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Marcas Queima

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Artigo

INVESTIGAÇÃO DE INCÊNDIO EM EDIFICAÇÕES: ESTUDO DAS MARCAS


DE COMBUSTÃO E DO SENTIDO DE PROPAGAÇÃO DAS CHAMAS

Fire investigation in buildings: study of fire patterns and path of fire


spread

Rodrigo Gonçalves Basílio


2º Tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, Perito em Incêndio e Explosão, Bacharel em
Comunicação pela UFG, com Especialização em Limites Constitucionais da Investigação pela Universidade Anhanguera
Uniderp. E-mail: basilio@cbm.sc.gov.br.

Vanderlei Vanderlino Vidal


Tenente-Coronel do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, Perito em Incêndio e Explosão, Bacharel em
Administração pela UFSC, com Especialização em Gestão de Serviços de Bombeiro pela UNISUL. E-mail:
vanderlino@cbm.sc.gov.br.

RESUMO ABSTRACT
Este artigo estuda as diferentes marcas de combustão This article studies the different fire patterns found in fire
presentes em ocorrências de incêndio em edificações. events in buildings, seeking to demonstrate how the
Busca demonstrar de que forma a interpretação correta correct interpretation of these patterns will allow the fire
dessas marcas possibilitará ao investigador de incêndio investigator to identify the path of fire spread. The
identificar o sentido de propagação das chamas. Para following topics will be discussed: external and internal
tanto, são abordados os seguintes tópicos: exames examination of the building; morphology fire patterns;
externos e internos da edificação; morfologia das marcas clean burn on wall surface; melted plastic and distorted
de combustão; áreas de queima limpa; marcas em lightbulbs; considerations about the wood; and computer
polímeros termoplásticos e lâmpadas incandescentes; simulation through softwares Fire Dinamycs Simulator
considerações sobre a madeira; e simulação and Smokeview. In conclusion, it is ratified the
computacional por meio dos aplicativos Fire Dinamycs importance of this study to the discovery elements such
Simulator e Smokeview. Na conclusão, ratifica-se a as origin area of fire and heat source in addition to the
importância deste estudo à descoberta de elementos causes of fire. Finally, future articles about fire patterns
como zona de origem e foco inicial, além das causas do on wildfires and motor vehicle fires are suggested.
incêndio. Sugere-se, por fim, que trabalhos futuros
versem sobre marcas de combustão em incêndios Keywords: Fire investigation. Fire patterns. Path of fire
florestais e incêndios em veículos. spread.

Palavras-chave: Investigação de incêndio. Marcas de


combustão. Sentido de propagação das chamas.

Ignis: revista técnico científica do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina,


Florianópolis, v. 2, n. 1, maio/out. 2017.
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1 INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste artigo consiste em descrever as marcas de


combustão encontradas em ocorrências de incêndio em edificações e discorrer
acerca da maneira correta de interpretá-las, a fim de identificar o caminho
percorrido pelas chamas durante o desenvolvimento do incêndio.
Nesse sentido, pretende-se resolver o seguinte problema de pesquisa: de
que forma o exame das marcas de combustão possibilitará a identificação do
caminho de propagação das chamas e, consequentemente, de elementos como
zona de origem e foco inicial em ocorrências de incêndio em edificações?
Em relação à metodologia, a pesquisa fundamentou-se no modelo
proposto por Saunders, Lewis e Thornhill (2003), classificando-se como
dedutiva, qualitativa, descritivo-exploratória, bibliográfica e transversal.

