Monique Rodrigues Oliveira Silva Ensp Mest 2022
Monique Rodrigues Oliveira Silva Ensp Mest 2022
Monique Rodrigues Oliveira Silva Ensp Mest 2022
Rio de Janeiro
2022
Monique Rodrigues de Oliveira Silva
Rio de Janeiro
2022
Título do trabalho em inglês: The health of the black population in the face of institutional
racism: an evaluability study of the National Policy for Comprehensive Health of the Black
Population in the city of Rio de Janeiro.
Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Rede de Bibliotecas da Fiocruz com os dados fornecidos
pelo(a) autor(a).
Bibliotecário responsável pela elaboração da ficha catalográfica: Cláudia Menezes Freitas - CRB-7-5348
Biblioteca de Saúde Pública
Monique Rodrigues de Oliveira Silva
Banca Examinadora
Rio de Janeiro
2022
À minha mãe, Antônia Rodrigues de Brito. Ao meu pai, Atenor de Oliveira: um singelo
reconhecimento à tamanha entrega.
AGRADECIMENTOS
The National Policy for Comprehensive Health of the Black Population (PNSIPN) is a legal
framework for confronting institutional racism. Its transversal nature envisages overcoming
racial inequalities beyond the Health sector. As a result of the mobilization of black women's
social movements, it was instituted in 2009 by the Ministry of Health and regulated in 2010 by
the Statute of Racial Equality. The Municipality of Rio de Janeiro adopted a series of measures
that pointed to the implementation of the Health of the Black Population, even before the
national regulation. Throughout the research, however, we identified great weakness, locally,
in compliance with the Policy. This work aimed to carry out an evaluability study of the
PNSIPN, in the city of Rio de Janeiro, considering the political-organizational context from
2007 to 2021. For this purpose, the Technical Committee for the Health of the Black Population
(CTSPN), as a space for social control and participatory management, was the privileged
location for the research. We analyzed the reports of the extraordinary meetings of the CTSPN,
from 2007 to 2021, as well as the official documentation that tells the history of the
institutionalization of the PNSIPN in the Municipality of Rio de Janeiro. The criteria observed
during the document analysis were: context; the author; the nature of the text; the key concepts.
As a result, we found that the Municipality of Rio de Janeiro did not effectively include the
Health of the Black Population in its agenda. As pointed out by the CTSPN, the systematic
absence of goals related to the health of the black population - in the Multi-Year Plans,
Municipal Health Plans and Budgetary Laws - is indicative of the lack of political will in
relation to confronting the racial inequity made possible by institutional racism. Over the last
fourteen years, organized black social movements, in articulation with Research and Teaching
Institutes, have played a prominent role in the correlation of forces with the Municipal Power,
without which advances such as: the regulation of mandatory filling out would be unthinkable
of the race/color item in municipal forms or the inclusion of Black Population Health sub-goals
in the Municipal Health Plan (2009-2013). We hope that this study helps in understanding the
situation of the PNSIPN in the city of Rio de Janeiro. We also aim to contribute to the
operationalization of the Municipal Program for Comprehensive Health of the Black
Population and the Technical Area of Health for the Black Population in the Municipality of
Rio de Janeiro.
Keywords: racism; systemic racism; ethnic inequality; health policy; viability study.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
2 PERGUNTA DE INVESTIGAÇÃO................................................................... 24
3 JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 25
3.1 A SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA NA COVID-19........................................ 26
4 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL.................................................. 37
4.1 ANTECEDENTES PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PNSIPN.............. 37
4.1.1 A contribuição dos movimentos sociais negros para a SPN............................. 47
4.1.1.1 A implantação da PNSIPN no município do Rio de Janeiro.................................. 54
4.1.1.1.1 O racismo na determinação social da saúde.......................................................... 62
4.1.1.1.1.1 Avaliação em Saúde: o estudo de avaliabilidade como pré-avaliação................... 73
5 OBJETIVOS ........................................................................................................ 81
5.1 OBJETIVO GERAL.............................................................................................. 81
5.1.1 Objetivos Específicos ........................................................................................... 81
6 MÉTODO............................................................................................................. 82
6.1 PERCURSO METODOLÓGICO.......................................................................... 84
7 RESULTADOS..................................................................................................... 86
8 DISCUSSÃO......................................................................................................... 98
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 104
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 106
APÊNDICE – ANÁLISE DAS REUNIÕES CTSPN (2007-2021) ................... 121
ANEXO A – RESOLUÇÃO DE CRIAÇÃO DO CTSPN/MRJ ...................... 131
ANEXO B – IMPLANTAÇÃO DA PNSIPN NO MRJ..................................... 134
ANEXO C – PROJETO DE LEI Nº 873/2021 ................................................. 143
13
1. INTRODUÇÃO
A localização social é um aspecto revelador do discurso, das leituras de mundo. Por
isso, é interessante falar dos pontos de partida: sou uma mulher racializada como negra. A
armadilha do colorismo (DEVULSKY, 2021) nomeou-me “morena clara, dos traços finos”!
Crescer em Laranjeiras, bairro de classe média alta da zona Sul do Rio de Janeiro, filha de
trabalhadores subalternizados pelas métricas- xenofóbica, classista, racista, patriarcal-
burguesas, foi uma experiência paradoxal: por um lado, as melhores lembranças afetivas do
bairro arborizado, das inúmeras possibilidades de Serviços e lazer ao ar livre. Em contrapartida,
as vivências indigestas que buscavam impor o “meu lugar” inferiorizado. A despeito das
mensagens venenosas acerca do “meu lugar”, existe uma cena que ilustra a insurgência: meu
pai, o Porteiro, contando aos “doutores” sobre a aprovação dos filhos para a Universidade
Pública, onde parte deles lecionava! A alegria paternal contrastava com o choque daqueles que,
a partir do pacto narcísico do racismo (BENTO, 2022), não concebiam a novidade,
principalmente porque não existiam as políticas afirmativas de cotas. Somente hoje, consigo
reconhecer a dinâmica social que nos cercava: ainda bem! O letramento racial me acompanha
há pouco tempo, como disse, minha imagem recebeu o eufemismo racista” morena clara dos
traços finos”. Provavelmente, motivo que me levou a jamais questionar o fato da graduação em
Serviço Social da UFRJ, de 2001 a 2006, ignorar o debate racial, estando ele, curiosamente, na
coluna vertebral da luta de classes. A formação universitária destituída do debate racial teve um
preço: o fazer profissional, também, insatisfatório, sob o ponto de vista da iniquidade racial
que vulnerabiliza a população atendida pelas políticas públicas das quais sou agente. Nesse
sentido, a formação profissional antirracista é crucial, pelo potencial de gerar repercussões não
somente para as beneficiárias, como para as operadoras das políticas sociais. A mudança de
rota aconteceu na pós-graduação, quando experimentei um mergulho sobre a história da
formação social brasileira a partir do olhar da intelectualidade negra. Esse movimento trouxe
novas perspectivas e chaves de leitura que repercutiram na percepção analítica, no
redirecionamento da conduta profissional. Fechando a apresentação dos meus lugares de
partida: sou uma mulher que se tornou negra, mãe de um adolescente promissor, esposa de um
homem negro com letramento racial. Sou funcionária de carreira do Ministério da Saúde desde
2009. Por fim, e não menos importante, sou a síntese dos melhores sonhos ancestrais, pisando
onde a sua presença foi rechaçada, abrindo caminho para as novas gerações negras que
conhecem o seu lugar: onde quiserem estar.
14
1
Utilizo as expressões “étnico-racial negra/ étnico-racial branca/” no exercício crítico de racializar a população
branca, lida como universal (MORRISON, 2019; RIBEIRO, 2019 ALMEIDA, 2019) em sociedades nas quais
a lógica colonial ainda é dominante (CÉSAIRE, 2020). Nesse estudo, voltarei o olhar, prioritariamente, para a
saúde da população negra, sem ignorar, contudo, que a iniquidade racial também desumaniza a população
representada pelos povos originários dessa nação.
16
A partir de Jones (2002), Werneck (2016) analisa o racismo sob três dimensões
relacionais, a saber: pessoal, interpessoal e institucional A primeira diz respeito ao racismo
internalizado, expresso pela aceitação dos padrões racistas sob os quais a sociedade se ancora;
a segunda dimensão está presente no racismo interpessoal, mediado por atitudes
preconceituosas, com ou sem intencionalidade; a última dimensão, representada pelo racismo
institucional, manifesta-se por meio das políticas, práticas e normas que reforçam tratamentos
diferentes e resultados iníquos.
Nessa perspectiva, a intelectualidade negra (WERNECK, 2016; SANTOS, M. ET
AL., 2020; OLIVEIRA ET AL, 2020, BORRET ET AL., 2021) identifica o racismo
institucional materializado, cotidianamente, pelos apagamentos injustificados. Tal
identificação evidencia-se no site da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) 2 , quando, em
uma matéria sobre a linha do tempo da saúde pública brasileira, os marcos históricos da
PNSIPN - aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde (2006), a publicação em Portaria do
Ministério da Saúde (2009) e a regulamentação através do Estatuto da Igualdade Racial
(2010) – são ignorados/ apagados.
Ainda que abordasse uma temática de outra natureza, no âmbito da saúde pública,
seria improvável ignorar o racismo como eixo de análise, uma vez que o “problema do negro”
(RAMOS, 1995) é, por sua vez, uma questão estrutural/estruturante, e, consequentemente,
responsabilidade da sociedade brasileira (ALMEIDA, 2019). O racismo, no marco temporal
do capitalismo, compõe as tecituras das instituições, revelando-se nos indicadores de saúde,
segundo raça/cor (CUNHA, 2012; WERNECK, 2016; BRAVO, 2018).
Nessa trama, a relevância da saúde da população negra é alvo de opiniões divergentes
(MATOS; TOURINHO, 2018), apesar da notória sub-representação no mercado formal de
trabalho, em espaços de tomada de decisões e da precarização das condições sociais (IBGE,
2019; BRASIL, 2021).
Existe um certo consenso quanto à vulnerabilização étnico-racial negra. Entretanto, as
explicações conflitantes acerca da raiz da questão demonstram, por um lado, o grau de
letramento racial (BRITO ET AL. 2018; PEREIRA; LACERDA, 2019) ou, por outra via, a
reprodução acrítica da ideologia dominante.
2
Ver em: “Cronologia Histórica da Saúde Pública: uma visão histórica da saúde brasileira”, disponível em:
http://www.funasa.gov.br/cronologia-historica-da-saude-publica Acesso: 27/04/2021
17
3
Parlamentar que defendia, durante o período pré- abolicionista, a promoção de medidas reparatórias básicas,
que oportunizariam condições mínimas de sobrevivência para as pessoas que seriam retiradas da escravização
(CARNEIRO, 2011).
18
Por sua vez, o imaginário social coletivo precisa ser familiarizado com o fio condutor
da iniquidade racial brasileira (IPEA et al., 2014), como passo anterior à formulação de
políticas de mitigação das iniquidades raciais. Uma façanha utópica, considerando a mídia e
as instituições como veículos de manutenção do capitalismo e de seus dispositivos de
sustentação, como o racismo.
Na contramão desse cenário, o movimento negro4, com destaque para o feminismo
negro (CARNEIRO, 2003; CARNEIRO, 2011; WERNECK, 2010; RIBEIRO, 2016;
GONZALEZ, 2018), tem assumido um papel primordial para o avanço por direitos de
equidade racial. Dentre as suas frentes de atuação, está a disseminação da história social
brasileira, sob o ponto de vista dos povos vulnerabilizados (GOMES, N. 2018), além do
combate ao mito da democracia racial (MOORE, 2009).
Encontra, todavia, uma correlação de forças desfavorável ao reconhecimento da
humanidade da maioria minorizada brasileira (SANTOS, R. 2021), sob a forte influência da
ideologia dominante.
Alguns estudiosos renomados se aproveitam da falta de informação e do pouco
esclarecimento da população e do lugar de privilégio que ocupam na academia e na
imprensa para produzir discursos perversos acerca do racismo. Esses discursos
reciclam e exploram ideias e teorias superadas como as da “mistura de sangue” de
Gilberto Freire, que estão na base da criação da ideologia da democracia racial
brasileira, e as descobertas da genética humana do meio do século passado sobre a
inexistência biológica ou científica de raça. O objetivo é persuadir a população
brasileira de que a política de ação afirmativa em benefício dos negros e dos índios
vá trazer de volta a raça, como se esta já tivesse desaparecido, e vai colocar fim ao
equilíbrio, à paz social garantidos pela mistura racial (...) É interessante como eles
conseguem, pelo jogo das palavras e dos exemplos propositalmente escolhidos,
agradar a inteligência e inverter a lógica, transformando a busca pelo caminho e das
soluções em fatores causadores do problema (MUNANGA 2007, p.15-16).
4
Nesse estudo, utilizo a acepção mais abrangente para “movimento negro”, composto por todas as mobilizações
coletivas, pró- equidade racial, constituídas desde à invasão europeia ao que convencionou-se chamar de Brasil
(SANTOS, J., 1985; GOMES, N.,2017).
19
Durante a primeira República, através da lei Elói Chaves, de 1923, a iniciativa privada
instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP’S), com o intuito de garantir amparos
(saúde e previdência) à uma pequena parcela de trabalhadores formais, os ferroviários.
Posteriormente, já no Estado Novo/ Era Vargas, os Institutos de Aposentadoria e Pensão
(IAP’s), sob a iniciativa governamental, abrangeram uma gama maior de trabalhadores
formais, contudo, a população negra não seria destinatária da referida proteção social, sendo
excluída das medidas governamentais de promoção do desenvolvimento social. Em
contrapartida, perpetuando, acriticamente, os estigmas depreciativos sobre a referida
população, as ações higienistas involuntárias, promovidas pelos sanitaristas da época, tinham
a população negra como público prioritário.
Não há dúvidas de que, diante de contextos endêmicos, as medidas governamentais de
mitigação são aconselháveis. Entretanto, é preciso evidenciar as motivações que priorizaram
o pleno funcionamento das atividades industriais e sua mão-de obra, em detrimento do
investimento em políticas estruturais, de grande relevância para as populações
vulnerabilizadas e para o desenvolvimento do país. Certamente, as lógicas do mercado, da
acumulação de riquezas foram, literalmente, o norte das medidas governamentais dos pós
“abolição”.
