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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS


FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

AS CLÁUSULAS DE CUMPRIMENTO IMEDIATO DE PENA NOS


ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA CELEBRADOS NO
CONTEXTO DA OPERAÇÃO LAVA-JATO

MARIA EDUARDA FERRANTE RIBEIRO

Rio de Janeiro
2023
MARIA EDUARDA FERRANTE RIBEIRO

AS CLÁUSULAS DE CUMPRIMENTO IMEDIATO DE PENA NOS


ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA CELEBRADOS NO
CONTEXTO DA OPERAÇÃO LAVA-JATO

Monografia elaborada no âmbito da graduação em


Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como pré-requisito parcial para obtenção de grau de
bacharel em Direito, sob a orientação do Professor
Dr. Antonio Eduardo Ramires Santoro.

Rio de Janeiro
2023
CIP - Catalogação na Publicação

Ribeiro, Maria Eduarda Ferrante


R484c As cláusulas de cumprimento imediato de pena nos
acordos de colaboração premiada celebrados no
contexto da Operação Lava Jato / Maria Eduarda
Ferrante Ribeiro. -- Rio de Janeiro, 2023.
67 f.

Orientador: Antonio Eduardo Ramires Santoro.


Trabalho de conclusão de curso (graduação) -
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade
Nacional de Direito, Bacharel em Direito, 2023.

1. Justiça penal negocial. 2. Colaboração


premiada. 3. Devido processo legal. 4. Cumprimento
antecipado de pena. 5. Operação Lava Jato. I.
Santoro, Antonio Eduardo Ramires, orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos


pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
MARIA EDUARDA FERRANTE RIBEIRO

AS CLÁUSULAS DE CUMPRIMENTO IMEDIATO DE PENA NOS


ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA CELEBRADOS NO
CONTEXTO DA OPERAÇÃO LAVA-JATO

Monografia elaborada no âmbito da graduação em


Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como pré-requisito parcial para obtenção de grau de
bacharel em Direito, sob a orientação do Professor
Dr. Antonio Eduardo Ramires Santoro.

Data: ___de_____________de 2023.


Banca Examinadora

____________________________
Orientador Professor Dr. Antonio Eduardo Ramires Santoro.

____________________________
Membro da Banca

____________________________
Membro da Banca
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Pedro e Márcia, por serem a minha base e meus principais apoiadores.
Todas as minhas conquistas e etapas cumpridas ganham novo sentido, porque são
compartilhadas com vocês. Obrigada por serem meus melhores amigos e defensores e por me
ensinarem todos os valores que moldaram a pessoa e a profissional que estou me tornando.

À minha irmã, Gabi, meu maior exemplo de amor e carinho. Nossa cumplicidade e
amizade são certezas na minha vida e sou uma pessoa mais completa por ter compartilhado
todas as minhas fases com você. Nos conhecermos foi inevitável, mas a relação que construímos
me trará eterna gratidão e orgulho.

Ao Bernardo, meu parceiro de tantos anos, e tantos ainda por vir. Te conheci no início
da minha graduação e, desde então, divido todos os pesos e as delícias da vida com você. E
posso dizer com toda a certeza que os pesos ficaram mais leves e as delícias mais verdadeiras,
desde que você entrou na minha vida. Te valorizo e te admiro, cada dia mais, e a nossa parceria
me impulsiona para todas as minhas conquistas e realizações. Obrigada por estar do meu lado,
com tanto amor.

Por fim, à escolha pelo direito penal e a todas as pessoas que dividiram esse caminho
junto comigo. Com todas as frustrações e pressões do dia a dia, agradeço por ter encontrado
dentro da advocacia criminal uma carreira gratificante. Às pessoas que conheci dentro do
escritório CEM Advogados, pelos aprendizados e, principalmente, pela amizade.
RESUMO

O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise crítica sobre a legalidade das cláusulas
de cumprimento antecipado de pena, seja restritiva de direitos ou privativa de liberdade, em
acordos de colaboração premiada celebrados durante a vigência da operação Lava-Jato. Em
especial, objetiva-se traçar um paralelo entre a expansão do modelo de justiça negocial no Brasil
e no mundo e seus impactos para a flexibilização dos pilares do devido processo legal e do
processo penal constitucional. Pretende-se, ainda, demonstrar como a deflagração da Operação
Lava-Jato e seus megaprocessos alastraram o fenômeno de espetacularização do processo penal
e do discurso punitivista, criando solo fértil para o desrespeito a garantias fundamentais
consagradas no ordenamento jurídico brasileiro, em nome do combate à corrupção. A intenção
da pesquisa, nesse sentido, é demonstrar qual o cenário que possibilitou a celebração de acordos
de colaboração premiada contendo cláusula manifestamente ilegais, como é o caso da previsão
de execução imediata de pena negociada após a homologação dos termos.

Palavras-chave: Justiça penal negocial; Colaboração premiada; Operação Lava-Jato; Devido


processo legal; Modelo acusatório; Cumprimento antecipado de pena.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8

CAPÍTULO I – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS....................................................................10


I.1 Justiça penal negocial...........................................................................................................10
I.2 Evolução das previsões sobre a colaboração premiada no ordenamento jurídico
brasileiro....................................................................................................................................17
I.3 Conceito e natureza jurídica da colaboração premiada........................................................22

CAPÍTULO II – CONTEÚDO E LIMITES DA COLABORAÇÃO


PREMIADA.............................................................................................................................27
II.1 Principais disposições sobre o acordo de colaboração premiada na Lei
12.850/2013...............................................................................................................................27
II.2 Limites ao conteúdo do acordo de colaboração premiada..................................................31
II.3 A colaboração premiada e o legado da Operação Lava-Jato na prática jurídica
brasileira....................................................................................................................................38

CAPÍTULO III – CLÁUSULAS DE CUMPRIMENTO IMEDIATO DE PENA EM


ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA.................................................................45
III.1 Cláusulas de cumprimento imediato nos tribunais brasileiros...........................................45
III.2 Cláusulas de cumprimento antecipado de pena na doutrina brasileira..............................52

CONCLUSÃO.........................................................................................................................60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................63
8

INTRODUÇÃO

Primeiramente, destaca-se que o objetivo do presente trabalho é a análise da legalidade


de inclusão de cláusulas de cumprimento imediato de pena na celebração de acordos de
colaboração premiada no contexto das megaoperações da Lava-Jato, iniciadas em 2014 no
Brasil. O início da execução da pena, seja privativa de liberdade ou restritiva de direitos,
imediatamente após a homologação de acordo de colaboração, e não após o trânsito em julgado
de decisão condenatória, contraria princípios do processo penal que devem ser aplicados
também aos mecanismos de justiça negocial.

Atentando-se ao objeto do que se propõe analisar, faz-se necessário traçar comentários


sobre a expansão do modelo de justiça penal negocial, que alcança espaço cada vez maior no
Brasil e no mundo.

Desse modo, o primeiro capítulo será dedicado à análise do modelo de justiça penal
negocial, que vem se ampliando tanto no cenário internacional quanto no país. Para tal, será
discutida a origem dos mecanismos de justiça negocial no ordenamento jurídico brasileiro, além
das principais críticas tecidas pelos doutrinadores à utilização desses institutos à luz dos
princípios do processo criminal.

Além disso, imperioso se faz expor a evolução do mecanismo negocial objeto deste
trabalho – a colaboração premiada – na lei brasileira, traçando-se uma linha do desenvolvimento
do instituto desde a Lei dos Crimes Financeiros (Lei 7.492/86), até a edição da Lei de
Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) e as alterações promovidas pelo Pacote Anticrime
(Lei 13.964/19).

Atendo-se ao objeto do que se propõe a apresentar, forçoso realizar análise ampla das
regras e procedimentos da celebração de acordos de delação premiada. A exposição também
passará, obviamente, por um estudo dos limites ao possível conteúdo dos acordos de
colaboração premiada, com comparação entre visões de relevantes autores sobre o tema.

Desse modo, o segundo capítulo será dedicado ao estudo dos caracteres da colaboração
premiada, perpassando-se pela análise dos possíveis benefícios, direitos, obrigações e renúncias
sobre as quais o colaborador e o órgão acusatório podem pactuar no acordo.
9

Além disso, far-se-á descrição dos limites legais e principiológicos aos quais os acordos
de colaboração premiada devem se submeter, de modo a manter íntegra a sistemática do devido
processo penal brasileiro.

Sendo a utilização do instituto da colaboração premiada no contexto da Operação Lava-


Jato o cerne deste estudo, passar-se-á, no terceiro capítulo, pela análise dos fenômenos que
tornaram os assuntos penais protagonistas no cotidiano dos brasileiros. Forçoso compreender
quais elementos permitiram as interpretações que levaram às alterações das práticas processuais
naquele momento, bem como quais disposições contra a legislação vigente foram inseridas nos
termos de acordos celebrados no contexto das megaoperações.

O terceiro capítulo trará a análise específica da possibilidade de cumprimento imediato


de pena após a homologação dos acordos de colaboração. Nesse sentido, o estudo trará decisões
que homologaram ou não cláusulas com previsões desse tipo em acordos de colaboração
celebrados durante a Operação Lava-Jato, confrontando os seus fundamentos com os princípios
constitucionais e processuais penais aplicáveis às situações em concreto.

Importante salientar que se buscou com essa pesquisa identificar a necessidade de


resposta normativa e jurisprudencial que possa limitar a discricionariedade na pactuação de
acordos de colaboração premiada, de modo a garantir um processo voltado a legitimar o poder
punitivo do Estado.

A conclusão pretende, desse modo, expor o resultado da pesquisa, perpassando por uma
reflexão sobre a flexibilização de princípios do processo penal em contextos sociais de forte
clamor punitivista.
10

CAPÍTULO I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

I.1: Justiça penal negocial

Como destacado na Introdução, o instituto da colaboração premiada está inserido no


modelo de justiça negocial, em expansão tanto no Brasil quanto no mundo. A ampliação da
justiça negocial no Brasil começou em 1995, com o nascimento da transação penal e da
suspensão condicional do processo, previstos na Lei 9099.

Os espaços de consenso no Brasil se expandiram ainda mais com a delação premiada


e, mais recentemente, com a inclusão, pelo Pacote Anticrime, da possibilidade de celebração
de acordos de não persecução penal.

O presente item se dedicará à apresentação da definição da justiça penal negocial e dos


seus principais institutos, além de analisar as razões para a sua rápida expansão. Objetiva-se,
por fim, expor as críticas que podem ser feitas à introdução desse modelo no sistema penal
brasileiro.

A justiça penal negocial é definida pelo autor Vinícius Gomes de Vasconcellos como:

“(...) modelo que se pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes – acusação e
defesa – a um acordo de colaboração processual com o afastamento do réu de sua
posição de resistência, em regra impondo encerramento antecipado, abreviação,
supressão integral ou de alguma fase do processo, fundamentalmente com o objetivo
de facilitar a imposição de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que
caracteriza o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do
processo penal com todas as garantias a ele inerentes” 1.

O autor complementa a definição lecionando que:

1
VASCONSELLOS, Vinicius G. Barganha e justiça negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de
consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015, p. 55.
11

“a barganha, a colaboração premiada, a transação penal, a suspensão condicional do


processo e o acordo de leniência são mecanismos da justiça criminal negocial, pois
se caracterizam como facilitadores da persecução penal por meio do incentivo à não
resistência do acusado, com sua conformidade à acusação, em troca do
benefício/prêmio (como a redução da pena), com o objetivo de concretizar o poder
punitivo estatal de modo mais rápido e menos oneroso” 2.

Gustavo Badaró diferencia o modelo negocial de justiça penal do modelo clássico,


afirmando que este se caracteriza pela noção de que ninguém pode ser privado de sua liberdade
sem o devido processo legal, enquanto aquele é reconhecido pela imposição de pena
estabelecida em acordo, e não determinada por uma prévia verificação de fatos3.

O processualista Andrey Borges de Mendonça4, por sua vez, destaca que o modelo de
justiça consensual possui como princípios estruturantes a autonomia da vontade, a eficiência, a
boa-fé objetiva e a lealdade.

O autor apresenta, ainda, de forma esquematizada, quais seriam as principais diferenças


entre o modelo clássico da justiça penal, denominado por ele de litigioso, e o modelo
consensual. Primeiramente, salienta que o modelo litigioso tem como norte principiológico o
devido processo legal, enquanto o devido processo consensual teria destaque na justiça
negocial.

