Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Historia Militar Policial

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 32

1

HISTORIA MILITAR POLICIAL:


NECESSIDADE DE UMA ABORDAGEM HISTORIOGRÁFICA ESPECÍFICA1

Fernando de Medeiros Vasconcelos

Resumo: As instituições Militares de Polícia são instituições militares que cumprem missões
de polícia e cujas origens remontam à Idade Média. No Brasil atual são geralmente chamadas
de Polícia Militar. Tiveram expressiva participação na História do país, garantindo a
consolidação do território nacional; participação direta nos conflitos em que o Brasil se viu
envolvido e, também, na evolução militar nacional, com a inovação de técnicas e armamentos.
Dada a importância dessas instituições, vê-se a necessidade de sobre elas ser construído um
conhecimento científico dentro da historiografia, contemplando-as de forma separada das
demais Forças Militares.
Palavras-chave: Gendarmeria 1. Polícia Militar 2. Ciências Policiais 3. Força Pública

1 INTRODUÇÃO

Para entendermos o que é um Militar de Polícia devemos primeiramente entender o


que é ser militar e principalmente conhecer sua evolução histórica desde suas mais remotas
origens. Para isso devemos consultar livros que retratem a Antiguidade e a Idade Média,
como A Cavalaria, de Jean Flori, e A Idade Média, de Ivan Lins, para aí, sim, passarmos para
a investigação a respeito do militar de polícia.
As instituições Militares de Polícia, conhecidas como Gendarmerias, são instituições
tipicamente militares que cumprem missões de polícia e cujas origens remontam à Idade
Média. Etimologicamente Gendarmeria deriva da palavra francesa Gendarmérie, que quer
dizer Gente de Armas.
A Gendarmeria tem sua origem na França durante a Idade Média, quando os
senhores feudais designavam homens de armas que, subordinados a cavaleiros, constituíram a
base do Exército permanente que mais tarde se formaria. Em 1439, durante o reinado de
Carlos III, um corpo de Gendarmes foi designado para garantir a segurança pública nos

1
Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em História Militar, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em
História Militar, sob a orientação do Prof. Armando Alexandre dos Santos.
2

vilarejos e povoados pelo interior do país, os quais constantemente eram alvo de bandos
armados que promoviam saques e pilhagens.
Tal conceito se espalhou pela Europa e foi trazido para o Brasil, ainda na Colônia,
quando unidades militares possuíam a missão de garantir a segurança e a tranquilidade dentro
das Capitanias. Porém, foi com o Príncipe Regente D. João (futuro rei D. João VI), que o
conceito de Gendarme veio para o Brasil, com a criação da Divisão Militar da Guarda Real de
Polícia na cidade do Rio de Janeiro. Esse modelo de organização deu origem à antiga Guarda
Nacional e às Polícias Militares do país.
Esses Corpos tiveram expressiva participação na História do país, garantindo a
consolidação do território nacional; participação direta nos conflitos em que o Brasil se viu
envolvido e, também, na evolução militar nacional, com a inovação de técnicas e armamentos.
Em outros países, as Gendarmerias são instituições militares completas, consideradas
uma Força Militar, com postos e graduações que vão de Soldado a General (como no
Exército, Marinha e Aeronáutica), subordinadas ao Ministério da Defesa ou do Interior,
vocacionadas à missão de polícia e participando de ações bélicas quando da necessidade do
esforço nacional.
No mundo as instituições militares de polícia são encontradas nos seguintes países:

Figura 1: Mapa-mundi mostrando com cores os países que possuem Instituições Militares de Polícia.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gendarmerie_Around_the_World.PNG

• Em azul, países que dispõem de uma gendarmeria ou polícia militar.


• Em vermelho, países que dispuseram de uma gendarmeria no passado.
3

• Em amarelo, países que dispõem de uma gendarmeria apenas nominalmente


(órgãos militarizados).
Cabe salientar que na atividade policial as instituições fardadas, não militares, são
militarizadas, ou seja, possuem estética e valores militares, porém são considerados servidores
públicos comuns.
Uma grande confusão que se faz nesse campo é o fato de as Polícias Militares terem
a missão policial e não bélica. Muitos autores nacionais retratam o militar como sendo um
profissional educado e preparado para vivenciar somente o conflito bélico, não se atendo a
essa outra vertente. Porém isso cai por terra ao estudarmos a origem do militar moderno,
quando descobrimos que a vida militar está diretamente ligada a uma vocação de sacrifício e
dedicação, calcada num arcabouço de valores éticos e morais, por onde o soldado coloca sua
vida em holocausto em prol da defesa da sociedade e da pátria. A vocação militar tem, de
certa forma, alguma analogia com o sacerdócio e a vida religiosa.
Cabe lembrar que na estruturação de um Estado a primeira organização a ser criada é
a militar. E quando este se sucumbe, a última a entrar em colapso, antes da queda do Estado, é
a instituição militar. Para isso basta lembrarmo-nos da Alemanha ao final da Segunda Guerra,
e da Síria nos dias atuais; no primeiro caso, a nação entrou em colapso após a queda do
Exército Alemão; no segundo, vemos um país em que a única instituição pública que ainda
garante a existência do Estado é a militar. Por isso é que a construção do conhecimento a
respeito dessas Polícias deve ser buscada a fundo, a fim de conhecê-las de forma pragmática,
ou seja, analisando as causas e consequências de fatos e atos em que elas estejam inseridas.

1.1 A PRODUÇÃO DE UM CONHECIMENTO CIENTÍFICO DE HISTÓRIA DAS


ORGANIZAÇÕES MILITARES DE POLÍCIA DO BRASIL.

A construção do conhecimento científico da História Militar Policial no Brasil é de


extrema importância para a edificação da historiografia nacional, com a busca pragmática da
evolução das instituições Policiais Militares nela inserida.
Hoje, dentro da historiografia militar do Brasil, vemos uma construção da História
Militar somente abrangendo a evolução do Exército, Marinha e Aeronáutica, e uma exposição
insuficiente, muitas vezes sem análise das causas e consequências, do papel desempenhado
pelas instituições militares de polícia nos conflitos bélicos em que estiveram presentes. Os
4

militares de polícia somente são citados pela historiografia como partícipes secundários dos
conflitos e momentos históricos.
Entretanto, desde o Brasil Colônia existiram no país tropas militares que tinham
como obrigação e dever garantir a segurança e proporcionar tranquilidade para aqueles que
viviam no território nacional. Essas instituições tiveram o seu momento de maior prestígio
durante o século XIX, desde quando o Príncipe Regente D. João criou no município do Rio de
Janeiro, em 13 de maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Mais tarde, no
ano de 1831, as demais províncias criaram corpos militares similares àquele em suas capitais,
e o governo regencial cria a Guarda Nacional para atuar em todo o território.
Tais corpos tiveram uma grande participação na construção do Estado Brasileiro e na
consolidação do território nacional, participando na política e nos conflitos bélicos internos ou
externos nos quais o país se viu envolvido, tais como: Revolução Farroupilha, Balaiada,
Sabinada, Cabanagem, Guerra do Paraguai, Guerra de Canudos, Revolução Federalista,
Guerra do Contestado, episódio dos 18 do Forte de Copacabana e Sedição do Matogrosso,
Revolução de 1924, Perseguição à Coluna Miguel Costa-Prestes, Revolução de 1930,
Revolução Constitucionalista de 1932, vitória sobre a Intentona Comunista de 1935 etc.
Ao estudarmos a História Militar do Brasil, vemos que tais Instituições são somente
citadas de passagem, não lhes sendo dada a devida atenção. É sabido que na construção da
historiografia militar, a grande maioria dos autores provém de uma das três Forças Armadas
regulares, sendo por isso muito explicável que tenham a atenção mais voltada para a atuação
das suas corporações de origem.
Outro fator a ser considerado é que a História Militar se divide Terrestre, Naval e
Aérea e, por uma questão geográfica, a História Militar Policial se liga diretamente à
Terrestre, focada na construção do conhecimento da evolução do Exército Brasileiro. Isso
leva a ser um tanto esquecido o papel que as organizações militares de polícia também
tiveram fora do campo estritamente terrestre. Por exemplo, é completamente desconhecido
por muitos historiadores o papel pioneiro da Força Pública do Estado de São Paulo, que no
ano de 1913 instituiu formalmente um corpo de aviação militar.
É sabido que a missão principal do policial é a de garantir segurança e direitos do
cidadão. Por não ter a missão bélica como norteadora institucional, o que lhe daria grande
prestígio para sua historiografia, a Polícia Militar acaba perdendo espaço na História Militar,
Nos países que possuem Polícia Militar há a construção da História Militar dando o
devido valor a essas instituições. Com isso verificamos a necessidade de se inserir os
5

Militares de Polícia na História Militar do Brasil, não apenas atrelando-os à Terrestre, mas
criando efetivamente uma cadeira de História Militar Policial do Brasil.

