Livro 5 Apostando Um Amor - Damas Ousadas - Emma v. Leech
Livro 5 Apostando Um Amor - Damas Ousadas - Emma v. Leech
Livro 5 Apostando Um Amor - Damas Ousadas - Emma v. Leech
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Damas Ousadas - Livro 5
E 1
MEMBROS DO CLUBE DO LIVRO DAS SENHORITAS
PECULIARES
L P A ,D B – membro fundador
das Senhoritas Peculiares e secretamente Miss Terry, autora de “A História
Sombria de um Duque Maldito”.
S . A H ( D ) – não mais tão tímida como
antes; casada recentemente com o notório Nathanial Hunt, proprietário do
exclusivo clube de apostas Hunters, e irmão de Matilda.
L A C (L F ) – uma beldade estrangeira;
recentemente e escandalosamente casada e feliz com Silas Anson, visconde
Cavendish.
S .K B ( C ) – quieta e vigilante, até que
não esteja. Recentemente fugiu com seu amor de infância, Sr. Luke Baxter.
H S – séria, estudiosa, inteligente, puritana e usa
óculos.
B C – franca demais e sempre em apuros.
R S – herdeira e filha de um comerciante rico.
M B – prima de Prue; não é tão inútil e vazia quanto
parece; sonha com o amor.
Jemima Fernside – bonita e sem um tostão.
L H A – vivaz, controladora, surpreendente.
M H – loira, linda, e arruinada por um escândalo do qual
não teve culpa.
PR LOGO
Prezada Jemima,
Espero que esteja bem. Faz tanto tempo que nenhuma de nós
tem notícias suas. Esperava que fosse ao baile de St Clair, mas
Kitty me disse que não estará presente. Já faz uma eternidade
desde a última vez que a vimos. Está tudo bem? Aviso que
pretendo visitá-la assim que estiver de volta à cidade e espero
uma excelente desculpa para a sua falta de comunicação. Se
algo a incomoda, pode confiar em mim. Sabe disso, não sabe?
Eu a ajudaria se me deixasse. Por favor, responda, Jem,
querida. Nós nos preocupamos contigo.
-Trecho de uma carta da senhorita Matilda Hunt para a
senhorita Jemima Fernside.
M 31 1814. H H .
S .
As pálpebras de Harriet tremeram enquanto a luz da madrugada
perfurava seu cérebro sensível. Santo Deus, mas sua cabeça estava
latejando. Ergueu uma mão, pressionando dedos hesitantes contra suas
têmporas doloridas. Devia estar doente, decidiu, percebendo que seu
estômago também estava instável; um desagradável turbilhão ácido em suas
entranhas, certamente lhe causava o mal-estar. Com um suspiro suave,
protegeu seus olhos do sol, com a intenção de dormir um pouco mais. A
cama estava aconchegante e quentinha, e se enroscava deliciosamente sobre
ela, exultando no conforto de seu abraço. Até cheirava bem: um toque de
loção Bay rum, sabonete e algo almiscarado e... masculino.
Espere.
O quê?
Harriet congelou ao registrar um murmúrio satisfeito atrás dela -
extremamente próximo.
Começou a acordar, e olhou horrorizada para baixo para descobrir que
estava quase nua - usando apenas o seu chemise - e que o braço musculoso
de um homem rodeava sua cintura, logo abaixo de seus seios. Enquanto o
olhava fixamente, o braço se contraiu, puxando-a para mais perto e, com
crescente alarme, seu cérebro acossado registrou o calor de um amplo peito
apertado contra suas costas, para não mencionar... para não mencionar....
Harriet guinchou com o comprimento quente e duro de um membro
muito masculino pressionado firmemente contra seu traseiro. Em pânico,
virou-se para os limites do abraço que a mantinha cativa e ficou cara a cara
com um par de olhos Aquamarine de uma beleza assombrosa.
Um par muito familiar de olhos Aquamarine.
Meu bom Deus.
Harriet arfou, atordoada demais para dizer uma palavra enquanto
Jasper St. Clair lhe dava aquele sorriso tortuoso que era famoso em toda a
ton, por ter a capacidade de fazer as mulheres sensatas perderem seus
sentidos, e sua virtude.
— Não! — Ofegou, horrorizada demais para encontrar outra coisa para
dizer no momento, embora sentisse que uma avalanche de palavras surgiria
assim que se levantasse... e vestisse suas roupas íntimas, que pareciam estar
espalhadas pela casa de verão.
Meu Deus! Estavam sozinhos e juntos, na casa de verão, e pelo aspecto
das coisas, tinham ficado lá a noite toda. O que tinham feito? O que ela
tinha feito? Harriet agitou seu cérebro dolorido, mas o miserável se recusou
a cooperar. Tudo o que conseguia lembrar era a sensação dos braços de
Jasper sobre ela, a pressão dos seus lábios contra os dela....
Oh, não.
Oh, não, não, não, não....
—Bom dia, — ele disse, seu sorriso desvanecendo-se um pouco à luz
do óbvio desânimo dela.
—O Q-Que...? — ela começou, apenas para que ambos se abalassem
ao som da abertura da porta da casa de verão, o raspar reconhecível da
madeira mal ajustada ralando sobre o chão de pedra marcado.
O riso e a tagarelice chegaram até eles, tarde demais para que se
movessem, para que se escondessem ou juntassem suas coisas, e de repente,
tinham um público.
Jasper reagiu primeiro, arrancando seu casaco do chão ao lado de sua
cama improvisada, que parecia ser compilada de um ninho de cobertores
sortidos. Cobriu Harriet o melhor que pôde e depois a segurou junto a ele,
encontrando os olhares atônitos da multidão reunida, que os encaravam com
olhares que iam desde o deleite e diversão, até o fascínio aterrorizado.
O rubor no rosto de Harriet era tão intenso que pensou que poderia
entrar em combustão espontânea, o que parecia um resultado mais feliz do
que enfrentar Lady St Clair, Matilda, o Sr. Burton, o irmão de Jasper,
Jerome, e dois de seus companheiros de escola cujos nomes lhe escaparam.
Lembrava-se que um deles era o maior fofoqueiro que já havia conhecido.
Meu Deus. Estava arruinada.
—Ah, — disse Jasper, sua voz um pouco menos descontraída do que
de costume. Limpou a garganta, e quando falou novamente, as palavras
foram firmes e muito, muito claras. — Parece que são os primeiros a nos
parabenizar. Harriet concordou em se casar comigo.
A cabeça de Harriet se virou para encará-lo novamente, boquiaberta
diante da mentira descarada. Jasper apenas sorriu para ela e beijou-a no
nariz.
—Te peguei, — ele sussurrou.
1
Querido papai,
Estou muito animada para o baile de hoje à noite. Todo
mundo que é importante estará lá. O senhor ficou sabendo
que minha grande amiga Kitty se casou com Luke Baxter? Ele
é o herdeiro do condado de Trevick. O antigo conde morreu
recentemente e seu herdeiro não está muito bem de saúde e
decerto não passará deste ano. Envergonha-me admitir, mas
tenho pouca simpatia pelo homem. Não era uma boa pessoa e
tampouco cristão. Mas estou muito feliz por Kitty, é
inacreditável que será uma condessa! É certamente uma
história romântica. Faz-nos esperar que essas coisas não se
restrinjam apenas aos contos de fadas e, sim, papai, antes que
pergunte, é claro que ficarei de olho em qualquer cavalheiro
elegível que esteja pronto para me arrebatar.
—Trecho de uma carta da Srta. Ruth Stone para seu
pai, Sr. George Stone.
N .O S .C . 30
1814, H H ,S .
Harriet observou Jasper arrastar Kitty pelo salão de baile ricamente
decorado. Formavam um par impressionante, a beleza dourada de Jasper
contrastando com a beleza escura e exuberante de Kitty. Harriet suspirou
internamente. Deve ser bom ser bonita. Não que se importasse com esses
tipos de frivolidades. A beleza nada mais era do que um lindo papel de
presente: rasgue-o e o que cobria será exposto para todos verem. Às vezes,
o embrulho combinava com a delicadeza do presente, mas, na maioria das
vezes, era uma decepção.
Tinha que admitir que esse não era o caso de Kitty. Havia se tornado
uma amiga querida e era adorável tanto por dentro quanto por fora. Era uma
pessoa bem-humorada, vivaz e divertida; Kitty era o tipo de moça que
estava sempre com um sorriso no rosto e em busca do melhor que a vida
tinha para oferecer, além de dar muito trabalho. Harriet sorriu ao ver o
marido de Kitty, Luke, observando-a dançar com um brilho de adoração
visível nos seus olhos. Certamente dançará alegremente com ele, não havia
dúvidas quanto a isso, e ele adorará cada momento.
Embora tentasse resistir ao impulso, Harriet olhou para Jasper e sentiu
o coração apertar no peito. Por que tinha que ser tão bonito? Disse a si
mesma diversas vezes que sua estupidez terminou e que não se importaria
mais com ele, mas sabia que aquilo era uma mentira deslavada.
Infelizmente, Kitty também sabia disso, e a maneira como estava falando
com Jasper - sem mencionar o olhar intenso no seu rosto - arrastou um
formigamento nada agradável para cima e para baixo na espinha de Harriet.
Certamente Kitty não falaria sobre ela, pois não trairia uma
confidência. Exceto que não foi exatamente uma confidência. Harriet não
admitiu nada, tampouco negou. Kitty, com sua esperteza, havia descoberto
que a animosidade de Harriet em relação a Jasper não era resultado de uma
mera antipatia.
— Acho que ele a machucou, — disse Kitty, e Harriet não conseguiu
encontrar uma resposta adequada.
Harriet ficou tentada em contar-lhe tudo, deixar escapar que Jasper
Cadogan tinha roubado seu coração e, em seguida, esmagado e jogado fora.
Mas não disse nada, é claro. Harriet nunca tinha compartilhado seus
sentimentos com ninguém, nunca tinha contado nada até o momento em
que se forçou a ser corajosa e confiar em Jasper, mas prometeu nunca mais
repetir o mesmo erro. Se der oportunidade às pessoas, elas te machucam.
Era muito melhor confiar na ciência e na razão, e em coisas quantificáveis,
coisas que podem ser medidas e pesadas e suas qualidades dissecadas e
discutidas, espalhadas na sua frente sem onde esconder. Essas coisas eram
tangíveis e sólidas, comprovadas, ao contrário do amor, que lhe parecia uma
fera mítica, na qual não conseguia acreditar. Não mais, pelo menos; o amor
não era para ela.
Ainda assim, depois de todos esses anos, seu olhar foi atraído de volta
para ele e uma dor, que acreditava estar entorpecida, tomou conta do seu
peito, trazendo desejo, solidão e tristeza, fazendo-a se sentir frágil e oca e
extremamente brava. Ele lhe fez isso, lembrou-se, e então recordou do que
mais Kitty havia dito.
Acho que a machucou muito, mas não acredito que ele tenha a menor
ideia de como ou o que fez. Deve uma explicação a ele, Harriet. Não é justo
continuar punindo uma pessoa por anos sem dar-lhe a chance de se redimir.
Era verdade que via a dor e a confusão nos olhos de Jasper com
frequência, quando o insultava ou o cortava, mas a expressão de cachorro
ferido era sua especialidade. Viu-o usar esse olhar a seu favor. Só porque
aquele olhar fazia seu coração amolecer e seu interior derreter, não
significava que era real. Tinha o poder de envolver as mulheres em volta do
seu dedo, e o fazia com maestria. Todos conheciam sua reputação, sabiam
que se deitava com as mulheres mais glamorosas da ton. Certamente nunca
perdia uma oportunidade de zombar dela por ser uma mulher intelectual,
fazendo-a se sentir a criatura estranha que ambos sabiam que era. Então, o
que diabos ele poderia querer com a simples e estudiosa Harriet Stanhope?
Sua última amante foi a Sra. Tate. Estava presente no baile e enviava
olhares cobiçosos para Jasper, do outro lado da pista de dança. Era uma
visão de tirar o fôlego, vestida de cetim vermelho com seus cachos de
mogno reluzentes em um estilo simples e sem esforço, que sem dúvida
levou horas para fazer. A Sra. Tate era bela, sofisticada, espirituosa e
totalmente à vontade consigo mesma. Irradiava a confiança de uma mulher
que conhecia seu próprio valor, sabia uma ou duas coisas sobre o mundo e
como fazer um homem desejá-la sem levantar um dedo. Em comparação,
Harriet se sentia exatamente o que era: invisível, uma intelectual que usava
óculos e que nunca sabia o que dizer e preferia sentar-se em um canto
escondido com um bom livro do que assistir a um baile. Por que um homem
como Jasper iria querê-la quando poderia ter mulheres como a Sra. Tate?
Era uma equação bastante simples, mas que Harriet se esquecera de calcular
por um breve momento, todos aqueles anos, cheia de esperança de que tudo
o que sempre sonhou pudesse ser dela.
Que tola era.
Pretérito, no entanto. Tinha sido uma tola e não seria novamente. De
agora em diante, usaria a cabeça, e não o coração, para guiá-la, mas talvez
Kitty estivesse certa. Talvez sua amargura tenha se transformado em
crueldade. Jasper não podia evitar quem realmente era, e muito menos ela.
Sabia e entendia que os animais nascem com o instinto de agir de
determinada maneira. Parecia que alguns homens haviam evoluído menos
do que outros, seus impulsos físicos ficavam muito próximos da superfície,
suas vontades e desejos sobrepujando a moralidade ou a decência. Ele não
sabia que suas ações a machucariam tão profundamente. Não podia saber,
ou sua perplexidade com a forma como Harriet o tratava não seria tão
marcante.
Era hora de se livrar da dor e da raiva. Hora de perdoá-lo e seguir em
frente, tanto para o seu próprio bem quanto para o dele. Tinha uma nova
vida pela frente, da qual Jasper não faria parte. Não havia contado nem
mesmo para o seu irmão, Henry, ainda - estava esperando a hora certa - mas
contaria em breve.
Em breve.
A S . C . 30
1814, H H ,S .
Jasper ficou no jardim escuro e se perguntou o que, diabos, tinha
acabado de fazer; devia estar fora de si. Harriet era tão teimosa que provaria
que estava errado, nem que isso fosse a última coisa que fizesse. Voltaria
para o baile e seria espirituosa, animada e engraçada e tudo o que ele sabia
que era capaz de ser, porque ela era todas essas coisas, simplesmente tinha
se esquecido disso. Pensar que ele era o motivo dessa mudança o deixou
enojado.
Como pude ter feito isso?
Pela milésima vez, lembrou-se do ano em que realmente notou Harry
pela primeira vez. Tinha dezoito anos e Harry dezesseis; ela o adorou por
toda a sua vida, sabia disso. Suportou ser arrastada pela lama e bancar a
heroína infeliz para que ele e seus dois irmãos, alternadamente, a
resgatassem ou a sequestrassem novamente. Cristo, quase a afogaram uma
vez! Nunca reclamou de nada, e sempre o olhava com admiração por trás
daqueles óculos; até que fez dezesseis anos de idade, e então foi sua vez de
olhá-la.
Isso o pegou de surpresa, tanto que achava difícil falar com ela. Passou
o verão inteiro criando coragem para beijá-la, e quando conseguiu foi
perfeito - mais do que perfeito - porém depois tudo mudou; aquele beijo o
mudou. Como de praxe com suas escolhas de momentos inoportunos,
finalmente aconteceu na manhã em que partiria para o exterior, o desespero
de partir sem que ela tivesse a menor ideia de seus sentimentos foi o
suficiente para dar-lhe coragem para aproveitar a oportunidade. Não a viu
por um pouco mais de um ano, quando tudo mudou, em sua ausência.
Ainda se lembrava da ansiedade que sentiu para vê-la novamente e da
perplexidade quando o ignorou.
No entanto, mais uma vez, o desespero o motivou a agir
precipitadamente, e sem sombra de dúvida o resultado seria terrível. O
olharia dentro dos olhos e diria que não lhe dava a mínima, e teria que ter a
honra de deixá-la ir. Seu coração se apertou.
— Por favor — disse, olhando para o céu limpo de nuvens. — Por
favor, permita-me reconquistá-la.
Querida Matilda,
Como a senhorita é gentil por se preocupar assim comigo.
Garanto que não há nada de malicioso ou gótico em meu
desaparecimento. Longe disso, temo, pois decerto preferia
estar entretida por um vilão neste momento. Sinto muito,
mas não há nenhum mistério fascinante para entretê-la.
Minha tia tem estado um pouco indisposta nas últimas
semanas e se preocupa quando estou distante. Tem sido tão
querida para mim que o mínimo que posso fazer é oferecer-lhe
minha companhia.
Então aí está. Uma explicação enfadonha, mas nada que
aborreça seu terno coração.
Espero ter dissipado as suas preocupações.
A S . C . 30
1814, H H ,S .
Harriet estremeceu quando Jasper a puxou para seus braços para
dançar a valsa. Estranhamente, se divertiu bastante naquela noite, como
Jasper devia muito bem saber. Pela primeira vez, o nervosismo a deixou e
dançou, riu e se divertiu muito. O que era estranho, já que sempre
desprezou dançar. Mas se fosse honesta consigo mesma, isso não era
totalmente verdade. Jasper estava certo, ela nem sempre desprezou dançar.
A verdade era que nunca aprendeu a se divertir com ninguém mais além de
Jasper e seu irmão. Harriet havia aprendido com Jasper, Jerome e seu irmão,
Henry, revezando-se entre eles, sob a orientação do instrutor de dança, pois
era a única garota. Amava aquelas aulas, eram repletas de diversão e
risadas, e acima de tudo, amava dançar com Jasper, porque o amava mais
do que tudo também.
Embora tivesse dito a si mesma a noite toda que estava temendo aquele
momento - pois precisava contar uma mentira descarada para se afastar dele
de uma vez por todas - descobriu, agora, que medo era algo que estava
longe de seus pensamentos. Lembrando-se das aulas, sorriu, lembrou-se de
como Jasper fora paciente quando ela pisava no seu pé, e a maneira como
sorria quando a rodopiava em um giro complicado, e ela não tropeçava.
— Por que está sorrindo? — Sua voz era suave, e ela estava muito
perdida na doçura da memória para encontrar uma mentira fácil.
— Estava me lembrando das nossas aulas de dança — admitiu,
sabendo que era uma coisa perigosa de se dizer naquelas circunstâncias.
Tinha que dizer-lhe que não significava nada para ela. Tinha que se livrar
dele de uma vez por todas.
— Esse era meu momento preferido da semana — disse,
surpreendendo-a.
— Seu mentiroso — respondeu, balançando a cabeça em descrença. —
Odiava aulas de dança e sempre dizia que era uma perda de uma tarde
perfeitamente bonita.
Jasper olhou-a nos olhos e ela cometeu o erro de retribuir o olhar.
Deus, mas era lindo. Seus olhos eram extraordinários, nem verdes nem
azuis, mas uma mistura tentadora dos dois, um verde-mar brilhante que
roubava seu fôlego sempre que os via.
— Não estou mentindo — respondeu —, mas somente depois do verão
em que completou dezesseis anos. E desde então... desde então era para isso
que eu vivia.
Os olhos de Harriet arderam e desviou o olhar. Apesar de suas
melhores intenções, deu uma gargalhada.
— Poderia ter me enganado — murmurou, embora tão baixinho que
ele provavelmente não a tivesse ouvido.
— Harry —disse o nome dela como um apelo, doído de tristeza.
Forçou-se a olhá-lo, estava determinada a acabar com aquilo tudo de
uma vez por todas. Se estava realmente tão infeliz quanto parecia - o que
não podia acreditar nem por um momento - então merecia se ver livre dela
tanto quanto ela precisava se ver livre dele e finalmente o momento havia
chegado. Iria dizer-lhe que não se importava com ele e que os dois
poderiam seguir com suas vidas.
No momento em que seus olhos se encontraram, porém, as palavras
morreram em sua boca e prendeu a respiração quando viu a profundeza dos
dele.
— Harry —, disse novamente. — Não se importa mais? Não se
importa nem um pouco?
Sentiu-se tonta de repente, tomada pelo calor e pela emoção e pelo
jeito que a olhava, como se... como se quisesse carregá-la para a casa de
verão e fazer amor apaixonado com ela.
Oh, bom Deus.
Nenhum homem jamais a olhou daquela maneira. Duvidava que algum
outro olharia. Boba. A única razão pela qual Jasper a estava olhando
daquele jeito era porque o rejeitou por muito tempo. Era como um
garotinho a quem foi negado um agrado, querendo-o além da razão
simplesmente porque lhe haviam dito que não. No entanto, uma verdade
incômoda surgiu quando o olhou e reconheceu aquele desejo desenfreado.
Sentia isso também.
Ela o queria.
Queria-o muito, era realmente uma tola em pensar que poderia
simplesmente ir embora e que ele não a atormentaria mais. Sempre a
atormentaria, mesmo se ela estivesse do outro lado do mundo. Afetava-a,
sempre faria isso.
Então, talvez isso finalmente fosse livrá-la dele. Agarrou-se à ideia,
mesmo quando uma voz fraca na sua cabeça dizia que aquilo era um
absurdo. Harriet silenciou aquela voz, pois a ansiedade por um motivo para
acreditar nessa nova e atraente possibilidade era arrebatadora. Talvez se
cedesse ao seu desejo físico, seu coração estúpido reconheceria que tudo
aquilo tinha sido apenas luxúria, não amor. Certamente Jasper se cansaria
dela. Perderia o interesse, uma vez que tivesse o que queria, e ela voltaria à
razão de uma vez por todas. Por que não acabar logo com isso e acabar com
o sofrimento deles?
Naquele momento, parecia perfeitamente lógico. Um argumento
perfeitamente fundamentado. Harriet conseguia lidar com um argumento
lógico, eram as emoções que lutava para compreender. Este não era seu
coração a guiando. Isso seria tolice. Não, esta era uma decisão fria e
calculada que a libertaria.
— Harry, responda-me, pelo amor de Deus —, implorou.
Não respondeu. Respondê-lo era muito perigoso. Não. Muito melhor
acabar com isso agora que a decisão foi tomada. A dança terminou, e não
largou a mão dele, mas a puxou, tirando-o da pista de dança.
— Harry —, disse com urgência. — O que está fazendo? Prometeu
responder à pergunta.
Ignorou-o e forçou seu caminho através da multidão de pessoas,
atravessando as portas abertas em direção ao jardim escuro.
— Para onde estamos indo? — Exigiu, uma nota estranha em sua voz
enquanto Harriet descia os degraus correndo. — Harriet, pelo amor de
Deus, mais devagar! Para onde estamos indo?
Não respondeu e continuou apressada e sem fôlego.
— Harry!
— Para a casa de verão —, disse por cima do ombro, impaciente e sem
diminuir o ritmo.
Houve um silêncio atordoante.
— A casa de verão?
A mão que segurava a puxou com tanta força que ela tropeçou para trás
contra o corpo duro dele. Jasper a firmou com as mãos na sua cintura. Ela
deu de cara com sua gravata, que brilhava como a neve sob o luar. Olhar
dentro dos olhos de Jasper era uma péssima ideia, como já havia concluído,
então forçou seus olhos a permanecer cravado no linho imaculado.
— Por que estamos indo para a casa de verão? — Perguntou e parecia
ofegante.
Correr daquela forma tinha deixado os dois sem fôlego, ela supôs.
— Sabe por que —, respondeu irritada com a pergunta. Aquele era o
desafio dele, não era?
Ele ergueu seu queixo, forçando-a a olhá-lo. Droga, aqueles olhos
malditos, deveria haver uma lei contra eles. Davam-lhe uma vantagem
injusta sobre os mortais de castas inferiores.
— Harry — disse, olhando-a tão atentamente que teve vontade de virar
de costas. — Q-quer dizer que... que se importa comigo?
Harriet fechou os olhos, aquela era a única maneira de evitar aquele
olhar penetrante. Se a olhasse, veria a mentira, a coisinha frágil que era.
Ele deixou cair a mão e o silêncio se estendeu por tanto tempo que
quase se sentiu tentada a olhá-lo. Quase.
— Por que então? — Perguntou desanimado.
— Eu... —começou, apenas para vacilar quando um rubor escaldou
suas bochechas. Ainda bem que ele não poderia ver aquilo sob a luz da lua.
— Eu o desejo. — As palavras saíram trêmulas e, de uma certa forma,
forçada. — E se sentirá melhor quando tiver... quando tiver... — Harriet
lambeu os lábios, sem saber como dizer, mas supôs que já tinham
ultrapassado a obrigação de serem educados. — Quando tiver dormido
comigo, vai parar de agir como se eu significasse alguma coisa, e depois vai
me deixar em paz.
Ele soltou uma gargalhada, embora não estivesse achando nada
engraçado. — Então é assim que funciona?
— Sim — disse, aliviada, talvez ele estivesse começando a entender.
— Será arruinada — disse.
Harriet riu dessa vez. — Não, não serei —, disse com desgosto. —
Meus valores não têm nada a ver com minha virgindade.
— Aos olhos da sociedade, tem sim.
— Ora, às favas com a sociedade! Além disso, ninguém jamais saberá.
— Abriu os olhos e se atreveu a olhá-lo. — Estou indo para a casa de verão.
Vem ou não?
— É melhor eu ir, suponho, — disse com um brilho estranho nos
olhos. — Se tiver certeza de que isso vai me curar da obsessão que tenho.
— Vai — respondeu, com um aceno decisivo. — Eu raciocinei, c-
cientificamente, — disse, tropeçando um pouco na palavra. — E raramente
me engano quando faço isso.
— Harry, andou... andou bebendo?
A voz de Jasper era cautelosa, como deveria ser. Sabia que Harriet
nunca bebia. Perder o controle da razão e perder o controle em geral era
uma ideia aterrorizante e apavorante e, por Deus, não. Nunca!
— Claro que não andei bebendo! — Exclamou. — Que ideia — virou-
se para encará-lo e tropeçou na grama disforme, Jasper a segurou. — Não
bebi nada além do ponche de frutas.
— Hmmm —, Jasper respondeu, franzindo um pouco a testa.
Logo chegaram na casa de verão e Harriet encostou na porta,
empurrando com força para abri-la enquanto raspava no chão de pedra
como sempre fazia.
— Eu deveria consertar isso — disse Jasper.
Harry riu. — Disse isso todas as vezes que viemos aqui.
— Não viemos aqui há anos, Harry — respondeu.
— Não seja bobo. Viemos aqui quando armou para que Kitty e Luke se
encontrassem em segredo.
— Nós não entramos.
Harriet jogou os braços para o ar. — Tudo bem, não viemos aqui há
anos, — concordou, decidindo deixá-lo seguir seu próprio caminho.
— Já se passaram oito anos. Oito anos desde que a beijei, e não acho
que um dia se passou sem que não tivesse pensado nisso.
Ela se virou para olhá-lo e sorriu, completamente admirada.
— Nossa, realmente é muito bom nisso, não é?
Ele enrijeceu e o movimento, mesmo no escuro, foi visível. O pequeno
cômodo estava todo sombreado, com pequenos flashes da luz da lua
refletindo aqui e ali.
— Bom em que?
Harriet acenou, gesticulando rudemente em sua direção. — Sedução —
disse, sentindo outra onda de tontura e levantando a mão para agarrar uma
cadeira para se equilibrar. — Sabe exatamente o que dizer para conseguir
tirar as roupas de uma mulher, não é?
— Parece estar completamente vestida.
Harriet bufou, descartando o tom sarcástico de sua voz. — Acabamos
de atravessar a porta. Imagino que o libertino mais experiente precise de
alguns minutos para lançar sua magia, mesmo que se pareça com um anjo
caído.
Ela corou então, reconhecendo o brilho de interesse nos olhos de
Jasper pelo elogio involuntário. Ainda assim, já havia admitido que o
desejava, ele sabia que era um homem bonito. A maneira como as mulheres
se jogavam sobre ele, aonde quer que fosse, era uma pista ao mais humilde
dos homens. Pelo que sabia, Jasper nunca foi humilde. Mesmo assim virou-
se, pois não queria testemunhar seu olhar presunçoso quando comentasse
sobre sua admissão.
— Não sou um libertino, Harry.
Isso a surpreendeu. Não só que não tivesse aproveitado a oportunidade
para provocá-la por compará-lo a um anjo caído, mas que o negasse. Todo
mundo sabia dos seus casos, era uma legião de histórias.
Ela bufou. Não era o som mais elegante, se arrependeu imediatamente,
mas realmente, por que negar o óbvio?
— Não sou, —insistiu. — Metade das histórias que circulam não são
verdadeiras, e o resto é grosseiramente exagerado.
Harriet revirou os olhos e se virou para encará-lo. — Então, não teve
um caso com a Sra. Tate?
Ele teve a graça de parecer um pouco envergonhado, mas sustentou seu
olhar.
— Também nunca disse que era um santo — houve uma leve
contração em seus lábios. — Mas rompi com ela faz algum tempo.
— Rompeu? — Harriet respondeu, esforçando-se para soar indiferente.
O que importava se estava tudo acabado entre eles? Não era da sua conta,
ainda assim, não podia negar que ficou feliz. — É por isso que tenho o
prazer da sua atenção, não é? Está entediado?
— Não, droga!
Havia raiva real na explosão daquelas duas palavras, e saltou,
assustada, mas foi muito lenta para reagir quando ele diminuiu a distância
entre eles e a tomou nos braços. Beijou-a, quente, feroz e urgentemente, e
naquele momento a resistência de Harriet - o pouco que restava - levantou
uma bandeira branca e se rendeu.
As memórias de outro beijo a assaltaram, dado naquele mesmo lugar.
Foi um beijo hesitante, mais doce, cheio de esperança e expectativas, e não
pôde deixar de compará-lo com este. Não tinham nada em comum. Era
muito jovem, ingênua e idealista, e Jasper estava apenas brincando,
praticando sua técnica, sem dúvida.
Este beijo era diferente.
Um homem que sabia o que estava fazendo dava-lhe este beijo e queria
o que ela, tão descaradamente, estava oferecendo. Era feroz e intenso, e
seus braços a envolveram, puxando-a para mais perto, tão perto que mal
conseguia respirar. Sentiu-se possuída e desejada e foi maravilhoso,
dramático e nenhum pouco opressor.
Harriet se derreteu em seu abraço, afundando as mãos em seus cabelos
e achando-os quentes e sedosos. Jasper aprofundou o beijo, saqueando sua
boca como se fosse morrer se não pudesse beijá-la, como se ela fosse o ar e
ele estivesse se afogando até que seus lábios se encontrassem.
Sim, era o único pensamento coerente em sua mente, e, não pare, como
era estranho e agradável não pensar. Harriet pensava em tudo, considerando
as coisas de todos os ângulos, pesando suas decisões com precisão
matemática, mas o pensamento estava além dela naquele momento. Não
havia nada além do calor do corpo de Jasper queimando através de suas
roupas, da força de seus braços envolvendo-a, e quando ele agarrou seu
quadril e a puxou contra seu membro enrijecido, ela também ardeu.
Harriet arfou e se apertou mais contra o calor que latejava sob sua pele,
a dor, que se instalou na sua carne mais cedo naquela noite, desceu para
pulsar entre suas coxas em um latejar constante e insistente que parecia
repetir seu nome.
Jasper, Jasper, oh, sim, por favor, Jasper.
No momento seguinte, a única coisa que conseguiu perceber foi que as
mãos dele estavam nos fechos de seu vestido, e restou-lhe rir da velocidade
com que foi despojada dele e das anáguas.
— Ainda negando que é um libertino? — Perguntou, ao mesmo tempo
rindo e balançando a cabeça confusa, enquanto observava seu espartilho
cair no chão, estava se sentindo estranhamente distante, como se aquilo
tudo estivesse acontecendo com uma Harriet diferente, uma Harriet mais
corajosa, que não se lembrava do pavor que tinha de Jasper, e de que
precisava ficar longe, muito longe dele.
— Sim, — disse, puxando-a de volta e mordiscando o lóbulo da sua
orelha enquanto uma mão deslizava por baixo de seu chemise, acariciando
sua coxa. — Estava me sentindo solitário, Harriet. Sozinho sem sua
presença, só isso. Precisava apenas estalar o dedo e eu teria vindo correndo.
Harriet sorriu, atordoada, mas não totalmente irracional. As coisas que
os homens diziam para conseguir tirar as roupas de uma mulher...
Estranho, pois ela tinha concordado com aquilo.
— Não precisar tentar tanto, — sussurrou, assustada ao ouvir as
palavras arrastadas e, em seguida, ofegando quando os dedos dele roçaram
seu sexo. Ela estremeceu e se agarrou a ele. — Oh, sim, — murmurou.
Jasper parou e recuou para olhá-la.
— Não pare, — implorou, seu corpo vivo com antecipação.
— Tem certeza de que não bebeu? — Perguntou.
— Ora, Jasper, sério? — Exclamou impaciente. Puxou seus cabelos
loiros, forçando-o a se inclinar para que pudesse beijá-lo e ele gemeu contra
sua boca enquanto seus dedos deslizavam suavemente para cima e para
baixo sobre os cachos macios entre suas coxas.
— Harry, oh, Deus, Harry, eu a quero tanto.
— Sim —concordou, não conseguindo dizer nada além daquilo. —
Sim, sim, sim.
— Precisamos de uma cama — disse, desesperadamente, enquanto
olhava ao seu entorno. Soltou-a tão de repente que Harriet tropeçou e teve
que se segurar no encosto da cadeira para se equilibrar. Felizmente, Jasper
pareceu não notar, concentrado que estava juntando vários cobertores e os
arrumando no chão, antes de jogar uma variedade de almofadas na pilha.
Satisfeito, tirou as botas e atirou-as a um canto qualquer com espantosa
falta de cuidado, sabendo a importância que dava ao brilho impecável que
tinham.
O casaco e a gravata foram em seguida, e Harriet observou, com
fascinação extasiada, enquanto desabotoava o colete, jogava-o no chão e
tirava a camisa pela cabeça. Sua boca ficou seca quando as mãos dele se
moveram para o fecho da sua calça e ela mal ousou respirar quando as tirou,
junto das roupas de baixo em um movimento fluido, antes de chutá-las para
o lado. Ele estava respirando com dificuldade agora, enquanto Harriet
acreditava que, no caso dela, tinha esquecido completamente como fazê-lo.
