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Nobre, 2019

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

DO PLANO DIRETOR ÀS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS:


A ascensão do discurso neoliberal e dos grandes projetos urbanos no planejamento
paulistano

Eduardo Alberto Cuscé Nobre

Tese apresentada como requisito parcial


para obtenção de título de Livre-Docente
junto ao Departamento de Projeto da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.

São Paulo
2018
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Nobre, Eduardo Alberto Cuscé


N712p Dos planos diretores às operações urbanas
consorciadas: a ascensão do discurso neoliberal e dos
grandes projetos urbanos no planejamento paulistano /
Eduardo Alberto Cuscé Nobre – São Paulo, 2018.
293 p.

Livre-docência – Faculdade de Arquitetura e


Urbanismo da Universidade de São Paulo. Área de
Concentração: Planejamento Urbano e Regional

1. Planejamento Territorial Urbano. 2. Política Urbana.


3. Planos Diretores. 4. Operações Urbanas. 5. São Paulo.
I. Título.
Agradecimentos
Esta tese é resultado de quinze anos de reflexão acerca dos Grandes Projetos Urbanos,
iniciada a partir das discussões que assisti no X Encontro Nacional da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional em Belo Horizonte e amadurecida
no estágio pós-doutoral junto ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Dessa forma, gostaria de agradecer às várias pessoas que direta ou indiretamente


contribuíram para que ela fosse realizada. Em primeiro lugar, à professora Maria Cecília
Loschiavo dos Santos, Chefe do Departamento de Projeto de Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo entre 2014 e 2016, e aos meus colegas do Grupo de
Disciplinas de Planejamento, em especial da disciplina de graduação AUP 0282 – “Desenho
Urbano e Projeto dos Espaços da Cidade”, João Whitaker, Karina Leitão e Maria Lúcia Refinetti
Martins, e da disciplina de pós-graduação AUP 5869 – “Avaliação de Grandes Projetos Urbanos:
crítica da prática recente”, Camila D’Ottaviano e Jorge Bassani, cujos apoios foram fundamentais
para que pudesse me afastar das minhas atividades docentes em tempos tão conturbados.

Ainda na FAUUSP, aos auxílios inestimáveis do pessoal da Seção Técnica de


Geoinformação e Produção de Bases Digitais (CESAD), Seção de Biblioteca e Documentação e da
Seção Técnica de Produção Editorial (LPG).

No Rio de Janeiro, ao professor Carlos Vainer, que me acolheu como interlocutor, dando
continuidade ao diálogo iniciado uma década e meia antes. Aos professores Pedro Novais, pelo
incentivo à ida ao IPPUR, e a Fabrício Leal de Oliveira, pela parceria na disciplina “Grandes
Projetos e Planejamento Urbano”. A eles e aos demais colegas do Laboratório ETTERN –
Estado, Trabalho, Território e Natureza agradeço também pela calorosa acolhida na Cidade
Maravilhosa.

Aos colegas professores Antônio Cláudio Moreira, Cândido Malta Campos Filho, José
Eduardo Lefévre e Maria Lúcia Refinetti Martins, cujos testemunhos como partícipes dos órgãos
de planejamento da cidade de São Paulo foram fundamentais para desvendar o processo de
transferência e formulação das ideias no seu interior e ao professor Antônio Cláudio também pelo
empréstimo do material do acervo pessoal do falecido arquiteto Domingos Theodoro de Azevedo
Netto, que estava em seu poder.

Aos meus familiares, em especial aos meus pais Moacyr (in memoriam) e Ligia, pela
formação que me deram, e aos meus irmãos Roberto, Ligia e Rita, pelas discussões acerca das
atividades docentes que partilhamos em comum. À minha esposa, Harumi, e ao meu filho, Pedro,
pelo carinho, apoio e compreensão pelas infindáveis horas na frente do computador. Com mais
tempo agora, a eles eu dedico esta tese na esperança que ela possa ajudar na construção de dias
melhores.

i
Resumo
A partir dos anos 1980, o paradigma da política urbana em várias cidades dos Países
Centrais passou por uma grande reformulação. A globalização e a ascensão do
neoliberalismo ocasionou a mudança do planejamento urbano tradicional para o
planejamento urbano estratégico, passando de uma visão global da cidade para uma
focalizada e fragmentária de grandes intervenções urbanas em áreas específicas, baseadas
na desregulamentação da legislação urbanística e nas parcerias público-privadas.
Conhecida na literatura acadêmica como Grandes Projetos Urbanos, essas intervenções
apresentam como objetivo o desenvolvimento econômico, baseado no aproveitamento de
uma pretensa infraestrutura ociosa ou na recuperação urbano-ambiental. Essa literatura já
desenvolveu uma análise crítica a respeito dos resultados dessas intervenções,
identificando “ganhadores” e “perdedores” com esse processo. Nos Países Periféricos esse
paradigma foi adotado a partir da transferência de ideias dos Países Centrais promovida
pelas agências multilaterais, consultorias internacionais e o intercâmbio de profissionais e
técnicos desses países. O objetivo desse trabalho é compreender como se deu esse
processo na cidade de São Paulo, a partir do estudo da formulação e implementação de
políticas públicas e intervenções urbanas na cidade entre 1975 e 2002, com enfoque nas
Operações Urbanas Consorciadas, identificando suas influências e a matriz ideológica de
seu discurso, procurando compreender os principais beneficiários e perdedores com esse
processo. A hipótese que se coloca é a de que a adoção do ideário neoliberal através desse
instrumento urbanístico apenas reforçou as características regressivas do planejamento
urbano paulistano, reificando as práticas dos investimentos em grandes obras viárias e na
criação de frentes de expansão imobiliária nas áreas de interesse do mercado, favorecendo
as grandes empreiteiras, incorporadoras e a elite motorizada em detrimento da população
pobre e excluída moradora da cidade. Para tanto, foi utilizada a Tese do Capitalismo
Dependente e o conceito marxista de ideologia para compreender o deslocamento da
matriz ideológica desse instrumento com relação à realidade urbana de São Paulo.
Posteriormente foi realizado levantamento da evolução desse e de outros instrumentos
urbanísticos a partir da revisão literária e da entrevista com atores sociais envolvidos na
sua formulação ou que a testemunharam enquanto técnicos municipais. A seguir, os
impactos socioeconômicos e físico-espaciais da aplicação desse instrumento foram
avaliados para, por fim, concluir que esta aplicação resultou no agravamento da
segregação e da fragmentação urbanas paulistana.

Palavras-chave: Planejamento Urbano e Regional, Políticas Públicas Urbanas,


Neoliberalismo, Grandes Projetos Urbanos, Operações Urbanas Consorciadas, São Paulo.

iii
Abstract
From the 1980s on, the urban policy paradigm in cities of the Core Countries has
undergone a major restructuring. The rise of globalization and neoliberalism has led to a
change from traditional urban planning to strategic urban planning, moving from a
global vision of the city to a focused and fragmented large urban interventions in specific
areas, based on land use deregulation and public-private partnerships. Known in the
academic literature as Large Scale Urban Projects, these interventions aim at economic
development based on the maximization of an alleged idle infrastructure or in the urban-
environmental regeneration. However this literature has already developed a critical
analysis regarding the outcome of these interventions, identifying "winners" and "losers"
in this process. In the Peripheral Countries this paradigm was adopted from Core
Countries ideas transfer promoted by the multilateral agencies, international
consultancies and the exchange of professionals and technicians from these countries. The
objective of this work is to understand how this process occurred in the city of São Paulo,
based on the study of the formulation and implementation of public policies and urban
interventions in the city with a focus on Consortiated Urban Operations between 1975
and 2002, identifying its influences and ideological matrix of his speech trying to
understand the main beneficiaries and losers with this process. The hypothesis is that the
adoption of the neoliberal ideology through this urban planning tool only reinforced the
regressive features of São Paulo, reifying the practices of investments in major road
works and creation of real estate expansion fronts, favoring large contractors, developers
and the motorized elite to the detriment of the poor and excluded population living in the
city. For that, the Theory of Dependent Capitalism and the Marxist concept of ideology
were used to understand the displacement of the ideological matrix of this tool in relation
to São Paulo urban reality. Subsequently, a survey of the evolution of this and other
planning tools was carried out based on the literature review and on the interview with
social actors that were involved or witnessed its formulation. Finally, the socioeconomic
and physical-spatial impacts of the application of this tool were evaluated in order to
conclude that it resulted in the aggravation of São Paulo urban segregation and
fragmentation.

Keywords: Urban and Regional Planning, Urban Policy, Neoliberalism, Large Scale
Urban Projects, Consortiated Urban Operations, São Paulo

v
Sumário
Agradecimentos ...................................................................................................................................... i
Resumo ..................................................................................................................................... iii
Abstract ...................................................................................................................................... v
Sumário .................................................................................................................................... vii
Lista de Figuras.................................................................................................................................... ix
Lista de Gráficos ................................................................................................................................... x
Lista de Tabelas..................................................................................................................................... x
Lista de Mapas ...................................................................................................................................... x
Lista de Abreviaturas .......................................................................................................................... xi
Introdução ...................................................................................................................................... 1
Capítulo 1 – Considerações acerca da produção do espaço no contexto do
capitalismo periférico ............................................................................................................. 7
1.1. Introdução ................................................................................................................. 7
1.2. Capitalismo periférico e dependência .................................................................. 7
1.3. A inserção periférica do Brasil na Economia Mundial .................................... 9
1.3.1. O Período Colonial ............................................................................................. 9
1.3.2. Da Independência até a década de 1930 ...................................................... 11
1.3.3. Da II Guerra Mundial até a década de 1990 .............................................. 13
1.3.4. Da década de 1990 até os dias de hoje ......................................................... 18
1.4. O rebatimento na produção do espaço .................................................................................... 20
1.4.1. A Região Metropolitana e o Município de São Paulo .............................. 23
Capítulo 2 – Do projeto ao plano: dos primórdios da constituição do
planejamento urbano paulistano ao Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado ................................................................................................................................. 51
2.1. Introdução 51
2.2. Ideologia e planejamento ........................................................................................................... 52
2.3. A constituição do planejamento urbano nos países centrais.............................................. 55
2.4. A constituição do planejamento urbano em São Paulo ....................................................... 61
2.4.1. O surgimento do Urbanismo Paulistano: o Setor de Obras Públicas e o
urbanismo embelezador (final do Século XIX até 1930) ......................... 63
2.4.2. A ascensão do Rodoviarismo: o Departamento de Obras como órgão de
planejamento municipal (1930 a 1945). ....................................................... 67
2.5 A caminho do Plano: a reestruturação da Secretaria de Obras e a influência dos
consultores estrangeiros (1945 a 1967) ......................................................................................... 71
2.5.1. A reestruturação da Secretaria de Obras ........................................................ 71
2.5.2. Robert Moses e o Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo
.............................................................................................................................. 73
2.5.3. Louis-Joseph Lebret e o trabalho da SAGMACS ......................................... 77
2.5.4. O Plano de Adhemar de Barros e o desenvolvimento do zoneamento .... 79

vii
2.6. A promulgação do Plano: da criação do Grupo Executivo de Planejamento
ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado ....................................................................... 82
2.6.1. A criação do Grupo Executivo de Planejamento e a elaboração do Plano
Urbanístico Básico ........................................................................................... 82
2.6.2. A promulgação do PDDI e da Lei de Zoneamento....................................... 89
Capítulo 3 – A ascensão da política urbana neoliberal e dos grandes
projetos urbanos nos países centrais ................................................................................. 99
3.1. Introdução ............................................................................................................... 99
3.2. As transformações na teoria urbana no final do Século XX......................... 99
3.3. Crise global, neoliberalismo e globalização .................................................. 104
3.4. O neoliberalismo na política urbana: planejamento estratégico e grandes
projetos urbanos ............................................................................................................................... 109
3.4.1. O Neoliberalismo na Política Urbana ....................................................... 109
3.4.2. O Planejamento Estratégico de Cidades .................................................. 111
3.4.3. Os Grandes Projetos Urbanos .................................................................... 115
3.4.4. Um modelo de “como não promover a renovação de uma área urbana”:
o caso das Docas Londrinas ........................................................................ 120
Capítulo 4 – Do plano ao projeto: ascenção do discurso neoliberal e dos
grandes projetos urbanos na política urbana paulistana ............................................. 133
4.1. Introdução ............................................................................................................ 133
4.2. Neoliberalismo e Grandes Projetos Urbanos no Brasil ............................. 133
4.3. Neoliberalismo e Grandes Projetos Urbanos em São Paulo ..................... 135
4.3.1. A Fase Prospectiva (1975-1985): da pesquisa de novos instrumentos
urbanísticos ao Plano Diretor 1985/2000 ............................................... 137
4.3.2. As primeiras experiências de implementação de parcerias público-
privadas do período neoliberal: das Operações Interligadas à Operação
Urbana Anhagabaú (1986-1992)................................................................ 158
4.3.3. Réquiem para as Operações Interligadas: irregularidade e
inconstitucionalidade .................................................................................... 177
Capítulo 5 – A consolidação dos grandes projetos urbanos em São Paulo: a
implementação das operações urbanas consorciadas ................................................... 181
5.1. Introdução ............................................................................................................ 181
5.1.1. O Governo Paulo Maluf (1993-1996): as Operações Urbanas Faria
Lima e Água Branca...................................................................................... 181
5.1.2. O Governo Celso Pitta (1997-2000) e a Operação Urbana Centro .... 196
5.1.3. O Governo Marta Suplicy (2001-2004): a Operação Urbana
Consorciada Água Espraiada e o Plano Diretor Estratégico do
Município de São Paulo de 2002 ................................................................ 205
5.2. Resultado da Implementação das Operações Urbanas Consorciadas ..... 221
Considerações finais............................................................................................................ 229
Referências Bibliográficas ................................................................................................. 239
Anexo 1: Entrevista com Cândido Malta Campos Filho. ............................................. 263
Anexo 2: Entrevista com José Eduardo de Assis Lefèvre. ........................................... 275

viii
Lista de Figuras

Figura 1.1: Trabalho escravo visto na gravura Petit moulin a sucre portatif ........................... 10
Figura 1.2: Mapa da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano do II PND................ 17
Figura 1.3: Imagem aérea do Jardim Guedala, Distrito do Morumbi, São Paulo. ............... 48
Figura 1.4: Imagem aérea do Parque Santa Madalena/Jardim Elba, Distrito de
Sapopemba, São Paulo........................................................................................................................ 48
Figura 2.1: Ilustrações dos cortiços de Londres no Século XIX. ............................................. 57
Figura 2.2: Cabeçalho da Lei de Saúde Pública Inglesa de 1875. ............................................ 58
Figura 2.3: Mapa de zoneamento do Plano para a Grande Londres de 1944 ....................... 61
Figura 2.4: Vista Geral da Cidade de São Paulo em 1827 ......................................................... 64
Figura 2.5: Parque do Vale do Anhangabaú e Theatro Municipal em 1920 ......................... 66
Figura 2.6: Esquema teórico do Plano de Avenidas.................................................................... 69
Figura 2.7: Modelo urbano do Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo. ... 75
Figura 2.8: Gráficos de “margarida” do estudo Estrutura Urbana da Aglomeração
Paulistana.............................................................................................................................................. 78
Figura 2.9: Síntese Geral do Plano Diretor de 1961 .................................................................. 80
Figura 2.10: Estrutura metropolitana proposta para 1990 pelo Plano Urbanístico Básico.
................................................................................................................................................................. 87
Figura 2.11: Diretrizes básicas para o arranjo territorial do PDDI-SP. ................................ 91
Figura 2.12: Quadro 2, características das Zonas de Uso, anexo à Lei nº 7.805/1972. ...... 96
Figura 3.1: Meme satirizando a política econômica de Reagan. ..............................................108
Figura 3.2: Mapa das intervenções urbanas do Plano Estratégico, Econômico e Social:
Barcelona 2000. ...................................................................................................................................113
Figura 3.3: Potzdamer Platz, Berlim. ...........................................................................................116
Figura 3.4: Perímetro das Docas Londrinas. ..............................................................................122
Figura 3.5: Zonas de Empreendimento e sistema de mobilidade na Ilha dos Cães ...........124
Figura 3.6: Empreendimento de Canary Wharf. .......................................................................126
Figura 4.1: Mapa de estrutura proposta para a Zona Metrô-Leste .......................................142
Figura 4.2: Mapa das propostas de operações urbanas no Plano Diretor 1985/2000. .....156
Figura 4.3: Diretrizes gerais da Estrutura Urbana do Plano Diretor do Município de São
Paulo de 1988 .....................................................................................................................................165
Figura 4.4: Localização das propostas de operação interligada e dos conjuntos de HIS
objetos da contrapartida. .................................................................................................................180
Figura 5.1: Aquisição de Área Construída Adicional em milhares de metros quadrados 189
Figura 5.2: Perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Branca ...............................191
Figura 5.3: Proposta de estruturação viária da Operação Urbana Consorciada Água
Branca ..................................................................................................................................................193
Figura 5.4: Aquisição de Área Construída Adicional em milhares de metros quadrados 195
Figura 5.5: Perímetro da Operação Urbana Centro ..................................................................197
Figura 5.6: Propostas deferidas das participações privadas ....................................................201
Figura 5.7: Estudo para formulação de novas operações urbanas e revisão das existentes
...............................................................................................................................................................207
Figura 5.8: Perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada .........................209
Figura 5.9: Complexo Viário Real Parque ..................................................................................212
Figura 5.10: Aquisição de Área Construída Adicional em milhares de metros quadrados
...............................................................................................................................................................213
Figura 5.11: Obras abandonadas do monotrilho da Linha 17 – Ouro ..................................215
Figura 5.12: Operações Urbanas propostas no Plano Diretor Estratégico do Município de
São Paulo de 2002 .............................................................................................................................220

ix
Lista de Gráficos
Gráfico 1.1: Evolução do PIB mundial em US$ bilhões. ............................................................ 15
Gráfico 1.2: Evolução da dívida externa e do IED acumulado no Brasil de 1950 a 1995 em
US$ milhões ......................................................................................................................................... 18
Gráfico 1.3: Evolução do PIB e do PIB per capita no Brasil no Séc. XX. .............................. 21
Gráfico 1.4: Evolução do PIB e do Salário Mínimo no Brasil de 1943 a 2013. ..................... 21
Gráfico 1.5: Concentração de renda no Brasil entre 1960 e 2010. ........................................... 22
Gráfico 1.6: Evolução da população brasileira total, urbana e rural de 1872 a 2010. .......... 23

Lista de Tabelas
Tabela 3.1: Comparação entre os modelos de planejamento tradicional e o estratégico . 114
Tabela 5.1: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUCFL ................. 190
Tabela 5.2: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUCAB ................. 195
Tabela 5.3: Resumo das solicitações da OUC ............................................................................ 201
Tabela 5.4: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUC ....................... 205
Tabela 5.5: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUCAE................. 214
Tabela 5.6: Recursos obtidos por tipo de entrada nas Operações Urbanas em R$ milhões
.............................................................................................................................................................. 223
Tabela 5.7: Área em metros quadrados de lançamentos imobiliários verticais residencial e
comercial em distritos selecionados e MSP entre 1995 e 2016 ............................................. 224
Tabela 5.8: Divisão de gastos por tipo de obra nas Operações Urbanas em milhões de R$
.............................................................................................................................................................. 227

Lista de Mapas
Mapa 1.1: Mapa da Região Metropolitana de São Paulo. .......................................................... 25
Mapa 1.2: Sistemas viário e de transporte coletivo e concentração de renda no MSP. ...... 29
Mapa 1.3: Concentração de empregos nos distritos do MSP. ................................................... 31
Mapa 1.4: Domicílios ligados à rede de esgoto nos distritos do MSP. ................................... 33
Mapa 1.5: Domicílios ligados à rede de telefonia nos distritos de MSP. ................................ 35
Mapa 1.6: Localização das Zonas Exclusivamente Residenciais no MSP. ............................. 37
Mapa 1.7: Localização dos assentamentos precários no MSP. ................................................. 39
Mapa 1.8: Densidade demográfica nos distritos do MSP. ......................................................... 41
Mapa 1.9: Distribuição da população nos distritos do MSP...................................................... 43
Mapa 1.10: Concentração da população não-branca nos distritos do MSP. .......................... 45
Mapa 2.1: Grandes obras viárias realizadas nas décadas de 1980 e 1990 no MSP .............. 53
Mapa 5.1: Perímetro da OUC Faria Lima, com as obras iniciais e áreas de exclusão. .... 186
Mapa 5.2: Localização das Operações Urbanas e bairros de alta renda no MSP .............. 222
Mapa 5.3: Área residencial vertical lançada entre 1995 e 2016 no MSP ............................ 225
Mapa 5.4: Área comercial vertical lançada entre 1995 e 2016 no MSP .............................. 225

x
Lista de Abreviaturas
ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade
AVC Associação Viva o Centro
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDE(S) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (e Social)
BNH Banco Nacional de Habitação
CA Coeficiente de Aproveitamento
CEPAC Certificado de Potencial Adicional de Construção
CEPAM Centro de Estudos e Pesquisas da Administração Municipal
COGEP Coordenadoria Geral de Planejamento
COHAB/SP Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo

CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e


Turístico do Estado de São Paulo
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
DLR Docklands Light Rail
EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A.
EMURB Empresa Municipal de Urbanização
FAUUSP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
FMI Fundo Monetário Internacional
FSSI Finanças, Seguro e Setor Imobiliário
FUNDURB Fundo de Desenvolvimento Urbano
GEGRAN Grupo Executivo da Grande São Paulo
GEP Grupo Executivo de Planejamento
GPU Grande Projeto Urbano
HIS Habitação de Interesse Social
IAB/SP Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento de São Paulo
II PND Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento
IRFM Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo
JUC Juventude Universitária Católica
LDDC London Docklands Development Corporation
MSP Município de São Paulo
OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OI Operação Interligada
OODC Outorga Onerosa do Direito de Construir
OU(C) Operação Urbana (Consorciada)
OUC Operação Urbana Centro
OUCAB Operação Urbana Consorciada Água Branca
OUCAE Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

xi
OUCFL Operação Urbana Consorciada Faria Lima
PDDI Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
PLD Plafond Legal de Densitè
PMDI Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado
PUB Plano Urbanístico Básico
PUE Planejamento Urbano Estratégico
RMSP Região Metropolitana de São Paulo

SAGMACS Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas aplicadas aos Complexos


Sociais
SEHAB Secretaria Municipal de Habitação
SEMPLA Secretaria Municipal de Planejamento
SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SMC Secretaria Municipal de Cultura
TDR Transfer of Development Rights
TO Taxa de Ocupação
UDA Urban Development Areas
ZAC Zone D´Aménegement Concerté
ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social

xii
Introdução
A partir dos anos 1980, o paradigma da política urbana em várias cidades do mundo
passou por uma grande reformulação. A crise de acumulação do Sistema Capitalista
advinda do esgotamento da expansão econômica do Pós-Guerra ocasionou a ascensão do
Neoliberalismo enquanto forma politica e ideológica preponderante, substituindo a
Socialdemocracia e o Estado do Bem-Estar Social nos Países Centrais. Como suposta
solução à crise, os governos municipais passaram a competir entre si para atrair
empreendimentos imobiliários, disputando investimentos no mercado global de capitais.

No campo do urbanismo, o resultado dessa transformação foi a passagem do


planejamento urbano tradicional, compreensivo e racionalista, para o planejamento
urbano estratégico, passando de uma visão global e integrada da cidade para uma visão
focalizada e de intervenções urbanas pontuais, fragmentárias e localizadas em áreas
específicas.

O planejamento urbano enquanto campo de atuação do Estado constituiu-se


historicamente de técnicas de previsão de crescimento e ordenamento de toda cidade,
principalmente relacionadas ao uso e ocupação do solo, infraestrutura e equipamentos
urbanos, através principalmente da figura do Plano Diretor. Essa concepção da ação
pública sobre a cidade teve seu pleno desenvolvimento no período do Estado do Bem-
Estar Social e pode ser vista em diversos países do mundo, como por exemplo:
Flächennutzungsplan da Alemanha, Master ou Comprehensive Plan dos Estados Unidos,
Piano Regulatore na Itália, Plan D´Urbanisme Directeur da França, Ruimtelijke Structuurvisie
da Holanda, Development Plan do Reino Unido.

No Brasil, os Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado dos anos 1970 são os


melhores exemplos dessa concepção de planejamento, em que pese o fato de ser
questionável a adoção do termo de Estado de Bem-Estar Social para um país periférico e o
resultado prático de tais planos.

Com a crise do capitalismo, vários teóricos e profissionais da cidade passaram a


adaptar os princípios do Planejamento Estratégico Empresarial, desenvolvidos por
teóricos da Escola de Administração de Harvard, para o campo do urbanismo. Nesse
aspecto destacaram-se principalmente os Catalães, que a partir do “sucesso” da
experiência da cidade de Barcelona, especificamente as grandes transformações advindas
das obras e intervenções urbanas realizadas para sediar os Jogos Olímpicos de 1992,
começaram a vender consultoria profissional para diversas municipalidades.

1
Assim, o planejamento urbano integral racionalista deu lugar ao planejamento
urbano estratégico, correspondendo à concepção da ação do Estado sobre o urbano,
característica do Estado Neoliberal, onde a atuação passa a ser fragmentária e localizada
em um pedaço da cidade através de instrumentos urbanísticos de exceção, tais como: as
Operações Urbanas Consorciadas no Brasil (OUC), Special Zoning Districts (SZD) e
Business Improvement Districts (BID) nos Estados Unidos, Zone D´Aménegement Concerté
(ZAC) e Zone D´Aménegement Differé (ZAD) na França, Projectbesluit na Holanda, Urban
Development Areas (UDA) e Enterprise Zones (EZ) no Reino Unido.

A maneira com que os órgãos públicos passaram a ver o urbanismo e o


planejamento urbano mudou do controle à produção do ambiente construído para um
enfoque “mercadológico”, de estímulo ao crescimento econômico e à criação de empregos.
Governos locais e grupos empresariais mobilizaram-se para facilitar a atração de capitais,
estimulando o mercado imobiliário, através de grandes intervenções urbanas baseadas na
desregulamentação do uso do solo e nas parcerias público-privadas.

A intervenção urbana passa a ser pensada na escala do projeto urbano, geralmente


desconsiderando a sua relação com o todo, para se atender objetivos específicos do
desenvolvimento econômico, baseado no aproveitamento de uma pretensa infraestrutura
ociosa ou recuperação urbano-ambiental. A definição para tal forma de atuação apresenta
as mais diversas definições na academia, nas agências multilaterais e nos seus manuais de
“good practices”: Large Scale Urban Projects, Mega-Projects, Grandes Projetos Estruturantes,
Projetos de Desenvolvimento Urbano, Grandes Projetos Urbanos.

Antigas áreas industriais, terrenos vagos ou áreas decadentes das metrópoles


centrais deram lugar a grandes projetos imobiliários de uso misto ou tematizados,
financiados em sua grande maioria pelo Poder Público, através das mais diversas formas
de Parcerias Público-Privadas, tais como: financiamento direto, subsídios, incentivos
fiscais, concessões financeiras ou de usufruto. A principal justificativa para tais
investimentos foi que uma vez alteradas as características negativas das áreas
deterioradas, elas naturalmente atrairiam investimentos da iniciativa privada, resultando
em melhorias para a comunidade. Esses fatores, adicionados à facilidade de obtenção de
empréstimos bancários para empreendimentos imobiliários e as baixas taxas de juros,
fizeram com que várias dessas metrópoles apresentassem um grande ciclo de crescimento
imobiliário em função desses projetos.

Contudo, na maior parte dos casos, existe um grande descompasso entre os


objetivos formalmente declarados e os resultados obtidos, mascarados pela ideologia
2
dominante. Vários autores apontaram para o fato de existirem “vencedores” e
“perdedores” nesses processos, tendo em vista que os recursos públicos investidos
geralmente ocorreram em detrimento das demandas legítimas por emprego, moradia,
saúde e educação da população local (ROBINSON, 1989; JUDD e PARKINSON, 1990;
REINO UNIDO, 1994; MOULAERT, RODRIGUEZ e SWYNGEDOUW, 2002;
FAINSTEIN, 2009).

Nos Países Periféricos ao Sistema Capitalista, esse descompasso se torna mais


evidente, pois em função do seu próprio processo histórico, as políticas urbanas nunca
chegaram de fato a resolver os problemas de suas cidades. Dessa forma, as cidades
estruturaram-se de maneira segregada, com enormes diferenciações socioespaciais, onde o
Estado vem historicamente concentrando os investimentos públicos nas áreas ocupadas
pela população de mais alta renda, em detrimento das áreas precárias onde vive a
população mais pobre.

No Brasil e na América Latina, o processo da reformulação das políticas urbanas


ocorreu a partir dos anos 1990, como resultado da ação combinada das agências
multilaterais, tais como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial
e Fundo Monetário Internacional (FMI), com a influência das experiências estrangeiras
trazidas por técnicos brasileiros ou consultores internacionais, em um momento de grave
crise econômica.

Diferentemente da cidade do Rio de Janeiro, onde a influência dos consultores


catalães se fez sentir fortemente no planejamento urbano a partir da década de 1990, a
cidade de São Paulo apresenta um longo caminho de influências estrangeiras,
principalmente francesas e estadunidenses, através de consultoria internacional ou do
intercâmbio de seus técnicos, tendo sido uma das pioneiras na adoção dos ditames
neoliberais do planejamento, que resultaram na implementação das OUC.

O principal objetivo desse trabalho é compreender como se deu esse processo, a


partir do estudo da formulação e implementação de políticas públicas e intervenções
urbanas na cidade entre 1975 e 2002, identificando suas influências e matriz ideológica de
seu discurso, os principais beneficiários e perdedores com esse processo. Apesar da
implementação das OUC datarem dos anos 1990, a data inicial foi escolhida por
corresponder à época dos primeiros estudos pelos órgãos de planejamento sobre os
instrumentos urbanísticos que iriam influenciar na sua criação. Já a data de 2002
corresponde ao ano em que as OUC foram regulamentadas e definidas legalmente no
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, só vindo a ser alteradas novamente

3
na revisão desse marco legal em 2014. Contudo, apesar desse ser o período principal do
estudo, a tese não se atem apenas a ele, analisando fatos anteriores e posteriores
importantes para a compreensão do problema.

A hipótese que se coloca é a de que a ascensão e a adoção recentes do ideário


neoliberal a partir da transferência de ideias dos Países Centrais apenas reforçaram as
características regressivas da produção do espaço dos Países Periféricos, tomando como
estudo de caso as operações urbanas consorciadas em São Paulo, maior cidade do Brasil e
que, por isso, influencia a implementação de políticas urbana em escala nacional. Essa
implementação reificou as práticas do urbanismo paulistano dos investimentos em
grandes obras viárias e criação de frentes de expansão imobiliária nas áreas de interesse
do mercado, favorecendo as grandes empreiteiras, incorporadoras e a elite motorizada em
detrimento da população pobre e excluída moradora dessas áreas, em geral de forma
irregular, agravando os problemas de segregação e fragmentação urbanas.

Para tanto a tese se estrutura em seis capítulos.

O primeiro capítulo, “Considerações acerca da produção do espaço no contexto do


Capitalismo Periférico”, constará de uma reflexão teórica acerca da produção do espaço no
contexto do capitalismo periférico. Considerando que o planejamento urbano atua sobre o
espaço e sendo este ao mesmo tempo produto e base material da reprodução da sociedade,
a compreensão das condicionantes de estruturação da sociedade é peça-chave para
compreensão da estruturação do próprio espaço. Essas condicionantes remontam a
evolução histórica dessa formação social à luz do sistema econômico no qual está inserido,
qual seja, o sistema capitalista.

A forma como o país se inseriu nesse sistema é de extrema importância, pois


condiciona a própria produção e reprodução da formação social nacional. Dessa forma, o
capítulo retoma a Tese do Capitalismo Dependente para compreender as relações de
dependência da nação em relação aos países centrais, a influência sobre o regime de
acumulação do capital e o rebatimento na produção do espaço, com enfoque na
aglomeração metropolitana paulistana e no Município de São Paulo. Esse capítulo é
fundamental para se compreender os limites da atuação do planejamento urbano na
transformação da realidade urbana paulistana. Para tanto, foi realizada extensa revisão
bibliográfica sobre o pensamento crítico da formação nacional e da tese do capitalismo
dependente e da compreensão da estruturação do espaço urbano paulistano como
resultado desse processo.

4
O segundo capítulo, “Do projeto ao plano: dos primórdios da constituição do
planejamento urbano paulistano ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado”,
procura compreender como o campo de atuação do planejamento urbano municipal se
constituiu em São Paulo, principalmente a partir da transferência de modelos dos países
centrais, desconsiderando as características próprias da sociedade brasileira, chegando até
o período máximo de sua expressão com a publicação do Plano Urbanístico Básico (1968),
da promulgação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1971) e da primeira Lei
de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do município (1972).

Para compreender o deslocamento entre a matriz do pensamento urbanístico da


realidade nacional procuraremos compreender o papel da ideologia no planejamento, para
depois avaliar como o urbanismo e o planejamento urbano se constituíram nos países
centrais, para depois serem aplicados em uma realidade completamente diferente que é a
do Brasil e, especificamente, em São Paulo. Para tanto foram utilizados o conceito
marxista de ideologia e da transferência de ideais, para que a partir dessa conceituação
teórica fosse montado um quadro histórico da constituição e evolução dos órgãos de
planejamento urbano no Município de São Paulo e de seu aparato instrumental para
implementação das intervenções urbanas, indo dos projetos de embelezamento até os
planos diretores na década de 1960/1970.

O terceiro capítulo, “A ascensão da política urbana neoliberal e dos grandes projetos


urbanos nos países centrais”, procura compreender como que a crise de exaustão da
expansão capitalista do Pós-Guerra ocasionou nos Países Centrais as transformações no
ideário político, da socialdemocracia ao neoliberalismo, e como isso impactou na política
urbana, resultando na ascensão do planejamento urbano estratégico e dos grandes
projetos urbanos. Procura compreender os impactos físico-espaciais e socioeconômicos
resultantes da implementação desses grandes projetos urbanos a partir de estudo de caso.
Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o tema das transformações do
planejamento urbano recente e ascensão dos grandes projetos urbanos e do
neoliberalismo, utilizando-se de vários autores estrangeiros e nacionais.

O quarto capítulo, “Do plano ao projeto: ascensão do neoliberalismo na política


urbana paulistana”, procura compreender como a influência recente da política urbana dos
países centrais ocorreu nos órgãos de planejamento do Município de São Paulo,
resultando principalmente na adoção do conceito do “solo criado” e na implementação das
operações interligadas e das operações urbanas. A montagem desse capítulo se baseou na
revisão bibliográfica da discussão teórica sobre os instrumentos urbanos, na mudança no

5
discurso constante dos planos desenvolvidos entre 1982 e 1991 e na entrevista de atores
que estiveram envolvidos com a implementação dessas políticas urbanas no interior dos
órgãos de planejamento da prefeitura.

O quinto capítulo, “A implementação das operações urbanas em São Paulo” procura


compreender os resultados da aplicação desse instrumento no contexto paulistano a partir
do início de sua implementação na década de 1990. Para tanto foi realizada levantamento
sobre a implementação de cada uma das quatro operações urbanas vigentes na cidade,
procurando compreender seus impactos físico-espaciais e socioeconômicos a partir da
análise de seus marcos legais (leis e normas) e da revisão bibliográfica de documentos
públicos, relatórios, teses, dissertações e artigos referentes a essa implementação. Ao final
desse capítulo foi montado um quadro síntese com os principais resultados conjuntos da
implementação dessas quatro operações urbanas, identificando possíveis beneficiários e
perdedores com esse processo.

Por fim, o capítulo, “Considerações Finais”, procura articular todos os capítulos para
demonstrar a tese proposta de que a adoção do ideário neoliberal na política urbana
paulistana, através da adoção do modelo dos “grandes projetos urbanos” pela
implementação das operações urbanas reforçou os aspectos negativos da estruturação
urbana paulistana, enfatizando as relações entre o poder público e o grande capital,
favorecendo as grandes empreiteiras, incorporadoras e a elite motorizada em detrimento
da população pobre e excluída moradora da cidade, aumentando a segregação e a
fragmentação urbanas.

6
CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PRODUÇÃO DO
ESPAÇO NO CONTEXTO DO CAPITALISMO PERIFÉRICO

1.1. Introdução
O presente capítulo procura compreender a produção do espaço nacional no
contexto do sistema econômico mundial, pois para compreender como o planejamento
urbano se constituiu em São Paulo e o seu descolamento da realidade local é necessário
compreender o próprio processo de formação da sociedade brasileira. Sendo o espaço
urbano ao mesmo tempo produto e base material da reprodução da sociedade, a
compreensão das condicionantes de estruturação da sociedade é peça-chave para
compreensão da estruturação do próprio espaço (DEÁK, 2016). Essas condicionantes
remontam a evolução histórica dessa formação social à luz do sistema econômico no qual
está inserido, qual seja, o sistema capitalista. A forma como o país se inseriu nesse sistema
é de extrema importância, pois condiciona a própria produção e reprodução da formação
social nacional. Dessa forma, o capítulo retoma a tese do capitalismo dependente para
compreender as relações de dependência da nação em relação aos países centrais, a
influência sobre o regime de acumulação do capital e o rebatimento na produção do
espaço, pegando como estudo de caso a estruturação da aglomeração urbana paulistana.

1.2. Capitalismo periférico e dependência


Nos anos 1960 vários teóricos do Brasil e do exterior se debruçaram sobre a tese do
capitalismo dependente em um esforço analítico para compreender o estágio de
desenvolvimento dos países que se inseriram no Sistema Capitalista como países
colonizados ainda na época da expansão comercial europeia do Século XVI 1 (DOS
SANTOS, 1967; FRANK, 1967; MARINI, 1969; CARDOSO e FALETTO, 1970;
FERNANDES, 1973).

Considerando o sistema capitalista em sua escala global de acumulação um sistema


onde os Estados-nação interagem entre si a partir de relações político-econômicas cujo

1 Em que pese o fato da palavra “globalização” ter se tornado popular nos anos 1980 e 1990 para definir o
atual estágio de expansão do sistema capitalista, este já surgiu como sistema econômico mundial ainda no
final do século XV com o ressurgimento do comércio na Europa, tendo apenas sofrido alterações no seu
modo de regulação, regime de acumulação e na divisão internacional do trabalho (SWEEZY, 1977;
BRAUDEL, 1987).

7
objetivo é a acumulação do capital2, esses países apresentam posicionamentos desiguais
nesse processo global de acumulação e de organização da produção, conforme pode ser
visto no trabalho de vários autores (LUXEMBURG, 1913; LENIN, 1925; BUKHARIN,
1928; SWEEZY, 1977; WALLERSTEIN, 1979; BRAUDEL, 1987;).

Do ponto de vista dos Estados-nação, esse posicionamento é fruto de condicionantes


histórico-geográficas, que os tornam mais ou menos aptos a desempenhar as funções de
comando desse processo. Apesar de existir uma grande discussão sobre a divisão desses
países em grupos, adotaremos para o fim desse trabalho, a divisão em apenas dois: os
países centrais, onde se localizam as sedes das instituições, empresas e pessoas
responsáveis pelo comando e organização da economia em nível global e os países
periféricos, que apresentam uma posição subalterna em relação aos primeiros3.

Logicamente que esse conceito de centro-periferia não se esgota na relação entre


países, mas se reproduz também internamente nas relações entre as diferentes regiões de
um país ou até mesmo de uma cidade. Assim sendo, mesmo nos países periféricos existem
áreas centrais que drenam parte da mais-valia acumulada de suas periferias, canalizando
parte deste excedente para os países centrais, conforme pode ser visto em Frank (1966):

[...] We find that each of the satellites serve as an instrument to


suck capital or economic surplus out of its own satellites and to
channel part of this surplus to the world metropolis of which all
are satellites4 (FRANK, 1966, p. 7).

Estabelece-se, portanto, uma relação de interdependência entre os


países/áreas/cidades centrais e periféricos, pois as condições de acumulação do centro
dependem da manutenção das condições de exploração da periferia. Por outro lado, parte
do capital acumulado na periferia deve ser aplicada nela própria para que sejam mantidas
as suas condições de reprodução, mesmo que em níveis muito distintos do centro.

2 Entendido aqui na definição marxista da palavra, que difere do conceito de dinheiro ou riqueza, pois
enquanto estes estão relacionados com o seu valor de troca, o capital visa a reprodução dessa riqueza, seja
através da acumulação do lucro ou mais-valia, seja no circuito da acumulação simples ou no da ampliada
(MARX, 1983).
3 Existem posições bastante diferentes sobre essa divisão. Wallerstein (1979), por exemplo, define um

terceiro grupo o qual chama de “semiperiféricos”, cuja principal função seria a organização e expansão da
produção para determinadas regiões do mundo, estabelecendo a ligação entre os países centrais e os
periféricos. Essa definição parece acompanhar outros teóricos do desenvolvimento dessa época, que
cunharam o termo Newly Industrialized Countries (NIC) ou Países Recém-Industrializados (PRI) em
português, para identificar o fenômeno da industrialização periférica pelo qual alguns países passaram a
partir da instalação de subsidiárias das empresas multinacionais nos anos 1960 e 1970.
4 Nós vemos que cada um dos satélites serve como um instrumento para sugar o capital ou excedente

econômico de seus próprios satélites e canalizar parte deste excedente para as metrópoles do mundo, dos
quais todos são satélites (Frank, 1966, p. 7, tradução nossa).

8
Para a manutenção das condições de reprodução desse sistema é necessária então a
dominação dos países periféricos pelos centrais, dominação essa que se dá de diversas
formas: econômica, política, militar, técnica, ideológica, cultural, etc., conforme será visto
na próxima seção.

1.3. A inserção periférica do Brasil na Economia Mundial


1.3.1. O Período Colonial

O Brasil, tendo sido colônia portuguesa, já se inseriu no sistema capitalista numa


posição subalterna, como país periférico, pois o colonialismo foi uma forma de expansão
do capitalismo através da dominação das colônias pelas potências coloniais
(FERNANDES, 1973). A dependência da colônia em relação à metrópole não se
configurava apenas como dependência política e ideológica, mas também, econômica e
tecnológica, pois durante o período de vigência do Pacto Colonial, o desenvolvimento
nacional foi restringido, a fim de “[...] impedir a produção de qualquer gênero que não
interessasse diretamente à metrópole e seu comércio, ou que fizesse concorrência à sua
produção nacional” (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 54).

Durante esse período, o país foi inserido na economia mundial com um mero
fornecedor de produtos agrícolas e derivados, metais e pedras preciosas, relacionados aos
diversos ciclos econômicos (BECKER e EGLER, 1994): pau-brasil (século XVI), cana-de-
açúcar (séculos XVI e XVII), ouro (séculos XVII e XVIII), algodão (século XIX) 5. A
exploração agrícola era baseada no sistema de “plantation”, grandes fazendas
monocultoras baseadas no trabalho escravo, e a exportação dessa produção ocorria via
Portugal, que virou entreposto dos produtos brasileiros, apropriando-se do lucro de sua
comercialização. Uma vez que o trabalho indígena não se demonstrou adequado para
efetivar a produção colonial em escala, principalmente de açúcar, os portugueses basearam
essa produção na mão-de-obra escrava africana, visto que já dominavam esse tráfico
(FURTADO, 2005).

5 No período colonial, o Brasil chegou a ser o maior produtor mundial de açúcar e de ouro e o quinto maior
fornecedor de algodão para a Grã-Bretanha (BECKER e EGLER, 1994).

9
Figura 1.1: Trabalho escravo visto na gravura Petit moulin a sucre portatif

Autor: Jean Baptiste Debret, 18356

Entre 1531 e 1855 entraram pelos portos brasileiros quatro milhões de escravos
africanos, que constituíram a base principal da mão-de-obra da colônia, chegando a
representar metade da população brasileira ao final do século XVIII (IBGE, 1990). Com a
abolição da escravidão em 1888, a população de escravos foi liberta, sem nenhum tipo de
indenização ou compensação por parte do governo ou dos ex-“proprietários”. Associada
aos brancos pobres e indígenas, essa população formou um grande contingente
populacional de despossuídos, que segundo Fernandes (1973), foi submetido a
mecanismos permanentes de sobreapropriação e sobre-expropriação para garantir a
acumulação do capital e sua transferência para os países centrais.

O predomínio da vida rural sobre a urbana fez com que as relações sociais fossem
moldadas pelos interesses e valores do tipo primitivo de família patriarcal, que
predominava na colonização (HOLANDA, 1971). Esse predomínio dos valores familiares
resultou na administração da coisa e dos assuntos públicos como se fossem de interesse
pessoal e do círculo de amizades do gestor público. O poder patriarcal e a falta de
distinção entre os domínios público e privado resultaram no Estado patrimonialista e
clientelista, cujas características permanecem até os dias de hoje.

6Acervo da Biblioteca Digital Luso-Brasileira. Disponível em


<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon393053/icon393053_096.jpg>. Acesso em: 18
Abr. 2016.

10
1.3.2. Da Independência até a década de 1930

Finda a dominação do período colonial, o Brasil passa à independência política de


Portugal, mas não à independência econômica, pois, como parte das negociações, o país
herdou as dívidas que aquele país tinha com a Grã-Bretanha (VIOTTI DA COSTA,
19687, apud DEÁK, 2016, p. 140). Dessa forma, o país se inseriu no sistema econômico
internacional como país politicamente independente, porém economicamente endividado.
Essa característica de devedor será ao longo da história do país o principal instrumento de
dominação e de drenagem do capital acumulado para os países centrais e não foi
exclusividade desse período inicial, conforme pode ser visto em Batista (2006):

A característica, talvez mais marcante, do setor externo brasileiro desde


a independência do País até os nossos dias tem sido sua posição de
devedor líquido em relação ao resto do mundo. Durante esse longo
processo de endividamento externo, a historiografia econômica do Brasil
registra uma sucessão de crises cambiais e períodos recorrentes de
dificuldades no balanço de pagamentos do País. A chamada
vulnerabilidade externa do Brasil não é privilégio do período recente,
mas é um traço que acompanha nosso desenvolvimento desde o seu
começo (BATISTA, 2006, p. 429).

Becker e Egler (1994) chamam a atenção para o fato de que a independência


brasileira e de outras nações latino-americanas terem sido apoiadas pela Grã-Bretanha
como estratégia para garantir a expansão de um mercado consumidor livre para seus
investimentos e produtos. De fato, a presença econômica da Grã-Bretanha foi intensa da
Independência até a I Guerra Mundial. Entre 1842 e 1872 as exportações para a Grã-
Bretanha representavam aproximadamente um terço do total das exportações brasileiras,
enquanto que as importações desse país representavam a metade do total importado
(IBGE, 1990).

Conforme Abreu (2000), até 1895 praticamente todo investimento externo no Brasil
era britânico, sendo metade em empréstimos ao poder público, e a outra metade em
investimentos diretos, principalmente nas áreas de transportes (ferrovias), serviços
urbanos, empresas industriais e comerciais. Posteriormente, as áreas de energia e
transportes urbanos (bondes) também foram alvo de investimentos britânicos indiretos
através da compra de ações de companhias estrangeiras prestadoras de serviços,
canadenses em sua maioria.

7VIOTTI DA COSTA, E. Introdução ao estudo da emancipação política. In: MOTTA, C. G. O Brasil em


perspectiva. São Paulo: Dífel, 1968.

11
Dessa forma, as condições de acumulação de capital nas relações comerciais entre o
Brasil e a Grã-Bretanha estavam definidas a favor dessa última em função dos recursos
pagos referentes ao endividamento (montante e serviço da dívida), repatriação dos lucros
advindos da exploração dos serviços, empresas e infraestrutura instalados e balança
comercial desigual, onde o Brasil exportava produtos do setor primário (com baixo valor
agregado) e importava produtos industrializados (com alto valor agregado).

Em 1850 a promulgação das leis nº 581 (BRASIL, 1850a), que proibia o tráfico de
escravos, e 601 (BRASIL, 1850b), que estabelecia a propriedade privada da terra,
estabeleceu as condições de transição das características de sociedade colonial, ainda
vigentes na época do Império. Ao sinalizar a substituição do trabalho escravo pelo
trabalho assalariado e ao instituir a terra como o principal bem patrimonial da elite, pois
deixava de ser concessão pública para ser mercadoria comercializável, o Estado brasileiro
lançava as bases do capitalismo periférico, reforçando o seu caráter patrimonial e
fundiário, enquanto que nesse momento o desenvolvimento tecnológico se tornava a base
do desenvolvimento do capitalismo nos países centrais8.

A promulgação da Lei de Terras marcou uma profunda mudança em relação à


apropriação da terra no Brasil, quando restringiu o acesso a sua propriedade somente
através da venda e da compra, desconsiderando o processo de ocupação. Dessa forma, a
terra adquiriu status de mercadoria, e por isso passou a ser acessível apenas àqueles que
tinham rendimentos para adquiri-la (ROLNIK, 1999).

Essa transformação da terra em mercadoria, associada com o fim da escravidão e à


falta de políticas de compensação financeira aos ex-escravos vão constituir as bases da
formação da fragmentação urbana e segregação socioespacial nas nossas cidades, visto que
os escravos libertos, que representavam por volta de metade da população na época,
juntos com os pobres brancos e indígenas, não conseguiram acessar o mercado formal de
terras, submetendo-se às formas precárias de habitação, resultando em grande parte nos
problemas urbanos do país, que persistem até os dias de hoje.

A prevalência da economia agroexportadora permaneceu até 1930, com a


substituição da mão-de-obra escrava pela imigrante, sendo nesse período o café o principal
produto da pauta de exportação. Com a crise da Bolsa de 1929 e a desvalorização dos
produtos primários, o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), influenciado pelas ideias

8Nos países centrais esse processo de apropriação das terras pela elite ocorreu um século e meio antes, como
nos cercamentos da Inglaterra. Contudo, nesses países os camponeses, privados do seu meio de produção, é
que se tornarão o exército de reserva de mão-de-obra assalariada, pois já não existia o trabalho escravo.

12
keynesianas e a experiência estadunidense do New Deal, passou a ser mais atuante na
economia com novas políticas econômicas priorizando o desenvolvimento industrial.
Contudo, essa industrialização de base urbana foi restrita, pois as bases técnicas e
financeiras para a acumulação eram restritas (BECKER e EGLER, 1994).

1.3.3. Da II Guerra Mundial até a década de 1990

A partir da II Guerra Mundial, e intensificando nas décadas seguintes, as estratégias


de acumulação global do capital basearam-se em uma maior internacionalização do capital
produtivo, com o intuito de diminuir os gastos com a produção, principalmente despesas
fixas e força de trabalho, na tentativa de alterar a tendência de diminuição da taxa de
lucro9. Essa internacionalização do capital produtivo se deu através das corporações
multinacionais, grandes grupos empresariais dos países centrais que se instalaram nos
países periféricos.

Alguns desses países passaram a desempenhar um papel mais ativo na divisão


internacional do trabalho em função dos investimentos externos diretos dessas
corporações e dos incentivos à industrialização das políticas nacionais de desenvolvimento
baseadas no endividamento externo. Por trás dessas políticas, denominadas de
“desenvolvimentismo”, havia a tese de que através da industrialização, os países então
chamados de subdesenvolvidos superariam essa condição e passariam a ser também
desenvolvidos. Essa tese baseava-se na ideia das Etapas do Crescimento Econômico do
economista estadunidense Walt Rostow (1964), que acreditava que seguindo os passos
dos países centrais, os países subdesenvolvidos atingiriam um crescimento econômico
maduro da sociedade de consumo de massa. Furtado (1974), porém, desmistificou essa
tese com o seu trabalho o “Mito do desenvolvimento econômico”, ao mostrar que ela
ignorava o fato de que as condições de acumulação desiguais entre as nações centrais e
periféricas não possibilitaria replicar o modelo de crescimento econômico dos primeiros na
periferia.

9 A Queda Tendencial da Taxa de Lucro é uma hipótese defendida por Marx no Capítulo XIII do Livro III
de O Capital: crítica da economia política (1983). Segundo esse autor, a tendência natural do sistema capitalista
é a elevação da composição orgânica do capital: visando um aumento da produtividade e, consequentemente,
maiores lucros, o capitalista realiza maiores investimentos no capital constante, principalmente máquinas e
equipamentos, em detrimento da quantidade de força de trabalho. Se em um primeiro momento isso
representa um aumento da taxa de lucro, ao longo prazo, contudo, esse fator leva à sua diminuição, pois uma
maior produção com diminuição da força de trabalho produz mais mercadorias com menos trabalhadores
assalariados para consumi-las (base de consumo), levando a uma superprodução ou a um subconsumo. Com
isso, parte da produção é perdida ou tem que ser vendida a baixo preço.

13
Vainer (2016) chama a atenção para o papel preponderante de fomentador dessas
políticas de desenvolvimento que os Estados Unidos tiveram como resultado da aplicação
da Doutrina Truman de 1947 (informação pessoal) 10. Esse país já vinha despontando
como nova potência mundial desde a I Guerra Mundial e no II Pós-Guerra passou a ter
uma postura internacional mais ativa como reação ao avanço da influência da União
Soviética e da ideologia comunista; por um lado, financiando programas de recuperação
dos países destruídos pela guerra (Plano Marshall) e de desenvolvimento nos países
periféricos; por outro, procurando promover a liberalização do comércio exterior em
escala mundial para absorção da sua produção industrial.

Os vários tratados internacionais e programas promovidos por esse país a partir de


1944 estabeleceram os organismos financeiros internacionais e lançaram as bases para a
promoção da cooperação política, monetária e de comércio internacionais sob a sua
hegemonia político-militar11 (HARVEY, 1989b). Baseados nas ideias do economista
britânico John Keynes12, o Estado passou a ter um papel atuante no desenvolvimento
através de pesados investimentos na reconstrução física e econômica dos países centrais,
que ficou conhecida por keynesianismo, e na industrialização de alguns países periféricos,
que ficou conhecida por desenvolvimentismo. Ambas as versões dessa atuação foram
financiadas pelos afluentes investimentos e empréstimos estadunidenses, constituindo um
período de boom econômico do Pós-Guerra de 1945 a1975, que ficou conhecido como os
“Anos de Ouro do Capitalismo” 13.

A aplicação desse modelo de desenvolvimento nos países centrais pode ser vista no
parágrafo abaixo de Harvey (1989b):

“[...] But what is remarkable is the way in which national


governments of quite different ideological complexions – Gaullist
in France, the Labour Party in Britain, Christian Democrats in
West Germany, etc. – engineered both stable economic growth
and rising material living standards through a mix of welfare

10 Informação fornecida por Carlos Vainer na Disciplina “Colonialidade do Saber Urbano”, ministrada no
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2016.
11 Referimo-nos especificamente: ao Acordo de Breton Woods de 1944, que estabeleceu o dólar como padrão

financeiro internacional e promoveu a criação do Banco Internacional para Reconstrução e


Desenvolvimento (posteriormente Banco Mundial) e do Fundo Monetário Internacional (FMI); ao Acordo
Geral de Tarifas e Comércio (GATT) de 1947 e à criação da Organização do Tratado do Atlântico Nobre
(OTAN) em 1949.
12 John Maynard Keynes (1883-1946), economista inglês, foi um dos principais articuladores da formação do

FMI e do Banco Mundial e escreveu em 1936 a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Nesse livro, ele
argumentava que o desemprego era característico de um mercado desregulado, onde a demanda era menor
que a produção e propunha um Estado regulador da economia, assim como promotor do desenvolvimento
econômico, através de políticas fiscais, monetárias e investimentos públicos.
13 The Golden Age of Capitalism em inglês ou Le Trente Glorieuse em francês.

14
statism, Keyenesian economic management, and control on wage
relations14 (HARVEY, 1989b, p. 135).

As condições de acumulação do capital dos países centrais, especificamente dos


Estados Unidos, estavam garantidas baseadas nas repatriações do capital investido pelas
multinacionais, através das remessas de lucros, e na administração financeira das dívidas
externas adquiridas pelos países periféricos, fase que Hoogvelt (1997) denomina de
Capitalismo Pós-Imperialista.
De fato, esse período representou um grande boom do crescimento econômico,
contudo não alterou a posição relativa dos países periféricos no cenário internacional.
Entre 1950 e 2003, o PIB mundial cresceu 7,7 vezes passando de cinco para 41 trilhões de
dólares15. Nesse período, as participações da América Latina e da África praticamente não
se alteraram, representando aproximadamente 11% desse total (8% para a América Latina
e 3% para a África), passando de 618 bilhões para 4,5 trilhões, conforme gráfico 1.1.

Gráfico 1.1: Evolução do PIB mundial em US$ bilhões.


50000,0

40000,0

30000,0

20000,0

10000,0

-
1950 1973 2003

Mundo Ásia
EUA e Europa Ocidental América Latina
Africa

Fonte: Maddison, 2007.

No Brasil, essas políticas desenvolvimentistas foram bastante ampliadas nas décadas


de 1940 e 1950, culminando no Plano de Metas do governo Juscelino Kubistchek (1956-

14 O que é marcante é a maneira com que os governos nacionais de tendências políticas tão diversas –
gaullistas na França, trabalhistas no Reino Unido, democrata-cristãos na Alemanha Ocidental etc. –
engendraram tanto um crescimento econômico estável, quanto um aumento no padrão de vida material,
através de uma mistura de estado do bem-estar social, administração econômica keynesiana e controle das
relações salariais (HARVEY, 1989b, p. 135, tradução nossa).
15 Estimativa feita em dólares internacionais de 1990 pelo economista britânico Angus Maddison, que

trabalhou como consultor internacional para a OECD e o Harvard Institute for International Development.

15
1961), influenciadas pelas ideias da CEPAL16 e do ISEB17, baseadas em um modelo de
industrialização através no planejamento estatal e no favorecimento ao capital
monopolista através de empréstimos internacionais e dos IED – investimentos externos
diretos (BECKER e EGLER, 1994).

Com esse modelo, consolidou-se o “tripé econômico” que existiu até a década de
1990, onde o capital nacional público ficou responsável pelos bens de produção e pela
instalação de infraestrutura; o capital privado nacional ficou responsável pela produção de
bens de consumo não duráveis; e o capital privado estrangeiro era responsável pela
produção de bens de capital e de consumo duráveis. Grandes empresas estatais,
principalmente nas áreas de petroquímica, aço, telecomunicações, eletricidade e
transportes foram criadas a fim de promover a política “desenvolvimentista”. Para
financiar estes projetos foi criado em 1952 o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE) sob o comando do Ministério da Fazenda. O resultado do
“desenvolvimentismo” foi o crescimento da economia brasileira de 1950 até 1979 a uma
taxa média de 7,4% (IBGE, 1990).

Nos anos 1960 e 1970, o regime militar aprofundou esse modelo pela “modernização
conservadora”, através dos planos nacionais de desenvolvimento, com destaque para o
Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que propunha o desenvolvimento
de grandes projetos de exploração de matéria prima exportável e de um programa
energético baseado na exploração e refino nacionais de petróleo e na implantação de
indústria de produção de álcool combustível18, procurando promover uma
desconcentração produtiva do Sudeste para o resto do Brasil. Baseado na teoria das etapas
de crescimento de Rostow (op. cit.) e nas ideias dos polos de desenvolvimento de Perroux
(PERROUX, 1959; PERROUX, FRIEDMAN e TINBERGEN, 1973), esse plano
considerava que ao expandir a industrialização, o país superaria a etapa do
“subdesenvolvimento” como pode ser visto a seguir:

O Brasil se empenhará até o fim da década em manter o impulso que a


Revolução vem procurando gerar, para cobrir a área de fronteira entre o
subdesenvolvimento e o desenvolvimento (BRASIL, 1974, p. 3).

16 Comissão Econômica para América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas.
17 Instituto Superior de Estudos Brasileiros.
18 Exploração de minérios como o de ferro em Carajás e bauxita em Trombetas, ambas no Pará, cobre em

Caraíba, na Bahia, fosfatos em Patos, Minas Gerais e carvão no Rio Grande do Sul e Santa Catarina;
Implantação de novos complexos industriais como as siderúrgicas de Itaqui no Maranhão, Tubarão no
Espírito Santo, Açominas em Minas Gerais, petroquímica de Camaçari na Bahia, Paulínia em São Paulo,
cloroquímica de Maceió em Alagoas, novas fábricas de cimento, papel e celulose na Bahia e no Espírito
Santo, de automóveis Fiat em Betim, Minas Gerais, e no Rio de Janeiro incentivos a CSN, exploração de
alumínio pela Vale do Rio Doce e implantação da usina nuclear de Angra dos Reis (BECKER e EGLER,
1994).

16
Figura 1.2: Mapa da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano do II PND.

Fonte: Brasil, 1974.

O país se endividou ainda mais, para poder financiar os grandes projetos previstos
nesse plano, e incentivou a entrada de empresas multinacionais para promover a
industrialização do país, desconsiderando o peso do retorno desse capital posteriormente,
via pagamento da dívida ou sua repatriação. Entre 1970 e 1995 a presença do capital
internacional no Brasil aumentou dezessete vezes, chegando a 232 bilhões de dólares,
conforme gráfico 1.2.
Essa industrialização periférica ocorreu à base de forte compressão salarial a fim de
garantir maiores taxas de lucro para as empresas multinacionais, visto que estas se
instalaram nos países periféricos em busca de redução de custos. Mesmo na época do
“Milagre Econômico” 19, a política salarial foi regressiva como pode ser visto na famosa a

19Período entre 1968 e 1973 em que o PIB brasileiro cresceu a uma media de 8,2% ao ano, chegando ao pico
de 14% em 1973 (IBGE, 1990).

17
frase do então Ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto: “É preciso fazer o bolo crescer
para depois dividi-lo”.

Gráfico 1.2: Evolução da dívida externa e do IED acumulado no Brasil de 1950 a 1995 em US$ milhões

200000,0

160000,0

120000,0

80000,0

40000,0

,0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995

Dívida externa IED acumulado

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE e Banco Central 20

A Crise do Petróleo da década de 1970 pôs fim ao crescimento brasileiro, de outros


países periféricos e de suas políticas “desenvolvimentistas”. Como esses países haviam
tomado vultosos empréstimos para financiar o seu desenvolvimento, com a disparada
súbita das taxas de juros em função da crise econômica internacional, o Brasil e muitos
outros países latino-americanos e africanos endividados encontraram-se em uma crise
fiscal na balança de pagamentos, tendo de declarar a moratória na chamada “Década
Perdida” dos anos 1980. De 1980 a 1992, a economia brasileira encolheu 17,4%, com taxas
de inflação atingindo 500% ao ano, aumento da taxa de desemprego para 18,1% da força
de trabalho e aumento da informalidade, passando de 45% para 54% dos postos de
trabalho (DUPAS, 1999).

1.3.4. Da década de 1990 até os dias de hoje

Na década de 1990 os países periféricos se viram forçados pelas agências


multilaterais a adotar reformas neoliberais para a solução do problema do endividamento.
As políticas “desenvolvimentistas” foram substituídas pela adoção da cartilha neoliberal

20Disponível em: <http://seculoxx.ibge.gov.br/economicas/setor-externo/tabelas.html>. Acesso em: 24


abr. 2016.
Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/rex/ied/port/notas/htms/notas.asp>. Acesso em: 3 mai. 2016.

18
do Consenso de Washington21 no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003)
baseado nos seguintes pontos: política fiscal baseada em superávit orçamentário do
governo; redução das despesas públicas e gastos sociais; controle inflacionário através de
altas taxas de juros; desregulamentação da economia; privatização de empresas públicas; e
taxa de câmbio livre.

Apesar do controle da inflação, a economia não deslanchou, com o crescimento


ficando em uma média de apenas 2,8% ao ano. Os cortes promovidos nos gastos públicos e
a privatização de empresas concessionarias de serviço público aumentaram os problemas
sociais. A nova moeda nacional sobrevalorizada, o Real (R$), associada à liberalização da
economia aumentou o processo de dependência nacional do capital financeiro
mundializado, causando um processo de desindustrialização com aumento das taxas de
desemprego (12,3%), conforme pode ser visto a seguir:

[...] o importante é ressaltar que a forma de inserção externa promovida


pelo governo FHC, no contexto da dominância financeira da
acumulação, significou a inserção subordinada do Brasil na economia
mundial, criando uma nova forma das relações de dependência
(TEIXEIRA e PINTO, 2012, p. 916).

Essas políticas macroeconômicas mudaram em parte durante os governos Luís


Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2010-2016) na primeira década do
Século XXI, sem que, contudo, reformas estruturais de fato ocorressem. Influenciados
pelas condições favoráveis, como a expansão do comércio internacional e a valorização das
mercadorias primárias em virtude do crescimento chinês, o governo adotou medidas de
estímulo ao crescimento econômico, que ficaram conhecidas por
“neodesenvolvimentismo”, baseadas em: retorno dos investimentos públicos através da
criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da ampliação da atuação do
BNDES; adoção de políticas de transferência de renda e de aumento do poder aquisitivo
do salário mínimo; adoção de medidas voltadas à ampliação do crédito ao consumidor e ao
mutuário. Com essas condições nacionais e internacionais favoráveis, a economia
brasileira voltou a crescer a uma média de 4% ao ano, atingindo 7,6% em 2010, o
desemprego caiu para 6,4%, e 25 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema (BÁEZ,
RODELLA, et al., 2015).

21 O Consenso de Washington foi um conjunto de políticas econômicas neoliberais promovidas por


instituições multilaterais com sede em Washington, tais como o FMI e o Banco Mundial com o intuito de
resolver os problemas dos países emergentes e com base nas ideias do economista britânico John
Williamson (Williamson, 1990).

19
Contudo, essas medidas não resolveram a alta dependência do capital financeiro
internacional, que agora aportava no país graças ao grau de investimento conseguido
junto às agências internacionais de classificação de risco de crédito. Tanto que foi só
romper com os ditames neoliberais em período de crise econômica para que esse capital
fosse embora, ocasionando as volatilidades política e econômica atuais, que resultaram na
destituição parlamentar da presidente Roussef.

Sampaio Júnior oferece uma boa definição desse período (2012, p. 683):

O neodesenvolvimentismo só pode fantasiar sobre a possibilidade de um


desenvolvimento capitalista nacional porque ignora os encadeamentos
necessários entre concentração e centralização dos capitais, dominância
absoluta do capital financeiro sobre o processo de acumulação, lógica de
império que preside a ação das potências imperialistas (Estados Unidos à
frente), total subordinação da ordem econômica mundial aos imperativos
do capital financeiro, incontrolabilidade do capital, crise terminal do
keynesianismo e tendência à reversão neocolonial nos países que fazem
parte da periferia da economia mundial. [...] Existe, portanto, uma
incongruência absoluta entre o que o neodesenvolvimentismo pensa ser
— uma alternativa qualitativa de desenvolvimento capaz de resolver os
problemas renitentes da pobreza e da dependência externa — e o que é
de fato: apenas uma nova versão da surrada teoria do crescimento e da
modernização acelerada como solução para os problemas do Brasil.

1.4. O rebatimento na produção do espaço


Dessa forma, apesar da adoção dessas políticas econômicas ao longo do Século XX
terem representado um grande crescimento da economia brasileira, elas não
representaram de fato um rompimento com o modelo de desenvolvimento dependente,
não ocasionando uma transformação estrutural da sociedade brasileira e de seu fosso
social. Muito pelo contrário, ao longo desse século, o crescimento do PIB brasileiro foi da
ordem de 10 vezes a do PIB per capita, pois enquanto o primeiro cresceu em 12.526%, o
segundo cresceu apenas 1.268%, conforme gráfico 1.3.

Essa diferença entre crescimento econômico e sua distribuição social pode ser vista
também ao compararmos o crescimento do PIB vis a vis o aumento real do salário
mínimo. Considerando o ano de 1943, ano da Consolidação das Leis do Trabalho, como
ano inicial e o ano final de 2013, o salário mínimo aumentou em 2,37 vezes descontada a
inflação. No mesmo período, o PIB brasileiro cresceu 31 vezes, conforme gráfico 1.4.

20
Gráfico 1.3: Evolução do PIB e do PIB per capita no Brasil no Séc. XX.

14000%

12000%

10000%

8000%

6000%

4000%

2000%

0%
1900 1920 1940 1960 1980 2000

PIB PIB/capita

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE22.

Gráfico 1.4: Evolução do PIB e do Salário Mínimo no Brasil de 1943 a 2013.

3500,0

3000,0

2500,0

2000,0

1500,0

1000,0

500,0

,0
1943 1957 1971 1985 1999 2013

Salário Mínimo PIB

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE, Banco Central e Portal Brasil23.

O país apresenta uma das piores distribuições de renda do mundo, altamente


concentrada nos extratos mais elevados. Segundo dados do IBGE, em 2011 os 10% mais
22 Dados disponíveis em:
<http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/economia/contas_nacionais/1_indice.xls>. Acesso em: 18
abr. 2016.
23 Índice de correção IPC-SP da Fipe. Dados disponíveis em:

<http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/economia/contas_nacionais/1_indice.xls>,
<https://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm> e
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 18 abr. 2016.

21
ricos detinham 41,8% da renda nacional, enquanto que os 50% mais pobres ficavam com
apenas 16,1%, conforme gráfico 1.5. Mesmo a volta aos gastos sociais do
“neodesenvolvimentismo” não foram suficientes para alterar os níveis de concentração de
renda, apenas se igualando aos níveis da década de 1960.

Gráfico 1.5: Concentração de renda no Brasil entre 1960 e 2010.

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
1960 1970 1980 1990 2000 2010

10% mais ricos 50% mais pobres

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE, 1990 e IPEA24.

Todo esse investimento no desenvolvimento econômico, associado à migração do


campo, refletiu-se na rápida urbanização do país ao longo do Século XX. No início do
Século, apenas 10% da população morava nas cidades (IBGE, 1990). Na década de 1940, a
concentração de investimentos e industrialização, localizada, principalmente, na Região
Sudeste, começou a reverter esse fenômeno. Na década de 1970 o crescimento urbano
atingiu o pico de 5,2% ao ano e a população urbana ultrapassou a rural. Atualmente 84,4%
da população brasileira é urbana, sendo que as 27 regiões metropolitanas e os maiores
municípios brasileiros concentram 40% do total (IBGE, 2011).
Do ponto de vista urbano, isso resultou em cidades extremamente desiguais, onde
6,6 milhões de famílias não possuíam moradia, 11% dos domicílios urbanos não tinham
acesso ao sistema de abastecimento de água potável e quase 50% não estavam ligados às
redes coletoras de esgotamento sanitário no ano de 2000, segundo o Ministério das
Cidades (BRASIL, 2004). Esses problemas são piores nas Regiões Metropolitanas, que
concentram 1/3 desse déficit habitacional e 80% dos domicílios em favela.

24 Dados disponíveis em: <http://www.ipeadata.gov.br/> Acesso em: 18 Abr. 2016.

22
Gráfico 1.6: Evolução da população brasileira total, urbana e rural de 1872 a 2010.

250,0

Milhões
200,0

150,0

100,0

50,0

,0
1872 1900 1940 1960 1980 2000
População total População urbana População rural

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE, 1990.

O sociólogo Francisco de Oliveira (2003) chama esse processo de “urbanização sem


industrialização”, pois, em função das condições de acumulação, existe uma disputa pelo
escasso capital entre os setores industrial e de serviços, sendo que o primeiro não
consegue superar o segundo. Dessa forma, apesar dos investimentos na industrialização, o
setor industrial não consegue absorver a mão-de-obra disponível O resultado é um
anárquico crescimento urbano, baseado na expansão do setor terciário para absorver o
exército de reserva de mão-de-obra. Dessa forma, o setor informal da economia, aquele no
qual as relações de trabalho não são reguladas pela lei, acaba por ter importância igual ou
superior ao formal. Dessa forma:

A desigualdade [...] é produto antes de uma base capitalística de


acumulação razoavelmente pobre para sustentar a expansão industrial e
a conversão da economia pós-anos 1930, que da existência de setores
“atrasado” e “moderno” (OLIVEIRA, 2003, p. 60).

A industrialização escassa e com “baixos salários” resultou por consequência em


uma “urbanização com baixos salários”, nas palavras de Maricato (1996, p. 9), com a
população de baixa renda se submetendo a morar em condições precárias de
habitabilidade, na maior parte das vezes na informalidade em cortiços, favelas e
loteamentos irregulares periféricos, chegando a 50% da população de nossas metrópoles.

1.4.1. A Região Metropolitana e o Município de São Paulo

A aglomeração metropolitana paulistana – definida legalmente como Região


Metropolitana de São Paulo (RMSP) é um típico exemplo de metrópole resultante desse
processo de desenvolvimento dependente. É a maior concentração urbana brasileira com

23
uma população de 19.683.975 (10% da população nacional), cuja maioria (11.253.503)
mora na capital, o Município de São Paulo (MSP), conforme dados do Censo Demográfico
de 2010 (IBGE, 2011). Apesar da grande concentração de atividades econômicas25, a
distribuição de renda é bastante desigual, com 43% dos domicílios localizados na faixa
inferior a três salários mínimos (R$1.530,00) e apenas 6% na faixa superior a vinte (R$
10.200,00) (ibid.).

Composta por 39 munícipios, ela é resultado da concentração maciça de


investimentos das políticas desenvolvimentistas na Região Sudeste do país a partir da
década de 1940. Com a escassez do capital, esse processo ocorreu em detrimento das
regiões mais pobres do país (principalmente Norte e Nordeste), resultando em um
desenvolvimento desigual e na migração de um grande contingente populacional destas
áreas preteridas para as metrópoles do Sudeste (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São
Paulo).

No período do ciclo econômico cafeeiro, o capital acumulado foi investido na


indústria nascente e a concentração industrial nessa região criou as condições para a
instalação da indústria pesada de capital multinacional, principalmente do ramo
automobilístico, acentuando o processo de metropolização a partir da década de 1950. Isso
resultou em uma concentração cada vez maior da produção e do emprego industrial
nacional até a década de 1970. A partir desta década, em função dos investimentos do II
PND e de uma legislação ambiental restritiva, começou a ocorrer uma desconcentração
industrial em direção ao interior do Estado e para outras regiões do país, ocasionando um
aumento do peso do Setor Terciário na base econômica paulistana.

Como suporte a esse processo de desenvolvimento econômico, o Poder Público


concentrou os investimentos em infraestrutura e serviços essenciais na região central,
área de concentração das atividades produtivas, visto que o desenvolvimento dependente
gera uma escassez de capital. Segundo Villaça (1998; 2011), o resultado desse processo foi
a estruturação de um espaço urbano altamente diferenciado e segregado, com os estratos
de alta renda ocupando as áreas centrais, melhor providas de empregos, acessibilidade,
infraestrutura e serviços (definido por ele como o Quadrante Sudoeste, para o caso de São
Paulo26), enquanto que os setores de menor renda foram “expulsos” para a periferia, para
áreas menos privilegiadas do ponto de vista de provisão desses fatores.

25 Em 2010 o PIB da RMSP foi de R$ 732.910.402,00 e do MSP R$ 450.491.988,00, correspondendo


respectivamente a 19% e 12% do PIB nacional (IBGE, 2011).
26 Segundo Villaça (2011), o Quadrante Sudoeste é a região em São Paulo que concentra as classes sociais de

mais alta renda. A sua definição varia, conforme os dados selecionados. Para efeito desse trabalho, definimos

24
Mapa 1.1: Mapa da Região Metropolitana de São Paulo.

Fonte: Elaboração do autor a partir de bases do CESAD, 2002 e EMPLASA, 2010.

A ascendência de um grande exército de reserva de mão-de-obra e a industrialização


com baixos-salários resultou na formação da precariedade habitacional-urbana, pois essa
população teve de buscar alternativas habitacionais fora do mercado imobiliário formal,
nos cortiços, favelas e loteamentos irregulares, muitas vezes em regiões inadequadas à
urbanização do ponto de vista ambiental (MARTINS, 2006). A parcela da população de
baixa renda, que conseguiu acessar os programas públicos de habitação social, acabou
morando em conjuntos habitacionais periféricos, em regiões desprovidas de infraestrutura
e de serviços urbanos e com dificuldades de acesso. Dessa forma, grande parte do habitat
resultante da população de baixa renda apresenta um grande nível de precariedade e
condições urbanas inadequadas.

A partir do período recessivo dos anos 1980, as taxas de desemprego aumentaram,


resultando na diminuição da renda para grande parte dos trabalhadores assalariados,
agravando esse quadro (EMPLASA, 2004). A reestruturação econômica dos anos 1990 e o

como aqueles distritos municipais que apresentam mais de 40% dos seus domicílios com rendimento
superior a 10 salários mínimos em 2010 e se localizam a sudoeste do centro, a saber: Alto de Pinheiros,
Butantã, Campo Belo, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Moema, Morumbi, Pinheiros, Santo Amaro e Vila
Mariana.

25
ajuste ao neoliberalismo imposto pelas agências multilaterais (FMI, BID, BIRD) pioraram
ainda mais essa situação, ampliando a distância entre trabalhadores qualificados, capazes
de assimilar novos métodos e processos de trabalho, e aqueles com baixa escolaridade, que
não se adaptaram às novas exigências do mercado de trabalho.
Entre 1991 e 2000, a participação de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza
passou de 9,4 para 14% na RMSP (ibid.), enquanto que a taxa de desemprego subiu de 8,7
para 16,9% entre 1987 e 2005 (SEADE-DIEESE, 2017). Esse fato aumentou a
precariedade do habitat, pois entre 1980 e 2000, a população favelada do Município de São
Paulo passou de 3,5 para 11,2% da população (CARDOSO e MOREIRA, 2004).
Por outro lado, os altos investimentos do Poder Público e da iniciativa privada para
adequar a metrópole ao paradigma da “Cidade Global” 27, acabaram por sobrevalorizar
ainda mais o já valorizado Quadrante Sudoeste da metrópole, que conforme já
mencionado, concentra infraestrutura, emprego e as camadas de alta renda, aumentando o
processo de “expulsão” da população de baixa renda (NOBRE, 2000; NOBRE e BONFIM,
2002; FERREIRA, 2003; FIX, 2004).
Entre 1991 e 2000, os distritos que concentraram investimentos no setor terciário
perderam juntos 76 mil residentes (decréscimo de 2,6% a.a.) em função das alterações de
uso do solo que o grande investimento imobiliário desse setor tem ocasionado (NOBRE,
2008). Por outro lado, a concentração dessas atividades nesse quadrante acentuou também
a “decadência” do centro histórico, resultando em 600 mil metros quadrados de área útil
comercial vaga. Entre 1991 e 2000, os 10 distritos que formam a coroa central perderam
juntos cerca de 100 mil residentes (decréscimo de 2,0% a.a.), resultando em 46.638
imóveis inutilizados (vagos e fechados).
Enquanto isso, os distritos e municípios periféricos ganharam 360 mil habitantes,
com taxa de crescimento médio de 6,3% ao ano, muito superior à média da metrópole
(1,6%). Esse crescimento aumentou a precariedade do habitat, na medida em que boa parte
dele ocorre em áreas inadequadas à urbanização do ponto de vista ambiental, como nas
proximidades da Serra da Cantareira, da Represa de Guarapiranga e da Área de Proteção
Ambiental do Carmo.

27 Cidade Mundial ou Global foi um conceito criado pelo urbanista inglês Peter Hall (1966) para definir as
aglomerações urbanas dos países capitalistas centrais que concentravam grande parte da produção
econômica mundial ou de seu controle. Posteriormente esse conceito foi alargado pelos pesquisadores John
Friedmann e Goetz Wolff (1982) para abarcar as metrópoles dos países semiperiféricos responsáveis pela
expansão do sistema capitalista para sua periferia. No final da década de 1990, as discussões sobre a cidade
mundial ou global fomentaram o debate acadêmico crítico brasileiro, principalmente paulistano, quer seja
nas transformações das economias urbanas em curso, quer seja nas modificações do processo de produção da
cidade, ou ainda na utilização do discurso da globalização como mote ideológico para justificar a atuação de
abertura de novas frentes de expansão do capital imobiliário, conforme os trabalhos de: ABLAS, 1993;
SANTOS, 1994; NOBRE, 2000; KOULIOUMBA, 2002; FERREIRA, 2003; FIX, 2004.

26
Para o Município de São Paulo, estudos recentes da Secretaria Municipal de
Habitação estimam que ao menos 25,8% dos domicílios paulistanos apresentam algum
tipo de situação de precariedade (SÃO PAULO, 2016a). Dos 3,6 milhões de domicílios,
445 mil são em favelas (12,4%), 385 mil em loteamentos irregulares (10,7%), 80 mil em
cortiços (2,2%) e 20 mil em conjuntos habitacionais irregulares (0,5%). Esse número
corresponde grosso modo ao montante de 29% de domicílios que se encontravam na faixa
de rendimento inferior a dois salários mínimos (R$ 1.200,00) em 2010 (IBGE, 2011).

Analisando-se os mapas a seguir é possível visualizar esse fenômeno da


diferenciação urbana, da segregação socioespacial e da concentração de infraestrutura em
São Paulo. Ao mapearmos a localização dos distritos municipais que apresentam mais de
40% de seus domicílios com rendimento médio superior a dez salários mínimos é possível
averiguar a sua concentração no Quadrante Sudoeste da cidade, tal qual relatado por
Villaça (op. cit.). No mapa 1.2 é possível ver que boa parte do sistema viário estrutural da
cidade está concentrada nessa região. A mesma coisa se averigua no sistema de transporte
coletivo: das cinco linhas do metrô, quatro estão inseridas em grande parte nesse
quadrante, três das seis linhas de trem e os cinco principais corredores de ônibus passam
por ela. Essa área também é a que concentra a maior parte dos empregos formais da
cidade, com densidades variando de 80 a 650 empregos por hectare, enquanto que na
Zona Leste extrema, mal chega a 15 empregos por hectare, conforme mapa 1.3.

