Historia Militar Policial
Historia Militar Policial
Historia Militar Policial
Resumo: As instituições Militares de Polícia são instituições militares que cumprem missões
de polícia e cujas origens remontam à Idade Média. No Brasil atual são geralmente chamadas
de Polícia Militar. Tiveram expressiva participação na História do país, garantindo a
consolidação do território nacional; participação direta nos conflitos em que o Brasil se viu
envolvido e, também, na evolução militar nacional, com a inovação de técnicas e armamentos.
Dada a importância dessas instituições, vê-se a necessidade de sobre elas ser construído um
conhecimento científico dentro da historiografia, contemplando-as de forma separada das
demais Forças Militares.
Palavras-chave: Gendarmeria 1. Polícia Militar 2. Ciências Policiais 3. Força Pública
1 INTRODUÇÃO
1
Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em História Militar, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em
História Militar, sob a orientação do Prof. Armando Alexandre dos Santos.
2
vilarejos e povoados pelo interior do país, os quais constantemente eram alvo de bandos
armados que promoviam saques e pilhagens.
Tal conceito se espalhou pela Europa e foi trazido para o Brasil, ainda na Colônia,
quando unidades militares possuíam a missão de garantir a segurança e a tranquilidade dentro
das Capitanias. Porém, foi com o Príncipe Regente D. João (futuro rei D. João VI), que o
conceito de Gendarme veio para o Brasil, com a criação da Divisão Militar da Guarda Real de
Polícia na cidade do Rio de Janeiro. Esse modelo de organização deu origem à antiga Guarda
Nacional e às Polícias Militares do país.
Esses Corpos tiveram expressiva participação na História do país, garantindo a
consolidação do território nacional; participação direta nos conflitos em que o Brasil se viu
envolvido e, também, na evolução militar nacional, com a inovação de técnicas e armamentos.
Em outros países, as Gendarmerias são instituições militares completas, consideradas
uma Força Militar, com postos e graduações que vão de Soldado a General (como no
Exército, Marinha e Aeronáutica), subordinadas ao Ministério da Defesa ou do Interior,
vocacionadas à missão de polícia e participando de ações bélicas quando da necessidade do
esforço nacional.
No mundo as instituições militares de polícia são encontradas nos seguintes países:
Figura 1: Mapa-mundi mostrando com cores os países que possuem Instituições Militares de Polícia.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gendarmerie_Around_the_World.PNG
militares de polícia somente são citados pela historiografia como partícipes secundários dos
conflitos e momentos históricos.
Entretanto, desde o Brasil Colônia existiram no país tropas militares que tinham
como obrigação e dever garantir a segurança e proporcionar tranquilidade para aqueles que
viviam no território nacional. Essas instituições tiveram o seu momento de maior prestígio
durante o século XIX, desde quando o Príncipe Regente D. João criou no município do Rio de
Janeiro, em 13 de maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Mais tarde, no
ano de 1831, as demais províncias criaram corpos militares similares àquele em suas capitais,
e o governo regencial cria a Guarda Nacional para atuar em todo o território.
Tais corpos tiveram uma grande participação na construção do Estado Brasileiro e na
consolidação do território nacional, participando na política e nos conflitos bélicos internos ou
externos nos quais o país se viu envolvido, tais como: Revolução Farroupilha, Balaiada,
Sabinada, Cabanagem, Guerra do Paraguai, Guerra de Canudos, Revolução Federalista,
Guerra do Contestado, episódio dos 18 do Forte de Copacabana e Sedição do Matogrosso,
Revolução de 1924, Perseguição à Coluna Miguel Costa-Prestes, Revolução de 1930,
Revolução Constitucionalista de 1932, vitória sobre a Intentona Comunista de 1935 etc.
Ao estudarmos a História Militar do Brasil, vemos que tais Instituições são somente
citadas de passagem, não lhes sendo dada a devida atenção. É sabido que na construção da
historiografia militar, a grande maioria dos autores provém de uma das três Forças Armadas
regulares, sendo por isso muito explicável que tenham a atenção mais voltada para a atuação
das suas corporações de origem.
Outro fator a ser considerado é que a História Militar se divide Terrestre, Naval e
Aérea e, por uma questão geográfica, a História Militar Policial se liga diretamente à
Terrestre, focada na construção do conhecimento da evolução do Exército Brasileiro. Isso
leva a ser um tanto esquecido o papel que as organizações militares de polícia também
tiveram fora do campo estritamente terrestre. Por exemplo, é completamente desconhecido
por muitos historiadores o papel pioneiro da Força Pública do Estado de São Paulo, que no
ano de 1913 instituiu formalmente um corpo de aviação militar.
