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Amaro de Roboredo, Gramático e Pedagogo Português Seiscentista, Pioneiro Na Didáctica Das Línguas e Nos Estudos Linguísticos

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Amaro de Roboredo, gramático e pedagogo português seiscentista, pioneiro na


didáctica das línguas e nos estudos linguísticos

Chapter · September 2007


DOI: 10.13140/2.1.4740.7681

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2 authors:

Carlos Assunção Gonçalo Fernandes


Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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Amaro de Roboredo,
gramático e pedagogo português seiscentista,
pioneiro na didáctica das línguas
e nos estudos linguísticos

1. Introdução

A atenção pela historiografia linguística portuguesa cresceu


muito na última década, como testemunham o incremento de novos
filões de investigação e as consequentes reedições de textos linguís-
ticos antigos, como, v. g., a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa
(1996), de Bernardo de Lima e Melo Bacelar, o Parvum Lexicon (1998),
de António Pereira de Figueiredo, a Gramática da Linguagem Portu-
guesa (2000), de Fernão de Oliveira, o Methodo Grammatical para
Todas as Linguas (2002), de Amaro de Roboredo, e a Gramática Filo-
sófica da Língua Portuguesa (2005), de Jerónimo Soares Barbosa, entre
outros. Essa valorização está, inclusivamente, plasmada nos objectivos
do Centro de Estudos em Letras, com sede na Universidade de Trás-
‑os-Montes e Alto Douro, especificamente numa das suas linhas de
investigação, votada ao estudo, análise e reedição de textos linguís-
ticos e gramaticais portugueses antigos.
Esse crescente interesse pela historiografia linguística não é exclu-
sivo de Portugal, como demonstra a vitalidade da Sociedad Española
de Historiografía Lingüística e dos seus congressos trienais, bem
como a International Conference on Missionary-Colonial Linguistics

XI
(1492-1850), organizada pelo Centro de Investigação sobre Textos
Missionários (OSPROMIL), cujas reuniões científicas se têm realizado
nas universidades de Oslo, Noruega (2003), S. Paulo, Brasil (2004),
Hong Kong, China (2005), Valladolid, Espanha (2006), e Cidade do
México, México (2007).
Contudo, o século XVII português e, em especial, o seu «maior
gramático da língua portuguesa» (Assunção 1997: 205), Amaro de
Roboredo, ainda não mereceram, na nossa opinião, suficiente divul-
gação e análise.

2. Esboço biobibliográfico

Amaro de Roboredo nasceu nos finais do século XVI, provavel-


mente entre 1580 e 1585 , na freguesia (antiga vila) de Algoso , que,
actualmente, pertence ao concelho de Vimioso, distrito de Bragança,

 
Não sabemos a data exacta de nascimento de Roboredo, porque os livros de
baptismo desta época de Algoso estão desaparecidos, mas acreditamos que este tenha
ocorrido depois de 1580 — talvez entre 1580 e 1585 —, por quatro razões fundamentais:
1.º) Em 1610, quando deixou Miranda do Douro para secretariar o arcebispo de Évora
D. Diogo de Sousa, Roboredo já era sacerdote; 2.º) Nessa data, portanto, devia ter mais
de 25 anos, porque, se fosse mais novo, não teria a confiança do prelado eborense e, se
fosse bastante mais velho, talvez não tivesse saído da sua terra natal para apenas secre-
tariar o arcebispo, pois podia desempenhar essas mesmas tarefas em Miranda do Douro;
3.º) Quando publicou o Methodo Grammatical, em 1619, Roboredo já tinha uma acentu-
ada maturidade científica e pedagógica e, portanto, nessa data, não devia ter menos de
35 a 40 anos; e 4.º) não é crível que o seu último livro, publicado em 1653 – na nossa hipó-
tese, já septuagenário –, fosse publicado por outrem, pois não tem qualquer referência a
outro nome nem a uma edição póstuma.
 
Actualmente só existe esta freguesia com este nome, mas no século XVI e XVII
também existia uma freguesia com o mesmo nome no concelho de Barcelos (Algoso da
Pousa), distrito de Braga, que correspondia à actual freguesia de Pousa. No entanto, não
nos parece possível Roboredo ser natural de lá, pois: 1.º) não consta do livro de baptismos
dessa freguesia, que se encontra no Arquivo Distrital de Braga; 2.º) a freguesia do concelho
de Barcelos era apenas uma aldeia e não vila como a do concelho de Vimioso; e 3.º) Robo-
redo não é um apelido usual na região, de maneira que hoje não há nenhum Reboredo ou
Roboredo nessa freguesia.
Alguns autores, porém, colocam o seu nascimento em Viseu, mas trata-se de uma
confusão com o facto de ele ter sido beneficiado da respectiva Sé e de o Padre Bento
da Vitória (Vitorino José da Costa), ao (re-)editar as Regras da Orthografia da Linguagem

XII
e à então recente  diocese de Miranda-Bragança, cuja sede se situava
em Miranda do Douro, a poucos quilómetros de Algoso.
Para o Abade de Baçal, P.e Francisco Alves, Amaro era «irmão de
António de Roboredo, licenciado, prior de Algoso pelos anos de 1603»
(Alves 1931: 448; vd tb Alves e Amado 1968: 369). No entanto, não
nos foi possível confirmar esta afirmação, por falta de documentos da
época e por José de Castro o não apresentar como tal (Castro 1951:
388) . Há também a possibilidade de Amaro de Roboredo ter sido tio
de Afonso de Roboredo, que foi nomeado meio prebendeiro do cabido
de Viseu em 1679, e, deste modo, seria filho de «Afonso Rodrigues e
Catarina Rodrigues, naturais de Algoso», e irmão de Maria Rodrigues
(mãe de Afonso de Roboredo), que casou com Francisco Gonçalves
Torrão, filho de «Francisco Gonçalves e Inês Pires, naturais de Viseu»
(Ms. da Cx. 1, n.º 7 do ADV) .

Portuguesa, o ter dado, nas páginas 1 e 2 do Prólogo, como «natural de Viseu». No entanto,
não parecem restar quaisquer dúvidas de Roboredo ter nascido em terras transmontanas,
pois é o próprio quem o afirma na Verdadeira Grammatica Latina (1615) e no Methodo
Grammatical (1619).
A antiga vila de Algoso, também denominada Ulgoso e Ylgoso, «é uma das povoações
mais notáveis do distrito de Bragança, pela sua antiguidade, pela autonomia administra-
tiva de que gozou, muitos anos, pelos seus monumentos históricos e, principalmente, pela
comenda da Ordem de Malta que, durante séculos, ali teve a sua sede, e que muito a nobi-
litou, ligando a ela o nome de representantes da mais alta fidalguia de Portugal» (Alves
e Amado 1968: 437). Foi vila e sede de concelho, tendo recebido o foral por D. Afonso V,
em 1480, e D. Manuel I, em 1 de Junho de 1510. A 1 de Janeiro de 1592, o rei concedeu
à Câmara Municipal de Algoso carta de privilégios (Ibidem: 16). Contudo, o concelho de
Algoso foi provavelmente extinto pelo decreto de 6 de Novembro de 1836, passando a inte-
grar o de Vimioso (Ibidem: 441-442).
 
Este bispado foi criado em 22 de Maio de 1545, pela Bula Pro Excellenti Aposto-
licae Sedis do Papa Paulo III.
 
Sobre este hipotético irmão, contudo, nada mais conseguimos saber, a não ser que
havia um padre chamado António de Reboredo (ou Rebolledo, em Castelhano), natural de
Algoso (da diocese de Miranda), que «estudió Gramática, Cánones y Leyes» (Dios 1992: 105)
na Universidade de Salamanca, nos anos lectivos de 1582 a 1587. No entanto, houve outro
(?) António de Reboredo (Rebolledo), de Miranda do Douro, que também estudou Câno-
nes, em 1616, naquela universidade (Ibidem). Estas informações não são suficientes para
saber qual deles é o irmão de Amaro, se algum deles o é, ou se ambos são a mesma pessoa.
 
Trata-se de uma mera dedução hipotética, assente: 1.º) no apelido do «sobrinho»,
Roboredo; 2.º) na naturalidade dos avós maternos, de Algoso; e 3.º) no facto de Amaro de
Roboredo ter sido beneficiado nessa diocese.

XIII
Não nos foi possível saber onde Amaro de Roboredo efectuou os
seus primeiros estudos, mas, sendo natural de Algoso, há apenas três
hipóteses a considerar: ou no Colégio do Santíssimo Nome de Jesus
(fundado em 1562), em Bragança; ou no Colégio ou Seminário de
S. Pedro (fundado no mesmo ano), em Bragança; ou ainda no Semi-
nário de S. José de Miranda, na sede diocesana (Varizo 1993: 3-29;
Baptista 1995: 95-123; Castro 1946; Almeida 1986; Alves 1982). Con-
tudo, é (quase) certo que estudou com os jesuítas e foi influenciado
pelos seus métodos de ensino, positiva e negativamente.
Existe uma grande probabilidade de Roboredo ter estudado Artes
(gramática latina) na Universidade de Salamanca , possivelmente
entre 1610 e 1615, isto é, depois da morte do Arcebispo D. Diogo de
Sousa (1610) e antes da publicação da Verdadeira Grammatica Latina e
das Regras da Orthographia Portuguesa (1615). A corroborar esta hipó-
tese está o facto de ele ter conhecido a Janua Linguarum dos jesuítas
irlandeses de Salamanca, que saiu dos prelos em 1611 e foi re-editada
por Roboredo, em Portugal, doze anos depois (1623), e de ele ter sido
incentivado a publicar um novo método de ensino-aprendizagem do
Latim por Gaspar Alvarez Vega (ou da Veiga) , que, sendo natural de
Freixo-de-Espada-à-Cinta, estudara na Universidade de Salamanca
Artes, Teologia e Cânones, entre 1592 e 1608, e, em 1618, era regente de
gramática de 2.ª classe na mesma universidade.
Quanto à vida profissional e eclesiástica, sabemos apenas que,
em 1610, foi secretário do arcebispo de Évora D. Diogo de Sousa .

 
Na dissertação doutoral de Ángel Marcos de Dios, contudo, embora se analise a
proveniência de cerca de 10.000 portugueses a estudar em Salamanca neste período, não
foi possível encontrar nenhum Amaro (em latim, Mauro) de Roboredo (ou, em Castelhano,
Rebolledo), mas o seu autor refere que, entre 1580 e 1640, estudaram em Salamanca doze
(12) alunos naturais de Algoso, da diocese de Miranda do Douro (Dios 1986: 238).
 
Cf. o Prólogo do Methodo Grammatical para todas as Linguas (1619), que se inti-
tula «Carta do autor Amaro de Roboredo ao D. Gaspar Alvarez Vega lente de Latim na
Universidade de Salamanca».
 
D. Diogo de Sousa foi eleito 7.º bispo de Miranda-Bragança (1597-1610), no con-
sistório secreto do Vaticano, realizado no palácio do Quirinal, em 4 de Julho de 1597, pelo
papa Clemente VIII. Em 27 de Novembro de 1608 foi eleito arcebispo de Évora, cargo de
que tomou posse a 27 de Maio de 1610, vindo a falecer a 31 de Dezembro desse mesmo ano.

XIV
Em 1625 , Roboredo era o preceptor (mestre) de D. Duarte e de D. Fran-
cisco de Castelo Branco Coutinho, filhos de D. Francisco de Castelo
Branco e netos de D. Duarte de Castelo Branco, conde de Sabugal,
meirinho-mor do Reino e vedor da Fazenda. Nesta época, também era
o professor particular dos filhos de D. Baltasar de Teive, um fidalgo
espanhol a residir em Portugal, (talvez) natural de Salamanca. Dois
anos mais tarde, em 1627, Amaro de Roboredo era beneficiado da
Igreja de Nossa Senhora da Salvação 10, em Arruda dos Vinhos, perten-
cente à Vigararia de Alenquer, da diocese de Lisboa 11.
Amaro de Roboredo deve ter falecido depois de 1653, em Viseu,
com mais de 70 anos, pois o seu último livro foi publicado nesse ano
e não faz qualquer referência a uma edição póstuma nem apresenta
quaisquer outros nomes responsáveis pela edição.
As obras de Roboredo merecem um especial interesse para a
romanística, em geral, e para os estudos linguísticos portugueses,
em particular. Com efeito, o gramático publicou, com certa regulari-
dade, durante uma dezena de anos (entre 1615 e 1625), várias obras de
carácter linguístico‑didáctico. O mais curioso e, talvez, significativo,

 
Entre a morte do arcebispo, em 1610, e o seu Benefício na Sé de Viseu, em 1625,
há um hiato temporal de 15 anos. Nesse período, colocámos duas hipóteses para a estada
de Roboredo: 1.ª) pode ter estado a morar em Viseu e ter ficado por lá; ou 2.ª) pode ter ido,
nesta época, estudar para Salamanca, pois a Verdadeira Grammatica Latina foi publicada
em Lisboa, em 1615, e a edição original da Ianua Linguarum saiu dos prelos salmantinos
em 1611, altura em que ele a deve ter conhecido.
10
Cf. rosto da obra Roboredo, Amaro de (1627): Socorro das Almas do Purgatorio,
para se saberem tirar com indulgencias as almas nomeadas, e applicar-lhes bem a satisfação
de obras penaes, e pias. Ajuntase hum modo facil, e artificioso de rezar bem o Rosairo, e
Coroas da Virgem Nossa Senhora. Lisboa: Pedro Craesbeeck.
11
Segundo o pároco de Nossa Senhora da Salvação, em Arruda, não há qualquer
documento da época nessa paróquia nem há qualquer dado sobre Roboredo em monogra-
fias locais. No entanto, e de acordo com o mesmo pároco, no século XVII, o reitor e, mais
tarde, o prior de Arruda era apresentado pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho,
a partir da Igreja da Graça, em Lisboa, os mais pertenciam ao Mosteiro de S. Vicente de
Fora. No entanto, ele apenas era beneficiado lá e Arruda tinha, nesta altura, seis (6) bene-
ficiados, para além do prior. Daí não podermos concluir se Roboredo pertencia à ordem
dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Tudo parece indicar que Amaro de Roboredo
seria um padre secular.

XV
no entanto, é o facto de essas obras só terem primeiras edições, ao
contrário das suas publicações de cariz religioso.
As primeiras obras de teor linguístico de Amaro de Roboredo
datam de 1615: uma é dedicada à ortografia portuguesa e outra ao
ensino da língua latina, a saber, Regras da Orthographia Portugueza
(Lisboa: António Álvares) e Verdadeira Grammatica Latina para se bem
saber em breve tempo, scritta na lingua Portuguesa com exemplos na
Latina (Lisboa: Pedro Craesbeeck), respectivamente.
As Regras, ainda hoje desaparecidas, eram, para o P.e Francisco
Alves (Abade de Baçal), constituídas apenas por uma «uma folha
raríssima» (Alves 1931: 449), que o P.e Vitorino José da Costa, sob o
pseudónimo Bento da Vitória, (re-)edita, mais de um século depois,
possivelmente em 1738. No entanto, apesar de pretender fazer uma
2.ª edição da «ortografia» roborediana, Vitorino José da Costa acres-
centa que a adaptou «de algum modo ao estylo, que introduziraõ os
modernos, sem offensa do respeito devido á sua antiguidade» (Vitória
1738: A IV r.), isto é, pô-las em forma de diálogo entre o Mestre e o
Discípulo, mas também admite que alterou o conteúdo das mesmas:

na sua abbreviaçaõ naõ so se incluem as que escreveo o Doutissimo Bispo


D. Antonio Pinheiro, Fr. Joaõ Soares (…); mas tambem as do insigne Joaõ de
Barros, Alvaro Ferreira de Vera, Joaõ Franco Barreto, Duarte Nunes de Leaõ,
e outros que lemos, e veneramos (Ibidem).

Ora, por causa de ter «fortes dúvidas acerca da originalidade do


texto» (Kemmler 1996: 39), é que, por exemplo, Rolf Kemmler se limitou
a uma breve notícia bibliográfica, «prescindindo de um estudo mais
aprofundado das Regras» (Ibidem: 40) no seu Magisterarbeit.
Também nós, por razões conteudísticas, resultantes da compa-
ração entre o estilo utilizado por Roboredo ao longo de toda a sua obra,
e as teses nela defendidas, entendemos que as Regras da Orthografia
da Linguagem Portugueza setecentistas não nos merecem (total) con-
fiança quanto à sua autoria, isto é, quanto a se, de facto, foram, ou não,
teorizadas por Roboredo ou se são uma mescla das perspectivas de
vários ortógrafos, quer anteriores quer posteriores. Há uma clara con-
tradição entre algumas regras da edição da Orthografia de 1738 e das
Raizes da Lingua Latina. Por exemplo, o princípio A5 diz

XVI
que os nomes Gregos, que se escrevem com ph, podeis em seu lugar escrever
f, apropriando-os á Linguagem Portugueza: v.g. Filosofia, por Philosophia, &c.
(Roboredo 1738: 12),

mas é o seu oposto que encontramos nas Raizes quando o seu autor
diz que

a palavra que se achar escritta com algüa destas letras, Y, Ch, Ph, Rh, Th, e
com estas finaes An, In, On, he grega, e guardará sua original ortografia;
como Lacryma, Machina, Euphonia, Rhetorica, Theologia, Aenean, Delphin,
Christallon &c. (Idem 1621: 31).

Por isso, não consideramos a edição de 1738 da autoria de Amaro


de Roboredo, mas de Bento da Vitória (Vitorino José da Costa).

A Verdadeira Grammatica Latina, para se bem saber em breve tempo,


scritta na lingua Portuguesa com exemplos na Latina esteve até há
pouco tempo desaparecida e só recentemente foi descoberto um exem-
plar seu na Biblioteca da Universidad de Barcelona (Signatura 0700
C-213/8/19). Esta obra, de tamanho in 8º, é constituída por um pró-
logo (2 folhas), a «grãmatica latina» (56 folhas) e um suplemento com
8 «Obieições contra esta grammatica, & resposta a ellas» (11 folhas).
Trata-se de uma gramática latina escrita em Português (a segunda
no território nacional, depois da de Pedro Sanches), abreviada:

fugindo pois extremos quanto pude, elegi do muito, o necessario, e de muitos


o melhor, mais breve & facil a quem imito (Roboredo 1615: «Prologo», ¶ 3 r.).

A maior influência é Francisco Sánchez, o Brocense, como diz


Roboredo também no prólogo:

Este hè o Doutor Francisco Sanchez, a quem tambem seguirão os reforma-


dores de Nebrissense no anno de noventa, & oito, se elle não foi o principal
(Ibidem).

A Verdadeira Grammatica Latina está organizada em dez capítulos


ou «divisões», estruturadas em dois níveis ou fases de aprendizagem:
nível inicial (até à «divisaõ», V) e de consolidação (da «divisaõ VI»
à «divisaõ» X). Sobre a segunda «divisaõ», ou parte, Roboredo tem

XVII
uma perspectiva didáctica bastante original, pois pressupõe a apren-
dizagem da língua latina em espiral ou «circulo»:
Das dez divisoës, em que este methodo vai repartido, vão as ultimas cinquo,
como em circulo, porque por qualquer divisaõ, ou artigo se pode começar, e
fazer delle primeiro (Roboredo 1615: 3 v.-4 r.).

O que se segue nesta Arte vai como em circulo, porque de qualquer divisaõ,
ou artigo podem fazer principio sem o impedir supposição, ou dependencia
(Ibidem: 31 v.).

Trata-se de um método completamente inovador para a época,


dominada pedagogicamente pelos jesuítas e, em particular, no refe-
rente ao ensino do Latim, por Manuel Álvares:
O methodo he o mais facil, que me occoreo, ainda que largo por tocar com
clareza cousas novas, & satisfazer a velhas, sem o que não seria a novidade
bem acceita (Ibidem: «Prologo», ¶ 3 r.)

Esta primeira experiência editorial de Roboredo deve ter sido


bastante criticada pelos seus coevos, pois é o próprio quem diz, no
Prólogo do Methodo Grammatical, o seguinte:
participou este Methodo o aborrecimento do outro tambem apressado diri-
gido sô aa Latina, em que não fiz mais que provar a pena, & juntamente as
mordeduras. Porque lhe chamarom confuso, deminuto, instavel; nem querião
que se intitulasse verdadeiro, ainda que de sua verdade constasse. Arguião per
hum dos argumentos de sua Logica, que he Enthimema de antecedente calado,
assi: Eu não entendo este Methodo; logo elle não presta. O Antecedente por
lhe tocar calarão: o Consequente por perjudicar, publicavão (Idem 1619:
«Prologo», a 2 r.).

Rogelio Romeo especifica que as reacções negativas ao método


da Verdadeira Grammatica Latina tiveram a sua origem nos jesuítas:
Que la reacción de los docentes jesuitas más conservadores, ante tales Artes
– y sobre todo ante la Verdadeira grammatica latina – no iba a ser precisamente
pacífica lo muestra a las claras el hecho de que el mismo Roborado optase
por justificar la fundamentación teórica y metodológica de su gramática, con
el fin de refutar las críticas más previsibles, en opúsculo publicado al final
de aquélla, intitulado Obieiçoës contra esta Grammatica, & resposta a estas
(Romeo 2006: 63).

XVIII
Em 1619, Roboredo publica a sua mais importante obra linguís-
tica, o Methodo Grammatical para Todas as Línguas (Lisboa: Pedro
Craesbeek). O Methodo está divido em três partes ou livros: a primeira,
que vai da página 1 à 78, terminando com o suplemento Recopilaçam,
é a «Arte» ou a Grammatica exemplificada na Portuguesa, & Latina;
a segunda, Copia de Palavras exemplificada nas latinas, artificio expe-
rimentado para entender Latim em poucos meses, que vai da página
79 à 181, corresponde às 1.141 sentenças / frases da Ianua Linguarum
dos jesuítas irlandeses de Salamanca, com a colocação por Roboredo
de números e notas interlineais e as declinações e géneros dos nomes
e as conjugações dos verbos; a terceira parte, Phrase exemplificada
na Latina, em que se exercitão as syntaxes ordinarias, & collocação
rhetorica, que vai da página 182 à 241, é a segunda parte da Copia,
onde, mais detalhadamente, Roboredo analisa a sintaxe e a retórica e
apresenta outros exemplos de frases latinas e portuguesas, extraídas
de autores clássicos ou criadas por ele. Amaro de Roboredo publica,
ainda, no interior do Methodo Grammatical, o já mencionado suple-
mento de três páginas, entre as 78 e 79, denominado Recopilaçam da
grãmatica portugueza, e latina, pela qual com as 1141 sentenças insertas
na arte se podem entender ambas as línguas.

Roboredo fez sair dos prelos ainda o dicionário Raizes da Lingua


Latina mostradas em hum trattado e diccionario, isto he, hum com-
pendio do Calepino com a composição, e derivação das palavras, com a
ortografia, quantidade e frase dellas, com a data de 1621, mas possivel-
mente só publicado em 1623 em conjunto (suplemento?) com a Porta
de Linguas, pois não tem as licenças de publicação e encontra-se, em
algumas bibliotecas, encadernado com aquela. Também o título da
Porta de Linguas o regista como sendo sua parte integrante: Com as
raizes da Latina mostradas em hum compendio do Calepino, ou por
melhor do Tesauro. Parece, assim, que as Raizes são a segunda parte
da Porta de Linguas.
Trata-se de um dicionário trilingue, com as entradas em Latim e
as respectivas traduções em Português e, quando a forma é diferente,
em Castelhano, ou, como diz o gramático-lexicógrafo seiscentista,

XIX
a interpretação he dobrada, Portuguesa, e Castelhana; e faltando a Castelhana,
sabe que a mesma palavra sem nenhuma differença, he Portuguesa, e Caste-
lhana, ao menos quanto aas letras, e significação, posto que a pronunciação
seja diversa (Idem 1621: «Advertencia», 1-2).

Trata-se do terceiro dicionário Latim-Português publicado em


Portugal, depois de várias edições do Dictionarium Latino-Lusitanicum
et vice versa Lusitanico-Latinum, do lamacense Jerónimo Cardoso, e do
Dictionarium Lusitanicolatinum, do vimaranense Agostinho Barbosa,
e o primeiro a integrar o Português e o Castelhano.
Grande parte das palavras latinas das Raizes corresponde às
da Porta de Linguas, trazendo a referência numérica da respectiva
sentença, como, por exemplo, a palavra «Methodus. f. 868, Metodo
(sic), via, ou modo de ensinar breve» (Ibidem: 228), que, de facto, se
encontra na sentença 868 da nona centúria: «Ethicae, & arithmeticae
notitia, cum methodo, & norma tradenda est» (Idem 1623: 221); ou,
v. g., «Ascribo, is, ptum ac. & d. ad, in. 1042. Assentar em rol, matri-
cular, atribuir, ajuntar, assinar. Hisp. Alistar, escrevir persona. &c.»
(Idem 1621: 59), que está na sentença 1.042 da Porta de Linguas, que
não existe na edição princeps salmantina – a edição salmantina não
tem quaisquer sentenças entre a 1.041 e a 1.100 –: «Litaniae tuae com-
plures indigetes ascribito» (Idem 1623: 259).
Segundo o autor português, a Porta de Linguas tinha 5.202 pala-
vras diferentes, que ele nas Raizes analisou, às quais acrescentou
17.214 palavras derivadas, perfazendo um total de 22.416:

Para compor esta primeira parte do vocabulario, que aqui offereço, trouxe a
juizo cada palavra do calepino, e as ponderei, e contei. Porque nas sentenças
se conteem 5202. das quaes se colligem outras 17 214. E todas fazem somma
de 22 416 (Ibidem: «Ao Juiz», ¶¶ 47-48).

Contudo, das palavras que não faziam parte das sentenças da


Porta de Linguas

acrescentei mais significados para os Portugueses, que para os Castelhanos;


porque estes as tomarão facilmente daquelles, pera os quaes principalmente se
ordena a obra (Idem 1621: «Advertencia», 2).