1.2 OBJETIVO DA HISTÓRIA MILITAR POLICIAL.

O objetivo dessa cadeira é incentivar a produção autônoma de conhecimento


científico sobre a História das Instituições Militares de Polícia da mesma forma como ocorre
nas outras Forças Armadas. Essas organizações participaram ativamente, inclusive como
protagonistas, da evolução humana e em diversos momentos históricos do Brasil e do mundo.
Desde a formação das primeiras cidades-estados no mundo antigo, era primordial
que estas proporcionassem a seus cidadãos segurança e tranquilidade. Com a evolução
humana, durante a Idade Média, vemos surgir os primeiros Estados Modernos, nos quais as
primeiras instituições públicas a surgir eram as militares, com o intuito de garantir a
existência do Estado e a segurança de seus integrantes.
Durante a Revolução Francesa, norteada pelo movimento iluminista, temos a
elaboração da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, que, em seu artigo 12 nos
traz o seguinte texto: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força
pública (grifo nosso). Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para
utilidade particular daqueles a quem é confiada”, inclusive esta é a única instituição pública
trazida no corpo da carta, tamanha é a sua importância para o homem e para o Estado.
Para a existência de qualquer Estado e Governo é necessário que haja Segurança
Pública, e para que esta seja plena, de fato e de direito, faz-se necessária a existência do Poder
Policial, que será exercido por uma organização armada. No mundo moderno estas
instituições são chamadas de Polícia, e são divididas em Polícia Judiciária, com caráter
investigativo e ligadas diretamente à Justiça, e Polícia Ostensiva Fardada, esta vocacionada ao
patrulhamento ostensivo fardado e a investigações de crimes sob sua circunscrição. Em todos
os países encontramos Polícias Ostensivas Fardadas, as quais, dependendo da cultura local e
história do país, ou possuem caráter militar (ou seja, apresentam todos os atributos militares e
são regidas por um regulamento militar), ou são militarizadas (dotadas de estética e valores
militares, porém não respondendo a leis marciais).
Veremos ao longo deste trabalho a necessidade da atenção, em âmbito nacional, à
produção do conhecimento científico da evolução histórica, da memória das Instituições
Militares de Polícia, buscando o senso de retaguarda à identidade dessas organizações, tão
importantes para a manutenção do Estado e garantia de direitos de seus cidadãos.
6

2 SER MILITAR

Quando estudamos a profissão militar devemos compreender o conceito do que


venha a ser um Militar, e para isso, buscaremos iniciar o estudo analisando a História do
mundo antigo. Precisamente, iremos começar essa busca na Roma antiga, pois nela temos o
primeiro exército profissional do mundo, bem como o conceito de servir e demais valores
tipicamente militares. Roma nos trouxe a maneira ocidental de guerrear, que herdou dos
Gregos e aperfeiçoou, e somente essa maneira de lutar foi capaz assegurar o nascimento e o
crescimento da Civilização Romana.
A guerra sempre fez parte da natureza humana. Antes mesmo das civilizações, o
ser humano, ainda na pré-história, durante sua fase nômade, já fazia uso da violência para
defender seus interesses. À medida que foram surgindo as primeiras tribos, parte dessa
violência presente no homem foi canalizada para a defesa dos interesses da tribo. Quando os
seres humanos passaram a dominar a agricultura e a estocar alimentos, temos a fixação de
grupos em uma determinada localidade, o aumento dessas sociedades e o surgimento das
primeiras cidades, as quais passam a despertar interesses de grupos alheios, e com isso a
guerra ganha volume de violência e frequência.
Desde sua fundação no século VIII a.C., Roma crescia gradualmente, assumindo
uma liderança regional na Península Itálica com a conquista de cidades vizinhas e
posteriormente dos domínios etruscos em guerras que não eram ininterruptas nem eram
travadas durante muito tempo. Na Antiguidade a guerra somente era praticada no período de
“bom tempo”, ou seja, nos meses que não compreendiam o gélido frio europeu.
O sistema religioso romano compreendia um sincretismo da mitologia grega com
a etrusca, tendo por isso a guerra seus próprios deuses e ritos religiosos. No começo do
período de “bom tempo” os homens aptos ao serviço bélico eram levados a um local fora da
cidade de Roma, chamado Campo de Marte, onde passavam por um treinamento de combate e
por um ritual religioso em homenagem a Marte, o deus da guerra. Nesse ritual o romano era
investido do poder bélico de Marte, ficando assim apto para a guerra. Após a guerra os
homens que haviam lutado, agora veteranos, eram levados novamente ao Campo de Marte e
ali passavam por um ritual de desinvestidura de seus poderes bélicos, para somente então
poderem entrar em Roma.
Os ataques a uma cidade custavam a vida de muitos soldados e com isso a derrota
do exército invasor. Para a conquista de uma cidade, o exército romano vai recorrer a uma
nova tática de guerra: a guerra de sítio, pela qual as legiões irão cercar a cidade de interesse
7

cortando toda rota de suprimento para aquela localidade, fazendo com que o exército inimigo
saia da cidade para um combate em um ambiente aberto ou fazendo com que a população,
junto com suas tropas, minguem de fome e doenças ,obrigando seus dirigentes à rendição e
entrega da cidade. O sítio poderia levar meses, até anos. Os soldados romanos possuíam vida
civil nos períodos fora da guerra, e a guerra de sítio prejudicava sua subsistência, uma vez que
não poderiam realizar os ofícios com os quais garantiam dinheiro e produção agrícola a suas
famílias. Diante desse cenário, Roma se viu obrigada a pagar seus soldados durante o período
em que estivessem no sítio. Essa foi a origem da ideia de criar e manter um Exército
Permanente e não mais provisório ou temporário; com isso temos a profissionalização do
Exército Romano.
Segundo o comandante grego Xenofonte (411-362 a.C.), “são os homens os
únicos responsáveis por tudo que acontece em batalha”. Com a profissionalização de seu
exército, Roma consegue tornar eficiente o sistema de transformação de recrutas em soldados,
isso por que todos os homens entre 17 e 45 anos eram obrigados a servir pelo menos por dez
anos. A inaptidão para tal serviço significava a total desgraça para aquele homem. O respeito
à autoridade sempre foi algo muito cultuado entre os romanos, e isso eles aprendiam desde
criança, já que no seio familiar o pai era um autocrata absoluto, com direito de dispor da vida
de seus filhos da maneira que quisesse. Com isso, uma vez dentro de uma Legião, o recruta já
estava acostumado a obedecer sem nenhum tipo de questionamento.
A disciplina sempre foi muito rígida, com penas duras, que iam desde açoite com
vara, para pequenos desvios, até execução por flagelação para praças, e degola para os
oficiais, e ainda tínhamos a punição coletiva para casos de desobediência, quando dez homens
de uma Legião eram executados em represália ao ato. Um exemplo disso foi o que ocorreu
com a Legião Tebana que se recusou a executar prisioneiros cristãos em um rito de sacrifícios
em homenagem aos deuses pela vitória na batalha. Diante da recusa o Imperador Maximiano
ordenou o ato disciplinador para aquela Legião; tal ato não abalou os legionários que
continuaram se recusando. Diante de tal motim o Imperador determinou a execução de todos
os membros da Legião.
Quando não estavam em campanha, os legionários estavam sempre treinando
táticas de combate e faziam exercícios físicos; isso era algo tão inovador para a época que o
cronista judeu Flávio Josefo escreveu, por volta do ano 79 d.C.: “Cada homem se esforça em
seu treinamento diário como se estivesse no serviço ativo. É por isso que suportam com tanta
facilidade o rigor da batalha. Não seria incorreto chamar seus treinos de batalhas sem
sangue”. Todo o dia-a-dia de um legionário era realizado dentro de uma rotina. Todas as
8