Na saúde pública, médicos sanitaristas, sob os interesses das classes dominantes
concerniam no controle de determinadas epidemias, ao mesmo tempo em que
realizavam a dicotomia racializada no enfretamento das epidemias, como no
22
combate à febre amarela, doença que incidia entre os imigrantes, mão de obra
estratégica na expansão econômica da virada do século XIX para o século XX, em
detrimento do enfrentamento do problema da tuberculose que atingiria a população
pobre das grandes cidades, pois a luta contra a febre amarela tinha um aspecto racial
(GOES; SANTOS, 2014, p.2534).
2. PERGUNTA DE INVESTIGAÇÃO
A Política de Saúde da População Negra, no município do Rio de janeiro, pode ser
avaliada em qual extensão e sob quais aspectos?
25
3.JUSTIFICATIVA
A PNSIPN foi uma resposta institucional à mobilização dos movimentos sociais
negros, que já pautavam o racismo como determinante social da saúde durante o processo de
redemocratização do país (GOMES, N., 2017; SILVA, 2021). Nessa perspectiva, os
indicadores sociais atinentes à população negra (IBGE, 2019 IBGE, 2021) são produto das
iniquidades raciais mobilizadas pelo racismo estrutural (WERNECK, 2016, ABRASCO,
2021).
Dados publicizados pelo Ministério da Saúde (MS), em 2017, apontavam que 69,5%
das pessoas da raça/cor negra tiveram acesso à uma consulta de saúde no último ano; por sua
vez, 74,8% da raça/cor branca acessaram o mesmo serviço. Com relação ao serviço
odontológico, 38,2% das consultas foram para a raça/cor negra e 50,4% para a raça cor branca
(ABRASCO, 2021). A iniquidade racial é evidenciada no acesso, ao passo que, a despeito da
população atendida pelo SUS ser prevalentemente negra (MATOS ;TOURINHO, 2018), o
acesso aos serviços mostra-se maior entre a raça/cor branca.
Entendendo que o racismo estrutura a sociedade brasileira, produzindo a
aceitabilidade quanto à vulnerabilização das condições de saúde da população negra
(CARNEIRO, 2011), faz-se oportuna a avaliação permanente da PNSIPN (WERNECK,
2010), no sentido de produzir informações consistentes - que respaldem as gestões
governamentais na tomada de decisões - e de viabilizar a ampla informação da coletividade.
Apesar dos indicadores sociais acerca da saúde da população negra, (IBGE, 2019b) as
pesquisas, nesse campo, revelam-se incipientes (WERNECK, 2016), em decorrência,
também, da negação do racismo (CUNHA, 2012):
É preciso começar salientando que a importância de enfocar a dimensão étnico-
racial nos estudos da saúde se originam no reconhecimento da discriminação
histórica que a população negra sofreu no Brasil e a consequente vivência de
condições de marginalidade e vulnerabilidade que se estende desde a abolição da
escravatura até a atualidade. Porém, apesar de ser amplamente conhecida esta
constatação, a abordagem em pesquisas desta dimensão enfrentou e enfrenta até
hoje várias resistências. Acredito que isto seja devido tanto à crença da ausência de
racismo na sociedade brasileira, como em posições políticas abertamente contrárias
a incorporá-la fundamentadas na opinião de que se no Brasil se vive una
“democracia racial” dar ênfase neste recorte analítico estaria fomentando um
racismo inexistente (IDEM, 2012, p.37).
De acordo com o relatório final da CPI da Covid, ao longo dos anos de 2020 e 2021, o
Presidente Jair Messias Bolsonaro manteve um grupo de assessoria extraordinária, composto
por médicos, políticos e empresários. O gabinete paralelo prestava orientações, ao Presidente
da República, sobre as medidas de enfrentamento à pandemia, com destaque para fato de não
terem investidura formal para tal responsabilidade. O direcionamento, do referido gabinete
paralelo, seguiu a perspectiva da contaminação generalizada, com o objetivo da aquisição da
imunidade de rebanho (BRASIL, 2021), somada à inércia do Governo Federal frente às
medidas sanitárias, econômicas e sociais de enfrentamento ao Corona Vírus.
Ao longo do relatório, verificamos que tal estratégia motivou o Presidente Jair Messias
Bolsonaro a se opor às medidas de enfrentamento não farmacológicas (o uso de máscaras, o
distanciamento social, a rapidez na implementação de uma renda emergencial) e
farmacológicas com respaldo científico (a aquisição célere da vacina). Em contrapartida, deu
ênfase ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes para o tratamento da Covid-19,
repercutindo na propagação do vírus (BRASI, 2021) e no desalento coletivo.
28
O que decorre, desse marco inicial da promoção governamental do vírus, são desfechos
inimagináveis da morbimortalidade da covid-19, regados à dor, a sofrimento (BARROS et
al.,2020) e à tortura psicológica frente à zombaria presidencial veiculada em Rede Nacional.
É no contexto das injustiças que ainda pesam sobre a população negra, que a pandemia
Covid-19 se abateu sobre o Brasil. Ainda no ano Passado, o então Prefeito, de São
Paulo, alertava que “a população preta tem 37,5% mais chances de óbito do que a
população branca na cidade de São Paulo”. Segundo o Dossiê da Coalisão Negra por
Direitos, esse impacto se relaciona com a privação histórica de direitos básicos à
população negra, dentre eles o direito à saúde, alimentação adequada, moradia e
saneamento básico, possibilitando que sejam os negros e negras alvos principais da
negligência de enfrentamento ao vírus (BRASIL, 2021, p. 656).
6
O GT Racismo e Saúde da ABRASCO mobiliza ampla discussão das questões relacionadas ao racismo na saúde,
a partir da concepção interseccional. Para tanto, viabiliza atividades problematizadoras, articula a bagagem dos
movimentos sociais negros, no campo das relações raciais em saúde, a experiência do corpo docente que racializa
a sua atuação acadêmica, além da gestão do Sistema Único de Saúde, sobretudo no tocante à implementação da
(PNSIPN) (SANTOS et al, 2020).
29
Nessa perspectiva, o GT Racismo e Saúde tem trabalhado pela implicação das gestões
governamentais, por meio da problematização da realidade social e econômica das populações
vulnerabilizadas, bem como da proposição de medidas governamentais que respondam aos
efeitos da pandemia sobre o público prevalente da mortalidade da COVID-19 (Figura 2).
A partir da tabela sobre o número de óbitos por infecção por coronavírus de localização
não especificada por sexo e raça/cor, segundo grupos de idade (Figura 2), verifica-se que o
quantitativo de mortes entre pessoas da raça/cor preta e parda foi superior ao das pessoas da
raça/cor branca em todas as faixas etárias abaixo dos 70 anos: 24,9% (raça/cor preta e parda)
contra 20,7% (raça/cor branca). Nos grupos etários de 0 a 4 anos, morreram duas vezes mais
crianças pretas ou pardas do que crianças brancas. Entre a população com 70 anos ou mais,
houve uma inversão no percentual de óbitos, sendo mais elevado para a população da raça/cor
branca (30,1%) em relação aos representantes da raça/cor preta e parda (24,3%). Nessa faixa
etária, especificamente, os dados revelam aspectos cruéis, atinentes à vulnerabilização da saúde
da população da raça/cor negra. Demonstram que a expectativa de vida das pessoas da raça/cor
negra é menor frente às pessoas da raça/cor branca. Por isso, identificamos a maior letalidade
entre idosos da raça/cor branca (IBGE, 2021).
No ano de 2020, os primeiros boletins epidemiológicos da COVID-19 não apresentaram
os dados por raça/cor (SANTOS et al., 2020), a despeito da obrigatoriedade de que os
formulários dos Sistemas de Informação do SUS fossem preenchidos considerando a referida
variável (Brasil, 2017). Tal conduta é grave, considerando os indicadores de saúde da
população negra e, ainda, que essa população foi a mais vulnerabilizada pela COVID-19
((OLIVEIRA ET AL, 2018; BATISTA; PROENÇA; SILVA, 2021).
Apesar desse contexto, o quesito raça/cor não foi elegível para análise de situação
epidemiológica da Covid-19 nos primeiros boletins epidemiológicos, ainda que
constasse nas fichas de notificação para Síndrome Gripal e para Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SRAG), ambas utilizadas como instrumentos de registro,
monitoramento e avaliação dos casos suspeitos leves e graves da Covid-19,
respectivamente, na rede de atenção básica, nos centros de triagem, nas unidades de
pronto-atendimento e na rede hospitalar, assim como no formSUs inicialmente
elaborado para registros da Covid-19. A incorporação do quesito raça/cor como
categoria de análise (Brasil, 2020b) se deu após posicionamentos do GT Racismo e
Saúde, da Coalizão Negra e da Sociedade Brasileira de Médicos de Família e
Comunidade (SANTOS et al, 2020, p 228).
30
Infantil 39 32 89 69
01 a 04 anos 18 27 51 51
05 a 09 anos 20 14 33 27
10 a 14 anos 20 23 38 30
80 anos ou
15.715 17.117 12.368 11.150
mais
Branco/Ignorado 4 0 13 1
Vale ressaltar que a inclusão do quesito raça/cor nos Sistemas de Informação não é um
preciosismo, mas uma estratégia de qualificação das informações com vistas ao enfrentamento
das iniquidades raciais em saúde (CUNHA, 2012; FILHO, 2012) A desagregação das
informações por raça/ cor possibilita o conhecimento da proporção da iniquidade racial
brasileira (IBGE, 2019), imprescindível para a tomada de decisões, no âmbito das políticas
sociais.
31
Nesse sentido, chama atenção a ingerência arbitrária do Executivo sobre a área técnica
da Secretaria de Vigilância em Saúde, ao passo que interferiu, ainda, na metodologia dos
cálculos das mortes relacionadas à COVID-19, fato corroborado pela CPI da Pandemia
(BRASIL, 2021).
Trata-se de um contexto de crise sanitária e humanitária no Brasil, onde é possível
observar, a priorização da agenda do mercado em detrimento do investimento efetivo em
medidas de proteção à vida da população, amparadas pelo conhecimento técnico e científico
(DUARTE ET AL., 2020; BRASIL, 2021).
33
Ao abordar a SPN sob a perspectiva da equidade, Faustino (2017) aponta três desafios.
O primeiro refere-se à pouca familiaridade da literatura especializada com o debate
racializado da saúde, apesar da relevância da cultura africana para o país.
É mister lembrar que o nosso país foi largamente influenciado pelas diversas culturas
trazidas pelos povos africanos. A coletânea “Religiões Afro-brasileiras, Políticas de
Saúde e a Resposta à Epidemia de HIV/Aids”, organizada por Celso Ricardo et. al, é
bastante didática ao evidenciar que o maior sequestro coletivo da história resultou,
não apenas na importação compulsória de mão de obra, mas também na recepção –
nem sempre assumida– de um infinito repertório de saberes, práticas e técnicas de
trabalho, sobretudo em saúde (FAUSTINO, 2017, p.3835)
7
Abdias Nascimento (2016) trabalha com o conceito em sua obra “O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de
um racismo mascarado: “(...) erigiu-se, no Brasil, o conceito de democracia racial; segundo esta, pretos e brancos
convivem harmoniosamente, desfrutando de iguais oportunidades de existência. (...) existência dessa pretendida
igualdade racial constitui o 'maior motivo de orgulho nacional’ (NASCIMENTO, 2016:13)".
8
Ver matérias do Jornal Liberal e da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC),
respectivamente: https://site.jornaloliberal.net/noticia/5814/estamos-todos-no-mesmo-barco-xciv;
https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/estamos-todos-no-mesmo-barco .
34
9
A discussão acerca da tríade raça, gênero e classe como centrais para o modus operandi capitalista está presente
nas reflexões de intelectuais brasileiras como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro. Nos Estados Unidos da América,
a Pensadora Kimberlé Crenshaw cunhou o conceito de Interseccionalidade, assumindo a concepção do
entrelaçamento de três eixos de opressão (racismo, patriarcalismo, opressão de classe) dos quais a mulher negra
é o principal alvo. O conceito vem com a crítica ao racismo do feminismo branco, ao rejeitar as pautas das
mulheres negras, bem como ao machismo dos movimentos negros. Patrícia Hill Collins, Intelectual
estadunidense, vai caracterizar a interseccionalidade como um sistema interligado de opressões (AKOTIRENE,
2019).
35
10
Fala docente, da Pós-graduação Stricto Sensu, quando a estudante questionou a proeminência de Boa Ventura
de Souza Santos, nos estudos decoloniais, considerando a interlocução do autor com uma gama de intelectuais
da América Latina.
11
Fala de professor da Pós-graduação Stricto-sensu, ao discorrer sobre movimentos sociais negros.
36
Responde, ainda, a um dos maiores desafios dos movimentos sociais negros, referentes
à implementação e qualificação da PNSIPN, através da atuação consistente e do
desenvolvimento de mecanismos de negociação e avaliação (WERNECK, 2010).
Considerando a importância da implementação de processos avaliativos para a
qualificação das informações concernentes à operacionalização da PNSIPN; as diretrizes
gerais da referida política, que versam sobre o processo de monitoramento e avaliação das
ações pertinentes ao combate do racismo institucional e à redução das desigualdades étnico
raciais, no campo da saúde; a potencialidade dos estudos avaliativos em saúde quanto à
instrumentalização da gestão para a tomada de decisões acuradas, faz-se oportuna a realização
do estudo de avaliabilidade (EA) da Política de Saúde Integral da População Negra no
município do Rio de Janeiro.
37
4.REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL
4.1 ANTECEDENTES PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PNSIPN
Ao abordar as iniquidades raciais em saúde, Batista et al (2013) asseveram que, no
Brasil, existem espaços sociais diferentes segundo raça/cor. Os piores indicadores sociais
(IBGE, 2019) quanto à escolaridade, inserção nos postos de trabalho e acesso aos bens e
serviços relacionam-se às populações cujos espaços sociais são vulnerabilizados.
Nesse sentido, os movimentos sociais têm importância singular na correlação de forças
pela defesa da equidade social. No que se refere aos movimentos sociais negros, essa
negociação ocorre, ora pelo embate, ora pela participação na máquina governamental
(MILANEZI, 2020).
