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CONTRIBUIÇÃO PARA O CONHECIMENTO DOS RECURSOS

HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS NAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS


RIOS BENGO E DANDE (ANGOLA)

Ilda CALÇADA1, Margarida MAGINA2, Abílio Garcia CASTRO3, Clarisse CARNEIRO4,


Manuel OLIVEIRA5

1. QUADRANTE – Consultores de Engenharia e Arquitetura, Alfrapark - Amadora, iocalcada@qd-eng.com


2. QUADRANTE – Consultores de Engenharia e Arquitetura, Alfrapark - Amadora, amagina@qd-eng.com
3. PROCESL - Engenharia Hidráulica e Ambiental, S.A, Alfrapark - Amadora, acastro@procesl.pt
4. QUADRANTE – Consultores de Engenharia e Arquitetura, Alfrapark - Amadora, ccarneiro@qd-eng.com
5. Consultor da PROCESL - Engenharia Hidráulica e Ambiental, S.A, Alfrapark - Amadora, m.oliveira@hidromais.pt

RESUMO
A caracterização dos recursos hídricos subterrâneos das bacias hidrográficas dos rios Bengo e Dande, em
Angola, é fulcral para a sua correta gestão e proteção. No presente trabalho apresenta-se uma sistematização da
informação disponível na bibliografia da especialidade e identifica-se diretrizes para trabalhos futuros, podendo
assim otimizar o conhecimento sobre os meios aquíferos existentes, com vista a contribuir para uma uma gestão
mais consciente e sustentável dos recursos hídricos a nível global.
Palavras-Chave: Águas subterrâneas; Bacia Hidrográfica; rio Bengo; rio Dande

1. INTRODUÇÃO
A gestão dos recursos hídricos deve assentar num processo de planeamento envolvendo instituições
públicas/privadas e a sociedade, com base num modelo que tenha como eixo central a compatibilização entre as
disponibilidades e a procura de água pelos diferentes sectores, em cenários alternativos de desenvolvimento.
Tendo em conta os recentes impactes sentidos nas disponibilidades de águas superficiais, nomeadamente aqueles
com origem nas alterações climáticas, torna-se indispensável a integração das águas subterrâneas na gestão
sustentável dos recursos hídricos tendo merecido, nas últimas décadas, especial atenção dos organismos
responsáveis por estas temáticas.

2. BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS RIOS BENGO E


DANDE
As Bacias Hidrográficas dos Rios Bengo e Dande, que neste
trabalho incluí as Ribeiras Litorâneas, distribuem-se pelo
território de quatro das dezoito províncias de Angola: Bengo,
Cuanza Norte, Luanda e Uíge, incluindo uma das sedes de
província (Caxito) e parte da cidade de Luanda (Figura 1)
O rio Bengo, com uma extensão de 404 km, nasce no
município de Samba Caju, província do Cuanza Norte, onde
é designado por rio Zenza. A sua bacia de drenagem abrange
uma área total de 10 930 km2.

Figura 1. Bacias hidrográficas dos rios Bengo e Dande

1
O rio Dande nasce no município de Negage, província do Uíge, onde é designado por rio Dange. Desenvolve-se
ao longo de cerca de 371 km. A sua bacia de drenagem abrange uma área total de 11 330 km 2.
As bacias hidrográficas dos rios Bengo e Dande apresentam uma forma alongada no eixo este-oeste, onde os
cursos dos rios são grosso modo paralelos entre si, apresentam um percurso algo sinuoso e encaixando nas
formações mais duras do Proterozóico e Arcaico. Já sobre os depósitos detríticos da bacia de Luanda são comuns
os meandros. Aqui também ocorrem dezenas de lagoas, como as de Ibéndua, Panguila e Kilunda, bastante
importantes para as populações locais por proporcionarem agricultura e a pesca.

3. RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS


Considerando a geologia e a geomorfologia (Araújo et al., 1988; Araújo & Guimarães, 1992) das bacias
hidrográficas dos rios Bengo e Dande, assim como o comportamento hidrogeológico expectável das diferentes
litologias, propõe-se que as referidas bacias hidrográficas possam ser divididas em três meios aquíferos, nos
quais se encontram agrupadas formações geológicas que apresentam um funcionamento hidrogeológico
semelhante, embora com litologias diferenciadas. Os meios aquíferos propostos nesta caracterização são: Meios
Aluvionares; Meios Mistos (detríticos e/ou cársicos) e Meios Fissurados, e encontram-se representadas na
Figura 2.
Ao abrigo do Programa Água para Todos (PAT), na província do Bengo, foram realizadas captações de água
subterrânea com profundidade entre 40 e 50 m, diâmetro de 4’ e um caudal de exploração de 2 m3/h. Ao longo
da visita de campo constatou-se que na generalidade, devido a problemas vários – desde questões de projecto e
de execução a problemas de manutenção - só uma parte destas captações se encontra efectivamente em
funcionamento, pelo que não foi possível realizar amostragem por razões técnicas.

