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10573728032012historia Da Matematica Aula 1

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História da Matemática

através de Problemas
Volume 1 Mário Olivero

UFF – Instituto de Matemática


EB – Centro de Estudos de Pessoal

Curso de Instrumentação para o


Ensino da Matemática

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

Presidente
Masako Oya Masuda

Vice-presidente
Mirian Crapez

Coordenação do Curso de Matemática


UFF - Regina Moreth
UNIRIO - Luiz Pedro San Gil Jutuca

Material Didático

ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO PRODUÇÃO GRÁFICA


Mário Olivero Patricia Seabra
CAPA
Eduardo Bordoni

O material constante desta disciplina, História da Matemática através de Problemas,


foi produzido sob o auspício de Convênio de cooperação técnico-acadêmica entre o
Exército Brasileiro e a Universidade Federal Fluminense.

O48h Olivero, Mário.


História da matemática através de problemas /
Mário Olivero. – Rio de Janeiro : UFF / CEP – EB,
2007. 160p. – (Curso de Instrumentação para o
Ensino de Matemática).

ISBN: 85-98569-36-4

1. Matemática – História. 2. Matemática –


Problemas.

CDD - 510.09
Publicado por: Centro de Estudos de Pessoal (CEP)
Copyright ”2005 Centro de Estudos de Pessoal

Todos os direitos reservados ao Centro de Estudos de Pessoal (CEP)


Praça Almte. Júlio de Noronha S/N - Leme - Tel (0xx21) 2275-0100
22010-020 Rio de Janeiro - Brasil

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por
2009/2 qualquer meio, seja ele eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização do CEP e do autor.
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Sérgio Cabral Filho

Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação


Alexandre Cardoso

Universidades Consorciadas
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2EITOR 2OBERTO DE 3OUZA 3ALLES $/ 2)/ $% *!.%)2/
2EITORA -ALVINA 4ANIA 4UTTMAN
.
Apresentação

Há alguns anos eu resolvi aprender a jogar tênis. Inscrevi-me em um curso e


passei a receber duas aulas semanais. Foi uma ótima experiência. Hoje eu
jogo bastante bem, gosto muito do esporte e ganhei uma grande diversão. No
entanto, a experiência deu-me mais do que isso.

Sou professor de Matemática há muito tempo e as aulas de tênis deram-me a


oportunidade de relembrar o outro lado da atividade. Por exemplo, recordei-me
da importância dos exercı́cios repetidos para assimilação de novos conteúdos.
Tive a felicidade de encontrar um professor que me deu atenção e encoraja-
mento, corrigindo minhas (muitas) imperfeições com paciência e bom humor.
Reavaliei a importância da auto-disciplina para atingir objetivos estabelecidos.
Com certeza, a experiência afetou minha vida profissional. Passei a ser mais
tolerante e generoso como professor. Aprender algo novo ajudou-me a levar em
conta a perspectiva do aluno, que precisa ser encorajado, aprender a valorizar
a organização e a disciplina, precisa encontrar alegria na atividade de aprender
e descobrir motivações para atingir os objetivos que lhe são propostos.

Você se encontra numa posição semelhante à minha, nesse momento. Está


prestes a vivenciar uma experiência de aprendizado. Retomar os estudos re-
quer uma atitude corajosa. Parabéns! Você merece uma recepção calorosa.
Nesta disciplina, História da Matemática Através de Problemas, nosso principal
objetivo é que você goste ainda mais de Matemática.

Aqui, você terá a oportunidade de ver a Matemática sob um novo prisma.


Perceberá como as diferentes áreas matemáticas, tais como Álgebra, Geometria,
Cálculo, Análise Matemática e outras, se relacionam e se influenciam, assim
como certas questões (os tais problemas da Matemática) motivaram (e conti-

3
Apresentação História da Matemática

nuam motivando) novas descobertas. É bem provável que você passe a gostar
ainda mais dos diversos temas com que lidamos na Matemática, uma vez que
descobrirá como eles surgiram e se desenvolveram.

É claro que num projeto como esse certas opções devem ser feitas. Não é possı́vel
cobrir todos os temas, mesmo aqueles de maior importância. A escolha daqueles
que representarão o nosso painel foram feitas em função de meu gosto pessoal
(sim, todos nós temos nossas preferências matemáticas) assim como das minhas
muitas inabilidades. De qualquer forma, se o conteúdo apresentado motivá-lo
a buscar ainda mais informações sobre aquilo que ficou faltando, despertando a
sua curiosidade, dar-me-ei por satisfeito.