Com relação ao esgotamento sanitário, essa concentração já não é tão significativa,


pois boa parte do município apresenta uma boa rede coletora de esgotos. Contudo, é
possível ver que a periferia apresenta um menor número de domicílios conectados à rede,
de 79 a 89%, conforme mapa 1.4. Já com relação à rede de telefonia fixa, essa diferenciação
socioespacial volta a ser notável, com o Quadrante Sudoeste apresentando mais de 85%
dos domicílios atendidos, enquanto que a periferia apresenta menos de 65%, conforme
mapa 1.5.

Quase todos os bairros exclusivamente residenciais de baixa densidade estão


inseridos nesse quadrante, conforme mapa 1.6, enquanto que a maior parte dos
assentamentos precários de favelas, núcleos urbanizados e loteamentos irregulares se
encontram na periferia, com pode ser visto no mapa 1.7. Isso tem reflexos na densidade
demográfica: os distritos que contêm os bairros residenciais da elite estão entre os que
apresentam menor densidade28, enquanto que os distritos periféricos que concentram a

28Sendo eles: Morumbi (40 habitantes por hectare); Butantã (41 habitantes por hectare) e Alto de Pinheiros
(57 habitantes por hectare).

27
precariedade habitacional apresentam a maior densidade29, junto com os distritos mais
verticalizados da área central30, como pode ser visto no mapa 1.8.

A concentração da população segue este padrão centrífugo, com os distritos com


mais de 150 mil residentes localizados na periferia da cidade, enquanto os distritos mais
centrais e do Quadrante Sudoeste apresentam menos de 70 mil habitantes, como no mapa
1.9. Por fim, esse padrão socioespacial também se reflete em relação à raça, pois o mapa
1.10 mostra que os distritos do Quadrante Sudoeste apresentam a menor concentração de
população com raça autodeclarada como não-branca (menos de 20%), enquanto que nos
distritos periféricos a concentração é a maior (acima de 40%).

Essa diferenciação na estruturação urbana fica evidente ao compararmos os bairros


do Jardim Guedala (figura 1.3) no Distrito do Morumbi e Parque Santa Madalena/Jardim
Elba (figura 1.4) no de Sapopemba. O primeiro está localizado na Zona Oeste do
Município (Quadrante Sudoeste), representando um dos principais bairros exclusivamente
residencial de baixa densidade da elite paulistana (20 habitantes por hectare), com renda
média de R$ 7.600,00 e baixíssima vulnerabilidade social31. Já os segundos são bairros
populares periféricos, localizados na Zona Sudeste, divisa com o Município de Santo
André, com renda média de R$ 1.250,00, densidades demográficas variando de alta a
muito alta (de 287 a 1.159 habitantes por hectare), vulnerabilidade social média e alta,
principalmente nas favelas que lá se encontram (favelas da Elba, São Cosme e Damião).

29 Vila Jacuí (172 habitantes por hectare); Itaim Paulista (184 habitantes por hectare); Lajeado (186
habitantes por hectare); Capão Redondo (195 habitantes por hectare); Sapopemba (209 habitantes por
hectare); Cidade Ademar (216 habitantes por hectare);
30 Perdizes (175 habitantes por hectare); Liberdade (189 habitantes por hectare); Santa Cecília (223

habitantes por hectare); República (238 habitantes por hectare) e Bela Vista (256 habitantes por hectare).
31 O IPVS é um índice desenvolvido pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados)

composto por indicadores demográficos e socioeconômicos (renda domiciliar per capita, idade média das
pessoas responsáveis pelo domicílio, rendimento médio da mulher responsável pelo domicílio, porcentagem
de: domicílios com renda domiciliar per capita até um quarto e até meio salário mínimo; pessoas
responsáveis pelo domicílio alfabetizadas; pessoas responsáveis pelo domicílio com 10 a 29 anos; de
mulheres responsáveis pelo domicílio com 10 a 29 anos; de crianças de 0 a 5 anos), através do qual os
setores censitários são divididos em sete grupos de vulnerabilidade (baixíssima, muito baixa, baixa, média,
alta e muito alta, alta (rurais)). Disponível em: <http://indices-
ilp.al.sp.gov.br/view/index.php?prodCod=2>. Acesso em: 4 abr. 2017.

28
Enquanto no primeiro há uma grande quantidade de área pública e vegetada (mais
de 40% da área), ruas com largura de doze metros, calçadas com largura de dois metros e
meio, lotes grandes com 550 metros quadrados em média, os segundos apresentam menos
de 20% de áreas livres, pouquíssima vegetação, rua com largura de seis metros, calçadas
de meio metro e lotes pequenos, com oitenta metros quadrados em média. A maior parte
das áreas livres é ocupada pelas favelas, em áreas de altíssima declividade ou nas várzeas
inundáveis dos córregos.

Dessa forma, a cidade de São Paulo representa um dos exemplos mais típicos da
produção paradoxal do espaço no capitalismo periférico. Em primeiro lugar, a
concentração populacional ocorre na periferia, o lugar “deixado” para os pobres morarem,
onde há uma carência crônica de infraestrutura e de serviços. Enquanto, isso as áreas mais
centrais, dotadas de todos os equipamentos e infraestrutura, estão cercadas por bairros
residenciais de baixa densidade da elite. Provavelmente, nenhuma outra metrópole do
mundo apresenta tantos bairros exclusivamente residenciais de baixa densidade (abaixo
de 60 habitantes por hectare) tão próximo assim da área central (menos de oito
quilômetros) 32. Esse modelo vai contra todas as teorias do urbanismo contemporâneo,
que definem que essas áreas mais centrais devem apresentar densidades elevadas e uso
misto para otimizar a utilização dessa infraestrutura e equipamentos.

A intensa concentração de empregos e de serviços na região central, incluindo o


Quadrante Sudoeste, em oposição à concentração da população pobre na periferia ocasiona
o caos no sistema de mobilidade metropolitano, com um enorme número de viagens
pendulares diárias, na ordem de 34 milhões segundo a última Pesquisa Origem-Destino
de 2007, sendo que 1/3 dessas viagens foram feitas pelo modo coletivo de transporte e
1/3 a pé, justamente pelos estratos de menor renda (COMPANHIA DO
METROPOLITANO DE SÃO PAULO, 2008).

32 Não fizemos uma pesquisa acurada a respeito, mas tomamos como base os dados do Density Atlas
desenvolvido por professores, pesquisadores e estudantes de arquitetura e planejamento urbano do
Massachusetts Institute of Technology (MIT, 2011). Alguns dados demonstram densidades brutas bastante
elevadas comparadas a bairros de São Paulo, como por exemplo: o Ensanche de Barcelona (359 hab./ha),
Distrito 8 na Quinta Avenida, Nova Iorque (459 hab./ha), Quadra 401 de Plaine Monceau, Paris (970
hab./ha), Centro Urbano Presidente Miguel Alemán, Cidade do México (1.080 hab./ha) e o Conjunto She
Ti Fung Wo, Hong Kong (2.330 hab./ha). No Brasil, os dados conseguidos no IBGE, também demonstram
a existência de bairros residenciais próximos ao centro com densidades bem mais elevadas que os de São
Paulo. Os bairros de elite do Rio de Janeiro na Zona Sul apresentam densidade media de 205 habitantes por
hectare, variando entre 80 hab./ha (Cosme Velho) a 357 hab./ha (Copacabana), com exceção da Urca, que
apresenta densidade baixa (30 hab./ha) em função de que grande parte de sua área é ocupada pelo morro de
mesmo nome (IBGE, 2011).

47
Figura 1.3: Imagem aérea do Jardim Guedala, Distrito do Morumbi, São Paulo.

Fonte: Google Earth, 2008.

Figura 1.4: Imagem aérea do Parque Santa Madalena/Jardim Elba, Distrito de Sapopemba, São Paulo.

Fonte: Google Earth, 2011.

48
Surge aí então outro paradoxo, a concentração das atividades econômicas e da
infraestrutura de transporte nessa região central cria enormes dificuldades de acesso para
a população pobre, isolando-a na periferia. Os constantes e pesados investimentos na
estruturação viária das áreas privilegiadas, conforme será visto nos próximo capítulos, é
com certeza outro paradoxo, pois a carência das áreas periféricas nesse setor demandaria
que os investimentos não se concentrassem nas áreas centrais. Além do que, maior parte
das obras é destinada ao transporte individual, meio de transporte característico da elite,
apesar de ele representar apenas 1/3 das viagens metropolitanas.

Logicamente que a localização da população pobre nos países centrais também


representa a formação de guetos, muitos dos quais periféricos. Contudo, o que diferencia
as metrópoles centrais das periféricas, é que nas primeiras a infraestrutura abarca todo o
território metropolitano, atendendo tanto às elites como às populações mais pobres,
enquanto que nas nossas, essa está concentrada na área das elites.

Do ponto de vista ambiental, a concentração da população pobre nas áreas de maior


fragilidade, aquelas que foram deixadas de lado pelo mercado imobiliário, representa
também um agravamento dessa questão, com a ocupação das várzeas alagáveis dos corpos
hídricos, das encostas de alta declividade e das áreas de preservação ambiental. Por outro
lado, o discurso ambiental é usado “cinicamente” como justificativa para a preservação das
qualidades ambientais dos bairros exclusivamente residenciais da elite em função da
grande quantidade de vegetação presente.

Por fim, se considerarmos a questão da raça, esse modelo representa não só um


apartheid social, mas também racial, pois a elite branca mora no centro, enquanto que os
pobres negros moram na periferia, sem que tenha havido a necessidade de leis raciais
explícitas para a imposição dessa lógica, como ocorreu por exemplo na África do Sul. Isso
só pode ser compreendido dentro da lógica do “homem cordial”, tal qual definido por
Sérgio Buarque de Holanda (1971), que faz com que os conflitos dessa sociedade
patrimonialista, dual e racista sejam sublimados pelo mito do “paraíso racial” brasileiro.

49
CAPÍTULO 2 – DO PROJETO AO PLANO: DOS PRIMÓRDIOS DA
CONSTITUIÇÃO DO PLANEJAMENTO URBANO PAULISTANO
AO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO

2.1. Introdução
Conforme constatado no primeiro capítulo, a forma dependente de como Brasil se
inseriu no sistema econômico mundial ocasionou a formação de uma sociedade de elite e
patrimonialista extremamente desigual, com o estrato social branco e de maior renda
concentrando a maior parte da riqueza nacional e do poder político em detrimento da
maioria pobre e negra. A estruturação do espaço refletiu essa sociedade, resultando em
cidades altamente fragmentadas e segregadas, com os estratos de maior renda se
apropriando dos espaços melhor servidos de infraestrutura e equipamentos públicos,
concentrando também as atividades econômicas, enquanto que a população de menor
renda foi “expulsa” para as áreas carentes desses fatores, geralmente nas periferias de
nossas metrópoles.

Apesar do surgimento do campo do urbanismo e do planejamento urbano modernos


no Brasil terem ocorrido ainda no final do Século XIX e meados do século XX, pouco foi
feito para a reversão ou alteração desse fenômeno. Pelo contrário, na maior parte das
vezes a adoção de políticas urbanas e de legislações urbanísticas deslocadas da realidade
nacional contribuiu para a acentuação dessas características, pois a dominação ideológica
pela elite fez com que esses trabalhassem sempre a favor delas.

O presente capítulo procura compreender a constituição do planejamento urbano na


cidade de São Paulo e a construção do Plano Diretor como seu pretenso instrumento de
análise e operacionalização. Para compreender o deslocamento entre a matriz do
pensamento urbanístico da realidade nacional procuraremos compreender o papel da
ideologia no planejamento, para depois avaliar como o urbanismo e o planejamento
urbano se constituíram nos países centrais, para depois serem aplicados em uma realidade
completamente diferente que é a do Brasil.

51
2.2. Ideologia e planejamento
Conforme mencionado no capítulo 1, o Brasil se inseriu de maneira dependente no
sistema econômico mundial. Para a manutenção das condições de reprodução desse
sistema é necessária a dominação dos países periféricos pelos centrais, dominação essa que
se dá sob diversas formas: econômica, política, militar, técnica, ideológica, cultural, etc.

Sendo o urbanismo ou o planejamento urbano33 um campo do conhecimento e da


atuação profissional que tem como objeto principal a atuação do Estado na produção e
organização do espaço intraurbano, a compreensão de sua formulação e constituição
depende da compreensão do campo de formação das ideias e para tanto utilizaremos do
conceito de ideologia, entendida aqui não como ideologia política, mas como a origem e a
formação das ideias, tal qual definido por Marx e Engels (1989)34 e retomado por Chauí
(1980).

Considerando que a produção das ideias não é algo natural, mas fruto das condições
sociais e históricas de onde elas surgem, esses autores argumentam que a ideologia é uma
forma de dominação de classe no sentido em que faz com que os interesses das classes
dominantes se sobreponham aos das classes dominadas, através da formulação de ideias
que façam que os interesses da elite pareçam ser o interesse geral ou de todos e não
apenas de uma determinada classe.

Como exemplo elucidativo, lembramos aqui os pesados investimentos que os


governos do município e do estado de São Paulo vêm realizando principalmente no
chamado Centro Expandido da cidade com o discurso ideológico de solução dos
problemas de mobilidade urbana, conforme apontamos em outros trabalhos (NOBRE,
2010a; 2010b). Esses governos teriam gasto aproximadamente 29,5 bilhões de reais entre
1975 e 2000 em valores atualizados para maio de 201835 em uma serie de obras viárias de

33 A utilização dos termos “urbanismo” ou “planejamento urbano”, enquanto campo de conhecimento e de


atuação profissional está relacionada à influência estrangeira. Enquanto o primeiro está vinculado
principalmente à escola francesa (urbanisme), o segundo denota influências dos países anglo-saxônicos (city
ou town planning). Dessa forma, esses termos foram sendo modificados na medida em que a influência foi
passando do modelo francês para o estadunidense. Para efeito desse trabalho, adotamos o termo
planejamento urbano, sendo definido como “as técnicas e os discursos referentes à atuação do Estado sobre a
cidade” (VILLAÇA, 1999, p. 180)
34 Die Duetsche Ideologie foi escrito em meados de 1846, mas somente publicado em pela primeira vez em

1932.Nesse trabalho utilizamos a tradução de 1989 da Editora Martins Fontes.


35 Esses valores foram levantados por Marques (2003) em R$ 10,6 bilhões e atualizados pelo Índice de

Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe de dezembro de 1999 a maio de 2018, conforme o site
Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.do?method=corrigirPorIndice>.
Acesso em: 15 jun. 2018.

52
grande porte36 com a justificativa de melhora do problema de trânsito na cidade, sendo
que 62% desses recursos foram concentrados nas áreas de maior renda (MARQUES,
2003).

Analisando esses investimentos, conforme mapa 2.1, percebe-se que eles


privilegiaram o transporte individual no Quadrante Sudoeste, área mais dotada de
infraestrutura onde mora a população de mais alta renda, sendo que as viagens pelo modo
individual de transporte representavam apenas 30% do total das viagens metropolitanas
em 2007 e o déficit de mobilidade se encontrava na periferia, onde moram os estratos de
menor renda, que dependem do modo coletivo de transporte para a sua mobilidade
(COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO, 2008).

Mapa 2.1: Grandes obras viárias realizadas nas décadas de 1980 e 1990 no MSP

Fonte: Mapa elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE tabulados pela SMDU37 sobre base do
CESAD, 2002 e EMPLASA, 2010.

36 Entre as obras realizadas no Centro Expandido encontram-se os túneis sob o Vale do Anhagabaú, sob o
Parque do Ibirapuera (Túnel Ayrton Senna), sob a Av. São Gabriel (Túnel Tribunal de Justiça), sob o Rio
Pinheiros (Túneis Jânio Quadros e Sebastião Camargo), o Complexo Cebolinha (Complexo Viário João
Jorge Saad), a extensão da Avenida Faria Lima e a abertura da Avenida da Água Espraiada (atual Jornalista
Roberto Marinho).
37 Dados do IBGE (2011), tabulados pela SMDU na Tabela “Domicílios por Faixa de Rendimento, em

salários mínimos Município de São Paulo, Subprefeituras e Distritos Municipais 2010”. Disponível em:
<http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/13_domicilios_por_faixa_de_rendimento_em_sa_2010_233.
html>. Acesso em: 4 abr. 2017.

53
Ao menos quatro das obras realizadas38 serviram para facilitar o acesso por
automóvel da população moradora do Morumbi, ao centro da cidade. Além do que, esses
investimentos privilegiaram o setor da construção civil pesada, setor esse que tem sido
um dos principais financiadores de campanha política dos processos eleitorais no Brasil
desde 1997, conforme pode ser visto no site da ONG Transparência Brasil
(TRANSPARÊNCIA BRASIL, 2012).

No exemplo acima, vimos a dominação ideológica enquanto expressão da disputa de


classes. Quando a dominação ideológica (no campo das ideias) se dá entre nações (países
centrais e os periféricos), vários autores tem utilizado o termo “colonialidade do saber”,
pois essas relações retomam os tempos da conquista do mundo pela Europa, quando os
países conquistados tiveram de ser “reconstruídos” a partir da visão europeia de mundo
ideal, constituindo-se em replicas imperfeitas, tendo em vista a sua condição periférica
(VAINER, 2014).

Com relação ao campo do urbanismo e do planejamento urbano não foi diferente. Ao


longo da história dos países periféricos, teorias, práticas e modelos urbanos dos países
centrais têm sido difundidos e disseminados, quer seja pelas regras coloniais, em um
primeiro momento, quer seja pela própria transferência de ideias de profissionais que vão
se “educar” nos países centrais ou pela contratação de “experts” estrangeiros em um
segundo momento, conforme pode ser visto no parágrafo abaixo:

Constituted and legitimized in theoretical, methodological, or


operational paradigms, shifting notions of ‘best practice’ have built
and sustained universal notions of the city models, planning
practices, and projects embedded in and disseminated through
colonialism and globalization. […] Since the Americas became a
part of (European) History with a capital H, our towns and
territories have been conceived and designed based on imported
models39 (VAINER, 2014, p. 48).

Baseado na frase “as ideias fora do lugar” de Schwarz (1988), que analisa a farsa
ideológica no Brasil do 2º Império40, o sociólogo Francisco de Oliveira cunhou a frase “as

38 Os túneis sob o Vale do Anhagabaú, sob o Parque do Ibirapuera (Túnel Ayrton Senna), sob a Av. São
Gabriel (Túnel Tribunal de Justiça) e sob o Rio Pinheiros (Túneis Jânio Quadros e Sebastião Camargo).
39 Paradigmas teóricos, metodológicos e operacionais constituídos e legitimados nas noções de “melhores

práticas” têm construído e sustentado noções universais de modelos de cidade, práticas de planejamento e de
projeto baseadas em e divulgadas através do colonialismo e da globalização. [...] Desde que as Américas
tornaram-se uma parte da História (europeia) com H maiúsculo, nossas cidades e territórios têm sido
concebidos e desenhados com base em modelos importados (VAINER, 2014, p. 48, tradução nossa).
40 O crítico literário Roberto Schwarz ao fazer uma análise do romance literário e o processo social no Brasil

Imperial cunhou o termo de “ideias fora do lugar” para caracterizar a farsa ideológica da política nacional,

54
ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias” quando da arguição da banca de professora
titular de Ermínia Maricato para identificar o “descolamento entre as matrizes que
fundamentaram o planejamento e a legislação urbanos, no Brasil, e a realidade
socioambiental de nossas cidades, em especial o crescimento da ocupação ilegal e das
favelas” (MARICATO, 2000, p. 121).

Dessa forma, a matriz ideológica do pensamento nacional é resultado dessa inserção


e da importação das ideias e dos modelos dos países centrais para a sua aplicação aqui,
apresentando um descolamento em relação à realidade local, correspondendo em grande
parte aos interesses da elite dominante. O ideário e os instrumentos urbanísticos foram se
desenvolvendo dentro desse contexto, apresentando diferentes períodos e contextos, sem
contundo transformar de fato as condições urbanas, conforme veremos nas seções
seguintes.

2.3. A constituição do planejamento urbano nos países centrais


Nos países centrais, a constituição do campo do urbanismo e do planejamento
urbano modernos está relacionada ao intenso processo de urbanização que esses países
passaram em função da industrialização a partir dos séculos XVIII e XIX (SUTCLIFFE,
1981). A expulsão dos camponeses do campo, a diminuição da taxa de mortalidade, o
progresso técnico, a organização do trabalho e o desenvolvimento dos meios de
transporte ocasionaram o surgimento de grandes aglomerações urbanas nesses países.

Em 1800 não existiam cidades que alcançassem a população de um milhão de


pessoas. Por volta de 1900 já existiam 13 aglomerações com essas dimensões na Europa e
nos Estados Unidos: Londres, Nova Iorque, Paris, Berlim, Chicago, Viena, São
Petersburgo, Filadélfia, Manchester, Birmingham, Moscou, Boston e Glasgow (ibid.). A
aglomeração londrina, por exemplo, quadruplicou entre 1801 e 1901, passando de 959 mil
para 4,5 milhões habitantes (MORREY, 1978). No mesmo período, Manchester
setuplicou, passando de 88 para 642 mil habitantes, enquanto Liverpool octuplicou,
passando de 82 para 771 mil habitantes.

O resultado desse crescimento foi bastante calamitoso para várias dessas cidades,
visto que do ponto de vista de doutrina político-econômica reinava o Liberalismo, que
preconizava menor atuação do Estado na economia e na política, seguindo, entre outros,

que era permeada pelos ideais liberais europeus, baseados na realidade do trabalho assalariado desses países,
enquanto a sociedade brasileira vivia do trabalho escravo.

55
os princípios fisiocratas do “Laisser-faire41”, de que os problemas se resolvem por si só, e
pela ideia do efeito regulador da “mão invisível” do mercado de Adam Smith42.

O crescimento acentuado, sem nenhum planejamento, fez com que as cidades


apresentassem condições de vida muito precárias para a classe operária que vinha se
apinhando nos bairros populares ao redor das indústrias e dos portos. Além da apatia do
Estado, a exploração dessa classe pelos capitalistas não oferecia as devidas condições para
a sua reprodução, tendo em vista que a principal fonte de acumulação do capital nesse
estágio do capitalismo era a exploração da mais-valia da mão-de-obra assalariada43.

Um dos relatos mais impressionantes sobre a qualidade de vida dessa população


pode ser encontrado no livro a Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra44 de
Friederich Engels publicado em 1845. No capítulo “As Grandes Cidades”, Engels (1985)
relata a miséria e a degradação de vários bairros operários das cidades inglesas por ele
visitados, baseado na sua própria observação e em uma pesquisa minuciosa de vários
relatórios das autoridades de saúde, dos distritos policiais e em manchetes de jornais.

Essa população operária pobre morava em bairros de “má reputação” em vielas


escondidas, lugar abrigado dos olhares da burguesia. As ruas eram palco de mortes
violentas e degradantes, retratadas em artigos de jornais e nos inquéritos policiais. As
condições sanitárias eram péssimas, em função da ausência de esgotamento sanitário, do
comércio de frutas e verduras em péssimas condições de higiene e da ventilação difícil em
função do adensamento construtivo, conferindo a elas um aspecto repugnante, conforme
relato a seguir:

41 “Laissez faire et laissez passer, le monde va de lui même”, algo como “Deixe estar, deixe passar que o mundo
caminha por si só”, era o lema principal da Escola Fisiocrata de Economia Francesa, cujos principais
representantes eram os economistas Jean Claude Vicent de Gournay (1712-1759) e François Quesnais
(1694-1774).
42 Adam Smith (1723-1790), economista escocês, é considerado o principal teórico do Liberalismo

Econômico. No seu livro “A Riqueza das Nações”, Smith defende que os problemas da economia se
resolveriam pela mão invisível do mercado, que atuaria no sentido de ajustá-los.
43 Numa sociedade capitalista, a mais-valia é a diferença entre o valor criado pela produção e o custo da

reprodução da força de trabalho, ou seja, trabalho não pago apropriado pelo capitalista.
44 Die Lage der Arbeitendem Klasse in England foi escrito entre novembro 1844 e março de 1845, tendo sido

publicado pela primeira vez em Leipzig em 1845. Ele relata extensa pesquisa realizada pelo jovem Engels
em sua estadia de 21 meses na Inglaterra, a mando do pai, poderoso industrial têxtil alemão, para trabalhar
numa sucursal de sua indústria em Manchester. Na verdade, a intenção era afastar o jovem filho das más
companhias e da política, porém o resultado foi exatamente o oposto (ENGELS, op. cit.).

56
Habitualmente, as próprias ruas não são planas, nem pavimentadas; são
sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos, nem canais de
escoamento, mas em contrapartida, semeadas de charcos estagnados e
fétidos. Além disso, a ventilação torna-se difícil, pela má e confusa
construção de todo o bairro, e como aqui vivem muitas pessoas em um
pequeno espaço, é fácil imaginar o ar que se respira nestes bairros
operários. [...] As casas habitadas dos porões aos desvãos, são tão sujas
no exterior como no interior e têm tal aspecto que ninguém desejaria
habitar. Mas isto ainda não é nada comparado às habitações nos
corredores e vielas transversais aonde se chega através de passagens
cobertas, e onde a sujeira e a ruína ultrapassam a imaginação (ENGELS,
1985, p. 39).

Engels descreve ainda a superpopulação dessas habitações, onde galinhas, cães,


gatos e até cavalos dormiam no mesmo cômodo em que famílias inteiras comiam,
dormiam e trabalhavam, resultando numa sujeira e cheiro insuportáveis, chegando-se a
densidades de nove pessoas por metro quadrado. Os que não conseguiam nem morar
nessas habitações precárias iam para os albergues noturnos (lodging-houses), onde
dormiam até seis pessoas empilhadas, em lugares onde com frequência havia brigas e
mortes. Por fim, os que não tinham condições nem de pagar os albergues acabavam se
submetendo a morar na rua, sendo sujeitos a todo o tipo de coisa. As gravuras do artista
francês Gustave Doré sobre as áreas pobres de Londres no final do Século XIX retratam
bem essa realidade, conforme figura 2.1.

Figura 2.1: Ilustrações dos cortiços de Londres no Século XIX.

Autor: Gustave Doré, 186945

Contudo, apesar das condições de extrema precariedade dessas cidades, não foram as
necessidades de aumento da reprodução da força de trabalho que originaram as primeiras
reformas e leis urbanísticas, pois a existência de um grande exército de reserva de mão-

45 Ilustrações do álbum “London, a pilgrimage” de Gustave Doré. Disponível em:


<https://www.theguardian.com/cities/gallery/2015/dec/28/london-pilgrimage-gustave-dore-historic-
visions-capital-city>. Acesso em: 4 abr. 2017.

57
de-obra ainda garantia acumulação do capital. O medo dos movimentos revolucionários
influenciados pelas ideias socialistas que começaram a eclodir na Europa em meados do
século XIX associado às doenças infectocontagiosas que esse ambiente ocasionava
resultou na ascensão de governos autoritários e conservadores que abandonaram a
ideologia liberal e passaram a promover um Estado forte e atuante, principalmente na
questão urbana (BENEVOLO, 1999).

No Reino Unido, o governo Conservador do primeiro-ministro britânico Benjamin


Disraeli (1868-1868 e 1874-1880), promulgou uma serie de leis que reforçou o papel do
Estado para regular e atuar nesses problemas46, destacando-se a Lei de Saúde Pública de
1875 (figura 2.2), pela qual as autoridades públicas locais passavam a ser responsáveis
pelo abastecimento de água, drenagem, saneamento, iluminação pública, pavimentação e
controle de salubridade das moradias. Por outro lado, Disraeli aprofundou a expansão do
Imperialismo Britânico, garantindo a supremacia dos interesses comerciais ingleses,
consolidando assim a base econômica que possibilitaria no futuro a montagem do Estado
do Bem-Estar-Social britânico.

Figura 2.2: Cabeçalho da Lei de Saúde Pública Inglesa de 1875.

Fonte: Reino Unido, 187547.

46 Artisanz and Labourers Dwellings Act, 1868 (prevendo a melhoria da moradia operária pelas autoridades
locais), Employers and workmen Act, 1875 (legalizando os sindicatos), Pulbic Health Act, 1875 (concedendo
poderes e deveres às autoridades locais para prever melhorias nos sistemas de abastecimento de água,
drenagem, saneamento, iluminação pública, pavimentação e controle de salubridade das moradias), Factory
Act, 1878 (limitando o trabalho infantil e feminino), Elementary Education Act, 1880 (estabelecendo a
educação infantil compulsória até os 10 anos de idade). Disponíveis em: <http://www.legislation.gov.uk/>.
Acesso em: 7 abr. 2017.
47 Reino Unido. Public Health Act 1875, c. 55. Disponível em:
<http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1875/55/pdfs/ukpga_18750055_en.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2017.

58
Na França, destacou-se a figura do prefeito Georges-Eugène Haussmann (1853-
1870), comissionado por Napoleão III para transformar Paris em uma cidade moderna,
realizando uma série de obras públicas resultando em um modelo seguido por diversas
cidades do mundo48. As obras haussmannianas ocasionaram uma grande transformação na
estrutura urbana de Paris e tiveram como reflexos negativos para as camadas de baixa
renda a forte valorização do mercado imobiliário, ocasionada pela centralização do capital,
triplicando o valor das propriedades (HARVEY, 2003). Para compensar esse fato,
Napoleão III contentou o lumpesinato e a grande massa de camponeses desempregados49
com a criação de empregos na construção civil através das grandes obras de Paris e nas
demais cidades francesas (Marx and Engels Correspondence, 1968)50. Além do que, as
obras procuravam abarcar a cidade inteira ou boa parte dela, não ficando concentradas
apenas nos bairros da elite.

Posteriormente, o instrumental do planejamento urbano foi se desenvolvendo,


sendo adotado por diversas cidades do mundo, inclusive da periferia, atingindo seu ápice
nos “Anos de Ouro do Capitalismo” do Pós-Guerra com a montagem do aparato do
Estado do Bem-Estar Social nos países centrais. Vários países centrais promulgaram leis
que instituíram seus sistemas de planejamento urbano e regional em escala nacional, tais
como: Legge Urbanistica na Itália em 1942, Town and Country Planning Act no Reino Unido
em 1947, Code de l’urbanisme et de l'habitation na França em 1954, Wet op de Ruimtelijke
Ordening na Holanda em 1965.

Esse instrumental baseava-se nas técnicas de previsão de crescimento e


ordenamento urbano e definição das principais intervenções públicas com relação à
provisão de infraestrutura, serviços públicos e de bens de consumo coletivo. A partir de
uma fase de levantamento de dados e definição da problemática, definida como
diagnóstico, elaborava-se um panorama de cenários de desenvolvimento urbano futuro, ou
prognóstico, para, a partir de então, definir as propostas de atuação e intervenção do

48 Entre suas obras, Benevolo (1999) destaca: construção de 165 quilômetros de novas avenidas bulevares e
ruas; instalação de redes de infraestrutura e serviços públicos como água, esgotamento sanitário, iluminação
a gás, transporte público de ônibus puxados a cavalo; construção de equipamentos públicos como escolas,
hospitais, quarteis e parques públicos; reforma da estrutura administrativa da cidade com a anexação das
comunas periféricas à Comuna de Paris.
49 Marx (1956) chama a atenção para o fato de que ambos os Napoleões, tio e sobrinho, terem como uma das

forças sociais de sustentação de seus governos, o campesinato conservador. Napoleão I ganhou a sua
simpatia mediante a criação de um sistema de minifúndios, onde os camponeses se libertaram da servidão da
terra e tornaram-se pequenos proprietários. Trinta anos depois, falidos e com dívidas financeiras, Napoleão
III ganhou a sua simpatia através da incorporação dessa classe como um pequeno proletariado da
construção civil empregado nas obras haussmanianas. As semelhanças entre os governos dos dois napoleões
e as críticas que Marx tinha com relação ao segundo fez com que ele fizesse a famosa citação: “A história se
repete, a primeira vez como farsa, a segunda como tragédia” (MARX, 1956).
50 Carta de Engels para Marx escrita em 15 de agosto de 1870 (Marx and Engels Correspondence, 1968).

59
Estado nos diversos setores relacionados ao espaço urbano, assim como, os meios
jurídicos, financeiros e operacionais para alcança-las.

Essas técnicas utilizavam-se principalmente dos planos diretores com sua previsão
de expansão dos bens e serviços e dos instrumentos de regulação de uso e ocupação do
solo, principalmente através da legislação de zoneamento, como pode ser visto no mapa de
zoneamento do Greater London Plan 1944, na figura 2.3. Essa concepção da ação pública
sobre a cidade pode ser vista nesse período em diversos países centrais, como por
exemplo, nos: Flächennutzungsplan na Alemanha, Plan General de Ordenación Urbana na
Espanha, Master ou Comprehensive Plan nos Estados Unidos, Plan d´Urbanisme Directeur na
França, Piano Regolatore Comunale na Itália, Ruimtelijke Structuurvisie na Holanda e
Development Plans no Reino Unido (CULLINGWORTH e CAVES, 2003; REINO
UNIDO, 1989). No Brasil, os Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado (PDDI)
dos anos 1970 são os melhores exemplos dessa concepção de planejamento, conforme será
visto mais adiante.

Outra questão importante desse tipo de planejamento é que ele era articulado em
diferentes escalas. Os planos locais geralmente estavam subordinados aos planos regionais
e esses aos planos nacionais, ou seja, a definição da política urbana seguia uma direção de
cima para baixo, mostrando a relação de dependência entre as esferas de governo a partir
do governo nacional. Dessa forma, as cidades tinham pouca autonomia e dependiam do
Estado nacional para obtenção de recursos financeiros para seu financiamento.

Logicamente que para o atendimento dessa demanda universal por bens e serviços
era necessário um Estado forte e com capacidade de investimento, baseado nos conceitos
keynesianos. Dessa forma, foi montado todo um aparato técnico e regulatório para
controlar e direcionar o desenvolvimento urbano, contando para isso com vultosos
recursos financeiros advindos do boom econômico do Pós-Guerra.

60
Figura 2.3: Mapa de zoneamento do Plano para a Grande Londres de 1944

Fonte: Abercrombie, 1944. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

Contudo, esse modelo de desenvolvimento só foi possível de ser implantado nos


países centrais, ocorrendo somente um arremedo dele nos países periféricos, em função
das próprias condições de acumulação global desigual, favoráveis aos primeiros em
detrimento dos segundos, conforme explorado no Capítulo 1. Em que pese o fato de as
disputas em torno da produção do espaço terem continuado, a verdade é que nesse período
nos países centrais as condições de reprodução da sociedade como um todo, e da classe
trabalhadora em particular, chegaram a níveis jamais vistos anteriormente.

2.4. A constituição do planejamento urbano em São Paulo


Como país periférico do sistema capitalista, as bases teórica e instrumental do
urbanismo e do planejamento urbano foram introduzidas no país a partir da experiência
dos países centrais.

Nos primeiros séculos do período colonial, o fato do país ter sido colônia
portuguesa, país que entrou em decadência precoce, depauperado em função das
expedições ao Oriente, resultou, por um lado, na mera exploração das riquezas naturais e
por outro, na falta de uma política efetiva de urbanização, ao contrário dos países
colonizados pela Espanha (REIS FILHO, 1968; HOLANDA, 1971; MARX, 1980).

61
Sérgio Buarque de Holanda já havia marcado essa diferença entre a colonização
portuguesa e a espanhola no Capítulo “O Semeador e o Ladrilhador” do livro Raízes do
Brasil, conforme pode ser visto no parágrafo abaixo:

Em nosso próprio continente a colonização espanhola


caracterizou-se largamente pelo que faltou à portuguesa:
por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio
militar, econômico e político da metrópole sobre as terras
conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de
povoação estáveis e bem ordenados (HOLANDA, 1971, p.
62).

Diferentemente das povoações hispano-americanas, que seguiam normas


urbanísticas rígidas codificadas na Lei das Índias51, a maioria das cidades brasileiras do
período colonial cresceram sem nenhum plano ordenador, com poucas exceções, como o
das Cidades Reais, projetadas e custeadas pela Coroa Portuguesa (REIS FILHO, 1968;
MARX, 1980, 1991). Quando muito, seguiam as orientações de desenho urbano de cunho
estético-renascentista da Igreja Católica52.

O estabelecimento da família real portuguesa no Brasil em 1808 e a vinda Missão


Artística Francesa em 1816 modificaram esse panorama com a implantação da Escola
Real de Ciências, Artes e Ofícios53 na cidade do Rio de Janeiro e as diversas obras de
saneamento e urbanização realizadas nessa cidade pelo arquiteto francês Grandjean de
Montigny e seus discípulos. Durante o período imperial destacaram-se as obras de
instalação de infraestrutura e de saneamento, além da promulgação das primeiras normas
urbanísticas nos códigos de postura (JACQUES e PEREIRA, 2007).

Contudo, a atuação do Poder Público municipal sobre a cidade inicia-se a partir da


Proclamação da República, tendo em vista que no período do Império as obras públicas
eram de responsabilidade dos governos central e provinciais (SIMÕES JÚNIOR, 1990).
Influenciados pelos ideais positivistas republicanos, nesse período a atuação das
municipalidades destacou-se pela elaboração de planos de aprimoramento de

51 Especificamente no Libro V – De los Terminos, Division, y Agregacion de la Governaciones. Recopilación


de Leyes de los Reynos de las Indias (LEON PINELO e SOLÓRZANO PEREIRA, 1680).
52 Marx (1991) chama a atenção para a importância das normas eclesiásticas para a ordenação do território

no período da colonização portuguesa, em especial as Consituiçõens Primeyras do Arcebispado da Bahia de


1707, que definiam a organização espacial da igreja e do seu entorno através de normas para sua
implantação, orientação e relação com o casario. De fato o Titulo XVII do Livro IV dessa publicação é
denominado “Da edificação, e reparação das Igrejas Parochiaes”. Nesse título, fica expressa a implantação de
novas igrejas em sítio alto e livre de humidade, distante das casas particulares, para permitir a passagem das
procissões, que cujo âmbito e de seu adro deveriam ser demarcados a mando do arcebispado (IGREJA
CATÓLICA. ARCEBISPADO DA BAHIA. SINODOS, 1707, 1720).
53 Atual Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

62
infraestrutura, de saneamento, de melhoramentos e embelezamento das áreas centrais,
valorizando as áreas ocupadas pelas elites urbanas54 (LEME, 1999; VILLAÇA, 1999).

2.4.1. O surgimento do Urbanismo Paulistano: o Setor de Obras Públicas e o


urbanismo embelezador (final do Século XIX até 1930)

Até meados do Século XIX, a cidade de São Paulo apresentou pouco interesse
econômico para o país, constituindo-se como um núcleo rural, rota de passagem para o
interior, conforme já relatado por diversos autores. Em que pese o fato da criação da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1827 ter ocasionado mudanças
culturais nos hábitos da cidade, a sua condição de isolamento e introspecção só seria
transformada com o ciclo cafeeiro e a decorrente riqueza advinda da produção e
comercialização daquele produto (TOLEDO, 2003).

Assim sendo, até essa época a área urbana ficou restrita à Colina Histórica da
Fundação às margens do Tamanduateí, área alta longe das várzeas insalubres, circundada
por pequenas unidades rurais, paróquias e freguesias intermitentes, conhecidas por
Cinturão Caipira (MORSE, 1970). A cidade se constituía como exemplo típico da
urbanização colonial, com forma irregular e dispersa, adaptando-se à topografia, com ruas
íngremes e tortas, esquinas em ângulos, e as principais vias seguindo os espigões, firmes e
secos, de acordo com a tradição medievo-renascentista portuguesa, como visto na figura
2.4.

Com a transferência da produção cafeeira do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista,


a cidade começou a ganhar importância econômica em meados de século XIX. O alto
crescimento populacional decorrente da imigração europeia e ascensão da burguesia
cafeeira fez com que o capital acumulado da exportação desse produto começasse a ser
investido na urbanização das chácaras adjacentes ao centro histórico da cidade,
ocasionando um processo de expansão urbana, usando a ferrovia como elemento indutor
desse crescimento. É importante notar que com o desenvolvimento econômico, uma maior
divisão do trabalho e a decorrente estratificação social, a segregação espacial começou a
ganhar força no processo de produção da cidade (VILLAÇA, 1998).

54Segundo Leme (1999), esses planos podem ser divididos em três tipos de intervenção: reforma e ampliação
de portos marítimos e fluviais, decorrentes do ajuste da infraestrutura existente às necessidades da
economia agroexportadora de maior escoamento das mercadorias; obras de saneamento em função das
epidemias que assolavam o país, criando a vertente do “Sanitarismo”; melhoramentos de áreas centrais
baseada nas reformas europeias do século XIX, principalmente Paris e Viena, e no movimento “City
Beautifull” americano, propondo sua remodelação e o embelezamento, através da criação de praças e jardins,
abertura de grandes avenidas e construção de prédios públicos (LEME, 1999).

63
Figura 2.4: Vista Geral da Cidade de São Paulo em 1827

Autor: Jean Baptiste Debret, 1827.55

Esse crescimento urbano demandou a implantação de obras infraestrutura,


saneamento e urbanização na cidade de São Paulo, que nesse período foram realizadas
pelo Governo Provincial, destacando-se a figura do presidente João Teodoro (1872-1975)
(FRANCO, 2002).

Após a Proclamação da República, a criação da Intendência de Obras Municipais em


1892 foi o marco do surgimento do urbanismo paulistano (SIMÕES JÚNIOR, 1990).
Entre as suas competências destacavam-se: o mapeamento cadastral da cidade, a abertura
de ruas e sua pavimentação. Em 1900, com a reestruturação do poder público municipal e
a criação do cargo de prefeito, essa intendência, subordinada à câmara municipal é
transformada em Setor de Obras e no ano seguinte em Diretoria de Obras, subordinada ao
prefeito, composta por engenheiros, auxiliares e desenhistas, pela qual “se executam todas
as obras, dão-se alinhamentos, faz-se observar planos, plantas ou padrões de
embellezamento da cidade e povoados, arruamento, caminhos, construções,
ajardinamentos e arborisações” (SÃO PAULO, 1899, art. 6º).

Contudo, nesse primeiro momento, sua atuação foi apenas paliativa, sem nenhuma
visão de planejamento, sugerindo complementações ao sistema viário existente. A partir
da primeira década do século XX, a Diretoria de Obras começa a ter uma postura mais
propositiva, em função da atuação de seus técnicos engenheiros provenientes da Escola

55Acervo da Fundação Maria Luísa e Oscar Americano. Disponível em


<http://portalarquitetonico.com.br/wp-content/uploads/debret-vista-geral-da-cidade-de-sao-
paulo1827.jpg>. Acesso em: 20 ag. 2016.

64
Politécnica56: Victor da Silva Freire, João Ulhôa Cintra e Francisco de Prestes Maia
(SIMÕES JÚNIOR, 1990; LEME, 1991, 1999).

Simões Júnior (1990) destaca a existência de duas correntes de pensamento


urbanístico nessa época: a primeira seria a de negação ao surgimento da cidade industrial,
baseada na valorização da cidade tradicional, e a segunda seria a da adaptação da cidade à
sua nova realidade. Na administração municipal venceu a segunda corrente, sendo que a
questão da circulação viária ganhou destaque, junto com a questão da higiene; da estética
e das edificações; influenciados pelas ideias de urbanistas estrangeiros, principalmente
Eugène Hénard57 e Joseph Stubben58.

As principais obras públicas da época foram realizadas na área central, seguindo os


conceitos urbanísticos dos planos de embelezamento adotados nas cidades dos países
centrais, através da reestruturação viária, com a criação de novas ruas e alargamento das
existentes, construção de praças e de prédios públicos, como a Praça do Patriarca e o
Theatro Municipal. A reestruturação viária reforçou a ligação entre o Centro Velho e as
áreas de expansão da cidade, como o Viaduto do Chá que ligava à área de expansão de
elites. Essa imagem europeizada, que pode ser vista na figura 2.5, foi reforçada pelos
diversos projetos de melhoramentos desenvolvidos no período59 e, principalmente, no
projeto do arquiteto francês Joseph-Antoine Bouvard de remodelação do Vale Anhagabaú,
que resultou na desapropriação dos fundos dos lotes no Vale e remoção de cortiços para a
criação do Parque (SIMÕES JÚNIOR, 2003).

56 A Escola Politécnica é uma escola de engenharia criada pelo Governo do Estado de São Paulo em 1893,
que foi incorporada à Universidade de São Paulo em 1934.
57 Eugène Hénard (1849-1923) – arquiteto e urbanista francês concebeu a Teoria Geral de Circulação na sua

obra Études sur les transformations de Paris. A partir do estudo do sistema viário de Berlim, Moscou e
Londres, Hénard propõe um “perimètre de rayonement” (perímetro de irradiação) cuja função seria desviar
o tráfego do centro de Paris. Posteriormente a mesma ideia será adotada para São Paulo (SIMÕES
JÚNIOR, 1990).
58 Joseph Stubben (1845-1936) – urbanista alemão, idealizador do plano de expansão da cidade de Colônia,

escreveu a obra Der Stadtebau (a construção de cidades) em 1890 onde afirma que “os sistemas de tráfego e o
sentido de seu fluxo formam a base de construção das cidades” (Stubben, 1924, apud. SIMÕES JÚNIOR,
1990, p. 13).
59 Especificamente os projetos do Vereador Silva Telles (1906), da Diretoria de Obras Municipais (1907), do

governo do Estado (1910), de Vitor Freire (1911) e de Joseph Bouvard (1911).

65
Figura 2.5: Parque do Vale do Anhangabaú e Theatro Municipal em 1920

Autor: desconhecido.60

A legislação desse período reforçou a valorização da área central. O Código de


Posturas de 1886, principal legislação existente que versava sobre o urbano, proibia a
instalação de práticas e usos ditos “incômodos”, como, por exemplo, a mendicância, os
matadouros municipais e os cortiços no “perímetro da cidade”, numa tentativa de manter
essa área como exclusiva da elite paulistana (ROLNIK, 1999).

O mesmo efeito teve o Código Sanitário, promulgado pelo Governo do Estado em


1894, que em função da proliferação das epidemias, estabeleceu regras e normas para a
higiene das construções, numa tentativa de coibir a construção de cortiços, que em vista
da imensa massa de trabalhadores que afluía à cidade e a ausência de uma política pública
de provisão de habitação, era a única forma de moradia das classes mais baixas.

Por fim, data dessa época leis que ofereciam benefícios fiscais e terrenos para
construção de moradias operárias fora do perímetro urbano. Rolnik (op. cit.) chama a
atenção para o fato que a legislação dessa época ter sido a principal responsável pela
constituição de um mercado imobiliário dual, valorizando a área central, acessível apenas
para a elite e promovendo a alocação das classes baixas nas periferias, iniciando assim a

60Acervo da SMDU. Disponível em:


<http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/1920/teatro-sao-jose_grande.jpg>. Acesso
em: 20 ag. 2016.

66
processo de urbanização periférico, típico da cidade de São Paulo, que se manteve até os
dias de hoje, conforme visto no Capítulo 1.

2.4.2. A ascensão do Rodoviarismo: o Departamento de Obras como órgão de


planejamento municipal (1930 a 1945).

Com o aumento da influência estadunidense em escala mundial a partir do primeiro


pós-guerra, a circulação urbana ganhou destaque no urbanismo paulistano a partir da
década de 1920, preparando a cidade para o escoamento do principal produto industrial
daquele país: os veículos automotores (automóveis e ônibus). Os planos urbanísticos já
não se concentravam apenas no centro, mas abarcavam o conjunto da área urbana,
propondo a articulação entre os bairros e o centro através da criação de vias de circulação
e de transporte acompanhada pelas primeiras propostas de zoneamento (LEME, 1999).

Nesse período, São Paulo foi se consolidando como maior centro industrial do país,
dando inicio ao seu processo de metropolização (LANGENBUCH, 1971). Na década de
1930, a cidade passou por um grande surto industrial, com o crescimento atingindo
índices médios de 14% ao ano, enquanto que as taxas de crescimento demográfico ficaram
em torno de 5% até a década de 1940, quando a cidade atingiu a população de quase 1,5
milhão de habitantes. Foi a partir desse contexto que ocorreu uma vasta discussão teórica
sobre o urbanismo no meio técnico paulistano, destacando-se as figuras de Anhaia Mello61
e Prestes Maia62. Apesar dos dois terem sido fundadores da Sociedade dos Amigos da
Cidade em 1935, que reivindicava a elaboração do Plano da Cidade, as posturas
profissionais e o modelo de cidade defendido por cada um eram muito diferentes,
tornando-se cada vez mais distantes com o passar do tempo (LEME, 1999).

Anhaia Mello apresentava uma postura antimetropolitana, defendendo o limite ao


crescimento urbano através de regras rígidas de controle ao uso e ocupação do solo

61 Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello (1891-1974) foi engenheiro-arquiteto formado pela Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo. Tendo trabalhado no Escritório Ramos de Azevedo, entre outros,
iniciou cedo sua carreira como professor da disciplina de Urbanismo daquela escola. Posteriormente, ajudou
a fundar e foi diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em 1948,
onde organizou o Centro de Estudos Urbanísticos (CEPEU), responsável por planos para várias cidades e
regiões do Estado de São Paulo. Foi prefeito da cidade de São Paulo por dois curtos períodos entre 1930 e
1931 (LEME, 1999).
62 Francisco Prestes Maia (1896-1965) foi engenheiro-arquiteto formado pela Escola Politécnica da

Universidade de São Paulo. Seguiu carreira como engenheiro da Prefeitura do Município de São Paulo,
vinculado ao Departamento de Obras Públicas, onde em 1930 apresentou o “Estudo de um Plano de Avenidas
para a Cidade de São Paulo”. Foi prefeito de São Paulo por três períodos (1938-1941; 1941-1945 e 1961-
1965), tendo sido indicado nos dois primeiros e eleito no último. Com prefeito, empenhou-se em implantar
as propostas daquele plano, tendo sido responsável pela construção de várias avenidas estruturais da cidade
(LEME, 1999).

67
(OSELLO, 1983). Em seu estudo, denominado Elementos Básicos para o Planejamento
Regional de São Paulo, propunha a criação de um sistema de planejamento nas três esferas
de poder – federal, estadual e municipal – o qual, através da articulação desses níveis,
deveria promover uma distribuição mais equânime de atividades econômicas e da
população pelo país. Na escala do município, defendia a adoção do zoning, instrumento
urbanístico já muito difundido nos Estados Unidos desde a década de 1920, para regular o
uso e ocupação do solo.

Já Prestes Maia, em seu Estudo de um Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo,
desenvolvido dentro do Departamento de Obras da Prefeitura, apresentava também
influências do urbanismo estadunidense e de sua preocupação crescente com o uso dos
automóveis, o fluxo de seu tráfego, vazão e velocidade, propondo uma estrutura de
circulação baseada em um modelo radio-concêntrico (LEME, 1991), conforme Figura 2.6.
O plano aproveitava-se da proposta de retificação dos rios paulistanos em curso para
melhorar o escoamento das águas63 para servir de calha para a implantação das avenidas
propostas. Dessa forma, além de dar maior vazão para as águas, as margens retificadas
seriam a localização preferencial de várias das avenidas propostas, o que viria a ocasionar
grandes problemas ambientais no futuro (RIPOLI, 2016).

Na mesma época, a empresa anglo-canadense Light64, que além de fornecedora de


energia elétrica detinha o monopólio do transporte coletivo através dos bondes, propôs o
Plano de Remodelação do Sistema de Transportes Públicos, onde constava a proposta de
implantação de novas linhas expressas e a posterior substituição dos bondes pelo metrô
(OSELLO, 1986). Até então o bonde configurava-se como o principal meio de transporte
coletivo, pois a cidade possuía uma rede com 258 quilômetros de extensão e 550 carros
(LEÃO, 1945).

63 Os planos de retificação dos rios paulistanos estavam relacionados aos problemas de saúde ocasionados
pela falta de escoamento de suas águas: no verão as várzeas inundavam em função das chuvas torrenciais,
proporcionando doenças transmitidas por agentes vetores que habitam as águas paradas, como a dengue; no
inverno a falta de chuva ocasionava a concentração de esgotos em seus leitos, ocasionando odores que
afetavam a cidade toda (BRITO, 1926).
64 São Paulo Tramway, Light & Power Company foi uma companhia de fornecimento de energia elétrica,

transportes públicos e urbanização da cidade de São Paulo fundada em Toronto em 1899. A partir de 1912,
junto com a Light carioca passou a ser controlada pela corporação Brazilian Traction Light and Power Co.
Ltd, passando a se chamar Brascan em 1956. Nos anos 1980, com o final da concessão pública do
fornecimento de energia, o braço paulista da Light foi adquirido pelo governo do Estado, sendo
transformada na Eletropaulo. Em função da sua atuação em diversas áreas, o poder da companhia no
processo de urbanização paulistano foi tanto que ela foi denominada de o “polvo canadense”. Seabra (1987)
chama a atenção para o fato dela ter se tornado a maior proprietária de terras no vale do Pinheiros em
função do contrato de concessão do serviço de energia elétrica, que previa que as terras da várzea inundável
do rio pertenceriam a ela após o serviço de sua retificação, valendo–se inclusive de práticas criminosas, como
abertura da comporta da Represa de Guarapiranga na grande enchente de 1929, para aumentar a área
considerada como várzea.

68
Figura 2.6: Esquema teórico do Plano de Avenidas

Fonte: Maia, 1930. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

A concorrência ocasionada pelo início do serviço de ônibus a diesel em 1925 e o


congelamento das tarifas de bonde estabelecido em contrato levaram a Light a propor
esse plano. Ocorreu então um embate entre essa proposta e o Plano de Avenidas, e a
Prefeitura acabou optando pelo segundo, consolidando a visão rodoviarista do
Departamento de Obras, demonstrando a transferência da hegemonia política e cultural
britânica para a estadunidense. A Light acabou se desinteressando pela gestão do sistema
de bondes, passando o serviço para a municipalidade em 1946, que o finalizou em 1968
(OSELLO, 1986). Prestes Maia posteriormente foi prefeito indicado da cidade de São
Paulo no período do Estado Novo (de 1938 a 1945), quando implementou parte das ideias
contidas nesse plano, iniciando as obras de retificação do rio Tietê e as desapropriações
necessárias para a execução de sua avenida marginal e a construção de diversas avenidas
radiais (LEME, 1999).

Essas obras, principalmente as radiais, incentivaram a expansão cidade, com a


proliferação dos loteamentos, e valorizaram sobremaneira o Centro, intensificando o
processo de expansão periférica das classes baixas e de verticalização/valorização da área
central. Segundo Rolnik, Kowarick e Somekh (1990), a média do coeficiente de

69
aproveitamento65 variava entre 8 a 10 vezes a área do terreno, chegando a casos extremos
de 22 vezes, como no Edifício Itália com os seus 45 pavimentos. A partir da década de
1940, a verticalização assume caráter residencial e passa a ocupar bairros próximos ao
Centro, como Campos Elíseos e Higienópolis, enquanto que no Centro predominava a
verticalização comercial.

Com intuito de controlar a verticalização, a Prefeitura promulgou a Lei nº 2.332


de1920 estabelecendo o “Padrão Municipal” na zona central, definindo que a altura dos
edifícios poderia variar de 2 a 3 vezes a largura da rua, sendo que nas demais zonas só
poderia chegar a 1,5 vezes (SÃO PAULO, 1920). Posteriormente essas medidas de
controle da altura das edificações vão ser incorporadas no primeiro Código de Obras
Municipal Arthur Saboya, promulgado na Lei nº 3.427 de 1929, mas permitindo exceções,
através do estimulo à verticalização no Centro Velho, com gabaritos de 80 metros de
altura e restringindo no Centro Novo a 50 metros (SÃO PAULO, 1929).

Nesse período são promulgadas também as primeiras leis de uso e ocupação dos
bairros exclusivamente residenciais da elite paulistana, garantindo não apenas a
exclusividade funcional, mas também a segregação social desses bairros. Estes surgiram
da atuação da Companhia City66, companhia de urbanização inglesa, que, baseada no
modelo da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard, começou a atuar no loteamento de
diversos bairros-jardins na zona oeste da cidade de São Paulo (o Quadrante Sudoeste de
Villaça), com projeto dos urbanistas ingleses Barry Parker e Raymond Unwin, discípulos
de Howard e sócios da empresa. Os loteamentos da Companhia City em conjunto com a
atuação na desapropriação, retificação e urbanização das várzeas do rio Pinheiros pela
Light foram responsáveis pela ocupação dessa área pela elite paulistana, sua valorização
econômica e simbólica, tornando-se sempre o alvo preferencial de políticas urbanas
municipais, quer seja pela regulação de seu uso e ocupação exclusivo, quer seja pelas obras
de estruturação viária e construção de equipamentos públicos (NOBRE, 2000).

65 Coeficiente de aproveitamento é um índice urbanístico obtido pela divisão da área construída computável
sobre a área do terreno. Desde 1957 é o principal instrumento de controle do tamanho das edificações em
São Paulo.
66 City of São Paulo Improvements & Freehold Land Co. Ltd. foi fundada em Londres em 1911, começando a

atuar em São Paulo no ano seguinte. A influência do conceito de Cidade-Jardim de Ebenezer Howard pode
ser visto no traçado viário orgânico, lotes de grandes dimensões com edificação ocupando apenas uma parte
deste, predomínio de jardins e arborização viária. Em 1915, a companhia comprou vastas áreas de terra no
setor oeste da cidade e começou o loteamento do Jardim América, um milhão de metros quadrados de
bairro-jardim para a classe de alta renda nos baixos terraços fluviais do rio Pinheiros (NOBRE, 2000).

70
2.5 A caminho do Plano: a reestruturação da Secretaria de Obras e a
influência dos consultores estrangeiros (1945 a 1967)
2.5.1. A reestruturação da Secretaria de Obras

Nas décadas de 1940 e 1950 consolidou-se o processo de metropolização da São


Paulo através de sua conurbação com os municípios vizinhos. A adoção de políticas
“desenvolvimentistas” vai aumentar ainda mais a concentração industrial na região, que,
associada à seca no Nordeste e à migração interna vão tornar São Paulo e os municípios
no entorno um dos principais destinos de milhões de brasileiros. A construção das
autoestradas entre 1947-1951 (Anchieta, Anhanguera e Dutra) teve um papel destacado
no desenvolvimento metropolitano, estruturando a formação dos municípios industriais
do ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano) a Sudeste, e Guarulhos a Nordeste
(LANGENBUCH, 1971).

A discussão teórica iniciada no período anterior vai se intensificar, resultando no


crescimento da importância do campo disciplinar e teórico do urbanismo, fato esse
demonstrado pela fundação da seção paulista do IAB em 1943 e da fundação da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo67 em 1948. Nessa época, os
principais temas em discussão foram o plano diretor da cidade e a construção do metrô,
que apesar de não serem novos, ganharam grande importância teórica no período
(OSELLO, 1983).

O crescimento urbano acelerado e desordenado pelo qual a cidade passava nesse


período resultou na formação de uma vasta periferia desprovida de infraestrutura,
equipamentos urbanos e serviços básicos. Em função desse crescimento e precariedade,
proliferavam nos bairros populares movimentos de moradores que demandavam pela
melhoria da qualidade de vida no transporte, iluminação pública, pavimentação e
saneamento básico, com o surgimento das Sociedades de Amigos de Bairro (SAB)
(GOHN, 1982).

Em função desse crescimento, a Prefeitura de São Paulo passou por uma grande
reestruturação administrativa com a ampliação de sua estrutura funcional, através da
transformação dos departamentos em secretarias (SÃO PAULO, 1945). Essa

67A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) foi fundada em 1948,
tendo se originado do antigo curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica da mesma universidade.
Seu fundador e primeiro diretor foi o Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello, responsável pela formação
urbanística no antigo curso e principal organizador dos conteúdos específicos da nova faculdade,
combinando disciplinas técnicas originais do antigo, com elementos do currículo da Escola Nacional de
Belas Artes. Disponível em: <http://www.fau.usp.br/a-fau/>. Acesso em 11 Julho 2018.

71
reestruturação foi necessária para que a estrutura administrativa se adequasse à nova
realidade metropolitana, mas, também, às necessidades decorrentes da autonomia política
que os municípios viriam a conquistar com o fim da ditadura do Estado Novo, autonomia
essa, consagrada na Constituição Federal de 1946. Nessa reestruturação, as questões
sociais e urbanísticas ganharam destaque, conforme pode ser visto no caput do Decreto-
Lei nº 333, de 27 de dezembro de 1945, que promoveu essa reorganização:

“[...] Considerando que a atual organização da Prefeitura de há muito se


vem revelando inadequada para atender com a necessária segurança e
amplitude aos magnos e complexos problemas do nosso Município;
Considerando realmente que o crescimento extraordinário da
metrópole e a complexidade dos interesses econômicos e sociais que a
envolvem, criando e desenvolvendo variadas necessidades de ordem
urbanística e social, está a exigir, a exemplo do que ocorre nas grandes
capitais, um grau mais avançado e superior de seu aparelhamento
diretor, por forma a alçá-lo ao nível de suas responsabilidades
administrativas e das prerrogativas políticas que a restruturação
legal do país se propõe a devolver aos Municípios, notadamente das
capitais, na preservação de sua autonomia e prestígio; Considerando que
só um regime de descentralização administrativa, permitindo melhor
especialização de funções e ao mesmo tempo liberando autoridade
superior para sua verdadeira função coordenadora e diretiva, seria capaz
de assegurar ao executivo municipal as condições que necessita para
realização de largos programas administrativos, com equilibrada e
harmoniosa satisfação de todas as necessidades sociais e
urbanísticas, sem o risco da prevalência de umas sobre as outras
especialidades funcionais; Considerando que nessas condições não seria
lícito ao Poder Público recusar-se ao atendimento de interesses de tal
ordem, sob o pretexto ou infundado receio de um acréscimo de despesas,
especialmente quando – como é o caso – se procure adotar uma fórmula
prudente de reorganização, enquadrada em reduzidos encargos
financeiros; Considerando, ainda, que dentro desse pensamento de
descentralização, especialização e melhor definição de responsabilidades,
cumpre também agrupar os serviços que sejam afins ou correlacionados,
por forma a se garantir a necessária eficiência e unidade de ação; Decreta
[...]” (SÃO PAULO, 1945, Caput do Decreto-Lei, negrito nosso).

Dessa forma, foi criada a Secretaria de Obras e Serviços em 1945, reorganizada em


1947, através do Decreto-Lei nº 431, onde a questão do urbanismo e do planejamento da
cidade ganhou importância com a formação do Departamento de Urbanismo e da
Comissão do Plano da Cidade, juntamente com os Departamentos de: Obras Públicas; de
Serviços Municipais; de Arquitetura; e de Cadastro, Avaliações e Taxas de Melhorias;
além da Gerência do Serviço Funerário, e da Comissão de Estética.

Conforme esse decreto, competia ao Departamento de Urbanismo as providências


necessárias à elaboração, realização e defesa do Plano da Cidade, sendo constituída das
divisões: a) de Pesquisas, Regulamentação e Divulgação; b) de Planejamento Geral; c) do

72
Desenvolvimento do Plano; além dos serviços de: a) Biblioteca e Arquivo; b) Pesquisas
Urbanas; e c) Técnico (SÃO PAULO, 1947).

Já a Comissão Orientadora do Plano da Cidade era o órgão incumbido de avaliar os


projetos relativos ao Plano da Cidade e os problemas relacionados com a execução dos
serviços de utilidade pública, podendo, também, apresentar sugestões para a realização e
solução de problemas gerais de urbanismo, sendo composta pelo Secretário de Obras;
Diretores dos Departamentos de Arquitetura, de Urbanismo e de Cadastro, Avaliações e
Taxa de Melhoria; um Professor de Arquitetura e um de Urbanismo, indicados pela
Universidade de São Paulo; um Professor de Arquitetura e um de Urbanismo, indicados
pelo Instituto Mackenzie; dois Vereadores, indicados pelo Legislativo Municipal; um
representante de entidades da sociedade civil do comércio e das indústrias; do Instituto de
Engenharia; da Sociedade Amigos da Cidade; do Instituto dos Arquitetos e da Associação
Paulista de Imprensa.

Em função da importância que a questão urbana vinha tomando tendo em vista


todos os problemas advindos com a metropolização, a Prefeitura de São Paulo contratou
na época dois estudos de consultores estrangeiros de tendências opostas, com o intuito de
fornecer subsídios para a elaboração do plano da cidade, que viriam a ter grande influência
nas correntes de técnicos formuladores das políticas públicas em São Paulo: o do
consultor estadunidense Robert Moses e o do padre e sociólogo francês Louis-Joseph
Lebret.

2.5.2. Robert Moses e o Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo

Quando foi contratado pela Prefeitura de São Paulo, Robert Moses já era um
homem público bastante conhecido nos Estados Unidos e internacionalmente em função
de sua atuação na transformação da cidade de Nova Iorque, sendo considerado o
“Haussmann” nova iorquino68. Utilizando-se de verbas federais previstas na Lei Federal
de Habitação de 1949 (Federal Housing Act), promoveu uma serie de obras de remoção de
cortiços e de renovação urbana, através da construção de vias-parque (avenidas expressas

68Robert Moses (1888-1981) foi um homem público estadunidense que de 1924 a 1968 assumiu diversas
funções públicas na cidade e no estado de Nova Iorque, entre elas Coordenador de Obras, Membro da
Comissão de Planejamento (New York City Planning Comission) e da Comissão de Trânsito (New York City
Traffic Comission), presidente do Comitê de Remoção de Cortiços (Committee on Slum Clearance Plans), todos
da cidade de Nova Iorque, presidente da Agência da Ponte e Túnel Triborough (Triborough Bridge and
Tunnel Authority), do Conselho de Parques do Estado de Nova Iorque (New York State Park Council), da
Comissão dos parques de Long Island, Jones Beach e Bethpage. Além disso, trabalhou como consultor de
obras públicas para o Governo Federal dos EUA e para as cidades de Baltimore, Caracas, Chicago,
Pittsburgh, Portland, Nova Orleans e São Paulo (MOSES, 1950).

73
ladeadas por áreas verdes), parques e conjuntos habitacionais, que transformaram por
completo a cidade69. Em função do impacto dessas obras, viria a ser bastante criticado, por
ter aberto frente para a especulação imobiliária, destruindo bairros consolidados e
expulsando a população pobre negra, sendo, portanto, combatido por ativistas como
Robert Caro e Jane Jacobs70.

Moses já era conhecido também do Poder Público paulistano em função de ter


prestado serviços de consultoria à Light para a destinação das terras no vale do Pinheiros,
tendo estabelecido contato com industriais paulistas71 (LEME, 2014). Em 1950 foi
contratado pela Prefeitura de São Paulo para coordenar uma equipe de técnicos
estadunidenses na elaboração do Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo. O
contrato ocorreu através da International Basic Economy Corporation (IBEC), empresa
fundada pelo empresário e político Nelson Rockfeller com objetivo de fomentar a criação
de negócios competitivos em países em desenvolvimento e aumentar a influência
ideológica estadunidense.

O programa consistia de oito partes: planejamento e levantamento cartográfico;


zoneamento; transporte coletivo; rodovias arteriais e trânsito; retificação e urbanização
dos vales dos rios Pinheiros e Tietê; parques e praças de recreio; abastecimento de água,
rede de esgotos e eliminação de lixo; e financiamento (MOSES, 1950).

Na primeira parte, recomendava o levantamento cartográfico aéreo de toda a cidade


na escala 1:2.000 para elaboração da Planta Oficial da Cidade, com os alinhamentos de
ruas atuais e projetados, a fim de padroniza-las e facilitar futuras pavimentações e
expansão dos sistemas de águas pluviais e esgotos. A proposta de zoneamento, baseado
nos princípios do zoning estadunidense, definia nove zonas de uso (duas comerciais, duas

69 Destacam-se a ampliação dos parques para um milhão de hectares, 658 playgrounds, 670 quilômetros de
vias expressas, treze pontes, 150 mil unidades habitacionais no valor 150 bilhões de dólares de 2007
(GLAESER, 2007). Essas intervenções estavam relacionadas a uma visão integral e racionalista da cidade,
ao discurso do estado forte pós New Deal e a atuação de órgãos públicos de provisão de equipamentos e bens
de consumo coletivo, como o NYCHA (New York City Housing Authority), autarquia habitacional da cidade
de Nova Iorque, que se aproveitou das obras de Moses para a provisão de 150 mil unidades de habitação
pública.
70 Os impactos sociais dos projetos de renovação urbana e das obras de Moses foram tão negativos que essa

política acabou sendo conhecida por “federal bulldozer”, algo como “o trator federal”. Grupos sociais
excluídos, principalmente da comunidade negra, foram os mais afetados a ponto de a renovação urbana ter
sido equiparada à remoção dessa comunidade (“urban renewal means negro removal”, conforme frase de James
Baldwin, famoso romancista, dramaturgo, poeta e ativista negro da época). Relatos da atuação de Moses e
dos processos de renovação urbana ocorridos nos Estados Unidos nessa época podem ser vistos nos livros
de Anderson (1964) e Caro (1975).
71 Maria Cristina Leme (2014) ressalta a relação de Moses principalmente com o empresário Henrique

Dumont Villares, industrial paulistano e proprietário de 360 hectares na várzea do rio Pinheiros. Por outro
lado, Moses através da IBEC prestou consultoria à Light, que, em função da retificação do rio, virou
proprietária de 2.078 hectares ao longo de sua várzea, dos quais 1.676 eram de reserva fundiária, pois não
tinham uso funcional para a companhia.

74
industriais, quatros residenciais, sendo duas exclusivas e uma especial). A proposta de
implantação de criação de parques e praças de recreio previa a construção de vinte campos
locais, cinquenta parques de bairro e alguns regionais localizados nas várzeas dos dois
rios. Do ponto de vista dos serviços urbanos propunha a extensão da rede de água potável
e de coleta de esgoto para toda a cidade, a construção de cinco estações de tratamento de
efluentes e de incineradores de lixo.

Contudo, o forte do programa era o modelo urbano proposto, com grande influência
do rodoviarismo praticado por ele, baseado em um sistema de vias expressas radiais,
ligando o centro aos subúrbios e um anel viário acompanhando os vales do Tietê e
Pinheiros, dando acesso às autoestradas recém-construídas, conforme figura 2.7.

Figura 2.7: Modelo urbano do Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo.

Fonte: Moses, 1950. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

Nesse aspecto os vales, que na proposta deveriam ser drenados, urbanizados e


comercializados, ganhavam importância para a expansão futura da cidade, atendendo aos
interesses das grandes empresas proprietárias dessas áreas, principalmente a Light e a
Companhia City. A proposta das vias expressas era baseada no racional do aumento do
automóvel como principal meio de transporte, fruto da influência cultural hegemônica
estadunidense do período, conforme abaixo:
É razoável presumir-se que o número de carros particulares, que
duplicou nos últimos dez anos, aumentará ainda mais rapidamente com a
expansão industrial do Brasil. E a popularização do automóvel trará,
decerto, vultoso aumento de trânsito (MOSES, 1950, p. 22).

75
Do ponto de vista do transporte coletivo, propôs a compra de 500 ônibus grandes a
diesel, que substituiriam os bondes, e que correriam por canaletas exclusivas expressas no
centro das principais vias arteriais propostas.

Dessa forma a problemática advinda do processo de metropolização ficava restrita


às questões técnicas de mobilidade, de infraestruturas e dos serviços urbanos,
desconsiderando os reais problemas sociais da cidade advindo da metropolização e
industrialização periférica. Essa visão de expert externo desvinculado da realidade local é
confirmada pelo fato de Moses ter permanecido na cidade por apenas vinte dias durante a
elaboração do trabalho, conforme Leme (2014).

O custo estimado de implantação de todos esses melhoramentos foi estimado em 2,8


bilhões de cruzeiros (equivalente a 1,1 bilhão de reais em maio de 201872). Para custeio
desse montante o estudo propunha a utilização de diversas taxas, impostos e fundos
existentes e a serem criados e cogitava inclusive a venda das terras urbanizadas dos vales
dos rios como forma de ressarcimento desses custos, conforme pode ser visto em
passagem transcrita abaixo sobre o vale do Tietê:

Se, da área de 4.000.000 de metros quadrados, a cidade melhorar


propriamente 2.000.000 e depois revendê-los, levantará um capital
suficiente para cobrir o que gastou na aquisição de toda a área e o custo
de melhoramentos do parque e das terras que se destinem a particulares
(MOSES, 1950, p. 52).

Por fim, outra questão importante desse trabalho foi a influência de suas ideias e
técnicas no corpo de engenheiros municipais, principalmente da Secretária de Obras. A
visita deles à Nova Iorque como parte do programa e o contato que desenvolveram com
Moses influenciariam trabalhos futuros, destacando-se a figura do engenheiro Luís Carlos
Berrini Júnior, do Departamento de Urbanismo73.

72Atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe de novembro de 1950 a
maio de 2018, conforme o site Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.do?method=corrigirPorIndice>.
Acesso em: 15 jun. 2018.
73 Os demais três técnicos foram os engenheiros Mário Lopes Leão, do Departamento de Serviços

Municipais, Paulo Sampaio Wilkens, do Departamento de Obras Públicas (Águas Pluviais) e José Celestino
Bourrol do Departamento de Obras Públicas, Divisão de Pavimentação.

76
2.5.3. Louis-Joseph Lebret e o trabalho da SAGMACS

O padre dominicano francês Louis-Joseph Lebret74 também foi outro pesquisador


estrangeiro que influiu fortemente na constituição do planejamento urbano paulistano.
Foi fundador do movimento Économie et Humanisme, que, a partir da doutrina da
Economia Humana, procurava promover o desenvolvimento econômico e social baseado
nos preceitos católicos, como contraponto ao capitalismo e ao comunismo, visto o grande
embate ideológico que ocorria em função da Guerra Fria (LAMPARELLI, 2000). Esse
posicionamento político foi característico das correntes francesa e brasileira da Igreja
Católica nesse período.

Lebret veio ao Brasil pela primeira vez em 1947 a fim de ministrar um curso sobre a
Economia Humana na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, frequentado por
intelectuais ligados aos movimentos de esquerda da Igreja Católica, principalmente a
Ação Católica. A partir daí desenvolveu várias pesquisas e trabalhos em São Paulo,
fundando para tanto a Sociedade de Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos
Complexos Sociais75 (SAGMACS), corpo de pesquisadores engajados cujo objetivo era
assessorar aos agentes públicos, privados ou comunitários com pesquisas e planos de ação
voltados para o então denominado desenvolvimento.

Em 1956 o médico Vladimir Toledo Piza, vice-prefeito que assumiu a Prefeitura da


cidade de São Paulo para o final de mandato, no período 1956 a 1957 após a renúncia do
titular, contratou a SAGMACS para desenvolver pesquisa sobre as condições econômicas,
sociais e demográficas da cidade (Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana). Em
função da reação que havia dentro da prefeitura a esse tipo de estudo de cunho mais social,

74 Louis-Joseph Lebret (1897-1966) foi um padre dominicano francês. Após a sua formação teológica,
iniciou uma serie de ações sociais baseadas nos métodos de enquetes-participativas e de pesquisa-ação. Em
1941, criou o movimento Economia e Humanismo a partir da doutrina católica, que tinha como objetivo
estudar as realidades humanas e sociais, com a intenção de “colocar a economia a serviço do homem”, como
contraponto ao capitalismo e comunismo. Propôs junto com François Perroux uma nova prática de
planejamento do território a partir desses princípios. Lebret desenvolveu trabalhos em vários países
periféricos, tais como Brasil, Chile, Colômbia, Líbano, Peru, Senegal, Uruguai, Venezuela e Vietnã do Sul.
Esta vocação internacional levou-o a fundar o IRFED (Institut Internationale de Récherche, Formation,
Education et Developpement - Instituto Internacional de Pesquisa, Formação, Educação e Desenvolvimento)
em 1958. Foi o principal inspirador da Encíclica Populorum Progressio (Desenvolvimento dos Povos), tendo
sido o primeiro representante da Santa Sé na UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento) em 1965 (L’ASSOCIATION DÉVELOPPEMENT ET CIVILISATIONS LEBRET-
IRFED, 2009).
75 A Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (SAGMACS) foi uma

instituição de pesquisa em planejamento urbano fundada por Lebret em 1947 com destacada atuação no
Brasil durante os anos de 1950. Lebret atuou na formação de um corpo de profissionais brasileiros das mais
diversas áreas, dentre as quais arquitetos, urbanistas, engenheiros, geógrafos, cientistas sociais, sociólogos,
através de cursos e palestras no Brasil e dos trabalhos desenvolvidos pela instituição que resultou na
fundação do Institut de Recherche et de Formation en vue du Développement Harmonisé (IRFED) na França em
1958 .

77
a coordenação coube a Mário Laranjeira Mendonça, engenheiro politécnico proveniente
da Juventude Universitária Católica (JUC) (LAMPARELLI, 2000).

A pesquisa da SAGMACS resultou em um extenso trabalho de levantamento e


análise das condições de vida da aglomeração metropolitana paulistana, sendo o primeiro
trabalho de peso a identificar a problemática social e as condições reais de vida precária da
população de baixa renda. O trabalho desenvolveu-se em três partes (SAGMACS, 1958):
Perspectivas históricas, demográficas e econômicas da aglomeração paulistana; Estrutura
Urbana de São Paulo (aspectos sociológicos da aglomeração paulistana e análise
urbanística); Conclusões e sugestões.

Na análise urbanística, o trabalho analisou a situação urbana naquele momento,


definindo o nível de atendimento de serviços básicos e equipamentos urbanos que cada
unidade territorial apresentava. Analisou também o nível de precariedade habitacional,
identificando tipos de habitação preponderantes por unidade territorial e avaliando o nível
de satisfação em critérios de equipamentos (água, saneamento, luz, gás encanado e
telefone), ocupação (número de famílias por habitação, ocupação superior a cinco metros
quadrados por pessoa) e qualidade da construção (presença de piso, janelas e banheiros).
Essas análises ficaram famosas por gerar os gráficos de “margarida”, gráficos circulares
em que cada “pétala” representava um item e quanto mais e maiores as pétalas, menor o
nível de precariedade e vice-versa, conforme pode ser visto na figura 2.8, para as unidades
Centro (esquerda) e Itaquera (direita).

Figura 2.8: Gráficos de “margarida” do estudo Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana

Fonte: SAGMACS, 1958. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

Diagnosticando que a periferia pobre era desprovida de infraestrutura, serviços


urbanos e equipamentos comunitários em função dos constantes investimentos na área

78
central valorizada da cidade, demandados pela especulação imobiliária, o trabalho
propunha uma serie de diretrizes para serem incorporadas por um plano diretor de
crescimento da cidade, enfatizando as intervenções urbanas descentralizadoras,
reforçando os centros e subcentros regionais, através de um processo de descentralização
administrativa e a instalação de infraestrutura e equipamentos urbanos, que reforçariam o
papel de centralidade dessas áreas, transformando os bairros-dormitório periféricos em
unidades de planejamento semiautônomas. Toledo Piza acolheu parte das conclusões do
trabalho, e, atendendo às pressões das SAB, investiu na descentralização administrativa,
através da criação de Conselhos Distritais e na promulgação de um decreto que criava
vinte subprefeituras, que, contudo foi derrubado pela Câmara de Vereadores (SÃO
PAULO, 1992a).

Esse trabalho foi um marco importante na história do planejamento urbano


paulistano, influenciando sobremaneira a geração seguinte de arquitetos e urbanistas
(OSELLO, 1986; LEME, 1999A; ANTONUCCI, 2002b). Apesar de o contrato ter sido
cancelado pelo próximo prefeito, Adhemar de Barros (1957-1961), a influência do trabalho
da SAGMACS se faria sentir por vários anos, sobretudo pela atuação de vários técnicos
que sob a coordenação de Celso Monteiro Lamparelli participaram desse estudo e que
teriam influência nas discussões sobre o futuro planejamento da cidade, destacando-se:
Antônio Cláudio Moreira Lima e Moreira, Clementina de Ambrósis, Domingos Theodoro
de Azevedo Neto, Francisco Whitaker Ferreira, Luiz Carlos Costa e Marco Antônio
Mastrobuono.

2.5.4. O Plano de Adhemar de Barros e o desenvolvimento do zoneamento

Apesar do pouco resultado prático, essas consultorias influenciariam sobremaneira o


pensamento urbanístico paulistano em duas linhas, sendo que a primeira reforçava a visão
rodoviarista do planejamento associada ao zoneamento e a segunda trazia o componente
social. As duas visões acabaram sendo incorporadas, ao menos do ponto de vista do
discurso, em um documento do Departamento de Urbanismo da Secretaria de Obras,
intitulado Planejamento, que trazia uma proposta de plano diretor baseado em três pontos:
planejamento da circulação e do transporte, legislação de uso e ocupação do solo e
reorganização e desconcentração dos serviços municipais (SÃO PAULO, 1961).

A proposta para o sistema viário se baseava no conceito de vias expressas radiais e


perimetrais, retomando o modelo radio-concêntrico dos planos de Avenidas e de

79
Melhoramentos, e em um sistema de centralidades, com a zona central da cidade e os
centros das unidades urbanas, cujo objetivo era promover a desconcentração dos serviços
municipais, conforme figura 2.9.