Deus do céu. De fato, um anjo caído.
Encarou-o, desavergonhada, estudando-o como uma obra de arte, pois
ele era, em todos os sentidos da palavra; muito bonito. Jasper Cadogan era
uma obra-prima da perfeição masculina, era todo calor, carne e sangue em
vez de mármore frio e inflexível. Seu olhar viajou sobre o corpo dele,
apreciando cada centímetro, dos ombros largos e braços musculosos ao
abdômen esculpido e barriga esticada, gravando-o na memória enquanto
seus olhos se moviam para a saliência orgulhosa de sua ereção, onde não
pôde evitar manter o olhar por um longo momento antes de retornar ao seu
rosto.
Para sua surpresa, Jasper hesitou. Ele estava corando?
— Ainda me quer, Harry? — Perguntou, soando estranhamente
incerto.
Um sorriso indefeso curvou-se em seus lábios e ela assentiu. Jasper
soltou um suspiro.
— Não é a primeira vez que o vejo nu, — disse, em seguida tapando a
boca com a mão, horrorizada com a admissão. Por que diabos disse aquilo?
Jasper deu uma gargalhada de prazer e puxou-a de volta para seus
braços. Harriet arfou com a sensação de seu corpo nu, o calor feroz dele
contra ela atravessando o tecido fino do seu chemise.
— Não é? — Disse, olhando-a com uma malícia nos olhos. — Andou
me espionando, amor?
Ele não parecia exatamente desagradado com a revelação, mas Harriet
ainda queimava de mortificação. O que havia de errado com ela?
— Ora vamos lá, não pode deixar por isso mesmo. Quando foi isso?
— Anos atrás — murmurou, querendo enterrar o rosto em seu peito,
mas encontrando sua pele quente e sedosa sob seu toque. Mal conseguia
pensar. — Você tinha dezoito anos.
Harriet achou que ele era a coisa mais bonita que já tinha visto em toda
a sua vida quando o encontrou no lago, nadando como viera ao mundo com
o irmão dela, naquele longo e glorioso verão em que foi feliz. No entanto,
ainda era jovem naquela época, prestes a chegar à idade adulta. Agora era
um homem de verdade e a deixava sem fôlego, fazia seu coração doer de
desejo e o lugar secreto entre suas coxas pulsar.
Incapaz de se conter, tocou seu peitoral com as pontas dos dedos,
arrastando-os pela dispersão de pelos dourados mais escuros até que
encontrou o disco plano de seu mamilo e o circulou. Harriet observou,
intrigada, como a pele ficou tensa sob seu toque, e não pôde negar o
impulso de inclinar-se e lamber a pequena protuberância. Jasper gemeu, e o
som percorreu sua espinha, uma sensação de tal poder que era impossível
não se deleitar. Repetiu o gesto, mas desta vez usando a língua para exercer
a tarefa, chupando levemente.
Jasper praguejou e, em um piscar dos olhos, foi colocada,
cuidadosamente, sobre os amontanhados de cobertores e almofadas que
cobriam o chão. Ele a beijou novamente, desfazendo o nó que prendia seu
chemise no pescoço e abrindo-a para expor seus seios.
— Harry — respirou reverentemente enquanto segurava sua carne
macia. — É tão linda.
Harry riu um pouco, achando graça por ele estar se esforçando tanto,
mas ficou tocada do mesmo jeito. Pelo menos estava fazendo um esforço.
Olhou-a, uma expressão perplexa em seus olhos. — É linda, Harry —
repetiu.
— Hmmm, — murmurou, sorrindo, não querendo estragar as coisas
apontando o óbvio.
— Vou te mostrar o quão linda é, — murmurou, abaixando a boca para
seu seio, beijando e lambendo até que estivesse louca de prazer. Trocou de
seio e continuou o banquete enquanto sua mão voltava para baixo do seu
chemise, deslizando para o lugar que doía por ele e procurando a fonte de
seu prazer.
Harriet arfou e se arqueou sob seu toque e Jasper murmurou coisas
doces que não conseguia assimilar de tão perdida que estava no prazer que
ele estava proporcionando. Ele deslizou um dedo na sua abertura e o
gemido que deixou sua boca ecoou com o dela.
— Oh, Deus, Harry, quero isso. Eu a quero. A quero há tanto tempo
que pensei que fosse enlouquecer. Diga que isso significa algo para você
também, amor, por favor.
Harry não podia dizer-lhe nada, pois naquele momento era incapaz de
comandar qualquer conversa, estava além de pensamentos ou palavras,
atordoada do jeito que estava com o prazer que ele parecia comandar sem
esforço do seu corpo. Sentia-se como um instrumento abandonado e de
repente arrebatado pelas mãos de um mestre. Como podia conhecer seu
corpo e entender seu prazer melhor do que ela?
— Jasper — disse enquanto o agarrava, e ele voltava a sua boca para a
dela.
— Diga que significo algo, Harry. Diga que não é apenas desejo.
— Oh, Jasper, — disse, querendo chorar, querendo dizer para que não
falasse, para não fazer aquelas perguntas, perguntas que a deixariam
vulnerável e exposta muito mais do que ter suas mãos de uma forma tão
íntima. — Pare com isso, pare com isso.
Ele parou imediatamente e ela teve vontade de gritar de frustração.
— N-Não... não pare! — lastimou. — Apenas pare de falar. N-não
consigo pensar. Não quero pensar. Não agora.
Jasper a olhou. — Cristo, Harry, está bêbada.
— Não estou! — Exclamou furiosa. — Já disse, só bebi o ponche.
— Oh, amor, — gemeu, descansando sua testa sobre a dela. — Pode
ser, mas está bêbada e não posso, Harry, não posso fazer amor contigo. Não
agora. Preciso saber se quer.
Harriet o fulminou com o olhar, indignada. — Jasper, estamos nus e
sua mão está... naquele lugar. Acho que você pode assumir com segurança
que eu quero isso.
— Quer, Harry? — Perguntou com a voz baixa enquanto acariciava o
pescoço dela. — Realmente quer?
— Jasper Cadogan, se não terminar o que começou, vou matá-lo.
Houve um estrondo baixo de risadas e Jasper respirou fundo. — Tudo
bem, amor. Não se preocupe, vou acabar com o seu sofrimento.
4
A S . C . 30
1814, H H ,S .
Jasper poderia ter gritado. Do jeito que estava, mataria seu maldito
irmão, pois não tinha a menor dúvida de que foi Jerome o responsável por
batizar o ponche. Aqui estava ele, com a mulher que amava em seus braços,
apenas para descobrir que estava bêbada. Tinha suspeitado disso antes, mas
a) era impossível acreditar que Harriet estivesse bêbada e b) ela negou tão
vigorosamente que acreditou, ou talvez quisesse tanto acreditar que ignorou
o óbvio. De qualquer maneira, não podia fingir que não sabia agora, não
importa o quanto quisesse.
No entanto, não podia simplesmente parar com tudo quando foi o
responsável por deixá-la naquele estado. Ela era muito sensível ao seu
toque, e muito menos tímida e nervosa do que esperava. Perguntou-se se era
por causa da bebida, mas logo dispensou o pensamento, pois achava que
talvez aquela fosse apenas a Harriet. Antes das coisas mudarem entre eles,
era ousada o bastante para falar o que pensava dele. Apenas quando estava
cercada de pessoas ou diante de estranhos que ficava tímida e insegura.
Sempre doía assistir a isso, e fazia com que desejasse poder segurar sua
mão e tranquilizá-la.
Ela não precisava da sua mão agora, pensou ironicamente, enquanto
ela puxava seus ombros para que voltasse, e agarrava seus cabelos até que a
beijasse novamente. Não podia fazer amor com ela, não naquele momento
quando não tinha certeza se ela realmente queria aquilo, mas podia aliviar a
dor que sabia que estava sentindo.
Beijou-a, lenta e profundamente, saboreando-a, enfeitiçado pelo sabor
sedutor da inocência e do entusiasmo enquanto ela suspirava contra sua
boca, e sua mão voltou para acariciar sua parte mais íntima. Não era difícil
satisfazê-la, embora seu próprio corpo doesse com desejo para unir-se a ela
e torná-la sua em todos os sentidos, de tal forma que ela não pudesse mais
negar que lhe pertencia, ou que pertenciam um ao outro. Quando ela se
desfez sob seu toque, arqueando-se e gritando e com os dedos cravados em
suas costas, olhou-a e seu coração explodiu, com desejo por estar amando-a
e com o desespero para garantir que fosse sua, apenas sua, para sempre.
— Jasper, — murmurou sonolenta, seus membros ficando flexíveis e
pesados enquanto o prazer diminuía, deixando-a sem forças e saciada.
— Estou aqui, amor — disse, puxando-a para seus braços e contra seu
peito. — Sempre estarei aqui, — acrescentou, enquanto sua respiração
ficava pesada e ela se aconchegava em seu abraço.
A única coisa que Jasper poderia fazer era observá-la, partindo. Queria
ir atrás dela mais do que tudo, mas aquele não era o momento, sabia disso.
Além disso, teria uma vida inteira agora, uma vida inteira para convencê-la
de que foram feitos um para o outro. Sabia que não deveria ficar tão
contente com a situação, principalmente porque fora o responsável por
prender Harriet nessa armadilha, embora sem querer. No entanto, estava
além dele sentir pena e lamentar que tenha acontecido. Harriet se casaria
com ele, pois não tinha escolha, seria sua.
Supondo que o perdoasse algum dia por ter feito isso e por seja o que
for que tivesse feito para machucá-la em primeiro lugar.
Com um suspiro pesaroso, fechou a porta e começou o trajeto de volta
para a casa. Jasper tinha acabado de alcançar os jardins que ficavam
diretamente atrás da casa quando avistou Henry, irmão de Harriet,
caminhando em sua direção com uma expressão determinada.
Instintivamente, Jasper quase levantou a mão para saudá-lo como
sempre fazia - considerando que Henry era seu melhor amigo - até se
lembrar de que tinha acabado de arruinar a irmã do homem, existia a
possibilidade de não estar nada feliz com aquilo.
— Seu desgraçado! — Henry gritou do meio do jardim, confirmando
suas suspeitas.
— Henry — disse Jasper, parando e levantando as mãos em um gesto
pacífico. — Henry, deixe-me explicar, por favor...
— Explicar o quê, seu canalha? — Henry exigiu, caindo sobre ele
furiosamente. — Como embebedou minha irmã e a seduziu? Meu Deus,
vou espancá-lo até a morte, seu patife miserável!
Jasper respirou fundo e desistiu de tentar se defender. Devia a Henry a
chance de expressar seus sentimentos. Ainda assim, o golpe em sua
mandíbula veio como um choque, ainda mais quando cambaleou para trás e
caiu sobre as herbáceas de sua mãe, o aroma fresco de lavanda esmagada
espalhou no ar.
— Cristo — murmurou, tocando, cautelosamente, um dedo na
mandíbula e verificando se ainda estava com todos os dentes.
— Levante-se para que eu possa acertá-lo novamente, — Henry
rosnou.
— Eu a amo, Henry, — Jasper disse, olhando para seu melhor amigo e
esperando que ele pudesse ouvir a verdade nas suas palavras. — Sempre a
amei e, só para constar, ela ainda é virgem e vou me casar com ela.
Henry olhou-o por um momento.
— Oh — disse, endireitando-se e esfregando a nuca. — Bem, suponho
que isso mude as coisas — respondeu com uma expressão mais leve.
Estendeu a mão, oferecendo-a para Jasper e ajudando-o a se levantar. —
Desculpe por isso — disse, apontando para a mandíbula de Jasper. — Tinha
que ser feito, questão de honra e tudo mais.
— Entendo muito bem, acredite em mim — respondeu Jasper. — E já
que estamos falando nisso, também não a embebedei. Como pode pensar
uma coisa dessas?
Henry deu de ombros. — Não esperava ouvir que os dois foram
encontrados juntos na casa de verão. Mas sei que Harry nunca bebe e...
bem, não sabia em que acreditar.
Jasper deu a seu amigo um olhar incrédulo. — Nunca percebeu nada?
— Perguntou, balançando a cabeça em espanto. — Nunca teve a menor
ideia de que eu estava apaixonado por ela?
— Não — Henry admitiu, balançando a cabeça. — Bem, houve aquele
verão, anos atrás, quando parecia passar muito tempo sonhando com ela, e
ela ficava escarlate sempre que falava com ela. Achei na época que fossem
ficar juntos, mas desde então... não. Está sempre fazendo troça dela e
deixando-a furiosa, e, verdade seja dita, achei que ela não o suportasse.
Jasper soltou uma risada, embora não fosse um som especialmente
feliz. — Acredito que nada tenha mudado, — disse tristemente. — Vamos,
tenho que enfrentar todo mundo. Temos um casamento para organizar.
Harriet hesitou do lado de fora da porta da sala rosa. Tia Nell, Lady St.
Clair e Jasper estavam todos esperando por ela. Era fim de tarde e sua dor
de cabeça havia resignado para uma dorzinha resistente. A percepção de
que estava bêbada explicava ao menos tudo o que tinha acontecido, e
quando descobrisse quem tinha colocado álcool naquele maldito ponche, o
mataria. Que confusão terrível tinha se metido agora.
Enrolou os dedos em torno da maçaneta da porta, mas não conseguia
encontrar coragem para girar a maldita coisa. Apenas entre e acabe logo
com isso, disse a si mesma. Vai conseguir. Respirando fundo, Harriet se
forçou a se mover e entrou na sala para encontrar tia Nell e Lady St. Clair
com os dentes à mostra, sorrindo para ela. A vontade de dar meia volta e
sair correndo era muito grande.
— Harriet, querida — disse Lady St. Clair, estendendo as mãos. —
Estou muito feliz. Confesso que espero por este dia há muito tempo.
Sempre a considerei como uma filha.
Oh, não. O coração de Harriet apertou. Isso não seria fácil. Virou-se e
viu Jasper a observando cautelosamente. Havia se lavado e parecia
abominavelmente bonito. Ela, ao contrário, parecia como se sentia.
Totalmente miserável.
— Sinto muito, Lady St. Clair, — disse, forçando as palavras. — M-
mas temo que terei que desapontá-la. Não posso me casar com Jasper.
O sorriso de Lady St. Clair sumiu e tia Nell deu um suspiro chocado
que provavelmente deu para ouvir da cozinha.
— Não seja ridícula, Harriet — rebateu a tia. — Deve se casar com ele.
Será arruinada se não se casar.
Harriet se preparou para o ataque que certamente seguiria após suas
próximas palavras. — Não quero me casar com Jasper, e tenho certeza de
que ele não quer se casar comigo.
— Não se atreva a colocar palavras na minha boca, Harry — Jasper
respondeu rispidamente.
Sua voz estava baixa, mas sua expressão era estrondosa. Quase podia
acreditar nele, tão intenso era o seu olhar. Quase podia acreditar que a
figura divina perto da janela realmente queria a comum Harriet Stanhope, e
não que estivesse sendo um cavalheiro e fazendo a coisa certa com a sua
amiga de infância.
— Quero me casar contigo, e tem que se casar comigo, goste ou não.
Lamento se essa for uma perspectiva tão horrível, mas não tem escolha.
— Na verdade, Jasper, tenho — respondeu, finalmente se virando para
olhá-lo. — Mas de qualquer forma, a decisão é minha e de mais ninguém,
então seja sensato. Certamente percebe que seríamos desastrosos juntos.
— Não —respondeu com o tom cortante e furioso. — Não percebo
nada disso, o que diabos quer dizer?
— Harriet Stanhope, foi pega em flagrante delicto com... com um
homem — lamentou sua tia com um fervor tão melodramático que Harriet
ficou na expectativa de ouvir um trovão para enfatizar sua reação. Mas não
teve nenhum, embora sua tia tenha adquirido um tom espantoso de
escarlate. — Deve se casar!
— Vou me casar — Harriet respondeu irritada, decidindo que poderia
muito bem acabar com aquilo. — Simplesmente não será com ele!
Houve um silêncio retumbante enquanto todos a olhavam, em choque,
em seguida se assustaram quando uma batida soou na porta.
— Vá embora! — Jasper berrou assim que Lady St. Clair convidou
quem quer que fosse para entrar.
O mordomo apareceu, parecendo chocado e sem saber se deveria
fechar a porta novamente.
— Sim, Temple, o que é? — Lady St. Clair perguntou, calma e
equilibrada como sempre.
— Há um cavalheiro aqui, minha senhora, um Sr. De Beauvoir. Está
perguntando pela Srta. Stanhope. Insiste muito em vê-la.
Todos os olhos se voltaram para Harriet, que soltou um suspiro de
alívio. Enviou-lhe uma mensagem urgente, naquela manhã, mas não ousou
esperar que pudesse vir imediatamente, como exigiu.
— Faça-o entrar, por favor, Temple — disse Harriet, ignorando os
olhares de descrença que lhe foram enviados.
Temple olhou para Lady St. Clair, que assentiu, e depois para Jasper,
que parecia querer assassinar alguém. Temple recuou apressadamente.
— Quem é ele? — Jasper exigiu saber, cruzando a sala para poder ficar
cara a cara com ela.
Harriet engoliu em seco, estava um pouco nervosa com a intensidade
da ira nos olhos de Jasper.
— Senhor Inigo De Beauvoir — respondeu, mas a sua voz não era
nada firme. — Meu noivo.
Jasper sentiu como se tivesse sido golpeado.
— Seu o quê?
Harriet ergueu o queixo, tentando ao máximo conter as lágrimas. Por
um momento, a tentação de se jogar nos braços dele, chorar e dizer-lhe que
sentia muito era quase insuportável, mas aquilo era estupidez e fraqueza.
Estava perfeitamente correta antes. Fariam um casamento desastroso.
— Meu noivo — repetiu, mais suave agora, ao perceber que seu
choque era palpável.
Pobre Jasper, mimado e adorado a vida toda. Não estava acostumado a
ouvir não.
Sabia que se casar com ele seria perfeito, seu sonho tornado realidade,
mas isso era antes. Jasper seria atencioso e amoroso, e baseado na forma
como a fez se sentir na noite passada, ela pareceria uma marionete em suas
mãos. Não seria capaz de manter intacto o muro que havia construído em
volta do seu coração. Bom Deus, ele derrubou parte dele no decorrer de
algumas horas na noite anterior, e sabia que estava certa em tê-lo mantido
distante por tanto tempo.
Jasper Cadogan era o sonho romântico infantil que uma vez teve, mas
não seria feita de idiota novamente. Não abriria seu coração da maneira que
fizera antes, para depois ser esquecida no momento em que não estivesse
por perto. Quando era uma jovem de dezesseis anos, foi destruída, mas foi
resistente o suficiente para juntar os cacos e começar de novo. Como sua
esposa, porém, e a mãe de seus filhos...
O que pensaria quando ele estivesse longe das suas vistas?
O que sentiria ao ouvir as histórias de suas conquistas?
Não.
De qualquer forma, Jasper nunca a entendeu. Suas atividades não o
interessavam, não tinha interesse em aprender nada, na verdade, desprezava
o aprendizado, e isso ela não podia tolerar. Inigo não a amava, nem ela a
ele, mas ambos tinham uma profunda admiração e respeito pelo intelecto
um do outro, e essa era uma boa base para um casamento feliz. Não só isso,
ele seria leal e nunca lhe traria sofrimento com seus casos amorosos. O que
mais poderia querer?
Como se para responder a sua pergunta, a porta se abriu e Temple
apareceu mais uma vez.
— Senhor Inigo De Beauvoir — disse, antes de fazer uma reverência e
fechar a porta atrás do recém-chegado.
Harriet deixou escapar um suspiro aliviado ao finalmente conhecê-lo.
Era alto e magro, o seu perfil lembrava muito o de um falcão. Seu cabelo
era preto, comprido e estava fora de moda, e seus olhos eram de um
estranho verde-acinzentado, frios e impassíveis sob sobrancelhas grossas.
Parecia ser mais velho que seus trinta anos, principalmente porque se
cuidava muito mal, dormia pouco e trabalhava longas horas, daí sua decisão
de encontrar uma esposa. Ao todo, tinha uma aparência bastante sinistra,
embora soubesse que não deveria julgá-lo. Correspondiam-se em segredo
há alguns anos, e, de alguma forma, se tornaram amigos e colegas. Ele a
encorajava a aprender sempre que possível e acreditava firmemente que as
mulheres deveriam receber a mesma educação que os homens. Aos seus
olhos, as mulheres e os homens eram iguais e só pareciam ignorantes em
comparação porque foram ensinadas que era isso que se era esperado delas.
— Obrigada por ter vindo — disse, movendo-se para cumprimentá-lo.
Ele fez uma reverência formal, depois levantou a cabeça para a plateia
que os observava. — Senhorita Stanhope, como posso ser útil?
Harriet enrubesceu, percebendo que deveria explicar exatamente o que
aconteceu na noite anterior, mas estava se perguntando como reagiria. Não
se amavam, é claro, mas ainda assim, concordou em se casar com ele e...
Engoliu em seco.
— Eu... estou em uma situação terrível, — começou mantendo a voz
baixa e de costas para o público. — Talvez possamos conversar a sós e... em
particular.
— Não há necessidade disso.
Harriet saltou quando a voz de Jasper veio atrás dela.
— Senhor De Beauvoir — Jasper continuou suavemente, avaliando o
homem. — Sou St. Clair. Receio que Harriet e eu tenhamos passado por
uma situação muito comprometedora esta manhã. A notícia já deve ter se
espalhado por toda a aldeia a essa altura. Nos casaremos imediatamente. —
Fez uma pausa e olhou para Inigo. — O senhor tem a liberdade de me
desafiar para um duelo, naturalmente.
— Jasper! — Sua mãe exclamou, colocando a mão no coração. — Oh,
não!
Inigo permaneceu inexpressivo, exceto pelo menor movimento de uma
sobrancelha. — Acalme-se, senhora — disse, sem desviar o olhar de Jasper.
— Não vejo necessidade de derramamento de sangue, a menos que... —
Olhou para Harriet. — A senhorita foi forçada?
— Não! — Exclamou enquanto Jasper enrijecia indignado. — Não...
Eu... Eu estava bêbada... quero dizer, não sabia que estava bêbada. Alguém
colocou álcool no ponche de frutas e a noite estava tão quente, eu estava
com uma sede terrível e bebi muito e... e... — Parou quando percebeu que
estava balbuciando, antes de adicionar desesperadamente. — Ainda sou
virgem.
Harriet havia vivido muitos momentos mortificantes em sua vida.
Como uma jovem que usava óculos e era considerada uma excentricidade
na maioria das vezes, era inevitável, mas nunca em sua vida experimentou
algo que a fizesse querer se enrolar e morrer de tanta vergonha.
— Entendo — Inigo disse lentamente, franzindo os lábios. Ele olhou
para Jasper, que ainda parecia querer matar alguém, antes de se virar para
ela. — Bem, Srta. Stanhope, não vejo razão para tanto barulho. É evidente
que a senhorita estava inebriada, e não tenho intenção de puni-la por um
erro tão bobo. Minha oferta é válida, se a senhorita ainda deseja se casar.
— O que? — Jasper explodiu, a sua indignação era tão forte que
Harriet deu um pulo assustada. — Não vê razão? — Trovejou. — Ficamos
pelados juntos, a noite toda! A única razão pela qual ela ainda é virgem é
porque percebi que estava embriagada e eu decidi não continuar, ela
certamente irá se casar comigo!
— Jasper! — Harriet e sua mãe exclamaram em uníssono horrorizado.
Tia Nell soltou um gemido e desabou sobre uma poltrona. Todos a
ignoraram.
— Vai negar isso? — Jasper exigiu, virando-se para Harriet. — Vai
negar que me queria, que implorou?
Harriet olhou-o, furiosa e humilhada. Como pôde dizer aquelas coisas
íntimas sobre ela na frente de todos? A vontade de chorar fez seu peito se
apertar e sua garganta doer, mas em vez de se deixar abater, virou-se para o
Sr. De Beauvoir que estivera observando o evento com o interesse imparcial
de um filósofo observando o comportamento de algumas espécies
desconhecidas.
— Se o senhor puder perdoar minha chocante falta de decoro, ficarei
feliz em continuar nosso noivado, Sr. De Beauvoir, embora ficarei ainda
mais grata se pudermos acelerar o processo.
— Acredito que seja uma decisão sábia —disse, contraindo um lado da
boca na primeira demonstração de emoção que esboçou desde que chegou.
— Harry, não!
Ela soltou um gemido quando Jasper pegou seu braço e a girou com
pânico nos olhos. — Harry, pelo amor de Deus, chega. Chega dessa charada
ridícula. Não o ama, e ele com certeza não a ama. Pode realmente se casar
com um homem que não dá a mínima para o que fizemos juntos ontem à
noite?
— Sei que ele não me ama — disse Harriet, a exaustão tomando conta
e fazendo-a ansiar pelo fim desse melodrama ridículo.
Sua cabeça latejava, sentia-se mal e queria ir embora e cair em prantos,
mas antes precisava acabar logo com aquilo.
— Nosso casamento será baseado na admiração e no respeito mútuo,
milorde — disse o Sr. De Beauvoir, com o que Harriet tinha que admitir um
tom bastante condescendente. — O amor é uma ideia arcaica e sem sentido,
impulsionada por costumes sociais para permitir a paixão física. Na
verdade, o casamento é um conceito antiquado, no entanto, não estamos em
posição de desafiar o mundo e, portanto, devemos nos conformar. Tirando
isso, admiro muito a mente da Srta. Stanhope. Ela tem um intelecto
surpreendente e acho que poderíamos fazer grandes coisas juntos. A... —
Acenou com a mão, indiferente — indiscrição da noite passada foi
provocada pelo álcool e as atenções de um homem bem apessoado — disse,
sorrindo um pouco. — Qualquer jovem inexperiente perderia a cabeça em
tal situação.
Jasper o encarou como se estivesse falando uma língua estrangeira,
embora seu desejo de quebrar o nariz De Beauvoir lhe parecesse bastante
eloquente.
— O amor é uma ideia sem sentido...? — Repetiu fracamente, chocado
demais para expressar qualquer outra coisa. Balançou a cabeça e voltou-se
para Harriet, sua voz urgente. — Harry, amor, sinto muito por como isso
aconteceu, mas não sinto muito por ter acontecido. Eu a queria ontem à
noite e a quero agora. Quero me casar com você.
Harriet engoliu em seco e balançou a cabeça. — Não acredito, Jasper.
Me humilhou hoje, e tudo porque não pode ter o que acredita ser seu, mas
não sou sua. — Não mais, acrescentou silenciosamente, embora seu coração
estivesse se despedaçando por dentro. — Cometi um erro e sinto muito,
mas não vejo razão para nos punirmos ainda mais, quando não há
necessidade.
— Harry, não...
O coração de Harriet se apertou com o desespero em sua voz. Se ao
menos pudesse acreditar nele, acreditar que era real, e não apenas pelo
momento, não apenas por algumas semanas ou meses, mas sempre. — Me
quer, sei que quer. Não negue só porque isso a assusta. Apenas... Apenas me
dê uma chance. Algumas semanas... Por favor.
— Pare com isso — Harriet implorou, balançando a cabeça e piscando
para conter as lágrimas. Podia ouvir a mãe dele soluçando agora também, a
culpa e seu próprio desejo a estavam deixando tonta e sem forças. — Por
favor, pare!
— Não — Jasper respondeu bruscamente enquanto negava com a
cabeça, em seguida pegando as mãos dela. — Não posso, não vou!
— Senhorita Stanhope. — Todos se viraram quando Inigo falou, sua
voz calma e comandante cortando a atmosfera cada vez mais pesada.
Harriet se voltou para ele, grata por sua mente lógica e deslocada.
Queria fugir de toda a agitação e se enterrar em livros e pesquisas, e
qualquer coisa que permitisse que não sentisse mais nada. Era exatamente
por isso que havia aceitado a sua oferta em primeiro lugar.
— Senhorita Stanhope, depois de refletir, acho que Lorde St. Clair tem
razão. Não desejo me casar com a senhorita para descobrir depois que tem
arrependimentos. Nessas circunstâncias, acho que a senhorita precisa tirar o
que quer que esteja entre os dois do seu sistema. Se - uma vez que a
senhorita expurgar toda e qualquer necessidade física que sente por ele - e
ainda desejar se casar comigo, terei o maior prazer em continuar com
nossos planos.
Harriet ficou boquiaberta. Ele estava... estava realmente sugerindo
que...
— Não precisa parecer tão escandalizada — disse De Beauvoir,
claramente achando graça. — Já discutimos essas coisas no passado e a
senhorita conhece minha opinião sobre a liberdade de mente e corpo. Não
tenho exigência de que minha esposa seja virgem. Não quero, entretanto,
ataques emocionais e manifestações de arrependimento interferindo em
meu trabalho. Prefiro que a senhorita tire esses impulsos físicos do caminho
agora, em vez de mudar depois que estivermos casados. É puramente bom
senso. — Olhou de volta para Jasper, analisando-o da cabeça aos pés, com
desprezo. — Estou certo de que uma mulher com uma mente tão brilhante
quanto a sua tomará a decisão certa.
— Seu desgraçado — Jasper disse, sua voz como gelo.
Pela primeira vez, Harriet ficou tentada a concordar com ele.
Houve um silêncio ensurdecedor após esse pronunciamento, e o Sr. De
Beauvoir deu uma risadinha, enquanto olhava de um rosto chocado para o
outro.
— Digamos uma semana? — Sugeriu, antes de se curvar sobre a mão
dela. — Estarei hospedado na estalagem da aldeia, caso precise de mim.
Adeus, Srta. Stanhope. Lady St. Clair, senhora, Lorde St. Clair, bom dia a
todos.
5
31 1814. H H ,S .
— Deixe-nos sozinhos. — A voz de Jasper soou tão dura e implacável,
que mal a reconhecia, mas sua mãe e a tia de Harriet tiveram inteligência
suficiente para sair de uma vez e não proferir nenhum argumento.
Seu coração e sua mente estavam sendo golpeados por todos os lados
por tantas emoções conflitantes. Tudo o que conseguiu fazer foi ficar
imóvel e não dizer nada enquanto todos deixavam a sala. O desejo de
quebrar tudo, pedaço por pedaço, era tão tentador que podia sentir o gosto.
Nunca, em sua vida, se sentiu tão fora de controle, tão apavorado, tão
furioso.
Como se atrevia? Como aquele homem ousava falar de Harriet daquela
maneira? Um homem que se considerava digno de ser seu marido, mas que
a jogaria na cama de outro homem até que se cansassem um do outro.
Jasper se sentiu enojado. Também sentiu o pânico crescendo em seu peito.
Inigo De Beauvoir era um nome com o qual estava familiarizado. Não
por interesse, mas porque tinha ouvido falar dele com bastante frequência.
Era membro da The Royal Society, membro da The Geological Society e
frequentemente dava palestras na The Royal Institution, que era tão
frequentada que pessoas se aglomeravam nos corredores para ter a chance
de ouvi-lo. Bem, o miserável pode ter uma mente brilhante, mas tinha uma
geleira onde seu coração deveria estar.
Ainda assim, estava certo. Harriet era assustadoramente inteligente.
Tinha uma mente que Jasper só podia admirar silenciosamente e com a qual
não poderia sequer pensar em competir. Cristo... nem universidade ele
frequentou. Se o maldito Napoleão não tivesse causado um caos por toda a
Europa, teria feito uma Grand Tour em vez de continuar a humilhação
diária de ser acusado, repetidamente, de ser um idiota. Mesmo assim, seu
pai o enviou para visitar alguns parentes maternos na Rússia, o que Jasper
realmente gostou, embora tivesse sentido muita falta de Harriet.
Não que ela acreditasse nisso.
Por que, em nome de Deus, o escolheria, em vez de um homem com
uma mente brilhante? No entanto, viver sem qualquer tipo de amor era
realmente o que ela queria, o que precisava? Não sabia se poderia fazê-la
feliz e manter sua atenção, mas morreria tentando. Não era como se ele se
ressentisse de sua inteligência ou fosse impedi-la de continuar aprendendo,
passar tempo com pessoas que compartilhavam das mesmas opiniões.
Jasper podia não conseguir discutir as coisas com as quais ela se
interessava, era verdade, e, se conseguisse, era muito provável que não
entendesse a metade delas, mas poderia lhe dar todas as oportunidades,
poderia amá-la, já a amava.
De Beauvoir podia ser inteligente, mas dessa vez errou no cálculo, pois
assim que Jasper tivesse Harriet na sua cama, se certificaria de que nunca
mais quisesse deixá-lo. Talvez não fosse um gigante intelectual, mas sabia
lidar com o corpo de uma mulher. Talvez não fosse nada além de um rosto
bonito, mas aquele rosto funcionaria a seu favor naquele momento. Não se
importava com o que teria que fazer, o quão sujo teria que jogar, Harriet iria
desejá-lo. Ela já havia admitido isso. Iria desejá-lo de carne e osso, e lutaria
por ela. A faria precisar do calor, da paixão e da alegria que poderia dar
para ela. A noite passada não tinha sido nada, apenas um doce sabor do que
poderia haver entre eles, um vislumbre tentador de como seria quando a
tornasse sua. Deus o ajude, mas a deixará tão louca de desejo que não se
lembrará do próprio nome, muito menos do maldito Inigo De Beauvoir.
Assim que tomou posse das suas faculdades e do controle sobre si
mesmo, virou-se para poder olhá-la. Estava parada perto da janela,
observando os jardins. Seus ombros curvados, seus braços abraçando seu
corpo, a pura imagem de sofrimento.
— Seus pais sabem? — Perguntou. — Sobre o noivado?
Balançou a cabeça em negativa. — Sou maior de idade — respondeu
secamente. — Nunca se interessaram pela minha vida. Não vejo razão para
que isso os incomode agora.
Jasper estremeceu. Desde que conseguia se lembrar, Harriet desejava a
atenção do pai. Outro homem brilhante com engrenagens no lugar onde
deveria bater um coração. Não importava o quanto tentasse - e ela tentava -
não conseguia impressioná-lo, pois ele não acreditava que o cérebro
feminino fosse capaz de genialidade. Henry era uma decepção para seu pai
de outras maneiras. Oh, não era burro - tinha se saído muito melhor do que
Jasper - mas não podia se comparar a Harriet. Não que seu pai se dignasse a
notar.
