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Artigo-Licenciamento-Perpétuo - Laetitia Maria Alice Pablo D'hanens

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Possibilidade do licenciamento perpétuo do uso de

Imagem, voz e nome pela via contratual, e sua relação


com os Direitos de Arrependimento e de Esquecimento
Investigating image, voice and name license agreements
and perpetuity clauses

• Laetitia Maria Alice Pablo d’Hanens •


Sócia de Gusmão & Labrunie Propriedade Intelectual. Graduada em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1995; Mestre em Direito Comparado pela
Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica, 1998.

• Rodrigo Silva Perpétuo •


Assistente em Propriedade Intelectual na Ericksson. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015; Mestre em Direito da Propriedade
Intelectual pela Universidade de Uppsala (Suécia).

• Luiz Guilherme Veiga Valente •


Legal Counsel na Unilever. Graduado (2013) e Doutor (2019) em Direito pela Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2013; Pesquisador Visitante da Queen Mary
University of London, Reino Unido, 2018, e do Institut de Sciences Politiques de Paris, França, 2019.

Resumo Abstract

Este artigo investiga a possibilidade, de acordo com This paper analyses the possibility, as per the
a legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras, Brazilian legislation, scholarship and case law, of
de celebração de contratos relativos aos direitos de entering into contracts relating to image, voice
imagem, voz e nome por prazo perpétuo para um and name rights for a perpetual term and specific
uso específico, à luz tanto do caráter personalíssimo use, in light of both the personality aspects of
de tais direitos, bem como de sua harmonia com such rights, as well as in accordance with other
demais direitos de personalidade, notadamente, os personality rights, notably the right of withdrawal
direitos de arrependimento e ao esquecimento. and the right to be forgotten.

Palavras-chaves: Direito de imagem, Keywords: Image rights, publicity rights,


publicidade, direito de personalidade, direito de personality rights, right of withdrawal, right to be
arrependimento e direito ao esquecimento. forgotten.

As opiniões são de inteira responsabilidade de


seus autores e não expressam, necessariamente,
as opiniões da Comissão Editorial ou da ABPI. Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020 7
• Artigo •

Sumário • I• Introdução - II • Natureza jurídica dos direitos de imagem, voz e nome - III • Disponibilidade de
direitos e autonomia privada - IV • Caráter perpétuo dos acordos envolvendo direitos de imagem, voz e nome -
V • Direito de arrependimento e de esquecimento - 6 • Conclusão.

I • Introdução Afinal, pode a empresa validamente negociar o direito de usar


tais imagens para sempre? E, mesmo que o uso da imagem no
Imagem, voz e nome são elementos próprios de cada indivíduo pack tenha sido ajustado por prazo determinado, podem as
intimamente associados à respectiva identidade, reputação e partes estipular livremente que a cessionária, licenciada ou au-
honra. Inserida na lógica de um ordenamento jurídico de tradi- torizada poderá reproduzir a embalagem em seu site, de modo
ção romano-germânica, a tutela dos direitos de personalidade que os consumidores identifiquem corretamente o produto que
encontra destacada disciplina, garantindo aos sujeitos de direi- compraram (por exemplo, para fins de assistência técnica)?
to proteção sobre expressões de sua individualidade.
Na mesma linha, é padrão em muitos contratos com influen-
Por outro lado, tais elementos da personalidade também po- ciadores digitais, cláusula que autoriza às empresas o direito
de manter no rolo histórico das suas redes sociais as fotos e
dem ser tratados como bens comerciais de suma importância.
vídeos produzidos para determinada campanha, mesmo após o
Não se trata aqui de fenômeno novo: desde muito tempo os
término do prazo acertado para veiculação dessas peças publi-
consumidores estão habituados a associar produtos e serviços
citárias na mídia tradicional. Também é usual que os realizado-
a determinadas feições e nomes. Como pensar, por exemplo,
res de uma promoção peçam ao vencedor autorização gratuita
na famosa rede de fast-food americana KFC sem automa-
para divulgar seu nome, bem como registros da entrega do tem-
ticamente lembrar do rosto simpático do Coronel Sandels?
po e a gravação de depoimentos, sem limite temporal. Esse tipo
Em igual sentido, da lista de 50 marcas mais valiosas da For-
de ajuste é válido, de acordo com os limites estipulados no Di-
bes, ao menos oito consistem nos nomes de seus fundadores:
reito Brasileiro para a disposição de direitos da personalidade?
Disney, McDonald’s, Louis Vuitton, Gucci, Hermès, Toyota,
Siemens e Mercedes-Benz.1 Apesar de antiga, essa prática
Este breve estudo propõe-se a investigar a possibilidade, no
ganha força no cenário atual da economia criativa, em que
direito brasileiro, de celebração de contratos voluntariamente
as empresas crescentemente buscam agregar valor às suas
pactuados relativos ao uso dos direitos de imagem, voz e nome
marcas por meio da comunicação de conteúdo (o chamado por prazo perpétuo para um uso específico fixado em suporte
branded content), associando-se a influenciadores e promo- material, cujo caráter definitivo é essencial para a finalidade
vendo publicações cada vez mais direcionadas ao seu público acertada. Trata-se de abordar o tema a partir de um viés prag-
consumidor. mático e considerando situações concretas, como um anúncio
publicitário num post de instagram – o famoso publipost.
Nesse contexto, a visão clássica de tutela personalíssima da
imagem, da voz e do nome pode conflitar com as múltiplas e Dessa forma, inicia-se, no tópico II, pela análise da natureza
dinâmicas formas de aproveitamento econômico desses atri- jurídica de tais direitos de personalidade, sobretudo seu cará-
butos, gerando dúvidas quanto aos limites admitidos pelo Di- ter indisponível e irrenunciável.
reito para a sua exploração. Indefinição se dá, por exemplo,
quanto à possibilidade de licenciamento, cessão ou autoriza- O item III tecerá um breve panorama acerca da legislação
ção definitivas do direito de uso sobre tais elementos da per- aplicável, passando pela doutrina e pela jurisprudência na
sonalidade, uma vez que não estão expressamente previstos matéria, revelando a possibilidade de patrimonialização dos
(tampouco proibidos) em nossa legislação. direitos à imagem, voz e nome, por meio de negócios jurídicos
acerca de seu uso e exploração, de forma onerosa ou gratuita,
Para além das questões de ordem filosófica, relacionadas à desde que não impliquem sua transmissão, modificação ou a
proteção da personalidade humana, o tema apresenta impac- extinção. Tais negócios, como examinado adiante, sujeitam-se
8 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

tos práticos de suma relevância. Basta lembrar das inúmeras a alguns requisitos e interpretação restritiva.
embalagens formadas por fotos de modelos, algumas usadas
há décadas e diretamente associadas pelos consumidores às Examinadas tais premissas, investiga-se, no item IV, a possi-
marcas dos produtos que contêm, como no caso dos palitos bilidade de licenciamento, cessão ou autorização em caráter
GINA 2. perpétuo. Adicionalmente, no item V, destacam-se as prerroga-

