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Mapeamento Histórico Dos Direitos Humanos de Pessoas Trans No Brasil e em Portugal

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DOI: 10.9732/2023.V127.

1134

Mapeamento histórico dos Direitos Hu-


manos de pessoas trans no Brasil e em Por-
tugal
Historical mapping of the human rights of
trans people in Brazil and Portugal
Liliana Rodrigues1
Sara Lemos2
Ana R. Pinho3
Nuno Santos Carneiro4
Conceição Nogueira5
1 Investigadora Integrada no Centro de Psicologia da Universidade do Porto
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade
do Porto. Doutorada em Psicologia pela mesma faculdade e mestre em
Psicologia da Justiça pela Universidade do Minho.
2 Mestre em Psicologia da Justiça e da Desviância pela Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
3 Investigadora Estagiária no Centro de Psicologia da Universidade do Porto
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do
Porto. Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela mesma faculdade.
4 Investigador e Professor Auxiliar no ISSSP – Instituto Superior de Serviço
Social do Porto. Doutorado em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade do Porto. Pós-doutorado pelo Centro
de Psicologia da Universidade do Porto, pela Universidade Metropolitana
de Manchester e pela Universidade Complutense de Madrid.
5 Professora Associada com Agregação na Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade do Porto. Doutorada em Psicologia

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RESUMO: Neste trabalho apresenta-se o contexto his-


tórico de surgimento dos direitos humanos a partir da
Revolução Francesa e do iluminismo, passando pela
Carta Internacional de Direitos Humanos, incluindo-
-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
os seus pactos. Segue-se o direito regional na Europa
e na América para perceber o contexto de direitos
humanos nestas regiões; e atende-se, especificamente,
a Portugal e ao Brasil, os países de análise do estudo.
Posteriormente, tece-se algumas críticas ao caráter
universalista, abstrato, deshistórico e descontextuali-
zado da conceção mainstream dos direitos humanos.
A abordagem mainstream dos direitos humanos, por
incorporar um sujeito abstrato (homem – branco –
ocidental) para o reconhecimento de direitos, teve um
passado de sucessivas exclusões e opressões de pesso-
as que não correspondiam à categoria de “homem”,
“branco” e “ocidental”. Atualmente, esta plataforma
também tem sido utilizada por alguns grupos de pes-
soas, nomeadamente por algumas pessoas trans e/ou
coletivos organizados em prol dos seus direitos. Este
artigo termina com uma conceção multicultural dos
direitos humanos, como proposta teórica e política
capaz de enquadrar com inteligibilidade as realida-
des das pessoas trans. Os significados dos direitos
precisam de ser constantemente monitorizados para
o reconhecimento efetivo da autonomia das pessoas
trans.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Pessoas trans;


Teoria crítica.

ABSTRACT: This paper presents the historical


context of the emergence of human rights from the
French Revolution and the Enlightenment to the

Social pela Universidade do Minho.

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International Bill of Human Rights, including the


Universal Declaration of Human Rights and its
covenants. Regional law in Europe and America are
also analyzed to understand the context of human
rights in these regions; and we look specifically at
Portugal and Brazil, the countries focused on this
study. Subsequently, some criticisms are made of
the universalist, abstract, de-historicized and de-
contextualized nature of the mainstream conception
of human rights. The mainstream approach to human
rights, by incorporating an abstract subject (man -
white - western) for the recognition of rights, has had
a history of successive exclusions and oppressions
of people who do not fall on the category of “man”,
“white” and “western”. Nowadays, this platform
has also been used by some groups of people,
specifically by some trans people and/or collectives
organized in favor of their rights. This article ends
with a multicultural conception of human rights,
as a theoretical and political proposal capable of
intelligibly framing the realities of trans people. The
meanings of rights need to be constantly monitored for
the effective recognition of trans people’s autonomy.

Keywords: Human rights; Trans people; Critical


theory.

Introdução: Subsídios de uma breve análise histó-


rica dos direitos humanos

“Muitas vezes, chegamos maltrapilhos, e em farrapos somos


levados a guerrear – enquanto corpos, números, cérebros – em
batalhas por migalhas de dignidade humana”6.

6 VIVIANE, 2014, p. 39

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O conceito de “dignidade humana” surgiu como um


princípio constitucional que, não sendo definido como um
direito humano, serviu de impulso para a construção de um
Estado democrático de direitos. A ideia de dignidade hu-
mana atravessou o iluminismo - definido como movimento
filosófico, político, social, económico e cultural que defendia
o uso da razão para se alcançar a liberdade, a autonomia e
a emancipação7 e constituiu uma grande influência para a
criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen) de 1789. A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é um do-
cumento composto por um conjunto de dezassete artigos que
se referem aos direitos do “homem e do cidadão” ao nível
individual e coletivo, invocando conceitos como “liberdade”,
“igualdade” e “resistência à opressão”, direitos invioláveis
e aplicados a todos os seres humanos8. Importa referir que
ainda que algumas pessoas refiram que esta designação era
entendida para todos os seres humanos, em 1791 é produzi-
do um texto jurídico exigindo os mesmos direitos que eram
consagrados nesta Declaração para as mulheres, porque esta
não as contemplava9.
Esta declaração serviu de base para a construção da De-
claração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela
Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta Declaração,
são referidos os direitos civis, políticos, económicos, sociais
e culturais fundamentais a todos os seres humanos10. Esta
Declaração tem sido amplamente aceite como instrumento
fundamental de direitos humanos que todas as pessoas

7 HORKHEIMER E ADORNO, 2002


8 CONSEIL CONSTITUTIONNEL, 1789
9 DÉCLARATION DES DROITS DE LA FEMME ET DE LA CITOYENNE,
1791
10 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948

