Analuisafridman VC
Analuisafridman VC
Analuisafridman VC
São Paulo
2013
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São Paulo
2013
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
v
Aprovado em:
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Nilva e Maurício, que imprimiram a música e a dança já logo em meu
nome, em homenagem a uma bailarina da compania de dança de Renée Gumiel, que
dançava ao som de Erik Satie.
Ao meu orientador, o Prof. Dr. Rogério Luiz Moraes Costa, por sua orientação precisa
e presente, pelas sessões inesquecíveis de improvisação – nas quais tive a sorte de
interagir com ele também como musicista – e por sempre me incentivar e me ajudar a
crescer no decorrer deste trabalho.
Aos Professores Doutores Marcos Branda Lacerda e Ivan Vilela, pelas valiosas
contribuições em minha Banca de Qualificação, sob as quais me debrucei e, mais uma
vez, aprendi.
Aos Professores Doutores integrantes da Banca de Defesa, por seu tempo dispendido
à leitura e avaliação deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Jônatas Manzolli – que tive o prazer de conhecer durante um de meus
workshops – por fornecer novas fontes de fundamentação para minha pesquisa e
contribuir com seu depoimento.
Ao músico e educador Ricardo Breim, por ceder seu Espaço Musical para minhas
experimentações.
Ao meu marido e parceiro musical Gilberto Assis, pelas inúmeras horas pacientes
dedicadas à leitura deste trabalho. Não há palavras que façam jus à minha gratidão
neste caso.
x
xi
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………..1
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………..160
BIBLIOGRAFIA…………………………………………………………………163
1
INTRODUÇÃO
Outras músicas
1
Abordaremos este assunto com mais detalhamento em nosso segundo capítulo.
2
“If we look at other developments in early-twentieth-century musical modernism, before and
concurrent with Schoenberg’s development of serialism, different aesthetic strategies become evident:
not absolute and autonomous formal negation, but various attempts to draw upon other musics, to
represent the other, to bring into the orbit of modernist music the sounds of the other.”
3
O contato específico com as outras músicas das culturas não ocidentais incitou
vários tipos de estudos e abordagens, como os estudos da Etnomusicologia e uma
série de visões sobre o contato do Ocidente com o Oriente. Um dos estudos mais
críticos a respeito desse contato foi feito por Edward Said, em sua publicação
Orientalismo (lançada em 1978), na qual o autor defende a ideia de que a “visão de
Oriente” construída no Ocidente alimenta traços de colonialismo, que acabam por
subjugar a cultura oriental à cultura ocidental, criando uma falsa representação do
Oriente.
3
Conforme formulação de Jean Molino, incluída no trabalho Semiologia da Música, este assim define
o fato musical: "Como tantos fatos sociais, a música parece carregar-se de elementos heterogêneos - e,
aos nossos olhos, não musicais -, à medida que nos afastamos no espaço e no tempo…O próprio campo
do fato musical, tal como é reconhecido e delimitado pela prática social, nunca recobre exatamente o
que entendemos por música: de fato, a música está em toda a parte mas não ocupa nunca o mesmo
lugar…o fato musical aparece sempre não apenas ligado mas estreitamente misturado com o conjunto
de fatos humanos…Não há, pois, uma música, mas músicas. Não há a música, mas um fato musical.”
(MOLINO, s.d., p.112 -114)
5
4
Este conceito do corpo como meio de cognição é conhecido por embodied mind, e será detalhado em
nosso terceiro capítulo.
6
Contextos formativos
5
“A Music curriculum centered on the praxial teaching and learning of a reasonable range of music
cultures (over a span of months and years) offers students the opportunity to achieve a central goal of
humanistic education: self-understanding through “other-understanding”.
6
Com fazeres musicais referimo-nos à práticas que envolvem processos criativos de caráter
colaborativo, atividades multidisciplinares – como intervenções artísticas que integram elementos
como música e imagem, por exemplo – e relações que envolvem o conceito de musicking, discutido em
nosso terceiro capítulo, e outros.
7
Aqui poderíamos citar uma extensa lista: compositores europeus como Claude Debussy, Béla Bartók
Maurice Ravel (1875-1937), Edgar Varèse (1883-1965) e Olivier Messiaen (1908-1992), compositores
americanos como Henry Cowell (1897-1965), John Cage (1912-1992) e Steve Reich, músicos de jazz
como o saxofonista John Coltrane (1926-1967) e o pianista David Brubeck, músicos de improvisação
livre como o guitarrista Derek Bailey (1930-2005) e o saxofonista John Zorn, e outros músicos que
direta ou indiretamente se valeram desta influência, como o compositor Heitor Villa Lobos (1887-
1959) e músicos ligados à outros gêneros, como Frank Zappa (1940-1993), Brian Eno, Hermeto
Pascoal e outros.
8
Observando que esta prática existe na música do ocidente, como nos gêneros de jazz, blues e choro e
vem crescendo em práticas como a improvisação livre ou mesmo na retomada da improvisação de
estilo clássico, como veremos em nosso terceiro capítulo.
9
Notando que não estamos aqui nos referindo a contextos formativos relacionados à área de
7
Etnomusicologia, mas sim a contextos multiculturais que promovem a interação de fazeres musicais
diversos em propostas híbridas de formação, sendo estas voltadas especificamente para o aspecto
musical, como mencionamos anteriormente.
8
Paulo Salles, Maurice Martenot, John Paynter, Violeta Gainza, e outros. Talvez então
sejam as crianças as mais bem sucedidas no processo de excursionar pelo universo
musical quando nos referimos às possibilidades criadas pela inserção de materiais de
outras músicas em contextos formativos.
10
“Exploring the complexities of cultural diversity in music education often raises more questions than
it answers. But the questions get better; and in fields such as this, good questions may be preferable to
poor answers.”
10
Revisão Bibliográfica
CAPÍTULO 1
11
“If there were to be a new release in music, it would come not from the west but from the east”
14
12
“In short, stimulated in part by antagonism toward Germany, in part by an interest in neglected
indigenous traditions, and in part by concurrent literary and painterly movements, French musicians
began to cultivate a very different sort of modernism from the Germans, and a very different musical
technique for embodying it.”
16
certamente foi uma fonte de materiais para que uma das vertentes em direção à
estética da sonoridade fosse instaurada.
Ainda sobre nosso objeto de estudo envolvendo outras músicas e outras
sonoridades, é importante estabelecer que, neste nosso primeiro capítulo, quando
falamos da música não ocidental, referimo-nos a toda música fora do contexto da
música europeia que, desde o século XIX, configurava uma hegemonia de percurso da
música erudita, com predominância germânica13. Fora dessa hegemonia, a partir do
início do século XX, especialmente na França, houve um contato dos compositores
com outras músicas, tendo estas vindo tanto por intermédio de compositores que
migraram da Europa oriental para o ocidente (como Béla Bartók [1881-1945], da
Hungria e Igor Stravinsky [1882-1971], da Rússia), quanto pelo contato com culturas
ancestrais, como as da Índia, África e Indonésia. Esse contato foi possível tanto pelo
advento do fonógrafo, em que compositores como Bela Bartók saíram em pesquisa de
campo, utilizando o aparato para registros de música folclórica da Europa oriental, da
Índia e da África, quanto em iniciativas como a Exposição Universal de Paris, em
1889, além de acervos e coletâneas da música não ocidental que começaram a se
propagar a partir dessa iniciativa, período que também marca o início dos estudos da
Etnomusicologia. Sobre os estudos que fomentam esta área, ao nos reportarmos à
música não ocidental, é comum associá-la a contextos unicamente vinculados à
música folclórica de caráter oral e popular. Sem excluirmos essa possibilidade,
observamos que a música não ocidental também abarca sistemas elaborados, ponto
sobre o qual Lacerda tece o seguinte comentário:
13
Voltaremos a comentar sobre o termo música não ocidental em nosso segundo capítulo.
14
O autor está mencionando autores que tiveram influências étnicas em sua obra, como Bartók,
Debussy, Stravinsky, Stockhausen (1928-2007), Scelsi (1905-1988) e Koellreuter (1915-2005).
17
15
“As yet, however, no composer had made a serious study of eastern music, nor done much more than
apply oriental features to Works of western form and style. Things begin to change in the thirties, when
the music of the east started to become more widely and thoroughly known through recordings and the
reports of music ethnologists.”
16
Segundo Debussy, em carta à Andre Caplet, Urlicht era “ música primitiva com todas as
conveniências da modernidade” (tradução nossa), (LESURE; NICHOLS, 1987, p.270), sendo que este
tipo de releitura de músicas folclóricas é também conhecido por neoprimitivismo.
18
17
Glinka foi precursor do movimento que buscava criar uma música nacionalista a partir de elementos
do folclore russo. Deste movimento formou-se o grupo dos cinco, formado pelos compositores russos
Mily Balakirev (1837-1910), Aleksandr Borodin (1833-1887), César Cui (1835-1918), Modest
Mussorgsky (1839-1881) e Nikolai Rimsky-Korsakov, que influenciou a próxima geração de
compositores russos como Prokofiev (1891-1953), Stravinsky e Shostakovich (1906-1975).
19
18
“Bartok’s reference to the “mother tongue” is significant, precisely since he recognizes that urban
composers like himself do not learn the idiom of peasant music from their mothers but must master it
through deliberate application, as an adult learns a foreign language.”
19
Instrumento bastante popular no Japão, composto de uma caixa de ressonância com diversas cordas,
semelhante a uma grande cítara.
20
O detalhamento sobre a construção destes modos pode ser encontrado em Technique de mon langage
musical (MESSIAEN, 1966).
20
21
“The question then arises as to how, if at all, this knowledge of non-Western music influences a
composer. The least interesting form of influence, to my mind, is that of imitating sound of some non-
Western music. [...] Alternatively, one can create a music with own’s sound that is constructed in the
light of one’s knowledge of non-Western structures.”