1
Disponível em: https://forbes.uol.com.br/listas/2019/05/as-100-marcas-mais-valiosas-do-mundo-em-2019. Acesso em: 03.09.2019.
2
A modelo neste caso teria assinado um instrumento de cessão de direitos, conforme relatam matérias jornalísticas (https://vejasp.abril.com.br/blog/memoria/
por-onde-anda-a-garota-dos-palitos-gina/).
• Artigo •

tivas dos titulares, a despeito dos contratos firmados, à luz do • extrapatrimonialidade, pois não têm conteúdo pa-
ordenamento e, por fim, apresentam-se as conclusões (item VI). trimonial direto e não são suscetíveis de avaliação
pecuniária;
• intransmissibilidade, eis que não podem ser transmiti-
II • Natureza Jurídica dos direitos de
dos a outros sujeitos;
imagem, voz e nome • indisponibilidade ou irrenunciabilidade, vez que o titu-
lar não pode renunciar a ou privar-se de tais direitos 5;
A imagem, a voz e o nome são atributos da personalidade • imprescritibilidade, pois não se extinguem com o
humana que individualizam, identificam e projetam o indivíduo tempo;
perante o mundo. Trata-se de bens jurídicos protegidos por • impenhorabilidade, não podendo ser objeto de pe-
nosso ordenamento. Embora haja debate doutrinário quanto à nhora;
classificação mais adequada para sua tutela, há consenso no • oponibilidade erga omnes, pois geram para a toda a
sentido de que tais atributos são abrangidos pelo regime dos coletividade o dever geral de abstenção, de não-intro-
direitos da personalidade3. missão nos direitos de personalidade de um sujeito.6

Carlos Alberto Bittar define os direitos de personalidade como No direito brasileiro, os direitos de personalidade recebem tu-
faculdades exercitadas normalmente pelo homem [...]que tela tanto no plano constitucional (artigo 5º da Constituição
se relacionam com atributos inerentes à condição da pessoa Federal 7 ), quanto no âmbito infraconstitucional (artigos 11 a
humana4. Por serem considerados os bens mais elevados da 21 do Código Civil 8, dentre outros diplomas legais), eviden-
pessoa humana, tais direitos têm como principais predicados: ciando a sua importância para o legislador pátrio.9

3
LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz e Direito Civil – Proteção jurídica da voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013, p. 111. 3
4
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 7.
5
Nos termos do artigo 11 do Código Civil, “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
6
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 33
7
“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
• É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...)
• São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação.”
8
Para a finalidade deste artigo, destacam-se os seguintes dispositivos:
“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha
reta, ou colateral até o quarto grau.
[…]
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não
haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”
9
José Carlos Costa Netto ensina que, ainda na primeira metade do século XX, muito antes da positivação em lei, os direitos de personalidade já eram tutelados
por decisões judiciais. Nesse sentido, diz: “A evolução da tutela jurídica no Brasil, do direito de imagem, não resultou propriamente do direito positivo, mas, sim,
da construção jurisprudencial” (COSTA NETTO, José Carlos. Direito Autoral no Brasil. 3 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 66).
9 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020
• Artigo •

Mais ainda, de acordo com os artigos 186 e 927 do mesmo requerimento e sem prejuízo da indenização que couber,
Código Civil, comete ato ilícito e fica obrigado a repará-lo se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabili-
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou dade, ou se se destinarem a fins comerciais. (grifamos)
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral. A violação de direitos da personalida- Tais dispositivos constituem o esteio legal exigido pelo artigo
de, neste contexto, enseja responsabilidade civil, em razão dos 11 para que o próprio titular tutelado autorize a exploração
artigos supracitados. de tais direitos de personalidade em troca de contrapartida.
Em outras palavras, mediante anuência expressa, ao indivíduo
Em comparação a outros direitos da personalidade, a ima- faculta-se patrimonializar os direitos de uso de sua imagem (no
gem, a voz e o nome do indivíduo guardam entre si íntima rela- que incluímos também sua voz)12 e de seu nome. Frise-se, essa
ção, pois, pelos usos e costumes, constituem frequente objeto relativização atende ao interesse do próprio titular dos direitos,
de comercialização. Por esta peculiaridade, a Lei, a doutrina e como decorrência da autonomia da vontade privada.
a jurisprudência admitem a relativização de algumas de suas
características, como a indisponibilidade, nos termos exami- Neste contexto, admite-se a celebração de negócios jurídicos
nados abaixo. relacionados a tais direitos de personalidade, desde que não
tenham como fim a sua transmissão, modificação ou a extin-
III • Disponibilidade de Direitos ção. Dentre os possíveis contratos, interessa-nos a cessão e a
licença, de forma onerosa ou gratuita.13
e Autonomia Privada
A doutrina não ignora o fato de que, frequentemente, e por Há de se observar que tais negócios jurídicos não versam so-
vontade do próprio titular, os direitos sobre imagem, voz e bre o direito da personalidade em si – este intransmissível –,
nome são patrimonializados10. Na mesma linha, também o re- mas sobre expressões materializadas de referido direito (como
conhece a jurisprudência, como explicita o Enunciado n° 4 da as reproduções visuais, audiovisuais, sonoras, etc.). Assim, não
I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal: se admite que uma pessoa disponha (seja de forma temporá-
ria, seja perpetuamente) do direito que lhe é inerente à própria
O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer imagem, voz ou nome, por si, pois tais elementos de sua indivi-
limitação voluntária, desde que não seja permanente dualidade sempre lhe pertencerão 14. Por outro lado, permite-
nem geral. se que a expressão de tais elementos, incorporada em meios
de suporte, bem como seu uso (por exemplo, em uma foto-
Assim, algumas das limitações particulares aos direitos de grafia) sejam objeto de licença, cessão ou autorização, tanto
personalidade, como a sua indisponibilidade, sofrem relativi- temporária quanto perpétua, como se verá adiante.
zação, de modo a possibilitar sua exploração, econômica ou
não, por terceiros interessados. Nesse sentido, para Fernanda Stinchi Pascale Leonardi, os
contratos de cessão e/ou licença de uso da voz, quando sub-
Se, de acordo com o artigo 11 do Código Civil 11, os direitos de metidos à análise do Judiciário, são plenamente aceitos e re-
personalidade não podem sofrer limitação voluntária, salvo conhecidos, sendo também confirmada a aplicação de suas
por previsão legal, por outro lado, os artigos 18 e 20 do disposições:
mesmo diploma legal norma ditam:
Pode-se dizer que o direito à voz é intransmissível e ina-
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome lienável, mas seu exercício pode ser cedido, por contrato
alheio em propaganda comercial. expresso, como o de licença de uso. De fato, esse é o
[…] entendimento aceito pelo ordenamento jurídico brasilei-
Art. 20 - Salvo se autorizadas, ou se necessárias à ad- ro, já que a voz é comumente objeto de contratos,
ministração da justiça ou à manutenção da ordem públi- os quais, quanto submetidos ao judiciário, são aceitos e
ca, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, suas estipulações, aplicadas. Vale dizer que desco-
ou a publicação, a exposição ou a utilização da ima- nhecemos qualquer decisão no sentido de conside-
10 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

