Pensar Nago - Muniz Sodré
Pensar Nago - Muniz Sodré
Pensar Nago - Muniz Sodré
artigo, mas sem separar por títulos, subtítulos ou tópicos, apenas texto corrido, juntando
todos os trechos que enviei, os conectando, fazendo paralelos, mas mantendo apenas o
ponto de vista do autor, sem expressar opinião. Pegue algumas citações do autor para
reforçar o argumento.
Prólogo
A busca por uma identidade cultural e espiritual tem sido uma constante na história da
humanidade. No contexto da Ásia Menor e da Grande Grécia italiana, surge uma nostalgia
que busca encontrar vida por meio de uma vontade cristã de espiritualidade e destino. No
entanto, essa busca é permeada por uma interpretação enviesada, que busca estabelecer um
domínio intelectual correspondente ao poder de colonização europeu e ao poder teológico de
conversão ao cristianismo.
Nesse sentido, é importante destacar a construção eurocêntrica que traça fronteiras
para a produção filosófica, limitando-a ao âmbito ocidental. Gianni Vattimo, por exemplo,
associa a vocação filosófica à polis, reforçando a ideia de uma narrativa destinada a
consolidar a pretensão de domínio imperial da Europa sobre o resto do mundo. Essa
perspectiva eurocêntrica busca estabelecer uma suposta superioridade cultural e civilizatória.
No entanto, é necessário questionar essa visão hegemônica e reconhecer a diversidade
de pensamento e conhecimento existente em outras culturas. O saber ético e cosmológico dos
africanos, por exemplo, foi silenciado e submetido ao colonialismo ocidental, sendo privado
de sua voz e valor. No entanto, vozes estrangeiras têm apontado para a existência de um
pensamento além da condição de objeto científico, evidenciando a existência de um
pensamento especulativo que se completa em si mesmo.
A filosofia nagô, por exemplo, traz consigo uma universalidade filosófica que
especula sobre o melhor e o bem para uma determinada forma de vida. Essa perspectiva não
busca impor um padrão único de realização, mas sim reconhecer a universalidade presente em
todas as ações e inações, na essência do ser ou não ser. Nesse sentido, a filosofia nagô se
destaca por sua unidade temática, abordando aspectos éticos, políticos, ontológicos e
cosmológicos.
É importante ressaltar que a filosofia africana e outras formas de conhecimento
submetidas ao colonialismo não devem ser entendidas como meras traduções narcísicas do
pensamento ocidental, mas sim como um desafio para que as diferenças se determinem
mutuamente no processo e no encontro. A comunicação transcultural se torna fundamental
nesse contexto, permitindo a compreensão mútua e a abertura para novos termos de
existência.
No entanto, é necessário reconhecer que a busca pela liberdade e emancipação não
pode se restringir apenas à reflexão filosófica, ética ou meditação. É preciso lutar por
igualdade e liberdade no âmbito político, buscando uma mudança social que vá além das
estruturas de poder econômico e político. A diversidade e a luta contra as desigualdades
devem ser valorizadas, permitindo formas diversas e moleculares de soberania individual e
coletiva.
Em suma, a interpelação filosófica presente nos trechos selecionados nos convida a
questionar a visão eurocêntrica dominante e reconhecer a diversidade de pensamento e
conhecimento existente em outras culturas. A filosofia nagô, por exemplo, nos mostra a
importância de uma universalidade filosófica que especula sobre o melhor e o bem para uma
determinada forma de vida. A comunicação transcultural se torna fundamental para a
compreensão mútua e a abertura para novos termos de existência, enquanto a luta por
igualdade e liberdade deve ir além das reflexões filosóficas, buscando uma mudança social
efetiva.
O autor nos conduz a uma análise profunda sobre a natureza da filosofia e sua
complexa relação com o conhecimento e o pensamento humano. Inicia-se questionando a
ideia de um "pensamento sutil" presente na filosofia nagô, o que nos leva a ponderar sobre o
conhecimento subjacente a essa sutileza. Essa reflexão nos leva a uma comparação com o
pensamento filosófico ocidental e suas diferentes concepções de sabedoria e racionalidade.
