MEFRibeiro
MEFRibeiro
MEFRibeiro
Rio de Janeiro
2023
MARIA EDUARDA FERRANTE RIBEIRO
Rio de Janeiro
2023
CIP - Catalogação na Publicação
____________________________
Orientador Professor Dr. Antonio Eduardo Ramires Santoro.
____________________________
Membro da Banca
____________________________
Membro da Banca
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Pedro e Márcia, por serem a minha base e meus principais apoiadores.
Todas as minhas conquistas e etapas cumpridas ganham novo sentido, porque são
compartilhadas com vocês. Obrigada por serem meus melhores amigos e defensores e por me
ensinarem todos os valores que moldaram a pessoa e a profissional que estou me tornando.
À minha irmã, Gabi, meu maior exemplo de amor e carinho. Nossa cumplicidade e
amizade são certezas na minha vida e sou uma pessoa mais completa por ter compartilhado
todas as minhas fases com você. Nos conhecermos foi inevitável, mas a relação que construímos
me trará eterna gratidão e orgulho.
Ao Bernardo, meu parceiro de tantos anos, e tantos ainda por vir. Te conheci no início
da minha graduação e, desde então, divido todos os pesos e as delícias da vida com você. E
posso dizer com toda a certeza que os pesos ficaram mais leves e as delícias mais verdadeiras,
desde que você entrou na minha vida. Te valorizo e te admiro, cada dia mais, e a nossa parceria
me impulsiona para todas as minhas conquistas e realizações. Obrigada por estar do meu lado,
com tanto amor.
Por fim, à escolha pelo direito penal e a todas as pessoas que dividiram esse caminho
junto comigo. Com todas as frustrações e pressões do dia a dia, agradeço por ter encontrado
dentro da advocacia criminal uma carreira gratificante. Às pessoas que conheci dentro do
escritório CEM Advogados, pelos aprendizados e, principalmente, pela amizade.
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise crítica sobre a legalidade das cláusulas
de cumprimento antecipado de pena, seja restritiva de direitos ou privativa de liberdade, em
acordos de colaboração premiada celebrados durante a vigência da operação Lava-Jato. Em
especial, objetiva-se traçar um paralelo entre a expansão do modelo de justiça negocial no Brasil
e no mundo e seus impactos para a flexibilização dos pilares do devido processo legal e do
processo penal constitucional. Pretende-se, ainda, demonstrar como a deflagração da Operação
Lava-Jato e seus megaprocessos alastraram o fenômeno de espetacularização do processo penal
e do discurso punitivista, criando solo fértil para o desrespeito a garantias fundamentais
consagradas no ordenamento jurídico brasileiro, em nome do combate à corrupção. A intenção
da pesquisa, nesse sentido, é demonstrar qual o cenário que possibilitou a celebração de acordos
de colaboração premiada contendo cláusula manifestamente ilegais, como é o caso da previsão
de execução imediata de pena negociada após a homologação dos termos.
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8
CONCLUSÃO.........................................................................................................................60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................63
8
INTRODUÇÃO
Desse modo, o primeiro capítulo será dedicado à análise do modelo de justiça penal
negocial, que vem se ampliando tanto no cenário internacional quanto no país. Para tal, será
discutida a origem dos mecanismos de justiça negocial no ordenamento jurídico brasileiro, além
das principais críticas tecidas pelos doutrinadores à utilização desses institutos à luz dos
princípios do processo criminal.
Além disso, imperioso se faz expor a evolução do mecanismo negocial objeto deste
trabalho – a colaboração premiada – na lei brasileira, traçando-se uma linha do desenvolvimento
do instituto desde a Lei dos Crimes Financeiros (Lei 7.492/86), até a edição da Lei de
Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) e as alterações promovidas pelo Pacote Anticrime
(Lei 13.964/19).
Atendo-se ao objeto do que se propõe a apresentar, forçoso realizar análise ampla das
regras e procedimentos da celebração de acordos de delação premiada. A exposição também
passará, obviamente, por um estudo dos limites ao possível conteúdo dos acordos de
colaboração premiada, com comparação entre visões de relevantes autores sobre o tema.
Desse modo, o segundo capítulo será dedicado ao estudo dos caracteres da colaboração
premiada, perpassando-se pela análise dos possíveis benefícios, direitos, obrigações e renúncias
sobre as quais o colaborador e o órgão acusatório podem pactuar no acordo.
9
Além disso, far-se-á descrição dos limites legais e principiológicos aos quais os acordos
de colaboração premiada devem se submeter, de modo a manter íntegra a sistemática do devido
processo penal brasileiro.
A conclusão pretende, desse modo, expor o resultado da pesquisa, perpassando por uma
reflexão sobre a flexibilização de princípios do processo penal em contextos sociais de forte
clamor punitivista.
10
A justiça penal negocial é definida pelo autor Vinícius Gomes de Vasconcellos como:
“(...) modelo que se pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes – acusação e
defesa – a um acordo de colaboração processual com o afastamento do réu de sua
posição de resistência, em regra impondo encerramento antecipado, abreviação,
supressão integral ou de alguma fase do processo, fundamentalmente com o objetivo
de facilitar a imposição de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que
caracteriza o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do
processo penal com todas as garantias a ele inerentes” 1.
1
VASCONSELLOS, Vinicius G. Barganha e justiça negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de
consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015, p. 55.
11
O processualista Andrey Borges de Mendonça4, por sua vez, destaca que o modelo de
justiça consensual possui como princípios estruturantes a autonomia da vontade, a eficiência, a
boa-fé objetiva e a lealdade.