gem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu rar nulo um contrato de concessão, licença ou auto-

10
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 115.
11
Vide nota 5, acima.
12
Veja-se, porém, a opinião de Leonardi, para quem o direito à voz seria autônomo, não estando, portanto, coberto no direito à imagem (ainda que a ele possa
ser aplicado o quanto previsto no art. 20 do Código Civil, acima mencionado): LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz e Direito Civil – Proteção jurídica da
voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013.
13
Ibidem, p. 120. No mesmo sentido: BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 95.
14
“Não podem esses contratos – quando de exclusividade – importar em cerceamento da liberdade da pessoa ou sacrifício longo de sua personalidade, sendo
considerada nula, como cláusula potestativa, a avença que assim dispuser (ex.: um contrato em que o titular se despojasse definitivamente de um direito dessa
ordem)” (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 50).
• Artigo •

rização de uso de voz por ilicitude, impossibilidade linha, os contratos envolvendo cessão, licença ou autorização
ou indeterminação de seu objeto.15 dos direitos da personalidade devem ser específicos, contendo
a finalidade, as modalidades e/ou formas do uso, preço
Tal entendimento vem sendo corroborado pelos tribunais: ou gratuidade, bem como o prazo e o território aos quais a
cessão, licença ou autorização estão vinculadas. 18
I - O direito à imagem objetiva protege o interesse da
pessoa de opor-se à divulgação de sua imagem, em Interpretação restritiva e manifestação de vontade:
circunstâncias concernentes à sua vida privada. II - As-
sentado pelo acórdão impugnado, diante da análise do Em decorrência destes princípios, tanto a doutrina 19 como a
acervo fático-probatório dos autos e da interpretação do jurisprudência 20 impõem a tais contratos interpretação restri-
contrato de ‘licença para uso de imagem’ firmado pelas tiva, mesmo na ausência de uma previsão legal direta e espe-
partes, que não houve o uso indevido da imagem cífica para tanto. Trata-se da aplicação combinada dos vários
da autora, uma vez que ela livremente e de forma dispositivos da ordem jurídica a respeito da matéria, já exami-
nados acima.
expressa concordou com a publicação das suas
fotos, e não tendo sido provado qualquer vício no
Neste ponto, faz-se interessante o paralelismo com o regime
mencionado contrato, a pretensão recursal a sustentar
jurídico aplicável a contratos em matéria de Direito Autoral,
o contrário encontra óbice nos enunciados 5 e 7 da sú-
considerando que a tutela de direitos desta natureza também
mula/STJ. II - Ajuizada a ação de indenização com base
repousa no fundamento de ser a obra uma expressão da per-
no uso indevido da imagem, e não no inadimplemento
sonalidade do autor. Note-se que o artigo 4° da Lei de Di-
contratual, desnecessário perquirir-se a respeito da exis- reitos Autorais (Lei n° 9.610/1998) estabelece como regra a
tência da quitação. 16 interpretação restritiva para os negócios jurídicos referentes
a direitos de autor e conexos. Contudo, o Código Civil não
APELAÇÃO. DANOS MORAIS. Dano moral não con- provê dispositivo semelhante para as autorizações, licenças e
figurado. DIREITO À IMAGEM Contrato de licença cessões relativos a direitos de personalidade – salvo nos casos
para uso da imagem firmado pelas partes. Ausência de contratos não-onerosos, por força do artigo 114 do Código
de vicio de consentimento. Uso indevido de imagem Civil, aplicável a todos os negócios jurídicos desta natureza,
não reconhecido. RECURSO NÃO PROVIDO. 17 independentemente de seu objeto.

Com efeito, a própria existência de tais negócios jurídicos vin- Vale lembrar, no entanto, a aplicação da regra do artigo 4º
cula-se à manifestação de vontade do titular do bem, de tal da Lei de Direitos Autorais nos casos de proteção da voz e da
forma que, na hipótese de uso desautorizado e/ou em extrapo- imagem associados a uma atuação ou interpretação artísticas,
lação aos ditames contratuais, a utilização da imagem, da voz (art. 90, § 2°), hipóteses essas em que tais atributos estão sujei-
ou do nome da pessoa pode ser considerada ato ilícito. Nessa tos ao regime dos direitos conexos.

15
LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz e Direito Civil – Proteção jurídica da voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013, p. 122.
16
Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 230.306-RJ. Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, jul. em 07.08.2000. Grifos nossos.
17
Tribuna de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação nº. 0078308-77.2011.8.26.0224. 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rosângela Telles, jul. em
23.10.2014. Grifos nossos.
18
LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz e Direito Civil – Proteção jurídica da voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013, p. 122.
19
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. São Paulo: Verbatim, 2013, p. 80-81. LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz
e Direito Civil – Proteção jurídica da voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013, p. 120-121. TEPEDINO, Gustavo. Código civil
interpretado conforme à constituição da república. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 52-53
20
Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 1.322.704-SP. Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, jul. em 23.10.2014 (por mais que, no caso con-
creto, tenha reconhecido também o uso de outros métodos interpretativos, como a vontade aparente das partes).
11 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020
• Artigo •

