Dissertacaoclaudia
Dissertacaoclaudia
Dissertacaoclaudia
O TRABALHADOR-ALUNO DA EAJA:
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
O TRABALHADOR-ALUNO DA EAJA:
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM.
GOIÂNIA
2008
2
BANCA EXAMINADORA
.........................................................................................
Profª Drª Maria Esperança Fernandes Carneiro
Universidade Católica de Goiás -UCG
..........................................................................................
Profª Dra. Lúcia Helena Rincón Afonso
Universidade Católica de Goiás - UCG
...........................................................................................
Profº Dra. Maria Margarida Machado
Universidade Federal de Goiás - UFG
Data: .................................................
3
Dedico:
Capitão de Indústria
Os Paralamas Do Sucesso
Agradecimentos
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
UM OLHAR SOBRE A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS E O MUNDO DO TRABALHO .............................................................. 20
1.1 Contextualização Social..............................................................................................20
1.2 O trabalho como Princípio Educativo ........................................................................24
1.2.1 O trabalho: elemento básico na constituição do homem .................................. 28
1.3 A História da EJA no Contexto da Educação Brasileira ........................................... 33
1.3.1 A Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos - Eaja - no Município de
Goiânia .............................................................................................................41
1.4 A Visão do currículo da Eaja da Rede Municipal de Educação de Goiânia sobre os
Jovens e Adultos Trabalhadores ................................................................................44
CAPÍTULO II
O MUNDO DO TRABALHO E A ESCOLA: A REALIDADE DOS SUJEITOS
ENVOLVIDOS ...............................................................................................................51
2.1 A EJA em algumas pesquisas e os trabalhadores-alunos da Eaja/Goiânia ............... 51
2.2 A escola e seu significado ......................................................................................... 68
CAPÍTULO III
DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DO(A)
TRABALHADOR(A)-ALUNO(A)
...................................................................................................................... 81
3.1 Escola espaço de encontro, construção de conhecimento e de conflito social .......... 81
3.1.1 A formação de professores ........................................................................... 92
3.1.2 Relação de Classe no espaço da escola ......................................................... 95
8
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
O propósito deste estudo foi investigar a realidade dos jovens e adultos trabalhadores-alunos
da 5ª à 8ª séries do ensino fundamental noturno, integrantes a Rede Municipal de Ensino de
Goiânia, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA. Buscou-se compreender a
correlação entre conhecimento obtido na escola e o mundo do trabalho. A pesquisa, intitulada
“O trabalhador-aluno da Eaja: desafios no processo ensino-aprendizagem”, objetivou refletir
sobre as mediações ou possíveis contradições entre a escolarização formal e o mundo do
trabalho; analisar, na proposta político- pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de
Goiânia, a articulação entre o ensino básico e a categoria trabalho; identificar a visão dos
alunos sobre o aprendizado na escola e sua relação com a esfera profissional. No que tange à
metodologia, optou-se por uma abordagem qualitativa, por entender que suas características
permitem melhor apreensão do objeto em estudo. As etapas da pesquisa foram: revisão da
bibliografia sobre a temática EJA e sua configuração no campo da educação brasileira, estudo
e análise da Proposta Político-Pedagógica para Educação de Adolescentes Jovens e Adultos
da RME/Goiânia e pesquisa de campo. Para a pesquisa de campo, utilizou-se os instrumentos
técnicos de investigação: questionário e entrevistas semi-estruturadas. Nas considerações
finais, ressaltou-se as análises obtidas por meio da pesquisa de campo e os diversos conflitos e
tensões apresentados pelos sujeitos da pesquisa, sobretudo os(as) trabalhadores(as)-aluno(as),
o que revelou vários aspectos relevantes sobre a relação educação/trabalho, bem como as
dificuldades em desenvolver, na prática, a integralidade da referida proposta pedagógica e sua
inconsistência teórica em relação à aprendizagem destinada ao trabalhador(a)-aluno(a).
ABSTRACT
The purpose of the current study is to investigate the reality of the young and adult studying
workers of EJA - Education of Youths and Adults - who are enrolled in 5th through 8th
grades of night elementary education program of Goiania Municipal School System.
Understanding the connection between the knowledge acquired in school and the work
environment has been in view. Entitled “The studying worker of EJA: challenges of
teaching-learning process”, the research has aimed to achieve three goals: 1) discussing
mediations or possible contradictions between formal education and the world of work; 2)
analyzing the connection between the basic education and the work as a category within the
limits of the political-pedagogic proposal of Goiania Municipal Education Office; and 3)
identifying both the student’s view of the school learning and its connection with the
professional context. Aiming at achieving a more comprehensive apprehension of the object
of study, qualitative research methodology has been employed. The research has been
accomplished taking into account three stages: 1) revising the bibliography on the theme of
EJA and its configuration in the field of Brazilian education; 2) studying and analyzing
“Goiania Municipal School System Political-Pedagogic Proposal for the Education of
Teenage Youths and Adults”; and 3) field research. Technical instruments of investigation,
such as questionnaires and demi-structured interviews, have been applied in the field research.
In final considerations both the analyses carried out with the help of field research and a
number of conflicts and emotional tensions undergone by the research subject - especially
studying workers - have been highlighted. As a result relevant aspects of the connection
between education and work has been revealed, especially the difficulties in developing the
mentioned pedagogic proposal as a whole in everyday practice and the theoretical
incoherence of such proposal concerning learning methods intended for studying workers.
Key words: Education; Education of Youths and Adults; Work and Education; World of
Work.
13
INTRODUÇÃO
1
Conforme afirma Antunes (1999, p. 205), a classe trabalhadora, na passagem do século XX para o XXI, “é
mais explorada, mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada, também no que refere a sua
atividade produtiva: é um operário ou uma operária trabalhando em média com quatro, com cinco, ou mais
máquinas. Os trabalhadores são desprovidos de direito, seu trabalho é desprovido de sentido, em conformidade
com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sob controle do capital, não só degradam a
natureza, levando o mundo à beira da catástrofe ambiental, como também precarizam a força humana que
trabalha, desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração.”
14
2
Estas turmas do ensino fundamental também são conhecidas como segundo segmento.
15
consciência do ser humano. Na visão de Marx, o homem não pode ser compreendido como
uma realidade isolada. Ele é, no seu tempo, o conjunto das relações sociais.
Nesta ótica, a educação é significativa na medida em que propõe uma análise crítica
da realidade e da sua transformação. Na visão de Freire (1979), a consciência crítica exige dos
sujeitos um compromisso com a transformação de sua realidade. Dessa forma, a educação se
afirma como espaço de construção do conhecimento e de cultura, em que os homens são
sujeitos desse processo. Conforme Gramsci (2004b), os homens são sujeitos do seu tempo;
produzem e também exercem atividade intelectual. Em sua opinião, não há separação entre o
fazer e o pensar. Saviani (2005) percebe que a criação é essencialmente humana. Para ele,
existe uma íntima relação entre educação e trabalho - aliás, educação, nessa óptica, é trabalho.
De acordo com Bruno (1996), desde o início o capitalismo tem registrado, na
história, uma educação com o papel de cumprir a necessidade da formação atrelada ao
mercado de trabalho, atendendo à formação ideológica de submissão ao capital. No atual
contexto, a educação tem recebido a incumbência de ser um instrumento básico para
qualificação das forças de trabalho. Na visão de Frigotto (2001), os conceitos de competência,
competitividade, habilidades, qualidade total e empregabilidade assumem importância no
processo de educação e aparecem como imposição ideológica de sustentação dos valores do
mercado e do capital, em detrimento aos valores humanos. Estes conceitos terminam por
afirmar, na presente relação de trabalho, a fragmentação, a precarização e a intensificação da
exploração do trabalhador. Reforça-se a visão individual de adquirir conhecimentos e
condições adequadas tão somente para inserção no mercado de trabalho.
O caminho a perseguir é conceber a EJA como formação permanente. É, portanto, o
caminho da continuidade, ou seja, para além da alfabetização ou da formação técnica
específica. A defesa de uma educação permanente para todos os sujeitos significa a
confirmação de um direito formalmente constituído e, entretanto, concretizado apenas para
uns poucos e, ainda, para atender à demanda da formação em função exclusiva do mercado.
No entendimento de Oliveira e Paiva (2004), a intervenção pedagógica a ser
realizada com jovens e adultos deve partir da concepção de que a aprendizagem deve estar na
realidade desses sujeitos, o que aponta para uma discussão de produção da existência por
meio do trabalho; e mais, para a elaboração de sua identidade, sua participação como cidadão
e sua leitura crítica como ser social.
A discussão principal da EJA passa pela condução de reflexões, práticas e
aprendizagens traduzidas a partir do direito humano a acesso e permanência na escolarização.
16
Conforme Machado (2007), tem-se travado uma luta histórica para assegurar, nas políticas
públicas, a oferta, no mínimo, da educação básica para jovens e adultos no país.
Por último, os enfoques inserção e permanência, interfaces da categoria trabalho,
serão estudados a partir das reflexões sobre o atual contexto social em que o trabalho vive a
subordinação ao capital. De acordo com Frigotto (2001), o atual mundo do trabalho utiliza de
uma parte dos trabalhadores no campo da formalidade e empurra uma grande parcela para a
informalidade.
Essa investigação empreendeu uma pesquisa do tipo qualitativa, por entender que
suas características básicas permitem uma melhor apreensão do objeto em sua totalidade, pois
“se desenvolve numa situação natural, é rica em dados descritivos, tem um plano aberto e
flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada.” (LUDKE; ANDRÉ
1986, p. 18).
Os estudos qualitativos, com o olhar da perspectiva sócio-histórica, contribuíram na
valorização dos aspectos descritivos e as percepções pessoais, as quais focalizaram o
particular como elemento constituinte na globalidade do contexto social.
A pesquisa de campo foi iniciada em outubro de 2006, em três escolas escolhidas em
bairros localizados em três regiões da grande Goiânia. Essas escolas tornaram-se lócus deste
estudo por apresentarem as seguintes características: foram instaladas no final da década de
1960, desde o início trabalhavam com EJA e, assim, vivenciaram a experiência do antes e do
depois da proposta da SME/2000, específica para a atuação na educação de jovens e adultos;
têm tempo de experiência no segundo segmento (5ª a 8ª série) e possuem aproximadamente
260 alunos no turno noturno, no segundo segmento. Esse conjunto de condições possibilitou
espaços favoráveis para o desenvolvimento da pesquisa e a busca das respostas para as
indagações feitas.
Inicialmente, procurou-se realizar um levantamento das pesquisas referentes à EJA,
na perspectiva de perceber as contribuições desses estudos para a referida modalidade e
também para esse objeto de estudo. Buscou-se estudos acadêmicos referentes ao tema no
período de 1997 a 2007. Por meio de consultas à Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Educação (ANPED), algumas bibliotecas virtuais de universidade públicas,
sobretudo da Universidade Federal de Goiás (UFG), e na Universidade Católica de Goiás
(UCG). Esse levantamento permitiu perceber a carência de pesquisas sobre a temática da EJA,
principalmente no que se refere ao segundo segmento do ensino fundamental.
A partir da revisão bibliográfica, foi possível obter o conhecimento da história da
EJA no Brasil, bem como entrelaçar essa modalidade de ensino com a educação em geral, por
17
meio de uma constante discussão de idéias com os vários autores e pesquisadores da educação
e do mundo do trabalho. Outra fonte importante refere-se à participação da pesquisadora no
Fórum Goiano de EJA3, que possibilitou o encontro com diversas experiências vivenciadas
pela modalidade de EJA no Estado de Goiás, além de permitir a inserção nas várias
discussões propiciadas em encontros temáticos4: estaduais, nacionais e preparatórios para a
conferência internacional, a ser realizada em 2009, na cidade de Belém- Pará.
Para a coleta de dados e informações, foram utilizados vários procedimentos
metodológicos, mediante as seguintes técnicas: análise documental (leis, resoluções,
pareceres, diretrizes e propostas pedagógicas referentes à Educação de Jovens e Adultos),
questionários para compor o perfil dos sujeitos pesquisados, entrevistas com alunos,
professores e outros profissionais da educação que compreendem o quadro do ensino noturno,
bem como a realização de observações de campo.
Com fundamento em Bogdan; Biklein (1997), foi possível compreender que, na
investigação qualitativa de cunho sócio-histórico, o campo é o lócus privilegiado em que se
abre a possibilidade de responder à questão orientadora da pesquisa, a saber, qual a
contribuição do processo ensino-aprendizagem da Eaja para o(a) aluno(a), sobretudo em seu
trabalho/profissionalização. Na expectativa de buscar respostas a essa indagação, foi
necessária uma aproximação com a realidade por meio das observações, dos encontros,
através de discursos verbais, gestos e expressões, além dos registros nos diários de campo,
que contribuíram para a composição do panorama social.
O diário de campo possibilitou registrar as observações realizadas em sala de aula,
nos intervalos das aulas e nas conversas informais com os(as) alunos(as). Por meio desse
instrumento, registraram-se os encontros com educadores(as), diretoras das escolas e outros
funcionários. Foram analisados também os planejamentos e conselhos de turmas.
3
Em 1999, foi constituída uma comissão para a criação do Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos, que
promoveu reuniões periódicas e constituiu-se em Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos, em 29 de
novembro de 2002, dando continuidade à iniciativa daquela comissão, e procurando agregar o poder público,
entidades de classe, organizações não-governamentais, empresas e outras instituições, no sentido de fortalecer
a EJA no Estado de Goiás. Centrado em seus objetivos na proposição de temáticas pertinentes ao pensar e fazer
da EJA e na possibilidade de construção de uma política democrática para a modalidade. (Relatório-Síntese do
V Encontro Estadual do Fórum Goiano de EJA, abril de 2006).
4
II Encontro Temático – Avaliação na EJA – março/2006; V Encontro Estadual do Fórum Goiano de EJA –
Uma Política de Estado: alfabetização e continuidade enquanto direito – abril/2006; III Encontro Temático –
Financiamento da EJA – agosto/2006; VI Encontro Estadual do Fórum Goiano de EJA – EJA educação básica
e formação continuada – maio/2007; II Seminário Nacional de Formação de Educadores da EJA – maio/2007;
VI Encontro Temático – EJA e o mundo do trabalho: o que é isso? – novembro/2007; Encontro Estadual
Preparatório para a VI CONFINTEA – Brasil – Educação e Aprendizagens de Jovens e Adultos ao Longo da
Vida – março/2008 e a participação da pesquisadora como relatora do I Seminário de Pesquisa: desafios da
integração entre EJA e educação profissional – março/2008.
18
5
Índices de analfabetismo informados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, por meio da
pesquisa por amostra de domicílio/PNAD de 2006, em relação à população total de aproximadamente
173.000.000 de brasileiros acima de cinco anos de idade.
1
de alfabetização seja insuficiente, enquanto patamar educacional, para uma melhor inserção
no mercado de trabalho e para a obtenção de maiores salários, já que o ensino médio completo
é o patamar de referência para melhores condições de vida. Dessa forma, estamos distantes de
vislumbrar, de fato, a socialização do saber
A ampliação do número de vagas, ao longo dos últimos anos, para o ensino básico,
não diminuiu o complicador referente à continuidade dos estudos de grande parte da
população. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas/INEP aponta dados significativos que
confirmam o cenário de desigualdade, pois cerca de 41% dos estudantes brasileiros continua
sem concluir sequer o nível obrigatório de escolaridade.
O contexto apresentado pelo INEP representa um desafio social para a escola, pois
cabe a ela contribuir com a transformação dessa realidade educacional. Nas palavras de
Santos (1992, p. 19), a educação escolar deve colaborar na superação da “marginalidade a que
são submetidos os grupos sociais e indivíduos pobres”. Na visão desse autor, o significado da
escola como instituição passa necessariamente pela partilha do saber que foi construído e
acumulado socialmente ao longo da história da humanidade. Assim, educação e
transformação social se relacionam, pois essa pode abrir um caminho para que homens e
mulheres participem de forma ativa da realidade em que vivem. Uma educação integral, que
propicie aos indivíduos autonomia e capacidade de sair da condição de explorado e dominado.
3
observa-se que a cada 100 jovens que ingressam no mercado de trabalho no período
de tempo em referência [1995 a 2005], somente 45 encontraram algum tipo de
ocupação, enquanto 55 ficaram desempregados. Quando se trata da situação por
gênero, observa-se que cada 100 jovens do sexo feminino que entram no mercado de
trabalho, somente 40 conseguiram uma ocupação e 60 ficaram desempregadas,
enquanto a cada 100 jovens do sexo masculino que também ingressam no mercado
de trabalho, 50 tornaram-se desempregados e 50 arrumaram algum tipo de ocupação
(POCHMANN, 2007, p. 4).
Sobre a questão do estudo, nesses 10 anos o relatório indica que houve um aumento
do número de jovens na escola, mas, ainda assim, a maior parcela não se encontra no espaço
escolar, “(53,2%) da faixa etária de 15 a 24 anos não estuda, sendo menor entre as mulheres
(52,4%) do que em relação aos homens (53,6%)”. O autor constata ainda que 39,4% dos
jovens não pararam de trabalhar entre 1995 e 2005, ou seja, viveram a dualidade estudo e
trabalho.
Os indicadores apresentados sobre a realidade de vida dos jovens no Brasil
reafirmam a entrada precoce e precária no mercado de trabalho, sem as condições desejáveis
para a sua integração social. O que se constata é “o agravamento da condição juvenil [que]
aparece como inexorável, reproduzido pela decadência educacional e pela degradação social”
(POCHMANN, 2007, p. 2).
Esta realidade gera desesperança quando se constata que, em sociedades complexas
como a brasileira, “os indivíduos não só têm de ser preparados para vida social e política, mas
também para o trabalho, para o desenvolvimento de suas habilidades e, ainda, para a
sistematização e organização do conhecimento universal, a produção científica, as conquistas
da tecnologia e da cultura mundial.” (SANTOS, 1992, p. 18).
É esta situação complexa que vem exigindo, como patamar de empregabilidade o
ensino médio, quando não até mesmo o superior. Neste sentido, os trabalhadores-alunos da
4
EJA voltam à escola não só em busca do saber para continuar trabalhando, como também para
construir novas possibilidades de trabalho.
Por outro lado, a formação humana coloca o trabalho como um elemento
indispensável à educação. No trabalho, a educação é parte integrante, intrínseca, articulando
teoria e prática, conforme será abordado a seguir.
Neste ponto, a diferença colocada por Marx entre o animal que se reproduz a si
mesmo e o homem que reproduz a natureza inteira só pode ser compreendida
atentando-se para o aspecto consciente que distingue a produção humana do animal;
efetivamente, o homem, no seu trabalho produtivo, propõe-se a conservar ou
modificar a natureza, coisa que não se pode dizer do animal (ENGUITA, 1993, p.
104).