21
22
Aqui combinamos as definições de Béla Bartók (BARTÓK apud SUCHOFF, 1976, p.354) e Vincent
Persichetti (PERSICHETTI, 1985, p. 257). A utilização de eventos simultâneos e sucessivos na
polimodalidade e os termos poliescalar e policonfigurativo são termos adaptados em definições que
julgamos necessárias para este trabalho.
22
23
Neste item combinamos as definições de David Locke (LOCKE, 1982, p.123) e Stefan Kostka
(KOSTKA, 2006, p.117), também com adaptações específicas para este trabalho.
24
A defasagem rítmica é um procedimento que consiste em um cânone gradual feito a partir de duas ou
mais camadas onde uma estrutura rítmica permanece estática e outra mantém o mesmo padrão rítmico,
mas afasta-se para depois reencontrar a voz que fica fixa (no cânone as camadas nunca se encontram).
23
1.2.1.Procedimentos melódico-harmônicos
25
“Heterophony is a term variously applied to different musical phenomena, but perhaps most often it
is encountered in descriptions of non-Western instrumental music, where it means the simultaneous
variants of a given melody, often ornamented and improvised on by two or more players. We will use
the term here somewhat more freely to cover the general complexity and rapid colouristic changes of
Debussy’s textures, as well as his tendency to blur the melodic line, but at the time to strengthen it with
added ornamentation in mixed timbres”.
24
É importante notar que Syrinx traz, assim como em outras peças de Debussy,
elementos remanescentes da harmonia tonal, que o autor também combina de forma
única. Sendo esta uma peça para flauta solo, muitas vezes ouvimos alusões ao trítono
e arpejos dominantes que servem como polarização ao material escalar apresentado
em seguida, como este trecho que precede a configuração escalar da figura 1.5 :
Fig.1.11- Prélude à l’aprés midi d’un faune, Fig.1.12- Prélude à l’aprés midi d’un faune,
melodia e harmonia resultante mesma melodia sob outra harmonia
Fig.1.14- Prélude à l’aprés midi d’un faune, configuração modal com função harmônica dominante
28
Comparando as duas peças, vemos que Syrinx apresenta uma variedade maior
de configurações escalares expandidas, ou seja, com notas que apresentam variações
sob estruturas modais, tonais e cromáticas. Em contrapartida, por ser uma peça
orquestral, a gama de “cores e nuances” do Prélude à l’aprés-midi d’un faune fica não
só por conta da variação e combinação única que Claude Debussy faz das
configurações escalares, mas também por conta da resultante de uma configuração
escalar em relação à novos contextos harmônicos.
Pensando na ideia da expansão de materiais da música não ocidental nas obras
de Debussy, ao compararmos as duas peças, podemos dizer que o Prélude à l’aprés-
midi d’un faune apresenta a ornamentação e o colorido que remetem a uma
sonoridade orientalista também em sua linha horizontal. Desta forma, podemos
perceber as mudanças harmônicas sob uma mesma linha melódica como uma maneira
de estabelecer uma trama com pequenas variações de nuances entre as linhas
horizontal e vertical. Neste procedimento, cada nuance ou colorido imprime uma
sonoridade na qual uma parte permanece fixa (a linha melódica) e a outra flutuante (a
linha harmônica). Tal procedimento traz uma sonoridade mais estática em relação à
encontrada nas progressões harmônicas da música tradicional europeia, sendo que
este aspecto mais estático pode ser associado a um caráter hipnótico ou
contemplativo, obtido por pequenas variações sob um elemento fixo. Este
procedimento também pode ser encontrada na música não ocidental, como no raga
indiano e na música javanesa, predominantemente pela variação de uma linha
melódica sob uma harmonia fixa. No caso de Debussy, podemos dizer portanto que o
compositor encontra em Prélude à l’aprés-midi d’un faune, uma maneira particular de
reproduzir este caráter26.
26
Lembrando aqui que não estamos reduzindo os movimentos harmônicos da peça à esta única relação,
pois, como menciona Guigue sobre a harmonia de Debussy, “seria extremamente redutor contentar-se
com o termo colorista para definir a função da harmonia na sua música [...] suas estruturas funcionais
conseguem nunca satisfazer as expectativas inerentes ao sistema ao qual, no entanto, ele se refere
constantemente” (2012, p.97)
29
27
Este modo pode ser obtido através da configuração escalar extraída a partir do 5ºgrau da escala
menor harmônica.
30
Como próximo exemplo, utilizamos a peça intitulada From the Island of Bali,
extraída do vol. 4 da coleção Mikrokosmos, em que Bartók utiliza uma configuração
escalar chamada pélog, originária do gamelão javanês em Bali. A escala pélog
original possui apenas uma afinação (podendo variar um pouco de região para região),
mas Bartók utiliza esta configuração mudando seu centro ao longo da peça, utilizando
os centros amostrados a seguir:
28
Sob este mesmo tipo de pensamento, Bartók se baseava em relações matemáticas como a Proporção
33
1.2.2.Procedimentos rítmicos
Áurea, estudada desde os primeiros filósofos gregos; e pela Série de Fibonacci, elaborada pelo italiano
Leonardo de Pisa (1175-1250), que traduziam as proporções do “belo”. Bartók utilizou estas relações
como instrumento composicional para buscar equilíbrio e simetria em suas obras, especialmente em
seu aspecto formal (MOLINA, 2004, p.86).
29
“Particularly fascinating and innovative (hence influential) was the way in which Stravinsky
contrived to have his two rhythmic/metric types – the “passive” ostinato and the active shifting stress –
coexist within a single texture [...] Neither element is in syncopation with respect of the other, for
neither possesses what could be called the defining or dominant rhythm against which the other could
be constructed as syncopated, They merely go in an out of phase with one another, fixity and
mutability coexisting in concurrent, independent strata.”
30
“Whatever is variable gets variable to the hilt!”
34
31
“The underlying process in all of Reich’s earlier music is the simultaneous repetition in two or more
voices of a pattern with self-regulating changes. Normally this consists of a melodic/rhythm pattern,
which at any given moment appears fixed or static but full of energy. Through various techniques a
process of gradual change is established, which the ear soon recognizes as the work itself in progress.
The unfolding of this process constitutes the work’s fulfillment.”
38
Abaixo o único motivo rítmico sob a qual a peça Drumming foi construída:
Embora não haja relação direta entre os dois ritmos, há princípios inerentes ao
ritmo Gahu e outros ritmos africanos e à construção da peça Drumming a partir do
motivo rítmico que mostramos, descritos nos tópicos a seguir:
32
Itens elaborados a partir do artigo African Polyrhythmics and Steve Reich’s Drumming (MOMENI,
2001).
39
xxx
CAPÍTULO 2
• Tradição: Schippers menciona que a tradição pode ser tratada tanto de forma
mais estática quanto de forma mais dinâmica, especialmente em se tratando de
tradições musicais. O autor cita o exemplo do termo “música clássica”,
emprestado do classicismo grego, no qual “clássico” está ligado a uma
expressão que traduz um padrão estético de beleza, de natureza estática e
imutável, e, portanto, traduz uma tradição musical de caráter semelhante. Em
outros fazeres musicais ligados às tradições musicais, como o maqam árabe e
o raga indiano, apesar de representarem tradições milenares profundamente
enraizadas, estes possuem uma natureza mais fluida, como veremos adiante
neste mesmo capítulo. A princípio, Schippers considera tradição tudo que foi
criado pelo homem e pode ser passado de uma geração para outra,
independente da forma como isto é feito. Nessa interpretação, a tradição pode
ser abordada de uma forma mais dinâmica e pode se adaptar à novos
contextos.
44
• Contexto: conjunto que insere uma atividade dentro de sua cultura e seu
território de origem. O termo pode se referir também a ambientes criados
especificamente para um determinado aprendizado, como o contexto
acadêmico de formação em música.
• Recontextualização: uma atividade realizada fora de seu território original,
trazida para outros ambientes por motivos diversos (como o estudo de uma
determinada prática musical fora de seu território de origem em um contexto
acadêmico).
• Multicultural: termo referente à existência de várias culturas ao mesmo
tempo, mas não necessariamente em relações de interação. Uma realidade
multicultural na música é aquela em que constatamos a existência de vários
fazeres musicais provindos de culturas diversas.
• Transcultural: Troca e intercâmbio de informações em um aspecto
profundo. Em música, as relações transculturais implicam em estudos e
práticas envolvendo diferentes procedimentos musicais sem nenhum aspecto
hierárquico, nas quais todas as manifestações musicais são tratadas com igual
importância para se discutir a música como um todo.
• Hibridismo: está relacionado a um “terceiro espaço” formado pelas relações
transculturais, no qual cria-se algo novo. Em música, os ambientes híbridos
podem ser criados a partir de uma profunda interação entre fazeres musicais
de culturas, gêneros e procedimentos diversos.
33
Em relação ao termo, Schippers cita a dificuldade de tratar a diversidade cultural em termos como
world music, música indiana, música africana, música oriental e música não ocidental. O autor
menciona por exemplo que, quando falamos de música indiana, estamos em geral referindo-nos à
música tradicional do norte da Índia, enquanto existe a música mais ligada à religião feita no sul e a
música popular dos filmes que hoje figuram no circuito chamado de Bollywood music. Quando nos
referimos à música africana, alguns estudiosos podem desaprovar o termo, considerando as diferentes
regiões da África e suas peculiaridades musicais, como a música do Marrocos, da Gâmbia e da
Tanzânia. O termo música oriental é mais aplicado para referências à música da Arábia e da Ásia,
também relacionadas à uma qualidade exótica, carregada de um certo olhar de estranhamento, como se
a música do Ocidente fosse normal e a do Oriente fosse diferente. Sobre o termo música não ocidental,
Schippers cita um colega indiano que chamou a música de Mozart de “não indiana”, chamando a
atenção para os diferentes pontos de vista que estes termos podem suscitar. Referindo-se ao termo
world music, o autor observa que este termo determina em geral a música de uma outra região ou
cultura que não aquele da qual se faz parte, ou seja, na África, a música que se faz na França é
considerada world music e vice-versa. O autor menciona ainda a utilização do termo world musics,
45
35
“I assumed that gradual progression from simple to complex, supported by technical exercises,
notated music, and regular individual lessons, was the way people learned music across the world. [...]