atividades, desde os treinamentos até as refeições eram realizadas sob ordem e ao toque de
clarim. Segundo um general romano, quando os homens estavam fora da batalha “a punição e
o medo assim provocados são necessários para manter os soldados aquartelados”, já durante
os combates, “estes são influenciados pela esperança e pela recompensa”.2
Esse sistema de recompensa era tão importante para o legionário, que isso o
diferenciava dos demais guerreiros antigos e de outros povos contemporâneos: ele não lutava
simplesmente por riquezas, mas sim pelas glórias de Roma e pelo reconhecimento dos
cidadãos romanos. As recompensas iam desde ornamentos em seus uniformes até a
participação em um desfile pelas ruas da capital do Império em seu melhor traje legionário,
sendo ovacionado pela população.
Conforme o historiador romano Tito Lívio, no ano de 508 a.C. os etruscos
tentaram invadir a cidade de Roma em uma tentativa de restaurar a monarquia Romana, que
sempre foi ligada aos vizinhos etruscos. Com isso Horácio Cocles, o capitão do Portão de
Roma, determinou que suas tropas derrubassem todas as pontes sobre o rio Tibre. Tal missão
foi cumprida, restando apenas uma estreita ponte. Com o exército inimigo estacionado no
outro lado da ponte, durante a noite que antecederia a batalha, Horácio reuniu sua tropa. Já
pensando na batalha do dia seguinte e sabendo que poderiam facilmente capitular, uma vez
que o inimigo era mais numeroso, proferiu os seguintes dizeres: “Que melhor maneira pode
ter um homem de morrer, de que enfrentar o seu terrível destino, honrando as cinzas de seus
pais e o templo dos deuses?”.3 No dia seguinte o capitão de Roma, que era conhecido pelos
etruscos devido a sua força e coragem, determinou aos seus homens que enquanto estivesse
lutando no centro da ponte, derrubassem a extremidade do lado romano. Durante a luta os
soldados conseguiram derrubar uma parte da ponte e deram sinal para Horácio, o qual, ao ver
o sinal, se lançou no Tibre e nadou até a margem romana. Após esse fato o exército invasor se
retirou para o seu território, não mais retornando a Roma. Horácio é aclamado pela população
que em sua homenagem constrói uma estátua. Essa passagem da história romana nos mostra
uma nova maneira de pensar, que levaria o povo romano, principalmente seus soldados a
viverem e morrerem pela glória de Roma. Esse tipo de tradição fez com que os legionários
lutassem com uma força impulsora, buscando o cumprimento da missão a todo custo, tendo a
honra como uma fé que exalta a vontade e não permite a capitulação, a indignidade, a
covardia, a renúncia à luta, o abandono de seus símbolos, de suas armas e de seus camaradas.

2
(História Em Revista, A Arte da Guerra, 1991)
3
(Macaulay, Lays of Ancient Rome, 1842)
9

Outro valor de fundamental importância para o desenvolvimento do Império


Romano é o conceito de serviço. Em Roma surgem homens que devotam suas vidas à coisa
pública, exercendo sua autoridade por meio das armas ou das leis, como era o caso dos
soldados e magistrados, que serviam ao bem comum em todos os rincões do vasto território,
levando e impondo os valores civilizatórios romanos a todos aqueles que estivessem inseridos
nos seus domínios.

Figura 2 - Horácio Cocles.


Fonte: Pesquisado em 03/01/2018, https://www.flickr.com/photos/27906589@N05/sets/72157634970674858/

No ano de 312 d.C. o Imperador Constantino, filho da união entre o Imperador


Constâncio Cloro e Santa Helena, que era cristã, se preparava para a batalha mais importante
de sua vida, a Batalha da Ponte Mílvia, quando teve a visão de uma cruz que brilhava mais
que o sol, com a frase in hoc signo vinces (com este signo vencerás). Durante a noite sonhou
com o próprio Jesus Cristo, que lhe explicou a visão e lhe pediu para que os soldados fossem
para o combate com a cruz gravada em seus escudos; na noite antes da batalha, Constantino
teve o mesmo sonho. No dia seguinte, os soldados lutaram amparados pelo símbolo cristão e
venceram o combate. Após esse episódio, Constantino se aproximou dos cristãos, retirou o
cristianismo da ilegalidade e da clandestinidade, e nomeou cristãos para os mais altos postos
da administração romana. Esses fatos marcaram o início da estruturação pública da Igreja
Católica Apostólica Romana.
Na segunda metade do século V d.C. temos uma sequência crescente de invasões
barbaras ao Império Romano, até a tomada de Roma. Durante os saques, foram destruídos
muitos acervos artísticos e bibliográficos. Nesse cenário de desmoronamento das instituições
10

administrativas do Império romano, ficou de pé a Igreja Católica como sendo a única


instituição a guardar o que sobrou de tradição, arte e escrituras do mundo antigo. Uma
passagem importante que exemplifica isso é a da invasão dos visigodos comandados por
Alarico, que era cristão e determinou que seus homens não atacassem as igrejas, autorizando
os cristãos a se refugiarem nelas.
Com a queda do Império Romano temos o início da Idade Média, mais
especificamente o período conhecido como de barbarismo. Nesse período, a Europa estava
mergulhada em um latrocínio endêmico, onde as tribos se atacavam umas às outras para
obtenção de saques e escravos, sem falar nas hordas vindas do Leste, as quais aterrorizavam a
Europa levando carnificina e pânico por onde passavam. É nesse período que uma nova
modalidade de guerreiro começou a sobressair nos campos de batalha, dando mobilidade e
agilidade a essas hordas: eram os guerreiros a cavalo. Isso só foi possível graças a uma
invenção, que vinda da Ásia, revolucionou o mundo e a nova maneira de se guerrear: eram os
estribos, que uma vez presos às selas dos cavalos davam equilíbrio ao homem, que podia
movimentar sua espada ou lança, ou atirar flechas com seu ou arco, sem precisar usar as
rédeas. A solução para combater essas hordas, foi criar um exército profissional, no qual
predominavam a cavalaria e rápidos arqueiros a pé, com as forças de infantaria pesada
limitadas a defesa e apoio.
A necessidade de mobilidade, agilidade e poder combativo, proporcionados pela
forte constituição do cavalo, contra esses saqueadores, que vinham a cavalo, levou os francos
e germânicos a investir no soldado a cavalo. Carlos Martel, rei dos francos, começou a fazer
tal investimento, porém verificou que seus cavaleiros precisavam de disciplina e coesão, não
lhes bastando lutarem só movidos pela força e coragem. No século VIII, francos e germânicos
começaram a investir em tropas montadas. Carlos Magno, neto de Carlos Martel, conquistou
vários territórios, pacificando regiões e oferecendo segurança àqueles que aceitavam seu
domínio e se colocavam sob sua proteção. Carlos Magno protegeu a Igreja e colocou sua
espada e suas forças a serviço da Fé. Por isso, na noite de Natal do ano 800 d.C. foi coroado
pelo Papa como Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. O período carolíngio
comportou um avanço significativo do cristianismo pela Europa. Carlos Magno determinou a
construção de escolas, monastérios e igrejas por todo o seu território, colocando todo seu
povo sob a égide da moral cristã. Com uma população com freios morais e um exército
disciplinado, o Sacro Imperador conseguiu rechaçar invasões barbaras e criou um novo
sistema de governança em seu território, o Feudalismo, dando fim ao Barbarismo.
11

Os homens a cavalo de Carlos Magno é que vão dar origem a uma nova
instituição, que será primordial para a formação dos Estados Europeus: a Cavalaria.
Para a proteção dos feudos fez-se necessária a figura de guerreiros que,
subordinados aos senhores feudais, garantissem a segurança do povo e os interesses do feudo.
Preocupada com a conduta desses soldados, a Igreja inculcou-lhes homens uma ética e regras
de conduta que limitassem o uso da violência e seus efeitos sobre a população.
Como a Igreja detinha os ensinamentos clássicos romanos e o conhecimento das
Cartas de São Paulo e demais textos bíblicos, começou a influir diretamente na investidura
dos cavaleiros e chegou à instituição formal da Cavalaria, constituída por homens fiéis ao seu
senhor que combatiam conduzidos por valores morais, sem a promessa de riquezas e
vantagens frutos de pilhagem.
Extraídos dos textos da Roma Clássica, preservados pela Igreja, observamos a
presença de algumas palavras que serão utilizadas na estruturação do Estado moderno, como
por exemplo, a palavra Iudices, para designar os magistrados, e Militia que é utilizada para
definir o Exército Romano, e Milites, os soldados. Outra palavra latina que é de suma
importância para os nossos estudos é o verbo Militare, que não se usava somente para aqueles
que serviam ao estado por meio das armas, mas a toda forma de serviço público,
administrativo, político ou judiciário. Com a cristianização do Império e a estruturação da
Igreja conforme a estrutura e hierarquia romanas, o verbo militare, sendo também utilizado
para designar o serviço pacifico do monge em seu monastério, e a vida do cristão e geral:
“Militia est vita hominis super terram” (A vida do homem sobre a terra é uma milícia) – lê-se
no Livro de Jó (7,1), na Vulgata, a tradução da Bíblia para o latim feita por São Jerônimo.
Essa concepção se baseia em várias passagens bíblicas, e especialmente nos escritos do
Apóstolo São Paulo, que em várias de suas cartas compara a vida do cristão à vida do soldado
romano, feita de obediência, disciplina, coragem e abnegação. Em uma de suas metáforas ele
pede aos cristãos que vistam a armadura de Deus para realizar o combate da fé, conforme dito
em Efésios, 6: 13-17, “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir
no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos
lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça, e calçados os pés na preparação do
evangelho da paz; tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os
dardos inflamados do maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do
12