Essa experiência deverá afetar, também, sua atuação profissional. Após cur-
sar a disciplina você estará melhor preparado para apresentar os conteúdos de
Matemática, colocando-os em um contexto histórico e mostrando suas conexões
com outros temas. Seja, portanto, bem-vindo à História da Matemática Através
de Problemas!

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Visão Geral da Disciplina

Unidade 1: Três Famosos Antigos Problemas


Assunto: Principais caracterı́sticas da Matemática. Importância dos problemas
e questões para seu desenvolvimento.
Onde encontrar: Textos 1 e 2.
Carga horária: 4h

Unidade 2: O Dilema de Pitágoras


Assunto: Matemática do Antigo Egito e da Mesopotâmia. Diferenças entre a
Matemática desses povos e a Matemática grega. Os pitagóricos.
Onde encontrar: Textos 3 a 5.
Carga horária: 6h

Unidade 3: Teoria das Proporções de Eudoxo


Assunto: Primeira crise da Matemática: segmentos não-comensuráveis. Con-
ceito de infinito. Solução para a crise dada por Eudoxo.
Onde encontrar: Textos 6 a 9.
Carga horária: 6h

Unidade 4: O Quinto Postulado da Geometria Euclideana


Assunto: Elementos de Euclides. Problema do Quinto Postulado de Euclides.
Geometrias não-euclidianas.
Onde encontrar: Textos 10 a 15.
Carga horária: 7h

Unidade 5: Resolução das Equações Algébricas


Assunto: Matemática árabe e indiana. Surgimento do zero na Matemática.
Solução para o problema das equações cúbicas.

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Visão Geral História da Matemática

Onde encontrar: Textos 16 a 19.


Carga horária: 7h

Unidade 6: Uma Nova Matemática para um Mundo Novo


Assunto: Panorama matemático antes do Cálculo. O Cálculo segundo Newton
e Leibniz.
Onde encontrar: Textos 20 a 23.
Carga horária: 7h

Unidade 7: A Equação de Euler: ei π + 1 = 0


Assunto: Caracterı́sticas da Matemática do século 17 e 18. A Matemática de
Euler. Notação matemática.
Onde encontrar: 24 e 25.
Carga horária: 7h

Unidade 8: Construção dos Números Reais – Cauchy e Dedekind


Assunto: Caracterı́sticas da Matemática do fim do século 18 e inı́cio do século
19. A Matemática de Gauss. Cortes de Dedekind. Contribuições de Cauchy e
Weierstrass para a Análise Matemática.
Onde encontrar: 26 a 30.
Carga horária: 6h

Unidade 9: Teoria de Conjuntos e Números Transfinitos de Cantor


Assunto: Caracterı́sticas da Matemática no fim do século 19 e inı́cio do século
20. Contribuições feitas por Cantor e Hilbert.
Onde encontrar: Textos 31 a 34.
Carga horária: 6h

Unidade 10: Números e Codificação de Mensagens


Assunto: Números primos. Criptografia.
Onde encontrar: Textos 35 a 38.
Carga horária: 4h

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Unidade 1

Três Famosos Antigos Problemas


Nesta unidade didática, você conhecerá três grandes problemas da antigüidade
que desempenharam papéis relevantes no desenvolvimento da Matemática.
Mas, primeiramente, vamos colocar certas coisas em perspectiva. Afinal de
contas, precisamos de algum tempo para nos conhecer melhor.
Assim, antes de nos lançarmos nesta jornada, é importante considerar a
questão tratada em nosso primeiro texto.

Texto 1: O que é Matemática?

Na verdade, pretendemos que você pense um pouco sobre esse tema, que de-
manda mais esforço do que podemos dispor em alguns minutos. Por exemplo,
há um livro de cerca de quinhentas páginas, escrito por Courant e Robbins, cujo
tı́tulo é, precisamente, “O que é Matemática?”
Veja, a Matemática lida com duas idéias fundamentais: multiplicidade e espaço.
Desde os primórdios os seres humanos se valem desses conceitos. Contar as
reses de um rebanho ou os frutos de uma colheita, avaliar a área de campo
de pastagem, de um campo a ser cultivado ou o volume de um vaso contendo
grãos são tarefas que demandam conceitos matemáticos.
Dessa forma, podemos dizer que números e figuras geométricas são elemen-
tos fundamentais da Matemática. Podemos até ensaiar uma resposta: a Ma-
temática é a ciência dos números e figuras geométricas, assim como as relações
que possam existir entre eles.
Mesmo sentindo que a resposta contém parte da verdade, não podemos deixar de

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UD 1 História da Matemática

percebê-la incompleta. Nossa expectativa é que, ao fim do estudo da disciplina,


você possa ter construı́do sua própria resposta para a questão.