Esta concepção indica que as relações sociais são estabelecidas na produção da vida
material. Os homens desenvolvem forças produtivas, que mudam no decorrer do processo
histórico, assim como mudam o modo de produção e as relações sociais. Estas são, portanto,
estabelecidas a partir da produção material da vida, que também desenvolve princípios, idéias,
5
7
Bruno (1996, p. 92), propõe trabalhar com uma definição de qualificação bastante ampla, mas clara. Em suas
palavras a qualificação “é um conjunto estruturado de elementos distintos, hierarquizados e reciprocamente
relacionados. Esta hierarquização decorre de contextos históricos e situações de trabalho bem definidas. Isto é,
decorre imediatamente das relações sociais estabelecidas em contextos dados.”
6
“realização de operações que exigiam grande esforço físico e habilidades manuais mais
aprimoradas”. A segunda etapa, a Segunda Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XIX e
XX, reforçou o “adestramento muscular e manual” e, concomitantemente a essa formação
inicia-se uma preocupação com os “componentes intelectuais”. Na terceira e atual etapa, a
Terceira Revolução Industrial, iniciada em 1970, a autora aponta como característica
predominante a qualificação dos componentes intelectuais da força de trabalho.
Trata-se hoje, pelo menos nos setores mais dinâmicos da economia mundial, de
explorar não mais as mãos do trabalhador, mas seu cérebro. Este deslocamento do
foco da exploração, do componente muscular para o componente intelectual do
trabalho, constitui o elemento fundamental do processo de reestruturação do
trabalho, encontrando viabilidade técnico-operacional na chamada Tecnologia de
Informação (microeletrônica, informática e outras teorias afins, que tem a virtude de
possibilitar processos de trabalho mais integrados e flexíveis e nas formas sistêmicas
de organização do trabalho) (...) (BRUNO, 1996, p. 92).
A autora argumenta que a formação das novas gerações é um processo complexo que
envolve vários campos sociais e inúmeras instituições, sobretudo a escola. Em sua opinião,
embora a esfera do trabalho tenha implementado maior qualificação e, conseqüentemente, de
forma seletiva, esta qualificação só acontece para aqueles que já apresentam conhecimentos
básicos; neste sentido, a esfera trabalho apenas consolida aptidões já adquiridas.
Na visão de Gramsci, a formação da cultura geral não pode estar distante da formação
específica e profissional. Conforme Rodrigues (2005, p. 15):
a escola, cuja atuação é trabalho, que tem por função preparar as novas gerações
para o trabalho. Preparar para o trabalho em Gramsci, não significa preparar para o
mercado de trabalho, mas preparar o homem omnilateral, na sua totalidade , na sua
capacidade transformadora, o que não significa se submeter ao mundo da produção.
Por meio do trabalho, o ser humano constrói sua própria história, reunindo
conhecimentos científicos e transformando concretamente o meio ambiente e a sociedade. De
acordo com Enguita (1993, p. 106),
Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma
análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades
humanas e não há homens isolados (...). Se a vocação ontológica do homem é a de
ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre
suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto mais
for levado a refletir sobre situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal,
mais ‘emergerá’ dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua
realidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve
intervir cada vez mais (FREIRE, 1979, p. 61).
8
Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não
se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua
profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ‘filósofo’,
um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma
linha consciente de conduta moral, contribui, assim, para manter ou para modificar
uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar.
8
De acordo com o relatório da análise da PNAD/IBGE - 2006, o índice de desempregados foi de 8,4% e 20,5%
trabalham sem carteira assinada, e 19,5% trabalham por conta-própria. Conforme o referido relatório,
considera-se na informalidade: trabalhadores sem carteira assinada e por conta-própria.
9
o animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações somente por sua
presença; o homem a submete, pondo-a a serviço de seus fins determinados,
imprimindo-lhe as modificações que julga necessárias, isto é, domina a Natureza.
Essa é a diferença essencial entre o homem e os (...) animais; e, por último, é o
trabalho que determina essa diferença (ENGELS, 1991, p. 223).
foi capaz de produzir o fogo, dominá-lo e aprendeu a utilizá-lo, o que assinalou um grande
avanço técnico nessa fase.
Na medida em que a ação predominantemente predatória aos poucos se transforma
em atividades de cultivo e plantio, com a domesticação de animais e a divisão do trabalho por
sexo e idade, houve o desenvolvimento das forças produtivas. Esse avanço ocasionou uma
maior diversificação de alimentos e a combinação dos vegetais com a carne, possibilitando
grande fortalecimento físico e, principalmente, o desenvolvimento do cérebro. Essa realidade
demarca a passagem do nomadismo para o sedentarismo. O homem sedentário descobriu a
escrita e desenvolveu formas complexas de sociedade, organizando-se coletivamente no
âmbito do trabalho. O trabalho, desde a sedentarização do homem e da criação da
propriedade, vai se distanciando da perspectiva de humanização, embora, na visão de
Manfredi (2003), os trabalhadores ainda controlavam seu processo de produção.
A sociedade passa a se constituir de homens trabalhadores e de homens que se
apossam do trabalho dos outros. Assim, entende-se esse período como o momento no qual as
relações entre os homens se alteram consideravelmente, o que irá dar origem ao que foi
denominado de “civilização”, marcada pela produção de excedentes econômicos, pelo
surgimento de grupos fortes que se apropriam desses excedentes e pelo nascimento da
propriedade privada, das classes sociais e do Estado.
No período moderno, século XVI, as relações vão se tornando cada vez mais
evidentes no processo do “trabalho desfigurado”, na linguagem de Costa (1996, p. 6). Surgem
as corporações de ofício9 e a separação entre o trabalho manual e o intelectual, o que será
ampliado com a progressão da manufatura e, posteriormente, com a intensificação da
indústria. Para Marx, compreender a lógica da sociedade capitalista e seus efeitos negativos
sobre o homem é perceber a alienação do homem como ser genérico e, conseqüentemente, o
distanciamento do homem do próprio homem. Nas palavras de Marx (2001, p. 113), “quanto
mais civilizado o produto, mais desumano o trabalhador, quanto mais poderoso o trabalho,
mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna escravo da natureza.”
O trabalho não aparece mais como elemento de humanização, mas de deterioração do
homem, que começa perder sua condição de sujeito. Nas palavras de Marx (2001, p. 112), “o
trabalhador põe sua vida no objeto; porém agora ele não lhe pertence, mas sim ao objeto.”
Essa é, na visão de Marx, a forma do trabalho alienado ou exterior ao trabalhador.
9
As corporações de ofício representam a base das futuras categorias sócio-profissionais, na visão de Manfredi
(2003, p. 39) “A divisão social do trabalho está na origem da formação de grupos homogêneos de pessoas e
instituições que constituíram as corporações de ofício, posteriormente substituídas pelos grupos ocupacionais
ou profissionais.”
11
o trabalho, atividade vital, a vida produtiva, aparece agora para o homem como o
único meio que satisfaz uma necessidade, a de manter a existência física. A vida
produtiva, entretanto, é a vida genérica. É vida criando vida. No tipo de atividade
livre, consciente, constitui o caráter genérico do homem. A vida revela-se
simplesmente como meio de vida (MARX, 2001, p. 116).
Neste início de século, a velha ordem mundial, com novas roupagens, merece análise
e reflexão acerca da complexidade do mundo do trabalho. Em tempo de globalização, é
possível perceber as mudanças nas características da classe trabalhadora, que se apresenta
fracionada e vivenciando o poder destrutivo do sistema capitalista. Além da lógica perversa
de intensificação da exploração dos trabalhadores, impõe-se a essa classe uma situação de
subemprego e desemprego de grande parte da população dos países subordinados
economicamente.
O sujeito da EJA não se configura em exceção ao mencionado contexto histórico.
São pessoas que trabalham cerca de 8 a 10 horas por dia, com salários iguais ou pouco
maiores que o mínimo, quando possuem registro na carteira de trabalho. Quando trabalham na
12
informalidade, não raro percebem menos que o salário mínimo. Os dados da PNAD/IBGE –
2006 confirmam essa situação: a população trabalhadora representa um índice de 57% da
população brasileira. Desses, 30,5% possuem rendimentos de até um salário mínimo 10.
As mudanças no mundo do trabalho carregam as características da heterogeneidade,
da fragmentação e da complexificação. Neste sentido, a classe trabalhadora no mundo atual
não pode ser analisada a partir de uma ótica de identidade com aquela que existiu na metade
do século XX. Assim, a tese que comumente tem sido defendida por alguns, o fim da classe
trabalhadora, merece um olhar diferenciado, que mostra uma outra lógica ordenada e um
processo pautado na dinâmica de desenvolvimento do capitalismo. Nas palavras de autores
Ricardo Antunes e Giovanni Alves (2004), a classe trabalhadora nesse início de século “não
está em vias de desaparição, nem ontologicamente perdeu seu sentido estruturante.”
A professora Lúcia Bruno (1996, p. 95), em suas reflexões sobre educação,
qualificação e desenvolvimento econômico, comunga da mesma visão desses autores, quando
analisa a conjuntura econômica e o mundo do trabalho no século XXI:
10
Em relação a uma população de 187.228.000, dados da PNAD/IBGE – 2006, 57% de trabalhadores brasileiros
somam um total de 106.719.960. Desses, 30,5% somam um total de 32.549.587 trabalhadores que percebem
até um salário mínimo (cálculo realizado pela pesquisadora).
13
11
Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, entre
outros.
12
Conforme Gentili (1994, p. 13), o neoliberalismo “... é um processo amplo de redefinição global das esferas
social, política e pessoal, no qual complexos e eficazes mecanismos de significação e representação são
utilizados para criar e recriar um clima favorável à visão social e política liberal. O que está em jogo não é
apenas uma reestruturação neoliberal das esferas econômica, social e política, mas uma reelaboração e uma
redefinição das próprias formas de representação e significação social.”
15
13
De acordo com Haddad; Pierro (2000) a preocupação com a Educação de Jovens e Adultos não aparecia de
modo claro nesta constituição, entretanto, o princípio voltado para seguridade de um ensino que formasse
todos os cidadãos subentende, para esses autores, que essa modalidade de ensino estava implícita nesta
legislação.
14
O Ato Adicional à Constituição de 1834, conforme Ribeiro (1981), apresenta uma “orientação
descentralizadora (maior autonomia às províncias), e que diz em seu artigo 10: ‘Compete às mesmas
Assembléias (Legislativas Provinciais) legislar: (...) Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a
promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos academias atualmente
existentes, e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral.”
16
grupo minoritário, as elites, impedindo uma educação mais ampla, já que as Províncias
apresentavam fragilidade econômica, além de ficarem à mercê da política das oligarquias
regionais. É importante salientar que essa Constituição marcou também a exclusão de adultos
analfabetos nas eleições e que, nesse período, a grande maioria da população adulta não sabia
ler e escrever.
O período chamado de Primeira República marcou também inúmeras reformas
educacionais que demonstravam “preocupação” de forma bastante descompromissada com as
condições mínimas para o ensino básico. Concretamente, nada ocorreu para mudar a situação
de precariedade, pois não existia uma política de financiamento que pudesse estabelecer outra
realidade. Durante este período, a formação profissional foi mantida a partir dos liceus, com
ampliação para outros estados e terminou constituindo iniciativa para construção de escolas
profissionalizantes no âmbito nacional.15
15
No Estado do Rio de Janeiro no ano de 1906, Nilo Peçanha (governador naquele período) criou três escolas de
ofício, orientadas para a formação profissional. As escolas contavam com um aparato técnico e ideológico
para o trabalho industrial e manufatureiro. Manfredi (2003, p. 85) argumenta “embora as escolas não tivessem
sucesso, por causa da vitória de seus opositores [de Nilo Peçanha] nas eleições seguintes, Nilo Peçanha, já
como Presidente da República [1909 a 1910], instaurou, [por meio do Decreto 7.566 de 23/09/1909], uma
rede de 19 escolas de aprendizes e artífices, dando início à rede federal, que culminou nas escolas técnicas e,
posteriormente, nos Cefets.”
17
16
De acordo com Manfredi (2003), esse centro de ensino tinha uma estrutura complexa, com parceria do
governo estadual viabilizando por meio de equipamento especializado e professores de educação geral. As
empresas ferroviárias paulistas davam uma contribuição financeira, conforme o número de empregados, e
participavam no conselho diretor do CEFESP.
17
De acordo com Manfredi (2003) os ramos profissionais do ensino médio foram instituídos pelos seguintes
atos: o ensino industrial pelo Decreto-Lei 4.073, de 30/01/1942; o ensino comercial pelo Decreto-Lei 6.141,
de 28/12/1943; o ensino normal pelo Decreto-Lei 8.530, de 2/01/1946 e o ensino agrícola pelo Decreto-Lei
9.613 de 20/08/1946.
18
Para Fávero (2004, p. 14) os dados relativos aos anos de 1940 e 1950 revelam que o movimento de
redemocratização contribuiu para o lançamento, em 1947, da primeira Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA). “Pelo censo de 1940, foram mostrados os altos índices do analfabetismo:
cerca de 55% para todo o país, considerando a população de 18 anos e mais; nos estados do Sul e Sudeste, em
torno de 40%; no Norte e no Nordeste, 72%; no Leste e no Norte, os mesmos 55% nacionais. O que provoca
18
uma tomada de posição do Estado é o movimento de redemocratização do país, após a ditadura de 1937-1945,
aliado às iniciativas mundiais da recém-criada Unesco, ao final da Segunda Guerra Mundial”.
19
Dentre estas destacam-se a criação do Serviço de Educação de Adultos em 1947, junto ao Departamento
Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde; a Campanha Nacional de Educação Rural, em
1952; a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, em 1958, e o II Congresso Nacional de
Educação de Adultos no Rio de Janeiro, em 1958.
19
pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pela ala progressista da Igreja
Católica, desenvolveu um projeto educativo, utilizando um sistema de radiodifusão, por meio
do qual se procurava a valorização da cultura local e universal, permitindo, assim, uma nova
consciência social. Importante enfatizar que esse período marca o começo dos movimentos de
cultura popular no Brasil à luz de Paulo Freire; as primeiras experiências de uma educação
libertadora.
Não obstante, é nessa mesma década que ocorre a desmobilização dos movimentos
de educação e cultura popular, devido à repressão imposta pelo Estado autoritário, após a
instauração do regime militar, mediante o Golpe de março de 1964. O Movimento de
Educação de Base ( MEB) tentou resistir até 1966, mas as dificuldades para conseguir verbas,
a censura do governo e da ala conservadora da Igreja Católica levaram à perseguição e à
prisão de monitores e animadores e ao encerramento de suas atividades.
20
A Avaliação de Educação para Todos (EPT) 2000 demonstra que houve progressos significativos em muitos
países. Mas é inaceitável que, no ano 2000, mais de 113 milhões de crianças continuem sem acesso ao ensino
primário; que 880 milhões de adultos sejam analfabetos; (...) Nega-se a jovens e adultos o acesso a técnicas e
conhecimentos necessários para encontrar emprego remunerado e participar plenamente da sociedade. (EPT,
2000, p. 09).
21
Os artigos 39 a 42 tratam, da educação profissional, propondo conforme o art. 40 “uma articulação com o
ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no
ambiente de trabalho. O Decreto 2.208/1997 regulamenta os referidos artigos da LDBEN e, de acordo com
Filho (2006, p. 22), “estabelece os níveis básico, técnico e tecnológico da educação profissional; impede a
oferta integrada do ensino médio com a educação profissional técnica.”
21
apontadas nesta LDB e no Decreto 2.208/1997 trouxeram mudanças afinadas com a lógica
estreita do mercado de trabalho e afirmação da concepção neoliberal na sociedade brasileira.
Nesse sentido, os cursos22 implementados são aligeirados e de pouca qualidade. Impõe-se
uma nova dimensão de currículo em que, na argumentação de Filho (2006, p. 27), há uma
“redução significativa de conteúdos de base científica, profissional e humanística,
redirecionando-se os currículos para a priorização de conteúdos técnicos aplicados e para a
organização e gestão da produção empresarial.”
A seção que faz referência à educação de jovens e adultos na Lei de Diretrizes e Base
9.394/1996, reafirma o direito de os jovens e adultos trabalhadores terem acesso ao ensino
básico dentro de suas condições e especificidades. Além disso, fica determinado que o poder
público tem o dever de assegurar essa modalidade de educação gratuitamente, na forma de
cursos e exames supletivos. Neste sentido, o governo FHC retomou as campanhas de
alfabetização de curto prazo, com o propósito de preparar o trabalhador para o mercado de
trabalho. Sendo assim, mais uma vez priorizou-se o início da escolarização e desconsiderou-
se sua continuidade.
Diante do contexto histórico apresentado, é possível perceber que as políticas
educacionais para jovens e adultos no Brasil apresentam, como característica básica, a
descontinuidade de programas e poucas condições para que esses grupos tenham assegurada a
continuidade de seus estudos. Em resposta a essa realidade, as secretarias municipais de
educação foram assumindo, gradativamente, a responsabilidade pelo atendimento a essa
modalidade de ensino.
Neste sentido, a última década do século XX foi desafiadora para os municípios
brasileiros, que se viram obrigados a assumir a educação, tanto na modalidade infantil como o
ensino fundamental.
22
Conforme Filho (2006), a reforma iniciada na década de 1990 termina por transformar as Escolas Técnicas
Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica, ofertando Cursos Superiores de Tecnologia.
22
profissionais de sua rede pública de ensino, além de construir uma autonomia acerca da
legislação, desligando-se do Estado e constituindo a posição de sistema próprio, ao criar, no
ano 1998, o Conselho Municipal de Educação (CME) e toda a regulamentação das diretrizes
que norteiam o funcionamento desse sistema.
A Secretaria Municipal de Educação (SME) implementou, a partir do ano de 2000,
uma política educacional direcionada aos adolescentes, jovens e adultos do período noturno.
Esse período sempre apresentou sua especificidade, pois a maioria dos alunos já são
trabalhadores e recorrem à escola noturna como única oportunidade de continuar sua
formação escolar. Dessa forma, construir uma proposta voltada para o noturno tem
significativa importância. Essa proposta foi fruto da experiência vivenciada na década de
1980, e também de um longo período de estudos desenvolvidos no período de 1992 a 1999.
As escolas do município de Goiânia, durante a década de 1980, apresentavam, de
modo geral, condições precárias. No período noturno, o quadro se mostrava preocupante, pois
nem sempre os espaços da escola eram disponibilizados para os alunos do noturno. Os
materiais didáticos utilizados eram os que sobravam dos alunos do diurno e os conteúdos
ministrados não convergiam para a realidade do aluno-trabalhador. Quanto à organização
escolar, as restrições e a vigilância aos alunos demonstravam um desrespeito aos sujeitos
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Enfim, a impressão repassada, tanto para
educandos como para educadores, era a de que o espaço era cedido ou emprestado, formando,
assim, um sentimento de alheamento da realidade escolar.
Destaca-se, também, como aspecto agravante dessa realidade, a existência de número
reduzido de escolas disponibilizadas no período noturno, em meio a uma grande demanda, o
que gerava a superlotação das salas de aula. Diante dessa realidade, a SME, por meio de
estudos e debates, buscou implementar ações com vistas ao desenvolvimento de uma
proposta23 pedagógica voltada para a especificidade da Educação de Jovens e Adultos.