Espírito, que é a palavra de Deus”.4 Com isso temos a expressão militare Deo, servir a Deus,
combatendo pacificamente, por meio das orações, o pecado ocasionado por forças obscuras
do demônio.
Miles, singular de milites, serve para designar a figura do soldado, aquele que
exerce a autoridade de Roma por meio da espada, ou seja pelo uso da força. Também serve
para designar os sacerdotes e monges como milites Dei, ou seja, soldados de Deus. Os
substantivos modernos militar e militante, usados no português atual derivam da mesma raiz
latina.
Na prática medieval, o verbo militare (servir em latim) acabou sendo utilizado
somente pelas Cavalarias, que até o momento eram as únicas instituições públicas existentes.
Como essas instituições armadas, que exerciam a autoridade do pública por meio do uso da
força, foram as primeiras a serem criadas nos moldes das Militias, tais organizações acabaram
monopolizando esse verbo e transformando-o em substantivo.
Ser cavaleiro passou a ser uma condição invejada e cobiçada pelos homens. O
início do processo formativo de um Cavaleiro se dava aos seus 7 anos de idade, quando era
enviado à residência de um nobre, onde, longe de sua família, iniciava seu treinamento e
formação cavalheiresca: passava vários anos como pajem, aprendendo regras sociais, como
cantar, dançar e tocar alaúde, e recebendo os primeiros ensinamentos de manuseio de armas e
equitação. Aos 14 anos se tornava escudeiro de um cavaleiro, a quem serviria nos momentos
de paz e de guerra. Com os ensinamentos de seu cavaleiro completava sua educação militar.
Aos 21 anos, e com aprovação de seu cavaleiro, passava pela investidura como cavaleiro, o
que marcava sua entrada na Cavalaria e passagem para a vida adulta.
A cerimônia de investidura era algo bem simbólico. No dia anterior à cerimônia o
aspirante a cavaleiro tomava um banho, para simbolicamente se limpar de todas as impurezas,
e vestia uma túnica branca, simbolizando a pureza, com um manto vermelho, simbolizando o
seu sacrifício, se necessário até o sangue, e passava a noite em vigília diante de um altar onde
jaziam suas armas e armadura.

4
(Bíblia )
13

Figura 3 - Pintura de John Pettie – Cavaleiro em noite de vigília.

Ao amanhecer, assistia a uma Missa com a presença de todos os seus conhecidos,


nobres e demais cavaleiros. O investido recebia sua espada, cinto e esporas, que eram
calçadas em primeiro lugar como principal símbolo da Cavalaria, objetos abençoados e
consagrados a serviço de Deus. Todo esse ritual era revestido de uma liturgia própria.
Antes da entrega, “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, da espada e
espora, era rezada uma oração muito rica de elementos ideológicos: “Quanto a ti, agora que
tu estás a ponto de ser feito cavaleiro, lembra desta palavra do Espírito Santo: “Valente
guerreiro, cinge tua espada, essa espada é de fato a do Espírito Santo, que é a palavra de
Deus. De acordo com essa imagem, sustenta então a Verdade, defende a Igreja, os órfãos, as
viúvas, aqueles que oram e aqueles que trabalham, ergue-te prontamente contra aqueles que
atacam a Santa Igreja, a fim de que possas surgir coroado, na presença de Cristo, armado
com o gládio da Verdade e da Justiça”.5
Na sequência o novo cavaleiro saía da igreja e, do lado de fora, recebia seu novo
cavalo das mãos de seu cavaleiro mestre e iniciava sua vida na Cavalaria, participando de um
Torneio de Cavalaria, onde poderia demonstrar suas habilidades.
Nos anos que se seguiram à conquista de Jerusalém pela Primeira Cruzada, a
instituição da Cavalaria teve um novo desdobramento: chegaram a ser constituídas
verdadeiras Ordens religiosas de caráter militar, como por exemplo a dos Templários, a dos
Hospitalários, a dos Cavaleiros do Santo Sepulcro e outras mais. Os membros dessas Ordens

5
Jean Flori, A Cavalaria – A Origem dos Nobres Guerreiros da Idade Média, p. 44.
14

eram, ao mesmo tempo, cavaleiros que lutavam de armas na mão, e religiosos que
consagravam suas vidas a Deus, pela profissão dos votos religiosos de Obediência, Pobreza e
Castidade. Durante séculos coexistiram as duas formas de Cavalaria, a civil (que pouco a
pouco acabou se identificando com a Nobreza) e a religiosa (que ainda hoje subsiste na
Ordem de Malta e na Ordem do Santo Sepulcro).6
Com o fim da Idade Média, a antiga Cavalaria medieval, inspirada nos valores da
Honra e do Dever, continuadora da velha profissão militar romana e impregnada da Moral
Critã foi desaparecendo, sendo seu lugar preenchido pelos exércitos permanentes, ou seja,
pelos militares modernos, que de certa forma são seus continuadores na Tradição e no culto
aos valores, assim como na hierarquia e na disciplina.
As instituições militares dos tempos modernos se consolidaram como essenciais
para assegurar a existência dos Estados, mostrando-nos a importância de se garantir a
segurança da população, bem como do território, para que outras estruturas de governo
pudessem ser criadas.
Para tanto, a profissão Militar por atuar em momentos de violência, seja no
combate ao crime, seja em um conflito bélico, requer de seus integrantes um preparo
psicológico, uma ética e moral diferenciadas dos demais cidadãos. Ou seja, uma profissão de
Honra, envolta em dignidade e nobreza, com homens e mulheres que servem ao seu povo,
entregando-se a serviço dele, oferecendo-lhe sua dedicação e se necessário sua própria vida,
com o compromisso de realizar com dedicação, esmero, competência, rigor e
responsabilidade o dever que lhe foi incumbido. Ser Militar não está atrelado pura e
simplesmente à atividade bélica, como alguns intelectuais defendem, mas sim a uma vida de
serviço, submissa a valores morais, éticos, físicos e espirituais, pautada na defesa do país e de
sua sociedade, na defesa da vida e da dignidade da pessoa humana, aspectos esses que são
extremamente necessários nos momentos de aflição do povo, em cuja perspectiva o militar é o
último bastião entre o mundo civilizado e a barbárie.

6
COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-
1274) sobre a vida militar, a guerra justa e as ordens militares de cavalaria. Mirabilia (Vitória. Online), v. 10, p.
145-157, 2010. Disponível em: http://www.ricardocosta.com/artigo/o-pensamento-de-santo-tomas-de-aquino-
1225-1274-sobre-vida-militar-guerra-justa-e-ordens
15

3 MODELOS DE FORÇAS POLICIAIS

O Estado tem como missão primária garantir a paz e a tranquilidade dos cidadãos,
com o povo vivendo sob a égide de leis que garantem a convivência e tolerância entre as
pessoas. Para que haja o cumprimento do ordenamento jurídico faz-se necessária a presença
de uma instituição que exerça a autoridade do Estado no uso da força. É nesse sentido que o
sociólogo alemão Max Weber definiu o Estado como "uma entidade que reivindica o
monopólio do uso legítimo da força física".7
Dentro do arcabouço de instituições que garantem a vida em sociedade, uma
merece a atenção especial em nossos estudos e é ela que vai exercer o monopólio do uso da
força para garantir o controle social dos cidadãos. Para isso teremos presente em qualquer país
a presença de uma Força Policial, o braço do Estado responsável pela manutenção da ordem
pública.
Na Idade Média, era o senhor feudal que exercia o controle da violência entre seus
vassalos; tal controle era conhecido como o jus politiae que identificava o poder de
administrar a ordem social e civil, uma vez que a ordem moral e religiosa era regida pelas
autoridades eclesiásticas. Do exercício do jus politiae derivou a palavra politia, que
identificava as ações que o soberano exercia para garantir a segurança e bem-estar daqueles
que estivessem sob seu domínio.
Com o tempo o conceito de polícia passou a abranger todas as ações do estado
para prevenir e reprimir os males e as desordens sociais, por meio de organizações de serviço
público. O estado era, assim, responsável por garantir a integridade física, intelectual e
econômica dos membros da sociedade.
Maquiavel, em seu livro “O Príncipe”, escrito em 1513, destacou como fundação
do Estado “boas leis” e “boas tropas”, de tal forma que um depende do outro, ou seja, para
que o Poder do Estado seja exercido, por meio das leis, há a necessidade de uma tropa que
faça com que as leis sejam cumpridas. Já em seu livro “Sobre a Arte da Guerra”, de 1521,
afirma a necessidade de o Estado controlar todo e qualquer tipo de violência presente na
sociedade, e nesse processo civilizatório ocorre a domesticação de comportamentos
individuais violentos.
Apesar de a Ciência Policial ser relativamente moderna, pois começa e se
estruturar e ser estudada a fundo a partir do século XIX, a preocupação com o controle da

7
(Weber, O Estado Nacional e a Política Econômica, 1895)
16

violência privada sempre esteve presente em qualquer sociedade. Ao longo da evolução das
civilizações tivemos o surgimento de dois tipos de Força Policial, que serviram de modelo
para as Instituições modernas, a Francesa e a Inglesa; sendo a primeira militar e a segunda
militarizada, seguindo a primeira todos os valores éticos e morais militares, com organizações
estruturadas na Hierarquia e Disciplina e com valores sedimentados em Pátria, Dever e Honra,
e cultuando a outra parte dos valores militares. Ambas seguem um regulamento disciplinar,
mas somente os membros das instituições militarizadas são legalmente tratados como
servidores públicos comuns, com seus direitos e garantias.
Essas instituições comentadas acima se tratam das polícias uniformizadas, e não
podemos deixar de citar que em alguns países existe a figura da Polícia Judiciária, responsável
pela investigação e repressão a alguns tipos de crimes; essas organizações são civis com poder
de polícia e não utilizam uniforme.

