Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Sociologia 23 - 24

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 32

SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

PROGRAMA
1. Introdução: da teoria, à sociologia, à sociologia da comunicação
2. As primeiras teorias sociológicas sobre a construção de significado do mundo social: as ideias
de Karl Marx e Max Weber; a sociologia pioneira Harriet Martineau.
3. O moderno mundo dos jornais industrializados: a imprensa americana do início do século XX
4. A comunicação moderna no pensamentos de Charles Horton Cooley, John Dewey e Robert E.
Park
5. A pesquisa sobre comunicação como análise empírica da propaganda: a visão de Walter
Lippman sobre a opinião pública e o papel da imprensa; o modelo Lasswell; Paul Lazarsfeld e a
mass Communication research.
6. Tecnologia e sociedade: a sociologia do meio de Marshall McLuhan.

DA TEORIA, À SOCIOLOGIA, À SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO


à De que falamos quando falamos de sociologia? A sociologia é o estudo das populações e
instituições que constituem a sociedade e como elas se relacionam. A sociologia estuda o mundo
social e baseia-se em evidências, conceitos e abordagem metodológicas estabelecidas (formas de
estudar a sociedade), como por exemplo, os censos, os inquéritos. Concentra-se na sociedade em
si e nas suas estruturas maiores e mais macro (toda a organização social), mas também na
interação e relações de indivíduos específicos, estruturas mais micro.
Por sua vez, a comunicação é o processo de troca e partilha de significados, ideias ou
informações por meio de um conjunto de códigos mutuamente compreendidos que podem ser
verbais ou não verbais, sendo entendido como o processo de interações entre diferentes elementos.
Tal como a sociologia, comunicação também pode ser estudada a nível das grandes unidades de
medição (os media) e a nível de pequenas unidades, como as interações interpessoais.

Figuras-chave da emergência da Sociologia


o Auguste Comte (1798-1857): positivismo.
o Harriet Martineau (1802-1874): a pedagogia e o papel da comunicação na cidadania.
Ensinar as pessoas a perceberem o mundo em que vivem, foco na empatia social (perceber
a realidade de um mundo ao qual não temos acesso dentro da nossa bolha).
o Karl Marx (1818-1863): luta de classes e conceção materialista da história.
o Emile Durkheim (1858-1917): contributos para o método sociológico e rompimento do
senso comum, integração social do trabalho e temas sobre o suicídio.
o Max Weber (1864-1920): religião, organização social, classe social e emergência do
capitalismo.
Sociologia da Comunicação
A sociedade humana é entendida como configurações variáveis de relações de interdependência
estabelecidas pelos indivíduos que as constituem, o que é profundamente inspirador para a
constituição de uma sociologia da comunicação. Estes laços e ligações assumem uma dimensão
comunicacional. Neste sentido, a sociologia da comunicação é o estudo da comunicação e dos
media a partir do pensamento e de perspetivas sociológicas. É dar sentido e significado à condição
humana e à forma como a sociedade se organiza por meio de uma análise das numerosas teias de
interdependência e de comunicação humana.
à De que modo os tipos de relações sociais e de sociedades em que vivemos têm alguma
ligação com as imagens que, pela comunicação, formamos uns dos outros, de nós mesmos e
do nosso conhecimento, das nossas ações e das suas consequências? A Sociologia da
Comunicação procura compreender o mundo humano que criamos pela comunicação, o que
também abre a possibilidade de pensá-lo de diferentes formas. A comunicação dentro da
sociologia pode ser fundamental para estudar uma série de assuntos: como se formam e definem
as identidades, as organizações, questões relacionadas com a autonomia e o poder, a estratificação
da sociedade, a comunidade e a influência social.

A sociologia da comunicação permite-nos ter uma divisão da sociedade: por um lado, o estudo
da comunicação e dos media ajuda-nos a mapear e evidenciar áreas-chave para compreender
tendências e transformações significativas nas sociedades contemporâneas. Por outro lado, um
entendimento sociológico da comunicação e dos media ajuda-nos a colocar questões
importantes sobre o seu funcionamento e sobre o seu impacto em diferentes dimensões da vida
social. Apesar de se tratar de dois entendimentos, uma noção leva à outra.

A comunicação permite-nos perceber as audiências, analisar o conteúdos, que representações


da sociedade existem nos media, as políticas, instituições e indústrias, ou ainda o impacto dos
media consoante a sua tecnologia. Neste sentido, Sílvio Waisbord fala-nos numa pós disciplina,
considerando que a Sociologia da Comunicação não configura uma disciplina em sim. Em vez de
um domínio coerente de estudo com questões teóricas comuns, a Sociologia da Comunicação é
entendida como fragmentada e interdisciplinar, preocupando-se com questões empíricas
dispersas e que estão em constante mutação, cada vez mais acelerada, como aconteceu por
exemplo com a emergência da internet, das redes sociais e da inteligência artificial.

Na prática, podemos falar de estudos da comunicação e dos media enquanto interdisciplinares,


com domínios fragmentados e especialização em determinadas temáticas, preocupações e
abordagens (audiências, jornalismo, instituições, etc). Para além disto, surgem também limites
concetuais de comunicação e de media, verificando-se um desdobramento dos entendimentos
sobre o que é a comunicação ou sobre o que constitui os media.

Contributos da Sociologia para o estudo da comunicação e dos media


A Sociologia da Comunicação e a Sociologia dos Media procuram estudar a relevância dos
desenvolvimentos da comunicação e dos media para entendermos as tendências e
transformações sociais contemporâneas, mas visam também compreender a relevância das
questões da comunicação e dos media. Oferece, deste modo, instrumentos e abordagens de análise
concretas, que ultrapassam uma perspetiva abstrata.
à Exemplos de linhas de investigação que cruzam o pensamento sociológico e os estudos
dos media: mediatização, media e socialização, media enquanto instituições e media e ação
coletiva.

AS PRIMEIRAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS DA CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO


DO MUNDO SOCIAL: KARL MARX, MAS WEBER E HARRIET MARTINEAU
Contributos de Karl Marx para o estudo da Comunicação
Karl Marx teve uma vida enquanto jornalista contribuindo com teorias para estudarmos os media
hoje e as redes sociais. Nasceu a 5 de maio de 1818 em Trier, na Alemanha, numa família
burguesa, judaica, convertida ao protestantismo luterano. Por razões políticas, relacionados com
o seu ativismo, foi impedido de ingressar na carreira universitária e, em alternativa, tornou-se
redator da Gazeta Renana em 1842, jornal revolucionário que, sob pressões políticas, foi fechado.
Em Paris conheceu Engels, que se tornou o principal colaborador intelectual de Marx.

Marx enquanto jornalista contribuiu para percebermos algumas questões do jornalismo.


Colaborou com diferentes meios, talvez um dos mais importantes seja a Nova Gazeta Renana,
publicada de forma diária, e que também acabou por ser suspensa. Contribui para o estudo da
comunicação através da sua perspetiva empírica da realidade e do conjunto de ferramentas
concetuais para entender a produção e o consumo de bens dos media, tendo sempre uma
abordagem crítica da comunicação. Foi também importante para a compreensão da mobilização
da comunicação, através, por exemplo, das instituições políticas, culturais e económicas, tendo
em perspetiva o controlo social.

Temos de mudança
Olhando retrospetivamente, as sociedades humanas foram organizadas numa série de sistemas de
produção específicos para atingir a satisfação das necessidades. Esta satisfação implica a
garantia dos meios para a sobrevivência, como comida, habitação e vestuário. Numa época de
industrialização e proliferação das fontes industriais de produção, em que uma classe detém as
forças de produção e a outra detém a força de trabalho, a satisfação destas necessidades eram,
essencialmente, materiais (para moldar o mundo os seres humanos têm de garantir formas de
sobrevivência básica). Isto não pode estar desligado de uma conceção materialista da história.
Como Marx afirma em A Ideologia Alemã, “o primeiro ato histórico é a produção dos meios para
a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um
ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, qua ainda hoje tem de ser cumprida
diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos”.

Organização da sociedade o modelo base-superestrutura

As forças de produção (meios e trabalhadores), as relações


SU

Nível
PE

ideológico de produção (divisão do trabalho) e a exploração são


RS
TR

essenciais e a base que produz a superestrutura da


UT

Nível
UR

Jurídico-político sociedade, composta por instituições políticas, sociais,


A

religiosas, legítimas, educativas e culturais.


BA

Economia: forças produtivas


SE

e relações de produção

Luta de classes
O conflito de classes é o principal motor da mudança social. A sociedade burguesa moderna,
que se desenvolveu a partir das ruínas da sociedade feudal, herdou os antagonismos de classe,
dando-lhes uma nova forma. Surgem como duas classes fundamentais: burguesia e proletariado.

Teoria da alienação
A alienação económica sob o capitalismo significa que o ser humano é alienado das suas
atividades diárias (do trabalho pelo qual ganha a sua vida). O sistema económico é um sistema
de exploração. Os trabalhadores acabam por estar alienados da sua atividade produtiva, não
trabalham para satisfazer as suas próprias necessidades, é uma alienação do próprio trabalho que
praticam. Esta conceção prevê que, sob o capitalismo, a relação entre trabalho e expressão
humana muda: e vez de trabalharem para satisfazerem as suas necessidades ou expressarem
ideias, os trabalhadores fazem-no mediante as exigências do processo de produção. O trabalho
já não pertence ao trabalhador, mas sim ao capitalista.

Karl Marx define quatro tipos de alienação, em Manuscritos Económico-Filosóficos (1884). A


alienação do trabalhador relativamente ao produto define que não é o trabalhador que determina
o que é o produto e como é feito. No jornalismo, por exemplo, o produto nunca depende apenas
do trabalhador. Já a alienação do trabalhador relativamente ao ato de produção significa que a
atividade esteve sempre subordinado a lógicas de produção e rotinas específicas, o trabalho é
atribuído por outros para o resultado final, o que se intensifica ainda mais com a automatização
dos processos. O conceito de alienação do trabalhador relativamente à essência da espécie surge
relativamente àquilo que eu somos, o trabalho fazendo parte de nós acabam por nos alienar de
outros interesses e, finalmente, surge uma alienação do trabalhador relativamente aos outros
trabalhadores.