É sabido que a missão principal do policial é a de garantir segurança e direitos do
cidadão. Por não ter a missão bélica como norteadora institucional, o que lhe daria grande
prestígio para sua historiografia, a Polícia Militar acaba perdendo espaço na História Militar,
Nos países que possuem Polícia Militar há a construção da História Militar dando o
devido valor a essas instituições. Com isso verificamos a necessidade de se inserir os
5
Militares de Polícia na História Militar do Brasil, não apenas atrelando-os à Terrestre, mas
criando efetivamente uma cadeira de História Militar Policial do Brasil.
2 SER MILITAR
cortando toda rota de suprimento para aquela localidade, fazendo com que o exército inimigo
saia da cidade para um combate em um ambiente aberto ou fazendo com que a população,
junto com suas tropas, minguem de fome e doenças ,obrigando seus dirigentes à rendição e
entrega da cidade. O sítio poderia levar meses, até anos. Os soldados romanos possuíam vida
civil nos períodos fora da guerra, e a guerra de sítio prejudicava sua subsistência, uma vez que
não poderiam realizar os ofícios com os quais garantiam dinheiro e produção agrícola a suas
famílias. Diante desse cenário, Roma se viu obrigada a pagar seus soldados durante o período
em que estivessem no sítio. Essa foi a origem da ideia de criar e manter um Exército
Permanente e não mais provisório ou temporário; com isso temos a profissionalização do
Exército Romano.
Segundo o comandante grego Xenofonte (411-362 a.C.), “são os homens os
únicos responsáveis por tudo que acontece em batalha”. Com a profissionalização de seu
exército, Roma consegue tornar eficiente o sistema de transformação de recrutas em soldados,
isso por que todos os homens entre 17 e 45 anos eram obrigados a servir pelo menos por dez
anos. A inaptidão para tal serviço significava a total desgraça para aquele homem. O respeito
à autoridade sempre foi algo muito cultuado entre os romanos, e isso eles aprendiam desde
criança, já que no seio familiar o pai era um autocrata absoluto, com direito de dispor da vida
de seus filhos da maneira que quisesse. Com isso, uma vez dentro de uma Legião, o recruta já
estava acostumado a obedecer sem nenhum tipo de questionamento.
A disciplina sempre foi muito rígida, com penas duras, que iam desde açoite com
vara, para pequenos desvios, até execução por flagelação para praças, e degola para os
oficiais, e ainda tínhamos a punição coletiva para casos de desobediência, quando dez homens
de uma Legião eram executados em represália ao ato. Um exemplo disso foi o que ocorreu
com a Legião Tebana que se recusou a executar prisioneiros cristãos em um rito de sacrifícios
em homenagem aos deuses pela vitória na batalha. Diante da recusa o Imperador Maximiano
ordenou o ato disciplinador para aquela Legião; tal ato não abalou os legionários que
continuaram se recusando. Diante de tal motim o Imperador determinou a execução de todos
os membros da Legião.
Quando não estavam em campanha, os legionários estavam sempre treinando
táticas de combate e faziam exercícios físicos; isso era algo tão inovador para a época que o
cronista judeu Flávio Josefo escreveu, por volta do ano 79 d.C.: “Cada homem se esforça em
seu treinamento diário como se estivesse no serviço ativo. É por isso que suportam com tanta
facilidade o rigor da batalha. Não seria incorreto chamar seus treinos de batalhas sem
sangue”. Todo o dia-a-dia de um legionário era realizado dentro de uma rotina. Todas as
8
atividades, desde os treinamentos até as refeições eram realizadas sob ordem e ao toque de
clarim. Segundo um general romano, quando os homens estavam fora da batalha “a punição e
o medo assim provocados são necessários para manter os soldados aquartelados”, já durante
os combates, “estes são influenciados pela esperança e pela recompensa”.2
Esse sistema de recompensa era tão importante para o legionário, que isso o
diferenciava dos demais guerreiros antigos e de outros povos contemporâneos: ele não lutava
simplesmente por riquezas, mas sim pelas glórias de Roma e pelo reconhecimento dos
cidadãos romanos. As recompensas iam desde ornamentos em seus uniformes até a
participação em um desfile pelas ruas da capital do Império em seu melhor traje legionário,
sendo ovacionado pela população.