A questão central que emerge é a possibilidade de existência de um sistema de
pensamento equiparável à filosofia ocidental em culturas e tradições diversas. A incerteza
reside na capacidade de enunciar verdades a partir dessa coerência antropológica, o que nos
remete à discussão sobre as várias esferas do conhecimento, como a revelação, a experiência e
a lógica. O raciocínio lógico dedutivo é explorado, realçando a necessidade de axiomas como
ponto de partida para a dedução, e isso nos remete à construção de sistemas de conhecimento.
Ao abordar a história do pensamento filosófico, o autor destaca a distinção entre mito
e racionalidade, mas também considera interpretações alternativas que desafiam essa
separação. A busca por sistematicidade na filosofia é ressaltada, destacando a complexa
relação entre lógica, racionalidade e sistemas de conhecimento.
O texto enfatiza a arbitrariedade na definição do que é considerado filosofia e quem é
classificado como filósofo, sublinhando que essa categorização depende das questões
abordadas e do contexto cultural. A variedade de formas de exercício da filosofia é
reconhecida, e a autoctonia na criação do que os gregos chamaram de "filosofia" é mantida,
sem descartar a possibilidade de surgimento de outras formas autóctones de reflexão sobre a
condição humana em diferentes tradições.
O autor ressalta a complexidade inerente à filosofia como disciplina, enfatizando seu
papel na exploração de questões fundamentais relacionadas ao conhecimento e à existência. A
pluralidade de perspectivas filosóficas e a diversidade de abordagens para a busca de
respostas continuam a desafiar a definição e o alcance da filosofia. Citando Nietzsche,
podemos concluir que "todos os sistemas filosóficos estão ultrapassados", e essa constatação
nos incentiva a manter uma atitude aberta e flexível em relação à busca do conhecimento
filosófico e ao reconhecimento de suas várias manifestações ao redor do mundo.
O autor deste conjunto de reflexões nos conduz por uma jornada que explora
profundamente a natureza da filosofia e sua relação complexa com o conhecimento e o
pensamento humano. Ele começa questionando a ideia de um "pensamento sutil" presente na
filosofia nagô, o que nos leva a ponderar sobre o conhecimento subjacente a essa sutileza.
Essa reflexão nos leva a uma comparação com o pensamento filosófico ocidental e suas
diferentes concepções de sabedoria e racionalidade.
A relação entre a música, alacridade e filosofia é uma interseção rica que merece ser
explorada. Começamos com a ideia de alacridade, definida como uma profunda alegria que
transcende as vicissitudes humanas, algo que está profundamente enraizado na experiência
musical, especialmente no contexto do jazz e outras formas musicais diaspóricas.
A música, em sua essência, é uma forma de comunicação que ultrapassa as barreiras
da linguagem verbal. Ela não se limita a representar ou imitar a realidade, mas cria sua
própria realidade sensorial e emocional. Quando a música evoca alacridade, isso não se traduz
simplesmente como uma aprovação do real; é uma celebração profunda da vida e da
liberdade. Como afirmado por Clement Rosset, "A música não imita, esgota a sua realidade só
em sua produção".
A relação entre alacridade na música e a filosofia oriental, particularmente a visão
hindu da liberdade e do sofrimento, é notável. A filosofia hindu busca a liberdade absoluta,
moksha, uma liberação do ciclo de nascimentos e mortes, samsara. No entanto, a alacridade
na música sugere que essa liberdade pode ser experimentada dentro da própria condição
humana. Isso contrasta com a visão budista, que considera a liberdade inatingível na realidade
humana e busca a cessação do sofrimento.
É interessante notar que a alacridade na música também encontra paralelos com a
chamada "sabedoria alciônica" de Nietzsche, que compartilha uma perspectiva similar. Essa
sabedoria não nega a dor e o sofrimento, mas os transcende. Ela não se prende às objeções da
vida, mas celebra a vida e a alegria, mesmo diante das adversidades. Como Nietzsche
observa, "Nós não levamos a doença, a infelicidade, a velhice, a morte, suficientemente a
sério para acreditar nas objeções contra a vida".
