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Geriatria Prática Clínica 2ed 2023

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EDITORES

PAULO DE OLIVEIRA DUARTE


JOSÉ RENATO G. AMARAL
© Editora Manole Ltda., 2023 por meio de contrato com os editores

Editora: Patricia Alves Santana


Projeto gráfico: Departamento Editorial da Editora Manole
Diagramação: Elisabeth Miyuki Fucuda
Ilustrações: Luargraf Serviços Gráficos
Capa: Ricardo Yoshiaki Nitta Rodrigues

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G319
2. ed.

Geriatria : prática clínica / editores Paulo de Oliveira Duarte, José Renato G.


Amaral. - 2.
ed. - Barueri [SP] : Manole, 2023.
: il.

Apêndice
Inclui bibliografia e índice
ISBN 9786555767155

1. Geriatria. 2. Clínica médica. I. Duarte, Paulo de Oliveira. II. Amaral, José


Renato G.

23-82471 CDD: 618.97


CDU: 616-053.9

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

Edição – 2023

Editora Manole Ltda.


Alameda América, 876
Tamboré – Santana de Parnaíba – SP – Brasil
CEP: 06543-315
Fone: (11) 4196-6000
manole.com.br | atendimento.manole.com.br
Sobre os editores

Paulo de Oliveira Duarte


Residência Médica em Clínica Médica e Geriatria pelo
HCFMRP-USP. Especialista em Geriatria pela SBGG/AMB e
área de atuação em Cuidados Paliativos/AMB. Especialista
em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium
Latinoamérica (Buenos Aires, ARG). Doutor em Ciências
Médicas pela Divisão de Geriatria do Departamento de
Clínica Médica da FMRP-USP. Presidente da Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção São Paulo
(SBGG-SP) – gestão 2022-2024.

José Renato G. Amaral


Graduado em Medicina pela FMUSP. Residência em Clínica
Médica pela FMUSP. Especialista em Clínica Médica pela
SBCM/AMB. Residência em Geriatria e Gerontologia pela
FMUSP. Especialista em Geriatria pela SBGG/AMB. Médico
Assistente do Serviço de Geriatria do HCFMUSP.
Coordenador dos cursos teóricos de Educação Continuada
e Atualização em Geriatria da Disciplina de Geriatria da
FMUSP.
A Medicina é uma área do conhecimento em constante evolução. Os
protocolos de segurança devem ser seguidos, porém novas pesquisas e
testes clínicos podem merecer análises e revisões, inclusive de regulação,
normas técnicas e regras do órgão de classe, como códigos de ética,
aplicáveis à matéria. Alterações em tratamentos medicamentosos ou
decorrentes de procedimentos tornam-se necessárias e adequadas. Os
leitores, profissionais da saúde que se sirvam desta obra como apoio ao
conhecimento, são aconselhados a conferir as informações fornecidas pelo
fabricante de cada medicamento a ser administrado, verificando as
condições clínicas e de saúde do paciente, dose recomendada, o modo e a
duração da administração, bem como as contraindicações e os efeitos
adversos. Da mesma forma, são aconselhados a verificar também as
informações fornecidas sobre a utilização de equipamentos médicos e/ou a
interpretação de seus resultados em respectivos manuais do fabricante. É
responsabilidade do médico, com base na sua experiência e na avaliação
clínica do paciente e de suas condições de saúde e de eventuais
comorbidades, determinar as dosagens e o melhor tratamento aplicável a
cada situação. As linhas de pesquisa ou de argumentação do autor, assim
como suas opiniões, não são necessariamente as da Editora.
Esta obra serve apenas de apoio complementar a estudantes e à prática
médica, mas não substitui a avaliação clínica e de saúde de pacientes,
sendo do leitor – estudante ou profissional da saúde – a responsabilidade
pelo uso da obra como instrumento complementar à sua experiência e ao
seu conhecimento próprio e individual.
Do mesmo modo, foram empregados todos os esforços para garantir a
proteção dos direitos de autor envolvidos na obra, inclusive quanto às
obras de terceiros e imagens e ilustrações aqui reproduzidas. Caso algum
autor se sinta prejudicado, favor entrar em contato com a Editora.
Finalmente, cabe orientar o leitor que a citação de passagens desta obra
com o objetivo de debate ou exemplificação ou ainda a reprodução de
pequenos trechos desta obra para uso privado, sem intuito comercial e
desde que não prejudique a normal exploração da obra, são, por um lado,
permitidas pela Lei de Direitos Autorais, art. 46, incisos II e III. Por outro,
a mesma Lei de Direitos Autorais, no art. 29, incisos I, VI e VII, proíbe a
reprodução parcial ou integral desta obra, sem prévia autorização, para
uso coletivo, bem como o compartilhamento indiscriminado de cópias não
autorizadas, inclusive em grupos de grande audiência em redes sociais e
aplicativos de mensagens instantâneas. Essa prática prejudica a normal
exploração da obra pelo seu autor, ameaçando a edição técnica e
universitária de livros científicos e didáticos e a produção de novas obras
de qualquer autor.
Sobre os autores

Abel de Barros Araújo Filho


Especialização – Residência Médica em Clínica Médica,
Pneumologia e Medicina do Sono pelo HCFMRP-USP.
Docente de Pneumologia da Universidade Federal do Piauí.

Adriana Polachini do Valle


Médica e Professora Associada do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp.

Aldo Agra de Albuquerque Neto


Doutor em Pneumologia pela Unifesp. Residência Médica
em Pneumologia pela Unifesp. Professor de Pneumologia
do CESMAC.

Ana Carolina Coelho


Graduação em Fisioterapia pelo Centro Universitário Barão
de Mauá. Aprimoramento em Fisioterapia em Ortopedia e
Traumatologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da USP. Especialização em
Ortopedia e Traumatologia pelo Centro Universitário Barão
de Mauá. Trabalhou como fisioterapeuta da Organização
Educacional Barão de Mauá e atualmente é fisioterapeuta
responsável na área de Gerontologia do Centro de
Reabilitação CER HCFMRP-USP.

Ana Carolina Devitto Grisotto


Preceptora do Programa de Residência Médica da
especialidade de Geriatria no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP. Residência Médica em
Geriatria pelo HCFMUSP.

Ana Julia de Lima Bomfim


Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Doutoranda em Saúde Mental pela USP.

Andréa Silva Gondim


Médica Assistente do Serviço de Geriatria do Hospital
Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade
Federal do Ceará (UFC). Docente na Disciplina de Geriatria
do Centro Universitário Christus. Coordenadora Médica do
Serviço de Clínica Médica do Hospital Geral Dr. Waldemar
Alcântara (HGWA). Médica Geriatra com Residência
Médica pelo HUWC da Universidade Federal do Ceará
(UFC). Mestranda em Ensino em Saúde e Tecnologias
Educacionais pelo Centro Universitário Christus.

Antonio Carlos Pereira Barretto Filho


Médico Assistente do Serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Bruna Macêdo de Carvalho


Residência em Clínica Médica pela Unifesp. Residência em
Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP.
Camila Pinto De Nadai
Especialista em Geriatria pela SBGG. Área de atuação em
Cuidados Paliativos. Mestre em Ensino em Saúde pelo
Centro Universitário Unichristus. Docente do Curso de
Medicina pelo Centro Universitário Unichristus.

Claudia Kimie Suemoto


Professora Associada da Disciplina de Geriatria da
Faculdade de Medicina da USP.

Claudia Sayuri Furukawa Oshiro


Médica Fisiatra. Residência em Medicina Física e
Reabilitação pela Faculdade de Medicina da USP.

Cybele Cunha Faria


Residência Médica em Geriatria pela Faculdade de
Medicina da USP. Especialista em Clínica Médica pela
Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM). Residência
Médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de
São José do Rio Preto (FAMERP).

Daniel Apolinario
Doutor em Ciências pelo Departamento de Neurologia da
FMUSP. Gerente de Práticas Médicas do Hospital do
Coração (HCor) de São Paulo.

Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami


Colaborador do Serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
USP. Especialista em Geriatria pelo HC-FMRP-USP.
Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMRP-USP. Médico
graduado pela FMRP-USP.
Daniel Rubio de Souza
Médico Fisiatra do Instituto de Ortopedia e Traumatologia
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
e do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro. Especialista
em Medicina Física e Reabilitação pela ABMFR.

Daniela Cristina Carvalho de Abreu


Graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal de
São Carlos. Mestrado em Bioengenharia pela USP.
Doutorado em Cirurgia pela Universidade Estadual de
Campinas. Pós-doutorado em Neurologia pela Universidade
Estadual de Campinas. Professora do Curso de Fisioterapia
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, pelo
Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do
Aparelho Locomotor, responsável pelas Disciplinas de
Reumatologia e Gerontologia. Coordena a Divisão de
Reabilitação de Equilíbrio no Setor de Fisioterapia do
Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas da FMRP
USP e do Centro Integrado de Reabilitação do Hospital
Estadual de Ribeirão Preto HERP.

Décio Mion Júnior


Professor Livre-docente pela Faculdade de Medicina da
USP.

Denise Junqueira dos Santos


Médica-residente do Serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Diego Villa Clé


Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da USP. Residência Médica em Clínica
Médica e em Hematologia e Hemoterapia pelo Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(HCFMRP) da USP. Título de Especialista em Hematologia
e Hemoterapia concedido pela Associação Brasileira de
Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
Doutor em Ciências Médicas pela FMRP-USP.
Hematologista e Diretor da Divisão de Laboratórios de
Análises Clínicas do HCFMRP-USP.

Diocésio Alves Pinto de Andrade


Oncologista Clínico e Diretor Técnico do InORP –
Oncoclínicas. Fellowship em Pesquisa Clínica na
Universidade Católica de Louvain (Bruxelas, Bélgica).
Diretor Financeiro e Membro Fundador do EVA – Grupo
Brasileiro de Tumores Ginecológicos. Doutor em
Oncoginecologia pelo Hospital de Câncer de Barretos.

Edison Iglesias de Oliveira Vidal


Médico Especialista em Geriatria com área de atuação em
Medicina Paliativa pela AMB. Mestrado e Doutorado em
Saúde Coletiva pela Unicamp. Livre-docência em Geriatria
pela Unesp. Professor Associado da Disciplina de Geriatria
da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp.

Eduardo Borges de Oliveira


Especialista em Geriatria pela SBGG/AMB. Doutor em
Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP. Médico Assistente e Coordenador
Interdisciplinar da Equipe de Geriatria do HCFMRP-USP.
Professor Colaborador do Curso de Graduação de Geriatria
da FMRP-USP.

Eduardo Ferriolli
Professor Titular da Disciplina de Geriatria da Faculdade
de Medicina da USP.

Ellen Diniz de Andrade Lessa


Residência em Clínica Médica e Geriatria pelo Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP. Título de Especialista em Geriatria pela
SBGG.

Erika Satomi
Médica Geriatra. Especialista em Medicina do Sono e
Cuidados Paliativos. Doutora pelo Programa de Ciências
Médicas da Faculdade de Medicina da USP. Responsável
pelo Serviço de Cuidados Paliativos e Suporte ao Paciente
do Hospital Israelita Albert Einstein.

Eugênia Jatene Bou Khazaal Berjeaut


Médica Colaboradora do Serviço de Geriatria do
HCFMUSP. Residência Médica em Geriatria pelo
HCFMUSP. Residência Médica em Clínica Médica pela
EPM/Unifesp.

Fábio Campos Leonel


Diretor do Serviço de Clínica Médica do IAMSPE – HSPE.
Médico Assistente do Serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Felipe Arriva Pitella


Médico Especialista em Medicina Nuclear pela Faculdade
de Medicina da USP. Doutorado pelo Departamento de
Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP. Médico Assistente da Seção de Medicina
Nuclear do HC-FMRP-USP.
Felipe Vecchi Moreira
Médico Geriatra. Diretor Médico da BSL Saúde.
Coordenador da Residência de Clínica Médica do
HSPE/IAMSPE.

Fernanda Bono Fukushima


Professora Associada do Departamento de Especialidades
Cirúrgicas e Anestesiologia da Faculdade de Medicina de
Botucatu da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (Unesp). Disciplina de Terapia Antálgica e
Cuidados Paliativos. Especialista em Anestesiologia
SBA/AMB. Especialista em Dor SBA/AMB. Especialista em
Cuidados Paliativos SBA/AMB.

Fernando Nobre
Doutor pela USP. Colaborador da Seção de Cardiologia da
USP Ribeirão Preto. Ex-presidente do Departamento de
Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de
Cardiologia. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de
Hipertensão. Fellow do American College of Cardiology.
Fellow da European Society of Cardiology. Member of
Inter-American Society of Hypertension.

Flávia Barreto Garcez


Doutora em Ciências Médicas pela USP. Professora Adjunta
do Departamento de Medicina da Universidade Federal de
Sergipe (UFS). Professora da Pós-graduação em Geriatria
do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês.
Chefe do Ambulatório de Memória e Envelhecimento do
Hospital Universitário da UFS. Médica Colaboradora do
Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP.
Flávia Tiemi Tashiro Nakamura
Graduação pela Faculdade de Medicina da USP. Residência
em Clínica Médica pela Unifesp. Residente de Geriatria no
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Flavio Eduardo Trigo Rocha


Professor Livre-docente de Urologia da Faculdade de
Medicina da USP. Ex-Fellow Urologia University da
California San Francisco, nos EUA. Coordenador do Centro
de Incontinência Urinária do Hospital Sírio-Libanês.

Francine de Cristo Stein


Médica Geriatra pela Faculdade de Medicina da USP. Título
de Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG) e área de atuação em
Medicina Paliativa pela AMB. Coordenadora da Equipe de
Geriatria do Hospital São Camilo São Paulo – Unidade
Ipiranga. Coordenadora da Equipe de Cuidados Paliativos
dos Hospitais São Camilo – SP. Coordenadora da Equipe de
Cuidados Paliativos do Hospital Samaritano Higienópolis –
SP.

Gabriela Carolina Borges


Médica-residente em Gastroenterologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Gabriella Pequeno Costa Gomes de Aguiar


Mestre em Ciências Médico-Cirúrgicas pela Universidade
Federal do Ceará. Residência Médica em Geriatria pelo
HCFMUSP. Residência Médica em Clínica Médica pelo
Hospital Geral de Fortaleza (HGF).

Giovana de Gobbi Azevedo


Médica Endocrinologista pela Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Doutoranda em
Clínica Médica pela USP.

Gustavo Jardim Volpe


Médico Assistente da Divisão de Cardiologia do
Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Gustavo Novelino Simão


Médico Radiologista pela Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Mestrado e Doutorado pela
FMRP-USP. Médico do Setor de Neurorradiologia do HC-
FMRP-USP. Médico Radiologista da CEDIRP (Ribeirão
Preto). Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia.

Helena Palocci
Médica-residente de Geriatria pela Faculdade de Medicina
da USP. Residência em Clínica Médica pelo Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP.

Helena Teixeira Araújo da Silva


Graduação em Medicina pela Universidade Federal de
Pernambuco. Residência em Clínica Médica pelo Hospital
das Clínicas da UFPE. Médica-residente de Geriatria no
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP.

Jarbas de Sá Roriz Filho


Professor do Departamento de Medicina Clínica da
Universidade Federal do Ceará (FAMED-UFC). Doutor em
Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da USP (FMRP-USP). Residência em Clínica Médica e
Geriatria no Hospital das Clínicas da FMRP-USP.
Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG). Presidente do Instituto de
Geriatria e Gerontologia do Ceará (INGGÁ).

João Carlos Papaterra Limongi


Doutor em Neurologia pela USP. Neurologista do Grupo de
Distúrbios do Movimento do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP. Membro Titular da
Academia Brasileira de Neurologia.

João Henrique Nogueira


Residência Médica em Hematologia e Hemoterapia pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP. Especialista em Hematologia e
Hemoterapia pela ABHH. Médico Assistente do Serviço de
Hemoterapia da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto.

José Renato G. Amaral


Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da
USP. Residência em Clínica Médica pela FMUSP.
Especialista em Clínica Médica pela SBCM/AMB.
Residência em Geriatria e Gerontologia pela FMUSP.
Especialista em Geriatria pela SBGG/AMB. Médico
Assistente do Serviço de Geriatria do HCFMUSP.
Coordenador dos cursos teóricos de Educação Continuada
e Atualização em Geriatria da Disciplina de Geriatria da
FMUSP.

José Rosemberg Costa Lima Filho


Neurologista, Fellowship em Neurologia Vascular e
Neurossonologia no HCFMRP-USP. Pós-graduando no
Programa de Mestrado Profissional em Neurologia do
Departamento de Neurociências e Ciências do
Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da USP.

Juarez Roberto Vasconcelos


Médico-residente em Gastroenterologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Juliano Silveira de Araújo


Graduação em Medicina pela Universidade Estadual do
Piauí (UESPI). Residência em Clínica Médica pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Residência em Geriatria pela Faculdade de Medicina da
USP (FMUSP). Título de Especialista pela Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Especialização em Distúrbios da Cognição pela FMUSP.
Especialização em Cuidados Paliativos pelo IEP do Hospital
Sírio-Libanês. Diretor Científico da ABRaz (Associação
Brasileira de Alzheimer), Seccional RN. Médico do Serviço
de Cuidados Paliativos do Hospital Monsenhor Walfredo
Gurgel (HMWG).

Laís Araújo dos Santos Vilar


Médica Geriatra pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Residência de
Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da USP.

Laiss Bertola de Moura Ricardo


Pesquisadora de Pós-doutorado na Escola Paulista de
Medicina da Unifesp. Pós-doutorado pela USP. Doutora e
Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Psicóloga e Neuropsicóloga.
Lara Guimarães Queiroz Silva
Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Residência de Neurologia no Hospital São Rafael.
Fellowship em Neurologia Vascular e Neurossonologia na
USP Ribeirão Preto.

Lígia Carvalheiro Fernandes


Enfermeira do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
(TRT2). Especialista em Gestão em Enfermagem e Gestão
Pública.

Leonardo Pippa Gadioli


Médico Assistente do Centro de Cardiologia do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP. Responsável pelos Ambulatórios de Cardio-
Oncologia e Reabilitação. Doutorado em Ciências Médicas
pela FMRP-USP.

Leonardo Trovo Zilotti


Médico-residente do Serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Loren Suyane Oliveira de Andrade


Geriatra pela SBGG/AMB. Geriatria pelo HCFMUSP.
Cardiogeriatria pelo InCor-HCFMUSP.

Luciana Louzada Farias


Médica Geriatra formada pelo Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP. Titulada pela SBGG.
Diretora da SBGG SP 2022-24. Preceptora do Serviço de
Geriatria do HCFMUSP e do Servidor Público Estadual de
São Paulo. Coordenadora da Equipe de Cuidados Paliativos
da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo e
Samaritano Higienópolis – SP. Coordenadora da Equipe de
Geriatria do Hospital São Camilo Ipiranga – SP.

Luis Felipe Moraes Falavigna


Médico Geriatra. Membro da Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia. Livre-docente do curso de
medicina do Centro Universitário de Maringá
(UniCesumar).

Madson Alan Maximiano-Barreto


Psicólogo. Doutorando em Psicologia. Mestre em
Gerontologia pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar).

Marcelo Bezerra de Menezes


Docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Doutor em
Clínica Médica pela FMRP-USP.

Marcelo Valente
Professor do Setor de Geriatria da Santa Casa de São Paulo
e da Faculdade de Medicina do ABC. Presidente da
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Marcos Daniel Cabral Saraiva


Doutorado em Ciências Médicas pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Título de
Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG). Coordenador da
Disciplina de Geriatria da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo. Médico Colaborador do
Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Marcos Hortes N. Chagas
Doutorado em Neurociências. Médico Psicogeriatra.
Coordenador do Programa de Residência Médica em
Psiquiatria do Instituto Bairral de Psiquiatria. Professor
afiliado do Programa de Pós-graduação em Saúde Mental
da USP.

Marcus Vinicius Simões


Professor Associado de Cardiologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Coordenador
da Clínica de Insuficiência Cardíaca do HC-FMRP-USP.

Maria do Carmo Sitta


Professora Colaboradora da Disciplina de Geriatria da
Faculdade de Medicina da USP. Médica supervisora da
Disciplina de Geriatria na COREME (Comissão de
Residência Médica da FMUSP). Médica Supervisora do
Grupo de Interconsultas do Serviço de Geriatria do
HCFMUSP. Médica Coordenadora do Ambulatório de
Osteoporose do Serviço de Geriatria do HCFMUSP. Doutora
em Medicina pelo Departamento de Patologia da FMUSP.

Maria Guiomar Silveira de Araújo Azevedo


Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Graduação em Psicologia pela
Universidade Potiguar (UnP) – RN. Especialista em Terapia
Cognitivo-Comportamental pela UNIFIA-SP. Especialista em
Gerontologia e Políticas Públicas do Envelhecimento
Humano pela Unifacex – RN.

Maria Laura Lazaretti Perini


Geriatra pela Faculdade de Medicina da USP. Título de
Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia (SBGG). Fellowship Oncogeriatria pelo
Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).

Mariana Garcia da Freiria Duarte


Geriatra pelo Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP. Especialista em
Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia – SBGG/AMB. Especialista em Cuidados
Paliativos. Mestre em Ciências Médicas pela Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Professora de
Geriatria e Cuidados Paliativos na Universidade de Ribeirão
Preto (UNAERP).

Márlon Juliano Romero Aliberti


Médico Especialista em Geriatria e Gerontologia pela
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professor da
Disciplina de Geriatria do Departamento de Clínica Médica
da FMUSP e da Pós-graduação stricto sensu do Instituto de
Ensino e Pesquisa (IEP) do Hospital Sírio-Libanês.

Mayra de Almeida Frutig


Médica Geriatra pelo Hospital das Clínicas Faculdade de
Medicina da USP. Especialista em Geriatria pela
SBGG/AMB. Título de área de atuação em Cuidados
Paliativos pela AMB.

Michele Melo Bautista


Geriatria pela USP. Residência em Clínica Médica pela
Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduação em
Distúrbios da Memória e Comportamento do Idoso pela
USP. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de
Pernambuco. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia seccional Pernambuco. Gerente
Médica da Clínica Florense de Recife.

Millene Rodrigues Camilo


Mestrado e Doutorado em Neurologia pela Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Médica
Assistente de Neurologia e Coordenadora da Unidade de
AVC do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Professora
Colaboradora do Departamento de Neurociências e
Ciências do Comportamento da FMRP-USP.

Milton Luiz Gorzoni


Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo.

Milton Roberto Furst Crenitte


Médico Geriatra. Doutor em Ciências pela Faculdade de
Medicina da USP. Coordenador Médico do Ambulatório
trans 40+ CSE GPS. Professor do curso de Medicina da
USCS.

Natalia de Castro Carvalho


Geriatra formada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP.

Natalia Oliveira Trajano da Silva


Fellow em Promoção da Saúde do Idoso no Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Residência de
Geriatria pelo Hospital das Clínicas da FMUSP. Residência
de Clínica Médica pelo Hospital Guilherme Álvaro em
Santos/SP.
Octávio Marques Pontes Neto
Neurologia, Professor Associado do Departamento de
Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Chefe do
Serviço de Neurologia Vascular e Emergências
Neurológicas do HCFMRP-USP. Presidente da Sociedade
Brasileira de AVC. Coordenador da Rede Nacional de
Pesquisa em AVC. Doutorado e Livre-docência em
Neurologia pela FMRP-USP. Pós-Doc no Massachusetts
General Hospital Harvard Medical School. Membro Titular
da Academia Brasileira de Neurologia.

Olga Laura Sena Almeida


Médica Geriatra Titulada pela SBGG/AMIB. Residência em
Clínica Médica e Geriatria pelo Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
Doutorado em Clínica Médica pela FMRP-USP. Pós-
graduação em Cuidado Paliativo pelo Instituto Pallium
Membro da Comissão de Oncogeriatria da SBGG e Membro
Associado da SBGG e da SIOG.

Pâmela Stábile da Silva


Geriatra do Departamento de Clínica Médica da Faculdade
Medicina de Botucatu da Unesp.

Patricia Moreira Gomes


Médica Assistente da Divisão de Endocrinologia do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP. Doutora em Clínica Médica pela
FMUSP.

Paula Schimidt Brum


Doutora em Ciências pelo Departamento de Neurologia da
FMUSP. Mestre em Ciências pelo Instituto de Psiquiatria
(IPq) do HCFMUSP. Bacharel em Gerontologia pela USP.

Paulo de Oliveira Duarte


Residência Médica em Clínica Médica e Geriatria pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP. Especialista em Geriatria pela
SBGG/AMB e área de atuação em Cuidados Paliativos/AMB.
Especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium
Latinoamérica (Buenos Aires, ARG). Doutor em Ciências
Médicas pela Divisão de Geriatria do Departamento de
Clínica Médica da FMRP-USP. Presidente da Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção São Paulo –
SBGG-SP – gestão 2022-2024.

Paulo Fernandes Formighieri


Mestre e Doutor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP. Médico Assistente da Divisão de
Geriatria do HCFMRP-USP. Preceptor da Residência em
Geriatria – 2020-2024.

Paulo Henrique Aires de Freitas


Médico pela Universidade Federal Uberlândia. Residência
Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto da USP. Residência em Oncologia Clínica
pelo A.C. Camargo Cancer Center (São Paulo).