— Quer mesmo ir em frente com isso?
— Com o noivado? — Perguntou com a voz maçante. — Por que não?
Jasper soltou um suspiro e lutou para se acalmar. — Porque não o ama,
e não me venha com nenhum absurdo desdenhoso sobre os costumes
sociais. Precisa ser amada, Harry. Todo mundo precisa. Você merece.
— Talvez o que mais preciso é ser compreendida.
— Certeiro, Harry, — reconheceu, sentindo a ponta farpada daquele
comentário afundar na carne exposta do seu coração. Parecia sempre
colocá-lo no front, aberto a ataques. — É por isso que me despreza, por que
me considera um idiota?
Ela se virou, sua surpresa evidente. — Não o desprezo e nunca pensei
que fosse um idiota. Pelo contrário. Estou cansada de ser objeto de suas
troças e não consigo respeitar um cavalheiro que despreza o aprendizado
como acontece contigo, que zomba de mim e de tudo o que eu amo.
— Mas eu não zombo, Harry, — grunhiu. — Sempre a admirei.
Certamente sabe disso?
A risada amarga dela o assustou. — Ah, claro. Sempre fez questão de
admirar meu intelecto. Ora, ora, as coisas que sabe, Srta. Stanhope —
imitou-o, capturando sua fala arrastada e arrogante com uma precisão
incrível. — Quantas vezes me humilhou em público, Jasper? Gostaria de
contar as ocasiões?
Jasper corou, sabendo que merecia aquilo. Zombou dela, terrivelmente,
por sua inteligência, muitas vezes e até mesmo rudemente, e sim, em
público, mas apenas porque estava cansado de ser ignorado. Melhor odiá-lo
e atacá-lo, do que deixar de existir no seu mundo.
— Não quis dizer nada daquilo — disse, sabendo que era uma resposta
inadequada, mas nunca tinha sido eloquente com ela, e não esperava
conseguir isso agora. — Eu simplesmente... Droga, Harry, me faz ter as
ações mais selvagens quando me ignora!
Ela riu então, e foi um som tão cansado e desgastado que seu coração
doeu. — Eu sei — disse, as palavras quase calmantes. — Pobre Jasper.
Nunca lhe foi negado nada, não é? Deus, era tão mimado. Você e Jerome.
Os príncipes dos olhos da sua mãe. É uma surpresa que consiga se vestir
sozinho. Ora, mas é claro! Tem um valete, não tem? — Acrescentou
ironicamente.
— Então é isso? Acha que sou um garotinho mimado?
Ela balançou a cabeça e não havia malícia em suas palavras, nenhum
calor, mas queimavam do mesmo jeito. — Acho que nunca teve que
trabalhar para conseguir tudo o que sempre quis. Tem um cérebro decente
na cabeça, mas não o usa porque nunca precisou, é preguiçoso demais para
tentar ser mais do que é.
Aquilo estava tão longe da verdade que queria lamentar a injustiça de
suas acusações, só que ela não sabia disso. Ninguém sabia. Não sabia que
tudo tinha sido uma encenação para disfarçar a verdade, que ele não tinha
um cérebro decente. Era muito melhor ser considerado um libertino e
promíscuo que não dava a mínima para livros e educação, do que deixar as
pessoas saberem que era um burro ignorante.
O que diria se soubesse que mal conseguia escrever, que qualquer
tentativa era cheia de erros de ortografia, e as frases que conseguia escrever
tinham umas estruturas estranhas, e que ler era uma tarefa tão árdua que
fazia sua cabeça doer? Sempre que tentava, as letras pareciam se
reorganizar e não faziam o menor sentido até que sua vontade era gritar de
frustração. Tinha se safado na escola fazendo com que os meninos mais
novos lessem coisas para ele e fizessem sua lição de casa, aprendendo o
máximo que podia de cor. Como poderia dizer isso a ela? Como poderia
dizer para a brilhante e inteligente Harriet, a quem venerou e admirou por
tanto tempo, que era quase analfabeto? Certamente o desprezaria. Ele era o
maldito Conde St. Clair e levava horas para escrever as notas mais simples,
e mesmo assim quase ilegíveis. Era além de humilhante.
Jasper forçou o nó em sua garganta. Não podia confessar a verdade,
mas poderia continuar tentando se desculpar por provocá-la.
— Sinto muito — disse, desejando com tanta força que suas palavras,
com a voz rouca, soaram estranhas a seus ouvidos. — Sinto muito por todas
as vezes que fiz troça e a deixei com raiva. Nunca fui sincero em nenhuma
das vezes, Harry. Eu a admiro muito, amor. Juro que sim. Por favor, não
recuse minha oferta sem ao menos pensar nela primeiro. Nós fomos
próximos uma vez, gostou de mim uma vez. Até mesmo...
— Não, Jasper. — Virou-se e o encarou, seus olhos excessivamente
brilhantes, mas sua voz firme. — Vou me casar com o Sr. De Beauvoir. É
melhor assim. Verá isso quando eu for embora. No minuto em que eu sair
da sua vista, vai se esquecer de mim.
A respiração de Jasper prendeu com suas palavras. Isso era o que ela
pensava dele, que era um bobo superficial, insensível e sem coração? A dor
cresceu em seu peito, quente e com raiva.
— E o que aconteceu ontem à noite, Harry? — Exigiu, diminuindo a
voz, enquanto se aproximava dela. — E o fato de me implorar para fazer
amor contigo?
As bochechas de Harriet ficaram vermelhas, ela tentou se afastar, mas
Jasper a segurou e puxou-a para seus braços. Arfou, chocada, e fez um som
de protesto até que ele a beijou, sufocando seu choque antes que pudesse
dizer não. Houve um momento de resistência e então se derreteu, abrindo a
boca e beijando-o de volta. Jasper a segurou contra ele com tanta força que
deve ter esmagado o ar de seus pulmões, mas ela não fez nenhuma objeção,
suas mãos agarraram seus cabelos e os puxaram, o desejo fazendo uma dor
atravessar seu corpo, sabendo que os dois estavam com raiva, mas que o
queria muito, embora odiasse ter que admitir isso.
— Negue isso — provocou sem fôlego enquanto a olhava fixamente.
Encarou-o de volta, seus olhos escuros mais arregalados do que nunca
por trás dos óculos. Estavam tortos, podia estar com a aparência cômica,
mas seu coração se apertou de desejo. Deus, era um tolo. De todas as
mulheres por quem poderia se apaixonar. Não era arrogância acreditar que
poderia ter quase qualquer mulher que quisesse com um estalar dos dedos,
era a simples verdade, e se apaixonou pela única que não conseguia
impressionar.
— Não posso negar que existe uma... uma atração física — disse de
uma forma tão fria e cínica que ele quis sacudi-la. — Inigo... o Sr. De
Beauvoir estava certo.
— Oh, sim, amor, ele estava certo. — Jasper riu, um som sombrio e
infeliz de que não gostou muito. — Mas lhe digo agora, se acha que pode
me tirar do seu sistema em uma semana, está muito enganada. Assim que a
tiver na minha cama, nunca mais vai querer sair dela.
Harriet enrijeceu em seus braços e empurrou seu peito, e Jasper a
soltou.
— Não tenho intenção de ir para a sua cama.
— Mas foi mandada, Harry, — zombou, sentindo-se mal por aquilo,
mas incapaz de se conter. Estava desesperado agora, lutando por seu futuro,
e faria o que fosse necessário, não importando o quão mal tivesse que se
comportar. — Seu futuro marido quer que me expurgue do seu corpo e da
sua cabeça, e baseado no nosso pequeno beijo agora pouco, está muito, mas
muito longe de conseguir isso.
— Bobagem — respondeu, mas parecia sem fôlego e seus olhos ainda
estavam escuros com o desejo. — A luxúria é uma emoção de curta
duração, não dura muito tempo. Depois que sair da minha vida, vou parar
de pensar em você.
— Mas não vou sair da sua vida, Harry, — avisou. — Então, não pense
que pode fugir disso.
— O que quer dizer? — Exigiu.
— Quero dizer que mereço uma chance, droga — praguejou, o que
restava da sua compostura se partindo. — Tenho uma semana para
conquistá-la, para fazê-la ver que é a mim que quer, e não vou desistir sem
lutar primeiro.
Harriet engoliu em seco e balançou a cabeça.
— O que foi, amor? — Perguntou, aproximando-se dela. — Tem medo
de mudar de ideia?
— Não! — Respondeu, erguendo o queixo, os olhos brilhando de
indignação. — Não vou mudar de ideia.
— Então prove.
— Está bem!
— Hoje à noite.
— Sim! — Harriet o fulminou com o olhar, cerrando os punhos,
totalmente furiosa.
Jasper se lançou sobre ela e a puxou para os seus braços, beijando-a
como se fosse o fim do mundo, como se fosse a última coisa que soubesse
fazer, e seu coração cantou em triunfo quando Harriet respondeu da mesma
forma, pressionando-se contra ele com abandono, segurando-se em seus
ombros.
Embora fosse a coisa mais difícil do mundo, Jasper quebrou o beijo e
deu um passo para trás, tão rapidamente que ela cambaleou. Estava
respirando com dificuldade, seus lábios avermelhados pelo beijo dele, sua
expressão, uma combinação feroz de desejo, indignação e raiva que ele
entendia bem.
— Sabe onde fica meu quarto — disse, as palavras soando mais frias
do que pretendia. — Espero-a depois do jantar.
Ela assentiu tensa e Jasper girou nos calcanhares e deixou a sala.
6
Querida Prue,
Nunca tive a chance de lhe agradecer por persuadir mamãe a
me deixar ficar com Bonnie e Ruth. Elas são tão divertidas e,
embora saiba que não devo dizer uma coisa tão horrível, é tão
maravilhoso ficar livre de mamãe por um tempo.
—Trecho de uma carta da Srta. Minerva Butler para
Sua Graça, a Duquesa de Bedwin.
31 1814. H H ,S .
Matilda respirou fundo e olhou para as nuvens escuras que se
acumulavam no céu. Era melhor se apressar para Holbrooke House, supôs,
mas ainda não estava disposta a voltar, queria ficar fora o máximo possível.
Inventando uma desculpa esfarrapada, disse que precisava comprar luvas
novas e assim caminhou até a aldeia.
Todos os outros convidados haviam partido naquela manhã, como
programado, após o grande baile da noite anterior, mas nenhum deles
levantou cedo o bastante para não obter os detalhes obscenos do mais
recente e suculento escândalo. Quando os convidados partissem para suas
casas, o escândalo iria com eles, para a história ser de conhecimento geral,
era questão de dias.
Ruth, Bonnie e Minerva também saíram cedo, antes de descobrirem
Harriet com St. Clair, para visitar uma tia de Ruth, que morava a cerca de
uma hora de distância. Voltariam no final da tarde, o que deixava Matilda
como a única hóspede remanescente na casa, um fato que a deixava
desconfortável. Isso era sem dúvida ridículo, pois seria possível perder um
exército inteiro naquele lugar cavernoso e não notar, mas Harriet e Jasper
precisavam de um tempo a sós, sem se preocupar com os convidados
metendo o nariz em seus problemas, e para ser honesta, Matilda não queria
esbarrar nos dois antes que estivessem prontos para falar.
Lady St. Clair convidou Matilda para que ficasse o tempo que
desejasse, Bonnie e Ruth também ficariam mais alguns dias. Prue e Bedwin
haviam partido, pois tinham um compromisso anterior, para grande
ansiedade de Prue, que não perdeu tempo em assegurar Matilda que
informasse Harriet que fariam tudo ao seu alcance para mitigar o pior do
boato, embora ambas soubessem que seria em vão. Kitty também queria
ficar e adiar a viagem de volta à Irlanda, onde informaria seus pais sobre
seu casamento com Luke. No entanto, Harriet foi inflexível para que não
fizesse aquilo; não queria que seus problemas obscurecessem a felicidade
de Kitty e seu casamento. Prometeu a Kitty que escreveria, caso precisasse
dela, e Matilda ficou tocada pela maneira como Kitty jurou que retornaria a
qualquer momento que ela precisasse. Não mentia e sua sinceridade
também comoveu Harriet.
Matilda estava feliz que as meninas tivessem se tornado amigas,
embora fossem terrivelmente diferentes umas das outras. Esperava poder
ser um conforto agora, se Harriet pudesse confiar nela. O fato de ter sido
pega com Jasper, de todas as pessoas, só provou as suspeitas de Matilda de
que havia muito mais em seu relacionamento do que Harriet permitia que as
pessoas soubessem. Jasper tinha aproveitado a oportunidade e a seduzido?
De alguma forma, Matilda achava que não, mas nunca se sabe em relação
aos homens, e jurou dar a Harriet todas as chances para que desabafasse.
O Sr. Burton também estava entre o êxodo de convidados que partiram
naquela manhã. Matilda não pôde evitar o suspiro de alívio que escapou ao
saber disso, embora soubesse que era apenas um alívio temporário. Fez
questão de dizer-lhe que iria visitá-la assim que voltasse para a cidade. Esse
foi um dos motivos pelos quais aceitou a oferta de Lady St. Clair com tanto
entusiasmo. Tinha muito que pensar sobre alguns assuntos e ficou grata
pelo convite, até porque Harry precisaria do seu apoio naquele momento.
Recusou-se a admitir o alívio extra de ter os problemas de outra pessoa com
os quais se preocupar. Os seus problemas certamente poderiam esperar.
Matilda olhou para o céu ameaçador e murmurou uma maldição nada
feminina. Tinha sido uma manhã adorável, mas o calor e a umidade
excessivas dos últimos dias finalmente chegaram ao limite. O trovão
ribombou ameaçadoramente à distância e Matilda correu o mais rápido que
pôde, quando as primeiras gotas de chuva caíram sobre a estrada
empoeirada, com uma agressão surpreendente. Diabos. Estava exatamente
na metade do caminho entre a aldeia e Holbrooke House, não fazia sentido
voltar para trás. A distância entre a casa e a aldeia era de cerca de cinco
quilômetros, e Matilda estava ansiosa com a oportunidade de esticar as
pernas e fazer uma caminhada agradável. Mas seu otimismo parecia ter sido
equivocado; soltou um pequeno grito de consternação quando os céus se
abriram e a raivosa rajada de chuva ensopou seu vestido de musselina em
questão de segundos.
Correndo o melhor que podia com o tecido molhado grudado em suas
pernas, Matilda buscou abrigo debaixo de um enorme carvalho, quando um
trovão estrondoso rasgou o céu acima da árvore. Estremeceu e olhou ao
redor, em busca de outro abrigo, com menos probabilidade de ser atingida
por um raio. Lembrando ter visto o que talvez tivesse sido uma cabana um
pouco mais a frente, na estrada, cambaleou para longe do carvalho e tentou
ignorar a chuva congelante que picava sua pele. Um grito escapou dela
quando outro trovão explodiu, o estrondo foi tão alto que estremeceu o chão
e vibrou em seu peito, fazendo seus ouvidos zumbirem. À medida que o
som dissipou, outro ocupou seu lugar, e demorou um momento para que
percebesse que não se tratava de outro trovão, e sim um guinchado
aterrorizado de um cavalo.
Virou-se e arfou quando um enorme cavalo baio empinou na estrada,
logo atrás dela, seus cascos se agitaram e expôs o branco dos seus olhos
enquanto a besta relutava contra o controle de seu cavaleiro. Matilda
observou admirada e horrorizada, incapaz de acreditar que o cavaleiro
conseguia permanecer montado naquelas circunstâncias e controlar o
animal. A besta ainda estava com os olhos selvagens e apavorados quando
outra explosão de trovão estourou acima deles, seguida rapidamente por um
raio que atingiu apenas três metros de distância. O cavalo reagiu
imediatamente, relinchando de medo e empinando de forma tão violenta
que ela pensou que cavalo e cavaleiro fossem cair para trás, mas antes
disso, ele finalmente deslocou seu cavaleiro e disparou ao longo da estrada
a uma velocidade vertiginosa.
— Deus do Céu! — Matilda exclamou e correu em direção ao sujeito,
rezando para que não estivesse gravemente ferido.
Quando se aproximou dele, seus olhos registraram uma mecha de
cabelo loiro platinado e seu coração deu um salto no peito quando o
reconheceu.
— Oh, não, — disse, já que a figura estava terrivelmente imóvel.
Ajoelhando-se, afastou o cabelo encharcado de seus olhos, que
permaneceram fechados. O perfil belo e arrogante era angelical quando
visto daquela forma, seus cílios eram grossos e tinham a cor de ouro mais
escuro, sombreando as maçãs do seu rosto saliente; e a boca, que sempre
acreditou ser cruel, era muito mais suave e surpreendentemente cheia em
repouso.
— Milorde — chamou, dando tapinhas em sua bochecha, enquanto seu
coração disparava de medo. Não podia estar morto, não ele. Não era
possível. — Milorde, acorde, por favor... por favor, acorde.
Ele não se mexeu e o coração de Matilda apertou. Não, não, não se
atreva.
— Milorde — disse novamente com mais urgência. — Oh, Montagu,
seu maldito, acorde! Por favor, por favor...
Ele suspirou e suas pálpebras abriram. Matilda prendeu a respiração
quando aqueles surpreendentes olhos prateados encontraram os dela. Por
apenas um segundo ele piscou, ainda estava confuso quando Matilda soltou
um grito e colocou a mão no coração.
— Graças a Deus, — disse, incapaz de esconder as profundezas de seu
alívio. — Graças a Deus!
— Estou morto? — Veio um murmúrio divertido e seco.
— Não me tente — Matilda murmurou encontrando seus olhos
brilhando e focados apenas nela. — O senhor me deu um grande susto.
— Ah — disse, seu tom ligeiramente curioso. — Só queria saber por
que a senhorita estava agradecendo a Deus com tanto fervor. Estou aliviado
ao descobrir que não foi porque a senhorita finalmente se livrou de mim.
Embora a chuva ainda estivesse caindo insistentemente ao redor deles,
como ele não tentou se mover, perguntou-se se estava gravemente ferido.
— O que há de errado? — Exigiu, inclinando sobre ele quando o
pânico que sentiu antes retornou. Olhou-o, inspecionando o comprimento
de seu corpo poderoso enquanto procurava por qualquer sinal de sangue ou
ossos quebrados. O desejo de correr as mãos sobre seu corpo e verificar
cuidadosamente foi algo que lutou para conter. — O senhor está
machucado? Quebrou alguma coisa?
Quando seu olhar voltou para o rosto dele, teve uma fração de segundo
para registrar um olhar que fez seu coração pular antes dele levantar a mão
e apertar sua nuca.
— Ah não! — Gritou, tapeando o braço dele e se afastando com tanta
rapidez que caiu de costas em uma poça.
Seu coração estava retumbando aterrorizado em pensar num beijo dele,
pois sabia que era isso que ele pretendia fazer. Também sabia que, se sua
boca encostasse a dele, todas as esperanças que tinha para o futuro
desapareceriam no espaço entre um batimento cardíaco e outro. Não podia
mais negar o que ele vivia afirmando, de que havia algo entre eles, uma
poderosa atração magnética que parecia não se importar se realmente
gostavam ou não um do outro. Tinha razão, mas ela negaria até seu último
suspiro.
— Uma pena — Montagu suspirou, apoiando-se nos cotovelos. —
Pensei que a senhorita pudesse ser mais gentil com um cavalheiro ferido.
— Ferido? — Matilda retrucou, levantando toda desequilibrada e
fazendo o possível para olhar furiosamente para ele enquanto enxugava a
chuva dos seus olhos. Não era fácil. — Vou feri-lo permanentemente se o
senhor tentar fazer isso de novo.
Montagu a olhou, aquela sua boca arqueada de forma tão arrogante que
lhe era muito familiar. — Não se preocupe, Srta. Hunt, não vou tentar
novamente. Na verdade, acho que prefiro que a senhorita instigue nosso
primeiro beijo. Será muito mais doce assim.
Matilda ficou boquiaberta. — O senhor é insano.
Encarou-a, e, na intensidade de seu olhar, aquela certeza inabalável de
que estava certo, fazendo com que ela ficasse com um desejo
enlouquecedor de desviar os olhos, mas não fez isso. — A senhorita sabe
perfeitamente que não sou. A senhorita deseja me beijar tanto quanto eu
quero que o faça, mas sou um homem paciente, Srta. Hunt. Agora, —
continuou mudando de assunto como se estivessem falando sobre o tempo,
e deixando Matilda abalada, — temo que terei de me valer de sua ajuda.
Acredito que machuquei meu tornozelo na queda.
Matilda o encarou por um momento, dividida entre negar
fervorosamente que queria beijá-lo - embora soubesse que era uma mentira
e que provavelmente precisava ser trancada para sua própria segurança - e
continuar a se preocupar com o quão gravemente estava ferido.
— Está quebrado? — Perguntou, voltando para o lado dele.
— Não, — respondeu, enquanto ela se abaixava e colocava o braço sob
o dele para ajudá-lo a se levantar. — Acho que não, mas... Cristo!
Matilda vociferou quando os dois quase caíram de novo, pois não
conseguia suportar o peso dele. De alguma forma, Montagu equilibrou os
dois, e ao olhá-lo descobriu que seu rosto estava pálido.
— O senhor tem certeza de que não está quebrado? — Arriscou.
— Bastante certeza — disse, laconicamente. — Torcido, acredito.
— Pelo menos a chuva está diminuindo —, disse Matilda, tentando se
distrair do fato de que o braço do marquês de Montagu estava em volta da
sua nuca e apoiado em seu ombro, fazendo com que ficasse pressionada
firmemente a lateral de seu corpo. Um trovão estrondou baixinho, ficou
aliviada ao perceber que a tempestade estava se afastando. — O que
fazemos agora? — Perguntou, rezando para que ele não fizesse algum
comentário desagradável, pois estava tremendo, e sabia que não era pelo
frio, mas juraria por sua vida que era, se fosse questionada.
Era tão sólido, muito mais musculoso do que imaginou por baixo de
toda aquela alfaiataria impecável. Acreditava que fosse alto e magro, mas o
corpo abaixo da sua mão era firme e muito mais poderoso do que
imaginava. O calor que emanava queimava através de suas roupas úmidas e
começou a se sentir desnorteada com sua proximidade. Talvez estivesse
ficando doente. Esperava que pudesse ser pneumonia e não algo mais
perigoso.
Montagu não respondeu, mas olhou em volta ao ouvir o som de cascos
de cavalos.
— Graças aos céus pelas pequenas bênçãos — disse, com um suspiro,
enquanto quem quer que fosse parou e os cumprimentou, escorregando da
sela e correndo até o marquês.
— Milorde! — O homem exclamou, os olhos arregalados de
preocupação. — O senhor está ferido, milorde? Saí assim que ouvi a
tempestade.
Matilda admitiu surpresa, com a preocupação óbvia na expressão do
homem. Pela aparência, presumiu que fosse um cavalariço ou algo do tipo,
e era óbvio que saíra apressado pois não usava um casaco, estava apenas
com sua camisa de baixo. Rijo e magro, era, talvez, vinte anos mais velho
que o marquês.
— Nada com que se preocupar, — Montagu respondeu. — Obrigado
por vir.
O sujeito tirou tardiamente o chapéu da cabeça e surpreendeu Matilda
ao murmurar: — Eu disse ao senhô que ia caí uma tempestade.
— De fato — Montagu disse, sua expressão benigna e sufocante ao
mesmo tempo. Estava se perguntando como ele fazia aquilo. — Vou
precisar da sua montaria para levar a Srta. Hunt de volta para Holbrooke
House. Volte para a estalagem, mande minha carruagem me buscar e faça
com que o pessoal saia à procura de Rhaebus. Rezo para que ele não se
tenha ferido.
— Sim, milorde, imediatamente.
— E como o senhor propõe montar um cavalo com um tornozelo
torcido, milorde? — Matilda perguntou irritada.
Montagu devolveu um olhar de leve surpresa quando Thornton se
aproximou com o cavalo. Matilda observou quando o marquês agarrou um
punhado de crina com a mão esquerda, colocou a direita na sela e saltou
sem nunca tocar nos estribos. A boca de Matilda ficou um pouco seca e ela
bufou, recusando-se a admitir que estava impressionada.
— Posso fazer isso sem sela também, se a senhorita preferir —
ofereceu.
— Dificilmente o certo para o marquês de Montagu, —rebateu,
fingindo uma expressão escandalizada, quando, na verdade, já estava
imaginando exatamente isto. — O que a ton diria se soubesse?
— Imagino que todos os jovens cavalgariam para cima e para baixo em
Rotten Row, sem nenhuma sela, no dia seguinte — disse, seu tom entediado
usual evidente, embora seus olhos estivessem brilhando de diversão.
Matilda murmurou algo sobre orgulho vir antes de uma queda, mas por
outro lado se recusou a cair na isca dele.
Montagu deu algumas instruções para Thornton, antes que o homem
corresse de volta para a aldeia. O marquês aproximou o cavalo dela.
— Venha, Srta. Hunt.
Matilda olhou para cima com os olhos arregalados quando Montagu
estendeu-lhe a mão.
— Absolutamente não —, disse, recuando e balançando a cabeça. —
Não, não. De fato, não. Agradeço, mas prefiro caminhar.
— Não deveria preferir, sua tola. A senhorita está encharcada até os
ossos e vai acabar ficando doente. Além disso, — acrescentou com um
brilho perverso nos olhos, que fez seu pulso vibrar de uma forma
notavelmente estúpida — a senhorita sabia que a musselina fica
curiosamente transparente depois de molhada?
Matilda de repente sentiu-se um pouco menos gelada quando suas
bochechas chamuscaram, deu um pequeno gemido de indignação. Pelo
menos da cintura para cima ela estava coberta por sua spencer, embora
também estivesse encharcada, mas da cintura para baixo...
— Venha, ande logo, Srta. Hunt. Afinal, sou um cavalheiro.
Certamente a senhorita confia em mim o suficiente para não olhar.
— Não confio — Matilda respondeu sucintamente e começou a se
afastar, apenas para perceber que tipo de visão aquilo lhe proporcionaria.
Praguejou e se virou, segurando sua reticule à sua frente. — O senhor vá na
frente, — grunhiu por entre os dentes cerrados.
— Não, Srta. Hunt. Não poderia.
Matilda estreitou os olhos para ele e sabia que perderia aquele embate.
— O senhor é, sem dúvida, o homem mais odioso, arrogante e irritante de
todo o país.
Montagu resmungou, balançando a cabeça consternado. — Do
império, certamente? Se é algo que valha a pena, etc... — Acrescentou,
acenando com a mão indiferentemente.
Reprimindo o desejo de rosnar furiosamente - pois certamente ele
gostaria disso - Matilda foi até o cavalo. Montagu se abaixou antes que ela
se preparasse, e a próxima coisa que percebeu foi que estava sendo
levantada e posta de lado na frente dele. Deu um gritinho agudo, até porque
o pomo era muito desconfortável, quase escorregou, mas um braço forte
agarrou sua cintura, segurando-a firmemente no lugar.
— Acalme-se, a senhorita vai acabar assustando o cavalo, —
respondeu irritantemente frio, enquanto Matilda olhava para o chão, que
parecia terrivelmente longe demais.
— Não gosto de cavalos — disse, sem saber o que lhe causava mais
angústia, se a proximidade do marquês ou a falta de proximidade com o
solo. Não. Não tinha nenhum pouco de dúvida. Na verdade, não tinha muita
opção a não ser se agarrar a ele, dada a falta de espaço. Era íntimo demais e
estava destruindo seu equilíbrio.
— Estou segurando a senhorita — disse, com a voz calma, o que a
perturbou mais do que qualquer outra coisa que ele poderia ter dito ou feito.
As palavras deslizaram sobre sua pele como uma carícia e a fizeram
querer afundar em seu abraço. Em vez disso, se afastou e se aprumou, o
mais longe possível, rígida de ansiedade enquanto o cavalo balançava em
movimento. Alarmada, agarrou a coisa mais próxima para se firmar,
percebendo depois que eram as lapelas de Montagu.
Ele olhou para baixo e suspirou. — Bem, já estava arruinado de
qualquer maneira, suponho, embora prefira que a senhorita coloque seus
braços em volta do meu pescoço.
— Prefiro morrer, — Matilda disse, desejando que seus dedos
soltassem seu casaco, mas completamente incapaz de fazê-lo.
Observou o chão passando sob o cavalo, enquanto a besta avançava.
Continuaram assim por algum tempo, Matilda rígida de tensão e olhando
fixamente a terra.
— Pare de olhar para baixo, — Montagu disse, uma nota de diversão
em sua voz. — Prometo que não vou deixá-la cair. Devo confessar que
estou satisfeito em descobrir algo que a assusta. Estava começando a
acreditar que a senhorita era totalmente destemida.
Isso foi o suficiente para fazê-la olhar para cima e encará-lo com
espanto.
— Que foi? — Perguntou. — Há muitas pessoas que me temem, que
gaguejam e balbuciam na minha presença, mas a senhorita não. Nem uma
única vez. A senhorita nunca teve medo de mim, desde o começo.
Disse aquilo sem inflexão, apenas um reconhecimento da verdade.
Montagu era um homem poderoso e com muitos interesses. Ame-o ou
odeie-o, ninguém pode ignorá-lo e muitos temem seu desagrado.
— O senhor está equivocado — Matilda respondeu, afastando-se dele.
Temia-o, temia o caminho a que ele poderia levá-la se cedesse à
tentação.
— O que o senhor está fazendo aqui? — Perguntou, antes que ele
pudesse questioná-la mais, e ficou ainda mais aliviada por Holbrooke
House começar a aparecer à frente.
Quanto antes se afastasse dele, melhor.
Houve uma breve pausa antes dele responder. — Eu tinha negócios na
região.
— Com St. Clair?
— Não, eu... St. Clair me convidou para a festa, mas eu tinha outros
assuntos que precisavam da minha atenção. Enfim, estava aqui há alguns
dias, por isso achei educado fazer uma visita.
Matilda se virou e arqueou uma sobrancelha para ele.
— O que? — Perguntou. — Minhas maneiras são impecáveis, Srta.
Hunt, pergunte a qualquer um.
Ela fez um som que não era particularmente elogioso e ouviu o som
baixo de uma risada. Cavalgaram em silêncio por um tempo e Matilda
concentrou todo seu ser em ignorar o corpo masculino musculoso tão perto
dela, as coxas poderosas controlando o cavalo abaixo com facilidade, e o
perfume dele que emanava de suas roupas úmidas. Couro e cavalos, o
aroma sutil de bergamota e algo quente e masculino a envolveram. O desejo
de afrouxar o aperto em sua lapela e deslizar a mão por seu pescoço era
tentador. Poderia afundar os dedos em seus cabelos e ver as mechas loiras
emaranhadas neles, observar aqueles olhos cinza-prata pálidos
escurecerem...
Pare com isso. Pare imediatamente com isso. Seria como acariciar uma
cobra, se repreendeu. Perdeu completamente o juízo?
Totalmente, inegavelmente, irremediavelmente, respondeu uma voz
melancólica em sua cabeça que se recusou a reconhecer.
— A senhorita já pensou mais sobre a minha oferta, Srta. Hunt?
Ora, era isso.
— Aqui é o suficiente — disse, furiosamente, enquanto arrancava o
braço dele da sua cintura.
— Senhorita Hunt, tome cuidado, a senhorita vai cair, —protestou, mas
Matilda não se importou.
Praguejando baixinho, escorregou do cavalo em uma pilha nada
feminina antes de se endireitar.
— Vire-se e volte por onde veio —, disse, e esticou o braço, apontando
de volta para a aldeia.
Graças a Deus, pensou, grata por estar enraivecida, e aliviada porque
isso a salvou de fazer papel de boba. No entanto, não estava disposta a sair
andando, com ele a observando, não depois do comentário sobre musselina
molhada. Chegar ao quarto sem ser vista já seria um desafio e tanto.
Sua expressão ficou sombria. — A senhorita age como se a estivesse
insultando, — disse friamente. — Ainda assim, a senhorita seria uma das
mulheres mais poderosas da ton. Sei de mulheres que se comportaram
levianamente pela menor oportunidade de serem consideradas minhas
amantes.
— Então vá e conceda suas honras a elas, milorde, — disse, zombando
dele, grata por lembrar exatamente quem ele era e o que queria dela. Por um
momento, no alívio de saber que ele estava vivo, se esqueceu disso, foi uma
coisa imperdoavelmente estúpida e perigosa de se fazer.
Observou-a, e ela pensou que falaria alguma coisa, mas então sua
mandíbula apertou e ele deu um aceno quase imperceptível.
— Bom dia, Srta. Hunt.
Matilda observou enquanto virava seu cavalo e partia; esperou até que
estivesse fora de vista, antes de correr para o abrigo da casa.
7
Querida Aashini,
O que aquele homem horrível tem...
Não pode adivinhar quem encontrei hoje...
Sou uma tola.
Tenho me divertido muito aqui em Holbrooke House, mas
temo que a pobre Harriet esteja em uma situação difícil...
―Trecho de uma carta da Srta. Matilda Hunt para Lady
Aashini Cavendish
31 1814. H H ,S .
Matilda observava as chamas que crepitavam alegremente na lareira de
seu quarto. Estava seca e aquecida, um bule de chá sobre a mesa ao lado e
um prato de bolinhos no colo. A chuva tinha voltado, e quando se está
confortavelmente dentro de casa, o som da chuva batendo contra o vidro da
janela é bastante reconfortante. Ao menos a tempestade havia partido com a
mesma velocidade com que havia chegado. Com uma onda atípica de
vingança, esperava que o tornozelo de Montagu doesse muito, e depois
suspirou quando seus olhos pousaram na bela orquídea que ele lhe deu.
Sabia que não desejava isso de verdade. Deveria desejar, se tivesse um
pingo de juízo, desejar com todas as suas forças, mas não tinha.
O fato de ter trazido a maldita orquídea, em vez de deixá-la correr o
risco de morrer em sua ausência, dizia muito sobre seu estado de espírito.
