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CLÁUDIA BORGES COSTA

O TRABALHADOR-ALUNO DA EAJA:
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS


MESTRADO EM EDUCAÇÃO
GOIÂNIA - 2008
1

CLÁUDIA BORGES COSTA

O TRABALHADOR-ALUNO DA EAJA:
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do


Mestrado em Educação da Universidade Católica
de Goiás como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Drª Maria Esperança Fernandes
Carneiro.

GOIÂNIA
2008
2

BANCA EXAMINADORA

.........................................................................................
Profª Drª Maria Esperança Fernandes Carneiro
Universidade Católica de Goiás -UCG

..........................................................................................
Profª Dra. Lúcia Helena Rincón Afonso
Universidade Católica de Goiás - UCG

...........................................................................................
Profº Dra. Maria Margarida Machado
Universidade Federal de Goiás - UFG

Data: .................................................
3

Dedico:

A todos(as) os(as) trabalhadores(as)-aluno-(as), em


especial àqueles(as) pertencentes às três escolas
pesquisadas, pela grande contribuição à pesquisa; a
eles(as), minha admiração pela ousadia e pela garra de
enfrentar, todos os dias, as lutas pela sobrevivência e
pela permanência na escola. Que esta escola possa nos
ajudar a compreender que, juntos, poderemos, um dia,
construir o “tempo livre de ser”!
4

Capitão de Indústria
Os Paralamas Do Sucesso

Eu às vezes fico a pensar


Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
É quando eu me encontro perdido
Nas coisas que eu criei
E eu não sei
Eu não vejo além de fumaça
O amor e as coisas livres, coloridas
Nada poluídas
Ah, Eu acordo prá trabalhar
Eu durmo prá trabalhar
Eu corro prá trabalhar
5

Agradecimentos

Ao Deus da vida e da minha história por fazer parte dessa


caminhada e permitir força, coragem e saúde no percurso
desta pesquisa.

Aos meus pais, pessoas valiosas, que me ensinaram muito,


principalmente a arte da convivência. A minha mãe, minha
companheira, pela força e pelo incentivo em todos os
momentos, sobretudo por me substituir muitas vezes nos
cuidados com os meninos e da casa. A meu pai, onde
estiver, pela dedicação e pelo amor dispensados a mim
durante sua existência.

Ao Luiz, meu companheiro de todos os momentos.


Agradeço também pela dedicação em ser o primeiro leitor
de meus escritos e por suas valorosas contribuições, com
quem pude aprender muito.

Ao Flávio e ao Daniel, minhas preciosidades, pela


compreensão nas tantas ausências da mãe e pelo carinho
que muito me estimulou para seguir nesta caminhada.

À Professora Maria Esperança Fernandes Carneiro, pelas


críticas e pelos incentivos, enfim, pela orientação
profissional e humana.

Às professoras Maria Margarida Machado e Lúcia Helena


Rincón Afonso, pelo carinho, pela dedicação e pela
coerência acadêmica com que leram o meu texto.
Agradeço imensamente pela valiosa contribuição e pela
segurança que me passaram no exame da qualificação.

Aos colegas do mestrado, com os quais foi possível


compartilhar certezas e muito mais incertezas, mas, enfim,
dialogamos e vivenciamos buscas neste difícil processo de
construção científica.

A todos os profissionais da educação das três escolas


pesquisadas, por possibilitarem a minha entrada no
cotidiano da escola para a investigação científica. Afirmo
ter aprendido muito com todos(as).

Aos colegas do Conselho Municipal de Educação, pela


torcida incondicional.
6

Aos companheiros(as) do Fórum Goiano de EJA, pessoas


com quem pude partilhar e aprender com as tantas
vivências na EJA.

A Rose, minha irmã de alma, pela amizade e companhia


de todo dia. Também agradeço aos meus amigos Adriano,
Bebel e Rodrigo, pela presença fiel em minha vida.

A minha amiga Salvadora, sempre trabalhadora-aluna e


hoje, com grande esmero, trabalhadora na educação, pela
fiel torcida.

Às amigas Esmeraldina e Dinorá, também pesquisadoras


da EJA, com quem pude partilhar angústias e incertezas.
Agradeço pelas contribuições por meio de seus escritos e
também pelos diálogos que muito colaboraram no meu
texto.

A uma amiga da história de tantos anos, pela partilha de


seus escritos sobre a EJA, pelos diálogos e, sobretudo,
pelo seu exemplo como educadora e pessoa.

Pelos muitos amigos distantes e próximos que


contribuíram, ora com seus escritos, ora com diálogos, ora
com a torcida, o que foi o bastante para me estimular no
percurso deste trabalho.
7

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................09


RESUMO .........................................................................................................................11
ABSTRACT .....................................................................................................................12
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................13

CAPÍTULO I
UM OLHAR SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS E O MUNDO DO TRABALHO .............................................................. 20
1.1 Contextualização Social..............................................................................................20
1.2 O trabalho como Princípio Educativo ........................................................................24
1.2.1 O trabalho: elemento básico na constituição do homem .................................. 28
1.3 A História da EJA no Contexto da Educação Brasileira ........................................... 33
1.3.1 A Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos - Eaja - no Município de
Goiânia .............................................................................................................41
1.4 A Visão do currículo da Eaja da Rede Municipal de Educação de Goiânia sobre os
Jovens e Adultos Trabalhadores ................................................................................44

CAPÍTULO II
O MUNDO DO TRABALHO E A ESCOLA: A REALIDADE DOS SUJEITOS
ENVOLVIDOS ...............................................................................................................51
2.1 A EJA em algumas pesquisas e os trabalhadores-alunos da Eaja/Goiânia ............... 51
2.2 A escola e seu significado ......................................................................................... 68

CAPÍTULO III
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DO(A)
TRABALHADOR(A)-ALUNO(A)
...................................................................................................................... 81
3.1 Escola espaço de encontro, construção de conhecimento e de conflito social .......... 81
3.1.1 A formação de professores ........................................................................... 92
3.1.2 Relação de Classe no espaço da escola ......................................................... 95
8

3.1.3 Conflitos de Gerações ...................................................................................98


3.1.4 O processo avaliativo como elemento de tensão ........................................... 101
3.2 Alguns espaços de tensão e produção do conhecimento nas escolas da Eaja ........... 106
3.2.1 Espaço de leitura ............................................................................................ 107
3.2.2 Espaço da informática .....................................................................................111

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................116


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 123
ANEXOS .........................................................................................................................131
9

LISTA DE SIGLAS

ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação


CEB - Câmara de Educação Básica
CNE - Conselho Nacional de Educação
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica
CFESP - Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional
CME - Conselho Municipal de Educação
DCN - Diretrizes Curriculares Nacional
DEF-AJA - Divisão do Ensino Fundamental - Educação de Adolescentes, Jovens e
Adultos
CONFINTEA - Conferência Internacional de Educação de Adultos
EAJA - Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos
EJA - Educação de Jovens e Adultos
ENEJA - Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos
FMI - Fundo Monetário Internacional
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA - Instituto de Pesquisa e Análise
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação e Desporto; Ministério da Educação
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOVA - Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos - Brasil
PNAD - Pesquisa por Amostra de Domicílios
Projeto AJA - Experiência Pedagógica de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental para
Adolescentes, Jovens e Adultos
PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RME - Rede Municipal de Educação
SECAD - Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade
10

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial


SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC - Serviço Social do Comércio
SME - Secretaria Municipal de Educação
UNESCO - Organizações das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura
UFB - Universidade Federal da Bahia
UFG - Universidade Federal de Goiás
UnB - Universidade de Brasília
Unicamp - Universidade de Campinas
11

RESUMO

O propósito deste estudo foi investigar a realidade dos jovens e adultos trabalhadores-alunos
da 5ª à 8ª séries do ensino fundamental noturno, integrantes a Rede Municipal de Ensino de
Goiânia, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA. Buscou-se compreender a
correlação entre conhecimento obtido na escola e o mundo do trabalho. A pesquisa, intitulada
“O trabalhador-aluno da Eaja: desafios no processo ensino-aprendizagem”, objetivou refletir
sobre as mediações ou possíveis contradições entre a escolarização formal e o mundo do
trabalho; analisar, na proposta político- pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de
Goiânia, a articulação entre o ensino básico e a categoria trabalho; identificar a visão dos
alunos sobre o aprendizado na escola e sua relação com a esfera profissional. No que tange à
metodologia, optou-se por uma abordagem qualitativa, por entender que suas características
permitem melhor apreensão do objeto em estudo. As etapas da pesquisa foram: revisão da
bibliografia sobre a temática EJA e sua configuração no campo da educação brasileira, estudo
e análise da Proposta Político-Pedagógica para Educação de Adolescentes Jovens e Adultos
da RME/Goiânia e pesquisa de campo. Para a pesquisa de campo, utilizou-se os instrumentos
técnicos de investigação: questionário e entrevistas semi-estruturadas. Nas considerações
finais, ressaltou-se as análises obtidas por meio da pesquisa de campo e os diversos conflitos e
tensões apresentados pelos sujeitos da pesquisa, sobretudo os(as) trabalhadores(as)-aluno(as),
o que revelou vários aspectos relevantes sobre a relação educação/trabalho, bem como as
dificuldades em desenvolver, na prática, a integralidade da referida proposta pedagógica e sua
inconsistência teórica em relação à aprendizagem destinada ao trabalhador(a)-aluno(a).

Palavras-chave: Educação; Educação de Jovens e Adultos; Trabalho e Educação; Mundo do


Trabalho.
12

ABSTRACT

The purpose of the current study is to investigate the reality of the young and adult studying
workers of EJA - Education of Youths and Adults - who are enrolled in 5th through 8th
grades of night elementary education program of Goiania Municipal School System.
Understanding the connection between the knowledge acquired in school and the work
environment has been in view. Entitled “The studying worker of EJA: challenges of
teaching-learning process”, the research has aimed to achieve three goals: 1) discussing
mediations or possible contradictions between formal education and the world of work; 2)
analyzing the connection between the basic education and the work as a category within the
limits of the political-pedagogic proposal of Goiania Municipal Education Office; and 3)
identifying both the student’s view of the school learning and its connection with the
professional context. Aiming at achieving a more comprehensive apprehension of the object
of study, qualitative research methodology has been employed. The research has been
accomplished taking into account three stages: 1) revising the bibliography on the theme of
EJA and its configuration in the field of Brazilian education; 2) studying and analyzing
“Goiania Municipal School System Political-Pedagogic Proposal for the Education of
Teenage Youths and Adults”; and 3) field research. Technical instruments of investigation,
such as questionnaires and demi-structured interviews, have been applied in the field research.
In final considerations both the analyses carried out with the help of field research and a
number of conflicts and emotional tensions undergone by the research subject - especially
studying workers - have been highlighted. As a result relevant aspects of the connection
between education and work has been revealed, especially the difficulties in developing the
mentioned pedagogic proposal as a whole in everyday practice and the theoretical
incoherence of such proposal concerning learning methods intended for studying workers.

Key words: Education; Education of Youths and Adults; Work and Education; World of
Work.
13

INTRODUÇÃO

A presente dissertação, intitulada “O trabalhador-aluno da Eaja: desafios no processo


ensino-aprendizagem”, aborda a formação propiciada aos alunos da referida modalidade que
estudam no período noturno e as possíveis interferências nas relações sociais desses sujeitos,
sobretudo no trabalho destes(as) educando(as).
A educação de jovens e adultos – EJA – tem apresentado um quadro de conflitos,
pois os alunos retornam à escola depois de um longo período sem usufruir do seu direito à
educação. O motivo que levou esse aluno a deixar a escola é geralmente o mesmo que exige o
seu retorno – o trabalho. Esses jovens e adultos trabalhadores fazem parte de uma parcela da
população marcada pela exclusão e pela marginalização.
A Terceira Revolução Industrial, sob a égide da sociedade neoliberal, defende a tese
de um Estado reduzido, uma política financeira afinada com o Fundo Monetário
Internacional/FMI, organismo mundial do capital, processo de privatização acelerado e,
sobretudo, a desconsideração dos direitos sociais dos trabalhadores. Este atual cenário marca
o avanço tecnológico e vem impondo um novo contexto à organização do trabalho1. Observa-
se um reforço nas relações desiguais de poder, com uma divisão nítida entre os detentores do
saber, sobretudo o tecnológico, e os trabalhadores braçais. Nessa conjuntura, a formação
necessária para que esse trabalhador consiga ocupação e permanência no mercado de trabalho
passa pelo conhecimento intelectual, em detrimento do manual.
Portanto, ao se pensar educação de jovens e adultos e o mundo do trabalho, deve-se
considerar que, na atual conjuntura, as relações que se constituem entre a escolarização
básica, podem possibilitar, ou não, a inserção, a permanência e também a mobilidade dos
educandos(as) no mundo do trabalho.

1
Conforme afirma Antunes (1999, p. 205), a classe trabalhadora, na passagem do século XX para o XXI, “é
mais explorada, mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada, também no que refere a sua
atividade produtiva: é um operário ou uma operária trabalhando em média com quatro, com cinco, ou mais
máquinas. Os trabalhadores são desprovidos de direito, seu trabalho é desprovido de sentido, em conformidade
com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sob controle do capital, não só degradam a
natureza, levando o mundo à beira da catástrofe ambiental, como também precarizam a força humana que
trabalha, desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração.”
14

A experiência própria como profissional da educação do ensino noturno da rede


pública, no interior e na capital, pela Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, trouxeram
muitas inquietações. Dentre elas, estão a dualidade entre educação básica e mundo do trabalho
e a dificuldade de o aluno trabalhador manter-se na escola e terminar com sucesso sua
formação escolar. Percebe-se, também, a falta de articulação dos conteúdos trabalhados com a
realidade dos sujeitos da EJA.
Nessa perspectiva, o problema investigado voltou-se para as seguintes interrogações:
-Qual é a concepção de trabalho e de mundo do trabalho da proposta pedagógica para o
ensino fundamental de adolescentes, jovens e adultos do período noturno do município de
Goiânia? -Qual a visão dos educandos(as) sobre o aprendido na escola e sua relação com sua
esfera profissional?
Considerando a importância da temática da educação de jovens e adultos no contexto
das políticas públicas desenvolvidas no país, a pesquisa tem como principal objetivo
compreender, analisar e interpretar a aprendizagem do aluno trabalhador da Educação de
Adolescentes, Jovens e Adultos – Eaja – no ensino fundamental e sua relação com o mundo
do trabalho.
Diante da experiência desenvolvida na Rede Municipal de Educação de Goiânia, a
partir de proposta própria para a EJA, os objetivos específicos a serem perseguidos serão
identificar as concepções de trabalho e de mundo do trabalho que orientam a proposta
pedagógica para a educação de jovens e adultos de 5ª a 8ª série2 e analisar a visão dos alunos
da educação de jovens e adultos das escolas municipais de Goiânia sobre o aprendizado na
escola e sua relação com o atual mundo do trabalho.
Na tentativa de alcançar esses objetivos, os estudos teóricos realizados na perspectiva
marxista possibilitaram um aprofundamento de conceitos e categorias, dentre eles os de
educação e trabalho.
No que se refere à perspectiva marxista, o trabalho é o centro do processo educativo,
uma vez que, nessa concepção, é o trabalho o que distingue o homem como gênero humano.
Nesse sentido, o homem, ao relacionar-se com a natureza, faz-se e educa-se, o que o
diferencia das outras espécies. Assim, a educação deve ser percebida como formação ampla
de homens e mulheres.
As relações sociais vão se construindo a partir da luta pela sobrevivência. Conforme
argumenta Enguita (1993), à luz de Marx, é essa relação concreta da existência que marca a

2
Estas turmas do ensino fundamental também são conhecidas como segundo segmento.
15

consciência do ser humano. Na visão de Marx, o homem não pode ser compreendido como
uma realidade isolada. Ele é, no seu tempo, o conjunto das relações sociais.
Nesta ótica, a educação é significativa na medida em que propõe uma análise crítica
da realidade e da sua transformação. Na visão de Freire (1979), a consciência crítica exige dos
sujeitos um compromisso com a transformação de sua realidade. Dessa forma, a educação se
afirma como espaço de construção do conhecimento e de cultura, em que os homens são
sujeitos desse processo. Conforme Gramsci (2004b), os homens são sujeitos do seu tempo;
produzem e também exercem atividade intelectual. Em sua opinião, não há separação entre o
fazer e o pensar. Saviani (2005) percebe que a criação é essencialmente humana. Para ele,
existe uma íntima relação entre educação e trabalho - aliás, educação, nessa óptica, é trabalho.
De acordo com Bruno (1996), desde o início o capitalismo tem registrado, na
história, uma educação com o papel de cumprir a necessidade da formação atrelada ao
mercado de trabalho, atendendo à formação ideológica de submissão ao capital. No atual
contexto, a educação tem recebido a incumbência de ser um instrumento básico para
qualificação das forças de trabalho. Na visão de Frigotto (2001), os conceitos de competência,
competitividade, habilidades, qualidade total e empregabilidade assumem importância no
processo de educação e aparecem como imposição ideológica de sustentação dos valores do
mercado e do capital, em detrimento aos valores humanos. Estes conceitos terminam por
afirmar, na presente relação de trabalho, a fragmentação, a precarização e a intensificação da
exploração do trabalhador. Reforça-se a visão individual de adquirir conhecimentos e
condições adequadas tão somente para inserção no mercado de trabalho.
O caminho a perseguir é conceber a EJA como formação permanente. É, portanto, o
caminho da continuidade, ou seja, para além da alfabetização ou da formação técnica
específica. A defesa de uma educação permanente para todos os sujeitos significa a
confirmação de um direito formalmente constituído e, entretanto, concretizado apenas para
uns poucos e, ainda, para atender à demanda da formação em função exclusiva do mercado.
No entendimento de Oliveira e Paiva (2004), a intervenção pedagógica a ser
realizada com jovens e adultos deve partir da concepção de que a aprendizagem deve estar na
realidade desses sujeitos, o que aponta para uma discussão de produção da existência por
meio do trabalho; e mais, para a elaboração de sua identidade, sua participação como cidadão
e sua leitura crítica como ser social.
A discussão principal da EJA passa pela condução de reflexões, práticas e
aprendizagens traduzidas a partir do direito humano a acesso e permanência na escolarização.
16

Conforme Machado (2007), tem-se travado uma luta histórica para assegurar, nas políticas
públicas, a oferta, no mínimo, da educação básica para jovens e adultos no país.
Por último, os enfoques inserção e permanência, interfaces da categoria trabalho,
serão estudados a partir das reflexões sobre o atual contexto social em que o trabalho vive a
subordinação ao capital. De acordo com Frigotto (2001), o atual mundo do trabalho utiliza de
uma parte dos trabalhadores no campo da formalidade e empurra uma grande parcela para a
informalidade.

Essa investigação empreendeu uma pesquisa do tipo qualitativa, por entender que
suas características básicas permitem uma melhor apreensão do objeto em sua totalidade, pois
“se desenvolve numa situação natural, é rica em dados descritivos, tem um plano aberto e
flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada.” (LUDKE; ANDRÉ
1986, p. 18).
Os estudos qualitativos, com o olhar da perspectiva sócio-histórica, contribuíram na
valorização dos aspectos descritivos e as percepções pessoais, as quais focalizaram o
particular como elemento constituinte na globalidade do contexto social.
A pesquisa de campo foi iniciada em outubro de 2006, em três escolas escolhidas em
bairros localizados em três regiões da grande Goiânia. Essas escolas tornaram-se lócus deste
estudo por apresentarem as seguintes características: foram instaladas no final da década de
1960, desde o início trabalhavam com EJA e, assim, vivenciaram a experiência do antes e do
depois da proposta da SME/2000, específica para a atuação na educação de jovens e adultos;
têm tempo de experiência no segundo segmento (5ª a 8ª série) e possuem aproximadamente
260 alunos no turno noturno, no segundo segmento. Esse conjunto de condições possibilitou
espaços favoráveis para o desenvolvimento da pesquisa e a busca das respostas para as
indagações feitas.
Inicialmente, procurou-se realizar um levantamento das pesquisas referentes à EJA,
na perspectiva de perceber as contribuições desses estudos para a referida modalidade e
também para esse objeto de estudo. Buscou-se estudos acadêmicos referentes ao tema no
período de 1997 a 2007. Por meio de consultas à Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Educação (ANPED), algumas bibliotecas virtuais de universidade públicas,
sobretudo da Universidade Federal de Goiás (UFG), e na Universidade Católica de Goiás
(UCG). Esse levantamento permitiu perceber a carência de pesquisas sobre a temática da EJA,
principalmente no que se refere ao segundo segmento do ensino fundamental.
A partir da revisão bibliográfica, foi possível obter o conhecimento da história da
EJA no Brasil, bem como entrelaçar essa modalidade de ensino com a educação em geral, por
17

meio de uma constante discussão de idéias com os vários autores e pesquisadores da educação
e do mundo do trabalho. Outra fonte importante refere-se à participação da pesquisadora no
Fórum Goiano de EJA3, que possibilitou o encontro com diversas experiências vivenciadas
pela modalidade de EJA no Estado de Goiás, além de permitir a inserção nas várias
discussões propiciadas em encontros temáticos4: estaduais, nacionais e preparatórios para a
conferência internacional, a ser realizada em 2009, na cidade de Belém- Pará.
Para a coleta de dados e informações, foram utilizados vários procedimentos
metodológicos, mediante as seguintes técnicas: análise documental (leis, resoluções,
pareceres, diretrizes e propostas pedagógicas referentes à Educação de Jovens e Adultos),
questionários para compor o perfil dos sujeitos pesquisados, entrevistas com alunos,
professores e outros profissionais da educação que compreendem o quadro do ensino noturno,
bem como a realização de observações de campo.
Com fundamento em Bogdan; Biklein (1997), foi possível compreender que, na
investigação qualitativa de cunho sócio-histórico, o campo é o lócus privilegiado em que se
abre a possibilidade de responder à questão orientadora da pesquisa, a saber, qual a
contribuição do processo ensino-aprendizagem da Eaja para o(a) aluno(a), sobretudo em seu
trabalho/profissionalização. Na expectativa de buscar respostas a essa indagação, foi
necessária uma aproximação com a realidade por meio das observações, dos encontros,
através de discursos verbais, gestos e expressões, além dos registros nos diários de campo,
que contribuíram para a composição do panorama social.
O diário de campo possibilitou registrar as observações realizadas em sala de aula,
nos intervalos das aulas e nas conversas informais com os(as) alunos(as). Por meio desse
instrumento, registraram-se os encontros com educadores(as), diretoras das escolas e outros
funcionários. Foram analisados também os planejamentos e conselhos de turmas.

3
Em 1999, foi constituída uma comissão para a criação do Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos, que
promoveu reuniões periódicas e constituiu-se em Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos, em 29 de
novembro de 2002, dando continuidade à iniciativa daquela comissão, e procurando agregar o poder público,
entidades de classe, organizações não-governamentais, empresas e outras instituições, no sentido de fortalecer
a EJA no Estado de Goiás. Centrado em seus objetivos na proposição de temáticas pertinentes ao pensar e fazer
da EJA e na possibilidade de construção de uma política democrática para a modalidade. (Relatório-Síntese do
V Encontro Estadual do Fórum Goiano de EJA, abril de 2006).
4
II Encontro Temático – Avaliação na EJA – março/2006; V Encontro Estadual do Fórum Goiano de EJA –
Uma Política de Estado: alfabetização e continuidade enquanto direito – abril/2006; III Encontro Temático –
Financiamento da EJA – agosto/2006; VI Encontro Estadual do Fórum Goiano de EJA – EJA educação básica
e formação continuada – maio/2007; II Seminário Nacional de Formação de Educadores da EJA – maio/2007;
VI Encontro Temático – EJA e o mundo do trabalho: o que é isso? – novembro/2007; Encontro Estadual
Preparatório para a VI CONFINTEA – Brasil – Educação e Aprendizagens de Jovens e Adultos ao Longo da
Vida – março/2008 e a participação da pesquisadora como relatora do I Seminário de Pesquisa: desafios da
integração entre EJA e educação profissional – março/2008.
18

As entrevistas foram marcadas pela dimensão do social. Dessa forma, não se


cumpriu a regra geral de perguntas e respostas fechadas, previamente preparadas, mas
enfatizou-se uma produção de linguagem dialógica. Nas palavras de Paulo Freire (2004,
p.136), “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação
dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão, em
permanente movimento na história”.
Foram aplicados 246 questionários nas três escolas, com posterior tabulação e
lançamento dos resultados em gráficos. Posteriormente, foram realizadas 63 entrevistas semi-
estruturadas com os alunos e profissionais da educação pertencentes às escolas escolhidas.
Após analisar o discurso dos alunos, percebeu-se a necessidade de ouvir professores e outros
profissionais das escolas pesquisadas. Em tais encontros, buscou-se criar um diálogo
respeitoso e reverente, no sentido de propiciar um ambiente favorável à busca de aspectos
relevantes da história de vida dos(as) entrevistados(as), bem como a forma peculiar de
perceberem e experienciarem a existência. O mundo do trabalho do educando e sua correlação
com o aprendizado na escola foram focalizados na investigação. As entrevistas realizadas
foram transcritas na íntegra.
Assim, esta dissertação apresenta a trajetória e conclusão da presente pesquisa e, para
isso, foi estruturada em três capítulos, a seguir descritos.
O primeiro capítulo, intitulado “Um olhar sobre a concepção de educação e o mundo
do trabalho”, foi subdividido em quatro aspectos: o trabalho como princípio educativo; o
trabalho-elemento básico na constituição do homem; a história da EJA no contexto da
educação brasileira e da Eaja no município de Goiânia e, por último, a visão do currículo da
Eaja da RME de Goiânia sobre os jovens e adultos trabalhadores. Houve, ainda, uma
contextualização teórica do objeto de estudo, apontando a relação entre educação e mundo do
trabalho. A especificidade da Eaja da Rede Municipal de Ensino de Goiânia foi também
abordada.
O segundo capítulo, “O mundo do trabalho e a escola: a realidade dos sujeitos
envolvidos”, foi subdividido em dois campos. O primeiro, a Eaja em algumas pesquisas e os
trabalhadores-alunos da Eaja/Goiânia, preocupou-se em apresentar um breve resumo de
algumas pesquisas pertinentes a essa temática; em seguida, mostra-se a realidade dos
trabalhadores-alunos das três escolas pesquisadas. O segundo, a escola e seu significado, traz
os dados revelados pelos sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem da Eaja,
turmas de 5ª a 8ª série. Esse capítulo trabalhou com os discursos, com dados sociais e
19

específicos dos trabalhadores-alunos e procurou compreender as contribuições apreendidas


nos estudos dos vários autores e pesquisas no campo de EJA.
Os discursos dos sujeitos da Eaja trouxeram inúmeras experiências vivenciadas
dentro e fora da escola. Dessa forma, indicaram dificuldades, sobretudo na experiência
vivenciada na escola. Tais dificuldades e tensões serão especialmente abordadas no terceiro
capítulo: “Desafios no processo ensino-aprendizagem do(a) trabalhador(a)-aluno(a)”. Essas
tensões trazem desde questões sociais até os fatores internos da escola, como os aspectos da
infra-estrutura, pedagógicos e das relações pessoais.
Nas considerações finas, pretende-se retomar a discussão da relação entre educação e
trabalho, como uma reflexão sobre as dificuldades impostas aos trabalhadores-alunos, bem
como sobre os(as) educadores(as). Retomar a experiência vivenciada pelas escolas, a partir da
proposta da Eaja/Goiânia, e pensar nas reais condições de se realizar, de fato e integralmente,
essa proposta, significa romper com uma formação que ainda não é a desejável. Significa
buscar uma alternativa de educação que propicie condições para a conscientização do ser
humano, para que esteja atento, mesmo em tempos difíceis, denuncie e combata a injustiça
social, pois, conforme afirma Hobsbawm (2002, p.455), “o mundo não vai melhorar sozinho”.
Outro projeto de sociedade é possível, no qual a centralidade esteja nos seres humanos e em
suas relações com o outro e com a natureza.
CAPÍTULO I
UM OLHAR SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO E O MUNDO DO
TRABALHO

Mesmo assim, não nos desarmemos, mesmo em tempos


insatisfatórios. A injustiça social ainda precisa ser denunciada
e combatida. O mundo não vai melhorar sozinho.
- ERIC HOBSBAWM -

1.1 Contextualização Social

A proposta deste estudo é conhecer e interpretar a realidade, o processo, os avanços,


os limites e as possíveis mudanças no projeto da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do
município de Goiânia. No campo da legislação, a EJA é destinada àqueles que não puderam
cursar, em idade apropriada, o ensino regular. Entretanto, a educação pensada na concepção
de continuidade e para a vida toda, não se justifica utilizar os termos idade apropriada e
ensino regular, pois não retratam a realidade da aprendizagem como um processo permanente,
tampouco confirma o direito de todos à educação. É, já se sabe que a saída de alunos das
escolas decorre, na maioria das vezes, da necessidade de inserção, de forma precoce, no
mercado de trabalho. Neste sentido, o foco do presente estudo são os(as) trabalhadores(as)-
alunos(as) que estão inseridos(as) no processo ensino-aprendizagem na referida rede de
ensino e, para tanto, três escolas municipais foram escolhidas para o desenvolvimento da
pesquisa.
Pensar a educação de jovens e adultos implica, sobretudo, voltar o olhar para os
sujeitos, trabalhadores-alunos, e sua realidade, no seio das relações sociais de produção da
sociabilidade do capital. A realidade dos jovens e adultos brasileiros está presente em
indicadores5 que apontam um percentual de 10,4% de analfabetos, para pessoas acima de 15
anos e de 23,6% para aqueles com mais de 15 anos, identificadas como “analfabetos
funcionais”.
O trabalho tem sido prioritário para aqueles que não podem escolher profissionalizar-
se via educação formal, mas que necessitam, muito cedo, prover sua sobrevivência. É neste
sentido que se busca desvelar quais e como devem ser as condições para resgatar o acesso ao

5
Índices de analfabetismo informados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, por meio da
pesquisa por amostra de domicílio/PNAD de 2006, em relação à população total de aproximadamente
173.000.000 de brasileiros acima de cinco anos de idade.
1

conhecimento produzido social e cientificamente, no sentido de propiciar, no futuro, melhores


condições de trabalho e de vida para os jovens trabalhadores.

As análises referentes à função exercida pela educação formal, no modo de produção


capitalista, têm revelado a natureza reprodutora6 e excludente assumida pela escola. Entende-
se isso a partir do pressuposto de que as relações sociais no capitalismo são expressões dos
diferentes interesses das classes sociais que, não raro, são antagônicas, mas acabam
prevalecendo os interesses da classe que domina. Pode-se perceber esse fenômeno de
exclusão a partir de alguns indicadores:

O analfabetismo atingia, em 2005, cerca de 14,6 milhões de brasileiros. Esse


elevado contingente de pessoas, no entanto, distribui-se de forma bastante desigual
em termos regionais, em relação à localização domiciliar (rural/urbana) e segundo as
faixas etárias. Por exemplo, a taxa de analfabetismo na Região Nordeste superava
em mais de três vezes a observada no Sul. Na área rural, abrangia 25% da
população, o que equivale a uma proporção cinco vezes maior que a taxa da área
urbana metropolitana (PNAD/IBGE-2005).

Esses dados possibilitam constatar as desigualdades ainda existentes entre diferentes


regiões que, grosso modo, apresentam um panorama de precariedade na
formação/profissionalização formal, que também se explicita em escala mundial, apontando
uma crise não apenas nas áreas urbanas, como também no campo. Esse contexto está marcado
por um painel de exclusão e marginalização, principalmente em países em desenvolvimento
como o Brasil.
Apesar dos índices de crescimento econômico atingidos nos últimos anos, o processo
de concentração de renda nas mãos de poucos continua em curso. De acordo com o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), de 2006, “no total de 177 países, o Brasil encontra-se na
69ª colocação no ranking, com um índice de 0,792 (médio desenvolvimento humano). Apesar
de ter melhorado nos critérios educação e longevidade, o Brasil caiu no critério renda.”
Entretanto, os dados estatísticos recentes, contidos na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram uma
distribuição de renda favorável aos mais pobres, porém insuficiente ainda para garantir
qualidade de vida como se segue: entre 2001 e 2004, a renda dos 20% mais pobres cresceu
cerca de 5% ao ano enquanto os 20% mais ricos perderam 1%.
Os privilégios ainda continuam se mantendo, dada a enorme disparidade de renda, e
a educação configura uma diferença de possibilidades, embora o crescimento dos indicadores
6
Dentre essas análises, conforme Silva (1999, p.30), destacam-se os estudos de “Paulo Freire (1970) Althusser
(1970), Bourdieu/Passeron (1970), Baudelot/Establet (1971), Basil Bernstein (1971), Michael Young (1971),
Bowles/ Gintis (1976), Pinar/Grumet (1976) e Apple (1979)”.
2

de alfabetização seja insuficiente, enquanto patamar educacional, para uma melhor inserção
no mercado de trabalho e para a obtenção de maiores salários, já que o ensino médio completo
é o patamar de referência para melhores condições de vida. Dessa forma, estamos distantes de
vislumbrar, de fato, a socialização do saber

No período de 1992-2005, a taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais


apresentou redução anual média de 0,5 ponto percentual. Entretanto, nos últimos
anos, o ritmo de queda tem sido reduzido, o que tende ampliar tempo necessário
para que o Brasil se equipare, no que concerne a esse indicador, à maioria dos países
latino-americanos e, em particular, à Argentina (2,8%, em 2001) e ao Chile (4,3%,
em 2002). (IPEA, 2005).

A ampliação do número de vagas, ao longo dos últimos anos, para o ensino básico,
não diminuiu o complicador referente à continuidade dos estudos de grande parte da
população. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas/INEP aponta dados significativos que
confirmam o cenário de desigualdade, pois cerca de 41% dos estudantes brasileiros continua
sem concluir sequer o nível obrigatório de escolaridade.

Embora o número de concluintes do ensino fundamental e médio venha crescendo


rapidamente nos últimos anos, as taxas de conclusão do Brasil são muito baixas em
comparação com os demais países que constam no relatório de indicadores
educacionais da Unesco/OCDE. De 1994 a 1999, o número de concluintes do ensino
fundamental saltou de 1 milhão e 588 mil para 2 milhões e 383 mil, um crescimento
de 50,1%. No mesmo período, o número de concluintes do ensino médio aumentou
67,8%, indo de 915 mil para 1 milhão e 535 mil. Mesmo assim, o total de
concluintes do ensino fundamental representa apenas 58% da população com 14
anos de idade, ou seja, com a idade correta para a conclusão da 8ª série. No ensino
médio, o total de concluintes representa apenas 38% da população com a idade
adequada para a conclusão deste nível de ensino, ou seja, 17 anos. O atraso escolar
faz com que 42% dos concluintes do ensino fundamental tenham 15 anos ou mais de
idade e 62% dos concluintes do ensino médio tenham 18 anos ou mais, idade
suficiente para estar cursando o nível superior. (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2000).

O contexto apresentado pelo INEP representa um desafio social para a escola, pois
cabe a ela contribuir com a transformação dessa realidade educacional. Nas palavras de
Santos (1992, p. 19), a educação escolar deve colaborar na superação da “marginalidade a que
são submetidos os grupos sociais e indivíduos pobres”. Na visão desse autor, o significado da
escola como instituição passa necessariamente pela partilha do saber que foi construído e
acumulado socialmente ao longo da história da humanidade. Assim, educação e
transformação social se relacionam, pois essa pode abrir um caminho para que homens e
mulheres participem de forma ativa da realidade em que vivem. Uma educação integral, que
propicie aos indivíduos autonomia e capacidade de sair da condição de explorado e dominado.
3

O relatório de Pochmann (2007), contendo um balanço da situação do jovem no


mercado de trabalho e na escola, inicialmente aponta, a partir dos dados do IBGE, um
acréscimo da população jovem, tomando como evolução temporal 10 anos (1995 a 2005).
“Do acréscimo de 32 milhões de pessoas no total da população verificado no mesmo período
de tempo, verifica-se que 6,3 milhões estavam situados na faixa etária de 15 a 24 anos de
idade, o que representou 19,7% do adicional total da população nos últimos 10 anos”
(POCHMANN, 2007, p. 3).
A questão do desemprego, dado revelado pelo relatório, apontou crescimento da
juventude sem trabalho, sobretudo as mulheres, conforme assevera Pochmann (2007)

observa-se que a cada 100 jovens que ingressam no mercado de trabalho no período
de tempo em referência [1995 a 2005], somente 45 encontraram algum tipo de
ocupação, enquanto 55 ficaram desempregados. Quando se trata da situação por
gênero, observa-se que cada 100 jovens do sexo feminino que entram no mercado de
trabalho, somente 40 conseguiram uma ocupação e 60 ficaram desempregadas,
enquanto a cada 100 jovens do sexo masculino que também ingressam no mercado
de trabalho, 50 tornaram-se desempregados e 50 arrumaram algum tipo de ocupação
(POCHMANN, 2007, p. 4).

Sobre a questão do estudo, nesses 10 anos o relatório indica que houve um aumento
do número de jovens na escola, mas, ainda assim, a maior parcela não se encontra no espaço
escolar, “(53,2%) da faixa etária de 15 a 24 anos não estuda, sendo menor entre as mulheres
(52,4%) do que em relação aos homens (53,6%)”. O autor constata ainda que 39,4% dos
jovens não pararam de trabalhar entre 1995 e 2005, ou seja, viveram a dualidade estudo e
trabalho.
Os indicadores apresentados sobre a realidade de vida dos jovens no Brasil
reafirmam a entrada precoce e precária no mercado de trabalho, sem as condições desejáveis
para a sua integração social. O que se constata é “o agravamento da condição juvenil [que]
aparece como inexorável, reproduzido pela decadência educacional e pela degradação social”
(POCHMANN, 2007, p. 2).
Esta realidade gera desesperança quando se constata que, em sociedades complexas
como a brasileira, “os indivíduos não só têm de ser preparados para vida social e política, mas
também para o trabalho, para o desenvolvimento de suas habilidades e, ainda, para a
sistematização e organização do conhecimento universal, a produção científica, as conquistas
da tecnologia e da cultura mundial.” (SANTOS, 1992, p. 18).
É esta situação complexa que vem exigindo, como patamar de empregabilidade o
ensino médio, quando não até mesmo o superior. Neste sentido, os trabalhadores-alunos da
4

EJA voltam à escola não só em busca do saber para continuar trabalhando, como também para
construir novas possibilidades de trabalho.
Por outro lado, a formação humana coloca o trabalho como um elemento
indispensável à educação. No trabalho, a educação é parte integrante, intrínseca, articulando
teoria e prática, conforme será abordado a seguir.

1.2 O Trabalho como Princípio Educativo

Na visão marxista, o trabalho é o centro do processo educativo, pois é ele que


distingue o homem como gênero humano. A forma como o homem se relaciona com a
natureza é, ao mesmo tempo, um fazer e se educar, um elaborar e aprender e, dessa forma,
constituir-se enquanto ser humano, diferenciando-se das outras espécies. Enguita (1993)
enfatiza:

Neste ponto, a diferença colocada por Marx entre o animal que se reproduz a si
mesmo e o homem que reproduz a natureza inteira só pode ser compreendida
atentando-se para o aspecto consciente que distingue a produção humana do animal;
efetivamente, o homem, no seu trabalho produtivo, propõe-se a conservar ou
modificar a natureza, coisa que não se pode dizer do animal (ENGUITA, 1993, p.
104).

Embora Marx tenha concentrado seus estudos científicos na crítica da economia


política e não tenha se preocupado com as especificidades da educação escolar, é importante
salientar que o trabalho constitui-se em um princípio educativo por excelência. Enguita (1993,
p. 85), compartilha da concepção de que a educação inicia-se e se desenvolve na prática social
e afirma:

se fugimos da identificação estreita da educação com a escolarização e tratarmos de


compreender aquela como o processo geral e mais amplo de formação do homem -,
e com ou sem Marx, existem razões suficientes para fazê-lo -, então não há dúvida
de que a obra de Marx, uma vez restaurada em toda sua complexidade e livre de
simplificação, tem muito que dizer a respeito.