O conceito de ideologia
A ideologia enquanto conceção da produção e proliferação de ideias ilusórias que contribuem
para a criação de uma falsa consciência que tenderá a legitimar e reproduzir a situação vigente.
As ideias dominantes nas diferentes sociedades são geradas, difundidas e impostas pela classe
dirigente, com o objetivo de manter e perpetuar o seu domínio.
à Qual é o papel dos media na reprodução da ideologia?

Trabalho assalariado e força de trabalho


Segundo a Teoria Económica, as várias matérias-primas que estão na linha de montagem, as
máquinas e a eletricidade que ajudam a moldar as matérias-primas dependem da força de
trabalho colocada no sistema pelos trabalhadores. Estes últimos pegam nas matérias-primas e
nas ferramentas e transformam-nas em mercadorias. Esta conceção chama a atenção para a
contribuição crucial da força de trabalho, isto é, o capitalismo requer e é construído sobre a
mercantilização da força de trabalho.
Os trabalhadores vendem a sua força de trabalho por uma determinada quantia de dinheiro
(durante um tempo indeterminado por um contrato). Distingue-se da ‘escravatura’ uma vez que
dá a sensação de que os trabalhadores são livres. Em síntese, os trabalhadores produzem mais
valor do que aquele que recebem. Este excedente de valor que o trabalhador cria para além do
valor da sua força de trabalho relaciona-se com o conceito de mais-valia (trabalham mais do que
recebem). Marx avança ainda com o conceito de mais-valia absoluta que significa o aumento
dos postos de trabalho, aumenta-se a produção, sem se receber mais e de mais-valia relativa, no
sentido em que se introduz tecnologia que aumentam o nível de produtividade.

Valor de uso para desviar a atenção do seu valor de troca


O valor de uso está associado ao valor do seu uso em sociedade, à propriedade que um objeto
possui para satisfazer uma necessidade, enquanto o valor de troca é o valor que um produto
assume numa troca comercial (valor para ser trocado) e a comodificação é a transformação de
algo com valor de uso numa mercadoria, assumindo um valor de troca. Mercadoria, por sua vez,
é qualquer coisa que tem valor de troca e valor de uso e que está no mercado.
“Fetichismo da mercadoria”
Karl Marx recorda que as relações desiguais dos trabalhadores e capitalistas sustentam a
produção e o consumo de mercadorias. Como refere Marx: “o caráter misterioso da mercadoria
consiste em que ela apresenta aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como
se fossem caraterísticas objetivas dos próprios produtos do trabalho, como se fossem propriedade
socio-naturais inerentes a essas coisas”. Estamos tão fixados num objeto que não compreendemos
ou damos importância aos seus componentes, ou seja, não olhamos para algo como realmente é,
há um fetiche que nos leva a idolatrar certo objeto. A atenção à mercadoria como um objeto em
si ignora de que se trata de uma transformação pelo trabalho humano explorado para o lucro.
Compramos um produto ignorando tudo o que está por trás.

Os contributos de Marx para o estudo da comunicação do século XXI


à Principais preocupações (Christian Fuchs)
o Transformação do ecossistema comunicacional: novas formas participativas de
comunicação.
o Globalização do capitalismo: expansão de dimensões culturais e de reivindicação.
o Importância que a tecnologia vai assumindo nestes processos.
o Favelização e precarização do trabalho.
o Guerra global contra o terror: comunicação, vigilância, acesso aos dados em todo o
mundo. O impacto de pode ter na limitação de liberdades de comunicação.
o Crise ecológica: alerta para a problemática como por exemplo a produção de produtos
que já têm um fim de vida programado próximo.
o Crise económica mundial e impacto global.
o Perspetiva mais crítica: um outro olhar sobre as novas formas de comunicação. Lógicas
de comunicação sobrepostas às lógicas algorítmicas. Qual é o alcance efetivo da nossa
participação? Como se materializa, de facto, esta participação? Torna o debate
democrático? “Dark Participation”, novos fenómenos de desinformação, discurso de
ódio, etc. Há uma relação entre a perspetiva positiva desta participação e a outra
perspetiva mais negativa.

Novos media como reprodutores de uma ideologia


O próprio algoritmo consegue moldar o que são as nossas perspetivas sobre determinadas
situações, mesmo que sem nos apercebermos, acaba por moldar convicções.
à Lógica de poder contra poder (Castells): os novos media podem funcionar como
instrumentos de contrapoder? Exemplo Black Lives Matter e Primavera Árabe.
Capitalismo Informacional
A internet e a globalização estão inseridas no capitalismo, numa lógica imperialista e de divisão
internacional do trabalho, acentuando, em alguns casos, algumas destas novas lógicas de
trabalho. Como resultado, transformam-se as relações de trabalho existentes e outras emergem
com a aparência de novas, mas são também relações de classe. A divisão internacional do trabalho
digital insere-se nas várias formas de trabalho: o trabalho assalariado, não assalariado, precário,
escravo, agrícola, industrial e o que produz o conteúdo informacional.

Diferença entre work e labour – Lógica de trabalho e trabalho alienado (Fuchs)


O conceito de labour representa a forma como este trabalho é desenvolvido, o seu processo nas
sociedades. Numa sociedade de classes é desenvolvido dentro do quadro da alienação e envolve
exploração de tarefas que muitas vezes são penosas. Este tipo de trabalho conduz precisamente
às relações de classe. Já a expressão work designa o trabalho em geral, ou seja,
independentemente do contexto histórico em que é executado. Para Marx, criam-se os bens para
satisfazer as nossas necessidades e esta é a definição base de trabalho (work).
Se a comunicação é uma necessidade humana, está inserida nesta conceção de trabalho (work),
mas porque tem uma forma histórica (surgimento das novas tecnologias, redes sociais, etc) e
envolve relações de classe podemos dizer que a comunicação compreende a noção de labour. A
produção de hoje na comunicação digital integra o trabalho manual e intelectual, trabalho
qualificado e desqualificado, diferentes formas de exploração de trabalhadores assalariados e não
assalariados, dentro de uma lógica voltada para a produção de valor e mais-valia.

A ideia do Playbour
A internet compreende a participação no seu espaço: “comunicação de massa autocomandada”
(Castells, 2005), “prosumer” (Toffler, 1980) e “produsage” (Bruns, 2007).

Segundo a ideia de produsage, a lógica do produtor e do utilizador deixou de existir


separadamente. A participação é ativa, bem como a partilha da visão do público que contribui
para os media. Há, no entanto, riscos subjacentes a estas práticas e também à utilização das redes
sociais como fonte de informação, pelo que é importante a verificação constante das informações
partilhadas (descartar informação é exagerado mas há cuidados especiais a ter). Enquanto
produsers temos uma participação coletiva no processo de produção de conteúdos, que surge
como um meio de empoderamento, sendo conferida aos indivíduos que contribuem para essa
prática grupal a perceção do poder para agir, com base numa “força de trabalho invisível que
sustenta o capitalismo informacional”. As motivações que ocupam as práticas de produção destes
novos atores não se prendem com uma compensação financeira, mas sim em lógicas
intermediárias entre a perspetiva comercial e a perspetiva da dádiva. Assim, a produsage de
uns é o valor excedente de outros.

Caráter fetichista da mercadoria nas redes sociais


Reside, porém, nas dinâmicas de produsage um paradoxo concetual, no sentido em que se
apresentam como potencialmente emancipatórias e, ao mesmo tempo, potencialmente,
alienantes. Há uma inversão do fetichismo nas redes. No fetichismo de mercadoria convencional
não se pode experienciar o contexto social da produção de mercadorias e é se diretamente
confrontado com a lógica de dinheiro e de mercadoria, segundo Fuchs. Falarmos de uma
mercadoria poderá ser mais evidente quando somos confrontados com essa lógica. Nas redes
sociais, esta lógica não é tão visível: o principal mercado destas plataformas é a publicidade
direcionada (o que é que é realmente oferecido? Os conteúdos ou as plataformas? A mercadoria
acaba por ser o acesso privilegiado que temos aos conteúdos).

O fetichismo de mercadoria é invertido. Como o acesso à plataforma é gratuito e a venda da


mercadoria, que são os dados que produzimos (o nosso acesso para a publicidade, fonte de
rendimento das redes sociais – têm acesso a determinados segmentos que se relacionam com uma
certa publicidade), – está oculta, não se experiencia a troca monetária ou compra de
mercadoria. Mas, na prática, o Facebook não vende dados, vende o espaço para os anunciantes
terem acesso a nós. O divertimento esconde que o trabalho é trabalho e a forma como utilizamos
esconde que há uma lógica de exploração por trás, pois o que está no primeiro plano é apenas a
sua dimensão social, de comunicação e partilha em comunidade. Nós somos a mercadoria mas ao
mesmo tempo podemos ser considerado trabalhadores. Há ainda outra dimensão de exploração
que vai mais longe e que é a de pagar para produzir conteúdos. Como refere Fuchs, “o
fetichismo inverso é tipicamente expresso em afirmações como ‘O Facebook não me pode
explorar porque eu beneficio da rede ao ligar-me a outros utilizadores’”. Muitas vezes, até temos
esta noção de que as redes estão a explorar e a vender os nossos dados, mas fazemos um bom uso
e queremos continuar a fazer.
à Este acesso a privilégios acentua ou atenua a perceção de que estamos perante lógicas de
exploração? O acesso ao Twitter Blue, por exemplo, também pode perder a credibilidade, porque
qualquer pessoa o pode comprar. Numa perspetiva do mercado isto pode dar maior expressão a
vozes que poderão à partida não ter as melhores posições, o que pode ser problemático.

Capitalismo de vigilância, Shoshana Zuboff


Diz respeito à extração de dados pessoais e venda dos anunciantes de previsões sobre o
comportamento dos utilizadores, mas apresenta riscos para a privacidade (como é que os dados
sobre nós são realmente utilizados?). Não se trata de apenas prever, trata-se de antecipar e
modificar em grande escala os comportamentos humanos.