Working with highly proficient musicians with very different stories challenged those preconceptions
profoundly and took me on a conceptual journey that stimulated, confused, educated, and inspired new
insights into the nature of learning and teaching music.”
47
36
Espécie de flauta utilizada na música tradicional do Japão.
48
37
O California Institute of the Arts, mais conhecida por Calarts, possui um extenso programa em
música indiana, percussão africana e gamelão javanês. O Instituto, que oferece cursos de graduação e
pós-graduação, é também um exemplo de ambiente multicultural, oferecendo estudos em música
contemporânea, jazz e world music. Voltaremos a mencionar esta instituição em nosso próximo
capítulo.
38
Espécie de agogô utilizado na música africana das regiões de Gana, Togo e Benin.
39
Esta ideia da unidade sonora nos remete às observações de nossa introdução (p.4), quando
mencionamos as ideias sobre a música, ela mesma (BRITO, 2004) e do fato musical (MOLINO, s.d).
49
Comparando estas duas abordagens, podemos dizer que são raros os formatos
de aprendizado musical puramente holísticos ou atomísticos, e mais comuns os
formatos que possuem diferentes gradações destas abordagens. Citando o exemplo da
notação musical, esta costuma ser mais utilizada nos formatos de aprendizado mais
atomísticos, como na música tradicional europeia. Em culturas como a africana, com
aprendizado musical de caráter mais holístico, o aprendizado é baseado na tradição
oral. Entretanto, no Japão, aonde a música é frequentemente ensinada sob um caráter
40
Termos cunhados na educação desde o século passado, principalmente a partir das ideias do alemão
J. Pestalozzi, que introduziu uma abordagem de educação baseada em princípios atomísticos.
41
“An atomistic/analytical approach corresponds more closely to an emphasis on mono-directional
didactic teaching of a “single truth”, while a holistic approach leaves more room for learners to
construct their own musical knowing, leading to a more individual approach, even if the body of
knowledge (the canon or tradition) is quite close defined.”
50
42
“When I say that music cannot exist without the perception of order in the realm of sound, I am not
arguing that some kind of theory of music must precede musical composition and performance. [...] I
am suggesting that a perception of sonic order, whether it be innate or learned, or both, must be in the
mind before it emerges as music.”
43
Nesse trecho estamos nos referindo à tratados e referências teóricas utilizadas na música não
ocidental, como os tratados que mencionamos da música árabe e os estudos da música indiana. Estes
estudos envolvem procedimentos musicais e parâmetros melódicos e rítmicos, como referências de
solfejo como o Solkatu e o Bol indianos, descritos mais adiante neste capítulo.
44
“Venda music is founded not on melody, but on a rhythmical stirring of the whole body of which
singing is but an extension. Therefore, when we seem to hear a rest between two drumbeats, we must
realize that for the player it is not a rest: each drumbeat is the part of a total body movement in which
the hand or a stick strikes the drum skin.”
52
45
Observando que podemos hoje encontrar a performance musical ligada à corporalidade e à dança em
regiões do Brasil, América Latina e Estados Unidos, por conta das influência trazidas pela cultura
africana, pelas culturas indígenas e pelas tradições trazidas pelos imigrantes. Ainda assim, esse tipo de
abordagem não se encontra com frequência em contextos de formação musical adulta no ocidente,
considerando grande parte de seus contextos formativos em Música estão pautados na tradição
europeia, que não prevê tal abordagem.
54
Vejamos abaixo uma tabela comparativa para resumir ideias que consideramos
importantes sobre a performance e seu aprendizado na música ocidental e não
ocidental, a partir dos relatos de Schippers e Blacking:
Fig.2.1- Tabela comparativa sobre aspectos gerais da música ocidental e não ocidental
46
“The challenges posed by music traveling through time, place, and different contexts are on their
way to being addressed for what they are: fascinating studies in the dynamics of life of music, culture,
and education.”
47
Tendo em mente que, apesar da observação de Nettl, o estudo da improvisação vem ganhando
espaço em trabalhos como os de Nettl, Campbell, Bailey, Berliner, Berkowitz e Costa, embora ainda
56
Embora nosso objetivo não seja encontrar uma definição exata para a prática
da improvisação, queremos reunir alguns pontos que reforcem sua importância e que
contribuam para repensar sua abordagem. Pensando nesse aspecto, observamos que,
em grande parte da performance na música não ocidental, a improvisação é
considerada como um ápice na performance, sendo que a habilidade de improvisar é
tida como o estágio máximo que um músico pode atingir.
Em estudo sobre a performance musical a partir de tratados musicais
elaborados por antigos49 teóricos persas e árabes, Stephen Blum cita a passagem do
teórico árabe Al-Farãbi em seu tratado Kitãb al-musiqi al-kabir sobre os três estágios
pelos quais o músico passa até atingir sua maturidade (adaptação nossa):
autor cita uma prática da Pérsia50 conhecida como javãb-e avãz, na qual o
instrumentista improvisa uma resposta após cada frase do cantor.
• Estágio 3: Nesse último estágio o músico domina a habilidade da imaginação,
o que lhe permite total autonomia criativa e fortalece suas interações sociais.
Neste terceiro nível o músico é capaz de desenvolver coerentemente tudo que
sua imaginação possa conceber.
(FARÃBI apud BLUM In: RUSSEL, NETTL, 1998, p.33)
50
A antiga Pérsia é atualmente o Irã.
51
Rogério Luiz Moraes Costa, em sua tese O Músico enquanto meio e os territórios da livre
improvisação, cita o desejo como grande propulsor da improvisação livre. Para Costa o “engajamento
efetivo e afetivo” possibilita a ação do performer, que deve estar imerso no desejo (COSTA, 2003,
p.83). Em nosso trabalho estendemos este conceito para a prática da improvisação como um todo.
52
A música do sul da Índia (música Carnática) e a música do norte (música Hindustani) tem
características bem distintas. A música do sul é mais estática, ligada a uma tradição milenar e mais
utilizada em contextos religiosos. A música do norte, embora também ligada à tradição, vem de uma
região de intensa invasão e migração, incluindo a colonização alemã e inglesa. Entre os reflexos destas
diferenças, observa-se que a prática da improvisação musical, embora exista nas duas regiões, é mais
encontrada na música Hindustani.
58
uma determinada organização melódica. Mas, como explica o músico Nazir Ali
Jairazbhoy, nascido na Índia e atual professor do departamento de Etnomusicologia
da UCLA, em Los Angeles, o raga vai além do conceito de escala e de organização
melódica, em noções que não encontram equivalência na música ocidental:
53
“The term rãg has no counterpart in Western musical theory. The concept of rãg is based on the idea
that certain characteristic patterns of notes evoque a heightened state of emotion. These patterns of
notes are a fusion of scalar and melodic elements, as well as, its characteristic melodic figures in which
certain intervals are emphasized and attention is focused in particular notes.”
59
54
“When we start a performance of the raga we start very slowly. We play what is called alapa. And
the purpose of alapa is to explore the melodic possibilities within that raga, which has nothing to do
with rhythm or style. And the first thing we do is to establish the keynote. [...] This can be done with a
drone or just by playing a phrase up the keynote. And you take out one note and concentrate on that
one note. And in this way you work your way up to the scale. The whole thing is then repeated on the
basis of a rhythm created, in this case on the sitar [...] And you pick out each note of this scale as you
go up to the scale and your phrases are created and improvised around each particular note, and this is
why it takes such a long time, perhaps, to play a good performance.”
55
“Where the drums come in, and this is where improvisation perhaps begin to get a little less, is where
one has a fixed composition-one can either make up a composition or you can play a traditional tune
from your style of music; one which your teacher is famous for, perhaps. And this tune may have a
certain length of time, and there is an emphasized point in that tune which corresponds to the
emphasized point in the time cycle. [...] While I repeat this tune over and over I’m maintaining this
time cycle, which leaves the tabla player free to improvise and he will come back and end his
60
improvisations at the same point of emphasis...Then he maintains the cycle and I am free to improvise,
and we alternate, tending to play much faster phrases, which might seem a contradiction, to its slower
atmosphere. But that’s Indian music. Full of contradiction, I am afraid.”
56
Tal ideia pode nos remeter ao significado do termo molecular para Deleuze (1997), também citado
por Costa (2003), ou ainda, expressa na ideia da escuta reduzida proposta por Schaeffer (1994): o som
puro, ainda desvinculado de algum contexto.
61
lenta e gradual do raga , o percurso que se inicia lentamente e sempre chega a um tipo
de ápice está presente nos dois exemplos que mencionamos. Este tipo de
procedimento pode ser encontrado em diversos contextos de performance e
improvisação da música não ocidental. Com essa última observação queremos
ressaltar a qualidade de envolvimento gradual na performance e na improvisação,
com a ideia de tempo maleável. Em nossos exemplos o performer tem seu próprio
tempo para explorar o som e chegar ao seu ápice, em um processo que tanto pode
envolver uma performance ou improvisação em um grande grupo – como acontece
em Venda – ou envolver formações instrumentais menores.
Podemos ainda observar que a performance do raga acontece de forma
semelhante à performance na música ocidental, ou seja, dentro de um local específico
para uma apresentação, sendo que o performer/improvisador é reconhecido como um
artista de qualidades únicas. Atentando para essa proximidade com o conceito
ocidental de performance, a ideia do tempo flexível e não pré-determinado modifica
não apenas a atuação do performer/improvisador, mas também modifica o ouvinte
que participa desse evento. Assim, a relação com o tempo trazida pelo raga indiano
pode acrescentar elementos a um contexto atualmente conhecido por musicking57,
pensando a música de forma mais global e ampla como material de estudo.