Esta concepção indica que as relações sociais são estabelecidas na produção da vida
material. Os homens desenvolvem forças produtivas, que mudam no decorrer do processo
histórico, assim como mudam o modo de produção e as relações sociais. Estas são, portanto,
estabelecidas a partir da produção material da vida, que também desenvolve princípios, idéias,
5

categorias, enfim, o conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da


sociedade e é essa realidade que determina a consciência do homem.
Nas palavras de Enguita (1993, p. 85), retomando Marx, “o modo de produção da
vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral. Não é a
consciência dos homens o que determina a realidade; pelo contrário, a realidade social é que
determina sua consciência.”
Na visão de Marx, os homens fazem, eles mesmos, sua história, embora nem sempre
demonstrem ter consciência do significado histórico de suas ações. Os homens fazem história
a partir da vida concreta no tempo de cada sociedade em que estão inseridos. Isso significa
dizer que o homem não pode ser compreendido como uma realidade isolada: ele é, no seu
tempo, o conjunto das relações sociais. Enguita (1993, p. 91) argumenta sobre a idéia de Marx
que “não nega a existência do indivíduo; o que nega é sua existência abstrata, fora das
relações sociais”.
De acordo com Bruno (1996), a atuação de construção e reconstrução humana sobre
a natureza e a sociedade não significa uma ação isolada e estanque, mas uma manifestação
que se faz a partir das estruturas institucionais e das relações sociais. Essas relações vão
compondo um contexto histórico e delineando o perfil da sociedade em cada tempo.
Na atualidade, as relações sociais estabelecidas seguem o caminho da fragmentação,
da heterogeneidade e da complexidade do trabalho. Desde a Terceira Revolução Industrial, o
mundo globalizado, com as novas tecnologias da informação, a micro eletrônica, a
informática e técnicas afins, tem a característica de empregar novas formas de organização do
trabalho. Essa revolução vem fixando marcas da exclusão; a força de trabalho é dividida em
trabalhadores do centro e da periferia, dicotomizando o grupo que possui conhecimento,
sobretudo tecnológico, produzindo relações desiguais de poder pelo saber e pelo controle
econômico. Neste sentido, a formação das novas gerações de trabalhadores no atual contexto
impõe exigências amplas e complexas, desde o “deslocamento do foco da exploração, do
componente muscular para o componente intelectual” (BRUNO, 1996, p. 96).
Na visão da autora Lúcia Bruno (1996), a qualificação 7 e as novas formas de trabalho
a partir do capitalismo vêm demonstrando historicamente que as habilidades de trabalho do
proletariado têm assumido características determinadas em cada etapa. Numa primeira etapa,
a Primeira Revolução Industrial, de 1750, a qualificação dos trabalhadores voltava-se para a

7
Bruno (1996, p. 92), propõe trabalhar com uma definição de qualificação bastante ampla, mas clara. Em suas
palavras a qualificação “é um conjunto estruturado de elementos distintos, hierarquizados e reciprocamente
relacionados. Esta hierarquização decorre de contextos históricos e situações de trabalho bem definidas. Isto é,
decorre imediatamente das relações sociais estabelecidas em contextos dados.”
6

“realização de operações que exigiam grande esforço físico e habilidades manuais mais
aprimoradas”. A segunda etapa, a Segunda Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XIX e
XX, reforçou o “adestramento muscular e manual” e, concomitantemente a essa formação
inicia-se uma preocupação com os “componentes intelectuais”. Na terceira e atual etapa, a
Terceira Revolução Industrial, iniciada em 1970, a autora aponta como característica
predominante a qualificação dos componentes intelectuais da força de trabalho.

Trata-se hoje, pelo menos nos setores mais dinâmicos da economia mundial, de
explorar não mais as mãos do trabalhador, mas seu cérebro. Este deslocamento do
foco da exploração, do componente muscular para o componente intelectual do
trabalho, constitui o elemento fundamental do processo de reestruturação do
trabalho, encontrando viabilidade técnico-operacional na chamada Tecnologia de
Informação (microeletrônica, informática e outras teorias afins, que tem a virtude de
possibilitar processos de trabalho mais integrados e flexíveis e nas formas sistêmicas
de organização do trabalho) (...) (BRUNO, 1996, p. 92).

A autora argumenta que a formação das novas gerações é um processo complexo que
envolve vários campos sociais e inúmeras instituições, sobretudo a escola. Em sua opinião,
embora a esfera do trabalho tenha implementado maior qualificação e, conseqüentemente, de
forma seletiva, esta qualificação só acontece para aqueles que já apresentam conhecimentos
básicos; neste sentido, a esfera trabalho apenas consolida aptidões já adquiridas.

Foi só com a complexificação crescente dos processos de trabalho e o


aprofundamento da divisão social do trabalho que a educação escolar passou a
desempenhar papel importante na formação das novas gerações, assumindo
inclusive caráter obrigatório. (BRUNO, 1996, p. 100).

Numa perspectiva histórica, Bruno (1996) lembra que, no início do capitalismo, o


papel da escola era ideológico, inculcando a submissão da classe trabalhadora aos ditames do
capital; durante muito tempo a educação tem-se revelado como formadora da moral e da
obediência do operariado ao sistema vigente. No período atual, a educação ganha espaço
preponderante como suporte básico de qualificação das forças de trabalho. A competência e a
educabilidade são básicas para a aquisição de conhecimentos necessários à produção da força
de trabalho; nesse sentido, a escolaridade deve ser progressiva.
É o trabalho produtivo que se faz presente na proposta de educação de Marx. Enguita
(1993) esclarece que Marx crítica a escola, pois ela seria um reflexo ideológico burguês que
separa teoria e prática. Gramsci também visualiza uma escola diferente em sua concepção:
uma escola capaz de construir novas maneiras de pensar é aquela que se liga à vida, à vida
coletiva, ao universo do trabalho, buscando a realidade para uma reflexão crítica e histórica.
7

Na visão de Gramsci, a formação da cultura geral não pode estar distante da formação
específica e profissional. Conforme Rodrigues (2005, p. 15):

a escola, cuja atuação é trabalho, que tem por função preparar as novas gerações
para o trabalho. Preparar para o trabalho em Gramsci, não significa preparar para o
mercado de trabalho, mas preparar o homem omnilateral, na sua totalidade , na sua
capacidade transformadora, o que não significa se submeter ao mundo da produção.

Por meio do trabalho, o ser humano constrói sua própria história, reunindo
conhecimentos científicos e transformando concretamente o meio ambiente e a sociedade. De
acordo com Enguita (1993, p. 106),

o trabalho, como a sociedade, deve ser transformado, e é no processo dessa


transformação onde o indivíduo atual alcançará sua verdadeira dimensão humana. A
função pedagógica do trabalho material, como a da sociedade em geral, não depende
apenas das condições em que é dado ao homem, mas também e sobretudo da luta
dos homens contra essas condições. Uma vez mais, a relação pedagógica homem-
ambiente não é unidirecional, mas dialética.

Paulo Freire (1979, p. 66), no início do processo de democratização no Brasil, final


dos anos 1970, fala de uma educação diferenciada, conscientizadora, de uma educação que
rompesse com os setores privilegiados da sociedade. Em sua opinião, seria necessária uma
educação que não perdesse de vista a “vocação ontológica do homem, a de ser sujeito”, mas
que também estivesse atenta à realidade do período, que apresentava sua especificidade de
transição. Freire aspirava, ainda, a uma educação que inserisse o homem de forma crítica em
seu processo histórico e o libertasse, a partir de uma prática conscientizadora, enfim, que
possibilitasse ao ser humano a busca de sua capacidade crítica de opinar e decidir como ser
humano e coletivo.
A educação baseada na ótica marxista propõe uma crítica constante à realidade social
em que os homens estão inseridos. Propõe também que os educandos/as envolvidos no
processo de aprendizagem o façam na medida também em que se sintam conscientes de seu
papel como educandos/as e sujeitos históricos de uma sociedade. Em consonância com Marx,
Freire (1979) enfatiza a importância do sujeito e seu compromisso com a realidade.

Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma
análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades
humanas e não há homens isolados (...). Se a vocação ontológica do homem é a de
ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre
suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto mais
for levado a refletir sobre situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal,
mais ‘emergerá’ dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua
realidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve
intervir cada vez mais (FREIRE, 1979, p. 61).
8

No pensamento de Freire, é necessário que o homem não somente esteja na


realidade, mas esteja com ela, pois assim poderá desenvolver relações contínuas que
possibilitem criar novos conhecimentos e obter o domínio da cultura. Para Gramsci (2004b, p.
53), não é possível separar a atividade intelectual da ação que os homens realizam e, desta
forma, vislumbra o homem como agente de uma concepção de mundo.

Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não
se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua
profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ‘filósofo’,
um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma
linha consciente de conduta moral, contribui, assim, para manter ou para modificar
uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar.

Os sujeitos dessa pesquisa, na sua maioria trabalhadores-alunos, carregam marcas de


uma profunda desigualdade social. São jovens e adultos que fazem parte do contingente de
subempregados e desempregados8 do país. São mulheres e homens que, com sua experiência
histórica, política, cultural e social, retornam às escolas para dar continuidade a seus estudos,
sobretudo por exigência do mercado de trabalho. Enfim, são sujeitos que retomam o que lhes
foi negado pela necessidade de sobrevivência, cujas contradições, ao longo da história,
apontam a educação formal como direito de todos e, ao mesmo tempo, as condições reais
muito cedo são para eles obrigação de prover a sua subsistência.
Na argumentação de Saviani (1983), a educação, por ser própria dos seres humanos,
tal qual o trabalho, é um processo de transformação e criação do mundo da cultura. Para ele,
existe a exigência da educação para o trabalho e ela também é trabalho. Esta concepção de
educação traz o trabalho para a posição central. Nesse sentido, analisar o processo histórico da
constituição do homem significa perceber as relações pertinentes ao trabalho e, dentre elas, a
educação formal como uma das possibilidades de preparação para o trabalho no capitalismo.

1.2.1 O trabalho: elemento básico na constituição do homem

O trabalhador-aluno da EJA, com sua formação interrompida, em geral insere-se no


mercado de trabalho muito cedo, enfrenta situações precárias de condições de trabalho e

8
De acordo com o relatório da análise da PNAD/IBGE - 2006, o índice de desempregados foi de 8,4% e 20,5%
trabalham sem carteira assinada, e 19,5% trabalham por conta-própria. Conforme o referido relatório,
considera-se na informalidade: trabalhadores sem carteira assinada e por conta-própria.
9

baixos salários. A realidade desse trabalhador-aluno caracteriza-se, do ponto de vista laboral,


pela submissão às determinações unilaterais do mercado de trabalho.
A discussão a seguir aponta o percurso histórico do trabalho, inicialmente na sua
formação humana, enquanto constituição do ser humano e, posteriormente, do trabalho
desfigurado, que marca a existência atual dos educandos da EJA.
No processo de construção histórica, o ser humano se humaniza a partir das relações
desenvolvidas com a natureza, com os outros homens e com a produção dos bens materiais
para sua sobrevivência, realizada pelo trabalho.
O trabalho, então, é o que diferencia o homem como espécie e gênero dos outros
animais. O processo-trabalho engendra uma relação dialética entre o homem e a natureza, pois
ele a transforma, a humaniza e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo.

o animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações somente por sua
presença; o homem a submete, pondo-a a serviço de seus fins determinados,
imprimindo-lhe as modificações que julga necessárias, isto é, domina a Natureza.
Essa é a diferença essencial entre o homem e os (...) animais; e, por último, é o
trabalho que determina essa diferença (ENGELS, 1991, p. 223).

A ação-trabalho é decisiva na forma humana de ser, é modo de vida, é organização


social, maneira como o homem produz seu pensamento, suas idéias e representações, enfim,
sua consciência.
O trabalho é exclusivamente humano; para executá-lo, o homem idealiza, projeta e
depois materializa, estabelecendo relações concretas de produção. Os animais só produzem a
si mesmos; o homem reproduz a natureza e a si mesmo. Na visão de Paulo Freire (1979), o
homem é um ser em construção; é um ser inconcluso, incompleto. Para Gramsci (2004a, p.
45), “o homem é um devir histórico.”
As pesquisas mostram que o homem nasce com apenas 30% de suas conexões
cerebrais. Os processos de educação e aprendizagem, que ao longo de sua história foi se
construindo, possibilitaram o desenvolvimento do restante do cérebro.
Nesse processo, as modificações anatômicas, as mãos livres, a bipedestação, o
volume do cérebro, integrado a um sistema nervoso complexo, associado a uma organização
coletiva, são elementos que favoreceram um maior desenvolvimento das habilidades
humanas.
Na relação com a natureza, primeiramente o homem, na sua característica nômade,
deslocava-se constantemente e usufruía da coleta, da caça e de tudo que a natureza lhe
propiciasse. É importante lembrar que, nesse período, denominado de paleolítico, o homem
10

foi capaz de produzir o fogo, dominá-lo e aprendeu a utilizá-lo, o que assinalou um grande
avanço técnico nessa fase.
Na medida em que a ação predominantemente predatória aos poucos se transforma
em atividades de cultivo e plantio, com a domesticação de animais e a divisão do trabalho por
sexo e idade, houve o desenvolvimento das forças produtivas. Esse avanço ocasionou uma
maior diversificação de alimentos e a combinação dos vegetais com a carne, possibilitando
grande fortalecimento físico e, principalmente, o desenvolvimento do cérebro. Essa realidade
demarca a passagem do nomadismo para o sedentarismo. O homem sedentário descobriu a
escrita e desenvolveu formas complexas de sociedade, organizando-se coletivamente no
âmbito do trabalho. O trabalho, desde a sedentarização do homem e da criação da
propriedade, vai se distanciando da perspectiva de humanização, embora, na visão de
Manfredi (2003), os trabalhadores ainda controlavam seu processo de produção.
A sociedade passa a se constituir de homens trabalhadores e de homens que se
apossam do trabalho dos outros. Assim, entende-se esse período como o momento no qual as
relações entre os homens se alteram consideravelmente, o que irá dar origem ao que foi
denominado de “civilização”, marcada pela produção de excedentes econômicos, pelo
surgimento de grupos fortes que se apropriam desses excedentes e pelo nascimento da
propriedade privada, das classes sociais e do Estado.
No período moderno, século XVI, as relações vão se tornando cada vez mais
evidentes no processo do “trabalho desfigurado”, na linguagem de Costa (1996, p. 6). Surgem
as corporações de ofício9 e a separação entre o trabalho manual e o intelectual, o que será
ampliado com a progressão da manufatura e, posteriormente, com a intensificação da
indústria. Para Marx, compreender a lógica da sociedade capitalista e seus efeitos negativos
sobre o homem é perceber a alienação do homem como ser genérico e, conseqüentemente, o
distanciamento do homem do próprio homem. Nas palavras de Marx (2001, p. 113), “quanto
mais civilizado o produto, mais desumano o trabalhador, quanto mais poderoso o trabalho,
mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna escravo da natureza.”
O trabalho não aparece mais como elemento de humanização, mas de deterioração do
homem, que começa perder sua condição de sujeito. Nas palavras de Marx (2001, p. 112), “o
trabalhador põe sua vida no objeto; porém agora ele não lhe pertence, mas sim ao objeto.”
Essa é, na visão de Marx, a forma do trabalho alienado ou exterior ao trabalhador.

9
As corporações de ofício representam a base das futuras categorias sócio-profissionais, na visão de Manfredi
(2003, p. 39) “A divisão social do trabalho está na origem da formação de grupos homogêneos de pessoas e
instituições que constituíram as corporações de ofício, posteriormente substituídas pelos grupos ocupacionais
ou profissionais.”
11

A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se


transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que existe
independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em
oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica.
(MARX, 2001, p. 112).

O capitalismo, representado pelas grandes potências, impõe ao contexto mundial,


além da velha forma de dominação da “minoria” sobre a “maioria”, novas condições de
continuar acumulando riquezas nas mãos da classe dominante. Estima-se que hoje existam
aproximadamente 6 bilhões de seres humanos que habitam o planeta Terra. Esses seres
humanos continuam idealizando, projetando e materializando, por meio do trabalho, suas
idéias.
A concentração dos monopólios da ciência e da tecnologia e de grandes redes de
informação, sempre com o objetivo de máximos lucros, sobretudo nas últimas décadas, é útil
para continuar o processo de exploração do homem pelo homem e cultuar o caráter
individualista, promulgado pela ideologia da classe dominante, a burguesia.
Esse caráter individualista é o que melhor define o homem atual, que perdeu sua
especificidade de sujeito, pois a ele é designada a ação contínua de produzir sem medidas. O
homem cria, produz, no entanto, para atender à demanda de um grande mercado e para servir
a uma ordem dinâmica, a sociabilização do capital. O que Marx afirmou na primeira metade
do século XIX parece atual nesse início de século:

o trabalho, atividade vital, a vida produtiva, aparece agora para o homem como o
único meio que satisfaz uma necessidade, a de manter a existência física. A vida
produtiva, entretanto, é a vida genérica. É vida criando vida. No tipo de atividade
livre, consciente, constitui o caráter genérico do homem. A vida revela-se
simplesmente como meio de vida (MARX, 2001, p. 116).

Neste início de século, a velha ordem mundial, com novas roupagens, merece análise
e reflexão acerca da complexidade do mundo do trabalho. Em tempo de globalização, é
possível perceber as mudanças nas características da classe trabalhadora, que se apresenta
fracionada e vivenciando o poder destrutivo do sistema capitalista. Além da lógica perversa
de intensificação da exploração dos trabalhadores, impõe-se a essa classe uma situação de
subemprego e desemprego de grande parte da população dos países subordinados
economicamente.
O sujeito da EJA não se configura em exceção ao mencionado contexto histórico.
São pessoas que trabalham cerca de 8 a 10 horas por dia, com salários iguais ou pouco
maiores que o mínimo, quando possuem registro na carteira de trabalho. Quando trabalham na
12

informalidade, não raro percebem menos que o salário mínimo. Os dados da PNAD/IBGE –
2006 confirmam essa situação: a população trabalhadora representa um índice de 57% da
população brasileira. Desses, 30,5% possuem rendimentos de até um salário mínimo 10.
As mudanças no mundo do trabalho carregam as características da heterogeneidade,
da fragmentação e da complexificação. Neste sentido, a classe trabalhadora no mundo atual
não pode ser analisada a partir de uma ótica de identidade com aquela que existiu na metade
do século XX. Assim, a tese que comumente tem sido defendida por alguns, o fim da classe
trabalhadora, merece um olhar diferenciado, que mostra uma outra lógica ordenada e um
processo pautado na dinâmica de desenvolvimento do capitalismo. Nas palavras de autores
Ricardo Antunes e Giovanni Alves (2004), a classe trabalhadora nesse início de século “não
está em vias de desaparição, nem ontologicamente perdeu seu sentido estruturante.”
A professora Lúcia Bruno (1996, p. 95), em suas reflexões sobre educação,
qualificação e desenvolvimento econômico, comunga da mesma visão desses autores, quando
analisa a conjuntura econômica e o mundo do trabalho no século XXI:

não acredito que a retração da indústria relativamente ao crescimento do setor de


serviços, indique o desaparecimento da classe trabalhadora. Ao contrário, penso que
este processo é a expressão de seu crescimento absoluto. Do mesmo modo, a
expansão do trabalho indireto na indústria, em detrimento do trabalho direto, não
implica a eliminação do trabalho vivo, mas sim o deslocamento do foco da
exploração do componente manual para o componente intelectual do trabalho.

Na opinião de Ricardo Antunes e Giovanni Alves (2004), a classe trabalhadora vem


vivenciando um processo multiforme, como a desregulamentação do trabalho e a ampliação
da redução do grupo de trabalhadores estáveis. Hoje, o espaço físico de produção também
sofre mudanças, flexibiliza-se e desconcentra-se; é perceptível o aumento da máquina
informatizada. O surgimento dos trabalhadores terceirizados, sob a égide de subcontratos e
contratos temporários, têm-se alastrado em grande escala. Outro elemento presente nesse atual
contexto é a expansão do setor de serviços que, a princípio, tem incorporado os trabalhadores
excluídos da produção fabril. Por último, cabe analisar outra tendência importante no atual
mundo do trabalho, conforme expressam Antunes e Giovanni (2004):

trata-se do aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da


força de trabalho em diversos países avançados, e que tem sido absorvido pelo
capital, preferencialmente no universo do trabalho part-time, precarizado e
desregulamentado. No Reino Unido, por exemplo, desde 1998 o contingente

10
Em relação a uma população de 187.228.000, dados da PNAD/IBGE – 2006, 57% de trabalhadores brasileiros
somam um total de 106.719.960. Desses, 30,5% somam um total de 32.549.587 trabalhadores que percebem
até um salário mínimo (cálculo realizado pela pesquisadora).
13

feminino tornou-se superior ao masculino, na composição da força de trabalho


britânica. (ANTUNES; GIOVANNI, 2004, p. 338).

Com relação aos salários e aos direitos inerentes ao trabalho, a configuração é


inversamente proporcional ao aumento do trabalho feminino, pois as trabalhadoras percebem
salários relativamente menores e, ainda, convivem com condições sociais de trabalho
desiguais.
Apesar da complexidade do mundo do trabalho na sociedade contemporânea, a
classe trabalhadora pode ser compreendida, como afirmam Antunes e Giovanni (2004, p.
336), “a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de
trabalho – a classe-que-vive-do-trabalho, conforme nossa denominação (ANTUNES, 1995 e
1999) – e que são despossuídos dos meios de produção.”
São esses os homens e mulheres trabalhadores(as) desse século XXI que, na sua
maioria, compõem o grupo de estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas esferas
municipal e estadual. Dessa forma, para analisar a história da EJA, tem-se que entrelaçá-la ao
mundo do trabalho e à história da educação, na medida em que propõe também a qualificação
da classe trabalhadora, também diretamente ligada à função da escola como instituição
formadora nos vários contextos históricos das relações sociais capitalistas.

1.3 A História da EJA no Contexto da Educação Brasileira

Refletir sobre o contexto da educação no Brasil significa descortinar a composição


política em que a sociedade se organiza. Significa enfocá-la numa dimensão teórica e
analítica, na qual o Estado apresenta-se materialmente atuando como gestor. Neste sentido,
pensar as políticas educacionais é visualizar a educação de forma ampliada. É perceber uma
concepção de Estado que traduz uma estrutura de poder e dominação e, ao mesmo tempo,
desenvolve-se como expressão das forças contraditórias das relações de produção das classes
sociais. Nas palavras de Shiroma et al (2004).

impossibilitado de superar contradições que são constitutivas da sociedade – e dele


próprio (...) – administra-as, suprimindo-as no plano formal, mantendo-as sob
controle no plano real, como um poder que, procedendo da sociedade, coloca-se
acima dela (...). As políticas públicas emanadas do Estado anunciam-se nessa
correlação de forças (...) são mediatizadas pelas lutas, pressões e conflitos entre elas.
(SHIROMA et al, 2004, p. 8-9).
14

Ao longo da história, as políticas educacionais vêm expressando essas contradições e


delineando sua característica reprodutora do poder hegemônico do capital. As políticas
educacionais adotadas nos vários países da América Latina, sobretudo a partir dos anos 1990,
apresentam os mesmos objetivos e princípios refletidos, a partir de um pensamento único,
ditado por diversos organismos internacionais11. Esse pensamento denominado de
neoliberal12, vem imprimindo suas marcas nos mais diversos setores da sociedade. O Brasil
procurou se ajustar às premissas do modelo neoliberal, defendendo, no bojo de suas reformas
estruturais, a reforma educacional.
Nesse contexto, os discursos oficiais expressos nas propostas apresentadas pelo
Estado têm atribuído à educação escolar um papel central no processo de modernização
econômica. Diante disso, verifica-se uma “preocupação” com a elevação do nível de
escolarização das camadas populares. A educação passa a ser pensada como uma
possibilidade mágica, um instrumento de finalização das discrepâncias sociais, bem como a
melhoria dos índices da empregabilidade. Por outro lado, sabe-se que essa é uma forma pela
qual a responsabilidade das condições sociais recai sobre o próprio indivíduo, desobrigando o
governo. Neste contexto, o Estado apresenta-se como mero regulador, não gestor ou
financiador das políticas públicas, inclusive as voltadas para a educação.
Torna-se importante analisar que diversas agências internacionais e órgãos
multilaterais vêm se constituindo enquanto forças que desenvolvem ações importantes, como,
por exemplo, a publicação de diretrizes que lentamente estão sendo trilhadas nos países
considerados em desenvolvimento.
Reafirmando essa atuação, em abril de 2000, o Fórum Mundial de Educação,
realizado em Dakar, representou um marco preponderante no processo de universalização da
educação básica. Assim expressa o documento final do fórum:

As conclusões da Conferência Regional de Santo Domingo (Conferência Regional


de Educação para Todos nas Américas, República Dominicana, fevereiro de 2000) e
as do Fórum Mundial de Dakar representam marcos importantes na luta pela
universalização da educação básica, compreendida como elemento central na
conquista da cidadania. Por sua relevância social e pública estabeleceu-se a parceria
entre a UNESCO Brasil, o CONSED e a Ação Educativa para edição em língua
portuguesa de ambos os documentos/compromissos, com objetivo de torná-los

11
Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, entre
outros.
12
Conforme Gentili (1994, p. 13), o neoliberalismo “... é um processo amplo de redefinição global das esferas
social, política e pessoal, no qual complexos e eficazes mecanismos de significação e representação são
utilizados para criar e recriar um clima favorável à visão social e política liberal. O que está em jogo não é
apenas uma reestruturação neoliberal das esferas econômica, social e política, mas uma reelaboração e uma
redefinição das próprias formas de representação e significação social.”
15

acessíveis a um número maior de pessoas e instituições públicas e privadas que nas


diferentes instâncias da federação brasileira possuem responsabilidades no campo da
educação básica. (2000, p. 05).

O documento apresenta uma preocupação com a universalização da educação básica


que tem muito ainda a fazer para sair do campo das intenções. No que tange à Educação de
Jovens e Adultos (EJA), objeto deste estudo, paradoxalmente, observa-se que essa
modalidade de ensino tem sido excluída do processo de educação básica no decorrer da
história da educação brasileira.
Neste sentido, torna-se importante delinear um breve histórico da Educação de
Jovens e Adultos, considerando a difícil trajetória no seu reconhecimento como modalidade
de ensino e inserção na educação básica. A EJA tem suas raízes no período colonial. Neste
período inicial, os religiosos propiciavam uma educação missionária, numa perspectiva de
evangelização, conduta comportamental e os ensinamentos necessários para a sustentação da
economia colonial. No que diz respeito à formação profissional, conforme Manfredi (2003),
os jesuítas também se encarregaram de organizar os primeiros grupos de educação
profissional, formando artesãos e outros ofícios desempenhados no Brasil colônia.
No período imperial, a primeira Constituição, de 1824, assegurou, no campo da lei, a
formação denominada “primária e gratuita para todos os cidadãos13”. Sob influência européia,
tornou-se uma constante nas constituições brasileiras, mesmo que somente no campo da lei. A
formação do trabalhador neste período contou com as academias militares, entidades
filantrópicas e liceus de artes e ofícios. De acordo com Manfredi (2003, p. 75), “as iniciativas
de educação profissional, durante o império, ora partiam de associações civis (religiosas e/ou
filantrópicas), ora das esferas estatais – das províncias”. Para esta autora, as iniciativas
educativas, tanto do Estado como da propriedade privada, exerciam a função político-
ideológica de disciplinamento das camadas pobres, no sentido de legitimar a ordem desigual
advinda do período colonial e sustentada no império.
Na Primeira República, a Constituição de 1891 consagrou a idéia de responsabilizar
as Províncias e os Municípios pelo ensino básico 14. À União caberia a assumência maior, do
ensino secundário e superior. Dessa forma, continuava consolidando a formação para um

13
De acordo com Haddad; Pierro (2000) a preocupação com a Educação de Jovens e Adultos não aparecia de
modo claro nesta constituição, entretanto, o princípio voltado para seguridade de um ensino que formasse
todos os cidadãos subentende, para esses autores, que essa modalidade de ensino estava implícita nesta
legislação.
14
O Ato Adicional à Constituição de 1834, conforme Ribeiro (1981), apresenta uma “orientação
descentralizadora (maior autonomia às províncias), e que diz em seu artigo 10: ‘Compete às mesmas
Assembléias (Legislativas Provinciais) legislar: (...) Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a
promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos academias atualmente
existentes, e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral.”
16

grupo minoritário, as elites, impedindo uma educação mais ampla, já que as Províncias
apresentavam fragilidade econômica, além de ficarem à mercê da política das oligarquias
regionais. É importante salientar que essa Constituição marcou também a exclusão de adultos
analfabetos nas eleições e que, nesse período, a grande maioria da população adulta não sabia
ler e escrever.
O período chamado de Primeira República marcou também inúmeras reformas
educacionais que demonstravam “preocupação” de forma bastante descompromissada com as
condições mínimas para o ensino básico. Concretamente, nada ocorreu para mudar a situação
de precariedade, pois não existia uma política de financiamento que pudesse estabelecer outra
realidade. Durante este período, a formação profissional foi mantida a partir dos liceus, com
ampliação para outros estados e terminou constituindo iniciativa para construção de escolas
profissionalizantes no âmbito nacional.15

Conforme Hadad e Pierro (2000), em 1920, o censo apontou um índice de 72% da


população com mais de cinco anos de idade que continuava analfabeta. A educação de jovens
e adultos não era concebida como uma modalidade de ensino; portanto não apresentava uma
concepção epistemológica própria. Ainda nesta década, as mobilizações de educadores e
populares apontam para a necessidade de mais escolas e também para uma maior qualidade
no ensino. Esse período terminou marcando possibilidades para um outro momento de
políticas públicas para educação de jovens e adultos.
Na década de 1930, a Educação de Jovens e Adultos aparece, de modo explícito, na
primeira Constituição do Governo de Vargas. Conforme Haddad e Pierro (2000), ao
determinar que o ensino primário fosse integral, gratuito e de freqüência obrigatória, a
Constituição estendia essa prerrogativa também ao ensino de adultos. Estas condições
contribuíram para que essa modalidade de educação se consolidasse como política nacional
no final de 1940. Em 1930, a formação profissional é organizada a partir de projetos estatais e
privados, no Estado de São Paulo, relacionados à ferrovia. Conforme Manfredi (2003, p. 88),
a primeira escola profissional foi “a mecânica, que funcionava no Liceu de Artes e Ofícios e
era mantida por companhias ferroviárias paulistas, com recursos do Ministério da Agricultura,

15
No Estado do Rio de Janeiro no ano de 1906, Nilo Peçanha (governador naquele período) criou três escolas de
ofício, orientadas para a formação profissional. As escolas contavam com um aparato técnico e ideológico
para o trabalho industrial e manufatureiro. Manfredi (2003, p. 85) argumenta “embora as escolas não tivessem
sucesso, por causa da vitória de seus opositores [de Nilo Peçanha] nas eleições seguintes, Nilo Peçanha, já
como Presidente da República [1909 a 1910], instaurou, [por meio do Decreto 7.566 de 23/09/1909], uma
rede de 19 escolas de aprendizes e artífices, dando início à rede federal, que culminou nas escolas técnicas e,
posteriormente, nos Cefets.”
17

Indústria e Comércio.” No ano de 1934, foi organizado o Centro Ferroviário de Ensino e


Seleção Profissional-CEFESP16 a partir da experiência da Estrada de Ferro Sorocabana.
Conforme Carneiro (1998), nos anos de 1942 e 1943, o Senai e o Senac,
respectivamente, foram constituídos essencialmente pela organização patronal e incorporaram
a estrutura de financiamento e de gerência da formação profissional do CEFESP. Este
processo de formação afirmava-se praticamente nas demandas produtivas da indústria e no
exclusivo aperfeiçoamento para o trabalho. Com esta perspectiva econômica, a formação para
o trabalho teria de atender ao projeto desenvolvimentista incorporado pelo Estado Novo, além
da preocupação ideológica em organizar um quadro em que o ensino 17 confirmasse a ordem
vigente.
No campo da educação profissional, a política difundida no Estado Novo legitimou a
dicotomia entre trabalho manual e intelectual. Para Carneiro (1998, p. 30), o Senai, como
instituição privada e unida aos interesses patronais, tinha o objetivo de preparar o trabalhador
para o mercado, por meio da “pedagogia do capital”. No argumento de Carneiro (1998, p. 31),
“esse tipo de treinamento da força de trabalho, em que o saber fazer torna-se prioridade e o
saber pensar é relegado às calendas, foi estruturado a partir do sistema dos “S”, ou seja, Senai,
Senac, Sesc, que vai se especializar no treinamento da força de trabalho.”
Vale salientar que o sistema “S” e as escolas técnicas federais, instituições
formadoras da força de trabalho, apresentavam concepções diferentes quanto à formação
profissional. Enquanto o sistema privado de formação, o sistema S apontava para uma visão
técnica específica e as escolas técnicas federais se organizavam com a preocupação em
romper com a visão da dualidade entre teoria e prática.
Em 1942, o Fundo Nacional do Ensino Primário, criado a partir dos resultados
apresentados pelas pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), tinha como proposta executar um programa progressivo de ampliação da educação
primária que pudesse inserir o Ensino Supletivo, destinado a adolescentes e adultos18. A

16
De acordo com Manfredi (2003), esse centro de ensino tinha uma estrutura complexa, com parceria do
governo estadual viabilizando por meio de equipamento especializado e professores de educação geral. As
empresas ferroviárias paulistas davam uma contribuição financeira, conforme o número de empregados, e
participavam no conselho diretor do CEFESP.
17
De acordo com Manfredi (2003) os ramos profissionais do ensino médio foram instituídos pelos seguintes
atos: o ensino industrial pelo Decreto-Lei 4.073, de 30/01/1942; o ensino comercial pelo Decreto-Lei 6.141,
de 28/12/1943; o ensino normal pelo Decreto-Lei 8.530, de 2/01/1946 e o ensino agrícola pelo Decreto-Lei
9.613 de 20/08/1946.
18
Para Fávero (2004, p. 14) os dados relativos aos anos de 1940 e 1950 revelam que o movimento de
redemocratização contribuiu para o lançamento, em 1947, da primeira Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA). “Pelo censo de 1940, foram mostrados os altos índices do analfabetismo:
cerca de 55% para todo o país, considerando a população de 18 anos e mais; nos estados do Sul e Sudeste, em
torno de 40%; no Norte e no Nordeste, 72%; no Leste e no Norte, os mesmos 55% nacionais. O que provoca
18

regulamentação desse fundo veio a ocorrer em 1945, com o estabelecimento de um percentual


de “25% dos recursos de cada auxílio, que deveriam ser aplicados num plano geral de Ensino
Supletivo destinado a adolescentes e adultos analfabetos.” (HADDAD, 2000, p. 111).
Desde então, foram desenvolvidas inúmeras iniciativas19, que levaram à redução do
número de analfabetos, registrando o índice de 46,7%, no ano 1960. Esse índice, se
comparado, à época, com a média dos países do primeiro mundo, e até mesmo de países
latino-americanos, revela que o nível de escolarização da população brasileira continuou
demonstrando pouco avanço.
Pode-se afirmar que um dos marcos na história da EJA no Brasil ocorreu no ano
1958, com o “Seminário Regional de Recife”, evento preparatório para o “II Congresso
Nacional da Educação de Adultos”. Nele, o educador Paulo Freire chamou a atenção para a
necessidade de revisão dos métodos e processos educativos até então adotados, na perspectiva
de assegurar uma maior participação dos educandos no seu processo de aprendizagem. Nesse
sentido, propunham-se discussões, trabalhos em grupos e a utilização de recursos
audiovisuais, a fim de que fossem suscitadas, reflexões sobre sua importância para a
construção de seu próprio conhecimento. Isso contribuiu para que os educadores refletissem
sobre suas concepções e preconceitos acerca dessa modalidade de ensino.
Considera-se também a década de 1960 como marco histórico para essa modalidade
de ensino, devido à ampla participação dos movimentos sociais no âmbito da alfabetização de
adultos. Nesse contexto, alguns movimentos de educação e cultura popular surgem com o
objetivo de realizar ações educativas, nas quais o homem é colocado como centro do
processo. A educação de adultos, além de assegurar a escolarização básica, exigindo uma
proposta específica no campo pedagógico e didático, passou também a representar um
instrumento de ação política, reconhecendo o saber popular, atribuindo mais esse objetivo à
educação de adultos: um instrumento amplo de valorização da cultura popular.
Os Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE)
levavam o teatro ao povo como forma de discutir criticamente os problemas sociais. Os
Movimentos de Cultura Popular (MCP) promoveram programas de alfabetização de cunho
político, como a proposta de Paulo Freire e o projeto “De pé no chão também se aprende a
ler”, desenvolvido por Moacyr de Góes. O Movimento de Educação de Base (MEB), apoiado

uma tomada de posição do Estado é o movimento de redemocratização do país, após a ditadura de 1937-1945,
aliado às iniciativas mundiais da recém-criada Unesco, ao final da Segunda Guerra Mundial”.
19
Dentre estas destacam-se a criação do Serviço de Educação de Adultos em 1947, junto ao Departamento
Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde; a Campanha Nacional de Educação Rural, em
1952; a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, em 1958, e o II Congresso Nacional de
Educação de Adultos no Rio de Janeiro, em 1958.
19

pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pela ala progressista da Igreja
Católica, desenvolveu um projeto educativo, utilizando um sistema de radiodifusão, por meio
do qual se procurava a valorização da cultura local e universal, permitindo, assim, uma nova
consciência social. Importante enfatizar que esse período marca o começo dos movimentos de
cultura popular no Brasil à luz de Paulo Freire; as primeiras experiências de uma educação
libertadora.
Não obstante, é nessa mesma década que ocorre a desmobilização dos movimentos
de educação e cultura popular, devido à repressão imposta pelo Estado autoritário, após a
instauração do regime militar, mediante o Golpe de março de 1964. O Movimento de
Educação de Base ( MEB) tentou resistir até 1966, mas as dificuldades para conseguir verbas,
a censura do governo e da ala conservadora da Igreja Católica levaram à perseguição e à
prisão de monitores e animadores e ao encerramento de suas atividades.

Importa por um destaque, no período áureo do Regime, o Estado, numa “manobra


pelo alto”, concebeu e começou a empreender uma reforma do Ensino Superior
(1968) e, pouco depois, a reforma do Ensino Primário e Médio (1971). Entendemos
tais reformas como fragmentos de uma “revolução passiva”, pois, além de não
contar com a participação da sociedade civil, visavam ainda, como salienta Evaldo
Vieira (1984:47), desmobilizar ‘eventuais movimentos neste campo’. (GERMANO,
2005, p. 104).