Ademais, aponta que o modelo clássico é baseado unicamente em viés publicista,


enquanto o negocial resgataria um foco na autonomia da vontade. Nesse sentido, enquanto o
modelo clássico estaria calcado na legalidade estrita, a justiça negocial traria o princípio da

2
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 25.
3
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica? In: BOTTINI, Pierpaolo Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.).
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
4
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada. In: BOTTINI, Pierpaolo
Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.). Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 73.
12

legalidade combinado com a autonomia da vontade das partes, desde que existentes medidas de
garantia.

O autor também diferencia a função do juiz em cada modelo, indicando um papel de


protagonismo na condução do processo clássico, e uma função apenas fiscalizatória no modelo
consensual.

A justiça penal negocial foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a edição
da Lei 9099/1995, que inaugurou a aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão
condicional do processo, os quais caracterizam mecanismos de justiça negocial voltados a
infrações de menor potencial ofensivo.

A transação penal pode ser definida como um acordo firmado entre o Ministério Público
e o acusado, quando caracterizados os requisitos previstos no artigo 76 da Lei 9099/1995, no
qual o imputado aceita o cumprimento de pena antecipada de multa ou de restrição de direitos.

Caso as obrigações impostas sejam cumpridas, a punibilidade do acusado é extinta,


antes mesmo do recebimento da denúncia, impedindo qualquer sanção criminal pelo fato e não
configurando maus antecedentes ou reincidência.

A suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei 9.099/1995, pode ser


proposta pelo Ministério Público, no momento do oferecimento da denúncia, nos casos em que
a pena mínima cominada ao crime seja igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não
esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, e que estejam presentes
os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (dispostos no artigo 77 do
Código Penal).
13

A colaboração premiada e o acordo de leniência, por sua vez, expandiram a incidência


da justiça negocial a infrações de maior potencial ofensivo, autorizando também a aplicação de
penas privativas de liberdade.

Os dois institutos são bastante semelhantes, sendo a principal diferença entre eles o
legitimado para proposição: no caso da colaboração, o Ministério Público, e no caso da
leniência, o Ministério da Justiça.

Segundo Nefi Cordeiro5, ambos podem ser definidos como institutos negociais que
reduzem a resposta penal em troca da colaboração do acusado para demonstração das infrações
cometidas e dos participantes, da estrutura criminosa, da recuperação do produto dos crimes ou
do salvamento da vítima, além de prevenir a prática de novos crimes pela organização
criminosa.

A definição da colaboração premiada, sua natureza jurídica e a evolução de sua


incorporação no ordenamento jurídico brasileiro serão expostos com maior profundidade ao
longo do presente trabalho.

Por fim, menciona-se o acordo de não persecução penal, incluído no Brasil com a
entrada em vigor do Pacote Anticrime.

O mecanismo está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, e pode ser
proposto pelo Ministério Público nos casos em que não é cabível o arquivamento do
procedimento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de
infração sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos.

5
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.
14

Os principais argumentos que determinaram a expansão do modelo negocial no Brasil


e no mundo são aqueles ligados à eficiência e a sobrecarga da justiça criminal. Notadamente, a
morosidade processual tem consequências extremamente nocivas ao processo penal,
principalmente quanto à higidez da prova e as dificuldades que o decurso do tempo traz ao
acusado para elidir as acusações que lhe são assacadas.

Mas não é só. A própria existência de um processo ou investigação criminal é, em si


mesmo, uma pena, já que a submissão à justiça penal é estigmatizante, angustiante e cria
máculas à carreiras, reputações e relacionamentos pessoais.

Desse modo, alguns autores, como o processualista Andrey Mendonça6, defendem a


ideia de que é plenamente possível a existência de um processo democrático, baseado na justiça
consensual e na autonomia da vontade. Isso porque, a justiça negocial seria um modelo apto a
proteger os interesses dos imputados, que obteria um benefício em troca de sua contribuição ao
desenvolvimento da investigação, enquanto também atenderia a um interesse público de
proteção da sociedade contra crimes graves, mas de difícil esclarecimento.

Entretanto, é muito simples notar uma tendência de predominância de fatores


utilitaristas na expansão da justiça negocial, as quais não se coadunam com os princípios do
processo penal.

As incongruências do modelo negocial podem ser percebidas com especial clareza no


instituto da colaboração premiada, as quais são apontadas a seguir de maneira embrionária, de
modo a destacar a relevância de uma postura cautelosa na aplicação das colaborações.

6
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada. In: BOTTINI, Pierpaolo
Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.). Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 70.
15

Vinícius Gomes de Vasconsellos7 faz brilhante exposição sobre as principais críticas


que podem ser destacadas no embate entre a justiça negocial e o devido processo penal.

Primeiramente, o autor questiona a violação aos princípios da culpabilidade e do


tratamento igualitário com a possibilidade de oferecimento de benefícios a um acusado, e não
aos demais, uma vez que isso ocasionaria a imposição de sanções distintas para indivíduos que
cometeram delito idêntico.

Afirma que, nesse sentido, a colaboração permitiria “resposta estadual mais


benevolente sem motivação idônea para tanto e de modo desigual, o que esvaziaria, inclusive,
as funções de prevenção geral do direito penal”8.

Além disso, destaca uma confusão entre as funções legítimas do Ministério Público nos
moldes como vem sendo realizada a colaboração atualmente. O processualista Gustavo Badaró
defende que o órgão ministerial acumula as funções de investigação, estabelecimento da
verdade dos fatos, decisão e estabelecimento da pena imposta, na celebração de acordos de
colaboração.

Desse modo, o autor entende que:

“desloca-se a centralidade da legitimação do exercício do poder de punir de um


instrumento cognitivo fundado no saber construído em contraditório, com o
funcionamento de um mecanismo dialético de verificação e confronto entre tese e
antítese, baseado na prova produzida que suporte cada uma delas, para um modelo em
que haverá apenas uma ‘verdade’ preestabelecida por uma escolha discricionária” 9.

7
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 41/42.
8
Idem, p. 43/44.
9
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica? In: MOURA, Maria Thereza de Assis; e BOTTINI, Pierpaolo Cruz.
(Coord.) Colaboração Premiada. São Paulo: RT, 2017, p. 143.
16

Vinícius Vasconcellos10 aponta outras 4 críticas principais, de viés processualista, ao


modelo da justiça negocial criminal, principalmente no mecanismo da colaboração premiada.
São estas: i) o poder coercitivo da justiça criminal negocial; ii) a ocultação de questionamentos
de base, como a necessidade da crítica à expansão do direito penal; iii) a inoperação do direito
de defesa do acusado; e iv) o aniquilamento da presunção de inocência.

Quanto à existência de um poder coercitivo da justiça criminal negocial, destaca a


tendência de que o sistema criminal torne rotineiro o sancionamento mais gravoso àqueles
acusados que não colaborarem com a investigação. Nesse sentido, não existiria a falaciosa
voluntariedade do acusado para aceitar o acordo, uma vez que a natureza do instituto carrega
ameaças e coerções.

Ademais, a possibilidade de concretização do poder punitivo estatal de modo mais


célere, com a utilização dos mecanismos negociais, oculta o problema da expansão do direito
penal como solução para os entraves da sociedade contemporânea. Desse modo, a tendência de
generalização dos acordos acarreta uma fuga ao enfrentamento da problemática, que não
perpassa pela necessidade ou não de acelerar o rito do processo penal.

A terceira crítica pode ser resumida com a constatação de que, nos mecanismos
negociais, o direito de defesa do acusado torna-se inoperante. Os argumentos de priorização da
eficiência e sobrecarga da justiça criminal acabam por significar uma renúncia de garantias
constitucionais do acusado.

Por fim, destaca uma quarta crítica que pode ser feita à justiça negocial, qual seja, a
inaplicação do princípio da presunção de inocência, especialmente quanto ao ônus probatório
do processo penal, no qual a carga da prova deveria ser integralmente da acusação. Nesse
cenário negocial, o acusado acaba sendo obrigado a comprovar as alegações do órgão
ministerial, para que possa gozar dos benefícios previstos.

10
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 46/52.
17

O autor conclui, assim, que o problema da justiça criminal negocial como um todo não
é eventual, ocasionado pela má aplicação dos seus institutos, mas sim perene e inevitável, uma
vez que distorce as premissas básicas do processo penal, ao fragilizar a sua função como
instrumento de limitação do poder punitivo estatal.

Para os fins da presente pesquisa, adota-se postura mais crítica quanto à expansão da
justiça negocial e da prevalência da autonomia das partes para celebração de acordos
processuais e penais.

Isso porque, sendo o processo penal manifestamente diferente do processo civil,


incabível conceber a ampliação de princípios que regem esta matéria no seu âmbito. Nesse
sentido, importante destacar, a advertência feita pelo celebrado autor Juarez Cirino dos Santos,
de que:

“O processo penal não constitui processo de partes livres e iguais – como o processo
civil, por exemplo, dominado pela liberdade de partes, em situação de igualdade
processual -, mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de
descobrir a verdade de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados” 11.

Assim, conclui-se pela necessidade do resguardo das garantias constitucionais e legais


do devido processo legal, de modo a salvaguardar indivíduos contra abusos do poder punitivo
estatal.

I.2: Evolução das previsões sobre a colaboração premiada no ordenamento jurídico


brasileiro

Apresentadas as críticas que podem ser tecidas sobre a expansão da justiça negocial,
mister se faz uma análise criteriosa acerca dos limites e contornos que o instituto da colaboração

11
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 8 ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018, p. 679.
18

premiada, entendido como mecanismo de modelo consensual, tomou no ordenamento jurídico


brasileiro, de modo a racionalizar a sua aplicação.

Apesar de instituto similar à colaboração premiada estar presente nas leis brasileiras
desde as Ordenações Filipinas, em períodos recentes, o mecanismo negocial foi incorporado ao
ordenamento jurídico com a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990).

Em seu artigo 8º, parágrafo único, a lei concede redução de pena aos participantes e
associados que denunciarem o bando ou a quadrilha às autoridades. O dispositivo só incide aos
crimes elencados taxativamente na Lei de Crimes Hediondos e vincula a colaboração ao
desmantelamento da quadrilha perseguida no procedimento criminal.

Essa mesma lei inseriu o parágrafo 4º ao artigo 159 do Código Penal, que reduz a pena
do autor que denunciar a quadrilha ou o bando à autoridade, possibilitando a libertação da
vítima.

Nota-se que, nesses dispositivos, o legislador brasileiro deu enfoque “à visão de direito
material do instituto premial, sem qualquer preocupação com sua delimitação procedimental
ou suas consequências processuais”12.

No entanto, o ex-Ministro Nefi Cordeiro13 aponta ser possível perceber o surgimento


de critérios que serão estáveis nas regulações sobre o instituto da colaboração premiada, como
a proporção de favores pelo interesse estadual, a utilidade, o favor judicial e o resultado.

12
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 82.
13
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 6
19

O mecanismo voltou a ser regulado pela Lei do Crime Organizado (Lei nº 9,034/1995)
– posteriormente revogada pela Lei de Organizações Criminosas – que manteve, em seu artigo
6º, os parâmetros da Lei dos Crimes Hediondos.

O artigo em comento previa a minoração da pena dos agentes que esclarecessem as


infrações e a autoria dos crimes praticados em organização criminosa. Nota-se, que enquanto a
Lei de Crimes Hediondos exigia o desmantelamento da quadrilha como resultado, a Lei do
Crime Organizado exige o resultado duplo de esclarecimento do delito cometido e a indicação
da autoria, sem limitar a colaboração a infração ou ao grupo perseguido na investigação da
criminalidade organizada.

Importante ressaltar que esse dispositivo normativo inaugurou um importante requisito


para a validade da colaboração premiada: a espontaneidade. Nesse sentido, a contribuição do
agente deve ser compreendida como voluntária, sem qualquer tipo de coerção.

Nas Leis dos Crimes Tributários e Econômicos (Lei nº 8.137/1990) e de Crimes Contra
o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/1986), o mecanismo da colaboração premiada
surge como um facilitador da persecução penal estatal em crimes graves com técnicas bancárias,
cambiárias, exigência de especialização em economia, mercado de capitais, transferências
internacionais, etc14.