Paulo José Fortes Villas Boas


Professor Associado Livre-docente da Disciplina de
Geriatria do Departamento de Clínica Médica da Faculdade
de Medicina de Botucatu da Unesp. Especialista em
Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia.

Pedro Manoel Marques Garibaldi


Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP. Residência Médica em Hematologia e
Hemoterapia pelo HCFMRP-USP. Médico Assistente da
Disciplina de Hematologia e Hemoterapia do HCFMRP-USP.

Raif Restivo Simão


Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da
USP. Residência em Clínica Médica pelo HCFMUSP.
Preceptor da Residência de Clínica Médica e Médico
Assistente da equipe de Hospitalistas no HCFMUSP em
2020. Professor da Disciplina de Estações Clínicas na
Universidade Municipal de São Caetano do Sul em 2020 e
2021. Residente de Geriatria pelo HCFMUSP.

Renato Braga Vieira


Residência Médica pelo Hospital Geral de Fortaleza
(SESA). Residência Médica em Geriatria em andamento no
Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade
Federal do Ceará (UFC).

Roberta Diehl Rodriguez


Neurologista do Grupo de Neurologia Cognitiva e do
Comportamento (GNCC) do Departamento de Neurologia
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Rômulo Rebouças Lobo


Residência Médica em Clínica Médica no Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP. Residência Médica em Geriatria no
HCFMRP-USP. Título de Especialista em Geriatria da
SBGG. Médico Assistente do Serviço de Geriatria do
Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade
Federal do Ceará (UFC). Professor Adjunto da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Sami Liberman
Professor Doutor em Geriatria. Médico Assistente do
Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP.

Sandro da Costa Ferreira


Médico Assistente Doutor da Divisão de Gastroenterologia
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Mestre e Doutor em
Ciências pela FMRP-USP. Membro Titular da FBG, SBH e
GEDIIB. Coordendor do Ambulatório de Doenças
Inflamatórias Intestinais da Divisão de Gastroenterologia
do HCFMRP-USP.

Simone Bonafé Gianotto


Doutorado em Ciências da Saúde pela Unifesp. Professora
Adjunta do curso de Medicina da Universidade Estadual de
Maringá. Professora Adjunta do curso de Medicina da
UniCesumar.

Silvio Ramos Bernardes da Silva Filho


Médico Assistente do Serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP) da USP. Médico Assistente da Clínica Médica do
Hospital Estadual de Ribeirão Preto. Responsável pelo
Ambulatório de Demências do HCFMRP-USP. Doutor em
Ciências Médicas pela FMRP-USP.

Tabatha Loureiro de Proença Sé


Especializanda em Geriatria no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP.

Thiago Junqueira Avelino da Silva


Professor Livre-docente pela Faculdade de Medicina da
USP. Médico do Serviço de Geriatria da Faculdade de
Medicina da USP.

Thiago Oscar Goulart


Médico, Neurologista, Neurologia Vascular,
Neurossonologista do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Mestrando
em Neurologia pela USP. MBA Data Science and Analytics
pela USP. Título de Neurossonologia.

Valmir Machado de Melo Filho


Médico-residente de Geriatria pela Faculdade de Medicina
da USP. Residência em Clínica Médica pelo Hospital do
Servidor Público Estadual – IAMSPE.

Vânia Ferreira de Sá Mayoral


Professora Doutora. Médica do Serviço de Geriatria do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Botucatu da Unesp. Especialista em Geriatria pela
SBGG/AMB.

Venceslau Antonio Coelho


Médico Geriatra. Colaborador do Serviço de Geriatria do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Victor de Carvalho Brito Pontes
Professor de Geriatria da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Doutor em Ciências Médicas pela
FMRP-USP. Residência Médica em Geriatria no Hospital
das Clínicas da FMRP-USP. Geriatra Titulado pela
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Vinicius Barbosa de Oliveira Silva


Médico-residente em Geriatria no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP. Membro do Grupo de
Pesquisa em Urgências Geriátricas do Hospital Sírio-
Libanês.

Wilson Roberto Picco Júnior


Médico graduado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da USP. Especialista em Clínica Médica pelo
HC-FMRP-USP. Especialista em Geriatria pelo HC-FMRP-
USP.
Sumário

Prefácio
Apresentação

Seção I – Envelhecimento individual, iatrogenias e


prevenção

1. Avaliação geriátrica ampla e peculiaridades da consulta


geriátrica
Paulo de Oliveira Duarte; José Renato G. Amaral; Márlon Juliano Romero
Aliberti

2. Imunossenescência
José Renato G. Amaral

3. Desafios das decisões em geriatria: multimorbidades e


decisão compartilhada
Mariana Garcia da Freiria Duarte; Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami;
Paulo de Oliveira Duarte

4. Rastreamento por exames complementares em geriatria


Eduardo Borges de Oliveira; Ellen Diniz de Andrade Lessa

5. Instabilidade postural e quedas


Paulo Fernandes Formighieri; Ana Carolina Coelho; Daniela Cristina
Carvalho de Abreu
6. Iatrogenia, polifarmácia e desprescrição no idoso
José Renato G. Amaral

7. Avaliação pré-operatória geriátrica


Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami; Paulo de Oliveira Duarte

8. Atividade física
Natalia Oliveira Trajano da Silva; José Renato G. Amaral

Seção II – Doenças cardiovasculares nos idosos

9. Hipertensão arterial no indivíduo idoso e muito idoso


Fernando Nobre; Décio Mion Júnior

10. Diabetes mellitus


Marcelo Valente

11. Insulinoterapia no idoso


Giovana de Gobbi Azevedo; Patricia Moreira Gomes

12. Dislipidemias no idoso


Loren Suyane Oliveira de Andrade; José Renato G. Amaral

13. Doença arterial coronariana em idosos


Gustavo Jardim Volpe ; Olga Laura Sena Almeida; Laís Araújo dos Santos
Vilar

14. Insuficiência cardíaca


Marcus Vinicius Simões; Leonardo Pippa Gadioli

15. Acidente vascular cerebral isquêmico


Millene Rodrigues Camilo; José Rosemberg Costa Lima Filho; Lara
Guimarães Queiroz Silva; Thiago Oscar Goulart; Octávio Marques Pontes
Neto

16. Desafios da anticoagulação no idoso


Paulo José Fortes Villas Boas; Adriana Polachini do Valle; Pâmela Stábile da
Silva; Pedro Manoel Marques Garibaldi; Diego Villa Clé; Vânia Ferreira de Sá
Mayoral

Seção III – Doenças pulmonares e gastrointestinais

17. Asma no idoso


Marcelo Bezerra de Menezes

18. Doença pulmonar obstrutiva crônica no idoso


Abel de Barros Araújo Filho; Aldo Agra de Albuquerque Neto

19. Pneumonia no idoso


Luis Felipe Moraes Falavigna; Simone Bonafé Gianotto

20. Constipação intestinal no idoso


Bruna Macêdo de Carvalho; Helena Teixeira Araújo da Silva; José Renato G.
Amaral

21. Diarreia no idoso


Sandro da Costa Ferreira; Gabriela Carolina Borges; Juarez Roberto
Vasconcelos

Seção IV – Doenças osteomioarticulares

22. Lombalgias: princípios básicos, avaliação, tratamento e


reabilitação
Daniel Rubio de Souza; Flávia Tiemi Tashiro Nakamura

23. Princípios do tratamento e reabilitação da osteoartrite


Daniel Rubio de Souza; Claudia Sayuri Furukawa Oshiro; Denise Junqueira
dos Santos

24. Osteoporose
Maria do Carmo Sitta; Tabatha Loureiro de Proença Sé
25. Sarcopenia, dinapenia e síndrome da fragilidade
Olga Laura Sena Almeida; Victor de Carvalho Brito Pontes; Eduardo Ferriolli

26. Tonturas no idoso


Antonio Carlos Pereira Barretto Filho

Seção V – Neoplasias, doenças hematológicas,


endocrinológicas e geniturinárias no idoso

27. Câncer de mama: screening e tratamento


Diocésio Alves Pinto de Andrade; Paulo Henrique Aires de Freitas

28. Câncer de cólon


Maria Laura Lazaretti Perini

29. Doenças da próstata


Flavio Eduardo Trigo Rocha; Valmir Machado de Melo Filho

30. Anemia no idoso


Diego Villa Clé; João Henrique Nogueira

31. Principais patologias da tireoide em idosos


Raif Restivo Simão; Sami Liberman

32. Incontinência urinária


Flavio Eduardo Trigo Rocha; Leonardo Trovo Zilotti

33. Insuficiência renal crônica


Ana Carolina Devitto Grisotto; José Renato G. Amaral; Venceslau Antônio
Coelho

34. Infecção urinária e bacteriúria assintomática


Felipe Vecchi Moreira; Milton Roberto Furst Crenitte; Vinicius Barbosa de
Oliveira Silva
35. Sexualidade
Mayra de Almeida Frutig; Michele Melo Bautista

Seção VI – Neuropsiquiatria geriátrica

36. Envelhecimento cognitivo, comprometimento cognitivo


leve e principais aspectos da avaliação cognitiva
Daniel Apolinario; Paula Schimidt Brum

37. Doença de Alzheimer: diagnóstico, classificação e


tratamento
Andrea Silva Gondim; Camila Pinto De Nadai; Jarbas de Sá Roriz Filho

38. Doença de Parkinson no idoso


João Carlos Papaterra Limongi; Maria do Carmo Sitta; Helena Palocci

39. Diagnóstico e tratamento das demências vasculares e


potencialmente reversíveis
Laiss Bertola de Moura Ricardo; Roberta Diehl Rodriguez; Claudia Kimie
Suemoto

40. Demência com corpúsculos de Lewy


Wilson Roberto Picco Júnior; Silvio Ramos Bernardes da Silva Filho; Paulo de
Oliveira Duarte

41. Demência frontotemporal


Wilson Roberto Picco Júnior; Silvio Ramos Bernardes da Silva Filho; Paulo de
Oliveira Duarte

42. Manejo das manifestações neurocomportamentais


associadas às demências
Camila Pinto De Nadai; Andrea Silva Gondim; Jarbas de Sá Roriz Filho

43. Delirium no idoso


Thiago Junqueira Avelino da Silva; Flávia Barreto Garcez; Natália de Castro
Carvalho

44. Depressão no idoso


Eduardo Borges de Oliveira; Ana Julia de Lima Bomfim; Madson Alan
Maximiano-Barreto; Marcos Hortes Nisihara Chagas

45. Ansiedade no idoso


Eduardo Borges de Oliveira; Ana Julia de Lima Bomfim; Madson Alan
Maximiano-Barreto; Marcos Hortes Nisihara Chagas; Erika Satomi

46. Distúrbios do sono mais frequentes na terceira idade


Erika Satomi

47. Neuroimagem nas demências


Gustavo Novelino Simão; Felipe Arriva Pitella

Seção VII –Cuidados em situações especiais

48. Perda involuntária de peso e nutrição


José Renato G. Amaral; Cybele Cunha Faria

49. Manejo das lesões por pressão


Lígia Carvalheiro Fernandes

50. Maus-tratos em idosos


Renato Braga Vieira; Rômulo Rebouças Lôbo

51. Cuidados paliativos e comunicação


Edison Iglesias de Oliveira Vidal; Fernanda Bono Fukushima

52. Manejo da dor aguda e crônica no idoso


Eugênia Jatene Bou Khazaal Berjeaut; Gabriella Pequeno Costa Gomes de
Aguiar; Marcos Daniel Cabral Saraiva
53. Manejo de sintomas em cuidados paliativos: fadiga,
dispneia e sedação paliativa
Luciana Louzada Farias; Francine de Cristo Stein

54. Sobrecarga do cuidador


Juliano Silveira de Araújo; Fábio Campos Leonel; Maria Guiomar Silveira de
Araújo Azevedo

55. Modalidades de assistência aos idosos e soluções para o


século XXI
Milton Luiz Gorzoni

Apêndice
Escalas práticas para avaliação geriátrica
Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami; Paulo de Oliveira Duarte
Prefácio

Eu sempre começo a leitura de um livro pelo prefácio.


Eu gosto de ler prefácios, pois eles frequentemente
retratam o que vem pela frente.
Ao ser convidado para escrever o prefácio desta obra,
fiquei muito lisonjeado e o convite somente poderia ser
explicado pela amizade que tenho, há mais de uma década,
com os editores: Paulo de Oliveira Duarte e José Renato G.
Amaral, dois expoentes geriatras brasileiros com sólida
formação na área. Ambos fizeram as suas residências
médicas em programa de geriatria em grandes hospitais
vinculados a duas Faculdades de Medicina da Universidade
de São Paulo, o Dr. Paulo em Ribeirão Preto/SP e o Dr. José
Renato em São Paulo.
Vários cargos importantes na Seção São Paulo da
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia também
foram ocupados por estes editores e, atualmente, o Dr.
Paulo preside tal instituição científica.
O desfecho exitoso do “Curso de Atualização em
Geriatria” organizado pelos Drs. Paulo e José Renato
resultou no livro Geriatria: prática clínica, e o resultado só
poderia ser um: sucesso. Tal livro foi muito bem aceito
pelos leitores, que queriam ou precisavam aprofundar em
assuntos relacionados ao envelhecimento e a consequência
disso foi que a edição se esgotou para a comercialização.
Nasce, então, a segunda edição do Geriatria: prática
clínica. Edição ampliada em 15 novos temas e atualizada. A
segunda edição é apresentada com 55 capítulos
distribuídos adequadamente em 7 seções. Os assuntos dos
capítulos foram cuidadosamente escolhidos baseados em
importância e aplicabilidade clínica. Outra característica
desta obra é a qualidade dos autores de diferentes
gerações: seniores e juniores de diferentes regiões e
serviços formadores de geriatras.
A combinação da felicidade na escolha dos temas mais
importantes na área do envelhecimento com a espetacular
qualidade dos autores e a sublime coordenação dos
editores certamente resultarão em mais um sucesso de
aceitação pelos leitores ávidos em conhecimento na área de
geriatria, sejam eles alunos de graduação, pós-graduação e
médicos-residentes.
Atualmente, com a facilidade de busca de informações,
esta obra é apresentada por ter todas as características
acima descritas associada à qualidade imprescindível:
oferecer conteúdo confiável.
Boa leitura!
Julio Cesar Moriguti
Apresentação

Em 2020, Paulo de Oliveira Duarte e eu lançamos a


primeira edição do Geriatria: Prática Clínica, motivados
pelo sucesso do “Curso de Atualização em Geriatria”, da
Manole Educação. O livro foi muito bem recebido pelo
público; de fato, nossos colaboradores se esmeraram em
produzir um bom material. Na verdade, inicialmente, eu
creditava boa parte dos elogios que o livro estava
recebendo à estima que uma parcela significativa de quem
nos deu essa devolutiva tem por nós. Depois, no decorrer
desses três anos, observei que o livro estava agradando
mesmo o pessoal interessado em estudar Geriatria por
meio de uma fonte concisa e confiável, que afinal foi nosso
objetivo.
O livro precisou ser reimpresso em 2021 e agora chegou
a vez de sua reedição. Para nós, é a prova do sucesso deste
projeto e um novo desafio, já que, nesses três anos, muita
coisa mudou, não apenas na matéria médica em si, mas no
próprio mercado editorial e na maneira como as pessoas
adquirem ou se relacionam com a informação. Nós, da
produção, seguimos empenhados em satisfazer um público
exigente.
Esperamos, pois, que você, leitor, tenha neste livro um
companheiro agradável, fidedigno e útil. Embora esta nova
edição traga novos tópicos, não foi nossa pretensão
abranger todo o escopo da Geriatria, mas acreditamos que
os principais problemas do cotidiano na prática clínica
foram discutidos na obra. Não podemos deixar de
agradecer imensamente aos nossos colaboradores, que têm
tornado possível a elaboração e o aprimoramento do
material. E logicamente, agradecemos a você, leitor, por
confiar no nosso trabalho.
Boa leitura!
José Renato G. Amaral
SEÇÃO I

Envelhecimento individual, iatrogenias e


prevenção
Avaliação geriátrica ampla e peculiaridades da 1
consulta geriátrica

Paulo de Oliveira Duarte


José Renato G. Amaral
Márlon Juliano Romero Aliberti

“Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que


não se define, não se define o que não se entende, e não há
sucesso no que não se gerencia.”

Willian Edwards Deming (1900-1993)

INTRODUÇÃO E CONCEITOS
A avaliação geriátrica ampla (AGA) – também conhecida
como avaliação geriátrica multidimensional (AGM) ou
avaliação geriátrica global (AGG) – é definida como um
processo diagnóstico multidimensional, preferencialmente
interdisciplinar, que complementa o exame clínico
tradicional. Ela serve de base para a determinação das
deficiências, incapacidades e desvantagens do indivíduo
idoso, possibilitando o estabelecimento de um plano de
cuidado individualizado tanto do ponto de vista médico
como do psicossocial e do funcional, visando restaurar ou
mesmo preservar a saúde do paciente.
Marjory Warren (1897-1960), considerada a “mãe da
geriatria”, foi quem estabeleceu os conceitos iniciais da
AGA. Seus artigos chamam a atenção pela relevância dada
aos aspectos mais amplos em relação à saúde do idoso, com
atenção a diversas questões: médica, social e funcional,
com o envolvimento de equipes multidisciplinares e a
importância do ambiente físico e da reabilitação no
processo de saúde. Desde então, diversos autores vêm
contribuindo para o aprimoramento da AGA.
O cuidado em saúde de um idoso estende-se para além
do tratamento médico tradicional da doença. Requer a
avaliação de vários problemas, incluindo componentes
físicos, cognitivos, afetivos, sociais, financeiros, ambientais
e espirituais que influenciam a saúde do idoso.
Condições geriátricas como fragilidade,
comprometimento funcional e demência são comuns, mas
frequentemente não são reconhecidas ou sequer tratadas
de maneira adequada. A identificação de condições
geriátricas por meio da realização de uma avaliação
geriátrica pode ajudar os serviços de saúde a gerenciar
essas condições e prevenir ou retardar suas complicações.
“Síndrome geriátrica” é um termo usado para se referir
a condições de saúde comuns em idosos que não se
encaixam em categorias de doenças “órgão-específicas” e
que frequentemente têm causas multifatoriais. A lista inclui
condições como comprometimento cognitivo, alterações do
humor, delirium, incontinências, desnutrição, fragilidade,
quedas, tonturas, distúrbios da marcha, lesões por pressão,
distúrbios do sono, iatrogenias, déficits sensoriais e até
mesmo insuficiência do suporte familiar e social. Essas
condições repercutem de forma importante na
funcionalidade e qualidade de vida dos idosos. Por meio da
AGA, essas síndromes geriátricas podem ser mais bem
identificadas, permitindo o desenvolvimento de um plano
global de tratamento e acompanhamento a médio e longo
prazos.
Convém ressaltar que a AGA detecta as deficiências,
incapacidades e desvantagens, mas é imprecisa quando
realizada isolada do exame clínico tradicional para
diagnosticar o dano ou lesão responsável por elas.
Portanto, a avaliação médica se torna imprescindível.

EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Metanálises de estudos randomizados envolvendo a AGA
demonstraram diminuição do número de admissões
hospitalares e em instituições de longa permanência (ILP),
melhora da capacidade funcional, cognitiva e diminuição da
mortalidade geral. Esses benefícios são demonstrados
principalmente em unidades de pacientes hospitalizados.
Em condições ambulatoriais é mais difícil demonstrar tais
benefícios, tendo em vista o maior desafio de selecionar os
pacientes com maior risco de declínio funcional,
institucionalização ou morte nesses estudos.
Mesmo que inconsistências existam sobre os benefícios
da AGA, sabe-se que esse modelo global de atenção à saúde
promove a identificação de condições não detectadas pela
avaliação tradicional, melhora a satisfação com os cuidados
recebidos e impacta positivamente na qualidade de vida
dos idosos. O Quadro 1 demonstra os benefícios da AGA em
diferentes cenários de assistência.
De maneira geral, as evidências apontam a importância
de identificar os pacientes apropriados. Em geral, os
pacientes que mais serão beneficiados com a AGA são
aqueles idosos com:
Idade acima de 80 anos.
Comorbidades médicas crônicas, como insuficiência
cardíaca (IC), doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC) e câncer.

QUADRO 1 Benefícios da AGA em diferentes cenários de assistência

Cenário Desfecho

Hospital Redução de institucionalização

Maior taxa de alta para casa

Manutenção ou melhora da funcionalidade

Maior sobrevida

Melhor custo-efetividade

Comunidade Redução de institucionalização

Manutenção ou melhora da funcionalidade

Diminuição das admissões hospitalares

Menor estresse do cuidador

Ortogeriatria Maior taxa de alta para casa

Recuperação funcional precoce

Menor incidência de delirium

Maior sobrevida

Oncogeriatria Melhor tomada de decisão terapêutica

Maior tolerância à quimioterapia

Maior sobrevida

Pré- Menor complicação pós-operatória


operatório
Redução do tempo de internação

Menor incidência de delirium

AGA: avaliação geriátrica ampla.


Transtornos psicossociais, como depressão ou isolamento
social.
Condições geriátricas já conhecidas, como demência,
fragilidade, incapacidade ou quedas.
Elevada utilização dos serviços de saúde.
Mudança na situação de vida (perda de independência,
necessidade de supervisão ou institucionalização).

A AGA deve envolver a avaliação sistemática dos


domínios relevantes em pacientes idosos, usando sempre
que possível instrumentos já validados em nossa população.
Seu tempo de aplicação será tanto maior quanto maior for
o número de componentes avaliados. Deve abranger
também a criação de planos de gerenciamento para os
problemas detectados após a avaliação. Por isso é
importante a presença de uma equipe multiprofissional
treinada na avaliação, tratamento e acompanhamento dos
pacientes e familiares.

COMPONENTES DA AVALIAÇÃO GERIÁTRICA AMPLA


Os principais componentes da AGA são:

Capacidade funcional.
Instabilidade postural, da marcha e quedas.
Cognição.
Humor.
Polifarmácia.
Suporte financeiro e social.
Metas de cuidado.
Preferências do paciente e de familiares.

Os componentes adicionais que também devem estar


presentes são:
Avaliação nutricional e alterações do peso.
Incontinências.
Aspectos sexuais.
Alterações da visão e audição.
Saúde oral.
Condições de moradia e atividades sociais.
Espiritualidade.

Ao longo desta obra, o leitor terá contato com cada um


desses componentes de maneira detalhada dentro de cada
capítulo, além de escalas de avaliação e triagem
selecionadas no Apêndice do livro. Chama-se a atenção,
entretanto, para o primeiro e principal componente da
AGA: a capacidade funcional.

CAPACIDADE FUNCIONAL
Pode ser definida pela capacidade do indivíduo de
executar tarefas cotidianas (básicas ou mais complexas)
necessárias para a vida independente na comunidade. Ela é
bastante heterogênea nos idosos, tendo em vista que
depende, além das condições clínicas, de suas condições
sociais, psicológicas, cognitivas, ambientais e até
espirituais (Figura 1).
FIGURA 1 Determinantes do estado funcional.

INTERAÇÕES DAS DIVERSAS DIMENSÕES DA


AVALIAÇÃO GERIÁTRICA X CAPACIDADE FUNCIONAL
Avaliar a capacidade funcional de um paciente é
extremamente importante para a definição do nível de
recursos, sejam propedêuticos, diagnósticos ou
terapêuticos, mais apropriados para serem dispensados
àquele indivíduo em ambiente ambulatorial, domiciliar ou
hospitalar.
A avaliação das atividades básicas da vida diária (ABVD)
e das atividades instrumentais da vida diária (AIVD) é o
padrão ouro da avaliação funcional. Elas foram descritas
pela primeira vez há mais de 50 anos. Trata-se de medições
de desempenho de várias tarefas de autocuidados. As
principais escalas de ABVD são: índice de Barthel, que
mede a independência funcional nos domínios cuidado
pessoal, mobilidade, locomoção e eliminações (validado
para aplicação em idosos brasileiros desde 2010), e escala
de Katz, desenvolvida para a avaliação de idosos e para
predizer o prognóstico nos doentes crônicos. Constituída
por 6 itens que medem o desempenho do indivíduo nas
atividades de autocuidado e obedecem a uma hierarquia de
complexidade, da seguinte forma: alimentação, controle de
esfíncteres, transferência, higiene pessoal, capacidade para
se vestir e tomar banho. Tem a limitação de não avaliar o
item deambulação. Sua adaptação transcultural foi
publicada em 2008. Já as AIVD (fazer compras, cozinhar,
limpar, usar meios de transportes ou dirigir, usar
medicamentos, cuidar das finanças, usar o telefone)
envolvem tarefas mais complexas. Portanto, serão as
primeiras a serem perdidas, já que requerem a preservação
dos diversos domínios da AGA.
Os provedores de serviços médicos devem perguntar aos
pacientes se eles conseguem completar essas tarefas de
modo independente, se precisam de ajuda ou se são
totalmente dependentes de outras pessoas. Durante o
processo de obtenção de históricos funcionais, é
fundamental buscar ajuda em consentimentos informados
com os membros da família ou de outros cuidadores,
sobretudo nos casos de pacientes que sofrem de problemas
cognitivos.
Uma das críticas ao uso da AGA diz respeito ao tempo
exigido para sua aplicação. De fato, trata-se de avaliação
detalhada e, como já foi dito, idealmente realizada por
equipe multiprofissional. Por ser um instrumento que exige
tempo e disponibilidade profissional, a seleção de quais
pacientes se beneficiam mais dele é importante para a
adequada alocação de recursos. Em nosso meio, têm sido
tentados modelos mais enxutos de AGA, com resultados
iniciais animadores quanto à validade e à capacidade de
estratificação. A AGC-10 constitui um instrumento de
aplicação rápida e fácil, que foi validado no Serviço de
Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP),
composto por 10 itens:

1. Suporte social.
2. Uso do sistema de saúde.
3. Quedas.
4. Medicações.
5. Funcionalidade.
6. Cognição.
7. Autopercepção de saúde.
8. Sintomas depressivos.
9. Nutrição.
10. Velocidade de marcha.