2
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 25.
3
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica? In: BOTTINI, Pierpaolo Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.).
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
4
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada. In: BOTTINI, Pierpaolo
Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.). Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 73.
12
legalidade combinado com a autonomia da vontade das partes, desde que existentes medidas de
garantia.
A justiça penal negocial foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a edição
da Lei 9099/1995, que inaugurou a aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão
condicional do processo, os quais caracterizam mecanismos de justiça negocial voltados a
infrações de menor potencial ofensivo.
A transação penal pode ser definida como um acordo firmado entre o Ministério Público
e o acusado, quando caracterizados os requisitos previstos no artigo 76 da Lei 9099/1995, no
qual o imputado aceita o cumprimento de pena antecipada de multa ou de restrição de direitos.
Os dois institutos são bastante semelhantes, sendo a principal diferença entre eles o
legitimado para proposição: no caso da colaboração, o Ministério Público, e no caso da
leniência, o Ministério da Justiça.
Segundo Nefi Cordeiro5, ambos podem ser definidos como institutos negociais que
reduzem a resposta penal em troca da colaboração do acusado para demonstração das infrações
cometidas e dos participantes, da estrutura criminosa, da recuperação do produto dos crimes ou
do salvamento da vítima, além de prevenir a prática de novos crimes pela organização
criminosa.
Por fim, menciona-se o acordo de não persecução penal, incluído no Brasil com a
entrada em vigor do Pacote Anticrime.
O mecanismo está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, e pode ser
proposto pelo Ministério Público nos casos em que não é cabível o arquivamento do
procedimento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de
infração sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos.
5
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.
14
6
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada. In: BOTTINI, Pierpaolo
Cruz; MOURA, Maria Thereza de Assis (coord.). Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 70.
15
Além disso, destaca uma confusão entre as funções legítimas do Ministério Público nos
moldes como vem sendo realizada a colaboração atualmente. O processualista Gustavo Badaró
defende que o órgão ministerial acumula as funções de investigação, estabelecimento da
verdade dos fatos, decisão e estabelecimento da pena imposta, na celebração de acordos de
colaboração.
7
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 41/42.
8
Idem, p. 43/44.
9
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica? In: MOURA, Maria Thereza de Assis; e BOTTINI, Pierpaolo Cruz.
(Coord.) Colaboração Premiada. São Paulo: RT, 2017, p. 143.
16
A terceira crítica pode ser resumida com a constatação de que, nos mecanismos
negociais, o direito de defesa do acusado torna-se inoperante. Os argumentos de priorização da
eficiência e sobrecarga da justiça criminal acabam por significar uma renúncia de garantias
constitucionais do acusado.
Por fim, destaca uma quarta crítica que pode ser feita à justiça negocial, qual seja, a
inaplicação do princípio da presunção de inocência, especialmente quanto ao ônus probatório
do processo penal, no qual a carga da prova deveria ser integralmente da acusação. Nesse
cenário negocial, o acusado acaba sendo obrigado a comprovar as alegações do órgão
ministerial, para que possa gozar dos benefícios previstos.
10
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 46/52.
17
O autor conclui, assim, que o problema da justiça criminal negocial como um todo não
é eventual, ocasionado pela má aplicação dos seus institutos, mas sim perene e inevitável, uma
vez que distorce as premissas básicas do processo penal, ao fragilizar a sua função como
instrumento de limitação do poder punitivo estatal.
Para os fins da presente pesquisa, adota-se postura mais crítica quanto à expansão da
justiça negocial e da prevalência da autonomia das partes para celebração de acordos
processuais e penais.
“O processo penal não constitui processo de partes livres e iguais – como o processo
civil, por exemplo, dominado pela liberdade de partes, em situação de igualdade
processual -, mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de
descobrir a verdade de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados” 11.
Apresentadas as críticas que podem ser tecidas sobre a expansão da justiça negocial,
mister se faz uma análise criteriosa acerca dos limites e contornos que o instituto da colaboração
11
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 8 ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018, p. 679.
18
Apesar de instituto similar à colaboração premiada estar presente nas leis brasileiras
desde as Ordenações Filipinas, em períodos recentes, o mecanismo negocial foi incorporado ao
ordenamento jurídico com a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990).
Em seu artigo 8º, parágrafo único, a lei concede redução de pena aos participantes e
associados que denunciarem o bando ou a quadrilha às autoridades. O dispositivo só incide aos
crimes elencados taxativamente na Lei de Crimes Hediondos e vincula a colaboração ao
desmantelamento da quadrilha perseguida no procedimento criminal.
Essa mesma lei inseriu o parágrafo 4º ao artigo 159 do Código Penal, que reduz a pena
do autor que denunciar a quadrilha ou o bando à autoridade, possibilitando a libertação da
vítima.
Nota-se que, nesses dispositivos, o legislador brasileiro deu enfoque “à visão de direito
material do instituto premial, sem qualquer preocupação com sua delimitação procedimental
ou suas consequências processuais”12.
12
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 82.
13
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 6
19
O mecanismo voltou a ser regulado pela Lei do Crime Organizado (Lei nº 9,034/1995)
– posteriormente revogada pela Lei de Organizações Criminosas – que manteve, em seu artigo
6º, os parâmetros da Lei dos Crimes Hediondos.
Nas Leis dos Crimes Tributários e Econômicos (Lei nº 8.137/1990) e de Crimes Contra
o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/1986), o mecanismo da colaboração premiada
surge como um facilitador da persecução penal estatal em crimes graves com técnicas bancárias,
cambiárias, exigência de especialização em economia, mercado de capitais, transferências
internacionais, etc14.