A música, particularmente no jazz e em outras formas musicais diaspóricas, oferece
uma experiência única de alacridade que encontra ressonância nas filosofias orientais e na
filosofia de Nietzsche. Ela nos lembra que a alegria profunda e a celebração da vida podem
ser encontradas mesmo em meio à complexidade e desafios da existência humana. Como
Walter Mosley coloca em sua narrativa, "Descobri que viver é como música. Cada passo,
sempre com a mesma extensão. Cada um sempre demorando o mesmo tempo para a gente
dar".
Em resumo, a alacridade na música é uma celebração da vida e da liberdade que
transcende as dificuldades humanas. Ela encontra afinidades com a filosofia oriental, que
busca a liberdade absoluta, e com a "sabedoria alciônica" de Nietzsche, que não nega a dor,
mas a transcende com uma afirmação radical da vida. A música nos recorda que a alegria
pode ser encontrada mesmo em meio às complexidades da existência humana. Como
declarado por Deleuze, "A música exaure sua realidade só em sua produção".
A alacridade, ou alegria, é um tema central nas reflexões do autor, que explora sua
natureza fundamental na existência Nagô e sua relação com a religiosidade afro-brasileira.
Nesse contexto, ele estabelece um contraste interessante com o amor universal cristão,
destacando que a alacridade Nagô é antitética a essa concepção cristã de amor abstrato e
universal.
No cristianismo, o amor é direcionado a Deus de maneira abstrata, desvinculando-se
de objetos individuais de amor. Esse amor cristão é descrito por Hanna Arendt como uma
forma de amar não as pessoas individualmente, mas como motivos para o amor. O autor
ressalta que a alacridade, ao contrário, não é incompatível com o amor de si mesmo, sendo
uma tração da consciência na direção dos objetos que se integram harmonicamente com o
indivíduo e o grupo que lhe é constitutivo. Essa concepção é ilustrada pela ideia de que a
alegria é uma alavanca, uma força motriz que transcende o mero desejo de ser feliz.
O autor explora a alacridade como uma potência ativa na experiência Nagô,
contrastando-a com a concepção cristã do amor abstrato. Ele destaca que a alacridade não é
um afeto circunstancial, mas uma potência duradoura que permeia a existência Nagô. Além
disso, ele diferencia as paixões, como o amor e o ódio, das emoções e sensações
circunstanciais, como a alegria e a cólera. Essas paixões são consideradas constitutivas da
experiência humana, refletindo a pregnância da concepção cristã no pensamento ocidental.
A alacridade é apresentada como algo que não é uma experiência no sentido
tradicional de contato espontâneo com o inesperado, mas como um evento da
"espontaneidade" que está análogo à liberdade política, entendida de forma positiva. Essa
visão não coloca um sujeito da alegria, mas enfatiza a alegria como uma regência, algo que
possibilita experiências e sujeitos. O sofrimento também pode ser integrado nessa regência,
desde que haja a aceitação da vida em sua totalidade, o que pode ser entendido como um
sentido trágico do sofrimento.
O autor explora a importância da alacridade na prática litúrgica da Arkhé negra,
destacando que a alegria é o princípio ético que orienta essa prática. A alacridade não é uma
busca pela felicidade baseada em desejos internos, mas sim um arrebatamento que
corresponde a uma pulsão. Ela está intrinsecamente ligada à ação e à comunicação,
demonstrando a sua natureza ativa e social.
A relação entre a alacridade e a religião afro-brasileira é aprofundada, com o autor
explicando como os ritos de renovação do axé estão intimamente associados à experiência da
alegria. As "grandes mães" são apresentadas como figuras essenciais na transmissão dos
valores comunitários e do axé necessário para a continuidade da existência física.
Por fim, o autor ressalta a expansão da alacridade na direção da heterogeneidade das
sensações e da potência dos corpos, associando essa expansão à imagem do pássaro e do
peixe. Essas figuras simbolizam a liberdade e a capacidade de ultrapassar limites, o que é
central na religião africana. A alegria é, portanto, uma força que promove a expansão do axé e
a proteção da unidade do corpo coletivo. É uma manifestação da corporeidade consciente e da
síntese conectiva dos sujeitos-suportes da Arkhé.