Para tal, foi prevista uma minoração da pena de agentes que colaborarem na elucidação
dos crimes contra a economia e as instituições de captação de dinheiro popular. Desse modo,
percebe-se que a colaboração volta a ser limitada aos fatos do processo, sendo necessário que
o colaborador facilite a compreensão de toda a trama criminosa.

14
Ibidem, p. 7
20

A Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998) prevê, pela primeira vez, o


benefício do perdão judicial como possibilidade proveniente da delação premiada, e não
somente a minoração da pena do agente.

A Lei também prevê a possibilidade de aplicação de um regime prisional mais brando,


ou a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.

Ademais, o diploma normativo também inova ao dispor sobre resultados alternativos


que podem advir da colaboração: ou o auxílio na apuração das infrações e a autoria, ou a
localização do patrimônio do delito de lavagem.

A Lei de Proteção das Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/1999) abre o instituto da


colaboração premiada para os crimes em geral, afastando a vinculação a modalidades delitivas
específicas adotada anteriormente15.

A colaboração pode ter como resultados tanto a identificação do crime e da autoria,


como a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime. Os colaboradores podem
ser beneficiados com minoração da pena ou com perdão judicial, dependendo da personalidade
do beneficiado e da natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do crime.

A Lei de Tóxicos (Lei 10.409/2002), por sua vez, trouxe o mecanismo negocial com
traços mais semelhantes ao modelo atual, ao prever uma negociação entre o Ministério Público
e o investigado.

A delação ficou vinculada à existência de uma organização criminosa de tráfico, e a


sua eficácia é condicionada à apreensão dos membros ou das drogas.

15
Ibidem, p. 10.
21

Esse diploma normativo foi substituído pela Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), que
retomou redação semelhante ao modelo previsto nas legislações anteriores à Lei de Tóxicos,
sendo a delação apenas uma minorante penal.

Este foi o último marco normativo antes da Lei de Organizações Criminosas (Lei nº
12.850), que disciplina o mecanismo negocial da colaboração premiada nos dias atuais.

Somente neste momento é que houve uma preocupação com a regulamentação do


procedimento a ser adotado para a celebração de um acordo de delação premiada, especialmente
após a edição do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), que se propôs a “aperfeiçoar a legislação
penal e processual penal”, positivando diversos entendimentos acerca do instituto da
colaboração e trazendo outras disposições, apesar de ainda ter deixado importantes lacunas e
contradições na regulamentação do instituto. As disposições vigentes sobre a colaboração
premiada serão tratadas em item próprio.

A partir da evolução legal da colaboração premiada no Brasil, o Ministro aposentado


Nefi Cordeiro16, expõe quais caracteres se mantiveram estáveis nos dispositivos normativos que
previram o instituto e suas regras de aplicação.

São eles o i) critério do favor judicial; ii) da proporção do favor; iii) do resultado; iv)
da voluntariedade; e v) da utilidade.

Em relação ao critério do favor judicial, o autor ressalta que a fixação da culpa e da


pena é tarefa exclusiva do juiz, não podendo ser assumida por qualquer das partes. Nesse
sentido, o alcance máximo da negociação prévia que pode ser realizada entre o Ministério
Público e o acusado é quanto a limites da pena e proporções de redução, dentro das permissões
legais. Além disso, o favor previsto na colaboração deve ser proporcional à eficácia da
colaboração, o que deve ser averiguado pelo magistrado, no momento da aplicação da pena.

16
Ibidem, p. 14/20.
22

Do critério da proporção também se extrai o critério do resultado: “premia-se o


resultado eficaz de facilitação à persecução penal, e não a boa intenção do colaborador”17.

Quanto ao critério da voluntariedade, o autor define que a compreensão da doutrina e


da jurisprudência já salientou que o ato deve ser apenas voluntário, sem coação, e não
necessariamente de iniciativa exclusiva do colaborador. Nada impede que a colaboração se
realize por provocação do próprio representante estatal, contudo, faz-se necessária cautela com
o uso de coerções estatais com o fim de incentivar colaborações, como a condução coercitiva e
as prisões processuais.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou, em diferentes ocasiões,


para limitação das estratégias de coerção utilizadas pelo Ministério Público, impedindo a
condução coercitiva fora das hipóteses legais, vedando-a especialmente para interrogatórios
(ADPF 444, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno), e assegurando a impossibilidade
de utilização da prisão como meio de negociação da colaboração (HC 138207, Relator: Min.
Edson Fachin, Segunda Turma).

Por fim, o autor destaca, na evolução legislativa acerca da colaboração premiada, uma
tendência de limitação da sua utilidade apenas aos fatos do processo, indicando-se o momento
e o alcance da delação.

As considerações feitas pelo ex-Ministro Nefi Cordeiro se fazem relevantes ao objeto


desta pesquisa, uma vez que traçam critérios estáveis os quais merecem ser considerados como
fonte interpretativa para a vigente Lei nº 12.850/2013.

I.3: Conceito e natureza jurídica da colaboração premiada

17
Ibidem, p. 16.
23

Neste ponto, far-se-á breve análise do conceito da colaboração premiada a partir da


Lei nº 12.850/2013, bem como a natureza que o instituto possui no ordenamento jurídico
brasileiro.

A Orientação Conjunta 1/2018 do Ministério Público Federal, elaborada com o


objetivo de divulgar os parâmetros exigidos para a formalização de acordos de colaboração
premiada com o órgão, conceitua o instituto, em seu capítulo I (“da definição e finalidade”),
como:

“1. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual, meio de


obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos, os quais são
atendidos desde que advenha um ou mais dos resultados previstos no art. 4º da Lei
12.850/2013 e pode ser celebrado em relação aos crimes previstos no Código Penal e
na legislação extravagante” 18.

O autor Vinícius de Vasconsellos, por sua vez, sintetiza o procedimento complexo da


colaboração premiada constatando que se trata de:

“um acordo realizado entre acusador e defesa, visando ao esvaziamento da resistência


do réu e à sua conformidade com a acusação, com o objetivo de facilitar a persecução
penal em troca de benefícios ao colaborador, reduzindo as consequências
sancionatórias à sua conduta delitiva” 19.

Inicialmente, a colaboração premiada era conceituada com enfoque na sua natureza


penal material, pois os dispositivos de lei que possuíam previsões sobre o instituto focavam nos
seus requisitos e consequências – a redução da pena – e não nos procedimentos para sua
aplicação.

18
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Orientação Conjunta nº 1/2018. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/OrientaoConjuntan1.2018.pdf
19
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 64.
24

Esse cenário, entretanto, foi alterado com o advento da Lei 12.850/2013, que
consolidou o viés processual da colaboração premiada, conforme pode ser percebido na redação
dada ao artigo 3º-A: “o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio
de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesses públicos”.

A natureza processual do instituto decorre do seu foco na facilitação da persecução


penal, por meio da produção ou obtenção de elementos probatórios20. O Supremo Tribunal
Federal firmou esse entendimento em julgamento paradigmático, no Habeas Corpus 127.483,
de relatoria do Ministro Dias Toffoli:

(...) 3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio de


obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem poderes
para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13).
4. A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além
de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu
objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo
criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio
jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a
ser atribuída a essa colaboração (...)
(grifos meus)

Andrey de Mendonça21 destaca a natureza jurídico processual do acordo de colaboração


premiada, indicando que a sua celebração traz direitos, faculdades, deveres e obrigações para
ambas as partes.

No entanto, o autor salienta que, apesar de as partes buscarem um fim comum, que seria
a realização do acordo, as suas motivações são distintas. Nesse sentido, difere a causa do
negócio jurídico para a acusação como sendo primordialmente um meio de obtenção de prova,
e para a defesa, como uma estratégia defensiva, que visa a obtenção de benefícios legais, a partir
de um cálculo utilitarista de custos e benefícios naquele caso concreto.

20
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 62.
21
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a
autonomia da vontade. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração premiada.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
25

Quanto à classificação da colaboração premiada como meio de obtenção de prova, a


doutrina moderna22 tem feito ressalvas em relação à análise do instituto segundo a dicotomia
meio de prova e meio de obtenção de prova, a partir da atividade valorativa a ser realizada pelo
juiz.

Nesse ponto, faz-se breve digressão para apontar as classificações da prova no processo
penal, de modo a compreender o que se quer dizer com “meio de obtenção de prova”.

Na lição do processualista penal Gustavo Henrique Badaró, a diferença essencial entre


os meios de prova e os meios de obtenção de prova é que:

“enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do


juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática..., os meios de obtenção de
provas... são instrumento para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim,
aptos a convencer o julgador”23

O autor ressalta24, ainda, que os meios de prova se referem a uma atividade


endoprocessual, que se desenvolve perante o juiz e as partes, para a formação de elementos
probatórios, enquanto os meios de obtenção dizem respeito, geralmente, a procedimentos
extraprocessuais, para colheita de elementos que serão valorados posteriormente no processo.

Da classificação da colaboração premiada como um meio de obtenção de prova decorre


a necessidade de que as declarações do colaborador sejam corroboradas por outros elementos.
A Lei 12.850/2013, no §16 do seu art. 4º, estabelece importante regra de valoração das
declarações do agente colaborador na formação da convicção judicial, ao determinar que

22
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis.
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 128.
23
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal [livro eletrônico]. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2021, p. 616.
24
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis.
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 130.
26

nenhuma medida cautelar, decisão de recebimento de denúncia ou sentença condenatória pode


ser decretada ou proferida com fundamento apenas na palavra do colaborador.

Trata-se do que a doutrina moderna convencionou chamar de regra da corroboração, a


qual exige que o conteúdo da colaboração seja confirmado por outros elementos.

Todavia, Badaró25 ressalta o fato de que a colaboração premiada, como um todo, não
pode ser considerada apenas como meio de obtenção de prova, mas sim como um novo modelo
de justiça penal, inserido nas técnicas modernas de investigação da criminalidade organizada.

Isto porque, o modo como a colaboração premiada vem sendo aplicado, desvirtua a
noção do processo penal como um instrumento que legitima a imposição da sanção e a
realização do direito punitivo estatal, já que a centralidade do modelo não está na busca dialética
de provas de modo a dar suporte à reconstrução histórica dos fatos, mas sim, em uma imposição
de uma “verdade” escolhida pelos órgãos acusatórios e autorreferenciada na “evidência dos
fatos”.

Essa constatação não implica no descarte da colaboração premiada do ordenamento


jurídico brasileiro, mas sim na identificação dos seus problemas, com a busca de mecanismos
eficientes de contenção de abusos.

Para os fins da presente pesquisa, conclui-se que a colaboração premiada, como negócio
jurídico processual celebrado com o Estado, deve ser regida pelos princípios processuais penais
e pelas garantias fundamentais advindas da Constituição Federal.

25
Ibidem. P. 146/147.
27

CAPÍTULO II - CONTEÚDO E LIMITES DA COLABORAÇÃO PREMIADA

II.1: Principais disposições sobre o acordo de colaboração premiada na Lei 12.850/2013

Assentadas as noções introdutórias sobre o contexto de surgimento da colaboração


premiada e o conceito e a natureza jurídica que o instituto possui no ordenamento jurídico
brasileiro, faz-se necessária a análise de algumas das regras previstas na legislação atual sobre
a sua aplicação.

Os artigos 4º, caput e §§ 2º, 4º e 5º, da Lei 12.850/2013, listam quais são os possíveis
benefícios que podem ser acordados entre o órgão acusatório e o colaborador: deixar de oferecer
denúncia, perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade ou a
sua substituição por restritiva de direitos e a progressão de regime de cumprimento da pena.

Os incisos do artigo 4º, por sua vez, enumeram as contrapartidas que o colaborador
precisa garantir para obter os benefícios listados acima, quais sejam: a identificação dos demais
coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais praticadas, a revelação
da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa, a prevenção de
infrações decorrentes das atividades da organização criminosa, a recuperação total ou parcial
do produto ou do proveito dos crimes praticados e, por fim, a localização de eventual vítima
com a integridade física preservada.

Em relação ao benefício de não oferecimento da denúncia, a lei prevê também a


necessidade de que o colaborador não seja o líder da organização criminosa e seja o primeiro a
prestar efetiva colaboração (conforme o §4º, do artigo 4º, da Lei de Organizações Criminosas).

