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Pensar Nago - Muniz Sodré

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Prompt: Faça um único texto dissertativo bem completo, como se fosse um espécie de

artigo, mas sem separar por títulos, subtítulos ou tópicos, apenas texto corrido, juntando
todos os trechos que enviei, os conectando, fazendo paralelos, mas mantendo apenas o
ponto de vista do autor, sem expressar opinião. Pegue algumas citações do autor para
reforçar o argumento.

Prólogo

A busca por uma identidade cultural e espiritual tem sido uma constante na história da
humanidade. No contexto da Ásia Menor e da Grande Grécia italiana, surge uma nostalgia
que busca encontrar vida por meio de uma vontade cristã de espiritualidade e destino. No
entanto, essa busca é permeada por uma interpretação enviesada, que busca estabelecer um
domínio intelectual correspondente ao poder de colonização europeu e ao poder teológico de
conversão ao cristianismo.
Nesse sentido, é importante destacar a construção eurocêntrica que traça fronteiras
para a produção filosófica, limitando-a ao âmbito ocidental. Gianni Vattimo, por exemplo,
associa a vocação filosófica à polis, reforçando a ideia de uma narrativa destinada a
consolidar a pretensão de domínio imperial da Europa sobre o resto do mundo. Essa
perspectiva eurocêntrica busca estabelecer uma suposta superioridade cultural e civilizatória.
No entanto, é necessário questionar essa visão hegemônica e reconhecer a diversidade
de pensamento e conhecimento existente em outras culturas. O saber ético e cosmológico dos
africanos, por exemplo, foi silenciado e submetido ao colonialismo ocidental, sendo privado
de sua voz e valor. No entanto, vozes estrangeiras têm apontado para a existência de um
pensamento além da condição de objeto científico, evidenciando a existência de um
pensamento especulativo que se completa em si mesmo.
A filosofia nagô, por exemplo, traz consigo uma universalidade filosófica que
especula sobre o melhor e o bem para uma determinada forma de vida. Essa perspectiva não
busca impor um padrão único de realização, mas sim reconhecer a universalidade presente em
todas as ações e inações, na essência do ser ou não ser. Nesse sentido, a filosofia nagô se
destaca por sua unidade temática, abordando aspectos éticos, políticos, ontológicos e
cosmológicos.
É importante ressaltar que a filosofia africana e outras formas de conhecimento
submetidas ao colonialismo não devem ser entendidas como meras traduções narcísicas do
pensamento ocidental, mas sim como um desafio para que as diferenças se determinem
mutuamente no processo e no encontro. A comunicação transcultural se torna fundamental
nesse contexto, permitindo a compreensão mútua e a abertura para novos termos de
existência.
No entanto, é necessário reconhecer que a busca pela liberdade e emancipação não
pode se restringir apenas à reflexão filosófica, ética ou meditação. É preciso lutar por
igualdade e liberdade no âmbito político, buscando uma mudança social que vá além das
estruturas de poder econômico e político. A diversidade e a luta contra as desigualdades
devem ser valorizadas, permitindo formas diversas e moleculares de soberania individual e
coletiva.
Em suma, a interpelação filosófica presente nos trechos selecionados nos convida a
questionar a visão eurocêntrica dominante e reconhecer a diversidade de pensamento e
conhecimento existente em outras culturas. A filosofia nagô, por exemplo, nos mostra a
importância de uma universalidade filosófica que especula sobre o melhor e o bem para uma
determinada forma de vida. A comunicação transcultural se torna fundamental para a
compreensão mútua e a abertura para novos termos de existência, enquanto a luta por
igualdade e liberdade deve ir além das reflexões filosóficas, buscando uma mudança social
efetiva.

1 O pretenso espírito do mundo

O autor nos conduz a uma análise profunda sobre a natureza da filosofia e sua
complexa relação com o conhecimento e o pensamento humano. Inicia-se questionando a
ideia de um "pensamento sutil" presente na filosofia nagô, o que nos leva a ponderar sobre o
conhecimento subjacente a essa sutileza. Essa reflexão nos leva a uma comparação com o
pensamento filosófico ocidental e suas diferentes concepções de sabedoria e racionalidade.
A questão central que emerge é a possibilidade de existência de um sistema de
pensamento equiparável à filosofia ocidental em culturas e tradições diversas. A incerteza
reside na capacidade de enunciar verdades a partir dessa coerência antropológica, o que nos
remete à discussão sobre as várias esferas do conhecimento, como a revelação, a experiência e
a lógica. O raciocínio lógico dedutivo é explorado, realçando a necessidade de axiomas como
ponto de partida para a dedução, e isso nos remete à construção de sistemas de conhecimento.
Ao abordar a história do pensamento filosófico, o autor destaca a distinção entre mito
e racionalidade, mas também considera interpretações alternativas que desafiam essa
separação. A busca por sistematicidade na filosofia é ressaltada, destacando a complexa
relação entre lógica, racionalidade e sistemas de conhecimento.
O texto enfatiza a arbitrariedade na definição do que é considerado filosofia e quem é
classificado como filósofo, sublinhando que essa categorização depende das questões
abordadas e do contexto cultural. A variedade de formas de exercício da filosofia é
reconhecida, e a autoctonia na criação do que os gregos chamaram de "filosofia" é mantida,
sem descartar a possibilidade de surgimento de outras formas autóctones de reflexão sobre a
condição humana em diferentes tradições.
O autor ressalta a complexidade inerente à filosofia como disciplina, enfatizando seu
papel na exploração de questões fundamentais relacionadas ao conhecimento e à existência. A
pluralidade de perspectivas filosóficas e a diversidade de abordagens para a busca de
respostas continuam a desafiar a definição e o alcance da filosofia. Citando Nietzsche,
podemos concluir que "todos os sistemas filosóficos estão ultrapassados", e essa constatação
nos incentiva a manter uma atitude aberta e flexível em relação à busca do conhecimento
filosófico e ao reconhecimento de suas várias manifestações ao redor do mundo.
O autor deste conjunto de reflexões nos conduz por uma jornada que explora
profundamente a natureza da filosofia e sua relação complexa com o conhecimento e o
pensamento humano. Ele começa questionando a ideia de um "pensamento sutil" presente na
filosofia nagô, o que nos leva a ponderar sobre o conhecimento subjacente a essa sutileza.
Essa reflexão nos leva a uma comparação com o pensamento filosófico ocidental e suas
diferentes concepções de sabedoria e racionalidade.

1.1 A interpelação filosófica

O autor explora a complexidade da filosofia como disciplina e seu papel na reflexão