Lógica da Web 1.0 e da Web 2.0 – a emergência da internet


A web 1.0 assenta numa lógica de leitura, propriedade e passividade. O que caracteriza a web 2.0
é a capacidade que é atribuída a cada utilizador de deixar de ser apenas um consumidor de
conteúdo e passar a ser um produtor, nas suas diferentes formas. Passa-se de um modelo de
centralidade de emissão dos media para um modelo de muitos para muitos.
O que tínhamos antes eram os media de massa, numa lógica unidirecional para o público, que
recebia o conteúdo produzido, mas, com a emergência de novos canais, passámos a ter media
retroalimentados pelo público, gerando a lógica do consumidor-produtor e encurtando cada vez
mais o espaço entre o produto e o público. O modelo atual é de uma abundância de produtos e
disputa pela atenção, em contraste com a escassez de produtos e abundância de consumidores.

Um outro aspeto do entendimento da web 2.0 prende-se com o surgimento de novas tendências,
como o conceito de mediatização e o modo como os media vieram transformar todos os aspetos
das nossas relações sociais e a forma como nos organizamos, bem como o tempo que permitimos
dar às coisas ou como vivemos momentos de lazer. Para além disso, os media também vieram
alterar as rotinas de trabalho das instituições, a definição das próprias indústrias e a mobilização
para movimentos de ação coletiva. É mais fácil comunicar através de pessoas, personalizando as
questões, do que comunicar ideias abstratas, o que também se vê na política, com a personalização
de assuntos e mensagens políticas.

O consumo de notícias no ambiente digital em diferentes países


O consumo de informação pelos meios impressos tem sentido uma queda, enquanto os meios
online e a televisão mantêm a uma certa estabilização. De acordo com um inquérito feito à
população portuguesa, apenas 17% dizem considerar pagar para ter acesso a notícias. Deste modo,
prevalece o consumo dos canais televisivos e só em seguida é que surgem os jornais nacionais.
Já em relação às redes sociais, num inquérito de 2021 relativo à realidade portuguesa, é o
Facebook que a população mais utiliza para ter acesso a notícias. Noutro inquérito feito a
estudantes de jornalismo, revela-se que, num consumo regular das redes sociais para acompanhar
a atualidade noticiosa, os alunos, preferencialmente, escolhem o Instagram.

Max Weber (1864-1920) assumiu preocupações sobre as formas de organização da sociedade e


o papel da religião e das classes sociais. Quanto à posição sobre a tarefa dos sociólogos, Weber
defende que não há sociedade sem indivíduos. Estes indivíduos e as suas ações são o objeto
fundamental da sociologia, porque elas têm objetivos e motivações. Para Weber era importante
entender o sentido de todas as diferentes motivações que impulsionam a ação social, alcançando
um entendimento de porque é que os indivíduos, instituições e sociedades se comportam de
determinadas formas. Investigou as origens históricas e culturais dos fenómenos sociais (por
exemplo o capitalismo) e as práticas institucionais específicas que os produziram.

Para Weber o domínio da sociologia é a ação social subjetivamente significativa – conduta


humana que compreende um significado subjetivo dados por quem a executa e que orienta o seu
próprio comportamento, tendo em vista a ação passada, presente ou futura de outro ou de outros.
A ação pode ter um significado para mim diferente do que vai ter para outra pessoa, mas é social
também por todos estes significados atribuídos a uma ação e pela forma como os outros vão ver
a minha ação num determinado contexto. “A sociologia é uma ciência que se preocupa com a
compreensão interpretativa da ação social e, assim, com uma explicação causal do seu curso e
consequências”. Por sua vez, a “ação é social na medida em que, em função da significação
subjetiva do indivíduo, tem em consideração o comportamento dos outros”.

Tendo esta conceção de ação social presente e para orientar a sua interpretação, Weber avança
com quatro tipos ideais de ação social. Só existem como arranjo de ideias no mundo concetual,
pois a realidade é muito mais complexa do que os tipos propostos. Trata-se de criar uma tipologia
de ações socias com significado: as ações com significado podem ser conduzidas por múltiplas e
diversas forças motivadoras.

Ação racional Ação irracional

o Ação social com relação a fins (não o Ação social tradicional (almoços de
roubar porque podemos ser família e comemorações).
apanhados. o Ação social emocional ou afetiva.
o Ação social com relação a valores
(como olhamos para o mundo de
acordo com os nossos valores: não
roubar porque é um valor básico).

Racionalização
A sociedade está em progressiva racionalização, afastando-se das crenças mais tradicionais.
Esta racionalização da ação e do trabalho pressupõe um abandono dos modos de vida tradicionais,
nomeadamente quanto às relações familiares. Esta é a relação entre a emergência e consolidação
do capitalismo moderno e o processo de racionalização, a busca de lucros apela a uma raciocínio
racional com vista à promoção da eficiência.
Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, uma das obras mais conhecidas de Max
Weber, o autor procura também perceber a relação da religião com esta ideia de racionalização,
iniciando uma investigação sobre como as crenças religiosas, doutrinárias ou culturais deram
origem a diferentes instituições religiosas e sociais. O foco era o papel particular de determinadas
correntes protestantes, que explicariam a discrepância entre católicas e protestantes na sua relação
com os negócios, a indústria e o capitalismo. A conclusão a que Weber chega é que há uma visão
distinta que o protestantismo traz que tende a quebrar com o domínio mais tradicional,
contribuindo para encorajar os homens a aplicarem-se racionalmente no seu trabalho.

A Teologia Calvinista é a doutrina encontrada por Weber que explica as consequências sobre o
espírito do capitalismo, devido à sua crença na predestinação, com base nas ações. Deste modo,
há uma visão positiva atribuída às ações e ao lucro e uma alteração na forma de ver o mundo e na
postura da sociedade pressionada pela religião. A incerteza da salvação, aliada à solidão e ao
isolamento influencia a racionalização das ações, mas, ainda assim, o calvinismo está longe de
constituir a raiz única do capitalismo moderno.

Racionalização da estrutura social


Perspetiva de racionalização ligada à emergência desta nova visão do mundo. A forma como a
sociedade se organiza, lógicas que a regem, tudo é racionalizado. A tendência na sociedade é
pautada por uma subordinação das instituições e de diferentes áreas da vida a lógicas de cálculo,
medição e controlo, ou seja, à racionalização. Isto envolve a vida económica, o Direito, a
administração e a religião, substituindo ideias e práticas tradicionais por critérios racionais. A
racionalização refere-se, assim, à organização da vida social e económica de acordo com
princípios de eficiência, baseados no conhecimento técnico.
à Eficiência: o processo de racionalização leva à eficiência, coordenação e controlo, tanto sobre
o ambiente físico como sobre o social. A racionalização está também associada à secularização,
despersonalização e rotina opressiva. É o princípio que norteia a crescente divisão do trabalho
e a burocracia.
à Racionalização e burocracia: a burocracia pode ser considerada como um caso particular de
racionalização, ou racionalização aplicada à organização humana. A coordenação burocrática
de ação humana é marca distintiva das estruturas sociais modernas (atinge eficazmente os
objetivos). O funcionalmente das organizações caracteriza-se por regras impessoais que
declaram expressamente deveres (burocracia), responsabilidades, procedimentos e condutas
padrão. As organizações são, assim, altamente especializadas e as nomeações para os cargos são
feitas de acordo com essas qualificações.
Deste modo, para estudar estas organizações é importante ter em consideração fatores como a
hierarquia da autoridade, a impessoalidade, as regras escritas de conduta (leis, regulamentos), a
promoção com base no desempenho, a divisão especializada do trabalho (no jornalismo há uma
progressiva divisão do trabalho para passarmos para lógicas de concentração do trabalho) e a
eficiência. Weber defendeu que, embora a burocracia seja altamente racional no sentido formal
da eficiência técnica, isso não pressupõe que também seja racional no sentido da aceitabilidade
moral dos seus objetivos ou dos meios utilizados para a alcançar. Sob o domínio de especialização,
a sociedade torna-se cada vez mais complexa e interdependente, mas com um propósito menos
comum. A comunidade desintegra-se porque perde a sua ligação comum.

A forte racionalização (desenvolvimento das ideias) da sociedade leva, assim, ao conceito de


racionalização capitalista (adaptado ao desenvolvimento industrial) que entendia o mundo
através de uma perspetiva de lucro, trabalho e mercado, esbatendo a noção básica do sentido
da existência a nível social, económico e político. O capitalismo é criticado por Weber como uma
condenação dos indivíduos em todas as esferas da vida, pois a tendência é a de subordinação e
clausura numa “jaula de ferro” do sistema capitalista, sem liberdades individuais e marcada por
uma “escravatura sem dono”. Somando todos estes fatores, é possível entender o
“desencantamento do mundo” de que Weber fala, consequência da racionalização e capitalismo,
que vieram diminuir o espaço para as emoções nos entendimentos do mundo. No mesmo sentido,
surge a teoria da McDonaldização da sociedade, avançada por George Ritzer, que via na
sociedade moderna um comportamento padronizado com base em características como a
eficiência, o cálculo, a previsibilidade e o controlo.

Max Weber e a proposta de uma Sociologia da Imprensa como um programa de pesquisa


Max Weber apresentou o seu plano para uma investigação sociológica da imprensa à sociedade
alemã em 1910, tendo como principais preocupações a transformação na indústria da imprensa,
abordando a passagem de um tipo de produção de imprensa individual e artesanal para grandes
indústrias com jornalistas e processos de concentração, com os efeitos da imprensa na democracia.
Weber defendeu sempre que o jornalismo pode ter efeito na forma como a sociedade se governa,
preocupando-se com o papel e o lugar da imprensa no quadro do desenvolvimento do
capitalismo, ou seja, “até que ponto é que a imprensa atua nesse desenvolvimento e é afetada por
estes processos?”.