Esse instrumento exprime o risco de desfechos adversos


como dependência, institucionalização ou morte. Ele
também estará disponível no Apêndice deste livro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda é necessária a demonstração mais robusta de que
toda essa gama de informações trazida pela AGA, bem
como sua capacidade de estimar prognóstico, reflete-se em
cuidado mais adequado no seguimento de longo prazo de
pacientes em nível de cuidado mais básico. Mas já está bem
demonstrado que a aplicação da AGA em situações críticas
ou específicas, como a avaliação pré-operatória e o cuidado
agudo do paciente internado, tem um impacto mais positivo
na tomada de decisões e nos desfechos do que no ambiente
ambulatorial de rotina.
Não obstante, a AGA pode ser bastante útil na tomada
de decisões mais corriqueiras na prática clínica diária,
como na avaliação da pertinência de efetuar rastreio de
neoplasias, objetivos e metas terapêuticas, iniciar ou não
medicamentos com fins profiláticos.

MODELO DE AVALIAÇÃO GERIÁTRICA AMPLA (AGA) PROPOSTO PELA


SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA (SBGG)
MODIFICADO

Nome: _________________________ Idade: ___________ Sexo: Fem. [ ]


Masc. [ ]

Escolaridade Situação conjugal Ocupação Renda


Analfabeto [ ] Casado/união Aposentado com Aposentadoria [ ]
1-4 anos [ ] consensual [ ] outra ocupação [ ] Pensão [ ]
5-8 anos [ ] Divorciado [ ] Aposentado sem Mesada dos filhos
> 8 anos [ ] Viúvo [ ] outra ocupação [ ] [ ]
Solteiro [ ] Trabalhos Trabalho [ ]
Separado [ ] domésticos [ ] Outras
Trabalho fora do _____________
domicílio [ ]

Local de Residência Religião Atividades sociais


residência Sozinho [ ] Católica [ ] Sim [ ]
Casa térrea [ ] Filhos [ ] Evangélica [ ] Não [ ]
Casa duplex [ ] Outros familiares [ Espírita [ ] Quais?
Apartamento [ ] ] Budista [ ] ____________
ILP [ ] Empregada Outra [ ]
Outros [ ] doméstica [ ]
Cuidadores [ ]
Outros [ ]

ILP: instituição de longa permanência.

INVENTÁRIO DE DOENÇAS PRÉVIAS E MEDICAMENTOS REFERENCIAIS


Doença(s) Medicamento(s) Como usa? Tempo de uso

DIMENSÃO CLÍNICA
Visão normal [ ] Audição normal [ Continência Sono normal [ ]
Déficit visual [ ] ] fecal [ ] Distúrbio do sono [ ]
Usa corretores [ ] Déficit auditivo [ ] Incontinência Qual? ______________
Usa corretores [ ] fecal [ ]
Tempo:
____________
Continência
urinária [ ]
Incontinência
urinária [ ]
Tempo:
____________

Doenças cardiovasculares Uso de órteses:


Sim [ ] Não [ ] ___________________________
____________________________________ Uso de próteses:
Doenças osteoarticulares ___________________________
Sim [ ] Não [ ]
____________________________________

Situação vacinal: Data da última vacina para: Quedas nos últimos


Influenza [ ] Influenza ______________________ 12 meses?
Pneumococo [ ] Tétano _______________________ Sim [ ] Não [ ]
13/23 [ ] Pneumococo ____________ Quantas?
Tétano [ ] ____________
Varicela-zóster [ ] Como?
Hepatite B [ ] ______________
Febre amarela [ ] _____________________

Polifarmácia Fumante [ ] Uso seguro de Não faz atividade


Sim [ ] Não [ ] Carga tabágica álcool [ ] física [ ]
__________ Uso nocivo de Caminhadas [ ]
Não fumante [ ] álcool [ ] Musculação [ ]
Ex-fumante [ ] Dependência de Hidroginástica [ ]
Parou há quanto álcool [ ] Outras ____________
tempo? Não bebe [ ] Quantas
____________ Se parou, há vezes/semana?
quanto tempo? ___________________
____________

DIMENSÃO FUNCIONAL

Dimensão avaliada Escores do paciente Interpretação


Dimensão avaliada Escores do paciente Interpretação

ESTADO FUNCIONAL

Equilíbrio e mobilidade Risco baixo de quedas [ ]


Risco alto de quedas [ ]

“Teste do levantar e Normal [ ]


andar” (GUG) Anormalidade leve [ ]
Anormalidade média [ ]
Anormalidade moderada [
]
Anormalidade grave [ ]

Atividades básicas de vida Independente [ ]


diária (ABVD) Dependente [ ]

Escala de Barthel para < 20: dependência total [


avaliação funcional ]
20-35: dependência grave
[]
40-55: dependência
moderada [ ]
60-95: dependência leve [
]
100: independente [ ]

Atividades instrumentais Independente [ ]


de vida diária (AIVD) Dependente [ ]

Questionário de Pfeffer < 6 pontos: normal [ ]


para atividades funcionais ≥ 6 pontos:
comprometido [ ]

COGNIÇÃO Normal [ ]
Déficit [ ]

Miniexame do estado Pontuação normal para a


mental (MEEM) escolaridade [ ]
Pontuação alterada para a
escolaridade [ ]
Dimensão avaliada Escores do paciente Interpretação

Fluência verbal (categoria Pontuação normal para a


semântica) escolaridade [ ]
Pontuação alterada para a
escolaridade [ ]

Teste do desenho do Pontuação normal [ ]


relógio Comprometido [ ]

HUMOR Normal [ ]
Alterado [ ]

Escala de depressão ≤ 5 pontos: normal [ ]


geriátrica de Yesavage ≥ 7 pontos: depressão [ ]
(versão 15 itens) ≥ 11 pontos: depressão
moderada a grave [ ]

ESTADO NUTRICIONAL Ausência de risco


nutricional [ ]
Presença de risco
nutricional [ ]

Miniavaliação nutricional < 17 pontos: desnutrido [


de Guigóz (MAN) ]
17-23,5 pontos: risco de
desnutrição [ ]
≥ 24 pontos: nutrido [ ]

SUPORTE SOCIAL Adequado [ ]


Não adequado [ ]

Apgar da família e dos < 3 pontos: disfunção


amigos acentuada [ ]
4-6 pontos: disfunção
moderada [ ]
> 6 pontos: disfunção
leve [ ]

Cuidador Formal [ ]
Informal (familiar) [ ]
Informal (amigos/outros) [
]

OUTRAS AVALIAÇÕES
Dimensão avaliada Escores do paciente Interpretação

OBSERVAÇÕES: _____________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

EXEMPLO DE AVALIAÇÃO FINAL

Exemplo: N.L.S., 102 anos, paciente real avaliada pelo autor


(autorizada a divulgação).

[X] Independente [X] Baixo risco de [X] Sem risco


quedas nutricional

[ ] Dependente [ ] Alto risco de quedas [ ] Risco nutricional

[ ] Idoso frágil [ ] Déficit cognitivo [X] Suporte social


adequado

[X] Idoso não frágil [X] Sem déficit [ ] Suporte social


cognitivo inadequado
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Imunossenescência 2

José Renato G. Amaral

INTRODUÇÃO
O sistema imune é um conjunto de estruturas e
processos cujo objetivo é proteger o organismo contra
doenças, sejam elas causadas por patógenos exógenos ou
disfunções endógenas. Para fins de estudo, costuma-se
dividir o sistema imune em dois ramos principais: a
imunidade inata e a imunidade adaptativa.
Imunidade inata é um termo que se refere às estruturas
e aos mecanismos de defesa que todos os seres vivos
possuem, desde o nascimento, e cuja resposta à agressão é
rápida e inespecífica, e também sem modulação de
intensidade ou formação de memória imune. Já a
imunidade adaptativa, uma característica da maioria dos
vertebrados, é aquela resposta tardia e específica, com
modulação de intensidade da resposta e formação de
memória. As alterações do sistema imune no processo de
envelhecimento são denominadas imunossenescência.

ALTERAÇÕES NOS COMPONENTES DO SISTEMA IMUNE


As células do sistema imune são derivadas da medula
óssea, cuja produção diminui durante o envelhecimento,
mas, além dessa condição fundamental, há outras
alterações qualitativas e quantitativas na função imune.
Virtualmente, todos os componentes da imunidade
sofrem mudanças com o avançar da idade. Vamos procurar
sumarizá-las a seguir.

Imunidade inata

Menor eficiência das barreiras: estruturas como a pele e


as mucosas, bem como mecanismos como a acidez
gástrica, a justaposição das células da mucosa intestinal
ou a produção de muco e batimento ciliar das vias
respiratórias, sofrem alterações que resultam em menor
eficácia protetora de barreira, ou seja, sua eficácia em
impedir que agentes externos penetrem o organismo
diminui.
Menor atividade de macrófagos, menor capacidade
fagocítica de neutrófilos, aumento absoluto e relativo da
população de células NK (natural killers), menor função
das células dendríticas.
Aumento da atividade inflamatória: enquanto a função de
barreira diminui, a resposta inflamatória (mediada por
macrófagos, neutrófilos, células NK, células dendríticas e
proteínas do sistema complemento) pode permanecer
cronicamente ativada em um baixo grau, mantendo um
nível persistentemente elevado de citocinas inflamatórias
circulantes, o que não torna a resposta à agressão aguda
mais eficiente e resulta em consequências negativas no
longo prazo, como hipercoagulabilidade e trombose,
redução no débito cardíaco e maior resistência à
insulina.
Imunidade adaptativa

A imunidade adaptativa é mediada por linfócitos T e B,


que medeiam a imunidade celular e humoral,
respectivamente.

Imunidade celular: uma das mais notáveis alterações do


envelhecimento é a involução do timo, o órgão onde se
dá a maturação dos linfócitos T. Entre a quinta e sexta
décadas de vida a involução do timo se completa; a partir
de então, o número de células T naïve (virgens) declina
progressivamente. A diversidade de receptores de
membrana das células T também declina com a idade,
resultando em pior resposta em face de novas infecções.
A população de células T CD4 (auxiliadores ou helper)
diminui em relação à de células T CD8 (citotóxicos), o
que resulta em menor ativação da resposta humoral.
Também há declínio na função dos linfócitos T
reguladores, uma subpopulação dessas células que se
encarrega de limitar a autoimunidade e modular a
resposta inflamatória. A imunidade celular é
especialmente sensível à carência nutricional, e a
linfopenia, no devido contexto, pode ser um dos
parâmetros de mau estado nutricional.
Imunidade humoral: as células B produzem as
imunoglobulinas, que medeiam a resposta humoral, em
resposta à exposição antigênica, por infecção ou
vacinação. Com o envelhecimento, tanto o número de
células B precursoras como o daquelas circulantes
diminuem, embora a quantidade de anticorpos
circulantes permaneça estável ou até possa aumentar. A
quantidade de um dado anticorpo específico contra
determinado patógeno, porém, tende a ser menor do que
em indivíduos mais jovens, e o repertório da resposta
humoral, assim como o da resposta celular, diminuem
com o avançar da idade.
Memória imunológica: a função de memória, isto é, a
resposta diante de um antígeno ao qual já houve
exposição prévia, parece estar bem preservada, porém a
formação de novas memórias imunológicas, que depende
afinal da orquestração de toda a resposta adaptativa, é
menos eficaz nos indivíduos idosos.
Resposta funcional: a imunidade celular e humoral, no
indivíduo idoso, é menos eficaz ante a exposição a novos
antígenos, o que repercute clinicamente tanto em maior
agravamento em face de novas infecções como em menor
resposta à vacinação, o que pode demandar mais doses
de reforço.

O Quadro 1 resume as principais alterações celulares


que ocorrem na imunossenescência. Como sempre
discutimos ao estudar fisiologia do envelhecimento, às
alterações resumidas neste capítulo podem se somar tantas
outras em função de mau estado nutricional (que
compromete ainda mais a imunidade celular) ou doenças
crônicas, que tendem a acentuar a inflamação crônica de
baixo grau. Assim, fragilidade e comorbidades são
condições que potencializam as alterações da
imunossenescência.

REPERCUSSÕES CLÍNICAS
Como vimos, o envelhecimento cursa com menor
eficácia global da função imune e maior risco de
inflamação, infecções, autoimunidade e neoplasias.

Infecções
O risco de complicações infecciosas aumenta
proporcionalmente à idade e também em função de
fragilidade e de comorbidades, que são condições
associadas à aceleração do processo de imunossenescência.
Além da menor resposta adaptativa, a propensão a quadros
inflamatórios mais exacerbados e a menor resposta à
vacinação concorrem para a maior gravidade das infecções.
Outros fatores comumente envolvidos, e passíveis de
intervenção para a profilaxia de infecções, são:

QUADRO 1 Alterações celulares associadas ao envelhecimento do sistema


imune

Alterações imunológicas associadas ao envelhecimento da resposta


imune natural

Tipo celular Parâmetro

Neutrófilos Alterações da membrana.


Redução de receptores sinalizadores de função.
Manutenção ou redução do número.
Redução da quimiotaxia, opsonização,
fagocitose e produção de radicais livres.
Redução da expressão de moléculas de
sinalização.
Preservação da expressão de moléculas de
adesão.

Monócitos/macrófagos Aumento da subpopulação CD16+ (pró-


inflamatória).
Desregulação da resposta Toll-like receptor.
Redução da capacidade de apresentar
antígenos.

Células dendríticas Redução do número.


Redução da produção de IL-12.
Redução da proporção de células dendríticas
plasmocitoides que expressam TLR-7 ou TLR-9.
QUADRO 1 Alterações celulares associadas ao envelhecimento do sistema
imune

Células NK Redução da função compensada com um


aumento percentual e absoluto de células
(citotoxicidade total mantida).
Redução do número de células CD56brigth
(imunorregulatórias).
Aumento do número de células CD56dim
(citotóxicas).
Preservação da produção de IFN-g.
Redução da produção de quimiocinas.

Alterações imunológicas associadas ao envelhecimento da resposta


imune adaptativa

Tipo celular Parâmetro

Células T Contagem:
CD3+. –
CD4+. –
CD8+. –
célula T de ↑
memória. –
célula T virgem
Menor proliferação celular
(naïve).
Função.

Células B Contagem –
Função Anticorpos menos
potentes e menos
específicos
(hipergamaglobulinemia)

Produção de citocinas –Il2(Th1)


↑Il6 e Il10 (Th2)
Desbalanço Th1/Th2

IFN-g: interferon-gama; IL-12: interleucina 12; NK: natural killers.

Avaliação do estado nutricional e prevenção/correção de


desnutrição.
Cuidados com as barreiras:
– Manter a integridade de pele e mucosas.
– Avaliar a deglutição/proteção de vias aéreas.
– Preservar a microbiota intestinal (dieta adequada,
cuidados com medicações, uso criterioso de
antibióticos).
Controle de doenças crônicas (p. ex., diabetes, doença
cardiovascular etc.).
Vacinação: lembrar que menor resposta não significa
ausência de resposta.
Controle de infecções: lembrar que infecções mantêm o
sistema imune ocupado e menos disponível para o
controle de novos focos, então possíveis focos de
infecção crônica sempre devem ser pesquisados e
tratados.

Inflamação

Como visto, a senescência associa-se à hiperativação


crônica da resposta inflamatória, que em grau mais
acentuado resulta no que se tem chamado de
inflammaging, termo da língua inglesa cuja tradução tem
sido dispensada. Embora não haja uma fronteira clara
entre as alterações “normais” da imunossenescência e o
inflammaging, este tem sido usado para designar o estado
inflamatório que comumente se associa a fragilidade e
comorbidades em idosos.
Outra questão que pode ser colocada quando se discute
inflamação crônica, a fragilidade e comorbidades é qual
seria a alteração primordial, uma vez que essas condições
tendem a se retroalimentar, resultando em progressivo
decréscimo da saúde. Observe-se que o inflammaging é tão
fundamental para o envelhecimento que os fatores
associados a sua prevenção – restrição calórica e atividade
física regular – são estratégias conhecidas de promoção da
longevidade. Olhando o fenômeno pela perspectiva oposta,
vê-se que fatores como obesidade visceral, alterações da
flora intestinal e infecções crônicas (principalmente por
citomegalovírus – CMV – e vírus da imunodeficiência
humana – HIV) são fatores de risco para o estado
inflamatório crônico, que, por sua vez, leva ao risco
aumentado de:

Aterosclerose/doença cardiovascular.
Diabetes tipo 2.
Disfunção renal crônica.
Depressão.
Demência.
Osteoporose/sarcopenia.
Fragilidade.

Assim, de acordo com algumas teorias, o inflammaging


não seria apenas um fenômeno fundamental para a
imunossenescência, mas antes seria uma das explicações
para toda a senescência.
A Figura 1 ilustra a interação entre o processo
inflamatório e algumas condições crônicas comuns na
velhice.

Neoplasias

Tanto a imunidade inata como a adaptativa participam


da defesa do organismo contra células anormais, e a menor
eficácia dessas funções deve ser um dos principais fatores
a justificar o aumento progressivo na incidência de
neoplasias com o avançar da idade, acompanhado da maior
exposição acumulada a agentes carcinogênicos e mutações
deletérias.
FIGURA 1 Inflammaging e adoecimento.
CMV: citomegalovírus; DM2: diabetes mellitus tipo 2; HIV: vírus da
imunodeficiência humana; IFN: interferon; IL: interleucina; PCR: proteína C-
reativa; TGF-beta: fator de necrose tumoral beta; TNF: fator de necrose tumoral.

Autoimunidade

A produção de autoanticorpos aumenta com a idade, o


que resulta em maior proporção de falsos positivos em
testes como fator reumatoide ou fator antinúcleo, bem
como em aumento na incidência de doenças autoimunes na
velhice. Como as manifestações clínicas dessas doenças
podem ser menos típicas que em pacientes mais jovens, e
com a maior probabilidade de um teste baseado em
autoanticorpos ser simplesmente um falso positivo, o
diagnóstico das doenças reumatológicas torna-se mais
desafiador em idosos.

Resposta à vacinação

A imunização por vacinas é menos eficaz em idosos, em


função das já citadas alterações na resposta celular e
humoral. A vacina anti-influenza, por exemplo, tem eficácia
entre 70-90% em jovens e adultos, mas que cai para 30-
50% após os 65 anos de idade. Não obstante, por serem os
indivíduos mais suscetíveis a complicações de doenças
como infecções respiratórias (por influenza, coronavírus ou
pneumococo) ou herpes-zóster, a vacinação permanece
como uma das mais sólidas estratégias de prevenção.

COMO AVALIAR A IMUNOSSENESCÊNCIA


Algo como uma “avaliação da função imune do idoso”
restringe-se a pesquisas, e inclui tanto avaliações
moleculares como citológicas. Há um “perfil de risco
imune” que engloba baixa resposta proliferativa de células
T ante um estímulo mitogênico, baixa contagem de células
B, relação CD4/CD8 < 1 e soropositividade para
citomegalovírus. Na prática, são marcadores clínicos de
imunossenescência infecções recorrentes e manifestações
de autoimunidade e/ou malignidade. Causas secundárias de
imunodeficiência são muito comuns no indivíduo idoso, e
incluem desnutrição, malignidade, uso de drogas com
efeito imunossupressor ou imunomodulador, doenças
perdedoras de proteína, infecções crônicas (HIV, CMV),
asplenia e doenças sistêmicas. O Quadro 2 sumariza o que
deve ser investigado para a avaliação prática da função
imune.

QUADRO 2 Parâmetros de avaliação da função imune


QUADRO 2 Parâmetros de avaliação da função imune

História/exame:
Infecções recorrentes.
Herpes-zóster.
Uso de medicamento imunossupressor/imunomodulador.
Câncer.
Autoimunidade.
Doenças sistêmicas (diabetes, doença renal ou hepática avançadas etc.).
Perda de proteínas.
Asplenia.
Desnutrição.
Soropositividade para CMV, EBV, HIV.
Laboratório:
Hemograma.
Função renal e hepática, incluindo eletroforese de proteínas e urina I.
Eletrólitos.
Glicemia.
Colesterol (para avaliar o estado nutricional).
Imunoglobulinas séricas.

CMV: citomegalovírus; EBV: vírus Epstein-Barr; HIV: vírus da imunodeficiência


humana.

ESTRATÉGIAS PARA A MANUTENÇÃO DA SAÚDE DO


SISTEMA IMUNE
Conforme observado, algumas situações comprometem
o desempenho do sistema imune, como desnutrição,
infecções crônicas ou estado inflamatório persistente.
Intervenções visando evitar essas condições podem
contrabalançar os efeitos negativos da imunossenescência.

Nutrição

O bom estado nutricional é fundamental para a saúde do


sistema imune. A maioria das vitaminas e alguns
oligoelementos, como selênio, cobre, zinco e ferro,
participam em uma ou mais etapas da resposta à agressão,
que também depende, evidentemente, do adequado aporte
calórico e proteico. Uma dieta adequada é capaz de prover
as quantidades necessárias desses elementos, e seu uso em
doses elevadas não demonstra benefício adicional na
imunidade.
Portanto, a recomendação que se faz é a de que seja
avaliado o risco nutricional de cada paciente, que sejam
pesquisadas as deficiências mais comuns (proteínas,
vitaminas D e B12) e que se corrijam eventuais
deficiências.

Atividade física

É sabido que o sedentarismo é um estado pró-


inflamatório, e há bastante evidência de que a atividade
física regular e de intensidade moderada é capaz de
reverter essas alterações.
A atividade aeróbia intensa é capaz de melhorar
parâmetros de imunidade celular (justamente os que mais
se alteram com o envelhecimento), enquanto a atividade
extenuante pode ser imunossupressora.

Prevenção de infecções

Infecções sobrecarregam o sistema imune, predispondo


assim o indivíduo a novas infecções, em um ciclo vicioso
que costuma girar paralelamente ao da fragilidade.
Medidas básicas de prevenção, como distanciamento físico
de pessoas doentes, prática sexual com proteção, cuidados
básicos com higiene pessoal e vacinação, são importantes
medidas para evitar novas infeções.
O Quadro 3 apresenta o calendário de vacinação para
adultos e idosos proposto pela Sociedade Brasileira de
Imunizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos, neste capítulo, resumir as principais
alterações do sistema imune com o avançar da idade, e
demonstrar que elas estão intrinsecamente relacionadas ao
próprio fenômeno do envelhecimento. Observamos também
que o comprometimento da imunidade se associa a doenças
comuns. A manutenção da imunidade correlaciona-se com a
longevidade saudável, enquanto seu comprometimento
acarreta fragilidade. Temos, pois, que as estratégias de
preservação da imunidade são, essencialmente, as mesmas
recomendações para a velhice saudável.
QUADRO 3
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Desafios das decisões em geriatria: 3
multimorbidades e decisão compartilhada

Mariana Garcia da Freiria Duarte


Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami
Paulo de Oliveira Duarte

DEFINIÇÃO
Embora ainda motivo de debate, a definição atual mais
aceita de multimorbidade é a presença de duas ou mais
condições crônicas (orgânicas ou psiquiátricas) em um
mesmo indivíduo. Tais condições poderão interagir ou não
diretamente entre si.

MULTIMORBIDADE NO BRASIL
A multimorbidade tem se tornado cada vez mais comum.
Isso ocorre devido a múltiplos fatores, com destaque para o
envelhecimento populacional e a alta prevalência de fatores
de risco, como sedentarismo, tabagismo, etilismo e
obesidade. Embora não restrita à pessoa idosa, é bastante
prevalente nessa população. Segundo dados do Estudo
Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil),
realizado nos anos de 2015 e 2016, que envolveu 9.412
brasileiros, a prevalência da multimorbidade para
indivíduos com idade maior ou igual a 50 anos aproxima-se
dos 67,8%. Em média os indivíduos estudados tinham 2,66
morbidades, sendo a hipertensão arterial sistêmica
(52,2%), problemas de coluna (40,8%) e a dislipidemia
(30,5%) as condições mais frequentes. Observou-se
também o aumento da multimorbidade com a idade, com
taxas de 58,8, 73,4, 79 e 82,4% quando consideradas as
faixas etárias de 50-59, 60-69, 70-79 e ≥ 80 anos,
respectivamente (Figura 1).

FIGURA 1 Ocorrência do número de morbidades segundo a faixa etária.


Fonte: Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) , 2015-
2016.