O dispositivo normativo em questão prevê, ainda, em seu artigo 5º, direitos adquiridos
pelo colaborador com a celebração do acordo, como usufruir de medidas de proteção previstas
em legislação específica, ter informações pessoais e imagem preservados, ser conduzido, em
28

juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes, participar de audiências sem contato
visual com outros acusados, não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação sem
prévia autorização por escrito e cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal
diverso dos seus corréus.

Além disso, há outros direitos previstos fora do rol expresso do artigo 5º, mas que se
encontram contemplados na própria redação da Lei de Organizações Criminosas, como o direito
à assistência de um advogado ou defensor público, direito à livre manifestação de vontade,
direito à um julgamento de mérito, direito à uma sentença fundamentada, direito à retratação da
proposta de colaboração, direito a que não sejam utilizadas as informações ou provas
apresentadas pelo colaborador durante as tratativas no caso de não celebração do acordo, direito
a que, no caso de retratação, as provas autoincriminatórias não sejam utilizadas exclusivamente
em seu desfavor, direito ao registro das tratativas e dos atos de colaboração pelos menos ou
recursos tecnológicos (inclusive audiovisual) que garantam a maior fidedignidade das
informações, direito à cópia do material registrado, direito a que o juiz não participe das
negociações e direito de impugnar a decisão de homologação do acordo26.

A Lei de Organizações Criminosas também contém previsões expressas sobre algumas


das obrigações do colaborador a partir da celebração do acordo, notadamente, guardar a
confidencialidade das tratativas e dos termos até o levantamento do sigilo por decisão judicial,
narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu, instruir a colaboração com fatos
adequadamente descritos, indicando provas e elementos de corroboração, sujeição ao
compromisso legal de dizer a verdade e cessar o envolvimento na conduta ilícita relacionada ao
objeto da colaboração, sob pena de rescisão.

Quanto às renúncias, cumpre destacar a expressa renúncia ao direito ao silêncio, prevista


no §14 do artigo 4º, da Lei 12.850/2013, in verbis: “nos depoimentos que prestar, o colaborador

26
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de colaboração premiada
no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo: Ed. RT, agosto/2021.
29

renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso


legal de dizer a verdade”.

Trata-se de previsão controversa, uma vez que a Constituição Federal de 1988 dispõe
sobre o direito ao silêncio no seu artigo 5º, inciso LXIII, dentre seu rol de garantias
fundamentais.

O direito ao silêncio também foi consagrado no artigo 8º, n. 2, letra g, da Convenção


Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário:

Artigo 8. Garantias judiciais


(...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa
tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(....)
g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;

Ocorre que, no que tange às colaborações premiadas, a lei impõe a renúncia ao direito
ao silêncio para possibilitar ao delatado o exercício do direito ao confronto, o qual também está
assegurado na Convenção Americana de Direitos Humanos, no artigo 8, n.2, letra f:

f. direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o


comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar
luz sobre os fatos;

Segundo Badaró, se a renúncia não fosse imposta ao colaborador, “restaria


inviabilizada a exploração contraditória da fonte de prova que fez a colaboração e,
consequentemente, nulificado o direito ao confronto”27.

27
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis.
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 134.
30

Santoro28, por sua vez, destaca que o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que
cláusulas com renúncia ao direito ao silêncio possuem validade constitucional, uma vez que
consistiriam em uma restrição ao exercício da garantia, e não uma renúncia ao direito
fundamental em si, como na Pet. 5.952/DF.

A Lei de Organizações Criminosas prevê, ainda, que, formalizado o acordo de


colaboração premiada, seus termos serão remetidos ao juiz, para análise dos seus termos,
conforme §7º do art. 4º.

Caso o juiz verifique a existência de regularidade e legalidade dos termos, adequação


dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º do artigo 4º, a adequação
dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos na lei e a voluntariedade da
manifestação de vontade do colaborador, o acordo de colaboração será homologado.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento paradigmático do HC 127.483, de relatoria


do Ministro Dias Toffoli, também firmou entendimento no sentido de que a homologação
judicial deve analisar a regularidade, voluntariedade e legalidade do acordo:

(...) 5. A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício


de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a
legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações
do colaborador (...)

Além disso, outro momento de atuação do julgador nos acordos de colaboração


premiada é o sentenciamento, quando o magistrado examina a efetividade da colaboração e
determina o benefício a ser concedido ao colaborador.

28
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de colaboração premiada
no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo: Ed. RT, agosto/2021.
31

Entende-se, neste ponto, que o julgador está vinculado ao acordo homologado, mas
somente quanto ao mínimo do benefício a ser concedido. No entanto, a vinculação não impõe
condenação necessária do colaborador ou de outros réus delatados, diante da necessidade de
respeito a outros critérios impostos em lei, como a regra de corroboração29.

Nota-se, portanto, que a Lei 12.850/2013, especialmente após as alterações trazidas com
a Lei 13.964/2019, apresenta critérios e regras delimitadas sobre os possíveis benefícios e
obrigações do colaborador. Além disso, também prevê expressamente o dever do juiz de aferir
a legalidade da colaboração premiada antes da sua homologação e na sua aplicação.

Como já apontado de maneira embrionária ao longo da pesquisa, e conforme será


aprofundado no próximo item, destaca-se o papel dos princípios constitucionais e processuais
penais para o preenchimento de lacunas e contradições deixadas pela legislação vigente, de
modo a limitar abusos do poder estatal.

Entretanto, o que se vê na prática, especialmente nas colaborações celebradas no


contexto da Operação Lava-Jato, é a inovação quanto ao conteúdo do acordo, em desrespeito
aos ditames legais existentes, o que também será aprofundado adiante.

II.2: Limites ao conteúdo do acordo de colaboração premiada

Primeiramente, faz-se necessária análise do posicionamento de alguns autores


importantes no tema da colaboração premiada, quanto às limitações do conteúdo dos acordos
celebrados entre o órgão acusatório e colaboradores, de modo a evidenciar alguns fatores
estáveis de delineamento das possíveis cláusulas, especialmente quanto à pena a ser cumprida
pelo réu colaborador.

29
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 121/122.
32

O principal delimitador do conteúdo das cláusulas de acordo de colaboração premiada


deve ser a legalidade, entendida como regra de limitação efetiva do poder estatal.

O princípio da legalidade figura no nosso texto constitucional, inserido no rol de


garantias fundamentais previstas no artigo 5º da Constituição, em seu inciso XXXIX30.
Também consta no mais importante texto legal internacional, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 9, n. 231.

Considerando o fato de que intervenções do direito penal possuem efeito social mais
gravoso, a soberania do princípio da legalidade na sua aplicação possui especial relevância, já
que confere segurança jurídica ao ordenamento e garante a proteção dos cidadãos diante do
poder punitivo estatal.

Como bem salienta Nefi Cordeiro32, em obra dedicada ao estudo da colaboração


premiada:

“Regra da lei prévia é fundamento não apenas de existência do crime, mas de sua pena
e de todo o procedimento judicial – não pode o Estado-persecutor aplicar penas ou
ritos sem previsão legal, mesmo a pretexto de beneficiar cidadãos. A lei é o limite ao
estado, que em opções pretensamente mais favoráveis acabará por fixar penas ou ritos
perigosamente diferenciados (a aparência de proteção isto concretamente não
garante), em tratamento não igualitário aos demais acusados e sem legitimidade
institucional para a criação”.

Nesse sentido, parte da doutrina, como o ex-Ministro e o autor Vinícius de Vasconsellos,


defendem a limitação, por lei, dos possíveis benefícios, direitos e obrigações constantes de

30
“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
31
“Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituam delito perante o
direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da
prática, era aplicável ao ato delituoso”.
32
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
58.
33

acordos de colaboração premiada, de modo a reduzir a discricionariedade e a insegurança


jurídica na celebração dos pactos33.

Destacam, assim, a necessidade de respeito irrestrito à regra da anterioridade legal da


pena, consubstanciada na necessidade de determinação legal prévia da repressão estatal a fatos
tipificados como delituosos, sendo vedada a criação de penas diferenciadas, mesmo se
resultante de negociação com o acusado.

No entanto, outros autores, como por exemplo Andrey Mendonça34, defendem a ampla,
mas não absoluta, possibilidade de negociação de outras cláusulas não expressamente previstas
em lei. O autor mencionado estabelece, desse modo, alguns limites para o conteúdo do acordo,
como i) a não vedação legal expressa do benefício; ii) a existência de relativa baliza legal,
possibilitando a aplicação de analogia; iii) a licitude e moralidade do benefício; iv) o respeito a
direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana; v) a razoabilidade da concessão do
benefício; e, por fim, vi) a legitimidade do Ministério Público para negociar o benefício.

Há julgados dos Tribunais Superiores assentando a possibilidade de pactuação de


benefícios distintos daqueles previstos na Lei 12.850/2013, desde que favoráveis ao
colaborador. Nesse sentido:

“(...) 4. A fixação de sanções premiais não expressamente previstas na Lei nº


12.850/2013, mas aceitas de modo livre e consciente pelo investigado, não geral
invalidade do acordo. O princípio da legalidade veda a imposição de penais mais
graves do que as previstas em lei, por ser garantia instituída em favor do
jurisdicionado em face do Estado. Deste modo, não viola o princípio da legalidade a
fixação de pena mais favorável, não havendo falar-se em observância da garantia
contra o garantido (...)”
(STF, INQ 4.405/DF AGR, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 27.02.2018)

“Por maioria, a Corte Especial do STJ admitiu a fixação de sanções penais atípicas no
âmbito de um acordo de colaboração premiada. O ministro Og Fernandes, cujo voto

33
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 179
34
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a
autonomia da vontade. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração premiada.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 96/97.
34

prevaleceu no julgamento, recordou que o próprio STF já homologou vários acordos


com a previsão de benefícios atípicos.
O magistrado explicou que isso não significa liberdade absoluta às partes, pois, como
já apontado pelo STF, a discricionariedade para a celebração do acordo é balizada
pelas leis e pela Constituição.
O ministro destacou que, se é possível extinguir a punibilidade dos crimes praticados
pelo colaborador (perdão judicial) ou isentá-lo de prisão (substituição da pena), com
mais razão seria possível aplicar-lhe pena privativa de liberdade com regime de
cumprimento mais benéfico.
‘O sistema deve ser atrativo ao agente, a ponto de estimulá-lo a abandonar as
atividades criminosas e colaborar com a persecução penal. Ao mesmo tempo, deve
evitar o comprometimento do senso comum de justiça ao transmitir à sociedade a
mensagem de que é possível ao criminoso escapar da punição, 'comprando' sua
liberdade com informações de duvidoso benefício ao resultado útil do processo penal’,
concluiu Og Fernandes”35.

Contudo, ao contrário do entendimento aplicado pelos tribunais e de parte da doutrina,


entende-se pela necessidade do estrito respeito à legalidade no momento da definição das
cláusulas de colaboração premiada, uma vez que, apesar de aparentar beneficiar o colaborador
em primeira análise, a expansão da não restrição no âmbito do acordo esvazia os limites do
instituto, ocasionando, inevitavelmente, em esvaziamento do devido processo legal, e abrindo
brechas para manifestações ilegítimas de poder36.

Nesse ponto, pode-se destacar a experiência norte-americana com o plea bargain, como
um exemplo de abuso do poder punitivo estatal com a ampliação da discricionariedade do órgão
acusatório.

Como cediço, cerca de 90% das condenações proferidas nos Estados Unidos, tanto no
âmbito estadual, quanto no federal, se deram em razão de acordos de plea bargain. Importa
ressaltar, também, que os Estados Unidos possuem a maior população carcerária do mundo.

35
SUPERIOR TIBUNAL DE JUSTIÇA, Colaboração Premiada: os entendimentos recentes sobre o acordo entre
o Estado e o investigado, 2022. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/04122022-Colaboracao-premiada-os-
entendimentos-mais-recentes-sobre-o-acordo-entre-Estado-e-investigado.aspx
36
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 180/181.
35

A busca pela eficiência, diante da suposta exacerbada complexidade do processo


comum, e o aumento da criminalidade, culminou na expansão acelerada de mecanismos
negociais na tradição jurídica estadunidense. Combina-se a esses fatores a total
discricionariedade do órgão acusatório acerca dos termos da propositura da ação penal.