Para tal, foi prevista uma minoração da pena de agentes que colaborarem na elucidação
dos crimes contra a economia e as instituições de captação de dinheiro popular. Desse modo,
percebe-se que a colaboração volta a ser limitada aos fatos do processo, sendo necessário que
o colaborador facilite a compreensão de toda a trama criminosa.
14
Ibidem, p. 7
20
A Lei de Tóxicos (Lei 10.409/2002), por sua vez, trouxe o mecanismo negocial com
traços mais semelhantes ao modelo atual, ao prever uma negociação entre o Ministério Público
e o investigado.
15
Ibidem, p. 10.
21
Esse diploma normativo foi substituído pela Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), que
retomou redação semelhante ao modelo previsto nas legislações anteriores à Lei de Tóxicos,
sendo a delação apenas uma minorante penal.
Este foi o último marco normativo antes da Lei de Organizações Criminosas (Lei nº
12.850), que disciplina o mecanismo negocial da colaboração premiada nos dias atuais.
São eles o i) critério do favor judicial; ii) da proporção do favor; iii) do resultado; iv)
da voluntariedade; e v) da utilidade.
16
Ibidem, p. 14/20.
22
Por fim, o autor destaca, na evolução legislativa acerca da colaboração premiada, uma
tendência de limitação da sua utilidade apenas aos fatos do processo, indicando-se o momento
e o alcance da delação.
17
Ibidem, p. 16.
23
18
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Orientação Conjunta nº 1/2018. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/OrientaoConjuntan1.2018.pdf
19
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 64.
24
Esse cenário, entretanto, foi alterado com o advento da Lei 12.850/2013, que
consolidou o viés processual da colaboração premiada, conforme pode ser percebido na redação
dada ao artigo 3º-A: “o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio
de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesses públicos”.
No entanto, o autor salienta que, apesar de as partes buscarem um fim comum, que seria
a realização do acordo, as suas motivações são distintas. Nesse sentido, difere a causa do
negócio jurídico para a acusação como sendo primordialmente um meio de obtenção de prova,
e para a defesa, como uma estratégia defensiva, que visa a obtenção de benefícios legais, a partir
de um cálculo utilitarista de custos e benefícios naquele caso concreto.
20
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 62.
21
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a
autonomia da vontade. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração premiada.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
25
Nesse ponto, faz-se breve digressão para apontar as classificações da prova no processo
penal, de modo a compreender o que se quer dizer com “meio de obtenção de prova”.
22
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis.
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 128.
23
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal [livro eletrônico]. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2021, p. 616.
24
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis.
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 130.
26
Todavia, Badaró25 ressalta o fato de que a colaboração premiada, como um todo, não
pode ser considerada apenas como meio de obtenção de prova, mas sim como um novo modelo
de justiça penal, inserido nas técnicas modernas de investigação da criminalidade organizada.
Isto porque, o modo como a colaboração premiada vem sendo aplicado, desvirtua a
noção do processo penal como um instrumento que legitima a imposição da sanção e a
realização do direito punitivo estatal, já que a centralidade do modelo não está na busca dialética
de provas de modo a dar suporte à reconstrução histórica dos fatos, mas sim, em uma imposição
de uma “verdade” escolhida pelos órgãos acusatórios e autorreferenciada na “evidência dos
fatos”.
Para os fins da presente pesquisa, conclui-se que a colaboração premiada, como negócio
jurídico processual celebrado com o Estado, deve ser regida pelos princípios processuais penais
e pelas garantias fundamentais advindas da Constituição Federal.
25
Ibidem. P. 146/147.
27
Os artigos 4º, caput e §§ 2º, 4º e 5º, da Lei 12.850/2013, listam quais são os possíveis
benefícios que podem ser acordados entre o órgão acusatório e o colaborador: deixar de oferecer
denúncia, perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade ou a
sua substituição por restritiva de direitos e a progressão de regime de cumprimento da pena.
Os incisos do artigo 4º, por sua vez, enumeram as contrapartidas que o colaborador
precisa garantir para obter os benefícios listados acima, quais sejam: a identificação dos demais
coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais praticadas, a revelação
da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa, a prevenção de
infrações decorrentes das atividades da organização criminosa, a recuperação total ou parcial
do produto ou do proveito dos crimes praticados e, por fim, a localização de eventual vítima
com a integridade física preservada.
O dispositivo normativo em questão prevê, ainda, em seu artigo 5º, direitos adquiridos
pelo colaborador com a celebração do acordo, como usufruir de medidas de proteção previstas
em legislação específica, ter informações pessoais e imagem preservados, ser conduzido, em
28
juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes, participar de audiências sem contato
visual com outros acusados, não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação sem
prévia autorização por escrito e cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal
diverso dos seus corréus.
Além disso, há outros direitos previstos fora do rol expresso do artigo 5º, mas que se
encontram contemplados na própria redação da Lei de Organizações Criminosas, como o direito
à assistência de um advogado ou defensor público, direito à livre manifestação de vontade,
direito à um julgamento de mérito, direito à uma sentença fundamentada, direito à retratação da
proposta de colaboração, direito a que não sejam utilizadas as informações ou provas
apresentadas pelo colaborador durante as tratativas no caso de não celebração do acordo, direito
a que, no caso de retratação, as provas autoincriminatórias não sejam utilizadas exclusivamente
em seu desfavor, direito ao registro das tratativas e dos atos de colaboração pelos menos ou
recursos tecnológicos (inclusive audiovisual) que garantam a maior fidedignidade das
informações, direito à cópia do material registrado, direito a que o juiz não participe das
negociações e direito de impugnar a decisão de homologação do acordo26.