Questões abordadas na sua obra


o Caracterização do público: análise das audiências, que características tem o público dos
media, quem consome determinado tipo de notícias.
o O que é tornado público.
o Diferenças na informação de diferentes países e sistemas de media dos diferentes países
(pluralista polarizado, corporativista democrático, liberal).
o Que normas definem o jornalismo e os jornalistas.
o Empresa dos media.
à Oferece contributos para diferentes aspetos: âmbito dos públicos e do que é o público,
estudos sobre os jornalistas, efeito dos media, comercialização dos media, relações de poder
dentro das organizações noticiosas e com outros agentes, comparação entre sistemas de media.

1. Tudo pode ser tornado público? A função principal do jornalismo é informar, ou seja, trazer
para público aquilo que não é. No entanto, nem tudo pode ser tornado público, como os próprios
códigos deontológicos pressupõem. Há uma dimensão de responsabilidade por parte dos
jornalistas que pressupõe que nem tudo pode ser tornado público por segurança, privacidade ou
pelo interesse público. Com o passar dos anos, surgem também novas questões e alterações,
nomeadamente na conceção das fronteiras do que é a privacidade.
2. Funções sociais do jornalismo: para além de informar, o jornalismo pode ter um papel de
educação, intervenção, mobilização.
3. Públicos do jornalismo: perceber quais são as audiências e dentro perceber outras questões
mais específicas, como a evolução das pessoas que estão interessadas em notícias nos diferentes
países, as fontes de consumo de notícias, os meios mais vendidos e o que isso diz sobre o seu
público.
4. Quem são os jornalistas? Do ponto de vista formal, o que define um jornalista é diferente em
diferentes países, bem como o desenvolvimento da indústria do jornalismo (oposição anglo-
americano – informativo – e francês – distração). Definir uma profissão de jornalista significaria
fechar uma profissão e fechar o acesso à atividade. Neste sentido, muitos sociólogos tratam o
jornalismo como uma “quase profissão”. Por outro lado, surge o caso italiano em que há uma
Ordem dos Jornalistas, é muito mais limitado. Já no caso português, existe o Estatuto Profissional
do Jornalista que, acima de tudo, define quem é que não pode ser jornalista e ter acesso à carteira
profissional (depois de passar pelo estágio).
5. Mercadorização da imprensa: são os modos de financiamento da imprensa que a sustentam,
nomeadamente a venda de conteúdos (jornais) e a venda das audiências, ou seja, da nossa atenção
aos anunciantes que utilizam um espaço nos jornais para nos atrair enquanto compradores e
interessados (publicidade).

Weber e a imprensa
O advento da imprensa e o seu poder apontam para processos que Weber percebera como uma
parte do fenómeno da ação racional relativa a fins. O fenómeno da imprensa e da comunicação
de massas deve ser entendido no contexto da configuração da empresa noticiosa privada: os
jornais são fundamentalmente empresas que concorrem no mercado, à semelhança de outros
negócios ou atividades comerciais. A par da ação racional relativa a fins, a imprensa tem também
um funcionamento de propósitos subjacentes a uma conceção mais próxima da ação racional
relativa a valores. Não obstante a imprensa seja parte de empresas, que só sobrevivem se
venderem jornais, os jornalistas têm critérios, ideais e valores. Além de ser um negócio, a
imprensa prossegue a ideia de que se deve colocar ao serviço da verdade e da justiça.

Três tópicos fundamentais de Weber para a sociologia da imprensa


o Organização estrutural: da “publicidade” (em termos de tornar público), procurando
ver como esta se desenvolvia no presente e como se poderia desenvolver no futuro.
Antecipando a função de gatekeeping (quem seleciona a informação) da imprensa, Weber
sugeriu que, para responder a essa questão, seria preciso comparar os tipos de tópicos que
mais provavelmente seriam tornados públicos no jornal. Além disso, Weber queria saber
quanto do espaço dos jornais era dominado pelos jornalistas e que outros tipos de
pessoas tinham acesso ao jornal, escrevendo neles com regularidade.
o Estudo dos jornalistas e da sua autonomia profissional: o jornal é parte de uma
empresa capitalista podendo as suas práticas ser moldados por esse facto, mas é uma
empresa particular, no sentido em que o diretor de um jornal não pode fazer certas
exigências. Compreender como os incentivos económicos das organizações mediáticas
influenciavam o processo da formação da opinião pública na seleção de notícias e nos
tipos de notícias que surgiram. Em geral, Weber queria explorar o equilíbrio de poderes
existentes dentro da imprensa, o mundo dos negócios e os vários interesses coletivos
emergentes na sociedade.
o Relação entre o jornalismo e a deliberação: por exemplo, o seu papel nas nossas
decisões reivindicativas e eleitorais. Weber argumentava que a existência da imprensa
permitia ao leitor ter acesso a inúmeros assuntos públicos mesmo antes de sair de casa,
mas receava que isto pudesse levar que a leitura fosse apenas superficial.
à Todos estes tópicos são muito próximos do estudo do jornalismo de hoje. A autonomia, a
deliberação e a esfera pública, que Weber identificou, continuam a ser os conceitos mais
importantes para uma sociologia contemporânea do jornalismo. Como proposto por Weber, a
sociologia da comunicação continua a estar interessada em como a comunicação mediada está
ligada a sistemas organizacionais específicos ou como diferentes grupos competem pelo acesso
à sua visão do social.

Os contributos de Harriet Martineau (1802-1876)


Estudou a sociedade em todos os seus aspetos, incluindo instituições políticas, religiosas e sociais.
Debruçou o seu olhar sobre aspetos ignorados, como o casamento, as crianças, a vida pessoal e
religiosa e as questões raciais, numa análise que, necessariamente, incluiu sempre o estudo sobre
a vida das mulheres. O papel da sociologia nos seus estudos não foi apenas de observação, mas
essencialmente de intervenção. Fez reportagens sobre as vagas de migrantes, com particular
atenção à situação da mulher em todo este contexto profissional dominado pelo homem. A
afirmação tímida das mulheres na profissão de jornalista dá-se também pelo início do
aparecimento de um público cada vez mais feminino.

Martineau jornalista
“Faz agora um ano que se fez de mim um cavalheiro da imprensa ou uma criada para todo o
serviço do Daily News”. Martineau foi convidada aos 50 anos para escrever com regularidade e
em posições de autoridade para o Daily News. Foi aí encarregue da autoria dos leaders, espaços
semelhantes aos modernos editoriais que consistiam em artigos anónimos com a linha oficial da
publicação sobre importantes questões da atualidade. Teve um importante contributo para estudar
questões particulares que são também uma área da sociologia da comunicação, nomeadamente
questões relacionadas com o género nos media: género das audiências e do consumo, o papel
dos media na definição e representação das identidades, o papel dos media na produção dos media.

Com o jornalismo industrializado começa a surgir aquilo a que chamamos de sob sister, termo
depreciativo atribuído a repórteres, com um tipo de escrita mais emocional. São exemplos deste
tipo de jornalistas Nellie Bly (jornalismo encapuzado), que teve como sua histórica mais famosa
a da volta ao mundo em 72 dias e Ida B. Wells, que teve um papel importante na denuncia dos
linchamentos afroamericanos.

Feminização do jornalismo português


Acaba por acompanhar o que é a realidade de outros países. A democratização do ensino e o
rejuvenescimento foram dois fatores que mais contribuíram para esta feminização, o que
significou que cada vez mais mulheres entraram para o estudo da atividade, enquanto os mais
velhos são maioritariamente homens. Ainda assim, verificam-se entradas tardia na profissão,
assimetrias no acesso a cargos de responsabilidade editorial, diferenças salariais. De qualquer
das formas, o processo é de recomposição das redações, ainda que se mantenham as assimetrias
no acesso a cargos mais importantes, que continuam, sobretudo, a ser dominados por homens.
Com a pandemia deu-se uma domiciliação do jornalismo e o processo de socialização perdeu-se.
à Será igual para um homem e para uma mulher trabalhar através de casa?

A COMUNICAÇÃO MODERNA: ESCOLA DE CHICAGO E ROBERT


Com “Escola de Chicago” falamos particularmente de um conjunto de investigadores da
Universidade de Chicago (sociólogos) que analisaram, entre as décadas de 1910 e 1930, os efeitos
da desorganização social, da imigração (chegadas às cidades e periferias) e da economia na vida
quotidiana dos habitantes. Esta nova geração, moldada com base na tradição alemã, abriu um
campo de investigação da comunicação e procurou inseri-lo nesses processo de integração social
e política. O desenvolvimento das suas ideias passava pela convergência de diferentes influências
e disciplinas, como a sociologia, a filosofia e a psicologia e pelo papel fundamental no
estabelecimento do pragmatismo e do intercâmbio simbólico.

O grupo de sociologia, que utilizava diferentes métodos e com o particular foco na cidade, foi
pioneiro na investigação empírica, mobilizando a métodos qualitativos e quantitativos no
desenvolvimento de uma “ciência da sociologia”. O foco na cidade, na vizinhança urbana
circundante como o seu laboratório, a ida aos locais, o contacto com as pessoas e com a realidade
foram sempre fatores essenciais. Robert Park tem uma conceção de cidade como algo mais do
que fenómeno geográfico, mas um “mosaico de pequenos mundos que se tocam mas não se
invadem”.

Um dos trabalhos mais importantes sobre estes temas é O camponês polaco na Europa e na
América, de William I. Thomas e Florian Znaniecki, sobre a imigração, procurando perceber de
que forma é que os imigrantes polacos se inseriam na sociedade americana, através de uma
análise dos instrumentos como cartas, jornais, panfletos. Um dos volumes da obra focava-se no
papel que os jornais assumem na identificação dos imigrantes e na integração ou não dos
imigrantes: o jornal enquanto instrumento empírico do estudo.

Escola de Chicago e a Comunicação


Tinham uma perspetiva sobre a comunicação como um elemento nas novas formas de cultura
americanas, básico à democracia e relacional. Interesse pelo papel central que a comunicação e
os media desempenharam na definição da vida dos indivíduos e da vida coletiva. Charles Horton
Cooley, George Herbert Mead, Robert E. Park e John Dewey foram figuras chave da Escola de
Chicago.

