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Jardins Históricos

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METODOLOGIAS DE INTERVENÇÃO EM JARDIM HISTÓRICO

Plano de ação para o Passeio Público de Curitiba.

Elisa Luiz Bahiense, elisa.bahiense@gmail.com

1. Contexto histórico e urbano


O Passeio Público de Curitiba foi o primeiro e por quase 90 anos o único
parque público da cidade. Inaugurado em 1886 por iniciativa do então
Presidente da Província do Paraná Alfredo Taunay. Seu intuito era de tratar uma
área alagadiça aplicando conceitos embelezadores e sanitaristas. O parque
consolidado seguia os ideais dos jardins românticos europeus, e logo tornou-se
uma área de importante convívio social da Curitiba em expansão. Foi palco de
eventos marcantes, como o primeiro registro de energia elétrica e a decolagem
do balão granada. O amplo jardim urbano, localizado no centro da capital do
Paraná conta com um traçado sinuoso, bastante sombreamento promovido por
uma grande e variada vegetação, um portão aos moldes da arquitetura eclética
francesa que é considerado cartão postal, um conjunto de lagos e chamarizes,
elementos para recreação infantil e até algumas aves expostas, resquícios do
que já foi um zoológico. Mesmo com tantos elementos valorosos, inquestionável
importância patrimonial, sua importância como área verde no centro de Curitiba
e sendo um marco do progresso urbano e tecnológico da cidade, a história do
Passeio Público é marcada por períodos de declínio e ascensão, oscilando
entre ser bastante utilizado e palco para os mais diversos tipos de atividades e o
abandono e não apropriação por parte dos cidadãos. Essa oscilação pode ser
atribuída a momentos de falhas na gestão urbana, bem como a mudanças nos
valores e necessidades da sociedade contemporânea, que por vezes não se
alinham completamente com os ideais originais do projeto.
Apesar das oscilações ao longo dos anos, o Passeio Público de Curitiba
permanece como um valioso patrimônio da cidade. Sua importância histórica e
arquitetônica é indiscutível, funcionando como um refúgio verde no coração da
cidade, um ponto de encontro e lazer para pessoas de todas as idades e
classes sociais, e um testemunho tangível do desenvolvimento de Curitiba.
Através de esforços contínuos de conservação e renovação, o Passeio Público
continua a desempenhar um papel vital na comunidade, contribuindo
significativamente para a conscientização do patrimônio histórico e para a
promoção da qualidade de vida dos moradores de Curitiba.

Imagens do Passeio Público em 1905 e 1956. FONTE: Plural e Arquivo Arquitetura.


Planta baixa do Passeio Público. FONTE: Villalba (2020)

2. Elementos autênticos, espúrios e itens a serem restaurados ou


substituídos

Como método de análise dos elementos autênticos e positivos, espúrios


e elementos negativos e bens a serem restaurados ou substituídos foi utilizado
o método da visita in loco associada à teoria da deriva arquitetônica. Durante
uma tarde ensolarada de domingo foi realizada a visita ao Passeio Público de
Curitiba, considerando as percepções do ambiente e sensações espaciais
causadas pela obra em arquitetos e demais visitantes. Foi também realizada
uma breve pesquisa sobre a imagem do parque entre os habitantes da cidade
que não costumam frequentá-lo. Além disso, considerou-se as diretrizes
“Project for Public Spaces” para avaliar a qualidade do espaço público, sendo
elas divididas em: sociabilidade, usos e atividades, acessos e conexões e
conforto e imagens.

Diagrama usado para analisar a qualidade do espaço público. FONTE: Project for Public
Spaces.

Inicialmente, pode-se dizer que o parque carrega vestígios do seu


período de negligência e muitos ainda o relacionam com deterioração,
insegurança e violência urbana que predominavam em sua área central e
bastante sombreada antes da última revitalização em 2017. Hoje, esse estigma
começa a mudar, mas de qualquer forma foi surpreendente encontrar o Passeio
Público cheio de diferentes tipos realizando os as mais diversas atividades.
Pode-se observar excelentes indicativos de qualidade do espaço público como pessoas de
diferentes idades e em diferentes organizações realizando exercícios, estendendo rede, observando
os pássaros, dormindo, jogando xadrez, fazendo sorteios, brincando, tirando foto, contemplando o
ambiente, entre outros diversos usos. FONTE: A autora.

No que diz respeito à escala social e de uso do espaço, o passeio público


parece muito bem consolidado, tendo um público bastante diversificado,
inúmeras atividades sociais e uma marcante apropriação do espaço. Vale o
destaque para o parquinho, bastante cheio e vibrante, que conta com
equipamentos de recreação para crianças PCD, e para os idosos jogando
xadrez. Além disso, é comum observar pessoas posando orgulhosas ao lado
das pontes e portais, itens patrimoniais edificados.
Parquinho, mesas de xadrez e turistas na ponte. FONTE: A autora.