IMPACTO DA MULTIMORBIDADE
A multimorbidade associa-se a morte prematura, pior
funcionalidade, pior qualidade de vida, fragilidade,
polifarmácia, maiores taxas de efeitos adversos a
medicamentos, maior risco para depressão, estresse de
familiares e maior uso de serviços de saúde, incluindo
admissões em serviços de emergência. Para demonstrar a
complexidade do tratamento de pacientes multimórbidos, a
título de exemplo, tomando como base uma pessoa idosa de
79 anos portadora de cinco condições crônicas comuns
(hipertensão, diabetes, osteoporose, osteoartrite e doença
pulmonar obstrutiva crônica), caso fosse tratada segundo
diretrizes internacionais disponíveis para cada uma dessas
condições, receberia 12 medicações diferentes (19 doses
por dia), seria instruída a realizar 14 medidas não
farmacológicas e encaminhada a diferentes especialistas.
Tal plano de tratamento não só seria inviável como
claramente traria impacto negativo sobre sua qualidade de
vida. Esse caso, mesmo que hipotético, ilustra o desafio do
manejo de pessoas com multimorbidade.
A medicina moderna e serviços de saúde não estão
preparados para lidar com a multimorbidade, com
necessidade urgente de melhorias em medidas preventivas,
manejo e reconfiguração dos sistemas de saúde, visando a
um equilíbrio entre cuidados ultraespecializados voltados
para as doenças e cuidados centrados no paciente
prestados por médicos generalistas, médicos de família e
geriatras.

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


A medicina baseada em evidências (MBE) mudou o
paradigma do tratamento da enfermidade humana. Nos
últimos 25 anos, a MBE vem afastando a medicina do
empirismo e da medicina baseada em experiência, trazendo
maior segurança e efetividade aos tratamentos. No entanto,
a MBE deve ser empregada com cautela, especialmente na
população geriátrica e nos multimórbidos. Primeiramente,
ressalta-se que a MBE é a resultante de três princípios:
julgamento clínico, evidências científicas e valorização das
preferências do paciente (Figura 2).
As evidências científicas devem ser particularmente
avaliadas de forma crítica e criteriosa no contexto de
multimorbidade por várias razões:

A população geriátrica com multimorbidade e/ou


fragilidade é comumente excluída de estudos clínicos.
Estudos muitas vezes avaliam a sobrevida, sem avaliar
de forma adequada o impacto sobre a qualidade de vida
e potenciais riscos da intervenção estudada.
Estudos muitas vezes são mal desenhados e envolvem
número pequeno de participantes.
Muitas recomendações são extraídas de estudos
observacionais retrospectivos.
Conflitos econômicos encorajam tecnologias de risco ou
que causam malefício.

Essas limitações dão origem a diretrizes que


normalmente giram em torno de uma ou duas doenças e
carecem de recomendações práticas de como aplicá-las
diante da multimorbidade ou fragilidade. E, mesmo que
houvesse algum adendo mais prático, a multimorbidade e a
fragilidade afetam as pessoas de formas diferentes,
tornando impossível oferecer recomendações puras
baseadas em evidências. Nesse cenário de incertezas,
recomenda-se que o médico esteja familiarizado com os
princípios de uma boa pesquisa e que evite tirar conclusões
precipitadas de estudos observacionais ou estudos com
limitações de projeto, execução ou com possíveis conflitos
de interesse e influências externas. A maior parte dos
estudos em multimorbidades avalia intervenções complexas
que poderiam ser resumidas em: coordenação do cuidado,
suporte ao autogerenciamento da saúde e manejo
farmacológico. Ainda não existe evidência clara da eficácia
de uma dessas intervenções isoladamente, embora a
combinação delas melhore a experiência dos pacientes e
dos familiares nos cuidados com a saúde.

FIGURA 2 Princípios básicos da medicina baseada em evidências (MBE).

PRINCÍPIOS GERAIS DO MANEJO DE MULTIMORBIDADE


A maioria das diretrizes que norteiam a prática médica
foca o manejo de doenças isoladas, o que pode ser um
problema, como descrito anteriormente. Não há, até o
momento, manejo ideal de multimorbidade com
embasamento científico adequado. Dada a heterogeneidade
das morbidades que podem coexistir, não é viável a
elaboração de diretriz para tratamento de doença
específica em vigência de multimorbidade. Nesse contexto,
a individualização do tratamento deverá ser o princípio
norteador.
A multimorbidade exige, portanto, cuidado centrado no
paciente e seus familiares, priorizando o que é mais
importante, garantindo tratamentos que sejam
logisticamente viáveis e minimamente disruptivos, e que
estejam alinhados com os valores e prioridades do
paciente. Para tanto, sociedades médicas, como a
Sociedade Americana de Geriatria, trazem as seguintes
recomendações baseadas em consenso de especialistas
para melhor manejo de multimorbidade:

Avaliar e incorporar os objetivos e preferências do


paciente e cuidadores na decisão médica.
Reconhecer as limitações dos estudos científicos e ter
cautela ao aplicar achados de pesquisas nesse grupo de
pacientes.
Individualizar as decisões terapêuticas dentro do
contexto de riscos, fardo do tratamento, benefícios e
prognóstico (expectativa de vida, capacidade funcional e
qualidade de vida).
Considerar a complexidade do tratamento e sua
viabilidade.
Escolher terapias de elevado benefício, baixo risco e com
impacto positivo sobre a qualidade de vida.
Monitorar e seguir o paciente com reavaliações com
frequência programada condizente com o plano
terapêutico proposto.

A Figura 3 resume esses princípios em uma abordagem


prática, visando a melhor avaliação e manejo dos pacientes
com multimorbidade.

MANEJO DE MULTIMORBIDADE: DETALHES


IMPORTANTES
Preparar sempre que possível o local da avaliação: evitar
ambientes barulhentos ou sujeitos a interrupções.
Avaliar e contornar possíveis barreiras de comunicação,
como déficit auditivo, visual ou cognitivo.
Priorizar inicialmente as demandas do paciente e de seus
cuidadores e focar os problemas que poderão levar a
maior morbidade, e possivelmente a mortalidade, nos
próximos dias a semanas.
Obter uma visão geral das doenças já identificadas e dos
tratamentos já instituídos.
A avaliação de condições que dizem respeito ao bem-
estar ou qualidade de vida, ou que interfiram direta ou
indiretamente em muitas doenças, é de grande valia para
melhor individualização do tratamento. São exemplos
dessas condições: estado nutricional, capacidade
funcional, sedentarismo, fragilidade, distúrbios do sono,
saúde mental, suporte social e econômico. A avaliação
geriátrica ampla torna-se um instrumento interessante
nesse contexto.
FIGURA 3 Avaliação e manejo de idosos com multimorbidade.

Considerar a coexistência de depressão, que poderá


trazer obstáculos ao autocuidado e à efetividade de
outras intervenções.
Caso necessário, avaliar a expectativa de vida.
Considerar o uso de índices prognósticos validados.*
Toda intervenção, hospitalização ou medicação tem o
potencial de causar efeitos indesejáveis. Tais malefícios
são acentuados em pacientes com multimorbidade.
Assim, considerar que muitas vezes menos poderá ser
mais, especialmente na vigência de polifarmácia.
Rever todos os tratamentos em face dos riscos,
benefícios, impacto em qualidade de vida, expectativa de
vida e valores e desejos do paciente. Nos casos em que
haja dúvidas quanto aos benefícios de dada intervenção
ou sobre quando ela poderá trazer efeitos indesejados,
cultivar diálogo adequado e decisões compartilhadas.
Muitas vezes os pacientes com multimorbidade são
assistidos por mais de um profissional da saúde. Para
que não ocorram divergências de conduta, deve-se
cultivar a comunicação interprofissional, especialmente
quanto a decisões e estratégias terapêuticas definidas
durante cada avaliação. Relatórios claros contendo de
forma sucinta os diagnósticos, estratégias terapêuticas e
medicações são de grande valia e poderão auxiliar
inclusive em casos de internações emergenciais, em que
a assistência será feita muitas vezes por profissionais
que não têm conhecimento prévio da complexidade e dos
desejos do paciente.

A multimorbidade é frequentemente associada à alta


carga de tratamento, e os pacientes podem ter menor
capacidade de autocontrole e enfrentamento. A carga de
tratamento está fortemente associada ao número de
condições crônicas. Existem formas de medir a carga de
tratamento sofrida pelo paciente, mas sua capacidade de
prever resultados adversos é incerta. Outro ponto
importante é lembrar que a capacidade do indivíduo de se
autogerenciar pode variar ao longo do tempo, à medida que
as doenças se acumulam e as circunstâncias pessoais
mudam (Figura 4).

POLIFARMÁCIA
Especial atenção deverá ser dada à polifarmácia, desafio
comum em pacientes com multimorbidade. Considerar
tratamentos não medicamentosos sempre que possível em
detrimento ao acréscimo de mais medicações (p. ex.,
tratamento de insônia com higiene do sono, tratamento de
refluxo com medidas dietéticas e posturais etc.). Buscar
seguir o lema do inglês “start low, go slow, but go”, que
significa iniciar, modificar ou suspender tratamentos de
forma lenta e gradual, com reavaliações, até o objetivo
final, evitando subtratamentos. Em cada consulta, avaliar:
Aderência terapêutica e adequação posológica.

FIGURA 4 Carga do tratamento versus capacidade em pacientes com


multimorbidade.

Interações medicamentosas.
Adequação das doses para possível disfunção renal ou
hepática.
Presença de efeitos colaterais e riscos das medicações;
instrumentos como critérios de Beers e Stopp/Start
poderão ser de grande valia nessa avaliação.
Possibilidade de suspensão de medicamentos que não
mais se adéquam ao plano terapêutico do paciente.
DECISÃO COMPARTILHADA
A melhor forma de abordar a multimorbidade à luz da
MBE é por meio da valorização dos desejos e objetivos do
indivíduo, modificando o princípio paternalista da relação
médico- paciente, em uma abordagem holística, na qual o
médico traz o conhecimento científico e a experiência
clínica e o paciente, sua biografia, condição social,
econômica, espiritual e psicológica, para juntos chegarem a
uma linha de tratamento que seja viável e razoável,
condizente com os desejos e objetivos do paciente. Tal
forma de abordagem é conhecida como decisão
compartilhada.
Embora possa ser usada em decisões simples, a decisão
compartilhada é de especial importância nos casos mais
complexos, nos quais a intervenção médica pode melhorar
uma condição à custa de possíveis efeitos colaterais
significativos, risco de piora de outra morbidade ou de
impacto negativo na qualidade de vida. Para uma decisão
compartilhada adequada, sugere-se adotar os seguintes
passos:

Tenha certeza de que o paciente está devidamente


informado de sua condição e dos riscos e benefícios das
opções terapêuticas. Auxílios visuais com gráficos e uso
de linguagem mais “palpável” com riscos absolutos
(“cinco em cada dez apresentam tal efeito colateral com
esse tratamento”) auxiliam na transmissão de
informação.
Avaliar as preferências do paciente apenas após o passo
anterior. Muitas vezes ele não saberá expressar sua
opinião, pedirá que o médico decida por ele ou passará a
decisão para um familiar ou cuidador. Nesses casos, a
priorização de um objetivo geral de tratamento pelo
paciente poderá ser de grande valia, como viver pelo
maior tempo possível, manter a funcionalidade e a
independência, aliviar sintomas. Essa deliberação poderá
se estender para além de uma consulta.
Reavaliar a decisão ao longo do tempo. O paciente idoso,
especialmente com multimorbidade, poderá sofrer
mudanças bruscas em sua condição clínica geral em
curto período de tempo, como perda de independência
após internação prolongada, diagnóstico de novas
doenças como síndrome demencial, o que pode mudar os
objetivos e, consequentemente, a linha de tratamento.

PÉROLAS DA DECISÃO COMPARTILHADA


Uma boa decisão compartilhada, além de empatia, exige
uma comunicação adequada – com atenção para
linguagem não verbal e “entrelinhas” da conversa. Evitar
termos técnicos e utilizar linguagem simples.
O princípio de avaliar preferências e envolver o paciente
na decisão não significa que o paciente tem o direito de
exigir alguma intervenção sem uma expectativa razoável
de benefício.
Incerteza é uma das maiores características da geriatria.
Isso não afasta uma decisão compartilhada adequada.
Em casos de incertezas, pode-se propor um teste
terapêutico, pelo qual, se não houver o benefício
esperado em um dado espaço de tempo, a intervenção
poderá ser descontinuada ou modificada.
A ferramenta de comunicação de “pior e melhor cenário”
poderá auxiliar na tomada de decisão. Por ela o médico
expressa o que pode ser esperado se tudo correr bem
com a intervenção oferecida, mas também se o pior
ocorrer, e as repercussões de ambos os desfechos.
Quando a capacidade de decisão estiver prejudicada,
como casos de delirium ou síndromes demenciais
avançadas, a decisão caberá ao representante em saúde.
Se houver dúvida quanto a tal capacidade, como nos
quadros demenciais iniciais ou quando há suspeita de
transtorno psiquiátrico que impede o julgamento
adequado, uma avaliação mais detalhada deverá ser
considerada. Em alguns casos, a avaliação psiquiátrica
detalhada poderá ser necessária. De forma geral, o
paciente é considerado capaz de decisão caso consiga:
– Entender o problema médico em questão.
– Entender a intervenção ou o tratamento médico
oferecido.
– Entender as alternativas possíveis (se existentes).
– Antever os possíveis desfechos das opções possíveis.
– Expressar seus desejos e opinião a respeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A multimorbidade é definida como presença de duas ou
mais doenças crônicas (orgânicas ou psiquiátricas) em
um mesmo indivíduo e ocorre em mais da metade da
população nacional acima de 60 anos.
Associa-se a elevada morbidade, mortalidade, pior
qualidade de vida e gastos com serviços de saúde.
São vários os desafios no manejo de indivíduos com
multimorbidade.
O manejo envolve atenção e valorização dos objetivos e
prioridades de cada paciente; otimização e simplificação
terapêutica com menor impacto negativo possível em sua
qualidade de vida; evitar intervenções desnecessárias;
decisão compartilhada sempre que possível,
especialmente quando diante de questões difíceis sobre
o manejo.
São aguardados com expectativa estudos adequados que
possam clarear ainda mais o entendimento quanto à
multimorbidade, para que se possa adequar
progressivamente a terapêutica aos objetivos e desejos
do paciente e sua complexidade, de forma segura, clara e
mais bem informada.

*
Diferentes índices estão disponibilizados em eprognosis.ucsf.edu (acesso em
jan 2023).

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Rastreamento por exames complementares 4
em geriatria

Eduardo Borges de Oliveira


Ellen Diniz de Andrade Lessa

INTRODUÇÃO
O conhecimento sobre o funcionamento do corpo
humano e das doenças que o acometem tem levado à
constante busca por tratamentos que possam reverter ou
amenizar os danos causados e os sintomas decorrentes. À
medida que tratamentos eficazes para diversas condições
são descobertos e estabelecidos, inicia-se a busca por
meios de diagnosticá-las em estágios em que seus
portadores ainda possam ser beneficiados pelos respectivos
tratamentos. Com o crescente aumento dos métodos
diagnósticos desenvolvidos, atualmente é possível detectar
diversas condições muito antes de haver manifestações
clínicas, o que pode trazer grandes vantagens, mas também
se pode chegar ao extremo de diagnosticar potenciais
condições que nunca viriam a se manifestar.
A experiência do rastreamento de diversas condições
tem ensinado muitas lições, e atualmente apenas algumas
apresentam claros benefícios de serem rastreadas. Até o
momento não existe evidência consistente de que o
rastreamento leve à redução da mortalidade geral, e há
evidência para redução de mortalidade específica para
pouquíssimas condições.
Mundialmente, existe elevado entusiasmo da população
quanto aos benefícios do rastreamento, particularmente em
relação às doenças neoplásicas, pelo grande sentimento de
medo. Entretanto, com o avanço dos estudos na área, cada
vez mais o rastreamento de diversos tipos de câncer tem
sido questionado e tem aumentado a preocupação com os
efeitos do sobrediagnóstico e do supertratamento.
As doenças oncológicas para as quais o rastreamento
mais demonstrou sucesso foram câncer de colo uterino,
mama e colorretal. Acredita-se que isso se deva ao fato de
serem doenças de comportamento mais homogêneo,
crescimento mais lento e com precursores passíveis de
identificação e remoção por procedimentos com baixas
taxas de complicações, o que minimiza os riscos
relacionados com o rastreamento. Crescente atenção tem
sido dada a meios de identificar os indivíduos que mais se
beneficiariam do rastreamento de cada condição.
Em termos econômicos, a expectativa racional seria a de
que os programas de rastreamento gerariam um aumento
inicial de custos com sua implementação, porém, a longo
prazo, levariam à redução dos custos totais, devido ao
tratamento menos dispendioso das condições quando
precocemente detectadas. Entretanto, análises financeiras
não têm confirmado essa projeção econômica, evidenciando
que, devido às elevadas taxas de sobrediagnóstico,
sobretratamento e complicações dos testes de rastreio, os
custos se elevam não apenas a curto, mas também a longo
prazo.
O reconhecimento dessas limitações é o primeiro passo
em direção a uma abordagem assertiva na execução do
rastreamento clínico, porém se deve levar em conta que
sua aplicação na população idosa apresenta alguns desafios
adicionais. À medida que idade e morbidade aumentam, os
benefícios do rastreamento se tornam mais incertos, a
probabilidade de danos se eleva e a janela de tempo em
que os benefícios superam os danos pode não ser atingida
pelo paciente. Logo, as decisões a respeito do rastreamento
clínico em pessoas idosas devem ponderar o horizonte
temporal para que os benefícios se manifestem, o potencial
de danos que podem ocorrer nesse intervalo de tempo e a
expectativa de vida do paciente.
A população idosa apresenta elevado grau de
heterogeneidade em relação a estado de saúde, trajetória,
funcionalidade e expectativa de vida, gerando grande
variação na relação entre danos e benefícios de cada
intervenção para indivíduos dentro da mesma faixa etária.
Essa heterogeneidade traz a necessidade de decisões cada
vez mais individualizadas, alinhando a opinião médica,
baseada em variáveis clínicas, evidências, estimativas e
probabilidades, com a opinião do paciente, suas crenças,
valores e expectativas.

PRINCÍPIOS DO RASTREAMENTO

Conceitos

O que é rastreamento?
No contexto da medicina, rastreamento são ações que
visam à detecção precoce de doenças ou outras condições
de risco com o objetivo de evitar que estas causem algum
mal ao indivíduo, ou algum mal maior do que o que
eventualmente já tenha sido causado. Muitas vezes o
entendimento do rastreamento consiste em um conjunto de
exames e testes realizados em uma população, e os
pacientes tendem a procurar o profissional depositando sua
confiança na realização de uma grande lista deles, tendo-os
como precisos, absolutos, autossuficientes e inócuos.
Entretanto, em seu conceito, o rastreamento clínico não
se restringe a exames complementares. É iniciado na
anamnese, quando queixas, antecedentes e hábitos são
explorados. Continua durante o exame físico sistematizado,
ao serem realizadas inspeção, percussão, palpação e
ausculta. Apenas após essas etapas, que não devem ser
negligenciadas, haverá a solicitação individualizada e
racional de exames complementares, quando julgados
necessários. Com poucas exceções, os testes utilizados no
rastreamento não firmam diagnóstico, sendo necessário,
quando positivos, prosseguir na investigação com outros
testes específicos para esse fim.

Modalidades de rastreamento
O rastreamento é subdividido em primário, secundário e
vigilância pós-tratamento:

Rastreamento primário: é a busca ativa por uma doença


subclínica, ou seja, quando o paciente não apresenta
evidência alguma de possuí-la. Exemplo: pesquisa de
dislipidemia em paciente assintomático.
Rastreamento secundário: é deflagrado como
consequência de uma condição detectada pelo
rastreamento primário, como a busca de complicações já
existentes. Exemplo: pelo rastreamento primário houve a
detecção de diabetes mellitus em paciente assintomático,
deflagrando o rastreamento secundário, sendo agora
indicado o rastreio de lesões em órgãos-alvo, como
retina, rins, coração etc.
Vigilância pós-tratamento: consiste nas ações realizadas
após o tratamento de uma condição, ao longo do
seguimento do paciente, para pesquisa de recidiva ou
surgimento tardio de complicações. Exemplo: realização
de colonoscopias periódicas em paciente que já teve
pólipo intestinal pré-neoplásico detectado e removido em
colonoscopia realizada no rastreamento primário.

Rastreamento como ação preventiva


As ações preventivas em saúde, em geral, são
classificadas em cinco níveis:

1. Prevenção primordial: ações que visam evitar a


emergência e o estabelecimento de padrões sociais,
econômicos ou culturais de vida que sejam associados a
elevado risco de doenças. Inclui políticas de promoção
de saúde e incentivo a estilos de vida saudáveis.
2. Prevenção primária: ações que visam evitar ou remover
a exposição de um indivíduo ou de uma população a
fatores de risco ou fatores causais antes que a doença se
desenvolva.
3. Prevenção secundária: ações que visam detectar
problemas pré-clínicos, ou seja, já instalados, porém
antes do surgimento de sinais e sintomas, antecipando o
diagnóstico definitivo e o tratamento, com o objetivo de
condicionar favoravelmente sua evolução.
4. Prevenção terciária: ações adotadas com o objetivo de
reduzir os impactos pessoais, sociais e econômicos de
doenças já estabelecidas, mediante reabilitação,
recuperação e otimização da capacidade funcional
remanescente e reintegração do indivíduo acometido.
5. Prevenção quaternária: ações que visam evitar ou
atenuar o excesso de intervencionismo em saúde, ou
seja, evitar intervenções inapropriadas, sejam elas
diagnósticas ou terapêuticas, que possam vir a causar
danos desnecessários ao paciente, como o
sobrediagnóstico e o sobretratamento.

O rastreamento, conforme sua modalidade, pode ser


aplicado nas ações preventivas em cada um dos níveis:

Na prevenção primordial: identificação de aspectos do


estilo de vida individual ou populacional que sejam
desfavoráveis à promoção e manutenção da saúde.
Na prevenção primária: busca, na anamnese, de fatores
de risco para o surgimento de doenças ou ocorrência de
agravos que sejam passíveis de intervenção.
Na prevenção secundária: solicitação de exames
complementares para detecção precoce de condições e
doenças em pacientes assintomáticos, com base nos
fatores de risco (sexo, idade e outros fatores específicos).
Na prevenção terciária: detecção de déficits funcionais
no paciente com sequelas de doenças ou agravos,
direcionando o processo de reabilitação.
Na prevenção quaternária: identificação de pacientes em
risco de serem submetidos a exames de rastreio
desnecessários ou inadequados, por apresentarem baixa
expectativa de vida ou baixa funcionalidade, mesmo que
pertençam à faixa etária na qual o rastreio seja
recomendado.

Neste capítulo serão abordadas questões sobre a


aplicação do rastreamento primário em pessoas idosas.

O bom exame de rastreio


Embora haja uma infinidade de doenças que acometem o
ser humano e um gigantesco arsenal de testes capazes de
detectá-las, apenas algumas condições apresentam
benefício em serem rastreadas. Muitos fatores precisam
ser levados em conta antes da recomendação a favor ou
contra o uso de determinados testes para o rastreamento
de cada condição. Para que o rastreamento seja justificável,
as doenças rastreadas devem ser relevantes e prevalentes,
dispor de tratamentos eficazes e ter seu curso
favoravelmente alterado pela instituição do tratamento
precoce, ou seja, na fase assintomática, em comparação
com o tratamento quando o diagnóstico é feito apenas após
a manifestação de sinais e sintomas. Além disso, os exames
propostos para rastreio e diagnóstico, bem como as
modalidades de tratamento, não devem trazer mais
malefícios do que a própria doença traria em sua evolução
natural se não fosse detectada ou tratada.
Destacam-se, a seguir, os principais aspectos que devem
ser considerados para eleição de condições a serem
rastreadas e testes a serem utilizados em seu rastreio:

Relevância e prevalência da condição a ser rastreada na


população testada.
Existência de fase assintomática significativa que possa
ser detectada pelos testes de rastreio.
Sensibilidade e especificidade do teste, a fim de
minimizar o risco de falsos positivos e falsos negativos.
Existência de tratamento eficaz disponível para uso nos
estágios iniciais da condição e que resulte em maior
redução da mortalidade e/ou morbidade do que quando
realizado após o surgimento dos sintomas.
Viabilidade em termos de custos e disponibilidade.
Segurança em relação aos riscos e efeitos adversos
inerentes ao teste.
Evidência de efetividade em estudos, idealmente ensaios
clínicos randomizados e controlados.