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devem respeitar e proteger. A Declaração Universal dos


Direitos Humanos11 (ainda que não represente cumprimen-
to legal obrigatório), junto com o Pacto Internacional sobre
os Direitos Civis e Políticos12 e o Pacto Internacional sobre
os Direitos Económicos, Sociais e Culturais13, constituem a
Carta Internacional dos Direitos Humanos, sendo a base do
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
No que diz respeito, especificamente, ao Direito Inter-
nacional dos Direitos Humanos, este estabelece as obrigações
que os Estados devem respeitar, proteger e realizar quando
ratificam os tratados internacionais de Direitos Humanos
(e.g., Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial - ICERD; Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos – ICCPR; Pacto Internacional de
Direitos Económicos, Sociais e Culturais – ICESCR; Conven-
ção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher – CEDAW). A obrigação de respeitar os
direitos humanos significa que os países não podem impedir
que cada indivíduo ou coletivo possa exercer esta qualidade
de direitos. Quanto à obrigação de proteger os direitos huma-
nos, esta pressupõe que os Estados não permitam a violação
dos direitos humanos contra indivíduos ou coletivos. Por fim,
a obrigação de realização dos direitos humanos significa que
os Estados devem adotar medidas que facilitem o exercício
pleno dos direitos humanos fundamentais14.
Já no que se refere ao Direito Regional, tem-se adotado
outros instrumentos legais em matéria de direitos humanos

11 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948


12 PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS,
1966
13 PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS, 1966
14 ACNUDH, 1996-2016

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específicos a determinada região. Em particular no que res-


peita à Europa e à América, o Direito Regional tem diferentes
organismos internacionais. Enquanto a Europa dispõe da
União Europeia (UE), América dispõe da Organização dos
Estados Americanos (OEA) (Organization of American Sta-
tes) - esta Organização refere-se a um conjunto de países do
continente americano, não se circunscrevendo aos Estados
Unidos da América. Assim, Portugal rege-se ao nível do
Direito Regional pela UE e o Brasil rege-se pela OEA.
A UE assume um conjunto de princípios fundamentais
como a dignidade humana, liberdade, democracia, igual-
dade, Estado de Direito e respeito pelos direitos humanos.
Com o Tratado de Lisboa15, todos esses princípios estão con-
sagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE (2009).
A partir desta Carta, os países da UE e as suas instituições
têm obrigação legal de respeitar os Direitos Fundamentais
da UE. A mesma Carta compreende 54 artigos que se refe-
rem: à dignidade (e.g., dignidade do ser humano, direito à
vida); às liberdades (e.g., direito à liberdade e à segurança,
respeito pela vida privada e familiar, proteção de dados pes-
soais, direito de contrair casamento e de constituir família,
liberdade de reunião e de associação, direito à educação, li-
berdade profissional e direito de trabalhar); à igualdade (e.g.,
igualdade perante a lei, não discriminação); à solidariedade
(e.g., direito de acesso aos serviços de emprego, condições de
trabalho justas e equitativas, proteção da saúde); à cidadania
(e.g., direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Par-
lamento Europeu e nas eleições municipais, direito de acesso
aos documentos, liberdade de circulação e de permanência);
e à justiça (e.g., direito à ação e a um tribunal imparcial,
presunção de inocência e direitos de defesa).

15 UE, 2007

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A OEA é uma organização internacional criada pelos


países do continente americano. Aprovou-se a Carta da
OEA16 com o intuito de se garantir a paz e a justiça, promo-
ver a solidariedade e defender a sua integridade territorial
e a sua independência (artigo 2º)17. Além da Carta da OEA,
a OEA também adotou a Declaração Americana dos Direi-
tos e Deveres do Homem [leia-se, em contraposição a uma
leitura enviesada: ser humano], aprovada na nona Confe-
rência Internacional Americana em Bogotá (1948). Esta De-
claração dispõe que: todo o ser humano tem direito à vida,
à liberdade e à segurança de sua pessoa (artigo 1º); todas as
pessoas são iguais perante a lei e têm os seus direitos e os
seus deveres consagrados, sem distinção de “raça”, língua,
crença ou qualquer outra característica (artigo 2º); todas as
pessoas têm direito a constituir família e a receber proteção
para ela (artigo 6º); todas as pessoas têm direito a que a sua
saúde seja protegida e cuidados médicos correspondentes ao
nível permitido pelos recursos públicos (artigo 11º); todas as
pessoas têm direito à educação (artigo 12º); todas as pessoas
têm direito ao trabalho em condições dignas (artigo 14º)18.
Finalmente, quando nos debruçamos sobre a Legislação
Nacional, podemos referir que a maioria dos Estados tem
adotado Constituições e outras leis que protegem formal-
mente os direitos humanos fundamentais. No que se refere
às Constituições, Portugal rege-se pela Constituição da Repú-
blica Portuguesa19 e o Brasil pela Constituição da República
Federativa do Brasil20.