Outro ponto de dúvidas quanto à validade dos contratos que “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS
versam sobre o uso de direitos personalíssimos reside no ca- PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode
ráter tácito ou expresso da manifestação de vontade do titular. cometer o delírio de, em nome do direito de privacida-
Ora, é certo que o uso da imagem, voz ou nome dependem de, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de
necessariamente da autorização do titular 21, por força dos ar- uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação
tigos 18 e 20 do Código Civil 22. Não obstante, os dispositivos atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua
legais aplicáveis não vedam nem excluem a possibilidade de o imagem em cenário público, não é ilícita ou inde-
consentimento ser tácito. vida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a
proteção à privacidade encontra limite na própria expo-
O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade sição realizada. Recurso especial não conhecido.” 24
de autorização tácita do uso de imagem, em caso concreto,
relativo a negócios jurídicos não-onerosos (para os quais, por- Também a doutrina, nessa linha:
tanto, deveria haver interpretação restritiva, por força do artigo
114 do Código Civil, já mencionado) e quando o uso por ter- Ao consentir no uso de sua imagem, a pessoa poderá
ceiro se deu em caráter comercial: fazê-lo, de modo tácito ou expresso. Poderá, também,
consentir gratuitamente ou a título oneroso. Uso gratuito
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE IMAGEM. POSSIBI- da imagem mediante consentimento tácito. Ocorre quan-
LIDADE DE CONSENTIMENTO TÁCITO, DESDE QUE do a pessoa, sem se manifestar expressamente, con-
INTERPRETADO DE FORMA RESTRITA E EXCEPCIO- sente que sua imagem seja por outrem publicada.25
NAL. USO INDEVIDO. INDENIZAÇÃO POR MATERIAIS
CONFIGURADA. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA A autorização para o uso da imagem ou obra in-
NA ESPÉCIE. […]2. Em regra, para maior segurança e telectual de uma pessoa pode se dar por meio de
proteção, é exigível o consentimento expresso para o uso manifestação de vontade expressa ou tácita. Pauta-
da imagem. Contudo, a depender da situação em con- das por essas diretrizes, doutrina e jurisprudência men-
creto, admite-se o consentimento presumível, desde cionam casos de pessoas que se dirigem, participam ou
que, pela sua própria natureza, seja interpretado com ex- encontram-se em situações, eventos ou locais públicos,
trema cautela, de forma restrita e excepcional[...]No caso cientes de que podem ter a imagem veiculada de algu-
concreto, a recorrida publicou, em revista especializada ma forma na mídia. 26
e de grande circulação, fotografias dos recorrentes em
matéria relacionada à gravidez, sem que houvesse a au- Verifica-se, assim, que o consentimento não obriga-
torização expressa destes, não se sabendo ao certo quais toriamente é revelado através de um instrumento
foram os limites de eventual consentimento perfectibiliza- escrito, podendo ser presumido. Qualquer manifes-
do, sendo devido o dano material, pela utilização indevi- tação inequívoca de permissão para a fotografia,
da da imagem. 5. No entanto, não há que se falar em assim como para a sua utilização, pode servir de
dano moral, pois os recorrentes acabaram concor- consentimento para a veiculação. Entendemos que o
dando, ainda que tacitamente, com a exposição de consentimento geral, sem qualquer ressalva, não pode
suas imagens na revista editada pela recorrida, pois prevalecer sobre o direito à imagem, já que, em sen-
foram eles próprios que forneceram as fotografias, do este um patrimônio protegido e o consentimento a
com os respectivos negativos, para a escolha e di- exceção, deve ele (consentimento) ser entendido com
vulgação pela revista, o que revela o interesse dos reservas, cabendo sempre interpretação restritiva. O
mesmos em se ver expostos na matéria de circulação consentimento, destarte, embora possa ser presu-
nacional, além de que, a própria Corte local salien- mido, deve ser sempre analisado restritivamente, já
tou que a matéria foi “respeitosa, inteligente, bem que a regra é a da proteção da imagem. 27
redigida e primorosamente produzida”.23
Ou seja, para parte da doutrina e da jurisprudência, a inter-
Do mesmo modo no caso de a conduta do titular induzir à in- pretação restritiva dos contratos relativos ao uso de direito per-
12 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

terpretação de consentimento para a utilização, face também sonalíssimo e da abrangência do consentimento em dado não
à liberdade de expressão, como será tratado adiante: impede a possibilidade de manifestação tácita de vontade, ca-

21
Salvo se justificados pelo interesse público, como abordaremos adiante.
22
Vide nota 8 acima.
23
Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 1384424-SP (2011/0178374-5). Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, jul. 11.10.2016.
24
Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 595.600-SC (2003/0177033-2). Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, jul. 18.03.2004.
25
FACHIN, Zulmar Antonio. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor, IBDC, 1999, p. 92-94.
26
NEVES, Allessandra Helena, Direito de autor e direito à imagem: à luz da Constituição Federal e do Código Civil. Curitiba: Juruá, 2011, p. 242
27
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. São Paulo: Verbatim, 2013, p. 80-81. Grifos nossos. Grifos nossos.
• Artigo •

bendo a quem fizer uso do direito personalíssimo – e não a seu “EMENTA: CONSTITUCIONAL. DANO MORAL: FO-
titular – o ônus de provar tal autorização implícita: TOGRAFIA: PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA: INDE-
NIZAÇÃO: CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL:
A tutela dos direitos da personalidade, visceralmente POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X. I. Para
ligada à garantia da dignidade da pessoa, um dos, se a reparação do dano moral não se exige a ocor-
não o mais proeminente, valores fundantes da ordem rência de ofensa à reputação do indivíduo. O que
jurídica, requer uma predisposição do juiz para praticar acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de
uma exegese restritiva da vontade da vítima, impondo- alguém, com intuito comercial ou não, causa desconfor-
se a inversão do ônus da prova, máxime quando se to, aborrecimento ou constrangimento, não importando
tratar da prova do consentimento tácito, em que à o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou
vítima corresponderia o dever de provar fato negativo: desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano
que não consentira. 28 moral, que deve ser reparado, manda a Constituição,
art. 5º, X. II. - R.E. conhecido e provido.”31
Uso não autorizado e responsabilidade civil:
No mesmo diapasão a Súmula 403 do Superior Tribunal de
A despeito do embate acerca da possibilidade de autorização Justiça:
tácita, é certo que, na hipótese de consentimento explícito pré-
vio, o uso de determinados atributos da personalidade, como Independe de prova do prejuízo a indenização pela pu-
a imagem, a voz, 29 e o nome é lícito, como decorre da leitura blicação não autorizada de imagem de pessoa com fins
dos artigos 18 e 20 do Código Civil, acima transcritos. econômicos ou comerciais. 32