Conforme sustenta Machado (1997, p. 75), “a proposta de Educação de Jovens e Adultos da
SME em Goiânia nasceu das discussões em torno dos eixos norteadores do programa da
administração petista da época”. Essas discussões consubstanciaram as ações implementadas
na administração iniciada em 2000 e estenderam-se para os governos posteriores.
23
O projeto de pesquisa foi realizado em 41 escolas da Rede Municipal de Ensino, no período de 2001 a 2004.
De acordo com o documento que apresenta o Projeto de Pesquisa, o objetivo do trabalho proposto às escolas
era construir uma proposta curricular de ensino-aprendizagem, avaliação e formação continuada para
educação de adolescentes, jovens e adultos (Eaja) que estivesse embasada na realidade do ensino noturno da 1ª
a 8ª série, visto pelo olhar dos educandos e profissionais da educação. (SME/DEPE/EAJA, 2004).
23
24
Fez parte de uma pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico/CNPQ e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP, no período de
2003-2006, na qual foram estudadas seis regiões metropolitanas, dentre essas regiões Goiânia foi escolhida
com o propósito de investigar o caminho percorrido no que diz respeito à política pública. Na seqüência,
desenvolveu-se um estudo de caso que relatou a experiência local, compreendendo a história da construção
coletiva da proposta curricular da Eaja, bem como mais seis projetos voltados para a Eaja na SME, no período
de 2001-2004. Cabe esclarecer que conforme relato do estudo de caso (2007, p. 214), não aprofundou no
conteúdo trabalhado nos sete projetos, mas optou por eixos que foram aprofundados “financiamento da EJA
no município de Goiânia, naquilo que é possível aproximá-lo de uma noção de custo por aluno de EJA na rede
municipal, e a construção coletiva de uma proposta curricular para essa modalidade de ensino no município”.
25
A proposta é resultado de um longo processo de reflexões que ocorreu no período de 1992 a 1999. Durante
oito anos, foram propiciados debates e seminários com educadores, bem como momentos de trocas de
experiências. Essas ações oportunizaram a solidificação do aspecto legal (Lei nº 9394/96), por meio do qual a
Educação de Jovens e Adultos deixou de ser adendo e passou a ser modalidade com tratamento especial,
propiciando novas perspectivas institucionais nos sistemas de ensino, como o município de Goiânia, que
assumiu o desafio de construir e consolidar a referida proposta.
24
aprendizagem da Eaja. Este relato (2007, p. 224) traz a avaliação dos vários sujeitos da
pesquisa e suas observações referentes à complexidade na construção coletiva do
conhecimento,
currículo e conhecimento são duas idéias indissociáveis, pois o currículo tem a ver
com o processo pelo qual o homem adquire, assimila, constrói e reconstrói
conhecimentos em um tipo particular de experiência proporcionada pela prática
pedagógica refletida e intencional dos/as educadores/as e educandos/as sobre o
mundo para transformá-lo (ação-reflexão-ação, portanto, práxis). (GOIÂNIA, 2000,
p. 16)
Para Freire (1980, p. 38), a cultura é a capacidade de criar dos homens e mulheres
nas relações que vão tecendo ao longo da história. Em sua expressão,
é lícito dizer que o homem se cultiva e cria a cultura no ato de estabelecer relações,
no ato de responder aos desafios que lhe apresenta a natureza, como também, ao
mesmo tempo, de criticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma ação
criadora a aquisição da experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou
que precederam.
Assevera Giroux (1983) que a cultura torna um conceito crítico quando propicia uma
reflexão das existências concretas da humanidade. A cultura assume sua realidade dual, pois
pode ser um meio de repressão ou uma via de transformação. Giroux (1983, p. 216) reporta-se
a Gramsci para confirmar a sua visão: “a cultura se torna o material bruto para dominação ou
para libertação.”
Na perspectiva de uma concepção crítica como princípio educacional, a noção de
estrutura e ação humanas e o construto de cultura e autonomia recusam o entendimento de que
a escola é um simples local de instrução. Desta forma, o conceito de cultura é politizado e
aponta também a necessidade de refletir na escola a cultura como contradição e possibilidade
de luta.
Dessa forma, conforme afirma Giroux (1983), a escola deve ser vista como um
conjunto de práticas sociais em constante interação com a realidade de outras instituições
sócio-econômicas e políticas que controlam e legitimam a sociedade dominante. Compreender
como o poder e o conhecimento conectam a instituição educacional à luta de classes gerada
pela ordem social vigente significa assumir uma concepção radical de educação, marcando
uma posição de resistência frente a uma produção unilateral ditada como pronta e acabada.
Na proposta, a preocupação com o público atendido, - os alunos trabalhadores ou que
estão buscando trabalho - é assim registrada:
compatível com o/a educando/a trabalhador/a, carga horária e currículo voltado à sua
realidade, bem como flexibilidade de freqüência, matrícula e avanço a qualquer momento do
ano letivo (GOIÂNIA, 2000, p. 14).
a construção do currículo escolar está assentada na reflexão sobre por que se ensina
isto e não aquilo, numa relação dialógica enquanto condição metodológica e de
resgate pela escola dos saberes populares, articulando-os aos saberes científicos, na
busca de desvelar a realidade para transformá-la (GOIÂNIA, 2000, p.18).
Por último, vale destacar que Freire (2005) propõe a organização do conteúdo
programático da educação a partir do contexto presente, existencial, concreto, pensando no
conjunto das aspirações do povo. Para ele, buscar a construção desse conteúdo é o que
promove o diálogo da educação como prática da liberdade. Assim, o espaço da investigação
do “universo temático”, ou o conjunto dos “temas geradores” dos grupos em processo de
conhecimento é a experiência da existência e, também, a consciência crítica das relações
humanas e das relações do homem com o mundo. Conforme expresso na proposta, o currículo
perpassa
26
Nosella (2002, p. 37), em seu artigo “Trabalho e Educação”, explica que poiésis “é, afinal, a gigantesca obra
da revolução, que visa relacionar a máquina com o homem universal e eliminar a separação entre
trabalhadores das mãos e trabalhadores da inteligência”.
29
a práxis requer uma análise da realização da proposta no cotidiano da escola. Será necessário
registrar as vozes dos educandos e dos educadores, enfim, de todos aqueles envolvidos no
processo do conhecimento. Conhecimento defendido como meio de possibilitar aos jovens,
homens e mulheres capacidade de se tornarem donos do seu pensamento e da sua ação,
artífices diretos da história de seu tempo.
É sabido que o número de pesquisas27 na modalidade de EJA ainda é insuficiente
para pensar as diversas inquietações advindas dessa modalidade. Mas, ainda assim, alguns
projetos de pesquisa desenvolvidos pelos cursos de pós-graduação de diversas universidades
do país têm contribuído para subsidiar estudos e reflexões. Nesse sentido, procurou-se fazer
um levantamento de pesquisas que aproximassem deste tema, e que pudessem contribuir com
a pesquisa. O levantamento foi realizado com um recorte temporal definido, 1997 a 2007.
Portanto, no capítulo posterior serão registradas as pesquisas mais pertinentes para o estudo.
Em anexo serão apresentadas as pesquisas levantadas, em forma de resumo. Essa é a
pretensão do capítulo a seguir.
27
O professor Sérgio Haddad, coordenador de um estudo para composição do estado da arte da Educação de
Jovens e Adultos no Brasil de 1986 a 1998, publicado em 2002 pelo MEC/INEP/Comped, por meio de um
contato via e-mail informou que “o número de trabalho que tratam de escolarização de jovens e adultos entre
1999 e 2006 constantes no Banco de teses da CAPES é 441. Esse número surgiu de uma pesquisa inicial que
ainda não passou por grandes conferências uma vez que estamos atualmente pesquisando o estado de
conhecimento sobre educação não escolar de adultos.” (19/03/2008 - 15:57).
CAPÍTULO II
O MUNDO DO TRABALHO E A ESCOLA: A REALIDADE DOS SUJEITOS
ENVOLVIDOS
28
Importante salientar que foi realizada a leitura dos projetos político-pedagógicos de 2007 das três escolas.
Assim, ao fazer referência aos projetos ao longo do capítulo, procurou-se desenvolver um estudo voltado para
a especificidade da Eaja/noturno, com ênfase nas idéias comuns das três escolas.
29
Os discursos dos entrevistados foram transcritos na íntegra, sem correção gramatical.
1
cursa a escola diurna e regular e, portanto, sua inserção social e no mercado de trabalho
permanece limitada.
Embora algumas pesquisas retratem o primeiro segmento, elas puderam contribuir
com essa dissertação, pois trouxeram subsídios para compor o histórico da rede municipal de
educação de Goiânia, além de contribuírem também com outras temáticas pertinentes à
escolaridade noturna, como a dificuldade da continuidade dos estudos do aluno-trabalhador,
bem como a qualidade do ensino propiciado por programas historicamente instituído no país.
Da Universidade Católica de Goiás/UCG, é possível ressaltar quatro pesquisas que
realizaram o debate da escolarização noturna e sua especificidade. A dissertação, intitulada
“Trabalho diurno/escolarização noturna: o cotidiano do jovem trabalhador”, de Queiroz
(2001), investigou o universo sócio-cultural do jovem aluno trabalhador, na expectativa de
entender as condições de sobrevivência, sobretudo focalizando as contradições e o
enfrentamento diário com relação ao trabalho e à escola. Mesmo sendo uma pesquisa
desenvolvida com alunos do ensino médio, é relevante para os estudos da EJA, na medida em
que se apropria das relações entre juventude, escola e trabalho, indica como essas relações
podem ajudar na construção da subjetividade, bem como a necessidade de práticas educativas
estarem afinadas com a realidade do jovem trabalhador. Em 2005, Carvalho, com a pesquisa
intitulada “O que aprendo na escola é o que preciso para mudar a vida? Letramento na Eaja:
encontro no desencontro”, trouxe a discussão dos usos sociais da leitura e da escrita pelos
alunos da Eaja, considerando o contexto social desses sujeitos, a autora ao buscar as práticas
sociais da leitura e escrita, chamando à reflexão para a importância dessa prática, pois revela a
inclusão do sujeito na cultura letrada.
As duas últimas pesquisas a serem mencionadas, também da UCG, trazem à tona a
problemática do segundo segmento noturno. O espaço escolhido para a pesquisa recaiu sobre
a rede municipal de educação de Goiânia/RME. A primeira dissertação, de autoria de Gomes
(2006), apresenta uma experiência de educação de adolescentes, jovens e adultos. A autora
propôs compreender a relação entre a proposta de educação de jovens e adultos da RME de
Goiânia e o projeto político-pedagógico da escola estudada. A experiência estudada
demonstrou uma proposta e uma prática educativa que buscam compatibilizar-se com a
especificidade dos alunos da Eaja, que se revela de forma diferenciada da proposta de
suplência, propiciando aos alunos uma educação específica, crítica e democrática.
Por fim, a dissertação intitulada “Os saberes dos professores do segundo segmento
do ensino fundamental da educação de adolescentes, jovens e adultos”, de autoria de Santos
(2007), objetivou a investigação dos saberes que subsidiam as práticas dos professores. A
3
reflexão possibilitou perceber o caminho da formação dos saberes dos educadores e sua
relação com a prática pedagógica. A pesquisa demonstrou que os professores vão além do
processo de formação, para atender à especificidade dos educandos da Eaja. Esses educadores
trazem para sua prática os conhecimentos experienciados na realidade da vida de cada aluno.
A preocupação em desenvolver esse levantamento está, sobretudo, em demonstrar o
quanto essa modalidade de ensino ainda carece de pesquisas que possam trazer para o debate
da educação tanto os acertos como as dificuldades ainda presentes nas práticas pedagógicas
desenvolvidas no interior das salas de aula e mostrar o quanto as políticas públicas ainda não
consideram, de fato, a especificidade e a necessidade de um projeto político que resguarde a
educação e sua continuidade como um direito de todos. Conforme Machado (2007),
referindo-se à luta histórica, mostra que há ainda um longo caminho a percorrer, pois
tem sido [uma luta] para que o poder público assuma sua responsabilidade na oferta
da educação básica de jovens e adultos; que universidades e sistemas públicos de
ensino assumam a formação inicial e continuada de professores e educadores; que a
sociedade civil, organizada nos seus movimentos e no setor empresarial seja
demandante desta oferta de escolarização para jovens e adultos; que educadores e
educandos se identifiquem de fato com uma modalidade do ensino fundamental e
médio em sua especificidade. Todas essas ações são como que fios diferentes que
tecem uma só rede: a da educação como direito (...).
18; 7%
57; 23%
171; 70%
Essa autora, à luz de Carvalho (1997), argumenta que o período noturno é destinado
ao trabalhador/a- aluno/a e esta característica é o que o diferencia dos demais turnos. De fato,
o levantamento realizado comprovou essa realidade. Outra questão importante é o fato desses
alunos comporem a população economicamente desfavorecida. Esses trabalhadores-alunos
vivem a intensa relação de classe, da exploração do trabalho pelo capital. Na dinâmica da
sociedade capitalista, controlar o trabalho e o salário é fundamental para assegurar o
desenvolvimento do processo de produção, bem como a perpetuação da lógica social de
exploração e desigualdade. Dessa forma, o gráfico a seguir demonstra que 37% dos 246
respondentes dos questionários, alunos da Eaja, sobrevivem com um salário mínimo mensal e
19% com menos de um salário mínimo.
5; 2% 27; 11%
46; 19%
47; 19%
Conforme Pino (2002), nesse atual contexto social não existe uma relação entre
aumento de produção e salário. Isso significa dizer, na opinião desse autor, que uma linha de
produção acelerada não caracteriza uma progressão do salário. Ao inverso disso, as
desigualdades realçam ainda mais as relações sociais. Com relação às desigualdades, a
Revista Fórum trouxe um texto de Pochmann (novembro/2007) que trata das desigualdades
salariais. De acordo com esse autor, que se baseou nos estudos do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), “a desigualdade salarial constatada no interior do setor
estruturado do mercado de trabalho foi de 1.714,3 vezes no ano de 2006.” Conforme
6
Pochamann, o menor salário mensal pago foi de R$ 70,00 e o maior foi de R$ 120.000,00, de
acordo com a PNAD/IBGE-2006. A reportagem apresenta um quadro de desigualdade que
permite visualizar a sociedade brasileira como um todo, resguardando algumas diferenças
regionais, como é o caso da região centro-oeste.
Pochamann assevera que “a maior distância que separa o maior do menor salário no
setor público localiza-se na região centro-oeste.” Esse mesmo autor revela, em seu estudo,
que a análise das discrepâncias salariais ainda são maiores no setor privado. Esse setor é o
que incorpora grande parte dos trabalhadores-alunos da Eaja, sobretudo uma parcela
significativa no trabalho terceirizado, como será discutido a seguir. Pochamann (maio/2007),
em um outro texto, na referida Revista Fórum, sobre o mundo do trabalho, destaca que a
terceirização dos contratos de trabalho aprofunda ainda mais os baixos níveis salariais: “o
trabalhador terceirizado recebe metade que o trabalhador com contrato padrão alcança para
realizar exatamente a mesma função.”
Tais alunos, não raro, devido ao peso da jornada laboral durante o dia, apresentam
maiores dificuldades em acompanhar o processo ensino-aprendizagem. Há, também, altos
índices de freqüência irregular ou desistência. Nota-se, ainda, uma significativa defasagem
entre a idade e a série a cursar. O gráfico a seguir permite visualizar as diferentes faixas
etárias que vão de 16 a 54 anos. Esses alunos estão presentes nas turmas de 5ª a 8ª série. Nas
turmas iniciais, é mais freqüente o grupo com 48 anos ou mais. Na 8ª série, a faixa etária mais
presente fica em torno de 17 a 22 anos, o que aponta para uma maior dificuldade dos adultos
e idosos continuarem seus estudos.
A faixa etária da maioria, 33%, está compreendida entre 18 a 25 anos (gráfico III).
13; 5% 19; 8%
80; 33% 25; 10%
27; 11%
42; 17% 40; 16%
O próximo gráfico ilustra que estes jovens e adultos31 retomam seus estudos pela
exigência do atual cenário político e econômico do país. De acordo com Gohn (2002), os
discursos e as políticas tem enfatizado a importância da educação. A ela, na concepção do
atual mundo do mercado, cabe a incumbência de assegurar escolhas e oportunidades aos
indivíduos. Nesse sentido, a autora discute que a economia, de acordo com os ditames do
capitalismo, necessita de profissionais com novas habilidades e competências, tarefa que a
educação terá de realizar. O conhecimento previsto pela lógica utilitarista, que enxerga o ser
humano apenas como instrumento da produção, é aquele que possibilita condições técnicas
para viabilizar o mercado de trabalho.
Assim, o percentual de alunos que retorna à escola com o objetivo de um trabalho
melhor ou melhores condições de vida (totalizando 52,86%), aponta para o contexto atual de
uma maior exigência técnica colocada para a classe trabalhadora, bem como indica que esses
trabalhadores-alunos procuram melhorar as condições concretas da existência humana.
Gráfico12
Gráfico 4 - Alunos(as)
Alunos(as)por
porMotivos
Motivos para
para Buscar
Buscar a Educação
a Educação
15 2
1 11
160
140
120
100
29,01
5
21,18
18,51
36
2 3, 8
80
12 5
97
6,8 7
60 0,57
3
40
20
0
Incidência Percentual
Eu não pensava no futuro (...) Eu tô com vinte e sete anos. Eu não pensava nisso. Aí
hoje que eu tô pensando no futuro da minha família, que eu tenho uma família, sou
casado, tenho dois filhos. Então, hoje, agora, eu já penso num futuro pra eles. Por
isso que eu voltei pro colégio. (Entrevista II – Escola I, p. 25).
31
Tomando como referência a idade estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE.
8
9%
21%
12%
16%
Aposentado(a) Funcionário(a) Público(a) Outros
Serviços Gerais/Limpeza/M anutenção Comerciário(a) Serviços Administrativos
Industriário(a) Não Trabalha/Do Lar/Estudante Não Declarou
Doméstica Informal Autônomo
32
A informalidade, nessa análise, de acordo com IPEA, é composta pelos trabalhadores sem carteira assinada,
por conta-própria e não-remunerados. Participação dos empregados sem carteira assinada (Em %) Período:
jan.-set./2007 22,7/ 21,9 /20,8/ 18,6/ 22,1/ 18,8/ 20,8 /14,2/ 20,4. Fontes: IBGE/PME e Ipardes/PME.
10
mundo do trabalho que, de acordo com esse autor, quase sempre é temporário e desregulado.
No discurso de uma das entrevistadas da escola II, tem-se: ”Eu trabalho numa seguradora, eu
limpo lá, lavo banheiro, atendo telefone na hora que é necessário, atendo cliente, sirvo café.
(...) Muita gente acha que eu trabalho nessa seguradora, só que a minha empresa é uma
terceirizada que presta serviço.” (Entrevista I, p. 29).
Dados da PNAD/IBGE-2006 revelam a existência, no Brasil, de 6,7% de pessoas no
trabalho doméstico. Deste total, 6,2 milhões são mulheres, ou seja, 93,2%, e 6,8%, são
homens. Outro dado importante diz respeito ao vínculo empregatício das trabalhadoras
domésticas. Conforme a PNAD/IBGE-2006, somente 27,8% do total destas trabalhadoras
tinham carteira assinada. O trabalho doméstico é numeroso e, de acordo com PNAD/IBGE-
2006, compõem 18,3% do setor de serviços, mas continua marcado pela precariedade do
vínculo empregatício e pelo não-cumprimento da legislação trabalhista.