Nesse sentido, a autora Ananda de França Almeida37 destaca medidas comumente


adotadas pelos órgãos acusatórios nos Estados Unidos, de modo a compelir os acusados a
aceitarem acordos de plea bargain, como o overcharging (imputação de condutas mais graves,
ou série de condutas, sugerindo penas exageradas no início da persecução), a possibilidade de
negociação da liberdade de outras pessoas (deixando de acusar uma terceira pessoa, por
exemplo), e a possibilidade de a acusação apenas revelar suas provas num momento
considerado oportuno.

Diante disso, a autora aponta que é simples entender o porquê de indivíduos se sentirem
compelidos a se declararem culpados, aceitando uma pena mínima, ao invés de se submeter a
um julgamento em que se têm consciência da possível aplicação de pena exacerbada, ou com
consequências indesejadas para terceiros envolvidos, como familiares e amigos.

No entanto, esse exemplo ilustra perfeitamente o impacto da expansão ilimitada de


mecanismos da justiça negocial, em detrimento de direitos fundamentais e com a ampliação
irrestrita do poder punitivo estatal38. A utilização de argumentos de caráter utilitarista não pode
ser predominante em relação ao respeito às garantias constitucionais de indivíduos submetidos
ao processo penal.

37
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 181.
38
ALMEIDA, Ananda França de. A (in)compatibilidade da ampla discricionariedade acusatória inerente ao plea
bargaining com o acordo de colaboração premiada. In: Colaboração premiada: aspectos teóricos e
práticos/Coordenação de André Luís Callegari – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 290.
36

Isso porque “o objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual


do imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no processo... o que
necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir, é a intervenção estatal39”.

Assentadas essas premissas, compreende-se a importância da aplicação dos princípios


processuais penais como balizas da atuação persecutória estatal. Nesse sentido, Nefi Cordeiro40
destaca a própria prevalência do modelo acusatório no sistema estabelecido pela Constituição
Federal de 1988 como limitador principiológico ao conteúdo da colaboração premiada.

Em linhas gerais, o sistema acusatório é caracterizado pela i) clara distinção entre as


funções de acusar e julgar, ii) a iniciativa probatória deve ser das partes, iii) o juiz é terceiro
imparcial, alheio à investigação e passivo no que se refere à coleta da prova; iv) tratamento
igualitário das partes; v) publicidade do procedimento; vi) contraditório e possibilidade de
defesa; vii) ausência de tarifa probatória, sendo a sentença resultado de livre convencimento
motivado do magistrado; viii) instituição, atendo-se a critérios de segurança jurídica; e,
finalmente, ix) possibilidade de impugnação de decisões e duplo grau de jurisdição41.

A principal característica do modelo inquisitório, por sua vez, é a concentração das


funções de acusação e julgamento em uma mesma figura, o inquisidor, tornando-se o acusado
mero objeto da investigação, e não sujeito processual. O sistema, contudo, foi amplamente
desacreditado, por incidir em erro básico: acreditar que uma mesma pessoa poderia
desempenhar funções tão distintas como acusar e julgar42.

39
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p.39/40.
40
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
66/70.
41
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p. 220.
42
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p. 222/230.
37

De acordo com Nefi Cordeiro43, o modelo negocial da colaboração premiada, caso


aplicado sem cautela, acarreta nova concentração de poderes acusatórios e julgadores,
especialmente na fixação de pena concreta ao colaborador e de início antecipado da execução
penal, como será aprofundado adiante.

O autor destaca que a o estabelecimento de pena pelo órgão acusatório durante a


negociação do acordo cria sistema no qual o Ministério Público acumula as funções de
investigação, acusação, admissão de culpa e determinação da sanção a ser cumprida, chegando
ao ponto até de fixar o momento da sua execução. Trata-se de clara reunião de funções
processuais distintas, fazendo expressa alusão ao formato inquisitório de processo penal.

Essa tendência, de acordo com o ex-Ministro, compromete a isenção da atuação estatal,


fazendo ressurgirem riscos do sistema inquisitório, como o desaparecimento de controles de
partes, o esmaecimento de possibilidades de revisão e a coisificação do réu.

Desse modo, para que seja assegurada a observância do sistema legal acusatório
estabelecido constitucionalmente no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessária a
atuação do magistrado na definição da culpa do réu colaborador, aplicando-se a pena
correspondente ao delito apurado, com os benefícios de redução negociados no âmbito da
colaboração. Ao Ministério Público, caberá negociar os parâmetros a serem aplicados44.

Outro princípio que obviamente deve incidir sobre o conteúdo das previsões de acordos
de colaboração premiada é o devido processo legal, o qual está presente no texto constitucional,
em seu artigo 5º, inciso LIV45.

O principal objetivo dessa cláusula é que, em um Estado Democrático de Direito, deve


sempre se interpor um processo, devidamente conduzido por um juízo competente e imparcial,

43
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
67/69.
44
Ibidem
45
“Ninguém será provado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
38

entre o indivíduo e a coação estatal que pode ser aplicada sobre seus bens e, especialmente,
sobre sua liberdade46.

Nota-se, portanto, que é do devido processo legal que decorrem as demais garantias
aplicáveis ao processo penal, como a vedação da imposição de pena sem prévio processo e ato
judicial (nulla poena sine iudicio), regra central para o objeto da presente pesquisa, e que será
explorada com maior profundidade no próximo capítulo.

Assim, a garantia do devido processo legal perpassa pela necessidade de existência de


processo justo, compreendido como aquele que visa a proteção dos direitos fundamentais dos
indivíduos.

Destaca-se, ainda, que a positivação, no texto da lei, de princípio que já decorria do


próprio sistema constitucional, mostra a intenção do legislados de assegurar o cumprimento
substancial do dispositivo.

No âmbito da colaboração premiada, isso significa que a ordem constitucional deve ser
levada em consideração quando da interpretação acerca dos limites do conteúdo e da aplicação
do instituto.

II.3: A colaboração premiada e o legado da Operação Lava-Jato na prática jurídica


brasileira

Apesar de a Lei 12.850/2013 estabelecer critérios específicos quanto à colaboração


premiada, bem como a existência de claros limites principiológicos decorrentes do texto
constitucional e amplamente discutidos pela doutrina, a Operação Lava-Jato constituiu marco

46
CANOTILHO, J.J. Gomes, et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018, p. 460.
39

de extrapolação de balizas legais, especialmente no que tange ao conteúdo dos acordos de


colaboração.

Nesse ponto, faz-se necessária breve exposição sobre a referida operação e seus
principais desdobramentos.

A Operação Lava-jato foi deflagrada em março de 2014, perante a Justiça Federal em


Curitiba, a partir de investigações que apuravam a atuação de quatro doleiros. Posteriormente,
com o avanço das inquirições, foram descortinadas participações de agentes públicos e
empresários, apurando-se irregularidades na Petrobrás e em contratos vultosos celebrados no
Brasil, como a construção da usina de Angra 347.

Rapidamente, a operação tomou proporções gigantescas, com frentes de investigação


abertas ao redor do país, mas principalmente nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo
e no Distrito Federal. As apurações abalaram o sistema político brasileiro, trazendo para o foco
das investigações e para o banco dos réus dirigentes dos maiores partidos do país,
parlamentares, ex-ministros e até mesmo ex-presidentes da República, bem como executivos e
empresários das maiores empreiteiras e empresas atuantes no território nacional.

O próprio Ministério Público Federal passou a descrever a operação como “a maior


iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil”48.

A condução das investigações foi marcada pelo estabelecimento de forças-tarefas,


comandadas por procuradores da República que alcançaram grande destaque midiático, como
Deltan Dallagnol, posteriormente eleito como deputado federal e, cujo mandato foi cassado em
2023.

47
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Lava-Jato. Entenda o caso. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/entenda-o-caso
48
Ibidem
40

Além disso, as operações também trouxeram protagonismo aos juízes titulares das varas
federais onde os principais processos e procedimentos tramitavam, como Sérgio Moro, que
posteriormente foi nomeado ao cargo de Ministro da Justiça, e Marcelo Bretas, que acabou
afastado pelo Conselho Nacional de Justiça em razão de sua atuação em processos lava-jatistas.

Moro, em realidade, foi o grande protagonista da operação Lava-Jato, alçado ao posto


de herói nacional por parte da sociedade que clamava pela busca desenfreada ao combate à
corrupção e ao desmantelamento de esquemas que alcançavam os mais diversos núcleos
políticos e econômicos do país.

Em 2004, o ex-juiz havia escrito artigo sobre a Operação Mãos Limpas49, deflagrada na
Itália em 1922, a qual aplicou técnicas não compatíveis com o sistema acusatório na condução
das investigações, e que pode ser considerada como inspiração para a condução da Lava-Jato
brasileira.

Ao final do artigo, o ex-juiz concluiu que estariam presentes, no Brasil, condições para
a realização de ação judicial semelhante50, ressaltando, ainda, que seria impossível conceber
um processo criminal contra figuras poderosas sendo conduzidos normalmente e sem reações51.

Essa afirmação foi traduzida na condução da Lava-Jato, a qual foi marcada por vícios
processuais, amparados pelo anseio punitivista social, que acabou sendo incorporado pelos
agentes jurídicos.

49
MORO, Sergio Fernando. Considerações sobre a operação mani pulite. Revista CEJ, Brasília, v. 8, n. 26, p. 56-
62., jul./set. 2004. p. 56-62.
50
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A imbricação entre maxiprocessos e colaboração premiada: o
deslocamento do centro informativo para a fase investigatória na Operação Lava Jato, Revista Brasileira de Direito
Processual Penal. 2020, p. 95.
51
GLOBO, Por que Sergio Moro responsável por julgar casos da Lava-Jato incomoda tanto. Disponível em:
https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/noticia/2015/10/por-que-sergio-moro-responsavel-por-julgar-casos-da-
lava-jato-incomoda-tanto.html
41

Após 79 (setenta e nove) fases, a já enfraquecida operação, principalmente após o


vazamento, em 2019, de mensagens privadas atribuídas ao ex-juiz Sérgio Moro e procuradores
que lideravam as forças-tarefa da Lava-Jato, as quais colocavam em dúvida a imparcialidade
das investigações, foi encerrada no ano de 2021.

A Operação Lava-Jato, contudo, não foi responsável somente por mudar os rumos
políticos do país, auxiliando na rápida ascensão de políticos que seguiam o rastro do discurso
anticorrupção, mas também por modificar a própria estrutura da justiça criminal brasileira, a
partir, a título de exemplo, da aplicação desenfreada da regra da prevenção para fixação de
competência, da maximização dos processos, e, até mesmo, da edição e promulgação da Lei
13.964/2019 (Pacote Anticrime), que positivou em lei várias das práticas já aplicadas nos
processos lava-jatistas.

A principal consequência da Operação Lava-Jato que importa para o objeto deste estudo
é a massificação do uso das colaborações premiadas, consistente em instrumento importante de
condução das investigações pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. As
narrativas dos colaboradores, e os elementos de corroboração obrigatoriamente apresentados
em seus termos, foram essenciais para que o órgão acusatório compreendesse como eram
praticados delitos complexos e de difícil elucidação.

De acordo com relatório do Parquet, foram celebrados 209 acordos de colaboração no


âmbito da operação, sendo 138 deles homologados pelo Supremo Tribunal Federal. Foram
devolvidos aos cofres públicos 4,3 bilhões de reais, além de terem sido pactuadas multas
compensatórias que totalizaram 2,1 bilhões de reais52.

Um dos efeitos desta massificação do uso da colaboração premiada nos maxiprocessos


da Operação Lava-Jato foi o deslocamento do centro informativo do procedimento para a fase
de investigação, já que as declarações dos colaboradores e as provas de corroboração

52
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Lava Jato. Resultados. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/resultados
42

apresentadas foram utilizadas para formar o convencimento dos julgadores, na maioria dos
casos53.

A influência da mídia durante a Operação Lava-Jato também é ponto importante para


compreender quais elementos permitiram as interpretações que levaram às alterações das
práticas processuais naquele momento.