sobre a condição humana e o conhecimento. Inicia questionando a presença de um
"pensamento sutil" na filosofia nagô e como isso se relaciona com o conhecimento. Essa
discussão se conecta com a diferenciação entre o pensamento ocidental e as formas
tradicionais de cognição.
A seguir, o texto indaga se é possível afirmar a existência de um sistema de
pensamento semelhante ao sistema filosófico ocidental em culturas e tradições diferentes. A
discussão se aprofunda ao abordar a possibilidade de enunciar verdades em diferentes esferas,
como a revelação, a experiência e a lógica. A lógica dedutiva é explorada, com destaque para
a importância dos axiomas como pontos de partida para a dedução lógica.
O texto também analisa a história do pensamento filosófico, destacando a ideia de um
rompimento entre o mito e o discurso racional (logos) e discutindo interpretações alternativas
que desafiam essa divisão. A busca por sistematicidade na filosofia é um tema relevante, com
ênfase na diferenciação entre lógica, racionalidade e sistemas de conhecimento.
O autor enfatiza como a definição de um pensador como filósofo ou de um
pensamento como filosófico é arbitrária e depende das questões abordadas e do contexto
cultural. A variedade de formas de exercício da filosofia é ressaltada, mantendo a autoctonia
na criação do que os gregos chamaram de "filosofia" e reconhecendo a possibilidade de
surgimento de outras formas autóctones de reflexão sobre a condição humana em diferentes
tradições.
A complexidade da filosofia como disciplina é sublinhada, enfatizando seu papel na
busca por respostas para questões fundamentais relacionadas ao conhecimento e à existência.
O texto apresenta uma abordagem abrangente da filosofia e de sua evolução ao longo da
história, destacando como diferentes filósofos e correntes filosóficas trataram questões
cruciais da existência humana. O autor começa por discutir a distinção entre episteme
(ciência) e phrónesis (sabedoria prática), indicando que essa diferenciação não é rígida e pode
ser problematizada quando examinamos o legado de figuras filosóficas proeminentes.
A figura de Sócrates é central na análise, pois representa um ponto de transição crucial
na história da filosofia. Sócrates é descrito como alguém que articulava respostas para
questões essenciais à polis, mesmo sem reivindicar uma episteme. No entanto, Sócrates é
também objeto de ambiguidades, já que, apesar de seu antimisticismo, ele pode ser
considerado um defensor de uma forma de misticismo da racionalidade. Sua conexão com a
voz interior de seu daimon adiciona complexidade a essa figura filosófica.
Antes de Sócrates, pensadores como Heráclito, Anaximandro, Pitágoras, Parmênides e
Zenão eram considerados sábios. Por outro lado, após Sócrates, a filosofia se estabeleceu
como uma disciplina autônoma, particularmente com a influência de Platão, que definiu a
filosofia como "amor à sabedoria". Esse amor à sabedoria é explorado em diversas dimensões
da existência humana, incluindo vida, morte, mito, mística, arte, poesia e política.
A evolução do pensamento filosófico é evidenciada na análise do autor, que observa
como o saber transcende do plano das sensações para o conceito e a universalidade, com a
causalidade aristotélica desempenhando um papel crucial na compreensão da realidade. Nesse
contexto, a filosofia torna-se a busca por uma verdade total e excludente que transcende o
mundo sensível.
O texto também destaca a relação entre filosofia e representação, apontando o
momento em que o racionalismo moderno colocou a representação no centro de toda
experiência. No entanto, a filosofia, como defendida pelo autor, é apresentada como uma
prática de pensamento radical que se baseia no espanto diante do mundo e na abertura ao
pensamento.
O desconstrucionismo é mencionado como uma atitude filosófica que busca libertar a
filosofia da influência teológica, mas também é feita uma crítica à persistência das formações
teológicas em novas seitas religiosas e configurações do poder estatal.
Em resumo, o texto oferece uma visão abrangente da evolução da filosofia ao longo da
história, enfatizando como os filósofos exploraram questões fundamentais da existência
humana, desde a sabedoria prática até a busca por uma verdade total e universal. Ele ressalta a
importância do espanto diante do mundo e da abertura ao pensamento como elementos
essenciais da filosofia, além de abordar as complexas relações entre filosofia, teologia e
política ao longo da história. As citações do autor fornecem suporte adicional para o
argumento apresentado.

1.2 O pensamento da Arkhé

O texto em questão aborda uma comparação entre a filosofia ocidental e as abordagens


filosóficas encontradas em culturas orientais e africanas, destacando diferenças fundamentais.
O autor examina a ênfase na universalidade da abordagem discursiva do dizível na filosofia
ocidental, contrastando com a atenção à dimensão aqui e agora da sensação individual que
tenta abordar o indizível, como observado na esfera da mística.
O autor aponta que, no contexto da filosofia ocidental, há uma ênfase na
universalidade da abordagem discursiva do dizível. O discurso filosófico ocidental tende a se
concentrar no âmbito da lógica, na construção de proposições e na busca da verdade. Essa
abordagem discursiva é destacada com a citação: "Aqui e agora da sensação individual que
tenta abordar o indizível do discurso é posto de lado pela pretensa universalidade da
abordagem discursivamente filosófica do dizível." Esse destaque ressalta a importância da
lógica e da universalidade no pensamento filosófico ocidental.
A ênfase na universalidade e na abordagem discursiva também é contrastada com a
atenção à dimensão aqui e agora da sensação individual que tenta abordar o indizível, como
observado na esfera da mística. O autor aponta que, nas tradições filosóficas orientais e
africanas, a busca do conhecimento frequentemente incorpora elementos religiosos e místicos.
Ele sugere que o conhecimento não se restringe ao intelectual, mas implica uma relação direta
com a corporeidade e uma conexão com a natureza.
Esse contraste entre as abordagens filosóficas ocidentais e não-ocidentais é enfatizado
com a citação: "Nesse contexto, o conhecimento não é meramente intelectual, mas implica
uma relação direta com a corporeidade e uma conexão com a natureza, diferenciando-se da
abordagem predominantemente lógica e discursiva da filosofia ocidental." Aqui, o autor
destaca a natureza multifacetada da filosofia oriental e africana, ressaltando que ela está
enraizada em tradições religiosas e místicas, e enfatiza a importância da sensação individual,
do corpo e da conexão com o todo.
O autor também faz referência à distinção entre a filosofia ocidental e as tradições
filosóficas orientais, como o pensamento hindu. Ele observa que, enquanto o pensamento
hindu se concentra na busca direta do todo pela sensação individual e incorpora aspectos
religiosos, como a separação entre a vida sagrada e profana, a filosofia ocidental tende a
adotar uma abordagem discursiva, onde o pensamento lógico e a universalidade
desempenham um papel central.
Essas diferenças destacam a variedade de abordagens na busca pela compreensão do
mundo e da existência humana. O contraste entre a abordagem discursiva e lógica da filosofia
ocidental e a abordagem mais multifacetada e incorporadora de elementos religiosos nas
tradições orientais e africanas demonstra a diversidade do pensamento filosófico global e
ressalta a importância de considerar diferentes perspectivas na busca por conhecimento e
compreensão.

2 Filosofia a toque de atabaques

O texto aborda complexas questões filosóficas relacionadas ao Ser, à metafísica e às


diferentes abordagens da busca pela compreensão do sentido da existência. No cerne desse
contexto filosófico está Martin Heidegger, um pensador cuja filosofia é caracterizada por sua
busca do mistério central da existência, o Ser. Heidegger, frequentemente descrito como um
"rei secreto do pensamento," introduz um enfoque peculiar na filosofia que exige uma
iniciação na linguagem, uma familiaridade com a opacidade das palavras e a qualidade
poética subjacente às mesmas.
Heidegger questiona a tradição filosófica predominante, que, em sua visão,
negligenciou uma forma mais autêntica de pensar, na qual a linguagem deveria revelar
diretamente a qualidade do Ser. Essa negligência resulta em uma percepção oculta do Ser ao
longo da história da filosofia, especialmente nas correntes influenciadas por filósofos como
Platão e Aristóteles, onde o "Ser" foi obscurecido.
O autor estabelece uma conexão entre o Ser e a noção de Arkhé, associada à busca da
origem e do destino. Heidegger argumenta que a tradição filosófica não deu a devida atenção
a esse conceito, embora tenha sido abordado por filósofos que centralizaram suas reflexões
em questões de origem e destino. A Arkhé, que representava a essência do pensamento
pré-socrático, foi, segundo Heidegger, esquecida pela metafísica que prevaleceu na filosofia
ocidental.
Esse conceito de Arkhé também é relacionado à distribuição de intensidade existencial
em diferentes sociedades e comunidades. A forma como as comunidades litúrgicas, como o
terreiro de candomblé nagô, criam visibilidade para aspectos considerados de fraca
intensidade existencial é destacada. Essas comunidades não se encaixam na visão etnológica
tradicional, que as rotula como resquícios do passado, mas sim operam como elementos
modernos que desafiam a visão convencional.
Em síntese, o texto apresenta uma abordagem sobre a filosofia de Heidegger,
destacando sua busca pelo mistério central da existência, o Ser, e sua crítica à tradição
filosófica que negligenciou esse conceito. A relação entre o Ser e a Arkhé é explorada,
demonstrando como diferentes abordagens filosóficas abordaram a questão da origem e do
destino. Além disso, o texto ressalta a importância de comunidades litúrgicas modernas, como
o terreiro de candomblé nagô, na criação de uma nova visibilidade para aspectos comumente
considerados de fraca intensidade existencial. As reflexões ao longo do texto lançam luz sobre
uma compreensão mais profunda das complexidades filosóficas relacionadas ao Ser, à
linguagem e à existência.