A legislação, desde a Lei nº 5.859/1972, Art. 2º, estabelece para admissão ao
emprego doméstico, inciso I, Carteira de Trabalho e Previdência Social, e no Art. 4º, os
benefícios e serviços da Lei Orgânica da Previdência Social na qualidade de segurados
obrigatórios. A Lei nº 11.324/2006 que altera a de 1972, possibilita a inclusão na Declaração
de Imposto de Renda o pagamento do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS; mesmo
assim, o descumprimento é real e impõe a estes trabalhadores/as uma privação de direitos,
dentre eles, licença por motivo de doença ou maternidade, além dos prejuízos no que diz
respeito à aposentadoria por tempo de contribuição.
Embora o presente trabalho não tenha a pretensão de enfocar a questão de gênero,
considera-se importante chamar atenção para o número de alunas que é expressivamente
maior do que o de alunos, nas escolas pesquisadas.
98; 40%
148; 60%
Masculino Feminino
12
Essas alunas, não raro, além de trabalharem dentro e fora de casa, levam os filhos
para a escola à noite por não terem com quem deixar. Dentro da sala de aula vivem, ainda,
outra dualidade; olhar os filhos e estudar o depoimento a seguir é de uma trabalhadora-aluna
empregada doméstica: “a minha rotina de trabalho: eu acordo cedo, vou para o trabalho.
Quando chego já é hora de vir prá escola. E tem que arrumar as coisas dentro de casa, cuidar
do menino e vir pra escola à noite, mesmo cansada (...). E o menino vem prá escola comigo.”
(Entrevista V – Escola I, p. 17-19).
Para Afonso (2005, p. 143), o conflito e as condições discriminatórias na inserção no
mercado de trabalho são reais. Em sua opinião, o ingresso da mulher no mercado de trabalho
não pode ser visto como satisfatório. É necessário perceber a desvalorização social, tanto no
que diz respeito a salários como às condições cada vez mais adversas, com uma maior carga
horária de trabalho em relação aos homens. É pertinente refletir sobre a argumentação dessa
autora.
A antiga divisão sexual do trabalho, de acordo com Afonso (2005), reforça as velhas
atribuições históricas de mulheres e homens. As mulheres conservam-se como prestadoras de
serviços, babás, ajudantes, enfim, trabalhos domésticos e afins. Essas alunas representam os
estudantes com maiores dificuldades na formação, pela própria determinante social imposta a
elas. Sabe-se que essa discussão cabe em um outro projeto de pesquisa, mas o fato desta
realidade compor o cenário da Eaja/noturno impõe, muitas vezes, uma dinâmica diferenciada
na escola. Na observação do cotidiano das escolas foi possível perceber o significativo
número de crianças pelos corredores das escolas, ocupando as cadeiras das bibliotecas ou,
ainda, brincando em salas ociosas à espera das mães ou avós.
Outro fator significativo para compor o desenho do perfil dos trabalhadores-alunos
refere-se ao trabalho na zona rural, sobretudo nas faixas etárias iniciais. Os dados concluídos
pela PNAD/IBGE-2006 revelam que, em todas as regiões, houve queda no número de
trabalhadores agrícolas, mas a região centro-oeste apresenta cerca de 1 milhão de
trabalhadores nessa referida atividade. A população ocupada é de 16,4%. Esse dado é
significativo, sobretudo no Estado de Goiás, com o número de 115.089 pessoas ocupadas em
estabelecimentos agropecuários, conforme censo agropecuário IBGE/2006, o que demonstra
13
uma relação campo-cidade nesse Estado. Embora o gráfico a seguir demonstre que a grande
maioria dos sujeitos da pesquisa não veio do meio rural, uma parcela considerável viveu essa
realidade de começar a trabalhar muito cedo no campo.
158; 78%
Conforme descreve uma das entrevistadas, o início de seu contato com o trabalho
ocorreu aos dez anos, na roça. Primeiro na roça onde morava com seus pais e depois na roça
de outras pessoas, com quem acabou por estabelecer uma relação de patrão/empregada. A
entrevistada mostrou a real inexistência de tempo para a escola.
Eu fui uma criança moradora da roça, no interior. Meus pais punha a gente prá
trabalhar na roça A gente não tinha liberdade de estudar, de trabalhar. O trabalho era
só braçal, na lavoura. De plantar os alimentos. Então os pais achavam que os filhos
não deviam estudar. Deveria, sim, trabalhar, só trabalhar na roça. Eu cozinhava prá
peão. Eu, com dez, doze anos, eu subia a serra com uma lavadeira de comida na
cabeça, as vezes que eu mesma cozinhava. (Entrevista III – Escola III, p. 62).
Na história de vida da maioria dos alunos da Eaja, o tempo dedicado ao trabalho foi
sempre maior do que aos estudos. Essas duas últimas entrevistas são de adultos que possuem
acima de 25 anos de idade, reforçando a idéia da discussão da professora Oliveira (1999), que
discorreu sobre a especificidade cultural da EJA. A referida autora afirma que o adulto, no
espaço da EJA, não é o acadêmico ou o profissional em busca de especialização ou outro
adulto preocupado em aperfeiçoar suas aprendizagens. Em sua opinião,
29; 12%
54; 22%
Por meio desse gráfico é possível visualizar a quantidade média de horas de trabalho
por dia dos sujeitos da pesquisa. O segmento “outros” indica os que trabalham entre seis a dez
horas por dia. São trabalhos diversos: vigilantes, porteiros, vendedores ambulantes e
representam a maioria dos sujeitos pesquisados, com 44%. Este fato só reforça o exposto no
gráfico V, mostrando o número de alunos no trabalho informal ou empregadas domésticas na
condição de diaristas. Há de se considerar que a maioria - grupo de 8 horas de trabalho, (22%)
- não inclui o tempo do transporte que geralmente está em torno de, no mínimo, uma hora de
duração, já que a maioria reside em bairros afastados do trabalho ou da escola.
É importante verificar a fala de um dos alunos, explicando a rotina do seu dia. Essa
explicação apresenta elementos para reflexão do atual cenário social em que, conforme Pino
(2002), as condições de trabalho compõem o novo e velho quadro de exploração e exclusão,
com o surgimento de setores sociais inteiros que perdem o trabalho ou que trabalham cada
vez mais por menos. Isso reflete a evidência no sentido de que o mercado globalizado não
propicia nenhuma forma de igualdade econômica para a humanidade ou, sim, cria economia
de baixo crescimento, altos lucros, baixos salários e maior tempo de trabalho. Nas palavras do
entrevistado,
Hoje eu levanto às 4h 30 da manhã, pego dois ônibus, porque tenho que passar no
terminal (....). Tenho que entrar no trabalho às sete horas da manhã e saio de lá às
seis horas da tarde. Tomo mais dois ônibus para chegar aqui na escola, almoço lá
mesmo. Saio da escola às dez e trinta da noite e chego em casa por volta de meia
noite. (Entrevista IV – Escola II, p. 32).
de uma das diretoras das escolas pesquisadas aponta para as características próprias dos
alunos do noturno e, conseqüentemente, da dificuldade na continuidade e da permanência na
escola. Quase sempre o motivo das faltas ou atrasos está ligado à questão do trabalho. A
escola vive também o conflito de compreender o contexto social do aluno diante da
necessidade de cumprimento da carga horária, bem como dos conteúdos curriculares.
Então, assim, eu sinto que, quando eles vêm para a escola, eles realmente querem
estudar. Houve um aumento agora em agosto, considerável, em relação ao agosto do
ano passado. Porém, assim, eu já estou pensando no agosto do ano que vem, que já é
um ano político, em que muitos trabalham na política e se envolvem em comícios e
panfletagem. Tem uma queda. Agora em novembro, também já começa a cair um
pouco, porque nossos alunos trabalham no comércio, eles trabalham em casa de
família onde a patroa e o patrão trabalham no comércio. E a gente tem que ter esse
jogo de cintura, de estar tentando compreender o lado do aluno, mas também não
pode deixar fluir naturalmente, sem uma certa organização. (Entrevista II – Escola II,
p. 34).
Enfim, esse debate sobre o tempo de trabalho ser maior do que o tempo de estudo
traz mais uma vez a análise do atual contexto sócio-econômico em que o processo de
reestruturação produtiva é acompanhado por relevantes mudanças sociais. A questão principal
e marcante nessa conjuntura é a tendência do emprego, como construção social ligada a
produção industrial, apoiado sobre acordos de trabalho e com proteção social, encontra-se em
processo de novas definições. Um dos professores entrevistados considera essa realidade
presente na escola e diz que a escola não está alheia. Em suas palavras,
Existe uma necessidade premente no ensino, não para atender à lógica do mercado de
trabalho, mas pelo fato de ser um direito do ser humano ter acesso ao conhecimento. Neste
sentido, Saviani (2005, p. 15) comunga com Freire e defende que “a escola existe, pois, para
propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência),
bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber.” Na argumentação de um dos alunos
que tem aproximadamente 50 anos de idade e retorna à escola após mais ou menos 20 anos
para buscar os estudos, quando questionado sobre o papel da escola em sua vida, responde de
forma segura: “Me faz muito bem. Eu me sinto muito bem. Porque a minha escrita melhorou,
a minha leitura cada dia vai melhorando. Eu gosto de eu mesmo me avaliar. Eu acho, de
quando eu entrei, eu melhorei demais da conta.” (Entrevista II – Escola I, p. 7).
A Proposta Político-Pedagógica para o Ensino Fundamental da Eaja do município de
Goiânia (2000) toma como um dos princípios fundamentais a aprendizagem fundamentada
em Freire, enfatizando o conhecimento crítico da realidade e garantindo acesso ao
conhecimento mais elaborado. O texto da proposta traz que a aprendizagem “ocorre na
construção conjunta do conhecimento, sendo educadores/as e educandos/as os seus sujeitos,
18
tendo como ponto de partida os saberes e as necessidades sociais do/a educando/a e como
referencial a mediação pelo/a educador/a” (2000, p. 15). Assim, na exposição dos educadores
sobre esse processo de aprendizagem, muitas vezes há consonância com sua prática, mesmo
que ainda esteja em processo e apresente muitas dificuldades. Por outro lado, levantam
elementos a serem refletidos coletivamente. Na exposição de um professor da área de história,
é muito difícil. Deveria ser muito fácil, pois é partir do senso comum, daquilo para
uma coisa que é o prático do que é sabido para uma coisa que é o saber que está no
livro, sistematizado. Mas é mais fácil falar do que realizar. A minha ação enquanto
docente não é uma ação de mão única no sentido restrito. Eu sempre parto da
realidade do aluno, eu parto do princípio que a realidade na verdade é uma só, é o
que está no livro que ele tem que aprender. Agora, o que eu faço é assim, às vezes o
motivo da minha aula vem deles, se eu vou estudar algum conteúdo, como por
exemplo as capitanias hereditárias, eu não deixo de trabalhar, considero importante
estudar o sistema fundiário do Brasil, estudar as sesmarias. Nós vivemos numa terra
latifundiária e até hoje se fala em reforma agrária, então não tem muito essa
preocupação de primeiro ver o que os alunos pensam para depois.... Considero
importante chegar neles, importante estabelecer essa comunicação, esse é um esforço
que tem de ser feito. Pois você lida com jovens e adultos que carregam esses saberes,
gente que trabalha. Eles sabem muita coisa, então é preciso valorizar esse saber e
garantir que aprendizagem fique mais significativa para ele e esse aluno se liberte do
professor. É isso quando a aprendizagem é significativa, ele se livra de mim. Eu não
quero nenhum escravo. Então qual é a chance de libertar esse aluno tornando os
conteúdos significativos, para não escravizar ele no livro? Mas eu não sou desses
professores que desconsidera o livro, eu sou ‘conteudista’, agora é preciso dizer e
explicar, os conteúdos têm que estar vivos.” (Entrevista II – Escola II, p. 37).
sujeito histórico capaz de ser agente em seu tempo. Para Freire (2001, p. 90), a tarefa mais
fundamental, “e cuja compreensão se antecipou em muito ao final deste século, é a tarefa da
libertação.” Esse autor diz ainda para os educadores que estão no início de sua ação criativa
que, nesse início de século, mesmo sabendo que a educação “não vai ser a chave da
transformação do concreto para a recriação, a retomada da liberdade, mesmo que saibam que
não é isso, estejam convencidos da eficácia da prática educativa como elemento fundamental
no processo de resgate da liberdade.” (FREIRE, 2001, p. 91).
Ainda sobre a questão da liberdade, nas expressões dos educandos, o vocábulo
liberdade está implícito nas construções e realizações que o retorno à escola lhes
proporcionou. No seu ato de existir, essa sociedade lhes determina condições concretas de
sobrevivência, embora nos discursos dos educandos os ganhos possibilitados pelo fato de
estar estudando revelam, muitas vezes, maiores possibilidades de trabalho mas, ainda assim,
representam para eles a conquista de sua independência. Conforme o entrevistado da escola II,
Eu comprei minha moto, na época, quando eu era solteiro. Se eu não tivesse estudo
eu não tinha tirado minha carteira de motorista. Já me ajudou. Porque se eu tivesse o
estudo que eu tinha antigamente, eu não tinha facilidade de tirar a minha carteira de
motorista. Pela prova escrita, se fosse em antes, eu não dava conta de fazer a prova
escrita. Prá começar, eu não estudava ainda. Como é que eu ia estudar as placas,
aquele livro todinho, se eu não sabia ler. E aquilo lá eu não ia pegar nada, só ia ver
os desenhos das placas mas não sabia o que significava aquilo. Então já me ajudou a
tirar a carteira de motorista, já melhorou pra mim. Porque, senão, como é que eu ia
ter condição de comprar, porque eu trabalhava em dois serviços, mas não tinha jeito
de eu andar. Como é que eu ia andar sem a carteira de habilitação, sem minha
carta?(...) Em outras coisas, melhorou bastante. Eu já leio as coisas que eu pego,
algum papel do meu serviço eu já posso ler, prá ver se eu posso assinar ou não.
Algum tempo eu mal assinava. A pessoa podia pegar chegar e falar: “assina esse
papel”. E eu não sabia o que era e assinava. Eu já peguei ônibus errado, porque eu
não sabia ler. Chegava no terminal eu tinha que perguntar as pessoas. Muitas das
vezes as pessoas tavam, assim, agitada, porque trabalhou o dia inteiro e não dá nem
moral [atenção] prá você. “Ah, se vira, você que caça aí. Cada um caça o seu”. Então
você vai vendo aquilo, que você precisa de estudar. Senão você depende muito das
pessoas. (Entrevista II – Escola II, p. 32).
O discurso de outra aluna que retornou à escola após mais de vinte anos sem estudar,
que se encontra atualmente na 8ª série, revela o significado da escola e sua contribuição na
construção de sua identidade. Conforme aborda a proposta político-pedagógica para a Eaja
(2000, p. 14), a cidadania é um dos princípios norteadores da concepção, que prevê “o
processo de construção da identidade, bem como a compreensão de seu papel como ser
social.” Nas palavras da trabalhadora-aluna, voltar a estudar:
– Nossa! [enfática] Esse tempo que eu tive parada, parece que eu parei no tempo. E
com meu estudo hoje, mudou muito a minha visão de relacionamento, comunicação,
uma sensibilidade mais no outro lado das coisas. Nas invenções, os pontos de vista,
20
Cultura e trabalho35
Todo trabalhador tem conhecimento
Todos fazem cultura
Construindo a nossa nação, a nossa nação!
dos dois segmentos, o trabalho. O debate foi ampliando, sobretudo após a pesquisa proposta
pelo professor com a temática trabalho e cultura. Na seqüência, realizaram o debate com a 4ª
série do primeiro segmento e fizeram a composição, a letra e a melodia.
A letra traz diversos elementos que tornam possível perceber a afinidade com a
concepção de trabalho, educação e cultura na proposta da SME. Aqui não se trata de uma
ação espontânea, mas ação de pesquisa de produção cultural e do entrelaçamento da realidade
dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as) com o processo de aprendizagem. Legitimando uma
outra educação possível, cabe uma reflexão de Mészáros (2005, p. 49), que retoma Gramsci,
enfocando a importância do ser humano na construção de uma outra concepção de mundo:
Do ponto de vista do(a) educando(a) da Eaja, a experiência que ele(a) possui é algo
próprio e estanque, ou seja, ele(a) não percebe a importância que esta experiência tem no
processo do conhecer, da aprendizagem. Quando, em uma das entrevistas, foi indagado sobre
a sua experiência de trabalho, se tem contribuído na sua aprendizagem, o trabalhador-aluno,
inicialmente, diz que não, depois lembra-se de uma aula de ciências e o estudo das rochas e
então relata:
A professora tá explicando, eu sei falar com ela. Que aconteceu, sobre aquele
negócio de pedras. Eu falei: olha, professora, eu já trabalhei com esse problema, com
negócio de pedra, negócio de vulcão, que aqui no Brasil não tem vulcão. Que
aquelas pedras granito vêm de vulcão, são vulcânicas. Mas são muitos milhões de
anos pra ficar dura daquele jeito. É uma pedra de vulcão igualzinha. (Entrevista I –
Escola I, p. 3).
Embora o senso comum esteja bastante presente, essa fala remete à reflexão de que a
experiência do aluno não só contribuiu com a aula, como também demonstra possibilidade de
ampliar seu conhecimento sobre o assunto. Nas palavras de Freire (2004, p. 32), “como
manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e
socialmente construída e reconstruída.”
Na voz de outro educando, considerando que quase todos os professores buscam as
experiências dos alunos, o próprio entrevistado, percebe que consegue até aprender mais. São
palavras suas:
Eu tava comentando com o professor de Geografia um dia, sobre lei. Então ele tava
me explicando, eu acho que o que eu falei ele pegou um pouco, e o que ele me expôs
eu achei muito bom, porque eu aprendi mais. Então, tem muito professor lá que tem,
o de Geografia, o de História também gosta de comentar sobre a vida. Porque tem
professor que só fica naquilo de dar a aula dele mesmo. Mas aqui muitos deles,
quase todos, eles não ficam naquilo só de dar aula, mas eles ficam em ensinar algo
que venha a acontecer ao mundo mesmo. Então, dentro da realidade de vida, dentro
daquilo que nós estamos vivendo. Dentro desse acontecimento global, eles não
deixam de falar. (Entrevistado II – Escola II, p. 31).
Esse “aprender mais”, citado pelo entrevistado, pode ser entendido como o início da
superação da consciência ingênua. Para Freire (2004), essa é uma tarefa que exige
compromisso do educador, pois a aquisição da consciência problematizadora não acontece
automaticamente.