XX
Roboredo, nas palavras com mais do que um significado, optou
por um critério, a nosso ver, actual:

Cada palavra tem hüa significação propria que vai no primeiro lugar, e logo
se seguem as mais significações, a que se estende per semelhança (Ibidem:
«Advertencia», 1).

Por isso, Telmo Verdelho refere que as Raizes têm uma informação
sinonímica mais ampla e um maior número de equivalências, sobre-
tudo em Português, que os outros Calepinos e, por esse facto, têm um
interesse particular para o reconhecimento do léxico português e para
o estudo da diacronia lexical (cf. Verdelho 2000: 141-146).
O lexicógrafo seiscentista também não descurou as palavras deri-
vadas e apresentou, assim, as mais recorrentes. Não lhes deu uma
entrada própria, «porque seria enfastiada, e superflua a interpretação
de muitas vozes, que facilissimamente se collige» (Roboredo 1621:
«Advertencia», 1), mas colocou-as a seguir às primitivas, estabele-
cendo assim nexos semânticos. O lexicógrafo ainda descreveu expres-
sões idiomáticas latinas, procurando o significado exacto de cada uma
delas, especialmente no referente aos verbos com acusativo ou com
infinitivo.

Em 1623, o gramático português nordestino seiscentista publicou


a tradução portuguesa da Ianua Linguarum dos jesuítas irlandeses,
que intitulou de Porta de linguas ou modo muito accommodado para
as entender publicado primeiro com a tradução Espanhola. Agora
accrescentada a Portuguesa com numeros interliniaes, pelos quaes possa
entender sem mestre estas linguas o que as não sabe, com as raizes da Latina
mostradas em hum compendio do Calepino, ou por melhor do Tesauro,
para os que a querem aprender, e ensinar brevemente; e para os estran-
geiros que desejão a Portuguesa, e Espanhola (Lisboa: Pedro Craesbeek).
O compêndio apresenta, na totalidade, 1.262 sentenças latinas com as
respectivas traduções portuguesa e castelhana, isto é, 1.200 das doze
centúrias (Roboredo preencheu as 59 sentenças deixadas em branco
pelos jesuítas salmantinos da décima primeira centúria), acrescidas

XXI
de 62 finais num «Appenso de palavras duvidosas» – da Janua Lin-
guarum sive Modus maxime accomodatus, quo patefit aditus ad omnes
linguas intelligendas. Industria Patrum Hibernorum Societatis Iesu, qui
in Collegio eiusdem nationis Salmanticae degunt, in lucem edita: & nunc
ad linguam latinam perdiscendam accommodata. In qua totius linguae
vocabula, quae fraequentiora, & fundamentalia sunt continentur: cum
indice vocabulorum, & translatione Hispanica eiusdem tractatus, publi-
cada originariamente em 1611, em Salamanca, e cuja autoria tem sido
atribuída a William Bathe (1564-1614).
A Porta de Linguas de Roboredo, segundo Mantuna, «from a
pedagogical point of view it was the most interesting of all editions»
(Mantuna 1986: 84). Respeita a ordenação original, mas contribui
com números interlineais, a enunciação dos substantivos e adjectivos
e a conjugação dos verbos, para, mais facilmente, os alunos as enten-
derem melhor.

Em 1625, Amaro de Roboredo publicou a Grammatica Latina de


Amaro de Roboredo. Mais breve, e facil que as publicadas até agora na
qual precedem os exemplos aas regras (Lisboa: Antonio Alvarez). Robo-
redo refere na «dedicatoria» que «esta he a Grammatica, q no prologo
da geeral 12 toquei, e V. M. desejou pera os aprëdizes» (Roboredo 1625:
«Dedicatoria», 1).
Segundo Roboredo, a Grammatica Latina é uma gramática escolar
para as crianças, e não para os mestres, para os quais ainda não tinha
escrito, embora tivesse a intenção de o fazer:

Quem desejar provas das figuras Ellipses desfeitas as achará em Linacro, Fran-
cisco Sanchez, e na arte de Nebrissense reformada. A prova de quanto aqui se diz
pertence a outra parte: naõ he para arte do minino (Ibidem: «Prologo», § 4 v.);

Achei varios usos de Autores Latinos, e varias opiniões de Grammaticos:


e desses usos escolhi os que aqui escrevi, reservando algüas cousas de toda

12
Parece-nos muito significativo o facto de Roboredo se referir ao Methodo Gram-
matical para todas as Linguas como «grammatica geeral», tendo em consideração que
Claude Lancelot e Antoine Arnauld publicaram, 41 anos depois, a Grammaire Générale et
Raisonnée.

XXII
a arte para se declararem com mais palavras per notas no metodo (sic) de
ensinar Grammatica, que servirà de arte para o Mestre, se Deus quiser que a
escreva (Ibidem: § 4 r.).

Trata-se, ao contrário do Methodo Grammatical, de uma obra


dedicada apenas à análise da língua latina segundo uma metodologia
completamente inovadora para a época – mesmo hoje, apesar de os
metodólogos do Latim a defenderem, não é ainda muito usual serem
publicadas gramáticas com este formato: as regras gramaticais só são
consideradas depois de uma demonstração inequívoca das mesmas
através de várias frases, isto é, Roboredo usa completamente o método
indutivo, como se, de facto, de uma sequência de aulas se tratasse.

3. Roboredo e a Didáctica das Línguas

A época em que Roboredo viveu foi muito conturbada, em ter-


mos políticos, religiosos, científicos e didácticos, com Portugal poli-
ticamente dominado pelos Filipes (1580-1640) e com a emergência
da Reforma (protestante) e da Contra-Reforma da Igreja católica.
Por outro lado, Roboredo também viveu sob a égide da gramática
latina do jesuíta madeirense Manuel Álvares (1526-1583), De Institu-
tione Grammatica Libri Três (Lisboa 1572), que, depois da publicação
da Ratio Studiorum de 1599, fora a gramática adoptada em todos os
colégios da Companhia, tendo-se caracterizado, em termos científicos
e didácticos, a nível europeu e não tanto no espaço português, por
uma ruptura epistemológica, que se traduziu na negação do método
dedutivo aristotélico e, consequentemente, tomístico-escolástico, e
na afirmação, por parte de alguns cientistas e «epistemólogos», como
Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), Galileu (1564-1642), João
Luís Vives (1492-1540), Francisco Sanches (1550‑1623), Francis Bacon
(1561-1626) e João Amós Coménio (1592-1670), do método indutivo e
experimental.
Contudo, o século XVII, em Portugal, não se apresenta mais
evoluído que o anterior, nas ideias gramaticais. A prosa portuguesa
ganha plasticidade nas mãos de um Frei Luís de Sousa, de um
Bernardes e de um Vieira, graças ao trabalho de polimento dos

XXIII
poetas quinhentistas. Mas os gramáticos continuam formalistas,
presos à rotina velha, agora embrulhados na teoria das elipses, de que
Sánchez (1523-1600) fora o campeão. Escrevera a Minerva, seu de
causis linguae latinae et elegantia (1562) e, 25 anos depois, publicou a
edição final com o título Minerva, seu de causis linguae latinae (1587),
que serviu de base aos trabalhos posteriores, até mesmo a aspectos da
gramática de Port-Royal, Grammaire Générale et Raisonnée (1660), de
Lancelot e Arnaud, e ao livro de Lhomond. Reisig chamou a Sánchez o
«cavalheiro da elipse». Também Álvares, Ramus e Escalígero influen-
ciaram a gramática francesa de Lancelot e Arnaud. Saiu dos prelos
de Port-Royal, hostis aos jesuítas como aos oratorianos, em Portugal,
na época pombalina. Faziam todos parte da conjura europeia con-
tra a Companhia de Jesus e propunham-se, mormente em Portugal,
reformar o ensino que, até ali, estivera nas mãos dos jesuítas. Por esta
altura, um dos traços mais constantes em todas as gramáticas apare-
cidas desde havia cerca de um século era a procura da simplicidade,
traço postulado pelo método ramusiano, que visava hierarquizar as
análises ao apoiá-las sobre alguns princípios elementares.
Amaro de Roboredo foi, em primeiro lugar, um «mestre» de Latim,
leccionando em casas particulares e não (que se saiba) em turmas
colectivas, quer do ensino «básico» ou «secundário» quer do «supe-
rior», como hoje os entendemos. Defendeu que os alunos só deveriam
começar a estudar as línguas estrangeiras, incluindo o Latim, depois
de adquiridas as noções básicas essenciais de língua materna. Foi um
acérrimo defensor de a língua utilizada nas aulas, especialmente de
Latim, ser a materna (portuguesa), para, mais rápida, fácil e solida-
mente, os alunos assimilarem os conteúdos, afinal objectivos opera-
cionais ainda – e cada vez mais – com actualidade, que defende, em
oposição a Erasmo (1469-1536) e a Vives (1492-1540), por exemplo,
e na senda do Brocense (1523-1600).
Até Roboredo, as gramáticas latinas publicadas em Portugal ou
usadas nas escolas portuguesas eram escritas em Latim e os seus
autores – na maioria das vezes apenas compiladores – defendiam que
essa devia ser a língua oficial do ensino, mesmo no começo da aprendi-
zagem da antiga língua do Lácio. Houve, inclusivamente, muitos mes-
tres de Latim que tiveram enorme sucesso com essa metodologia, como,

XXIV
por exemplo, o flamengo Nicolau Clenardo, quando leccionou em Braga.
Exceptua-se a Arte de Grammatica, pera em breve se saber Latim de Pedro
Sánchez, que foi a primeira a ser publicada em língua portuguesa, em
1610. Todavia, não deve ter sido conhecida pelos seus contemporâneos,
pois não só não lhe são conhecidas quaisquer referências, como Robo-
redo refere, primeiro no Methodo Grammatical, que

pode ser que seja eu o primeiro, que rompa o mato da minha Materna, como
melhor soffrerem suas muitas irregularidades; exposto aos encontros de muitos
que quererão defender suas Orthographias, cujas raizes ignoradas serão patentes
na Grammatica: Et nos manum ferulae subduximus (Idem 1619: b. 1 v.)

e, mais tarde, na Grammatica Latina Mais Breve, que

todas as artes estão feitas para o Mestre descer em seus discursos, e não vemos
aquella per onde o discipulo melhor possa naturalmente subir, se não he esta.
A qual por ser a primeira que sae neste estylo se for dos Mestres desfavore-
cida, não me espantarei, porque não serve para elles (Idem 1625: «Prologo»,
§ 2 r.-§ 2 v.).

Com efeito, desde o início das suas publicações, em 1615, Roboredo


parece defender que o início da aprendizagem dos estudos linguísticos
deve ser feito na língua materna dos estudantes. Para isso, baseia-se
na perspectiva de Aristóteles quando, segundo o próprio, afirmara
Absurdum est simul quaerere scientiam, & modum sciendi (Met. 1.5),
porque

os que screverom Grammatica na lingua Latina, quãdo ella era vulgar, acer-
tarom; porque sô restava ao minino entender o conceito das regras, retelas,
& applicalas. Os q os seguirom despois que ella não foi vulgar, forom
ovelhas que receando perigo ao passar de hüa porta se deteem; mas se hüa, ou
duas passaõ, todas as seguem sem examinar o incommodo da detença. Assi os
sequazes dos Latinos, detidos muitos annos nesta primeira porta das sciencias,
se arremessarom apos as frases dos primeiros; & por assoalharem as quatro,
que alcançarom, não examinarom, o incommodo de quem havia de entrar
per ella. Finalmente screverom debalde: porque os que não sabem Latim, não
entendem suas artes; & os que as entendem, bë as escusaõ; porq entendem
qualquer livro Latino, de que colhem a lingua, & não dessas artes nem o enten-
dimento as quer ver, quando com artes, & materias superiores se pode melhorar
(Idem 1619: «Prologo», a 3 r.).

XXV
O recurso ao método indutivo ou à aprendizagem por descoberta,
na designação ausubeliana, é a maior inovação desenvolvida por Robo-
redo nos seus tratados linguísticos, chegando inclusivamente a ser mais
vanguardista que muitos metodólogos actuais. Amaro de Roboredo,
especialmente na Grammatica Latina de 1625, vai opor duas noções
essenciais no campo da didáctica: os verbos «aprender» e «ensinar».
Depois de defender a utilização da língua materna no processo de
ensino-aprendizagem do Latim, diz, também, Roboredo que

esta he a causa, porque hum discipulo anda tanto tempo na arte cego, e per-
dido; porq lhe metem na mão não a sua arte para aprender, mas a do Mestre
para ensinar, que excede sua capacidade, havendoselhe de dar a sua arte mui
proporcionada a sua rudeza (Idem 1625: «Prologo», § 2 r.).

Com efeito, para Roboredo, bem como para os metodólogos actuais,


o método mais eficaz e que melhor proveito traz aos alunos na apren-
dizagem da língua latina é o indutivo, o que parte dos casos / exemplos
concretos para as regras gerais ou, como prefere, «cousas universaes»,
seguindo o exemplo das metodologias das disciplinas ditas exactas, ou,
segundo Roboredo, mecânicas:

Alem das razões que me moverom a escrever em Portuguès as regras com seus
exemplos em Latim (…), se me offereceo outra razão mais nova pela qual me
parecem as regras das artes postas aas avessas antes dos exemplos. Porque
sempre o exemplo devia preceder; e ensinaremse as artes liberaes a modo das
mecanicas, em que se obra com o exemplo diante, o qual fica servindo junta-
mente de regra: pois mais facilmente colhe o entendimento a regra do exemplo
que o exemplo da regra (Ibidem: § 1 v.).

Esta defesa do experimentalismo e da simplificação das regras,


ao contrário do que muitos afirmam, não foi Roboredo procurá-la em
Francis Bacon (1561-1626), uma vez que, quando o português os utilizou
pela primeira vez (1615), ainda o britânico não havia publicado o Novum
Organum (1620) nem o De Dignitate et Augmentis Scientiarum (1622),
mas apenas a primeira versão deste, reduzida e em Inglês, com o título
Of Proficience and Advancemente of Learning, Human and Divine.
Todavia, havia já alguns defensores deste método, entre os quais o
português Francisco Martins (1530?-1596), natural de S. Pedro de Rio

XXVI
Seco, Lamego, professor de Latim na Universidade de Salamanca na
segunda metade da século XVI, regente entre 1557 e 1589 e catedrático
entre 1589 e 1596 (González 1932: 148-149), cujos

planteamientos (…), expuestos en el opúsculo De grammatica professione


declamatio (Salamanca 1588), se fundamentan en el rechazo a la gran cantidad
y la inútil complejidad de los preceptos que conformaban las artes gramati-
cales (…). Para Francisco Martins, los presupuestos gramaticales deben estar
sometidos a la práctica de la enseñanza, lo que implica reducir al máximo
la explicación gramatical y en consecuencia los preceptos; se propone, en
suma, una adquisición, por parte del alumno, más o menos inconsciente de la
lengua – en este caso, latina –, que constituye una propuesta próxima, mutatis
mutandis, al método directo para el aprendizaje de idiomas, surgido a comienzos
del siglo XX (Romeo 2002: 4.).

Com efeito, Francisco Martins defendia a simplificação e clareza


das regras, evitando complicadas questões filosóficas, excessivas divi-
sões das diversas partes da oração, e entendia que a aprendizagem de
uma língua se devia fazer a partir de bons textos dos autores clássicos,
poetas, historiadores, etc.. De facto, para o lamecense,

es (…) la inteligencia de los escritos clásicos el único y supremo fin del estudio
de la gramática; ello supone, además de los conocimientos puramente lingüís-
ticos, una no pequeña cultura clásica (usos, costumbres, instituciones romanas),
per debe, no obstante, contenerse en limites prudentes la aplicación de estos
conocimientos para que no se pueda decir, en frase de un profundo humanista
del siglo XVI, que «la salsa vale más que el pescado» (González 1933: 186).

Por isso, Rogélio Romeo, com quem concordamos, refere que Francisco
Martins é, «en nuestra opinión, precursor de los gramáticos experi-
mentalistas portugueses de la centuria siguiente» (Romeo 2002: 4), e
um dos autores que didacticamente mais influência teve em Roboredo
(cf. Idem 2001: 323, nota 27).
A este novo método de aprender chama Roboredo «novo estylo» e
inspira-se, para o teorizar, em outras artes, que denomina mecânicas,
e ainda, por exemplo, na geometria, aritmética, música, pintura e
disciplinas similares, pois

a efficacia deste estylo de precederem exemplos se nota naõ somente nas artes
mecanicas que se ensinaõ obrando logo: mas em outras como na prattica da

XXVII
Geometria, Arismetica, e Musica, na pintura, e armas, e na arte de memoria local,
que com hum exemplo se alcança, e com hum livro de regras se naõ entende
bem: e se lhe tirarem os exemplos he como se naõ fosse (Roboredo 1625: § 2 v.).

Um dos grandes objectivos no ensino-aprendizagem do Latim


era, também para Roboredo, a aquisição do vocabulário essencial da
língua do Lácio. Com efeito, não seria possível que alguém tivesse
quaisquer conhecimentos de uma dada língua se dela não tivesse assi-
milado, pelo menos, as palavras mais usuais. Por isso, é com natu-
ralidade que, desde o início das suas obras linguísticas, o gramático
transmontano propusesse que os alunos adquirissem rapidamente o
maior número possível de palavras no menor espaço de tempo. No
entanto, colocava-se a questão de saber qual era a melhor metodo-
logia para atingir esses objectivos, já que os procedimentos habituais
dos gramáticos anteriores não o satisfaziam por completo, enquanto
mestre de gramática.
Assim, depois da publicação, em 1611, da Ianua Linguarum dos
jesuítas irlandeses radicados em Salamanca, Roboredo encontrou a
obra que melhor resposta dava a essa problemática, porque, nas 1.141
sentenças das doze centúrias, encontrou mais de 5.000 vocábulos
diferentes, sem nunca, porém, haver quaisquer repetições; daí que ime-
diatamente a pusesse ao dispor dos alunos portugueses, primeiro, na
segunda parte do Methodo Grammatical e, depois, na Porta de Linguas,
já com a tradução portuguesa.
Conjuntamente com a análise das sentenças da Ianua, auxiliada
pelos números interlineais, Roboredo propôs o uso de traduções para o
conhecimento das línguas, por ser a melhor estratégia para se conhecer
as estruturas morfossintácticas de ambas as línguas estudadas. Já no
Methodo Grammatical, especialmente nas 2.ª e 3.ª partes, propunha a
tradução para entendimento também da ortografia da língua materna:

O que explicar no livro Latino traduzirá o ouvinte na sua Materna, cuja frase
irá assi aprendendo, exercitando a pena, & Ortographia, notando a differença,
& conveniencia de ambas as linguas (Idem 1619: «Prologo», b 2 v.-b 3 r.).

Efectivamente, para Roboredo, existem quatro formas distintas


de tradução, embora pareça admitir outras, que não refere: «Para que

XXVIII
entendas qual he a melhor tradução das linguas, quatro generos della
te direi brevemente» (Idem 1623: 23). Assim, Roboredo apresenta
as quatro seguintes modalidades: 1.ª) tradução ao pé da letra; 2.ª)
tradução quase atada às palavras; 3.ª) tradução por cláusulas (frases);
e 4.ª) tradução pelo conceito ou parafrástica.
Com efeito,

a primeira tradução faz se de tal maneira ao pee da letra; que toda a frase da
lingua, que traduzimos, se observa. Como se traduzisses assi em Português
esta clausula de Cicero; Tu velim, quod commodo valitudinis tuae fiat, quam
longissime poteris obviam nobis prodeas. Tu, queria, o que com commodo
de saude tua se faça, quam muito longe ao caminho nos saias. As palavras
saõ Portuguesas, a frase latina, a tradução absurda (Ibidem);

A segunda tradução he quasi atada aas palavras, na qual a frase da lingua,


em que traduzimos se observa não totalmente, mas pela maior parte;
e algum tanto se arrasta: vese na tradução de algüas sentenças. Advirte de
caminho nestas sentenças, como para o mesmo conceito usa hüa lingua de
mais palavras que a outra: e pelo diverso sitio de palavras, e pelo numero
de particulas considéra a diversa; e particular frase de cada hüa. Porque a
Portuguesa, e Castelhana teem articulos a modo dos Gregos, e Preposições
de Genitivo, e Dativo, aos quaes articulos, e Preposições não responde a
Latina (Ibidem: 23-24);

A terceira tradução he per clausulas guardando cada lingua suas palavras,


e frases, e concordando com a outra nas palavras, e frases em que pode
concordar. Esta he mais elegante, a qual pede hüa solicita intelligencia assi
dos conceitos, como de ambas as linguas (Ibidem: 24);

Da quarta te não convem usar atê que não saibas bem a terceira: porque
respeita sômente o conceito do período, quer uses da mesma frase, quer de
diversa: hora excluas algüas palavras, hora ajuntes mais. Chamase tradução
parafrástica (Ibidem).

Esta última forma de tradução é, de facto, livre relativamente ao


vocabulário seleccionado e à estruturação frásica, respeitando apenas
o conteúdo essencial do texto original e dando total liberdade criativa
ao «tradutor». Por isso, Roboredo também reconhece que, neste caso e
quando as alterações são demasiado profundas, relativamente às frases
e ao vocabulário original, não se trata propriamente de tradução, mas
de criação ou, na sua nomenclatura, de compêndio, quando há redução,

XXIX
quer de frases, quer de conceitos, e de declaração parafrástica, quando
há expansão frástica:
Se reduzires a hüa clausula muitas de muitas palavras cada hüa: ou se reduzires
muitos conceitos a hum mais principal, ou na mesma lingua, ou em diversa, não
lhe chamarás tradução; mas compendio. E se tresladares hua clausula em duas,
ou mais, usando de mais frases diversas: ou se declarares o mesmo conceito
com dous, ou mais; não lhe chamarás tradução, mas declaração parafrastica.
As quaes pertencem mais aos mestres, que aos discipulos (Ibidem: 24-25).

Assim, em conclusão, parece claro que, para Roboredo, os alunos


devem exercitar preferencialmente a segunda e a terceira formas de
tradução, isto é, a tradução o mais literal possível, mas respeitando
sempre a correcção gramatical e estilística da língua de chegada, no
caso, o Português, só depois partindo para traduções mais livres ou
parafrásticas.

4. Ideias Linguísticas de Roboredo

4.1.  A Gramática Geral e os Universais Linguísticos

Amaro de Roboredo, trinta e cinco anos antes da saída dos prelos


da Grammaire Générale et Raisonnée de Port-Royal, havia apelidado o
Methodo Grammatical para todas as Linguas como gramática «geeral»
(Roboredo 1625: «Dedicatória», 1), como já fizemos referência. Essa
designação só foi apresentada uma vez, mas deixa perceber as intenções
do seu autor: se, por um lado, pretendia criar um método de ensino
que fosse universal à aprendizagem de todas as línguas, como o título
da obra demonstra, por outro, deixa antever uma tentativa de siste-
matização do que seria comum a todas as línguas (por si) conhecidas.
Por isso, podemos considerar a obra roborediana como precursora
da gramática geral, isto é, de uma gramática universal (para todas as
línguas), que procura formular “«observações que convêm a todas
as línguas» (…). A gramática universal tem, então, como objeto de
estudo, mecanismos necessários e comuns a todas as línguas, isto é,
os universais lingüísticos” (Dubois 1993: 316).
É, contudo, evidente que o gramático português Amaro de Robo-
redo, que – recorde-se – publicou o Methodo Grammatical para todas

XXX
as Linguas antes do Novum Organum de Francis Bacon, bem como
do Discours de la Méthode de Renée Descartes, e ainda da Grammaire
Générale et Raisonnée de Port-Royal, tem uma perspectiva dos universais
linguísticos ainda muito incipiente, mas já com uma enorme coerência
lógica. Com efeito, para o transmontano seiscentista, o conceito de
gramática aparece já como um sistema abstracto universal que pode
ser ilustrado com exemplos de várias línguas concretas, no caso, o
Português e o Latim:
Foramos certamente collegindo per esta ordem a differença, & conveniencia
natural das linguas. Omnium esta natura communis [Cicer., De Fin.]. Porque
acho grande confusaõ nas artes, ou Syntaxes, que teem misturado, o que
he particular de hüa lingua, com o que he commum a muitas, ou a todas
(Roboredo, 1619: b 1 v.- b 2 r.).

Roboredo, noutra passagem do mesmo prólogo, afirma mesmo que


apresenta poucos (finitos) preceitos e, desses, muitos são universais,
uma vez que os princípios sempre permanecem, mesmo das línguas
que diz não conhecer:
Pretëdia q fosse este Methodo universal: porque, Omnes natura duce vehimur
[Cicer., De Natura Deorum]. A disposição da materia V. M. a verà com a
correspondencia da Portuguesa & Latina & não lhe descontentará o artificio das
conjugaçoës. E se as Scolas lhe naõ derem com a porta nos olhos, sei que lhe
daraõ os aprendizes muitas graças, polo trabalho que com elle forraõ: & que me
daraõ animo de lhes offerecer outra ajuda de custo. Ordenei poucos preceitos,
porque, Melius est ponere principia finita, quam infinita [Arist., Phys.]. E muitos
delles saõ universaes; porque, Oportet principia semper manere. Inquiri as regras
pela natureza dos significados, ainda nas linguas que naõ sei: porque, Naturam
ducem si sequamur, nunquam aberrabimus [Cicr., Offic.] (Ibidem: b 4 r.).

Ainda acrescenta que, na terceira parte do Methodo Grammatical,


segunda da «Copia», apresenta uma série de frases latinas, cujo prin-
cípio se pode imitar e aplicar a qualquer outra língua, que se queira
aprender / ensinar:
A terceira parte (…) he hum exemplo Latino, que naõ houve lugar de prose-
guir, encaminhado ao terceiro grao da Frase Latina. Aa imitaçaõ delle se pode
ordenar outro semelhante em qualquer lingua, que se aprender: não observando
para elle a frase, q interpretada palavra por palavra, he Materna, & desta tal
lingua (Ibidem: c 1 r.).