Anteriormente à institucionalização da PNSIPN, o Governo brasileiro adotou medidas
referentes à Saúde da População Negra (SPN). A articulação dos movimentos de mulheres
negras (COUTO, 2012; MILANEZI, 2020; RODRIGUES; FREITAS, 2021) teve relação direta
com tais medidas. Atualmente, a SPN é orientada por leis, portarias, resoluções e planos
operativos – o terceiro e último plano operativo caducou em 2019, não havendo pactuação
subsequente. Por sua vez, nas décadas de 80 e 90, houve alguns marcos federais (Figura 3) que
deram início ao campo da SPN (MILANEZI, 2020; RODRIGUES; FREITAS, 2021).
38
12
“Geledés – Instituto da Mulher Negra foi criado em 30 de abril de 1988. É uma organização política de
mulheres negras que tem por missão institucional a luta contra o racismo e o sexismo, a valorização e promoção
das mulheres negras, em particular, e da comunidade negra em geral. Geledé é originalmente uma forma de
40
sociedade secreta feminina de caráter religioso existente nas sociedades tradicionais yorubás” (GELEDÉS, 2009,
p.1).
13
Pensamento que atribuía o crescimento da pobreza, da fome e do desequilíbrio ambiental ao crescimento
populacional desordenado, ocultando a responsabilidade central do sistema capitalista, no tocante à produção
da pobreza e da concentração de renda.
14
Ver em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dnn/anterior_a_2000/1995/dnn3531.htm. Acesso: 10/03/2021.
15
Ver em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10087.htm#art1 Acesso:
10/03/2021.
41
Curioso o fato de que o regimento interno do referido comitê foi aprovado onze anos
mais tarde, o que denota o padrão do racismo institucional na máquina pública e a indiferença
com a qual assuntos prioritários para a população vulnerabilizada são tratados (WERNECK,
2016; BORRET ET AL, 2020; BATISTA, 2021). São atribuições do Comitê:
O Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN) tem por finalidade
assessorar tecnicamente o Ministério da Saúde dentro das seguintes atribuições – I-
Acompanhar a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra, com vistas a garantir a equidade na atenção à saúde para negras e negros ;II_
- Apresentar subsídios técnicos e políticos voltados para a atenção à saúde da
população negra no processo de elaboração, implementação e acompanhamento do
Plano Nacional de Saúde, Plano Plurianual, Plano Operativo, dentre outros; III -
colaborar para a pactuação de propostas de intervenção com foco na promoção da
equidade racial em saúde nas diversas instâncias e órgãos do Sistema Único de
Saúde (SUS);IV - Participar de iniciativas intersetoriais relacionadas com a saúde
da população negra; V - Participar do acompanhamento e avaliação das ações
programáticas e das políticas emanadas do Ministério da Saúde no que se refere à
promoção da igualdade racial, segundo as estratégias propostas pela Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra (BRASIL, 2015).
é uma “morte morrida”. Há uma morte negra que não tem causa em doenças;
decorre de infortúnio. É uma morte insensata, que bule com as coisas da vida, como
a gravidez e o parto. É uma morte insana, que aliena a existência em transtornos
mentais. É uma morte de vítima, em agressões de doenças infecciosas ou de
violência de causas externas. É uma morte que não é morte, é mal definida. A morte
negra não é um fim de vida, é uma vida desfeita, é uma Átropos ensandecida que
corta o fio da vida sem que Cloto o teça ou que Láquesis o meça. A morte negra é
uma morte desgraçada (BATISTA et al, 2004, p.635).
4.1.1 A contribuição dos movimentos sociais negros para a saúde da população negra
Com pouco mais de um século de atraso, o governo brasileiro instituiu uma agenda
atinente à Saúde da População Negra. A implantação das variáveis raça/cor, nos sistemas de
informação, foi um ponto-chave para a publicização de dados censitários e epidemiológicos
racializados, de modo que as iniquidades raciais brasileiras ganharam visibilidade. A partir de
então, o Poder Público passou a ser cada vez mais pressionado a enfrentar a iniquidade racial
por meio de uma política social que estivesse em sintonia com o Sistema Único de Saúde, a
saber: a PNSIPN (BRASIL; TRAD, 2012).
Na escala mundial, uma série de acordos multilaterais em prol do combate às
desigualdades raciais, significou o compromisso formal dos seus signatários, dentre os quais
Brasil (CARNEIRO, 2011).
Conforme, insistentemente, pontuado, a PNSIPN é um construto coletivo, paulatino,
alvo da permanente resistência das instituições brasileiras (ARAÚJO; TEIXEIRA, 2016;
MILANEZI, 2020; SILVA, 2021). Mas é, sobretudo, um legado dos movimentos sociais negros
(com destaque para os movimentos de mulheres negras) na correlação de forças com as gestões
governamentais, desde a redemocratização desse país (CARNEIRO, 2011; BATISTA, 2012;
ABRASCO, 2021).
É curioso pensar que setores da sociedade civil, cujos projetos societários pretendem-se
democráticos, sejam reticentes quanto à urgência da equidade racial. Nesse sentido:
Elas [lideranças do movimento negro] têm de enfrentar, além disso, o reducionismo
sociológico do pensamento de esquerda, que só esporadicamente admite as interações
raciais e étnicas - o que lança luz, aliás, sobre a dificuldade dos movimentos negros
em forjar alianças com agrupamentos marxistas, especialmente nos anos de pós-
guerra. (Esse reducionismo, aliado à visão do "preconceito racial como resquício da
escravidão" e à expectativa de que o desenvolvimento econômico tende a neutralizar
o fator raça/cor, se encaixa perfeitamente no arcabouço do mito da democracia racial,
comprovando-lhe a consensualidade e a eficácia. A democracia racial é, basicamente,
o pacto nacional, supra ideológico, de não considerar a interação racial como
significativa. O movimento negro como tal é a ruptura deste pacto) (SANTOS, J.,
1985, p.1).
Por mais contraditório que pareça, alas progressistas e liberais vêm convergindo na
rejeição da discussão racial como uma prioridade governamental (CARNEIRO, 2011; BENTO,
2022). Imbuídos do ideário da democracia racial, apelam para a retórica das políticas
universalizantes, a despeito das pesquisas técnicas demonstrarem que a universalidade,
instaurada a partir da Constituição Federal do 1988, não incidiu sobre a iniquidade racial (IPEA,
2008; IPEA, 2019), uma vez que a população da raça/cor negra permanece com os piores
indicadores sociais (IBGE, 2019).
48
Santos, J. (1985) informa que, no sentido estrito, o movimento negro foi instituído na
Era Vargas, com a criação da Frente Negra Brasileira, que convergiria numa gama de
mobilizações, com forte cunho jornalístico, no combate à subalternização da população da
raça/cor negra e do mito da democracia racial.
49
Sob pressão arbitrária, a partir de 1937, transfigurou-se em ações com menor teor de
combatividade, porém não menos importantes, como os clubes, entidades recreativas,
assistencialistas e culturais. Já em 1978, a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU)
representou o caminho natural de uma trajetória que oportunizou o florescer de uma
organização político-ideológica, capaz de atuar na correlação de forças político-institucionais,
conforme pontua o autor:
Não é difícil ver que o movimento negro, no sentido estrito, foi uma resposta, em
condições históricas dadas, ao mito da democracia racial. Esse conjunto de imagens
idealizadas, consensual e bastante eficaz, que convencionamos chamar mito da
democracia racial, elaborou-se, com efeito, no bojo da Revolução de Trinta - e é,
portanto, uma das intuições reflexas da sociedade brasileira contemporânea. Nem
importa a identificação dos diversos intelectuais - Gilberto Freyre à frente - que lhe
deram acabamento científico e literário: a crença na democracia racial decorria do
senso-comum brasileiro, naquelas circunstâncias históricas; e, ao mesmo tempo,
estava entretecida a outros conjuntos de imagens idealizadas, como o da história
incruenta, o da benignidade da nossa escravidão, o da cordialidade inata do brasileiro,
o do destino manifesto etc. (SANTOS, J., 1985, p.1).
16
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial 1969; Década
Internacional da mulher (70/80); III Encontro Feminista da América Latina e do Caribe (1985); V Conferência
Mundial sobre a população e desenvolvimento (Cairo/ Egito – 1994); IV Confência Mundial da Mulher
(Pequim, 1995) (MILANEZI, 2020).
50
impeditiva para a convergência quanto ao ponto central, a saber: o combate à precarização das
condições sociais e de saúde da população da raça/cor negra. Nesse sentido, fazem alusão às
principais organizações, majoritariamente coordenadas por mulheres negras, que
protagonizaram o processo de negociação e implantação da PSIPN: a Associação Cultural de
Mulheres Negras (ACMUN), o Instituto da Mulher Negra (Geledés), a Organização da
Sociedade Civil Criola; a Federação Nacional de Associações das Pessoas com Doença
Falciforme (FENAFAL); a União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO); a Rede Nacional de
Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO). Destacam, ainda, o consenso sobre alguns
aspectos da SPN no Brasil. Têm o entendimento quanto aos avanços empreendidos a partir de
1995, rechaçando, contudo, a insuficiência das ações governamentais referentes à dotação
orçamentária. Com relação às políticas de saúde do Governo Federal, apontam a inépcia para a
mudança do perfil de morbimortalidade da população da raça/cor negra, novamente, atrelando
a problemática à pífia destinação de recursos, além da priorização das ações curativas em
detrimento das preventivas de promoção da saúde (ARAÚJO; TEIXEIRA, 2016).
Em suma, apontam para uma situação social de agudização dos problemas, tanto do
fortalecimento do racismo quanto da privatização do sistema público de saúde, demonstrando
o complexo entrelaçamento dessas duas problemáticas no Brasil. Porém, reconhecem certo
avanço nas ações do governo, no âmbito do executivo, um pouco mais nas questões diretamente
vinculada ao tema racial do que nas questões da saúde.
No tocante à ocupação das instâncias de gestão participativa e comissões técnicas, são
as principais estratégias para o acompanhamento da implementação da PNSIPN., a despeito do
esvaziamento governamental desses espaços.
O Conselho Nacional de Saúde tem 64 anos. Tem apenas dois mandatos do conselho
que tem a representação do movimento negro... nunca teve... (UNEGRO) ter uma
vaga no conselho nacional de saúde significa dizer que tem uma comissão no conselho
nacional de saúde dedicada a monitorar pelo lado de dentro o funcionamento, a
implementação da política. (CRIOLA) ... nosso principal espaço para a
implementação dessa política né?! É estar no conselho nacional de saúde. Eu acho que
a gente avança, quando a gente consegue ampliar essa participação no conselho
nacional de saúde [...] (ACMUN). Dentro do comitê [técnico de saúde da população
negra] a gente participa de todo processo de sugestões, de encaminhamentos, da
discussão, de como que deve fazer, do que deve mudar, aquilo que deu certo como
que tem que incentivar mais a participação dos municípios e dos estados que a missão
do comitê né?! [mas] reconhecemos que houve ‘um retrocesso’, uns dois anos, teve
aquele avanço aquele, deu uma parada e que teve uma retomada agora! (FENAFAL)
(ARAÚJO; TEIXEIRA, 2016, P.201-202).
Com base nos relatos, fica evidente que a aprovação do texto da PNSIPN, em 2006, teve
relação direta com o cenário da inserção do movimento negro no CNS e dos acordos
multilaterais. É nítida, ainda, a relevância do Comitê Técnico de Saúde da População Negra
(CTSIPN), instituído em 2004, com o propósito principal de formular o texto da PNSIPN
(BATISTA; BARROS, 2017).
Nessa perspectiva, Ribeiro (2012) pontua a necessidade da qualificação das equipes
técnicas à frente da SPN. A autora chama a atenção para a renovação desses quadros, com
técnicos, minimamente, aptos para as discussões que demandam uma capacidade analítica que
ultrapasse o pensamento colonial.
É notório que a hipocrisia coletiva (CÉSAIRE, 2020), remanescente do colonialismo,
é corrente nas instituições da sociedade brasileira, sobretudo nas camadas sociais privilegiadas
pelo racismo. É sabida, ainda, a cor das pessoas que ocupam carreiras de gerência, de
representação política e que tomam as decisões de gestão, pelos Estados e Municípios desse
país (BENTO, 2022). Aquelas que, do alto da conveniente superficialidade analítica quanto à
capilaridade do racismo, decidem, a despeito dos indicadores sociais, que as “pautas
individuais” não merecem a mobilização governamental ou a dotação orçamentária expressiva.
53
17
Ver no portal Geledés, a campanha “Tem gente com fome”: https://www.geledes.org.br/campanha-tem-gente-
com-fome-beneficia-220-mil-familias-em-2021/; https://www.geledes.org.br/organizacao-social-de-beyonce-
anuncia-nas-redes-apoio-a-campanha-tem-gente-com-fome/ . Acesso: 17/04/2022.
54
pela Coalizão Negra por Direitos, da qual Geledés faz parte entre as 200 organizações
do movimento negro, em parceria com a Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes
da Maré, 342 Artes, ABCD – Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, Nossas
– Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrogativas. O
objetivo principal é distribuir alimentos e produtos de higiene e limpeza para 222.895
famílias em situação de vulnerabilidade, mapeadas em todas as regiões do Brasil. A
meta é alta mesmo, daí a necessidade de tantas contribuições (Idem, p.1).
18
Desde o início da pandemia, o Observatório Covid-19/ FIOCRUZ, em parceria com os coletivos de favelas,
produziu quinze edições do informativo. Disponível:
https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos_2/boletim-covid-favelas-15_arquivo_final.pdf.
Acesso: 14/02/2022.
55
O II Plano Operativo (2013- 2015) da PNSIPN foi instituído pelo MS, por meio da
Resolução nº 2, de 2 de setembro de 2014. Chama a atenção a lacuna dentre o I e o II Planos
Operativos. São dois anos de intervalo, o que denota a ausência da PNSIPN nos planos de saúde
e planos plurianuais durante o período. A ausência da SPN nos planos de saúde (Federal,
estaduais e Municipais) significa a não alocação de recursos para as ações em defesa da
equidade racial na saúde. Aqui está um ponto-chave para a operacionalização da PNSIPN.