16 OEA, 1993
17 OEA, 2003
18 OEA, 1948
19 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 1976
20 PRESIDÊNCIA DA RÉPUBLICA, 1988

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A Constituição da República Portuguesa21 defende


a garantia dos direitos fundamentais aos/às cidadãos/ãs
(desdobramento de menção de género de nossa respon-
sabilidade, para defesa de uma conceção não sexista dos
referidos direitos, conceção esta constante da nomeação do
documento original) e estabelece os princípios da democracia
com o intuito de construir um país mais livre e mais justo.
Segundo a Constituição Portuguesa, os direitos fundamen-
tais podem ser organizados em dois grupos: num primeiro
grupo, os direitos, liberdades e garantias e, num segundo
grupo, os direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
No primeiro grupo, podemos encontrar, por exemplo, o di-
reito à liberdade e à segurança, à integridade física e moral,
à propriedade privada, à participação política e à liberdade
de expressão. No segundo grupo, encontramos, por exem-
plo, o direito ao trabalho, à habitação, à segurança social, ao
ambiente e à qualidade de vida22.
Destaque-se o ponto 1 do artigo 26º da Constituição
da República Portuguesa – outros direitos pessoais – onde
pode ler-se que “a todos[as] são reconhecidos os direitos à
identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade,
à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à
imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida priva-
da e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de
discriminação”23. Também é importante mencionar o ponto
1 do artigo 64º da Constituição da República Portuguesa:
“todos[as] têm o direito à proteção da saúde e o dever de a
defender e promover”24.

21 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 1976


22 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2005; CANOTILHO E MOREIRA, 2008
23 CANOTILHO E MOREIRA, 2008, p.22
24 CANOTILHO E MOREIRA, 2008, p. 48

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No Brasil, a Constituição da República Federativa do


Brasil25 tem como objetivo assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, a igualdade e a
justiça. Nesta Constituição, os Direitos e Deveres Individuais
e Coletivos referem (artigo 5º) que todas as pessoas são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade (e.g., homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações; ninguém poderá sofrer de
tortura ou de tratamento desumano; são invioláveis o direito
à intimidade e à vida privada)26.
Perante o exposto, o respeito e a proteção dos direitos
humanos requerem o estabelecimento do estado de direito
nos planos internacional, regional e nacional, e em todos os
planos os direitos humanos fundamentais devem ser invio-
láveis e para todas as pessoas.

Críticas à conceção mainstream dos Direitos Hu-


manos
Alguns/as autores/as referem que a conceção mains-
tream dos direitos humanos tem sido construída pelas so-
ciedades ocidentais, defendendo e reforçando um caráter
universalista, abstrato, deshistórico e descontextualizado
dos direitos27. O marcador ocidental do discurso dos direitos
humanos pode ser visto, por exemplo, na Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos de 194828, no Pacto Internacional
sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais29 e no Pacto

25 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988


26 JACINTHO, 2009; MARTINS, 2012
27 DONNELLY, 1982; SANTOS, 1997
28 SANTOS, 1997
29 PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E

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Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos30, elabora-


dos maioritariamente pelos Estados ocidentais. A crítica ao
paradigma universalista que subjaz aos discursos sobre os
direitos humanos não se centra na disputa entre sociedades
ocidentais e as sociedades não ocidentais. Ao invés, esta crí-
tica assume que os direitos não podem ser percebidos sem
se ter em consideração os lugares, os contextos e os grupos
nos quais se manifestam31. A conceção universal de direitos
é pensada de forma ampla, contemplando noções de obje-
tividade, neutralidade e inclusão. Quando examinamos o
projeto de direitos humanos, este mostra que as pretensões
de universalidade e de inclusão têm coexistido com a ex-
clusão e a subordinação32. Por outras palavras, o projeto de
internacionalização dos direitos humanos assume, historica-
mente, que estes são uma parte da narrativa do progresso da
modernidade. O projeto de internacionalização dos direitos
humanos também mantém a ideia de que a história tem uma
direção evolutiva, que fora iniciada a partir da Europa, como
se a conceção ocidental de direitos humanos tivesse marcado
o fim de um passado ignorante e potenciado a concretização
de liberdades e de igualdades plurais.
No entanto, em termos factuais, um maior número de
violações dos direitos humanos foi cometido no século XX,
justamente no período durante o qual a perspetiva mainstre-
am dos direitos humanos adquiriu mais relevância do que em
qualquer outro momento da história. Neste sentido, esta pla-
taforma de direitos humanos também serviu para legitimar

CULTURAIS, 1966
30 PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS,
1966
31 BARKER E PUAR, 2002; KAPUR, 2006; MULLALLY, 2009; SANTOS, 1997,
2013
32 BARKER E PUAR, 2002; DONNELLY, 1982; KAPUR, 2006; SANTOS, 1997

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realidade excludentes e desumanizantes sob a “desculpa”


de se estar a defender estes direitos. Este projeto mainstream
de direitos humanos desprovidos de uma visão política ou
de um propósito ético tem feito com que os direitos simpli-
fiquem e reforcem as desigualdades estruturais de poder,
favorecendo o estatuto dos/as mais privilegiados/as33.
Por fim, uma outra crítica que tem sido apresentada é a
da centralização no sujeito liberal em que o projeto mainstre-
am de direitos humanos e os seus pressupostos se baseiam,
criando a ideia de “outro” e sublinhando a necessidade de
se (re)definir este projeto para que possa efetivamente pro-
mover os direitos humanos34.

Que alternativas de resistência?