XXXI
O Methodo Grammatical para todas as Linguas é, por isso, um dos
primeiros exemplos de uma gramática geral ou universal. Como os seus
antecessores, especialmente Francisco Sánchez de las Brozas, Roboredo
encontra na razão a base dos universais linguísticos. Com efeito, em
vários momentos, quer do Methodo Grammatical quer da Grammatica
Latina, o transmontano faz depender o conhecimento linguístico da
abstracção racional:

A Grammatica depende da razão, que a natureza vai pelo tempo descobrindo


aos bõs ingenhos, que sobre ella trabalhão (Ibidem: b 1 r.);

Levado deste pensamento [«devem tambem suar os Grammaticos»] emprendi


na Grammatica, o que na copia [isto é, no léxico] emprenderom os Autores da
Ianua Linguarum. Carga pera outros ombros, Sed ego homo sum, humani a me
nil alienum puto [Ter., in Heaut.]. Havia hüa sô lingua quando a razão era mais
unida a qual como vinculo dos entendimentos, & artes, importa ir ao menos
per divisoës descobrindo. Porque, Omnes artes, quae ad humanitatem pertinent,
habent commune quoddam vinculum: & quasi cognatione quadam inter se con-
tinentur [Cic., Pro Archias Poeta] (Ibidem: b 4 v.);

Nella [Grammatica Latina, 1625] achará o Mestre regras novas: porem mui ajus-
tadas com a razaõ, e propriedade do Latim em correspondencia do Portugues.
Naõ he novidade diliciosa, he brevidade proveitosa (Idem, 1625: «Prologo», § 3 r.).

Assim, podemos concluir que Roboredo tem uma concepção racio-


nalista da língua e idealiza a sua descrição
a partir do significado universal para as formas de línguas particulares, utili-
zando o português como língua de explicação do significado, ou seja, como
metalíngua. Roboredo não só realiza este princípio na prática, como também
o explicita (Kossárik 1997: 434).

Em concreto, poucos são os conceitos que Roboredo considera,


de facto, universais. No entanto, de vez em quando, refere a existência
de similitudes em línguas diferentes. É o que acontece, por exemplo,
quando, na «universal explicaçam resolutiva, & compositiva das partes
da oração», apresenta os seis casos das várias línguas, quer vulgares,
quer clássicas. Com efeito, por exemplo, para Roboredo,

caso he special differença do Nome. Chamase Caso, que he queda, que o Nome
dà do seu dereito assento, que he o primeiro. Nominativo, para o Genitivo, &

XXXII
para o Dativo, Accusativo, Vocativo, & Ablativo. E saõ estes Casos assi chamados
seis, naturalmente necessarios para declarar os varios conceitos do animo (…).
As ultimas syllabas dos Casos em cada Numero saõ semelhantes em muitas
linguas, principalmëte vulgares, & Hebrea; porem na Latina, & Grega não
saõ semelhantes em todos os casos, senão em algüs (Roboredo 1619: 65-66).

Já anteriormente, no «Prologo», se havia referido à universalidade


do terceiro livro, cujas regras / princípios Roboredo considera presentes
em todas as línguas, entendendo que, a partir dos exemplos latinos, se
podem extrair / inferir outros para cada língua em concreto:
O terceiro livro he de principios universaes resolutiva, & logo compositivamente:
os quaes segundo hüa accommodada applicaçaõ se acharaõ certos em todas
as linguas. Porem em lugar dos exemplos Latinos, de que uso para a Latina, se
devem enferir os exemplos da lingua, para a qual o principiante quer passar,
& traduzir os principios na sua lingua Materna (Ibidem: «Prologo», c 2 r.).

Também na Porta de Lingua, ao especificar as classe de palavras


(partes orationis), Roboredo afirma que estas são cinco em toda e
qualquer língua:
Esta multidão assi de palavras, que vês nestas sentenças, em qualquer lingua se
dividem em cinquo generos, que se chamão partes da Oração. E ainda que algüs
te enculquem mais, e outros menos, tu com melhor fundamento reconhecerás
por partes a estas, Nome, Preposição, Verbo, Adverbio, Conjunção (Idem 1623:
«Introduçam para as Sentenças», 25).

Todavia, há na Grammatica Latina uma especificidade aristotélica,


uma vez que, por causa do método adoptado (indutivo), Roboredo se
refere ao conhecimento sensível e intelectivo e ao facto de que este está
representado nas regras, que caracterizam as «cousas universaes», ao
contrário dos exemplos, que significam as «cousas singulares»:
Notorio he ser o entendimento naturalmente tam dependente em seu obrar
dos cinquo sentidos corporaes, q nenhüa cousa percebe sem entrar per elles,
e que estes teem por objettos as cousas singulares, as quaes saõ representadas
nos exemplos. Donde o entendimento começa per elles a subir fazendo seus
cursos, e discursos até chegar, aas cousas universaes, que saõ representadas
nas regras (Idem 1625: «Prologo», § 1 v.).

Por outro lado, entendemos que Roboredo também é um precur-


sor naquilo que Noam Chomsky denominou de «estrutura profunda»

XXXIII
(deep-structure ou d-structure) e de «estrutura de superfície» (surface
structure ou s-structure). O criador do gerativismo transformacional
entende que «estrutura profunda» é a organização de uma frase num
nível mais abstracto,
antes de se efectuarem certas operações, chamadas transformações, que reali-
zam a passagem das estruturas profundas às estruturas superficiais. A estrutura
profunda é uma frase abstracta gerada unicamente pelas regras de base (com-
ponente categorial e léxico) (Dubois 1993: 488).

Nas palavras de Chomsky,


as estruturas-P funcionam como representação abstracta de relações grama-
ticais semanticamente relevantes, tais como sujeito-verbo, verbo-objecto, e
outras, elemento essencial para a interpretação semântica das frases (Chomsky
1994: 81).

Assim, na estrutura profunda cabem apenas as proposições


nucleares (kernel sentences) ou frases-núcleo que, por meio de regras
de transformação, derivam em todas as orações da língua. Uma propo-
sição nuclear é, deste modo, para Chomsky, «a frase activa, declarativa,
afirmativa, constituída de um sintagma nominal e de um sintagma
verbal, reduzidos em sua realização a seus constituintes elementares»
(Dubois 1993: 436.).
Com efeito, para a gramática gerativa e transformacional, a estru-
tura profunda de uma frase
é constituída por um Núcleo (abreviação F) e de outro constituinte chamado,
conforme os autores, Modalidade (…), ou Constituinte de Frase (…), ou Tipo
de Frase, cuja presença provoca uma transformação (interrogativa, passiva,
negativa, etc.). O núcleo é constituído de duas partes: o sintagma nominal (SN)
e o sintagma verbal (SV), seus constituintes imediatos (F → SN + SV) (Ibidem).

Por outro lado, a estrutura de superfície de uma frase é o resultado


de uma estrutura profunda depois de sofrer as regras transformacionais,
ou seja, é a frase tal qual ela se apresenta ao (perante o) falante. Esta
distinção entre as estruturas profundas e superficiais é bastante vanta-
josa para explicar, por exemplo, as frases homónimas e as sinónimas.
Chomsky ha explicado esta homonimia y sinonimia por la existencia de una
considerable diferencia entre el contenido de la oración y su forma. Ha sido

XXXIV
justamente para aclarar esta diferencia que ha introducido los conceptos de
la estructura profunda (…) y estructura superficial (…), correspondiendo la
primera al contenido semántico de la oración y la segunda a su ordenación
formal (Çerný 1998: 237).

Efectivamente, Chomsky defende que as estruturas profundas ou

estruturas-P são projectadas, através de regras de outro tipo (regras transfor-


macionais), em estruturas que correspondem mais intimamente às formas
realmente observadas nas estruturas de superfície (…). As regras transformacio-
nais exprimem as propriedades «globais» dos indicadores sintagmáticos, como
no caso da concordância em número, e também permitem derivar estruturas
complexas (passivas, interrogativas, construções relativas, etc.) a partir das estru-
turas-P que correspondem directamente a frases simples (Chomsky 1994: 79).

Chomsky explica também que só é possível a passagem de uma


(estrutura profunda) a outra (estrutura de superfície) com a introdução
da componente semântica, uma vez que o fim último de uma frase é a
comunicação, isto é, a interpretação semântica de uma representação
fonética:

The syntactic component consists of a base that generates deep structures


and a transformational part that maps them into surface structures. The deep
structure of a sentence is submitted to the semantic component for semantic
interpretation, and its surface structure enters the phonological component
and undergoes phonetic interpretation. The final effect of a grammar, then,
is to relate a semantic interpretation to a phonetic representation – that is, to
state how a sentence is interpreted. This relation is mediated by the syntactic
component of the grammar, which constitutes its sole «creative» part (Chomsky
1965: 135-136).

Amaro de Roboredo, no primeiro quartel do século XVII, já pre-


conizava, de certo modo, este tipo de diferenças. Com efeito, para o
gramático seiscentista transmontano, obviamente de uma forma muito
rudimentar e incipiente, a análise linguística de «qualquer língua» devia
ser feita em três graus: gramatical, lexical e frásico. De facto, Roboredo
considerava que havia

em qualquer lingua tres graos de menor a maior (…). O primeiro grao he a


Grammatica. O següdo maior, que o primeiro, he a Copia de palavras. O ter-

XXXV
ceiro maior, que ambos, he a Frase, em que se encerra a elegancia, que he hum
accidente da Frase (Roboredo 1619: «Prologo», b 4 v.).

O primeiro grau, que é constituído pelos três livros da primeira


parte do Methodo Grammatical (Exemplo Portugues, e Latino da Gram-
matica), engloba a morfologia e a sintaxe; o segundo, as 1.141 sentenças
da Ianua Linguarum (Exemplo Latino da Copia de Palavras) e visa a
aquisição vocabular; e o terceiro, a segunda parte da «Copia» ou ter-
ceira parte do Methodo (Exemplo Latino da Frase) e tem por finalidade
o conhecimento essencial da frase latina.
Especificamente sobre este último grau, terceiro nível ou grau,
Roboredo esclarece que

a Frase (…) que he hüa das propriedades de cada lingua, muitas vezes se não
pode interpretar em outra lingua palavra por palavra: mas duas, tres, quatro,
ou mais: com outra, ou outras duas, tres, quatro, & mais da outra lingua que
guardem sua particular posiçaõ. Como se pode ver interpretando palavra por
palavra estas frases Latinas: Multum isthac opus est arte: Eris mihi solatio:
Hoc tibi laudi vertam: & boni consulam, &c. que naõ ficaõ frases Portuguesas
nem Castelhanas (Ibidem: c 1 r.-c 1 v.).

E, já na terceira parte do Methodo, volta a referir que a frase é um


modo próprio de o locutor se exprimir de acordo com uma determinada
língua e, por isso, varia segundo a especificidade de cada uma:

Frase he hum particular modo de fallar de cada lingua segundo a pronunciação,


& ajuntamento de palavras per certa collocação dellas (Ibidem: 182).

Assim, quase poderíamos dizer que Roboredo está a referir-se à


«estrutura de superfície» de cada língua, embora o uso desta designação
seja obviamente impróprio por ser desfasada no tempo.
Por outro lado, a constituição «normal» / «perfeita» da frase, para
Roboredo, é Nominativo mais Verbo mais Acusativo (N + V + A), os
elementos essenciais numa construção prototípica na «estrutura pro-
funda», pois

não se dará Oraçaõ sem Nominativo declarado, ou entendido de fora per


figura, Ellipse (Idem 1625: 90-91)

XXXVI
e
quantos saõ os Verbos Pessoaes tantas saõ as Orações, cuja alma fica sendo o
Verbo. E se despois do Verbo se segue Accusativo he Oraçaõ perfeita, e funda-
mento das mais partes da Oraçaõ, que a ornaõ e acrescentaõ (Ibidem: 91).

No entanto, essa «ordem natural» pode estar alterada na estrutura


de superfície, existindo frases / orações, por exemplo, apenas com o
Verbo (Ø + V + Ø), devido à existência da elipse, «que he tam ordinaria
nas linguas que não podemos fallar polidamente sem ella» (Ibidem:
98). Fundamentalmente, é no nominativo que pode ocorrer mais fre-
quentemente a elipse nos verbos que os «gramatistas» classificam de
«impessoais».
Ora, para Roboredo, sempre que falta o nominativo da frase, ou
está implícito nas primeiras e segundas pessoas verbais, no caso dos
pronomes pessoais, ou é uma oração que desempenha essa função, ou
ainda é alguma palavra que está elidida, como «Deus», «homines» / «os
homens», etc.. Com efeito, para o transmontano seiscentista:

O Nominativo he principio da Oração, o qual todo o Verbo Pessoal quer antes


de si ou expresso, ou entendido de fora (Idem 1619: 73);

A significação, & acção de algüs Verbos naturalmente não pertencem a estes


Nominativos, Ego, Tu, nem a outros de Plural; & assi se usaõ sômente nas
terceiras pessoas do singular: como saõ Pluit, Ningit (…), nos quaes dizião,
que Deus era o Nominativo: & estes Taedet, Piget, Poenitet (…), &c. Nos quaes
chamados dos Grammatistas Impessoaes, a Oração proxima lhes serve de
Nominativo, ut Pompeium nobis amicissimum constat esse. Ou se entende o
Nominativo verbal tirado dos mesmos Verbos; ut Taedium taedet: Pluvia pluit;
&c. Porque dar Oração sem Nominativo, seria artefacto sem principio. Nestes
verbos de fama Aiunt, Dicunt, Ferunt (…), entendese, Homines, per figura
Ellipse (Ibidem: 184).

Anteriormente a Roboredo, já Francisco Sánchez de las Brozas


havia teorizado desenvolvidamente a elipse. Salor sintetiza a teoria do
salmantino da seguinte forma:

El Brocense distingue dos niveles de análisis lingüístico: el nivel del sistema


racional y el nivel del uso. En el nivel del sistema racional es aquel que en el que
se encuentran los esquemas racionales de las construcciones sintácticas. Pues
bien, si entre esos esquemas racionales y las realizaciones de uso se produce

XXXVII
algún desajuste, ese desajuste se explica normalmente porque ha intervenido la
elipsis. Así (…), el esquema racional de una oración simple es N + V; de manera
que si a nivel de uso nos encontramos con oraciones que tengan sólo V (…), el
desajuste se explica recurriendo a la elipsis (…). De esta forma, la elipsis, para
el Brocense, tiene, creo, las siguientes características: en primer lugar, para él
ya no es una figura retórica, sino que es un procedimiento gramatical y lingüís-
tico. En segundo lugar, es un procedimiento gramatical parecido a las reglas
de deleción de alguns gramáticos generativistas actuales; efectivamente, entre
la estructura profunda y superficial intervienen reglas de transformación de
distinto tipo; un tipo de ellas son las de deleción, que dan cuenta de la desapa-
rición de determinados constituyentes que estaban en la estructura profunda
y no están en la superficial. En este sentido la elipsis del Brocense desempeña
un papel parecido al desempeñado por las reglas de deleción de los generati-
vistas. En tercer lugar, la elipsis opera no esporádicamente, sino sistemática-
mente; no es un procedimiento lingüístico aislado, sino frecuente en ese paso
del esquema racional al esquema de uso (Salor 1995: 25, nota 20).

Efectivamente, quer para o Brocense quer para o Algosense de


Seiscentos, a elipse desempenha o mesmo papel que a regra (princípio)
transformacional gerativista de (recuperabilidade do) apagamento 13,
que é a responsável pelo desaparecimento, na estrutura de superfície,
de determinados constituintes da estrutura profunda. Efectivamente,
esse princípio (de recuperabilidade do apagamento), para Chomsky,
estabelece que um elemento pode ser apagado apenas se for completamente
determinado por um sintagma estruturalmente relacionado com aquele, que
contenha os seus traços lexicais, ou se for um «elemento designado» (Chomsky
1994: 84-85).

13
“O sistema de projecção (…) estipula que a estrutura lexical deve ser representada
categorialmente em cada nível sintáctico. Este princípio é um dos que contribuem para
eliminar completamente as regras sintagmáticas, à excepção de algumas idiossincrasias
específicas de cada língua (…). Uma consequência do princípio de projecção é, em termos
informais, o facto de, se um elemento for «interpretado» como ocupando uma dada posi-
ção, esse elemento ter de estar aí na representação sintáctica, quer como uma categoria
evidente que está foneticamente realizada, quer como uma categoria vazia, à qual não é
atribuída forma fonética (…). Por isso, se see for caracterizado lexicalmente como verbo
transitivo, tem de ter um objecto, representado sintacticamente como seu complemento
num sintagma verbal, em cada nível sintáctico, isto é: em estrutura-P, em estrutura-S,
em FL, mas, é claro, não necessariamente na estrutura de superfície (FF). Se não houver
qualquer elemento realizado nesta posição, terá de existir uma categoria vazia do tipo
adequado” (Chomsky 1994: 97).

XXXVIII
O próprio Chomsky admite que não é o criador das propriedades
formais de análise mas estas remontam, pelo menos («at least»), à
Grammaire Générale et Raisonnée (1660) de Lancelot e Arnaud:

To say that properties of the base will provide the framework for the characteriza-
tion of universal categories is to assume that much of the structure of the base
is common to all languages. This is a way of stating a traditional view, whose
origins can again be traced back at least to the Grammaire générale et raisonnée
(Lancelot et al., 1660) (Idem 1965: 117);

It is commonly held that modern linguist and anthropological investigations have


conclusively refuted the doctrines of classical universal grammar, but this claim
seems to me very much exaggerated. Modern work has, indeed, shown a great
diversity in the surface structures of languages (…). The fact that languages may
differ from one another quite significantly in surface structure would hardly have
come as a surprise to the scholars who developed traditional universal grammar.
Since the origins of this work in the Grammaire générale et raisonnée, it has been
emphasized that the deep structures for which universality is claimed may be
quite distinct from the surface structures of sentences as they actually appear.
Consequently, there is no reason to expect uniformity of surface structures, and
the findings of modern linguistics are thus not inconsistent with the hypotheses
of universal grammarians (Ibidem: 118);

It is worth mentioning that with this formulation of the theory of transforma-


tional grammar, we have returned to a conception of linguistic structure that
marked the origins of modern syntactic theory, namely that presented in the
Grammaire générale et raisonnée (Ibidem: 137).

Numa obra posterior, Language and Mind, Chomsky já não faz


apenas referência à Grammaire Générale et Raisonnée, mas também a
Fracisco Sánhez de las Brozas como o teorizador da elipse, por exem-
plo, e da função que esta desempenha na estrutura de superfície de
uma dada língua:

There is a similarity, which I think can be highly misleading, between the theory
of deep and surface structure an a much older tradition. The practitioners of
philosophical grammar were very careful to stress this similarity in their detailed
development of the theory and had no hesitation in expressing their debt to
classical grammar as well as to such major figures of renaissance grammar as
the Spanish scholar Sanctius. Sanctius, in particular, had developed a theory of
ellipsis that had great influence on philosophical grammar. (…) Philosophical

XXXIX
grammar is poorly understood today. But such antecedents as Sanctius have
fallen into total oblivion (Idem 2006: 16);

There is no doubt that in developing his concept of ellipsis as a fundamental


property of language, Sactius gave many linguistic examples that superficially are
closely parallel to those that were used to develop the theory of deep and surface
structure, both in classical philosophical grammar and in its far more explicit
modern variants. It means, however, that the concept of ellipsis is intended by
Sanctius merely as a device for the interpretation of texts (Ibidem);

The concept of ellipsis in Sanctius, if I understand it correctly, is one of many


techniques, to be applied as conditions warrant and having no necessary mental
representation as an aspect of a normal intelligence. Although the linguistic
examples used are often similar, the context in which they are introduced and
the framework in which they fit are fundamentally different (Ibidem: 17).

Efectivamente, Chomsky desenvolve os estudos da gramática uni-


versal clássica, que, para o criador do gerativismo transformacional,
remonta pelo menos à gramática de Port-Royal e a Francisco Sánchez
de las Brozas, que é, por sua vez, também a fonte de inspiração do
gramático português seiscentista Amaro de Roboredo.

Roboredo também distinguiu vários níveis ou «raízes» no sistema


linguístico, entre os quais o fonológico, morfológico, sintáctico, lexical
e literário (metafórico), aproximando-se claramente das concepções
modernas de análise linguística:

A primeira raiz (…) he a varia significação metaforica, na qual se usaõ as


palavras, alem da propria: & o vario sitio, & ornamento dellas. A segunda
hé a multiplicação de palavras para hum conceito, & a de conceitos pelas
mesmas, ou varias palavras. A terceira he o conhecimëto, & uso da figura
Ellipse. A quarta he o conhecimëto de Dativo, & de Sustãtivos, q ou per
cõtinuação no mesmo caso, ou postos em diverso, fazë diverso modo de
fallar: & o conhecimëto, & uso de algüs Adjectivos, Adverbios, & Conjunções.
A quinta he o uso das Preposições, que com seus casos, & varios significados
produzë varios modos de fallar (Roboredo 1619: 182).

Um outro aspecto particularmente importante é o facto de Robo-


redo ter especificado que o domínio lexical, da frase e, consequen-
temente, da língua depende da competência linguística do locutor e

XL
não da competência gramatical, que dela distingue claramente. Com
efeito, o gramático transmontano refere, a propósito dos conheci-
mentos gramaticais e línguísticos do Brocense, de Cícero e Varrão, que
aquele sabia mais gramática e estes mais léxico (Copia) e frase, porque
a gramática é racional e o conhecimento linguístico é maior para quem
tenha a língua como materna:
De star a Latina reduzida a arte ha tantos annos, & irse sempre a arte aperfei-
çoando, podemos dizer q soube Francisco Sanchez Brocense mais Gramma-
tica Latina em nossos tempos, que Cicero, & Varrão columnas da lingua, nos
seus, que lhe precederom 1640 annos. Elle mais Grammatica, & estes mais
Latim (…). & como a lingua consta de Grammatica, Copia, & Frase (…) aquelle
alcançou mais Grammatica, & estes sabião mais Copia, & Frase com mais
propriedade, porque como Materna lingua a usavão des os berços (Ibidem:
«Prologo», b 1 r.).

4.2.  O Comparativismo Linguístico de Roboredo

A gramática comparada, também denominada linguística com-


parada ou comparativa, é uma das áreas da linguística que teve o seu
maior êxito no século XIX, com o estudo do parentesco das línguas
indo-europeias. Há, pelo menos, quatro aspectos importantes sobre o
«clima» da época, que parecem ter uma importância fulcral no desen-
volvimento científico da gramática comparada: a «descoberta» do
Sânscrito e do seu parentesco com a maioria das línguas europeias;
o comparatismo (método comparativo) aplicado a todos os domínios
científicos; a procura das origens (pensamento, religião, etc.); e o
domínio cultural do Romantismo (alemão), com a promoção dos
valores nacionais.
As bases teóricas desta corrente linguística foram lançadas, entre
outros, por Herder, Grimm, Friedrich e August Schlegel e Humboldt,
sendo a própria designação de «gramática comparativa» (vergleichend
Grammatik) atribuída aos irmãos Schlegel. Procurava-se, então, saber
– e reconstruir – a língua original ou protolíngua, a Ursprache, com
base na comparação da morfologia do Sânscrito com várias outras
línguas.
Os maiores impulsionadores desta novel ciência, porém, que a
tornaram independente da filologia – e da gramática – e lhe deram

XLI
foros de verdadeira cidadania, foram, principalmente, Franz Bopp
(1791-1867), Jakob Grimm (1785-1863), Friedrich Diez (1794-1876) e
August Schleicher (1821-1867).
Com efeito, é o filólogo alemão Franz Bopp (1791-1867) que é con-
siderado por muitos o verdadeiro fundador da gramática comparada.
Depois de ter estudado Persa, Árabe, Hebreu e Sânscrito, em Paris,
publica, em Frankfurt, em 1816, um tratado, Über das Conjugations-
system der Sanskritsprache in Vergleichung mit jenem der griechischen,
lateinischen, persischen und germanischen Sprachen, onde compara o
sistema de conjugações do Sânscrito, do Grego, do Latim, do Persa e
do Germânco, a que juntou, mais tarde, outras línguas: o Lituano, o
Zenda, o antigo Eslavo e o Arménio.
Em 1821, Humboldt, a quem Bopp tinha ensinado Sânscrito em
Londres no ano anterior, convida-o para a cátedra de Sânscrito na
Universidade de Berlim. Bopp vai, assim, poder dedicar-se, durante
cerca de 50 anos, aos estudos comparatistas, publicando, na Academia
de Berlim, entre 1824 e 1831, a Vergleichende Zergliederung des Sanskrits
und der mit ihm verwandten Sprachen, e, entre 1833 e 1852, a sua
Vergleichend Grammatik.
A principal teoria de Bopp é de que uma língua se assemelha a
um organismo vivo, e, apesar de ainda ter colocado essa hipótese,
nunca chegou a considerar verdadeiramente que o Sânscrito fosse
a «mãe» de todas as línguas, vindo, antes, a entender que todos os
idiomas, sem excepções, seriam modificações graduais de uma só e a
mesma primitiva língua, o Indo‑Europeu (Mounin s.d.: 177). Todavia,
é através do Sânscrito, língua literária da Índia, porque é uma língua
mais antiga que o Grego e o Latim e tem uma morfologia mais sim-
ples, que Bopp pensa «poder (…) remontar até ao primeiro estádio da
linguagem, atingir assim as primeiras palavras, as raízes monossilá-
bicas isoladas» (Ibidem), enfim, a Ursprache.
Concomitantemente, Jakob Grimm (1785-1863) dá uma nova
orientação ao método comparativo e cria os fundamentos da linguística
histórica. Publica, em 1819, o primeiro tomo da Deustche Grammatik,
onde analisa, com base na recolha de textos escalonados ao longo de
catorze séculos, as diferentes fases da língua alemã, saindo dos prelos
os tomos em 1826, 1831 e 1837, respectivamente. Com efeito, Grimm

XLII
«falava em sentido próprio dum tratamento histórico (e não compara-
tivo) das línguas germânicas, o que pôde conduzir, pela aceitação da
sua maneira de dizer, a considerá-lo o fundador da linguística histó-
rica» (Ibidem: 183). No entanto, Grimm continuava a usar o método
comparativo, só que, neste caso, dentro da mesma língua, o Alemão,
ao tentar encontrar o estádio da língua imediatamente anterior, pro-
curando estabelecer as suas diferentes fases. Grimm encontrou as
regularidades nas semelhanças fonéticas, explicando-as através, entre
outras, do vozeamento das surdas e da fricatização das oclusivas. Apesar
de Ramus Rask já ter analisado este assunto, somente

Grimm sacó de ellas las consecuencias adecuadas sobre los cambios fonéticos
del antiguo germánico, al explicar este proceso histórico de la manera seguiente:
en cierta parte del territorio en que se hablaba el indoeuropeo se produjo, en
tiempos remotos, un cambio en la pronunciación de las consonantes oclusivas;
las oclusivas sordas se convirtieron en fricativas, mientras que las sonoras
perdieron la sonoridad; el resultado de estos cambios constituye uno de los rasgos
más importantes con que las lenguas germánicas difieren de las demás lenguas
indoeuropeas (Černý 1998: 99).

