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Dossier Poesia

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Dossier Poesia I

Oswald Andrade

Poema da cachoeira

É a mesma estação rente do trem

Toda de pedra furadinha

Meu pai morou alguns anos aqui

Trabalhando

Um dia liquidou

Ativo passivo

Cinco galinhas

E deram-lhe uma passagem de presente

Para que eu nascesse em São Paulo

Como não houvesse estrada de rodagem

Ele foi na de ferro

Comprando frutas pelo caminho

A descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longo

Até a oitava da Páscoa

Topamos aves

E houvemos vista de terra

os selvagens

Mostraram-lhes uma galinha

Quase haviam medo dela

E não queriam por a mão

E depois a tomaram como espantados

primeiro chá

Depois de dançarem

Diogo Dias

Fez o salto real


as meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis

Com cabelos mui pretos pelas espáduas

E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas

Que de nós as muito bem olharmos

Não tínhamos nenhuma vergonha.

Canto de regresso à pátria

Minha terra tem palmares

Onde gorjeia o mar

Os passarinhos daqui

Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores

Minha terra tem mais ouro

Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas

Eu quero tudo de lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte pra São Paulo

Sem que veja a Rua 15

E o progresso de São Paulo.

Vício da fala

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió


Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados.

***

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

Relógio

"As coisas são

As coisas vêm

As coisas vão

As coisas vão e vêm

As horas

Vão e vêm

Não em vão"
O Amor – Poesia futurista

A Dona Branca Clara

Tome-se duas dúzias de beijocas

Acrescente-se uma dose de manteiga do Desejo

Adicione-se três gramas de polvilho de Ciúme

Deite-se quatro colheres de açucar da Melancolia

Coloque-se dois ovos

Agite-se com o braço da Fatalidade

E dê de duas em duas horas marcadas

No relógio de um ponteiro só!

Balada do Esplanada

Ontem à noite

Eu procurei

Ver se aprendia

Como é que se fazia

Uma balada

Antes de ir

Pro meu hotel.

É que este

Coração

Já se cansou

De viver só

E quer então

Morar contigo

No Esplanada.

Eu qu'ria

Poder

Encher
Este papel

De versos lindos

É tão distinto

Ser menestrel

No futuro

As gerações

Que passariam

Diriam

É o hotel

Do menestrel

Pra m'inspirar

Abro a janela

Como um jornal

Vou fazer

A balada

Do Esplanada

E ficar sendo

O menestrel

De meu hotel

Mas não há poesia

Num hotel

Mesmo sendo

'Splanada

Ou Grand-Hotel

Há poesia

Na dor

Na flor

No beija-flor

No elevador
Wally Salamao

Tácito

Seguia o ano seu curso

quando doze cidades célebres da Ásia Menor

ficaram de todo arrasadas por um terremoto noturno,

tanto mais letal quanto mais chã a esperança.

Nem mesmo de bom proveito serviu o refúgio

dos campos,

a que em tais casos se costuma recorrer:

porque as bocarras da terra engoliam seus miseráveis habitantes.

Narra-se que as montanhas imensas se esparramaram

em vastas planícies;

que as planícies vastas se converteram

em montanhas imensas;

que altas labaredas de fogo sapecavam a periferia

e o centro dos escombros

entre o espesso betume e a lava e o súlfur que arde.

Nem o de cem olhos, Argos nenhum,

Discerneria crepúsculo, noite, aurora, manhã, tarde.

,,,

Arte anti-hipnótica

Espia a flor da aurora que já vem raiando!

Mal a barra do dia rompia

saía pra rua

a caçar trabalho.

Lavrador desempregado

Morador de casebre de pau a pique

3 cômodos

em Araçatuba

cumpre pena de prisão domiciliar

por furtos de luz


do programa de energia rural

para a população de baixa renda.

4 lâmpadas

sendo que duas queimadas

e uma geladeira imprestável.

Sem dinheiro para pagar a conta

teve o marcador de quilowatts arrancado.

Um compadre compadecido armou o “gato”.

70 anos incompletos.

Não compareceu ao fórum

pois só possuía chinelo

despossuía sapato e roupa decente.

Aqui firma e dá fé um Bertold Brecht de arrabalde:

o sumo do real extraído da notícia de jornal:

a arte ilusória

idílica

hipnótica

do fait divers.

,,,,

Vapor barato

Oh, sim

eu estou tão cansado

mas não pra dizer

que não acredito mais em você

com minhas calças vermelhas

meu casaco de general

cheio de anéis

vou

descendo

por todas as ruas


e vou tomar aquele velho navio

eu não preciso de muito dinheiro

graças a Deus

e não me importa

Oh minha honey baby

baby honey baby

Oh, sim

eu estou tão cansado

mas não pra dizer

que estou indo embora

talvez eu volte

um dia eu volto

quem sabe?

mas eu quero esquecê-la

eu preciso

Oh minha grande

Oh minha pequena

Oh minha grande obsessão

Oh minha honey baby

honey baby

....

Paulo Leminsky

“O setor de pessoal da estrada de ferro Central do Brasil vem, por meio

desta, denunciar à Diretoria desta Empresa, que foi encontrado em poder de

João da Cruz e Sousa, negro, natural de Sta. Catarina, funcionário desta

Empresa, na função de arquivista, um poema de sua lavra, com o seguinte

teor:

Tu és o louco da imortal loucura.

O louco da loucura mais suprema,

A terra é sempre a tua negra algema,

Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,

Mas essa mesma Desventura extrema


Faz que tu’alma suplicando gema

E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado

Que povoas o mundo despovoado,

De belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica

Toda a audácia dos nervos justifica

Os teus espasmos imortais de louco!

Pede-se providências.”

Este livro é uma providência.

,,,

mudez perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra

que ficas vago, para mim olhando

na atitude da pedra, concentrando

no entanto, n’alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,

tais demônios revéis a estão forjando,

que antes te visse morto, desabando

sobre o teu corpo grossas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo

mutismo horrível que não gera nada,

que não diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,

que, quando o vou medir com o estranho prumo

da alma, fico com a alma alucinada!


Mario de Andrade

Não exijas mais nada.

não desejo

também mais nada,

só te olhar,enquanto

A realidade é simples e isto apenas

,,

Quando eu morrer quero ficar

Quando eu morrer quero ficar,

Não contem aos meus inimigos,

Sepultado em minha cidade,

Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,

No Paissandu deixem meu sexo,

Na Lopes Chaves a cabeça

Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem

O meu coração paulistano:

Um coração vivo e um defunto

Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido

Direito, o esquerdo nos Telégrafos,

Quero saber da vida alheia,

Sereia.

O nariz guardem nos rosais,

A língua no alto do Ipiranga


Para cantar a liberdade.

Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá

Assistirão ao que há de vir,

O joelho na Universidade,

Saudade...

As mãos atirem por aí,

Que desvivam como viveram,

As tripas atirem pro Diabo,

Que o espírito será de Deus.

Adeus.

,,,,

Tentação

Eu fechei os meus lábios para a vida

E a ninguém beijo mais, meus lábios são,

Cmo astros frios que, com a luz perdida,

Rolam de caos em caos na escuridão.

Não que a alma tenha já desiludida

Ou me faleçam os desejos, não!

O que outrem prejulgava uma descida,

É subir para mim, elevação!

Vejo o calvário por que anseio, vejo

O Madeiro sublime, "Glórias" ouço,

E subo! A terra geme... eu paro. (É um beijo.)

A moita bole... Eu tremo. (É um corpo.) Oh Cruz,

Como estás longe ainda! E eu sou tão moço!

E em derredor de mim tudo seduz!...

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