Em contrapartida, o Estado autoritário não poderia deixar à margem a escolarização


básica de jovens e adultos, já que os índices de analfabetismo dessa parcela da sociedade
apresentavam percentuais elevados. Além disso, era necessário investir na qualificação da
população, a fim de que o projeto desenvolvimentista – assentado na teoria do capital
humano, proposto pelos militares - fosse efetivado. Desse modo, a alternativa encontrada para
oferecer respostas à sociedade foi a fundação do Movimento Brasileiro de Alfabetização, o
MOBRAL, em 1967. Pode-se afirmar, ainda, que, por meio dessa ação, o Estado autoritário
assegurava o controle político e ideológico desse segmento.
Conforme argumenta Manfredi (2003), os governos militares escolheram o caminho
desenvolvimentista por meio das construções de pólos petroquímicos, hidroelétricas, pólos
pecuários e agrominerais, impulsionando a necessidade de desenvolver projetos de formação
de mão-de-obra. Portanto, neste período a formação profissional contou com a revitalização
do Programa Intensivo de Formação de Mão-de-Obra – PIPMO. O treinamento dispensado
aos trabalhadores, por meio do convênio com o PIPMO, de acordo com Manfredi (2003, p.
104), “foi executado pelas instituições existentes de formação profissional, Senai e escolas
técnicas da rede federal, para uma capacitação rápida e imediata dos trabalhadores.”
20

Tentou-se, ainda, o desenvolvimento de políticas de escolarização para os jovens e


adultos que se encontravam atrasados ou que não tiveram assegurados seus direitos à escola.
Diante disso, em 1971, organizou-se o Ensino Supletivo, quando foi promulgada a Lei 5.692,
Lei de Diretrizes e Base do Ensino do lº e 2º graus. No que diz respeito à formação
profissional, esta lei, argumenta Kuenzer (2001, p. 29), “pretendeu substituir a dualidade pelo
estabelecimento da profissionalização compulsória [equiparação, formal, entre o curso
secundário e os cursos técnicos] no ensino médio; dessa forma, todos teriam uma única
trajetória.” O contexto apontava uma intensa internacionalização do capital, exigindo uma
demanda de mão-de-obra qualificada; daí os cursos se organizarem em âmbito técnico-
científicos.
Com o fim do período autoritário e a retomada dos governos civis, em 1985, iniciou-
se o período da redemocratização social e política do país, que culminou com a promulgação
da Constituição Federal de 1988. Nesse período, a Educação de Jovens e Adultos viveu, no
plano jurídico, a afirmação de um direito à educação básica, o que, por sua vez, não foi
consolidado como direito no campo das políticas públicas.
O ano 1990 foi escolhido pela Organização das Nações Unidas como o Ano
Internacional da Alfabetização. Frente à expectativa de desencadear ações significativas nessa
área, convocou-se uma Conferência Mundial de Educação, realizada na cidade de Jomtiem, na
Tailândia, que, mesmo incentivando a implementação de políticas para esse setor, não
apresentou resultados satisfatórios20. No Brasil, durante o governo Collor, além da extinção
da Fundação Educar, que representou o processo de descentralização da escolarização de
jovens e adultos, a responsabilidade da União foi transferida para os municípios. Nesse
mesmo governo foi criado o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, que ficou
apenas na esfera das intenções.
De 1994 a 2002, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, foram
implementadas inúmeras reformas educacionais e a aprovação de uma nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/1996 21. As reformas da educação profissional

20
A Avaliação de Educação para Todos (EPT) 2000 demonstra que houve progressos significativos em muitos
países. Mas é inaceitável que, no ano 2000, mais de 113 milhões de crianças continuem sem acesso ao ensino
primário; que 880 milhões de adultos sejam analfabetos; (...) Nega-se a jovens e adultos o acesso a técnicas e
conhecimentos necessários para encontrar emprego remunerado e participar plenamente da sociedade. (EPT,
2000, p. 09).
21
Os artigos 39 a 42 tratam, da educação profissional, propondo conforme o art. 40 “uma articulação com o
ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no
ambiente de trabalho. O Decreto 2.208/1997 regulamenta os referidos artigos da LDBEN e, de acordo com
Filho (2006, p. 22), “estabelece os níveis básico, técnico e tecnológico da educação profissional; impede a
oferta integrada do ensino médio com a educação profissional técnica.”
21

apontadas nesta LDB e no Decreto 2.208/1997 trouxeram mudanças afinadas com a lógica
estreita do mercado de trabalho e afirmação da concepção neoliberal na sociedade brasileira.
Nesse sentido, os cursos22 implementados são aligeirados e de pouca qualidade. Impõe-se
uma nova dimensão de currículo em que, na argumentação de Filho (2006, p. 27), há uma
“redução significativa de conteúdos de base científica, profissional e humanística,
redirecionando-se os currículos para a priorização de conteúdos técnicos aplicados e para a
organização e gestão da produção empresarial.”
A seção que faz referência à educação de jovens e adultos na Lei de Diretrizes e Base
9.394/1996, reafirma o direito de os jovens e adultos trabalhadores terem acesso ao ensino
básico dentro de suas condições e especificidades. Além disso, fica determinado que o poder
público tem o dever de assegurar essa modalidade de educação gratuitamente, na forma de
cursos e exames supletivos. Neste sentido, o governo FHC retomou as campanhas de
alfabetização de curto prazo, com o propósito de preparar o trabalhador para o mercado de
trabalho. Sendo assim, mais uma vez priorizou-se o início da escolarização e desconsiderou-
se sua continuidade.
Diante do contexto histórico apresentado, é possível perceber que as políticas
educacionais para jovens e adultos no Brasil apresentam, como característica básica, a
descontinuidade de programas e poucas condições para que esses grupos tenham assegurada a
continuidade de seus estudos. Em resposta a essa realidade, as secretarias municipais de
educação foram assumindo, gradativamente, a responsabilidade pelo atendimento a essa
modalidade de ensino.
Neste sentido, a última década do século XX foi desafiadora para os municípios
brasileiros, que se viram obrigados a assumir a educação, tanto na modalidade infantil como o
ensino fundamental.

1.3.1 A Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos - EAJA - no Município de Goiânia

No final da década de 1990, os municípios brasileiros começaram a desenvolver uma


atuação diferenciada no campo da educação. Com o advento da Lei 9394/96, a educação
infantil e o ensino fundamental passaram a ser de responsabilidade dos municípios, sendo que
o ensino fundamental ainda poderia ser dividido com a esfera estadual. Goiânia, a exemplo de
outros municípios, delineou a possibilidade de independência e assegurou a formação dos

22
Conforme Filho (2006), a reforma iniciada na década de 1990 termina por transformar as Escolas Técnicas
Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica, ofertando Cursos Superiores de Tecnologia.
22

profissionais de sua rede pública de ensino, além de construir uma autonomia acerca da
legislação, desligando-se do Estado e constituindo a posição de sistema próprio, ao criar, no
ano 1998, o Conselho Municipal de Educação (CME) e toda a regulamentação das diretrizes
que norteiam o funcionamento desse sistema.
A Secretaria Municipal de Educação (SME) implementou, a partir do ano de 2000,
uma política educacional direcionada aos adolescentes, jovens e adultos do período noturno.
Esse período sempre apresentou sua especificidade, pois a maioria dos alunos já são
trabalhadores e recorrem à escola noturna como única oportunidade de continuar sua
formação escolar. Dessa forma, construir uma proposta voltada para o noturno tem
significativa importância. Essa proposta foi fruto da experiência vivenciada na década de
1980, e também de um longo período de estudos desenvolvidos no período de 1992 a 1999.
As escolas do município de Goiânia, durante a década de 1980, apresentavam, de
modo geral, condições precárias. No período noturno, o quadro se mostrava preocupante, pois
nem sempre os espaços da escola eram disponibilizados para os alunos do noturno. Os
materiais didáticos utilizados eram os que sobravam dos alunos do diurno e os conteúdos
ministrados não convergiam para a realidade do aluno-trabalhador. Quanto à organização
escolar, as restrições e a vigilância aos alunos demonstravam um desrespeito aos sujeitos
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Enfim, a impressão repassada, tanto para
educandos como para educadores, era a de que o espaço era cedido ou emprestado, formando,
assim, um sentimento de alheamento da realidade escolar.
Destaca-se, também, como aspecto agravante dessa realidade, a existência de número
reduzido de escolas disponibilizadas no período noturno, em meio a uma grande demanda, o
que gerava a superlotação das salas de aula. Diante dessa realidade, a SME, por meio de
estudos e debates, buscou implementar ações com vistas ao desenvolvimento de uma
proposta23 pedagógica voltada para a especificidade da Educação de Jovens e Adultos.
Conforme sustenta Machado (1997, p. 75), “a proposta de Educação de Jovens e Adultos da
SME em Goiânia nasceu das discussões em torno dos eixos norteadores do programa da
administração petista da época”. Essas discussões consubstanciaram as ações implementadas
na administração iniciada em 2000 e estenderam-se para os governos posteriores.

23
O projeto de pesquisa foi realizado em 41 escolas da Rede Municipal de Ensino, no período de 2001 a 2004.
De acordo com o documento que apresenta o Projeto de Pesquisa, o objetivo do trabalho proposto às escolas
era construir uma proposta curricular de ensino-aprendizagem, avaliação e formação continuada para
educação de adolescentes, jovens e adultos (Eaja) que estivesse embasada na realidade do ensino noturno da 1ª
a 8ª série, visto pelo olhar dos educandos e profissionais da educação. (SME/DEPE/EAJA, 2004).
23

Tais ações balizaram-se em princípios como garantia de acesso e permanência das


classes populares na escola pública, qualidade do ensino, valorização do profissional do
magistério e democratização da gestão. Assim, a proposta implantada promoveu mudanças
substanciais na estrutura organizacional das escolas que ofereciam o ensino noturno,
objetivando romper com a tradicional estrutura curricular e disciplinar até então adotada. Com
isso, a SME pretendeu atender às especificidades de alunos e professores dessa modalidade de
ensino, na perspectiva de que os trabalhos desenvolvidos em sala de aula deveriam ser
realizados a partir da realidade desses sujeitos.
Outro aspecto enfatizado nas ações desencadeadas foi a necessidade de se investir na
formação continuada, com o propósito de possibilitar aos educadores a materialização de
práticas educativas condizentes com uma concepção de educação para o ensino de jovens e
adultos que assegurassem os princípios adotados.
Recentemente foi realizado um estudo de caso 24 no município de Goiânia. A opção
por Goiânia deveu-se ao fato de essa cidade constituir-se em um sistema autônomo de ensino,
bem como apresentar um percurso histórico de implementação de políticas específicas para
jovens e adultos.
Por meio dessa pesquisa foi possível perceber que a EJA conquistou um espaço no
contexto da política de educação de Goiânia, com preocupação também com os adolescentes.
A proposta25 para a Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos do Município de Goiânia
vem apontando uma idéia de currículo indissociável do conhecimento e da cultura.
O relato do estudo de caso (2007) revela a dificuldade em alcançar os objetivos
propostos pelo projeto de pesquisa, sobretudo com referência à construção de uma proposta
curricular de ensino-aprendizagem para a Eaja e, ao mesmo tempo, registrar a riqueza da
produção do material a partir da escuta dos sujeitos envolvidos no processo ensino-

24
Fez parte de uma pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico/CNPQ e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP, no período de
2003-2006, na qual foram estudadas seis regiões metropolitanas, dentre essas regiões Goiânia foi escolhida
com o propósito de investigar o caminho percorrido no que diz respeito à política pública. Na seqüência,
desenvolveu-se um estudo de caso que relatou a experiência local, compreendendo a história da construção
coletiva da proposta curricular da Eaja, bem como mais seis projetos voltados para a Eaja na SME, no período
de 2001-2004. Cabe esclarecer que conforme relato do estudo de caso (2007, p. 214), não aprofundou no
conteúdo trabalhado nos sete projetos, mas optou por eixos que foram aprofundados “financiamento da EJA
no município de Goiânia, naquilo que é possível aproximá-lo de uma noção de custo por aluno de EJA na rede
municipal, e a construção coletiva de uma proposta curricular para essa modalidade de ensino no município”.
25
A proposta é resultado de um longo processo de reflexões que ocorreu no período de 1992 a 1999. Durante
oito anos, foram propiciados debates e seminários com educadores, bem como momentos de trocas de
experiências. Essas ações oportunizaram a solidificação do aspecto legal (Lei nº 9394/96), por meio do qual a
Educação de Jovens e Adultos deixou de ser adendo e passou a ser modalidade com tratamento especial,
propiciando novas perspectivas institucionais nos sistemas de ensino, como o município de Goiânia, que
assumiu o desafio de construir e consolidar a referida proposta.
24

aprendizagem da Eaja. Este relato (2007, p. 224) traz a avaliação dos vários sujeitos da
pesquisa e suas observações referentes à complexidade na construção coletiva do
conhecimento,

enquanto os técnicos da secretaria [SME] se ressentem da falta de maior clareza da


assessoria quanto às dificuldades que eles estavam enfrentando, para produzir uma
reflexão sobre as falas das escolas, a escola também reclama da falta de apoio da
secretaria para enfrentar uma proposta inovadora.

O referido relato mostrou, também, que a pesquisa propiciou momentos de


significativos diálogos e reflexões nas escolas. Dessa forma, os sujeitos contribuíram para a
produção de documentos, que foram posteriormente sistematizados pela equipe coordenadora.
Embora também conste no relato a tímida participação dos alunos na construção da proposta
curricular, a observação registrada (2007, p. 225) aponta que “o conceito de currículo
trabalhado acabou por ser bem abrangente, englobando vários outros aspectos de uma
proposta pedagógica para EJA.” Outro elemento bastante enfatizado nas discussões apontava
para a necessidade de um currículo que estivesse voltado para realidade do aluno, neste
sentido, o contexto do trabalhador-aluno teria espaço assegurado, já que é um dos sujeitos no
processo ensino-aprendizagem da Eaja.
No estudo da concepção de currículo presente na proposta do município, poder-se-á
apontar se, de fato, existe preocupação em apresentar um conhecimento que leve em conta o
sujeito trabalhador, conforme será abordado a seguir.

1.4 A Visão do Currículo da Eaja da Rede Municipal de Educação de Goiânia sobre os


Jovens e Adultos Trabalhadores

Inicialmente, é importante enfatizar que, embora Freire não tenha desenvolvido um


estudo específico sobre currículo, no sistema de ensino regular este autor é bastante referido,
pois foi quem percebeu a necessidade de desenvolver métodos e objetivos que se adequassem
à especificidade dos alunos da EJA. Suas teorias e práticas trouxeram um acúmulo de
discussão para essa modalidade de ensino. O caráter político do trabalho, reconhecendo a
educação como ação política por primazia, aproxima-se da visão crítica do currículo. Nessa
visão, o debate teórico toma a escola regular como campo de disputa política, e o currículo
como elemento básico dessa disputa.
25

Freire (1979) concebe a educação como prática da liberdade. Nas palavras de


Gutiérrez (1988), retomadas por Freire (2005), a melhor maneira de pensar a prática é
aprender a pensá-la e assim construir condições de uma nova prática. Para Gutiérrez (1988, p.
106), “a dialética ação-reflexão condiciona tanto o pensamento como a ação, de modo que
ambos os momentos se iluminam, se valorizam e se enriquecem mutuamente.” Educar na
práxis propõe um ir além da ocupação cotidiana, sair da superfície das atividades e fatos e
buscar sua essência, por meio de uma consciência crítica inerente aos homens, os quais,
situados historicamente, criam condições de transformar as estruturas educativas.
No que tange à concepção de currículo delineada na proposta pedagógica, o texto
apresenta que a Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (Eaja) desenvolvida no
município de Goiânia aponta para a perspectiva da qualidade social e, assim, tem se
empenhado em delinear suas ações a partir da concepção humanista da educação. Sobre o
currículo e o conhecimento, o documento expressa:

currículo e conhecimento são duas idéias indissociáveis, pois o currículo tem a ver
com o processo pelo qual o homem adquire, assimila, constrói e reconstrói
conhecimentos em um tipo particular de experiência proporcionada pela prática
pedagógica refletida e intencional dos/as educadores/as e educandos/as sobre o
mundo para transformá-lo (ação-reflexão-ação, portanto, práxis). (GOIÂNIA, 2000,
p. 16)

A proposta traz a preocupação com o conhecimento, o qual é visto como um processo


humano que busca incessantemente conhecer e transformar a realidade. A ação de
transformação da natureza está ligada ao saber, pois o homem é um ser inacabado na
constante busca do ser. Nas palavras de Freire (1979, p. 28), “a educação tem caráter
permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem
graus de educação, mas estes não são absolutos. O homem, por ser inacabado, incompleto, não
sabe de maneira absoluta”.
Ainda sobre o conhecimento, a proposta aponta a teoria dialética do conhecimento
como a possibilidade de construção mútua entre sujeito e objeto, “pois é pela práxis humana
sobre o mundo que, tanto o mundo como o homem se modificam e se movimentam,
construindo a história” (GOIÂNIA, 2000, p. 17). O processo educativo considera a prática
social, ou seja, a realidade em que os homens estão inseridos e também são construtores,
como fonte do conhecimento.
A escola é um espaço de debate. A cultura é vista a partir do ideário político em que
os conflitos, as contradições e contestações fazem parte do cenário. Elementos de resistência
26

tornam-se importantes na medida em que formam um conjunto de experiências vivenciadas


pelos alunos, que são considerados sujeitos participantes da formação.
Seguindo essa linha de pensamento, a cultura é percebida como uma produção
dialética do trabalho, conforme os registros da proposta:
é o mundo modificado pelo homem, que se descobre agente transformador da
realidade. O mundo vai aos poucos humanizando-se. É o homem transformando o
meio em que vive por meio de um agir humano mais pleno, livre e consciente. É um
processo simultâneo de transformar-se e de transformar o mundo. (GOIÂNIA, 2000,
p. 17)

Para Freire (1980, p. 38), a cultura é a capacidade de criar dos homens e mulheres
nas relações que vão tecendo ao longo da história. Em sua expressão,

é lícito dizer que o homem se cultiva e cria a cultura no ato de estabelecer relações,
no ato de responder aos desafios que lhe apresenta a natureza, como também, ao
mesmo tempo, de criticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma ação
criadora a aquisição da experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou
que precederam.

Assevera Giroux (1983) que a cultura torna um conceito crítico quando propicia uma
reflexão das existências concretas da humanidade. A cultura assume sua realidade dual, pois
pode ser um meio de repressão ou uma via de transformação. Giroux (1983, p. 216) reporta-se
a Gramsci para confirmar a sua visão: “a cultura se torna o material bruto para dominação ou
para libertação.”
Na perspectiva de uma concepção crítica como princípio educacional, a noção de
estrutura e ação humanas e o construto de cultura e autonomia recusam o entendimento de que
a escola é um simples local de instrução. Desta forma, o conceito de cultura é politizado e
aponta também a necessidade de refletir na escola a cultura como contradição e possibilidade
de luta.
Dessa forma, conforme afirma Giroux (1983), a escola deve ser vista como um
conjunto de práticas sociais em constante interação com a realidade de outras instituições
sócio-econômicas e políticas que controlam e legitimam a sociedade dominante. Compreender
como o poder e o conhecimento conectam a instituição educacional à luta de classes gerada
pela ordem social vigente significa assumir uma concepção radical de educação, marcando
uma posição de resistência frente a uma produção unilateral ditada como pronta e acabada.
Na proposta, a preocupação com o público atendido, - os alunos trabalhadores ou que
estão buscando trabalho - é assim registrada:

A Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos tem especificidades que requerem um


atendimento diferenciado, garantindo-lhe o acesso à educação fundamental em horário
27

compatível com o/a educando/a trabalhador/a, carga horária e currículo voltado à sua
realidade, bem como flexibilidade de freqüência, matrícula e avanço a qualquer momento do
ano letivo (GOIÂNIA, 2000, p. 14).

Surge então, para o debate na escola, a categoria trabalho, na perspectiva de que a


escola assuma sua função de formar gerações para o trabalho. Na proposta da Eaja, pode-se
constatar a afinidade com a concepção de Gramsci (2004a), que é preparar o homem na sua
totalidade, o homem omnilateral, com ênfase na sua capacidade transformadora, porém, é
necessário registrar a superficialidade ou a quase inexistência da discussão sobre o mundo do
trabalho na proposta da SME.
A constatação da existência da maioria dos alunos estarem na condição de
trabalhadores não é suficiente para assegurar uma formação significativa e imbuída da
concepção de mundo do trabalho. Assim, no campo da justificativa (2000, p. 14), a proposta
aponta como “princípios fundamentais: a cidadania, a identidade, a aprendizagem, a
linguagem e o trabalho coletivo, que visam garantir uma prática educativa dialógica para a
Eaja.” Em nenhum momento a categoria trabalho é mencionada nesta justificativa. No
referencial teórico, quando o trabalho é abordado não traz um aprofundamento das
implicações teóricas do mundo do trabalho. Da mesma forma, a perspectiva da prática
relacionada com a categoria trabalho não é apontada. Neste sentido, é importante registrar
estas contradições, que serão delineadas posteriormente como elementos de tensão presentes
também no cotidiano das escolas.
A busca de uma educação para a formação integral do homem, na visão de Paulo
Freire (1979), é aquela que possibilita homens e mulheres serem capazes de se perceberem
presentes no curso da existência humana, descobrirem-se enquanto seres criadores e com a
potencialidade de serem transformadores de uma realidade concreta que, muitas vezes,
aparece distorcida. A visão crítica trabalhada em um projeto de educação para a autonomia
poderá desvelar essa realidade capaz de suscitar nos homens uma visão contestadora.
O grande desafio da educação, sob a ótica do trabalho, está na interação entre teoria e
prática. Uma educação para jovens e adultos necessita priorizar, como fator concreto, a
condição da atividade existencial, o trabalho. Na argumentação de Arruda (2002, p. 72), “ou
se desenvolve um sistema flexível e permanente de educação que tenha como 'matéria-prima'
e finalidade as próprias atividades produtivas dos educandos ou se recaíra inevitavelmente na
exclusão, no academicismo e no elitismo.”
Sobre a relação entre trabalho e educação, Nosella (2002, p. 37) argumenta que, nos
dias de hoje,
28

para não se tornar uma monótona e aviltante repetição da velha filosofia da


educação que encara o trabalhador como mercadoria, necessariamente precisará
eleger como referencial básico a nova concepção de trabalho que a história desses
últimos dois séculos pôs em tela, isto é, trabalho como poiésis26.
Conforme argumenta Nosella (2002, p. 36), referindo-se ao fim século XX e início
do XXI, “é essencial o conjunto das atividades sociais marcadas pela superação da divisão
entre teoria e prática.” Ou seja, o conhecimento buscado é aquele que interage com os saberes
científico, tecnológico e político. Dessa forma, na perspectiva de uma educação crítica,
concebe-se o sujeito autônomo e desconsidera-se a visão pedagógica, que vê o trabalhador-
aluno como integrante de uma massa a ser moldada e enquadrada no mercado de trabalho.
Enfim, a proposta político-pedagógica da Educação de Adolescentes Jovens e
Adultos da Rede Municipal de Ensino de Goiânia (2000) enfatiza que a sua opção teórica
caminha na perspectiva dialética do conhecimento, orientando-se nos preceitos da Educação
Popular. Assim, a proposição interdisciplinar de Base Curricular Paritária, presente na EAJA -
5ª a 8ª séries - Língua Portuguesa, Educação Física, Artes, Ciências, Geografia, História,
Matemática e Língua Estrangeira Moderna (Inglês) são componentes curriculares que devem
ser abordados interdisciplinarmente e possuem a mesma carga horária anual, não
privilegiando nenhuma área de conhecimento e propondo uma relação significativa entre
conhecimento e realidade, o que possibilita construir experiências locais vinculadas a um
contexto ampliado, em consonância com a linha crítica do currículo. Dessa forma, a proposta
enfatiza que

a construção do currículo escolar está assentada na reflexão sobre por que se ensina
isto e não aquilo, numa relação dialógica enquanto condição metodológica e de
resgate pela escola dos saberes populares, articulando-os aos saberes científicos, na
busca de desvelar a realidade para transformá-la (GOIÂNIA, 2000, p.18).

Por último, vale destacar que Freire (2005) propõe a organização do conteúdo
programático da educação a partir do contexto presente, existencial, concreto, pensando no
conjunto das aspirações do povo. Para ele, buscar a construção desse conteúdo é o que
promove o diálogo da educação como prática da liberdade. Assim, o espaço da investigação
do “universo temático”, ou o conjunto dos “temas geradores” dos grupos em processo de
conhecimento é a experiência da existência e, também, a consciência crítica das relações
humanas e das relações do homem com o mundo. Conforme expresso na proposta, o currículo
perpassa

26
Nosella (2002, p. 37), em seu artigo “Trabalho e Educação”, explica que poiésis “é, afinal, a gigantesca obra
da revolução, que visa relacionar a máquina com o homem universal e eliminar a separação entre
trabalhadores das mãos e trabalhadores da inteligência”.
29

as vivências, convivências, aprendizagens, ações e inter-relações, que ocorrem


dentro da práxis sócio-cultural, nas suas múltiplas dimensões de existência, dentro e
fora da escola, onde o/a educando/a esteja inserido/a. Ele é ação, é caminhada que se
constrói para/com cada grupo, em cada realidade escolar de forma diferenciada. É
um processo dinâmico, aberto e flexível. O aprendizado não ocorre pela mera
exposição de informações, mas sim por meio da significação dessas informações
pelo sujeito ao qual se destinam... (GOIÂNIA, 2000, p. 18)

Gramsci (2004a) chama de “filosofia do senso comum” a realidade vivenciada pelo


homem, pois esta se apresenta recheada dos traços de concepção do mundo e da vida. Em sua
opinião, a elaboração de um pensamento superior ao senso comum, com senso científico, não
poderá marginalizar o contato com os “simples”, pois isso é imprescindível para perceber os
problemas a serem estudados e resolvidos. Assim, a filosofia será “histórica”, pois “depura-se
dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em vida” (GRAMSCI,
2004a, p. 100). Vida que, conforme a proposta, está construindo o conhecimento por meio do
confronto entre saberes e conhecimentos, populares e científicos, em um permanente diálogo.
Tomar a visão crítica do currículo foi importante à medida que possibilitou analisá-la
como abordagem significativa no currículo da proposta político-pedagógica do município de
Goiânia. É sabido que, ao longo da história, a educação tem demonstrado contradições que
produzem e reproduzem a estrutura de valores dentro dos quais os indivíduos definem seus
próprios objetivos e fins específicos. Nesse contexto, as instituições, como escolas e outros
estabelecimentos educacionais, não se apresentam como ‘neutras’; “ao contrário, elas servem
para cimentar a hegemonia existente e, portanto, estão ligadas intimamente aos interesses dos
grupos sociais mais poderosos, especialmente a burguesia” (MAYO, 2004, p. 38).
Em contrapartida, pode-se afirmar que a concepção crítica de currículo, oportunizada
pelos conhecimentos sociológicos, políticos e pelos debates epistemológicos tem assegurado
formas de organização do conhecimento escolar, o que significa dizer que, na concepção
crítica, o currículo é constituído como um elemento amplo, acolhendo determinações sociais e
históricas.
Na perspectiva dessa concepção, o projeto político-pedagógico da Eaja/SME
apresentou sua especificidade frente às várias propostas de EJA, caracterizada como
suplência. O currículo da referida proposta concebe a educação como um processo em
permanente construção, um devir. Vivências, convivências, inter-relações, tudo é parte do
processo de aprendizagem. O educando é visto como um ser total, nas suas várias dimensões
de existência.
Pensar a proposta de currículo para a Eaja numa dimensão crítica é perceber que essa
considera a educação com sentido voltado para emancipação humana. Entretanto, sabe-se que
30

a práxis requer uma análise da realização da proposta no cotidiano da escola. Será necessário
registrar as vozes dos educandos e dos educadores, enfim, de todos aqueles envolvidos no
processo do conhecimento. Conhecimento defendido como meio de possibilitar aos jovens,
homens e mulheres capacidade de se tornarem donos do seu pensamento e da sua ação,
artífices diretos da história de seu tempo.
É sabido que o número de pesquisas27 na modalidade de EJA ainda é insuficiente
para pensar as diversas inquietações advindas dessa modalidade. Mas, ainda assim, alguns
projetos de pesquisa desenvolvidos pelos cursos de pós-graduação de diversas universidades
do país têm contribuído para subsidiar estudos e reflexões. Nesse sentido, procurou-se fazer
um levantamento de pesquisas que aproximassem deste tema, e que pudessem contribuir com
a pesquisa. O levantamento foi realizado com um recorte temporal definido, 1997 a 2007.
Portanto, no capítulo posterior serão registradas as pesquisas mais pertinentes para o estudo.
Em anexo serão apresentadas as pesquisas levantadas, em forma de resumo. Essa é a
pretensão do capítulo a seguir.

27
O professor Sérgio Haddad, coordenador de um estudo para composição do estado da arte da Educação de
Jovens e Adultos no Brasil de 1986 a 1998, publicado em 2002 pelo MEC/INEP/Comped, por meio de um
contato via e-mail informou que “o número de trabalho que tratam de escolarização de jovens e adultos entre
1999 e 2006 constantes no Banco de teses da CAPES é 441. Esse número surgiu de uma pesquisa inicial que
ainda não passou por grandes conferências uma vez que estamos atualmente pesquisando o estado de
conhecimento sobre educação não escolar de adultos.” (19/03/2008 - 15:57).
CAPÍTULO II
O MUNDO DO TRABALHO E A ESCOLA: A REALIDADE DOS SUJEITOS
ENVOLVIDOS

Ao realizar os estudos para essa pesquisa em três escolas28 da Rede Municipal de


Educação-RME-de Goiânia, a primeira preocupação foi buscar contribuições, principalmente
nos programas de pós-graduação de algumas universidades do país, com o intuito de fazer um
panorama das pesquisas dessa área. Em um segundo momento, buscou-se trabalhar os dados
revelados pelos sujeitos investigados, trabalhadores- alunos de 5ª a 8ª série, bem como alguns
profissionais da educação que compõem o quadro da Educação de Adolescentes Jovens e
Adultos -Eaja- do período noturno do município de Goiânia. Por último, procurou-se
compreender os discursos29 e os dados recolhidos e interpretá-los em interlocução com as
contribuições apreendidas nos estudos das dissertações levantadas, como também dos vários
autores que têm estabelecido discussões no campo de Educação de Jovens e Adultos e outros
temas pertinentes aos sujeitos que compõem esta modalidade de ensino.

2.1 A EJA em Algumas Pesquisas e os Trabalhadores-Alunos da Eaja/Goiânia

Constatou-se que, apesar dos negativos indicadores dos níveis da escolaridade


registrados entre os jovens e adultos brasileiros, há um reduzido número de estudos sobre o
ensino noturno, sobretudo na etapa que perfaz o segundo segmento da educação básica.
Entretanto, é possível encontrar, nas universidades de algumas capitais, estudos sobre o
ensino noturno, focalizando o dilema escola e trabalho.
Embora a maioria das pesquisas diga respeito ao ensino médio, praticamente todas
procuram enfatizar os vários problemas de um projeto educacional que, na maioria das vezes,
revela-se sem condições concretas para cumprir o seu objetivo, que é a efetiva socialização do
conhecimento produzido pela sociedade para a formação do sujeito.
Dentre os trabalhos encontrados (anexo II) nas diversas universidades brasileiras,
considerou-se importante destacar aqueles que relatam experiências da EJA no município de
Goiânia e no Estado de Goiás.

28
Importante salientar que foi realizada a leitura dos projetos político-pedagógicos de 2007 das três escolas.
Assim, ao fazer referência aos projetos ao longo do capítulo, procurou-se desenvolver um estudo voltado para
a especificidade da Eaja/noturno, com ênfase nas idéias comuns das três escolas.
29
Os discursos dos entrevistados foram transcritos na íntegra, sem correção gramatical.
1

Na Universidade Federal de Goiás-UFG, algumas pesquisas foram realizadas


discutindo o ensino público, especialmente estudos sobre a EJA. Alguns desses estudos
pesquisaram a Rede Municipal de Educação de Goiânia. Considera-se importante referenciar
a dissertação de Machado (1997), que tomou a política educacional para jovens e adultos,
apresentando a experiência de um projeto que, apesar das limitações, mostrava-se como um
espaço de construção do conhecimento e propiciava o atendimento aos jovens e adultos que
estavam fora da escola há muito tempo ou não haviam tido oportunidade de acesso a uma
instituição educacional.
Essa mesma autora, em 2001, com sua tese de doutorado, contribuiu com os estudos
da EJA por meio do debate da formação dos professores dessa modalidade de ensino. Sua
tese, intitulada “A política de formação de professores que atuam na educação de jovens e
adultos em Goiás na década de 1990”, abordou a complexidade dos programas de formação
para os professores da EJA no estado. A pesquisa trouxe elementos para reflexão, apontando
tanto a necessidade de uma formação própria destinada aos professores da Educação de
Jovens e Adultos como a importância de uma política de formação que assegura a
participação dos professores como sujeitos do processo formativo. Outra pesquisa importante
de ser citada traz como enfoque a dualidade trabalho-escola no âmbito do primeiro segmento
do ensino fundamental. A pesquisa, intitulada “Ou trabalha e come ou fica com fome e
estuda”, de Silva (2004), tem como lócus também a Rede Municipal de Goiânia. Os sujeitos
pesquisados foram alunos do projeto “Alfabetização de Jovens e Adultos/AJA.” Os estudos
objetivaram buscar os sujeitos-estudantes que fizeram parte do projeto. Tais alunos,
trabalhadores ao mesmo tempo, apresentavam um alto índice de não-permanência na escola.
A autora aponta a questão da precariedade de vida imposta a esses sujeitos pelo mundo do
capital e a real conseqüência dessa situação, que é o desenraizamento que se desenvolve ao
longo de suas vidas.
A pesquisa “Educação de Jovens e Adultos: implicações da escolarização básica,
noturna e tardia” enfocou o programa da EJA em nível médio, em um colégio estadual do
interior do estado. Silva (2005), autora dessa pesquisa, considerou, a partir dos discursos dos
estudantes, professores e funcionários, que o tipo de escolarização adotada na citada
instituição é insuficiente, pois o programa é aligeirado e superficial, não possibilitando às
camadas mais pobres acesso ao saber sistematizado e tampouco proporciona condições para o
aluno conseguir as poucas vagas de emprego apresentadas pela sociedade. A autora constata,
ao final de seus estudos, que o aluno da EJA continua em desvantagem em relação àquele que
2

cursa a escola diurna e regular e, portanto, sua inserção social e no mercado de trabalho
permanece limitada.
Embora algumas pesquisas retratem o primeiro segmento, elas puderam contribuir
com essa dissertação, pois trouxeram subsídios para compor o histórico da rede municipal de
educação de Goiânia, além de contribuírem também com outras temáticas pertinentes à
escolaridade noturna, como a dificuldade da continuidade dos estudos do aluno-trabalhador,
bem como a qualidade do ensino propiciado por programas historicamente instituído no país.
Da Universidade Católica de Goiás/UCG, é possível ressaltar quatro pesquisas que
realizaram o debate da escolarização noturna e sua especificidade. A dissertação, intitulada
“Trabalho diurno/escolarização noturna: o cotidiano do jovem trabalhador”, de Queiroz
(2001), investigou o universo sócio-cultural do jovem aluno trabalhador, na expectativa de
entender as condições de sobrevivência, sobretudo focalizando as contradições e o
enfrentamento diário com relação ao trabalho e à escola. Mesmo sendo uma pesquisa
desenvolvida com alunos do ensino médio, é relevante para os estudos da EJA, na medida em
que se apropria das relações entre juventude, escola e trabalho, indica como essas relações
podem ajudar na construção da subjetividade, bem como a necessidade de práticas educativas
estarem afinadas com a realidade do jovem trabalhador. Em 2005, Carvalho, com a pesquisa
intitulada “O que aprendo na escola é o que preciso para mudar a vida? Letramento na Eaja:
encontro no desencontro”, trouxe a discussão dos usos sociais da leitura e da escrita pelos
alunos da Eaja, considerando o contexto social desses sujeitos, a autora ao buscar as práticas
sociais da leitura e escrita, chamando à reflexão para a importância dessa prática, pois revela a
inclusão do sujeito na cultura letrada.
As duas últimas pesquisas a serem mencionadas, também da UCG, trazem à tona a
problemática do segundo segmento noturno. O espaço escolhido para a pesquisa recaiu sobre
a rede municipal de educação de Goiânia/RME. A primeira dissertação, de autoria de Gomes
(2006), apresenta uma experiência de educação de adolescentes, jovens e adultos. A autora
propôs compreender a relação entre a proposta de educação de jovens e adultos da RME de
Goiânia e o projeto político-pedagógico da escola estudada. A experiência estudada
demonstrou uma proposta e uma prática educativa que buscam compatibilizar-se com a
especificidade dos alunos da Eaja, que se revela de forma diferenciada da proposta de
suplência, propiciando aos alunos uma educação específica, crítica e democrática.
Por fim, a dissertação intitulada “Os saberes dos professores do segundo segmento
do ensino fundamental da educação de adolescentes, jovens e adultos”, de autoria de Santos
(2007), objetivou a investigação dos saberes que subsidiam as práticas dos professores. A
3

reflexão possibilitou perceber o caminho da formação dos saberes dos educadores e sua
relação com a prática pedagógica. A pesquisa demonstrou que os professores vão além do
processo de formação, para atender à especificidade dos educandos da Eaja. Esses educadores
trazem para sua prática os conhecimentos experienciados na realidade da vida de cada aluno.
A preocupação em desenvolver esse levantamento está, sobretudo, em demonstrar o
quanto essa modalidade de ensino ainda carece de pesquisas que possam trazer para o debate
da educação tanto os acertos como as dificuldades ainda presentes nas práticas pedagógicas
desenvolvidas no interior das salas de aula e mostrar o quanto as políticas públicas ainda não
consideram, de fato, a especificidade e a necessidade de um projeto político que resguarde a
educação e sua continuidade como um direito de todos. Conforme Machado (2007),
referindo-se à luta histórica, mostra que há ainda um longo caminho a percorrer, pois

tem sido [uma luta] para que o poder público assuma sua responsabilidade na oferta
da educação básica de jovens e adultos; que universidades e sistemas públicos de
ensino assumam a formação inicial e continuada de professores e educadores; que a
sociedade civil, organizada nos seus movimentos e no setor empresarial seja
demandante desta oferta de escolarização para jovens e adultos; que educadores e
educandos se identifiquem de fato com uma modalidade do ensino fundamental e
médio em sua especificidade. Todas essas ações são como que fios diferentes que
tecem uma só rede: a da educação como direito (...).

Os trabalhos acima mencionados trouxeram informações e reflexões relevantes a


respeito da modalidade EJA e possibilitaram, também, perceber as especificidades da
proposta da SME/Goiânia. Nesse sentido, após um longo processo para a construção da
proposta pedagógica mencionada no capítulo I, em que pesquisas participativas foram
realizadas, na expectativa de envolver efetivamente os vários sujeitos que fizeram parte do
processo, os adolescentes foram sujeitos que também participaram da implementação da
proposta, conforme esclarece Gomes (2006). A nomenclatura - Eaja- adotada pela Divisão do
Ensino Noturno da SME de Goiânia, refere-se a todo ensino fundamental direcionado à
Educação de Adolescentes Jovens e Adultos, a partir da gestão de 1997 até 2000, o que
prevalece na atualidade. Gomes (2006) elucida, ainda, sobre a referência ao adolescente, que
os estudos em Goiânia iniciaram-se a partir de uma experiência denominada: “Intenção de
estudos: experiência com adolescentes de 1ª a 4ª série, de 11 a 17 anos”, realizada no ano
1992, com turmas de adolescentes, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás (FE/UFG). Posteriormente, essa experiência foi deslocada para a SME, dando origem
ao “Projeto de experiência pedagógica de 1ª a 4ª série do ensino fundamental para
adolescentes, jovens e adultos” - Projeto AJA.
4

Na seqüência serão apresentados os dados da pesquisa. Vale ressaltar que o segundo


segmento, 5ª a 8ª série, também apresenta suas especificidades30, e a proposta político-
pedagógica aponta alternativas que buscam a atender esses alunos. Para apreender a realidade
dos sujeitos trabalhadores-alunos desse segmento específico, na dinâmica da sociedade,
exigiu-se uma reflexão, entrelaçando o discurso do trabalhador-aluno com os embates teóricos
e políticos que estão postos para a produção do conhecimento em educação, uma vez que o
social é parte inseparável das práticas educativas.
Neste sentido, inicialmente, foram aplicados, em três escolas municipais de Goiânia,
246 questionários. Os gráficos que serão apresentados trazem totalizados os dados das três
escolas reunidas. Dos trabalhadores-alunos da Eaja das três escolas pesquisadas que
responderam ao questionário, 70% trabalham.

Gráfico 1 - Alunos(as) por Exercer Atividade Remunerada

18; 7%
57; 23%

171; 70%

Não Declarou Não Sim

Pôde-se constatar que os 23% restantes ou foram trabalhadores, pois compõem-se de


aposentados e mulheres que exercem o trabalho doméstico, embora sem remuneração, ou
estão desempregados. Diante desse panorama, é perceptível que a grande maioria dos sujeitos
integrantes do período noturno vivenciam a dualidade de trabalhar e estudar. Importante
retomar uma das referências citadas no início desse capítulo, que ressalta a realidade do aluno
trabalhador. Queiroz (2001, p. 10) constata que
30
Conforme Gomes (2006, p. 15) “as turmas de 5ª a 8ª série faziam um total de 700 horas de atividades
presenciais e 100 horas de atividades complementares. Para contemplar estas especificidades, a Proposta da
Eaja, 2005, da RME de Goiânia, faz distinção entre atividades presenciais e atividades complementares,
buscando uma alternativa que pudesse congregar os dispositivos da lei e as necessidades da realidade dos
alunos da Eaja de Goiânia.”
5

o trabalho assumido precocemente, seja pela questão prioritária de sobrevivência


familiar, para possibilitar a continuidade dos estudos, ou ainda para satisfazer as
necessidades de consumo, indica que uma significativa parcela da juventude se
esforça para compatibilizar o trabalho diário com a escola, quase sempre a noturna.

Essa autora, à luz de Carvalho (1997), argumenta que o período noturno é destinado
ao trabalhador/a- aluno/a e esta característica é o que o diferencia dos demais turnos. De fato,
o levantamento realizado comprovou essa realidade. Outra questão importante é o fato desses
alunos comporem a população economicamente desfavorecida. Esses trabalhadores-alunos
vivem a intensa relação de classe, da exploração do trabalho pelo capital. Na dinâmica da
sociedade capitalista, controlar o trabalho e o salário é fundamental para assegurar o
desenvolvimento do processo de produção, bem como a perpetuação da lógica social de
exploração e desigualdade. Dessa forma, o gráfico a seguir demonstra que 37% dos 246
respondentes dos questionários, alunos da Eaja, sobrevivem com um salário mínimo mensal e
19% com menos de um salário mínimo.