2 EXAMES DO EXTERIOR DA EDIFICAÇÃO

A investigação do incêndio tem início pelo exterior da edificação e pelos


terrenos que a circundam. É necessário que o investigador circunde a
edificação ao menos uma vez para verificar as marcas no terreno, e outra vez
para analisar a integridade da própria edificação. Tal análise o ajudará a
determinar se o incêndio ocorreu de forma contínua ou por meio de focos
independentes (possível indicador de incêndio criminoso). Também possibilitará
a identificação da intensidade da queima nos diversos quadrantes, tetos e
aberturas, além da descoberta de objetos totalmente estranhos à cena
(MCFADDEN; PHILLIPPS, 1984).
O investigador deve conferir especial atenção às paredes da edificação,
registrando vestígios como: manchas de fumaça; sinais de carbonização e
fuligens; pontos, aparentemente sem conexão; portas e janelas abertas ou
fechadas; estado dos vidros das portas e janelas (quebrados, derretidos,
retorcidos, manchados de fumaça etc.); indícios de entrada forçada; posição e
estado das chaves dos medidores de gás e eletricidade; ponto mais baixo com
sinais do fogo; posição e estado das mangueiras e escadas (NFPA, 2014).
No caso de um incêndio que tenha se iniciado no ambiente externo
propagando-se para o interior da edificação, será possível observar na parede
externa a marca de combustão em “V” (cujos detalhes morfológicos serão
tratados mais à frente). Tal marca tende a se propagar por toda a parede até
um ponto em que venha a se extinguir, ou pode, de outra forma, adentrar o
edifício. Qualquer janela dentro do “V” estará envolta por fuligem, e, onde as
chamas penetrarem a edificação, os sinais de propagação continuarão
ascendendo pelas paredes interiores (MCFADDEN; PHILLIPPS, 1984).
Os telhados também exigem observação especial por parte do
investigador, uma vez que as correntes de convecção representam grande
parte do calor produzido no incêndio, gerando danos consideráveis na parte
superior da edificação. O local onde o telhado apresenta maior dano tende a
coincidir com a zona de origem do incêndio (LENTINI, 2013).

3 EXAMES DO INTERIOR DA EDIFICAÇÃO

Para o entendimento da dinâmica do incêndio no interior da edificação, o


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investigador deverá partir do ponto menos atingido pela combustão e
retroceder cuidadosamente até o ponto mais atingido, observando todas as
marcas de combustão encontradas no caminho (MCFADDEN; PHILLIPPS,
1984).
Parte-se do amplo para o restrito, do universal para o particular, do
macro para o micro. Se o incêndio envolveu vários pavimentos de um edifício,
procura-se determinar em qual deles o fogo teve início. De igual forma, caso o
incêndio tenha ocorrido em uma área mais ampla – a exemplo de um
complexo industrial –, o investigador deverá iniciar os seus trabalhos pelo
setor onde ocorreu a menor queima (ARAGÃO, 2010).
Durante esse trajeto, o investigador não deve ignorar nenhum detalhe,
pois um simples objeto poderá lhe indicar o sentido de propagação das chamas
(NFPA, 2014).

4 MORFOLOGIA DAS MARCAS DE COMBUSTÃO

Marcas de combustão são definidas como os efeitos visíveis ou


mensuráveis que permanecem depois de um incêndio, ocasionadas pela
radiação, pelo contato com a camada de gás quente (convecção), ou pelo
contato direto com as chamas (condução). De maneira geral, tais marcas
assumem determinadas formas geométricas, cujo reconhecimento mostra-se
imprescindível ao investigador para o entendimento da dinâmica do incêndio,
sobretudo no tocante à identificação da zona de origem e do foco inicial
(LENTINI, 2013).
A morfologia das marcas de combustão dependerá essencialmente das
condições do ambiente (quantidade e natureza do material comburido,
natureza das superfícies e estruturas expostas ao fogo, etc.), do estágio de
evolução do incêndio e da ventilação (NFPA, 2014).
O primeiro a identificar formas geométricas nas marcas de combustão foi
John D. Dehaan, autor de Kirk's Fire Investigation, ao afirmar, no ano de 1969,
que a propagação ascendente do fogo formava uma marca de cone invertido,
sendo o ápice na parte inferior (foco inicial). O autor, contudo, já naquela
época, alertava os investigadores de que o referido padrão poderia sofrer
alteração a depender de uma série de fatores, a exemplo da quantidade de
material combustível presente no local, do fluxo de ar, das características
estruturais da edificação e da ventilação. A forma cônica tridimensional
apresentada em Kirk's persiste até hoje como meio predominante de avaliação
da geometria das marcas de combustão. Apenas anos depois é que a literatura
passou a expressar essa forma cônica também em formas bidimensionais,
incluindo variações das marcas em “V”, marcas em “U”, e marcas no formato
de ampulheta (GORBETT et al, 2015).
A maioria das marcas de combustão é gerada diretamente pelas chamas,
que são tridimensionais. Tais marcas apresentam linhas de demarcação dos
efeitos do fogo sobre materiais criados pela forma tridimensional da labareda
(cone) sendo cortadas por uma superfície bidimensional, como um teto ou uma
parede. Quando a chama é bloqueada por uma superfície, nota-se a formação
de seções cônicas. A taxa de liberação de calor do combustível durante o
processo de queima tem um efeito profundo sobre a forma das marcas de
combustão, sendo as principais: a) marcas em “V”; b) marcas em “V”
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invertido; c) ampulheta; d) marcas em “U”; e) ponteiro e seta; e f) forma
circular (DE HAAN, 2011).

