QuadradosMagicos pt2
QuadradosMagicos pt2
QuadradosMagicos pt2
27
Quadrados mágicos:
matrizes fantásticas e onde habitam
Parte 2
Caio Henrique Silva de Souza∗
caiohsouza36@gmail.com
Universidade Federal de São Carlos
Resumo
Na Parte 1 deste artigo construímos quadrados mágicos regulares de ordem n ímpar a partir dos grupos
(Zn , +n ). Na Parte 2 vamos buscar métodos de construção para quadrados mágicos de ordem par a
partir de uma outra estrutura algébrica: os corpos finitos. Falaremos por fim de quadrados mágicos em k
dimensões.
1.1 Corpos
Consideremos o conjunto Z dos números inteiros. Sabemos que (Z, +) é um grupo com
elemento neutro 0. Como a + b = b + a para todos a, b ∈ Z, temos que a operação soma é
comutativa e o grupo (Z, +) é abeliano. Já a estrutura (Z∗ , ·), mesmo sendo uma estrutura com
elemento neutro 1, esta não é grupo pois nem todos os elementos possuem um inverso com relação
ao produto.
No entanto, as duas estruturas (Z, +) e (Z∗ , ·) podem ser interligadas. As operações binárias
soma e produto de Z conversam através da seguinte propriedade:
Vamos voltar ao nosso grupo (Z3 , +3 ) e acrescentar uma segunda operação, procurando
alcançar a propriedade distributiva.
Exemplo 1.1. Definimos um produto ·3 : Z3 × Z3 −→ Z3 de maneira que,
a ·3 b = a · b
Da mesma maneira que fizemos com a soma +3 é preciso verificar que a operação ·3 está bem definida,
isto é, o resultado de a ·3 b não se altera se escolhermos outros representantes para a e b. Essa verificação é
∗ Agradecimentos ao Prof. Dr. João Nivaldo Tomazella, meu orientador no início da graduação, por apoiar minhas
ideias.
1
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
·3 0̄ 1̄ 2̄
0̄ 0̄ 0̄ 0̄
1̄ 0̄ 1̄ 2̄
2̄ 0̄ 2̄ 1̄
Vejamos que vale a propriedade distributiva: sejam a, b, c ∈ Z3 . Utilizando que vale a propriedade
distributiva em Z, obtemos
a ·3 ( b +3 c ) = a ·3 ( b + c ) = a · ( b + c ) = a · b + a · c = a · b +3 a · c = a ·3 b +3 a ·3 c
Vemos que essa nova operação em Z3 não nos fornece um grupo. Porém, se consideramos
Z3∗ = {1, 2}, vemos que (Z3∗ , ·3 ) é um grupo (Figura 2). De fato, a operação ·3 em Z3∗ é associativa,
1 o elemento neutro e, como 1 ·3 1 = 1 e 2 ·3 2 = 1, todo elemento possui inverso.
·3 1̄ 2̄
1̄ 1̄ 2̄
2̄ 2̄ 1̄
A tabela de grupo de (Z3∗ , ·3 ) é simétrica com relação a diagonal principal, logo a operação ·3
é comutativa. (Z3 , +3 , ·3 ) forma uma estrutura que nomearemos na próxima definição.
2
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Exemplo 1.3. Os conjuntos numéricos Q (números racionais), R (números reais) e C (números complexos)
juntamente com a soma e produto tradicionais, isto é, (Q, +, ·), (R, +, ·) e (C, +, ·), são corpos. No entanto,
(Z, +, ·) não é um corpo pois, como vimos, (Z∗ , ·) não é grupo.
H
Exemplo 1.4. Como mostrado acima, (Z3 , +3 , ·3 ) é um corpo. Veremos agora que se p é primo então
(Z p .+ p , · p ) é corpo. Aqui a operação · p é definida de maneira semelhante a operação ·3 . Como já dito
na seção anterior, (Zn , +n ) é grupo abeliano para todo inteiro n ≥ 0. Em particular então (Z p , + p ) é
grupo abeliano para p primo. A distributividade que liga as operações + p e · p pode ser verificada como no
Exemplo 1.1.
