3 - Portal TBC
3 - Portal TBC
3 - Portal TBC
FEDERAL
BAHIA
Salvador, Bahia
Março/2018
IVANA CAROLINA ALVES DA SILVA SOUZA
Salvador, Bahia
Março/2018
SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira
Banca Examinadora
_______________________________________________________________________
Francisca de Paula Santos da Silva – Orientadora (UNEB)
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.
_______________________________________________________________________
Alfredo Eurico Rodrigues Matta - Co-orientador (UNEB)
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.
_______________________________________________________________________
António Manuel Quintas Mendes - Membro externo (UAB Portugal)
Doutor em Educação pela Universidade Aberta de Portugal, Portugal.
_______________________________________________________________________
Lynn Rosalina Gama Alves - Membro externo (UFBA)
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.
_______________________________________________________________________
Tereza Kelly Gomes Carneiro - Membro externo (Uncisal)
Doutora em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia, Brasil.
_________________________________________________________________________
Hugo Saba Pereira Cardoso - Membro interno (UNEB)
Doutor em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil.
Dedico este trabalho à comunidade do Cabula e
entorno, Salvador-Ba, em especial, aqueles que,
gentilmente, compartilharam seu tempo, suas
ideias e seus sonhos na busca por valorização da
dos saberes e fazeres produzidos nessa localidade
remanescente de quilombo.
AGRADECIMENTOS
E a travessia chegou ao seu fim. Não poderia concluí-la sem agradecer a todos e todas que
vieram comigo nessa embarcação. Parceiros e colaboradores com os quais desfrutei de bons
momentos, mas que também foram apoio para superar as tantas tempestades e os mares
revoltos navegados nesse período.
Começo agradecendo a Deus, força maior que me sustenta e me faz acreditar na vida a cada
amanhecer. Sopro que me impulsionou sempre quando desistir era o caminho mais
convidativo.
Ao mestre Jesus e aos amigos espirituais, mãos invisíveis que me conduziram e inspiraram
boas ideias.
À minha avó Andrelina Silva (Andi) in memorian, que apesar da distância física esteve
ativamente presente em minhas lembranças, meus pensamentos e sonhos. Obrigada pela
grande referência que é na minha vida. Tenho certeza que independente de onde esteja está
feliz por essa conquista.
À Maria Amélia Silva e Isvan Souza, por terem aceitado a missão de serem meus pais.
Obrigada pelo esforço e anos devotados à mim e à minha irmã Daniele Souza. Hoje colhemos
os bons frutos da nossa formação moral e intelectual. Agradeço pela mulher e profissional que
vocês ajudaram a esculpir. Nada seria possível sem a dedicação, o incentivo e a fé que
depositaram em mim.
Ao meu marido Eliezer Pereira, meu grande consolador, que com sua paciência e escuta
amorosa esteve sempre presente nas horas mais difíceis, enxugando as minhas lágrimas,
compreendendo as minhas constantes ausências ainda que tenham sido tão recorrentes.
À Tatiana Paz, uma grande amiga que apesar da distância geográfica sempre arranja um jeito
de estar presente, seja nos telefonemas ou mensagens instantâneas, com conselhos
providenciais.
À Isa Coutinho pelas importantes colaborações sobre a escala de likert e pela escuta
consoladora já nos últimos momentos de finalização da tese.
Às amigas do SSEETU, Katiane Alves, Helaine Pereira, Luciana Martins e Iala Queiroz, que
de modo solidário e colaborativo foram essenciais nesse estudo. Agradeço pela partilha nos
momentos de descontração, nas atividades de extensão e nas construções acadêmicas. Não
poderia deixar de agradecer também ao querido Caio Vilas Bôas, figura inteligente com quem
eu muito aprendi sobre TBC e trabalho com comunidade, obrigada pelas conversas filosóficas
e interrogações provocativas, e, também, pela companhia divertida nas andanças pelo Cabula.
Aproveito também para agradecer àqueles com os quais convivi na sala de pesquisa,
compartilhando conhecimentos, mas, também, almoços coletivos e momentos agradáveis.
Deixo aqui meus agradecimentos à Joelma Cerqueira, Josenilda Mesquita, Kelly Ornellas,
Ana Carla Santos, Lázaro Souza e Ivandson Macedo.
Aos bolsistas e monitores de extensão que direta ou indiretamente colaboraram com esta
pesquisa. Em especial, Douglas Pena e Luana Assis.
Agradeço ao CNPQ pelo financiamento a este estudo e à Capes pela bolsa usufruída até o
segundo ano do doutorado, incentivos fundamentais para o desenvolvimento desta tese.
A todos os desenvolvedores que colaboraram nos distintos momentos deste estudo, Gesoaldo
Alves, Thiago Nunes, Marcel Souza e, em especial, à equipe da Soterotech, nas pessoas de
Mariano Maia e Fernando Cruz, por finalizarem o protótipo em acordo com as nossas
demandas com muita disponibilidade e profissionalismo.
Um agradecimento especial à Hildete Costa, por quem nutri carinho e admiração. Agradeço
pelos seus conselhos, pelo seu conhecimento compartilhado sobre a pesquisa em arquivos, a
ancestralidade africana e pela figura doce e cuidadosa que és.
Agradeço também à querida Cristina Santigo, pessoa alto astral e super prestativa,
companheira de caronas e orientações providenciais sobre a DBR e a vida.
Aos professores Terezinha Fróes Burnham, Dante Galeffi e Eduardo Oliveira, exemplos de
humildade e inspiração para um fazer acadêmico humano.
A todos e todas colaboradores (as) desta pesquisa, que em diferentes ciclos compartilharam de
maneira voluntária suas ideias e desejos para a maior visibilidade cultural do Cabula e
entorno. Agradeço, especialmente, ao colaborador Enéas Andrade, mobilizador nato, sempre
disponível desde o princípio deste estudo e, ao professor Antonio Jorge Nascimento, figura de
relevância local, obrigada por partilhar a sua motivação e sabedoria.
Aos membros da banca, professores, António Manuel Quintas, Tereza Kelly Carneiro e Hugo
Saba, por aceitarem avaliar esse trabalho trazendo ponderações valiosas. Um carinhoso
agradecimento a professora Lynn Alves, grande amiga e mãe acadêmica que me acompanha
desde a iniciação científica, motivando e inspirando pela sua competência e humildade,
obrigada pelo apoio constante e pelo aceite em participar da banca.
Agradeço imensamente à minha orientadora Francisca de Paula Silva, primeiro por ter
acreditado em mim desde a graduação em turismo, me incentivando a trilhar o caminho
acadêmico. Obrigada por me acolher novamente enquanto orientanda e compartilhar comigo a
sua grande paixão que é o TBC no Cabula e entorno. Agradeço pela confiança e as
importantes contribuições para o desenvolvimento deste trabalho e para a minha formação
acadêmica.
SOUZA. Ivana Carolina Alves da Silva. Design Cognitivo Colaborativo para Ambientes Virtuais:
o caso do Portal TBC Cabula. 264 f. il. 2018. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Doutorado
Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento. Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2018.
RESUMO
ABSTRACT
The present thesis seeks the study and the deepening on solutions of cognitive design
applicable in virtual environments that excel by processes of knowledge. For the purposes of
this research, the Community Based Tourism Portal - TBC Cabula, a virtual environment that
seeks to give visibility to the production of the community of Cabula and its surroundings,
was used as an application case in order to favor community appreciation and mobilization for
tourism. community base in that locality. In view of this context, the objective of the thesis
was to construct and apply a collaborative cognitive design to the TBC Cabula Portal, in order
to analyze its potential to socialize knowledge and actions of / about this locality. The
research is located in the interdisciplinary field, establishing an interface with areas of human
sciences and applied social sciences, since it adds a) an in-depth view on the forms of
production of knowledge and learning established in the communities of practice; b)
theoretical-practical principles for the development of systems and virtual cognitive
environments; c) forms of collaboration between popular knowledge and academic
knowledge. The methodology adopted was Design Based Research (DBR), whose procedural
and collaborative nature favors the development of technological solutions appropriate to real
problems. The results presented demonstrate that the Cognitive Collaborative Design
solutions developed and applied to the Cabula TBC Portal, enhance the socialization of
Cabula knowledge and practices and surroundings by adding to this virtual environment a
structure of interaction and information that is flexible, contextualized and attentive to the
demands of the community, which is anchored in the principles of community
communication, creative participation and interactivity.
1 Introdução 19
1.1 Memórias formativas 20
1.2 Delimitação da pesquisa 24
1.2.1 Abordagem metodológica 25
1.2.2 O locus e os colaboradores 28
1.2.3 Instrumentos de pesquisa 32
2 Contexto sócio-histórico 37
2.1 Cabula e entorno: uma delimitação espacial 38
2.2 Um legado tupinambá? 42
2.3 As contribuições étnicas dos povos bantos e sudaneses 48
2.4 Heranças quilombolas: vestígios dos séculos XVIII e XIX 52
2.5 Cabula rural: apogeu e declínio 58
2.6 Ecos da urbanização 64
2.7 De quilombo à zona de especulação imobiliária 70
Conclusão 233
Referências 240
Anexo A – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética 248
DC Design Cognitivo
DCC Design Cognitivo Colaborativo
“‘O escrevente escreve antes, o leitor lê depois’. ‘Não!’, lhe respondo, ‘Não consigo escrever
sem pensar você por perto, espiando o que escrevo. Não me deixe falando sozinho’. Pois é;
escrever é isso aí: iniciar uma conversa com interlocutores invisíveis, imprevisíveis, virtuais
apenas, sequer imaginados de carne e osso, mas sempre ativamente presentes. Depois é
espichar conversas e novos interlocutores surgem, entram na roda, puxam outros assuntos.
Termina-se sabe Deus onde.”
“Se esse é agora meu ponto de partida, como cheguei a ele? Há aqui toda uma história [...]”
CAPÍTULO I
1 Introdução
conceitos de caráter religioso, político, cultural e social. Tal dinâmica confirma o que Fróes
Burnham (2000) diz sobre a articulação existente entre sujeitos de diferentes comunidades
para a criação de alternativas de formação e aprendizagem de seus membros, que ajudam a
socializar o saber historicamente produzido, a construção pessoal do conhecimento e a
produção de identidades coletivas.
Tais pressupostos nos permitem compreender os saberes e fazeres dos moradores do
Cabula e entorno como interfaces que definem novas formas de conhecimento, estabelecidas
mediante as relações de interação entre os sujeitos, organizações, comunidades de prática e o
ambiente que compõe a referida localidade. Essa dinâmica produtiva, além de fazer sentido na
vida dos moradores locais se constitui em importante conexão para edificarmos a nossa
realidade e motivo para reconhecermos nesse movimento outras formas de produção
cognitiva, que continuam à margem dos saberes instituídos. Por isso, a necessidade de
pensarmos em mecanismos de difusão desse contexto de produção emergente em
comunidades como o Cabula e entorno.
A consolidação desse olhar provém da imersão nas leituras e práticas realizadas no
âmbito da cultura digital no Mestrado em Educação e Contemporaneidade (UNEB), linha de
pesquisa currículo e processos tecnológicos. As bases da educação, que foram posteriormente
aprofundadas na licenciatura em pedagogia, contribuíram para ampliar as percepções tecidas
na graduação em turismo e hotelaria e sinalizaram a cultura digital como um possível ponto
de conexão entre esses campos do conhecimento.
Observamos assim, que os movimentos culturais, as histórias de pessoas comuns, o
conhecimento do cotidiano, as expressões artísticas e toda aquela gama de elementos que
mobilizaram a construção de uma ponte entre o turismo e a educação, agora também
encontravam no ciberespaço e nas interfaces da cultura digital um ambiente de atuação e
propagação. Museus virtuais, aplicativos mobile, redes sociais digitais, portais web, dentre
outras aplicações tem legitimado esse movimento cultural e inventivo escondido no calor do
dia a dia; privilegiando autores e artistas anônimos; histórias e pessoas comuns e estruturando
uma dinâmica instituinte em constante ebulição na rede.
Esses horizontes construídos no intervalo entre a graduação em Turismo e Hotelaria e
o Mestrado em Educação encontraram vazão na proposta do Doutorado Multidisciplinar e
Multi-Institucional em Difusão do Conhecimento, em vista das afinidades identificadas.
Assim sendo, o projeto de pesquisa construído revelou os interesses delineados no decorrer
desse percurso e o desejo em trabalhar com a comunidade do Cabula e entorno numa
perspectiva de difusão de suas produções, práticas e experiências por meio da web.
22
Diante desse contexto, esta pesquisa busca contribuir para que o Portal TBC Cabula
seja um vetor de mobilização do Turismo de Base Comunitária na referida localidade ao
desenvolver os primeiros contornos de um design cognitivo, capaz de potencializar um
23
Em coerência com esses princípios, o argumento da tese foi desenvolvido a partir dos
diálogos tecidos com as obras de Freire (1986), Castells (1998, 2000), Wenger (1998), Santos
(2001), Vygotsky (2008), Fróes Burnham (2012) e outros autores que centram seus estudos
nas práticas e contextos de produção populares. Desse modo, optamos pela escolha de autores
que consideram as interações e práticas dos sujeitos envolvidos, a construção e o intercâmbio
de conhecimento entre contextos. Como reflexo desses parâmetros, construímos conexões e
argumentos que sinalizaram a abordagem metodológica aplicada como um cenário coerente e
afinado aos nossos propósitos.
Fonte: a autora, a partir dos estudos de Van der Akker et al (2006) citado por Matta; Silva e Boaventura (2014)
Fonte: a autora, a partir dos estudos de Wademan (2005), Reeves (2006), Van der Akker et al (2006); Matta, Silva e Boaventura (2014)
31
Fonte: a autora
-Coletivo Cultarte
(Pernambués)
-Projeto Cidadão (Cabula
I)
Estudantes do curso de
turismo e hotelaria da
UNEB
G4 Profissionais de Profissionais liberais da Aplicação / Reuniões sistemáticas e
desenvolvimento área de design e Revisão registro e
tecnologia da
informação, que
colaboraram no
desenvolvimento e
aplicação do protótipo.
a) Rodas de conversa
b) Questionário de avaliação
“A COMPREENSÃO”
“[...] Uma comunidade de moradores, uma escola, uma empresa, qualquer instituição, e
também os objetos com que lidamos, tanto quanto os costumes, os hábitos sociais: tudo tem
sua história no entrecruzamento de um passado, de um presente e de um futuro em
perspectiva e só nessa história se constituem em objetos do campo empírico[...] Relações
sociais sempre existiram entre os homens, mas só a partir de quando eles se interrogaram
sobre elas se constituíram no campo da experiência histórica [...]”
CAPÍTULO II
2 Contexto Sócio-Histórico
Desenvolver uma pesquisa científica de natureza aplicada, que pretende dialogar com a
realidade social requer como princípio fundamental a compreensão do contexto sócio
histórico do locus no qual se tenciona imergir. Esse princípio é uma premissa basilar para o
presente estudo, cujo propósito central é a interlocução entre comunidades de prática
presentes no Cabula e entorno com vistas à construção de um design cognitivo a ser aplicado
a um portal web que se pretende colaborativo, o Portal TBC Cabula.
Sendo assim, o contexto compreende a matéria-prima que nos dará subsídios para
descortinar a pluralidade dessa comunidade e construir a nossa compreensão da mesma. Dessa
forma, o construto contextual não pode ser compreendido de maneira isolada como a
cronologia dos fatos históricos que forjaram a dinâmica de determinado espaço social. Afinal,
no contexto estão reunidos os elementos, as práticas e os vínculos historicamente construídos,
os quais revelam as relações de poder e dominação; as tensões e resistências; as referências
sociais, culturais, políticas e ideológicas, que condicionam a dinâmica socioexistencial do
campo investigado.
A apreensão de tais elementos nos possibilitou estabelecer com essa comunidade, uma
relação de parceria e colaboração na construção de conhecimentos por meio da pesquisa
científica aplicada. Portanto, ao desvendarmos a história e as bases sociais que forjaram o
Cabula e entorno nos tornamos coerentemente aptos a perceber essa localidade, os sujeitos e
coletivos que dela fazem parte, de maneira crítica e consciente; compreendendo as conexões
com as circunstâncias atuais e reconhecendo os seus elementos fundantes, que nos deram
suporte para elaborar a nossa interpretação dos fatos, bem como definir as abordagens, a
mediação das relações e das práticas investigativas desenvolvidas.
Desse modo, se pretendemos com este estudo construir com a comunidade do Cabula
e entorno, um design cognitivo aplicável a um ambiente web colaborativo, capaz de
potencializar a socialização dos seus saberes e fazeres, as premissas aqui apresentadas
justificam a necessidade de apreendermos a essência inerente a tal localidade. Seja por
estarmos legitimando os sujeitos a ela vinculados como interlocutores e parceiros do processo
investigativo, mas, principalmente, por almejarmos contribuir para a elaboração de uma rede
de compartilhamento das práticas por eles desenvolvidas e a eles pertencentes. Logo, diz
40
Importante ressaltar que, segundo alguns moradores mais antigos, essas dezessete
localidades compreendem uma área conhecida entre os séculos XVII e XIX, como Antigo
Quilombo Cabula; local onde escravos fugidos, índios e pessoas das classes economicamente
42
Estudos realizados por Reis (2003), Nicolin (2007), Martins e Souza (2013) e Martins
(2017), confirmam a relevância histórica de tal localidade nas lutas contra a escravidão em
Salvador, muito embora, não tragam evidências concretas e/ou documentais que comprovem,
cientificamente, a delimitação exata do quilombo conforme versão da comunidade. Mas, as
pesquisas dos referidos autores revelam que o Cabula era concebido como uma grande
extensão rural, marcada por pontos de confluências e habitações dos quilombolas, que se
constituíam em arraiais de resistência. Dessa forma, ainda que reconheçamos o valor histórico
dessa localidade e suas heranças quilombolas, aqui optamos pelo uso da denominação Cabula
e entorno para nos referirmos à área do estudo.
A configuração espacial que atualmente, no século XXI, caracteriza tal área é
resultante de variados processos de ocupação urbana desenvolvidos graças à atuação de
43
Assim como afirmam Martins e Souza (2013), falar sobre a história do Cabula é uma
atitude desafiadora, pois se trata de evidenciar contextos sócio-históricos que durante séculos
ficaram à margem da historiografia vigente, interessada em disseminar os feitos e os
acontecimentos da elite dominante, em detrimento das construções e histórias da população
economicamente desfavorecida. Essas autoras ainda reiteram que as comunidades populares
sempre assumiram posição secundária nas narrativas históricas, como é o caso da localidade
ora investigada; área de significativa importância e ricas contribuições para o patrimônio
44
Além disso, o levantamento historiográfico realizado para esta pesquisa revelou que a
história mais longínqua do Cabula que vem sendo difundida, está vinculada,
majoritariamente, ao final do século XVIII e aos séculos posteriores, além de ser articulada,
especialmente, à presença dos africanos nesse território. Outro aspecto relevante é a
dificuldade em localizar fontes documentais que comprovem a presença do índio nessa área,
sobretudo no período colonial. Tornando esse grupo étnico e suas contribuições para o Cabula
e entorno ainda pouco conhecidas para a comunidade ampliada.
Entretanto, qual seria a configuração social do Cabula e seu entorno antes da ocupação
dos povos de matriz africana? Não seriam os índios os primeiros habitantes de tal localidade,
pois se constituem no grupo étnico mais antigo de Salvador? Encontrar respostas para esses
questionamentos requer um esforço de reflexão sobre o processo de apropriação e domínio da
cidade pelos portugueses no início do período colonial, a fim de identificarmos pistas que nos
levem às possíveis contribuições dos povos indígenas na constituição dessa área de Salvador.
Para autores como Mattoso (1992) e Tavares (2000), os índios encontrados pelos
portugueses no litoral brasileiro, eram Tupis, das tribos Tupiniquins e Tupinambás, sendo
esses últimos encontrados em maioria no litoral de Salvador. As práticas desses povos, seus
costumes, crenças, sua forma de guerrear e relacionar-se social e espiritualmente eram vistas,
pelo colonizador português, como primitivas e culturalmente atrasadas, especialmente,
quando comparadas àquelas realizadas pelos europeus, povos africanos e, também, pelos
índios de outras terras recém conquistadas no continente sulamericano (TAVARES, 2000).
Os Tupinambás, por exemplo, são descritos no Tratado de Sousa e Santos, como
povos hostis, que viviam em constante estado de guerra com outras tribos, submetendo-as a
terríveis castigos, além da marcante prática de canibalismo entre os índios dessa etnia
(OLIVEIRA; FREIRE, 2006). A imagem de selvageria construída pelo europeu foi
justificativa para a estratégia de dominação e indução dos povos nativos ao trabalho escravo;
a qual se travestia de catequização, segundo afirmam Oliveira e Freire (2006).
O processo de catequização dos índios foi iniciado com a criação dos núcleos urbanos
nas terras brasileiras, que para Mattoso (1992) somente ocorreu a partir de 1534, quando D.
João III decidiu oficialmente colonizar o Brasil, instituindo o sistema de capitanias
hereditárias. Com essa nova política, foi promovida a construção de aldeamentos
missionários. Os indígenas convertidos e conquistados pelos colonos, serviam de mão-de-obra
escrava, empregados na defesa de território, na construção de prédios, igrejas, vilas e nos
engenhos da nascente cultura da cana-de-açúcar. (SCHWARTZ, 1988; MATTOSO, 1992).
46
Esse contexto contribuiu para a expansão dos negócios e da cidade e demandava cada
vez mais a mão-de-obra indígena escrava para retroalimentar o sistema colonial. O resultado
de tal relação de dependência e exploração foi a revolta e a resistência dos povos nativos ao
trabalho forçado, o que culminou em rebeliões e fugas constantes dos canaviais, para áreas
menos povoadas da Colônia. As incursões e o combate direto para a captura dos índios
fugidos, junto a disseminação de doenças trazidas pelos imigrantes europeus, acabaram
dizimando milhares de indígenas em toda a Colônia, massacre perceptível desde o século
XVII (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).
Atualmente, no século XXI, vivenciamos a intensificação do apagamento histórico e
cultural desse grupo étnico, a começar pela dificuldade em localizar fontes históricas e
documentais sobre os índios na cidade de Salvador. Verificamos durante o levantamento de
tais fontes que as informações a respeito da população indígena no século XVI, se restringem,
em sua maioria, ao litoral e ao centro antigo de Salvador. Desse modo, os mapas, tratados e
outros documentos oficiais consultados não revelaram com precisão a ocupação dos índios em
outras áreas da cidade, como o miolo e o subúrbio.
No entanto, estudos de autores como Mattoso (1992), nos dão pistas sobre a ocupação
do Cabula desde o início da colonização. A referida autora revela que ainda no século XVI, a
cidade de Salvador ultrapassou os seus limites primitivos, espalhando-se sobre os morros e os
vales das cercanias, nos levando a deduzir que a montanhosa região do Cabula e entorno,
provavelmente inexplorada economicamente na época, tenha sido um dos possíveis lugares de
acolhida dessa população que se expandia pelos domínios de Salvador; e, também, refúgio
imediato para os índios do litoral que tentavam escapar da sujeição dos colonos.