Gráfico 2 - Alunos(as) por Faixa Salarial que Recebe

5; 2% 27; 11%

92; 37% 29; 12%

46; 19%
47; 19%

3 SM ou Mais Outros 2 SM Não Declarou Menos de 1 SM 1 SM

Conforme Pino (2002), nesse atual contexto social não existe uma relação entre
aumento de produção e salário. Isso significa dizer, na opinião desse autor, que uma linha de
produção acelerada não caracteriza uma progressão do salário. Ao inverso disso, as
desigualdades realçam ainda mais as relações sociais. Com relação às desigualdades, a
Revista Fórum trouxe um texto de Pochmann (novembro/2007) que trata das desigualdades
salariais. De acordo com esse autor, que se baseou nos estudos do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), “a desigualdade salarial constatada no interior do setor
estruturado do mercado de trabalho foi de 1.714,3 vezes no ano de 2006.” Conforme
6

Pochamann, o menor salário mensal pago foi de R$ 70,00 e o maior foi de R$ 120.000,00, de
acordo com a PNAD/IBGE-2006. A reportagem apresenta um quadro de desigualdade que
permite visualizar a sociedade brasileira como um todo, resguardando algumas diferenças
regionais, como é o caso da região centro-oeste.
Pochamann assevera que “a maior distância que separa o maior do menor salário no
setor público localiza-se na região centro-oeste.” Esse mesmo autor revela, em seu estudo,
que a análise das discrepâncias salariais ainda são maiores no setor privado. Esse setor é o
que incorpora grande parte dos trabalhadores-alunos da Eaja, sobretudo uma parcela
significativa no trabalho terceirizado, como será discutido a seguir. Pochamann (maio/2007),
em um outro texto, na referida Revista Fórum, sobre o mundo do trabalho, destaca que a
terceirização dos contratos de trabalho aprofunda ainda mais os baixos níveis salariais: “o
trabalhador terceirizado recebe metade que o trabalhador com contrato padrão alcança para
realizar exatamente a mesma função.”
Tais alunos, não raro, devido ao peso da jornada laboral durante o dia, apresentam
maiores dificuldades em acompanhar o processo ensino-aprendizagem. Há, também, altos
índices de freqüência irregular ou desistência. Nota-se, ainda, uma significativa defasagem
entre a idade e a série a cursar. O gráfico a seguir permite visualizar as diferentes faixas
etárias que vão de 16 a 54 anos. Esses alunos estão presentes nas turmas de 5ª a 8ª série. Nas
turmas iniciais, é mais freqüente o grupo com 48 anos ou mais. Na 8ª série, a faixa etária mais
presente fica em torno de 17 a 22 anos, o que aponta para uma maior dificuldade dos adultos
e idosos continuarem seus estudos.
A faixa etária da maioria, 33%, está compreendida entre 18 a 25 anos (gráfico III).

Gráfico 3 - Alunos(as) por Faixa Etária

13; 5% 19; 8%
80; 33% 25; 10%

27; 11%
42; 17% 40; 16%

41 a 48 Anos 33 a 40 Anos Mais de 48 Anos


Não Declarou 26 a 32 Anos Menos de 18 Anos
18 a 25 Anos
7

O próximo gráfico ilustra que estes jovens e adultos31 retomam seus estudos pela
exigência do atual cenário político e econômico do país. De acordo com Gohn (2002), os
discursos e as políticas tem enfatizado a importância da educação. A ela, na concepção do
atual mundo do mercado, cabe a incumbência de assegurar escolhas e oportunidades aos
indivíduos. Nesse sentido, a autora discute que a economia, de acordo com os ditames do
capitalismo, necessita de profissionais com novas habilidades e competências, tarefa que a
educação terá de realizar. O conhecimento previsto pela lógica utilitarista, que enxerga o ser
humano apenas como instrumento da produção, é aquele que possibilita condições técnicas
para viabilizar o mercado de trabalho.
Assim, o percentual de alunos que retorna à escola com o objetivo de um trabalho
melhor ou melhores condições de vida (totalizando 52,86%), aponta para o contexto atual de
uma maior exigência técnica colocada para a classe trabalhadora, bem como indica que esses
trabalhadores-alunos procuram melhorar as condições concretas da existência humana.

Gráfico12
Gráfico 4 - Alunos(as)
Alunos(as)por
porMotivos
Motivos para
para Buscar
Buscar a Educação
a Educação
15 2

1 11

160
140
120
100
29,01

5
21,18
18,51
36

2 3, 8

80
12 5

97

6,8 7

60 0,57
3
40
20
0
Incidência Percentual

Não Declarou Outros


possibilidade de trabalho melhor melhores condições de vida
Desenvolvimento Pessoal Relacionar Melhor com as Pessoas
relacionar melhor com as pessoas desenvolvimento pessoal
Melhores
outros
Condições de Vida Possibilidade
não declarou
de Trabalho Melhor

Na expressão de um dos entrevistados, quando perguntado sobre o porquê de ter


retornado aos estudos, ele diz:

Eu não pensava no futuro (...) Eu tô com vinte e sete anos. Eu não pensava nisso. Aí
hoje que eu tô pensando no futuro da minha família, que eu tenho uma família, sou
casado, tenho dois filhos. Então, hoje, agora, eu já penso num futuro pra eles. Por
isso que eu voltei pro colégio. (Entrevista II – Escola I, p. 25).

31
Tomando como referência a idade estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE.
8

Torna-se importante analisar a sutileza da exploração em que as relações sociais de


produção se colocam nessa sociedade capitalista. O motivo que levou esses sujeitos a
deixarem seus estudos é o mesmo que exige a sua volta à escola: a necessidade de
sobrevivência. O entrevistado IV, da escola II, diz: “eu comecei a trabalhar numa roça muito
longe e não tinha como eu chegar cedo no colégio. Eu já tava com uma faixa de uns dezoito
anos. Aí foi nesse dia que eu parei de estudar.” (Entrevistado IV – Escola II, p. 48)
Nesse sentido, ainda que com a consciência do senso comum, conforme Gramsci
(2004, v. 1, p. 100), “na filosofia destacam-se notadamente as características de elaboração
individual do pensamento. No senso comum, ao contrário, destacam-se as características
difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma época em um certo ambiente
popular”.
Um dos entrevistados, demonstra em suas palavras esse senso comum. Na busca de
emprego entregou seu currículo em uma loja de informática. Assim que foi chamado para
fazer a entrevista, relata: “Até na entrevista eu saí bem, eu acho que me saí bem. E eu não fui
classificado porque eu acho que eu não tava cursando alguma faculdade ou até já tivesse terminado.
Foi aí que disse: tá faltando estudo, porque experiência eu já tenho.” (Entrevistado III – Escola I, p.
11).
Nas palavras do entrevistado é possível perceber a preocupação com a qualificação
que ele julgou ser determinante para conseguir o emprego. Essa visão é hoje disseminada e
cultuada na sociedade. Na visão de Gohn (2002, p. 96), “o número de anos de escolarização,
associado à qualificação da educação recebida, é apresentado como fator determinante para o
acesso ao mercado de trabalho, ao nível de renda a ser auferido, etc.” Essa mesma autora,
argumenta que essa atual dimensão imposta à educação torna-a uma mera formadora de
competências. Em sua opinião, as habilidades a serem adquiridas “devem ser vistas como
ferramentas de apoio e não como finalidades últimas.”
De fato, há altos índices de falta de mão-de-obra qualificada na sociedade goiana. De
acordo com a PNAD/IBGE-2006, Goiás apresenta um significativo número de vagas ociosas
que, somente no ano 2007, ficaram perdidas. A pesquisa aponta 26.496 vagas não
aproveitadas no Estado.
Nesse sentido, de acordo com a PNAD/IBGE-2006,

mereceu abordagem criteriosa a questão da escolaridade da população em idade


ativa, dado sua significância para a análise do mercado de trabalho. Perto de 90% da
população em idade ativa concluiu pelo menos um ano de estudo. Destes, metade
não concluiu o ensino fundamental ou equivalente; pouco menos de 1/5 conseguiu
concluí-lo sem completar ensino médio ou equivalente. Apenas 28,9% completaram
o ensino médio ou equivalente.
9

A mencionada síntese de indicadores de 2006 PNAD/IBGE comprova a baixa


formação escolar da classe trabalhadora, pois não chegam, no Brasil, a 30% aqueles que
conseguem concluir a formação básica. A referida análise dos dados traz, ainda, a informação
de que os grupos mais escolarizados estão na região sudeste e representam 45,4% dos
trabalhadores. Nas regiões sul e centro-oeste, os grupos mais escolarizados são pouco mais de
38%; na região norte, o percentual é de 30,8% e, por último, na região nordeste, com
trabalhadores que estudaram cerca de 4 a 7 anos para outro grupo, com 11 anos ou mais de
estudos, o percentual é de 26,1%, um maior patamar de escolarização. Essa realidade concreta
se contrapõe à atual exigência do mercado de trabalho, o que impinge a muitos trabalhadores
a busca da informalidade. Antunes (2002, p. 44) propõe uma reflexão nessa ótica que, no
interior do mundo do trabalho, evidenciam outras relações: “pelo peso crescente da sua
dimensão mais qualificada, do trabalho multifuncional, do operário apto a operar com
máquinas informatizadas, da objetivação de atividades cerebrais.”
Assim, o índice de trabalhadores no campo da informalidade32, embora apresente
declínio, continua em níveis consideráveis. Na argumentação de Antunes (2002), criou-se
uma massa de trabalhadores “precarizados”, sem qualificação, que está atualmente
vivenciando a experiência de trabalho temporário, parcial ou ainda experienciando o
“desemprego estrutural”.
Essa realidade do trabalho informal é vivenciada por uma parcela considerável dos
trabalhadores-alunos da Eaja, conforme o gráfico 5 a seguir.

Gráfico 5 - Alunos(as) por Ramo de Atividade Remunerada


0% 2%
3% 4%
21% 5%
7%

9%
21%
12%
16%
Aposentado(a) Funcionário(a) Público(a) Outros
Serviços Gerais/Limpeza/M anutenção Comerciário(a) Serviços Administrativos
Industriário(a) Não Trabalha/Do Lar/Estudante Não Declarou
Doméstica Informal Autônomo

32
A informalidade, nessa análise, de acordo com IPEA, é composta pelos trabalhadores sem carteira assinada,
por conta-própria e não-remunerados. Participação dos empregados sem carteira assinada (Em %) Período:
jan.-set./2007 22,7/ 21,9 /20,8/ 18,6/ 22,1/ 18,8/ 20,8 /14,2/ 20,4. Fontes: IBGE/PME e Ipardes/PME.
10

A informalidade atinge 21% dos trabalhadores(as)- alunos(as) da Eaja. Ciavatta;


Trein (2007, p. 11), no debate sobre a transformação do trabalho e a formação profissional na
“sociedade da incerteza”, indicam a preocupação com um contexto que apresenta não apenas
o “trabalho incerto”, mas também a incerteza de o trabalho hoje propiciar um projeto de vida
como, por exemplo, a constituição de uma família, casa própria, um meio de transporte, tão
presente nos discursos da juventude. Nas palavras de um jovem de 17 anos, o trabalho de
vendedor ambulante é um meio de sobrevivência. “Eu trabalho de vendedor ambulante, eu
vendo várias coisas, depende da época do ano. O produto que dá mais lucro, a gente vende.”
(Entrevista III – Escola III, p. 38)
Na “sociedade da incerteza”, a informalidade é caracterizada por uma diversidade em
relação ao tipo de trabalho, além de ser marcada pela ilegalidade, pela exploração e pela
opressão; enfim, pela falta de amparo aos trabalhadores e trabalhadoras. Nas palavras de
Ciavatta; Trein (2007, p. 11),

no Brasil, há duas décadas, pelo menos, trabalhamos com a categoria ‘trabalho


informal’ que, como outras sutilezas ideológicas, não expressa toda gravidade do que
inclui, otimisticamente, ao menos 50% da população economicamente ativa. O
‘trabalho informal’ inclui o trabalho autônomo do profissional liberal, do micro-
empresário e do vendedor ambulante.

A necessidade de trabalhar impõe, não raro, uma maior quantidade de tempo


vinculado às atividades laborais, desde o início da pré-adolescência. Quando questionados
com quantos anos iniciaram a ação do trabalho, aproximadamente 60% dos entrevistados
relatam idades entre 10 e 12 anos, principalmente aqueles de procedência rural, os quais desde
o início acompanhavam os pais na “lida da roça”. Essa questão merece retomar uma das
pesquisas mencionadas no início desse capítulo, conforme Silva (2004, p. 48), “o sujeito da
EJA, que é o trabalhador desenraizado, que saiu da roça por não ter trabalho e veio para a
cidade, onde continua não tendo, vive no mundo do trabalho, mesmo sem ter trabalho, porque
o que tem muitas vezes é ‘bico’”. Assim, a pesquisa citada reforça o trabalho como causa
principal da não permanência dos adolescentes, jovens e adultos na escola.
Ainda reportando ao gráfico anterior, merece uma análise os 21%, 51 de
respondentes que são trabalhadoras-alunas com função de doméstica. Tal índice quase se
equipara ao índice de trabalho informal. Esse trabalho é quase sempre temporário e apenas
cerca de 10% apresentam vínculo empregatício. No geral, são diaristas; algumas compõem
pessoal de limpeza em firmas terceirizadas. Essa situação confirma a opinião de Antunes e
Giovanni referenciada no capítulo I, que tratam do aumento do trabalho feminino no atual
11

mundo do trabalho que, de acordo com esse autor, quase sempre é temporário e desregulado.
No discurso de uma das entrevistadas da escola II, tem-se: ”Eu trabalho numa seguradora, eu
limpo lá, lavo banheiro, atendo telefone na hora que é necessário, atendo cliente, sirvo café.
(...) Muita gente acha que eu trabalho nessa seguradora, só que a minha empresa é uma
terceirizada que presta serviço.” (Entrevista I, p. 29).
Dados da PNAD/IBGE-2006 revelam a existência, no Brasil, de 6,7% de pessoas no
trabalho doméstico. Deste total, 6,2 milhões são mulheres, ou seja, 93,2%, e 6,8%, são
homens. Outro dado importante diz respeito ao vínculo empregatício das trabalhadoras
domésticas. Conforme a PNAD/IBGE-2006, somente 27,8% do total destas trabalhadoras
tinham carteira assinada. O trabalho doméstico é numeroso e, de acordo com PNAD/IBGE-
2006, compõem 18,3% do setor de serviços, mas continua marcado pela precariedade do
vínculo empregatício e pelo não-cumprimento da legislação trabalhista.
A legislação, desde a Lei nº 5.859/1972, Art. 2º, estabelece para admissão ao
emprego doméstico, inciso I, Carteira de Trabalho e Previdência Social, e no Art. 4º, os
benefícios e serviços da Lei Orgânica da Previdência Social na qualidade de segurados
obrigatórios. A Lei nº 11.324/2006 que altera a de 1972, possibilita a inclusão na Declaração
de Imposto de Renda o pagamento do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS; mesmo
assim, o descumprimento é real e impõe a estes trabalhadores/as uma privação de direitos,
dentre eles, licença por motivo de doença ou maternidade, além dos prejuízos no que diz
respeito à aposentadoria por tempo de contribuição.
Embora o presente trabalho não tenha a pretensão de enfocar a questão de gênero,
considera-se importante chamar atenção para o número de alunas que é expressivamente
maior do que o de alunos, nas escolas pesquisadas.

Gráfico 6 - Alunos(as) por Gênero

98; 40%

148; 60%

Masculino Feminino
12

Essas alunas, não raro, além de trabalharem dentro e fora de casa, levam os filhos
para a escola à noite por não terem com quem deixar. Dentro da sala de aula vivem, ainda,
outra dualidade; olhar os filhos e estudar o depoimento a seguir é de uma trabalhadora-aluna
empregada doméstica: “a minha rotina de trabalho: eu acordo cedo, vou para o trabalho.
Quando chego já é hora de vir prá escola. E tem que arrumar as coisas dentro de casa, cuidar
do menino e vir pra escola à noite, mesmo cansada (...). E o menino vem prá escola comigo.”
(Entrevista V – Escola I, p. 17-19).
Para Afonso (2005, p. 143), o conflito e as condições discriminatórias na inserção no
mercado de trabalho são reais. Em sua opinião, o ingresso da mulher no mercado de trabalho
não pode ser visto como satisfatório. É necessário perceber a desvalorização social, tanto no
que diz respeito a salários como às condições cada vez mais adversas, com uma maior carga
horária de trabalho em relação aos homens. É pertinente refletir sobre a argumentação dessa
autora.

Assim, as mulheres que se encontram no conjunto das trabalhadoras, inseridas no


mercado de trabalho remunerado, permanecem nos conhecidos 'guetos', que se
caracterizam pelo exercício de funções advindas da antiga divisão sexual do
trabalho, que se organizaram em profissões no mercado de trabalho e se caracterizam
por serem setor mais desprotegido quanto às leis trabalhistas.

A antiga divisão sexual do trabalho, de acordo com Afonso (2005), reforça as velhas
atribuições históricas de mulheres e homens. As mulheres conservam-se como prestadoras de
serviços, babás, ajudantes, enfim, trabalhos domésticos e afins. Essas alunas representam os
estudantes com maiores dificuldades na formação, pela própria determinante social imposta a
elas. Sabe-se que essa discussão cabe em um outro projeto de pesquisa, mas o fato desta
realidade compor o cenário da Eaja/noturno impõe, muitas vezes, uma dinâmica diferenciada
na escola. Na observação do cotidiano das escolas foi possível perceber o significativo
número de crianças pelos corredores das escolas, ocupando as cadeiras das bibliotecas ou,
ainda, brincando em salas ociosas à espera das mães ou avós.
Outro fator significativo para compor o desenho do perfil dos trabalhadores-alunos
refere-se ao trabalho na zona rural, sobretudo nas faixas etárias iniciais. Os dados concluídos
pela PNAD/IBGE-2006 revelam que, em todas as regiões, houve queda no número de
trabalhadores agrícolas, mas a região centro-oeste apresenta cerca de 1 milhão de
trabalhadores nessa referida atividade. A população ocupada é de 16,4%. Esse dado é
significativo, sobretudo no Estado de Goiás, com o número de 115.089 pessoas ocupadas em
estabelecimentos agropecuários, conforme censo agropecuário IBGE/2006, o que demonstra
13

uma relação campo-cidade nesse Estado. Embora o gráfico a seguir demonstre que a grande
maioria dos sujeitos da pesquisa não veio do meio rural, uma parcela considerável viveu essa
realidade de começar a trabalhar muito cedo no campo.

Gráfico 7 - Alunos(as) por Tipo de Locais Onde já


Residiu
11; 6%
31; 16%

158; 78%

Não Declarou Zona Rural Zona Urbana

Conforme descreve uma das entrevistadas, o início de seu contato com o trabalho
ocorreu aos dez anos, na roça. Primeiro na roça onde morava com seus pais e depois na roça
de outras pessoas, com quem acabou por estabelecer uma relação de patrão/empregada. A
entrevistada mostrou a real inexistência de tempo para a escola.

Eu fui uma criança moradora da roça, no interior. Meus pais punha a gente prá
trabalhar na roça A gente não tinha liberdade de estudar, de trabalhar. O trabalho era
só braçal, na lavoura. De plantar os alimentos. Então os pais achavam que os filhos
não deviam estudar. Deveria, sim, trabalhar, só trabalhar na roça. Eu cozinhava prá
peão. Eu, com dez, doze anos, eu subia a serra com uma lavadeira de comida na
cabeça, as vezes que eu mesma cozinhava. (Entrevista III – Escola III, p. 62).

Mesmo aqueles entrevistados que moravam na cidade demonstravam essa


dificuldade do tempo para a escola, pois o trabalho era mais importante pela necessidade
concreta da subsistência. Ao narrar sua história, esse entrevistado relata que, quando foi para a
escola pela primeira vez, tinha cerca de doze anos. Não havia ninguém para acompanhá-lo ou
incentivá-lo nas atividades escolares. Os pais não tinham escolaridade alguma, trabalhavam
rotineiramente. O entrevistado relata: “Eu tive que desistir de estudar, porque eu tinha
dificuldade, meu pai viajava muito. E minha mãe tinha que trabalhar e eu tinha que ajudar ela.
Minha mãe fazia sonho. Passávamos praticamente a noite todinha trabalhando. Essa era a
fonte de dinheiro de minha mãe.” (Entrevista II – Escola I, p. 24)
14

Na história de vida da maioria dos alunos da Eaja, o tempo dedicado ao trabalho foi
sempre maior do que aos estudos. Essas duas últimas entrevistas são de adultos que possuem
acima de 25 anos de idade, reforçando a idéia da discussão da professora Oliveira (1999), que
discorreu sobre a especificidade cultural da EJA. A referida autora afirma que o adulto, no
espaço da EJA, não é o acadêmico ou o profissional em busca de especialização ou outro
adulto preocupado em aperfeiçoar suas aprendizagens. Em sua opinião,

ele é geralmente o migrante que chega às grandes metrópoles proveniente de áreas


rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível
de instrução escolar (muito freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma
passagem curta e não sistemática pela escola e trabalhando em ocupações urbanas
não qualificadas, após experiência no trabalho rural na infância e na adolescência,
que busca a escola tardiamente para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino
supletivo. (OLIVEIRA, 1999, p. 59).

Ainda sobre a discussão do tempo do estudo, quando a pergunta diz respeito às


condições concretas de conciliar trabalho e estudos nesse momento atual, os trabalhadores-
alunos respondem que raramente encontram tempo para estudar. Às vezes, estudam nos finais
da semana, nos domingos, quando não estão muito cansados. No decorrer da semana, devido
à rotina do dia, é praticamente impossível para muitos deles encontrar tempo para o estudo.
Na expressão desse entrevistado, é perceptível a preocupação em buscar o tempo e ao mesmo
encarar as dificuldades impostas. Ele diz: “Eu tô estudando, queira ou não queira eu tenho que
fazer o meu tempo. Porque eu tenho que trabalhar. Eu trabalho até a uma hora no sábado. Aí
eu tenho o resto do sábado e o domingo. Esses dois tempos que eu tenho.” (Entrevista III –
Escola II, p. 29).
Essa situação da falta do tempo para o estudo fica comprovada quando se observar o
tempo destinado ao trabalho. A seguir, a imagem aponta mais uma marca da sociedade
capitalista, a excessiva carga horária imposta ao trabalhador, sobretudo ao trabalhar sem
vínculo empregatício.
15

Gráfico 8 - Alunos(as) por Horas/Dia Trabalhadas

29; 12%

110; 44% 53; 22%

54; 22%

10 Horas 8 Horas Não Declarou Outros

Por meio desse gráfico é possível visualizar a quantidade média de horas de trabalho
por dia dos sujeitos da pesquisa. O segmento “outros” indica os que trabalham entre seis a dez
horas por dia. São trabalhos diversos: vigilantes, porteiros, vendedores ambulantes e
representam a maioria dos sujeitos pesquisados, com 44%. Este fato só reforça o exposto no
gráfico V, mostrando o número de alunos no trabalho informal ou empregadas domésticas na
condição de diaristas. Há de se considerar que a maioria - grupo de 8 horas de trabalho, (22%)
- não inclui o tempo do transporte que geralmente está em torno de, no mínimo, uma hora de
duração, já que a maioria reside em bairros afastados do trabalho ou da escola.
É importante verificar a fala de um dos alunos, explicando a rotina do seu dia. Essa
explicação apresenta elementos para reflexão do atual cenário social em que, conforme Pino
(2002), as condições de trabalho compõem o novo e velho quadro de exploração e exclusão,
com o surgimento de setores sociais inteiros que perdem o trabalho ou que trabalham cada
vez mais por menos. Isso reflete a evidência no sentido de que o mercado globalizado não
propicia nenhuma forma de igualdade econômica para a humanidade ou, sim, cria economia
de baixo crescimento, altos lucros, baixos salários e maior tempo de trabalho. Nas palavras do
entrevistado,

Hoje eu levanto às 4h 30 da manhã, pego dois ônibus, porque tenho que passar no
terminal (....). Tenho que entrar no trabalho às sete horas da manhã e saio de lá às
seis horas da tarde. Tomo mais dois ônibus para chegar aqui na escola, almoço lá
mesmo. Saio da escola às dez e trinta da noite e chego em casa por volta de meia
noite. (Entrevista IV – Escola II, p. 32).

Alguns profissionais da educação envolvidos com a Eaja, período noturno, enxergam


essa realidade imposta aos trabalhadores-alunos. Nos depoimentos de alguns trabalhadores da
educação, percebe-se a visão dessa situação contraditória vivenciada pelos alunos. O discurso
16

de uma das diretoras das escolas pesquisadas aponta para as características próprias dos
alunos do noturno e, conseqüentemente, da dificuldade na continuidade e da permanência na
escola. Quase sempre o motivo das faltas ou atrasos está ligado à questão do trabalho. A
escola vive também o conflito de compreender o contexto social do aluno diante da
necessidade de cumprimento da carga horária, bem como dos conteúdos curriculares.

Então, assim, eu sinto que, quando eles vêm para a escola, eles realmente querem
estudar. Houve um aumento agora em agosto, considerável, em relação ao agosto do
ano passado. Porém, assim, eu já estou pensando no agosto do ano que vem, que já é
um ano político, em que muitos trabalham na política e se envolvem em comícios e
panfletagem. Tem uma queda. Agora em novembro, também já começa a cair um
pouco, porque nossos alunos trabalham no comércio, eles trabalham em casa de
família onde a patroa e o patrão trabalham no comércio. E a gente tem que ter esse
jogo de cintura, de estar tentando compreender o lado do aluno, mas também não
pode deixar fluir naturalmente, sem uma certa organização. (Entrevista II – Escola II,
p. 34).

Enfim, esse debate sobre o tempo de trabalho ser maior do que o tempo de estudo
traz mais uma vez a análise do atual contexto sócio-econômico em que o processo de
reestruturação produtiva é acompanhado por relevantes mudanças sociais. A questão principal
e marcante nessa conjuntura é a tendência do emprego, como construção social ligada a
produção industrial, apoiado sobre acordos de trabalho e com proteção social, encontra-se em
processo de novas definições. Um dos professores entrevistados considera essa realidade
presente na escola e diz que a escola não está alheia. Em suas palavras,

o pessoal do desemprego estrutural é outra característica do noturno. Se tem uma


campanha política os alunos somem cerca de três, quatros meses, pois estão
ganhando aquele salário. Nós estamos vivendo uma gestão na prefeitura de Goiânia
que é cheia de frentes de trabalho, ou seja, trabalho temporário. Os alunos somem.
Muitos trabalham no setor informal que, nessas épocas do ano, final do ano, tem
hora extra, trabalham até mais tarde. Hoje mesmo recebi o recado de um aluno que
mandou avisar que só volta em dezembro, pois ele trabalha em uma confecção que
está produzindo para o natal nesse mês de outubro e novembro. É muito trabalho e
ele não pode ficar sem o dinheiro. A escola recebe gente aqui que só consegue ficar
até às 22h, pois é guarda-noturno. É uma situação heterogênea. Os horários desses
trabalhadores são diferenciados. (Entrevista II – Escola II, p. 36).

As duas últimas entrevistas apresentam a situação que a escola tem enfrentado no


atual contexto do país. O campo educacional tem vivenciado essa realidade, com ênfase nas
relações sociais de poder. Como, de fato, a escola tem sobrevivido nesse cenário? O próximo
item tem a perspectiva de enfocar o/a trabalhador/a-aluno/a e a escola, sua visão da escola, a
relação desta escola com o seu mundo do trabalho, a relação da aprendizagem com a sua vida,
a cultura como ampliação do conhecimento, enfim, a importância do projeto estudar sem
fome. É relevante também entrelaçar os discursos dos demais sujeitos envolvidos na educação
17

de adolescentes, jovens e adultos da RME de Goiânia com a expressão dos trabalhadores-


alunos.

2.2 A Escola e Seu Significado

A escola, como espaço do pensar, de ação cultural, de construção do novo, que se


compromete com uma ação humana crítica, é a instituição que necessita perceber a história
como algo a ser reconstruído. Dessa forma, a escola almejada indica a atualidade do
pensamento de Freire (1994, p. 114).
A escola de que precisamos urgentemente [dizia eu em 1960] é uma escola em que
realmente se estude e se trabalhe. Quando criticamos, ao lado de outros educadores,
o intelectualismo de nossa escola, não pretendemos defender posição para a escola
em que se diluíssem disciplinas de estudo e uma disciplina de estudar. Talvez nunca
tenhamos tido em nossa história necessidade tão grande de ensinar, de estudar, de
aprender mais do que hoje. De aprender a ler, a escrever, a contar. De estudar
história, geografia. De compreender a situação ou as situações do país. O
intelectualismo combatido é precisamente esse palavreado oco, vazio, sonoro, sem
relação com a realidade circundante, em que nascemos, crescemos e de que ainda
hoje, em grande parte, nos nutrimos. Temos de nos resguardar deste tipo de
intelectualismo como também de uma posição chamada antitradicionalista, que reduz
o trabalho escolar a meras experiências disso ou daquilo e a que falta o exercício
duro, pesado, do estudo sério, honesto, que resulta uma disciplina intelectual.

Existe uma necessidade premente no ensino, não para atender à lógica do mercado de
trabalho, mas pelo fato de ser um direito do ser humano ter acesso ao conhecimento. Neste
sentido, Saviani (2005, p. 15) comunga com Freire e defende que “a escola existe, pois, para
propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência),
bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber.” Na argumentação de um dos alunos
que tem aproximadamente 50 anos de idade e retorna à escola após mais ou menos 20 anos
para buscar os estudos, quando questionado sobre o papel da escola em sua vida, responde de
forma segura: “Me faz muito bem. Eu me sinto muito bem. Porque a minha escrita melhorou,
a minha leitura cada dia vai melhorando. Eu gosto de eu mesmo me avaliar. Eu acho, de
quando eu entrei, eu melhorei demais da conta.” (Entrevista II – Escola I, p. 7).
A Proposta Político-Pedagógica para o Ensino Fundamental da Eaja do município de
Goiânia (2000) toma como um dos princípios fundamentais a aprendizagem fundamentada
em Freire, enfatizando o conhecimento crítico da realidade e garantindo acesso ao
conhecimento mais elaborado. O texto da proposta traz que a aprendizagem “ocorre na
construção conjunta do conhecimento, sendo educadores/as e educandos/as os seus sujeitos,
18

tendo como ponto de partida os saberes e as necessidades sociais do/a educando/a e como
referencial a mediação pelo/a educador/a” (2000, p. 15). Assim, na exposição dos educadores
sobre esse processo de aprendizagem, muitas vezes há consonância com sua prática, mesmo
que ainda esteja em processo e apresente muitas dificuldades. Por outro lado, levantam
elementos a serem refletidos coletivamente. Na exposição de um professor da área de história,

é muito difícil. Deveria ser muito fácil, pois é partir do senso comum, daquilo para
uma coisa que é o prático do que é sabido para uma coisa que é o saber que está no
livro, sistematizado. Mas é mais fácil falar do que realizar. A minha ação enquanto
docente não é uma ação de mão única no sentido restrito. Eu sempre parto da
realidade do aluno, eu parto do princípio que a realidade na verdade é uma só, é o
que está no livro que ele tem que aprender. Agora, o que eu faço é assim, às vezes o
motivo da minha aula vem deles, se eu vou estudar algum conteúdo, como por
exemplo as capitanias hereditárias, eu não deixo de trabalhar, considero importante
estudar o sistema fundiário do Brasil, estudar as sesmarias. Nós vivemos numa terra
latifundiária e até hoje se fala em reforma agrária, então não tem muito essa
preocupação de primeiro ver o que os alunos pensam para depois.... Considero
importante chegar neles, importante estabelecer essa comunicação, esse é um esforço
que tem de ser feito. Pois você lida com jovens e adultos que carregam esses saberes,
gente que trabalha. Eles sabem muita coisa, então é preciso valorizar esse saber e
garantir que aprendizagem fique mais significativa para ele e esse aluno se liberte do
professor. É isso quando a aprendizagem é significativa, ele se livra de mim. Eu não
quero nenhum escravo. Então qual é a chance de libertar esse aluno tornando os
conteúdos significativos, para não escravizar ele no livro? Mas eu não sou desses
professores que desconsidera o livro, eu sou ‘conteudista’, agora é preciso dizer e
explicar, os conteúdos têm que estar vivos.” (Entrevista II – Escola II, p. 37).

Retomar a discussão de Saviani (2005) acerca do conhecimento sistematizado é


importante. Esse autor aponta que a exigência da apropriação desse referido conhecimento por
parte das novas gerações é que faz necessária a existência da escola. Em sua opinião,
comungando com o educador acima entrevistado, o conteúdo fundamental da escola, além do
aprendizado da leitura e escrita, está no conhecimento dos números, da natureza e da
sociedade.
Freire (1994) assevera, em face da questão dos conteúdos, a necessidade do
compromisso dos educadores na luta incessante pela democratização da sociedade,
demandando, assim, a democratização do espaço escolar. Dessa forma, democratizar a
programação dos conteúdos e da prática do ensino é tomar o curso da história pela mão e não
esperar que haja uma mudança radical na sociedade para viver um processo democrático
dentro da escola.
A liberdade enfocada na entrevista do professor da Escola II é relevante, pois, de
acordo com a proposta político-pedagógica para a Eaja (2000), um dos princípios que
fundamentam a concepção é a identidade dos sujeitos, a qual não está dada, mas será
construída por eles. Nesse sentido, a liberdade é vista como autonomia do ser humano que é
19

sujeito histórico capaz de ser agente em seu tempo. Para Freire (2001, p. 90), a tarefa mais
fundamental, “e cuja compreensão se antecipou em muito ao final deste século, é a tarefa da
libertação.” Esse autor diz ainda para os educadores que estão no início de sua ação criativa
que, nesse início de século, mesmo sabendo que a educação “não vai ser a chave da
transformação do concreto para a recriação, a retomada da liberdade, mesmo que saibam que
não é isso, estejam convencidos da eficácia da prática educativa como elemento fundamental
no processo de resgate da liberdade.” (FREIRE, 2001, p. 91).
Ainda sobre a questão da liberdade, nas expressões dos educandos, o vocábulo
liberdade está implícito nas construções e realizações que o retorno à escola lhes
proporcionou. No seu ato de existir, essa sociedade lhes determina condições concretas de
sobrevivência, embora nos discursos dos educandos os ganhos possibilitados pelo fato de
estar estudando revelam, muitas vezes, maiores possibilidades de trabalho mas, ainda assim,
representam para eles a conquista de sua independência. Conforme o entrevistado da escola II,

Eu comprei minha moto, na época, quando eu era solteiro. Se eu não tivesse estudo
eu não tinha tirado minha carteira de motorista. Já me ajudou. Porque se eu tivesse o
estudo que eu tinha antigamente, eu não tinha facilidade de tirar a minha carteira de
motorista. Pela prova escrita, se fosse em antes, eu não dava conta de fazer a prova
escrita. Prá começar, eu não estudava ainda. Como é que eu ia estudar as placas,
aquele livro todinho, se eu não sabia ler. E aquilo lá eu não ia pegar nada, só ia ver
os desenhos das placas mas não sabia o que significava aquilo. Então já me ajudou a
tirar a carteira de motorista, já melhorou pra mim. Porque, senão, como é que eu ia
ter condição de comprar, porque eu trabalhava em dois serviços, mas não tinha jeito
de eu andar. Como é que eu ia andar sem a carteira de habilitação, sem minha
carta?(...) Em outras coisas, melhorou bastante. Eu já leio as coisas que eu pego,
algum papel do meu serviço eu já posso ler, prá ver se eu posso assinar ou não.
Algum tempo eu mal assinava. A pessoa podia pegar chegar e falar: “assina esse
papel”. E eu não sabia o que era e assinava. Eu já peguei ônibus errado, porque eu
não sabia ler. Chegava no terminal eu tinha que perguntar as pessoas. Muitas das
vezes as pessoas tavam, assim, agitada, porque trabalhou o dia inteiro e não dá nem
moral [atenção] prá você. “Ah, se vira, você que caça aí. Cada um caça o seu”. Então
você vai vendo aquilo, que você precisa de estudar. Senão você depende muito das
pessoas. (Entrevista II – Escola II, p. 32).

O discurso de outra aluna que retornou à escola após mais de vinte anos sem estudar,
que se encontra atualmente na 8ª série, revela o significado da escola e sua contribuição na
construção de sua identidade. Conforme aborda a proposta político-pedagógica para a Eaja
(2000, p. 14), a cidadania é um dos princípios norteadores da concepção, que prevê “o
processo de construção da identidade, bem como a compreensão de seu papel como ser
social.” Nas palavras da trabalhadora-aluna, voltar a estudar:

– Nossa! [enfática] Esse tempo que eu tive parada, parece que eu parei no tempo. E
com meu estudo hoje, mudou muito a minha visão de relacionamento, comunicação,
uma sensibilidade mais no outro lado das coisas. Nas invenções, os pontos de vista,
20

principalmente História, está me ensinando muito. E abrindo mais a visão política,


abriu minha visão mais, principalmente, de direitos. A História está me ajudando
muito. Cada coisa me abre um pouco a visão. Até meu relacionamento com meu
esposo tem aberto mais a visão de entendimento, você passa a ter um entendimento
mais claro das coisas. Você passa ser mais crítico. (Entrevista III – Escola II, p. 41)

Uma educação problematizadora33 implica a exigente prática da reflexão e da crítica,


no espaço para o questionamento, para o exercício dos sujeitos envolvidos no processo de
aprendizagem se posicionarem enquanto seres em constante construção. Assim, Freire (2004,
p. 31) argumenta que
não há, para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade,
entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos
metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a
ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser
curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza.

A discussão da importância da experiência do aluno no processo da aprendizagem, já


mencionada em uma das entrevistas anteriores ou, como explica Saviani (2005), o saber
próprio do senso comum34, é necessário, à medida que esta experiência se faz presente tanto
no documento da SME, como na fala dos educandos/as e dos educadores/as. No entanto,
inicialmente, a proposta é refletir sobre a abordagem da Revista Trabalho & Educação
(jul./dez. – 2007 – vol. 16 nº 2, p. 19), na qual, à luz de Gramsci, em sintonia com Freire, se
afirma:

senso comum ou consciência ingênua não é unilateral, mas produz e apropria


conhecimentos heteronomamente, sem despertar o sentido da autonomia e da
liberdade no ato da apropriação/produção de conhecimentos. Por isso, ao contrário
de conhecimento, o mais coerente é considerar tais apreensões intelectuais como
saberes. O conhecimento se revela, para o senso comum, como produto de um
devenir histórico, sem sujeitos. O “sujeito cognoscente”, que vive no mundo do
senso comum, não se coloca como ator e autor do conhecimento; sua personalidade
se assemelha à passividade do espectador e não de um produtor ativo e contumaz. É
um senso acrítico passivo, que mais se adequa e se submete do que cria, inova e se
liberta.

Dessa forma, o trabalhador–aluno, que é o sujeito em processo de cognição, na sua


luta pela sobrevivência, estabelece relações sociais de trabalho e de produção. Nesse sentido,
esse sujeito é detentor de uma gama de saberes. Por isso, a dinâmica do trabalho torna-se
elemento fundamental no processo educativo. Assim, a proposta político-pedagógica para a
Eaja (2000) percebe a importância de inserir a categoria trabalho no cotidiano da sala de aula.
33
O termo “problematizadora” é utilizado por Freire em Educação como Prática da Liberdade, enfatizando o
exercício fecundo da reflexão dos próprios caminhos de libertação do homem.
34
A esse respeito, Saviani (2005) argumenta que, em grego, três palavras, doxa, sofia e episteme, referem-se ao
fenômeno do conhecimento. Doxa, interesse do momento, significa opinião, isto é, saber próprio do senso
comum, o conhecimento espontâneo ligado diretamente à experiência cotidiana.
21

Inserir a categoria trabalho na compreensão da autonomia do ser em relação à natureza e aos


outros homens.
Isso implica necessariamente em compreender e pensar a escola de maneira
específica, não a partir dela, mas das determinações básicas advindas das relações constituídas
na ação do trabalho. Para Frigotto (2002, p. 18), “trata-se, principalmente, de compreender
que a produção do conhecimento, a formação da consciência crítica tem sua gênese nessas
relações.” Esse autor assevera que é essencial entender que o saber adquirido pelos
trabalhadores se produz no seio das relações sociais já determinadas e por isso é marcada pela
concepção da classe dominante. Isso quer dizer que não se trata de um “saber neutro”.
É nessa perspectiva que a proposta pedagógica para a Eaja concebe a construção do
conhecimento sob a perspectiva dialética, com o objetivo da superação do senso comum,
numa ação educativa transformadora. Na prática da sala de aula, em uma das escolas
pesquisadas, cabe chamar atenção para uma atividade coletiva, a título de ilustração, entre
alunos da 4ª série do primeiro segmento e da 5ª série do segundo segmento, na construção de
uma música com a temática do trabalho. Na fala do professor de história, houve toda uma
discussão com a 5ª série que, posteriormente, cuidou de realizar o debate com os
trabalhadores-alunos do primeiro segmento. Desta interlocução produziram uma canção. Eis a
letra:

Cultura e trabalho35
Todo trabalhador tem conhecimento
Todos fazem cultura
Construindo a nossa nação, a nossa nação!