Precisamos mostrar que (Z∗p , · p ) é grupo abeliano. A associatividade e a comutatividade são decorrentes
principalmente do fato de que o produto de números inteiros é associativo e comutativo. O elemento neutro
da operação · p é 1. Dessa forma, nos concentraremos em mostrar que para todo a ∈ Z p existe a0 tal que
a · a0 = 1. Primeiramente veremos que em (Z p , + p , · p ) vale a seguinte propriedade:
• integridade: a · p b = 0 ⇒ a = 0 ou b = 0
De fato, suponhamos que a · p b = 0. Assim, a · b = 0, isto é, p divide ab. O Lema de Euclides, presente
na magnífica obra Os Elementos, Livro VII, Proposição 30, nos diz que se p é um primo e p divide o produto
de dois números inteiros então p deve dividir pelo menos um dos fatores. Isto é, se p divide ab então p divide
a ou p divide b. Isso significa que a = 0 ou b = 0 na relação de equivalência ∼ p . Logo (Z p , + p , · p ) possui
a propriedade de integridade.
Vamos agora mostrar que todo elemento de Z∗p possui inverso com relação a operação · p . Seja a ∈ Z∗p .
Consideremos a função f : Z p −→ Z p dada por f ( x ) = a · p x. Tal função é injetora pois
a · p x = a · p y ⇔ a · p x + p (− a · p y) = 0 ⇔ a · p x + p a · p (−y) = 0 ⇔ a · p ( x + p (−y)) = 0
Observação 1.5. Todo corpo (F, +, ·) possui a propriedade de integridade, uma vez que se a · b = 0 e
b 6= 0 então, tomando o inverso b0 de b, temos a · b = 0 ⇒ a · b · b0 = 0 · b0 ⇒ a · 1 = 0 ⇒ a = 0.
Exemplo 1.6. Embora a propriedade de integridade pareça imediata, ela não está presente em todas as
estruturas. Por exemplo, se considerarmos (Z4 , +4 , ·4 ) então 2 ·4 2 = 0, porém 2 6= 0, ou seja, (Z4 , +4 , ·4 )
não possui a propriedade de integridade. Concluímos também, devido a Observação 1.5, que (Z4 , +4 , ·4 )
não é corpo.
H
Nos corpos temos uma propriedade interessante envolvendo a soma. Em um corpo (F, +, ·)
qualquer, o menor número natural k tal que
k vezes
z }| {
k1 := 1 + 1 + . . . + 1 = 0
3
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
é chamado característica de F e denotado char (F). Caso não haja tal número natural dizemos que
a característica do corpo é 0.
Exemplo 1.7. Para os corpos numéricos do Exemplo 1.3 como, por exemplo, (Q, +, ·), temos char (Q) = 0.
H
p vezes
z }| {
Exemplo 1.8. Consideremos os corpos finitos (Z p , + p , · p ), p primo. Como 1 + 1 + . . . + 1 = p, vemos
que p1 = 0. Este é o menor número tal que isso acontece. Logo char (Z p ) = p.
H
• se char (F) = 0 então F possui infinitos elementos. Logo a característica de um corpo finito é
sempre um número primo p;
• para qualquer primo p e inteiro s ≥ 1 existe um corpo com ps elementos. Denotamos tal
corpo por F ps .
Focaremos mais adiante nos corpos finitos pois poderemos exibir suas tabelas de soma e
produto e, a partir delas, construir quadrados mágicos. Para encontrar tais tabelas, utilizaremos
polinômios.
Exemplo 1.9. O corpo (F2 , +, ·) é formado por dois elementos, ou seja, F2 = {0, 1}. Assim,
F2 [ x ] = {0, 1, x, x + 1, x2 , x2 + 1, x2 + x, x2 + x + 1, x3 , x3 + 1, . . .}
4
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
i
onde di = ∑ a j bh , com 0 ≤ j, h ≤ n + m ou, equivalentemente, di = ∑ a j bi− j . Se o corpo F
j + h =i j =0
possui característica k, então a soma de k vezes o mesmo polinômio resulta no polinômio constante
igual a 0.
No conjunto dos inteiros Z vimos o algoritmo da divisão de Euclides. Esse algoritmo também
possui um análogo quando lidamos com polinômios com coeficientes em um corpo. Uma
demonstração para o teorema a seguir pode ser vista em [7].
Teorema 1.11. Sejam α ∈ F e p( x ) ∈ F[ x ]. Temos que α é uma raiz de p( x ) se, e somente se, p( x ) =
( x − α) · q( x ), com q( x ) ∈ F[ x ].
Demonstração. (⇒) Suponhamos que α seja raiz de p( x ). Pelo algoritmo da divisão, existem
q( x ), r ( x ) ∈ F[ x ] tais que p( x ) = ( x − α) · q( x ) + r ( x ), onde r ( x ) = 0 ou deg(r ( x )) < gr ( x − α) = 1.