Só o maldito Montagu para dar-lhe algo tão perfeitamente lindo e
horrivelmente caro que a faria se sentir como um monstro, se sofresse
algum dano em suas mãos. Gastou uma fortuna em livros e horas lendo
sobre como cuidar da maldita coisa, pelo amor de Deus. Era lamentável.
Por que o maldito não podia simplesmente enviar-lhe rosas e acabar com
isso?
Uma batida na porta espantou seus pensamentos, e ela colocou o prato
de bolinhos de lado.
— Entre.
Matilda levantou-se com um pulo, quando Harriet colocou a cabeça
entre a porta entreaberta.
— Posso entrar? — Perguntou com a voz nada firme.
— Claro que sim, querida. Entre e sente-se. Oh, Harriet... — exclamou,
quando Harriet fechou a porta e começou a chorar imediatamente.
Matilda foi ao seu encontro e a abraçou com força.
— Pronto, pronto, — acalmou-a. — Venha e me conte tudo. Prometo
que vai se sentir muito melhor quando tirar isso do peito. Duvido que seja
tão horrível quanto pensa.
Guiou Harriet, que soluçava, até a cadeira que acabara de desocupar e
aguardou, permitindo-lhe um momento para se recompor enquanto acendia
o fogo e servia outra xícara de chá. Depois que a jovem recuperou um
pouco do seu controle, Matilda arrastou a poltrona para perto de sua amiga
e se sentou.
— Agora, então, querida. Acho que talvez seja melhor que comece do
início, não é?
Harriet olhou-a por um bom momento, seus olhos escuros como uma
coruja e vulneráveis por trás daqueles óculos delicados que usava, e então
assentiu.
31 1814. T W ,S .
— Céus, mas a sua tia é uma mulher desagradável — Bonnie disse
enquanto a carruagem se afastava ruidosamente da casinha onde vivia a tia
de Ruth.
— Bonnie! — Minerva exclamou chocada, mas Ruth apenas riu da
avaliação contundente de Bonnie, uma risada tão profunda que fez Minerva
sorrir apesar de seu choque.
— Bom, temo em dizer, mas é verdade — Ruth respondeu com os
lábios ainda distorcidos quando se virou para Bonnie. — Todas as mulheres
Stone são formidáveis, para dizer o mínimo, mas tia Ethel é uma das piores.
— Quase derrubei minha xícara de chá quando ela perguntou se estava
se esforçando o suficiente para conseguir um marido — Minerva admitiu.
Certamente ficou apavorada com a velha megera, verdade seja dita, e
estava admirada pela dignidade silenciosa de Ruth. A jovem não perdeu a
paciência nenhuma vez sequer, apesar de algumas provocações chocantes
quanto à sua falta de beleza e incapacidade de conseguir um nobre, apesar
de seu dote ultrajante. Porém, Ruth também deixou perfeitamente claro que
não seria intimidada.
Minerva gostaria de ter esse tipo de força de caráter. Sempre temeu ser
superficial e um tanto tola, e sempre soube que não era terrivelmente
inteligente, ao contrário de sua prima Prue, que era escritora. Isso a irritava
tanto que foi bastante desagradável com Prue, que sempre a fez se sentir
uma boba, mas apenas porque Minerva temia que ela estivesse certa.
Felizmente, estavam próximas agora, todos os mal-entendidos foram
completamente esquecidos. Prue tinha até pedido a seu marido, o duque,
que desse um belo dote a Minerva e uma mesada para ela e sua mãe, uma
generosidade que Minerva jamais poderia retribuir.
Antes, dependia apenas da sua aparência, já que nunca foi espirituosa
ou popular, mas pelo menos agora tinha o dote para falar a seu favor. Na
verdade, era bastante deprimente pensar que um cavalheiro pudesse
escolher se casar com ela por seu dinheiro, senão por outra coisa, mas... ora,
bem, sua aparência não iria durar para sempre, não queria viver como sua
mãe havia vivido, economizando sem parar e se preocupando com as
dívidas. Sua mãe aparentava despreocupação com isso, mas nunca era
possível saber se essa era toda a verdade. Minerva sabia como agir, como
sorrir, e fingir que estava se divertindo quando na verdade estava cansada,
sentindo-se miserável e querendo ir para casa.
Voltou sua atenção para Ruth e Bonnie, e sorriu. Era tão bom ter
amigas. Prue tinha feito a maior gentileza de todas ao convidá-la para se
juntar às Senhoritas Peculiares, e Minerva sentiu uma pequena onda de
felicidade ao observar Ruth e Bonnie rindo da tia apavorante de Ruth.
— Acho que merecemos um presente por suportar uma provação tão
terrível — Bonnie disse, olhando pela janela enquanto passavam pela
elegante Tunbridge Wells.
— O que tem em mente? — Ruth perguntou com os olhos brilhando.
— Bolos de creme — Bonnie e Minerva disseram em uníssono,
Minerva agora conhecia Bonnie bem o suficiente para saber que essa era
sua ideia de paraíso.
Ruth riu e deu um aceno decisivo. — Bolos de creme, então.
31 1814. H H ,S .
— Passou muito tempo aqui quando criança. — Matilda adivinhou,
observando enquanto Harriet olhava para o fogo, a imagem do sofrimento.
Harriet acenou. — Nós praticamente morávamos aqui. O falecido
conde e meu pai eram amigos muito próximos, e meus pais frequentemente
viajavam, devido ao trabalho de papai, para pesquisar sobre algum rei
egípcio morto há séculos ou algum papiro ilegível. Papai viajava com a
consciência tranquila, pois sabia que Lorde e Lady St. Clair cuidariam de
nós.
Havia uma certa amargura por trás das palavras e Matilda se perguntou
o quanto Harriet e seu irmão viam seus pais.
— Então, você e Jasper eram amigos?
Harriet deixou escapar uma risadinha e tirou os óculos para enxugar os
olhos com um lenço, antes de voltar a olhar para Matilda. — Eu o amo
desde que me lembro.
— Oh, Harriet — disse Matilda com o coração doendo.
Os lábios de Harriet tremeram, mas ela balançou a cabeça decidida. —
Não. Não seja boazinha comigo, ou vou começar a chorar de novo, me
recuso a fazer isso. Passei muitos anos chorando por aquele homem e jurei
que nunca mais faria isso. Não... não de novo — acrescentou com a voz
trêmula.
— O que aconteceu?
Harriet demorou a responder e Matilda esperou, dando tempo à jovem
para organizar seus pensamentos.
— Nunca me enxergou, não de verdade. Durante todo o tempo em que
estávamos crescendo, me arrastou aqui e ali com Jerome e Henry, mas
sempre me senti como um acessório. Entende, como uma arma de
brinquedo se estivessem brincando de soldados, ou um telescópio ou baú de
tesouro, se fossem piratas. Eu era resgatada, motivo de luta, capturada e
sequestrada mais vezes do que posso me lembrar. Sempre fazia um papel
passivo, naturalmente — disse, revirando os olhos. — Não importava o
quanto protestasse. Não que fosse tão ruim assim, sempre levava um livro
comigo e aprendi a ignorar toda a gritaria.
A boca de Matilda se curvou divertida, imaginando uma pequena
Harriet de trança e indignada e um Jasper criança vestido de pirata. Harriet
percebeu sua expressão e riu um pouco.
— Foi tudo bastante idílico para ser honesta, embora passasse a maior
parte do tempo coberta de lama ou sendo jogada no lago. Pelo menos me
salvavam, suponho.
— E então? — Matilda perguntou.
— E então — Harriet repetiu, seus olhos assumindo uma expressão
enevoada e distante. — Eu tinha dezesseis anos e estava mais perdidamente
apaixonada por Jasper do que nunca. Matilda, ele era tão lindo, mesmo
naquela época. Como um deus pagão, uma perfeição dourada. Tinha quase
dezenove anos e, naturalmente, era um sucesso devastador com todas as
mulheres a quilômetros de distância. Todas eram apaixonadas por ele, desde
as ajudantes da cozinha até as jovens elegíveis. Precisava apenas levantar
um dedo e todas cairiam a seus pés, ainda caem — acrescentou com um
suspiro.
Matilda assentiu, entendendo o quão difícil deve ter sido para Harriet
ver Jasper crescer e se afastar dela, enquanto pulava de uma aventura
amorosa para a outra. Sua reputação pode não ser a verdade completa de
quem era, como sua mãe era inflexível em dizer, mas também não a ganhou
sem motivo.
— Recusou-se a ir para a universidade — Harriet disse com uma
carranca, sua voz ilustrando sua perplexidade.
Matilda também podia entender isso, mas conteve a língua. Harriet
teria dado o braço direito por essa chance, mas essas coisas eram proibidas
para as mulheres.
— Seu pai não sabia o que fazer com ele — continuou. — Meteu-se
em muitos problemas durante seu último ano na escola e o conde se
preocupava com que tipo de travessura um homem tão jovem, bonito e rico
poderia se meter se não recebesse alguma orientação, algo com que se
ocupar. Um Grand Tour estava fora de questão com a guerra em iminência,
então decidiu que Jasper deveria ir para a Rússia, para visitar a família de
sua mãe. A avó dele era russa, sabe.
Matilda assentiu, esperando que Harriet continuasse, mas a jovem
ficou em silêncio, torcendo o lenço que segurava nas mãos. Por fim, voltou
a falar.
— Eu sabia que ficaria fora por quase um ano, o que para mim parecia
uma vida inteira. Então, passei as semanas, antes de sua partida, tentando
reunir coragem para dizer alguma coisa, qualquer coisa. Só que não
conseguia. Fiz a única coisa que pude pensar. Comprei para ele um diário
para registrar suas viagens e... e pedi a uma amiga para fazer um desenho
meu e... e enfiei-o entre as páginas. Achei que pelo menos assim ele poderia
se lembrar de mim, de vez em quando.
— Isso é adorável — disse Matilda, sorrindo.
Harriet bufou. — Foi inútil! Duvido que ele soubesse que estava lá.
Que eu saiba, nunca escreveu uma palavra sobre suas viagens. De qualquer
maneira... — Disse respirando fundo. — Era o dia em que iria embora, eu
estava fora de mim. Achei que meu coração fosse despedaçar por ter que
ficar longe dele por tanto tempo, e... e eu sabia que ele nem se importava,
exceto que...
— Exceto que?
— Viajaria para o porto com outro jovem que conhecia da escola, que
o visitou mais tarde naquela manhã. Tive pena dele. De acordo com meu
irmão, Peter Winslow era uma criatura vil e sorrateira, mas seu pai estaria
viajando como guia de Jasper porque tinha interesses comerciais na Rússia,
e Jasper passaria a noite na casa deles antes de partir. Felizmente, Peter não
iria com eles, sua mãe disse que sua constituição não era forte o suficiente
para suportar o clima russo. Ainda bem, já que teria tornado a vida de
Jasper insuportável, uma criatura tão bajuladora assim. De qualquer forma,
disse a Jasper que tinha um presente para ele e fomos dar um passeio até a
casa de verão. Dei uma desculpa de ter deixado o presente lá, mas na
verdade, queria ficar sozinha com ele.
Matilda esperou, inclinando-se com antecipação ao perceber que estava
morrendo de curiosidade para saber o que causou essa briga terrível entre os
dois, esperando que, se soubesse, pudesse ajudá-los a se reaproximarem.
— Ficou tão contente, muito mais do que o diário justificava e... e
quando dei por mim ele... ele me beijou — Harriet engoliu em seco, seus
olhos se enchendo de lágrimas. — Foi um beijo e tanto, Matilda, um beijo
tão... tão terno, disse-me para não me casar com ninguém enquanto
estivesse fora. — Deu uma risada melancólica e enxugou os olhos com o
lenço mutilado. — Como se alguém fosse pedir a minha mão!
Matilda estendeu a mão e pegou a de Harriet e a apertou.
— De qualquer forma — disse Harriet, afastando-se de seu sofrimento
e endireitando a coluna. — Winslow chegou e tivemos que voltar para a
casa. Jasper não podia me dizer mais nada com todos por perto, me
convenci de que essa era a única razão pela qual ele não disse nada. Pedi a
ele que me escrevesse e me contasse como estava, e prometi responder de
volta.
Matilda esperou enquanto Harriet organizava seus pensamentos mais
uma vez.
— Seus pais iam com eles até a costa para se despedir, e Lady St. Clair
é uma criatura muito esquecida. No momento da partida, lembrou-se de que
havia deixado o livro que queria levar na mesa do console. Bem, é claro que
teria pedido a uma criada, mas eu estava começando a querer chorar e
tentando esconder isso, então me ofereci e corri de volta para dentro para
buscar o livro e ter um momento para mim. Quando voltei, Jasper e Peter
estavam na porta e a porta estava entreaberta, não sabiam que eu estava lá.
Matilda esperou, um aperto repentino na garganta.
— Peter fez alguma observação sobre eu ser uma criatura estranha,
sobre eu sempre ter seguido Jasper como um cachorrinho e perguntando se
ele tinha algum interesse em mim e Jasper, ele... ele deu uma risada
estranha, como se Peter estivesse louco por pensar em tal coisa. Então
olhou para Peter e sua voz estava tão fria, sua expressão cheia de nojo. Não
seja ridículo, disse, como se eu fosse me interessar por Harriet, e desceu as
escadas.
— Oh, Harriet. — Matilda ficou de joelhos na frente dela e segurou
sua mão enquanto a jovem se desmanchava em lágrimas.
Com um tremendo esforço de vontade, Harriet se acalmou mais uma
vez.
— Nunca vou esquecer o jeito que disse aquilo, Matilda. Com tanto
desdém! Como se Peter fosse um idiota, por apenas considerar que ele
poderia ter algum interesse em mim. Disse a mim mesma que não quis dizer
aquilo de verdade, embora certamente parecesse que sim. Disse a mim
mesma que estava apenas irritado com Peter e esperei que me escrevesse.
Se sentisse alguma coisa por mim, com certeza escreveria, não acha?
— É o que se pode imaginar — Matilda concordou, balançando a
cabeça.
— Esperei e esperei, decidida a não escrever para ele até que me
mandasse uma carta. Se me escrevesse, responderia e perguntaria por que
falou aquilo com Peter, mas nunca escreveu, Matilda. Nem uma única vez.
Esteve fora quase um ano inteiro e nunca me escreveu, mas isso não foi o
pior de tudo.
— Oh Senhor! — Matilda disse com sentimento.
Harriet devolveu um sorriso pálido. — Vi Peter dois meses depois.
Estava cheio de notícias de Jasper, ouviu de seu pai, entende? Parecia se
regozijar em me contar o quão popular Jasper era com as mulheres, e
algumas histórias verdadeiramente chocantes sobre ele, coisas que nunca se
deve discutir com uma dama, mas certamente estava claro que Jasper não
estava morrendo de desejo por mim.
— Sinto muito, Harriet.
Harriet encolheu os ombros. — Pelo menos eu soube. Melhor ter
descoberto naquela época, em vez de ficar sentada esperando que voltasse
para casa e pedisse permissão a papai para me cortejar, quando isso
claramente não estava em sua mente. Quando voltou, decidi esquecê-lo e
me concentrar em meus estudos. Tanto quanto meu papai permitiria, de
qualquer maneira — deu um suspiro pesado. — Agora acho que talvez
Jasper tenha pensado que estava sendo gentil, — disse, sua expressão
perplexa. — Kitty me fez reconsiderar suas ações e tenho tentado fazer o
que pediu. Com o benefício da percepção tardia, passei a acreditar que ele
achou que era uma coisa adorável de se fazer, me dando meu primeiro
beijo, pois nunca soube dele agir com crueldade antes, e certamente sabia
que eu estava apaixonada. Talvez tivesse pensado que aquele era um bom
momento, pois ficaria longe muito tempo. Tenho tentado perdoá-lo por isso.
Não sabia o quanto me machucou, quantas noites chorei até dormir depois
que foi embora.
O coração de Matilda se contraiu com a confusão nos olhos de Harriet,
sabendo que a pobre moça esteve pensando sobre isso, intrigada por tantos
anos.
— E quando ele voltou?
Harriet desviou o olhar e olhou para o fogo. — Eu o evitei. Fui visitar
minha tia na Escócia algumas semanas antes dele voltar. Todos presumiram
que eu voltaria para o grande evento, mas fingi estar doente, e minha tia é
hipocondríaca, então não foi difícil convencê-la de que não estava bem para
viajar. Não o vi por meses depois disso, já que nós dois estávamos fora por
vários motivos, e quando finalmente o vi, praticamente o ignorei e
acabamos como estamos agora.
— Mas ele nunca perguntou por quê? — Matilda exigiu.
— É claro — disse Harriet, balançando a cabeça. — Mas nunca
consegui dizer que tinha ouvido o que disse. Me senti tão humilhada,
sabendo que estava apenas brincando comigo. Deus, deve ter se divertido
com a forma como eu caí em seus braços. Praticamente desmaiei. Então,
fingi que tinha sido uma paixonite boba e que tinha superado isso.
— Mas não foi uma paixonite, foi, Harriet? Ainda está apaixonada por
ele.
Harriet fechou os olhos e assentiu. — Tentei tanto, Matilda. Tentei
tanto parar de amá-lo. Não é mais o garoto por quem eu me apaixonei, não
é? É um homem adulto e não o conheço de jeito nenhum. Não temos nada
em comum. Sou simples e adoro aprender, ele parece um anjo caído e
despreza aprendizagem. Por que diabos iria me querer? Por que o quero?
Ele me machucou muito, e o odiei tanto por isso, não entendo como posso
odiar alguém e amá-lo ao mesmo tempo. É ilógico.
Matilda deu um sorriso irônico. — Pode ser ilógico, mas não
impossível, garanto-lhe.
Harriet devolveu um olhar interrogativo e Matilda apressou a conversa.
— O que aconteceu noite passada...
Houve um gemido sincero de sofrimento e Matilda esperou pelo que
viria a seguir.
— Eu me permiti amolecer um pouco, aceitar o conselho de Kitty e
abandonar o passado, perdoá-lo, e isso - junto com o ponche banhado de
conhaque e aquele estúpido desafio maldito - bem... — Harriet ergueu as
mãos em desespero. — E olhe só a bagunça em que estou agora!
31 1814. H H ,S .
— Claro que não vamos dizer nada — disse Ruth, embora seus olhos
ainda estivessem arregalados com o choque.
Minerva não a criticava. Harriet e Jasper? Achava que Harriet o
odiava. Embora, pensando nisso agora, supôs que aquilo poderia ser a
faísca da atração que sentiam um pelo outro.
— Vamos fingir que não sabemos o que aconteceu — Minerva
concordou, dando a Matilda um sorriso tranquilizador enquanto colocavam
as luvas e se preparavam para descer para o que certamente seria uma noite
estranha.
— Mas de que vai adiantar fingir? — Bonnie disse revirando os olhos.
— Todos têm conhecimento de que nós sabemos. Como poderíamos não
saber? Não estou dizendo que devemos falar sobre isso, mas podemos, pelo
menos, mostrar nosso apoio a Harriet, não fingir que estamos indiferentes
ao escândalo gigantesco que está acontecendo debaixo desse teto.
Matilda assentiu. — Sim, Bonnie tem razão. Não adianta fingir que
não sabemos de nada, mas vamos tentar ser discretas. A pobre Harriet está
tão chateada. De qualquer maneira, acredito que não descerá para o jantar.
Ao menos foi o que me disse quando a vi, poucas horas atrás.
— No entanto, imagine — Bonnie disse com os olhos brilhando
maliciosamente. — Uma noite com Jasper Cadogan. Garota de sorte.
Minerva mordeu o lábio quando Ruth se engasgou chocada e Matilda
olhou feroz.
— Não é totalmente apropriado, Bonnie.
— Desculpe — Bonnie se desculpou soando nada arrependida. — Mas
disse que estava noiva de outro sujeito, quem é ele? Nós o conhecemos? E
por que ela não nos contou?
— Acredito que só aceitou o noivado há algumas semanas, embora ele
tenha oferecido no verão passado. Aparentemente, estão se correspondendo
há quase três anos.
— Meu Deus, Harriet é uma caixinha cheia de surpresas — disse
Bonnie com aprovação.
Matilda balançou a cabeça e deu a Bonnie um olhar desesperado. —
Não se tratava de billet doux, e sim de uma troca de ideias e teorias
intelectuais. Não havia nada de romântico nisso pelo que Harriet disse.
Bonnie fez uma careta. — Bem, como ele é, então?
— Não faço ideia. Estava fora quando visitou a casa esta manhã.
— Oh sim, — Minerva acrescentou. — Henry disse que voltou
parecendo um rato afogado. Foi pega por aquela tempestade terrível,
coitadinha? Felizmente tinha acabado quando deixamos a casa da tia de
Ruth.
Matilda enrubesceu, sem nenhum motivo que Minerva pudesse
imaginar. — Eu me molhei um pouco, mas nada com que se preocupar.
Agora, — continuou gesticulando para que todas se apressassem — o
gongo está soando, então é melhor descermos.
As damas desceram as escadas e Minerva admitiu estar apreensiva pela
noite que tinha pela frente. Odiava quando havia tensão no ar, mas toda a
conversa decorreu de forma polida e ninguém ousou dizer nada
desconcertante. Ainda assim, estava faminta e não havia sentido fingir o
contrário. Finalmente aceitou o conselho de Prue e parou de fazer dietas
drásticas, e foi tão gostoso desfrutar de uma boa refeição ao invés de ficar
apenas observando todos comendo enquanto mal tocava o seu próprio prato.
Além disso, Bonnie estava certa. Deviam apoiar Harriet, quer estivesse
presente ou não, e não poderiam fazer isso se não aparecessem.
Lady St. Clair cumprimentou a todos calorosamente, como se não
houvesse nada errado, e todos se sentaram para jantar. Estavam comendo na
sala de jantar menor aquela noite, aquela que a família usava quando não
estavam recebendo, o que foi um alívio. Era um pouco mais íntima e menos
intimidante.
Lady St Clair tomou seu lugar em uma extremidade da mesa enquanto
St Clair sentou-se na outra. Não havia arranjos formais de assentos, e todos
apenas procuraram uma cadeira e pararam em seus lugares quando Harriet
apareceu. Estava pálida e rígida, mas aprumou-se e manteve a cabeça
erguida enquanto caminhava até a mesa. Sentou-se na cadeira mais próxima
de Lady St. Clair e à esquerda de Minerva, o mais longe possível de St.
Clair.
Melhor assim, Minerva pensou, e estendeu a mão por baixo da mesa
para pegar a de Harriet e apertá-la. Não a conhecia muito bem, mas
esperava que o gesto lhe desse coragem. Para seu alívio, Harriet retribuiu ao
aperto antes de soltar a mão.
— Contei-lhe que recebi uma carta de Jemima? — Matilda perguntou a
Bonnie animadamente enquanto quebrava o silêncio ensurdecedor.
— Não — Bonnie respondeu mordendo a isca imediatamente, para
alívio de todos. — Como ela está? Explicou por que desapareceu?
Minerva lembrava vagamente de Jemima, embora só a tivesse visto
uma ou duas vezes. Era loira e bonita, sua compleição era frágil, quase
etérea. Minerva se lembrava principalmente de ter notado que o vestido que
usava estava várias temporadas fora de moda e um pouco grande demais,
claramente sofreu várias alterações. Ocorreu-lhe que talvez a jovem não
pudesse mais se dar ao luxo de comparecer a eventos tão suntuosos da ton,
se fosse forçada a emendar suas roupas. Sem dúvida seria caçoada por
muitos que a desprezariam por essas coisas. Minerva sentiu uma onda de
alívio por não ter sido uma delas. Agiu mal durante a primeira parte desta
temporada, principalmente por desespero, mas não tinha nenhum desejo de
aumentar sua vergonha ao se lembrar de quaisquer palavras indelicadas que
tenha dito. Pelo menos não era culpada disso com relação a Jemima.
— Diz que sua tia está doente e que está cuidando dela. São muito
próximas, creio eu
Bonnie concordou. — Acredito que ela mora com a tia, não mora?
Matilda assentiu. — Sim, isso mesmo. De qualquer forma, devo visitá-
la quando voltar para a cidade.
— Gostaria de poder acompanhá-la — Bonnie disse melancolicamente.
— A senhorita voltará para a Escócia, Srta. Campbell? — Lady St.
Clair perguntou, com o que Minerva suspeitou ser um tom esperançoso.
— Imagino que sim — Bonnie respondeu, retornando um sorriso que
era obviamente forçado. Minerva sentiu um pouco de pena dela, ainda mais
quando o olhar de Bonnie mudou para Jerome e ficou nele.
— Todos ficaram sabendo da novidade? — Lady St. Clair perguntou,
atraindo a atenção de Bonnie para longe de seu filho mais novo, enquanto
sua voz vibrava com excitação reprimida. — O Marquês de Montagu estava
a caminho para nos visitar esta tarde quando foi pego por aquela terrível
tempestade. Acabou caindo do cavalo.
— Não poderia acontecer com um sujeito mais simpático — Jerome
brincou, ganhando uma risadinha de Bonnie e um olhar furioso de sua mãe.
— A senhorita não o viu, Srta. Hunt? — Lady St. Clair perguntou,
virando-se para Matilda. — Devia estar na mesma estrada que a senhorita.
As bochechas de Matilda inflamaram quando todas as Senhoritas
Peculiares presentes ergueram os olhos para olhá-la com idêntica expressão
de indagação.
— Eu... eu... eu... — gaguejou.
— É um longo caminho, Lady St. Clair — Harriet deixou escapar,
tirando a atenção de todos de Matilda. — E Matilda ficou encharcada, mas
voltou para casa muito antes de a tempestade passar, não foi, Henry?
Henry olhou para a irmã por um longo tempo antes de falar. — Sim.
Sim, de fato. Eu a vi. Molhada. Muito molhada, mas..., mas ainda estava
caindo uma tempestade, trovejando, quero dizer... Raios também.
— Então, Montagu provavelmente estava a quilômetros de distância de
onde ela estava, do outro lado da estrada — Harriet acrescentou com um
pouco de força.
— Oh — Lady St. Clair disse com um assentimento e voltou sua
atenção para a sopa.
Henry lançou à irmã um olhar de que diabos foi isso, mas Harriet o
ignorou. Matilda se concentrou em sua própria tigela e não levantou os
olhos. Minerva se perguntou o que Matilda estava escondendo. Estava
acontecendo alguma coisa entre ela e Montagu? Certamente não. Não
depois do que fez com ela.
— Ele ficou gravemente ferido? — Henry perguntou enquanto todos
olhavam para Lady St. Clair mais uma vez.
— Uma torção no tornozelo, acredito — a dama respondeu. —
Doloroso, mas não é nada sério.
— Que pena — Bonnie murmurou baixinho enquanto Minerva tentava
não se engasgar com sua sopa.
— Lady Helena estava maravilhosa, não estava? — Lady St. Clair
perguntou, mudando de assunto mais uma vez.
— Ah, sim, estava — disse Minerva, feliz por ter algo com que
contribuir. Conhecia bem Lady Helena agora, desde que Prue se casou com
seu irmão, o duque de Bedwin. — Ela é adorável, tão vivaz e está sempre
fazendo alguma coisa. Juro que nunca se cansa. Nunca conheci alguém tão
cheia de energia e de natureza tão doce também.
— Sim, exatamente o que penso da jovem. — Lady St. Clair assentiu,
satisfeita, antes de se virar para o filho. — Não acha, Jerome?
Jerome, que claramente não estava participando da conversa, ergueu os
olhos do jantar.
— Acha o que? — Perguntou, enquanto partia um pãozinho ao meio.
— Lady Helena — disse sua mãe pacientemente.
— O que tem ela? — Enfiou um grande pedaço de pão na boca e
mastigou enquanto esperava.
— Honestamente, Jerome, posso muito bem falar com a parede.
Participe da conversa, querido. O que achou de Lady Helena?
— Oh — disse Jerome, engolindo. Fez uma pausa e pensou um pouco.
— Qual dama era ela?
Bonnie deu uma risadinha e houve um lampejo de impaciência nos
olhos de Lady St. Clair. — Não importa — disse, desistindo da conversa.
Minerva mordeu o lábio e se dedicou mais uma vez à sopa, até que
todos terminaram e os criados tiraram a mesa e trouxeram os próximos
pratos. Embora fosse apenas um jantar informal, a mesa estava cheia. Um
prato de peixe que Minerva não conseguiu identificar foi servido ao lado de
rosbife, vários frangos assados, torta de pombo, ensopado de carneiro,
vitela, uma torta de amêndoa e vários pratos de vegetais.
Com um pequeno suspiro feliz de antecipação, Minerva aceitou
porções da torta, frango assado e uma boa porção de vegetais.
— É bom vê-la comendo direito — Bonnie murmurou. — A primeira
vez que a vi em um jantar fiquei preocupada. Não comeu basicamente nada.
Minerva sorriu, então deu uma grande garfada do frango assado
deliberadamente e suspirou contente. Bonnie riu e seguiu seu exemplo.
Minerva olhou ao redor da mesa para ver se todos estavam comendo e
notou Harriet beliscando seu jantar com uma nítida falta de entusiasmo. Um
olhar para a outra extremidade da mesa confirmou que St. Clair não estava
muito diferente. Sua mão descansava na haste de sua taça de vinho, que
girava para frente e para trás, enquanto estudava o conteúdo com uma
expressão inescrutável.
Minerva suspirou e torceu para que os dois pudessem resolver seus
problemas. Era possível. Bedwin e Prue também tiveram uma situação
difícil quando o duque descobriu quem havia escrito aquela história
obscena sobre ele. Certamente, se eles puderam superar esses problemas,
St. Clair e Harriet poderiam ter o mesmo destino.
Melancolicamente, a memória de Minerva voltou à livraria e ao olhar
verde-acinzentado bastante enervante do homem que conheceu. Deveriam
ter mais esperança do que ela, de qualquer maneira. Pois não havia
nenhuma razão terrena para um homem considerado uma das grandes
mentes de nossa geração prestar atenção a uma bela estúpida como
Minerva.
Com um suspiro abatido, Minerva voltou sua atenção para o jantar e
tentou tirá-lo da cabeça.
A 31 1814. H H ,
S .
Jasper recuou, sentindo-se um pouco tonto ao interromper o beijo.
— Onde estão seus óculos? — Perguntou, tocando o dedo na ponta de
seu nariz.
— Deixei-os no meu quarto — respondeu piscando. — Achei que não
fosse precisar deles.
— Isso depende — disse com um sorriso bobo curvando sobre sua
boca. — Consegue me ver?
Harriet revirou os olhos. — Não sou totalmente cega, sabia?
— Sei. Só não quero que perca nada. — O sorriso de Jasper se alargou
em deleite quando corou em tom escarlate. — Além do mais, adoro seus
óculos.
— Ora, por favor — disse, e ele sabia que estava morrendo de vontade
de revirar os olhos mais uma vez. — Ninguém gosta de jovens de óculos.
— Eu gosto — murmurou, abaixando a cabeça para dar um beijo na
lateral do pescoço dela e amando o som de sua respiração acelerada
enquanto o fazia. — Sempre gostei.
— Não — disse, afastando-o. — Não faça isso.
Jasper franziu a testa e olhou-a. — Não faça o que?
— Não... não faça amor comigo, ou diga coisas que não são
verdadeiras. Já disse que vou para a cama, mas..., mas é algo puramente
físico. Nada além disso. Só precisamos tirar isso dos nossos sistemas, isso é
tudo.
Encarou-a por um longo momento, perguntando-se se seu coração
poderia aguentar muito mais aquele batimento acelerado entre a felicidade e
o sofrimento.
— Vá então — disse não totalmente firme, e depois se afastou dela,
sabendo que não suportaria vê-la partir.
— Mas... — Harriet disse tão perplexa que teve vontade de chorar.
— Não posso fazer isso, Harry — disse, tomado por uma forte emoção
quando se virou para ela. — Diz para que eu não diga o que é verdade e
para manter as coisas puramente físicas, mas não posso fazer as duas coisas.
A verdade é que eu a amo e se a levar para a cama, farei amor contigo
porque não posso fazer outra coisa além disso. Isso seria uma mentira,
Harry, e tem havido muitas mentiras entre nós.
Encarou-a e viu a confusão em seus olhos, sabendo muito bem que não
acreditava nele.
— Muito bem — falou com a voz trêmula — então faça-me acreditar.
A respiração de Jasper ficou presa. Agora, isso ele poderia fazer.
Diminuiu a distância entre os dois e a puxou de volta para seus braços,
a tensão deixando seu corpo ao passo que os dedos de Harriet entrelaçaram
seus cabelos, e se derreteu nele. Jasper sorriu contra sua boca enquanto as
mãos dela deslizaram por seu pescoço e por seu peito em direção a fita que
segurava seu roupão, puxando-o e abrindo-o antes de levantar os braços e
tirá-lo dos seus ombros. Soltou-a, apenas para permitir que o roupão caísse
no chão. Não usava nada por baixo dele, e ficou parado, sem se mexer,
dando a Harry tempo suficiente para observá-lo.
Seus olhos se arregalaram, sua respiração ficou presa, e cada
terminação nervosa em seu corpo saltou à atenção quando estendeu a mão
hesitante e tocou sua pele nua.
— Já me viu antes — lembrou-a — Duas vezes, aparentemente.
Ela corou e deu-lhe um olhar atrevido. — Uma vez à distância e a
segunda vez foi um pouco... nebuloso — admitiu.
— Bem, é melhor dar uma boa olhada desta vez. Gostaria de deixar
uma impressão duradoura — disse, embora não tivesse intenção de dar a ela
a menor oportunidade para esquecê-lo.
— Como Davi — murmurou, arrastando um dedo sobre o pelo áspero
em seu peito.
— Nunca viu Davi — respondeu sem fôlego.
— Vi figuras e uma cópia em tamanho real — respondeu
desafiadoramente. — Embora existam... algumas diferenças — permitiu
dizer.
Jasper sorriu. — Sim, sempre o achei um pouco mal dotado.
— Está certo — Harriet murmurou, olhando para a parte dele que
clamava por sua atenção. Mas tirando isso...
Seu dedo traçou um caminho pelo abdômen, fazendo os músculos se
contraírem e saltarem até que ela alcançou seu quadril. Olhou para ele. — É
a coisa mais bonita que já vi.