3.1 A POLÍCIA FRANCESA.

Ainda na Idade Média, por volta de 1190, houve por parte da monarquia francesa
a preocupação com a violência endêmica promovida por grupos de homens armados que
saqueavam, violentavam e massacravam em pequenos povoados e vilarejos pelo interior do
país. Para combatê-los, foram destacados grupos de cavaleiros, que promoviam cavalgadas
pelo interior levando segurança e aniquilando estes grupos. Com o passar do tempo e com a
evolução do Estado Francês e o crescimento das suas cidades, viu-se a necessidade de se
estruturar esses corpos conhecidos como Maréchaussée. Durante a Guerra dos Cem Anos
(1337 a 1453) os Marechais dispunham de tropas para controlar os soldados, principalmente
os mercenários que, durante e após a guerra, promoviam saques por todo o país. Em 1536 os
poderes da Maréchaussée foram ampliados: agora ela tinha a incumbência de combater todo
tipo de criminoso. Em 1667, o Rei Luiz XIV modernizou a força policial de Paris, que era a
maior cidade do Ocidente naquela época, por meio do Edito Real de 15 de março. Tal
documento criou o cargo de Tenente-General de Polícia para comandar a e burocratizar a
atividade policial.
O primeiro Tenente-General de Polícia foi Gabriel Nicolas de la Reynie, que tinha
sob seu comando a Maréchaussée e a Guarda da Muralha de Paris. La Reynie também criou
44 cargos de comissários, que deram origem à Polícia Judiciária, e que depois foram
aumentados para 48. Dividiu Paris em 17 distritos, cada um comandado por um Tenente de
Polícia.
17

Tal Polícia tinha como missão “assegurar a paz e o sossego público, protegendo
as pessoas e expurgando a cidade de Paris dos que possam causar distúrbios, se apropriar
do alheio e propiciando que cada um possa trabalhar e viver em paz”.8 As atribuições eram
amplas, como a luta contra a delinquência, o fogo, a inundação, a polícia econômica, os
costumes etc.
Com a Revolução de 1789, foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, que nos traz a ideia de polícia como uma força pública. Em seu artigo 12 se
estabelecia o seguinte: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma
força pública; essa força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade
particular daqueles a quem é confiada”.9
Napoleão reorganizou algum tempo depois a instituição policial, agora com o
nome de Gendarmérie Nationale, instituição militar com missão de polícia que servirá de
modelo para diversos países, como por exemplo Portugal, que depois levará tal modelo para o
Brasil.

Figura 4 - Gendarme Francês.


Fonte: pesquisado em 30/01/2018,
http://www.devenir-gendarme.fr/wp-content/uploads/2016/05/Fotolia_36581677_XS.jpg

3.2 A POLÍCIA INGLESA.

A revolução industrial na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, levou


considerável parte da população do campo a migrar para as novas zonas industriais de

8
(Cotta, Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais, 2006)
9
(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789)
18

Londres; tal crescimento populacional ocorreu de forma desorganizada, acarretando todos os


tipos de problemas sociais, principalmente o aumento da criminalidade. É nesse cenário que,
em 29 de setembro de 1829, o Ministro do Interior, Sir Robert Pell, após uma reforma no
sistema criminal, criou a Polícia Metropolitana de Londres, cuja administração se instalaria
em um prédio da área conhecida como “Scotland Yard”. Daí ficar, posteriormente, a
administração da Polícia conhecida como Scotland Yard. Em 1890 a administração foi
transferida para outro prédio, e com isso teve o nome alterado para New Scotland Yard.
A Polícia Metropolitana de Londres foi criada como um órgão do sistema judicial
e tinha a seguinte incumbência: “Manter a paz e prender criminosos para que as cortes possam
processá-los de acordo com a lei”, e para isso ela foi criada como uma instituição civil
baseada na hierarquia e disciplina militares e seguidora de valores tipicamente militares, ou
seja, uma instituição militarizada.
Seus integrantes recebiam um uniforme azul, para diferenciar do uniforme
vermelho do exército, um distintivo e um apito, que podia ser ouvido a longa distância, e um
cassetete. Trabalhavam desarmados, diferentemente dos franceses, que trabalhavam armados
de sabre e pistola; isso se deu devido aos diferentes ambientes de constituição das
organizações.
Tal polícia serviu de modelo para várias polícias: a americana e as de países que
foram colônias britânicas, como Austrália, África do Sul, Nova Zelândia etc.

Figura 5- Policial londrino em 1829.


Fonte: pesquisado em 30/01/2018, https://c1.staticflickr.com/9/8200/8172128473_68e2fc6b72_b.jpg

4 MILITARES DE POLÍCIA NO BRASIL

Na sociedade medieval lusitana e pelo direito português então vigente, a ordem


pública estava relacionada ao monopólio do uso da violência, pois quem detinha tal
19

monopólio era o Poder Público, ou seja, a Coroa. Portugal era um país católico, com uma
população que cultuava os valores morais cristãos e com isso o governo tinha como norte para
o controle social os valores bíblicos consubstanciados no ensinamento da Igreja Católica.
Entendia-se o soberano como fonte de justiça e equilíbrio da ordem social natural, impondo a
paz e coibindo qualquer violação do monopólio do uso da força, agindo como o pai e pastor
de seus súditos.
Para a sociedade portuguesa, a ordem pública estava ligada à harmonia e à
pacífica convivência social, ou seja, com ausência de violência e crimes. A ordem pública se
baseava na moral e nos bons costumes, muito mais do que em um arcabouço de leis
proibitivas, como ocorria em outros países.
Com a Revolução Francesa e o advento dos ideais iluministas dentro da
administração governamental, a ordem pública seria composta por três elementos: a
tranquilidade, a segurança pública e a salubridade. Em seu entendimento, a segurança pública
estava ligada ao afastamento de todo perigo ou mal que pudessem afetar a ordem pública;
para tanto tal segurança seria exercida por uma instituição própria. Em se tratando da citada
Revolução temos a manutenção, pelo governo, da força pública para garantir a ordem.
Durante a Idade Média a Coroa e os magistrados faziam uso das tropas de exército
para realizar o controle social. Na Idade Moderna e no ciclo das grandes navegações, Portugal
começa a ter um crescimento populacional e econômico nunca visto antes em sua história.
Com o início da colonização do Brasil após 1500, são construídos os primeiros
estabelecimentos defensivos nas costas da nova colônia. Alguns prosperaram e outros foram
abandonados, e a consolidação desses núcleos de defesa se dá após a criação do Governo
Geral da Bahia.
Vale ressaltar que nesse período as tropas lusitanas, tanto as de terra quanto as de
mar tinham de algum modo origem na antiga instituição da Cavalaria. As tropas se dividiam
em Milícias Concelhias, Guarnições dos Castelos das Fronteiras e Praças de África, Guarda
Real de Ginetes, além dos mercenários nacionais e estrangeiros contratados em tempos de
guerra.
Ao longo do século XVI temos a organização das Ordenanças, conforme o
Regimento de 7 de agosto de 1549, a Lei das Armas em 9 de dezembro de 1569, o Regimento
de Ordenanças de 10 de dezembro de 1579 e a Provisão dos Capitães-mores, de 15 de maio de
1574.
Em 1640, após o fim do domínio espanhol e a Restauração em Portugal, um dos
primeiros atos de D. João IV foi o de estruturar suas tropas na Metrópole e no Ultramar,
20

dividindo-a em três escalões de forças permanentes; as de 1ª Linha (o Exército), as de 2ª (os