Nessa segunda situação, r ( x ) é um polinômio constante c. Avaliando em α, temos que
0 = p(α) = 0 · q(α) + c ⇔ c = 0,
portanto p( x ) = ( x − α) · q( x ).
(⇐) Agora se p( x ) = ( x − α) · q( x ) então basta fazer a avaliação em α para p(α) = 0.
Exemplo 1.12. Se um polinômio p( x ) ∈ F[ x ] tem grau 3 ou 2, então este será redutível se, e somente se,
possuir um fator linear que, conforme o teorema, significa que p( x ) possui uma raiz em F. Assim podemos
verificar que x2 + x + 1, x3 + x + 1 e x3 + x2 + 1 são irredutíveis em F2 [ x ] pois têm grau 2 ou 3 e não
possuem raiz em F2 . H
5
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Observação 1.13. De forma alguma podemos generalizar o critério do exemplo anterior para polinômios de
grau maior que 3: um contra-exemplo é x4 + x2 + 1 = ( x2 + x + 1)2 que não possui raiz em F2 , mas é
produto de dois polinômios não constantes.
Exemplo 1.14. Ainda em F2 [ x ], se um polinômio p( x ) possui grau 4 ou 5, para mostrar que este é
irredutível é suficiente mostrar que este não possui fatores de grau 1 ou 2. Para mostrar que p( x ) não
possui fatores lineares, podemos o usar o critério da raiz do Exemplo 1.12. Os polinômios de grau 4 que não
possuem raiz em F2 são
x4 + x3 + x2 + x + 1, x4 + x3 + 1, x4 + x2 + 1 e x4 + x + 1.
Os polinômio de grau 5 que não possuem raiz são
x5 + x4 + x3 + x2 + 1, x5 + x4 + x3 + x + 1, x5 + x4 + x2 + x + 1,
x5 + x3 + x2 + x + 1, x5 + x4 + 1, x5 + x2 + 1 e x5 + x + 1.
Indo agora para os fatores de grau 2, como o único polinômio irredutível de grau 2 em F2 [ x ] é
x2 + x + 1, basta fazermos a divisão dos polinômios acima por este. Encontramos dessa forma que os
polinômios irredutíveis de grau 4 são
x4 + x3 + x2 + x + 1, x4 + x3 + 1 e x4 + x + 1.
x5 + x4 + x3 + x2 + 1, x5 + x4 + x3 + x + 1, x5 + x4 + x2 + x + 1,
x5 + x3 + x2 + x + 1 e x5 + x2 + 1.
H
Se para qualquer primo p e inteiro s ≥ 1 existe um corpo com ps elementos, vamos buscar as
tabelas de soma e produto do corpo com 4 elementos F22 = F4 , que utilizaremos para construir
um quadrado mágico de ordem n = 4. Para tal, o polinômio x2 + x + 1 ∈ F2 [ x ] e o algoritmo da
divisão serão nossos aliados.
0 = {q( x ) · ( x2 + x + 1) | q( x ) ∈ F2 [ x ]}1
1 = {q( x ) · ( x2 + x + 1) + 1 | q( x ) ∈ F2 [ x ]}
x = {q( x ) · ( x2 + x + 1) + x | q( x ) ∈ F2 [ x ]}
x + 1 = {q( x ) · ( x2 + x + 1̄) + ( x + 1) | q( x ) ∈ F2 [ x ]}.
Todo polinômio de F2 [ x ] deve pertencer a um e apenas um destes conjuntos. Definido então a soma + p(x)
e o produto · p(x) como feito em Z3 , via operação com classes, obtemos um conjunto e duas operações. Por
exemplo, x + p(x) x + 1 = 1 pois x + ( x + 1) = ( x + x ) + 1 = 1 em F2 [ x ] (lembre-se da característica 2 de
1 não confundir com o elemento neutro da soma de Z (em relação aos elementos destes conjuntos), embora o príncipio
2
de criação destes seja o mesmo (e isso é o que deve ser levado em conta). Utilizaremos a mesma notação para evitar que a
mesma fique muito carregada.
6
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Afirmamos que {0, 1, x, x + 1} com estas duas operações formam o procurado corpo com quatro ele-
mentos F4 . As tabelas das operações estão descritas na Figura 3 A associatividade, a distributividade e a
comutatividade são decorrentes do fato de as operações com polinômios já terem estas propriedades. Como
p( x ) = x2 + x + 1 é irredutível, o produto de dois polinômios não nulos de grau menor do que 2 não pode
ser igual p( x ), logo vale a propriedade de integridade e podemos utilizar o mesmo argumento da função
que vimos no Exemplo 1.4 para mostrar que os elementos diferentes de 0 possuem inverso com relação ao
produto.