O autor Raphael Boldt, em artigo que analisa os maxiprocessos criminais, a corrupção


e a mídia54, destacou a figura da imprensa como uma “fábrica da realidade”, termo cunhado
por Zaffaroni55, apontando que:

“a mídia tem desempenhado papel fundamental nesse contexto, pois promove a


corrosão simbólica do processo penal garantista e a legitimação do poder punitivo,
inclusive de seus excessos, por meio de uma narrativa que estabelece o consenso
acerca da necessidade de endurecimento do sistema penal contra a “corrupção”
estrutural e a elite política e econômica que, supostamente, assume os valores da velha
política. Como resultado da primazia desse discurso, a mobilização dos aparatos
punitivos se impõe como única alternativa para a contenção da criminalidade,
sobretudo no que se refere aos crimes econômico-financeiros.”.

A subversão da lógica do devido processo legal, portanto, foi sustentada por um


falacioso discurso de que os fins justificariam os meios. Essa tendência pode ser observada,
como já destacado, nas próprias disposições constantes dos termos de colaboração premiada
celebrados durante a Operação Lava-Jato.

53
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A imbricação entre maxiprocessos e colaboração premiada: o
deslocamento do centro informativo para a fase investigatória na Operação Lava Jato, Revista Brasileira de
Direito Processual Penal. 2020
54
BOLDT, Raphael. Maxiprocessos criminais, corrupção e mídia: uma análise a partir da operação lava jato.
Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 3, p. 1209-1237, set./dez. 2020, p.
1231/1232.
55
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de
Janeiro: Revan, 2001, p. 12
43

Santoro56, em artigo desenvolvido a partir de análise qualitativa de acordos pactuados


até o segundo semestre de 2017, destacou quais previsões de benefícios, obrigações e renúncias
extra e contra legem foram identificadas.

Para os fins da presente pesquisa, serão destacadas apenas as previsões referentes às


penas dos réus colaboradores.

O autor aponta, primeiramente, o fato de os acordos disporem sobre a própria quantidade


da pena, e a forma de execução, reunindo em um único instrumento todas as investigações e
processos em curso ou futuros que tenham relação com o objeto do acordo. Além disso, é
comum verificar a criação de regimes prisionais inexistentes na legislação pátria, ou até mesmo
a definição do local onde a pena privativa de liberdade viria a ser cumprida pelo réu
colaborador.

Também foi comum a estipulação de benefícios em relação à pena de multa, o que não
possui amparo na Lei 12.850/2013. Os acordos também previram a suspensão das ações penais,
inquérito e demais procedimentos em curso ou relacionados aos fatos objeto da colaboração por
alguns anos, com a consequente suspensão do prazo prescricional.

Tanto nos casos de cláusulas manifestamente contrárias à legislação vigente, ou apenas


extra legem, o autor destaca que, em tese, os benefícios pactuados deveriam ser tratados como
situações excepcionais, necessitando-se respeitar os limites do princípio da legalidade, tendo
em vista que os acordos são negócios processuais regidos pelas normas de Direito Público.

Os apontamentos feitos interessam à presente pesquisa, na medida em que demonstram


como argumentos utilitaristas e falaciosos em nome do combate à corrupção, em atendimento
ao clamor social punitivista incendiado pela cobertura midiática, se sobressaíram em relação às

56
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de colaboração premiada
no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo: Ed. RT, agosto/2021, p. 200/203.
44

garantias processuais penais, constitucionais e ao devido processo legal, principalmente quanto


à aplicação dos acordos de colaboração premiada.

Nota-se que foram diversas as disposições contra e extra legem presentes nos acordos
celebrados durante a Operação Lava-Jato, e a análise dos efeitos práticos deste período ainda
demandará anos de produção acadêmica.

Contudo, retornando ao eixo do objeto desta pesquisa, o próximo capítulo do estudo


será dedicado à discussão sobre as cláusulas de cumprimento imediato de pena na colaboração
premiada.
45

CAPÍTULO III – CLÁUSULAS DE CUMPRIMENTO IMEDIATO DE PENA


EM ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA

III.1: Cláusulas de cumprimento imediato nos tribunais brasileiros.

No momento de auge da Lava-Jato, em que imagens de prisões cautelares e medidas


coercitivas eram estampadas nos veículos de imprensa diariamente, colaboradores que se viam
como alvos próximos dos desdobramentos seguintes da operação, frequentemente pactuavam
com o Ministério Público penas e regimes de cumprimento mais benéficos, que seriam iniciadas
imediatamente, cobertos pela intenção de encerrar logo esse capítulo de suas vidas,
possibilitando um retorno ao seu cotidiano mais rapidamente.

Dessa maneira, tornaram-se cada vez mais frequentes notícias da celebração de acordos
de colaboração premiada que contivessem cláusulas de cumprimento antecipado das penas
pactuadas, tanto após a assinatura do acordo, quanto após a sua homologação.

Cláusula nesse sentido foi incluída, por exemplo, ao acordo de colaboração de José
Sérgio de Oliveira Machado, em seu parágrafo primeiro, letra e, com a redação a seguir:

“e) É facultado ao COLABORADOR requerer ao órgão judicial que houver


homologado este acordo, desde que o faça e até 30 (trinta) dias contados da
homologação, autorização para cumprir antecipadamente a pena privativa de
liberdade, desde logo isentando a União de toda e qualquer responsabilidade caso não
venha, por qualquer fundamento, a sofrer condenação penal ou, sofrendo, caso as
penas privativas de liberdade que lhe forem 3plicadas sejam inferiores ao ora
pactuado”.57

Também foram veiculadas notícias jornalísticas sobre a existência de cláusulas de


cumprimento antecipado de pena nos acordos de colaboração premiada celebrados por
executivos da empreiteira Odebrecht. De acordo com matéria de Walter Nunes, da Folha de

57
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 6.138. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/peca-pet-
6138.pdf
46

São Paulo58, pelos termos dos acordos, os quais permanecem em sigilo, dezenas de delatores
seriam submetidos a penas de prisão, sem terem sido formalmente denunciados, ou sequer
investigados.

A imprensa também noticiou59 que pelo menos um dos delatores da Odebrecht, Paulo
Cesera, requereu ao Ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal,
que permitisse o cumprimento antecipado da prisão domiciliar imposta em seu acordo. Instada
a se manifestar, a procuradora Rachel Dodge opinou favoravelmente ao requerimento,
destacando que a antecipação da pena seria responsabilidade do delator.

Segundo informações, Paulo Cesera teria motivado o requerimento na sua intenção de


“virar a página”, e dar prosseguimento à sua vida profissional o quanto antes.

Outro termo de colaboração divulgado publicamente, com disposições neste sentido, foi
o acordo do colaborador Delcídio do Amaral Gomez60, que possui capítulo intitulado “das
condições incidentes antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, com
cláusulas 13ª, 14ª e 15ª determinando o cumprimento de medidas privativas de liberdade nos
meses seguintes à homologação do acordo.

Todos os acordos mencionados acima foram homologados pelo Supremo Tribunal


Federal, com ou sem ressalvas quanto às cláusulas de cumprimento imediato de pena.

58
FOLHA DE S. PAULO, Delatores da Odebrecht cumprirão pena sem condenação, 2017. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/03/1863736-delatores-da-odebrecht-cumprirao-pena-sem-
condenacao.shtml
59
GLOBO, Delator da Odebrecht em liberdade pede pra cumprir pena sem ter sido condenado. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/politica/delator-da-odebrecht-em-liberdade-pede-para-cumprir-pena-sem-ter-sido-
condenado-22037964
60
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 5.952, disponível em
https://estaticog1.globo.com/2016/03/15/DELACAODELCIDIO.pdf?_ga=2.199271469.2081464120.168771591
6-1096936231.1674831419
47

No caso do acordo de Sérgio Machado, o saudoso Ministro Teori Zavazki proferiu


decisão de homologação61 nos seguintes termos:

“Por fim, embora nada impeça o imediato cumprimento do acordado por José Sérgio
de Oliveira Machado nas cláusulas 1ª, 2ª e 3ª, b, o art. 4º, caput e §§§ 1º, 2º e 22, da
Lei 12.850/2013 não deixa margem à dúvida no sentido de constituírem os benefícios
acordados, ainda que homologados (JC 127483, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal
Pleno, julgado em 27/08/2015), direitos cuja fruição estará condicionada ao crivo do
juiz sentenciante, no caso concreto, à luz desses parâmetros. Portanto, o cumprimento
antecipado do acordado, conquanto possa se mostrar mais conveniente ao
colaborador, evidentemente não vincula o juiz sentenciante, nem obstará o exame
judicial no devido tempo”

Nota-se, portanto, que, naquela oportunidade, o Ministro fez observação quanto ao


cumprimento antecipado, destacando que, apesar de possível, o início estaria condicionado ao
juízo sentenciante, responsável pela aplicação da pena prevista no acordo.

O mesmo entendimento foi adotado pela Ministra Carmen Lúcia, que assumiu
provisoriamente a relatoria de processos relacionados à Lava-Jato após o trágico acidente
envolvendo o Ministro Teori Zavaski. Segundo notícias circuladas pela mídia62, a Ministra
despachou nos autos das colaborações, as quais são sigilosas, nos termos abaixo:

“Segundo a Folha apurou, a ministra faz uma ressalva em seu despacho, que também
está sob sigilo, quanto ao trecho que determina o cumprimento imediato da pena.
‘O cumprimento antecipado do acordado, conquanto possa se mostrar mais
conveniente ao colaborador, evidentemente não vincula o juiz sentenciante, nem
obstará o exame judicial no devido tempo’, diz o despacho.
Ou seja, apesar de o acordo prever cumprimento imediato de pena, a ministra faculta
essa decisão aos juízes que serão responsáveis por cada ação decorrente da delação –
os casos revelados pela Odebrecht seguiram para o Judiciário nos Estados”.

61
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 6.138. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/peca-pet-
6138.pdf
62
MSN NOTÍCIAS. Oito meses após delações de 77 executivos, apenas Marcelo Odebrecht está preso, 2017.
Disponível em: https://www.msnoticias.com.br/policia/oito-meses-apos-delacoes-de-77-executivos-apenas-
marcelo-odebrecht/74880/
48

Na decisão de homologação63 do acordo de Delcídio do Amaral, por sua vez, o Ministro


Teori Zavaski não fez ressalva quanto às cláusulas de cumprimento da pena antes do trânsito
em julgado de sentença condenatória, momento no qual assentou que:

“Quanto ao conteúdo das cláusulas acordadas, e certa que não cabe ao Judiciário outro
juízo que não o da sua compatibilidade com o sistema normativo. Sob esse aspecto, o
conjunto das cláusulas do acordo guarda harmonia com a Constituição e as leis, com
exceção da expressão ‘renúncia’ a garantia contra a autoincriminação e ao direito ao
silencio, constante no título VI do acorda (fI. 20), no que possa ser interpretado como
renuncia a direitos e garantias fundamentais, devendo ser interpretada com a adição
restritiva ‘ao exercício’ da garantia e do direito respectivos no âmbito do acorda e para
seus fins”.

As decisões colacionadas acima, as quais evidentemente não exaurem os


pronunciamentos sobre o tema, sendo trazidas a título de exemplo e para a realização de uma
análise qualitativa, demonstram que não há linearidade no entendimento do Supremo Tribunal
Federal quanto à possibilidade de pactuação de cláusulas impondo o cumprimento antecipado
de penas privativas de liberdade.

As mesmas inconsistências se espraiam nos outros tribunais brasileiros.

Em julgamento recente da Pet 12.673, cujos autos estão em sigilo, o Superior Tribunal
de Justiça analisou se a previsão de cumprimento imediato de pena privativa de liberdade após
a homologação de acordo de colaboração ofenderia o devido processo legal e a presunção de
inocência.

Apesar de o julgamento não ter sido concluído, em razão de pedido de vista do Ministro
Mauro Campbell, o relator do feito, Ministro Raul Araújo, já proferiu seu voto, conforme
notícia64 a seguir:

63
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 5.952, disponível em
https://estaticog1.globo.com/2016/03/15/DELACAODELCIDIO.pdf?_ga=2.199271469.2081464120.168771591
6-1096936231.1674831419
64
CONJUR, STJ julga execução imediata de pena após homologação de delação premiada. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2023-mai-03/stj-julga-execucao-imediata-pena-homologacao-
49

“Em sessão nesta quarta, Raul Araújo votou por negar o recurso da defesa. Apontou
que a forma de cumprimento da pena no caso concreto não é prisão no sentido estrito
de reprimenda estatal, mas mera condição do acordo com o qual o colaborador
concordou.
Com isso, destacou que não se pode invocar o devido processos legal e a presunção
de inocência para, violando legitima expectativa do Ministério Público Federal e em
ofensa ao dever de lealdade, deixar de cumprir o que foi combinado somente na parte
que lhe interessa.
(...)
‘A existência do espaço de negociação é a essência da colaboração premiada’, apontou
o ministro Raul. Assim, retirar o cumprimento imediato da pena do acordo extirparia
o principal custo imposto ao colaborador pelo Ministério Público Federal.
‘Comprometeria todo o acordo’, resumiu”.