Robert E. Park assumiu um papel central na Escola (nos anos 20 e 30). Interessou-se pelas
questões da comunicação como uma parte integrante do funcionamento da sociedade, com
especial atenção aos meios de comunicação de massas e à formação da opinião pública (um
aspeto partilhado pelo pensamento de autores como Lippmann, Mead, Burgess ou Blummer).
Tinha uma visão sobre o jornalismo enquanto elemento reformador e entendia os sociólogos
como “um tipo de super-repórter, que escrevem mais exata e distanciadamente do que os media,
tendo a capacidade de interpretar longas tendências sobre o que estava a acontecer na sociedade
ao invés de permanecerem na superfície dos fenómenos, satisfeitos em observarem o que parece
estar a acontecer”, procurando entender os efeitos que o jornalismo poderá ter na sociedade.

Depois de deixar a Escola trabalhou como repórter durante 11 anos e assumiu uma grande
relevância no “Thought news” e enquanto repórter muckraker (expunham irregularidades,
vertente mais sensacionalista) na denúncia da exploração do povo do Congo Belga, relatos sobre
as casas de jogo e causas do alcoolismo. Faz-se aqui um paralelismo entre a sociologia e o
jornalismo, falando dos sociólogos, mais uma vez, como um tipo de super-repórter. Um dos
autores muckraker mais conhecido é Upton Sinclair, que escreveu um livro sobre denúncias de
práticas do jornalismo norte-americano e das empresas de notícias.

Park e a Comunicação e o jornalismo


As notícias e os jornais eram, para Park, tipos de interação comunicativa e a tradução da
circulação de reportagens de eventos dentro de uma comunidade, cujo processo podia ter
consequências sociais específicas. O impacto social dos jornais residia no seu contributo para um
processo de adaptação, pois a emergência da sua circulação conduzia à necessidade de informação
da sociedade moderna sobre o seu ambiente.
A sociologia de imprensa de Park incidiu sobretudo sobre dois temas relacionados: as notícias e
o poder da imprensa (na atenção pública sobre determinados assuntos) e as diferentes formas
culturais do discurso do jornal.

Massa vs Público – Tese de Doutoramento de Robert Park (1904)


O que poderá distinguir o consumo de notícias das massas do consumo de notícias do público
passa pela dimensão mais intuitiva das massas e pelo conceito ligado com uma maior
racionalidade do público. “Não pode haver opinião pública, exceto onde há algum acordo e
entendimento fundamental sobre o que os eventos, à medida que acontecem, podem significar, e
os eventos têm significado apenas quando se sabe o que fazer com eles”. Tem de existir um
entendimento comum dos eventos para os podermos discutir, como defende Park em News and
the Power of the Press (1941).

Os jornais podem ser também um meio de integração, mas podem ter outro efeito, como a criação
de comunidades fechadas e isoladas. Há, neste sentido, diferentes tipos de media para
imigrantes, abordados noutra obra de Robert Park – The Immigrant Press and its Control (1922).
à Como é que os meios de comunicação influenciam a opinião pública? Como são
influenciados pela opinião pública? Podem operar a mudança social? Como se estabelecem as
redes entre pessoas e meios de comunicação? Que tipo de conhecimento obtemos pelos meios de
comunicação? Discute-se que a leitura de jornais nas suas línguas nativas permitiu aos recém-
chegados adaptarem-se à vida dos Estados Unidos, intensificando este papel de integração dos
jornais. Os editores argumentam que “os seus jornais não são apenas meios de comunicação de
notícias, envolvendo o imigrante no ambiente americano, mas são também um meio de lhes
traduzir e de lhes transmitir os costumes e os ideais americanos.

Duas obras particulares de Park


Em The Natural History of the Newspaper (1923), mais uma vez com foco na questão da cidade,
como se materializa nas grandes cidades, o jornal ocupa um grande papel na comunicação. O
jornal moderno tinha sido inicialmente possibilitado pelo crescimento de cidades, que estenderam
o tamanho do público leitor e fornecendo “uma explicação impessoal das ocorrências e da vida”.
Nas pequenas comunidades, a interação molda a formação de opinião pública, nas cidades
estes canais vão também assumir este papel ao longo da evolução e desenvolvimento histórico. O
jornal é visto como uma instituição social, nascido para atender às exigências comunicacionais
de uma sociedade moderna cada vez mais complexa. “O motivo dos escritores da imprensa é
reproduzir dentro do possível, na cidade, as condições de vida na vila, onde todos se conhecem.
A vila era democrática. Nós somos uma nação de aldeões. As nossas instituições são
fundamentalmente de aldeia. Na vila a opinião pública era a principal fonte de controlo social”.
à Desenvolvimento histórico dos jornais: folhas informativas, jornais de opinião, imprensa
independente, jornalismo amarelo (yellow press).

Nesta obra de 1923 Park defende o papel relevante do jornal na criação da comunidade. Na
grande cidade, o jornal e as notícias constituem mecanismos de controlo social e de formação da
opinião pública e funcionam como guia para a realidade, assinalando sistematicamente o que
escapa à normalidade. Para além disso, fornecem assuntos para a conversa e para o debate. Ainda
assim, para além do jornal como uma instituição com o papel de construção de um público
democrático, surge uma perspetiva crítica sobre a imprensa que resulta da yellow press, focada
fundamentalmente no aumento do público leitor de jornais.

O jornal é uma instituição social, nascida para atender às exigências comunicacionais de uma
sociedade moderna cada vez mais complexa. Este entendimento levanta questões complexas, pois
nem sempre existiu jornalismo, muito menos nos moldes que conhecemos atualmente, o que nos
leva a pensar se é possível que o jornalismo possa acabar. Do que falamos quando falamos em
jornalismo? Aquilo que entendemos por jornalismo e pelas suas características e valores vai ou
não permanecer com a evolução dos meios, mesmo que a necessidade de informação se
mantenha? Não há uma perspetiva fechada sobre o assunto?
Histórias vs Notícias: o que distingue a história e as notícias no tipo de conhecimento que
nos dão? Que tipo de conhecimento é que as notícias nos dão?
Há uma relação intrínseca entre as notícias e o conhecimento. As notícias ajudam as pessoas no
seu entendimento do mundo em que vivem. A hipótese que quem usa notícias está mais a par
do que se passa no mundo é central no estudo das notícias e a ideia de que as notícias conduzem
a uma sociedade mais funcional e uma democracia mais robusta é central para a maioria das
teorias normativas do jornalismo. É a partir destas noções que Park procura distinguir diferentes
tipos de conhecimento, percebendo que nem todos os tipos de conhecimento têm as mesmas
características. Divide o conhecimento em dois pontos como um espectro, onde podem ser
encaixados diferentes níveis, na segunda obra de grande relevância – News as a form of
knowledge: a chapter in the sociology of knowledge (1940).

Familiaridade com Conhecimento sobre

(Ideia de senso comum e interações com o (Mais investigação, metodológico e


mundo, mais imediato) conhecimento investigação científica provada, comprovada,
adquirido no decurso dos encontros pessoais testada, verificada) conhecimento formal,
e imediatos com o mundo. Resulta do uso e racional e sistemático, resulta da observação
do costume e não de uma investigação sistemática dos eventos, de acordo com uma
formal e sistemática, sustentando o senso metodologia científica. Observação de factos
comum na sociedade. “Estou familiarizado que tenham sido procurados e provados. É a
com muitas coisas sobre as quais sei muito análise para que se adquira o conhecimento,
pouco, exceto a presença delas”. Diz que ultrapassa apenas a familiaridade com.
respeito ao reconhecimento nas nossas
mentes.

As notícias como uma forma de conhecimento


As notícias apresentam uma forma de conhecimento mais formal e sistematizada do que o que
é sugerido pela familiarização com, mas oferecem aos seus leitores um tipo de conhecimento que
ultrapassa a experiência pessoal. O tipo de conhecimento proporcionado pelas notícias é
comunicável e comunicado de uma forma distinta. Ao mesmo tempo, o conhecimento jornalístico
distingue-se do tipo de conhecimento científico, desde logo porque “as notícias não são um
conhecimento sistemático como o das ciências físicas, Aproximam-se mais da história, na medida
em que lidam com acontecimentos. No entanto, as notícias não são história e os seus factos não
são factos históricos” (Park). Por várias razões: “as notícias não são história, entre outras razões,
porque lidam em geral com acontecimentos isolados e não procuram estabelecer relações entre
eles. A história não só descreve acontecimentos, como procura colocá-los numa ordem de
sucessão histórica e, desta forma, tenta descobrir as tendências e forças subjacentes. Por outro
lado, um jornalista procura apenas fazer o registo de cada acontecimento singular, tal qual o
mesmo ocorre. A sua preocupação com o passado e o futuro tem apenas por objetivo
compreender melhor o que é atual” compreendendo-se, assim, no meio do espectro (o lugar
próprio das notícias, pois todos os tipos de conhecimento têm um lugar próprio no espectro) que
distingue dois tipos opostos de conhecimento. As notícias estão, assim, relacionadas com a
atualidade (podem recuperar passados se se relacionarem com a ideia de atualidade) e obedecem
a um conjunto de respostas (quem, o quê, quando, onde, como, porquê).

Presente ilusório: “o que se pretende aqui significar por presente ilusório é sugerido pelo facto
de as notícias, como os editores, da imprensa comercial, bem sabem, serem um bem perecível.
As notícias mantêm esse estatuto apenas até chegarem às pessoas para quem tem interesse
noticioso. Uma vez publicadas e o seu significado reconhecido, as notícias passam à história”.
A partir do momento em que uma informação se sabe, deixa de ter valor de troca.

A notícia e o conhecimento (conhecimento efémero que depois passa a ser um conhecimento


histórico): a qualidade passageira e efémera das notícias e constante fluxo de comunicações
pequenas e independentes fazem com que as notícias e a sua estrutura tenha de ser fácil e
rapidamente compreendida pelos leitores, permitindo às pessoas uma orientação num mundo
mais amplo do que a experiência pessoal. Como as notícias tratam do conhecimento como se estes
fossem isolados, isso implica que os indivíduos falem sobre eles. Dessas conversações surge a
opinião pública: “a primeira reação típica de o recetor de uma notícia é desejar contá-la a alguém.
Isto dá motivo de conversa, fomenta comentários e, eventualmente, inicia uma discussão. O
choque de opiniões e sentimentos que a discussão necessariamente produz culmina normalmente
com a produção de um determinado tipo de consenso ou opinião coletiva. É na base da
interpretação de acontecimentos presentes que a opinião pública se constitui”.
à Algumas tendências de transformação da relação entre notícias e conhecimento:
jornalismo de investigação, novos formatos ou formatos renovados (jornalismo long-form ou
“slow media”), jornalismo de dados e jornalismo transmedia.