Contudo, do ponto de vista prático, o rodoviarismo e o zoneamento ganhavam mais


força dentro da prefeitura. Por um lado, o documento trazia uma série de leis e decretos
com propostas de criação de novas vias e melhorias viárias, que já estavam sendo ou
viriam a ser implantadas em breve, entre as quais: abertura da Avenida 23 de maio,
alargamento da Avenida Marginal do rio Pinheiros, passagem subterrânea na Rua da
Consolação com a construção da Praça Roosevelt, criando a ligação com a futura Avenida
Perimetral.

Figura 2.9: Síntese Geral do Plano Diretor de 1961

Fonte: São Paulo, 1961. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

Lagonegro (2003) atribui esse reforço ao rodoviarismo a dois fatores: em primeiro


lugar, a política de aproximação com o governo dos Estados Unidos76, iniciada com o
advento da II Guerra Mundial e intensificada pela Guerra Fria; em segundo lugar a
instalação da indústria automotiva na Região Metropolitana de São Paulo.

Por outro lado, fundamentado no discurso de controle à especulação imobiliária, o


zoneamento também ganhava força. Baseada nas conclusões do relatório SAGMACS de

76 É importante notar que o rodoviarismo, enquanto política pública foi peça fundamental para a expansão
econômica estadunidense do período, visto que a indústria automotiva passou a ter um peso considerável na
sua produção industrial. A valorização do automóvel como bem de consumo de primeira necessidade e a
consolidação dessas políticas públicas para esse meio de transporte, através da construção de inúmeras vias
expressas, possibilitaram a expansão suburbana estadunidense, consolidando o modelo urbano baseado no
trinômio automóvel–via expressa–subúrbio residencial, garantindo os lucros da indústria automotiva e do
capital imobiliário (NOBRE, 2010a).

80
que a falta de investimentos na periferia estava relacionada aos investimentos constantes
na área central para mitigar os problemas advindos da verticalização, a municipalidade
promulgou a Lei nº 5.261 de 1957, que estabeleceu pela primeira vez os coeficientes
máximos de aproveitamento na cidade em seis (edifícios comerciais) e quatro (edifícios
residenciais) vezes a área do terreno na Cidade (SÃO PAULO, 1957).

Feldman (2005) chamou a atenção para o fato de que essa lei em conjunto com as
leis que estipulava o zoneamento industrial (Lei nº 4.805 de 1955) e as que definiam os
bairros exclusivamente residenciais viriam a ser a base do zoneamento paulistano, que
viria a ser promulgado vinte anos mais tarde, amplamente baseados em instrumentos
similares estadunidenses definidos na Lei de Permissão do Zoneamento Estadual Padrão
de 1922 (Standard State Zoning Enabling Act).

Nesse período, consolidou-se então dentro do Departamento de Urbanismo a visão


do zoneamento como o instrumento de planejamento por excelência, conforme pode ser
visto abaixo:

Entre 1947 e 1957 se constrói uma concepção do instrumento


(zoneamento) consensual entre funcionários do departamento,
referenciada nas leis americanas, que são estudadas, analisadas e
reproduzidas. Os projetos de lei gerais elaborados nesse período, bem
como as leis parciais, que mostraremos adiante são reveladores do
gradativo aprimoramento do instrumento que se dá ao longo desses dez
anos. (FELDMAN, 2005, p. 187-188)

Nesse aspecto, o instrumento protegia os valores das propriedades da elite


paulistana, principalmente a moradora dos bairros de classes media e alta, seja através da
restrição do uso industrial a determinadas áreas da cidade, seja através da proibição de
empreendimentos ou usos que pudessem descaracterizar os bairros exclusivamente
residenciais. Dessa forma o zoneamento respondia às necessidades de controle do
Quadrante Sudoeste face às transformações que a cidade sofria em função do crescimento
da importância da industrialização e do setor imobiliário.

Aos poucos, o instrumento passa a ser pensado como instrumento de controle de


uso e ocupação do solo para a totalidade da cidade e de controle dos parâmetros
urbanísticos para cada zona que viria a ser definida. Esse desenvolvimento ocorreu pela
atuação de engenheiros e engenheiros-arquitetos desse departamento, e não pela atuação
da Comissão do Plano Diretor, consolidando-o como um órgão estritamente técnico e
legalista, com forte atuação principalmente nas áreas mais desenvolvidas da cidade,
completamente desvinculado da realidade de sua periferia que se expandia rapidamente
em função da migração e da atuação dos loteadores clandestinos, conforme abaixo:

81
O perfil do departamento que se delineia é de um órgão eminentemente
técnico e legalista em relação aos problemas urbanos, que atua
absolutamente desvinculado da política, o que estava na contramão da
politização do período [...] Alijamento político, postura técnica e
legalista caracterizam o departamento como órgão isolado, ao invés de
órgão articulador. (FELDMAN, 2005, p. 108-109)

A ausência de atuação nas áreas periféricas, tendo em vista que as obras viárias e o
zoneamento se concentravam na área central, a falta de fiscalização e a postura
estritamente técnica e legalista, fizeram com que o departamento fosse vencido pela
postura política populista e arrecadatória da Divisão de Rendas Imobiliárias da Secretaria
de Finanças, que convenceu a municipalidade a promover vários processos de anistia e
regularização dos loteamentos clandestinos.

Dessa forma, o departamento se configurou como o principal órgão de planejamento


do período, técnico e legalista, promovendo a promoção do zoneamento como o seu
principal instrumento, de maneira autocrática e pouco permeável à população, visto que
muitas normas foram implementadas por decretos, mas garantindo a proteção das zonas
residenciais de alto padrão e reforçando a segregação socioespacial da cidade.

2.6. A promulgação do Plano: da criação do Grupo Executivo de


Planejamento ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
2.6.1. A criação do Grupo Executivo de Planejamento e a elaboração do Plano
Urbanístico Básico

Entre 1961 e 1965, Prestes Maia77 assumiu novamente a prefeitura da cidade, dessa
vez eleito pela população. O Plano de Avenidas foi retomado e a ideia do planejamento
perdeu força dentro da Prefeitura. Essa questão pode ser vista nas palavras do Diretor do
Departamento de Urbanismo, engenheiro Luiz Carlos Berrini Júnior78, que dizia que o
problema da cidade “não é a falta de planejamento, mas sim de incrível atrazo (sic) na
execução das obras” (1961, p. 9 apud FELDMAN, 2005, p. 209).

Apesar da postura tecnicista e pouco politizada dos técnicos do Departamento de


Urbanismo, o debate urbano nacional estava efervescendo nesse período. O aumento da
taxa de urbanização no Brasil (por volta de 45%), o crescimento das metrópoles e os
problemas decorrentes como a falta de saneamento e o crescimento das favelas,

77 Para informações da biografia de Francisco Prestes Maia ver nota de rodapé número 62.
78 BERRINI JÚNIOR, L. C. Problemas Urbanísticos de São Paulo. Engenharia Municipal, São Paulo, n. 22,
p. 5-9, jul.-ago.-set. 1961.

82
ocasionaram uma série de propostas de técnicos e intelectuais, vinculados ao Movimento
pela Reforma Urbana, no âmbito das Reformas de Base prometidas pelo presidente João
Goulart. Essas propostas tinham o intuito de transformar a realidade das cidades
brasileiras e culminou com a criação do Seminário Nacional de Habitação e Reforma
Urbana no Hotel Quitandinha na cidade de Petrópolis em 1963 (MARICATO, 2001).

Apesar de toda a efervescência da discussão política desse período, o planejamento


urbano só foi retomado em São Paulo com o advento do Regime Militar (1964-1985), no
qual se estabeleceram as condições para a sua institucionalização em nível nacional
(BOLAFFI, 1976). A criação do Sistema Financeiro Habitacional (SFH) em 1964
pressupunha a necessidade do planejamento e organização do crescimento das cidades,
visto que o sistema pretendia resolver o problema de habitação de interesse social através
do financiamento à construção e aquisição da cada própria, conforme pode ser visto no
Artigo 1º da lei de sua criação (Lei Federal nº 4.380, de 1964):

O Governo Federal, através do Ministro de Planejamento, formulará a


política nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando
a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido
de estimular a construção de habitações de interesse social e o
financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes
da população de menor renda (BRASIL, 1964, Art. 1º).

A fim de gerenciar esses recursos, essa mesma lei também criou o Banco Nacional
de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU).
Enquanto o primeiro seria responsável pelo financiamento da construção habitacional de
baixa renda no país, através da gestão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), o segundo seria responsável pela orientação técnica aos municípios para a
elaboração de seus planos diretores e políticas habitacionais, sem os quais não estariam
qualificados a receber as verbas federais.

Logicamente, que o interesse principal da criação desse sistema era o controle social
de parte da população, pois através da aquisição da casa própria pretendia-se combater a
influência das ideias comunistas e progressistas nas classes sociais mais pobres do país,
conforme pode ser visto na frase “a casa própria faz do trabalhador um conservador que
defende o direito de propriedade”, atribuída à Sandra Cavalcanti, primeira presidente do
BNH (apud. BONDUKI, 2008, p. 72).

83
A própria implementação desse sistema de planejamento em escala nacional
subentendia a concentração de poder no nível federal, via orientação técnica, que segundo
Bolaffi (1976) seguia os princípios de Hermann Kahn79 e seus estudos de futurologia.

Foi justamente nesse contexto que a Prefeitura de São Paulo criou o Grupo
Executivo de Planejamento (GEP), diretamente subordinado ao prefeito, como órgão
responsável pela coordenação das propostas de legislação de planejamento urbano. Dessa
forma, o GEP concorria com o Departamento de Urbanismo, assumindo boa parte de suas
funções de coordenação do planejamento, que posteriormente seriam assumidas por novos
órgãos a serem criados. Ou seja, após vinte anos de existência esse departamento deixava
de ser o órgão responsável pelo planejamento da cidade.

De acordo com as finalidades definidas no decreto de sua criação, estava


subentendido que o órgão seria temporário e não teria a função de elaborar o plano
diretor em si, mas seria o órgão-meio pelo qual a prefeitura contrataria serviços de
consultoria em planejamento, seguindo as definições da legislação federal de criação do
SERFHAU, conforme pode ser visto nos incisos do Artigo 1º (SÃO PAULO, 1967,
negrito nosso):

1– Reunir, analisar e coordenar os estudos, projetos e legislação


existentes e os em andamento nas unidades especializadas da
Prefeitura ligados ao planejamento urbano, físico, econômico e
social, em entrosamento com o Departamento de Urbanismo;

2– Coordenar e orientar as medidas pertinentes ao Plano Urbanístico


Básico (Plano Diretor), inclusive as pesquisas e diagnósticos, de
estudo e elaboração de diretrizes básicas, de planos setoriais e
projetos;

3– Acompanhar e fiscalizar os estudos e contrato do Plano


Urbanístico Básico (Plano Diretor) e inicialmente exercer a função
de órgão implementador do mesmo até a instituição de órgão
próprio;

4– Superintender e orientar serviços contratados e fiscalizar o seu


comprimento; Estudar e propor a celebração de convênios visando a
cooperação, entrosamento e implementação dos planos setoriais e
regionais.

79Herman Kahn (1922-1983) foi um físico estadunidense, estrategista militar e analista de sistemas. Foi um
dos fundadores do Instituto Hudson, fundação sem fins lucrativos de orientação política conservadora,
comprometida com “a segurança global, prosperidade e liberdade”. Além dos estudos sobre os efeitos
devastadores de uma possível hecatombe nuclear no período da Guerra Fria, Kahn e o instituto se
notabilizaram por se utilizarem de técnicas de planejamento de cenários para prever possíveis
desenvolvimentos futuros e orientar políticas nas áreas de geopolítica, economia, planejamento urbano,
desenvolvimento científico e tecnológico.

84
A própria estrutura do GEP era bastante enxuta, contando com um coordenador,
um secretário executivo e seis membros designados pelo prefeito, entre os quais o diretor
do Departamento de Urbanismo. Entre as justificativas para sua criação estava a
necessidade de se adequar ao planejamento de longo prazo da cidade as condições
econômico-financeiras, a reestruturação administrativa, as obras e serviços municipais,
estendendo-se para toda a área metropolitana da “Grande São Paulo” (sic), ainda mais
considerando a contratação do estudo econômico-financeiro e o pré-projeto do metrô de
São Paulo em 196680.

Dessa forma, o PUB seria a primeira proposta de plano diretor que teria de fato uma
abrangência metropolitana, visto que essa questão ganhava destaque. Nesse mesmo
período, o Governo do Estado de São Paulo, no âmbito da Secretaria da Economia e
Planejamento, criava o Conselho de Desenvolvimento da Grande São Paulo, órgão
consultivo presidido pelo Governador para questões atinentes a essa área metropolitana, e
o Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN) com funções técnicas de elaboração
do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI) (SÃO PAULO (Estado),
1967).

Dessa forma, o GEP contratou um consórcio multinacional de empresas para


desenvolver o Plano Urbanístico Básico (PUB) no valor de mais de oito milhões de
cruzeiros (aproximadamente 18,2 milhões de reais corrigidos para maio de 201881),
equivalendo a vinte planos financiados pelo SERFHAU entre 1967 e 1970 (FELDMAN,
2005).

Com financiamento conjunto da Financiadora de Projetos SA (FINEP) e United


States Agency for International Development (USAID), a contratação ficou condicionada
à seleção de empresa ou consórcio de empresas brasileiras e estadunidenses. O consórcio
foi formado por duas empresas brasileira do ramo da engenharia, Asplan Assessoria em
Planejamento e Montreal, e duas estadunidenses, Leo A. Daly Company e Wilbur Smith
and Associates, com a participação posterior de outras duas: a Real Estate Research Co. e
a Hazen & Swayer.

80 PARSONS BRINCKERHOOF-TUDOR-BECHTEL; ASPLAN; THEMAG. Proposta de pré-projeto


de engenharia de engenharia apresentado à Prefeitura do Município de São Paulo, Brasil. São Paulo:
[s.n.], 1966.
81 Esse valor foi atualizado pela correção da variação do Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-

SP) da Fipe entre maio de 1968 e maio de 2018, conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central do
Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.

85
Para elaboração do plano, foram contratados mais de cem profissionais, entre
diretores, consultores e técnicos, de diversas especialidades, tais como Planejamento
Urbano, Transportes, Legislação, Mecânica dos Solos, etc., nos moldes das equipes do
planejamento estadunidense, conforme visto abaixo:

O PUB promove uma conexão direta de profissionais Brasileiros com a


prática do planning americano, seguindo o esquema sugerido pelo IAB.
Não mais a solicitação de um parecer de especialistas estrangeiros, como
ocorreu com Robert Moses, e anteriormente com Bouvard, não mais a
consultoria para assuntos específicos como ocorrera com o Padre Lebret,
mas a montagem de uma estrutura nos moldes do New York Regional
Plan and its Environs, de 1929, em que consultores especialistas e
técnicos ligados a empresas privadas trabalham em conjunto, ao longo
de um ano, financiados pelos governos brasileiro e americano.
(FELDMAN, 2005, p. 235)

O extenso diagnóstico elaborado pelo consórcio resultou em seis grossos volumes,


totalizando mais de três mil páginas, abordando, além dos aspectos urbanísticos (expansão
urbana, uso do solo, valor dos terrenos, infraestrutura e serviços urbanos), o bem-estar
social, cultura, educação, esportes, habitação, recreação, saúde, finanças e administração
municipais.

O plano se baseava em projeções de crescimento demográfico, econômico e de


viagens da cidade e de Grande São Paulo, para sugerir uma série de diretrizes e propostas
para serem implementadas até 1990 (SÃO PAULO, 1969). Além das propostas de âmbito
municipal, apresentava propostas de cunho metropolitano, para fornecer subsídios para a
atuação conjunta da Prefeitura com os governos estadual, federal e dos demais municípios
da Grande São Paulo.

As propostas estavam concentradas em cinco grandes áreas de atuação pública


(SÃO PAULO, 1969, p. 23):

1. Desenvolvimento urbano, abrangendo uso do solo e execução dos grandes


projetos de urbanização;
2. Desenvolvimento social, abrangendo educação, saúde pública, bem-estar
social, recreação, habitação e cultura;
3. Circulação e transportes, abrangendo transportes coletivos, sistema viário,
controle de tráfego e todas as medidas relativas aos sistemas viário e de
transportes;
4. Serviços urbanos, abrangendo abastecimento de água, coleta de esgoto,
drenagem, controle da poluição do ar, energia elétrica, iluminação pública,

86
comunicações, serviço funerário, distribuição de gás, abastecimento, limpeza
urbana, segurança pública e proteção contra o fogo;
5. Administração pública, abrangendo todas as medidas legais, administrativas
e financeiras para permitir a realização do Plano, inclusive as medidas de
estímulo e promoção das atividades produtivas.

Após o estudo de várias alternativas, o plano propôs uma hipótese de estrutura


metropolitana para 1990 muito próxima a da cidade de Los Angeles nos Estados Unidos,
baseada em uma grelha de 815 quilômetros de vias expressas formando bolsões
residenciais de baixa e média densidades, representando 96% da área urbanizada, e
concentrando as altas densidades na região central, representando os demais 4%, além de
uma malha metroviária de 450 quilômetros, conforme figura 2.10 (SÃO PAULO, 1969).

Os anexos do volume seis do Relatório Técnico continham várias minutas de


projeto de lei. Entre as quais, a Lei do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI), com proposta de zoneamento com classificação de usos possíveis por zona, além
da definição da hierarquização do sistema viário principal, disposições sobre o controle da
poluição ambiental (águas, ar e ruídos), licenciamento e fiscalização, e incentivos ao
desenvolvimento urbano (renovação urbana e cessão de uso do subsolo e do espaço aéreo).

Figura 2.10: Estrutura metropolitana proposta para 1990 pelo Plano Urbanístico Básico.

Fonte: São Paulo, 1969.

87
A proposta de renovação urbana contemplava a possibilidade de implantação do
metrô de São Paulo, cuja construção se iniciou em 1968, sendo definida como:

Art. 83 – Considera-se renovação urbana o conjunto de modificações do


esquema de parcelamento do solo e das edificações e construções nele
existentes, para implantação de planos urbanísticos detalhados. (SÃO
PAULO, 1969, vol. 6, p. 433)

Essa proposta teria um impacto importante no futuro desenvolvimento de


instrumentos voltados a essa questão, tanto na criação de uma empresa pública para
gerenciar essa renovação urbana, como na proposição de projetos específicos para esse
processo.

Em função dessa mesma possibilidade, o estudo continha também uma proposta de


minuta de projeto de lei prevendo a implementação da contribuição de melhoria como
uma forma do município “fazer face ao custo de obra pública que decorra em valorização
imobiliária” (SÃO PAULO, 1969, vol. 6, p. 449). Mais do que isso, o plano trazia uma
proposta de cobrança de coeficiente de aproveitamento adicional no caso de
“rezoneamento (sic) da cidade” a ser regulamentado no Código Tributário do Município,
adiantando as discussões que se fariam na década seguinte.

Essas medidas procuravam dar maior autonomia financeira ao município, pois,


segundo o relatório do plano, a execução dos programas propostos demandaria dois
bilhões de dólares até 1975 e mais 15 bilhões até 1990, totalizando 17 bilhões de dólares
(54,4 bilhões de cruzeiros de 1968 ou 124 bilhões de reais de 201882). Esse montante
equivalia à metade do PIB nacional em 1968, sendo que a municipalidade arcaria com 33%
desse total. Considerando que em 1967, a Prefeitura de São Paulo teve superávit de 21
milhões de cruzeiros83 seriam necessários 854 anos para arcar com essa ordem de
investimentos.

Pelo vulto dos valores, muito superiores à capacidade financeira da prefeitura, a


complexidade das propostas, que extrapolavam a sua área urbana, e pela própria estrutura
urbana em grelha los angelina que nada tinha a ver com o modelo radio-concêntrico que
se implantava desde o Plano de Avenidas era evidente que o PUB não poderia ser
executado, apesar de todas as previsões ufanistas de crescimento da economia em virtude

82 Esse valor foi atualizado pela correção da variação do (Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo
(IPC-SP) da Fipe entre maio de 1968 e maio de 2018, conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central
do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.
83 Despesas de 534 milhões de cruzeiros subtraídas de uma receita de 556 milhões, conforme página 58 do

volume 6 do Relatório Técnico do Plano Urbanístico Básico (SÃO PAULO, 1969).

88
do “Milagre Brasileiro”. Nesse aspecto, ele se insere no contexto do que Villaça (1999)
definiu como “superplanos”, demonstrando que o planejamento urbano se tornava uma
atividade meramente intelectual, reduzida a um discurso e desvinculada da ação concreta
do Estado.

Por fim, o PUB ficou pronto nos últimos dias da Administração do prefeito Faria
Lima (1965–1969) e suas cópias quase foram destruídas pelo novo prefeito, o engenheiro
Paulo Maluf84 (1969–1971), que via no plano material de propagando de seu antecessor
(FELDMAN, 2005).

2.6.2. A promulgação do PDDI e da Lei de Zoneamento

Maluf ficou apenas dois anos na Prefeitura e sua gestão foi caraterizada por grandes
obras viárias, dando continuidade às obras de construção das avenidas marginais aos rios
Tietê e Pinheiros e construindo o Elevado Costa e Silva (atual Elevado João Goulart).
Com a saída de Maluf da prefeitura para assumir a Secretaria de Estado de Transportes, o
governador Laudo Natel nomeou o engenheiro Figueiredo Ferraz85 para o cargo de
prefeito86. Ferraz, que já tinha sido Secretário de Obras na Administração de Adhemar de
Barros, tinha consciência da necessidade de planejamento da cidade de São Paulo. Ao
contrário do pensamento ufanista da época que via no crescimento urbano um sinal de
progresso, conforme pode ser visto nas frases-slogan “São Paulo não pode parar” ou “A
cidade que mais cresce no mundo”, Ferraz tinha uma postura firme a favor do controle do
crescimento urbano e metropolitano, tendo ficado famosa sua frase de que “São Paulo
precisa parar”.

84 Paulo Salim Maluf (1931- ) é engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo,
empresário e político. Foi governador do Estado de São Paulo (1979-1982), prefeito de São Paulo (1969-
1971; 1993-1996), secretário dos transportes do Estado (1971-1975), presidente da Caixa Econômica
Federal (1967-1969) e quatro vezes deputado federal por São Paulo (1983-1987, 2007-2011, 2011-2015 e
2015- ). Suas passagens pelo Executivo foram caracterizadas pela construção de grandes obras viárias,
várias delas suspeitas de superfaturamento e corrupção. Em 2017, Paulo Maluf foi condenado pelo Supremo
Tribunal Federal pelo crime de lavagem de dinheiro e encontra-se no momento encarcerado no Complexo
Penitenciário de Papuda no Distrito Federal.
85 José Carlos de Figueiredo Ferraz (1918-1994) foi um engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da

Universidade de São Paulo (1935-1940). Foi professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo, membro do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do
Estado de São Paulo (CREA-SP), sócio fundador da Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de
Projetos, engenheiro do Departamento de Estradas e Rodagem (DER)(1941-1945), Secretário Estadual de
Transportes (1967-1971), Secretário de Obras (1957-1958) e Prefeito do Município de São Paulo (1971-
1973). Foi exonerado do cargo de prefeito por ter declinado do convite do governador Laudo Natel para
ingressar na ARENA, partido conservador de sustentação do Regime Militar (1964-1985).
86 O Ato Institucional nº 3, de 5 de fevereiro de 1966, aboliu a eleição para prefeitos das capitais, que

passaram a ser nomeados pelos Governadores, após assentimento pelas Assembleias Legislativas. Os
prefeitos das capitais só voltaram a ser eleitos pelo voto direto em 1985.

89
Dessa forma, deu andamento necessário para a promulgação da Lei do Plano
Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), nomeando o renomado arquiteto Roberto
Cerqueira César87 como coordenador do GEP, assim como presidente da recém-criada
Empresa Municipal de Urbanização (EMURB), responsável pela reurbanização das áreas
afetadas pelas obras de construção do metrô iniciadas em 196888. Cerqueira César
considerou que os estudos realizados pelo PUB eram mais do que suficientes e adotou
uma versão mais simplificada da minuta do projeto de lei dos seus anexos, incorporando
as questões relativas ao processo de construção do metrô.

O PDDI foi promulgado na Lei nº 7.688 de 1971 e tinha como objetivo principal
ordenar e disciplinar o desenvolvimento físico, econômico, social e administrativo, de
forma a propiciar o bem estar da comunidade (SÃO PAULO, 1971). Para tanto, propunha
instituir o sistema municipal de planejamento integrado mediante a criação de uma
comissão de desenvolvimento integrado, de um órgão técnico municipal de planejamento
integrado e de grupos de planejamento setorial.

O plano apresentava um conjunto de diretrizes básicas e genéricas para as seguintes


áreas:

1. Desenvolvimento urbano, contendo diretrizes genéricas de uso e ocupação do solo,


baseado na concentração das atividades comerciais e de serviços nos polos e
corredores de atividades múltiplas, na construção de uma rede de vias expressas
formando bolsões residenciais de densidades médias, na construção de uma rede de
metrô, e na concentração de atividades industriais junto a ferrovias, rodovias e vias
expressas, conforme figura 2.11;

87 Roberto Cerqueira César (1917-2003) foi engenheiro-arquiteto formado pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (1940) e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da mesma
universidade a partir de 1954. Foi arquiteto e depois sócio do escritório Rino Levi Arquitetos Associados SC
Ltda., onde desenvolveu vasta carreira profissional e um dos sócios-fundadores do Instituto de Arquitetos
do Brasil, Departamento de São Paulo (IAB/SP). Em 1969, passou a atuar junto à administração pública,
onde foi assessor da diretoria da Companhia do Metropolitano de São Paulo (1969-1971). Coordenador do
GEP, organizador e primeiro diretor da Coordenadoria Geral de Planejamento (COGEP) da Prefeitura
Municipal de São Paulo, organizador e primeiro presidente da Empresa Municipal de Urbanização,
EMURB (1971-1972), Secretário de Estado para os Negócios Metropolitanos (1975-1979).
88 Retomaremos essa questão na seção 4.3.1.

90
Figura 2.11: Diretrizes básicas para o arranjo territorial do PDDI-SP.

Fonte: anexo da Lei nº 7.688/1971 em Zmitrowicz e Borghetti.

91
2. Desenvolvimento social, propondo a coordenação da implantação de programas
públicos e privados de educação, saúde pública, habitação, bem estar social,
recreação, cultura e esportes visando melhorar a qualidade de vida urbana,
ampliando a provisão de equipamentos públicos nessas áreas, assim como a de
áreas verdes e da arborização;
3. Desenvolvimento econômico, propondo o desenvolvimento de programas de
renovação urbana, visando recuperar áreas em processo de deterioração e a
implantação de sistemas de circulação e de transportes;
4. Organização administrativa da prefeitura promovendo a descentralização dos
serviços públicos e equipamentos sociais em bases territoriais definidas.

Foram propostas oito zonas de uso, sendo três residenciais, duas de uso misto, duas
industriais e uma especial, e definidos os seus coeficientes de aproveitamento máximo
(CA), compreendidos como a relação entre a área total edificada e a área do lote, que
variavam de um até quatro, e suas taxas de ocupação máxima (TO), compreendidas como
a relação entre a projeção horizontal da área edificada e a área do lote, que variavam de
0,5 a 0,7.

Foram definidas as categorias de uso que seriam permitidas em cada zona de uso,
podendo ser:

1. Residencial, variando de unifamiliar (R1), multifamiliar (R2) e conjunto residencial


(R3);
2. Comercial, podendo ser comercial varejista de âmbito local (C1), diversificado (C2)
e atacadista (C3);
3. Industrial, podendo ser indústria não incômoda (I1), diversificada (I2) e especial
(I3);
4. De serviços, podendo ser de âmbito local (S1), diversificado (S2) e especial (S3);
5. Institucional, podendo ser de âmbito local (E1), diversificado (E2), especial (E3) e
uso especial (E4).

A partir da classificação desses usos, o zoneamento definiria quais usos e quais


densidades construtivas seriam permitidos para cada zona, controlando as transformações
de uso e ocupação da cidade.

O plano propunha também uma hierarquização do sistema de circulação e


transportes, especificamente do sistema viário (vias expressas, arteriais, principais e
locais), que depois seria utilizada na definição do zoneamento da cidade.

92
Além dessas propostas de zoneamento, de classificação viária e de usos, o PDDI
trazia uma série de recomendações para a implantação de um sistema de áreas verdes e de
equipamentos públicos, reunidas nos quadros anexos à lei que definia a quantidade e o
tamanho dos equipamentos de educação, saúde e promoção social de acordo com o tipo e o
nível de atendimento.

Uma vez promulgado o PDDI, o GEP perderia a sua razão de ser. Contudo, em
função da necessidade de se instituir em caráter permanente o sistema municipal de
planejamento, o próprio PDDI demandava a “criação de um órgão técnico de
planejamento integrado do Município, dotado de um centro de dados” (SÃO PAULO
(Cidade), 1971, artigo 2º, inciso III, alínea b).

Em janeiro de 1972 a Lei nº 7.694 criou a Coordenadoria Geral de Planejamento


(COGEP), em substituição ao temporário GEP. A coordenadoria continuava ligada
diretamente ao Gabinete do Prefeito e o seu intuito era de instituir o processo de
planejamento relacionado com a implantação do recém-aprovado PDDI, sendo constituída
de (SÃO PAULO, 1972a):

1. Gabinete do Coordenador Geral do Planejamento;


2. Conselho Orientador de Planejamento;
3. Comissão de Zoneamento;
4. Centro de Metodologia e Documentação;
5. Departamento de Planejamento;
6. Departamento de Implantação.

O Departamento de Planejamento seria responsável pela revisão periódica do


PDDI, elaboração de planos setoriais, diretrizes da política habitacional do município (em
consonância com as orientações do SERFHAU e SFH), e proposição de medidas visando a
atualização da estrutura administrativa da prefeitura. O Departamento de Implantação
ficava responsável por propor as medidas de implantação do PDDI, inclusive a legislação
e normas atinentes, assim como fiscalizar a sua execução, e compatibilizar os orçamentos
plurianuais da prefeitura e dos órgãos municipais com os objetivos e prioridades do
PDDI. Já Centro de Metodologia e Documentação ficava responsável pela coleta de dados
relativos ao planejamento e por desenvolver metodologias aplicáveis ao planejamento da
cidade.

O Conselho Orientador de Planejamento, composto pelo Coordenador Geral de


Planejamento, seu presidente, pelos Diretores dos Departamentos de Planejamento e

93
Implantação e mais seis conselheiros indicados pelo prefeito, entre os quais o Diretor do
Departamento de Urbanismo passava a ter uma função consultiva, aprovando o plano de
trabalho da COGEP e manifestando sobre outros assuntos, quando solicitado pelo
Coordenador Geral do Planejamento ou pelo prefeito.

Já a Comissão de Zoneamento, composta pelo Coordenador Geral de Planejamento,


seu presidente, por representantes dos três departamentos da COGEP, das Secretarias de
Negócios Jurídicos e de Obras, do Conselho Regional de Engenharia, do Instituto de
Engenharia e do Instituto de Arquitetos do Brasil, caberia opinar sobre os casos omissos
que não se enquadrassem na legislação de zoneamento e edilícia.

Além dos cargos administrativos e de chefia (coordenador, chefes de gabinete,


diretores de departamento, supervisores e chefes de seção), a lei previa a criação de 25
cargos comissionados de planejador urbano, para portadores de título universitário e
experiência mínima de dois anos na área. Feldman (2005) chama a atenção para o fato de
que a maioria das pessoas que assumiram esses cargos serem arquitetos(as), não
configurando uma equipe multidisciplinar de fato, reforçando a formação do arquiteto
planejador que vinha desde 1950.

Com isso, a recém-criada COGEP assumia por completo as atribuições que até
então eram do Departamento de Urbanismo da Secretaria de Obras e passava a constituir-
se como o órgão de planejamento urbano do município. Mais do que isso, a ideia de ser
uma coordenadoria subordinada diretamente ao prefeito dava a ideia de que o órgão seria
superior a demais secretarias, porque teria função de coordenar as ações integradas destas
no que tangia às questões de desenvolvimento urbano, econômico e social (PESSOA,
2015).

Promulgado o PDDI e criada a COGEP, caberia ao órgão a elaboração da primeira


Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município, ou Lei de Zoneamento,
seguindo as orientações, diretrizes e objetivos do plano. Figueiredo Ferraz indicou
Cerqueira César para ser o primeiro Coordenador Geral de Planejamento, cargo no qual
permaneceu por pouco tempo, pois acumulava também a presidência da EMURB.

Cerqueira César indicou para substituí-lo o arquiteto Benjamin Adiron Ribeiro,


funcionário de carreira do Departamento de Urbanismo, ex-Secretário Executivo do GEP
e que tinha grande conhecimento de zoneamento, visto que havia trabalhado com esse
instrumento na cidade de Nova Iorque (PESSOA, 2015). Ribeiro iria desempenhar papel
de protagonista principal na elaboração de lei de zoneamento, em função da confiança que

94
Figueiredo Ferraz tinha nele, a ponto de ter feito o traçado sozinho do perímetro de todas
as zonas de uso que seriam instituídas, para que a informação não vazasse para o mercado
imobiliário (ibid.).

Em virtude do período autoritário, a lei sequer foi discutida na Câmara de


Vereadores, pois Figueiredo Ferraz convenceu a bancada governista amplamente
majoritária a aprovar a lei sem ampla discussão, tanto que o Executivo deu entrada no
projeto de lei n em 18 de outubro, ele foi aprovado pela Comissão de Justiça no dia 27 e a
lei foi aprovada no dia 1º de novembro, ou seja, em quatorze dias.

O zoneamento foi instituído pela primeira vez para toda a área do município na
promulgação da Lei nº 7.805, de 1º de novembro de 1972 (SÃO PAULO, 1972b). Além do
uso e ocupação do solo, a lei definia normas também para o parcelamento na cidade,
estipulando o lote mínimo de 250 metros quadrados e exigindo que os novos loteamentos
doassem um mínimo de 35% de área pública para cidade, sendo 20% para circulação, 15%
para áreas verdes e 5% para áreas institucionais. Com isso, a Prefeitura procurava resolver
o problema de aquisição de terra para instalar as áreas verdes e equipamentos públicos, ao
menos nos loteamentos novos.

Baseado na hierarquização do PDDI, a Lei de Zoneamento definia oito zonas de uso:

1. Z1 – Uso estritamente residencial, de densidade demográfica baixa;


2. Z2 – Uso predominantemente residencial, de densidade demográfica baixa;
3. Z3 – Uso predominantemente residencial, de densidade demográfica média;
4. Z4 – Uso misto, de densidade demográfica média alta;
5. Z5 – Uso misto, de densidade demográfica alta;
6. Z6 – Uso predominantemente industrial;
7. Z7 – Uso estritamente industrial;
8. Z8 – Usos Especiais.

A definição das zonas seguia a estrutura que já existia, adequando-a às propostas do


PDDI, conforme pode ser visto nas palavras de Ribeiro:

Eu peguei isso aqui... Eu não inventei nada. Em urbanismo, nunca se


inventa nada! Nós temos que pegar o desenvolvimento histórico das
coisas e ir verificando como é que a coisa está caminhando e de que
forma pode-se continuar. Infelizmente, nosso pessoal aqui gosta de
inventar... Eles são amigos de inventar... Cada prefeito que entra acha
que deve fazer um Plano Diretor e que muda tudo!! Ele acha que tem que
mudar tudo! Então, isto foi o PDDI. Basicamente era isto. Era uma
legislação de uso do solo em que você pegava a unidade de vizinhança,
que tinha um pequeno centro de prestação de serviços e de comércio e
uma área basicamente residencial. A área residencial era Z1; a área de

95
prestação de pequenos serviços, mas que também podia ser usada para
uso residencial era Z2; o centro de bairro, pega aqui quatro unidades de
vizinhança, tem um centro mais importante, aqui isso seria Z3; você
pegou um certo número de bairros e desenvolveu um centro
especializado... Consolação é especializado em lustres, certo? Sei lá, o
Bom Retiro é especializado em roupa, e assim por diante. Então isso era
Z4, e os centros principais, as subprefeituras eram Z5. Então
basicamente era isso: Z1, Z2, Z3, Z4, Z5. [...] Então este foi o critério: o
que é estritamente residencial, vamos procurar nos levantamentos
cadastrais e topográficos para ver qual é a situação atual. Então o
critério foi baseado na estrutura que já existia, corrigida apenas dentro
desta orientação de transformar a cidade numa cidade de grelhas viárias
e unidades urbanas escalonadas. Essa foi a correção. Então foi isso, o
critério foi esse, foi baseado nas pesquisas urbanas disponíveis na época.
Nós tínhamos também um levantamento topográfico cadastral naquela
época, que foi extremamente útil. (RIBEIRO apud. PESSOA, 2015, p.
4/5)

Para cada zona de uso, a Lei definia categorias e usos permitidos, assim como definia
os parâmetros de ocupação, como os recuos de frente, laterais e fundo, taxa de ocupação
máxima, que variava de 0,5 a 0,7 e o coeficiente de aprovação máximo, variando de um a
3,5, conforme figura 2.12.

Figura 2.12: Quadro 2, características das Zonas de Uso, anexo à Lei nº 7.805/1972.

Fonte: São Paulo, 1972b.


Através de uma fórmula específica incentivou a verticalização, pois permitia o
aumento desses coeficientes quando houvesse redução da ocupação do lote, mecanismo
esse, que copiava mecanismo semelhante do zoneamento de Nova Iorque de 1969. Dessa
forma, a lei definiu as zonas de uso, estabelecendo o coeficiente máximo de um para 4% da

96
área da cidade, o coeficiente máximo de dois para 86% e o coeficiente máximo de quatro
para os 10% restantes (ROLNIK, KOWARICK e SOMEKH, 1990).

As Crises do Petróleo na década de 1970 puseram fim ao “Milagre Brasileiro”,


fazendo com que a construção das vias expressas propostas no PDDI nunca saíssem do
papel. Dessa forma, o zoneamento acabou ficando completamente incoerente, pois foi
estabelecido para um modelo urbano que nunca chegou a ser implementado de fato. Da
mesma forma, a atuação do BNH acabou não cumprindo com seus objetivos iniciais, pois
os recursos do banco foram utilizados pelas incorporadoras na construção de diversos
prédios de apartamento de classe média, estimulando a verticalização, que se espalhou por
todo o Centro Expandido.

No decorrer dos anos, o zoneamento foi sendo modificado e moldado aos interesses
do mercado imobiliário. Várias novas zonas foram sendo criadas para resolver as
especificidades que o zoneamento original não previra. Após vinte anos de existência, as
Z2 – zonas de uso predominantemente residencial de baixa densidade, que configuravam
os bolsões residenciais propostos, já haviam sido reduzidas para 50% da área da cidade
(SÃO PAULO, 1996). Outro aspecto negativo foi o fato de que definindo coeficientes de
aproveitamento variáveis dentro da cidade, o zoneamento criou uma valorização artificial
de terrenos, estimulando preços maiores nas áreas da cidade com potencial construtivo
maior, aumentando o processo de exclusão socioespacial, intensificado a partir da década
de 1970 (ROLNIK, KOWARICK e SOMEKH, 1990).

Dessa forma, ao longo do século XX o sistema de planejamento urbano do


Município de São Paulo foi se consolidando enquanto estrutura administrativa, sem que
de fato revertesse a principal característica negativa de cidade, qual sejam a enorme
diferenciação e desigualdade socioespacial, resultando em uma cidade extremamente
segregada onde a elite e as principais atividades econômicas se localizam nas áreas mais
centrais, dotadas de infraestrutura e equipamentos públicos, enquanto que a as parcelas
mais pobres da população, que representam 41% do total89, vivem nas áreas periféricas,
em condições precárias de habitabilidade, muitas vezes em áreas de fragilidade ambiental,
com enormes carências em infraestrutura e equipamentos públicos. Pelo contrário, na
maioria das vezes, conforme visto nesse capítulo, os instrumentos de planejamento foram
utilizados para a manutenção e agravamento dessa situação.

89Número obtido através de cálculo feito pelo autor da porcentagem das pessoas residentes no Município de
São Paulo com renda familiar até R$ 1.520,00, equivalentes a quatro salários mínimos em 2007, conforme
dados da Pesquisa Origem-Destino do Metrô (COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO,
2008).

97
CAPÍTULO 3 – A ASCENSÃO DA POLÍTICA URBANA
NEOLIBERAL E DOS GRANDES PROJETOS URBANOS NOS
PAÍSES CENTRAIS

3.1. Introdução
A partir dos anos 1980, o paradigma da política urbana em várias cidades dos países
centrais passou por uma grande reformulação. O esgotamento do processo de expansão da
economia capitalista e ascensão do ideário neoliberal como resposta à crise econômica
ocasionaram a mudança do planejamento urbano tradicional para o planejamento urbano
estratégico, passando de uma visão global da cidade contida nos planos diretores para
uma focalizada e fragmentária de grandes intervenções urbanas em áreas específicas,
baseadas na desregulamentação da legislação urbanística e nas parcerias público-privadas,
representada pelos grandes projetos urbanos. Esse capítulo analisa como ocorreram essas
transformações no discurso e na prática da atuação pública sobre as cidades dos países
centrais, procurando compreender os seus principais impactos físico-espaciais e
socioeconômicos a partir dos principais estudos de caso emblemáticos do período, para em
um momento seguinte compreender como essas ideias e práticas foram transferidas para o
nosso contexto.

3.2. As transformações na teoria urbana no final do Século XX


Cities and places now, it seems, take much more care to create a positive
and high quality image of place, and have sought architecture and forms
of urban design that respond to such need. That they should be pressed,
and that the result should be a serial repetition of successful models
(such as Baltimore´s Harbour Place), is understandable, given the grim
history of deindustrialization and restructuring that left most of major
cities in the advanced capitalist world with few options except to
compete with each other, mainly as financial, consumption, and
entertainment centres. Imaging a city through the organization of
spectacular urban spaces became means to attract capital and people (of
the right sort) in a period (since 1973) of intensified inter-urban
competition and urban entrepreneurialism […]90 (HARVEY, 1989b, p.
91-92).

90 As cidades e os lugares, ao que parece, estão tomando muito mais cuidados para criar uma imagem
positiva e de alta qualidade, e têm procurado uma arquitetura e formas de projeto urbano que respondam a
essa necessidade. Que eles foram pressionados a fazê-lo, e que o resultado deva ser uma repetição em série
de modelos de sucesso (como o Porto de Baltimore), é compreensível, dada a história sombria de
desindustrialização e de reestruturação que deixou a maior parte das grandes cidades no mundo capitalista

99
O parágrafo acima, extraído do livro The Condition of Postmodernity de David Harvey
(1989b), parecia decretar que a adoção de projetos urbanos espetaculares, da competição
interurbana e do empreendedorismo urbano era a única forma para as cidades saírem da
crise econômica advinda das transformações que ocorreram no Capitalismo nas décadas
de 1970 e 1980. Baseado nos problemas enfrentados por diversas cidades do mundo, mas
principalmente pelas cidades dos países anglo-saxônicos do Norte Global, Harvey, um dos
geógrafos marxistas mais conhecidos da atualidade, parecia capitular ao onipresente poder
do capital financeiro globalizado, liberado para fluir pelo mundo ao seu bel prazer após as
reformas econômicas neoliberais impetradas pelos seus principais mentores, a primeira-
ministra britânica Margareth Thatcher (1979-1990) e o presidente estadunidense Ronald
Reagan (1981-1989), e depois copiada ad nauseam por governos neoliberais ao redor do
mundo.

Esse posicionamento baseava-se em artigo do mesmo ano, onde Harvey (1989a) já


havia identificado a mudança das administrações municipais de várias cidades dos Estados
Unidos e Reino Unido frente à crise fiscal pela qual passavam. Segundo ele, muitas dessas
cidades estavam passando do gerenciamento urbano, baseado na provisão de serviços
públicos e bens de consumo coletivo para os seus habitantes, para o empreendedorismo
urbano, onde as administrações municipais passaram a incentivar o “desenvolvimento
local”, fomentando a atração de negócios.

Posteriormente, Harvey, de origem operária e de longa trajetória intelectual que o


levou ao marxismo91, retomou o seu posicionamento ideológico e voltou a publicar livros
e textos engajados, onde retomava a importância do papel dos movimentos sociais no
combate ao discurso hegemônico do capital92.

Contudo, nessa época, vários outros pesquisadores sobre a questão urbana de


diversos ramos, teóricos ou práticos, muitos de trajetória marxista, capitularam de vez e
passaram a serem divulgadores de uma nova teoria urbana e promotores de um novo tipo
de urbanismo, de política e de planejamento urbano de viés neoliberal.

avançado com poucas opções, exceto a de competir umas com as outras, principalmente como centros
financeiros, de consumo e de entretenimento. A criação de uma imagem de cidade através da organização de
espaços urbanos espetaculares tornou-se o meio para atrair capital e pessoas (do tipo certo) em um período
(desde 1973) de concorrência interurbana intensificada e do empreendedorismo urbano [...] (HARVEY,
1989b, p. 91–92, tradução nossa).
91 Em entrevista publicada pela revista britânica New Left Review, Harvey (2005b) faz um retrospecto do seu

caminho intelectual desde a infância até aquela publicação.


92 Referimo-nos especificamente aos livros Spaces of Hope (University of California Press, 2000) e Rebel Cities:

From the Right to the City to the Urban Revolution (Verso, 2012).

100
No mesmo ano em que Harvey publicou seu livro, o geógrafo estadunidense Edward
Soja publicava Postmodern Geographies: the Reassertion of Space in Critical Social Theory
(1989) onde identificava a reestruturação urbana e regional que os Estados Unidos
passavam como resultado das transformações econômicas que ocorriam em escala
mundial, tomando como estudo de caso principal a cidade de Los Angeles.

Soja argumentava que a transição de uma economia industrial para uma economia
pós-industrial (do setor de serviços) tinha ocasionado uma reestruturação regional nos
Estados Unidos, com a produção econômica e o poder político passando do Círculo do
Gelo para o Círculo do Sol, ou seja, passando da indústria pesada ligada ao ramo
automotivo na Região dos Grandes Lagos, para a indústria tecnológica do Vale do Silício
no Estado da Califórnia (SOJA, 1993).

A socióloga holandesa, Saskia Sassen, que vinha de uma trajetória de pesquisa


crítica sobre a exploração do trabalho semiescravo imigrante em Nova Iorque (SASSEN-
KOOB, 1987), publicou em 1991 o livro The Global City (SASSEN, 1991), onde fazia uma
análise comparativa das transformações que ocorriam na economia urbana, emprego e
renda nas cidades de Nova Iorque, Londres e Tóquio em função do crescimento da
economia financeira internacional.

Baseando-se no conceito de Cidade Mundial93, a partir das definições dos urbanistas


Peter Hall (HALL, 1966) e John Friedmann (FRIEDMANN e WOLFF, 1982;
FRIEDMANN, 1986), Sassen ainda apresentava uma visão crítica sobre as
transformações econômicas que ocorriam, apontando para a concentração da renda nos
extratos superiores do terciário avançado em contrapartida à expansão do
empobrecimento dos extratos inferiores de trabalho informal imigrante e o
desaparecimento da extratos médios ligados à produção industrial. A denominação dos
setores empregatícios privilegiados pela Nova Divisão Internacional do Trabalho nessas
cidades como FIRE (Finance, Insurance and Real Estate), traduzido para o português como
FSSI (Finanças, Seguro e Setor Imobiliário), seria utilizada por vários pesquisadores do
campo dos estudos urbanos mundo afora e também no Brasil.

Contudo, em seu próximo livro, As Cidades numa Economia Mundial (original de


1994), Sassen parece se render ao poder da economia financeira globalizada e passa a
defender estratégias urbanas para competição pelo capital flutuante, como pode ser visto
no parágrafo abaixo:

93 A influência desse conceito no Brasil foi discutida na nota de rodapé número 27.

101
O elevado crescimento de fluxos financeiros internacionais aumentou o
nível de complexidade das transações. Essa nova circunstância exige
uma infraestrutura extremamente avançada de serviços especializados e
de concentrações de alto nível no que se refere aos recursos em
telecomunicações. As cidades constituem locais fundamentais para
ambos. (SASSEN, 1998, p. 24).

Nos países do Norte Global Ibérico sucedeu-se a mesma coisa. O sociólogo espanhol
Manuel Castells, que anos antes tinha demonstrando o poder da ideologia da classe
dominante em direcionar os investimentos do Estado em serviços públicos e
equipamentos de consumo coletivo para seu próprio benefício no processo de produção da
cidade em seu livro sobre a Questão Urbana (La question urbaine, 1972), também capitulou
às virtudes do mercado capitalista, como bem relatado por Vainer (2013).

Ao que parece, a mudança para os Estados Unidos em 1979 para lecionar Sociologia
e Planejamento Urbano na Universidade de Berkeley, Califórnia, trouxe transformações
teóricas em um dos melhores representantes da escola da sociologia urbana francesa,
professor da Universidade de Paris e da École des Hautes Études en Sciences Sociales. Após
lançar seu último livro sobre movimentos sociais (The City and the Grassroots. A Cross-
Cultural Theory of Urban Social Movements), Castells abandonou o enfoque da disputa de
classes na produção do espaço urbano, para se debruçar nas transformações urbano-
regionais ocasionadas pelo processo da globalização, concomitantemente aos seus colegas
anglo-saxônicos, conforme pode ser visto no parágrafo abaixo extraído do seu livro The
Informational City:

I argue that there is a historically articulated complex of


transformations which concerns simultaneously capitalism as a social
system, informationalism as a mode of development and information
technology as a powerful working instrument. It is this complex social-
economic-technical matrix that is transforming societies, and thus cities
and regions94. (CASTELLS, 1989, p. 3)

Sete anos mais tarde, Castells, em conjunto com o urbanista e político catalão Jordi
Borja, demonstravam sua total rendição ao capital internacional, defendendo que as
cidades saíssem de uma postura gerencial passiva, passando a ter uma postura
empreendedora ativa, agindo como “atores políticos” na concorrida disputa pelo capital
internacional no relatório para Conferência do Habitat da ONU, que depois resultaria no

94Meu argumento é que existe um complexo historicamente articulado de transformações que diz respeito
simultaneamente ao capitalismo como um sistema social, à informatização como um modo de
desenvolvimento e à tecnologia da informação como instrumento poderoso de trabalho. É essa matriz
tecnosocioeconômica complexa que está transformando as sociedades, e, portanto, cidades e regiões.
(CASTELLS, 1989, p. 3, tradução nossa).

102
livro Local and Global: Management of Cities in the Information Age (BORJA e CASTELLS,
1997).

Borja, membro do PSUC (Partido Socialista Unificado da Catalunha), foi vice-


prefeito de Barcelona e esteve diretamente ligado à candidatura, organização e às obras
para a realização dos Jogos Olímpicos de 1992, tornando-se depois um dos principais
consultores internacionais do empreendedorismo urbano. Na visão dos dois, os problemas
urbanos deixavam de ser eminentemente locais e passavam a depender das relações com a
economia global, conforme abaixo:

The new global economy is articulated in territorial terms around


networks of cities (Sassen, 1994). Cities on their part depend on the
forms of their articulation with the global economy as regards their
standards and modes of living. That is why the new frontier for urban
management consists in getting each city ready to face global
competition, since the welfare of its citizens depends on that95. (BORJA e
CASTELLS, 1997, p. 14)

Outro profissional ibérico, anteriormente engajado com as questões sociais, que


também se rendeu a esse discurso foi o arquiteto português Nuno Portas. Portas, que foi o
Secretário de Estado de Habitação e Urbanismo de Portugal, que criou e coordenou o
paradigmático programa de habitação popular participativo revolucionário Serviços de
Apoio Ambulatorial Local (SAAL) de 1974 a 1976, também passou a atuar na promoção
de um urbanismo adaptado a essa nova realidade, tornando-se também consultor
internacional para cidades da União Europeia, Barcelona, Santiago de Compostela e Rio
de Janeiro. Ao comentar sobre as políticas urbanas do pós-guerra, Portas afirma haver
uma necessidade de sua revisão frente à nova realidade urbana, conforme pode ser visto
abaixo:

La insuficiencia de esas diferentes estrategias de intervención


conjuntamente con los nuevos ambientes con los que se enfrentan las
ciudades (determinados por la competición, cohesión y sustentabilidad),
obliga a la teoría urbanística y a las políticas urbanas a investigar y
definir tanto el sistema de planificación, como los procesos y los tipos de
intervención, así como, finalmente, las relaciones entre estos dos
aspectos96. (PORTAS, 2003, p. 1)

95 A nova economia global é articulada em termos territoriais ao redor de redes de cidades (Sassen, 1994).
As cidades, por sua vez, dependem das formas de sua articulação com a economia global com relação aos
padrões e modos de vida. É por isso que a nova fronteira para a gestão urbana consiste em cada cidade estar
pronta para enfrentar a concorrência global, uma vez que o bem-estar dos seus cidadãos depende disso.
(BORJA e CASTELLS, 1997, p. 14, tradução nossa)
96 O fracasso dessas estratégias diferentes de intervenção associado aos novos ambientes que as cidades

enfrentam (determinados pela concorrência, coesão e sustentabilidade) obriga a teoria urbanística e as


políticas urbanas a investigar e a definir tanto um sistema de planejamento, como os processos e os tipos de
intervenção, assim como, por fim, a relação entre estes dois aspectos. (PORTAS, 2003, p. 1, tradução nossa)

103
3.3. Crise global, neoliberalismo e globalização
Mas afinal, quais os motivos que levaram tantos teóricos e práticos do urbano a
definir a existência de uma nova realidade global e, em função disso, a adaptação da teoria
e das práxis urbanas? O que teria levado tantos teóricos a mudar o foco da disputa de
classe na produção do espaço urbano para as movimentações do capital na escala
internacional? Existiria de fato algo de novo ocorrendo?

Na verdade, as transformações econômicas advindas com a globalização do final do


século pouco têm de novo, pois não passaram de mais uma das crises de acumulação do
capitalismo. Marx (1983) já havia identificado a natureza cíclica das crises do sistema
capitalista em função de suas próprias contradições internas, quando da elaboração da Lei
de Queda Tendencial da Taxa de Lucro97. Posteriormente vários outros autores
marxistas, tais como Nikolai Kontradiev, Jospeh Schumpeter e Ernest Mandel
procuraram compreender e explicar a natureza e duração de suas crises e dos seus ciclos
de crescimento e depressão. A própria denominação desse período como globalização
também é equivocada do ponto de vista teórico, pois, segundo vários autores o capitalismo
já se constituiu enquanto sistema econômico em escala de abrangência mundial desde seu
início (SWEEZY, 1977; WALLERSTEIN, 1979; BRAUDEL, 1987).

Dessa forma, o que é definido por aqueles autores como globalização nada mais é
que um dos estágios do capitalismo de reação do próprio sistema à crise de acumulação
advinda do esgotamento do ciclo de expansão econômica do pós-guerra (1945-1975), os
“Anos de Ouro do Capitalismo”. O aumento da produção possibilitado pelo
desenvolvimento tecnológico, a diminuição da força de trabalho em função dos processos
de automação, o aumento da competição ocasionada pela expansão fordista periférica e a
diminuição da demanda por bens de consumo em função da conclusão da reconstrução da
Europa e do Japão ocasionaram uma superprodução, resultando na crise dos anos 1970.

Em muitos dos países centrais o resultado foi o desmantelamento de seus parques


industriais, com aumento nas taxas de desemprego e a tentativa de realocação da força de
trabalho no setor de serviços (DEÁK, 2016). Talvez o exemplo mais emblemático dessas
transformações tenha sido Detroit, nos Estados Unidos. Essa cidade, que chegou a ser o
maior centro produtor automotivo estadunidense, perdeu 170 mil empregos industriais
em função da reestruturação mundial da indústria automotiva nos anos 1970 e 1980,

97 Ver nota de rodapé número 9.

104
ocasionando um processo de decadência econômica, levando a perda de empresas
subsidiárias (50%) e população (27%) (HILL e FEAGIN, 1987).

Para alguns autores marxistas, esse deslocamento da produção do setor industrial


para o setor de serviços é um grande problema, tendo em vista que não está diretamente
relacionada à produção de bens materiais, caracterizando por ser um crescimento
incontrolado de atividades improdutivas. Mandel (1982) considerava que esse fenômeno
do crescimento do setor terciário em detrimento do industrial seria o prenuncio do fim do
capitalismo, daí a denominação que ele fez desse estágio de desenvolvimento de capitalismo
final (Spätkapitalismus), comumente traduzido como capitalismo tardio, que não é a mais
adequada a nosso ver, pois pode ter a conotação de atrasado.

Como reação à crise houve a ascensão do ideário Neoliberal. Os ideais do Estado


Keynesiano, promotor do desenvolvimento econômico, e do Estado do Bem-Estar Social,
provedor de políticas sociais, começaram a ser questionados em função de seus gastos
frente às crises fiscal e inflacionária. A ascensão ao poder de Margareth Thatcher no
Reino Unido (1979-1990) e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989) marcou a
ruptura do modelo de desenvolvimento estabelecido, ocasionando a implantação do
Estado Neoliberal e da política macroeconômica monetarista, que posteriormente foi
copiado por vários países do mundo.

Thatcher assumiu o governo prometendo reformular o Estado britânico,


diminuindo radicalmente sua presença e intervenção na economia, reforçando também o
poder das ações individuais sobre as questões sociais, às vezes até negando a existência de
“tal coisa como a sociedade”:

I think we have gone through a period when too many children and
people have been given to understand “I have a problem, it is the
Government’s job to cope with it!” or “I have a problem, I will go and
get a grant to cope with it!” “I am homeless, the Government must
house me!” and so they are casting their problems on society and who is
society? There is no such thing! There are individual men and
women and there are families and no government can do anything
except through people and people must look to themselves first98
(THATCHER, 1987, negrito nosso).

98Eu acho que nós passamos por um período em que muitas crianças e pessoas foram dadas a entender “Eu
tenho um problema, é trabalho do Governo lidar com ele!” ou “Eu tenho um problema, eu irei obter uma
auxílio para lidar com ele!”, “Eu sou um sem-teto, o Governo deve me abrigar!”, e por isso as pessoas estão
colocando os seus problemas na sociedade e o que é a sociedade? Não existe tal coisa! Há homens e mulheres
individuais e há famílias e nenhum governo pode fazer nada a não ser através de pessoas e as pessoas têm de
cuidar de si mesmas em primeiro lugar (THATCHER, 1987, tradução nossa).

105
No seu discurso inaugural como presidente dos Estados Unidos, Reagan culpava o
governo pela crise econômica, em função de seus gastos maiores que a arrecadação,
minando as possibilidades dos indivíduos em progredir. Baseado em um discurso de
equidade, defendeu que nenhum grupo social deveria arcar com custos maiores do que os
demais, abrindo espaço para sua política fiscal regressiva e colocando o governo a serviço
das grandes corporações e da elite estadunidenses:

[…]In this present crisis, government is not the solution to our


problem; government is the problem (negrito nosso). From time to
time we've been tempted to believe that society has become too complex
to be managed by self-rule, that government by an elite group is
superior to government for, by, and of the people [...] The solutions we
seek must be equitable, with no one group singled out to pay a
higher price (negrito nosso) […] Well, this administration's objective
will be a healthy, vigorous, growing economy that provides equal
opportunities for all Americans, with no barriers born of bigotry or
discrimination [...] We are a nation that has a government—not the
other way around [...] It is time to check and reverse the growth of
government, which shows signs of having grown beyond the
consent of the governed (negrito nosso)[…] It is no coincidence that
our present troubles parallel and are proportionate to the intervention
and intrusion in our lives that result from unnecessary and excessive
growth of government... So, with all the creative energy at our
command, let us begin an era of national renewal. Let us renew our
determination, our courage, and our strength. And let us renew our faith
and our hope99 (REAGAN, 1981, negrito nosso).

As medidas econômicas de cunho neoliberal de ambos governantes, que ficaram


conhecidas como Reagonomics e Thatcherism, defendiam os interesses do capital, através da
desregulação dos mercados de capitais e do trabalho, diminuição de impostos sobre a
renda e sobre os ganhos de capital. Para alcançar o equilíbrio fiscal, já desequilibrado,
porém aumentado em função dessas desonerações, propunham cortes profundos nos
gastos públicos: políticas sociais foram terminadas, empresas estatais foram privatizadas,
a economia e o mercado de trabalhos passaram por um processo de desregulação,
sindicatos foram desarticulados, todas as ações numa tentativa de recuperar os níveis de

99 Na presente crise, o governo não é a solução para o nosso problema; o governo é o problema. De vez em
quando temos sido tentados a acreditar que a sociedade tornou-se muito complexa para ser gerido pelo
autogoverno, que o governo por um grupo de elite é superior ao governo para, pelo, e das pessoas [...] as
soluções que procuramos devem ser equitativas, sem que um determinado grupo pague um preço mais alto
[...] Bem, o objetivo desta administração será uma vigorosa, saudável e crescente economia que ofereça
oportunidades iguais para todos os americanos, sem barreiras nascidas da intolerância ou da discriminação
[...] Nós somos uma nação que tem um governo, não o contrário [...] é hora de verificar e reverter o
crescimento do governo, que mostra sinais de ter crescido além do consentimento dos governados [...] não
é por acaso que os nossos problemas atuais sejam paralelos e proporcionais à intervenção e intrusão em
nossas vidas que resultam do crescimento desnecessário e excessivo do governo [...] Então, com toda a
energia criativa à nossa disposição, vamos começar uma era de renovação nacional. Renovemos a nossa
determinação, nossa coragem e nossa força. E vamos renovar a nossa fé e a nossa esperança (REAGAN,
1981, tradução nossa).

106
acumulação anterior à crise, ou nas palavras de Deák (2016) numa tentativa desesperada
de “remercadorização” da economia, ocasionando a concentração e a centralização de
capital e de renda, prolongando o endividamento como forma de financiamento do
consumo e deslocando o centro da produção da indústria para o setor de serviços.

Nesse aspecto, o problema do “governo grande” não foi diminuído, mas passou a
trabalhar a favor do capital. No caso estadunidense, a expansão do “warfare state”100, sob a
administração Reagan, custou aos cofres públicos um salto na dívida pública federal de
995 milhões de 2,87 trilhões de dólares entre 1981 e 1989, passando de 25 para 39% do
PIB (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2015).

As medidas de desregulação do mercado de capitais permitiram uma maior liberdade


de movimentação de um país para o outro a qualquer momento, sempre em busca de
maiores taxas de retorno. Este fato, associado às telecomunicações e aos novos
instrumentos financeiros, fez com que o mercado financeiro global aumentasse muito a
sua importância, superando em valor monetário o comércio internacional (importações e
exportações) (SASSEN, 1998), levando o economista francês François Chesnais (1998) a
denominar esse estágio do capitalismo de Regime de Acumulação Mundializado sobre
Dominância Financeira, fruto do neoliberalismo e da desregulamentação dos
movimentos de capitais, dos investimentos estrangeiros diretos e do comércio
internacional.

Atrás dessas ações existia a tese neoliberal do trickle down (efeito multiplicador,
difusor ou de espraiamento), que afirmava que a redução de impostos para as grandes
corporações e os mais ricos gerava um efeito de crescimento na economia como um todo,
que acabaria por beneficiar toda a sociedade, inclusive os mais pobres. Em 2014 essa tese
foi refutada por um dos órgãos responsáveis pela sua difusão. Estudo realizado pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico101 (OCDE), mostrou que a
economia britânica seria 20% maior naquela data se o fosso entre os mais ricos e os mais
pobres não tivesse aumentado desde os anos 1980 (THE GUARDIAN, 2014).

100 “Warfare state” (estado de guerra) é uma analogia com welfare state (estado do bem-estar), correspondendo
à expansão do complexo industrial militar estadunidense no período da Guerra Fria através de pesado
financiamento do Governo Federal. Na era Reagan correspondeu ao programa Iniciativa Estratégica de
Defesa (Defense Strategic Initiative), aumentando os gastos em 40%, chegando a US$ 456.5 bilhões
(SCHNEIDER e MERLE, 2004).
101 A OCDE é um organismo internacional e um dos principais bastiões da economia de mercado, através da

consultoria, difusão de estudos e estatísticas sobre políticas econômicas.

107
Figura 3.1: Meme satirizando a política econômica de Reagan.

Autor: Diane Walker, 1981102.

Harvey faz uma boa análise dos resultados dessas políticas neoliberais,
principalmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, conforme pode ser visto abaixo:

In spite of all the rhetoric about curing sick economies, neither Britain
nor the USA achieved high levels of economic performance in the 1980s,
suggesting that the neoliberalism was not the answer to the capitalists'
prayers. To be sure, inflation was brought down and interest rates fell,
but these were all purchased at the expense of high rates of
unemployment […] Cutbacks in state welfare and infrastructural
expenditures diminished the quality of life for many. The overall result
was an awkward mix of low growth and increasing income
inequality103 (HARVEY, 2005a, p. 88, negrito nosso).

102 Disponível em: <http://griperblade.blogspot.com.br/2013/01/fiscal-cliff-deal-demonstrates-


fantasy.html>. Acesso em: 10 Jun. 2016.
103 Apesar de toda a retórica sobre a cura de economias doentes, nem a Grã-Bretanha, nem os Estados

Unidos alcançaram altos níveis de desempenho econômico na década de 1980, sugerindo que o
neoliberalismo não era a resposta às orações dos capitalistas. Com certeza, a inflação foi trazida para baixo e
as taxas de juros caíram, mas isto foi conseguido à custa de elevadas taxas de desemprego [...] Cortes no
estado bem-estar social e nas despesas em infraestrutura diminuíram a qualidade de vida para muitos. O
resultado global foi uma mistura estranha de baixo crescimento e aumento da desigualdade de renda
(HARVEY, 2005a, p.88, tradução nossa).

108
3.4. O neoliberalismo na política urbana: planejamento estratégico e
grandes projetos urbanos
3.4.1. O Neoliberalismo na Política Urbana

Com a crise econômica das décadas de 1970 e 1980 e a ascensão do ideário


neoliberal, o modelo de planejamento integral, baseado em um plano global para a cidade
em suas as diversas escalas e setores, com a previsão de seus respectivos investimentos,
começou a ser revisto.

Pouco a pouco as municipalidades de vários países centrais passaram a adotar um


novo modelo de administração e de planejamento urbanos, com o mote principal de
superação da crise e com o objetivo de se colocarem como agentes na disputa pela
captação de capital internacional flutuante, abandonando o sistema de regulação do
desenvolvimento urbano estabelecido. A maneira com que os órgãos públicos passaram a
ver o urbanismo e o planejamento urbano mudou do controle à produção do espaço,
através da legislação urbanística de uso e ocupação do solo, para um enfoque
“mercadológico” de estímulo ao desenvolvimento imobiliário e à atração de empresas,
muitas vezes negligenciando os impactos locais.

Assim sendo, com a declarada intenção de reverter o processo de decadência


econômica ocasionada pelo êxodo das atividades industriais em um período de grande
concorrência, as cidades desenvolveram estratégias políticas, econômicas e culturais para
atrair novos investimentos, numa tendência que foi denominada por Hedley Smyth de
“marketing urbano” (1994). Grupos empresariais e governos locais mobilizaram-se para
facilitar a atração de capitais, estimulando o mercado imobiliário, em um tipo de coalizão
denominado por Logan e Molotch (1987) de a “Máquina do Crescimento Urbano” (Urban
Growth Machine).

Os métodos mudaram da análise da demanda, plano diretor e orçamento de longo


prazo para a análise de mercado, negociação e programação financeira de projetos
específicos (FAINSTEIN, 1991). Os urbanistas ficaram presos à lógica do “fundo do
poço”, flexibilizando as leis em troca do compromisso dos empresários de investirem no
local. Os governos municipais atuaram basicamente de duas maneiras:

1. Através da desregulação e flexibilização da legislação urbanística e de uso e


ocupação do solo, a fim de facilitar a atração de novos empreendimentos
imobiliários;

109
2. Financiamento público desses projetos, através de diversas formas, tais como
parcerias público-privadas, financiamento direto, subsídios, incentivos fiscais,
concessões financeiras ou de usufruto.

O Reino Unido foi um dos maiores exemplos dessas alterações na política urbana. A
legislação urbanística, que desde a Lei de Planejamento Urbano e Rural de 1947 (Town
and Country Planning Act) regulava fortemente o uso e ocupação do solo em benefício do
interesse público, foi radicalmente flexibilizada na Lei de Planejamento do Solo de 1980
(Land Planning Act) com a criação das Zonas de Empreendimento (Enterprise Zones) e das
Zonas de Planejamento Simplificado (Simplified Planning Zones), que simplificaram ou
eliminaram de vez as restrições de uso e ocupação do solo em determinadas áreas
obsoletas como portos e distritos industriais com a finalidade de atrair novos usos e
investimentos (REINO UNIDO, 1989)104.

Com o intuito de facilitar o processo de renovação urbana, atrair empreendimentos e


eliminar eventual oposição da população local, foram criadas as Áreas de
Desenvolvimento Urbano (Urban Development Areas), cujos empreendimentos não
necessitavam de aprovação dos governos locais, e as Corporações de Desenvolvimento
Urbano (Urban Development Corporations), cuja função seria elaborar um plano de ocupação
para essas áreas, incorporar os terrenos, dotá-las de infraestrutura e vendê-las para a
iniciativa privada105. Seguindo essa tendência, várias cidades americanas também criaram
as suas companhias de desenvolvimento local (SMITH e FEAGIN, 1987).

A França, que influenciou os urbanistas de vários países do mundo na proposição de


instrumentos de reforma urbana, inclusive o Brasil, seguiu a mesma tendência de
flexibilização da legislação urbanística nessa época. O Teto de Densidade Legal (Plafond
Légal de Densité), principal instrumento urbanístico de combate à especulação imobiliária
estabelecido em 1975 para toda a França, tornou-se opcional e descentralizado. Entre as
razões para a sua revisão estava o fato de que ele trouxe um retorno financeiro bem menor
do que o esperado e causou um desincentivo na construção, reduzindo as densidades
populacionais das áreas centrais (REINO UNIDO, 1989).

104 Conforme a Lei de Planejamento do Solo de 1980, as Zonas de Empreendimento são designadas pelo
Secretário de Estado para o Meio Ambiente em antigas áreas industriais, zonas portuárias e orlas
ferroviárias nas quais determinados empreendimentos tinham alvará automático de construção e havendo
também incentivos fiscais para essas atividades. Já as Zonas de Planejamento Simplificado são iguais as
anteriores, porém designadas pelas autoridades locais (REINO UNIDO, 1989).
105 As Corporações de Desenvolvimento Urbano são corporações criadas para atuar nas Áreas de

Desenvolvimento Urbano, definidas pelo Secretário de Estado para o Meio Ambiente. Em 1989 eram em
número de seis: London Docklands, Merseyside, Black Country, Teeside, Tyne & Wear, Cardiff Docks
(REINO UNIDO, 1989)

110
Até mesmo a Holanda, considerada como o “paraíso dos planejadores”, acabou
transformando o seu sistema de planejamento, conforme o ideário neoliberal,
flexibilizando a legislação urbanística, desmantelando a atuação forte do Estado na
provisão de terra urbanizada e no financiamento à habitação social, estimulando a compra
do imóvel residencial e o mercado imobiliário, a ponto de, em 2008, o valor da isenção de
impostos sobre os juros das hipotecas ter atingido onze bilhões de euros (48 bilhões de
reais), valor cinco vezes maior do que o subsídio do Governo Central à habitação de
interesse social (NOBRE, 2014).

3.4.2. O Planejamento Estratégico de Cidades

Apesar de o início dessas transformações na política urbana ter ocorrido nos países
Anglo-Saxônicos, coube aos Ibéricos, mais especificamente aos Catalães a sua
conceituação teórica e difusão de seu modelo, a partir da experiência de Barcelona. A
organização dos Jogos Olímpicos de 1992 pela cidade, que resultou em grandes
transformações urbanas, foi uma experiência paradigmática que acabou influenciando a
gestão urbana de várias cidades espanholas, resultando na montagem do arcabouço
teórico do modelo de planejamento estratégico, posteriormente difundido pelas agências
multilaterais e consultoria dos catalães, principalmente para a América Latina (VAINER,
2000).

O Plano Estratégico Econômico e Social Barcelona 2000 foi desenvolvido em 1990 pela
municipalidade de Barcelona em conjunto com organizações representantes
principalmente dos setores empresariais da sociedade civil com o objetivo claro de
maximizar os efeitos econômicos advindos da organização dos jogos olímpicos, conforme
pode ser visto abaixo:

El Pla Estratègic i Social Barcelona 2000 és un instrument promogut


per l´Ajuntament de Barcelona i per les institucions econòmiques i
socials més representatives de la ciutat, amb l´object clar de donar
continuitat a l´impuls econòmic que la dinàmica pròpia de la preparació
dels Jocs Olímpics ha comportat106 (BARCELONA, 1990, p. 15).

106O Plano Estratégico Econômico e Social Barcelona 2000 é uma ferramenta promovida pela Câmara
Municipal de Barcelona e pelas instituições econômicas e sociais mais representativas da cidade, com o
objetivo claro de dar continuidade ao impulso econômico que a dinâmica da preparação dos Jogos Olímpicos
trouxe (BARCELONA, 1990, p. 15, tradução nossa).

111
Apesar do discurso, a participação popular não ocorreu, mas foi concentrada em
nove instituições convidadas107, representantes das empresas (cinco), das centrais sindicais
(duas), das entidades profissionais do setor econômico (uma) e das instituições acadêmicas
(uma). Com objetivo geral de “consolidar Barcelona como uma metrópole europeia
empreendedora, com um impacto na macrorregião onde está localizada geograficamente;
uma qualidade de vida moderna; socialmente equilibrada e fortemente enraizada na
cultura mediterrânica” (BARCELONA, 1990, p. 48, tradução nossa108), o plano se baseava
em três linhas estratégicas: configurar Barcelona como um dos centros de direção da
macrorregião; melhorar a qualidade de vida e o progresso pessoal; potencializar a
indústria e os serviços avançados das empresas.

Cada linha estratégica apresentava uma serie de ações, resultando em 59, resumidas
em: melhorias e ampliação dos sistemas viário e de transporte regional (aero-rodo-porto-
ferroviário) e local (ônibus e metrô), melhorias ambientais (redução da poluição, melhoria
do saneamento, consolidação de dez mil hectares de parques e áreas naturais), melhoria da
infraestrutura de telecomunicações, implantação dez novas áreas de centralidade,
construção de sete a oito mil unidades de habitação de interesse social, disponibilização de
duas mil unidades residenciais para idosos, fomento aos negócios, educação, cultura e arte
etc.

Em que pese a amplitude do plano, a base central concentrava-se em um vasto


programa de obras de infraestrutura, principalmente de transportes, e nas intervenções
urbanas associadas, com a criação de áreas para novos empreendimentos imobiliários de
negócios e residenciais, muitas das quais ligadas às obras dos Jogos Olímpicos109, que
podem ser vista na figura 3.2. Se do ponto de vista das obras de infraestrutura, o plano se
assemelhava aos planos diretores tradicionais, do ponto de vista de uso e ocupação do
solo, o plano nada mencionava, ficando afeito apenas às intervenções urbanas pontuais

107 Câmara Municipal de Barcelona; Câmara de Comércio, Indústria e Navegação; Consórcio da Zona
Franca; Feira de Barcelona; Confederação Nacional das Empresas; Porto Autônomo de Barcelona;
Confederação Sindical dos Trabalhadores; União Geral dos Trabalhadores; Conselho de Economia; e
Universidade de Barcelona.
108 Tradução de: “Consolidar Barcelona com una metrópole emprenedora europea, amb incidência sobre la

macroregió on geograficamente se situa; amb una qualitat de vida moderna; socialment equilibrada i
fortament arrelada a la cultura mediterrània” (BARCELONA, 1990, p. 48).
109 Ampliação do aeroporto; retificação do rio Llobregat; construção do túnel de Valvidera, anel viário da

Ronda, avenida Diagonal, anel viário do Litoral; remodelação da avenida Tarragona e da Estação de França;
eliminação da linha férrea; construção do Parque da Mídia, Museu de Arte da Catalunha, Anel Olímpico
(Estádio Olímpico, Palácios dos Esportes, urbanização da área olímpica), Casa da Caridade, Porto Vell,
Parque do Mar, Porto Esportivo, Vila Olímpica (habitações, escritórios, centro de convenções e
infraestrutura), Pista de atletismo-Pavilhão Vila Olímpica, Parque Auditório e Teatro Nacional;
implantação dos polígonos Padrosa, Badalona-Montigalá, do centro de negócios da Diagonal, área do Vale
de Hebron, construção de 5,3 mil quartos de hotel.

112
propostas. Isso porque a regulação de uso e ocupação do solo ainda seria definida a
posteriori nos planos territoriais regional e local, configurando algo que Ascher chamou de
urbanismo ad hoc .

Figura 3.2: Mapa das intervenções urbanas do Plano Estratégico, Econômico e Social: Barcelona 2000.

Fonte: Barcelona, 1990.

Segundo Borja e Castells (1997), a existência desse processo de planejamento


estratégico foi fundamental para a realização das obras necessárias para o evento,
ocasionando as transformações urbanas e se tornou um marco referencial para o
urbanismo. A partir dessa experiência, várias outras cidades espanholas desenvolveram
seus planos estratégicos, usando do “modelo Barcelona”. A definição desse processo
segundo esses autores encontra-se abaixo:

Strategic planning is a way of directing change based on participatory


analysis of a situation and its possible evolution and on drawing up an
investment strategy for the scarce resources available at the critical
points110 (BORJA e CASTELLS, 1997, p. 154).

Outro teórico e difusor do planejamento estratégico foi o arquiteto madrilenho José


Güell. Professor da Escola Superior Técnica de Arquitetura de Madri e ocupante de
vários cargos públicos nas administrações municipais espanholas, Güell escreveu o livro
Planificación Estratégica de Ciudades (1997) onde definiu o planejamento estratégico como
uma forma de gestão da mudança dentro de um “sistema contínuo de tomada de decisões
que envolvem riscos, identifica cursos específicos de ação, formula indicadores de

110 Planejamento estratégico é uma maneira de dirigir a mudança com base na análise participativa de uma
situação e sua possível evolução, e na elaboração de uma estratégia de investimento para os escassos
recursos disponíveis nos pontos críticos (BORJA e CASTELLS, 1997, p.154, tradução nossa).

113
acompanhamento dos resultados e envolve os agentes econômicos e sociais locais ao longo
de todo o processo” (GÜELL, 1997, p. 54, tradução nossa111).

De acordo com o autor, o Planejamento Urbano Estratégico (PUE) procura colocar


a cidade como um agente político ativo na competição com outras cidades pelo capital,
considerando o momento de crise, adotando para isso técnicas do planejamento
estratégico militar e empresarial.

No livro o autor destacava as qualidades na opinião dele desse planejamento em


relação ao planejamento tradicional, conforme tabela 3.1. O primeiro ponto, segundo o
autor, é que enquanto no planejamento tradicional, o enfoque era no produto (plano
diretor, lei de zoneamento), no PUE o enfoque é no processo, entendido como facilitador
da gestão urbanística. Dessa forma, ao invés de se comprometer formalmente com a
provisão de infraestrutura e equipamentos através de um documento publicado (o plano),
o poder público municipal ficava livre para negociar as ações conforme as negociações
com os atores envolvidos.

Tabela 3.1: Comparação entre os modelos de planejamento tradicional e o estratégico


Planejamento Tradicional Planejamento Estratégico
Predomínio do produto Predomínio do processo
Setorial Integrado e coordenado
Normativo Estratégico
Orientado a objetivos Orientado ao custo-benefício
Orientado à oferta urbana Orientado à demanda urbana
Sujeição aos limites administrativos Superação dos limites administrativos
Participação aberta Participação focalizada
Fonte: Güell, 1997.

A segunda questão, o enfoque integrado e coordenado em contrapartida ao enfoque


setorial, na medida em que os pontos típicos do planejamento tradicional como
infraestrutura, solo e equipamentos são substituídos por um viés mais integral, mas de
forte apelo economicista. O terceiro ponto diz respeito ao enfoque normativo do
planejamento tradicional em contrapartida ao enfoque “estratégico” do PUE.

Segundo o autor, a vantagem do segundo em relação ao primeiro, é a possibilidade


de adaptação das regras frente às diversas necessidades cambiantes em um mundo
globalizado de incertezas. O fator econômico aparece no quarto ponto, no qual o PUE é
orientado ao custo-benefício em contrapartida a orientação aos objetivos do planejamento

111Tradução de: “[…] sistema continuo de toma de decisiones que comporta riesgo, identifica cursos de
acción específicos, formula indicadores de seguimiento sobre los resultados e involucra a los agentes sociales
y económicos locales al largo de todo o proceso” (GÜELL, 1997, p. 54).

114
tradicional. Dessa forma objetivos gerais e universais passam a ser questionados frente ao
seu retorno financeiro.

