Amaro de Roboredo, Gramático e Pedagogo Português Seiscentista, Pioneiro Na Didáctica Das Línguas e Nos Estudos Linguísticos
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1. Introdução
XI
(1492-1850), organizada pelo Centro de Investigação sobre Textos
Missionários (OSPROMIL), cujas reuniões científicas se têm realizado
nas universidades de Oslo, Noruega (2003), S. Paulo, Brasil (2004),
Hong Kong, China (2005), Valladolid, Espanha (2006), e Cidade do
México, México (2007).
Contudo, o século XVII português e, em especial, o seu «maior
gramático da língua portuguesa» (Assunção 1997: 205), Amaro de
Roboredo, ainda não mereceram, na nossa opinião, suficiente divul-
gação e análise.
2. Esboço biobibliográfico
Não sabemos a data exacta de nascimento de Roboredo, porque os livros de
baptismo desta época de Algoso estão desaparecidos, mas acreditamos que este tenha
ocorrido depois de 1580 — talvez entre 1580 e 1585 —, por quatro razões fundamentais:
1.º) Em 1610, quando deixou Miranda do Douro para secretariar o arcebispo de Évora
D. Diogo de Sousa, Roboredo já era sacerdote; 2.º) Nessa data, portanto, devia ter mais
de 25 anos, porque, se fosse mais novo, não teria a confiança do prelado eborense e, se
fosse bastante mais velho, talvez não tivesse saído da sua terra natal para apenas secre-
tariar o arcebispo, pois podia desempenhar essas mesmas tarefas em Miranda do Douro;
3.º) Quando publicou o Methodo Grammatical, em 1619, Roboredo já tinha uma acentu-
ada maturidade científica e pedagógica e, portanto, nessa data, não devia ter menos de
35 a 40 anos; e 4.º) não é crível que o seu último livro, publicado em 1653 – na nossa hipó-
tese, já septuagenário –, fosse publicado por outrem, pois não tem qualquer referência a
outro nome nem a uma edição póstuma.
Actualmente só existe esta freguesia com este nome, mas no século XVI e XVII
também existia uma freguesia com o mesmo nome no concelho de Barcelos (Algoso da
Pousa), distrito de Braga, que correspondia à actual freguesia de Pousa. No entanto, não
nos parece possível Roboredo ser natural de lá, pois: 1.º) não consta do livro de baptismos
dessa freguesia, que se encontra no Arquivo Distrital de Braga; 2.º) a freguesia do concelho
de Barcelos era apenas uma aldeia e não vila como a do concelho de Vimioso; e 3.º) Robo-
redo não é um apelido usual na região, de maneira que hoje não há nenhum Reboredo ou
Roboredo nessa freguesia.
Alguns autores, porém, colocam o seu nascimento em Viseu, mas trata-se de uma
confusão com o facto de ele ter sido beneficiado da respectiva Sé e de o Padre Bento
da Vitória (Vitorino José da Costa), ao (re-)editar as Regras da Orthografia da Linguagem
XII
e à então recente diocese de Miranda-Bragança, cuja sede se situava
em Miranda do Douro, a poucos quilómetros de Algoso.
Para o Abade de Baçal, P.e Francisco Alves, Amaro era «irmão de
António de Roboredo, licenciado, prior de Algoso pelos anos de 1603»
(Alves 1931: 448; vd tb Alves e Amado 1968: 369). No entanto, não
nos foi possível confirmar esta afirmação, por falta de documentos da
época e por José de Castro o não apresentar como tal (Castro 1951:
388) . Há também a possibilidade de Amaro de Roboredo ter sido tio
de Afonso de Roboredo, que foi nomeado meio prebendeiro do cabido
de Viseu em 1679, e, deste modo, seria filho de «Afonso Rodrigues e
Catarina Rodrigues, naturais de Algoso», e irmão de Maria Rodrigues
(mãe de Afonso de Roboredo), que casou com Francisco Gonçalves
Torrão, filho de «Francisco Gonçalves e Inês Pires, naturais de Viseu»
(Ms. da Cx. 1, n.º 7 do ADV) .
Portuguesa, o ter dado, nas páginas 1 e 2 do Prólogo, como «natural de Viseu». No entanto,
não parecem restar quaisquer dúvidas de Roboredo ter nascido em terras transmontanas,
pois é o próprio quem o afirma na Verdadeira Grammatica Latina (1615) e no Methodo
Grammatical (1619).
A antiga vila de Algoso, também denominada Ulgoso e Ylgoso, «é uma das povoações
mais notáveis do distrito de Bragança, pela sua antiguidade, pela autonomia administra-
tiva de que gozou, muitos anos, pelos seus monumentos históricos e, principalmente, pela
comenda da Ordem de Malta que, durante séculos, ali teve a sua sede, e que muito a nobi-
litou, ligando a ela o nome de representantes da mais alta fidalguia de Portugal» (Alves
e Amado 1968: 437). Foi vila e sede de concelho, tendo recebido o foral por D. Afonso V,
em 1480, e D. Manuel I, em 1 de Junho de 1510. A 1 de Janeiro de 1592, o rei concedeu
à Câmara Municipal de Algoso carta de privilégios (Ibidem: 16). Contudo, o concelho de
Algoso foi provavelmente extinto pelo decreto de 6 de Novembro de 1836, passando a inte-
grar o de Vimioso (Ibidem: 441-442).
Este bispado foi criado em 22 de Maio de 1545, pela Bula Pro Excellenti Aposto-
licae Sedis do Papa Paulo III.
Sobre este hipotético irmão, contudo, nada mais conseguimos saber, a não ser que
havia um padre chamado António de Reboredo (ou Rebolledo, em Castelhano), natural de
Algoso (da diocese de Miranda), que «estudió Gramática, Cánones y Leyes» (Dios 1992: 105)
na Universidade de Salamanca, nos anos lectivos de 1582 a 1587. No entanto, houve outro
(?) António de Reboredo (Rebolledo), de Miranda do Douro, que também estudou Câno-
nes, em 1616, naquela universidade (Ibidem). Estas informações não são suficientes para
saber qual deles é o irmão de Amaro, se algum deles o é, ou se ambos são a mesma pessoa.
Trata-se de uma mera dedução hipotética, assente: 1.º) no apelido do «sobrinho»,
Roboredo; 2.º) na naturalidade dos avós maternos, de Algoso; e 3.º) no facto de Amaro de
Roboredo ter sido beneficiado nessa diocese.
XIII
Não nos foi possível saber onde Amaro de Roboredo efectuou os
seus primeiros estudos, mas, sendo natural de Algoso, há apenas três
hipóteses a considerar: ou no Colégio do Santíssimo Nome de Jesus
(fundado em 1562), em Bragança; ou no Colégio ou Seminário de
S. Pedro (fundado no mesmo ano), em Bragança; ou ainda no Semi-
nário de S. José de Miranda, na sede diocesana (Varizo 1993: 3-29;
Baptista 1995: 95-123; Castro 1946; Almeida 1986; Alves 1982). Con-
tudo, é (quase) certo que estudou com os jesuítas e foi influenciado
pelos seus métodos de ensino, positiva e negativamente.
Existe uma grande probabilidade de Roboredo ter estudado Artes
(gramática latina) na Universidade de Salamanca , possivelmente
entre 1610 e 1615, isto é, depois da morte do Arcebispo D. Diogo de
Sousa (1610) e antes da publicação da Verdadeira Grammatica Latina e
das Regras da Orthographia Portuguesa (1615). A corroborar esta hipó-
tese está o facto de ele ter conhecido a Janua Linguarum dos jesuítas
irlandeses de Salamanca, que saiu dos prelos em 1611 e foi re-editada
por Roboredo, em Portugal, doze anos depois (1623), e de ele ter sido
incentivado a publicar um novo método de ensino-aprendizagem do
Latim por Gaspar Alvarez Vega (ou da Veiga) , que, sendo natural de
Freixo-de-Espada-à-Cinta, estudara na Universidade de Salamanca
Artes, Teologia e Cânones, entre 1592 e 1608, e, em 1618, era regente de
gramática de 2.ª classe na mesma universidade.
Quanto à vida profissional e eclesiástica, sabemos apenas que,
em 1610, foi secretário do arcebispo de Évora D. Diogo de Sousa .
Na dissertação doutoral de Ángel Marcos de Dios, contudo, embora se analise a
proveniência de cerca de 10.000 portugueses a estudar em Salamanca neste período, não
foi possível encontrar nenhum Amaro (em latim, Mauro) de Roboredo (ou, em Castelhano,
Rebolledo), mas o seu autor refere que, entre 1580 e 1640, estudaram em Salamanca doze
(12) alunos naturais de Algoso, da diocese de Miranda do Douro (Dios 1986: 238).
Cf. o Prólogo do Methodo Grammatical para todas as Linguas (1619), que se inti-
tula «Carta do autor Amaro de Roboredo ao D. Gaspar Alvarez Vega lente de Latim na
Universidade de Salamanca».
D. Diogo de Sousa foi eleito 7.º bispo de Miranda-Bragança (1597-1610), no con-
sistório secreto do Vaticano, realizado no palácio do Quirinal, em 4 de Julho de 1597, pelo
papa Clemente VIII. Em 27 de Novembro de 1608 foi eleito arcebispo de Évora, cargo de
que tomou posse a 27 de Maio de 1610, vindo a falecer a 31 de Dezembro desse mesmo ano.
XIV
Em 1625 , Roboredo era o preceptor (mestre) de D. Duarte e de D. Fran-
cisco de Castelo Branco Coutinho, filhos de D. Francisco de Castelo
Branco e netos de D. Duarte de Castelo Branco, conde de Sabugal,
meirinho-mor do Reino e vedor da Fazenda. Nesta época, também era
o professor particular dos filhos de D. Baltasar de Teive, um fidalgo
espanhol a residir em Portugal, (talvez) natural de Salamanca. Dois
anos mais tarde, em 1627, Amaro de Roboredo era beneficiado da
Igreja de Nossa Senhora da Salvação 10, em Arruda dos Vinhos, perten-
cente à Vigararia de Alenquer, da diocese de Lisboa 11.
Amaro de Roboredo deve ter falecido depois de 1653, em Viseu,
com mais de 70 anos, pois o seu último livro foi publicado nesse ano
e não faz qualquer referência a uma edição póstuma nem apresenta
quaisquer outros nomes responsáveis pela edição.
As obras de Roboredo merecem um especial interesse para a
romanística, em geral, e para os estudos linguísticos portugueses,
em particular. Com efeito, o gramático publicou, com certa regulari-
dade, durante uma dezena de anos (entre 1615 e 1625), várias obras de
carácter linguístico‑didáctico. O mais curioso e, talvez, significativo,
Entre a morte do arcebispo, em 1610, e o seu Benefício na Sé de Viseu, em 1625,
há um hiato temporal de 15 anos. Nesse período, colocámos duas hipóteses para a estada
de Roboredo: 1.ª) pode ter estado a morar em Viseu e ter ficado por lá; ou 2.ª) pode ter ido,
nesta época, estudar para Salamanca, pois a Verdadeira Grammatica Latina foi publicada
em Lisboa, em 1615, e a edição original da Ianua Linguarum saiu dos prelos salmantinos
em 1611, altura em que ele a deve ter conhecido.
10
Cf. rosto da obra Roboredo, Amaro de (1627): Socorro das Almas do Purgatorio,
para se saberem tirar com indulgencias as almas nomeadas, e applicar-lhes bem a satisfação
de obras penaes, e pias. Ajuntase hum modo facil, e artificioso de rezar bem o Rosairo, e
Coroas da Virgem Nossa Senhora. Lisboa: Pedro Craesbeeck.
11
Segundo o pároco de Nossa Senhora da Salvação, em Arruda, não há qualquer
documento da época nessa paróquia nem há qualquer dado sobre Roboredo em monogra-
fias locais. No entanto, e de acordo com o mesmo pároco, no século XVII, o reitor e, mais
tarde, o prior de Arruda era apresentado pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho,
a partir da Igreja da Graça, em Lisboa, os mais pertenciam ao Mosteiro de S. Vicente de
Fora. No entanto, ele apenas era beneficiado lá e Arruda tinha, nesta altura, seis (6) bene-
ficiados, para além do prior. Daí não podermos concluir se Roboredo pertencia à ordem
dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Tudo parece indicar que Amaro de Roboredo
seria um padre secular.
XV
no entanto, é o facto de essas obras só terem primeiras edições, ao
contrário das suas publicações de cariz religioso.