Os estudos sobre rastreamento devem ser analisados


com bastante cautela, pois são sujeitos a vieses que podem
fazer um teste parecer mais efetivo do que ele realmente
seja. O rastreamento pode, por exemplo, resultar na
identificação mais precoce de uma condição, porém sem
que esse adiantamento altere os desfechos ou o curso da
doença. Pode também aumentar a identificação de doenças
que não sejam progressivas ou que tenham progressão tão
lenta que nunca trariam consequências ou alterariam a
longevidade ou qualidade de vida dos indivíduos
acometidos.
Há também vieses de seleção, em que a população
rastreada pode apresentar características que levem a
melhores desfechos do que a população não rastreada. A
realização de ensaios clínicos randomizados controlados
prospectivos de seguimento por longo período visam
reduzir essas fontes de vieses, mas a população idosa,
principalmente idosos frágeis, ainda é pouco incluída e sub-
representada nesses estudos. Assim, as recomendações
para essas populações são geralmente baseadas em
evidências indiretas de estudos que não as incluem.
Um marcador muito importante para a análise dos testes
de rastreamento é o number needed to screen (NNS), que é
o número de pessoas que devem ser rastreadas para evitar
uma morte ou evento adverso relacionado com a doença.
Quanto mais baixo o NNS, melhor é o teste em questão.
O rastreamento nem sempre é isento de danos. Entre
eles, destacam-se ansiedade gerada pelos testes,
complicações decorrentes dos exames, falsa segurança
advinda de testes falso-negativos, sobrediagnóstico e
sobretratamento (detecção e tratamento de condições que
de outra forma não afetariam a quantidade e a qualidade
de vida por não serem progressivas ou não chegarem a se
manifestar devido à mortalidade por outras causas
concorrentes).
Quanto às condições a serem rastreadas, devem ser
significativas em sua prevalência, nos danos causados e na
possibilidade de redução desses danos por detecção e
tratamento precoces. Não há benefício no rastreamento de
condições indolentes que, mesmo que se desenvolvam, não
cheguem a impactar a vida do paciente. Igualmente, no
outro extremo, também não há benefício no rastreio de
condições tão agressivas que possam se desenvolver no
intervalo de tempo entre os rastreios ou que, mesmo com
detecção e tratamento, levem brevemente à morte ou a
grande prejuízo na qualidade de vida.

O paciente elegível ao rastreio

Quem rastrear? Quando começar? Quando interromper?


Para executar o rastreamento de forma assertiva, deve
ser definido quem será rastreado, a partir de quando e até
quando. Muitas vezes é difícil definir esses limites com
precisão, especialmente quando se acompanha um paciente
ao longo de toda a sua vida, mas serão pontuados aqui os
principais aspectos que devem ser levados em
consideração para auxiliar a tomada de decisões. O
potencial benefício do rastreio para cada indivíduo depende
de basicamente três fatores:
1. O risco de desenvolver a doença e de vir a sofrer dela na
ausência do rastreamento.
2. A redução de riscos promovida pelo rastreamento.
3. O horizonte temporal em que ocorre essa redução de
riscos.

O início é geralmente mais fácil de ser estabelecido,


uma vez que os estudos epidemiológicos são claros em
evidenciar a partir de quando determinada doença passa a
ser mais incidente e, consequentemente, em que faixa
etária o paciente começa a apresentar maior risco de
desenvolvê-la. A interrupção, entretanto, é muito mais
difícil de ser definida, pois o paciente passa ao longo da
vida por processos que podem alterar significativamente
sua sobrevida e qualidade de vida e também os benefícios
da detecção e tratamento de novas condições.
O momento de cessar o rastreamento é baseado
basicamente em dois grandes critérios: expectativa de vida
do paciente e sua funcionalidade. É importante lembrar
que rastreamento é um procedimento médico reconhecido
para pacientes que tenham alta sobrevida com qualidade e
funcionalidade. De nada adianta detectar uma doença em
um paciente assintomático que não vai viver a tempo de
sequer desenvolvê-la e vir a sofrer algum mal dela. Estudos
evidenciam que o NNS aumenta em função da idade, ou
seja, mais pacientes necessitam ser submetidos ao
rastreamento para que algum possa ser de fato beneficiado.
A expectativa de vida decresce com o aumento da idade,
mas essa queda varia muito entre os indivíduos de acordo
com a funcionalidade e a carga de doenças. A estimativa da
expectativa de vida é ponderada juntamente com o tempo
de janela para o benefício de cada intervenção, que é o
tempo que decorre entre a realização da intervenção
preventiva e o momento em que os benefícios são vistos. O
tempo de janela é o intervalo em que as complicações e
eventos adversos são mais comuns e mais notáveis. Se a
expectativa de vida restante for menor do que o tempo de
janela estimado, muito provavelmente o rastreamento lhe
poderá trazer apenas malefícios.
Atualmente, existem várias ferramentas capazes de
auxiliar na estimativa de forma razoavelmente precisa do
tempo estimado de sobrevida de cada paciente, com base
em fatores como idade e comorbidades. Entre elas estão:
www.eprognosis.org, índice de Charlson e velocidade de
marcha. O tempo de janela pode ser estimado avaliando-se
o impacto de cada intervenção na evolução da história
natural de cada condição.
A avaliação da funcionalidade é parte inerente da
avaliação geriátrica ampla, abordada em capítulos
específicos deste manual. Quaisquer que sejam as escalas
utilizadas, elas devem avaliar de forma contundente a
funcionalidade do paciente. Se o paciente é bastante
funcional, em geral ele é candidato ao rastreamento. Se o
paciente é disfuncional, geralmente não é candidato ao
rastreamento, pois terá pouquíssimos benefícios com isso.
Obviamente, existem os casos intermediários, em que se
deve analisar a funcionalidade juntamente com outros
parâmetros para ponderar se o paciente será elegível ao
rastreio ou não.
FIGURA 1 Avaliação da elegibilidade ao rastreamento.
NNS: number needed to screen.

Ao ponderar sobre a eleição ou não de um paciente para


o rastreamento de determinada condição, diversos
parâmetros devem ser analisados conjuntamente. Pacientes
com alta expectativa de vida, funcionalidade preservada,
testes com baixo NNS, baixos riscos, custos viáveis,
disponibilidade de tratamento seguro e bem tolerado para
a condição rastreada e, cada vez mais, a opinião, o desejo e
a compreensão do paciente são fatores que favorecem a
opção pelo rastreamento.
Vem ocorrendo uma mudança positiva de paradigma,
pois as decisões não residem mais exclusivamente nas
mãos do profissional de saúde. A opinião do paciente,
baseada em seus desejos e valores, vem ganhando cada vez
maior espaço e precisa ser incorporada ao que se chama de
decisão compartilhada. Para isso, são necessárias as
habilidades na comunicação entre o médico e o paciente e
eventualmente com seus familiares e cuidadores, quando
este não pode ou não deseja expressar sua vontade.
Alguns estudos se propuseram a acessar os fatores que
influenciam as decisões dos idosos quanto à realização do
rastreamento. Em um deles, que analisou o posicionamento
quanto ao rastreamento de câncer, a expectativa dos idosos
em face dos benefícios do rastreamento foi o fator mais
preditivo de suas decisões. Nesse estudo, quando
questionados sobre a frase “Eu planejo me submeter ao
rastreamento para câncer de mama/cólon/próstata
enquanto eu viver”, 31,9% dos idosos concordaram com a
frase, 33,2% discordaram e 29,2% não se posicionaram.
Posteriormente, foi visto que os idosos que estavam
entusiasmados com os potenciais benefícios do
rastreamento também se colocaram a favor do
rastreamento para câncer mesmo em cenários hipotéticos
envolvendo limitada expectativa de vida.
O estabelecimento de decisões compartilhadas exige do
profissional não apenas conhecimento científico, mas
também tempo, disposição, interesse pela opinião de seu
paciente, mas também habilidades de comunicação. Esse
mesmo estudo destacou três aspectos muito importantes.
Primeiro, pacientes idosos geralmente se sentem
confortáveis com a decisão de cessar o rastreamento
quando essa decisão é tomada com médicos com quem têm
um relacionamento de confiança. Segundo, os idosos
participantes em geral concordavam que a idade e o estado
de saúde devem ser levados em conta na decisão de cessar
o rastreamento, mas a maioria não concordou com o uso da
expectativa de vida, por acreditarem que os médicos não
são capazes de predizê-la com acurácia. Terceiro, os
participantes preferiam que os médicos explicassem a
recomendação de cessar o rastreamento com base no
estado de saúde individual de cada um deles, mas não
estavam certos se o fator “expectativa de vida” deveria ser
mencionado e, mais importante do que isso, sobre a forma
de dizê-lo. Os participantes relataram que o uso de
expressões como “você talvez não viva o suficiente para se
beneficiar desse teste” é desnecessariamente duro em
comparação com o uso de uma linguagem mais amena e
positiva como “esse teste não irá ajudá-lo(a) a aumentar
seu tempo de vida”. Na boa intenção de transmitir dados e
informações para o paciente tomar sua decisão, corre-se o
risco de fazer uso de termos técnicos e expressões
corriqueiras e neutras para os profissionais da saúde, mas
que aos ouvidos do paciente podem soar negativas e
agressivas, tornando a comunicação violenta, mesmo que
não intencionalmente.
Há muitas maneiras de dizer a mesma coisa, e uma
simples mudança na maneira de colocar os fatos pode
abrandar uma linguagem que de outra forma seria ruim
para o paciente. É constante desafio do profissional da
saúde adquirir essa percepção e desenvolver habilidades
de comunicação não violenta e eficaz.

Executando o rastreamento clínico

Populações são rastreadas, enquanto indivíduos são


testados. Não existe uma lista rígida de exames à qual
todos os pacientes assintomáticos devam ser submetidos
em uma frequência predeterminada. As diretrizes que
norteiam o rastreamento provêm de estudos de rastreio
populacional, que são importantíssimos para entender
quais benefícios e malefícios o rastreio poderá trazer ao
paciente. A aplicação das recomendações, entretanto, deve
ser individualizada para cada paciente, conforme o cenário
em que se encontra, suas particularidades, expectativas e
desejos.
A seguir serão apresentados principais itens que devem
ser considerados para a aplicação ou não do rastreamento
para cada paciente. Como detalhado no tópico anterior, são
utilizadas ferramentas que auxiliem na avaliação de cada
item objetivamente, mas muitas vezes é necessário se valer
da análise subjetiva.
Devem ser analisados em paralelo os fatores
concernentes ao paciente em questão, como expectativa de
vida, funcionalidade, valores, desejo, expectativas e
preferências, e as características das condições a serem
rastreadas, como NNS, riscos inerentes aos testes de
rastreio e exames diagnósticos subsequentes, e a
segurança e eficácia dos tratamentos disponíveis caso a
doença seja de fato detectada. Cada item situa o paciente
em um ponto no espectro mais a favor ou contra o
rastreamento, e a somatória deles ajuda a ponderar se o
paciente será ou não beneficiado pela aplicação dos testes
do rastreio em questão.

RECOMENDAÇÕES ATUAIS DE RASTREAMENTO POR


EXAMES COMPLEMENTARES EM PESSOAS IDOSAS
Neste tópico, serão listadas as recomendações atuais de
rastreamento por exames complementares em pessoas
idosas de acordo com a revisão das orientações de
entidades nacionais e internacionais mais confiáveis
atualmente.
Há muitas outras condições a serem rastreadas, por
meio de outros instrumentos, como anamnese, exame
físico, questionários e testes, realizados na avaliação
geriátrica ampla, que são abordados em outros capítulos.
Aqui seguem as recomendações de condições rastreáveis
por meio de exames complementares.

Diabetes mellitus tipo 2


1. Por que rastrear: o diabetes mellitus é uma das
principais causas de cegueira, doença renal,
amputações e morte, principalmente por eventos
cardiovasculares. Sua prevalência está aumentando, e
estima-se que até 46% dos casos não sejam
diagnosticados. Detecção e tratamento precoces,
inclusive do estado pré-diabetes, contribuem para a
redução do risco de desenvolvimento de complicações e
morte.

QUADRO 1 Rastrear ou não rastrear: considerações

A favor Contra

Alta expectativa de vida/NNS baixo Baixa expectativa de vida/NNS alto

Funcionalidade preservada Funcionalidade comprometida

Baixo risco (inicial e subsequente) Alto risco (inicial e subsequente)

Baixo custo (inicial e subsequente) Alto custo (inicial e subsequente)

Tratamento e seguimentos seguros Tratamento e seguimentos arriscados

Entendimento e desejo do paciente Desconhecimento ou recusa do


paciente

NNS: number needed to screen.

2. Quem rastrear:
– American Diabetes Association (ADA) e Sociedade
Brasileira de Diabetes (SBD): recomendam rastrear
todos os indivíduos acima de 45 anos, ou antes, em
indivíduos com fatores de risco (Quadro 2).
– United States Preventive Services Task Force
(USPSTF): recomenda rastrear indivíduos entre 35 e
70 anos de idade com sobrepeso ou obesidade.
Recomenda também considerar o rastreamento fora
desse grupo para pacientes com outros fatores de
risco (Quadro 2).
3. Exames de rastreio: glicemia de jejum, teste oral de
tolerância à glicose ou hemoglobina glicosilada.
4. Periodicidade: até a cada 3 ou 4 anos na população geral
e a cada ano em indivíduos com pré-diabetes ou com
fatores de risco (Quadro 2).
5. Quando interromper: término do rastreio não definido.
Pode ser considerado em pacientes com baixa
expectativa de vida, sem foco na prevenção das
consequências a longo prazo, mas visando evitar
possíveis desconfortos imediatos decorrentes da
hiperglicemia, como polidipsia, poliúria, polifagia,
desidratação e alterações neurológicas.

Dislipidemia

1. Por que rastrear: a doença cardiovascular é a principal


causa de morte no Brasil e no mundo. Atualmente, a
avaliação dos níveis de lipídios é parte da avaliação de
risco cardiovascular, orientando a terapêutica e a
prevenção de morbimortalidade.
2. Quem rastrear:
– USPSTF: recomenda o rastreamento de dislipidemia
em indivíduos entre 40 e 75 anos como parte da
avaliação do risco cardiovascular. Não encontraram
evidência para o rastreamento antes ou depois dessa
faixa etária.
3. Exames de rastreio: colesterol total, HDL-colesterol,
LDL-colesterol (medido ou calculado) e triglicerídeos.
4. Periodicidade: intervalo incerto. A cada 5 anos, com
possibilidade de abreviar ou prolongar o intervalo,
conforme os níveis obtidos.
5. Quando interromper: não estabelecido. Há benefício em
rastrear pessoas idosas que nunca tenham sido
rastreados previamente. A interrupção persiste como
uma incógnita, e deve ser levado em consideração
basicamente o estado geral do paciente, sua
funcionalidade e expectativa de vida.

QUADRO 2 Fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2

Sobrepeso ou obesidade (IMC ≥ 23 kg/m2 em asiáticos e IMC ≥ 25 kg/m2 nos


demais) e pelo menos um dos seguintes:
Pré-diabetes.
Sedentarismo.
Hipertensão arterial sistêmica.
HDL-colesterol < 35 mg/dL e/ou triglicerídeos > 250 mg/dL.
Acantose nigricans.
Síndrome dos ovários policísticos.
Etnia de alto risco para diabetes mellitus (negros, hispânicos e índios
Pima).
História prévia de diabetes gestacional ou mãe de recém-nato > 4 kg.
História familiar de diabetes mellitus em parente de primeiro grau.
Uso de medicações como corticoides, diuréticos tiazídicos ou antipsicóticos.

IMC: índice de massa corporal.

Disfunção tireoidiana

1. Por que rastrear: embora não haja, na literatura,


benefício incontestável do rastreamento, a maioria das
autoridades no assunto em geriatria recomenda o
rastreio, devido à inespecificidade dos sintomas, o que
pode retardar o diagnóstico de condições que, ainda que
subclínicas, possam ser bastante deletérias.
2. Quem rastrear?
– USPSTF e American Academy of Family Physicians
(AAFP): não recomendam o rastreio de rotina em
pacientes assintomáticos não gestantes.
– American Thyroid Association (ATA) e American
Association of Clinical Endocrinologists (AACE):
recomendam o rastreamento para homens e
mulheres a partir dos 60 anos ou antes, se houver
fatores de risco (Quadro 3) e para mulheres
gestantes ou que estejam planejando uma gestação.

Osteoporose

1. Por que rastrear: fraturas osteoporóticas,


principalmente de quadril, estão associadas a limitação
da deambulação, dor crônica e incapacidades, perda de
independência, redução de qualidade de vida e
mortalidade (21 a 30% dos pacientes que sofrem fratura
do quadril morrem dentro de 1 ano). A prevalência de
osteoporose primária aumenta com a idade, e mulheres
apresentam taxas maiores de osteoporose do que
homens em todas as idades. A detecção e o tratamento
da osteoporose têm apresentado benefício em reduzir
fraturas e suas complicações, principalmente em
mulheres.
2. Quem rastrear?
– USPSTF: recomenda rastrear todas as mulheres a
partir dos 65 anos, ou antes, para as que apresentam
risco de fratura elevado estimado por ferramentas
(acima de 9,3% em 10 anos, estimado pelo FRAX –
Quadro 4). Não destaca evidência suficiente para
indicar ou não o rastreio em homens.
– National Osteoporosis Foundation (NOF) e American
College of Physicians (ACP): recomendam rastrear
todas as mulheres acima de 65 anos ou antes, após a
menopausa e com base em seu perfil de risco.
Recomenda rastrear todos os homens acima de 70
anos e homens entre 50 e 69 com base em seu perfil
de risco.
– American Congress of Obstetricians and
Gynecologists (ACOG): recomenda rastrear todas as
mulheres acima de 65 anos ou antes, após a
menopausa e que tenham pelo menos um fator de
risco.
– Organização Mundial da Saúde (OMS): reconhece
que há evidências indiretas para o benefício de
rastrear mulheres acima de 65 anos, porém
evidencia que o rastreamento pode não ser viável em
termos de custos em muitos países.

QUADRO 3 Fatores de risco para hipo e hipertireoidismo

Hipotireoidismo Hipertireoidismo

Sexo feminino Sexo feminino

Idade avançada Idade avançada

Etnia / raça negra Etnia / raça negra

Diabetes mellitus tipo 1 Baixo consumo de iodo

Síndrome de Down História pessoal de doença tireoidiana

Bócio Uso de medicações que contêm iodo


(p. ex., amiodarona)

História prévia de hipertireoidismo História familiar de doença tireoidiana

Exposição à radiação em cabeça ou História familiar de doença tireoidiana


pescoço

QUADRO 4 Fatores de risco avaliados no FRAX® BR


QUADRO 4 Fatores de risco avaliados no FRAX® BR

Sexo.
Idade (40-90 anos).
Peso, altura e IMC.
Fratura prévia.
Pais com história de fratura de quadril.
Tabagismo atual.
Consumo ≥ 3 doses de álcool por dia.
Uso de glicocorticoides (atual ou prévio, > 3 meses com dose equivalente
igual ou superior a 5 mg/dia de prednisolona).
Artrite reumatoide.
Osteoporose secundária (diabetes mellitus, osteogênese imperfeita em
adulto, hipertireoidismo não tratado, hipogonadismo ou menopausa
precoce – antes dos 45 anos –, má nutrição crônica, má absorção ou
doença hepática crônica).
Densidade mineral óssea do colo do fêmur (opcional, se já houver realizado
o exame).

IMC: índice de massa corporal.

3. Exame de rastreio: densitometria óssea de quadril e


coluna lombar. Uma alternativa emergente é a
ultrassonografia quantitativa de calcâneo, que apresenta
o benefício de poder ser realizada por um aparelho
portátil e que não acarreta exposição à radiação
ionizante. Estudos evidenciam que apresenta
capacidade comparável à densitometria óssea de
predizer risco de fratura do colo do fêmur, quadril e
coluna, porém sua utilização para diagnóstico de
osteoporose ainda não foi definida.
4. Periodicidade: a princípio a cada 2 anos, porém ainda
existe falta de evidência sobre o benefício desse
intervalo, bem como da repetição do exame quando o
primeiro está dentro da normalidade.
5. Quando interromper: limites não fixados, uma vez que o
risco de fraturas continua aumentando com o avanço da
idade e os malefícios do rastreio e do tratamento são
mínimos. Levar em consideração que os benefícios
começam a ser vistos após 18 a 24 meses do início do
tratamento.

Infecção pelo vírus da hepatite C

1. Por que rastrear: a infecção pelo vírus da hepatite C é


uma das principais causas de cirrose hepática e
indicação de transplante de fígado. Havia um pico de
prevalência da infecção entre indivíduos nascidos entre
1945 e 1965 pelo compartilhamento de agulhas de
drogas injetáveis, e os testes só começaram a ser
realizados preventivamente em material biológico a
partir de 1992, porém tem havido aumento importante
recente em novas infecções, de forma que a
recomendação atual é realizar o rastreamento
populacional. O rastreio de infecção por vírus da
hepatite B, vírus da imunodeficiência humana (HIV),
tuberculose e sífilis é recomendado para indivíduos com
fatores de risco específicos. É importante ressaltar que
o rastreamento de doenças infectocontagiosas deve ser
ofertado, sendo realizado apenas de maneira voluntária
e com o consentimento do paciente, após discussão dos
riscos e benefícios do rastreamento.
2. Quem rastrear?
– USPSTF: recomenda o rastreamento para todos os
indivíduos entre 18 e 79 anos
3. Periodicidade: uma vez na vida, se risco habitual, e
periodicamente com intervalos não definidos para
indivíduos com exposição de risco continuada.
4. Exame de rastreio: inicialmente anticorpo anti-HCV,
seguido de teste molecular confirmatório de PCR
(polymerase chain reaction).
5. Quando interromper? Após 79 anos, ou antes, se houver
condições de saúde que limitem os benefícios do
rastreamento.

Aneurisma de aorta abdominal

1. Por que rastrear: a maioria dos aneurismas de aorta


abdominal (AAA) não leva a sintomas antes de sua
ruptura, na qual o risco de morte varia de 75 a 90%. A
prevalência é maior em homens que sejam ou tenham
sido tabagistas, mesmo por longo período após terem
cessado o hábito. A idade recomendada se deve ao fato
de que aneurismas levam longo tempo para se formar.
Mulheres, mesmo as tabagistas, costumam desenvolver
aneurismas de diâmetros pequenos e, portanto, com
menor risco de ruptura.
2. Quem rastrear?
– USPSTF e Sociedade Brasileira de Angiologia e de
Cirurgia Vascular (SBACV) (Diretriz 2015):
recomendam o rastreio para homens entre 65 e 75
anos que sejam ou tenham sido tabagistas em
qualquer época da vida e homens nessa faixa etária
que nunca tenham sido tabagistas, mas que
apresentem outros fatores de risco (Quadro 6). Não
há evidência suficiente para recomendar o rastreio
de mulheres.
3. Exame de rastreio: ultrassonografia Doppler de abdome.
4. Periodicidade: uma única vez.
5. Quando interromper: não realizar o rastreio caso o
paciente não apresente condições de ser submetido ao
tratamento cirúrgico ou endovascular.

Neoplasia de pulmão
1. Por que rastrear: o câncer de pulmão é o mais comum
no mundo desde 1985 tanto em incidência quanto em
mortalidade, tendo se tornado uma das principais
causas de morte evitáveis. No Brasil, é o segundo mais
comum em homens e o terceiro em mulheres (sem
contar o câncer de pele não melanoma). Cerca de 13%
de todos os casos novos de câncer são de pulmão. Em
85% dos casos está associado ao consumo de derivados
do tabaco. Apresenta prognóstico ruim. Noventa por
cento dos indivíduos diagnosticados falecem por causa
da doença. Apenas 16% são diagnosticados em estágio
inicial, quando em geral podem ser tratados com
ressecção cirúrgica. A cessação do tabagismo é a
melhor medida de prevenção para o câncer de pulmão.
O rastreamento deve ser uma medida paralela às
intervenções para cessar o hábito.

QUADRO 5 Fatores de risco para infecção pelo vírus da hepatite C

Uso atual ou prévio de drogas injetáveis ou intranasais.


Tatuagem.
Antecedente de ter recebido transfusão sanguínea ou ter sido submetido a
cirurgia antes de 1992.
Antecedente de hemodiálise de longa data.
Antecedente de regime carcerário.
Trabalhadores da área de saúde ou que mantêm contato com materiais
biológicos.
Filho(a) de mãe portadora de infecção pelo vírus da hepatite C.
Exposição sexual de risco (múltiplos parceiros sexuais, relações
desprotegidas, sexo com indivíduo portador do vírus da hepatite C, sexo
com usuário de drogas injetáveis), embora o risco de transmissão sexual
seja pequeno.

QUADRO 6 Fatores de risco para aneurisma de aorta abdominal


QUADRO 6 Fatores de risco para aneurisma de aorta abdominal

Idade (≥ 65 anos).
Sexo masculino.
Tabagismo atual ou prévio.
Hipertensão arterial sistêmica.
Hipercolesterolemia.
Doença aterosclerótica.
Doença arterial coronariana.
Doença cerebrovascular.
História pessoal de outro aneurisma vascular.
História familiar de parente de primeiro grau com AAA.

AAA: aneurisma de aorta abdominal.

2. Quem rastrear: adultos entre 55 e 80 anos com


tabagismo de pelo menos 20 maços-ano, atual ou que
tenham cessado há menos de 15 anos. Considerar o
rastreio também para indivíduos com outros fatores de
risco que não o tabagismo (Quadro 7).
3. Exame de rastreio: tomografia computadorizada de
baixa dose de emissão de radiação. Radiografia de tórax
e citologia do escarro não mostraram sensibilidade e
especificidade adequadas para serem usadas no
rastreamento.
4. Periodicidade: anual.
5. Quando interromper: 15 anos após ter cessado o
tabagismo ou quando apresentar condições clínicas que
limitem a sobrevida ou contraindiquem o tratamento
cirúrgico curativo.