Nota-se que o Ministro adota o entendimento de prevalência da autonomia da vontade


e liberdade de negociação das partes para justificar o cumprimento antecipado da pena, que já
teria sido acordado entre o Ministério Público e o colaborador.

Nos autos da carta de ordem nº 35618-64.2016.4.01.3400, foi acostado o termo de


colaboração celebrada entre a Procuradoria Geral da República e Benedito Rodrigues de
Oliveira Neto, do qual ressalta-se a seguinte cláusula:

“CLÁUSULA 5 - Considerados a ausência de antecedentes criminais, o fato de que o


COLABORADOR ser um dos integrantes da organização criminosa e não ter sido o
primeiro a prestar efetiva colaboração, além da gravidade e repercussão social dos
fatos por ele revelados, a utilidade potencial da colaboração prestada, inclusive em
face do tempo e da dificuldade em alcançar as provas das condutas, uma vez
cumpridas integralmente as condições impostas neste acordo para o recebimento dos
benefícios e desde que efetivamente obtidos os resultados previstos nos incisos 1, II,
III e IV, do art. 4°, da Lei n. 12.850/13, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o
COLABORADOR ajustam, nos feitos e procedimentos em que venha a figurar como
sujeito passivo, especialmente relacionados aos inquéritos n. 1.059, 1.103, 1.104,
1.105 e 1.106 do Superior Tribunal de Justiça, bem como, cumulativamente, em
qualquer feito ou procedimento criminal já instaurado ou por instaurar cujo objeto
coincida com os fatos revelados na colaboração ora pactuada, a seguinte premiação
legal, desde logo aceita: (....) 1) o perdimento antecipado da aeronave BEECH
AIRCRAFT, modelo C90A, número de série LJ-1287, matrícula PR-PEG, de
propriedade da empresa BRIDGE Participações S/A, da qual é o acionista controlador,
com o que não sofrerá nenhuma outra restrição patrimonial na esfera penal, além da
multa prevista no item e desta cláusula;”

delacao#:~:text=A%20possibilidade%20de%20aplicar%20as,deveriam%20come%C3%A7ar%20a%20ser%20a
plicadas
50

Após a homologação, o Parquet fez um requerimento para que fosse expedido ofício à
SPU e à ANAC com fim de viabilizar o perdimento da aeronave indicada no acordo de
colaboração. O Min. Herman Benjamin, responsável pela homologação do acordo no Superior
Tribunal de Justiça, proferiu então o seguinte despacho:

“5. Indefiro a expedição de ofício à SOU, neste momento, assim como a expedição de
mandado à ANAC, porque o efetivo perdimento do bem só se dará com o julgamento
e em caso de condenação, nos termos da decisão de fls. 111-117. A destinação
provisória do bem está sendo tratada na Pet 11.240. Eventualmente, e se for o caso,
poderá a aeronave ser alienada antecipadamente e o produto da venda depositado em
conta judicial, à disposição do juízo.”

Neste caso, o Ministro Herman Benjamin aplicou entendimento contrário ao voto do


Ministro Raul Araújo, indo além ainda em seu raciocínio jurídico, uma vez que estendeu a
inviabilidade do cumprimento imediato da sanção não só para a pena privativa de liberdade,
como também para cláusulas de perdimento de bens.

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, perante o qual passaram muitas ações da


Operação Lava-Jato, a 8ª Turma negou recurso do engenheiro Agosthilde Mônaco de Carvalho,
ex-funcionário da área internacional da Petrobrás, nos autos do processo nº 5041088-
03.2018.4.04.7000, pugnando pela execução antecipada de pena de prestação de serviços
comunitários65, conforme a ementa a seguir:

“’OPERAÇÃO LAVA-JATO’. EXECUÇÃO PENAL. ACORDO DE


COLABORAÇÃO PREMIADA. COMPETÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO
PROCESSUAL. EXECUÇÃO ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA
DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL.
1. A execução penal oriunda dos juízos da Seção Judiciária do Paraná compete ao
Juízo da 12a Vara Federal de Curitiba/PR, nos termos do artigo 65 da Lei de Execução
Penal, da Resolução no 96, de 10/09/2015, e da Resolução no 18, de 24/04/2007,
ambas do Tribunal Regional Federal da 4a Região.

65
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. TRF4 nega cumprimento de prestação de serviço
comunitário acordado em delação antes da sentença. Disponível em:
https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=14487
51

2. Não é compatível com as regras processuais penais a fixação de um juízo da


execução por eleição ou a concentração no juízo homologatório da colaboração
premiada, como se juízo universal fosse.
3. O acordo de colaboração premiada tem natureza de negócio jurídico processual,
sendo, no que diz respeito aos benefícios, mero balizador do cumprimento da pena.
4. Revogado o acordo por decisão judicial que reconheça a responsabilidade do
colaborador, poderão ser cassados os benefícios e determinado o cumprimento da
pena nos moldes fixados no título penal condenatório.
5. O acordo de colaboração premiada judicialmente homologado não tem
natureza de título executivo judicial condenatório, não se admitindo a execução
antecipada da pena sem o trânsito em julgado ou exaurimento do segundo grau
de jurisdição.
6. Agravo de execução improvido”.
(grifos meus)

A Turma acompanhou, por unanimidade, o primoroso voto do Desembargador João


Pedro Gebran Neto, relator do feito, cujos trechos merecem reprodução no presente texto:

“Calha dizer, a propósito, que condições previstas em acordo de colaboração


premiada, sobretudo aquelas que modificam ou por vezes inviabilizam a própria
constituição, mesmo que homologadas pelo juízo competente, são de duvidosa
constitucionalidade.
(...)
Ademais, ainda que haja acordo firmado entre as partes e homologação judicial, não
se pode ignorar que compete ao Poder Judiciário o dever de fixar a reprimenda, dando
à colaboração a deferência que lhe é merecida, mas não estando a ela vinculado
obrigatoriamente. É de se imaginar, nessa perspectiva, a temeridade de iniciar-se a
execução antecipada com fundamento no acordo de colaboração premiada para
posteriormente chegar-se a um processo absolutório”.

É de especial relevância para esta pesquisa o trecho no qual o Desembargador afirma


que cláusulas que modificam os preceitos instituídos pela Constituição federal, mesmo que
homologadas por juízo competente, possuem consequência jurídica duvidosa.

Novamente, importa ressaltar que as decisões colacionadas neste item são apresentadas
a título de exemplo, inexistindo qualquer pretensão de esgotar o pronunciamento dos tribunais
brasileiros quanto às cláusulas de cumprimento antecipado, ou de realização de análise
quantitativa ou estatística dos entendimentos.
52

No entanto, os exemplos expostos demonstram a ausência de consenso quanto à


legalidade das referidas cláusulas.

III.2: Cláusulas de cumprimento antecipado de pena na doutrina brasileira

Quanto à posição da doutrina sobre a legalidade das referidas cláusulas, destaca-se a


prevalência da tese de impossibilidade do início de cumprimento de pena antes do trânsito em
julgado de sentença condenatória.

Nesse sentido, o Ministro aposentado Nefi Cordeiro66 chama atenção para o perigo na
execução imediata da pena negociada pelo Ministério Público, apontando que tal medida
“restaura indevidamente um modelo inquisitório de processo, com concentração de todos os
poderes no órgão acusador”.

O autor continua seu raciocínio, salientando que a execução imediata de pena negociada
causa confusão não apenas de funções processuais, mas de suas próprias fases e garantias. A
ordem constitucional brasileira impõe ao Judiciário a obrigação de determinar o cumprimento
da sanção penal, após verificadas a presença de todas as justificadoras da acusação penal.

O Ministro aposentado traz, ainda, em sua obra, importante trecho dos autores Canotilho
e Brandão, o qual é reproduzido no presente texto:

“O início de uma pena criminal, ainda para mais por simples e directa determinação
do Ministério Público, sem que haja uma sentença judicial que a decrete configura
uma autêntica aplicação da pena sine judicio e sine judex. Nada que, obviamente, se
possa aceitar num Estado de direito. A jusestadualidade que deve caracterizar a
república Federativa do Brasil e comandar a acção de todos os seus órgãos não
consente que um réu sofra a execução de uma pena criminal sem um prévio e devido
processo penal (art. 5º, LIV, da Constituição Brasileira)” 67..

66
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada. Caracteres, limites e controles. Editora Forense, 2020, p. 66.
67
CANOTILHO, J.J. Gomes; BRANDÃO, Nuno. Colaboração premiada: reflexões críticas sobre os acordos
fundantes da Operação Lava-Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 133, ano 25, jul. 2017,
p. 159, In CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada. Caracteres, limites e controles. Editora Forense, 2020, p. 66.
53

Vinícius de Vasconsellos68 segue o mesmo entendimento, defendendo a nulidade das


cláusulas de cumprimento antecipado de pena, uma vez que desvirtuam por completo a lógica
procedimental estruturada pela Lei 12.850/2013, a qual define dois momentos inquestionáveis
de atuação do julgador no acordo de colaboração premiada: a homologação e o sentenciamento.
A sistemática criada pela execução imediata da pena autorizaria a imposição de sanções a
indivíduos ainda não processados, condenados, ou até mesmo investigados, o que viola as
premissas mais básicas de presunção de inocência e devido processo legal.

O autor aponta, ainda, que cláusulas de cumprimento antecipado também


caracterizariam descumprimento do disposto no § 16, do artigo 4º da Lei 12.850/2013, uma vez
que somente com o transcorrer do processo é que poderiam ser produzidas provas
incriminatórias aptas a embasar uma sentença condenatória, que não pode ser fundada
exclusivamente nas declarações de colaboradores.

Rodrigo Capez69, em artigo analisando a sindicabilidade de acordos de colaboração,


também expõe seus argumentos pela inconstitucionalidade da execução imediata da pena
negociada, destacando que a possibilidade de detração penal, prevista no artigo 42 do Código
Penal, do tempo de prisão cautelar eventualmente cumprida pelo colaborador não pode ser
confundida com a sua submissão imediata à execução da pena, assim que homologado o acordo,
antes de qualquer condenação ou do próprio início da ação penal.

O Ministro Gilmar Mendes70, do Supremo Tribunal Federal, ao explorar os desafios da


conciliação do sistema de justiça brasileiro com o acordo de colaboração premiada, salienta
como o estabelecimento de cláusula de cumprimento antecipado de pena consiste em exemplo

68
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 218/2019.
69
CAPEZ, Rodrigo. A sindicabilidade do acordo de colaboração premiada. In In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e
MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 226.
70
MENDES, Gilmar Ferreira. Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação. Revista
Jurídica da Presidência, Brasília, v. 21, n. 124, jun/set 2019, p. 240-261. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2019v21e124-2019
54

claro de negociação que desrespeita a legislação vigente e a Constituição, significando


verdadeira renúncia a direito fundamental e extrapolando a própria atividade judicial.

O autor Andrey Borges de Mendonça, ao contrário dos demais processualistas citados


anteriormente, defende uma posição intermediária, argumentando pela impossibilidade de
cláusulas de cumprimento imediato de penas privativas de liberdade, em regime prisional
(especialmente fechado), mas opinando pela possibilidade de início antecipado de outros
benefícios pactuados, como a prisão domiciliar, penas em regimes semiaberto e aberto,
prestação de serviços à comunidade e multas.

O principal ponto utilizado pelo autor para justificar sua posição é o fato de que, sendo
a cláusula negociada entre o colaborador e o Ministério Público, impõe-se que a manifestação
de interesse da parte se sobressaia em relação a uma interpretação inflexível do princípio do
nulla poena sine judicio.

Logo, nota-se que o argumento de destaque entre os doutrinadores que defendem a


primeira posição apresentada é a constatação de que a possibilidade de serem pactuadas
cláusulas de cumprimento antecipado de penas por colaboradores subverte a lógica da justiça
criminal brasileira, ferindo de morte as principais garantias fundamentais relacionadas ao
processo penal.