Nessa linha de pensamento, a Resolução nº2, que regulamentou o II Plano Operacional
da PNSIPN, foi subscrita em 2014, fazendo referência ao Plano Operacional com validade a
partir de 2013. É muito provável que esse descompasso tenha repercutido no sub-financiamento
da PNSIPN nesse período. O II Plano Operacional da PNSIPN foi estruturado com foco na
dificuldade do acesso da população da raça/cor negra aos serviços de saúde, tendo como eixos
estratégicos: I - Acesso da População Negra às Redes de Atenção à Saúde; II - Promoção e
Vigilância em Saúde; III Educação Permanente em Saúde e Produção do Conhecimento em
Saúde da População Negra; IV - Fortalecimento da Participação e do Controle Social; e V -
Monitoramento e Avaliação das Ações de Saúde para a População Negra. Cada eixo estratégico
tinha uma série de ações estratégicas apontadas pela normativa.
O III Plano Operativo da PNSIPN foi instituído por meio da Resolução nº 16 de 30 de
março de 2017, do Ministério da Saúde. Estruturado pelos seguintes eixos estratégicos: I -
Acesso da População Negra às Redes de Atenção à Saúde; II - Promoção e Vigilância em Saúde;
III -Educação Permanente em Saúde e Produção do Conhecimento em Saúde da População
Negra; IV - Fortalecimento da Participação e do Controle Social; V - Monitoramento e
Avaliação das Ações de Saúde para a População Negra. Ao Ministério da Saúde, foram
atribuídas as seguintes responsabilidades: I - apoiar a implementação do III Plano Operativo
(2017/2019) da PNSIPN nos Estados, Distrito Federal e Municípios; II - estabelecer
instrumentos e indicadores para acompanhamento, monitoramento e avaliação da Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra; III - publicar Relatório Anual Sistematizado
acerca da situação de saúde da população negra no Brasil. Aos Estados e Municípios, cabendo
58
a elaboração de planos de ações, a inclusão do III Plano Operativo da PNSIPN nos respectivos
Planos de Saúde e Planos Plurianuais.
No tocante à gestão do SUS para a implementação da PNSIPN, a Secretaria de Gestão
Estratégica e Participativa (SGEP/MS) assumiu a coordenação das diversas Secretarias
estaduais e municipais na elaboração de instrumentos normativos. Sendo responsável pela
capilarização nacional da política, a capacitação técnica de profissionais e gestores por meio do
apoio técnico às Secretarias, monitoramento e avaliação. Mas, a partir de 2019, as políticas de
promoção da equidade em saúde, como a PNSIPN, alocaram-se na SAPS -Secretaria de
Atenção Primária em Saúde – ( decreto MS/ n. 9.795, de maio de 2019). Nesse contexto, a
SGEP (Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa) foi extinta. Atualmente, a gestão da
PNSIPN está na COGE (Coordenação de Garantia da Equidade) da CGGAP (Coordenação-
Geral de Garantia dos Atributos da Atenção Primária) do DESF (Departamento de Saúde da
Família) da SAPS (MILANEZI, 2020).
À gestão Estadual do SUS caberia a definição de planos de ações para a implementação
do II Plano Operativo da PNSIPN, conduzindo à pactuação na Comissão Intergestores Bipartite
(CIB) e promovendo a inclusão do II Plano Operativo no Plano Estadual de Saúde e no Plano
Plurianual (PPA)19. À gestão municipal do SUS, caberia a definição de um plano de ação para
a implementação do II Plano Operativo da PNSIPN em âmbito municipal, bem como a inclusão
do II Plano Operativo da PNSIPN no Plano Municipal de Saúde e no PPA setorial (Brasil,
2014).
A implantação descentralizada (Governo Federal, Estados e Municípios) dos Comitês
Técnicos de Saúde da População Negra (CTSPN) foi uma estratégia singular para a
operacionalização da política. Os Comitês têm a incumbência de assessorar a gestão. Para
tanto, atuam no controle social e, ainda, no planejamento, acompanhamento, avaliação da
eficácia da política.
Outro aspecto de vital importância para o campo da SPN foi a obrigatoriedade do
quesito raça/cor nos sistemas de informação, permitindo a visibilidade das iniquidades das
quais os movimentos sociais negros e a população da raça/cor negra falavam há muito tempo.
19
Conforme o Ministério da Economia, “O principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo
do Governo Federal é o Plano Plurianual (PPA). Ele define as diretrizes, os objetivos e as metas da administração
pública federal, contemplando as despesas de capital (como, por exemplo, os investimentos) e outras delas
decorrentes, além daquelas relativas aos programas de duração continuada. O PPA é estabelecido por lei, com
vigência de quatro anos. Ele se inicia no segundo ano de mandato de um presidente e se prolonga até o final do
primeiro ano do mandato de seu sucessor” (Disponível: https://www.gov.br/economia/pt-
br/assuntos/planejamento-e-orcamento/plano-plurianual-ppa . Acesso: 12/05/2022).
59
Tendo em vista que o orçamento público é um dos principais viabilizadores das ações
governamentais, é necessário analisar a dotação orçamentária para a SPN, a partir da
argumentação da PNSIPN. Nesse sentido, Pereira e Rodrigues (2021) pontuam que as
prioridades governamentais são identificadas a partir da alocação orçamentária. A autora
acrescenta que o Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal, do período compreendido entre
os anos de 2016 e 2019, continha apenas um programa específico, atinente à equidade racial: o
Programa 2034 – Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo, que tinha como uma
das metas “Contribuir para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra, incluindo a atualização do seu Plano Operativo”. Entretanto, no PPA atual,
compreendido entre 2020 e 2023, temos o apagamento da SPN. A negação dos indicadores
raciais em saúde, é evidenciada pela ausência de programas, objetivos ou metas relacionadas à
população da raça/cor negra (PEREIRA; RODRIGUES, 2021). Com relação à Lei
Orçamentária Anual (LOA)20:
(...) os recursos são, na maioria das vezes, alocados em ações genéricas, com o
objetivo de facilitar o desembolso daqueles. No entanto, essa prática dificulta
sobremaneira o controle social, pois impossibilita que sejam acompanhadas as
despesas por recortes de gênero, raça, faixa etária e orientação sexual. No Ministério
da Saúde, esse fenômeno (as ações genéricas) é recorrente, sendo difícil até mesmo
obter a localização geográfica do gasto (Idem, p.1)
Pereira e Rodrigues (2021) acrescentam que, até 2020, havia uma tímida movimentação
governamental por meio da ação orçamentária 20YM/ “Implementação de Políticas de
20
Conforme a Câmara dos Deputados, “O Orçamento da União é um planejamento que indica quanto e onde
gastar o dinheiro público federal no período de um ano, com base no valor total arrecadado pelos impostos. O
Poder Executivo é o autor da proposta, e o Poder Legislativo precisa transformá-la em lei” ( Disponível:
https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-orcamentarias/loa/lei-orcamentaria-anual-loa . Acesso:
12/05/2022)
60
21
No tocante à composição, as seguintes representatividades da sociedade civil foram convidadas: Criola - ONG
de Mulheres Negras; Rede de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde; Conselho Municipal de Defesa dos Direitos
do Negro Titular - COMDEDINE; Instituições e Entidades de Estudo e Pesquisa; Fórum Estadual de População
Negra; - Fórum Estadual de Mulheres Negras; - Associação Brasileira de Aids- ABIA; - Instituto de
Psicossomática Psicanalítica - Ori- Aperê. Quanto à SMS/RJ: Assessoria de Promoção da Saúde;
Superintendência de Vigilância em Saúde; Superintendência de Atenção Especializada; Superintendência de
Atenção Básica; Conselho Municipal de Saúde; Coordenação de Saúde Mental; Representantes das
Coordenações de Área Programática de Saúde por área de afinidade; Técnicos especialistas da SMS/Rio das
áreas de emergências, maternidades, casa de parto, saúde mental e atenção básica. (Rio de Janeiro, 2008).
63
A sociedade brasileira foi gerada nos horrores da colonização europeia: o genocídio dos
povos originários, o sequestro e escravização de um contingente da população africana
(NASCIMENTO, 2016). A hierarquização racial justificou os processos desumanizadores,
característicos do sistema escravagista. Mesmo que relacionado às diferenças fenotípicas entre
colonizadores e colonizados, o racismo colonial serviu a uma estratégia complexa de
dominação interessada, principalmente, nas questões econômicas (FANON, 2008). Estava
configurado o que viria a ser um projeto maior de dominação capitalista. Nesse sentido,
Faustino (2015) assevera:
Diante da situação colonial, a violência dispensa a necessidade de legitimação, já que
o Outro – este objeto que não é mais visto nem tratado como extensão do Eu – só
aparece como predicado dos desejos e gozos do colonizador (...) Assim, o racismo
para Fanon é tanto um produto quanto um processo pelo qual o grupo dominante
lança mão para desarticular as possíveis linhas de força do dominado, destruindo seus
valores, sistemas de referência e panorama social, pois, uma vez “desmoronadas, as
linhas de força já não ordenam. Frente a elas, um “novo conjunto imposto, não
proposto, é afirmado com todo o seu peso de canhões e de sabres” (Idem, p. 52).
Por sua vez, Moore (2009) convida-nos para uma reorientação epistemológica. Afirma
que o racismo colonial não foi o marco zero. Apesar dos estudos acadêmicos sobre o racismo,
no século XX, serem orientados por dois grandes desastres humanitários - a escravização negra-
africana e o holocausto judeu – o autor chama atenção para o compromisso com a realidade
histórica.
Não se trata aqui de desvalorizar a importância do surgimento da categoria raça como
um condicionante relativo das possíveis intepretações contemporâneas do racismo,
mas de observar que o projeto científico moderno de uma compreensão sistemática e
racializada da diversidade humana, operada nos séculos XVIII e XIX, apenas foi
possível em função do critério fenotípico em escala planetária (...) Com isso, a visão
de que o racismo seja uma experiência da contemporaneidade, cujas raízes se inserem
na escravização dos povos africanos pelos europeus, a partir do século XVI, não é
consistente historicamente ( MOORE, 2009, p.22).
No tocante à sociedade moderna, o projeto de transformação social iluminista e o
século XVIII mobilizaram a produção de um saber filosófico, cuja centralidade era o homem
em suas múltiplas versões (vida, trabalho construção de afeto). Do ponto de vista intelectual,
o iluminismo instrumentalizou a classificação dos diversos grupos humanos, a partir de suas
características físicas e culturais. Desse movimento, surgiu a distinção filosófico-
antropológica entre civilizado e selvagem (século XVIII) e entre civilizado e primitivo (século
XIX). O iluminismo foi o fundamento filosófico das revoluções liberais e da transição das
sociedades feudais para as capitalistas. Nesse contexto, inscreveu-se a sustentação filosófica
do homem universal, dos direitos universais, além dos benefícios da liberdade, da igualdade,
do Estado de direito e do mercado (ALMEIDA, 2019). Contudo, a revolução Haitiana 22
demonstrou que os pressupostos fraternais da liberdade e igualdade não se aplicavam a todos
(MBEMBE, 2014; ALMEIDA, 2019).
No século XIX, o positivismo levou as questões sobre as diferenças humanas ao
campo científico. Entendendo que nem toda teoria é emancipadora e libertária (HOOKS,
2017), a ciência positivista se debruçou a explicar as diferenças morais, psicológicas e
intelectuais através do determinismo biológico e geográfico. Nessa perspectiva, tomando o
homem europeu como ser universal, a pele negra e o clima tropical seriam fatores
determinantes para a formação de pessoas pouco inteligentes, imorais e violentas. Por isso,
cientistas da época23 recomendavam a recusa por relacionamentos interraciais (ALMEIDA,
2019; MORRISON, 2019). Arthur de Gobineau, filósofo e diplomata francês, foi um
precursor do racismo científico.
22
Em 1791, o Haiti insurgiu-se contra os seus escravizadores franceses, colocando em evidência que os valores
fraternais da sociedade iluminista eram circunscritos à população europeia (ALMEIDA, 2019).
23
Os brasileiros Silvio Romero e Raimundo Nina Rodrigues retratam, por meio de seus trabalhos, o racismo
científico amplamente difundido nos tratados médicos do século XIX (Almeida, 2019; Morrison, 2019).
65
Sua obra mais conhecida, Ensaio sobre as Desigualdades das Raças Humanas, influenciou o
pensamento social brasileiro. Em 1869, durante uma viagem diplomática ao Brasil,
surpreendeu-se com uma população “feia” e “degenerada” pela miscigenação, sendo fadada
a desaparecer, segundo o medíocre pensador, nos duzentos anos seguintes, em razão da
degeneração genética (CÉSAIRE, 2020). Em contraposição ao delírio da modernidade
(MBEMBE, 2014), que segue animalizando tudo o que não é espelho para a branquitude,
somos alertados sobre o processo de embrutecimento e degradação das sociedades
escravagistas. De sorte que todo o histórico de tortura e espólio dos povos escravizados, tem
denotado um processo irreversível de asselvajamento do continente europeu (CÉSAIRE,
2020).
Sim, valeria a pena estudar, clinicamente, em detalhes, os passos de Hitler e do
hitlerismo e revelar ao burguês muito distinto, muito humanista e muito cristão do
século XX que ele carrega consigo um Hitler sem saber, que Hitler vive nele, que
Hitler é seu demônio, que se ele o vitupera é por falta de lógica e, no fundo, o que
não perdoa em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a
humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco, é a humilhação do
homem branco, é de haver aplicado à Europa os procedimentos colonialistas que
atingiam até então apenas os árabes da Argélia, os coolies da Índia e os negros da
África ( CÉSAIRE, 2020, p. 18).
O pensamento social brasileiro tem voltado o olhar para a discussão acerca da questão
racial desde o período escravocrata. É notória, nos círculos intelectuais de grande circulação,
a negação da continuidade da cultura discriminatória, a partir da dita abolição da escravatura
e da sociedade republicana.
66
Essas medidas não foram isentas dos impactos na consciência social, por meio da
incompreensão acrítica ou do apoio entusiasta (MOORE, 2009).
O apoio e os efeitos das medidas do Estado, a partir de 2003, em prol da
incorporação da metade afrodescendente do país tem possibilitado, pela primeira
vez, um debate aberto sobre uma realidade mantida, até então, sob o manto do
silêncio e da denegação. Essas medidas, que anunciam de forma simbólica, o fim
da proverbial omissão dos poderes públicos ante o fenomenal descompasso
sociorracial brasileiro, criam, potencialmente, as condições psicológicas para o
progressivo empoderamento da metade da população. Pouco a pouco, chega à
consciência de todos a realidade de que manter essa enorme parte da Nação relegada
à tamanha marginalização socioeconômica e cultural faz com que haja um enorme
risco à própria coesão nacional (Idem, 2020, p.20-21).