4.1 MARCAS EM “V” INVERTIDO (TRIÂNGULO)

Marcas em forma de “V” invertido (também chamadas de triangulares)


são geralmente causadas por chamas verticais que não alcançaram o teto, ou
quando este não existe. Costumeiramente verificadas no estágio inicial do
incêndio, ou nos incêndios de curta duração, e ainda naqueles com baixa taxa
de liberação de calor. Podem ser um indicativo de que o incêndio foi apagado
ainda no seu início ou pode configurar a existência de focos secundários,
ocasionados por exemplo pela queda de detritos do teto (fall down). A forma
bidimensional é triangular, com a base para baixo (NFPA, 2014).
Figura 1 – Projeção trimensional da Figura 2 – Marca em “V” invertido ou triangular
marca em “V” invertido. produzida pela queima de uma pequena pilha de
jornais.

Fonte: NFPA (2014, p. 66) Fonte: Lentini (2013, p. 83)

Por muitos anos, a marca em “V” invertido (ou triangular) foi


interpretada como prova de incêndio em líquidos inflamáveis. Atualmente,
contudo, entende-se que qualquer fonte de combustível (vazamento de gás
combustível, combustíveis de Classe A, etc.) que produza chamas que não
tenham sido restringidas verticalmente por uma superfície horizontal, como o
teto ou algum móvel, pode produzir marcas de combustão no formato de “V”
invertido ou triangular (GORBET et al, 2015).

4.2 MARCAS EM FORMATO COLUNAR

À medida que o incêndio se desenvolve e que a taxa de liberação de


calor se eleva, as marcas de combustão em “V” invertido (ou triangular)
adquirem um padrão colunar, com linhas verticais paralelas se propagando em
direção ao teto (GORBETT et al, 2015).

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Figura 3 – Projeção tridimensional da Figura 4 – Marca em forma de coluna: extinção do incêndio antes
marca em forma de coluna. que as chamas tivessem mais tempo de interagir com o teto.

Fonte: Lentini (2013, p. 84)

Fonte: Lentini (2013, p. 85)

Normalmente, esse tipo de marca pode ser v


isualizado quando o incêndio foi extinto ainda durante esse estágio
intermediário, vale dizer, quando as chamas interagiram apenas por um curto
espaço de tempo com o teto ou com outra superfície horizontal. Tal extinção
pode ter ocorrido em razão do combate efetuado pelos Corpos de Bombeiros,
ou ainda pela falta de oxigênio ou de material combustível (LENTINI, 2013).

4.3 MARCAS EM “V” CLÁSSICO OU TÍPICO

Com a progressão do incêndio, a marca colunar irá se transformar na


marca de combustão denominada “V” clássico ou típico, sendo gerada pelo
contato direto com as chamas, pelo calor de convecção ou pela radiação dos
gases aquecidos do incêndio (LENTINI, 2013).
No espaço tridimensional, a referida marca possui a geometria de um
cone com o vértice voltado para baixo e, no plano bidimensional, assume a
forma de um “V” regular, aparecendo em superfícies verticais como paredes,
portas, laterais de móveis e aparelhos (ARAGÃO, 2010).

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Figura 6 – Marca em “V” típico.
Figura 5 – Projeção tridimensional da
marca em “V” típico ou regular.