Notícias digitais como formas de conhecimento: um novo capítulo da Sociologia do


Conhecimento, Rasmus Nielsen
Surge como uma atualização relativamente ao texto de Park: acessibilidade, oportunidades,
detalhe, orientação. A omnipresença da informação, a acessibilidade a partir de diferentes
formas, as tendências e transformações por via da alteração de oferta e da indústria jornalística
tem repercussão, desde logo, no papel do jornalismo de investigação. Por outro lado, podemos
também falar de uma hiperacelerarão dos ciclos de produção e de consumo de notícias e de uma
densificação dos fluxos de informação. Ainda uma erosão da especialização do jornalismo,
polivalência dos profissionais e simplificação dos formatos. A ideia da nossa própria capacidade
também se foi alterando, porque os dispositivos se foram alterando e as notícias assumem agora
o seu papel de notícias como impressões, ou seja, fragmentos descontextualizados de informação,
com base no agora e de notícias como itens, ou seja, artigos individuais ou histórias agrupadas
das últimas 24 horas. Finalmente, surgem as notícias sobre relações, um tipo de jornalismo long
form, formas mais explicativas de jornalismo e uma quebra com o restante ciclo acelerado das
notícias no contexto digital

OPINIÃO PÚBLICA E PEPAL DA IMPRENSA NA PROPAGANDA


à Teorias sobre a opinião pública: papéis que as várias formas de comunicação desempenham
na formação da opinião-pública e outras abordagens empíricas – teoria utilitarista, teorias da
sociedade de massas, teorias da propaganda, teorias da imprensa (funcionalismo) e debate entre
Lippmann e Dewey.

O papel e funções dos media


Avança-se com a importância do papel da informação e da comunicação ao atuar no
funcionamento das sociedades democráticas. Não é possível atingir a democracia sem
comunicação, especialmente no que diz respeito à definição do espaço público e às vozes que lá
têm lugar. A comunicação está entre os diferentes agentes da sociedade e a democracia parte da
dimensão de uma informação livre. Entende-se, precisamente, os media como um quarto poder,
por um lado pelas suas funções (como a sociedade vê os media), e por outro pelo papel e poder
que os media têm efetivamente numa sociedade. O facto de os jornalistas terem acesso a
documentos, espaços e informações que os outros não têm diz muito sobre a função social que os
media têm.

Perspetivas funcionalistas sobre os media


É dado um ênfase a uma conceção de media enquanto instrumentos que podem contribuir para a
manutenção do equilíbrio, do consenso ou da ordem social, numa perspetiva sociopolítica,
empresarial, profissional, normativa e ético-deontológica. Os media podem assumir um grande
impacto na definição das perceções e das convicções sobre a realidade.
à Funções sociais dos media: há um conjunto de funções sociais que autores, como Harold
Lasswell, Charles Wright e Denis McQuail, avançaram e, depois, aprofundaram, nomeadamente:
o Informação: sobre acontecimentos na sociedade, para indicar relações de poder e
facilitar a inovação, adaptação e progresso.
o Correlação: há uma correlação entre nós e os media, o que facilita na explicação,
interpretação e comentário sobre o sentido dos acontecimentos. A correlação providencia
apoio para as autoridade e normas estabelecidas e permite a socialização e coordenação
de atividades separadas, bem como, construir consensos e decidir prioridades.
o Continuidade: expressar a cultura dominante e reconhecer subculturas e novos
desenvolvimentos culturais, forjam e mantêm a comunidade dos valores.
o Entretenimento: providenciar diversão e meios de descanso e reduzir a tensão social.
o Mobilização: batalhar por objetivos sociais nas esferas da política, militar,
desenvolvimento económico, trabalho, religião.

Funções do jornalismo nas sociedades democráticas, Schudson (2008)


o Informação: os meios de comunicação social noticiosos podem fornecer informações
equilibrada e completa, para que os cidadãos consigam tomar decisões políticas
informadas.
o Investigação: função principal de denúncia.
o Análise: fornecem enquadramentos coerentes de interpretação da realidade, para que os
cidadãos consigam compreender a complexidade do mundo.
o Empatia social: mostrar a realidade dos outros, para que os cidadãos consigam entender
os pontos de vista e modos de vida de outras pessoas, especialmente daqueles com
condições e realidade mais difíceis e que estão fora do nosso olhar.
o Fórum público: forcem e constituem um fórum de discussão entre os cidadãos e
funcionam como plataforma de diferentes perspetivas de diferentes grupos sociais.
o Mobilização: servir como defensores de perspetivas ou programas políticos específicos
e mobilizar as pessoas para apoiar essas visões.
à Entende-se, assim, o jornalismo como um meio de divulgação da democracia
representativa.

Debate Lippmann-Dewey
Walter Lippmann foi um jornalista, estudioso e de intervenção política. Foi editor e um dos
fundadores da The New Republic, editor do World, colunista do New York Herald Tribune e
vencedor de dois prémios Pulitzer pelos trabalhos em “Today and Tomorrow” e pela entrevista a
Nikita Khruschev, em 1961,
John Dewey, por sua vez, foi filósofo e sociólogo, associado à Escola de Chicago e figura
fundamental do pragmatismo. Teve particular interesses pelas questões da comunicação e
trabalhou no âmbito da pedagogia e da educação.

Lippmann e Dewey tinham perspetivas distintas sobre a relação entre os media e a democracia
e sobre o papel dos cidadãos na própria democracia. Em rigor, não se trata de um debate, mas
sim de respostas críticas de Dewey às obras de Lippmann sobre este assunto: respondeu através
do Review of Public Opinion by Walter Lippmann à obra Public Opinion, de 1922, e através da
obra Practical democracy: Review of Walter Lippmann’s book the Phantom Public em resposta a
The Phantom Public, de 1925. Lippmann olhava para a democracia e para o papel dos cidadãos
através de uma perspetiva muito negativa (muito restritos ao voto e depois desligam). Este
debate vem sendo recuperado ao longo dos anos, nomeadamente a discussão sobre a ideia
democrática e falência dessa noção.
à Como é que nós participamos no processo democrático?

Três vidas públicas de Walter Lippmann


Walter Lippmann foi um estudioso com particular interesse sobre a política e a democracia e
sobre o jornalismo e a opinião pública. Enquanto jornalista e colunista, teve uma grande
influência no entendimento da intervenção política mais ou menos evidente dos media.
Lippmann foi ainda assessor na Primeira Guerra Mundial, numa realidade com grandes
consequências (dos anos 20) e de períodos conturbados. Inicialmente Lippmann defendeu a
entrada dos EUA neste conflito, mas com a sua participação acabou por se tornar crítico da guerra
e da propaganda.

Lippmann e Public Opinion


Lippmann pensa que uma democracia bem governada será possível se contar com uma
informação adequada e fidedigna, de modo que a opinião pública possa formar um juízo
informado.
à Mas será possível aos cidadãos formarem um tal juízo e uma tal opinião pública? E até
que ponto uma sociedade que tinha de tomar decisões sobre questões complexas e globais
distantes, física e cognitivamente, o podia fazer a partir de uma informação compilada por
jornalistas sem formação e preparação adequadas? Lippmann procura desenvolver este debate.

Publicada após a I Guerra Mundial, esta obra surge como crítica ao modelo da democracia de
massas e ao papel da imprensa no funcionamento das instituições democráticas. A questão da
propaganda está bem explícita no livro e é feita uma descrição sobre como, durante a I Guerra
Mundial, o governo e generais do lado alemão e do lado francês coordenavam a elaboração e
emissão de comunicados de imprensa. As palavras da mensagem (que podemos enquadrar no
âmbito da propaganda) seriam decisivas na mobilização dos cidadãos e da opinião pública. A
forma como os governos atuam tem peso nos comunicados e assumem na mobilização de todos.
“Em poucas horas, essas duzentas ou trezentas palavras seriam lidas em todo o mundo e pintariam
uma imagem na mente dos homens do que estava a acontecer nas encostas de Verdun. Perante
essas imagens, as pessoas ficariam em choque ou em desespero”.
Ideia do cidadão omnicompetente (uma posição realmente informada, até sobre as
consequências)
Questionamento do conceito liberal clássico do cidadão omnicompetente e soberano, que pode
ajuizar de modo informado sobre todas as questões públicas. É a partir de aqui que desenvolve
uma crítica à incapacidade das instituições de dar à imprensa informações fidedignas que nos
permitam ter esse conhecimento e desenvolver uma opinião pública devidamente informada.
Os constrangimentos são estruturais e cognitivos sobre como podem os cidadãos nas sociedades
democráticas modernas conhecer o que se passa à sua volta.
“O mundo que temos de considerar está politicamente fora do nosso alcance, fora da nossa visão
e compreensão (nomeadamente a nossa proximidade direta e capacidade de conhecer). Tem de
ser explorado, relatado e imaginado”. Surgem dificuldades e elementos que podem dificultar
este contacto que temos com o mundo, nomeadamente a censura ou privacidade da fonte, barreiras
físicas e sociais de acesso, atenção escassa, pobreza de linguagem, distorção da mensagem, receio
de lidar com os factos apresentados e a obscuridade e complexidade dos factos.

O problema da capacidade cognitiva dos cidadãos


A teoria democrática tradicional assume que as pessoas são naturalmente dotadas de autonomia,
nomeadamente porque são informadas pela imprensa. Podemos identificar, ainda assim, três
problemas que se relacionam com estes pressupostos: natureza da imprensa, natureza do público
e a estrutura orgânica das notícias.