O trabalho é uma ação que nos engrandece


Quem trabalha, ensina...
Transforma e se fortalece,
Transforma e se fortalece!

A cultura adapta o homem


Ao meio em que vive...
Quem não trabalha vive sonhando
Quem trabalha melhora a vida...
Faz e desfaz, cria e recria a própria vida!

A dinâmica da atividade, inicialmente, teve a preocupação, de acordo com o relato


do referido professor, de diminuir um espaço enorme entre o primeiro e o segundo segmentos.
Assim, os(as) educandos(as) da 5ª série discutiram e encontraram um tema comum aos alunos
35
Música da 5ª série da escola II, como resultado da ação coletiva proposta para o primeiro semestre, a partir de
um diálogo com a primeira fase da Eaja.
22

dos dois segmentos, o trabalho. O debate foi ampliando, sobretudo após a pesquisa proposta
pelo professor com a temática trabalho e cultura. Na seqüência, realizaram o debate com a 4ª
série do primeiro segmento e fizeram a composição, a letra e a melodia.
A letra traz diversos elementos que tornam possível perceber a afinidade com a
concepção de trabalho, educação e cultura na proposta da SME. Aqui não se trata de uma
ação espontânea, mas ação de pesquisa de produção cultural e do entrelaçamento da realidade
dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as) com o processo de aprendizagem. Legitimando uma
outra educação possível, cabe uma reflexão de Mészáros (2005, p. 49), que retoma Gramsci,
enfocando a importância do ser humano na construção de uma outra concepção de mundo:

Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção


intelectual – o Homo faber não pode ser separado do Homo sapiens. Além disso, fora
do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras
palavras, um “filósofo”, um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma
concepção do mundo, tem uma linha consciente de conduta moral, e portanto
contribui para manter ou mudar a concepção do mundo, isto é, para estimular novas
formas de pensamento.

No entanto, partir da experiência do aluno e entrelaçá-la com o conhecimento


sistematizado ou desenvolver a prática da socialização do saber sistematizado, tendo o olhar
voltado para realidade social não é uma tarefa muito fácil. Não seria porque exige uma
formação do mundo do trabalho? Não é pura e simplesmente tomar a experiência do aluno/a,
mas sua existência com sujeito que vive do trabalho. E embora a proposta aponte para a
compreensão da existência do(a) trabalhador(a)-aluno(a) da Eaja noturno, não deixa claros os
princípios e caminhos a serem tomados no sentido de envolver a discussão do trabalho
inserida no debate maior e na concepção do mundo do trabalho. A dificuldade revelada na
fala de um dos educadores entrevistados. O educador da Escola III.

Consolidar ou operacionalizar, mesmo no seu dia a dia, não é muito fácil. É um


processo de aprendizado; é um processo de construção mesmo. Não é uma coisa que
vai se estabelecendo da noite pro dia. A gente fica muito angustiado querendo que as
coisas aconteçam, mas a gente precisa entender que existe um processo de formação.
É você dar alguns passos, prá que, também, a gente não fique, assim, num limbo,
sem avançar. Mas, mesmo nós professores que temos essa convicção aí, mesmo
assim não é muito fácil colocar isso em prática. A gente encontra muita resistência
ainda. Mesmo a gente também tem dificuldade. Porque na realidade essa questão
acontece, mas ela parte muito mais do educador. Nesse momento ela tem partido
muito mais do educador que do próprio aluno. Na realidade, a proposta freireana, por
exemplo, é que o aluno também participe. Mas a gente tem tentado, através de
alguns projetos, ou através das aulas mesmo, ir interferindo nisso, relacionando. É
claro que não acontece todos os dias, o tempo todo. Mas a gente tem tentado fazer
isso. Agora, nem todo mundo tem feito. Tem ainda alguns problemas. Aquela prática
bem tradicional. E eu acho que a gente tem que, também, valorizar algumas coisas
desses profissionais, mas também tem que ir interferindo prá que vá acontecendo a
mudança. Eu quero dizer o seguinte, que o grupo que está aqui é um grupo que, na
23

sua maioria, já vem um tempo caminhando. Então a gente já conseguiu alguns


avanços. Mas ainda existem muitas coisas prá acontecer. Então, dentro da sala de
aula a gente tenta realmente criar esse ambiente de participação, de resgatar a
experiência do aluno, de relacionar com a experiência do aluno. (Entrevista IV, p.
54).

Do ponto de vista do(a) educando(a) da Eaja, a experiência que ele(a) possui é algo
próprio e estanque, ou seja, ele(a) não percebe a importância que esta experiência tem no
processo do conhecer, da aprendizagem. Quando, em uma das entrevistas, foi indagado sobre
a sua experiência de trabalho, se tem contribuído na sua aprendizagem, o trabalhador-aluno,
inicialmente, diz que não, depois lembra-se de uma aula de ciências e o estudo das rochas e
então relata:

A professora tá explicando, eu sei falar com ela. Que aconteceu, sobre aquele
negócio de pedras. Eu falei: olha, professora, eu já trabalhei com esse problema, com
negócio de pedra, negócio de vulcão, que aqui no Brasil não tem vulcão. Que
aquelas pedras granito vêm de vulcão, são vulcânicas. Mas são muitos milhões de
anos pra ficar dura daquele jeito. É uma pedra de vulcão igualzinha. (Entrevista I –
Escola I, p. 3).

Embora o senso comum esteja bastante presente, essa fala remete à reflexão de que a
experiência do aluno não só contribuiu com a aula, como também demonstra possibilidade de
ampliar seu conhecimento sobre o assunto. Nas palavras de Freire (2004, p. 32), “como
manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e
socialmente construída e reconstruída.”
Na voz de outro educando, considerando que quase todos os professores buscam as
experiências dos alunos, o próprio entrevistado, percebe que consegue até aprender mais. São
palavras suas:

Eu tava comentando com o professor de Geografia um dia, sobre lei. Então ele tava
me explicando, eu acho que o que eu falei ele pegou um pouco, e o que ele me expôs
eu achei muito bom, porque eu aprendi mais. Então, tem muito professor lá que tem,
o de Geografia, o de História também gosta de comentar sobre a vida. Porque tem
professor que só fica naquilo de dar a aula dele mesmo. Mas aqui muitos deles,
quase todos, eles não ficam naquilo só de dar aula, mas eles ficam em ensinar algo
que venha a acontecer ao mundo mesmo. Então, dentro da realidade de vida, dentro
daquilo que nós estamos vivendo. Dentro desse acontecimento global, eles não
deixam de falar. (Entrevistado II – Escola II, p. 31).

Esse “aprender mais”, citado pelo entrevistado, pode ser entendido como o início da
superação da consciência ingênua. Para Freire (2004), essa é uma tarefa que exige
compromisso do educador, pois a aquisição da consciência problematizadora não acontece
automaticamente.
24

A avaliação é um elemento intrínseco ao processo pedagógico que também foi citada


nos discursos dos sujeitos da Eaja. A proposta pedagógica de 2000 reafirma o compromisso da
Eaja com a valorização dos sujeitos; portanto, a avaliação deve ser vista pela escola como um
instrumento de inclusão e progressão dos sujeitos. Em outras palavras, a avaliação é uma
ferramenta do processo de aprendizagem.
No campo teórico, nos projetos político-pedagógicos das escolas pesquisadas, foi
comum perceber a sintonia com a proposta da SME. Os textos trouxeram, constantemente, a
preocupação com uma prática avaliativa voltada para a transformação social. Neste sentido,
objetiva a superação do autoritarismo e o estabelecimento de uma maior autonomia do
educando.
Alguns autores são encontrados nos textos das propostas político-pedagógicas,
compondo um suporte teórico da concepção da avaliação. Assim, de acordo com Hoffman
(2000) segue a contramão da visão tradicional, aquela avaliação que propicia oportunidades
de reflexões no processo da aprendizagem, na perspectiva da formação crítica, libertária e
participativa. Para Luckesi (1990), a escola, que finaliza a avaliação na verificação dos
resultados, termina por desconsiderar o processo e marca uma posição estática e definitiva.
Por fim, retomando as idéias da avaliação comprometida com o ensino-
aprendizagem, referenciadas nos textos das escolas, considera-se importante perceber a
prática dos educadores/as e refletir, à luz de Freire (2004, p. 38): “a prática docente crítica,
implicante, do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar
sobre o fazer.”
Para abordar essa prática, faz-se necessário analisar os relatos dos(as) educandos(as)
e também educadores(as) a respeito do processo avaliativo. O educando da escola I, quando
questionado se houve um momento para discussão e acordos sobre a avaliação, diz: “eles
conversam com a gente. Eles combinam tudo com a gente.” Quando questionado sobre
quando recebe a avaliação corrigida, se há espaço para discussão, o entrevistado responde:
“eles pedem prá pessoa melhorar mais” (Entrevista I, p. 3). Pela expressão do educando, não é
possível perceber a existência de um diálogo aberto, muito menos a tentativa de buscar, a
partir do diagnóstico apontado pela avaliação, a possibilidade de rever o conteúdo trabalhado,
o que termina por revelar uma prática autoritária, destoando tanto da proposta político-
pedagógica da escola como da proposta da Eaja/ SME/Goiânia. Na escola II, o educando
informou, ao responder sobre a avaliação em sua sala: “as avaliações, prá mim, eu não tenho
nada que reclamar. Nós temos oportunidade de discutir com os professores. Se nós acharmos
que uma nota não é realmente aquela, nós podemos discutir.” (Entrevista III, p. 35). O
25

educando da escola III, sobre o mesmo tema, relatou: “Desde o começo, aqui, teve essa
conversa sobre a avaliação; as provas, trabalhos, sobre as médias foi tudo conversado”
(Entrevistado IV, p. 61)
No geral, nas respostas dos alunos(as) entrevistados(as) acerca da discussão da
avaliação, foi possível perceber certa dificuldade por parte de alguns educadores(as) em
articular o processo avaliativo de forma democrática, como prevê a proposta. No discurso de
um dos educadores também é transparente essa questão, “As perspectivas de avaliação, elas
ainda são muito convencionais, é um paradoxo. A proposta da Eaja é muito clara no sentido
de uma avaliação mais amorosa e acolhedora e a gente tem tentado.” (Entrevista III – Escola
II, p. 42).
Diante desse contexto, percebe-se, em graus variados, que a avaliação é um elemento
de tensão presente nas três escolas pesquisadas. Mas, de uma forma geral, em todas está
caracterizada a dificuldade em estabelecer uma articulação de qualidade no processo de
avaliação, sobretudo no que diz respeito ao avanço/reclassificação 36. Nesse sentido, pretende-
se retomar esses elementos no capítulo que se segue, que visa a refletir sobre aspectos de
tensões presentes nas escolas e revelados nos discursos dos sujeitos da Eaja noturno.
A proposta político-pedagógica da SME (2000) focaliza a cultura como parte
integrante do processo de formação. Em seu texto, a cultura, numa perspectiva antropológica,
é compreendida como elemento presente nas relações estabelecidas. Dessa forma, a escola
precisa incorporar em suas atividades, de forma ampliada, a cultura.
As três escolas demonstraram preocupação com as atividades culturais em seus
projetos pedagógicos, bem como em seus planejamentos. Uma coordenadora relata que as
atividades culturais têm propiciado aos alunos o gosto pela poesia, pela música, pelo cinema,
além de instigar a criatividade do aluno. Explica, também, que essas atividades têm
contribuído na complementação das horas previstas na carga horária37 na proposta. Conforme

36
A proposta político-pedagógica da Eaja (2000), com a preocupação de entender as condições inviáveis no
cumprimento rigoroso, por parte do educando(a), das 800 horas e 200 dias letivos, deu o primeiro passo a
partir da Resolução N. 001, de 16 dezembro de 1998 e da Resolução N. 003, art. 3º, inciso III, de 13 de janeiro
de 1999, do Conselho Municipal de Educação de Goiânia(CME), de acordo com o disposto na LDB/96, na
perspectiva de possibilitar ao educando(a) ser matriculado(a), sem documentação de transferência, em
qualquer momento do ano letivo, sem prejuízo à sua escolarização, bem como ser promovido de uma série
escolar para outra. “O que se propõe é o respeito às individualidades e, portanto, o avanço/reclassificação só
serão efetivados para educandos(as) que, de fato, demonstrarem o desenvolvimento e a aprendizagem
previstos no processo educativo proposto pela SME, incluindo elementos que vão além da simples aquisição
de conteúdos.” (2000, p. 19).
37
Conforme a proposta político-pedagógica da Eaja noturno (2000), tendo como prioridade o atendimento à
especificidade do aluno do Eaja noturno a carga horária do 2º segmento segue a seguinte determinação: 200
dias letivos, 800 horas divididos em 700 presenciais e 100 complementares, com jornada diária de 3 horas e
30 minutos.
26

seu discurso, “o professor acompanha os alunos nas atividades, como viagens, passeios,
visitas a museus, e todas as atividades estão ligadas ao conteúdo trabalhado.” (Entrevista III –
Escola II, p. 42).
Para os(as) educandos(as), a experiência com atividades envolvendo a cultura traz
sempre algo novo. O reconhecimento de espaços que fizeram parte de sua história contribuem
para ampliar o conhecimento e, ainda, impulsionar a criatividade e a desinibição. Numa visita
ao planetário, um educando relatou: “Muito bom. Eu vi coisa que eu nunca tinha visto na
minha vida. Eu vi o céu perto de mim, coisa muito bonita.” (Entrevistado III - Escola I, p. 26).
Ainda da escola I, o educando diz: “Lá no Memorial do Cerrado, que eu já conhecia, eu já
vivi aquilo: eu morava na roça. O engenho, aqueles negócios de fazer farinha, aquelas casas
velhas, recordei tudo. Aquele negócio de fazer rapadura” (Entrevistado I, p. 3).
Uma outra atividade cultural realizada, pela escola II, proposta pela professora de
português, representou grande significado para os educandos. Um deles relata: “Já fiz uma
apresentação na frente, no microfone, que nunca tinha feito na minha vida. Era um poema que
me deram pra eu ler. Nossa! Adorei esse poema.” Na escola III, uma visita ao Museu de Arte,
foi relatado pelo entrevistado: “Muitas coisas que eu não sabia, a professora explicou. Gosto
de ir em lugar que tem cultura, quadro, eu gosto de reparar, porque eu gosto de desenhar. A
professora de artes estava lá. E eu fiz uma caricatura dela e dei pra ela.” (Entrevista II, p. 74).
A escola III tem desenvolvido atividades esportivas, as quais têm envolvido diversos
alunos e, na visão destes entrevistados, os jogos também podem ajudar no desenvolvimento
intelectual. No discurso do educando, “a nossa quinta série foi campeã. Eu participei de [jogo
de] dama, e eu fui campeão. Tô desenvolvendo a mente.” (Entrevistada IV, p. 78).
A cultura faz parte do processo criativo do homem; ele é um ser de cultura. Dessa
forma, as escolas, embora com algumas dificuldades, têm possibilitado as atividades culturais
e têm buscado, de forma mais ampla, integrá-la ao currículo. Manacorda (2007, p. 114)
assevera que o lugar que Marx reserva

ao tempo livre e atividades culturais extra-escolares na formação do homem; esse


reino da liberdade é o reino das vocações individuais, das atividades desinteressadas,
não imediatamente produtivas, que são, para Marx, parte integrante do ser humano e,
portanto, da sua formação ou educação.

Sendo a cultura a marca da existência humana, ela deve ser parte integrante do
processo educativo. Para Freire (2004), a escola assume um sentido radical ao possibilitar e
não desprezar o respeito pela identidade cultural dos educandos(as). Essa é uma tarefa de um
processo educacional crítico.
27

É preciso somar um outro elemento ligado à cultura, a saber, o espaço da biblioteca,


aqui entendida como fonte de registros formais das manifestações culturais em sentido amplo,
abrangendo os conhecimentos históricos e científicos sistematizados ao longo do tempo. As
três escolas possuem bibliotecas organizadas, com uma razoável estrutura. É possível
perceber o esforço de alguns professores em propiciar ações que permitam a autonomia do
educando(a) e o gosto pela leitura.
Na opinião da professora de português da escola I, a biblioteca dessa escola possui
um bom acervo, com revistas atualizadas e livros para pesquisa. Essa professora tem dado
ênfase à leitura, pois percebe uma grande dificuldade e falta de interesse por parte dos
alunos(as) no ato de ler. Ao longo do ano, ela reserva pelo menos uma semana a cada mês
para a sala de leitura. Em seu relato, “os alunos ficam bem à vontade para escolher as leituras.
Depois discutimos sobre o que leram e peço a eles que façam uma produção de texto. O
objetivo maior é estimular o gosto pela leitura.” (Entrevista III, p. 23) Entretanto, ainda não é
possível observar as ações de pesquisa e leitura na biblioteca de forma profícua e elaborada
coletivamente nos planejamentos ou projetos interdisciplinares.
Conforme registrado anteriormente, as escolas pesquisadas apresentam dificuldades
em realizar as atividades culturais, embora se perceba um grande empenho de todas. Por meio
das observações, foi possível visualizar que a dificuldade está, também, na relação das
atividades culturais com os conteúdos das áreas do conhecimento. Há, de certa forma,
preocupação com a cultura.
Em algumas reuniões de planejamento, foi possível observar duas discussões: a
primeira abordou o levantamento de temas culturais que traduziam a velha prática de
desenvolver atividades relacionadas as datas comemorativas. A segunda discussão objetivou a
superação dessa prática, buscando inclusive a cultura afinada com a história da vida dos
educandos(as). Entretanto, não foi possível perceber a sistematização dos estudos e das
atividades culturais e seu entrelaçamento aos conteúdos programáticos das várias áreas de
conhecimento. Como entrelaçar a cultura com o trabalhador-aluno? Como concretizar a visão
de cultura como produto dialético do trabalho, conforme aponta a proposta?
Por último, é preciso retomar a referência feita, no capítulo anterior, sobre o artigo
“Estudo de Caso da Eaja da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (2007).” Esse
estudo de caso centrou-se em dois eixos. Por hora, a referência necessária será no eixo do
28

financiamento, pois esse eixo traz a discussão da chegada do recurso na escola e um programa
inovador, denominado “Estudar Sem Fome”38, implementado a partir de 2001.
Este programa, na opinião dos alunos, possibilitou melhores condições de estudo e
até mesmo determina a permanência de muitos até o final das aulas. Para um dos
trabalhadores-alunos, que mora em uma cidade do interior próxima a Goiânia, e trabalha dia
sim, dia não como vigilante, no relato de sua rotina, o jantar é fundamental:

Essa é a minha rotina. Acordo quatro e meia, saio de lá de casa cinco e quinze pra
chegar no meu serviço sete horas. Saio do meu trabalho e venho direto para escola.
Aqui eu janto uma janta muito boa. Se não fosse essa janta... não sei se conseguiria
ficar até o fim da aula.Tenho que sair daqui às 22 horas e vou chegar em casa quase
meia noite. (Entrevistado III – Escola I, p. 26).

Uma educanda da escola II, também sobre o jantar, diz: “Nossa! Essa janta é minha
salvação. Eu venho direto do trabalho para cá. Ela que me deixa firme para estudar.”
(Entrevistada IV, p. 52) Nas três escolas, no momento de receber o lanche, nas filas, os
alunos, de forma significativa, apontam o jantar como uma ação de respeito ao aluno
trabalhador, principalmente pelo o horário em que é servido.
De acordo com uma das merendeiras, o horário é flexível. Começam a servir às
18h30 e vai até às 20h. No relato dessa servidora, “Perder a janta ... Tem gente que perde o
ônibus e liga ‘Olha, fala pra tia guardar minha janta’. Essa semana teve uma menina que
chegou e falou: ‘Olha, fulano disse que é pra você guardar a janta, que ele tá vindo. É que ele
perdeu o ônibus” (Entrevista V - Escola III, p. 82). Essa merendeira revelou ainda que há
alguns alunos(as) que, não raro, chegam atrasados. Elas, então, guardam alguns pratos prontos
para serem servidos posteriormente.
Questionando as servidoras da cozinha sobre a experiência vivenciada do lanche e do
jantar, elas afirmam que, para os alunos, é indiscutível o valor do jantar. A entrevistada da
escola I revela:

Bom, antes, quando não tinha a janta, eles falavam assim “Ah, a gente tem que ir
embora mais cedo, por que a gente tá com fome. Canjica, arroz doce, isso pra gente
não tem nada a ver”. Eles trabalham o dia todo e chegam com fome. Eles falavam
que até se tivesse uma janta, “a gente poderia até ficar mais tranqüilo pra estudar”.
Porque diz que barriga vazia não tem como raciocinar. (...) Tem muitas pessoas que
não têm condições de comprar um lanche, né. É a realidade desses alunos. A
realidade deles é muito difícil, né. Têm pessoas que não tem dinheiro, às vezes, nem
pra pagar ônibus. Às vezes não tem dinheiro nem pra almoçar! Acaba almoçando e
jantando aqui. (Entrevistada VII, p. 31).

38
Esse programa foi “concebido no Departamento de Alimentação Escolar (DAE) e no Fundo Municipal de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (FMMDE), visando a alterar a merenda do noturno, que passou a
ser um jantar, servido todas as noites, no início da aula.
29

Pensando na especificidade dos sujeitos trabalhadores-alunos da Eaja, turno noturno,


essa ação revela afinidade com a concepção registrada na proposta político-pedagógica
(2000), uma vez que percebe a especificidade do aluno trabalhador e preocupa-se não só com
o acesso, mas com a permanência e a continuidade em seu processo de aprendizagem.
Os discursos dos sujeitos da Eaja trouxeram inúmeras experiências, as quais
revelaram a história de vida de muitos, a importância da escola, a relação dela com o seu
trabalho, enfim, com a sua vida. Foi possível perceber o esforço dos professores em buscar,
de maneira séria, cumprir a proposta pedagógica, realizar de forma coletiva um trabalho de
qualidade e na perspectiva de estar assegurando ao trabalhador-aluno condições de
aprendizagem com dignidade e com o olhar voltado para a emancipação.
Mas eles mesmos revelaram dificuldades que, somadas às observações realizadas de
algumas aulas, nos encontros para planejamento, nos corredores e intervalos das aulas
também contribuíram e desvelaram tensões presentes e que acabam por dificultar ou até
mesmo mudar o curso do trabalho proposto ou programado. E mais, é possível perceber que,
na práxis de alguns educadores(as), existe uma contradição latente, pois não conseguem
concretizar a contento nas turmas da Eaja noturno, a abordagem freireana, conforme anuncia a
proposta.
Por outro lado, torna-se necessário enxergar que a formação obtida por esses
educadores(as), tanto na graduação, nas instituições universitárias, como nos cursos
oferecidos pelas secretarias, com caráter de formação continuada, tem sido insuficiente.
Insuficiente, no sentido de não possibilitar, ainda, a esses educadores(as), a construção
epistemológica voltada especificamente para essa modalidade de ensino. Tampouco
promovem a consciência política e crítica, o que seria adquirir condições reais de romper com
uma educação a serviço exclusivo da concepção capitalista. Essa situação termina por
sustentar ora a reprodução dessa sociedade, ora a crítica expressa, e aponta novas
possibilidades.
O tempo exíguo para os estudos, a freqüência irregular à escola, os baixos salários e
o cansaço de uma jornada diária de trabalho são fatores apresentados pela realidade social
imposta aos trabalhadores-alunos. Será necessário, também, retomar essas questões externas à
escola que interferem no processo de aprendizagem.
Nesse sentido, o capítulo III pretende focar as tensões e analisar de forma mais
verticalizada a questão social e pedagógica, as relações pessoais e alguns elementos da infra-
estrutura.
30
CAPÍTULO III
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DO TRABALHADOR(A)-
ALUNO(A)

É preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma


maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este
trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade,
participar ativamente na produção da história do mundo, ser guia
de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a
marca da própria personalidade.
- GRAMSCI -

3.1 Escola: espaço de encontro, construção de conhecimento e de conflito social

Os sujeitos envolvidos no projeto de formação da Educação de Adolescentes Jovens


e Adultos/Eaja de Goiânia têm vivenciado inúmeros conflitos no quotidiano escolar. As
marcas da exploração do mercado de trabalho imposta a esses alunos são visíveis nas suas
expressões, gestos e atitudes. Ao dialogar com esses alunos, é possível perceber o quanto a
questão social do atual contexto capitalista tem interferido em seu processo ensino-
aprendizagem. Nas palavras de um entrevistado, responsável por um setor de confecção de
roupas:

“É porque, assim, lá no meu serviço é muito puxado. (...) Começou a produzir mais.
Aí eu chego estressado em casa. Chego aqui no colégio e fico estressadinho, não
consigo ficar dentro da sala de aula, escutar o professor falando. Eu fico agoniado.
Sei lá, fico sem saber. Porque lá [trabalho] eu sou o responsável, né. É pesado e eu é
que sou o responsável. Daí se for alguma coisa errada, quem é que toma sou eu, né.
Mesmo, assim, se foi o outro que fez, quem é o responsável sou eu. (Entrevistado III
– Escola I, p. 13).

Esse é um exemplo típico dos conflitos que os sujeitos do processo ensino-


aprendizagem têm enfrentado. Os baixos salários, as difíceis condições de trabalho a
exaustiva carga horária ou a busca por inserção e permanência no mercado de trabalho
impõem a esses alunos uma dura realidade. Esse mesmo entrevistado, quando aborda sobre a
questão da jornada de trabalho, revela que “tem vez que o meu patrão obriga a gente a fazer
hora extra. Aí tem que ficar até mais tarde e às vezes eu não venho à aula por causa do
serviço.” (Entrevistado III – Escola I, p. 13).
Quanto às atividades propostas em sala de aula, a dificuldade em realizá-las é citada
constantemente pelos(as) alunos(as) e, mais uma vez, figura a questão do tempo
1

disponibilizado ao trabalho, em detrimento dos estudos. Na expressão de um trabalhador-


aluno, quando questionado sobre atividades de pesquisa, responde:
Nós pesquisamos. Eles [professores] dá oportunidade da gente pesquisar, dá tempo
pra gente pesquisar. Às vezes a correria do trabalho, que a gente tem, as obrigações
nossas, tem que ir pro trabalho, tem também um tempo pros filhos em casa que às
vezes o tempo que eles dão pra gente acaba sendo pouco pra nós.(Escola I-
Entrevistado II, p. 5)

Nesse sentido, os(as) educadores(as) vivenciam a realidade da presença inconstante


dos alunos da Eaja. Conviver com essa situação, por exemplo, alunos que estão na escola e às
vezes não conseguem permanecer na sala de aula; alunos que não conseguem realizar as
atividades, exige uma reflexão contínua por parte do coletivo dos sujeitos, sobretudo do corpo
docente. Porém, nem sempre há espaço para essa reflexão coletiva, tomando, muitas vezes,
caminhos isolados e, por isso, pouco profícuos. Na argumentação de um educador, este
aponta a dificuldade em manter o recurso do planejamento

a gente tem, aqui (...) garantido, a duras penas, essa instância que é o Planejamento
(...) ela tem garantido alguns projetos coletivos, algumas ações, garantido algum
padrão de continuidade das ações (...). Também é a única, porque os chamados
horários de estudo, ele não se configura como uma coisa que você possa dizer assim:
oh, isso também tá institucionalizado. E que é aproveitado. Porque no horário de
estudo ele é muito individualizado, cada um fica fazendo uma coisa. (Escola II –
Entrevista II, p. 56).

O texto da proposta (2000, p. 23) assinala: “a garantia do horário de estudo semanal


se dá de formas diferenciadas quanto ao número de turmas, suscitando, cada forma, um
procedimento diferenciado para se organizar o coletivo de professores”. Enfatiza, ainda, que é
responsabilidade de cada um(a) dos(as) educadores(as) tanto as ações individuais quanto as
coletivas. Conforme afirmação do entrevistado, há conflito entre o projeto da Eaja e o estudo,
bem como entre a tentativa do trabalho coletivo e a prática individualizada do(a) professor(a).
Dessa forma, existe uma distância entre o pretendido e o realizado.
Investigando junto às secretárias das escolas pesquisadas, elas noticiaram a enorme
quantidade de faltas dos alunos do turno noturno. Informaram, também, que muitos
freqüentam aproximadamente quatro meses de aula, interrompem os estudos e, depois, antes
do fim do ano, retornam. Às vezes ficam dois meses fora e, quando voltam, a escola precisa
encontrar formas de acolhê-los para que organizem suas vidas escolares. É possível perceber
o esforço da escola em valorizar o retorno desses alunos e, ainda, no sentido de criar um
espaço favorável para que os alunos continuem estudando. Conforme o discurso de um dos
diretores:
2

eu acho, no meu ponto de vista, que esse é o grande desafio da Eaja. Muito mais que
o aluno voltar pra escola, é conseguir que o aluno permaneça na escola. (...) Estamos
sempre propondo: vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, vamos ligar para os alunos,
vamos mandar carta, enfim, sempre tentando criar mecanismos, assim, pra diminuir
esse índice de faltas dos alunos. (Entrevistado I – Escola III, p. 45).

É possível refletir, a partir dos depoimentos dos alunos, que há uma difícil e
complexa realidade, com a qual a educação é obrigada a conviver, expressa na escolha
política do país. Conforme Silva (2005, p. 104), “o Brasil tem feito [opções] nos últimos anos.
Essas opções são, na grande maioria, em desfavor dos trabalhadores e seus filhos.” Os
trabalhadores, no curso da história desse país, estiveram sempre subordinados às demandas do
capital e, assim, o modelo desumanizante da política dominante impõe que o tempo destinado
ao trabalho representa a maior parte da vida de homens e mulheres da classe trabalhadora.
Na atual ordem neoliberal, o capital manifesta-se em crise considerada, na visão de
Antunes, estrutural, que trazendo sérias conseqüências para sociedade contemporânea, pois

destrói-se força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se


enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do trabalho; torna-se
predatória a relação produção/natureza, criando-se uma monumental “sociedade do
descartável”, que joga fora tudo que serviu como “embalagem” para as mercadorias
e o seu sistema, mantendo-se, entretanto, o circuito reprodutivo do capital. (2002, p.
38).

Na visão de Frigotto (2001), a sociedade capitalista revela-se contra a humanidade. A


eliminação dos direitos sociais, conquistados ao longo da história pela classe trabalhadora,
representa mais uma marca deste contexto.
As escolas da Eaja têm vivido as contradições impostas por esse contexto: por um
lado, os alunos chegam nos espaços escolares impregnados da realidade social do trabalho
desfigurado e desumano e, por outro, a proposta da SME traz a concepção de trabalho no
sentido amplo, apontando para a importância de perceber a atividade laboral, numa relação
dialética , indicando transformação tanto do sujeito quanto do objeto. Assim,

é por meio do trabalho que o homem constrói historicamente a si e à sua existência


material e transcende o âmbito da necessidade natural em direção à liberdade,
liberdade compreendida como autonomia do ser em relação à natureza. Essa
autonomia pressupõe, entretanto, horizontalidade na relação do ser humano com seus
semelhantes, ou seja, uma relação dialógica, livre dos processos de dominação e
verticalização, pois do contrário o homem será reduzido à mera condição de natureza
e inibido no seu processo de construção histórica pelo trabalho. (GOIÂNIA, 2000, p.
17).

Na expressão de uma das educadoras, é possível perceber a dificuldade concreta de


conciliar a educação com o(a) trabalhador(a)-aluno(a): “temos tentado envolver os alunos
3

trabalhadores, mas é muito difícil, pois nem sempre podemos ouvi-los e nem sempre é
possível buscar temas significativos para estes alunos, pois não podemos deixar de trabalhar
os conteúdos previstos e necessário para eles.” (Escola III – Entrevistado I, p. 78). Na
argumentação desta professora, a preocupação em desenvolver o conteúdo previamente
estabelecido, dificulta perceber que promover a educação na perspectiva de uma integração
com o mundo do trabalho exige uma árdua e constante reflexão teórica e prática.
A preocupação com os conteúdos é comumente enfatizada pelos(as) educadores(as),
o que é importante, pois subentende propiciar ao(a) aluno(a) o direito ao conhecimento
sistematizado. No entanto, faz-se necessário ampliar a discussão do sentido do conteúdo para
os(as) trabalhadores(as)-alunos(as) e explicitá-la na proposta da Eaja. Para Ramos (2005, p.
107),

apreender o sentido dos conteúdos de ensino implica reconhecê-los como


conhecimentos construídos historicamente e que se constituem, para o trabalhador,
em pressupostos a partir dos quais se podem construir novos conhecimentos no
processo de investigação e compreensão do real.

Neste sentido, é preciso reconhecer que a proposta (2000) já aponta para a concepção
de perceber homens e mulheres como sujeitos históricos, capazes de agir sobre sua realidade e
transformá-la; porém, na referida proposta, não há clareza quanto à construção do
conhecimento imbricada com a realidade do mundo do trabalho. Não é visível, no registro
teórico na proposta da Eaja, e tampouco na prática desenvolvida pela maioria dos
profissionais nas salas de aula.
Assim, o depoimento, a seguir de uma professora da escola III, aponta a contradição
mencionada, o que revela que a própria perspectiva teórica da proposta, aborda de forma
superficial a discussão da categoria trabalho. Conforme a referida proposta (2000, p. 17), “o/a
educando/a da Eaja é um/a aluno/a trabalhador/a ou [alguém] em vias de se inserir no mundo
do trabalho; portanto, a categoria trabalho deve estar presente no cotidiano escolar da Eaja.”.
Entretanto, a simples constatação da existência dos(as) trabalhadores(as) na sala de aula não
traz, de fato, a discussão do mundo do trabalho. O discurso de um dos educadores revela a
ausência desta discussão de forma mais específica: “tem, eu acho, que do ponto de vista de
proposta tem [preocupação com o trabalho]. Embora ainda não está bem claro como voltar,
especificamente para o aluno trabalhador” (Escola II – Entrevista II, p. 48). Torna-se
importante refletir de forma mais aprofundada tomando como foco o trabalho como princípio
educativo, na perspectiva da superação da dicotomia trabalho manual/ trabalho intelectual.
Esta visão de educação envolvida no mundo do trabalho, é para Ciavatta (2005, p. 85) “a idéia
4

de formação integrada [que] sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão
social do trabalho entre a ação de executar e ação de pensar, dirigir ou planejar.”
Ainda é necessário trazer alguns discursos dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as), pois,
quando questinados(as) sobre a interferência da aprendizagem construída na escola em seu
trabalho, o primeiro revela:

Com certeza se eu fosse expert em Matemática o meu desenvolvimento mais rápido


lá nas máquinas em que eu trabalho seria melhor. Porque cortar peça, dar desconto,
medir e multiplicar é necessário e fundamental no meu trabalho. Medir produto,
porcentagem é necessário saber isso. Mesmo que eu tendo doze anos de profissão, eu
tenho uma facilidade já nisso, né. Lá eu tenho que dar desconto de milímetros,
porcentagem de produtos etc. Porque eu fiz três cursos de pintura de móveis, então
eu tenho essa facilidade de aprender. Um na Sailar, outro na Melaninas e outro na
Luxtol. Então isso pra mim desenvolvia mais nessa parte. (Escola III – Entrevistado
I, p. 79).

Embora o aluno tenha afirmado “com certeza”, ele termina por informar que a
aprendizagem relacionada com o seu trabalho foi adquirida nos três cursos que fez pelas
citadas empresas. Este depoimento enfatiza a reflexão da dicotomia histórica
educação/trabalho. O depoimento do aluno da Escola II, 17 anos, atendente de uma empresa,
quando questionado sobre a relação de sua aprendizagem com o trabalho, relata: “(...) se eu
não tivesse um tipo de linguagem um pouco mais formal, que se passa aqui nas aulas de
Português, eu não conseguiria falar, não conseguiria atender as pessoas.” (Escola II –
Entrevistado II, p. 52).
No discurso da professora de Português, considera uma contribuição pequena, no
sentido da relação com o trabalho “alguns pedem ajuda quando eles vão prestar um concurso.
Igual aconteceu agora, que teve na rede municipal, (...) é uma regra, uma coisa ou alguma
dúvida que eles têm (…) mas é em função do concurso.” (Escola I – Entrevista IV, p. 36). O
trabalhador-aluno da Escola I, em seu depoimento sobre a relação aprendizagem e seu
trabalho, é enfático: “Com meu trabalho lá? Não, não tem, não” (Escola I – Entrevistado II, p.
16). Este aluno é gerente de um setor em uma confecção. Por último, outro aluno, da Escola
II, revela:

tem me ajudado e muito, até na minha escrita, por que eu tenho alguns erros de
português, tenho um problema de dicção, (...) Tanto, até que, quando eu comecei a
estudar, a buscar meus objetivos, minhas metas, passou o ano eu estudando, no
próximo ano, que é esse, eu consegui o emprego, viu? (Escola II – Entrevista IV, p.
54).

Os depoimentos tornam evidente a contradição vivenciada na prática das salas da


Eaja. Revelam que muito ainda será necessário compreender sobre o mundo do trabalho para,
5

de fato, realizar uma práxis que possa construir uma educação comprometida com os sujeitos
e não com a lógica do capital.
A relação entre capitalismo e educação tem-se pautado pela verticalização do
primeiro para com o segundo. Para Mészáros (2005), a lógica do capital e seu impacto na
educação é latente, pois à escola cabe o papel da reprodução da sociedade. Por outro lado,
sabe-se que a transformação da sociedade também é função de uma prática educacional que
exige mudanças. Dessa forma, os(as) educadores(as) que têm demonstrado compromisso
social e trabalham com uma proposta que objetiva uma outra sociedade, em que a relação
humana desenvolva-se de forma, de fato, que os homens sejam sujeitos de sua história, estão
rotineiramente enfrentando essa realidade adversa. É possível perceber que esses(as)
educadores(as) vivem o conflito do compromisso social almejado e, muitas vezes, a
impotência na concretização satisfatória desse compromisso. Duarte (1993) discute que não
cabe mais a preocupação de afirmar a educação com caráter político. Em sua opinião, já existe
uma consolidação difundida, nesse sentido, no meio educacional. No entanto, em sua opinião,
é necessário passar do anunciado para a prática. Conforme seu registro,

é preciso ultrapassar a constatação inicial de que há uma dicotomia entre a teoria


proclamada e a prática realizada, indo às raízes do problema que estão na vinculação
da prática a uma determinada concepção de mundo, mediada por uma concepção
pedagógica, que é, de fato, aquela teoria que guia a prática. (1993, p. 11).