Auxiliares), e as de 3ª (as Ordenanças, nas quais eram alistados todos os homens de 16 a 60
anos que não estivessem alistados nas duas primeiras).
A tropa de 1ª Linha era dividida em Terços de Infantaria, Companhias de
Cavalaria e Troços de Artilharia.
A tropa de 2ª Linha, inicialmente conhecida como Terços Auxiliares, com corpos
de infantaria e cavalaria, eram forças de segurança e de reserva, convocadas em caso de
necessidade; tais Terços ficavam sob o Comando do Vice-rei, que pagava regularmente os
respectivos soldos.
A tropa de 3ª Linha, a Ordenança, alistada pelos Capitães-mores das Capitanias
para a segurança pública e para completar as demais linhas, não era paga. Na verdade, ela
consistia dos homens comuns que possuíam outros ofícios e que eram acionados de forma
pontual, sem aquartelamento. Quando acionados, se formavam na praça de armas da vila ou
cidade, tanto para missões bélicas quanto para missões policiais.
Cabe salientar que na época do Brasil Colônia, este era constituído por vilas,
vilarejos e povoados muito pequenos, de modo que a segurança pública era fácil de ser
administrada, e a maior preocupação era com a invasão de grupos armados, como por
exemplo piratas, corsários e bandoleiros, revoltas indígenas ou negras, e a invasão de hordas
castelhanas.
A partir de 1739 ficam os Capitães-mores, Sargentos-mores e Capitães eleitos
pelas Câmaras e prestando juramento nas mãos dos Governadores. Já os Alferes, Sargentos e
Cabos eram escolhidos pelos Capitães das Companhias.
O juramento, prestado pelos Capitães-mores nas mãos do Capitão Geral, era
realizado de joelhos, com as mãos juntas colocadas entre as do Governador, sobre o Livro dos
Santos Evangelhos.
Tal estrutura das tropas ficou vigente até a independência do Brasil. Com a
constituição de 1824 e a criação do Exército Nacional, este absorveu as topas de 1ª linha.
Com a promulgação do Decreto de 13 de outubro do mesmo ano, as Milícias Auxiliares
passaram a ser consideradas como 2ª Linha do Exército.
Com a Guerra de Independência e posteriormente a Guerra contra as Províncias
Unidas do Sul, atual Argentina, que deu origem ao Uruguai em 1828, as Ordenanças entraram
em declínio, não havendo mais necessidade delas para o reforço das outras tropas. Somado a
isso, em 15 de agosto 1827 a função de Capitão-mor foi extinta, sendo substituída pelos Juízes
21

de Paz, que detinham autoridade judicial e policial e eram auxiliados por uma Guarda
Municipal formada em um alistamento compulsório.
Em 1831, após a abdicação de D. Pedro I e já iniciado o conturbado período
Regencial, o Ministro da Justiça, Pe. Antônio Feijó, determinou por meio do Decreto de 18 de
julho a criação da Guarda Nacional, instituição que substituiria as Milícias e Ordenanças e
que iria perdurar durante a Regência, o Segundo Reinado e início da República.
Ainda em 1831, o Ministro da Justiça promulgou outro Decreto em 10 de outubro,
autorizando que cada Província criasse um Corpo de Guarda Municipal Permanente, com
voluntários a pé e a cavalo, para manter a tranquilidade publica e auxiliar a Justiça. Essas
instituições profissionais é que evoluíram e hoje são conhecidas como Polícias Militares e
alguns Bombeiros Militares dos Estados.

4.1 A GUARDA NACIONAL

Criada por força da lei de 18 de agosto de 1831, veio para substituir os antigos
corpos de auxiliares e ordenanças, ainda seguindo o conceito de “nação em armas”. Ela, como
instituição, deu ao civil o controle militar, afastando o militar profissional e substituindo-o
pelo cidadão soldado. Vale lembrar que o Brasil acabara de sair de uma guerra contra o seu
vizinho do Sul, a Argentina, na qual o Brasil perdera sua Província Cisplatina, que agora se
chamava Uruguai. Nessa guerra o Brasil teve alguns revezes em terra, porém teve a
hegemonia dos mares com sua Marinha de Guerra. Após o armistício entre os dois países é
que nasce o Estado do Uruguai.
O ideal de manter a paz e o receio de novas guerras pairavam na política e isso
veio ao encontro de se investir em um pequeno exército profissional que seria auxiliado pela
milícia cidadã, a Guarda Nacional; esse mesmo ideal ocorreu na França após a queda de
Napoleão.
A presença de um exército regular nas províncias trazia a lembrança da metrópole
às elites locais, que por vezes se sentiam intimidadas com a presença dessas tropas, com isso a
milícia cidadã apareceu como uma solução para o novo país e para a presença de uma tropa de
1ª Linha, indisciplinada e controlada por um civil da Regência.
Seguindo o modelo francês, a Guarda Nacional apareceu como uma solução, pois
nessa época predominava a ideia de que um grande exército era perigoso para as liberdades
civis, diferentemente de uma milícia local, que era composta de cidadãos que lutavam por sua
própria liberdade.
22

Sob a aura de um ideal nacional e patriótico, a Guarda Nacional foi criada não
somente como mera milícia, mas como símbolo de uma nova nação e elemento básico da
manutenção da integridade nacional.
Subordinadas aos Juízes de Paz, aos Juízes Criminais, aos Presidentes das
Províncias e ao Ministro da Justiça, a Guarda Nacional, presente em todos os municípios do
país, era formada por brasileiros natos livres, voluntários, de 18 a 60 anos, alistados
anualmente pelas Câmaras municipais.
Seu programa de ação era defender a Constituição, a liberdade, a independência e
integridade do Império; para manter a obediência e a tranquilidade pública e auxiliar o
Exército de Linha na defesa das fronteiras e costas, eram utilizadas tanto em missões bélicas
quanto policiais.
A Guarda – dividida em Companhias, que compunham Batalhões, e estes
formando as Legiões de Guarda Nacional – possuía em seus quadros as Armas de Infantaria,
Cavalaria e Artilharia. Não possuíam aquartelamento, porém seus integrantes deveriam estar
prontos para atender a qualquer chamado. Uma vez este feito, deveriam entrar em forma na
praça de armas do município para pegarem seus armamentos e seguirem para a missão.
Os oficiais eram inicialmente escolhidos por um sistema de voto secreto entre os
integrantes da Guarda, em uma eleição organizada pelo Juiz de Paz. Nesse sistema, muitas
vezes poderosos fazendeiros ficavam subordinados, por exemplo, a um simples agricultor.
Isso foi mudado no ano de 1850, quando, após uma reestruturação da Guarda, os postos de
oficiais comandantes de unidades passaram s ser ocupados por aqueles que podiam pagar pela
Carta Patente, conforme o grau hierárquico; foi assim que surgiu a figura dos “Coronéis” pelo
interior do país. É também nessa reestruturação que os oficiais de baixa patente e os praças
passaram a ser escolhidos pelo Comandante da Unidade, não mais pelo alistamento voluntário
e voto secreto organizado pelo Juiz de Paz.
O uniforme era de cor azul com gola verde, calça azul no inverno e branca no
verão, barretina com aba na frente e botins por baixo das calças. Tal fardamento era de
obrigação do cidadão-soldado. Se não o adquirisse, poderia ser expulso ou, dependendo do
caso, considerado desertor.
Em 2 de dezembro de 1832, em comemoração ao aniversário do Imperador D.
Pedro II, foi realizado um grande desfile militar na capital do país, com a primeira
manifestação pública da Guarda Nacional e com a presença do próprio Imperador envergando
o uniforme da milícia cidadã e montando um cavalo à frente das tropas.
23

No 7 de setembro de 1842, o Príncipe Adalberto da Prússia, em visita ao Brasil,


reparou que a Guarda Nacional era composta por brancos, mulatos e negros livres, e registrou
essa particularidade no seu relato de viagem. No contexto, via-se que a pluralidade étnica não
agradava ao visitante, pois ele a apontou entre outros aspectos que lhe pareceram
desfavoráveis no modelo brasileiro. Mas seu depoimento é interessante, pois mostra como no
Brasil, pouco a pouco, no ambiente de caserna iam sendo vencidos e superados antigos
preconceitos.
O treinamento da milícia cidadã era feito periodicamente sob supervisão de um
oficial do Exército Nacional. A Guarda Nacional teve uma importância muito grande no
século XIX, participando ativamente na pacificação de rebeliões, e por vezes aderindo a
alguns movimentos políticos pelo país. Atuando principalmente como guardiã do trono do
menino-imperador, ela foi de suma importância na guerra contra os Farroupilhas do Rio
Grande do Sul, contra os revoltosos liberais de São Paulo e Minas Gerais em 1842 (nesse
episódio acabou tendo seu efetivo atuando dos dois lados), contra a Balaiada no Maranhão, a
Sabinada na Bahia etc. Papel importantíssimo desempenhou, pois, na consolidação do
território nacional, como também na mobilização de Guerra contra o Paraguai, a partir de
1864. Como esse conflito surpreendeu o Império despreparado, e nosso não tinha efetivo
suficiente para responder à agressão paraguaia, na historiografia brasileira a atuação da
Guarda Nacional acaba se confundindo com a do próprio Exército.