3.1. Meios aluvionares


As planícies aluvionares podem constituir um recurso de água importante pois correspondem às aluviões das
linhas de água principais e seus tributários, constituídas por areias finas a grosseiras, lavadas, às vezes com
calhaus, blocos e camadas de argilas. Da observação da Figura 2, constata-se que estes meios aluvionares apenas
ocorrem sobre os meios mistos da bacia de Luanda,
associados aos rios do Bengo e Dande.
Estes materiais, no seu conjunto, são o suporte de
sistemas aquíferos que expetavelmente serão os mais
favoráveis para implantação de captações de água
subterrânea.
No geral, estes meios estão conectados
hidraulicamente com os rios, o que se traduz por
uma variação dos níveis freáticos e do sentido de
fluxo ao longo do ano hidrológico. A relação
hidráulica entre o sistema aquífero e o rio (influente
ou efluente) depende da posição relativa dos níveis
da água. Deste modo, o potencial de produtividade
destes sistemas aquíferos é função dos parâmetros
hidrogeológicos que caracterizam os depósitos
aluvionares e, em especial, dos níveis de cascalheiras
que sempre integram estas formações geológicas.

Figura 2. Meios aquíferos nas bacias hidrográficas


dos rios Bengo e Dande

3.2. Meios mistos (Detríticos e/ou Cársicos)


Nesta unidade aquífera consideram-se as formações meso-cenozóicas que afloram na bacia de Luanda, desde o
Cretácico ao Neogénico/Paleogénico (grés, siltitos, argilitos, conglomerados, margas e calcários).

2
Do ponto de vista hidrogeológico é expectável que na bacia de Luanda possam ocorrer, em associação, sistemas
aquíferos porosos e sistemas aquíferos cársicos ligados às rochas estratificadas (carbonatadas). A natureza
litológica deste meio confere-lhe grande heterogeneidade de comportamento hidrogeológico, com predominância
de sistemas aquíferos do tipo poroso, na parte superficial das formações aflorantes que se podem conectar
hidraulicamente com sistemas carbonatados, mais ou menos carsificados, com um modelo hidrogeológico de
funcionamento com características hidrogeológicas específicas.
O “Sistema aquífero Quelo-Luanda“ foi objecto de estudo aprofundado por Miguel (2006) que abrange parte da
bacia hidrográfica do Bengo. Nesse trabalho foram inventariadas captações de água subterrânea com
produtividades compreendidas entre 1-5 l/s. A análise da piezometria permitiu inferir um fluxo subterrâneo de
E - W. Os ensaios de bombeamento permitiram calcular transmissividades entre os 10 e os 138 m 2/dia e
condutividade hidráulica até 6 m/dia. Do ponto de vista hidroquímico verifica-se que a mineralização é média a
elevada e que a fácies dominante é do tipo bicarbonatada-cálcica e cloretada-sódica. Em dois locais, próximos do
litoral, parece ocorrer fenómenos de intrusão salina.
Trabalho recente de Pedro et al., (2019) revelou que a composição isotópica em deutério (δ2H) e o oxigénio-18
(δ18O) em pontos amostrados na região do Bengo permitiram o conhecimento sobre a origem das águas (rios,
lagos e águas subterrâneas) confirmando a não existência de processos de transferência de massas de águas
provenientes de outras fontes que não seja a de origem pluviométrica.

3.3. Meios fissurados


Aos meios fissurados associam-se formações do substrato antigo, constituídas sobretudo por rochas
metamórficas e eruptivas, dobradas e fraturadas, que afloram em extensões muito consideráveis desde a nascente
dos rios Bengo e Dande até à entrada na depressão periférica (bacia de Luanda).
A natureza litológica das diferentes formações geológicas confere-lhe a característica de meio fissurado por
excelência. Eventualmente, os calcários do grupo xisto-calcário podem ser considerados meio cársico, contudo a
ausência de informação sobre o seu grau de carsificação não permite colocar a hipótese sem reservas.
Neste contexto hidrogeológico identificam-se aquíferos suspensos e aquíferos descontínuos, que se caracterizam
por apresentarem parâmetros hidrogeológicos (permeabilidade e porosidade) secundários. Assim as
características hidrogeológicas dependem fundamentalmente do grau e tipo de fracturação e/ou carsificação, do
grau de alteração e também da morfologia que se desenvolveu.
À escala regional os sentidos de fluxo direccionam-se para as linhas de água, onde se processa a descarga. A
recarga é direta como consequência da pluviosidade. Estas áreas geralmente têm produtividades baixas, na
ordem de 1 l/s, podendo em situações excepcionais chegar aos 5 l/s
As características hidroquímicas das águas subterrâneas que circulam neste tipo de materiais geológicos estão
influenciadas por dois factores fulcrais: condições de circulação e profundidade de circulação. Como a
circulação se faz preferencialmente pelas fracturas que podem chegar a profundidades consideráveis, não é de
excluir a ocorrência de nascentes de água termal. Como, geralmente, a circulação da água é lenta, aumentando
assim o tempo de interacção água/rocha e também a sua temperatura, o que promove um aumento generalizado
da mineralização.