Nessa perspectiva, os discursos dos sujeitos envolvidos no processo ensino-


aprendizagem da Eaja apresentam-se de forma explícita, na voz de uns, e implícita, na de
outros, sintonizados com a proposta da SME. No entanto, na exposição de uma das
coordenadoras pedagógicas, quando se refere ao estudo da proposta e da prática desta
proposta, ela afirma: “alguns, não 100%, isso realmente não acontece.” (Escola I – Entrevista
I, p. 12).
O que demonstraria, basicamente, para o(a) trabalhador(a)-aluno(a), a concretização
da proposta seria a possibilidade da comunicação de seu mundo com o mundo do
conhecimento, ou seja, sentir-se participante da construção do conhecimento; sentir-se sujeito
histórico. Nesse sentido, é possível perceber no discurso desses alunos a tensão de não se
sentirem reconhecidos pelos(as) educadores(as). Esse discurso demonstra, implicitamente,
que não há um vínculo de suas experiências sociais com o conhecimento apresentado, o que
torna o processo de construção do conhecimento, não raro, alheio e sem significado para esse
aluno, ou seja, reproduz a pedagogia tradicional. Tanto é que o aluno, com tantos problemas
6

no trabalho, não consegue ficar em sala de aula, como se pode constatar no depoimento do
aluno.
Um dos entrevistados, de 26 anos, fala de sua dificuldade em matemática: “tenho me
esforçado mais em matemática e a gente fica até nervoso, assim, sei lá, parece que não entra
na minha cabeça. Ela tá longe de mim” (Escola III – Entrevista I, p. 1). Esse mesmo aluno
revelou que trabalha em uma firma de fabricação de armários e durante, todo tempo, em seu
trabalho, lida com porcentagens, medidas, multiplicações, divisões. Este discurso traz a
reflexão sobre a real distância da matemática e a vida deste trabalhador-aluno. A distância não
estaria, especificamente, na aula de matemática? Quando foi questionado sobre a aula da
professora de matemática e a possibilidade desta, propor algum vínculo da experiência do
aluno com a aula, ele responde sem rodeios: “não, ela não, a professora de matemática, ela é
muito, assim, ela dá sua aula, entendeu? Ela dá sua aula, ensina, ensina super bem, mas ela
não mistura muito com a gente não.” (Escola III – Entrevistado I, p. 2).
Na voz da professora de matemática, quando questionada sobre a importância da
experiência do(a) aluno(a) no processo aprendizagem e se sua ação pedagógica levava em
conta esta experiência, ela diz: “ainda não consegui fazer isso, pois o aluno não traz nada, ele
vem sem conhecimento, como vou partir de sua experiência?” Percebe-se certo
distanciamento da postura da professora em relação à vivência do aluno, o que demonstra,
também, um distanciamento da pedagogia freireana.
Uma outra entrevista demonstra o conflito estabelecido na sala de aula quando o(a)
educador(a) não consegue colocar em prática a teoria da educação como processo dialético,
dialógico e histórico e, portanto, capaz de envolver os alunos na construção do conhecimento.
De acordo com Freire (1980, p.39), “insistamos em que o homem, para fazer a história, tem
de haver captado os temas. Do contrário, a história o arrasta, em lugar de ele fazê-la.” Na voz
deste aluno, a aula de geografia lhe parece estranha,

isso, não tem nada a ver. Aí eu acho esquisito, né. Porque ele deveria pelo menos
falar assim: olha, hoje nós vamos estudar e falar sobre isso, isso e isso; hoje a aula
vai ser disso daqui. Aí chegar e começar a explicar. Mas não fala, aí a gente fica até
com cara de bobo assim: mas do que é que ele tá falando mesmo? Aí, tem hora que a
gente até faz uma piadinha assim: professor, isso é de comer ou é de passar no
cabelo? Aí ele fica sem reação também, porque ele fala cada nome estranho! (Escola
III – Entrevista III, 14).

Para entender os temas é preciso torná-los significativos, próximos, para não correr o
risco de um estranhamento. No discurso de um dos educadores da área de história, ele revela
que esse resgate da experiência do aluno tem partido muito mais do educador do que do
próprio aluno. Ele argumenta que, na visão freireana, o aluno deve ser partícipe no processo
7

da construção da aprendizagem. Em sua opinião, isso ainda está muito distante, mas percebe o
quanto o aluno se sente bem quando sua experiência é valorizada, quando ele é convidado,
instigado a expor sua vivência como sujeito que está presente e na difícil busca de ser, nessa
sociedade. Assim,
ele gosta muito disso [valorização de sua experiência], mas ele também quer
perceber ganhos. Ele quer aprender coisas novas também, não é? Então a gente
precisa também estar atento. Por isso que a discussão do currículo é fundamental. De
como construir esse currículo no Eaja é fundamental, porque esse aluno da Eaja
também está buscando uma qualificação. Não só qualificação para o mercado de
trabalho, mas também uma formação intelectual, que foi historicamente negada a ele.
(Escola III – Entrevista II, p. 47).

Pelo discurso de outro entrevistado, um aluno, é perceptível uma certa consonância


com a preocupação levantada, acima, pelo professor. Em sua opinião, “o que a gente vive lá
fora também faz efeito aqui dentro (...). A pessoa não tem só que saber quanto é dois mais
dois, a escola tem que ensinar mais, tem que ajudar no trabalho” (Escola III – Entrevista II, p.
41).
É possível interpretar que esse “efeito” expresso pelo aluno é toda a situação social
imposta a esse aluno, sobretudo uma situação de incerteza, pois esse aluno tem dezessete
anos, é vendedor ambulante e carrega uma situação de precariedade no atual mundo do
trabalho: ora vende uma fruta de época, ora produto cosmético ou pede dinheiro para comprar
uma marmita. Esse mesmo trabalhador-aluno, quando solicitado a opinar sobre a atuação dos
professores no processo do ensino-aprendizagem, expressa: “Não adianta. Eu tenho que saber
o quê que é aquilo. E também não adianta ele ficar batendo naquela mesma tecla. Ele tem que
saber onde o aluno tá errado.” (Escola III – Entrevista II, p. 42) O entrevistado expressa,
sutilmente, que é necessário o aluno saber o que está aprendendo, qual o significado dessa
aprendizagem para a sua vida.
Outro elemento presente na argumentação do professor citado anteriormente remete
a um debate colocado hoje nacionalmente sobre o currículo da EJA, embora esse não seja o
foco desse texto. Torna-se importante registrar que esse tema é hoje ponto de pauta dos
grandes encontros em que a EJA tem sido discutida. Inclusive, esse ano está inserido nos pré-
debates da “VI Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA)”39, que

39
Conferência Internacional de Educação de Adultos do francês “Conférence Internationale de Éducation des
Adultes,” por isso a sigla CONFINTEA. Convocada e coordenada pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), esse encontro intergovernamental tem como objetivo possibilitar o
diálogo e a avaliação das políticas de educação e aprendizagens de jovens e adultos na esfera internacional. De
acordo com IRELAND “A I CONFINTEA aconteceu em Elsinore, Dinamarca, em 1949,, e foi marcada pelo
espírito de reconstrução do pós-guerra. Desde então, a cada 10 anos aproximadamente, especialistas e gestores
de políticas educacionais reúnem-se para avaliar iniciativas e tendências, fixando diretrizes para Unesco e
8

ocorrerá no Brasil, em 2009. O Brasil tem discutido sobre um Documento Base Nacional
(2008), que traz a seguinte preocupação com a temática do currículo para EJA:

um currículo para a EJA não pode ser previamente definido, se não passar pela
mediação com os estudantes e seus saberes, e com a prática de seus professores, o
que vai além do regulamentado, do consagrado, do sistematizado em referências do
ensino fundamental e do ensino médio, para reconhecer e legitimar currículos
praticados. Reconfigurar currículos é tarefa de diálogo entre especialistas,
professores e até mesmo de estudantes. Não é desafio individual, mas coletivo, de
gestão democrática, que exige pensar mais do que uma intervenção específica: exige
projeto político-pedagógico para a escola de EJA como comunidade de
trabalho/aprendizagem em rede, em que a diversidade da sociedade esteja presente.
(2008, p. 4).

Dessa forma, esse tema citado pelo educador já faz eco como discussão nacional.
Pensando especificamente na Eaja, na rede municipal de Goiânia, vale ressaltar que existe
uma discussão no Grupo de Trabalho de Currículo (GT-Currículo)40, proposto pela SME, que
tem desenvolvido algumas discussões acerca do currículo, mas, ainda assim, muita discussão
e construção coletiva será necessária, conforme aponta o Documento Base Nacional. Discutir
currículo significa romper com uma prática espontaneísta e estanque de realizar o trabalho
pedagógico. É preciso reconhecer o conteúdo e reconfigurá-lo, como propõe o referido
documento. E esse é um desafio e uma oportunidade estratégica para o educador ou educadora
crítica. Na argumentação de Freire (1994, p. 112),

enquanto objetos de conhecimento os conteúdos se devem entregar à curiosidade


cognoscitiva de professores e alunos. (...) Enquanto objetos de conhecimento eles
não podem ser ensinados, apreendidos, aprendidos, conhecidos, de tal maneira que
escapem a implicações político-ideológicas a ser também aprendidas pelos sujeitos
cognoscente. Mais uma vez a ‘leitura de mundo’ em dinâmica relação com o
conhecimento da palavra-tema, do conteúdo, do objeto cognoscível, se impõe.

O tema cultura, previsto na proposta político-pedagógico (2000), integra de forma


significativa a realidade do(a) aluno(a) e, portanto, é necessário que ela, assim como a
experiência do aluno, seja parte do processo de construção do conhecimento desenvolvido na
escola. Nas entrevistas com alguns alunos, embora eles avaliem como ótimas as ações

recomendações aos países.” (2003, p. 3). A VI CONFINTEA, tem como tema: Brasil – Educação e
Aprendizagens de Jovens e Adultos ao Longo da Vida. O Brasil será sede em maio de 2009. Será a primeira
vez que esta Conferência acontece num país do hemisfério sul. Em preparação à VI CONFINTEA serão
realizados encontros Estaduais, Regionais e Nacional. Esses encontros terão por objetivo discutir, implementar
e fortalecer a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no país.
40
Essa é uma formação institucional promovida pela SME sob a Coordenação Geral do Departamento
Pedagógico/centro de formação dos Profissionais da Educação/Divisão de Educação Fundamental de
Adolescentes, Jovens e Adultos - implantada pela atual gestão 2005/2008. A carga horária do curso é de 100
horas, oferecem 60 vagas para os professores regentes que atuam na Eaja. Autorizado por meio da Resolução
nº 046/2007 do Conselho Municipal de Educação/CME. Fonte: Relatório Final do Curso – GTE: O trabalho
pedagógico na Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos – Eaja – 2ª Edição – Goiânia – dezembro/2007.
9

culturais desenvolvidas na escola, observou-se que esse elemento aponta alguns limites. Há
dificuldades em se desenvolver um trabalho coletivo e interdisciplinar, bem como inserir na
práxis a concepção de cultura registrada na proposta político-pedagógica (2000, p. 17):
“cultura entendida como produto dialético do trabalho, é o mundo modificado pelo homem,
que se descobre agente transformador da realidade.”
A tensão colocada nessa situação, em que a cultura é entendida como produto
dialético, é revelador para os(as) educadores(as) que nem sempre se percebem como
produtores de educação e cultura. Com essa consciência, o caminho a ser trilhado seria aquele
de elaborar estratégias críticas em que a tônica fosse a transformação do próprio contexto em
que estão inseridos. Para Gramsci (1989, p. 13),

criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas
‘originais’; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já
descobertas, ‘socializá-las’ por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de
ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral.

Dessa forma, retomar o conflito de conceber a cultura como conhecimento e


possibilidade de transformação social somente reforça que as tensões trazidas do mundo do
trabalho pelos(as) alunos(as), envolvem-se com outros conflitos, vivenciados internamente na
escola. Ao mesmo tempo, também são determinados pela mesma sociedade capitalista, que
impõe a divisão constante, como, afirma Gorz (1980), dos trabalhadores entre si; do universo
da produção e da cultura; educação e produção; alunos e trabalhadores.
Diante dessa realidade, faz-se necessário buscar alternativas e apontar respostas que,
necessariamente, devem ser coletivas, no sentido de unir o que a lógica capitalista separou.
Assim, o debate do conhecimento trazido pela proposta político-pedagógica (2000) indica
para a necessidade de uma ação pedagógica totalizante a partir da concepção de conhecimento
que traga a interdisciplinaridade, criando condições para o desenvolvimento do intercâmbio
de qualidade entre ciência e contexto.
O trabalho coletivo é um meio possível de concretização de um projeto
interdisciplinar visto por alguns profissionais da educação como imprescindível. Na
argumentação de um educador: “eu não vejo outra saída, acho que a prática é importante na
sala de aula, mas também a discussão. A construção desse processo coletivo é muito
importante” (Escola III – Entrevista II, p. 47). De acordo com esse educador, o aluno também
irá aprender a vivenciar a educação nessa concepção de construção integral. Se ele se sentir
parceiro, irá percebendo e construindo autonomia e sentindo-se sujeito no processo.
10

Nas observações dos planejamentos e discussões, no coletivo dos(as) professores(as),


percebe-se tentativas em construir projetos interdisciplinares, aliás, é quase pauta permanente
nas reuniões. De fato, algumas atividades acontecem com essa característica; no entanto,
ainda existe grande dificuldade em concretizá-la. Conforme afirma uma coordenadora:
nós tentamos fazer isso. Mas nós temos dificuldade de fazer esse trabalho
interdisciplinar. Por exemplo,quando a gente discute os objetivos no planejamento
quinzenal, a gente tenta ver como que a gente pode puxar essa interdisciplinaridade.
(Escola III – Entrevista V, p. 52).

Está exposição é comumente ouvida por outros profissionais nas escolas. A


concretização da interdisciplinaridade não é simples. Conforme aborda Barbosa (2006), a
interdisciplinaridade propõe romper com a prática estanque das disciplinas. Em sua opinião,
as expressões da vida, individuais ou coletivas, são interdisciplinares e históricas. Portanto,
um conhecimento interdisciplinar pressupõe tomar consciência da realidade concreta. Para
Barbosa (2006, p. 47), “é preciso que se entenda o conhecimento interdisciplinar não como
criação, invenção da consciência, mas como descoberta através da práxis social, do
movimento contraditório da realidade histórica.”
Romper com essa prática individualizada, em que tradicionalmente as áreas de
conhecimento vêm sendo configuradas, consiste uma tarefa árdua exigindo, não raramente,
momentos de debate no coletivo dos(as) educadores(as), na perspectiva de criar terreno fértil
para o desenvolvimento da interdisciplinaridade no cotidiano da escola.
A interdisciplinaridade pressupõe um diálogo constante entre os(as) educadores(as)
de cada área, tornando-se um desafio à cultura dominante, que se pauta no individualismo, no
tecnicismo e na especialização no campo da educação. Desta forma, a interdisciplinaridade
propõe uma formação integral contrapondo-se à atual tendência fragmentada do mundo
capitalista.
Alguns educadores revelaram que a prática cotidiana da sala impõe muitos desafios
como, por exemplo, o número de alunos com dificuldades iniciais na leitura, escrita e
matemática ser considerável, sobretudo na 5ª série. Estes(as) educadores(as) apostam no
trabalho coletivo para buscar a soluções para essa questão. Mas, ao tentar realizar, na prática,
percebem a dificuldade de articulação entre as áreas de conhecimento. Em resumo, ora
conseguem uma articulação no trabalho e avançam no processo, ora não conseguem
ultrapassar o planejamento. Para Duarte (1993), para que a teoria crítica consiga avançar rumo
à prática, faz-se necessário que os(as) educadores(as) avancem além dos fundamentos
filosóficos da teoria. Na visão desse autor, a impressão que se tem é que a teoria já está tão
11

consolidada e em condições de ir ao concreto. Duarte (1993, p. 12),

confunde-se os fundamentos de uma teoria com o todo dessa teoria e o movimento


de passagem desses fundamentos para prática se realiza através de grandes saltos e
de um movimento de constante oscilação entre esses dois pólos, na busca de se
encontrar as relações entre ambos. (...) É preciso reconhecer que, por vezes, esse
movimento oscilatório acaba gerando alguns resultados positivos, na medida em que
se consegue elaborar alguns elementos teóricos mediadores, mas mesmo nesses
casos não se extrai toda riqueza desses resultados positivos, pelo fato de não existir
um corpo teórico que os incorpore e os desenvolva.

Nesse sentido, a formação de professores, na perspectiva humanizadora da pedagogia


freireana, faz-se essencial.

3.1.1 A Formação de Professores

A formação de professores apresenta-se como uma área de conflito, à medida que se


torna transparente a dificuldade de alguns professores(as) em realizar a práxis da proposta
político-pedagógica da Eaja, período noturno. Na exposição do mesmo professor
anteriormente citado, há uma importância na discussão coletiva para pensar o trabalho em sala
de aula:

acho que a Eaja, tem que parar mais pra discutir a formação, a formação mesmo do
educador. A concepção de educação, a discussão do próprio Eaja, o conhecimento do
Eaja. Eu acho que tem que se parar mais pra se fazer isso. Eu acho que o retrocesso,
nessas últimas administrações foi exatamente isso. Infelizmente, nem todos os
profissionais valorizam a formação. Eu, por exemplo, participo de um GT, do Ensino
Noturno, que eu acho que é muito legal, muito importante a gente discutir o Eaja.
Muitas coisas que a gente discute podem ser aplicadas em sala de aula. Muitas
experiências que a gente ouve podem ser aplicadas dentro da sala de aula. Então eu
acho que a formação, ela tem que acontecer. E como ela não pode acontecer pra
todos, tem que se criar espaços de discussão sobre o Eaja. Eu acho que tem que se
regionalizar41 isso. Eu defendo a regionalização das discussões. Por exemplo, as
escolas dessa regional terem um tempo pra se encontrarem (...) trocar experiência e
discutir teorias. (Escola III – Entrevista II, p. 48).

Assim afirma o professor, esse tipo de formação não é para todos os professores.
Uma pequena parcela que utiliza o horário de estudo determinado na escola compõe o grupo
de trabalho. Esta realidade aponta uma necessidade premente de avançar nesse processo de
formação. De acordo com a expressão do professor, a necessidade de discutir teorias no
coletivo dos professores é uma questão que termina configurando-se como tensão, pois nas
argumentações de muitos(as) educadores(as) a teoria é desnecessária, o importante é fazer.
41
Quando o professor propõe regionalizar as discussões, ele está referindo-se à estrutura estabelecida na RME
em que as 156 escolas estão subdividas em cinco Unidades Regionais de Educação/UREs, que exercem um
papel de coordenação e acompanhamento pedagógico às escolas.
12

Conforme pondera Nosella (2002), o período da ditadura militar, com as prisões,


censura, impôs um vão teórico que foi bastante propagado entre os educadores, o que de certa
forma contribuiu, entre outros determinantes, para o desenvolvimento da visão ideológica do
capital humano e a reprodução do sistema capitalista. Nesse sentido, na concepção de Nosella
(2002, p. 28), “o aprofundamento teórico constitui uma verdadeira necessidade da luta de
resistência; por isso também, o avanço e a socialização da teoria são penosos e demorados.”
Ainda sobre a formação dos(as) educadores(as), no discurso de outro educador, este
argumenta que a formação dos alunos do noturno tem que ter consonância com a sua
realidade, tem que estar vivo. Para ele, o professor tem que estar muito envolvido com a
temática a ser trabalhada. Em sua opinião, a chance de os trabalhadores-alunos alcançarem a
autonomia passa pela possibilidade dos educadores/as buscarem cumprir, de fato, a concepção
emancipadora da proposta da SME. Na sua práxis, tornar os conteúdos significativos, para os
sujeitos da Eaja, no entanto, para este entrevistado, esse(a) professor(a) tem que refletir e
estudar, e isso para ele demanda

formação, demanda interesse, demanda um nível de politização que muitos


professores não têm. Então, é como diz o Djavan lá[na música], o cara não tem,
como é que ele vai ter pra dar? Então, muita gente não tem! Como é que você vai
fazer? Ele não tem! (Escola II – Entrevista I, p. 8).

Se a educação, enquanto significado político, como aborda Saviani (2005), tem a


função de socializar o conhecimento, cabe ao educador(a) um nível de consciência política,
conforme aponta a última entrevista. Essa conscientização supõe uma autocrítica que deve se
abrir para intervenção de uma consciência que não separa política, filosofia e conhecimento.
Na visão de Gramsci (1989, p. 21), “a consciência de fazer parte de uma determinada força
hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva
autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam.” Nesse sentido, a formação a
ser desenvolvida para os educadores da EJA no Brasil, sobretudo para Eaja, deverá ser
pensada a partir dessa concepção crítica e consciente de enxergar o mundo.
Para que o(a) educador(a) tenha condições de realizar sua práxis com o objetivo de
desvelar a sociedade e possibilitar caminhos para que o(as) educandos(as) consigam
conquistar também essa consciência, faz-se necessário que os(as) educadores(as) percebam,
conforme propõe Gramsci (1989), o caráter dos dois aspectos do conhecimento, o técnico e o
político, de forma dialética. Para Lukács (1974), é grande a importância da atuação do(a)
educador(a) quando este(a), no processo de construção do conhecimento, principalmente com
os(as) trabalhadores(as), possibilita trabalhar as idéias e promover a consciência da realidade.
13

Buscar esta realidade de forma crítica é um desafio para os(as) educadores(as), pois a
reflexão contínua de seu trabalho é imprescindível na medida em que, conforme aponta
Landini e Monfredini (2005, p. 64), este trabalho “pode ou não aprofundar os processos de
desumanização, negando, portanto, a possibilidade de formação humana no sentido de sua
generacidade, ou, ao contrário, propiciando a realização dos sujeitos na sua generacidade.”
Neste sentido, a formação de professores(as) para Eaja deve se identificar com um projeto de
educação em que a formação humana seja norteadora e que esses mesmos professores(as) se
percebam integrantes deste processo de formação, ou seja, assumam uma postura mais ativa
frente às iniciativas de formação e orientações advindas das instâncias superiores. Conforme
argumenta Machado (2001, p. 121),

na definição de parâmetros nacionais curriculares, no estabelecimento de processos


avaliativos do sistema de ensino, em qualquer um dos níveis, na implantação de
novos recursos tecnológicos, falta participação efetiva dos professores que são
imediatamente atingidos por essas medidas.

Faz-se necessário pensar sobre a importância de o(a) educador(a) também se sentir


importante e valorizado. Embora seja histórica a luta pela valorização da carreira do
professor, esta é relevante no atual contexto. Assim, se o(a) professor(a) se sentir valorizado,
também saberá passar esse valor para os(as) educando(as).
Refletir sobre os espaços dedicados à formação dos(das) educadores(as) é outro
aspecto importante na medida em que também indica um tensionamento, pois o caráter da
formação institucional nem sempre aponta para um estudo específico da Eaja e pouco se
propõe a voltar-se para a discussão teórica presente na proposta político-pedagógica da SME.
Os vários cursos de licenciatura das universidades que preparam inicialmente
esses(as) professores(as) também não possuem em seus programas oportunidade de uma
formação específica para EJA. Aliás, historicamente, desde o regime militar, não existe uma
preocupação séria no sentido de possibilitar uma formação acadêmica para os profissionais de
educação como um todo e que contemple uma articulação reflexiva, teoria e prática, exigindo
ensino e pesquisa.
Cabe, ainda, salientar que ocorreu um movimento sério no sentido de denunciar e
criticar as reformas universitárias impostas no período da ditadura militar e apostou-se que a
LDB/1996 trouxesse avanço na formação dos profissionais da educação, mas, ao contrário, há
ações no sentido de desenvolver a formação inicial desses referidos profissionais com menos
qualificação, deixando essa formação a cargo das várias instituições de ensino superior, que
não têm demonstrado preocupação e seriedade no aspecto do ensino e pesquisa. Conforme
14

argumenta Brzezinski (2002, p. 13), “a legislação permite interpretar equivocadamente que o


professor é um profissional da prática, como se esta requeresse apenas transmissão de
conteúdos e não produção de saberes por meio de severo processo de investigação.”
Recentemente uma pesquisa (ver resumo, anexo II) de mestrado trouxe a
preocupação com a formação específica dos educadores/as da Eaja/Goiânia, verticalizando
para os “saberes dos professores da Eaja”. A pesquisa aponta que essa formação específica
traz implícita a necessidade do reconhecimento da EJA como campo de conhecimento e, de
forma mais direta, essa formação consiste em possibilitar ao trabalhador da educação uma
abrangência de seus conhecimentos, com a compreensão da sociedade, da cultura e,
sobretudo, da dimensão política de seu trabalho, para perceber que sua prática exige pesquisa
e reflexão constante. O interesse de buscar uma formação significativa para a EJA não
apresenta, conforme aponta Santos (2007, p. 65),

ingenuidade de pensar que ela dá conta, de imediato, da solução de todas as


dificuldades e impasses que possam emergir da prática, mas que ela amplia a
capacidade de pensar sobre essas dificuldades e impasses e de encontrar o melhor
caminho para superá-los.

Enfim, no processo de construção e concretização da concepção crítica de educação,


é preciso fomentar uma constante ação e reflexão na própria especificidade do processo
educativo. Todas essas tensões aglutinam elementos externos e internos da escola, além de
trazerem também os conflitos advindos das relações desenvolvidas no interior do espaço
escolar, o que será abordado a seguir.

3.1.2 Relações de Classe no Espaço da Escola

Há tensões propiciadas pela reprodução das relações de classe no interior da escola.


Dessa forma, as ações de muitos profissionais da educação terminam por estabelecer relações
de poder sobre os(as) educandos(as). Embora esta relação não seja explícita, uma vez que
tende perpetuar a ideologia dominante, esta ideologia é resultado desta sociedade histórica e
da luta de classes. Esta ideologia também esconde as relações de poder estabelecidas nas
instituições escolares. Na visão de Chauí (2006, p. 37), “a ideologia tem a peculiaridade de
fundar a separação entre as idéias dominantes e os indivíduos dominantes, de sorte a impedir
a percepção de um império dos homens sobre os homens, graças a figura neutra do império
das idéias.” Neste sentido, a relação de domínio por parte dos professores ainda é muito
presente nas escolas que foram pesquisadas, ora de forma sutil, ora explícita.
15

A importância da relação educador(a) e educando(a) está bastante presente no


processo educacional e, inclusive, figura na proposta pedagógica da SME. De acordo com a
proposta político-pedagógica (2000), educadores(as) e educandos(as) são sujeitos do processo
educativo e, em uma relação dialógica, a construção do conhecimento acontece e o(a)
educador(a) é o mediador, pois possibilita condições necessárias para tal. Para Freire (2004, p.
143), “o educador progressista precisa estar convencido como de suas conseqüências é o de
ser o seu trabalho uma especificidade humana.”
Conhecer e reconhecer os sujeitos envolvidos na educação é propor uma
reconstrução horizontal da prática pedagógica. Conforme Freire (2005), tal prática passa pela
relação dialógica em lugar da supremacia do poder de um sobre o outro.
A educação, nesta ótica, supõe o respeito pelo sujeito em processo educativo. Nesse
respeito cabem desde o compromisso no ato pedagógico, como as condições propiciadas para
a referida ação. Estas condições significam estabelecer um diálogo respeitoso e autêntico e
também ter um olhar sobre a escola, percebendo-a como espaço de encontro entre as pessoas.
Entretanto, no discurso de um dos alunos, referindo-se, especificamente a uma das
professoras, explica: “Por que ela passa, assim, as coisas lá que não têm nada a ver. Aí, se
você não tá sabendo, ela briga, dá má resposta” (Escola III – Entrevista II, p. 25).
Na entrevista com este aluno, questionou-se se ele teve oportunidade de dialogar com
a referida professora. Ele respondeu: “Pra você ter uma idéia, quando a gente passa perto dela,
assim [no corredor da escola]. Ela é professora pra nós, só dentro da sala. Saiu lá da sala, se
você passar perto e disser assim: oi, professora, ela vira o rosto e finge que nem te conhece,
por que ela é muito severa.” Na opinião de Freire (2004, p. 141) “não é certo, sobretudo do
ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio,
mais distante e ‘cinzento’ me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos objetos
cognoscíveis que devo ensinar.”
Nesta mesma escola, o discurso de outra educanda e as observações realizadas nas
três escolas possibilitaram uma reflexão mais aprofunda sobre o tema em questão. Refere-se à
postura de alguns educadores(as) que demonstram certo alheamento para com os alunos, tanto
na ação pedagógica como para com a escola como um todo, o que é possível perceber
explicita e implicitamente nos discursos, bem como nas expressões e atitudes observadas nos
espaços escolares. Conforme expressa a aluna,

a professora (...) mesmo, na hora que ela entra na sala, ela fica assim: “ah, mas essa
aula hoje tá demorando demais”, e fica olhando no relógio. E fica doida pra sair da
sala de aula, e não quer dar a aula direito, quando falta cinco minutos pra acabar a
16

aula, ela pega os livros, sai da sala e vai esperar o sinal lá na porta da outra sala,
esperando o outro professor. (Escola III – Entrevista III, p. 30).

Embora o discurso não mencione esse alheamento, a impressão marcante é a


distância dessa educadora para com o processo educativo, que passa para os alunos um
sentimento de descaso e descompromisso com a escola. Na argumentação de outro aluno, é
possível enxergar outro elemento, o conhecer e o reconhecer o aluno. Em suas palavras:

ela parece que não dá moral pra ninguém. Um dia ela parou assim e perguntou quem
era esse tal [dizendo o nome do aluno]…[e o aluno respondeu:] A senhora não
conhece o [dizendo o nome dele], não? [a professora responde:] Não, não conheço o
[repetiu o nome do aluno]. [o aluno reponde a ela com indignação] Então tá. (Escola
I – Entrevista I, p. 1).

A argumentação de um dos alunos entrevistados da Escola III revela também sua


preocupação com o tema da relação professor e aluno. Em sua opinião, essa relação é
importante para acontecer a aprendizagem,

porque o aluno tem que participar, ele tem que ter um contato com o professor
direto. O aluno não pode ser só aluno e o professor ser só professor. A gente tem que
ser amigo, entendeu? A gente tem que conhecer o outro. Por que não adianta o
professor querer ensinar o trem pra mim e eu olhar pra cara dele e ficar grilado com
a cara dele porque ele é o professor chato que só chega[e diz]: não, cala a boca, todo
mundo sentado e copia porque eu tô copiando. (Escola III, Entrevista II, p. 42).

Na Escola II, outro depoimento indica a dificuldade na relação com um dos


educadores. O educando opina como deveria ocorrer essa relação. Em seu discurso,

a relação com os professores é boa a não ser com o professor (...). É boa também, só
que ele é muito, vamos resumir, é egocêntrico, entendeu? Ele é o certo e pronto. Ele
não aceita opiniões alheias à matéria dele, entendeu? Então eu acho que o professor
tem que ter uma amizade com o aluno. Porque nenhum professor é superior ao aluno.
Ás vezes o aluno sabe coisas que o professor não sabe. E o professor, claro, sabe
coisas que o aluno não sabe. Ele [o aluno] tá lá pra aprender. Mas, eu acho, as
pessoas tem que dar um espaço, sabe, pra ouvir. (Escola II – Entrevista II, p. 16).

Esse perfil de relação, nos depoimentos dos(as) educandos(as), é a expressão de um


posicionamento autoritário, que não contribui para a formação do indivíduo autônomo, capaz
de se inserir na sociedade como um crítico e propositor de outra realidade social, em que
homens e mulheres conquistem, de fato, um espaço mais humanizante. Tampoco contribui
para que esses(as) educandos(as) gostem de estar na escola e sintam motivação na árdua
tarefa de construir a aprendizagem. Na opinião de Freire (2004, p. 141), o professor necessita
ser tomado, também, por um outro saber, “o de que [é] preciso estar aberto ao gosto de querer
17

bem, às vezes, à coragem de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que
participo”.
Duarte (1993) aponta uma outra necessidade premente na atividade educativa na
amplitude da referida relação professor/aluno. Na opinião deste autor, para que o(a)
educador(a) possa entender este(a) aluno(a) em sua concreticidade, faz-se necessário pensar o
concreto de forma madura na complexidade, pois a concreticidade não se apresenta de forma
automática ao acontecer o contato entre o(a) educador(a) e o(a) educando(a).
Nas palavras de Duarte (1993, p. 15), “além do mais, conhecer a concreticidade do
indivíduo não se limita, para o caso da atividade educativa, ao conhecimento do que o
indivíduo é, mas também ao conhecimento do que ele pode vir-a-ser.” Em outras palavras, a
reflexão trazida pelo autor situa a relação professor e aluno em um projeto maior que é a
consciência histórica do ser sujeito no âmbito social. Na visão gramsciana, o “devir” assenta
nas transformações das relações sociais, ou seja, nas relações sociais, também, os homens vão
se constituindo como humanos no processo da objetividade e da intersubjetividade. Na
argumentação de Gramsci (1989), a interação entre as pessoas é determinante no “devir”
humano.
Esse desafio da interação deve contribuir para a construção de possibilidades em que
a escola seja um espaço vivo de troca de experiências, em que o desenvolvimento humano
aconteça exatamente no campo da interação, proporcionado por uma visão teórica, na qual as
vivências sócio-culturais permeiem o processo ensino-aprendizagem. No depoimento de uma
educadora da Escola III sobre o relacionamento com os(as) alunos(as), ela responde:

Meu relacionamento com eles depende muito do aluno, depende da cabeça do aluno,
depende do objetivo dele aqui. O aluno que está aqui pra estudar, que quer aprender,
ele não tem problema nenhum. Porque ele sabe que eu tô aqui pra ensinar, que eu
tenho competência pro ensino, que eu me interesso. Agora, os alunos que não quer
nada com nada, que vem aqui só pra ficar fumando, namorando, andando pelos
corredores, que quer ficar indo pra quadra [de esportes], esses alunos eles não
gostam, não gostam de jeito nenhum. Por quê? Porque eu não sou de ficar deixando
sair, entendeu? Então, esses alunos não aceitam, não gostam. (Entrevista I, p. 87).

A relação entre professor(a) e aluno(a), no ensino tradicional, é de dominação; é uma


postura de classe e esta se expressa no cotidiano, como se constata nos depoimentos. Percebe-
se que a proposta escrita da Eaja muitas vezes não se realiza na prática. As relações sociais de
professores e alunos, ainda, apresentam-se, por parte dos professores/as, como exercício de
poder da ideologia dominante. A postura do professor no exercício da dominação é o reflexo
da sociedade constituída em classes antagônicas.
18

3.1.3 Conflito de Gerações

Alguns discursos de educandos(as), de alguns profissionais e, sobretudo, as


observações realizadas em sala de aula, pátios e outros espaços da escola, possibilitaram
visualizar a tensão presente devido à diferença etária dos alunos da Eaja.
Conforme o gráfico três, capítulo II, que traz a faixa etária dos alunos da Eaja das
três escolas pesquisadas, constata-se uma variação desde menos de 18 até mais de 48 anos de
idade. Estes alunos encontram-se espalhados pelas salas de 5ª a 8ª séries. E embora muitos
digam que possuem um bom relacionamento com os colegas, no cotidiano da escola foi
possível perceber os conflitos e as dificuldades reais dos(as) educadores(as) em trabalhar essa
diversidade no interior da sala de aula.
Uma aluna, 37 anos, estudante da 6ª série, quando questionada sobre o
relacionamento com os colegas, diz: “Tenho. Não com todos. Tem muitos que não compensa
você ter relacionamento, que só sai abobrinha da cabeça e você não muda. Então é melhor
você nem discutir, você deixa pra lá.” Em seguida, quando foi questionada sobre a
diversidade etária e se tem dificuldade em lidar com essa situação, responde:

Não com todos. Eu não tenho uma dificuldade porque eu não converso muito com
eles. E a cabeça do jovem pra nossa é muito diferente, você entendeu. Porque a
maioria não quer nada com nada. Vai ali mesmo só pra dizer que tá indo ou tá indo
porque o pai falou pra ir. Tá se sentindo pressionado. Eles não tão ali pelo mesmo
objetivo que eu estou, eles não tão preocupado, entendeu? Ah, tá nem aí não, sai da
sala de aula. Não tá nem um pouquinho preocupado em aprender, você entendeu? Eu
não, eu tô preocupada em resgata o que eu perdi. Eles não, pra eles, eles não tão
perdendo nada. (Escola II – Entrevista I, p. 9).

No discurso da aluna e nas atitudes na sala de aula, com os colegas mais jovens já
existe, de antemão, uma opinião formada sobre os jovens que, em sua opinião, não querem
nada e estão ali para “atrapalhar”. Foi possível observar algumas agressões verbais tanto por
parte dos jovens para com os adultos, como dos adultos para com os jovens.
A dificuldade de alguns professores(as) em lidar com a situação também foi visível.
No processo ensino-aprendizagem, o(a) educador(a) tem que se desdobrar entre o
acompanhamento do jovem e do adulto, sobretudo daqueles acima de 40 anos de idade, que
apresentam tempo diferenciado na construção da aprendizagem de alguns temas, ou seja,
necessitam de um tempo maior para aprendizagem do que os jovens e adolescentes. Na
observação em sala de aula, alguns educando(as) com mais idade solicitam mais a presença
dos(as) educadores(as) em suas carteiras.
19

Percebe-se, no exemplo citado, uma visão estereotipada da aluna, ou seja, o senso


comum presente na sociedade, imputando quase sempre valores negativos aos jovens em
comparação com uma geração anterior. Mesmo com suas peculiaridades, os jovens estão
inseridos na disputa social e buscam a sobrevivência da mesma forma que os adultos e idosos.
São todos trabalhadores, ou em busca de trabalho, vivendo a “sociedade da incerteza”,
conforme discute Ciavatta (2007). O autor Carrano (2007, p. 6), em seus estudos, comunga
com Ciavatta, apontando a tensão social e o jovem. Em sua opinião,

a trajetória de busca e inserção no mundo do trabalho dos jovens, especialmente os


das famílias mais pobres, é incerta - labiríntica -, ou seja, estes ocupam as ofertas de
trabalho disponíveis que, precárias e desprotegidas em sua maioria, permitem pouca
ou nenhuma possibilidade de iniciar ou progredir numa carreira profissional. A
informalidade é crescente à medida que se desce nos estratos de renda e consumo do
beneficiário do emprego. O aumento da escolaridade, em geral, coincide com
maiores chances de conseguir empregos formais, algo decisivo para os jovens.

Uma das causas do tensionamento dentro da sala, entre os colegas, está no


preconceito de que o jovem não quer nada, conforme aponta o discurso da aluna. No entanto,
de acordo com os estudos de Carrano (2007), os jovens trabalhadores também estão em busca
de condições reais para sua existência. Dessa forma, todos estão na mesma situação e há,
portanto, a possibilidade de trabalharem de forma produtiva e conjuntamente no âmbito
escolar, apesar das peculiaridades de cada um. A dificuldade em relacionar as diferentes
gerações está no próprio conflito da disparidade etária. Na fala da coordenadora de uma das
escolas, ela comenta sobre a dificuldade com a heterogeneidade, explicitando que o jovem
também quer aprender, mas ele tem características próprias do ser jovem que terminam por
comprometer o bom andamento do processo educacional,

existe problema, sim. É a razão do adolescente e do jovem. Por que o aluno idoso, a
pessoa idosa, ele tá aqui mesmo pra tentar buscar aquilo que ele perdeu. Então ele
vem com toda a seriedade para estudar, por que ele está querendo mesmo aprender.
E, de repente, o jovem ele vem com a intenção de aprender, mas a questão das
brincadeiras. Surgem as brincadeiras, que às vezes são de mal gosto para o idoso,
que não fica tão satisfeito, quanto eles gostam de brincar. E, às vezes, a gente tem
que interferir. Tanto a coordenação de turno, quanto a coordenação pedagógica. (...)
A gente chama esse jovem, tenta conscientizar que ele está aqui, que ele saiu do
trabalho, de uma jornada de trabalho do dia todo, (...) Por que tem o aluno que vem
com conversa, que gosta de dar indireta, né. E os idosos não gostam. E a gente tenta
minimizar o máximo possível pra que todos tenham aproveitamento durante a aula.
O professor também procura conversar com o aluno, ou então direciona ele pra
coordenação e a gente tenta conversar. (Escola II – Entrevista III, p. 14).

Outro depoimento, de um aluno com 36 anos, também expressa as dificuldades em


conviver com as brincadeiras dos mais jovens e argumenta sobre o problema de trabalhar em
grupo, pois,
20

o problema é que o pessoal lá, não sei, tem muito rapaz novo (...) nós éramos três,
assim, mais velho.(...) Os outros muito jovem, eles leva as coisa muito na
brincadeira. Aí, muitos lá, quer escorar nas costa da gente, eles quer só que a gente
faz e coloca os nome deles. Então, eu não gosto muito, não. Gosto de fazer eu só
mesmo, errado ou certo, eu faço é sozinho mesmo. ( Escola II – Entrevista I, p. 27).