Conforme o historiador romano Tito Lívio, no ano de 508 a.C. os etruscos
tentaram invadir a cidade de Roma em uma tentativa de restaurar a monarquia Romana, que
sempre foi ligada aos vizinhos etruscos. Com isso Horácio Cocles, o capitão do Portão de
Roma, determinou que suas tropas derrubassem todas as pontes sobre o rio Tibre. Tal missão
foi cumprida, restando apenas uma estreita ponte. Com o exército inimigo estacionado no
outro lado da ponte, durante a noite que antecederia a batalha, Horácio reuniu sua tropa. Já
pensando na batalha do dia seguinte e sabendo que poderiam facilmente capitular, uma vez
que o inimigo era mais numeroso, proferiu os seguintes dizeres: “Que melhor maneira pode
ter um homem de morrer, de que enfrentar o seu terrível destino, honrando as cinzas de seus
pais e o templo dos deuses?”.3 No dia seguinte o capitão de Roma, que era conhecido pelos
etruscos devido a sua força e coragem, determinou aos seus homens que enquanto estivesse
lutando no centro da ponte, derrubassem a extremidade do lado romano. Durante a luta os
soldados conseguiram derrubar uma parte da ponte e deram sinal para Horácio, o qual, ao ver
o sinal, se lançou no Tibre e nadou até a margem romana. Após esse fato o exército invasor se
retirou para o seu território, não mais retornando a Roma. Horácio é aclamado pela população
que em sua homenagem constrói uma estátua. Essa passagem da história romana nos mostra
uma nova maneira de pensar, que levaria o povo romano, principalmente seus soldados a
viverem e morrerem pela glória de Roma. Esse tipo de tradição fez com que os legionários
lutassem com uma força impulsora, buscando o cumprimento da missão a todo custo, tendo a
honra como uma fé que exalta a vontade e não permite a capitulação, a indignidade, a
covardia, a renúncia à luta, o abandono de seus símbolos, de suas armas e de seus camaradas.
2
(História Em Revista, A Arte da Guerra, 1991)
3
(Macaulay, Lays of Ancient Rome, 1842)
9
Os homens a cavalo de Carlos Magno é que vão dar origem a uma nova
instituição, que será primordial para a formação dos Estados Europeus: a Cavalaria.
Para a proteção dos feudos fez-se necessária a figura de guerreiros que,
subordinados aos senhores feudais, garantissem a segurança do povo e os interesses do feudo.
Preocupada com a conduta desses soldados, a Igreja inculcou-lhes homens uma ética e regras
de conduta que limitassem o uso da violência e seus efeitos sobre a população.
Como a Igreja detinha os ensinamentos clássicos romanos e o conhecimento das
Cartas de São Paulo e demais textos bíblicos, começou a influir diretamente na investidura
dos cavaleiros e chegou à instituição formal da Cavalaria, constituída por homens fiéis ao seu
senhor que combatiam conduzidos por valores morais, sem a promessa de riquezas e
vantagens frutos de pilhagem.
Extraídos dos textos da Roma Clássica, preservados pela Igreja, observamos a
presença de algumas palavras que serão utilizadas na estruturação do Estado moderno, como
por exemplo, a palavra Iudices, para designar os magistrados, e Militia que é utilizada para
definir o Exército Romano, e Milites, os soldados. Outra palavra latina que é de suma
importância para os nossos estudos é o verbo Militare, que não se usava somente para aqueles
que serviam ao estado por meio das armas, mas a toda forma de serviço público,
administrativo, político ou judiciário. Com a cristianização do Império e a estruturação da
Igreja conforme a estrutura e hierarquia romanas, o verbo militare, sendo também utilizado
para designar o serviço pacifico do monge em seu monastério, e a vida do cristão e geral:
“Militia est vita hominis super terram” (A vida do homem sobre a terra é uma milícia) – lê-se
no Livro de Jó (7,1), na Vulgata, a tradução da Bíblia para o latim feita por São Jerônimo.
