IDEXX - Leishmaniose e Coinfecções (Paulo Tabanez)
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O Brasil é um país tropical, com diversos biomas e rico em por vetor durante o repasto sanguíneo. No Brasil, o mosquito palha
biodiversidade, favorecendo a abundância de vetores e patógenos, (Lutzomyia longipalpis) é o principal vetor responsável pela sua
além de condições climáticas favoráveis à transmissão das doenças transmissão para diversas espécies de mamíferos, principalmente
associadas aos vetores durante todo o ano. A exposição dos animais cães, gatos e seres humanos.
suscetíveis aos vetores infectados está associada a alguns fatores,
como hábito de vida, baixa prescrição e adesão ao uso de repelentes A L. infantum é um parasito intracelular obrigatório, em especial de
e inseticidas, mudanças climáticas, desmatamento, fragmentação macrófagos, onde assume a forma amastigota. Após a infecção, um
de ambientes, queimadas, uso inapropriado do solo, crescimento delicado equilíbrio entre resposta inflamatória e anti-inflamatória
desordenado, condições higiênicas e sanitárias precárias e aumento precisa ser estabelecido para que o controle da infecção seja
da população de animais abandonados ou em abrigos. alcançado. Contudo, uma vez infectado, dificilmente o organismo
conseguirá debelar a infecção, levando à cura parasitológica. No
As principais doenças transmitidas por vetores para cães no Brasil cão, cerca de 60% a 70% das infecções são assintomáticas, ou
são causadas por bactérias (Ehrlichia canis e Anaplasma platys), por seja, o animal não apresenta sinais clínicos ou patológicos. Por
protozoários (Leishmania infantum, Babesia vogeli e Hepatozoon outro lado, cerca de 30% dos cães infectados apresentam sinais
canis) e por helmintos (Dirofilaria immitis). A soroprevalência em variados e multissistêmicos. A apresentação clínica é diversa e
cães para doenças transmitidas por vetores (DTV), em certas imita os sinais de várias doenças, fazendo da leishmaniose um
regiões do Brasil, pode chegar a 78% para Ehrlichia canis, 82% para importante diagnóstico diferencial. Observam-se alterações clínicas
Babesia vogeli e 67% para Leishmania infantum. A prevalência para e patológicas, como apatia, prostração, febre, emagrecimento,
dirofilariose pode chegar a cerca de 60%, de acordo com a área linfadenopatia, esplenomegalia, dermatopatia, uveíte, hifema, epistaxe,
pesquisada. claudicação, nefropatia, sinais gastroentéricos, sinais neurológicos,
anemia normocítica normocrômica, trombocitopenia, leucopenia ou
A leishmaniose canina, causada pelo protozoário L. infantum, é uma leucocitose, hipergamaglobulinemia policlonal, hipoalbuminemia e
doença zoonótica, com envolvimento multissistêmico e transmitida alteração das transaminases (FIGURA 1).
NOTA: O SNAP® 4Dx® é capaz de testar para os seguintes agentes: Anticorpo de E. canis/E. ewingii, B. burgdorferi, A. phagocytophilum/ A. platys e antígeno de D. immitis.
A B D
Figura 1. Sinais clínicos multissistêmicos na leishmaniose canina. A) Dermatite furfurácea e crostosa em face; B) Linfadenopatia
C) Hiperemia de conjuntiva e uveíte; D) Emagrecimento e atrofia muscular
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A presença de coinfecções, em especial pelas doenças transmitidas expressos por títulos ou densidade óptica, respectivamente. A
por vetores, podem confundir o clínico, dificultar o diagnóstico e presença de anticorpos não significa doença e deve ser interpretada
a terapia e alterar o prognóstico, aumentando o risco de morte do com cautela para a diferenciação entre infecção aguda, subclínica,
paciente. Uma das coinfecções mais comuns com a L. infantum é a crônica e exposição prévia ou cicatriz imunológica.