A garganta de Jasper apertou. Sabia que era bonito, claro que sabia. As
mulheres costumavam repetir muitas vezes e se comportavam de forma
chocante para conseguir levá-lo para suas camas, mas os elogios delas
nunca significavam nada para ele. Nunca teria a mesma inteligência de
Harriet, nunca poderia entretê-la com seu engenho, mas isso... isso ele
poderia lhe dar, por mais superficial que parecesse em comparação.
— Acredito que essa seja a minha fala — disse, tentando sorrir, mas
descobrindo que estava dominado demais para poder controlá-lo.
Ela deixou escapar um pequeno sorriso. — Diremos apenas a verdade,
lembre-se.
Ele franziu a testa e estendeu a mão, capturando o rosto dela. — Não
sei o que vê quando se olha no espelho, amor, e nem o que as outras pessoas
veem, mas eu a vejo, Harriet, e é linda.
Harriet o encarou com os olhos marejados, desejando poder acreditar
nele, embora não confiasse. Ainda não, mas iria confiar. Nem que se
passasse uma vida inteira, passaria a acreditar que era bonita e amada por
ele.
Aproximou-se e tocou sua boca na dela, suavemente, ternamente,
colocando todas as suas esperanças e sonhos no toque de seus lábios.
Harriet suspirou e estendeu a mão, pressionando-se contra ele e o desejo
reacendeu, mais forte do que nunca. Era a coisa mais difícil ter que se
conter, manter seu toque lento e suave.
Alcançando os laços que ela havia desatado pela metade, terminou o
trabalho, empurrando o xale no chão antes de desfazer a gola de sua
camisola e abri-la para que deslizasse até a curva generosa de seus quadris.
Sua respiração engatou quando se afastou para olhá-la e pegou suas
mãos quando quis se cobrir.
— Já me viu antes também — reclamou enquanto ele afastava suas
mãos.
— E, ainda assim, me deixa sem fôlego — disse falando sério. — Oh
amor.
Abaixou a cabeça e beijou primeiro um seio, depois o outro, voltando a
brincar com o mamilo enrugado, circulando-o com a língua antes de chupar
suavemente. Harriet se engasgou e agarrou seu cabelo, segurando-o
firmemente.
— Adorável — murmurou. — Tão perfeita.
Ergueu-se e olhou-a, encontrando seus olhos mais escuros do que
nunca e suas bochechas coradas. Sorriu e beijou seu nariz, antes de remover
a camisola de seus quadris.
— Venha para a cama comigo, Harry, por favor — acrescentou, ainda
um pouco incerto, apesar do seu olhar.
Ela assentiu e foi à frente dele, subindo na cama e se deitando rígida
como uma tábua. Jasper deitou-se ao lado dela, a cabeça apoiada no braço e
um sorriso ridículo no rosto.
— Que foi? — Exigiu.
— Nada — disse, ainda sorrindo como um bobo. — Estou muito feliz,
só isso. Me faz feliz.
— Não, não faço —rebateu e desviou o olhar. — Eu o deixo irritado.
— Só porque a provoco e revida. Então fico irritado.
Ela soltou a respiração. — Verdade. Então, por que me provoca?
— Porque é melhor do que ser ignorado, Harry. Se não me vê, sinto
que posso desaparecer completamente.
O olhar de Harriet voltou para o seu, atento e questionador, aquele
cérebro feroz examinando suas palavras e pesando cada uma delas. Desviou
o olhar novamente, ainda intrigada, mas ele sabia que não faria quaisquer
perguntas que estivessem queimando dentro da sua cabeça. Se ela mesma
não conseguisse decifrar, não procuraria uma resposta, pois era orgulhosa
demais para pedir que explicasse.
— Não deveria... fazer alguma coisa? — Perguntou impaciente.
— Talvez — disse, se deitando de costas e postando as mãos atrás da
cabeça. — Mas acho que é sua vez de começar.
— O que? — Harriet se sentou e olhou para ele.
— Vamos, Harry. Sempre amou um enigma. — Passou a mão pelo
comprimento do corpo. — Descubra-me.
Suas sobrancelhas arquearam, mas ele podia ver o brilho interessado
em seus olhos.
— Como...?
— Como quiser — respondeu com a voz mais rouca ainda. — Toque-
me onde quiser, como quiser.
Ela engoliu em seco e ele esperou, enquanto a antecipação o matava.
Depois do que pareceu uma eternidade, ela se aproximou e colocou a mão
espalmada sobre seu peito, bem onde batia seu coração. Batia por baixo da
sua mão, rápido e errático.
— Não está morto, então — disse com um sorriso brilhando em seus
lábios.
— Certamente não estou morto — murmurou.
Harriet lambeu os lábios e moveu a mão para tocar seu mamilo, seus
dedos roçando a pele sensível até se transformar numa pequena
protuberância endurecida. — Gosto deles — disse. — São muito
interessantes.
Jasper bufou.
— Quando... quando faço o que fez comigo, com a sua boca... a
sensação é a mesma?
— Já fez isso antes.
— Sim, mas não me disse como foi, e não consigo me lembrar...
Ele resmungou. — Nunca mais irá para a cama embriagada —
murmurou. — Por que não tenta e descobre? — Com o olhar determinado,
Jasper se perguntou o quanto poderia suportar a investigação dela, pensando
que poderia ter cometido um erro de julgamento. Não. Estava fascinada e
ele não negaria nada, mesmo que isso o matasse.
Harriet se curvou um pouco desajeitada e franziu a testa em
concentração enquanto passava a língua pelo mamilo dele. A respiração de
Jasper prendeu e ela olhou para cima com os olhos brilhando de satisfação.
Fez de novo dessa vez com mais força, circulando a língua antes de fechar a
boca sobre ele e chupar um pouco mais firme.
Jasper soltou um pequeno suspiro enquanto ela repetia a ação do outro
lado.
Harriet se sentou.
— A sensação é a mesma — disse presunçosamente.
Ele fechou os olhos e riu. — Sim, certamente a sensação é a mesma.
Quando voltou a abrir os olhos reparou que o observava, seus olhos
curiosos viajando até seu membro que brilhava na ponta, molhado com
antecipação. Jasper prendeu a respiração quando ela se mexeu na cama e
correu a ponta do dedo de forma experimental por todo o comprimento
dele.
Seu membro saltou sob seu toque e Jasper amaldiçoou sob sua
respiração.
Harriet puxou a mão.
— Não pare — ele grunhiu. — Faça de novo.
Ela repetiu e sua respiração ficou mais pesada, o que era ridículo, pois
ela mal o havia tocado, mas também aquela era Harriet e isso era o que
queria há muito tempo, isso era o que queria por uma maldita eternidade.
— Posso beijá-lo aqui também? — ela perguntou naturalmente, e
Jasper ficou momentaneamente atordoado e em silêncio.
— Sim — coaxou antes de cobrir o rosto com as mãos. — Por Deus,
sim. Sim, por favor.
Não podia olhar para ela, pois temia que o momento em que ela o
tocasse com a boca e a visse fazendo aquilo... Em vez disso, fechou os
olhos com força e prendeu a respiração e quase morreu de desejo ao
primeiro movimento quente da respiração dela contra sua barriga.
Não houve nada por um momento, apenas o suave sussurro de sua
respiração correndo sobre seu corpo, deixando-o à beira de implorar por
misericórdia quando sentiu o lampejo de sua língua contra seu membro. Ela
se arrastou ao longo dele e Jasper gemeu, o som profundo e sincero. Harriet
deve ter interpretado aquilo como um som de aprovação, o que
definitivamente era, tanto que repetiu a ação e depois depositou pequenos
beijos úmidos ao longo do caminho que sua língua havia tomado. Ela
alcançou a ponta e sua língua o percorreu novamente. Então ouviu um som
de surpresa.
— Salgado — disse, e seus dedos acariciaram a cabeça lustrosa,
alisando a umidade sobre ele. — O que é isso? — Perguntou nada inibida,
apenas por curiosidade. — Sei que a concepção é causada pela ejaculação
masculina do esperma, mas isso não é o mesmo, não é?
Jasper fez um som sufocado em algum lugar entre diversão e
desespero. — Não, amor — disse com a voz quase estrangulada. — N-não
é o mesmo. É o meu corpo dizendo que está me deixando louco e que quer
estar dentro de você, muito mesmo de fato. — Atreveu-se a olhá-la e a
encontrou balançando a cabeça seriamente.
— Esta é uma evidência física de desejo, então?
Jasper acenou positivamente com a cabeça.
— Existe algo semelhante, não existe? — Perguntou diretamente. —
Em mim?
Jasper acenou novamente, mostraria a ela. — Deite-se.
Ela fez o que pediu e Jasper se virou de lado novamente, deslizando a
mão pela parte externa de sua coxa. Harriet o observou, enquanto ele se
abaixava e a beijava, satisfeito quando ela respirou fundo e se abriu para ele
imediatamente. Enquanto se beijavam, gentilmente separou suas pernas e
voltou a acariciar de baixo para cima, ciente da aceleração de sua
respiração. Interrompeu o beijo enquanto seus dedos procuravam os cachos
entre suas coxas e querendo observá-la, precisando ter certeza de sua
aprovação.
— Aqui está sua evidência, amor — disse, separando as dobras
delicadas e buscando o calor úmido dentro dela enquanto mergulhava a
ponta do dedo.
Harriet prendeu a respiração. — Sim. — respondeu. — Oh, sim.
Jasper inclinou a cabeça e beijou-a novamente enquanto continuava a
acariciá-la, seu dedo deslizando um pouco mais fundo enquanto seu polegar
circulava sobre o pequeno botão escondido, com cuidado. Harriet se
arqueou, um grito suave foi arrancado dela, o que fez seu corpo se contrair
com uma necessidade.
— E-eu... — Harriet começou antes que seu toque a fizesse arquear
novamente e as palavras se perdessem.
— Você o que? — Jasper perguntou, acariciando seu pescoço e
mordiscando suavemente o lóbulo de sua orelha.
— E-eu... — começou de novo e olhou-a, observando-a enquanto ela
perguntava com a solenidade típica. — Eu também sou salgada?
Jasper olhou-a, imaginando por um momento frenético se ela estava
fazendo isso de propósito, pois estava destruindo seu autocontrole. Engoliu
em seco e tentou encontrar sua voz.
— Por que não descobrimos?
Desceu da cama, encantado e surpreso quando ela abriu mais as pernas
para ele, dando-lhe total acesso. Ela se sentou apoiada nos cotovelos e
olhou para ele.
— Quer? — Perguntou franzindo um pouco a testa. — Nunca
perguntaria se...
Jasper deu uma risada ligeiramente histérica. — Sim. Sim, quero. Mais
do que tudo.
— Ótimo —disse, aparentemente satisfeita enquanto se deitava
novamente.
Os lábios dele se curvaram. Deus, era maravilhosa. Totalmente única,
verdadeiramente ela mesma. Não havia outra mulher no mundo como ela, e
não podia se dar ao luxo de deixá-la escapar. Com isso em mente,
acomodou-se ao trabalho, determinado a agradá-la, a proporcionar-lhe tal
prazer que ela jamais seria capaz de esquecer, ou de esquecê-lo.
O som que fez quando ele separou seus cachos e a lambeu, certamente
ficaria gravado em sua mente até o dia de sua morte. Era ao mesmo tempo
obsceno e uma surpresa totalmente inocente e, quando repetiu, havia tanta
aprovação no suspiro ofegante que deu, que ele teria ronronado se fosse
capaz.
— Oh — gritou, estendendo a mão para enredar o dedo em seu cabelo,
arqueando os quadris para se entregar mais completamente ao seu alcance.
— Oh, Jasper.
O som de seu nome falado com tanto desejo enviou uma necessidade
direto para sua virilha e ele precisou de toda concentração possível para não
ceder ao desejo de afundar nela naquele momento. Não seria egoísta.
Embora nunca tivesse dormido com uma virgem antes, sabia que sua
primeira vez poderia não ser tudo o que ele queria para ela, mas não havia
nenhuma maneira dela sair de sua cama sem saber quanto prazer poderia ser
encontrado nela.
— Qual é o meu gosto, Jasper?
Jasper riu contra sua pele, achando graça que ela ainda quisesse saber.
— Mais doce que mel — murmurou. — Doce e ácido e absolutamente
delicioso.
Suspirou, satisfeita, e se entregou ao prazer que lhe dava. Para seu
alívio, não demorou muito para que ele sentisse seu clímax se aproximando.
Não que quisesse parar, longe disso, mas não achava que poderia esperar
muito mais. Debaixo dele, percebeu seu corpo dela ficando tenso, o aperto
de seus dedos em seu cabelo e sua respiração falha ao se aproximava do
limite.
Jasper murmurou com aprovação enquanto chupava suavemente o
delicado botão de seu sexo e ela se despedaçou, seu grito alto e franco o
suficiente para deixá-lo extremamente feliz de seus aposentos ficarem longe
dos outros. O prazer vibrou por ele enquanto a guiava, aliviando cada gota
de prazer que sentia de seu corpo antes que finalmente se movesse para
tomar seu lugar entre suas coxas. Não conseguia esperar mais, aquilo o
estava matando.
— Harriet — disse, olhando-a enquanto piscava vagamente para ele.
— Por favor — acrescentou, perguntando-se se isso era coerente o
suficiente, já que estava além das palavras naquele momento. Deslizou seu
membro sobre sua carne lisa e ela perdeu o fôlego e então envolveu suas
pernas ao redor de seus quadris, arqueando-se para encontrá-lo.
—Sim — respondeu. — Sim.
Isso era tudo que precisava, empurrando para dentro, observando seu
rosto por qualquer sinal de dor ou angústia.
— Isso é...?
— Sim.
Ele inclinou a cabeça, descansando sua testa contra a dela e deslizando
mais fundo, fechando os olhos quando o calor requintado dela o envolveu
como uma luva de veludo.
— Qual a sensação? — Ela perguntou.
Jasper forçou seus olhos a se abrirem novamente e olhou para ela,
atordoado de prazer. — Como o paraíso. Como se não existisse nada na
terra além de você, Harry — disse entrando mais ainda nela, e ela soltou um
pequeno grito de surpresa. Ele parou imediatamente. — Está doendo?
Harriet balançou a cabeça negativamente. — Não, quero dizer, doeu
por um momento. É estranho, só isso.
— E agora? — Perguntou, retirando-se e deslizando para dentro dela
novamente.
— Está tudo bem — falou, fechando os olhos quando ele repetiu o
movimento. — Tudo bem... Oh.
Ele sorriu com aquele pequeno som de prazer e beijou sua testa
enquanto deslizava a mão entre eles e encontrava o lugar secreto que sua
língua tanto amava.
— E agora? — Perguntou tocando-a muito suavemente.
— Oh, sim — disse, suspirando e envolvendo os braços em torno dele,
puxando sua cabeça para baixo e procurando sua boca. — Sim —
sussurrou.
Do ponto de vista de um homem que acreditava ser um amante
experiente, passou-se um tempo embaraçosamente curto antes que Jasper
sentisse seu próprio corpo enrijecer.
— Harry — disse olhando para ela.
— Sim — murmurou enquanto o olhava sorrindo, realmente sorrindo
para ele, o seu olhar era tão afável que seu coração disparou. — Oh, sim.
Ele tremeu quando ondas de prazer tomaram conta do seu corpo,
abraçando Harriet e gritando, incapaz de conter sua alegria quando disse o
nome dela.
— Harry, oh, sim, Harry. Eu te amo. Eu te amo.
11
N 31 1814. H H ,
S .
— Argh! — Matilda amassou o bilhete e estava prestes a ateá-lo ao
fogo, mas se viu obrigada a desamassá-lo e ler a maldita nota novamente.
— Como não tenho dúvidas de que estava prestes a fazer — leu
amargamente, antes de acrescentar: — Por cima do meu cadáver.
De todos os presunçosos, irritantes, convencidos...
Grrrr.
Caminhou de um lado para outro no quarto, transtornada e frustrada.
Se ao menos estivesse em casa e pudesse arremessar algum objeto pelo
quarto e dar vazão a seus sentimentos. Ele sabia tão bem quanto ela que não
tinha a menor intenção de perguntar sobre seu maldito tornozelo. Quer
quisesse ou não, teria sido bastante inapropriado, especialmente porque
ninguém estava ciente do encontro deles. No entanto, suas amigas
claramente perceberam que algo havia acontecido. Mas isso estava fora de
questão. A própria ideia de que estava morrendo de medo por causa dele era
risível.
Certamente que se perguntou se ele estava bem, mas apenas para que
pudesse desfrutar da vaga esperança de que tivesse quebrado um maldito
osso. Oh, isso também não era verdade, mas também não tinha se
preocupado indevidamente.
O bilhete havia sido colocado sob sua porta, encontrou-o depois do
jantar, quando voltou para seu quarto. Não tinha ideia de como tinha feito
isso, ou melhor, como tinha providenciado para que fosse feito. Não estava
disposta a contemplar a possibilidade de Montagu rastejar por Holbrooke
House para entregar-lhe um bilhete, mesmo que seu tornozelo não estivesse
quebrado. Sem dúvida, tinha criados de confiança para fazer um trabalho
tão sorrateiro.
Prevejo que a próxima vez que nos cruzarmos - ou discutirmos - não
será menos dramático. Aguardando ansiosamente...
O que, diabos, quis dizer com isso?
Matilda se jogou na cadeira perto do fogo e olhou para a nota que
ainda segurava. A caligrafia era previsivelmente elegante e precisa, como o
próprio homem. Até o florescente M no final era arrogante. Ainda fervendo
de raiva, Matilda desejou a atirar a nota agravante, e quaisquer pensamentos
sobre homem, às chamas. Não conseguiu se obrigar a fazê-lo, o que só a
irritou ainda mais. Em vez disso, levantou-se, caminhou até a mesinha de
cabeceira, enfiou o bilhete entre as páginas do livro que estava lendo e
fechou a gaveta novamente.
A orquídea em sua mesinha tremeu com a força do movimento fazendo
com que as delicadas flores balançassem.
Matilda praguejou baixinho e apagou a vela.
Harriet olhou para as cores ricas do dossel sobre a cama, tentando
compreender os acontecimentos das últimas horas. Nada tinha acontecido
como havia imaginado.
Precisou de cada pingo de coragem que possuía para andar pelos
corredores escuros de Holbrook House até os aposentos de Jasper. Claro
que sabia onde ficava, pois conhecia aquela gigantesca casa tão bem quanto
a família, melhor até.
Lembrou-se da história do fantasma e se perguntou se o veria no
caminho. Nunca o tinha feito antes e era bastante ambivalente sobre a ideia
de vê-lo ou não. Embora fosse desagradável, seria interessante ter a prova
de tal fenômeno. Neste ponto, percebeu que estava tentando se distrair de
seu propósito atual, sem muito sucesso também. Estava toda trêmula, seu
coração batendo forte no peito, de forma tão furiosa, que achou
perfeitamente possível convocar os mortos.
Então Jasper havia estado lá, à espera, e... as coisas que ele tinha dito, a
forma como a tinha tocado... isso tinha-lhe feito ter esperança e sonhar e....
Como poderia ousar acreditar?
Virou-se de lado, o que não foi fácil, já que Jasper tinha uma perna e
um braço sobre ela. Ele estava dormindo e roncando, bem, não exatamente,
mas respirando pesadamente. Harriet o estudou, satisfeita com a
oportunidade de fazê-lo de perto, sem se preocupar.
Seus cílios eram de um tom de ouro mais escuro comparado ao cabelo
e ridiculamente longos. Qualquer mulher mataria por cílios como esses.
Parecia jovem e imperturbável no sono, as rugas de preocupação que notou
ao redor de seus olhos no início da noite suavizaram. Havia também sardas
levemente espalhadas sobre seu nariz que nunca tinha notado antes, e que
achou perfeitamente charmoso. Suas mãos estavam marcadas de forma
semelhante onde o sol o havia bronzeado, e saber daquilo a fez sorrir.
Ele disse que a amava. Disse aquilo como se fosse verdade. Entretanto,
tinha soado assim todos aqueles anos atrás, quando pediu que não se
casasse com mais ninguém. Bem, não se casou, não que alguém tivesse
pedido a sua mão. Não até Inigo.
O que devia fazer? Ficar com Jasper e ter uma vida ao seu lado era o
seu sonho até o momento que ele despedaçou o seu coração. Poderia
realmente arriscar novamente? Não seria mais seguro ficar com Inigo?
Tinham muito mais semelhanças, muito mais interesses em comum. Exceto
que agora havia um novo problema.
Visto que tinha plena consciência de que ele sabia, Jasper não se tinha
retirado no momento crucial. O que significava que havia uma chance, por
menor que fosse, dela estar carregando o futuro conde de St. Clair. A ideia
de que ele permitiria que se casasse com Inigo agora...
Não que fosse sua escolha, mas...
Suspirou. Se não estava presa antes, certamente estava agora. O mais
preocupante era que ela achava que ficaria feliz. Talvez não fosse corajosa o
suficiente para confiar nele de novo e permitir-se amá-lo como havia amado
uma vez, mas poderia simplesmente deixar isso acontecer. Agora a escolha
havia sido tirada dela.
O que fazer com Jasper Cadogan.
Deus do céu.
Quanto de sua vida foi desperdiçada, contemplando essa mesma
questão? Exceto que não parecia um desperdício naquele momento.
Jasper suspirou. Seu braço, que era um peso na cintura dela, apertou,
puxando-a para mais perto, e ele fez um som de contentamento.
— Está dormindo?
— Uhun — ele murmurou.
— Preciso ir.
Seu braço apertou ainda mais, e uma carranca desfigurou seu belo
rosto, embora seus olhos permanecessem fechados. Harriet estendeu a mão,
alisando as rugas. — Não posso ser encontrada nos seus aposentos, e estou
cansada. Se adormecer, ficarei aqui até de manhã.
Os olhos dele se abriram e ela ficou deslumbrada de novo com sua cor
notável, aquele azul-esverdeado claro que não era exatamente nem um nem
outro, mas ao mesmo tempo os dois.
— Acredito que agora seja tarde demais — disse, com um sorriso
malicioso nos lábios.
— Isso não significa que eu queira começar outra rodada de
maledicências. Sabe como os criados falam.
Jasper balançou a cabeça. — Não Merrick. Ele odeia fofoca. Levará
meus segredos para o túmulo.
— Hmmm — disse Harriet, não gostando do som daquilo. — Quantos
segredos sombrios tem exatamente?
— Apenas um que valha a pena — disse, estendendo a mão e traçando
a linha de sua mandíbula. — E está se tornando menos segredo a cada
minuto.
Olhou-o fixamente, dividida entre a expectativa de que dissesse e a
esperança de que não o fizesse. Quanto mais seu coração poderia suportar
antes de capitular totalmente e se dissolver em uma poça aos pés dele?
Prevendo inteiramente a questão, o beijou. Ele a puxou para ele,
aprofundando o beijo, e despertando todo o tipo de sensações enquanto o
seu corpo respondia de imediato, apesar do cansaço.
— Fique — disse com tal súplica que não pôde recusar. Não quando
queria realmente ficar. — Por favor — acrescentou. — Quero acordar ao
seu lado.
Com um suspiro, ela se aproximou e colocou a cabeça em seu peito,
fechando os olhos enquanto ele acariciava suas costas com a mão
preguiçosa.
— Muito bem — respondeu, fechando os olhos. — Estou muito
cansada para discutir.
— Milagres acontecem — murmurou e, pela primeira vez, o deixou ter
a última palavra.
Milorde,
Lamento verdadeira e profundamente sua perda e, embora
duvide que o senhor acredite em mim, não tenho a intenção de
lhe causar mais sofrimento. No entanto, não faz diferença
para mim se Gordon Anderson agora é seu herdeiro. Não me
importaria se ele fosse o próximo rei da Escócia. Não vou me
casar com ele. Estou certa de que o senhor não enfrentará
nenhum problema em encontrar uma jovem que aproveitaria
melhor a chance, então por que não encontrar uma? Mas não
eu!
—Trecho de uma carta da Srta. Bonnie Campbell ao
Honorável William Douglas, o Conde de Morven.
1 1814. H H ,S .
Harriet agradeceu a criada e dispensou-a, depois pegou os óculos.
Havia voltado para seu quarto sem ser vista, graças ao fato de ter
conhecimento detalhado de todas as passagens ocultas e buracos escondidos
que percorriam o vasto casarão. Merrick, como Jasper sugeriu, nem mesmo
piscou um olho por ela estar nos aposentos de seu mestre, e a tratou com
todo o respeito devido à futura condessa.
Deu um suspiro pesado e se levantou para olhar pela janela. Que bom
seria viver em um lugar tão esplêndido, e com Jasper como seu marido. Era
a personificação de todos os seus sonhos, mas ainda não tinha certeza se era
corajosa o suficiente para alcançá-lo. Ontem à noite e esta manhã -
lembrou-se com um pouco de rubor - foi tão fácil estar com ele. Ficou tão
impressionada com a forma como a fazia se sentir que concordaria com
tudo que ele quisesse, mas temia tomar qualquer decisão naquele momento.
Desejo não era base para um casamento, não quando ainda estava tão
insegura de sua motivação.
Não podia fingir que acreditava que suas declarações de amor eram
sinceras. Não que achasse que estava mentindo; ele claramente acreditava
nisso. No entanto, Jasper era tão teimoso e o havia recusado por tanto
tempo, que não podia deixar de suspeitar que era apenas um caso de querer
o que não poderia ter. Certamente, uma vez que sua satisfação por ter ganho
o que antes era impossível passasse, perceberia que se casou com uma sabe-
tudo entediante e desprovida de beleza. Lembrou-se novamente da beleza
exuberante de sua última amante, a Sra. Tate, e a comparação com os
encantos limitados de Harriet parecia cruel. Ele se arrependeria com o
tempo, quando percebesse que sua esposa preferia ficar em casa com o
nariz enfiado em um livro do que assistir qualquer baile ou evento social
que preenchesse sua agenda.
Não seria melhor para ela se casar com Inigo e acabar logo com isso?
Pouparia a ambos uma grande dor no coração, quando Jasper percebesse o
erro que cometeu. Harriet estendeu a mão e massageou as têmporas. Sua
cabeça latejava, embora não achasse que fosse apenas sua ansiedade pela
decisão que tinha que enfrentar. Sentia calor e sua garganta estava
arranhando. Certamente pegou um resfriado e logo teria que enfrentar
Jasper com a indignidade extra de um nariz vermelho e olhos lacrimejantes.
Era revoltante. Resolveu então pedir um pouco de chá de casca de
salgueiro, antes de descer para um farto desjejum. Talvez não sucumbisse
ao resfriado se o tirasse da sua cabeça.
Os pensamentos de Harriet se dispersaram quando alguém bateu na
porta de seu quarto, ao abrir encontrou Minerva do outro lado.
— Olá Harriet — Minerva cumprimentou e por um momento Harry
sentiu uma onda de ciúme.
Esse era o tipo de moça que deveria ser a próxima condessa de St.
Clair. Era adorável, com seus cabelos loiros espessos e seus olhos azuis
surpreendentes. Por um momento, Harriet a imaginou com Jasper e
reconheceu o casal bonito que formariam. O ciúme a rasgou tanto que quase
roubou seu fôlego.
— Minerva — respondeu, com o tom gelado.
A jovem hesitou com a saudação hostil e Harriet praguejou por ser tão
estúpida e indelicada.
— Perdoe-me — disse suspirando. — Estou com um pouco de dor de
cabeça e isso está me deixando irritada.
— Oh, coitadinha — disse Minerva com simpatia. — Devo pedir a
alguém para buscar um pouco de chá de casca de salgueiro?
Harriet sorriu e assentiu, sentindo-se pior do que nunca. — Sim,
certamente é disso que preciso. Isso e um pouco de ar fresco me farão muito
bem. Está pronta para descer para o café da manhã? É melhor nos
apressarmos se não quisermos deixar todos esperando.
— Sim, estou, mas... estava me perguntando se... se pode me emprestar
um livro, por favor?
Surpresa, Harriet piscou para a jovem. — Certamente, embora,
geralmente, não leio muitos romances. Pelo menos, não tenho nenhum
comigo no momento. Mas, no entanto, acredito que Matilda tenha, se...
— Oh não — Minerva disse, suas bochechas corando em um rosa
suave que a fez parecer mais linda do que nunca. Harriet conteve sua
frustração. — Não quero um livro de romance. Eu... eu gostaria de algo
educacional.
Minerva ergueu o queixo com um brilho levemente desafiador em seus
olhos que supôs que Harriet a julgaria burra demais para ler algo do tipo.
— Claro — disse sorrindo para Minerva. Seria maravilhoso se a jovem
quisesse usar seu cérebro e Harriet ficaria feliz em encorajá-la. — O que
tem em mente?
— Erm... — Minerva começou, mas soando um pouco em pânico. —
O que tem disponível?
— Bem — Harriet pensou, abrindo a tampa de uma caixa que continha
os livros que trouxera com ela.
— Deus do Céu! — Minerva exclamou olhando para a caixa com
espanto. — Trouxe tudo isso para uma festa?
Harriet empurrou os óculos pelo nariz e encolheu os ombros. — Gosto
de ler. Agora, vejamos bem — falou, pegando alguns livros. — Só tenho
uma seleção limitada aqui, mas há filosofia, física, ciências naturais,
química...
— Ah, hum. Química, talvez? — Minerva se aventurou, parecendo não
ter certeza.
— Oh, bem, nesse caso, vou lhe emprestar esse — disse Harriet,
selecionando Conversas sobre Química, o livro que Inigo havia enviado
para ela. — Já li, mas preciso ler de novo porque estava um pouco er...
distraída e não acho que apreciei como deveria. A autora é uma mulher,
embora não seja creditada, mas tenho um amigo que a conhece e a tem em
alta conta. Acho uma leitura interessante para um iniciante no assunto. Foi
muito bem escrito.
Minerva pegou o livro com uma expressão assustada, sugerindo que
acreditava que ele a morderia.
— Não fique tão apavorada — Harriet sorriu. — Não está em grego,
prometo. Experimente pequenas seções de cada vez. Se não fizer sentido,
venha até mim e poderemos conversar sobre isso. Não que eu seja uma
especialista, longe disso, apenas é um assunto que me interessa e gostaria
de aprender mais.
— Existe algum assunto que não a interesse? — Minerva perguntou
ainda parecendo bastante intimidada.
— Não — disse Harriet com um suspiro, franzindo a testa para sua
coleção de livros. — Esse é um problema frequente que tenho. Não consigo
me contentar com apenas um assunto e fazê-lo justiça. Simplesmente gosto
de aprender e, se algo novo surgir, quero saber. Por isso, nunca aprendo
nada com profundidade, o que temo ser uma fraqueza terrível.
— Mas sabe bastante sobre muitas coisas. Quero dizer... Não sei nada,
nada! A menos que conte saber que vestido usar em qual ocasião, como
fazer uma reverência a um duque ou visconde, como fazer chá, bordar ou
uma dúzia de outros talentos inúteis.
— Minerva! — Harriet a repreendeu. — Isso não é nem um pouco
inútil. Essas são coisas que precisamos saber para navegar no mundo em
que nascemos, e reflita sobre por que não sabe mais nada? Nunca foi à
escola, não é?
— Não, claro que não.
— Bem, então como deveria saber alguma coisa? As mulheres são
mantidas na ignorância para mantê-las dóceis e fáceis de controlar, se quer
saber. Muitos homens temem uma mulher intelectual, pois podem descobrir
que somos tão inteligentes e capazes quanto eles. Bem, nem todos os
homens — acrescentou para ser justa, pois Inigo encorajou seus estudos
sem hesitação.
Minerva olhou para o livro em sua mão e respirou fundo. — Bem, vou
tentar, Harriet, e falarei contigo sobre isso, se não conseguir entender essa
maldita coisa.
Harriet sorriu para ela. — Bem, isso é um bom começo, e é muito bom
ter alguém com quem conversar sobre isso, posso lhe dizer. Agora, venha. É
melhor nos apressarmos.
Minerva viajou com Harriet, Lorde St. Clair e Matilda. Bonnie e Ruth
seguiam na carruagem de Ruth com Henry e Jerome. Chegaram a
Tunbridge Wells em boa hora, com as carruagens parando perto de The
Walks. O plano geral parecia ser dar uma olhada nas lojas, visitar a Capela
de tranquilidade, Charles, rei e mártir, comer algo e depois passear no
parque The Grove.
— Vai tomar as águas? — Harriet perguntou a Matilda, que fez uma
careta quando passaram pela fonte de Chalybeate.
A água tinha manchado tudo que tocava em um laranja vivo, rico em
ferro. Uma senhora segurava uma concha nas mãos, a qual se tinha que
pagar para usar. A água em si era de graça, mas se você quisesse bebê-la de
maneira refinada, teria que pagar pelo privilégio.
— Não, obrigada — Matilda disse com um calafrio. — Estou me
sentindo bem. Se eu estivesse doente, talvez me forçasse a beber um pouco,
mas não beberei se não precisar.
— Concordo — disse St. Clair sorrindo. — Talvez se servissem com
um pouco de conhaque...
Todos riram e seguiram em frente.
— Acha que vai chover de novo? — Harriet perguntou olhando para
um céu azul claro tomado por um número crescente de nuvens brancas e
macias. No entanto, era possível ver nuvens mais escuras e pesadas vindo
do Oeste.
— Bem, eu trouxe meu guarda-chuva, mas espero que não — Matilda
disse com uma piscadela.
— Oh, Bonnie, vamos voltar aqui — Ruth disse, puxando o braço de
Bonnie enquanto passavam por uma loja com sua vitrine cheia de chapéus e
peças luxuosas de tecido nas cores da última moda. — Foi aqui que
comprei aquela cartola querida.
Bonnie e Minerva trocaram um olhar. Ela deu de ombros e devolveu
um sorriso pesaroso.
— Jasper!
Jasper se virou quando seu irmão o saudou, e deram de cara com um
cavalheiro que ambos pareciam conhecer.
— Por Deus, é Rothborn — Jasper exclamou surpreso.
— Solo Rothborn? — Matilda perguntou, olhando para o homem com
interesse.