A complexidade do mundo, as limitações das pessoas e a má informação


Temos apenas uma imagem limitada dos factos. O mundo moderno é tão complexo, os seus
sistemas de comunicação tão poderosos e com tantas imperfeições, e o tempo e a capacidade de
atenção dos cidadãos são tão fragmentados, que não é possível haver uma opinião pública
informada, especialmente sobre os acontecimentos distantes (“não vistos”). Há uma dissonância
entre o mundo exterior e a imagem que dele temos na nossa mente, pois não resulta só da nossa
experiência mas da forma como o mundo nos é apresentado.

A nossa natureza humana: o problema das nossas cognições


Lippmann introduz o conceito de estereótipo a partir da ideia de que tendemos a ver o que
esperamos ver e ignorar provas contraditórias. Em consequência destes limites estruturais e
cognitivos, a opinião pública é uma ficção, “um fantasma”. Neste sentido, surgem os “pseudo-
ambientes”. As pessoas não conhecem diretamente o mundo, apenas o veem como
representações (“pictures in their heads”). Daqui resulta a que respondam a um pseudo-ambiente
no seus juízos políticos, pois acreditam que as suas conceções e imagens dos outros são
representações precisas da realidade, mas, na verdade, estas representações correspondem a
estereótipos adquiridos a partir de uma fonte que não a sua experiência direta.

O problema da informação jornalística


o Motivações para o consumo de informação jornalística e a disponibilidade para pagar por
essa informação.
o Capacidade e preparação dos jornalistas para fornecerem a informação adequada.
o Seleção dos assuntos e temas abordados pelos jornais.

A imprensa é tida como um “holofote móvel que salta de um tópico para outro, de uma história
para outra, iluminando as coisas, mas nunca as explicando completamente”. Sinaliza os assuntos
mas não explica nem aprofunda e as notícias acabam por apenas assinalar eventos sem
explicações. Este aspeto é o mais evidente nos dias de hoje, com a renovação constante da agenda
noticiosa. O autor atribui ainda uma grande relevância dos gatekeepers para a democracia. O
eixo fundamental da discordância deste debate passa pela crítica à ideia da democracia de massas
na obra Public Opinion, no sentido em que a tarefa da informação deve ser deixada a peritos.
A solução para a democracia reside no desenvolvimento de divisões de inteligência nas diferentes
agências governamentais, apoiadas por cientistas sociais que forneçam o conhecimento de que os
decisores necessitam.
à Solução para a democracia = chamar especialistas sobre os temas para tomar decisões mais
informadas. A proposta é a da criação de intelligence bureaus que usariam métodos científicos
para gerar informação “desinteressada” sobre questões públicas, o que conduz aos fornecimento
de recursos de conhecimento fiáveis para a governação, para os negócios e para o jornalismo.

É também a partir desta questão que Dewey apresenta os seus contributos, em discordância com
a proposta de Lippman, mas com alguns pontos de concordância, nomeadamente a
complexidade do mundo moderno, a incapacidade do público para conduzir uma ação executiva
eficiente como preconizado pela teoria democrática tradicional, a crítica e riscos subjacentes à
ideia de coesão do público e o risco de captura da democracia por interesses políticos e
económicos.

Visão distinta de democracia


A democracia era um processo de desenvolvimento e Dewey não achava que devesse ser
abandonada e substituído por um sistema de informação dominado por especialistas ou cientistas.
Cada vez mais alienado e incapaz de lidar com as suas responsabilidades democráticas poderia
dar origem a um “eclipse do público”. Mas este eclipse é causado pelas mudanças sociais que
resultaram na perda da comunidade sobre a qual as bases democráticas eram construídas.
Soluções para a democracia, Dewey
A solução passa por um sistema de comunicação que se liga aos cidadãos e à imprensa, ou seja,
uma forma mais participativa de democracia. A imprensa deve funcionar de forma a ajudar a
definir a verdade e a resolver a contradição entre interesses individuais e sociais. Pela
comunicação, os indivíduos conseguem julgar os seus valores em termos dos interesses
partilhados do público, facilitando a experiência partilhada. É necessário retomar a função
democrática do jornalismo. Apesar das suas limitações, a imprensa pode ser um elemento de
extrema importância, permitindo que os sujeitos entendam condições e forças que dão forma aos
acontecimentos e construam uma ideia de comum. Os jornais, desta forma, podem dar início a
processos reflexivos, contribuindo para aumentar a capacidade dos públicos para analisarem a
realidade.
à Assim, separam-se duas visões, uma mais centrada nos especialistas e outra na participação.

PAUL LAZARSFELD E A MASS COMMUNICATION RESEARCH


Mudança de paradigma (anos 40 e 50): nesta altura começam a emergir novos métodos
empíricos de analisar a realidade e novas conceções que se debruçam sobre a noção da influência
dos media, percebendo-se que esta influência sobre os recetores era menos evidente do que se
supunha e que havia outros fatores de influência (teoria hipodérmica – todos afetados ao mesmo
tempo e da mesma forma).

Contributos de Paul Lazarsfeld


Contributo para a sociologia da comunicação no sentido do fluxo de comunicação a dois níveis
e da teoria dos efeitos mínimos. Abordou diferentes aspetos como os meios que consumimos,
onde e de que forma, a composição diversificada do público, os modelos de consumo e a
mediação social do consumo. Torna-se importante analisar não só a forma do conteúdo, como
também a forma como ele nos surge (exemplo uma notícia na televisão ou nos reels).

Estudo “The People’s Choice”


Estes contributos são essencialmente desenvolvidos no estudo The People’s Choice, num
contexto das eleições de 1940, que assume real importância pelo contexto de emergência de novos
regimes, de política e da guerra na Europa. Há, então, a necessidade de descobrir como e por que
razão as pessoas decidiram votar como votaram e de entender que fatores influenciam a nossa
intenção de voto. Deste modo, Lazarsfeld analisou o comportamento eleitoral e em particular das
modalidades de formação das opiniões e da decisão de voto.
Efeitos das campanhas e dos media
Há diferentes tipos de efeitos, não necessariamente uma influência dos media em quem vamos
votar, mas outros tipos de influência: como a conversão, o reforço e a ativação.
o Conversão: por via de ação dos media altera-se a decisão de voto inicial.
o Reforço: consolidação das decisões e anulação de mudanças de opinião.
o Ativação: transformação de tendências ocultas em comportamento de voto real (uma
decisão). Ainda sem uma decisão, toma-se consciência de um voto já decidido de forma
inconsciente.
à Conclusões do estudo: o efeito das campanhas mediáticas (influência da rádio e dos jornais)
traduzia-se em: 58% de reforço, 14% de ativação e 8% conversão. Neste sentido, mais de 70%
do total das decisões de voto correspondem a fatores socioculturais identificados pelos
investigadores muito antes do início das campanhas mediáticas.

Com poucas provas de que os media convertem os eleitores, chegou-se à conclusão de que o
principal efeito dos media seria, então, o reforço, fazendo relembrar a fraca exposição das
pessoas aos media, nesta altura. As pessoas que liam e ouviam rádio eram as que tinham opiniões
políticas mais definidas. As pessoas tendiam a interpretar o que ouviam sobre a campanha de um
voto seletivo e apontavam para a influência de outras pessoas, mais do que dos media. O modelo
proposto nos anos 40 e 50 (fluxo a dois passos) ajuda-nos, atualmente, a explicar questões mais
atuais, como o papel das redes sociais e dos influenciadores.

Fluxo da dois passos – influência sobre as pessoas


Lazarsfeld concluiu que a comunicação interpessoal tinha sido mais importante na tomada de
decisão sobre em quem votar e identificou um fluxo a dois passos da mensagem mediática. Os
líderes de opinião são quem atua e intervêm, de forma decisiva, nesse fluxo da mensagem
mediática, dos emissores até aos eleitores. O fluxo é feito dos mass media para os grupos, e,
dentro desses grupos, os líderes assumem uma posição de relevo de forma simbólica e também
comunicam as suas ideias. A influência não é direta mas passa por estes líderes de opinião e isto
envolve desde logo o entendimento do que são grupos, redes de comunicação e esta influência.
à Líderes de opinião: pessoas que apresentam características de destaque dentro dos grupos
sociais informais (família, amigos, locais de trabalho), ocupando aí uma posição de relevo em
termos de referência simbólica e moral para os restantes elementos do grupo.

Problemas do modelos de fluxo a dois passos


Uma sociedade dividida entre líderes e seguidores mostra-se algo inconsistente, pois nem sempre
os líderes de opinião são líderes de opinião para todos os assuntos ou para todos os grupos e
muitas vezes os papéis podem ir trocando reciprocamente. Para além disso, os líderes de opinião
não recebem necessariamente as suas informações diretamente dos meios de comunicação, mas
também de outros líderes de opinião, formando um fluxo a vários passos (várias etapas que se
podem influenciar umas às outras).

O Estudo dos Meios de Comunicação e a Problemática dos Efeitos (Esteves)


Para percebermos os contributos de Lazarsfeld, temos de perceber qual é o efeito dos media na
formação da opinião pública, procurando entender as ligações e relação direta entre o emissor e
o recetor, que explicam o sistema comunicacional. Para haver comunicação, tem de haver um
emissor e um recetor e formas que façam com que o recetor compreenda a mensagem (um
estímulo para obter uma resposta), podendo, ainda assim, existir diferentes interpretações
causadas por problemas no processo de compreensão.
à Até que ponto é que quando comunicamos com AI há comunicação? Como funciona a
comunicação do outro lado?

Redes sociais e o “fluxo a dois passos”


Podemos falar neste fluxo no sentido em que temos novos comunicadores em emergência.
Falamos deste modelo no sentido do peso das redes sociais no acesso à atualidade noticiosa e na
formação das decisões. A intervenção de novos atores e de novas lógicas ou novas dinâmicas no
nosso acesso à informação são também um segundo passo neste modelo a dois passos:
participação e novas formas de acesso ao público e lógica algorítmica.
Há, neste sentido, consequências na confiança que temos em determinado meio, com o
surgimento de novos comunicadores em emergência e o peso da curadoria, nas decisões quanto
ao conteúdo que devemos consumir. Vemos a partir da “lente” de alguém um outro conteúdo.