Isso leva à quinta diferença, pois, se no planejamento tradicional os planos eram


orientados a oferta de serviços urbanos (solo, infraestruturas e equipamentos), o PUE é
direcionado a atender às necessidades das demandas urbana, definida por Güell como os
cidadãos, empresas e turistas. O sexto ponto aponta para a superação dos limites
administrativos no PUE, tendo em vista a necessidade da sujeição dos assuntos locais às
questões de ordem regional e por vezes até global. Por fim, o autor propõe como uma
qualidade do PUE a participação focalizada em detrimento da participação aberta do
planejamento tradicional, em função da complexidade dos interesses e dos atores
envolvidos no desenvolvimento socioeconômico de uma cidade.
Assim sendo, autores influentes como Borja, Castells e Güell através da difusão
teórica e consultoria em PUE vieram a dar legitimidade ao processo de submissão do
processo de planejamento urbano aos interesses do capital, promovendo a revisão do
marco regulatório urbanístico a fim de atender aos interesses do mercado imobiliário,
substituindo o processo político de elaboração do plano por um processo tecnocrático
acordado entre os parceiros escolhidos a dedo.

3.4.3. Os Grandes Projetos Urbanos

A adoção do planejamento estratégico, da flexibilização da legislação urbanística, a


promoção do marketing urbano e a formação das coalizões de crescimento em um período
de boom econômico pós-desregulamentação financeira, caracterizado pela facilidade de
obtenção de empréstimos bancários a baixas taxas de juros, fizeram com que várias
cidades dos países centrais apresentassem um grande ciclo de crescimento imobiliário nas
décadas de 1980 e 1990.

Antigas áreas industriais, instalações portuárias e orlas ferroviárias obsoletas,


terrenos vagos e áreas decadentes deram lugar a grandes complexos imobiliários de novos
centros de negócios e de turismo, shopping centers, hotéis, centros de convenções,
marinas, restaurantes, complexos poliesportivos, parques temáticos, conjuntos
habitacionais de alto padrão, que passaram a representar a forma de intervenção urbana
característica desse período neoliberal, como nos casos do Porto de Baltimore, Docas
Londrinas, Battery Park City em Nova Iorque, La Defènse em Paris, Vila Olímpica em

115
Barcelona, Kop van Zuid em Amsterdã, Potzdamer Platz em Berlim (figura 3.3.) e Puerto
Madero em Buenos Aires.

Esse tipo de intervenção urbana ficou conhecido por diversas denominações: Large-
Scale Metropolitan Projects (BORJA e CASTELLS, 1997); Mega-Projects (ALTSHULER e
LUBEROFF, 2003; FAINSTEIN, 2009); Large-Scale Urban Development Projects
(MOULAERT, RODRIGUEZ e SWYNGEDOUW, 2002), Grandes Proyectos Urbanos
(LUNGO, 2007) e Grandes Projetos Urbanos112 (NOVAIS, OLIVEIRA, et al., 2007;
ULTRAMARI e REZENDE, 2007; NOBRE, 2009b; CUENYA, NOVAIS e VAINER,
2013; ZANCHETI, 2014). Segundo Vainer (2013), se para o planejamento urbano
tradicional, compreensivo e racionalista, o plano diretor e o zoneamento eram os
principais instrumentos, para o planejamento estratégico, o Grande Projeto Urbano
(GPU) ou Master Project e a flexibilidade regulatória assumem esse papel (VAINER,
2013).

Figura 3.3: Potzdamer Platz, Berlim.

Fonte: o autor, 2002.

112No Brasil, a difusão do termo GPU (Grandes Projetos Urbanos) iniciou-se a partir da Sessão Livre
Grandes Projetos Urbanos: O que se pode aprender com a experiência brasileira? ocorrida no X ENANPUR
(Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regional) na cidade de Belo Horizonte em 2003. A partir da articulação dessa Sessão foi iniciada uma
pesquisa de mesmo nome, financiada pelo Lincoln Institute of Land Policy – LILP, e coordenada pelo
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
IPPUR/UFRJ.

116
Logicamente, que as grandes intervenções urbanas não são exclusividade do
momento atual. Já citamos anteriormente a figura do Barão de Haussmann, em Paris, e
Robert Moses em Nova Iorque, que, em momentos distintos comandaram uma serie de
obras que transformaram por completo a estrutura urbana de suas cidades (capítulo 2).
Contudo, as intervenções urbanas de ambos encontravam-se dentro de um contexto de
pensamento racionalista integral da cidade e, por mais que tenham resultado em forte
valorização imobiliária, indo ao encontro dos interesses do mercado imobiliário, elas não
se limitavam a uma área específica, e sim procuravam estruturar a cidade como um todo.

O segundo Pós-Guerra também apresentou uma nova leva de grandes intervenções


urbanas baseadas nos preceitos modernistas dos CIAM (Congressos Internacionais de
Arquitetura Moderna) e da Carta de Atenas, principalmente a partir da reconstrução dos
centros das cidades europeias destruídas pela guerra ou na renovação urbana das áreas
centrais “degradadas” estadunidenses (RAPKIN, 1980; OECD, 1983; NOBRE, 1994).

Contudo, os GPU contemporâneos, mesmo sendo um instrumento de abertura de


uma nova fase de expansão do capital imobiliário como as demais intervenções foram na
sua época, apresentam uma série de características típicas da atualidade, conforme pode
ser averiguado na revisão da literatura especializada.

Em primeiro lugar aparece a questão do papel do Estado e da iniciativa privada na


formulação e implantação do GPU. A necessidade de formulação dos GPU baseia-se na
tese neoliberal de que a crise econômica minou a capacidade de investimento global do
Estado. Por consequência, é necessária a maximização dos investimentos e esforços na
focalização em projetos fragmentários e localizados. Os parceiros privados são
considerados como condição sine qua non para a implantação dos GPU e serão assimilados
pelas mais diversas formas de parceria. O Estado passa então a ser o incentivador e
fomentador ao desenvolvimento, estabelecendo a parceria com a inciativa privada
(ROBINSON, 1989; FAINSTEIN, 1991).

Contudo, isso não quer dizer que o Estado não investirá no GPU. Pelo contrário o
GPU passa a ser a desculpa ideológica para o Estado concentrar os seus investimentos na
área específica do projeto, em detrimento das demais regiões da cidade.

A segunda questão, que deriva da primeira, é a questão da competitividade e do


empreendedorismo urbanos em tempos de crise econômica. Vários autores ressaltam o
discurso presente na formulação dos GPU como a única oportunidade das cidades em
buscar capital, novas empresas e consumidores solventes em um período de competição

117
acirrada da globalização econômica, fazendo com que esse modo de intervenção seja típico
do neoliberalismo (HARVEY, 1989b; BORJA e CASTELLS, 1997; PORTAS, 2003;
LUNGO, 2007).

Nesse aspecto, o discurso dos GPU se assemelha muito ao slogan político TINA
(“There is no alternative”) de Margareth Thatcher, pós-queda da União Soviética, segundo
o qual não haveria alternativa econômica possível ao capitalismo, e por consequência, nem
alternativa política ao neoliberalismo, ou seja, ao seu Governo. Esse fator inexorável dos
GPU pode ser visto no parágrafo abaixo de Mário Lungo:

Muchos macroproyectos son vistos como la única alternativa o el


costo inevitable (negrito nosso) que tiene que pagar la ciudad o la
sociedad para generar un ambiente atractivo en un contexto en el que las
ciudades compiten cada vez más por un número reducido de
inversionistas externos113 (LUNGO, 2007, p. 296, negrito nosso).

Esse discurso da necessidade inexorável do GPU funciona como uma estratégia


ideológica para o convencimento da população na formação de consenso, o que Vainer
(2000) definiu como “patriotismo urbano”, fazendo com que qualquer pessoa ou grupo
social que faça oposição a sua implantação seja desqualificado, trazendo riscos à
democracia urbana.

Essa necessidade de formação de consenso também explica a “participação


focalizada” nos atores sociais “que importam” no processo de elaboração do plano
defendida por alguns autores (BORJA e CASTELLS, 1997; GÜELL, 1997). Essa busca
pelo capital internacional faz com que as relações de poder envolvidas em um GPU sejam
transescalares, ou seja, se relacionem com diversas escalas, do local ao global, de maneira
que os GPU se tornem um instrumento de submissão do poder local aos interesses
globais, leia-se, capital financeiro internacionalizado.

O terceiro ponto bastante presente é a flexibilidade regulatória e a necessidade de


novos instrumentos urbanísticos, julgados necessários para a criação de um ambiente
favorável à atração dos investimentos (PORTAS, 2003; LUNGO, 2007; VAINER, 2013).
Nesse aspecto, a regulação urbanística “determinista” do período anterior, baseado no
zoneamento funcionalista, é considerada um empecilho e deve ser substituída por um
marco regulatório flexível, que se adapte às necessidades do momento. O projeto deve ter
um grau de indefinição, mais baseado em imagens midiáticas que permitam uma pré-
visualização dos resultados para gestores e parceiros, o que Portas (2003) define como

113 Muitos megaprojetos são vistos como a única alternativa ou o custo inevitável que a cidade ou a
sociedade tem que pagar para criar um ambiente atraente em um contexto em que as cidades estão cada vez
mais competindo por um pequeno número de investidores externos (LUNGO, 2007, p. 96, tradução nossa).

118
meta-projeto, do que na própria definição física do projeto, que será resolvido somente na
hora da implantação.

Isso, contudo, não quer dizer que os projetos urbanístico e/ou arquitetônico não
sejam importantes. Pelo contrário, vários autores ressaltam a importância de contratação,
no momento adequado, de arquitetos do star system para o desenvolvimento de projetos
emblemáticos e arrojados como estratégia de marketing para promover a imagem dos
empreendimentos a serem realizados, atrair investidores e facilitar a sua posterior venda.

Já com relação à legislação urbanística, essa deve ser revista, através da criação de
novos instrumentos urbanísticos que serão utilizados no GPU. Isso é importante, pois os
instrumentos de flexibilização serão utilizados apenas na área do GPU para ali criar as
condições específicas para uma valorização diferencial dos empreendimentos, favorecendo
a sua viabilização.

O quarto ponto importante na definição dos GPU é a questão da escala e o seu


impacto no entorno. Sendo o GPU uma intervenção fragmentária e local, em
contraposição às intervenções compreensivas e globais dos períodos anteriores, um dos
racionais para a sua execução reside no poder multiplicador e de difusão dos efeitos
“benéficos” do projeto para a área do entorno (o efeito trickle down). Dessa forma, o GPU
dever ter um tamanho suficiente para que ocasione transformações significativas no uso e
no valor do solo da área de implantação e do seu entorno.

Apesar de não existir consenso no tamanho da intervenção e nem no seu valor,


alguns autores se arriscam na sua definição. Altshuler e Luberoff (2003), por exemplo,
consideram que os GPU devam envolver a instalação de infraestrutura, equipamentos e
preparação de áreas para o desenvolvimento imobiliário com o custo mínimo de 250
milhões de dólares (1,2 bilhões de reais114).

Moulaert, Rodriguez e Swyngedouw (2002) consideram os GPU como a principal


forma de intervenção urbana para a transformação das áreas obsoletas da sociedade
industrial europeia. Nesse aspecto, os GPU seriam utilizados principalmente para
promover a renovação urbana dos antigos distritos industriais, portos, orlas marítimas e
ferroviárias, etc.

114O valor em reais foi calculado a partir da atualização monetária de 250 milhões de dólares de 2002 para
maio de 2018 (342 milhões de dólares de acordo com o site http://www.usinflationcalculator.com/) e
posterior conversão destes em reais pela taxa do dia 15 de maio de 2018 pelo site de Conversão de Moedas
do Banco Central do Brasil (http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp).

119
Dessa forma, os GPU se configuram como a oportunidade de se criar as condições
físicas necessárias para iniciar uma nova fase de desenvolvimento econômico-imobiliária,
baseados nas parcerias público–privadas, privatização dos fundos públicos,
desenvolvimento imobiliário e projetos emblemáticos.

Por fim, a principal justificativa ideológica para a reformulação da política urbana,


para a adoção do PUE e dos GPU foi que uma vez alteradas as características negativas
das áreas deterioradas e abandonadas pela reestruturação econômica, elas naturalmente
atrairiam investimentos da iniciativa privada, resultando em melhorias para a comunidade
(REINO UNIDO, 1994). Contudo, o abandono das políticas sociais anteriores, baseadas
em programas da erradicação da pobreza, em prol da adoção dos programas de fomento à
expansão dos negócios e à atração de investimentos, drenando capitais para o mercado
imobiliário, levou os governos dos países centrais a abandonarem o seu papel de Estado
Bem-Estar Social e se transformarem em agentes fomentadores do crescimento
econômico, com graves consequências sociais para a população menos favorecida dessas
cidades. Vários autores (ROBINSON, 1989; JUDD e PARKINSON, 1990; REINO
UNIDO, 1994) apontaram para o fato de existirem “vencedores” e “perdedores” nesse
processo. Os principais beneficiários foram os proprietários de terra, empreendedores
imobiliários e turistas, ao passo que as demandas legítimas por emprego, moradia, saúde e
educação da população local de baixa renda deixaram de ser supridas (ROBINSON, 1989,
p. 41), conforme será visto na próxima seção.

3.4.4. Um modelo de “como não promover a renovação de uma área urbana”: o


caso das Docas Londrinas

Com o título acima, o urbanista George Nicholson apresentava um artigo em que


tecia pesadas críticas a um processo de renovação urbana em curso no final da década de
1980 no periódico Town & Country Planning, da Associação de Planejadores Urbanos e
Rurais do Reino Unido (1989). Nicholson, assim como vários outros pesquisadores e
urbanistas da época, chegava às suas conclusões após analisar uma das experiências mais
emblemáticas e polêmicas dos GPU mundialmente difundida: a renovação urbana das
Docas Londrinas no vale do rio Tâmisa.

O Tâmisa foi ao longo da história de Londres o seu principal elemento estruturador.


Foi às suas margens que os Romanos fundaram a cidade de Londinium no ano de 43 D.C.,
e onde, ao longo de aproximadamente cinquenta dos seus 346 quilômetros, o grande

120
poderio econômico britânico historicamente se localizou, resultando na metrópole atual de
8,4 milhões de habitantes.

Mais ou menos ao centro desse percurso localiza-se o local de fundação da cidade,


que hoje faz parte da Cidade de Londres (City of London ou simplesmente The City), um
dos mais importantes centros financeiros do mundo, junto com Nova Iorque e Tóquio. A
oeste, na Cidade de Westminster, fica o centro do poder político britânico rodeado pelos
bairros da elite. A leste, onde o Tâmisa se aproxima da desembocadura junto ao Mar do
Norte e onde o rio tem maior calado e largura, o porto se estruturou junto com os
armazéns e indústrias correlatas, cercados pelos bairros operários.

Essa região conhecida por London Docklands (Docas de Londres) estende-se por
aproximadamente quinze quilômetros Tâmisa abaixo desde a ponte da Torre de Londres,
perfazendo uma vasta área de 2.226 hectares, sendo duzentos de diques, percorrendo os
municípios de Londres, Greenwich, Lewisham, Newham, Tower Hamlets e Southwark,
conforme figura 3.4.

A região começou a se desenvolver a partir do século XVIII, atingindo o máximo do


seu desenvolvimento no século XIX com o apogeu do Império Britânico, chegando a ser a
maior área portuária do mundo, com a sua forma urbana diferenciada, gruas, indústrias e
grandes armazéns em estilo georgiano, sistema viário desconexo e labiríntico e o
confinamento do Tâmisa por detrás dos grandes muros que fechavam as docas das
diversas companhias. Ao redor dessa área, bairros de operários da estiva e indústrias
correlatas cresceram, tornando-se um dos berços do trabalhismo115 inglês (HATTON,
1990).
A partir da década de 1960, o processo de conteinerização dos portos e a construção
da barragem do Tâmisa e do porto de Tilbury quarenta quilômetros rio abaixo,
decorrentes de uma legislação ambiental mais restritiva, ocasionaram o processo de
decadência da região, que culminou no fechamento total das docas na década de 1980,
perda de 100 mil empregos em atividades portuárias e paralelas e consequentemente
perda de 10 a 20% da população dos municípios circundantes (VASCONCELLOS, 1996).
O tamanho da área e o impacto negativo da sua degradação em toda a zona leste de

115 O Partido Trabalhista britânico (Labour Party) foi fundado em 1900, surgindo da união de diversas
representações operárias socialistas, como a Sociedade Fabiana e a Federação Socialdemocrata. Em 1997, o
líder e futuro primeiro-ministro, Tony Blair, conduziu o partido para uma posição mais ao centro do
espectro político, denominando de Novo Trabalhismo (New Labour) ao eliminar de seu estatuto a polêmica
Clausula 4 (Clause 4), que dizia ser objetivo do partido obter para os operários a propriedade coletiva dos
meios de produção, seja pelo intelecto ou pela força.

121
Londres fez das Docklands um assunto de interesse nacional, chamando a atenção do
governo central, além das municipalidades atingidas.

Figura 3.4: Perímetro das Docas Londrinas.

Fonte: Elaboração do autor, em cima de imagem do Google Earth, 2016.

Entre 1970 e 1980 vários planos foram elaborados para área tanto pelo Governo
Central, quanto pelo Greater London Council (GLC), a assembleia metropolitana londrina.
Apesar da pouca ação nesse período, a região começou a atrair a atenção da iniciativa
privada com alguns empreendimentos surgindo nas áreas mais próximas ao centro
londrino, como por exemplo, os projetos de habitação em Surrey, e o complexo
residencial, a marina, as lojas e os bares nas Docas de Santa Catarina.

A ascensão do governo Thatcher trouxe mudanças radicais na política urbana


inglesa (vide seção 3.4.1), modificando com isso o futuro das Docas. O GLC foi extinto
sob o motivo de que impunha entraves burocráticos ao desenvolvimento, mas na
realidade, a intenção foi de eliminar o foco de oposição trabalhista às novas políticas
conservadoras a serem implantadas (HATTON, 1990). A região das docas foi designada
como Área de Desenvolvimento Urbano (Urban Development Area – UDA) em 1980 e foi
criada a Corporação de Desenvolvimento das Docas Londrinas (London Docklands
Development Corporation – LDDC) no ano seguinte. Em 1982 foi estipulada uma Zona de
Empreendimento (Entreprise Zone – EZ) dentro dos limites da UDA. Essa zona teria
validade por dez anos, concedendo incentivos fiscais através da isenção de impostos
municipais e contribuições de melhoria para as empresas que nela se instalassem, além de
não exigir aprovação legal para a instalação de determinadas atividades e usos, tais como
indústria. Novamente, sob o pretexto de eliminar a burocracia (“cutting through the red
tape”), o Governo Central impôs medidas antidemocráticas se sobrepondo às
122
municipalidades, pois o processo de aprovação dos empreendimentos que ficava a cargo
destas passou a ser feito pela LDDC (BROWNILL, 1990).

A fim de desenvolver a área, a LDDC contava com uma verba anual do governo
central para adquirir as terras, demolir construções existentes, instalar infraestrutura e
vendê-las à iniciativa privada pelo maior valor proposto. Entre 1981 e 1991, ela já havia
recebido 1,1 bilhão de libras esterlinas (aproximadamente 10 bilhões de reais em maio de
2018116), tendo adquirido mais da metade da área da UDA por volta de 1988 (DCC, 1990).

Em função do tamanho da área das Docas e da sua complexidade e diversidade, o


LDDC dividiu a área em três grandes áreas, estabelecendo diferentes estratégias para
cada uma delas: Wapping and Limehouse e Surrey Docks, a oeste; no extremo leste, Royal
Docks; e no centro a Ilha dos Cães (Isle of Dogs), que concentrou a maioria dos grandes
empreendimentos comerciais devido ao fato de a maior parte da Zona de Empreendimento
estar localizada nessa área (figura 3.5). A região na verdade é uma península formada
pelos meandros do Tâmisa, que no apogeu do porto londrino, no século XIX, foi o coração
das docas, pois nela encontravam-se as docas das Índias Ocidentais e Orientais (West e
East India Docks).

Em 1982, a LDDC encomendou um plano para a área a um grupo chefiado por


Edward Hollamby, diretor de planejamento da LDDC, contando com a participação de
urbanistas famosos como David Gosling, diretor do curso de desenho urbano da
Universidade de Sheffield e Gordon Cullen, autor do livro Townscape (CULLEN, 1961).
Após vários estudos, desenvolveram o plano urbanístico final, prevendo a criação de um
eixo visual ligando os principais marcos referenciais da região117, percorrido por uma
linha de um VLT – veículo leve sobre trilhos, o Docklands Light Rail (DLR), manutenção e
valorização das águas barradas pelas docas através da disposição de bulevares e
ancoradouros para veleiros. Na apresentação final para o LDDC, no entanto, o plano foi
“engavetado”, sendo apenas acrescentado nos apêndices do relatório junto com outros
estudos, pois a questão estética não era fundamental conforme as palavras do secretário de

116 O valor em reais foi calculado a partir da atualização monetária de 1,1 bilhões de libras esterlinas de 1991
para 2017, 2 bilhões de libras esterlinas de acordo com o site Bank of England Inflation Calculator
(0https://www.bankofengland.co.uk/monetary-policy/inflation/inflation-calculator) e posterior conversão
destes em reais pela taxa do dia 15 de maio de 2018 pelo site de Conversão de Moedas do Banco Central do
Brasil (http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp).
117 Gordon Cullen e seu discípulo David Gosling apresentavam uma prática projetual calcada na análise

visual da paisagem e na criação de elementos focais ao longo dos percursos, através da técnica das "visões
seriais". Após uma exaustiva análise visual da região, propuseram um grande eixo visual que cortava a ilha
no sentido Sudeste–Noroeste desde o parque de Greenwich, do outro lado do Tâmisa, até o bairro de
Limehouse, e que ligava os principais marcos referenciais, edifícios históricos e espaços públicos da ilha e
fora dela.

123
Estado para o Meio Ambiente, Michael Heseltine (Heseltine apud. HATTON, 1990, p.
60): “Nós não estamos construindo a Paris de Haussmann”.

Figura 3.5: Zonas de Empreendimento e sistema de mobilidade na Ilha dos Cães

Fonte: Elaboração do autor, em cima de imagem do London Docklands Street Plan, 1996.

De fato, a posição do LDDC era permitir que os empreendimentos ocorressem a


qualquer custo, sem considerar os impactos negativos que esses teriam no futuro,
adotando uma postura totalmente “mercadológica”. Essa afirmação fica clara no
depoimento do presidente da corporação, Reginald Ward, a respeito da ausência de um
plano urbanístico:

124
It was essential to create the right atmosphere. We had to hype up the
place or the financial institutions would not have come [...] We are
managing uncertainty, but in the public sector, so much time is wasted
creating uncertainty. That is not what happens in the real world. We
have no land-use plan or grand design; our plans are essentially
marketing images.118 (Ward apud. HATTON, 1990, p. 62, negrito
nosso).

O naufrágio final do plano de Cullen e Gosling aconteceu com o empreendimento do


complexo de escritórios de Canary Wharf, que ocupava o limite superior da Ilha dos Cães.
Em 1987 a empreendedora Olympia & York Properties (O&Y), que já vinha do sucesso de
empreendimentos semelhantes, tal como o Battery Park City em Nova Iorque, apresentou
uma proposta para a região. A O&Y contratou o famoso escritório Skidmore, Owens &
Merrill (SOM) de Chicago para desenvolver um Plano Diretor para área, e os projetos de
arquitetura posteriormente foram desenvolvidos por vários escritórios famosos: Khon,
Pederson & Fox; I. M. Pei e Cesar Pelli Associates.

Ocupando 29 hectares do antigo cais, o projeto previa quase um milhão de metros


quadrados de escritórios, distribuídos em nove blocos de edifícios de oito a dez
pavimentos e uma torre central de cinquenta pavimentos, a maior da Europa na época
(figura 3.6), considerada psicologicamente importante para manter Londres como centro
comercial e financeiro mundial na competição com outras cidades europeias, tais como
Paris e Frankfurt. O plano da O&Y ia contra os principais pontos defendidos por Cullen e
Gosling. Além de criar um obstáculo ao eixo visual proposto pelos dois, o espaço criado
pelo empreendimento ocuparia parte das águas do dique existente e, além disso, os blocos
fechavam-se sobre si mesmos, criando espaços internos, negando o contexto urbano
exterior, inclusive o potencial paisagístico das águas.

Contudo, o maior problema da ausência de um plano urbanístico para o


empreendimento está relacionado com a acessibilidade e circulação na região, que
historicamente já apresentava uma carência nos sistemas viário e de transportes coletivos
(DCC, 1990). Com o desenvolvimento de grandes empreendimentos no local, essa
carência foi aumentada pelo novo fluxo de pessoas que eles ocasionaram. O DLR,
monotrilho proposto pela LDDC, não conseguiu suprir a demanda dos novos edifícios
comerciais, pois ele tinha sido projetado para atender a demanda das comunidades locais e
de empreendimentos mais modestos. Esse fato valeu críticas severas do Comitê

118Era essencial criar o ambiente correto. Nós tínhamos de alavancar o lugar ou as instituições financeiras
não viriam [...] Nós lidamos com incertezas, mas no setor público, muito tempo é gasto criando incertezas.
Não é assim que acontece no mundo real. Nós não temos nenhum zoneamento ou grande projeto; nossos
planos são essencialmente imagens de marketing [...] (Ward apud. HATTON, 1990, p. 62, tradução nossa).

125
Consultivo das Docas, órgão criado para analisar os impactos dos empreendimentos e
assessorar a LDDC:

The fragility of DLR, technically and physically unable to cope with the
demands on it, has become obvious with delays and breakdowns, a
regular occurrence […] The DLR is one among many examples of the
absence of strategic thinking in Docklands and the conflicts in land use
that inevitably arise from incremental decision-making119 (DCC, 1990, p.
40).

O sistema teve de sofrer duas reformas para aumentar capacidade, mesmo assim,
ficando muito aquém da capacidade necessária. Isso levou a O&Y a propor a extensão da
linha de metrô Jubilee que daria acesso da região ao centro, sendo que o custo seria pago
em conjunto pela empresa, poder público e LDDC. Várias obras viárias também foram
realizadas para facilitar a acessibilidade ao local, pois a Ilha dos Cães sempre apresentou
uma estrutura viária fragmentada e mal conectada com o sistema viário estrutural.

Figura 3.6: Empreendimento de Canary Wharf.

Autor: Nobre, 2014.


Em 1990, a previsão do gasto total necessário para todas as obras de transporte
coletivo e melhorias do sistema viário (aumento de capacidade do DLR, extensão da Linha
Jubilee, melhoria da via A13, construção da Via Expressa das Docas – Docklands Highway

119A fragilidade do DLR, tecnicamente e fisicamente incapaz de comportar a demanda, tornou-se óbvia com
os atrasos e enguiços de ocorrência regular [...] O DLR representa um dos vários exemplos da ausência de
um pensamento estratégico nas Docas e dos conflitos do uso do solo que surgem inevitavelmente no
processo decisório “incremental” (DCC, 1990, p. 40, tradução nossa).

126
– e dos túneis sob o Tâmisa) chegou a 2,4 bilhões de libras esterlinas (26 bilhões de reais
em maio de 2018120), sendo que a LDDC e o Departamento de Transportes foram
responsáveis por 80% desse total (DCC, 1990). A ausência de visão estratégica e o enfoque
puramente mercadológico do empreendimento acabaram por negar uma das
características mais fortes do planejamento urbano inglês do pós-guerra: a coerência entre
uso de solo e planejamento dos transportes. Esse fato foi bastante enfatizado pelo Comitê
Consultivo das Docas na sua análise crítica a respeito da atuação da LDDC:

[...] the abolition of strategic planning authorities and the general


weakening of the planning process have resulted in a strategic planning
vacuum. Most importantly, in this context, the relationship between
land use planning and transport provision has been ignored. Large scale
developments have taken place in Docklands such as that transport
provision has been unable to meet passenger demand. The piecemeal
solutions adopted afterwards to cope with this problem have resulted in
a poorly integrated transport system in terms respect of fares and
interchanges121 (DCC, 1990, p. 45).

Além dos impactos já analisados, existem muitas evidências de que esses GPU e a
reformulação das políticas urbanas ocorridos na década de 1980 agravaram os problemas
sociais existentes nas cidades, beneficiando as classes sociais mais abastadas e os
especuladores imobiliários em detrimento das comunidades locais de baixa qualificação.
Os gastos com a infraestrutura necessária para tais empreendimentos ocorreram a custa
de diminuição de verbas das áreas sociais, e mesmo o tão propalado efeito “capilar” (trickle
down), i.e. o conceito de que grandes projetos urbanos podem resultar em melhorias para a
população local, acabou não ocorrendo, resultando em manifestações populares das
camadas de mais baixa renda (PACIONE, 1990).

No caso das Docas, houve um aumento de desemprego da população local, devido à


sua baixa qualificação, tendo em vista que a maioria dos empregos gerados em
empreendimentos como Canary Wharf eram empregos que necessitava de mão-de-obra
altamente qualificada. Enquanto as firmas existentes, que acabaram sendo expulsas por
um processo de especulação imobiliária, empregavam 35% da mão-de-obra local, as novas

120 O valor em reais foi calculado a partir da atualização monetária de 2,4 bilhões de libras esterlinas de 1990
para 2017, 5,2 bilhões de libras esterlinas de acordo com o site Bank of England Inflation Calculator
(https://www.bankofengland.co.uk/monetary-policy/inflation/inflation-calculator) e posterior conversão
destes em reais pela taxa do dia 15 de maio de 2018 pelo site de Conversão de Moedas do Banco Central do
Brasil (http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp).
121 A abolição dos órgãos de planejamento e o enfraquecimento geral do processo resultaram em um vácuo.

Pior ainda, nesse contexto, a relação entre planejamento do uso do solo e provisão de transporte tem sido
ignorada. Empreendimentos de grande escala têm ocorrido nas Docas de tal forma que a provisão de
transporte não tem conseguido atender à demanda de passageiros. As soluções fragmentadas adotadas a
posteriori para lidar com esse problema resultaram em um sistema de transporte fracamente integrado com
relação às tarifas e interconexões (tradução nossa).

127
empresas de alta tecnologia e de emprego do colarinho branco que aí se instalaram
reduziram esse número para 13% (NICHOLSON, 1989).

Outro fator resultante desse GPU e da decorrente renovação urbana foi um


processo de gentrificação com a atração de uma nova classe abastada de jovens executivos,
que, atraída pela proximidade do trabalho e por novos valores culturais, acabou por se
instalar nessa região. Isso ocorreu geralmente através da conversão e transformação dos
armazéns e das construções históricas, adaptando-as a uma nova função residencial.
Processo semelhante ocorreu em outros GPU, cujos melhores exemplos são os bairros do
Soho em Nova Iorque e do Marais em Paris. Savitch fornece uma boa visão de como esse
processo ocorreu em Nova Iorque:

White-collar workers and professionals from the post-industrial sector


seek out residential space and in the process transform whole
neighborhoods with new tastes, habits, and purchasing power. Factory
lofts have been converted into fashionable apartments; warehouses have
been gutted and divided into cooperative apartments to be put for sale in
an expensive market; a new surge for speculation has occurred in
nineteenth-century "brownstone" and "graystone" townhouses; simple
shops have been remade into high-priced boutiques122. (SAVITCH, 1988,
p. 48)

Esse processo de elitização causou uma grande valorização imobiliária desses


bairros, que acabou por expulsar a população de rendas mais baixas. Isso pode ser checado
na variação do preço dos imóveis no caso das Docas: entre 1984 e 1987, o valor de um
apartamento de dois dormitórios no município de Tower Hamlets, historicamente de
classe operária, valorizou-se cinco vezes, passando de 40 mil para 200 mil libras esterlinas
(de 600 mil para 2,6 milhões de reais123), sendo que a renda média anual de um morador
da região era menos de 10 mil libras esterlinas (130 mil reais de 2018124)(DCC, 1990;
TALLON, 2010). Outro fator que ocasionou a expulsão da população local foi o tipo de
habitação que acabou sendo construída. Enquanto os relatórios dos governos locais
apontavam para a necessidade de construção de casas de aluguel para as famílias de baixa

122 Empregados e profissionais do colarinho branco do setor pós-industrial procuram áreas residenciais e no
processo transformam bairros inteiros com novos gostos, hábitos e poder de compra. Sótãos de fábricas são
convertidos em apartamentos da moda; armazéns são reformados e divididos em condomínios para serem
vendidos num mercado valorizado; uma nova onda de especulação tem ocorrido nas casas geminadas de
“brownstone” e “graystone” do século XIX; lojas simples foram refeitas em butiques caras (SAVITCH,
1988, p. 48, tradução nossa).
123 O valor em reais foi calculado a partir da atualização monetária dos valores em libras esterlinas de 1984 e

1987 para 2017, de acordo com o Bank of England Inflation Calculator


(https://www.bankofengland.co.uk/monetary-policy/inflation/inflation-calculator e posterior conversão
destes em reais pela taxa do dia 15 de maio de 2018 pelo site de Conversão de Moedas do Banco Central do
Brasil (http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp).
124 Idem à nota de rodapé anterior.

128
renda, o estoque construído nas Docas foi basicamente para a venda, chegando a 85% do
total (DCC, 1990).

Por fim, a expansão do mercado imobiliário está amplamente relacionada com os


ciclos de crescimento econômico. Nesse aspecto, a expansão dos GPU na década de 1980
nada mais foi que uma forma de atrair o capital financeiro flutuante através da produção
de um projeto urbano que agradasse às grandes corporações e às elites. Por esse motivo, o
mercado imobiliário ficou consideravelmente sujeito às variações do mercado financeiro.
Esse fator explica em parte o grande boom da década de 1980 em países como os Estados
Unidos e Reino Unido, onde a desregulação econômica e urbanística, crescimento do
mercado financeiro e facilidade para obtenção de empréstimos com baixa taxas de juros
valorizaram o mercado de edifícios de escritórios (FAINSTEIN, 1994).

Dessa forma, a expansão do mercado imobiliário nessa década ocorreu através da


criação artificial de demanda, pois os edifícios foram construídos por razões financeiras
(maiores taxas de retorno), e não por necessidades reais do mercado, levando à
desvalorização do estoque construído e ao crescimento das taxas de vacância nos edifícios
antigos. No caso das Docas Londrinas, esse fato pode ser visto nas palavras de Collin
Davies, arquiteto, escritor famoso dos principais periódicos ingleses de arquitetura e
professor da Polytechnic of North London:

O&Y reckons that the completed phase one – eight buildings containing
a total of 600,000 square meters (6,450,000 square feet) – is now 60
percent leased. That is a lot less than it would have been hoped for at the
beginning of the project, and it is common knowledge that the tenants
who have signed up have been enticed by very generous financial deals...
In other words, the project is self-justifying. It responds neither to
market forces nor to any identifiable need. It creates demand artificially.
Its very size means that it is likely to succeed, but if it does it will be at
the expense of other areas of the city, including other areas of
Docklands. In the long run that will be good for O&Y but bad for
London125 (DAVIES, 1992, p. 122).

Somem-se a esses fatores financeiros as pressões políticas que a O&Y sofreu para
realizar em Londres um empreendimento de porte que marcasse a administração

125A O&Y diz que a primeira fase completa [de Canary Wharf]– oito edifícios perfazendo um total de 600
mil m2 (6,45 milhões de pés quadrados) – encontra-se atualmente 60% alugada. Isso representa muito
menos do que o esperado no começo do projeto, e é de conhecimento comum que os locatários que
assinaram contrato foram atraídos por acordos financeiros bastante generosos... Em outras palavras, o
projeto se autojustifica. Ele não responde nem às forças do mercado, nem às necessidades identificáveis. Ele
cria demanda artificialmente. O seu tamanho parece significar que ele terá sucesso, mas se isso ocorrer será
à custa de outras áreas da cidade, incluindo outras áreas das Docas. Em longo prazo, o que for bom para a
O&Y, será ruim para Londres (DAVIES, 1992, p. 122, tradução nossa).

129
Thatcher, pois a LDDC encorajou a empreendedora a “pensar grande” (GORDON, 1997,
p. 259).

Analisando-se a variação das taxas de vacância dos edifícios comerciais de Londres e


Nova Iorque, pode-se checar a inter-relação do crescimento do mercado financeiro e do
mercado imobiliário. No período de boom financeiro da década de 1980, o mercado
imobiliário das duas cidades apresentou baixas taxas de vacância, que ficaram entre cinco
e 10% do total do estoque. A quebra da bolsa de valores na Segunda-Feira Negra (19 de
Outubro de 1987) pôs fim ao período de crescimento econômico, levando a perda de
empregos no setor que mais se beneficiou com a desregulamentação econômica. Londres e
Nova Iorque perderam cada uma aproximadamente 100 mil empregos no setor financeiro
(FAINSTEIN, 1994). O mercado imobiliário foi diretamente afetado pelo grande aumento
da vacância dos edifícios comerciais, que chegaram a duplicar, alcançando 20% do estoque
construído tanto em Londres quanto em Nova Iorque.

Em 1990, o Comitê Consultivo das Docas já apontava para o impacto negativo do


fim do período de crescimento econômico sobre o mercado imobiliário londrino:

At the end of this period, the old saw reasserted itself: markets can fall
as well as rise. High interest rates, an oversupply of office space and a
downturn in the national economy led to rapid cooling off in the
property market. Docklands now face an uncertain future126 (DCC, 1990,
p. 1).

Contudo, a maior evidência do fim do período dos “anos loucos” da década de 1980
foi a falência em 1992 da Olympia & York, empreendedora tanto do Battery Park City
como de Canary Wharf. Fainstein (1994) aponta para o fracasso desse último
empreendimento e para a decadência do mercado imobiliário comercial internacional
como algumas das principais razões para a derrocada da maior empreendedora comercial
do mundo.

A experiência das Docas Londrinas tornou-se um GPU emblemático, pois acabou


por ocasionar transformações profundas na estrutura urbana da metrópole londrina,
servindo de modelo para outros GPU ao redor do mundo. Passados trinta e seis anos do
início do processo, o East End londrino transformou-se por completo. Mas a que custo?
Conforme visto, o processo ocasionou uma serie de transformações espaciais, políticas,
econômicas e sociais.

126No fim desse período, antigas verdades reafirmaram-se: mercados podem cair, tanto quanto subir. Altas
taxas de juros, uma superoferta de espaço de escritórios, e um declínio da economia nacional levaram a um
esfriamento rápido no mercado imobiliário. As Docas enfrentam agora um futuro incerto (DCC, 1990, p. 1,
tradução nossa).

130
Em primeiro lugar, a implementação desse GPU representou a diminuição do
controle social e a eliminação do processo democrático de controle ao desenvolvimento
urbano, que tanto caracterizou o Reino Unido no Pós-Guerra127, a fim de atender aos
interesses financeiros, estabelecendo o que Vainer (2011) chamou de “democracia direta
do capital”. A supressão do processo tradicional de planejamento, baseado na
correspondência entre a capacidade de suporte dos sistemas de infraestrutura vis-à-vis o
adensamento do uso do solo, ocasionou grandes impactos na infraestrutura urbana,
principalmente nos sistemas transportes, cuja solução foi arcada na sua grande maioria
pelo poder público, contradizendo a retórica neoliberal. Esses fatores representaram uma
grande transferência dos fundos públicos, anteriormente destinados às políticas sociais,
para o suporte ao desenvolvimento imobiliário e de negócios na região.

Nesse aspecto, como pode ser visto, a grande “perdedora” foi a população local,
pobre e excluída, que não teve as suas necessidades supridas e ainda sofreu com o processo
de gentrificação. Conforme visto, o tipo de emprego gerado de alta qualificação não era
compatível com a formação profissional da população local, e a valorização imobiliária
ocasionada pelo GPU acabou por afugentar as empresas locais, aumentando o problema
de desemprego da população mais pobre.

O mercado imobiliário residencial sofreu um grande processo de valorização e tendo


em vista que a grande maioria das unidades produzidas era para a venda e não para
aluguel, esse processo acabou por expulsar boa parte da população de baixa renda que não
conseguiu arcar com os custos da valorização imobiliária. Esse aspecto associado ao fim da
política de habitação pública (Council Housing) e a sua privatização através do direito do
compra, ocasionaram o grande problema de déficit habitacional para a baixa renda no
Reino Unido, que persiste até os dias de hoje, sendo que de 1987 a 2010, enquanto a
inflação aumentou em duas vezes, o preço dos imóveis residenciais subiu seis vezes
(SHELTER, 2010).

Por fim, mesmo o mercado imobiliário comercial, que se recuperou nos anos 2000,
está entrando em nova crise, que deverá aumentar muito nos próximos anos em função do
Brexit, a recente saída do Reino Unido da União Europeia, que aumentará a competição
entre Londres, Paris e Frankfurt para ser a capital financeira da Europa.

127Apenas a título de curiosidade, na época em que o autor viveu no Reino Unido para realização de seu
mestrado (1993-1994), os Conselhos Municipais ainda consultavam a população sobre a aprovação de
projetos de novos empreendimentos. Quando vivíamos no bairro de Temple Cowley em Oxford, recebemos
carta do Departamento de Planejamento daquela cidade solicitando a nossa visita para opinarmos a respeito
de projeto de construção de um conjunto residencial a ser construído na vizinhança.

131
CAPÍTULO 4 – DO PLANO AO PROJETO: ASCENÇÃO DO
DISCURSO NEOLIBERAL E DOS GRANDES PROJETOS URBANOS
NA POLÍTICA URBANA PAULISTANA

4.1. Introdução
Conforme visto no capítulo 2, ao longo do século XX ocorreu a consolidação do
planejamento urbano em São Paulo, baseado em modelos urbanos e instrumentos
urbanísticos importados dos países centrais. Essa consolidação ocorreu a partir de um
discurso racionalista na lógica do Estado do Bem-Estar Social, sem que, contudo, o
resultado prático fosse a melhoria das condições de reprodução da classe trabalhadora.
Contudo, apesar de ser apenas um discurso, ainda existia um pretenso objetivo social
nesse discurso. A partir dos anos 1990, contudo, o discurso do planejamento urbano vai
sofrer influência das transformações do ideário do planejamento dos Países Centrais, que
já haviam se modificado na década anterior, conforme constatado no capítulo 3, adotando
os preceitos do ideário neoliberal, passando do planejamento urbano racionalista para o
planejamento urbano estratégico, com seus instrumentos de grandes projetos urbanos.
Esse capítulo analisará como se deu a entrada desse ideário no Brasil e especificamente em
São Paulo, a partir da formulação das ideias e da implementação das primeiras
experiências de parcerias público-privadas pelos órgãos de planejamento.

4.2. Neoliberalismo e Grandes Projetos Urbanos no Brasil


Uma década depois dos países centrais, o discurso do planejamento urbano no Brasil
adotou os ditames do Planejamento Urbano Estratégico e do seu principal instrumento, o
Grande Projeto Urbano, deixando de lado o ideário do planejamento urbano moderno
racionalista e sua utopia social. Vainer (2000) ressalta que a adoção desse novo ideário
urbanístico a partir da década de 1990 foi resultado da ação combinada das agências
multilaterais (BID, Banco Mundial e FMI) e de urbanistas consultores internacionais,
principalmente catalães, cujo marketing agressivo baseava-se no sucesso de Barcelona.

Essa reformulação usou como mote ideológico a grave crise que o país viveu na
Década Perdida, período de estagnação econômica, com forte retração da produção

133
industrial e aumento do desemprego, alta da inflação, aumento do déficit fiscal, problemas
de solvência externa, inclusive chegando a decretar a moratória de suas dívidas128.

Em que pese o fato de que a política urbana no Brasil nunca ter chegado de fato a se
desenvolver plenamente na doutrina do Estado do Bem-Estar Social em função das
próprias condições estruturais de pais periférico, a mudança no discurso é evidente como
pode ser vista no seguinte parágrafo:

Se durante largo período o debate acerca da questão urbana remetia,


entre outros, a temas como crescimento desordenado, reprodução de
força de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos
sociais urbanos, racionalização do uso do solo, a nova questão urbana
teria, agora, como nexo central, a problemática da competitividade
urbana (VAINER, 2000, p. 76).

Vainer (2000) afirma que a adoção desse paradigma de política urbana foi muito
presente na Cidade do Rio de Janeiro, que contou com a assessoria de consultores catalães
quando da elaboração de seu Plano Estratégico em 2000. Segundo ele, um consórcio
empresarial, em parceria com a Prefeitura e com associações patronais, conduziu o
processo de maneira absolutamente autoritária e fechada à participação de segmentos de
“escassa” relevância estratégica. Nesse processo, houve a transposição dos conceitos e
metodologias do planejamento estratégico empresarial para o espaço urbano. Dessa
forma, a cidade ganhava uma nova identidade, tornando-se uma empresa.

Como exemplo, cita que um dos problemas apontados pelo plano na questão da
promoção da cidade turística era “a forte visibilidade da população de rua” (Plano
Estratégico do Rio de Janeiro apud VAINER, 2000, p. 82). Ou seja, as políticas urbanas
deixavam de ser voltadas para todas as camadas da população, sendo direcionadas
somente àquelas que interessam, e, pior ainda, as camadas mais baixas deixam de ser alvo
de políticas públicas para se transformarem em problema para a promoção da cidade.

Conforme já visto, essa lógica de privilégio às elites já estava presente no modelo do


planejamento urbano racionalista. Contudo, no discurso, esse planejamento ainda se
pretendia universal, o que fazia com que houvesse algum tipo de ganho para as classes
mais excluídas. Agora o discurso do planejamento urbano passava a se assumir como

128O segundo choque do petróleo de 1979 ocasionou uma forte alta nas taxas de juros internacionais e,
como resultado, uma crise de pagamento por parte dos países endividados, deflagrada pela moratória
mexicana em 1982. Em função disso, vários países da América Latina, incluindo o Brasil, passaram da
condição de receptor para exportador de divisas, reduzindo suas taxas de investimento e apresentando forte
queda na produção industrial. Como resultado da falta de investimentos e da crise econômica, o PIB
declinou, apresentando um crescimento negativo de 7,9% de 81 a 83 (NOBRE, 2000, p. 81).

134
focalizado, fazendo com que a exclusão social passasse a ser aceita como resultado natural
da própria ação pública.

Ao comparar nove Grandes Projetos Urbanos129 realizados em oito cidades


brasileiras na década de 1990, Novais et al (2007) identificaram nesses projetos várias
semelhanças com os GPU realizados nos países centrais. Segundo eles:

Em sua maioria, os projetos analisados são justificados com base numa


perspectiva que atenta para uma situação de crise e que, por conseguinte,
supõe estratégias de superação. Os discursos acionados geralmente
descrevem a consolidação de um contexto político-econômico
caracterizado pelas noções de globalização, incerteza e competição entre
lugares (NOVAIS, OLIVEIRA, et al., 2007, p. 12).

Como nos projetos similares dos países centrais, os projetos foram financiados com
recursos públicos, que deixaram de ser investidos nas demandas reais da população, ou
com empréstimos, cujo fiador foi o Poder Público, comprometendo o seu nível de
endividamento. A valorização imobiliária foi observada na maioria dos casos, raramente
acompanhada de algum tipo de instrumento de captura da valorização imobiliária gerada
no processo. Contudo, a elitização dos espaços não foi condição necessária para o sucesso
de todos os projetos, mas sim, daqueles em que houve interesse e orientação política dos
seus promotores nesse sentido. Com relação ao controle social, a pesquisa demonstrou que
a necessidade de agilidade e aproveitamento de oportunidades justificou a diminuição do
controle social sobre todos os GPU analisados.

4.3. Neoliberalismo e Grandes Projetos Urbanos em São Paulo


Diferentemente da cidade do Rio de Janeiro, a inserção do neoliberalismo na
política e no planejamento urbano na cidade de São Paulo não se deu através do
Planejamento Estratégico Urbano e nem da consultoria de urbanistas catalães, mas
diretamente através da adoção dos GPU, na figura das Operações Urbanas Consorciadas
(OUC), a partir de estudos de instrumentos urbanísticos semelhantes utilizados nos países
centrais, que vinham sendo realizados desde a década de 1970.

A crise econômica da Década Perdida constituiu-se de mote ideológico para a


introdução do ideário neoliberal na política urbana paulistana ainda na década de 1980. Os

129Os nove GPU selecionados foram: Operação Urbana Faria Lima (São Paulo), Jogos Pan-Americanos (Rio
de Janeiro), Recuperação do Pelourinho (Salvador), Museu Niemeyer e Eixo Metropolitano (Curitiba), Ver-
o-Peso (Belém), Projeto Orla (Palmas), Centro Dragão do Mar (Fortaleza) e Caminho Niemeyer (Niterói).
Assim, como ponto de partida para o estudo dos casos, foram indicadas sete dimensões: política,
institucional, simbólica, arquitetônico-urbanística, fundiária, socioambiental e econômico-financeira.

135
vultosos empréstimos que o Estado brasileiro havia contraído nas décadas anteriores para
promover o “desenvolvimentismo” aliado ao aumento súbito das taxas de juros
internacionais em função da Crise do Petróleo, reduziram consideravelmente o poder de
investimento do setor público em todos os níveis da Federação. A poupança líquida e os
investimentos caíram vertiginosamente, inversamente ao pagamento do serviço da dívida
pública, conforme pode ser visto no parágrafo abaixo:

A poupança líquida do setor público cai vertiginosamente de 4,67% do


PIB em 1975 para 2,24% em 1980, tornando-se negativa em 1985. Os
investimentos públicos, que correspondiam em 1975 a 4,1% do PIB,
caíram para 2,3% em 1985, pequena taxa ainda assim mantida graças a
um déficit de 3,08% em relação ao PIB. [...] Em 1985, os juros da dívida
pública, externa e interna, já alcançavam mais de 10% do PIB e, não fora
a emissão de novos títulos, o seu pagamento deveria consumir mais de
50% da receita do setor público (SALLUM JÚNIOR e KUGELMAS,
1991, p. 151).

Além do que, nesse período, o sistema de distribuição de recursos fiscais era


concentrador em função da grande centralização do poder no Governo Federal promovida
pelo sistema político implantado em 1964, fato que duraria até a Constituição Federal de
1988 (AFFONSO, 1994). Nesse ano, a cidade de São Paulo apresentou o terceiro maior
déficit orçamentário entre os municípios brasileiros, seguindo o Rio de Janeiro e Maceió,
representando 36% de sua receita municipal, com uma dívida de 1,1 bilhão de cruzados
novos (4,6 bilhões de reais em 2018130), metade do total devido por todas as capitais do
país (MENEGHETTI NETO, 1991).

Frente às limitações orçamentárias, a necessidade de busca de novas formas de


captação de recursos passou a ser importante dentro da administração municipal,
principalmente no interior dos seus órgãos de planejamento. Essa busca culminou na
proposta de novos instrumentos urbanísticos, que buscassem formas alternativas para o
financiamento municipal, que viriam a culminar na criação da Operação Urbana na década
de 1990. A construção desse instrumento foi sendo lentamente desenvolvida a partir da
influência de técnicos que já conheciam instrumentos similares no exterior, de outros que
tomaram contato com esses instrumentos a partir dos intercâmbios internacionais, das
várias pesquisas resultantes desses intercâmbios e da experimentação e aplicação pelos
órgãos públicos de planejamento da cidade de São Paulo, conforme será visto a seguir.

130Esse valor foi atualizado pela correção da variação do (Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo
(IPC-SP) da Fipe entre junho de 1989 e maio de 2018, conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central
do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.

136
4.3.1. A Fase Prospectiva (1975-1985): da pesquisa de novos instrumentos
urbanísticos ao Plano Diretor 1985/2000

De 1975 a 1985, a Coordenadoria Geral de Planejamento (COGEP), que passaria a


se chamar Secretária Municipal de Planejamento (SEMPLA) em 1982, assumiu por
completo a sua função de principal órgão de planejamento do Munícipio de São Paulo,
desenvolvendo os estudos para a aprovação de um novo plano diretor e de novos
instrumentos urbanísticos. Durante esse período a equipe técnica foi expandida com a
contratação de diversos profissionais relacionados ao tema, mas principalmente arquitetos
e urbanistas. Contudo, apesar de terem sido realizados dois estudos para o plano diretor
em duas gestões diferentes nesse período, nenhum dos dois foi aprovado, corroborando a
tese de Villaça de que o planejamento urbano e seu principal instrumento de atuação, o
plano diretor, instituíam-se no Brasil enquanto discurso e que as ideias neles contidas
“passam a ser portadoras da ideologia dominante sobre os problemas que atingem as
maiorias urbanas” sem nenhum ou com pouco efeito prático, ao contrário do zoneamento
que vinha se desenvolvendo no sentido de assegurar os interesses das elites com relação
ao uso e ocupação do solo (VILLAÇA, 1999, p. 222).

De qualquer forma, os estudos realizados começaram a reconhecer os problemas


reais da urbanização periférica, da escassez de recursos e a formular várias hipóteses para
solucioná-lo. É nesse contexto que surgiram as primeiras propostas de parcerias público
privadas, sem que, contudo, fossem efetivadas nesse momento.

4.3.1.1. O Governo Olavo Setúbal (1975-1979) e a pesquisa de novos instrumentos


urbanísticos na COGEP e EMURB

A indicação do banqueiro Olavo Setúbal como prefeito para o Município de São


Paulo pela ARENA131 para o período de 1975 a 1979 parecia indicar uma transformação
no sistema de planejamento da cidade, pois se pretendia que a COGEP ganhasse papel de
destaque na estrutura municipal, deixando de ser um órgão-fim, exclusivo para elaboração
de planos e formulação da regulação de uso e ocupação do solo, e passasse a ser um órgão-
meio, formulador de uma política de desenvolvimento urbano, articuladora de políticas
setoriais, com o intuito de recuperar o déficit social da cidade (SÃO PAULO, 1980).

131A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi um partido político criado em 1965 para dar sustentação
política à ditadura militar instituída no Golpe de Estado de 1964, resultado do Ato Institucional nº 2 que
extinguiu o pluripartidarismo.

137
Com esse intuito, Setúbal nomeou Cândido Malta Campos Filho132 para o cargo de
secretário-coordenador da COGEP em 1976, substituindo Benjamin Adiron Ribeiro, que
havia entrado em choque com os interesses do mercado imobiliário em função do poder de
veto às mudanças no zoneamento que o cargo detinha.

Arquiteto e urbanista e professor de planejamento urbano da FAUUSP, Cândido já


havia trabalhado no Grupo Executivo de Planejamento da Grande São Paulo (GEGRAN)
na elaboração do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI)(CAMPOS
FILHO, 1978). Sobre sua orientação, a COGEP passou a pensar uma política integral de
desenvolvimento urbano, levando em consideração a questão financeira dos investimentos
necessários para a execução dessa política, conforme abaixo:

Quando eu recebi a COGEP do Benjamin [Adiron] Ribeiro, o que tinha


de conhecimento solidificado, muito bem construído institucionalmente
dentro da COGEP era o zoneamento, e as pessoas que estavam lá tinham
conhecimento aprofundado, uma prática sobre isso muito forte [...] essa
tradição eu recebi, mas ela era muito parcial, e que para que fosse
ampliada eu propus ao Setúbal, que concordou plenamente: “Você vai
pensar o futuro da cidade em todas suas dimensões”. Então foi que pensei
em custo de urbanização da cidade como um todo [...] Quanto custaria
para terminar a cidade? Com tantos milhões de habitantes na época e
com o crescimento previsto, qual o investimento necessário para que
tudo se completasse?(CAMPOS FILHO, 2016, negrito nosso)133

A Coordenadoria passou por uma reestruturação, através do Decreto nº 15.584 de


1978, que conferiu a ela o status de secretaria, composta pelo Gabinete do Secretário-
Coordenador, Conselho Orientador do Plano Diretor (COPLAN), Comissão de
Zoneamento (CZ), e três departamentos: o Departamento de Orçamento Plurianual
(DOPLAN), o Departamento Normativo de Uso do Solo (DENUSO) e o Departamento
de Informações ao Planejamento (DIPLAN)(SÃO PAULO, 1978).

Assim, além da atribuição de planejar o desenvolvimento físico-territorial da cidade,


a ideia era que o órgão passasse a ter também a atribuição de planejar os investimentos
necessários para atingir os objetivos do planejamento, conforme pode ser visto nas
competências abaixo definidas pelo decreto (op. cit., art. 2º):

132 Cândido Malta Campos Filho (1936- ) é arquiteto e urbanista e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela
FAUUSP (1973), mestre em City and Regional Planning pela University of California at Berkeley (1972) e
professor emérito de Planejamento Urbano e Regional da FAUUSP. Entre as décadas de 1970 a 1990, foi o
principal defensor do combate à “especulação imobiliária”, resultando em vários textos acadêmicos e livros.
Foi secretário-coordenador da COGEP de junho 1976 a junho de 1981 e secretário da SEMPLA de abril a
maio de 1983.
133 CAMPOS FILHO, C. M. Entrevista de Cândido Malta Campos Filho. [28 Set. 2016]. Entrevistador:

Eduardo Alberto Cusce Nobre, 2016. Um arquivo em mp3 (90 minutos). A entrevista na íntegra encontra-
se transcrita no Anexo 1 desta tese.

138
I. Promover o processo de planejamento integrado do desenvolvimento do
Município;
II. Promover o entrosamento com os demais órgãos ou entidades de
planejamento que tenham atuação ou influência na área do Município;
III. Elaborar estudos para as reuniões dos Conselhos Intersecretariais de
Transporte e Desenvolvimento Urbano – CODEVIN, e Desenvolvimento
Social – CODESO, bem como assessorá-los;
IV. Proceder a estudos de revisão periódica do Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado do Município – PDDI-SP, ajustando-o
conforme a evolução do Município;
V. Elaborar e rever os orçamentos plurianuais de investimentos do
Município; (negrito nosso)
VI. Elaborar e rever as normas de uso e ocupação do solo;
VII. Estudar a classificação das atividades, a delimitação das zonas de uso e o
enquadramento dos casos omissos, nos termos da legislação de uso e
ocupação do solo.

Cândido compôs uma equipe de profissionais das mais variadas formações


(arquitetos e urbanistas, economistas, engenheiros, geógrafos e sociólogos), vários deles
pesquisadores da USP, que apresentavam influência da Escola de Sociologia Urbana
Francesa, principalmente dos trabalhos de Castells, Topalov e Lojekine134 sobre os
conflitos na produção do espaço urbano, os papeis do Estado e do mercado nesse processo,
com destaque para a atuação da produção imobiliária na formação dos preços dos terrenos
urbanos e na questão da renda fundiária.

Considerando a renda fundiária135 como uma forma atrasada de acumulação


capitalista se comparada à produção imobiliária (construção civil), Cândido foi um dos
principais defensores da necessidade da aplicação de impostos e taxas imobiliárias como
forma de combater a retenção especulativa de terrenos e “recuperar parte da valorização
imobiliária” 136 advinda da atuação do Estado (implantação de infraestrutura e mudança da
legislação urbanística) para financiar o desenvolvimento urbano, conforme abaixo:

134 Castells, Manuel. La Question Urbaine. Paris: François Maspero, 1972; Topalov, Christian. Les promoteurs
immobiliers: contribution à l’analyse de la production capitaliste du logement en France. Paris : Mouton, 1974 e
Lojkine, Jean Le marxisme, l’État et la question urbaine. Paris: 1977.
135 Definida por ele como a valorização imobiliária advinda da atuação do Estado seja através da modificação

da legislação urbanística, seja através da instalação de infraestrutura e equipamentos.


136 Não entraremos aqui no debate conceitual sobre o termo “recuperação da mais-valia fundiária” ou

“recuperação da valorização imobiliária”, cujo conceito subentenderia algum tipo de avaliação dessa

139
Eu tenho esse trabalho para mostrar que com a arrecadação [...] não
teria nunca condições que isso fosse terminado com o dinheiro corrente,
tinha que ampliar essa captação de recursos. Daí a captação da mais-
valia urbana era fundamental para que pudesse contribuir também.
[...] Eu trazia para lá, como sou da FAU, esse conhecimento, que estava
em movimento, eu estava ainda aprendendo muita coisa. Inclusive estava
com sociólogos franceses destrinchando melhor esse jogo de interesses
do setor imobiliário, especialmente o Christian Topalov, que foi de
grande valia para entender o embricamento da renda fundiária com o
lucro industrial da produção do edifício. De um lado é o atraso da renda
fundiária, do outro lado, algo mais desenvolvido do capitalismo
avançado, do lucro industrial da produção do edifício. Para resumir essa
ideia, o avanço social se fará à medida que esses lucros industriais,
assim chamados lucro do capital produtivo, forem predominando
mais e mais em relação ao lucro atrasado da renda fundiária.
(CAMPOS FILHO, 2016, negrito nosso)

Para que esses objetivos fossem possíveis, a discussão sobre o papel dos
instrumentos urbanísticos e a pesquisa de instrumentos internacionais relacionados aos
processos de renovação urbana e à captação da valorização fundiária foram bastante
desenvolvidas nesse período, apresentando forte influência de outros dois profissionais da
Prefeitura à época: o Secretário de Habitação e também Diretor-Presidente da Empresa
Municipal de Urbanização (EMURB), o engenheiro civil Ernest Robert de Carvalho
Mange137; e o Diretor de Desenvolvimento da EMURB, Domingos Theodoro de Azevedo
Netto138 (CAMPOS FILHO, 2016; LEFÈVRE, 2017).

De ascendência franco-suíça, Mange havia estagiado no escritório do arquiteto


também franco-suíço Le Corbusier e era uma francófilo reconhecido, defensor da adoção

valorização, o que não ocorre. Entendemos esse termo como uma forma de recuperação de parte dos
investimentos públicos no processo de urbanização, através da cobrança de recursos do empreendedor
imobiliário para a obtenção do direito de construir.
137 Ernest Robert Carvalho Mange (1922-2005) foi um engenheiro civil da Escola Politécnica da

Universidade de São Paulo (1940-1945), estagiou no escritório do arquiteto Rino Levi e no ateliê do
arquiteto franco-suíço, Le Corbusier, entre 1947 e 1948 com bolsa do governo francês. Foi professor da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e da Escola Politécnica, ambas da USP. Foi presidente do Conselho
Estadual de Obras Públicas do Estado de São Paulo, de 1966 a 1969; diretor-presidente da Empresa
Municipal de Urbanismo, de 1975 a 1979; presidente do Conselho Técnico e Conselho Administrativo da
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB), de 1977 a 1978; primeiro titular da
Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB, de 1977 a 1979; e diretor-superintendente do
Instituto Cultural Itaú - ICI, atual Instituto Itaú Cultural, de 1987 a 1997.
138 Domingos Theodoro de Azevedo Netto (1929–2017) foi um arquiteto e urbanista formado pela

FAUUSP e mestre em Administração Pública pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da
Fundação Getúlio Vargas (1994). Em 1952, ainda estudante, entrou para a SAGMACS, participando da
elaboração do plano de desenvolvimento de São Paulo e do plano diretor de Belo Horizonte em 1961. Nos
anos 1970 trabalhou no Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN), Centro de Pesquisa de
Administração Municipal (CEPAM) e como Diretor de Desenvolvimento da EMURB onde defendeu a
adoção do instrumento “Solo Criado”. Foi arquiteto da Prefeitura do Município de São Paulo de 1986 a
1999, onde participou de várias comissões que discutiram a implementação desse instrumento na cidade.

140
de instrumentos urbanísticos franceses, tais como a Zone D´Aménagement Concerté (ZAC), e
o Planfond Legal de Densité (PLD )(CAMPOS FILHO, op. cit.; LEFÈVRE, 2017139).

Como responsável pela EMURB, uma das preocupações principais de Mange era
com as obras de reurbanização advindas da implantação do Metrô de São Paulo, tendo em
vista que essa empresa de economia mista, criada em 1971, tinha como escopo principal a
execução de programas e obras de desenvolvimento urbano de acordo com os planos
elaborados pela Prefeitura, sendo responsável pela desapropriação dos imóveis necessários
à execução de tais planos140. Essa preocupação pode ser vista no parágrafo abaixo:

Normalmente essas intervenções urbanas locais eram feitas (falando


sobre as obras do Metrô), e ainda hoje muitas vezes o são, deixando uma
cicatriz urbana, resto de terreno, só falta deixar prédio cortado, quando
não é assim que deve que ser feito. Se nós não tivermos também, como é
o caso do urbanismo, instrumentos ágeis com um legislação adequada
ao processo de reurbanização, que é a modificação da cidade às novas
formas de ser, nós ficamos com o caos como está São Paulo. É não é só
São Paulo! Poucas cidades hoje escapam do caos! Poucas! (MANGE, s.d.,
negrito nosso)

Essas ideias de Mange eram condizentes com a atuação e forma como a EMURB foi
pensada, pois nessa época ela estava envolvida com o Projeto “Comunidades Urbanas de
Recuperação Acelerada” (CURA) do Banco Nacional de Habitação (BNH) em conjunto
com o Metrô (ANELLI, 2007). Enquanto o Metrô era responsável pelo planejamento das
linhas e pelo projeto das estações, a EMURB desenvolvia os planos de reurbanização das
áreas de influência direta da rede. A despeito dos vários projetos realizados, poucos foram
implantados, restando até hoje vários terrenos abandonados. Contudo, na ideia de
atuação das duas empresas, pretendia-se recuperar a valorização imobiliária decorrente
dessa atuação conjunta, através da desapropriação dos terrenos para as obras e sua
posterior venda, conforme parágrafo abaixo:

139 LEFÈVRE, J. E. A. Entrevista de José Eduardo de Assis Lefèvre. [25 Abr. 2017]. Entrevistador: Eduardo
Alberto Cusce Nobre, 2016. Cinco arquivos em mp3 (115 minutos). A entrevista na íntegra encontra-se
transcrita no Anexo 2 desta tese.
140 A sua criação surgiu da necessidade da prefeitura ter uma empresa, que não fosse administração pública

direta, para ganhar celeridade na implantação de projetos e obras nos processos necessários decorrentes
como contratações e desapropriações. Seus principais objetivos na criação eram (SÃO PAULO, 1971, art.
5º): I. A reurbanização de áreas em processo de transformação, ou em vias de deterioração; II. A urbanização
de áreas não ocupadas; III. A recuperação e reciclagem de edifícios em processo de deterioração, ou de
inadequação de uso, do ponto de vista urbano.

141
A EMURB atuou em conjunto com a Companhia do Metrô,
desapropriando as grandes áreas envoltórias das estações e linhas,
planejando reurbanizações que permitissem a sua comercialização com
lucros que amortizassem os elevados custos de implantação da rede.
(ANELLI, 2007)

Um exemplo de como era esperada que essa atuação conjunta funcionasse pode ser
encontrada em um estudo de regulamentação do uso e ocupação na Zona Metrô-Leste em
relatório sobre novos instrumentos urbanísticos da COGEP (AFFONSECA E SILVA,
GUEDES, et al., 1979). Esse estudo, realizado para regulamentar essa zona criada pela
Lei nº 8.328 de 1975 (SÃO PAULO, 1975), propunha a renovação urbana ao longo da
recém-inaugurada Linha Vermelha do Metrô, baseado no princípio de adensamento ao
longo dos corredores de transporte de alta capacidade (Figura 4.1).

Figura 4.1: Mapa de estrutura proposta para a Zona Metrô-Leste

Fonte: São Paulo, 1979.

A proposta tinha como hipótese que a implantação da linha do metrô valorizaria os


terrenos da área, propondo então um processo de verticalização e a “recuperação da
valorização imobiliária” que seria utilizado para amortizar os gastos com a implantação do
metrô. Esse estudo se parece muito com a ideia de operação urbana que estava surgindo e
viria a se desenvolver em São Paulo.

142
Nesse aspecto, a adoção dos dois instrumentos franceses citados representava um
grande potencial para viabilizar as ações da EMURB. As ZAC surgiram em substituição
às Zones a Urbaniser en Priorité (ZUP), que foram criadas pelo Código de Urbanismo e
Habitação de 1954 para atender a demanda habitacional do Pós-Guerra, promovendo a
desapropriação de grandes glebas e a consequente construção de grandes conjuntos
residenciais (Grands Ensembles). Em 1967, a nova Lei de Ordenação Fundiária criou esse
instrumento a fim de promover a parceria entre o poder público e os empreendedores
privados em grandes projetos urbanos, cabendo à uma instituição pública específica a
desapropriação, implantação de infraestrutura, definição do plano de desenvolvimento que
deveria ser aprovado pela(s) municipalidade(s) e a venda do terreno para a iniciativa
privada que desenvolveria os empreendimentos. O poder de atuação das ZAC era tão
grande que originalmente elas não precisavam atender às disposições da lei de
zoneamento municipal, conforme poder ser visto abaixo:

Art. 16 – Les dispositions du Plan d'Occupation des Sols rendu public ou


approuvé cessent d'être apliccables à l'intérieur des périmètres fixés, par
décision administrative prise sur la demande ou après délibération des
conseils municipaux des communes ou organes délibérants des
communautés urbaines intéressées pour la réalisation des zones
d'aménagement concerté.

Les zones d’aménagement concerté sont les zones à l’intérieur desquelles


une collectivité publique ou un établissement public y ayant vocation
décide d’intervenir pour réaliser ou faire réaliser l’aménagement et
l’équipement des terrains, notamment de ceux que cette collectivité ou
cet établissement a acquis ou acquerra en vue de les céder ou de les
concéder ultérieurement à des utilisateurs publics ou privés141.
(FRANÇA, 1968, p. 4)

Já o PLD foi instituído na revisão do Código de Urbanismo de 1975, com a


finalidade de combater a especulação imobiliária, incentivar a reciclagem das construções
e prover de fundos os governos locais, através da cobrança do potencial construtivo acima
do valor de um para toda França e um e meio para Paris (REINO UNIDO, 1989). Os
empreendedores que quisessem construir acima desse teto deveriam recolher à
municipalidade uma taxa igual ao valor do terreno, cuja aquisição seria necessária para

141“Art. 16 - As disposições do Plano de Ocupação do Solo públicas ou aprovadas deixam de ser aplicáveis
dentro dos perímetros fixados, por decisão administrativa tomada a pedido ou após deliberação dos
conselhos municipais das comunas ou órgãos deliberativos das comunidades urbanas interessadas para a
realização das zonas de desenvolvimento concertado. As zonas de desenvolvimento concertado são áreas nas
quais uma comunidade ou uma instituição pública que tem autoridade decide intervir para realizar ou
comissionar o desenvolvimento e o equipamento das terras, incluindo aqueles que a comunidade ou a
instituição adquiriu ou adquirirá com a finalidade de ceder ou subsequentemente concedê-los a usuários
públicos ou privados” (FRANÇA, 1968, p. 4, tradução nossa).

143
que a densidade da construção não excedesse esse limite, conforme pode ser visto no texto
da lei abaixo:

Art. 3 – Il est inseré dans Le Code de L´Urbanisme un article 122-2 ainsi


redige: «Art. L. 112-2. – L´edificacion d'une construction d'une densité
excédant le plafond légal est subordonné au versement par le bénéficiaire
de l'autorisation de construire d´une somme égale à la valeur de la
terrain dont l'acquisition serait nécessaire pour que la densité de la
construction n´excède pas ce plafond»142. (FRANÇA, 1976, p. 132)

Esse conceito iria influenciar sobremaneira o arquiteto e urbanista Domingos


Theodoro de Azevedo Netto, conhecido pela alcunha de Duca, nos seus estudos sobre o a
“recuperação da valorização imobiliária”. Proveniente da Escola Economia e Humanismo
do Padre Lebret, Duca tinha bastante conhecimento dos instrumentos urbanísticos
franceses e tinha relações de amizade com o advogado estadunidense John Costonis,
professor de direito na Universidade de Illinois e um dos principais defensores da
utilização do instrumento Transfer of Development Rights (TDR)143, traduzido na época
como Transferência dos Direitos de Construção (TDC), como instrumento para a
preservação do patrimônio histórico144. Duca inclusive chegou a convidar Costonis para
vir participar do seminário “Painel sobre os Problemas de Desenvolvimento Urbano”145,
promovido em maio de 1977 pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo
(FUNDAP) do Governo do Estado para técnicos da EMURB, CEPAM, METRÔ e
EMPLASA, onde o estadunidense discorreu sobre o uso desse instrumento.

Considerando que a preservação dos imóveis tombados ou de áreas naturais é um


custo alto para os proprietários, que não podem dispor deles como bem entendem, a ideia
do instrumento reside em retirar a pressão imobiliária sobre esses imóveis, através da

142 “Art. 3 – Fica inserido no Código de Urbanismo o artigo 112-2 assim redigido: “Art. L 112-2 – A
edificação de uma construção de densidade que exceda o limite legal está sujeita ao pagamento pelo
beneficiário do alvará de construção de um valor igual ao valor do terreno cuja aquisição seria necessária
para que a densidade da construção não excedesse esse limite máximo”” (FRANÇA, 1976, p. 132, tradução
nossa).
143 A ideia da transferência do potencial construtivo entre terrenos surgiu pela primeira vez nos Estados

Unidos na Lei de Zoneamento de Nova Iorque de 1916, contudo seu uso para a proteção do patrimônio
cultural ou natural data do final da década de 1960, principalmente com a promulgação do National Historic
Preservation Act de 1966, que criou o sistema de nacional preservação histórica desse país, e com a Resolução
de Zoneamento nº 74-79 de 1968 da Cidade de Nova Iorque, que previa a transferência do potencial
construtivo de imóveis tombados (landmark buildings) para lotes adjacentes (LOFLIN, RANKIN, et al.,
1971).
144 No seu livro The Space Adrift: Landmark Preservation and the Market Place, Costonis (1974) usa como

estudo de caso a Cidade de Chicago para demonstrar o potencial de uso do TDC para retirar a pressão
imobiliária dos imóveis tombados, chegando a propor uma forma de implementação naquela cidade, que ele
chamou do Plano de Chicago. Além de todas as questões legais e dos mecanismos administrativos, Costonis
também avalia a questão financeira de como os valores gerados com a venda do potencial construtivo
subutilizado poderia viabilizar os custos da preservação.
145 Conforme material pessoal de Domingos Theodoro de Azevedo Netto, inclusive carta de John Costonis

endereçada a ele, datada de 4 de maio de 1977.

144
alienação do seu potencial construtivo não utilizado para outros edifícios sem interesse
histórico nas proximidades. Dessa forma, os custos da preservação ao invés de recaírem
sobre o proprietário ou de serem arcados pela municipalidade, são bancados pelo próprio
“jogo” do mercado imobiliário.

Quando trabalhou no Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN), onde foi
responsável pelo diagnóstico sobre o uso do solo metropolitano, Duca defendeu o uso de
vários instrumentos urbanísticos para controlar esse uso do solo, entre os quais o TDC
para preservar edifícios históricos e a criação de parques e áreas verdes (AZEVEDO
NETTO, 1975). Posteriormente foi trabalhar Centro de Estudos e Pesquisas da
Administração Municipal (CEPAM) da Secretaria de Estado de Negócios do Interior,
onde, em conjunto com os também arquitetos e urbanistas Antônio Cláudio Moreira Lima
e Moreira e Clementina de Ambrosis, definiu o conceito de “Solo Criado”, como sendo a
área construída que excedia a certa proporção da área do terreno onde a construção se
encontra (MOREIRA, DE AMBROSIS, et al., 1975).

A lógica por trás do Solo Criado era de conseguir recuperar parte da valorização
imobiliária dos empreendimentos imobiliários decorrente da atuação pública (dotação de
infraestrutura e mudanças na legislação urbanística) e financiar a provisão de
equipamentos públicos e de infraestrutura através da cobrança dos empreendedores do
direito de construir adicional. Para tanto, propunha se fixar o Coeficiente de
Aproveitamento (CA) dos terrenos em um determinado valor e permitir a construção
adicional a esse valor mediante a aquisição desse direito de outros terrenos, ou do Poder
Público, e neste caso, quer em dinheiro ou quer em oferta de outros terrenos de interesse,
assemelhando-se muito como o PLD. Dessa forma, toda a área construída acima desse
coeficiente de aproveitamento seria solo criado nas palavras dos autores.

Esse conceito foi amplamente difundido nos anos seguintes pelo próprio CEPAM e
Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pela imprensa em geral e especializada,
resultando em encontros e seminários sobre o tema, com a difusão de manifestos de apoio
ao uso do instrumento como a Carta de Embu (Memorando, 1977).

Dessa forma, influenciado pelas ideias de Mange e do Duca, Cândido formou equipe
de técnicos dentro da COGEP para pesquisar os instrumentos urbanísticos estrangeiros,
fomentando o intercâmbio intelectual internacional. Entre outubro de 1977 a janeiro de
1978, através de um programa de cooperação, enviou equipe de pesquisadores composta
pelos arquitetos José Eduardo de Assis Lefévre e Maria Cecília Cardoso Figueiredo da
Silva pela EMURB e pelas arquitetas Maria Cristina da Silva Leme e Maria Lúcia

145
Refinetti Martins pela COGEP para o Institut d’Amenagement de la Region d’Ile de France
(IAURIF), órgão de planejamento da região metropolitana de Paris, com o objetivo de
compilar a experiência francesa de política urbana, principalmente das ZAC e do recém
aprovado PLD (LEFÈVRE, 2017).

Esses e outros estudos sobre a experiência de implementação da política urbana e da


aplicação de instrumentos urbanísticos na França, Itália e Estados Unidos resultaram em
relatório de 1979 sobre a política de uso e ocupação do solo e de preservação de bens
culturais e paisagísticos em São Paulo, onde são propostos o aperfeiçoamento dos
instrumentos urbanísticos existentes e a aplicação de novos, tais como o Solo Criado, o
Imposto Territorial Progressivo sobre terrenos vazios e a TDC de imóveis tombados e
parques (SÃO PAULO, 1979)146. De fato, o capítulo introdutório desse estudo demonstra
a crença de Cândido na sua aplicação:

A solução dos problemas urbanos passa a depender, é nosso ponto de


vista longamente amadurecida em análises e debates, da solução das
questões postas para as cidades pela especulação imobiliária. Para
isso é preciso mobilizar os instrumentos disponíveis e propor a
criação de novos, quando necessários. Dentro da estratégia referida e
de acordo com a orientação do Prefeito Olavo Egídio Setúbal, a COGEP
desenvolveu em conjunto com as demais áreas afins da
Administração Municipal um projeto de lei denominado “Solo
Criado”. O conceito do “Solo Criado”, um verdadeiro terreno artificial
propiciado pelo desenvolvimento da tecnologia da construção (que
possibilita a construção verticalizada) já foi aplicado na França através
de legislação nacional em 1977 e nos EUA em algumas cidades para
edifícios históricos. No Brasil a fundação Prefeito Faria Lima (CEPAM)
propôs esse instrumento novo ao debate em 1976, o qual foi encampado
pela administração Olavo Setúbal. Os pronunciamentos feitos pelo
Senhor Prefeito, apoiados por um lado pela argumentação desenvolvida
pelo Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Dr. Ernest
Mange, assessorado pelo Diretor Técnico da EMURB, Dr. Domingos
Theodoro de Azevedo Neto, e por outro lado embasados pela análise
desenvolvida pela COGEP no sentido de mostrar a viabilidade prática do
“Solo Criado” e sua insignificante repercussão nos preços finais de venda
dos imóveis por ele atingidos, conforme demonstrado por estudos
publicados nesta coletânea, deram projeção nacional à proposta. Hoje o
“Solo Criado” está sendo objeto de verificação, pelo Governo Federal,
quanto à conveniência de sua adoção a nível nacional. (CAMPOS
FILHO, 1979, p. 12, negrito nosso)

146O relatório desenvolvido pela COGEP estava dividido em duas partes: uma primeira intitulada Política
de Controle do Uso e Ocupação do Solo, e uma segunda intitulada Política de Preservação de Bens Culturais
e Paisagísticos. Nelas, encontravam-se os seguintes capítulos entre outros: “Solo Criado: análise das
experiências estrangeiras”; “Compilação das Análises Desenvolvidas sobre o Solo Criado”; “Impacto da
instituição do Solo Criado sobre o custo da Habitação”; “Impostos Territorial Progressivo”; “Estudo da
implantação do instrumento de Transferência dos Direitos de Construir (Solo Criado) aplicando às Áreas
Históricas do Município de São Paulo”. Nesses, havia estudos sobre a aplicação do TDR (traduzido como
TDC – Transferência dos Direitos de Construir), das ZAC (traduzido como ZOC – Zona de Ocupação
Concertada) e do PLD (traduzido como TDL – Teto de Densidade Legal).

146
Conforme citado no texto acima, o prefeito Olavo Setúbal chegou a encaminhar
projeto de lei à Câmara Municipal regulamentando o Solo Criado em São Paulo, contudo,
o projeto foi retirado de pauta em função da pressão do Ministro da Fazenda, Mário
Henrique Simonsen, que considerava o instrumento como inflacionário (Memorando,
1977). De qualquer forma a ideia do Solo Criado já estava instalada no interior dos órgãos
de planejamento municipal, sendo que a cidade de São Bernardo do Campo já estava se
utilizando desse instrumento (CONTADOR, 1977).

4.3.1.2. Os Governos Reinaldo de Barros (1979-1982) e Salim Curiati (1982-1983) e o


PDDI-II

A eleição indireta de Paulo Maluf147 ao Governo do Estado de São Paulo mudou


consideravelmente a perspectiva do governo paulistano. Vinculado à área mais
conservadora e autoritária da ARENA, de oposição ao governador Paulo Egídio Martins
e ao prefeito Olavo Setúbal, Maluf indicou o engenheiro Reynaldo de Barros (1979-1982)
para substituir Setúbal e quando esse saiu para disputar a primeira eleição direta para
governador desde o Golpe de 1964, indicou o médico Antônio Salim Curiati (1982-1983).

Cândido acabou se incompatibilizando com o novo prefeito, que não tinha a mesma
visão da importância da COGEP e foi substituído pelo engenheiro Lauro Rios.
Posteriormente, na administração Salim Curiati, a COGEP passou a se chamar Secretaria
Municipal de Planejamento (SEMPLA) através do Decreto nº 18.311, de 15 de outubro de
1982 e Lauro Rios foi substituído pelo engenheiro Luiz Antônio Naves Junqueira.