Percebe-se dificuldade de comunicação entre as gerações, levando ao isolamento e à


alienação quanto ao fato de que várias faixas etárias pertencem a esse segmento.
Muitos entrevistados argumentaram, no entanto, que é possível aprender muito com
o colega, pois aprendem a ouvir e a dialogar. Consideram que é uma atividade importante que
a escola desenvolve. Na voz dessa entrevistada, é um “espaço pra expressar sua opinião, pra
ouvir também. Às vezes você tá expressando uma coisa assim, tá achando que é certo, que é
da sua maneira, e você ouve a opinião de seu colega e você fala: não, é verdade, você tem
razão.” (Escola III – Entrevista I, p. 49).
Dentre as entrevistas com os professores, sobre essa questão das idades variadas dos
alunos, muitos disseram que têm conseguido trabalhar a situação democraticamente, às vezes
com o auxílio da coordenação de turno e da coordenação pedagógica. Outros disseram que se
tornam um fator que por vezes desestabiliza o trabalho pedagógico. O depoimento mais
significante é dessa professora da Escola III, que enxerga como um problema que precisa ser
enfrentado, mas que ela, particularmente, prefere não enfrentar:

nós temos os alunos mais velhos com muitas dificuldades na aprendizagem, temos
que dar atenção a eles, mas tem os mais jovens que você quer dar aula e o aluno não
tá acostumado a estudar [enfática], ele não tá acostumado a fazer tarefa. Então a
gente… acaba que você é obrigado a tá entrando, como se diz, entrando na deles. Por
que se não, você fica, tipo assim, antipatizada, você é a chata, você é a ruim. (...) É
muito difícil [voz embargada]. Eu tô muito decepcionada com o ensino, pensando
em pedir aposentadoria antes da hora. (...) Sabe? Você se sente totalmente
desestimulada. (Escola III – Entrevista I, p. 42).

O que a professora argumenta é a dificuldade de se trabalhar, ao mesmo tempo, com várias


gerações, na sala de aula. Quando revela que “acaba entrando na deles”, quer dizer tornar-se mais
flexível e permissiva, ou seja, fazer “vista grossa” frente ao problema. De acordo com Freire (2004,
p.38), “a tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável
prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica”. Talvez a comunicação não esteja
sendo estabelecida. Entretanto é preciso perceber, na fala desta professora, a indignação com esta
realidade de sala de aula, pois tem produzido uma tensão que precisa ser levada em conta e,
principalmente, deve-se buscar reflexões e alternativas de construção de um outro contexto. É
preciso, a partir dessa realidade, refletir o que, enquanto instituição gestora, a SME, poderia
fazer para mudar concretamente esse contexto.
21

Por outro lado, cabe uma reflexão coletiva dos(as) educadores(as) em estudos que
apontem análises das identidades juvenis nas escolas. Carrano (2005) argumenta que o(a)
educador(a) precisa questionar sobre as culturas e linguagens dos jovens presentes na escola.
Da mesma forma, os adultos e os idosos precisam ser respeitados em suas especificidades
culturais e etárias.

3.1.4 O Processo Avaliativo como Elemento de Tensão

O processo avaliativo apresenta-se, da mesma forma, como foco de tensões. Apesar


do discurso democrático é possível perceber certa verticalidade no processo avaliativo
adotado nas escolas pesquisadas. Existe uma preocupação com os resultados quantitativos,
mas sem possibilitar um retorno ao processo de aprendizagem. O avanço, não raro, é colocado
como elemento de tensão, pois para alguns educadores(as), a avaliação é um mero
instrumento para viabilizar a ascensão do aluno à série subseqüente, sem alcançar os objetivos
propostos. Na expressão da educadora “(...) mas em algumas vezes a gente acaba tendo de dar
um empurrão para passar para frente aquele aluno com mais dificuldade.” (Escola III –
Entrevista I, p. 92).
Conforme registro na proposta político-pedagógico (2000, p. 19),

ressalta-se que, na Eaja, faz-se necessária a participação efetiva dos educandos e


educandas no processo avaliativo, por meio de diálogo e negociações com o/a
educador/a nos quais sejam definidas as finalidades, as condições de realização, as
ações e responsabilidades nas tomadas de decisões rumo ao desenvolvimento e à
aprendizagem do/a educando/a.

Esta concepção de educação prevê uma relação fundamentalmente dialógica entre


educando(as) e educadores(as) e visa a contribuir para o processo de construção do
conhecimento pelo aluno. A avaliação, como desafio, é aquela em que existe um
reconhecimento, conforme Sousa (1997, p. 134), “como sujeitos, todos os integrantes da
organização escolar, constituindo-se em um processo abrangente e contínuo, que integra o
planejamento escolar em uma dimensão educativa.” No entanto, as observações e alguns
discursos revelam as dificuldades e os limites em se desenvolver, na prática, esta concepção
de avaliação.
Quando, na entrevista, questionou-se sobre as avaliações, se houve um espaço para
uma reflexão conjunta, fazer acordos, opinar, dar sugestões, enfim, construir conjuntamente a
ação, avaliar, um aluno responde: “não pedem, não [opinião] (...), tudo aqui eles que
22

resolvem. Eles fazem a reunião deles e o aluno não tem nem como participar.” (Escola III –
Entrevista II, p. 38) Percebe-se que não se abre um diálogo sobre a avaliação na sala de aula.
Este mesmo educando relata que, ao obter o retorno das avaliações, também não há uma
discussão sobre os erros e acertos e os possíveis caminhos para a aprendizagem. A avaliação,
na proposta freireana, é processo de conhecimento, mas, na prática, tem-se revelado
autoritária e tradicional.
Educação democrática significa perceber a situação peculiar dos trabalhadores-
alunos da Eaja e compreender a necessidade permanente de diálogo e negociações. No
discurso de um aluno, que descreve seu retorno depois de alguns meses fora da escola, e se vê
obrigado a fazer uma prova: “eu não entendi essa professora. Eu achei isso até ‘paia’. Fiquei e
foi muitos meses sem poder estudar. Oh! No primeiro dia que eu cheguei, eu: oi, professora,
tudo bem? Aí ela foi e passou a prova. (...) E eu perguntei: como assim, eu acabei de chegar e
ela respondeu vai fazer, sim!” (Escola III – Entrevistado V, p. 74). Este aluno contou que
obteve (três) nessa matéria.
Em sua opinião, considerou que até foi uma nota boa, pois não tinha nem idéia de
fazer uma prova naquele primeiro dia de retorno. Questionou-se, na mesma entrevista, sobre a
forma de devolução dessa avaliação, como ocorreu, e ele informou que foi normal. O normal
é entregá-la sem nenhum diálogo, sem reflexão e, portanto, com pouquíssimas condições de
conseguir construir conhecimento, já que, na leitura dos discursos, estes/as educadores/as têm
optado em passar para os próximos temas, o que poderá ir construindo, em vez de
conhecimento, lacunas no processo de aprendizagem. O discurso de uma educadora sobre o
processo avaliativo, revela: “bem, eu tento, mas não percebo muito interesse por parte dos
alunos e então sigo em frente com o conteúdo, pois o nosso tempo é curto. A realidade do
noturno são os alunos chegarem às vezes tarde e saírem mais cedo por causa do cansaço”
(Escola III – Entrevista I, p. 81).
Um aluno da Escola I (Entrevista III, p. 14) revela, entretanto, que “têm, uns
professores que corrigem a prova com a gente.”. Quando se questionou se é uma prática que
ajuda a entender melhor a matéria, o aluno respondeu que nem sempre. Em sua opinião, às
vezes é uma ação aligeirada. Entretanto, uma aluna dessa mesma escola, quando perguntada
sobre a discussão em sala de aula das avaliações, após serem corrigidas pelos professores, diz:
“não, até agora não. Quem sabe, não sei, às vezes, na metade do ano, quem sabe pode
acontecer isso. Mas até agora não aconteceu, não” (Entrevista IV, p. 19).
Vivenciar esse processo de avaliação no âmbito escolar não é fácil, sobretudo porque
faz-se necessário avaliar a própria prática desenvolvida. E se esta avaliação revelar uma
23

concepção autoritária, classificatória e seletiva, exigirá mudanças rumo a uma tomada de


consciência e à construção de uma nova prática no contexto escolar. Freire (2001, p. 133)
argumenta sobre a necessidade de insistir em práticas de natureza democrática, em sua
opinião, práticas que consigam lidar com a contradição e a tensão entre autoritarismo e
liberdade. É preciso buscar a superação da “nossa ambigüidade em face das tensas relações
entre autoridade e liberdade. Quanto mais autenticamente vivo essa tensão, tanto mais menos
temo a liberdade e menos nego a autoridade necessária.”
É preciso destacar que neste exercício de autoridade os educadores/as possuem
grande responsabilidade, principalmente na reflexão das dificuldades de aprendizagem dos
alunos. Há a necessidade de rever as práticas desenvolvidas no processo avaliativo que
desconhecem a interferência do contexto social no processo da construção do conhecimento,
bem como aquelas que superestimam as condições de conflitos que os alunos trazem para o
âmbito da escola, ao ponto de “facilitar” para que o aluno passe para série posterior. Em seu
depoimento, uma educadora entrevistada faz, de certa forma, uma denúncia e uma crítica ao
processo em discussão:

Justamente esse jeito novo de facilitar demais pro aluno, de passar o aluno sem
saber, isso aí traz um problema para os professores que têm essa visão de que a
educação é levar o aluno a adquirir novos conhecimentos e não adianta ele só ficar
aqui enrolando.Inclusive, eu acho que se está deturpando a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação. Porque lá prevê o avanço, mas tem uma ressalva lá, bem clara: desde
que o aluno tenha capacidade [enfática]. E eu acho que não é o que está acontecendo
em geral. Por que o aluno, ele está chegando cada dia mais atrasado aqui. Tem gente
que nem sabe o que faz no Primário [primeira fase do ensino fundamental] com esses
alunos, porque eles chegam na quinta série. Eu mesma estou dando reforço pra um
grupo aqui, de manhã, uns meninos de sexta série. Eu tô, assim, abismada de ver o
nível dos meninos. Eu peguei um livro, outro dia, do primeiro ano primário, pra dar
pra esses meninos os exercícios, eles custaram a dar conta. (Escola III – Entrevista
II, p. 76).

Embora a professora demonstre, tanto em sua fala como em sua prática, pouco
envolvimento com os alunos, com a proposta e com a educação como um todo, seu
depoimento merece uma reflexão, sobretudo a partir da crítica que ela faz ao primeiro
segmento da Eaja. Em sua opinião, os alunos estão chegando na 5ª série com grandes
dificuldades. No debate das duas posições tomadas por educadores(as), focadas acima, no
sentido de ignorar as causas do baixo rendimento, conduzindo à reprovação, ou a de passar o
aluno sem o conhecimento consolidado, Sousa et al (2003, p.14) traz a seguinte contribuição “
Cada uma dessas posturas é discriminatória: tanto a que leva à abstração das causas do baixo
aproveitamento do aluno e das conseqüências de sua reprovação quanto a que supõe um nível
menor de exigência dos alunos das classes populares.” Na opinião dos autores, discrimina o
24

educador(a) que não considera a realidade dos(as) alunos(as) que apontam maiores
dificuldades e merecem um acompanhamento mais sistemático, mas discrimina também o que
facilita a aprovação, ocultando o fracasso e contribuindo para a intensificação das
desigualdades sociais.
A Lei de Diretrizes e Base de 1996, Art. 24º, inciso V, alínea ‘c’, referida pela
professora, traz o seguinte texto: “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante
verificação do aprendizado;”. A partir da LDB/1996, a proposta político-pedagógico da SME
(2000, p. 19) aponta os elementos, classificação42 e avanço/reclassificação, intrínsecos à
avaliação. O texto expressa: “a avaliação é realizada bimestralmente e com atribuição de
notas de zero a dez, garantindo o direito à classificação e reclassificação/avanço, como de 1ª a
4ª série, apesar de não realizar a descrição43 como instrumento.” Uma das coordenadoras
informou, sobre o processo de discussão do avanço na escola:

é o coletivo que decide, diante do desenvolvimento dele [aluno/a], diante do


desempenho em sala de aula no dia-a-dia, nas atividades. O professor vai
acompanhando e vê. Aí, o professor, no dia da reunião do Planejamento, chama
(...)apresenta, aos outros professores (...) e a decisão é coletiva, (...) E esse aluno é
avançado. A gente relata na ata o nome do aluno e o aluno é avançado de uma série
para outra. Tanto da primeira fase, como da segunda fase. (Escola II – Entrevista III,
p. 29).

Quando se questionou sobre o aluno nesse processo, a coordenadora disse que, após
a decisão do coletivo dos(as) educadores(as), o aluno é convidado para uma conversa na sala
da coordenação, pois muitas vezes o coletivo decide, mas o aluno não quer. A coordenação
“interfere, fala da questão da importância dele ser avançado, fala que ele tem potencial, que
ele tem condições. Aí, de repente, às vezes, a gente respeita a decisão do aluno.” (Escola II –
Entrevista III, p. 29).
Os discursos dos(as) alunos(as) são significativos e propiciam reflexões acerca dessa
tensão. Indagou-se ao aluno entrevistado sobre a questão do avanço e ele respondeu as
informações passadas pelos professores, “explicou que a pessoa tinha que vim constante, (...)

42
Sobre a classificação um exemplo do que ocorre no primeiro segmento do ensino fundamental – SME -,
conforme descreve Carvalho (2005, p. 39) “as matrículas eram efetivadas mediante o requerimento assinado
pelo próprio aluno, se maior de 16 anos. Os alunos que não tinham comprovante escolar anterior eram
matriculados no módulo 1. Posteriormente, aplicavam-se avaliações formais para verificação e
regulamentação do nível de escolaridade deste aluno. Após esta classificação, o aluno era remanejado para o
módulo seguinte de acordo com as suas habilidades cognitivas, independentemente do término do trimestre.”
43
Conforme a proposta político-pedagógica (2000, p. 19), “ na Educação Fundamental de 1ª à 4ª série (regular e
Projeto AJA), a avaliação é descritiva, contínua, processual e de registro trimestral ( os trimestres são
finalizados conforme calendário anual de atividades), numa dimensão de totalidade e orientação do processo
educacional, visando ao desenvolvimento dos(as) educandos(as), na perspectiva da continuidade e do avanço
na construção do conhecimento e não uma mera classificação e seleção por meio de notas e certificados.”
25

freqüência boa e ter as notas boas. Ser bom em quase todas as matérias. Quase 100%, uns
91%, senão não avançava.” (Escola I – Entrevista IV, p. 24). O depoimento de outro aluno
aponta uma crítica ao processo do avanço,

Mas pelo visto que eu tô vendo aí, do avanço aí, eu acho que precisava, sim, alguma
opinião de aluno aí pra conversar. Por que a gente viu o avanço, quer dizer, é por
voto. Como se diz, eles avalia, eles que conhece cada talento de cada aluno. É até
complicado eu dizer isso, mas eu vi pessoas da minha sala que tinham talento melhor
de está na sexta série e não está. Continua na quinta série. Então, isso foi estudado,
foi pesquisado cada um, individual, os professores, de cada aluno. (...) Poderia ter
avançado e não foi avançado. Aí, sabe lá, né. Eles que conversaram, os professores
que conversaram. Então como que eu posso dar opinião de alguma coisa que eu
posso intervir e um deles me corrigir. Então, quem sou eu pra estar dizendo alguma
coisa para os professor. Quando eles falam, eu fico calado e escuto, não é? (Escola
III – Entrevista I, p. 42).

O discurso deste trabalhador-aluno é carregado de significado. Se no texto da


proposta fica explicito que a avaliação é um processo que deve ser permeado pelo diálogo e
pela negociação, está marcada a preocupação de assegurar uma educação participativa a
todos, tornando a escola um espaço democrático por excelência. Nesse sentido, será que o
aluno deve estar de fora dessa discussão, impossibilitado de emitir opinião? Quando será
possível a real participação do(a) aluno(a) na instância dos conselhos de turma que ocorrem
na escola?
Por último, o depoimento desse aluno revela a opinião dos(as) professores(as) desta
escola, bem como a sua própria expectativa sobre o avanço: “eles não gostam muito de
avançar, (...) eu acho o avanço muito bom, por que eu perdi muito tempo, (...) eu demorei pra
começar a estudar, agora vou demorar a sair. Só vou terminar, se eu tiver condição, vou até
uma faculdade.” (Escola II - Entrevista IV, p. 22). Este discurso também torna transparente a
situação de conflito nas escolas, sobretudo no dilema do avanço. Os educadores/as são
obrigados a enfrentar o proclamado na lei e nos demais documentos das propostas
pedagógicas, e a realidade das grandes dificuldades que os(as) educando(as) já trazem dos
anos anteriores, sem o contato com o ensino sistematizado, além do peso das condições
sociais de existência imposta a ele(as). No discurso desse educador sobre o avanço, ele
percebe sua importância, mas

entendo que é preciso perseguir a qualidade, sempre assegurar que de fato o aluno
tenha o que é, de direito dele, a qualidade na aprendizagem. Além do mais, considero
importante contribuir com os demais colegas que não perceberam a importância
desse elemento que é, em minha opinião, parte do processo da aprendizagem.
(Escola III – Entrevista II, p. 64).
26

Por um outro lado, a expectativa dos(as) educandos(as) também são muitas e,


embora não seja a maioria, mas alguns falam em conseguir fazer um curso superior.
Dessa forma, as contradições explicitadas podem servir para buscar outras reflexões,
mas é preciso insistir que uma educação comprometida com o direito de todos deve
concretamente colocar a avaliação como elemento essencial, norteando o ensino-
aprendizagem e possibilitando a continuidade e o aprimoramento da construção do
conhecimento.

3.2 Alguns Espaços de Tensão e Produção do Conhecimento nas Escolas da Eaja

Diversos espaços das escolas revelaram importância, mas, ao mesmo tempo,


apontaram tensões, na medida em que não cumprem, de fato, a função de possibilitar o acesso
ao conhecimento. Especificamente, pretende-se apontar dois espaços, a saber, a biblioteca e a
informática. O Gráfico 9 demonstra que 82% dos respondentes gostam de ler desde livros
literários, gibis, revistas, jornais até a Bíblia. O espaço reservado à leitura, a biblioteca,
presente nas três escolas, apresenta um acervo razoável; no entanto, é pouco utilizado
pelos(as) trabalhadores(as)-alunos(as). As entrevistas com os/as profissionais das salas de
leituras revelaram o pequeno número de alunos do noturno que freqüentam esse espaço.
Percebe-se que, basicamente, os(as) professores(as) da área de português são praticamente os
únicos que realizam atividades nesse espaço.
Fomentar atividades na biblioteca, despertar o interesse pela pesquisa e pela leitura
integram o perfil da proposta pedagógica da SME rumo a uma participação mais ativa e
autônoma dos alunos frente aos desafios do conhecimento.
A informática foi um dos temas mais presentes nos discursos dos alunos das três
escolas. O desejo de se inserir no mundo digital é bastante freqüente no discurso dos
trabalhadores-alunos, sobretudo dos jovens. Muitos necessitam desse conhecimento no
trabalho. O Gráfico 10 demonstra que 53% dos respondentes do questionário têm acesso a
computador. Esse acesso ocorre de forma variada: alguns no trabalho, outros na escola e uma
boa parte em “lan houses”. O espaço da informática também aponta tensões, o que revela
deficiências do projeto educativo da SME nesse aspecto, pois esse espaço não facilita ao
trabalhador-aluno as ferramentas necessárias para utilização da informática a contento. Falta
um projeto da escola definindo concepção, objetivos e estratégias pertinentes ao acesso ao
mundo digital por parte dos alunos da Eaja/noturno.
27

3.2.1 Espaço da Leitura

Inicialmente, é preciso relembrar que os(as) trabalhadores(as)-alunos(as) estão na


escola somente no horário noturno, pois este é o tempo concedido a eles depois de uma longa
jornada de trabalho diário. Esta realidade social culmina por não conceder a esse aluno/a
condições concretas para usufruir do espaço da leitura, que é também um direito negado.
Desta forma, ao conversar com os alunos sobre a oportunidade de ir à sala de leitura,
muitos comentaram que sempre que podem aproveitam desse espaço, mas é mínimo o tempo
para esse acesso. Na expressão da aluna quando questionada sobre o espaço de leitura, ela diz:
“a biblioteca nós vamos lá sempre que nós temos algum trabalho. Geralmente é História e
Ciências. Nós vamos lá e damos uma olhada, sim” (Escola II – Entrevista I, p. 32). A
expressão “uma olhada” indica que é um tempo curto disponibilizado para envolvimento com
espaço da leitura.
Os respondentes do questionário, 246 alunos/as, 82% afirmaram que gostam de ler,
conforme demonstra o gráfico,

Gráfico 9 - Gostar de Ler

3; 1% 41; 17%

202; 82%

Não Declarou Não Sim

O gostar de ler não representa, para este(a) aluno(a) que é também trabalhador(a), a
possibilidade de desenvolver um hábito de leitura. Na expressão de uma trabalhadora-aluna, é
possível perceber a dificuldade em encontrar tempo para leitura “então, eu não tenho tempo,
28

às vezes, a hora que eu penso em ler um livro (...) falta tempo na minha vida. Falta tempo prá
muita coisa. E até mesmo prá me cuidar, prá ser feliz.” (Escola II – Entrevista I, p. 32).
Na entrevista com as auxiliares das salas de leituras, elas afirmaram que o turno
noturno é o que menos busca a biblioteca. No depoimento de uma delas,

Bem, a dinâmica do noturno ela é um pouco diferenciada da do diurno. No diurno, os


meninos vêm, pegam emprestado. Já os alunos do noturno, que eu já conversei com
outras bibliotecárias aí, que a realidade é essa em várias escolas, eles vêm no horário
de recreio, em horário vago. Porque geralmente em horário vago eles não ficam por
aí, eles vêm pra biblioteca. E eles, o gosto deles são livros infantis, com letras
grandes. (Escola III – Entrevista VI, p. 84).

Este depoimento ligado ao discurso da professora de português (capítulo II página


78), demonstra que o gosto pela leitura é um trabalho de grande valor para os alunos da Eaja
noturno, pois o que está implícito na busca de livros infantis e com letras grandes são os
primeiros passos para o sujeito-leitor. De acordo com a auxiliar da sala de leitura, o professor
que mais realiza atividade neste espaço é o de português. Ela afirmou que

teve época que eles traziam mais, só que, depois que mudou o espaço da sala de
leitura, só tem dezesseis cadeiras. Então, não é toda a turma que quer, sabe. Não dá
pra todo mundo. Agora, quando é a professora de Português, ela gosta de trazer e
eles vêm e ficam quatro, cinco alunos num colchonete e, como é pra ler mesmo,
então fica mais confortável. Agora, quando o professor quer que o aluno vá fazer
pesquisa, ele prefere vir, pegar o material e levar porque pro estudo não comporta
uma turma toda aqui dentro. (Escola I – Entrevista II, p. 28).

Na voz da professora de português da escola I, o espaço da biblioteca é muito


importante, no sentido de “estimular, exatamente, o gosto pela leitura. Porque não adianta
você ficar tentando aplicar regras gramaticais, teorias, se eles, se prá eles, aquilo fica muito
distante. Esse tipo de abordagem se torna muito vazia pra eles” (Entevista III, p. 24). Para um
aluno da 6ª série, a biblioteca é um espaço muito bom e “sempre que tenho tempo aqui na
escola eu vou, geralmente na hora do intervalo, dou uma lidinha numa revista, nos livros de
geografia, por causa dos mapas. Eu aprendo muito” (Escola I – Entrevista II, p. 19).
Na EJA a leitura tem uma importância incomparável, pois significa um meio do(a)
trabalhador(a)-aluno(a) tomar consciência da realidade em que vive; a possibilidade de se
perceber como sujeito nessa sociedade, libertando-se do senso comum. Na visão de Jardim
(2004, p. 52), “a formação do leitor passa pelo estabelecimento das condições efetivas para
prática social da leitura. Ocorre a passagem de um aluno alfabetizado para um aluno letrado
culto.”
29

Quando existe uma prática insistente na leitura dentro da sala de aula, ou na


biblioteca, é visível o interesse do(a) aluno(a) em buscar o espaço da leitura. Nesse sentido, a
escola I apresentou uma maior presença dos(as) educandos(as) na biblioteca. Assim,
promover a possibilidade de estar no espaço da leitura é devolver aos trabalhadores(as)-
alunos(as) o direito à leitura, à produção de textos e, enfim, à própria cultura, conforme a
proposta da professora de português da escola I.
Na visão de FREIRE (2001, p. 63), “(...) toda leitura da palavra é sempre precedida
de uma certa leitura do mundo (...) que é, no fundo, uma releitura.”. Assim, a perspectiva de
uma leitura crítica da realidade inaugura, para os sujeitos, a possibilidade de se tornarem
autônomos. É relevante os(as) educadores(as) assumirem uma postura de mediadores(as) para
que os alunos desenvolvam essa ação como um direito cultural do ser humano. Nesse sentido,
Jardim (2004, p. 53) enfatiza que:

é preciso desenvolver no aluno a autonomia de leitura, para que ele continue lendo
depois de concluir os estudos. Não interessa a ninguém um leitor restrito ao ambiente
escolar; pois a escola é uma atividade-meio. O ensino sem leitura é mera
certificação, e não produz efeitos concretos na vida pessoal e profissional do aluno.

A coordenadora pedagógica também assinala a professora de português como a única


que promove o acesso ao espaço de leitura aos alunos(as). Quando questionada sobre a
utilização da sala de leitura pelos professores, ela responde: “nem todos. Fica mais a cargo,
apesar de eu já ter sugerido que todos devem participar e freqüentar a biblioteca. Fica
basicamente a cargo da professora de língua portuguesa” (Escola I – Entrevista V, p. 35).
Com essa mesma coordenadora, ponderou-se sobre alguns planejamentos
observados. Nestes, em nenhum momento foi possível perceber uma discussão sobre a
necessidade de desenvolver um projeto interdisciplinar de pesquisa que pudesse pensar em
utilizar o espaço da biblioteca. Esta mesma coordenadora informou que já houve preocupação
em realizar esse tipo de ação, mas permaneceu no campo das intenções e não se concretizou.
Argumentou também que o horário do noturno é sempre muito curto, nem sempre os alunos
chegam no horário e comumente estão solicitando sair mais cedo; portanto, às vezes este tipo
de projeto vai ficando para um segundo plano.
A biblioteca torna-se um espaço de tensão à medida que não há uma preocupação
pedagógica da escola em socializar este espaço, como um direito de todos os alunos, ou seja,
dos três períodos. Resguardada a especificidade dos trabalhadores-alunos do noturno, já
mencionada, é necessário que os projetos de educação encarem os(as) alunos(as) do noturno
como sujeitos sociais, portadores de necessidade, desejos e vontades, sendo o espaço da sala
30

de leitura, também, um significativo local de expressão do direito às vivências dos referidos


sujeitos.
No relato de um educando da 8ª série, informa de um trabalho de pesquisa que, em
sua opinião, foi interessante: “aqui a professora de português, o de história e o de ciências
fizeram um trabalho de pesquisa na biblioteca. Depois nós fizemos uma redação da pesquisa.
Eu achei legal. Lemos revistas jornais e livros.” (Escola II – Entrevista II, p. 46) Quando
questionado sobre a interdisciplinaridade, se o trabalho havia sido em conjunto, o aluno
respondeu que não. Esta atividade ocorreu em momentos diferenciados, cada área de
conhecimento buscou delinear um tema.
Conforme expresso nas orientações para o trabalho pedagógico, a proposta da SME
(2000, p. 24) assinala que a escola dever ser entendida “também como espaço destinado a
interpretação, análise, crítica, decomposição, (re)configuração, (re)construção, criação e
aplicação de informações e conhecimentos, numa atitude científica, investigativa.” Neste
sentido, faz-se necessário buscar a riqueza da cultura dos livros como forma de assegurar a
eqüidade. Propor projetos de apropriação do espaço da leitura, também é uma atitude
científica e investigativa. Se for um projeto interdisciplinar, talvez propicie um tempo maior
na biblioteca, o que poderá contribuir com o gosto para a leitura, a interação cultural e,
possivelmente, servirá também como elemento de socialização e diálogo entre seus pares. Nas
palavras de Hobsbawm (2002, p. 330), “a comunicação é a essência tanto do ensino como da
escrita.”

3.2.2 Espaço da Informática

Tendo em vista a relevância da inclusão digital, tanto para fins de aprendizagem


quanto profissionais, percebe-se a necessidade de equacionar o livre acesso dos alunos/as da
Eaja/noturno ao espaço reservado à informática. Tal acesso, no entanto, subentende
disponibilizar cursos básicos de informática, no sentido de viabilizar o aproveitamento do
espaço de forma produtiva. É importante ressaltar que há interesse e motivação dos(as)
alunos(as). Neste sentido, vale salientar que apenas uma das escolas pesquisadas dispõe do
espaço para informática. As outras duas têm o projeto e aguardam as instalações. Esta é uma
temática bastante presente nos discursos dos alunos.
A partir da PNAD-IBGE/2006, é possível ter um panorama do acesso ao mundo
virtual no total de domicílios permanentes. A referida pesquisa traz o dado de que, no Brasil,
22,1% têm acesso a computador. À internet, 16,9%. As regiões apresentam disparidades. Na
31

região norte, 9,8% possui acesso a computador e 6,0%, à internet. A região nordeste
aproxima-se com 9,7% de acesso a computador e 6,9%, à internet. As regiões sudeste e sul
apresentam também proximidades de 29,2% e 27,9% de acesso a computador,
respectivamente, e 23,1% e 20,8%, respectivamente, acesso à internet. A região centro-oeste
apresenta 20,4% de acesso a computador e 14,6%, à internet. Os dados do Brasil e das
diferenças regionais revelam que ainda está muito longe a conclusão do direito de todos aos
bens construídos pela sociedade, evidenciando a desigualdade e apontando o quanto será
necessário enfrentar para socializar os meios de comunicação, informação e conhecimento
propiciados por esse instrumento.
Dos alunos pesquisados (246 respondentes), 53% têm acesso ao computador, mesmo
não tendo o equipamento em casa, a informática é presente na vida destes trabalhadores-
alunos, sobretudo para os jovens, como mostra o gráfico.

Gráfico 10 - Alunos(as) por Acesso a Computador

15; 6%

130; 53% 101; 41%

Não Declarou Não Sim

Cinqüenta e três por cento declaram acesso ao computador, mesmo que de forma
esporádica, em “lan houses” e na casa de amigos. Outros informaram que no trabalho lidam o
tempo todo com o computador. As entrevistas com os trabalhadores-alunos, e também com os
profissionais do ambiente informatizado revelam tanto a importância desse ambiente para
os(as) aluno(as) quanto as tensões relativas ao acesso e ao uso adequado dos computadores. O
discurso de um aluno informando como é o seu acesso ao computador, aponta uma
insatisfação: “eu tenho acesso a computador lá no meu serviço, que lá tem. E aqui na escola
também. Mas, aqui na escola, a gente vai de vez em quando. A gente não vai direto.” (Escola
III – Entrevista I, p. 32). Nas palavras deste outro trabalhador-aluno, que não possui
32

computador em casa, mas no trabalho: “tem, sim. Se a minha patroa não tá, se tá só a gerente,
eu posso, ela deixa.” Quanto à sala de informática da escola, ele responde: “eu acho que
minha dificuldade mesmo é com as teclas. E aqui eles não ensinam. A professora de
informática disse que não pode ensinar.” (Escola III – Entrevista II, p. 76).
Os dois depoimentos levam à reflexão de que as dificuldades apresentadas são de
duas ordens: de infra-estrutura, pois são muitas turmas e cada uma delas têm acesso cerca de
três vezes ao mês, com quarenta cinco minutos, outro aspecto são as ferramentas básicas para
aquele aluno que tem poucas condições de acesso ao computador. E isso não é parte do
projeto. A fala da professora da sala de informática, denominado de ambiente informatizado,
esclarece:

engloba todas as atividades da escola, ao longo do ano. O ambiente informatizado


ele também, enquanto instrumento de trabalho, ele faz parte desse projeto político
pedagógico. Nós temos hoje um grande projeto da informática, buscando resgatar
essa interação dos alunos com as máquinas, com os computadores, com a própria
informática. Então ele faz parte desse projeto político pedagógico que é um projeto
maior. Então, os nossos professores, o que eles fazem? Eles programam com
antecedência a visita ao ambiente informatizado, fazem as pesquisas na Internet,
estudam, programam. A seguir eles montam um projeto de aula, pra poder trabalhar
na semana seguinte. Nós temos o cuidado de registrar, juntamente com eles, todos
esses projetos, esses planos de aula. Guardamos numa pasta, pra arquivo mesmo.
Então todas essas atividades que são desenvolvidas no ambiente informatizado existe
o preparo prévio com a equipe de professores, sim. Muitas coisas são discutidas no
planejamento quinzenal (...). Levando em consideração essa dinâmica maior que é o
projeto político pedagógico mesmo. (Escola III – Entrevista V, p. 88).

O discurso da auxiliar do ambiente informatizado apresenta uma preocupação por


parte dos(as) educadores(as), e dela própria, em organizar de forma interdisciplinar um
projeto de ensino-aprendizagem com acesso ao computador. Mas o aluno não se sente parte
desse projeto. Ele ainda se sente alheio ao ambiente e, sobretudo, à perspectiva de construção
da aprendizagem a partir da informática. No discurso de um aluno, percebe-se a importância
do aprendizado em informática. Em sua opinião: “pode, depois, trabalhar numa empresa, pode
trabalhar numa coisa que ele vai ser referência. Porque o colégio que tá ensinando.” (Escola II
– Entrevista IV, p. 32) O interesse geral dos aluno/as pela informática recai sobre um
conhecimento técnico, o domínio da máquina, para que isso possa servir para o seu mundo do
trabalho, aliás, está é uma exigência da Terceira Revolução Industrial.
De acordo com alguns estudiosos, o processo de desenvolvimento da informática no
Brasil se deu de forma diferenciada de outros países. Na argumentação de Almeida e Valente
(1997, p. 10), “no nosso programa [Brasil], o papel do computador é o de provocar mudanças
pedagógicas profundas ao invés de ‘automatizar o ensino’ ou preparar o aluno para ser capaz
33

de trabalhar com o computador.” Está concepção demonstra uma preocupação com o processo
de criar espaços educacionais nos quais o aluno possa construir seu conhecimento, ou seja, o
computador com um recurso propiciador da aprendizagem.
O espaço da informática na escola pode propiciar a passagem do ensino fragmentado
para uma visão incorporada dos conteúdos, bem como ter um olhar voltado para o aluno. Na
visão de Almeida e Valente (1997, p. 18), a informática pode contribuir na:

resolução de problemas específicos do interesse de cada aluno. Finalmente deve-se


criar condições para que o professor saiba recontextualizar o aprendizado e a
experiência vivida durante a sua formação para a sua realidade de sala de aula
compatibilizando as necessidade de seus alunos e os objetivos pedagógicos que se
dispõe a atingir.

Neste sentido, talvez a essencialidade do conhecimento técnico, no início de um


trabalho no ambiente informatizado, envolva os(as) educandos(as) para a ampliação rumo a
um projeto maior, que é desenvolver a dimensão da pesquisa e da produção do conhecimento.
Faz-se necessário assegurar aos alunos(as) a participação em um instrumento que ainda é para
poucos indivíduos desta sociedade. Nas palavras de Freire (2001, p. 98),

penso que a educação não é redutível à técnica, mas não se faz educação sem ela.
Não é possível, a meu ver, começar um novo século sem terminar este. Acho que o
uso de computadores no processo de ensino-aprendizagem, em lugar de reduzir,
pode expandir a capacidade crítica e criativa de nossos meninos e meninas.