2.1 O si-mesmo corporal

O pensamento nagô, fundamentado nas tradições religiosas e culturais do povo iorubá,


apresenta uma perspectiva filosófica única que aborda questões éticas, cosmológicas e
existenciais de maneira profunda e distinta. O autor explora a interseção da ética e da mística
na tradição nagô, destacando a importância da paciência, ou "Suuru", como um princípio ético
fundamental. Este conceito de ética difere da abordagem ocidental convencional, pois enfatiza
a existência e a beleza, transcendendo o julgamento moral.
A tradição nagô não se limita a um conjunto de regras morais rígidas; em vez disso,
enfoca a radicalidade da existência, da condição humana e da virtude do caráter. Essa ética
transcende as noções convencionais de bem e mal, ilustrando a riqueza da perspectiva nagô e
sua ênfase na complexidade da experiência humana. O autor estabelece um paralelo entre essa
abordagem e a filosofia ocidental, especialmente com pensadores como Aristóteles, que
abordam princípios éticos em termos de natureza e predecessores.
A conexão entre ética e mística na tradição nagô é essencial para entender sua
cosmovisão. Os princípios éticos são entrelaçados com elementos místicos, conectando-se
com as "etno filosofias" diaspóricas que encontraram expressão no Candomblé, Likumi,
Vodum e Lukumi. Essas tradições são intrinsecamente ligadas ao contexto cultural, religioso e
histórico em que surgiram. Elas fornecem orientações éticas para o bem-estar, a integridade
pessoal, o meio ambiente e a solidariedade, mas também são influenciadas por mitos e rituais.
No contexto nagô, a importância da memória e da ancestralidade é evidente. A relação
entre os vivos e os mortos, marcada pela morte como um ponto de transformação,
desempenha um papel significativo. Os ancestrais são considerados parte fundamental da
existência e da ética. Eles são lembrados e honrados por meio de rituais que mantêm viva a
memória e a dignidade da comunidade. O autor destaca a diferença entre a compreensão nagô
da temporalidade, que é litúrgica e vinculada ao kairós, em contraste com a perspectiva
ocidental linear e cronológica.
O corpo é central na filosofia nagô, sendo duplo e composto por uma parte visível e
uma invisível. Esse entendimento da dualidade corporal reflete a interconexão entre o
indivíduo e a comunidade, a importância do corpo na cosmovisão nagô e a complexidade da
identidade. O autor sugere que essa dualidade pode ser vista como uma reflexão das questões
filosóficas mais amplas sobre a ambiguidade e a duplicação na existência.
Ao explorar as relações entre o pensamento nagô e o pensamento europeu, o autor
destaca paralelos, especialmente em relação à noção do "duplo". Tanto no contexto nagô
quanto no europeu, a dualidade e a ambivalência são temas recorrentes que exploram a
complexidade da existência e da identidade. A reflexão sobre o "duplo" como uma presença e
uma ausência, como algo familiar que se torna estranho, ilustra a profundidade da filosofia
nagô e sua capacidade de abordar questões universais.
Em resumo, o pensamento nagô oferece uma visão única e complexa da ética, da
mística, da memória e da dualidade. Sua abordagem destaca a importância da experiência
humana, da ancestralidade e da complexidade da existência. Ao estabelecer paralelos com a
filosofia europeia, especialmente em relação ao conceito do "duplo", o autor destaca como
diferentes tradições filosóficas podem oferecer insights valiosos sobre as questões
fundamentais da existência e da ética.

2.2 Do corpo aos incorporais

O autor aborda a complexa noção de transe criativo, explorando-a em diversas


dimensões culturais e cognitivas. O autor inicia sua análise considerando o transe não apenas
como um fenômeno ritualístico, mas também como um trânsito entre os planos do visível e do
invisível, um estado de êxtase que transcende a consciência individual. Ele ilustra esse
conceito com exemplos notáveis, como o caso de Fernando Pessoa, que descreve como o
heterônimo Alberto Caeiro emergiu em um momento de inspiração que ultrapassou sua
compreensão racional.
Essa perspectiva do transe como um trânsito entre os mundos visível e invisível é
estendida a outras esferas, como o conhecimento científico. O autor menciona o matemático
indiano Srinivasa Ramanujan, cujas contribuições à matemática foram atribuídas a sonhos e à
intervenção divina. Ele sugere que essa experiência criativa também pode ser entendida à luz
do conceito de "mente comunitária", influenciado pela filosofia de Peirce, que transcende a
mente individual e é moldada pela comunidade.
Além disso, o autor destaca que o transe criativo não se limita à poesia e à ciência,
mas também se manifesta na filosofia. Nesse contexto, ele faz uma conexão com a figura de
Nietzsche, cuja obra é caracterizada por uma abordagem extática e não convencional à
filosofia. Nietzsche é visto como alguém que incorpora o transtemporal da sabedoria, capaz
de apreender o passado e adivinhar o futuro em seu pensamento. Ele exalta a "mania" como
uma fonte de insight filosófico.
A análise do autor se estende à dimensão ritualística, especialmente aos rituais nagô.
Ele compara a técnica ritualística dos nagô à concepção grega de "technè" e destaca como
ambas compartilham a ideia de "aition" como a causa que permite que algo aconteça e o
compromisso comunitário de mantê-la. O autor argumenta que o ritual é uma forma de
"poiesis" que busca desvendar o essencial e revelar a "Arkhé", o princípio da comunidade.
O corpo desempenha um papel crucial na technè ritualística, sendo considerado como
um microcosmo do espaço mais amplo, com elementos físicos e míticos interagindo e criando
fronteiras. Partes específicas do corpo podem ser consagradas e cultuadas como entidades
suprassensíveis, evidenciando como o corpo está intimamente ligado à espiritualidade e à
cultura nagô.
Em resumo, o autor explora a natureza do transe criativo em várias esferas culturais,
destacando como ele transcende as fronteiras da poesia, ciência e filosofia. Ele conecta essas
experiências de transe à noção de "mente comunitária" e argumenta que o corpo desempenha
um papel vital na técnica ritualística e na busca do essencial nas práticas religiosas nagô. Por
meio de exemplos e analogias, o autor fornece uma visão abrangente dessa experiência
multifacetada de transe criativo.
2.3 Desejo como potência

