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Etica de Lacan

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Akrpolis, Umuarama, v. 11, n. 1, p. 41-44, jan./mar.

2009 41
A TICA NA PSICANLISE
ETHICS ON PSYCHOANALYSIS
Miriam Izolina Padoin Dalla Rosa
1
Andrinea Cordova da Rosa
2
ROSA, M. I. P. D; ROSA, A. C. A tica na psicanlise. Akrpolis,
Umuarama, v. 17, n. 1, p. 41-44, jan./mar. 2009.
RESUMO: Este artigo trata da tica sob o olhar da Psicanlise, a partir das idias
de Freud e Lacan. A tica em Psicanlise est em no fazer promessas enga-
nosas de sucesso absoluto sobre o mal-estar humano, pois um processo de
anlise tico quando o analista no antecipa as respostas ao analisante, no
atendendo sua demanda, e este se torna capaz de reconhecer qual seu
desejo, qual a origem de seu sofrimento (sintoma), e como seu sofrimento est
relacionado com suas escolhas na vida. Portanto, consideramos o incons-
ciente como guia das escolhas humanas, pois acreditamos que seja possvel
para o homem usar sua potncia criadora, podendo ser tico, a partir de seu
desejo.
PALAVRAS-CHAVE: tica; Psicanlise; Desejo inconsciente.
ABSTRACT: This article addresses ethics on psychoanalysis under the gaze of
Freud and Lacans ideas. Ethics in psychoanalysis remains on not making mis-
leading promises of absolute success over discontent, as a analysis process
is ethical whenever the analyst does not prejudge the patients answers, not
attending to his demand, and becomes capable of recognizing which his de-
sire is, what the origin of his pain (symptom) is, and how his suffering relates
to his own choices in life. Therefore, we consider the unconscious as a guide
for human choices; we believe it is possible for man to use his creative power,
possibly being ethical, from his own desire.
KEYWORDS: Ethics; Psychoanalysis; Unconscious desire.
1
Graduada em Psicologia pela UNIJU/RS;
Especialista em Metodologia do Ensino Su-
perior pela UNIGRAN/MS, Mestre em Edu-
cao pela UAA/PY e Ps-graduanda em
Psicanlise Clnica e Cultura pela UNIPAR/
PR, Docente na Unipar, Campus Toledo e
Cascavel dallarosa@unipar.br
2
Bacharel e Licenciada no Curso de Hist-
ria pela Unioeste- Universidade Estadual do
Oeste do Paran, Graduada em Psicologia/
UNIPAR- Universidade Paranaense. Aluna
monitora da Ps em Psicanlise Clnica e
Cultura andynhapsico@hotmail.com
Recebido em Maio./2008
Aceito em Setembro./2008
Akrpolis, Umuarama, v. 11, n. 1, p. 41-44, jan./mar. 2009 42
ROSA, M. I.; ROSA, A. C.
INTRODUO
O presente artigo pretende discutir a ti-
ca em Psicanlise, conceito este que necessita de
uma anlise singular que ultrapasse o conceito que
comumente lhe atribumos. Segundo Cotrim (2002,
p. 263), a palavra tica (do grego ethikos, signifca
costume, comportamento) pode ser compreendida
como a disciplina flosfca que refete sobre os siste-
mas morais elaborados pelos homens e compreende
a funo das normas e interdies de cada sistema.
Nesse sentido, para a Filosofa, o homem possui va-
lores prprios que regulam a vida em sociedade, e,
como j disse Aristteles, o homem se difere dos ani-
mais pela sua caracterstica humana, a de possuir o
sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto.
Assim, por herana da Filosofa, se tornou
comum que, ao nos depararmos com o tema tica,
de imediato o associamos questo do bem, asso-
ciamos a um conjunto de prticas que rege a ao
humana, s normas e regras prprias do social que
conduzem para um bem-viver (um bem-estar). Entre-
tanto, podemos nos perguntar: o homem da atualida-
de justo? Sabe discernir entre o bem e o mal?
Para responder estas perguntas, necess-
rio considerar que h algo mais do que a tica pro-
posta pela flosofa, pois basta olhar com ateno
para as atitudes do homem para perceber suas aes
destrutivas. Ou seja, o homem tem difculdades para
ser justo. O homem polui, destri sua casa (a nature-
za), fere e mata seu semelhante e a si mesmo, adoe-
cendo, produzindo sintomas que marcam seu corpo,
fazendo escolhas que lhe causam sofrimento. Para
Freud (1995, p.137), o maior estorvo civilizao
a inclinao, constitutiva
3
, dos seres humanos, para
a agressividade mtua.