Em pleno século XXI, emerge um novo paradigma
sobre as pessoas trans: um projeto de direitos humanos. O
enfoque até agora dominante, a perspetiva médico-psico-
lógica, define as pessoas transexuais35 como “desviantes”
da norma binária sexo/género que, através de diferentes
agentes ideológicos, tende a ser naturalizada no contexto
ocidental. Esta visão biomédica tem sido desafiada por esta
nova abordagem que centra a sua atenção na situação legal
e social das pessoas trans, salientando as violações dos di-
reitos humanos a que estão sujeitas36. A emergência deste
paradigma surge pela evidência de um padrão de violência

33 BARKER E PUAR, 2002; KAPUR, 2006; MULLALLY, 2009; SANTOS, 1997


34 BARKER E PUAR, 2002; KAPUR, 2006; MULLALLY, 2009
35 Neste trabalho adota-se a designação trans para nos referirmos às pessoas
trans, transexuais e travestis; em alguns casos mantêm-se as designações
adotadas pelo modelo médico apenas para manutenção da consistência
da posição crítica aqui assumida.
36 HAMMARBERG, 2010; ONU, 2008; PILLAY, 2013; PLATERO, 2014

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sistemática e de discriminação dirigida às pessoas em razão


da sua identidade de género não conforme o sexo – desde a
discriminação no emprego, no acesso à saúde, na educação,
na família, no espaço público, às agressões físicas e sexuais,
torturas e homicídios37.
Este novo enfoque entende que a patologização das
transexualidades redunda na estigmatização das pessoas
trans com consequências nefastas que decorrem dos proces-
sos de estigmatização38. Neste contexto, refere-se a impos-
sibilidade de as pessoas trans poderem ver reconhecidos e
exercer os seus direitos humanos fundamentais. Nomea-
damente, o direito a usufruir da proteção assegurada pelo
regime internacional dos direitos humanos, inclusive, em
relação ao direito à vida, à segurança pessoal e à privacidade,
ao direito de ser livre de tortura, de detenções e de prisões
arbitrárias e ao direito de ser livre de discriminação, o di-
reito às liberdades de expressão, de reunião e de associação
pacífica39 e o direito à autonomia das suas identidades e de
gestão dos seus corpos40. É, portanto, com o objetivo de ga-
rantir às pessoas trans o exercício pleno desses direitos que
surge esta perspetiva.
As pessoas trans têm sido contempladas em alguns
documentos internacionais, nomeadamente: nos Princípios
de Yogyakarta41 (apresentados no Conselho de Direitos
Humanos da ONU em Genebra, em 26 de maio de 2007) 42,

37 HAMMARBERG, 2010; ONU, 2008; PILLAY, 2013; SENNOTT, 2011; TGEU,


2015a,c, 2019
38 MISSÉ, 2014; SENNOTT, 2011
39 ONU, 2008; PILLAY, 2013
40 MISSÉ, 2014; PLATERO, 2014; SUESS, 2010, 2011
41 Denominação original completa: “Os Princípios de Yogyakarta sobre a
Aplicação do Direito Internacional de Direitos Humanos às Questões de
Orientação Sexual e Identidade de Género”.
42 CORRÊA E MUNTARBHORN, 2007

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princípios estes que remetem para a aplicação da legislação


internacional de direitos humanos nos campos das orien-
tações sexuais e das identidades de género; na Declaração
nº A/63/635 da Assembleia Geral da ONU43 sobre Direitos
Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Género; no
relatório anual (A/HRC/19/41) da Alta Comissária das Na-
ções Unidas para os Direitos Humanos sobre Leyes y prácticas
discriminatorias y actos de violencia cometidos contra personas por
su orientación sexual e identidad de género44; no relatório sobre
“Nascidos livres e iguais: orientação sexual e identidade
de género no Regime Internacional de Direitos Humanos”
de Navi Pillay, Alta Comissária das Nações Unidas para os
Direitos Humanos45 e na Resolução do Conselho de Direitos
Humanos da ONU46 sobre “Direitos humanos, orientação
sexual e identidade de género”.
A nível regional, em 2006, a UE adotou a Diretiva
2006/54/CE/ (reformulada) do Parlamento Europeu e do
Conselho de 5 de julho relativa à aplicação do princípio da
igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre
homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à
atividade profissional, fazendo uma menção (no seu ponto 3)
à não discriminação não apenas “com base no facto de uma
pessoa ser de um ou de outro sexo”. Esta diretiva introduz
uma referência à não discriminação com base na “mudança
de sexo”, pela primeira vez na legislação da UE47.
Também Thomas Hammarberg, Comissário dos Direi-
tos Humanos do Conselho da Europa, através do relatório
temático sobre “Direitos Humanos e Identidade de Género”

43 ONU, 2008
44 ONU, 2011
45 PILLAY, 2013
46 RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU, 2014
47 DIRETIVA 2006/54/CE, 2006

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48
, e o Conselho Permanente da OEA, através do projeto de
resolução “Promoção e proteção dos direitos humanos: di-
reitos humanos, orientação sexual e identidade e expressão
de género” apresentado pela Comissão de assuntos jurídicos
e políticos (da Delegação do Brasil) (2014), problematizam
a necessidade de uma atenção específica à proteção dos di-
reitos das pessoas trans. De acordo com estes documentos
internacionais e regionais, as pessoas trans são respeitadas
como membros da sociedade com plenos direitos e a sua
patologização é considerada como um forte obstáculo ao
reconhecimento efetivo e ao exercício pleno dos seus direitos
fundamentais.
Seguidamente, tratar-se-á de atender mais detalhada-
mente às implicações dos documentos, diretrizes e princípios
internacionais previamente referidos.
Especificamente, o 3º Princípio de Yogyakarta refere que
todo o ser humano tem direito ao reconhecimento da sua
personalidade jurídica. O reconhecimento das orientações
sexuais e/ou das identidades de género que cada pessoa de-
fine para si mesma é fundamental para a autodeterminação,
para a dignidade e para a liberdade que assiste reconhecer
a esta população, num plano de legitimação igualitário re-
lativamente a outras vivências habitualmente consideradas
como não normativas. Nenhuma pessoa deverá ser obri-
gada a submeter-se a procedimentos médicos, incluindo a
cirurgia de redesignação sexual, a esterilização ou a terapia
hormonal, como requisito para o reconhecimento legal da
sua identidade. Nenhuma condição, como o casamento49

48 HAMMARBERG, 2010
49 Estes princípios referem o casamento como condição de proteção legal;
contudo, como veículo formalizador/protetor do respeito pela diversidade
humana/relacional, estes deveriam conter o reconhecimento de todas as
formas de união civil e/ou familiar.