Neoplasia de mama

1. Por que rastrear: é o segundo câncer mais comum no


mundo e o primeiro em mulheres tanto em frequência
quanto em mortalidade (excetuando-se os cânceres de
pele não melanoma). É mais frequentemente
diagnosticado entre os 55 e os 64 anos, e a idade média
de morte é 68 anos. O rastreamento com mamografia
reduz a mortalidade em mulheres entre 40 e 74 anos, e
as que mais se beneficiam são aquelas entre 60 e 69
anos. Mulheres entre 40 e 49 anos com história familiar
em parente de primeiro grau apresentam risco
semelhante a mulheres entre 50 e 59 anos que não têm
história familiar.
2. Quem rastrear: atualmente, a Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a
Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e o Colégio
Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
(CBR), bem como entidades internacionais, recomendam
o rastreamento de mulheres entre 40 e 74 anos de
idade. Mulheres com condições específicas (Quadro 8)
devem ser submetidas a rastreamento secundário
individualizado, geralmente a partir dos 30 anos de
idade.

QUADRO 7 Fatores de risco para câncer de pulmão

Idade (≥ anos).
Tabagismo.
Exposições ocupacionais (asbesto, sílica, urânio, cromo, agentes
alquilantes, radônio).
Exposição à poluição do ar.
Antecedente pessoal de fibrose pulmonar ou doença pulmonar obstrutiva
crônica.
História familiar de neoplasia de pulmão.

3. Exame de rastreio: mamografia. Não há evidências


suficientes para recomendar o uso de outros métodos,
como ultrassonografia, ressonância nuclear magnética e
tomossíntese mamária para rastreio inicial, mesmo para
mulheres com mamas densas.
4. Periodicidade: há divergências entre diversas entidades,
mas estudos não mostraram diferenças significativas
entre os rastreios anual e bianual.
5. Quando interromper: faltam evidências sobre os
benefícios do rastreamento para mulheres acima dos 75
anos. Dados sugerem que há benefício para mulheres
acima dessa idade que tenham boa saúde ou doenças
leves, com expectativa de viver mais do que 10 anos.

Neoplasia colorretal

1. Por que rastrear: no Brasil, cólon, reto e ânus são o


terceiro sítio mais comum de câncer em homens e o
segundo em mulheres, excluindo-se os cânceres de pele
não melanoma. São a quarta causa mais comum de
morte por câncer em homens e a terceira em mulheres.
No mundo, são o terceiro tipo mais comum de câncer. O
rastreamento é eficaz para detectar e muitas vezes
remover lesões neoplásicas iniciais e pré-neoplásicas,
reduzindo a mortalidade pela doença.
2. Quem rastrear: homens e mulheres de risco comum,
entre 50 e 75 anos, podendo ser iniciado mais cedo e em
menores intervalos em pacientes de grupos de maior
risco (Quadro 9). Em 2018, a Sociedade Americana de
Câncer (American Cancer Society – ACS) publicou a
recomendação de iniciar o rastreamento mais cedo, a
partir dos 45 anos, para a população de risco comum,
devido ao aumento da incidência em pacientes mais
jovens.

QUADRO 8 Situações que levam a rastreamento individualizado para câncer


de mama
QUADRO 8 Situações que levam a rastreamento individualizado para câncer
de mama

Mutação conhecida dos genes BRCA1 ou BRCA2.


Síndromes genéticas hereditárias (Li-Fraumeni).
Exposição a altas doses de radiação torácica quando jovens.
História familiar de câncer de mama em parente de primeiro grau < 50
anos.
História familiar de câncer de mama bilateral em parente de primeiro grau
< 50 anos.
História familiar de câncer de ovário em paciente de primeiro grau em
qualquer idade.
História familiar de câncer de mama masculino.

QUADRO 9 Risco aumentado para câncer colorretal

Suspeita ou confirmação de síndromes hereditárias de câncer colorretal:


Polipose adenomatosa familiar.
Câncer colorretal hereditário sem polipose (síndrome de Lynch).

Doença intestinal inflamatória (doença de Crohn e retocolite ulcerativa).

Antecedente de exposição a radiação abdominal ou pélvica por câncer prévio.

História familiar de câncer colorretal.

3. Exames de rastreio e periodicidade: recomendação da


realização de qualquer dos seguintes programas de
rastreamento, que demonstraram eficácia semelhante,
assumindo-se 100% de aderência a cada método:
– Pesquisa de sangue oculto nas fezes de alta
sensibilidade anualmente.
– Sigmoidoscopia a cada 5 anos, combinada com a
pesquisa de sangue oculto nas fezes de alta
sensibilidade a cada 3 anos.
– Colonoscopia a cada 10 anos.
As evidências ainda são insuficientes para recomendar o
uso de DNA fecal e colonografia por tomografia
computadorizada no rastreamento.
4. Quando interromper: em geral, realizar até os 75 anos.
Em casos individualizados, estender até os 85 anos.
Expectativa de vida de 10 anos.

Neoplasia de próstata

1. Rastrear ou não rastrear? O câncer de próstata é o


quarto câncer mais comum na população mundial e o
segundo em homens. No Brasil, entre os homens, é o
primeiro em frequência (excetuando-se câncer de pele
não melanoma) e o segundo em mortalidade. A maior
parte dos casos (75%) ocorre após os 65 anos. Apesar de
ser um câncer tão frequente, apenas uma pequena
parcela apresenta comportamento agressivo, com
crescimento e disseminação rápidos. A grande maioria
apresenta crescimento lento e não chega a causar
sintomas nem a levar à morte. Até o momento não há
evidência absoluta de que o rastreamento traga mais
benefícios do que riscos. Parece haver um pequeno
benefício na redução de morte por câncer de próstata
em alguns homens, ao mesmo tempo que há grande
exposição a potenciais danos, como resultados falso-
positivos, que levem a biópsia prostática,
sobrediagnóstico, sobretratamento e complicações do
tratamento, como incontinência urinária e disfunção
erétil. Atualmente, recomenda-se que sejam discutidos
com cada paciente os possíveis riscos e benefícios de se
submeter ou não ao rastreamento, com base em sua
história familiar, raça e etnia, comorbidades e
principalmente seus valores em relação aos possíveis
desfechos a partir do rastreamento, diagnóstico e
tratamento. É um tipo de rastreio que requer bastante
cautela e em que as decisões devem ser compartilhadas.
2. A quem oferecer: homens entre 50 e 69 anos. Pode-se
iniciar o rastreio antes para homens afrodescendentes
ou com história familiar em parente de primeiro grau.
3. Exame de rastreio: dosagem sérica de antígeno
prostático específico (prostate-specific antigen – PSA).
4. Periodicidade: a cada 1 a 2 anos.
5. Quando interromper: não se recomenda rastrear
homens a partir dos 70 anos ou que não tenham
expectativa de vida de pelo menos 10 a 15 anos.

Neoplasia de colo de útero

1. Por que rastrear: é o quarto câncer mais comum em


mulheres no mundo e o terceiro no Brasil, onde é
também a quarta causa de morte por câncer em
mulheres. É causado pela infecção persistente por
alguns tipos do papilomavírus humano (HPV), que pode
levar a alterações celulares com potencial de evoluir
para a formação do câncer. A maioria dos casos ocorre
em pacientes que não foram adequadamente rastreadas,
porque o rastreamento geralmente detecta essas lesões
ainda em fase inicial, quando ainda apresentam
tratamento muito menos invasivo e eficaz do que o
câncer já instalado.
2. Quem rastrear: mulheres entre 21 e 65 anos. O
rastreamento fora dessa faixa etária não é
rotineiramente recomendado, mesmo que a atividade
sexual tenha se iniciado antes dos 21 anos ou persista
após os 65 anos, com novo parceiro sexual, pois o
desenvolvimento de lesões neoplásicas é um processo
lento, decorrente de várias etapas, e sua incidência
diminui com o avanço da idade. Mulheres em
determinadas situações de risco (Quadro 10) devem ser
submetidas a rastreamento individualizado específico.
3. Exames de rastreio e periodicidade: para mulheres
entre 21 e 29 anos, recomenda-se o rastreio por meio da
coleta de citologia cervical a cada 3 anos. Para mulheres
entre 30 e 65 anos, recomenda-se o rastreio com alguma
das opções a seguir:
– Citologia cervical a cada 3 anos.
– Teste molecular para detecção de HPV de alto risco a
cada 5 anos.
– Combinação de citologia cervical e teste molecular a
cada 5 anos.
O rastreamento em intervalos mais curtos apresentou
pouco benefício e aumento de danos por detectar e
desencadear tratamento para lesões que na maioria das
vezes teriam apresentado resolução espontânea em um
intervalo de tempo maior.
4. Quando interromper: recomenda-se cessar aos 65 anos,
mesmo que a paciente mantenha atividade sexual,
inclusive com novos parceiros, pois a incidência reduz
com o avanço da idade e o processo de desenvolvimento
das lesões é lento. O rastreamento após os 65 anos pode
ser indicado para pacientes cujo rastreamento prévio
seja inadequado ou desconhecido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática do geriatra envolve ações e recomendações
tanto individuais quanto populacionais para promoção de
saúde, prevenção e tratamento de doenças e agravos. As
etapas da aplicação do rastreamento clínico envolvem
ações que vão desde a anamnese e o exame físico até a
realização e interpretação dos exames complementares. A
recomendação dos exames de rastreio indicados para cada
grupo de risco e faixa etária se baseia em evidências de
estudos populacionais. Entretanto, devido à grande
heterogeneidade da população idosa, sua aplicação deve
ser individualizada, levando em conta aspectos particulares
de cada paciente, como funcionalidade, expectativa de vida,
desejos, valores e preferências.
Por ser um ramo do conhecimento que está em franca
evolução, há necessidade de consulta frequente às
recomendações nacionais e internacionais, que estão em
constante atualização de acordo com pesquisas e
evidências mais recentes. Há uma grande busca por
encontrar meios de refinar melhor os critérios de seleção
do paciente elegível a cada rastreamento, com tendência à
individualização da conduta, promovendo a decisão
compartilhada entre o médico e o paciente a ser rastreado.
Dessa forma, além do conhecimento técnico e da
constante atualização, é necessário ao profissional que
aplica o rastreamento desenvolver habilidades de análise
crítica das evidências, julgamento clínico e comunicação
eficaz, que o capacitem a ofertar a informação precisa e
atualizada em linguagem e dosagem adequadas para
auxiliar cada paciente a tomar as melhores decisões. O
momento de ofertar o rastreamento para o paciente pode,
assim, se tornar uma valiosa oportunidade de promover
importantes discussões sobre promoção de saúde,
prevenção de agravos, autonomia, independência,
funcionalidade, autocuidado, expectativas, receios, valores,
diretivas antecipadas e finitude, sempre respeitando e
incentivando o protagonismo da pessoa idosa e o exercício
de sua autonomia.
QUADRO 10 Situações que levam a rastreamento individualizado para
câncer de colo de útero

Imunossupressão.
Exposição intrauterina a dietilbestrol.

HIV: vírus da imunodeficiência humana.

QUADRO 11 Resumo das recomendações atuais de rastreio por exames


complementares em idosos

Doença População Exame Periodicidade


mínima

Diabetes mellitus 35-70 anos Glicemia de jejum, 3/3 anos


GTT ou HbA1C

Dislipidemia 40-75 anos Lipidograma 5/5 anos

Hipotireoidismo ≥ 60 anos TSH 5/5 anos

Osteoporose Mulheres: ≥ 65 DMO 2/2 anos


anos.
Homens:
incerto.

Infecção por HCV 18-79 anos Anti-HCV 1 vez (ou


conforme
exposições de
risco)

Aneurisma de Homens de 65-75 USG Doppler de 1 vez


aorta anos com abdome
exposição atual
ou prévia ao
tabaco

Neoplasia de Homens de 55-80 TC de tórax sem Anual


pulmão anos, tabagistas contraste com
> 20 anos-maço e baixa radiação
que tenham
cessado há menos
de 15 anos

Neoplasia de Mulheres de 40- Mamografia 1/1 ou 2/2 anos


mama 74 anos
QUADRO 11 Resumo das recomendações atuais de rastreio por exames
complementares em idosos

Neoplasia 50-75 anos PSOF. Anual.


colorretal Sigmoidoscopia 5/5 + 3/3
+ PSOF. anos.
Colonoscopia. 10/10 anos.

Neoplasia de Pode ser oferecida PSA 1/1 ou 2/2 anos


próstata para homens de
50-69 anos

Neoplasia de colo Mulheres de 21- Citologia 3/3 anos.


uterino 65 anos cervical. 5/5 anos.
Teste molecular 5/5 anos.
para detecção
de HPV de alto
risco.
Combinação de
citologia
cervical e teste
molecular.

DMO: densitometria óssea; GTT: gamaglutamiltranspeptidase; HbA1C:


hemoglobina glicada A1C; HCV: hepatitis C virus (vírus da hepatite C); HPV:
human papillomavirus (papilomavírus humano); PSA: prostate-specific antigen
(antígeno prostático específico); PSOF: pesquisa de sangue oculto nas fezes;
TC: tomografia computadorizada; TSH: thyroid stimulating hormone (hormônio
estimulador da tireoide); USG: ultrassonografia.

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Instabilidade postural e quedas 5

Paulo Fernandes Formighieri


Ana Carolina Coelho
Daniela Cristina Carvalho de Abreu

INTRODUÇÃO
A manutenção da postura bípede impõe à espécie
humana alto custo de investimentos para manutenção do
equilíbrio estático e durante deslocamentos. O corpo se
apresenta como um pêndulo invertido, com a massa
concentrada acima de uma base de sustentação sobre
membros articulados e pés relativamente estreitos. Dessa
forma, forças gravitacionais e ambientais atuando sobre o
corpo, aqui representado por um ponto central (centro de
massa) que equivale aos vetores atuantes, exigem
constantemente ajustes no sistema musculoesquelético. Na
necessidade de deslocamentos corporais (equilíbrio
dinâmico), o desequilíbrio autoinduzido necessário para o
movimento coloca a resposta corporal sob ainda maior
desafio.
O equilíbrio postural ocorre quando todas as forças que
atuam sobre o corpo conseguem ser balanceadas, tanto em
situações estáticas quanto em dinâmicas. Para a
manutenção desse equilíbrio, é necessário (através de
forças de compensação do sistema musculoesquelético) o
controle da projeção do centro de massa em relação à base
de sustentação (lembre-se do pêndulo). Quando essa
atuação não é suficiente, pode ocorrer a queda – definida
aqui como “evento não intencional que leva uma pessoa
inadvertidamente a cair ao chão em um mesmo nível ou em
outro inferior”. Esse fenômeno, apesar de acompanhar a
espécie humana desde o início da sua luta a caminho da
independência funcional, assume uma importância especial
quando se trata da população idosa.

BALANCE: UMA IMPORTANTE AMPLIAÇÃO DE


CONCEITO PARA COMPREENSÃO DA INSTABILIDADE
POSTURAL
O conceito mais significativo no estudo da estabilidade
corporal é o de Balance, “habilidade de manter o controle
postural, ou seja, a capacidade de manter e recuperar a
estabilidade e a orientação do corpo e da cabeça no espaço
em situações reativas, proativas e preditivas”. O conceito
amplia a compreensão da estabilidade para além do
movimento principal, valorizando posturas antecipatórias e
atividades estabilizadoras que garantem a harmonia e
segurança do movimento. Essas habilidades precisam ser
desenvolvidas e aprimoradas em uma fase inicial, e
posteriormente mantidas (o quanto possível) durante o
ciclo de vida para favorecer a independência, permitir
ganhos de função e redução de riscos, especialmente
durante o envelhecimento.
Os componentes principais da manutenção do Balance
são (Figura 1):
FIGURA 1 Componentes principais da manutenção do Balance. Com base em
uma perturbação, informações sensoriais recolhidas em diversos sistemas são
encaminhadas ao sistema nervoso, gerando respostas efetoras sobre o sistema
musculoesquelético. O sistema é continuamente retroalimentado e ajustado.

1. Informações sensoriais: visão, audição, sistêmica


labiríntico e sensores somatossensoriais (estiramento,
pressão, vibração, tácteis) que permitem o controle
detalhado do posicionamento do indivíduo em relação ao
ambiente e em relação a ele próprio com precisão.
2. Processamento e integração das informações
sensoriais: no nível neurológico medular e central,
gerando padrão de resposta ora reflexa, ora movimentos
pré-aprendidos, ora movimentos voluntários específicos,
com modulação e integração fina com diversas regiões
cerebrais de funções distintas (memória, afeto,
abstração, funções executivas).
3. Ativação de resposta efetora musculoesquelética:
por meio da manutenção do tônus, ativações musculares
agonistas e antagonistas, posicionamento e ajustes
antecipatórios, continuamente retroalimentada para
ajustes finos.

ESTRATÉGIAS DE EQUILÍBRIO E ESTRATÉGIAS DE


PROTEÇÃO
A partir de qualquer deslocamento do centro de massa,
alguma(s) das estratégias motoras para o reposicionamento
e manutenção do equilíbrio é(são) ativada(s). Essas
estratégias são conhecidas como reativas e podem ser
divididas em reação de equilíbrio e de proteção. Entre as
reações de equilíbrio estão a estratégia do tornozelo
(movimentos de dorsiflexão e flexão plantar quando o
deslocamento tem menor amplitude) e a do quadril (quando
da ocorrência de desvios mais rápidos ou de maiores
amplitudes), que surgirão de acordo com o tipo de
perturbação e da localização do centro de massa em
relação à base de suporte. Quando esses mecanismos são
suplantados, ainda é possível a utilização da estratégia do
passo (ou sobrepasso, ampliando a base de sustentação).
Quando ocorre falha desses mecanismos, são utilizadas as
estratégias de proteção, prevenindo lesões de áreas nobres
(rosto, cabeça e outros).
Toda a ativação de mecanismos reparadores de desvios
necessita ser acompanhada da ativação de estruturas
estabilizadoras e compensações posturais para sua
efetividade. Sob outro aspecto, todo o deslocamento
precedido por ativação antecipatória tende a ser realizado
com maior segurança e eficiência.
O envelhecimento frequentemente é acompanhado de
alterações nas respostas reflexas e nos movimentos
complexos, seja por alterações na unidade neuromotora,
seja por alterações nos padrões de fibras, infiltração
gordurosa, desbalanço entre agonistas/antagonistas,
redução de eficiência metabólica ou por condições
comórbidas associadas. Com isso é comum a presença de
diferentes graus de lentificação nos movimentos e a
escolha de estratégias adaptativas no padrão de marcha, as
quais, apesar de mostrarem menor eficiência (diminuição
da passada e do balanço dos braços, flexão anterior da
cabeça e tronco, aumento da flexão de cotovelos e joelhos,
aumento do balanço lateral), reduzem o limiar para a
ocorrência de quedas.

RECONHECIMENTO COMO SÍNDROME GERIÁTRICA


A instabilidade postural/quedas é considerada uma
síndrome geriátrica, pois se apresenta como um evento
multifatorial diretamente associado ao envelhecimento
tanto em termos de fatores desencadeantes como em
relação a seu impacto sobre aspectos biopsicossociais do
indivíduo e da comunidade, além da necessidade de
abordagem terapêutica multidimensional.

Em torno de 30% dos idosos ambulatoriais sofrem ao menos 1 evento ao


ano, estatística que se eleva para em torno de 50% acima de 80 anos e em
aproximadamente 60% entre institucionalizados. Em torno de 60% dos
indivíduos com história de 1 queda no ano anterior apresentarão um novo
episódio. A presença de limitação para andar acomete em torno de 15%
dos indivíduos entre 65 e 69 anos e aumenta progressivamente até atingir
em torno de 50% daqueles acima de 85 anos. Entre idosos hospitalizados,
até 2/3 serão incapazes de deambular sem assistência na dependência do
modelo assistencial e complexidade.
QUEDAS E SUAS COMPLICAÇÕES
As quedas têm como consequência o aumento das
demandas de assistência em saúde e serviços sociais, a
perda de autonomia e de independência e o aumento da
necessidade de institucionalização. São associadas a lesões
físicas (contusões, entorses, cortes, hematomas,
lacerações, entre outras) e a fraturas de menor ou maior
impacto, com importante mortalidade tanto na fase aguda
(especialmente quando associada a fraturas) quanto no
médio prazo (Quadro 1).

QUADRO 1 Complicações associadas a quedas entre idosos

Lesões físicas.

Fraturas.

Imobilidade.

Institucionalização.

Incapacidade.

Dependência.

Transtornos de humor.

Síndrome pós-queda.

Isolamento social.

Morte.

Dados americanos do Center for Disease Control and


Prevention (2003) identificaram que mais de 60% das
lesões não fatais que demandaram atenção em
departamentos de emergência em pessoas com 65 anos e
mais estiveram associadas a quedas. Estudos prévios
publicados por Rubenstein identificaram que 5-10% das
quedas entre idosos na comunidade resultaram em lesões
maiores (fraturas, traumatismos cranianos, lacerações
maiores). Entre populações institucionalizadas, a
frequência sobe para 10-30%. As fraturas acontecem em 3-
6% das quedas que exigem avaliação.
As quedas são responsáveis por mais de 80% das
fraturas entre idosos, sendo as complicações das fraturas a
principal causa de morte acidental entre homens e
mulheres após os 65 anos, com mortalidade de até 25%
entre pacientes com fratura de fêmur, valores crescentes
entre grupos de maiores faixas etárias. Estudo nacional
conduzido por Satomi em 2009 com 246 pacientes acima de
60 anos internados em vários hospitais do Rio de Janeiro
revelou mortalidade de 35% a partir da internação e/ou no
acompanhamento subsequente. Outro estudo mostrou uma
taxa geral de mortalidade de 21,5% durante o primeiro ano
após a fratura de quadril.
Entre os indivíduos idosos que sofrem fratura de quadril,
entre 25-75% não recuperam a funcionalidade prévia e
estão sujeitos a institucionalização, dependência e
transtornos afetivos, com menores chances de recuperação
da marcha naqueles com idade igual ou superior a 80 anos.
No trabalho de Satomi, um estudo prospectivo utilizando
160 pacientes restantes do estudo anterior examinou o
impacto da fratura de quadril no estado funcional e revelou
que o estado funcional de 46% dos pacientes continuava
em declínio no seguimento de 1 ano. Estima-se que haja
atualmente 121 mil fraturas de quadril por ano no Brasil,
com projeções para que esse número suba para 160 mil em
2050. Estima-se ainda que 97% das fraturas de quadril
sejam tratadas cirurgicamente. As fraturas de fêmur em
idosos no Brasil foram responsáveis, em 2008, por 32.908
internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS),
com um custo total de 58,6 milhões de reais.
Além das fraturas de quadril, outra complicação
bastante temida são as fraturas de corpos vertebrais, as
quais, apesar de menor mortalidade, evoluem com grande
morbidade e perda funcional por dor, limitação postural e
deformidades axiais. Lopes et al. encontraram prevalência
de fraturas de vértebra em idosos que viviam na
comunidade (de 65 anos de idade ou mais) de 27,5% nas
mulheres e 31,8% nos homens. A taxa de prevalência de
25% foi observada na população de 80 anos de idade ou
mais no estudo Lavos (Latin-American vertebral
osteoporosis study).

A presença de osteoporose se associa diretamente ao risco de


complicações por fratura entre indivíduos idosos e deve ser alvo de
preocupação imediata quando há relato de quedas, além da investigação
preventiva sistemática extensamente recomendada.

Checagem e supervisão da adequação dietética,


tratamento medicamentoso e estímulo a atividades
resistidas, quando apropriadas devem fazer parte do
seguimento de idosos osteoporóticos com relato de quedas
com e sem fraturas. Todavia, Satomi relatou que, dos 123
pacientes internados com fratura de quadril, estavam
realmente em tratamento para osteoporose apenas 43%
dos que haviam sido previamente diagnosticados. Nenhum
dos pacientes saiu do hospital com recomendações de
exames de densidade óssea ou recomendações de
tratamento contra a osteoporose (Quadro 2).

QUADRO 2 Fatores de risco adicionais para complicações após quedas

Fatores de risco para complicações:

Não conseguir levantar ou solicitar auxílio após evento.


QUADRO 2 Fatores de risco adicionais para complicações após quedas

Morar sozinho.

Histórico de quedas sem reflexo de proteção.

Histórico de fraturas e/ou osteoporose.

Anticoagulação.

SÍNDROME PÓS-QUEDA
Dentre as complicações das quedas entre idosos, uma
das mais temidas é a síndrome pós-queda, uma condição de
medo limitante de cair novamente que pode evoluir para
quadros graves de fragilidade e imobilidade. Sua
ocorrência é proporcionalmente maior entre idosos,
comprometendo até 50% dos pacientes após fratura de
quadril (Quadro 3).

QUADRO 3 Características principais da síndrome pós-queda

Medo limitante de cair novamente.

Restrição de grande parte das atividades.

Mudanças no padrão de marcha e equilíbrio.

Uso adicional de recursos assistivos.

Queixas depressivas e ansiosas associadas.