Existe, no Brasil, um longo caminho a ser percorrido. Mesmo a ala progressista, sob
o mote da democratização do que é coletivamente produzido, relega à população negra a
condição periférica, quando, na realidade, o domínio escravagista e a inércia governamental
republicana, deram as bases materiais para a conformação da sociedade capitalista. Não se
trata de uma dificuldade de entendimento da esquerda quanto à centralidade do racismo no
sistema capitalista, mas de uma opção pela rejeição o “Outro” (MORRISON, 2019).
Por sua vez, a intelectualidade negra, ainda que interditada pela “métrica universal”,
tem produzido uma teoria insubmissa há muito tempo. E a nova geração acadêmica negra
coloca os referidos intelectuais no centro do debate. No tocante à discussão acerca do racismo,
pode-se classificá-lo em três concepções (ALMEIDA, 2019) relacionais, porém com aspectos
singulares: a) individualista (racismo e subjetividade); b) institucional (racismo e Estado); c)
estrutural (racismo e Economia). A concepção individualista volta-se a um fenômeno
individual ou coletivo, atinente a grupos isolados. Sob essa perspectiva, o racismo estaria
circunscrito ao indivíduo e não às instituições ou às sociedades. Assim, a educação e a
conscientização serão as formas de combate ao problema. A concepção individualista, por
sua limitação, tem encontrado abrigo em análises superficiais acerca do tema, que não levam
em consideração a historicidade das relações mediadas pelo racismo.
É uma concepção que insiste em flutuar sobre uma fraseologia moralista (...)
“racismo é errado”, “somos todos humanos” (...) no fim das contas, quando se limita
o olhar sobre o racismo a aspectos comportamentais, deixa-se de considerar o fato
de que as maiores desgraças produzidas pelo racismo foram feitas sob o abrigo da
legalidade e com o apoio moral de líderes políticos, líderes religiosos e dos
considerados “homens de bem” (ALMEIDA, 2019, p.37)
A inclusão da maioria minorizada (idem) nos espaços de gestão institucional não serão
suficientes para que uma instituição deixe de reproduzir a cultura racista. Ou seja, a
representatividade não é o bastante, tendo em vista que os princípios estruturais da sociedade
modulam os posicionamentos institucionais. Ainda que a presença de pessoas negras em
espaços de poder institucional seja urgente, é preciso avançar em mecanismos institucionais
efetivos para a promoção da igualdade. Além disso, a liderança institucional negra precisa
estar investida de poder de decisão real, no tocante a iniciativas que representem respostas
frente a questões estruturais (ALMEIDA, 2019; BENTO, 2022).
Avançando na análise sobre as relações raciais, a concepção estrutural do racismo o
inscreve como decorrente das relações políticas, econômicas, jurídicas. Não se trata de
patologia ou desajuste, mas da expressão do “normal” e socialmente reproduzido. Como
processo histórico e político, o racismo viabiliza as condições para que grupos sejam
racialmente discriminados de modo sistemático. A ideologia, a economia e direito e a política
são os quatro elementos considerados o cerne da manifestação estrutural do racismo
(ALMEIDA, 2019).
A III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerância Correlata (ONU, 2001) corroborou com marcos anteriores na luta mundial
antirracista, a saber: a luta sul-africana contra o Apartheid, a favor da igualdade e dos direitos
humanos; a Declaração de Viena, oriunda da Conferência Mundial de Direitos Humanos em
1993, onde clamou-se pela rápida e abrangente eliminação de todas as modalidades de racismo;
as duas Conferências Mundiais de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial, em Genebra
em 1978 e 1983, respectivamente. Conforme assinala Moore (2009), Durban representou o
reacender da discussão e o revelar da seriedade do racismo em âmbito mundial, como uma
grave ameaça à paz planetária e elemento desagregador da coesão social das diferentes Nações.
Durban ressaltou, assim, a urgência da adoção de medidas de combate ao racismo e suas
consequências, pelas esferas públicas/governamentais. Assim, o enfrentamento do racismo foi
estabelecido como objetivo internacional.
A Declaração de Durban (ONU, 2001) assinalou que, apesar dos compromissos
firmados pela comunidade internacional, o enfrentamento da discriminação racial teria um
longo caminho a percorrer. Ressaltou a importância da adesão mundial à Convenção
Internacional sobre todas as formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário. Um
fato curioso, foi a recusa, por parte de países historicamente escravocratas, de discutir acordos
reparatórios para os povos aviltados pelo colonialismo.
71
O campo da Saúde Coletiva nasceu no Brasil nos anos setenta do século passado,
agregando diferentes saberes, a fim de analisar o processo saúde doença enquanto uma via
relacional entre o biológico, o social e o histórico. Apartando-se da leitura restrita do modelo
biomédico, a saúde coletiva avançou na construção de uma criticidade que evidenciasse o papel
das instituições da sociedade capitalista e sua produção na saúde da população (BAPTISTA;
AZEVEDO; MACHADO, 2015). A intelectualidade e militância da saúde coletiva está
diretamente ligada ao movimento da Reforma Sanitária, da democratização do país e à
construção do Sistema Único de Saúde (SUS).
O que chamamos de saúde coletiva é, portanto, um campo de investigação e produção
de conhecimento que dialoga com diversas disciplinas na constituição de um objeto
complexo, a saúde em sua dimensão social. Mas é, também, um campo de intervenção
sobre esse mesmo objeto que emerge de um conjunto de ideais ético-normativos de
equidade e bem-estar (CAMARGO, 2015: 12).
Nesse momento, a avaliação deve ser útil para criar os programas, além de racionalizar o
planejamento e a dotação de recursos públicos. Os avaliadores passam a ter protagonismo na
tomada de decisão política, por meio da assessoria a parlamentares. Esse período confere maior
legitimidade à avaliação, evidenciada pelos investimentos que lhe são direcionados. A
conjuntura do intervencionismo social dos governos, do desenvolvimento da pesquisa social e
da liberalidade dos recursos financeiros foram determinantes para a institucionalização da
avaliação. O período seguinte é caracterizado pelo amadurecimento rumo à profissionalização
da avaliação. Os métodos configuram-se na abordagem de terceira geração, mas os critérios de
julgamentos são expandidos no intuito de abarcar as limitações de recursos dos programas. Os
avaliadores passam a focar no pragmatismo, considerando as demandas dos clientes e do
público usuário da avaliação.
A quarta geração, marcada pelo período das Dúvidas (1990 até o presente) reflete a
problematização quanto às certezas imputadas ao método científico positivista. Os autores
Guba e Lincon são precursores da discussão dessa nova abordagem avaliativa, cuja crítica
perpassou três aspectos cruciais: a) os processos avaliativos são reduzidos, pelos
administradores, à uma ferramenta em prol das estratégias políticas; b) a objetividade dos
julgamentos é inviabilizada ao considerar-se a infinidade de valores que permeiam os sistemas
de ação e sua influência quanto a adoção de determinadas questões e métodos, bem como os
julgamentos dos avaliadores e, consequentemente, os resultados da avaliação; c) A maciça
utilização do método experimental e da abordagem positivista, nos processos avaliativos,
privilegiam as medidas quantitativas, além das relações diretas de causalidade, em detrimento
do apagamento dos elementos contextuais, políticos, culturais, por natureza imensuráveis.
A avaliação de quarta geração leva sempre em conta abordagens e métodos elaborados
precedentemente, mas permite, ao mesmo tempo, preencher suas lacunas e alcançar
um grau de complexidade superior. Ela se torna, desse modo, um instrumento de
negociação e de fortalecimento do poder (empowerment) (...) a forma da avaliação e
seu desenrolar decorrem de um processo de negociação em que os diferentes grupos
têm a oportunidade não somente de fazer valer suas reinvindicações e seus interesses,
como de influenciar na escolha das perguntas que serão feitas e dos meios de tratá-
las. Nessa nova abordagem, a avaliação não é um espaço fechado ao especialista. Pelo
contrário, ela é aberta a todos os participantes da ação social, inclusive aos grupos
marginalizados (DUBOIS, et al., 2011, p.36).
O contexto de mudanças da década compreendida entre 1990/2000 oportunizou novas
possibilidades ao campo da avaliação: a) a expansão da comunicação, com a internet, repercutiu
na maior interação entre os atores sociais; b) a mundialização das trocas e a demanda por
respostas globais aos problemas sociais mundialmente difundidos ocasionaram a prática
internacionalizada da avaliação; c) o papel crucial da avaliação diante da racionalização de
recursos em contraposição à agudização dos problemas sociais em decorrência do modo de
77
produção capitalista. Nesse sentido, a prática avaliativa de quarta geração ganha contornos
emancipatórios, para além de técnicos, devendo oportunizar uma melhor compreensão do
contexto no qual a intervenção é operacionalizada, além da participação ativa em seu
melhoramento (DUBOIS, et al., 2011).
A leitura do campo da avaliação a partir das gerações propostas por Guba e Lincon
(1989) não significa uma relação estanque entre elas, já que as abordagens de cada geração
coexistem em diversos estudos do presente (CRUZ, 2015). Todavia, há um divisor de águas
entre as gerações e quanto ao papel do avaliador: a conclusão de que o processo avaliativo
repercute, necessariamente, no julgamento, na atribuição de valor ou mérito, “uma medida de
sucesso ou não de uma política ou programa público, de acordo com atributos de qualidade
determinados ou pactuados” (CRUZ, 2015, p 290).
Em qualquer estudo de avaliação haverá a necessidade de explicitação clara dos
critérios e parâmetros utilizados para a emissão do julgamento, conforme ressaltam
Worthen, Sanders e Fritzpatrick (2004, p35), ao considerarem que a avaliação
corresponde à identificação, esclarecimento e aplicação de critérios defensáveis para
determinar o valor ou mérito, a qualidade, a utilidade, a eficácia ou a importância do
objeto a ser avaliado em relação a esses critérios (CRUZ, 2015, p.290)
Com relação aos desafios da avaliação em saúde, Cruz (2015) chama atenção para
algumas lacunas como a adesão de processos avaliativos, no âmbito do SUS, de maneira
descontextualizada; a falta de prioridade por respostas das questões avaliativas dos usuários
ou da sociedade civil organizada.
Uma das maiores dificuldades para se imprimir novas mentalidades em avaliação
tem a ver com a lógica de programas verticalizados, a não cultura de planejamentos
estratégicos, a precária capacidade técnica dos profissionais de saúde e a participação
efetiva dos usuários no processo decisório (CRUZ; REIS, 2011, p. 424)
Nesse sentido, Cruz (2015) identifica a necessidade da incorporação de uma prática
avaliativa que privilegie o diálogo e a participação, além do investimento na elaboração de
uma cultura de avaliação implicada com interesses de fortalecimento do SUS. É importante
salientar que, a despeito do compromisso com a tomada de decisão, a avaliação de políticas e
programas não é dotada de neutralidade ou isenta de valores, mas se insere no debate político.
Conforme Souza, Guimaraes e Silva (2017), na área da saúde pública, é interessante a
realização de um estudo exploratório da situação, como uma prévia da avaliação de uma dada
política pública. Nesse sentido, o Estudo de Avaliabilidade (EA) responde a tal interesse. Souza,
Guimarães e Silva (2017) classificam o EA como um conjunto de procedimentos que precedem
a avaliação, utilizado para determinar se há justificativa para uma avaliação extensa,
objetivando a delimitação dos objetivos do programa, bem como a identificação de pontos
críticos, carentes de atenção. O foco do EA traz elementos da análise estratégica e lógica, como:
1) a identificação quanto à formulação coesa dos objetivos do programa; 2) a análise da relação
entre os problemas, os objetivos e as atividades. Nesse sentido, o EA tem a potencialidade de
facilitar a avaliação subsequente, inclusive por favorecer a racionalização dos recursos.
De acordo com Trevisan e Walser (2015), o EA é uma ferramenta da avaliação, também
utilizada como uma etapa pré-avaliativa de um programa. Podendo ser aplicado em diferentes
fases do programa (TREVISAN; WALSER, 2015; BARATIERI ET AL., 201).
Ao realizar uma revisão integrativa sobre os estudos de avaliabilidade na área da saúde,
Baratieri et al. (2019) demonstram que o EA passou por uma certa evolução ao longo dos anos.
No início, concebido por Wholen como uma ação pré-avaliativa, para entender se o programa
estaria apto para a avaliação. Assim, qualificaria o custo-efetividade da avaliação e
instrumentalizaria a gestão no tocante ao aprimoramento do programa (TREVISAN;
WALSER, 2015). Sofrendo a primeira adaptação na década de 1980, Rutman identificou duas
propostas intrínsecas ao EA: a) a análise das características de um programa; b) a avaliação da
viabilidade do alcance da proposta da avaliação. Nesse sentido, o EA seria a primeira etapa
para identificar os empecilhos tanto para a avaliação da eficácia, quanto para a identificação
79
5.OBJETIVOS
5.1. OBJETIVO GERAL
Realizar um estudo de avaliabilidade da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra (PNSIPN), no município do Rio de Janeiro considerando o contexto político-
organizacional de 2007 a 2021.
5.1.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Elaborar um modelo lógico da PNSIPN no município do Rio de Janeiro;
• Descrever quem são os principais atores envolvidos com a PNSIPN no município do
Rio de Janeiro;
• Caracterizar o contexto político-organizacional de implementação da PNSIPN/RJ
82
6. MÉTODO
Esse estudo se configura como pesquisa avaliativa do tipo Estudo de Avaliabilidade
(EA) da PNSIPN no município do Rio de Janeiro, com uma abordagem qualitativa, em
conformidade com os pressupostos de Thurston e Ramaliu (2005).
Os passos metodológicos abarcaram o estudo de caso, com foco na análise descritiva
e exploratória das características operacionais da PNSIPN no município do Rio de Janeiro e
do contexto no qual a política se dá.
A construção do modelo lógico da PNSIPN no município do Rio de Janeiro foi
viabilizada pela análise documental em sites oficiaisl, tais como: Ministério da Saúde,
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Drive do CTSPN. O estudo foi realizado considerando
o período compreendido entre 2007 e 2021, no município do Rio de Janeiro.