De acordo com Vasconcelos (2006), os mapas de Salvador, entre os anos de 1549 e
1650, demonstram que a cidade possuía uma população estimada em 10.000 pessoas entre
portugueses, índios e negros da Guiné, e teve os seus domínios extrapolados, com avanços em
direção ao Norte, Carmo, e ao Sul, São Bento. Graças à expansão da Colônia os índios foram
concentrados em aldeias ao redor da cidade. Quanto aos negros da África, o referido autor
relata a existência de quilombos desde 1575, na Orla Atlântica, e outro destruído em 1632.
Com o prolongamento dos domínios da cidade entre os séculos XVI e XIX, Salvador
passou a ser dividida em freguesias ou paróquias, as quais eram delimitadas pela Igreja
Católica, instituição de forte presença na colonização brasileira (FERNANDES, 2003). Nesse
cenário, o Cabula e áreas do entorno como o Resgate, São Gonçalo, Pernambués e Mata
Escura pertenciam ao segundo distrito da Freguesia do Santo Antonio Além do Carmo,
conforme aponta Martins (2017).
47
Outra hipótese que justifica a presença indígena em tal área é o fato de serem esses
povos, nômades por natureza e quase sempre forçados a ir em busca de melhor campo de caça
e de pesca (TAVARES, 2000), o que demonstra a improbabilidade dos índios habitarem
apenas o litoral de Salvador. Sendo assim, a fauna e a flora presentes no Cabula, bem como
seus rios, pântanos e vegetação de Mata Atlântica, descritos desde as produções dos séculos
XVII e XVIII, ajudavam a constituir um lugar propício para a habitação desses povos naquela
época.
Essa suposição, ainda encontra respaldo nos relatos de antigos moradores do Cabula e
entorno que revelam a presença de vestígios da cultura indígena na localidade, encontrados
nas escavações realizadas em seus terrenos particulares, conforme destacado por um antigo
comerciante do bairro de Pernambués em roda de conversa realizada em novembro de 20151.
A possibilidade de ocupação indígena no Cabula e entorno no período colonial,
também é ratificada pelos estudos de Martins e Souza (2013); as autoras acreditam que o fato
dessa localidade estar situada a pouco mais de cinco quilômetros do primeiro núcleo urbano
de Salvador, e mais ou menos a mesma distância da Baía, são pontos potencialmente
favoráveis ao deslocamento dos habitantes do Litoral para essa área da cidade. Tal análise,
sintoniza com as ideias de Fernandes (2003), essa autora supõe a existência de povos
Tupinambás no período pré-colonial na área do Cabula e defende que a sua localização
estratégica, tornou-se elemento fundamental nas fugas investidas pelos escravos africanos ao
longo do período colonial; as quais, provavelmente, tenham sido acobertadas e/ou facilitadas
pelos indígenas remanescentes da Costa de Salvador, se mostrando como ponto importante
para a formação de quilombos na localidade.
A integração entre índios e africanos pode ser evidenciada em variados aspectos, como
a geração de novas referências culturais surgidas a partir do convívio entre eles, a exemplo do
candomblé de caboclo, que revela a afinidade existente entre as práticas espirituais cultivadas
por esses povos. Nesse tipo de candomblé, abre-se espaço ao culto aos índios, caboclas e
caboclos, pretos velhos, dentre outras entidades, resguardando assim, semelhanças e
diferenças em relação ao candomblé original, a exemplo dos rituais, cânticos, danças, toque
dos atabaques, dentre outros aspectos.
Nos terreiros que cultuam os caboclos, a principal festa é realizada no dia 2 de Julho,
dia da Independência da Bahia, como uma maneira de homenagear a participação dos índios
1
Informação verbal obtida por meio de roda de conversa em ação do projeto de extensão Turismo de Base
Comunitária nas escolas do Cabula e entorno.
48
uso de raízes e sementes, dentre outras práticas que também são compartilhadas pelos povos
africanos.
Diante desse rico legado, perguntamos: o que ficou da cultura indígena na vida
soteropolitana e, em especial na comunidade do Cabula e entorno? São vários os traços da
cultura material indígena presentes no cotidiano dos moradores da Salvador de hoje, porém
são pouco reconhecidos ou reportados, quase sempre à cultura africana. Até mesmo, por que,
a presença de descendentes indígenas na Salvador, do período atual, que ainda preservem a
cultura de seus ancestrais é praticamente nula se comparada à presença desses povos em
outras áreas do território baiano, como Porto Seguro, Ilhéus, Santa Cruz Cabrália, Bom Jesus
da Lapa, dentre outros locais registrados pela Associação Nacional de Apoio ao Índio, Seção
Bahia (ANAI-BA).
Evidente que a cultura material indígena apresenta várias semelhanças com a cultura
trazida pelos africanos. A prova disso é a fusão de ambos os sistemas culturais, a ponto de
haver algumas indefinições sobre o que é específico de cada cultura.
Negros e índios: impossível pensar o Brasil sem essas duas origens. Suas marcas
estão na constituição física do brasileiro e também na sua cultura, sobressaindo-se a
música e a religião, mas incluindo também dimensões como língua, culinária,
estética, valores sociais e estruturas mentais (PRANDI, 2015, p.16)
Embora saibamos que outros grupos étnicos também deixaram o seu legado para a
formação da cultura soteropolitana, a exemplo dos povos ibéricos; os índios Tupinambás e o
povo Banto, juntamente com outras nações africanas, apresentam contribuições que se
sobressaem na formação étnica do Cabula e entorno. Os traços desses grupos estão presentes
no modo de produzir, nas crenças, nos costumes, nas manifestações culturais e artísticas e
movimentos sociais hoje presentes na referida comunidade remanescente de quilombo.
A história desses dois grupos étnicos se cruzou ainda no período colonial. Com o
declínio da mão-de-obra nativa, no final do século XVI e o crescimento cada vez mais
significativo da indústria açucareira, o trabalho do escravo africano surgiu como mão de obra
substituta para manter engenhos de cana em franca produção, os quais vinham sofrendo várias
baixas com as constantes fugas e a postura de resistência dos índios escravizados.
(TAVARES, 2000). Inicia-se com esse novo cenário, uma importante fase da história de
Salvador e, consequentemente, dessa localidade aqui investigada, graças à chegada de dois
grupos étnicos africanos em terras brasileiras.
50
política, no entanto, nem sempre foi seguida à risca, uma vez que dependendo das relações
comerciais estabelecidas na África, os traficantes tendiam a transportar escravos oriundos de
uma mesma região (TAVARES, 2000). Esse desvio político fica evidente na sistematização
apresentada no Quadro 6, a concentração do tráfico em determinadas regiões da África em
períodos específicos.
Dessa forma, duas etnias se destacaram no território baiano: os bantos e os sudaneses.
Esses últimos, segundo Prandi (2000), formam os variados grupos linguísticos e culturais
traficados para o Brasil; especialmente, os localizados na região do Golfo da Guiné,
conhecidos, genericamente, por nagôs ou iorubás, os quais englobam povos como os oyó,
ijexá, ketu, ijebu, egbá ifé, oxogbó, os daomeanos, os mahi, e os haussás, de religião islâmica,
esses últimos, ficaram famosos na Bahia por participarem da Revolta dos Malês, dentre outros
grupos.
Já os Bantos, um dos primeiros povos a desembarcarem em terras brasileiras como
escravos, dividiam-se em angola-congoleses e moçambiques. De acordo com autores como
Prandi (2000) e Silva (2011) o termo Banto, significa povo e foi usado pela primeira vez em
1862 por Willelm Bleek, para designar as diversas línguas dos povos situados logo abaixo dos
limites Sudaneses, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico, até o Cabo da
Boa Esperança.
As contribuições dos povos Bantos se fazem presentes na cultura brasileira em
variados aspectos, bem como salienta Prandi (2000, p.54):
O nome Cabula, a propósito, tem origem Banto. De acordo com Silva (2011), esse
termo significa mistério, culto religioso, secreto, escondido e, provavelmente, foi atribuído ao
locus desta pesquisa, para destacar a existência de vários quilombos, os quais tornaram o
candomblé tão famoso em tal área.
A forte presença dos Bantos, em todo território baiano, até o início do século XVIII se
deve ao fato desses povos formarem a primeira entrada em massa de escravos na Bahia no
século XVII. A preferência dada nesse período aos africanos dessa etnia deve-se a alguns
52
fatores. Eram considerados, segundo autores, como Vilhena (1946), excelentes agricultores e
mais adaptáveis ao duro trabalho forçado, do que os Sudaneses, evitados na época como
forma de evitar resistências e levantes entre os cativos, embora haja controvérsias quanto a
essa perspectiva. Tais características justificam, para esse autor, os intensos deslocamentos
comerciais entre Brasil e Angola, observados com mais detalhes nos relatos destacados:
[...] Barleus, também, forma ao lado dos que proclamaram a superioridade dos
Angolas: "A terceira classe [da população] é dos escravos africanos, sendo os mais
trabalhadores de todos eles os naturais de Angola'. Ao negro da Guiné, "rixoso,
cabeçudo, preguiçoso, difícil de se acostumar à obediência e ao trabalho'* opunha-se
o de Angola, que "revelava muita disposição para o trabalho, e podia facilmente ser
ensinado pelos escravos antigos". (VILHENA, 1946, p.53)
Os estudos de Silva (2011) retratam a cultura material desenvolvida por esses povos
ao longo de sua expansão e formação no Continente africano, evidenciando que a adesão e
destreza dos africanos oriundos de Angola nas atividades descritas acima estão relacionadas
às práticas culturais que esses povos desenvolviam antes mesmo de chegarem a terras
brasileiras.
Nos diferentes estágios culturais e linguísticos caracterizados por Silva (2011), é
possível encontrar a participação dos bantos em práticas diversificadas com destaque para a
agricultura; pesca e atividades aquáticas; criação de animais; produção de objetos em
cerâmica e fibra de vegetal; ferramentas de caça e pesca, como cestos, anzol, canoa, remo,
dentre outras que demandavam o trato do ferro, cobre e marfim, como a ponta da lança, a
faca, o machado (SILVA, 2011). A propósito, há notícias de alguns agrupamentos em que a
mineração e a metalurgia parecem ter sido o centro da vida econômica, conforme sinaliza esse
autor.
Ao contrário do que foi propagado, equivocadamente, pelo colonizador português, os
povos de origem africana não eram povos culturalmente atrasados. Diferentemente do índio,
os africanos traficados, já conheciam e utilizavam a escravidão há séculos, evidentemente
que, o escravo não tinha na África a mesma condição que teve o escravo, no Brasil; afinal, lá
poderia ser incorporado à tribo que o aprisionara em guerra ou o escravizara por dívida.
(TAVARES, 2000)
Outro equívoco histórico é a noção de passividade dos negros da África perante a
escravidão, como se fez supor com os bantos, por exemplo, caracterizados por Vilhena
53
(1946), como dóceis e trabalhadores. Afinal, tanto o indígena quanto o africano se mostraram
resistentes ao regime de servidão. A insatisfação dos cativos foi crescendo à mesma
proporção que o regime escravocrata se expandia insaciavelmente, aumentando assim, a
demanda por mais escravos, inclusive aptos a realizar outras atividades, fazendo com que os
Bantos deixassem de ser supremacia em território baiano.
A substituição de Angola pela Costa do Marfim no suprimento do mercado de
escravos baianos foi motivada por questões políticas e econômicas. Dentre os motivos
podemos destacar: a epidemia de bexiga que assolou Angola no final do século XVII,
afugentando os traficantes receosos de uma contaminação em massa e a descoberta das minas
de ouro em território brasileiro, que aguçou a cobiça e a ambição dos portugueses; por isso,
seria preciso mais escravos para atender a nova empreitada (VILHENA, 1946).
O Ciclo da Mina que se estendeu do século XVII até meados do século XIX mobilizou
francos deslocamentos de senhores e seus escravos para desbravarem terras desconhecidas no
território brasileiro em busca de ouro. Portanto, seria necessário buscar negros considerados
aptos ao serviço, nesse caso, os Sudaneses, vistos como mais fortes e perspicazes, passaram a
ser a oferta cobiçada no mercado escravo:
Representavam todos êles culturas já aproximadas na África e que aqui ainda mais
se integrariam confundindo-se em tôrno a cultos religiosos, onde buscariam as
energias necessárias para resistirem e reagirem contra a dispersão e a assimilação.
Formariam um grande núcleo negro de reação. Por muito tempo permaneceriam
isolados, preparando-se para a luta religiosa e animados por um grande espírito de
fé. Num século já teriam chegado à Bahia aproximadamente 350.000. Uma grande
parte fôra para as Minas. Mas, a fração que ficara era bastante para modificar o
ambiente social do negro na Bahia. A cidade e o recôncavo haviam perdido a
tranqüilidade que lhe dera o bântu [...] Uma nova religião negra, mais forte, e que se
praticava não mais a céu aberto, mas em interiores fechados, seria oponto de partida
para as revoluções negras da Bahia [...] A Costa da Mina não nos mandara apenas
negros escravos. Com estes exportara uma fé. (VILHENA, 1946, p.77).
Não parece ser muito acêrto em política, o tolerar que pelas ruas, e terreiros da
cidade façam multidões de negros de um, e outro sexo, os seus batuques bárbaros a
toque de muitos, e horrorosos atabaques, dançando desonestamente, e cantando
canções gentílicas, falando línguas diversas, e isto com alaridos tão horrendos, e
dissonantes que causam mêdo, e estranheza, ainda aos mais afoitos, na ponderação
de consequências que dali podem provir, atendendo ao já referido número de
escravos que há na Bahia [...]
Fica evidente na fala do autor, além do repúdio dos nobres da época aos escravizados,
a atmosfera de terror que circundava as elites locais entre os séculos XVIII e XIX, receosas
com possíveis levantes e ataques dos cativos, os quais compreendiam uma população cada
vez mais numerosa, alimentada pelo incessante tráfico escravocrata. Em verdade, a
predominância dos sudaneses na capital baiana proporcionou à cidade um novo clima,
deixando as autoridades locais em constante estado de alerta.
Vilhena (1946), afirma que os escravos assumiam postura altiva perante os brancos,
sugerindo, por parte das autoridades locais, ações mais ríspidas. As sugestões explícitas na
fala desse autor parecem ter sido atendidas, graças aos preparativos do desembarque da corte
portuguesa no Brasil. A chegada do novo governador da Província da Bahia, D. João de
Saldanha da Gama Mello e Torres Guedes de Brito, 6º Conde da Ponte, se explica pela
necessidade de conter as constantes tensões sociais que assolavam o território baiano de
maneira endêmica.
Segundo Reis (2008, p.108), o Conde da Ponte instituiu medidas severas bem como
“ataques e destruição de quilombos; a perseguição de práticas tidas por ‘supersticiosas’ (ou
feitiçaria), a proibição de batuques de qualquer ordem e o controle da circulação de escravos
56
Nos subúrbios dessa Capital, e dentro do mato de que toda ela é cercada, eram
inumeráveis os ajuntamentos dessa qualidade de gente, os quais dirigidos por mãos
de industriosos impostores aliciavam os crédulos, os vadios, os supersticiosos, os
roubadores, os criminosos, e os adoentados, e em uma liberdade absoluta, danças,
vestuários caprichosos, remédios fingidos, bênçãos e orações fanáticas, folgavam e
comiam, e se regalavam com a mais escandalosa ofensa de todos os direitos, Leis,
Ordens e pública quietação. (REIS, 2003, p.111)
Três são as estradas, que dão entrada na cidade; e vem a ser a das Boiadas, a das
Brotas, em que se incorpora a do Cabula, e a do Rio Vermelho. Todas elas vêm
saindo a cada passo em gargantas, sem desvio para um ou outro lado [...].
O mapa a seguir retrata tanto os locais mencionados por Vilhena (1969), quanto as
outras áreas de Salvador que fazem fronteira com o Cabula.
58
Martins e Souza (2013) analisam que a preocupação com os quilombos urbanos está
expressa nas inúmeras ordens régias que refletiam o medo e a insegurança nos principais
centros urbanos brasileiros, que se viam ameaçados por constantes levantes de escravizados e
homens livres insatisfeitos com o regime colonial. A área do Cabula, era uma das mais
temidas de Salvador, pela sua crescente expansão e a sua resistência às diversas investidas
articuladas pelo Conde da Ponte. O medo que circundava essa localidade, atualmente, ainda
permanece, só que agora sob outras justificativas: os elevados índices de violência e
criminalidade que assolam a população local.
Mesmo pouco difundidos na historiografia oficial, como é o caso da história dos
assentamentos quilombolas do Cabula, desconhecido até mesmo por parcela considerável dos
moradores locais da atualidade, os quilombos urbanos tiveram preponderante importância na
história social do Brasil e nas lutas pela Independência e o fim do regime de servidão, uma
vez que os embates e a organização dos quilombolas foram elementos precursores de
movimentos que se sucederam posteriormente como a Revolta dos Malês em 1835.
Portanto, faz-se necessário enaltecer esse importante capítulo da história
soteropolitana, ainda pouco difundida e reconhecida pela comunidade ampliada, bem como
ressaltar a relevância histórica dessa localidade periférica que traz as nuances dos três grupos
étnicos que conformam a nossa identidade soteropolitana. Delinear o contexto do Cabula e
das comunidades do seu entorno é colaborar para difundir as contribuições de brancos, negros
e índios para a construção das raízes dessas localidades, reconhecendo as características que
ainda hoje estão presentes no cotidiano e nas práticas desenvolvidas por sua comunidade que
ganharam novos contornos com o avançar dos anos.
Após o término do regime de escravidão no Brasil, o Cabula já não era mais visto
como uma franca ameaça para a ordem e a paz das elites da capital baiana, como foi no
Império. Entretanto, vale ressaltar que as fontes históricas levantadas para essa pesquisa não
sinalizam com concretude, a conjuntura dessa localidade após a devassa orquestrada pelo
Conde da Ponte em 1807, evidenciando assim, um hiato na história difundida sobre tal
localidade.
Considerando as adversidades às quais eram submetidos os escravos libertos, em
especial, a dificuldade de se firmarem enquanto homens livres assalariados, supomos que os
quilombolas do Cabula e seus descendentes ali permaneceram e fincaram as suas raízes,
dividindo espaço com herdeiros de terras doadas pela coroa portuguesa e, posteriormente,
com os imigrantes que para lá se deslocaram, ainda no século XIX, graças ao êxodo rural.
60
Importante destacar que as terras do Cabula foram doadas desde o século XVI a
Antonio de Ataíde, o conde Castanheira, sendo arrendadas, em seguida, ao Natal Cascão,
quem construiu a Capela de Nossa Senhora do Resgate, atualmente conhecida por Igreja de
Assunção, ao redor da qual se formou um pequeno povoado, hoje, bairro do Resgate.
(SANTOS et al 2010).
Nesse fluxo de arrendamentos e doações de terras, pequenos povoados foram,
gradativamente, surgindo; dando novos contornos à paisagem do Cabula e adjacências, suas
chácaras, sítios, roças e pequenos arraiais, por vezes, esparsos em meio à imensa área verde
muito presente nessa localidade até meados do século XX.
A fama de área rural com ares bucólicos fazia jus ao que se encontrava de fato
naquelas localidades. Dessa maneira, podemos citar aspectos que remontam à mata habitada
pelos quilombolas, como a presença de fontes, lagos e riachos; reservas de Mata Atlântica
intocadas e a vasta diversidade de árvores frutíferas. Mangueiras, mangabeiras, jambeiros e
laranjeiras, são exemplos de tantas outras espécies de árvores que davam composição à
paisagem local também formada por habitações típicas da época:
[...] Aqui tinha a chácara dos “La Roche”, aqui nesse shopping, o Master [...] Tinha
a chácara de Clodoaldo Campos, o deputado estadual [...] Depois tinha a chácara de
Sr. Durval Marques da Silva, conhecido como Dudu, ele tinha essa chácara onde tá
esse Conjunto Vale das Árvores. (Entrevista n. 5 – Morador do Cabula, 70
anos)
Os sítios, chácaras e roças, junto às casas de taipa e palha das comunidades nativas,
remanescentes dos arraiais quilombolas, representavam as primeiras ocupações no final do
século XIX e início do século XX, naquela localidade:
A maioria das casas era taipa. De D. Alzira, a de Negão era taipa [...] Acho que até
90 ainda existia casa de taipa. Eu lembro das casas de taipa, por que a galera quando
tava fazendo, pegava aquele barro bem vermelho e começava a pisar[...].
(Entrevista n. 1 – Morador da Estrada das Barreiras, 39 anos)
revelam as discrepâncias sociais que marcaram o Cabula e entorno no decorrer do século XX.
Assim, de um lado, temos os sítios e chácaras de médio e grande porte em áreas que hoje se
situam os bairros do Cabula, Narandiba e Saboeiro; e do outro lado, à margem da Silveira
Martins, em bairros como Beiru, Pernambués, Engomadeira, Estrada das Barreiras e outros, as
roças, casas de taipa e pequenos arraiais que foram germinando e formando os aglomerados
periféricos de hoje.
Apesar das diferenças sociais já evidentes na primeira metade do século XX, essas
áreas apresentavam em comum uma destacada oferta de árvores frutíferas. A variedade e a
quantidade de frutas presentes nas chácaras e arredores do Cabula eram tão significativas que
até os anos 1970, o local era considerado um pólo de atração de comerciantes.
O forte das pessoas aqui era vender frutas. Vendia nas fazendas e ía para a Sete
Portas vender [...] Muitos vinham de longe buscar, aqui no Cabula, laranja, manga,
fruta pão, jaca e mangaba. No tempo da mangaba, ave maria, era mangaba! Cajá,
cajarana [...] As mulheres botavam nos balaios e se mandavam pra Sete Portas pra
vender. Passavam o dia lá vendendo.(Entrevista n. 4 – Morador da
Engomadeira, 63 anos)
Desse modo, as frutas eram revendidas para os moradores das pequenas comunidades
que já começavam a se constituir e, também, nas feiras livres de Salvador. Movimentando
assim o comércio da cidade.
[...] só passavam nativos, com “os barão” na cabeça, que levava de manhã para a
Água de Meninos para vender, era cajá, era mangaba, era laranja, jambo,
pitanga[...](Entrevista n. 5 – Morador do Cabula, 72 anos)
Um fato curioso nessas falas não é somente o comércio de frutas que tal localidade
alimentava, mas, também, a variedade de espécies, que hoje, além de praticamente não
existirem mais nessa área, são escassas no comércio de frutas de Salvador ou bastante
inacessíveis pelos altos preços, como as citadas no depoimento a seguir:
As frutas saíam daqui para a cidade, as melhores frutas eram daqui, do Cabula.
Tinha de tudo, mangaba, sapoti, abiu, ingá, fruta do conde. Tinha de tudo aqui sô.
Hoje eu vejo “os povo” chegar do interior (risos) [...] Ah! Por que é do interior. [...]
Minha mãe tirava banana verde pra gente do quintal(risos) (Entrevista n. 4 –
Morador da Estrada das Barreiras, 70 anos).