+ p( x) 0 1 x x+1
· p( x) 1 x x+1
0 0 1 x x+1
1 1 x x+1
1 1 0 x+1 x
x x x+1 1
x x x+1 0 1
x+1 x+1 1 x
x+1 x+1 x 1 0
0 7−→ 0
1 7−→ x
x 7−→ x + 1
x + 1 7−→ 1,
7
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
+ p( x) 0 1 x x+1 + p( x) 0 1 x x+1
ϕ( x) x+1 x 1 0 ψ( x) 1 0 x+1 x
ϕ( x + 1) 1 0 x+1 x ψ ( x + 1) x x+1 0 1
Figura 4: Tabela de grupo de (F4 , + p(x) ) com linhas trocadas pela função ϕ e tabela de grupo de (F4 , + p(x) ) com linhas
trocadas pela função ψ.
Nesta tabela vemos que a bijeção fez uma troca nas linhas da tabela de grupo e, com isso
conseguimos um quadrado latino cujas diagonais são preenchidas por 4 símbolos distintos.
Considerando a bijeção ψ : F4 −→ F4 dada por ψ( a) = ( x + 1) · p(x) a ou, explicitamente,
0 7−→ 0
1 7−→ x + 1
x 7−→ 1
x + 1 7−→ x.
Substituindo 0 por 0, 1 por 1, x por 2 e x + 1 por 3, obtemos dois quadrados latinos L1,4 e L2,4
(Figura 5). Estes quadrados latinos são ortogonais. De fato, suponhamos que (αij , β ij ) = (αi0 j0 , β i0 j0 ),
com αij , αi0 j0 ∈ L1,4 e β ij , β i0 j0 ∈ L2,4 . Assim, αij = αi0 j0 e β ij = β i0 j0 . Como αij = x · p(x) a1 + b1 e
αi0 j0 = x · p(x) a2 + b2 (semelhante para β) para alguma combinação de a1 , a2 , b1 , b2 ∈ F4 , obtemos o
seguinte sistema (
x · p(x) a1 + b1 = x · p(x) a2 + b2
( x + 1) · p(x) a1 + p(x) b1 = ( x + 1) · p(x) a2 + p(x) b2
Somando as equações
a1 · p( x ) 1 = a2 · p( x ) 1 ⇔ a1 = a2 .
Em seguida, substituindo na primeira equação obtemos b1 = b2 . Com isso, αij = αi0 j0 e
β ij = β i0 j0 .
Conseguidos os dois quadrados latinos ortogonais, basta agora seguirmos o que fizemos no
caso ímpar: multiplicamos os elementos da matriz L2,4 por 4, obtendo a matriz 4L2,4 e então
0 0
somamos M4 = L1,4 + 4L2,4 . Somando 1 a todas as entradas de M4 , obtemos um quadrado mágico
8
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
0 1 2 3 0 1 2 3
2 3 0 1 3 2 1 0
3 2 1 0 1 0 3 2
1 0 3 2 2 3 0 1
1 6 11 16
15 12 5 2
8 3 14 9
10 13 4 7
Note que este quadrado mágico é diferente do Quadrado de Dürer. Esta construção pode ser
generalizada através dos passos a seguir:
F8 = {0, 1, x, x + 1, x2 , x2 + 1, x2 + x, x2 + x + 1}.
4. Fazendo uma bijeção entre F ps e o conjunto {0, 1, 2, . . . , ps − 1}, trocamos cada elemento das
matrizes obtidas através do passo anterior pelo sua imagem por esta bijeção. Por exemplo
em F8 podemos fazer
9
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
0 7−→ 0
1 7−→ 1
x 7−→ 2
x + 1 7−→ 3
x2 7−→ 4
x2 + 1 7−→ 5
x2 + x 7−→ 6
x2 + x + 1 7−→ 7.
Na Figura 7 temos um quadrado mágico de ordem n = 8 construído com este método. Assim
temos um método que nos permite construir os quadrados mágicos de ordem n = 2s .
1 10 19 28 37 46 55 65
27 20 9 2 63 56 45 38
53 62 39 48 17 26 3 12
47 40 61 54 11 4 25 18
60 51 42 33 32 23 14 5
34 41 52 59 6 13 24 31
16 7 30 21 44 35 58 49
22 29 8 15 50 57 36 43
Teorema 2.1. Se existe um par de quadrados latinos ortogonais de ordem n e se existe um par de quadrados
latinos ortogonais de ordem m, então existe um par de quadrados latinos ortogonais de ordem nm.