A abordagem qualitativa justifica-se pela complexidade e natureza social do problema
Gil (2007), além da finalidade de explicar e descrever o contexto em que a PNSIPN se insere
(Idem). Toda e qualquer pesquisa que produza resultados não obtidos por meio de ferramentas
estatísticas ou quantificáveis é caracterizada como qualitativa (STRAUSS, 2008). De acordo
com Godoy (1995) o principal objetivo da abordagem qualitativa é a interpretação do
fenômeno social sob investigação. Segundo Minayo (2008), o foco da pesquisa qualitativa não
é a quantidade de vezes em que uma determinada variável aparece, porém, a qualidade, o
contexto em que elas se dão.
Importante salientar que a avaliação qualitativa não deve ser reduzida a um conjunto
de técnicas da pesquisa social ou à utilização de abordagens participativas (DESLANDES,
2015). Assim, o fim das metodologias qualitativas aplicadas à avaliação, teriam o propósito
equivalente de analisar os significados, atribuídos pelos sujeitos, aos fatos relacionados ao
programa que se pretende avaliar.
A estratégia de pesquisa (HARTLEY, 1994) a ser adotada será a do estudo de caso,
amplamente utilizada nas ciências sociais (GIL, 2007). Pode ser traduzida como um estudo
aprofundado acerca de um ou mais objetos, permitindo o seu amplo conhecimento. Contudo,
é necessário que a pesquisa conte com determinados cuidados preventivos aos vieses, por meio
da consistência no planejamento, coleta e análise dos dados (Idem).
Nesse estudo de caso, a PNSIPN, no município do Rio de Janeiro, será o caso. A
definição do caso se deu a partir do levantamento bibliográfico e documental acercada saúde
da população negra.
83
Quais os
principais
avanços e
dificuldades
quanto à
implementação da
PNSIPN no
município do Rio
de Janeiro a partir
de 2007?
Fonte: Elaboração da autora.
85
7.RESULTADOS
O município do Rio de Janeiro foi um dos primeiros a adotar medidas institucionais que
acenavam para a implantação da Saúde da População Negra no âmbito da SMS. Em 2006, antes
mesmo da promulgação da PNSIPN, iniciou-se um movimento de problematização da
iniquidade racial em saúde, expresso no II Seminário de Promoção da Saúde: equidade em
SPN, onde foram tiradas as ações estratégicas com a finalidade da implantação da SPN no
município do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2020):
• a) Criação de um Comitê Técnico de Saúde da População Negra;
• b) Implantação do registro da variável raça/cor nos impressos oficiais da SMS;
• c) Diagnóstico epidemiológico da saúde da população negra;
• d) Formulação e estabelecimento de indicadores;
• e) Enfrentamento ao racismo institucional;
• f) Valorização das religiões de matriz africana;
• g) Institucionalização de recurso para a implantação da política;
• h) Fomento da participação do controle social e o fortalecimento de articulações
intersetoriais
A SPN, no Município do Rio de Janeiro, foi esquematizada a partir do modelo lógico
expresso na Figura 6. Sob a gestão da SMS, a Coordenadoria Técnica da Promoção da Saúde
tem a responsabilidade da operacionalização da PNSIPN.
O problema que justificou a implementação da PNSIPN foi a identificação da
morbimortalidade de gestantes e crianças negras no município do Rio de Janeiro. A incipiente
desagregação dos dados por raça/cor conseguiu demonstrar a disparidade da morbimortalidade
materna e infantil negras, se comparadas à raça/cor branca. Em decorrência da constatação,
foram elencadas as estratégias de gestão responsáveis pela implantação da PNSIPN em âmbito
local.
O CTSPN foi apontado como uma das primeiras estratégias a serem operacionalizadas,
com a expectativa de operar como uma ferramenta da gestão.
87
24
“A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO) nasceu em 2003, durante o II Seminário
Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (São Luís – MA) sendo uma instância de articulação da
sociedade civil que envolve adeptas da tradição religiosa afro-brasileira, gestoras e profissionais de saúde,
89
Na linha do tempo das ações do MRJ (Figura 7), fica evidente o papel articulador dos
movimentos sociais negros que também integraram o CTSPN, desde a sua criação, em 2007.
Nos últimos quatorze anos, independentemente do Prefeito em exercício, o protagonismo -
pelo controle social, pela busca de transparência e da inclusão da SPN na agenda
governamental – deve ser atribuído ao CTSPN.
91
Figura 7 - Ações do MPJ: Saúde da População
Negra
(César Maia) capacitação de gestores, equipes técnicas; pesquisa sobre o quesito raça/cor.
Nos anos de 2020 e 2021, notamos uma certa inflexão no CTSPN, no sentido de inserir-
se nos processos decisórios da gestão municipal., por meio da articulação intersetorial. O
contexto da fraca interlocução com a SMS, a vulnerabilização da população negra frente à
pandemia COVID/19 e a ausência de medidas governamentais voltadas à SPN (primeiros
boletins epidemiológicos da pandemia ignoraram a desagregação dos dados por raça/cor) foram
determinantes o movimento de reivindicação de uma área técnica da PNSIPN no âmbito da
SMS. Em decorrência desse movimento, foi mobilizada uma ampla articulação com a sociedade
civil, Universidades e Parlamentares para a proposição de um Projeto de Lei que versa sobre a
instituição do Programa Municipal da Saúde da População Negra. No tocante aos principais
atores para a mobilização da SPN no Rio de Janeiro, nota-se o protagonismo dos movimentos
sociais negros do CTSPN, dentre os quais a ONG CRIOLA e a RENAFRO. Com base na
análise das relatorias das reuniões ordinárias do CTSIPN, de 2007 a 2021, chama a atenção o
esforço pela sistematização e produção da memória do CTSIPN. Sobressai, ainda, o empenho,
sobretudo, de mulheres negras vinculadas aos movimentos sociais, às Instituições de Ensino e
Pesquisa e à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o que não difere do histórico social
brasileiro referente à luta pela equidade racial.
A criação do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN) na SMS-RJ,
resultante do Grupo de Trabalho, composto por profissionais da gestão e pela
sociedade civil, foi o embrião para impulsionar a PNSIPN e conduzir as demais
estratégias elencadas no seminário. Cabe destacar o protagonismo de duas mulheres
negras: uma enfermeira, ocupando um cargo de gestão na APS e a outra médica
atuando em um Centro Municipal de Saúde (CMS), ambas idealizaram e incitaram
a discussão sobre saúde da população negra e sobre a política no contexto carioca
(Rio de Janeiro, 2020, p.2)
Ao longo dos últimos quatorze anos, entretanto, é recorrente, na fala das integrantes
do CTSPN, a problematização relacionada ao esvaziamento do Comitê. Esse movimento viria
tanto de alguns atores da sociedade civil, como da própria SMS. Nesse sentido, por muitas
vezes, a discussão de se aplicar o regimento interno e de se repensar nos integrantes do Comitê
foi trazida à tona. Nos anos de 2010, 2014 e 2015, não existem registros das reuniões
ordinárias, o que indicaria a paralização das atividades nesses períodos. Fica evidente, nas
discussões ordinárias, os fortes indícios do racismo institucional no nível local de poder,
expresso por meio da dificuldade, por exemplo, do CTSPN conseguir estabelecer um diálogo
permanente e direto com a gestão máxima da Secretaria de Saúde. Essa situação é curiosa,
sendo o CTSPN uma instância de assessoria da Gestão Municipal da Saúde, no tocante a SPN.
Em decorrência do distanciamento, nota-se o mesmo padrão com relação à capilaridade do
Comitê com os gestores, equipes técnicas e assistenciais.
96
25
Em 27 de outubro de 2020, foi realizado o evento de celebração ao dia de mobilização nacional em prol da
SPN, onde lançou-se uma carta-compromisso com a proposição de que a SPN tivesse uma área técnica ligada
diretamente à Secretaria Municipal de Saúde. Durante o evento, intelectuais que discutem a SPN, enriqueceram
o debate, a saber: Drª. Jaciane Milanezzi e Drª. Maria Inês da Silva Barbosa.
26
Aderiram ao movimento de promulgação da PMSIPN as Vereadoras Tainá de Paula, Thaís Ferreira, Mônica
Benício. Os vereadores, Reimont, Lindeberg. Cabe destacar a contribuição do Gabinete da Deputada Estadual
97
Mônica Francisco e da Defensoria Pública/ Núcleo Contra a Desigualdade Racial (NUCORA). Dos
representantes da sociedade civil, compuseram os trabalhos de formulação do projeto de lei: Instituto Luiza
Mahim, Associação de Médicas e Medicos Negros/ Grupo de Trabalho Racismo e Saúde/ABRASCO, a
Pesquisadora Drª Roberta Gondim (FIOCRUZ). Os Comitês Técnicos Estadual e de São Gonçalo.
98
8.DISCUSSÃO
Esse trabalho buscou compreender como se deu a implantação da PNSIPN, no MRJ,
durante o período compreendido entre 2007 e 2021. Almejou identificar como a SPN foi
configurada, tendo em vista o contexto político-organizacional, a participação do CTSPN na
operacionalização da política, os principais avanços e dificuldades quanto à implementação
da PNSIPN no MRJ.
A elaboração do Modelo Lógico da SPN do MRJ demonstrou que a Secretaria
Municipal de Saúde, através da Coordenação Técnica de Promoção da Saúde, foi a
responsável pela gestão das ações relacionadas à SPN. Vimos que a morbimortalidade da
população negra carioca foi o problema que justificou a implantação da SPN municipal.
No tocante às ações estratégicas para o enfrentamento da iniquidade racial carioca,
foram elencadas: a) a criação do CTSPN; b) a implantação do quesito raça/cor; c) elaboração
permanente do diagnóstico epidemiológico da SPN; d) formulação e estabelecimento de
indicadores; e)valorização das religiões de matriz africana; f) enfrentamento ao racismo
institucional; g) institucionalização orçamentária para a operacionalização da Política; h)
fomento da participação, controle social e ações intersetoriais.
Com relação aos aspectos político-institucionais e às estratégias da SMS, vimos um
contexto inicial, a partir de 2007 - gestão do Prefeito César Maia - que indicava o movimento
institucional de enfrentamento da iniquidade racial na Saúde.
Dentre as estratégias de gestão, a criação do CTSPN teve destaque, por caracterizar-se
como um braço da gestão responsável por: a) assessorar a SMS com dados e informações
racializadas; b) promover a transparência e o controle social da SPN, por meio de sua
composição paritária entre sociedade civil e governo local.
Em 2008, com a regulamentação da implantação do quesito raça/cor, havia a
expectativa, a partir de então, pela viabilidade da elaboração do diagnóstico epidemiológico
permanente da SPN, bem como da formulação de indicadores da SPN, necessários para o
planejamento da política pública.
Os documentos que contam a história da SPN no MRJ destacam o papel singular dos
movimentos sociais negros, bem como de Profissionais de carreira como a Psiquiatra Lenora
Mendes Louro. É importante indicar os referidos atores na correlação de forças com a ala
governamental, historicamente refratária ao enfrentamento do racismo institucional por meio
da máquina pública.
Observamos a inclusão parcial de duas submetas da SPN, no Plano Municipal de Saúde
(2009-2012), já durante a gestão do Prefeito Eduardo Paes. O CTSPN apresentou sete submetas
99
população negra) deveria ser investido de poder de gestão e controle social para o qual foi
criado.
Ao longo da análise dos registros das reuniões do CTSPN, a fala dos seus representantes
aponta o esvaziamento do CTSPN pela SMS, expresso pela baixa interlocução com os
Secretários de Saúde. Notamos que, por inúmeras vezes, as reuniões com os Secretários foram
desmarcadas. Em outros momentos, assessores de gabinete, que não demostravam, sequer,
proximidade em relação à SPN, substituíram o Secretário. Ao longo da Pandemia, sob a gestão
do Prefeito Crivella, o isolamento do CTSPN foi ainda mais gritante. Apesar das tentativas de
aproximação e cobrança acerca da SPN durante a Pandemia, o Comitê não participou do grupo
de crise da COVID-19. Também não teve acesso aos dados epidemiológicos desse período. Foi
necessário articular-se com pesquisadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), os quais disponibilizaram as informações.
Ainda nos registros do CTSPN, o racismo institucional foi, por incontáveis vezes,
correlacionado aos desafios para o avanço da SPN no município do Rio de Janeiro. Assim,
voltamos à discussão acerca da composição das Secretarias Municipais, dos órgãos de gestão:
majoritariamente masculina e branca. Ao longo das discussões teóricas, ficou evidente que o
pacto narcísico do racismo corrobora com o racismo institucional presente na composição dos
quadros do governo local. Para além da falta de proporcionalidade em relação à população
brasileira, a ausência de gestores tecnicamente competentes, capazes de lidar com a iniquidade
racial de maneira qualificada, repercute na paralisia governamental no tocante à SPN.
O racismo institucional explicaria, por exemplo, os primeiros boletins epidemiológicos
da COVID-19. Apesar da população negra ser exposta aos piores indicadores de saúde, os
técnicos da SMS foram incapazes de avaliar a importância da desagregação dos dados por
raça/cor. Nesse sentido, é possível asseverar a urgência da recomposição da gestão municipal,
no sentido de que seja proporcional à realidade da população brasileira, e, sobretudo, capacitada
tecnicamente, para lidar com a gestão da saúde da população negra.
A instituição de ações estratégicas, como a criação do CTSPN, as ações de capacitação
de gestores, equipes técnicas, e os esforços para a implantação do quesito raça/cor não tiveram
a sustentabilidade orçamentária nos PPA’s subsequentes a 2013, evidenciando a prática
institucional brasileira, de reiterada invisibilização da Saúde da População Negra (CARNEIRO,
2011; ARAÚJO; TEIXEIRA, 2016; BATISTA ET AL.,2020).
Ao longo da discussão sobre o papel dos movimentos sociais negros para a SPN, foi
identificada a crítica contundente, dos referidos movimentos, em relação à dotação
orçamentária insuficiente (ARAÚJO; TEIXEIRA, 2016).
101
9.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo de avaliabilidade revelou a pertinência de uma avaliação posterior,
da PNSIPN no MRJ, a partir das seguintes lacunas: a) a necessidade da inclusão da saúde da
população negra no orçamento municipal (PPA, PMS, LDO): b) a urgência do enfrentamento
do racismo institucional expresso pela composição do quadro municipal de gestão; c) a
promoção da gestão participativa das ações voltadas à SPN.