Uma interpretação literal do artigo 20 do Código Civil poderia Ou seja, havendo uso não autorizado de nome, imagem ou
induzir à conclusão de que a utilização não autorizada somen- voz da pessoa, há dever de indenizar, independentemente da
te seria considerada ilícita se (i) for atingida a honra da pessoa, ocorrência de lesão.
ou (ii) se for constatada uma finalidade econômica. Não obs-
tante, em se tratando da tutela à imagem da pessoa humana A exceção, entretanto, se dá caso a utilização da imagem, voz
(em que, como já referido, inclui-se também a voz), o artigo 5º, ou nome seja justificada por outros princípios constitucionais
inciso X, da Constituição Federal, assegura sua inviolabilidade (como, por exemplo, a liberdade de expressão ou direito à
de forma não condicionada, vale dizer, sem submeter a prote- informação, tuteladas nos incisos IV, IX e XIV do art. 5°). É o
ção jurídica à aferição de quaisquer condições. que dispõe o Enunciado n° 279, da IV Jornada de Direito Civil
da Justiça Federal:
Sobre esta temática, Roxana Borges entende que “a exposição
ou captação não autorizada da imagem de alguém, para ser A proteção à imagem deve ser ponderada com outros
ilícita, não requer a ofensa à honra da pessoa retratada ou interesses constitucionalmente tutelados, especialmen-
filmada, assim como é indiferente a intenção dolosa ou culpo- te em face do direito de amplo acesso à informação
sa, daquele que indevidamente a utiliza 30 ”. Neste sentido já se e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-
manifestou o Supremo Tribunal Federal: se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos

28
CAMBLER, Everaldo Augusto... [et al.], Coordenadores Arruda Alvim e Thereza Alvim; Comentários ao código civil brasileiro, parte geral, v. 1, 2ª ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2012, p. 201.
29
LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz e Direito Civil – Proteção jurídica da voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013, p. 119.
30
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 156.
31
Supremo Tribunal Federal – Recurso Extraordinário n° 215982. 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, jul. em 04.06.2012. Grifos nossos.
32
Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_38_capSumula403.pdf. Acesso em: 21.08.2019.
13 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020
• Artigo •

abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as Não obstante, os termos e condições de referidos negócios ju-
características de sua utilização (comercial, informativa, rídicos deverão ser específicos, sendo sua interpretação restriti-
biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam va. Inexiste consenso quanto à possibilidade de consentimento
a divulgação de informações. 33 implícito para a cessão, licenciamento ou autorização de uso
de tais atributos da personalidade.
Assim vêm decidindo nossas Cortes Superiores:
Por outro lado, sua tutela independe da ocorrência de lesão à
“EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRI- honra, de modo que qualquer uso indevido da imagem, voz e
TO. Depoimento. Indiciado. Sessão pública. Transmis- nome da pessoa – seja em violação às condições pactuadas,
são e gravação. Admissibilidade. Inexistência aparente seja na ausência total de autorização – por si só, implica respon-
de dano à honra e à imagem. Liminar concedida. Re- sabilização civil, salvo se justificada por outros princípios cons-
ferendo negado. Votos vencidos. Não aparentam ca- titucionais (como, por exemplo, a liberdade de expressão ou
racterizar abuso de exposição da imagem pessoal direito à informação, tuteladas nos incisos IV, IX e XIV do art. 5°).
na mídia, a transmissão e a gravação de sessão em
que se toma depoimento de indiciado, em Comis-
IV • Caráter Perpétuo dos Acordos
são Parlamentar de Inquérito.” 34
envolvendo Direitos de Imagem, Voz e Nome
“RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO
CPC/1973. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CON- Como examinado, nosso ordenamento admite a realização de
TRADITÓRIO. MATÉRIA JORNALÍSTICA. DANO À negócios jurídicos com a finalidade de ceder, licenciar e/ou
HONRA E À IMAGEM. NÃO CONFIGURAÇÃO. autorizar a utilização, por terceiros, de imagem, voz e nome,
INEXISTÊNCIA DE INTENÇÃO DE OFENDER. RELA- de forma onerosa ou gratuita, desde que por meio de contrato
TO OBJETIVO DE FATOS DE GRANDE INTERESSE específico que delimite a abrangência da licença.
PÚBLICO. VERDADES ABSOLUTAS. […]3. Não con-
figura ofensa à honra e à imagem do recorrente No entanto, como exposto acima, os contratos de licença, ces-
a matéria jornalística reproduzida em revista de são ou autorização devem compreender, dentre outras espe-
circulação nacional, que, sem veicular palavras ou cificações, a finalidade, as formas e modalidades de uso,
termos ofensivos à dignidade do autor, narra episódio gratuidade ou remuneração, território e prazo.
de relevante interesse público, com a mera inten-
ção informativa, não se podendo, nesses casos, cogi- Com efeito, a doutrina justifica tal previsão específica e deta-
tar em qualquer extrapolação ao exercício da liberdade lhada de condições, nos acordos de licença, cessão ou autori-
de imprensa, concernente ao Estado Democrático de zação, pela possibilidade de o titular do direito manter o bem
Direito, conforme preceitua a CF/88. 4. Só será confi- jurídico objeto de tais acordos sob seu controle, garantindo-se
gurada ofensa à honra e à imagem, no que respeita a proteção aos seus direitos da personalidade 36.
ao elemento subjetivo dos ilícitos ensejadores daquelas
violações, se emergir clara a intenção de benefi- Observe-se, porém, que a necessidade de previsão de prazo
ciar-se ofendendo, de enaltecer-se diminuindo ou ou duração da licença, cessão ou autorização não equivale à
ridicularizando o outro, seja por mera emulação, re- vedação de ajuste, pelas partes, do caráter perpétuo e defini-
torsão, vingança, rancor ou maldade. 5. No caso dos tivo como estipulação de prazo. Em outras palavras, havendo
autos, não se vislumbra intuito específico de denegrir a as partes, por livre manifestação de vontade, acordado quan-
imagem ou a honra do recorrente, [...].”35 to ao caráter perpétuo e definitivo do ajuste, estaria atendida
a recomendação doutrinária para que o quesito “prazo” seja
Cabe concluir, portanto, que é permitida a realização de ne- expressamente disciplinado no negócio jurídico em questão.
gócios jurídicos – válidos e eficazes – envolvendo direitos da
personalidade, como os contratos de cessão ou licença de uso Vale notar que a inexistência de óbice legal neste sentido.
de imagem, e de autorização de uso de nome. Nessa esteira, ressalte-se que, pelo art. 5°, II, da Constituição
14 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