Demonstração. Sejam A(1) e A(2) um par de quadrados latinos ortogonais de ordem m e B(1) e B(2)
um par de quadrados latinos ortogonais de ordem n. Vamos definir, para cada e = 1, 2 as matrizes
(e) (e) (e)
( aij , B(e) ) formada pelos pares ( aij , bhk ) com 1 ≤ h, k ≤ n. Por exemplo, para A(1) e A(2) par
10
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
(1)
ortogonal de ordem m = 4 (Figura 5) e B(1) e B(2) par ortogonal de ordem n = 3 temos ( a11 , B(1) )
igual a matriz da Figura 8. Seja então C (e) a matriz mn × mn representada na Figura 9.
(1)
Figura 8: Matriz ( a11 , B(1) )
.. .. .. ..
. . . .
As matrizes C (1) e C (2) formam um par de quadrados latinos de ordem mn. Para vermos
(e) (e)
que estes são de fato quadrados latinos tome dois elementos em uma mesma linha, ( aij , bhk ) e
(e) (e) (e) (e) (e) (e)
( ail , bhw ). Como A(e) e B(e) são quadrados latinos, então aij 6= ail e bhk 6= bhw , provando que os
elementos nas linhas de C (e) são distintos. O mesmo vale para as colunas.
11
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
A demostração do teorema acima nos dá um meio de construir estes pares ortogonais C (1)
e C (2) . Porém, este método se mostra muito trabalhoso para ser efetuado à mão, visto que por
(e)
exemplo para m = 4 e n = 3 são necessárias 16 matrizes 3 × 3 ( aij , B(e) ) (ou 9 matrizes 4 × 4, se
trocarmos m e n). Assim, decidimos aproveitar o caráter matricial desta demonstração e, utilizando
a linguagem Python, criamos o Algoritmo 2, presente no Apêndice, que executa este processo.
podemos transformar as matrizes C (1) e C (2) em quadrados latinos preenchidos agora pelos
números 0, 1, 2, . . . , mn − 1. Se escolhermos A(1) e A(2) para serem as matrizes de ordem 2s , então
por estes quadrados latinos já terem, pela nossa construção na seção anterior, suas diagonais
preenchidas por elementos distintos, também C (1) e C (2) terão as diagonais preenchidas por
elementos distintos. Ou seja, C (1) e C (2) já estão prontas para que possamos usá-las na construção
de quadrados mágicos. Continuando a linha de código do Algoritmo 2 com o que foi dito neste
parágrafo obtemos o Algoritmo 3 (vide Apêndice) que nos dá um meio de construir quadrados
mágicos de ordem n = 2s m, onde m é ímpar e s ≥ 2.
Exemplo 2.2. Utilizando o Algoritmo 3 obtemos um quadrado mágico de ordem 12 com constante 870.
[[15, 54, 93, 132, 1, 40, 79, 118, 26, 65, 104, 143],
[129, 96, 51, 18, 115, 82, 37, 4, 140, 107, 62, 29],
[60, 21, 126, 87, 46, 7,112, 73, 71, 32, 137, 98],
[90, 123, 24, 57, 76, 109, 10, 43, 101, 134, 35, 68],
[25, 64, 103, 142, 14, 53, 92, 131, 3, 42, 81, 120],
[139, 106, 61, 28, 128, 95, 50, 17, 117, 84, 39, 6],
[70, 31, 136, 97, 59, 20, 125, 86, 48, 9, 114, 75],
[100, 133, 34, 67, 89, 122, 23, 56, 78, 111, 12, 45],
[2, 41, 80, 119, 27, 66, 105, 144, 13, 52, 91, 130],
[116, 83, 38, 5, 141, 108, 63, 30, 127, 94, 49, 16],
[47, 8, 113, 74, 72, 33, 138, 99, 58, 19, 124, 85],
[77, 110, 11, 44, 102, 135, 36, 69, 88, 121, 22, 55]]
H
12
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Ou seja, o que Euler estava propondo era encontrar um par de quadrados latinos ortogonais
de ordem 6. Euler não conseguiu resolver o Problema dos 36 Oficiais e também não conseguiu
provar que o problema era impossível. Ele então fez a seguinte conjectura:
O Problema dos 36 Oficiais só foi resolvido em 1901 pelo matemático francês Gaston Tarry
(1843 - 1913) que, após listar todos os 812.851.200 quadrados latinos de ordem 6, concluiu que
nenhum par era ortogonal, portanto o problema é impossível. A Conjectura de Euler ficou em
aberto por mais quase 60 anos até que R. C. Bose (1901 - 1987) e S. S. Shrikhande (1917 - )
construíram um par ortogonal de ordem 22 [3] e E. T. Parker (1926 - 1991) encontrou um par de
ordem 10 [13], ambos em 1959 e separadamente. No mesmo ano os três se juntaram e provaram
que, na verdade, n = 6 é o único caso em que a conjectura é válida, isto é, existem pares de
quadrados latinos ortogonais para todo n = 4q + 2 6= 6 [2].