1.1 Algumas caracterı́sticas da Matemática

Agora, mudando um pouco o foco da nossa atenção, observe que, apesar da


dificuldade que a maioria das pessoas tem para explicar o que é a Matemática,
não é muito difı́cil detectar quando há “matemática” em determinada situação.
Quem nunca usou a expressão “tão certo quanto dois e dois são quatro”?

É comum, no entanto, que as pessoas tenham uma visão parcial do que constitui
a Matemática. Vejamos alguns aspectos que a caracterizam e distinguem das
demais ciências.
Geralmente, quando se trata de Matemática, os números são as primeiras coisas
mencionadas, não acha? Contudo, apesar da importância que eles têm, a Ma-
temática não lida apenas com números, mas também com formas, assim como
estuda as relações entre esses objetos.

O artista gráfico holandês


Maurits Cornelius Escher Por exemplo, ao observarmos algu-
(1898 - 1970) aplicou em
suas obras vários truques de mas gravuras de Escher, não pode-
ilusão ótica e perspectiva
destorcida e repetições de mos deixar de notar a maneira como
certos padrões, conseguindo
assim um forte impacto ele explora as simetrias e usa os
visual. Entre seus temas
favoritos estão a padrões, o que dá um certo ar “ma-
metamorfose, a representação
de infinito e situações temático” às gravuras. Eis aqui uma
paradoxais.
de suas citações: “Para mim, perma-
nece aberta a questão se (este tra-
balho) pertence ao mundo da ma-
temática ou da arte.”

Muito bem, vamos aumentar nossa coleção de informações sobre a Matemática:


ela lida com números e formas, estuda padrões e busca relações entre seus
objetos. Enfim, trata com uma multitude de idéias, submetendo-as a diferentes
pontos de vista, comparando-as e buscando suas inter-relações.

É como um cenário onde uma enorme diversidade de atitudes, de perspectivas, se


opõem e se influenciam mutuamente. O particular ilustra o geral, o contı́nuo se
opõe ao discreto, perı́odos em que a atitude mais formal prevalece se intercalam

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UD 1 História da Matemática

com perı́odos onde a intuição abre novos caminhos e assim por diante.
Além disso, Matemática é uma ciência que difere de todas as outras na forma
como estabelece a verdade. A verdade cientı́fica, na Matemática, é estabelecida
a partir de um conjunto mı́nimo de afirmações, chamadas axiomas, por meio
de um conjunto de regras lógicas bem estabelecidas. É o chamado método
dedutivo.
Nas outras ciências, a verdade é estabelecida por experimentos cientı́ficos. É
por isso que, em muitos casos, uma nova teoria toma o lugar da anterior, que
já não consegue explicar os fenômenos que prevê.
Basta comparar, só para se ter um exemplo, a evolução histórica do conheci-
mento sobre o universo, em particular sobre o funcionamento do sistema solar,
com a estabilidade vivida na Matemática, simbolizada nos Elementos, de Eu-
clides, uma coleção de livros escritos em, aproximadamente, 250 a.C. Os Ele-
mentos só tiveram menos edições do que a Bı́blia, e são tão corretos hoje como
quando foram escritos.

1.2 A diversidade matemática

Um outro aspecto que chama a atenção sobre a Matemática é sua diversi-


dade. Em muitas lı́nguas, a palavra matemática é usada no plural. Há tantas
ramificações e sub-áreas na Matemática contemporânea que é praticamente
impossı́vel acompanhar os desenvolvimentos mais recentes em todas as suas
frentes de pesquisa.
Essa caracterı́stica da Matemática, ter uma face voltada para questões de cunho
exclusivamente matemático – que costuma ser chamada de matemática pura –
e outra voltada para os problemas surgidos nas outras ciências – a matemática
aplicada – a torna uma ciência cheia de surpresas. Para espanto até de muitos
de seus criadores, teorias que nasceram no campo da matemática pura, sem
nenhuma aparente aplicabilidade, podem encontrar seu caminho aplicado, e
vice-versa. É como na música, quando temas sacros e profanos são trocados.
Finalmente, uma das caracterı́sticas da Matemática, com a qual nos ocuparemos
agora, até o fim desta unidade, é a ânsia de resolver problemas. Podemos dizer
até que se trata da principal atividade dos matemáticos. Um matemático feliz é
aquele que acabou de resolver um bom problema e ao fazer isso descobriu mais

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UD 1 História da Matemática

uma porção de novos problemas para pensar.