A relação entre a música, alacridade e filosofia é uma interseção rica que merece ser
explorada. Começamos com a ideia de alacridade, definida como uma profunda alegria que
transcende as vicissitudes humanas, algo que está profundamente enraizado na experiência
musical, especialmente no contexto do jazz e outras formas musicais diaspóricas.
A música, em sua essência, é uma forma de comunicação que ultrapassa as barreiras
da linguagem verbal. Ela não se limita a representar ou imitar a realidade, mas cria sua
própria realidade sensorial e emocional. Quando a música evoca alacridade, isso não se traduz
simplesmente como uma aprovação do real; é uma celebração profunda da vida e da
liberdade. Como afirmado por Clement Rosset, "A música não imita, esgota a sua realidade só
em sua produção".
A relação entre alacridade na música e a filosofia oriental, particularmente a visão
hindu da liberdade e do sofrimento, é notável. A filosofia hindu busca a liberdade absoluta,
moksha, uma liberação do ciclo de nascimentos e mortes, samsara. No entanto, a alacridade
na música sugere que essa liberdade pode ser experimentada dentro da própria condição
humana. Isso contrasta com a visão budista, que considera a liberdade inatingível na realidade
humana e busca a cessação do sofrimento.
É interessante notar que a alacridade na música também encontra paralelos com a
chamada "sabedoria alciônica" de Nietzsche, que compartilha uma perspectiva similar. Essa
sabedoria não nega a dor e o sofrimento, mas os transcende. Ela não se prende às objeções da
vida, mas celebra a vida e a alegria, mesmo diante das adversidades. Como Nietzsche
observa, "Nós não levamos a doença, a infelicidade, a velhice, a morte, suficientemente a
sério para acreditar nas objeções contra a vida".
A música, particularmente no jazz e em outras formas musicais diaspóricas, oferece
uma experiência única de alacridade que encontra ressonância nas filosofias orientais e na
filosofia de Nietzsche. Ela nos lembra que a alegria profunda e a celebração da vida podem
ser encontradas mesmo em meio à complexidade e desafios da existência humana. Como
Walter Mosley coloca em sua narrativa, "Descobri que viver é como música. Cada passo,
sempre com a mesma extensão. Cada um sempre demorando o mesmo tempo para a gente
dar".
Em resumo, a alacridade na música é uma celebração da vida e da liberdade que
transcende as dificuldades humanas. Ela encontra afinidades com a filosofia oriental, que
busca a liberdade absoluta, e com a "sabedoria alciônica" de Nietzsche, que não nega a dor,
mas a transcende com uma afirmação radical da vida. A música nos recorda que a alegria
pode ser encontrada mesmo em meio às complexidades da existência humana. Como
declarado por Deleuze, "A música exaure sua realidade só em sua produção".

2.4 A alacridade como regência e potência

A alacridade, ou alegria, é um tema central nas reflexões do autor, que explora sua
natureza fundamental na existência Nagô e sua relação com a religiosidade afro-brasileira.
Nesse contexto, ele estabelece um contraste interessante com o amor universal cristão,
destacando que a alacridade Nagô é antitética a essa concepção cristã de amor abstrato e
universal.
No cristianismo, o amor é direcionado a Deus de maneira abstrata, desvinculando-se
de objetos individuais de amor. Esse amor cristão é descrito por Hanna Arendt como uma
forma de amar não as pessoas individualmente, mas como motivos para o amor. O autor
ressalta que a alacridade, ao contrário, não é incompatível com o amor de si mesmo, sendo
uma tração da consciência na direção dos objetos que se integram harmonicamente com o
indivíduo e o grupo que lhe é constitutivo. Essa concepção é ilustrada pela ideia de que a
alegria é uma alavanca, uma força motriz que transcende o mero desejo de ser feliz.
O autor explora a alacridade como uma potência ativa na experiência Nagô,
contrastando-a com a concepção cristã do amor abstrato. Ele destaca que a alacridade não é
um afeto circunstancial, mas uma potência duradoura que permeia a existência Nagô. Além
disso, ele diferencia as paixões, como o amor e o ódio, das emoções e sensações
circunstanciais, como a alegria e a cólera. Essas paixões são consideradas constitutivas da
experiência humana, refletindo a pregnância da concepção cristã no pensamento ocidental.
A alacridade é apresentada como algo que não é uma experiência no sentido
tradicional de contato espontâneo com o inesperado, mas como um evento da
"espontaneidade" que está análogo à liberdade política, entendida de forma positiva. Essa
visão não coloca um sujeito da alegria, mas enfatiza a alegria como uma regência, algo que
possibilita experiências e sujeitos. O sofrimento também pode ser integrado nessa regência,
desde que haja a aceitação da vida em sua totalidade, o que pode ser entendido como um
sentido trágico do sofrimento.
O autor explora a importância da alacridade na prática litúrgica da Arkhé negra,
destacando que a alegria é o princípio ético que orienta essa prática. A alacridade não é uma
busca pela felicidade baseada em desejos internos, mas sim um arrebatamento que
corresponde a uma pulsão. Ela está intrinsecamente ligada à ação e à comunicação,
demonstrando a sua natureza ativa e social.
A relação entre a alacridade e a religião afro-brasileira é aprofundada, com o autor
explicando como os ritos de renovação do axé estão intimamente associados à experiência da
alegria. As "grandes mães" são apresentadas como figuras essenciais na transmissão dos
valores comunitários e do axé necessário para a continuidade da existência física.
Por fim, o autor ressalta a expansão da alacridade na direção da heterogeneidade das
sensações e da potência dos corpos, associando essa expansão à imagem do pássaro e do
peixe. Essas figuras simbolizam a liberdade e a capacidade de ultrapassar limites, o que é
central na religião africana. A alegria é, portanto, uma força que promove a expansão do axé e
a proteção da unidade do corpo coletivo. É uma manifestação da corporeidade consciente e da
síntese conectiva dos sujeitos-suportes da Arkhé.
Em resumo, o autor explora a natureza fundamental da alacridade na existência Nagô
e sua relação com a religiosidade afro-brasileira, destacando a diferença em relação ao amor
universal cristão e enfatizando a alegria como um princípio ético que permeia a prática
litúrgica da Arkhé negra. A alegria é apresentada como uma potência ativa, enraizada na ação
e na comunicação, que transcende a busca pela felicidade baseada em desejos internos. Ela
desempenha um papel crucial na expansão do axé e na proteção da unidade do corpo coletivo,
simbolizada pelas figuras do pássaro e do peixe. Essa visão da alacridade oferece uma
perspectiva rica e complexa sobre a existência Nagô e sua relação com o sagrado.

2.5 Dialética e analogia

O autor aborda a importância da analogia na filosofia africana e suas implicações em