26
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de colaboração premiada
no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo: Ed. RT, agosto/2021.
29
Trata-se de previsão controversa, uma vez que a Constituição Federal de 1988 dispõe
sobre o direito ao silêncio no seu artigo 5º, inciso LXIII, dentre seu rol de garantias
fundamentais.
Ocorre que, no que tange às colaborações premiadas, a lei impõe a renúncia ao direito
ao silêncio para possibilitar ao delatado o exercício do direito ao confronto, o qual também está
assegurado na Convenção Americana de Direitos Humanos, no artigo 8, n.2, letra f:
27
BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo
modelo de justiça penal não epistêmica. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis.
Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 134.
30
Santoro28, por sua vez, destaca que o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que
cláusulas com renúncia ao direito ao silêncio possuem validade constitucional, uma vez que
consistiriam em uma restrição ao exercício da garantia, e não uma renúncia ao direito
fundamental em si, como na Pet. 5.952/DF.
28
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de colaboração premiada
no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo: Ed. RT, agosto/2021.
31
Entende-se, neste ponto, que o julgador está vinculado ao acordo homologado, mas
somente quanto ao mínimo do benefício a ser concedido. No entanto, a vinculação não impõe
condenação necessária do colaborador ou de outros réus delatados, diante da necessidade de
respeito a outros critérios impostos em lei, como a regra de corroboração29.
Nota-se, portanto, que a Lei 12.850/2013, especialmente após as alterações trazidas com
a Lei 13.964/2019, apresenta critérios e regras delimitadas sobre os possíveis benefícios e
obrigações do colaborador. Além disso, também prevê expressamente o dever do juiz de aferir
a legalidade da colaboração premiada antes da sua homologação e na sua aplicação.
29
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 121/122.
32
Considerando o fato de que intervenções do direito penal possuem efeito social mais
gravoso, a soberania do princípio da legalidade na sua aplicação possui especial relevância, já
que confere segurança jurídica ao ordenamento e garante a proteção dos cidadãos diante do
poder punitivo estatal.
“Regra da lei prévia é fundamento não apenas de existência do crime, mas de sua pena
e de todo o procedimento judicial – não pode o Estado-persecutor aplicar penas ou
ritos sem previsão legal, mesmo a pretexto de beneficiar cidadãos. A lei é o limite ao
estado, que em opções pretensamente mais favoráveis acabará por fixar penas ou ritos
perigosamente diferenciados (a aparência de proteção isto concretamente não
garante), em tratamento não igualitário aos demais acusados e sem legitimidade
institucional para a criação”.
30
“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
31
“Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituam delito perante o
direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da
prática, era aplicável ao ato delituoso”.
32
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
58.
33
No entanto, outros autores, como por exemplo Andrey Mendonça34, defendem a ampla,
mas não absoluta, possibilidade de negociação de outras cláusulas não expressamente previstas
em lei. O autor mencionado estabelece, desse modo, alguns limites para o conteúdo do acordo,
como i) a não vedação legal expressa do benefício; ii) a existência de relativa baliza legal,
possibilitando a aplicação de analogia; iii) a licitude e moralidade do benefício; iv) o respeito a
direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana; v) a razoabilidade da concessão do
benefício; e, por fim, vi) a legitimidade do Ministério Público para negociar o benefício.
“Por maioria, a Corte Especial do STJ admitiu a fixação de sanções penais atípicas no
âmbito de um acordo de colaboração premiada. O ministro Og Fernandes, cujo voto
33
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 179
34
MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a
autonomia da vontade. In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração premiada.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 96/97.
34
Nesse ponto, pode-se destacar a experiência norte-americana com o plea bargain, como
um exemplo de abuso do poder punitivo estatal com a ampliação da discricionariedade do órgão
acusatório.
Como cediço, cerca de 90% das condenações proferidas nos Estados Unidos, tanto no
âmbito estadual, quanto no federal, se deram em razão de acordos de plea bargain. Importa
ressaltar, também, que os Estados Unidos possuem a maior população carcerária do mundo.
35
SUPERIOR TIBUNAL DE JUSTIÇA, Colaboração Premiada: os entendimentos recentes sobre o acordo entre
o Estado e o investigado, 2022. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/04122022-Colaboracao-premiada-os-
entendimentos-mais-recentes-sobre-o-acordo-entre-Estado-e-investigado.aspx
36
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 180/181.
35
Diante disso, a autora aponta que é simples entender o porquê de indivíduos se sentirem
compelidos a se declararem culpados, aceitando uma pena mínima, ao invés de se submeter a
um julgamento em que se têm consciência da possível aplicação de pena exacerbada, ou com
consequências indesejadas para terceiros envolvidos, como familiares e amigos.
37
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 181.
38
ALMEIDA, Ananda França de. A (in)compatibilidade da ampla discricionariedade acusatória inerente ao plea
bargaining com o acordo de colaboração premiada. In: Colaboração premiada: aspectos teóricos e
práticos/Coordenação de André Luís Callegari – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 290.
36
39
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p.39/40.
40
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
66/70.
41
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p. 220.
42
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p. 222/230.
37
Desse modo, para que seja assegurada a observância do sistema legal acusatório
estabelecido constitucionalmente no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessária a
atuação do magistrado na definição da culpa do réu colaborador, aplicando-se a pena
correspondente ao delito apurado, com os benefícios de redução negociados no âmbito da
colaboração. Ao Ministério Público, caberá negociar os parâmetros a serem aplicados44.