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), nas áreas dos condomínios, casas e outros
estabelecimentos presentes em tal avenida.
A propósito, as mangueiras foram lembradas por uma antiga moradora da Estrada das
Barreiras, nascida e criada no bairro de São Gonçalo do Retiro, que recorda saudosa da
natureza do Cabula de outrora.
A coisa foi degradando né, a verdade é essa [...] Ali onde é hoje a Embasa, na
entrada de São Gonçalo, aquelas árvores, todas ali são nativas [...] Aquelas
mangueiras, tem até nomes que hoje eu não me lembro mais, mas tinha manga [...]
manga itiúba, manga espada [...] Essas árvores ainda existem (Entrevista n. 2
Moradora da Estrada das Barreiras, 71 anos).
Mesmo que a presença das mangas tivesse sido imponente, outra espécie, no entanto,
se destacou no Cabula, durante a primeira metade do século XX. Lembrada nos textos de
poetas, escritores e levada para cultivo em outros estados brasileiros e países, a laranja,
ocupou espaço de evidência na história dessa localidade.
De acordo com Carvalho (1997), a laranja Baía, produzida no Cabula, chegou a ser a
mais comercializada no mundo, sendo que esse bairro, junto com Brotas, foi um dos mais
conhecidos produtores de tal fruto durante muitos anos. O referido autor, ainda faz o seguinte
registro de suas recordações do Cabula: “Sítios e chácaras um tanto afastados do centro da
capital que muito conheci quando menino e rapaz, pois frequentava as tradicionais festas de
São João e São Pedro lá realizadas no mês de junho” (CARVALHO, 1997, p.133-134). Festas
em que, por sinal, a laranja figura como alimento típico.
Enquanto as mangas, jacas e outras frutas dominavam os territórios dos atuais bairros
da Engomadeira, Beiru, Estrada das Barreiras, São Gonçalo do Retiro e outros bairros
situados à margem da Silveira Martins, como nos contaram os moradores mais antigos; os
laranjais ocupavam, predominantemente, a área do Cabula, Narandiba e Saboeiro. Isso ficou
perceptível quando questionamos alguns moradores sobre a localização dos antigos laranjais.
Nos relatos destacou-se uma propriedade que ficava localizada no terreno em que hoje
funciona o supermercado Hiper Bom Preço, na Avenida Silveira Martins.
Muita laranja, muita fruta[...] no Saboeiro e Cabula. Onde é o Hiper Bom Preço, ali
era uma chácara. Ainda me lembro o nome da dona, era uma senhora [...] A senhora
Suzan. Era uma chácara cheia de frutas mesmo. Laranja, tudo o que você imaginar.
Essa memória eu tenho bem gravada, por que a gente saía pra roubar frutas (risos)
ou ía fazer uma visita à ela de vez em quando (Entrevista n. 2 Moradora da
Estrada das Barreiras, 71 anos).
64
Outro morador também destaca a imponência das fazendas e chácaras locais, dando
ênfase à referida Chácara, que antes se localizava na atual área do supermercado Hiper
Bompreço:
O forte da laranja era o Saboeiro[...] Dali do 19 BC até a entrada do Pernambués era
tudo Fazenda[...] Aqueles casarões com aqueles baluartes. Ali onde era o Bom Preço
era uma fazenda, por sinal eram clientes meus. Me fizeram até proposta pra que eu
comprasse ali para ser uma roça, mas na época eu não tinha o cacife[...] Era clientes
meus falidos [...] aí venderam ao Bom Preço, à Mamede, por que era Paes
Mendonça. (sic) (Entrevista n. 4 – Morador da Engomadeira, 63 anos)
[...] Other citrus orchadists in The Riverside area immediately recognized the great
commercial value of the new variety and a huge demand developed for its buds. The
first bud cuttings from the trees, about a quarter of an a inch long, sold for from $1to
$5 each. It is estimated by te California Fruit Growers Exchange officials that the
groves which stemmed from these two parent trees already havy returned a yield of
one billions dollars [...]The on remaining original orange tree was given to the City
of Riverside in the settlement of the Tibbets estates and was transplanted to small
parked area acros the street from the Tibbets homestead. There it still stands today,
healthy and bearing fruit, beside a bronze tablet that commends Mrs. Tibbets for her
good work and describes the tree as “the most valuable fruit introduction yet made
by the United States Departament of Agriculture”.
Ainda hoje, no atual século XXI, as laranjas possuem uma alta representatividade na
economia americana e continuam a render importantes lucros. Mas, e na Bahia? O Cabula
ainda continua como um pólo exportador do fruto? Diferentemente do que ocorreu nos
Estados Unidos que continuaram numa crescente produção, o apogeu das laranjas no Cabula
durou até os anos 1950. Antigos moradores contam que uma praga se espalhou pelos laranjais
e arrasou todas as plantações, a tal ponto de levá-las à extinção.
Dos laranjais restaram a história de uma época áurea e representativa para o bairro,
que sobrevive dos escritos de pesquisadores, das narrativas orais dos moradores que tiveram a
oportunidade de viver nesse tempo e daqueles residentes mais engajados, representantes de
uma frente de resistência pelo patrimônio da localidade. Como é o caso dos moradores do
Cabula I (Conjunto ACM – Estrada das Barreiras), que em homenagem a esse período
histórico, colocaram como símbolo da Associação de Moradores, uma laranja, assim nos
contou um morador local:
2
Disponível em:
https://news.google.com/newspapers?nid=1368&dat=19430221&id=f1NQAAAAIBAJ&sjid=Nw4EAAAAIBAJ
&pg=4906,5202425&hl=pt-BR. Acesso em: 15 Jan. 2016.
66
O aspecto rural foi uma característica que perdurou no Cabula e entorno por muito
tempo, uma vez que as transformações da paisagem dessa localidade aconteceram de maneira
gradativa. Até o final dos anos 1980, ainda eram percebidos resquícios interioranos no bairro
e nas localidades adjacentes, conforme relatado pelos antigos moradores entrevistados. Trata-
se de uma urbanização tardia, mas que começa a despontar ainda na década de 1930 com as
intervenções realizadas pelo Estado, como exemplo, a implantação da linha de bondes.
Porém, a intensificação do processo de urbanização tem o seu marco na década de
1940. De acordo com Souza (2008), no final de 1943, o Escritório de Planejamento e
Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS) instituiu variadas medidas para uma nova
concepção urbana da cidade, a exemplo da elaboração de diretrizes para a localização e
construção de habitações populares.
As pesquisas de Fernandes (2003) e Gouveia (2010) também nos mostram que outros
marcos foram indicativos da intensificação urbana nos bairros do chamado, miolo de
Salvador, no decorrer do século XX, como a instalação de uma unidade do exército, o 19º
Batalhão de Caçadores (19 BC) em 1943, e o desenvolvimento dos meios de transportes
urbanos que contribuíram para alterar as dinâmicas de ocupação da área, assim como: a
criação da Avenida Silveira Martins, entre os anos de 1965 e 1966 e a criação da Avenida
Luiz Viana Filho, em 1970, conhecida como Avenida Paralela, o que direcionou os fluxos de
ocupação, gerando um espaço dinâmico no que se refere a habitação e a expansão do setor de
serviços no seu entorno.
Essas intervenções favoreceram a migração de sujeitos de diferentes bairros de
Salvador e do interior da Bahia para o Cabula e entorno, os quais tiveram o seu processo de
ocupação caracterizado por loteamentos populares, alguns desses, originados de
arrendamentos e doações de terras. Era comum, donos de fazendas e chácaras, especialmente,
com o término do apogeu da laranja, doarem/arrendarem partes de suas terras, para os
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caseiros – moradores da localidade que tomavam conta das propriedades. Desse modo, muitas
famílias estabeleceram a sua morada nesses arredores por meio dessas práticas.
[...] Quem tinha sítio trabalhava em casa mesmo. A maioria “desses pessoal”, seu Otávio (morador antigo da
Estrada das Barreiras) [...] Eles tomavam conta de fazenda. Aí os donos doavam uma parte para a pessoa que
tomava conta. (Entrevista n. 1 – Morador da Estrada das Barreiras, 39 anos)
Por outro lado, a povoação do Cabula também foi marcada pela ilegalidade. Invasões e
disputas de terras deram a tônica aos processos de ocupação vividos em quase todos os
dezessete bairros que compõem o locus dessa pesquisa, sobretudo, os bairros da Fazenda
Grande do Retiro, Arraial do Retiro, Engomadeira, Beiru, Pernambués, e outros, como
Saramandaia e Arenoso, por exemplo.
Nesse contexto se acirravam as intervenções urbanas capitaneadas pelo Estado e a
necessidade de sobrevivência dos que moravam na localidade de maneira irregular. Um
processo que se intensificou, quando o Cabula e entorno passou a ser considerada a partir da
legislação do Projeto Narandiba, como área de interesse social para fins de desapropriação
pelo decreto estadual nº 25.144, de 12 de março de 1976. Esse projeto do Estado desapropriou
muitas terras irregularmente ocupadas, para fins de moradia da classe média, por meio da
URBIS (Habitação e Urbanização da Bahia). Assim, procedeu-se a construção de conjuntos
habitacionais variados entre os anos de 1964 e 1986 (GOUVEIA, 2010; MOTTA; FREITAS,
2014), alguns dos quais podem ser observados no quadro 7.
Cabula pelo INOCOOP, podemos citar o Conjunto CHOPM-1 (Cooperativa Habitacional dos
Oficiais da Polícia Militar), ou conjunto Bahia de Todos os Santos, composto por 880
unidades e entregue no ano de 1980; Conjunto Chácara do Cabula, resultado de três
cooperativas voltadas a metalúrgicos e operários telefônicos, composto no total por 408
unidades entregues em 1976; e o Conjunto Pomar do Cabula composto por 320 unidades
entregues no ano de 1992. (FERNANDES, 2003).
De maneira simultânea à expansão dos conjuntos habitacionais, o Estado realizou
outras intervenções urbanas, que visavam atender a demanda de serviços da população do
Cabula e entorno, cada vez mais crescente. Entre elas, estão: a implantação da Companhia de
Eletricidade do Estado da Bahia – COELBA em 1970; da Empresa Baiana de Águas e
Saneamento – EMBASA em 1976; das Telecomunicações da Bahia - TELEBAHIA (hoje
empresa OI S.A. Telecomunicações) e do Hospital Geral Roberto Santos, ambos no ano 1978;
a implantação da Universidade do Estado da Bahia - UNEB em 1979; a implantação hospital
Psiquiátrico Juliano Moreira em 1982 e da Telebahia Celular na década de 1990, onde
atualmente encontra-se a empresa de Telefonia VIVO) (GOUVEIA, 2010).
Observamos que entre as décadas de 1940 e 1990, o Cabula e entorno, ficou marcado
pelas constantes iniciativas urbanas capitaneadas pelo Estado, que contribuíram para as
profundas alterações da paisagem local. Contudo, ao analisar o local onde tais intervenções
foram realizadas, fica evidente que esse processo não atingiu de maneira homogênea toda a
localidade, foram chegando gradativamente aos demais bairros e se concentraram
majoritariamente no bairro do Cabula, o qual ainda hoje se destaca em relação aos demais
bairros, se constituindo em ponto central no que se refere à infraestrutura urbana e de
serviços.
No entanto, os impactos sociais e ambientais causados pela urbanização ecoaram por
toda a extensão da localidade. Da ocupação ilegal da terra, que permaneceu mesmo com as
desapropriações forçadas, originaram-se os aglomerados urbanos que cresceram
desorganizadamente, sob as depressões e vales típicos do terreno acidentado dessa área,
dando contorno à paisagem de muitos bairros da atualidade. As casas de taipa e palha foram
uma constante nos agrupamentos sociais formados até a década de 1980, os quais acolhiam a
crescente população de imigrantes excluída dos programas de habitação financiados pelo
estado.
A maneira desassistida de formação dos bairros dessa localidade também representa
um marcador social, que revela a diferença de classe presente em bairros como o Resgate,
Cabula VI, Saboeiro e Cabula, por exemplo, os quais, possuem um processo resultante das
69
Só tinha uma condução, que vinha do Tancredo Neves, de não sei quantas em
quantas horas. A maioria do povo ía pegar carro no São Gonçalo, eu mesmo, tinha
que sair de madrugada pra ir trabalhar e pegar ônibus no São Gonçalo.(Entrevista
n. 4 – Morador da Engomadeira, 63 anos)
Era um lugar super atrasado [...] A rua principal, como a Silveira Martins, e só aí em
cima, mais ou menos, algum lugarzinho do fim de linha, que tinha energia e água.
Esses lados de cá, pelo menos quando eu cheguei aqui, não tinha nada. Eu sou
fundador dessa daqui. Era só mato, mato, escuridão, atraso. Depois com o tempo foi
evoluindo [...] A gente se divertia à noite, fazia fogueira, batia papo, contava história
[...] Não tinha energia [...] depois que veio o progresso.
[...]
Quando eu vim era barro até o 19 BC. Do 19 BC pra lá já era asfaltado. Já tinha
asfalto, não como agora. Era aquele asfaltozinho grosseiro, até o 19 BC, quando
chegava o 19 BC aí acabava, era barro. Até pra cá pra Tancredo Neves, tudo era
barro (Entrevista n. 4 – morador da Engomadeira, 63 anos)
Esses relatos retratam o período entre as décadas de 1960 e 1980 no Cabula e entorno.
Época em que determinadas áreas da localidade apresentavam situação precária quanto a
infraestrutura, desses bairros situados à periferia do Cabula. Uma reportagem do jornal A
Tarde de 1974, denuncia as difíceis condições de vida que enfrentavam os moradores do
bairro de Sussuarana, por exemplo.
70
Fonte: A Tarde
[...]
D. Maria dos Reis uma das mais antigas moradoras da Suçuarana é quem afirma:
"Aqui para se tomar um ônibus é o maior sacrifício. O pessoal é obrigado a andar a
pé até o Jardim Guiomar e quando está chovendo é muito penoso". Escola não existe
para os meninos que são forçados a um deslocamento grande até Mata Escura para
frequentarem uma, que nem sempre tem vaga para as crianças em idade escolar.
Em Suçuarana não tem posto médico, nem farmácia. As condições sanitárias
precárias do bairro sempre provocam enfermidades que na maioria das vezes são
mal curadas o que determina o aumento de doentes. (A TARDE, 1974, p.5)
constituídos enquanto mecanismos que contribuem para mitigar as mazelas geradas pela falta
de assistência do poder público. Nesse cenário de descompasso social e enfrentamento que
vemos emergir iniciativas como a construção de cooperativas e outros arranjos sócio-
produtivos locais; a fundação de creches e escolas comunitárias, cursos e oficinas de
formação a custos acessíveis à comunidade, por vezes, desenvolvidos pelos próprios
moradores, assim como a elaboração de alternativas de arte, cultura e lazer, dentre outras
soluções criadas na tentativa de suprir as lacunas deixadas pelo Estado.
Ainda que as discrepâncias sociais sejam evidentes entre os bairros do Cabula e
entorno, as iniciativas de urbanização que se intensificaram ao longo da segunda metade do
século XX, contribuíram para tornar essa localidade periférica de Salvador, de uma maneira
geral, uma das mais atraentes do ponto de vista habitacional, por ser uma área centralizada,
próxima às saídas importantes da cidade e bem estruturada de serviços. Em contrapartida,
houve um prejuízo significativo do ponto de vista do uso inapropriado do solo; a severa
devastação das áreas verdes, o aterramento e ou poluição das diversas fontes, riachos e lagos
daquela paisagem bucólica tão característica do Cabula interiorano.
Esse quadro continuou se agravando com a entrada de mais um agente de
transformações do Cabula. Desde a década de 1990, até os dias atuais, o capital imobiliário,
atraído pela crescente valorização da área, vem atuando massivamente na compra e
desapropriação de antigas chácaras, casas e áreas verdes remanescentes, as quais têm sido
gradativamente, substituídas por grandes empreendimentos e condomínios luxuosos. É sobre
os impactos que o mercado imobiliário vem causando nas áreas do Cabula e entorno que
discorreremos no próximo intertítulo.
Os processos de ocupação vividos pelo Cabula e o seu entorno deram origem a uma
área de características multifacetadas. Seja pela peculiaridade cultural de sua comunidade e as
raízes ancestrais que fundamentam a história dessa localidade, mas, também, pela diversidade
de suas paisagens, as quais foram transformadas no decorrer do processo histórico.
Destacamos, nesse sentido, as profundas alterações realizadas nos anos 1990 até os dias
atuais, sobretudo, a partir dos empreendimentos realizados pelas grandes construtoras.
Segundo Gouveia (2010), essa localidade é marcada pela heterogeneidade e possui
basicamente quatro tipos de paisagens: 1) conjuntos residenciais com casas bem estruturadas;
2) conjuntos habitacionais antigos; 3) áreas periféricas de ocupação irregular; e 4) novos
73
condomínios fechados com ampla infraestrutura. Esses quatro tipos de paisagem são
ilustrados a partir de fotografias aéreas, utilizadas por Gouveia (2010):
LEGENDA
1-Futura BR 324
2-Futura Avenida
Silveira Martins
3- 19 Batalhão de
Caçadores (19 BC)
Quando comparamos a figura 8, que retrata o ano de 1959, com a figura 9, que ilustra
a paisagem do Cabula no ano de 2016, fica nítida a completa reconfiguração daquela
74
paisagem rural e verde, para uma paisagem com construções adensadas que mais se
assemelha a um conglomerado urbano. Das áreas verdes que até a década de 1970
predominavam nesse território, restam apenas as áreas protegidas pelo 19º BC (1) e os trechos
do Horto do Cabula nas imediações da Estrada das Barreiras (2), que vem sofrendo severo
processo de degradação. As demais áreas verdes remanescentes aparecem pulverizadas no
mapa perdendo cada vez mais espaço para a expansão de prédios.
De acordo com Fernandes (2003), entre 1976 e 2000 foram construídos 34 conjuntos
habitacionais/condomínios no Cabula, totalizando 9.935 unidades residenciais. Esses
empreendimentos, no entanto, eram voltados às classes populares, com renda entre 3 e 5
salários mínimos, no caso dos construídos pela URBIS, e entre 6 a 10 salários mínimos
quando se tratava de empreendimentos feitos pelo INOCOOP. Contudo, esse tipo de
construção passou a perder espaço para outra tipologia habitacional, empreendida pelas
grandes construtoras (PENA; LIMA; FERNANDES 2011, p.10).
Segundo esses autores, o Cabula passou a experimentar um novo modelo de moradia,
caracterizado pela verticalização imobiliária e a construção de condomínios fechados. Assim,
essa localidade, onde antes havia conjuntos habitacionais horizontais, passou a abrigar
empreendimentos que chegam a alcançar 24 andares. Pena, Lima e Fernandes (2011), ainda
salientam que, geralmente, a verticalização aparece em áreas bem equipadas em infraestrutura
e acessibilidade, e, por isso, possuem elevados valores relativos e relacionais, áreas com
“status” como o Centro de Salvador e o seu entorno. Contrariando a lógica convencional, a
verticalização vem atingindo áreas como o Cabula, que embora tidas como periféricas passam
a ser preferência da classe média.
O que diferencia os novos condomínios do Cabula, dos antigos conjuntos
habitacionais é a infraestrutura oferecida, como os itens de lazer e a estética dos edifícios que
se assemelha a de construções típicas das áreas historicamente valorizadas da cidade, como
Pituba, Centro e entorno. Outros aspectos importantes, também destacados por Pena, Lima e
Fernandes (2011) são a localização estratégica desses empreendimentos, geralmente situados
nas áreas de maior valor relacional da localidade, onde se concentram as melhores
infraestruturas e serviços, e, também, o apelo midiático das peças promocionais desses
condomínios, que enfatizam a presença de uma Reserva de Mata Atlântica no Cabula para
agregar valor ao empreendimento.
Esse último aspecto acaba sendo uma grande contradição, pois, o saldo apresentado
após a implantação dos mais de 23 (vinte e três) empreendimentos construídos no Cabula ao
longo dos anos 2000, dados trazidos por Gouveia (2010) é, além da profunda
75
“A IMERSÃO”
“[...] As práticas por mais concretas e simples, não existem soltas e desgarradas. São sempre
práticas situadas entre as de determinados(s) sujeito(s) e num dado contexto onde se
relacionam com práticas outras. Por trás, por isso, de qualquer prática existe uma teoria ou
concepção dela, sem a qual não seria ela uma prática humana, muito menos social. Explicitar
essas teorias ou explicações, escondidas nas práticas que se relatam, referi-las umas às outras
e inseri-las num universo mais amplo de práticas correlacionadas, essa a função do discurso
teórico”.
CAPÍTULO III
Lixo Esgotamento
jogado em sanitário Responsáveis por
terreno inadequada Analfabetismo Índice de domicílios sem
Bairros baldio(%) (%) (%) pobreza (%) rendimento (%)
SALVADOR 2,8 6,46 3,97 5,57 13,43
Arenoso 8,42 4,21 7,26 9,08 16,8
Arraial do Retiro 4,78 4,33 6,14 7,47 13,92
Beiru/T. Neves 5,36 2,38 5,7 6,08 14,63
Cabula 1,85 1,04 5,83 1,18 8,2
Doron 0,09 1,38 1,01 0,68 11,34
Engomadeira 1,73 2,12 5,59 6,97 14,13
Est. das Barreiras 1,64 4,05 4,33 3,57 11,2
Faz. Gde do Retiro 2,38 1.27 4,12 5,32 12,9
Mata Escura 3,02 3,42 6,28 7,03 15,24
Narandiba 2,02 20,01 5,93 6,32 11,11
Novo Horizonte 4,59 4,02 3,8 5,44 15,79
Pernambués 1,37 2,61 3,71 3,38 11,8
Resgate 0 0,13 0,59 0,61 6,88
Saboeiro 0,13 2,95 1,43 1,28 7,54
S. Gonç. do Retiro 11,35 4,13 5,32 6,77 16,1
79
Analisando o quadro 8 é possível inferir que em relação à média obtida para a cidade
de Salvador, Bahia, os bairros pertencentes ao Cabula e entorno, ainda apresentam um
número significativo de domicílios que realizam coleta de lixo inadequada. Oito dos dezessete
bairros possuem índice superior à média soteropolitana, no que se refere ao descarte de lixo
em terrenos baldios, destacando-se, negativamente, o bairro do São Gonçalo do Retiro com
11,35%.
O mesmo ocorre para o quesito pobreza, no qual, o bairro da Saramandaia desponta
com 11,17%, ou seja, quase seis pontos percentuais acima da média de Salvador que foi de
5,57%. Esse aspecto reverbera em outros índices, como os números de responsáveis por
domicílios que não possuem rendimento e o analfabetismo. Nove dos dezessete bairros
apresentaram um quantitativo de responsáveis por domicílio sem rendimento, acima da média
da capital.