Figura 6 - Embarque da Guarda Nacional em 1865


Fonte: pesquisado em 02/01/2018,
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/42/Embarque_da_Guarda_Nacional_em_26-
2-1865.jpeg
24

No ano de 1873 ela passou novamente por uma reestruturação, por força da Lei
2395 de 10 de setembro daquele ano, que lhe retirou suas funções de polícia, uma vez que as
Províncias já possuíam Corpos Policiais Permanentes (atuais PM). Desde então ela passou a
ser acionada somente em casos de guerra, rebelião, sedição ou insurreição, e seu treinamento
ficou restrito a uma vez por ano.
Logicamente, devido a sua constituição, essa mudança veio principalmente
porque, em alguns locais ela acabava sendo utilizada para interesses particulares e políticos; e
também porque ela de certa forma era vista como uma organização que se opunha ao Exército
e este se fortaleceu após o conflito na região do Prata e, mais ainda, após o advento da
República. A Guarda Nacional acabou sendo extinta em 1918, passando a constituir a reserva
do Exército de 2ª Linha, conforme o Decreto 12.790 de 2 de janeiro daquele ano. Parte do seu
efetivo foi absorvido pelo próprio Exército Brasileiro e os demais integrantes voltaram para
suas vidas civis, embora mantendo o título de oficial aqueles que o detinham.
Sua última aparição foi no desfile em comemoração do centenário da
Independência no ano de 1922.

Figura 7- Tropas da Guarda Nacional na Batalha de Santa Luzia em 1842.


Fonte: pesquisado em 01/01/2018, http://www.conhecaminas.com/2016/08/a-batalha-de-santa-
luzia-conheca-esse.html

4.2 AS POLÍCIAS MILITARES DOS ESTADOS

Com o objetivo de centralizar o poder, em 1760 o Secretário de Estado do Reino


de Portugal, Conde de Oeiras (futuro Marquês de Pombal), criou a Intendência Geral de
25

Polícia, uma organização administrativa com a missão de dirigir e coordenar a fiscalização


dos corregedores e ministros criminais, a prevenção e repressão da delinquência criminal e a
superintendência do controle da população móvel e de estrangeiros. Em 1780 teve suas
funções ampliadas, tornando-se um órgão complementar da Justiça Portuguesa, atuando nos
moldes da polícia francesa, com uma rede de informações e uma variedade de funções.
Oriunda do conceito iluminista de polícia, sintetizava a ordem e o bem-estar
dentro do Estado. Foi com esse conceito que começou a se desenvolver a noção de prevenção
ao crime e políticas para combatê-lo por meio do controle da população e do espaço.
Em 1801 a Intendência Geral de Polícia teve seu alcance ainda mais aumentado,
devido à criação da Guarda Real da Polícia, com inspiração na antiga Maréchassée da França,
uma tropa militar uniformizada com o objetivo de garantir a segurança e tranquilidade na
cidade de Lisboa. Tal Guarda estava, para assuntos bélicos, subordinada ao General de
Armas, e para assuntos policiais, subordinada ao Intendente de Polícia.
Devido aos bons resultados alcançados pela Guarda, em 1802 ela teve seu efetivo
aumentado, passando a fazer parte das tropas de 1ª Linha, sempre visando à manutenção do
sossego público da capital. Em 1805 passou a atuar também fora dos limites de Lisboa.
Em 1808, pouco depois de a Corte portuguesa ter chegado ao Rio de Janeiro, o
Príncipe-Regente D. João criou a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil,
com os mesmos objetivos da congênere lusitana. Vale lembrar que no início do século XIX o
conceito do vocábulo polícia estava relacionado ao aperfeiçoamento e melhoria na
civilização, na nação, no governo e administração da coisa pública.
Cabe ressaltar que com a chagada da Família Real, já existia no Brasil uma
unidade de 1ª Linha Portuguesa que exercia a função de polícia em Minas Gerais e no Rio de
Janeiro; era o Regimento Regular de Cavalaria de Minas Gerais, conhecido como Dragões de
Minas, unidade criada em 1775 com sua unidade em Vila Rica, atual Ouro Preto, com a
missão de garantir a tranquilidade e a ordem pública em todas as atividades que estavam
envolvidas na exploração do ouro e em toda a Estrada Real, que ligava as cidades mineiras a
Parati, no Rio de Janeiro. Foi nessa Unidade que serviu o Alferes Joaquim José da Silva
Xavier. Futuramente esse efetivo deu origem ao 1º Regimento de Cavalaria de Guardas do
Exército Brasileiro (Dragões da Independência) e à atual Polícia Militar do Estado de Minas
Gerais.
Para garantir a segurança e a tranquilidade pública na nova capital foi criada em
13 maio de 1809 a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, ou simplesmente Guarda Real
da Polícia, instituição militar com missão de polícia, criada aos moldes da Gendarmeria
26

Francesa e com uniforme da antecessora Guarda Real da Polícia em Lisboa; anos depois, com
a Independência do Brasil, teve o nome alterado para Imperial Guarda de Polícia.
Desde a criação, possuía um Estado-maior, três Companhias de Infantaria e uma
Companhia de Cavalaria; seu primeiro Comandante foi o Coronel José Maria Rebello de
Andrade Vasconcellos e Souza, antigo oficial da congênere lusitana. Como seu auxiliar foi
escolhido um brasileiro nato, o Major de Milícias Miguel Nunes Vidigal, que ficou muito
conhecido por sua repressão ao crime na nova capital, e por causa do livro “Memórias de Um
Sargento de Milícias” de Manuel Antônio de Almeida.
Com a Revolução Liberal em Portugal, a Família Real retornou à antiga
metrópole, ficando aqui o Príncipe D. Pedro. Com isso, assumiu o comando da instituição o
então Coronel Miguel Nunes Vidigal. Sob seu comando a organização lutaria contra as
unidades portuguesas rebeladas durante o processo de Independência do Brasil.

Figura 8- Guarda Real do Rio de Janeiro


Fonte: pesquisado em 06/02/2018,
http://opiniaoenoticia.com.br/wp-content/uploads/2016/05/guarda.jpg

Em Portugal, o liberalismo extinguiu a Intendência Geral de Polícia, alegando seu


amplo poder em controlar a sociedade lusitana, e substituiu-a por uma Guarda Nacional,
mantendo as Guardas Reais da Polícia nas cidades de Lisboa e Porto, as maiores do país.
Seguindo a filosofia do liberalismo, as organizações policiais das duas grandes cidades foram
substituídas por Guardas Municipais, também militares, com oficiais oriundos do Exército.
Com o advento da República Portuguesa, em 1910 a Guarda Municipal foi transformada em
27

Guarda Republicana, e em 1911, reestruturada, passou a ser chamada de Guarda Nacional


Republicana, nome que conserva até hoje.
No Brasil, com o início do período Regencial, a Regência extinguiu a Intendência
Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil; o Ministro da Justiça, Pe. Diogo Antônio
Feijó, que era um liberal, determinou, no mesmo ano de 1831, a criação da Guarda Nacional e
autorizou que cada Província criasse uma Guarda Municipal Permanente, por meio da lei de
10 de outubro daquele ano, substituindo os corpos de polícia existentes em algumas capitais,
como Rio de Janeiro, Belém, Recife e Salvador. Formadas por uma tropa profissional
subordinada ao Presidente da Província, essas novas unidades eram compostas por brasileiros
natos, voluntários e livres, divididos em a pé e a cavalo, com o objetivo de manter a
tranquilidade pública e auxiliar a Justiça. Posteriormente elas tiveram seu efetivo aumentado e
passaram a se chamar Corpo Policial Permanente.
Tais organizações terão um papel fundamental na consolidação do território
nacional, uma vez que participaram nas operações contra rebeliões e movimentos de sedição
contra o governo central.
Por serem profissionais, elas foram de suma importância nos combates contra as
seguintes revoluções e rebeliões:
• Balaiada (1838 – 1841);
• Cabanagem (1835 – 1840);
• Sabinada (1837 – 1838);
• Levante dos Malês (1835);
• Cabanagem (1832 – 1835), e;
• Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835 – 1845).