Outro princípio que obviamente deve incidir sobre o conteúdo das previsões de acordos
de colaboração premiada é o devido processo legal, o qual está presente no texto constitucional,
em seu artigo 5º, inciso LIV45.
43
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
67/69.
44
Ibidem
45
“Ninguém será provado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
38
entre o indivíduo e a coação estatal que pode ser aplicada sobre seus bens e, especialmente,
sobre sua liberdade46.
Nota-se, portanto, que é do devido processo legal que decorrem as demais garantias
aplicáveis ao processo penal, como a vedação da imposição de pena sem prévio processo e ato
judicial (nulla poena sine iudicio), regra central para o objeto da presente pesquisa, e que será
explorada com maior profundidade no próximo capítulo.
No âmbito da colaboração premiada, isso significa que a ordem constitucional deve ser
levada em consideração quando da interpretação acerca dos limites do conteúdo e da aplicação
do instituto.
46
CANOTILHO, J.J. Gomes, et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018, p. 460.
39
Nesse ponto, faz-se necessária breve exposição sobre a referida operação e seus
principais desdobramentos.
47
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Lava-Jato. Entenda o caso. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/entenda-o-caso
48
Ibidem
40
Além disso, as operações também trouxeram protagonismo aos juízes titulares das varas
federais onde os principais processos e procedimentos tramitavam, como Sérgio Moro, que
posteriormente foi nomeado ao cargo de Ministro da Justiça, e Marcelo Bretas, que acabou
afastado pelo Conselho Nacional de Justiça em razão de sua atuação em processos lava-jatistas.
Em 2004, o ex-juiz havia escrito artigo sobre a Operação Mãos Limpas49, deflagrada na
Itália em 1922, a qual aplicou técnicas não compatíveis com o sistema acusatório na condução
das investigações, e que pode ser considerada como inspiração para a condução da Lava-Jato
brasileira.
Ao final do artigo, o ex-juiz concluiu que estariam presentes, no Brasil, condições para
a realização de ação judicial semelhante50, ressaltando, ainda, que seria impossível conceber
um processo criminal contra figuras poderosas sendo conduzidos normalmente e sem reações51.
Essa afirmação foi traduzida na condução da Lava-Jato, a qual foi marcada por vícios
processuais, amparados pelo anseio punitivista social, que acabou sendo incorporado pelos
agentes jurídicos.
49
MORO, Sergio Fernando. Considerações sobre a operação mani pulite. Revista CEJ, Brasília, v. 8, n. 26, p. 56-
62., jul./set. 2004. p. 56-62.
50
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A imbricação entre maxiprocessos e colaboração premiada: o
deslocamento do centro informativo para a fase investigatória na Operação Lava Jato, Revista Brasileira de Direito
Processual Penal. 2020, p. 95.
51
GLOBO, Por que Sergio Moro responsável por julgar casos da Lava-Jato incomoda tanto. Disponível em:
https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/noticia/2015/10/por-que-sergio-moro-responsavel-por-julgar-casos-da-
lava-jato-incomoda-tanto.html
41
A Operação Lava-Jato, contudo, não foi responsável somente por mudar os rumos
políticos do país, auxiliando na rápida ascensão de políticos que seguiam o rastro do discurso
anticorrupção, mas também por modificar a própria estrutura da justiça criminal brasileira, a
partir, a título de exemplo, da aplicação desenfreada da regra da prevenção para fixação de
competência, da maximização dos processos, e, até mesmo, da edição e promulgação da Lei
13.964/2019 (Pacote Anticrime), que positivou em lei várias das práticas já aplicadas nos
processos lava-jatistas.
A principal consequência da Operação Lava-Jato que importa para o objeto deste estudo
é a massificação do uso das colaborações premiadas, consistente em instrumento importante de
condução das investigações pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. As
narrativas dos colaboradores, e os elementos de corroboração obrigatoriamente apresentados
em seus termos, foram essenciais para que o órgão acusatório compreendesse como eram
praticados delitos complexos e de difícil elucidação.
52
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Lava Jato. Resultados. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/resultados
42
apresentadas foram utilizadas para formar o convencimento dos julgadores, na maioria dos
casos53.
53
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A imbricação entre maxiprocessos e colaboração premiada: o
deslocamento do centro informativo para a fase investigatória na Operação Lava Jato, Revista Brasileira de
Direito Processual Penal. 2020
54
BOLDT, Raphael. Maxiprocessos criminais, corrupção e mídia: uma análise a partir da operação lava jato.
Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 3, p. 1209-1237, set./dez. 2020, p.
1231/1232.
55
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de
Janeiro: Revan, 2001, p. 12
43
Também foi comum a estipulação de benefícios em relação à pena de multa, o que não
possui amparo na Lei 12.850/2013. Os acordos também previram a suspensão das ações penais,
inquérito e demais procedimentos em curso ou relacionados aos fatos objeto da colaboração por
alguns anos, com a consequente suspensão do prazo prescricional.
56
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de colaboração premiada
no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo: Ed. RT, agosto/2021, p. 200/203.
44
Nota-se que foram diversas as disposições contra e extra legem presentes nos acordos
celebrados durante a Operação Lava-Jato, e a análise dos efeitos práticos deste período ainda
demandará anos de produção acadêmica.
Dessa maneira, tornaram-se cada vez mais frequentes notícias da celebração de acordos
de colaboração premiada que contivessem cláusulas de cumprimento antecipado das penas
pactuadas, tanto após a assinatura do acordo, quanto após a sua homologação.