As primeiras obras de teor linguístico de Amaro de Roboredo
datam de 1615: uma é dedicada à ortografia portuguesa e outra ao
ensino da língua latina, a saber, Regras da Orthographia Portugueza
(Lisboa: António Álvares) e Verdadeira Grammatica Latina para se bem
saber em breve tempo, scritta na lingua Portuguesa com exemplos na
Latina (Lisboa: Pedro Craesbeeck), respectivamente.
As Regras, ainda hoje desaparecidas, eram, para o P.e Francisco
Alves (Abade de Baçal), constituídas apenas por uma «uma folha
raríssima» (Alves 1931: 449), que o P.e Vitorino José da Costa, sob o
pseudónimo Bento da Vitória, (re-)edita, mais de um século depois,
possivelmente em 1738. No entanto, apesar de pretender fazer uma
2.ª edição da «ortografia» roborediana, Vitorino José da Costa acres-
centa que a adaptou «de algum modo ao estylo, que introduziraõ os
modernos, sem offensa do respeito devido á sua antiguidade» (Vitória
1738: A IV r.), isto é, pô-las em forma de diálogo entre o Mestre e o
Discípulo, mas também admite que alterou o conteúdo das mesmas:
XVI
que os nomes Gregos, que se escrevem com ph, podeis em seu lugar escrever
f, apropriando-os á Linguagem Portugueza: v.g. Filosofia, por Philosophia, &c.
(Roboredo 1738: 12),
mas é o seu oposto que encontramos nas Raizes quando o seu autor
diz que
a palavra que se achar escritta com algüa destas letras, Y, Ch, Ph, Rh, Th, e
com estas finaes An, In, On, he grega, e guardará sua original ortografia;
como Lacryma, Machina, Euphonia, Rhetorica, Theologia, Aenean, Delphin,
Christallon &c. (Idem 1621: 31).
XVII
uma perspectiva didáctica bastante original, pois pressupõe a apren-
dizagem da língua latina em espiral ou «circulo»:
Das dez divisoës, em que este methodo vai repartido, vão as ultimas cinquo,
como em circulo, porque por qualquer divisaõ, ou artigo se pode começar, e
fazer delle primeiro (Roboredo 1615: 3 v.-4 r.).
O que se segue nesta Arte vai como em circulo, porque de qualquer divisaõ,
ou artigo podem fazer principio sem o impedir supposição, ou dependencia
(Ibidem: 31 v.).
XVIII
Em 1619, Roboredo publica a sua mais importante obra linguís-
tica, o Methodo Grammatical para Todas as Línguas (Lisboa: Pedro
Craesbeek). O Methodo está divido em três partes ou livros: a primeira,
que vai da página 1 à 78, terminando com o suplemento Recopilaçam,
é a «Arte» ou a Grammatica exemplificada na Portuguesa, & Latina;
a segunda, Copia de Palavras exemplificada nas latinas, artificio expe-
rimentado para entender Latim em poucos meses, que vai da página
79 à 181, corresponde às 1.141 sentenças / frases da Ianua Linguarum
dos jesuítas irlandeses de Salamanca, com a colocação por Roboredo
de números e notas interlineais e as declinações e géneros dos nomes
e as conjugações dos verbos; a terceira parte, Phrase exemplificada
na Latina, em que se exercitão as syntaxes ordinarias, & collocação
rhetorica, que vai da página 182 à 241, é a segunda parte da Copia,
onde, mais detalhadamente, Roboredo analisa a sintaxe e a retórica e
apresenta outros exemplos de frases latinas e portuguesas, extraídas
de autores clássicos ou criadas por ele. Amaro de Roboredo publica,
ainda, no interior do Methodo Grammatical, o já mencionado suple-
mento de três páginas, entre as 78 e 79, denominado Recopilaçam da
grãmatica portugueza, e latina, pela qual com as 1141 sentenças insertas
na arte se podem entender ambas as línguas.
XIX
a interpretação he dobrada, Portuguesa, e Castelhana; e faltando a Castelhana,
sabe que a mesma palavra sem nenhuma differença, he Portuguesa, e Caste-
lhana, ao menos quanto aas letras, e significação, posto que a pronunciação
seja diversa (Idem 1621: «Advertencia», 1-2).
Para compor esta primeira parte do vocabulario, que aqui offereço, trouxe a
juizo cada palavra do calepino, e as ponderei, e contei. Porque nas sentenças
se conteem 5202. das quaes se colligem outras 17 214. E todas fazem somma
de 22 416 (Ibidem: «Ao Juiz», ¶¶ 47-48).
XX
Roboredo, nas palavras com mais do que um significado, optou
por um critério, a nosso ver, actual:
Cada palavra tem hüa significação propria que vai no primeiro lugar, e logo
se seguem as mais significações, a que se estende per semelhança (Ibidem:
«Advertencia», 1).
Por isso, Telmo Verdelho refere que as Raizes têm uma informação
sinonímica mais ampla e um maior número de equivalências, sobre-
tudo em Português, que os outros Calepinos e, por esse facto, têm um
interesse particular para o reconhecimento do léxico português e para
o estudo da diacronia lexical (cf. Verdelho 2000: 141-146).
O lexicógrafo seiscentista também não descurou as palavras deri-
vadas e apresentou, assim, as mais recorrentes. Não lhes deu uma
entrada própria, «porque seria enfastiada, e superflua a interpretação
de muitas vozes, que facilissimamente se collige» (Roboredo 1621:
«Advertencia», 1), mas colocou-as a seguir às primitivas, estabele-
cendo assim nexos semânticos. O lexicógrafo ainda descreveu expres-
sões idiomáticas latinas, procurando o significado exacto de cada uma
delas, especialmente no referente aos verbos com acusativo ou com
infinitivo.
XXI
de 62 finais num «Appenso de palavras duvidosas» – da Janua Lin-
guarum sive Modus maxime accomodatus, quo patefit aditus ad omnes
linguas intelligendas. Industria Patrum Hibernorum Societatis Iesu, qui
in Collegio eiusdem nationis Salmanticae degunt, in lucem edita: & nunc
ad linguam latinam perdiscendam accommodata. In qua totius linguae
vocabula, quae fraequentiora, & fundamentalia sunt continentur: cum
indice vocabulorum, & translatione Hispanica eiusdem tractatus, publi-
cada originariamente em 1611, em Salamanca, e cuja autoria tem sido
atribuída a William Bathe (1564-1614).
A Porta de Linguas de Roboredo, segundo Mantuna, «from a
pedagogical point of view it was the most interesting of all editions»
(Mantuna 1986: 84). Respeita a ordenação original, mas contribui
com números interlineais, a enunciação dos substantivos e adjectivos
e a conjugação dos verbos, para, mais facilmente, os alunos as enten-
derem melhor.
Quem desejar provas das figuras Ellipses desfeitas as achará em Linacro, Fran-
cisco Sanchez, e na arte de Nebrissense reformada. A prova de quanto aqui se diz
pertence a outra parte: naõ he para arte do minino (Ibidem: «Prologo», § 4 v.);
12
Parece-nos muito significativo o facto de Roboredo se referir ao Methodo Gram-
matical para todas as Linguas como «grammatica geeral», tendo em consideração que
Claude Lancelot e Antoine Arnauld publicaram, 41 anos depois, a Grammaire Générale et
Raisonnée.
XXII
a arte para se declararem com mais palavras per notas no metodo (sic) de
ensinar Grammatica, que servirà de arte para o Mestre, se Deus quiser que a
escreva (Ibidem: § 4 r.).
XXIII
poetas quinhentistas. Mas os gramáticos continuam formalistas,
presos à rotina velha, agora embrulhados na teoria das elipses, de que
Sánchez (1523-1600) fora o campeão. Escrevera a Minerva, seu de
causis linguae latinae et elegantia (1562) e, 25 anos depois, publicou a
edição final com o título Minerva, seu de causis linguae latinae (1587),
que serviu de base aos trabalhos posteriores, até mesmo a aspectos da
gramática de Port-Royal, Grammaire Générale et Raisonnée (1660), de
Lancelot e Arnaud, e ao livro de Lhomond. Reisig chamou a Sánchez o
«cavalheiro da elipse». Também Álvares, Ramus e Escalígero influen-
ciaram a gramática francesa de Lancelot e Arnaud. Saiu dos prelos
de Port-Royal, hostis aos jesuítas como aos oratorianos, em Portugal,
na época pombalina. Faziam todos parte da conjura europeia con-
tra a Companhia de Jesus e propunham-se, mormente em Portugal,
reformar o ensino que, até ali, estivera nas mãos dos jesuítas. Por esta
altura, um dos traços mais constantes em todas as gramáticas apare-
cidas desde havia cerca de um século era a procura da simplicidade,
traço postulado pelo método ramusiano, que visava hierarquizar as
análises ao apoiá-las sobre alguns princípios elementares.
Amaro de Roboredo foi, em primeiro lugar, um «mestre» de Latim,
leccionando em casas particulares e não (que se saiba) em turmas
colectivas, quer do ensino «básico» ou «secundário» quer do «supe-
rior», como hoje os entendemos. Defendeu que os alunos só deveriam
começar a estudar as línguas estrangeiras, incluindo o Latim, depois
de adquiridas as noções básicas essenciais de língua materna. Foi um
acérrimo defensor de a língua utilizada nas aulas, especialmente de
Latim, ser a materna (portuguesa), para, mais rápida, fácil e solida-
mente, os alunos assimilarem os conteúdos, afinal objectivos opera-
cionais ainda – e cada vez mais – com actualidade, que defende, em
oposição a Erasmo (1469-1536) e a Vives (1492-1540), por exemplo,
e na senda do Brocense (1523-1600).
Até Roboredo, as gramáticas latinas publicadas em Portugal ou
usadas nas escolas portuguesas eram escritas em Latim e os seus
autores – na maioria das vezes apenas compiladores – defendiam que
essa devia ser a língua oficial do ensino, mesmo no começo da aprendi-
zagem da antiga língua do Lácio. Houve, inclusivamente, muitos mes-
tres de Latim que tiveram enorme sucesso com essa metodologia, como,
XXIV
por exemplo, o flamengo Nicolau Clenardo, quando leccionou em Braga.
Exceptua-se a Arte de Grammatica, pera em breve se saber Latim de Pedro
Sánchez, que foi a primeira a ser publicada em língua portuguesa, em
1610. Todavia, não deve ter sido conhecida pelos seus contemporâneos,
pois não só não lhe são conhecidas quaisquer referências, como Robo-
redo refere, primeiro no Methodo Grammatical, que
pode ser que seja eu o primeiro, que rompa o mato da minha Materna, como
melhor soffrerem suas muitas irregularidades; exposto aos encontros de muitos
que quererão defender suas Orthographias, cujas raizes ignoradas serão patentes
na Grammatica: Et nos manum ferulae subduximus (Idem 1619: b. 1 v.)
todas as artes estão feitas para o Mestre descer em seus discursos, e não vemos
aquella per onde o discipulo melhor possa naturalmente subir, se não he esta.
A qual por ser a primeira que sae neste estylo se for dos Mestres desfavore-
cida, não me espantarei, porque não serve para elles (Idem 1625: «Prologo»,
§ 2 r.-§ 2 v.).
os que screverom Grammatica na lingua Latina, quãdo ella era vulgar, acer-
tarom; porque sô restava ao minino entender o conceito das regras, retelas,
& applicalas. Os q os seguirom despois que ella não foi vulgar, forom
ovelhas que receando perigo ao passar de hüa porta se deteem; mas se hüa, ou
duas passaõ, todas as seguem sem examinar o incommodo da detença. Assi os
sequazes dos Latinos, detidos muitos annos nesta primeira porta das sciencias,
se arremessarom apos as frases dos primeiros; & por assoalharem as quatro,
que alcançarom, não examinarom, o incommodo de quem havia de entrar
per ella. Finalmente screverom debalde: porque os que não sabem Latim, não
entendem suas artes; & os que as entendem, bë as escusaõ; porq entendem
qualquer livro Latino, de que colhem a lingua, & não dessas artes nem o enten-
dimento as quer ver, quando com artes, & materias superiores se pode melhorar
(Idem 1619: «Prologo», a 3 r.).
XXV
O recurso ao método indutivo ou à aprendizagem por descoberta,
na designação ausubeliana, é a maior inovação desenvolvida por Robo-
redo nos seus tratados linguísticos, chegando inclusivamente a ser mais
vanguardista que muitos metodólogos actuais. Amaro de Roboredo,
especialmente na Grammatica Latina de 1625, vai opor duas noções
essenciais no campo da didáctica: os verbos «aprender» e «ensinar».
Depois de defender a utilização da língua materna no processo de
ensino-aprendizagem do Latim, diz, também, Roboredo que
esta he a causa, porque hum discipulo anda tanto tempo na arte cego, e per-
dido; porq lhe metem na mão não a sua arte para aprender, mas a do Mestre
para ensinar, que excede sua capacidade, havendoselhe de dar a sua arte mui
proporcionada a sua rudeza (Idem 1625: «Prologo», § 2 r.).