4. DISPONIBILIDADES HÍDRICAS SUBTERRÂNEAS


Para os balanços hídricos ao nível do solo utilizou-se o modelo, de utilização livre, de Thornthwaite (McCabe,
G.J., & Markstrom, S.L., 2007), disponibilizado pelos Serviços Geológicos dos Estados Unidos. Da análise de
resultados obtidos concluiu-se que para as bacias hidrográfica do Bengo e do Dande, as estações localizadas em
altitudes superior aos 800 m (Negage, Camabatela, Quibaxe, Quilombo e N’Dalatando) de novembro a abril
existem excedentes de recursos hídricos que escoam em superfície ou se infiltram, constituindo-se como recarga
para a reposição dos recursos hídricos subterrâneos. Nas estações localizadas a menor altitude (inferiores a
200 m), mais junto à costa (Onga Zanga, Caxito, Luanda (aeroporto)), a análise dos resultados revela que um
excedente hídrico muito reduzido comparativamente com as outras estações. Assim a estação de Onga Zanga e
Caxito apenas existe um mês com excedente hídrico e na estação de Luanda (Aeroporto) não se verifica
excedente hídrico. Com base nos dados obtidos, na Tabela seguinte quantificam-se os recursos hídricos
subterrâneos renováveis e as suas disponibilidades em caudal por unidade de área.

3
Tabela 1. Recursos Hídricos Subterrâneos Renováveis (ano médio)
Bacia Área Recursos Caudal Específico
Infiltração (mm)
Hidrográfica (km2) Renováveis (hm3) (l/s/km2)
Bengo 10 930 189,48 2 071 2,33
Dande 11 330 176,04 1 995 2,25

Refira-se que as conclusões apresentadas devem ser utilizados com a devida precaução por diferentes motivos,
nomeadamente a antiguidade dos dados utilizados (1953/54 a 1972/73), a extensão das séries (apenas de 20
anos) e o número reduzido de estações.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho serviu de base para um melhor conhecimento das bacias hidrográficas dos rios Bengo e
Dande, incluindo a sistematização de um modelo de comportamento, com vista à obtenção das disponibilidades
hídricas potencialmente previstas, tendo em conta que os trabalhos desenvolvidos à escala local são escassos e
dispersos, não permitindo uma análise continuada ao nível da caracterização das bacias hidrográficas.
A informação disponível para uma caracterização e definição de aquíferos nos meios fissurados é a que
necessitará de trabalho adicional mais exaustivo por forma a conhecer melhor o comportamento subeterrâneo; no
entanto, com vista a suportar a análise de disponibilidades hídricas subterrâneas, enquanto estimativa prevista,
considera-se que a caracterização cumpre com as necessidades ao nível de planeamento. Acrescenta-se que esta
é a área que apresenta menor densidade populacional, por consequência, uma menor pressão sobre os recursos
hídricos subterrâneos.
Não obstante e face ao exposto, sugere-se como trabalhos futuros, nomeadamente, um inventário das captações
de água subterrânea em exploração e respetivas características hidrodinâmicas e hidroquímicas que permita
conhecer melhor os recursos hídricos subterrâneos das bacias hidrográficas dos rios Bengo e Dande, com vista a
contribuir para uma gestão mais consciente e sustentável dos recursos hídricos a nível global.

AGRADECIMENTOS
A execução do presente trabalho só foi possível com a colaboração de importantes pessoas e entidades
angolanas, a quem expressamos os nossos agradecimentos: ao Eng.º Vieira da Costa da PROCESL, ao Instituto
Nacional de Recursos Hídricos de Angola, nomeadamente ao Eng.º Manuel Quintinho, e ainda às extintas
Direções Provinciais de Energia e Águas e administrações comunais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Araújo A.G., Perevalov O.V. e Jukov R.A, 1988. Carta Geológica de Angola, à escala 1:1 000 000, República
Popular de Angola, Ministério da Indústria, Instituto Nacional de Geologia
Araújo, A.G. & Guimarães, F., 1992. Notícia Explicativa da Carta Geológica de Angola, à escala 1:1 000 000,
Serviço Geológico de Angola
McCabe, G.J.& Markstrom, S.L., (2007) Thornthwaite a monthly water-balance model driven by a graphical
user interface. US Geological Survey
Miguel, G. L., (2006) Caracterización hidrogeológica y ambiental de Luanda y sus alrededores (Angola). Tesis
Doctoral. Universidad de Alcalá Henares. 360pp
Pedro, J., Miguel, G., Carvalho. A., Rumang, M., André S. (2019) Composição isotópica preliminar das águas na
região entre os rios Bengo e Lifune. 14º Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua
Portuguesa (SILUSBA). Cidade da Praia (Cabo Verde). 6pp.

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