Cláusula nesse sentido foi incluída, por exemplo, ao acordo de colaboração de José
Sérgio de Oliveira Machado, em seu parágrafo primeiro, letra e, com a redação a seguir:
57
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 6.138. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/peca-pet-
6138.pdf
46
São Paulo58, pelos termos dos acordos, os quais permanecem em sigilo, dezenas de delatores
seriam submetidos a penas de prisão, sem terem sido formalmente denunciados, ou sequer
investigados.
A imprensa também noticiou59 que pelo menos um dos delatores da Odebrecht, Paulo
Cesera, requereu ao Ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal,
que permitisse o cumprimento antecipado da prisão domiciliar imposta em seu acordo. Instada
a se manifestar, a procuradora Rachel Dodge opinou favoravelmente ao requerimento,
destacando que a antecipação da pena seria responsabilidade do delator.
Outro termo de colaboração divulgado publicamente, com disposições neste sentido, foi
o acordo do colaborador Delcídio do Amaral Gomez60, que possui capítulo intitulado “das
condições incidentes antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, com
cláusulas 13ª, 14ª e 15ª determinando o cumprimento de medidas privativas de liberdade nos
meses seguintes à homologação do acordo.
58
FOLHA DE S. PAULO, Delatores da Odebrecht cumprirão pena sem condenação, 2017. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/03/1863736-delatores-da-odebrecht-cumprirao-pena-sem-
condenacao.shtml
59
GLOBO, Delator da Odebrecht em liberdade pede pra cumprir pena sem ter sido condenado. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/politica/delator-da-odebrecht-em-liberdade-pede-para-cumprir-pena-sem-ter-sido-
condenado-22037964
60
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 5.952, disponível em
https://estaticog1.globo.com/2016/03/15/DELACAODELCIDIO.pdf?_ga=2.199271469.2081464120.168771591
6-1096936231.1674831419
47
“Por fim, embora nada impeça o imediato cumprimento do acordado por José Sérgio
de Oliveira Machado nas cláusulas 1ª, 2ª e 3ª, b, o art. 4º, caput e §§§ 1º, 2º e 22, da
Lei 12.850/2013 não deixa margem à dúvida no sentido de constituírem os benefícios
acordados, ainda que homologados (JC 127483, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal
Pleno, julgado em 27/08/2015), direitos cuja fruição estará condicionada ao crivo do
juiz sentenciante, no caso concreto, à luz desses parâmetros. Portanto, o cumprimento
antecipado do acordado, conquanto possa se mostrar mais conveniente ao
colaborador, evidentemente não vincula o juiz sentenciante, nem obstará o exame
judicial no devido tempo”
O mesmo entendimento foi adotado pela Ministra Carmen Lúcia, que assumiu
provisoriamente a relatoria de processos relacionados à Lava-Jato após o trágico acidente
envolvendo o Ministro Teori Zavaski. Segundo notícias circuladas pela mídia62, a Ministra
despachou nos autos das colaborações, as quais são sigilosas, nos termos abaixo:
“Segundo a Folha apurou, a ministra faz uma ressalva em seu despacho, que também
está sob sigilo, quanto ao trecho que determina o cumprimento imediato da pena.
‘O cumprimento antecipado do acordado, conquanto possa se mostrar mais
conveniente ao colaborador, evidentemente não vincula o juiz sentenciante, nem
obstará o exame judicial no devido tempo’, diz o despacho.
Ou seja, apesar de o acordo prever cumprimento imediato de pena, a ministra faculta
essa decisão aos juízes que serão responsáveis por cada ação decorrente da delação –
os casos revelados pela Odebrecht seguiram para o Judiciário nos Estados”.
61
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 6.138. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/peca-pet-
6138.pdf
62
MSN NOTÍCIAS. Oito meses após delações de 77 executivos, apenas Marcelo Odebrecht está preso, 2017.
Disponível em: https://www.msnoticias.com.br/policia/oito-meses-apos-delacoes-de-77-executivos-apenas-
marcelo-odebrecht/74880/
48
“Quanto ao conteúdo das cláusulas acordadas, e certa que não cabe ao Judiciário outro
juízo que não o da sua compatibilidade com o sistema normativo. Sob esse aspecto, o
conjunto das cláusulas do acordo guarda harmonia com a Constituição e as leis, com
exceção da expressão ‘renúncia’ a garantia contra a autoincriminação e ao direito ao
silencio, constante no título VI do acorda (fI. 20), no que possa ser interpretado como
renuncia a direitos e garantias fundamentais, devendo ser interpretada com a adição
restritiva ‘ao exercício’ da garantia e do direito respectivos no âmbito do acorda e para
seus fins”.
Em julgamento recente da Pet 12.673, cujos autos estão em sigilo, o Superior Tribunal
de Justiça analisou se a previsão de cumprimento imediato de pena privativa de liberdade após
a homologação de acordo de colaboração ofenderia o devido processo legal e a presunção de
inocência.
Apesar de o julgamento não ter sido concluído, em razão de pedido de vista do Ministro
Mauro Campbell, o relator do feito, Ministro Raul Araújo, já proferiu seu voto, conforme
notícia64 a seguir:
63
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 5.952, disponível em
https://estaticog1.globo.com/2016/03/15/DELACAODELCIDIO.pdf?_ga=2.199271469.2081464120.168771591
6-1096936231.1674831419
64
CONJUR, STJ julga execução imediata de pena após homologação de delação premiada. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2023-mai-03/stj-julga-execucao-imediata-pena-homologacao-
49
“Em sessão nesta quarta, Raul Araújo votou por negar o recurso da defesa. Apontou
que a forma de cumprimento da pena no caso concreto não é prisão no sentido estrito
de reprimenda estatal, mas mera condição do acordo com o qual o colaborador
concordou.