Fonte: NFPA (2014, p. 66)


Fonte: Lentini (2013, p. 87)

Existem, porém, alguns conceitos equivocados em relação às marcas em


“V” e que foram reverberados ao longo dos anos. O primeiro era acreditar que
a marca em “V” necessariamente indicaria o foco inicial do incêndio. Tal
equívoco foi dissipado já na primeira edição da NFPA 921, a qual deixou claro
que a referida marca poderia estar presente em um local diverso do foco
inicial, causada, por exemplo, pelo acúmulo de material combustível no
referido local ou pela queda posterior de detritos. O segundo equívoco referia-
se à base da marca em “V”. Pensava-se que a base estreita indicaria
necessariamente um rápido desenvolvimento do incêndio e que estaria
associada à presença de líquido acelerante; por outro lado, a base larga
indicaria um lento desenvolvimento do incêndio. Ambos os equívocos caíram
em descrédito e não mais prevalecem dentro do atual contexto da investigação
de incêndio (GORBETT et al, 2015).
O ângulo da marca em “V” depende de vários fatores, dentre os quais:
taxa de liberação de calor; geometria do combustível; efeitos da ventilação;
combustibilidade da superfície sobre a qual a marca aparece; e presença de
superfícies horizontais, como tetos e tampos de mesa (NFPA, 2014).
4.4 MARCAS EM FORMA DE AMPULHETA
A marca de combustão na forma de ampulheta pode ser considerada
uma junção da marca em “V” típico com a marca em “V” invertido (ou
triangular), razão pela qual também costuma ser chamada de “duplo V”. Na
parte inferior da coluna térmica formada, estará presente a marca em “V”
invertido, onde possivelmente terá iniciado a combustão. Acima dessa marca,
estará a marca em “V” típico, com vértice mais ou menos largo, constituindo a
zona de gases quentes, oriundos da convecção (DE HAAN, 2011).
À medida que os gases quentes ascendem da zona de combustão,
esfriam-se progressivamente por arraste do ar periférico (coluna térmica),
acarretando a extensão lateral das marcas em “V” típico na parte superior. Já o
“V” invertido (ou triangular) localizado na parte inferior mostra-se
normalmente menor e, em geral, apresenta queima mais intensa ou mesmo
queima limpa (ARAGÃO, 2010).

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4.5 MARCAS EM FORMA DE “U”

Quando o foco inicial estiver mais afastado da superfície vertical na qual


se formaria uma marca em “V” típico, será possível verificar uma marca de
combustão em forma de “U”, com linhas de demarcação mais curtas e com
vértice arredondado em vez de pontiagudo (NFPA, 2014).
Já nas superfícies horizontais (como tetos e lajes de forro), devido aos
efeitos da radiação, a referida chama produzirá uma marca de combustão em
formato de círculo completo (quando não há intersecção com a parede), ou de
círculo incompleto (quando há intersecção com a parede) (LENTINI, 2013).
Figura 8 – Marca em “U” na parede aos fundos,
Figura 7 – Marca em “U” (projeção tridimensional). localizada distante do foco inicial.

Fonte: NFPA (2014, p. 68)


Fonte: Lentini (2013, p. 89)

As linhas inferiores da marca em “U” geralmente estão mais altas do que


as linhas inferiores da correspondente marca em “V”, pois estas estão
localizadas mais próximo do foco inicial (NFPA, 2014).

4.6 MARCAS EM FORMA DE CONE TRUNCADO

Na geometria, truncado significa “cortado por um plano secante”


(PRIBERAM, 2015). Na investigação de incêndio, as marcas tridimensionais do
cone truncado são geradas pela intersecção dos gases quentes advindos da
ascensão da coluna térmica com as superfícies verticais e horizontais
(perpendiculares), resultando na combinação de mais de uma marca
bidimensional (NFPA, 2014).
Ressalte-se que a anatomia da chama, por si só, possui caráter
tridimensional, o que pode ser verificado (inclusive) em uma combustão
simples como aquela ocorrida em uma vela. Nesse caso, tal como ocorre nos
incêndios, a chama se apresentará de maneira difusa e turbulenta
(QUINTIERE, 2006).
Muitas marcas de combustão, tais como marcas em “V”, marcas em “U”,
marcas circulares e marcas de “ponteiro ou seta”, estão diretamente
relacionadas com o cone tridimensional de calor criado pelo fogo. Devido à
introdução de ar (arraste), a largura do cone aumenta com a elevação da
altura. Quando os gases quentes encontram uma obstrução para o seu
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movimento vertical, como o teto de uma sala, passam a se mover
horizontalmente, gerando as referidas marcas (NFPA, 2014).
Embora a marca de cone truncado esteja normalmente associada à
localização do foco inicial do incêndio, os investigadores não devem tomar esse
indicativo como uma verdade absoluta. Isso porque as diferentes formas de
ventilação podem alterar significativamente o formato do cone truncado ou
mesmo a sua localização em relação ao foco inicial (GORBETT et al, 2015).