Fluxo de curadoria: quatro características específicas


o Fluxo de curadoria estratégica: diretamente dirigido a cidadãos individuais por elites ou
políticos.
o Fluxo com curadoria automática: fluxo de informação gerido por algoritmos
informáticos, como nos motores de busca.
o Fluxo com curadoria pessoal: seletivamente escolhido por cada indivíduo.
o Fluxo de curadoria social: influenciado pela rede social em que se participa e pelos seus
atores próximos.

Fluxo a um passo, Bennett and Manheim (2006): estes autores apontam para outro caminho,
devido ao peso das mudanças sociais e tecnológicas, ao isolamento social e ao consumo
personalizado de media ou do narrowcasting
A SOCIOLOGIA DO MEIO DE MARSHALL MCLUHAN
Com a alteração das dimensões de senso comum percebemos os media também de outra forma
(media = comunicar com as massas). A leitura que fazemos do entendimento do que é um meio
de comunicação social leva-nos a outras questões, como o papel desses meios. Também as
plataformas de streaming de música podem transformar a forma como percebemos as coisas.
à Os efeitos que os media têm sobre nós são iguais (de media para media)?

Desenvolvimentos dos anos 60


Há sempre relevância na influência dos media enquanto tecnologias e, neste sentido, destaca-se
a medium theory, avançada por Harold Innis e Marshall McLuhan. Nesta década, olha-se com
especial atenção às características formais da comunicação, como os motores do processo
histórico, das organizações sociais e da própria consciência sensorial (ex.: Gutenberg).

Marshall McLuhan foi doutorado pela Universidade de Cambridge (1942) e, depois de um


percurso como professor universitário, nos anos 60 foi diretor do Centre for Culture and
Technology em Toronto. As duas principais obras são sem dúvida Compreender os Meios de
Comunicação – Extensões do Homem e A galáxia de Gutenberg.

Compreender os Meios de Comunicação – Extensões do Homem


Há dois conceitos fundamentais para o nosso entendimento da sua teoria: “o meio é a mensagem”
(título do primeiro capítulo do livro) – pois diferentes tipos de meios e de formas de comunicação
influenciam a nossa perceção e, em última análise a própria mensagem – e media enquanto
“extensões do homem” – formas de prolongamento de cada pessoa no ambiente que a rodeia
(o exemplo mais óbvio é o telemóvel, mas os meios de comunicação também nos permitiram
aproximar do mundo/comunicar com o mundo).

“O meio é a mensagem”
O que está na base disto é o rompimento de uma atenção centrada apenas no conteúdo veiculado
pelo meio, desviando a atenção e passando o foco a ser o estudo do meio de comunicação por
si. Independentemente do que veiculam, cada meio tem as suas próprias características que fazem
com que se torne numa mensagem por si só, única e específica.
à Será que o meio tem de ter conteúdo? Utiliza um exemplo da luz elétrica (lâmpada) como
se fosse a mensagem: é informação pura, não tem qualquer conteúdo, o seu conteúdo é o que ela
ilumina (quando no escuro). Serve simplesmente para estender o alcance da atividade humana,
mas é indiferente a qualquer atividade que ela ilumina. É um meio sem uma mensagem. Estende
a mensagem, mesmo sem conteúdo. As próprias mensagens e os seus efeitos estão dependentes
desse meio.
Esta frase tem por base esta noção: compreendermos os efeitos sociais mais amplos de um meio
de comunicação e temos de olhar, não apenas para os conteúdos, mas para a própria natureza
desse meio, as suas características específicas, para as suas estruturas e funcionamento, ou seja,
para os elementos que determinam as particularidades das mensagens que esse meio emite.
à Exemplos práticos: um jornal envia mensagens de modo significativamente diferente do
modo como uma rádio envia mensagens e essas diferenças são independentes do conteúdo das
mensagens emitidas (em rigor, a mensagem pode ser a mesma, mas há diferenças na forma como
a percecionamos, tem efeitos sociais distintos dependendo do meio).

No arranque dos jornais online, os artigos partilhados eram iguais ao que era publicado no
impresso, todos à mesma hora, quase sem atualizações. Havia uma subordinação do que estava a
ser feito online ao que era a informação no papel. Mas à medida que se foi consolidando e os
próprios textos no online alterando-se, também se sentiu diferenças na estruturação dos textos no
papel (impacto do online). “O conteúdo acaba por se converter na mensagem do meio que o
contém” e “o conteúdo de qualquer media é sempre outro media”, como um ciclo contínuo. A
mensagem (SMS) é na verdade composto por outro media (a escrita), que resulta da fala.

“O meio é a massagem” – como é que um erro num livro se transformou numa teoria?
O meio envolve-nos inteiramente, formando o “ambiente” que nos dá forma. Os media
desempenham, assim, um papel fundamental nas questões políticas, sociais, culturais e humanas,
funcionando como ambientes que nos limitam e nos moldam a todos os níveis.

Outra conceção de media


à Completamente distinto (mais amplo) daquela com a qual nos confrontamos diariamente.
Media como formas de comunicar com o mundo, são extensões, como as novas tecnologias:
amplificam e aceleram processos que já existem. Funcionam como formas de alterar a escala
velocidade, forma ou padrão de conexão com o mundo que nos rodeia. Este novo papel das
tecnologia altera completamente o nosso entendimento sobre os media, tudo é possivelmente
acelerado.

Os media como extensões da humanidade


Surge esta ideia de que os media são como extensões dos nossos sentidos (ex.: a roda como uma
extensão do pé, vestuário como extensão da pele, a escrita como extensão da vista, os circuitos
eletrónicos como extensão do sistema nervoso central), pois tudo comunica diversas questões e
modifica as nossas relações com o meio ambiente. Alguns media como extensões artificiais das
faculdades humanas naturais e enquanto extensões dos sentidos (particularmente da visão e
audição) são, por exemplo, a rádio e o telefone, que funcionam como orelhas de longa distância
ou a escrita e imprensa que são extensões visuais. As tecnologias, por sua vez, são extensões do
nosso sistema físico e nervoso para incrementar a força e a velocidade.

Media quentes e media frios


De um lado a fala, os desenhos animados, o telefone e a televisão e de outro a imprensa, a
fotografia, a rádio e o cinema. Esta divisão decorre da ideia de baixa definição (os meios mais
pobres em dados sensoriais, exigem uma maior participação) e de alta-definição (ricos em dados
sensoriais, fazem-nos consumir e reagir). A partir desta ideia, McLuhan abre-nos a porta para o
estudo das mudanças dos media que têm consequências na nossa sociedade.
Cada nova tecnologia (ou médium) introduzia pelo homem cria um novo ambiente e atmosfera
na sociedade, dentro do qual se vai desenvolver uma nova cultura. As novas tecnologias, em
especial as de comunicação, afetam a forma como as pessoas percebem o mundo à sua volta, e,
ao mesmo tempo, transformam o próprio comportamento da sociedade. Na sequência,
McLuhan propõe algumas eras desta evolução.

1. Era da comunicação oral (pré-alfabética): primeiros tempos da humanidade, marcados pelo


uso da palavra. Há uma ligação numa unidade de espaço e tempo, que são estritamente circulares.
Nesta era o ouvido predominava sobre a visão.
2. Era da comunicação escrita (alfabética e da imprensa): com a introdução do alfabeto
fonético (2000 a.C.) e invenção da imprensa de tipo móvel (1450), estabelece-se a cultura
alfabética. Há uma rutura entre o olho e o ouvido, com ênfase para a visão como um sentido. As
mensagens são mais desvinculadas da sua fonte e do seu contexto e há um rompimento com a
dimensão tribal da comunicação, que passa a ser individual, impessoal e solitária. A imprensa
surge como meio fundamental e influi na produção, no mercado, na ciência, na educação, na
organização urbana e na cultura. O processo deixa, então, de ser partilhado e passa a refletir as
assimetrias da sociedade.
3. Era eletrónica (a aldeia global): surge aqui o conceito de aldeia global, devido à automação
e conexão do mundo. Regressa-se a esta dimensão de comunidade e aldeia e os meios são mais
socialmente inclusivos. Marcada pelo surgimento do telégrafo, em 1850, é também marcada pelo
advento dos media eletrónicos e os sentidos dominantes são a visão e a audição. O telégrafo, o
telefone, a rádio e a televisão são signos de unificação do planeta pela comunicação instantânea
e generalizada, pois todos estamos ligados. Regressa-se à oralidade, à supressão de fronteiras e à
instantaneidade na transmissão de conhecimentos, numa verdadeira aldeia a nível global.

A evolução dos media


McLuhan propôs que cada nova tecnologia, ao ser introduzida numa sociedade, poderá afetar
primordialmente um ou outro sentido humano. Quando isso acontece, essa nova tecnologia
alterará a relação que existia entre os sentidos, provocando a prevalência de um sentido sobre
os outros. Por exemplo, esse teria sido o efeito da tipografia, que se sobrepôs à cultura oral,
transformando-a em cultura visual e impondo um caráter linear e compartimentado ao
pensamento dos seres humanos.
à Mudanças produzidas pela introdução da eletricidade: de uma comunicação fragmentada,
linear, de propagação lenta e de caráter individualista passámos para uma comunicação integrada,
não linear, de propagação instantânea e de caráter comunitário, onde o envolvimento social é
global.

O conceito de Aldeia Global


Com esta mudança tecnológica foi restabelecida a possibilidade de uma comunicação quase
instantânea, próxima da simultaneidade, semelhante ao que poderia ocorrer numa pequena aldeia.
A generalização dos meios de comunicação eletrónicos permite a comunicação entre pessoas
muito afastadas no espaço e a representação do mundo como uma aldeia, porque a ação e reação
são imediatas.

Críticas a McLuhan
o Determinismo tecnológico: a mudança social é determinada pela natureza e função da
tecnologia, não pela ação humana consciente.
o Todo o argumento de minimização de questões de poder, da propaganda ou dos conflitos
de análise.
o As abordagens não têm em conta a relevância dos media como fenómeno social
complexo.

Você também pode gostar