33
Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/236. Acesso em: 21.08.2019.
34
Supremo Tribunal Federal – Mandado de Segurança n° 24832 MC/DF. Plenária, Rel. Min. Cezar Peluso, jul. em 18.03.2004. Grifos nossos.
35
Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 1408120-DF (2013/0178527-0). Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, jul. 22.08.2017. Na mesma
orientação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIREITO DE IMAGEM. Reportagem jornalística sobre
trotes universitários. Divulgação de imagem não autorizada. Fotografia que retrata o autor aplicando trote em aluno calouro. Imagem dentro do contexto da
matéria jornalística. Direito de informação que não foi exercido de forma abusiva. Publicação não ofensiva e sem finalidade lucrativa. Ausência de identificação
acerca da pessoa do autor. Prevalência do interesse público na veiculação de informação. Responsabilidade civil não configurada. Sentença mantida.
Recurso desprovido.” (Apelação Cível 0001748-36.2011.8.26.0114. 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Rel. Des. Milton Carvalho, jul. 10.06.2015).
36
Nesse sentido: “Com a delimitação detalhada do uso do direito de personalidade, permite-se à pessoa a fruição econômica do uso desses direitos e, ao mes-
mo tempo, garante-se a proteção dos direitos de personalidade, que não saem de sua esfera jurídica” (BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade
dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 121).
• Artigo •

Federal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer al- Ainda, a cessão, licença ou autorização do uso definitivo
guma coisa senão em virtude de lei. do atributo de personalidade não se confunde com a pres-
tação de serviços que resultaria no registro ou fixação da
Mais ainda: uma licença, cessão ou autorização perpétua imagem ou voz. Desta forma, a perpetuidade convenciona-
quanto ao uso de uma determinada expressão da imagem, da não obrigaria o indivíduo a estar eternamente disponível
da voz ou do nome em um dado suporte não viola o caráter para que o cessionário, licenciado ou autorizado capturasse
indisponível do direito de personalidade, uma vez que referi- novas fotografias ou vídeos a fim de usá-los em, digamos,
do negócio jurídico não versa sobre o direito em si, mas sim campanhas publicitárias futuras. Pelo contrário: significaria
sobre aquela específica materialização de tais atributos da que o material licitamente produzido poderá ser utilizado nos
personalidade em uma forma de expressão específica. termos negociados entre as partes – o que pode envolver sua
veiculação por prazo definitivo.
Sob este prisma, uma autorização ou licença perpétua de uso
de uma expressão fixada da imagem, do nome ou da voz em O cerne da questão, portanto, é a autonomia da vontade
um determinado suporte, não conflitaria com o Enunciado n° das partes ao estabelecer uma relação contratual referente
4 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, segundo à fixação da imagem, voz ou nome do indivíduo em suporte
o qual o exercício dos direitos de personalidade não pode físico, para uso específico. Presente o elemento volitivo, va-
sofrer limitação voluntária permanente, pois não haveria li- lidamente manifestado, não haveria motivo para a inadmis-
mitação ao direito na medida em que ao titular sempre seria sibilidade do caráter perpétuo, caso as partes assim tenham
possível fazer novos usos (incluindo novas licenças, autoriza- ajustado.
ções ou cessões) de sua imagem, voz ou nome.
Há de se notar que, para determinadas finalidades a per-
A questão ganha complexidade com as cores das demais petuidade pode ser essencial para a viabilidade do negócio
condições e contornos que estes negócios jurídicos podem contratado como, por exemplo: o uso de imagem ou nome
adquirir. No caso de um contrato que estabeleça, em caráter em uma marca (a ser registrada perante o Instituto Nacional
perpétuo, exclusividade de uso da imagem, voz ou nome ao da Propriedade Intelectual com possibilidade de prorroga-
cessionário, licenciado ou autorizado (por exemplo, proibin- ções sucessivas a cada dez anos sem limite de tempo), no
do contratos com terceiros sobre o uso de sua imagem, voz nome empresarial, nome de domínio ou mesmo na emba-
ou nome para um concorrente), haveria, de fato, uma limi- lagem de determinado produto. Em igual sentido, tem-se o
tação. Nessa hipótese, contudo, a interdição recairia sobre armazenamento de uma campanha publicitária no arquivo
ao caráter permanente da exclusividade, e não da cessão, do anunciante, no rolo histórico de suas páginas nas redes
licença ou autorização do direito de uso perpétuo. sociais, ou no portfolio da agência.

Outras situações podem ser igualmente desafiadoras. A pre- A doutrina não é uníssona quanto a este ponto. Roxana Car-
visão de remuneração periódica para o titular em contrapar- doso Brasileiro Borges, por exemplo, entende que a licença
tida à licença para exploração da sua imagem ou voz, por deve ser limitada no tempo:
exemplo, ensejaria obrigação perpétua de pagamento, pelo
licenciado, ao titular ou seus sucessores, o que vai de encon- “Conforme o negócio jurídico que se faça, o uso da
tro ao princípio de que ninguém pode estar perpetuamente imagem pode ser cedido exclusivamente a outrem, res-
vinculado por contrato. Caso o ajuste pré-determinasse a salvando-se que, exclusivo ou não, o direito ao uso da
contraprestação financeira em valor fixo, este problema seria imagem alheia será sempre limitado quanto ao tempo e
superado. à finalidade do uso.” 37

37
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 159.
15 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020
• Artigo •