Contribuindo um pouco mais para pensar nas relações entre o improvisador e
seu ouvinte, citamos o exemplo do tarab, um dos gêneros encontrados na música
tradicional árabe. A palavra tarab pode referir-se tanto ao gênero da música
tradicional árabe quanto a uma sensação geral relacionada ao êxtase, que é a
característica marcante desse tipo de manifestação musical. No tarab o ouvinte é
considerado como um participante ativo e primordial para alcançar esse êxtase58 junto
ao performer. Nos moldes da música tradicional europeia, é comum pensar o ouvinte
que vai a um concerto, por exemplo, relacionando a escuta ao seu aspecto cerebral, ou
seja, o ouvinte pode ter conhecimentos teóricos sobre o gênero musical que está
escutando. Isso estabelece a diferença entre o estágio inicial de apenas ouvir sem
conhecimentos prévios e o escutar relacionado aos conhecimentos sobre o que se
ouve. No gênero tarab não existe essa distinção, sendo que a palavra sama, que define
57
Segundo Christopher Small, musicking é um conceito para se entender e estudar a música em um
contexto amplo e significa “fazer parte de uma performance musical, seja tocando, ouvindo, ensaiando,
compondo ou dançando”. (1998)
58
Na música árabe, o êxtase atingido especificamente pelo performer é denominado de saltanah.
62
59
Nesse trecho é interessante citar a contraposição da ideia de escuta em sua totalidade – incutida na
palavra sama – com os estágios de escuta propostos por Pierre Schaeffer, em seu Traité des objets
musicaux (1966), descritos como: ouvir, escutar, entender e compreender. A comparação ressalta mais
uma vez o aspecto holístico da música não ocidental e o atomístico da música ocidental, embora chame
a atenção para a importância de ambos os aspectos para se pensar a escuta musical, a nosso ver/ouvir.
60
“In effect, the full shape of a tarab, performance depends on three interrelated factors: first, an
emotionally meaninful stock of compositional devices shared by participants in the tarab process;
second, the skill of the tarab artist who possesses “soul” and may be able to render his performance in
an appropriate ecstatic state; and third, the listener’s musical disposition and sensitivity communicated
through direct emotional-musical input.”
63
formas de se pensar sobre esta prática) assim como a performance que envolve a
prática da improvisação possa ter uma ambiência gerada pelas interações entre
performer e ouvinte. Consequentemente, tanto o performer quanto o ouvinte podem se
preparar para uma performance.
Como exemplos da recontextualização de tais interações, citamos os
formatos de conferência/recital, praticados em congressos de música e apresentações
que incluem uma sessão de diálogo entre performer e público após a performance.
Podemos citar também apresentações que envolvem a participação dos
ouvintes durante a performance no modo de se dispor no espaço, como apresentações
em que o ouvinte pode caminhar livremente pelo espaço durante a performance, ou
também interagir sonoramente, como no gênero tarab.
Vemos a seguir um pequeno resumo das principais características da
improvisação na música não ocidental, notando que algumas destas características
podem ser encontradas em gêneros da música ocidental nos quais a prática da
improvisação também é utilizada:
improvisação musical nas culturas não ocidentais. Nesse sentido, não temos a
intenção de abarcar todas as manifestações musicais registradas pelos estudos da
Etnomusicologia, mas sim de elencar conceitos e materiais relevantes para nossa
proposta. Lembramos também que os materiais amostrados adiante estão isolados de
seu contexto social e cultural, por ser de nosso interesse observá-los em sua essência
musical. Os materiais da música não ocidental que vamos amostrar aqui, costumam
ser encontrados nos seguintes formatos de improvisação61:
61
Observando que tais formatos também são encontrados em gêneros da música ocidental como na
música barroca, no jazz, no blues e na improvisação livre (esta última em aspectos diretamente
relacionados à exploração do som em sua essência, como no estágio inicial do raga indiano, que
citamos anteriormente).
62
Os termos utilizados aqui são adaptações dos termos utilizados no estudo feito por Ali Jihad Racy,
em seu texto sobre a improvisação na música árabe. (RACY In: RUSSEL, NETTL, 1998)
65
Configurações escalares
63
Utilizado no oeste da África, o balafon é uma espécie de xilofone que possui formato curvo,
amarrações em couro e cordas, utilizando cabaças como ressonadores. É tocado com duas baquetas.
64
Mais utilizado na Síria e no Líbano, o buzuq é um tipo de alaúde similar ao bandolim.
65
Podemos expandir essa ideia tímbrica pensando em alguns aspectos explorados pela música
contemporânea, como o piano preparado, a exploração dos sons multifônicos em instrumentos de
sopro, a incorporação do ruído, os processamentos sonoros e a criação de instrumentos híbridos, entre
outros.
66
Os thãts são escalas base para a execução de cada raga, mas outras notas podem ser utilizadas
durante a performance, fato que, mais uma vez, reforça a maleabilidade da música indiana. Os thãts são
escalas de 7 notas, e, diferentemente do raga, não tem nenhuma “qualidade emocional”
(JARAZBHOY, 2011, p.46).
67
Devemos aqui mencionar que alguns thãts correspondem aos modos gregos, e outros podem ser
considerados como modos híbridos, ou seja, o modo com uma ou duas notas diferenciais. Paulo Tiné,
em sua tese Procedimentos Modais na Música Brasileira, faz uma correspondência dos modos com as
escalas do raga indiano e cita o aspecto híbrido encontrado em sua organização escalar (TINÉ, 2008,
p.41).
68
Junto com a escala pélog, amostrada em nosso primeiro capítulo, estas são as duas configurações
utilizadas no gamelão javanês.
67
Fig.2.8- Escalas de sete notas (thãts) utilizados como base melódica no raga
(JAIRAZBHOY, 2011, p.46)
Procedimentos rítmicos
ou métrica, por exemplo, mas podemos pensar em como reorganizar alguns destes
procedimentos em contextos híbridos, como faremos adiante. Para ilustrar esta nossa
primeira consideração, podemos citar o exemplo do raga indiano, na qual o tempo,
além de maleável, tem um caráter circular, representada pelo ciclo da tala:
Pensando ainda sobre o uso da métrica na tala indiana, Clayton observa que,
por um lado, a métrica construída pela utilização de compassos serve como
localizador (quando apontamos algum evento em um determinado compasso), o que
acontece também na música ocidental. Por outro lado, na tala indiana, a organização
métrica também envolve a ideia de recorrência de padrões rítmicos, sendo que a
música parece estar voltando sempre ao mesmo lugar no tempo, mas de uma forma
cíclica, evolutiva (CLAYTON, 2008, p.19)
Completando a ideia de organização métrica, citamos também os padrões
rítmicos da música africana, que nem sempre se baseiam em compassos, sendo muitas
vezes construídos a partir de uma unidade rítmica formada por relações de
periodicidade. Tais relações são frequentemente construídas através da polirritmia, a
partir de uma cadeia de padrões interligados, organizados a partir de um pulso
primário. Simha Arom, em seus estudos sobre a polirritmia encontrada na região
central da África, adota a expressão isoperiodicidade no lugar de compassos, ao se
referir à organização métrica africana. Para Arom, a ideia de compassos implica em
uma organização formada por tempos fortes, fracos e acentuações, conceitos que não
se aplicam à música africana (2004, p.211). Ainda sobre as relações de
isoperiodicidade na música africana, Lacerda cita as tramas complexas que partem
desta relação utilizando-se também do recurso de offbeat timing, no qual, segundo o
autor, “cria-se um plano métrico não coincidente com o plano métrico
hierarquicamente definido como básico” (2005).
69
“[...] in a tala, beat 1 represents both the end of the cycle and the beginning of the next; indeed, the
principles of the tala cycle contrasts sharply with the rhythmic principles of most Western music which
generally ends on the last beat. The tala tends to provide a degree of perpetual motion characteristic of
cycles.”
69
70
O ciclo de 16 tempos é bastante utilizado e é chamado de Tintal.
71
Os tempos no raga indiano são chamados de mãtras.
70
Sobre a citação acima, vimos que muitos compositores que fazem parte da
tradição europeia foram influenciados pelo contato com procedimentos rítmicos da
música não ocidental e recontextualizaram de forma particular estes procedimentos
em seus trabalhos. Ainda assim, tais procedimentos, incluindo parâmetros rítmicos
assimétricos, não são tão comuns na música tradicional encontrada no ocidente,
principalmente quando pensamos em contextos formativos direcionados para o
músico adulto74. Pensando na assimetria rítmica, nossa consideração nesse trecho é
observar que, sob o ponto de vista da música tradicional ocidental, considerando os
contextos formativos que trabalham com esse repertório ou com a música popular
72
“The difference is that in Indian music (as, incidentally, in much West and Central Asian, and
Balkan music) one of the principal pulse levels which contributes to a sense of metre may be, in
Western terms, irregular [...] at which some pulses appear to be longer than others. [...] This kind of
metrical construction may be related to one or more of a number of other phenomena in particular, the
use of apparently related metres in the Balkans and the Middle East as dance rhythms, where long beats
correlate to heavy dance steps; and the distinction between long and short syllables in the prosody of
some languages.”
73
“It may be, therefore, that the use of “unequal” beats as an integral part of metric structure is actually
rather widespread, being found in India and several other regions of Asia, much of Africa, and Eastern
Europe (and, perhaps, rather unusually absent from most tonal music in the European tradition).”
74
Observando que na música contemporânea este tipo de procedimento é amplamente utilizado.
71
ocidental, muitos dos procedimentos rítmicos da música não ocidental podem ser
considerados assimétricos e irregulares. Entretanto, a assimetria nos casos que
citamos, é consequência natural de uma determinada organização rítmica, em prol de
uma fluência musical. Em outras palavras, estamos dizendo que a assimetria e as
métricas complexas baseadas na polirritmia podem ser tratadas de maneira orgânica,
não artificial. Tal abordagem pode contribuir para trazer, da mesma forma orgânica, o
conceito de assimetria e o estudo de parâmetros rítmicos complexos para o
aprendizado musical, pensando em um contexto global de formação.