É preciso que a educação também tenha a preocupação em diminuir a distância entre


aqueles que possuem e os que não possuem acesso ao saber digital. Alguns alunos que não
têm acesso a computador expressam a vontade de conseguir essa oportunidade. Esta
entrevistada, que trabalha numa empresa terceirizada, diz: “lá no meu trabalho, a menina lá
me ensinou algumas coisinhas. Só que lá é muito corrido. Lá é seguradora, mexe com coisa
de seguro de veículo, então ela não tem tempo, mas eu hei de conseguir aprender” (Escola II –
Entrevista I, p. 11).
Outra entrevistada disse que na escola anterior em que estudava, também da rede
municipal, tinha acesso ao ambiente informatizado, mas não conseguiu evoluir: “não, sei
mexer, não. Na outra escola, a gente tinha a sala, a gente ia, mas era muito pouco.” ( Escola II
– Entrevista V, p. 19). O trabalhador-aluno demonstra um desejo enorme em ter acesso à
informática. Falando de seu trabalho, revela que sempre quando tem oportunidade fica de
olho no computador, tentando aprender alguma coisa. Quando questionado se é possível
acessar ao computador, ele responde: “não tenho não, mas eu quero ter. (...) Já tenho vontade
de ter, mas… lá na firma, onde que eu tô trabalhando, tem um computador, só de olhar,
34

[colega de trabalho] ligando, desligando, eu fico imaginando.” (Escola II – Entrevista IV, p. 23).
Percebe-se que a informática, o computador, enfim, o mundo digital, exerce um
fascínio, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. É visto como um instrumento de trabalho,
pesquisa e diversão. Esta motivação deve, ou deveria, ser priorizada visando, sobretudo, a
desenvolver o gosto pela pesquisa. Neste sentido, pode ser uma ferramenta que, se
corretamente aproveitada, incrementará o acesso democrático à informação.
Todos estes depoimentos trazem novamente a tensão social, a desigualdade presente
na sociedade brasileira. Reconhecer esta desigualdade é perceber a falta de eqüidade como
realidade histórica. Questionar este contexto é construir e consolidar uma crítica que possa
incorporar a dimensão, de fato, democrática, tão indispensável neste tempo.
Nesta visão específica da informática focalizada no campo da educação, embora
exista um forte incentivo e, sobretudo, propaganda dos computadores nas escolas, sua
implementação, ainda está muito aquém dos anúncios. Na argumentação de uma das alunas,
esta observa: “Já falei com a diretora. Eu falei: por que nosso colégio não tem computador?
(...) Mas e essas propagandas que sai aí? Que saiu computador pra cada colégio?” (Escola II –
Entrevista I, p. 11). Sabe-se que esta é mais uma luta que será necessária à comunidade
educacional se empenhar para consolidação deste direito.
Diante das várias tensões refletidas, foi possível perceber que, no interior das escolas,
a dimensão social entrelaça-se nos conflitos internos ou, mais precisamente, é muitas vezes o
próprio motivo do conflito. As questões sociais comumente realizam um movimento de
expulsão dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as) das instituições escolares.
Internamente, no entanto, a escola tem, muitas vezes, produzido e reproduzido
conflitos sociais. A relação de alguns dos(as) educadores(as) com os(as) alunos(as) é um
exemplo da reprodução autoritária e dominadora que a concepção da sociedade capitalista
vem se desenvolvendo a algum tempo. A dificuldade de aproximação do currículo da
educação formal com as vivências dos(das) educando(as) confirma a divisão imposta pelo
mundo do mercado. Há a negação, também, da possibilidade de um conhecimento
interdisciplinar e integral. O processo avaliativo nem sempre cumpre sua característica
principal, que é construir o conhecimento. As difíceis relações entre os colegas com a
diversidade das faixas etárias e a tensão entre os(as) educadores(as) para lidarem com estas
diferenças. Os espaços da escola raramente disponibilizado de forma significativa e
eqüitativa, nem sempre tem contribuído para ampliação do conhecimento.
Todos estes fatores internos também podem estar contribuindo para o movimento de
expulsão dos(as) alunos(as) da Eaja. Desta forma, faz-se necessário envolver a comunidade
35

escolar em um projeto coletivo, tomando todos estes conflitos internos, no sentido de


promover uma ampla reflexão de práticas e aprendizagens traduzidas a partir do direito
humano de acesso, permanência e conclusão da escolarização. Apesar do contexto social
adverso, muito se pode fazer no âmbito escolar, supondo que a ação esteja ancorada na
reflexão teórica e no diálogo com os vários atores envolvidos no processo educacional.
Assim, reforça-se a concepção da educação como essência humana. Que ela possa
tomar as grandes questões humanas como um desafio que deve ser explicitá-las, compreendê-
las e buscar, numa direção ética, a construção de uma outra sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa dissertação abordou a formação propiciada aos alunos da Eaja no município de


Goiânia, no período noturno e a relação desta formação com a vida dos sujeitos, sobretudo no
trabalho. O objetivo principal perseguido foi compreender, analisar e interpretar a
aprendizagem do(a) aluno(a) trabalhador(a) da Eaja no ensino fundamental e sua relação com
o mundo do trabalho.
A caminhada para realização desta pesquisa desencadeou a possibilidade de
entrelaçar o referencial teórico e a realidade presente na sociedade, bem como nos espaços das
três escolas pesquisadas.
Desde o levantamento bibliográfico, os vários estudos referentes à educação e,
especificamente, à educação de jovens e adultos, permitiram uma relação fecunda com o
campo pesquisado. Outra fonte relevante refere-se às diversas experiências propiciadas a
partir da participação no Fórum Goiano de EJA,44 o que possibilitou uma ampliação do
conhecimento e o difícil exercício da relação teoria/prática.
O estudo e a reflexão acerca dos objetivos e princípios norteadores da proposta
político-pedagógica da Eaja (2000) orientaram a pesquisa. Neste sentido, o texto da citada
proposta permeou toda a escrita desta dissertação por entender, que em tese, esta seria o
documento referencial nas escolas da rede municipal de ensino.
A preocupação em contextualizar a sociedade atual, trazendo os diversos dados,
sobretudo com foco no mundo do trabalho, e a escolha teórica pela análise crítica explicitaram
as inúmeras e complexas contradições desta sociedade em que os sujeitos sociais se
apresentam como parte deste contexto. Nessa realidade, são travadas relações concretas de
existência e, portanto, os conflitos também revelam-se como elemento de análise e crítica.
Ao realizar a pesquisa, algumas constatações se evidenciaram: - os jovens e adultos
que, na busca pela sobrevivência, vivem a dualidade do trabalho e escola, com tempo mínimo
para o estudo e máximo para o trabalho; o motivo que os levou a deixar a escola é o mesmo
do retorno, após alguns anos, a saber: o trabalho; a situação de trabalho precarizado é a
realidade da grande maioria dos(as) alunos(as); a escola tem grande significado na vida do(a)
trabalhador(a)-aluno(a).
Assim, ao longo do processo da pesquisa estiveram presentes as seguintes
interrogações: qual o significado da escola para o(a) trabalhador(a)-aluno(a)? Qual a visão de
trabalho e de mundo do trabalho presentes na proposta político-pedagógica da Eaja? Qual a

44
Cf. a nota 3 da Introdução deste trabalho.
1

relação da aprendizagem desenvolvida na escola e a vida do(a) aluno(a), sobretudo com o seu
trabalho?
O atual cenário mundial, marcado pela política neoliberal, trouxe desastrosas
mudanças para o mundo do trabalho. No Brasil, desde os anos 1990, ganhou força a economia
globalizada. O desemprego aumentou e, na linha de produção, houve uma transformação com
a informatização. Com isso, as empresas eliminaram postos de trabalhos e,
conseqüentemente, ocorreu o aumento do trabalho informal e precarizado, sendo esta a tônica
da conjuntura do mundo do trabalho.
Por meio da pesquisa de campo, foi possível constatar o quadro apontado acima. A
maioria dos sujeitos trabalhadores(as) vivenciam a situação do trabalho informal, alguns no
campo terceirizado, mas vivendo a mesma incerteza imposta aos jovens e adultos no atual
contexto. Isso significa dizer que hoje viver a dualidade entre trabalho e escola é o mesmo que
estar na escola e também sob a sombra do desemprego ou em busca de colocação no mercado.
Assim, se a escola, sobretudo do período noturno, já convivia com as dificuldades de os(as)
trabalhadores(as) permanecerem com sucesso no espaço escolar, hoje precisa compreender
também a situação de incerteza social tão presente na vida destes(as) educandos(as).
Por outro lado, conforme a concepção atual de mundo globalizado, a educação ganha
centralidade, sobretudo pela grande demanda específica do mercado de trabalho, que exige
um grau maior de qualificação, conhecimentos e informações de cunho tecnológico bem mais
complexos do que a formação exigida para o então trabalho braçal. Na concepção de alguns
autores, mais uma vez a educação, no ideário da sociedade capitalista, é sinônimo de
preparação para o mercado de trabalho. Diante desta lógica mercadológica, qual seria a
alternativa possível para a educação?
A proposta político-pedagógica (2000) da Secretaria Municipal de Educação/
Goiânia, construída em um processo aproximado de dez anos, trouxe a perspectiva humana da
educação. Em sua concepção teórica, enfocou a qualidade social, considerando o(a) aluno(a)
como sujeito histórico que atua em uma realidade social e, portanto, com possibilidades de
interferir e transformar este contexto.
Nesse sentido, a abordagem freireana contribuiu para a compreensão da educação
como ato político e como meio de emancipação humana. A proposta trouxe o conhecimento
como um processo humano contínuo, em que educandos(as) e educadores(as) são sujeitos do
processo de construção do conhecimento. Nessa visão de continuidade, a Eaja da rede
municipal de educação é pensada buscando uma maior qualidade no ensino, em contraposição
com a perspectiva aligeirada de suplência, e assegura em sua proposta o olhar voltado para a
2

especificidade dos(as) alunos(as) dessa modalidade de ensino, conforme previsto na Lei


9.394/96, a LDB.
A proposta político-pedagógica (2000) traz como princípios a cidadania, como
conquista de direitos sociais; a identidade, como um processo que se dá em construção com
os outros; a aprendizagem, que acontece em uma construção de conjunto; a linguagem, na
perspectiva da apropriação dos sujeitos, como forma de sua expressão no mundo e, por
último, o princípio do trabalho coletivo, no sentido de assegurar o processo educacional a
partir do planejamento escolar coletivo. A integração dos sujeitos da comunidade escolar,
entendendo como comunidade escolar, de acordo com a proposta, a equipe pedagógica, os
funcionários administrativos e o conselho escolar.
Analisar estes princípios traz uma das principais contradições relacionadas à temática
desta pesquisa: o(a) trabalhador(a)-aluno(a), embora na proposta esteja claro o
reconhecimento dos(as) alunos(as) do noturno como trabalhadores(as) ou na busca de
inserção do mercado de trabalho, em seus princípios não se aborda a categoria trabalho como
se afirma no referencial teórico, que deve ser pauta no processo educacional da Eaja.
A concepção do trabalho trazida pela proposta aponta para um sentido amplo, numa
relação dialética, em que os homens e as mulheres constroem, por meio do trabalho, e
também são construídos por ele, definindo-se como espécie humana. Nessa compreensão
ampliada do trabalho, a autonomia é concebida como uma relação dialógica na expectativa de
romper com a lógica da dominação de um indivíduo sobre o outro e na afirmação da
constituição histórica do homem pelo trabalho.
Embora a proposta deixe clara a concepção de trabalho, não incorpora esta categoria
nos princípios e nem explicita uma formação que contribua para enfrentar a dicotomia
histórica trabalho/educação. Nesta perspectiva, apenas delimitar, no referencial teórico da
proposta, o sentido do trabalho, torna-se uma certa superficialidade e não contribui para que,
de fato, a categoria trabalho faça parte da prática pedagógica cotidiana.
Pensar em uma proposta educativa que tenha o trabalho e a educação imbricados
requer uma direção teórica que pressuponha investigação crítica e, sobretudo, possibilite
compreender o contexto, as contradições, os conflitos advindos do mundo do trabalho e
propicie aos trabalhadores(as)-alunos(as) a consciência das adversidades, para que se sintam
em condições de interferir nesta realidade.
Assim, o exercício de reconhecer os(as) trabalhadores(as) no interior das salas, ou
nos demais espaços da escola, passa pela valorização de sua experiência de vida, e,
principalmente, por sua experiência de trabalhador(a). Portanto, para assegurar a participação
3

desses(as) alunos(as), vários fóruns de discussões que a escola propicia, além da sala de aula,
é de extrema importância, inclusive nos planejamentos. Entretanto, no texto da proposta não
está prevista a participação dos(as) alunos(as). Não seria de grande importância ouvir os
trabalhadores(as)-alunos(as)? Não seria fundamental esta participação dentre outras para que
ele se sentisse sujeito histórico? Não seria um exercício profícuo, no sentido de exercer
interferência, primeiro na escola e depois na própria sociedade, como cidadãos participativos?
Por meio dos questionários e das entrevistas foi possível perceber o grande
significado da escola para os(as) trabalhadores(as)-alunos(as). Em suas expressões, a escola
representa a possibilidade de conseguir um emprego ou uma colocação melhor e, também, a
possibilidade de encontrar pessoas e dialogar. Para alguns, ainda, é a oportunidade de realizar
um sonho antigo. A importância do acesso, propiciado pela escola, a alguns espaços culturais
e a possibilidade de romper com a dificuldade de falar em público são outros exemplos.
Enfim, configuram-se vários fatores positivos e significativos segundo os investigados(as).
Ao questionar os(as) trabalhadores(as)-alunos(as) sobre a relação da aprendizagem
na escola com a vida dos(as) educandos(as), principalmente no trabalho, as respostas quase
sempre apontaram para uma grande contribuição no trabalho. Na opinião destes, ressalta-se
uma melhor comunicação e pronunciamento correto das palavras; na matemática, facilidade
para desenvolver os cálculos. No entanto, ao buscar, de fato, a concretização da relação do
processo de aprendizagem desenvolvido na escola e sua dinâmica do trabalho, não é possível
perceber a consistência desta relação. Tais fatos, ao fim da pesquisa, possibilitaram analisar e
se relacionar com a própria inconsistência teórica da categoria trabalho, presente na proposta
político-pedagógica da SME. Conforme argumenta, Ramos (2005, p. 124), é preciso buscar
para além da dimensão epistemológica de um currículo que integre educação e trabalho, que é
um debate essencialmente político, “pois pretende interferir nos fundamentos e no sentido da
educação dos trabalhadores.”
Ao analisar as diversas tensões, abordadas pontuadas no capítulo III, percebidas nos
depoimentos dos(as) alunos(as) das três escolas pesquisadas, constata-se a enorme dificuldade
de colocar em prática a concepção teórica de uma educação que objetiva o reconhecimento do
ser humano como sujeito histórico.
As referidas tensões podem ser analisadas em dois grupos: o primeiro grupo refere-se
aos conflitos advindos da dura relação imposta pelo mundo trabalho, do domínio do capital
sobre o trabalho. Este conflito tem grande repercussão no interior da escola, já que o tempo de
estudo é sempre menor por causa da sujeição ao trabalho diário. No interior da escola, os(as)
professores(as) vivem a situação de tensão trazida pelo(a) trabalhador(a)-aluno(a). Esses, por
4

seu turno, demonstram dificuldades de articulação de um trabalho em conjunto,


interdisciplinar e afinado com a realidade dos sujeitos cognoscentes. O planejamento também
apresentou-se como conflito, pois nem sempre possibilita um diálogo aberto entre as diversas
áreas do conhecimento, no sentido de assegurar, de forma interdisciplinar, o desafio do
processo ensino-aprendizagem. Além disso, a formação de professores, enfocada pelos(as)
próprios(as) educadores(as) entrevistados(as), ainda não acontece de forma satisfatória, não
atendendo à especificidade da Eaja, nem tampouco à proposta da pedagogia freireana.
O segundo grupo das tensões recaem sobre os aspectos relacionais entre os(as)
trabalhadores(as)-alunos(as) e os(as) professores(as) e, também, com os(as) próprios(as)
colegas, por causa da considerável diferença etária presente em todas as turmas do segundo
segmento da Eaja. Ainda na difícil relação com os(as) professores(as), o processo de
avaliação desenvolvido também demonstra, em muitos momentos, a relação autoritária de
alguns professores(as) sobre os(as) aluno(as). No depoimento de alguns alunos(as), a relação
estabelecida muitas vezes é de alheamento para com ele(as), marcando uma relação de poder
expressa na sociedade capitalista e reproduzida no interior da sala de aula.
Por último, nesse grupo, dois espaços foram considerados de tensão, o de leitura e o
de informática. Ambos são pouco utilizados pelos(as) trabalhadores(as)-alunos(as). Nos
depoimentos dos(as) entrevistados(as), o desejo existe, mas estes espaços ainda continuam
fechados, principalmente o acesso ao mundo digital. Ter tempo e momentos na biblioteca e no
ambiente informatizado faz sentido, como expressa a proposta (2000, p. 17). A ação humana
que está entrelaçada ao anseio de saber, de compreender e de transformar, pois o homem é um
ser inacabado, “em busca de ser mais, ou seja, o que possibilita a construção do conhecimento
na aventura do novo”. Possibilitar ao(a) trabalhador(a)-aluno(a) ambiente de leitura é tomar a
contramão da imposição capitalista que separa a leitura e o trabalho, pois na visão do mercado
a leitura é um saber dispensável à vida. Quanto ao acesso a informática, é assegurar, além da
oportunidade de estudo e pesquisa, uma ferramenta a mais que poderá ser utilizada
concretamente em muitas situações, inclusive em seu trabalho.
A expressão de alguns professores(as) acerca das tensões é marcada ora pelo
reconhecimento das limitações e dificuldades em realizar o planejado em consonância com a
proposta, ora com indignação diante da realidade complexa e que exige uma compreensão
para além dos muros da escola. Assim, ao ouvir o depoimento de alguns educadores(as),
surge a questão: o(a) professor(a) da Eaja conhece, de fato, como deve ser a aprendizagem
para o(a) trabalhador(a)-aluno(a)? Será que ele consegue perceber, de fato, a importância de
sua prática?
5

Numa entrevista realizada com Paulo Freire, em março/1989, pelo o Sindicato dos
Trabalhadores do Ensino de Minas Gerais, ele foi questionado o que é ser um trabalhador do
ensino no Brasil. Ele responde afirmando a não-existência de um educador alheio ao seu
tempo. Em sua opinião, o ato de ensinar é político. Freire (2001, p.49) afirma: “daí que me
pareça fundamental que todo trabalhador do ensino, todo educador ou educadora, (...) assuma
a natureza política de sua prática. Defina-se politicamente. Faça a sua opção e procure ser
coerente com ela.”
É preciso reconhecer, ainda, a necessidade, apontada nos depoimentos dos/as
próprios(as) educadores(as), da formação continuada, específica a EJA. Afirmar esta questão
é importante tanto quanto dizer que a formação dos profissionais da educação deve ser de
cunho político. E talvez caiba questionar: não seria papel também do Sindicato dos
Profissionais da Educação? A organização sindical tem se preocupado com uma formação que
torne os(as) professore(as) mais comprometidos(as) com a uma educação emancipatória?
Voltando-se especificamente ao tema da pesquisa, será que não caberia uma formação aos
trabalhadores(as) da educação em que estes(as) estivessem comprometidos com uma
educação que rompesse de fato com a dualidade trabalho/educação em que os(as)
trabalhadores(as) da educação se sentissem parceiros dos trabalhadores(as)-alunos(as)?
Enfim, as questões levantadas ao longo dessas considerações finais têm o olhar de
quem está dentro e fora do campo pesquisado. Fora porque, como pesquisadora, é preciso
fazer este exercício para investigar. Dentro por fazer parte da EJA como profissional da
educação e, mais ainda, pela quase cotidiana convivência com a realidade de ser trabalhadora-
aluna. Talvez por isso, o direito a tantas indagações, às quais apontam a necessidade de buscar
e construir um outro tempo, um tempo em que o trabalho seja concebido como “poiésis”45 e
os(as) trabalhadores(as) tenham “o tempo livre de ser”46. As questões também abrem
possibilidades para outras pesquisas, que certamente provocarão novas reflexões para o
aprofundamento na teoria e na práxis da EJA.
Por fim, é preciso enfatizar que, as falas dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as)
investigados(as), ao se referirem à escola, esta representa um espaço de imenso valor, tanto
para a formação quanto para a convivência e mesmo o lazer. Dessa forma, não é demais
reafirmar que esta instituição tem um papel fundamental na vida desta população menos
favorecida.

45
Cf. a nota 26 do Capítulo I deste trabalho.
46
Trecho do mote que foi utilizado no início da dissertação, música: Capitão da Indústria – Paralamas do
Sucesso.
6

Apontar os conflitos, as tensões, as dificuldades e os limites não significa deixar de


perceber o caráter essencial desse espaço escolar. Ao contrário, é acreditar nas pessoas que
fazem este espaço; acreditar na construção em conjunto de uma educação que propicie a todos
o direito de assumir o comando. Com a pretensão de quem vislumbra outros percursos, estas
considerações finais apontam algumas proposições ou alternativas para continuar avançando o
caminhar da EJA e especificamente na Eaja:
­ Políticas públicas que tenham preocupação em equacionar a dificuldade do(a)
trabalhador(a)-aluno(a) em dar continuidade aos seus estudos, com tempo para tal;
propiciar uma bolsa-escola de, pelo menos, meio salário mínimo talvez represente um
incentivo à permanência destes no espaço escolar.
­ Políticas públicas da esfera municipal integrada ao governo federal, em relação ao
PROEJA47, ensino profissionalizante integrado à EJA, assegurando uma ampla discussão
com todos os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem da Eaja, para a
construção de um projeto aproveitando as experiências vivenciadas na educação de jovens
e adultos da rede municipal de ensino.
­ Políticas públicas que assegurem a universalização do ensino médio, grande desafio para
garantir o direito dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as) continuarem tendo acesso à
educação.
­ Formação específica aos trabalhadores(as) da educação da Eaja, que esta capacitação seja
afinada com a proposta freireana de educação; tenha o trabalho como princípio educativo
por excelência e que se promova momentos de reflexão em que os(as) professores(as)
busquem respostas à questão da especificidade desses(as) alunos(as) em relação ao
processo de aprendizagem.
­ Possibilidade de promover uma ampla discussão com sujeitos da Eaja na avaliação da
proposta político-pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, assegurando o debate
da construção de um currículo que atenda de fato ao trabalhador(a)-aluno(a).

47
O Decreto Nº 5.840, de 13 de julho de 2006, estabelece para todo o país o Programa Nacional de Integração
da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA
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ANEXOS
1

ANEXO I

PROPOSTA POLÍTICO-PEDAGÓGICA PARA O ENSINO

FUNDAMENTAL DE ADOLESCENTES, JOVENS E ADULTOS -

PERÍODO NOTURNO
ANEXO II

Questionário a ser respondido pelos alunos do período noturno integrantes de três


escolas que atendem à Educação de Adolescentes Jovens e Adultos – Eaja - do município
de Goiânia.

1- Dados Pessoais

Nome:_______________________________________________________ Sexo: ( )F ( ) M
Data de Nascimento: _________________ Estado Civil: _____________________________
Endereço:________________________________________________ Bairro:_____________
Cidade: ________________________ Profissão: ___________________________________
Série:____________ Turma:___________________________________________________

2- Cite os lugares que você já residiu em sua vida. Pode ser em regiões rurais em ou em

cidades. ____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3- Você mora: Sozinho (a) ( ) Com sua família ( ) Outros ( ).

4- Você mora em casa própria? ( ) sim ( )não

5- Como é constituída a sua família? Quantas pessoas fazem parte de sua família?

____________ Quem são:

( ) Pai ( ) Mãe ( ) irmãos/ãs ( ) filhos/as ( ) esposo/a

( ) netos/as ( ) avós ( )primos/as ( ) padrasto ( ) madrasta

( ) nora ( ) genro ( ) outros

6- Qual a escolaridade de seus pais e seus irmãos, ou das pessoas que moram com você?

( ) 1ª a 4ª série do ensino fundamental ( ) 5ª a 8ª série do ensino fundamental

( ) 1º ao 3º ano do ensino médio ( ) ensino superior

( ) curso técnico: Qual ? _____________________________________________________


1

7- Qual é a renda familiar?

( ) um salário mínimo ( ) dois salários mínimos

( ) três salários mínimos ( ) quatro salários mínimos

( ) outros _________________________________________________________________

8- Você tem um trabalho remunerado? ( )Sim ( )Não Endereço de seu trabalho:

_____________________________________________________ Bairro: _______________.

9- Qual é a sua atividade Comente sobre o seu trabalho

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

10- O horário de trabalho é de:

( ) 7:00 às 12:00 / 13:00 às 15:00 ( ) 8:00 às 12:00/ 14:00 às 18:00

( ) 23:00 às 7:00 ( ) Outros _________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

11- Você recebe pelo seu trabalho:

( ) menos que um salário mínimo ( ) um salário mínimo

( ) dois salários mínimos ( ) três salários mínimos ou mais ( ) outros

___________________________________________________________________________

12- Você tem algum lazer? ( ) Sim ( ) Não. Qual?

___________________________________________________________________________

13- Você gosta de ler? ( ) Sim ( ) Não Qual tipo de leitura? ( ) revistas

Qual ou quais ? ( ) gibis ( ) jornais

( ) livros: ( ) didáticos ( ) literários ( ) outros


2

14- Você tem acesso a computador? ( ) Sim ( ) Não

Onde? ( ) lan house ( ) em casa ( ) trabalho ( ) escola

15- Você acessa à internet? ( ) Sim ( ) Não

16- Com qual objetivo?

( ) pesquisa/trabalho para escola ( ) notícias ( ) diversão/ jogos

( ) para o trabalho ( ) outros

17- Como tem sido a sua vida escolar? Conte um pouco de sua história estudantil, desde

quando começou a freqüentar a escola; as escolas onde estudou, as lembranças guardadas.

Você começou e parou de estudar algum tempo?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

18- Há quanto tempo você está estudando em escola (s) da Rede Municipal de Ensino?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

19- O que representa a educação em sua vida?

( ) melhores condições de vida

( ) desenvolvimento pessoal

( ) a possibilidade de conseguir um trabalho melhor

( ) relacionar melhor com as pessoas

( ) outros
3

20- Na sua vida escolar quais disciplinas você tem encontrado mais dificuldades?

( ) Português ( ) Matemática ( ) Ciências ( ) História

( ) Geografia ( ) Artes ( ) Educação Física ( ) Inglês

21- Como você avaliaria seus professores:

Português ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

Matemática ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

Ciências ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

História ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

Geografia ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

Artes ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

Educação Física ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco

Inglês ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco


4

ANEXO III

ROTEIROS DAS ENTREVISTAS

A- Trabalhador(a)-aluno(a)

1- História de Vida:
- infância;
- lugares onde morou;
- trabalho dos pais;
- escolaridade dos pais;
- vida de trabalho ( quando começou a trabalhar);
- vida escolar ( quando começou a estudar/ lacunas na história educacional)
2- Como é seu trabalho atualmente? E sua rotina diária?
3- Você tem carteira de trabalho assinada? Você conhece alguns direitos trabalhistas?
4- Como se sente na escola? A sua experiência de vida tem contribuído no processo de
aprendizagem?
5- Você tem conseguido acompanhar todas as disciplinas? Tem encontrado dificuldade em
algumas delas? Quais?
6- O que acha das avaliações? Algum professor, ou todos, no início do ano letivo conversou
sobre a avaliação? Você emitiu alguma opinião sobre a avaliação com algum deles?
7- Depois que você recebe as avaliações corrigidas, tem a oportunidade de discutir sobre
elas com os professores?
8- Como é a sua relação com os professores? Você consegue dialogar com eles? Você
considera que tem tido a oportunidade de construir seu conhecimento? Você consegue
realizar as atividades propostas pelo professor em sala? E em casa você reserva um tempo
para estudo?
9- A escola proporciona algum momento de visita a museus, uma sessão de cinema ou
teatro? E jogos, você gosta de participar?
10- Na sala de aula, em algum momento você trabalha em conjunto com os seus colegas?
Você considera isso bom ou ruim? Você aprende também com os colegas?
11- Como é o seu relacionamento com os colegas? Você os encontra fora da escola, ou
somente na escola?
12- Você considera que a sua aprendizagem na escola ajuda em alguma ação desenvolvida
em seu trabalho? Dê exemplos.
13- Você tem acesso ao computador? Onde?

B- Diretor(a)

1- Como você vê o desenvolvimento do trabalho pedagógico no turno noturno?


2- Como você avalia a estrutura física desta escola?
2- Tem perspectiva de alguma mudança nesta estrutura física?
4- Como são distribuídos os recursos financeiros?
5- Qual o perfil dos educandos(as) desta escola?
5

6- Pensando no noturno, como você avalia, do ano passado para este, a mobilidade dos
alunos? Como está a evasão? Você tem acompanhado? A escola tem preocupado com a
questão da evasão? Tem realizado alguma ação?
7- Em sua opinião, a escola tem conseguido colocar em prática a idéia que a proposta defende
de estar sensível à especificidade do aluno do noturno, mas ao mesmo tempo assegurar a
organização e o tempo do estudo?
8- Em sua avaliação, os funcionários da escola conseguem manter uma boa relação com os
alunos?

C- Coordenadora Pedagógica

1- No início de ano, no planejamento, procura-se buscar a proposta da Eaja, no sentido de


desenvolver um estudo e planejar as ações em consonância com a proposta?
2- Ao construir o projeto político-pedagógico da escola, existe uma preocupação de discutir
somente o noturno e assegurar um espaço neste projeto para o noturno?
3- Você considera que os professores compreendem a concepção que a proposta traz? Você
acha que os professores têm buscado, ou pelo menos tentado, caminhar nesse sentido?
4- Com relação ao material didático, os professores usam o material que a escola tem? Você
considera que tem muito material aqui?
5- A escola tem uma sala de leitura? Ela é utilizada pelos professores? No planejamento
existe a preocupação em desenvolver um projeto utilizando a sala de leitura?
6- Sobre a questão cultural, você acha que existe um trabalho para além das datas
comemorativas?
7- Qual é o perfil dos(as) alunos(as) do noturno?
8- Em seus diálogos com os alunos, você considera que a escola tem conseguido afinar com a
vida deles? Tem contribuído com a sua vida profissional?
9- Percebe-se uma heterogeneidade na faixa etária. Você acha que isso é um problema na sala
de aula? Existem problemas, momentos de conflitos?
10- Sobre a classificação e a reclassificação, existe alguma resistência, por parte dos
professores, no sentido da reclassificação? E para os alunos é conflituoso?

D- Merendeiras

1- Vocês vivenciaram as duas realidades, o lanche e o jantar, no período noturno?


2- Como era esse lanche? Era bem aceito pelos alunos?
3- E o jantar? Como foi a reação dos alunos depois que passou a ser jantar?
4- Como que é servido hoje esse jantar? Qual horário que é servido? Este horário é rígido?
5- Como que é o cardápio? Vocês é que resolvem? Como que é?
6- Como que vocês preparam esses alimentos? Vocês chegam aqui mais cedo para preparar?

E- Professores (as)
1- Quanto tempo você tem de experiência, na rede municipal de ensino, no noturno?
2- Houve algum momento, aqui na escola, em que vocês fizeram a discussão da proposta da
Eaja?
3- Existe espaço para discutir e planejar coletivamente?
4- Você trabalhou antes dessa proposta de base paritária? Como você avalia o trabalho
depois da base paritária? Você considera que é bem aceita para todos os colegas?
6

5- Em sua opinião, o que deve ser pensado como trabalho coletivo, para o segundo
segmento?
6- Em sua opinião, vocês conseguem desenvolver um trabalho interdisciplinar?
7- Uma das questões que está na proposta é que o conceito de aprendizagem, está
fundamentado no conhecimento que tanto o professor como o aluno devem construir em
conjunto.Você considera que é possível realizar na prática?
8- Outra questão na Proposta é a experiência dos alunos como ponto de partida para o
processo do conhecimento. Você considera fácil de ser realizado? Você tem conseguido,
no cotidiano da sala? Como é que você vê isso?
9- Em sua visão, qual é o perfil do(a) aluno(a) do noturno?
10- A sua ação como educador(a) tem preocupação com o(a) trabalhador(a)-aluno(a)?
11- Você considera que a Proposta preocupou-se com o(a) aluno(a) trabalhador(a), trazendo
concepção e contribuição para a realização de um trabalho pedagógico que atendesse à
realidade deste aluno específico?
12- Existem diferenças etárias no interior da sala de aula? Você considera como conflito?
13- Como você avalia a formação dos professores da rede municipal? Você considera que
seria importante uma formação específica para os professores da Eaja?
14- Como é o seu relacionamento com os alunos?

F- Educador(a) - Ambiente Informatizado

1- Como é o trabalho do ambiente informatizado?


2- Ele faz parte do projeto político-pedagógico?
3- Existe uma organização temática?
4- O trabalho é interdisciplinar?
5- Tem possibilidade de o aluno acessar a Internet?
6- Em sua opinião, qual é o perfil do aluno do turno noturno?
7- Você considera que este ambiente contribui com a vida do(a) aluno(a) trabalhador(a)?

G- Auxiliar da Sala de Leitura

1- Como é a dinâmica desta sala no noturno? Algum professor faz atividades com os alunos?
2- Os alunos fazem empréstimos de livros? Permanecem aqui em algum período para ler?
Quanto tempo em média?
3- Qual é a preferência de leitura dos(as) alunos(as) do noturno?
4- Algum deles solicita sua ajuda pra escolher livros?
5- Os alunos fazem pesquisa?
6- Em sua opinião, este espaço é utilizado como nos outros turnos? Você consegue fazer esta
avaliação?
7

ANEXO IV

A EJA em algumas pesquisas

AUTOR: Xavier, Conceição Clarete.

ANO DE DEFESA: 2004

TIPO: Tese

INSTITUIÇÃO: Unicamp

TÍTULO: Educação matemática e conflito sociais

RESUMO
O trabalho apresenta um relato de um Projeto Político-Pedagógico que compreende a
Educação Matemática como eixo. Ele foi desenvolvido em escolas estaduais de ensino
fundamental em Belo Horizonte (MG), no turno noturno, durante o ano de 2001 e nos
primeiros meses de 2002. O lócus específico da pesquisa foi o segundo segmento – 5ª a 8ª
série. Foram desenvolvidas atividades práticas a partir da experiência social dos alunos da
escola pública. Procurou-se, então, valorizar as especificidades de aprendizagem destes
alunos. Sendo assim, considerou a situação de classe trabalhadora em processo de
aprendizagem. Percebeu-se que a partir da organização de uma concepção coletiva e
participativa estabelecida na escola, propiciou-se condições para a execução do processo
pedagógico e a conseqüente construção do conhecimento. Com essa concepção os sujeitos
envolvidos no processo de aprendizagem, alunos, professores e pesquisadora, constituíram-se
em um projeto coletivo, participativo e solidário marcando uma qualificação para formação
humana em contraposição à qualificação para o mercado de trabalho.

AUTOR: Faria, Ivan

ANO DE DEFESA: 2006

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UFB

TÍTULO: Projetos de vida e juventude: um diálogo entre a escola, o trabalho e o mundo: (uma
experiência de etnopesquisa no Vale do Iguape).

RESUMO
Este trabalho discute a construção de projetos de vida entre jovens das comunidades
quilombolas do distrito rural de Santiago do Iguape, município de Cachoeira, Bahia. A
dissertação se inicia com uma contextualização do objeto de estudo, dividida em três eixos. O
primeiro, são levantadas a relação do pesquisador com a experiência do Projeto Paraguaçu,
atividade de extensão que deu origem à pesquisa. No segundo, Santiago do Iguape é tomada
como lócus para pensar o mundo contemporâneo, focalizando temas como história, trabalho,
8

comunidade, relação local-global e diluição de fronteiras entre o rural e o urbano. No último,


as escolas dos povoados do Caonge e do Engenho da Ponte servem de mote para tratar de
questões como currículo, cotidiano, educação do campo e relação escola-trabalho. Os
conceitos de projeto e de juventude foram trabalhados evidenciando os projetos de vida dos
jovens quilombolas e os conflitos advindos do trabalho, educação, comunidade. Mostrou,
também, a tensão da educação em veicular e assegurar saberes tanto para o jovem do campo
como aqueles que vão para cidade.

AUTOR: Silva, Edna Cristina Muniz

ANO DE DEFESA: 2007

TIPO: Tese

INSTITUIÇÃO: UNB

TÍTULO: Gêneros e práticas de letramento no ensino fundamental.

RESUMO
A pesquisa foi realizada nas últimas turmas do ensino fundamental na área de língua. Objetivo
é mostrar que os gêneros devem constituir o centro para o ensino de letramento. Baseou-se em
teorias críticas e funcionais para o estudo da linguagem. Utilizou-se de três abordagens
teóricas: análise do discurso, novos estudos do letramento e gêneros e a perspectiva sistêmico-
funcional. Investigou-se como os textos são estudados nas aulas de língua portuguesa e em
que medida o ensino da escrita contribui para que estudantes apropriem-se dos gêneros como
recurso para agirem e interagirem na sociedade.

AUTOR: Machado, Maria Margarida

ANO DE DEFESA: 1997

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UFG

TÍTULO: Política Educacional para Jovens e Adultos: A experiência do Projeto AJA


(1993/1996) na Secretaria Municipal da Educação de Goiânia.

RESUMO
Esta pesquisa investigou a proposta de Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (Projeto
AJA), implementada pela Secretaria Municipal da Educação de Goiânia, no período de 1993 a
1996. A experiência oportunizou vivenciar uma peculiaridade na escola pública, inserindo, na
sua prática educativa, os princípios da Educação Popular. Estes, presente na sociedade
brasileira, sobretudo na década de 1960. A pesquisa mostra que esta experiência acontece tal
qual outras nesse país, na tentativa de oportunizar espaço de estudo aos vários sujeitos
excluídos do ensino regular diurno ou aqueles que não tiveram acesso ao espaço escolar.
Mostrou a importância, no que concerne à contribuição para construção de uma escola pública
de qualidade e a possibilidade de assegurar o direito ao ensino, principalmente àqueles,
9

historicamente, impedidos de usufruir desse direito. Mas a dissertação, também, apresentou


os limites desta experiência, que apontou dificuldades desde a estrutura até a questão de
compreensão da concepção, defendida pela proposta.

AUTOR: Machado, Maria Margarida

ANO DE DEFESA: 2001

TIPO: Tese

INSTITUIÇÃO: PUC/ São Paulo

TÍTULO: A política de formação de professores que atuam na educação de jovens e adultos


em Goiás na década de 1990.

RESUMO
A formação de professores é um dos componentes da realidade complexa de efetivação de
uma política de Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa analisou os programas de
formação destinados aos professores que atuam na EJA, implementados pelo estado de Goiás,
na década de 1990. Os eixos centrais delimitados nesta investigação referem-se à EJA e à
formação dos professores, analisados em sua interação com a política de educação de jovens e
adultos implementada pelo estado de Goiás, por meio de duas iniciativas do governo federal
para a formação de professores: o Programa Um Salto para o Futuro – Série EJA e o
Programa Parâmetros em Ação para EJA.
AUTOR: Silva, Ivonete Maria

ANO DE DEFESA: 2004

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UFG

TÍTULO: “Ou trabalha e come ou fica com fome e estuda”: o trabalho e a não-permanência
de adolescentes, jovens e adultos na escola em Goiânia

RESUMO
A pesquisa foi realizada com alunos do primeiro segmento da Educação de Adolescentes,
Jovens e Adultos (Eaja ) de uma Escola da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. Os alunos
pesquisados foram os de presença irregular nas escolas. Em sua maioria, estes sujeitos vieram
da zona rural para Goiânia, em busca de trabalho e de melhores condições de vida e não
encontraram, da mesma forma como não encontraram estabilidade na família, na religião e no
lazer; repetindo, pois, no lugar-de-destino o mesmo desenraizamento que os fez sair do lugar-
de-origem. A explicação de maior incidência para a não-permanência na escola diz respeito
ao trabalho, questão central nesta discussão. Constata que, para além das conseqüências da
precariedade ou da falta de trabalho e das condições inadequadas de moradia, existe um
trabalhador que, depois de um dia de trabalho, ou sem trabalho, encontra-se desmotivado para
a atividade escolar. Na raiz do problema está a exclusão promovida pelo capital, ambiente no
qual a precariedade do trabalho e o desenraizamento se desenvolvem.
10

AUTOR: Silva, Suely dos Santos

ANO DE DEFESA: 2005

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UFG

TÍTULO: Educação de Jovens e Adultos: Implicações da Escolarização Básica Noturna e


Tardia.

RESUMO
A pesquisa investigou o programa EJA, nível médio do Colégio Estadual Emília Ferreira de
Carvalho, em Jataí, estado de Goiás. Apontou a escolarização desenvolvida como insuficiente
e desvendou a lógica desse tipo de política. Programas e políticas dessa natureza não tocam na
estrutura do sistema e, portanto, não garantem a inserção do egresso da EJA no mercado de
trabalho. Constata que o desenvolvimento atual do mundo do trabalho exige uma formação
tecnológica e na EJA os estudantes não têm acesso a esta formação. A EJA, como suplência, é
aligeirada e superficial e se constitui em um sistema paralelo dentro do oficial e se enquadra
na lógica que se propagou na última década no Brasil: a consolidação da economia
dependente. Constata, ainda, que os estudantes da EJA permanecem em desvantagem em
relação a quem cursou escola diurna e em tempo regular. A inserção social deste aluno, assim
como a colocação no mundo do trabalho, permanece limitada.

AUTOR: Queiroz, Edna Mendonça Oliveira

ANO DE DEFESA: 2001

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UCG

TÍTULO: Trabalho Diurno/Escolarização Noturna: o cotidiano do Jovem Trabalhador.

RESUMO
O estudo investigou o universo sócio-cultural do jovem aluno trabalhador, buscando
compreender as condições em que vive, em especial em torno do trabalho e da escola,
enfocando as formas de enfrentamento das contradições que lhe são colocadas diariamente.
Elegeu-se o jovem trabalhador, aluno do ensino médio noturno, como objeto de estudo, e
aprofundou-se na compreensão das relações entre juventude, escola e trabalho, apreendendo o
modo como as transformações contemporâneas o afetam e como as articulações possíveis
entre a escola e o trabalho podem contribuir na construção da sua subjetividade por
intermédio de suas histórias de vida. Esse estudo ampliou a discussão sobre o tema na
perspectiva de buscar uma prática educativa que pudesse favorecer o aluno jovem trabalhador
no seu cotidiano.
11

AUTOR: Carvalho, Wilma Martins

ANO DE DEFESA: 2005

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UCG

TÍTULO: O que aprendo na escola é o que preciso para mudar a vida? Letramento na Eaja:
encontro no desencontro.

RESUMO
Esta pesquisa é resultado de estudo realizado junto aos alunos da Educação de Adolescentes,
Jovens e Adultos - EAJA, de 1ª a 4ª séries de uma escola da Secretaria Municipal de
Educação - SME de Goiânia. Percebe-se os esforços de educadores e teóricos para abarcarem
a dimensão da complexidade dessa modalidade de ensino que ainda tem um longo caminho a
percorrer. O objetivo é romper com as práticas “bancárias” e construir propostas que
valorizem a diversidade na qual os sujeitos serão constructos do seu saber. O foco da
investigação foram as práticas sociais de leitura e escrita desenvolvidas pelos alunos da EAJA
em seu contexto social, pois estas práticas contribuem para a inclusão do sujeito no contexto
cultural letrado. Nesse sentido, o sujeito é percebido em sua totalidade, como ser em mudança
e transformação, inserido num contexto sócio-histórico que articula, dialeticamente aspectos
internos e externos que os envolvem.

AUTOR: Gomes, Dinorá de Castro

ANO DE DEFESA: 2006

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UCG

TÍTULO: A ‘Escola Municipal Flor do Cerrado’: uma experiência de educação de


adolescentes, jovens e adultos em Goiânia.

RESUMO
O tema deste trabalho inscreve-se na discussão da educação de adolescentes, jovens e adultos
da Rede Municipal de Educação (RME) de Goiânia. Teve como objetivo entender como vêm
se dando as relações entre a proposta de educação de jovens e adultos da RME de Goiânia e o
Projeto Político-Pedagógico proposto pelas escolas dessa rede. Optou-se, neste trabalho de
pesquisa, pela investigação do Projeto Político-Pedagógico da ‘EMFC’ proposto a seus alunos
adolescentes, jovens e adultos da 5ª a 8ª série do turno noturno, entre 2001 e 2005. Discutiu-se
a ‘Base Curricular Paritária’ como elemento de fundamental importância para as mudanças
que a proposta investigada vem buscando pôr em andamento. Verificou ser possível uma
atuação pedagógica articulada com as classes subalternas e que sinaliza na direção de uma
educação específica, crítica e democrática.
12

AUTOR: Santos, Esmeraldina Maria

ANO DE DEFESA: 2007

TIPO: Dissertação

INSTITUIÇÃO: UCG

TÍTULO: Os Saberes dos Professores do Ensino Fundamental da Educação de Adolescentes,


Jovens e Adultos.

RESUMO
A pesquisa adotou como objeto de estudo investigar os saberes que permeiam as práticas dos
professores da Eaja que atuam de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental noturno. As mudanças
ocorridas na sociedade contemporânea tem direcionado a formação de educadores e
educandos para a estreita visão mercadológica, predominante no mundo globalizado,
influenciando de forma negativa a qualidade do ensino, em especial, do ensino direcionado
para a Eaja, constituída basicamente de trabalhadores ou desempregados. A análise realizada
possibilitou a apreensão do percurso formativo dos saberes dos sujeitos investigados e de suas
implicações na prática da Eaja. Os discursos possibilitaram entender os desafios do trabalho
docente, que extrapolam o campo da formação. Na busca de atender a especificidade o
professor trabalha com os educandos da Eaja os conhecimentos buscados na própria realidade
do aluno.

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