O que o bem para o homem?
Para responder esta questo utilizamos,
como referencial terico, a Psicanlise sob a tica de
Sigmund Freud, o criador do mtodo da associao
livre, usado para tornar conscientes os contedos in-
conscientes, e de Jacques Lacan, que atualizou os
conceitos freudianos e avanou teoricamente com
conceitos novos. Portanto, quando falamos de tica
em Psicanlise, estamos falando de algo que ultra-
passa essa barreira do bem e do mal, estamos fa-
lando de uma ao do sujeito que considera o seu
prprio desejo. Falamos da tica que est na prtica,
que est no modo de pensar daquele que pratica a
Psicanlise.
O que defne a tica na Psicanlise o fato
de que, nesse caso, se considera o inconsciente e
toda sua verdade. Verdade inaceitvel para aqueles
que consideram apenas o campo da conscincia. A
verdade do sujeito a de que h um mal estar ineren-
te condio humana. Isso no deve nos aborrecer
ou enfurecer. Essa idia freudiana deve ser entendi-
da como um auxlio compreenso do psiquismo hu-
mano. O homem falha, no trabalho ou no amor, no
rico o bastante, no belo o bastante, e se fosse
tudo isso, ainda assim poderia dizer que no feliz
o bastante! Assim, a partir disso, possvel inferir:
as falhas fazem parte da constituio psquica do ho-
mem, fazem parte do cotidiano do homem.
Dizemos que o homem falha, em suas es-
colhas, em suas atitudes, causando o mal, sendo in-
justo, apoiando o conceito nomeado por Lacan como
falta a ser, a qual, por ser necessria e constituinte
do humano, no pode ser eliminada, pois, embora
fantasiosamente o homem eleja objetos com o intuito
de burl-la, sempre faltar algo ao homem. Isso no
remete a uma perspectiva infeliz, mas, nos conduz
em direo a uma refexo crtica sobre a tica na
vida humana.
Sobre a tica na Psicanlise, Lacan (1997,
pp.373-374), nos ensina que ela consiste essen-
cialmente num juzo sobre nossa ao e mais, se
h uma tica da psicanlise na medida em que,
de alguma maneira, por menos que seja, a anlise
fornece algo que se coloca como medida de nossa
ao ou simplesmente pretende isso. Ele diz que
para medir a efccia teraputica preciso observar o
efeito da anlise sobre o gozo obtido pelo sintoma e
a construo de um saber pelo prprio sujeito a partir
da anlise.
A tica na Psicanlise mediada, de ponta a
ponta, por um saber insabido, por um saber que da
ordem inconsciente e que precisa ter vazo na anli-
se, atravs da escuta do sujeito. Este saber entra em
cena quando menos se espera e bifurca um discurso
coerente e lgico. Como exemplos, temos os lapsos
de memria, os atos falhos e as apraxias. O sujeito
em Psicanlise o suposto do que se articula como
fala, e o que depois mobilizado atravs desta. ,
tambm, um sujeito que fala, na medida em que al-
gum ouve/escuta. Assim, o ser institudo como su-
jeito, cada vez que o outro (o ouvinte) o busca na
palavra, e no no comportamento, pois isso capaz
de revelar o seu desejo, que aparece em anlise, me-
diado pelo desejo do analista.
3
Esta agressividade est relacionada pulso de morte, conceito freudiano/lacaniano, que signifca fora necessria ao funcionamento
da subjetividade humana, mas que leva o sujeito sua prpria destruio.
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A tica na psicanlise...
Nesse sentido, Kehl (2002) afrma que a Psi-
canlise no apenas uma proposta tica, mas um
saber de dimenses humanistas que pode contribuir
para a construo de uma tica mais adequada s
condies das sociedades contemporneas, j que
considera o sujeito moderno em suas dimenses in-
separveis de confito e liberdade, de solido e socia-
bilidade. Essas dimenses fundamentais do humano
esto na base da clnica psicanaltica e orientam o
percurso que analista e analisando fazem juntos em
direo cura do sofrimento psquico, pois o percur-
so analtico no depende apenas de uma tcnica.
Mas tambm de uma tica.