O PDDI-II

Apesar da saída de Cândido, boa parte da equipe que ele constituiu continuou na
SEMPLA, desenvolvendo o II Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI-II),
coordenado pelos arquitetos Luiz Carlos Costa e Flávio Villaça148 (SÃO PAULO, 1982).
Passados onze anos do primeiro PDDI e num processo intenso de crescimento, São Paulo
chegava à década de 1980 com os problemas característicos de uma metrópole do
capitalismo periférico, com seus 8,5 milhões de habitantes, grande parte dos quais vivendo
em condições bastante precárias, no tocante às questões habitacionais, urbanísticas, de
infraestrutura e de equipamentos públicos.

Para informações da biografia de Paulo Maluf ver nota de rodapé número 84.
147
148Entre os técnicos que participaram da elaboração do II PDDI encontram-se os arquitetos e urbanistas
Csaba Deák, Luiza Bataglia, Maria Cristina da Silva Leme, Maria Lúcia Refinetti Martins, Nádia Somekh,
Nabil Bonduki, Sarah Feldman e Silvana Zioni.

147
Segundo um dos coordenadores desse trabalho, Luiz Carlos Costa149 (1994), o
planejamento nesse momento se contrapôs ao planejamento tecnicista do PUB e do
PDDI, colocando o processo de produção e estruturação do espaço urbano como objeto
principal do plano diretor a partir de uma visão politizada, procurando compreender o
papel dos diversos agentes sociais nesse processo e os conflitos decorrentes, incorporando
as questões que vinham sendo levantadas desde a época do Cândido como secretário e do
trabalho da SAGMACS.

Dessa forma, o PDDI-II considerava como os principais problemas resultantes


desse processo de produção do espaço urbano a precariedade da qualidade de vida da
população de baixa renda, que não conseguia acessar o mercado de terras formal e regular
e a baixa eficiência econômica da cidade em função dos crescentes custos de urbanização
decorrentes da expansão urbana periférica sobre áreas ambientalmente sensíveis.

Nesse aspecto, o plano considerou importante não atuar sobre os resultados


negativos do processo de produção da cidade, mas sim, atuar sobre o próprio processo,
considerando que ele era de natureza fundamentalmente econômica, envolvendo os
interesses de agentes privados e públicos. Considerou uma serie de fatores que
influenciariam no crescimento futuro da cidade como os contextos de crise da economia
mundial e nacional, a dificuldade de absorção do grande contingente de mão-de-obra pelo
mercado de trabalho e a fraca capacidade de arrecadação do município.

Com relação à estrutura urbana analisou os estágios diferenciados de urbanização


quanto à homogeneidade de alguns indicadores (população, emprego, infraestrutura e
ocupação do solo), definindo a existência de três anéis:

1. Anel Central – caracterizado pela alta concentração de atividades terciárias,


padrão de ocupação intenso, concentrando infraestrutura e 11% da população
metropolitana prevalecendo as rendas média e alta, supervalorização dos terrenos,
congestionamento de tráfego e poluição;

149 Luiz Carlos Costa (1935-2018) foi arquiteto e urbanista (1958), mestre (1983) e doutor (1994) em
arquitetura e urbanismo pela FAUUSP, onde exerceu a função de professor de Planejamento Urbano e
Regional de 1974 a 1999. Trabalhou como arquiteto nos estudos da SAGMACS (1956-1961), como chefe da
unidade de Planejamento na Hidroservice Engenharia de Projetos Ltda. (1968-1975), superintendente
técnico da EMPLASA (1975-1977), Coordenador de projetos da COGEP (1977-1983) e depois como
Diretor Técnico e sócio minoritário da Urbe Planejamento, Programação e Projetos SC Ltda. (1981-2002),
em sociedade com Cândido Malta Campos Filho. Na sua vida profissional, participou da elaboração de
vários estudos e propostas de planos diretores, destacando-se a Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana
da SAGMACS, o Diagnóstico 75 – RMSP da EMPLASA, II Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do
Município de São Paulo 1982 e do Plano Diretor do Município de São Paulo 1985/2000 da SEMPLA. A
avaliação crítica desse processo encontra-se na sua Tese de Doutorado pela FAUUSP: Plano Diretor: um
personagem a procura de seus autores (COSTA, 1994).

148
2. Anel Intermediário – concentração das atividades secundárias, padrão de ocupação
pouco denso, com condições razoáveis de acessibilidade e infraestrutura,
concentração de 64% da população metropolitana com composição de renda
equilibrada, tendência de verticalização em vários bairros, com presença de
terrenos não ocupados a espera da valorização imobiliária;
3. Anel Periférico – de urbanização descontínua, infraestrutura precária, ocupação
dispersa, baixa concentração de empregos, 25% da população com grande
predominância de baixa renda.

Partindo desse diagnóstico, o plano estabeleceu uma serie de objetivos e diretrizes


que deveriam ser discutidos com a sociedade civil para elaboração final do plano
integrado, que resultaria na revisão da Lei de Zoneamento e na implementação de
programas de ações setoriais estruturantes e de programas de controle e promoção de
urbanização de áreas específicas.

Dentre seus objetivos destacavam-se:

 Conter a expansão periférica e acelerar a ocupação e intensificação do uso do solo


no interior da aglomeração urbana, principalmente no Anel Intermediário, já
dotado de infraestrutura, coibindo a presença de vazios urbanos;
 Desestimular as atividades industriais no Centro Metropolitano, ampliando as
atividades terciárias e habitacionais e estimular o desenvolvimento industrial da
Zona Leste;
 Promover a melhoria das condições de deslocamento da população aumentando a
capacidade e velocidade dos eixos de transporte coletivo;
 Ampliar significativamente a produção habitacional popular através do aumento
da produção de imóveis e de insumos à produção;

Com relação à política de recursos:

A prioridade deve ser dada para a aplicação de recursos na produção de


equipamentos urbanos, capazes de superar a histórica deficiência de
serviços em habitação, transporte coletivo, educação, saúde e promoção
social [...] (SÃO PAULO, 1982, p. 163)

Contudo, o plano reconhece ser a questão dos recursos municipais um grande


problema em função da crise econômica e das receitas municipais declinantes. Nesse
aspecto, não propôs o uso de instrumentos urbanísticos alternativos, como os que já
vinham sendo estudados pela COGEP, mas sim a atualização da Planta Genérica de
Valores do IPTU, visando aumentar a arrecadação com esse tributo, a efetiva cobrança da

149
contribuição de melhoria, imposto previsto desde 1946 na Constituição Federal e
regulamentado no município pela Lei nº 6.989/1966 que instituiu o Código Tributário
Municipal e a iniciativa no sentido de mudar a Legislação Federal para possibilitar a
transferência da tributação sobre o lucro imobiliário, arrecadada pelo Governo Federal
através do Imposto de Renda, para o município. Para o gerenciamento desses dois últimos
recursos, propôs a criação do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano e
Habitacional.

Apesar do avanço do quadro teórico do plano no reconhecimento da importância da


compreensão do processo de produção e estruturação do espaço urbano como fator
principal para a sua elaboração, ele também continuou no âmbito do “plano-discurso”, pois
sequer foi encaminhado à Câmara de Vereadores pelo secretário de planejamento.

4.3.1.3. O Governo Mário Covas (1983-1985) e o surgimento do conceito da Operação


Urbana na proposta do Plano Diretor 1985/2000

Em 1982, Franco Montoro foi eleito governador pelo PMDB150, para o mandato de
1983 a 1987, pelo voto direto, após vinte anos sem eleições. Montoro defrontou-se com o
desafio de nomear o prefeito para a cidade de São Paulo em meio a indefinição sobre a
proposta de emenda constitucional que restituiria as eleições diretas para prefeito (SÃO
PAULO, 1992a). Após dois meses de indefinição, enquanto o vereador Altino Lima
assumiu interinamente o cargo, Montoro indicou o engenheiro e deputado federal Mário
Covas para assumir a prefeitura para um curto mandato de dois anos e meio (1983-1985).

Covas assumiu a prefeitura prometendo reduzir a distância entre o centro e a


periferia e para isso concentrou investimentos em obras de melhoramentos nas áreas
periféricas da cidade, além de promover a recuperação dos órgãos e dos serviços públicos
(SÃO PAULO, 1992a). Para coordenar a SEMPLA, indicou Jorge Wilheim151, arquiteto e
urbanista com grande experiência profissional, um dos autores do emblemático Plano

150 O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é um partido político brasileiro de centro
fundado em 1980 e sucessor ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao Regime
Militar Brasileiro criado a partir da promulgação do Ato Institucional nº 2 em 1965.
151 Jorge Wilheim (1928-2014) foi um arquiteto e urbanista formado pela Faculdade de Arquitetura da

Universidade Presbiteriana Mackenzie (1959), fundador da Jorge Wilheim Consultores Associados em 1953
e um dos arquitetos com maior atuação profissional prática, tendo sido responsável por vários projetos
emblemáticos de arquitetura na cidade de São Paulo, de urbanismo e planos diretores de varias cidades. Foi
Secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (1975-79); Secretário de Planejamento do
Município de São Paulo (1983-1985 e 2001-2004); Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
(1987-1990) e presidente da Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo (1991-1994).
Foi Secretário Geral Adjunto da divisão da ONU para a realização da Conferência Global sobre
Assentamentos Humanos - Habitat II de Istambul (1996).

150
Preliminar de Urbanismo de Curitiba de 1965 e Secretário de Economia e Planejamento
do Estado de São Paulo no período entre 1975 e 1979. Apesar da indicação, a relação
entre os dois ao longo do governo foi bastante difícil, tendo em vista que Wilheim não
pertencia ao grupo político de Covas e a sua indicação para a SEMPLA foi uma
compensação por ter perdido a indicação para ocupar o cargo de prefeito (COSTA, 1994).

Ao contrário de Cândido, Wilheim apresentava uma postura bem mais pragmática


com relação ao processo imobiliário. Dessa forma, ao invés de querer combater a
especulação imobiliária, preferia tirar proveito desse processo em benefício dos objetivos
do planejamento. Essa postura divergente dos dois ficou evidente em entrevista sobre a
proposição de instrumentos para combater os vazios urbanos em 1985. Enquanto Cândido
propunha a utilização da taxação progressiva do IPTU, Wilheim propunha o aumento do
coeficiente de aproveitamento de 2,0 para 3,0 nas Zonas de Uso Predominantemente
Residencial de Baixa Densidade (Z2) como forma de atrair os empreendedores
imobiliários a ocupar os terrenos vazios com área maior que mil metros quadrados
(CAMARGO, 1984).

Logo no início da administração Covas, a SEMPLA foi reorganizada através do


Decreto nº 19.229 de 1983 para fornecer uma “estrutura técnico-administrativa apta a
responder, eficazmente, pelo planejamento da cidade” (SÃO PAULO, 1983, p.1, Caput do
Decreto). Essas modificações se demonstrariam necessárias às aspirações de Wilheim,
conforme será visto a seguir. As principais diferenças foram:

1. A transformação da Assessoria de Planejamento em Departamento de


Planejamento (DEMPLAN), ganhando estrutura técnica e funcional para elaborar
e rever o plano diretor, os planos regionais para as Regiões Administrativas e para
elaborar padrões de urbanização em escala local;
2. O Departamento Normativo de Uso do Solo (DENUSO) perdeu a função de
revisão do plano diretor, mas continuou com as suas atribuições de propor e
elaborar as normas urbanísticas referentes ao parcelamento, uso e ocupação do
solo, e suas respectivas normas tributárias e administrativas;
3. O DOPLAN passou a se chamar Departamento de Diretrizes Setoriais (DESET)
com a função de elaborar as políticas setoriais nas áreas de transportes, sistema
viário, iluminação pública, pavimentação, saneamento, drenagem, habitação,
educação, saúde, abastecimento, cultura, esportes e lazer;
4. O Departamento de Economia e Orçamento (DECOR) foi criado, assumindo parte
das funções do DOPLAN, principalmente no que tange a elaboração do orçamento

151
plurianual de investimentos e formulação de propostas de compatibilização das
ações setoriais.

Os órgãos colegiados continuaram sendo a Comissão de Zoneamento (CZ) e o


Conselho Orientador de Planejamento (COPLAN).

O Plano Diretor do Município de São Paulo 1985/2000 e a primeira proposta de Operação


Urbana

Apesar das desavenças com Covas, Wilheim coordenou pessoalmente a elaboração


de uma nova proposta de plano diretor para São Paulo com horizonte entre 1985 e 2000.
Esse trabalho apresentou grande nível técnico e além de aproveitar os estudos realizados
nos trabalhos anteriores, retomando principalmente os conceitos da estruturação urbana
do PDDI-II (anéis central, intermediário e periférico), tratou de temas diversos não
plenamente desenvolvidos até então como as questões do meio ambiente, sistemas de
áreas verdes e parques, estimou a evolução populacional e os efeitos da crise econômica
sobre a população, detalhou o problema das finanças municipais, quantificou o déficit de
serviços e equipamentos urbanos.

De fato, as proposições do plano eram bastante abrangentes e de certa forma


representavam mais um plano de governo que Wilheim não pode desenvolver, por não ter
sido indicado prefeito, do que um plano diretor. Essa abrangência pode ser vista nas
palavras de Costa:

A abrangência das proposições aproxima-se da totalidade do campo


funcional da Prefeitura. Rejeita-se o conceito de Plano Estrutural
seletivo, pelo qual o plano deve se restringir às proposições mais
influentes do processo de produção e estruturação do espaço urbano. Na
verdade, o projeto apresenta um grande número de proposições para
toda a área funcional da Prefeitura e para todos os níveis. Contém
soluções criativas em diferentes graus de amadurecimento e não se
distinguindo as que teriam caráter estratégico e obrigatório. (COSTA,
1994, p. 137-138)

Do ponto de vista de estrutura urbana, o plano tinha propostas de uso e ocupação do


solo e para os serviços e equipamentos urbanos. Na proposta de uso e ocupação do solo, o
plano propôs a expansão no sentido Leste-Oeste, com maior adensamento das áreas com
infraestrutura, conforme as políticas de desenvolvimento urbano por áreas diferenciadas a
seguir (SÃO PAULO (Cidade), 1985a):

1. Áreas onde deveria ser impedida a urbanização – áreas não urbanizadas na zona
rural, lindeiras às represas e de parques existentes ou propostos;

152
2. Áreas onde deveria ser restringida a ocupação do solo – áreas proteção aos
mananciais e na zona rural;
3. Áreas onde deveria ser consolidada a urbanização e o assentamento da população
de baixa renda – áreas com mais de 60% da população com renda familiar inferior a
cinco salários mínimos;
4. Áreas onde deveria ser ordenado e intensificado o aproveitamento do solo – vazios
urbanos servidos de infraestrutura e com boa acessibilidade;
5. Áreas onde deveria ser controlada a intensificação e orientada a diversificação do
uso do solo – zonas com intensa verticalização e zonas horizontais residenciais
com alto padrão de urbanização a serem mantidas;
6. Áreas onde deveria ser estimulado o aproveitamento do solo em função do
potencial de localização – zona central e seu entorno;
7. Áreas industriais a serem mantidas ou desenvolvidas – controlar a expansão das
indústrias na Zona Sul e incentiva-las na Zona Leste.

Do ponto de vista dos equipamentos e serviços urbanos, o plano tinha propostas


para as áreas de:

1. Habitação – propondo áreas preferenciais para programas de habitação, áreas


prioritárias para aquisição de glebas e áreas para melhorias das condições
habitacionais (favelas, cortiços e loteamentos irregulares);
2. Sistema viário e de transportes – obras no sistema viário principal visando o
fechamento da “malha viária” resultando em 146 quilômetros de novas vias
arteriais, obras no sistema de transporte coletivo sobre pneus construindo 59,7
quilômetros de corredores e aumentando em 130,9 quilômetros as faixas
exclusivas para ônibus, obras no sistema de transporte coletivo sobre trilhos
expandindo em 10,6 quilômetros as ferrovias de subúrbio e em 45,6 quilômetros o
metrô;
3. Ampliação das redes de serviços e dos equipamentos urbanos em educação, saúde,
cultura, esporte e lazer, abastecimento alimentar, drenagem, pavimentação,
limpeza pública, iluminação pública, abastecimento de água e esgotamento
sanitário.

Para dar conta da construção de todos esses equipamentos e serviços urbanos, o


Plano propunha a utilização de um novo instrumento de parceria com a iniciativa privada,
denominado de Operação Urbana, conforme pode ser visto abaixo (SÃO PAULO
(Cidade), 1985a, p. 196, negrito nosso):

153
Do diagnóstico apresentado na parte I deste trabalho pode depreender-
se a grave limitação do poder público para atuar de forma mais
rigorosa, seja no sentido de induzir transformações no uso do solo,
implícitas nas diretrizes da estrutura urbana, seja no sentido de alterar
efeitos sociais do mercado imobiliário, particularmente aqueles que
obrigam a população de baixa renda a se localizar na periferia extrema, a
não ser que permaneça na forma inaceitável de favelas e cortiços.

Torna-se necessário que se desenvolva uma forma inovadora de


ação direta do poder público na urbanização de áreas determinadas,
nas quais se pretende obter alterações importantes no padrão de uso e
ocupação do solo, não só para a concretização de transformações
urbanísticas objetivadas pelo Plano Diretor em pontos chaves da Cidade
ou no seu entorno, mas também para viabilizar o assentamento
programado de habitações populares em áreas que não comportariam
este uso nas condições correntes do mercado imobiliário.

Esta forma coordenada de ação deverá inserir-se numa estratégia que


viabilize a obtenção, em condições privilegiadas, de terras e recursos
para fins públicos de habitação popular, coerente com as diretrizes da
política imobiliária apresentada no final desse Plano.

Dentro dessa perspectiva, o Plano Diretor propõe o desenvolvimento


de um conjunto de operações urbanas, as quais são entendidas
como conjuntos integrados de intervenções desenvolvidas em áreas
determinadas da Cidade, sob a coordenação do Poder Público
visando a obtenção de resultados relevantes para os objetivos do
Plano Diretor. Esses resultados são, principalmente:

a) Viabilizar a produção de imóveis (notadamente habitação


popular), infraestrutura, equipamentos coletivos e espaços
públicos, de difícil consecução nas condições correntes do
processo imobiliário e da ação pública;

b) Acelerar as transformações urbanísticas (físicas e funcionais) em


determinadas áreas urbanas, particularmente no sentido
indicado na Política de Desenvolvimento Urbano para Áreas
Diferenciadas.

Reconhecendo a situação delicada das finanças municipais e da baixa capacidade de


investimento, essas operações urbanas efetivariam a criação de parcerias público-privadas,
pois se caracterizariam por “[...] propiciarem uma articulação especial de agentes públicos
e privados, que aceleram a obtenção de resultados pretendidos e minimizam o emprego de
recursos públicos” (SÃO PAULO (Cidade), 1985a, p. 196).

O plano apresentava uma visão bastante positivista com relação ao instrumento,


visto que previa como resultado de sua aplicação, além da promoção das transformações
urbanísticas previstas no plano, a viabilização da produção de habitação popular,
infraestrutura, equipamentos coletivos e espaços públicos.

154
Conforme figura 4.2, o plano propôs a criação de 35 operações urbanas em diversos
bairros da cidade152, desde áreas centrais às periféricas, algumas com interesse por parte
do mercado imobiliário, outras não. As propostas variavam da criação de centralidades,
incentivo ao adensamento residencial ao longo de corredores e no entorno das estações de
transporte reformadas, ampliação e reforma de parques e áreas públicas, projetos de
reurbanização da área central, projetos de melhoria das condições habitacionais com obras
de urbanização de favelas e regularização fundiária. Apesar dos objetivos ambiciosos do
plano, não existia definição mais aprofundada do instrumento, de como a iniciativa
privada participaria e de como os recursos para a viabilização do projeto seriam auferidos.

Segundo alguns autores (COSTA, 1994; MONTANDON, 2009), a proposição desse


instrumento se baseava nos estudos que vinham sendo realizados no interior dos órgãos
municipais e estaduais de planejamento desde os anos 1970, que subsidiariam o
desenvolvimento futuro do instrumento. De fato, estudos do Grupo Executivo da Grande
São Paulo (GEGRAN), empresa pública vinculada à Secretaria de Negócios
Metropolitanos do Estado de São Paulo, criada em 1974 com o intuito de planejar a
expansão da metrópole paulistana, já apontava para a limitação de recursos públicos para
atender às demandas de urbanização da metrópole e defendia a criação de instrumentos
para lidar com esses problemas (GEGRAN, 1975).

Em estudo de 1976, sua sucessora, a Empresa Paulista de Planejamento


Metropolitano SA (EMPLASA), defendeu a utilização de um instrumento denominado de
operação urbana como forma de efetivar as diretrizes de urbanização desenvolvidas a
partir dos estudos do relatório Região Metropolitana de São Paulo – Diagnóstico 75 a fim de
conferir ao Poder Público “um papel mais efetivo no processo de urbanização, atuando de
forma mais decisiva e inovadora, isto é, assumindo responsabilidades em função executiva
como agente promotor de operações de urbanização”. (EMPLASA, 1976, p. 2, grifo no
texto original)

Sendo eles: Barra Funda, Campo de Marte, Campo Limpo, Coroa, Centro, Paraisópolis, Pinheiros, Santo
152

Amaro, São Miguel, São Matheus, Vila Matilde, Vila Maria e Vila Nova Cachoeirinha.

155
Figura 4.2: Mapa das propostas de operações urbanas no Plano Diretor 1985/2000.

Fonte: São Paulo (Cidade), 1985a.

156
A influência estrangeira na concepção desse instrumento, principalmente das ZAC
francesas, pode ser visto no seguinte parágrafo:

A experiência da Inglaterra, Alemanha, EEUU e, particularmente, da


França vem demonstrando que o poder público pode agir de forma
concentrada sobre áreas consideradas estratégicas para estrutura urbana,
e, mais ainda, obter, desta maneira, além de resultados sociais e técnicos
satisfatórios, benefícios econômicos oriundos da mais-valia gerada pela
urbanização, o que torna possível subsidiar equipamentos públicos e
habitações populares. (EMPLASA, 1976, p. 3, negrito nosso)

O caráter imobiliário do instrumento para a promoção de uma urbanização


planejada e a ideia da recuperação de parte da valorização imobiliária pode ser visto a
seguir:

Tal como entendida aqui, a operação urbana consiste essencialmente


no empreendimento de natureza imobiliária, através do qual o poder
público assume iniciativa no processo de produção do espaço urbano e
participa da valorização imobiliária decorrente do exercício de sua
capacidade de investimento, de sua competência normativa e suas
prerrogativas de planejamento. Visando os objetivos sociais e ao
aumento da oportunidade para atuação da iniciativa privada, esses
poderes são concentrados na promoção da urbanização planejada de
uma área determinada. (EMPLASA, 1976, p. 8, negrito nosso)

É importante ressaltar o papel desempenhado pelo arquiteto Luiz Carlos Costa, pois
ele foi o coordenador do estudo da EMPLASA de 1976 e um dos coordenadores técnicos
da proposta do Plano Diretor de 1985. Tendo conhecimento dos instrumentos franceses,
quando trabalhou com Lebret no grupo SAGMACS, Costa teve influência fundamental na
concepção da ideia do instrumento operação urbana naquele momento (CAMPOS FILHO,
2016).

Em 27 de novembro de 2015, o prefeito Mário Covas encaminhou à Câmara


Municipal de São Paulo a proposta do Plano Diretor do Município de São Paulo no
Projeto de Lei nº 254/1985, assinalando na Exposição de Motivos como uma de suas
inovações “a participação do Poder Público nos benefícios decorrentes da valorização
imobiliária propiciada por investimentos públicos realizados” (SÃO PAULO (Cidade),
1985b, p. 5).

Contudo, segundo Costa, não havia nem interesse, nem empenho do prefeito em
aprovar o plano, fato que ficou exposto na sua definição como “contribuição que a
Administração dava ao debate sobre a cidade” (Covas apud COSTA, 1994, p. 139). Dessa
forma apresentado no final da gestão, a Administração ficava descomprometida com todas
as suas proposições e o plano também se configuraria como um “plano-discurso”.

157
4.3.2. As primeiras experiências de implementação de parcerias público-privadas
do período neoliberal: das Operações Interligadas à Operação Urbana
Anhagabaú (1986-1992)

De 1986 a 1992 as Administrações Municipais saíram do campo teórico com relação


à aplicação de novos instrumentos urbanísticos que estabelecessem a parceria entre o
Poder Público e a iniciativa privada, e iniciaram as primeiras experiências de
implementação, destacando-se as Operações Interligadas e a primeira proposta de
Operação Urbana. Com esses instrumentos começavam-se a se desenhar as características
operacionais do que viriam a ser as operações urbanas consorciadas. De um lado, através
da flexibilização do zoneamento e da cobrança do Solo Criado, do outro pela definição de
perímetros de atuação conjunta do Poder Público e da iniciativa privada para a
implementação de um programa de obras, financiadas pelo mercado. Em um primeiro
momento, o plano diretor perde força enquanto discurso ideológico para retornar em um
momento posterior com um discurso de inovação, contudo ambos já propondo a inserção
de iniciativa privada no processo de planejamento.

4.3.2.1. O Governo Jânio Quadros (1986-1988): Lei de Desfavelamento e Plano Diretor


por decurso de prazo

Na primeira eleição municipal pós-ditadura em 1985, Jânio Quadros153 foi eleito


prefeito de São Paulo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) para a gestão 1986-1988,
batendo o candidato do PMDB154, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, por apenas
141 mil votos de diferença (3% do total). Político controverso e conservador, Jânio havia
baseado sua campanha em uma plataforma anticorrupção e realizou uma gestão
conservadora e regressiva, marcada por polêmicas, pelos investimentos em grandes obras
viárias nos setores privilegiados da cidade e pelos projetos que ocasionaram a remoção da
população de baixa renda de favelas e áreas encortiçadas.

153 Jânio da Silva Quadros (1917-1992) foi advogado, professor e político. Político conservador e
controverso, ao longo de sua carreira política, Jânio se filiou a diversos partidos sem grande expressão,
tendo ocupado diversos cargos na administração pública, muitos dos quais não finalizava para se candidatar
a outro: Vereador de São Paulo (1947-1951), Deputado Estadual de São Paulo (1951-1953), Prefeito de São
Paulo (1953-1955), Governador de São Paulo (1955-1959), Deputado Federal pelo Paraná (1959-1961) e
Presidente da República (1961-1961), cargo ao qual renunciou sob a alegação de que “forças terríveis” o
impediam de governar.
154 O fato do PMDB não ter apoiado a eleição em dois turnos para os municípios capitais, ocasionou sua

derrota na principal cidade do país, que, associada à insatisfação que parte dos integrantes tinha com o apoio
do partido ao Governo Sarney, causaria sua fissão, com parte dos seus membros fundando o Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB).

158
Admirador declarado do Reino Unido e do Governo Thatcher, propôs medidas e
projetos que procuravam replicar projetos britânicos na cidade de São Paulo,
desconsiderando por completo a realidade local. Como solução ao problema de transporte,
por exemplo, tentou implantar linhas de ônibus de dois andares vermelhos, que acabaram
por se demonstrar inadequadas, tendo em vista o fato da fiação elétrica da rede de energia
paulistana ser aérea ao contrário da londrina. Baseando-se na construção do Eurotunnel,
túnel subterrâneo que liga a França ao Reino Unido, Jânio propôs a principal obra viária
de sua gestão, a construção de um complexo de túneis fazendo a ligação viária do
Morumbi, bairro da elite paulistana onde ele morava, ao centro da cidade, facilitando
assim o acesso por carro da classe alta ao centro da cidade e facilitando seu acesso à sede
da Prefeitura, que nessa época ficava no Parque do Ibirapuera.

A gestação da experiência de parceria público-privada: a promulgação da Lei das


Operações Interligadas

Logo nos primeiros dias de governo, Jânio Quadros solicitou ao Secretário de


Planejamento, o Engenheiro Marco Antônio Mastrobuono, “projeto que favoreça
construções em determinadas áreas desde que o proprietário ofereça residências operárias
aos ocupantes dessas mesmas áreas (favelas e cortiços)” (Jânio Quadros apud AZEVEDO
NETTO, 1994, p. 11, grifo no original).

A real motivação para tal solicitação é de difícil conclusão. De um lado, Jânio


promoveu durante todo seu governo várias ações de remoção da população de baixa renda
de favelas e cortiços, demonstrando grande intolerância com essas formas de habitação.
Não coincidentemente, várias das favelas removidas em primeiro lugar ficavam no
percurso entre a sua casa e a sede da prefeitura. Logo no início de sua Administração
foram removidas as favelas na Ponte da Cidade Jardim e no meio da Avenida Juscelino
Kubitscheck, sendo esta última conhecida por Favela JK, com mil e duzentas pessoas
alocadas em duzentos barracos em um terreno de três mil metros quadrados, (densidade
de quatro mil pessoas por hectare).

A intolerância de Jânio com a habitação precária da população pobre e excluída não


ficou restrita às favelas. Em 1988, em função da criação de uma nova alça de acesso à
Avenida 23 de Maio, na região central, Jânio mandou demolir 250 imóveis que formavam
um renque de cortiços nas Ruas Assembleia e Jandaia. Na época, procurou abafar a
polêmica da destruição com a “descoberta acidental” de um muro de arcos construídos nos

159
anos 1920, que posteriormente foi tombado pelo patrimônio histórico (FOLHA DE S.
PAULO, 2000).

Por outro lado, várias das favelas e cortiços removidos se localizavam no Quadrante
Sudoeste ou no Centro Histórico, áreas mais valorizadas da cidade e de grande interesse
do mercado imobiliário, ficando difícil de saber se a demanda pela solução desse problema
não tenha partido dos próprios proprietários e empreendedores.

Por fim, houve pressão por parte do Banco Mundial para que a Prefeitura
solucionasse o problema de realojamento da população favelada moradora nas várzeas dos
córregos em virtude das obras do Programa de Canalização de Córregos, Implantação de
Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale (PROCAV), contratadas com
financiamento do banco (AZEVEDO NETTO, 1994).

De qualquer forma, a demanda de Jânio foi prontamente atendida e sete dias depois
Mastrobuono encaminhava ao Prefeito a exposição de motivos e a minuta do projeto de lei
que viria a ser promulgada na Lei do Desfavelamento ou das Operações Interligadas. Essa
minuta definia logo no seu primeiro artigo que:

Os proprietários de terrenos ocupados por favelas ou núcleos poderão


requerer à Prefeitura do Município de São Paulo a modificação dos
índices e características de uso e ocupação do solo do próprio
terreno ocupado pela favela, ou de outros de sua propriedade, desde que
se obriguem a construir e a doar, ao Poder Público, habitações de
interesse social para população favelada, observado o disposto nesta lei
(SÃO PAULO, 1986b, p. 1, negrito nosso).

O nome Operação Interligada (OI) veio da necessidade de uma operação casada


entre a modificação dos índices urbanísticos, remoção das favelas e relocação da população
nas unidades habitacionais construídas e a ideia era semelhante à ideia do Solo Criado, ou
seja, em troca do aumento do coeficiente de aproveitamento o proprietário do terreno
pagaria para a prefeitura em dinheiro ou obras. O interessado daria entrada de projeto na
Prefeitura que seria avaliado pela Comissão de Zoneamento, sob a supervisão da
SEMPLA, acompanhado de estudo de viabilidade econômica e do cadastramento do
núcleo ou favela por órgão municipal competente.

A Assessoria Jurídica da Secretaria do Governo Municipal questionou o secretário


Mastrobuono da falta de definição de critérios e limites para a modificação dos índices
urbanísticos, que respondeu que essa flexibilidade era necessária, pois o mecanismo só
suscitaria interesse do mercado se o valor alcançado pelos terrenos para os quais fossem
solicitadas as exceções se igualasse ao custo das edificações de interesse social a serem

160
construídas (AZEVEDO NETTO, op. cit.). Dessa forma, os índices seriam alterados caso a
caso.

O Executivo deu entrada no dia 6 de março no Projeto de Lei nº 26/1986, que no


dia 24, após análise pela Comissão de Justiça da Câmara, foi considerado ilegal por quatro
votos a três pelo fato de o Executivo poder alterar os índices de uso e ocupação do solo,
dispositivos definidos pela Lei de Zoneamento, sem consultar o Legislativo (SÃO
PAULO, 1986b). O projeto foi retirado de pauta e voltou a ser apresentado no dia 4 de
junho, sob o número 118, com prazo de 40 dias para apreciação. Contudo, em função de
modificação na composição, o parecer da Comissão de Justiça dessa vez foi inconcluso,
pois três membros votaram pela legalidade e três pela ilegalidade, sendo que o presidente
se absteve.

Dessa forma, projeto começou a tramitar pela Câmara. Contudo, sequer chegou a
ser apreciado no prazo legal e foi aprovado como Lei nº 10.209 no dia 9 de dezembro de
1986 (SÃO PAULO, 1986a), por Decurso de Prazo, expediente de exceção da época da
Ditadura Militar, que previa que os projetos de lei do Executivo que não fossem
analisados após 45 dias de seu envio deveriam entrar na ordem do dia em regime de
urgência por dez sessões, e se não fossem apreciados até o final destas, seriam
considerados automaticamente aprovados.

Aprovada a Lei, o ano de 1987 foi perdido com a elaboração de várias minutas do
decreto de regulamentação, com a saída conturbada do secretário Mastrobuono, em
função de seu casamento secreto com a filha do Prefeito, e com as sucessivas disputas
internas à SEMPLA, onde parte do corpo técnico era contrário à aplicação da Lei das
Operações Interligadas, por entender que ela feria a Lei de Zoneamento, e outra parte que
era crítica à essa lei e via nas Interligadas uma possibilidade de diálogo com a iniciativa
privada (AZEVEDO NETTO, 1994).

Para as discussões da regulamentação dessa lei foi bastante importante o


intercâmbio existente com a cidade de Toronto através do Acordo de Cooperação
Técnica, Econômica e Gerencial firmado com a cidade de São Paulo, pois dentro desse
acordo, a SEMPLA solicitou a vinda de dois técnicos daquela cidade com “experiência em
zoneamento, assuntos imobiliários, habitação e transferência de densidade para ver como
São Paulo poderia implementar novos programas com o Setor Privado” conforme
Ofício 82/97/DEMPLAN do diretor de DEMPLAN, Odon Pereira da Silva (SILVA e
STEVENSON, 1987, p. 4, negrito nosso).

161
De fato, a Província de Ontário (CANADA. PROVÍNCIA DE ONTÁRIO, 1990)
dispõe desde 1983 na sua Lei de Zoneamento de um artigo, Section 37, que autoriza as
municipalidades a outorgar aumentos na altura e densidade dos empreendimentos, em
troca da provisão pelo empreendedor de equipamentos e serviços urbanos, conhecido por
“community benefits agreements”155, sendo que a cidade de Toronto era uma das que mais se
utilizava desse instrumento naquele época (FRIENDLY, 2017). No caso específico do
convênio, reuniões e intercâmbio de técnicos de ambas as cidades ocorreram ao longo do
ano de 1987 até maio de 1988, quando uma comitiva liderada pelo Diretor de Serviços
Administrativos de Toronto, Arthur Stevenson, veio a São Paulo para trabalhar nos
detalhes finais para implementação das OI (HEWITT, 1998).

Nesse meio período, o novo secretário de planejamento, o advogado Jair Carvalho


Monteiro, criou Grupo de Trabalho156 para trabalhar com os técnicos canadenses, estudar
e propor medidas para a operacionalização da Lei, sendo que o resultado desse grupo foi a
promulgação do Decreto 26.913, de 16 de setembro de 1988. Contudo, Monteiro não
esperou pela regulamentação para efetivar o instrumento. Em primeiro de fevereiro foi
publicado no Diário Oficial o primeiro Edital de Chamamento, e posteriormente outros
editais nos dias primeiro de abril e primeiro de outubro, resultando em 63 propostas e
recursos para 1.607 unidades de Habitação de Interesse Social (HIS)(AZEVEDO
NETTO, 1994).

155 “Section 37 (1) The council of a local municipality may, in a by-law passed under section 34, authorize
increases in the height and density of development otherwise permitted by the by-law that will be
permitted in return for the provision of such facilities, services or matters as are set out in the by-law”
(CANADA. PROVÍNCIA DE ONTÁRIO, 1990).
156 Conforme Portaria 60/88/SEMPLA, publicada no Diário Oficial do Município de São Paulo de 14 de

junho de 1988, p. 8: Jair Carvalho Monteiro, Secretário Municipal de Planejamento, nos termos do que
dispõe a Lei municipal nº 10.209, de 9 de dezembro de 1986, tendo em vista uniformizar normas e
procedimentos para a sua aplicação RESOLVE: 1. Fica constituído o Grupo de Trabalho Operações
Interligadas, destinado a encaminhar as medidas de operacionalização da Lei 10.209, de 9 de dezembro de
1986, formado pelos servidores Clementina de Ambrosis, Domingo Theodoro de Azevedo Neto, Helena
Emi Hiraishi, Hussein Aref Saab, Isaura Regina Parente Campana, José Roberto de Affonseca e Silva,
Maria Cecília Cardoso, Marta Luiza Reimão de Deo, Nilza Maria Toledo Antenor, Paulo Sérgio Riso
Alcântara, sob a coordenação do Chefe de Gabinete desta Secretaria, Pedro de Milanelo Piovezane; 2. São
atribuições do Grupo: a) a elaboração dos critérios gerais para concessão dos benefícios solicitados e para
contrapartida a ser exigida em Habitações de Interesse Social (HIS); b) Definição dos procedimentos
burocráticos pertinentes desde a solicitação da Operação Interligada (OI) até a doação final das habitações à
Prefeitura e sua ocupação pelos favelados; c) estudo dos aspectos jurídicos inerentes às Operações
Interligadas em particular quanto à propriedade dos imóveis envolvidos e quantas garantias oferecidas para
o cumprimento das obrigações recíprocas; d) análise urbanística conclusiva quanto à Operação Interligada
com vistas à identificação quantitativa e qualitativa do impacto do projeto na vizinhança e sua possibilidade
de absorção do aumento dentro da sobrecarga na estrutura e no sistema viário e da alteração na paisagem
urbana abrangendo: exploração dos dados disponíveis pertinentes, estudo dos dispositivos legais em vigor,
vistoria do local; e) análise da contrapartida oferecida em HIS, especificada para cada local em função do
benefício solicitado (modificação de características de uso e ocupação de solo).

162
O Decreto possibilitou ao empreendedor pagar a contrapartida das modificações dos
índices de uso e ocupação do solo para o Fundo de Atendimento à População Moradora
em Habitação Subnormal (FUNAPS), criado na Administração anterior como
instrumento para financiamento da politica habitacional municipal, apoiando
financeiramente programas habitacionais para a população de baixa renda, gerido pela
Superintendência de Habitação (HABI) da Secretaria Municipal de Habitação e
Desenvolvimento Urbano (SEHAB).

Em 4 de novembro, a Prefeitura regozijava-se do montante arrecadado para as


primeiras obras e da participação da iniciativa privada na solução do problemas
habitacional de baixa renda, conforme notícia publicada no Diário Oficial com o título
“Casas para 492 família pobres”:

Foi concluído o primeiro plano de operação interligada previsto na


Lei número 10.209 de 1986 permitindo a empresas melhor
aproveitamento de áreas de sua propriedade com a consequente doação
de casas populares da prefeitura para utilização no desfavelamento
[....] O valor total de operação atingiu a Cz$ 1.459.820.000,00157,
integralmente recebido na solenidade, através de cheques
administrativos, pelo Secretário Edmundo Callia da Habitação e
Desenvolvimento Urbano. Dessa forma, a administração Jânio Quadros
consolida a participação da iniciativa privada na minimização do
grave problema de moradia para a população de baixa renda. (SÃO
PAULO, 1988a, p. 1, negrito nosso)

O Plano Diretor de 1988

Durante a administração de Jânio, a SEMPLA sofreu mais uma modificação, com


parte das atribuições da Secretaria Municipal de Finanças sendo incorporada pelo
DECOR e a extinção do DESET. Contudo, o Projeto de Lei do Plano Diretor 1985/2005
foi retirado da Câmara Municipal por ordem do prefeito, que o considerava inoportuno
frente às necessidades prementes da cidade e às restrições de recursos, sendo que a equipe
de elaboração foi desmobilizada. Após um ano, a Administração apresentou nova proposta
de plano diretor que rompia com os conceitos técnicos e tradicionais, pois afirmava que as
grandes opções políticas deveriam passar a orientar o crescimento urbano.

157Equivalendo a 19,8 milhões de reais de maio de 2018. Esse valor foi atualizado pela correção da variação
do (Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe entre junho de 1989 e maio de 2018,
conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.

163
Costa afirma que esse conceito estava condizente com o pensamento da
Administração em promover o setor imobiliário em ações conjuntas com o Poder Público,
como já estava ocorrendo com as operações interligadas, como pode ser visto a seguir:

O núcleo do projeto consistia, a nosso ver, na reafirmação dos princípios


que vinham sendo defendidos pelo então Secretário de Planejamento,
Eng. Marco Antônio Mastrobuono, ou seja, de que competiria
fundamentalmente ao poder público dar sustentação ao processo
privado de produção imobiliária, abdicando dos rigores da
legislação do uso do solo e explorando novas possibilidades de ação
conjunta em torno de projetos de ação compartida, como o de
renovação urbana (modalidade de operação urbana) ou de
operações interligadas. Dessas operações haveriam de ser gerados
recursos para produção de habitação de interesse social, particularmente
as destinadas ao desfavelamento, objetivo prioritário do Prefeito.
(COSTA, 1994, p. 140, negrito nosso)

Em função das diversas reações de segmentos da sociedade civil, essa proposta foi
retirada de pauta e só voltou a ser reapresentada depois da saída de Mastrobuono do
governo. Uma nova proposta foi apresentada pelo novo Secretário Monteiro, reformulada
pela equipe parcialmente reconstituída sob a coordenação do Engenheiro Mário
Laranjeira Mendonça, que havia trabalhado na SAGMACS e no Diagnóstico 75.

O Projeto de Lei do Plano foi acompanhado dos estudos técnicos que o subsidiaram,
sendo que foram retomados vários trabalhos realizados anteriormente, principalmente
aqueles relativos às propostas do PDDI-II e do PD 1985-2000. O item sobre o
comportamento das finanças municipais dava o tom para necessidade da participação da
iniciativa privada em função do “descompasso entre a demanda de serviços públicos e a
capacidade dos Municípios em financiar os dispêndios necessários para oferecer os
serviços desejados pela população” (SÃO PAULO, 1988b, p. 15).

O Plano adotou algumas propostas do Plano de 1985, contudo, mantinha a


estrutura segregada da cidade e o padrão de urbanização periférico, propondo o
adensamento das áreas centrais, a industrialização da Zona Leste e a consolidação da
habitação popular na periferia, conforme pode ser visto nas diretrizes de urbanização e na
figura 4.3:

164
Figura 4.3: Diretrizes gerais da Estrutura Urbana do Plano Diretor do Município de São Paulo de 1988

Fonte: São Paulo, 1988b.

165
1. Intensificar o adensamento e a diversificação do uso do solo da Área
Consolidada, dotada de infraestrutura, equipamentos e boa acessibilidade;
2. Adensar de forma controlada o uso e a ocupação do solo e estimular a
implantação de atividades industriais, de comércio e serviços de âmbito local e
diversificado na Área Intermediária;
3. Priorizar o assentamento habitacional da população de baixa renda, estruturar
e consolidar a infraestrutura e os equipamentos urbanos na Área Periférica.

Dessa forma, todos os assuntos polêmicos do plano de 1985, como a questão de


contenção da urbanização periférica, do combate aos vazios especulativos, da recuperação
dos assentamentos precários nas áreas centrais, de contenção da verticalização nos bairros
de classe media, foram retirados do plano de 1988.

Por outro lado, o Plano aprofundava o discurso neoliberal, relegando às parcerias


público-privadas (PPP) a implementação das diretrizes urbanísticas propostas e a
expansão dos serviços públicos, conforme pode ser visto abaixo:

Para alcançar os objetivos previstos, o Plano estabelece a criação de


novos instrumentos normativos, definindo uma participação mais
efetiva do setor privado na condução da solução de recuperação das
áreas deterioradas e na ocupação de novas áreas segundo padrões
urbanísticos mais equilibrados nos aspectos ambientais e na relação
entre espaços abertos e edificados, prevendo-se também a
regulamentação por legislação específica da participação da iniciativa
privada na complementação dos serviços públicos de competência
municipal. (SÃO PAULO, 1988b, p. 13, negrito nosso)

Dentre as diretrizes que propunham o estabelecimento das PPP, destacavam-se:

1. Ampliar e agilizar as formas de participação da iniciativa privada em


empreendimentos de interesse público (Art. 5º, inciso VI);
2. Criar condições para a participação da iniciativa privada na produção de
habitações de interesse social, através de incentivos normativos ou mediante
projetos integrados (Art. 8º, inciso II);
3. Promover as operações urbanas, entendidas para efeitos desta lei, como ação
conjunta dos setores público e privado, destinadas à melhoria do padrão de
urbanização (Art. 14, inciso II, alínea 6g).

O artigo 27, a Lei definia a forma de ampliar e agilizar a participação da iniciativa


privada nos empreendimentos de interesse público de duas maneiras, através da troca pelo
Solo Criado e pela criação das Operações Urbanas, conforme pode ser visto a seguir (SÃO
PAULO, 1988b, p. 6, negrito nosso):

166
I. Aprimorar o instrumental que estabelece mecanismo de troca, objetivando
compensar, com direito suplementares de uso e ocupação do solo, a quem
assumir encargos, tais como da preservação do patrimônio cultural e ambiental, o
da produção da habitação de interesse social e o da produção complementar de
infraestrutura, equipamentos e serviços públicos;
II. Propor legislação para implantar Operações Urbanas.

Por fim, o artigo 20 da Lei definia que a aprovação dos projetos de Operação Urbana
ficaria a cargo da Comissão Normativa de Legislação Urbanística (CNLU), da SEMPLA,
resultante da junção do Conselho Orientador do Planejamento (COPLAN) e da Comissão
de Zoneamento. Essa reestruturação foi fundamental para o futuro das OI e OU, pois a
recém-criada CNLU passou a ter, ao mesmo tempo, as competências simultâneas do
planejamento e do zoneamento da cidade, e, sendo um órgão colegiado, suas decisões
passaram a ter poder de jurisprudência, viabilizando a implementação desses
instrumentos de exceção. Entre as suas competências estavam: analisar questões da
aplicação e emitir parecer sobre proposta de alteração do Plano Diretor; aprovar projeto
de Operação Urbana; acompanhar e sugerir medidas necessárias à aplicação da Lei do
Plano Diretor. O Plano foi aprovado no penúltimo mês da gestão por Decurso de Prazo.
Dessa forma, o único resultado prático foi a criação da CNLU, com poderes quase
legislativos, pois muitas das diretrizes não foram implementadas e os instrumentos
estavam pouco definidos, não resultando em alterações da Lei de Zoneamento, que de fato
controlava o processo de produção do espaço urbano, ao menos nas áreas formais. Nesse
aspecto, a Lei continuou a ser modificada pontualmente conforme o interesse do mercado
imobiliário, potencializada pelas Operações Interligadas.

4.3.2.2. O Governo Luiza Erundina (1989-1992) e a consolidação das parcerias público-


privadas: das Operações Interligadas à Operação Urbana Anhagabaú

Em novembro de 1988, a assistente social Luiza Erundina de Sousa foi eleita pelo
Partido dos Trabalhadores (PT) para ser a primeira prefeita da cidade de São Paulo para o
mandato de 1989 a 1992. Mulher, nordestina e marxista de formação, Erundina era
identificada com as lutas dos setores mais pobres da população, os quais representou ao
longo de seus mandatos como vereadora (1983-1986) e deputada estadual (1987-1988)
(SÃO PAULO, 1992a).

167
Com uma plataforma que defendia a inversão de prioridades dos recursos públicos a
favor da parcela mais excluída da população, a participação popular no governo da cidade,
através da modernização e democratização da máquina administrativa, ele venceu Paulo
Maluf, candidato do Partido Democrático Social (PDS)158 com 37% dos votos válidos,
visto que a eleição em dois turnos só foi regulamentada após a promulgação da
Constituição Federal de 1988. Contudo, isso representou uma serie de dificuldades ao
longo de seu governo, visto que não tinha maioria na Câmara de Vereadores, e vários de
seus projetos e propostas foram barrados pelo Legislativo.

Com o objetivo de colocar a máquina administrativa para trabalhar a favor dos


setores mais excluídos da sociedade, montou um secretariado composto de vários
intelectuais e acadêmicos, militantes do partido e de outros movimentos de esquerda,
sendo que as questões referentes ao desenvolvimento urbano ganharam destaque, com a
indicação do economista Paul Singer159 para a SEMPLA e da arquiteta Ermínia
Maricato160 para a SEHAB.

O discurso da participação da iniciativa privada na construção da cidade ganhou


novo ímpeto na Administração Erundina, pois o Secretário Singer, economista de
formação, era favorável à aprovação dos GPU e trabalhou para a consolidação das
Operações Interligadas como será visto a seguir. Além do que, havia várias críticas ao
sistema de planejamento urbano vigente, que partiam principalmente da diretora de
DEMPLAN, arquiteta Raquel Rolnik161 e de sua equipe. Segundo essas críticas, o sistema
de planejamento urbano paulistano era visto como portador de um discurso
esquizofrênico, pois enquanto os planos diretores reiteravam padrões e modelos de cidade

158 O PDS foi o partido sucessor da ARENA a partir da Reforma Política de 1980, que reestabeleceu o
pluripartidarismo. Foi extinto em 1993, sendo que a parte dos seus integrantes de centro-direita fundou o
Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), e a parte mais à direita, capitaneada por Maluf
fundou o Partido Progressista Brasileiro (PPB), atual Partido Progressista (PP).
159 Paul Israel Singer (1934-2018) foi um economista, administrador e doutor em sociologia pela

Universidade de São Paulo, onde foi professor titular da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade (FEAUSP). Participou da fundação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(CEBRAP) em 1969 e do Partido dos Trabalhadores em 1980. Foi Secretário de Planejamento do Município
de São Paulo (1989–1992) e Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho (2003–
2016), onde defendeu a economia solidária como um meio de combater os processos de exclusão inerentes ao
capitalismo.
160 Ermínia Terezinha Menon Maricato () é arquiteta e urbanista, mestra, doutora e livre-docente em

arquitetura e urbanismo pela FAUUSP, onde foi professora titular de Planejamento Urbano e Regional e
fundou o LABHAB – Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos. Foi Secretária de Habitação e
Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo (1989–1992) e participou da criação do Ministério das
Cidades, onde foi Ministra Adjunta de (2003–2005).
161 Raquel Rolnik () é arquiteta, mestra e livre-docente em arquitetura e urbanismo pela Universidade de

São Paulo, doutora pela New York State University. Professora titular de Planejamento Urbano da
FAUUSP, foi Diretora do Departamento de Planejamento da SEMPLA (1989–1992), Secretária Nacional
de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003–2007) e Relatora Internacional do Direito à
Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (2008–2014).

168
inatingíveis, face ao enorme déficit social aliado às restrições orçamentarias, na prática a
cidade ia sendo negociada no dia a dia, com os interesses econômicos, locais e
corporativos, através de mudanças pontuais da legislação urbanística, principalmente a
Lei de Zoneamento (SÃO PAULO, 1992b).

Essas críticas viriam a redundar no discurso da necessidade de adoção de um


planejamento urbano mais pragmático, vinculado à realidade e que pudesse se aliar à
iniciativa privada, conforme pode ser visto no texto Participação da Iniciativa Privada na
Construção da Cidade, estudo realizado pela SEMPLA, coordenado por Domingos
Theodoro de Azevedo Netto: “A alternativa que vem sendo utilizada em vários países é
criar incentivos (e eventualmente obrigações) para a iniciativa privada,
condicionados à realização de obras de interesse público” (SÃO PAULO, 1992b, p. 3,
negrito nosso).

A participação da iniciativa privada na construção da cidade: a consolidação das Operações


Interligadas

Conforme já comentado anteriormente, a Administração Erundina mudou de


postura com relação à participação da iniciativa privada no processo planejamento. Dessa
forma, as OI ganharam novo ímpeto, e Singer e sua equipe não mediram esforços para
romper com a resistência a esse instrumento em várias áreas da municipalidade.

Na Câmara de Vereadores, o partido da Prefeita, o PT, tinha posições contraditórias


sobre a utilização do instrumento, que ainda gerava muita polêmica, conforme pode ser
visto nas palavras do Superintendente de Habitação na época, o arquiteto Nabil Bonduki:

Efetivamente, no âmbito do Partido dos Trabalhadores, a questão era


extremamente polêmica, gerando divergências entre os que julgavam
necessário repensar a Lei com o objetivo de corrigir as distorções, mas
mantendo-a como um instrumento eficaz de captação de recursos para a
implementação da política habitacional do município e os que
consideravam o princípio da Lei antiético e que, portanto, defendiam que
o novo governo deveria abandonar a sua implementação. (BONDUKI,
1996, p. 92)

Apesar dessa polêmica e de ter se colocado inicialmente contra a aprovação da Lei


das Operações Interligadas na Administração Jânio Quadros, o partido acabou mudando
de posição, quando percebeu que a aplicação do instrumento não levaria a um processo de
desfavelização em massa, pois os proprietários de terrenos que não tivessem favelas
também poderiam aderir às chamadas dos editais, e que os recursos advindos da venda de

169
potencial construtivo poderiam financiar a construção de habitação de interesse social,
atendendo a demanda da população de baixa renda (SINGER, 1996).

Essas divergências não eram inerentes apenas à Câmara, mas estavam presentes
também no interior da SEMPLA, que estava dividida: de um lado os técnicos,
concentrados principalmente no Departamento Normativo de Uso do Solo (DENUSO),
que consideravam que o instrumento violava a integridade da legislação urbanística; de
outro aqueles que eram favoráveis à aplicação do instrumento, concentrados
principalmente no Departamento de Planejamento (DEMPLAN), pois além de recuperar
parte da valorização imobiliária para a municipalidade, consideravam que as normas da lei
das OI controlavam as excepcionalidades com cautela, resguardando os interesses dos
moradores dos bairros exclusivamente residenciais da elite paulistana.

O próprio secretário tinha posição favorável à flexibilização da legislação, pois,


como economista, considerava o adensamento da cidade importante do ponto de vista da
otimização do uso da infraestrutura urbana, conforme pode ser visto no parágrafo abaixo:

Eu tendia a concordar com os que achavam o adensamento necessário,


sobretudo pelas vantagens econômicas que oferece: a aglomeração de
atividades ou de moradias em edificações verticais encurta as distâncias,
o que permite ponderável economia nas redes de infraestrutura, de vias
públicas, energia, saneamento, telecomunicações, além da economia do
tempo de deslocamento dos que trabalham e vivem na metrópole.
(SINGER, 1996, p. 174)

Singer apresentava uma postura favorável também à aprovação dos Grandes


Projetos Urbanos, definidos por ele como megaprojetos, pois, além de viabilizar recursos
para HIS, representavam na sua visão uma possibilidade de desenvolvimento econômico
para a cidade, ainda mais em vista da crise econômica da Década Perdida. Importante
ressaltar que nesse período o próprio mercado imobiliário também passava por grande
crise em função do desempenho fraco da economia, do desmantelamento do Sistema
Financeiro da Habitação com o encerramento das atividades do Banco Nacional de
Habitação em 1986 e das restrições ao crédito impostas pelo Plano Collor em 1990.

Essa postura pode ser vista nos seus comentários sobre a aprovação da proposta de
operação interligada das Torres da Eletropaulo na Avenida Juscelino Kubitschek,
Quadrante Sudoeste de São Paulo, maior empreendimento imobiliário da cidade na época,
resultando em 132 mil metros quadrados de área construída, 110% a mais que permitia o
zoneamento e com mil vagas de estacionamento para automóvel:

O lucro imobiliário que a operação interligada proporciona à Eletropaulo


é suficiente para que ela se disponha a financiar várias obras viárias e

170
mais duas mil habitações, só estas últimas no valor de mais de 26
milhões de dólares. Mas a importância desse tipo de projeto não se
esgota na contrapartida. A cidade precisa e muito de investimentos deste
tipo, que geram empregos na etapa da construção e proporcionam
infraestrutura para empreendimentos quando prontos, que por sua vez
geram outro tanto de empregos. Uma metrópole moderna que se
especializa crescentemente em serviços como São Paulo necessita de
shoppings, centros empresariais, grandes prédios de escritório, que são o
correspondente ao que representava as fábricas na primeira metade do
século (SINGER, 1996, p. 182)

Apesar dessa posição favorável, para evitar desgaste junto ao corpo técnico, Singer
resolveu criar um Grupo de Trabalho162 responsável pela operacionalização das OI com
representantes dos dois lados. A coordenação do GT ficou a cargo de seu próprio Chefe de
Gabinete, o também economista Paulo Sandroni, hábil negociador nas palavras de Singer.
No lado favorável ao instrumento, destacavam-se os “formuladores” do Solo Criado
Clementina de Ambrósis e Domingos Theodoro de Azevedo Netto.

Apesar da orientação favorável às operações interligadas, à flexibilização do


zoneamento, e à aprovação dos megaprojetos, e de todas as discussões e conclusões do
GT, o impasse dentro da Secretaria não tinha sido resolvido. Isso ficou evidente com a
negação de aprovação da construção de um novo shopping center nas imediações do
Bairro do Morumbi (Shopping Center Butantã), cujo empreendimento já tinha sido
aprovado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), mas que foi denegado pelo
GT baseado em parecer exarado por técnica do DENUSO.

A solução encontrada por Singer para a resolução desse impasse e a facilitação da


aprovação das futuras propostas de OI foi a reestruturação administrativa da Secretaria,
através do Decreto nº 31.604 de 1992, fundindo DEMPLAN e DENUSO em um novo
departamento, o Departamento de Planejamento e Uso do Solo (DEPLANO), cuja direção
ficou a cargo da diretora de DEMPLAN, Raquel Rolnik, “jovem e brilhante urbanista, que
era também contrária à legislação de zoneamento” (SINGER, 1996, p. 199).

Entre setembro de 1988 a dezembro de 1992, 228 projetos foram protocolados para
adesão às OI, dos quais 61 foram aprovados do ponto de vista urbanístico, sendo assinados
47 termos de compromisso com o FUNAPS e as outras 14 propostas resultaram na
construção direta das unidades, resultando em um total de US$ 59 milhões, representando

162A Portaria 25/89/SEMPLA.G criou o Grupo de Trabalho – Operações Interligadas a fim de uniformizar
as normas e os procedimentos relativos à aplicação da Lei nº 10.209/1986, constituído pelos funcionários:
Ana Lúcia Ancona do Amaral, Clementina de Ambrósis, Domingos Theodoro de Azevedo Netto, Flávio
José Magalhães Villaça, Helena Emi Hiraishi, Heloisa Maria Salles Penteado Proença, Isaura Regina
Parente Campana, José Roberto da Affonseca e Silva, Maria Cecília Cardoso, Nilza Maria Antenor, Nilton
Ricoy Torres, Paulo Henrique Sandroni (coordenador) e Paulo Sérgio Reis Alcântara (SÃO PAULO, 1989).

171
mais de um terço de todo o valor despendido na implementação do Programa de
Habitação de Interesse Social da administração Erundina (BONDUKI, 1996).

A primeira experiência de implementação da operação urbana: a Operação Urbana


Anhagabaú

A Administração Erundina foi a primeira a implementar de fato o instrumento


Operação Urbana, através da criação da Operação Urbana Anhagabaú, instituída pela Lei
nº 11.090 de 1991 (SÃO PAULO, 1991a). Localizada no Centro Histórico da cidade, a
operação tinha com o intuito de incentivar a preservação do patrimônio histórico, cultural
e ambiental urbano, promover o melhor aproveitamento dos imóveis subutilizados e
implementar um programa de obras de melhoria do espaço público (ibid.).

Segundo Lefèvre (2017)163, a criação dessa Operação Urbana surgiu da necessidade


da Prefeitura em arrecadar recursos para a conclusão das obras de reurbanização do Vale
do Anhagabaú no Centro da cidade, iniciadas em 1986 na Administração Jânio Quadros, e
que estavam paralisadas em função de problemas de caixa. Nesse período, foram
realizados estudos para a implementação de várias operações urbanas no município no
interior da EMURB, que já vinha da experiência dos Projetos CURA (ver seção 4.3.1.1).
Além das áreas que tinham obras inacabadas da administração anterior, a equipe retomou
algumas das propostas do Plano Diretor 1985/2000, sendo que os estudos contavam com
projetos detalhados das principais intervenções a serem desenvolvidas (ibid.).

No caso do Anhagabaú, foi retomado o projeto vencedor de concurso realizado em


1982, da equipe coordenada pelos arquitetos Jorge Wilheim e Rosa Kliass. As propostas
para reurbanização previam a criação de dois grandes túneis no Vale para acomodar as
duas pistas da Avenida Prestes Maia, que fazem a ligação com as principais avenidas do
Corredor Norte-Sul164, e a construção de uma grande laje ligando os dois lados do Vale
(Centro Velho – Distrito Sé ao Centro Novo – Distrito República), onde foi proposta a
criação de um grande parque, retomando a ideia do começo do Século XX (ver seção
2.4.1).

163 LEFÈVRE, J. E. A. Entrevista de José Eduardo de Assis Lefèvre. [25 Abr. 2017]. Entrevistador: Eduardo
Alberto Cusce Nobre, 2017.Cinco arquivos em mp3 (115 minutos) que se encontra no anexo 2 desta tese.
164 Conjunto de avenidas estruturais da cidade de São Paulo, que fazem a ligação entre as Zonas Norte e Sul,

composto principalmente pelas avenidas Luiz Dumont Villares (Tucuruvi), General Ataliba Leonel (Vila
Guilherme), Avenida Santos Dumont (Santana), Tiradentes (Bom Retiro), Prestes Maia (República e Sé),
23 de Maio (Bela Vista, Liberdade e Vila Mariana), Rubem Berta (Moema), Moreira Guimarães (Campo
Belo), Washington Luís (Santo Amaro e Jabaquara), Interlagos (Cidade Ademar, Campo Grande, Socorro e
Cidade Dutra) e Senador Teotônio Vilela (Grajaú).

172
A ideia da operação se baseava na ociosidade de vários terrenos da área central de
São Paulo, nas cercanias do Vale, em ambos os distritos, que apresentavam CA bem
abaixo do que era permitido pela Lei de Zoneamento. Por ser uma Zona de Uso Misto de
Densidade Alta (Z5), a região central, assim como a Avenida Paulista, apresentavam o
maior CA da cidade, podendo chegar até quatro vezes a área do terreno. Além da
existência de vários lotes vazios, a região apresentava vários imóveis de interesse
histórico, tombados pelos órgãos de patrimônio, que em função disso não podiam exercer
todo o potencial construtivo definido pela legislação. Segundo levantamento da Prefeitura
à época, a soma dos lotes vazios mais os subutilizados chegava a 86 mil metros quadrados,
equivalendo a 18,4% da área total dos lotes, sendo 5,4% referentes aos lotes vazios e 13%
referentes aos subutilizados (SÃO PAULO, 1992b).

Como mecanismos para estimular a participação da iniciativa privada e arrecadar os


recursos necessários para as obras, a Lei previa:

1. Exceções à legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e do código


de edificações, mediante outorga onerosa, não podendo ser inferior a 60% do
valor econômico do benefício concedido;
2. Regularização de construções e reformas em desacordo com a legislação
mediante contrapartida financeira igual ao dobro do benefício concedido;
3. Transferência do potencial construtivo não utilizado de edifícios históricos
na área para imóveis fora do perímetro da operação, observado o CA máximo
de seis vezes a área do terreno e os valores equivalentes dos imóveis cedente
e cessionário;
4. Cessão onerosa de espaços públicos aéreos e subterrâneos para criação de
passagens e galerias, sendo que o cálculo da contrapartida seria baseado em
função do interesse para a operação e do benefício ao usuário, conforme
critérios já utilizados pelo Poder Público.

Foi estabelecido um estoque de 300 mil metros quadrados de área construída


adicional, sendo a metade para a aquisição de área nova e a outra metade para a
regularização de área existente.

O projeto previa a necessidade da obtenção de recursos na ordem de 1,6 bilhões de


cruzeiros (equivalentes a 120 milhões de reais de maio de 2018165) para a realização das

165Esse valor foi atualizado pela correção da variação do Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo
(IPC-SP) da Fipe entre maio de 1990 e maio de 2018, conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central
do Brasil. Disponível em:

173
obras previstas, sendo que 55% para obras de macrodrenagem do Vale, 30% para
finalização das obras de reurbanização, 9% para o restauro e reimplantação de esculturas e
outras melhorias, 6% para a reforma e manutenção de praças, implantação de bulevares e
calçadões.

Contudo, essa operação urbana não deslanchou, pois como esse instrumento
depende do interesse do mercado imobiliário para a sua efetivação, visto que os recursos
são provenientes da venda ou regularização do potencial construtivo adicional, essa
operação não êxito financeiro, pois, além da crise econômica afetar o setor imobiliário, os
investimentos que existiam se concentravam principalmente no setor sudoeste da cidade.

Dessa forma, nos seus três anos de vigência, a Operação Urbana Anhagabaú
suscitou apenas sete termos de compromisso assinados, representando a aquisição de 11
mil metros quadrados de área adicional (13% do estoque de área nova) e a regularização
de 9,6 mil metros quadrados (6% do estoque para regularização), resultando na
arrecadação de aproximadamente 24,5 milhões de reais (corrigidos para maio de 2018166),
representando 1/5 dos recursos necessários para as obras (SÃO PAULO, 1996).

De acordo com a Lei da Operação, a coordenação da sua gestão ficou a cargo da


EMURB, que por lei é responsável pelos projetos de renovação urbana da prefeitura.
Dessa forma, apesar do pequeno sucesso da OU Anhagabaú, o modus operandi das OU
estava consolidado através da ideia de viabilização do programa de obras no seu interior
através dos recursos provenientes da captação da valorização imobiliária baseada na
cobrança de potencial construtivo adicional, como nas OI, porém com a gestão da
EMURB.

Por fim, essa Administração consagrou a operação urbana como instrumento


urbanístico na Lei Orgânica do Município, pois no artigo 152 consta que “O Município
poderá, na forma da lei, obter recursos junto à iniciativa privada para a construção de
obras e equipamentos, através das operações urbanas” (SÃO PAULO, 1990, p. 22).

<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.
166 Conforme dados da Prefeitura do Município de São Paulo foram arrecadados até o final da Operação

Urbana Anhagabaú o valor atualizado para janeiro de 1996 de R$ 7.293.819,93. Esse valor foi atualizado
pela correção da variação do Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe entre janeiro
de 1996 e maio de 2018, conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.

174
A proposta do Plano Diretor de 1991

Desde o início da Administração, Singer e sua equipe defenderam a reformulação do


Plano Diretor de 1988, aprovado na Administração Jânio Quadros, visto que tinha sido de
maneira autoritária, sem o respaldo do corpo técnico, nem do legislativo, e muito menos
da população. Sobre essa questão do plano diretor, a Secretaria estava dividida em dois
grupos da mesma maneira que em outras questões conflituosas sobre a produção do
espaço urbano: de um lado o grupo que mantinha fé no planejamento urbano tradicional,
liderado pelo arquiteto e urbanista Luiz Carlos Costa, cuja proposta era fazer um plano
melhor que os anteriores; e de outro, um que era cético com relação ao planejamento em
geral e aos planos diretores, em particular, pois os consideravam altamente idealistas
desconsiderando os meios para implantá-los, liderado pela arquiteta e urbanista Raquel
Rolnik (SINGER, 1996).

Singer optou pelo segundo grupo e pela formulação de um plano diretor diferente
do tradicional, mas que produzisse resultados. Ao invés de formular um modelo ideal de
cidade a ser perseguido e definir um vasto programa de obras e planos setoriais que nunca
seriam implementados, o plano deveria se ater às questões centrais, estabelecendo
princípios gerais, porém promovendo a “reforma urbana” (op. cit., p. 199).

Para a sua formulação, foi realizado extenso diagnóstico pela SEMPLA, coordenado
pelas arquitetas e urbanistas Raquel Rolink e Nádia Somekh e pelo cientista político Lúcio
Kowarick. Esses estudo identificou a lógica do caos ambiental paulistano como fruto do
padrão periférico do crescimento da “metrópole do subdesenvolvimento
industrializado”167 (ROLNIK, KOWARICK e SOMEKH, 1990, p. 75-76).

Como resultado desse padrão de crescimento, o trabalho apontava para a


precariedade habitacional, que se intensificava em função da crise econômica da “década
mais do que perdida”, como um dos principais problemas da cidade, atingindo cerca de
70% dos 11,5 milhões de habitantes, sendo que 26% morando em cortiços, 21% em
loteamentos irregulares, 11% em casas precárias e 9% em favelas.

Além da questão da precariedade habitacional, o estudo identificava mais dois


problemas estruturais. Em primeiro lugar, os graves problemas ambientais em função do

167“Padrão periférico de crescimento” é um termo utilizado para definir o extenso crescimento horizontal da
metrópole paulistana ao longo do Século XX, onde a elite se apropriou dos espaços centrais, melhor
providos de infraestrutura e equipamentos urbanos, enquanto que grande parte da população de baixa renda
foi “expulsa” para as regiões periféricas dessa metrópole, com enormes déficits em infraestrutura e
equipamentos sociais, e, geralmente, localizadas em áreas de fragilidade ambiental. Já o termo “metrópole do
subdesenvolvimento industrializado” está relacionado ao processo de industrialização periférica (ao
Capitalismo). Ambas as questões foram abordadas no Capítulo 1 desta tese.

175
processo de urbanização caracterizado pela expansão periférica sobre áreas
ambientalmente sensíveis e a ocupação das várzeas pelo sistema viário estrutural. Em
segundo, identificando esse crescimento periférico associado à priorização histórica dada
ao automóvel, que ocupava 70% do sistema viário, porém carregando 40% do total de
passageiros, como sendo os principais responsáveis pelos enormes problemas e o caos na
mobilidade urbana.

Além desse diagnóstico, a SEMPLA realizou vários estudos que iriam subsidiar a
proposta do plano diretor, destacando-se os estudos sobre: a dinâmica urbana local; a
importância do zoneamento na formação de preços e na oferta de terrenos para o mercado
imobiliário; e sobre a capacidade de suporte da infraestrutura urbana168.

Baseado nesses estudos e para resolver os problemas estruturais da cidade, a


proposta do Plano Diretor de 1991 abdicou de um modelo urbano ideal e propôs uma
estrutura aberta e flexível de desenvolvimento imobiliário, baseado no conceito do Solo
Criado. A partir da existência e ociosidade da infraestrutura urbana, definiu Áreas
Adensáveis (principalmente nos Anéis Central e Intermediário) e Não Adensáveis
(principalmente no Anel Periférico), e para cada área adensável definiu um estoque
construtivo disponível, baseado nos estudos sobre a capacidade de suporte (SÃO PAULO,
1991b).

Os empreendedores que quisessem construir acima do CA igual a um, único para


cidade toda, pagariam pelo direito adicional de construir e os recursos advindos dessa
alienação seriam depositados no Fundo de Urbanização (FUNDURB), cujos recursos
seriam aplicados prioritariamente na execução do programa das Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS), atendendo a demanda populacional, buscando melhorar as
condições de habitabilidade para a população de baixa renda. Além das ZEIS, os recursos
seriam aplicados também na implantação e conservação de áreas verdes, em obras de
drenagem e em obras viárias constantes da rede estrutural de transportes.

O Plano também reafirmou a ideia da operação urbana, definida como “o conjunto


integrado de intervenções e medidas a ser coordenado pelo Poder Público, com a
participação de recursos da iniciativa privada” (SÃO PAULO, 1991b, art. 54, parágrafo 1º)

168O Suplemento do Diário Oficial do Município de São Paulo do dia 24 de dezembro de 1992 trouxe sete
cadernos de planejamento, referentes aos estudos que foram desenvolvidos na Administração Erundina no
interior da SEMPLA, sendo eles: “Lei de Usos: uma nova estratégia para controle da instalação de
atividades no espaço urbano”; “Infraestrutura urbana e potencial de adensamento”; “Zoneamento e mercado
imobiliário: subsídios para a transformação da legislação urbanística do Município de São Paulo”;
“Planejamento e Dinâmica Local”; “Política Ambiental e Gestão da Cidade”; “Participação da iniciativa
privada na construção da cidade”; e “Notificações e intimações decorrentes da ação fiscalizatória de SAR”

176
a fim de alcançar transformações urbanísticas e estruturais na cidade, propondo quatro
perímetros de atuação: Água Espraiada, Água Branca, Anhagabaú, Faria Lima/Berrini e
Paraisópolis.

Dessa forma, o plano criava um paradoxo com relação à concentração ou dispersão


dos recursos advindos da atividade imobiliária da cidade e de seu retorno social, pois ao
estabelecer áreas de intervenções urbanas especiais nas OU, onde a iniciativa privada
atuaria mais fortemente na procura por maior lucro imobiliário, as demais áreas
apresentariam menor interesse ao mercado, reduzindo o valor arrecadado com a outorga
onerosa e consequentemente os recursos do FUNDURB, pois desde o início as OU
tinham contas específicas. Contudo, nesse período ainda era possível transferir os recursos
das OU para outras áreas da cidade.

O plano recebeu críticas de parte dos técnicos da SEMPLA, pois não havia limite
para a aquisição do direito adicional de construir nas Zonas Adensáveis, ficando este
sujeito apenas à disponibilidade de estoque. Dessa forma, não tinha como controlar o
tamanho máximo das edificações.

Em que pese os novos conceitos trazidos por esse plano, ele sofreu grande
resistência do setor empresarial imobiliário (FOLHA DE SÃO PAULO, 1991). A questão
não era ser contra o coeficiente único, mas sim ser contra o valor igual a um. Para o setor,
o coeficiente deveria ser ao menos dois. Por fim, na época da apresentação à Câmara
Municipal, os empresários fizeram forte resistência para manter as “regras do jogo”
inalteradas, ou seja, o zoneamento existente (ANTONUCCI, 2002a). Destacaram-se na
época as críticas feitas por várias pessoas ligadas ao mercado imobiliário, inclusive
arquitetos como Carlos Bratke, que diziam que o pagamento do direito de construir
adicional a partir do CA um iria tornar a construção civil inviável na cidade de São Paulo
(BRATKE, 1991a e b). Por fim, a proposta do plano foi barrada na Câmara de Vereadores,
sendo engavetado de vez na gestão Maluf.

4.3.3. Réquiem para as Operações Interligadas: irregularidade e


inconstitucionalidade

Posteriormente o instrumento da operação interligada foi modificado na Lei nº


11.773 de 1995, já na gestão Paulo Maluf (1993-1996), que passou a permitir a revisão dos
índices urbanísticos e dos parâmetros de uso e ocupação do solo de qualquer terreno da
cidade mediante contrapartida financeira vinculada ao Fundo Municipal de Habitação

177
(FMH), com exceção aos imóveis localizados em determinadas zonas exclusivas e os
contidos nos perímetros das operações urbanas (SÃO PAULO, 1995b). Por essa lei, o
coeficiente de aproveitamento revisto poderia chegar até o limite de 4,0 e a taxa de
ocupação até 80%.

A Prefeitura publicava os editais de chamamento e os interessados apresentavam


propostas (SÃO PAULO, 2002c). Essas propostas eram avaliadas sob dois pontos de vista
em duas etapas: o urbanístico e o financeiro. Na primeira, o interessado dava entrada com
a documentação do terreno e a planta que se pretendia aprovar. Após serem verificadas
pelo setor Jurídico da Prefeitura, eram encaminhadas para um Grupo Técnico de
DEPLANO, que analisava os impactos do empreendimento, e se aprovadas eram
encaminhadas para deliberação da CNLU.

Na segunda etapa, era realizado o cálculo do valor da contrapartida, que se baseava


no conceito do “terreno virtual”, ou seja, o terreno adicional que seria necessário para se
alcançar a área construída pretendida, caso não houvesse a outorga do direito de
construir. Por exemplo, se um proprietário tivesse um terreno de mil metros quadrados
com CA igual a dois, ele poderia construir dois mil metros quadrados. Caso ele quisesse
construir quatro mil metros quadrados (CA igual a quatro), ele necessitaria de mais um
terreno de mil metros quadrados. Esse conceito se baseava na ideia do Solo Criado e do
PLD, já explicado em seções anteriores.

Contudo, o valor da contrapartida não era feito em cima do valor total do terreno,
pois, por ser virtual, o proprietário não disporia de mais área no térreo e nem de seu
subsolo. Dessa forma, era dado um desconto de 30% sobre o valor de mercado do terreno
para chegar ao valor do benefício. Sobre esse valor era feita a negociação da contrapartida,
com desconto de até 40% do valor do benefício. Portanto, o valor pago correspondia
aproximadamente à metade do valor do terreno onde o imóvel se localizava.

Em 1998, o Ministério Público Estadual entrou com uma Ação Direta de


Inconstitucionalidade (ADIN) no Tribunal de Justiça do Estado contra o instrumento por
ele conceder ao Poder Executivo, prerrogativas de mudança do zoneamento inerentes ao
Poder Legislativo. Este acatou a ação suspendendo a utilização do instrumento e em 2000
julgou-o inconstitucional, ficando revogada a sua utilização.

Conforme dados da Câmara Municipal (SÃO PAULO, 2002c), durante o período de


sua utilização entre 1986 e 1998, foram requeridas 843 (oitocentos e quarenta e três)
adesões, e destas apenas 313 (trezentos e treze) resultaram em termos de compromisso

178
firmados, gerando uma contrapartida no valor atualizado para maio de 2018 de
aproximadamente 436 milhões de reais 169, o que seria suficiente para construir 11.102
(onze mil, cento e duas) unidades de HIS na época.

Contudo, a aplicação desse instrumento ocorreu com uma série de irregularidades


que justificaram a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara
Municipal de São Paulo em 2001. Segundo o relatório dessa comissão, do total
arrecadado apenas 18% foi de fato aplicado na construção de HIS, resultando na entrega
de apenas 3.348 (três mil, trezentos e quarenta e oito) unidades. O relatório da CPI afirma
que até a sua finalização em 2002 por volta de 65% do total arrecadado ainda não havia
sido depositado na conta do FMH.

Outra questão apontada pelo relatório foi a do cálculo da contrapartida, que parecia
conceder descontos indevidos aos empreendedores imobiliários, com a ausência de
critérios técnicos bem definidos.

Além das questões administrativas e financeiras, a Operação Interligada recebeu


também muitas críticas do ponto de vista dos impactos urbanísticos. A maioria delas se
localizou em Z2 – Zona Predominantemente Residencial de Densidade Baixa, elevando o
CA de 2,0 para 4,0 (VAN WILDERODE, 1995). Van Wilderode (op. cit.) chama a atenção
para o fato de que a Operação Interligada ter aumentado a segregação socioespacial numa
cidade já bastante segregada, na medida em que os empreendimentos se concentravam nas
áreas mais valorizadas da cidade, enquanto que a unidades de HIS se concentravam na
periferia, conforme pode ser visto na figura 4.4.

Dessa forma, a operação interligada foi o primeiro instrumento a flexibilizar a


legislação de zoneamento estabelecida em 1972 em prol dos interesses do mercado
imobiliário, mediante contrapartida financeira à Municipalidade. Por não definir uma área
específica para sua atuação, o mercado imobiliário se sentiu livre para atuar onde tivesse
interesse.

169No Relatório da CPI da Câmara Municipal de São Paulo (SÃO PAULO, 2002c) consta que o valor
arrecadado com as contrapartidas havia chegado a US$122.498.608,84 em dezembro de 1998, que ao valor
do dólar na época representava R$ 146.998.330,608 (valor do câmbio de US$ 1 = R$ 1,20). Esse valor foi
atualizado pela correção da variação do Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe
entre dezembro de 1998 e maio de 2018, conforme a Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil.
Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.

179
Figura 4.4: Localização das propostas de operação interligada e dos conjuntos de HIS objetos da
contrapartida.

Fonte: Van Wilderode, 1995.

Nesse aspecto a região mais procurada foi o Quadrante Sudoeste, com destaque para
a construção de edifícios de escritório de alto padrão na Av. Faria Lima e de edifícios
residenciais de alta renda no Bairro do Morumbi. Várias favelas existentes em áreas
centrais foram removidas através do uso desse instrumento e sua população relocada para
a periferia em piores condições considerando o acesso ao transporte, equipamentos
públicos e infraestrutura.

Assim sendo, a utilização desse instrumento, além das irregularidades mencionadas,


demonstrou–se extremamente favorável ao setor imobiliário, garantindo uma maior
lucratividade deste, pois, além de permitir ao capital imobiliário a criação de localidades de
interesse, facilitava a remoção de possíveis entraves, principalmente a presença de
população de baixa renda no entorno, considerada fator de desvalorização dos imóveis.
Por fim, as operações interligadas consolidaram o modus operandi de arrecadação da
valorização imobiliária que viria a ser base de viabilização das OUC.