Por exemplo, temos o par de quadrados latinos ortogonais de ordem 10 encontrado por Parker
na Figura 10.
0 4 1 7 2 9 8 3 6 5 0 7 8 6 9 3 5 4 1 2
8 1 5 2 7 3 9 4 0 6 6 1 7 8 0 9 4 5 2 3
9 8 2 6 3 7 4 5 1 0 5 0 2 7 8 1 9 6 3 4
5 9 8 3 0 4 7 6 2 1 9 6 1 3 7 8 2 0 4 5
7 6 9 8 4 1 5 0 3 2 3 9 0 2 4 7 8 1 5 6
6 7 0 9 8 5 2 1 4 3 8 4 9 1 3 5 7 2 6 0
3 0 7 1 9 8 6 2 5 4 7 8 5 9 2 4 6 3 0 1
1 2 3 4 5 6 0 7 8 9 4 5 6 0 1 2 3 7 8 9
2 3 4 5 6 0 1 8 9 7 1 2 3 4 5 6 0 9 7 8
4 5 6 0 1 2 3 9 7 8 2 3 4 5 6 0 1 8 9 7
Figura 10: Primeiro par de quadrados latinos ortogonais de ordem 10 exibido por Parker em [13]
Porém não podemos usar de imediato o par de quadrados latinos de Parker para construir
um quadrado mágico de ordem 10 como o da Figura11, pois suas diagonais possuem muitos
elementos repetidos e não é evidente uma troca de linhas que mantenha ortogonalidade e arrume
as diagonais para a construção.
Assim vemos que nosso método não é suficiente para englobar todas as ordens de quadrados
mágicos. Para amenizar este sentimento de incompletude, vamos para nossa última seção onde
veremos que os quadrados latinos ainda podem ser úteis para construirmos outras formas mais
elaboradas de quadrados mágicos.
13
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
39 60 26 22 93 68 99 80 6 12
95 36 57 28 24 97 78 9 15 66
21 92 38 59 30 76 7 13 69 100
27 23 94 40 56 10 11 67 98 79
58 29 25 91 37 14 70 96 53 8
43 49 5 81 87 64 35 51 72 18
47 3 84 90 41 20 61 32 53 74
1 82 88 44 50 71 17 63 34 55
85 86 42 48 4 52 73 19 65 31
89 45 46 2 83 33 54 75 16 62
Figura 11: Quadrado mágico de ordem 10 com constante mágica 505 construído a partir de [17].
E se quisermos dispor os números em uma tabela onde são necessárias três informações para
identificação dos elementos, ou melhor, dispor os números em um cubo? Poderíamos pensar em
algo como na Figura 12.
14
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
· · a(3, 1, 3)
· · ·
a(1, 1, 1) · ·
· · ·
· a(2, 2, 2) ·
a(1, 2, 1) · ·
· · ·
· · ·
a(1, 3, 1) · ·
onde i1 , . . . i j−1 , i j+1 , . . . , ik são fixadas. Por exemplo, na Figura 12 temos a coluna
Para definirmos uma diagonal em Akn vamos primeiro ver exemplos. Na Figura 12, onde
k = n = 3, temos a diagonal
{ a( x, i2 , i3 ) | 1 ≤ x ≤ n e i2 = x, i3 = x } = { a( x, x, x ) | 1 ≤ x ≤ 3}.
Assim, escolhemos se i2 será igual a x ou a x e fixamos esta escolha, depois escolhemos se i3 será
igual a x ou a x e fixamos esta escolha. Feitas e fixadas as escolhas, basta variar 1 ≤ x ≤ 3. Dessa
forma uma diagonal em Akn é definida pelo conjunto
Para estas matrizes k-dimensionais fazemos a mesma pergunta que para as matrizes tradi-
cionais: será possível arranjar os números inteiros de 1 até nk nestes cubos k-dimensionais de
ordem n, cada número admitido uma única vez, de forma que todas as linhas, colunas e diagonais
somem um mesmo valor? Isto é, existem quadrados mágicos em k dimensões?