Feitas estas considerações, vamos amostrar alguns procedimentos rítmicos
encontrados na música não ocidental. Vamos concentrar nossos exemplos na música
indiana e africana, mas lembramos que há mais materiais que podem ser explorados
na música de culturas que não se baseiam na tradição europeia.
Tihai
75
O processo mnemônico é aquele que se utiliza de associações imagéticas ou sonoras como suporte
para a memorização. Em nosso caso, estamos citando o processo que associa sílabas com padrões
rítmicos.
76
Observando que o Solkatu se refere apenas às sílabas isoladamente, e o Konokol considera as sílabas
utilizadas dentro de um contexto de concerto musical ou performance. (NELSON, 2008, p.3)
73
Citado por John Blacking em seus estudos sobre a música da tribo de Venda,
esse procedimento consiste em construir uma estrutura rítmica a partir de um sistema
de pulsações resultante da interação entre dois ou mais performers (no caso,
instrumentistas de percussão). Vejamos os dois exemplos abaixo, lembrando que
utilizamos aqui a noção não ocidental de pulsação (também é considerada pulsação
aquela construída por pulsos longos e curtos), especialmente no segundo exemplo:
Polirritmias e cross-rhythm
77
“We believe that taiko for us is not just the drum: but it’s the connection between the drum and the
player. So at a certain point if we concentrate too much on technicality and we lose that feeling or that
spirit behind the playing then it becomes just the drum. They become separated. The player is just
using the drum rather than creating the relationship with it.”
77
78
Embora o texto de Costa esteja mais voltado para a prática da improvisação livre, aqui estendemos
suas considerações para a improvisação como um todo.
78
um músico que está parado ou de um músico que não toca pensando nessa
associação. A emissão sonora na performance pode portanto decorrer de estímulos
provindos do movimento, aspecto este que exploraremos mais adiante.
xxx
CAPÍTULO 3
79
“Human culture is not something to be merely transmitted, perpetuated or preserved but is constantly
being re-interpreted. As a vital element of the cultural process, music is, in the best sense of the term,
re-creational: helping us and our cultures to become renewed, transformed.”
80
Você diz “Eu” e fica orgulhoso dessa palavra. Mas melhor do que
isso – embora você não acredite – é seu corpo e sua grande
inteligência, que não diz “Eu”, mas interpreta o “Eu”. 80
(NIETZSCHE, 1961, p.62)
80
You say “I” and you are proud of this word. But greater than this – although you will not believe in it
– is your body and its great intelligence, which does not say “I” but performs “I”.
81
“The affordances of the environment are what it offers the animal, what it provides or furnishes,
either for good or ill”
82
“Gibson proposed that in any interaction between an agent and the environment, inherent conditions
or qualities of the environment allow the agent to perform certain actions with the environment”
82
A questão da divisão mencionada por Dewey também nos faz pensar nos
aspectos holístico e atomístico discutidos no capítulo anterior. Ao sugerir um
processo de cognição através de uma mente corporificada não podemos deixar de
associar esta ideia com um todo cognitivo de caráter holístico. Retomando nossas
considerações acerca destes aspectos, podemos considerar as iniciativas e os estudos
que estamos citando neste trecho como mais uma forma de propor um novo equilíbrio
entre as abordagens de enfoque holístico e atomístico. Nesse sentido, o corpo como
meio ativo para a cognição associado à ideia da embodied mind vem se ampliando em
trabalhos de diversos estudiosos, ganhando espaço também em contextos formativos.
Citando ainda os estudos da neurociência, o conceito de embodiment ou
corporificação foi recentemente tratado em estudos de Francisco Varela (1946-2001),
83
“The very problem of mind and body suggests division: I do not know of anything so disastrously
affected by the habit of division as this particularly theme. [...] The evils, which we suffer in education,
in religion, in the materialism of business and the aloofness of “intellectuals” from life, in the whole
separation of knowledge and practice – all testify to the necessity of seeing mind-body as an integral
whole.”
83
George Lakoff (1941- ), Robert Turner (1946- ) e Steven Johnson (1968- ), entre
outros, sendo definido como a integração entre corpo físico ou biológico com o corpo
fenomenológico ou experiencial, sugerindo uma junção entre corpo e mente, numa
rede que integra o pensar, o ser e o interagir com o mundo ao seu redor (VARELA,
THOMPSON e ROSCH, 2001, p. xviii).
Fechando nossas observações sobre diferentes enfoques em uma perspectiva
que considera o corpo como agente ativo no processo cognitivo, citamos ainda o
termo cognição situada apresentado em meados de 1987-88 pela pesquisadora e
antropóloga Jean Lave e Suchman. A ideia da cognição situada abrange os conceitos
de affordances e embodied mind discutidos anteriormente, sendo que “a cognição
situada surge para apresentar um olhar que coloca a aprendizagem e formação do
conhecimento como atividades dinâmicas, que estão em constantes reavaliações para
possibilitar ao indivíduo uma vivência adaptativa” (Schneider, 2011). Sobre a
cognição situada relacionada aos nossos estudos, destacamos a ideia de hibridismo
exposta desde nossa introdução. Pensando nos ambientes híbridos e multiculturais que
podem ser criados a partir de diálogos e interações com materiais de outras músicas,
podemos também associar esses ambientes à ideia de cognição situada. Desta forma,
a recontextualização de materiais de outras músicas pode gerar outros ambientes de
aprendizado, outras affordances e outras corporificações ou mesmo ressignificações
destes materiais em ambientes de aprendizado e performance musical. Pensando então
nesses conceitos em relação às novas concepções de cognição e no papel do corpo
como meio ativo nesse processo, passamos a estudar a ideia da corporalidade aplicada
especificamente ao conhecimento relacionado a aspectos rítmicos e à performance
musical.
84
“Probably the most conspicuous and oft-cited evidence of linkage between music and body comes
from music’s temporal or procedural character, a character that manifests itself in things like pulse,
tempo, rhythm: a cluster of phenomena often described as movement or time-feel [...] The theories of
Dalcroze have long stressed the importance of bodily experience to musical perception and aptitude,
and movement is a major consideration in many if not most pedagogical approaches to rhythm.”
85
“In the past, much indigenous learning took place through bodily transmission and cultural
immersion. [...] Drumming was taught by a master drummer physically demonstrating or even
“working” the apprentice’s hands so as to inculcate the right tension-release, energy input and timing.
This embodied sense is eventually internalized and becomes a form of mindful body.”
85
86
“When the mind-body dichotomy is overcome and we utilize a thinking body, a whole realm of
teaching-learning possibilities opens up to us. [...] In schools, however, the proprioceptive sense is
seldom fully utilized as a medium of learning. The reason why this important spatial sense remains
undervalued and underutilized in education is a mystery.”
87
“Embodied understanding is always the view from somewhere, and therefore always partial; yet it
remains profoundly ours”
88
Apesar da composição (quando pensada individualmente) também ser uma manifestação relacionada
a uma expressão única de cada músico, em nosso trabalho, não estamos considerando esta atividade
como diretamente relacionada ao conceito de embodied mind. Observamos, entretanto, que a
composição sob contextos híbridos e as gradações existentes no percurso da improvisação à
composição podem eventualmente ser relacionadas a este conceito.
86
89
“It was Emile-Jacques Dalcroze who first realized that musical rhythm depends absolutely on motor
consciousness for its fuller expression. His researches led him to evolve a system of rhythm movement
designed to develop mastery of musical rhythm. This system of music education uses the body as the
interpreter of musical rhythm and is known the world over by eurhythmics”
90
Este tipo de pensamento sugere que a arte seja fortemente atrelada à expressão de sentimentos e
defende a criação de métodos racionais e definitivos (FONTERRADA, 2008).
91
O principal centro de estudos no método Dalcroze é o Institut Jacques-Dalcroze em Genebra, Suíça,
sendo que há vários cursos de especialização oferecidos nos Estados Unidos, Europa, Reino Unido e
Austrália. O brasileiro naturalizado na Suíça Iramar Rodrigues – formado pelo instituto de Genebra,
aonde trabalha há mais de 30 anos – costuma vir anualmente ao Brasil para dar cursos sobre esta
metodologia.
87
92
Lembrando que Dalcroze direcionou sua metodologia para músicos com formação prévia.
88
93
Para Laban, estes artistas eram os que mais se valiam do movimento quando estavam no palco.
89
movimentos percussivos em geral. Menos comum, a nosso ver, seria pensar na ideia
de deslocamento no espaço, na exploração de planos e direções, na consciência do uso
de diferentes articulações do corpo e na exploração de qualidades de movimento
como o deslizar, torcer, pular e girar, por exemplo.
Nas propostas de Laban, vários aspectos como os descritos acima são tratados
com o objetivo do profundo domínio do movimento, pensando em trazer a máxima
consciência do movimento para o artista. Essa consciência vem através de um longo
processo de estudo, que consiste na observação de movimentos cotidianos, na
exploração do movimento espontâneo e numa série de propostas que fortalecem a
transposição do movimento para o palco. Nessa última ação, segundo Laban, o artista
com profundo domínio de seu movimento pode proporcionar um maior envolvimento
do espectador durante uma performance. Sendo assim, “o poder de fazer com que as
pessoas acreditem em coisas quase que inefáveis reside inteiramente na capacidade
bem cultivada do artista para o movimento” (LABAN apud ULLMANN, 1978,
p.233).