Essa concepção se baseia em várias passagens bíblicas, e especialmente nos escritos do
Apóstolo São Paulo, que em várias de suas cartas compara a vida do cristão à vida do soldado
romano, feita de obediência, disciplina, coragem e abnegação. Em uma de suas metáforas ele
pede aos cristãos que vistam a armadura de Deus para realizar o combate da fé, conforme dito
em Efésios, 6: 13-17, “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir
no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos
lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça, e calçados os pés na preparação do
evangelho da paz; tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os
dardos inflamados do maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do
12
Espírito, que é a palavra de Deus”.4 Com isso temos a expressão militare Deo, servir a Deus,
combatendo pacificamente, por meio das orações, o pecado ocasionado por forças obscuras
do demônio.
Miles, singular de milites, serve para designar a figura do soldado, aquele que
exerce a autoridade de Roma por meio da espada, ou seja pelo uso da força. Também serve
para designar os sacerdotes e monges como milites Dei, ou seja, soldados de Deus. Os
substantivos modernos militar e militante, usados no português atual derivam da mesma raiz
latina.
Na prática medieval, o verbo militare (servir em latim) acabou sendo utilizado
somente pelas Cavalarias, que até o momento eram as únicas instituições públicas existentes.
Como essas instituições armadas, que exerciam a autoridade do pública por meio do uso da
força, foram as primeiras a serem criadas nos moldes das Militias, tais organizações acabaram
monopolizando esse verbo e transformando-o em substantivo.
Ser cavaleiro passou a ser uma condição invejada e cobiçada pelos homens. O
início do processo formativo de um Cavaleiro se dava aos seus 7 anos de idade, quando era
enviado à residência de um nobre, onde, longe de sua família, iniciava seu treinamento e
formação cavalheiresca: passava vários anos como pajem, aprendendo regras sociais, como
cantar, dançar e tocar alaúde, e recebendo os primeiros ensinamentos de manuseio de armas e
equitação. Aos 14 anos se tornava escudeiro de um cavaleiro, a quem serviria nos momentos
de paz e de guerra. Com os ensinamentos de seu cavaleiro completava sua educação militar.
Aos 21 anos, e com aprovação de seu cavaleiro, passava pela investidura como cavaleiro, o
que marcava sua entrada na Cavalaria e passagem para a vida adulta.
A cerimônia de investidura era algo bem simbólico. No dia anterior à cerimônia o
aspirante a cavaleiro tomava um banho, para simbolicamente se limpar de todas as impurezas,
e vestia uma túnica branca, simbolizando a pureza, com um manto vermelho, simbolizando o
seu sacrifício, se necessário até o sangue, e passava a noite em vigília diante de um altar onde
jaziam suas armas e armadura.
4
(Bíblia )
13
5
Jean Flori, A Cavalaria – A Origem dos Nobres Guerreiros da Idade Média, p. 44.
14
eram, ao mesmo tempo, cavaleiros que lutavam de armas na mão, e religiosos que
consagravam suas vidas a Deus, pela profissão dos votos religiosos de Obediência, Pobreza e
Castidade. Durante séculos coexistiram as duas formas de Cavalaria, a civil (que pouco a
pouco acabou se identificando com a Nobreza) e a religiosa (que ainda hoje subsiste na
Ordem de Malta e na Ordem do Santo Sepulcro).6
Com o fim da Idade Média, a antiga Cavalaria medieval, inspirada nos valores da
Honra e do Dever, continuadora da velha profissão militar romana e impregnada da Moral
Critã foi desaparecendo, sendo seu lugar preenchido pelos exércitos permanentes, ou seja,
pelos militares modernos, que de certa forma são seus continuadores na Tradição e no culto
aos valores, assim como na hierarquia e na disciplina.
As instituições militares dos tempos modernos se consolidaram como essenciais
para assegurar a existência dos Estados, mostrando-nos a importância de se garantir a
segurança da população, bem como do território, para que outras estruturas de governo
pudessem ser criadas.
Para tanto, a profissão Militar por atuar em momentos de violência, seja no
combate ao crime, seja em um conflito bélico, requer de seus integrantes um preparo
psicológico, uma ética e moral diferenciadas dos demais cidadãos. Ou seja, uma profissão de
Honra, envolta em dignidade e nobreza, com homens e mulheres que servem ao seu povo,
entregando-se a serviço dele, oferecendo-lhe sua dedicação e se necessário sua própria vida,
com o compromisso de realizar com dedicação, esmero, competência, rigor e
responsabilidade o dever que lhe foi incumbido. Ser Militar não está atrelado pura e
simplesmente à atividade bélica, como alguns intelectuais defendem, mas sim a uma vida de
serviço, submissa a valores morais, éticos, físicos e espirituais, pautada na defesa do país e de
sua sociedade, na defesa da vida e da dignidade da pessoa humana, aspectos esses que são
extremamente necessários nos momentos de aflição do povo, em cuja perspectiva o militar é o
último bastião entre o mundo civilizado e a barbárie.