Por outro lado, inexistindo vedação legal, e havendo mani- se a período posterior ao vínculo contratual, ou mes-
festação expressa de vontade do titular quanto à perpetuida- mo de que se tivesse procedido à cessão definitiva
de da licença, cessão ou autorização, seria possível admitir dos direitos de imagem da trabalhadora.39
que “delimitação no tempo” equivale à necessidade de dis-
ciplina expressa quanto à vigência, mesmo que em caráter Note-se, claro, que a Justiça do Trabalho só tem competência
perpétuo. para julgar casos em que a cessão, autorização ou licencia-
mento se dê dentro de uma relação empregatícia. Não obs-
A jurisprudência dos principais tribunais brasileiros, dentre tante, esta construção jurisprudencial, somada à ausência de
eles o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do decisões proibitórias na jurisdição cível, como relatado, reforça
Estado de São Paulo, não coleciona decisões dispondo sobre o entendimento de que o prazo perpétuo seria aceito para con-
a nulidade ou anulabilidade de cláusula que disponha acerca tratos versando sobre direitos de uso de imagem, nome ou voz.
da perpetuidade de licença, cessão ou autorização para uso
de direito de imagem, voz e nome. Por outro lado, ainda que a perpetuidade não se confunda,
de modo algum, com a indeterminação do prazo (esta sem-
Ao contrário, o Tribunal Superior do Trabalho expressamente pre ensejadora da precariedade do ajuste), o reconhecimento,
reconhece a possibilidade de cessão definitiva de direito de pela Justiça Comum, da licitude do uso de imagem e voz por
imagem, ao menos em sede de relação empregatícia: terceiros, na vigência de prazo indeterminado estipulado em
contrato, sinaliza para a disponibilidade destes direitos, sem
PROFESSOR. GRAVAÇÃO DE VÍDEO-AULAS E ELA- que sejam feridos os princípios jurídicos para a sua tutela:
BORAÇÃO DE APOSTILAS. CLÁUSULA CONTRA-
TUAL EXPRESSA NO TOCANTE À CESSÃO TOTAL “É preciso observar, entretanto, que cedeu voluntaria-
E DEFINITIVA DOS DIREITOS AUTORAIS E DE USO mente e por prazo indeterminado sua imagem para
DE IMAGEM. [...]Segundo o Regional, o reclamante, uso da empresa cessionária, que poderia, nos termos do
ao ser contratado pelo reclamado, comprometeu-se a contrato, disseminar o conteúdo dos ensaios na internet
gravar vídeo-aulas e a elaborar apostilas sobre os as- (vide cláusula 2.1 do contrato fls. 51/52). Como a autora
suntos das matérias que seriam ministradas nas aulas, desistiu de sua pretensão de anular o contrato, a cessão
com a cessão irrevogável e definitiva dos direitos permanece válida.” 40
de imagem e dos direitos autorais sobre todo o ma-
terial didático. [...]A divergência jurisprudencial não “Diante do exposto, comprovada a entabulação de con-
prospera, ante a ausência de especificidade dos ares- trato entre as partes, o qual autorizava a veiculação
tos indicados como paradigmas, às págs. 459-461, na da imagem e da voz do ora agravante por tempo in-
medida em que não tratam da mesma situação fática determinado, verifico não haver descumprimento con-
dos autos, em que ficou expressamente consignada tratual, tampouco violação de seu direito de imagem.” 41
a existência de cláusula contratual a respeito da
cessão total e definitiva dos direitos autorais e de Outro argumento reforça a analogia entre a perpetuidade e a
uso de imagem do autor. 38 indeterminação do prazo no caso de contratos versando sobre
direitos de personalidade: parte da doutrina e da jurisprudên-
Em outra decisão, a mesma corte indiretamente cogita da cia considera que, independentemente da previsão contratual
possibilidade de cessão definitiva de direito de imagem, na ajustada, a cessão, a licença ou a autorização sempre são
esfera trabalhista: precárias, podendo ser revogadas a qualquer momento, dada
a íntima relação entre o titular e o direito tutelado, como abor-
RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. dado no tópico V a seguir.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. USO DE IMA-
GEM DO TRABALHADOR EM OBRA AUDIOVISUAL
APÓS A RUPTURA DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE V • Direito de arrependimento e de
EXPRESSA CESSÃO DEFINITIVA DOS DIREITOS DE esquecimento
IMAGEM. DANO “IN RE IPSA”. […] Não há registro
16 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

no acórdão recorrido, ou mesmo alegação recursal, de Como vimos anteriormente, o uso autorizado do nome, ima-
que a referida autorização expressamente se estendes- gem ou voz do indivíduo não constitui ato ilícito. Entretanto,

38
Tribunal Superior do Trabalho – Agravo de Instrumento Interposto em Recurso de Revista 1246000-84.2009.5.09.0028. 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto
Freire Pimenta, jul. 25.10.2017. Grifos nossos.
39
Tribunal Superior do Trabalho – Recurso de Revista 1372-05.2011.5.04.0020. 1ª Turma, Rel. Min. Marcelo Lamego Pertence, jul. 10.10.2018. Grifos nossos.
40
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação Cível nº 1082395-33.2017.8.26.0100. 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau, jul.
em 11.06.2019. Grifos nossos.
41
Tribuna de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul– Agravo de Instrumento nº 70076664515 (nº CNJ: 0031663-30.2018.8.21.7000). 10ª Câmara Cível,
Rel. Des. Marcelo Cezar Muller, jul. em 24.05.2018. Grifos nossos.
• Artigo •

existe discussão doutrinária acerca da possibilidade de o titular plemento daquele que se obrigou quanto aos seus
do direito personalíssimo revogar, unilateralmente e a qual- direitos de personalidade gera responsabilidade
quer tempo referido consentimento, em virtude da natureza contratual.” – grifamos.44 45
jurídica do bem personalíssimo, conforme entende Fernanda
Stinchi Pascale Leonardi: Sob outro ângulo, embora a retratação seja justificada “pela
natureza personalíssima do direito à própria imagem, ainda
“Vale observar, ainda, que, de acordo com os princí- que algumas legislações queiram condicionar a retratação ao
pios gerais atinentes aos direitos da personalidade, a ressarcimento de eventuais prejuízos causados, vem a doutrina
autorização concedida pelo emissor da voz pode ser entendendo que tal condicionamento não é aceitável”46.
revogada.” 42
Em todo caso, questiona-se se seria aplicável ao direito de
Partindo desse pressuposto, à luz dos princípios constitucionais arrependimento quanto à cessão, licença ou autorização de
abordados anteriormente, o titular do direito, a despeito de direito de uso de imagem, voz e nome o requisito previsto pela
quaisquer disposições que o vinculem contratualmente (como Lei de Direitos Autorais, isto é, o fato de a utilização ou circu-
nos casos de licença, cessão ou autorização perpétua), sempre lação da obra afetar a reputação do indivíduo. Em outras pa-
teria a prerrogativa de fazer cessar o uso de sua imagem, de lavras, pode-se argumentar que a revogação só seria cabível
sua voz ou de seu nome.43 quando o uso que se faz daqueles atributo da personalidade
causam dano à honra do seu titular (por exemplo, a veicula-
Não obstante tal risco, parte da doutrina entende que, na hi- ção da imagem, voz ou nome em material pornográfico ou
pótese de exercício do direito de arrependimento quanto à ces- publicidade contrária às convicções atuais da pessoa retrata-
são, licença ou autorização de direito de uso de imagem, voz e da – digamos, a foto em anúncio de produto laticínios de uma
nome, o titular deverá indenizar a parte contrária do contrato modelo que tenha posteriormente se tornado vegana).
em razão da rescisão contratual imotivada, ou incorrer nas pe-
nalidades eventualmente previstas em contrato (se aplicável): À baila desta discussão, cumpre destacar um outro direito que
vem sendo muito discutido nos últimos anos: o direito ao es-
“Levanta-se a hipótese de a declaração de vontade que quecimento.
autoriza a cessão de uso ser ou não retratável, devido
à própria natureza do objeto do negócio jurídico. O uso Em linhas gerais, esse direito pode ser definido como a possi-
autorizado por meio de cessão temporária não pode bilidade de o titular de um direito da personalidade de “discutir
ser objeto de execução forçada específica, devendo a o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o
obrigação se reverter em perdas e danos, na hipótese modo e a finalidade com que são lembrados”, como bem deli-
de não haver cláusula penal. [...] Consideramos que a neado no Enunciado n° 531 da VI Jornada de Direito Civil. Tal
estipulação de cláusula penal para obrigações so- enunciado concluiu que, em nossa atual conjetura (isto é, na
bre os direitos de personalidade é válida. O inadim- sociedade da informação marcada pelas novas tecnologias),