Com isso, destacou que não se pode invocar o devido processos legal e a presunção
de inocência para, violando legitima expectativa do Ministério Público Federal e em
ofensa ao dever de lealdade, deixar de cumprir o que foi combinado somente na parte
que lhe interessa.
(...)
‘A existência do espaço de negociação é a essência da colaboração premiada’, apontou
o ministro Raul. Assim, retirar o cumprimento imediato da pena do acordo extirparia
o principal custo imposto ao colaborador pelo Ministério Público Federal.
‘Comprometeria todo o acordo’, resumiu”.
delacao#:~:text=A%20possibilidade%20de%20aplicar%20as,deveriam%20come%C3%A7ar%20a%20ser%20a
plicadas
50
Após a homologação, o Parquet fez um requerimento para que fosse expedido ofício à
SPU e à ANAC com fim de viabilizar o perdimento da aeronave indicada no acordo de
colaboração. O Min. Herman Benjamin, responsável pela homologação do acordo no Superior
Tribunal de Justiça, proferiu então o seguinte despacho:
“5. Indefiro a expedição de ofício à SOU, neste momento, assim como a expedição de
mandado à ANAC, porque o efetivo perdimento do bem só se dará com o julgamento
e em caso de condenação, nos termos da decisão de fls. 111-117. A destinação
provisória do bem está sendo tratada na Pet 11.240. Eventualmente, e se for o caso,
poderá a aeronave ser alienada antecipadamente e o produto da venda depositado em
conta judicial, à disposição do juízo.”
65
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. TRF4 nega cumprimento de prestação de serviço
comunitário acordado em delação antes da sentença. Disponível em:
https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=14487
51
Novamente, importa ressaltar que as decisões colacionadas neste item são apresentadas
a título de exemplo, inexistindo qualquer pretensão de esgotar o pronunciamento dos tribunais
brasileiros quanto às cláusulas de cumprimento antecipado, ou de realização de análise
quantitativa ou estatística dos entendimentos.
52
Nesse sentido, o Ministro aposentado Nefi Cordeiro66 chama atenção para o perigo na
execução imediata da pena negociada pelo Ministério Público, apontando que tal medida
“restaura indevidamente um modelo inquisitório de processo, com concentração de todos os
poderes no órgão acusador”.
O autor continua seu raciocínio, salientando que a execução imediata de pena negociada
causa confusão não apenas de funções processuais, mas de suas próprias fases e garantias. A
ordem constitucional brasileira impõe ao Judiciário a obrigação de determinar o cumprimento
da sanção penal, após verificadas a presença de todas as justificadoras da acusação penal.
O Ministro aposentado traz, ainda, em sua obra, importante trecho dos autores Canotilho
e Brandão, o qual é reproduzido no presente texto:
“O início de uma pena criminal, ainda para mais por simples e directa determinação
do Ministério Público, sem que haja uma sentença judicial que a decrete configura
uma autêntica aplicação da pena sine judicio e sine judex. Nada que, obviamente, se
possa aceitar num Estado de direito. A jusestadualidade que deve caracterizar a
república Federativa do Brasil e comandar a acção de todos os seus órgãos não
consente que um réu sofra a execução de uma pena criminal sem um prévio e devido
processo penal (art. 5º, LIV, da Constituição Brasileira)” 67..
66
CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada. Caracteres, limites e controles. Editora Forense, 2020, p. 66.
67
CANOTILHO, J.J. Gomes; BRANDÃO, Nuno. Colaboração premiada: reflexões críticas sobre os acordos
fundantes da Operação Lava-Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 133, ano 25, jul. 2017,
p. 159, In CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada. Caracteres, limites e controles. Editora Forense, 2020, p. 66.
53
68
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 218/2019.
69
CAPEZ, Rodrigo. A sindicabilidade do acordo de colaboração premiada. In In BOTTINI, Pierpaolo Cruz e
MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração premiada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 226.
70
MENDES, Gilmar Ferreira. Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação. Revista
Jurídica da Presidência, Brasília, v. 21, n. 124, jun/set 2019, p. 240-261. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2019v21e124-2019
54
O principal ponto utilizado pelo autor para justificar sua posição é o fato de que, sendo
a cláusula negociada entre o colaborador e o Ministério Público, impõe-se que a manifestação
de interesse da parte se sobressaia em relação a uma interpretação inflexível do princípio do
nulla poena sine judicio.
Nos comentários feitos por Nereu José Giacomolli71 ao dispositivo em questão, o autor
ressalta que:
71
CANOTILHO, J.J. Gomes, et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018, p. 475.
55
Conforme afirmado por Aury Lopes Jr72, em obra sobre os fundamentos do processo
penal brasileiro:
72
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2021, p. 57.
56
Para mais, como já destacado na presente pesquisa, o princípio processual penal do nulla
poena sine judicio decorre das garantias mencionadas acima e impõe a necessidade de que a
execução do direito de punir pelo estado decorra de determinação direta do julgador, não
importando que o acusado manifeste expressamente seu desejo de submissão à sanção.
Como já exposto ao longo desta pesquisa, um dos caracteres que permaneceu estável na
evolução da disciplina normativa sobre a colaboração premiada, é a voluntariedade. Isso
significa que a manifestação de vontade do colaborador deve ser declarada com plena
consciência e liberdade, sendo vedada qualquer forma de coação.
mesmo quando violam garantias asseguradas pela Constituição ou ultrapassam os limites legais
de discricionariedade do Ministério Público.