6
COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-
1274) sobre a vida militar, a guerra justa e as ordens militares de cavalaria. Mirabilia (Vitória. Online), v. 10, p.
145-157, 2010. Disponível em: http://www.ricardocosta.com/artigo/o-pensamento-de-santo-tomas-de-aquino-
1225-1274-sobre-vida-militar-guerra-justa-e-ordens
15
O Estado tem como missão primária garantir a paz e a tranquilidade dos cidadãos,
com o povo vivendo sob a égide de leis que garantem a convivência e tolerância entre as
pessoas. Para que haja o cumprimento do ordenamento jurídico faz-se necessária a presença
de uma instituição que exerça a autoridade do Estado no uso da força. É nesse sentido que o
sociólogo alemão Max Weber definiu o Estado como "uma entidade que reivindica o
monopólio do uso legítimo da força física".7
Dentro do arcabouço de instituições que garantem a vida em sociedade, uma
merece a atenção especial em nossos estudos e é ela que vai exercer o monopólio do uso da
força para garantir o controle social dos cidadãos. Para isso teremos presente em qualquer país
a presença de uma Força Policial, o braço do Estado responsável pela manutenção da ordem
pública.
Na Idade Média, era o senhor feudal que exercia o controle da violência entre seus
vassalos; tal controle era conhecido como o jus politiae que identificava o poder de
administrar a ordem social e civil, uma vez que a ordem moral e religiosa era regida pelas
autoridades eclesiásticas. Do exercício do jus politiae derivou a palavra politia, que
identificava as ações que o soberano exercia para garantir a segurança e bem-estar daqueles
que estivessem sob seu domínio.
Com o tempo o conceito de polícia passou a abranger todas as ações do estado
para prevenir e reprimir os males e as desordens sociais, por meio de organizações de serviço
público. O estado era, assim, responsável por garantir a integridade física, intelectual e
econômica dos membros da sociedade.
Maquiavel, em seu livro “O Príncipe”, escrito em 1513, destacou como fundação
do Estado “boas leis” e “boas tropas”, de tal forma que um depende do outro, ou seja, para
que o Poder do Estado seja exercido, por meio das leis, há a necessidade de uma tropa que
faça com que as leis sejam cumpridas. Já em seu livro “Sobre a Arte da Guerra”, de 1521,
afirma a necessidade de o Estado controlar todo e qualquer tipo de violência presente na
sociedade, e nesse processo civilizatório ocorre a domesticação de comportamentos
individuais violentos.
Apesar de a Ciência Policial ser relativamente moderna, pois começa e se
estruturar e ser estudada a fundo a partir do século XIX, a preocupação com o controle da
7
(Weber, O Estado Nacional e a Política Econômica, 1895)
16
violência privada sempre esteve presente em qualquer sociedade. Ao longo da evolução das
civilizações tivemos o surgimento de dois tipos de Força Policial, que serviram de modelo
para as Instituições modernas, a Francesa e a Inglesa; sendo a primeira militar e a segunda
militarizada, seguindo a primeira todos os valores éticos e morais militares, com organizações
estruturadas na Hierarquia e Disciplina e com valores sedimentados em Pátria, Dever e Honra,
e cultuando a outra parte dos valores militares. Ambas seguem um regulamento disciplinar,
mas somente os membros das instituições militarizadas são legalmente tratados como
servidores públicos comuns, com seus direitos e garantias.
Essas instituições comentadas acima se tratam das polícias uniformizadas, e não
podemos deixar de citar que em alguns países existe a figura da Polícia Judiciária, responsável
pela investigação e repressão a alguns tipos de crimes; essas organizações são civis com poder
de polícia e não utilizam uniforme.