Você verá que, ao longo do tempo, algumas questões desafiaram a criatividade
de gerações de matemáticos, norteando, estimulando a criação matemática.
Essas questões funcionam como molas propulsoras, movendo as fronteiras do
conhecimento cada vez mais adiante, como no caso de Alexandre Grothendieck.

1.3 Um grande matemático do século 20

Grothendieck passou os anos Alexandre Grothendieck nasceu em 1928, em Berlim, e mudou-se para a França
de 1953 a 1955 na
Universidade de São Paulo.
em 1941. Seus trabalhos inovadores tiveram grande impacto em diversos cam-
pos da Matemática, devido especialmente ao seu alto grau de abstração. Em
1966 recebeu a Medalha Fields, que é assim como um Prêmio Nobel da Ma-
temática.
O número de outubro de 2004 da revista Notices of the American Mathematical
Society traz um artigo sobre um dos mais relevantes matemáticos do século 20,
Alexandre Grothendieck.
Nesse artigo aprendemos que os primeiros anos de Grothendieck, durante a
Segunda Guerra, foram caóticos e traumáticos e sua formação educacional não
fora nada boa. No entanto, a atitude de enfrentar os problemas, as questões
da Matemática, já estava presente. Ele escreveu suas memórias, intituladas
Récoltes et Semailles (algo como Colheita e Semeadura), em que faz o seguinte
comentário:

O que menos me satisfazia, nos meus livros de matemática [do liceu], era a
total ausência de alguma definição séria da noção de comprimento [de uma
curva], de área [de uma superfı́cie], de volume [de um sólido]. Prometi a
mim mesmo preencher esta lacuna assim que tivesse uma chance.

Detectar a falta de precisão na definição desses conceitos, quando ainda era um


aluno do ensino médio, é uma prova da profunda percepção matemática dessa
extraordinária pessoa.

Durante o estudo da disciplina, você irá verificar como são relevantes as


preocupações apontadas por Alexandre Grothendieck. Mas, está na hora de
refletir um pouco sobre as idéias expostas até aqui.
Vamos à primeira atividade.

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UD 1 História da Matemática

Atividade 1

Para ajudá-lo nessa tarefa, tente dar sua própria resposta à questão “o que
é Matemática?” Guarde esta resposta para relê-la quando tiver completado o
estudo da disciplina.
Faça, também, uma lista sucinta das caracterı́sticas da Matemática apresenta-
das no texto. Você poderia acrescentar outras?

Tudo que você estudou até aqui constitui uma introdução para o tema do
próximo texto: três problemas famosos e antigos, diretamente relacionados a
uma das caracterı́sticas mais valorizadas em um matemático: a criatividade.
Essa caracterı́stica se manifesta, especialmente, na resolução de problemas.
Em muitos casos, a atitude de inconformismo diante das respostas dadas às
antigas questões pelas gerações anteriores marcou o inı́cio da carreira de
matemáticos famosos, como teremos a oportunidade de ver no decorrer de
nossa jornada.

Texto 2: Três Famosos Problemas

O primeiro passo na resolução de um problema consiste na sua correta for-


mulação. Ou seja, para resolver um problema, é melhor saber, precisamente, o
que devemos fazer e do que dispomos para chegar à solução.
Os três problemas clássicos da Geometria grega são sobre como realizar uma
construção geométrica usando apenas régua e compasso. Veja seus enunciados:

Trissecção do ângulo:
Dado um ângulo, construir um outro ângulo com um terço de sua
amplitude.

Duplicação do cubo:
Dado um cubo, construir outro cubo com o dobro do volume do
anterior.
Quadratura do cı́rculo:
Dado um cı́rculo, construir um quadrado com a mesma área.

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UD 1 História da Matemática

Antes de falarmos sobre eles, vamos entender o significado da expressão “cons-


trução com régua e compasso”.
Note que esses problemas estão colocados no contexto da geometria formulada
por Euclides. Por isso, as construções com régua e compasso são também conhe-
cidas por “construções euclidianas”, apesar de os termos “régua” e “compasso”
não aparecerem nos livros de Euclides.
Assim, as soluções deveriam obedecer apenas certos procedimentos, por assim
dizer, seguir regras muito bem estabelecidas.
Veja, na teoria euclidiana, a régua pode ser usada para construir um segmento,
tão longo quanto se queira, que contenha dois pontos dados. Em particular,
essa régua não é graduada. Ou seja, não podemos utilizá-la para medir.
Já o compasso pode ser usado para construir a circunferência de centro em um
dado ponto A e que passa por um dado ponto B. Assim, o compasso deve ter
pernas tão compridas quanto precisarmos.