Em relação às propostas de Laban diretamente ligadas à integração
corpo/ritmo, citamos abaixo um exercício que associa pulsações formadas pela
combinação de valores rítmicos mais longos e mais curtos – denominados pelo autor
como tempo-ritmo – com a movimentação no espaço. Laban utiliza esses pequenos
padrões rítmicos inspirado em padrões das danças gregas, que, segundo estudos do
autor, eram formadas por determinadas combinações de pulsos mais longos e mais
curtos94. Cada uma dessas danças representava um tipo de emoção ou caraterística
humana – como graciosidade, solenidade ou excitação – e era utilizada para diferentes
ocasiões. Tais danças costumavam também ser combinadas com configurações
escalares que originaram as configurações modais que conhecemos no ocidente. Vale
então lembrar a semelhança desse tipo de formação de pulsação com os exemplos que
vimos da música africana no capítulo anterior. Também lembramos dos vários ragas
indianos associadas a determinados estados emocionais, assim como nas danças
gregas citadas por Laban.
94
No livro Domínio do Movimento, Laban menciona os ritmos fundamentais das danças gregas
formados pela variação de agrupamentos de duas a seis unidades rítmicas longas e curtas, como
troqueu, anapesto, dáctilo e jâmbico. (LABAN apud ULLMANN, 1978, p.198-199).
90
a. Compare os desenhos dos passos que você criou uns com os outros e
acentue as ações corporais características de cada um.
b. Produza variações de cada desenho de passo introduzindo gestos de pernas
sem alterar o ritmo original.
c. Invente sequências de gestos de braços em cada ritmo, com o uso claro das
diversas articulações (ombro, cotovelo, punho e dedos), tanto simultânea
quanto sucessivamente.
d. Observe mudanças de direções e planos em relação a cada ritmo e produza
variações fazendo trocas de cada um pelo seu oposto, ou seja, o ir à frente é
substituído pelo ir para trás; para cima é trocado para baixo, etc.
(LABAN apud ULLMANN, 1978, p. 74)
95
Neste trecho Laban refere-se a passos que marcam direções como frente, trás, diagonal, lateral, ou
desenhos como círculos, triângulos e quadrados, sendo que o autor vai propondo outros movimentos
complementares para acentuar o ritmo proposto ao longo do exercício.
96
Sobre a difusão da metodologia de Laban no Brasil, esta foi trazida pela primeira vez pela bailarina e
educadora Maria Duschenes, formando bailarinos como Denilto Gomes (1954-1994), Juliana Carneiro
91
da Cunha, Lala Deheinzelin, Patrícia Noronha e J.C. Violla, que trouxeram importantes contribuições
na dança. Destacamos também os estudos recentes sobre Laban elaborados pela bailarina e
pesquisadora Lenira Rengel, também ex-aluna de Duschenes, além de reflexos das concepções de
Laban em outras áreas de artes.
97
“If MUSIC consists in a variety of music cultures, then MUSIC is inherently multicultural. And if
MUSIC is inherently multicultural, then music education ought to be multicultural in essence.”
92
98
“Teachers, musicians and, until recently, western musicologists, have tended to subscribe to cultural
labeling, perhaps too easily believing certain idioms to be intrinsically inferior, or possibly
undeveloped”
99
“Accomplished musicians should step outside of a well-developed idiom, leaving the relative
security of hard-won special skills and finely tuned sensitivity”
93
100
“Improvisation does not seem to be a key issue in the instruction of Indian classical musicians, yet
most musicians seem to be able to deal with the challenges it poses. If, however, the background of the
musician is different, as in the case of non-indians learning Indian music, he or she might need
different training. These concepts are emerging more than ever in the light of dynamics of music
transmission and learning where more than one cultural influence plays a role. This can be trough
Western classical music traveling to other continents, but perhaps the most interesting cases for
studying this phenomenon can be found when world music enters conservatories and schools of music,
as this fully exposes the meeting and confrontation among various approaches to music making and
learning.”
94
Programas de Performance
• Música e Dança Africana (mestrado)
• Música e Dança Javanesa e Balinesa (mestrado)
• Baixo e Guitarra (bacharelado e mestrado)
• Harpa (bacharelado e mestrado)
• Música do Norte da Índia (mestrado)
• Percussão (bacharelado e mestrado)
101
A Music curriculum centered on the praxial teaching and learning of a reasonable range of music
cultures (over a span of months and years) offers students the opportunity to achieve a central goal of
humanistic education: self-understanding through “other-understanding”.
102
Foi realizado curso de mestrado em composição e performance nessa instituição nos anos de 1999-
2000.
103
O trecho a seguir é de adaptação nossa. As informações sobre os programas da CalArts e seu
detalhamento em sua versão original encontram-se em: http://calarts.edu/academics/programs-and-
degrees
95
Programas Específicos
• World Music (bacharelado)
• World Music/percussão (mestrado)
• Composição e performance (bacharelado, mestrado e doutorado), com
especialização em Música e Improvisação A fro-americana (mestrado)
• Composição (bacharelado e mestrado), com especialização em Práticas
Sonoras Experimentais (mestrado)
• Estudos jazzísticos (bacharelado e mestrado)
• Música e Tecnologia (bacharelado)
• Artes Musicais (bacharelado)
Para termos uma ideia do tipo de abordagem dos cursos da CalA rts, vejamos
algumas especificações sobre o programa de Composição e Performance:
104
“The Performer-Composer Program does not prescribe any particular style or direction or point of
emphasis. Instead, it provides highly individualized courses of study – comprehensive training regimens
in cutting-edge composition and performance that are custom-tailored to the creative interests of each
96
student and assessed continuously by the faculty. Studies may include mastering original systems of
improvisation, special methods for notation, unique performance techniques and new music
technologies. Students in this program give recitals and other performances centered on original music.
In addition to solo performances, they often organize ensembles, sometimes with faculty participation,
that are dedicated to exploring emerging musical languages. In keeping with the value CalArts places
on interdisciplinary art, the Performer-Composer Program also strongly supports students who wish to
explore – and link their work with – disciplines beyond music.”
97
105
De acordo com a definição de Higgins e Campbell, o facilitador não é apenas o professor de música,
mas também o músico-terapeuta ou demais músicos envolvidos em projetos comunitários, que tenham
por objetivo promover uma interação social através da música (2010,p.6).
106
Before I found rhythm as my path, I attempted to learn music by studying the piano, but something
seemed to inhibit the flow of my fingers and the music seldom sounded right to me. Later on, when I
began learning different styles of drumming, my experience was quite different, and the study of
several types of drums at once revealed a whole new quality of learning [...] I started to play and
memorize rhythms with my body so that all then had to do was transpose them to the drums. My piano
playing also changed when I discovered that my technical problems had been simply a lack of rhythmic
body consciousness.”
99
Não queremos aqui estabelecer respostas exatas para tais perguntas, por
acreditarmos que o questionamento proposto é muito mais interessante em si, e que
uma única resposta não seria suficientemente satisfatória107. O que podemos observar
sobre estas perguntas é que, se considerarmos os diferentes embodiments envolvidos
em um curso como este, ou seja, considerando que cada participante pode incorporar
os aspectos rítmicos propostos à sua maneira, podemos talvez obter diferentes
respostas para as perguntas que colocamos. Dessa forma, apesar de termos observado
que as pessoas com conhecimento prévio tinham mais facilidade em compreender e
realizar o que era proposto, não podemos deixar de notar que a movimentação
corporal tornava a realização dos parâmetros rítmicos mais acessível, mesmo para os
participantes leigos. Por outro lado, observamos que músicos que não tem uma
relação tão próxima com o movimento em si, mesmo conscientes musicalmente dos
parâmetros rítmicos propostos, podem ter dificuldades para transpor aspectos rítmicos
para movimentos corporais.
Em relação ao curso TaKeTiNa, uma de suas propostas é justamente que
pessoas sem conhecimento prévio possam realizar parâmetros rítmicos complexos,
mesmo sem sua total consciência. Nas propostas que formularemos ao final de nosso
trabalho, por se tratar de um material para músicos em formação, nosso foco está
direcionado para pessoas com conhecimentos prévios. De qualquer forma, julgamos a
proposta do curso TaKeTiNa um exemplo que contribui de forma relevante para se
pensar em iniciativas transculturais em contextos formativos relacionados à
performance e à cognição em contextos híbridos.
107
Lembrando aqui da consideração de Schippers citada em nossa introdução, atentando para o fato de
que “explorar as complexidades da diversidade cultural no ensino de música, muitas vezes levanta mais
perguntas do que respostas” (2010), sendo que as perguntas tendem a se aprimorar e a gerar discussões
relevantes.
101
108
Observando que a improvisação também tem igual importância em diversos contextos e gêneros da
música ocidental, como no jazz, no blues, no choro brasileiro e em trabalhos ligados à música
contemporânea.
109
“The ultimate aim of a musical education may be to give balance to “our music” and “their music”,
to the old and the new music, to what’s notated and what is not, to traditions and their potential to
change. Improvisation within a musical education, whether it is learning to improvise or improvise to
learn, may be central to making an expressive musician.”
102
110
“As improvisation is present in some degree in almost all music activities it would seem that the
ability to improvise might be a basic part of every player’s musicianship.”
111
Acessível no endereço eletrônico: http://www.freeimprovisation.com
103
A única conclusão que podemos tirar de tudo isso é que você tem
que encontrar sua própria voz, sentindo até quais extremos você
pode ir e ainda assim se sentir confortável fazendo isso. Você deve
tocar buscando a si mesmo, encontrando a si mesmo [...] isso é o
que grandes improvisadores fazem. [...] Também podemos pensar
nas pessoas de formações diversas. Tenho ensembles onde você
sempre encontra pessoas de diferentes países, formações
diferentes e você sempre se depara com essa questão de como
você está lidando com sua própria formação e origem. Mesmo
quando há somente americanos, eles podem ser afro-americanos,
judeus americanos [...] considerando portanto os diferentes
backgrounds nós nos perguntamos: como lidar com isso em sua
própria música?112
(DIJKSTRA In:http://blip.tv/improvlive365/episode-180-extreme-
corners-6229114, 28-06-2012)
112
“The only conclusion you can draw from all that is that you have to find your own voice and see
what extreme corners you can go into and still feel confortable doing it. Play like yourself, find
yourself […] that is what great improvisers do [...] Also about people from different backgrounds. I
have ensembles where you always have people from different countries, different backgrounds and you
constantly have this questions of how are you dealing with your own backgrounds. Even if there are
Americans, there are African Americans, Jewish Americans [...] they have different backgrounds and
we ask: how do you deal with that in your own music?”
