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A Acumulação Primitiva de Capital e Outros Temas

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A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL

Marx, em O capital, define a acumulação primitiva como “o processo histórico de


separação entre produtor e meio de produção. Ela aparece como ‘primitiva’ porque
constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde” (Marx,
2013, p. 786).
Chama-se a esse processo de acumulação primitiva de capital porque ela ainda não é o
resultado do modo de produção capitalista, mas, ao contrário, encontra-se em seu ponto
de partida.
Nas palavras de Marx, a história da acumulação primitiva é caracterizada pelo fato de
que de “grandes massas humanas são despojadas súbita e violentamente de seus meios
de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários absolutamente
livres” (Marx, 2013, p. 787).
Assim, esse processo corresponde à expropriação da terra pertencente à população rural,
que sofre das violências mais grosseiras, e, em larga medida, se vê obrigada a migrar do
campo, tornando-se, no longo prazo, em força de trabalho de uma nova ordem
socioeconômica, uma vez que estamos diante de um movimento histórico que, visto em
perspectiva, é marcado pela transformação de produtores, donos de seus parcos meios
de produção, em trabalhadores assalariados.
Segundo Tom Bottomore, “A separação entre os camponeses e a terra é o manancial de
onde provêm os trabalhadores assalariados, tanto para o capital agrícola como para
indústria” (Bottomore, 2003, p. 2)
As terras camponesas expropriadas dos pequenos produtores, muitas vezes, são
transformadas em pastagens para alimentar ovelhas, que fornecerão a lã para as
manufaturas, levando Thomas Morus a falar de um estranho mundo “onde as ovelhas
devoram os seres humanos”.
Em suma, a acumulação primitiva é um processo espoliativo associado à gênese
histórica do capitalismo, sendo, em larga medida, condição para o seu florescimento
como modo de produção específico. É da separação do pequeno produtor de seus meios
de produção que, em parte, surge uma das condições primárias para afirmação do
capitalismo, “a criação do proletariado inteiramente livre”, para usarmos a expressão
consagrada por Marx. Tratou-se, nesses termos, “da expropriação da massa do povo por
poucos usurpadores” (Marx, 2013, p. 833).
Por fim, não podemos descartar a importância da expansão marítima, incluindo aí o
elemento do tráfico de escravos, e de outros fatores para a acumulação primitiva de
capital, mas no célebre capítulo 24 do livro 1 de O capital, sem dúvida, Marx realça a
expropriação dos pequenos produtores, nomeadamente no campo, como fator
fundamental da acumulação própria à pré-história do capitalismo.

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O MODELO MERCANTIL E SEU LEGADO
A discussão desse modelo – bem como de seu legado - foi desenvolvida, sobretudo, por
Ellen Wood, particularmente em seu livro A origem do capitalismo. Para a historiadora
marxista estadunidense, trata-se não só de questionar a suposta naturalidade e
inevitabilidade do capitalismo como modo de produção na história, mas de apresentá-lo
como produto de condições históricas muito específicas.
Nessa perspectiva trata-se, em especial, de replicar qualquer atribuição de um caráter
natural ao capitalismo.
Segundo a autora,
A maneira mais comum de explicar a origem do capitalismo é
pressupor que seu desenvolvimento foi resultado natural das práticas
humanas quase tão antigas quanto a espécie, e que requereu apenas a
eliminação de obstáculos que impediam sua materialização (Wood,
2001, p. 21).

Adam Smith sustentava que o indivíduo se empenhava em atos de troca desde o


alvorecer da história, querendo dizer com isso que o capitalismo é o resultado “natural”
da trajetória humana na terra, surgindo daí a ilação de que o mercado capitalista é a
continuidade e o desenlace natural do comércio e dos mercados que o precederam.
Desse modo, “O capitalismo parece sempre estar sempre lá, em algum lugar, precisando
apenas ser libertado de suas correntes” (Woods, 2001, p. 14). Ou seja, o capitalismo não
seria um “rompimento qualitativo com formas anteriores”, mas uma simples expansão
dos mercados.
Ellen Wood submeterá esse ponto de vista a uma crítica demolidora, evidenciando seu
caráter anistórico e apologético, mas também reconhecerá o peso de seu legado,
inclusive dentro do campo ideológico no qual ela desenvolveu seus estudos, no caso, o
marxismo, que, segundo ela, não deixou de ser contaminado pelo espólio do “modelo
mercantil”, inclusive no que se refere a extraordinária influência de Henri Pirenne.

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OS DEBATES MARXISTAS SOBRE A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO PARA O


CAPITALISMO
Nos anos 1950, deu-se o famoso debate sobre a transição do feudalismo para o
capitalismo, envolvendo historiadores e economistas marxistas, reverberado nas páginas
da revista Science and Society.
Nesse debate, tentou-se responder a uma série de questões, dentre as quais o
revivescimento do comércio e o seu papel na Idade Média, a relação entre campo e
cidade na transição do feudalismo ao capitalismo, dentre outros temas de importância
historiográfica.
A questão-chave era se o declínio e posterior superação do feudalismo teria se dado a
partir do efeito solvente da troca e do dinheiro, portanto, a partir do revivescimento do
comércio, ou, se ao contrário, isso teria sido o resultado de pressões internas do próprio
sistema feudal.
De modo sumário, pode ser destacado nesse debate o papel do economista
estadunidense Paul Sweezy. Para ele, o declínio do feudalismo era resultado não
exclusivo, mas decisivo, de algo externo ao sistema, e esse algo externo estava
relacionado ao impacto do comércio. Logo, desintegração do feudalismo se ligava a um
fator proveniente do mundo exterior.
Sua tese foi combatida por outros autores marxistas, mas, em particular, por Maurice
Dobb, um economista marxista britânico. Para Dobb, sem duvidar da excepcional
importância da ampliação do mercado, não é possível afirmar que o fator apontado por
Sweezy tenha sido o fator decisivo para o declínio do feudalismo.
Segundo Dobb, são as forças internas da economia feudal que, em larga medida, explica
o declive do feudalismo. Nesse sentido, a necessidade crescente de rendas por parte da
classe dominante, ao promover um aumento da pressão sobre o produtor, conduziu a
situação geral do sistema a um ponto em que se tornou literalmente insuportável
responder afirmativamente a essa pressão.
Logo, o ponto de vista de Dobb leva em conta as contradições entre senhores e
camponeses como aspecto essencial e decisivo com vistas a uma explicação da crise
que, em sua dinâmica de longo prazo, conduziria á superação da ordem feudal.
Historiadores marxistas da Europa, da Ásia e da América estiveram implicados nesse
debate, levando a que vários aspetos inerentes à discussão pudessem ser lapidados,
produzindo novas sínteses.
Apesar disso, os aspectos fundamentais que tensionaram as posições de Sweezy e Dobb
seguiram desempenhando papel de enorme importância, inclusive “para além” da
historiografia marxista.

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