42
LEONARDI, Fernanda Stinchi Pascale. Voz e Direito Civil – Proteção jurídica da voz: história, evolução e fundamentação legal. Barueri: Manole, 2013, p. 121.
Ainda que o trecho em questão fale de direito de voz, estendemos sua leitura ao direito de imagem e direito ao nome.
43
Tal como o direito de retirada dos autores, previsto na Lei de Direitos Autorais (art. 24, VI).
44
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Contato de Licença de Uso de Imagem. Publicado em 15.04.2010. Disponível em: http://www.diritto.it/docs/29355-
contrato-de-licen-a-de-uso-de-imagem. Acesso em 04.08.2019. Em igual sentido: CAPELO DE SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo. O direito geral de
personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. Tal entendimento assemelha-se ao direito moral de arrependimento previsto aos autores e intérpretes, pelo
art. 24, IV, da Lei n° 9.680/1998.
45
Nesse sentido: BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Contato de Licença de Uso de Imagem. Publicado em 15.04.2010. Disponível em: http://www.diritto.it/
docs/29355-contrato-de-licen-a-de-uso-de-imagem. Acesso em 04.08.2019.
46
BARBOSA, Alvaro Antônio do Cabo Notaroberto. Direito à própria imagem: aspectos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 77.
17 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

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• Artigo •

no âmbito da tutela da dignidade da pessoa humana cabe o comercial da sua imagem, voz ou nome por terceiros não
direito ao esquecimento 47. constitui violação.

Os direitos de arrependimento e ao esquecimento servem, Por sua vez, a doutrina estabelece uma série de requisitos para
no contexto deste estudo, como mais um fundamento para a os negócios jurídicos que disponham da utilização de referidos
prerrogativa do titular de um direito de fazer cessar a veicu- direitos personalíssimos. Assim sendo, tais contratos (sejam
lação de sua imagem, nome ou voz, mesmo que autorizado licenças, cessões ou autorizações) devem ser específicos,
previamente. contendo a finalidade, as modalidades e/ou formas do
uso, preço ou gratuidade, bem como o prazo e o território
Não obstante, note-se a existência de precedente judicial, já aos quais a estão vinculados. Mais ainda, sua interpretação se
mencionado, em que não apenas se entendeu pela validade dá de forma restritiva, em benefício do indivíduo que licenciou,
da cessão do direito de uso de imagem por prazo indetermi- cedeu ou autorizou o uso de sua imagem, voz ou nome.
nado, como também que esta não seria revogável com base
no direito do esquecimento, dado o conflito com outros prin- À vista de todo o exposto, conclui-se ser defensável a cele-
cípios constitucionais, como o direito à informação: bração de licença, cessão ou autorização de uso de direitos
de imagem, voz e nome, relativos à fixação de determinada
“Mas não só. Ainda que se pudesse inferir que todos expressão de tais atributos da personalidade, em caráter
os endereços listados veiculam conteúdo não autoriza- perpétua, desde que haja a prévia e manifesta autorização
do, não pode a autora impedir que o motor de busca do titular do direito por meio de contrato específico, uma
da ré, que apenas indexa endereços eletrônicos, torne vez que:
indisponíveis os resultados que remetam aos conteú-
dos. A um porque não se está diante de conteúdo ilí- • não existe disposição legal que obste a licença per-
cito ou violador de direito personalíssimo, mas sim de pétua do uso desses direitos;
divulgação que tem como fundo contrato de cessão de • a previsão expressa do caráter perpétuo atende ao
imagens voluntariamente subscrito pela autora, e que requisito doutrinário de estipulação de prazo para este
previa, como já dito, a possibilidade de disseminação tipo de contrato;
de conteúdo na internet, sem restrições expressas. A • o ajuste quanto à perpetuidade constitui prerrogativa
dois, porque o pedido configura uma tentativa de das partes, em decorrência da autonomia da vontade;
obliterar fatos efetivamente ocorridos, públicos, o • existem julgados que confirmam a possibilidade da
que só se justificaria excepcionalmente, prevale- cessão definitiva de direito de imagem por, na esfera
cendo como regra o direito à informação.” 48 trabalhista;
• não há construção jurisprudencial no sentido de de-
Ainda que não haja unanimidade no tema, não se descarta a clarar nulas ou anuláveis cláusulas de perpetuidade
hipótese de consolidação jurisprudencial que privilegie o direi- para este tipo de acordo.
to ao esquecimento como justificativa legal para a revogação,
pelo indivíduo, de cessão, licença ou autorização previamente Sem prejuízo, é de se ressalvar o direito de arrependimento
concedida a terceiros para o uso de sua imagem, voz ou nome. quanto ao consentimento dado que vem sendo reconhecido
pela doutrina e pela jurisprudência. Se, a princípio, tal re-
6 • Conclusão vogação dependeria da compensação prévia ao licenciado,
cessionário ou autorizado, há relevante risco de as Cortes
Verificou-se que a imagem, o nome e a voz, em se tratando Brasileiras ratificarem o cancelamento da autorização, pelo
de atributos da personalidade, encontram ampla tutela pelo indivíduo, sem compensação ao titular a quem tiver sido
ordenamento brasileiro. Dada sua relação com a esfera mais dada. Tal risco se acentua quando somado ao direito ao es-
íntima e pessoal do indivíduo, a legislação pátria estabelece quecimento, atualmente reconhecido na jurisprudência nacio-
a indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos direitos sobre nal, como forma de tutela da dignidade humana.
referidos bens jurídicos. Não obstante, a doutrina admite a
patrimonialização de alguns desses direitos, para o benefício Combinadas estas complexas premissas, seria admissível,
18 Revista da ABPI • nº 165 • Mar/Abr 2020

econômico do seu titular, desde que não tenham como fim a válido e lícito contrato que disponha sobre a perpetuidade
sua transmissão, modificação ou a extinção. da licença, cessão ou autorização de uso desses direitos da
personalidade (imagem, voz e nome), desde que específica
Em igual sentido, o Código Civil brasileiro excepcionalmen- para determinada finalidade e sujeita ao risco de revogação
te admite que, em havendo autorização da pessoa, o uso pelo indivíduo.

Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/142. Acesso em 04.08.2019.


47

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação Cível nº 1082395-33.2017.8.26.0100. 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau, jul.
48

em 11.06.2019. Grifos nossos.em 11.06.2019. Grifos nossos.

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