Alem das razões que me moverom a escrever em Portuguès as regras com seus
exemplos em Latim (…), se me offereceo outra razão mais nova pela qual me
parecem as regras das artes postas aas avessas antes dos exemplos. Porque
sempre o exemplo devia preceder; e ensinaremse as artes liberaes a modo das
mecanicas, em que se obra com o exemplo diante, o qual fica servindo junta-
mente de regra: pois mais facilmente colhe o entendimento a regra do exemplo
que o exemplo da regra (Ibidem: § 1 v.).
XXVI
Seco, Lamego, professor de Latim na Universidade de Salamanca na
segunda metade da século XVI, regente entre 1557 e 1589 e catedrático
entre 1589 e 1596 (González 1932: 148-149), cujos
es (…) la inteligencia de los escritos clásicos el único y supremo fin del estudio
de la gramática; ello supone, además de los conocimientos puramente lingüís-
ticos, una no pequeña cultura clásica (usos, costumbres, instituciones romanas),
per debe, no obstante, contenerse en limites prudentes la aplicación de estos
conocimientos para que no se pueda decir, en frase de un profundo humanista
del siglo XVI, que «la salsa vale más que el pescado» (González 1933: 186).
Por isso, Rogélio Romeo, com quem concordamos, refere que Francisco
Martins é, «en nuestra opinión, precursor de los gramáticos experi-
mentalistas portugueses de la centuria siguiente» (Romeo 2002: 4), e
um dos autores que didacticamente mais influência teve em Roboredo
(cf. Idem 2001: 323, nota 27).
A este novo método de aprender chama Roboredo «novo estylo» e
inspira-se, para o teorizar, em outras artes, que denomina mecânicas,
e ainda, por exemplo, na geometria, aritmética, música, pintura e
disciplinas similares, pois
a efficacia deste estylo de precederem exemplos se nota naõ somente nas artes
mecanicas que se ensinaõ obrando logo: mas em outras como na prattica da
XXVII
Geometria, Arismetica, e Musica, na pintura, e armas, e na arte de memoria local,
que com hum exemplo se alcança, e com hum livro de regras se naõ entende
bem: e se lhe tirarem os exemplos he como se naõ fosse (Roboredo 1625: § 2 v.).
O que explicar no livro Latino traduzirá o ouvinte na sua Materna, cuja frase
irá assi aprendendo, exercitando a pena, & Ortographia, notando a differença,
& conveniencia de ambas as linguas (Idem 1619: «Prologo», b 2 v.-b 3 r.).
XXVIII
entendas qual he a melhor tradução das linguas, quatro generos della
te direi brevemente» (Idem 1623: 23). Assim, Roboredo apresenta
as quatro seguintes modalidades: 1.ª) tradução ao pé da letra; 2.ª)
tradução quase atada às palavras; 3.ª) tradução por cláusulas (frases);
e 4.ª) tradução pelo conceito ou parafrástica.
Com efeito,
a primeira tradução faz se de tal maneira ao pee da letra; que toda a frase da
lingua, que traduzimos, se observa. Como se traduzisses assi em Português
esta clausula de Cicero; Tu velim, quod commodo valitudinis tuae fiat, quam
longissime poteris obviam nobis prodeas. Tu, queria, o que com commodo
de saude tua se faça, quam muito longe ao caminho nos saias. As palavras
saõ Portuguesas, a frase latina, a tradução absurda (Ibidem);
Da quarta te não convem usar atê que não saibas bem a terceira: porque
respeita sômente o conceito do período, quer uses da mesma frase, quer de
diversa: hora excluas algüas palavras, hora ajuntes mais. Chamase tradução
parafrástica (Ibidem).
XXIX
quer de frases, quer de conceitos, e de declaração parafrástica, quando
há expansão frástica:
Se reduzires a hüa clausula muitas de muitas palavras cada hüa: ou se reduzires
muitos conceitos a hum mais principal, ou na mesma lingua, ou em diversa, não
lhe chamarás tradução; mas compendio. E se tresladares hua clausula em duas,
ou mais, usando de mais frases diversas: ou se declarares o mesmo conceito
com dous, ou mais; não lhe chamarás tradução, mas declaração parafrastica.
As quaes pertencem mais aos mestres, que aos discipulos (Ibidem: 24-25).
XXX
as Linguas antes do Novum Organum de Francis Bacon, bem como
do Discours de la Méthode de Renée Descartes, e ainda da Grammaire
Générale et Raisonnée de Port-Royal, tem uma perspectiva dos universais
linguísticos ainda muito incipiente, mas já com uma enorme coerência
lógica. Com efeito, para o transmontano seiscentista, o conceito de
gramática aparece já como um sistema abstracto universal que pode
ser ilustrado com exemplos de várias línguas concretas, no caso, o
Português e o Latim:
Foramos certamente collegindo per esta ordem a differença, & conveniencia
natural das linguas. Omnium esta natura communis [Cicer., De Fin.]. Porque
acho grande confusaõ nas artes, ou Syntaxes, que teem misturado, o que
he particular de hüa lingua, com o que he commum a muitas, ou a todas
(Roboredo, 1619: b 1 v.- b 2 r.).
XXXI
O Methodo Grammatical para todas as Linguas é, por isso, um dos
primeiros exemplos de uma gramática geral ou universal. Como os seus
antecessores, especialmente Francisco Sánchez de las Brozas, Roboredo
encontra na razão a base dos universais linguísticos. Com efeito, em
vários momentos, quer do Methodo Grammatical quer da Grammatica
Latina, o transmontano faz depender o conhecimento linguístico da
abstracção racional:
Nella [Grammatica Latina, 1625] achará o Mestre regras novas: porem mui ajus-
tadas com a razaõ, e propriedade do Latim em correspondencia do Portugues.
Naõ he novidade diliciosa, he brevidade proveitosa (Idem, 1625: «Prologo», § 3 r.).
caso he special differença do Nome. Chamase Caso, que he queda, que o Nome
dà do seu dereito assento, que he o primeiro. Nominativo, para o Genitivo, &
XXXII
para o Dativo, Accusativo, Vocativo, & Ablativo. E saõ estes Casos assi chamados
seis, naturalmente necessarios para declarar os varios conceitos do animo (…).
As ultimas syllabas dos Casos em cada Numero saõ semelhantes em muitas
linguas, principalmëte vulgares, & Hebrea; porem na Latina, & Grega não
saõ semelhantes em todos os casos, senão em algüs (Roboredo 1619: 65-66).
XXXIII
(deep-structure ou d-structure) e de «estrutura de superfície» (surface
structure ou s-structure). O criador do gerativismo transformacional
entende que «estrutura profunda» é a organização de uma frase num
nível mais abstracto,
antes de se efectuarem certas operações, chamadas transformações, que reali-
zam a passagem das estruturas profundas às estruturas superficiais. A estrutura
profunda é uma frase abstracta gerada unicamente pelas regras de base (com-
ponente categorial e léxico) (Dubois 1993: 488).
XXXIV
justamente para aclarar esta diferencia que ha introducido los conceptos de
la estructura profunda (…) y estructura superficial (…), correspondiendo la
primera al contenido semántico de la oración y la segunda a su ordenación
formal (Çerný 1998: 237).
XXXV
ceiro maior, que ambos, he a Frase, em que se encerra a elegancia, que he hum
accidente da Frase (Roboredo 1619: «Prologo», b 4 v.).
a Frase (…) que he hüa das propriedades de cada lingua, muitas vezes se não
pode interpretar em outra lingua palavra por palavra: mas duas, tres, quatro,
ou mais: com outra, ou outras duas, tres, quatro, & mais da outra lingua que
guardem sua particular posiçaõ. Como se pode ver interpretando palavra por
palavra estas frases Latinas: Multum isthac opus est arte: Eris mihi solatio:
Hoc tibi laudi vertam: & boni consulam, &c. que naõ ficaõ frases Portuguesas
nem Castelhanas (Ibidem: c 1 r.-c 1 v.).
XXXVI
e
quantos saõ os Verbos Pessoaes tantas saõ as Orações, cuja alma fica sendo o
Verbo. E se despois do Verbo se segue Accusativo he Oraçaõ perfeita, e funda-
mento das mais partes da Oraçaõ, que a ornaõ e acrescentaõ (Ibidem: 91).
XXXVII
algún desajuste, ese desajuste se explica normalmente porque ha intervenido la
elipsis. Así (…), el esquema racional de una oración simple es N + V; de manera
que si a nivel de uso nos encontramos con oraciones que tengan sólo V (…), el
desajuste se explica recurriendo a la elipsis (…). De esta forma, la elipsis, para
el Brocense, tiene, creo, las siguientes características: en primer lugar, para él
ya no es una figura retórica, sino que es un procedimiento gramatical y lingüís-
tico. En segundo lugar, es un procedimiento gramatical parecido a las reglas
de deleción de alguns gramáticos generativistas actuales; efectivamente, entre
la estructura profunda y superficial intervienen reglas de transformación de
distinto tipo; un tipo de ellas son las de deleción, que dan cuenta de la desapa-
rición de determinados constituyentes que estaban en la estructura profunda
y no están en la superficial. En este sentido la elipsis del Brocense desempeña
un papel parecido al desempeñado por las reglas de deleción de los generati-
vistas. En tercer lugar, la elipsis opera no esporádicamente, sino sistemática-
mente; no es un procedimiento lingüístico aislado, sino frecuente en ese paso
del esquema racional al esquema de uso (Salor 1995: 25, nota 20).
13
“O sistema de projecção (…) estipula que a estrutura lexical deve ser representada
categorialmente em cada nível sintáctico. Este princípio é um dos que contribuem para
eliminar completamente as regras sintagmáticas, à excepção de algumas idiossincrasias
específicas de cada língua (…). Uma consequência do princípio de projecção é, em termos
informais, o facto de, se um elemento for «interpretado» como ocupando uma dada posi-
ção, esse elemento ter de estar aí na representação sintáctica, quer como uma categoria
evidente que está foneticamente realizada, quer como uma categoria vazia, à qual não é
atribuída forma fonética (…). Por isso, se see for caracterizado lexicalmente como verbo
transitivo, tem de ter um objecto, representado sintacticamente como seu complemento
num sintagma verbal, em cada nível sintáctico, isto é: em estrutura-P, em estrutura-S,
em FL, mas, é claro, não necessariamente na estrutura de superfície (FF). Se não houver
qualquer elemento realizado nesta posição, terá de existir uma categoria vazia do tipo
adequado” (Chomsky 1994: 97).
XXXVIII
O próprio Chomsky admite que não é o criador das propriedades
formais de análise mas estas remontam, pelo menos («at least»), à
Grammaire Générale et Raisonnée (1660) de Lancelot e Arnaud:
To say that properties of the base will provide the framework for the characteriza-
tion of universal categories is to assume that much of the structure of the base
is common to all languages. This is a way of stating a traditional view, whose
origins can again be traced back at least to the Grammaire générale et raisonnée
(Lancelot et al., 1660) (Idem 1965: 117);
There is a similarity, which I think can be highly misleading, between the theory
of deep and surface structure an a much older tradition. The practitioners of
philosophical grammar were very careful to stress this similarity in their detailed
development of the theory and had no hesitation in expressing their debt to
classical grammar as well as to such major figures of renaissance grammar as
the Spanish scholar Sanctius. Sanctius, in particular, had developed a theory of
ellipsis that had great influence on philosophical grammar. (…) Philosophical
XXXIX
grammar is poorly understood today. But such antecedents as Sanctius have
fallen into total oblivion (Idem 2006: 16);
XL
não da competência gramatical, que dela distingue claramente. Com
efeito, o gramático transmontano refere, a propósito dos conheci-
mentos gramaticais e línguísticos do Brocense, de Cícero e Varrão, que
aquele sabia mais gramática e estes mais léxico (Copia) e frase, porque
a gramática é racional e o conhecimento linguístico é maior para quem
tenha a língua como materna:
De star a Latina reduzida a arte ha tantos annos, & irse sempre a arte aperfei-
çoando, podemos dizer q soube Francisco Sanchez Brocense mais Gramma-
tica Latina em nossos tempos, que Cicero, & Varrão columnas da lingua, nos
seus, que lhe precederom 1640 annos. Elle mais Grammatica, & estes mais
Latim (…). & como a lingua consta de Grammatica, Copia, & Frase (…) aquelle
alcançou mais Grammatica, & estes sabião mais Copia, & Frase com mais
propriedade, porque como Materna lingua a usavão des os berços (Ibidem:
«Prologo», b 1 r.).