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e a parentalidade, deverá impedir o reconhecimento legal


das identidades. Nenhuma pessoa deverá ser submetida a
pressões para ocultar, suprimir ou negar a sua orientação
sexual e/ou identidade de género50,51.
Com efeito, a esterilização forçada ou a realização
obrigatória de outras cirurgias como pré-requisitos para
a obtenção do reconhecimento legal e social, formas de
verdadeira desumanização que ainda persistem, violam o
direito à integridade física. Esta imposição de procedimen-
tos fisicamente invasivos às pessoas trans (e.g., as cirurgias)
viola o direito a constituir uma família de forma biológica52.
Além disso, os países que obrigam uma pessoa trans que
esteja legalmente casada com uma pessoa de sexo diferente
a divorciar-se – antes que o seu novo sexo seja reconhecido
oficialmente – não cumprem o mencionado 3º Princípio de
Yogyakarta53. O não cumprimento deste 3º Princípio é par-
ticularmente problemático nos países que não reconhecem
o casamento entre pessoas do mesmo sexo, potencialmente
possibilitado pela mudança de sexo (de um ou de ambos os
elementos do casal). Na maioria dos casos, o divórcio forçado
vai contra o desejo explícito do casamento, para quem queira
permanecer legalmente reconhecido/a como constituinte de
uma unidade familiar. O divórcio forçado pode, igualmente,
ter um impacto negativo nos/as filhos/as do casal: em mui-
tos países europeus, os pais ou mães que tenham realizado
a mudança de sexo perde(ra)m a custódia dos/as seus/suas
filhos/as. Noutros países, a legislação que existe é ambígua
50 O que vem na linha das propostas de despatologização das identidades
trans cf. STP, 2015. Importa frisar a consistência e congruência destas
recomendações com o que é defendido pelo ativismo e pela literatura que
advogam a não patologização.
51 CORRÊA E MUNTARBHORN, 2007
52 HAMMARBERG, 2010
53 CORRÊA E MUNTARBHORN, 2007

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372 MAPEAMENTO HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS TRANS...

e, por isso, faz com que haja escassa atenção e proteção dos/
as filhos/as do casal54.
Além do divórcio forçado, em algumas separações de
casais que têm filhos/as, alguns tribunais têm decidido a
custódia das crianças baseando-se em ideias erradas sobre
as transexualidades; decisões com reflexo na transfobia e
também derivada dela e da falta de conhecimento apro-
fundado das realidades e necessidades desta população - a
título de exemplo, pode referir-se o caso de Alexia Pardo,
uma mulher trans galega que se divorciou e que alega ter
sido vítima de discriminação transfóbica55. Alexia declara
que por ser trans lhe foi reduzido o regime de visitas ao seu
filho. Algumas pessoas trans têm filhos/as em diferentes
fases das suas vidas, que podem coincidir com momentos
anteriores ou posteriores à “transição” de género56. Contudo,
a existência de filhos/as não pode ser um impeditivo para o
reconhecimento legal das pessoas trans; nem, pelo inverso,
deve o facto da pessoa ser trans constituir um motivo para
perder a vinculação com os/as seus/suas filhos/as.
A Declaração nº A/63/635 da Assembleia Geral da
ONU reforça o facto de todas as pessoas terem o direito ao
exercício dos seus direitos humanos, sem qualquer restri-
ção de “raça”, sexo, afiliação política, nacionalidade ou de
qualquer condição económica ou social57. Este direito foi es-
tabelecido no 2º artigo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos58, no 2º e 26º artigos do Pacto Internacional sobre
os Direitos Civis e Políticos59 e no 2º artigo do Pacto Inter-

54 HAMMARBERG, 2010
55 EFE, 2010
56 PLATERO, 2014
57 ONU, 2008
58 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948
59 PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS,

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nacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais60.


A partir da Declaração nº A/63/635 reafirma-se o
princípio da não discriminação, exigindo que os direitos se
apliquem a todas as pessoas, independentemente das suas
orientações sexuais e identidades de género. Também se
reforça a preocupação com a violação dos direitos humanos
baseados nas orientações sexuais e identidades de género.
Finaliza-se esta declaração, assumindo-se o compromisso
entre os 66 países que a assinaram (entre estes, Portugal e
Brasil) de condenação das violações dos direitos humanos
baseados nas orientações sexuais e identidades de género
(e.g., uso da pena de morte, execuções arbitrárias, tortura,
recusa de direitos económicos, sociais e culturais e do direito
à saúde)61.
O relatório anual (A/HRC/19/41) Leyes y prácticas dis-
criminatorias y actos de violencia cometidos contra personas por
su orientación sexual e identidad de género da Alta Comissária
das Nações Unidas para os Direitos Humanos62 apresenta
os documentos legais, as práticas antidiscriminatórias e os
atos de violência cometidos contra pessoas em razão das suas
orientações sexuais e identidades de género e problematiza
em que medida a normativa internacional de direitos huma-
nos poderia aplicar-se, no sentido de erradicar a violência e
a violação dos direitos humanos em razão das orientações
sexuais e identidades de género.
O relatório “Nascidos livres e iguais: Orientação Sexual
e Identidade de Género no Regime Internacional de Direitos
Humanos”, realizado pela Alta Comissária das Nações Uni-

1966
60 PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS, 1966
61 ONU, 2008
62 ONU, 2011