24
educando da escola III, sobre o mesmo tema, relatou: “Desde o começo, aqui, teve essa
conversa sobre a avaliação; as provas, trabalhos, sobre as médias foi tudo conversado”
(Entrevistado IV, p. 61)
No geral, nas respostas dos alunos(as) entrevistados(as) acerca da discussão da
avaliação, foi possível perceber certa dificuldade por parte de alguns educadores(as) em
articular o processo avaliativo de forma democrática, como prevê a proposta. No discurso de
um dos educadores também é transparente essa questão, “As perspectivas de avaliação, elas
ainda são muito convencionais, é um paradoxo. A proposta da Eaja é muito clara no sentido
de uma avaliação mais amorosa e acolhedora e a gente tem tentado.” (Entrevista III – Escola
II, p. 42).
Diante desse contexto, percebe-se, em graus variados, que a avaliação é um elemento
de tensão presente nas três escolas pesquisadas. Mas, de uma forma geral, em todas está
caracterizada a dificuldade em estabelecer uma articulação de qualidade no processo de
avaliação, sobretudo no que diz respeito ao avanço/reclassificação 36. Nesse sentido, pretende-
se retomar esses elementos no capítulo que se segue, que visa a refletir sobre aspectos de
tensões presentes nas escolas e revelados nos discursos dos sujeitos da Eaja noturno.
A proposta político-pedagógica da SME (2000) focaliza a cultura como parte
integrante do processo de formação. Em seu texto, a cultura, numa perspectiva antropológica,
é compreendida como elemento presente nas relações estabelecidas. Dessa forma, a escola
precisa incorporar em suas atividades, de forma ampliada, a cultura.
As três escolas demonstraram preocupação com as atividades culturais em seus
projetos pedagógicos, bem como em seus planejamentos. Uma coordenadora relata que as
atividades culturais têm propiciado aos alunos o gosto pela poesia, pela música, pelo cinema,
além de instigar a criatividade do aluno. Explica, também, que essas atividades têm
contribuído na complementação das horas previstas na carga horária37 na proposta. Conforme
36
A proposta político-pedagógica da Eaja (2000), com a preocupação de entender as condições inviáveis no
cumprimento rigoroso, por parte do educando(a), das 800 horas e 200 dias letivos, deu o primeiro passo a
partir da Resolução N. 001, de 16 dezembro de 1998 e da Resolução N. 003, art. 3º, inciso III, de 13 de janeiro
de 1999, do Conselho Municipal de Educação de Goiânia(CME), de acordo com o disposto na LDB/96, na
perspectiva de possibilitar ao educando(a) ser matriculado(a), sem documentação de transferência, em
qualquer momento do ano letivo, sem prejuízo à sua escolarização, bem como ser promovido de uma série
escolar para outra. “O que se propõe é o respeito às individualidades e, portanto, o avanço/reclassificação só
serão efetivados para educandos(as) que, de fato, demonstrarem o desenvolvimento e a aprendizagem
previstos no processo educativo proposto pela SME, incluindo elementos que vão além da simples aquisição
de conteúdos.” (2000, p. 19).
37
Conforme a proposta político-pedagógica da Eaja noturno (2000), tendo como prioridade o atendimento à
especificidade do aluno do Eaja noturno a carga horária do 2º segmento segue a seguinte determinação: 200
dias letivos, 800 horas divididos em 700 presenciais e 100 complementares, com jornada diária de 3 horas e
30 minutos.
26
seu discurso, “o professor acompanha os alunos nas atividades, como viagens, passeios,
visitas a museus, e todas as atividades estão ligadas ao conteúdo trabalhado.” (Entrevista III –
Escola II, p. 42).
Para os(as) educandos(as), a experiência com atividades envolvendo a cultura traz
sempre algo novo. O reconhecimento de espaços que fizeram parte de sua história contribuem
para ampliar o conhecimento e, ainda, impulsionar a criatividade e a desinibição. Numa visita
ao planetário, um educando relatou: “Muito bom. Eu vi coisa que eu nunca tinha visto na
minha vida. Eu vi o céu perto de mim, coisa muito bonita.” (Entrevistado III - Escola I, p. 26).
Ainda da escola I, o educando diz: “Lá no Memorial do Cerrado, que eu já conhecia, eu já
vivi aquilo: eu morava na roça. O engenho, aqueles negócios de fazer farinha, aquelas casas
velhas, recordei tudo. Aquele negócio de fazer rapadura” (Entrevistado I, p. 3).
Uma outra atividade cultural realizada, pela escola II, proposta pela professora de
português, representou grande significado para os educandos. Um deles relata: “Já fiz uma
apresentação na frente, no microfone, que nunca tinha feito na minha vida. Era um poema que
me deram pra eu ler. Nossa! Adorei esse poema.” Na escola III, uma visita ao Museu de Arte,
foi relatado pelo entrevistado: “Muitas coisas que eu não sabia, a professora explicou. Gosto
de ir em lugar que tem cultura, quadro, eu gosto de reparar, porque eu gosto de desenhar. A
professora de artes estava lá. E eu fiz uma caricatura dela e dei pra ela.” (Entrevista II, p. 74).
A escola III tem desenvolvido atividades esportivas, as quais têm envolvido diversos
alunos e, na visão destes entrevistados, os jogos também podem ajudar no desenvolvimento
intelectual. No discurso do educando, “a nossa quinta série foi campeã. Eu participei de [jogo
de] dama, e eu fui campeão. Tô desenvolvendo a mente.” (Entrevistada IV, p. 78).
A cultura faz parte do processo criativo do homem; ele é um ser de cultura. Dessa
forma, as escolas, embora com algumas dificuldades, têm possibilitado as atividades culturais
e têm buscado, de forma mais ampla, integrá-la ao currículo. Manacorda (2007, p. 114)
assevera que o lugar que Marx reserva
Sendo a cultura a marca da existência humana, ela deve ser parte integrante do
processo educativo. Para Freire (2004), a escola assume um sentido radical ao possibilitar e
não desprezar o respeito pela identidade cultural dos educandos(as). Essa é uma tarefa de um
processo educacional crítico.
27
financiamento, pois esse eixo traz a discussão da chegada do recurso na escola e um programa
inovador, denominado “Estudar Sem Fome”38, implementado a partir de 2001.
Este programa, na opinião dos alunos, possibilitou melhores condições de estudo e
até mesmo determina a permanência de muitos até o final das aulas. Para um dos
trabalhadores-alunos, que mora em uma cidade do interior próxima a Goiânia, e trabalha dia
sim, dia não como vigilante, no relato de sua rotina, o jantar é fundamental:
Essa é a minha rotina. Acordo quatro e meia, saio de lá de casa cinco e quinze pra
chegar no meu serviço sete horas. Saio do meu trabalho e venho direto para escola.
Aqui eu janto uma janta muito boa. Se não fosse essa janta... não sei se conseguiria
ficar até o fim da aula.Tenho que sair daqui às 22 horas e vou chegar em casa quase
meia noite. (Entrevistado III – Escola I, p. 26).
Uma educanda da escola II, também sobre o jantar, diz: “Nossa! Essa janta é minha
salvação. Eu venho direto do trabalho para cá. Ela que me deixa firme para estudar.”
(Entrevistada IV, p. 52) Nas três escolas, no momento de receber o lanche, nas filas, os
alunos, de forma significativa, apontam o jantar como uma ação de respeito ao aluno
trabalhador, principalmente pelo o horário em que é servido.
De acordo com uma das merendeiras, o horário é flexível. Começam a servir às
18h30 e vai até às 20h. No relato dessa servidora, “Perder a janta ... Tem gente que perde o
ônibus e liga ‘Olha, fala pra tia guardar minha janta’. Essa semana teve uma menina que
chegou e falou: ‘Olha, fulano disse que é pra você guardar a janta, que ele tá vindo. É que ele
perdeu o ônibus” (Entrevista V - Escola III, p. 82). Essa merendeira revelou ainda que há
alguns alunos(as) que, não raro, chegam atrasados. Elas, então, guardam alguns pratos prontos
para serem servidos posteriormente.
Questionando as servidoras da cozinha sobre a experiência vivenciada do lanche e do
jantar, elas afirmam que, para os alunos, é indiscutível o valor do jantar. A entrevistada da
escola I revela:
Bom, antes, quando não tinha a janta, eles falavam assim “Ah, a gente tem que ir
embora mais cedo, por que a gente tá com fome. Canjica, arroz doce, isso pra gente
não tem nada a ver”. Eles trabalham o dia todo e chegam com fome. Eles falavam
que até se tivesse uma janta, “a gente poderia até ficar mais tranqüilo pra estudar”.
Porque diz que barriga vazia não tem como raciocinar. (...) Tem muitas pessoas que
não têm condições de comprar um lanche, né. É a realidade desses alunos. A
realidade deles é muito difícil, né. Têm pessoas que não tem dinheiro, às vezes, nem
pra pagar ônibus. Às vezes não tem dinheiro nem pra almoçar! Acaba almoçando e
jantando aqui. (Entrevistada VII, p. 31).
38
Esse programa foi “concebido no Departamento de Alimentação Escolar (DAE) e no Fundo Municipal de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (FMMDE), visando a alterar a merenda do noturno, que passou a
ser um jantar, servido todas as noites, no início da aula.
29
“É porque, assim, lá no meu serviço é muito puxado. (...) Começou a produzir mais.
Aí eu chego estressado em casa. Chego aqui no colégio e fico estressadinho, não
consigo ficar dentro da sala de aula, escutar o professor falando. Eu fico agoniado.
Sei lá, fico sem saber. Porque lá [trabalho] eu sou o responsável, né. É pesado e eu é
que sou o responsável. Daí se for alguma coisa errada, quem é que toma sou eu, né.
Mesmo, assim, se foi o outro que fez, quem é o responsável sou eu. (Entrevistado III
– Escola I, p. 13).
a gente tem, aqui (...) garantido, a duras penas, essa instância que é o Planejamento
(...) ela tem garantido alguns projetos coletivos, algumas ações, garantido algum
padrão de continuidade das ações (...). Também é a única, porque os chamados
horários de estudo, ele não se configura como uma coisa que você possa dizer assim:
oh, isso também tá institucionalizado. E que é aproveitado. Porque no horário de
estudo ele é muito individualizado, cada um fica fazendo uma coisa. (Escola II –
Entrevista II, p. 56).
eu acho, no meu ponto de vista, que esse é o grande desafio da Eaja. Muito mais que
o aluno voltar pra escola, é conseguir que o aluno permaneça na escola. (...) Estamos
sempre propondo: vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, vamos ligar para os alunos,
vamos mandar carta, enfim, sempre tentando criar mecanismos, assim, pra diminuir
esse índice de faltas dos alunos. (Entrevistado I – Escola III, p. 45).
É possível refletir, a partir dos depoimentos dos alunos, que há uma difícil e
complexa realidade, com a qual a educação é obrigada a conviver, expressa na escolha
política do país. Conforme Silva (2005, p. 104), “o Brasil tem feito [opções] nos últimos anos.
Essas opções são, na grande maioria, em desfavor dos trabalhadores e seus filhos.” Os
trabalhadores, no curso da história desse país, estiveram sempre subordinados às demandas do
capital e, assim, o modelo desumanizante da política dominante impõe que o tempo destinado
ao trabalho representa a maior parte da vida de homens e mulheres da classe trabalhadora.
Na atual ordem neoliberal, o capital manifesta-se em crise considerada, na visão de
Antunes, estrutural, que trazendo sérias conseqüências para sociedade contemporânea, pois
trabalhadores, mas é muito difícil, pois nem sempre podemos ouvi-los e nem sempre é
possível buscar temas significativos para estes alunos, pois não podemos deixar de trabalhar
os conteúdos previstos e necessário para eles.” (Escola III – Entrevistado I, p. 78). Na
argumentação desta professora, a preocupação em desenvolver o conteúdo previamente
estabelecido, dificulta perceber que promover a educação na perspectiva de uma integração
com o mundo do trabalho exige uma árdua e constante reflexão teórica e prática.
A preocupação com os conteúdos é comumente enfatizada pelos(as) educadores(as),
o que é importante, pois subentende propiciar ao(a) aluno(a) o direito ao conhecimento
sistematizado. No entanto, faz-se necessário ampliar a discussão do sentido do conteúdo para
os(as) trabalhadores(as)-alunos(as) e explicitá-la na proposta da Eaja. Para Ramos (2005, p.
107),
Neste sentido, é preciso reconhecer que a proposta (2000) já aponta para a concepção
de perceber homens e mulheres como sujeitos históricos, capazes de agir sobre sua realidade e
transformá-la; porém, na referida proposta, não há clareza quanto à construção do
conhecimento imbricada com a realidade do mundo do trabalho. Não é visível, no registro
teórico na proposta da Eaja, e tampouco na prática desenvolvida pela maioria dos
profissionais nas salas de aula.
Assim, o depoimento, a seguir de uma professora da escola III, aponta a contradição
mencionada, o que revela que a própria perspectiva teórica da proposta, aborda de forma
superficial a discussão da categoria trabalho. Conforme a referida proposta (2000, p. 17), “o/a
educando/a da Eaja é um/a aluno/a trabalhador/a ou [alguém] em vias de se inserir no mundo
do trabalho; portanto, a categoria trabalho deve estar presente no cotidiano escolar da Eaja.”.
Entretanto, a simples constatação da existência dos(as) trabalhadores(as) na sala de aula não
traz, de fato, a discussão do mundo do trabalho. O discurso de um dos educadores revela a
ausência desta discussão de forma mais específica: “tem, eu acho, que do ponto de vista de
proposta tem [preocupação com o trabalho]. Embora ainda não está bem claro como voltar,
especificamente para o aluno trabalhador” (Escola II – Entrevista II, p. 48). Torna-se
importante refletir de forma mais aprofundada tomando como foco o trabalho como princípio
educativo, na perspectiva da superação da dicotomia trabalho manual/ trabalho intelectual.
Esta visão de educação envolvida no mundo do trabalho, é para Ciavatta (2005, p. 85) “a idéia
4
de formação integrada [que] sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão
social do trabalho entre a ação de executar e ação de pensar, dirigir ou planejar.”
Ainda é necessário trazer alguns discursos dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as), pois,
quando questinados(as) sobre a interferência da aprendizagem construída na escola em seu
trabalho, o primeiro revela:
Embora o aluno tenha afirmado “com certeza”, ele termina por informar que a
aprendizagem relacionada com o seu trabalho foi adquirida nos três cursos que fez pelas
citadas empresas. Este depoimento enfatiza a reflexão da dicotomia histórica
educação/trabalho. O depoimento do aluno da Escola II, 17 anos, atendente de uma empresa,
quando questionado sobre a relação de sua aprendizagem com o trabalho, relata: “(...) se eu
não tivesse um tipo de linguagem um pouco mais formal, que se passa aqui nas aulas de
Português, eu não conseguiria falar, não conseguiria atender as pessoas.” (Escola II –
Entrevistado II, p. 52).
No discurso da professora de Português, considera uma contribuição pequena, no
sentido da relação com o trabalho “alguns pedem ajuda quando eles vão prestar um concurso.
Igual aconteceu agora, que teve na rede municipal, (...) é uma regra, uma coisa ou alguma
dúvida que eles têm (…) mas é em função do concurso.” (Escola I – Entrevista IV, p. 36). O
trabalhador-aluno da Escola I, em seu depoimento sobre a relação aprendizagem e seu
trabalho, é enfático: “Com meu trabalho lá? Não, não tem, não” (Escola I – Entrevistado II, p.
16). Este aluno é gerente de um setor em uma confecção. Por último, outro aluno, da Escola
II, revela:
tem me ajudado e muito, até na minha escrita, por que eu tenho alguns erros de
português, tenho um problema de dicção, (...) Tanto, até que, quando eu comecei a
estudar, a buscar meus objetivos, minhas metas, passou o ano eu estudando, no
próximo ano, que é esse, eu consegui o emprego, viu? (Escola II – Entrevista IV, p.
54).
de fato, realizar uma práxis que possa construir uma educação comprometida com os sujeitos
e não com a lógica do capital.
A relação entre capitalismo e educação tem-se pautado pela verticalização do
primeiro para com o segundo. Para Mészáros (2005), a lógica do capital e seu impacto na
educação é latente, pois à escola cabe o papel da reprodução da sociedade. Por outro lado,
sabe-se que a transformação da sociedade também é função de uma prática educacional que
exige mudanças. Dessa forma, os(as) educadores(as) que têm demonstrado compromisso
social e trabalham com uma proposta que objetiva uma outra sociedade, em que a relação
humana desenvolva-se de forma, de fato, que os homens sejam sujeitos de sua história, estão
rotineiramente enfrentando essa realidade adversa. É possível perceber que esses(as)
educadores(as) vivem o conflito do compromisso social almejado e, muitas vezes, a
impotência na concretização satisfatória desse compromisso. Duarte (1993) discute que não
cabe mais a preocupação de afirmar a educação com caráter político. Em sua opinião, já existe
uma consolidação difundida, nesse sentido, no meio educacional. No entanto, em sua opinião,
é necessário passar do anunciado para a prática. Conforme seu registro,
no trabalho, não consegue ficar em sala de aula, como se pode constatar no depoimento do
aluno.
Um dos entrevistados, de 26 anos, fala de sua dificuldade em matemática: “tenho me
esforçado mais em matemática e a gente fica até nervoso, assim, sei lá, parece que não entra
na minha cabeça. Ela tá longe de mim” (Escola III – Entrevista I, p. 1). Esse mesmo aluno
revelou que trabalha em uma firma de fabricação de armários e durante, todo tempo, em seu
trabalho, lida com porcentagens, medidas, multiplicações, divisões. Este discurso traz a
reflexão sobre a real distância da matemática e a vida deste trabalhador-aluno. A distância não
estaria, especificamente, na aula de matemática? Quando foi questionado sobre a aula da
professora de matemática e a possibilidade desta, propor algum vínculo da experiência do
aluno com a aula, ele responde sem rodeios: “não, ela não, a professora de matemática, ela é
muito, assim, ela dá sua aula, entendeu? Ela dá sua aula, ensina, ensina super bem, mas ela
não mistura muito com a gente não.” (Escola III – Entrevistado I, p. 2).
Na voz da professora de matemática, quando questionada sobre a importância da
experiência do(a) aluno(a) no processo aprendizagem e se sua ação pedagógica levava em
conta esta experiência, ela diz: “ainda não consegui fazer isso, pois o aluno não traz nada, ele
vem sem conhecimento, como vou partir de sua experiência?” Percebe-se certo
distanciamento da postura da professora em relação à vivência do aluno, o que demonstra,
também, um distanciamento da pedagogia freireana.
Uma outra entrevista demonstra o conflito estabelecido na sala de aula quando o(a)
educador(a) não consegue colocar em prática a teoria da educação como processo dialético,
dialógico e histórico e, portanto, capaz de envolver os alunos na construção do conhecimento.
De acordo com Freire (1980, p.39), “insistamos em que o homem, para fazer a história, tem
de haver captado os temas. Do contrário, a história o arrasta, em lugar de ele fazê-la.” Na voz
deste aluno, a aula de geografia lhe parece estranha,
isso, não tem nada a ver. Aí eu acho esquisito, né. Porque ele deveria pelo menos
falar assim: olha, hoje nós vamos estudar e falar sobre isso, isso e isso; hoje a aula
vai ser disso daqui. Aí chegar e começar a explicar. Mas não fala, aí a gente fica até
com cara de bobo assim: mas do que é que ele tá falando mesmo? Aí, tem hora que a
gente até faz uma piadinha assim: professor, isso é de comer ou é de passar no
cabelo? Aí ele fica sem reação também, porque ele fala cada nome estranho! (Escola
III – Entrevista III, 14).