Ainda na Idade Média, por volta de 1190, houve por parte da monarquia francesa
a preocupação com a violência endêmica promovida por grupos de homens armados que
saqueavam, violentavam e massacravam em pequenos povoados e vilarejos pelo interior do
país. Para combatê-los, foram destacados grupos de cavaleiros, que promoviam cavalgadas
pelo interior levando segurança e aniquilando estes grupos. Com o passar do tempo e com a
evolução do Estado Francês e o crescimento das suas cidades, viu-se a necessidade de se
estruturar esses corpos conhecidos como Maréchaussée. Durante a Guerra dos Cem Anos
(1337 a 1453) os Marechais dispunham de tropas para controlar os soldados, principalmente
os mercenários que, durante e após a guerra, promoviam saques por todo o país. Em 1536 os
poderes da Maréchaussée foram ampliados: agora ela tinha a incumbência de combater todo
tipo de criminoso. Em 1667, o Rei Luiz XIV modernizou a força policial de Paris, que era a
maior cidade do Ocidente naquela época, por meio do Edito Real de 15 de março. Tal
documento criou o cargo de Tenente-General de Polícia para comandar a e burocratizar a
atividade policial.
O primeiro Tenente-General de Polícia foi Gabriel Nicolas de la Reynie, que tinha
sob seu comando a Maréchaussée e a Guarda da Muralha de Paris. La Reynie também criou
44 cargos de comissários, que deram origem à Polícia Judiciária, e que depois foram
aumentados para 48. Dividiu Paris em 17 distritos, cada um comandado por um Tenente de
Polícia.
17
Tal Polícia tinha como missão “assegurar a paz e o sossego público, protegendo
as pessoas e expurgando a cidade de Paris dos que possam causar distúrbios, se apropriar
do alheio e propiciando que cada um possa trabalhar e viver em paz”.8 As atribuições eram
amplas, como a luta contra a delinquência, o fogo, a inundação, a polícia econômica, os
costumes etc.
Com a Revolução de 1789, foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, que nos traz a ideia de polícia como uma força pública. Em seu artigo 12 se
estabelecia o seguinte: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma
força pública; essa força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade
particular daqueles a quem é confiada”.9
Napoleão reorganizou algum tempo depois a instituição policial, agora com o
nome de Gendarmérie Nationale, instituição militar com missão de polícia que servirá de
modelo para diversos países, como por exemplo Portugal, que depois levará tal modelo para o
Brasil.
8
(Cotta, Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais, 2006)
9
(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789)
18
monopólio era o Poder Público, ou seja, a Coroa. Portugal era um país católico, com uma
população que cultuava os valores morais cristãos e com isso o governo tinha como norte para
o controle social os valores bíblicos consubstanciados no ensinamento da Igreja Católica.
Entendia-se o soberano como fonte de justiça e equilíbrio da ordem social natural, impondo a
paz e coibindo qualquer violação do monopólio do uso da força, agindo como o pai e pastor
de seus súditos.
Para a sociedade portuguesa, a ordem pública estava ligada à harmonia e à
pacífica convivência social, ou seja, com ausência de violência e crimes. A ordem pública se
baseava na moral e nos bons costumes, muito mais do que em um arcabouço de leis
proibitivas, como ocorria em outros países.
Com a Revolução Francesa e o advento dos ideais iluministas dentro da
administração governamental, a ordem pública seria composta por três elementos: a
tranquilidade, a segurança pública e a salubridade. Em seu entendimento, a segurança pública
estava ligada ao afastamento de todo perigo ou mal que pudessem afetar a ordem pública;
para tanto tal segurança seria exercida por uma instituição própria. Em se tratando da citada
Revolução temos a manutenção, pelo governo, da força pública para garantir a ordem.
Durante a Idade Média a Coroa e os magistrados faziam uso das tropas de exército
para realizar o controle social. Na Idade Moderna e no ciclo das grandes navegações, Portugal
começa a ter um crescimento populacional e econômico nunca visto antes em sua história.
Com o início da colonização do Brasil após 1500, são construídos os primeiros
estabelecimentos defensivos nas costas da nova colônia. Alguns prosperaram e outros foram
abandonados, e a consolidação desses núcleos de defesa se dá após a criação do Governo
Geral da Bahia.
Vale ressaltar que nesse período as tropas lusitanas, tanto as de terra quanto as de
mar tinham de algum modo origem na antiga instituição da Cavalaria. As tropas se dividiam
em Milícias Concelhias, Guarnições dos Castelos das Fronteiras e Praças de África, Guarda
Real de Ginetes, além dos mercenários nacionais e estrangeiros contratados em tempos de
guerra.
Ao longo do século XVI temos a organização das Ordenanças, conforme o
Regimento de 7 de agosto de 1549, a Lei das Armas em 9 de dezembro de 1569, o Regimento
de Ordenanças de 10 de dezembro de 1579 e a Provisão dos Capitães-mores, de 15 de maio de
1574.