Quanto à taxa de analfabetismo, apenas três bairros obtiveram índices inferiores
àqueles verificados na cidade de Salvador, a saber: Doron, Resgate e Saboeiro, a justificativa
para esses resultados pode se estabelecer tanto pelo fato desses bairros serem menos
populosos, se comparados aos demais bairros da localidade do Cabula e entorno, quanto pelo
processo de configuração sócio-espacial desses bairros, historicamente, habitados pela classe
média e, também, mais assistidos pelo poder público em termos de infra-estrutura urbana,
serviços, etc.
Embora os dados analisados evidenciem as dificuldades sociais enfrentadas por esses
bairros, no centro desses problemas prospera um dos aspectos que mais engrandecem as
comunidades ora estudadas: as ações de seus sujeitos e coletivos, os quais na busca pela
inclusão social, afirmação e fortalecimento de valores étnicos e comunitários contribuem para
a reconfiguração de concepções, conceitos, modos de vida e produção, ao forjarem novas
dimensões para os processos de construção, socialização e difusão de “saberes instituintes”
(CASTORÍADIS, 1982).
Tal dinâmica ajuda a manter viva uma história negada e ações que exprimem
identidades e práticas de caráter religioso, político, cultural e social, que emergem do
cotidiano dos moradores e são reflexo do contexto histórico que sedimenta as raízes dessa
localidade. Trata-se, portanto, de construções relevantes, nas quais estão enlaçados modos de
80
organização comunitária peculiares, que conferem a essa localidade uma condição latente de
produção criativa. São organizações religiosas; Organizações Não Governamentais (ONG´s);
associações, escolas e creches comunitárias; cooperativas; grupos artísticos e culturais;
mutirões comunitários; dentre outras variadas ações e ambientes criativos, que remontam à
gênese histórica e social do Cabula e entorno.
Em levantamento iniciado pelo Projeto Turismo de Base Comunitária no Cabula e
entorno, em 2010, e atualizado a partir de nova coleta e sistematização de dados feita para fins
desta pesquisa, constatamos a existência de 132 produtores e coletivos de produção com
propósitos diversificados. Considerando o interesse deste estudo, em atuar com a produção
coletiva, selecionamos deste total, 88 grupos, que denominaremos no decorrer da escrita desta
tese por comunidades de prática. Salientamos que a escolha por essa denominação será
elucidada no decorrer deste capítulo.
As 88 comunidades de prática selecionadas atuam em âmbitos como: educação
comunitária, produção cultural e artística, que inclui música, dança, teatro, poesia, artes
plásticas e visuais em suas diferentes manifestações; projetos sociais e cooperativismo. Tal
escolha se justifica, primeiramente, pela necessidade de mantermos um recorte para fins dessa
pesquisa, e, também, por serem os grupos atuantes nessas áreas, aqueles que tem contribuído
mais ativamente nas comunidades do Cabula e entorno, pois funcionam como pólos
agregadores e mobilizadores de pessoas e ações que beneficiam as comunidades; aspecto que
favorece a continuidade de ações nessa localidade.
Nesse sentido, organizamos no quadro a seguir, o quantitativo de comunidades de
prática presentes no Cabula e entorno, disposto por bairro.
03
1- Aliança dos Cegos
ARRAIAL DO
2- Grupo de Capoeira Maré
RETIRO
3- Grupo de Samba Chula
81
05
1- Escola de Educação Percussiva
2- ArtBagaço Ode Art
ESTRADA DAS
3- Projeto Cidadão
BARREIRAS
4- Denissena operário cultural
5- Clube de Mães
82
12
1- Núcleo de Arte Espírita Ivone do Amaral
2- Grupo Gay da Fazenda Grande do Retiro
3- Esporte Galícia
4- Grupo de Teatro A Pombagem
FAZENDA 5- Grupo de Mulheres do Calafate
GRANDE DO 6- Projeto Música no Final de Linha
RETIRO 7- Grupo artístico primeiro de maio
8- Artes manuais Casal de vidr
9- Mestre Zé do Lenço – Instrumentos musicais
10- Zé Grilo e Trio Lampião
11- Cia da Dança
12- Filhos da Regional
07
1 Grupo Raízes da Palavra
2 ACOPAMEC
3 Cooperativa Flor da Mata
MATA ESCURA
4 Grupo Cultarte
5 Cia Elementhos
6 CIA. Juntando os cacos
7 ACOMARTE
Durante a pesquisa não foram identificadas 00
NARANDIBA comunidades de prática com as características do
recorte utilizado para este estudo.
NOVO 01
HORIZONTE 1 Sarau da Onça
14
1 Terno de Reis Rosa Menina
2 Grupo BBG
3 Negro Davi e banda
4 Concurso Beleza Negra de Pernambués
5 Cultarte
6 Fanfarra Kleber Pacheco – FANKEP
7 Fanfarra Ministro Aliomar Baleeiro
PERNAMBUÉS
8 Grupo Linha de Frente.
9 Comunicação , militância e atitude (CMA)
10 Banda Sfonia
11 Samba da Ladainha
12 Grupo de Teatro CTSD
13 RÁDIO WD.
14 Coral de Jovens de Pernambués.
01
SABOEIRO
1-Associação de Moradores do Saboeiro
83
SÃO GONÇALO 01
1- Circo Maravilha
DO RETIRO
03
1- Grupo de Teatro da Saramandaia
SARAMANDAIA
2- Projeto Ruas de Lazer
3- Grupo Cultural Balanço das Latas Brasil
04
1 Grupo Motumbaxé
SUSSUARANA 2 Concurso Beleza Negra de Sussuarana
3 Projeto Mãos do Axé
4 TRIO BOSSAMBÁ.
circuitos oficiais de produção. Tal como evidenciamos nas dinâmicas estabelecidas pelos
grupos do Cabula e entorno.
Indo ao encontro dessas perspectivas, Santos (2001) corrobora essas emergências ao
sustentar a proposta de uma “outra globalização”. O referido autor esclarece que existe uma
tendência em compreender o fenômeno da globalização associado à compreensão do mundo
como uma aldeia global; onde o limite entre as distâncias se dissolve, graças à contração do
tempo e do espaço fazendo as informações circularem instantâneamente, num movimento de
unificação do mundo.
Santos (2001) revela que esse mundo das “fabulações”, além de reforçar o discurso
político, econômico e midiático, nos dá a impressão de que o mundo, para todos está ao
alcance das mãos. O autor salienta que se quisermos admitir a permanência dessa percepção
enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só: “O primeiro
seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o
mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele
pode ser: uma outra globalização” (SANTOS, 2001, p.18).
No primeiro mundo regido pelo mito da aldeia global, de acordo com esse estudioso,
impera o culto ao consumo, a reificação e fortalecimento dos interesses financeiros, além da
busca por uma uniformidade global, que contraditoriamente, acirram as diferenças locais ao
preterir interesses específicos de atores hegemônicos. No segundo mundo, comparado por
Santos (2001, p.19) a uma “fábrica de perversidades”, acompanhamos a eclosão das mazelas
sociais: desemprego, pobreza, corrupção, baixos índices de educação e qualidade de vida,
mortalidade infantil, dentre outros males materiais, espirituais e morais ampliados em razão
da adesão desenfreada aos comportamentos competitivos, característicos das ações
hegemônicas.
Mas, em contrapartida, é possível pensar a construção de um mundo mediante uma
globalização mais humana, a partir das mesmas bases materiais instituídas pelo capital, no
entanto, servindo a outros objetivos, fundamentos sociais e políticos; seria este, portanto, o
terceiro mundo, que segundo Santos (2001), já vem se delineando a partir dos progressos da
informação, da comunicação e da tecnologia. A globalização a partir dessa ótica favorece a
construção de uma sociodiversidade e a emergência de uma cultura popular, que se serve dos
meios técnicos antes exclusivos da cultura de massa, permitindo-lhe exercer sobre esta última
uma verdadeira revanche (SANTOS, 2001).
Tal fato também decorre da forma de organização das sociedades atuais, que tem
impulsionado a produção de uma população aglomerada, como já sugeria Castells (1999).
88
Essa nova estrutura social viabiliza a fluência e o dinamismo entre os seus membros e
constitui uma das bases de reconstrução e de sobrevivência das relações locais, ao abrir a
possibilidade de utilização a serviço da população em geral.
Partindo desse prisma, a sociedade onde antes não existia uma demarcação entre
produtores e consumidores do conhecimento vai ficando dividida em comunidades, de acordo
com as relações que seus membros, coletivamente, estabelecem com o conhecimento (FRÓES
BURNHAM, 2012). A autora esclarece que esse processo, não implica, entretanto, em um
movimento separatista entre os coletivos de produção, pelo contrário, entre esses grupos,
podemos identificar mecanismos de articulação e interação capazes de promover um
“intercâmbio intra, inter e transcomunitário”, que, inclusive, é perceptível entre comunidades
de prática presentes no Cabula e entorno.
Não estamos falando, portanto, de um processo unilateral, mas de um movimento
complexo e instituinte, que se aproveita das brechas apresentadas pela própria racionalidade
técnica, científica e capitalista característica do dito momento global. Aberturas essas, que
possibilitam a assunção das massas, de suas formas de organizar e produzir, fundamentadas
no trabalho, no cotidiano, na solidariedade e na vizinhança, que vão engendrando o
“movimento dos de baixo” anunciado por Santos (2001, p.68).
Se pensarmos na perspectiva dessa globalização mais humana e possível, proposta
pelo referido autor, a qual já apresenta evidências do ponto de vista local e regional, podemos
identificar um retorno à comunidade não como uma espécie de corpo uno e homogêneo, aos
moldes tradicionais, mas no sentido da constituição de uma rede de articulação entre o local e
o global, em um processo de revitalização do apreço pelo local e pelas raízes, fundamentadas
no diálogo e na interação entre sujeitos, grupos, perspectivas e conhecimentos que se
harmonizam pelo seu caráter diverso.
Castells (1999, p.58) define esse transcurso como uma reação defensiva à
massificação imposta pelo movimento global: “quando o mundo se torna grande demais para
ser controlado, os atores sociais passam a ter como objetivo fazê-lo retornar ao tamanho
compatível com o que podem conceber”. Aglomerar-se, instituir redes de relações e
agrupamentos sociais fundamentados em bases como harmonia, solidariedade e colaboração
são alternativas para enfrentar as turbulências da vida e as contradições que afloram com um
sistema internacionalizado, mas é, sobretudo, um caminho para instituir novas maneiras de
criar identidades locais e globais, sobreviver e construir essa outra globalização (CASTELLS,
1999; SANTOS, 2001).
89
cada pessoa poderá viver sua pluralidade intrínseca; seus diferentes papéis sociais se
ordenando de maneira mais ou menos conflitual e ajustando-se com as outras facetas que a
circundam (MAFFESOLI, 2006, p. 238).
Dessa maneira, os sujeitos têm abertura para transitar entre os grupos, o que viabiliza,
por consequência, uma relação intergrupos, bem como o compartilhamento de produções,
valores e estilos de vida:
Esse fluxo interativo gerado pelas tribos urbanas sinaliza a possibilidade de integração
nas sociedades contemporâneas e lança outra perspectiva às premissas de heterogeneidade,
separatividade e isolamento social, constantemente associadas ao espaço urbano. Ainda que
tais tribos sejam distintas das tribos pré-modernas, sobretudo, por se constituírem a partir de
outros propósitos, é possível identificar nesses agrupamentos um sentido comum e um
redesenho da vida comunitária, mesmo que tenham uma configuração flexível.
Necessário esclarecer que, embora Maffesoli (2006) transite por territórios
epistemológicos distintos, encontramos ressonância do seu neotribalismo nas concepções de
Castells (1999) sobre a Sociedade em Rede; no movimento dos de baixo e as aglomerações
urbanas defendidas por Santos (2001) e, também, na produção democrática do conhecimento
de Fróes Burnham (2000; 2012). O diálogo entre esses pontos de vista orienta a nossa
compreensão de comunidade, enquanto um agrupamento social que pode ser localizado
simbólica ou territorialmente, no qual sujeitos vinculam-se e compartilham seus múltiplos
repertórios, interesses, valores e identidades em prol de um projeto em comum.
Compreender a comunidade a partir desse viés é coadunar com a existência de
distintos perfis comunitários, uma vez que os projetos de interesse que unem os sujeitos em
grupos, não mais se restringem a um ponto de vista unificado, à sobrevivência, laços
familiares ou a uma tradição. A prova disso está na multiplicidade de comunidades, que
brotam nas abordagens teóricas e no cotidiano dos sujeitos, exprimindo uma variedade de
repertórios e finalidades que permeiam os agrupamentos sociais contemporâneos. Nesse
sentido, podemos citar como exemplos, as comunidades virtuais; as comunidades de produção
93
No entanto, se faz necessário esclarecer que nem toda comunidade pode ser
considerada uma CdP. Moradores de uma Vila podem ser considerados uma comunidade, mas
não necessariamente uma CdP. Para Wenger (2015), uma comunidade de prática se constitui a
partir da integração de três elementos cruciais: a) o domínio; b) a comunidade; e c) a prática.
O domínio corresponde às afinidades entre participantes sobre determinado âmbito do
conhecimento é o que identifica e justifica a existência da comunidade de prática, a qual não é
um simples clube de fãs ou uma rede de pessoas conectadas. Se não existir o domínio que
conecte os participantes e seja a razão de ser do grupo não há uma CdP. A comunidade deve
pressupor a existência de sujeitos que se reúnem e interagem para aprender e compartilhar
conhecimentos, o que não implica que esses sujeitos precisem se reunir diariamente para
manter-se em comunidade. Já a prática é um elemento fundante na CdP e a diferencia de um
grupo de fãs, por exemplo. Membros de uma CdP são praticantes, compartilham seus
repertórios individuais e se engajam na elaboração de soluções para problemas, envolvendo a
geração de conhecimentos.
A partir dessa referência conceitual que nominamos os grupos parceiros dessa
pesquisa e os demais coletivos de produção identificados no Cabula e entorno, como
comunidades de prática, tendo em vista as suas especificidades afinadas à concepção de
Wenger (1998) (2015). Em seus distintos domínios e com propósitos variados temos inseridas
no Cabula e entorno, variadas comunidades de prática engajadas em soluções de melhorias
para demandas locais como: o acesso à arte, cultura e educação; valorização do patrimônio
local; desenvolvimento de tecnologias sociais; mecanismos de produção comunitária, dentre
outros domínios, como os explicitados no mapa a seguir
Outro aspecto relevante acerca das CdP é que a dinâmica gerada por seus praticantes
engendra o que Wenger (1998) chama de aprendizagem social. Para esse autor, o engajamento
na prática social é o processo pelo qual nós aprendemos e nos tornamos quem somos. Essa
teoria explora um modo sistemático de intersecção-interação entre as questões que permeiam
a comunidade, a prática social, o significado e a identidade; elementos que entrelaçados
caracterizam a ideia de participação social como um processo de aprendizagem e de
conhecimento, conforme representado na figura 10.
95
Aprendizagem e
conhecimento como
pertencimento
Comunidade
Aprendizagem e
conhecimento
como prática
APRENDIZAGEM E
Prática CONHECIMENTO Identidade
Aprendizagem e
conhecimento como
construção de si
Significado
Aprendizagem e
conhecimento como
experiência
A visão da filosofia da práxis está na realidade, que não separa o homem da natureza,
a atividade da matéria, o sujeito do objeto, a teoria da prática. Conforme afirma Vázquez
(1968, p.185), “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”, já que o princípio
praxiológico não é a atividade prática em si, mas sim a reflexão sobre a prática, a tomada de
consciência a partir da prática, com vistas à transformação de si e do meio. Portanto, a prática
compreende uma dimensão da práxis.
Do mesmo modo, importante salientar que a práxis não se constitui apenas em
atividade social transformadora, no sentido da transformação da natureza, da criação de
objetos, de instrumentos, de tecnologias; é atividade transformadora também com relação ao
próprio homem que, na mesma medida em que atua sobre a natureza, transformando-a,
produz e transforma a si mesmo. O processo de engajamento na prática envolve a pessoa
como um todo, afinal, a atividade mental não é desincorporada, e a atividade manual não
prescinde de reflexão (SHOMER, 2005). Ambas coexistem e se retroalimentam.
Nesse sentido, consideramos que as comunidades de prática do Cabula e entorno, se
constituem em ambientes de elaboração da práxis, uma vez que as atividades realizadas
nesses ambientes não possuem um caráter meramente instrumental, tampouco se
fundamentam na prática pela prática. Os repertórios compartilhados entre os praticantes se
articulam no sentido de atender a demandas coletivas e, consequentemente, mobilizar a
transformação dos contextos em que estão inseridos esses praticantes e as pessoas que são
envolvidas ou se beneficiam dessas práticas. As quais nascem no seio de movimentos
pautados no engajamento político social e na superação das adversidades que circundam as
realidades desses grupos.
Conforme a representação expressa na Figura 11, a seguir, a práxis se processa no
núcleo das interações estabelecidas pelos sujeitos que são mediadas pelo contexto real. Nessa
relação, teoria e prática se apresentam como facetas que se interconectam e dialogam, de
maneira a mobilizar a construção de conhecimentos de distintas naturezas e referências, sejam
concretas ou abstratas. Em uma dinâmica capaz de favorecer a modificação dos sujeitos e dos
contextos envolvidos.
99
Conhecimentos
Teoria
Conhecimentos Conhecimentos
Práxis
Prática
Conhecimentos
Fonte: A autora
dialética e dialógica dos sujeitos e de seus contextos. Através dessa lente que concebemos as
comunidades de prática do locus pesquisado, as quais contribuem para levar aos moradores
outras perspectivas de formação, valorização de suas múltiplas identidades e, sobretudo,
novos horizontes diante da aridez dos variados problemas sociais que os afligem.
O reconhecimento dessas comunidades de prática e da dinâmica produtiva que as
mesmas desenvolvem no locus ora pesquisado se deu, inicialmente, em 2010, a partir das
ações de inventariação participativa realizadas pelo Projeto de Pesquisa, Ensino e Extensão
Turismo de Base Comunitária no Cabula e entorno (TBC Cabula), vinculado à Universidade
do Estado da Bahia (UNEB) e cujas ações também são geradas em comunidade, ou melhor,
em comunidades de prática. É, portanto, das experiências de convívio e compartilhamento
com as comunidades do entorno da Universidade que surge a iniciativa de construção do
Portal aqui investigado, como meio de articulação e visibilidade para as práticas realizadas
pelos moradores e grupos locais e, conseqüente mobilização do TBC nessa localidade.
Funcionando como um macro projeto, o TBC Cabula abastece e é abastecido por
ações de extensão, além de pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado, que tem a
comunidade do Cabula e entorno como locus investigativo, como esta que apresentamos ao
caro leitor. Nesse sentido, é importante salientarmos a natureza desse projeto matriz, bem
como a sua proposta de interação e construção colaborativa com o entorno da Universidade,
que apresenta uma perspectiva multidisciplinar, dialógica e aplicada.
Essa definição, portanto, que norteia as práticas desenvolvidas pelo projeto TBC
Cabula. Assim sendo, Silva (2014, p.10) defende que um processo de implementação do TBC
precisa considerar os seguintes aspectos:
Desse modo, o projeto em questão, alicerçado nos princípios elucidados por Freire
(1983) busca desenvolver práticas de extensão pautadas na construção coletiva e colaborativa,
uma vez que considera a comunidade como parceira de um processo de aprendizagem mútua
e não como espaço para a transferência de saberes acadêmicos instituídos, conforme realizado
por variados projetos de extensão universitários.
Importante esclarecer que, embora se constitua em um projeto inserido no campo do
turismo, a natureza multifacetada de tal campo exige a interação com referenciais de outras
áreas do conhecimento. Por isso, o projeto TBC Cabula tem as suas ações articuladas por
meio de 14 eixos temáticos multidisciplinares, a saber: 1. Território e Espaço Urbano; 2. Meio
Ambiente, Ecologia Social e Ecoturismo; 3. Lazer, Esporte e Entretenimento; 4. Educação,
Formação e Cidadania; 5. Comunicação Comunitária; 6. Memória, História, Patrimônio e
Cultura; 7. Tecnologias Educativas; 8. Inclusão Sociodigital; 9. Cooperativismo, Economia
Solidária, Tecnologia Social e Inovação; 10. Design e Sustentabilidade; 11. Turismo de Base
Comunitária; 12. Saúde Coletiva; 13. Políticas Públicas, Desenvolvimento Local e Regional;
e 14. Linguagem e Culturas Afro e Afrobrasileiras.
Os quatorze eixos mencionados são coordenados por professores dos departamentos
do Campus I da UNEB e reúnem voluntários; moradores das comunidades envolvidas;
técnicos; estudantes de ensino médio das escolas da redondeza e estudantes do ensino superior
em nível de graduação e pós-graduação, que atuam em regime de parceria e participação nas
atividades de formação, pesquisa e extensão desenvolvidas pelos eixos.
Esse processo é conduzido no sentido de contribuir para a formação e auto-gestão de
redes sociais cooperadas e colaborativas nos dezessete bairros envolvidos. Com destaque para
a produção de soluções criativas e inovadoras baseadas no contexto dos bairros; processos
formativos para a valorização do patrimônio material e imaterial; elaboração de conhecimento
e tecnologias sociais tendo como referência os saberes e práticas de povos de etnias indígenas,
afro-brasileiros e de origens africana presentes nos bairros; convivência e hospitalidade
(SILVA, 2014).
O Portal TBC Cabula, dessa forma, se constitui em produto originado das atividades
realizadas pelo eixo de tecnologias educativas. No entanto, tal ambiente web, transversaliza
com as produções dos demais eixos, na medida em que também foi concebido para agregar
informações e resultados de pesquisas geradas pelos demais eixos do projeto.
É necessário esclarecer que desde 2010, o projeto TBC Cabula tem se configurado em
importante vetor de articulação entre as comunidades presentes no locus desta pesquisa. Os
quase dez anos de atuação do projeto no entorno da UNEB, em âmbito de ensino, pesquisa e
105
extensão evidenciaram que essas comunidades são ambientes fecundos de produção, mas,
também, ambientes marcados por contradições e variadas problemáticas, como sinalizam
Vilas Bôas e Silva (2013, p.102) ao relatarem experiências vivenciadas na comunidade no
decorrer desse processo.
É esse contexto de produção cognitiva legítima, que inspira a existência do Portal TBC
Cabula e nos mobiliza a construir um Design Cognitivo (DC) capaz de potencializar esse
ambiente e as relações de interação, socialização comunitária e mobilização do TBC que
podem ser estabelecidas por meio deste.
Neste capítulo finalizamos a primeira etapa de elaboração do DC proposto: a
compreensão do contexto do Cabula e entorno, a imersão nesse locus, bem como a
sistematização das bases teóricas que legitimam a produção cognitiva desenvolvida pelas
comunidades de práticas presentes nessa localidade.
Partiremos a seguir para a segunda etapa desse processo, a qual consiste em traduzir os
aspectos analisados em um esboço conceitual da nossa proposta de DCC para o Portal TBC
Cabula. Quais princípios devem fundamentar um ambiente web que esteja sintonizado às
pretensões e necessidades das comunidades de prática do Cabula e entorno? Com a intenção
de definir tais princípios, os quais conduzirão a nossa proposta inicial, que seguiremos ao
capítulo 4 do presente estudo.