104
xxx
CAPÍTULO 4
114
“To a large extent, what we hear, learn and teach is the product of what we believe about music.”
108
4.1.1.Elaboração
A proposta Inside the sound não tem por objetivo estudar especificamente as
sonoridades construídas no estilo jazzístico, mas a ideia da busca de uma sonoridade
116
“On the one hand there were all the academic players, the hard-boppers, the ‘blue-note’ people, the
‘prestige’ people, and they were doing stuff which had slight progressive in it. But when Ornette hit the
scene that was the end of the theories. I remember at that time he said, very carefully, “Well, you just
have a certain amount of space and you put what you want in it”.”
111
4.1.2.Atividades propostas
Improvisação no Blues
117
Além de nos reportarmos novamente à ideia do fato musical e da música, ela mesma – expostas em
nossa introdução – podemos relacionar a ideia de uma essência sonora à ideia de objeto sonoro e de
escuta reduzida propostos por Pierre Schaeffer em seu Tratado dos objetos sonoros (1994), que tratam
a escuta e o som livres de seus significados e de seus contextos.
112
118
Os standards eram, em sua maioria, músicas compostas por músicos do show business americano,
como Cole Porter, Rodgers and Hart, Gershwin etc., que os jazzistas interpretavam e utilizavam como
base para improvisar.
113
119
“At the same time, the combined operations from interpretation to improvisation have the potential
to carry musicians more than halfway to creating a new song within the framework of another melody.
Such situations underscore the extent to which pieces serve jazz musicians not simply as ends in
themselves but as vehicles for invention.”
114
Improvisação livre
120
“Freely improvised music [...] suffers from the confused identity which its resistance to labeling
indicates. It is a logical situation: freely improvised is an activity which encompasses too many
different kinds of players, too many different attitudes to music, too many different concepts of what
improvisation is, even, for it all to be subsumed under one name [...] The lack of precision over its
naming is, if anything, increased when we come the thing itself. Diversity is its most consistent
characteristic. It has no stylistic or idiomatic commitment. It has no prescribed idiomatic sound. The
characteristics of freely improvised music are established only by the sonic-musical identity of the
persons playing it.”
118
121
Aqui mais uma vez nos reportamos à ideia de Costa – citada no nosso segundo capítulo – na qual “o
engajamento efetivo e afetivo” possibilita a ação do performer, que deve estar imerso no desejo (2003,
p.83).
120
Objetivos
Nosso objetivo nessa aula foi o de fornecer elementos para que os alunos
pudessem improvisar nessa combinação métrica, utilizando uma única configuração
escalar (a mesma escala blues ilustrada no artigo Inside the sound, agora em Dó) com
a ajuda de alguns padrões rítmicos descritos nas etapas a seguir.
121
Etapa 1
Etapa 2
Etapa 3
Etapa 4
Fig.4.9- Padrão rítmico para improvisação vocal coletiva sob a base do “blues assimétrico”
Etapa 5
122
Lembrando então das ideias detalhadas em nosso capítulo anterior sobre as relações da
corporalidade com os processos cognitivos.
123
Em nosso trabalho, o termo parâmetro rítmico designa um conjunto de materiais rítmicos que,
quando associados, estabelecem uma organização ou uma estrutura rítmica. O termo padrão rítmico
designa um único material que pode ser trabalhado isoladamente, como um ostinato, por exemplo.
125
124
“The Leadership Programme primarily provides a foundation for fundamental skills in creative
collaboration, flexible performance and also communication/leadership skills. This includes a focus on
improvisation; voice; body and percussion skills; exploration of non-European and folk-based
approaches to arts practice; introduction to cross-arts collaboration; group composition; creative and
repertoire-linked projects; performance and workshop-leading for different contexts. Building on this
experience, students will devise, direct and perform their own material in a variety of ensemble and
community settings. Students are then given the opportunity to work on Inter-Disciplinary and Inter-
Cultural Collaborations with artists and practitioners from a range of disciplines and backgrounds,
culminating in performances of newly created work.”
126
• Liderança de Workshops
• Composição em grupo
• Trabalhos de criação colaborativa
• Improvisação
• Habilidades vocais e percussivas
Módulo 3- Improvisação
• Como partir de exercícios de aquecimento para processos colaborativos de
criação
• Técnicas de percussão
• Técnica vocal
• Construindo ostinatos e linhas melódicas
127
A experiência do curso CPD foi vivenciada pela autora pela primeira vez em
125
2001 e uma segunda vez em janeiro de 2012, em intercâmbio de vinte dias como
parte de sua pesquisa de doutorado. Nessa última experiência, além do módulo do
curso CPD, foram realizadas outras atividades que descrevemos e comentamos em
seguida.
O módulo realizado no curso CPD teve como seu foco principal a discussão
sobre pontos de partida para processos criativos e o desenvolvimento das habilidades
de liderança para trabalhos em grupo. Neste módulo, os participantes foram
solicitados diversas vezes para liderar e organizar um processo criativo a partir de
uma ideia dada. Como exemplo, podemos citar a seguinte proposta:
O grupo foi dividido em três partes, numa disposição em círculo. Para cada
parte foi ensinada um pequeno ostinato vocal, para realizarmos simultaneamente nas
três vozes propostas. A tarefa que nos foi proposta a seguir foi que voluntários (um
por vez) se posicionassem no meio do círculo e sugerissem uma mudança em uma
destas vozes, conduzindo esta mudança até que obtivéssemos um novo resultado
sonoro em conjunto. Esta mudança podia ser melódica, rítmica ou uma combinação
de ambas. Cada voluntário então se posicionava no meio do círculo e realizava sua
mudança, sendo que, ao final desta atividade, o grupo chegou a um resultado sonoro
125
O curso CPD, oferecido na Guildhall School of Music and Drama com duração de oito meses na
época, foi realizado sob a vigência da Bolsa Virtuose em Composição, concedida pelo Ministério da
Cultura no ano de 2001.
128
A professora Perry então pediu para que o grupo discorresse sobre o que
gostaria que a peça representasse, que imagem cada um via a partir da frase que havia
escolhido. A imagem geral desse grupo era de pessoas observando o movimento de
uma grande cidade, do distanciamento, de uma certa melancolia que o tema trazia.
Dinah Perry pediu então para que os demais alunos que assistiam ao processo
de criação desse grupo incorporassem uma personagem, pensando em pessoas que
andam pela cidade. Depois, a professora Perry pediu que, enquanto o grupo realizasse
a peça, as outras pessoas interferissem e interagissem sonoramente utilizando as
personagens como inspiração, movimentando-se entre os instrumentistas. Depois
dessa aula, os integrantes desse grupo repensaram a peça e trabalharam
separadamente até o momento de apresentação final desse processo, um evento que
reuniu composições de todos os alunos do mestrado em Leadership. No dia da
apresentação a plateia foi convidada a andar no palco e assistir a apresentação em
movimento, interagindo sonoramente se assim o desejasse. As cantoras realizaram a
primeira parte da peça em cima de cadeiras e, na improvisação instrumental que se
seguia, os dois instrumentistas de sopro andavam também ao redor do palco, junto
com os ouvintes/participantes da plateia, e convidavam todos para se sentarem
livremente no palco até a improvisação terminar. Ao final, o som e o movimento
foram cessando aos poucos, até que todos – músicos e plateia – sentissem o final da
peça como um todo. Observamos que a plateia envolveu-se totalmente com a
performance desse grupo, sendo que houve uma sensação geral de que todos estavam
participando da peça colaborativamente, interferindo em sua sonoridade final.
Tanto neste processo que acabamos de descrever, quanto nos outros
131
na Guildhall School trouxe também novos desafios para que elaborássemos uma
proposta original e inédita, considerando que os alunos dessa instituição já estavam
bastante familiarizados com diversos formatos de processos criativos. Sob este
aspecto, veremos que nossa proposta contém materiais e procedimentos que trazem
uma abordagem diferenciada para a prática da improvisação, especialmente pelo
enfoque que demos à corporalidade aplicada a esta prática e pela ludicidade trazida
pela utilização do espaço.
xxx
CAPÍTULO 5
129
“As a term, workshop is associated with experimentation, creativity, and group (vs. individual)
work-concepts that are critical to the development of musical skills and understanding in ways that are
137
both personally and socially gratifying. The term was hijacked by education half-century ago, and we
are reclaiming and putting it to use for what is originally intended: working out the pieces of a musical
expression. And coming up (through experimentation with musical sounds) with a solution that
satisfies the collective group.”
138
WORKSHOP 1
No workshop 1, nosso foco central foi fornecer materiais para improvisar sob
um parâmetro rítmico composto por uma combinação métrica formada por
3/4+3/4+4/4. Inicialmente trabalhamos a proposta com exercícios que envolveram o
movimento e a coordenação motora, para depois trabalharmos o mesmo parâmetro a
partir da releitura e transformação de uma canção africana.