infecção por E. canis. No Brasil, já foram relatadas soroprevalências
de até 41% para essa coinfecção, como também de 18% para a Na leishmaniose, a sorologia reagente ou em títulos baixos pode
coinfecção de A. platys e L. infantum e de 25% para B. vogeli e L. ocorrer por reações cruzadas aos anticorpos produzidos nas
infantum. Cães infectados por L. infantum podem apresentar mais infecções por outros trypanossomatídeos ou mesmo na erliquiose,
coinfecções por DTV e têm maior probabilidade de apresentar levando a resultados falsos positivos. Porém, se o título na RIFI for
leishmaniose, ou seja, do assintomático se tornar sintomático e, igual ou superior a 1:160, o diagnóstico de infecção será confirmado,
talvez, aumentar sua infectividade para o flebotomíneo e para o o que não significa doença. Por outro lado, o resultado de uma
homem. Além disto, durante um estudo recentemente publicado, a sorologia não reagente pode ser encontrado em pacientes não
coinfecção de L. infantum com outras DTV aumentou em 5 vezes a infectados ou naqueles que ainda não soroconverteram. O tempo
chance de mortalidade. para soroconversão após a infecção por L. infantum varia entre 45
dias e 22 meses. Diferentemente do que ocorre na leishmaniose,
Portanto, é importante que o clínico saiba como reconhecer os sinais nas outras DTV, como na erliquiose, anaplasmose e babesiose, a
clínicos e direcionar os testes laboratoriais para o diagnóstico da soroconversão varia entre 7 e 28 dias. Logo, o cão recém-infectado,
leishmaniose, bem como de outras DTV. na fase aguda, pode apresentar teste sorológico não reagente, mesmo
que apresente sinais clínicos, pois o período de incubação é de cerca
Diagnóstico das doenças transmitidas po de 1 a 2 semanas. Espera-se que, no cão infectado e na fase aguda,
vetores (DTV) esse resultado sorológico não reagente (qualitativo ou quantitativo),
O diagnóstico das DTV pode ser um desafio para o clínico, quando repetido em 30 dias, esteja reagente ou apresente aumento
principalmente com a alta incidência de coinfecções. A anamnese do título em 4 vezes. A IGM não tem valor preditivo para determinar a
minuciosa, abordando a história e hábitos de vida do paciente, a fase clínica dessas doenças. Não há teste sorológico disponível para
exposição à ectoparasitos e o uso de repelentes e inseticidas, aliada pesquisa de anticorpos para Hepatozoon canis.
ao exame físico, oferecem pistas sobre o diagnóstico. Contudo, os
sinais clínicos não são específicos ou patognomônicos, ampliando A sorologia para dirofilariose é um teste qualitativo, rápido e que
a lista de diferenciais. As alterações laboratoriais e de imagem detecta antígenos de útero de fêmeas adultas. O período de pré-
nos ajudam a estreitá-la, porém, ainda assim, teremos numerosos patência (PPP), ou seja, o período compreendido entre a infecção e
diferenciais entre as doenças infecciosas ou mesmo não infecciosas, a detecção de formas ativas do parasito, é bem longo, cerca de 6 a 7
como doenças neoplásicas, autoimunes e inflamatórias. meses, e pode influenciar o resultado desse teste. Isto significa que
animais infectados dentro desse período de tempo podem apresentar
O diagnóstico específico é pautado em exames sorológicos, resultados falso-negativos. Outras situações que podem levar a
parasitológicos e moleculares. A escolha dos testes depende da resultados falso-negativos, além do PPP, são: infecções somente por
compreensão da sensibilidade e especificidade de cada um deles. machos, número reduzido de fêmeas ou fêmeas imaturas, animais já
Os resultados e a interpretação podem ser influenciados por fatores, tratados ou excesso de anticorpos neutralizando os antígenos.
como fase da doença, tecido escolhido, técnica, patologista, coleta,
entre outros. Testes parasitológicos
A citologia é um instrumento útil e rápido para o clinico, desde que
Técnicas diagnósticas nas DTV entenda suas limitações e sensibilidade. O primeiro passo é saber
Testes sorológicos qual tecido escolher para procurar o agente e, neste quesito, existem
Os testes sorológicos para as DTV, de forma geral, detectam diferenças entre os patógenos transmitidos por vetores. A pesquisa
anticorpos, com exceção da dirofilariose, onde o alvo é o em sangue periférico tem limitado valor diagnóstico devido à sua
antígeno. As técnicas frequentemente empregadas são: reação baixa sensibilidade, chegando a 5% para alguns agentes transmitidos
de imunofluorescência indireta (RIFI), ensaio de imunoabsorção por carrapato. Essa sensibilidade pode aumentar um pouco quando
enzimática (ELISA) e imunocromatografia (ICT).Algumas técnicas realizada em papa de leucócitos. Portanto, mesmo em um animal
(ELISA e ICT) são utilizadas em testes rápidos, com resultados infectado e em fase aguda, a chance de visibilização dos patógenos
qualitativos. Os testes rápidos não requerem laboratório ou mão transmitidos por carrapato é bastante baixa (FIGURA 2).
de obra especializada, são práticos, acessíveis, exibem rápidos
resultados para triagem com adequada sensibilidade e especificidade
e permitem ao clínico tomada de decisão precoce. Pelas técnicas
de RIFI e do ELISA, pode-se também obter resultados quantitativos,
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A B C D
Figura 2. Esfregaço de sangue periférico de cão. A) Mórula de Ehrlichia de Charalompos Attipa em Diniz e Aguiar, 2022); C) Trofozoítos de
canis em monócito (Imagem de Arnon Falcon Calabria em Diniz e Babesia vogeli intraeritrocitário (Imagem de Dantas-Torres, 2008); D)
Aguiar, 2022); B) Mórula de Anaplasma platys em plaqueta (Imagem Gamonte de Hepatozoon canis em leucócito.