15
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
k −1 h i
m ( i1 , . . . , i k ) = ∑ m l ( i1 , . . . , i k ) n l + 1
l =0
onde
" #
l k
m l ( i1 , . . . , i k ) = ∑ (−1) x −1
i x + (−1) l
∑ i x + Cl (mod n) e
x =1 x = l +1
n+1
Cl = (−1)l +1 [k − l − (l + 1)(mod 2)] −1
2
é um quadrado mágico k-dimensional de ordem n ímpar
3 13 26
23 9 10
16 20 6
17 21 4
1 14 27
24 7 11
22 8 12
18 19 5
2 15 25
Figura 13: Quadrado mágico em 3 dimensões de ordem 3 com constante C33 = 42.
16
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Para mostrar que a matriz Mnk definida desta forma é de fato um quadrado mágico k-
dimensional é preciso verificar os seguintes quatro itens:
n o
• Cada elemento de Mkn pertence a 1, . . . , nk ;
As verificações dos pontos acima são técnicas e longas. Vamos verificar aqui apenas que cada
elemento está no conjunto citado e que as linhas/colunas somam o mesmo valor.
Como ml (i1 , . . . , ik ) pertence a um quadrado latino k-dimensional então ele é tal que 0 ≤
ml (i1 , . . . , ik ) ≤ n − 1. Multiplicando essa desigualdade por nl , estritamente positivo, temos que
0 ≤ ml (i1 , . . . , ik )nl ≤ (n − 1)nl . Tomemos agora
k −1
∑ m l ( i 1 , . . . , i k ) n l = m 0 ( i 1 , . . . , i k ) + . . . + m k −1 ( i 1 , . . . , i k ) n k −1
l =0
m k −1 ( i 1 , . . . , i k ) n k −1 ≤ ( n − 1 ) n k −1 = n k − n k −1
m k −2 ( i 1 , . . . , i k ) n k −2 ≤ ( n − 1 ) n k −2 = n k −1 − n k −2
..
.
m1 ( i1 , . . . , i k ) n ≤ ( n − 1) n = n2 − n
m0 ( i1 , . . . , i k ) n0 ≤ ( n − 1) n0 = n − 1
k −1 h i
∑ ml (i1 , . . . , ik )nl + 1 = m(i1 , . . . , ik ) e então segue que 1 ≤ m(i1 , . . . , ik ) ≤ nk .
l =0
17
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Portanto
n
n ( n − 1)
∑ m l ( i1 , . . . , i k ) = 2
, para todo 1 ≤ j ≤ k.
i j =1
k −1
n ( n − 1) l n ( n k − 1) nk+1 − n − 2n n ( n k + 1)
∑ 2
·n +n =
2
+n =
2
=
2
,
l =0
que é a fórmula da constante mágica no caso k-dimensional.
Figura 14: Quadrado mágico em 4 dimensões de ordem 3 com constante C34 = 123 [19].
18
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
Concluindo, onde então habitam estas matrizes fantásticas? Onde podemos encontrá-las? Bom,
após todas essas páginas, tudo nos leva a crer que estas matrizes fantásticas se encontram em
algum lugar entre o misticismo e a Álgebra, entre a Arte e os algoritmos, entre o lúdico e a Teoria
dos Números, entre os grupos e os corpos, entre as conjecturas e as impossibilidades, ou até
perdidas em outras dimensões!
Referências
[1] ANDRADE, L. N. de. Mais sobre quadrados mágicos. Rio de Janeiro: RPM, v.41. Disponível
em: <http://www.rpm.org.br/cdrpm/41/3.htm>. Acesso em: 26 ago. 2019.
[2] BOSE, R. C.; SHRIKHANDE, S. S.; PARKER, E.T. Further results on the construction of
mutually orthogonal Lain squares and the falsity of Euler’s conjecture. Canadian Journal of
Mathematics, Canadá, v. 12, p. 189 - 203, ago. 1959.
[3] BOSE, R. C.; SHRIKHANDE, S. S. On the Falsity of Euler’s Conjecture About the Non-
existence of Two Orthogonal Latin Squares of Order 4t + 2, Proceedings of the National
Academy of Science, Estados Unidos, v. 45, p. 734 - 737, mar. 1959.