Em resumo, o autor explora a natureza fundamental da alacridade na existência Nagô
e sua relação com a religiosidade afro-brasileira, destacando a diferença em relação ao amor
universal cristão e enfatizando a alegria como um princípio ético que permeia a prática
litúrgica da Arkhé negra. A alegria é apresentada como uma potência ativa, enraizada na ação
e na comunicação, que transcende a busca pela felicidade baseada em desejos internos. Ela
desempenha um papel crucial na expansão do axé e na proteção da unidade do corpo coletivo,
simbolizada pelas figuras do pássaro e do peixe. Essa visão da alacridade oferece uma
perspectiva rica e complexa sobre a existência Nagô e sua relação com o sagrado.
O provérbio/aforismo que evoca Exu, uma figura da mitologia africana, serve como
ponto de partida para uma reflexão profunda sobre simbolismo, a condição humana e a
relação entre o sagrado e o erótico. O autor do texto explora as diversas facetas do
pensamento nagô, indo além da interpretação puramente ética ou política desse provérbio.
Inicialmente, o autor sugere que provérbios, aforismos e máximas frequentemente
contêm regras morais e, muitas vezes, são fundamentais em sistemas de crenças místicas. O
provérbio sobre Exu é interpretado como um axioma moral que valoriza o passado,
contrapondo a ideia ocidental de progresso baseada na lei de causa e efeito. Isso leva à
valorização do vigor de fundação do grupo.
A abordagem da mitologia africana, particularmente na cultura nagô, geralmente tem
conotações éticas e religiosas. A tradição negra busca oferecer uma cosmovisão alternativa da
condição dos escravos e seus descendentes na sociedade brasileira. Essa perspectiva, segundo
o autor, é frequentemente subestimada ou ignorada pela etnologia convencional.
O texto argumenta que a política, não no sentido de políticas de Estado, mas como a
prática de organização da reciprocidade entre seres diferentes em comunidade, desempenha
um papel essencial na vida dos descendentes de africanos. Essa política comunitária se
manifesta na mobilização de recursos para consolidar alianças internas e se aproximar da
sociedade global hegemônica.
O autor destaca um agir político singular na transmissão do patrimônio da liturgia
negra, que envolve a luta para estabelecer e fazer aceitar uma realidade interpretada e
traduzida. Essa realidade envolve obrigações e valores éticos, que são fundamentais e sujeitos
a transformações ao longo do tempo e do espaço.
No entanto, o autor propõe uma suspensão estratégica da interpretação ética e política
do provérbio sobre Exu. Isso ocorre porque o provérbio provém de uma comunidade que se
define originalmente pela comunhão e pela ligação humana e divina, antes de qualquer noção
de comunidade política. O autor também sugere que, em vez de abordar o provérbio de forma
estritamente literária, ele pode ser considerado um aforismo. Esse aforismo não é um fato
filosófico, mas sim um fato de conhecimento que faz parte de uma comunidade interpretativa.
A partir desse ponto, o texto mergulha profundamente na ontologia de Exu,
destacando a importância da entidade na religião nagô. Exu é visto como o princípio dinâmico
do sistema simbólico, relacionando-se com todas as entidades, desde os orixás até os seres
vivos e mortos. Sua natureza é explicada como uma junção de elementos cósmicos e
ontológicos.
A análise do autor revela que Exu é um símbolo que pressupõe uma divisão originária,
assim como a moeda com duas partes. Essa divisão é parte integrante da condição humana e é
logogenética, ou seja, pertence à história humana. Exu simboliza a partilha entre o princípio
masculino e feminino, presente em todas as espécies, e está intrinsecamente ligado à atividade
reprodutiva.
O texto também explora a conexão entre o sagrado e o erótico na figura de Exu. O
autor argumenta que o erotismo vai além da sexualidade reprodutiva, representando um
questionamento da vida interior autônoma e uma maneira de transcender as limitações da
realidade corpórea. O erotismo é uma busca pela continuidade entre ancestralidade e
descendência, transcendendo a identidade individual.
Por fim, o autor destaca que o erótico não pode ser atribuído de forma genitiva a um
sujeito, pois é um processo de busca da continuidade entre gerações e uma maneira de
transcender a separação entre dentro e fora. O texto apresenta uma visão abrangente das
complexas relações entre símbolo, mitologia e a condição humana, tudo isso ilustrado pela
figura multifacetada de Exu.