A síndrome é um conjunto de manifestações comuns a


indivíduos que sofreram uma ou mais quedas,
caracterizada como uma reação do tipo estresse pós-
traumático com peculiaridades relacionadas à marcha. Os
indivíduos afetados adquirem comportamentos de
ansiedade relacionados à marcha, apresentando tanto
alterações protetivas (redução da velocidade da marcha,
redução da elevação dos membros e comprimento da
passada, redução do balanço dos membros e do balanço de
quadril, procura de apoio ou uso de dispositivos auxiliares)
quanto alterações de evitação (restrição de atividades
extradomiciliares, de deslocamentos em locais públicos,
deambulação em locais acidentados ou com desníveis e até
mesmo dentro do domicílio).
Em qualquer situação, as restrições geram perda de
independência, prejuízo progressivo ao sistema
musculoesquelético, piora da condição nutricional,
acentuação de sintomas depressivos, e podem associar-se a
incontinência funcional, piora cognitiva e
consequentemente aumento da institucionalização e morte.

COMO CONDUZIR A AVALIAÇÃO DO PACIENTE


A avaliação das quedas e da instabilidade postural tem
por princípios:

1. Oportunidade – questionamento sistemático de sua


ocorrência durante avaliações periódicas.
2. Detalhamento do(s) evento(s).
3. Avaliação de condições mórbidas e antecedentes
pessoais relacionados.
4. Revisão do uso de medicações.
5. Revisão das condições sensoriais.
6. Exame físico com foco nas condições neurológicas,
cardiológicas e osteoarticulares.
7. Avaliação detalhada das condições de equilíbrio e
marcha.
8. Avaliação da performance física.
9. Avaliação dos fatores de risco presentes nos ambientes
de moradia ou circulação do paciente.
OPORTUNIDADE
A ocorrência de quedas é frequentemente sub-relatada,
devendo-se, portanto, estimular o questionamento
sistemático da ocorrência de quedas ao menos uma vez ao
ano para identificar riscos. A partir da queixa de
desequilíbrio ou de quedas, é sempre necessária a
realização de uma avaliação mínima das condições de
equilíbrio estático e dinâmico em consultório e a checagem
dos fatores de risco. Quando há a identificação de
alterações no exame mínimo, o paciente deve ser
submetido ou encaminhado para avaliação detalhada.

DETALHAMENTO DO(S) EVENTO(S)


Na compreensão dos eventos de quedas, procura-se
identificar a interação dinâmica entre fatores de risco
intrínsecos ao indivíduo (p. ex., desvios de eixo da coluna
ou doenças que afetam órgãos sensoriais) e fatores de risco
extrínsecos ao indivíduo (p. ex., condições ambientais,
fatores externos), que determinam o limiar de risco para
quedas e a suscetibilidade à ação dos fatores precipitantes
(escorregão, esbarrão, desatenção, entre outros).
É fundamental obter informações detalhadas do(s)
evento(s) em relação à temporalidade, localização, aspectos
do ambiente, sintomas antecipatórios, sintomas durante o
evento e após, condição de percepção e controle corporal
durante o evento, presença das estratégias de proteção,
lesões associadas, existência de assistência após o evento,
tempo até o auxílio e presença de alternativas para solicitar
socorro, mudanças de rotina e de atitudes após evento.
Relatos de quedas associados a algumas situações
específicas (red flags) devem desencadear investigações
imediatas (Quadro 4).

QUADRO 4 Red flags – fatos da história clínica que devem levantar suspeita
sobre doenças ou condições potencialmente mais graves associadas a quedas

Red flags:

Presença de perda de consciência.

Sintomas sugestivos de baixo fluxo cerebral.

Cefaleia intensa.

Sintomas de remetam a equivalentes anginosos ou sugiram arritmias


cardíacas.

Presença de déficit neurológico localizatório ou não.

Movimentos que sugiram crise epiléptica ou alteração sugestiva de pós-


ictal.

Avaliação de condições mórbidas e antecedentes pessoais


relacionados
O passo seguinte é a obtenção de dados de antecedentes
relacionados, condições mórbidas e funcionalidade prévia,
que auxiliam na compreensão das condições de risco
envolvidas, em especial aquelas condições que afetam
órgãos sensoriais, sistemas cardiovascular, nervoso e
musculoesquelético:

O reconhecimento de eventos estressores e de condições


de suporte social ajudam a contextualizar os eventos,
assim como o reconhecimento do grau de independência
prévia.
Histórico de quedas e fraturas, hospitalizações recentes,
traumatismo e cirurgias devem ser analisados.
Hábitos/vícios como etilismo e/ou tabagismo associados
ou não a fatores de risco para a doença vascular (como
dislipidemia, obesidade centrípeta).
Alterações nutricionais específicas podem sugerir
déficits vitamínicos (p. ex., déficit de vitamina B12);
perda ou ganho de peso significativos recentes devem
ser investigados.
Doenças agudas, como infecções e distúrbios
metabólicos, são comumente relacionadas à instabilidade
postural e a quedas e devem ser consideradas.
Doenças crônicas podem estar associadas a múltiplos
prejuízos nos sistemas envolvidos com o controle
postural, como hipotireoidismo, diabetes mellitus ou
doença de Parkinson, entre outras.

REVISÃO DO USO DE MEDICAÇÕES


A presença da polifarmácia per se (uso de 5 ou mais
medicamentos de classes diferentes) já representa um
aumento do risco de quedas da ordem de 5 vezes. Entre
idosos participantes do Gait and brain study, o maior
número de medicamentos foi associado a pior performance
de marcha, e, após ajuste para variáveis confundidoras,
manteve-se significativo para menor velocidade e maior
variabilidade de marcha, maior largura da passada, maior
prevalência de declínio da marcha no acompanhamento
longitudinal.
É importante revisar os medicamentos prescritos e
medicações de uso eventual (laxativos, diuréticos,
analgésicos, antialérgicos, fórmulas de manipulação e
fitoterápicos p. ex.) para identificar riscos de efeitos
colaterais e interações. A prescrição de drogas com efeito
anticolinérgico, sedativo ou hipnótico, hipotensor,
vasodilatador e bradicardizante deve sempre ser revisada,
seu início cuidadosamente monitorado e, quando possível,
evitada. Além das medicações cardiovasculares e
neurológicas (antiparkinsonianos, neurolépticos, tricíclicos,
inibidores de receptação de serotonina), é importante estar
atento às medicações tópicas como colírios, além de
antiespasmódicos, medicações para hiperatividade de
detrusor e relaxantes musculares. Também é fundamental
identificar o abuso de sedativos/hipnóticos não prescritos.

REVISÃO DAS CONDIÇÕES SENSORIAIS


A avaliação das condições sensoriais é estratégica na
compreensão dos mecanismos de queda.
A avaliação da visão deve ir além de testes de erros de
refração (testes de Snellen e Jaeger). Alterações da
percepção de contraste e profundidade, além de lesões
retinianas (aqui a tela de Amsler tem uso simples e
informativo), podem ser responsáveis maiores por quedas e
desequilíbrios. Ajustes recentes de lentes de correção
óptica para bifocais ou multifocais aumentam o risco de
quedas. Alguns distúrbios do movimento ocular também
podem dar pistas importantes sobre condições com alto
risco de quedas (nistagmo com vertigem central, distúrbio
do movimento conjugado vertical na paralisia supranuclear
progressiva p. ex.).
Os distúrbios da acuidade auditiva podem dificultar a
percepção de sinais de alerta e de indicadores de risco
ambientais, sendo recomendada uma avaliação mais
detalhada quando existir alguma suspeita. Também
doenças do sistema auditivo que atingem o sistema
labiríntico, sejam inflamatórias, infecciosas, metabólicas,
vasculares ou neoplásicas, devem ser consideradas de
acordo com a história clínica, sendo os exames apropriados
recomendados nesse caso (manobra de Dix-Hillpike em
casos de suspeita de vertigem postural paroxístico, p. ex.,
Head-Trust-Test para avaliar vertigem de origem central,
ou ressonância nuclear magnética de ouvido na suspeita de
tumores em outro extremo).
O diagnóstico diferencial das patologias envolvendo o
labirinto é mais complexo e motivo de atenção de outros
capítulos. O maior desafio é a diferenciação entre doenças
vertiginosas de origem vestibular (vertigem rotatória de
duração variável associada ou não a náuseas), alterações
neurológicas do equilíbrio (doenças cerebelares ou
extrapiramidais), alterações periféricas levando a queixa de
desequilíbrio (distúrbios da propriocepção ou instabilidades
articulares, p. ex.) e alterações sobre o processamento
central secundário a medicações (sedativos, p. ex.) ou
condições médicas outras (infecções, distúrbios
metabólicos ou hormonais), frequentemente referidos como
“zonzura”, tontura ou cabeça vazia. A síndrome do
desequilíbrio do idoso é uma condição multifatorial
suspeita quando da exclusão das demais morbidades
específicas e seria justificada pelo acúmulo de déficits nos
múltiplos sistemas de controle.
O prejuízo somatossensorial e/ou proprioceptivo deve
sempre ser questionado e apropriadamente investigado
quando suspeito (diapasão e estesiômetro podem ser úteis).
Polineuropatias têm prevalência crescente entre idosos e
podem estar associadas a condições como diabetes,
etilismo, deficiência de vitamina B12, entre outros. As
radiculopatias por distúrbios degenerativos da coluna
vertebral também têm sua prevalência aumentada e devem
ser consideradas quando a sintomatologia for pertinente.
Diversas outras condições podem ainda alterar tais
sistemas, desde doenças vasculares a sequelas de Zóster ou
hanseníase.
EXAME FÍSICO COM FOCO NAS CONDIÇÕES
NEUROLÓGICAS, CARDIOLÓGICAS E
OSTEOARTICULARES
Apesar de frequentemente multifatoriais, as alterações
do equilíbrio demandam uma avaliação individual atenta
para condições potencialmente tratáveis em seus múltiplos
componentes.

Inicia-se pela avaliação geral da condição de hidratação


e perfusão, status de vigilância, impressão geral de
fragilização (pode-se utilizar a Clinical Frailty Scale –
Rockwood) e do perfil biofísico.
A avaliação das condições dos pés deve ser sempre
considerada, já que alterações estruturais e sensoriais
destes têm grande potencial para prejudicar o equilíbrio
e a marcha (verificação da conformação e pontos de
apoio com e sem carga axial – pé cavum, chato, fasceíte
plantar, calosidades, deformidades articulares em
pododáctilos, alterações ungueais, hálux valgo). Quando
necessário, pode-se avaliar a sensibilidade plantar, a
propriocepção, a amplitude articular e a força.
Deformidades e desequilíbrios da coluna vertebral
(anteroposteriores e laterais), pelve, joelhos e tornozelos
precisam ser avaliados. Quando identificados, um exame
mais detalhado da condição é essencial (fraquezas
musculares localizadas, contraturas ou retrações, pontos
miofasciais, deformidades articulares, assimetrias), além
de lesões articulares e periarticulares (tendões, bursas,
ligamentos). A análise de anormalidades da vertical
postural pode ainda identificar disfunções crônicas
compensadas que influenciarão nos limites dos recursos
de equilíbrio.
Medidas de força de preensão palmar podem ser úteis
como método de avaliação global. Contudo, quando
apropriado, a avaliação da força, potência e torque de
cada grupo muscular envolvido deve ser realizada para a
correta identificação dos comprometimentos.
Prejuízo cognitivo está diretamente associado ao risco de
quedas, devendo ser triado e, quando pertinente,
investigado. As diversas síndromes demenciais podem
evoluir com comprometimentos específicos muitas vezes
potencialmente graves sobre o equilíbrio (demência da
doença de Lewy, hidrocefalia de pressão intermitente,
demência vascular, p. ex.), definindo prognósticos muito
variados.
Alterações sugestivas de acometimentos crônicos focais
no sistema nervoso central associados a alteração do
equilíbrio demandam atenção específica. Atenção a
doenças com comprometimento de neurônio motor
inferior (paresia, atrofia, atonia e fasciculações), doenças
cerebelares (ataxia, incoordenação, decomposição dos
movimentos, dismetria) e alterações extrapiramidais
(tremor, rigidez, bradicinesia). Neoplasias, doenças
cerebrovasculares e infecciosas podem ser encontradas.
A redução da perfusão tecidual cerebral por alterações
hemodinâmicas pode estar associada à sensação de
desequilíbrio e a quedas, com ou sem perda de
consciência, e pode gerar quadros súbitos e eventuais,
assim como quadros mais prolongados de lentificação e
obnubilação. É necessária a avaliação de alterações de
ritmo cardíaco, pressão arterial, sopros e,
eventualmente, o prosseguimento com propedêutica
armada. A hipotensão ortostática deve ser avaliada em
todos os idosos caidores com metodologia adequada
(pressão arterial deitado e em ortostase após 1 e 3
minutos). Quando um quadro de síncope for suspeito, a
investigação etiológica específica é prioritária em
relação aos demais quadros.

AVALIAÇÃO DETALHADA DAS CONDIÇÕES DE


EQUILÍBRIO E MARCHA/ESCALAS INTEGRADAS E
TESTES DE DESEMPENHO FÍSICO
O equilíbrio é o resultado da integração dos diversos
sistemas individuais. A avaliação pode ser realizada com ou
sem apoio tecnológico (laboratórios de marcha,
podobarômetros, plataformas de força). Na prática clínica,
com a maioria dos cenários de atendimento carentes de
equipamentos sofisticados e precisos, escalas e
questionários são utilizados para identificar pacientes com
comprometimento de equilíbrio e funcionalidade com risco
aumentado de queda. Têm a vantagem da simplicidade das
avaliações, mas apresentam a desvantagem de a
subjetividade do avaliador interferir nos resultados, da
variabilidade do desempenho dos testes entre
examinadores, além de apresentarem baixa sensibilidade
para pequenas alterações, o que torna a identificação da
instabilidade postural ainda mais desafiadora.
Deve ser avaliada a condição estática e dinâmica,
observando-se a estabilidade e as oscilações presentes.
Entre as avaliações estáticas incluem-se o teste de
integração sensorial modificado (Shumway-Cook e Horak,
1986), realizado para investigar a adaptação do sistema
nervoso central aos múltiplos estímulos sensoriais. Deve-se
observar a capacidade do idoso de se manter equilibrado,
sem retirar os pés da posição inicial pelo tempo total do
teste (30 segundos) e as oscilações corporais observadas
são registradas. O teste inclui quatro posições, as quais
avaliam diferentes condições de interação dos sistemas
visual, vestibular e proprioceptivo:

Posição 1: superfície estável com olhos abertos (utiliza


aferências visuais, vestibulares e proprioceptivas).
Posição 2: superfície estável com olhos fechados (utiliza
aferências vestibulares e proprioceptivas).
Posição 3: superfície instável com olhos abertos (utiliza
aferências visuais e vestibulares).
Posição 4: superfície instável com olhos fechados (utiliza
aferências vestibulares).

Nas posições de olhos abertos, deve-se manter a fixação


ocular em um alvo de 5 cm de diâmetro a 1,5 metro de
distância dos olhos. A espuma deve ter dimensão de pelo
menos 50 × 50 cm, variando entre 5 e 20 cm de altura e
com densidade entre 30-50 dm/cm3.
Outros testes sensoriais podem ser utilizados para a
avaliação do equilíbrio na posição estática, como a postura
ortostática com base estreita, que pode ser realizadas com
olhos abertos e fechados (bipodal com pés unidos,
semitandem e tandem), e o teste de apoio unipodal. Nas
posições semitandem e tandem, a manutenção por tempo
inferior a 10 segundos indica alto risco de quedas e
declínio funcional. No teste de apoio unipodal, o idoso deve
permanecer em pé sobre uma única perna, com o joelho
oposto fletido a 90 graus, o quadril em posição neutra e os
braços relaxados ao lado do corpo. A posição unipodal, por
ser mais desafiadora, tem se mostrado sensível para
predizer um pior controle postural e quedas, podendo ser
considerado equilíbrio normal quando mantém a posição
por 21-30 segundos.
Estratégias de ação para manutenção ou recuperação do
equilíbrio também devem ser avaliadas, incluindo os
ajustes posturais antecipatórios, em que se observa a
capacidade do idoso de manter o controle de tronco
durante diferentes tarefas de membros superiores e
inferiores; e as estratégias reativas, que envolvem sinergias
musculares utilizadas para restabelecer o equilíbrio após
uma perturbação externa inesperada.
Deve-se também realizar a avaliação do equilíbrio
dinâmico. Dentre a diversas avaliações funcionais que
podem ser realizadas (Quadro 5), sugere-se ao menos
avaliar a velocidade da marcha, a capacidade de subir e
descer degrau e realizar os testes Timed Up and Go (TUG)
e levantar e sentar da cadeira 5 vezes consecutivas
(TLS5x).

QUADRO 5 Testes de avaliação do equilíbrio dinâmico

Timed “Up & Go”/TUG + tarefa cognitiva – 3 m.

Levantar e sentar 5x – 5x.

Velocidade de marcha – 4,5 ou 5 m.

Na prática clínica, a velocidade habitual da marcha pode


ser avaliada em um percurso de 10 m, em que os 2,5 m
iniciais e finais não são considerados, por representarem as
fases de aceleração e desaceleração da marcha. Quando o
espaço disponível for menor, pode-se utilizar percursos de
4,5 m com 1 m para aceleração de desaceleração. O teste
deve ser repetido 2-3 vezes, com registro da média das
tentativas. Idosos com velocidade menor que 0,7
m/segundo têm maior risco de hospitalização, necessidade
de cuidador e ocorrência de novas quedas. Já velocidade da
marcha acima de acima de 1 m/segundo tem menor risco
de hospitalização e de eventos adversos à saúde.
O TLS5x avalia a força e a potência muscular dos
membros inferiores, e o teste de subir e descer degrau
avalia a força muscular de membros inferiores, uma vez
que fraqueza muscular e comprometimento da potência
muscular prejudicam a qualidade do movimento e
aumentam o risco de o idoso cair. A potência muscular ou
força explosiva (força × velocidade) pode ter maior
relevância do que a força muscular absoluta para a
capacidade de realizar as atividades de vida diária, para a
utilização de estratégias reativas, para a independência e
para a capacidade funcional, contribuindo para a redução
do risco de quedas.
O TUG envolve atividades de transferência da posição
sentada para em pé, marcha e giro sobre o próprio eixo,
necessitando de recursos cognitivos para entendimento da
tarefa e adequada execução. O TUG também pode ser
associado a uma tarefa motora ou cognitiva. No estudo
brasileiro de Alexandre et al. foi sugerido o valor de corte
de 12,47 segundos para predizer o risco de quedas em
idosos da comunidade. Entretanto, o teste TUG para idosos
mais ativos da comunidade pode não ser eficiente para
diferenciação entre idosos caidores e não caidores.
Alguns testes/questionários também têm sido utilizados
na prática clínica para identificar instabilidade postural e
risco de quedas, por exemplo:

Performance-Oriented Mobility Assessment (Poma)


(validado no Brasil por Gomes et al., 2003), constituído
de duas partes: uma para avaliação do equilíbrio e outra
para avaliação da marcha.
Short Physical Performance Battery (SPPB) (validado no
Brasil por Nakano, 2007), que inclui avaliação do
equilíbrio semiestático, marcha e teste de levantar e
sentar.
Escala de Equilíbrio Funcional de Berg (validado no
Brasil por Miyamoto et al., 2004), que avalia o
desempenho do equilíbrio funcional durante atividades
rotineiras.
Balance Evaluation Systems Test (BESTest) (validado no
Brasil por Maia et al., 2012), elaborado para identificar
qual sistema corporal contribui para o desequilíbrio e
consequentemente para as quedas.

AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO SOBRE OS FATORES


EXTRÍNSECOS
Ambientes mal iluminados ou pisos irregulares podem
não ser um problema para idosos vigorosos, contudo serão
traiçoeiros para idosos com reservas depletadas (p. ex, um
idoso diabético com retinopatia e urgeincontinência a
caminho do banheiro).
Idosos ativos tendem a sofrer quedas de maior impacto e
fora de domicílio, todavia com menor incidência de fraturas
e/ou outras complicações, enquanto idosos fragilizados
tendem a apresentar quedas da própria altura e em
domicílio, evoluindo com maior incidência de fraturas e
complicações.
Os fatores de risco do ambiente domiciliar têm sido
implicados em 25-35% de todas as quedas ou lesões por
quedas entre idosos. Apesar da dificuldade de comprovação
e da baixa eficácia de estudos de intervenção, tais fatores
são modificáveis, e, é neste ambiente que 85% das fraturas
em idosos acontecem.
Devem ser identificados:

Pontos de luminosidade inadequada: considerar a


instalação de luzes de emergência em ambientes de
circulação noturna (p. ex., do quarto até o banheiro mais
próximo). O custo de luzes com sensores de presença
tem se reduzido, tornando-as uma opção interessante
para indivíduos sob risco.
Áreas com pisos irregulares e/ou desníveis: passíveis
de correção ou sinalização.
Escadas: verificar a existência de corrimão adequado,
iluminação e sinalização. Quando pertinente, áreas de
circulação mais frequente, como dormitório, cozinha e
lavabos, devem ficar no piso térreo.
Passagens estreitas e/ou com móveis que dificultam
o transitar que possam ser removidos. Quando
apropriado, a instalação de corrimões em áreas de
circulação deve ser considerada.
Obstáculos no chão, especialmente tapetes soltos,
brinquedos e móveis baixos, devem ser evitados.
Móveis instáveis: devem ser retirados ou realocados
em locais onde não venham a servir de apoio.
Pisos escorregadios são especialmente desafiadores
(atenção a produtos de limpeza e ceras), mas o mercado
tem se expandido rapidamente com opções mais seguras.
Banheiros: são áreas de especial preocupação e devem
ser adaptados para as condições de mobilidade e risco
individual, considerando assentos elevatórios de vaso
sanitário, espelhos com inclinação, barras de apoio, piso
antiderrapante, box adaptado, cadeira de banho ou
banco de apoio fixo à parede e, eventualmente, sensores
de queda no piso e alarmes de emergência ao alcance.
Deve-se ainda considerar que objetos de uso habitual
necessitam permanecer ao alcance para evitar situações de
risco. Além disso, roupas de uso habitual devem ser fonte
de preocupação: calças, saias ou roupões longos podem ser
causas de quedas. Sapatos inadequados podem facilitar o
desequilíbrio – sola escorregadia, saltos elevados, sem
firmeza no pé. A indústria calçadista já oferece uma ampla
gama de opções com custo cada vez mais acessível,
contudo, eventualmente, a confecção de calçados
adaptados individualmente em ortopédicas ou centros de
referência pode ser necessária.
Quando possível, a avaliação in loco deve ser realizada
por equipe multiprofissional, especialmente em idosos
caidores de maior risco. Diversos projetos em todo o mundo
têm se proposto a estimular o desenvolvimento de
estratégias de “casas seguras”, seja por educação e
orientação pública, seja com o desenvolvimento de
produtos e serviços.
No caso de indivíduos menos fragilizados e/ou com
histórico de quedas em ambientes extradomiciliares, a
avaliação dos fatores extrínsecos se dá de forma
semelhante (iluminação, desníveis, obstáculos, objetos
instáveis, falta de apoio, objetos pouco acessíveis, pisos
irregulares e escorregadios), todavia a possibilidade de
intervenção é mais limitada. Cuidados redobrados devem
ser adotados pelos indivíduos quando confrontados com
tais situações, e a atuação sobre os fatores intrínsecos deve
ser reforçada.

TREINO DE EQUILÍBRIO
O treino para a melhora do equilíbrio pode envolver
exercícios com posições estacionárias (tandem, unipodal,
limite de estabilidade nas diagonais dos planos do corpo),
exercícios dinâmicos (que envolvem marcha, sentar e
levantar, agachar, subir e descer degrau, passo para a
frente, para trás e lateral, passo rápido, mudança de
direção), estratégias reativas, ajustes posturais
antecipatórios e exercícios associando duplas tarefas
(motora, cognitiva e motora-cognitiva), estes últimos
particularmente importantes, pois ocorre aumento da
instabilidade postural nessas situações. Os exercícios
devem ser prescritos com progressão de dificuldade e
acompanhados por profissionais qualificados para diminuir
o risco de danos e lesões. A tomada de decisão sobre quais
exercícios realizar depende das necessidades de cada
idoso.
O desempenho adequado na realização de atividades
funcionais rotineiras, além de melhorar a independência do
idoso, é importante para reduzir o risco de quedas. Dentre
as atividades rotineiras, a marcha representa 55% das
quedas em idosos, e estas estão frequentemente associadas
a um controle postural ineficiente. Entretanto,
considerando que a caminhada isolada não demonstrou ser
eficiente para a prevenção de quedas, além de aumentar o
risco entre idosos com instabilidade postural, não deve ser
orientada como única intervenção, sendo essencial incluir
atividades que desafiem o equilíbrio. Além disso, pessoas
com histórico de quedas apresentam dificuldade para a
realização de outras tarefas rotineiras além da marcha,
como levantar da cadeira, subir degrau e agachar. Dessa
forma, os exercícios voltados para a melhora da
instabilidade postural também incluem exercícios
funcionais para necessidades individualizadas.
Revisão sistemática e metanálise recente mostrou que
os exercícios de equilíbrio postural apresentam qualidade
de evidência forte para a diminuição do risco de quedas,
sendo preferíveis os exercícios de equilíbrio mais
desafiadores. Programas de exercícios/Tai Chi são mais
efetivos em indivíduos idosos independentes da
comunidade sem fragilidade. Efeitos mais benéficos de
programas de intervenção física para idosos da
comunidade foram atribuídos à prática dos exercícios
multicomponentes envolvendo equilíbrio e fortalecimento
muscular, em média 3 vezes por semana, com duração de 3
horas semanais, no mínimo por 12-13 semanas. Exercícios
ideais de caráter progressivo e de intensidade suficiente
para ganhos objetivos (redução de risco de quedas de 42%
OR 0,58, 95% IC 0,48 a 0,69).