Procure, então, realizar as atividades a seguir.

Atividade 2

Usando régua e compasso, construa a mediatriz de um segmento dado. Você


sabe dividir um segmento dado em uma outra proporção qualquer, assim como
2 por 3?
Construa também um triângulo equilátero. Você poderia construir mais um
polı́gono regular, usando apenas régua e compasso?
Quais polı́gonos regulares podem ser construı́dos com régua e compasso?

Vamos, agora, falar um pouco do primeiro problema.

2.1 A trissecção do ângulo

Repare que, usando régua e compasso, não é difı́cil construir a bissetriz de


um ângulo dado. Basta construir uma circunferência com centro no vértice
do ângulo, marcando sobre os lados do ângulo, dois pontos (eqüidistantes do
vértice). Em seguida, construindo dois cı́rculos de mesmo raio, com centros

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UD 1 História da Matemática

nos respectivos pontos obtidos nos lados do ângulo, determine o ponto que,
juntamente com o vértice original, define a reta bissetriz.
Tal sucesso encoraja a consideração do próximo passo: dividir o ângulo em
três partes iguais. Para certos ângulos especı́ficos, o problema tem solução.
Como é possı́vel construir, com régua e compasso, um triângulo eqüilátero,
podemos construir um ângulo de trinta graus, que divide o ângulo reto em três
partes iguais. No entanto, o problema proposto nos pede para estabelecer um
procedimento que funcione para qualquer ângulo dado.
Muitas tentativas de solução para o problema foram dadas, mas cada uma
delas apresentava uma falha. Também, pudera, o problema não tem solução.
Você deve notar que demonstrar que não há uma solução (que sirva para um
ângulo dado qualquer) é uma tarefa muito difı́cil. O problema era conhecido
dos antigos gregos e a resposta (negativa) só foi obtida no século XIX, pelo
francês Pierre Laurent Wantzel. Apesar da genialidade de Wantzel, é preciso
dizer que sua solução depende de conceitos algébricos desenvolvidos ao longo
de vários séculos, por várias gerações de matemáticos. Ou seja, o problema só
foi solucionado quando se mudou o foco da questão, passando-se a buscar uma
prova de que não tem solução.

Wantzel foi, ainda, o responsável pela resposta, também negativa, a outro


problema: a duplicação do cubo.

2.2 A duplicação do cubo

Nesse caso, a situação é mais radical. Enquanto certos ângulos especiais podem
ser divididos em três, usando régua e compasso, apesar de não haver um método
geral que sirva para um ângulo genérico, não se pode duplicar qualquer cubo.
Veja, o problema é o seguinte: dado um cubo (ou seja, conhecendo o lado de
um dado cubo) devemos construir, com régua e compasso, um cubo que tenha,
exatamente, o dobro de seu volume.
Novamente, os gregos conheciam uma versão simples do problema. Sócrates foi
um dos mais originais pensadores de que temos notı́cia, mas tudo que sabemos
de sua obra nos foi legado por Platão, que estudara com ele. Apesar de não ter
sido um matemático, Sócrates é retratado em um dos diálogos de Platão, numa
conversa com Ménon sobre a virtude, ensinando um jovem e inculto escravo a

15
UD 1 História da Matemática

duplicar um quadrado.
Isto é, dado um quadrado, construir com régua e compasso um novo quadrado
que tenha o dobro de sua área. Na primeira tentativa, o jovem dobra o lado
do quadrado dado e Sócrates o faz ver o erro cometido. Em seguida, Sócrates
mostra-lhe a figura de um quadrado com os pontos médios de seus lados unidos
por segmentos que formam um quadrado menor. Então, Sócrates ajuda o rapaz
a lembrar-se que a área do quadrado construı́do sobre a diagonal do quadrado
menor tem o dobro de sua área.

Finalmente, o último problema consiste em construir com régua e compasso


um quadrado de área igual à de um cı́rculo dado. Por isso o nome quadratura
do cı́rculo.

2.3 A quadratura do cı́rculo

Novamente, o problema só foi resolvido muito tempo depois de ter sido pro-
posto. Em 1882, o matemático alemão Ferdinand von Lindemann demonstrou
a impossibilidade de efetuar a quadratura do cı́rculo usando apenas construções
com régua e compasso.