O fazer em Psicanlise tem uma tica pr-
pria, que no incio deve ser sustentada pelo analista
e que ao fnal de uma anlise deve alcanar tambm
o analisando. A responsabilidade pelo desejo incons-
ciente que age em cada um de ns, o respeito pelas
diferenas do outro e a capacidade de enfrentar as
difculdades da vida, com certo grau de senso de hu-
mor, so alguns exemplos de atitudes ticas que a
Psicanlise pode ajudar a conquistar.
Freud (1995, p.108) afrma que o comporta-
mento dos seres humanos apresenta diferenas que
a tica, desprezando o fato de que tais diferenas
so determinadas, as classifca como boas ou ms.
Enquanto essas inegveis diferenas no forem re-
movidas, a obedincia s elevadas exigncias ticas
acarreta prejuzos aos objetivos da civilizao, por
incentivar o ser mau. Nesse sentido, Lacan (1996,
p.99) confrma as palavras de Freud e nos alerta so-
bre um dos erros que um analista no pode cometer,
esse erro, o querer excessivamente o bem do pa-
ciente, do qual o prprio Freud denunciou constante-
mente o perigo.
Dizer que a tica est para alm do bem, na
Psicanlise, signifca dizer que, quando algum bus-
ca a anlise, a pessoa do analista ocupa um lugar
privilegiado, o de ser capaz de suprir a falta, de aliviar
a angstia do ser, e que o analista em questo deve
saber que h um engodo nesta situao. Ou seja,
apesar de imaginariamente ocupar este lugar de ser
capaz de fazer o bem, o analista precisa, de acor-
do com Lacan (1997), colocar-se em segundo plano,
pois o que est em questo a emergncia do su-
jeito. Assim, Lacan afrma: certamente no fazemos
parte daqueles que tentam amortec-lo, embot-lo,
porque estamos insistentemente referenciados, refe-
ridos por nossa experincia cotidiana (1997, p.11).
Entendemos que no poderia ser de forma diferente
a prxis em Psicanlise, pois ela nos ensina que sua
tica esta calcada na tica do bem dizer, do bem-fa-
lar. Ento, o bem realizado por outra via que difere
da questo moral.
tica do bem dizer uma expresso lacania-
na. Ela signifca que o paciente precisa dizer a verda-
de sobre o que causa seus sintomas. Essa verdade
sobre o sintoma est no inconsciente, e aparece de
forma enigmtica, pois o paciente no sabe por que
est sofrendo, ele desconhece a causa inconsciente
de seu sintoma. Na prtica clnica, a tica do bem
dizer aparece a partir das construes que o paciente
faz a partir da livre associao, do seu contedo in-
consciente, sobre si mesmo. Nas palavras de Lacan
(1997, p.35), para a Psicanlise, no h outro bem
seno o que pode servir para pagar o preo do aces-
so ao desejo.
Para Lacan (1997), o desejo do analista
o que, em ltima instncia, opera na prtica da Psi-
canlise. Por isso, tico em Psicanlise que cada
analista investigue, em sua anlise, o seu desejo de
ser analista. Se o analista no d vazo ao seu de-
sejo, ou seja, coloca em questo o que melhor para
ele, ou ainda, o que ele considera correto, ou ideal
para seu paciente, ento isso impossibilitar que o
desejo do paciente se manifeste. A regra da abstinn-
cia o correlato direto da livre associao. esta
a mxima lacaniana acerca da tica da psicanlise
para o analista: No ceder quanto ao seu desejo.
A tica na Psicanlise prope ao analista acolher,
mas nunca responder, demanda que lhe dirigida
pelo analisando. Pois, a demanda sempre de amor,
o paciente pede por respostas que lhe encurtem o
caminho. Portanto, a psicanlise implica renncia
sugesto, em favor de uma interveno ativa, com
o objetivo de fazer o paciente encontrar o que pr-
prio de seu desejo. conduzir o paciente ao saber
inconsciente.
Segundo Quinet (2003. p.99), o princpio
fundamental da abstinncia princpio tico e tcnico
o de que s h anlise na medida em que a de-
manda e o desejo do analisante se mantm insatis-
feitos. Isso fundamental, pois o analista no deve
responder prontamente demanda do paciente. O
paciente quem deve, aps iniciar as sesses de
anlise tornar-se capaz de assumir o que ele deseja.
