerada do que ela, mas é mais cara e menos disponível. 1 A
leptospirose severa é tratada com penicilina intravenosa (1,5 milhão de unidades a cada
6 horas). A ceftriaxona intravenosa (1 g uma vez ao dia) 2 e a cefotaxima (1 g a cada 6
horas) têm eficácia equivalente à penicilina no caso da leptospirose grave; a doxiciclina
parenteral (100 mg a cada 12 horas) é uma alternativa satisfatória.
Outros agentes antimicrobianos podem ter uso terapêutico potencial, embora sua
eficácia não tenha sido comprovada até este momento. As Leptospira são suscetíveis in
vitro ao cloranfenicol, às quinolonas e aos macrolídeos. A duração do tratamento
antimicrobiano é normalmente de 7 dias. Embora os pacientes necessitem de
monitoramento para as reações de Jarisch-Herxheimer no início da terapia
antimicrobiana, essa complicação é menos frequentemente observada do que nas outras
infecções por espiroquetas.
Reduzir a mortalidade causada pela leptospirose grave requer a triagem rápida
dos pacientes de alto risco e assistência agressiva para hipotensão, lesão pulmonar e
renal aguda e hemorragia. Os pacientes com insuficiência renal não oligúrica
hipocalêmica têm, no geral, um prognóstico melhor e podem ser tratados por reposição
de volume e de potássio. O início precoce de diálise é fundamental para prevenir a
mortalidade por insuficiência renal oligúrica. A hemofiltração contínua é mais eficaz do
que a diálise peritoneal no tratamento da insuficiência renal aguda associada à infecção.
Até o momento não há nenhuma evidência que indique o uso de pulso glucocorticoides
e desmopressina no tratamento da leptospirose grave.
A leptospirose grave deve ser tratada com penicilina intravenosa (IV) assim que o
diagnóstico seja considerado. As leptospiras são altamente sensíveis a uma ampla
variedade de antibióticos, e a intervenção precoce pode prevenir o desenvolvimento de
insuficiência de sistemas orgânicos importantes ou diminuir sua gravidade.
Embora estudos dando suporte à terapia com antibióticos tenham produzido
resultados conflitantes, os ensaios clínicos são difíceis de serem realizados em situações
onde os pacientes frequentemente se apresentam à assistência médica com estágios
tardios da doença. Os antibióticos têm menor probabilidade de beneficiar pacientes nos
quais lesão de órgãos já tenha acontecido. Assim, ceftriaxona, cefotaxima ou doxiciclina
são alternativas satisfatórias à penicilina para o tratamento da leptospirose grave.
Em casos leves, o tratamento oral com doxiciclina, azitromicina, ampicilina ou
amoxicilina é recomendado. Em regiões onde doenças por riquétsias também são
endêmicas, doxiciclina ou azitromicina é o fármaco de escolha. Em casos raros, uma
reação de Jarisch-Herxheimer se desenvolve dentro de horas após o início da terapia
antimicrobiana.
Um tratamento de suporte agressivo para leptospirose é essencial e pode salvar
vidas. Pacientes com disfunção renal sem oligúria precisam de reidratação agressiva
com líquidos e eletrólitos para prevenir desidratação e a precipitação de insuficiência
renal com oligúria. Diálise peritoneal ou hemodiálise deve ser providenciada para
pacientes com insuficiência renal e oligúria. Tem sido demonstrado que o início rápido
de hemodiálise reduz o risco de mortalidade e, geralmente, é necessário somente por
períodos curtos.
Pacientes com hemorragia pulmonar podem ter complacência pulmonar
diminuída (como visto na SARA) e se beneficiar de ventilação mecânica com volumes
correntes baixos para evitar pressões de ventilação altas. As evidências são
contraditórias quanto ao uso de glicocorticoides e desmopressina como terapia adjunta
para o envolvimento pulmonar associado à leptospirose grave.
PREVENÇÃO
Indivíduos que podem ser expostos às leptospiras em função de suas ocupações
ou de seu envolvimento em atividades recreativas em água doce devem ser informados
sobre os riscos. As medidas para controle da leptospirose incluem evitar a exposição à
urina e a tecidos de animais infectados pelo uso de equipamentos protetores para olhos,
pés e outros. Estratégias dirigidas para o controle de roedores devem ser consideradas.
Vacinas para animais de agricultura e de companhia geralmente estão disponíveis,
e seu uso deve ser encorajado. A vacina veterinária usada em uma dada área deve
conter os sorovares que se sabe estarem presentes ali. Infelizmente, alguns animais
vacinados ainda excretam leptospiras em sua urina. A vacinação de seres humanos
contra um sorovar específico prevalente na área tem sido realizada em alguns países da
Europa e da Ásia e tem se comprovado efetiva. E
Embora um experimento de larga escala da vacina em seres humanos tenha sido
relatado em Cuba, nenhuma conclusão sobre eficácia e reações adversas pode ser tirada
por causa de detalhes insuficientes sobre o desenho do estudo. A eficácia da
quimioprofilaxia com doxiciclina (200 mg, uma vez por semana) ou azitromicina (em
mulheres gestantes e crianças) está sendo contestada, mas a administração focalizada
pré-exposição e pós-exposição está indicada em casos de exposição de curta duração.
A prevenção da leptospirose é baseada no controle de reservatórios animais,
interrompendo vias de transmissão e prevenindo doenças em seres humanos. As
medidas de controle que visam às populações definidas de animais, como cães, porcos e
bovinos, são altamente efetivas. A imunização de animais domésticos e do gado pode
reduzir o estado de portador e a transmissão para os seres humanos. Os pesticidas
químicos e o controle ambiental dos habitats de roedores reservatórios domésticos são
importantes, mas difíceis de implementar, especialmente nas favelas urbanas.
O controle de reservatórios silvestres muitas vezes não é viável. Quando possível,
fontes ambientais de transmissão podem ser descontaminadas com solução de
hipoclorito e isoladas. Roupas de proteção, como luvas e botas reduzem o risco de
exposição ocupacional. Apesar de não ter sido documentada a infecção após exposição à
urina humana, precisam ser tomados alguns cuidados quando da manipulação de
secreções de indivíduos doentes.
A quimioprofilaxia da doxiciclina pode ser eficaz na prevenção da doença clínica,
mas não reduz a seroconversão da Leptospira quando utilizada seja como profilaxia pós-
exposição (populações locais após uma inundação), seja como profilaxia pré-exposição
(populações locais ou soldados deslocados). A doxiciclina ou a amoxicilina são usadas
como quimioprofilaxia em situações em que a exposição ao agente patogênico foi
documentada. Vacinas bacterianas têm sido utilizadas nos grupos de alto risco.