Como isso foi feito? Apostamos que você está curioso. Realmente, vamos
gastar o tempo que nos resta desta unidade para que você tenha ao menos
uma idéia geral dos argumentos dados por Wentzel e por Lindemann.

Carl Friedrich Gauss (1777 -


1855) Seu lema era: Pouca 2.4 Algebrização dos problemas geométricos
sed matura, algo como
“Pouco, porém maduro”.
Suas contribuições cobrem Como podemos demonstrar que é impossı́vel efetuar uma determinada cons-
quase todas as áreas da
Matemática, como trução com régua e compasso? Veja que, para mostrar que uma certa cons-
Geometria, Teoria de
Números e Análise Complexa.
Foi também fı́sico e trução é possı́vel, basta fazê-la.
astrônomo. O primeiro
problema importante que ele O caminho para as demonstrações foi aberto por um dos maiores matemáticos
resolveu, aos 19 anos, foi a
descoberta de uma de todos os tempos: Carl Friedrich Gauss. A idéia é algebrizar o problema. Por
construção com régua e
compasso de um polı́gono de
17 lados. Veja, desde o exemplo, para duplicar o quadrado de lado 1, devemos construir um quadrado
perı́odo clássico da √
Matemática na Grécia antiga, de lado 2. Mas, como podemos construir o quadrado de lado 1, temos a sua
os únicos polı́gonos regulares √
que podiam ser construı́dos
com régua e compasso eram
diagonal que mede 2.
o triângulo, o quadrado e o
pentágono. O que Wantzel conseguiu provar, a partir das idéias de Gauss, foi:

16
UD 1 História da Matemática

Se C é um ponto obtido por uma construção com régua e compasso a partir de


dois pontos dados A e B, então o quociente q das distâncias AC e AB tem as
seguintes propriedades:

1. q é a raiz de um polinômio com coeficientes inteiros, não todos nulos.


Nesse caso q é chamado de um número algébrico.

2. Se p(x) for um polinômio de grau mı́nimo entre todos os polinômios com


coeficientes inteiros, não todos nulos, dos quais q é uma raiz, então o
grau de p(x) é uma potência de 2.


Veja como a duplicação do quadrado se encaixa nesse esquema. O número 2
pode ser construı́do com régua e compasso, pois é a diagonal de um quadrado

de lado 1. Realmente, 2 é uma das raı́zes do polinômio x2 − 2, de coeficientes
inteiros.
Ora, para duplicarmos o cubo de lado 1, terı́amos que construir um segmento

de comprimento 3 2. Esse número algébrico é raiz do polinômio x3 − 2, que
tem grau (mı́nimo) 3, que não é uma potência de 2.
No caso do problema da divisão de um ângulo em três partes iguais, a alge-
brização do problema também resulta em uma equação cúbica.
Na questão da quadratura do cı́rculo (de raio 1, por exemplo,) terı́amos que

construir com régua e compasso um quadrado cujo lado medisse π. Linde-
mann mostrou que π não é raiz de nenhuma equação polinomial com coeficientes
inteiros não todos nulos. Ou seja, π não é um número algébrico e, portanto,

π também não é um número algébrico.

Estamos chegando ao fim dessa unidade. Esperamos que sua curiosidade a


respeito dos diversos aspectos da Matemática tenha sido aguçada e
apresentamos mais duas atividades.

Atividade 3

Faça uma lista sucinta das diferentes caracterı́sticas da Matemática apresenta-


das nessa unidade e acrescente algumas por você mesmo.

17
UD 1 História da Matemática

Atividade 4

Na sua opinião, o que teria incomodado tanto o matemático Grothendieck na


leitura dos livros de Matemática em que estudou? Se estivesse estudando nos
livros que nós usamos hoje em dia, ele teria uma opinião diferente?

A história desses três problemas clássicos da Matemática mostra como, em


muitos casos, a importância não está na resposta de uma certa questão, seja
ela positiva ou não, mas nos métodos usados para chegar até ela. Não
devemos nos decepcionar com o fato de não podermos duplicar o cubo, por
exemplo, pois a profundidade e a riqueza das idéias desenvolvidas para chegar
à resposta negativa nos compensam largamente.

É nossa expectativa, também, que o enfoque sobre os problemas passe a fazer


parte de sua maneira de ver a Matemática, pois nisso consiste, em enorme
parte, a sua vitalidade e importância.

18

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