XLI
foros de verdadeira cidadania, foram, principalmente, Franz Bopp
(1791-1867), Jakob Grimm (1785-1863), Friedrich Diez (1794-1876) e
August Schleicher (1821-1867).
Com efeito, é o filólogo alemão Franz Bopp (1791-1867) que é con-
siderado por muitos o verdadeiro fundador da gramática comparada.
Depois de ter estudado Persa, Árabe, Hebreu e Sânscrito, em Paris,
publica, em Frankfurt, em 1816, um tratado, Über das Conjugations-
system der Sanskritsprache in Vergleichung mit jenem der griechischen,
lateinischen, persischen und germanischen Sprachen, onde compara o
sistema de conjugações do Sânscrito, do Grego, do Latim, do Persa e
do Germânco, a que juntou, mais tarde, outras línguas: o Lituano, o
Zenda, o antigo Eslavo e o Arménio.
Em 1821, Humboldt, a quem Bopp tinha ensinado Sânscrito em
Londres no ano anterior, convida-o para a cátedra de Sânscrito na
Universidade de Berlim. Bopp vai, assim, poder dedicar-se, durante
cerca de 50 anos, aos estudos comparatistas, publicando, na Academia
de Berlim, entre 1824 e 1831, a Vergleichende Zergliederung des Sanskrits
und der mit ihm verwandten Sprachen, e, entre 1833 e 1852, a sua
Vergleichend Grammatik.
A principal teoria de Bopp é de que uma língua se assemelha a
um organismo vivo, e, apesar de ainda ter colocado essa hipótese,
nunca chegou a considerar verdadeiramente que o Sânscrito fosse
a «mãe» de todas as línguas, vindo, antes, a entender que todos os
idiomas, sem excepções, seriam modificações graduais de uma só e a
mesma primitiva língua, o Indo‑Europeu (Mounin s.d.: 177). Todavia,
é através do Sânscrito, língua literária da Índia, porque é uma língua
mais antiga que o Grego e o Latim e tem uma morfologia mais sim-
ples, que Bopp pensa «poder (…) remontar até ao primeiro estádio da
linguagem, atingir assim as primeiras palavras, as raízes monossilá-
bicas isoladas» (Ibidem), enfim, a Ursprache.
Concomitantemente, Jakob Grimm (1785-1863) dá uma nova
orientação ao método comparativo e cria os fundamentos da linguística
histórica. Publica, em 1819, o primeiro tomo da Deustche Grammatik,
onde analisa, com base na recolha de textos escalonados ao longo de
catorze séculos, as diferentes fases da língua alemã, saindo dos prelos
os tomos em 1826, 1831 e 1837, respectivamente. Com efeito, Grimm
XLII
«falava em sentido próprio dum tratamento histórico (e não compara-
tivo) das línguas germânicas, o que pôde conduzir, pela aceitação da
sua maneira de dizer, a considerá-lo o fundador da linguística histó-
rica» (Ibidem: 183). No entanto, Grimm continuava a usar o método
comparativo, só que, neste caso, dentro da mesma língua, o Alemão,
ao tentar encontrar o estádio da língua imediatamente anterior, pro-
curando estabelecer as suas diferentes fases. Grimm encontrou as
regularidades nas semelhanças fonéticas, explicando-as através, entre
outras, do vozeamento das surdas e da fricatização das oclusivas. Apesar
de Ramus Rask já ter analisado este assunto, somente
Grimm sacó de ellas las consecuencias adecuadas sobre los cambios fonéticos
del antiguo germánico, al explicar este proceso histórico de la manera seguiente:
en cierta parte del territorio en que se hablaba el indoeuropeo se produjo, en
tiempos remotos, un cambio en la pronunciación de las consonantes oclusivas;
las oclusivas sordas se convirtieron en fricativas, mientras que las sonoras
perdieron la sonoridad; el resultado de estos cambios constituye uno de los rasgos
más importantes con que las lenguas germánicas difieren de las demás lenguas
indoeuropeas (Černý 1998: 99).
XLIII
sentava a língua indo-europeia e cada uma das partes entre duas rami-
ficações correspondia a uma dada língua. Para Schleicher,
XLIV
pio da regularidade das leis fonéticas, dos empréstimos vocabulares,
apenas admitindo, como única excepção, a «lei» da analogia. Assim,
ao eliminarem as excepções, os neogramáticos esperavam integrar a
«gramática comparada» entre as prestigiadas ciências naturais.
XLV
Por outro lado, nenhum dos «fundadores» da vergleichend Gram-
matik descobriu o Sânscrito. Georges Mounin, por exemplo, refere que
«ce que ferá Bopp, le fondateur de la linguistique, ce ne sera (…) la
découverte du sanskrit (…), mais leur utilisation pour poser et résoudre
des problèmes nouveaux concernant les langues» (Mounin 1967: 163).
Também Ferdinand de Saussure havia feito referência a esse facto:
«Bopp não tem, pois, o mérito de ter descoberto que o sânscrito se
relaciona com alguns idiomas da Europa e da Ásia, mas foi ele quem
compreendeu que essas relações podiam ser matéria para uma ciência
autónoma» (Saussure 1986: 22).
A língua literária dos antigos hindus não foi descoberta pelos «lin-
guistas» europeus de um dia para o outro. Com efeito, já no século XVI,
Filipe Sassetti, que viveu em Goa entre 1551 e 1558, escreveu algumas
cartas, que, lamentavelmente, apenas foram descobertas e publicadas
em 1855, onde mostrava haver algumas analogias entre os numerais do
Sânscrito e os de algumas línguas europeias, especialmente o Latim, o
Grego e o Italiano. Também o P.e Coerdoux, missionário francês, enviou,
em 1763, a um amigo seu uma gramática e um dicionário do Sânscrito
e, nas várias cartas que lhe escreveu, referia as muitas semelhanças
entre os seus vocábulos e os do Grego e, sobretudo, do Latim.
Todavia, só a partir de 1786 é que o Sânscrito de facto despertou
o interesse dos filólogos europeus, pela acção de William Jones, juiz
inglês em Bengala e membro da Sociedade Asiática de Calcutá, que,
entretanto, fundara. Em 1786, escreveu Jones que
«El sánscrito… tiene una estructura magnífica; es más perfecto que el griego, de
formas más diversas que el latín, de una cultura más fina que las dos lenguas
mencionadas y, a pesar de ello, tiene tantos rasgos comunes con ellas que no puede
ser por casualidad. Ningún filólogo que examine estas tres lenguas podrá negar
que evolucionaron de alguna fuente común, que probablemente ya no existe». Esta
afirmación, sin duda, recogía en forma embrional algunas ideas fundamentales
de la gramática comparada e histórica del siglo siguiente (Černý 1998: 94).
XLVI
foram publicadas cinco gramáticas. A mais conhecida destas gramá-
ticas foi a de Pánini, denominada Oito Livros (Asta-dhya-yi-), a mais
antiga gramática conhecida do Sânscrito – e de qualquer outra língua –,
constituída por 400 aforismos ou «sutras». Pánini viveu nos séculos V
e IV a.C. e o sanscritólogo P. Thieme atribuiu-lhe o título de «Homero
da Linguística» (Ibidem: 69). No entanto, o próprio Pánini diz que antes
de si havia uma imensa tradição gramatical, ou de análise (akshara),
mencionando inclusivamente 68 precursores seus. A gramática de
Pánini não descreve exaustivamente a língua sânscrita, mas o estilo por
que opta, em sutras, ajudava a memorizar melhor as regras gramaticais
mais importantes. «Esta gramática (…) foi pela primeira vez traduzida
na Europa por Böhtlingk [1815-1840]» (Ibidem: 66-67) e publicada em
Leipzig apenas entre 1837 e 1840.
Contudo, assim como nenhum dos autores «fundadores» da
vergleichend Grammatik descobrira o sânscrito, também nenhum deles
foi o primeiro a usar, em nosso entender, o método comparativo ou o
comparativismo linguístico. Georges Mounin, na mesma citação em que
refere a não descoberta do Sânscrito pelos «fundadores» da gramática
comparada, menciona especificamente que «ce que ferá Bopp (…) ne
sera (…) la découverte (…) du comparatisme, mais leur utilisation pour
poser et résoudre des problèmes nouveaux concernant les langues»
(Mounin 1967: 163).
Metodologicamente, a linguística comparada confronta as pala-
vras de duas ou mais línguas e procura semelhanças entre elas, quer
quanto à forma (morfologia e fonética), quer quanto ao significado,
quer, mais actualmente, quanto ao sentido. Quando (algumas de entre)
essas similaridades são encontradas, coloca-se a hipótese de que ambas
remontam a uma forma (língua) original comum, que evoluiu de forma
diferente, através de leis fonéticas diversas, devido a múltiplos factores
sócio-histórico-culturais. Com efeito, para Jean Dubois, «duas línguas
são aparentadas geneticamente quando provêm da evolução de uma
língua única. A história permite, às vezes, estabelecer um parentesco
histórico» (Dubois 1993: 456-457).
Para se demonstrar a existência de um determinado grau de paren-
tesco entre duas línguas é necessário haver coincidências de formas
gramaticais entre ambas, pois não basta haver apenas semelhança
XLVII
vocabular, porque, entre outras razões, pode ter havido empréstimos
vocabulares entre elas. Quando apenas houver uma estrutura gramatical
similar, considera-se que são duas línguas afins – ou parentes tipoló-
gicos – e não propriamente parentes genéticos. Jean Dubois, apesar de
também aceitar a designação de parentesco tipológico, prefere «destinar
o nome de afinidade às convergências fortuitas e falar de parentesco
quando se coloca a hipótese de origem comum» (Ibidem: 457).
Actualmente, a linguística comparada não procura unicamente
estabelecer os graus de parentesco entre as línguas, mas também
comparações sintácticas, semânticas e, ainda, pragmáticas, para con-
cluir sobre outro tipo de funções existentes nas línguas. A linguística
descritiva, especificamente, usa o método comparativo muitas vezes
para, mais facilmente, fazer demonstrações várias. É exemplo disso o
trabalho de António Franco intitulado Descrição Linguística das partí-
culas modais no Português e no Alemão, onde o linguista estabelece um
paralelo entre as funções, principalmente, pragmáticas das partículas
modais portuguesas e alemãs.
No entanto, como Saussure, também perguntamos: «Como pro-
cederam os que estudaram a língua antes da fundação dos estudos
linguísticos, isto é, os «gramáticos» inspirados nos métodos tradicio-
nais?» (Saussure 1986: 145). E, também com Saussure, concordamos
em que, depois de terem acusado a gramática normativa «clássica»
de ser pouco – ou nada – centífica, «a sua base é menos criticável e o
seu objecto melhor definido que na linguística inaugurada por Bopp»
(Ibidem: 146).
Em certo sentido, os autores de estudos textuais gregos, especial-
mente os alexandrinos, usaram o método comparativo, ao contraporem
as formas linguísticas dos textos arcaicos com as dos dialectos gregos.
Também os gramáticos latinos usaram o método comparativo, princi-
palmente por transporem os princípios metodológicos e a taxonomia
gregos para a análise da língua do Lácio, ainda que, explicitamente, não
tivessem feito comparações entre ambos os sistemas linguísticos.
No século XVI, surgem também as primeiras obras linguísticas
das línguas nacionais / vernáculas, depois da Grammatica da Lingua
Castellana de Nebrija, saída dos prelos ainda no século XV, especifi-
XLVIII
camente em 1492. Em Portugal, aparecem as gramáticas de Fernão
de Oliveira (1536) e João de Barros (1540), as ortografias de Pedro
de Magalhães Gândavo (1574) e Duarte Nunes de Leão (1576), bem
como a primeira sistematização sobre a história da língua portuguesa,
a Origem da Lingoa Portuguesa (1606), de Duarte Nunes de Leão, que
pode ser considerado como um precursor da Linguística Histórica.
Todas estas obras, ainda que em diferentes graus, são uma adap-
tação à língua portuguesa das gramáticas latinas, pois importam as
taxonomias e até os procedimentos metodológicos. A única que pode
ser excepção – ou, pelo menos, é a mais original – é a gramática de
Fernão de Oliveira, embora também considere as mesmas oito partes
do discurso que a maioria dos gramáticos latinos.
Assim como as primeiras gramáticas latinas adaptaram os concei-
tos, taxonomias, metodologias, etc., das gramáticas gregas, também
as primeiras gramáticas vernaculares fizeram essa transposição das
gramáticas latinas. Só em sentido estrito, porém, se pode considerar
que usaram o método comparativo, porque não houve propriamente
comparações / paralelos entre os sistemas linguísticos de cada uma
das línguas vernáculas e o do latim. Esse método vai ser, entretanto,
amplamente usado – assim pensamos – por Amaro de Roboredo, no
Methodo Grammatical.