Estas regularidades ficaram conhecidas como «Leis de Grimm» e,


apesar de desenvolvidas posteriormente, ainda hoje são aceites pelos
linguistas.
Friedrich Diez (1794-1876), por seu turno, dedicou-se ao estudo das
línguas românicas, publicando a Grammatik der romanischen Sprachen,
de 1836 a 1844, e o Etymologisches Wörterbuch der romanischen Spra-
chen, em 1853, onde demonstrou que as línguas novilatinas se filiam
primordialmente no latim popular ou sermo vulgaris e não, como até
então se pensava, no latim literário.
August Schleicher (1821-1867) foi botânico durante a maior parte
da sua vida e somente nos últimos dezassete anos publicou obras lin-
guísticas, especialmente o Compendium der vergleichenden Grammatik
der indogermanischen Sprachen, publicado em 1862, e Die darwinische
Theorie und die Sprachwissenschaft, em 1865. Influenciado pela teoria
darwiniana da origem e evolução das espécies, publicada em 1859,
estabelece uma tese de relação genética entre as línguas, a Stamm-
baumtheorie ou teoria da árvore genealógica, na qual o tronco repre-

XLIII
sentava a língua indo-europeia e cada uma das partes entre duas rami-
ficações correspondia a uma dada língua. Para Schleicher,

la lengua es un organismo que nace, crece y evoluciona, envejeciendo y muriendo


al final. Todo el ciclo de su evolución puede dividirse en dos períodos. En el
período prehistórico la lengua está perfeccionándose, pasando sucesivamente
por el estadio aislante (…), por el aglutinante (…), hasta alcanzar el estadio
impecable de una lengua flexiva. Para el segundo período, el histórico, es
característica la decadencia de la lengua (Ibidem: 103).

Todavia, no seguimento das pesquisas de Bopp, Schleicher inicia as


primeiras formulações rigorosas das leis fonéticas e procura a recons-
trução exacta do Indo-europeu. Com efeito, Schleicher conseguiu
estabelecer, com base na comparação da fonética das várias línguas
indo-europeias, desde a mais antiga à mais moderna, a protolíngua, ou
Ursprache. É assim que, por exemplo, se afirma que a palavra «cavalo»
deriva do Indo‑europeu *akwa-s.
Alguns anos após a sua morte, a Stammbaumtheorie schleicheriana
foi posta em causa por Johannes Schmidt (1843-1901), que considerava
a tese de Schleicher demasiado rígida e não explicativa da realidade dos
factos linguísticos. Com efeito, Schmidt criou a Wellentheorie ou teoria
das ondas, segundo a qual «los fenómenos lingüísticos se propagaban
en formas de ondas desde el centro hacia la periferia, extinguiéndose
gradualmente» (Ibidem: 104). Com efeito, só a teoria das ondas explica
o facto de haver miscigenizações entre as várias línguas que nada têm,
aparentemente, em comum.
Estes trabalhos, especialmente os de Bopp e de Schleicher, prepa-
ram o caminho dos neogramáticos (Junggrammatiker), August Leskien
(1840-1916), Karl Brugmann (1849-1919), Hermann Osthoff (1847-
‑1909), Berthold Delbrück (1842-1922) e Hermann Paul (1846-1921),
que, principalmente na revista Morphologische Untersuchungen auf
dem Gebiete der indo-europäischen Sprachen, cujo primeiro número
saiu dos prelos em 1878, nos livros Prinzipien der Sprachgeschichte, de
Hermann Paul, publicado em 1880, e em Grundriss der vergleichenden
Grammatik der indogermanischen Sprachen, de Brugmann e Delbrück,
publicado entre 1886 e 1900, procuraram soluções para o problema das
alternâncias vocálicas nas línguas indo-europeias com base no princí-

XLIV
pio da regularidade das leis fonéticas, dos empréstimos vocabulares,
apenas admitindo, como única excepção, a «lei» da analogia. Assim,
ao eliminarem as excepções, os neogramáticos esperavam integrar a
«gramática comparada» entre as prestigiadas ciências naturais.

Los neogramáticos dedicaron mucha atención también a la psicología, que al


final del siglo XIX gozaba de un florecimiento sin precedente. Se interessaban
sobre todo por la relación que hay entre la lengua y el pensamiento. Esperaban
que la lingüística histórica en cooperación con la psicología podrían aportar
resultados muy positivos en este sentido. Con frecuencia hacían referencia
a Wilhelm Wundt (…), que estaba trabajando, al igual que la mayoría de los
neogramáticos, en la Universidad de Leipzig (Ibidem: 111).

A corrente neogramática do último quartel do século XIX consti-


tuiu, assim, o culminar da vergleichend Grammatik, que, no século XX,
foi perdendo a sua influência, principalmente a partir do estruturalismo
linguístico. No entanto, a gramática comparada acabou por dar origem
à actual moderna linguística comparada (cf., v. g., García 2001), já que os
linguistas descritivistas do século XXI, quando analisam uma dada lín-
gua, não podem deixar de a contrapor com outras, principalmente com
aquelas com que tenha algum parentesco ou, pelo menos, afinidade.
Foi, assim, neste contexto histórico-cultural, principalmente do
Romantismo – e consequente nacionalismo – alemão e das teorias
darwinianas da evolução das espécies, que surgiu – e se impôs – a
gramática comparada e, por consequência, a linguística como ciência,
que rapidamente se

confundiu (…) com a gramática histórica, porque nasceu e se desenvolveu na


época romântica muito imbuída de história nacional e cultura popular; donde
a tendência a admitir-se que cada língua reflecte os modos de pensamento
do povo que a usa e que a unidade de língua corresponde à unidade de raça.
A família indo-europeia (…) forneceu à gramática comparada a melhor matéria
de pesquisa» (Dubois 1993: 111).

Os méritos da gramática comparada foram imensos.

Fue ante todo la implantación de la metodología estrictamente científica, la


solución de los principales problemas de la evolución lingüística, la clasifi-
cación genética de las lenguas indoeuropeas, así como la aclaración de los
fenómenos fundamentales de la fonética articulatoria (Černý 1998: 111).

XLV
Por outro lado, nenhum dos «fundadores» da vergleichend Gram-
matik descobriu o Sânscrito. Georges Mounin, por exemplo, refere que
«ce que ferá Bopp, le fondateur de la linguistique, ce ne sera (…) la
découverte du sanskrit (…), mais leur utilisation pour poser et résoudre
des problèmes nouveaux concernant les langues» (Mounin 1967: 163).
Também Ferdinand de Saussure havia feito referência a esse facto:
«Bopp não tem, pois, o mérito de ter descoberto que o sânscrito se
relaciona com alguns idiomas da Europa e da Ásia, mas foi ele quem
compreendeu que essas relações podiam ser matéria para uma ciência
autónoma» (Saussure 1986: 22).
A língua literária dos antigos hindus não foi descoberta pelos «lin-
guistas» europeus de um dia para o outro. Com efeito, já no século XVI,
Filipe Sassetti, que viveu em Goa entre 1551 e 1558, escreveu algumas
cartas, que, lamentavelmente, apenas foram descobertas e publicadas
em 1855, onde mostrava haver algumas analogias entre os numerais do
Sânscrito e os de algumas línguas europeias, especialmente o Latim, o
Grego e o Italiano. Também o P.e Coerdoux, missionário francês, enviou,
em 1763, a um amigo seu uma gramática e um dicionário do Sânscrito
e, nas várias cartas que lhe escreveu, referia as muitas semelhanças
entre os seus vocábulos e os do Grego e, sobretudo, do Latim.
Todavia, só a partir de 1786 é que o Sânscrito de facto despertou
o interesse dos filólogos europeus, pela acção de William Jones, juiz
inglês em Bengala e membro da Sociedade Asiática de Calcutá, que,
entretanto, fundara. Em 1786, escreveu Jones que

«El sánscrito… tiene una estructura magnífica; es más perfecto que el griego, de
formas más diversas que el latín, de una cultura más fina que las dos lenguas
mencionadas y, a pesar de ello, tiene tantos rasgos comunes con ellas que no puede
ser por casualidad. Ningún filólogo que examine estas tres lenguas podrá negar
que evolucionaron de alguna fuente común, que probablemente ya no existe». Esta
afirmación, sin duda, recogía en forma embrional algunas ideas fundamentales
de la gramática comparada e histórica del siglo siguiente (Černý 1998: 94).

De facto, estas e outras afirmações semelhantes do juiz William


Jones incrementaram os estudos do Sânscrito na Europa, de tal modo
que, em poucos anos, apareceram várias gramáticas da antiga língua
literária dos hindus. Em Inglaterra, por exemplo, entre 1790 e 1815,

XLVI
foram publicadas cinco gramáticas. A mais conhecida destas gramá-
ticas foi a de Pánini, denominada Oito Livros (Asta-dhya-yi-), a mais
antiga gramática conhecida do Sânscrito – e de qualquer outra língua –,
constituída por 400 aforismos ou «sutras». Pánini viveu nos séculos V
e IV a.C. e o sanscritólogo P. Thieme atribuiu-lhe o título de «Homero
da Linguística» (Ibidem: 69). No entanto, o próprio Pánini diz que antes
de si havia uma imensa tradição gramatical, ou de análise (akshara),
mencionando inclusivamente 68 precursores seus. A gramática de
Pánini não descreve exaustivamente a língua sânscrita, mas o estilo por
que opta, em sutras, ajudava a memorizar melhor as regras gramaticais
mais importantes. «Esta gramática (…) foi pela primeira vez traduzida
na Europa por Böhtlingk [1815-1840]» (Ibidem: 66-67) e publicada em
Leipzig apenas entre 1837 e 1840.
Contudo, assim como nenhum dos autores «fundadores» da
vergleichend Grammatik descobrira o sânscrito, também nenhum deles
foi o primeiro a usar, em nosso entender, o método comparativo ou o
comparativismo linguístico. Georges Mounin, na mesma citação em que
refere a não descoberta do Sânscrito pelos «fundadores» da gramática
comparada, menciona especificamente que «ce que ferá Bopp (…) ne
sera (…) la découverte (…) du comparatisme, mais leur utilisation pour
poser et résoudre des problèmes nouveaux concernant les langues»
(Mounin 1967: 163).
Metodologicamente, a linguística comparada confronta as pala-
vras de duas ou mais línguas e procura semelhanças entre elas, quer
quanto à forma (morfologia e fonética), quer quanto ao significado,
quer, mais actualmente, quanto ao sentido. Quando (algumas de entre)
essas similaridades são encontradas, coloca-se a hipótese de que ambas
remontam a uma forma (língua) original comum, que evoluiu de forma
diferente, através de leis fonéticas diversas, devido a múltiplos factores
sócio-histórico-culturais. Com efeito, para Jean Dubois, «duas línguas
são aparentadas geneticamente quando provêm da evolução de uma
língua única. A história permite, às vezes, estabelecer um parentesco
histórico» (Dubois 1993: 456-457).
Para se demonstrar a existência de um determinado grau de paren-
tesco entre duas línguas é necessário haver coincidências de formas
gramaticais entre ambas, pois não basta haver apenas semelhança

XLVII
vocabular, porque, entre outras razões, pode ter havido empréstimos
vocabulares entre elas. Quando apenas houver uma estrutura gramatical
similar, considera-se que são duas línguas afins – ou parentes tipoló-
gicos – e não propriamente parentes genéticos. Jean Dubois, apesar de
também aceitar a designação de parentesco tipológico, prefere «destinar
o nome de afinidade às convergências fortuitas e falar de parentesco
quando se coloca a hipótese de origem comum» (Ibidem: 457).
Actualmente, a linguística comparada não procura unicamente
estabelecer os graus de parentesco entre as línguas, mas também
comparações sintácticas, semânticas e, ainda, pragmáticas, para con-
cluir sobre outro tipo de funções existentes nas línguas. A linguística
descritiva, especificamente, usa o método comparativo muitas vezes
para, mais facilmente, fazer demonstrações várias. É exemplo disso o
trabalho de António Franco intitulado Descrição Linguística das partí-
culas modais no Português e no Alemão, onde o linguista estabelece um
paralelo entre as funções, principalmente, pragmáticas das partículas
modais portuguesas e alemãs.
No entanto, como Saussure, também perguntamos: «Como pro-
cederam os que estudaram a língua antes da fundação dos estudos
linguísticos, isto é, os «gramáticos» inspirados nos métodos tradicio-
nais?» (Saussure 1986: 145). E, também com Saussure, concordamos
em que, depois de terem acusado a gramática normativa «clássica»
de ser pouco – ou nada – centífica, «a sua base é menos criticável e o
seu objecto melhor definido que na linguística inaugurada por Bopp»
(Ibidem: 146).
Em certo sentido, os autores de estudos textuais gregos, especial-
mente os alexandrinos, usaram o método comparativo, ao contraporem
as formas linguísticas dos textos arcaicos com as dos dialectos gregos.
Também os gramáticos latinos usaram o método comparativo, princi-
palmente por transporem os princípios metodológicos e a taxonomia
gregos para a análise da língua do Lácio, ainda que, explicitamente, não
tivessem feito comparações entre ambos os sistemas linguísticos.
No século XVI, surgem também as primeiras obras linguísticas
das línguas nacionais / vernáculas, depois da Grammatica da Lingua
Castellana de Nebrija, saída dos prelos ainda no século XV, especifi-

XLVIII
camente em 1492. Em Portugal, aparecem as gramáticas de Fernão
de Oliveira (1536) e João de Barros (1540), as ortografias de Pedro
de Magalhães Gândavo (1574) e Duarte Nunes de Leão (1576), bem
como a primeira sistematização sobre a história da língua portuguesa,
a Origem da Lingoa Portuguesa (1606), de Duarte Nunes de Leão, que
pode ser considerado como um precursor da Linguística Histórica.
Todas estas obras, ainda que em diferentes graus, são uma adap-
tação à língua portuguesa das gramáticas latinas, pois importam as
taxonomias e até os procedimentos metodológicos. A única que pode
ser excepção – ou, pelo menos, é a mais original – é a gramática de
Fernão de Oliveira, embora também considere as mesmas oito partes
do discurso que a maioria dos gramáticos latinos.
Assim como as primeiras gramáticas latinas adaptaram os concei-
tos, taxonomias, metodologias, etc., das gramáticas gregas, também
as primeiras gramáticas vernaculares fizeram essa transposição das
gramáticas latinas. Só em sentido estrito, porém, se pode considerar
que usaram o método comparativo, porque não houve propriamente
comparações / paralelos entre os sistemas linguísticos de cada uma
das línguas vernáculas e o do latim. Esse método vai ser, entretanto,
amplamente usado – assim pensamos – por Amaro de Roboredo, no
Methodo Grammatical.
Amaro de Roboredo foi professor de gramática latina e o facto
de ainda não haver então um estudo autonomizado da língua portu-
guesa – que só veio a acontecer na sequência da publicação do Alvará
Régio de 30 de Setembro de 1770 – justifica plenamente a sua opção
pela dedicação quase exclusiva ao estudo daquela língua clássica. No
entanto, começou por escrever, em 1615, as Regras da Ortografia da
Língua Portuguesa, (ainda) desaparecidas e, na primeira parte, até à
página 78, do Methodo Grammatical para todas as Linguas, apresentou
um paralelo comparativo entre as estruturas de ambas as línguas – Da
Explicaçam Compositiva das Partes da Oraçam Portuguesa, & Latina –,
culminando na apresentação esquemática, numa folha, dessas compa-
rações – Recopilaçam da Grammatica portuguesa, e Latina, pela qual com
as 1141 sentenças insertas na arte se podem entender ambas as linguas.

XLIX
Amaro de Roboredo, especialmente no Prólogo do Methodo Gram-
matical, que configura uma «Carta do Autor Amaro de Roboredo ao
D. Gaspar Alvarez Vega lente de Latim na Universidade de Salamanca»,
apresenta as razões que o levaram a escrever esta gramática e aponta os
benefícios do método por si defendido, – novo estylo, novo modo e novo
caminho, como o foi denominando – favorecer a aprendizagem de várias
línguas por parte dos alunos. Parece correcto poder, então, afirmar-se
que, aí, Roboredo apresenta inequívocas justificações do novo método
e, com Vicente Gomes de Moura, que «o nosso Grammatico [Amaro de
Roboredo] concebeo a ideia (…) da Grammatica Comparada» (Moura
1823: 353), pela primeira vez na história da linguística portuguesa.
Entre essas razões, Roboredo justifica a criação de uma disciplina
de língua materna (Roboredo 1619: a 4  r.) com o facto de, segundo
o autor, os professores e os gramáticos até então não conseguirem
destrinçar o que era de uma ou de outra língua, confundindo, muitas
vezes, os seus alunos,

porque acho grande confusaõ nas artes, ou Syntaxes, que teem misturado, o
que he particular de hüa lingua, com o que he commum a muitas, ou a todas.
Donde nasce sabermos poucas, & chegarmos tarde na Latina a conhecer sua
propriedade, que o uso, & não sô a arte, nos ensina (Ibidem: b 2 r.).

Nesta passagem, o autor também mostra que a aprendizagem de


uma língua faz-se prioritariamente através do seu uso [correcto] e não
somente através do que defendem os gramáticos, que, como ele também
afirmou, muitas vezes erram.
Roboredo acrescenta, ainda, que, porque são sistemas linguísticos
diferentes e não se estudava a idiossincrasia da língua portuguesa,
abundavam os erros, quer no uso / selecção vocabular quer na ortografia:

Saberão os principiantes per arte em poucos annos, & melhor a lingua


Materna, que sem arte sabë mal per muitos annos, com pouca certeza a
poder de muito ouvir, & repetir (…): & serão mais certos, & apõtados no que
fallão, & screvem: teraõ mais copia de palavras, & usaraõ dellas com mais
propriedade. Porque por falta de regras, ainda nas Cortes, & Universidades
se fallaõ & screvem palavras necessitadas de emmenda. Saberaõ per regras
de compor, & derivar ampliar a lingua Materna, & ajuntarlhe palavras


externas com soffrivel corruçaõ, & formar outras de novo: para que com
menos rodeios se possaõ explicar os conceitos & as sciencias (…). Saberaõ
fugir de palavras externas ainda naõ recebidas quando teem proprias, por
naõ mostrarem que a lingua he mais pobre (Ibidem: a 4 r.).

Também, na primeira parte do Methodo, Roboredo analisa sepa-


radamente as declinações portuguesas e as latinas, as (regências das)
preposições, as conjugações e as vozes dos verbos, a formação dos
particípios, algumas considerações de sintaxe («composição») latina e
portuguesa («concordias», «regencias», complementos de «distancia,
medida & tempo», verbos activos «certos & incertos», e verbos de
«ensinar, amoestar, perguntar, encobrir»), outros «nomes» irregulares
(pronomes), graus dos adjectivos, verbos defectivos e irregulares, etc.
Apenas a título demonstrativo, vejamos algumas passagens da
Recopilaçam da Grammatica Portuguesa, e Latina. Aí, por exemplo,
Roboredo divide «as partes da oração» em cinco espécies, do mesmo
modo que em Latim: «Nome, & Verbo (…); & Preposição, Adverbio,
& Conjunção» (Ibidem: «Recopilaçam», 1).
O nome subdivide-se em substantivo e adjectivo. O substantivo,
“q pode star na Oração sem Adjectivo, se divide em Commum, &
Proprio” (Ibidem). O adjectivo é dividido, consoante o seu significado,
em «Pronome», «Participio», «Interrogativo», «Relativo», «Partitivo»,
«Numeral», «Possessivo», «Positivo», «Comparativo» e «Superlativo»
(Ibidem). Os géneros são dois na língua portuguesa, masculino e femi-
nino, e três, na latina (mais o neutro). Quanto às declinações, Roboredo
apresenta três para o Português e mantém as cinco latinas e, como para-
digma, refere os substantivos «palmo», «palma» e «vide», como tendo os
mesmos seis casos que os nomes latinos e apresentando as terminações
«o», «a», e «e», no singular, e «os», «as» e «es», no plural.
O verbo é dividido em activo e passivo em Português, acrescentando
o depoente para o Latim, que tem forma passiva e significado activo.
“Cada hum destes, ou he Pessoal que tem algüa das tres Pessoas, que
ha em cada hum dos seus dous Numeros; ou he Impessoal, como saõ
os Infinitivos, & Gerundios” (Ibidem). Apenas o verbo «sou» ou «sum»,
em Latim, é irregular, pois “significa sustancialmente, quietação”
(Ibidem). Roboredo também apresenta as três conjugações portuguesas,

LI
por oposição às quatro latinas, e, como paradigmas, os verbos «am-o»,
«mov-o» e «vist-o», para o Português, e «am-o», «mov-eo», «defend-o»
e «vist-io», para o Latim.
O que é, porém, bastante relevante é o facto de o segundo fólio
da Recopilaçam (pp. 2 e 3) ser quase totalmente preenchido com as
conjugações, apresentadas gráfica e esquematicamente, só aparecendo
os sufixos modotemporais e numeropessoais, omitindo-se sempre
o radical do verbo que se está a conjugar – este já está implícito na
apresentação do mesmo –, de forma a que os «leitores» mais rapida-
mente pudessem visualizar as diferenças e semelhanças entre todas
as formas, quer entre as latinas, quer entre as portuguesas, quer entre
ambas. Assim, por exemplo, o «primeiro presente» das conjugações
portuguesas e latinas é descrito da seguinte forma (Ibidem: 2-3):

Tempos Am-o Mov-o Vist-o Am-o Mov-eo Defend-o Vist-io

1. O 1. O 1. O 1. O 1. Eo 1. O 1. Io
Presentes as es es as es is is
a e e at et it it
âmos êmos îmos âmus êmus imus îmus
Pluraes ais éis îs âtis êtis itis îtis
ão em em ant ent unt iunt
Figura 1

O mesmo acontece com todos os restantes tempos. Caso não haja


algum, numa das línguas, Roboredo assinala essa omissão com o sinal
@, como sucede, por exemplo, com o particípio presente, o supino, o
gerundivo, o pretérito perfeito do conjuntivo («segundo preterito»), em
Português, bem como com o Infinito Pessoal, em Latim.
Com se pode ver, Roboredo teve a intuição linguística de distinguir
o radical dos sufixos, quer numeropessoais, quer modotemporais, ainda
que, em ambos os casos, os não distinga entre si, por uma questão
(talvez especificamente) didáctica. Não temos nenhuma informação
de que outro gramático antes de Roboredo tenha procurado fazer essa
mesma separação. Daí que, até novas descobertas, se possa afirmar que
também aqui Roboredo foi um iniciador.

LII
, Ainda na Recopilaçam, Roboredo apresenta sinteticamente o mais
» significativo da sintaxe portuguesa e latina, que é constituída por con-
córdia, regência e posição.
o
A Cõcordia, que succede antes da palavra, se faz entre Sustantivo, & adjectivo
s em Genero, Numero, & Caso, como Porta alta. E o Relativo, & o Sustantivo
antecedente concordão em Genero, & Numero, como Erat porta, quae stabit. E o
e Nominativo concorda com o Verbo Pessoal em Numero, & Eu, toma as primeiras
a Pessoas, & Tu, as segundas (…). A Pergunta, & Reposta [sic] concordão em Caso,
& muitas vezes em Tempo, Numero, & Pessoa (Ibidem: 1).

A regência, que se faz depois da palavra que exige determinado


e caso,
s
consiste na Preposição Portuguesa, De, que rege Genitivo quando per ordem
dereita vai entre dous Sustantivos, & o primeiro se se ajunta ao segundo, que o
fica possuindo: & rege Ablativo, quando lhe precede outra palavra, ou significa
separação, ou composição, como: Esta he a syntaxe da arte. Lãçaste hum pucaro
de barro da janela. Louvor, & vituperio podem star em Genitivo, & Ablativo:
como, homem de bom ingenho; de mao costume. E consiste na Preposição, A, que
rege Dativo, significando acquisição, & Accusativo significando movimento,
& Ablativo significando separação: como, Socorre ao pobre: quando fores aa
Igreja, pedir a Deus soccorro (Ibidem).