uma variedade de contextos, incluindo a abordagem dos sistemas de pensamento afro e sua
relação com a analogia como meio de aproximação em relação à visão ocidental da história.
O autor inicia enfatizando a analogia como um recurso fundamental na filosofia
africana, destacando que ela serve para estabelecer "igualdades" ou semelhanças em relações
dessemelhantes. Isso se manifesta historicamente no contexto da diáspora escrava, em que
uma cultura dominava sobre a outra. A analogia é vista como uma ferramenta filosófica para
encontrar equivalências qualitativas, permitindo uma comunidade de relações onde a
diversidade das aparências é reduzida pela força do parentesco.
O texto menciona que a analogia é um meio de conhecimento do que não se conhece,
um caminho não dialético e sem o "princípio da não contradição". Enquanto a dialética busca
a superação de opostos, a analogia busca a conciliação entre diferentes aspectos. A analogia
consegue conciliar o princípio lógico da não contradição a posições já marcadas na dinâmica
do conhecimento, permitindo a coexistência de aspectos diversos sem a eliminação de seus
opostos.
Além disso, o autor destaca a importância da analogia na filosofia afro, que envolve
uma aproximação baseada na coincidência de visões da história como devir e dinamismo
interno, em oposição à visão ocidental de história como estrutura resultante da consciência
humana de um sujeito originário. Nesse contexto, o enunciado não tem um sujeito
individualizado, mas é enraizado em rituais e práticas culturais. Isso permite uma
compreensão mais holística e relacionada à vida.
O autor também faz menção a contextos interculturais, como as interações entre
missionários cristãos e líderes indígenas na Amazônia e em São Paulo. Nesses contextos, a
analogia desempenha um papel fundamental na formação de um "cristianismo híbrido", onde
os nativos assimilam conceitos cristãos, atribuindo-lhes significados diferentes dos originais.
A analogia permite a adaptação e a negociação entre diferentes sistemas de crenças.
Além disso, o texto argumenta que a analogia não se limita à filosofia afro ou a
contextos interculturais, mas se manifesta universalmente na linguagem e na forma como as
coisas e seres são percebidos e compreendidos, baseando-se em harmonias e proporções
musicais. A analogia é vista como uma maneira de apreender a dinâmica do ser e do não ser,
do haver e não haver.
A filosofia africana é considerada uma forma de vida que se expande e se relaciona
com a vitalidade da existência. O autor sugere que a filosofia deve ir além do raciocínio
lógico e formal, permitindo uma abordagem mais aberta e fluida que abrace a diversidade e a
experiência vital. Ele argumenta que a filosofia pode encontrar renovação e sobrevivência por
meio da criação de novos modos de especulação, envolvendo mitos, crenças, artes, política e
poesia, com o objetivo de alcançar uma "radicalidade luminosa".
Em resumo, o texto apresenta a analogia como um elemento central na filosofia
africana, destacando sua importância na compreensão da história, no contexto intercultural e
na visão de mundo universal. A filosofia afro é vista como uma forma de vida que busca a
essência da existência e pode encontrar renovação através da abordagem analógica e
expansiva da realidade.

3 Exu inventa o seu tempo

O provérbio/aforismo que evoca Exu, uma figura da mitologia africana, serve como
ponto de partida para uma reflexão profunda sobre simbolismo, a condição humana e a
relação entre o sagrado e o erótico. O autor do texto explora as diversas facetas do
pensamento nagô, indo além da interpretação puramente ética ou política desse provérbio.
Inicialmente, o autor sugere que provérbios, aforismos e máximas frequentemente
contêm regras morais e, muitas vezes, são fundamentais em sistemas de crenças místicas. O
provérbio sobre Exu é interpretado como um axioma moral que valoriza o passado,
contrapondo a ideia ocidental de progresso baseada na lei de causa e efeito. Isso leva à
valorização do vigor de fundação do grupo.
A abordagem da mitologia africana, particularmente na cultura nagô, geralmente tem
conotações éticas e religiosas. A tradição negra busca oferecer uma cosmovisão alternativa da
condição dos escravos e seus descendentes na sociedade brasileira. Essa perspectiva, segundo
o autor, é frequentemente subestimada ou ignorada pela etnologia convencional.
O texto argumenta que a política, não no sentido de políticas de Estado, mas como a
prática de organização da reciprocidade entre seres diferentes em comunidade, desempenha
um papel essencial na vida dos descendentes de africanos. Essa política comunitária se
manifesta na mobilização de recursos para consolidar alianças internas e se aproximar da
sociedade global hegemônica.
O autor destaca um agir político singular na transmissão do patrimônio da liturgia
negra, que envolve a luta para estabelecer e fazer aceitar uma realidade interpretada e
traduzida. Essa realidade envolve obrigações e valores éticos, que são fundamentais e sujeitos
a transformações ao longo do tempo e do espaço.
No entanto, o autor propõe uma suspensão estratégica da interpretação ética e política
do provérbio sobre Exu. Isso ocorre porque o provérbio provém de uma comunidade que se
define originalmente pela comunhão e pela ligação humana e divina, antes de qualquer noção
de comunidade política. O autor também sugere que, em vez de abordar o provérbio de forma
estritamente literária, ele pode ser considerado um aforismo. Esse aforismo não é um fato
filosófico, mas sim um fato de conhecimento que faz parte de uma comunidade interpretativa.
A partir desse ponto, o texto mergulha profundamente na ontologia de Exu,
destacando a importância da entidade na religião nagô. Exu é visto como o princípio dinâmico
do sistema simbólico, relacionando-se com todas as entidades, desde os orixás até os seres
vivos e mortos. Sua natureza é explicada como uma junção de elementos cósmicos e
ontológicos.
A análise do autor revela que Exu é um símbolo que pressupõe uma divisão originária,
assim como a moeda com duas partes. Essa divisão é parte integrante da condição humana e é
logogenética, ou seja, pertence à história humana. Exu simboliza a partilha entre o princípio
masculino e feminino, presente em todas as espécies, e está intrinsecamente ligado à atividade
reprodutiva.
O texto também explora a conexão entre o sagrado e o erótico na figura de Exu. O
autor argumenta que o erotismo vai além da sexualidade reprodutiva, representando um
questionamento da vida interior autônoma e uma maneira de transcender as limitações da
realidade corpórea. O erotismo é uma busca pela continuidade entre ancestralidade e
descendência, transcendendo a identidade individual.
Por fim, o autor destaca que o erótico não pode ser atribuído de forma genitiva a um
sujeito, pois é um processo de busca da continuidade entre gerações e uma maneira de
transcender a separação entre dentro e fora. O texto apresenta uma visão abrangente das
complexas relações entre símbolo, mitologia e a condição humana, tudo isso ilustrado pela
figura multifacetada de Exu.

3.1 Do hoje ao ontem

A discussão sobre a concepção do tempo, a temporalidade e a reversibilidade emerge


com força neste texto, à medida que ele explora as nuances do mito de Exu e suas implicações
na nossa compreensão da realidade e do tempo. O mito do nascimento de Exu,
intrinsecamente ligado à ideia de reversibilidade, apresenta-nos um panorama alternativo, em
contraste com a linearidade cronológica e a busca incessante pela causa e efeito que
caracterizam muitas abordagens ocidentais.
No âmago do mito, Exu, como primogênito da criação, ingere todos os seres e sua
própria mãe para expandir-se, criando um desequilíbrio cósmico que requer restituição. Ele é
o senhor das oferendas, e esta restituição, através de oferendas, ressoa em todo o sistema
simbólico nagô. Essa restituição, essa reversibilidade, é fundamental para o equilíbrio e a
harmonia. Tudo deve ser devolvido, e a noção de reversibilidade estende-se para além da
simples cronologia dos relógios.
Em contraposição à temporalidade ocidental, que se desdobra linearmente com um
passado, presente e futuro bem definidos, Exu oferece uma visão que desafia a rigidez do
tempo. Essa perspectiva é ainda mais enriquecida pela noção de reciprocidade e troca
presentes no sistema simbólico nagô. O dar, receber e restituir estabelecem um ciclo perpétuo
de relações, e essa lógica relacional da communicatio inspira uma reflexão profunda sobre as
disjunções radicais presentes em nosso pensamento ocidental.
Uma das disjunções mais evidentes, muitas vezes aplicada à lógica de poder, é a
separação entre dominantes e dominados. No entanto, o texto argumenta que, na realidade,
nenhum poder pode manter-se puro, baseado apenas no medo e no constrangimento. Aqui, a
reciprocidade também desempenha um papel importante, à medida que a autoridade é
respaldada por uma dádiva, a proteção. Aqueles que obedecem reconhecem como legítima a
dominação, e a dádiva, que é o princípio e a limitação da subordinação, é o cerne desse
reconhecimento.
Esse conceito de dar, receber e restituir é um reflexo do sistema simbólico nagô e
encontra paralelos em várias tradições e pensamentos filosóficos ao redor do mundo. O
sistema de dádivas, também presente em sociedades de troca, reflete a importância da
reciprocidade e da relação na construção do poder e da autoridade.
Além disso, o texto explora a relação entre a reversibilidade mítica e a experiência
temporal da modernidade. Destaca como a temporalidade mítica de Exu desafia a noção de
tempo pleno na sociedade contemporânea. A ideia de perda de intervalo na modernidade
sugere que a contínua corrida pelo presente e futuro tem nos privado da capacidade de
apreciar conscientemente os intervalos entre os eventos.
A figura do intervalo, tão destacada na filosofia de Exu, levanta questões sobre o ritmo
do trabalho contemporâneo. A pressão para preencher cada momento com atividade, de forma
incessante e impulsionada pela tecnologia, muitas vezes nos afasta da experiência
significativa dos intervalos e pausas na vida. A ideia de que a perda de intervalo está
relacionada à falta de uma intencionalidade transcendente, além da simples causa e efeito,
também ressoa na compreensão contemporânea da vida.
Concluindo, o mito de Exu desafia nossas concepções convencionais de tempo,
oferecendo uma perspectiva de reversibilidade, restituição e reciprocidade que nos leva a
questionar a busca incessante pela linearidade cronológica e a causa e efeito. Ele nos convida
a redescobrir a importância dos intervalos e pausas na experiência temporal e, ao fazer isso,
destaca a relevância de uma visão mais mítica da temporalidade na modernidade.