Amaro de Roboredo foi professor de gramática latina e o facto
de ainda não haver então um estudo autonomizado da língua portu-
guesa – que só veio a acontecer na sequência da publicação do Alvará
Régio de 30 de Setembro de 1770 – justifica plenamente a sua opção
pela dedicação quase exclusiva ao estudo daquela língua clássica. No
entanto, começou por escrever, em 1615, as Regras da Ortografia da
Língua Portuguesa, (ainda) desaparecidas e, na primeira parte, até à
página 78, do Methodo Grammatical para todas as Linguas, apresentou
um paralelo comparativo entre as estruturas de ambas as línguas – Da
Explicaçam Compositiva das Partes da Oraçam Portuguesa, & Latina –,
culminando na apresentação esquemática, numa folha, dessas compa-
rações – Recopilaçam da Grammatica portuguesa, e Latina, pela qual com
as 1141 sentenças insertas na arte se podem entender ambas as linguas.
XLIX
Amaro de Roboredo, especialmente no Prólogo do Methodo Gram-
matical, que configura uma «Carta do Autor Amaro de Roboredo ao
D. Gaspar Alvarez Vega lente de Latim na Universidade de Salamanca»,
apresenta as razões que o levaram a escrever esta gramática e aponta os
benefícios do método por si defendido, – novo estylo, novo modo e novo
caminho, como o foi denominando – favorecer a aprendizagem de várias
línguas por parte dos alunos. Parece correcto poder, então, afirmar-se
que, aí, Roboredo apresenta inequívocas justificações do novo método
e, com Vicente Gomes de Moura, que «o nosso Grammatico [Amaro de
Roboredo] concebeo a ideia (…) da Grammatica Comparada» (Moura
1823: 353), pela primeira vez na história da linguística portuguesa.
Entre essas razões, Roboredo justifica a criação de uma disciplina
de língua materna (Roboredo 1619: a 4 r.) com o facto de, segundo
o autor, os professores e os gramáticos até então não conseguirem
destrinçar o que era de uma ou de outra língua, confundindo, muitas
vezes, os seus alunos,
porque acho grande confusaõ nas artes, ou Syntaxes, que teem misturado, o
que he particular de hüa lingua, com o que he commum a muitas, ou a todas.
Donde nasce sabermos poucas, & chegarmos tarde na Latina a conhecer sua
propriedade, que o uso, & não sô a arte, nos ensina (Ibidem: b 2 r.).
externas com soffrivel corruçaõ, & formar outras de novo: para que com
menos rodeios se possaõ explicar os conceitos & as sciencias (…). Saberaõ
fugir de palavras externas ainda naõ recebidas quando teem proprias, por
naõ mostrarem que a lingua he mais pobre (Ibidem: a 4 r.).
LI
por oposição às quatro latinas, e, como paradigmas, os verbos «am-o»,
«mov-o» e «vist-o», para o Português, e «am-o», «mov-eo», «defend-o»
e «vist-io», para o Latim.
O que é, porém, bastante relevante é o facto de o segundo fólio
da Recopilaçam (pp. 2 e 3) ser quase totalmente preenchido com as
conjugações, apresentadas gráfica e esquematicamente, só aparecendo
os sufixos modotemporais e numeropessoais, omitindo-se sempre
o radical do verbo que se está a conjugar – este já está implícito na
apresentação do mesmo –, de forma a que os «leitores» mais rapida-
mente pudessem visualizar as diferenças e semelhanças entre todas
as formas, quer entre as latinas, quer entre as portuguesas, quer entre
ambas. Assim, por exemplo, o «primeiro presente» das conjugações
portuguesas e latinas é descrito da seguinte forma (Ibidem: 2-3):
1. O 1. O 1. O 1. O 1. Eo 1. O 1. Io
Presentes as es es as es is is
a e e at et it it
âmos êmos îmos âmus êmus imus îmus
Pluraes ais éis îs âtis êtis itis îtis
ão em em ant ent unt iunt
Figura 1
LII
, Ainda na Recopilaçam, Roboredo apresenta sinteticamente o mais
» significativo da sintaxe portuguesa e latina, que é constituída por con-
córdia, regência e posição.
o
A Cõcordia, que succede antes da palavra, se faz entre Sustantivo, & adjectivo
s em Genero, Numero, & Caso, como Porta alta. E o Relativo, & o Sustantivo
antecedente concordão em Genero, & Numero, como Erat porta, quae stabit. E o
e Nominativo concorda com o Verbo Pessoal em Numero, & Eu, toma as primeiras
a Pessoas, & Tu, as segundas (…). A Pergunta, & Reposta [sic] concordão em Caso,
& muitas vezes em Tempo, Numero, & Pessoa (Ibidem: 1).
LIII
Especialmente importantes são as reflexões linguísticas de Robo-
redo na terceira parte do Methodo Grammatical denominada Exemplo
Latina da Frase, particularmente no capítulo V, onde o gramático trans-
montano contrapõe «algüas propriedades da Frase Latina, & Portuguesa
entre si repugnantes». Aí, e.g., Roboredo reflecte sobre a dupla negação
latina e portuguesa:
He propriedade da lingua Latina duas negações em hüa Oração affirmarem; & da
Portuguesa, negarem: como na sentença 127. da 2. parte [Desinet ogganire conjux,
si nil respondeas.], tanto monta; Se nada responderes; como, se não responderes
nada: Si nihil respondeas: da qual oração fica contradictoria esta; Si non nihil
respondeas; que significa; Se algüa cousa responderes. Em algüas Orações
comtudo concorda a Portuguesa com a Latina: como: Não soomente não peccou,
mas fez hum acto de virtude: Non solü non peccavit; sed etiam virtutis actum
exercuit: porque, solum, encerra em si negação de muitos (…) no adverbio, Non.
Não he desnecessario; não he indecente: não he inconstante; & em semelhantes
Nomes privativos, concorda a Portuguesa com a Latina (Ibidem: 227-228).
LIV
Marina Kossárik é da mesma opinião, ao afirmar, por exemplo,
que,
4.3. Partes do Discurso
LV
ou Adverbios, ou Conjunções, que se dizem as cinquo partes, de que a
oração consta» (Idem 1619: 1-2); na Porta de Linguas:
Esta multidão assi de palavras, que vês nestas sentenças, em qualquer lingua
se dividem em cinquo generos, que se chamão partes da Oração. E ainda que
algüs te enculquem mais, e outros menos,tu com melhor fundamento reco-
nhecerás por partes a estas, Nomes, Preposição, Verbo, Adverbio, Conjunção
(Idem 1623: 25);
4.3.1. O Nome
14
Dissemos, contudo, que havia em Roboredo uma influência ideológica de Fran-
cisco Sánchez de las Brozas e que aquele não seguia directamente nenhum autor prece-
dente, mas pode afirmar-se que, indirecta e ideologicamente, o gramático português é
influenciado pela Minerva de 1587, uma vez que, para além do nome e do verbo, que são
comuns a ambos, Roboredo retirou as partículas (preposição, advérbio e conjunção) da
classificação do Brocense e colocou a designação dessas mesmas partículas, isto é, a prepo-
sição, o advérbio e a conjunção, completando, deste modo, as cinco partes da oração.
LVI
tante antiga, pois, como refere o Brocense, já Escalígero o havia referido
e ele próprio aceita essa perspectiva:
Est enim imago quaedam Nomen, qua quid noscitur. Haec Scaliger. Porro
nominis finitio est per vocem numeri casualis cum genere, quae definitio pro-
pria est & perfecta: vox enim seu dictio, seu pars orationis genus proximum est,
& casus est specialis differentia (Brozas 1587: 16 r.).
LVII
adjectivo em dez espécies, consoante o significado («significação») de
cada uma. Com efeito, para Roboredo existem as seguintes dez espécies
de adjectivos: Pronomes, particípios, interrogativos, relativos, partitivos,
numerais, possessivos, positivos, comparativos e superlativos.
Assim, para o gramático transmontano seiscentista, o pronome
he nome Adjectivo, do qual usamos em lugar do Sustantivo Singular, ou Proprio;
como saõ: Hic, Iste, Ille, Ipse, Is, que saõ Primitivos, & irregulares: outros saõ
Derivados, como Idem, Meus, Tuus, Suus, Noster, Vester, Nostras, Vestras. Mas
Ego, Tu, Sui saõ Pronomes Sustantivos, Primitivos, & irregulares (Ibidem: 67).
LVIII
O adjectivo possessivo é, para Roboredo, não só o pronome / deter-
minante possessivo, mas também o «adjectivo» que determina a origem,
isto é, o “Adjectivo, com que significamos cousa possuida do Nome
Primitivo, donde se deriva: como de, Pater, Paternus: de Mater Maternus,
&c. de Mei, Tui, Sui, se derivão, Meus, Tuus, Suus” (Ibidem). Roboredo
também considera na espécie dos possessivos
tem o Substantivo (sic) esta propriedade, que pode per si entrar na Oraçaõ sem
Adjectivo; e o Adjectivo tem a contraria, que naõ pode entrar na Oraçaõ sem ir
junto ao Substantivo declarado, ou entëdido de fora. De modo que o Substantivo
he o fundamento, e principio da Oração (Idem 1625: 23).
LIX
Parte da Oração Divisão Espécie
– «Commum»
«Sustantivo»
– «Proprio» ou «Singular»
F
O – «hüa terminação»
R – «duas terminações»
M – «tres terminações»
A
– «Pronome»
– «Participio»
– «Interrogativo»
S
- «Relativo»
I
– «Partitivo»
«Nome» G
– «Numeral»:
«Adjectivo» N
«Cardinal»
I
«Ordinal»
F
«Distributivo»
I
– «Possessivo»
C
«donde se deriva»
A
da «Materia»
Ç
«Patrios»
Õ
de «Reinos»
E
«Patronímicos»
S
– «Positivo»
– «Comparativo» (não há em Português)
– «Superlativo»
Figura 2
15
Significado etimológico do verbo latino careo, -es, -ere, -ui, -iturus («estar livre de,
estar privado de…»).
LX
acquisitioni tantum deseruit. Per illum igitur pretium, materiam, locum, &
multa alia non significabimus. Deinde si Graecis non esset sextus casus, unde
Latini, Penelope, Parasceue, Grammatice, in sextu casu dicerent? (Brozas
1587: 17 r.).
Caso he special differença do Nome. Chamase Caso, que he queda, que o Nome
dà do seu dereito assento (…). E saõ estes Casos assi chamados seis, naturalmente
necessarios para declarar os varios conceitos do animo. Desta differença de
Numeros, & Casos, nasce a Declinação do Nome: a qual não he mais que hum
apartamento, que elle de seu dereito assento pelos Casos abaixo (…). As ultimas
syllabas dos Casos em cada Numero saõ semelhantes em muitas linguas, prin-
cipalmëte vulgares, & Hebrea; porem na Latina, & Grega não saõ semelhantes
em todos os casos, senão em algüs (Roboredo 1619: 65-66).
In omni porro nomine natura sex partes constituit. Primum ipsam nomenclatu-
ram, cui merito datus est rectus, qui vere nomen est: reliqui, ut censet Aristoteles,
non sunt nomina, sed casus nominis. Deinde quid generet aut possideat. Tertio
cui fini vel operi destinetur. Quarto in quem finem tendat actio. Quinto vocandi
officium. Postremo modum, in quo causas & instrumentum collocamus. Hic est
z sextus casus (…). Sed quoniam haec casuum partitio naturalis est; in omni item
idiomate tot casus reperiri fuerit necesse (Brozas 1587: 16 v.-17 r.).
Por isso, não nos parece ter razão Cardoso quando refere que
Roboredo declinou os nomes (substantivos e adjectivos) portugueses por
questões didácticas e para, mais facilmente, os alunos aprenderem as
declinações e as regências verbais latinas: “Este recurso lógico-funcional
é importante para o aprendente do Português e do Latim reconhecer
os termos da oração e o regime do verbo” (Cardoso 1999: 94).
, O número das declinações é, todavia, diferente nas línguas portu-
guesa e latina, pois, enquanto aquela tem apenas três, cujas termina-
LXI
ções são, no singular, -o, -a, -e, e, no plural, -os, -as, -es, para todos os
seis casos, e cujos paradigmas são «alt-o», «alt-a» e «torr-e», e «palmo»
(Roboredo 1619: 2-3), «palma» e «vide» (Ibidem: Recopilaçam, 1), já a
língua do Lácio apresenta as cinco tradicionais. Os géneros também
diferem em ambas as línguas, uma vez que as duas têm o masculino e
feminino, mas o Latim acrescenta o neutro.