Estes conteúdos são desenvolvidos na primeira parte do Methodo


Grammatical, que termina na página 78 e é denominada Exemplo
Portugues, e Latino da Grammatica. Assim, por exemplo, depois de
definir Gramática, palavra e sílaba, refere que a
a Letra he comprensaõ, ou prolação de hum som indivisivel; como, A, B, C, –
l O qual som he ferimento de dous corpos entre si, mediante o âr; como acontece
o na prolação da Letra, & Palavra entre o paadar, lingua, dentes, beiços, & ar
respirado. (…) As Letras se dividem em Vogaes, & Consoantes. As Vogaes em
voz saõ cinquo em todas as linguas; como na Latina, A, E, I, O, V em voz, &
em figura saõ cinquo. As mais Letras se chamão Consoantes (Ibidem: 64).
r
Na exposição da sua perspectiva sobre as regências, Roboredo
apresenta casos paralelos para o Português e para o Latim, mas, na
passagem seguinte, também menciona outras línguas vulgares:
a O Genitivo na lingua Portuguesa, & outras Vulgares, sempre he regido da Pre-
posição, De, expressa: como, o somno he imagem da morte: porem na Latina
sempre he regido de Nome Sustantivo: ut sopor lethi imago (Ibidem: 73).

LIII
Especialmente importantes são as reflexões linguísticas de Robo-
redo na terceira parte do Methodo Grammatical denominada Exemplo
Latina da Frase, particularmente no capítulo V, onde o gramático trans-
montano contrapõe «algüas propriedades da Frase Latina, & Portuguesa
entre si repugnantes». Aí, e.g., Roboredo reflecte sobre a dupla negação
latina e portuguesa:
He propriedade da lingua Latina duas negações em hüa Oração affirmarem; & da
Portuguesa, negarem: como na sentença 127. da 2. parte [Desinet ogganire conjux,
si nil respondeas.], tanto monta; Se nada responderes; como, se não responderes
nada: Si nihil respondeas: da qual oração fica contradictoria esta; Si non nihil
respondeas; que significa; Se algüa cousa responderes. Em algüas Orações
comtudo concorda a Portuguesa com a Latina: como: Não soomente não peccou,
mas fez hum acto de virtude: Non solü non peccavit; sed etiam virtutis actum
exercuit: porque, solum, encerra em si negação de muitos (…) no adverbio, Non.
Não he desnecessario; não he indecente: não he inconstante; & em semelhantes
Nomes privativos, concorda a Portuguesa com a Latina (Ibidem: 227-228).

Entre vários casos analisados, Roboredo, por exemplo, também


reflecte, numa perspectiva comparativista, sobre o comportamento
linguístico das partículas expletivas latinas, que denomina ornativas,
assim como sobre o dos artigos portugueses, que não existem na língua
de Cícero:
A estas conjunções ornativas, Autem, Vero, Quidem, & outras semelhantes não
responde a Portuguesa com palavra algüa: como tambem a Latina não responde
com palavra algüa aos articulos (…) da Portuguesa; nem aas suas Preposições
de Genitivo, & Dativo, nem ao, Que, quando pede infinitivo; nem a estes nomes,
Homem, hum, Hüa quando saõ palavras mais ornamentaes, que demonstra-
tivas de cousa singular, como, hum mercador dando negocêa: Mercator largiendo
negotiatur (Ibidem: 229).

Muitos outros exemplos poderiam ser acrescentados, mas não nos


parecem essenciais, uma vez que, quando apresentarmos as concepções
linguísticas de Roboredo, teriam de ser repetidos. No entanto, não nos
parece restar quaisquer dúvidas de que, pela primeira vez na história
da Linguística portuguesa e europeia – não conhecemos uma análise
semelhante nos restantes países da Europa –, aparece um estudo
sistematizado e comparativo entre ambas as línguas, a portuguesa e
a latina.

LIV
Marina Kossárik é da mesma opinião, ao afirmar, por exemplo,
que,

comparando português e latim, Roboredo não se concentra nas proximidades


estruturais, ligadas ao parentesco genético das duas línguas, no que difere de
Duarte Nunes de Leão. A sistemática representação paralela de duas línguas
(esporadicamente surge também a comparação com a grega e outras) dá-nos
razões para caracterizar a obra de Roboredo como um dos primeiros exemplos
de descrição linguística comparativa no próprio sentido da palavra. Na obra de
Roboredo, a comparação chega a ser um objectivo pessoal, e isto constitui mais
um passo em direcção à formação da tipologia de línguas, depois das gramáticas
de vernáculos e de línguas exóticas, nas quais a comparação ainda está presente
como modelo de descrição de uma língua com base no cânone gramatical de
outra (Kossárik: 1997: 433).

Assim, em conclusão, pode afirmar-se que Amaro de Roboredo


é um dos primeiros gramáticos a usar o método comparativo e, por
conseguinte, pode – e deve – ser considerado, pelo menos, um dos pre-
cursores da Gramática (ou Linguística) Comparada.

4.3.  Partes do Discurso

Como já referimos, o Methodo Grammatical para todas as Linguas


está dividido em três partes, a primeira das quais dedicada maiorita-
riamente à morfologia (Livro I e II) e, minoritariamente, à sintaxe ou
composição (Livro III), quer a dita «normal», quer a figurada, encon-
trando-se esta última bastante desenvolvida na terceira parte. É, por
isso, que principalmente na primeira parte, Roboredo analisa as «partes
da oração». Ao contrário, porém, de Nebrija, que distinguia 8 partes
para o Latim e 10 para o Castelhano, Roboredo considera a existência
das mesmas para ambas as línguas, seguindo, assim, a coerência da
universalidade linguística.
Com efeito, para o gramático transmontano, as línguas, quer
a portuguesa, quer a latina, têm apenas cinco partes. Na Verdadeira
Grammatica: «Oração he hüa ordenada disposição de palavras, que saõ
suas partes: & estas saõ cinquo, Nome, Verbo, Preposição, Adverbio,
Conjunção» Roboredo 1615: A 1); no Methodo Grammatical: «Das letras
se compõem as palavras, que ou saõ Nomes, ou Preposições, ou Verbos,

LV
ou Adverbios, ou Conjunções, que se dizem as cinquo partes, de que a
oração consta» (Idem 1619: 1-2); na Porta de Linguas:

Esta multidão assi de palavras, que vês nestas sentenças, em qualquer lingua
se dividem em cinquo generos, que se chamão partes da Oração. E ainda que
algüs te enculquem mais, e outros menos,tu com melhor fundamento reco-
nhecerás por partes a estas, Nomes, Preposição, Verbo, Adverbio, Conjunção
(Idem 1623: 25);

na Grammatica Latina: “Esta Oração consta de cinquo partes, em que


a Palavra se divide; as quaes saõ Nome, Preposição, Verbo, Adverbio,
Conjunção” (Idem 1625: 1).
Esta divisão das palavras ou partes da oração não segue directa-
mente nenhum dos autores anteriores, aproximando-se, apenas ideo-
logicamente, ao Brocense 14, mas este, na edição da Minerva de 1562,
considerava a existência de 6 partes da oração (nome, verbo, particípio,
preposição, advérbio e conjunção) e, na de 1587, de apenas três (nome,
verbo e partículas), ao contrário do que afirma, por exemplo, Rogelio
Romeo: “Por lo que se refiere a la teoría gramatical propriamente dicha,
Amaro de Roboredo, en el nivel morfológico, distingue cinco partes de
la oración, a diferencia de otros gramáticos (…). Tal propuesta coincide
con la que se presentara en la Minerva” (Romeo 2002: 6).

4.3.1.  O Nome

Roboredo define o nome como “palavra participante de Numero


casual com genero: como, homo, ille, amans” (Roboredo 1619: 65).
Também na Grammatica Latina Roboredo apresenta uma definição
morfológica de nome: “O nome he palavra, que tem Numeros, e Casos
com Genero” (Idem 1625: 21). Esta é uma definição morfológica bas-

14
Dissemos, contudo, que havia em Roboredo uma influência ideológica de Fran-
cisco Sánchez de las Brozas e que aquele não seguia directamente nenhum autor prece-
dente, mas pode afirmar-se que, indirecta e ideologicamente, o gramático português é
influenciado pela Minerva de 1587, uma vez que, para além do nome e do verbo, que são
comuns a ambos, Roboredo retirou as partículas (preposição, advérbio e conjunção) da
classificação do Brocense e colocou a designação dessas mesmas partículas, isto é, a prepo-
sição, o advérbio e a conjunção, completando, deste modo, as cinco partes da oração.

LVI
tante antiga, pois, como refere o Brocense, já Escalígero o havia referido
e ele próprio aceita essa perspectiva:

Est enim imago quaedam Nomen, qua quid noscitur. Haec Scaliger. Porro
nominis finitio est per vocem numeri casualis cum genere, quae definitio pro-
pria est & perfecta: vox enim seu dictio, seu pars orationis genus proximum est,
& casus est specialis differentia (Brozas 1587: 16 r.).

Pelos exemplos da primeira definição de Roboredo, pode perce-


ber-se que o gramático transmontano engloba no «nome» os substan-
tivos, pronomes, particípios e adjectivos (uma vez que «amans» é um
particípio presente, mas tem uma morfologia idêntica aos adjectivos
da 2.ª classe imparissilábicos). No entanto, a sua classificação não é
assim tão simples, uma vez que, de entre os nomes, apenas considera
o substantivo e o adjectivo:

Dividese o Nome em Sustantivo, & Adjectivo. Sustantivo hè (sic) o que significa


sustancia, ou per modo de sustancia, & sustenta o Adjectivo na Oração, a qual
o sustantivo per si o Verbo faz (…). Adjectivo he o que se ajunta ao Sustantivo,
sem o qual não entra na Oração (…). Os Portuguêses reconhecem o Adjectivo
ajuntandolhe o Sustantivo, Cousa, com a qual sôa bem aa orelha: como, cousa
pura, cousa agradavel. Nas outras linguas se pode ordenar a mesma regra
(Roboredo 1619: 66).

Os substantivos ou são comuns ou próprios, que também deno-


minou de singulares:

O Sustantivo se divide em nome Commum, & Proprio, ou Singular. Commum he


o que significa hüa cousa commum a muitas singulares; como, Cidade, Civitas;
Rio, Fluvius. Proprio, ou Singular he o que significa hüa sô cousa: como, Lisbôa,
Olyssipolis: Tejo, Tagus (Ibidem).

Por outro lado, divide o adjectivo em duas modalidades, conforme a


forma e o significado. Para a primeira, existem os adjectivos uniformes
ou “adjectivos de hüa terminação: como, Prudente, Prudens” (Ibidem),
e os biformes ou “adjectivos de duas terminações: como, Todo, toda,
Omnis, & omne” (Ibidem). Nas línguas grega e latina, existem também
os triformes ou “adjectivos de tres terminações: como Altus, alta, altum”
(Ibidem). Relativamente à segunda modalidade, Roboredo subdivide o

LVII
adjectivo em dez espécies, consoante o significado («significação») de
cada uma. Com efeito, para Roboredo existem as seguintes dez espécies
de adjectivos: Pronomes, particípios, interrogativos, relativos, partitivos,
numerais, possessivos, positivos, comparativos e superlativos.
Assim, para o gramático transmontano seiscentista, o pronome
he nome Adjectivo, do qual usamos em lugar do Sustantivo Singular, ou Proprio;
como saõ: Hic, Iste, Ille, Ipse, Is, que saõ Primitivos, & irregulares: outros saõ
Derivados, como Idem, Meus, Tuus, Suus, Noster, Vester, Nostras, Vestras. Mas
Ego, Tu, Sui saõ Pronomes Sustantivos, Primitivos, & irregulares (Ibidem: 67).

O Particípio também é, para Roboredo, um adjectivo, mas derivado


do verbo, que, em determinadas línguas, como na portuguesa e latina,
tem tempo. Por isso,
o Participio activo rege o caso do seu Verbo: como, Amans, Amaturus: Movens,
Moturus. O Participio passivo, nenhüa regencia admitte, assi como o Verbo
passivo de que se deriva nenhüa admitte: como, Amatus, Amandus: Motus,
Movendus. Porem na Latina estas terminações. Di, Dum, Do [gerundivo] forma-
das do Participio passivo, teem actividade, & por conseguinte regencia (Ibidem).

No adjectivo interrogativo enquadra Roboredo os pronomes inter-


rogativos e, por isso, define-o como “o Adjectivo com que perguntamos:
como, Qualis, Quantus, Quot, Quotus, Uter, Quis, Nunquis, & outros
compostos” (Ibidem).
Também Roboredo classifica o relativo como um adjectivo, apre-
senta-o como “o Adjectivo que refere Sustantivo, ou cousa passada, ou
supposta: como, Qui, Hic, Iste, Ille, Ipse, Is, Idem” (Ibidem). Não deixa,
porém, de ser curiosa a integração de alguns deícticos (pronomes /
adjectivos demonstrativos) nos relativos, uma vez que, de facto, se
referem a factos passados ou supostos, principalmente numa dêixis
anafórica ou mostração textual.
Quanto ao partitivo, diz Roboredo tratar-se de um “Adjectivo que
significa partição entre cousas: como, Nemo, Uter, Ullus, Quis, & muitos
compostos destes: como Nullus, Neuter, Ecquis, &c.” (Ibidem).
O numeral, por sua vez, é, para o gramático transmontano, “o
adjectivo, perque contamos: o qual ou he Cardinal: como Unus, Duo,
Tres, & tria &c. ou he Ordinal: como Primus, Secundus, &c. ou he Distri-
butivo: como Singuli, ae, a: Bini, ae, a: Terni, ae, a &c.” (Ibidem).

LVIII
O adjectivo possessivo é, para Roboredo, não só o pronome / deter-
minante possessivo, mas também o «adjectivo» que determina a origem,
isto é, o “Adjectivo, com que significamos cousa possuida do Nome
Primitivo, donde se deriva: como de, Pater, Paternus: de Mater Maternus,
&c. de Mei, Tui, Sui, se derivão, Meus, Tuus, Suus” (Ibidem). Roboredo
também considera na espécie dos possessivos

os Adjectivos, que significão materia, da qual se faz algüa cousa: como, de


Argentum, Argenteus: de Lignum, Ligneus, & Lignarius &c.. E pertencem os
Adjectivos Patrios: como, de Lusitania, Lusitanus: de Hispania, Hispanus:
de Italia, Italus. E para significar cousas dos taes Reinos: como, Lusitanicus,
Hispanicus, Italicus, &c.. E os Patronimicos: como, de Peneus, Peneius &c.
E Nostras, Vestras, Cuias (Ibidem).

Por último, Roboredo ainda considera os graus dos adjectivos de


entre as espécies destes. Assim, existem, em Português, o Positivo e o
Superlativo e, em Latim, mais o Camparativo. No entanto, também
acrescenta que nem todos os «seus» adjectivos podem ter comparativo e
superlativo, referindo-se aos pronomes, interrogativos, relativos, parti-
tivos, numerais e possessivos, “cuja significação não recebe augmento,
ou deminuição” (Ibidem: 68).
Em síntese, pode esquematizar-se a divisão que Roboredo apresenta
do nome (substantivo e adjectivo), nas várias obras, da forma que se
apresenta na Figura 2 (ver página seguinte).
No entanto, Roboredo não especifica os valores semânticos que
distinguem os substantivos dos adjectivos, como o Brocense havia feito,
mas apenas a relevância sintáctica destes, ao afirmar, por exemplo,
que

tem o Substantivo (sic) esta propriedade, que pode per si entrar na Oraçaõ sem
Adjectivo; e o Adjectivo tem a contraria, que naõ pode entrar na Oraçaõ sem ir
junto ao Substantivo declarado, ou entëdido de fora. De modo que o Substantivo
he o fundamento, e principio da Oração (Idem 1625: 23).

Ainda sobre o nome, importa salientar o facto de, para o gramático


transmontano, este ter, quer em Latim, quer em Português, seis casos
(nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo). Quanto
ao Grego, há uma breve referência marginal onde diz que “o Grego não

LIX
Parte da Oração Divisão Espécie
– «Commum»
«Sustantivo»
– «Proprio» ou «Singular»
F
O – «hüa terminação»
R – «duas terminações»
M – «tres terminações»
A
– «Pronome»
– «Participio»
– «Interrogativo»
S
- «Relativo»
I
– «Partitivo»
«Nome» G
– «Numeral»:
«Adjectivo» N
«Cardinal»
I
«Ordinal»
F
«Distributivo»
I
– «Possessivo»
C
«donde se deriva»
A
da «Materia»
Ç
«Patrios»
Õ
de «Reinos»
E
«Patronímicos»
S
– «Positivo»
– «Comparativo» (não há em Português)
– «Superlativo»
Figura 2

carece 15 de Abl.” (Idem 1619: 65). Esta citação é bastante indiciadora


das influências sofridas pelo gramático seiscentista: Francisco Sánchez
de las Brozas era de opinião que o Grego tinha de ter o sexto caso,
ou ablativo, porque não seria possível com o terceiro caso, ou dativo,
significar o preço, nem a matéria, nem o lugar:
Sed quoniam haec casuum partitio naturalis est; in omni item idiomate tot
casus reperiri fuerit necesse, quare contra universum grammaticorum coetum
Graecos sexto casu non carere, contendo. Primo enim in omni idiomate dativus

15
Significado etimológico do verbo latino careo, -es, -ere, -ui, -iturus («estar livre de,
estar privado de…»).

LX
acquisitioni tantum deseruit. Per illum igitur pretium, materiam, locum, &
multa alia non significabimus. Deinde si Graecis non esset sextus casus, unde
Latini, Penelope, Parasceue, Grammatice, in sextu casu dicerent? (Brozas
1587: 17 r.).

Quanto ao facto de Roboredo considerar a existência, em Portu-


guês, dos seis casos e todos com a mesma terminação, no mesmo
número, Roboredo justifica-o com o valor / significado dos casos e com
o exemplo do Hebraico, que, sendo uma língua antiga, já mantinha essa
uniformização casual:

Caso he special differença do Nome. Chamase Caso, que he queda, que o Nome
dà do seu dereito assento (…). E saõ estes Casos assi chamados seis, naturalmente
necessarios para declarar os varios conceitos do animo. Desta differença de
Numeros, & Casos, nasce a Declinação do Nome: a qual não he mais que hum
apartamento, que elle de seu dereito assento pelos Casos abaixo (…). As ultimas
syllabas dos Casos em cada Numero saõ semelhantes em muitas linguas, prin-
cipalmëte vulgares, & Hebrea; porem na Latina, & Grega não saõ semelhantes
em todos os casos, senão em algüs (Roboredo 1619: 65-66).

No entanto, também neste caso parece haver uma influência clara


do Brocense, uma vez que este defendeu a existência de seis funções
semânticas universais correspondentes aos seis casos das declinações:

In omni porro nomine natura sex partes constituit. Primum ipsam nomenclatu-
ram, cui merito datus est rectus, qui vere nomen est: reliqui, ut censet Aristoteles,
non sunt nomina, sed casus nominis. Deinde quid generet aut possideat. Tertio
cui fini vel operi destinetur. Quarto in quem finem tendat actio. Quinto vocandi
officium. Postremo modum, in quo causas & instrumentum collocamus. Hic est
z sextus casus (…). Sed quoniam haec casuum partitio naturalis est; in omni item
idiomate tot casus reperiri fuerit necesse (Brozas 1587: 16 v.-17 r.).

Por isso, não nos parece ter razão Cardoso quando refere que
Roboredo declinou os nomes (substantivos e adjectivos) portugueses por
questões didácticas e para, mais facilmente, os alunos aprenderem as
declinações e as regências verbais latinas: “Este recurso lógico-funcional
é importante para o aprendente do Português e do Latim reconhecer
os termos da oração e o regime do verbo” (Cardoso 1999: 94).
, O número das declinações é, todavia, diferente nas línguas portu-
guesa e latina, pois, enquanto aquela tem apenas três, cujas termina-

LXI
ções são, no singular, -o, -a, -e, e, no plural, -os, -as, -es, para todos os
seis casos, e cujos paradigmas são «alt-o», «alt-a» e «torr-e», e «palmo»
(Roboredo 1619: 2-3), «palma» e «vide» (Ibidem: Recopilaçam, 1), já a
língua do Lácio apresenta as cinco tradicionais. Os géneros também
diferem em ambas as línguas, uma vez que as duas têm o masculino e
feminino, mas o Latim acrescenta o neutro.

4.3.2.  O Verbo

Para Amaro de Roboredo, o verbo é a segunda parte da oração mais


importante, pois sem ele não há oração, ou seja, a construção normal
de uma frase é aquela que tem um nome em nominativo e o respectivo
verbo (pessoal). Por exemplo, na Grammatica Latina, Roboredo refere
que
o fundamento da Oração he o Substantivo (sic) que se, porá em Nominativo,
como principio della; o qual Nominativo quer o Verbo Pessoal per Concordia
antes de si (…). E nas primeiras, e segundas Pessoas do Verbo por não admittirem
outros Nominativos senão Ego, Tu, Nos, Vos, de ordinario se calão (…). E em
algüas terceiras Pessoas algüas vezes se cala: como nestas, Aiunt, Dicunt, Ferunt
(…), nas quaes se entende, homines; per figura Ellipse. (…) E nestas Pessoas
Pluit, Ningit, Grandinat, Tonat, Fulminat (…), se cala o Nominativo, que pode
ser Deus, Natura, ou Tempus, ou Temperies: ou outro metaforico (…). De modo
que não se dará Oração sem Nominativo declarado, ou entendido de fora per
figura, Ellipse (Idem 1625: 89-91).

No entanto, a definição roborediana de verbo apenas apresenta


características morfológicas e não sintácticas. Com efeito, para o
gramático transmontano, o verbo
he palavra, que tem Numeros, & Pessoas verbaes com tëpo. Pessoa, ou rosto
do Verbo, he special differença do Verbo. São as Pessoas tres em cada Numero:
como, Amo, amas, amat. Pl. Amamus, amatis, amant. Da differença de Numeros,
& Pessoas com tempo nasce a Conjugação do Verbo, a qual não he mais que
hum Ajuntamento, ou adaequação do verbo com seus rostos: como acontece
ajuntando este Verbo Amo; a estas pessoas, ou rostos, as, at, amus, atis, ant &c.
E para esta adaequação servem os Preteritos nas Artes (Idem 1619: 68-69).

A primeira sub-divisão que Roboredo faz do verbo é entre o pas-


sivo, que, para o próprio, não existe em Português, mas é suprido por

LXII
perífrases («rodeios»), isto é, com o verbo «sum» acrescido do particípio
passado do verbo principal, e o verbo activo. Com efeito, para o gra-
mático seiscentista transmontano, “o Verbo, ou he Activo, ou Passivo.
Na Portuguesa não ha mais voz Passiva, que o Participio, & Gerundio
em, Do” (Ibidem: 13). No Livro III da primeira parte do Methodo Gram-
matical, Roboredo especifica que não é só a língua portuguesa que não
tem voz passiva, mas todas as vulgares que ele conhecia:

Nas linguas vulgares, de que temos noticia, não ha Verbos Passivos: mas ha
Participios Passivos, com os quaes, & com o Verbo Sustãtivo, Sum, se suprem
as Vozes Passivas; como em Português. Amado, ajuntase ao Verbo, Sou, assi; Sou
amado; Fui amado; Serei amado &c. Semelhantes rodeios se fazem com estes
Accusativos, Me, Te, Se, Nos, Vos, Se, junto aas vozes Activas; como, Movome,
Moveste, Movese, Movemonos, Moveisvos, Movemse; & assi nos mais tempos;
mas nas terceiras Pessoas (Ibidem: 69).

Roboredo acrescenta, ainda, que o uso de um verbo activo acrescido


do pronome pessoal em acusativo «se» se deve, primeiro, a faltarem
formas verbais passivas e, segundo, à necessidade de se interpretarem
os tempos de outras línguas, tendo como consequência o facto de
impessoalizar / indeterminar o sujeito / agente da acção ou, noutros
casos, fazer recair a acção sobre o próprio agente, sendo, portanto, o
agente e o paciente a mesma pessoa:

Para supprirmos esta falta, & interpretarmos os tempos de outras linguas,


usamos hum rodeio de terceiras pessoas passivas feito das activas, & do Accusa-
tivo, Se, como movia se (sic), movera se, elle se movesse, mova se &c. Por este
rodeio se significa, ou o mesmo agente do verbo, que redobra sobre si, ou outro
em commum, & confuso, que responde aos Impessoaes dos Grammaticos; como,
affirmava se que vinheis a esta cidade (Ibidem: 32-33).

No entanto, à margem desta dupla classificação, isto é, a dis-


tinção entre os verbos passivos e activos, Roboredo acrescenta uma
excepção. Com efeito, o verbo «sou» / «sum» é apresentado como verbo
substantivo, irregular, não integrando nenhuma das outras categorias
ou espécies (activo ou passivo), e é o fundamento de todos os verbos:
“Este Verbo, Sum, he como fundamento de todos (…). He irrigular;
& significa sustancialmente, ser, ou star” (Ibidem: 30). Já o Brocense
havia referido, mutatis mutandis, o mesmo:

LXIII
Fundamentum, sive radix omnium verborum est verbum substantivum, quod
Graece fw latine Fuo, vel Fio dicitur. Et fw quidem a fsij, id est, natura,
dici certum est, nisi mavis a fw fsij, & verbum s, Latinis, Est, & em Sum.
Apte, & vere verbum est substantivum (Brozas 1587: 129 v.).

Assim, os verbos activos “todos regem Accusativo” (Roboredo


1625: 67), segundo o gramático transmontano, e caracterizam-se por
«traspassar» a sua actividade em substantivos, presentes ou ocultos
(elididos), em acusativo. Os passivos, pelo contrário, não têm qualquer
actividade, mas «padecimento» do nome em nominativo:

Nas linguas scholasticas dividese o verbo em Activo, & Passivo. Activo he o


Verbo que de si lança actividade para algum Accusativo: como, Amo literas: Ars
imitatur Naturam. Passivo he o Verbo, que não tem actividade algüa: antes padece
o Nominativo, que concorda com elle; como, Literae Amantur (Idem 1619: 69).