106
“A DEFINIÇÃO”
O campo teórico não baixa das nuvens. Brota ele do chão das práticas; não espontaneamente
mas sob o acicate da interrogação, da reflexão, da pesquisa em nosso caso. ‘A teoria se
constrói através da pesquisa’, ensina mestre Florestan Fernandes (1978, p.11). Surge ela
como explicação, que se quer provisoriamente válida para determinado sistema de relações.
Estabelece-se, por isso a teoria num nível relativamente complexo sobre o qual possa operar
por sucessivas abstrações. Como requer Bachelard (1977, p.10): “Nem um empirismo
desconexo, nem uma racionalidade no vazio”
Essa última fase compreende o ponto de partida para a popularização dos portais web,
lhes conferindo como indica Reedy (2001) o status de metasites, isto é, pontos de entrada que
oferecem variadas aplicações, recursos e serviços, como e-mail, fóruns, sites de pesquisa,
notícias, páginas pessoais, shopping centers online e outros. Atualmente, é importante incluir
nessa lista de aplicações, a conexão com as redes sociais digitais, que apresentam grande
domínio de público na web e se constituem em elementos importantes para a sobrevivência
dos portais web.
Portanto, podemos compreender esses ambientes virtuais como sendo “aplicações web
que integram informação, interatividade e serviços permitindo a sua personalização”
(SOUSA, 2004, p.5). Via de regra, os portais web representam uma incorporação das ideias
de internet e intranet, cujo principal objetivo é integrar as aplicações da organização em uma
só plataforma, ou seja, vincular diversas iniciativas de criação e sistemas de informação em
um local, de modo a viabilizar o acesso de todos (CARVALHO, 2006).
Importante esclarecer que embora seja recorrente a compreensão de um portal web
enquanto um site, existem diferenças entre ambos ambientes. Em geral, os sites cumprem a
110
Privados São restritos a um grupo de usuários, que pode ser uma rede de
sócios, funcionários de uma empresa ou assinantes que terão
acesso a conteúdos especializados, a exemplo dos portais
corporativos, que agregam funções de intranet e internet.
Embora sejam perceptíveis as diferenças entre essas tipologias, autores como Sousa
(2004) e Gouveia (2007) salientam que essas classificações, podem, no entanto, dialogar.
Afinal, é comum se apresentarem mescladas entre si. Por isso, é possível desenvolver portais
verticais/informativos; privados/verticais; horizontais com elementos de portal vertical;
transacionais/informativos dentre outras combinações.
Compreender essas tipologias é ponto fundante para o momento de definição do que
se quer propor com um portal web. No caso do Portal TBC Cabula, a compreensão de tais
tipologias se faz necessária por que, tal portal, que se constitui em um caso de aplicação desta
pesquisa é um tipo de portal web que não se encaixa, exclusivamente, em uma tipologia; pelo
contrário, apresenta uma demanda multifacetada e objetivos que vão além da ideia
112
De 2013 aos dias atuais o Portal TBC Cabula vem sendo estruturado, para se tornar
um ambiente de interação, colaboração e compartilhamento de saberes e fazeres da/sobre a
comunidade do Cabula e entorno, favorecendo assim a visibilidade das comunidades, a
valorização local e, consequentemente, a mobilização do turismo de base comunitária nessa
localidade.
O desafio que se apresenta, desde então, é agregar, no mesmo ambiente web,
mecanismos de socialização das produções acadêmicas geradas a partir do projeto, que tem o
Cabula como âmbito investigativo, e, também, as produções dos moradores. Nesse sentido,
esse portal busca atender a três frentes de atuação: a) socialização das iniciativas de pesquisa,
ensino e extensão que tomam essa localidade como locus de produção de conhecimentos
científicos; b) interação e colaboração entre os moradores e comunidades de prática do Cabula
e entorno; c) rede de compartilhamento de saberes e fazeres da comunidade.
Sobre a primeira frente de atuação, destacamos as produções que vem sendo
desenvolvidas nos 14 eixos de atuação do projeto TBC Cabula, o qual está vinculado ao grupo
de pesquisa Sociedade Solidária, Educação, Espaço, e Turismo (SSEETU). As produções
técnicas e científicas já elaboradas incluem materiais informativos, trabalhos técnicos, cursos
de extensão, resultados de pesquisas apresentados em relatórios, artigos científicos,
monografias, dissertações e teses.
Também devem agregar o Portal TBC Cabula, os conteúdos interativos originados de
pesquisas acadêmicas, com destaque para os produtos de estudos doutorais, como o Museu
Virtual do Antigo Quilombo Cabula (MARTINS, 2017); o Mapa cultural interativo das
mulheres do Antigo Quilombo Cabula (SOUZA, 2018); o Museu Digital do Terreiro
Tumbenci localizado no bairro do Beiru/Tancredo Neves (COSTA, 2017); a Rádio Web
Juventude, iniciativa desenvolvida no Colégio Estadual Roberto Santos, Cabula (LIMA,
2016), assim como o produto da pesquisa de mestrado de Alves (2017), o Role Playing Game
(RPG) para o Turismo de Base Comunitária no Cabula e entorno.
De 2010 até os dias atuais essa proposta de comunicação comunitária via web vem se
configurando em um projeto em permanente processo, pois tem buscado se adequar aos
avanços efetivados pelo Projeto TBC Cabula e seus eixos. Isso vem trazendo várias
implicações para o Portal, refletidas em demandas tais como: alterações de seu layout;
necessidade de produzir conteúdos informativos e interativos, articulação com as mídias
sociais e escolha de tecnologia colaborativa mais adequada para a sua estrutura.
Essas demandas foram levantadas a partir de diagnóstico do Portal TBC Cabula, que
elaboramos no início dessa pesquisa doutoral. O diagnóstico revela assim uma análise de duas
115
versões desse ambiente, que nos permitiu construir uma percepção global do seu
funcionamento, desde as suas potencialidades às suas lacunas. Nesse sentido foi possível
identificar o status do referido portal, bem como, as implementações em curso, entre os anos
de 2014 e 2015, que já sinalizavam demandas da comunidade e, em especial dos grupos de
pesquisa colaboradores deste estudo. O diagnóstico foi feito mediante interação sistemática
com o portal e com base nas vivências e diálogos estabelecidos com os profissionais de
desenvolvimento nos processos de gerenciamento de conteúdos, dos quais participei, desde o
ingresso no doutorado em 2014.
Os itens de composição do diagnóstico favoreceram uma análise técnica do problema
investigativo apresentado, o qual sinaliza a inexistência de um design cognitivo capaz de
potencializar interações colaborativas no Portal TBC Cabula. Nesse sentido, o plano de
diagnóstico traçado, além de nos permitir uma análise mais criteriosa do problema e do caso
de aplicação deste estudo, contribuiu para ampliar o nosso raio de possibilidades a serem
aplicadas, pois evidenciou aspectos de distintas naturezas, tais como: concepção do ambiente,
modo de gerenciamento e tipo de conteúdo publicado. Aspectos fundamentais para iniciar
qualquer plano de intervenção tecnológico, os quais descrevemos e justificamos a seguir a
seguir:
116
Histórico de Como se deu o processo de Inicialmente foi elaborado um blog A fim de flexibilizar a gestão dos
desenvolvimento das desenvolvimento das versões gerido por pesquisadores e bolsistas conteúdos do portal houve a migração de
antigas versões anteriores do Portal TBC Cabula? vinculados ao Projeto TBC Cabula parte das informações da primeira versão
com o intuito de divulgar as ações do para a plataforma wordpress e a mudança
projeto nas comunidades. da equipe responsável por fazer tais
Posteriormente, a partir de modificações.
financiamento público adquirido via O portal adquiriu flexibilidade em sua
edital, uma empresa de soluções estrutura, mas perdeu em termos de
digitais foi contratada para a programação visual, gerenciamento dos
elaboração de um portal web que conteúdos e na organização informativa.
reunia as sugestões dos pesquisadores
do grupo a partir das visitações nas
comunidades.
Conteúdos sobre a Que tipo de conteúdo sobre as Produções científicas e técnicas desenvolvidas pelos pesquisadores do projeto TBC
comunidade comunidades do Cabula e entorno na localidade; além de eventos realizados na comunidade, conforme sugestão de
é veiculado no Portal TBC alguns moradores que estabeleciam contato com os organizadores do projeto.
Cabula? As duas versões também apresentavam uma aba intitulada localidades, com
informações breves sobre: histórico dos bairros, grupos culturais, dentre outras, cuja
maioria ainda estava em fase de elaboração.
117
Conteúdos De que maneira os conteúdos Ambas as versões se sustentavam a partir da geração dos seguintes conteúdos:
acadêmicos acadêmicos são abordados no postagens de notícias de eventos acadêmicos de natureza local, nacional e
Portal TBC Cabula? internacional, sobre o turismo de base comunitária e temáticas correlatas. Assim
como postagens aleatórias das produções científicas e técnicas dos grupos de
pesquisa envolvidos no projeto.
Conteúdos e Quais conteúdos e ambientes O portal apresentava uma estrutura Foi iniciada a implementação de
ambientes interativos estão disponíveis no predominantemente informativa, com aplicações como um canal youtube
interativos Portal TBC Cabula? links que remetiam o visitante para incorporado à página, em que os visitantes
páginas das redes sociais do projeto. poderiam enviar suas sugestões de vídeo;
Apresentava uma proposta de fórum de a aba de comentários e compartilhamento
discussão, mas que não funcionava por das postagens em variadas redes sociais; o
problemas técnicos. Não possuía, mapa cultural interativo com
portanto, ambientes que permitissem o equipamentos culturais da localidade;
engajamento dos visitantes na aplicativo de postagens de notícias curtas
realização de alguma atividade, debate, a partir da adaptação de um plug-in do
produção de conteúdos, outros. twitter, intitulado Divulgaê.
Estratégias de Quais estratégias de Ambas as versões não dispunham de um plano estratégico para gerenciamento do
sustentabilidade e sustentabilidade e alimentação de portal, especialmente pela ausência de recursos humanos e financeiros que
gerenciamento do conteúdos são utilizadas no Portal garantissem a sustentabilidade das ações realizadas. Isso implicou na rotatividade de
Portal TBC Cabula. colaboradores técnicos e, consequentemente, na morosidade para implementar as
soluções construídas.
Navegabilidade O Portal TBC Cabula permite que A rotatividade de demandas, bem A versão 2 propôs uma solução para esses
o visitante acesse as informações como a diversidade de assuntos que problemas como a organização da home
de forma intuitiva? permeiam o portal TBC Cabula do Portal. Nesse sentido foi desenvolvido
contribuíram para que a primeira um slide show para as notícias recentes, a
versão apresenta-se como uma de suas categorização de postagens por tags e a
principais fragilidades a organização de sub menus a fim de
desorganização das informações. Isso ordenar as informações já existentes no
se justifica pelo fato de conteúdos de portal em categorias. Entretanto, essas
118
Usabilidade A interface gráfica do Portal TBC Não possuía interface gráfica Possuía interface gráfica responsiva, com
Cabula permite que o usuário responsiva. Em contrapartida, elementos gráficos de interação mais
desenvolva tarefas com sucesso? apresentava uma programação visual simples e limpos, mas que foram
de alta qualidade, mas que já não se implementados parcialmente, isso
adequava às novas necessidades do inviabilizava o desenvolvimento de tarefas
portal que estavam emergindo, no ambiente, as quais se restringiam ao
consequentemente, prejudicava o consumo de informação.
desenvolvimento das tarefas no
ambiente, restringindo o usuário ao
consumo de informação.
Fonte: a autora
119
Fonte: a autora
embora tenham o mesmo prefixo (co), que significa ação conjunta, os termos se
diferenciam porque o verbo cooperar é derivado da palavra operare – que, em latim,
quer dizer operar, executar, fazer funcionar de acordo com o sistema – enquanto o
verbo colaborar é derivado de laborare – trabalhar, produzir, desenvolver atividades
tendo em vista determinado fim.
130
Assim, na visão dessa autora, a qual afiniza com a nossa compreensão, na cooperação,
a execução de tarefas é feita mutuamente, ainda que os fins não sejam alcançados sob fruto de
negociação, podendo assim, existir relações hierárquicas entre os seus membros. Na
colaboração, por outro lado, ao trabalharem juntos, os membros de um grupo se apóiam,
visando atingir objetivos comuns mediante negociação com o coletivo, de modo a estabelecer
relações que tendem à não-hierarquização, liderança compartilhada, confiança mútua e co-
responsabilidade pela condução das ações.
É possível notar uma inversão conceitual na perspectiva de Piaget, se comparada à
escolha teórica que fizemos para abordar a colaboração. Afinal, entendemos a cooperação
como um processo hierarquizado que pressupõe a divisão de tarefas para a realização dos
objetivos, contrariamente à colaboração, que já supõe uma produção autônoma, não linear e
em fluxo, condizente à lógica dos ambientes conectados à rede web.
Não estamos, contudo, desconsiderando, a cooperação, afinal, ambos modelos,
cooperativo e colaborativo, geralmente, dialogam e apresentam-se hibridamente nas
comunidades de prática e nas relações coletivas de produção. Sobre esse ponto, Ramal (2002),
afirma que a parceria e o trabalho conjunto revelam situações de intersubjetividade, em que a
colaboração e/ou cooperação possibilitam a aprendizagem de todos e de cada um em
particular, respeitando as características individuais dos mesmos.
Coadunamos com a referida autora e esclarecemos que a escolha pelo conceito de
colaboração não se justifica como uma oposição às práticas cooperativas, tampouco à
exclusão da possibilidade de considerar as relações cooperadas em nossa proposta. Até por
que, o aspecto cooperativo poderá emergir, no decorrer do processo de construção do design
do referido ambiente, afinal, entendemos que esse tipo de relação pode se apresentar como
necessária ou um estágio prévio para a constituição de grupos colaborativos, posteriormente.
Além disso, é importante destacar que estamos desenvolvendo uma pesquisa que
pressupõe a interlocução entre distintas vozes, o que só poderemos constatar ao longo do
processo investigativo. O fator cooperativo poderá também se fazer presente nos
desdobramentos futuros que a interação no Portal TBC Cabula proporcionará. Isso vai
depender do quanto o design cognitivo implementado será capaz de potencializar, e, também
da qualidade da interação promovida pelos usuários, o que só poderá ser analisado em outras
situações investigativas.
Diante dessas aberturas que adotaremos o termo participação criativa como uma
interface entre os conceitos de participação, colaboração e cooperação. Usando essa
denominação escolhemos deixar latentes os caminhos que podem ser abertos por mecanismos
131
4.5 Interatividade
interagente.
representa o design da tese, uma vez que indica os caminhos que orientam a argumentação
central da pesquisa e, consequentemente as etapas do trabalho colaborativo para a construção
da solução que atenderá o problema investigativo.
Fonte: a autora
Importante ressaltar que os pilares teóricos que definimos neste capítulo foram aqui
postos como princípios orientadores para a construção da proposta inicial apresentada aos
colaboradores do estudo para validação e o posterior desenvolvimento e aplicação técnica do
que estamos denominando por DCC. Desse modo, fundamentados nos princípios da
comunicação comunitária, participação criativa e da interatividade, fomos a campo para
validarmos nossa proposta e iniciarmos o processo de elaboração técnica do referido design,
139
que foi ganhando forma mediante uma metodologia de trabalho colaborativa, baseada em
processo e em redesenhos: design based research (DBR).
O percurso da pesquisa revelou, assim, afinidades com a proposta conceitual que
elaboramos, mas também apontou novos horizontes a partir das contribuições apresentadas
pelos colaboradores. Nesse sentido, o próximo capítulo apresentará as etapas desse processo
colaborativo que deu origem a um design cognitivo produzido a várias mãos.
140
“A EXPERIMENTAÇÃO”
“[...] Quais os interlocutores nesse ato aparentemente tão pessoal, solitário, reservado,
silencioso? Os possíveis leitores que, parecendo tão distantes, já me estão espionando,
indiscretos [...]; os amigos a quem vou mostrando o que escrevo; os muitos autores que vão
enriquecendo a listagem de minhas referências bibliográficas; os que estão com a mão na
massa das práticas que busco entender. Por fim, porque influenciado por todos os demais, eu,
escrevente em diálogo comigo mesmo[...]”
CAPÍTULO V
A metodologia que adotamos visou o alcance do objetivo geral traçado para esta
pesquisa: construir e aplicar um design cognitivo colaborativo ao Portal TBC Cabula, a fim de
analisar o seu potencial de socialização de saberes e fazeres da/sobre essa localidade. Para
isso, desenvolvemos um planejamento metodológico ancorado na base epistêmica que viemos
defendendo no decurso da escrita, pautada por uma lógica humanista, social e ética de
valorização das construções, experiências e contextos populares.
Diante dessas características, julgamos por necessária a aplicação de procedimentos e
técnicas que extrapolassem a concepção de uma pesquisa qualitativa tradicional amparada
restritamente ao plano teórico. Sendo assim, a pesquisa aplicada, especificamente, a
abordagem metodológica DBR foi a responsável por nortear o processo colaborativo gerado
neste estudo.
A escolha pela referida abordagem metodológica se justifica pela afinidade com os
pressupostos epistemológicos que lastreiam a tese, bem como o seu compromisso social; o
foco no desenvolvimento de soluções tecnológicas e o seu caráter aberto e colaborativo.
Nesse sentido, consideramos a DBR como uma abordagem de natureza qualitativa pois,
focaliza a realidade de maneira complexa e contextualizada, envolvendo elementos de
natureza social e cultural; alteridades e participação, além de possuir um plano aberto e
flexível (MACEDO, 2002; LUDKE; ANDRÉ, 1986). E aplicada, pois está compromissada
com o desenvolvimento de soluções para problemas presentes em contextos reais, mediante
uma perspectiva científica.
Ressaltamos também, o caráter híbrido da DBR, que nos permitiu transitar entre
procedimentos de pesquisa de distintas naturezas. Por isso, o DCC construído para este estudo
também toma como inspiração os princípios de co-design. Esse termo tem sido utilizado pela
comunidade de designers, como abreviação para “community design, collaborative design,
cooperative design”, significando um conjunto de ferramentas utilizadas por designers para
engajar não apenas esses profissionais no processo de elaboração dos processos, mas também
envolver os usuários na criação de soluções; empregando assim, uma maneira de fazer o
design de uma solução para uma comunidade com aquela comunidade (BARANAUSKAS et
al, 2013).
142
análise contextual desta tese, cujas elaborações foram apresentadas no capítulo 2, iniciou
desde a primeira aproximação desta pesquisadora com o locus da investigação, logo no
período de ingresso no doutorado. Esse momento envolveu a participação nas atividades de
pesquisa e extensão desenvolvidas pelo projeto TBC Cabula, as quais, favoreceram a entrada
no contexto e as primeiras aproximações com a comunidade e os parceiros desta pesquisa.
Nesse sentido, importante destacar a participação nas atividades promovidas pelos
projetos de extensão TBC e Conteúdos digitais nas escolas, realizado pelos grupos de
pesquisa SSEETU e Rede Educa, que articularam práticas formativas dialógicas com
estudantes e professores da rede pública municipal e estadual de educação, situadas na
localidade do Cabula e entorno, como o Colégio Estadual Roberto Santos (Cabula); o Colégio
Estadual Helena Magalhães (Beiru); o Colégio Estadual Ministro Aliomar Baleeiro e a Escola
Estadual Zumbi dos Palmares. As atividades desenvolvidas incluíram oficinas temáticas,
pautadas em metodologia ativa que permitiram aos participantes construir roteiros de
visitação às suas comunidades, além de colaborar no desenvolvimento de jogos Role Playing
Game (RPG) que tinham o Cabula e entorno como campo.
Também ressaltamos os momentos de organização do Encontro de Turismo de Base
Comunitária e Economia Solidária3 (ETBCES), que acontece anualmente e de modo
itinerante nas comunidades do Cabula e entorno, tendo como princípio a construção
colaborativa com a comunidade anfitriã. A participação na comissão organizadora das edições
de 2014 e 2015 do ETBCES foi uma oportunidade de vivenciar a dinâmica de comunidades
como Pernambués e Beiru Tancredo Neves, perceber o seu potencial expresso nas práticas
dos produtores e artistas locais e nos demais sujeitos que ajudam a fazer a comunidade.
As experiências acima relatadas foram fundamentais para estabelecermos contato mais
direto com os parceiros desta pesquisa e permitir que outras oportunidades de interlocução
fossem possibilitadas. Assim, nas circunstâncias estabelecidas fomos reunindo sujeitos
interessados em colaborar com o redesign do Portal TBC Cabula, o que incluía professores,
estudantes das escolas locais, produtores culturais, representantes da comunidade, além das
antigas figuras da comunidade, que nos ajudaram a reconstituir a história do Cabula, ainda
pouco explorada nas referências bibliográficas.
Para esse ciclo contamos com a colaboração de antigos moradores, cuja localização só
foi possível a partir de uma rede de contatos tecida mediante a técnica do snowball4, que
3
Informações disponíveis em: <http://etbces.net.br/>
4
Técnica que segundo Velasco e Díaz de Rada (1997) favorece o levantamento de dados, informações, objetos,
imagens, utensílios e outros, é uma forma de amostra não probabilística utilizada em pesquisas sociais onde os
144
favoreceu o acesso a 5 colaboradores com faixa etária entre 40 e 72 anos, sendo 1 mulher e 4
homens. Dois desses colaboradores foram nascidos e criados no Cabula e entorno, os demais
migraram nos anos 1960, período em que a localidade iniciou o seu processo de expansão
populacional.
As rodas de conversa foram realizadas nas residências desses colaboradores com a
participação de outros membros do grupo de pesquisa, também interessados em investigar a
história do Cabula. Importante salientar que não utilizamos roteiro de perguntas previamente
elaborado, já que as indagações eram feitas conforme os participantes apresentavam seus
relatos espontaneamente. Sendo assim, realizamos cinco rodas de conversas, nos bairros da
Engomadeira, Estrada das Barreiras e Beiru-Tancredo Neves. Os relatos obtidos foram
registrados em áudio conforme autorização dos colaboradores, cujas identidades estão
preservadas, por isso não houve registros fotográficos.
Os fatos relatados pelos antigos moradores foram confrontados com os dados obtidos
no levantamento bibliográfico e documental, que incluiu fontes documentais sobre o Cabula e
entorno, tais como inventários, certidões, mapas e fotografias, disponíveis nos arquivos e
bibliotecas públicas de Salvador, Bahia. O cruzamento entre a história oral e as fontes
bibliográficas nos permitiu caracterizar o Cabula desde o período colonial até a atualidade.
Concatenar as fontes bibliográficas às fontes orais é um trabalho necessário, seja pelo fato de
ampliar a nossa percepção sobre a história da comunidade, pois acessamos distintas versões
dos fatos, seja por permitir a valorização dos moradores e de uma história oral que é carente
de registro, sobretudo, por serem os porta vozes desses fatos orais, pessoas de idade avançada.