4.7 MARCAS EM FORMA DE SETAS E PONTEIROS

Em muitas ocasiões, o exame das marcas de combustão nos pilares, nas


vigas e nas paredes de madeira permitirá identificar o sentido de propagação
das chamas. De maneira geral, quanto mais curtas e carbonizadas as tábuas e
ripas de madeira, mais perto estarão do foco inicial se comparadas às tábuas e
ripas maiores e menos carbonizadas (NFPA, 2014).

Figura 9 – Quanto menor a distância do foco Figura 10 – Detalhe do forro e da parede de madeira, indicando
inicial, maior o dano na parede de madeira. sentido de propagação das chamas da direita para esquerda.

Fonte: NFPA (2014, p. 70)


Fonte: Laudo Pericial nº 16/98/CBMSC

A forma da seção transversal das vigas tenderá a produzir "setas"


apontando a direção do foco inicial. Isso ocorre em razão da queima dos
ângulos agudos das arestas das referidas vigas que se encontram mais
próximo do foco inicial. De igual modo, os lados mais carbonizados dos pilares
de madeira sinalizam de onde as chamas partiram (NFPA, 2014).

4.8 INFLAMAÇÃO GENERALIZADA E VENTILAÇÃO

Ainda acerca da morfologia das marcas de combustão, deve ser


entendido que a ausência de um padrão observável após um incêndio (marcas
em “V”, em coluna, ampulheta etc.), não significa que ele não estava presente
no início do incêndio. Quando ocorre a inflamação generalizada do ambiente
(flashover), normalmente quando a temperatura supera os 600ºC, as marcas
iniciais de combustão podem ficar escondidas pela fuligem, ou podem ser
criadas outras marcas que não necessariamente apontarão para o foco inicial
(OBACH, 2012).

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Figura 11 – Incêndio extinto 40 seg após a sua Figura 12 – Incêndio extinto 2 min e 30 seg após a sua
generalização (flashover). generalização (flashover).

Fonte: Obach (2012, p. 4) Fonte: Obach (2012, p. 4)

Nesse tipo de situação (pós-flashover), para que não incorra em erro, o


investigador de incêndio deverá conferir atenção especial à ventilação,
analisando de que forma o oxigênio penetrou no ambiente e, uma vez lá
dentro, como ele se comportou (OBACH, 2012).

5 ÁREAS DE QUEIMA LIMPA

Trata-se de um fenômeno observado em superfícies não inflamáveis,


quando a fuligem e a fumaça condensada, que seriam normalmente
encontradas na superfície, acabam sendo consumidas pelas chamas. O carbono
será oxidado, transformando-se em gases e desaparecendo da superfície. Isso
produz uma área limpa com as adjacências escurecidas pelos produtos da
combustão, devido ao contato direto com as chamas ou com o calor irradiado
(NFPA, 2014).
Figura 14 – Área de queima limpa na parede localizada
no lado direito da imagem.
Figura 13 – Área de queima limpa acima da
cadeira, no lado esquerdo da imagem.

Fonte: McCollom (2014)

Fonte: University of New Haven (2015)


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Embora possam ser um indicativo de forte aquecimento, áreas de queima
limpa não necessariamente indicam a zona de origem do incêndio. A
quantidade e as características do material combustível, os aspectos
relacionados à ventilação (ventilação por pressão positiva, localização das
aberturas), assim como a forma como se deu a utilização do jato de água pelos
bombeiros, são fatores que devem ser observados pelos investigadores
(GORBETT et al, 2015).

Figura 15 – Área de queima limpa próximo à porta que se Figura 16 – Área de queima limpa ocasionada
encontrava aberta durante o teste de incêndio. Zona de pela presença de um sofá. Zona de origem
origem localizada no outro ambiente. localizada em outro ambiente.

Fonte: Gorbett et al (2015, p. 24)

Fonte: Laudo Pericial nº


10000162/10ºBBM/2015/CBMSC

As linhas de demarcação entre as áreas queimadas e limpas e as


escurecidas podem ser usadas pelos investigadores de incêndio para a
determinação do sentido de propagação das chamas ou das diferenças de
intensidade ou do tempo da combustão (NFPA, 2014).