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374 MAPEAMENTO HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS TRANS...

das para os Direitos Humanos, apresenta um conjunto de


5 obrigações legais dos Estados em relação às pessoas com
orientações sexuais e identidades de género não normativas:
(i) proteger as pessoas da violência homofóbica e transfó-
bica; (ii) prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano
e degradante para as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transgénero (LGBT); (iii) descriminalizar a homossexuali-
dade63; (iv) proibir a discriminação baseada na orientação
sexual ou identidade de género; e, (v) respeitar as liberdades
de expressão, de associação e de reunião pacífica de pessoas
cujas identidades sejam, em determinados contextos, olhadas
como não normativas64.
Com a aprovação da Resolução do Conselho de Direi-
tos Humanos da ONU sobre “Direitos humanos, orientação
sexual e identidade de género” é expressa grande preocu-
pação pelos atos de violência e discriminação que, em todas
as regiões do mundo, se cometem contra as pessoas em ra-
zão das suas orientações sexuais e identidades de género65.
Face ao exposto, e através desta resolução, o Conselho de
Direitos Humanos da ONU solicita à Alta Comissária das
Nações Unidas para os Direitos a atualização do relatório
(A/HRC/19/41), com o objetivo de partilhar boas práticas
para superar a violência e a discriminação, na aplicação das
normativas do direito internacional dos direitos humanos
em vigor.

63 São ainda vários os países que criminalizam a homossexualidade cf. e.g.


ILGA, 2013
64 PILLAY, 2013
65 RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU, 2014

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A persistente insuficiência do reconhecimento de


pessoas trans
Apesar da existência destes documentos internacionais,
a legislação da maioria dos Estados-Membros do Conselho
da Europa não reconhece, explicitamente, a transfobia como
um possível motivo para os crimes de ódio: a lei escocesa
foi a primeira a incluir a transfobia nas tipologias de crimes
motivados pelo ódio, neste caso o ódio transfóbico. Em
consequência, na maioria dos países europeus, as pessoas
trans têm sido excluídas de proteção legal específica, apesar
do alto risco de se constituírem vítimas de crimes de ódio66.
A título de exemplo, a transfobia não foi considerada como
uma agravante nos crimes de ódio contra as pessoas trans,
nas sentenças de autores/as de homicídios motivados pelo
ódio em Portugal e na Turquia67. Para além da proteção
contra a transfobia, o reconhecimento da identidade legal
de uma pessoa trans também depende do país que se esteja
a considerar e da região do mundo a que se pertença.
Em determinados países não existe uma lei específica
que permita às pessoas trans a alteração do nome e do sexo
no registo civil, sendo o Brasil um desses países até 2018. De
facto, o projeto de lei 5002/2013, denominado por Lei João W.
Nery68, Lei de Identidade de Gênero, dispunha sobre o direito
à identidade de género e alterava o art. 58 da Lei nº 6.015
de 31 de dezembro de 1973 e, em 2018, o Supremo Tribunal
Federal garantiu os efeitos do mesmo, que tramita desde

66 COSTA, PEREIRA, OLIVEIRA E RODRIGUES, 2010; HAMMARBERG,


2010; JESUS, 2012; WHITTLE, 2006.
67 HAMMARBERG, 2010; TURNER, WHITTLE E COMBS, 2009
68 O projeto de lei 5002/2013 foi denominado por Lei João W. Nery, pelo facto
de se reconhecer que João W. Nery foi o primeiro homem trans a realizar a
cirurgia de redesignação sexual no Brasil (ainda com caráter experimental).

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2013, na Câmara69. Assim, pessoas trans têm, agora, o direito


de alterar o nome e o género no registo civil mesmo sem a
realização de cirurgias de redesignação de sexo. Em termos
legislativos, a Resolução Nº 12, de 15 de janeiro de 2015, es-
tabelece parâmetros para garantir condições de acesso e de
permanência nas instituições de ensino de pessoas travestis,
transexuais e daquelas que não tenham a sua identidade de
género reconhecida em diferentes espaços sociais, bem como
formula orientações quanto ao reconhecimento institucional
da identidade de género e a sua aplicação. Destaque-se tam-
bém a Portaria Nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, que
redefine e amplia o “processo transexualizador” no SUS70.
Outros países, como a Colômbia, ainda que não dis-
pondo de uma lei específica que permita alterar o nome e o
sexo no registo civil, agilizam os trâmites legais para mudar
de sexo nos documentos públicos.
Em outros casos, como na Argentina (Establécese el de-
recho a la identidade de género de las personas)71, na Andaluzia
(Integral para la no discriminación por motivos de identidad de
género y reconocimiento de los derechos de las personas transe-
xuales de Andalucía)72 e em Malta (Gender Identity, Gender
Expression and Sex Characteristics Act, 2015)73, não há qualquer
requisito (e.g., diagnóstico; tratamentos hormonais; cirurgia
e/ou ser sujeito à esterilização) para alterar o nome e o sexo
no registo civil.
Outros países autorizam a alteração do nome e do sexo
no registo civil com um diagnóstico de disforia de género
(e.g., Alemanha, Áustria, Croácia, Espanha, Holanda, Reino
Unido, Suécia)74.
69 PROJETO DE LEI 5002/2013, 2013
70 PORTARIA N.º2.803, 2013
71 LEY 26.743, 2012
72 LEY 2/2014, 2014
73 ACT NO. XI, 2015
74 PLATERO, 2014; TGEU, 2015b, 2019