4 As astúcias da crença

A comunicação, em sua essência, é um fenômeno intrinsecamente humano que


remonta aos primórdios da história. Contudo, ao longo do tempo e sob a influência da
Modernidade, a compreensão desse fenômeno evoluiu e se diversificou, muitas vezes
obliterando sua dimensão original centrada no "comum". Hoje, a comunicação abarca uma
ampla variedade de práticas contemporâneas, desde trocas interpessoais de palavras até a
sofisticada transmissão tecnológica de sinais e mensagens.
A compreensão predominante da comunicação, especialmente influenciada pela
linguística e filosofia da linguagem, tende a se concentrar na síntese nominal das práticas
comunicativas, enfatizando a transmissão de mensagens e a linguagem. No entanto, essa
perspectiva, embora seja dominante, não é unânime, e outras abordagens oferecem uma visão
mais ampla desse fenômeno complexo.
Em particular, uma visão mais aberta da comunicação reconhece que a comunicação
não se limita à lógica sintática ou semântica da linguagem verbal. Ela transcende essas
restrições, envolvendo uma série de mediações simbólicas, conscientes ou inconscientes, que
servem ao propósito de compartilhar o "comum". A comunicação, em seu sentido mais
amplo, oscila entre mecanismos inconscientes, comportamentos, palavras, imagens e afecções
corporais.
Muito antes do predomínio dos modelos funcionalistas na sociologia da comunicação,
a abordagem ampla da comunicação era valorizada na filosofia pragmática, representada por
pensadores como John Dewey e Charles Sanders Peirce. Essa perspectiva reconhecia a
comunicação como a organização do "comum" e abraçava a interação como uma parte
fundamental do compartilhamento comunicativo.
No entanto, sob a pressão da industrialização e academização, o termo "comunicação"
acabou evoluindo para se referir predominantemente à transmissão de mensagens e, por
extensão, ao fenômeno linguístico. Essa perspectiva tem sido dominante, mas não a única.
Concepções sistêmicas, incluindo o pensamento de autores como George Bateson,
desafiam essa visão dominante, destacando a relevância de sistemas simbólicos antigos na
compreensão da comunicação. Essas concepções enfatizam a interação e oferecem uma visão
mais rica e complexa da comunicação.
A relação entre a humanidade e a natureza também desempenha um papel importante
na evolução das perspectivas sobre a comunicação. O conceito de "natureza" é uma palavra
latina que não era central em todas as culturas, mas o campo de força que ela representa está
presente universalmente, embora com interpretações diversas de acordo com perspectivas
simbólicas únicas.
À medida que o mecanicismo científico ganhou força, a visão organicista da natureza
desapareceu, substituída por uma atitude de dominação da natureza em vez de uma
compreensão mais profunda e simbiótica. A matemática passou a ser vista como uma
linguagem universal que permite a manipulação tecnológica da natureza.
A cidade, como o lugar de realização do mundo moderno, representa a expressão
máxima da razão, em contraste com o rural, frequentemente associado à natureza. A cidade
oferece oportunidades de emprego, serviços, educação e lazer, desempenhando um papel
crucial no desenvolvimento do sujeito da consciência burguesa.
No entanto, essa visão da cidade e da racionalidade está ligada a uma aversão à
natureza que permeia o pensamento ocidental. A manipulação da natureza é vista como uma
profanação e um abuso dos recursos naturais, levando a uma crise ecológica e climática
global.
A etnologia tem contribuído para a compreensão de expressões rituais em diferentes
culturas, destacando sua natureza "científica" e sua ênfase na comunicação não verbal e na
experiência comunitária. Essas expressões rituais, embora frequentemente ocorram no
contexto urbano, preservam conexões com a natureza e o natural.
Em resumo, a evolução das perspectivas sobre a comunicação reflete não apenas
mudanças na tecnologia e na sociedade, mas também mudanças na relação entre a
humanidade, a natureza e a cidade. A comunicação é um fenômeno complexo que vai além da
mera transmissão de mensagens e palavras, abrangendo a interação, a cultura e a experiência
comunitária, sempre em evolução, em busca de uma compreensão mais ampla do "comum".

4.1 Etnia, liturgia e povo

O texto em questão aborda uma interseção complexa entre etnia, liturgia e povo,
especialmente no contexto das manifestações religiosas de origem africana no Brasil. O autor
explora como essa conexão se desenvolve, ressaltando a importância dos terreiros de
candomblé como locais de prática litúrgica. Os terreiros, popularmente conhecidos como
egbé, tornam-se uma metáfora espacial da geografia mitológica da África, sendo flexíveis em
termos de localização, transpondo limites físicos e alcançando a sociedade global.
Um aspecto crucial abordado é a organização de poder na liturgia, que se diferencia da
democracia ocidental. O autor destaca que a liturgia enfatiza o povo como unidade, enquanto
a democracia se concentra na diferença. Essa distinção é fundamental para compreender como
as práticas litúrgicas das religiões de origem africana se desenvolvem em contraposição à
modernidade ocidental, que prioriza a democracia e a diferença.
O texto também faz uma análise histórica, destacando como a expansão colonial
implicou na rejeição visceral de outras etnias. O grupo humano invasor e dominante,
impregnado do espírito ocidentalista, forçou a transformação de territórios estatais em
territórios étnicos, presumivelmente capazes de absorver outras configurações espaciais e
históricas. Essa rejeição de outras etnias resultou em expurgos e incêndios que apagaram
muitas histórias civilizatórias e étnicas.
É importante notar a continuidade da Arkhé africana no Brasil, onde uma narrativa
própria se desenvolveu. Nessa narrativa, a organização litúrgica matricial desempenhou um
papel significativo na popularização dos cultos de origem africana. Inicialmente, essa
aglutinação litúrgica era elitista, envolvendo altos dignitários e sacerdotes dos cultos aos
orixás, que chegaram ao Brasil como escravos. No entanto, à medida que as insurreições não
prosperaram e as elites negras se viram à margem do reconhecimento pela democracia
hegemônica, essas práticas litúrgicas se tornaram uma forma de afirmação étnica.
O texto explora a diferença entre religiosidade e religião, argumentando que a
religiosidade é uma estratégia existencial que inclui práticas mágicas e estratégias de
liberação social. A palavra "religião" tem raízes romanas e frequentemente envolve a
subordinação de diferentes crenças. Em contraste, a religiosidade se adapta a diversas
variáveis, abrangendo uma ampla gama de práticas e estratégias.
O autor também enfatiza a visão cosmológica nos cultos afro-brasileiros, destacando a
relação entre o homem e sua "divindade" como uma contraposição de potências em um plano
discursivo. O "divino" não é uma entidade transcendente, como nas religiões universais, mas
uma perspectiva existencial que mostra ao homem seus limites.
Por fim, o texto ressalta a importância da arquetipia africana, que pode se irradiar para
outros territórios, devido à convergência de realidades socioeconômicas e tradições culturais.
Essa arquetipia enfatiza a experiência do sagrado em sua radicalidade, reconhecendo a
existência no presente, as relações interpessoais, a experiência simbólica do mundo e a alegria
diante da realidade.
No geral, o texto oferece uma análise profunda da interconexão entre etnia, liturgia e
povo, destacando a importância das manifestações religiosas de origem africana no Brasil e
sua relação com a modernidade ocidental, enquanto também ressalta a continuidade da Arkhé
africana e a riqueza da religiosidade afro-brasileira como estratégia existencial..