Para entender os temas é preciso torná-los significativos, próximos, para não correr o
risco de um estranhamento. No discurso de um dos educadores da área de história, ele revela
que esse resgate da experiência do aluno tem partido muito mais do educador do que do
próprio aluno. Ele argumenta que, na visão freireana, o aluno deve ser partícipe no processo
7
da construção da aprendizagem. Em sua opinião, isso ainda está muito distante, mas percebe o
quanto o aluno se sente bem quando sua experiência é valorizada, quando ele é convidado,
instigado a expor sua vivência como sujeito que está presente e na difícil busca de ser, nessa
sociedade. Assim,
ele gosta muito disso [valorização de sua experiência], mas ele também quer
perceber ganhos. Ele quer aprender coisas novas também, não é? Então a gente
precisa também estar atento. Por isso que a discussão do currículo é fundamental. De
como construir esse currículo no Eaja é fundamental, porque esse aluno da Eaja
também está buscando uma qualificação. Não só qualificação para o mercado de
trabalho, mas também uma formação intelectual, que foi historicamente negada a ele.
(Escola III – Entrevista II, p. 47).
39
Conferência Internacional de Educação de Adultos do francês “Conférence Internationale de Éducation des
Adultes,” por isso a sigla CONFINTEA. Convocada e coordenada pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), esse encontro intergovernamental tem como objetivo possibilitar o
diálogo e a avaliação das políticas de educação e aprendizagens de jovens e adultos na esfera internacional. De
acordo com IRELAND “A I CONFINTEA aconteceu em Elsinore, Dinamarca, em 1949,, e foi marcada pelo
espírito de reconstrução do pós-guerra. Desde então, a cada 10 anos aproximadamente, especialistas e gestores
de políticas educacionais reúnem-se para avaliar iniciativas e tendências, fixando diretrizes para Unesco e
8
ocorrerá no Brasil, em 2009. O Brasil tem discutido sobre um Documento Base Nacional
(2008), que traz a seguinte preocupação com a temática do currículo para EJA:
um currículo para a EJA não pode ser previamente definido, se não passar pela
mediação com os estudantes e seus saberes, e com a prática de seus professores, o
que vai além do regulamentado, do consagrado, do sistematizado em referências do
ensino fundamental e do ensino médio, para reconhecer e legitimar currículos
praticados. Reconfigurar currículos é tarefa de diálogo entre especialistas,
professores e até mesmo de estudantes. Não é desafio individual, mas coletivo, de
gestão democrática, que exige pensar mais do que uma intervenção específica: exige
projeto político-pedagógico para a escola de EJA como comunidade de
trabalho/aprendizagem em rede, em que a diversidade da sociedade esteja presente.
(2008, p. 4).
Dessa forma, esse tema citado pelo educador já faz eco como discussão nacional.
Pensando especificamente na Eaja, na rede municipal de Goiânia, vale ressaltar que existe
uma discussão no Grupo de Trabalho de Currículo (GT-Currículo)40, proposto pela SME, que
tem desenvolvido algumas discussões acerca do currículo, mas, ainda assim, muita discussão
e construção coletiva será necessária, conforme aponta o Documento Base Nacional. Discutir
currículo significa romper com uma prática espontaneísta e estanque de realizar o trabalho
pedagógico. É preciso reconhecer o conteúdo e reconfigurá-lo, como propõe o referido
documento. E esse é um desafio e uma oportunidade estratégica para o educador ou educadora
crítica. Na argumentação de Freire (1994, p. 112),
recomendações aos países.” (2003, p. 3). A VI CONFINTEA, tem como tema: Brasil – Educação e
Aprendizagens de Jovens e Adultos ao Longo da Vida. O Brasil será sede em maio de 2009. Será a primeira
vez que esta Conferência acontece num país do hemisfério sul. Em preparação à VI CONFINTEA serão
realizados encontros Estaduais, Regionais e Nacional. Esses encontros terão por objetivo discutir, implementar
e fortalecer a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no país.
40
Essa é uma formação institucional promovida pela SME sob a Coordenação Geral do Departamento
Pedagógico/centro de formação dos Profissionais da Educação/Divisão de Educação Fundamental de
Adolescentes, Jovens e Adultos - implantada pela atual gestão 2005/2008. A carga horária do curso é de 100
horas, oferecem 60 vagas para os professores regentes que atuam na Eaja. Autorizado por meio da Resolução
nº 046/2007 do Conselho Municipal de Educação/CME. Fonte: Relatório Final do Curso – GTE: O trabalho
pedagógico na Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos – Eaja – 2ª Edição – Goiânia – dezembro/2007.
9
culturais desenvolvidas na escola, observou-se que esse elemento aponta alguns limites. Há
dificuldades em se desenvolver um trabalho coletivo e interdisciplinar, bem como inserir na
práxis a concepção de cultura registrada na proposta político-pedagógica (2000, p. 17):
“cultura entendida como produto dialético do trabalho, é o mundo modificado pelo homem,
que se descobre agente transformador da realidade.”
A tensão colocada nessa situação, em que a cultura é entendida como produto
dialético, é revelador para os(as) educadores(as) que nem sempre se percebem como
produtores de educação e cultura. Com essa consciência, o caminho a ser trilhado seria aquele
de elaborar estratégias críticas em que a tônica fosse a transformação do próprio contexto em
que estão inseridos. Para Gramsci (1989, p. 13),
criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas
‘originais’; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já
descobertas, ‘socializá-las’ por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de
ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral.
acho que a Eaja, tem que parar mais pra discutir a formação, a formação mesmo do
educador. A concepção de educação, a discussão do próprio Eaja, o conhecimento do
Eaja. Eu acho que tem que se parar mais pra se fazer isso. Eu acho que o retrocesso,
nessas últimas administrações foi exatamente isso. Infelizmente, nem todos os
profissionais valorizam a formação. Eu, por exemplo, participo de um GT, do Ensino
Noturno, que eu acho que é muito legal, muito importante a gente discutir o Eaja.
Muitas coisas que a gente discute podem ser aplicadas em sala de aula. Muitas
experiências que a gente ouve podem ser aplicadas dentro da sala de aula. Então eu
acho que a formação, ela tem que acontecer. E como ela não pode acontecer pra
todos, tem que se criar espaços de discussão sobre o Eaja. Eu acho que tem que se
regionalizar41 isso. Eu defendo a regionalização das discussões. Por exemplo, as
escolas dessa regional terem um tempo pra se encontrarem (...) trocar experiência e
discutir teorias. (Escola III – Entrevista II, p. 48).
Assim afirma o professor, esse tipo de formação não é para todos os professores.
Uma pequena parcela que utiliza o horário de estudo determinado na escola compõe o grupo
de trabalho. Esta realidade aponta uma necessidade premente de avançar nesse processo de
formação. De acordo com a expressão do professor, a necessidade de discutir teorias no
coletivo dos professores é uma questão que termina configurando-se como tensão, pois nas
argumentações de muitos(as) educadores(as) a teoria é desnecessária, o importante é fazer.
41
Quando o professor propõe regionalizar as discussões, ele está referindo-se à estrutura estabelecida na RME
em que as 156 escolas estão subdividas em cinco Unidades Regionais de Educação/UREs, que exercem um
papel de coordenação e acompanhamento pedagógico às escolas.
12
Buscar esta realidade de forma crítica é um desafio para os(as) educadores(as), pois a
reflexão contínua de seu trabalho é imprescindível na medida em que, conforme aponta
Landini e Monfredini (2005, p. 64), este trabalho “pode ou não aprofundar os processos de
desumanização, negando, portanto, a possibilidade de formação humana no sentido de sua
generacidade, ou, ao contrário, propiciando a realização dos sujeitos na sua generacidade.”
Neste sentido, a formação de professores(as) para Eaja deve se identificar com um projeto de
educação em que a formação humana seja norteadora e que esses mesmos professores(as) se
percebam integrantes deste processo de formação, ou seja, assumam uma postura mais ativa
frente às iniciativas de formação e orientações advindas das instâncias superiores. Conforme
argumenta Machado (2001, p. 121),
a professora (...) mesmo, na hora que ela entra na sala, ela fica assim: “ah, mas essa
aula hoje tá demorando demais”, e fica olhando no relógio. E fica doida pra sair da
sala de aula, e não quer dar a aula direito, quando falta cinco minutos pra acabar a
16
aula, ela pega os livros, sai da sala e vai esperar o sinal lá na porta da outra sala,
esperando o outro professor. (Escola III – Entrevista III, p. 30).
ela parece que não dá moral pra ninguém. Um dia ela parou assim e perguntou quem
era esse tal [dizendo o nome do aluno]…[e o aluno respondeu:] A senhora não
conhece o [dizendo o nome dele], não? [a professora responde:] Não, não conheço o
[repetiu o nome do aluno]. [o aluno reponde a ela com indignação] Então tá. (Escola
I – Entrevista I, p. 1).
porque o aluno tem que participar, ele tem que ter um contato com o professor
direto. O aluno não pode ser só aluno e o professor ser só professor. A gente tem que
ser amigo, entendeu? A gente tem que conhecer o outro. Por que não adianta o
professor querer ensinar o trem pra mim e eu olhar pra cara dele e ficar grilado com
a cara dele porque ele é o professor chato que só chega[e diz]: não, cala a boca, todo
mundo sentado e copia porque eu tô copiando. (Escola III, Entrevista II, p. 42).
a relação com os professores é boa a não ser com o professor (...). É boa também, só
que ele é muito, vamos resumir, é egocêntrico, entendeu? Ele é o certo e pronto. Ele
não aceita opiniões alheias à matéria dele, entendeu? Então eu acho que o professor
tem que ter uma amizade com o aluno. Porque nenhum professor é superior ao aluno.
Ás vezes o aluno sabe coisas que o professor não sabe. E o professor, claro, sabe
coisas que o aluno não sabe. Ele [o aluno] tá lá pra aprender. Mas, eu acho, as
pessoas tem que dar um espaço, sabe, pra ouvir. (Escola II – Entrevista II, p. 16).
bem, às vezes, à coragem de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que
participo”.
Duarte (1993) aponta uma outra necessidade premente na atividade educativa na
amplitude da referida relação professor/aluno. Na opinião deste autor, para que o(a)
educador(a) possa entender este(a) aluno(a) em sua concreticidade, faz-se necessário pensar o
concreto de forma madura na complexidade, pois a concreticidade não se apresenta de forma
automática ao acontecer o contato entre o(a) educador(a) e o(a) educando(a).
Nas palavras de Duarte (1993, p. 15), “além do mais, conhecer a concreticidade do
indivíduo não se limita, para o caso da atividade educativa, ao conhecimento do que o
indivíduo é, mas também ao conhecimento do que ele pode vir-a-ser.” Em outras palavras, a
reflexão trazida pelo autor situa a relação professor e aluno em um projeto maior que é a
consciência histórica do ser sujeito no âmbito social. Na visão gramsciana, o “devir” assenta
nas transformações das relações sociais, ou seja, nas relações sociais, também, os homens vão
se constituindo como humanos no processo da objetividade e da intersubjetividade. Na
argumentação de Gramsci (1989), a interação entre as pessoas é determinante no “devir”
humano.
Esse desafio da interação deve contribuir para a construção de possibilidades em que
a escola seja um espaço vivo de troca de experiências, em que o desenvolvimento humano
aconteça exatamente no campo da interação, proporcionado por uma visão teórica, na qual as
vivências sócio-culturais permeiem o processo ensino-aprendizagem. No depoimento de uma
educadora da Escola III sobre o relacionamento com os(as) alunos(as), ela responde:
Meu relacionamento com eles depende muito do aluno, depende da cabeça do aluno,
depende do objetivo dele aqui. O aluno que está aqui pra estudar, que quer aprender,
ele não tem problema nenhum. Porque ele sabe que eu tô aqui pra ensinar, que eu
tenho competência pro ensino, que eu me interesso. Agora, os alunos que não quer
nada com nada, que vem aqui só pra ficar fumando, namorando, andando pelos
corredores, que quer ficar indo pra quadra [de esportes], esses alunos eles não
gostam, não gostam de jeito nenhum. Por quê? Porque eu não sou de ficar deixando
sair, entendeu? Então, esses alunos não aceitam, não gostam. (Entrevista I, p. 87).
Não com todos. Eu não tenho uma dificuldade porque eu não converso muito com
eles. E a cabeça do jovem pra nossa é muito diferente, você entendeu. Porque a
maioria não quer nada com nada. Vai ali mesmo só pra dizer que tá indo ou tá indo
porque o pai falou pra ir. Tá se sentindo pressionado. Eles não tão ali pelo mesmo
objetivo que eu estou, eles não tão preocupado, entendeu? Ah, tá nem aí não, sai da
sala de aula. Não tá nem um pouquinho preocupado em aprender, você entendeu? Eu
não, eu tô preocupada em resgata o que eu perdi. Eles não, pra eles, eles não tão
perdendo nada. (Escola II – Entrevista I, p. 9).
No discurso da aluna e nas atitudes na sala de aula, com os colegas mais jovens já
existe, de antemão, uma opinião formada sobre os jovens que, em sua opinião, não querem
nada e estão ali para “atrapalhar”. Foi possível observar algumas agressões verbais tanto por
parte dos jovens para com os adultos, como dos adultos para com os jovens.
A dificuldade de alguns professores(as) em lidar com a situação também foi visível.
No processo ensino-aprendizagem, o(a) educador(a) tem que se desdobrar entre o
acompanhamento do jovem e do adulto, sobretudo daqueles acima de 40 anos de idade, que
apresentam tempo diferenciado na construção da aprendizagem de alguns temas, ou seja,
necessitam de um tempo maior para aprendizagem do que os jovens e adolescentes. Na
observação em sala de aula, alguns educando(as) com mais idade solicitam mais a presença
dos(as) educadores(as) em suas carteiras.
19
existe problema, sim. É a razão do adolescente e do jovem. Por que o aluno idoso, a
pessoa idosa, ele tá aqui mesmo pra tentar buscar aquilo que ele perdeu. Então ele
vem com toda a seriedade para estudar, por que ele está querendo mesmo aprender.
E, de repente, o jovem ele vem com a intenção de aprender, mas a questão das
brincadeiras. Surgem as brincadeiras, que às vezes são de mal gosto para o idoso,
que não fica tão satisfeito, quanto eles gostam de brincar. E, às vezes, a gente tem
que interferir. Tanto a coordenação de turno, quanto a coordenação pedagógica. (...)
A gente chama esse jovem, tenta conscientizar que ele está aqui, que ele saiu do
trabalho, de uma jornada de trabalho do dia todo, (...) Por que tem o aluno que vem
com conversa, que gosta de dar indireta, né. E os idosos não gostam. E a gente tenta
minimizar o máximo possível pra que todos tenham aproveitamento durante a aula.
O professor também procura conversar com o aluno, ou então direciona ele pra
coordenação e a gente tenta conversar. (Escola II – Entrevista III, p. 14).
o problema é que o pessoal lá, não sei, tem muito rapaz novo (...) nós éramos três,
assim, mais velho.(...) Os outros muito jovem, eles leva as coisa muito na
brincadeira. Aí, muitos lá, quer escorar nas costa da gente, eles quer só que a gente
faz e coloca os nome deles. Então, eu não gosto muito, não. Gosto de fazer eu só
mesmo, errado ou certo, eu faço é sozinho mesmo. ( Escola II – Entrevista I, p. 27).
nós temos os alunos mais velhos com muitas dificuldades na aprendizagem, temos
que dar atenção a eles, mas tem os mais jovens que você quer dar aula e o aluno não
tá acostumado a estudar [enfática], ele não tá acostumado a fazer tarefa. Então a
gente… acaba que você é obrigado a tá entrando, como se diz, entrando na deles. Por
que se não, você fica, tipo assim, antipatizada, você é a chata, você é a ruim. (...) É
muito difícil [voz embargada]. Eu tô muito decepcionada com o ensino, pensando
em pedir aposentadoria antes da hora. (...) Sabe? Você se sente totalmente
desestimulada. (Escola III – Entrevista I, p. 42).
Por outro lado, cabe uma reflexão coletiva dos(as) educadores(as) em estudos que
apontem análises das identidades juvenis nas escolas. Carrano (2005) argumenta que o(a)
educador(a) precisa questionar sobre as culturas e linguagens dos jovens presentes na escola.
Da mesma forma, os adultos e os idosos precisam ser respeitados em suas especificidades
culturais e etárias.
resolvem. Eles fazem a reunião deles e o aluno não tem nem como participar.” (Escola III –
Entrevista II, p. 38) Percebe-se que não se abre um diálogo sobre a avaliação na sala de aula.
Este mesmo educando relata que, ao obter o retorno das avaliações, também não há uma
discussão sobre os erros e acertos e os possíveis caminhos para a aprendizagem. A avaliação,
na proposta freireana, é processo de conhecimento, mas, na prática, tem-se revelado
autoritária e tradicional.
Educação democrática significa perceber a situação peculiar dos trabalhadores-
alunos da Eaja e compreender a necessidade permanente de diálogo e negociações. No
discurso de um aluno, que descreve seu retorno depois de alguns meses fora da escola, e se vê
obrigado a fazer uma prova: “eu não entendi essa professora. Eu achei isso até ‘paia’. Fiquei e
foi muitos meses sem poder estudar. Oh! No primeiro dia que eu cheguei, eu: oi, professora,
tudo bem? Aí ela foi e passou a prova. (...) E eu perguntei: como assim, eu acabei de chegar e
ela respondeu vai fazer, sim!” (Escola III – Entrevistado V, p. 74). Este aluno contou que
obteve (três) nessa matéria.
Em sua opinião, considerou que até foi uma nota boa, pois não tinha nem idéia de
fazer uma prova naquele primeiro dia de retorno. Questionou-se, na mesma entrevista, sobre a
forma de devolução dessa avaliação, como ocorreu, e ele informou que foi normal. O normal
é entregá-la sem nenhum diálogo, sem reflexão e, portanto, com pouquíssimas condições de
conseguir construir conhecimento, já que, na leitura dos discursos, estes/as educadores/as têm
optado em passar para os próximos temas, o que poderá ir construindo, em vez de
conhecimento, lacunas no processo de aprendizagem. O discurso de uma educadora sobre o
processo avaliativo, revela: “bem, eu tento, mas não percebo muito interesse por parte dos
alunos e então sigo em frente com o conteúdo, pois o nosso tempo é curto. A realidade do
noturno são os alunos chegarem às vezes tarde e saírem mais cedo por causa do cansaço”
(Escola III – Entrevista I, p. 81).