180
CAPÍTULO 5 – A CONSOLIDAÇÃO DOS GRANDES PROJETOS
URBANOS EM SÃO PAULO: A IMPLEMENTAÇÃO DAS
OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS

5.1. Introdução
No Capítulo anterior foi demonstrado como o discurso neoliberal foi se inserindo no
planejamento urbano paulistano, com o surgimento das primeiras ideias e experiências de
parcerias público-privadas, resultando nas operações interligadas e na implantação da
Operação Urbana Anhagabaú. Esse capítulo estudará como se deu a consolidação das
operações urbanas na cidade de São Paulo a partir da implementação da sua primeira
experiência de sucesso imobiliário, a da Faria Lima, para na sequência analisar a
implantação das demais operações urbanas. No final, será realizada uma análise acerca dos
resultados de implementação de todas as operações urbanas vigentes na cidade.

5.1.1. O Governo Paulo Maluf (1993-1996): as Operações Urbanas Faria Lima e


Água Branca

Em 1992 Paulo Maluf170 foi eleito prefeito de São Paulo pelo PDS, batendo o
candidato do PT, Eduardo Suplicy, com 58% dos votos validos em segundo turno. Maluf,
que já tinha sido prefeito da cidade (1969-1971), presidente da Caixa Econômica Federal
(1967-1969), Secretário de Estado de Transporte (1971-1975) e Governador do Estado
(1979-1982), baseou a sua campanha promovendo sua imagem de “realizador” e “tocador
de obras”. Com campanha publicitária de Duda Mendonça e os motes como “São Paulo
crescendo” e “Maluf faz”, conseguiu capitanear a rejeição à administração da prefeita,
desgastada pelas dificuldades de implementação de várias políticas e leis, visto que a
Câmara de Vereadores lhe fazia oposição, e pelos noticiários televisivos negativos sobre a
sua gestão (PORTO, 1996).

Sua administração foi marcada por grandes intervenções viárias, concentradas no


Quadrante Sudoeste da cidade, principalmente a retomada da construção do túnel sob o
rio Pinheiros, iniciada na Administração Jânio Quadros e paralisada pela Erundina, a
extensão da Avenida Faria Lima e a construção da avenida ao longo do Córrego das
Águas Espraiadas, retomando projetos da década de 1970 e as propostas de operação

170 Para informações da biografia de Paulo Maluf ver nota de rodapé número 84.

181
urbana da Administração Erundina, constantes da proposta do Plano Diretor de 1991 e
do documento Participação da Iniciativa Privada na Construção da Cidade (SÃO PAULO,
1992b). As obras viriam a sobrevalorizar fortemente essa região, que começava a
despontar como nova frente de expansão da produção imobiliária voltada ao setor do
terciário avançado, promovido pelo ideário do paradigma da Cidade Global (NOBRE,
2000; FERREIRA, 2003 e FIX, 2004).

O Plano Diretor saiu de cena e entraram as operações urbanas e grandes obras


viárias, coordenadas pelo comando duplo do engenheiro Reynaldo de Barros, como
Secretário de Vias Públicas (secretaria advinda da cisão da antiga Secretaria de Obras) e
como Presidente da EMURB, reconstituindo boa parte da equipe que havia implementado
as obras viárias na Administração Jânio Quadros (MARQUES, 2003).

Conforme Marques (op. cit.), Maluf gastou sete bilhões de reais171 em obras viárias,
sendo que 64% desses concentrados nas áreas mais ricas da cidade e apenas 36% nas áreas
ocupadas pela população de baixa renda, destacando-se a Avenida Nova
Trabalhadores/Jacu Pêssego na Zona Leste. Posteriormente, Maluf foi acusado e
condenado pelo superfaturamento dessas obras em valor estimado em um bilhão de
reais172, ocasionando a sua prisão em dezembro de 2017.

Nesse período, a SEMPLA perdeu a função orçamentária, que foi transferida pela
Lei nº 11.692 de 14 de dezembro de 1994 para a Secretaria das Finanças (SF) sob o nome
de Assessoria Geral do Orçamento (AGO) e passou ser uma secretaria vinculada apenas
ao planejamento físico-territorial e sua normatização, terminando com o ciclo iniciado
com Setúbal.

Da mesma forma, a visão estrutural do instrumento operação urbana, baseada em


projetos desenvolvidos pela EMURB, perdeu espaço para o caráter do seu potencial
arrecadatório, muito em função das ideias dos secretários de planejamento do período, o
economista neoliberal Marcos Cintra173 (1993) e o empresário Paulo Roberto Richter

171 Esse valor foi atualizado pela correção do valor de R$ 2,56 bilhões pela variação do Índice de Preços ao
Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe entre dezembro de 1999 e maio de 2018, conforme a
Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.
172 Esse valor foi atualizado pela correção do valor de R$ 432,5 milhões pela variação do Índice de Preços ao

Consumidor de São Paulo (IPC-SP) da Fipe entre agosto de 2001 e maio de 2018, conforme a Calculadora
do Cidadão do Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirForm
CorrecaoValores>. Acesso em: 15 jun. 2018.
173 Marcos Cintra (1945 – ) é economista e doutor em economia pela Universidade de Harvard, professor-

titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

182
(1994-1996), que havia sido diretor da Eucatex, empresa da família Maluf que atua no
ramo de fabricação de produtos de madeira (LEFÈVRE, 2017).

5.1.1.1. A Operação Urbana Consorciada Faria Lima (OUCFL)

A ideia de construção de avenidas arteriais paralelas às vias expressas marginais aos


rios Tietê e Pinheiros já constava das Diretrizes do Sistema Viário Expresso e Arterial,
elaboradas pela COGEP e Secretaria Municipal de Transportes, a partir das definições do
PUB e do PDDI (ZMITROWICZ e BORGHETTI, 2009). No caso avenida paralela à
marginal do rio Pinheiros, esta foi proposta na Lei nº 7.104, de 3 de janeiro de 1968 (SÃO
PAULO, 1968), que resultou na sua construção parcial, entre o Largo da Batata em
Pinheiros e a Rua Iguatemi no Itaim, denominada de Avenida Brigadeiro Faria Lima, em
homenagem ao prefeito da época.

Baseado na ideia de complementação dessa via paralela, a iniciativa privada


apresentou em 1986, durante a Administração Jânio Quadros, um projeto do arquiteto
Júlio Neves, intitulado Bulevar Zona Sul, que propunha a interligação entre as avenidas
Brigadeiro Faria Lima e Luiz Carlos Berrini, ligando os bairros de Pinheiros e Brooklyn,
duas regiões que vinham despontando como o novo centro empresarial da cidade (FIX,
2001).

As quadras lindeiras à Avenida Faria Lima já haviam se configurado como um


centro comercial ainda na década de 1970, após a abertura do Shopping Center Iguatemi
(BRUNA e ORNSTEIN, 1990). Por outro lado, a região da Berrini despontava como nova
área comercial da cidade em virtude da atuação de empresas de consultoria imobiliária que
traziam investidores corporativos, principalmente os fundos de pensão, para viabilizar
megaempreendimentos comerciais mistos, com torres de escritório inteligente, centros de
convenções e shopping centers de alto padrão (NOBRE, 2000).

Apesar de a proposta ter sido apresentada como solução viária para desafogar o
trânsito do Quadrante Sudoeste da cidade, a real intenção de Neves, arquiteto com fortes
ligações com as empresas construtoras e incorporadoras, era a valorização imobiliária da
região, onde já desenvolvia vários projetos de empreendimentos do setor terciário
(SÁVIO, 2004).

O projeto previa a desapropriação e reurbanização de várias quadras dos bairros de


Pinheiros, Itaim, Vila Funchal e Vila Olímpia, resultando em gastos excessivos para
municipalidade, motivo pelo qual não foi levado adiante naquela administração. Contudo,

183
Júlio Neves reapresentou seu projeto à EMURB na Administração Erundina, tendo sido
incorporado por ela, com aval de seu presidente, o arquiteto Roberto Mac Fadden,
mediante sua modificação para que se encaixasse no conceito de operação urbana que
vinha se desenvolvendo no interior daquele órgão (LEFÈVRE, 2017).

A Operação Urbana Faria Lima constou da proposta do Plano Diretor de 1991


daquela gestão e a justificativa para sua inclusão poder ser vista no documento
Participação da Iniciativa Privada na Construção da Cidade, onde foram definidos os
objetivos de descongestionar o tráfego da região e de obter recursos advindos do processo
imobiliário para financiar as obras e a construção de habitações populares, conforme
abaixo:

Com efeito, a Operação Urbana deverá ser concebida de maneira a fazer


reverter para os cofres municipais a valorização das terras lindeiras
que a nova avenida certamente provocará. É possível antecipar que
tal valorização será suficiente para cobrir todos os custos de construção
da nova avenida, inclusive os de desapropriação, e ainda produzir um
substancial excedente a ser aplicado em Habitação de Interesse Social em
outras áreas da cidade. (SÃO PAULO, 1992b, p. 19, negrito nosso)

Dessa forma, a própria Prefeitura incentivava o desenvolvimento imobiliário da


região a fim de se apropriar de parte da valorização imobiliária gerada, estabelecendo
aquilo que Fix (2001) denominou de “parceria da exclusão”, na medida em que as obras
necessárias para realização dessa operação urbana e a valorização decorrente geraria um
processo de expulsão da população mais pobre dessas áreas.

Em 1993, logo no primeiro ano de governo, Maluf iniciou a desapropriação dos


terrenos para a ampliação da Avenida Faria Lima, obra prioritária e emblemática de sua
administração, retomando o projeto de Júlio Neves, de quem era amigo de infância desde a
época do colégio. Houve confronto entre a Prefeitura e a população moradora de classe
media que seria atingida pelo projeto, organizada em associações de bairro, visto que a
obra previa a desapropriação de 2.100 imóveis (FIX, 2001).

Com o intuito de diminuir o número de desapropriações e apaziguar as associações


de moradores, reunidas em torno dos arquitetos Cândido Malta Campos Filho174 e
Siegbert Zanettini175, a Prefeitura acabou por fazer outras concessões, como a alteração do

174Para informações sobre Cândido Malta Campos Filho ver nota de rodapé número 132.
175Siegbert Zanettini (1934 – ) é arquiteto e urbanista, doutor (1972) e livre-docente (2001) em arquitetura
e urbanismo pela FAUUSP, onde foi professor emérito de Projeto Arquitetônico (1967-2004). Ele e
Cândido, junto com Manoel Kosciusko tiveram escritório de arquitetura juntos no inicio de suas carreiras
no final dos anos 1960, desde 1968 é sócio fundador da Zanettini Arquitetura Planejamento e Consultoria
Ltda.

184
traçado viário, exclusão de áreas residenciais exclusivas no Jardim Paulistano e de áreas
residenciais de classe média na Vila Olímpia176.

Após a negociação com esses setores de classe media e alta envolvidos, Maluf
conseguiu aprovar na Câmara Municipal por 55 votos a zero a Lei nº 11.732, 14 de março
de 1995 (SÃO PAULO, 1995a), que instituiu a Operação Urbana Faria Lima. Contudo, a
proposta original da extensão da Avenida foi um pouco modificada, pois, ao invés de
conectar a Faria Lima à Berrini, a avenida seria estendida nas suas duas extremidades: ao
Norte, do Largo da Batata até encontrar-se com a Avenida Pedroso de Moraes e ao Sul,
da Avenida Cidade Jardim à Avenida Hélio Pellegrino, passando pela Avenida Juscelino
Kubitschek, conforme mapa 5.1.

A lei da operação previa a venda de 2,25 milhões de metros quadrados de área


adicional em uma área de 650 hectares, que poderia ocorrer de duas formas: através da
outorga onerosa lote a lote, ou através da venda de certificados desvinculados dos lotes,
emitidos pela SEMPLA e comercializados pela EMURB, denominados de Certificados de
Potencial Adicional de Construção (CEPAC). Baseado na ideia do Secretário Municipal de
Planejamento, o economista neoliberal Marcos Cintra, esses certificados seriam
convertidos na ocasião desejada por seu detentor em quantidade de metros quadrados de
área de construção computável, estabelecida em função de sua aplicação em lote específico,
contido no perímetro da operação.
A ideia de desvincular os direitos de construção adicional de um lote específico,
através de um certificado, e permitir a sua utilização a posteriori era uma estratégia para
transformar os direitos de construção em um ativo financeiro vendável. A principal
vantagem, segundo seu formulador, seria a captação dos recursos a priori resolvendo o
problema de caixa das prefeituras, que não precisariam desembolsar dinheiro para tocar as
obras do presente e esperar pela arrecadação da outorga no futuro.

176As alterações acabaram por atender os interesses dos dois arquitetos, pois Cândido é presidente da
Associação Defenda São Paulo, que congrega a associação dos bairros-jardins e Zanettini ainda hoje tem
escritório no mesmo local na Vila Olímpia, que seria desapropriado pelas obras e que agora não está
ameaçado pela construção de prédios, pois está fora da área da operação urbana.

185
Mapa 5.1: Perímetro da OUC Faria Lima, com as obras iniciais e áreas de exclusão.

Fonte: Elaboração do autor, a partir de Base Digital de Quadra Viária, São Paulo, 2016b.

Além de formulador, Cintra foi o principal difusor da ideia do CEPAC como um


potente instrumento de financiamento municipal, conforme pode ser visto em suas
próprias palavras abaixo:

As prefeituras brasileiras encontram-se falidas. Muitos dos mais de 5,5


mil municípios brasileiros nunca vivenciaram um descompasso tão
grande entre suas demandas e a disponibilidade de recursos para atendê-
las [...] Este é um momento que exige muita criatividade na gestão
financeira por parte das administrações municipais [...] Nesse sentido,
vejo com boas perspectivas um instrumento de grande potencial
arrecadatório criado por mim quando fui vereador em São Paulo [...] o
Certificado de Potencial Adicional de Construção – CEPAC, uma
inovação em todo o mundo, que recebeu elogios de representantes de
todos os continentes presentes a um Congresso Internacional de
Administradores Municipais, realizado em 1993 em Toronto, no Canadá
[...] A proposta de securitização de direitos de construir, denominada
CEPAC, cria mais uma alternativa e poderá servir de novo paradigma de
financiamento público. [...] Em resumo, o CEPAC é um instrumento
que viabiliza projetos urbanísticos, capta recursos financeiros sem gerar
endividamento e socializa os benefícios provenientes de investimentos
públicos em infraestrutura. O potencial do CEPAC não pode ser
desprezado num momento tão crucial para as finanças municipais.
(CINTRA, 2001, negrito nosso)

186
A principal crítica à utilização desse instrumento veio da academia, pois na visão de
pesquisadores da FAUUSP, o CEPAC por ser um título negociável na bolsa criaria um
tipo de especulação imobiliária “financeirizada”, tendo em vista que os potenciais
compradores dos títulos nos leilões seriam os bancos, que investiriam nesses papeis pela
possibilidade de grandes lucros em função da valorização imobiliária futura (FERREIRA
e FIX, 2001, p. 3). Essa expectativa de valorização imobiliária repercutiria também nos
terrenos da região, resultando em uma especulação nos seus preços.
Contudo, a Prefeitura não pôde emitir os CEPAC nesse momento, pois para os
municípios emitirem títulos públicos é necessária a aprovação do Senado Federal. Dessa
forma, a aplicação dos CEPAC ficou postergada até a sua regulamentação pelo Estatuto
da Cidade, Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamentou o Capítulo de
Política Urbana da Constituição Federal e os recursos financeiros dessa primeira fase
foram oriundos da venda da outorga onerosa do direito de construir, cujo valor chegou a
465 milhões de reais (SP URBANISMO, 2018d).
Em 2004, a Operação Urbana Faria Lima foi alterada pela Lei nº 13.769 de 2004
(SÃO PAULO, 2004a) para se adequar aos parâmetros do Estatuto da Cidade. Essa lei
definiu a Operação Urbana Consorciada (OUC) como um conjunto de intervenções
coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação da iniciativa privada, que
visa alcançar “transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização
ambiental” de uma determinada área (BRASIL, 2001, art. 32, parágrafo 1º).
De fato, os CEPAC demonstraram ser um potente instrumento de especulação
imobiliária “financeirizada”, pois, entre a emissão dos primeiros títulos da OUCFL em
dezembro de 2004 e o seu valor de negociação aferido pela BM&FBovespa em agosto de
2015, o titulo sofreu uma valorização de 850%, passando de R$ 1.100,00 para R$ 9.600,00,
valorização essa que acabou repercutindo na valorização fundiária da região (SÃO
PAULO, 2015, p. 77).

Na revisão da lei foi prevista outra serie de obras, a saber:

1. Obras viárias – construção dos túneis Max Feffer e Fernando Vieira de


Mello, embaixo da Av. Faria Lima; Bulevar Av. Juscelino Kubitschek;
prolongamento e duplicação da Av. Hélio Pellegrino;
2. Obras de reurbanização – Reconversão Urbana do Largo da Batata;
3. Obras de transporte coletivo e alternativo – custeio parcial da Linha 4 do
Metrô e implementação de ciclovias

187
4. Produção de 2.137 unidades de habitação de interesse social – reurbanização
da favela Real Parque.

As melhorias viárias atenderam as expectativas dos moradores e frequentadores da


região, em sua maioria, executivos do setor terciário avançado. Já a reurbanização do
Largo da Batata, resultado de concurso público de urbanismo, ocasionou a “expulsão” de
usos indesejáveis da região. O Edital do lançamento do Concurso Público Nacional
Reconversão Urbana do Largo da Batata no ano de 2002, coordenado pela SEMPLA,
EMURB e IAB/SP, chamava a atenção para o fato de a região não ter atraído nenhuma
proposta de compra de potencial construtivo, permanecendo inalterada (SÃO PAULO,
2002a).

Boa parte do desinteresse do mercado imobiliário era resultante do uso comercial


popular (pequeno comércio, bares, lojas de candomblé e bas-fonds), resultante do fluxo
intenso de pessoas, visto que o Largo era ponto de chegada de inúmeras linhas de ônibus
intermunicipais vindos da periferia oeste da metrópole. Aproveitando da implantação da
estação Faria Lima da Linha 4 do Metrô, o projeto de reurbanização criou uma grande
praça, retirando todas as linhas de ônibus e as colocando em um terminal próximo à
Marginal do Pinheiros. Dessa forma as intervenções do Estado, com recursos da OUCFL
para construir a estação do Metrô, e da Prefeitura, através do projeto de reurbanização,
afugentaram o pequeno comércio popular do local, abrindo espaço para o grande capital
imobiliário e um processo de gentrificação na região.

Já a urbanização da favela Real Parque, localizada no Bairro do Morumbi, fora do


perímetro da OUCFL, foi aprovada em decreto e transformou por completo a favela,
substituindo os barracos e casas simples existentes por edifícios da COHAB. O processo
de urbanização gerou muita polêmica, pois, a princípio, a população moradora era
favorável apenas à realização de melhorias urbanísticas, como a dotação de infraestrutura,
iluminação pública, pavimentação e criação de espaços livres (D'ANDREA, 2012). Após a
reintegração de posse truculenta de parte da favela pela proprietária, a EMAE (Empresa
Metropolitana de Águas e Energia) e incêndio suspeito de grandes proporções nas
instalações provisórias da empresa, a resistência da população foi minada e as obras do
conjunto iniciaram-se cincos dias após o incêndio. A urbanização da favela trouxe a
valorização imobiliária e a incerteza de permanência da população original no local, como
pode ser visto na reportagem abaixo sobre o processo de urbanização das favelas do
Bairro do Morumbi:

188
A valorização imobiliária, fruto do processo de urbanização, já chegou às
comunidades. Em Paraisópolis, o aluguel disparou nos últimos anos. “O
aluguel que antes custava R$ 300, hoje, chega a R$ 800”, afirma Bruna
de Jesus, 26, que vive na favela desde que nasceu. O aumento do valor é
um problema para moradores que foram retirados de seus barracos e
esperam as novas habitações. “Tem gente há cinco anos ganhando R$
400 de aluguel social, mas não acha nada com esse preço”, reclama José
Maria de Oliveira, 60, da União em Defesa da Moradia do Complexo
Paraisópolis. Segundo a Secretaria de Habitação da prefeitura de São
Paulo, “o benefício de auxílio aluguel tem a função de complementar a
renda da família até o atendimento habitacional definitivo”. (HIRATA,
2015, p. 10)

Do início da operação até novembro de 2016 foi consumido um estoque total de 1,99
milhões de metros quadrados de área construída adicional, representando 88% do total
disponibilizado por lei. Desses, 57% foram para fins residenciais e 43% para fins
comerciais, ocasionando um processo de verticalização da área, como pode ser visto na
figura 5.1. Várias áreas se transformaram por completo, como no caso da Vila Olímpia (a
parte que remanesceu na operação) que se transformou de bairro residencial de classe
média baixa para bairro comercial com várias torres de escritórios e shopping center.

Figura 5.1: Aquisição de Área Construída Adicional em milhares de metros quadrados

Fonte: SP Urbanismo, 2016d.

189
A OUCFL foi a segunda operação que mais arrecadou até os dias de hoje. Em 31 de
janeiro de 2018, havia sido arrecadado na conta vinculada da operação o valor de 2,4
bilhões de reais, dos quais 1,3 bilhões foram provenientes dos leilões de CEPAC, 465
milhões da outorga onerosa do direito de construir e 532 de aplicações financeiras (SP
URBANISMO, 2018d). Desse total, 1,85 bilhões de reais haviam sido gastos, conforme
pode ser visto na tabela 5.1. Os gastos privilegiaram sobremaneira as obras de melhoria
no sistema viário e a reurbanização do Largo da Batata, consumindo 51% do total. As
obras que teoricamente trariam um maior retorno social, como a produção de HIS ou a
implantação da Linha 4 – Amarela do Metrô consumiram juntas apenas 28% do total. Do
total, 15% foi gasto em desapropriações, tendo em vista a valorização fundiária que a
região teve em função da implementação da OUCFL, transferindo para os proprietários
da terra um valor considerável dos recursos da operação.

Tabela 5.1: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUCFL

Tipo de obra Em reais Em %


Obras e Serviços 940.526.940,76 51%
Habitação de Interesse Social-Real Parque 325.367.387,40 18%
Transporte Coletivo – Metrô 200.000.000,00 11%
Desapropriações 271.344.463,80 15%
Taxa de Administração 104.519.610,41 6%
Outras Despesas 10.486.655,08 1%
Total 1.852.245.057,47 100%
Fonte: SP Urbanismo, 2018d.

5.1.1.2. A Operação Urbana Água Branca (OUCAB)

A terceira operação urbana regulamentada foi a da Água Branca. A região está


localizada na várzea do rio Tietê, ocupando uma área de 504 hectares, limitada ao norte
pelo próprio rio e a Avenida Marginal Tietê e ao sul pela Avenida Francisco Matarazzo e
Rua Turiassú, sendo cortado ao meio pelas Linhas 7 e 8 da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM), antigas Estrada de Ferros Santos-Jundiaí e Estrada de Ferro
Sorocabana.

Em função da presença da ferrovia, a área se desenvolveu no primeiro surto de


industrialização paulistano a partir do final do século XIX. Instalada nessa época por
engenheiros ingleses, a ferrovia corria pela última cota das áreas secas dos baixos terraços
fluviais do Tietê. Posteriormente, com o processo de retificação do rio e posterior

190
implantação da Av. Marginal Tietê, a área da várzea foi ganha para o processo de
urbanização.
Esse processo histórico ocasionou uma das características marcantes da área que
prevalece até os dias de hoje: enquanto que ao sul da linha férrea, encontram-se bairros
bem estruturados do ponto de vista do sistema viário, com quadras regulares e malha
urbana em quadrícula, ao norte existem grande glebas, muitas de propriedade em disputa
e muitas pertencentes à municipalidade (geralmente em concessão como centro de
treinamento de clubes de futebol) com uma disposição caótica, viário fragmentado e
inexistente, conforme pode ser visto na figura 5.2.
Ao longo dos anos as plantas industriais mais antigas foram fechando, deixando
grandes áreas abandonadas, como no caso do terreno de cem mil metros quadrados das
Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo (IRFM). Em função de todas essas
características, o projeto da Operação Urbana Água Branca já constava das propostas do
Plano Diretor de 1985 e do Plano Diretor de 1991 (CASTRO, 2006).

Figura 5.2: Perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Branca

Fonte: elaboração do autor a partir de Ortofoto de 2001177.

177 Disponível em: <http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#>. Acesso em: 13


jul. 2018. Escala original 1:25.000.

191
Segundo Lefèvre (2017), a ideia original de se propor uma operação urbana nessa
região havia sido dada por Luiz Antônio Pompeia, presidente da Empresa Brasileira de
Estudos de Patrimônio (EMBRAESP), uma das maiores empresas de consultoria do ramo
imobiliário de São Paulo, que tem entre seus clientes os principais bancos e
administradoras de shopping centers do país. Grande conhecedor do mercado imobiliário
paulistano, Pompeia foi responsável por inúmeros empreendimentos da cidade, sendo
também um defensor das operações urbanas e interligadas (ALMEIDA, 2000). A principal
ideia defendida por Pompeia era de se aproveitar a presença de grandes terrenos vazios na
região, em função da saída das indústrias, para transformá-la em uma nova frente de
expansão para o capital imobiliário, principalmente do setor terciário.
Por outro lado, Maluf e sua família eram beneficiários potenciais dessa operação,
tendo em vista que eram proprietários de grandes terrenos na região, onde algumas
unidades da Eucatex se localizavam (LEFÈVRE, 2017). Isso talvez explique o fato dessa
operação urbana ter sido escolhida como a segunda de sua administração e não a operação
da região do córrego da Água Espraiada, no Quadrante Sudoeste. Afinal de contas, na sua
primeira administração como prefeito, Maluf já tinha atuado de maneira a privilegiar e
valorizar essa região, forçando os técnicos do Departamento de Urbanismo a modificar o
projeto do Elevado Costa e Silva, grande via elevada que faz a ligação do tráfego de
automóveis no sentido Leste–Oeste da cidade, estendendo-o até o Largo do Padre
Péricles, próximos aos terrenos da Eucatex (ibid.).
Dessa forma, a operação usou como mote a promoção da ocupação ordenada da
região, caracterizada pela subutilização das grandes glebas e pelas diferenças no padrão de
urbanização entre um lado e outro da ferrovia, considerando a capacidade ociosa da
infraestrutura instalada e a possibilidade de implantar uma grande quantidade de espaços
públicos. Essa subutilização e diferença no padrão de urbanização ficam evidentes ao
comparar as densidades demográficas entre o distrito da Barra Funda, quase totalmente
ocupado pelo perímetro da operação urbana, e o de Perdizes, ao sul da área. Enquanto o
primeiro apresenta uma densidade de 25 habitantes por hectare, o segundo apresenta uma
densidade sete vezes maior de 182 habitantes por hectare178.
A proposta de operação urbana reconhecia essas questões, procurando transformar a
área em uma expansão natural das atividades terciárias do Centro, de um lado, e da Lapa,
centro regional e nó de transporte importante, do outro. Essa visão se baseava no

178Conforme dados da página da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras. Disponível em: <
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/regionais/subprefeituras/dados_demograficos/index.p
hp?p=12758> Acesso em: 8 Set. 2016.

192
processo de fechamento das indústrias obsoletas e no discurso ideológico da época do
“pós–industrialismo” e da “cidade global” (NOBRE, 2000; FERREIRA, 2003; FIX, 2004).
A Lei nº 11.774 de 1995 que criou a operação urbana apresentava os seguintes objetivos
(SÃO PAULO, 1995c, art. 3º):
a) Implantar um conjunto de obras de melhoramentos viários e de melhorias
nos sistemas de macro e micro drenagem;
b) Construir unidades de HIS para a população de baixa renda residente na área
em condições precárias;
c) Ampliar e implantar, na região, espaços públicos, áreas verdes e
equipamentos coletivos;
d) Incentivar a ocupação ordenada das áreas vazias.

As obras viárias visavam a criação de ligações de longo percurso e de reestruturação


do viário local fragmentado, procurando conferir a região uma estrutura urbana
condizente com o desenvolvimento urbano proposto, dividindo as grandes glebas em
quadras menores, tornando a área mais interessante para a atuação do mercado
imobiliário, conforme figura 5.3. Já as obras de drenagem procuravam reduzir os
problemas de ocupação das áreas de inundação nas áreas da várzea do Tietê.

Figura 5.3: Proposta de estruturação viária da Operação Urbana Consorciada Água Branca

Fonte: SP Urbanismo, 2016b.

193
A fim de possibilitar essas obras, a lei previa o lançamento de 1,2 milhões de metros
quadrados de área construtiva adicional, sendo 300 mil voltados para o uso residencial e
900 mil para os usos não residenciais, na expectativa de desenvolver um centro de
negócios na região.

O primeiro grande empreendimento a solicitar adesão à operação urbana foi


justamente no terreno da IRFM. A área tinha sido ocupada por uma das inúmeras fabricas
de Francisco Matarazzo, imigrante italiano que se tornou empresário e um dos homens
mais ricos do país. Tendo sido desativada no início dos anos 1980, no final dessa década a
área tinha sido objeto de polêmica, visto que a família do falecido empresário promoveu a
demolição dos prédios da fábrica, que estavam com processo de tombamento aberto junto
ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do
Estado de São Paulo (CONDEPHAAT).
A polêmica foi resolvida em 1993, quando o Conselho, considerando o fato
consumado, resolveu levantar a proteção legal e redefinir o conjunto tombado em cima do
único edifício remanescente, a Casa das Caldeiras (SÃO PAULO (Estado), 1985). O
projeto aprovado previa treze torres comerciais, incluindo hotel e shopping center, das
quais apenas quatro foram efetivadas, sendo que mesmo estas permaneceram por um bom
tempo com apenas 40% do seu espaço comercial ocupado, visto que a demanda de
escritórios já estava sendo atendida nos edifícios localizados no vale do Pinheiros
(KUZNIR, 2005; NOBRE, 2000).
Na Administração Marta Suplicy (2001-2004), a Prefeitura lançou o Concurso
Bairro Novo em 2004 para alavancar a área, tendo em vista a falta de interesse do
mercado imobiliário nessa operação urbana. A ideia era selecionar um projeto urbanístico
para a construção de um novo bairro em terrenos municipais. Contudo, em virtude do
baixo poder de arrecadação da operação e da mudança de orientação da Administração
José Serra (2005-2006), o projeto também não saiu do papel.
Em 2013, a Lei nº 15.893 alterou os parâmetros da Operação Urbana Água Branca,
transformando-a em uma operação urbana consorciada, podendo realizar emissão de
CEPAC também, contudo o primeiro leilão ocorrido em 2015 foi um fracasso, com apenas
9% do total de 50 mil títulos adquiridos.
Decorridos vinte e um anos da implementação dessa operação urbana, percebe-se
que apesar das inúmeras tentativas do poder público de alavancá-la, ela não consegue
competir com as outras duas localizadas no vale do Pinheiros, região de grande interesse
do mercado imobiliário, onde mora a elite paulistana. Mesmo assim, da área adicional
construída disponível, 812 mil metros quadrados foram adquiridos (68% do total), sendo
194
300 mil residenciais (100% do total residencial disponível) e 512 mil não residenciais
(57%), conforme figura 5.4. Os recursos arrecadados foram bem menores (883 milhões de
reais), resultando em um valor médio de 1.073,42 reais por metros quadrado adicional
contra 2.245,48 da OUCFL.

Figura 5.4: Aquisição de Área Construída Adicional em milhares de metros quadrados

Fonte: SP Urbanismo, 2016b.

Com relação aos investimentos realizados por essa operação urbana, ela consumiu
apenas parte desse valor (297 milhões de reais), sendo que a quase totalidade foi em obras
e melhorias viárias (79%), conforme tabela 5.2.

Tabela 5.2: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUCAB


Tipo de obra Em reais Em %
Obras e Serviços 234.904.402,92 79%
Taxa de Administração 41.072.694,34 14%
Desapropriação 13.975.334,56 5%
Projetos 4.293.689,88 1%
Construção de HIS 1.535.720,10 1%
Outros 1.283.338,59 0%
Total 297.065.180,39 100%
Fonte: SP Urbanismo, 2018b.

195
5.1.2. O Governo Celso Pitta (1997-2000) e a Operação Urbana Centro

A visibilidade das obras da Administração Maluf em período de crescimento


econômico do país179 viabilizou a eleição de seu candidato e apadrinhado político, o
economista Celso Pitta, também do PPB. Pitta havia trabalhado como diretor da Eucatex
e na Administração Maluf tinha sido secretário de duas pastas, a de Finanças e a de
Planejamento, nesta última por um curto espaço de tempo entre Cintra e Richter. Na
propaganda, Maluf procurou transferir sua popularidade para Pitta, dizendo que se o Pitta
não fosse um bom prefeito, os eleitores não deveriam mais votar nele, Maluf.

Pitta venceu a candidata do PT, Luiza Erundina, no segundo turno com 62% dos
votos válidos. Contudo, a sua administração foi extremamente conturbada, em função das
várias denúncias de corrupção que ocorreram, algumas delas feitas inclusive pela sua
própria esposa, Nicéia Pitta, sendo que ele chegou a ser afastado do cargo de prefeito por
dezoito dias, retomando–o por ação judicial. Na sua administração, a dívida do município
dobrou passando de US$ 8,6 bilhões para 18,1 bilhões. Ao deixar o cargo, Pitta foi o
prefeito com um dos maiores índices de rejeição, 83% consideravam sua administração
ruim ou péssima (FOLHA DE SÃO PAULO, 2000).

Na sua administração, a SEMPLA foi coordenada por vários secretários, sem que
houvesse nenhuma modificação na sua estrutura funcional: o engenheiro Gilberto Kassab
(1997–1998), que viria a ser prefeito da cidade, Guilherme Afif Domingos (1998) e pela
arquiteta e funcionária de carreira da Prefeitura, Heloísa Proença (1999–2000).

5.1.2.1. A Operação Urbana Centro (OUC)

A quarta operação urbana a ser implementada foi a Operação Urbana Centro. Com
uma área de 663 hectares, o perímetro da operação abrange os chamados “Centro Velho”
(Distrito Sé), “Centro Novo” (Distrito República) e parte do Distrito Brás, conforme
figura 5.5. Região de urbanização mais antiga da cidade, os distritos Sé e República se
configuraram como o centro da cidade, tendo passado por um intenso processo de
verticalização a partir da década de 1930, apresentando os maiores coeficientes de
aproveitamento médio do município: 5,3 para o da República e 4,5 para o da Sé conforme
179 O período de 1993 a 1999 foi um período de recuperação da economia brasileira que vinha das crises
econômicas da década de 1980 e início da década de 1990. A estabilização econômica do Plano Real e a
entrada de capital através dos IED, principalmente por conta do processo de privatizações, ocasionaram a
melhora na economia que cresceu a uma média de 5,4% ao ano, sendo que os IED passaram de US$ 2
bilhões para 26 bilhões entre 1994 e 1998, apesar da manutenção das taxas altas de desemprego e do
processo de desindustrialização que a paridade real/dólar e a abertura econômica ocasionaram no país
(PINHEIRO, CAMBIAGI e GOTSKORZEWICZ, 1999).

196
dados da SMDU (2014). Já o Brás configurou–se historicamente como região comercial
popular importante, tendo em vista que aí se localiza entroncamento ferroviário
importante. Por ser a área de urbanização mais antiga da cidade, a região apresenta vários
imóveis e quadras com diversos graus de proteção pelos órgãos do patrimônio histórico.

Figura 5.5: Perímetro da Operação Urbana Centro

Fonte: elaboração do autor a partir de Ortofoto de 2001180.

Do ponto de vista de acessibilidade, a região da OUC é a mais privilegiada da


cidade, para onde se dirigem as principais vias radiais e linhas de transporte coletivo: três
das cinco linhas de metrô e cinco das seis linhas de trem, além de inúmeras linhas de
ônibus municipal e intermunicipal.

A partir da década de 1960, a região passou por um processo de esvaziamento


simbólico, tendo em vista o deslocamento das atividades comerciais das elites e seus
principais equipamentos públicos em direção ao Quadrante Sudoeste da cidade
acompanhando o processo de deslocamento dessa classe social nas décadas anteriores em
busca de áreas de maior exclusividade, segregando–se das demais (VILLAÇA, 1998): Av.

180 Disponível em: <http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#>. Acesso em: 13


jul. 2018. Escala original 1:25.000.

197
Paulista (a partir da década de 1950), Av. Brigadeiro Faria Lima (a partir da década de
1970) e Marginal do Pinheiros (a partir da década de 1990).

Esses processos de esvaziamento simbólico e de transferência de atividades


econômicas da elite resultaram no crescimento significativo de imóveis vazios e
abandonados à espera de um novo processo de revalorização, chegando a
aproximadamente 600 mil metros quadrados de Área Bruta Locável (ABL) vagos em 1998
(NOBRE, 2000). A concentração de investimentos públicos nas novas áreas da elite
resultou no abandono da região central, ocasionando a sua degradação física e ambiental.
Esse abandono em conjunto com a abertura de novas frentes de expansão do capital
imobiliário para classe média para além do setor sudoeste ocasionou também a diminuição
da população moradora dos distritos centrais. Entre 1980 e 2000, esses distritos e os
outros sete que compõem a Coroa Central181 perderam por volta de 210 mil habitantes,
resultando em 38 mil imóveis vagos (NOBRE, 2009a).

Contudo, apesar do esvaziamento de parte das atividades econômicas, a área central


nunca deixou de ser o principal centro econômico da cidade e da metrópole, contando em
2007 com 395 mil empregos, 4% dos empregos metropolitanos, 7% dos empregos da
cidade, 20% dos empregos da administração pública, 18% do setor creditício e financeiro,
13% dos serviços especializados (COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO
PAULO, 2008). Os distritos Sé e República apresentam a maior densidade de empregos
por hectare da metrópole, 1.574, mais do que o dobro que o terceiro colocado, a
Consolação, com 707 empregos por hectare (ibid.).

A partir dos anos 1970, a Prefeitura desenvolveu vários planos e projetos para a
região central, inclusive a implementação da Operação Urbana Anhagabaú, sem que,
contudo, surtisse grandes efeitos no seu processo de esvaziamento. É nesse contexto que
vai surgir a ideia de se criar um programa específico para a recuperação da área central,
que resultaria mais tarde na implementação da Operação Urbana Centro.

Em 1993, na Administração Maluf, foi criado o Programa de Requalificação Urbana


e Funcional do Centro de São Paulo (PROCENTRO), junto à Secretaria Municipal de
Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB), que contou com a participação ativa da
Associação Viva o Centro (AVC) na sua elaboração (CASTRO, 2006). A associação foi
criada em 1991 por iniciativa do então presidente do Banco de Boston, Henrique

181A Coroa Central aqui definida é formada pelos seguintes distritos: Bela Vista, Bom Retiro, Brás,
Cambuci, Consolação, Liberdade, Pari, República, Santa Cecília e Sé

198
Meirelles182, que se baseou na experiência do Quincy Market da cidade de Boston nos
Estados Unidos. Para tanto, procurou um grupo de empresas e entidades interessadas na
ideia de requalificação da Área Central de São Paulo. O PROCENTRO passou então a ser
o principal articulador do setor privado na formulação de políticas públicas para a área
central. No seu documento inicial de criação, apresentava o seguinte objetivo:

O objetivo do programa é impedir a instauração de um processo de


declínio do Centro da Cidade de São Paulo, através da requalificação de
seu espaço público e privado, de forma a resguardar seus atributos
essenciais de centro metropolitano, conjugando esforços públicos e
privados que considerem a diversidade de funções e interesses presentes.
(SÃO PAULO, 1993, p. 1)

O documento continha uma apresentação do Secretário de Habitação e


Desenvolvimento Urbano, João Mellão Neto183, uma introdução ao programa, uma seção
de diagnóstico da problemática do Centro e uma seção de projetos e ações. Como
problemas principais, o documento definiu: a deterioração ambiental e paisagística;
dificuldade de acesso, circulação e estacionamento; obsolescência e insuficiência do
estoque imobiliário; e deficiência da segurança pessoal e patrimonial.

O documento expressava uma visão claramente empresarial, preocupada em criar as


condições necessárias para garantir a volta da elite e do capital imobiliário para a área
central, seja flexibilizando a legislação urbanística, seja através de ações para privilegiar o
acesso ao Centro pelo automóvel, através da revisão das ruas que haviam sido
pedestrianizadas na década de 1970 e nas propostas de criação de garagens públicas para
estacionamento. Essa intenção de atrair o capital imobiliário ficou bastante clara na
proposta de flexibilização da legislação, inclusive de tombamento, no parágrafo a seguir:

Para a modernização das edificações existentes e a construção de novas,


em quantidade porte e qualidade necessárias ao atendimento da demanda
das empresas e instituições presentes no Centro ou que ali queiram se
instalar, é necessário muito investimento por parte, principalmente da
iniciativa privada. Mas para que isso ocorra é necessário que os
investidores acreditem no processo de requalificação e revalorização do
Centro e que as posturas do Código de Obras, da Lei de Zoneamento e
dos próprios critérios de tombamento, muito incidente na área, sejam
revistos e atualizados. (SÃO PAULO, 1993, p. 6)

182 Henrique de Campos Meirelles (1945– ) é um engenheiro formado pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo, que seguiu carreira como executivo do mercado financeiro, tendo sido
presidente do Banco de Boston no Brasil (1984–1996) e mundial (1996–1999), presidente do Banco Central
do Brasil (2003–2011) e Ministro da Fazenda (2016–2018).
183 João Mellão Neto (1955– ) é empresário, jornalista, político defensor do liberalismo econômico, tendo

sido filiado ao Partido Liberal (PL), Partido da Frente Liberal (PFL) e atualmente ao Democratas. Foi
deputado estadual e federal por duas vezes representando o Estado de São Paulo.

199
Além da flexibilização da legislação urbanística como incentivo à instalação novos
empreendimentos e a proposta de novas vagas de estacionamento, o documento sugeria a
participação de entidades empresariais da sociedade civil, como a própria AVC, na
elaboração de novos projetos e no projeto de lei da operação urbana. Em dezembro de
1993 foi encaminhado o projeto de lei à Câmara Municipal, sendo aprovado apenas na
Administração Celso Pitta (1997–2000) em maio de 1997 na Lei nº 12.349 (SÃO PAULO,
1997).
Seguindo as recomendações do PROCENTRO, essa operação foi a primeira a contar
com instituições não governamentais no seu grupo de gestão. Na Comissão Executiva da
Operação Urbana Centro, além da participação dos órgãos municipais de sempre
(EMURB, SEHAB, SEMPLA, SMC e Câmara Municipal), havia também a participação a
representação de entidades empresariais (Associação Comercial de São Paulo, Associação
de Bancos do Estado de São Paulo, Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e
Administração de Imóveis de São Paulo – Secovi); de entidades não governamentais
(Associação Viva o Centro, Movimento Defenda São Paulo e Centro Gaspar Garcia dos
Direitos Humanos ); entidades de classe (Instituto de Arquitetos do Brasil e Instituto de
Engenharia de São Paulo) e de sindicato de classe (Sindicato dos Empregados dos
Estabelecimentos Bancários e Financiários de São Paulo).
Dessas nove instituições não governamentais, apenas duas estavam mais
relacionadas com a população trabalhadora ou de baixa renda (Sindicato dos Bancários e
Centro Gaspar Garcia). As demais estavam diretamente relacionadas ao setor empresarial
ou à classe média liberal. Dessa forma, ficava garantido o apoio às ações que buscassem a
valorização imobiliária e simbólica do centro, na tentativa de recuperação dos valores de
outrora.
Com o intuito de atrair novos investimentos na produção imobiliária da região, os
índices urbanísticos foram bastante flexibilizados e foi possibilitada a transferência do
potencial construtivo dos inúmeros imóveis tombados pelo patrimônio histórico,
conforme abaixo:
 CA 6,0 para edifícios residenciais e hotéis, podendo chegar até 12,0 no caso de mistura
de hotel (6,0) com uso de serviços (2,0) e garagem (4,0);
 Incentivo de 10% a mais de área construída para remembramento de lotes maiores que
mil metros quadrados;
 Transferência de potencial construtivo para imóveis tombados de: 100% da diferença
entre o potencial construtivo não utilizado até o CA de 12,0; 60% da área construída

200
para edifícios com CA de 12,0; 40% da área construída para edifícios com CA entre 12,0
e 15,0; 20% da área construída para edifícios com CA superior a 15,0.
Apesar de todos os incentivos previstos na Lei, essa operação urbana foi a que
menos arrecadou recursos. Em dezenove anos de existência arrecadou apenas quase 60
milhões de reais, demonstrando que o instrumento operação urbana não é eficiente nas
áreas com baixo interesse do mercado imobiliário (SP URBANISMO, 2018a). Nesses anos
todos, houve apenas 130 propostas de adesão, sendo que 36 de transferência de potencial
construtivo, 37 de solicitação de compra de potencial construtivo e 57 de exceções à
legislação urbanística, conforme tabela 5.3 e figura 5.6. Contudo, apenas 24 propostas
foram aprovadas (5 de transferência, 5 de compra e 14 de exceção).

Tabela 5.3: Resumo das solicitações da OUC

Tipo de Solicitação Aprovadas Indeferidas Análise Total


Solicitações de transferência 5 14 17 36
Solicitações de compra 5 31 1 37
Solicitações de exceções 14 38 7 57
Total 24 81 25 130
Fonte: SP Urbanismo, 2015.

Figura 5.6: Propostas deferidas das participações privadas

Fonte: SP Urbanismo, 2016a.

201
O programa de obras previstas no Projeto de Lei acabou não sendo incorporado à lei
final. Dessa forma, os recursos obtidos seriam utilizados para os seguintes fins:
[...] Obras de melhoria urbana, na recuperação e reciclagem de próprios
públicos, em geral, no pagamento de desapropriações realizadas no
perímetro da Operação Urbana Centro, na restauração de imóveis
tombados condicionada a posterior ressarcimento e em eventos de
divulgação e promoção da Operação Urbana Centro.

As propostas existentes na Prefeitura para a recuperação do Centro mudaram de


abordagem na Administração Martha Suplicy (2001-2004), que ao invés de apenas
incentivar o mercado imobiliário, resolveu assumir a gestão do espaço urbano, enfatizando
as políticas públicas, além de apresentar uma visão mais abrangente e diversificada do
problema.
Em 2001 foi elaborado o Plano Reconstruir o Centro, com o intuito de revitalizar os
distritos que compreendem o centro histórico de São Paulo. No mesmo ano, o Decreto nº
40.753 alterou a composição do PROCENTRO, criando uma Coordenadoria junto à
SEHAB com uma representação mais diversificada que a anterior, composta por
representantes de doze secretarias municipais, quatro autarquias, quatro órgãos de classe
de advogados, arquitetos e engenheiros, quatro representantes de empresários,
promotores imobiliários e comerciantes, quatro representantes de grupos sociais
excluídos, como moradores de cortiços e sem teto, além da Associação Viva o Centro e do
CONDEPHAAT.
Ao mesmo tempo a Prefeitura continuou com as tratativas iniciadas em 1996 junto
ao BID para conseguir empréstimo a fim de implementar as propostas para a área. Em
2003, a revitalização do centro passou a ser coordenada pela EMURB, que lançou o
Programa de Reabilitação da Área Central – Ação Centro (EMURB, 2004). Apesar de
baseado nas propostas do Reconstruir o Centro, o perfil foi bastante modificado em função
das exigências do BID, visto que a Prefeitura havia conseguido empréstimo de US$ 150
milhões junto a este banco para desenvolver o Programa. O Programa Ação Centro
continha cinco linhas de ação:

1. Reversão da desvalorização imobiliária e recuperação da função residencial através do


gravame das ZEIS 3184 no Plano Regional da Sé; definição dos parâmetros de solo
urbano subutilizado para as sanções previstas no Estatuto da Cidade e implementação
do Programa Morar no Centro, que previa a construção de HIS na área central;

184ZEIS 3 – Zona Especial de Interesse Social do tipo 3 foram definidas pelo Plano Diretor Estratégico do
Município de São Paulo de 2002 (Lei nº 13.430 de 2002) como as zonas que concentravam terrenos ou
edificações subutilizados em áreas centrais dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e oferta de empregos,
cujo objetivo era a promoção de HIS ou de HMP

202
2. Transformação do perfil econômico e social, que propunha a articulação com o
empresariado; a divulgação do programa; a regularização do comércio informal e o
atendimento a grupos vulneráveis;
3. Recuperação do ambiente urbano, que previa a recuperação do ambiente urbano
através da requalificação do espaço público e de edifícios públicos; controle a
inundações e da disposição de resíduos sólidos;
4. Transporte e circulação, que ocorreria através da revisão do sistema de circulação e de
calçadões, retirada dos terminais de ônibus do Centro, construção de garagens
subterrâneas, além da implementação do sistema de corredores de ônibus na cidade
toda;
5. Fortalecimento institucional do Município, que se daria através da continuidade do
processo de descentralização política através da criação das Subprefeituras,
aparelhamento dos órgãos municipais e a concentração de toda a administração
municipal, dividida em diversos prédios por toda a cidade, na área central, com exceção
das Subprefeituras.

Apesar do resultado positivo na implementação de diversas ações185, o Programa


sofreu grandes alterações nas duas administrações seguintes, José Serra (2005-2006) e
Gilberto Kassab (2006-2012). Essas duas administrações muito mais identificadas com a
visão empresarial da cidade, redesenharam o Programa, pois consideravam que o amplo
leque de ações e a extensa área envolvida dispersariam os investimentos sem grandes
resultados aparentes.

Baseados no conceito da “acupuntura urbana” da consultoria do arquiteto Jaime


Lerner, concentraram os investimentos em vinte duas quadras, próxima à Estação da Luz,
na área estigmatizada e conhecida pejorativamente como “Cracolândia”, em função da
grande presença de viciados em crack, além de concentração de uma grande quantidade de
moradores de cortiços e ocupações em prédios abandonados. Para efetivação do projeto de

185De todas as ações propostas, tinham sido parcialmente concluídas até 2004: a recuperação do espaço
público, através da implementação do Corredor Cultural (reforma das Praças do Patriarca e Dom José
Gaspar) e nova iluminação da Praça da Sé; a requalificação de edifícios simbólicos com a reforma da Galeria
Olido e do Mercado Municipal; a recuperação da função residencial através da criação dos conjuntos
habitacionais Baronesa de Porto Carrero e Riskalah Jorge, financiados pelo Programa de Arrendamento
Residencial da Caixa Econômica Federal, e a transformação da favela do Gato em conjunto habitacional em
regime de locação social; atendimento a grupos vulneráveis através da criação do Projeto Oficina Boracéia,
local de atendimento a carrinheiros e catadores de lixo; controle e fiscalização do comércio de rua, com a
coibição de comercialização de produtos ilegais, inicio da implementação do Programa de Requalificação de
Ruas Comerciais na Rua 25 de Março; retirada do terminal de ônibus da Praça do Patriarca e
implementação dos corredores da Avenida 9 de Julho e Rua da Consolação (EMURB, 2004).

203
reurbanização foi editado um Decreto de Utilidade Pública prevendo a desapropriação das
quadra.

Esse redirecionamento procurava concentrar investimentos na mesma região em


que o Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria da Cultura, já vinha
concentrando, com a construção da Sala São Paulo, luxuosa sala de espetáculos na antiga
Estação Júlio Prestes de trem, e o Museu da Língua Portuguesa em parceria com a
Fundação Roberto Marinho, no prédio da Estação da Luz.

Apesar das inúmeras tentativas dessas administrações em promover um projeto de


renovação urbana “tábula rasa” e transformar por completo a área, expulsando a
população indesejada, quase não houve resultado prático. Mesmo com a atuação por vezes
truculenta da Polícia Militar na repressão aos viciados ou na reintegração de posse e com
a tentativa de utilização do instrumento Concessão Urbanística, que repassa os custos de
desapropriação para a iniciativa privada, a área não suscitou interesse do mercado
imobiliário e acabou suspenso pelo Ministério Público Estadual por falta de participação
popular no processo.

Em todos esses projetos, recursos da OUC foram utilizados, assim como de outras
fontes, como o BID, Caixa Econômica Federal e recursos do Tesouro Municipal. Apesar
de todas essas obras, a OUC tem 35 milhões de reais em caixa, tendo gasto apenas R$
24,6 milhões, a maior parte (37%) na implantação da Praça das Artes, projeto da
administração Gilberto Kassab (2006–2012) de construção de um grande equipamento
público de cultura na região e nas desapropriações tanto dos terrenos para a sua
construção, assim como, de imóveis para a construção de HIS pelo CDHU na ZEIS 3 da
Nova Luz (16%). O restante dos recursos financiou projetos de requalificação do espaço
público das Praças da Sé, da República e Roosevelt, Vale do Anhagabaú e Rua do
Gasômetro, conforme tabela 5.4.

204
Tabela 5.4: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUC

Tipo de Obra Em reais Em%


Praça das Artes 9.247.878,55 37%
Desapropriação 4.017.192,93 16%
Obras e Serviços Diversos 3.064.791,63 12%
Taxa de Administração 2.822.489,27 11%
Projeto Anhangabaú 2.225.442,10 9%
Requalificação Urbana Rua do Gasômetro 1.691.979,42 7%
Projeto Praça Roosevelt 1.473.667,88 6%
Outras Despesas 141.945,84 1%
Total 24.685.387,62 100%
Fonte: SP Urbanismo, 2018a.

5.1.3. O Governo Marta Suplicy (2001-2004): a Operação Urbana Consorciada


Água Espraiada e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo de
2002

Em 2000 novamente uma mulher do PT era eleita para a Prefeitura de São Paulo. O
fracasso da Administração Pitta, fortemente identificada com Maluf, ocasionou a derrota
do ex-prefeito para a psicanalista e deputada federal Marta Suplicy no segundo turno por
59% dos votos válidos.

Após muitas conjeturas de quem seria o novo Secretário de Planejamento, Marta


nomeou o arquiteto Jorge Wilheim186, que já havia sido secretário na Administração
Covas (ver seção 4.3.1.3). Wilheim, que não tinha relações com o PT, tinha uma postura
bastante técnica e estava distante das discussões marxistas sobre a produção do espaço
urbano, fato que resultou em várias críticas à sua escolha por parte de vários membros do
partido ligado à questão urbana.

Sob a sua gestão, a SEMPLA passou por algumas alterações, passando a se chamar
Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, ganhando duas assessorias técnicas junto
ao Gabinete do Secretário, a Assessoria Técnica de Planejamento Urbano, que ficou a
cargo do engenheiro civil Ivan Carlos Maglio187, e a Assessoria Técnica de Operação

186Para informações sobre a biografia de Jorge Wilheim ver nota de rodapé número 151.
187Ivan Carlos Maglio (1952– ) é engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia São Carlos da
Universidade de São Paulo (1970–1974), mestre e doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (2000–2005), tendo trabalhado na EMPLASA (1975–1983),
Companhia de Tecnologia de Saneamento Básico (CETESB)(1987–1988), foi Assessor Técnico de
Planejamento Urbano da SEMPLA (2001–2004), tendo sido responsável pela coordenação da elaboração do
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, dos Planos Regionais das Subprefeituras e da Lei de
Uso e Ocupação do Solo.

205
Urbana, a cargo do arquiteto José Magalhães Júnior188, demonstrando as duas questões
que orientariam a sua gestão: a formulação de um novo plano diretor e de novas operações
urbanas.

Maglio, engenheiro com grande experiência na área ambiental, ficaria a cargo da


coordenação de elaboração do novo Plano Diretor, enquanto Magalhães, arquiteto com
extensa prática profissional projetual, com que Wilheim já tinha trabalhado na época da
Administração Covas, ficaria responsável pela formulação das novas operações urbanas,
que até então, vinham sendo desenvolvidas e geridas apenas pela EMURB.

Em função das críticas que as operações urbanas já vinham recebendo,


principalmente no meio acadêmico (FIX, 2001), Wilheim resolveu criar quatro grupos de
trabalho, três para as OU já existentes e o quarto para a Água Espraiada, para avaliar os
resultados das Operações Urbanas em andamento e propor novos procedimentos e
encaminhamentos, deixando a coordenação dos GT a cargo de Magalhães
(MONTANDON, 2009). Para tanto, compôs equipe de arquitetos da prefeitura, todos
vinculados à ideia da importância da reflexão teórica para a aplicação prática no campo do
projeto urbano189.

Como resultado, esses estudos propuseram um novo método para a formulação das
OU, a partir do estabelecimento de um Plano-Referência de Intervenção e Ordenação
Urbanística (PRIOU). Segundo Sales (2005), o objetivo do PRIOU era “prever e
prefigurar a constituição e articulação do espaço público e privado, construído ou não,
interno ou externo, em termos de estrutura, forma e paisagem urbana”, remetendo à
teoria e à prática do projeto urbano. Para tanto se baseava nos estudos sobre: a
caracterização prévia do território de atuação, considerando os solos público e privado;
desenvolvimento e estudo de viabilidade das diretrizes de intervenção; estudo do potencial
de nova construção; e um plano geral de implantação. O resultado desse trabalho foi o
estudo e a proposição de revisão das OU existentes, que posteriormente foi publicado em
site especializado em arquitetura e urbanismo190, conforme pode ser visto na figura 5.7.

188 José Magalhães Júnior (1941-2015) foi um arquiteto e urbanista formado pela Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Mackenzie (1959-1963), doutor em arquitetura e urbanismo pela Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1994-2003), vice-presidente da EMURB (1983-
1985), Secretário de Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Sebastião (1986-1989), Diretor de
Projetos Urbanos da SEMPLA (2001-2004) e diretor-presidente da Magalhães & Associados Arquitetura e
Planejamento SC Ltda. (1972-2015).
189 Sendo eles: Daniel Todtman Montandon, José Geraldo Martins de Oliveira, Pedro Manuel Rivaben de

Sales e Marcelo de Mendonça Bernardini.


190 A reflexão critica do assim chamado Departamento de Projetos Urbanos foi publicado no site Portal

Vitruvius entre abril e novembro de 2005, contendo a reflexão da equipe de Magalhães em oito partes,
sendo elas: SALES, Pedro M. R. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 1.

206
Figura 5.7: Estudo para formulação de novas operações urbanas e revisão das existentes
(Campo de Marte, Água Branca, Vila Leopoldina-Jaguaré, Vila Sônia-Butantã)

Autoria: Maquetes eletrônicas de Felipe Francisco de Souza, desenhos de Valandro Keating.


Fonte: Portal Vitruvius, 2005.

Introdução. Arquitextos nº 295. São Paulo, Portal Vitruvius, abril 2005


<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp295.asp>; SALES, Pedro M. R. Operações Urbanas em
São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 2. Operação Urbana Faria Lima: relatório de avaliação crítica.
Arquitextos nº 300. São Paulo, Portal Vitruvius, abril 2005
<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp300.asp>; SALES, Pedro M. R. Operações Urbanas em
São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 3 – Operações Urbanas: plano-referência e proposições.
Arquitextos nº 305. São Paulo, Portal Vitruvius, maio 2005
<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp305.asp>; SALES, Pedro M. R. Operações Urbanas em
São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 4 – Operação Urbana Butantã-Vila Sônia. Arquitextos nº 310. São
Paulo, Portal Vitruvius, maio 2005 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp310.asp>; SALES,
Pedro M. R. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 5. Diagonal Sul: território a
tempo. Arquitextos nº 315. São Paulo, Portal Vitruvius, jun. 2005
<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp315.asp>; BERNARDINI, Marcelo M. Operações
Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 6 – Operação Urbana Vila Leopoldina – Jaguaré.
Arquitextos nº 062.03. São Paulo, Portal Vitruvius, julho 2005
<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq062/arq062_03.asp>; OLIVEIRA, José Geraldo Martins de.
Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 7 – Operação Urbana Carandiru – Vila
Maria. Arquitextos nº 065.03. São Paulo, Portal Vitruvius, out. 2005
<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_03.asp>; MAGALHÃES JR., José. Operações
Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 8 – Operação urbana Água Branca, revisão e
proposição. Arquitextos nº 066.03. São Paulo, Portal Vitruvius, nov. 2005
<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq066/arq066_03.asp>. Acesso em: 08 Maio 2018.

207
Esse novo método procurava propor o desenvolvimento de um plano urbanístico
para as OU, aproximando-as mais do conceito do instrumento francês das ZAC, refutando
a prática existente do instrumento baseado apenas em um plano de obras e voltado para a
arrecadação financeira. Na prática, apesar desses estudos terem embasado a proposta das
OU no novo Plano Diretor desenvolvido nessa Administração, a EMURB continuou a
comandar o processo conforme será visto na seção a seguir.

5.1.3.1. A Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (OUCAE)

A Água Espraiada foi a última operação urbana aprovada, porém a primeira


consorciada, já seguindo os parâmetros do Estatuto da Cidade, utilizando-se desde o
princípio de leilões de CEPAC como forma de arrecadação de recursos. Localizada no
Quadrante Sudoeste, ao longo do Córrego da Água Espraiada, tributário do Rio
Pinheiros, próxima de vários bairros da elite paulistana, sendo a maior de todas as
operações urbanas com uma área de 1.326 hectares, conforme figura 5.8.

Uma parte considerável da operação está localizada ao longo do Córrego, em área


que havia sido desapropriação pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) na
década de 1970 para construção do anel viário metropolitano. Contudo, problemas de
viabilidade econômica e mudanças no projeto original, ocasionaram a construção do anel
viário em outras avenidas da região, deixando essa área desapropriada abandonada. Ao
longo do tempo, ela foi sendo progressivamente ocupada por inúmeras favelas, sendo que,
em 1995, foi estimada a existência de 68 núcleos na região, perfazendo uma população de
42.347 pessoas, em 8.436 domicílios (EMURB, 1996). Em função disso, vários estudos
para a região foram realizados, surgindo a ideia de uma operação urbana no local nas
propostas do Plano Diretor de 1985 e de 1991.

Em meados de 1995, a Administração Maluf retomou o projeto de construção da


avenida, pretendendo vincula-la a esse instrumento urbanístico e com a função de ligação
da Marginal do rio Pinheiros com a Rodovia dos Imigrantes, principal eixo de acesso ao
litoral paulista. As obras foram realizadas em ritmo acelerado entre outubro de 1995 e
março de 1996 com a construção parcial da avenida, no trecho entre a Marginal do rio
Pinheiros e a Avenida Washington Luís; a canalização do córrego das Águas Espraiadas e
a retirada das favelas lá instaladas. De acordo com reportagens da época, os moradores da
favela receberam indenização da Prefeitura feita com dinheiro de um grupo de
empresários locais, na expectativa de valorização de seus escritórios e/ou

208
empreendimentos imobiliários, pois a região já vinha se despontando como um centro
comercial (NOBRE, 2000).

Figura 5.8: Perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

Fonte: São Paulo, 2001.

Em 1996, 28 das 68 favelas já haviam sido removidas, perfazendo uma população de


aproximadamente 20 mil pessoas retiradas (EMURB, op. cit.), fato esse que ocasionou a
valorização em 30% da região e aumentou o problema de segregação socioespacial da
cidade. Contudo, para a execução da operação a Administração Maluf não lançou mão do
instrumento operação urbana, para não criar queria criar concorrência com as duas
operações urbanas vigentes, a Faria Lima, próxima a essa área e que começava a
deslanchar, e a Água Branca, próxima ao Centro da cidade e que não estava tendo o
mesmo sucesso.

Durante a Administração Pitta, a proposta de uma OUC nessa região ficou


congelada, sendo retomada somente na Administração Marta Suplicy. Essa administração
implementou a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (OUCAE) através da Lei
nº 13.260 de 2001, fato que ocasionou diversas críticas por parte do meio acadêmico visto
que várias pesquisas já vinham sendo feitas denunciando o caráter elitista e
“gentrificador” do instrumento (FERREIRA e FIX, 2001; FIX, 2001; MARICATO e
FERREIRA, 2002) e visto que as discussões sobre um novo plano diretor já estavam

209
bastante avançadas e poderiam trazer novas visões sobre o assunto. Essa lei estabeleceu as
diretrizes urbanísticas para a área de influência da atual Avenida Jornalista Roberto
Marinho (novo nome dado à Água Espraiada em homenagem ao jornalista falecido em
2003), que ligará a Avenida das Nações Unidas (Marginal do rio Pinheiros) à Rodovia dos
Imigrantes. As principais intervenções previstas na lei são (SÃO PAULO, 2001):

 Prolongamento da Avenida Jornalista Roberto Marinho até a Rodovia dos


Imigrantes (aproximadamente 4,5 quilômetros);
 Abertura de vias laterais a essa avenida desde a Avenida Engenheiro Luís Carlos
Berrini até a Avenida Washington Luís;
 Duas pontes sobre o rio Pinheiros, ligando a Marginal à avenida em questão;
 Construção de passagens em desnível nos principais cruzamentos desta avenida;
 Implantação de passarelas de pedestres; e
 Construção de 8.500 unidades de HIS para os moradores das favelas existentes.
O valor inicial estimado das intervenções foi de 1,1 bilhões de reais, sendo que era
esperado que a maior parte dos recursos fosse proveniente da venda de CEPAC. Com isso,
tentava-se não repetir o erro da Operação Urbana Faria Lima, pois as obras só seriam
executadas na medida em que houvesse recursos próprios para tanto, evitando o déficit da
operação (NOBRE, 2009b). A previsão inicial era de emitir 3,75 milhões de metros
quadrados adicionais de construção em CEPAC, a um custo mínimo inicial de 300 reais
por metro quadrado pelo prazo de 15 anos. O custo mínimo do CEPAC foi estipulado a
partir do maior valor que ele poderia assumir para manter o empreendimento
competitivo.

Com relação à gestão da operação, a lei instituiu o Grupo de Gestão da Operação


Urbana Consorciada Água Espraiada, órgão consultivo e deliberativo coordenado pela
EMURB, composto por dezessete membros, com oito do poder público191 e oito
representantes da sociedade civil192, além de seu coordenador, pertencente à EMURB
(SÃO PAULO, 2001, art. 19).

191 Sendo (SÃO PAULO, 2001, art. 19, § 1o): SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento; SF –
Secretaria Municipal de Finanças; SMT - Secretaria Municipal de Transportes; SVMA - Secretaria
Municipal de Verde e do Meio Ambiente; SEHAB - Secretaria Municipal de Habitação; SIURB - Secretaria
Municipal de Infraestrutura e Obras; SP/SA – Subprefeitura de Santo Amaro e SP/JA – Subprefeitura do
Jabaquara.
192 Sendo (SÃO PAULO, 2001, art. 19, § 1 o): Movimento Defenda São Paulo; IAB – Instituto dos Arquitetos

do Brasil; IE – Instituto de Engenharia; APEOP – Associação Paulista de Empreiteiros de Obras Públicas;


SECOVI – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e
Comerciais de São Paulo; OAB – Ordem dos Advogados do Brasil; FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e

210
Essa composição permitiu que os interesses da municipalidade, que nem sempre
representam os interesses da população afetada, prevalecessem, pois os seus
representantes estavam em maioria (nove dos dezessete votos). Tanto que a primeira
reunião do Grupo Gestor da OUCAE, ocorrida em março de 2003, definiu como
prioridades a execução de uma ponte ligando a pista sul da Marginal do rio Pinheiros à
Avenida Água Espraiada, juntamente com a construção de 600 unidades de HIS para
atender a população restante das favelas locais (SÃO PAULO, 2012).

Entre julho de 2004 e fevereiro de 2012 foram realizados dezoito leilões de CEPAC,
arrecadando por volta 2,9 bilhões de reais, consumindo 3.257.598,89 metros quadrados do
estoque, equivalente a 86% do estoque comercializável (SÃO PAULO, 2012). Com relação
aos títulos, eles tiveram uma valorização de 427%, sendo negociados a 1.282 reais em
fevereiro de 2012. A partir dos primeiros leilões, a Prefeitura reiniciou as obras previstas,
privilegiando a construção da ponte sobre o rio Pinheiros, localizada ao lado de uma
favela remanescente.

Até o início dessa fase da operação, a área já havia sofrido um forte processo de
valorização imobiliária resultante dos investimentos já realizados. Segundo relatório da
empresa de consultoria contratada pela SP Urbanismo entre 1994 e 2007, a valorização de
um terreno incorporável nas áreas mais valorizadas foi de 350%, chegando a R$ 3.500,00
o metro quadrado (SÃO PAULO, 2012).

Apesar da necessidade urgente de atendimento à população favelada, as obras se


iniciaram na Administração Suplicy com a construção do Complexo Viário Real Parque
(figura 5.8), uma ponte estaiada cujos pilares medem 138 metros de altura (equivalente a
um edifício de 46 pavimentos), e terminaram na Administração Serra, custando R$ 266
milhões – um aumento de 81% em relação ao orçamento original na época da inauguração
em 2008 (NOBRE, 2009b).

No relatório do Diretor de Desenvolvimento da EMURB justificando a opção por


uma ponte estaiada ao invés de uma ponte convencional, ficou clara a intenção da
valorização simbólica da região, com a intenção de torná-la um marco referencial numa
região de grande dinâmica imobiliária e de concentração de empresas transnacionais,
demonstrando o seu caráter simbólico e o poder da ideologia dominante de valorizar essa
região da cidade, que já vinha num processo de valorização desde a década de 1980,
conforme pode ser visto no parágrafo abaixo:

Urbanismo da Universidade de São Paulo e UMM – União de Movimento de Moradia e associação de


moradores das favelas contidas no perímetro da OUC.

211
As características físicas da área; o processo de transformação por que
passa a região com o surgimento de inúmeros edifícios inteligentes; as
exigências por uma obra que reduza os impactos negativos durante a
execução; o desenvolvimento das técnicas de projeto e execução de obras
de arte; e ainda a necessidade de se qualificar a estética urbana através de
um projeto diferenciado que possa ser compreendido como referencial
urbano da cidade, esses fatores conjuntamente apontam no sentido do
estaiamento como partido construtivo do projeto (SÃO PAULO193, 2004,
p. 21 apud. NOBRE, 2009b, p. 211)

Em abril de 2003 foi contratada a empresa projetista que desenvolveu o projeto


básico da ponte, chegando à solução de construção de dois pilares para sustentar os estais
com aproximadamente 110 metros de altura. Em outubro do mesmo ano, foi contratada a
construtora OAS para executar a obra pelo valor de 146,9 milhões de reais, sendo que no
início da obra foram gastos 5 milhões de reais do Tesouro Municipal para a instalação do
canteiro (ibid.).

Figura 5.9: Complexo Viário Real Parque

Fonte: o autor, 2008.

No desenvolvimento do projeto executivo, a construtora concluiu que por


necessidades técnicas os dois pilares deveriam ser substituídos por apenas um só,
aproximadamente 30% mais alto (138 metros), com custo menor segundo a construtora,
criando:

193SÃO PAULO (cidade). Suplemento ao Prospecto da Operação Urbana Consorciada Água


Espraiada: Primeira Emissão de Certificados. São Paulo: EMURB, 2004.

212
[...] um marco referencial de grande destaque e visibilidade tanto para a
Av. Jornalista Roberto Marinho como para o canal do Rio Pinheiros,
tornando-se um autêntico símbolo da cidade de São Paulo (EMURB,
2008, p. 135).

Até dezembro de 2016, tinham sido construídas apenas 710 das quase nove mil e
trezentas unidades de habitação de interesse social (7,7% do total), sendo que haviam sido
gastos 82% do montante arrecadado (SP URBANISMO, 2016c). Até janeiro de 2018,
avaliando a tabela 5.5, pode-se perceber que boa parte do montante de 3,6 bilhões de reais
arrecadados foi gasta em obras e serviços (37%) e parte equivalente foi gasta com
desapropriações, tanto para as obras como para a construção de HIS (33%), demonstrando
a grande transferência de recursos para os proprietários fundiários em função do próprio
processo de valorização pela qual a região tem passado.

Figura 5.10: Aquisição de Área Construída Adicional em milhares de metros quadrados

Fonte: SP Urbanismo, 2016c.


Os recursos para a construção de HIS representaram apenas 13% do total, sendo
que na verdade, pelo tipo de empreendimento que vem sendo realizado existe a dúvida de
se a população de baixa renda conseguirá permanecer no local. Em conversa com
membros da comunidade do Jardim Edite, edifício de habitação que substituiu a favela de
mesmo nome, foi nos dito que existia muita procura dos apartamentos do prédio por parte
dos moradores de alta renda do entorno para “compra de unidade a fim de hospedar a

213
empregada doméstica”. Certamente, o alto potencial de valorização do prédio chama a
atenção dos moradores do entorno, que vem no prédio uma possibilidade de investimento
e diminuição de eventuais despesas com trabalhadores domésticos.

Tabela 5.5: Divisão de gastos por tipo de obra na implementação da OUCAE

SAÍDAS R$ 3.598.595.388,05
Obras e Serviços R$ 1.325.446.659,20 37%
Desapropriações R$ 1.193.108.679,28 33%
Habitação de Interesse Social R$ 450.232.690,97 13%
Transporte Coletivo - Metrô R$ 390.109.364,47 11%
Taxa de Administração R$ 205.119.354,61 6%
Outras Despesas R$ 34.578.639,52 1%
Fonte: SP Urbanismo, 2018c.

Os investimentos gastos em transporte coletivo corresponderam a 11% do total,


sendo relacionados com as obras do monotrilho da Linha 17 – Ouro do Metrô. Essa obra
não constava do projeto original da operação urbana e foi inserida em função das obras
necessárias para a cidade de São Paulo se candidatar à sede do jogo de abertura da Copa
do Mundo 2014 da FIFA.

Como originalmente o estádio de abertura seria o da sede do São Paulo Futebol


Clube (SPFC), Estádio Cicero Pompeu de Toledo, conhecido como Morumbi, essa obra foi
proposta para fazer a ligação entre o Aeroporto de Congonhas e esse estádio.

Ocorre que no meio das negociações, o Comitê Organizador Local se desentendeu


com a diretoria do SPFC e acertaram com o Sport Club Corinthians Paulista a realização
dos jogos da Copa no seu estádio a ser construído. Com isso, o Governo do Estado de São
Paulo retirou a Linha 17 da Matriz de Responsabilidades, deixando as obras paradas sem
previsão de finalização, conforme figura 5.8.

214
Figura 5.11: Obras abandonadas do monotrilho da Linha 17 – Ouro

Fonte: o autor, 2016

5.2.3.2 O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo de 2002

A Administração Marta Suplicy retomou a questão do Plano Diretor, pois a


promulgação em 2001 do Estatuto da Cidade, lei federal que regulamentou o Capítulo da
Política Urbana da Constituição Federal, passou a exigir para as cidades com mais de
vinte mil habitantes e inseridas nas regiões metropolitanas, a elaboração e aprovação do
Plano Diretor, aprovado em lei pela câmara municipal (BRASIL, 2001).

Wilheim montou uma equipe de técnicos, coordenados por Maglio, e optou por
partir logo para a elaboração da lei do plano diretor, que ocorreu em apenas oito meses,
sem realizar extenso diagnóstico, como as administrações anteriores haviam feito,
recebendo várias críticas em função disso. Essa sua postura decorria da dificuldade de
aprovar o Plano Diretor na Câmara Municipal nas administrações anteriores e
demonstrava certo pragmatismo, como pode ser vista no parágrafo abaixo:

A metodologia de trabalho tem que se adaptar às realidades políticas,


porque senão não servirá à gestão nem à necessidade da população. Por
isso eu reuni todos os técnicos da Secretaria (que não são muitos) e lhes
disse que nós não iríamos fazer o livro do plano, mas sim a lei do plano.
No final da gestão, teremos que fazer o livro para registrar o que
fizemos, mas no que diz respeito ao que temos que fazer agora, eu não
aceito nenhuma linha dos técnicos que não seja um artigo de lei!
Além disso, havia outra função: quando se escreve uma lei, cada artigo
pode tratar de apenas um ponto ou tema, não pode ter adjetivos nem
advérbios, não pode ter ambiguidades nem ambivalências; tem que ser
muito preciso e cada ponto tem que estar completo. (Wilheim apud.
CORTI, 2005, p.1, negrito nosso)

215
Após a elaboração da proposta, o Plano foi submetido a várias audiências públicas
para cumprir com as especificações legais de processor participativo. Villaça, contudo, tem
uma visão bem crítica sobre essa participação, como pode ser visto abaixo:

Os debates de audiências públicas sobre o Plano Diretor e sobre os


Planos Regionais representaram, sem dúvida, um aprimoramento
democrático no debate público de leis importantes (ou supostamente
importantes) no país. Nesse sentido, houve avanço. Entretanto, esse
avanço foi restrito uma parcela tão pequena da população e a uma
parcela tão restrita da cidade, que a conclusão inevitável é que eles estão
ainda muito longe de ser democráticos, já que não conseguiram atrair o
interesse da maioria. (VILLAÇA, 2005, p. 52)

O documento de divulgação da proposta do Plano Diretor versão para debate (SÃO


PAULO, 2002d) apontava como os principais problemas da cidade a existência de 2,8
milhões de moradias precárias, os congestionamentos viários na ordem de 118
quilômetros diários, resultantes das enormes carências no sistema viário estrutural e na
rede de transportes coletivos e a pequena quantidade de áreas verdes por habitante,
resultando em uma grande porcentagem da área urbana impermeabilizada.

Wilheim e sua equipe identificaram também uma “diagonal de oportunidades”,


referindo-se a possibilidade de reutilização dos terrenos do entorno da orla ferroviária,
que corre no sentido Noroeste-Sudeste, em virtude da existência de varias áreas
industriais vazias e abandonadas resultantes das transformações no perfil produtivo da
cidade. Com relação aos bairros que concentram os assentamentos precários, a sua
identificação resultaria na definição das regiões onde deveria ser feitos os investimentos
sociais, regularização fundiária, instalação de infraestrutura e equipamentos públicos.

O Plano apresentava como princípios gerais, entre outros, o direito à cidade para
todos (entendido enquanto direito à terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental,
infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos), o atendimento à função
social da cidade e da propriedade, a prioridade ao transporte coletivo público. Para atingir
esses objetivos, promoveria a recuperação para a coletividade de parte da valorização
imobiliária resultantes da ação do Poder Público, a racionalização do uso da infraestrutura
urbana, evitando sobrecarga ou ociosidade, a regularização fundiária e a urbanização de
áreas ocupadas pela população de baixa renda.

O Plano retomava os instrumentos urbanísticos propostos no Plano Diretor de


1991 e regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001), tais
como o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), a Outorga Onerosa

216
do Direito de Construir (OODC), o FUNDURB, as ZEIS, e as Operações Urbanas
Consorciadas.

Seguindo os preceitos da Constituição Federal, o Plano definiu que não cumpriam


com a função social da propriedade terrenos ou glebas totalmente desocupados, ou onde o
coeficiente de aproveitamento mínimo não tivesse sido atingido, definindo diferentes
valores conforme as diferentes zonas da cidade. Ao adotar o coeficiente de aproveitamento
como critério para a definição da subutilização, o Plano procurava facilitar a fiscalização,
contudo não levava em consideração o tipo de uso do imóvel, possibilitando que o
proprietário construísse qualquer coisa para atender com o conceito da função social.

Visando promover um processo de reocupação da Área Central, que vinha de um


processo de abandono desde a década de 1960, o plano definiu que não cumpria com a
função social da propriedade todo tipo de edificação nos distritos centrais194 que tivessem
mais de 80% (oitenta por cento) de sua área construída desocupada há mais de cinco anos.
Contudo, apesar da existência de milhares de imóveis vagos nessa região, quando do
detalhamento desses imóveis no Plano Regional da Sé195 apenas 160 imóveis foram
listados como não cumprindo com a função social da propriedade, sendo a grande maioria
terrenos vagos. Os grandes edifícios e as fábricas abandonados não foram listados, pois
pressão dos seus proprietários sobre os vereadores fez com que a lista publicada fosse
reduzida.

Visando a recuperação de parte da valorização imobiliária advinda das ações do


Poder Público para a coletividade, o Plano instituiu o cálculo da OODC e as áreas
passíveis de aquisição, onde o direito de construir poderia ser exercido acima do
Coeficiente de Aproveitamento Básico até o limite do Coeficiente de Aproveitamento
Máximo, mediante contrapartida financeira. Dessa forma, toda construção nova que
quisesse atingir o aproveitamento máximo permitido deveria pagar para a Prefeitura,
consolidando finalmente a aplicação do Solo Criado no município. Contudo, para maior
aceitação do mercado imobiliário, o Coeficiente Básico não era um e nem único para a
cidade toda. As Subprefeituras definiram para cada Zona de Uso o seu CAB específico, de
acordo com as dinâmicas imobiliárias e pressões que sofreram.

194 Sendo eles: Sé, República, Bom Retiro, Consolação, Brás, Liberdade, Cambuci, Pari, Santa Cecília e Bela
Vista.
195 O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, estabelecido pela Lei nº 13.430 de 2002, foi

regulamentado pelos Planos Regionais Estratégicos das trinta e duas subprefeituras e pela Lei de
Zoneamento, instituídos na Lei nº 13.885 de 2004.

217
De qualquer forma, os recursos começaram a ser arrecadados e depositados no
FUNDURB, para a execução de programas e projetos habitacionais de interesse social,
incluindo a regularização fundiária e a aquisição de imóveis para constituição de reserva
fundiária; implantação de sistemas de transporte coletivo público urbano; construção de
infraestrutura, drenagem e saneamento; implantação de equipamentos urbanos e
comunitários, espaços públicos de lazer e áreas verdes; proteção de áreas de interesse
histórico, cultural ou paisagístico; criação de unidades de conservação ou proteção de
outras áreas de interesse ambiental.

A fim de promover a regularização fundiária o Plano previa: a criação das ZEIS, a


concessão do direito real de uso; a concessão de uso especial para fins de moradia; a
usucapião especial de imóvel urbano e o direito de preempção.