Minerva seguiu seu olhar, mas não conseguiu ver nada além da nuca
do cavalheiro. Era alto e tinha os ombros largos, com cabelo castanho claro,
mas nada mais digno de nota.
— Quem é ele? — Perguntou, curiosa do porquê aquilo ser uma
surpresa.
— Solomon Weston, Barão Rothborn — disse Matilda enquanto Jasper
pedia licença para falar com o amigo. — Ele é um recluso, quase nunca é
visto em público. É por isso que todo mundo o chama de ‘Solo’ Rothborn.
Minerva se virou para Harriet, que estava olhando para a livraria duas
portas abaixo com uma expressão de anseio. — Vamos entrar? — Minerva
perguntou, suas esperanças esvoaçando.
Harriet deu um sorriso agradecido. — Por que não?
Minerva prendeu a respiração por todo o caminho até a livraria, que
infelizmente estava desprovida de qualquer evidência de sua presa. Harriet
se acomodou em um canto com um livro de tamanho formidável que fazia a
cabeça de Minerva doer só de pensar, então vagou pelos corredores sozinha.
Sorriu, encantada ao descobrir cópias do livro de Prue, encadernados
carinhosamente em couro escarlate, e passou um tempo folheando os
romances antes de voltar para Harriet, que ainda estava abrigada com seu
livro.
— Acho que vou esperar lá fora — ofereceu, ao que Harriet ergueu a
mão, sem tirar os olhos do livro. Minerva deu um sorriso triste e saiu.
Encontrou Lorde St. Clair vindo em sua direção.
— Senhorita Butler, viu a Srta. Stanhope? — Perguntou enquanto se
aproximava. — A procurei em todos os lugares.
— Sim, a vi, ela está com o nariz enfiado em um livro — Minerva riu
gesticulando para trás.
Jasper sorriu, e a respiração de Minerva prendeu ao ver o olhar dele. —
Foi o que pensei — disse pesarosamente, antes de se apressar para dentro.
Sorte da Harriet, Minerva pensou com um suspiro. Qual a sensação de
ter um homem tão apaixonado por nós? Harriet seria uma tola se não ficasse
com ele. Minerva voltou para a loja em que Matilda e as outras haviam
entrado, se perguntando se já teriam terminado, e então parou ao ver o rosto
que estava procurando.
— Senhor De Beauvoir!
A respiração de Minerva prendeu ao perceber a coisa ultrajante que
acabara de fazer. Nunca tinha sido apresentada a ele apropriadamente e aqui
estava na rua, para todos os efeitos e propósitos, sozinha, cumprimentando
um homem que mal conhecia.
O homem parou, suas sobrancelhas escuras se juntando enquanto a
olhava sem o menor traço de reconhecimento.
— Temo que a jovem me tenha em desvantagem, senhorita...?
— Butler — Minerva disse imediatamente, sentindo suas bochechas
esquentarem de vergonha. — Nós nos conhecemos na livraria. Aquela
livraria ali — acrescentou, apontando para a livraria enquanto a expressão
dele não mostrava nenhum sinal de que se lembrava dela. Que humilhante.
Não era algo que tinha acontecido semanas atrás! — Um sujeito gritou
comigo quando deixou cair seus livros, e o senhor, muito gentilmente, me
defendeu e disse a ele que foi um acidente — parou, sentindo-se cada vez
mais mortificada.
De Beauvoir grunhiu, o que Minerva interpretou como um sinal de
que, finalmente, se lembrou dela.
— Não sabia que estava falando com uma celebridade — acrescentou,
forçando um sorriso radiante, desesperada para encontrar algo para dizer a
ele. — Entendo que suas palestras na Royal Academy são muito apreciadas.
— A senhorita se interessa por química, Srta. Butler? — Perguntou,
parecendo um pouco cético.
— Eu... não sei — admitiu Minerva. — Mas tenho isso — acrescentou
apressadamente, procurando em sua bolsa o livro. Harriet a olhou quando o
enfiou na bolsa – afinal não era exatamente uma leitura leve - mas esperava
por um cenário como este. Mostrou a capa fazendo-o levantar as
sobrancelhas surpreso.
— De fato — disse com aprovação. — Conheço a senhora que
escreveu isto. A senhorita não poderia ter uma melhor introdução ao
assunto. O que está achando?
— Oh — Minerva disse, sentindo a cor subir em suas bochechas. —
Peguei o livro hoje de manhã, então eu... eu não...
— Bem, tenho certeza de que a senhorita o achará esclarecedor. Agora,
se me der licença...
Droga, ele já estava indo.
— O senhor está aqui para comprar mais livros? — Perguntou, se
questionando por que estava prolongando aquela agonia quando ele ansiava
para se livrar dela.
— Erm... não, não hoje. Eu...
— Senhor De Beauvoir!
Ele se virou, não parecendo especialmente satisfeito quando foi
saudado mais uma vez, desta vez por um grupo de pessoas elegantes que se
dirigia a eles.
— Ora, maldição — murmurou carrancudo. — Senhorita Butler —
acrescentou, sotto voce, ou seja, em voz baixa. — Posso pedir-lhe que me
lembre de um compromisso urgente em exatamente dois minutos?
— Oh! — Minerva exclamou, feliz por ter a oportunidade de lhe ser
útil. — Certamente, que pode.
Voltou sua atenção para os recém-chegados com interesse. Havia três
homens, um da mesma idade De Beauvoir e os outros dois jovens dândis.
Com eles estava uma mulher deslumbrante e primorosamente vestida com
cerca de trinta anos de idade, e uma senhorita que Minerva assumiu ser sua
criada.
— Lorde Havisham — disse o Sr. De Beauvoir, cumprimentando o
homem mais velho antes de se virar para a mulher com o cenho franzido. —
E Sra. Tate, boa tarde — suas palavras foram perfeitamente educadas, mas
sua relutância em falar com eles era palpável.
— De Beauvoir — disse Havisham, ignorando ou alegremente
inconsciente da indiferença De Beauvoir. — Tentei ver aquela sua última
palestra. Não consegui passar pela maldita porta. Queria perguntar se o
senhor estaria disponível a repeti-la para alguns amigos. Rapazes espertos,
todos eles. Saiba que gostará deles. Iremos alimentá-lo, é claro, e teremos
muita bebida. Na verdade, venha passar o fim de semana!
— Uma oferta generosa — respondeu De Beauvoir, parecendo
acreditar em tudo, menos naquilo. — Receio ter compromissos de trabalho.
— Ora, nada que não possa esperar, certamente — respondeu
Havisham, acenando com a indiferença descuidada de um homem que
nunca trabalhou um dia na vida.
— Oh, Sr. De Beauvoir, perdoe-me por interromper — disse Minerva,
sentindo-o eriçado de irritação, — mas o senhor tem aquele compromisso...
— Sim — concordou De Beauvoir, agarrando-se à saída que ela lhe
ofereceu. — Muito bem, Srta. Butler.
— Que compromisso seria esse, Inigo? — A mulher, a quem ele se
dirigiu como Sra. Tate, ronronou. Deu a Minerva um olhar penetrante e
sorriu. — Tenho certeza de que esperarão mais alguns minutos, por um
preço.
Minerva se engasgou de indignação.
— A senhora se engana, madame — disse De Beauvoir, sua voz tão
friamente furiosa que Minerva sentiu o arrepio mesmo quando não era
dirigido a ela. — O compromisso é com o meu advogado. Estava apenas
acompanhando a Srta. Butler de volta aos seus companheiros. Se nos derem
licença.
Estendeu o braço para Minerva, que o pegou com entusiasmo, lançou
um olhar de puro triunfo para a vil Sra. Tate e saiu andando com ele, com o
nariz empinado.
Assim que estavam fora do alcance de serem ouvidos, De Beauvoir
soltou um suspiro.
— Senhorita Butler, devo implorar seu perdão por tê-la submetido a tal
cena.
— Por favor, não se desculpe, nunca me diverti tanto — disse Minerva,
sorrindo para ele. — E parecia que o senhor realmente precisava de uma
rota de fuga. Fiquei muito feliz em fornecer uma. Que mulher horrível.
Ele assentiu. — Não posso discordar. É uma coisa estranha, mas
algumas mulheres parecem considerar o desinteresse de um homem por elas
como uma afronta pessoal, especialmente se forem consideradas bonitas.
Minerva acenou, entendendo perfeitamente como uma mulher
glamorosa como a Sra. Tate ficaria irritada por De Beauvoir não se
interessar por ela. Afinal, ela mesma ficou irritada por ele não se lembrar
dela.
— Bem, para algumas de nós, nossos rostos são nossa fortuna. Tire
isso e suponho que seja bastante assustador contemplar o que resta, se é que
resta alguma coisa — acrescentou, sentindo um nó de ansiedade na boca do
estômago.
Demorou um pouco para perceber que De Beauvoir havia parado e a
olhava fixamente. Minerva se engasgou, percebendo que tinha falado
descuidadamente e praticamente admitiu que era uma jovem vazia. Bem,
era mesmo, por ter falado sem pensar, pensou irritada.
— E o que a senhorita acha que encontraria, Srta. Butler, se não fosse
abençoada dessa forma?
Minerva engoliu em seco, perplexa com a pergunta bastante direta.
Bem, provavelmente perderia qualquer chance de conhecê-lo melhor;
poderia muito bem falar o que pensa. — Não muito — admitiu. — Eu...
Sempre tive medo de pessoas inteligentes. Minha prima Prue é
terrivelmente inteligente, é escritora — acrescentou melancolicamente. —
Odiei-a durante muito tempo porque fazia com que me sentisse burra em
comparação, mas sei agora que não foi culpa dela, foi a minha própria falta
que fez com que me zangasse com ela
Olhou para cima e se viu objeto daqueles intensos olhos verde-
acinzentados. Céus, mas eram determinados. Minerva teve a sensação mais
estranha de que ele podia ver bem o que se passava dentro da sua cabeça...,
e isso não era um pensamento assustador?
— Acho, Srta. Butler, que a senhorita é muito mais inteligente e
perceptiva do que acredita.
— Oh — Minerva disse brilhando com o que ele disse.
— Se eu fosse a senhorita, leria aquele livro. Acredito que poderá se
surpreender.
— E-eu vou — gaguejou, seu coração batendo rápido demais de uma
forma não totalmente desagradável. Olhou-o, absorvendo suas feições
intransigentes. Era um rosto severo, sem dúvida, mas que o sentia gravado
na sua alma, inesquecível. Ele hesitou por um momento e então pareceu
tomar uma decisão.
Enfiou a mão no bolso interno e tirou uma pequena caixa de prata e a
abriu. — Meu cartão, Srta. Butler — disse, entregando-o a ela. — Se a
senhorita se interessar pelo livro, ou tiver alguma dúvida, pode escrever
para mim.
Minerva engoliu em seco e pegou o cartão da mão dele, desejando não
estar usando luvas quando seus dedos se tocaram. — Muito obrigada —
disse com a voz fraca. — Farei isso.
Ele assentiu, guardou a caixa de cartões e fez uma leve reverência. —
Tenha um bom dia, Srta. Butler.
— Bom dia, Sr. De Beauvoir — disse Minerva, ainda se sentindo um
pouco tonta.
Observou-o se afastar, seu corpo alto e magro desaparecendo na
multidão, enquanto ela segurava o cartão com força.
13
1 1814, H H ,S .
Harriet levantou os olhos do livro, a tosse discreta ao lado de sua
orelha a tirou de sua leitura.
— Oh Jasper — disse com um suspiro. — Me assustou.
— Mesmo? — Respondeu parecendo cético. — Estava tão absorta que
estou quase certo de que um meteorito poderia ter caído em Wells e não
teria percebido.
Ela deu uma risadinha e balançou a cabeça. — É verdade. Há quanto
tempo estou aqui?
— Meia hora, pelo menos, diria.
Deu-lhe um sorriso afetuoso que fez coisas estranhas em seu estômago.
— Sabia que os filósofos naturais costumavam acreditar que os
meteoritos vinham de vulcões da lua ou eram causados por raios ou
condensação nas nuvens? Isto é, até que um meteorito de vinte e cinco
quilos caiu em um campo perto de Wold Cottage em Yorkshire. Caiu de um
céu azul claro e deixou uma cratera com 50 centímetros de profundidade!
Que choque deve ter sido.
— Não sabia disso — disse Jasper sorrindo. — Mas não sei expressar
o quanto amo que saiba sobre isso.
Harriet enrubesceu, perguntando-se se a estava provocando, mas
parecia sincero.
— Venha — disse, tirando o livro da mão dela.
— O que vai fazer com isso? — Protestou.
— Vou comprá-lo para você, naturalmente.
Ela o encarou com uma sensação estranha no peito que era ao mesmo
tempo alarmante e inevitável. — Não precisa fazer isso.
Deu-lhe um olhar estranho, depois se abaixou e beijou-lhe a testa. —
Prometi fazê-la feliz, Harriet. Se livros a fazem feliz, vou gastar cada
centavo que tenho com eles.
— Jasper — disse, não sabendo ao certo o que queria dizer, mas as
palavras morreram com o olhar em seus olhos.
— Contanto que se lembre de olhar em volta de vez em quando e notar
que estou lá, será um dinheiro bem gasto.
Harriet suspirou e contemplou a probabilidade de ser capaz de resistir
ao charme de natureza doce de Jasper por mais algumas horas, sem ceder e
concordar com qualquer coisa que ele quisesse. O maldito homem era uma
ameaça, e ainda assim uma pequena vibração de algo quente e esperançoso
se desdobrou em seu peito, não pôde deixar de sorrir para ele.
— Obrigada, Jasper. É alguém bastante difícil de esquecer, sabe.
Ela sabia; tentou muitas vezes e por mais anos do que gostaria de
contemplar.
— Acho que sou — respondeu, antes de sair para comprar seu livro.
Harriet o ficou observando, o sorriso estúpido ainda colado em seu
rosto.
— Senhorita Stanhope, não estou surpresa pela senhorita parecer como
uma felina que pegou o canário. Devo parabenizá-la pelo trabalho bem-
feito.
Harriet se virou, seu coração despencando quando se viu cara a cara
com a Sra. Tate, a viúva glamorosa que havia sido a amante mais recente de
Jasper.
— Não consigo entender o que quer dizer e não acredito que tenhamos
sido apresentadas, senhora — Harriet respondeu, as palavras estalando com
todo o gelo que conseguiu reunir, embora suas bochechas estivessem em
chamas, pois sabia exatamente o que a mulher miserável estava implicando.
— Bem, se soubesse que ele cairia em um truque tão óbvio, poderia ter
tentado também — disse a Sra. Tate enquanto seus olhos verdes felinos
brilhavam maliciosamente.
— Mas é preciso de uma reputação imaculada para ser arruinada, Sra.
Tate — Harriet atirou, um pouco assustada com sua própria audácia, mas
seu temperamento estava aguçado e estaria condenada se permitisse que a
mulher soubesse o quão inadequada a fazia se sentir. — Receio, no caso da
senhora, que seja muito, muito tarde para isso.
Para sua irritação, a Sra. Tate apenas riu, um som profundo e rico que
só fez Harriet se sentir cada vez mais grosseira.
— Touché, Srta. Stanhope. Realmente quis dizer isso como um elogio,
entenda. Que tacada para... — A Sra. Tate gesticulou para Harriet mirando-
a da cabeça aos pés. — ...alguém como a senhorita — disse espantada,
sacudindo a cabeça enquanto olhava para Harriet com uma expressão de
sofrimento.
Naquele momento, Harriet estava ciente de como se parecia ao lado
daquela mulher. Seu vestido simples de musselina era o da última
temporada, já que se vestiu apressadamente e não deu a devida importância
ao que escolheu. Era da melhor qualidade, mas simples e terrivelmente
imaturo quando comparado ao conjunto estiloso da Sra. Tate em azul meia-
noite. Parecia deslumbrante, como bem sabia.
Harriet prendeu a respiração quando a Sra. Tate se inclinou e foi
atacada com o cheiro de âmbar gris. — Eu o terei de volta, espero que
entenda — disse ameaçadoramente. — Vai se casar com a senhorita porque
precisa de um herdeiro, mas uma vez que conseguir isso, vai voltar para
mim, eles sempre voltam.
Recuou e piscou para Harriet, que se sentiu enojada, com calor, frio e
nauseada ao mesmo tempo. Havia o desejo desafiador dentro dela de dizer à
Sra. Tate que não queria Jasper e que ela era bem-vinda para ficar com ele,
mas seria obviamente uma mentira, e uma coisa terrível de se dizer. Se
Jasper a ouvisse dizer aquilo, iria machucá-lo, não importando seus
verdadeiros sentimentos, sabia muito bem, por experiência própria, como
era falar sem pensar nas consequências.
— Harriet.
Virou-se quando Jasper se aproximou. Havia fúria em seus olhos
quando olhou para a Sra. Tate, e Harriet se sentiu um pouco melhor.
— Está tudo bem, querida? — Perguntou, deslizando um braço
possessivo em volta da cintura dela.
Harriet levantou os olhos para ele. — Está tudo bem, obrigada, Jasper.
A Sra. Tate estava me explicando que só vai se casar comigo porque deve e
porque precisa de um herdeiro. Estava me contando como voltará para sua
cama quando isso acontecer.
Harriet se virou e deu a Sra. Tate o mais doce dos sorrisos,
experimentando uma onda momentânea de triunfo com o pânico crescente
nos olhos da mulher, antes de se virar e ir embora.
Querida Alice,
Foi tão bom ter notícias suas. Fico feliz em saber que estão
felizes, embora não fique surpresa. Lamento sobre o enjoo
matinal, mas estou tão animada para ser uma titia que, sinto
muito, não posso ser tão solidária. Estou muito feliz com a
ideia de uma sobrinha ou sobrinho para mimar. Certamente
irei visitá-la quando estivermos de volta à cidade. Estou
ansiosa para descobrir se engordou assustadoramente!
—Trecho de uma carta da Srta. Matilda Hunt para a
Sra. Alice Hunt.
1 1814. H H ,S .
Harriet suportou a viagem de carruagem de volta para casa em uma
espécie de torpor. Jasper se sentou perto dela, o calor de sua coxa queimava
contra sua pele, mas ainda estava gelada até os ossos. O calor de fazer amor
havia se desvanecido, embora as suas bochechas já estivessem
suficientemente quentes ao considerar o que tinha feito. Céus, deve ter
perdido a cabeça. Em The Grove, de todos os lugares, e em público! Que
tipo de criatura devassa estava se tornando?
Olhou de soslaio para Jasper, ciente do porquê de ter sido capaz de um
comportamento devasso como esse. O homem era como uma droga; quanto
mais experimentava, mais queria. Não era de se admirar que a Sra. Tate
ficou tão irritada por perdê-lo. Harriet afastou os pensamentos da Sra. Tate
com irritação. Acreditava que Jasper não tinha interesse na mulher, mas o
que ela disse era verdade também. Sempre haveria Sras. Tate tentando
roubar-lhe o marido.
Bem, deixe-as tentar. O pensamento era franco e selvagem, e naquele
momento, soube que tinha tomado sua decisão. Casaria com Jasper e rezaria
para que isso não acabasse em lágrimas. Era tudo o que podia fazer, pois
não tinha força o suficiente para se afastar dele. Se o fizesse, sempre se
perguntaria: e se isso a tornasse mais infeliz do que qualquer outra coisa. Se
seu casamento não desse certo, pelo menos saberia que tentou, sempre teria
seu trabalho, e talvez filhos.
Harriet alisou a barriga com a mão e olhou para baixo, se perguntando
se, mesmo agora, a semente dele estava crescendo dentro dela. Ergueu os
olhos, ciente do olhar sobre ela, mas Minerva e Matilda estavam cochilando
enquanto a carruagem voltava para Holbrooke House. Virando-se,
encontrou Jasper olhando-a de forma afável, enquanto considerava a mão
que estava sobre seu estômago, sabia que ele tinha adivinhado seu
pensamento. Ele estendeu a mão e pegou a dela, levando-a aos lábios e
beijando seus dedos.
— Harry, querida, está congelando — disse, balançando a cabeça.
Já havia tirado o casaco e colocado em volta dos ombros dela, mas
agora a envolveu com os braços e a puxou para perto.
— Mandarei lhe preparar um banho quente, assim que chegarmos.
Depois, algo para comer e um gole de conhaque... e direto para a cama —
murmurou em seu ouvido, as palavras fazendo-a tremer ainda mais. — Vou
me certificar de que esteja aquecida, o corpo inteiro.
— Jasper! — Sussurrou, escandalizada por ele dizer aquelas coisas
com Minerva e Matilda na carruagem, mesmo que estivessem dormindo.
Ele riu e se inclinou para beijar sua têmpora. — Eu te amo.
Harriet sorriu para ele, desejando dizer o mesmo em troca, pois ainda
não tinha dito e não tinha motivo para negar. Ainda assim, não parecia certo
dizê-las agora, não até que visse Inigo e explicasse por que não se casaria
com ele. Uma vez que estivesse livre do noivado, diria a Jasper que o
amava, que sempre o amou e sempre o amaria, e depois... depois veriam
onde isso os levaria.
Assim que chegaram em casa, Harriet correu as escadas e, com pesar,
pediu à criada que atrasasse o banho, que Jasper havia pedido. Parecia uma
ideia excelente, pois estava completamente gelada e a dor de cabeça, que a
atormentou o dia inteiro, piorou mais um pouco. Em vez disso, dispensou
sua criada e pediu que uma carruagem fosse preparada para ela
imediatamente. Harriet trocou suas roupas encharcadas, sua pele estava
arrepiada mesmo estando diante do fogo. Depois de vestida com roupas
quentes, refez o cabelo, o melhor que pôde, e desceu correndo as escadas.
O tempo não havia melhorado em nada e a chuva continuava
martelando no teto da carruagem, fazendo-a sentir que estava sentada
dentro de um tambor. Fechou os olhos em uma tentativa de amenizar o
barulho, mas de nada adiantou pois não aliviou sua dor de cabeça, tentou
ignorar o fato de que estava exausta e que sua garganta doía.
Era apenas uma viagem de meia hora até a pousada onde Inigo estava
hospedado, mas o lugar estava movimentado. Do lado de fora, três
carruagens ocupavam todo o espaço disponível para desembarque, pois
pararam o mais próximo possível da entrada para permitir que os
convidados entrassem sem se molharem.
Harriet praguejou; não tinha escolha a não ser correr para dentro.
Saltou e seus pés ficaram imediatamente encharcados. O solo estava
saturado e a chuva ainda caía forte. Com as saias nas mãos, correu
desordenadamente para a porta, mas, quando a alcançou, estava ensopada
pela segunda vez naquele dia. Tremendo, entrou correndo e perguntou pelo
Sr. De Beauvoir.
A pousada estava lotada de hóspedes inesperados, trazidos pelo tempo
terrível, o que acabou demorando até que alguém encontrasse o homem em
questão. Quando apareceu, olhou para Harriet consternado.
— Senhorita Stanhope — exclamou, olhando-a. — Minha nossa, a
senhorita está completamente molhada. Venha comigo até a sala de estar
antes que morra de frio.
Harriet fez o que pediu, grata por ficar de pé e aquecer as mãos perto
do fogo; estavam azuis de frio e ela se sentia muito mal agora. — L-
lamento c-chegar sem avisar — gaguejou com os dentes batendo —, mas eu
tinha que falar com o senhor.
— Bem, deve ser urgente para trazê-la numa noite como esta — disse,
balançando a cabeça.
— É urgente — Harriet concordou. — Senti que devo lhe dizer de uma
vez que que pretendo me casar com Lorde St. Clair.
— Ah.
Harriet deixou escapar um suspiro, enquanto ele sorria. Graças a Deus
que não tenha ficado com raiva.
— Bem, então deixe-me ser o primeiro a parabenizá-la.
— O senhor não está chateado? — Perguntou, o alívio lavando sua
alma.
— Bem, estou desapontado, naturalmente. Mas nós somos amigos,
espero, Srta. Stanhope, e não vejo razão para isso mudar?
— Fico feliz — disse Harriet, afastando o cabelo molhado da testa. —
Apenas senti que deveria contar imediatamente. Parecia errado se não o
fizesse.
— Compreendo muito bem. Ele é um homem muito bonito e
charmoso, sem mencionar que tem título e é rico. Qualquer mulher ficaria
tentada, tenho certeza.
Harriet o encarou, repentinamente bastante zangada, embora não
tivesse certeza do motivo. Jasper era todas essas coisas, mas não era por
isso que o amava. De certa forma, o amava apesar dessas coisas, já que sua
beleza e charme a assustavam mais e a faziam temer que o acabaria
perdendo.
— Não é por... — começou chacoalhando a cabeça enquanto seu
cérebro parecia repentinamente tomado por uma névoa. — Não é por isso
— repetiu, determinada a transmitir seu ponto de vista. — Eu o amo.
Sempre o amei. Desde que éramos crianças, ele diz que também sente o
mesmo por mim. — Sorriu com a expressão confusa de Inigo e sua raiva
desapareceu quando percebeu que ele não entendia. — Acho que o senhor
é, sem dúvida, o homem mais brilhante que já conheci. No entanto, mesmo
homens brilhantes cometem erros. O senhor está errado sobre o amor, Inigo.
Há muito mais nisso do que o senhor supõe. Espero que um dia descubra.
Sua perplexidade se transformou em uma carranca, e ele balançou a
cabeça, o movimento curto e decisivo. — Não tenho tempo para essas
fantasias. Meu amor - se é que existe tal coisa - é apenas pelo meu trabalho.
A senhorita entendeu, e por isso nosso acordo me convinha. Não há espaço
em minha vida para uma ligação romântica, certamente não para o amor,
mesmo que eu reconheça que o sentimento exista. Eu, certamente, nunca
amarei uma mulher que não seja igual a mim, intelectualmente. Que
desculpa lamentável de marido seria se tentasse, o que não tenho desejo de
fazer. Seria crueldade me casar com uma mulher que não tenha interesse no
meu trabalho e esteja destinada a ser ignorada, pois sempre virá em segundo
lugar. Não. Se a senhorita tiver alguma compaixão comigo, faria bem em
desejar que eu encontre uma dama de pensamento semelhante, cujas
paixões são reservadas à ciência, ou para permanecer solteiro e feliz com
minha sorte.
— Como quiser, Inigo — Harriet disse com um sorriso. Estava se
sentindo um pouco tonta agora e não achava que conseguiria permanecer de
pé por muito mais tempo. — É melhor deixá-lo agora, antes que sintam a
minha falta.
— Sim, a senhorita deve ir para casa e se aquecer, Srta. Stanhope.
Embora aprecie o sentimento, não posso deixar de pensar que teria feito
melhor se não tivesse vindo. A senhorita não me parece nada bem.
Harriet acenou e murmurou algo, não tinha certeza do que, e então
esperou enquanto Inigo procurava por um guarda-chuva, para que não
ficasse ainda mais molhada ao voltar para a carruagem. Uma vez lá dentro,
Harriet apoiou a cabeça nas almofadas. Sentia-se distintamente estranha,
exausta e fria até os ossos, seu corpo sacudia com calafrios. Sucumbindo ao
desejo de dormir, deslizou para se deitar no assento e fechou os olhos.
Jasper tirou seu relógio de bolso e franziu a testa. Enviou o jantar para
o quarto de Harriet, mas imaginava que ela já teria terminado. Decidindo
que havia muito pouco sentido em se preocupar com o decoro, após a
pequena aventura daquela tarde - especialmente considerando que podia
confiar nos convidados que restaram - foi diretamente para o quarto dela.
Tinha acabado de levantar a mão para bater à porta, quando uma
comoção no corredor abaixo chamou sua atenção, voltou até a galeria para
poder olhar por cima do corrimão. Houve gritos e exclamações e Jasper
franziu a testa, movendo-se em direção às escadas e descendo apressado
caso fosse necessário.
— O que aconteceu, Temple? — Jasper indagou, e então parou quando
um lacaio carregava algo para dentro da casa. Não, não algo, alguém. Uma
mulher.
Por Deus.
Jasper apressou os passos sobre as escadas e descobriu que era Harriet
quem o lacaio carregava. Estava corada, febril e molhada mais uma vez. O
que, diabos, tinha feito?
— Harriet! — Exclamou, colocando a mão em seu rosto, descobrindo
que ela estava queimando em febre. — Passe-a para mim — ordenou,
pegando-a dos braços do lacaio. Harriet murmurou alguma coisa e virou o
rosto para o pescoço dele. — Temple, vá buscar minha mãe e mande
chamar o Dr. Haysom imediatamente.
— Sim, meu senhor — respondeu Temple, latindo instruções e
enviando os criados, correndo, em todas as direções.
Jasper carregou Harriet escada acima. — O que andou fazendo, sua
boba? — Perguntou, querendo sacudi-la. — Deveria ter tomado um banho
quente e se aquecido, não voltado a sair na chuva.
Chutou a porta de seu quarto, fazendo a criada dela correr para abri-la.
A garota exclamou, alarmada, quando Jasper apareceu, carregando Harriet
nos braços. Colocou-a na cama.
— Precisamos tirar essas roupas molhadas imediatamente — instruiu,
tirando os sapatos de Harriet e jogando-os no chão, enquanto a criada o
olhava boquiaberta com horror.
— Não fique aí parada! — Gritou. — Tire as roupas dela.
— M-Mas, meu senhor — a garota gaguejou, olhando para ele com
olhos arregalados.
— Oh, pelo amor de Deus! — Jasper rosnou, muito impaciente para
lidar com tamanha futilidade. — Vamos nos casar, supondo que ela não
morra porque está hesitando.
— Jasper! A garota está certa, deixe-nos.
Jasper se virou, ao mesmo tempo aliviado e indignado ao ver sua mãe
chegar e assumir o controle.
— Mas... — começou, mas sua mãe segurou seu braço e deu-lhe um
sorriso caloroso, estendendo a mão para acariciar sua bochecha.
— Pense em como Harriet ficará mortificada quando os criados
cochicharem sobre isso. Agora, deixe-a comigo, pode entrar quando ela se
sentir confortável. Agora, saia.
Jasper praguejou, mas a única coisa importante era que Harriet fosse
cuidada imediatamente, então esperou do lado de fora. Andou de um lado
para o outro, perguntando-se o que havia de tão importante para Harriet ter
saído de novo com aquele tempo. O que havia sido tão urgente para que
tivesse que lidar com isso imediatamente e se arriscar a ficar doente?
— Temple! — Gritou por cima do corrimão. — Temple!
Desceu as escadas correndo e encontrou o mordomo correndo ao seu
encontro. — Milorde?
— Para onde a Srta. Stanhope foi, esta noite?
— Lamento, mas não sei dizer, milorde. Gostaria que perguntasse ao
cocheiro?
Jasper acenou afirmativamente, depois franziu a testa antes de
dispensar seu mordomo e subir as escadas.
15
Senhor De Beauvoir,
Foi bom vê-lo hoje, apesar da odiosa Sra. Tate. Ainda não
comecei a ler o livro de que falamos, mas pretendo começar
depois do jantar, contanto... contanto que eu consiga parar de
sonhar acordada com seus olhos e com o jeito penetrante que o
senhor olha para mim. Como gostaria que o senhor se
lembrasse de mim desta vez, talvez até pensasse em mim,
como estou pensando no senhor...
—Trecho de uma carta da Srta. Minerva Butler, jogada
no fogo.
2 1814. H H ,S .
Matilda correu pelo corredor em direção a Lorde St. Clair, que acabara
de deixar o quarto de Harriet.
— Milorde — chamou-o, notando o fato de que estava vestindo as
mesmas roupas da noite anterior, e que ainda não tinha se barbeado.
Parecia cansado e desanimado e, ao vê-la, enrijeceu, sua expressão
cautelosa.
— Posso assegurar-lhe que não há impropriedade — disse fragilmente.
— A criada está com ela e mamãe a visita desde que amanheceu.
— Ora, Lorde St. Clair, como se eu me importasse com essas coisas —
disse, balançando a cabeça. — Eu, de todas as pessoas? Só queria saber
como ela está. Existe alguma coisa que eu possa fazer, qualquer coisa?
Ele respirou fundo, era possível ver que estava exausto, esfregou o
rosto e depois balançou a cabeça. — Perdoe-me, Srta. Hunt. Estou cansado
e morrendo de medo, se quiser saber a verdade. Ela está ardendo em febre
e... — Engoliu em seco. — Meu pai morreu de pneumonia.
— Oh, milorde — Matilda disse, seu coração apertando com o medo
que vira nos olhos dele. — Mas certamente Harriet não corre o risco de...?
— Parou, incapaz de terminar a frase.
Observou St. Clair engolir em seco. — Não — disse decisivamente.
Como se ele tivesse decretado aquilo, e era isso. — Não, ela não corre o
risco. Está terrivelmente mal, mas ainda não é pneumonia, está tendo os
melhores cuidados, e... e não permitirei que ela me deixe, droga. Não agora.
Matilda estendeu a mão e a depositou em seu braço. — Achei que
Harriet parecia feliz ontem, no caminho de volta para casa. Do jeito que
sorriu para o senhor, achei que...
— Eu também — respondeu, tomado por desespero. — Mas ontem
quando chegamos, em vez dela se secar e se aquecer, saiu de novo naquele
maldito dilúvio. Foi visitar o Sr. De Beauvoir, Srta. Hunt. Agora me diga,
por que faria isso?
— Eu... — Matilda começou, mas foi interrompida pela expressão de
devastação nos olhos de St. Clair. — Tenho certeza de que há uma
explicação para isso — disse com firmeza. Encarou-o, desejando que
acreditasse nela, pois sabia que Harriet não brincaria nem com ele nem com
o Sr. De Beauvoir. Era intrinsecamente honesta, às vezes tanto que se
prejudicava. — Harriet é a pessoa mais decente e leal que conheço, nunca o
trataria mal. Certamente o senhor sabe disso?
St. Clair engoliu em seco e assentiu tensamente. — Sim, eu sei. Fico
me dizendo isso o tempo todo, e na maioria das vezes, acredito. Só que... —
Suspirou e passou a mão pelo cabelo. — Infelizmente, não consigo pensar
com clareza no momento. Se a senhorita me der licença, Srta. Hunt. Minha
mãe se recusou a me deixar vê-la até eu tomar banho e me trocar.