Como cediço, o princípio da presunção da inocência está consagrado na Constituição


Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, e constitui regra de tratamento ao imputado no decorrer
de toda a persecução penal.

Nos comentários feitos por Nereu José Giacomolli71 ao dispositivo em questão, o autor
ressalta que:

71
CANOTILHO, J.J. Gomes, et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018, p. 475.
55

A presunção de inocência é um proincípio de elevado potencial político e jurídico,


indicativo de um modelo basilar e ideológico do processo penal. Este, quando
estruturado, interpretado e aplicado, há de seguir o signo da dignidade e dos direitos
essenciais da pessoa humana (CHUAVARIO, 2000, p. 75_, afastando-se das bases
inquisitoriais, as quais partiam do pressuposto contrário, ou seja, da presunção de
culpabilidade da pessoa. A adoção ou não do princípio da presunção de inocência
revela a opção constitucional de um modelo de processo penal (ILLUMINATI, 1984,
p. 15)
(...)
Por isso, a prisão só se justifica após uma sentença condenatória com trânsito em
julgado e prisão processual não representa uma antecipação dos efeitos de uma
condenação, a qual somente encontra suporte nas estreitas limitações constitucionais
de caráter cautelar e vinculadas às necessidades processuais”.

A privação de liberdade é, desse modo, situação absolutamente excepcional, a qual só


pode ser imposta após sentença condenatória transitada em julgado, ou nas hipóteses específicas
que autorizam a aplicação de prisões cautelares.

Além disso, o modelo acusatório que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro


separa diametralmente as funções que devem ser exercidas pelo órgão acusatório e pelo
julgador, sendo incabível que determinações sobre a natureza da pena, sua quantidade ou o
momento do seu cumprimento sejam feitas pelo Ministério Público, sob pena de resgate dos
vícios do modelo inquisitório.

A garantia do devido processo legal também se coloca como limite ao estabelecimento


de cláusulas de cumprimento imediato de pena. O postulado, compreendido no regramento
constitucional e infralegal brasileiro como um superprincípio, atua como vetor de interpretação
de diversos outros direitos e deveres aplicáveis às partes que integram uma relação processual.

Conforme afirmado por Aury Lopes Jr72, em obra sobre os fundamentos do processo
penal brasileiro:

72
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p. 57.
56

“A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo


penal, posto que, se o processo termina antes de desenvolver-se completamente
(arquivamento, suspensão condicional, etc.) ou se não se desenvolve de forma válida
(nulidade), não pode ser imposta uma pena”.

Para mais, como já destacado na presente pesquisa, o princípio processual penal do nulla
poena sine judicio decorre das garantias mencionadas acima e impõe a necessidade de que a
execução do direito de punir pelo estado decorra de determinação direta do julgador, não
importando que o acusado manifeste expressamente seu desejo de submissão à sanção.

Por outro lado, argumentos relacionados à prevalência da manifestação de vontade do


colaborador sustentam os defensores da possibilidade de pactuação de cláusulas de
cumprimento imediato. Para estes autores, o fato de o acordo ser fruto de negociação entre o
Ministério Público e o colaborador, traria um dever de lealdade, vinculando o delator ao
cumprimento dos termos com os quais concordou.

Neste ponto, faz-se necessária a exposição de uma ressalva.

Como já exposto ao longo desta pesquisa, um dos caracteres que permaneceu estável na
evolução da disciplina normativa sobre a colaboração premiada, é a voluntariedade. Isso
significa que a manifestação de vontade do colaborador deve ser declarada com plena
consciência e liberdade, sendo vedada qualquer forma de coação.

Entretanto, deve-se levar em consideração o fato de que o acordo de colaboração


premiada não está sendo celebrado entre partes iguais, em condições paritárias, mas sim entre
um indivíduo e o Estado, representado pelo órgão acusatório.

Durante a negociação dos termos do acordo, o colaborador se encontra em posição de


clara desvantagem, e não tem a possibilidade de vetar qualquer cláusula que lhe desagrade, até
57

mesmo quando violam garantias asseguradas pela Constituição ou ultrapassam os limites legais
de discricionariedade do Ministério Público.

O contexto da Operação Lava-Jato possui especial relevância para a compreensão desta


disparidade. As megaoperações representaram momento de subversão de garantias da justiça
criminal brasileira, incendiados pelo conceito de “escândalo” veiculado diariamente na
imprensa.

Nesse momento, tornou-se comum que o Ministério Público utilizasse de mecanismos


indiretos de coação, os quais acabavam por constranger alvos da Operação a celebrar acordos
de colaboração premiada.

A exposição de documentos sigilosos, conversas e vídeos captados em investigações, as


conduções coercitivas, as medidas de busca e apreensão domiciliares empregadas pelas
autoridades policiais no primeiro horário da manhã e as dificuldades impostas para acesso à
integralidade dos elementos que embasavam as acusações oferecidas pelo órgão ministerial são
alguns dos exemplos de atitudes que viciavam o requisito da voluntariedade para celebração do
acordo.

Outro exemplo era o uso quase sistêmico de prisões cautelares durante os quase sete
anos de vigência da Operação. Em muitos casos, os próprios Procuradores da República
justificavam a necessidade da manutenção de prisões pela “possibilidade real de o infrator
colaborar com a apuração da infração penal”73.

Muitos professores, autores e processualistas se insurgiram contra as referidas


manifestações ministeriais. Aury Lopes Junior74, por exemplo, destacou que o episódio seria
mais um exemplo da “degeneração das prisões cautelares”, que seriam usadas como um “meio

73
CONJUR. Em parecer, MPF defende prisões preventivas para forçar réus a confessar. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2014-nov-27/parecer-mpf-defende-prisoes-preventivas-forcar-confissoes
74
CONJUR. Professores criticam parecer sobre prisões preventivas na lava jato. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-prisao-preventiva-lava-jato
58

de constrangimento situacional para obtenção de confissões ou delações premiadas, que


posteriormente serão usadas como provas”. O Ministro Gilmar Mendes75, do Supremo Tribunal
Federal também se manifestou sobre o tema, afirmando que as prisões cautelares estavam sendo
usadas como elementos de tortura durante a condução da Lava-Jato.

Diante disso, é fácil perceber que as negociações dos acordos de colaboração premiada
não ocorriam em condições de paridade de armas, tornando difícil a impugnação de cláusulas
pelos colaboradores, ainda que manifestamente abusivas, como é o caso das determinações de
cumprimento antecipado das penas acordadas.

Quanto às cláusulas evidentemente ilegais comuns em muitos acordos de colaboração


celebrados na Lava-Jato, pode-se destacar as disposições sobre a vedação ao direito ao recurso,
nos quais o acusado comprometia-se a não impugnar de sentenças condenatórias proferidas em
seu desfavor.

Os termos violavam claramente a garantia fundamental ao acesso à justiça e ao duplo


grau de jurisdição. Sob esse aspecto, um dos principais freios impostos pelos tribunais aos
acordos de colaboração aconteceu ainda em 2014, quando o Ministro Teori Zavaski, em decisão
homologatória da colaboração de Paulo Roberto Costa76, avaliou a compatibilidade do acordo
com a Constituição Federal, fazendo a exclusão da cláusula de vedação ao recurso, nos
seguintes termos:

“Quanto ao conteúdo das cláusulas acordadas, é certo que não cabe ao Judiciário outro
juízo que não o da sua compatibilidade com o sistema normativo. Sob esse aspecto,
os termos acordados guardam harmonia, de um modo geral, com a Constituição e as
leis, com exceção do compromisso assumido pelo colaborador, constante da Cláusula
12, segunda parte, da Cláusula 15, g e da Cláusula 17, parte final, exclusivamente no
que possa ser interpretado como renúncia, de sua parte, ao pleno exercício, no futuro,
do direito fundamental de acesso à Justiça, assegurado pelo art. 5°, XXXV, da
Constituição. Fica, portanto, excluída da homologação, que ora se formaliza, qualquer

75
CONJUR, Lava Jato usava prisão provisória como elemento de tortura, diz Gilmar. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-out-02/lava-jato-usava-prisao-provisoria-elemento-tortura-gilmar
76
CONJUR, Termo de acordo de colaboração premiada de Paulo Roberto Costa. Disponível em:
https://s.conjur.com.br/dl/acordo-delacao-premiada-paulo-roberto.pdf
59

interpretação das cláusulas acima indicadas que possa resultar em limitação ao direito
fundamental de acesso à Jurisdição”77.

Conclui-se, portanto, que a primeira posição doutrinária apresentada ao longo deste item
é mais condizente com a justiça criminal brasileira, uma vez que, ainda que se desconsidere a
posição disparitária entre as duas partes negociantes num acordo de colaboração premiada, as
normas cogentes da Constituição Federal não podem ser suplantadas por simples declaração de
vontade.

77
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 5.209.
60

CONCLUSÃO

A proposta do presente estudo foi de refletir sobre a celebração e homologação de


acordos de colaboração premiada, no contexto da Operação Lava-Jato, os quais continham
cláusulas manifestamente ilegais, como determinação de cumprimento imediato das penas
negociadas.

Nesse sentido, foram expostas as circunstâncias da expansão do modelo de justiça


negocial, sendo a colaboração premiada um de seus principais instrumentos. Ressaltou-se as
principais diferenças entre o devido processo legal e o devido processo consensual, traçando-
se críticas sobre o desvirtuamento da lógica processual brasileira com o avanço desregulado de
medidas negociais.

Concebendo-se o processo penal como instrumento de limitação ao poder punitivo


estatal e de proteção aos direitos e garantias fundamentais, é necessária a adoção de postura
cautelosa em relação à generalização dos mecanismos negociais, de modo a reduzir ao máximo
a tendência de desaparecimento do processo.

Em seguida, foram traçados comentários sobre o conceito e a natureza jurídica da


colaboração premiada no regramento legal vigente nos dias de hoje. Constatou-se que o acordo
de colaboração é negócio jurídico processual celebrado com o Estado, sobre os quais se aplicam
as regras e princípios constitucionais e norteadores do direito processual penal.

Assentadas essas premissas, concluiu-se que é necessária a imposição de limites ao


conteúdo e aplicação dos acordos de colaboração premiada, destacando-se a obrigatoriedade de
estrita observância ao princípio da legalidade, de manutenção das características do sistema
acusatório e da condução dos atos em respeito ao devido processo legal.
61

Demonstrou-se que não são cabíveis argumentos utilitaristas no âmbito do processo


penal, pois os riscos de flexibilização de garantias fundamentais são muito altos. O que precisa
ser legitimado não é a liberdade individual, mas sim a intervenção punitiva estatal.

Contudo, a pesquisa também apontou o impacto da Operação Lava-Jato na


flexibilização de preceitos básicos do processo penal e na subversão do modelo acusatório, com
a utilização de raciocínio de que os fins justificariam os meios no combate à corrupção que se
instalou nos mais diversos núcleos políticos e econômicos.

Inflamados pela intensa cobertura midiática de todas as fases da operação e pelo


crescente clamor social punitivista, juízes e procuradores descompromissados com a ordem
constitucional alcançaram papel de protagonismo na realidade brasileira, justificando-se os
métodos inusitados empregados pelo discurso anticorrupção.

Por fim, focou-se no caso específico das cláusulas de cumprimento antecipado de pena,
as quais, apesar de manifestamente contrárias ao regramento constitucional e infralegal, foram
comumente pactuadas nos acordos de colaboração premiada firmados durante a Operação
Lava-Jato.

Constatou-se a ausência de um posicionamento unificado da jurisprudência e da


doutrina sobre a possibilidade de inclusão das referidas cláusulas em acordos de colaboração
premiada, destacando-se quais argumentos sustentariam cada posição adotada.

Concluiu-se, portanto, pela prevalência dos argumentos empregados pelos defensores


da ilegalidade das cláusulas de cumprimento antecipado de pena. Conforme destacado pelo
autor Vinícius de Vasconsellos78, em obra que analisa minuciosamente as mais diversas
questões envolvendo o instituto da colaboração premiada, mesmo que haja um benefício
aparente ao colaborador no caso específico, as consequências danosas da desestruturação da

78
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 57.
62

essência do processo penal e a possibilidade de expansão da incidência do poder punitivo estatal


são inquestionáveis.
63

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