A Nova Era Gnostica
A Nova Era Gnostica
A Nova Era Gnostica
Introdução
Pressupostos históricos
(egito sec.II): Deus deu origem aos Éons: uma cadeia de pares de seres (sigízeas) que foram
dando origem a outros pares de seres inferiores que vão se degradando conforme se
reproduzem mais e mais, se distanciando do princípio, até que o éon Sofia (principio
passivo/feminino) gerou sozinha a matéria (o mundo material) totalmente passivo, e também o
éon Demiurgo (depravado) que criou a ordem do mundo material. Em suma: Deus não criou
esse mundo, mas o Demiurgo (Deus do AT).
O Deus verdadeiro não quis que as coisas continuassem assim: então, uma centelha (nossas
almas) sua desceu à matéria e um dos seus Éons (Cristo – Psicopompo, guia das almas) desceu à
matéria para guiar as almas aprisionadas até Deus através do conhecimento – gnose.
Resultado: além de tornar a salvação algo “fácil”, que dependia apenas do conhecimento
expresso nesta explicação, toda uma hierarquia “espiritual” foi instituída: um grupo
pneumático/espirituais (pessoas com o conhecimento para revelação), um grupo
psíquico/alma (pessoas não totalmente espirituais, mas que podiam ser doutrinados) e um
grupo inferior ílicos/matéria (pessoas totalmente materiais, sem alma e espirito, destinados a
destruição).
Reações
Santo Irineu de Lyon (sec.II), para combater coisas desse tipo, deu ênfase à sucessão apostólica
como fonte de legitimação da verdadeira Gnose, da verdadeira Fé, da verdadeira pregação de
Cristo aos apóstolos (Cristo->João->Policarpo->Irineu)
1- A sucessão dos Bispos é a garantia contra as heresias gnósticas, ou seja, de todos os
sistemas que, a partir da experiencia do desespero cósmico, desenvolvem doutrinas espirituais
ou filosóficas contrárias ao conteúdo da revelação cristã. 2- Regula fidei, o cânon da fé que diz:
Deus criou o mundo, mas o mal vem do pecado espiritual de anjos e homens – a matéria é boa,
o pecado vem do espírito. 3- Cânon das escrituras impedia que certos livros estranhos fossem
inseridos no conjunto das escrituras sagradas (evangelhos “gnósticos”) – Marcião tentou
modificar radicalmente.
Introdução
Fundamentos do gnosticismo
O que eles denominam Conhecimento: sua ideia de conhecimento se distingue das demais por
1- O universo é degradado em essência; 2- a preexistência do homem (contradiz diretamente a
revelação de um Deus bom criador do mundo e a queda moral do homem).
Crença num mal para além do homem: o mal é retirado da esfera da liberdade humana e
transferida para fatores externos e constitutivos do mundo.
Em todas as épocas, períodos de desintegração social (como na ascensão de novos impérios)
evocam tentativas de recuperação do sentido da existência e do mundo. Ex: estoicismo, visão
polibiana da história, apocalíptica hebraica, etc. e o próprio gnosticismo.
Em todos os fenômenos ditos “gnósticos” coexiste o mesmo padrão: a experiencia do mundo
como um lugar estranho, onde o homem está fora de seu caminho, fora de seu lugar –
desviado.
“O mundo está errado”, eis o pressuposto de todo o gnosticismo; “quem é culpado por
estarmos nessas trevas?”, eis sua pergunta fundamental; “alguém me livre deste mal!”, eis o
seu maior pedido. – O mundo já não é mais percebido como “cosmos”, ordem, mas como
“caos”. Motivo: a falta vontade em apreciar o mundo, apenas de suspeitar dele, escapar.
Fórmula de fundo dos gnósticos: conhecer a origem e o estado atual do que nos tornamos
para, enfim, empreender fuga.
De onde deriva seu fascínio moderno? – do fato de ter sido uma “fé proibida”, sua condenação
confere seu glamour (oferecer solução à problemas ignorados pela religião cristã).
No fundo, a tendencia gnóstica enquanto experiencia e especulação posterior é uma tentativa
de se desvencilhar da ortodoxia – seu maior inimigo.
Renascimento gnóstico
A essência da inversão
Gnosticismo nos dias atuais: Tanto a teologia liberal quanto o pensamento moderno têm em
sua base o espírito da experiencia gnóstica. A explicação da experiencia gnóstica se tornou uma
matriz que nos induz a acreditar que o mundo foi “mal feito” e precisa ser aperfeiçoado (por um
especial conhecimento).
A inversão diz respeito à matéria e não à forma da questão e do discurso gnóstico fundamental:
seu objeto de ataque é o espírito, e não mais a existência material. A forma continua a mesma:
o terror da experiencia humana diante do sofrimento e do mal – mas agora, com um elemento
de fraude consciente que revela a rebelião contra o princípio da ordem.