— Claro — Matilda disse, seu coração tomado de simpatia pelo pobre
homem enquanto ele se afastava.
Jasper olhou para cima quando ouviu a porta do quarto abrir e respirou
fundo ao ver a criada sair na ponta dos pés por um momento. Não era como
se fosse ficar sozinho com Harriet por mais do que alguns minutos, sua
maldita criada a protegia como um cachorro a um osso. A pobre coitada
provavelmente morreria aterrorizada se soubesse o que fizeram no parque
ontem, na chuva...
Deus, como foi idiota.
A culpa tomou conta do seu corpo. Harriet estava gelada até os ossos
quando a encontrou, e ele sabia disso, mas estava tão consumido por suas
próprias necessidades, que não conseguiu pensar em outra coisa. No que
estava pensando? Fazer amor com ela contra uma árvore, como se fosse
uma meretriz qualquer, e ainda debaixo de uma chuva torrencial. Era um
maldito sátiro imundo, e se alguma coisa acontecer com ela...
A angústia fechou sua garganta, e se esquivou da ideia, incapaz de
terminar o pensamento.
Não permitiria que Harriet escapasse de seus dedos, como aconteceu
com seu pai. Era apenas uma febre, nada mais. Não era pneumonia, disse o
médico. Ainda assim, sua mão estava quente e seca quando a pegou e
beijou seus dedos.
Olhou para cima quando a porta se abriu e sua mãe apareceu. Jasper
piscou com força e desviou o olhar. Ouviu o farfalhar de um tecido caro
quando Lady St. Clair se moveu para ficar ao lado dele.
Colocou as mãos em seu ombro e deu um beijo no topo de sua cabeça.
— Não se preocupe assim, meu querido. É uma jovem forte e tem muito a
fazer. Sem mencionar que é uma das criaturas mais teimosas que já existiu.
Ela não vai a lugar nenhum, prometo, e o Dr. Haysom concordou que não
havia motivo para alarme, não foi?
Jasper olhou para o lindo rosto de sua mãe, tomado por um desejo de
criança de acreditar nela sem questionar. Sua expressão era serena;
claramente acreditava naquilo, e o médico havia dito o mesmo. Algo se
desenrolou em seu peito, e pegou a mão dela e a levou até a bochecha. —
Obrigado.
— Claro, meu querido menino. Agora, me sentarei com minha futura
nora e enquanto come alguma coisa. Merrick queixou-se a seu respeito,
receio, então não me diga que tomou um farto desjejum, pois sei que não.
Não adianta nada tentar me convencer de que meia fatia de torrada é
suficiente para um homem do seu tamanho, então, vá.
Fez um movimento, enxotando-o e Jasper sabia que não adiantaria
discutir. Com um longo suspiro de sofrimento, lançou um último olhar para
Harriet e se levantou.
— A senhora vai me chamar se...
Lady St. Clair lançou um olhar que dizia que era um bobo.
— Sim, claro que vai. Obrigado, mãe.
Ela inclinou a cabeça graciosamente e sentou-se na cadeira que acabara
de desocupar, então Jasper não teve escolha a não ser deixá-la sozinha. Uma
vez do lado de fora, percebeu que realmente estava faminto e estava na
metade da escada quando Temple conduzia um visitante ao grande saguão
de entrada.
— O senhor! — Jasper rosnou.
Se foi a noite sem dormir sentado ao lado da cama de Harriet enquanto
ardia em febre, ou simplesmente o fato de que estava desejando nocautear o
sujeito desde o primeiro momento que o viu, Jasper não tinha certeza.
Certamente não se importava. Tudo o que sabia era que estava fervendo
com uma emoção reprimida e a válvula de escape estourou. Explodiu pelo
corredor e agarrou o Sr. De Beauvoir pela gravata nada arrumada e o
acertou.
Senhor De Beauvoir,
Lamento que o senhor tenha tido uma recepção violenta
quando veio me visitar. Sei que Lorde St. Clair se arrepende
de suas ações, mas, por favor, entenda que foi por preocupação
comigo. Espero que o senhor possa nos perdoar. Estou me
recuperando bem e decidi que não sairei em nenhuma chuva
novamente tão cedo.
—Trecho de uma carta da Srta. Harriet Stanhope para o
Sr. Inigo De Beauvoir.
2 1814. H H ,S .
Harriet sorriu quando Jasper entrou apressado no quarto e caiu de
joelhos ao lado da cama.
— Harry — disse, pegando a mão dela e levando-a aos lábios. — Por
Deus, Harry, me deu um susto, amor.
— Sinto muito — disse, falando sério.
Sabia como seu pai morreu e se lembrava do tempo que levou para
morrer, cada respiração sua mais difícil e dolorosa de suportar, e da tosse
violenta que o fazia gritar de dor. O falecido conde era um homem grande,
um maroto encantador, mas dedicado à esposa e aos filhos. Sua morte
devastou a todos e atingiu Jasper com uma força especial. Apesar da
fachada que ele usava para o bem de sua mãe, suspeitava que não se sentia
preparado para assumir o condado tão jovem.
— Não me assuste assim de novo, por favor — disse, fechando os
olhos e soltando um suspiro. — Temo em dizer, mas perdi um pouco a
cabeça.
Harriet franziu a testa, perguntando-se o que queria dizer. Sua cabeça
doía, seus olhos doíam, sentia-se como se tivesse engolido vidro quebrado.
— O que aconteceu? — Perguntou, o que foi um esforço máximo.
— Eles a trouxeram da carruagem ontem à noite — ele disse. —
Encharcada até os ossos, de novo — acrescentou, olhando-a. Harriet
poderia ter corado de remorso se já não estivesse com febre. — Depois
descobri que foi ver De Beauvoir.
O coração de Harriet deu um salto. Oh, bom Deus, o que ele fez?
Visões de pistolas ao amanhecer e só Deus sabe mais o que encheu seu
cérebro confuso de febre. — N-Não, Jasper, não entende... — ela
murmurou, forçando as palavras a passarem por sua garganta inflamada.
— Xiii — disse, sorrindo para ela. — Entendo. De Beauvoir me contou
por que foi vê-lo. Infelizmente, não conseguiu dizer isso antes de eu
nocauteá-lo.
Harriet gemeu.
— Está tudo bem. Eu me desculpei. — Jasper disse, sorrindo. — Não
acho que sou a pessoa favorita dele, mas não vai me chamar para um duelo.
Ela soltou uma gargalhada, que rapidamente se transformou em uma
tosse seca, e Jasper se preocupou, afofando seus travesseiros e ajudando-a a
se sentar, antes de pegar um copo d’água.
— Melhorou? — Perguntou ansiosamente, quando o acesso de tosse
diminuiu.
Harriet acenou, suspirou e recostou-se nos travesseiros.
— O que ele te disse, Jasper? — Perguntou.
Jasper pegou a mão dela novamente e colocou-a contra sua bochecha,
antes de virar a cabeça para ela e pressionar os lábios na palma da sua mão.
Harriet estremeceu.
— Acho que sabe — disse suavemente.
Olhou para ela que prendeu a respiração. Era tão bonito que doía olhá-
lo, e era tão difícil acreditar que pudesse segurar um homem daquele. No
entanto, aqui estava ela, febril e doente - só o céu sabia em que estado seu
cabelo estava, devia estar com uma aparência horrível - e ele ainda a estava
olhando com adoração. A cabeça dele devia estar confusa, decidiu, e tentou
se lembrar se Lady St. Clair alguma vez mencionou que ele caiu de cabeça
quando era criança.
— Te amo — ela disse, porque tinha que dizer, porque ele merecia
ouvir isso depois de todo esse tempo.
Para seu espanto, os olhos dele brilharam e ele piscou com força antes
de dar uma risadinha melancólica.
— Graças a Deus — disse, sua voz quase tão áspera quanto a dela. —
Graças a Deus, e obrigado acima de tudo, minha querida menina. Também
te amo e não vou decepcioná-la. Prometo.
Harriet assentiu, enquanto uma exaustão forçava suas pálpebras. Ficou
muito feliz por tê-lo agradado e, com um suspiro de satisfação, voltou a
dormir.
7 1814. H H ,S .
Jasper se tornou um estorvo pelos próximos dias, enlouquecendo a
pobre criada de Harriet enquanto mexia e reorganizava tudo que ela já tinha
arranjado perfeitamente bem, mas sentiu como se fosse enlouquecer se não
tivesse nada para fazer.
Harriet dormia muito no início, mas, com o passar dos dias, melhorou,
a febre diminuiu e um tom mais saudável voltou ao seu rosto. Esta manhã,
quando entrou em seu quarto, estava sentada na cama e parecia muito mais
altiva.
— Bom dia, amor. Como está se sentindo?
— Entediada — Harriet disse com um bufo. — Quero me levantar,
mas aquele médico estúpido diz que não posso, até amanhã, no mínimo.
— É adorável quando está mal-humorada, sabia disso? — Jasper disse,
sorrindo enquanto se inclinava para beijar sua testa.
— Nunca sou adorável — Harriet respondeu, franzindo o nariz.
— Perdoe-me, mas discordo. Agora — disse, puxando uma cadeira e
sentando-se ao lado dela. — Temos um casamento para planejar.
Harriet gemeu.
— Bem, esse é o tipo de reação que pode ferir os sentimentos do seu
companheiro, amor — Jasper disse, balançando a cabeça, ciente de que não
era ao casamento a que se opunha, e sim o rebuliço disso.
— Não quis dizer isso dessa forma — disse rapidamente e então notou
a diversão em seus olhos. — Oh, Jasper, não aguentaria. Todas aquelas
pessoas olhando para mim e se perguntando como o prendi no casamento.
Jasper sentiu seu temperamento aumentar com a ideia. — Já deixei
bem claro para quem quiser ouvir, que eu a prendi no casamento — disse, o
que era perfeitamente verdade, mas Harriet apenas bufou.
— Vão pensar que está sendo um cavalheiro e salvando minha
reputação, — disse irritada.
— Não quando virem como sou um marido dedicado, seguindo-a como
um cordeirinho.
Harriet bufou de novo, embora parecesse divertida dessa vez. — O
que? Um cordeirinho?
— Baaaa.
Ela riu e balançou a cabeça. — Homem tolo — disse, mas com tanto
afeto em seu tom, que Jasper sentiu seu coração inchar. Ela o amava.
Parecia totalmente impossível, mas ela disse isso, e Harriet nunca mentia.
Não estrague tudo, St. Clair, advertiu a si mesmo.
— Que tal um casamento privado, na capela daqui? Seremos nós dois,
nossos irmãos, suponho — acrescentou com um longo suspiro de
sofrimento. — E todas as damas peculiares que desejar convidar.
— Senhoritas Peculiares — Harriet corrigiu severamente, antes de
suspirar e estender a mão para pegar a dele. — Oh, Jasper, isso parece
perfeito, mas não se importa? Sua mãe não ficará terrivelmente
desapontada? Imagino que ela anseia por uma grande festa.
— Falarei com ela — disse, passando o polegar para a frente e para
trás sobre a mão dela, ainda tendo dificuldade em acreditar que o tinha
aceitado, que o queria.
A ansiedade permanecia no seu coração, o medo de que o quisesse
contra a sua vontade, que sabia tão bem quanto ele que provavelmente se
aborreceria. Não, ela me ama, lembrou-se, e não apenas por seu rosto
bonito, não apenas por como a fazia sentir na cama, havia mais do que isso,
não havia?
Um pânico desagradável começou a se desenrolar em seu estômago e
tentou ignorá-lo.
— Quero me casar assim que pudermos — disse, assegurando-se de
que não o dizia para a amarrar a ele, para garantir que nunca pudesse deixá-
lo, não tendo tempo de voltar a si e mudar de opinião.
— Acho que devemos — disse com um suspiro. — Não consigo
imaginar o que as pessoas devem estar falando sobre mim.
— Ninguém vai ousar dizer uma palavra — assegurou. — Não se
souberem o que é melhor para eles.
Ela respirou fundo e levou a mão ao coração. — Adoro quando age
todo autoritário e resmungão.
Jasper bufou, ciente de que estava sendo provocado. — Miserável.
Seu rosto se suavizou e houve uma estranha sensação de tremor em seu
coração.
— Eu o amo, Jasper. Sempre o amei. Sabe disso, não sabe?
Ele engoliu em seco, ainda desacostumado a essa revelação
extraordinária, mas assentiu, pois estava emocionado demais para falar.
— Mal posso esperar para sair desta cama — disse, fechando os olhos
por um momento.
— Mal posso esperar para tê-la de volta na minha —rebateu,
encontrando sua voz novamente e apreciando o bombardeio de cor em suas
bochechas.
Ela ignorou o comentário, embora seus lábios tivessem se contraído.
— Devo avisar que mamãe está fazendo planos para um grande baile
para nossa festa de noivado — disse, sorrindo para sua expressão chocada.
Harriet deu de ombros, seus lábios se curvando. — Bem, devo isso a
ela, já que não vai ter o grande casamento que esperava — disse com um
suspiro. — Diga que aprovo tudo, o que ela quiser. Estou nas mãos dela.
— Isso vai agradá-la — disse Jasper, balançando a cabeça em
aprovação.
Ela suspirou e se virou para olhar para a janela e as pequenas manchas
de céu azul visíveis do lado de fora. — Estou tão entediada — reclamou, a
coisa mais próxima de um gemido que ele já ouviu dela. — Não consigo
nem ler porque faz minha cabeça doer.
— Pobre querida — disse, sua voz suave quando se inclinou e deu um
beijo em seu nariz. — Deveria descansar.
— Não quero descansar — murmurou, — quero fazer algo. Oh, —
disse, iluminando-se e sentando-se mais ereta. — Poderia ler para mim. Por
favor, Jasper, ou acho que vou enlouquecer.
Jasper teve um momento de puro pânico. Ficou quente, depois frio e,
em seguida, uma combinação pegajosa dos dois se estabeleceu sobre sua
pele.
— Eu... eu... — gaguejou, com medo de que ela finalmente descobrisse
seu segredo. Sabia que tinha que contar a ela um dia, deveria contar, mas
não estava preparado para fazer isso tão cedo, pelo menos não antes de se
casarem. Não estava pronto.
Seu pânico foi tal que fez com que qualquer possibilidade de inventar
uma desculpa razoável se desvanecesse em uma improvável baforada de
fumaça, como um mágico ruim. De repente, tinha oito anos, com seu tutor
respirando em seu pescoço e dizendo-lhe para não ser tão absurdo, que
estava fazendo aquilo de propósito quando descobriu que a escrita pelo qual
Jasper lutou por horas era uma bagunça absoluta, e muitas das palavras ou
letras estavam de trás para frente.
O homem ficou furioso com ele, pensando que estava brincando, e
Jasper ficou tão mal, humilhado e frustrado que agarrou o pote de tinta do
estande e jogou no chão. Houve algo satisfatório na batida que fez, e na
forma como a tinta preta respingou em tudo, cobrindo seu tutor da cabeça
aos pés com manchas de tinta.
Aquele tinha sido o começo de uma vida de mal comportamento, de
evitar seus estudos e fingir que não se importava, quando se importava mais
do que qualquer um poderia imaginar.
— Eu não posso... eu... — respondeu, levantando-se. — Preciso fazer...
uma coisa. Esqueci, desculpe, querida... Voltarei mais tarde...
Sentindo-se um canalha e um idiota absoluto, Jasper saiu apressado do
quarto. Uma vez do lado de fora, encostou-se na parede, seu estômago
amarrado com um nó, achou que fosse vomitar. Por Deus. Oh, meu Deus.
Ela descobriria. Perceberia que era um maldito idiota e então se recusaria a
se casar. E se seus filhos herdassem o cérebro dele em vez do dela? E se...
Pare com isso, disse a si mesmo, forçando o pânico a ir embora, como
se ensinou a fazer. Contornaria isso. Sempre contornou. Talvez pudesse
memorizar o primeiro capítulo de um livro. Não, não tinha tempo o
suficiente. Levaria séculos, e a única maneira de lidar com isso seria pedir a
alguém para ler a peça repetidamente enquanto imaginasse as palavras em
sua cabeça até que pudesse recitá-la de volta. Lidou com muitas situações
embaraçosas dessa maneira ao longo dos anos, mas Harriet já estaria
recuperada quando pudesse fazer isso com confiança.
Desceu as escadas correndo e saiu, indo para o único lugar onde
ninguém o perturbava.
Foi uma caminhada e tanto até o santuário de Jasper, que ficava na
extremidade mais distante da fazenda: um espaço amplo e bem iluminado
em uma das muitas dependências necessárias para servir a uma propriedade
tão vasta e opulenta quanto Holbrooke House. Este lugar estava
estritamente fora dos limites para todos, e Jasper nunca tinha permitido que
criada alguma limpasse o local, preferindo fazer essas tarefas ele mesmo.
As janelas eram altas e recebiam bastante luz, que não permitia que
ninguém conseguisse ver dentro ou que Jasper visse o lado de fora.
Soltou um suspiro quando fechou a porta atrás de si e encostou-se nela,
aliviado. O doce cheiro de serragem e madeira secando encheu o ar e
aliviou o pânico que estava arranhando seu peito, fazendo sua garganta
apertar. Tomando um momento para trancar a porta, Jasper tirou seu casaco
perfeitamente desenhado e pegou uma versão leve e folgada que chegava
aos joelhos e cobria suas roupas caras. Suas botas ficariam cobertas de
poeira e o pobre Merrick não gostaria nada disso, mas não havia como
evitar.
Jasper entrou na oficina, suas mãos percorrendo cinzéis e ferramentas
que o conde de St. Clair nunca deveria tocar. Olhou para suas mãos, feliz
por ver os calos ali, como qualquer trabalhador comum. Era para lá que ia
quando precisava fugir, quando a frustração com suas próprias
inadequações o fazia se sentir um fracassado e quando seu desejo pela
aprovação de Harriet o fortalecia.
Com um suspiro, selecionou o cinzel de que precisava e começou a
trabalhar.
8 1814. H H ,S .
Harriet ficou muito aliviada por finalmente ter sido liberada para
deixar o quarto. Aninhada diante da lareira da biblioteca, estava tentando,
sem sucesso, ler o livro que trouxera com ela. Não via Jasper desde o dia
anterior, ou desde aquela manhã, e embora ainda se sentisse cansada e
letárgica, sua mente não estava tão nebulosa quanto antes.
— Prefere rosas cor de rosa ou amarelas?
Harriet se virou para a escrivaninha onde Lady St. Clair estava
alegremente instalada, cercada por listas e planejando a festa de noivado
dela e de Jasper com o mesmo semblante determinado que Wellington
certamente usou antes da batalha de Waterloo.
— Rosa — Harriet respondeu distraidamente. — Onde está Jasper?
Lady St. Clair levantou os olhos das anotações e franziu a testa. — Não
tenho ideia — disse. — Embora suponha que, provavelmente, esteja
naquela oficina dele.
— Oficina? — Harriet repetiu. — Jasper tem uma... oficina?
Houve um trinado de risos vindo da mesa. — Ele não é o presunçoso
desocupado que todo mundo pensa que é, Harriet, querida. Achei que você,
de todas as pessoas, soubesse disso.
Harriet corou, perguntando-se o que, realmente, sabia sobre Jasper,
sobre o homem que era agora. Havia-o julgado mal nos últimos anos. O que
mais havia entendido errado? Antigamente o conhecia melhor do que a si
mesma, mas eram crianças naquela época, e haviam se passado muitos anos
desde que se afastaram um do outro. Durante esses anos, ele se transformou
em um homem, um homem bonito, com uma reputação selvagem de
mulherengo. Embora tivesse notado que, mesmo que tivesse se acalmado
nos últimos anos, sua reputação ainda o seguia. Mas, uma oficina?
— Que tipo de oficina?
Lady St. Clair encolheu os ombros. — Não tenho ideia, ele não deixa
ninguém entrar. Até mesmo os criados são proibidos. — Ergueu os olhos
deixando Harriet impressionada com a tonalidade dos seus olhos turquesa, a
mesma cor incomum que seu filho herdou. — Por que não descobre?
Harriet se encolheu um pouco ao pensar em invadir o espaço privado
de Jasper. Era aparente que guardava a sete chaves, se nem mesmo deixava
os criados entrarem. Naturalmente, agora estava sendo comida viva de
curiosidade.
— O médico disse que um passeio ao ar livre seria bom, não disse? —
Lady St. Clair comentou indiferentemente.
— Muito bem —Harriet disse, pondo o livro de lado.
Dez minutos depois, estava seguindo o pequeno mapa de Lady St.
Clair, passando pelos estábulos imponentes e mais adiante, pela vasta horta
que abastecia a casa com produtos frescos, e pelas estufas onde frutas
exóticas e flores eram cultivadas com ternura. Em seguida, foi para a
fazenda, observando enquanto caminhava como tudo era limpo, organizado
e bem cuidado. Jardineiros e trabalhadores rurais tiraram seus chapéus e
saudaram-na com um sorriso no rosto enquanto ela lançava seus olhos sobre
um grande e bem administrado empreendimento. Não havia um telhado
sequer precisando de conserto, ou uma vidraça quebrada à vista. Cada
quintal e passeio era bem cuidado. Lembranças surgiram de ter brincado
dentro e ao redor daquelas construções quando eram crianças, roubando
frutas suculentas, fazendo carinho nos porquinhos e geralmente tornando-se
estorvos. Já fazia muito tempo desde que havia estado naquela parte da
propriedade, sorriu ao se lembrar de uma centena de aventuras e disputas, e
muitas risadas. Harriet não se lembrava de o lugar estar em tão excelente
estado naquela época. Na verdade, era um conjunto de construções muito
mais desorganizado, muitos deles em mau estado de conservação.
Jasper tinha feito tudo isso?
Harriet olhou para o mapa mais uma vez para se orientar, concluindo
que a construção que procurava ficava na periferia do complexo da fazenda,
antes de dar lugar aos campos. De acordo com o mapa, agora havia um
aglomerado de construções e todos deviam ser novos, pois não se lembrava
de ter havido nada além de campos ali. Continuou andando, pulando as
poças e aproveitando o ar fresco. O sol aqueceu suas costas e inspirou
profundamente o ar puro e doce, grata por respirar com muito mais
facilidade do que há alguns dias.
A construção, quando finalmente a encontrou, era um prédio de tijolos
vermelhos sólidos com janelas altas, altas demais para permitir que Harriet
espiasse discretamente antes de reunir coragem e bater à porta.
Bem, veio até aqui, e era apenas Jasper. Por que, diabos, estava tão
nervosa?
Harriet ergueu a mão enluvada e bateu com força na porta.
Por um longo momento não houve resposta, estava prestes a bater
novamente quando a porta se abriu e Jasper colocou a cabeça para fora.
— Harriet! — Exclamou, obviamente surpreso.
Ele saiu e fechou a porta atrás de si, sem permitir que ela visse o que
estava fazendo ali.
— O que faz aqui? — Perguntou.
— Estava te procurando — respondeu estudando seu rosto. — Não o vi
desde a noite passada, quando saiu do meu quarto como se seus calcanhares
estivessem em chamas.
— Não foi bem assim — endureceu imediatamente, sua expressão
cautelosa, e ela estava ciente da tensão vibrando no seu corpo.
— Sim, saiu — disse, estendendo a mão e pegando o braço dele, que
estava rígido e inflexível.
— Tinha que tomar conta de algumas coisas. Disse que tinha
esquecido... uma coisa.
Harriet respirou fundo e olhou para ele, perguntando-se por que insistia
em seguir com aquela desculpa esfarrapada, quando era patentemente
mentira.
— Esqueceu o quê, Jasper?
— Não importa! — Respondeu tenso e irritado e algo mais, parecido
com pânico.
Lembrou-se do pânico que vira em seus olhos no dia anterior também.
— Tudo estava bem até que pedi que lesse para mim — meditou,
considerando as possibilidades até que algo óbvio ocorreu a ela. Suspirou e
olhou para seu belo rosto, tentando manter o sorriso nos seus lábios. — Oh,
Jasper, pre... precisa de óculos? É por isso que fez tanto alarde?
Ela se assustou quando ele afastou o braço do dela.
— Não, não preciso de óculos — respondeu rispidamente, e Harriet se
assustou com a raiva e mágoa no rosto dele. — Embora dificilmente possa
estar surpreso que pense isso. Acredita que sou um tolo sem cérebro, não é?
Acha que só me importo com a minha aparência e com o que vestir. Claro,
Jasper é muito vaidoso para usar óculos para ler, prefere não se incomodar
em vez de estragar seu belo rosto - é isso, não é, Harry? Cristo, se isso for
tudo que...
Fechou a boca e afastou-se, cruzando os braços com força sobre o
peito. Ela podia sentir o sofrimento e a tensão emanando do seu corpo e não
sabia por que, ou como ajudar, embora desejasse fazê-lo.
Harriet se aproximou dele com cautela, seu coração arrebentando no
seu peito. Sua óbvia dor a fez se sentir péssima, e uma culpa tenebrosa
baixou sobre ela. Seu coração doeu ao vê-lo tão agitado. Jasper sempre foi
aquele que ria, aquele com um sorriso rápido e algo espirituoso a dizer,
aquele que a socorria quando estava fora de si por seu pai a tratar como uma
garotinha boba e se recusar a ver que era mais do que isso.
— Jasper — chamou-o, estava perto o suficiente para colocar a mão
em seu braço. Olhou para ele, que manteve o rosto virado. — Jasper, o que
é? Qual é o problema?
— Nada.
Queria abraçá-lo, segurá-lo com força, pois estava claramente
mentindo. Essa única palavra continha um mundo de dor e desafio, e sabia
que deveria agir com cuidado. Fosse o que fosse, havia ferido gravemente
seu orgulho. Harriet cresceu entre meninos e sabia como esse orgulho era
frágil. Um menino zombaria e riria e diria que não estava com medo,
quando na verdade estava tremendo em suas botas, ou, isso não doeu,
quando esfolava os joelhos, mesmo que o desejo de ser abraçado e beijado
brilhasse nos seus olhos. Reconheceu aquele mesmo orgulho feroz agora,
em cada linha de seu corpo, e na maneira como se recusava a encontrar seu
olhar.
— Por que acha que acredito que seja tolo, Jasper? — Perguntou,
mantendo sua voz suave. — Não acho, espero que saiba. Nunca achei.
Ele fez um som de desgosto que sugeria que não acreditava em uma
palavra que estava falando.
— Fiquei frustrada com a sua falta de interesse em estudar, é verdade
— ela continuou decidindo que seria melhor fazê-lo falar sobre isso, mesmo
que tivesse que deixá-lo com raiva se fosse necessário, pois certamente isso
era o cerne do, seja qual for, problema que ele tinha. Teve medo de ler caso
escolhesse algum jornal científico que não conseguiria acompanhar?
Certamente que não. — Quando optou por não ir para a universidade, fiquei
chateada e com ciúmes, porque eu teria dado meu braço inteiro por essa
oportunidade e apenas disse não, sem pensar um momento. Nem mesmo
considerou e...
— Porque sou muito burro para considerar isso! — Gritou, furioso,
enquanto se afastava dela.
— Não, não é! — Harriet gritou de volta, indignada por ele pensar uma
coisa dessas, quando era tão claramente mentira. — Sei que não é.
— Não sabe absolutamente nada sobre isso, Harry! — Ele se virou e a
dor em sua expressão a devastou, o brilho em seus olhos fez com que seu
peito doesse. — Não sabe... — começou de novo, as palavras cruas, mas
sua voz falhou, e ele se afastou.
— Jasper! — Gritou, correndo até ele e jogando os braços sobre sua
cintura. — Oh, meu amor. Seja o que for, diga-me, por favor. Não suporto
vê-lo tão infeliz. Por que pensa isso? Quem, diabos, colocou isso na sua
cabeça?
— Quem? — Perguntou incrédulo, com uma risada amarga enquanto
passava a mão pelo cabelo. — Cada tutor e mestre de escola que já tive,
somente essas pessoas!
— Mas por quê? Por que os enganava e não participava das aulas e os
enfrentava?
— Não! — Gritou, e foi um som tão angustiado que tudo o que
conseguiu fazer foi segurá-lo com mais força.
Ele estava respirando fundo agora, tão obviamente perturbado que
Harriet não sabia o que fazer ou dizer, então fez a única coisa em que
conseguia pensar. Segurou-o com força enquanto o olhava.
— Eu te amo, Jasper. Seja qual for o problema, isso não mudará a
forma como me sinto.
Para sua consternação, ele balançou a cabeça em negativa e sua
garganta se mexeu.
— Vai me deixar —disse as palavras, tão destruído, que ela sentiu seu
coração se despedaçar. — Vai me desprezar.
— Não vou! — Exclamou, desejando ter força suficiente para sacudi-
lo. — Bom Deus, Jasper. Estive apaixonada por você minha vida toda.
Minha vida toda! Acha que qualquer segredo obscuro que pensa que tem
pode mudar isso? Mesmo quando zombava de mim sem parar e me fazia
sentir como uma rata de biblioteca sem graça, ainda o amava. Tentei muito
não te amar, acredite, tentei, mas não consegui parar. Não vou parar, Jasper.
Por favor, meu amor — implorou. — Não vai confiar em mim?
Harriet observou enquanto ele cobria o rosto com as mãos e ela ergueu
as dela, cobrindo-as com as suas e afastando-as. Colocou-as em seu próprio
rosto e beijou primeiro uma, depois a outra.
— Diga-me — pediu, sentindo sua garganta fechar com emoção
quando uma lágrima deslizou por sua bochecha.
Ele ficou em silêncio por um bom momento e então respirou fundo e
ela o viu se preparar para sua resposta, sua rejeição.
— Eu n-não consigo ler, Harry — disse, e foi um esforço para não
reagir, para não dizer não seja bobo, isso não é possível, como, diabos, ele
conseguiu se virar todo esse tempo se isso fosse verdade?
Olhou para seu belo rosto, reconhecendo o medo naqueles olhos,
sabendo que estava esperando que ela risse dele ou o rejeitasse, ou para
recriar o que quer que tenha experimentado no passado que o machucou tão
profundamente.
Harriet respirou fundo. — E o que acha que possa ter causado isso? —
Perguntou, calmamente, antes de adicionar — e não diga por que é burro,
Jasper, porque não vou admitir. Não é burro.
— Me disse que eu era — rebateu, aquele tom frágil e defensivo
aparecendo em sua voz.
— Talvez seja porque eu não entendia — retrucou. — Da mesma
forma que não entendia por que era tão cruel comigo, e você não entendia
por que eu não o amava mais. Acho que cometemos muitos erros tolos nos
últimos anos, Jasper, e todos poderiam ter sido resolvidos tão facilmente se
apenas tivéssemos conversado.
Ele engoliu em seco e depois enxugou os olhos com um gesto irritado.
— Não sei por quê. Eu... Eu tentei tanto, Harry — ele disse, e a angústia em
sua voz a fez querer chorar pela dor que ele guardou dentro dele todos esses
anos. — Quer dizer, posso ler, só que é muito difícil, fico uma eternidade e
depois quando tento escrever... as palavras saem todas erradas. Escrevo de
trás para a frente e é... uma confusão maldita.
— Jasper — disse, estendendo a mão para tocar seu rosto, mas ele se
afastou dela e do seu abraço.
— Não tenha pena de mim —explodiu, se afastando e enfiando as
mãos no cabelo como se fosse arrancá-lo pela raiz. — Não ouse ter pena de
mim! Isso não.
— Não tenho pena — disse, lutando para manter a voz, mesmo quando
queria chorar e abraçá-lo e se enfurecer com o mundo por ter lhe causado
tanta dor. — Estou impressionada, isso sim, Jasper. Com o quão duro deve
ter trabalhado, quão inteligente deve ter sido para esconder isso de todo
mundo, todo esse tempo.
— Não seja tão condescendente — rosnou, andando para cima e para
baixo agora, como um animal selvagem que ficara preso em um espaço
muito pequeno por bastante tempo.
— Não estou sendo, juro. Não consigo imaginar como administrou esta
vasta propriedade durante todos esses anos, muito menos como terminou os
estudos. Meu Deus, não admira que não quisesse ir para a universidade —
fez uma pausa e prendeu a respiração quando outro pensamento lhe
ocorreu. — Oh, meu Deus, e a forma como o tratei, as coisas que eu disse
— sussurrou, horrorizada com sua crueldade, embora não fosse sua
intenção causar tal dano. Se ao menos ela soubesse!
— Não importa — disse, chutando uma pedra e parecendo tão cansado
que desejou ir até ele e consertar tudo, mas não sabia como.
— Alguém sabe? — Perguntou.
Balançou a cabeça negativamente, e soube que ele vinha lutando contra
isso sozinho a vida inteira, com medo de que alguém descobrisse.
— Acho que, talvez, Merrick suspeite — disse sem olhá-la.
— Seu valete?
Jasper assentiu. — Tenho que pedir às pessoas que leiam as coisas para
mim. Meu secretário acha que sou muito esnobe para fazer isso sozinho,
mas tudo bem. É assim que lidei com a maioria das situações, mas..., mas é
mais complicado com questões pessoais.
Harriet sentiu um nó na garganta. — Foi por isso que não escreveu —
disse, piscando para conter as lágrimas.
— Sinto muito — respondeu. — Eu queria, mas...
Ela não conseguiu se conter mais um minuto, maldito seja o orgulho
dele. Harriet correu e envolveu-se nele o mais firme que pôde.
— Eu te amo, Jasper. Eu te amo, é a pessoa mais corajosa que já
conheci, não é burro e nunca deve pensar que é.
Ele estava rígido e inflexível em seus braços, a dor que sentia
escondida atrás de uma parede frágil que ela precisava estilhaçar.
— Talvez não burro — admitiu. — Mas não sou um grande pensador,
amor. Não como...
— Se disser De Beauvoir, eu o mato — ameaçou-o, antes que ele
tivesse tempo de terminar a frase. — Estou lhe dizendo agora, admiro
muitas coisas em Inigo De Beauvoir, mas concluí que ele é o gênio mais
estúpido que conheço.
Jasper deu a ela um olhar vazio.