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Porém, na maioria destes países, um indivíduo, para


obter o reconhecimento legal da sua identidade, terá de ser
diagnosticado com uma perturbação de identidade de géne-
ro; iniciar tratamentos hormonais e cirúrgicos; ser sujeito à
esterilização, tornando-se irreversivelmente infértil; ao que
acresce o facto de ter que ser solteiro ou ter que se divorciar
(e.g., Bulgária, França, Grécia, Itália, República Checa, Tur-
quia e Ucrânia)75.
Gerard Coll-Planas entende, na linha conceptual que
Judith Butler defende, a patologização das identidades trans
como uma forma de violência de género, de transfobia que
é exercida pelo Estado e pelas instituições médicas que pre-
tendem “curar” as pessoas trans76. É nesse panorama que
alguns Estados não têm legitimado as identidades trans,
contribuindo para a violação dos seus direitos humanos
fundamentais.
Hammarberg desenvolveu algumas recomendações
dirigidas aos Estados-Membros do Conselho da Europa para
intervir nas questões relacionadas com identidades de género
e orientações sexuais não normativas. Este comissário refere
que é necessário: (i) implementar standards internacionais so-
bre direitos humanos, proibindo explicitamente a transfobia
na legislação antidiscriminatória; (ii) promulgar legislações
sobre crimes de ódio que proporcionem uma proteção espe-
cífica aos/às trans; (iii) desenvolver procedimentos eficazes
e transparentes para mudar o nome e o sexo no registo civil,
em títulos académicos e noutros documentos similares; (iv)
erradicar a esterilização e outros tratamentos médicos obri-
gatórios como um requisito para obter o reconhecimento
legal da identidade; (v) promover um acesso efetivo aos

75 HAMMARBERG, 2010; PLATERO, 2014; TGEU, 2015b


76 COLL-PLANAS, 2010; BUTLER, 1999, 2004

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processos de mudança física de sexo para os/as trans que


o desejam e assegurar que estes/as sejam reembolsados/
as pelos sistemas de saúde pública; (vi) eliminar qualquer
restrição ao direito dos/as trans de manter um casamento,
quando desejam o reconhecimento legal da sua identidade;
(vii) implementar políticas de combate à discriminação e à
exclusão dos/as trans no mercado de trabalho, na educação e
na saúde; (viii) auscultar as organizações LGBT e as pessoas
trans para o desenvolvimento e implementação de medidas
políticas e legais que lhes dizem respeito; (ix) abordar os
direitos humanos dos/as trans no sistema educativo, nos
programas de formação em direitos humanos e desenvolver
campanhas de sensibilização; (x) formar as/os profissionais
de saúde sobre os direitos das pessoas trans ao acesso efetivo
aos cuidados de saúde; (xi) incluir o tema dos direitos huma-
nos dos/as trans nas atividades das instituições de igualdade
e nas estruturas (inter)nacionais dos direitos humanos; e, (xii)
desenvolver projetos de investigação sobre a situação dos
direitos humanos das pessoas trans77. Neste sentido, o direi-
to, a psicologia, a medicina e outras áreas do saber devem
contribuir para que estas recomendações sejam cumpridas,
diminuindo o sofrimento das pessoas trans, reconhecendo
o direito destas a alterar o nome e o sexo no registo civil78 e
o direito ao acesso efetivo aos cuidados de saúde, sem que
para isso tenha de existir qualquer requisito79.
Em Portugal a lei permite a alteração de nome e de sexo
no registo civil80,81; também uma alteração ao Código Penal

77 HAMMARBERG, 2010
78 VIEIRA, 2000
79 VENTURA E SCHRAMM, 2008
80 LEI N.º 7/2011, 2011
81 A 1 de abril de 2020 ocorre a aprovação de Taxas de Isenção para a mudança
de sexo e respetivo nome no registo civil em Portugal – antes disso era

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incluiu a transfobia como uma agravante nos crimes de ódio82


e em 2015 é consagrado o direito à igualdade no acesso ao
emprego e no trabalho83. Todas estas leis contribuíram para
o reconhecimento e a proteção legal das transexualidades.
Contudo, em Portugal, os Princípios de Yogyakarta84 e
as recomendações de Hammarberg85 não foram garantidos
em pleno, sobretudo devido ao facto da Lei nº 7/2011 de 15
de março exigir um diagnóstico de perturbação de identida-
de de género para a alteração do nome e do sexo no registo
civil. Se, por um lado, a lei estabelecia a possibilidade de a
identidade ser reconhecida enquanto direito, por outro, exi-
gia que se tivesse uma patologia “cientificamente atestada”
para se ser reconhecido/a86. Além disto, esses princípios e
recomendações não foram assegurados, em Portugal, devido
ao facto de a identidade de género não estar incluída no 13º
artigo da Constituição da República Portuguesa – Princípio
da Igualdade87. Diz este Princípio que: “Todos os cidadãos [e
cidadãs] têm a mesma dignidade social e são iguais perante a
lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado,
privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em
razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, si-
tuação económica, condição social ou orientação sexual”88.
Note-se, pois, a não figuração da identidade de género no
âmbito deste Princípio.

cobrado um valor de 200 euros.


82 LEI N.º 19/2013, 2013
83 LEI N.º 28/2015, 2015
84 CORRÊA E MUNTARBHORN, 2007
85 HAMMARBERG, 2010
86 HAMMARBERG, 2010
87 CANOTILHO E MOREIRA, 2008
88 CANOTILHO E MOREIRA, 2008, p.15-16

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380 MAPEAMENTO HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS TRANS...