Um aluno da Escola I (Entrevista III, p. 14) revela, entretanto, que “têm, uns
professores que corrigem a prova com a gente.”. Quando se questionou se é uma prática que
ajuda a entender melhor a matéria, o aluno respondeu que nem sempre. Em sua opinião, às
vezes é uma ação aligeirada. Entretanto, uma aluna dessa mesma escola, quando perguntada
sobre a discussão em sala de aula das avaliações, após serem corrigidas pelos professores, diz:
“não, até agora não. Quem sabe, não sei, às vezes, na metade do ano, quem sabe pode
acontecer isso. Mas até agora não aconteceu, não” (Entrevista IV, p. 19).
Vivenciar esse processo de avaliação no âmbito escolar não é fácil, sobretudo porque
faz-se necessário avaliar a própria prática desenvolvida. E se esta avaliação revelar uma
23
Justamente esse jeito novo de facilitar demais pro aluno, de passar o aluno sem
saber, isso aí traz um problema para os professores que têm essa visão de que a
educação é levar o aluno a adquirir novos conhecimentos e não adianta ele só ficar
aqui enrolando.Inclusive, eu acho que se está deturpando a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação. Porque lá prevê o avanço, mas tem uma ressalva lá, bem clara: desde
que o aluno tenha capacidade [enfática]. E eu acho que não é o que está acontecendo
em geral. Por que o aluno, ele está chegando cada dia mais atrasado aqui. Tem gente
que nem sabe o que faz no Primário [primeira fase do ensino fundamental] com esses
alunos, porque eles chegam na quinta série. Eu mesma estou dando reforço pra um
grupo aqui, de manhã, uns meninos de sexta série. Eu tô, assim, abismada de ver o
nível dos meninos. Eu peguei um livro, outro dia, do primeiro ano primário, pra dar
pra esses meninos os exercícios, eles custaram a dar conta. (Escola III – Entrevista
II, p. 76).
Embora a professora demonstre, tanto em sua fala como em sua prática, pouco
envolvimento com os alunos, com a proposta e com a educação como um todo, seu
depoimento merece uma reflexão, sobretudo a partir da crítica que ela faz ao primeiro
segmento da Eaja. Em sua opinião, os alunos estão chegando na 5ª série com grandes
dificuldades. No debate das duas posições tomadas por educadores(as), focadas acima, no
sentido de ignorar as causas do baixo rendimento, conduzindo à reprovação, ou a de passar o
aluno sem o conhecimento consolidado, Sousa et al (2003, p.14) traz a seguinte contribuição “
Cada uma dessas posturas é discriminatória: tanto a que leva à abstração das causas do baixo
aproveitamento do aluno e das conseqüências de sua reprovação quanto a que supõe um nível
menor de exigência dos alunos das classes populares.” Na opinião dos autores, discrimina o
24
educador(a) que não considera a realidade dos(as) alunos(as) que apontam maiores
dificuldades e merecem um acompanhamento mais sistemático, mas discrimina também o que
facilita a aprovação, ocultando o fracasso e contribuindo para a intensificação das
desigualdades sociais.
A Lei de Diretrizes e Base de 1996, Art. 24º, inciso V, alínea ‘c’, referida pela
professora, traz o seguinte texto: “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante
verificação do aprendizado;”. A partir da LDB/1996, a proposta político-pedagógico da SME
(2000, p. 19) aponta os elementos, classificação42 e avanço/reclassificação, intrínsecos à
avaliação. O texto expressa: “a avaliação é realizada bimestralmente e com atribuição de
notas de zero a dez, garantindo o direito à classificação e reclassificação/avanço, como de 1ª a
4ª série, apesar de não realizar a descrição43 como instrumento.” Uma das coordenadoras
informou, sobre o processo de discussão do avanço na escola:
Quando se questionou sobre o aluno nesse processo, a coordenadora disse que, após
a decisão do coletivo dos(as) educadores(as), o aluno é convidado para uma conversa na sala
da coordenação, pois muitas vezes o coletivo decide, mas o aluno não quer. A coordenação
“interfere, fala da questão da importância dele ser avançado, fala que ele tem potencial, que
ele tem condições. Aí, de repente, às vezes, a gente respeita a decisão do aluno.” (Escola II –
Entrevista III, p. 29).
Os discursos dos(as) alunos(as) são significativos e propiciam reflexões acerca dessa
tensão. Indagou-se ao aluno entrevistado sobre a questão do avanço e ele respondeu as
informações passadas pelos professores, “explicou que a pessoa tinha que vim constante, (...)
42
Sobre a classificação um exemplo do que ocorre no primeiro segmento do ensino fundamental – SME -,
conforme descreve Carvalho (2005, p. 39) “as matrículas eram efetivadas mediante o requerimento assinado
pelo próprio aluno, se maior de 16 anos. Os alunos que não tinham comprovante escolar anterior eram
matriculados no módulo 1. Posteriormente, aplicavam-se avaliações formais para verificação e
regulamentação do nível de escolaridade deste aluno. Após esta classificação, o aluno era remanejado para o
módulo seguinte de acordo com as suas habilidades cognitivas, independentemente do término do trimestre.”
43
Conforme a proposta político-pedagógica (2000, p. 19), “ na Educação Fundamental de 1ª à 4ª série (regular e
Projeto AJA), a avaliação é descritiva, contínua, processual e de registro trimestral ( os trimestres são
finalizados conforme calendário anual de atividades), numa dimensão de totalidade e orientação do processo
educacional, visando ao desenvolvimento dos(as) educandos(as), na perspectiva da continuidade e do avanço
na construção do conhecimento e não uma mera classificação e seleção por meio de notas e certificados.”
25
freqüência boa e ter as notas boas. Ser bom em quase todas as matérias. Quase 100%, uns
91%, senão não avançava.” (Escola I – Entrevista IV, p. 24). O depoimento de outro aluno
aponta uma crítica ao processo do avanço,
Mas pelo visto que eu tô vendo aí, do avanço aí, eu acho que precisava, sim, alguma
opinião de aluno aí pra conversar. Por que a gente viu o avanço, quer dizer, é por
voto. Como se diz, eles avalia, eles que conhece cada talento de cada aluno. É até
complicado eu dizer isso, mas eu vi pessoas da minha sala que tinham talento melhor
de está na sexta série e não está. Continua na quinta série. Então, isso foi estudado,
foi pesquisado cada um, individual, os professores, de cada aluno. (...) Poderia ter
avançado e não foi avançado. Aí, sabe lá, né. Eles que conversaram, os professores
que conversaram. Então como que eu posso dar opinião de alguma coisa que eu
posso intervir e um deles me corrigir. Então, quem sou eu pra estar dizendo alguma
coisa para os professor. Quando eles falam, eu fico calado e escuto, não é? (Escola
III – Entrevista I, p. 42).
entendo que é preciso perseguir a qualidade, sempre assegurar que de fato o aluno
tenha o que é, de direito dele, a qualidade na aprendizagem. Além do mais, considero
importante contribuir com os demais colegas que não perceberam a importância
desse elemento que é, em minha opinião, parte do processo da aprendizagem.
(Escola III – Entrevista II, p. 64).
26
3; 1% 41; 17%
202; 82%
O gostar de ler não representa, para este(a) aluno(a) que é também trabalhador(a), a
possibilidade de desenvolver um hábito de leitura. Na expressão de uma trabalhadora-aluna, é
possível perceber a dificuldade em encontrar tempo para leitura “então, eu não tenho tempo,
28
às vezes, a hora que eu penso em ler um livro (...) falta tempo na minha vida. Falta tempo prá
muita coisa. E até mesmo prá me cuidar, prá ser feliz.” (Escola II – Entrevista I, p. 32).
Na entrevista com as auxiliares das salas de leituras, elas afirmaram que o turno
noturno é o que menos busca a biblioteca. No depoimento de uma delas,
teve época que eles traziam mais, só que, depois que mudou o espaço da sala de
leitura, só tem dezesseis cadeiras. Então, não é toda a turma que quer, sabe. Não dá
pra todo mundo. Agora, quando é a professora de Português, ela gosta de trazer e
eles vêm e ficam quatro, cinco alunos num colchonete e, como é pra ler mesmo,
então fica mais confortável. Agora, quando o professor quer que o aluno vá fazer
pesquisa, ele prefere vir, pegar o material e levar porque pro estudo não comporta
uma turma toda aqui dentro. (Escola I – Entrevista II, p. 28).
é preciso desenvolver no aluno a autonomia de leitura, para que ele continue lendo
depois de concluir os estudos. Não interessa a ninguém um leitor restrito ao ambiente
escolar; pois a escola é uma atividade-meio. O ensino sem leitura é mera
certificação, e não produz efeitos concretos na vida pessoal e profissional do aluno.
região norte, 9,8% possui acesso a computador e 6,0%, à internet. A região nordeste
aproxima-se com 9,7% de acesso a computador e 6,9%, à internet. As regiões sudeste e sul
apresentam também proximidades de 29,2% e 27,9% de acesso a computador,
respectivamente, e 23,1% e 20,8%, respectivamente, acesso à internet. A região centro-oeste
apresenta 20,4% de acesso a computador e 14,6%, à internet. Os dados do Brasil e das
diferenças regionais revelam que ainda está muito longe a conclusão do direito de todos aos
bens construídos pela sociedade, evidenciando a desigualdade e apontando o quanto será
necessário enfrentar para socializar os meios de comunicação, informação e conhecimento
propiciados por esse instrumento.
Dos alunos pesquisados (246 respondentes), 53% têm acesso ao computador, mesmo
não tendo o equipamento em casa, a informática é presente na vida destes trabalhadores-
alunos, sobretudo para os jovens, como mostra o gráfico.
15; 6%
Cinqüenta e três por cento declaram acesso ao computador, mesmo que de forma
esporádica, em “lan houses” e na casa de amigos. Outros informaram que no trabalho lidam o
tempo todo com o computador. As entrevistas com os trabalhadores-alunos, e também com os
profissionais do ambiente informatizado revelam tanto a importância desse ambiente para
os(as) aluno(as) quanto as tensões relativas ao acesso e ao uso adequado dos computadores. O
discurso de um aluno informando como é o seu acesso ao computador, aponta uma
insatisfação: “eu tenho acesso a computador lá no meu serviço, que lá tem. E aqui na escola
também. Mas, aqui na escola, a gente vai de vez em quando. A gente não vai direto.” (Escola
III – Entrevista I, p. 32). Nas palavras deste outro trabalhador-aluno, que não possui
32
computador em casa, mas no trabalho: “tem, sim. Se a minha patroa não tá, se tá só a gerente,
eu posso, ela deixa.” Quanto à sala de informática da escola, ele responde: “eu acho que
minha dificuldade mesmo é com as teclas. E aqui eles não ensinam. A professora de
informática disse que não pode ensinar.” (Escola III – Entrevista II, p. 76).
Os dois depoimentos levam à reflexão de que as dificuldades apresentadas são de
duas ordens: de infra-estrutura, pois são muitas turmas e cada uma delas têm acesso cerca de
três vezes ao mês, com quarenta cinco minutos, outro aspecto são as ferramentas básicas para
aquele aluno que tem poucas condições de acesso ao computador. E isso não é parte do
projeto. A fala da professora da sala de informática, denominado de ambiente informatizado,
esclarece:
de trabalhar com o computador.” Está concepção demonstra uma preocupação com o processo
de criar espaços educacionais nos quais o aluno possa construir seu conhecimento, ou seja, o
computador com um recurso propiciador da aprendizagem.
O espaço da informática na escola pode propiciar a passagem do ensino fragmentado
para uma visão incorporada dos conteúdos, bem como ter um olhar voltado para o aluno. Na
visão de Almeida e Valente (1997, p. 18), a informática pode contribuir na:
penso que a educação não é redutível à técnica, mas não se faz educação sem ela.
Não é possível, a meu ver, começar um novo século sem terminar este. Acho que o
uso de computadores no processo de ensino-aprendizagem, em lugar de reduzir,
pode expandir a capacidade crítica e criativa de nossos meninos e meninas.
[colega de trabalho] ligando, desligando, eu fico imaginando.” (Escola II – Entrevista IV, p. 23).
Percebe-se que a informática, o computador, enfim, o mundo digital, exerce um
fascínio, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. É visto como um instrumento de trabalho,
pesquisa e diversão. Esta motivação deve, ou deveria, ser priorizada visando, sobretudo, a
desenvolver o gosto pela pesquisa. Neste sentido, pode ser uma ferramenta que, se
corretamente aproveitada, incrementará o acesso democrático à informação.
Todos estes depoimentos trazem novamente a tensão social, a desigualdade presente
na sociedade brasileira. Reconhecer esta desigualdade é perceber a falta de eqüidade como
realidade histórica. Questionar este contexto é construir e consolidar uma crítica que possa
incorporar a dimensão, de fato, democrática, tão indispensável neste tempo.
Nesta visão específica da informática focalizada no campo da educação, embora
exista um forte incentivo e, sobretudo, propaganda dos computadores nas escolas, sua
implementação, ainda está muito aquém dos anúncios. Na argumentação de uma das alunas,
esta observa: “Já falei com a diretora. Eu falei: por que nosso colégio não tem computador?
(...) Mas e essas propagandas que sai aí? Que saiu computador pra cada colégio?” (Escola II –
Entrevista I, p. 11). Sabe-se que esta é mais uma luta que será necessária à comunidade
educacional se empenhar para consolidação deste direito.
Diante das várias tensões refletidas, foi possível perceber que, no interior das escolas,
a dimensão social entrelaça-se nos conflitos internos ou, mais precisamente, é muitas vezes o
próprio motivo do conflito. As questões sociais comumente realizam um movimento de
expulsão dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as) das instituições escolares.
Internamente, no entanto, a escola tem, muitas vezes, produzido e reproduzido
conflitos sociais. A relação de alguns dos(as) educadores(as) com os(as) alunos(as) é um
exemplo da reprodução autoritária e dominadora que a concepção da sociedade capitalista
vem se desenvolvendo a algum tempo. A dificuldade de aproximação do currículo da
educação formal com as vivências dos(das) educando(as) confirma a divisão imposta pelo
mundo do mercado. Há a negação, também, da possibilidade de um conhecimento
interdisciplinar e integral. O processo avaliativo nem sempre cumpre sua característica
principal, que é construir o conhecimento. As difíceis relações entre os colegas com a
diversidade das faixas etárias e a tensão entre os(as) educadores(as) para lidarem com estas
diferenças. Os espaços da escola raramente disponibilizado de forma significativa e
eqüitativa, nem sempre tem contribuído para ampliação do conhecimento.
Todos estes fatores internos também podem estar contribuindo para o movimento de
expulsão dos(as) alunos(as) da Eaja. Desta forma, faz-se necessário envolver a comunidade
35
44
Cf. a nota 3 da Introdução deste trabalho.
1
relação da aprendizagem desenvolvida na escola e a vida do(a) aluno(a), sobretudo com o seu
trabalho?
O atual cenário mundial, marcado pela política neoliberal, trouxe desastrosas
mudanças para o mundo do trabalho. No Brasil, desde os anos 1990, ganhou força a economia
globalizada. O desemprego aumentou e, na linha de produção, houve uma transformação com
a informatização. Com isso, as empresas eliminaram postos de trabalhos e,
conseqüentemente, ocorreu o aumento do trabalho informal e precarizado, sendo esta a tônica
da conjuntura do mundo do trabalho.
Por meio da pesquisa de campo, foi possível constatar o quadro apontado acima. A
maioria dos sujeitos trabalhadores(as) vivenciam a situação do trabalho informal, alguns no
campo terceirizado, mas vivendo a mesma incerteza imposta aos jovens e adultos no atual
contexto. Isso significa dizer que hoje viver a dualidade entre trabalho e escola é o mesmo que
estar na escola e também sob a sombra do desemprego ou em busca de colocação no mercado.
Assim, se a escola, sobretudo do período noturno, já convivia com as dificuldades de os(as)
trabalhadores(as) permanecerem com sucesso no espaço escolar, hoje precisa compreender
também a situação de incerteza social tão presente na vida destes(as) educandos(as).
Por outro lado, conforme a concepção atual de mundo globalizado, a educação ganha
centralidade, sobretudo pela grande demanda específica do mercado de trabalho, que exige
um grau maior de qualificação, conhecimentos e informações de cunho tecnológico bem mais
complexos do que a formação exigida para o então trabalho braçal. Na concepção de alguns
autores, mais uma vez a educação, no ideário da sociedade capitalista, é sinônimo de
preparação para o mercado de trabalho. Diante desta lógica mercadológica, qual seria a
alternativa possível para a educação?
A proposta político-pedagógica (2000) da Secretaria Municipal de Educação/
Goiânia, construída em um processo aproximado de dez anos, trouxe a perspectiva humana da
educação. Em sua concepção teórica, enfocou a qualidade social, considerando o(a) aluno(a)
como sujeito histórico que atua em uma realidade social e, portanto, com possibilidades de
interferir e transformar este contexto.
Nesse sentido, a abordagem freireana contribuiu para a compreensão da educação
como ato político e como meio de emancipação humana. A proposta trouxe o conhecimento
como um processo humano contínuo, em que educandos(as) e educadores(as) são sujeitos do
processo de construção do conhecimento. Nessa visão de continuidade, a Eaja da rede
municipal de educação é pensada buscando uma maior qualidade no ensino, em contraposição
com a perspectiva aligeirada de suplência, e assegura em sua proposta o olhar voltado para a
2
desses(as) alunos(as), vários fóruns de discussões que a escola propicia, além da sala de aula,
é de extrema importância, inclusive nos planejamentos. Entretanto, no texto da proposta não
está prevista a participação dos(as) alunos(as). Não seria de grande importância ouvir os
trabalhadores(as)-alunos(as)? Não seria fundamental esta participação dentre outras para que
ele se sentisse sujeito histórico? Não seria um exercício profícuo, no sentido de exercer
interferência, primeiro na escola e depois na própria sociedade, como cidadãos participativos?
Por meio dos questionários e das entrevistas foi possível perceber o grande
significado da escola para os(as) trabalhadores(as)-alunos(as). Em suas expressões, a escola
representa a possibilidade de conseguir um emprego ou uma colocação melhor e, também, a
possibilidade de encontrar pessoas e dialogar. Para alguns, ainda, é a oportunidade de realizar
um sonho antigo. A importância do acesso, propiciado pela escola, a alguns espaços culturais
e a possibilidade de romper com a dificuldade de falar em público são outros exemplos.
Enfim, configuram-se vários fatores positivos e significativos segundo os investigados(as).
Ao questionar os(as) trabalhadores(as)-alunos(as) sobre a relação da aprendizagem
na escola com a vida dos(as) educandos(as), principalmente no trabalho, as respostas quase
sempre apontaram para uma grande contribuição no trabalho. Na opinião destes, ressalta-se
uma melhor comunicação e pronunciamento correto das palavras; na matemática, facilidade
para desenvolver os cálculos. No entanto, ao buscar, de fato, a concretização da relação do
processo de aprendizagem desenvolvido na escola e sua dinâmica do trabalho, não é possível
perceber a consistência desta relação. Tais fatos, ao fim da pesquisa, possibilitaram analisar e
se relacionar com a própria inconsistência teórica da categoria trabalho, presente na proposta
político-pedagógica da SME. Conforme argumenta, Ramos (2005, p. 124), é preciso buscar
para além da dimensão epistemológica de um currículo que integre educação e trabalho, que é
um debate essencialmente político, “pois pretende interferir nos fundamentos e no sentido da
educação dos trabalhadores.”