O mundo padece do mal porque foi criado de forma errada, não por um Deus ou Demiurgo,
mas por um SISTEMA DE IDÉIAS (que nos oculta o mundo real – material - e nos aprisiona em
um mundo alienante - de ideologias)
A inversão gnóstica é este novo tipo de pensamento em sua forma secularizada, um
pensamento “materializado”. A matéria não é mais o mundo degradado, mas o mundo a ser
aperfeiçoado (potencialmente criativo e perfeito). O mundo degradado é o mundo das ideias
(potencialmente destrutivo e imperfeito).
As ideias aprisionantes se tornaram o obstáculo da transformação cultural, da libertação
humana, como a matéria era o fator opressor dos antigos gnósticos.
Isto se reproduz pela mudança material do meio social (sua organização prática - política) e
pela multiplicação de seus canais de expressão e reprodução (artes, filmes, musica, livros,
sistema educacional, política, mídia – em suma, da técnica)
Em todas essas áreas a fórmula da experiencia de terror e desespero diante do cosmos está
expressa, mesmo que de forma sútil e subliminar: somos enganados e oprimidos por sistemas
de crenças – o principal, a ortodoxia cristã.
Exemplos:
Ideologia de gênero – a natureza sexual não é exatamente o que convencionalmente nos dizem
sobre ela (determinismo biológico como mal absoluto);
Teologia da libertação – desconstrução do sentido real da doutrina cristã tradicional e
esvaziamento do conteúdo originário dos termos tradicionais no intuito de “libertar” os fiéis da
opressão de uma ideia de Igreja ultrapassada e deslocada do contexto atual (tradicionalismo
como mal absoluto);
Crença num Deus abstrato e não confessional – um Deus sem uma religião interpretativa, sem
dogmas, sem moral, apenas em sua configuração “natural” (religião formal como mal absoluto);
Transhumanismo – o homem não tem natureza prévia e fixa, tudo pode ser modificado
conforme uma nova configuração (natureza fixa como mal absoluto);
Multiculturalismo – o relativismo substitui a objetividade moral, cultural, social, etc.
(objetivismo como mal absoluto).
O mal não é a matéria, mas o espírito – epifenômeno da matéria; como até mesmo a matéria se
tornou elemento de dúvida, só nos restará o mundo imaginário como realidade fundante do
indivíduo e da própria sociedade.
A liberdade humana é abolida: se torna condicionada por uma série de impressões vitimizantes
(fruto da imaginação super excitada) – há sempre um mal absoluto responsável por todas as
nossas experiencias angustiantes, a responsabilidade moral é suprimida.
A nova era gnóstica
Introdução
Sec XVII - Mudança na visão de natureza: contingencia total da existência. O gnosticismo tinha
uma proeminente imaginação metafisica, porém, passou a se adaptar ao esquema de
imaginação da desilusão existencial.
Nietzsche inaugura a inversão: após 3 séculos de sedimentação da nova visão de natureza,
eclode os frutos diretos de uma nova concepção gnóstica da existência como: “experiencia
profundamente sentida de si mesmo” (dentro de um dualismo antagônico, não mais
complementar). A morte de Deus significa a morte de uma forma de consciência (através de um
processo dialético e histórico) – a morte da metafisica.
Formam-se as doutrinas objetivas modernas sobre a ruptura total entre o homem e mundo
(em sentido filosófico e antropológico, em contraposição a toda referência teológica).
É a consciência egóica que comanda o processo de emancipação das ideias aprisionantes:
engendrando uma “salvação” não pela integração, mas pela máxima alienação deste “mundo
de ideias aprisionantes”.
O homem quer escapar de tudo aquilo que o aprisiona; ele mesmo realiza sua salvação;
destruindo o mundo antigo e erigindo um novo (acabar com a realidade); desejo de domínio
irrestrito sobre o ser
Antigos – Espirito real/matéria ilusão; Modernos – Matéria real/Espirito ilusão; Futuros –
Imaginário real/Matéria e espirito ilusão. (há um sentimento cósmico comum) da rejeição da
vida – à correção da natureza – até às utopias políticas modernas.
Revolta contra toda visão tradicional da ordem social como expressão da ordem divina da alma
e do cosmos gera o desejo de supressão do universo criado. Isto evoluiu para a idéia de
transmutar a estrutura do tempo e inaugurar na Terra um paraíso milenarista e perfeito.
Motivos: em razão das guerras religiosas que, a partir do século XVI, romperam a unidade da
sociedade cristã e eliminaram a religião como poder público, instituindo o moderno Estado
leigo que, erigido sobre um vácuo espiritual, acabou por se revelar impotente para resistir à
invasão dos movimentos gnósticos de massa (Olavo)
Com a perda da noção de um cosmo ordenado onde o homem está integrado (visão cristã), e
pela ascensão da nova roupagem da ciência moderna (mecânica) a respeito do universo, o
homem se viu solitário e perdido num ambiente hostil (impessoal) onde o único senso de
orientação provem de si mesmo.
Só lhe resta buscar no ego a salvação contra o desespero da existência. Em pouco tempo,
substituirá a relação homem/mundo pela relação ego/ideias (ontologia clássica) – o passo
primordial para a inversão gnóstica.