Em 1640, após o fim do domínio espanhol e a Restauração em Portugal, um dos
primeiros atos de D. João IV foi o de estruturar suas tropas na Metrópole e no Ultramar,
20
de Paz, que detinham autoridade judicial e policial e eram auxiliados por uma Guarda
Municipal formada em um alistamento compulsório.
Em 1831, após a abdicação de D. Pedro I e já iniciado o conturbado período
Regencial, o Ministro da Justiça, Pe. Antônio Feijó, determinou por meio do Decreto de 18 de
julho a criação da Guarda Nacional, instituição que substituiria as Milícias e Ordenanças e
que iria perdurar durante a Regência, o Segundo Reinado e início da República.
Ainda em 1831, o Ministro da Justiça promulgou outro Decreto em 10 de outubro,
autorizando que cada Província criasse um Corpo de Guarda Municipal Permanente, com
voluntários a pé e a cavalo, para manter a tranquilidade publica e auxiliar a Justiça. Essas
instituições profissionais é que evoluíram e hoje são conhecidas como Polícias Militares e
alguns Bombeiros Militares dos Estados.
Criada por força da lei de 18 de agosto de 1831, veio para substituir os antigos
corpos de auxiliares e ordenanças, ainda seguindo o conceito de “nação em armas”. Ela, como
instituição, deu ao civil o controle militar, afastando o militar profissional e substituindo-o
pelo cidadão soldado. Vale lembrar que o Brasil acabara de sair de uma guerra contra o seu
vizinho do Sul, a Argentina, na qual o Brasil perdera sua Província Cisplatina, que agora se
chamava Uruguai. Nessa guerra o Brasil teve alguns revezes em terra, porém teve a
hegemonia dos mares com sua Marinha de Guerra. Após o armistício entre os dois países é
que nasce o Estado do Uruguai.
O ideal de manter a paz e o receio de novas guerras pairavam na política e isso
veio ao encontro de se investir em um pequeno exército profissional que seria auxiliado pela
milícia cidadã, a Guarda Nacional; esse mesmo ideal ocorreu na França após a queda de
Napoleão.
A presença de um exército regular nas províncias trazia a lembrança da metrópole
às elites locais, que por vezes se sentiam intimidadas com a presença dessas tropas, com isso a
milícia cidadã apareceu como uma solução para o novo país e para a presença de uma tropa de
1ª Linha, indisciplinada e controlada por um civil da Regência.
Seguindo o modelo francês, a Guarda Nacional apareceu como uma solução, pois
nessa época predominava a ideia de que um grande exército era perigoso para as liberdades
civis, diferentemente de uma milícia local, que era composta de cidadãos que lutavam por sua
própria liberdade.
22
Sob a aura de um ideal nacional e patriótico, a Guarda Nacional foi criada não
somente como mera milícia, mas como símbolo de uma nova nação e elemento básico da
manutenção da integridade nacional.
Subordinadas aos Juízes de Paz, aos Juízes Criminais, aos Presidentes das
Províncias e ao Ministro da Justiça, a Guarda Nacional, presente em todos os municípios do
país, era formada por brasileiros natos livres, voluntários, de 18 a 60 anos, alistados
anualmente pelas Câmaras municipais.
Seu programa de ação era defender a Constituição, a liberdade, a independência e
integridade do Império; para manter a obediência e a tranquilidade pública e auxiliar o
Exército de Linha na defesa das fronteiras e costas, eram utilizadas tanto em missões bélicas
quanto policiais.
A Guarda – dividida em Companhias, que compunham Batalhões, e estes
formando as Legiões de Guarda Nacional – possuía em seus quadros as Armas de Infantaria,
Cavalaria e Artilharia. Não possuíam aquartelamento, porém seus integrantes deveriam estar
prontos para atender a qualquer chamado. Uma vez este feito, deveriam entrar em forma na
praça de armas do município para pegarem seus armamentos e seguirem para a missão.
Os oficiais eram inicialmente escolhidos por um sistema de voto secreto entre os
integrantes da Guarda, em uma eleição organizada pelo Juiz de Paz. Nesse sistema, muitas
vezes poderosos fazendeiros ficavam subordinados, por exemplo, a um simples agricultor.