Estas designações, apesar de serem fortemente influenciadas pelo


Brocense, vão ser ligeiramente «modificadas» ou complementadas
com a nomenclatura, já utilizada por Nebrija, de verbos «transitivos»
e «intransitivos». Com efeito, para Roboredo, os

Verbos, que se dizem, Transitivos, saõ os que somente formão voz passiva, na
qual se tomará para Nominativo, o que na voz activa tinha por Accusativo;
como, Virtus domat omnia; Omnia domantur a virtute; ficando o Nominativo
da activa em Ablativo com Preposição A, ou Ab (Idem 1625: 68).

Quanto aos intransitivos, Roboredo refere que se trata quer


daqueles que não têm acusativo expresso, mas subentendido «dentro
de si» (acusativo interno), os que fazem coincidir o agente e o paciente,
isto é, que têm como acusativo os pronomes pessoais «me», «te», «se»,
«nos», «vos», «se», uma vez que, na língua latina, é incorrecto utilizá-
‑los e, por isso, é como se não existissem, quer de alguns na voz passiva
na terceira pessoa do singular (impessoais):

Ludo ludum; Curro cursum; Vivo vitam. Mostrão os Verbos que não regem outro
Accusativo mais que o interior que dentro de si trazem, o qual por ser tam certo
ainda que se não declare não suspende o entendimento; porque logo se entende;
nem se costuma declarar, se não quando lhe ajuntamos a qualidade de algum
Adjectivo: como, Inanem Ludimus ludum; Velocem currimus cursum: Amaram
vivimus vitam. Estes Verbos se dizem, Intransitivos, dos quaes se achão algüas

LXIV
terceiras Pessoas passivas de singular; como, Curritur, Vivitur, Itur, Statur,
Pugnatur, &c. (…). Eu me apresso; Festino; Eu me inclino, Vergo. Eu me acos-
tumo, Assuesco. Mostrão os Verbos que não admittem outro Accusativo mais
que Me, Te, Se, Nos, Vos, Se, os quaes tambem se dizem, Intransitivos. E porque
o Accusativo nunqua se declara na Latina he como se não tiveram nenhum
(Ibidem: 68-69).

No entanto, a designação principal, que aparece nos vários livros, é


a de verbos activos e passivos, acrescidos ao verbo substantivo «sum» /
«sou». Esta classificação, mais uma vez, é influenciada pela Minerva
de 1587 do Brocense, que só admitia a existência dos verbos activos,
passivos e do verbo substantivo. Francisco Sánchez, nesta divisão, fora
influenciado por Escalígero, como afirmou:
Grammatici nescio quo errore inducti verba omnia in quinque genera diviserunt,
Activum, Passivum, Neutrum, Commune, Deponës. Nobis autem, inquit Caesar
Scaliger, satis sit universum verborum ambitum in duo dividere, quae actionem
& passionem significent: quemadmodum horum utrumque ad unum quippe ad
ipsum EST, quod est utriusque radix et fundamentum. Hanc Scaligeri rationem
sic confirmare possumus. Philosophia, id est recta & incorrupta judicandi ratio
nullum concedit medium inter agere, & pati. Omnis namque motus aut actio
est, aut passio (Brozas 1587: 89 r.-89 v.).

Um dos gramáticos que aqui é criticado – talvez indirectamente –


é o Jesuíta Manuel Álvares – não sabemos se o Brocense conhecia a
sua obra ou não –, que, à semelhança de Nebrija, dividia os verbos em
activo, passivo, neutro, comum e depoente.
Roboredo ainda subdivide os verbos activos em duas categorias,
consoante a «casta» do(s) acusativo(s), isto é, conforme se trate de um
acusativo exterior (construção normal) ou se trate de um acusativo
certo ou interior, denominando-os de Activos Incertos ou Vários e de
Activos Certos:
Dos Verbos Activos, hüs traspassaõ sua actividade em varios Accusativos, dos
quaes, se se não declarar algum, logo a significação destes Verbos suspende a
orelha, ou o entendimento, como hüa oração imperfeita: exemplos saõ, Amo,
Movo, Defendo, &c. porque importa accrescentar a cousa, que amo, a cousa que
movo, a que defendo. Estes Verbos se podem chamar Activos incertos, ou varios.
Outros infundem sua actividade em hum soo Accusativo tam certo, que dentro
de si o incluem. Donde ainda que o tal Accusativo se não declare, não suspende
a orelha, ou entendimento sua significação: porque he facil de entender seu

LXV
Accusativo: como, Curro, Vivo &c. pois sta claro, que o que se corre he a carreira;
o que se vive, a vida. Porem se quisermos declarar o Accusativo qualificado com
adjectivo bem o admitte a orelha: como, Brevem currimus cursum: Miseram
vivimus vitam. Estes verbos, que muitos chamão Neutros, se podem dizer
Activos certos, por amor da certeza de seu Accusativo (Roboredo 1619: 69).

Por outro lado, existe uma outra espécie de verbos activos, somente
nas línguas clássicas («escholasticas»), “os quaes Verbos tendo voz
Passiva, & lançando de si actividade, se chamão Activos Depoentes,
deposta, ou deixada a significação Passiva, que algum tempo teverom
debaixo da mesma Voz” (Ibidem: 70).
Na Grammatica Latina, publicada seis anos mais tarde, Roboredo
vai apresentar algumas alterações a estas designações. Com efeito,
os Activos Incertos são aí também designados de verbos Transitivos
e os Activos Certos, de Intransitivos. Também na Gramática Latina
apresenta uma classe de verbos que tinha «esquecido» no Methodo,
isto é, os defectivos, por lhe faltarem algumas das formas conjugáveis
(cf. Idem 1625: 53-54 e 67-69).
Roboredo também declara que os verbos, quer na voz activa, quer
na passiva, podem ser pessoais e impessoais:
Assi os Verbos Activos, como os Passivos se dividem em Verbos Pessoaes, que
teem Pessoas; como, Amas, Iuvat, Taedet &c E em Verbos Impessoaes, que não
teem tempos, nem Numeros, nem Pessoas distinctas: mas todos os Tempos,
Numeros, & Pessoas confusas, & encerradas em hüa Voz; como Amare, Amari,
Amatum, Amando; Taedere, Taiduisse, &c. (Idem 1619: 69).

Em síntese, pode esquematizar-se a classificação do verbo, em


Roboredo, da seguinte forma:

Parte da Oração Espécie Divisão Variedades


– Incerto ou Vário ou Transitivo
Pessoal – Certo ou Intransitivo
«Activo» – Depoente
– Incerto ou Vário ou Transitivo
«Verbo» Impessoal
– Certo ou Intransitivo
Pessoal
«Passivo»
Impessoal
«Sustantivo»
Figura 3

LXVI
Um outro aspecto importante do verbo no gramático transmon-
tano diz respeito às conjugações, pois distingue três conjugações para
o Português das quatro latinas. Com efeito, para Roboredo, a língua
portuguesa tem conjugações cujos paradigmas são amar, mover e vestir,
ou seja, de tema em a, em e e em i, integrando os verbos de tema em
e consoante latinos na segunda conjugação portuguesa:
z
, Na lingua Portuguesa ha tres conjugações. & quatro na Latina: as quaes conjuga-
ções se differencião pelas segundas pessoas dos primeiros presentes; & tambem
pelos Infinitivos se differencião as ultimas Conjugações (Ibidem: 13).

o A partir desta citação já se pode apreender que Roboredo vai


encetar a introdução de algumas diferenças de nomenclatura em relação
s
aos tempos e modos verbais, pois refere a segunda pessoa do singular
do primeiro presente. De facto, o gramático transmontano entende que
,
não existem modos verbais, à semelhança do Brocense, e apresenta os
tempos com base numa descrição numérica. Com efeito, o Brocense,
na senda de Pierre de la Ramée e Escalígero, já na primeira edição da
Minerva referiu que

el modo no es un atributo del verbo, ni toca la naturaleza de los verbos (…).


La doctrina de los modos es inútil (…). Pierre de la Ramée, que estableció sólo
tiempos en la conjugación, al que seguimos, en Scholis Grammaticis, ataca con
más amplitud la doctrina de los modos (Brozas 1981: 18).

Também na edição de 1587 reitera a sua posição ideológica:

Modus in verbis, quae species vocatur a Varrone, non attingit verbi naturam,
ideo verborum attributum non est (…) Viderat hoc Caesar Scaliger, quum dixit:
Modus in verbis non fuit necessarius (Idem 1587: 30 v.).

Assim, quanto aos tempos, Roboredo apresenta uma posição


ligeiramente diferente da do Brocense, uma vez que o imperativo é
classificado como «mandativo» pelo transmontano e como terceiro
futuro pelo gramático cacerenho. Este também não apresenta o infi-
nitivo pessoal, porque só existe em Português, “que segue o 2. fut.”
(Roboredo 1619: «Recopilaçam», 2). Com efeito, para o professor
salmantino, existiam, na totalidade, onze tempos verbais, de entre os

LXVII
finitelS uu pessoais: duis present,,,. dois imperfeitos; dois per[eitus; duis
mais-que-perfeitos e tres futuros:

Tempora finiti verbi natura tria sunt. Sed differentlas undeci111 ncamos, duas
praesentis ut 3.1110, amem: duas infecti: ut amabam, amarem: duas perfecti. Ut,
amavi, amaverim, duas plusquamperfectl. lJt amaveramamavissem. Tres futuri:
lit amabo,amavero. Ama vel amato (Brozas 1587: 311'.-31 v.).

Roboredo prefere, pOl' sua vez, apresentar as tempos en1 corrc-


la~ao COIn a ({cabc~--:a», isto C, com 0 presente, prctcrito e supino (para
o Latim).
C0111 efeito, para 0 gran1atico de Algoso, a ('priIneira cabeya ( ... )
contenl sette telnpos, dous Participios, e tres Gerundios" (H.oboredo
1625: 32). AssiTn, as ten1poS da prhne.ira «cabe<;:a» sao: priIneiro
(amo-amo) e segundo presente (ame-amem); primeiro (amava-amabam)
e segundo in1perfeito (ar-rlaria: arnara e arnasse-anzarern); pdnlei"ro
futuro (amarei-amabo); mandativo (ama-ama vel amato); c infinitivo
(amar-amare).
Quanto a "segunda cabe"a, que he 0 primeiro Preterito perfeito"
(Idem 1619: 15). "contemcinqllo tempos e hum Infinitivo" (Idem 1625:
35), a saber: primeiro (arnei, telZho e tive anlado-amavi) e segundo
pretedto (tenha arnado-arna verirn); segundo futuro (anzar, tiver e terei
anlado-anlavero); primciro (arnara e tinha alnado-alnaveranl) c segundo
«plusquanl perfeito» (arnasse, teria, tivera e tivesse wnado-arnavissenz):
e segundo infinitivo (ter amado-amavisse).
Assiln, descontando os dois infinitivos, restaln, na totalidade"
onze tenlpos rseis na prhneira serie (<<cabeya)}) e cinco na segunda-L
n1antendo-se, pcn1-anto, 0 n1esmo numero que na classifica~ao do
Broccnsc.
Todavia, na Granznzatica I.atina, T<..oboredo jtt apresenta Ulna deno-
nuna~ao parchumente diferente no respeitante aos ten1pos da segunda
serie (<<cabeya}»). AssiTn, 0 prhne.iro e segundo perfeito passanla denonli-
nar-se prin1e.iro e segundo «tenlpo Preterito perfe.ito»; 0 segundo futuro
denonuna-se «segundo ten1po Puturo perfeito»; 0 prin1eiro e segundo
«p-lusquanl perfeito» passaln a prinleiro e segundo «ten1po Preterito
mais que perfeito» (lhidem: 35-37), aproximando-se das designa"oes
lnais actu(.us.

IXVIll
Roboredo teve a percepção / intuição linguística da existência do
infinitivo pessoal na única língua do mundo, o Português. Pensamos
tratar-se do primeiro a fazê-lo, pois não encontrámos nenhuma refe-
rência a esse infinitivo em gramáticos anteriores. Roboredo, apesar
das grandes semelhanças do infinitivo pessoal com o segundo futuro,
descobriu também verbos em que essas semelhanças não existem:
Tem finalmente a Portuguesa hum Infinitivo que o uso corrompendoo fez
pessoal. & delle carecem as linguas, de que tenho noticia, Como eu amar, tu
amares, elle amar. Pl. Nos amarmos vos amardes, elles amarem; he semelhante
ao segundo futuro: mas em algüs verbos não; como eu dizer, tu dizeres, &c. Eu
fazer, tu fazeres, elle fazer: De nos fazermos arte Portuguesa resultará proveito na
Republica: o segundo futuro he; eu fizer, tu fizeres, elle fezer (sic), &c. Eu disser,
&c. (Idem 1619: 33).

4.3.3.  A Preposição

Para Roboredo, a preposição “he palavra, que carece de Numeros,


& rege Casos, a que se antepõi; & faz composição com outra palavra;
como, Incidit in foveam, quam struxit” (Ibidem: 68). Esta definição é
quase uma tradução da do Broncense, que referiu ser a proposição
uma “vox expers numeri, quae casibus praeponitur, & in compositione
reperitur. Proprium itaque est praepositionis ante ire casum nominis”
(Brozas 1587: 146 v. -147 r.).
No entanto, mais uma vez, o gramático transmontano observou
que, em determinadas línguas, ao contrário do Latim, havia preposições
a reger casos diferentes dos acusativos e ablativos, como era o caso do
Português e do Grego clássico. Com efeito, para Roboredo, “em algüas
linguas ha tambem Preposições, que regem Genitivo, & Dativo; como
na Portuguesa, & Grega; mas na Latina regem soomente Accusativo,
& Ablativo” (Roboredo 1619: 68).
As preposições portuguesas mais multifacetadas são o «de» e o
«a», uma vez que podem reger casos distintos e, assim, ter significados
diversos. A preposição
De, rege Genit. quando per ordem dereita vai entre dous Sustantivos, & o
primeiro se une com o segundo q fica possuidor do primeiro: & rege Ablativo,
quando significamos separação, ou cõposição. Porem, A, rege Dativo com
acquisição: Accusativo com movimento: Ablativo com separação (Ibidem: 47).

LXIX
Roboredo tem sempre o cuidado de contrapor as preposições
portuguesas às latinas correspondentes e acrescentar a construção
sintáctica que se lhe afigura mais correcta. No entanto, por exemplo,
ao «de», quando rege genitivo, não corresponde nenhuma preposição
latina, mas simplesmente um substantivo em genitivo para significar
o ser possuído:

Quando a Preposição, De, rege Genitivo não lhe respõde a Latina cõ letra algüa;
& assi na Latina fica o Genit. de possuidor regido do Sustantivo possuido, como
fica mostrado (Ibidem: 48).

Por outro lado, muitas vezes, ou na língua portuguesa, ou na latina,


dá-se uma elipse da preposição, o que, para Roboredo, não significa
que ela não exista. Assim, por exemplo,

a distancia, Medida, & Tempo, se usaõ em Accusativo regido de preposição calada;


como, Dista tres passos: sobresta tres côvados: screvi duas horas (Ibidem: 51).

Também, por exemplo, a preposição «com», introdutora de um


complemento de instrumento, usa-se sempre em Português e elide-se
em Latim, etc.:
Entre as Preposições, que regem Ablativo, ha estas mui repetidas na prat-
tica Portuguesa, na qual sempre se declara Com, antes do instrumento; &
na latina quasi sempre se cala: como, Screvo com a pena: Scribo calamo
(Ibidem).

4.3.4.  O Advérbio

Para Roboredo, o advérbio é uma das cinco partes da oração e


carece de Numero, & Regencia, & altera as outras palavras, a que se ajunta
(…). Chamase Adverbio porque principalmente se ajunta ao Verbo, & tambem
ao Adjectivo, & Adverbio: como, Admodum prudens primum quaerit Deum cito
mane (Ibidem: 70).

No entanto, quando, por derivação imprópria, “tomado em lugar


de Nome pode reger caso: como, Satis Verborum” (Ibidem). Todavia,
na terceira parte do Methodo Grammatical, Roboredo apresenta outros
«advérbios» que regem genitivo:

LXX
Adverbio com caso se toma em lugar de Nome; como saõ, Satis, Abunde, Assatim,
Parim, Instar, Ergo, Grego, id est, opere, pro causa, aos quaes se ajunta Genitivo;
& a, Ubi, Ubinam, Minime, & outros se ajunta, Gentium (Ibidem: 196).

Roboredo ainda considera que há outros advérbios que, por elipse,


como salientara o Brocense, podem reger os vários casos, nominativo,
genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo:
Per figura, Ellipse, se ajunta Nominativo, ou Accusativo a estes adverbios, En,
Ecce. E Genitivo, & Accusativo, a Pridie, Postridie. E Nominativo, Accusativo,
Vocativo a, O Heu, Proh. E Dativo a, Hei, Heu, Vae. E Accusativo a, Propius,
Proxime, calada, ou declarada a Preposição Ad. E Accusativo, & Ablativo a
Abhinc, ut Abhinc duos annos. sc. ante duos annos: Abhinc duobus annis. sc. in
duobus annis (Ibidem).

O gramático transmontano divide, sinteticamente, os advérbios


em duas categorias ou espécies, os que significam acções interiores e
os que significam acções exteriores.
Na primeira, estão as palavras que habitualmente são denominadas
de interjeições, como tinham afimado vários gramáticos anteriores,
especialmente o Brocense e Dionísio da Trácia, o primeiro gramático de
língua grega. No entanto, Roboredo diz que as interjeições não podem
figurar aí, porque a representação dos gemidos e suspiros não cabe nas
gramáticas, uma vez que pertence a todas as línguas:
Os q significão acções interiores q os Grãmaticos chamão, Interjeições, ou
interposições, entre as palavras, como signaes naturaes do animo, não entrão
em arte; porque os suspiros ou gemidos de cada hum servem em todas as
linguas. Porem usamos na Latina de algüs destes sinaes (sic), que os Latinos nos
deixarom. Como de admiração, Papae, Hui, E, vah; de fastio, Ohe, Phy, Apage,
Apagesis: de alegria, Evax, Io, O; de dor, Heu, Hei, Hoi, Ah, O; de temor, Oh, Atat,
Hei: de desejar, Utinam, O, Osi, sic: de amoestação, Eia, Age, Sodes: de riso, Ha,
ha, he: de O, Pro: de ameaços, Vae: de zombaria ironica: Hui, Vah, Oh: de chamar,
Heus, Hem, Eho, Ehodum: de approvação, Euge: de afago: Sodes: de silencio:
Av, St: de rogos brandos, Quaeso, Obsecro, Amabo &c. (Ibidem: 194).

Esta tese é directamente influenciada pelo Brocense, uma vez que


este também afirmara que
Graeci, quas nos vocamus interiectiones, inter adverbia connumerant. Mihi sunt
foni inarticulati, & naturales; ideo inter partes orationis non adnumeravi. Haec

LXXI
sunt huiusmodi: Apage! phy! vae! papae! vah! o! osi! ei, hei! eu, heu. At at, au
st, pro, proh, hahahe, euge (Brozas 1587: 43 r. - 43 v.).

Já anteriormente o Brocense defendera que

interiectionem non esse partem orationis sic ostendo. Quod naturale est, idem
est apud omnes. Sed gemitus & signa laetitiae idem sunt apud omnes: sunt igitur
naturales. Si vero naturales: non sunt partes orationis (Ibidem: 11 r.).

Na segunda espécie, a dos que significam acções exteriores, Robo-


redo apresenta os advérbios de quantidade (permanente, temporal e
numeral), relação (ordem, repetição, semelhança, diversidade e com-
paração), qualidade (modo, de acrescentar, diminuir, apressar, juntar,
dividir e excluir), acção e paixão (perguntar, responder, afirmar con-
firmar, negar, mostrar e duvidar) e lugar (onde, donde, para onde, por
onde e «escontra que parte») (Roboredo 1619: 194-196).
Assim, em síntese, podem esquematizar-se as significações adver-
biais, para Roboredo, do seguinte modo:

Advérbios Espécies Significações Alguns Exemplos

– Admiração – Papae, Hui, E vah


– Fastio – Ohe, Phy, Apage
– Alegria – Evax, Io, O
– Dor – Heu, Hei, Ah, O
d
Interjeições – Temor – Oh, Atat, Hei
– Desejo – Utinam, Osi, O l
ou – Admoestação – Eia, Age, Sodes d
Acção Interior – Riso – Ha, ha, He a
Interposições – Ameaça – Vae
– Zombaria Irónica – Hui, Vah, Oh
– Chamamento – Heus, Hem, Eho
p
– Aprovação – Euge 3
– Afago – Sodes 1
– Silêncio – Av, St 1
– Rogos Brandos – Quaeso, Obsecro
g
– Permanente – Late, Satis, Nimis 1
Acção Exterior – Quantidade – Tempo – Hodie, Heri, Cras 1
– Numeral – Semel, Bis, Ter
«

LXXII
– Ordem – Primum, Deinde
– Repetição – Rursus, Iterum
– Relação – Semelhança – Uti, Velut, Sic
– Diversidade – Aliter, Secus
– Comparação – Magis, Minus

– Qualidade (modo) – Bene,Docte, Forte


– Acrescentar – Valde, Prorsus
– Qualidade – Diminuir – Vix, Paulatim
– Apressar – Statim, Subito
– Juntar – Simul, Pariter
- – Dividir – Bipartito, Bifarim
e – Excluir – Solum, Tantum
Acção Exterior
- – Perguntar – Cur? Quare? An?
, – Responder – Etiam, Maxime
– Acção e Paixão – Afirmar – Certe, Quidem
- – Confirmar – Plane, Omnino
– Negar – Non, Haud, Ne
– Mostrar – En, Ecce
– Duvidar – Forsan, Fortasse
-
– Onde -Ubi, Hic, Illic
– Lugar – Donde – Unde, Hinc, Illinc
– Para Onde – Quo, Huc, Illuc
– Por Onde – Qua, Hac, Illac
– «Escontra que parte» – Quorsum, Sursum
Figura 4

Todavia, os exemplos apresentados não deixam quaisquer dúvidas


de que Roboredo apenas se interessou em sistematizar os advérbios
latinos e não os de língua materna, ainda que, nas 187 frases finais
do Methodo Grammatical, apresente alguns, se bem que não estejam
analisados, mas apenas traduzidos (cf. Ibidem: 206-227).
Feito esse levantamento, apenas um advérbio, «não», sobressai
pela sua frequência, pois aparece em 48 frases (13, 14, 19, 29, 30, 31,
32, 38, 40, 41, 45, 46, 50, 55, 57, 59, 64, 66, 73, 75, 76, 83, 87, 100, 103,
113, 119, 123, 126, 127, 131, 137, 139, 141, 142, 145, 148, 150, 152,
158, 171, 174, 176, 177, 178, 181, 183, 186); «mais», sozinho ou conju-
gado com outros advérbios, aparece em 8 frases (32, 45, 60, 67, 120,
135, 153, 169); cinco vezes, só 2 advérbios: «bem» (54, 55, 121, 157,
158) e «nunqua» (1, 17, 28, 58, 122); apenas 3 aparecem quatro vezes:
«facilmente» (67, 120, 153, 169), «mal» (29, 32, 61, 62) e «tambem»

LXXIII
(7, 61, 162, 175); duas vezes, apenas 7 advérbios: «assaz» (28, 116),
«encarecidamente» (98, 99), «injustamente» (19, 80), «mais … que» (4,
56), «melhor» (42, 116), «muito» (138, 183) e «totalmente» (131, 162);
todos os restantes – são apenas 18 – apenas estão presentes em uma
única frase: «afincadamente» (96), «agora» (187), «ainda» (157), «antes»
(156), «attentamente» (69), «debalde» (176), «difficultosamente» (16),
«ditosamente» (165), «esforçadamente» (63), «finalmente» (15), «longe»
(114), «menos» (50), «muito» (134), «nada» (134), «onde» (161), «pros-
peramente» (68), «sempre» (130) e «somente» (121).
No entanto, em toda a sua obra apenas menciona explicitamente
os advérbios portugueses, referindo que poucos são os simples e que
os compostos acabam maioritariamente em «-mente»: “Na Portuguesa
como saõ poucos os Simples usamos de compostos: dos quaes acabão
muitos em mente, como Altamente” (Ibidem: 70).

4.3.5.  A Conjunção

A Conjunção é, para o gramático transmontano seiscentista, uma


das cinco partes da oração, a qual
carece de Numero, & Regencia, & ata as outras palavras. Ajunta semelhantes
Casos dos Nomes: & dos Verbos semelhantes Tempos, ou expressos, ou enten-
didos de fora per figura: como, Tu et Paulus vendidistis amydalas denario in
singulas libras: ego vero, & amydalas, & saccharum eodem pretio, & pluris emi.
s. pro eodem pretio: & pro pretio pluris aeris. Finalmente ajunta a Conjunção
semelhantes Orações: como, opinio, fidei et ad verum proprior, et menti, in tua
voluntate adhaerescat (Ibidem).

Na Grammatica Latina, sintetiza o conceito de conjunção de uma


forma mais breve:
A Conjunçaõ he palavra sem Numero que ajunta semelhantes casos, tempos, e
orações declaradas, ou entendidas de fora per figura (Idem 1625: 87).

Todavia, Roboredo, neste aspecto específico, difere radicalmente


do Brocense, que apelida de néscios aqueles que pensam que a con-
junção pode unir casos iguais:
Coniunctio non iungit similes casus, ut inepte traditur, sed tantum iungit sen-
tentias. Nam quum dicis: Emi equum centum aureis, & pluris: Sintaxis est.
Ego emi equum centum aureis, & ego emi equum pretio pluris aeris. Petrus &
Paulus disputant: idest, Petrus disputat, & Paulus disputat (Brozas 1587: 43 v.).