As ZEIS foram definidas como porções do território destinadas, prioritariamente, à


recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações de Interesse
Social – HIS ou do Mercado Popular – HMP, incluindo a recuperação de imóveis
degradados, a provisão de equipamentos sociais e culturais, podendo ser de quatro tipos:
as de favela e loteamentos precários, cujo objetivo era promover a recuperação
urbanística, a regularização fundiária, a produção de HIS, equipamentos sociais e
culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local (ZEIS 1); as de glebas ou
terrenos não edificados na periferia, cujo objetivo era a promoção de HIS ou de HMP,
incluindo equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviços e comércio de
caráter local (ZEIS 2); as de terrenos ou edificações subutilizados em áreas centrais
dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, cujo objetivo era a
promoção de HIS ou de HMP (ZEIS 3); e as de glebas ou terrenos não edificados
adequados à urbanização, localizados em áreas de proteção aos mananciais, ou de proteção
ambiental, destinadas a projetos de HIS pelo Poder Público para o atendimento
habitacional de famílias removidas de áreas de risco e de preservação permanente, ou ao
desadensamento de assentamentos populares definidos como ZEIS 1 (ZEIS 4).

Seguindo as definições do Estatuto da Cidade, o Plano definiu as Operações Urbanas


Consorciadas como:

Art. 225 – As Operações Urbanas Consorciadas são o conjunto de


medidas coordenadas pelo Município com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados,
com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais e a valorização ambiental, notadamente ampliando os
espaços públicos, organizando o transporte coletivo, implantando
programas habitacionais de interesse social e de melhorias de

218
infraestrutura e sistema viário, num determinado perímetro. (SÃO
PAULO, 2002b)

Baseadas nos estudos desenvolvidos por José Magalhães e sua equipe do


Departamento de Projetos Urbanos, foram definidas mais nove operações urbanas
(Diagonal Sul, Diagonal Norte, Carandiru-Vila Maria, Rio Verde-Jacu, Vila Leopoldina,
Vila Sônia, Celso Garcia, Santo Amaro e Tiquatira), além das quatro já existentes (Faria
Lima, Água Branca, Centro e Águas Espraiadas), conforme figura 5.9.

As ideias por trás das novas operações se relacionavam à promoção do melhor


aproveitamento de eixos de transporte a ser implantados (Celso Garcia, Santo Amaro e
Vila Sônia), ou de áreas públicas subutilizadas (Carandiru-Vila Maria), ou de áreas
privadas subutilizadas resultantes das transformações produtivas da cidade ao longo da
orla ferroviária (Vila Leopoldina, Diagonais Norte e Sul); ou à promoção do
desenvolvimento econômico de áreas periféricas (Rio Verde-Jacu); ou à recuperação
ambiental de áreas degradas (Tiquatira).

Contudo, as novas operações urbanas nunca foram regulamentadas em lei específica,


conforme definia o Estatuto da Cidade, nunca saindo do papel, portanto. Dessa forma,
somente as quatro já regulamentadas continuaram a existir, adequando-se às exigências
do Estatuto da Cidade, entre as quais a de concentrar os recursos adquiridos através da
venda do potencial adicional (via CEPAC ou OODC) no seu perímetro de atuação.
Certamente essa exigência da lei federal fez com que as operações se tornassem um
instrumento fiscal bastante regressivo, pois concentram cada vez mais investimentos em
áreas já bastante valorizadas, conforme será visto na seção 5.2.

Por fim, o Plano Diretor consolidou as operações urbanas como o principal


mecanismo de exceção às leis urbanísticas, pois os coeficientes definidos pela sua lei de
criação se sobrepõem às regras do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, conforme pode
ser visto abaixo:

Art. 301 – Ficam mantidas as disposições das leis específicas de


Operações Urbanas Consorciadas vigentes à data de publicação desta lei,
inclusive as relativas aos coeficientes de aproveitamento máximo e
aquelas relativas ao cálculo e pagamento da contrapartida financeira pelo
benefício urbanístico concedido. (SÃO PAULO, 2002b)

219
Figura 5.12: Operações Urbanas propostas no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo de
2002

Fonte: São Paulo (Cidade), 2002b.

220
5.2. Resultado da Implementação das Operações Urbanas
Consorciadas
Ao se analisar o resultado da implementação das operações urbanas no Município de
São Paulo percebe-se que a maioria delas foi proposta nas áreas que concentram a
população de maior renda da cidade, ou seja, nas áreas de habitação, trabalho e lazer da
elite paulistana, principalmente no Quadrante Sudoeste da capital. No mapa 5.2 é possível
ver que das quatro operações urbanas aprovadas e vigentes na cidade de São Paulo, três
(Água Branca, Água Espraiada e Faria Lima) se encontravam em bairros onde mais de
40% dos domicílios apresentavam rendimento médio superior a dez salários mínimos em
2010, sendo que duas dessas (Água Espraiada e Faria Lima) se localizavam no Quadrante
Sudoeste. Apenas a Operação Urbana Centro estava localizada nos Distritos Sé, República
e Brás, que apresentavam até 20% dos seus domicílios com esse rendimento médio.
A administração Marta Suplicy até tentou implementar uma operação urbana fora
dessas áreas de alta renda. A Operação Urbana Rio Verde-Jacu foi regulamentada pela Lei
nº 13.872 de 2004. (SÃO PAULO, 2004b), com o objetivo de finalizar o Anel Viário
Metropolitano, promover a estruturação viária e o desenvolvimento de atividades
econômicas da Zona Leste de São Paulo, tendo em vista que essa região se constituiu
como uma imensa cidade-dormitório, concentrando 22% da população, 13% da área e
apenas 4% dos empregos da cidade em 2000, com 1/3 dos seus domicílios com rendimento
médio inferior a dois salários mínimos e menos de 10% com rendimento médio superior a
dez (SMDU, 2014).
Contudo, em função da viabilidade desse instrumento depender do interesse do
mercado imobiliário, visto que as obras e projetos propostos dependem da venda de
potencial construtivo adicional, seja através do CEPAC ou da OODC, ele se demonstrou
inadequado para atingir seus objetivos nas áreas onde o mercado não tem interesse. Assim
sendo, a Operação Rio Verde-Jacu não deslanchou.
Nessas áreas em que não há interesse do mercado imobiliário, a municipalidade
chegou a utilizar de outros instrumentos urbanísticos, baseados em incentivos fiscais para
atrair essas atividades. Essa ação até foi tentada para esse caso em questão, mas com
resultados questionáveis e também pouco efetivos196. Por fim, a Lei foi revogada pela Lei

196Desde a década de 1980 a Zona Leste da cidade de São Paulo tem sido alvo de diversas iniciativas da
municipalidade na tentativa de reverter essa característica de cidade-dormitório da região. A Lei n º 9.300
de 1981 transformou grandes glebas rurais na região em distritos industriais, na tentativa de atrair
indústrias para o local, sem contudo se preocupar com a estruturação viária e adequação dos terrenos do
local. Além da lei de Operação Urbana Rio Verde-Jacu, o Plano Regional Estratégico de Itaquera da
Administração Marta Suplicy (Lei nº 13.885/2004) previa uma serie de projetos estratégicos para a região,

221
nº 16.492 de 2016, sob o pretexto que o devido processo de licenciamento ambiental não
tinha sido realizado a contento e que não tinha tido nenhum interessado durante seus
quatorze anos de vigência.

Mapa 5.2: Localização das Operações Urbanas e bairros de alta renda no MSP

Fonte: Mapa elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE tabulados pela SMDU 197
sobre base do CESAD, 2002, EMPLASA, 2010 e São Paulo, 2016c.

Analisando as operações urbanas existentes percebe-se que existe uma grande


concentração de recursos captados e, portanto, investimentos, concentrados em apenas
duas delas, a Água Espraiada e a Faria Lima, não coincidentemente localizadas nos
bairros de mais alta renda da cidade. Conforme dados da gerenciadora dessas operações, a
SP Urbanismo, 88% dos 7,3 bilhões de reais arrecadados são provenientes apenas dessas
duas, sendo 54% provenientes da Água Espraiada e 33% da Faria Lima, conforme tabela

como os Polos Institucional e Tecnológico de Itaquera. Posteriormente, a Administração Gilberto Kassab


(2006–2012) promulgou a Lei nº 14.654 de 2007, que criou o Programa de Incentivos Seletivos da Zona
Leste, prevendo uma série de benefícios fiscais para as atividades econômicas que se instalassem na região.
Divergências entre a FIFA e o São Paulo Futebol Clube fez com que o Sport Club Corinthians Paulista
fosse um dos principais beneficiários dessa lei, recebendo R$ 410 milhões de incentivos para construir a
Arena Itaquera nessa região e sediar o jogo de abertura da Copa do Mundo da FIFA de 2014. Apesar disso,
todas essas iniciativas não foram suficientes para reverter essas características de subúrbio residencial da
região, conforme pode ser visto em outro trabalho de nossa autoria (NOBRE, 2016).
197 Dados do IBGE (2011), tabulados pela SMDU na Tabela “Domicílios por Faixa

de Rendimento, em salários mínimos Município de São Paulo, Subprefeituras e Distritos Municipais 2010”.
Disponível em:
<http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/13_domicilios_por_faixa_de_rendimento_em_sa_2010_233.
html> . Acesso em: 8 jun. 2018.

222
5.6. A Operação Urbana Água Branca arrecadou 12% desse total e a Operação Urbana
Centro apenas 1%, reforçando a conclusão de que esse instrumento só funciona onde
existe interesse do mercado imobiliário. Isso fica bem evidente na OUC, pois apesar de
oferecer a maior exceção ao coeficiente de aproveitamento máximo, podendo chegar até a
12 vezes a área do lote, foi a que menos arrecadou.
Por outro lado, o CEPAC se demonstrou ser um eficiente instrumento de captação
de recursos onde existe interesse do mercado imobiliário, pois foi responsável por 61% do
total dos recursos arrecadados nas operações vigentes.

Tabela 5.6: Recursos obtidos por tipo de entrada nas Operações Urbanas em R$ milhões
Entradas OUCFL OUCAE OUC OUCAB TOTAL %
CEPAC 1.454 2.946 – 9 4.410 61%
Receita Financeira Líquida 532 995 33 328 1.889 26%
Outorga Onerosa 465 – 29 545 1.039 14%
Outras 18 – – – 18 0%
Desvinculação -36 -41 -3 1 -79 -1%
Total 2.434 3.900 60 883 7.277 100%
Porcentagem do total 33% 54% 1% 12% 100%
Fonte: SP Urbanismo, 2018a,b,c,d.

Ainda com relação à dinâmica imobiliária, as operações estão localizadas nos


distritos com maior área de lançamentos imobiliários verticais, conforme tabela 5.7 e
mapas 5.3 e 5.4, sendo que esses distritos representaram 24% e 49% do total da área de
lançamentos verticais do tipo residencial e do tipo comercial de toda cidade
respectivamente. Destacaram-se os distritos de Vila Andrade, concentrando 7% dos
lançamentos residenciais e Itaim, concentrando 20% dos lançamentos comerciais, ambos
localizados na OUCAE e OUCFL. Já os distritos inseridos na OUC (Sé, República e Brás)
tiveram participação insignificante.

A quantidade de metros quadrados adicionais adquiridos em todas as operações


urbanas (6,15 milhões de metros quadrados) corresponde aproximadamente a 25% do
total de lançamentos verticais construídos nesses distritos no período, sendo que nas duas
operações mais exitosas esse percentual sobe para 34%.

223
Tabela 5.7: Área em metros quadrados de lançamentos imobiliários verticais residencial e comercial em
distritos selecionados e MSP entre 1995 e 2016
Distritos Residencial % Comercial %
Barra Funda 1.917.464 2% 350.141 5%
Brás 35.243 0% 0 0%
Campo Belo 2.296.736 3% 166.193 2%
Itaim Bibi 4.322.291 5% 1.344.913 20%
Jabaquara 1.610.221 2% 81.391 1%
Pinheiros 1.539.287 2% 540.289 8%
Republica 493.832 1% 0 0%
Santo Amaro 2.785.929 3% 622.715 9%
Sé 70.591 0% 18.109 0%
Vila Andrade 6.108.969 7% 220.700 3%
Total dos Distritos 21.180.563 24% 3.344.451 49%
Total do MSP 88.304.578 100% 6.828.213 100%
Fonte: SMUL/Deinfo a partir de dados da Embraesp. Elaboração: o autor

Ao compararmos o montante arrecadado nas operações urbanas entre 1995 e 2016 e


o montante arrecadado pelo FUNDURB através da OODC desde 2002, conclui-se que
para áreas adicionais equivalentes, as operações urbanas arrecadaram três vezes mais, pois
enquanto a OODC arrecadou 2,4 bilhões de reais por 6,3 milhões de metros quadrados
adicionais, a um valor médio de 385,81 reais por metro quadrado, as OU arrecadaram 7,3
bilhões de reais para 6,2 milhões de metros quadrados, a um valor médio de 1.183,90198.

Ao considerarmos as áreas para investimento dos recursos arrecadados, chega-se a


conclusão que a Prefeitura dispõe nas operações urbanas de um montante de 7,3 bilhões
de reais para ser gasto em apenas 3% da área urbanizada da cidade (porcentagem
equivalente a soma das áreas individuais de cada operação urbana que é de 3.143 hectares
em 100 mil de área urbanizada) e de 2,4 bilhões de reais para gastar nos restantes 97%.

Dessa forma, a Prefeitura dispõe de cem vezes mais recursos para cada metro
quadrado de área das operações urbanas do que para cada metro quadrado do restante da
cidade. Isso demonstra o tremendo efeito concentrador de recursos e da extrema
regressividade fiscal que esse instrumento urbanístico representa, reificando a prática
histórica de concentração de investimentos públicos nas áreas mais ricas da cidade,
acirrando as disparidades socioambientais.

198Esses dados foram calculados a partir dos cadernos das operações urbanas consorciadas, desenvolvidos
pela Diretoria de Gestão das Operações Urbanas da SP Urbanismo e do Relatório da Situação Geral de
Processos da OODC, todos disponíveis na página do sítio da Secretaria Municipal de Urbanismo e
Licenciamento (SMUL). Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/urbanismo/>. Acesso em: 1 mai. 2018.

224
Mapa 5.3: Área residencial vertical lançada entre 1995 e 2016 no MSP

Fonte: Mapa elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE tabulados pela SMUL199
sobre base do CESAD, 2002, EMPLASA, 2010 e São Paulo, 2016c.

Mapa 5.4: Área comercial vertical lançada entre 1995 e 2016 no MSP

Fonte: Mapa elaborado pelo autor a partir de dados da EMBRAESP tabulados pela SMUL200
sobre base do CESAD, 2002 e EMPLASA, 2010 e São Paulo, 2016c.

199Dados da EMBRAESP, tabulados pela SMUL/Deinfo na Tabela “Área Total Lançada (em m²) dos
Lançamentos Residenciais Verticais Município de São Paulo, Subprefeituras e Distritos Municipais 1992 a
2016”. Disponível em:
<http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/15_Area_total_lancada_em_m__dos_lancamentos_1992_10
900.html>. Acesso em: 8 jun. 2018.

225
Dessa forma, as operações urbanas, ao contrário do que dizem os seus promotores,
não representa um ciclo virtuoso de valorização do capital imobiliário, mas, ao contrário,
um ciclo vicioso, pois quanto mais se arrecada, mais se investe em sua área, mais se
valoriza e mais se arrecada novamente, num moto continuo em descompasso total com o
restante da cidade.

Além do que, as excepcionalidades criadas para as operações comprometem a ideia


do processo de planejamento como um todo.

Como exemplo dessa questão, pegamos o recém-aprovado Plano Diretor


Estratégico do Município de São Paulo de 2014 (SÃO PAULO, 2014), defendido pela
Prefeitura como um plano progressista por escolher como foco do desenvolvimento
urbano as Zonas de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU), regiões ao longo dos
corredores de transporte de média e alta capacidade em que se prevê o adensamento
populacional, a diversidade de usos e social.

Esse conceito de orientar o desenvolvimento ao longo dos eixos de transporte


coletivo na verdade não é inovador, pois já vem sendo utilizado nos países centrais desde a
década de 1930 e, no Brasil, a cidade de Curitiba foi pioneira em ter adotado esses
princípios na década de 1960. Mesmo em São Paulo, vários planos propuseram o
desenvolvimento ao longo dos corredores de transporte, sem lograr muito êxito.

Porém, o conceito adotado no Plano de 2014 já nasceu morto, pois, se as ZEU


deveriam ser os principais eixos de desenvolvimento da cidade, é completamente
incoerente que as suas regras não sejam validas no interior das operações urbanas. Dessa
forma, chega-se ao paradoxo de se ter um eixo que cruze por uma operação urbana e que
tenha uma regra de orientação para os trechos anterior e posterior a essa, e que no
interior dessa, a regra seja definida pela regra da operação urbana.

Com relação aos investimentos realizados com os recursos advindos das operações
urbanas, percebe-se também o reforço ao planejamento excludente paulistano em dois
aspectos, conforme tabela 5.8. Em primeiro lugar, no privilégio ao setor da construção
civil pesada e à elite motorizada, através da implantação de grandes obras viárias,
representando 43% do total gasto. Nesse aspecto, vale a pena ressaltar a construção do
Complexo Viário Real Parque na OUCAE, obra que gastou mais de 200 milhões de reais e

200 Dados da Embraesp, tabulados pela SMUL/Deinfo na Tabela “Área Total Lançada (em m²) dos
Lançamentos Comerciais Verticais Município de São Paulo, Subprefeituras e Distritos Municipais 1992 a
2016”. Disponível em:
http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/15_Area_total_lancada_m_dos_lancamentos_com_1992_1090
1.html. Acesso em: 8 Jun. 2018.

226
que não previa a circulação de ônibus pela ponte estaiada, nem contava com calçada ou
ciclovia, sendo exclusiva para automóveis.

Tabela 5.8: Divisão de gastos por tipo de obra nas Operações Urbanas em milhões de R$
SAÍDAS OUCFL OUCAE OUC OUCAB TOTAL %
Obras e Serviços 941 1.325 3 235 2.504 43%
Desapropriação 271 1.193 4 14 1.482 26%
Construção de HIS 325 450 0 2 777 13%
Transporte Coletivo 200 390 0 0 590 10%
Taxa de Administração 105 205 3 41 354 6%
Outros 10 35 0 1 46 1%
Requalificação do Espaço Público 0 0 11 0 11 0%
Projetos 0 0 4 4 8 0%
TOTAL 1.852 3.599 25 297 5.773 100%
Fonte: SP Urbanismo, 2018a,b,c,d.

O segundo aspecto é transferência de uma enorme quantidade de recursos públicos


para os proprietários fundiários, através das desapropriações, que foram responsáveis por
nada menos que 26% do total dos gastos. Nesse aspecto é que se faz sentir o ciclo vicioso
da operação urbana, pois, em função da sua constante valorização, o poder público precisa
dispender de cada vez mais dinheiro em desapropriação para a realização de suas obras.

Com relação às obras de transporte coletivo, principalmente da Linha 4 – Amarela


do Metrô, a sua implantação resultou na elitização de espaços, anteriormente ocupados
pelo comércio popular e atividades mundanas, que por meio de um grande projeto de
renovação urbana, reorganização viária e remoção de linhas de ônibus ocasionou a
transformação dessa área, tornando-a também atrativa ao capital imobiliário, conforme
visto na seção sobre a OUCFL.

Por fim, os chamados gastos sociais com HIS e transporte coletivo foram
responsáveis juntos por apenas 23% do total dos investimentos em todas as operações
urbanas. Contudo, conforme visto nas experiências da OUCFL e OUCAE, a construção
dos conjuntos residenciais de interesse social, onde anteriormente se localizavam favelas,
tem resultado na expulsão de uma parcela da população pobre que ali se encontrava, quer
seja pelo número inferior de unidas produzidas com relação às removidas, quer seja por
um processo de valorização fundiária que as obras ocasionam.

Nesse aspecto as obras vão contra os interesses da própria comunidade, que preferia
que fossem feitas obras de melhorias, do que o processo de renovação do tecido urbano.

227
Logicamente que essas obras de transformação desses assentamentos precários são
coerentes com a estratégia de valorização dos capitais investidos, tanto público como
privado.

Dessa forma, direta ou indiretamente, a implementação das operações urbanas


consorciadas tem ocasionado um aumento da segregação socioespacial, pois com a
valorização decorrente das obras, cada vez mais recursos são transferidos para os
proprietários fundiários. Essa alta valorização imobiliária e a falta de efetivação de um
programa de atendimento social mais amplo faz com que elas funcionem como um
instrumento que aumenta a segregação socioespacial, “expulsando” a população de baixa
renda.

Como exemplo, citamos a Operação Urbana Água Espraiada, que retirou dez mil
pessoas quando da construção da avenida e prevê a retirada de mais dez mil para a
construção de um parque linear. Em que pese o fato dessa retirada ter ocorrido
anteriormente à operação, para que ela fosse implementada da maneira que foi, essa
população pobre teria de ser removida mais cedo ou mais tarde. Além do que os recursos
estão se esgotando e até agora apenas 2.866 das unidades de HIS foram construídas ou
estão em obras, contra uma previsão original de 8.500 unidades, revista posteriormente
para 9.297.

Só para se ter uma ideia do que poderia ser feito com esses 7,2 bilhões de reais, em
levantamento feito junto aos principais jornais e sites de comunicação dos órgãos públicos
responsáveis pelas obras de mobilidade e de habitação social chegou-se às seguintes
possibilidades:

1. Quatorze quilômetros de metrô, equivalente 1,2 vezes a Linha 5 – Lilás em


construção, ao custo de R$ 500 milhões por quilômetro;
2. Ou trinta e dois quilômetros de monotrilho, equivalente a quase duas Linha 17 –
Ouro Jabaquara/ Morumbi, ao custo de R$ 216 milhões por quilômetro;
3. Ou duzentos e cinquenta quilômetros de corredor de ônibus, equivalentes a
dezessete corredores da Avenida Santo Amaro, ao custo de R$ 28 milhões por
quilômetro;
4. Ou de trinta a cinquenta mil unidades habitacionais de interesse social,
equivalentes a vinte e duas favelas do Real Parque, ao custo entre R$ 150 a 200
mil por unidade habitacional.

228
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto neste trabalho, as recentes transformações políticas e econômicas


que vem ocorrendo em escala mundial desde o final do século XX impactaram
sobremaneira a teoria e a atuação prática sobre as cidades.

A ascensão do ideário neoliberal nos países centrais, como resposta à crise advinda
do esgotamento do ciclo de expansão do capitalismo do Pós-Guerra, representou uma
tentativa desesperada de manutenção dos níveis de acumulação anteriores. Isso implicou
no desmantelamento do Estado do Bem-Estar Social e na relocação dos recursos
investidos em políticas sociais para o fomento ao desenvolvimento dos negócios, numa
clara opção de favorecimento à reprodução do capital em detrimento da reprodução da
classe trabalhadora, resultando no aumento das disparidades sociais nesses países.

O discurso ideológico neoliberal da necessidade de criação das parceiras público-


privadas, baseado na eficiência do mercado para solucionar a crise financeira do Estado,
nada mais foi que uma simples retórica para justificar o desvio de uma grande quantidade
de recursos públicos, pois o Estado Neoliberal se endividou ainda mais para continuar
movendo a maquina de crescimento da economia capitalista, conforme visto na montagem
do “warfare state” estadunidense na Administração Reagan.

As reformas econômicas promovidas por esse Estado através da desregulação dos


mercados de capitais e do trabalho, diminuição de impostos sobre a renda e sobre os
ganhos de capital, possibilitaram o surgimento do atual estágio de desenvolvimento
capitalista sob a dominância do capital financeiro globalizado, sendo que o mercado
imobiliário tem sido um dos setores preferidos para a atuação desse capital, ocasionando a
reforma da política urbana.

Nessa área, a ascensão do neoliberalismo se deu através do surgimento do


Planejamento Urbano Estratégico (PUE), baseado no discurso da limitação da capacidade
do Estado de intervir em tempos de crise, da necessidade da parceria com a iniciativa
privada e da competição entre cidades pelo capital financeiro flutuante, e através da
adoção do empreendedorismo urbano e do financiamento aos Grandes Projetos Urbanos
(GPU).

Logicamente, que as grandes intervenções urbanas já existiam antes, beneficiando


os proprietários fundiários e a indústria da construção civil, porém, o que difere os GPU
atuais das intervenções urbanas anteriores nos países centrais é a sua visão fragmentada
229
da cidade, criando condições de excepcionalidade em determinado local, considerado como
lugar chave para a alteração do processo de “decadência urbana”, concentrando ali todos
os esforços e investimentos, ao contrário da visão global e estruturante do período
anterior.

Afinal de contas, as intervenções urbanas nos países centrais durante o período


Moderno buscaram estruturar a cidade como um todo, expandindo suas redes de
infraestrutura e equipamentos públicos à maior parte das localidades, conforme pôde ser
visto nas atuações de Haussmann em Paris, com a expansão das redes de saneamento e de
transportes, e de Moses em Nova Iorque, com a construção de grandes áreas verdes e de
um grande parque de unidades de habitações públicas, parque esse que quase foi
desmantelado por governos de retórica neoliberal muito recentemente.

Outra questão fundante é o papel do Estado e a sua relação com a iniciativa privada,
vale dizer com o grande capital dos ramos financeiro-imobiliário e da construção civil. Se
no período Moderno, o Estado capitaneava as ações públicas e os processos de renovação
urbana, no atual período Neoliberal muitas vezes as decisões são definidas pela iniciativa
privada, fazendo que o Estado abra mão do seu papel tradicional de coordenador e
planejador desse processo.

Talvez o melhor exemplo paulistano desse fato tenha sido um candidato a prefeito
de São Paulo na eleição de 2008 que adotou como plano de obras viárias de seu governo
um pacote chamado São Paulo por um trânsito melhor, que havia sido elaborado pelo
SINICESP (Sindicato de Indústrias da Construção Pesada do Estado de São Paulo), que
representa as maiores empreiteiras do país.

Por outro lado, para a viabilização desses GPU é necessária a criação de


excepcionalidades, através da flexibilização da legislação urbanística, e a eliminação da
resistência dos grupos sociais afetados, através da diminuição dos mecanismos de controle
social. Essas ações são justificadas em nome da reversão de uma pretensa situação de
crise, mas na verdade seu objetivo é o de abrir mais espaço para a reprodução do capital
financeiro mundializado através da promoção imobiliária.

Este trabalho demonstrou que é um dos principais motes ideológicos para a adoção
dos conceitos do PUE e do GPU também não se justificou nos países centrais. No caso
estudado, a promessa de que as grandes intervenções urbanas ocasionariam um efeito
multiplicador (trickle down), que atenderia às necessidades de emprego e de renda para a
população do seu entorno, não ocorreu. Pelo contrário, ficou claro que essas

230
transformações na política urbana não ocorrem sem que haja grandes beneficiários e
perdedores com este processo, sendo que os principais beneficiários são os proprietários
de terra e empreendedores imobiliários, ao passo que as demandas legítimas por emprego,
moradia, saúde e educação da população local de baixa renda deixaram de ser supridas.

Pior, no longo prazo, essa população acaba por ser expulsa por um processo de
elitização e valorização imobiliária, como pôde ser visto na experiência das Docas
Londrinas.

A crise habitacional que as metrópoles europeias vivem nesse momento,


principalmente para as camadas de menor renda, é uma clara demonstração de quem
ganha e quem perde com a ascensão do neoliberalismo na política urbana, pois a grande
inversão de recursos na produção imobiliária de mercado, que elevou o preço dos imóveis
em várias dessas cidades, ocorreu à custa da diminuição dos subsídios às políticas de
habitação de interesse social.

Nesse aspecto, destacou-se o exemplo da Holanda, que já foi conhecida como o


“paraíso dos planejadores”. Nesse país, conforme visto, o valor da isenção de impostos
sobre os juros das hipotecas atingiu recentemente cinco vezes o valor do subsídio do
Governo Central à habitação de interesse social. Essa medida e outras de caráter
neoliberal ocasionaram a inversão na porcentagem de moradias alugadas de 60% para
30% do parque residencial entre 1995 e 2009, tornando a moradia própria o modo
preponderante de ocupação para os estratos que tem renda para adquiri-la.

Se esses problemas ocorreram nos países centrais, onde, em função das condições
privilegiadas de acumulação de capital em escala global, a reprodução da sociedade, como
um todo, e da classe trabalhadora, em particular, chegou a níveis jamais vistos
anteriormente, o que dizer dos países periféricos, aonde essas condições nunca chegaram a
se desenvolver? Esse trabalho procurou explorar essas questões a partir do estudo de caso
paulistano.

Conforme analisado por este trabalho, o fato do Brasil ter se inserido de maneira
subalterna no sistema capitalista fez com que as condições de reprodução da sociedade
jamais atingissem os níveis das condições dos países centrais, se refletindo em todos os
setores da vida nacional, mas, sobretudo, na produção do espaço. A concentração dos
escassos capitais acumulados, públicos e privados, nas áreas de moradia e de trabalho da
elite ocorreu em detrimento das áreas ocupadas pelas populações de menor renda,

231
resultando em enormes déficits sociais em infraestrutura e equipamentos públicos e na
enorme precariedade urbana e habitacional dessas áreas.

Apesar do surgimento do urbanismo e do planejamento urbano modernos como


campo de atuação e reflexão do Estado nas cidades brasileiras ter ocorrido ainda no final
do Século XIX e início do século XX, pouco foi feito para a reversão ou alteração desse
fenômeno, pois em função do descolamento das ideias e modelos de desenvolvimento
transferidos dos países centrais, o resultado de sua aplicação nos países periféricos é
apenas um arremedo do que ocorreu naqueles países, ficando apenas no campo do
discurso.

Nesse aspecto, o estudo de caso paulistano foi emblemático, pois apesar de toda a
discussão que vinha ocorrendo desde a década de 1930 sobre a importância do plano
diretor, enquanto instrumento norteador da ação do Estado no urbano, a estruturação do
sistema de planejamento no interior do Departamento de Urbanismo da Secretaria
Municipal de Obras, primeiro órgão municipal criado com a competência de planejar a
cidade, ocorreu em cima da construção do zoneamento e das grandes obras viárias.
Mesmo após a década de 1960, com todas as discussões acerca da problemática social nas
análises do processo de urbanização, com a criação de um órgão específico para o
planejamento da cidade (primeiro COGEP e depois SEMPLA) e a consequente elaboração
e promulgação dos primeiros planos diretores na década de 1970, a prática do
planejamento continuou sendo a mesma.

Assim sendo, a consolidação do planejamento urbano ao longo do Século XX na


cidade de São Paulo ocorreu na maior parte das vezes reforçando os privilégios à sua elite,
seja pela criação de uma legislação urbanística exclusiva protegendo seus bairros
residenciais, seja na abertura de frentes de expansão para o capital imobiliário através do
zoneamento ou alteração deste, seja pela implantação do urbanismo rodoviarista para
atender a sua demanda de mobilidade. Enquanto isso, a maior parte da população pobre da
cidade continuou sendo “expulsa” para a periferia cada vez mais extrema, morando em
condições precárias de habitabilidade e mobilidade, muitas vezes em áreas de fragilidade
ambiental, com enormes déficits de infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos.

A crise econômica dos anos 1980 só fez aumentar as características regressivas


desse modus operandi do sistema de planejamento, pois, apesar de todas as discussões
iniciadas três décadas antes, que trouxeram os problemas sociais para o cerne da questão
urbana, foi justamente a partir dessa época que o discurso e as práticas urbanas
neoliberais começaram a se afirmar na política urbana paulistana.

232
Em que pese o fato de vários instrumentos terem sido pensados nesse período com o
intuito de recuperar o déficit social urbano acumulado, na prática, a sua aplicação acabou
reforçando a concentração de investimentos e de esforços do poder público nas áreas
habitadas ou frequentadas pela população de alta renda. É o caso dos instrumentos
tratados nos capítulos 4 e 5 desta tese.

A proposição inicial do Solo Criado na década de 1970, que se baseou no


instrumento francês Plafond Legal de Densitè, tinha como objetivo inicial a recuperação de
parte dos investimentos públicos no processo de urbanização através da cobrança dos
direitos de construir dos empreendedores imobiliários com o intuito de criar um fundo
para ser investido no desenvolvimento urbano, procurando reverter o déficit social
acumulado. Conforme visto, essa ideia foi defendida por vários urbanistas e secretários de
planejamento e incorporadas no texto de vários planos diretores.

Contudo, a aplicação prática desse instrumento acabou ocorrendo pela primeira vez
na implementação das operações interligadas, que, se por um lado aumentaram a
possibilidade de investimentos na construção de unidades de habitação de interesse social,
por outro, aumentaram também as disparidades socioambientais, pois a maioria dos
empreendimentos habitacionais viabilizados com os recursos advindos da aplicação desse
instrumento foi construída nas áreas periféricas da cidade, onde o terreno era mais barato,
conforme visto no trabalho de Van Wilderode. Além do que, a utilização desse
instrumento concedeu poderes excepcionais ao Poder Executivo e foi permeada de
irregularidades que ocasionaram a sua suspensão pelo Poder Judiciário e a sua
investigação pelo Poder Legislativo.

Por outro lado, a ideia da prefeitura ter um papel mais ativo no processo urbano,
assumindo responsabilidades como agente promotor de operações de urbanização e
reurbanização também vinha sendo defendida desde a década de 1970, como pode ser
visto no estudo Região Metropolitana de São Paulo – Diagnóstico 75 da EMPLASA. A
pesquisa dos instrumentos internacionais no período, com ênfase na Zone d´Amenegement
Concertè francesa, tanto por essa empresa como pela COGEP, influenciaram na proposição
de instrumentos semelhantes para atuação da municipalidade em áreas consideradas
estratégicas para a cidade, na expectativa de ocasionar transformações urbanísticas e
obter os benefícios econômicos oriundos da “mais-valia” gerada pela urbanização.

Essa ideia está no cerne da criação da EMURB, cujo objetivo original era de
contratar as obras necessárias e promover a reurbanização das áreas afetadas pela
construção do metrô, cuja companhia naquele momento pertencia à municipalidade, e
233
recuperar parte dos investimentos públicos nesse processo atuando como agente
imobiliário.

A transferência do Metrô para o Estado acabou por tirar parte das funções da
EMURB, porém a ideia de uma empresa que coordenasse os processos de reurbanização e
recuperasse as “mais-valias” advindas do processo imobiliário continuou com outros
projetos da municipalidade e foi fortemente retomada com as operações urbanas. Sendo a
EMURB uma empresa pública de capital misto, a sua constituição ainda na década de
1970 se deu para agilizar a contratação de obras para execução das suas atividades-fim,
quais sejam, a reurbanização de áreas em processo de transformação, ou em vias de
deterioração, a urbanização de áreas não ocupadas, a recuperação e reciclagem de edifícios
em processo de deterioração, ou de inadequação de uso, do ponto de vista urbano.

Pelo mesmo fato de ser uma empresa e não uma autarquia pública direta era
importante para a empresa contar com uma fonte de recursos constante para viabilizar
sua existência. Nesse aspecto, a apresentação Balanço da Política Municipal de
Desenvolvimento Urbano: gestão 2013/2106 da Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Urbano (sucessora da SEMPLA), ocorrida no âmbito da 43ª Reunião Ordinária do
Conselho Municipal de Política Urbana do dia 15 de dezembro de 2016, foi bastante
elucidativa da importância que as operações urbanas passaram a ter para a SP Urbanismo
(empresa que junto com a SP Obras resultou da divisão da EMURB), pois segundo essa
apresentação a gestão das operações urbanas respondem por aproximadamente 60% das
receitas da empresa.

Esse fato também justifica o embate em determinados momentos de seus técnicos


com os técnicos do órgão de planejamento ao qual a empresa é vinculada (COGEP ou
SEMPLA) e a disputa entre eles na definição das operações urbanas, conforme visto na
seção sobre a Administração Marta Suplicy.

Com relação às influências estrangeiras na formulação dos instrumentos


urbanísticos, ficou comprovado que o intercâmbio de ideias no período estudado foi
bastante intenso, com destaque para as relações com Estados Unidos, França e Canadá.
Esse intercâmbio que ocorria anteriormente através das consultorias de empresas ou
consultores estrangeiros na elaboração dos planos (Moses e o consórcio do PUB), passou
a ocorrer no período estudado através de convênios entre prefeituras e órgãos de
planejamento de cidades do exterior (Paris e Toronto), e a consequente viagem de
técnicos da prefeitura paulistana para conhecer as experiências do exterior e a vinda de

234
técnicos dos órgãos estrangeiros com “expertise” em determinados assuntos para
“ensinar” como implementar os instrumentos urbanísticos.

Outra questão importante analisada por esse trabalho foi como o ideário
socialdemocrata no discurso da municipalidade foi sendo substituído pelo neoliberal. Se na
formulação inicial dos instrumentos urbanísticos estudados, principalmente o Solo Criado,
estava o objetivo redistributivo da recuperação de parte dos investimentos públicos no
processo de urbanização visando a recuperação do déficit social urbano, com o passar do
tempo ele foi sendo substituído pela ideia neoliberal do projeto autofinanciado da operação
urbana, com grande apoio e influência de atores vinculados ao setor financeiro-imobiliário.
Para o fortalecimento dessa ideia da “participação da iniciativa privada no processo de
urbanização”, muito contribuiu o discurso da dificuldade de obtenção de recursos públicos
para fazer frente às necessidades da cidade, principalmente em tempos de crise econômica,
que surge na primeira ideia de operação urbana ainda em 1985 e é enfatizado desde então.

Na avaliação de implementação das operações urbanas em São Paulo no capítulo 5,


essa influência na sua formulação e definição ficou demonstrada pela atuação de atores
externos aos órgãos de planejamento, alguns deles fortemente vinculados ao mercado
imobiliário, como no caso do arquiteto Júlio Neves ou de Luiz Fernando Pompeia
(presidente da EMBRAESP), outros vinculados ao mercado financeiro, como no caso do
secretário Marcos Cintra e de Henrique Meirelles (presidente da Associação Viva o
Centro).

A atuação desses atores da iniciativa privada foi fundamental para direcionar a


forma como as operações urbanas foram sendo implementadas em São Paulo, contando
para isso com o apoio das administrações de prefeitos conservadores como Jânio Quadros,
Paulo Maluf e Celso Pitta. Contudo, é interessante notar que, apesar da implementação
desses instrumentos ter sido feita nessas gestões, boa parte da formulação inicial desses
instrumentos foi desenvolvida em administrações progressistas, como as dos prefeitos
Mário Covas, Luiza Erundina e Marta Suplicy. Nesse aspecto, destaca-se o papel
fundamental de seus secretários de planejamento, Jorge Wilheim e Paul Singer, que
tinham a convicção da importância do papel do setor imobiliário na cidade e que viam
nisso muito mais uma oportunidade do que uma ameaça.

Contudo, há de se ressaltar que a dinâmica do processo imobiliário no período em


que eles foram secretários era bastante distinto do recente e que em nenhum momento
eles defenderam a concentração dos recursos apenas nas regiões das operações urbanas.

235
Da análise da implementação de todas as operações urbanas em conjunto ficou
comprovado o caráter altamente regressivo e excludente da utilização desse instrumento
em São Paulo pela enorme concentração de recursos e investimentos nas áreas habitadas
e/ou frequentadas pela elite, que interessam ao mercado imobiliário e pelos processos de
“expulsão” forçada ou espontânea da população de menor renda dessas áreas.

O fato da Prefeitura de São Paulo dispor de cem vezes mais recursos para cada
metro quadrado de área das operações urbanas do que para cada metro quadrado do
restante da cidade demonstra o tremendo efeito concentrador de recursos e a extrema
regressividade fiscal que esse instrumento urbanístico representa, reificando a prática
histórica de concentração de investimentos públicos nas áreas mais ricas da cidade,
acirrando as disparidades socioambientais, corroborando a tese de Villaça.

O próprio modus operandi das operações reifica a prática do planejamento paulistano,


vinculada ao trinômio grandes obras viárias-alteração dos índices urbanísticos-grandes
empreendimentos imobiliários. Tivesse a implementação das operações urbanas sido
diferente, vinculada a implantação das linhas de metrô, como são esses tipos de operações
em outras cidade do mundo, e para o que, afinal de contas, a EMURB foi criada, os
resultados talvez pudessem ter sido diferentes.

Ao compararmos a implementação das operações urbanas em São Paulo com a


literatura internacional sobre os Grandes Projetos Urbanos concluímos que elas
apresentam muitas similaridades. Em primeiro lugar a proposição das operações urbanas
em São Paulo também foi justificada pela necessidade de buscar novas formas de
financiamento para o desenvolvimento urbano junto à iniciativa privada frente à crise
econômica. Contudo, no caso paulistano não foi necessário a justificativa para a
concentração de uma grande quantidade de recursos no interior do perímetro desses
projetos, pois, de acordo com o Estatuto da Cidade, os recursos arrecadados por uma
operação urbana têm que obrigatoriamente serem gastos no seu interior.

O discurso do GPU como oportunidade para a cidade conseguir investimentos e


empregos em um período de forte competição em função da globalização foi utilizado
parcialmente, principalmente na época das discussões sobre a “Cidade Global” na década
de 1990. Nesse período, foi possível constatar em documentos oficiais das Operações
Urbanas Faria Lima e Centro o discurso sobre a necessidade de atualização do parque
edilício de edifícios de escritório local como forma de posicionar a cidade no contexto da
competição global por atrair sedes locais de empresas transnacionais.

236
A participação focalizada dos atores que importam no processo também ocorreu em
São Paulo, tanto na formulação das OUC, quanto na sua implementação, pois, conforme
visto, a participação da sociedade civil nos seus conselhos gestores é composta pela
maioria de representantes da classe empresarial e de profissionais liberais.

A flexibilidade regulatória, possibilitando um diferencial com relação às demais


áreas da cidade, com o intuito de se criar um ambiente favorável à atração dos
investimentos, também foi um expediente utilizado. Nesse aspecto, o melhor exemplo
talvez seja o da Operação Urbana Centro, em cujo interior o coeficiente de
aproveitamento das novas edificações poderia chegar a doze vezes a área do terreno, três
vezes mais que o máximo permitido em outras áreas no restante da cidade, em que pese o
fato de não ter se constituído como atrativo suficiente para o mercado imobiliário.

Com relação às transformações significativas no uso, ocupação e valor do solo e a


quantidade de recursos envolvidos muito superior àqueles definidos por Altshuler e
Luberoff, as experiências das Operações Urbanas Faria Lima e Água Espraiada
apresentam os parâmetros suficientes para serem definidas como um GPU.

Dessa forma, pode-se concluir que a experiência de implementação das operações


urbanas em São Paulo configurou-se como um tipo de GPU paulistano, e como resultado
dessa experiência tem ocorrido o aumento das diferenciações socioespaciais da cidade,
intensificando processos negativos de segregação social e em nada contribuindo para a
redução dos enormes déficits sociais históricos, típicos de uma cidade periférica do
capitalismo global. Assim sendo, a sua adoção não representou uma ruptura do modelo de
desenvolvimento urbano existente, mas, pelo contrário, o acirramento de uma
urbanização extremamente desigual.

Alguns pontos, contudo, ficaram em aberto. A influência que as grandes


empreiteiras tiveram na definição das obras vinculadas a essas operações não foi muito
explorada nesse trabalho, sendo que ai se abre uma possibilidade de continuidade dessa
pesquisa, tendo em vista o fato de que essas empresas foram de 1997 a 2016 as principais
financiadoras das campanhas dos candidatos à eleição de cargo público, no caso, os
prefeitos. Outra questão importante teria sido um cotejamento maior entre os diversos
períodos estudados a partir de 1975 com as dinâmicas econômica e imobiliária pela qual a
cidade e o país passavam, com destaque para a possível financeirização do processo
imobiliário recente. E por fim, a análise da continuidade do estudo do discurso e da
implementação das operações urbanas nas administrações recentes: José Serra (2005-
2006), Gilberto Kassab (2006-2012) e Fernando Haddad (2013-2016).

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262
ANEXO 1: ENTREVISTA COM CÂNDIDO MALTA CAMPOS
FILHO.
Concedida ao autor em 28 de setembro de 2016

EACN: Você foi secretário de planejamento em qual período?

CM: Fui de 1976 a 1981. A gestão do [Olavo] Setúbal terminou em 79. Eu fiquei três anos no
Setúbal e mais dois na do Reynaldo de Barros. Posso falar um pouco dessa política mais geral,
como eu interpreto o que ela significou ao longo desse tempo todo após a sua formulação. Ela foi,
modéstia à parte, porque eu fiz parte disso, uma mudança de paradigma no planejamento urbano
no Brasil. Nem uma outra prefeitura, até então, havia formulado a questão urbana por esse ângulo,
dos interesses sociais, das questões em jogo, dos agentes e atores que atuam. E foi um banqueiro, o
prefeito Olavo Setúbal, que bancou essa proposta, embora essa política global tenha sido publicada
na gestão de Reynaldo de Barros [falando da publicação Política Global de Desenvolvimento
Urbano e Melhoria da Qualidade de Vida. São Paulo: COGEP, 1980].

EACN: E naquela época ainda era Coordenadoria Geral de Planejamento?

CM: Era a COGEP. E tinha a atribuição de pensar o futuro da cidade em todas as suas dimensões,
não apenas no setor imobiliário, como acabou ficando com a reforma [de 2009] com a separação
em Secretaria de Planejamento e Secretaria de Desenvolvimento Urbano. O desenvolvimento
urbano passou a ser apenas o momento imobiliário do plano, e tudo que interfere mais diretamente
no setor imobiliário é que passou a ser de interesse da Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Na
hora em que você separa você dificulta a formulação de uma estratégia maior para a cidade.

Eu sempre falo da importância da transversalidade dos assuntos. Vou dar o exemplo da saúde.
Como você fala de educação ambiental, se você não falar de saúde? O que é a política de saúde? É
trazer saúde a todos os habitantes, e o meio ambiente é um dos meios para trazer mais saúde ou
menos saúde. A poluição tira saúde, então não tem como não falar de poluição sem falar de
estrutura urbana, de meios de transporte. Como é que você vai desassociar uma coisa da outra? A
política de desenvolvimento, como é que você não vai colocar junto com a ela a questão da saúde?
É a questão ambiental. Da mesma forma a educação. Como você vai melhorar os padrões de
comportamento da população na cidade, não jogando, por exemplo, detritos nos córregos, nas
ruas, não poluindo, portanto, a cidade, se você não desenvolve programas de educação ambiental?
E como você vai falar de educação ambiental sem levar isso para o ensino formal? Não tem como
separar.

Para dar dois exemplos muito gritantes. Houve um retrocesso muito grande nessa separação, e
acho até que houve interesses corporativos muito grandes para explicar isso. Aqui no Brasil, os
economistas têm tido um poder muito grande de influência nos governos, e o planejamento
urbano tinha ficado sempre em mão de arquitetos. E arquitetos que pensam de forma mais global,
como é meu caso, e arquitetos que só pensam também a questão imobiliária, o zoneamento, só uma
questão mais específica, que é o caso do meu sucessor.

Quando eu recebi a COGEP do Benjamin Adiron Ribeiro, o que tinha de conhecimento


solidificado, muito bem construído institucionalmente dentro da COGEP era o zoneamento, e as
pessoas que estavam lá tinham conhecimento aprofundado, uma prática sobre isso muito forte.

Eu quero destacar aqui o José Roberto Affonseca e Silva, que era um herdeiro dessa tradição
dentro da Prefeitura, trazida pelo Anhaia Melo, o grande mentor da introdução do zoneamento
aqui em São Paulo. E que essa tradição eu recebi, mas ela era muito parcial, e que para que fosse
ampliada eu propus ao Setúbal que concordou plenamente: “Você vai pensar o futuro da cidade em
todas suas dimensões”. Então foi que pensei em custo de urbanização da cidade como um todo,
tenho um trabalho técnico publicado nas publicações COGEP, como essa da “Política global”. Mas
essas publicações, uma delas se refere ao Custo de Urbanização. Quanto custaria para terminar a
cidade? Com tantos milhões de habitantes na época e com o crescimento previsto, qual o

263
investimento necessário para que tudo se completasse? E isso nunca tinha ninguém feito até a
época e ninguém mais refez.

Eu tenho esse trabalho para mostrar que com a arrecadação que se tinha e com aquilo que ficava
para a cidade investir, somando o que o Governo do Estado já contribuía e aquilo que
principalmente a Prefeitura contribuía, que não teria nunca condições que isso fosse terminado
com o dinheiro corrente, tinha que ampliar essa captação de recursos. Daí a captação da mais-valia
urbana era fundamental para que pudesse contribuir também.

A captação da mais-valia urbana, através da outorga onerosa, do solo criado e do CEPAC, ela
passou a ser uma meta dos prefeitos em geral, porque para eles era aumento de arrecadação. Os
benefícios para a política urbana, de um modo geral, ficaram esquecidos. “O negócio é aumentar
dinheiro para entrar para a gente poder gastar, investir e fazer custeio”. Mesmo os prefeitos mais
conservadores começaram a defender o solo criado e a outorga onerosa, entre eles o Maluf. E
entre eles a Operação Urbana, que passou a ser um meio para arrecadar dinheiro para obras, que
antes era tirado de um orçamento como um todo, e investir em um lugar.

E aí interessou ao Secovi e aos incorporadores, porque assim eles passaram a ter lugares
privilegiados de investimento, porque eles podiam anunciar que a Prefeitura estava fazendo uma
grande melhoria naquele bairro e que valia a pena comprar o produto deles, seja escritório, seja
moradia, apartamentos, para morar nesse lugar privilegiado. E houve um avanço, porque antes
toda a população que pagava, agora eram os ricos que estavam ali comprando seus apartamentos,
seus escritórios, que estavam pagando as melhorias para eles próprios. Era um circuito fechado, de
rico para rico, mas antes era de pobre para rico também. Isso significou um avanço social, embora
insuficiente.

Mas instado para repensar o planejamento urbano nessa visão mais ampla e impedir, e todos que
estavam comigo entenderam também, que tínhamos antes que fazer uma política de
desenvolvimento urbano. Lúcio Kowarick, professor sociólogo da USP, Gabriel Bolaffi, sociólogo
e professor da FAU, Luiz Carlos Costa, urbanista e professor da FAU, Flávia Villaça, urbanista e
professor da FAU, e outro como José Roberto Affonseca e Silva, da área mais tradicional de
zoneamento, Witold Zmitrowicz, um arquiteto mais voltado à infraestrutura urbana e professor
hoje da Poli, e mais outros que contribuíram para essa política de planejamento urbano.

Tivemos toda a liberdade para colocar nela tudo que nós pensávamos de bom para a cidade, tendo
em vista uma visão política da cidade, a cidade como produto político. Político no sentido das
forças sociais em jogo e dos conflitos que nascem daí. Da importância de enfrentar os conflitos e
desenvolver o empoderamento da sociedade civil, porque entendemos que a democracia é um
processo social importante, talvez o processo mais importante que devemos defender é o
desenvolvimento do processo democrático, e o planejamento inserido nesse processo.

Então, não é a visão do tecnocrata, não é a visão do técnico que acha que sabe tudo e pode
comandar a sociedade. É uma visão, ao contrário, que cabe à sociedade decidir, mas cabe ao técnico
oferecer diretrizes, proposições, uma visão mais científica da sociedade. Quando falo científico
inclui as ciências sociais, daí a presença de sociólogos, economistas, engenheiros, geógrafos e, nós,
arquitetos e urbanistas, para que formulemos de acordo com o conhecimento acumulado na
Universidade.

Eu trazia para lá, como sou da FAU, esse conhecimento, que estava em movimento, eu estava
ainda aprendendo muita coisa. Inclusive estava com sociólogos franceses destrinchando melhor
esse jogo de interesses do setor imobiliário, especialmente o Christian Topalov, que foi de grande
valia para entender o embricamento da renda fundiária com o lucro industrial da produção do
edifício. De um lado é o atraso da renda fundiária, do outro lado, algo mais desenvolvido do
capitalismo avançado, do lucro industrial da produção do edifício. Para resumir essa ideia, o
avanço social se fará à medida que esses lucros industriais, assim chamados, lucro do capital
produtivo, forem predominando mais e mais em relação ao lucro atrasado da renda fundiária.

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E tudo se encaixava nessa explicação, como o IPTU progressivo no tempo, que combate a
retenção especulativa, e também o solo criado, que agora é chamado de outorga onerosa, que capta
mais-valia urbana que é produzida por investimento coletivo, especialmente público, e pode ser
utilizado em benefício coletivo, embora agora esteja muito direcionado nas Operações Urbanas em
áreas específicas, como já discutimos. Mas nessa política que nós desenvolvemos e propusemos
não tinha esse foco do dinheiro da Operação ficar na Operação. Isso foi algo que o jogo de
interesses políticos no país acabou decidindo, quando da lei federal de desenvolvimento urbano,
que é o Estatuto da Cidade, foi definido. Foi lá que esse jogo se cristalizou, conferindo essa
exclusividade do dinheiro da Operação ficar na área dela. Eu entendo que essa política global
ainda está vigente, ela é vigorosa, ela ainda aponta para onde deveríamos caminhar.

O que houve nos últimos trinta, de 1980 a 2010, foram alguns avanços e muitos retrocessos. O
avanço foi que houve uma quantificação cada vez maior dos modos de captar e aplicar a outorga
onerosa, o imposto progressivo foi aprovado. Eu consegui aprovar em Belém do Pará, em 1993,
tanto a outorga onerosa quanto o IPTU progressivo antes que o Estatuto da Cidade fosse
aprovado. Porque eu tinha sido encarregado pelo deputado federal, Ulysses Guimarães, líder do
PMDB no Congresso em 1986 (visto que não tinha ainda o PSDB e que todos estavam unidos
ainda em torno do PMDB), e que por um telefonema dele falei com o Serra, que era Secretário de
Planejamento do [Governador Franco] Montoro, para ser contratado para coordenar uma equipe
técnica, proposta que acabou sendo a origem do Estatuto da Cidade.

Eu posso dizer que 80% do Estatuto teve origem nesse projeto de lei que eu fiz para o deputado
federal, chamado Raúl Ferraz, que foi o intermediário entre o PMDB e eu. A equipe que eu
constituí era basicamente de técnicos da Emplasa, e conseguimos fazer um projeto de lei,
consubstanciado agora no Estatuto da Cidade, mas essa questão da Operação Urbana ter que
confinar o recurso não era a minha proposta.

Mas foi um avanço o Estatuto da Cidade, no sentido de que ele definiu a especulação imobiliária
como objetivo básico de ser combatido à nível nacional. Por quê? Porque colocou no artigo 182, já
dois instrumentos, não ficou só na grande diretriz, já fez um pedacinho da lei federal: urbanização
compulsória e IPTU progressivo têm que ser aplicados contra os vazios urbanos. Já estava
indicando qual deveria ser a linha do Estatuto da Cidade.

Ele desdobrou isso e criou a figura da política de desenvolvimento urbano, orientando o Plano
Diretor. O Estatuto da Cidade elencou uma série de instrumentos: o usucapião coletivo, que foi
um avanço importante para aqueles moradores que estão usucapindo áreas, que não conseguiam a
posse, que era uma dificuldade nas favelas em separar as áreas, isso está lá no Estatuto da Cidade e
é um avanço que já estava no meu projeto do Raul Ferraz.

Embora isso tenha caminhado e dado grandes esperanças para nós em 1988, quando a
Constituição foi aprovada e em 2001 quando o Estatuto foi aprovado, que ali a coisa ia deslanchar.
E para grande decepção, nós víamos vários governos do PSDB, do PT, fazendo alianças políticas
em nome da governabilidade com os partidos que defendiam o atraso da especulação imobiliária,
contrários, portanto, à aplicação do Estatuto da Cidade e da própria Constituição.

Estamos vivendo agora com os escândalos que vieram à tona, eu espero que destrua essa aliança.
Essa aliança só dá errado, por isso a população inteira está se manifestando contra, porque essa
aliança acabou se tornando uma aliança pela corrupção. Esses interesses estão muito ligados à
corrupção. Porque a especulação imobiliária é uma maneira de você ganhar dinheiro rentista que
no fundo é aquele dinheiro que se obtém não pelo trabalho produtivo e nem pelo investimento
produtivo, é pelo trabalho improdutivo do roubo ou da institucionalização de um mecanismo que
te passe essa renda sem que você tenha que trabalhar.

É o caso da especulação imobiliária: você não precisa trabalhar, deixa o terreno lá, ele vai
valorizando com o tempo e você acha que está tudo bem, porque você ganhou um dinheiro ali.
Mas quem produziu aquilo não foi você, foi a sociedade. Esse conceito de um capitalismo mais
avançado e de um capitalismo mais atrasado, que está na base de toda sua formulação, tem que

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deixar mais explicitado, porque nos meios progressistas não há clareza sobre isso que existe um
capital avançado e um capital atrasado.

Eu já conversei muito com a Ermínia Maricato sobre isso, agora parece que ela está começando a
compreender que existe essa diferença. No Olavo Setúbal é o capitalismo avançado, nós tínhamos
conversas com ele sobre isso. Eu vou dar um exemplo de conversas com o prefeito Olavo Setúbal
no Banco Itaú sobre essa questão. Os bancos, nos Estados Unidos, apostaram seus investimentos,
seus financiamentos em determinadas empresas, com base no lucro que deveria nascer decorrente
do investimento. No Brasil não é isso. No Brasil se dá o empréstimo com base na segurança
trazida pelo imóvel que se oferece como garantia. Aqui, quando você dá o dinheiro, que imóvel
você tem como garantia que vai me pagar? Se não pagar, pego seu imóvel de volta. Esse
capitalismo não acredita no capitalismo, não acredita que ele vai produzir lucro, que vai trazer o
bem para a empresa e a sociedade. “Provavelmente isso não vai dar certo, o risco é muito grande”,
quer dizer, o capitalismo não acredita nele mesmo.

O Olavo Setúbal aceitava perfeitamente esse combate à especulação imobiliária e ele passou a
apoiar tanto o IPTU progressivo no tempo como a outorga onerosa, chamada de solo criado. Isso
foi de grande valia para, politicamente, aprovarmos esse instrumento, depois na própria
Constituição. O Setúbal saiu da prefeitura em 1981 [Olavo Setúbal foi prefeito de 1975 a 1979], a
Constituição em 1988, e o Estatuto da Cidade em 2001. Ele plantou essa ideia no meio empresarial
e nas forças mais conservadoras da cidade, as esquerdas também compraram a ideia, daí houve um
grande apoio político para aprovar os instrumentos.

Na sequência, o que vimos foi a centro–esquerda e a esquerda que começaram a ganhar poder,
vamos pegar o PSDB e PT como dois partidos que expressam essas correntes. Passaram a ganhar
prefeituras e governos de Estado, e ao invés de caminhar nessa direção que o Estatuto da Cidade
tinha aprovado, passaram a se aliar com essas forças do atraso e segurar todo o processo. E é isso
que estamos vivendo. A política de desenvolvimento urbano é precursora e ainda muito válida do
que deveria estar sendo feito e que ainda não está feito. Eu já estou um pouco cansado com esses
trinta, quase quarenta anos de espera.

CM: Eu queria comentar com você agora a questão da política de desenvolvimento urbano e a
relação com os planos diretores. Já está bem exposto aqui para você, a diferença entre uma e outra.
A política é mais geral, da grande diretriz, que é o caso que se vê aqui, e um plano diretor tem que
ser muito específico, se diferenciando da política. Quais são os ingredientes básicos de um plano?
Não só do plano diretor, mas de um plano de uma forma geral.

O plano tem que ter projetos muito claros que vão ser implementados, os recursos necessários
para isso, o local onde isso vai ser feito e o prazo. Têm quatro ingredientes básicos de qualquer
plano. O plano diretor também tem que ter tudo isso, senão não é plano. Ou ele pode ter três e ser
um plano incompleto. O Plano da Marta Suplicy, a Lei nº 13.430, quais desses ingredientes ele
tinha? Ele tinha projetos, tinha local, os custos ele tinha para alguns, não tinha para todos, prazo
ele tinha para alguns, não tinha para todos. Mas ele não tinha uma coisa essencial: o planejamento
de transporte urbano. Ele tinha uma lista de obras a serem implementadas, mas não tinha um
planejamento que é muito mais que uma lista de obras.

O que é um planejamento? Você tem que ter uma população meta, que é em algum ano meta. Você
programa aquilo para aquele ano meta que vai ter tal população demandando transporte. Como é
que você vai quantificar uma demanda se você não tem uma população demandatária definida? É
impossível, é uma falha fundamental, é gritante essa falha no Plano Diretor da Marta Suplicy, feito
pelo Jorge Wilheim, que, no entanto, avançou várias coisas, como a exigência do cálculo da
capacidade de suporte que está lá.

Mas como ele ia fazer cálculo de capacidade de suporte se ele não tinha feito nem distribuição de
horizonte, de tempo com população demandatária? Não tinha como. Há uma incongruência nesse
Plano Diretor, mais que isso, ele misturou política e plano. Se você pegar os conteúdos, é um
híbrido de política e plano, onde extinguiu o que é política e o que é plano.

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E isso é obrigatório hoje em dia, ter essa distinção. Eu fiz essa distinção. Na gestão em que eu fui
secretário, eu só fiz a política, não deu tempo de fazer o plano. Eu ia fazer o plano, aliás o [Luiz
Carlos] Costa seria uma pessoa chave nessa elaboração, ele sempre foi um defensor dessa ideia do
plano diretor a vida inteira dele. Ele trabalhou comigo e era meu sócio, companheiro de longa
data, ele que me introduziu no planejamento urbano, devo muito a ele.

Ele seria a pessoa indicada para coordenar esse plano, ele estava pronto para isso, aí me tiraram.
Politicamente, o Reynaldo ao se aliar ao Maluf, ao se aliar ao atraso, tudo que estava aqui de
avançado cortou. Daí por diante, todos os demais prefeitos, sem exceção, mantiveram essa redução
de escopo, de objetivos, de tal forma como nós tínhamos colocado.

EACN: Porque o plano vigente era o PDDI de 1971, não é?

CM: Era. Era precário nesse sentido.

EACN: Não tinha nenhuma discussão social?

CM: Era mais uma lista de obras, não tinha um planejamento real, um horizonte de tempo, não
tinha. O PDDI abstraía aqui uma via expressa, ali o zoneamento é Z2 para poder a via expressa
ser feita, a ideia geral de unidade de vizinhança muito mal formulada, uma coisa meio vaga
naqueles grandes setores, como se fossem grandes áreas de menor densidade, uma certa
autonomia de empregos que você não sabia nunca o que que era aquilo.

Muito primitivo ainda como formulação, em termos de estruturação urbana, sem população como
horizonte, sem recursos disponíveis definidos. Era um plano super precário. O [prefeito
Fernando] Haddad repetiu a mesma questão de confundir plano com política, e eu tinha
conversado com o Nabil [Bonduki], em uma fase em que ele ainda estava ouvindo várias áreas.
“Nabil, você vai ficar inconstitucional, porque se você juntar aquilo que na Constituição separa, é
contra a Constituição”. Ele tentou uma saída, depois que eu tive essa conversa, ele assumiu o
hibridismo, se você pegar os artigos 5, 6 e 7 da Lei nº 16.050 dos Planos Diretores Regionais, eles
dizem assim: “têm princípios, diretrizes e objetivos. Artigo 5º princípios, Artigo 6º diretrizes e
Artigo 7º objetivos”. E depois assim, está lá escrito “os princípios da política e do plano são”. Ele
repetiu também nas diretrizes: “as diretrizes da política e do plano são”. E nos objetivos ele repetiu
também.

Como se política e plano fosse a mesma coisa. Então, está lá assumido o hibridismo logo no início
do trabalho e no título também. Ao fazer isso, ficou inconstitucional, e eu tentei convencer vários
juristas que topassem a briga de buscar definir a inconstitucionalidade do plano como aprovado.
Eu não consegui. O Ministério Público também ouviu, mas não embargou. Há uma dificuldade de
você distinguir claramente política de plano. E com isso o que acontece? Você vê o resultado disso
o embaralhamento de negócios.

Se você pegar o chamado Plano Diretor, porque não é um plano diretor, ele colocou um monte de
diretrizes das políticas, muito boas até, não discordo talvez de nenhum, porque são meio óbvios.
Mas na hora que ele foi fazer o plano embutido de zoneamento, ele pescou só dois tipos de
zoneamentos estratégicos, porque é plano estratégico, então ele pinça dois zoneamentos dos eixos
estruturadores e das ZEIS e dá o destaque, bota na primeira lei do chamado Plano Diretor, e deixa
o restante dos elementos para depois. Ele separa zoneamento do zoneamento, tem o zoneamento
estratégico separado do outro zoneamento. E quando fala de plano de transporte fica para depois.

EACN: Quando o zoneamento deveria estar vinculado ao plano de transporte.

CM: O zoneamento devia estar vinculado. Primeiro, ele já separou o zoneamento em duas grandes
partes e depois ele separou do resto, que é o saneamento básico, da habitação. Tudo aquilo que são
ingredientes fundamentais de um plano diretor ficou separado, esquartejado, é um plano
esquartejado. É muito precário, porque ele não consegue dimensionar nada. Toda aquela ideia de
dimensionamento e de quantidades, ele não pode fazer. Como é que ele vai fazer população a ser

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atendida? Não tem população a ser atendida. Como é que ele vai fazer o transporte para atender a
população? Não tem a população, não tem o transporte. Você não consegue engrenar nada, é um
plano tradicional, compartimentado em pedaços e a maioria adiada.

E ainda tem o caso dos Arcos, dos Subarcos do Arco do Futuro, ele criou mecanismos que eu
quero comentar com você. Até que ponto essa coisa que foi inventada que é uma gigantesca
Operação Urbana é uma Operação Urbana também? São os Arcos, como o Arco Tietê, o Arco
Tamanduateí, o Arco Pinheiros e tem mais um arco no Jurubatuba, são quatro arcos. Ele pegou
esse pedaço da cidade e falou assim “isso aqui ainda vai ser revisto”. Com base em que? Não é no
planejamento mais integrado. Ele podia dizer “essa parte tão importante para a cidade, vamos
fazer aí um planejamento bem feito, vamos levar em conta a população, vamos levar em conta um
planejamento de transporte bem feito, vamos completar pelo menos essas partes estratégicas".

Não. Ele usa um novo instrumento que está sendo muito utilizado chamado “chamamento
público”. O que é o chamamento público? É uma licitação que não é uma licitação, o que já é um
problema por aí, porque você abre com o edital a possibilidade de quem se interessar, e que tenha
qualificação que deverá ser avaliada, possa participar do processo de planejamento, definição dos
objetivos e do que vai ser feito. O edital pode ser mais vago ou mais explícito nas suas diretrizes.

No caso do Arco Tietê, eu participei. Eu entrei em consórcio com a Fundação de Hidráulica da


Escola Politécnica propondo uma metodologia de trabalho que inclui o cálculo da capacidade de
suporte, e claro, tem que ser feito para o município inteiro e não apenas para o Arco Tietê. Era
uma maneira de eu introduzir o cálculo quando não estava sendo introduzido pelo Plano Diretor.

Enquanto o Plano Diretor da Marta falava do cálculo, exigia o cálculo, o do Haddad já não exigia.
Mas não proibia, então com essa esperança talvez excessiva, otimista um pouco demais da minha
parte, que ele poderia encaminhar a questão para que esse cálculo fosse feito. Na verdade, o edital
foi vago e a metodologia ainda não estava definida. No edital, cada Poder Público devia definir a
metodologia de como ele vai avaliar, o que deve ser considerado e os escopos mais bem definidos.
Tudo ficou muito vago, o que permitiu excluir a nossa proposta, porque disseram assim: “a nossa
metodologia é diferente da metodologia que está sendo apresentada”.

Numa reunião, em uma audiência pública na Biblioteca Municipal, e todos que estavam lá
querendo saber como que seriam classificados. Em uma primeira classificação, entramos. Na
segunda, excluídos com base nesse argumento de que a nossa metodologia era diferente. Não é
que estava explicitamente diferente, era uma coisa interna, que permite grande manipulação se
feito dessa maneira nesse chamamento público.

Acho que esse chamamento público tem que ser muito aperfeiçoado para que ele seja benéfico à
cidade. Além disso, ele substitui a Operação Urbana, que é aprovada por lei. É uma coisa esquisita,
vamos deixar de ter Operação Urbana e vamos agora adotar esse sistema que permite uma
manobra maior ainda. Se na Operação Urbana não tem havido participação popular como deve é
porque nela faltaram planos de bairro. Quando você fala de Operação Urbana, têm moradores,
atuais e futuros.

De qualquer forma, ambiente de moradia é importante ser bem definido ambientalmente e com
toda a infraestrutura que morar bem pressupõe: áreas verdes, áreas de comércio e serviço, escolas,
creches. Morar bem significa ter tudo isso, ter a cidade completa. E a Operação Urbana
normalmente não pensa em creche, não pensa em escola, é como se não existisse a questão dos
equipamentos sociais públicos, que são em geral de interesse da mais baixa renda, que são
moradores também do bairro.

O que mais que se conseguiu é 10% para ser destinado à habitação de interesse social, mas essa
população tem que ter uma qualidade de moradia, que cria e envolve então o que eu chamo de
“plano de bairro”. O plano de bairro serve para atender essas questões e criar o que eu tenho
chamado de unidade ambiental de moradia, usando conceitos, que você conhece bem, de
neighborhood units, em inglês, unidades de vizinhança.

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Um conceito anglo-saxão, você que estudou na Inglaterra deve conhecer bem isso, que eu adaptei
às condições nossas brasileiras, inclusive para poder adaptar para bairros existentes, não só em
projetos novos. Eu também tenho projetos novos, cidades novas, como é o caso de Matupá no
Mato Grosso, que usou esse conceito com sucesso total. O prefeito esteve aqui dando um
depoimento de como ele queria que eu continuasse projetando unidades ambientais de moradia,
por conta do sucesso que tem na cidade, porque ele já foi reeleito três vezes porque ele defende o
plano diretor que eu fiz para o empresário privado.

Eu cito isso para mostrar que também aqui em São Paulo, eu tenho visto que 95-98% das pessoas
preferem morar em lugar tranquilo. Você conhece o Colin Buchanan, aquela proposta que ele fez
para Londres, que é isso, dentro daquela trama urbana, áreas mais tranquilas de moradia. Então eu
adotei essa ideia, de longa data, o Buchanan é dos anos 60, quase cinquenta anos. Eu acho que
continua em vigor. Isso e tem que ser aplicado aqui, a gente ainda não conseguiu.

Nas Operações Urbanas é mais uma oportunidade para que isso seja praticado. Na metodologia
proposta para o Arco Tietê, eu propus isso, que fosse além do cálculo da capacidade de suporte,
fossem ouvidas as comunidades locais para definir ambientes de moradia e, claro, tem a questão da
gentrificação envolvida, serão expulsos ou não serão.

Enfim, faz parte dessa questão discutir tudo isso. E fomos eliminados da competição por conta
desse chamamento público tão aberto. Mas voltando um pouco aos planos diretores, na hora que
eles são híbridos, fica tudo misturado, você não sabe direito o que falta, o que precisa, você cria
uma grande confusão na cabeça das pessoas. Em vez de ser uma leitura clara, fácil do plano
diretor, o que se faz é uma embaralhada geral, para dificultar a compreensão da população de um
modo geral. Para ficar, na minha interpretação, sendo objeto de poucos iluminados que conseguem
entender aquilo que está em jogo, que são justamente os setores imobiliários que estão ali, ou
então uma classe média que está mobilizada por conta de seus bairros de moradia e, em geral, em
zonas estritamente residenciais chamadas ZER, que tem condição de lutar para manter a sua
qualidade de vida até então obtida.

Queria falar sobre a mesclagem de usos. A mesclagem de usos, ela é boa até que não interfira na
qualidade de vida das pessoas. Essa é a questão, não é que ela é boa em abstrato. Mas foi feito de
tal forma em que a incomodidade que pode ser produzida foi, teoricamente, traduzida em índices,
que seriam cientificamente definidos, até recorreu-se ao IPT para fazer isso na gestão da Marta, e
com base nesses índices nós saberíamos na prancheta, na mesa, nos bastidores, onde estão sendo
formuladas as leis, para dizer o que é incômodo e o que não é.

É o tecnocrata decidindo, enquanto que na verdade esse incômodo tem uma variável cultural
muito forte. Vou te dar um exemplo muito claro. Uma amiga nossa carioca veio do Rio, moradora
de Copacabana, veio morar aqui em São Paulo e ficou uns dias na minha casa e eu a coloquei no
quarto da frente da rua porque era o quarto de hóspedes. Chegou um momento em que já
estávamos deitados para dormir, quando ela bate na porta assim: “será que você não arranja um
ventilador? Eu não estou conseguindo dormir, está muito silencioso”. Ela queria o barulho do
ventilador para conseguir dormir e estava na rua da frente. Mas eu estou numa ZER, no Jardim
Paulistano e é silencioso durante a noite mesmo. Há ruídos de fundo lá da Rebouças, mas você
escuta mesmo lá no fundo, para ela era ruído insuficiente.

Ficou muito claro para mim que no mundo anglo-saxão, você já morou na Inglaterra, eu morei
nos Estados Unidos, a distância entre as mesas dos restaurantes é enorme, todo mundo fala
baixinho, e quando alguém começa a falar mais alto, falam “aquele lá deve ser latino”, e incomoda.
A gente tem que aprender a se retrair um pouco no nosso comportamento quando estamos nesse
mundo, no mundo latino é assim, mas no mundo anglo-saxão não é. E são valores culturais
defensáveis em ambos os lados. Não é porque um é melhor que o outro, são estilos de vida.

As cidades do Mediterrâneo e da América Latina são barulhentas, são cheias de sons muito mais
que as anglo-saxônicas e é natural que seja assim. Mas dentro da nossa sociedade, têm pessoas que
querem mais tranquilidade e as que querem menos. Isso tem que ser decidido bairro a bairro, não

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é um tecnocrata com índice do IPT que vai definir o que é algo que incomoda e o que não é. Mas
por que fizeram assim? Porque no fundo no fundo eles estavam defendendo uma ideologia de que
a mesclagem máxima de usos é melhor que uma mesclagem controlada.

Daí, estão forçando a mão desde a gestão da Marta, e agora no Haddad, para que essa mesclagem
seja forçada na população. Eu tenho discutido muito isso com a população nos planos de bairro, e
eles ficam muito bravos quando percebem isso também, inclusive em bairros populares como em
Ermelino Matarazzo. Padre Ticão está tentando fazer um plano de bairro lá, e quando eu falo isso
eles ficam muito bravos. Porque para eles, as condições acústicas são muito mais precárias que
para nós. Para eles se isolarem na sua casa não tem muito como. O ruído de fundo, como a gente
chama, penetra nas casas.

Quando se tem esse pancadão, eles se instalam em uma rua, é um inferno. As igrejas são um
inferno, as igrejas com seus cultos que começam a cantar em voz alta, a vizinhança chia. A
bancada evangélica na Câmara aprova a lei do zoneamento para que isso seja uma realidade que
não se consiga controlar. Tem o Psiu [Programa de Silêncio Urbano] que não que funciona
direito, e não dá para você toda hora estar chamando o Psiu. Enfim, é um grande problema. Se
você pegar as reclamações no Procon, a maioria das reclamações de zoneamento é relativa a
produção de ruído.

Estão forçando isso, estão forçando a criação de um ambiente que há pessoas que não querem.
Tudo isso para dizer que na Operação Urbana tudo isso também pode vir à tona, mas é uma
problemática geral da cidade e que o plano de bairro é um instrumento para isso, não apenas na
Operação Urbana, mas no conjunto da cidade.

EACN: Até que ponto você acha que teve influência de algum instrumento estrangeiro na
formulação da Operação Urbana?

CM: Isso você vai obter com o [Luiz Carlos] Costa e com o Duca [Domingos Theodoro de
Azevedo Neto] porque isso eles me transmitiram. Tanto o Duca como o Costa têm uma influência
francesa muito forte. Eles trazem da França, sempre trouxeram, e o Plafond Legal de Densitè é
trazido da experiência francesa e a Operação Urbana também. Como que eles chamam a Operação
Urbana?

EACN: É ZAC, Zone d’Aménagement Concerté.

CM: Isso. Aménagement seria urbanização, arranjamento.

EACN: Administração, gerenciamento.

CM: Concertada no sentido político, combinada politicamente.

EACN: Como consorciado, de certa forma.

CM: Concertado é uma palavra que envolve o político, e consorciado tem que ser feito por
empresas. Concertação, esse termo em espanhol se usa muito concertación. A Michelle
[Bachelet], lá no Chile, sempre usou muito concertação política. Concertação em espanhol é muito
usado como expressão desse arranjo político, é um acordo político.

EACN: Esse trabalho que eu falei dos instrumentos urbanísticos ele estava dentro desse preceito
da questão da política de desenvolvimento mais geral. Isso você acha que tem a influência do
Costa ou é das pessoas...

CM: Duca e Costa. Por isso eu indico que você faça essa entrevista com eles dois, e divulgar todos
os detalhes, porque chegou para mim mais pelo Costa e pelo [Ernest Carvalho] Mange. Porque o
Mange, a cultura pessoal dele é suíça-francesa, tanto que ele fala correntemente francês, e ele se
declarava, tinha cara até de francês, o jeito dele tudo, a cabeça dele era de francês. A cultura dele

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era francesa. Então, quando o Duca trouxe para ele, porque ele não conhecia, foi o Duca que
trouxe paro o Mange. O Costa já obteve diretamente, o Costa fez o curso do Padre Lebret na
França, Economia e Humanismo lá em Paris. E ele vai contar para você tudo que ele aprendeu lá,
e tem inclusive esses instrumentos de planejamento, que não foi da economia e humanismo, que
estava sendo praticado pela Prefeitura.

EACN: É, o Código de Urbanismo de 1954.

CM: Esse Código de Urbanismo que criou esses mecanismos. Eram três tipos de zonas: ZUP,
ZAC e tem mais uma terceira. O Costa que falava para mim “Operação Urbana”. Quando ele falou
Operação Urbana pela primeira vez, eu tenho essa imagem dele falando. Por que operação? Isso é
coisa de cirurgia, vai fazer uma cirurgia? Ele começou a me explicar essa coisa de intervir em uma
área, ter um projeto urbano, enfim, todas essas coisas.

EACN: Isso foi quando você estava na COGEP?

CM: Eu já estava lá dentro. Foi logo no começo, porque ele veio comigo desde o começo. Não
lembro exatamente agora qual começo foi, mas deve ter sido nos primeiros meses. Deve ter sido
assim depois de uns seis meses que estava tomando pé naquela situação que ele começou a falar
das Operações Urbanas. E aí eu fui começando a pensar nisso. Veio a outorga onerosa, como parte
importante, eu logo concordei com isso. Eu me lembro de uma conversa eu, o Duca e o Mange, o
Duca explicando para nós dois a outorga onerosa. Essa ideia de economia urbana, eu não conhecia
nada disso, eu era um arquiteto de prancheta. A minha cabeça foi feita para projetos sobre todas
essas questões. Depois eu passei a estudar isso e aí ampliou.

EACN: Você já tinha a visão do [Christian] Topalov?

CM: Não, o Topalov é posterior. Deixa eu te contar do Topalov, como eu tomei conhecimento
dele. Eu viajei ao México a passeio, e tem uma livraria chamada “Gandhi” na Cidade do México, é
a melhor livraria que tem lá, não sei se ainda continua assim, mas enfim, na época era, no ano de
1978. Eu tinha voltado de Berkeley em 1972. Eu voltei lá para os Estados Unidos e passei pela
Cidade do México no meu pós-doutorado ou foi uma viagem a passeio, não lembro agora.

E nessa livraria olhando assim na vitrine, de repente vejo “A urbanização capitalista”, “La
urbanización capitalista” em espanhol, Christian Topalov. Deve ser interessante esse livro,
comprei. Mudou minha cabeça. Aqui no Brasil ninguém falava dessas escolas francesas. Aliás,
desculpe, eu estou fazendo uma inverdade. Agora eu estou lembrando, quem me trazia a influência
já um pouco marxista, um pensamento um pouco marxista foi o [Celso Monteiro] Lamparelli.

Ele era meu assessor, ele começou a me falar, enquanto eu era secretário, do plano de bairro. A
ideia de plano de bairro surgiu de uma fala que ele teve comigo. “Por que não vamos planejar cada
bairro?”. Como planejar cada bairro? O que é planejar cada bairro? Aí começou a articular as
ideias de unidade de vizinhança, plano de transporte, tudo aquilo que estávamos falando agora há
pouco. Mas um plano de bairro que inclui equipamentos sociais, não se esqueça nunca disso.

EACN: E o Lamparelli vinha dessa escola francesa, do humanismo do Lebret.

CM: E como na França, nessa época dos anos 1970, a sociologia urbana francesa capitaneada pelo
Castells, que é catalão, mas que estava na França, escrevendo em francês e tudo. “La question
urbaine”, é um livro dele famoso, ele então obrigou um grupo de pesquisadores marxistas, o
Castells deixou de ser, eu entendo, mas esses que continuaram, e o Topalov fez parte desse grupo,
junto com o Jean Lojkine, têm mais dois importantes que agora está me fugindo o nome. Eles
criaram um grupo, um centro de sociologia urbana com esse nome e aprofundaram o estudo do
incorporador das políticas urbanas na França e na Inglaterra. Na Inglaterra estava acontecendo
algo parecido também, com a Doreen Massey.