[4] CAETANO; SAMPAIO. Introdução à Teoria dos Números, São Carlos: EdUFSCar, 2008. 109
p.
[5] COMES, R. The Transmission of Azarquiel’s Magic Squares in Latin Europe. In: WALLIS,
F.; WISNOVSKY, R. Medieval Textual Cultures: Agents of Transmission, Translation and
Transformation. Alemanha: Walter de Gruyter GmbH, 2016. p. 159 - 199.
[6] EULER, L. Recherches sur une nouvelle espace de quarries magiques. Verh. Genoolsch. der
wet. Vlissingen v.9, p. 85 - 239, 1782.
[7] FRALEIGH, J. B. A first course in abstract algebra. 7. ed. Londres: Pearson, 2002. 590 p.
[10] LEE, E.; LEUNG, D. K. S.; LI, K. L.; SO, A. T. P. Luo Shu: Ancient Chinese Magic Square on
Linear Algebra, SAGE Open, v. 5 p. 1 - 12, 2015.
[11] MACNEISH, H. F. Euler Squares, Annals of Mathematics, v. 23, p. 221 - 227, 1922.
[12] PETROVIC, M. S. Famous puzzles of great mathematicians. Providence: AMS, 2009. 325 p.
[13] PARKER, T. Orthogonal Latin squares, Proc. of t he National Academy of Sciences , v.45, p.
859 - 862, 1959.
19
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
[14] STEWART, I. Galois Theory. 4. ed. Londres: CRC Press, 2015. 314 p.
[15] TARRY, G. Le problème des 36 officiers, C.R. Assoc. France Av. Sci., v. 29 parte 2, p. 170 -
203, 1900.
[16] TRENKLER, M. Magic p-dimensional cubes of order n 6≡ 2 (mod 4), Acta Arith., v.92, p. 189 -
194, 2001.
[17] TRENKLER, M. Magic p-dimensional cubes, Acta Arith., v. 96, p. 361 - 364, 2001.
[18] TRENKLER, M. An algorithm for Magic Tesseracts, Scientific Bulletin of Chelm , p. 249 -
251, 2006.
20
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
5. Apêndice
m = len(LA1)
n = len(LB2)
Auxiliar = [ ]
Auxiliar2 = [ ]
for i in range(0, m, 1):
for j in range(0, m, 1):
Auxiliar = Auxiliar + [0]
Auxiliar2 = Auxiliar2 + [Auxiliar]
Auxiliar = []
for g in range(0,m,1):
for h in range(0,m,1):
A1B1 = []
21
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
for i in range(0,n,1):
for j in range(0,n,1):
A1B1[i][j] = [LA1[g][h], LB1[i][j]]
Auxiliar2[g][h] = A1B1
Auxiliar3 = []
for i in range(0, m, 1):
for j in range(0, m, 1):
Auxiliar = Auxiliar + [0]
Auxiliar3 = Auxiliar3 + [Auxiliar]
Auxiliar = []
for g in range(0,m,1):
for h in range(0,m,1):
A2B2 = []
for i in range(0,n,1):
for j in range(0,n,1):
A2B2[i][j] = [LA2[g][h], LB2[i][j]]
Auxiliar3[g][h] = A2B2
C1=[]
for i in range(0, n*m, 1):
for j in range(0, n*m, 1):
Auxiliar = Auxiliar + [0]
C1 = C1 + [Auxiliar]
Auxiliar = []
for v in range(0,n,1):
for u in range(0,n,1):
for i in range(0,m,1):
for j in range(0,m,1):
22
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
C1[i+u*m][j+v*m]=Auxiliar2[i][j][u][v]
C2=[]
for i in range(0, n*m, 1):
for j in range(0, n*m, 1):
Auxiliar = Auxiliar + [0]
C2 = C2 + [Auxiliar]
Auxiliar = []
for v in range(0,n,1):
for u in range(0,n,1):
for i in range(0,m,1):
for j in range(0,m,1):
C2[i+u*m][j+v*m]=Auxiliar3[i][j][u][v]
for i in range(0,m*n,1):
for j in range(0,m*n,1):
a = n*C2[i][j][0]+C2[i][j][1]
C2[i][j]=a
Matriz = []
Auxiliar = []
for i in range(0, m*n, 1):
for j in range(0, m*n, 1):
Auxiliar = Auxiliar + [0]
Matriz = Matriz + [Auxiliar]
Auxiliar = []
23
Acta Legalicus • Janeiro 2020 • No. 27
print(Matriz)
24