4.3.2. O Verbo
LXII
perífrases («rodeios»), isto é, com o verbo «sum» acrescido do particípio
passado do verbo principal, e o verbo activo. Com efeito, para o gra-
mático seiscentista transmontano, “o Verbo, ou he Activo, ou Passivo.
Na Portuguesa não ha mais voz Passiva, que o Participio, & Gerundio
em, Do” (Ibidem: 13). No Livro III da primeira parte do Methodo Gram-
matical, Roboredo especifica que não é só a língua portuguesa que não
tem voz passiva, mas todas as vulgares que ele conhecia:
Nas linguas vulgares, de que temos noticia, não ha Verbos Passivos: mas ha
Participios Passivos, com os quaes, & com o Verbo Sustãtivo, Sum, se suprem
as Vozes Passivas; como em Português. Amado, ajuntase ao Verbo, Sou, assi; Sou
amado; Fui amado; Serei amado &c. Semelhantes rodeios se fazem com estes
Accusativos, Me, Te, Se, Nos, Vos, Se, junto aas vozes Activas; como, Movome,
Moveste, Movese, Movemonos, Moveisvos, Movemse; & assi nos mais tempos;
mas nas terceiras Pessoas (Ibidem: 69).
LXIII
Fundamentum, sive radix omnium verborum est verbum substantivum, quod
Graece fw latine Fuo, vel Fio dicitur. Et fw quidem a fsij, id est, natura,
dici certum est, nisi mavis a fw fsij, & verbum s, Latinis, Est, & em Sum.
Apte, & vere verbum est substantivum (Brozas 1587: 129 v.).
Verbos, que se dizem, Transitivos, saõ os que somente formão voz passiva, na
qual se tomará para Nominativo, o que na voz activa tinha por Accusativo;
como, Virtus domat omnia; Omnia domantur a virtute; ficando o Nominativo
da activa em Ablativo com Preposição A, ou Ab (Idem 1625: 68).
Ludo ludum; Curro cursum; Vivo vitam. Mostrão os Verbos que não regem outro
Accusativo mais que o interior que dentro de si trazem, o qual por ser tam certo
ainda que se não declare não suspende o entendimento; porque logo se entende;
nem se costuma declarar, se não quando lhe ajuntamos a qualidade de algum
Adjectivo: como, Inanem Ludimus ludum; Velocem currimus cursum: Amaram
vivimus vitam. Estes Verbos se dizem, Intransitivos, dos quaes se achão algüas
LXIV
terceiras Pessoas passivas de singular; como, Curritur, Vivitur, Itur, Statur,
Pugnatur, &c. (…). Eu me apresso; Festino; Eu me inclino, Vergo. Eu me acos-
tumo, Assuesco. Mostrão os Verbos que não admittem outro Accusativo mais
que Me, Te, Se, Nos, Vos, Se, os quaes tambem se dizem, Intransitivos. E porque
o Accusativo nunqua se declara na Latina he como se não tiveram nenhum
(Ibidem: 68-69).
LXV
Accusativo: como, Curro, Vivo &c. pois sta claro, que o que se corre he a carreira;
o que se vive, a vida. Porem se quisermos declarar o Accusativo qualificado com
adjectivo bem o admitte a orelha: como, Brevem currimus cursum: Miseram
vivimus vitam. Estes verbos, que muitos chamão Neutros, se podem dizer
Activos certos, por amor da certeza de seu Accusativo (Roboredo 1619: 69).
Por outro lado, existe uma outra espécie de verbos activos, somente
nas línguas clássicas («escholasticas»), “os quaes Verbos tendo voz
Passiva, & lançando de si actividade, se chamão Activos Depoentes,
deposta, ou deixada a significação Passiva, que algum tempo teverom
debaixo da mesma Voz” (Ibidem: 70).
Na Grammatica Latina, publicada seis anos mais tarde, Roboredo
vai apresentar algumas alterações a estas designações. Com efeito,
os Activos Incertos são aí também designados de verbos Transitivos
e os Activos Certos, de Intransitivos. Também na Gramática Latina
apresenta uma classe de verbos que tinha «esquecido» no Methodo,
isto é, os defectivos, por lhe faltarem algumas das formas conjugáveis
(cf. Idem 1625: 53-54 e 67-69).
Roboredo também declara que os verbos, quer na voz activa, quer
na passiva, podem ser pessoais e impessoais:
Assi os Verbos Activos, como os Passivos se dividem em Verbos Pessoaes, que
teem Pessoas; como, Amas, Iuvat, Taedet &c E em Verbos Impessoaes, que não
teem tempos, nem Numeros, nem Pessoas distinctas: mas todos os Tempos,
Numeros, & Pessoas confusas, & encerradas em hüa Voz; como Amare, Amari,
Amatum, Amando; Taedere, Taiduisse, &c. (Idem 1619: 69).
LXVI
Um outro aspecto importante do verbo no gramático transmon-
tano diz respeito às conjugações, pois distingue três conjugações para
o Português das quatro latinas. Com efeito, para Roboredo, a língua
portuguesa tem conjugações cujos paradigmas são amar, mover e vestir,
ou seja, de tema em a, em e e em i, integrando os verbos de tema em
e consoante latinos na segunda conjugação portuguesa:
z
, Na lingua Portuguesa ha tres conjugações. & quatro na Latina: as quaes conjuga-
ções se differencião pelas segundas pessoas dos primeiros presentes; & tambem
pelos Infinitivos se differencião as ultimas Conjugações (Ibidem: 13).
Modus in verbis, quae species vocatur a Varrone, non attingit verbi naturam,
ideo verborum attributum non est (…) Viderat hoc Caesar Scaliger, quum dixit:
Modus in verbis non fuit necessarius (Idem 1587: 30 v.).
LXVII
finitelS uu pessoais: duis present,,,. dois imperfeitos; dois per[eitus; duis
mais-que-perfeitos e tres futuros:
Tempora finiti verbi natura tria sunt. Sed differentlas undeci111 ncamos, duas
praesentis ut 3.1110, amem: duas infecti: ut amabam, amarem: duas perfecti. Ut,
amavi, amaverim, duas plusquamperfectl. lJt amaveramamavissem. Tres futuri:
lit amabo,amavero. Ama vel amato (Brozas 1587: 311'.-31 v.).
IXVIll
Roboredo teve a percepção / intuição linguística da existência do
infinitivo pessoal na única língua do mundo, o Português. Pensamos
tratar-se do primeiro a fazê-lo, pois não encontrámos nenhuma refe-
rência a esse infinitivo em gramáticos anteriores. Roboredo, apesar
das grandes semelhanças do infinitivo pessoal com o segundo futuro,
descobriu também verbos em que essas semelhanças não existem:
Tem finalmente a Portuguesa hum Infinitivo que o uso corrompendoo fez
pessoal. & delle carecem as linguas, de que tenho noticia, Como eu amar, tu
amares, elle amar. Pl. Nos amarmos vos amardes, elles amarem; he semelhante
ao segundo futuro: mas em algüs verbos não; como eu dizer, tu dizeres, &c. Eu
fazer, tu fazeres, elle fazer: De nos fazermos arte Portuguesa resultará proveito na
Republica: o segundo futuro he; eu fizer, tu fizeres, elle fezer (sic), &c. Eu disser,
&c. (Idem 1619: 33).
4.3.3. A Preposição
LXIX
Roboredo tem sempre o cuidado de contrapor as preposições
portuguesas às latinas correspondentes e acrescentar a construção
sintáctica que se lhe afigura mais correcta. No entanto, por exemplo,
ao «de», quando rege genitivo, não corresponde nenhuma preposição
latina, mas simplesmente um substantivo em genitivo para significar
o ser possuído:
Quando a Preposição, De, rege Genitivo não lhe respõde a Latina cõ letra algüa;
& assi na Latina fica o Genit. de possuidor regido do Sustantivo possuido, como
fica mostrado (Ibidem: 48).
4.3.4. O Advérbio
LXX
Adverbio com caso se toma em lugar de Nome; como saõ, Satis, Abunde, Assatim,
Parim, Instar, Ergo, Grego, id est, opere, pro causa, aos quaes se ajunta Genitivo;
& a, Ubi, Ubinam, Minime, & outros se ajunta, Gentium (Ibidem: 196).
LXXI
sunt huiusmodi: Apage! phy! vae! papae! vah! o! osi! ei, hei! eu, heu. At at, au
st, pro, proh, hahahe, euge (Brozas 1587: 43 r. - 43 v.).
interiectionem non esse partem orationis sic ostendo. Quod naturale est, idem
est apud omnes. Sed gemitus & signa laetitiae idem sunt apud omnes: sunt igitur
naturales. Si vero naturales: non sunt partes orationis (Ibidem: 11 r.).
LXXII
– Ordem – Primum, Deinde
– Repetição – Rursus, Iterum
– Relação – Semelhança – Uti, Velut, Sic
– Diversidade – Aliter, Secus
– Comparação – Magis, Minus
LXXIII
(7, 61, 162, 175); duas vezes, apenas 7 advérbios: «assaz» (28, 116),
«encarecidamente» (98, 99), «injustamente» (19, 80), «mais … que» (4,
56), «melhor» (42, 116), «muito» (138, 183) e «totalmente» (131, 162);
todos os restantes – são apenas 18 – apenas estão presentes em uma
única frase: «afincadamente» (96), «agora» (187), «ainda» (157), «antes»
(156), «attentamente» (69), «debalde» (176), «difficultosamente» (16),
«ditosamente» (165), «esforçadamente» (63), «finalmente» (15), «longe»
(114), «menos» (50), «muito» (134), «nada» (134), «onde» (161), «pros-
peramente» (68), «sempre» (130) e «somente» (121).
No entanto, em toda a sua obra apenas menciona explicitamente
os advérbios portugueses, referindo que poucos são os simples e que
os compostos acabam maioritariamente em «-mente»: “Na Portuguesa
como saõ poucos os Simples usamos de compostos: dos quaes acabão
muitos em mente, como Altamente” (Ibidem: 70).
4.3.5. A Conjunção
LXXIV
Roboredo apresenta as seguintes sub-categorias (classes) de
conjunções, “na lingua Portuguesa, & Latina” (Roboredo 1619: 197),
apesar de não explicitar as diferenças e/ou semelhanças existentes entre
elas nem explicar as razões das designações apresentadas: copulativas,
copulativas condicionais e disjuntivas, adversativas, racionais conclu-
sivas, comparativas e racionais causais. Esquematicamente, podem
apresentar-se do seguinte modo:
LXXV
Contudo, Roboredo ainda acrescenta (talvez incompreensivel-
mente) a estas as conjunções ornativas, que havia classificado umas
como adversativas (autem e vero) e outra como advérbio de acção
exterior de afirmar (quidem). As ornativas, que eram consideradas
«tradicionalmente» como conjunções expletivas ou completivas pelos
gramáticos latinos, apenas são apresentadas na comparação entre a
construção latina e a portuguesa, afirmando Roboredo que
a estas conjunções ornativas, Autem, Vero, Quidem, & outras semelhantes não
responde a Portuguesa com palavra algüa (Ibidem: 229).
Autem. conjunct. 653. Mas, porem, e Hisp. Mas, empero (Idem 1621: 63);
Vero conjun. quae in secundo loco orationis ponitur: ut ego vero. 35 Mas, porem,
em verdade. Hisp. Mas, de verdad (Ibidem: 423);
Quidem, adv. affirmandi. 890. Em verdade, certamente. Hisp. De verdad, verdad
es, ciertamente. Aliquando, conjunct. pro autem. Semper antecedit vox alia;
& interdum distinctionem inducit, ut ego quidem seribo; tu vero, tu autem:
interdum subsequuntur, sed verum, verumtamen, at, attamen, caeterum. Illud
quidem certe: nunc quidem profecto. Cic. Ne in publicis quidem. Et quidem:
Equidem. Siquidem (Ibidem: 330).
LXXVI
Adversantes. At, sed, porro, tamen, tametsi, etsi, licet, quanquam, quanvis,
autem.
Rationales illativae, sive colligentes, quas ratio praecedit: ergo, igitur, ideo, ita-
que, quocirca, proinde, quare, quapropter, sed haec duo nomina potius,
qua de re, propter quae.
Causales, quando causa sequitur. Nam, nanque, enim, enimvero, etenim,
quia, quoniam, siquidem, quippe, utpote, propterea, quod, quod (sic),
ut putant grammatici, sed semper est nomen relativum, ubi intelligitur
praepositio.
Declarantes: ut, uti, velut, veluti, sicut, sicuti, ceu, tanquam (Brozas 1587:
43 v. - 44 r.).