271
EACN: Isso é interessante e tem muito a ver com essa discussão que a gente falava, é uma visão
diferente que depois vai se consolidar como a ideia da Operação Urbana. Na minha leitura, no
decorrer do tempo, a parceria público-privada ficou mais importante que os objetivos sociais, que
estavam presentes nessa discussão marxista, que veio por você, pelo Lamparelli, pelo Costa. O que
eu quero pegar é justamente essa transição, como muda desse discurso do global e da visão social
crítica do processo de urbanização [no interior da prefeitura] para meramente um instrumento de
parceria.

CM: Captadoras de dinheiro e em favor de SECOVIS e suas incorporações, dando uma carona....
Essa posição política eu interpreto assim: “Não tem o que fazer. Eles têm hegemonia, a única coisa
é conseguir alguma carona, surfar na onda deles”. O pessoal aceitou as regras do jogo da aliança
com o atraso. “A aliança está aí, não tem que combater, tem que trabalhar dentro dela e ponto”.

É uma posição, conseguir alguma coisa, mas eu não concordo que isso foi suficiente para justificar.
A aliança tem que ser desfeita e espero que sejam novas alianças feitas agora. Eu estou com essa
esperança de que um dia na retomada desse processo todo brasileiro...

EACN: Na sua época teve alguma expedição assim de técnicos para fora do Brasil? Para França,
para estudar os instrumentos...

CM: Durante a minha gestão acho que não. Teve um pedido ou outro, mas nem me lembro direito
quem foi, nada de significativo.

EACN: Mas nada que fosse, digamos assim, da COGEP?

CM: Era interesse pessoal das pessoas, não era um programa da COGEP. Eu tive alguma ligação
com o Schema Directeur d’Aménagement de la Région Parisienne, fui convidado para ir lá, fazer
algumas palestras. Uma vez eu fui fazer uma palestra e até me roubaram, iam pagar um tanto e
não pagaram, uma sacanagem comigo. Eu fui lá a convite deles, eu tinha o mínimo de relação, mas
nada assim que justifique dizer que mantivemos um relacionamento.

EACN: Porque acho que isso talvez seja um pouco diferente do Rio. A influência em São Paulo
parece que é mais teórica, e no Rio ela foi técnica.

CM: Do Rio, quem é que estava influenciando?

EACN: Os catalães influenciaram muito.

CM: Aquela proposta do planejamento estratégico, tipo Operação Urbana?

EACN: Parece que vieram missões para cá, foram contratados. Teve um intercâmbio bem maior.

CM: Isso também aconteceu lá em Santo André. O eixo Tamanduateí foi isso. Foi em 1992. Eu
estava sozinho, contratado pelo Celso Daniel para fazer esse plano urbanístico, trouxeram os
catalães para competir comigo. Eles estavam meio capturados por essa ideia.

Essa ideia apareceu na mesma equipe na época do plano diretor da Erundina. A minha versão
desse plano, porque eu acompanhei muito de perto, era não ter zoneamento, só ter
macrozoneamento. O macrozoneamento é importante que tenha, pois divide as políticas públicas.
Isso é um avanço em relação à minha visão. Eu incorporei a ideia do macrozoneamento, mas não
pode acabar com o zoneamento.

Eu dizia para eles que eles eram neoliberais de esquerda. Tinha uma amarra política meio geral
que não implementava nada, ficava só nas grandes políticas, porque não tinha plano
implementado. E o que é realmente interferia no processo ficava a cargo do mercado. É o
neoliberal de esquerda. Eu fiquei tão bravo com isso, a minha leucemia veio daí. Foi uma decepção

272
gigantesca eles terem trazido essa proposta... O controle do processo imobiliário e não a liberação
do processo imobiliário.

Isso foi promovida pela revista “Espaços & debates”. Era um grupo da revista, um grupo de
dirigentes da revista, que chamou teóricos de esquerda para dizer que não existia renda fundiária,
que é uma maneira de justificar tudo isso. E tem um grupo lá na FAU que vai nessa linha. É uma
pena que tem, mas tem a liberdade de ter. Acho que a gente tem que ser democrata, dentro da
Universidade também. Que tenham várias linhas, cada um defenda suas posições e se debata.
Nunca fui contra a existência deles, mas sou contra as ideias que eles deixaram, que escondem
tudo isso. A revista “Espaços & debates” passou a ir nessa linha de justificar empreiteiras, aliás as
empreiteiras e as incorporadoras passaram a defender eles.

Eu fiquei meio excluído da revista, porque na verdade o que a revista veio a publicar meu depois
de muitos anos foi o projeto de lei do Raul Ferraz.

EACN: Ainda na questão dos vazios, eu acho que isso é interessante para ver a preocupação que
tinha na época. Porque está muito relacionado ao que depois vai sair no Estatuto, pelo menos a
questão da função social da propriedade.

CM: Isso mostra o prefeito assumindo, porque quando você vê um documento como esse, embora
publicado sob a licença do prefeito, quando isso aparece em uma publicação de divulgação ampla,
você tem uma ideia mais clara de que o prefeito assumiu isso. Essa é a diferença que eu vejo.

O sistema francês de organização de informações é implementado por uma escola francesa de


administração, que forma funcionários competentes. É uma escola de administração pública
francesa. E eles têm lá um sistema de arquivamento muito lógico e claro que é assim: não se pode
adotar no Poder Público o mesmo sistema que se usa em biblioteca, que tem a ver com assuntos,
matérias, ciências, e sim, políticas públicas. Mas para conseguir isso, eu tive que mudar a
bibliotecária, porque para a bibliotecária era aquilo e ponto.

Eu tive que encontrar uma bibliotecária que topasse mudar esse critério típico das bibliotecárias.
Eu consegui, porque tinha uma arquiteta que também conhecia esse sistema e que me ajudou a
implementar, e eu consegui implementar. E é como eu tenho hoje organizada as informações da
COGEP, por política pública. Têm duas políticas básicas: política de investimento e política de
regulação. Uma envolve todos os investimentos de todos os setores, não só de infraestrutura como
sociais, e a outra é a política de regulação que entra o zoneamento, todos os instrumentos fiscais
que você pode usar com finalidade de regular as atividades na cidade, entre eles o ISS, que pode
dar isenção, o IPTU, que pode dar isenção. São instrumentos fiscais que você pode usar na
regulação urbana. Dois grandes departamentos, um é nessa linha, o outro na outra, que abrangem
tudo da Prefeitura, já que está tudo abarcado. E um terceiro departamento que é o das
informações. Era uma estrutura muito simples de três departamentos.

EACN: E isso foi pensado por você?

CM: Sim, pensado e implementado.

EACN: Era a COGEP com três departamentos. Um fiscal, o outro de regulação e o outro de
informações.

CM: Muito claro, né?

EACN: Hoje eu não sei se ainda continua, acho que agora mudou um pouco. Porque é DEURB, de
urbanismo, DEUSO, que é de zoneamento e DEINFO, ainda continua, porque é Departamento de
Informações. Eles criaram mais um agora que é da função social da propriedade, mas são três. É
que eles foram mudando com o tempo.

CM: Criaram um só para função social da propriedade?

273
EACN: É, deveria estar em regulação.

CM: Já mostra que está tudo errado.

EACN: Isso é importante. Isso veio da escola francesa de administração, formação de quadros. E
quem que era o contato?

CM: O Mange.

274
ANEXO 2: ENTREVISTA COM JOSÉ EDUARDO DE ASSIS
LEFÈVRE.
Concedida ao autor em 25 de abril de 2017

EACN: Na minha tese de livre-docência a ideia é entender como que a operação urbana foi sendo
construída ao longo do tempo. Estou tentando montar um quadro sinótico. É interessante, por
que eu peguei umas coisas da época da COGEP, do Cândido [Malta]. Tem uma publicação muito
interessante chamada “Política de controle de uso e ocupação do solo, política de preservação de
bens culturais e paisagísticos: estudo de aperfeiçoamento de instrumentos existentes, estudos de
instrumentos novos” que fala da ZAC e do Solo Criado. Depois falando com a Malu, ela disse
realmente que o Cândido tinha mesmo essa postura muito prospectiva e montou uma equipe
interessante. É interessante por que você vê que determinados prefeitos tiveram muitos
secretários, mas eles não tinham uma ideia. Quando você tem o Cândido, o Paul Singer, o Jorge
[Wilheim], você tem uma ideia por trás. Mas quando tem muitos é justamente quando o negócio
fica meio fluido e é quando surgem coisas como as operações interligadas. Ela surge como lei de
desfavelamento e depois vais ser incorporada na operação urbana, por que a operação urbana já
vinha sendo discutida desde o Plano Diretor do Mário Covas, que foi o que eu achei mais antigo
sobre isso. Como você trabalhou na prefeitura, inclusive na época do Cândido e depois em outros
períodos, se não na prefeitura, na SP Urbanismo [antiga EMURB], eu gostaria que você
recuperasse um pouco essa história e onde que você trabalhou nesse período.

JEAL: Eu vou fazer uma cronologia apoiado numa relação dos prefeitos, por que é mais fácil de
lembrar cada administração pelos prefeitos. A operação urbana efetivamente na forma como foi
concebida, como mecanismo de regulamentar o uso do solo e também ter um mecanismo de
arrecadação para realização de obras e eventualmente para direcionar a própria construção do
espaço da cidade, eu acho que teve início mesmo na administração Luíza Erundina, quando houve
uma junção de dois eventos. Primeiro, na gestão Jânio Quadros se desenvolveu o mecanismo das
operações interligadas. A operação urbana surgiu na gestão Erundina como uma forma de
completar algumas intervenções de grande porte, particularmente o túnel do Anhagabaú, iniciada
pelo Jânio sem a previsão de recursos... quer dizer, o Jânio tinha essa visão.. ele começou cinco ou
sete grandes obras sem saber se ia ter dinheiro para fazer. Na realidade o Jânio fez o seguinte: ele
chamou as grandes empreiteiras e os grandes projetistas de engenharia e disse o seguinte “O que
vocês querem fazer na cidade? O que vocês acham que cabe?” e foi fazendo.

Mas os conceitos ligados à questão da operação urbana remontam um seminário que ocorreu
numa cidade do interior, não sei se foi em São Sebastião ou Ilha Bela ou Ubatuba, do qual
participaram o Duca [Domingos Theodoro de Azevedo Netto] e a Clementina [De Ambrosis],
por uma iniciativa do Governo do Estado, onde se discutiu a questão do Solo Criado. Essa questão
do solo criado é essencial no entendimento do mecanismo que é a desvinculação do direito de
construir do direito de propriedade. Por que o código de obras e tudo mais consideram o direito de
construir como uma decorrência do direito de propriedade. Você tem a propriedade, você pode
construir. Claro, tem as limitações, mas é um direito inerente. A questão do solo criado é que
deixou claro que o direito de propriedade é uma coisa e o direito de construção é outra. São duas
coisas independentes, reguladas com objetivos diferentes. Isso se discutiu nesse seminário. A
origem do mecanismo das operações urbanas, então, está ligada ao conceito do solo criado que foi
desenvolvido, principalmente aqui no Brasil e o primeiro evento de grande repercussão foi esse
encontro em uma cidade que eu não lembro exatamente qual. Não sei se foi organizado pela
FUPAM.

EACN: Pela Fundação Prefeito Faria Lima, CEPAM.

JEAL: CEPAM! CEPAM não...

275
EACN: Era Fundação Prefeito Faria Lima, Centro de Estudos de Administração Municipal.

JEAL: Eu tenho dados... não sei dizer exatamente quando e onde. E que resultou em uma
publicação sobre esse evento na revista CJ – Casa e Jardim, revista de arquitetura e que é uma
referência importante. Bom, você tinha mencionado que você tinha pensado em entrevistar o
Domingos.

EACN: Faleceu, infelizmente.

JEAL: E tem a Clementina [De Ambrosis]. A Clementina participou dessa fase e no


desenvolvimento posterior também ela teve participação. Não sei como ela está, porque faz tempo
que não vejo a Clementina. Mas bom, quando eu comecei a trabalhar na EMURB, em 1976... Eu
trabalhei em duas ocasiões na Prefeitura. Entre 1967 e 1972, eu trabalhei no Departamento de
Urbanismo, que era projeto viário. Depois em 1976, eu fui convidado para a EMURB e trabalhei
justamente com o Domingos. O Domingos era diretor de planejamento. E nessa ocasião, se tratou
de questões ligadas ao solo criado na EMURB, foi quando eu fiz, por exemplo, aquelas
reurbanizações ligadas ao metrô. O metrô era da Prefeitura, e foram feitas reurbanizações na
EMURB. E o Domingos, que estava ligado com a questão do solo criado, convidou um advogado
americano chamado John Costonis.

EACN: Ah, o Costonis! Ele fala de transferência de direito de construção.

JEAL: Exatamente, da transferência do direito de construção. Eu não sei exatamente se o


Domingos já conhecia pessoalmente o John Costonis ou só através das publicações, mas ele, em
Chicago, desenvolveu, quando começou a advogar, a questão do direito de transferência do
potencial construtivo. Um dos seus objetivos era justamente a preservação dos imóveis tombados,
conservação dos imóveis que tinham que ser preservados, então você transferia o potencial
construtivo. E o John Costonis esteve na EMURB, me lembro bem de uma reunião que ele
apresentou os elementos e tudo mais, isso portanto deve ter sido em 1977,1978. Eu entrei na
EMURB em 1976, foi nessa ocasião que o John Costonis foi lá. Também ficou na minha cabeça
toda essa questão de transferência de potencial construtivo, mas que naquela ocasião não teve
sequência, só posteriormente, na administração do Jânio Quadros de 1986 a 1988, portanto dez
anos, Ele queria fazer o desfavelamento, tirar algumas favelas, principalmente as mais visíveis,
como as das marginais. A da Juscelino, coisas assim. Portanto de áreas mais valorizadas. Então,
era essa questão, justamente, fazer com que as empreiteiras ou incorporadoras se articulassem
para fazer o desfavelamento e o reaproveitamento da área para outra finalidade, particularmente
ligada ao mercado imobiliário.

E, eventualmente, também dissociar duas coisas: uma, o local da aplicação da construção, e


também dissociar da própria tarefa de fazer, de intervir com os favelados, transformando isso em
uma coisa mais financeira e mais separada por partes. Então, eventualmente, quando se foi criado
esse mecanismo da operação interligada, interligada porque eram duas operações diferentes, mas
interligadas pelo movimento financeiro. Então, eventualmente, o camarada, o empreendedor, o
incorporador podia comprar direitos de construção, esse dinheiro transferido à Prefeitura era
aplicado para remover os moradores, fazer a construção e realocá-los. E simultaneamente ter os
direitos de fazer construção em outros locais, que não necessariamente aqueles locais onde
estavam a favela. Mas as favelas eram também em terrenos públicos, então tinha que ter um
investimento para poder fazer isso, eventualmente, podia ser aplicado com a Prefeitura, e o custo
financeiro seria absorvido por essa operação, digamos, de caráter imobiliário, econômico-
financeiro de autorizar a construção. Para isso, era necessário que houvesse uma mudança no
zoneamento, autorizando que fizessem construções com um maior coeficiente de aproveitamento e
no local em que estava. Acontece que as operações interligadas, que representaram durante um
tempo na administração do Jânio e posteriormente isso foi questionado, inclusive judicialmente,
como uma iniciativa, um mecanismo que confrontava a legislação vigente de uso e ocupação do
solo, e efetivamente houve uma decisão suspendendo as operações interligadas.

276
Mas isso já aconteceu posteriormente. Mas aí se pensou “bom, como que vamos obter recursos,
particularmente, principalmente, para desenvolver a operação do centro, a Operação
Anhangabaú?”. A primeira operação que foi aprovada foi a Operação Anhangabaú, cuja origem foi
como obter recursos para fazer investimentos no centro. Naquela ocasião, o desenvolvimento da
Operação Urbana Anhangabaú foi claramente concebida como uma forma de incentivar
construções na área central. Qual foi a análise que se fez? O centro tem, digamos, um coeficiente
médio de aproveitamento dos lotes construídos bastante alto, mas também irregularmente
distribuído. Por exemplo, prédios como o Martinelli que tem 26 andares, o coeficiente de
aproveitamento então é lá em cima, como vinte vezes, não chega a ser integral, mas praticamente
ocupa o espaço do terreno e vinte e tantos andares. Veja o Banco do Estado, Banco do Brasil,
Associação Paulista de Seguros têm coeficientes altíssimos. Mas, paralelamente, você tem ali na
Rua 25 de Março, em outras ruas do centro, a própria Florêncio de Abreu, você tem casas, tem
coisas mais baixas. Então, o coeficiente médio é baixo, você não tem tantos prédios assim. E o
mercado imobiliário, quer dizer, o nível de investimento na construção era baixo na ocasião, não
havia prédios novos. Houve um boom de desenvolvimento no Centro Velho e no Centro Novo
muito grande, concentrado nos anos 1930 e depois nos anos 1940, 1950, um pouco retardado por
causa da Segunda Guerra, mas já em 1945 em diante houve um boom de construções até chegar ao
ponto de concentração e saturação do centro nos anos 1960. É basicamente isso que eu estudei no
doutorado e um pouco no mestrado, mas mais no doutorado. E como dinamizar? O centro, na
gestão do Setúbal... o Setúbal foi um dos poucos prefeitos, ao meu ver, que chegou na Prefeitura
com ideias claras a respeito do que fazer. Porque o lapso de tempo de uma administração é muito
curto, se o prefeito não tem ideia do que fazer, não faz, passa e acabou. O Setúbal por força, sem
dinheiro, ele está ligado ao Itaú, o Itaú está no centro, ele tinha ideias claras. Então, as
intervenções nas ruas de pedestres, recuperação do Pátio do Colégio, recuperação do viaduto
Santa Ifigênia, tudo isso estava nas metas. Outros prefeitos como, eu sempre estive ligado mais
por afinidade de pensamento com o PSDB. O [Mário] Covas, para mim, era uma administração
fraca. Apesar de considerar o Covas uma pessoa honesta, correta, íntegra, ele não queria ser
prefeito, ele não queria ser prefeito biônico, ele não queria. Ele era secretário de transporte, eu fui
à posse dele na Secretaria de Transporte do Estado, e ele indicado para a Prefeitura, ele seria
biônico, porque não era eleito, ele não queria.

Então demorou do início do ano à metade do ano, ele sem ter assumido. Durante um tempo, o
Altino Lima, que era o presidente da Câmara, ficou respondendo pela Prefeitura, aí ele [Mário
Covas] assumiu. Quer dizer, o Setúbal claramente conhecia a cidade, bem sabia o que queria fazer.
O Covas não tinha essa ideia, então ele ficou também no processo de reorganização da Prefeitura,
coisa que para mim, não resolve...

EACN: Em pouco tempo não dá.

JEAL: Não dá. Claramente, veja, para mim inclusive a administração do Covas foi muito ruim,
pessoalmente. Apesar de eu ter muitas ligações políticas, da política universitária, pessoas que
estavam lá eu tinha bastante convívio. Quando começou a administração eu pensei “Que legal, vou
trabalhar com gente que eu conheço”. Para mim foi o pior período. E como eu já estava na
Prefeitura, eu era deles, eu era do outro quadro. Era o oposto, era nós e eles, eu estava no eles,
porque eu entrei no Setúbal, na administração anterior do Jânio, então eu estava meio de
escanteio. Apesar de que foi o momento em que eu assumi a chefia do departamento, e o diretor de
planejamento era o Tito Lívio Frascino.

EACN: Da EMURB?

JEAL: Da EMURB. Eu que assumi a chefia do departamento de projeto, de planejamento e tudo


mais. Mas depois, veio o José Magalhães, o Tito saiu, ficou o José Magalhães. Mas a relação
sempre ficou meio distante, então para mim, pessoalmente, foi muito ruim.

EACN: O Magalhães foi para a EMURB?

JEAL: EMURB, foi diretor de planejamento da EMURB, ele substituiu o Tito.

277
EACN: Porque isso deve ter muita relação com o Jorge Wilheim, né? Porque depois quando o
Jorge foi secretário de novo, ele foi nessa época, ele pôs o Magalhães como diretor de projetos
urbanos, na época da Marta.

JEAL: Da Marta já. Foi quando eu saí da Prefeitura. Na campanha, eu dei muitas informações
para o Jorge, ele me chamou, falei da EMURB e tudo mais, aí eu disse “tchau”. O pessoal que já foi
para a EMURB, no começo foi o Maurício Faria e o Horácio Galvanese.

O Maurício Faria nunca fez nenhuma reunião com os funcionários, com o pessoal, não aparecia,
ele ficava escondido lá. E ele foi removido para cima, para o Tribunal de Contas do Município.
Uma forma de você promover o cara e aposentar ele, ele foi afastado. Depois é que veio a Nádia
[Somekh]. Mas aí, eu me enchi e resolvi sair, pois de certa forma eu estava esperando ter uma
atuação mais próxima do Jorge. Não aconteceu, daí com o Maurício Faria não ia funcionar.

EACN: Mas voltando, o Magalhães entrou como diretor.

JEAL: Voltando a essa questão. Na administração [Luíza] Erundina, que para mim foi das
melhores administrações. Dentro de todas as administrações, de todos os prefeitos dessa ocasião,
para mim foi Setúbal, para mim muito boa e a administração da Erundina. E com Erundina,
diferentemente do que aconteceu na época do Covas, porque no Covas, o grupo político que
assumiu tinha muitos arquitetos, pessoas com quem eu convivia, o que para mim foi muito ruim.
Da Erundina foi o oposto, porque quando foi da gestão do Setúbal, o projeto da Praça da Sé foi
transferido do Metrô para a EMURB, e eu fui contratado basicamente para trabalhar no projeto
da Praça da Sé, que eu desenvolvi, que foi muito legal, foi um dos projetos que eu mais me...

EACN: O Vladimir trabalhou com você?

JEAL: O Vladimir, sem ele... No começo não foi o paisagista, primeiro foi o Paul del Picchia.
Depois o Paul del Picchia foi para a Alemanha, e o Vladimir Bartalini é que tinha entrado.

EACN: Ele entrou na EMURB né?

JEAL: Ele fez o concurso na época que eu estava lá. O Vladimir que fez o projeto de paisagismo
substituindo o Paul del Picchia. Ficou na EMURB e eu fiquei responsável pelo projeto, não vou
dizer que o projeto seja meu só.

EACN: Mas você era o coordenador.

JEAL: Mas eu fiz em conjunto com [Ernest Carvalho] Mange, com o William Mumford, com o
Domingos [Theodoro de Azevedo Netto], conversamos, discutimos, mas quem desenvolveu o
projeto, tem muita coisa lá que é da minha cabeça mesmo: a rosa dos ventos, a torre do relógio.

EACN: A rosa dos ventos está relacionada com o cruzamento das linhas de metrô lá embaixo, né?

JEAL: E relacionado com o marco zero, que era uma coisa dos anos 1930 e tal. Então, foi muito
gostoso fazer esse projeto. E quando veio a Erundina, para a EMURB veio o pessoal do Metrô,
que diferentemente do que aconteceu com a diretoria da EMURB no [Mário] Covas, que eram
arquitetos de escritório que não tinham experiência de administração pública, era um pessoal de
escritório, era outro mundo. Na Erundina veio o pessoal que já tinha experiência em
administração pública de longa data. O Metrô foi uma escola de administração, conduzido de uma
forma absolutamente correta...

EACN: O Metrô, durante um período, foi um exemplo da engenharia nacional.

JEAL: Basta ver o seguinte, na administração, mesmo do Setúbal, o diretor de obras era o Walter
Merlin. E eu trabalhei em um projeto, que era projeto do Pátio do Colégio, que tinha um projeto
do Jorge, que não foi implantado porque não havia um acordo, então eu desenvolvi outro projeto.

278
O diretor de obras ia para a obra e mudava as coisas lá. O projeto da Praça da Sé foi desenvolvido
a concepção dentro da EMURB e desenvolvido o projeto na Promon, eu que coordenei, trabalhava
praticamente dentro da Promon durante muito tempo. Durante a obra, tinha algum problema na
obra, ninguém mexia sem ouvir o arquiteto. Está tendo algum problema assim, chama a Promon,
vai o arquiteto lá e ia eu, na Praça da Sé, para resolver! Nada era alterado sem que o arquiteto
responsável desse a ordem. Isso é só um exemplo de administração correta, fica tudo registrado,
tem um responsável. Então, quando foi a administração da Erundina, o diretor que veio
substituindo o Domingos é o Roberto Mcfadden, e o Mcfadden era o arquiteto do Metrô que fez o
projeto da Praça da Sé. E na ocasião, quando foi inaugurada a Praça da Sé, foi em 1978, eu estava
na França no IAURIF, tiveram eventos e tudo mais, no IAB, e a relação entre EMURB e Metrô
ficou meio tensa nessa ocasião, porque eram ambos da Prefeitura e o projeto havia sido
transferido. Portanto, eu imaginava que minha carreira na EMURB acabou, e foi o oposto, na
realidade. O pessoal que estava lá, e o Mcfadden em particular, são pessoas absolutamente
corretas, íntegras, camaradas ótimos. Então, não só passei a conhecer como a respeitar muito o
Mcfadden. O Mcfadden era um cara para mim fantástico, sensacional. Foi um período muito bom
de trabalhar com toda aquela diretoria da Erundina. Perfeito, uma coisa muito boa, para mim,
pessoalmente, muito bom, apesar de não ter nenhuma identidade partidária.

Esses grandes projetos, esses grandes empreendimentos iniciados pelo Jânio tiveram que ser
revistos. E realmente foi feita uma coisa correta, porque foi feito um balanço, obra por obra, do
orçamento, da obra, contrato e etc, com o resultado que os custos baixaram muito, ou porque foi
feito um enxugamento de coisas... e algumas obras foram interrompidas, como particularmente...

EACN: O túnel embaixo do Pinheiros.

JEAL: É. E o JK que foi abandonado mesmo, porque devia seguir tudo por baixo. Outros foram
interrompidos, como o túnel embaixo do Ibirapuera. E no caso do Anhangabaú, que é o centro,
também a obra ficou interrompida durante um tempo, mas, por ser no centro, e na visão da
administração da Erundina, o local mais democrático da cidade é o centro. Do centro, a cidade
inteira é acessível.

EACN: É acessível a todo mundo.

JEAL: É acessível a todo mundo. Todo mundo tem acesso ao centro. Então a obra para ser tocada
é a do Anhangabaú. Os recursos estavam comprometidos, eram escassos. Então, vamos juntar o
princípio das operações interligadas com a obtenção de recursos para dinamizar o centro e ter
recurso para fazer. Imaginava-se que era o zoneamento que estava, digamos, restringindo o
aproveitamento do centro, porque o zoneamento, ao passar o limite de coeficiente de
aproveitamento máximo quatro, já reduzia enormemente.

EACN: Tinha 20, né?

JEAL: Tinha 20, como é que vai se construir um prédio de oito andares naqueles terrenos
pequenos? Precisava ter algum incentivo... Imaginava-se que haveria uma demanda, e que,
portanto, foi feito a operação prevendo a arrecadação de recursos, para prosseguir a obra,
mediante essa possibilidade de construir mais que o coeficiente existente e com recursos dessa
operação. Na realidade, isso não funcionou, porque essa demanda não existia. Nós imaginávamos
que existia essa demanda, mas essa demanda não existia. Existia a demanda de um dos itens da
Operação Urbana Anhangabaú, que era a regularização de prédios. Esse sim, porque se tinha
coisas, como por exemplo, a Bovespa e o BMF, ambos tinham construções irregulares,
principalmente a Bovespa, que fez obra irregular ali embaixo do Martinelli, na vista de todo
mundo.

EACN: Na vista da Prefeitura.

JEAL: Na vista da Prefeitura! E era um montante grande. Então, quando houve mudança
internamente, saiu quem era o diretor dessa época, não lembro quem, e assumiu acho que foi o

279
Vidigal, que dizia: “não, não pode, uma instituição como a Bovespa, não pode ficar sitiada em um
prédio irregular. Precisa regularizar esse negócio. Como pode? É inconcebível.” Com isso, se
avançou na questão da regularização, tinha um pagamento e isso levantou recursos. Assim como
esse, outras obras com coisas semelhantes, que eu não vou entrar em detalhes agora, foram
desenvolvidas e houve uma obtenção de recursos. Como o seu foco é operação urbana, vou até
relatar. Isso mostrou onde que a Operação Urbana Anhangabaú conseguiu obter recursos,
principalmente com as regularizações e não para construções novas. Nós desenvolvemos alguns
projetos, foram desenvolvidos, houve alguns interesses, particularmente ali nas imediações do
viaduto Nove de Julho, ali para baixo da Martins Fontes, se desenvolveu todo um estudo para
fazer, mas afinal não saiu. Tinha outro prédio, o Hotel Planalto, que era um hotel da Varig, e ali
tinha acontecido o seguinte, eles compraram o prédio e lá instalaram o hotel, e eles fizeram uma
pequena alteração no térreo de acesso ao restaurante, de acesso à cozinha, e não aprovaram, então
estava irregular. Então precisava regularizar isso, que era uma coisa pequena. Uma coisa no
térreo, de acesso ao restaurante.

EACN: Uma coisa simples.

JEAL: Isso levantado, encaminhado para nós da Prefeitura, se verificou o seguinte: o prédio todo
estava irregular.

EACN: Não era só o térreo.

JEAL: Não era pouco, era muito! O que aconteceu: a planta foi aprovada com um tamanho e foi
construída com um ou dois metros a mais.

EACN: Então isso multiplica pelo número de andares...

JEAL: Dava uma área enorme! E as responsabilidade pela irregularidade, claro, você vai dizer que
foi do cara que construiu. O cara vendeu, já não está mais lá, então a irregularidade vai junto com
o imóvel, então quem tinha que regularizar era a Varig. Então ficou irremediável. Para fazer a
regularização, sairia tal quantidade de dinheiro, que a Varig, que já não estava muito bem das
pernas, puxou o carro e não continuou.

Na Operação Anhangabaú, nós introduzimos também o direito de transferência de potencial


construtivo para imóveis tombados e isso suscitou, durante a apresentação, uma polêmica com o
DPH. Não sei se você sabia disso.

EACN: Não, não, porque nessa época eu não estava lá.

JEAL: E foi uma polêmica brava, de ir para o jornal e tudo mais, porque a diretora do DPH era a
Déa Fenelon e eu era o chefe. Então ficou uma coisa quase pessoal, entre o DPH e a EMURB,
porque, no DPH, com a Operação Urbana Anhangabaú se imaginava “isso vai descaracterizar o
centro, porque a princípio você vai possibilitar fazer prédios, ali é tudo tombado, isso vai ser um
problema.” E o que aconteceu? Quando foi aprovada a lei da Operação Anhangabaú, que demorou
um certo tempo, mas ainda foi aprovada na gestão Erundina, foi feito um tombamento da mesma
área da operação, então é tombado. Então ficou uma coisa “agora que acabou de aprovar, vem o
tombamento.”

EACN: Não vai dar para construir.

JEAL: A relação fica cortada. Então ficou esse negócio, é operação ou é tombado? Como é que é
essa história? Então, ficou realmente uma situação, a secretária era a Marilena Chauí e a diretora
era a Déa Fenelon, então ficou uma coisa realmente conflitante.

EACN: Dentro da própria Prefeitura.

280
JEAL: Dentro da própria Prefeitura. Na ocasião, eu era considerado um dos destruidores do
centro. Para você ver como o mundo muda, né? E na verdade, não. A operação urbana quer
preservar, introduzindo o mecanismo da transferência de potencial. Então, hoje, finalmente houve
um acordo em que, ao invés do tombamento da área total, você diz: “diga exatamente quais são os
imóveis a serem preservados, porque aí, inclusive, já fica certo que nesse imóvel não pode mexer,
mas não a área toda”. Isso caminhou nesse sentido, então foi uma saída, que eu acho que foi
harmoniosa, foi boa, e onde foram definidos: “os prédios são esses, é [rua] Florêncio de Abreu, tal,
tal, rua de São Bento, tal.” Ficou definido, claro, tinham as áreas envoltórias, tem que respeitar,
mas aí, espero que tenha ficado claro que a gente não estava querendo acabar com o centro. Isso
tinha ocorrido, acho que na gestão do Jânio... o Mastrobuono era secretário do Jânio, e eles
queriam fazer uma grande operação, a da Santa Ifigênia, e eles tinham a ideia de definir um
perímetro e demolir tudo, fazer novo. E aí foi o CONDEPHAAT que fez o tombamento da Santa
Ifigênia e Campos Elísios. E praticamente aquela intervenção ficou paralisada. Ou seja, também é
um uso político do instrumento do tombamento. E nós entendemos que também teria uma etapa
semelhante, mas aqui dentro da Prefeitura, mas isso no final acabou ficando solucionado,
caminhou e tudo mais. Só que, realmente, não havia essa demanda. Então, houve uma arrecadação,
claramente a Operação Urbana Anhangabaú foi concebida como sendo experimental, porque ela
tinha um prazo de validade, dois ou três anos, alguma coisa assim, e a lei caducou. Acho que ela
era de 91, se eu não me engano.

EACN: É de 91, acho que até 95.

JEAL: Nessa ocasião, começou a se desenvolver o projeto da Operação Urbana Centro, que,
digamos, era um perímetro maior e, diferentemente da Operação Urbana Anhangabaú, que foi a
primeira, pioneira, muito antes do Estatuto da Cidade. Então, o mecanismo da operação urbana,
inclusive, ficou sendo conhecido nacionalmente a referência de São Paulo, e aí que tanto eu quanto
o Mcfadden fomos convidados para vários locais para expor o mecanismo. No mínimo, eu fui para
Fortaleza seminário Horácio Herbst, apresentar em Minas Gerais, posteriormente, eu e a Raquel
Rolnik também, para expor o que era a operação urbana, isso antes do Estatuto da Cidade. E já
estava lá a transferência do direito de construção de imóveis tombados e outros mecanismos que
depois foram incorporados no Estatuto da Cidade. Então, isso é o que ocorreu nesse momento.

Ainda na gestão Erundina, foram concebidos os planos de outras operações urbanas, que afinal
acabaram sendo as únicas que foram aprovadas por lei posteriormente. E foram desenvolvidas,
claramente, com a ideia de configurar espaços urbanos com diretrizes de implantação e de
ocupação do espaço, diretrizes volumétricas inclusive. Isso fica particularmente claro na Operação
Urbana Água Espraiada. A Água Espraiada era uma das grandes obras do Jânio. E vou te contar,
realmente, é aquele tipo de obra pública feita procurando fazer no mínimo prazo possível e sem
consideração por problemas urbanísticos de implantação. Realmente, um desastre, a meu ver. E
nós fizemos um projeto na EMURB, que mostra claramente como a operação urbana foi concebida
como uma forma de tratar o espaço e conceber o tipo de ocupação. E a Operação Urbana Água
Espraiada é uma das mais exemplares nesse ponto de vista, porque, o que acontecia, o projeto que
foi desenvolvido era... eu sei que a construtora era de Minas Gerais. Já tinha conseguido recurso,
financiamento, tudo mais, e a Água Espraiada não sei se você conhece a origem.

EACN: Fazia parte do anel viário. Eu estudei isso na minha tese. O GEIPOT, né?

JEAL: Quem cuidou disso foi o Ion de Freitas. Você conhece o Ives de Freitas e o Ivan de Freitas?

EACN: Não.

JEAL: São arquitetos. O Ivan, particularmente, é da área.

EACN: É do Rio?

JEAL: Não, daqui de São Paulo. O pai era o Ion de Freitas, engenheiro. CMG 44 era o setor da...
Quando eu estava na Prefeitura, no departamento de urbanismo, nos anos 60 para 70, estava em

281
desenvolvimento a implantação do anel viário. E, particularmente no trecho ali do Água
Espraiada, saindo da Marginal do Pinheiros e avançando em direção à Washington Luiz e
passando ali perto do Parque do Estado. E ali o que foi feito? Previa-se um projeto, não foi
aprovado em lei, era decreto, porque era do Estado, quem cuidava era o Ion de Freitas, ele tinha
um escritório lá perto do aeroporto. E eles começaram a desapropriar, por decreto. A Prefeitura
não podia desapropriar sem lei, mas o Estado podia desapropriar sem lei, por decreto. E era uma
super via expressa, com mais de 100 metros de largura, enorme, saindo da marginal e subindo ou
passando ao sul do Parque do Estado.

EACN: Isso tudo dentro daquela visão do Prestes Maia e depois do Moses, né?

JEAL: Na realidade, era o anel que estava ligado às ideias também dos planos lá do Plano Diretor,
do PUB...

EACN: O Plano Metropolitano, o PUB e o PDDI.

JEAL: O PDDI.

EACN: O PMDI e o PDDI.

JEAL: Esse trecho se integrava com aquela quadrícula das vias expressas, e esse trecho fazia
parte. E o que aconteceu? Eu sei por que eu projetei nos anos 70, construí uma casa para um
funcionário de uma empresa, da Ion, que tinha sido expropriado e morava perto de lá. Eu fiz uma
casa do lado do Morumbi para ele. A casa era dele, ele foi desapropriado, ele teve que mudar de
casa e a casa dele estava lá. E ocupada. Eles desapropriaram essa área grande, não demoliram, não
fizeram nada, como se fosse ocupada por gente do próprio DER. E a casa estava lá, e ele já tinha
recebido pela casa e tal. E aí a Água Espraiada que era um córrego que tinha um pouco de
ocupação, tinha alguma favela, mas era pequena, aí que explodiu a favela, ocuparam o córrego
inteiro, porque a obra não chegou a ser iniciada, tinha um projeto enorme. Então, era um
problema. Na administração do Jânio, era esse problema, tudo ocupado, tinha essa desapropriação
iniciada, mas não concluída, casas sendo desapropriadas e outras não, porque desapropriação é
aquele negócio que depende dos recursos, dos recursos judiciais, pode terminar rapidamente ou
demorar 10 anos, 15 anos para conseguir a emissão de posse. Então, como fazer? Bom, foi feita a
licitação e a empreiteira, a companhia que ganhou era a Mendes Junior. Eles fizeram o projeto de
canalização do córrego com pré-moldados de várias dimensões, para poder fazer encaixar com o
mínimo de retirada de gente, de casas, de tudo mais. E como, para fazer o faturamento, dependia
de coisas concluídas ou material na obra, eles mandaram brasa em fazer as tais das peças pré-
moldadas e configurando esse canal. E isso estava no meio, essa obra estava lá, foi interrompida
por falta de recurso na gestão Erundina, mas estava lá. Iniciada a obra, favela, essa confusão. O
que nós fizemos? Partindo da observação de que os piores espaços urbanos de São Paulo são
algumas avenidas de fundo de vale, onde o córrego está tamponado, como é o caso do
Tamanduateí, ou parcialmente tamponado, com vigas, como é o caso da Avenida Tereza Cristina,
da avenida do córrego Ipiranga também. São os piores espaços, porque você tem o canal de
concreto, depois as pistas, não tem espaço para as árvores, as construções que estão lá todas
deterioradas, quando chove, alaga. O córrego é mal cheiroso. Então, torna-se um espaço
horroroso, um dos locais mais desagradáveis de São Paulo é a avenida do Estado e aquela que sai
ali do lado. É um horror. Isso não pode ser. Tem que ser um canal aberto, amplo, com uma área de
alagamento, onde a água possa subir e descer sem invadir casas, depois ter pistas expressas, depois
as pistas locais com muita vegetação. Observação de que, o que incomoda ambientalmente não é o
volume de tráfego, é o volume de tráfego e o espaço expandido. Você já esteve no México, na
Cidade do México?

EACN: Já.

JEAL: Na Cidade do México, você tem aquelas avenidas enormes, tem um trânsito infernal. Mas
como é muito larga, você tem as pistas, depois você tem entre as pistas central e local canteiros
arborizados. Quando você está lá no meio andando, você nem percebe muito. Ou no Rio de

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Janeiro, no Aterro do Flamengo, tem aquele tráfego enorme, mas tem muito espaço, árvores.
Então é isso que a gente pensou. Vamos fazer uma avenida parque, uma avenida no Água
Espraiada, e vamos recuperar... o trecho da Água Espraiada é dividido praticamente em dois
setores, praticamente o mesmo comprimento. O primeiro trecho que vai da marginal até o
cruzamento da Washington Luís, e o da Washington Luís para cima, onde a declividade é maior.
E nesse pedaço, o que a gente vai fazer? Vamos também ampliar os locais, dentro do possível, o
local onde passa o córrego, para criar uma margem, uma área verde, onde a água possa se inserir,
e tratar mesmo que seja a favela. As favelas são mais concentradas embaixo, em cima é mais áreas
de invasão e tem bairros de classe média, média-baixa. Ou seja, criar um ambiente adequado com
vegetação, com casas. Têm croquis, têm desenhos mostrando isso tudo. Quem cuidou disso na
ocasião, você conheceu a Marilena Fajersztajn?

EACN: Não.

JEAL: Ela é do SP Urbanismo agora, trabalhou conosco, ela foi responsável... E a lei foi aprovada.

EACN: Nessa época?

JEAL: A lei não da operação urbana, a lei do viário com grande largura. Gerou um monte de
protestos, ficou muito claro como que a população se comporta com relação às obras e
desapropriações. Todo mundo quer espaço, todo mundo quer um lugar, desde que não seja na
própria casa.

EACN: Not in my backyard, os ingleses falam. Não no meu jardim.

JEAL: E os contatos que eu tive com toda a experiência na EMURB nesse tempo, tudo é muito
bonito no discurso, mas na hora de fazer o projeto, o cara cria uma organização de amigos de
bairro, ele mais uns amigos, para criticar e tudo mais. Eu já enfrentei “n” assembleias, tanto lá
quanto na Faria Lima...

EACN: E aí já eram até colegas.

JEAL: O projeto tinha todos os desenhos de como deveria ser, e era esse o caráter da Operação
Urbana Água Espraiada. Mas no final, a lei só foi aprovada...

EACN: Na Marta, em 2001.

JEAL: O projeto viário foi aprovado, mas na Operação.

EACN: Então ela foi desenvolvida dentro da EMURB? Porque ela aparece na proposta de Plano
Diretor da Erundina.

JEAL: Sim.

EACN: E o coordenador de projetos especiais na Secretaria de Planejamento era o Duca.

JEAL: Sim, é isso aí. Ou seja, no projeto do Plano Diretor apareciam essas Operações Urbanas.

EACN: Mas elas todas foram desenvolvidas dentro da EMURB?

JEAL: Dentro da EMURB, foram desenvolvidas e com alterações. Então me lembro muito bem,
nessa época o [Paul] Singer era secretário, e quem estava cuidando lá na SEMPLA era o Paulo
Sandroni, que teve um papel importante nessa ocasião no desenvolvimento do mecanismo da
Operação Urbana, ele visualizou bem e tudo mais. Isso é na Operação Água Espraiada. Com
relação à Faria Lima, na gestão do Jânio Quadros, dentro daquela mesma forma de lidar do Jânio,
de chamar as pessoas para perguntar “o que vocês querem fazer em São Paulo?”, o que aconteceu?
O Júlio Neves fez um projeto, cujo nome eu não estou lembrando agora, não sei se era Nova

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Iguatemi ou Nova Faria Lima, que era um projeto muito semelhante às operações chamadas de
“reurbanizações” na EMURB. As reurbanizações da EMURB...

EACN: Que estavam vinculadas com o Metrô, né?

JEAL: Que eram vinculadas ao Metrô, mas nesse caso, não eram. Eram operações que contavam
com recursos praticamente, a fundo perdido, do programa CURA – Comunidades Urbanas de
Recuperação Acelerada, do Governo Federal, contou com a, digamos, a situação política da época
da ditadura, em que não havia muita contestação e questionamento, e com isso áreas foram
desapropriadas, como é o caso da Conceição, do Jabaquara, e depois onde a coisa não funcionou,
porque houve recursos contra, foi Santana.

EACN: Quadra 61, né?

JEAL: Quadra 56.

EACN: É, 56. Um número assim.

JEAL: Aí teve contestação e a coisa não funcionou lá. Jabaquara e Conceição funcionou,
desapropriaram e foi feita a reorganização viária, reorganização fundiária. O que era o projeto do
Júlio Neves desenvolvido no mínimo dez anos depois? Era mais ou menos a mesma coisa. Ele
reconstituía, fazia a avenida, desapropriava áreas para fazer reurbanização, com demolições
maciças. Isso foi levado, porque o Júlio era uma pessoa muito ligada ao imobiliário e tal. Eu acho
que o Júlio tem qualidades, é claro que nessa época ele tornou bastante próximo e me convidou
para coisas lá do MASP e tal. E ele apresentou o projeto, que era da época do Jânio, ele queria
continuar. “Se o projeto for reformulado e se encaixar dentro do que nós estamos desenvolvendo
como operação urbana, tudo bem”. E foi o que aconteceu. Então, em vez de ser uma coisa
compulsória como era a desapropriação, porque era desapropriação de quadras inteiras para serem
reconstruídas, se tornou uma coisa de adesão voluntária, como é o princípio da operação urbana,
onde a pessoa adere se quiser, se não quiser, não adere. E claro, quando tiver desapropriação para
o sistema viário, aí é desapropriação.

EACN: Mas é uma coisa que sempre teve.

JEAL: Mas a adesão para construir a mais, ela era opcional. E foi nesse tempo que foi incorporado
ao Plano Diretor. Então, o Plano Diretor daquela ocasião, desenvolvido na época do Paul Singer,
incorporava... eram cinco operações, né? Era a Operação Anhangabaú-Centro, a Faria Lima, Água
Espraiada, Jacu-Pêssego e Operação Água Branca. Cinco operações. Essas foram incorporadas. A
Operação Faria Lima foi a que se tornou a mais visível, a mais discutida na época, porque a
Operação Anhangabaú-Centro, ficar no centro não havia oposição... A da Faria Lima não, porque
tinha um grupo particularmente lá do [Siegbert] Zanettini e todo o pessoal.

EACN: O próprio Cândido [Malta], né?

JEAL: Acho que sim. O Cândido acho que também.

EACN: Era mais o Zanettini, por que o Zanettini tinha escritório ali.

JEAL: A Operação Faria Lima teve muita visibilidade, muita discussão, mas realmente se
adequou, o projeto foi adequado, foi reformulado. Na ocasião, foram previstas pelo projeto várias
medidas de configuração de desenho urbano, o que ocupa o recuo, de fazer áreas comuns, de
espaço público, e depois foi sendo abandonado, porque depois da gestão da Erundina, veio o
[Paulo] Maluf. Aí o Secretário de Planejamento foi durante um tempo o cara que era da Eucatex,
Roberto Richter. Para o Richter claramente, eu ia assistir reuniões da CNLU, a operação urbana
era um mecanismo de arrecadar dinheiro e ponto final, só interessava como fonte de arrecadação
de recursos, o resto não interessava. Então, esses detalhes de configuração espacial vão se
perdendo claramente com o caso da Operação Faria Lima. No caso da Operação Água Branca,

284
particularmente, nós desenvolvemos lá na EMURB e o nome Água Branca foi adotado, em grande
parte, por sugestão do [Luiz Antônio] Pompeia, da EMBRAESP. E tivemos reuniões, porque o
Pompeia acho que tinha também contato com o Singer e, para ele, a operação de maior viabilidade
financeira era a Água Branca.

EACN: Porque tinha muito terreno vazio, subocupado.

JEAL: Muito terreno vazio e a localização, porque a Água Branca, ela está ao lado da Marginal
Tietê, tem ligação com todas as estradas, fáceis, ligação com os aeroportos de Viracopos, de
Guarulhos principalmente, Campo de Marte. A localização é excepcional da Água Branca, porque
daqui para Campinas é um pulo, você já chegou, já chegou direto, todo interior você está aqui
direto, Rio de Janeiro, chegou aqui direto, dos aeroportos. E nós iniciamos a ideia, era Operação
Barra Funda. E ele disse “não, esse nome Barra Funda não tem atração, põe Água Branca, é muito
mais atraente, palatável”. E por isso ficou Água Branca, apesar da gente pegar basicamente a
Barra Funda. E os limites foram desenvolvidos e, realmente, tinha um potencial que só veio a se
materializar posteriormente. A lei só foi sancionada na gestão Maluf. Isso eu sei, porque até
presenciei, de certa forma, o diálogo entre o Reynaldo de Barros, que era secretário ou presidente
da EMURB, as duas coisas, com o Maluf, pelo telefone. Quando eu levei, o Reynaldo me
perguntou “me explica esse negócio dessa operação, de pegar essa área... têm as áreas que são do
prefeito, ele está preocupado e tudo mais.”

EACN: Da Eucatex?

JEAL: É, pois é, tem a área aqui toda que é da família Maluf.

EACN: Eu sabia dos Matarazzo, que tinha a fábrica dos Matarazzo.

JEAL: O Maluf tem toda a Serraria, tudo aqui na Rua Tagipuru, são áreas grandes. Toda essa
quadra em frente ao Parque da Água Branca, muita coisa da família Maluf. Até se diz que o
Minhocão foi estendido até o Largo Padre Péricles para beneficiar, valorizar a área deles. O
projeto do Departamento de Urbanismo, eu ainda estava lá, que era o Barreto que era o diretor,
previa sair da Praça Roosevelt, ir elevado para a Amaral Gurgel, e ao chegar na São João, descer
de novo. Então foi uma decisão do Maluf.

EACN: Que até era uma obra pequena na verdade, né?

JEAL: É, era uma coisa razoavelmente pequena. Subia na Amaral Gurgel e descia na São João. Foi
uma decisão do Maluf e contrariou o Departamento de Urbanismo. Tem os desenhos lá, do
desenhista Amadeu, que mostram justamente esse projeto como que era. E foi uma decisão do
Maluf, como engenheiro. E disseram “prefeito, pode sancionar a lei, porque não foi concebida com
nenhuma participação sua e já foi aprovada na Câmara antes da sua gestão. Portanto, pode
sancionar, porque não vai lhe causar benefício nem malefício, porque não há desapropriação das
áreas, não tem nada que vai lhe beneficiar nem lhe prejudicar”.

EACN: Indiretamente a valorização, se tiver. Hoje até está saindo, mas na época não.

JEAL: Se seria para ele, seria para todos, não era uma coisa específica para ele, já tinha sido
aprovada anteriormente. Então, realmente, havia essa expectativa do mercado imobiliário, ou
parte dele, como é o caso do Pompeia, de valorização dessa área, como, de fato, depois toda essa
área ficou cheia, com muita construção. E, por outro lado, a outra operação urbana que era a Jacu-
Pêssego também é ligada por essa alça, que por muito tempo era conhecida como anel
metropolitano, que justamente fazia essa interligação com a Água Espraiada ou com a Cupecê, o
grande problema, as marginais desse lado sempre fazem o anel, o problema é essa interligação que
vai da Marginal Pinheiros para a Marginal Tietê que sobe e desce, que passa pelo Ipiranga e toda
essa região do Cupecê, é subida e descida, é bem complicado. E o Jacu-Pêssego é o local onde se
imaginava que deveria ter incentivos para construções industriais e de habitação, porque tinha lei
da ampliação da avenida, mas no final também não era um mecanismo que propiciava a

285
arrecadação de recursos. Então, isso também foi ficando meio de lado, porque não havia o
interesse do mercado imobiliário. Claramente, o que impulsionou o desenvolvimento das
operações urbanas foi o interesse do mercado imobiliário, que não tendo a operação interligada,
viu a operação urbana como uma forma de ter a possibilidade de construir acima dos limites de
zoneamento. Se por um lado representou a introdução de um mecanismo de arrecadação,
representou também um desvirtuamento da ideia da operação urbana como condicionador ou
orientador da ocupação do solo.

EACN: De plano específico de desenvolvimento para aquela área.

JEAL: Exatamente. Por isso foi muito criticado.

EACN: Foi um instrumento que foi apropriado pelo mercado, mais ou menos assim.

JEAL: Entre as ideias que estavam na origem lá na gestão Erundina e o grande desfio, foi na
gestão Maluf, com o Richter. Por outro lado, também na administração Maluf, houve a introdução
de alguns mecanismos que se tornaram muito importantes, principalmente a concepção do
CEPAC. O CEPAC não fez parte do projeto inicial das operações urbanas. A securitização dos
investimentos com a introdução de mecanismos ligados ao mercado financeiro, ao setor financeiro,
foi da época do Maluf.

EACN: E você tem alguma ideia? Foi o Richter? Porque eu tenho um texto do Marcos Cintra
defendendo isso.

JEAL: Posteriormente o Cintra. Mas mais do que o Cintra, havia um camarada que foi diretor
financeiro da EMURB nessa gestão, era um economista que tinha experiência no mercado
financeiro que disse: “nós bolamos um sistema que avance com a venda de letras, da venda de
certificados de potencial construtivo, de tal forma a desvincular a aquisição da aplicação”. Então,
você compra um título que vai dar direito a ser aplicado, mas esse valor é um valor flutuante.
Tanto na valorização, o valor vai depender do leilão, você pode estipular o preço mínimo, mas se
vai a mais ou a menos depende do mercado, quanto na hora da aplicação, a conversão do CEPAC
em área construída depende também de avaliação de valor de mercado na ocasião. Porque foi nessa
ocasião que foi desenvolvida aquela fórmula de conversão do CEPAC em área construída, porque
tem que ser uma fórmula diretamente proporcional a certas coisas e indiretamente proporcional a
certas coisas, de forma a equilibrar a um valor constante. Porque senão você compra tantos
metros quadrados, você tem o valor da restrição, se você for aplicar em uma área extremamente
valorizada, vai ser menos metros quadrados, se você vai aplicar em uma área que é desvalorizada,
você compra muitos metros quadrados. Tem que ser inversamente proporcional ao valor, à
relação de valor dos terrenos dentro da área da operação. Quanto mais valorizado o terreno,
menos metros quadrados. Quanto menos valor, mais você transfere em área construída. E por
outro lado, têm outras fórmulas de correção que foram pensadas, que fazem parte daquele cálculo,
que foi difícil até as pessoas entenderem. Mas era uma maneira de você ter um parâmetro para
saber: “eu tenho tantos títulos de CEPAC, quanto eu posso aplicar no que eu quero fazer em tal
lugar”. Por outro lado, também, a transferência de potencial construtivo de imóveis tombados
sofreu, depois de certo tempo, um constrangimento muito grande que praticamente inviabilizou a
sua aplicação durante um bom tempo até ser reformulado, que é o seguinte: qual é a área, qual é a
zona que tem maior potencialidade, maior atração para a aplicação do potencial? É a Z2. Porque a
Z3, Z4 e Z5 já pode construir e também são áreas limitadas. A Z2 é o plano de fundo do
zoneamento de 74. É tudo. O que não é Z1, não é Z3, Z4, Z5, Z6 é Z2.

EACN: Acho que era 70, 60% da área... acho que até mais, 70% da área do município.

JEAL: É a área branca do mapa, o fundo é a Z2. Aí o que acontece? Você compra o potencial
construtivo da Operação Urbana Anhangabaú, onde você vai aplicar? Vai aplicar na Z2. E isso
como era semelhante à operação interligada, houve uma medida judicial que bloqueou a
transferência para fora da área da operação. Aí está morta... o potencial construtivo vai transferir...

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EACN: De uma área para a mesma área?

JEAL: Foi o que aconteceu, de certa forma, com a Casa das Rosas. A Casa das Rosas foi uma
transferência de potencial dentro dos lotes vizinhos, que foi uma coisa que antecipou, porque era
basicamente o mesmo lote. Depois disso, foi modificado, porque ao se perceber o potencial de
transferência de potencial construtivo que foi introduzida a outorga onerosa. Claramente a
outorga onerosa é concorrente da transferência de potencial construtivo, são duas coisas que
concorrem pela mesma coisa, que é a possibilidade de construir acima dos máximos estabelecidos
pelo zoneamento. Então, de certa forma, também a outorga onerosa veio a retardar a aplicação de
transferência.

E a transferência de potencial construtivo de imóveis tombados teve relativamente poucas


aplicações no caso da Operação Urbana Anhangabaú e a Operação Urbana Centro. Um dos
primeiros casos, que levou bastante tempo, foi conjunto de prédios tombados construídos na
Avenida São João com a esquina da Duque de Caxias, ali levou um bom tempo, os proprietários
tinham interesse, um prédio foi reformado, o outro acho que teve a transferência. Posteriormente,
a transferência se tornou uma coisa bem mais fácil.

EACN: Apesar de que dentro da Operação Urbana Centro só são cinco casos.

JEAL: Só cinco casos? Eu acho que a Lei de Fachadas é interessante, mas para ser aplicada
também não é muito fácil. Mas a repercussão maior é da transferência de potencial. A Lei de
Fachadas não é exatamente uma isenção, ela é apenas uma transferência de responsabilidade
daquele balanço financeiro que vai para a SEHAB. Ele sai do orçamento da SEHAB.

EACN: O pessoal da SEHAB reclamava muito.

JEAL: Dentro da Prefeitura, houve muito combate tanto à Lei de Fachadas quanto à
transferência, porque a transferência competia com a outorga, e a Lei de Fachadas também era
redução de recursos, ela transferia para outra fonte de recursos. Porque a Secretaria de Finanças
quer receber, não quer saber. Então, no caso da Operação Urbana Anhangabaú, foi arrecadado o
dinheiro, não tinha uma conta específica, tinha uma contabilidade. E esse dinheiro tinha que ser
aplicado, a lei dizia que tinha que ser aplicada na operação. O dinheiro foi arrecadado, tinha essa
conta e cadê o dinheiro? Maluf usava nisso e naquilo. Aí veio o Tribunal de Contas e tinha
fiscalização. Eu atendi os fiscais do Tribunal de Contas: “E esse dinheiro? A lei diz que ele tem que
ser aplicado aqui. O dinheiro tem que estar em algum lugar”. E eles fizeram relatório e etc. E no
relatório, quem era o conselheiro era um politicão velho que estava lá. Quando os fiscais levaram,
ele ficou furioso. “Ah, isso aqui não pode! Tem que ser assim!” Passou o tempo e no despacho final:
está tudo em ordem, o dinheiro foi aplicado pela Prefeitura e está tudo certo. Por isso que, para
mim, o Tribunal de Contas do Município particularmente é um órgão que se for extinto é melhor.
Porque o Tribunal de Contas é uma aposentadoria de luxo para quem está atrapalhando. O
Tribunal de Contas não adianta para nada. Aquele prédio imponente muito bonito, consome muito
dinheiro, tem toda uma estrutura, o salário é muito bom, mas não serve para nada. Mas depois se
criou as contas vinculadas e tudo mais.

EACN: Isso vai evoluindo até chegar no Estatuto. Em função dos erros e acertos das experiências
que já vinham ocorrendo, o Estatuto bate o martelo, né?

JEAL: E depois, com diferentes administrações, acabou criando uma forma de apreciação mais
aperfeiçoada. O desenvolvimento das operações urbanas com a questão do CEPAC foi um
mecanismo que foi sendo aperfeiçoado, sempre com esse viés de arrecadação de recursos. Então, se
planejaram muitas operações urbanas que por lei, efetivamente, saíram muito poucas. Não sei
atualmente quantas foram aprovadas por lei, mas por muito tempo foram só aquelas cinco.

EACN: Têm Bairros do Tamanduateí, Centro, Água Branca, Faria Lima, Água Espraiada...

JEAL: Jacu-Pêssego está?

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EACN: Não, a Marta [Suplicy] aprovou, mas tinha alguma inconsistência legal e ela foi revogada.
E agora na administração do Haddad, a ideia era fazer o Polo de Desenvolvimento Leste, alguma
outra coisa, não era operação urbana. Acho que são essas quatro mesmo. E agora, Bairro de
Tamanduateí. A da Água Branca foi revista, né?

JEAL: Foi revista.

EACN: Na verdade todas foram revistas, né? Para se adequar ao Estatuto da Cidade. A Água
Branca foi revista, a Faria Lima foi revista, a Centro é a única que não foi revista ainda. É
engraçado, a Centro está meio parada assim... porque acho que depende muito disso que você
falou, da visão que o prefeito tem do centro. Por exemplo, você falou do Setúbal, depois a própria
Erundina e acho que a Marta retoma um pouco essa discussão do centro, mas no Kassab não senti
muito a questão do centro, e na do Haddad nada. Mesmo na da Marta não teve atualização. É que
teve o [Programa] Ação Centro, né? Eram duas coisas meio concorrentes.

JEAL: Do Kassab, tinha todo o interesse na área da Luz.

EACN: É verdade, com o projeto Nova Luz.

JEAL: O [Miguel] Bucalem que tocou e tudo mais.

EACN: Mas também não deu em nada.

JEAL: E com o Kassab e o Serra, eu estava na Secretaria de Cultura no CONPRESP de 2005 a


2012, nós elaboramos aquele projeto de intervenções no centro associadas ao Anhangabaú e à
região do Paissandu, nós fizemos todo um projeto disso, basicamente dentro da Secretaria de
Cultura. Nós levamos isso ao prefeito e ao Bucalem, mas o Bucalem estava com foco na Nova Luz
e manteve em fogo brando qualquer coisa ligada ao centro. Mas estava relacionada diretamente
com coisas ligadas ao Paço das Artes, e com o investimento do Anhangabaú desenvolvemos uma
série de ideias e propostas para o Anhangabaú, que depois o Jan Gehl retomou basicamente
aquelas ideias.

EACN: Por que, na verdade, era mais uma reformulação do espaço público, né?

JEAL: Exatamente.

EACN: Porque o Vale é muito abandonado, é um problema...

JEAL: A observação que a gente tem em relação ao Anhangabaú é o seguinte, o grande problema
do projeto da Rosa [Kliass] e do Jorge [Wilheim] é muito bonito visto de longe, porque o
problema é o seguinte, o espaço público não é só o que está dentro, é o que está em volta. Se você
não mexe com o que está em volta, não adianta. O espaço do Anhangabaú é um espaço
desagradável para permanência, não dialoga com os prédios. A maior parte dos prédios, embaixo é
agência bancária, entrada do prédio, estacionamento, você não tem uma coisa que te atraia a ficar
sentado ali. Você vê fotografias da cidade quando era um parque, antes do Prestes Maia, antes de
1938, bancos, gente sentada, árvores, tudo mais. E com a intervenção do Prestes Maia de criar a
via expressa e a via de ônibus e tudo mais, se tornou um espaço muito ruim. Eu conheci bem o
Anhangabaú nos anos 50, eu tomava ônibus lá, era mais desafogado. Mas depois, nos anos 70, que
era na época do Setúbal e do Reynaldão, era um congestionamento tremendo, uma poluição
tremenda, sonora, atropelamento. Então, o projeto do Anhangabaú surgiu na gestão do Reynaldo
como uma forma de...

EACN: Foi um concurso, né?

JEAL: Foi concurso público. Porque foi feito um projeto dentro da EMURB de várias passarelas,
passarela não é uma solução boa e isso levantou muita polêmica entre os arquitetos, criticando o

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projeto das passarelas. Eram umas cinco ou seis passarelas, e passarela realmente não é uma boa
solução.

EACN: O concurso foi na época do Reynaldo?

JEAL: Foi.

EACN: O Jorge já tinha ganhado?

JEAL: O Jorge ganhou nessa ocasião. Eu acho que da parte do Reynaldo foi o seguinte, surgiu
aquela polêmica toda das passarelas e levaram a ideia de fazer um concurso e acho que ele disse o
seguinte: “olha, sob as passarelas, com o concurso a gente põe os arquitetos todos para ficarem
conversando, debatendo, não ficam perturbando e a implantação fica por conta do próximo
prefeito”. Fica com mérito de fazer o concurso e deixa o “abacaxi” para o próximo. O que a gente
previa nesse projeto era justamente abrir os prédios, reformular essa relação entre unir os prédios
e o espaço público, e facilitar a circulação também por baixo do Viaduto do Chá.

EACN: é verdade, porque é fechada hoje, né?

JEAL: É fechada.

EACN: Do Viaduto do Chá, você diz?

JEAL: Embaixo do Viaduto do Chá.

EACN: Tem uma passarela ali, né?

JEAL: Tinha.

EACN: Não tem mais?

JEAL: A passarela foi retirada. Uma das melhores passarelas projetada em São Paulo era essa.
Passarela do Crocce e Gasperini. Era uma passarela lindíssima. (...) O que nós prevíamos, por
exemplo? Quando foi projetado o Viaduto do Chá, tinha a Galeria Prestes Maia de um lado e do
outro lado tinha a mesma coisa, a galeria que nós chamamos de Galeria Formosa.

EACN: Era do Museu do Teatro Municipal?

JEAL: Antes disso era a Escola de Bailado, a Escola de Ballet, que tinham os salões. Porque eram
salões grandes, que tinham escadarias. Você lembra que tinha uma passagem ao lado do Mappin,
entre o Mappin e a Light? Tinha a escadaria que passava por baixo, você chegava no outro lado.
Então, essa ligação por baixo, ela tinha uma ligação que abria e dava dentro desses salões que
estavam sempre fechados. Eu quando criança não lembrava disso, porque estava sempre fechado.
Mas tinha essa ligação. Assim como tinha a escada do outro lado, que é a Galeria Prestes Maia, foi
reformulada para colocar as escadas rolantes, nos anos 50. Essa escadaria ela foi interrompida
porque foi colocado lá o Centro de Arrecadação de Impostos Municipais, que tem um cofre. E é
muito curioso, porque na parte debaixo de que dava acesso à Rua Formosa, era um restaurante da
Liga das Senhoras Católicas, um restaurante popular, e chegava no lugar tinha uma escadaria que
entrava numa parede. Tinha essa escadaria que era bloqueada por um cofre, em cima da escadaria
de granito e tudo mais.

EACN: Isso do lado do Municipal, então?

JEAL: Do lado do Municipal. Nós propusemos reabrir e passar por baixo, e outra coisa, que tinha
que passar pela CONPRESP, que era a abertura... Os pilões do Viaduto do Chá, aquilo não é um
maciço, aquilo lá não é um monumento egípcio, tem colunas, então a gente propôs abrir. Você
descia pelo coberto, atravessava o Vale, abria do outro lado. Você fazia a ligação da Galeria

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Prestes Maia com a Galeria Formosa por baixo do viaduto. A Galeria Prestes Maia e a outra
galeria têm locais para você criar locais agradáveis. Inclusive, do lado da Galeria Formosa, dando
para a Praça Ramos de Azevedo, tem um negócio lá de centro terceira idade. É um salão de
convivência, um muro que separa do jardim. Então, você tem um local de convivência aqui
separado do jardim por um muro. Então, na Operação Centro, a gente imaginou, na gestão do
Serra e Kassab, intervenções de melhoria do centro propriamente dito, mas não foram para frente.
Mas com o Haddad foi muito pior. Recentemente, tem um camarada que organiza visitas noturnas
ao centro e a gente foi. Não dá para você circular pelo Anhagabaú, está cheio de morador de rua.
Isso aqui não é lugar para passear. O que chamou a atenção de forma positiva foi o [Restaurante]
Bovinus Grill, de noite aberto e cheio de gente, com musica tocando dentro. Eu achei positivo,
apesar de ser fechado para a rua, está cheio. Fizeram uma coisa que movimenta de noite. Ali num
tem morador de rua e fica cheio.

EACN: Aquele Projeto Boraceia parecia ser um projeto interessante, de você tentar reinserir o
morador em situação de rua. Porque essa é uma situação que precisa ser trabalhada para recuperar
esse espaço, tem que ter uma política pública de inserção desse pessoal.

JEAL: Esse que é o grande problema, a cultura e o ambiente urbano têm que ser objetos de
políticas públicas, uma ação consistente, com metas e progressiva. Senão tem uma intervenção
aqui, uma intervenção lá e não se chega a constituir uma política pública e no primeiro obstáculo é
deixado de lado. E o problema é ter prefeitos que entendam isso e que assumam uma política
pública. E prefeitos que não são arquitetos são mais difíceis de entender.

EACN: Qual era a equipe que tinha nessa época da Erundina, que desenvolveu essas operações?
Era o Mcfadden, né?

JEAL: O Mcfadden era diretor de Planejamento de Projeto. Eu ocupei a chefia do Departamento


de Operações Urbanas desde que foi criado praticamente até quando eu saí, na gestão Marta.

EACN: Passou para a SEMPLA, né? Saiu um pouco da SP Urbanismo e passou para a SEMPLA,
né?

JEAL: Quando foi na gestão Erundina, era basicamente da EMURB. Internamente, na Operação
Água Espraiada quem trabalhou, por exemplo, foi a Marilena Fajersztajn. Na Operação
Anhangabaú, um pouco a Rita Gonçalves. A Rita Gonçalves trabalhou nisso, a Marilena, o Vladir
Bartalini, irmão do Vladimir. Na SEMPLA, era o Singer e o Sandroni. Depois, posteriormente,
quando foi a gestão Maluf, teve o Marcos Cintra, que foi uma coisa um pouco menos direta que a
do Richter. A do Richter era muito os aspectos financeiros realmente. Mas o Cintra também é um
economista, ele não está em sintonia com os problemas urbanos, mesmo as formas de
encaminhamento. Quando eu estava no CONPRESP, o Cintra estava na administração do Kassab,
e eles queriam fazer uma venda de terrenos ali perto da Faria Lima, próximo ao Parque do Povo, é
uma área com vários equipamentos públicos, como escolas e tudo mais. Imagina que veio uma
solicitação assinada pelo Cintra ao CONPRESP para que nós afirmássemos que aquela região não
tinha valor.

EACN: Desafetar a área e vender para o mercado imobiliário. E ele era vereador, né? Ou era
secretário?

JEAL: Acho que ele era secretário, ele estava no executivo. Bom, quando veio para nós ele acabou
de assinar a inviabilidade de dar esse parecer. Como você vem para nós já dizendo como deve ser?
Quer dizer que não tem valor? “Olha, [Carlos Augusto] Calil, ele acabou de assinar o atestado de
óbito dessa iniciativa”.

No caso da Operação Água Branca, um dos elementos importantes do projeto era o tratamento da
chama Orla Ferroviária. Tem toda uma área que vai da Estação da Luz até a Lapa, onde você tem
lado a lado o leito da antiga Sorocabana e da Santos-Jundiaí, São Paulo Railway. Elas passam no
mesmo sentido, mas não são contíguas, têm uns espaços vazios no meio. E nós tomamos muita

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iniciativa no sentido de reformular isso no sentido de aproximar as linhas. Então, o projeto que foi
desenvolvido, eu que levei ao Jorge Wilheim foi a questão do “Bairro Novo”. O Bairro Novo tinha
uma área que era gleba Pompeia...

EACN: Que era encaraclada, né? Questão fundiária indefinida...

JEAL: Essa área, eu me lembro, inicialmente estava na EMURB a questão da gleba Pompeia, e na
SEHAB... o Domingos estava estudando esse negócio, estava examinando todos os processos
referente àquela área e eu tomei algum contato. Posteriormente, quando foi da Operação Água
Branca também, inclusive fizemos reuniões com os proprietários para tentar chegar a uma solução,
porque a operação urbana era o mecanismo de resolver aquele problema fundiário, tinha
instrumentos suficientes para a participação, só que tinha muita rivalidade e rixas internas.
Quando eu saí da EMURB em 2001, um dos grupos de proprietários me convidou para dar uma
assessoria, que era o grupo do Israel Dias Novaes, foi político em São Paulo, vereador durante
muito tempo. A mulher dele que tinha antepassados que forma proprietários dessa área. Foram
quatro proprietários que na década de 20 compraram do Governo do Estado uma área grande, que
ficava ali na várzea do Sales. E a Prefeitura tinha a diretriz de uma avenida que seria continuação
do Viaduto Pompeia, seguiria em linha reta até a marginal. Só que depois a Prefeitura, quando
implantou o viaduto na gestão posterior, na segunda gestão do Prestes Maia. Antes até. Em vez
de seguir em linha reta, ia fazer uma curva e pegar ao contrário. Então, tinham diretrizes de
ocupação que esses quatro proprietários da época não aprovaram. Eles fizeram uma divisão entre
si, não fizeram a aprovação do loteamento, registraram no Registro de Imóveis a divisão, sem
aprovar na Prefeitura, deixando o espaço das ruas. Mas como não foi aprovada pela Prefeitura, ela
se transformou nessa área que não era regularizada, os loteamos em volta foram feitos seguindo as
diretrizes novas da Prefeitura, por isso que não casa as ruas. Então, era um rolo realmente. Não
tinha área invadida, mas tinha essa situação fundiária não resolvida. Eu dei orientações, fizemos
encaminhamentos com sugestões da Prefeitura. Quando foi a candidatura do Jorge para os Jogos
Olímpicos, ele sabia que existia a operação urbana, mas não em detalhes. Quando eu saí da
Prefeitura, levei ao Jorge, pedi uma audiência. “Essa área está irregular e os mecanismos da
operação urbana podem resolver isso”.

EACN: É interessante isso. Quer dizer que o Jorge não tinha esse vínculo com a operação? Não
era muito a par? Porque a primeira vez que surge o termo operação urbana era no Plano Diretor
de 85.

JEAL: Ah sim, mas era outra concepção. Era um conjunto de intervenções localizadas, chamava
de operação, mas não tinha os mecanismos financeiros.

EACN: E quem veio com essa ideia? Da operação de 85, do Plano Diretor do Mario Covas.

JEAL: Eu não sei. Pode ser que seja a ideia do Jorge chamar de operação urbana, mas não tem o
mecanismo financeiro da venda de potencial.

EACN: Não tinha ainda, digamos assim, um mecanismo por trás, era só o projeto.

JEAL: Era um conjunto de intervenções localizadas em uma determinada área. Como no Setúbal
tinha tido a Operação Centro, as ruas de pedestres, o viaduto Santa Ifigênia, não tinha esse caráter
dessa ligação de intervenções localizadas com mecanismos financeiros foi na Erundina, na
Anhangabaú, quando juntou a operação interligada com a operação urbana.

EACN: E a operação interligada também não descobre quem é o pai, né?

JEAL: A ideia está muito ligada ao Jânio Quadros, à lei do desfavelamento. Era a para ser
interligada porque era a ligação entre investimento e autorização para construir com a remoção de
favelas. Interligada porque era interligada com o desfavelamento.

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EACN: É porque o Plano Diretor do Jânio foi aprovado por decurso de prazo e ele não tinha
implementado nada. Ele só aprovou porque tinha uma necessidade legal. Mas já aparece na lei do
plano diretor a operação interligada.

JEAL: Tem esse livro aqui “Caminhos para Centro”, com texto meu que fala das operações
urbanas.

EACN: Queria que você falasse um pouco da viagem que você fez a França. Você foi com a Malu
[Maria Lúcia Refinetti Martins] e a Cristina [Leme] para França em 1975, não é?

JEAL: E tinha mais uma pessoa, a Maria Cecília Cardoso Figueiredo da Silva. Depois ela saiu da
EMURB. Ela entrou na mesma época que eu na EMURB e ela trabalhou no projeto
principalmente ali do Brás, da ocupação do Brás.

EACN: E você foi com a turma que foi com o Cândido ou não, para França?

JEAL: Foram duas coisas. Nós fomos ao mesmo tempo, mas foi uma da EMURB e outra da
SEMPLA.

EACN: Porque a Malu falou que a da SEMPLA foi justamente ajudar nessa pesquisa dos
instrumentos urbanísticos.

JEAL: E nós fomos ao IAURIF, nós não ficamos exatamente na mesma época. Teve um pequeno
lapso de tempo. Foi na mesma época, mas não no mesmo tempo. Cecília e eu fomos para o
IAURIF, que é o Instituo de Planejamento da Região Metropolitana de Paris, e estudar
justamente o sistema de planejamento, de intervenções urbanas lá. E a questão das zonas, ZADs e
ZACs, Zones d’Aménagement Différé e Zones d’Aménagement Concerté, que substituíam as
ZUPS, Zones d’Urbanisation en Priorité. E foi muito interessante, a gente aprendeu muito.

EACN: E você acha que isso teve, de certa forma, alguma influência no desenho das operações?

JEAL: Eu acho que sim, porque a ideia de você definir um perímetro no interior do qual você
altera as regras de uso e ocupação do solo é a ZAC, Zone d’Aménagement Concerté, zona de
agenciamento acordado, sendo que Concerté é fazer acordos. Porque a Zone d’Aménagement
Différé é uma zona de congelamento, de agenciamento postergado. Então a ZAD é uma reserva de
área, mas a ZAC é para fazer obras. Inclusive é interessante, porque você tem um sistema de
separação do maître d’oeuvre e maître d’ouvrage, separados na concepção, a direção urbanística e a
direção de obras. E tem todo o mecanismo administrativo, principalmente por causa das cidades
novas, mas no interior das ZACs como é o caso do Departamento de Les Halles. La Défense é uma
ZAC no interior da qual existe um organismo criado especificamente para ela. A diferença da
EMURB para as empresas EPAD, que é Établissement Public d’Aménagement de la Défense, A
EPAD era a EMURB criada para La Défense, e o SEMAH, Société d’Economie Mixte
d’Aménagement des Halles, também era uma EMURB criada especificamente. Então, nesses
casos, essas “EMURBs” específicas tinham o poder de desenvolver [o projeto], de fazer
desapropriações, fazer todo o balanço financeiro, aplicar, contratar, definir os parâmetros
urbanísticos, ou seja, tinham muita liberdade de fazer coisas. Isso aqui com a corrupção que a
gente tem é um prato cheio, mas lá a coisa caminha diferente.

EACN: A coisa funciona né? Funciona bem.

JEAL: Funciona bem. Então, a EMURB, eu acho que aqui foi criada bem à imagem dos
estabelecimentos públicos, das empresas públicas, mas com essas múltiplas funções, acabou
ficando muito empreiteira de obra. Mas a ideia da ZAC, de que é uma empresa que cuida do
agenciamento é muito interessante. Eu incorporei muito, digamos, dessas noções, dessa visão de
planejamento. Então, eles são um modelo exemplar de como encarar essa questão da intervenção
urbana no tempo e no espaço.

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EACN: A EMURB foi criada por conta das obras do Metrô. O primeiro presidente dela foi o
[Roberto] Cerqueira Cesar, que ao mesmo tempo era também secretário da COGEP. Será que ele
tinha essa ideia quando e EMURB foi criada?

JEAL: Na gestão Setúbal, isso era muito claro, porque o [Ernest Carvalho] Mange era bastante
francófilo, e foi em grande parte iniciativa dele nos mandar para a França. Encontramo-nos lá, por
sinal. Ele e o Domingos [Theodoro de Azevedo Netto] foram à França mais ou menos na mesma
época. Mas foi com essa ideia de aproximar do conhecimento, da questão do planejamento, do
Plano Diretor. Para mim, o conceito francês é mais adequado. O Plano Diretor não tem,
diretamente, nada a ver com zoneamento. No Esquema Diretor, Schéma Directeur, os mapas
deliberadamente não são representações fieis da realidade. São manchas. Porque para o Jorge
[Wilheim], o Benjamin [Adiron Ribeiro] e outros, a ideia do plano é muito detalhada. Não pode.

EACN: Para o [Luiz Carlos] Berrini também. A Sarah Feldman fala muito do Berrini que tinha
influência do zoneamento americano.

JEAL: E é zoneamento. Entra em detalhes no Plano Diretor... O Plano Diretor o que tem que
definir? As grandes linhas de fluxos, os grandes equipamentos, e as formas de ocupação dessas
grandes áreas. É uma coisa vista a distância, você não pode ficar no detalhe e dentro do sistema
francês, o Plano Diretor é pas opposable aux tiers, quer dizer, não se opõe a terceiros. O Plano
Diretor não estabelece restrições aos particulares, não tem nada a ver. O que estabelece
[restrições] é o POS – Plano de Ocupação do Solo. O Plano Diretor cria restrições aos
administradores, aos eleitos. Ele tem que ser obedecido pelos administradores. O privado não.
Então, se o camarada quer fazer o plano de uma avenida, se não estiver no Schéma Directeur, ele
pode ser contestado e contraposto judicialmente. Mas o que estabelece as restrições é o POS,
Plano de Ocupação do Solo, que é detalhado para caramba. Eu tenho os planos do POS de Paris.
Ele é ultra detalhado, com gabarito, quadra por quadra. O Schéma Directeur define grandes
linhas: hospitais, terminais de transporte, estabelece essas grandes funções, essas grandes linhas,
sem entrar em muitos detalhes. O plano do Jorge [Wilheim], ao meu ver, esse último foi um
desserviço, muito detalhado.

EACN: Gostaria que você falasse da participação do Duca [Domingo Theodoro de Azevedo
Netto]. Parece que o Duca é um cara que perpassa isso tudo. Ele estava nessa discussão inicial do
solo criado, depois ele vai para a França, como você falou.

JEAL: Nós fomos, a Cecília e eu, depois a Malu e a Cristina, ficamos dois meses, dois meses e meio
lá dentro do órgão, conhecendo bem, bem detalhado. Eu acho que o Duca e o Mange tiveram um
papel importante na EMURB. De certa forma, o Domingos era o cara mais ligado às questões
urbanas que o Mange. O Mange era mais arquiteto mesmo. E a Clementina [De Abrosis]. Na
EMURB, depois na SEMPLA, eram os dois que estavam sempre juntos. Ele [Duca] continuou
atuando na Prefeitura, de uma forma importante, colaborando com essa parte dos planos,
ocupação... Agora, do ponto de vista mais executivo, ele teve mais autonomia na época da
EMURB, depois dentro da SEMPLA eu não acompanhei tanto. Se você tiver oportunidade,
entreviste a Clementina.

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