Nesse sentido, o contexto foi delineado a partir das fontes históricas mencionadas e,
também, das informações obtidas por meio de observação assistemática realizada nos
momentos de interação com a comunidade. O construto contextual possibilitou, assim,
perceber/apreender o locus da pesquisa a partir de um olhar ampliado, o que incluiu a
comunidade do Cabula e entorno e as relações desta com o Projeto TBC Cabula. Isso
consequentemente, respaldou a análise do Portal TBC Cabula, realizada em conformidade
com as características e demandas dessa comunidade
É válido ressaltar que a análise contextual foi um ciclo intenso que não se restringiu
apenas a um momento, afinal, durante todo o transcurso da pesquisa necessitamos
reconfigurar e revisitar elementos analisados no contexto, em virtude das novas informações
participantes iniciais de um estudo indicam novos participantes que, por sua vez, indicam outros participantes e
assim sucessivamente, até que seja alcançado o objetivo proposto que é o mapeamento participativo e
colaborativo.
145
5.2 Design
O ciclo de design é uma etapa central no processo de pesquisa DBR. Para iniciar esse
ciclo é necessário, de acordo com Matta, Silva e Boaventura (2004), assumir uma posição
teórica e comunitária interessada no engajamento dos sujeitos envolvidos no problema de
pesquisa. Ou seja, os caminhos construídos no ciclo de análise contextual para a elaboração
do problema de pesquisa, precisam ser primeiramente analisados segundo princípios teóricos.
O conjunto desses princípios que servirá de base para a elaboração da proposta de aplicação,
mediante o refinamento da teoria, a consulta e a colaboração entre os pesquisadores, gerando
assim uma primeira versão de modelagem (MATTA; SILVA; BOAVENTURA; 2004).
Sendo assim, em sintonia com os pressupostos da pesquisa, assim como dos resultados
obtidos com a análise contextual, definimos 3 princípios design para o portal ora estudado:
comunicação comunitária, participação criativa e interatividade, os quais foram abordados no
capítulo 4, com as devidas justificativas e referenciais. Esses princípios compreendem a base
conceitual do DCC e orientaram o plano de construção colaborativa.
O primeiro desafio apresentado nesse ciclo foi definir quem seriam os colaboradores
desse processo e como a comunidade do Cabula e entorno poderia participar nesse momento
construtivo, tendo em vista o público multifacetado que o Portal TBC Cabula busca atingir.
Assim, inicialmente, pensamos em envolver nesse processo membros do projeto TBC Cabula
representando a comunidade acadêmica, além dos moradores locais. Para isso, realizamos a
aplicações pilotos de dois instrumentos de pesquisa, a saber: rodas de conversa voltadas à
comunidade acadêmica e questionários de opinião padronizados direcionados aos moradores
locais.
As aplicações indicaram que a roda de conversa, instrumento típico das intervenções
realizadas pelo Projeto TBC Cabula cumpriu com o seu propósito quando aplicamos com os
grupos de pesquisa SSEETU e Rede Educa. Desenvolvemos, desse modo, um diálogo aberto
146
5
Disponível em: https://www.wordclouds.com/
149
Fonte: a autora
Portal TBC Cabula, dispostos na Figura 18, chegamos às seguintes categorias: a) carência de
informações; b) baixa freqüência na atualização; e c) dificuldade de interação no ambiente.
A carência de informações foi a expressão que utilizamos para agregar falas como:
“tem poucas informações disponíveis”; “tem muitos espaços vazios no Portal”, “precisa de
mais informações sobre a comunidade”, ou ainda, “tem muitos resultados de pesquisa que
ainda não estão lá”. Em relação à baixa freqüência na atualização, os colaboradores
sinalizaram a existência majoritária de informações antigas, que demonstravam a baixa
rotatividade informacional nesse ambiente. Já a dificuldade de interação foi outro aspecto
refletido em falas como: “as informações estão misturadas”, “tive dificuldade em encontrar
algumas informações que eu gostaria” e “meus alunos tiveram dificuldade em encontrar
informações sobre os bairros”, falas que sinalizaram a necessidade de reorganização de
elementos como design e layout do portal.
Esses pontos foram acompanhados de sugestões de melhorias e também de dúvidas,
por parte de alguns presentes interessados em conhecer as possibilidades de funcionamento do
portal. Nesse sentido, agregamos tais sugestões de melhorias em cinco categorias: a)
participação autônoma; b) produções da comunidade; c) colaboração e; d) produção de
conteúdos. A categoria que agregou o maior número de sugestões foi a participação
autônoma, que começou a ser delineada a partir de perguntas do tipo: “como a comunidade
pode participar?” e “como faço para divulgar os trabalhos lá da escola?”. Até então, a forma
como a comunidade estabelecia contato com os desenvolvedores do portal para divulgação de
eventos e notícias era via e-mail e posterior postagem, o que era feito apenas por um número
reduzido de moradores que possuía o e-mail do projeto e/ou de seus coordenadores. Sobre
esse aspecto, o grupo demonstrou um consenso ao sinalizar a necessidade de criar recursos
capazes de favorecer a participação livre da comunidade nesse ambiente.
Esse ponto, em especial, levou a questionamentos em torno do nível de liberdade
dessas postagens, afinal, a livre interação poderia dar margem às informações externas alheias
aos objetivos do portal e, até mesmo, a presença de conteúdos proibidos. Assim, considerando
o caráter do projeto TBC Cabula, bem como a sua vinculação à uma instituição de ensino
superior pública, o diálogo apontou a necessidade de abrir o portal TBC Cabula para a
comunidade, sob a condição de haver moderação das publicações. Os pontos elencados nessa
categoria dialogaram com as categorias colaboração e produção de conteúdos, uma vez que a
discussão em torno da forma de interação da comunidade recaiu sobre a forma de produzir
conteúdos com essa comunidade no Portal TBC Cabula. Os mecanismos sugeridos para esse
fim incluíram: a criação de um canal de vídeos do Youtube para postagens da comunidade e
152
dos artistas locais, sob moderação, por ser uma forma gratuita, simples e popular entre os
sujeitos locais.
Dois colaboradores apontaram para a necessidade de construir um espaço no Portal
TBC Cabula, para que a comunidade divulgasse as suas produções, sendo que um desses
colaboradores enfatizou a necessidade de dar espaço para as escolas mostrarem seus trabalhos
e iniciativas, ficando os gestores responsáveis por gerir tal espaço. O uso de wikis para a
construção de conteúdos colaborativos foi uma alternativa sugerida pelos profissionais de
sistemas de informação e reforçada por uma das professoras de história presentes no encontro,
a qual propôs a construção da história oral do Cabula e entorno por meio desse tipo de
recurso.
Figura 19: Sugestões de solução acadêmico-comunitárias
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Fonte: a autora
A terceira roda de conversa realizada foi com o grupo dos estudantes do 5º semestre
do curso de turismo e hotelaria, que participaram da disciplina Marketing aplicado ao turismo
e à hotelaria, na qual realizei estágio docente. Importante salientar que esse grupo de
estudantes não mantinha vinculação com o projeto TBC Cabula, alguns já conheciam o
trabalho do referido projeto uma vez que pertence ao departamento do curso de turismo e
hotelaria.
Por se tratar de um ambiente formativo, isto é, as aulas do estágio docente, e
considerando o perfil dos sujeitos, com faixa etária entre 18 e 35 anos, realizamos algumas
modificações no roteiro da roda de conversa ao incluir elementos mais práticos e interativos.
Assim, diferente da metodologia já realizada até o momento, a proposta de roda de conversa
interativa foi a atividade de culminância das aulas realizadas, as quais versaram sobre temas
que envolviam as tecnologias digitais como elementos potencializadores do marketing
turístico.
Nesse sentido, após trabalharmos os conteúdos da disciplina no decorrer do semestre,
na aula do dia 17 de maio de 2016 realizamos a roda de conversa, que durou 4h. Nesse
sentido, iniciamos o diálogo apresentando o Portal TBC Cabula e dialogamos sobre quais
intervenções poderiam ser realizadas para que o referido portal atendesse aos seus objetivos,
sendo que as ideias apresentadas foram registradas na lousa. Após o diálogo solicitamos que
os estudantes organizados em grupos expusessem de modo livre suas sugestões para o portal,
para isso foram disponibilizados recursos como: cartolina, lápis de cor e canetas coloridas. E,
superando as expectativas, os grupos construíram protótipos de portal web, com riqueza de
158
Figura 22: Roda interativa com estudantes de turismo e hotelaria da UNEB, 2016
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Desse modo, demos continuidade ao ciclo de design com a escuta colaborativa dos
representes das comunidades de prática locais que estabeleceram parceria com esta pesquisa.
6
O Cabula I está inserido nos domínios do bairro Estrada das Barreiras, que compõe o macro locus desta
pesquisa..
163
O diálogo iniciou com os relatos de A.J sobre a sua vinculação com a comunidade,
dessa forma, sua fala trouxe importantes elementos de ambientação histórica do Cabula e seu
entorno, que se entrelaçam com suas memórias individuais e coletivas, especialmente as
relacionadas ao Cabula I, bairro em que reside e atua como mobilizador cultural. Aspecto
importante da conversa foi o vínculo profissional que A.J estabeleceu com a UNEB em 1982,
no início de sua juventude, ponto de partida para a sua trajetória com o Projeto Cidadão.
[...]Eu fui muito agraciado por conseguir entrar aqui na UNEB através de um projeto [...] em
1982[...] O PRODASEC, que era o Pro Jardim e o Pro Carteira, onde ele pegava os jovens
da vizinhança para ensinar esse ofício, então, o pessoal do Pro Jardim, cuidava da parte
paisagística da UNEB. A gente aprendia tudo sobre plantas, adubação, poda [...] e tinha o
outro grupo, o chamado Pro carteira, onde tinha dois mestres de carpintaria[...] Então, o que
que se fazia: as carteiras das escolas eram todas de madeira, armário, mesa, e aí a ideia do
professor Valentim era [...] pegar o material quebrado, botava esses adolescentes para
consertar, como ofício, e depois devolvia para a escola. Então, eles aprenderam muito, todos
eles tiveram essa profissão [...] E eu, como fui o beneficiado aqui com o Pro Jardim, eu
comecei a fazer trabalhos na comunidade. Assim, até para retribuir aquilo que eu recebi
aqui[...] Eram sempre trabalhos pequenos com grupos[...] Fui tomando gosto, eu já fiz 50 e
continuo com esse trabalho.
A partir das relações estabelecidas com a UNEB, o Projeto Cidadão nasce com a
intenção de oferecer à comunidade do Cabula I o acesso à cultura e ao conhecimento. AJ
deixa evidente em sua fala o seu compromisso com a formação intelectual da comunidade,
bem como a sua responsabilidade enquanto educador de uma localidade carente como o
Cabula I:
[...] Eu acho que ele (o projeto) é importante, primeiro por que eu acredito no trabalho [...]
Quando eu faço o projeto hoje, na comunidade, eu vejo que muitas vezes uma criança ela não
tem uma referência do pai, ela tem a referência do professor [...] Então, a gente tem que ter
essa responsabilidade, adquirindo essa responsabilidade de tá se fiscalizando por que elas
estão olhando pra gente [...]
[...] uma coisa que eu acho interessante assim, é colocar um espaço[...] ou para criança, ou
para adolescente, um espaço específico para eles, pra que essas pessoas também se
164
manifestem[...] Pra eles mostrarem o seu potencial[...] Dar visibilidade, dar vez às pessoas
que estão produzindo coisas interessantes, coisa boas[...]
Quando questionado sobre a natureza dessas produções, A.J reforça o fato de que há
muita produção interessante sendo realizada por jovens da periferia, no âmbito da música e da
arte em geral, mas que perde espaço para produções de baixa qualidade capitaneadas pela
indústria da mídia. O colaborador também salienta a necessidade de maior divulgação do
portal, para que os propósitos desse ambiente sejam efetivamente alcançados.
[...] o portal precisa assim, digamos que de uma divulgação. Ele precisa de ter os espaços
pra que as pessoas tenham informação, mas que também elas possam contribuir com alguma
coisa, não que seja assim, como um facebook, que todo mundo coloca tudo e qualquer coisa.
Eu acho que não, acho que precisa de um certo cuidado, para não banalizar[...] não ficar um
bombardeio de informações de coisas repetitivas e que não tem nada a ver. Mas, que as
pessoas possam contribuir de fato.
Fonte:
O Domingo Alternativo é uma iniciativa que se revela enquanto ponto de partida para
a concretização de um desejo antigo dos produtores de arte e cultura do Beiru/Tancredo
Neves: a construção de um Centro Cultural no bairro, tal como acontece em Plataforma,
bairro do subúrbio ferroviário de Salvador. Ainda que seja cotidiana a realização de ações,
que envolvem as distintas manifestações no bairro, de forma independente, esse projeto
avança no sentido de articular variados atores locais que contribuem para manter a
166
Acho que o que falta no portal é uma divulgação. A comunidade não conhece o portal. Como
é que eu vou divulgar o meu trabalho no portal se eu não conheço ele?Sei lá, acho que
precisa divulgar mais (C.B).
Na verdade a gente tem que ter a preocupação pelas duas coisas né? Primeiro a vigilância
no conteúdo. O conteúdo, que nós estamos discutindo aqui, já sabemos qual é [...]. Mas,
quem ta lá fora que vai acessar esse portal, pode postar qualquer coisa. E aí essa já é uma
preocupação. Segundo, uma coisa é a questão das palavras, às vezes muito acadêmica e a
comunidade não sabe o que significa, aí às vezes a comunidade deixa de entrar no processo
por que não consegue entender a palavra.(I.S)
Simplificar também não é o caminho, simplificar demais [...] Eu não gosto dessa ideia de
reduzir [...] Ah! Por que para a comunidade tem que escrever um texto mais simples pra todo
mundo entender. Assim, nivela por baixo[...] O Wikipédia, o que o Wikipedia faz?O texto ta
lá, em algumas palavras ou nome de alguns personagens estão em azul, se você não sabe o
que é ou você clica ou passa o mouse por cima aí aparece o significado. Em vez de você
reduzir, você faz com o leitor, no momento em que ele não entendeu, ele tenha alternativas
para saber o que é aquilo. Você dá uma ajuda a ele para um outro nível de compreensão,
acima daquele que ele provavelmente já tava[...] O hiperlink é que proporciona isso[...]Ele
resolve essa questão sem empobrecer [...] (E.A)
Interessante observar que a adoção de uma linguagem tida como mais adequada para o
acesso à comunidade foi uma preocupação sempre sinalizada no âmbito das comunidades
acadêmicas. O fato dessa demanda partir da comunidade do projeto Domingo Alternativo e,
ainda, trazer a abertura de outras perspectivas foi muito positivo, pois levantou reflexões e
desconstruções importantes sobre o que se produz na academia pensando nas comunidades
168
populares. Nesse sentido, quanto a esse aspecto, julgamos o merecimento de uma intervenção
híbrida, a ponto de não tornar o Portal TBC Cabula uma tese virtual, respeitando assim a
característica de uma linguagem específica do âmbito digital, mas sem negar a possibilidade
de descoberta e ampliação de vocabulário como permitido pelos hiperlinks.
Outro ponto importante que surgiu durante a conversa foi sobre o acesso da
comunidade à internet, nesse sentido, um dos colaboradores trouxe como sugestão o
desenvolvimento de um aplicativo mobile offline, a fim de ampliar o acesso ao portal aqueles
que não possuem conexão com a internet
As contribuições apresentadas nessa roda de conversa estão resumidas no quadro a
seguir.
Quadro 19: Quadro resumo – Roda de Conversa com o Projeto Domingo Alternativo
Princípios da Sugestões de solução Encaminhamentos
pesquisa atendidos
Comunicação Ampliar a divulgação do Portal TBC Sistematizado e
comunitária Cabula na comunidade, a partir dos encaminhado para o grupo
meios de comunicação já usados pela de desenvolvimento para
comunidade, análise de viabilidade
técnica
Uso de linguagem acessível associada
à adoção de hiperlinks
Fonte: a autora
que como homenagem, nomearam o bairro com o nome de tal líder negro. Essas lideranças
representativas na luta pela liberdade inspiraram os jovens envolvidos na causa da biblioteca,
idealizada para se tornar um centro comunitário com o intuito de promover ações de
fortalecimento da identidade ancestral da localidade, lazer, cultura e educação para crianças e
jovens do bairro, que viviam sem ocupação no turno oposto da escola.
Desde 2015, a biblioteca Zeferina-Beiru sobrevive de doações realizadas por
moradores e comerciantes locais; de fundos arrecadados pelos bazares, rifas e eventos que são
realizados regularmente, além de mutirões organizados pelos jovens engajados na causa e
moradores. Com esses movimentos, aos poucos, o antigo Cine teatro do Arenoso, local onde
funciona a biblioteca e que estava em completo estado de abandono, começa a ganhar outras
estruturas com os trabalhos de reboco, capinagem, limpeza, instalação elétrica, doação de
móveis e livros. Ou seja, tudo construído em processo, à base de mutirões.
Fonte: facebook.com
A devolutiva com o aceite foi dada cerca de 15 dias após o primeiro contato, quando,
inclusive, já se esperava um retorno negativo. Assim, o encontro foi agendado para o dia 29
de maio de 2016, um domingo, às 9h da manhã, ocasião em que a maioria dos componentes
do grupo estaria presente, afinal, se tratava de um dia de mutirão.
171
Fonte: facebook.com
A ida a esse encontro levantou expectativas acerca dos trabalhos realizados pelos
colaboradores na biblioteca, mas, também, quanto ao acesso a essa localidade até então, por
mim desconhecida. Junto com um dos pesquisadores do projeto TBC Cabula chegamos ao
local com a ajuda de alguns moradores. Fomos bem recebidos por um dos líderes do grupo,
que nos mostrou as dependências da biblioteca e conversou sobre como surgiu essa iniciativa
e os trabalhos até então realizados. Surpresos com a ampla área disponível e abandonada pelo
poder público, notamos que ainda tratava-se de uma empreitada embrionária, embora
benfeitorias já haviam sido feitas tanto para melhoria da infra-estrutura, a exemplo da
construção de uma horta, pintura de algumas paredes e montagem de alguns espaços com
recursos e livros doados pela comunidade, quanto para as ações educativas que já estavam em
andamento como o curso de violão, capoeira e o reforço escolar.
Gradativamente, outros membros do grupo foram chegando e, também, as crianças da
localidade para desfrutar do café da manhã organizado coletivamente. Iniciamos assim, a roda
de conversa, com as apresentações dos presentes. Percebemos, nesse momento, o receio de
alguns dos ali envolvidos em relação à nossa presença, o que não nos encorajou a solicitar
autorização para registros em áudio e/ou fotográficos de nossa visita, embora o grupo
disponibilize registros de suas ações em sua página e perfil no facebook7. As resistências só
foram parcialmente rompidas, a partir do momento em que deixamos clara a nossa
intencionalidade e o grupo comunicou sobre a estratégia de proteção adotada contra os
constantes assédios de grupos políticos interessados em adotar a causa da BCZB para
7
Informações sobre a Biblioteca Zeferina-Beiru disponível em:
https://www.facebook.com/profile.php?id=100008861028900
172
possíveis fins eleitoreiros, o que vai de encontro aos propósitos de seus membros. Tal fato
justificou os olhares desconfiados com a nossa presença.
A conversa se alongou em torno das ações já realizadas pelo grupo, assim como os
ideais que sustentam a causa e as relações estabelecidas com alguns grupos e ativistas da
circunvizinhança. Ao relatarmos sobre as intencionalidades da pesquisa, as ações já realizadas
pelo Projeto TBC e seu respectivo Portal, bem como as razões de sua existência, um dos
líderes do grupo demonstrou curiosidade em conhecer as realizações das outras comunidades
de prática presentes no Cabula e entorno, até mesmo a ponto de estabelecer parcerias com a
biblioteca. Nesse sentido, que o diálogo acerca das sugestões para o portal transitaram, ou
seja, como esse ambiente virtual poderia se transformar em um canal de articulação entre os
grupos do Cabula e entorno?
Algumas ideias foram lançadas para atender a esse propósito, a exemplo da
implementação de fóruns e a construção de uma rede social aos moldes do facebook dentro do
Portal, reforçadas por alguns presentes. Até que um dos representantes apresentou a sua
proposta, mencionando a importância de um canal que facilitasse o diálogo entre as
comunidades de prática locais e, especialmente, o conhecimento das datas de seus eventos e
intervenções como reuniões, mutirões, entre outros, especialmente, por não possuírem redes
relacionais com a maioria dos outros bairros do eixo Cabula e entorno. Assim, a sugestão foi
construir um calendário interativo aberto para que os grupos divulguem seus eventos no portal
e possam trocar maiores informações nesse mesmo espaço, como uma espécie de fórum de
discussão.
Para além dos argumentos de como concretizar tal idéia que foi consensual entre os
demais presentes, as contribuições cessaram nesse ponto, após cerca de 2h de diálogo. A
justificativa para essa parada foi o fato de que o grupo precisava dar continuidade ao mutirão
agendado para aquela manhã. Dessa forma, a proposta apresentada pelos representantes da
Biblioteca Comunitária Zeferina Beiru ficou assim definida:
Fonte: a autora
173
no Portal TBC Cabula e oferece informações sobre os produtos comercializados pelas artesãs,
assim como contatos para venda.
Importante ressaltar também as contribuições dadas em 2016, pelos pós-graduandos da
disciplina em Design para Inovação Social do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
(PPGAV) da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), alunos
da professora Ana Beatriz Simon, os quais também participaram de outras rodas de conversa
anteriormente mencionados. Esses pós-graduandos realizaram trabalho específico com o
Cultarte, para cumprir requisito avaliativo da disciplina. Dessa forma, atuaram em regime de
colaboração com esta pesquisa, que tornou-se canal de acesso ao coletivo Cultarte, nosso
parceiro.
A roda de conversa com o Coletivo Cultarte foi realizada no dia 6 de junho de 2016, às
9h, em uma das salas do curso de Design, vinculado ao Departamento de Ciências Exatas e da
Terral, local em que semanalmente o coletivo se reunia para elaborar o seu regimento e
definir suas ações. Estiveram presentes nessa ocasião, além dos três pós-graduandos da UFBA
que conseguiram concluir o componente curricular, oito componentes do coletivo.
Considerando as características desse grupo de mulheres com pouca imersão digital
elaboramos uma estratégia diferenciada das dos demais grupos, que tencionou agregá-las ao
processo de forma leve e inclusiva.
Dessa forma, procedemos inicialmente com as apresentações de todos os envolvidos,
em seguida, partimos para a exposição de slides com os propósitos do Portal TBC Cabula, já
experimentado por algumas das senhoras presentes. Em seguida, explicamos de forma breve
em que consiste um portal web, suas características e usos, partindo, posteriormente, para a
análise de alguns similares que atendiam a objetivos distintos, o iBahia obedecendo a fins
jornalísticos; o portal do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC/UFBA) de
natureza acadêmica; e o portal A Voz da Comunidade do Complexo do Alemão, no Rio de
Janeiro, de característica comunitária.