LXXIV
Roboredo apresenta as seguintes sub-categorias (classes) de
conjunções, “na lingua Portuguesa, & Latina” (Roboredo 1619: 197),
apesar de não explicitar as diferenças e/ou semelhanças existentes entre
elas nem explicar as razões das designações apresentadas: copulativas,
copulativas condicionais e disjuntivas, adversativas, racionais conclu-
sivas, comparativas e racionais causais. Esquematicamente, podem
apresentar-se do seguinte modo:

Conjunções Exemplos Portugueses Exemplos Latinos


E Et, Ac, Atque, Que
Nem Nec, Neque
Copulativas
Tambem Etiam, Quoque
Item Item, Itemque
Ou Aut, Vel, Ve, Sive, Seu
Por ventura An, Necne, Utrum
Se Si
Copulativas Condicionais
Poremse Sin
e
Senaõ Ni, Nisi
Disjuntivas
Como Quum
Emquanto Dum
Hora, Quer Modo
Ergo, Igitur, Ideo
Logo, Pois
Propterea, Proptereaquod
Por tanto
Racionais Conclusivas Ita, Itaque
Assi, Assique
Quare, Quo circa, Quam
Peloque
obrem, Quapropter, Proinde
Quia, Quoniam, Quippe,
Porque, Que, Portanto
Nam, Namque, utpote, Enim,
Racionais Causais Enimvero, Etenim, Propterea
quod etc.
Poisque, Jaque
Siquidem
Mas At, Sed, verum
Porem Autem, Vero, Ut vero, Verum,
Enimvero
Contudo Tamen, Attamen
Adversativas Postoque Etsi, Tametsi, Licet
Aindaque Quamquam, Quanvis
Agora Nunc, Interea, Interim, Porro
Ao menos Et
Pelo menos Saltem, Quandoque
Assi, Assicomo Ut, Uti, Velut, Veluti, Sicut,
Sicuti, Ceu
Comparativas
Quasi, Como Quasi, Quemadmodum
Tam, Quam Tam, Quam
Figura 5

LXXV
Contudo, Roboredo ainda acrescenta (talvez incompreensivel-
mente) a estas as conjunções ornativas, que havia classificado umas
como adversativas (autem e vero) e outra como advérbio de acção
exterior de afirmar (quidem). As ornativas, que eram consideradas
«tradicionalmente» como conjunções expletivas ou completivas pelos
gramáticos latinos, apenas são apresentadas na comparação entre a
construção latina e a portuguesa, afirmando Roboredo que

a estas conjunções ornativas, Autem, Vero, Quidem, & outras semelhantes não
responde a Portuguesa com palavra algüa (Ibidem: 229).

No entanto, nas Raizes não considera estas palavras do mesmo


modo, isto é, apresenta a sua tradução, ou seja:

Autem. conjunct. 653. Mas, porem, e Hisp. Mas, empero (Idem 1621: 63);
Vero conjun. quae in secundo loco orationis ponitur: ut ego vero. 35 Mas, porem,
em verdade. Hisp. Mas, de verdad (Ibidem: 423);
Quidem, adv. affirmandi. 890. Em verdade, certamente. Hisp. De verdad, verdad
es, ciertamente. Aliquando, conjunct. pro autem. Semper antecedit vox alia;
& interdum distinctionem inducit, ut ego quidem seribo; tu vero, tu autem:
interdum subsequuntur, sed verum, verumtamen, at, attamen, caeterum. Illud
quidem certe: nunc quidem profecto. Cic. Ne in publicis quidem. Et quidem:
Equidem. Siquidem (Ibidem: 330).

Esta divisão classificatória, apesar de parcialmente diferente, é


muito próxima da do Brocense, que, apesar de considerar que essa
divisão em classes não é própria dos gramáticos, distinguiu entre:
copulativas absolutas, copulativas condicionais, disjuntivas adversa-
tivas, racionais conclusivas / ilativas ou unitivas, causais e declarativas /
comparativas:

Coniunctionum officia distinguere (…) Grammatici munus non est. Nam si ad


Grãmaticam spectes omnes sunt coniunctiones, idest omnes coniungunt, etiam
si videantur disiungere. Nam qui minus coniungit, dormit aut vigilat; quam
dormit, & vigilat? in sensu multum differt; in grammatica nihil. Eas tamen
explicationis maioris causa in classes distribuamus.
Copulantes absolute. Et, que, nec, neque, ac, atque, quoque, etiam, item,
itemque.
Copulantes ex conditione. Quum, tum, si, sin, nisi.
Disiungentes. Aut, vel, ve, sive, seu, an, necne, utrum, sed hoc nomen est.

LXXVI
Adversantes. At, sed, porro, tamen, tametsi, etsi, licet, quanquam, quanvis,
autem.
Rationales illativae, sive colligentes, quas ratio praecedit: ergo, igitur, ideo, ita-
que, quocirca, proinde, quare, quapropter, sed haec duo nomina potius,
qua de re, propter quae.
Causales, quando causa sequitur. Nam, nanque, enim, enimvero, etenim,
quia, quoniam, siquidem, quippe, utpote, propterea, quod, quod (sic),
ut putant grammatici, sed semper est nomen relativum, ubi intelligitur
praepositio.
Declarantes: ut, uti, velut, veluti, sicut, sicuti, ceu, tanquam (Brozas 1587:
43 v. - 44 r.).

4.4.  Análise Morfossintáctica

O gramático transmontano seiscentista considera que a sintaxe


ou
composiçam de palavras, que os Latinos chamão, Constructio, e os Gregos,
Syntaxis, he hüa ordenada disposição das partes da Oração unidas per Concordia,
e Regencia. E alem desta Composição (sic), que he como natural, e geeral se
respeita em cada lingua sua frase, particular, que guarda certo sitio das pala-
vras. Porque não diremos em bom Portugues; Eu mas uso dedos dous, os quaes
escrevo: nem em Latim: Vero ego utor de digitis duobus cum quibus scribo, sendo
as palavras de cada lingua, e estando concordadas, e regidas; senão diremos:
Mas eu uso de dous dedos, com os quaes escrevo: Ego vero duobus digitis utor,
quibus scribo. Polo que a boa Composição consta de Concordia, e Regencia (…),
e de Frase (Roboredo 1625: 88).

Esta citação, apesar de extraída da Grammatica Latina, parece-nos


ser a mais completa e mais clara de todas, uma vez que não analisa
apenas a questão das regências e das concordâncias, mas acrescenta
o conceito da gramaticalidade ou da ordem das palavras na frase, que
difere de língua para língua. Estas três características da sintaxe são,
obviamente, analisadas no Methodo Grammatical, mas em locais dife-
rentes e, portanto, difíceis de reunir numa visão abrangente.
Somos de opinião que, como temos vindo a referir, apesar de ter
sentido influências directas, em vários pontos, do Brocense e de este
defender que “oratio sive syntaxis est finis grammaticae” (Brozas 1587:
9 r.) e que apenas “constructionem diximus dividi in concordiam &
rectionem” (Ibidem: 44 v.), o gramático transmontano é mais completo

LXXVII
na sua definição de sintaxe / composição, ao explicar as razões por que,
em seu entender, estas duas características (concordância e regência)
não chegam para fazer a oração perfeita / correcta, sendo imperativo
considerar a frase ou posição (das partes da oração na frase).

4.4.1.  A Concordância

Para Roboredo, a concordância ou «concordia» efectua-se em


quatro grupos linguísticos distintos: substantivo e adjectivo, (pro)nome
relativo e seu (substantivo) antecedente, nominativo (sujeito) e verbo
pessoal (predicado), e pergunta e resposta.
Com efeito, a primeira «concordia» faz-se entre o (nome) substan-
tivo e o adjectivo, que “concordaõ em Genero, Numero, & Caso: isto
he, que a terminação do Adjectivo se ajunta ao Sustantivo do mesmo
Genero, no mesmo Numero, & no mesmo Caso, em que o Sustantivo
estever: ut sapienti sua sors placet” (Roboredo 1619: 71) ou “como
Porta alta” (Ibidem: «Recopilaçam», 1). Esta concordância, no caso de
haver vários substantivos, pode ser feita com o mais próximo ou com
o género mais nobre, isto é, o masculino:

Como o Genero Masculino seja mais nobre, & despois delle o Feminino, prece-
dendo muitos Sustantivos, concordará o seguinte Adjectivo com o Sustantivo
mais chegado, ou com o Sustantivo de Genero mais nobre, que fica mais afas-
tado (Ibidem: 71).

A segunda concordância efectua-se entre “o Relativo, & Ante-


cedente, que he o Sustantivo, que lhe precede” (Ibidem), e estes “concor-
dão em Genero, & Numero: ut Flagittum, quod astu celatur, aetas indicat”
(Ibidem) ou “como Erat porta, quae stabit” (Ibidem: «Recopilaçam», 1).
No entanto, são múltiplas as possibilidades dessa concordância, uma
vez que o relativo pode estar entre dois substantivos e, nesse caso,
também pode concordar com o posterior, à maneira grega, como na
frase “antiquissimum vitium est, quae invidia appelatur” (Ibidem: 71).
Também quando, por exemplo, o antecedente é composto por mais
do que um substantivo, entre os quais há masculinos e femininos,
pode o relativo, algumas vezes, colocar-se “na terminação Neutra de
Plural, como apposto, em que se entende per Ellipse, negotia, ou outro

LXXVIII
sustantivo semelhante: ut Vidi lunam, & stellas, quae tu fundasti s. opera,
quae tu fundasti” (Ibidem: 72).
A terceira concordância é entre o nominativo (sujeito) e o verbo
pessoal (predicado) e esta faz-se apenas em número. Com efeito, o
gramático transmontano de Seiscentos defende que

o Nome posto em Nominativo concorda com o Verbo Pessoal posto na terceira


Pessoa en Numero sômente. Porque estes Nominativos, Ego, Nos, tomão pera
si as primeiras Pessoas: & estes, Tu, Vos, tomão as segundas Pessoas. Aos
mais Nomes postos em Nominativo singular se lhe ajuntarà a terceira Pessoa
singular: & postos em Nominativo Plural, se lhes ajuntarà a terceira Pessoa de
Plural (Ibidem).

Também nesta terceira concordância, Roboredo defende haver


gradações qualitativas entre os pronomes; daí a concordância se dever
efectuar com o mais nobre:

Ego, he mais nobre que, Tu, & Tu mais nobre, que Ille para esta Concordia:
por isso ficando dous Nominativos singulares, & o Verbo no Plural per figura
Syllepsis respeita o Nominativo mais nobre: ut studeamus ego, & tu: Paulus,
& tu explicabitis (Ibidem).

Há, ainda, uma outra situação linguística que, apesar de ser


considerada solecismo em Latim, fora herdada dos gregos, ocorrendo
frequentemente em Português: é o caso de um verbo pessoal na ter-
ceira pessoa do singular concordar com um nominativo plural neutro,
como, por exemplo, na frase “havia diversas opiniões” (Ibidem), mas,
neste caso, Roboredo ou quis referir-se a outras irregularidades ou
esqueceu-se de que, para ele, o Português só tinha dois géneros, o
masculino e feminino, e nunca o neutro.
De facto,

como na Portuguesa ha Adjectivos de hüa terminação, & de duas: como


Elegante, Todo, toda; & assi ha Genero Masculino, & Feminino: na Latina ha mais
Adjectivos de tres, como Elegans, Omnis, & omne; Altus, alta, altum: & assi ha
mais outro Genero, que se diz Neutro (Ibidem: «Recopilaçam», 1).

Também no Methodo Grammatical apresentara a mesma questão


em termos simples e práticos:

LXXIX
Os Sustantivos na Portuguesa, ou saõ Masculinos, ou Femininos: & na Latina
ou saõ Masculinos, ou Femininos, ou Neutros: segundo as terminações dos
Adjectivos, que na lingua houver; como na Portuguesa ha duas, como, Alto,
Alta: & assi ha dous Generos. E na Latina ha tres terminações: como, Altus,
Alta, Altum: & assi ha tres Generos (Ibidem: 2).

Estas três concordâncias eram comuns entre os gramáticos ante-


riores, especialmente o Brocense, que afirmara explicitamente que

diximus (…) item concordiam triplicem esse, adiectivi & substantivi: Nominis
& verbi. Relativi & antecedentis. Substantivum & adiectivum numero, & casu
tantum consentiunt, non genere. Nam adiectiva genus non habent: sed certas
terminationes ad genera: propter quas substantivorum genus indagamus (…).
Eadem ratio est in concordia nominis, & verbis: diximus enim hanc concordiam
ex solo numero constare (Brozas 1587: 44 v. - 45 r.).

Contudo, não encontrámos a quarta concordância, entre a per-


gunta e a resposta, em quaisquer outros autores. Por isso, pensamos
tratar-se de uma perspectiva única de Roboredo. Com efeito, para este
gramático,

a Pergunta, & Reposta (sic) concordão dereitamente em Caso, Tempo, & Numero:
ut, Quae oratio est optima? Est Dominica. Cuius est haec oratio? Christi. Cui
debetur honos? Deo. Quam rem desiderant homines? Desiderant felicitatem. De
quo digladiantur in mundo? Digladiantur de crepundiis (Roboredo 1619: 72).

Há, no entanto, uma «eiceição» para Roboredo, em que a concordân-


cia pode não se fazer em tempo: quando a pergunta estiver no tempo
«mandativo» (imperativo), “ut, cur non audietis? Iam audimus. Qui
scis? Ego observabam, vel observavi” (Ibidem: 73).

4.4.2.  A Regência

A regência, outra das componentes da sintaxe, caracteriza-se por


uma determinada palavra exigir uma outra num caso específico. Com
efeito, para Roboredo, em síntese,

a Regencia, que se faz despois da palavra regente, consiste na Preposição


Portuguesa, De, que rege Genitivo quando per ordem dereita vai entre
dous Sustantivos, & o primeiro se ajunta ao segundo, que o fica possuindo:

LXXX
& rege Ablativo, quando lhe precede outra palavra, ou significa separação, ou
composição, como: Esta he a syntaxe da arte. Lãçaste hum pucaro de barro da
janela. Louvor, & vituperio podem star em Genitivo, & Ablativo: como, homem
de bem ingenho: de mao costume. E consiste na Preposição, A, que rege Dativo,
significando acquisição, & Accusativo significando movimento, & Ablativo
significando separação: como, Socorre ao pobre: quando fores aa Igreja. pedir a
Deus socorro. E consiste nos Verbos, que suspendem a orelha, que regem vario
Accusativo, como Moveo, Dico, &c. (…). A Distancia, Medida, & Tempo se usa
em Accusativo, & Ablativo. As mais Preposições regem Accusativo, ou Ablativo
(Ibidem: «Recopilaçam», 1).

No entanto, para Roboredo, é preciso uma atenção especial ao


nominativo (sujeito), que nunca é regido 16, e ao verbo pessoal (predi-
cado), porque aquele

he principio da Oração, o qual todo o Verbo Pessoal quer antes de si ou expresso,


ou entendido de fora: ut Excelsus humilia respicit. Ex arena retinacula nectis.
O Verbo, Sum, & algüs Passivos admittem dous Nominativos per modo de hum
sô; ut Homo est animal: Avaritia dicitur vitium (Ibidem: 73),

e porque

quantos saõ os Verbos Pessoaes tantas saõ as Orações, cuja alma fica sendo o
Verbo. E se despois do Verbo se segue Accusativo he Oração perfeita, e funda-
mento das mais partes da Oração, que a ornaõ, e acrescentaõ: como, Tempus
adimit maestitiam. Opes conciliant in vidiam (Idem 1625: 91).

O outro caso que nunca é regido é o vocativo 17, que

he sômente para chamar, ou mostrar a cousa a que a prattica se enderença:


ut O Deus: adjuva me Domine. Nos Tempos mandativos parece o Vocativo, que
tem vez de Nominativo (Idem 1619: 74).

16
Cf. Brozas 1587: 45 r: “Nominativus a nulla parte regitur”.
17
Cf. Ibidem: 54 r.: “Vocativus non est secundae personae, (ut aiunt Grammatici)
sed res aliqua cum qua sermonem communicamus. Nam ut artifex perfecto opere, vocat
homines spectatum: sic qui composuit orationem auditorem vocat auditum. Unde non
potest hic casus regi, quia tota composita oratio ad vocativum dirigitur”.

LXXXI
Por isso, o primeiro caso a poder ser regido é o genitivo, quer na
língua portuguesa, quer nas clássicas, em particular, o Latim e o Grego.
Assim, como sintetizara na Recopilaçam,

o Genitivo na lingua Portuguesa, & outras Vulgares, sempre he regido da


Preposição, De, expressa: como, o somno he imagem da morte: porem na Latina
sempre he regido de Nome Sustantivo: ut sopor lethi imago. Na qual regencia
concorrem dous Sustantivos não continuados, mas diversos, & sempre o Genitivo
he de Possuidor (Ibidem: 73).

Roboredo também defende que a partição, o louvor e o vitupério se


constroem em genitivo, com elipse, ou não, da preposição (ex, para a
partição). Por outro lado, esta regência também pode ser exigida por
adjectivos,

como saõ os que significão, sciencia, abundancia, communicação, partici-


pação, & os contrarios a elles; ut Peritus, Imperitus, Fertilis, Sterilis, Particeps,
Expers &c. (Ibidem).

Na Grammatica Latina, Roboredo é claríssimo na sua exposição


sobre a regência da preposição portuguesa «de», pois, para si,

todo o Genitivo Portugues he regido desta Preposição (…), a qual como tambem
rege Ablativo, resta advertir, que sómente rege Genitivo quando vai entre dous
Substantivos significando posse que o segundo faz sobre o primeiro (Idem
1625: 105).

Contudo, Roboredo também analisa aqui, ainda que com brevidade,


para além dos nomes e adjectivos apontados no Methodo Grammatical,
a existência de verbos que «regem» a referida preposição, como «lem-
brar-se de» e «deixar de»:

Poucos saõ os Adjectivos, e Verbos que despois de si levaõ esta preposição, De,
com seu Genitivo, que o uso ensinará; como: O avarento de dinheiro não se lembra
dos pobres, nem de si: Avarus pecuniae non recordatur pauperum, nec sui. A estas
Orações He tempo de orar: não deixes de orar: responde a Latina assi: Tempus est
orandi; ne desinas orare (Ibidem).

Todavia, neste aspecto específico, Roboredo diverge claramente


do Brocense, uma vez que este havia afirmado, na edição princeps da

LXXXII
Minerva, que “el genitivo nunca es regido por el verbo ni en griego ni
en latin” (Brozas 1981: 33), porque “el genitivo, que significa también
pasión, indica posesión. Por lo cual no pude unirse a los verbos”
(Ibidem). Esta tese vai ser largamente desenvolvida na 2.ª e definitiva
edição e aí afirma Francisco Sánchez que

Genitivus perpetuo significat possessorem, sive active, sive passive capiatur.


Ut amor patris: vulnus Achillis: unde fit ut a verbo regi non possit. Nam
possessor & res possessa nomina relata sunt (ut vocant Dialectici) quum
alterum sine altero nequeat intelligi. Possidere verba significabunt, at
possessionem nunquam. Haec quum ignorarent grammatici, varias species
statuerunt verborum quae genitivum regerent (Idem 1587: 46 r.).

De seguida, explica, obviamente, cada uma dessas classes de verbos,


como vimos, e refuta cada um dos argumentos apresentados pelos
gramáticos para a regência de genitivo dos verbos, recorrendo sempre
à elipse.
O dativo, por seu lado, é regido “per modo de acquisição, que faz
a cousa posta neste Caso attrahindo a Oração em que entra: & a qual-
quer dicção, ou Oração se accomoda: ut, Erranti medicina consessio”
(Roboredo 1619: 73). Em Português são, para Roboredo, as preposições
«a» e «pera» que regem o dativo.
Com efeito, a preposição «a» rege dativo depois dos adjectivos

Commum, Proprio. E dos que significão, conveniencia, inconveniencia, dano,


proveito, deleite, desgosto, graça, desgraça, favor, disfavor, igualdade, desigual-
dade, fidelidade, infedilidade (sic), aproximação, & outros acabados em, avel;
como, Amigavel ao homem he a razão. E assi mesmo depois (sic) de verbos de,
aproveitar, ou danar, soccorrer, favorecer, lisongear, convir, acontecer, ser solicito,
& que significão, obediencia, sumissão, repugnancia, acontecimento; & despois
(sic) dos de, dar, ajuntar, cometer, comparar, prometer, declarar, antepor, pospor,
contrapor &c. E quando se antepõi a pessoas, que fica sendo acquisição na
Latina, que não responde com letra algüa a esta Preposição: como, convem ao
Mestre: Convenit Magistro (Ibidem: 48-49).

Na Grammatica Latina sintetiza a regência de dativo desta preposição


do seguinte modo:

Esta Preposição, A, rege Dativo, como se notará despois dos Adjectivos, e Verbos,
que significão dãno, ou proveito, e outros que o uso darà; como; He proveitoso

LXXXIII
ao rico soccorrer ao pobre: Est utile divitio pitulari pauperi. No que se mostra
que não responde a Latina a Preposição, e se encontrão as linguas mas con-
cordão intervindo, Eu, Tu, Se, Lhe, Lhes, como; he me util a oração, he te util
o jejum, he lhe util a esmola: Mihi utilis est oratio, tibi utile est jejuniü, illi utilis
est eleemosyna (Idem 1625: 106).

A preposição «pera» também rege dativo em Português e ante-


põe‑se a pessoas e aos mesmos adjectivos e verbos regidos pela prepo-
sição «a»

e então não lhe responde a Latina com letra algüa, & fica o seu Dativo de acqui-
sição: como, Pera os mininos sera isto mais facil, que pera os grandes sendo rudes:
Pueris erit hoc facilius, quam grandioribus obtusis (Idem 1619: 49).

Por seu turno, o acusativo é regido principalmente pelos verbos


activos incertos ou vários, ou transitivos, na nomenclatura roborediana,
e por preposições, quer estas estejam expressas ou elididas, fundamen-
talmente nos complementos de distância, medida e tempo.
De facto, “Qualquer Verbo Activo pode reger despois de si Accusa-
tivo” (Ibidem: 74);

Porem este Verbo regente, ou hé (sic) Activo Incerto, que passa sua actividade
sobre Accusativos incertos, & se não lhes assinamos algum delles, nos suspende
a orelha com a significação: ou he Activo certo, que passa sua actividade em
hum sô Accusativo, que dëtro em si encerra, ou a pàssa (sic) em algum destes
Accusativos Me, Te, Se, Nos, Vos, Se, os quaes por faceis de entender naõ he
necessario declaralos, nem suspende a orelha com sua significação (Ibidem: 50).

Também há preposições que regem Accusativo e, especificamente


na língua do Lácio, é

supposto de Infinitivo, que pede antes de si Accusativo: ut, Invenies meum erga
te amorem nescire ordinem: & ordinem nesciri ab amore meo. Doutra maneira
sempre o Accusativo depende de Preposição ou calada, ou expressa; como
acontece na distancia, medida, & tempo, se a pergunta se fezer, ou entender
per, Quandiu. Na qual distancia, medida, & tempo elegantemente se cala a
Preposição: ut sex ulnas eminet; tres passus distat: duas horas scripsi. Id est.
per, In (Ibidem: 74).

LXXXIV
Em Português, a preposição que preferencialmente rege acusativo
é «para» – Roboredo distingue-a de «pera», que, como vimos, rege
dativo –

& ordinariamente se ajunta a lugares, & cousas. A Latina lhe responde com Ad,
In, que algüas vezes cala, principalmente intervindo movimento para Cidades,
ou villas, ou lugares menores proprios: como Partio para Roma a dar conta do
governo: Profectus est ad Romam, vel, in Romam, vel Romam, ad rationem
reddendam de gubernatione. Algüas vezes rege Accusativo de pessoa: como, fugir
para Deus, antes que para os homës, he cousa segura: Ad Deum potius, quam ad
homines confugere, tutissimum est (Ibidem: 50).

O último caso a ser regido é o ablativo, que

sempre se rege de Preposição expressa, ou entendida de fora; mas per figura


Ellipse muito elegantemente se cala a Preposição em algüas linguas; & sem figura
na Latina se houvêra a Preposição de antepor ao Tempo, Modo, Instromento
(sic), Preço, Louvor, Vituperio, Parte do animo, ou corpo, Causa, & ao Ablativo,
que chamão absoluto de cousa, ou pessoa, aa Materia de que se faz, ou compõi
algüa cousa, aa Medida, ao Extremo comparado, ao Peso, Excesso, Ornamento,
ao Lugar Onde, per Onde, aa distancia, ao Crime, & Pena (Ibidem: 74-75).

Em Português, as preposições mais frequentes que regem ablativo


são, para Roboredo, «com», «de» e «em»:

Entre as Preposições, que regem Ablativo, ha estas mui repetidas na prattica Por-
tuguesa, na qual sempre se declara Com, antes do instrumento (sic); & na Latina
quasi sempre se cala: como, Screvo com a pena: Scribo calamo. Esta Preposição,
De, quando tem por Ablativo algum nome Proprio de lugar, sempre se declara
na Portuguesa; & mais vezes se cala na Latina a Preposição que lhe responde:
como, parti de Coimbra para Lisboa: profectus sum Conimbrica Ulyssipolim.
Esta Preposição, Em, se declara sempre na Portuguesa, & se cala mais vezes
na Latina, antes de nomes Proprios de lugares, & partes do animo, ou corpo:
como, em Roma stavas, quando eu em Lisboa: Romae eras, quando ego Ulyssipoli.
Não tinha lesaõ no entendimento: Non erat sibi mente laesio (Ibidem: 51).

Todavia, depois de analisarmos os quatro casos regidos (genitivo,


dativo, acusativo e ablativo), não percebemos as intenções comunica-
cionais de Roboredo ao afirmar que as

regencias saõ (…) tres, que naturalmente succedem despois da palavra regente;
a qual ou he Substantivo (sic) que rege Genitivo, ou he Verbo activo que rege

LXXXV
Accusativo, ou he Preposição que rege Accusativo, ou Ablativo: a que se ajunta a
accommodação de Dativo, que não he propriamente Regencia. E não ha outros
regentes (Idem 1625: 89).