4.4. Análise Morfossintáctica
LXXVII
na sua definição de sintaxe / composição, ao explicar as razões por que,
em seu entender, estas duas características (concordância e regência)
não chegam para fazer a oração perfeita / correcta, sendo imperativo
considerar a frase ou posição (das partes da oração na frase).
4.4.1. A Concordância
Como o Genero Masculino seja mais nobre, & despois delle o Feminino, prece-
dendo muitos Sustantivos, concordará o seguinte Adjectivo com o Sustantivo
mais chegado, ou com o Sustantivo de Genero mais nobre, que fica mais afas-
tado (Ibidem: 71).
LXXVIII
sustantivo semelhante: ut Vidi lunam, & stellas, quae tu fundasti s. opera,
quae tu fundasti” (Ibidem: 72).
A terceira concordância é entre o nominativo (sujeito) e o verbo
pessoal (predicado) e esta faz-se apenas em número. Com efeito, o
gramático transmontano de Seiscentos defende que
Ego, he mais nobre que, Tu, & Tu mais nobre, que Ille para esta Concordia:
por isso ficando dous Nominativos singulares, & o Verbo no Plural per figura
Syllepsis respeita o Nominativo mais nobre: ut studeamus ego, & tu: Paulus,
& tu explicabitis (Ibidem).
LXXIX
Os Sustantivos na Portuguesa, ou saõ Masculinos, ou Femininos: & na Latina
ou saõ Masculinos, ou Femininos, ou Neutros: segundo as terminações dos
Adjectivos, que na lingua houver; como na Portuguesa ha duas, como, Alto,
Alta: & assi ha dous Generos. E na Latina ha tres terminações: como, Altus,
Alta, Altum: & assi ha tres Generos (Ibidem: 2).
diximus (…) item concordiam triplicem esse, adiectivi & substantivi: Nominis
& verbi. Relativi & antecedentis. Substantivum & adiectivum numero, & casu
tantum consentiunt, non genere. Nam adiectiva genus non habent: sed certas
terminationes ad genera: propter quas substantivorum genus indagamus (…).
Eadem ratio est in concordia nominis, & verbis: diximus enim hanc concordiam
ex solo numero constare (Brozas 1587: 44 v. - 45 r.).
a Pergunta, & Reposta (sic) concordão dereitamente em Caso, Tempo, & Numero:
ut, Quae oratio est optima? Est Dominica. Cuius est haec oratio? Christi. Cui
debetur honos? Deo. Quam rem desiderant homines? Desiderant felicitatem. De
quo digladiantur in mundo? Digladiantur de crepundiis (Roboredo 1619: 72).
4.4.2. A Regência
LXXX
& rege Ablativo, quando lhe precede outra palavra, ou significa separação, ou
composição, como: Esta he a syntaxe da arte. Lãçaste hum pucaro de barro da
janela. Louvor, & vituperio podem star em Genitivo, & Ablativo: como, homem
de bem ingenho: de mao costume. E consiste na Preposição, A, que rege Dativo,
significando acquisição, & Accusativo significando movimento, & Ablativo
significando separação: como, Socorre ao pobre: quando fores aa Igreja. pedir a
Deus socorro. E consiste nos Verbos, que suspendem a orelha, que regem vario
Accusativo, como Moveo, Dico, &c. (…). A Distancia, Medida, & Tempo se usa
em Accusativo, & Ablativo. As mais Preposições regem Accusativo, ou Ablativo
(Ibidem: «Recopilaçam», 1).
e porque
quantos saõ os Verbos Pessoaes tantas saõ as Orações, cuja alma fica sendo o
Verbo. E se despois do Verbo se segue Accusativo he Oração perfeita, e funda-
mento das mais partes da Oração, que a ornaõ, e acrescentaõ: como, Tempus
adimit maestitiam. Opes conciliant in vidiam (Idem 1625: 91).
16
Cf. Brozas 1587: 45 r: “Nominativus a nulla parte regitur”.
17
Cf. Ibidem: 54 r.: “Vocativus non est secundae personae, (ut aiunt Grammatici)
sed res aliqua cum qua sermonem communicamus. Nam ut artifex perfecto opere, vocat
homines spectatum: sic qui composuit orationem auditorem vocat auditum. Unde non
potest hic casus regi, quia tota composita oratio ad vocativum dirigitur”.
LXXXI
Por isso, o primeiro caso a poder ser regido é o genitivo, quer na
língua portuguesa, quer nas clássicas, em particular, o Latim e o Grego.
Assim, como sintetizara na Recopilaçam,
todo o Genitivo Portugues he regido desta Preposição (…), a qual como tambem
rege Ablativo, resta advertir, que sómente rege Genitivo quando vai entre dous
Substantivos significando posse que o segundo faz sobre o primeiro (Idem
1625: 105).
Poucos saõ os Adjectivos, e Verbos que despois de si levaõ esta preposição, De,
com seu Genitivo, que o uso ensinará; como: O avarento de dinheiro não se lembra
dos pobres, nem de si: Avarus pecuniae non recordatur pauperum, nec sui. A estas
Orações He tempo de orar: não deixes de orar: responde a Latina assi: Tempus est
orandi; ne desinas orare (Ibidem).
LXXXII
Minerva, que “el genitivo nunca es regido por el verbo ni en griego ni
en latin” (Brozas 1981: 33), porque “el genitivo, que significa también
pasión, indica posesión. Por lo cual no pude unirse a los verbos”
(Ibidem). Esta tese vai ser largamente desenvolvida na 2.ª e definitiva
edição e aí afirma Francisco Sánchez que
Esta Preposição, A, rege Dativo, como se notará despois dos Adjectivos, e Verbos,
que significão dãno, ou proveito, e outros que o uso darà; como; He proveitoso
LXXXIII
ao rico soccorrer ao pobre: Est utile divitio pitulari pauperi. No que se mostra
que não responde a Latina a Preposição, e se encontrão as linguas mas con-
cordão intervindo, Eu, Tu, Se, Lhe, Lhes, como; he me util a oração, he te util
o jejum, he lhe util a esmola: Mihi utilis est oratio, tibi utile est jejuniü, illi utilis
est eleemosyna (Idem 1625: 106).
e então não lhe responde a Latina com letra algüa, & fica o seu Dativo de acqui-
sição: como, Pera os mininos sera isto mais facil, que pera os grandes sendo rudes:
Pueris erit hoc facilius, quam grandioribus obtusis (Idem 1619: 49).
Porem este Verbo regente, ou hé (sic) Activo Incerto, que passa sua actividade
sobre Accusativos incertos, & se não lhes assinamos algum delles, nos suspende
a orelha com a significação: ou he Activo certo, que passa sua actividade em
hum sô Accusativo, que dëtro em si encerra, ou a pàssa (sic) em algum destes
Accusativos Me, Te, Se, Nos, Vos, Se, os quaes por faceis de entender naõ he
necessario declaralos, nem suspende a orelha com sua significação (Ibidem: 50).
supposto de Infinitivo, que pede antes de si Accusativo: ut, Invenies meum erga
te amorem nescire ordinem: & ordinem nesciri ab amore meo. Doutra maneira
sempre o Accusativo depende de Preposição ou calada, ou expressa; como
acontece na distancia, medida, & tempo, se a pergunta se fezer, ou entender
per, Quandiu. Na qual distancia, medida, & tempo elegantemente se cala a
Preposição: ut sex ulnas eminet; tres passus distat: duas horas scripsi. Id est.
per, In (Ibidem: 74).
LXXXIV
Em Português, a preposição que preferencialmente rege acusativo
é «para» – Roboredo distingue-a de «pera», que, como vimos, rege
dativo –
& ordinariamente se ajunta a lugares, & cousas. A Latina lhe responde com Ad,
In, que algüas vezes cala, principalmente intervindo movimento para Cidades,
ou villas, ou lugares menores proprios: como Partio para Roma a dar conta do
governo: Profectus est ad Romam, vel, in Romam, vel Romam, ad rationem
reddendam de gubernatione. Algüas vezes rege Accusativo de pessoa: como, fugir
para Deus, antes que para os homës, he cousa segura: Ad Deum potius, quam ad
homines confugere, tutissimum est (Ibidem: 50).
Entre as Preposições, que regem Ablativo, ha estas mui repetidas na prattica Por-
tuguesa, na qual sempre se declara Com, antes do instrumento (sic); & na Latina
quasi sempre se cala: como, Screvo com a pena: Scribo calamo. Esta Preposição,
De, quando tem por Ablativo algum nome Proprio de lugar, sempre se declara
na Portuguesa; & mais vezes se cala na Latina a Preposição que lhe responde:
como, parti de Coimbra para Lisboa: profectus sum Conimbrica Ulyssipolim.
Esta Preposição, Em, se declara sempre na Portuguesa, & se cala mais vezes
na Latina, antes de nomes Proprios de lugares, & partes do animo, ou corpo:
como, em Roma stavas, quando eu em Lisboa: Romae eras, quando ego Ulyssipoli.
Não tinha lesaõ no entendimento: Non erat sibi mente laesio (Ibidem: 51).
regencias saõ (…) tres, que naturalmente succedem despois da palavra regente;
a qual ou he Substantivo (sic) que rege Genitivo, ou he Verbo activo que rege
LXXXV
Accusativo, ou he Preposição que rege Accusativo, ou Ablativo: a que se ajunta a
accommodação de Dativo, que não he propriamente Regencia. E não ha outros
regentes (Idem 1625: 89).
dativus nunquam regitur, nec in activa, nec in passiva: & ubique adquisi-
tionem significat. Nunquam est rei agentis (…). Nam dativus ultimum
finem significat (…). Sic dativus constructae, atque perfectae orationi per
modum acquisitionis supervenit. Nulla igitur erit oratio, cui per modum
acquisitionis dativus adiungi non possit (…). Intelligendum igitur nullam
esse orationem, aut verbum ullum, cui dativus non possit accommodari:
dum tamen hoc intelligatur aliud esse: Amo me: aliud Amo mihi. Aliud doceo
vos: aliud doceo vobis (Brozas 1587: 49 r.-49 v.).
as Orações das vozes activas dos Verbos, que dissêmos, que suspendião a orelha
com sua actividade (…) se fazem per tres rodeios na voz passiva (…). Os quaes
rodeios, ainda que não fazem dereito agente, como o da activa, supprem suas
partes. O primeiro he ajuntando Ablativo com Preposição, Abs, Ab, A, que signi-
ficão fazerse a cousa de parte do agente. O segundo menos usado, he ajuntando
Accusativo com a Preposição, Per. O terceiro he ajuntando Dativo de acquisição.
Como, Sempre approvarei os bõs costumes: Semper bonos mores approbabo.
O verbo irá buscar na voz passiva o mesmo tempo, que lhe responde: ut sem-
per boni mores approbabuntur a me: Per me boni mores semper approbabütur:
Sëper boni mihi mores approbabuntur: Semper boni a me mores approbandi sunt:
Semper erunt per me boni mores approbandi: Semper mihi boni approbandi mores:
Nunquam a me boni mores desinent approbati &c.. Mas as Orações que se fazem
pelo Mandativo da voz Activa se convertem pelos segundos presentes da Passiva:
como, Cole Deü patres, ac magistros: Deus, Pater, & Magistri a te colan-tur (sic)
(Roboredo 1619: 189).
LXXXVI
Efectivamente, para o Brocense,
de dativo quidem facile deijcientur: nã uno aut altero male intellecto testi-
monio nituntur. Cicero dixit: Neque senatui, neque populo, neque cuiquam
bono probatur. Sed deberent illi advertere saepe apud Ciceronem, & alios
reperiri in activa eundem dativum (…). Nec Servium consulunt, qui id Graece
dictum ostendit. Mihi tamen hic, & ubiq; dativus acquisitionem significat:
& quemadmodum dativus a nullo verbo regitur, ita cuivis orationi aptissime
iügetur (Ibidem: 121 r.-121 v.).
qui asserunt rem agentem in accusativo collocari cum Per, magis falluntur. Nã
quum Cicero dixit: Res agitur per eosdem creditores: nõ significavit creditores
agere rë, sed regis amicos agere rem per creditores, istorum error satis refellitur
ex innumeris testimoniis, ubi in voce activa, Per, adhibetur (Ibidem: 122 r.).
Si praepositio Per non significat rem agentem (ut facile demonstrari potest) nec
A, vel ab significabit. Nã Cicero interrogatus per Per, respondit per A (…). Si per
A, vel Ab, res agens significaretur, semper apponeretur, vel saltem suppleretur
ablativus cü praepositione: sed in multis suppleri non potest; non est igitur res
agens ablativus. Cice. pro lege Manil. In quo agitur populi Rom[ani] gloria, agitur
salus sociorum, aguntur certissima populi Rom[ani] vectigalia (…). Virg[ilius].