4 As astúcias da crença
O texto em questão aborda uma interseção complexa entre etnia, liturgia e povo,
especialmente no contexto das manifestações religiosas de origem africana no Brasil. O autor
explora como essa conexão se desenvolve, ressaltando a importância dos terreiros de
candomblé como locais de prática litúrgica. Os terreiros, popularmente conhecidos como
egbé, tornam-se uma metáfora espacial da geografia mitológica da África, sendo flexíveis em
termos de localização, transpondo limites físicos e alcançando a sociedade global.
Um aspecto crucial abordado é a organização de poder na liturgia, que se diferencia da
democracia ocidental. O autor destaca que a liturgia enfatiza o povo como unidade, enquanto
a democracia se concentra na diferença. Essa distinção é fundamental para compreender como
as práticas litúrgicas das religiões de origem africana se desenvolvem em contraposição à
modernidade ocidental, que prioriza a democracia e a diferença.
O texto também faz uma análise histórica, destacando como a expansão colonial
implicou na rejeição visceral de outras etnias. O grupo humano invasor e dominante,
impregnado do espírito ocidentalista, forçou a transformação de territórios estatais em
territórios étnicos, presumivelmente capazes de absorver outras configurações espaciais e
históricas. Essa rejeição de outras etnias resultou em expurgos e incêndios que apagaram
muitas histórias civilizatórias e étnicas.
É importante notar a continuidade da Arkhé africana no Brasil, onde uma narrativa
própria se desenvolveu. Nessa narrativa, a organização litúrgica matricial desempenhou um
papel significativo na popularização dos cultos de origem africana. Inicialmente, essa
aglutinação litúrgica era elitista, envolvendo altos dignitários e sacerdotes dos cultos aos
orixás, que chegaram ao Brasil como escravos. No entanto, à medida que as insurreições não
prosperaram e as elites negras se viram à margem do reconhecimento pela democracia
hegemônica, essas práticas litúrgicas se tornaram uma forma de afirmação étnica.
O texto explora a diferença entre religiosidade e religião, argumentando que a
religiosidade é uma estratégia existencial que inclui práticas mágicas e estratégias de
liberação social. A palavra "religião" tem raízes romanas e frequentemente envolve a
subordinação de diferentes crenças. Em contraste, a religiosidade se adapta a diversas
variáveis, abrangendo uma ampla gama de práticas e estratégias.
O autor também enfatiza a visão cosmológica nos cultos afro-brasileiros, destacando a
relação entre o homem e sua "divindade" como uma contraposição de potências em um plano
discursivo. O "divino" não é uma entidade transcendente, como nas religiões universais, mas
uma perspectiva existencial que mostra ao homem seus limites.
Por fim, o texto ressalta a importância da arquetipia africana, que pode se irradiar para
outros territórios, devido à convergência de realidades socioeconômicas e tradições culturais.
Essa arquetipia enfatiza a experiência do sagrado em sua radicalidade, reconhecendo a
existência no presente, as relações interpessoais, a experiência simbólica do mundo e a alegria
diante da realidade.
No geral, o texto oferece uma análise profunda da interconexão entre etnia, liturgia e
povo, destacando a importância das manifestações religiosas de origem africana no Brasil e
sua relação com a modernidade ocidental, enquanto também ressalta a continuidade da Arkhé
africana e a riqueza da religiosidade afro-brasileira como estratégia existencial..
5 Indeterminação e narrativa
Este ensaio, fundamentado na obra magistral de Muniz Sodré, "Pensar Nagô" (2017),
elabora uma análise densa e perspicaz acerca dos complexos elementos que compõem a
interseção entre etnia, liturgia e povo, bem como as interligações entre crença, saber e cultura,
e, por fim, explora as nuances da narrativa como uma poderosa forma de comunicação e
transmissão de conhecimento em diversas contextos culturais. Esta obra de Muniz Sodré é um
marco na discussão contemporânea sobre a cultura afro-brasileira e suas implicações,
desvelando aspectos essenciais de sua riqueza e complexidade.