Etapas
1.Preparação corpo/ritmo
Nesta última etapa sugerimos que a mesma improvisação que realizamos com
a melodia Kalêle fosse realizada com instrumentos musicais. Aqui a melodia
funcionava como um pequeno ostinato, sendo que, dependendo dos instrumentistas
envolvidos, acrescentamos elementos harmônicos de acordo com a sugestão dos
participantes. Propusemos também a utilização de configurações escalares fora do
padrão tonal – como escalas hexafônicas, escalas pentatônicas e configurações modais
– para a realização da improvisação. A improvisação nesta etapa também foi
construída a partir de compassos assimétricos, dando continuidade ao trabalho de
preparação realizado nos primeiros exercícios. Esta improvisação foi realizada
individualmente e em grupo. Quando proposta individualmente, o grupo tocava a
melodia/ostinato e cada músico improvisava de acordo com uma ordem previamente
142
WORKSHOP 2
Etapas
pedimos que o exercício fosse realizado com deslocamento livre, sendo que os passos
continuavam marcando a pulsação. Em seguida, pedimos aos participantes que
interagissem entre si e marcassem essa acentuação (com um som e dois sons da
segunda vez) com movimentos em dupla, mudando de dupla à medida que se moviam
pela sala.
círculo e em seguida pedimos para que a parte dos pés fosse feita com deslocamento
livre pela sala. Quando a estrutura rítmica foi internalizada, propusemos a
improvisação vocal, percussiva ou pelo movimento no espaço sob o trecho em que
antes realizamos o padrão rítmico. Como não estabelecemos nenhuma configuração
escalar para a improvisação, nesse momento o material utilizado na voz era livre,
incluindo melodias, frases faladas, frases percussivas e demais possibilidades, como
podemos observar em 1:40 min. do vídeo W orkshop 2.
dele. Depois de repetirmos a estrutura completa até sua internalização, pedimos que o
espaço antes utilizado para a configuração escalar fosse utilizado para a improvisação
vocal em grupo, sempre voltando para os vocábulos ao final de cada ciclo. Para os
participantes que tiveram mais dificuldade em improvisar sob a estrutura proposta,
sugerimos que variassem as notas da configuração escalar, mantendo o padrão rítmico
da segunda parte (compassos 3-4, 7-8, 11-12 da fig.5.8), até que se sentissem
confortáveis para realizar mais variações em sua improvisação.
5.Improvisação no instrumento
WORKSHOP 3
Neste workshop nosso foco específico foi fornecer materiais para trabalhar a
improvisação a partir de dois parâmetros que ocorriam simultaneamente, o que vamos
chamar aqui de improvisação sob combinações métricas simultâneas, que também
podem ser consideradas como um tipo de cross-rhythm 131 . Nesse workshop
trabalhamos com agrupamentos ternários e quaternários para criar duas métricas: uma
em 15/4 (4+4+4+3) e outra em 10/4 (3+3+4). Para que as duas métricas pudessem
ocorrer simultaneamente, tendo um ponto de encontro no começo de um de seus
ciclos, precisamos de dois compassos da primeira combinação ocorrendo com três
compassos da segunda combinação métrica, perfazendo um total de 30/4 no ciclo
completo. Como material escalar para a improvisação, elaboramos dois pequenos
131
Aqui estamos utilizando o termo cross-rhythm a partir do estudo feito por David Locke sobre o
ritmo Gahu da tribo Ewe na música africana (LOCKE, 1998, p.34 e 35)
147
ostinatos em modo mixolídio (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Sib), utilizando as duas
métricas e sugerimos também o modo mixolídio com 4# (Dó, Ré, Mi, Fá#, Sol, Lá,
Sib) e a configuração pentatônica com 6m (Dó, Ré, Mi, Sol, Láb 132 ) para a
improvisação instrumental.
Etapas
132
Esta configuração escalar foi criada a partir de uma espécie de variação maior da escala pentatônica
javanesa chamado de pélog.
148
Aqui criamos dois ostinatos que ocorriam simultaneamente nas duas métricas
que trabalhamos no exercício anterior. Primeiro, todo o grupo realizava o primeiro
ostinato com a voz. Quando o ostinato fosse internalizado, sugerimos que todo o
grupo fizesse duas sequências do ostinato (dois compassos de 15/4) e duas sequências
de improvisação vocal, podendo utilizar elementos percussivos e configurações
escalares sugeridas. Repetimos o mesmo procedimento com o segundo ostinato,
sendo que dessa vez o grupo realizava três sequências do ostinato (três compassos de
10/4) e três sequências de improvisação em grupo. Ao final deste exercício dividimos
novamente o grupo e realizamos os dois ostinatos com as respectivas improvisações
simultaneamente. Observamos aqui que o início da parte fixa e da parte improvisada
dos dois ostinatos sempre coincidem.
4.Improvisação no instrumento
WORKSHOP 4
Este workshop foi elaborado a partir das últimas experiências realizadas com
os alunos da Guildhall School. O foco central desse workshop foi expandir ao
máximo a ideia da utilização do movimento no espaço aliado à propostas de
improvisação. Neste workshop utilizamos combinações rítmicas ternárias e
assimétricas, sendo que, mesmo as propostas de improvisação no instrumento foram
também associadas ao movimento, como veremos a seguir.
Etapas
sua execução com a improvisação vocal (cantando uma vez o trecho e improvisando
no mesmo número de compassos do tema, sendo oito compassos para o tema e oito
compassos para a improvisação). Para a improvisação vocal foi sugerido o modo lídio
em Dó (Dó, Ré, Mi, Fá#, Sol, La, Si) , além de intervenções vocais de caráter
percussivo, sendo que todo o exercício foi realizado em movimento ao redor da sala.
133
Extraímos um trecho da composição intitulada Tempoqueleva, do álbum Notas de um sem tempo,
com gravação financiada pela Secretaria de Cultura de São Paulo, pelo Edital ProAC, em 2009. A
performance desta composição é encontrada em: http://www.youtube.com/watch?v=npkVAPzcNOw
153
Nesta última etapa, sugerimos o mesmo tema do exercício anterior como base
para a improvisação instrumental. Depois de tocarmos várias vezes o trecho – sendo
que os instrumentistas podiam escolher entre fazer a melodia ou o acompanhamento –
os participantes foram trazendo pouco a pouco contribuições melódicas e harmônicas
para realizarmos o exercício proposto. Em seguida, propusemos a improvisação em
duplas, com a seguinte disposição espacial: o grupo se dispôs em um grande círculo,
de modo que cada dupla que fosse improvisar se posicionava voluntariamente no
centro do círculo no momento da improvisação, saindo deste centro para dar lugar à
próxima dupla, sendo que esta improvisação não tinha um tempo estipulado. No final
desta etapa, os participantes começaram espontaneamente também a mover o círculo
em sentido horário, sendo que a dinâmica da improvisação com o movimento foi
ficando cada vez mais fluente, transição esta que podemos observar a partir dos 8:30
min. do vídeo W orkshop 4.
no estudo da improvisação como um todo, podemos dizer que nossa proposta pode
contribuir para o enriquecimento dos materiais já existentes, como os utilizados pela
sólida escola de improvisação direcionada aos estudos e práticas jazzísticas e as
iniciativas crescentes da prática da improvisação livre, entre outros.
Em virtude das diferenças existentes entre os grupos com os quais
trabalhamos, certamente ocorreram pequenas variações na aplicação das propostas de
improvisação, considerando que cada grupo possuía uma dinâmica de trabalho
distinta. Tal fato nos leva a crer que nossa proposta deve ser maleável e passível de
adaptações em função do contexto em que esta será aplicada. Tendo por base os
resultados da prática dos exercícios aqui amostrados, pudemos constatar que a
abordagem sugerida pôde contribuir para a reflexão e para o desenvolvimento de
aspectos tais como: concentração ou estados de atenção, coordenação motora e
acuidade rítmica a partir do movimento corporal e interação em grupo fundamental
para a vivência do músico. Além disso, consideramos que, mais do que o
desenvolvimento de materiais expressivos para a prática da improvisação em
ambientes e contextos diversos, despertamos a atenção para o fato de que não existem
limites geográficos ou contextuais para a busca destes materiais.
É importante ressaltar também que a proposta de iniciar a prática da
improvisação a partir do movimento corporal contribuiu para que os participantes
chegassem ao fim do processo com os materiais propostos internalizados,
favorecendo uma maior concentração e fluência nos aspectos ligados à criação
espontânea, ou seja, à improvisação propriamente dita. Observamos ainda que,
durante o período de aplicação de nossas propostas, fomos aprimorando a maneira de
conduzir os workshops, ou seja, ao final do período houve uma maior fluência e
desenvoltura também de nossa parte.
Em relação aos resultados alcançados em cada workshop, podemos dizer de
forma generalizada, que fomos bem sucedidos na proposta de interação em grupo na
improvisação, mas que nem todos os participantes conseguiram alcançar uma fluência
musical dentro dos parâmetros rítmicos propostos. Neste ponto, constatamos que
algumas das improvisações “mais bem sucedidas” (em que os participantes
alcançaram uma boa interação em grupo e conseguiram uma boa fluência na
improvisação, compreendendo e lidando com os materiais rítmicos propostos)
ocorreram nos dois últimos workshops ministrados na Guildhall School of Music and
Drama, em parte por termos passado mais tempo com estes participantes do que com
155
racional. Também será possível utilizar essa mesma proposta de corporalidade para a
situação oposta, ou seja, utilizar o corpo para tomar consciência mais rápida e
incorporada de parâmetros de difícil assimilação. Aqui ainda relembramos a ideia de
Dewey (p.82), que junto com outros pesquisadores, defende a interação corpo/mente
como uma unidade de cognição. Nesse aspecto, não acreditamos em uma situação
ideal, mas sim que a corporalidade favorece a execução e a compreensão de
parâmetros rítmicos sob diferentes maneiras de recepção.
134
“When I read that we would be improvising over time signatures such as 15/4 I didn't believe it
would be possible in just one workshop. I was amazed at how easily one thing flowed to another and
before we knew it we had done it. The use of body movements made the gaps between milestones in
the music easy to work out and also freed us up for improvisation.”
135
Guildhall School of Music and Drama.
136
“I think the use of movement as an introduction to improvisation was fantastic, it took away focus
from sounds and got us in a place of freedom to be expressive. I was really inspired by the use of
rhythm as a starting point for the music. It gave the group a really great energy and allowed the music
to go in any direction as the improvisations progressed.”
159
x x x x
137
“You created a safe atmosphere and were open to our input. The exercises were on the right level
(challenging but doable) and I enjoyed moving and dancing in combination with improvising on
cheerful and catching music.”
138
Aqui, mais uma vez, o desejo no sentido descrito por Costa.
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
x x x x x
163
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