Além disso, o espaço é repleto de prestadores de serviços, inclusive os


pipoqueiros e trabalhadores do Passeio Público aparentam ser bastante
orgulhosos do parque e de suas profissões, fazendo parte significante do
imaginário do lugar. Os banheiros são bem sinalizados e acessíveis e o Coreto
Digital, uma intervenção um tanto quanto duvidosa, expõe divulgações de
atividades culturais da cidade.

Banheiros, carrinho de pipoca e Coreto. FONTE: A autora.

No que diz respeito a acessos e conexões com a cidade, o parque


também é bem servido, possuindo pontos de importantes linhas urbanas e da
região metropolitana nas proximidades. Além disso, existe a ciclovia que
conecta o parque à cidade contornando seu perímetro externo. Logo próximo ao
tubo do ônibus há terminais de aluguel de bicicleta.

Pontos do ônibus biarticulado, pontos de ônibus da região metropolitana na praça 19 de


Dezembro e estação de aluguel de bicicleta. FONTE: A autora.

Um ponto significativamente negativo é que o Passeio Público é


inteiramente gradeado, fazendo uma separação agressiva entre interno e
externo e acabando por deixar os ciclistas e quem passeia com cachorros do
lado de fora. Além disso, nas imediações, as edificações exibem uma variedade
de estados de conservação. Enquanto alguns edifícios de valor histórico se
destacam, outros encontram-se notavelmente deteriorados. Há reclamações
sobre o espaço destinado aos animais de estimação do lado de fora da grade,
que atrai um público noturno desordeiro, o que contribui para a sujeira da área e
aumenta a sensação de insegurança durante o período em que o parque está
fechado. A parte do parque adjacente à Rua Luiz Leão e ao Colégio Estadual do
Paraná carece de atividades atrativas, resultando em um ambiente
relativamente vazio. Além disso, os muros do colégio e o tráfego intenso, que
não é devidamente isolado, geram uma também a sensação de insegurança na
região.
Pontos de encontro de Pets em porção exterior gradeada do parque, avisos de proibição e
cachorro barrado e ciclista utilizando a ciclovia externa. FONTE: A autora.

Edifícios bem enquadrados pelas visuais do parque, edifícios em mau estado de conservação e
porção prejudicada por falta de atividade e interferência da rua. FONTE: A autora.

Algumas porções de piso encontram-se prejudicadas, o uso de pedriscos


também deixa algumas regiões do parque bastante áridas. O mobiliário urbano
é bastante simples e em alguns momentos contribui para uma imagem poluída
do parque, a exemplo dos bancos de concreto ao redor do espaço de recreação
infantil. Além disso, alguns elementos de ornamentação como barquinhos no
lago parecem deslocados. Um destaque positivo são as luminárias internas com
design único, em contraste com os postes republicanos externos às grades,
espalhados em todo o centro da cidade e promovendo o falso histórico. Apesar
das luminárias estarem em toda a extensão do passeio, há a demanda por
melhor iluminação noturna para toda a região, especialmente para garantir a
segurança de quem transita ao lado das grades.

Porções degradadas do piso, efeito árido do pedrisco, mobiliário urbano, ornamentação no


lago e luminária interna. FONTE: A autora.

O Passeio Público de Curitiba possui visuais notáveis, como o


enquadramento de seu portão e lagos. Dentro dele há breves sinalizações
sobre a história do parque e de sua importância patrimonial, além disso existem
esforços por parte da prefeitura em promover eventos que atraiam a população
e reconstruam a ligação da população com ele, a exemplo do Show das Luzes
que acontece no final do ano e da Feira de Orgânicos todo sábado de manhã. A
vegetação diversificada e exuberante do parque proporciona ampla sombra, às
vezes até em excesso, porém, contribui significativamente para criar uma
sensação de "oásis verde" no coração da cidade. Durante a visita e a pesquisa
percebeu-se que o público parece bem confortável em apropriar-se do espaço,
e que existe um grupo de pessoas que frequentam e usufruem do parque
rotineiramente, alguns até o tendo como parte de sua identidade de cidadão de
Curitiba.

Portão do passeio público inserido no contexto urbano e vegetação exuberante. FONTE: A


autora.

3. Análise e Proposta de Intervenção e Sugestão de Gestão

A análise e proposta de intervenção foi elaborada tendo como base o


Manual de Intervenção em Jardins Históricos disponibilizado pelo IPHAN bem
como as Cartas Patrimoniais, sobretudo a Carta de Florença de 1981.

Os jardins históricos podem induzir os visitantes a uma nova postura.