Essa nossa estupefacção deve-se fundamentalmente ao facto de ele


próprio a ter exposto e defendido no Methodo Grammatical. Parece,
contudo, ser uma influência do Brocense, que, em 1587, defendeu que

dativus nunquam regitur, nec in activa, nec in passiva: & ubique adquisi-
tionem significat. Nunquam est rei agentis (…). Nam dativus ultimum
finem significat (…). Sic dativus constructae, atque perfectae orationi per
modum acquisitionis supervenit. Nulla igitur erit oratio, cui per modum
acquisitionis dativus adiungi non possit (…). Intelligendum igitur nullam
esse orationem, aut verbum ullum, cui dativus non possit accommodari:
dum tamen hoc intelligatur aliud esse: Amo me: aliud Amo mihi. Aliud doceo
vos: aliud doceo vobis (Brozas 1587: 49 r.-49 v.).

Apesar de não ser integrada nas regências, Roboredo analisa a


questão do agente do passiva, contrariando na íntegra as teses do
Brocense. Com efeito, para o transmontano,

as Orações das vozes activas dos Verbos, que dissêmos, que suspendião a orelha
com sua actividade (…) se fazem per tres rodeios na voz passiva (…). Os quaes
rodeios, ainda que não fazem dereito agente, como o da activa, supprem suas
partes. O primeiro he ajuntando Ablativo com Preposição, Abs, Ab, A, que signi-
ficão fazerse a cousa de parte do agente. O segundo menos usado, he ajuntando
Accusativo com a Preposição, Per. O terceiro he ajuntando Dativo de acquisição.
Como, Sempre approvarei os bõs costumes: Semper bonos mores approbabo.
O verbo irá buscar na voz passiva o mesmo tempo, que lhe responde: ut sem-
per boni mores approbabuntur a me: Per me boni mores semper approbabütur:
Sëper boni mihi mores approbabuntur: Semper boni a me mores approbandi sunt:
Semper erunt per me boni mores approbandi: Semper mihi boni approbandi mores:
Nunquam a me boni mores desinent approbati &c.. Mas as Orações que se fazem
pelo Mandativo da voz Activa se convertem pelos segundos presentes da Passiva:
como, Cole Deü patres, ac magistros: Deus, Pater, & Magistri a te colan-tur (sic)
(Roboredo 1619: 189).

Para Francisco Sánchez de las Brozas, como vimos brevemente,


a frase passiva só exige o nominativo e o agente não se pode construir
com dativo, nem com a preposição per e acusativo, nem mesmo com
as preposições a ou ab com ablativo, que tem outros significados.

LXXXVI
Efectivamente, para o Brocense,

saepe quidem Grammatici, nunquam tamen ita egregie delirarüt, quam in


verborum passivorum deliramentis tradendis. Aiunt enim rem, quam vocant
agentem, in passiva, in casu sexto cum A vel Ab, vel in dativo debere collocari.
Nec desunt hebetiores qui addãt, etiam in casu quarto cum Per: ut, Res agitur
per eosdem creditores. Totum falsum est (Brozas 1587: 121 r.).

Especificamente sobre a presença do dativo em frases passivas, que


gramáticos como Roboredo, entre outros, consideram como o agente
da passiva, o Brocense afirma que

de dativo quidem facile deijcientur: nã uno aut altero male intellecto testi-
monio nituntur. Cicero dixit: Neque senatui, neque populo, neque cuiquam
bono probatur. Sed deberent illi advertere saepe apud Ciceronem, & alios
reperiri in activa eundem dativum (…). Nec Servium consulunt, qui id Graece
dictum ostendit. Mihi tamen hic, & ubiq; dativus acquisitionem significat:
& quemadmodum dativus a nullo verbo regitur, ita cuivis orationi aptissime
iügetur (Ibidem: 121 r.-121 v.).

Quanto ao acusativo com a preposição per, refere o Brocense


que,

qui asserunt rem agentem in accusativo collocari cum Per, magis falluntur. Nã
quum Cicero dixit: Res agitur per eosdem creditores: nõ significavit creditores
agere rë, sed regis amicos agere rem per creditores, istorum error satis refellitur
ex innumeris testimoniis, ubi in voce activa, Per, adhibetur (Ibidem: 122 r.).

Ainda relativamente à construção do agente da passiva na sua forma


mais comum, isto é, em ablativo com a ou ab, o Brocense é peremp-
tório ao afirmar que essa preposição com o referido caso tem outros
significados e só impropriamente é que pode configurar o agente:

Si praepositio Per non significat rem agentem (ut facile demonstrari potest) nec
A, vel ab significabit. Nã Cicero interrogatus per Per, respondit per A (…). Si per
A, vel Ab, res agens significaretur, semper apponeretur, vel saltem suppleretur
ablativus cü praepositione: sed in multis suppleri non potest; non est igitur res
agens ablativus. Cice. pro lege Manil. In quo agitur populi Rom[ani] gloria, agitur
salus sociorum, aguntur certissima populi Rom[ani] vectigalia (…). Virg[ilius].
Tum vero in curas animum deducitur omnes. Huc adde illa: Linquor animo:

LXXXVII
consternor mentem: videris esse doctus: afficior pudore: & innumera eiusmodi.
Regula igitur artis nostrae Grammaticae vera est: Passivum verbum nihil praeter
suppositum desiderat (Ibidem: 122 r. -122 v.).

Em suma, para o Brocense, diferentemente de Roboredo, quer nas


línguas clássicas quer nas vernáculas, o verbo na voz passiva apenas
exige o sujeito, sendo o sentido de uma frase na activa e o sentido de
uma frase na passiva obrigatoriamente diferentes:

Verbum igitur passivum solo supposito contentum est. Cicer. lib. 15. Epist.
citat versiculum Naevij, Laetus sum laudari me, abs te pater laudato viro.
Sed attende quomodo distingat idem Cicero libr. 5. ad Luceium: Placet enim
Hector ille mihi Naevianus, qui nõ tantum laudari se laetatur: sed addit etiam,
a laudato viro. Item pro Milone. Factumne sit? at constat: a quo? at patet. Vides
particulas (a quo) separari a verbo passivo (…). Denique eodem prorsus manente
sensu activa oratio in passivam verti nõ potest (…). Quae dixi de verbis passivis
Latinis eadem de Graecis dicta esse velim. In omni enim idiomate passivum
solo supposito contentum est. Et quamvis vernaculae linguae careant omnino
passiva voce, dicimus tamen, corre se, anda se, acabo se la guerra, mejor se vive
en el campo que en la ciudad. ubi solo supposito, etiam sub intellecto perficitur
oratio (Ibidem: 129 r.-129 v.).

4.4.3.  A Posição

A última componente da sintaxe ou composição é, segundo Robo-


redo, a frase ou posição (das palavras / partes orationis na frase / oração),
que, em síntese, deve respeitar a seguinte ordem «natural»:

aa Preposição antes de Nome; ao Adverbio, antes de Verbo, Adjectivo, & Adver-


bio; aa Conjunção, porque ou se antepoï, ou se pospoï (Roboredo 1619:
«Recopilaçam», 1).

As palavras não podem ser colocadas segundo o livre arbítrio de


cada um nem essa ordem é idêntica em todas as línguas, porque, para
o gramático transmontano,
frase he hum particular modo de fallar de cada lingua segundo a pronunciação,
& ajuntamento de palavras per certa collocação dellas (Ibidem: 182).

Por isso, é imprescindível um conhecimento o mais completo possível


de cada língua particular, para a falar e escrever correctamente.

LXXXVIII
Deste modo, um dos temas tratados por todos os gramáticos, entre
os quais naturalmente se inclui Roboredo, é a questão do erro, que é
tipificado em três variantes ou aspectos diferentes: o solecismo, o bar-
barismo e o uso impróprio das palavras e/ou das frases.
Com efeito, o solecismo

he hum desconcerto, ou desigualdade das partes da Oração entre si encontrando


as Concordias, & regencias: ut pons munitissima erant iuxta turris, qui emine-
batis urbis: & não guardando aquella concordia do Infinitivo Latino, que quer
antes de si Accusativo: & usando hum caso por (sic) outro: ut eo Romae; pro, eo
Romam &c. E usando de palavras de significação contraria; como, de eo foris;
em lugar, de, eo foras: affirmando com duas negações, o que se havia de negar,
como, non nihil em lugar de, Nihil &c. (Ibidem: 230).

O segundo tipo de erro que Roboredo considera é o barbarismo,


que se caracteriza pelo

uso estranho da palavra segundo a pronunciação, ou scrittura (sic), Declinação,


& Conjugação. Acontece este erro usando de algüa palavra estranha cuidando,
que he propria: ou pronunciando mal a propria: ou não a screvendo com as
letras devidas; acrescentando letra como, Reffero: deminuindo, como, Consili:
usando de hüa letra por outra, ou fora de seu lugar a letra ou accento: como
se vê nesta palavra, Cormina, Cramina, Carmîna. Acontece tambem dando ao
Nome diversa terminação, ou Declinação, ou Numero: como: Templus, Gestus, i?
Divitia, ae. &c. dando ao Verbo diversa Conjugação, ou preterito: como, Faciebo,
Fricavi: ou fazendo o de voz activa Depoente: como, Defendebar: ou fazendo o
Depoente, de voz activa, como, Mirabam, ou fazendo de hüa syllaba duas: como,
soluendo: ou de duas hüa: como, poeta: ou usando de hüa parte de oração por
outra fora do uso: como de, Grave, pro, Graviter. &c. (Ibidem).

O terceiro e último tipo de erro é o uso impróprio da palavra ou


da frase. Trata-se, segundo Roboredo, do

uso indecente da palavra, ou frase. Da palavra, quando não usamos della na


propria significação, ou na metaforica recebida, ou que se possa receber. Da
frase, quando ajuntamos algüa palavra com outra, com a qual se não deve
ajuntar, ou lhe damos sitio indecente, & não usado: ou fallamos frase de hüa
lingua com palavras de outra: como, erat dignus de laude. vero milites: em lugar,
de, milites vero &c. (Ibidem).

LXXXIX
Assim, para o gramático transmontano seiscentista, é necessário
respeitar a ordem natural de cada língua ou a

sua frase, particular, que guarda certo sitio de palavras. Porque não diremos em
bom Portugues; Eu mas uso dedos dous, os quaes escrevo: nem em Latim: Vero
ego utor de digitis duobus cum quibus scribo, sendo as palavras de cada lingua, e
estando concordadas, e regidas; senão diremos: Mas eu uso de dous dedos, com
os quaes escrevo: Ego vero duobus digitis utor, quibus scribo (Idem 1625: 88).

No entanto, a ordem gramatical é substancialmente diferente da usada


pelos rétores, muitas vezes, até oposta, já que “o Grammatico segue a
ordem natural” (Idem 1619: 203) e o

Rhetorico, como pretende enfeitar essa Oração, collôca as palavras no sitio, que
melhor armonîa faz aa orelha: & nesta armonîa consiste seu elegante ornamento,
hora alongando, hora abbreviando, hora levando as palavras fora de sua propria
significação (Ibidem).

Por isso, Amaro de Roboredo apresenta três regras distintas, onde


se enunciam e demonstram essas diferenças fundamentais.
A primeira refere a situação entre o regente e o regido, pois o
gramático deve colocar primeiro aquele e só depois este, mas

põi o Rhetorico no primeiro lugar o caso regido; no segundo, o Nominativo: no


terceiro, o Verbo. E se o caso regido for negativo, o collôca no fim. Exemplo.
Grammatico. Virtus occupavit animam.
Rhetorico. Animam virtus occupavit.
Grammatico. Nullam animam cogito puriorem.
Rhetorico. Puriorem animam cogito nullam (Ibidem).

A segunda regra também se refere à ordem entre o regente e o


regido, envolvendo, porém, outras partes do discurso. Assim, o gra-
mático deve colocar primeiro o substantivo, seguido do adjectivo, não
entremetendo aí nenhuma palavra alheia a esse grupo nominal. Por
seu lado,

põi o Rhetorico o Adjectivo primeiro, que o Sustantivo: & entre ambos põi
Genitivo regido do Sustantivo. Põi sempre o caso regido primeiro, que a pala-
vra regente. Converte algüas vezes o Genitivo em Adjectivo possessivo. Entre
o Adjectivo, & Sustantivo entremette algüa palavra, ou palavras. O Adverbio,

XC
& Preposição com seu caso põi no lugar, que melhor armonia (sic) faz; mas
principalmente antes do Verbo & Adjectivo. Exemplo.
Grammatico. Virtus occupavit animam sanctissimam.
Rhetorico. Sanctissimam animam virtus occupavit.
Grammatico. Virtus occupavit animam sanctissimam Virginis.
Rhetorico. Sanctissimam Virginis animam virtus occupavit.
Virgineam quidem animam virtus Santissime occupavit.
Sanctissimam profecto Virginis animam virtus occupavit.
Illam Virginis animam longe ante omnes sanctissimam virtus occu-
pavit egregia.
Qua de re Doctores quam plurimi omni literaturae genere ornatissimi
dicendi finem nunquam imponent (Ibidem: 203-204).

A terceira e última regra relaciona-se com a coerência interna


do texto e, principalmente, com o embelezamento do próprio texto,
pois, normalmente, em português corrente, segundo Roboredo, a um
substantivo junta-se um adjectivo e vice-versa, mas o rétor
ajunta (…) a hum Sustantivo dous Adjectivos: & dous Sustantivos a hum
Adjectivo, duplicando estas particulas, Tum, Cum, Et. E se na primeira parte
da clausula, quer dizer menos, que na segunda; poï na primeira, Cum, & na
segunda: Tum. Exemplo.
Intensissimis, & precibus, & laboribus Virgo illa tum humilis, tum prudens nobis,
e Paternae mentis sinu divinum deduxit Redemptorem: quae mirificam cum
in proximos humanitatem, tum in Deum religionem, omni tempore exercebat
(Ibidem: 204).

Só encontrámos uma referência (Livro II, Capítulo VIII) do


Brocense à possibilidade de união de vários adjectivos a um único
substantivo, em construção elegante / retórica? 18, porque a uma
substância podem unir-se vários acidentes, desde que os mesmos não
sejam contraditórios entre si ou antónimos, diríamos nós. Com efeito,
Francisco Sánches refere que
dicimus, inquit Valla, hic robust[us] messor, ista robusta mulier. Neq; dicimus
antiquus robustus messor. Antiqua robusta mulier. Haec ille. At vero ratio ipsa
praescribit uni substantiae simul multa cohaerere posse acidentia. Nam ut
libenter fateor: Catonem non posse simul esse frigidum & calidum, ita libenter
concedam, simul frigidü crassum, ac album esse (Brozas 1587: 59 r. - 59 v.).

18
Ibidem: 59 r.: “Plura adiectiva uni substantivo eleganter iungi”.

XCI
Este capítulo é o único em que o salmantino se refere especificamente
à construção «elegante» e à ligação dos substantivos com os adjectivos,
não se referindo à ordem ou posição das palavras na frase, nem na
perspectiva «normal» nem na do «rétor».
Todavia, para Roboredo, não há uma preferência específica por
uma das ordens, isto é, pela ordem gramatical ou pela retórico-esti-
lística. Com efeito, Roboredo defende que não se deve usar apenas a
ordem do «grammatico», que é a mais normal, mas ir juntando pro-
gressivamente a do «Rhetorico», “entersachando esta com aquella”
(Roboredo 1619: 204) e imitando os bons autores clássicos, porque a
variedade sintáctica desenvolve o gosto e “deleita a orelha, como na
Musica com altos, & baixos” (Ibidem).
Roboredo, por outro lado, nada especifica sobre a ordem «retó-
rica» e «gramatical» portuguesa, mas, a partir das três regras latinas e
da tradução parafrástica da última centúria da Porta de Linguas (Idem
1623: 307-309), podemos deduzir que, em ambos os casos, primeiro deve
vir o regente, depois a preposição e, por último, o regido; primeiro o
nominativo, depois o verbo e, por fim, o acusativo; o substantivo deve
preceder, por regra, o adjectivo; a preposição, o substantivo regido;
o advérbio deve ser colocado depois do verbo, etc.. Vejamos apenas
uma passagem demonstrativa:

Havendo de tirar a publico este artificio de palavras de ninguem conhecido atê


agora (o qual assi como ao presente faço em prosa, comporá outro dia alguem
ingenhosamente em versos elegantes) me pareceo que daria gosto aos mais pru-
dentes, se confiado em sua humanidade, como a criança que ainda chora nos
berços, o defendesse contra os murmuradores, os quaes estou vendo como de
hüa alta atalaia, que como cobras contrapostas se hão de atrever a contradizelo,
e mordelo em seu princípio (Ibidem: 307).

Deste parágrafo, podemos destacar algumas notas importantes:


o nominativo vem colocado quase sempre primeiro que o verbo e o
acusativo (a criança o defendesse contra os murmuradores), mas
também acontece o contrário, isto é, o verbo vir colocado antes do
nominativo (comporá outro dia alguem ingenhosamente em versos
elegantes) e o acusativo primeiro que o nominativo (o qual faço em prosa,
os quaes estou vendo); a preposição vem sempre antes do substantivo

XCII
(a publico, de palavras, de ninguem, em prosa, contra os murmuradores,
etc.), a conjunção vem depois dos verbos (me pareceo que, vendo como)
ou no início da oração (se confiado, como a criança), o adjectivo pode
antepor-se ao substantivo (alta atalaia), etc..

5. Conclusão

Amaro de Roboredo foi, ao nível da didáctica do Latim, bastante


inovador para a época, recorrendo sempre ao método indutivo e expe-
rimental, mesmo antes de Bacon se ter afirmado como um símbolo do
experimentalismo científico. Ainda nos dias de hoje, o seu método pode
ser considerado actual e é, muitas vezes, mais inovador e «radical» que
os dos metodólogos contemporâneos dessa língua clássica. Exemplo
claro desse indutivismo científico-literário são as obras Verdadeira
Grammatica Latina, para se bem saber em breve tempo, scritta na lingua
Portuguesa com exemplos na Latina (Lisboa 1615) e Grammatica Latina
mais Breve e Fácil (Lisboa 1625).
As suas fontes para a metodologia e didáctica das línguas são, possi-
velmente, as reflexões do (também) português, professor em Salamanca,
Francisco Martins, mas Roboredo prefere referir que as vai procurar
no ensino das outras artes, especialmente a geometria, aritmética,
música, pintura, estudo das armas e similares. Esse método, Roboredo
denomina-o, apropriadamente, de «novo estylo», «novo modo» e «novo
caminho», pelo que as designações setecentistas (principalmente) dos
oratorianos («novo methodo») são manifestamente incorrectas e pouco
originais.
Comparando as suas com as propostas metodológicas actuais,
nota-se que Roboredo se preocupava bastante com a aprendizagem
da(s) língua(s), quer no respeitante ao conhecimento das estruturas
linguísticas específicas, quer quanto à aquisição de vocabulário, quer,
ainda, no concernente ao uso e/ou construção de uma tradução cor-
recta, e descurou os aspectos civilizacionais do povo do Lácio, a que,
hoje em dia, se dá tanta importância, embora preconizasse que, numa
fase posterior de ensino, os alunos deveriam estudar os textos dos
grandes autores clássicos, como, por exemplo, Cícero, César, Vergílio,
Horácio, Terêncio, Salústio, etc., quer na língua original, quer em

XCIII
traduções. Deste modo, esses aspectos culturais, literários e artísticos
seriam adquiridos, também de forma indutiva, isto é, sempre a partir
dos textos e das situações linguísticas concretas veiculadas pelos textos
dos autores nativos dessas línguas.
Ao nível dos conteúdos linguísticos, Roboredo tenta estabelecer
uma ligação entre as perspectivas mais tradicionalistas, que vinham
desde os primeiros gramáticos gregos, e as mais inovadoras, represen-
tadas em especial por Francisco Sánchez de las Brozas, cuja formação
inicial havia sido adquirida entre os portugueses, mas da qual rapida-
mente se haveria de distanciar.
Relativamente ao Português, apesar de não apresentar uma referên-
cia objectiva, parece-nos que, em certos aspectos, é influenciado quer
por Fernão de Oliveira, quer por João de Barros, especialmente na defesa
da língua materna, na quantificação das conjugações e em considerar
que a língua portuguesa tinha declinações, com seis casos, os mesmos
que em Latim (e o Grego, como o Brocense), embora com terminações
idênticas em todos eles, excepto nos pronomes pessoais, que, de facto,
tinham formas completamente diferentes umas das outras. Pensamos
que a manutenção, por Roboredo, das declinações em Português se
deve a dois factores fundamentais: o primeiro é esse comportamento
diferenciado dos pronomes, que obrigou, inclusivamente, os autores da
Grammaire Générale et Raisonnée a considerar também a existência de
declinações em Francês, depois de as terem negado; e o outro é o facto
de, segundo o próprio e o Brocense, os casos serem comuns / universais
a todas as línguas.
Por outro lado, um dos objectivos de Roboredo era formalizar uma
gramática que tivesse os princípios gerais a todas as línguas, cuja meta-
língua seria o Português, seguindo a linha aristotélica dos universais
e, principalmente, a perspectiva linguística de Francisco Sánchez de
las Brozas, especialmente no respeitante à elipse, antecipando-se algu-
mas décadas aos monges de Port-Royal, com a Grammaire Générale et
Raisonnée, cuja primeira edição data de 1660.
Pudemos, efectivamente, constatar na obra de Roboredo várias
passagens que nos remetem para o conceito de universais linguísticos,
quando afirmava, por exemplo, que “muitos delles [preceitos] são
universaes” (Idem 1619: b 4 r.), uma vez que “oportet principia semper

XCIV
manere” (Ibidem), mesmo naquelas línguas que o transmontano (ainda)
não conhecia. Em síntese, na Grammatica Latina Roboredo (re-)afirma
que as “cousas universaes (…) saõ representadas nas regras” (Idem 1625:
«Prologo» § 1 v.). O primeiro factor que «provoca» essa universalidade
é o facto de uma gramática ser racional e, por isso, depender sempre
da razão e das capacidades intelectivas humanas. O segundo é o facto
de alguns conceitos serem comuns a “muitas [linguas], ou a todas”
(Lieb 1978: 177-178). Entre esses universais, contam-se as partes da
oração, que, para Roboredo, são apenas cinco – nome, verbo, advér-
bio, preposição e conjunção –, e os seis casos – nominativo, genitivo,
dativo, acusativo, vocativo e ablativo –, que, em algumas línguas, têm
as mesmas terminações, isto é, “as ultimas syllabas dos casos em cada
numero saõ semelhantes” (Roboredo 1619: 65-66), em particular nas
vulgares e na língua hebraica. Todavia, considera a sua existência em
todas elas, porque são “naturalmente necessarios para declarar os varios
conceitos do animo” (Ibidem).
Também observámos, na obra de Amaro de Roboredo, conceitos
que viriam a ser fundamentais na linguística contemporânea, em
especial no estruturalismo gerativista transformacional de Chomsky,
em particular aquilo que se viria a denominar deep-structure, surface-
structure e kernel sentences. Com efeito, para o gramático seiscentista
transmontano, uma frase prototípica ou «oração perfeita» (proposição
nuclear) é sempre constituída por um sujeito (nominativo), um verbo
e um objecto (acusativo), mas nem sempre assim acontece na reali-
dade, isto é, nas manifestações concretas de uma dada língua, já que
“a Frase (…) he hüa das propriedades de cada lingua” (Ibidem: c 1 r.)
e “hum particular modo de fallar de cada lingua segundo a pronun-
ciação, & ajuntamento de palavras per collocação dellas” (Ibidem: 182)
(estrutura de superfície). O que provoca essa idiossincrasia frásica,
para além das peculiaridades de cada língua, é o papel que a elipse
desempenha, “que he tam ordinaria nas linguas que não podemos fallar
polidamente sem ella” (Idem: 1625: 98).
Efectivamente, muitas vezes, há uma elisão, por exemplo, do
nominativo, quer por estar subentendido na forma verbal, se estiver nas
primeiras e segundas pessoas, quer por estar na “significação, acção de
algüs verbos” (Idem 1619: 184), como no caso daqueles que são con-

XCV
siderados impessoais pelos “grammatistas” (Idem 1619: 184). Noutras
ocorrências linguísticas, muitas vezes concomitantemente com a elipse
do nominativo, há um desaparecimento do acusativo, que pode estar
subentendido no significado do verbo (acusativo interno) e, por razões
estéticas (pleonasmo), não se deve mencionar. No entanto, “quem dese-
jar provas das figuras Ellipses desfeitas as achará em linacro, Francisco
Sanchez, e na arte de Nebrissense reformada” (Idem 1625: «Prologo»,
§ 4 v.) porque, como se disse, as suas obras se destinam aos “minino[s]”
(Ibidem) e não à análise de todas as ocorrências linguísticas. De qualquer
modo, no Methodo Grammatical há uma panóplia bastante extensa das
elipses mais representativas.
A elipse, de facto, quer no Algosense quer no Brocense, desempe-
nha um papel linguisticamente importante: deixa de ser uma figura de
retórica ou estilística e passa a ser uma peça fulcral no procedimento
gramatical e linguístico normal; desempenha uma função próxima da
regra transformacional de apagamento dos gerativistas transforma-
cionais e/ou da máxima conversacional da quantidade de Paul Grice.
Em síntese, parece legítimo concluir-se que, em muitos aspectos,
Amaro de Roboredo foi um precursor da Gramática Geral de Port-Royal
e, em consequência, do Gerativismo Transformacional de Chomsky e
analisou muitos aspectos que vieram a ser determinantes na linguística
contemporânea. A proposta, por Roboredo, de criação de princípios
comuns a todas as línguas, a gramática universal, deve entender-se
como um dos contributos mais acentuados da gramatologia portuguesa
para a gramática que surge quarenta e um anos depois, a gramática de
Port-Royal, e para a desenvolvida, na segunda metade do século XX,
por Noam Chomsky.
Amaro de Roboredo deu o seu contributo regional para aquelas
gramáticas que vieram a ser determinantes para a criação da ciência
da linguagem: a Linguística.

XCVI
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Carlos Assunção
Gonçalo Fernandes

CII

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