Importante ressaltar que todas as etapas mencionadas foram intercaladas com as
dúvidas e contribuições das senhoras presentes, de maneira a gerar um diálogo fluido e,
consequentemente, aproveitar ao máximo a etapa posterior de natureza colaborativa,
momento central de nossa reunião. Desse modo, quando dialogamos sobre os objetivos de um
portal web, especialmente, o Portal TBC Cabula, abrimos espaço para avaliar as estratégias
utilizadas pelas comunidades para comunicar as suas ações.
175
Com relação ao que acontece na comunidade, acho que a gente não tem nenhum canal de
informação assim via internet né? [...] Quer ver um exemplo? Teve um Fórum de [...] Um
Fórum que Neto (prefeito da cidade) promove para ouvir a comunidade, aí eu sempre
participo né?Nessa semana, eu vejo a notícia no jornal, no face, aliás, dizendo que o fórum
aconteceu em Pernambués e eu não fui por que não fiquei sabendo. (N.S).
No caso, Sussuarana [...] sempre tá na Internet por que teve uma certa época que eu tava
organizando lá pequenas feiras, então, tinha que colocar alguma coisa sobre o bairro né?O
que que o bairro oferece. E quando eu fui ver eu me assustei por que só tinha tragédia, só
tinha coisas ruins, coisas assim [...] marginalizando o bairro. Não tinha assim, os projetos
que os meninos fazem lá [...], como a percussão, por exemplo. (F.C)
divulgar seus artesanatos, seja para ter acesso e conhecimento sobre serviços de utilidade
pública, por vezes, disponibilizados em seus bairros, mas sem a devida divulgação.
Para que as informações fossem sistematizadas procedemos a sessão colaborativa,
implementando na roda de conversa elementos do Design Thinking (DT), conforme proposta
apresentada pelos pós-graduandos que também atuaram nesse dia. O Design Thinking é uma
metodologia de inovação que tem se popularizado como um caminho para orientar pessoas e
organizações na resolução de problemas complexos. Brown (2010, p. 6), define essa
metodologia como “um conjunto de princípios que podem ser aplicados por diversas pessoas
a uma ampla variedade de problemas”.
A ambiência colaborativa que o DT pressupõe coaduna com os pressupostos
metodológicos da DBR. Desse modo, acolhemos as contribuições dos estudantes de pós-
graduação também participantes do processo colaborativo. Contudo, salientamos, que para
essa roda de conversa apenas nos detemos a utilização de elementos interativos típicos dos
processos de DT, que facilitassem a apreensão dos problemas apresentados pelas
colaboradoras e o acesso às suas sugestões. Sendo assim, na etapa de construção colaborativa,
as componentes do grupo registraram em post-its suas sugestões para o Portal TBC Cabula à
medida que colavam nos layouts genéricos de sites, impressos em papel A2. Nessa dinâmica
as sugestões eram organizadas da forma em que as colaboradoras gostariam que ficasse
evidente no portal.
5.3 Prototipagem
b) Ciclo 2: Migração
em vista o valor disponibilizado para atuar na vaga, ocupada por um estudante do penúltimo
semestre, que apesar de não possuir experiência de design web aceitou a proposta. Esse
contexto de limitação financeira mobilizou a submissão do projeto de pesquisa a editais de
financiamento visando a busca de recursos para continuidade da investigação.
Entre setembro e dezembro de 2015, foram realizadas reuniões e implementações
sistemáticas, tanto nas tentativas de aplicações das soluções sugeridas pelos colaboradores,
quanto no novo layout programado visualmente pelo estagiário. Contudo, esse layout não
conseguiu ser implementado tal como sugerido na programação visual, em decorrência de
bugs e falhas técnicas dos plug-ins do wordpress utilizados.
c) Ciclo 3: Redesign
O trabalho seguiu pós recesso, em fevereiro de 2016, com outro programador que
possuía também expertise de webdesigner. O acordo estabelecido foi além de ajustar a
situação do layout e programação visual do portal implementar as soluções interativas que
182
d) Ciclo 4: Estabilização
COLABORADORES IDEIAS
COMUNIDADES DE PRÁTICA ACADÊMICAS
Desse modo, cada grupo colaborou para o projeto do DCC, a seu modo e em
conformidade com suas bagagens cognitiva e cultural, o que enriqueceu, significativamente, o
processo colaborativo mediado. Algumas ideias se repetiram entre distintos grupos, outras já
possuíam praticamente um caráter de solução a ser implementada, mas também identificamos
aquelas que precisaram ser refinadas e/ou associadas às outras que possuíam afinidade.
Cada profissional envolvido, seja estágiário, desenvolvedor autônomo ou vinculado a
empresa, precisou se adequar à metodologia adotada, tendo liberdade para também sugerir
modificações, sempre bem vindas, especialmente, pela natureza do campo ao qual pertencem,
mas, tomando como premissas centrais a valorização do trabalho colaborativo
contextualizado, a perspectiva cíclica e o caráter de reconstrução cadenciado pela DBR.
Desse modo, a versão final apresentada compreende um produto de todos os ciclos
anteriores, o que revela as elaborações feitas desde o princípio do processo investigativo, ou
seja, as ideias das comunidades de práticas colaboradores e dos profissionais que iniciaram o
desenvolvimento, seus avanços e soluções para os problemas apresentados. Configurando
assim um modelo construído a várias mãos, conforme veremos a seguir.
-Histórias do Cabula
Fragmentos científicos e curiosidades sobre a
história do Cabula e entorno.
-Cabula em foco
Valorização e Divulgação de ações comunitárias e entrevistas com
fortalecimento da produtores/ativistas de representatividade local.
identidade local;
-#FicaDica
Dicas de livros, filmes, peças teatrais e outros
conteúdos culturais.
-Sextou
Dicas de espaços de arte, lazer, gastronomia e
cultura dentro das comunidades do Cabula e entorno;
Bairros
Princípio 3 – Interatividade
Aspectos relacionados SOLUÇÕES Status
à interatividade
Conteúdos interativos
Espaço de integração dos conteúdos interativos
originados de dissertações e teses sobre o Cabula e
entorno.
-Mapa cultural
Mapa interativo para divulgação de produtos e
equipamentos culturais do Cabula e entorno
Fala Comunidade
Espaço de interação e compartilhamento da comunidade
constituído das seguintes aplicações:
Calendário interativo
O participante poderá enviar para publicação datas de
eventos locais, que ficarão disponíveis nesse espaço.
Enquetes
Enquetes sobre temáticas relacionadas direta ou
indiretamente ao cotidiano das comunidades;
Posts
Postagens de vídeos, fotos, informações e discussões
que o participante queira levantar no ambiente, com
possibilidade de compartilhamento nas redes sociais
digitais
Tecnologia responsiva
Tornar o portal um ambiente responsivo, acessível em
dispositivos móveis, ampliando assim as formas de
acesso ao esse ambiente.
Design contextualizado
Uso de layout, cores e tipografias que remetam às
referências étnicas das comunidades pesquisadas;
191
Idiomas estrangeiros
Tradução do portal para outros idiomas: inglês, espanhol
e francês, a fim de favorecer a atração de público de
outros países interessados em TBC e áreas correlatas.
Hiperlinks
Implementação de recurso de hiperlink para termos
científicos pouco populares;
Programação visual
Adoção de programação visual funcional e layout que
permita a setorização da informação.
Fonte: a autora
8
Maiores informações em: https://www.joomla.org/
194
Fonte: a autora
“A AVALIAÇÃO”
6 Percursos avaliativos
O ciclo de avaliação teve como propósito principal analisar os dados do Portal TBC
Cabula que após a aplicação das soluções, a partir das respostas apresentadas pelos
avaliadores em um questionário de avaliação online e dos dados de acesso do referido
ambiente. Nesse questionário (ver apêndice B) foi permitido ao colaborador avaliar aspectos
relacionados às soluções aplicadas mediante escala de likert, assim como, fazer registros
acerca dos pontos fortes e os pontos a melhorar no Portal TBC Cabula e apresentar sugestões
de aperfeiçoamento para o ambiente. As informações obtidas no questionário online foram
consideradas em atenção às categorias dispostas na matriz central de análise de dados.
197
Fonte: a autora
pesquisa, especialmente por que o design cognitivo aqui desenvolvido constitui-se em uma
proposta aberta e permanentemente colaborativa.
Importante salientar que a fim de preservar a identidade dos colaboradores desta etapa,
utilizamos as iniciais de nomes fictícios para nos referir às suas contribuições. Assim como
realizamos a transcrição literal dos textos registrados no questionário e/ou extraídos dos
diálogos sem fazer uso de correções ortográficas.
Não teria assim [...] um espaço no próprio portal? Algo como um questionário para que as
pessoas preenchessem? Assim ficaria mais fácil, as pessoas poderiam fazer isso de casa,
ainda mais que agora tudo se faz do celular, com o whatsapp mesmo.
representantes dos coletivos que colaboraram no design do Portal, que não haviam dado
retorno efetivo até o momento, e outros representantes locais. O link com os convites foi
lançado em 30 de junho de 2017 e chegamos a um total de 40 colaboradores reunidos no
grupo intitulado: Portal TBC Cabula.
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Diariamente eram divulgadas mensagens de mobilização para dar início aos diálogos.
O avanço negativo nos levou a compartilhar o questionário de avaliação com os membros ali
reunidos, na tentativa de pelo menos, aqueles que tinham receio em interagir no espaço
coletivo, pudessem participar de forma individual no processo. Constatamos poucas adesões
dos membros do grupo ao questionário de avaliação; dos 40 registrados apenas 5 preencheram
o instrumento. De modo semelhante ocorreu no grupo do WhatsApp, em vez de críticas e
sugestões eram postadas, diariamente, mensagens que destoavam do propósito do grupo,
como as de cunho motivacional, afetivo, político partidário e religioso, levando, inclusive, a
saída de alguns membros. Por isso, foi necessário estabelecer algumas regras para que o
objetivo fosse mantido.
Fonte: a autora
A exceção nesse contexto foi um dos participantes vinculados ao Projeto Cidadão que,
por vezes mobilizava os participantes do grupo, para dialogar, mas, sem sucesso.
Estabelecemos uma conversa no grupo, na expectativa de que os demais também
201
dialogassem, e, mesmo sem a participação dos demais, o colaborador deixou evidente tanto o
seu sentimento pela comunidade do Cabula, onde reside, quanto a sua expectativa de ter os
seus trabalhos e de outros produtores/artistas locais mais valorizados e divulgados,
vislumbrando assim, o portal, como uma oportunidade.
Fonte: a autora
Esse depoimento revela o olhar de quem convive com carências básicas e anseia por
oportunidades melhores de crescimento e valorização pessoais e da sua comunidade. Uma
perspectiva que se apresentou por distintas vezes nas experiências extensionistas vividas com
as comunidades do Cabula e entorno no decurso do doutoramento. Existe uma crescente
demanda das populações locais por direitos e serviços públicos como esgoto e saneamento;
pavimentação; segurança; iluminação pública; equipamentos de lazer e empregos, por
exemplo. Por isso, a entrada dos grupos de pesquisa nas comunidades populares, como o
Cabula e entorno, gera nos moradores uma grande expectativa de ter atendidas essas
demandas, geralmente localizadas no âmbito das políticas públicas, como observamos no
registro do colaborador do grupo.
Além desse aspecto, outro ponto de discussão que emergiu graças à conjuntura de
pouca interação e diálogo no grupo do WhatsApp é a possibilidade dos canais de comunicação
digitais para fins de construção do conhecimento. Sobre essa rede social, o estudo
“CONECTAí Express”, realizado pela plataforma de pesquisas online do Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) chamada CONECTA, em junho de 2017, apontou
que o WhatsApp é a rede social mais utilizada pelos brasileiros, com 91% de penetração na
202
população que possui acesso à internet no país9. A sua popularização, no entanto, nos faz
questionar a maneira como essa rede tem sido utilizada.
De certo que o WhatsApp, tem sido utilizado, satisfatoriamente, por grupos engajados
em estabelecer relações de aprendizagem, se constituindo, inclusive, em interface mediadora
de práticas de ensino formal. Em contrapartida, quando utilizado de forma alienada pode nos
conduzir a hábitos de vida e relacionamento questionáveis, uma vez que potencializa a
tendência contemporânea de velocidade e superfluidez das informações, exemplificando
assim, a orientação da atualidade que é valorizar a mensagem curta e objetiva, em vista da
grande concorrência informacional.
Assim como nos diz Sibilia (2012), estamos vivendo sob o poder dissolvente da lógica
mercantil e informacional, que vem diluindo a solidez da temporalidade regular em que as
mensagens eram transmitidas, metabolizadas e deixavam marcas e se reproduziam. E, do
mesmo modo nos deparamos no grupo do WhatsApp utilizado nessa pesquisa, com a
banalização e a saturação imagética, isto é, a massiva reprodução de memes, textos e
informações prontas, compartilhadas sem a devida reflexão, que revela mais uma necessidade
desses sujeitos em estar nesse oceano de informações, sem ponderar sobre o por quê e o para
quê fazer parte desse lugar, propagando, por vezes, discursos pouco reflexivos. Ou seja,
sendo, literalmente, conduzidos pela maré informacional. Tal fenômeno é assim descrito por
Sibilia (2012, p.86):
O grupo permaneceu ativo até a finalização desta pesquisa com a saída progressiva de
seus membros, alguns dos quais esporadicamente compartilhavam informações que
desvirtuavam o propósito do grupo. 17 participantes continuaram vinculados e mantiveram a
mesma postura desde o início da proposta, nos levando a refletir sobre a necessidade de outros
mecanismos de engajamento desses sujeitos, inclusive, de natureza presencial, a fim de
9
Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/internet/120938-whatsapp-rede-social-usada-brasileiros-afirma-
pesquisa.htm. Acesso em: 08 jan. 2018
203
concretizar os objetivos do Portal TBC Cabula. Além de evidenciar os tantos desafios que
ainda permeiam as relações dialógicas entre comunidades populares e a academia. Uma vez
que essa experiência não atingiu plenamente o seu objetivo: geração de diálogo avaliativo,
demos continuidade ao processo com o desenvolvimento de um segundo ciclo de avaliação
mediante a adoção de outra estratégia.
Ressaltamos que ao utilizar esse mecanismo para avaliar o Portal TBC Cabula não
buscamos apresentar atribuições numéricas ou mensurações exatas. Até mesmo por que a
característica processual do referido ambiente e as lacunas ainda apresentadas, não nos
permitiriam verificar tal fato, apenas analisar alguns limites e potencialidades. Além disso, a
modalidade de questionário online não nos garante controle sobre a navegação dos interatores
no Portal, tampouco atestar a qualidade dessa interação.
O intento foi elaborar um mecanismo de avaliação, que permitisse aos avaliadores
emitir suas opiniões e percepções acerca das soluções implementadas mediante as questões
presentes no instrumento. Nesse sentido, a escala de likert se apresentou como um mecanismo
capaz de gerar dados objetivos, que aliados às outras questões presentes no instrumento
facilitaram a tomada de decisões acerca do DCC.
O quinto e último bloco do questionário online corresponde às perguntas abertas, nas
quais, os avaliadores sinalizaram os pontos fortes e pontos a melhorar no Portal TBC Cabula,
assim como apresentaram sugestões de aperfeiçoamento para o ambiente.
É fundamental esclarecer que a versão do Portal TBC Cabula avaliada neste ciclo
representa a aplicação das soluções de DCC elaboradas no processo desta pesquisa. Sendo
assim, aspectos lacunares sinalizados pelos avaliadores, a exemplo da insuficiência de
conteúdos informativos e a necessidade de se aplicar estratégias de marketing e divulgação do
ambiente, por exemplo, foram considerados como elementos de análise, uma vez que
tangenciaram as soluções desenvolvidas e discussões tecidas no decorrer da tese. Contudo,
trata-se de lacunas que emergiram de demandas da comunidade, portanto, podem se constituir
em pontos de partida para investigações futuras com objetivos diferentes dos propostos nesta
pesquisa, a qual se comprometeu com a elaboração de um design cognitivo colaborativo, isto
é, o processo de concepção, organização e implementação de soluções colaborativas que
visam otimizar processos cognitivos em ambientes virtuais, sendo, neste estudo, o Portal TBC
Cabula como caso de aplicação.
Também ressaltamos que não constam dentre os objetivos desta tese construir
conteúdos para o portal, nem realizar ações de marketing para o mesmo, muito embora,
algumas soluções para estes fins foram postas em curso e/ou projetadas a partir das sugestões
dadas pelos colaboradores. No entanto, reafirmamos que, especialmente, os conteúdos de
natureza/origem comunitária, precisam ser elaborados mediante consentimento e participação
criativa da comunidade do Cabula e entorno, obedecendo metodologia colaborativa
específica, do contrário seria romper com a proposta defendida nesta tese, a qual confirma o
caráter de permanente processo do Portal TBC Cabula.
205
Disponível na rede web entre os meses de julho e setembro de 2017, o questionário foi
preenchido por 39 avaliadores que aceitaram os convites enviados. Esses colaboradores
apresentaram faixa etária entre 21 e 52 anos, sendo o grupo majoritário com idade entre 21 e
35 anos ocupando um percentual de 59%.
Desses 39 avaliadores, 54% são moradores da localidade do Cabula e entorno, sendo
que desses 54%, 21% são, além de moradores, também atuantes em comunidades de prática
na localidade. Alcançamos desse modo, representantes de quatro bairros da localidade
investigada, a saber: Beiru Tancredo Neves, Cabula, Fazenda Grande do Retiro e
Pernambués, conforme explicitado no gráfico a seguir.
populares e a difusão de sua cultura. O turismo foi a segunda área mais representada com a
participação de 4 bacharéis e 4 estudantes, seguida das áreas de design com 3 profissionais e
comércio informal que teve a participação de 3 vendedores.
interação do Portal TBC Cabula, aos pontos fortes e pontos a melhorar indicados pelos
avaliadores, bem como, suas sugestões de aperfeiçoamento para o ambiente em questão.
-#Ficadica: Dicas de livros, filmes, peças 1.3. Linguagem acessível e de fácil entendimento
teatrais e outros conteúdos culturais
Biblioteca digital
Ambiente de difusão de produções técnicas e
209
Quem somos
Ambiente de difusão do histórico, objetivos,
parcerias, ações e produções do projeto TBC
Cabula;
Contato
Canal de comunicação direto com os
coordenadores do projeto TBC Cabula;
Fonte: a autora
A visão geral positiva, representada nos dados do gráfico também se manifestou nos registros
relacionados aos pontos fortes identificados pelos avaliadores. Nesse sentido, aspectos como:
dar visibilidade às ações e a cultura da comunidade e a possibilidade de comunicação da
comunidade no Portal foram os pontos que obtiveram maior número de ocorrências.
211
b) História local
Relatos da história e transformações locais ocorridas ao longo dos anos, bem como as
figuras peculiares que aqui vivem ou viveram. (A.P);
Fotos, depoimentos de moradores sobre a evolução do bairro. (F.M)
Perfil dos moradores mais antigos, historia deles no bairro (V.F);
c) Serviços
214
d) Cotidiano
d) Marketing / Divulgação
As informações obtidas nos conduziram aos dois pontos mais recorrentes em todo o
processo da pesquisa. Primeiro, a carência de conteúdos do portal e segundo, como suprir essa
carência? As sugestões apresentadas condizem aos princípios aqui estudados e cabem no
âmbito do Portal TBC Cabula. Entretanto, para suprir essas carências não se trata apenas de
designar pessoal comprometido para elaborar os conteúdos conforme sugestionado por uma
das avaliadoras, mas, sobretudo, engajar a comunidade nesse processo que precisa ocorrer de
forma colaborativa, aplicando assim os princípios da comunicação comunitária, que ganharão
contorno no Portal TBC Cabula mediante os princípios da interatividade.
Calendário interativo
O participante poderá enviar para publicação
datas de eventos locais, que ficarão disponíveis
nesse espaço
Enquetes
Enquetes sobre temáticas relacionadas direta ou
indiretamente ao cotidiano das comunidades;
Tecnologia responsiva
Tornar o portal um ambiente responsivo,
acessível em dispositivos móveis, ampliando
assim as formas de acesso ao esse ambiente.
Programação visual
Adoção de programação visual funcional e
layout que permita a setorização da informação.
Fonte: a autora
No ciclo de design uma das recorrentes fragilidades apontadas pelos colaboradores foi
em relação à organização das informações disponíveis no Portal TBC Cabula, que dificultava
a busca e o acesso a conteúdos de interesse do visitante, em razão, especialmente, da poluição
visual. Nesse sentido, ao design cognitivo proposto agregamos elementos relacionados ao
campo do design da informação. Para Lipton (2007) esse tipo de design é uma área de estudo
teórica e prática interessada na clareza e compreensibilidade dos produtos visuais com fins de
orientação, ensino, explicação ou informação. Seria, portanto, segundo a Sociedade Brasileira
de Design da Informação (SBDI):
[...] uma área do design gráfico que objetiva equacionar os aspectos sintáticos,
semânticos e pragmáticos que envolvem os sistemas de informação através da
contextualização, planejamento, produção e interface gráfica de informação junto ao
217
Outra sugestão interessante foi apresentada pelo avaliador D.P, que recomendou a
inclusão de “Elementos icônicos que representem aquela comunidade”. Trata-se de um
recurso gráfico que poderá contribuir para a identificação da comunidade do Cabula e entorno
com o Portal, ao representar elementos ou figuras peculiares dessa localidade. Assim é
possível pensar em ícones que representem as famosas laranjas do Cabula; a Mata Atlântica
ainda presente na vegetação local, ou as tradições da cultura afro-indígena presentes nos
terreiros e centros religiosos da localidade.
A reunião dos conteúdos interativos oriundos das dissertações e teses de pesquisadores
do SEETU e Rede Educa foi uma das soluções aplicadas para atender ao princípio
interatividade. A propósito, o Museu Virtual do Cabula e o Mapa Cultural do Cabula oriundos
das pesquisas de Martins (2017) e Souza (2018) foram, depois da home, os itens mais
visitados no Portal TBC Cabula, com 278 e 233 acessos, respectivamente. Outros itens que se
destacaram em relação ao número de acessos foram: o canal de comunicação entre a equipe
gestora do Portal TBC Cabula e o visitante, que recebeu 153 acessos e 35 mensagens enviadas
com sucesso; a enquete sobre o novo visual do Portal, com participação de 79 visitantes e o
calendário interativo, que obteve 69 acessos e dois envios de eventos.
Destacamos como espaço que necessita melhorias, o Canal de Vídeos, que registrou
após a implementação do novo DCC, apenas cinco visualizações. Esse dado reflete nas
sugestões dadas por dois avaliadores, que recomendaram: “implantar recursos como vídeos e
fotos produzidos pelos moradores dos bairros.” (G.A) e a “construir espaço para
carregamento de vídeos” (A.G). Essas sugestões sintonizam com as soluções projetadas no
ciclo de design, mas que ainda não foram aplicadas, em razão do tempo desta pesquisa, a
exemplo da implementação de programas interativos no canal com a comunidade, assim como
o mecanismo para carregar vídeos enviados pelo público externo no Canal, o que é possível
apenas na página colabore com a sua informação.