A questão orçamentária merece singular atenção, por ser determinante para a execução
das demais ações estratégicas, como a criação de uma área técnica da SPN, a operacionalização
do Programa Municipal da Saúde Integral da População Negra, além dos desafios relacionados
à efetiva implantação do quesito raça/cor.
Um segundo aspecto que merecerá atenção do processo avaliativo diz respeito ao
racismo institucional que, ainda em 2021, é evidente, por exemplo, na composição dos quadros
de gestão do MRJ: majoritariamente branca e masculina. O racismo institucional é deletério
para a população negra porque repercute, para além das violências cotidianas, nos espaços de
assistência à saúde, na paralisia governamental quanto à SPN. Como consequência, temos, por
exemplo, a sua inviabilização nos planos municipais de saúde, planos plurianuais e leis
orçamentárias.
A terceira questão que precisará estar sob o olhar da avaliação é o processo de gestão
participativa, transparência e controle social, funções centrais do Comitê Técnico da Saúde da
População Negra. Ao longo do estudo, identificamos lacunas com relação ao papel de gestão
do CTSPN, em decorrência do esvaziamento e distanciamento promovidos pela SMS.
Com relação às limitações do estudo, não foi possível introduzir a participação dos
grupos interessados (Oficinas com integrantes do CTSPN) ao longo do processo de pesquisa.
O contexto da pandemia, somado os adoecimentos de ordem pessoal, tornou essa etapa
primordial da pesquisa inviável. Essa lacuna representa, certamente, uma limitação do estudo.
Em relação aos principais mobilizadores em prol da Saúde da População Negra no
Município do Rio de Janeiro, não restam dúvidas sobre o protagonismo do CTSPN, sobretudo
no que tange aos componentes representativos da sociedade civil: movimentos sociais negros,
em articulação com Institutos de Ensino e Pesquisa como a FIOCRUZ, UERJ, UNIRIO.
A partir da articulação intersetorial entre o CTSPN e os Parlamentares da Câmara
Municipal do MRJ, foi construído o projeto de Lei que cria o Programa Municipal da Saúde
Integral da População Negra.
105
A SMS estabeleceu uma relação distante com o CTSPN, durante todas as gestões
analisadas (Prefeitos Cesar Maia, Eduardo Paes, Crivella). Porém, consideramos a gestão do
Prefeito Crivella como a que mais destituiu o Comitê do seu lugar de controle social,
principalmente porque foi o governo que deveria ter gerenciado a crise sanitária deflagrada pela
Pandemia COVID-19, incluindo o CTSPN no grupo de crise da SMS, criando para o
enfrentamento da pandemia em âmbito local.
É sabido que o Comitê tem a função de assessorar a gestão, além de facilitar a
transparência e o controle social da PNSIPN. Entretanto, as gestões municipais foram
resistentes ao potencial de gestão do CTSPN. A construção dos Planos Municipais de Saúde,
bem como dos Planos Plurianuais não tiveram a participação do CTSPN na última década.
Apesar dos desafios para o enfrentamento do racismo institucional no SUS, o CTSPN
foi primordial para pressionar a SMS/RJ no tocante à coleta de dados desagregados por
raça/cor, quanto à capacitação continuada de gestores e técnicos da Saúde, bem como pela
inclusão parcial de metas da Saúde da População Negra nos Plano Municipal de Saúde (2009-
2013) e Plano Plurianual (2011-2013). Ainda assim, existe um longo caminho para a efetivação
da PNSIPN no MRJ.
A partir e 2020, assistimos a ampla mobilização social pelo Projeto de Lei 873/ 2021,
que corre na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Propõe a criação do Programa de Saúde da
População Negra e da Área Técnica da Saúde da População Negra no município do Rio de
Janeiro. Essa será uma via potente para a alocação orçamentária à efetiva operacionalização da
PNSIPN em âmbito local.
Esperamos que esse trabalho contribua com o MRJ no sentido de provocar reflexões
mobilizadoras e tomadas de decisões que voltem a acenar para a efetiva inclusão da SPN na
agenda e orçamento. A nossa expectativa é a de que esse trabalho seja parte do respaldo técnico
e científico para a implantação do Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra
no MRJ, bem como a Área Técnica da SPN, no âmbito da SMS.
No tocante à Saúde Coletiva – que faz frente ao modelo biomédico, propondo a
correlação das esferas biológica, social e histórica em busca da compreensão dos processos
de saúde-doença – almejamos que o estudo contribua para o alargar da discussão, ainda,
centrada na dicotomização entre raça e classe. A aposta é a de que as reflexões aqui presentes,
sob a perspectiva interseccional, dialoguem - para além dos muros da gestão -com a população
usuária, profissionais da saúde, movimentos sociais negros e o setor acadêmico, com destaque
para o GT Racismo e Saúde da ABRASCO.
106
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oprimido-enquanto-o-brasil-nao-se-assumir-racista-dizem-especialistas. Acesso em: agosto de
2021.
121
APÊNDICE:
1. LEVANTAMENTO DAS REUNIÕES ORDINÁRIAS DO CTSPN NO
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO – 2007/2021
12/08 Sr. Silva levantou a questão do que fazer com os participantes do Comitê
que não estiverem na posse
Rosana ressaltou a necessidade de se organizar os grupos temáticos para
discussão de estratégias de ação
Correlação do Comitê com outros Comitês da SMS
11/11 Fechada a agenda do Conselho Municipal de Saúde das CAPs 3.2 e 3.3
para 2008.
Em março avaliar a participação dos membros do Comitê
Pesquisar quais outros comitês existem no Estados do Rio de Janeiro
Pensar com Cláudia a notícia para publicação no Diário Oficial sobre o Dia
da Consciência Negra
Prioridade - preparar o documento a ser entregue aos gestores. Agendada
reunião extraordinária para o dia 2 de dezembro e reunião aberta do Comitê
com mesa redonda com a participação de Rosana Iozzi, representante da
sociedade civil e da APS para o dia 9 de dezembro das 14 às 17 horas
Apresentação pelo Comitê, dos dados da Rosana, no auditório do CASS.
Também incluir a questão da violência contra a mulher e um membro do
Comitê. Ressaltar a questão do preenchimento do quesito raça/ cor
2010
ANO MÊS PONTOS PRINCIPAIS
2011 FEVEREIRO Apresentadas as ações a serem cumpridas pela Coordenação de Educação
em saúde: oficinas raça/cor nas CAP’s; articulação com a vigilância para
obtenção da análise dos dados por raça cor; acompanhamento da inclusão
do quesito R/C nos impressos da SMSDC; continuidade da caravana do
Axé; III Seminário Municipal da SPN
Proposta a revisão do Comitê, em razão da baixa em 2010.
Mortes maternas, onde 50% das fichas de APS não são preenchidas
2014
2015
JUNHO
JULHO Pauta: devolutiva da reunião c SMS (8 de julho). As sete submetas
elaboradas pelo Comitê foi o direcionador da reunião: identificação de
possíveis atores, dentro da SMS, que poderiam contribuir com a
efetivação das metas; questionamento da incompatibilidade da agenda
municipal frente às metas da SPN; implementação do E-SUS como um
caminho para qualificar o preenchimento raça/cor; capacitação
profissional para o preenchimento do quesito raça/cor; a criação de uma
área técnica da SPN, dentre outras reivindicações.
Não foram evidenciadas pactuações fruto desse encontro.
AGOSTO Apresentação dos dados sobre direitos sexuais e reprodutivos da mulher
no município do Rio de Janeiro pela Gerência da Mulher. Discutidas
questões como a necessidade de se considerar a desagregação dos dados
por raça/cor, uma vez que a mulher negra é o “outro do outro”
(Kilomba,2019).
SETEMBRO A Superintendência de Promoção da Saúde passou a ser Coordenadoria
Técnica de Promoção da Saúde. O Comitê está incluído nas competências
da Coordenadoria como estratégia viabilizada por meio do controle social
para a implementação da PNSIPN no município do Rio de Janeiro.
Proposta sobre o evento “10 anos de PNSIPN”
Apresentação do perfil da doença falciforme no município do Rio de
Janeiro (GT doença falciforme).
OUTUBRO Discussão sobre o histórico da saúde do trabalhador. Atualmente, a
Atenção Primária de Saúde é responsável por esse campo nas AP’s. Temos
três Centros de Referência da Saúde do Trabalhador no município do RJ;
há subnotificação dos acidentes envolvendo a saúde do trabalhador;
ausência do debate racializado.
NOVEMBRO Seminário 10 anos de implementação da PNSIPN no município do Rio de
Janeiro, com a participação de vinte pessoas. A maior parte das presentes
eram da PCRJ. Da sociedade civil, estavam presentes o movimento de
médicas negras ( NEGREX-RJ), o movimento de mulheres encarceradas
(Elas existem), além de representantes do Instituto Fernandes Figueira
(Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense.
DEZEMBRO Apresentação do planejamento para 2019 e o que foi realizado: criação
dos GT’s do Comitê; participação das áreas técnicas no Comitê; diálogo
do Comitê com áreas jurídicas; capacitar os membros do Comitê;
diagnóstico epidemiológico; secretaria executiva.
Os grupos de trabalho foram criados, sendo que o andamento tem se dado
de forma diversa. São eles: GT Doença Falciforme e racismo; GT Privados
de Liberdade e racismo; GT Saúde Mental e Racismo; GT Mortalidade
Materna e Racismo;
Foram três participações da Gerência da Mulher; Superintendência de
Vigilância da Saúde (1);
Relatório epidemiológico: relatório da SPN, entregue à Secretária de
Saúde em julho
As reuniões de 2020 serão mensais
AGOSTO (virtual) O gabinete não deu retorno à carta entregue pelo CTSPN, sobre a SPN
durante a pandemia
Esposições sobre a saúde materna em tempos de COVID-19.
Discussão sobre os impactos do racismo institucional para o não
preenchimento do quesito raça/cor durante a pandemia; lembrança sobre
as capacitações realizadas em 2008
Encaminhamentos: Mobilização em torno da resposta da SMS à carta
apresentada pelo CTSPN; resgate das metas de saúde em relação com o
Plano Municipal de Saúde
SETEMBRO APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO DAS SUBMETAS PARA A
(virtual) IMPLEMENTAÇÃO DA PNSIPN
APRESENTAÇÃO DA CARTA REIVINDICATÓRIA PARA A
CRIAÇÃO DE UMA ÁREA TÉCNICA DA SPN NO MUNICÍPIO
DO RIO DE JANEIRO
ATOS DO SECRETARIO
O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE, no uso das atribuições que lhe são conferidas
pela legislação em vigor,
RESOLVE
Art. 1º Constituir, no âmbito da SMS – Rio, o Comitê Técnico de Saúde da População Negra -
CTSPN, com as seguintes atribuições:
III - elaborar e implementar um plano de ação e monitoramento para intervenção pelas diversas
instâncias e órgãos do Sistema Único de Saúde;
Instituições convidadas:
Parágrafo único. A coordenação do Comitê Técnico será exercida durante dois anos pelo
representante da Assessoria de Promoção da Saúde. Após este período será escolhida pelo
próprio comitê a nova coordenação.
133
Art. 3º Os membros do Comitê Técnico de que trata esta Resolução não receberão nenhuma
gratificação para o seu exercício, sendo considerado trabalho de relevância pública.
Art. 4º O comitê poderá solicitar, quando necessário, o parecer técnico de outras instituições e
especialistas, internos e externo a SMS/Rio.
Art. 5º As propostas do comitê, antes de serem viabilizadas, deverão ser aprovadas pelo
Secretário Municipal de Saúde.
JACOB KLIGERMAN
134
racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção
da equidade em saúde."2
Processo de implantação da política
Para fomentar e articular o processo de implantação da política foram arroladas as seguintes
propostas no seminário:
1. Criação de um Comitê Técnico de Saúde da População Negra;
DOCUMENTO Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro
© REVSF. Rev. Saúde em Foco Rio de Janeiro, RJ v.5 n.1 p. 66-74 jan./jun. 2020
raça/cor” produzido pela Vigilância em Saúde, foi o pioneiro, proporcionando a comparação dos
indicadores entre as categorias pretos, pardos e brancos. As desigualdades em saúde e iniquidades
sociais da população negra no munícipio são reveladas no documento, em que também são feitas
críticas às práticas racistas inclusas no modelo de saúde.
No que tange a recursos financeiros para a implantação da política, em 2009 foi criada uma meta
orçamentária específica, destinada às ações e atividades de equidade em saúde da população negra,
apesar de reduzido, com o recurso foi possível viabilizar algumas estratégias. No entanto a partir
do ano de 2014, com orçamento contingenciado, perde-se a governabilidade sobre esse orçamento
e em 2018 a meta é extinta. DOCUMENTO Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município
do Rio de Janeiro
© REVSF. Rev. Saúde em Foco Rio de Janeiro, RJ v.5 n.1 p. 66-74 jan./jun. 2020
Nos anos de 2009 e 2010 decorreu o processo de inclusão do campo raça/cor e do campo nome
social nos prontuários e fichas utilizadas nas unidades de atenção primária no município. Os
técnicos responsáveis pela coordenação do CTSPN procederam o levantamento, revisão e
adequação da variável raça/cor nos formulários eletrônicos e impressos oficiais, e foi feita também
a interlocução e pactuação com gestores, no sentido de sensibilizá-los para a importância da coleta
da variável na produção de estratégias de gestão.
A expansão da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e a implantação dos prontuários eletrônicos
também estavam em curso. Quanto às unidades hospitalares foi incluído o campo raça/cor na ficha
138
A PNSIPN traz dentre suas diretrizes a de “promoção do reconhecimento dos saberes e práticas
populares de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas” tema que
também foi explorado no processo de disseminação da política nos territórios.
Em 2007 aconteceu o “I Encontro do Núcleo Rio de Janeiro da Rede Nacional de Religiões Afro-
Brasileiras e Saúde” evento concebido a partir da denúncia dos Yalorixás e Babalorixás frente a
situações de exclusão e discriminações sofridas pelos seguidores das religiões afro-brasileiras,
139
quando buscavam os serviços de saúde para atendimento e também com os sacerdotes, no cuidado
aos seus fiéis.