Portanto, responder ao que o analisante pede signi-
fcaria calar o desejo, e, na anlise, o que se busca
fazer o homem tornar-se ntimo de seu querer, de
seu desejo. Ao no responder demanda, o analis-
ta convida o analisando a deslizar em sua cadeia de
signifcantes, a falar sobre suas fantasias e, com isso,
o desejo aparece como resultado do trabalho de an-
lise.
CONSIDERAES FINAIS
Portanto, a tica em Psicanlise est em no
Akrpolis, Umuarama, v. 11, n. 1, p. 41-44, jan./mar. 2009 44
ROSA, M. I.; ROSA, A. C.
fazer promessas enganosas de sucesso absoluto
sobre o mal-estar humano. Entretanto, h tica na
proposta de aliviar o sofrimento atravs de um trata-
mento que visa mudana de posio subjetiva, pelo
trabalho de modifcao dos registros de satisfao
pulsionais. Ou seja, ao considerarmos o inconscien-
te como guia das escolhas humanas, acreditamos
que seja possvel para o homem usar sua potncia
criadora, podendo ser tico, a partir de seu desejo.
Desejo esse que est situado no campo do incons-
ciente e s pode ser reconhecido atravs do discurso
falado.
Para Quinet (2003, p.110), o desejo do
analista que se encontra na base da tica da Psica-
nlise, pois o desejo correlato ao do analista
em sua clnica. Assim, o desejo do analista que
possibilita que o mesmo tenha uma postura tica e a
disponibilidade para ouvir para alm do dito, de ten-
tar escutar o que aquele sujeito que est perante ele
busca, com os mecanismos que possui, simbolizar.
Assim, a questo da tica pode ser entendi-
da como uma questo inerente ao fazer analtico, e a
falta de tica ocorre quando o analista se desvia de
seu campo, quando o analista d respostas anteci-
padas ao analisante. Freud, em seus escritos sobre
a tcnica psicanaltica, principalmente, fala sobre o
que poderia desviar o analista de sua funo. O que
pode ocorrer que, por conta de rudos na escuta,
devido a contedos prprios, o analista passe a agir
como educador, sob a tica da moral, com planos e
anseios para a vida do analisando, deixando de ouvir
o sujeito que ali est.
Dessa forma, ngulo (1990, p.130) nos lem-
bra que o que funda uma anlise ento o desejo
do analista. E a funda cada vez, em cada novo incio
de anlise, pois o trabalho analtico que seja tico
pretende que o analisante assuma uma postura tica
na vida. Concluindo, podemos dizer que a respon-
sabilidade do analista na cura existe, mas ela no
moral, mas tica (ANGULO 1990, p. 98).
REFERNCIAS
ANDR, S. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro:
Zahar (Campo Freudiano no Brasil), 1998.
ANGULO, N. S. Que quer o analista? O analista em
questo. Curitiba: Associao da Coisa Freudiana-
Transmisso em Psicanlise, 1990. (Letras da coisa
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COTRIM, G. Fundamentos da flosofa. So Paulo:
Saraiva, 2002.
FREUD, S. El malestar en la cultura (1929).
Buenos Aires: Amorrortu, 1995. (Obras Completas
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GOLDENBERG, R. (Org.). Goza! capitalismo,
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KEHL, M. R. Sobre tica e psicanlise. So Paulo:
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LACAN, J. O seminrio, livro 7: a tica em
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Miller. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997.
______. Escritos. So Paulo: Perspectiva, 1996.
NBREGA, M. J. S. O que ser psicanalista?
Instituto Sedes Sapientiae, 2000.
QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do
desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003.
LA TICA EN PSICOANLISIS
RESUMEN: Este artculo trata la tica bajo la mira-
da del psicoanlisis a partir de las ideas de Freud
y Lacan. La tica en psicoanlisis est en no hacer
promesas engaosas de xito absoluto sobre el ma-
lestar humano, pues un proceso de anlisis es tico
cuando el analista no anticipa las respuestas al pa-
ciente, no atendiendo a su demanda, y ste se vuelve
capaz de reconocer cul es su deseo, cul el origen
de su sufrimiento (sntoma), y cmo su sufrimiento
est relacionado con sus elecciones en la vida. Por
lo tanto, consideramos el inconsciente como gua
de las elecciones humanas, pues creemos que sea
posible para el hombre usar su poder creativo, pu-
diendo ser tico, desde su deseo.
PALABRAS CLAVE: tica; Psicoanlisis; Deseo incons-
ciente.

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