Isso foi mudado no ano de 1850, quando, após uma reestruturação da Guarda, os postos de
oficiais comandantes de unidades passaram s ser ocupados por aqueles que podiam pagar pela
Carta Patente, conforme o grau hierárquico; foi assim que surgiu a figura dos “Coronéis” pelo
interior do país. É também nessa reestruturação que os oficiais de baixa patente e os praças
passaram a ser escolhidos pelo Comandante da Unidade, não mais pelo alistamento voluntário
e voto secreto organizado pelo Juiz de Paz.
O uniforme era de cor azul com gola verde, calça azul no inverno e branca no
verão, barretina com aba na frente e botins por baixo das calças. Tal fardamento era de
obrigação do cidadão-soldado. Se não o adquirisse, poderia ser expulso ou, dependendo do
caso, considerado desertor.
Em 2 de dezembro de 1832, em comemoração ao aniversário do Imperador D.
Pedro II, foi realizado um grande desfile militar na capital do país, com a primeira
manifestação pública da Guarda Nacional e com a presença do próprio Imperador envergando
o uniforme da milícia cidadã e montando um cavalo à frente das tropas.
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No ano de 1873 ela passou novamente por uma reestruturação, por força da Lei
2395 de 10 de setembro daquele ano, que lhe retirou suas funções de polícia, uma vez que as
Províncias já possuíam Corpos Policiais Permanentes (atuais PM). Desde então ela passou a
ser acionada somente em casos de guerra, rebelião, sedição ou insurreição, e seu treinamento
ficou restrito a uma vez por ano.
Logicamente, devido a sua constituição, essa mudança veio principalmente
porque, em alguns locais ela acabava sendo utilizada para interesses particulares e políticos; e
também porque ela de certa forma era vista como uma organização que se opunha ao Exército
e este se fortaleceu após o conflito na região do Prata e, mais ainda, após o advento da
República. A Guarda Nacional acabou sendo extinta em 1918, passando a constituir a reserva
do Exército de 2ª Linha, conforme o Decreto 12.790 de 2 de janeiro daquele ano. Parte do seu
efetivo foi absorvido pelo próprio Exército Brasileiro e os demais integrantes voltaram para
suas vidas civis, embora mantendo o título de oficial aqueles que o detinham.
Sua última aparição foi no desfile em comemoração do centenário da
Independência no ano de 1922.
Francesa e com uniforme da antecessora Guarda Real da Polícia em Lisboa; anos depois, com
a Independência do Brasil, teve o nome alterado para Imperial Guarda de Polícia.
Desde a criação, possuía um Estado-maior, três Companhias de Infantaria e uma
Companhia de Cavalaria; seu primeiro Comandante foi o Coronel José Maria Rebello de
Andrade Vasconcellos e Souza, antigo oficial da congênere lusitana. Como seu auxiliar foi
escolhido um brasileiro nato, o Major de Milícias Miguel Nunes Vidigal, que ficou muito
conhecido por sua repressão ao crime na nova capital, e por causa do livro “Memórias de Um
Sargento de Milícias” de Manuel Antônio de Almeida.
Com a Revolução Liberal em Portugal, a Família Real retornou à antiga
metrópole, ficando aqui o Príncipe D. Pedro. Com isso, assumiu o comando da instituição o
então Coronel Miguel Nunes Vidigal. Sob seu comando a organização lutaria contra as
unidades portuguesas rebeladas durante o processo de Independência do Brasil.
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(Constituição Federal , 1946) (Constituição Federal, 1891) (Constituição Federal, 1934) (Constituição Federal,
1967;1969)
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(Constituição Federal , 1988)
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5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Bíblia . (s.d.).
Campos, C. P. (1923). O Espírito Militar Paulista. São Paulo, SP: Rossetti & Rocco.
Castro, J. B. (1977). A Milícia Cidadã: A Guarda Nacional de 1831 a1850. São Paulo, SP:
Companhia Editora Nacional.
Cotta, F. A. (2006). Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG:
Crisálida.
Flori, J. (2005). A Cavalaria, A Origem dos Nobres Guerreiros da Idade Média. (E. T.
Santos, Trad.) São Paulo, SP: Mandras.
Lins, I. (1958). A Idade Média, A Cavalaria e as Cruzadas (3ª ed.). Rio de Janeiro, RJ:
Livraria São José.
Morris, I. (2015). Guerra, o horror da gurra e seu legado para a humanidade. São Paulo, SP:
Leya.
Rodrigues, J. W. (1978). Tropas Paulistas de Outrora. São Paulo, SP: Governo de Estado de
São Paulo.