— As ideias dele sobre o amor são as mais idiotas que já ouvi em toda
a minha vida — continuou balançando a cabeça. — Tentei acreditar nelas
por muito tempo, mas dentro do meu coração sempre soube que estava
errado. Honestamente, quão estúpido precisa ser para pensar que tal coisa
não foi provada repetidamente de maneiras infinitas, desde o início da raça
humana? Que grande tolo ele é.
Para seu imenso alívio, os lábios dele se contraíram.
— Bem, não gosto de dizer, mas avisei — disse.
Harriet deixou escapar uma risadinha e olhou para ele, tocando seu
rosto com a mão.
— Fico feliz que tenha me dito, e aliviada por entender, então, vamos
resolver as coisas juntos, certo?
Ele encolheu os ombros, sua expressão ainda cautelosa e incerta. —
Não pode me consertar, Harry.
— Não preciso ou quero consertá-lo — atirou de volta, irritada com a
ideia. — Não está quebrado, talvez... — sustentou seu olhar enquanto
pensava sobre isso — talvez apenas funcione diferente das outras pessoas.
Não mal, apenas... diferente.
Observou-o, esperando ter dito a coisa certa, aliviada quando ele soltou
um longo suspiro e se inclinou para pressionar a testa contra a dela. — Eu
te amo muito, Harry. Não suportaria que tivesse vergonha de mim, ou...
— Nunca! — Disse, ouvindo sua voz falhar com a palavra enquanto
balançava a cabeça. Puxou-o para perto e deu um beijo feroz em seus
lábios. — Nunca, jamais teria vergonha de você.
— Obrigado — disse, seu sorriso um pouco mais seguro agora.
— Eu que te agradeço — respondeu. — Por confiar em mim.
Ficaram juntos por um longo tempo, abraçados fortes e sem dizer nada,
até que Harriet levantou os olhos.
— Agora — disse, seu tom de negócios. — Não é hora de me mostrar
o que esconde nesta sua oficina secreta? Estou morrendo de curiosidade.
Ele riu, e aquele era o Jasper despreocupado de sua juventude, aquele
por quem se apaixonou, sem nem perceber o que estava acontecendo.
— Tudo bem — falou um pouco tímido. — Acontece que acabei de
terminar seu presente de casamento.
Harriet o encarou. — Me... me fez um presente de casamento? —
Perguntou surpresa por ele ter se dado tanto trabalho. — Oh, Jasper, isso é...
— Não viu ainda —a lembrou, e ela viu um lampejo de dúvida em seus
olhos. — Pode não gostar.
Pegou o braço dele, perguntando-se como nunca tinha notado antes
como estava inseguro, quão frágil era aquele rosto confiante e sorridente.
— Fez para mim, Jasper. Seja o que for, devo considerá-lo
terrivelmente romântico e amá-lo mais do que qualquer outra coisa no
mundo.
Ele pareceu satisfeito com aquilo e pegou sua mão. — Venha então.
18
Senhorita Butler,
Eu aceito suas desculpas. Lamento informar, porém, que não
tenho noção de como lidar com esses sentimentos
inadequados. Sugiro fortemente que nos esforcemos para
evitar um ao outro a todo custo.
Sinto que é o melhor.
Atenciosamente,
De Beauvoir
—Carta do Sr. Inigo De Beauvoir para a Srta. Minerva
Butler.
8 1814. H H ,S .
Harriet não sabia o que esperar quando entrou na oficina, mas
certamente não foi o que viu.
A oficina estava limpa e organizada, era claro que havia um lugar para
cada objeto, e não tinha nada fora do lugar. Harriet olhou em volta,
apreciando o aroma doce e empoeirado da madeira, até que seu olhar
pousou em uma prateleira repleta de objetos esculpidos. Com o coração na
boca, pegou um, mal ousando tocá-lo, pois era muito delicado.
Era um cavalo esculpido, com o pescoço orgulhoso arqueado e a crina
flagrada no exato momento em que joga a cabeça. Havia capturado cada
tendão e músculo na madeira de grão fino com muita precisão.
— Fez... fez isso, Jasper?
Ela se virou para ele, sentindo sua garganta doer de emoção.
Ele assentiu, observando-a atentamente.
— Não sei o que dizer. — Olhou ao longo das prateleiras, para entalhes
de cães e gatos e vacas, ratos e pássaros. Voltou o cavalo para o lugar e
pegou outro, um pequeno arganaz enrolado em um ninho de madeira. — É
um artista, Jasper — disse, alisando um dedo sobre a minúscula criatura
capturada em detalhes perfeitos. Sua voz estava pesada e seus olhos tão
cheios de lágrimas que ele ficou fora de foco quando o olhou.
— Gostaria de ver o que fiz? — Perguntou, e ela assentiu em silêncio,
comovida demais para falar enquanto colocava o pequeno arganaz de volta
na prateleira.
Jasper segurou sua mão e a levou a uma bancada de trabalho robusta
no meio da oficina. Havia algo grande e retangular coberto com um pano e,
quando se aproximou, Jasper estendeu a mão para removê-lo e hesitou.
— Quando disse que era o seu presente de casamento, só quis dizer
que era um dos seus presentes. Vou te dar joias também, é claro, mas... Fiz
isso para o seu enxoval — disse, puxando o lençol que o cobria.
Harriet ofegou e levantou a mão para cobrir a boca.
— Oh, meu Deus — disse, as palavras mais sussurradas do que
faladas. — Minha nossa.
Aproximou-se, incapaz de acreditar no detalhe, no cuidado, no tempo
que deve ter gastado nisso, por ela.
— Posso tocá-lo? — Perguntou.
Jasper riu e acenou. — Claro, é seu.
Harriet passou a mão pela escultura. Uma garota estava sentada
embaixo de uma macieira, lendo um livro. Piscou com força para limpar a
umidade em seus olhos e uma lágrima caiu. Por toda a parte externa do baú
havia mais livros esculpidos na madeira em tamanho real, lado a lado e
empilhados, outros abertos. Leu alguns dos títulos, “A República” de
Platão, “A Ilíada” de Homero, “Um Tratado da Natureza Humana” de
David Hume e romances como “As Viagens de Gulliver”. Como deve ter
sido difícil para ele esculpir a escrita. E não só o fez contra todas as
probabilidades, mas também notou o que ela estava lendo e se deu a tanto
trabalho, sendo que suas próprias dificuldades eram tão desafiadoras para
desfrutar de coisas assim.
Mal conseguiu absorver o que estava acontecendo quando uma emoção
surgiu dentro dela como uma maré crescente.
— É uma nogueira — disse, enquanto Harriet lutava para respirar. —
Lembra-se daquela enorme árvore que explodiu na tempestade, perto do
lago?
Harriet acenou. Amavam aquela árvore, subiam e faziam muitos
piqueniques à sua sombra. Foi como perder um velho amigo quando
souberam que uma terrível tempestade de verão a tinha destruído pela raiz.
Não conseguia pensar em nenhum uso melhor para a madeira do que esse,
com todo o amor e cuidado que tinha sido dispensado a ela. Seu coração
inchou até que pensou que fosse explodir. Como podia ter passado tanto
tempo se sentindo inútil, como claramente se sentia, quando era capaz de
coisas tão extraordinárias? Entendia por que não compartilhava seu trabalho
publicamente; não era bom um conde trabalhar, ainda mais com as próprias
mãos, mas que não as compartilhasse com sua família, seus amigos... Só
agora o entendeu realmente, e percebeu o quão frágil era seu orgulho,
quanta vergonha suportou, e como acreditava que só dependia da sua
aparência.
— Quando fez isso, Jasper?
Olhou-o, incapaz de esconder as lágrimas que caíam livremente agora.
Ele encolheu os ombros, alisando a mão ao longo da parte superior do
baú. — Comecei quando voltei da Rússia — admitiu. — Tenho trabalhado
nisso desde então. Não constantemente, — acrescentou, com um sorriso
irônico — mas durante as vezes que ousei ter esperanças de reconquistá-la.
Nunca desisti de esperar que pudesse mudar sua opinião sobre mim.
Harriet emitiu um som, algo entre uma risada e um soluço, e se jogou
em seus braços. — Eu amei, Jasper. Amei muito. Mais do que qualquer
outra coisa no mundo, e eu o amo.
Ele a beijou, e Harriet afundou em seus braços, sabendo que realmente
era amada. Por mais estranho e impossível que fosse acreditar que aquele
homem lindo e surpreendente a amasse, sabia agora que sim, e não
duvidaria dele novamente.
10 1814, H H ,S .
O piquenique foi uma ideia maravilhosa. Matilda, Harriet, Ruth,
Bonnie e Minerva tinham ido com Henry, Jasper e Jerome, até o lago com
cestas carregadas de guloseimas. Agora, todos estavam com sono, tendo se
empanturrado até o ponto de estourar.
Matilda suspirou e colocou a sombrinha de lado, jogando a cabeça para
trás. O verão decidiu que ainda não estava pronto para entregar o manto ao
outono e estava dando um show final para eles. O sol aqueceu seu rosto,
decidiu que valia a pena arriscar um pouco de sardas para aproveitá-lo.
Faltava pouco para não terem dias como este aquele ano, queria se deleitar
com o que restava do verão.
A tarde preguiçosa foi deliciosa e perfeita; não tão quente a ponto de
deixar todos irritados, mas quente o suficiente para se aquecer na luz
dourada que lustrava cada centímetro de pele exposta. Não havia muita,
naturalmente, mas ainda assim era uma delícia.
Jasper levou Harriet para passear no barco e Matilda sorriu feliz ao ver
os dois se inclinarem e roubarem um beijo. Houve um suspiro melancólico
ao lado dela, e Matilda se virou para ver Bonnie olhando para os dois
pombinhos.
— Pessoas de sorte — disse, apertando os braços em volta de si.
Matilda assentiu, incapaz de discordar. — De fato.
— Não temos tanta sorte, não é? — Bonnie disse sombriamente.
Matilda sentiu seu coração doer, e não apenas por Bonnie.
— Não — disse, pois de que adiantava fingir o contrário? — Mas é
jovem e bonita, Bonnie. Ainda há tempo.
Bonnie balançou a cabeça. — Não — disse, e Matilda ouviu a pressão
em sua voz. — Não, não há. Já disse, estou vivendo um tempo emprestado.
Matilda estendeu a mão e pegou a dela, e Bonnie apertou de volta. —
Não ficará sozinha, Bonnie. Não será esquecida e nem abandonada.
Aconteça o que acontecer, não permitiremos isso. Suas amigas sempre
estarão aqui. Irei para a Escócia e ficarei contigo, prometo. Não importa em
qual fim de mundo tentem escondê-la.
Bonnie fez um som sufocado e então riu, e Matilda a seguiu, piscando
para conter as lágrimas.
— Por Deus, como nos tornamos piegas — disse, balançando a cabeça.
— Isso não pode acontecer.
— Sim, há tempo suficiente para lágrimas e lamentações — disse
Bonnie lutando para ficar de pé. — Não vou perder um minuto do meu
tempo.
Matilda observou, bastante assustada com o que Bonnie queria dizer
quando a jovem pegou seu copo e foi até a beira da água, enchendo-o até a
borda.
— Oh minha nossa — Matilda murmurou ao ver Bonnie correr
infalivelmente em direção a Jerome, que estava cochilando sobre um
cobertor ao sol. Bonnie jogou água nele, e riu quando Jerome se engasgou e
praguejou.
— Ora, sua pirralha! — Gritou, levantando-se, enquanto Bonnie
gritava, largava o copo, levantava as saias e fugia enquanto Jerome corria
atrás dela.
— Vou jogá-la no lago, Bonnie Campbell — Jerome avisou enquanto a
perseguia.
Bonnie gargalhou e se virou, mostrando a língua para ele.
— Tem que me pegar primeiro, seu tolo — provocou, antes de correr
em direção às árvores.
— Minha nossa, como é ousada — Minerva disse, balançando a cabeça
com admiração quando ela e Ruth vieram se sentar ao lado de Matilda.
— Sim — Matilda disse preocupada, enquanto se perguntava como
trazer Bonnie de volta, antes que tivessem outro escândalo para enfrentar.
— Gostaria de ter metade da sua coragem — Ruth admitiu com um
suspiro. — Cada vez que penso no meu desafio, tremo nas minhas botas.
— Dizer algo totalmente ultrajante para um homem bonito? —
Minerva disse, sorrindo. — Tenho certeza de que vai pensar em alguma
coisa. Precisa de uma testemunha, no entanto. Precisamos de provas.
Matilda olhou para Ruth preocupada.
— Alguém sabe quando Bonnie completará seu desafio? — Perguntou.
— Tenho um pressentimento de que escolherá o baile de noivado.
Ruth e Minerva balançaram a cabeça.
— Não, ela tem estado muito quieta sobre isso — Ruth admitiu, o que
foi a coisa mais preocupante que poderia ter dito.
Bonnie nunca ficava quieta sobre nada. Isso significava que estava
tramando algo. Seu desafio, usar um disfarce em público, era o tipo de coisa
que Bonnie teria prazer em levar longe demais, provavelmente se arruinaria
a ponto de não ter salvação.
— Oh, não fique tão surpresa — disse Ruth sorrindo para Matilda. —
Sei que é bastante selvagem, mas não é boba. Acho que está apenas
juntando seus botões enquanto pode, parece que não poderá escapar de
Gordon Anderson, não importa o que faça, ou quão mal se comporte.
Morven está perdendo o juízo. Está ameaçando mandar o brutamontes aqui
para carregá-la de volta para a Escócia. Mesmo que tenha se arruinado
nesse ínterim, não escapará; disse isso a ela. Vai se casar com Gordon
Anderson, a menos que outra pessoa se case com ela primeiro, suponho,
mas não há sinal disso. O conde está decidido a fazê-lo.
— Alguém sabe alguma coisa sobre esse tal de Anderson, além do que
Bonnie diz? — Matilda perguntou, desejando que houvesse algo que
pudessem fazer.
Ruth fez uma careta e balançou a cabeça. — Não, mas cada vez que
fala dele as descrições ficam mais e mais terríveis. Admito que acho difícil
acreditar que qualquer homem seja tão vil quanto o pinta. Espero que não,
pelo bem dela.
Matilda assentiu, em total concordância. Gordon Anderson havia se
tornado uma lenda para as Senhoritas Peculiares, quando as descrições de
Bonnie do homem pintaram um quadro vívido de um bruto ignorante, que
comia crianças pequenas no café da manhã, cheirava a chiqueiro e tinha
tanto apelo pessoal quanto uma dose de tifoide. Estavam todas divididas
entre sentir uma pena desesperada de Bonnie por ter que enfrentar um
destino nada invejável, e morrer para ver o homem em carne e osso.
— Pelo menos será uma condessa um dia — Ruth disse com um
suspiro. — Parece que o último herdeiro direto de Morven morreu mês
passado, e Anderson é seu parente mais próximo.
— Mesmo? — Matilda disse espantada. — E o conde ainda quer que
se case com Bonnie?
Não que quisesse dizer isso de maneira desagradável, mas parecia
estranho. Pelo que sabia sobre Bonnie, não vinha de nenhuma grande
família e - a julgar pela quantidade de problemas que causou a Morven até
agora - as pessoas poderiam pensar que a única coisa que ele queria era se
livrar dela, não fazer com que se casasse com seu herdeiro.
— Aparentemente, foi uma promessa no leito de morte ou algo assim
— disse Ruth com um suspiro. — O pai de Bonnie era leal a Morven e um
grande amigo. Morven jurou encontrar um bom marido para Bonnie e
cuidar dela, antes que o homem morresse. Apesar de ser um desnaturado,
Morven gosta dela. Acho que admira seu espírito e, de certa forma, até
gosta da forma como o desafia. Ela me mostrou uma de suas cartas uma
vez, e era muito afetuosa, de uma maneira insultuosa, um tanto grosseira de
falar — Ruth acrescentou com uma carranca. — Eles não se contêm, posso
lhe dizer. Na verdade, era bastante revigorante.
— Posso imaginar — Matilda disse com um suspiro. — Como é
libertador dizer o que quiser para um homem que diz exatamente o que
pensa.
— Bastante — Ruth respondeu, balançando a cabeça.
— Oh, não sei — elas se viraram para Minerva, que havia estado
quieta até agora e olhava o lago, sua expressão preocupada. — Muita
honestidade pode ser bastante brutal.
Matilda se perguntou o que queria dizer com aquilo, mas não conhecia
Minerva bem o suficiente para bisbilhotar. Franziu a testa, decidindo que
deveria remediar isso.
— O que vai vestir para o baile, Minerva? — Perguntou, pensando ser
um assunto seguro para se envolver com a moça.
— Não faço ideia. Realmente não pensei sobre isso.
Ruth e Matilda trocaram um olhar. Quando a conheceram, Minerva
parecia uma criatura superficial que só se importava com a aparência.
Aprenderam que havia muito mais coisas nela do que isso. Mesmo assim,
estava sempre bem-vestida e obviamente cuidava muito de seu aspecto.
— Bem, por que não vem ao meu quarto mais tarde, me ajudar a
escolher? Sempre está tão linda, Minerva. Eu deveria receber seu conselho.
Minerva pareceu surpresa com o convite, mas satisfeita. — Mesmo?
Vou gostar muito disso. Embora não tenha a menor ideia de porque quer
minha ajuda. Todo mundo a olha, Matilda, certamente sabe disso?
Matilda deu uma risadinha, um pouco pesarosa. — Bem, para uma
velha solteirona, suponho que não apresento uma imagem tão terrível —
disse com uma peculiaridade nos seus lábios. — Mas, mesmo assim, um
novo par de olhos é sempre uma coisa boa.
— Bem, é melhor me ajudarem então, ou acabarei escolhendo algo
diabólico. Não sei o que me deu para comprar aquele chapéu com as
cerejas. Era uma touca tão bonita também, mas quando a coloquei ontem,
percebi o quão terrível ficou em mim — Ruth suspirou pesadamente e
balançou a cabeça. — Simplesmente não tenho o corpo certo para usar
essas coisas.
— Bobagem — Matilda disse firmemente. — Precisa de cortes
simples, Ruth, e desenhos mais belos, só isso. Sem babados e frescuras. O
que acha, Minerva?
Minerva assentiu, seu olho especialista viajando sobre Ruth. — Sim,
está certa. Digo, por que não examinamos o guarda-roupa de Ruth também
e encontramos algo deslumbrante para ela?
— Oh — Ruth disse encantada com a oferta. — Ah sim, por favor.
— Está resolvido, então — disse Matilda, sorrindo com satisfação até
que seus olhos se desviaram para a linha das árvores, e percebeu que
Bonnie e Jerome ainda não haviam retornado.
19
18 1814. H H ,S .
— Gostou? — Jasper considerou a expressão de espanto no rosto de
Harriet com diversão.
— Se eu gostei? — Harriet respirou, olhando para a caixa forrada de
seda que Jasper acabara de lhe apresentar. — Oh, Jasper é lindo.
Ele sorriu. — São rubis, mas procurei as pedras mais rosas que pude
encontrar. Sei que rosa é a sua cor favorita.
Ela olhou para ele, seus lábios se curvando em um sorriso encantado.
— Como sabe disso?
Ele encolheu os ombros. — Usa rosa com mais frequência do que
qualquer outra cor.
Harriet balançou a cabeça, rindo baixinho. — Não o mereço, Jasper.
Depois de todas as coisas terríveis que pensei e disse.
Jasper riu e se abaixou, beijando o lado do pescoço dela, satisfeito ao
sentir o arrepio percorrê-la. — Acho que estamos empatados nisso, amor,
mas pode me compensar se insiste.
— Insisto, e vou passar o resto dos meus dias fazendo exatamente isso,
juro — disse.
O tom dela fez com que o sangue corresse quente em suas veias e
desejou que não houvesse um baile para assistir, mas havia, e era em
homenagem a Harriet e queria que ela aproveitasse.
— Coloque-os, então — disse impaciente.
— Tenho medo de tocá-los — admitiu. — Faça-o, por favor.
Jasper colocou a caixa na mesa. Dentro havia um conjunto de rubi e
diamante que combinaria perfeitamente com o vestido rosa profundo que
ela estava usando. Ergueu o colar primeiro e ela se virou para que ele
pudesse prendê-lo no seu pescoço. Em seguida, prendeu a pulseira em torno
de seu pulso esguio e entregou-lhe os brincos, um de cada vez, observando
enquanto ela se olhava no espelho para fixá-los.
— Nunca usei nada tão bonito na vida — disse Harriet, parecendo um
tanto sem fôlego ao se virar de um lado para o outro diante do espelho.
— Não tão bonita quanto você — disse Jasper, ainda vendo a
expressão de dúvida nos olhos de Harriet. — É verdade — insistiu. — Ele
brilha ao seu redor, amor, e tira o meu fôlego.
Puxou-a contra ele, de forma que ficasse de costas para seu peito, e se
inclinou para dar um beijo em seu ombro.
— Eu te amo, Jasper — disse, e ele olhou para cima para ver seus
olhos brilhando de emoção. — Eu te amo tanto.
Jasper sorriu, a verdade de suas palavras estabelecendo-se em seu
coração enquanto a apertava um pouco mais forte. — Também te amo —
estava espantado com o quanto era fácil dizer aquilo agora, com o quanto
era simples, não havia mais mal-entendidos e mágoas. — Agora então —
disse contra sua pele enquanto beijava um caminho ao longo de seu
pescoço, observando a cor subir em suas bochechas até rivalizar com os
rubis que usava. — Acho melhor saudarmos nossos convidados, ou não vou
deixá-la sair deste quarto.
Eu sei que não deveria ter feito isso, mas eu o amo, e foi tão
maravilhoso, tão perfeito. Eu o amo tanto que chega a doer.
Que opção eu tinha?
Oh Senhor, estou tão infeliz.
—Trecho de uma anotação de uma das Senhoritas
Peculiares em seu diário.
19 1814. H H ,S .
Era uma tarde quente, mas o aroma do Outono permanecia no ar, o sol
dourando as cores à sua volta para tons mais profundos de vermelho e
dourado à medida que o Verão finalmente cedia lugar. Todos estavam
lânguidos hoje, sonolentos e satisfeitos depois de uma manhã preguiçosa
recuperando dos excessos da noite passada.
— Estou tão cansada — disse Minerva abafando um bocejo. — E meus
pés doem. Acho que nunca dancei tanto.
— Foi uma festa esplêndida, não foi? — Ruth perguntou pousando sua
xícara de chá.
Matilda acenou positivamente para a Senhorita Peculiar que fazia
companhia para ela no terraço, aproveitando a tarde.
— Esplêndida — concordou, virando para olhar Harriet.
Como sempre, a jovem estava com um livro nas mãos, mas não estava
absorta nele como de costume. Em vez disso, seus olhos estavam fixos em
uma figura que caminhava pelos jardins, com uma expressão tão cheia de
adoração, que Matilda sentiu sua garganta apertar.
Ruth seguiu seu olhar até onde Lorde St. Clair estava conversando
profundamente com seu irmão. Matilda suspeitou que Jerome estivesse
recebendo uma bronca. Observaram Harriet pousar o livro, se levantar e
caminhar em sua direção. St. Clair se virou antes mesmo que tivesse
chegado, como se soubesse que estava lá. Levantou a mão e Harriet correu
os últimos passos, alcançando-o para beijá-lo, enquanto Jerome virava de
costas para o casal feliz e fingia não notar.
— Acredita que existe esperança, por menor que seja, de se encontrar
algo assim ou isso acontece apenas com amigos de infância? — Ruth
perguntou suspirando melancolicamente. — Como com Kitty e Luke.
— Meu irmão se apaixonou por Alice quando a viu pela primeira vez
— disse Matilda sorrindo. — Acho que o amor funciona de forma diferente
para cada pessoa, mas se o encontrar, deve segurá-lo com força, pois pode
não ter a mesma sorte de Harriet para ter uma segunda chance.
— Concordo — disse Minerva. — Acho que deve ser corajosa e
persegui-lo, mesmo que pareça impossível.
— Acho que nunca vou saber — falou Ruth, embora não tivesse dito
aquilo de forma desesperada, apenas aceitando o seu destino. — Acho que
seria tolice da minha parte esperar por algo assim.
— O que espera? — Matilda indagou, perguntando-se se Ruth estava
certa. No caso dela, temia que tudo fosse verdade e que deveria tomar
cuidado com o que falava.
Ruth deu seu sorriso pragmático e colocou as mãos no colo, tomando
um momento para considerar a pergunta. — Espero agradar papai e deixá-lo
orgulhoso, casando-me com um homem nobre para elevar a família, como
ele sonha que eu faça. Espero que esse homem e eu possamos ser amigos e
aliados e que possamos nos deixar confortáveis e talvez até mesmo
contentes. Espero ter filhos para amar, uma casa para administrar e uma
posição de respeito e segurança. É isso que espero. E você?
— Espero poder ficar satisfeita com tudo o que acabou de dizer —
respondeu Matilda sinceramente. — Pois sei que também é tudo que
deveria desejar, e teria que ser mais do que suficiente, mais do que tenho o
direito de esperar, dadas as minhas circunstâncias.
— Não é o que quer de verdade, é? — O tom de Ruth era simpático e
compreensivo demais.
— Claro que não!
Ruth e Matilda se entreolharam, surpresas com a declaração concisa de
Bonnie. Matilda pensou que ela estava dormindo, já que estava deitada e
com os olhos fechados desde a última meia hora, mas, aparentemente,
estava participando da conversa.
— Como podem esperar ficar apenas confortáveis e contentes? —
Perguntou indignada, assustando-as com a força de sua explosão. Parecia
zangada e seus olhos brilhavam com a ameaça de lágrimas. — Talvez essa
seja a melhor opção que a realidade nos dá, mas certamente esperam mais
do que isso, não esperam? Não esperam e sonham com um grande amor,
com a felicidade e uma vida repleta de todas essas coisas, uma que valha a
pena ser vivida, uma que toque os outros e os mude?
Matilda estendeu a mão e pegou a de Bonnie, apertando-a com força.
— Sim, — disse, segurando firme. — Sim, espero. É claro que sonho com
isso.
— Eu também — Ruth admitiu, estendendo a mão e pegando a outra
de Bonnie. — Embora esteja ciente de que é uma esperança vã, ainda sonho
com isso.
— E eu — Minerva disse ao levantar e colocar os braços em volta de
Bonnie, e depois beijar sua bochecha. — Sonho com coisas impossíveis o
tempo todo, todos os dias, e não vou parar, embora isso me torne uma boba.
— Não uma boba — disse Bonnie ferozmente. — Isso faz com que
viva, me recuso a viver como se estivesse com um pé na cova. Pelo menos
ainda não, não vou desistir!
Matilda estendeu a mão e bagunçou os cachos curtos de Bonnie.
Embora tivesse que admitir que o penteado ousado combinava com ela,
todos ficaram chocados com sua aparência naquela manhã, ainda mais
quando consideraram como ela se desculpou na noite anterior e se retirou
para o quarto com uma dor de cabeça... cabeça essa que estava cheia de
cabelo. Por enquanto, Matilda não ousou perguntar o que andou fazendo.
— Morven escreveu de novo? — Matilda perguntou, desejando que
houvesse algo que pudesse fazer, quando Bonnie a olhou sombriamente e
balançou a cabeça.
— Não vai voltar a escrever — disse, olhando fixamente o irmão de St.
Clair, enquanto os dois homens passeavam com Harriet no lago. — Ele
disse tudo o que tinha para dizer.
— Bem, de certo que não pode ir embora antes do casamento —
Minerva disse, sentando-se novamente. — Lady St. Clair foi muito
generosa, nos oferecendo a estadia até o grande dia. Portanto, temos pelo
menos duas semanas inteiras, e com esse novo corte de cabelo arrojado,
está fadada a chamar atenção, Bonnie. Talvez algum cavalheiro se apaixone
à primeira vista.
Bonnie bufou. — Chamar a atenção é suficientemente fácil. Tenho
feito isso toda a minha vida, embora não pelas razões certas. Difícil é fazê-
los nos enxergar, ver além de tudo o que pensavam querer, as coisas que são
importantes, as coisas que realmente precisam — suspirou e fechou os
olhos novamente. — Ah, sou uma tola e estou sonhando com coisas
impossíveis, assim como Minerva disse, mas irei até o fim, pois não há
mais nada que eu possa fazer.
— Assim como todas nós — Matilda disse, Ruth e Minerva assentiram
e concordavam com o que havia dito.
Os olhos de Bonnie se abriram novamente e ela olhou de Matilda para
Ruth e depois para Minerva. — Sou muito grata pela amizade de todas —
disse, com um sorriso verdadeiro nos lábios —, apesar de todos os
problemas que causo e de todos os conselhos aos quais não dou ouvidos,
nunca se esqueçam disso. Sei que fui abençoada com minhas amigas e isso
é mais do que muitas pessoas conseguem. Obrigada por me aturarem, —
adicionou com humor.
— É um grande prazer, Bonnie, e acredito que todas nós diríamos o
mesmo, de como somos abençoadas por ter amigas. Às Senhoritas
Peculiares — Matilda disse levantando sua xícara para fazer um brinde, as
outras a acompanhando. — E aos nossos futuros, seja o que for que
aconteça.
2 1814. H H ,S .
O casamento foi informal e realizado na capela privativa de Holbrooke
House. O irmão de Harriet a entregou, pois, a carta, informando seus pais
sobre suas núpcias, provavelmente não os teria alcançado ainda. Lady St.
Clair garantiu a Harriet que sua mãe sempre teve esperança de que ela se
casasse com Jasper, e não havia razão para atrasar o evento. Era melhor não
abusar da sorte, de qualquer forma. Harriet precisava da proteção do nome
de Jasper e ele estava ansioso demais para concordar com a menor demora
que fosse.
Harriet ficou feliz com isso e orgulhosa por seu irmão levá-la até o
altar. Após seu choque inicial, Henry parecia muito satisfeito por seu
melhor amigo estar se casando com sua irmã, embora ainda parecesse um
pouco confuso com a ideia.
As Senhoritas Peculiares também compareceram. Kitty voltou
correndo com seu novo marido a reboque, sem dar atenção aos protestos de
Harriet por terem interrompido sua lua-de-mel, e quase a derrubou em seu
exuberante deleite ao ver sua amiga novamente, e em tão felizes
circunstâncias. Prue e seu marido, o duque de Bedwin, chegaram com a
irmã de Bedwin, Lady Helena, todos entusiasmados com o sucesso do
último livro de Prue, que estava ganhando o mundo em uma velocidade
exorbitante. O irmão de Matilda, Nate, e uma Alice florescente, também
compareceram. Agora que os primeiros três meses de sua gravidez haviam
passado sem incidentes, Alice parecia em ótima forma, seus olhos
brilhavam e seus lábios estavam sempre com um sorriso estampado, e não
havia dúvida sobre o motivo; já seu marido se preocupava com seu conforto
e ela o olhava com adoração. Harriet teve um sobressalto de desejo, quando
viu Alice alisar uma mão protetora sobre seu ventre levemente inchado e se
perguntou se ela também poderia estar grávida. Esperou entrar em pânico
com a ideia, mas ao invés disso, um sorriso se instalou em seus lábios.
Como era maravilhoso e extraordinário pensar sobre isso, em como Jasper
ficaria feliz com a ideia e como queria fazê-lo feliz.
Harriet virou-se para ele agora, tentando acompanhar as palavras do
serviço, mas completamente enfeitiçada pela visão do homem que estava ao
seu lado. Era incrivelmente bonito, e estava tão orgulhosa dele, por muito
mais do que apenas o seu belo rosto. Passaria a sua vida de casada
compensando qualquer ferimento que lhe tenha causado durante os últimos
anos. O protegeria de qualquer coisa que pudesse magoá-lo ou envergonhá-
lo, pois percebia agora que Jasper precisava de proteção, não que ele
alguma vez o dissesse. E não porque não fosse suficientemente esperto,
como poderia pensar isso quando ele tinha escondido do mundo as suas
dificuldades durante tanto tempo? Também não porque alguém tivesse
necessidade de ter pena dele, pois era claramente um artista brilhante, e
Harriet tinha admiração por qualquer pessoa que pudesse criar tal beleza
quando ela mesma era não conseguia traçar uma linha reta. Não, ele só
precisava de proteção contra as coisas que o deixavam desconfortável e
infeliz, e o faziam sentir-se menos do que era, e Jasper nunca mais deveria
voltar a sentir-se assim.
Talvez ele tenha sentido o peso de seu olhar, pois se virou, aqueles
incríveis olhos turquesa fixos nela, e a profundidade da emoção que viu
neles virou seu coração do avesso. Ele sorriu e apertou a mão que segurava,
e Harriet apertou de volta, querendo tanto beijá-lo que quase perdeu as
palavras seguintes.
— Jasper Augustus Louis Cadogan, deseja esta mulher para ser tua
esposa, para viverem juntos após a ordenança de Deus, no sagrado estado
do matrimônio? Deseja amá-la, confortá-la, honrá-la e mantê-la na doença e
na saúde; e, abandonando todas as outras, manter-se somente para ela,
enquanto viverem?
Harriet prendeu a respiração enquanto Jasper lhe sorria, um sorriso que
tirou o ar de seus pulmões e encheu seu coração com todos os sonhos que já
ousara sonhar desde que era uma garotinha.
— Sim.
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D O -L 4
Pela autora:
Comecei essa incrível jornada em 2010 com A chave para
o Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até outubro
de 2012. Para quem já passou por isso sabe que publicar
seu primeiro trabalho é uma coisa assustadora. Ainda fico
nervosa quando um novo trabalho é lançado, mas, agora
esse terror diminuiu um pouco. Hoje o meu pavor é quando minhas filhas
tiverem idade o suficiente para lê-los.
Que horror! (para ambas as partes, suponho)
2017 marcou o ano em que fiz minha primeira incursão em Romance
Histórico e no mundo do Romance da Era Regencial, e meu Deus, que ano!
Fiquei encantada com a resposta a esta série e mal posso esperar para
adicionar mais títulos
Sou muito influenciada pelo belo interior da França onde vivo. Apesar
de ser nascida e criada na Inglaterra, moro no sudoeste francês há vinte
anos. Minhas três filhas lindas são todas bilíngues e a mais nova, de apenas
seis anos, está mostrando sinais de seguir os meus passos após produzir The
Lonely Princess totalmente sozinha.
Um passarinho me disse que o livro dois estará disponível em breve...
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