6 MARCAS DE COMBUSTÃO EM POLÍMEROS TERMOPLÁSTICOS

Polímeros termoplásticos amolecem e derretem ao longo de um intervalo


de temperaturas relativamente baixas, variando, em geral, de 75°C a 400°C. O
derretimento do plástico pode dar informações relevantes não apenas sobre as
temperaturas, mas principalmente sobre onde se concentrou a quantidade
maior de gases quentes (NFPA, 2014).

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Figura 17 – Fusão do recipiente plástico indicando propagação das chamas da direita para a
esquerda, levando à geladeira identificada como foco inicial.

Fonte: Informe Pericial nº 141/1ºBBM/2013/CBMSC

Se as chamas tiverem se propagado horizontalmente, a lateral dos


objetos plásticos estarão mais deformadas, ao passo que, se as chamas
tiverem se propagado de maneira mais ascendente, será a parte inferior dos
objetos que se apresentará mais deformada (MCFADDEN; PHILLIPPS, 1984).

7 MARCAS DE COMBUSTÃO EM LÂMPADAS INCANDESCENTES

Marcas de combustão em lâmpadas incandescentes também podem


indicar o sentido de propagação das chamas. Como o lado da lâmpada mais
próximo do foco inicial tende a sofrer um aquecimento maior, os gases
presentes em seu interior irão se expandir, aumentando a pressão interna até
que haja o rompimento de sua superfície. A parte expandida da lâmpada
aponta a direção do foco inicial (NFPA, 2014).
Figura 18 – Sentido de propagação das Figura 19 – Sentido de propagação das
chamas da direita para esquerda. chamas da esquerda para direita.

Fonte: NFPA (2015, p. 57) Fonte: Laudo Pericial nº


10040316/1ºBBM/2015/CBMSC

Embora as lâmpadas que subsistem à fase de extinção do incêndio


possam ser utilizadas para descobrir o sentido de propagação das chamas, o
investigador necessita primeiramente apurar se alguém porventura girou o
soquete da lâmpada antes da chegada dos bombeiros combatentes ou dos
bombeiros responsáveis pela investigação do incêndio para que não seja
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induzido a erro (NFPA, 2014).

8 ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE A MADEIRA

A queima da madeira, semelhante ao que acontece com outros materiais


combustíveis, acarreta a perda de material. O aspecto visual dessas perdas
pode fornecer importantes vestígios ao investigador e estão relacionadas ao
acúmulo de calor radiante, ao contato direto com a chama ou à presença de
incandescência na região afetada. Normalmente, o que se observa é o maior
consumo do material na superfície inicialmente exposta ao calor, criando-se
uma fresta mais larga nesse ponto, diminuindo progressivamente em direção à
outra face da superfície (NFPA, 2014).

Figura 20 – Marcas de combustão em madeira com incêndio se


propagando de baixo para cima e de cima para baixo (perda de material).

Fonte: Lentini (2013, p. 97)

O termo alligatoring foi uma expressão criada para descrever o aspecto


adquirido pela madeira após a sua queima, por lembrar o couro do jacaré.
Pode variar em tamanho e forma, dependendo do gradiente de calor e da
velocidade da queima (LENTINI, 2013). Por muitos anos, acreditou-se que o
aspecto superficial da parte carbonizada (escura, brilhante, colorida, com a
formação de bolhas) teria relação direta com o uso de hidrocarbonetos
como aceleradores da propagação do incêndio. Atualmente, porém, essa
informação é tida como um dos grandes mitos da investigação de incêndio
(LENTINI, 2013).
A taxa de carbonização da madeira varia muito, dependendo de
fatores como: a) taxa e duração do aquecimento; b) efeitos da ventilação;
c) relação superfície/peso; d) direção, orientação e tamanho do grão da
madeira; e) tipo de madeira (pino, abeto, carvalho, etc.); f) teor de
umidade da madeira; e g) tipo de revestimento da madeira (NFPA, 2014).

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Figura 21 – Variação de tamanho e forma das Figura 22 – Marcas (ou bolhas) de diferentes tamanhos
marcas, indicando queima de cima para baixo. identificadas na mesma parede de madeira.