Quando bem cuidados, são um exemplo de respeito à natureza, ao
meio ambiente, aos seres e à obra humanos, inclusive de nossos
antepassados. Isso, inevitavelmente, gerará procedimentos de cuidado
por parte de nossos contemporâneos e descendentes, numa relação
positiva entre a cultura e a natureza, atitude materializada no caráter
das intervenções realizadas no local e no próprio estado de espírito
daqueles que ali trabalham. Como uma árvore, a sociedade, quanto
mais firme e profundamente tiver suas raízes fixadas no substrato do
passado, tanto mais forte e resistente desenvolve seu tronco no
presente, e tanto mais garantirá à sua copa, no futuro, a capacidade de
florir e frutificar sadia e abundantemente. (Manual de Intervenção em
Jardins Históricos, 1999, p.5)

Como discutido nos capítulos anteriores, o Passeio Público tem seu valor
expresso tanto por seu significado como patrimônio histórico material quanto por
ser um marco do desenvolvimento de Curitiba. Ele se destaca como um
exemplo notável de jardim urbano público no coração da cidade e pelo valor
simbólico e prático que representa na vida cívica do município. O tombamento
municipal como unidade ocorreu em 1980, garantindo que essa medida de
proteção já esteja em vigor para salvaguardar e preservar a integridade do
complexo para as futuras gerações. Sua autenticidade não se limita apenas ao
traçado original, que, embora mantenha seu caráter romântico, foi
frequentemente modificado, mas também ao resultado das transformações e
adaptações ao longo dos anos.

Pode-se afirmar que, sendo um espaço funcional protegido legalmente e


valorizado como patrimônio, os principais esforços devem ser direcionados à
manutenção e conservação preventiva. É essencial preservar a diversidade da
vegetação, a qualidade da água dos lagos e a correta manutenção dos viveiros.
Além disso, é necessário cuidar da manutenção dos elementos edificados, dos
pisos e dos mobiliários, garantindo que o complexo seja sempre acessível a
diferentes públicos. Em termos de gestão urbana, é importante recuperar a área
circundante, implementando programas que melhorem o estado das edificações
deterioradas, das ruas, das calçadas e da iluminação pública. Essas ações,
juntamente com políticas públicas mais amplas, devem mitigar o problema da
violência urbana, permitindo a remoção das grades e integrando melhor o
parque com a ciclovia e com a cidade em geral. Além disso, garantir que os
diversos usos atuais como recreação infantil, xadrez, exercício físico e
contemplação tenham as condições de continuar acontecendo.

Alguns itens a serem repensados incluem os mobiliários urbanos em


concreto e o piso em pedrisco, que poderia ser substituído por materiais menos
áridos ou melhor intercalados com grama. Também é importante considerar o
fechamento com vegetação e o aproveitamento da porção que faz divisa com a
Rua Luiz Leão, para que essa área do parque seja mais utilizada, sem
desrespeitar o conceito de valorização dos espaços vazios. A implementação
de bebedouros e a inclusão de ciclovias e espaços para pets em porções
internas do parque são outras melhorias a serem estudadas.

Além disso, é essencial remover intervenções agressivas, como a


digitalização do Coreto, e buscar formas mais adequadas de instalar esse tipo
de programa, assim como a remoção das luminárias republicanas e favor ao
design das luminárias internas.. A participação popular também é crucial para
que os frequentadores do parque se sintam envolvidos nas decisões futuras,
garantindo que o espaço atenda às necessidades e desejos da comunidade e
que essa população sinta-se parte da construção do futuro do Passeio Público.
Além disso a prefeitura deve continuar promovendo eventos que atraiam novos
públicos ao parque. Um extenso trabalho de educação patrimonial é necessário
para reconstruir o imaginário coletivo dos cidadãos curitibanos que não
passaram a frequentar o parque após os últimos esforços de recuperação e
ainda carregam estigmas do período de abandono.

Conclui-se que o Passeio Público de Curitiba, com sua rica vegetação,


história e importância cultural, representa um oásis verde no coração da cidade.
Por meio de intervenções fundamentadas nas diretrizes de intervenção em
jardins históricos apoiadas pelas cartas patrimoniais, é possível promover a
conservação e revitalização desse espaço, garantindo sua relevância e
continuidade como patrimônio histórico e melhorando a qualidade de vida dos
cidadãos de Curitiba.
FONTES

IPHAN. Manual de Intervenção em Jardins Históricos. 2ª ed. Brasília. 1999.

IPHAN. Cartas Patrimoniais, Cadernos de Documentos. 1995.

VILLALBA, Andressa de Souza. Passeio Público: ascensão, auge, declínio e


legado - proposta de requalificação urbana a um parque histórico de
Curitiba. 2020. Monografia (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Centro
Universitário Curitiba, Curitiba, 2020.

COSTA, Elaine; PERIN, Gabriel Brum. Passeio Público: o primeiro parque de


Curitiba. Turistoria, 2020. Disponível em:
https://www.turistoria.com.br/passeio-publico-o-primeiro-parque-de-curitiba.
Acesso em: 03 jun. 2024.

Plural. Passeio Público está mais vivo do que nunca. Disponível em:
https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/passeio-publico-esta-mais-vivo-do-q
ue-nunca/. Acesso em: 03 jun. 2024.

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