Outro exemplo era o uso quase sistêmico de prisões cautelares durante os quase sete
anos de vigência da Operação. Em muitos casos, os próprios Procuradores da República
justificavam a necessidade da manutenção de prisões pela “possibilidade real de o infrator
colaborar com a apuração da infração penal”73.
73
CONJUR. Em parecer, MPF defende prisões preventivas para forçar réus a confessar. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2014-nov-27/parecer-mpf-defende-prisoes-preventivas-forcar-confissoes
74
CONJUR. Professores criticam parecer sobre prisões preventivas na lava jato. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-prisao-preventiva-lava-jato
58
Diante disso, é fácil perceber que as negociações dos acordos de colaboração premiada
não ocorriam em condições de paridade de armas, tornando difícil a impugnação de cláusulas
pelos colaboradores, ainda que manifestamente abusivas, como é o caso das determinações de
cumprimento antecipado das penas acordadas.
“Quanto ao conteúdo das cláusulas acordadas, é certo que não cabe ao Judiciário outro
juízo que não o da sua compatibilidade com o sistema normativo. Sob esse aspecto,
os termos acordados guardam harmonia, de um modo geral, com a Constituição e as
leis, com exceção do compromisso assumido pelo colaborador, constante da Cláusula
12, segunda parte, da Cláusula 15, g e da Cláusula 17, parte final, exclusivamente no
que possa ser interpretado como renúncia, de sua parte, ao pleno exercício, no futuro,
do direito fundamental de acesso à Justiça, assegurado pelo art. 5°, XXXV, da
Constituição. Fica, portanto, excluída da homologação, que ora se formaliza, qualquer
75
CONJUR, Lava Jato usava prisão provisória como elemento de tortura, diz Gilmar. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-out-02/lava-jato-usava-prisao-provisoria-elemento-tortura-gilmar
76
CONJUR, Termo de acordo de colaboração premiada de Paulo Roberto Costa. Disponível em:
https://s.conjur.com.br/dl/acordo-delacao-premiada-paulo-roberto.pdf
59
interpretação das cláusulas acima indicadas que possa resultar em limitação ao direito
fundamental de acesso à Jurisdição”77.
Conclui-se, portanto, que a primeira posição doutrinária apresentada ao longo deste item
é mais condizente com a justiça criminal brasileira, uma vez que, ainda que se desconsidere a
posição disparitária entre as duas partes negociantes num acordo de colaboração premiada, as
normas cogentes da Constituição Federal não podem ser suplantadas por simples declaração de
vontade.
77
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PET 5.209.
60
CONCLUSÃO
Por fim, focou-se no caso específico das cláusulas de cumprimento antecipado de pena,
as quais, apesar de manifestamente contrárias ao regramento constitucional e infralegal, foram
comumente pactuadas nos acordos de colaboração premiada firmados durante a Operação
Lava-Jato.
78
VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 57.
62
REFERÊNCIAS
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal [livro eletrônico]. 9. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Dispõe sobre o combate à formação e atuação
de organizações criminosas. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 2 de agosto de 2013.
CALLEGARI, André Luís. Colaboração premiada: aspectos teóricos e práticos. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019.
64
CANOTILHO, J.J. Gomes, et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018.
CONJUR, Lava Jato usava prisão provisória como elemento de tortura, diz Gilmar. Disponível
em: https://www.conjur.com.br/2019-out-02/lava-jato-usava-prisao-provisoria-elemento-
tortura-gilmar
CONJUR, STJ julga execução imediata de pena após homologação de delação premiada.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mai-03/stj-julga-execucao-imediata-pena-
homologacao-delacao
CONJUR, Termo de acordo de colaboração premiada de Paulo Roberto Costa. Disponível em:
https://s.conjur.com.br/dl/acordo-delacao-premiada-paulo-roberto.pdf
CONJUR. Em parecer, MPF defende prisões preventivas para forçar réus a confessar.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-nov-27/parecer-mpf-defende-prisoes-
preventivas-forcar-confissoes
CONJUR. Professores criticam parecer sobre prisões preventivas na lava jato. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-prisao-preventiva-lava-
jato
65
GLOBO, Delator da Odebrecht em liberdade pede pra cumprir pena sem ter sido condenado.
Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/delator-da-odebrecht-em-liberdade-pede-
para-cumprir-pena-sem-ter-sido-condenado-22037964
GLOBO, Por que Sergio Moro responsável por julgar casos da Lava-Jato incomoda tanto.
Disponível em: https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/noticia/2015/10/por-que-sergio-moro-
responsavel-por-julgar-casos-da-lava-jato-incomoda-tanto.html
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 7 ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021.
MORO, Sergio Fernando. Considerações sobre a operação mani pulite. Revista CEJ,
Brasília, v. 8, n. 26, p. 56-62., jul./set. 2004.
MOURA, Maria Thereza de Assis e BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Colaboração premiada. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
MSN NOTÍCIAS. Oito meses após delações de 77 executivos, apenas Marcelo Odebrecht está
preso, 2017. Disponível em: https://www.msnoticias.com.br/policia/oito-meses-apos-delacoes-
de-77-executivos-apenas-marcelo-odebrecht/74880/
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Disposições extra e contra legem nos acordos de
colaboração premiada no Brasil: análise qualitativa dos termos celebrados na Operação
Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 182, ano 29. P 191-226. São Paulo:
Ed. RT, agosto/2021.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 8 ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch,
2018.
67