Para L. infantum, a pesquisa citológica do parasito pode ser podem ser confundidas com Acantocheilonema reconditum (FIGURA
mais sensível, dependendo do tecido, fase, coleta e expertise do 4).
patologista. O sangue não é um bom tecido para pesquisa desse
parasito, nem para testes parasitológicos e tampouco para testes Testes moleculares
moleculares. A sensibilidade da citologia de medula óssea, linfonodo Os testes moleculares (reação em cadeia de polimerase – PCR) têm
ou baço pode variar entre 20% e 80%. Contudo, possui 100% de se tornado mais acessíveis e por isto têm sido amplamente utilizados.
especificidade (FIGURA 3). Possuem alta sensibilidade e especificidade e, em determinadas
situações, podem ser usados tanto para o diagnóstico quanto para
O teste de Knott modificado tem sensibilidade de cerca de 60% para o acompanhamento terapêutico. A PCR quantitativa permite obter
pesquisa de microfilária na circulação. Entretanto, deve-se lembrar resultados que, para determinadas doenças, podem auxiliar na
que as microfilárias da D. immitis vivem, em média, 2 anos e que avaliação da resposta terapêutica. O tecido, a fase da doença, a coleta
Figura 3. Citologia de medula óssea de cão com formas amastigotas Figura 4. Presença de microfilárias em sangue periférico. Acima
de Leishmania infantum em macrófagos. (A) Acanthocheilonema reconditum e abaixo (B) Dirofilaria immitis.
(imagem de Byron Blagburn em American Heartworm Society, 2020).
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e o processamento podem influenciar a sensibilidade e especificidade situações, apresenta carga parasitária bastante elevada. A PCR
do teste. Resultados falso-positivos podem ocorrer por contaminação de pele, bem como a imunohistoquímica, podem guiar o clínico
da amostra ou por primers pouco específicos, enquanto que quanto à infectividade do cão para o flebotomíneo, uma vez que o
resultados falso-negativos pela escolha do tecido inadequado, xenodiagnóstico, teste padrão para tal condição, é inviável na prática
armazenamento, processamento, especificidade do primer e baixo clínica.
limiar de detecção da técnica. Nas fases agudas das DTV, o sangue
tem excelente sensibilidade. Entretanto, na erliquiose, subclínica ou Associação dos exames
crônica, a medula e o baço terão maior sensibilidade e, ainda assim, para o diagnóstico das DTV
resultados falso-negativos são esperados. Nessas fases, testes Frequentemente o clínico precisa associar os exames laboratoriais
sorológicos têm maior sensibilidade. para concluir o diagnóstico e/ou excluir diagnósticos diferenciais das
DTV. Os maiores desafios estão nos diagnósticos da leishmaniose e
A pesquisa de H. canis fica restrita a testes citológicos e moleculares, das doenças mais comuns transmitidas por carrapato. A sequência
uma vez que não há disponibilidade de testes sorológicos para o dos exames, o pensamento clínico lógico e cadenciado bem como
clínico. a interpretação dos resultados, por vezes, tornam-se confusos e
equivocados.
Para L. infantum, deve-se optar pela PCR de medula óssea,
linfonodo em linfadenopatia ou baço, por representarem tecidos com Sugestões de fluxogramas sintéticos para o diagnóstico da
maior sensibilidade que de sangue periférico. A pele, em algumas leishmaniose (FIGURA 5), erliquiose, anaplasmose e babesiose
(FIGURA 6) podem ajudar a organizar e dirimir tais dificuldades.
Figura 5. Fluxograma para diagnóstico da leishmaniose visceral cadeia de polimerase; canl – leishmaniose canina.
canina (LVC). Abr: qlt – qualitativa; qnt – quantitativa; pcr – reação em Figura adaptada de www.brasileish.com.br
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Figura 6. Fluxograma para diagnóstico das principais doenças transmitidas por carrapato (DTC) (E. canis, A. platys e B. vogeli) Abr: qlt –
qualitativa; qnt – quantitativa; pcr – reação em cadeia de polimerase; sem – semana; tit – título; sub – subclínica; imuno – imunológica.
CONCLUSÕES
O Brasil possui elevada incidência de doenças transmitidas por
vetores e as coinfecções podem confundir ainda mais o diagnóstico,
influenciar o tratamento, o prognóstico e a evolução. As coinfecções
com L. infantum ainda podem tornar o cão propenso à apresentação
clínica e, talvez, ao aumento da sua infectividade para o flebotomíneo
e para o homem. É fundamental a conscientização dos médicos
veterinários e dos tutores da importância de se testar rotineiramente
cães em áreas endêmicas para DTV. Conhecer a apresentação clínica,
os testes de triagem e a correta interpretação frente às diferentes fases
da infecção é de extrema importância para que o médico veterinário
possa trilhar o caminho do diagnóstico, da intervenção e da prevenção.
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SNAP® Leishmania •
SNAP® Parvovirose •
SNAP® Giardia • •
SNAP® cPL™ •
SNAP® fPL™ •
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