Ao analisar as diversas tensões, abordadas pontuadas no capítulo III, percebidas nos
depoimentos dos(as) alunos(as) das três escolas pesquisadas, constata-se a enorme dificuldade
de colocar em prática a concepção teórica de uma educação que objetiva o reconhecimento do
ser humano como sujeito histórico.
As referidas tensões podem ser analisadas em dois grupos: o primeiro grupo refere-se
aos conflitos advindos da dura relação imposta pelo mundo trabalho, do domínio do capital
sobre o trabalho. Este conflito tem grande repercussão no interior da escola, já que o tempo de
estudo é sempre menor por causa da sujeição ao trabalho diário. No interior da escola, os(as)
professores(as) vivem a situação de tensão trazida pelo(a) trabalhador(a)-aluno(a). Esses, por
4
Numa entrevista realizada com Paulo Freire, em março/1989, pelo o Sindicato dos
Trabalhadores do Ensino de Minas Gerais, ele foi questionado o que é ser um trabalhador do
ensino no Brasil. Ele responde afirmando a não-existência de um educador alheio ao seu
tempo. Em sua opinião, o ato de ensinar é político. Freire (2001, p.49) afirma: “daí que me
pareça fundamental que todo trabalhador do ensino, todo educador ou educadora, (...) assuma
a natureza política de sua prática. Defina-se politicamente. Faça a sua opção e procure ser
coerente com ela.”
É preciso reconhecer, ainda, a necessidade, apontada nos depoimentos dos/as
próprios(as) educadores(as), da formação continuada, específica a EJA. Afirmar esta questão
é importante tanto quanto dizer que a formação dos profissionais da educação deve ser de
cunho político. E talvez caiba questionar: não seria papel também do Sindicato dos
Profissionais da Educação? A organização sindical tem se preocupado com uma formação que
torne os(as) professore(as) mais comprometidos(as) com a uma educação emancipatória?
Voltando-se especificamente ao tema da pesquisa, será que não caberia uma formação aos
trabalhadores(as) da educação em que estes(as) estivessem comprometidos com uma
educação que rompesse de fato com a dualidade trabalho/educação em que os(as)
trabalhadores(as) da educação se sentissem parceiros dos trabalhadores(as)-alunos(as)?
Enfim, as questões levantadas ao longo dessas considerações finais têm o olhar de
quem está dentro e fora do campo pesquisado. Fora porque, como pesquisadora, é preciso
fazer este exercício para investigar. Dentro por fazer parte da EJA como profissional da
educação e, mais ainda, pela quase cotidiana convivência com a realidade de ser trabalhadora-
aluna. Talvez por isso, o direito a tantas indagações, às quais apontam a necessidade de buscar
e construir um outro tempo, um tempo em que o trabalho seja concebido como “poiésis”45 e
os(as) trabalhadores(as) tenham “o tempo livre de ser”46. As questões também abrem
possibilidades para outras pesquisas, que certamente provocarão novas reflexões para o
aprofundamento na teoria e na práxis da EJA.
Por fim, é preciso enfatizar que, as falas dos(as) trabalhadores(as)-alunos(as)
investigados(as), ao se referirem à escola, esta representa um espaço de imenso valor, tanto
para a formação quanto para a convivência e mesmo o lazer. Dessa forma, não é demais
reafirmar que esta instituição tem um papel fundamental na vida desta população menos
favorecida.
45
Cf. a nota 26 do Capítulo I deste trabalho.
46
Trecho do mote que foi utilizado no início da dissertação, música: Capitão da Indústria – Paralamas do
Sucesso.
6
47
O Decreto Nº 5.840, de 13 de julho de 2006, estabelece para todo o país o Programa Nacional de Integração
da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA
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ANEXO I
PERÍODO NOTURNO
ANEXO II
1- Dados Pessoais
Nome:_______________________________________________________ Sexo: ( )F ( ) M
Data de Nascimento: _________________ Estado Civil: _____________________________
Endereço:________________________________________________ Bairro:_____________
Cidade: ________________________ Profissão: ___________________________________
Série:____________ Turma:___________________________________________________
2- Cite os lugares que você já residiu em sua vida. Pode ser em regiões rurais em ou em
cidades. ____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5- Como é constituída a sua família? Quantas pessoas fazem parte de sua família?
6- Qual a escolaridade de seus pais e seus irmãos, ou das pessoas que moram com você?
( ) outros _________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
13- Você gosta de ler? ( ) Sim ( ) Não Qual tipo de leitura? ( ) revistas
17- Como tem sido a sua vida escolar? Conte um pouco de sua história estudantil, desde
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
18- Há quanto tempo você está estudando em escola (s) da Rede Municipal de Ensino?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
( ) desenvolvimento pessoal
( ) outros
3
20- Na sua vida escolar quais disciplinas você tem encontrado mais dificuldades?
ANEXO III
A- Trabalhador(a)-aluno(a)
1- História de Vida:
- infância;
- lugares onde morou;
- trabalho dos pais;
- escolaridade dos pais;
- vida de trabalho ( quando começou a trabalhar);
- vida escolar ( quando começou a estudar/ lacunas na história educacional)
2- Como é seu trabalho atualmente? E sua rotina diária?
3- Você tem carteira de trabalho assinada? Você conhece alguns direitos trabalhistas?
4- Como se sente na escola? A sua experiência de vida tem contribuído no processo de
aprendizagem?
5- Você tem conseguido acompanhar todas as disciplinas? Tem encontrado dificuldade em
algumas delas? Quais?
6- O que acha das avaliações? Algum professor, ou todos, no início do ano letivo conversou
sobre a avaliação? Você emitiu alguma opinião sobre a avaliação com algum deles?
7- Depois que você recebe as avaliações corrigidas, tem a oportunidade de discutir sobre
elas com os professores?
8- Como é a sua relação com os professores? Você consegue dialogar com eles? Você
considera que tem tido a oportunidade de construir seu conhecimento? Você consegue
realizar as atividades propostas pelo professor em sala? E em casa você reserva um tempo
para estudo?
9- A escola proporciona algum momento de visita a museus, uma sessão de cinema ou
teatro? E jogos, você gosta de participar?
10- Na sala de aula, em algum momento você trabalha em conjunto com os seus colegas?
Você considera isso bom ou ruim? Você aprende também com os colegas?
11- Como é o seu relacionamento com os colegas? Você os encontra fora da escola, ou
somente na escola?
12- Você considera que a sua aprendizagem na escola ajuda em alguma ação desenvolvida
em seu trabalho? Dê exemplos.
13- Você tem acesso ao computador? Onde?
B- Diretor(a)
6- Pensando no noturno, como você avalia, do ano passado para este, a mobilidade dos
alunos? Como está a evasão? Você tem acompanhado? A escola tem preocupado com a
questão da evasão? Tem realizado alguma ação?
7- Em sua opinião, a escola tem conseguido colocar em prática a idéia que a proposta defende
de estar sensível à especificidade do aluno do noturno, mas ao mesmo tempo assegurar a
organização e o tempo do estudo?
8- Em sua avaliação, os funcionários da escola conseguem manter uma boa relação com os
alunos?
C- Coordenadora Pedagógica
D- Merendeiras
E- Professores (as)
1- Quanto tempo você tem de experiência, na rede municipal de ensino, no noturno?
2- Houve algum momento, aqui na escola, em que vocês fizeram a discussão da proposta da
Eaja?
3- Existe espaço para discutir e planejar coletivamente?
4- Você trabalhou antes dessa proposta de base paritária? Como você avalia o trabalho
depois da base paritária? Você considera que é bem aceita para todos os colegas?
6
5- Em sua opinião, o que deve ser pensado como trabalho coletivo, para o segundo
segmento?
6- Em sua opinião, vocês conseguem desenvolver um trabalho interdisciplinar?
7- Uma das questões que está na proposta é que o conceito de aprendizagem, está
fundamentado no conhecimento que tanto o professor como o aluno devem construir em
conjunto.Você considera que é possível realizar na prática?
8- Outra questão na Proposta é a experiência dos alunos como ponto de partida para o
processo do conhecimento. Você considera fácil de ser realizado? Você tem conseguido,
no cotidiano da sala? Como é que você vê isso?
9- Em sua visão, qual é o perfil do(a) aluno(a) do noturno?
10- A sua ação como educador(a) tem preocupação com o(a) trabalhador(a)-aluno(a)?
11- Você considera que a Proposta preocupou-se com o(a) aluno(a) trabalhador(a), trazendo
concepção e contribuição para a realização de um trabalho pedagógico que atendesse à
realidade deste aluno específico?
12- Existem diferenças etárias no interior da sala de aula? Você considera como conflito?
13- Como você avalia a formação dos professores da rede municipal? Você considera que
seria importante uma formação específica para os professores da Eaja?
14- Como é o seu relacionamento com os alunos?
1- Como é a dinâmica desta sala no noturno? Algum professor faz atividades com os alunos?
2- Os alunos fazem empréstimos de livros? Permanecem aqui em algum período para ler?
Quanto tempo em média?
3- Qual é a preferência de leitura dos(as) alunos(as) do noturno?
4- Algum deles solicita sua ajuda pra escolher livros?
5- Os alunos fazem pesquisa?
6- Em sua opinião, este espaço é utilizado como nos outros turnos? Você consegue fazer esta
avaliação?
7
ANEXO IV
TIPO: Tese
INSTITUIÇÃO: Unicamp
RESUMO
O trabalho apresenta um relato de um Projeto Político-Pedagógico que compreende a
Educação Matemática como eixo. Ele foi desenvolvido em escolas estaduais de ensino
fundamental em Belo Horizonte (MG), no turno noturno, durante o ano de 2001 e nos
primeiros meses de 2002. O lócus específico da pesquisa foi o segundo segmento – 5ª a 8ª
série. Foram desenvolvidas atividades práticas a partir da experiência social dos alunos da
escola pública. Procurou-se, então, valorizar as especificidades de aprendizagem destes
alunos. Sendo assim, considerou a situação de classe trabalhadora em processo de
aprendizagem. Percebeu-se que a partir da organização de uma concepção coletiva e
participativa estabelecida na escola, propiciou-se condições para a execução do processo
pedagógico e a conseqüente construção do conhecimento. Com essa concepção os sujeitos
envolvidos no processo de aprendizagem, alunos, professores e pesquisadora, constituíram-se
em um projeto coletivo, participativo e solidário marcando uma qualificação para formação
humana em contraposição à qualificação para o mercado de trabalho.
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UFB
TÍTULO: Projetos de vida e juventude: um diálogo entre a escola, o trabalho e o mundo: (uma
experiência de etnopesquisa no Vale do Iguape).
RESUMO
Este trabalho discute a construção de projetos de vida entre jovens das comunidades
quilombolas do distrito rural de Santiago do Iguape, município de Cachoeira, Bahia. A
dissertação se inicia com uma contextualização do objeto de estudo, dividida em três eixos. O
primeiro, são levantadas a relação do pesquisador com a experiência do Projeto Paraguaçu,
atividade de extensão que deu origem à pesquisa. No segundo, Santiago do Iguape é tomada
como lócus para pensar o mundo contemporâneo, focalizando temas como história, trabalho,
8
TIPO: Tese
INSTITUIÇÃO: UNB
RESUMO
A pesquisa foi realizada nas últimas turmas do ensino fundamental na área de língua. Objetivo
é mostrar que os gêneros devem constituir o centro para o ensino de letramento. Baseou-se em
teorias críticas e funcionais para o estudo da linguagem. Utilizou-se de três abordagens
teóricas: análise do discurso, novos estudos do letramento e gêneros e a perspectiva sistêmico-
funcional. Investigou-se como os textos são estudados nas aulas de língua portuguesa e em
que medida o ensino da escrita contribui para que estudantes apropriem-se dos gêneros como
recurso para agirem e interagirem na sociedade.
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UFG
RESUMO
Esta pesquisa investigou a proposta de Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (Projeto
AJA), implementada pela Secretaria Municipal da Educação de Goiânia, no período de 1993 a
1996. A experiência oportunizou vivenciar uma peculiaridade na escola pública, inserindo, na
sua prática educativa, os princípios da Educação Popular. Estes, presente na sociedade
brasileira, sobretudo na década de 1960. A pesquisa mostra que esta experiência acontece tal
qual outras nesse país, na tentativa de oportunizar espaço de estudo aos vários sujeitos
excluídos do ensino regular diurno ou aqueles que não tiveram acesso ao espaço escolar.
Mostrou a importância, no que concerne à contribuição para construção de uma escola pública
de qualidade e a possibilidade de assegurar o direito ao ensino, principalmente àqueles,
9
TIPO: Tese
RESUMO
A formação de professores é um dos componentes da realidade complexa de efetivação de
uma política de Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa analisou os programas de
formação destinados aos professores que atuam na EJA, implementados pelo estado de Goiás,
na década de 1990. Os eixos centrais delimitados nesta investigação referem-se à EJA e à
formação dos professores, analisados em sua interação com a política de educação de jovens e
adultos implementada pelo estado de Goiás, por meio de duas iniciativas do governo federal
para a formação de professores: o Programa Um Salto para o Futuro – Série EJA e o
Programa Parâmetros em Ação para EJA.
AUTOR: Silva, Ivonete Maria
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UFG
TÍTULO: “Ou trabalha e come ou fica com fome e estuda”: o trabalho e a não-permanência
de adolescentes, jovens e adultos na escola em Goiânia
RESUMO
A pesquisa foi realizada com alunos do primeiro segmento da Educação de Adolescentes,
Jovens e Adultos (Eaja ) de uma Escola da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. Os alunos
pesquisados foram os de presença irregular nas escolas. Em sua maioria, estes sujeitos vieram
da zona rural para Goiânia, em busca de trabalho e de melhores condições de vida e não
encontraram, da mesma forma como não encontraram estabilidade na família, na religião e no
lazer; repetindo, pois, no lugar-de-destino o mesmo desenraizamento que os fez sair do lugar-
de-origem. A explicação de maior incidência para a não-permanência na escola diz respeito
ao trabalho, questão central nesta discussão. Constata que, para além das conseqüências da
precariedade ou da falta de trabalho e das condições inadequadas de moradia, existe um
trabalhador que, depois de um dia de trabalho, ou sem trabalho, encontra-se desmotivado para
a atividade escolar. Na raiz do problema está a exclusão promovida pelo capital, ambiente no
qual a precariedade do trabalho e o desenraizamento se desenvolvem.
10
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UFG
RESUMO
A pesquisa investigou o programa EJA, nível médio do Colégio Estadual Emília Ferreira de
Carvalho, em Jataí, estado de Goiás. Apontou a escolarização desenvolvida como insuficiente
e desvendou a lógica desse tipo de política. Programas e políticas dessa natureza não tocam na
estrutura do sistema e, portanto, não garantem a inserção do egresso da EJA no mercado de
trabalho. Constata que o desenvolvimento atual do mundo do trabalho exige uma formação
tecnológica e na EJA os estudantes não têm acesso a esta formação. A EJA, como suplência, é
aligeirada e superficial e se constitui em um sistema paralelo dentro do oficial e se enquadra
na lógica que se propagou na última década no Brasil: a consolidação da economia
dependente. Constata, ainda, que os estudantes da EJA permanecem em desvantagem em
relação a quem cursou escola diurna e em tempo regular. A inserção social deste aluno, assim
como a colocação no mundo do trabalho, permanece limitada.
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UCG
RESUMO
O estudo investigou o universo sócio-cultural do jovem aluno trabalhador, buscando
compreender as condições em que vive, em especial em torno do trabalho e da escola,
enfocando as formas de enfrentamento das contradições que lhe são colocadas diariamente.
Elegeu-se o jovem trabalhador, aluno do ensino médio noturno, como objeto de estudo, e
aprofundou-se na compreensão das relações entre juventude, escola e trabalho, apreendendo o
modo como as transformações contemporâneas o afetam e como as articulações possíveis
entre a escola e o trabalho podem contribuir na construção da sua subjetividade por
intermédio de suas histórias de vida. Esse estudo ampliou a discussão sobre o tema na
perspectiva de buscar uma prática educativa que pudesse favorecer o aluno jovem trabalhador
no seu cotidiano.
11
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UCG
TÍTULO: O que aprendo na escola é o que preciso para mudar a vida? Letramento na Eaja:
encontro no desencontro.
RESUMO
Esta pesquisa é resultado de estudo realizado junto aos alunos da Educação de Adolescentes,
Jovens e Adultos - EAJA, de 1ª a 4ª séries de uma escola da Secretaria Municipal de
Educação - SME de Goiânia. Percebe-se os esforços de educadores e teóricos para abarcarem
a dimensão da complexidade dessa modalidade de ensino que ainda tem um longo caminho a
percorrer. O objetivo é romper com as práticas “bancárias” e construir propostas que
valorizem a diversidade na qual os sujeitos serão constructos do seu saber. O foco da
investigação foram as práticas sociais de leitura e escrita desenvolvidas pelos alunos da EAJA
em seu contexto social, pois estas práticas contribuem para a inclusão do sujeito no contexto
cultural letrado. Nesse sentido, o sujeito é percebido em sua totalidade, como ser em mudança
e transformação, inserido num contexto sócio-histórico que articula, dialeticamente aspectos
internos e externos que os envolvem.
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UCG
RESUMO
O tema deste trabalho inscreve-se na discussão da educação de adolescentes, jovens e adultos
da Rede Municipal de Educação (RME) de Goiânia. Teve como objetivo entender como vêm
se dando as relações entre a proposta de educação de jovens e adultos da RME de Goiânia e o
Projeto Político-Pedagógico proposto pelas escolas dessa rede. Optou-se, neste trabalho de
pesquisa, pela investigação do Projeto Político-Pedagógico da ‘EMFC’ proposto a seus alunos
adolescentes, jovens e adultos da 5ª a 8ª série do turno noturno, entre 2001 e 2005. Discutiu-se
a ‘Base Curricular Paritária’ como elemento de fundamental importância para as mudanças
que a proposta investigada vem buscando pôr em andamento. Verificou ser possível uma
atuação pedagógica articulada com as classes subalternas e que sinaliza na direção de uma
educação específica, crítica e democrática.
12
TIPO: Dissertação
INSTITUIÇÃO: UCG
RESUMO
A pesquisa adotou como objeto de estudo investigar os saberes que permeiam as práticas dos
professores da Eaja que atuam de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental noturno. As mudanças
ocorridas na sociedade contemporânea tem direcionado a formação de educadores e
educandos para a estreita visão mercadológica, predominante no mundo globalizado,
influenciando de forma negativa a qualidade do ensino, em especial, do ensino direcionado
para a Eaja, constituída basicamente de trabalhadores ou desempregados. A análise realizada
possibilitou a apreensão do percurso formativo dos saberes dos sujeitos investigados e de suas
implicações na prática da Eaja. Os discursos possibilitaram entender os desafios do trabalho
docente, que extrapolam o campo da formação. Na busca de atender a especificidade o
professor trabalha com os educandos da Eaja os conhecimentos buscados na própria realidade
do aluno.