Considerações finais
A obra "Pensar Nagô" de Muniz Sodré, além de sua profunda reflexão sobre as
questões étnicas e culturais, também se destaca por sua contribuição fundamental para o
entendimento das raízes e da pluralidade da cultura afro-brasileira. Com sua análise perspicaz
e erudição, Sodré enriquece o diálogo acadêmico sobre esses temas e promove um maior
apreço pela riqueza das tradições culturais afro-brasileiras. A obra oferece uma visão
profunda e sensível das complexas interações entre etnia, liturgia, crença e narrativa, lançando
luz sobre aspectos muitas vezes subestimados da cultura brasileira.
Começamos nossa jornada discutindo a evolução das perspectivas sobre a
comunicação, reconhecendo que a comunicação não se limita à simples transmissão de
mensagens e palavras, mas abrange interações, cultura e experiência comunitária. Essa
perspectiva ampla revela que a comunicação é um fenômeno complexo, moldado não apenas
por tecnologia e sociedade, mas também por mudanças nas relações entre humanidade,
natureza e cidade.
Em seguida, explora-se a interseção complexa entre etnia, liturgia e povo no contexto
das manifestações religiosas de origem africana no Brasil. Este trecho destaca como as
práticas litúrgicas, como aquelas realizadas nos terreiros de candomblé, desempenham papéis
importantes na afirmação étnica e na transmissão de conhecimento em oposição à
modernidade ocidental, que prioriza a democracia e a diferença. Isso ilustra como a cultura e a
crença estão intrinsecamente ligadas, moldando as identidades culturais e transmitindo
conhecimento ao longo das gerações.
Sodré examina a relação entre crença, conhecimento, cultura e obrigação, explorando
as visões de Simone Weil, etnografia nagô e filósofos contemporâneos como Žižek e Vattimo.
Essa parte do texto destaca como a crença é moldada pela cultura e pela obrigação coletiva,
transcendendo a fé individual. Isso implica que a compreensão da crença vai além das
convicções pessoais, refletindo uma complexa rede de interações sociais e culturais.
No trecho subsequente, mergulha na discussão sobre a narrativa como uma forma
fundamental de comunicação e transmissão de conhecimento. Destacamos as visões de
Schopenhauer e Walter Benjamin sobre a narrativa como uma maneira de preencher lacunas
na compreensão do mundo, especialmente quando se trata do contingente e do inexplicável. A
narrativa é vista como uma forma de compartilhar experiências e valores dentro de uma
comunidade, uma expressão total do corpo e dos sentidos, permitindo a transmissão de
conhecimento e a atribuição de sentido à experiência humana.
Finalmente, reunindo esses elementos, nosso argumento central é que crença, cultura,
narrativa e comunicação são intrinsecamente interligados e desempenham papéis
fundamentais na construção da identidade, na transmissão de conhecimento e na atribuição de
sentido às experiências humanas. Esta interconexão fortalece nosso entendimento da
complexidade da condição humana, oferecendo uma perspectiva mais rica e holística sobre
como os seres humanos se relacionam, comunicam e constroem significados.
Este texto contribui socialmente ao aprofundar o entendimento sobre a cultura
afro-brasileira, desafiando preconceitos e estereótipos, e promovendo a valorização das
tradições culturais desse grupo étnico. Além disso, ao explorar as complexas relações entre
crença, saber e cultura, e ao destacar a importância da narrativa como forma de comunicação,
o texto ressalta a relevância da diversidade cultural e do diálogo intercultural na sociedade
contemporânea. Muniz Sodré, por meio de "Pensar Nagô", proporciona uma perspectiva
essencial para a compreensão da cultura afro-brasileira e, por extensão, da sociedade
brasileira como um todo.
Em conclusão, a obra de Muniz Sodré é um tributo à riqueza e diversidade da cultura
afro-brasileira, bem como uma chamada à reflexão profunda sobre questões de etnia, liturgia,
crença, saber e narrativa. Sua contribuição para o discurso acadêmico e para a sociedade
como um todo é inestimável, destacando a necessidade de celebrar e preservar as ricas
tradições culturais que moldaram o Brasil.