4.2 Crença, saber e cultura

O tema central do texto é a interconexão entre crença, conhecimento, cultura e


obrigação, explorando esses conceitos à luz da filosofia de Simone Weil e dos insights
proporcionados pela etnografia nagô. O autor aborda a natureza intrínseca das crenças
compartilhadas, os valores e sua importância na coesão comunitária. Weil enfatiza a obrigação
como um imperativo incondicional, elevando-a acima das condições mundanas.
As considerações de Weil sobre a obrigação são sustentadas pela filosofia nagô, onde
a obrigação desempenha um papel fundamental na formação de crenças. Ela não é uma
manifestação individual, mas sim um imperativo coletivo baseado em mitos e ritos
compartilhados. Quebrar essa obrigação resulta na desintegração da ordem comunitária, como
ilustrado em um conto nagô.
No entanto, o texto não se limita apenas a explorar a filosofia de Simone Weil e a
cultura nagô. Também faz referência a pensadores como Žižek e Vattimo, que abordam a
crença e a obrigação de maneira contemporânea. Žižek aponta como a crença continua a
funcionar, mesmo quando as pessoas negam acreditar. Ele ressalta a importância de acreditar
na própria crença, um elemento essencial na manutenção da força da crença.
Vattimo, por sua vez, propõe uma transição do cristianismo natural-metafísico para um
cristianismo paulino baseado na amizade e caridade. Essa transição ocorre em um contexto de
secularização, onde as condições históricas da crença se transformam, mas a caridade
permanece como uma atitude de inclinação para o próximo.
O texto argumenta que a crença, apesar de ser frequentemente interpretada como uma
questão de fé individual, tem raízes profundas na cultura e na obrigação coletiva. A obrigação
é um conceito que transcende as condições mundanas e é essencial para a coesão comunitária.
O texto destaca como a obrigação é inerente à natureza humana e à interconexão entre
indivíduos.
Essa perspectiva filosófica e antropológica sugere que a crença não pode ser reduzida
apenas a uma questão de convicção individual. Ela é moldada pela cultura, pela obrigação
coletiva e pelas interações humanas. A crença continua a ser um elemento central nas
sociedades contemporâneas, mesmo em meio à secularização, e sua importância transcende as
fronteiras da fé individual. A compreensão da crença como um fenômeno profundamente
enraizado na cultura e na obrigação lança luz sobre a complexidade da experiência humana e
a interconexão entre crença, conhecimento e cultura.

4.3 O crédito histórico da cultura

O crédito histórico da cultura é um tema complexo que transcende a mera definição de


conceitos e mergulha profundamente nas interseções entre cultura, poder, e as mudanças de
paradigmas ao longo da história. Em sua análise, o autor enfatiza o papel da cultura como
uma resposta ambígua à fragmentação da experiência tradicional mítica e teologicamente
orientada. A cultura, que se torna um horizonte existencial, preenche o vazio deixado pela
crise dos fundamentos, substituindo a função da religião.
A cultura, de acordo com o autor, é dotada de uma idealização verdadeiramente
teológica, equiparada à fé nas divindades transcendentais. Esta concepção enraizada persistiu
ao longo do século XIX, impulsionando a emergência da antropologia e estabelecendo a
cultura como uma trama coletiva de sentido. Os sujeitos de um grupo social encontram em
sua cultura os quadros de referência para a interpretação do mundo, tornando a cultura um
balizamento existencial.
Porém, a cultura não é uma entidade monolítica e imutável. Ela evolui ao longo do
tempo, transformando-se em resposta às mudanças na sociedade e nos paradigmas culturais.
No século passado, assistimos ao declínio da idealização da cultura europeia e da
transcendência religiosa que a acompanhava. O autor ressalta que a cultura perdeu sua
potência de negatividade e a capacidade de formar elites do conhecimento. Em vez disso, ela
se integrou à esfera do entretenimento e da informação banalizada.
O texto também enfoca a relação entre cultura e poder financeiro na era da
financeirização global. Observa-se uma atração entre a cultura autorreferente e o poder de
natureza patrimonial, que se organiza em função da transmissão por grupos específicos. A
patrimonialização do campo da cultura é caracterizada pela incorporação de um saber-fazer
em grupos diversificados da pequena burguesia criativa, como artistas, esportistas e
produtores de eventos.
O poder financeiro, com suas modalizações financeiras do dinheiro, potencializa a
abstração nas relações sociais e intersubjetivas, criando uma sociedade mais permeável às
interpelações ideológicas da informação do que às mapeações culturais. O autor destaca que a
cultura perdeu sua função de formação de elites do conhecimento em favor da integração pelo
entretenimento e pela informação. Esta mudança é acompanhada pela transição da narrativa
prometeica do capitalismo, que fetichiza o crescimento quantitativo, para o monólogo da
circulação monetária secundada pela informação.
Diante desse cenário, o autor propõe uma compreensão mais dinâmica da cultura,
afastando-se da ideia de cultura como uma essência ou transcendência. Em vez disso, ele
sugere que a cultura seja vista como um adjetivo, o "cultural", que se concentra no conflito de
significados nas fronteiras dos campos sociais. Essa abordagem coloca ênfase na
diferenciação ideológica e no conflito de significados como um foco gerativo de pensamento,
definido como dialogia. O campo nagô é apresentado como um exemplo de marcação cultural
de limiares para posições singularizadas de crença e pensamento, representando uma filosofia
de diáspora.
Em última análise, o texto destaca a fluidez e a adaptabilidade da cultura ao longo da
história, à medida que ela responde às transformações na sociedade e nas relações de poder. A
cultura é, assim, uma entidade em constante evolução, moldada por seus contextos e
interações, e sua compreensão deve refletir essa dinâmica em constante mutação.