Do encontro, originou-se o projeto “Caravana do Axé - Terreiros de Portas abertas para a Promoção
da Saúde, Cultura e Cidadania”, iniciativa que contou com a participação da Rede Nacional de
Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), da Secretaria Municipal de Cultura e da
Coordenadoria Especial de Igualdade Racial.
O projeto teve como objetivo central fortalecer o reconhecimento dos terreiros como espaços
tradicionais de proteção e promoção de saúde. A identificação desses locais como promotores de
saúde é um fator fundamental na integração desses com a comunidade do entorno, na ampliação da
interlocução com os serviços de saúde do território, possibilitando assim a criação de espaços
privilegiados de trocas de saberes, de promoção da saúde e sobretudo de combate ao racismo
religioso. Os territórios mais vulneráveis da cidade e com comunidades de terreiros foram os
priorizados para o início do projeto.
Em uma outra vertente, mas ainda dentro da proposta “Caravana do Axé” adveio o movimento de
construção de um plano para a implantação de espaços de acolhimento espiritual e religioso em
unidades hospitalares do município, com intuito de ampliar e garantir que os sacerdotes e
sacerdotisas das religiões afro brasileiras conseguissem o livre acesso a essas unidades como já
ocorria para outras religiões.
Uma outra ação realizada a partir das conexões estabelecidas no “I Encontro do Núcleo Rio de
Janeiro da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde” foi o projeto Ilê Aye yaya ilera
(Saúde Plena para a Casa desta Existência), uma parceria estabelecida pela Coordenação de Área
Programática 3.2 com o terreiro Ilê Axé Ya Manjeleô.
Esse projeto construído nos anos de 2006 e 2007, tinha como objetivo principal planejar e organizar
o acesso de mulheres negras, pobres e vinculadas à religião de matriz afro-brasileira em situação de
exclusão social, de modo a viabilizar o atendimento das necessidades de saúde dessa população,
promover ações que se destinem à promoção de saúde, prevenção e controle de doenças
infectocontagiosas e/ou crônicas e à inclusão de forma resolutiva na rede de serviços de saúde
existente.
Apesar de todo investimento no combate ao racismo religioso, com seminários, oficinas regionais,
produção de materiais educativos, atualmente percebe-se que não há nenhum estímulo por parte da
instituição em dar continuidade a esse movimento.
Ações voltadas para a Juventude Negra DOCUMENTO Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra no município do Rio de Janeiro
© REVSF. Rev. Saúde em Foco Rio de Janeiro, RJ v.5 n.1 p. 66-74 jan./jun. 2020
140
O Plano Juventude Viva (PJV) elaborado pelas Secretaria Nacional de Juventude e Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo federal tem como foco o enfrentamento à
violência contra o jovem negro.
O fomento ao debate sobre o extermínio da juventude negra na cidade, já com o intuito de adesão
ao PJV e com a proposta de articular na SMS-RJ estratégias e ações de cunho intersetorial visando
a redução dos índices de morbimortalidade por causas externas, mais especificamente as violências,
partiu da iniciativa da Comissão Executiva do CTSPN.
No processo de implantação do PJV no município foi instituído em 2013 e 2014, dois espaços para
a articulação de diferentes atores (intra e intersetorial) e construção do plano operacional, o Fórum
Juventude Viva e o Fórum Juventude e Comunicação. As estratégias foram traçadas e firmadas
parcerias com o Fórum Estadual de Juventude, com representantes do Canal Futura, do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, com o movimento de mães de jovens vítimas da
violência do Estado, com a Rede de Adolescentes e Jovens Promotores da Saúde e profissionais
técnicos e gestores da rede de saúde municipal.
Atividades educativas, sensibilização e criação de materiais
A elaboração e divulgação de materiais educativos com a representação da identidade étnico-racial
da população carioca (postais, cartazes, panfletos, vídeos), destacou-se como poderosa estratégia
nas capacitações dos profissionais da rede e na divulgação da importância da identificação raça/cor
junto aos usuários das unidades de saúde.
A produção dos relatórios técnicos com recorte étnico-racial ainda é incipiente nas áreas técnicas,
no entanto cabe destacar a divulgação dos dados relativos ao Sistema de Vigilância de Violências
e Acidentes (VIVA), (único que consta no site da prefeitura) e a informação referente à mortalidade
materna, ambos trazem a informação da raça/cor desagregadas.
Outros relatórios que incluem a variável raça/cor são elaborados de forma ocasional, não periódica.
É importante também que sejam divulgados e disponibilizados de forma ampla e sistemática os
dados epidemiológicos com recorte racial junto à população em geral.
Proposições de submetas para o município do Rio de Janeiro
Em 2011, o CTSPN construiu o documento de submetas elaborado a partir das propostas retiradas
do “III Seminário de Equidade em Saúde da População Negra” com enfoque na saúde do povo
negro, tendo em vista a situação de maior vulnerabilidade instaurada, os piores indicadores da saúde
e baixa resolubilidade dessas questões ao longo dos anos, apesar de todos os avanços observados
na rede de saúde.
Propõe-se, no documento 7 submetas:
1. Implementação do quesito raça/cor, com a qualificação de sua coleta, processamento, análise e
disseminação para embasar as decisões políticas em saúde;
141
DOCUMENTO Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro
© REVSF. Rev. Saúde em Foco Rio de Janeiro, RJ v.5 n.1 p. 66-74 jan./jun. 2020
Outras estratégias, como a Sala de Situação para Mortalidade Materna, inclusão da variável raça/cor
no acolhimento com classificação de risco em obstetrícia, horários alternativos de atendimento nas
Clínicas da Família de modo a garantir o acesso, são ferramentas que possibilitam o cuidado da
população negra, considerando as vulnerabilidades existentes, as submetas vão no sentido de
garantia da equidade, com acesso a saúde de qualidade em suas diversas possibilidades.
Interface do comitê com as instâncias de gestão da Secretaria Municipal de Saúde
A pactuação de estratégias para implementação da PNSIPN se deu principalmente via CTSPN,
houve sempre a necessidade de se tensionar a gestão para a inclusão de ações direcionadas para
redução das iniquidades em saúde da população negra nos planejamentos.
Um dos mecanismos para a difundir a política foi a apresentação dessa aos secretários de saúde,
superintendentes, coordenadores e gerentes responsáveis pela gestão, no primeiro momento. E na
etapa seguinte: educação permanente nas 10 Coordenações de Área Programática do município,
para os profissionais do nível local.
Reuniões ordinárias regionais organizadas para discutir localmente as questões relacionadas às
inequidades na atenção à saúde da população negra nos territórios, também foi uma estratégia
relevante para avançar com o tema.
A explanação de aspectos da saúde da população negra, bem como a PNSIPN aos Conselhos
Distritais de Saúde foi realizado em meados de 2013. O intuito era divulgar a política e estimular
que o tema fosse incorporado nas propostas para a conferência municipal, tendo em vista que nos
documentos precedentes não havia nenhuma proposição que considerasse a dimensão étnico-racial.
A apresentação da PNSIPN e do CTSPN é feito de modo sistemático a cada troca de gestão,
principalmente para o(a) secretario(a) municipal de saúde, incluindo também um relatório com
dados demográficos e epidemiológicos por raça/cor com informações atualizadas da cidade.
No ano de 2019 o documento foi entregue a atual Secretaria de Saúde, que recebeu membros do
CTSPN para a discussão das 7 submetas que também foram incluídas no relatório e modo de
operacionalizá-las. Dessa reunião foi possível estabelecer um canal de comunicação e pactuação
142
direto com o gabinete, em que o propósito é formular de modo articulado com representantes do
CTSPN, profissionais técnicos e gestores da SMS-RJ estratégias para execução política no âmbito
da gestão. DOCUMENTO Implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro
© REVSF. Rev. Saúde em Foco Rio de Janeiro, RJ v.5 n.1 p. 66-74 jan./jun. 2020
D E C R E T A:
Art. 1º Fica instituído o Programa Municipal de Saúde Integral para a População Negra, com o
objetivo de desenvolver, de forma integral, ações de promoção, prevenção, assistência e
recuperação da saúde da população negra e dos afrodescendentes, em conformidade com a
Portaria GM/MS nº 992, de 13 de maio de 2009, que institui a Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra - PNSIPN.
Art. 2º O Programa Municipal de Saúde Integral para a População Negra será regido pelas
seguintes diretrizes:
I - garantia da inclusão deste programa no Plano Municipal de Saúde e no Plano Plurianual
setorial, em consonância com as realidades e necessidades locais, do monitoramento,
fiscalização e avaliação pelos conselheiros de saúde de distritais, conforme a Resolução CNS
nº 453, de 10 de maio de 2012, itens IV, V, VI, VII, VIII, IX e X;
II - identificação das necessidades de saúde da população negra no âmbito municipal,
considerando as oportunidades e recursos;
III - promoção de ações que garantam a equidade em saúde da população negra;
IV - criação de instrumentos de gestão e indicadores para monitorar e avaliar o impacto da
execução deste programa;
V - garantia de ações voltadas para a formação profissional e educação permanente dos
trabalhadores da saúde e dos conselheiros municipais e distritais de saúde, em articulação com
a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, instituída pela Portaria GM/MS nº
1.996, de 20 de agosto de 2007;
VI - articulação intersetorial, incluindo parcerias com instituições governamentais e não
governamentais, com vistas a contribuir para a promoção da saúde integral da população negra;
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Art. 3º O Poder Executivo, em articulação com o Comitê Técnico de Saúde da População Negra
- CTSPN, desenvolverá ações sistematizadas de qualificação profissional dos trabalhadores da
atenção primária, hospitalar, gestão e funcionários de programas de saúde, considerando a
vulnerabilidade dos agravos à saúde à população negra.
Art. 5º O Poder Executivo disporá de órgão técnico competente que implante, monitore e avalie
a execução do Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra, com vistas à
superação de barreiras estruturais e cotidianas que incidem na saúde dessa população.
Parágrafo único. O Comitê Técnico de Saúde da População Negra - CTSPN atuará em conjunto
com o órgão técnico a que se refere o caput a partir das atribuições elencadas na Resolução
SMS nº 1298, de 10 de setembro de 2007.
Art. 6º As despesas decorrentes desta Lei ocorrerão por conta de dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário.
Parágrafo único. O Poder Executivo poderá celebrar convênios, acordos, ajustes e outros
instrumentos congêneres com órgãos e entidades públicas ou privadas, objetivando a
operacionalização das ações previstas nesta Lei.
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JUSTIFICATIVA
O presente Projeto de Lei tem como objetivo garantir não só a aplicação da Política Nacional
de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), mas a continuidade de atividades já realizadas
em gestões anteriores, especificamente no período de 2012 a 2015, quando a Secretária
Municipal de Saúde, no âmbito da Atenção Primária à Saúde, criou processo de certificação
das unidades de saúde abarcando temas como o “Reconhecimento ao Cuidado de Qualidade:
Unidade parceira do Rio sem Preconceito”, medida que estimulou a ampliação no
preenchimento do campo raça/cor nos prontuários e impressos das unidades de Atenção
Primária.
Nesse sentido, cumpre destacar que no município do Rio de Janeiro 51,3% da população carioca
é constituída de pessoas pretas e pardas - negros (IBGE, 2010) e que apresentam maior
vulnerabilidade aos agravos à saúde. Esse fato pode ser comprovado através dos indicadores
com recorte por raça/cor no município, o impacto das ações não atinge a população negra de
forma equânime. Dos óbitos infantis, a maioria (55,9%) é da raça/cor negra; a razão de
mortalidade materna para as mulheres pardas foi de 61,8% e para as pretas 143,6%; estas
também são as que têm menor acesso a consultas de pré-natal, 76.8% fizeram menos de sete
consultas; as causas externas estão entre as três principais causas de morte, incidindo
principalmente nos homens negros (80,3%) três vezes mais se comparado aos brancos (19,7%),
as mortes por homicídios são mais que o dobro, 30% na população branca e 70% para negros.
Ademais, pode-se dizer que algumas doenças incidem mais na
população negra por conta de fatores genéticos, biológicos, sociais e
econômicos, como anemia falciforme, doença hipertensiva da gravidez,
hipertensão arterial, diabetes mellitus e outras.
Na mesma medida, contamos com vasto regramento nacional que
justifica a implantação da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra (PNSIPN) no âmbito municipal, são elas:
· Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Decreto nº 4.886
de 20 de novembro de 2003);
· Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria MS/GM nº 687, de
30 de março de 2006);
· Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN)
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Técnico para implementação de diretrizes das políticas de saúde da população negra, que foi
criado no ano de 2007, como técnica especialista da área de saúde mental. A partir daí,
protagonizaram a criação de diversos grupos de estudos sobre mulheres negras e saúde mental,
participando dos momentos embrionários como uma das fundadoras da CONEI - Comunidade
Negra do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Lenora Mendes Louro teve vários artigos publicados na imprensa, criticando as políticas de
segurança do governo do Estado do Rio de Janeiro, bem como o genocídio da população negra
carioca. Participou intensamente dos movimentos e atos promovidos pelo movimento negro e
foi incansável na luta antimanicomial e na defesa de um atendimento digno e de qualidade a
todos os usuários do serviço público. Lenora Louro nos deixou no ano de 2007.
Por fim, faz-se importante salientar que o presente Projeto de Lei se constituiu a partir do debate
com profissionais e gestores de saúde e assistência social, lideranças religiosas, quilombolas e
do movimento negro e as vereadoras e vereadores que o subscreveram o apresentam como
vultoso instrumento de garantia de direitos à população negra da cidade do Rio de Janeiro.
Legislação Citada
PORTARIA Nº 992, DE 13 DE MAIO DE 2009
Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
(...)
RESOLUÇÃO Nº 453, DE 10 DE MAIO DE 2012
(...)
Aprovar as seguintes diretrizes para instituição, reformulação,
reestruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde:
(...)
IV - As entidades, movimentos e instituições eleitas no Conselho de
Saúde terão os conselheiros indicados, por escrito, conforme processos
estabelecidos pelas respectivas entidades, movimentos e instituições e
de acordo com a sua organização, com a recomendação de que ocorra
renovação de seus representantes.
V - Recomenda-se que, a cada eleição, os segmentos de representações
de usuários, trabalhadores e prestadores de serviços, ao seu critério,
promovam a renovação de, no mínimo, 30% de suas entidades
representativas.
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(...)
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