Nessa mesma situação destacamos a sugestão de desenvolvimento de um aplicativo
mobile para o Portal, conforme recomendado por A.J: Não sei da viabilidade técnica, mas se
pudesse ser também um aplicativo para celular. Soluções, que conforme sinalizado pelo
avaliador necessita de estudos de viabilidade técnica, adicionamos também, financiamento.
Na contramão dessa sugestão, o avaliador T.M, morador da comunidade do Beiru/Tancredo
Neves, faz o seguinte relato “A iniciativa já é um grande começo. A manutenção e
democratização quanto ao acesso é vital. É necessário expandir o alcance nas comunidades.
Muitas pessoas não possuem ou não sabem manusear aparelhos telemóveis. Pensar numa
220
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Observamos que, assim como nos demais princípios, as análises realizadas sobre as
soluções de participação criativa, indicaram aspectos emergentes que extrapolam as fronteiras
do DCC elaborado, mas, em contrapartida, evidenciam aberturas que potencializam a sua
funcionalidade, quando aplicado ao Portal TBC Cabula
Figura 40: Pontos fortes e sugestões de melhoria para o Portal TBC Cabula
Fonte: a autora
Fonte: a autora
227
Para fins deste estudo, aplicamos o DCC tomando como contexto de aplicação o Portal
TBC Cabula. Esse portal web foi concebido com a intenção de se tornar um ambiente de
colaboração científico-comunitária, capaz de favorecer a socialização de saberes e fazeres da
comunidade do Cabula e entorno, atendendo assim, a demandas relacionadas ao Projeto de
Pesquisa e Extensão TBC Cabula. Contudo, o referido portal apresentava carências de
diferentes naturezas que impossibilitavam a concretização desse ideal, bem como detalhamos
no capítulo 4 desta tese.
Nesse sentido, a fim de atender aos objetivos da pesquisa construímos e aplicamos o
DCC em regime de colaboração com representantes de comunidades de prática presentes no
Cabula e entorno, com o propósito de desenvolver soluções capazes de potencializar a
socialização de saberes e fazeres da/sobre a referida localidade.
Conforme elucidamos no presente capítulo e no anterior, que descrevem/analisam os
processos de design, aplicação e avaliação do DCC, para cada princípio norteador foram
desenvolvidas e implementadas soluções que potencializam as intencionalidades cognitivas
do Portal TBC Cabula. Desse modo, na figura 42, especificamos as potencialidades das
soluções desenvolvidas considerando as características/funções projetadas e/ou aplicadas com
base nos princípios de design.
228
Figura 42: Potencialidades das soluções de DCC para o Portal TBC Cabula
Fonte: a autora
Fonte: a autora
Esse diagrama representa uma solução projetiva aplicável ao Portal TBC Cabula, que
tem como foco de alcance as lacunas identificadas nesse processo investigativo que
tencionaram o DCC. Trata-se, desse modo, de um esquema em projeção que pode ser
aperfeiçoado em ciclos de pesquisa e desenvolvimento futuros. Assim, na figura representada,
o DCC atua como núcleo central que se completa em interação com os demais núcleos,
escolhidos conforme as seguintes justificativas.
a) Design da participação
posteriormente, expandir para o ambiente do Portal TBC Cabula, de modo a incitar um ciclo
entre comunidade-Portal TBC Cabula-comunidade, contribuindo, consequentemente, para o
conhecimento e popularização da comunidade para com esse ambiente web
Necessário enfatizar, entretanto, que incitar esse movimento requer trabalho
minucioso, pautado em uma metodologia colaborativa consentida e construída com os atores
locais, que respeite o seu tempo e as suas especificidades. Afinal, estamos falando de 17
bairros que, apesar de histórico e socialmente vinculados, possuem suas peculiaridades
manifestas nas suas geografias, nas suas populações, nos seus enfrentamentos diários e,
especialmente, nos seus anseios e relações políticas. Há também o interesse de escolas da
localidade em disseminar suas ações formativas, podendo assim desencadear práticas
formativas e construção de conteúdos que podem ficar disponíveis no ambiente.
Nesse sentido, o design da participação poderá ser delineado a partir de ações de
pesquisa e extensão setorizadas por bairro. Dessa forma, poderia ser desenvolvido um projeto
de mobilização, aplicável em cada bairro, por um período determinado. O propósito do
projeto seria realizar ações de popularização/divulgação do Portal, suas intenções e formas de
participação da comunidade; práticas formativas com as escolas voltadas para a sensibilização
comunitária, construção de conteúdos digitais sobre a comunidade e o uso do portal;
levantamento sistematizado que serviria como base a elaboração de conteúdos pela equipe de
gerenciamento; além da eleição de representantes da comunidade para atuar como
mobilizador/multiplicador do Portal TBC Cabula.
Esses mecanismos participativos coadunam com o princípio de participação criativa,
um dos pilares de sustentação do DCC, que pressupõe além da participação, a colaboração e a
cooperação. A intenção é retroalimentar o fluxo interativo e a permanente construção
colaborativa do Portal TBC Cabula. Sendo assim, as ações relacionadas ao núcleo de design
da participação irão ressoar diretamente em outro núcleo: o design da informação.
b) Design da informação
A demanda por mais conteúdos e informações foi um dos aspectos recorrentes nos
resultados desta pesquisa. Tal carência perpassa tanto pelas estratégias de design da
participação que estarão interessadas em engajar os interatores na produção desses conteúdos,
bem como elucidamos anteriormente, mas, também, exige a presença de um plano de design
da informação, executado por equipe interdisciplinar.
232
c) Design da interação
partir da análise das sugestões dadas pelos colaboradores deste estudo, as quais em articulação
com as soluções de DCC podem potencializar a sua funcionalidade e raio de alcance
Fonte: a autora
Este capítulo teve como propósito analisar os aspectos evidenciados pelos avaliadores
do Portal TBC Cabula, identificando os avanços obtidos, as lacunas apresentadas, os limites e
as potencialidades do DCC elaborado. Nesse sentido, evidenciamos que o DCC cumpre com
o seu papel de núcleo central de orientação do Portal TBC Cabula, visto que confere a esse
ambiente uma estrutura interativa organizada, amparada em soluções que potencializam as
finalidades desse ambiente web. Contudo, evidenciamos que o DCC aqui construído e
234
aplicado irá adquirir maturidade e funcionalidade quando articulado com soluções de outros
núcleos a ele vinculados, se constituindo, portanto em centro mobilizador e também
mobilizado por outros setores tencionados no processo investigativo: o design da
participação; o design da informação e o design da interação.
Ademais, organizar o ambiente interativo, adequando os princípios e soluções digitais
ao contexto de aplicação não pressupõe, contudo, ponto final para os anseios do Portal TBC
Cabula, que é a socialização de saberes e fazeres da/sobre a comunidade do Cabula e entorno,
mas se constitui em condição necessária para atender as emergências que despontaram do
processo desta pesquisa.
Desse modo, as aberturas e tensões que emergiram a partir das soluções aplicadas
sinalizam um importante repertório para futuras pesquisas de natureza aplicada. Estudos
esses, que podem indicar não apenas o refinamento das soluções já existentes, aqui aplicadas
e/ou sugestionadas, mas o design de outras propostas que, possivelmente, serão
desencadeadas com a apropriação do DCC objeto desta tese.
235
UMA PAUSA...
Inventei de mexer com quem estava quieto, puxei conversa, dei-me ao atrevimento de cutucar
onças com vara curta. Agora aqui estou, desejoso de trazer mais vozes à mesa de nossa
interlocução. Estou consciente de que a folha que dá suporte ao escrever o dará também a
muitas leituras, divergentes, diferentes, isto é, que levem a muitos sentidos, contraditórios
até. Em todo caso, divertidos, na dupla acepção que o Aurélio me autoriza. Do texto escrito
cada leitor prazerosamente poderá fazer as leituras que quiser, as suas leituras, outras, tanto
das do escrevente, quanto das dos demais leitores.
Conclusão
O diálogo foi a bússola que orientou a caminhada desta tese, aqui construída entre
prosas e conversas puxadas com nossos interlocutores. Os caminhos percorridos, no entanto,
não nos conduziram ao fim da estrada, apenas indicaram a existência de outros horizontes à
espera de travessias. Evidenciando, assim, que o encerramento de ciclos pressupõe a abertura
para outros recomeços, que tornam o ato de pesquisar tarefa nunca conclusa, estado de
latência e vir a ser.
Esse sentido de virtualidade indica que ainda existem perguntas a se fazer e respostas a
serem descobertas, pois, o processo de construção de conhecimento, na acepção defendida
neste estudo, é calcado na incompletude que constitui a pesquisa e no inacabamento dos
sujeitos que nela colaboram; tal como os ciclos vivenciados e percorridos ao ritmo da DBR.
Não há, portanto, a pretensão de esgotar os diálogos tecidos, há aqui apenas um ponto de
continuação, uma pausa para assentar as ideias, que anuncia um estado de espera. Afinal, as
interrogações e os pontos lacunares sempre serão pretexto para o início de outras conversas,
desdobramentos e/ou refinamentos dos processos iniciados nesta tese.
Embora este estudo tenha se apropriado de um modus operandi considerado
alternativo e contra-hegemônico, quando comparamos ao convencional modo de se fazer
pesquisa, a escrita desta tese constituiu-se sob o controle do tempo e os ritos protocolares que
margeiam as relações acadêmicas. Entretanto, vale esclarecer que a continuidade do itinerário
que iniciamos, não precisará ter como limite uma conclusão, pelo contrário, aos potenciais
leitores desta tese e colaboradores do Portal TBC Cabula fica o convite a percorrer caminhos
outros, até mesmo aqueles não acessados em razão dos limites que impõe a escrita acadêmica.
A propósito, quando projetei o desejo de pesquisar a comunidade do Cabula e entorno,
enxerguei esse locus, a princípio, através das lentes de quem se apropriou dessa localidade
enquanto residente, transeunte e simpatizante que observava a dinâmica emergente dos fluxos
comunitários; mas, por vezes, a lente da pesquisadora predominou perante as leituras
realizadas. Assim, cultivei a ilusão de estar certa sobre as minhas perspectivas e escolhas
teórico-metodológicas, agarrada à zona de conforto que me oferecia proteção e tranquilidade.
Até que as prescrições e fórmulas adotadas nas situações de pesquisa anteriores mostraram-se
insuficientes, falhas, diante das novas demandas, do novo contexto de estudo e, sobretudo, do
desafio de conceber o objeto de pesquisa, não apenas sob o parâmetro da educação, mas a
partir de um olhar múltiplo, tal como sugere o doutorado multidisciplinar em curso.
237
haviam estabelecido parceria com o projeto TBC Cabula. A experiência direta com os grupos
locais nos ensinou que o trabalho com comunidades populares requer paciência e
sensibilidade, foi necessário, assim, negociar a minha presença nesses espaços em que eu
figurava como uma acadêmica, estrangeira aos olhos de alguns.
Desconfiança, por sinal, é um sentimento que, geralmente, permeia as relações do
público externo estabelecidas com as comunidades populares. Tal fato ocorre mais como um
mecanismo de defesa ativado pelas adversidades que acometem os moradores, a exemplo dos
engodos político-partidários; a privação aos direitos sociais; a falta de oportunidades de
melhorias, etc, o que percebemos ao longo das vivências e diálogos estabelecidos. Nesse
contexto, o sentimento de comunidade e apoio mútuo surge como um alento aos sujeitos que
fazem parte dessa realidade. Uma alternativa de proteção, mas, sobretudo de sobrevivência.
Testemunhamos também a expectativa que alguns moradores constroem com a entrada
de representantes da universidade nessas localidades. A esperança em ter as suas necessidades
básicas atendidas de imediato, logo é depositada nas ações de pesquisa e extensão. Por isso,
há que se ter cuidado ao conduzir práticas de pesquisa aplicada com comunidades populares, a
fim de deixar evidentes as regras, os limites que demarcam o alcance da pesquisa e a
perspectiva de que não se trata de trabalho assistencialista, mas de uma construção com a
comunidade, visando o crescimento e fortalecimento de ambos os setores sociais.
Por isso, apreendemos o quão imprescindível é, nas relações acadêmico-comunitárias,
respeitar o tempo dessas comunidades, suas peculiaridades, entendendo que, quase sempre os
acordos e estratégias acadêmicas são incompatíveis às suas demandas. Daí a necessidade real
de se construir vias alternativas a esse encontro. A DBR favoreceu, assim, cadenciarmos o
ritmo adequado ao contexto da investigação, pois nos permitiu percorrer uma trajetória
flexível, aberta às inclusões e refazimentos, sintonizadas aos pontos que foram emergindo
com o avançar das relações colaborativas.
Chegamos ao término da validação com um repertório amplo de ideias e sugestões que
foram filtradas e deram contorno a proposta conceitual de DCC. Entretanto, os desafios
naturais do percurso foram acentuados com o início da aplicação das soluções construídas
com os colaboradores. O ciclo de prototipagem apresentou-se como uma fase intensa, na qual
experimentamos o duplo desafio de se desenvolver uma pesquisa que agrega os desejos e
especificidades de grupos comunitários com naturezas e propósitos distintos e, ainda, possui
natureza aplicada.
Sobre esse último aspecto é importante frisar a escassez de recursos para
investimentos e financiamentos a pesquisas que propõem a solução de problemas reais, bem
239
como o preconceito que a academia ainda lança sobre esse tipo de investigação. Assim, apesar
do compromisso social e o retorno de utilidade pública que as pesquisas aplicadas visam
alcançar, estas ainda são vistas com receio e implicância por grupos mais conservadores das
pós-graduações stricto sensu, uma vez que sugerem metodologias e procedimentos que
extrapolam aquelas legitimadas pelos cânones acadêmicos, ainda pautados nas pesquisas de
análise e levantamento bibliográficos.
O reflexo desse contexto é o número ainda baixo de pesquisas aplicadas sendo
desenvolvidas em âmbito de mestrado e doutorado, sobretudo, nos cursos que envolvem as
áreas de ciências humanas, que tradicionalmente, optam pelas pesquisas de análise. Ao tecer
esta crítica, não estamos desconsiderando a relevância dos estudos analíticos, apenas
sinalizando, a necessidade de avançarmos em discussões que apresentem soluções de
utilidade pública, de modo a aproximar a academia dos problemas reais e necessidades
cotidianas.
Outro aspecto que emerge desse contexto é o baixo número de editais para fomento de
pesquisas aplicadas de pós-graduandos, assim como os valores disponíveis para
financiamento. O valor recebido para o financiamento desta tese foi ponto decisivo para o
processo de prototipagem. A fim de aplicar o máximo de soluções sugeridas pelos
colaboradores foi necessário lançar mão de ciclos de refinamento que superaram as
expectativas projetadas. Convivemos com a rotatividade de profissionais; com os problemas
técnicos para a implementação das soluções e com uma infra-estrutura tecnológica limitada
que acarretou na morosidade dos processos de prototipagem. Adversidades que foram
reflexos das tentativas de conciliar altos custos com financiamento reduzido.
Tais entraves evidenciaram a necessidade de remodelarmos a nossa metodologia, que
viu enfraquecido o seu caráter cíclico tal como preconiza a DBR, em razão do tempo limitado
para os feed backs e implementação de novas aplicações necessárias. Apesar dos percalços
chegamos à definição do protótipo tecnológico já com o tempo de pesquisa avançado,
sinalizando a necessidade de seguirmos com a fase de avaliação. Entretanto, inevitavelmente,
o tempo alongado no ciclo anterior, trouxe como consequência a desarticulação com alguns
grupos colaboradores, que questionavam, frequentemente, sobre o destino do Portal, na
expectativa de datas e desfechos. Precisamos, desse modo, retomar diálogos e lidar com essa
situação inesperada, que foi superada mediante a mudança das estratégias de avaliação, mas
que assumiu novos arranjos.
Os resultados dos ciclos de avaliação indicaram que as soluções de DCC aplicadas ao
Portal TBC Cabula apresentaram um bom nível de avaliação por parte dos colaboradores
240
deste ciclo. Evidente que as circunstâncias de aplicação do questionário online não podem se
configurar em parâmetros definitivos para a análise das soluções aplicadas, especialmente,
pelo fato de não termos usado mecanismos de controle da interação dos colaboradores.
Entretanto, os pontos fortes e pontos a melhorar registrados, assim como as ideias
sugestionadas evidenciaram coerência e sintonia aos propósitos do Portal TBC Cabula, nos
permitindo alcançar informações relevantes para a revisão do DCC.
Ainda que a maioria dos dados obtidos tenha evidenciado, positivamente, as
características e potencialidades das soluções de DCC aplicadas, é importante destacarmos
que os pontos de melhoria indicados foram tão importantes quanto os pontos fortes
sinalizados, afinal, eles mobilizam a continuidade dos ciclos de aperfeiçoamento do protótipo
construído, o qual foi concebido para se tornar um ambiente de permanente construção
colaborativa. Salientamos, também, que as sugestões dadas, nos permitiram perceber outros
aspectos relacionados ao objeto da pesquisa e possibilidades para a ampliação de suas
funcionalidades e, consequentemente, melhorias para o Portal TBC.
Nesse sentido, ao responder o problema desta pesquisa, consideramos que as soluções
de DCC aplicadas, potencializam a socialização de saberes e fazeres do Cabula e entorno via
Portal TBC Cabula, pois, estão amparadas nos princípios de comunicação comunitária,
interatividade e participação criativa. Sendo assim, tais soluções agregam a esse ambiente
web uma estrutura de interação e informação, contextualizada, sintonizada aos interesses da
comunidade local e que possibilita a visibilidade de sua cultura e produções locais, além de
prover mecanismos de escuta e participação criativa, que potencializam práticas de
cooperação e colaboração por meio do referido ambiente.
Em contrapartida, vale ressaltar que não foi possível explorar com mais profundidade
as potencialidades do DCC, em vista das lacunas ainda evidenciadas no Portal TBC Cabula,
em especial, o número reduzido de conteúdos informativos e o baixo nível de apropriação da
comunidade às soluções aplicadas, que indicaram a necessidade de intervenções como ações
de marketing e metodologia colaborativa para a construção de conteúdos para o portal.
Embora escapem do raio de alcance desta pesquisa, tais lacunas atingem diretamente a
proposta aqui defendida, uma vez que a soluções de DCC elaboradas apenas irão adquirir
funcionalidade e movimento se conjugadas a aplicações em outros setores relacionados ao
portal.
Nesse sentido, o DCC se estabelece como uma estrutura nuclear para o alcance dos
objetivos do Portal TBC Cabula, mas que ainda encontra-se em estado de amadurecimento,
tendo em vista as lacunas presentes em outros setores do referido Portal, bem como
241
identificamos no decurso da pesquisa. Nesse sentido, para que o DCC atinja maturidade e
consolide o seu propósito de potencializar a socialização de saberes e fazeres da localidade do
Cabula e entorno, se faz necessária a interlocução mais incisiva com soluções de outros
âmbitos, que foram tencionados no processo de construção colaborativa, a saber: a) design da
participação; b) design da informação e c) design da interação.
Diante do exposto, compreendemos que o DCC cumpre com a sua função ao oferecer
novo sentido de orientação informativa e interativa ao Portal TBC Cabula, proporcionando a
esse ambiente a abertura para novos fluxos que venham a permitir o alcance de sua principal
pretensão: tornar-se um ambiente colaborativo de socialização científico-comunitária. Dessa
maneira, podemos considerar o DCC como ponto de partida para futuras projeções deste
ambiente, centro mobilizador e também mobilizado por áreas do Portal que ainda carecem de
intervenções, bem como evidenciamos no capítulo 6 desta tese. Lacunas, que a propósito,
podem se configurar em pretexto para espichar novas conversas.
242
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SILVA, Francisca de Paula Santos da. Turismo de Base Comunitária na Região do Cabula
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SILVA, Francisca de Paula Santos da et al. Cartilha (in) formativa sobre Turismo de Base
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VYGOTSKY, Lèv Semianovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome do Participante:
__________________________________________________________
Documento deIdentidadeno: ___________________________ Sexo: F ( ) M ( )
Data de Nascimento: / /
Endereço:
_____________________________________________Complemento:__________
Bairro: ___________ Cidade: __ CEP:
Telefone: () /() ___ /
O (a) senhor (a) está sendo convidado (a) para participar da pesquisa: DESIGN COGNITIVO
DO PORTAL TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA (TBC):construindo práticas de difusão
de saberes e fazeres com a comunidade do Antigo Quilombo Cabula, de responsabilidade da
pesquisadora Francisca de Paula Santos da Silva, docente da Universidade do Estado da Bahia
que tem como objetivomodelar um design cognitivo participativo que favoreça o engajamento
da comunidade do Antigo Quilombo Cabula em práticas de difusão dos saberes e fazeres
locais mediadas pelo Portal TBC.A realização desta pesquisa trará ou poderá trazer
oportunidades para a troca de múltiplos saberes entre a comunidade, a universidade, a
pesquisadora e demais atores que se disponham a participar do projeto de forma voluntária e
que tenham interesse na divulgação de saberes e fazeres da referida comunidade. Caso aceite
o senhor(a)seráentrevistado e responderá um questionário dadopela aluna Ivana Carolina
Alves da Silva Souza, do curso de Doutorado em Difusão do Conhecimento. Sua participação
é voluntária e não haverá nenhum gasto ou remuneração resultante dela. Garantimos que sua
identidade será tratada com sigilo e, portanto, o senhor (a) não será identificado.Caso queira
(a) senhor(a) poderá, a qualquer momento, desistir de participar e retirar sua autorização. Sua
recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou com a instituição.
Quaisquer dúvidas que o (a) senhor (a) apresentar serão esclarecidas pela pesquisadora e o
senhor, caso queira, poderá entrar em contato também com o Comitê de Ética da
Universidade do Estado da Bahia. Esclareço ainda que de acordo com as leis brasileira o
senhor (a) tem direito a indenização caso seja prejudicado por esta pesquisa. O (a) senhor (a)
receberá uma cópia deste termo onde consta o contato dos pesquisadores, que poderão tirar
suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
Comitê de Ética em Pesquisa- CEP/UNEB Rua Silveira Martins, 2555, Cabula. Salvador-
BA. CEP: 41.150-000. Tel.: 71 3117-2445 e-mail: cepuneb@uneb.br
255
V. CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
2. Declaro que, após ter sido devidamente esclarecido pelo pesquisador(a) sobre os
objetivos benefícios da pesquisa e riscos de minha participação na pesquisa DESIGN
COGNITIVO DO PORTAL TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA (TBC):construindo
práticas de difusão de saberes e fazeres com a comunidade do Antigo Quilombo Cabulae ter
entendido o que me foi explicado, concordo em participar sob livre e espontânea vontade,
como voluntário, consinto que os resultados obtidos sejam apresentados e publicados em
eventos e artigos científicos desde que a minha identificação não seja realizada e assinarei
este documento em duas vias sendo uma destinada ao pesquisador e outra a via que a mim.
_____________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
______________________________ ______________________________
Assinatura do pesquisador discente Assinatura do professor responsável
(orientando) (orientador)
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