Ainda assim, em 2016, foi apresentado um projeto de


lei – Projeto de Lei 242/XII pelo Bloco de Esquerda, que re-
conhecia o direito à autodeterminação de género, eliminando
os requisitos abusivos e atentatórios da dignidade humana
presentes no então procedimento de reconhecimento jurídico
de género e exigia a apresentação de um relatório de diag-
nóstico de saúde mental. Meses mais tarde, um outro partido
político apresentou um novo projeto de lei, que assegurava
o direito à autodeterminação de género. No seguimento dos
projetos de lei apresentados, em 2017, o Governo apresentou
a proposta de Lei 75/XII, estabelecendo “a necessidade de
melhorar o regime da identidade de género, nomeadamen-
te no que concerne à previsão do reconhecimento civil das
pessoas intersexo, assim como o quadro legislativo relativo
às pessoas transexuais e transgénero, suprimindo as dis-
criminações subsistentes na lei, como forma de proteção e
promoção dos direitos fundamentais, colocando Portugal,
uma vez mais, na linha da frente dos países empenhados na
igualdade”89. Assim sendo, a lei nº 38/2018 de 7 de agosto90
foi o culminar de anos de luta e garante o direito à autode-
terminação da identidade de género e expressão de género
e à proteção das características sexuais de cada pessoa. Im-
porta referir que, também em 2018, Portugal definiu a sua
Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação
2018-2030, que assenta numa visão estratégica para o futuro
sustentável de Portugal, enquanto país que realiza efetiva-
mente os direitos humanos, assente no compromisso coletivo
de todos os setores na definição das medidas a adotar e das
ações a implementar.

89 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, 2017, p.1


90 O Despacho n.º 7247/2019 da Presidência do Conselho de Ministros e
Educação estabelece as medidas administrativas para implementação do
previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto.

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Assim sendo, de facto, em Portugal, nos últimos anos,


assistiu-se a avanços legislativos significativos, ampliando as
condições de vida das pessoas trans em Portugal, no entan-
to, vislumbra-se outras necessidades, nomeadamente, a de
ampliar a sua aplicação no âmbito do acesso efetivo à saúde
das pessoas trans reconhecendo o direito à autodeterminação
dos seus corpos e das suas identidades.

Considerações finais
Face ao exposto e reconhecendo que alguns países têm
assumido na arena internacional o compromisso de com-
bater a discriminação com base na identidade de género,
permanece ainda um conjunto vasto de lacunas ao nível
jurídico-legal e político, entre outros. Torna-se, pois, funda-
mental discutir, num diálogo intercultural, os direitos das
pessoas trans – quer a nível nacional/regional, quer a nível
internacional – envolvendo organizações internacionais,
instituições nacionais dos direitos humanos, organizações
não-governamentais, academia, profissionais dos média, etc.
Mais ainda, importa adotar posturas sociopolíticas, radica-
das em perspetivas críticas de direitos humanos, com vista
a potenciar a melhoria das condições de vida das pessoas
trans91 e a afirmar a livre expressão da identidade de género,
sem discriminação, como um direito humano inalienável92.
Assim, será possível construir alternativas de resistência e de
reconhecimento humanizante e humanizado para e destas
pessoas93. É importante a releitura dos direitos humanos a
partir de locais alternativos, das zonas de exclusão ou das
perspetivas dos/as sujeitos/as excluídos/as. A centralização

91 PIÑEROBA, 2008
92 ARÁN E MURTA, 2009; SUESS, 2010
93 SANTOS, 2009

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dos/as sujeitos/as excluídos/as e das suas histórias pode


trazer o projeto dos direitos humanos de volta a um “novo”
espaço de significados, revitalizando a ação política e ética
de construção dos direitos humanos94.
Em vários lugares do mundo, inúmeros/as ativistas e
organizações não-governamentais têm lutado pelos direitos
humanos destes grupos oprimidos, desenvolvendo discursos
e práticas anti-hegemónicas de direitos humanos, propondo
conceções não universais dos direitos e diálogos intercul-
turais95. Como quisemos deixar bem presente neste artigo,
se por um lado alguns grupos utilizaram a plataforma de
direitos humanos como ferramenta para lhes reconhecerem
os seus direitos, assumindo a importância da leitura das
pessoas trans a partir dos lugares e perspetivas de direitos
humanos, importa considerar criticamente o caráter deshis-
tórico e universalizante da perspetiva mais tradicional dos
direitos humanos.
A adoção de uma reflexão crítica96 sobre a conceção
mainstream dos direitos humanos permitirá reconhecer
que esta poderá ser mantida através do conhecimento e
da partilha (ainda que provisórios) com outras culturas e
sociedades97. São estas propostas críticas que favorecem a
construção de uma sociedade onde sejam discutidas e con-
templadas as diferenças e as singularidades das pessoas, e
na qual se articulem os diferentes eixos de identidade social
(e.g., género, sexualidade, idade, classe, nacionalidade, etc.),
colocando novos desafios para a concretização efetiva de
princípios como a igualdade, a justiça social e a democracia
societal98, bem como transformando a conceção e a prática
94 KAPUR, 2006; MULLALLY, 2009
95 SANTOS, 2009
96 KAPUR, 2006
97 SANTOS, 1997; SCHRITZMEYER, 2008
98 SANTOS, 2009

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dos direitos humanos num projeto cosmopolita, que trans-


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392 MAPEAMENTO HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS TRANS...

Recebido em: 23/10/2023


Aprovado em: 15/11/2023

Liliana Rodrigues
E-mail: frodrigues.liliana@gmail.com

Sara Lemos
E-mail: up201608461@fpce.up.pt

Ana R. Pinho
E-mail: acrpinho@fpce.up.pt

Nuno Santos Carneiro


E-mail: nuno.carneiro@isssp.pt

Conceição Nogueira
E-mail: cnogueira@fpce.up.pt

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