Tum vero in curas animum deducitur omnes. Huc adde illa: Linquor animo:
LXXXVII
consternor mentem: videris esse doctus: afficior pudore: & innumera eiusmodi.
Regula igitur artis nostrae Grammaticae vera est: Passivum verbum nihil praeter
suppositum desiderat (Ibidem: 122 r. -122 v.).
Verbum igitur passivum solo supposito contentum est. Cicer. lib. 15. Epist.
citat versiculum Naevij, Laetus sum laudari me, abs te pater laudato viro.
Sed attende quomodo distingat idem Cicero libr. 5. ad Luceium: Placet enim
Hector ille mihi Naevianus, qui nõ tantum laudari se laetatur: sed addit etiam,
a laudato viro. Item pro Milone. Factumne sit? at constat: a quo? at patet. Vides
particulas (a quo) separari a verbo passivo (…). Denique eodem prorsus manente
sensu activa oratio in passivam verti nõ potest (…). Quae dixi de verbis passivis
Latinis eadem de Graecis dicta esse velim. In omni enim idiomate passivum
solo supposito contentum est. Et quamvis vernaculae linguae careant omnino
passiva voce, dicimus tamen, corre se, anda se, acabo se la guerra, mejor se vive
en el campo que en la ciudad. ubi solo supposito, etiam sub intellecto perficitur
oratio (Ibidem: 129 r.-129 v.).
4.4.3. A Posição
LXXXVIII
Deste modo, um dos temas tratados por todos os gramáticos, entre
os quais naturalmente se inclui Roboredo, é a questão do erro, que é
tipificado em três variantes ou aspectos diferentes: o solecismo, o bar-
barismo e o uso impróprio das palavras e/ou das frases.
Com efeito, o solecismo
LXXXIX
Assim, para o gramático transmontano seiscentista, é necessário
respeitar a ordem natural de cada língua ou a
sua frase, particular, que guarda certo sitio de palavras. Porque não diremos em
bom Portugues; Eu mas uso dedos dous, os quaes escrevo: nem em Latim: Vero
ego utor de digitis duobus cum quibus scribo, sendo as palavras de cada lingua, e
estando concordadas, e regidas; senão diremos: Mas eu uso de dous dedos, com
os quaes escrevo: Ego vero duobus digitis utor, quibus scribo (Idem 1625: 88).
Rhetorico, como pretende enfeitar essa Oração, collôca as palavras no sitio, que
melhor armonîa faz aa orelha: & nesta armonîa consiste seu elegante ornamento,
hora alongando, hora abbreviando, hora levando as palavras fora de sua propria
significação (Ibidem).
põi o Rhetorico o Adjectivo primeiro, que o Sustantivo: & entre ambos põi
Genitivo regido do Sustantivo. Põi sempre o caso regido primeiro, que a pala-
vra regente. Converte algüas vezes o Genitivo em Adjectivo possessivo. Entre
o Adjectivo, & Sustantivo entremette algüa palavra, ou palavras. O Adverbio,
XC
& Preposição com seu caso põi no lugar, que melhor armonia (sic) faz; mas
principalmente antes do Verbo & Adjectivo. Exemplo.
Grammatico. Virtus occupavit animam sanctissimam.
Rhetorico. Sanctissimam animam virtus occupavit.
Grammatico. Virtus occupavit animam sanctissimam Virginis.
Rhetorico. Sanctissimam Virginis animam virtus occupavit.
Virgineam quidem animam virtus Santissime occupavit.
Sanctissimam profecto Virginis animam virtus occupavit.
Illam Virginis animam longe ante omnes sanctissimam virtus occu-
pavit egregia.
Qua de re Doctores quam plurimi omni literaturae genere ornatissimi
dicendi finem nunquam imponent (Ibidem: 203-204).
18
Ibidem: 59 r.: “Plura adiectiva uni substantivo eleganter iungi”.
XCI
Este capítulo é o único em que o salmantino se refere especificamente
à construção «elegante» e à ligação dos substantivos com os adjectivos,
não se referindo à ordem ou posição das palavras na frase, nem na
perspectiva «normal» nem na do «rétor».
Todavia, para Roboredo, não há uma preferência específica por
uma das ordens, isto é, pela ordem gramatical ou pela retórico-esti-
lística. Com efeito, Roboredo defende que não se deve usar apenas a
ordem do «grammatico», que é a mais normal, mas ir juntando pro-
gressivamente a do «Rhetorico», “entersachando esta com aquella”
(Roboredo 1619: 204) e imitando os bons autores clássicos, porque a
variedade sintáctica desenvolve o gosto e “deleita a orelha, como na
Musica com altos, & baixos” (Ibidem).
Roboredo, por outro lado, nada especifica sobre a ordem «retó-
rica» e «gramatical» portuguesa, mas, a partir das três regras latinas e
da tradução parafrástica da última centúria da Porta de Linguas (Idem
1623: 307-309), podemos deduzir que, em ambos os casos, primeiro deve
vir o regente, depois a preposição e, por último, o regido; primeiro o
nominativo, depois o verbo e, por fim, o acusativo; o substantivo deve
preceder, por regra, o adjectivo; a preposição, o substantivo regido;
o advérbio deve ser colocado depois do verbo, etc.. Vejamos apenas
uma passagem demonstrativa:
XCII
(a publico, de palavras, de ninguem, em prosa, contra os murmuradores,
etc.), a conjunção vem depois dos verbos (me pareceo que, vendo como)
ou no início da oração (se confiado, como a criança), o adjectivo pode
antepor-se ao substantivo (alta atalaia), etc..
5. Conclusão
XCIII
traduções. Deste modo, esses aspectos culturais, literários e artísticos
seriam adquiridos, também de forma indutiva, isto é, sempre a partir
dos textos e das situações linguísticas concretas veiculadas pelos textos
dos autores nativos dessas línguas.
Ao nível dos conteúdos linguísticos, Roboredo tenta estabelecer
uma ligação entre as perspectivas mais tradicionalistas, que vinham
desde os primeiros gramáticos gregos, e as mais inovadoras, represen-
tadas em especial por Francisco Sánchez de las Brozas, cuja formação
inicial havia sido adquirida entre os portugueses, mas da qual rapida-
mente se haveria de distanciar.
Relativamente ao Português, apesar de não apresentar uma referên-
cia objectiva, parece-nos que, em certos aspectos, é influenciado quer
por Fernão de Oliveira, quer por João de Barros, especialmente na defesa
da língua materna, na quantificação das conjugações e em considerar
que a língua portuguesa tinha declinações, com seis casos, os mesmos
que em Latim (e o Grego, como o Brocense), embora com terminações
idênticas em todos eles, excepto nos pronomes pessoais, que, de facto,
tinham formas completamente diferentes umas das outras. Pensamos
que a manutenção, por Roboredo, das declinações em Português se
deve a dois factores fundamentais: o primeiro é esse comportamento
diferenciado dos pronomes, que obrigou, inclusivamente, os autores da
Grammaire Générale et Raisonnée a considerar também a existência de
declinações em Francês, depois de as terem negado; e o outro é o facto
de, segundo o próprio e o Brocense, os casos serem comuns / universais
a todas as línguas.
Por outro lado, um dos objectivos de Roboredo era formalizar uma
gramática que tivesse os princípios gerais a todas as línguas, cuja meta-
língua seria o Português, seguindo a linha aristotélica dos universais
e, principalmente, a perspectiva linguística de Francisco Sánchez de
las Brozas, especialmente no respeitante à elipse, antecipando-se algu-
mas décadas aos monges de Port-Royal, com a Grammaire Générale et
Raisonnée, cuja primeira edição data de 1660.
Pudemos, efectivamente, constatar na obra de Roboredo várias
passagens que nos remetem para o conceito de universais linguísticos,
quando afirmava, por exemplo, que “muitos delles [preceitos] são
universaes” (Idem 1619: b 4 r.), uma vez que “oportet principia semper
XCIV
manere” (Ibidem), mesmo naquelas línguas que o transmontano (ainda)
não conhecia. Em síntese, na Grammatica Latina Roboredo (re-)afirma
que as “cousas universaes (…) saõ representadas nas regras” (Idem 1625:
«Prologo» § 1 v.). O primeiro factor que «provoca» essa universalidade
é o facto de uma gramática ser racional e, por isso, depender sempre
da razão e das capacidades intelectivas humanas. O segundo é o facto
de alguns conceitos serem comuns a “muitas [linguas], ou a todas”
(Lieb 1978: 177-178). Entre esses universais, contam-se as partes da
oração, que, para Roboredo, são apenas cinco – nome, verbo, advér-
bio, preposição e conjunção –, e os seis casos – nominativo, genitivo,
dativo, acusativo, vocativo e ablativo –, que, em algumas línguas, têm
as mesmas terminações, isto é, “as ultimas syllabas dos casos em cada
numero saõ semelhantes” (Roboredo 1619: 65-66), em particular nas
vulgares e na língua hebraica. Todavia, considera a sua existência em
todas elas, porque são “naturalmente necessarios para declarar os varios
conceitos do animo” (Ibidem).
Também observámos, na obra de Amaro de Roboredo, conceitos
que viriam a ser fundamentais na linguística contemporânea, em
especial no estruturalismo gerativista transformacional de Chomsky,
em particular aquilo que se viria a denominar deep-structure, surface-
structure e kernel sentences. Com efeito, para o gramático seiscentista
transmontano, uma frase prototípica ou «oração perfeita» (proposição
nuclear) é sempre constituída por um sujeito (nominativo), um verbo
e um objecto (acusativo), mas nem sempre assim acontece na reali-
dade, isto é, nas manifestações concretas de uma dada língua, já que
“a Frase (…) he hüa das propriedades de cada lingua” (Ibidem: c 1 r.)
e “hum particular modo de fallar de cada lingua segundo a pronun-
ciação, & ajuntamento de palavras per collocação dellas” (Ibidem: 182)
(estrutura de superfície). O que provoca essa idiossincrasia frásica,
para além das peculiaridades de cada língua, é o papel que a elipse
desempenha, “que he tam ordinaria nas linguas que não podemos fallar
polidamente sem ella” (Idem: 1625: 98).
Efectivamente, muitas vezes, há uma elisão, por exemplo, do
nominativo, quer por estar subentendido na forma verbal, se estiver nas
primeiras e segundas pessoas, quer por estar na “significação, acção de
algüs verbos” (Idem 1619: 184), como no caso daqueles que são con-
XCV
siderados impessoais pelos “grammatistas” (Idem 1619: 184). Noutras
ocorrências linguísticas, muitas vezes concomitantemente com a elipse
do nominativo, há um desaparecimento do acusativo, que pode estar
subentendido no significado do verbo (acusativo interno) e, por razões
estéticas (pleonasmo), não se deve mencionar. No entanto, “quem dese-
jar provas das figuras Ellipses desfeitas as achará em linacro, Francisco
Sanchez, e na arte de Nebrissense reformada” (Idem 1625: «Prologo»,
§ 4 v.) porque, como se disse, as suas obras se destinam aos “minino[s]”
(Ibidem) e não à análise de todas as ocorrências linguísticas. De qualquer
modo, no Methodo Grammatical há uma panóplia bastante extensa das
elipses mais representativas.
A elipse, de facto, quer no Algosense quer no Brocense, desempe-
nha um papel linguisticamente importante: deixa de ser uma figura de
retórica ou estilística e passa a ser uma peça fulcral no procedimento
gramatical e linguístico normal; desempenha uma função próxima da
regra transformacional de apagamento dos gerativistas transforma-
cionais e/ou da máxima conversacional da quantidade de Paul Grice.
Em síntese, parece legítimo concluir-se que, em muitos aspectos,
Amaro de Roboredo foi um precursor da Gramática Geral de Port-Royal
e, em consequência, do Gerativismo Transformacional de Chomsky e
analisou muitos aspectos que vieram a ser determinantes na linguística
contemporânea. A proposta, por Roboredo, de criação de princípios
comuns a todas as línguas, a gramática universal, deve entender-se
como um dos contributos mais acentuados da gramatologia portuguesa
para a gramática que surge quarenta e um anos depois, a gramática de
Port-Royal, e para a desenvolvida, na segunda metade do século XX,
por Noam Chomsky.
Amaro de Roboredo deu o seu contributo regional para aquelas
gramáticas que vieram a ser determinantes para a criação da ciência
da linguagem: a Linguística.
XCVI
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(I
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Bernardo Fernandes Gayo.
Carlos Assunção
Gonçalo Fernandes
CII