Com a invasão do Mato Grosso, em 1864, pelo Exército Paraguaio, os Corpos


Policiais Permanentes de cada província foram convocados para se integrarem ao esforço de
guerra brasileiro. Cada um deles iria fazer parte de um Corpo de Voluntários da Pátria
completados com voluntários civis, como por exemplo, o 7º Corpo de Voluntários da Pátria
(CVP), de São Paulo, 1º e 2º CVP, do Pará, 20º CVP, de Alagoas, o 31º e 12º CVP, do Rio de
Janeiro e o 4º CVP, do Paraná.
Durante o período da Guerra contra Solano López, de 1865 a 1870, com todas as
polícias no front, foi autorizado que as províncias formassem Corpos Policiais Provisórios e
que os municípios formassem Polícias Locais, ambas com os homens que não tinham sido
28

aproveitados no esforço de guerra. Porém, devido à falta de profissionalismo, ocorreram


abusos, e por se colocarem sob o mando de senhores locais, que visavam a favores privados,
tais organizações foram extintas.
Com o término da guerra em 1870, os Corpos de Policiais Permanentes foram
recriados com os permanentes que haviam sobrevivido e veteranos.
Desde a criação em 1831 esses corpos sempre foram procurados por escravos
livres, e muitas vezes fugidos, como meio de ascensão social. Porém, com a abolição da
escravatura em 1888, tais corpos tiveram seus efetivos aumentados, como por exemplo, o de
São Paulo, que em 1886 alistou em seu efetivo um contingente de 54 homens e no ano de
1888 alistou 1006 homens.
Com o advento da República em 1889, os Corpos Policiais Permanentes tiveram
seus efetivos aumentados e seus nomes alterados para Força Policial do Estado, com
oficialato composto por oficiais do Exército comissionados, sendo que os comandantes das
unidades podiam promover alguns Sargentos a Oficiais subalternos, Alferes e Tenente. Com a
virada do século seus nomes foram alterados para Força Pública do Estado.
No período republicano, essas instituições exerceram papel fundamental e direto
no combate a rebeliões e revoluções, como nos casos da Revolta da Armada, Revolução
Federalista e Revolta de Canudos, na qual a última expedição contou com a presença de
unidades de 17 Estados. Atuaram também como protagonistas de revoltas contra o governo
central como no caso da revolução de 1924, em São Paulo, que dará origem à Coluna Miguel
Costa-Prestes, e na Revolução Constitucionalista de 1932.

Figura 9- Tropa da Força Pública de São Paulo em 1924


Fonte: Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo
Ainda na primeira metade do século XX, as Forças Públicas começaram a criar
suas próprias Academias de Oficiais, retirando de seus quadros Oficiais comissionados do
Exército, e focando a formação de seus quadros nas Ciências Policiais.
29

No final da primeira fase da chamada “Era Vargas”, tivemos, em 1945, a


redemocratização do Brasil, com a deposição, ainda nesse ano, do ditador e com a
promulgação, no ano seguinte, da nova Carta Magna, na qual pela primeira vez o termo
“Polícia Militar” foi escrito no texto constitucional; sua missão foi fixada, no art. 183: “As
polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos
Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares,
reservas do Exército”10. Antes disso, a missão e organização das polícias Estaduais
dependiam de um decreto-lei e a partir daí as forças Estaduais começaram a se afastar da
doutrina bélica.
Com o Governo Militar de 1964, as Polícias Militares voltaram a ser utilizadas em
atividades bélicas, com o intuito de combater a guerrilha urbana e rural.
No ano de 1970 as polícias militares serão reestruturadas e padronizadas, no
tocante a sua estrutura, terão seus nomes alterados para Polícia Militar do Estado.
Em 1988 com a promulgação da atual Carta Magna, as Polícias Militares tiveram
sua missão precípua, a de Polícia, novamente inscrita no texto constitucional, firmando-se
como uma Força de Segurança Pública, conforme o art. 144, sendo o seu braço militar, e em
seu parágrafo 5º constando a atribuição que lhes cabe: “a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública”.11

Figura 10 – Formatura de Sodados da Polícia Militar do Estado de São Paulo em 2015.


Fonte: acessado em 08/02/2018,
http://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/old/12985/65019.jpg

10
(Constituição Federal , 1946) (Constituição Federal, 1891) (Constituição Federal, 1934) (Constituição Federal,
1967;1969)
11
(Constituição Federal , 1988)
30

5 CONCLUSÃO

Observamos ao longo deste trabalho a evolução histórica de instituições policiais-


militares em numerosos países e nos concentramos no caso da evolução da Segurança Pública
no próprio Brasil, onde os problemas na área de segurança e a defesa do Estado muitas vezes
se confundiam ou estavam interligados. Com a chegada do século XX e o fortalecimento das
instituições, as Polícias Militares brasileiras começaram a focar sua missão e formação na
atividade policial, distanciando-se da bélica. Com a redemocratização do país na década de
1980 e com a promulgação da Constituição de 1988, temos consolidada na Carta Magna a
vocação policial de tais instituições militares, sendo sua utilização bélica somente prevista em
caso de guerra, pois elas são consideradas, pela própria Constituição, como força auxiliar e
reserva do Exército.
O monopólio do uso da força pelo Estado pode ser considerado em duas
modalidades: no uso bélico e no uso policial.
No bélico temos o uso da força para subjugar o inimigo, se preciso for
eliminando-o. Já no policial o uso da força sempre será utilizado para defesa da vida do
próprio agente ou de outrem, uma vez que na atividade policial não existe a figura do inimigo,
mas sim do criminoso que deverá ser detido e conduzido à Justiça.
Com o desabrochar do século XXI, a Segurança Pública tem sido abordada com
preocupação por parte dos governos estaduais e federais. A atividade policial não pode ser
mais encarada como um homem fardado na esquina ou mesmo uma viatura colorida rondando
os bairros. Hoje o crime tomou proporções nunca antes vistas na história da humanidade,
chegando ao ponto de se organizar em níveis tais que afrontam e ameaçam o próprio Estado.
Para combatê-lo e rechaçá-lo faz-se necessidade de uma Polícia Militar robusta e preparada,
adestrada no estudo das ciências policiais, de modo a ser realmente um braço armado do
Poder público, apto a exercer o monopólio do uso da força para controlar todo e qualquer tipo
de crime, garantindo o Estado Democrático de Direito por meio da ordem pública.
Quando estivemos em missão de estudos em Portugal, no ano de 2015, pudemos
participar da solenidade em alusão ao aniversário da Guarda Nacional Republicana (GNR),
com a presença de autoridades de vários países. Lá ouvi do Tenente-General Manuel Mateus
Costa da Silva Couto, Comandante Geral da GNR, que, para enfrentar os desafios modernos
da Segurança Pública, a internacionalização do crime e seu poderio perante o Estado, este
dependerá de uma instituição militar policial.
31

A ideia de se colocar as Forças Armadas para combater o crime e trabalhar no


âmbito da Segurança Pública é uma medida emergencial improvisada que vem se tornando
rotineira e de uso simplesmente político, expondo instituições de defesa nacional em um
assunto que requer de seus operadores formação em Ciências Policiais.
A Historiografia Militar no Brasil, como acontece em países como França,
Espanha e Portugal, poderia e deveria abordar a evolução dessas instituições e sua
importância para o mundo civilizado com a produção de conhecimento cientifico dentro da
História Militar que abranja a atividade policial exercida por organizações militares assim
como nas demais Forças Militares.
Que, juntamente com a História Militar Terrestre, Naval e Aérea, formariam a
História Militar do Brasil, de uma forma mais estruturada e abrangendo todas as vertentes
militares e suas formas de ser e agir.

REFERÊNCIAS

Barthélemy, D. (2010). A Cavalaria - Da Germânia Antiga à França do Século XII. (N. d.


Silva, Trad.) São Paulo, São Paulo: UNICAMP.

Bíblia . (s.d.).

Campos, C. P. (1923). O Espírito Militar Paulista. São Paulo, SP: Rossetti & Rocco.

Castro, J. B. (1977). A Milícia Cidadã: A Guarda Nacional de 1831 a1850. São Paulo, SP:
Companhia Editora Nacional.

Constituição Federal . (1946).

Constituição Federal . (1988).

Constituição Federal. (1891).

Constituição Federal. (1934).

Constituição Federal. (1967;1969).

Cotta, F. A. (2006). Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG:
Crisálida.

Coutinho, S. A. (1997). Exercício do Comando - A Chefia e a Liderança Militares. Rio de


Janeiro, RJ: Biblioteca do Exército Editora.

Dantas, O. F. (s.d.). Um Estudo de Polícia Comparada: Brasil e Estados Unidos da América.


Instituto Monte Castelo.
32

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. (1789). Paris.

Flori, J. (2005). A Cavalaria, A Origem dos Nobres Guerreiros da Idade Média. (E. T.
Santos, Trad.) São Paulo, SP: Mandras.

História Em Revista, A Arte da Guerra. (1991). Time Life.

Josefo, F. (79 d.C). A Guerra dos Judeus.

Lins, I. (1958). A Idade Média, A Cavalaria e as Cruzadas (3ª ed.). Rio de Janeiro, RJ:
Livraria São José.

Macaulay, T. (1842). Lays of Ancient Rome.

Melo, C. E. (2010). Pro Brasilia. São Paulo, SP: AFAM.

Morris, I. (2015). Guerra, o horror da gurra e seu legado para a humanidade. São Paulo, SP:
Leya.

Neto, C. E. (1982). Raízes do Militarismo Paulista. São Paulo: Imprensa Oficial.

Rodrigues, J. W. (1978). Tropas Paulistas de Outrora. São Paulo, SP: Governo de Estado de
São Paulo.

Rosemberg, A. (2010). De Chumbo e Festim. São Paulo, SP: edusp.

Weber, M. (1895). O Estado Nacional e a Política Econômica.

Xenofonte. (411 a 362 a.C.). O Comandante de Cavalaria. Grécia.

Você também pode gostar