Fonte: do autor Fonte: Lentini (2013, p. 441)

Por esse motivo, é desaconselhável que o investigador de incêndio faça


correlação do efeito alligatoring com o uso de agente acelerante ou com a taxa
de crescimento do incêndio, observando somente os aspectos visuais da
carbonização (LENTINI, 2013).

9 SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL DAS MARCAS DE COMBUSTÃO

Visando identificar a zona de origem e o foco inicial de um incêndio,


frequentemente se faz necessária a realização de testes e ensaios práticos.
Entretanto, a construção de modelos reais, em escala ou naturais, demanda
considerável custo financeiro, pessoal especializado e tempo para que os
modelos estejam prontos para os testes (RAJÃO, 2008).
Com o aprimoramento da tecnologia de sistemas de informação e de
processamento de dados, os recursos de modelagem computacional têm-se
apresentado como uma solução interessante e viável financeiramente
(BRAGA; LANDIM, 2008).
Nesse sentido, o National Institute of Standards and Technology
(NIST), dos Estados Unidos da América, desenvolveu um software de
simulação computacional de incêndios denominado Fire Dinamycs Simulator
(FDS). Foi inicialmente desenvolvido para simular incêndios em edificações,
visando estudar a dinâmica dos incêndios mais detalhadamente, a custo
baixo e de forma que não colocasse em risco os acadêmicos, engenheiros e
técnicos. Porém, logo se observou que o referido aplicativo poderia ser
utilizado também na investigação de incêndios (RAJÃO, 2008).
Juntamente com o FDS, utiliza-se o aplicativo Smokeview (SMV),
desenvolvido para visualizar os dados numéricos gerados pelo FDS,
possibilitando animações gráficas e desenhos estáticos em três dimensões.
Em resumo, o SMV constitui a plataforma de visualização gráfica dos dados
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de saída do FDS (RAJÃO, 2008).

Figura 23 – Exemplo de representações gráficas proporcionadas pela combinação entre os


aplicativos FDS e SMV. Marca de combustão gerada pela queima de um sofá em uma sala.

Fonte: Forney (2007)

Além da identificação das marcas de combustão e do sentido de


propagação das chamas, os aplicativos permitem também a verificação das
condições a que um local pode ter sido submetido quando da ocorrência de
um incêndio, calculando dados importantes como temperatura,
concentração de gases como oxigênio e monóxido de carbono, tempo para
acionamento dos chuveiros automáticos e dos detectores de fumaça e calor,
tempo de queima, entre outros (BRAGA; LANDIM, 2008).
Vale frisar que a simulação computacional não possibilita a obtenção de
todas as respostas sobre o incêndio. Trata-se de mais uma ferramenta à
disposição do investigador, que, em conjunto com o seu conhecimento sobre
ciência do fogo e metodologia de investigação de incêndio, possibilitará a
consecução de resultados eficazes e conclusões bem fundamentadas (BRAGA;
LANDIM, 2008).

10 CONCLUSÃO

Ao término deste artigo, verificou-se que a interpretação correta das


diferentes marcas de combustão encontradas em edificações incendiadas
possibilita ao investigador a identificação do sentido de propagação das
chamas.
Provou-se que, uma vez identificado o sentido de propagação das
chamas, o investigador de incêndio terá condições mais robustas de definir
elementos importantes, como zona de origem e foco inicial, além das causas e
subcausas do incêndio.
Demonstrou-se que o processo investigatório abrange tanto o exame
externo da edificação quanto o seu exame interno.
Tratou-se também da morfologia das marcas de combustão, das áreas de
queima limpa, das marcas em polímeros termoplásticos e lâmpadas
incandescentes, de aspectos relevantes sobre a madeira e ainda dos principais
aplicativos utilizados na investigação de incêndio.
Por fim, como este artigo limitou-se a abordar unicamente as marcas de
combustão presentes em ocorrências de incêndio em edificações, sugere-se
que trabalhos futuros possam versar sobre as marcas de combustão
encontradas em situações de incêndio florestal e incêndio em veículos, na
Ignis: revista técnico científica do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina,
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medida em que também constituem objeto de perícia do Corpo de Bombeiros
Militar de Santa Catarina.

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Florianópolis, v. 2, n. 1, maio/out. 2017.
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