5 Indeterminação e narrativa

O texto proporciona uma exploração significativa da narrativa como uma forma


fundamental de comunicação e transmissão de conhecimento em diferentes contextos sociais
e culturais. Inicia-se com uma reflexão sobre a visão de Schopenhauer sobre a causalidade e a
necessidade, destacando que a causalidade é sustentável apenas nas relações necessárias,
enquanto falha nas esferas do contingente e do inexplicável. O texto também observa a
importância da experiência humana e sua conexão com a narrativa, como delineado por
Walter Benjamin, que considera a narrativa como uma forma essencial de comunicação que
permite a transmissão de experiências e tradições.
Schopenhauer desafia a compreensão da causalidade ao apontar que a força natural
inerente à realização de um fenômeno é um segredo que não pertence à causalidade científica.
Essa ausência de necessidade, de acordo com o autor, cria um vazio na interpretação filosófica
do mundo, especialmente no que diz respeito ao "não necessário" ou contingente. A
progressiva familiarização do mundo habitado pelo homem pelas ciências físicas e naturais
torna-o mais contingente, tornando Schopenhauer um filósofo à frente de seu tempo,
revelando o paradoxo do homem moderno.
O texto segue para destacar a importância da narrativa como um meio de compartilhar
experiências e valores dentro de uma comunidade. Walter Benjamin enfatiza que a narrativa
não se limita a uma técnica organizativa, mas é uma forma simbólica que reflete a
organização do real. A narrativa permite que a experiência seja transmitida e incorporada à
memória, tornando-se parte da tradição cultural e do ethos comunitário. A oralidade
desempenha um papel essencial na narração, e a identidade do narrador como o sujeito
privilegiado da enunciação é central para a transmissão de conhecimento.
A narrativa é vista como uma forma de comunicação que vai além das palavras
escritas, uma vez que envolve a totalidade corporal dos interlocutores, incluindo audição, tato,
olfato e paladar, além da visão. Ela permite a criação de imagens vividas e polissêmicas que
refletem a complexidade do mundo. A narração também é associada à capacidade de explicar
o porquê das ações e do comportamento humano.
A universalidade da narrativa é debatida, com menção a argumentos de que nem todas
as culturas são orientadas para a construção de relatos da vida cotidiana. No entanto, Julian
Jaynes argumenta que a narrativa é inerente à estrutura da consciência humana, tornando-se
um dos principais modos de compreensão do mundo. A consciência humana está relacionada
à narração, à construção de histórias contínuas de vida e à atribuição de causas para o
comportamento.
O texto conclui destacando a persistência do narrador tradicional em diferentes
culturas, como o "griô" na África, que continua a desempenhar um papel fundamental na
transmissão de tradições e conhecimento por meio de histórias, música e dança. A narrativa é
impulsionada pela alacridade/alegria, uma força vital que está relacionada ao movimento e à
energia que sustentam a narração e a transmissão de conhecimento.
Em resumo, o texto ressalta a importância da narrativa como uma forma essencial de
comunicação, transmissão de experiências e conhecimento, e atribuição de sentido à
experiência humana. A narrativa desempenha um papel central em diferentes culturas e em
diferentes períodos da história, conectando os seres humanos por meio da partilha de histórias
e valores.

Este ensaio, fundamentado na obra magistral de Muniz Sodré, "Pensar Nagô" (2017),
elabora uma análise densa e perspicaz acerca dos complexos elementos que compõem a
interseção entre etnia, liturgia e povo, bem como as interligações entre crença, saber e cultura,
e, por fim, explora as nuances da narrativa como uma poderosa forma de comunicação e
transmissão de conhecimento em diversas contextos culturais. Esta obra de Muniz Sodré é um
marco na discussão contemporânea sobre a cultura afro-brasileira e suas implicações,
desvelando aspectos essenciais de sua riqueza e complexidade.

Considerações finais

A obra "Pensar Nagô" de Muniz Sodré, além de sua profunda reflexão sobre as
questões étnicas e culturais, também se destaca por sua contribuição fundamental para o
entendimento das raízes e da pluralidade da cultura afro-brasileira. Com sua análise perspicaz
e erudição, Sodré enriquece o diálogo acadêmico sobre esses temas e promove um maior
apreço pela riqueza das tradições culturais afro-brasileiras. A obra oferece uma visão
profunda e sensível das complexas interações entre etnia, liturgia, crença e narrativa, lançando
luz sobre aspectos muitas vezes subestimados da cultura brasileira.
Começamos nossa jornada discutindo a evolução das perspectivas sobre a
comunicação, reconhecendo que a comunicação não se limita à simples transmissão de
mensagens e palavras, mas abrange interações, cultura e experiência comunitária. Essa
perspectiva ampla revela que a comunicação é um fenômeno complexo, moldado não apenas
por tecnologia e sociedade, mas também por mudanças nas relações entre humanidade,
natureza e cidade.
Em seguida, explora-se a interseção complexa entre etnia, liturgia e povo no contexto
das manifestações religiosas de origem africana no Brasil. Este trecho destaca como as
práticas litúrgicas, como aquelas realizadas nos terreiros de candomblé, desempenham papéis
importantes na afirmação étnica e na transmissão de conhecimento em oposição à
modernidade ocidental, que prioriza a democracia e a diferença. Isso ilustra como a cultura e a
crença estão intrinsecamente ligadas, moldando as identidades culturais e transmitindo
conhecimento ao longo das gerações.
Sodré examina a relação entre crença, conhecimento, cultura e obrigação, explorando
as visões de Simone Weil, etnografia nagô e filósofos contemporâneos como Žižek e Vattimo.
Essa parte do texto destaca como a crença é moldada pela cultura e pela obrigação coletiva,
transcendendo a fé individual. Isso implica que a compreensão da crença vai além das
convicções pessoais, refletindo uma complexa rede de interações sociais e culturais.
No trecho subsequente, mergulha na discussão sobre a narrativa como uma forma
fundamental de comunicação e transmissão de conhecimento. Destacamos as visões de
Schopenhauer e Walter Benjamin sobre a narrativa como uma maneira de preencher lacunas
na compreensão do mundo, especialmente quando se trata do contingente e do inexplicável. A
narrativa é vista como uma forma de compartilhar experiências e valores dentro de uma
comunidade, uma expressão total do corpo e dos sentidos, permitindo a transmissão de
conhecimento e a atribuição de sentido à experiência humana.
Finalmente, reunindo esses elementos, nosso argumento central é que crença, cultura,
narrativa e comunicação são intrinsecamente interligados e desempenham papéis
fundamentais na construção da identidade, na transmissão de conhecimento e na atribuição de
sentido às experiências humanas. Esta interconexão fortalece nosso entendimento da
complexidade da condição humana, oferecendo uma perspectiva mais rica e holística sobre
como os seres humanos se relacionam, comunicam e constroem significados.
Este texto contribui socialmente ao aprofundar o entendimento sobre a cultura
afro-brasileira, desafiando preconceitos e estereótipos, e promovendo a valorização das
tradições culturais desse grupo étnico. Além disso, ao explorar as complexas relações entre
crença, saber e cultura, e ao destacar a importância da narrativa como forma de comunicação,
o texto ressalta a relevância da diversidade cultural e do diálogo intercultural na sociedade
contemporânea. Muniz Sodré, por meio de "Pensar Nagô", proporciona uma perspectiva
essencial para a compreensão da cultura afro-brasileira e, por extensão, da sociedade
brasileira como um todo.
Em conclusão, a obra de Muniz Sodré é um tributo à riqueza e diversidade da cultura
afro-brasileira, bem como uma chamada à reflexão profunda sobre questões de etnia, liturgia,
crença, saber e narrativa. Sua contribuição para o discurso acadêmico e para a sociedade
como um todo é inestimável, destacando a necessidade de celebrar e preservar as ricas
tradições culturais que moldaram o Brasil.

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