NOVAS TECNOLOGIAS A SERVIÇO DA PREVENÇÃO E


REABILITAÇÃO DE QUEDAS
O desenvolvimento de sistemas de monitorização por
sensores de pressão em pisos residenciais e de instituições,
pisos com amortecimentos em diversos graus, além de
wearable sensors, assim como de aplicativos para gestão
de dados, tem trazido uma nova perspectiva para a
prevenção de quedas. A tecnologia também está presente
nos recursos de reabilitação, como na utilização de
realidade virtual e na difusão e modernização de
plataformas de pressão e dinamômetros isoscinéticos. Tais
recursos, ainda escassos no Brasil, deverão se tornar mais
disponíveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A instabilidade postural e as quedas apresentam-se
como síndrome geriátrica com grande impacto no
envelhecimento, afetando primordialmente aspectos
vinculados à manutenção da independência e à
funcionalidade e, em última instância, a qualidade de vida.
Devem ser questionadas e avaliadas em todas as
oportunidades, sendo necessária a sensibilização dos
profissionais atuantes na atenção ao idoso, assim como a
qualificação de serviços de reabilitação.

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6 Iatrogenia, polifarmácia e desprescrição no idoso

José Renato G. Amaral

INTRODUÇÃO
Com o envelhecimento da população, o desenvolvimento de
novos fármacos, a demonstração de benefícios do tratamento
farmacológico para uma série de situações, mesmo em idades
avançadas, e o emprego de combinação de drogas para o
tratamento de condições crônicas comuns, vê-se um cenário em
que os idosos representam o principal grupo consumidor de
medicamentos. Por outro lado, a própria existência das
condições crônicas, bem como as alterações fisiológicas do
envelhecimento, implica risco aumentado de interações
medicamentosas e efeitos adversos.
Dessa forma, os idosos são o grupo populacional que mais se
submete à farmacoterapia e os mais suscetíveis a suas
complicações. Portanto, o estudo do tratamento farmacológico
em geriatria implica discutir alterações farmacocinéticas e
farmacodinâmicas no envelhecimento, o problema da
polifarmácia, o conceito de iatrogenia e as estratégias de
desprescrição.

ALTERAÇÕES FARMACOLÓGICAS
A farmacocinética está relacionada com os processos que
determinam a concentração de uma droga no corpo a partir de
sua entrada. A farmacodinâmica estuda o que a droga faz no
corpo. O envelhecimento altera principalmente os componentes
da farmacocinética – biodisponibilidade, distribuição e clearance.
A biodisponibilidade é a fração da droga que atinge a
circulação após sua administração. Uma droga injetável tem,
portanto, biodisponibilidade de 100%, e isso não se altera com a
idade. Entretanto, drogas com outras vias de administração
dependem dos mecanismos de absorção, e, como a maior parte
dos medicamentos prescritos é de uso oral, alterações do trato
digestório como diminuição da superfície absortiva, aumento do
pH gástrico, diminuição do fluxo sanguíneo esplâncnico e menor
peristalse podem comprometer sua absorção e reduzir a
biodisponibilidade. Uma vascularização cutânea reduzida
também pode comprometer a absorção de fármacos
transdérmicos, bem como a menor massa muscular pode
retardar a absorção de drogas administradas através desse
tecido. Na prática, as alterações da absorção têm pouca
repercussão na biodisponibilidade das drogas.
Já a distribuição, o volume pelo qual a droga se distribui para
atingir a concentração plasmática, depende de fatores como
nível de proteínas séricas ligantes e proporção de água e
gordura. É sabido que o envelhecimento cursa com o aumento
proporcional de tecido gorduroso a expensas da perda de massa
magra, e que condições que resultam em mau estado nutricional
alteram a concentração das proteínas plasmáticas. Portanto, na
prática clínica, a distribuição das drogas pode estar bastante
alterada no envelhecimento, sobretudo em pacientes frágeis.
Drogas hidrofílicas (p. ex., digoxina) terão seu volume de
distribuição diminuído, de maneira que uma dose menor do que
a habitual deverá ser necessária para determinada concentração
plasmática, ocorrendo o inverso com as lipofílicas. Por outro
lado, as drogas lipofílicas, com maior volume de distribuição,
terão sua meia-vida aumentada e podem se acumular, resultando
em toxicidade (p. ex., benzodiazepínicos). A menor concentração
de proteínas plasmáticas compromete a eficácia de drogas que
dependem de transportadores (p. ex., furosemida) e implica
maior concentração da fração livre de determinadas drogas,
como a varfarina.
A transformação da droga de sua forma inativa em ativa, ou
seja, seu metabolismo, ocorre principalmente no fígado e nos
rins, mas também pode ter sede nos pulmões ou no intestino. A
eliminação da droga do organismo, cuja taxa é denominada
clearance, depende fundamentalmente das funções hepática e
renal. Ambas diminuem em função do envelhecimento. É possível
inferir o clearance renal a partir do cálculo do clearance de
creatinina ou do emprego de fórmulas que o estimam, como o
Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI), o
Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) ou a equação de
Cockroft-Gault. Esta última, embora mais fácil de usar por
envolver funções aritméticas mais simples, tende a subestimar a
função renal dos idosos. O clearance hepático não é passível de
estimativa, mas condições que resultam em menor fluxo
sanguíneo hepático devem levar o clínico a pensar em redução
mais acentuada de tal função.
A diminuição do clearance de fármacos resulta de modo geral
no aumento de sua meia-vida. Para drogas de alto índice
terapêutico, como as penicilinas, tais alterações não trazem
implicações práticas. Por outro lado, drogas de baixo índice
terapêutico (p. ex., digoxina, lítio, aminoglicosídeos) podem ser
tóxicas mesmo em doses habituais.
As alterações farmacodinâmicas são mais complexas que as
farmacocinéticas, uma vez que os efeitos das drogas no
organismo dependem de sua interação com os receptores, e a
quantidade e atividade dos receptores podem estar aumentadas,
diminuídas ou inalteradas no envelhecimento. Por exemplo, os
receptores beta-adrenérgicos estão entre os mais bem
estudados, e a resposta a sua ativação é reduzida no
envelhecimento, bem como sua densidade, de modo que idosos
são menos sensíveis ao efeito de betabloqueadores ou beta-
agonistas em comparação a jovens. Por outro lado, a
sensibilidade a benzodiazepínicos aumenta com a idade, porque
há um aumento da sensibilidade dos receptores Gaba. As funções
dopaminérgica e colinérgica centrais diminuem, o que aumenta a
sensibilidade a efeitos extrapiramidais e reações adversas como
confusão mental.
Em suma, o emprego de alguns grupos farmacológicos,
sobretudo os de maior toxicidade, requer maior atenção quando
destinado a idosos, sob pena de maior risco de efeitos adversos.
Para além das características do fármaco, há que atentar para as
características do paciente: dada a heterogeneidade da
população idosa, há uma grande variabilidade na magnitude das
alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas nessa
população.

POLIFARMÁCIA
Embora não haja um consenso a esse respeito, de modo geral
se define polifarmácia como o uso de 5 ou mais medicações
concomitantemente, reservando-se o termo polifarmácia
excessiva para quando o número de fármacos iguala ou supera a
dezena. Vários estudos retrospectivos têm demonstrado que a
tendência histórica tem sido no sentido de progressivo aumento
do uso de medicamentos, sobretudo na população idosa. Dessa
forma, há 10 anos o limite de 4 ou mais fármacos chamava a
atenção o suficiente para ser chamado de polifarmácia;
atualmente, contudo, usar mais do que 4 fármacos se tornou
lugar-comum entre idosos.
Um estudo conduzido na Irlanda constatou que entre 1997 e
2012 a prevalência do uso de 5 ou mais medicamentos entre
indivíduos de 65 anos de idade ou mais subiu de 17,8 para 60,4%
(Figura 1). Outro estudo britânico concluiu que nessa mesma
faixa etária 1 em cada 6 pacientes recebe mais do que 10
medicamentos.
No atual paradigma clínico, cada vez mais condições crônicas
são tratadas com combinações de medicamentos, e tal prática
tem benefício demonstrado – por mais consciente do problema
que o profissional da saúde seja, quantos pacientes portadores
de diabetes e hipertensão é possível tratar adequadamente de
acordo com todas as diretrizes com menos de 4 drogas?
Provavelmente, o maior desafio contemporâneo em termos de
regimes terapêuticos seja diferenciar a “boa polifarmácia” ou
“polifarmácia necessária” da má polifarmácia.
Como é previsível, na prática os casos não se distinguem
simplesmente entre “boa” ou “má” polifarmácia: pacientes em
uso de muitos fármacos incluem em sua prescrição esquemas
justificados e drogas desnecessárias. Mais ainda: pacientes em
regime polifarmacêutico têm maior risco de terem condições
subtratadas, possivelmente por receio do assistente de agravar o
problema. Trata-se de um exemplo do paradoxo risco-
tratamento: pacientes com muitos fatores de risco demandam
muito tratamento, o que expõe a novos riscos, e a polifarmácia
traz consigo alguns riscos claros:

Erros de prescrição.
Dificuldade de adesão.
Prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados.
Reação adversa a medicamentos.
Interação medicamentosa.
FIGURA 1 Consumo de medicamentos na atenção primária na Irlanda.

Nos próximos tópicos serão comentadas a iatrogenia e


estratégias de desprescrição.

IATROGENIA
Considera-se iatrogenia a consequência prejudicial à saúde de
um paciente de uma ação praticada pelo médico ou outro
membro da equipe assistencial, seja essa ação certa ou errada,
justificada ou não. A iatrogenia pode se dar em um procedimento
diagnóstico ou, mais comumente, em decorrência do tratamento.
Ocorrências que afetem o paciente sob cuidados de saúde (p. ex.,
quedas, infecções hospitalares e úlceras de pressão) também são
consideradas iatrogênicas.
Por conseguinte, a maior exposição aos cuidados com a saúde
aumenta o risco de iatrogenia; sendo a população idosa o grupo
mais exposto, é também quem mais sofre iatrogenia. E, por
serem os idosos mais vulneráveis a complicações, justamente
neles a iatrogenia tende a ter maior gravidade. A seguir, são
listados os principais fatores de risco para iatrogenia:

Presença de múltiplas condições clínicas (multimorbidez).


Maior grau de complexidade das doenças.
Má condição clínica inicial ou doença descompensada.
Polifarmácia.
Tempo de internação (diretamente proporcional).
Desempenho funcional (inversamente proporcional).

A iatrogenia, classicamente enquadrada entre os “gigantes da


geriatria” ou “5 Is” (ao lado de Instabilidade, Imobilidade,
Incontinência e Intelecto comprometido), assim como tais
condições, tende a ser subdiagnosticada e subnotificada, bem
como mais prevalente entre idosos mais frágeis. Para além de
sua devida identificação como tal, é importante avaliar sua
gravidade e reconhecer se se trata de evento prevenível ou não.
No Brasil, o Instituto de Estudos em Saúde Suplementar
(IESS), em associação com a Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem elaborado
relatórios anuais sobre internações hospitalares, com estimativas
para as redes pública e privada. No II Anuário da Segurança
Assistencial no Brasil, verifica-se que no período estudado (1º de
abril de 2017 a 31 de março de 2018) a prevalência de pacientes
com eventos adversos gerais foi de 6,4% no Sistema Único de
Saúde (SUS) e de 7,1% na rede suplementar (SSup), com
mortalidade de 22,8 e 12% respectivamente; a prevalência de
eventos adversos graves foi de 1,9% no SUS e de 1,4% na SSup,
com mortalidade de 37% (risco relativo de 1,9) e 28,8% (risco
relativo de 2,1). A extrapolação dos dados da casuística para a
totalidade de internações nesse período permite estimar que
eventos adversos graves relacionados com a assistência
hospitalar se associaram a 112.697 óbitos, o que levaria essa
categoria de desfechos à quinta causa de mortalidade no Brasil
(atrás de doenças do aparelho circulatório, neoplasias malignas,
doenças respiratórias e causas externas). Desse total de óbitos
associados a iatrogenias, quase metade (54.769) pode ser
diretamente atribuída ao evento adverso, e 32% dessas mortes
(36.174) seriam preveníveis.
Em suma, a iatrogenia é uma condição frequente, prevenível
em boa parte dos casos e potencialmente grave. Além das já
mencionadas ocorrências intra-hospitalares, é possível encontrar
iatrogenias diagnósticas ou terapêuticas. Virtualmente, toda
intervenção médica expõe o paciente a algum risco, algumas
intervenções têm risco desprezível (p. ex., venopunção para a
coleta de exames de sangue) e outras trazem consigo um risco
elevado (p. ex., transplante de medula óssea). Os riscos podem
ser considerados aceitáveis ou não a depender da adequação da
intervenção proposta. Atualmente se fala em valor das
intervenções: o uso de betabloqueadores na insuficiência
cardíaca tem valor alto, e o uso de ácido acetilsalicílico na
prevenção primária de doença aterosclerótica tem valor baixo.
Evidentemente, para além desses exemplos de intervenções de
muito baixo risco e/ou alto valor e suas contrapartes de alto risco
e/ou baixo valor, há uma vasta zona cinzenta onde se encontram
intervenções de valor e risco intermediários.

TABELA 1 Estimativas nacionais relativas à segurança do paciente hospitalizado –


Brasil (2017)

SUS Saúde Ambos


Suplementar

Número de 11.455.687 7.977.131 19.432.818


internações

Resultados Estimativas Resultados Estimativas Estimativas


do estudo nacionais do estudo nacionais nacionais

Prevalência 6,4% 733.164 7,1% 566.376 1.299.540


de eventos
adversos
relacionados
com
assistência
hospitalar
TABELA 1 Estimativas nacionais relativas à segurança do paciente hospitalizado –
Brasil (2017)

Prevalência 1,9% 217.658 1,4% 111.680 329.338


de eventos
adversos
graves
relacionados
com
assistência
hospitalar

Mortalidade 5,3% 607.151 2,2% 175.497 782.648


geral intra-
hospitalar

Mortalidade 22,8% 167.161 12% 67.965 235.127


associada à
ocorrência
de qualquer
evento
adverso
relacionado
com
assistência
hospitalar

Mortalidade 37% 80.533 28,8% 32.164 112.697


associada a
eventos
adversos
graves
relacionados
com
assistência
hospitalar

Mortalidade 46,8% 37.690 53,1% 17.079 54.769


atribuível a
evento
adverso
grave entre
pacientes
com óbito
associado a
esse evento
TABELA 1 Estimativas nacionais relativas à segurança do paciente hospitalizado –
Brasil (2017)

Fração da 30,5% 24.563 36,1% 11.611 36.174


mortalidade
atribuível a
evento grave
prevenível
entre
pacientes
com óbito
associado a
esse evento

Fonte: adaptada de Couto et al. (2018).

De modo geral, nas intervenções de baixo valor os riscos de


iatrogenia sobrepujam os benefícios. O valor de uma intervenção
associa-se à gravidade das condições a que se destinam, de
modo que uma intervenção justificada em um indivíduo
sintomático ou de alto risco tende a ter alto valor, sendo o
contrário também verdadeiro. Seguindo esse raciocínio, é
possível observar que intervenções de baixo valor são mais
frequentes em indivíduos assintomáticos, como muitas medidas
que se destinam à promoção de saúde (lembrar da quantidade de
falso-positivos e sobrediagnósticos que se encontram em
medidas de rastreamento de neoplasias). Outra população
bastante exposta a medidas de baixo valor são pacientes em fim
de vida, pela baixa probabilidade de benefício das intervenções
(quando se trata de medidas fúteis) ante o quadro clínico global.
A Figura 2 sumariza essa questão.
FIGURA 2 Intervenções médicas: risco e custo-benefício.

O avanço das técnicas diagnósticas e esquemas terapêuticos


trouxe consigo uma série de medidas que se popularizaram na
prática médica, mas que provaram ter pouco valor. Por exemplo:

Uso de condroprotetores para osteoartrite de joelhos.


Uso de opioides para dor crônica.
Laminectomia e artrodese para pacientes com compressão
radicular sem déficit motor.
Rastreio de doença coronariana em indivíduos assintomáticos.
Dosagem rotineira de vitamina D.

Intervenções diagnósticas trazem consigo, portanto, o risco


de iatrogenias inerentes a complicações de procedimento e de
diagnósticos falso-positivos ou sobrediagnósticos (lembrando que
o sobrediagnóstico é um verdadeiro positivo, apenas não teria
impacto positivo algum em sobrevida ou qualidade de vida do
diagnosticado). Como exemplos mais comuns de complicações de
procedimentos podem ser citados insuficiência renal aguda após
o uso de contraste ou preparos de exames que envolvam risco de
desidratação, delirium após indução anestésica e perfuração de
vísceras em exames endoscópicos. A discussão detalhada sobre
as consequências negativas de resultados falso-positivos e
sobrediagnósticos foge ao escopo deste capítulo.
As iatrogenias decorrentes de intervenções terapêuticas são
as mais conhecidas e comuns. Procedimentos invasivos ou
cirúrgicos trazem consigo risco próprio de complicações
inerentes ao método e proporcionais à magnitude da
manipulação (p. ex., sangramento, deiscências, infecções, lesão
de órgãos), além de complicações no período pós-operatório (p.
ex., síndromes coronarianas, embolia pulmonar, infecções,
delirium). Porém, pelo volume em que ocorrem, são as reações
adversas a medicamentos as iatrogenias mais frequentes.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu
em 2011 reação adversa a medicamentos (RAM) como qualquer
resposta prejudicial ou indesejável e não intencional a um
medicamento, que ocorre nas doses usualmente empregadas no
homem para profilaxia, diagnóstico, terapia da doença ou para a
modificação de funções fisiológicas (observe que as RAM não são
exclusivas do processo terapêutico, apenas são mais frequentes
nesses casos). Como categoria isolada, as RAM são a principal
causa de complicações para atos médicos (19% no estudo
pioneiro de Brennan; as outras causas frequentes são infecção
de ferida operatória e complicações técnicas em operações, cada
uma com cerca de 13% dos casos).
As RAM aumentam o risco de óbito em pelo menos 20%,
aumentam o tempo de internação, aumentam custos e podem
desencadear a chamada “cascata iatrogênica”. Há vários
exemplos de cascata iatrogênica, por exemplo, dor tratada com
opioide causando constipação, tratada com laxante; tontura
tratada com antivertiginoso, levando a parkinsonismo, tratado
com levodopa, levando a alucinações, tratadas com neurolépticos
etc.
Uma maneira simples de evitar a cascata iatrogênica é uma
heurística que deve sempre integrar o raciocínio clínico do
geriatra: verificar se qualquer sintoma do paciente não é
atribuível a algum medicamento de que faça uso, sobretudo se
houver contemporaneidade entre a introdução (ou aumento de
dose) do medicamento e o surgimento do sintoma. Com o uso de
tal prática, é mais provável a suspensão ou substituição de
medicamentos do que a adição de novas drogas, que trazem
novos riscos consigo.
Entre os fatores de risco para RAM, destacam-se:

Polifarmácia.
Multimorbidade.
Grau de complexidade das doenças.
Má condição clínica no momento da admissão.
Tempo de internação.
Baixo desempenho funcional.
Alteração do metabolismo e excreção hepática e renal.
Má adesão ao tratamento.
Déficit cognitivo.
Tempo de internação.
Uso de medicações potencialmente inapropriadas para idosos.

A preocupação com medicamentos potencialmente


inadequados para idosos também não é nova: em 1991, o
geriatra Mark H. Beer reuniu um grupo de especialistas e
estabeleceu critérios, a partir dos quais foram listados
determinados fármacos a serem evitados; desde então, os
critérios de Beer são periodicamente atualizados (a última
revisão é a de 2015). Embora sejam os mais consagrados, há
outros parâmetros para a adequação de prescrição de
medicamentos em idosos, como os START, que contemplam as
omissões terapêuticas (isto é, condições clínicas que deveriam
ser tratadas, mas frequentemente não o são) e os STOPP, que
correlacionam a pertinência e a segurança do fármaco a
determinadas condições clínicas.
Sem entrar nos detalhes dessas referências, embora sua
leitura seja muito recomendada, é necessário se deter em
algumas classes farmacológicas particularmente problemáticas:

Anti-inflamatórios não esteroides (Aine): trazem consigo


grande risco de lesão do trato gastrointestinal, com destaque
para as úlceras gástricas, que podem culminar em
sangramento ou perfuração, ainda que na ausência de sinais
prévios de alerta. O risco de sangramento digestivo associado
aos Aine é potencializado pelo uso concomitante de
corticosteroides, antiagregantes plaquetários e
anticoagulantes. Além disso, Aine são potencialmente
nefrotóxicos, sobretudo se usados juntamente com diuréticos.
Seu uso também é problemático em cardiopatas, de modo que
os Aine são frequentadores honorários das listas de
medicamentos potencialmente inadequados em idosos.
Anticoagulantes: por sua própria natureza, são drogas cujo
uso nunca é isento de riscos. Idosos têm maior probabilidade
de usar anticoagulantes, bem como têm maior risco de sofrer
sangramentos em decorrência disso. Embora anticoagulantes
figurem entre as maiores causas de reações adversas graves,
não há o que os substitua quando há indicação de uso, pelo
que não são medicamentos inadequados per se, apenas devem
ser usados de modo criterioso (no tocante ao uso de
anticoagulantes, é mais frequente a omissão terapêutica que
seu uso inadequado).
Digoxina: é uma droga com estreito índice terapêutico; seu
limiar de toxicidade pode ser facilmente ultrapassado em
situações de disfunção renal e desidratação. Além disso,
interage farmacodinamicamente com outros antiarrítmicos e
tem razoável potencial anticolinérgico. Atualmente, suas
indicações são bastante restritas; de modo geral, seu uso não
é indicado em idosos.
Anti-hipertensivos: reúnem várias classes farmacológicas. A
depender de seus efeitos, podem ter como reações adversas
desidratação, hipotensão postural, bradicardia, edema e risco
de franca hipotensão. Os alfa-agonistas de ação central
(metildopa, clonidina) são particularmente problemáticos, por
agirem no sistema nervoso central (SNC) e por terem
sonolência e depressão entre seus efeitos adversos.
Hipoglicemiantes: o risco de hipoglicemia, inerente ao uso de
drogas para controle glicêmico, é maior com o uso de
insulinas e sulfonilureias. As metas de controle glicêmico
devem ser ajustadas em função do estado funcional do
paciente e sua expectativa e vida.
Antibióticos: cada classe de antibióticos traz consigo
determinados riscos associados a seu uso, por exemplo: nefro
e ototoxicidade com aminoglicosídeos, delirium, convulsões e
tendinites com quinolonas, nefrotoxicidade com vancomicina,
colite pseudomembranosa com várias classes, apenas para
citar as reações mais comuns. O uso racional de antibióticos
requer indicação adequada e ajuste da dose às características
do paciente (peso, função renal e função hepática), se
necessário.
Benzodiazepínicos: todas as drogas que agem no sistema
nervoso central (SNC) podem causar reações adversas
potencialmente graves, sejam elas de ação primária no SNC
(antidepressivos, anticonvulsivantes) ou secundária (anti-
histamínicos, relaxantes musculares). Benzodiazepínicos têm
ação primária no SNC, sobre o qual exercem efeito inibitório,
diminuindo a atenção e os reflexos. Podem causar sonolência e
confusão mental e têm alto potencial pra provocar
dependência.
Anticolinérgicos: diversas drogas têm efeito anticolinérgico,
algumas “por excelência”, como atropina e biperideno.
Antidepressivos tricíclicos e antimuscarínicos para o
tratamento da hiperatividade detrusora são exemplos
conhecidos de medicamentos cujo uso requer cautela. Observe
no Quadro 1 que muitas outras drogas têm efeito
anticolinérgico e, portanto, também trazem consigo risco de
sonolência, confusão mental e declínio cognitivo, constipação
intestinal, xerostomia, taquicardia e aumento da pressão
intraocular.

Conforme visto, as complicações iatrogênicas são, em larga


medida, previsíveis e preveníveis. As iatrogenias mais comuns
são as RAM, e idade avançada e polifarmácia são fatores de risco
importante para sua ocorrência. A prevenção de tais eventos
demanda conhecimento tanto das alterações farmacocinéticas e
farmacodinâmicas que acontecem com o indivíduo no processo
de envelhecimento como dos fármacos a serem utilizados, assim
como das potenciais interações entre eles. A revisão periódica da
prescrição e da indicação de cada fármaco, além da vigilância
aos efeitos adversos dos medicamentos (todo sintoma novo pode
ser um efeito adverso), e a procura por alternativas não
farmacológicas ao tratamento, ensejam a diminuição das drogas
em uso, prática conhecida como desprescrição.

DESPRESCRIÇÃO
É o processo de retirada de medicamentos inapropriados,
supervisionado por um profissional de saúde, com o objetivo de
administrar a polifarmácia e melhorar desfechos. Embora o
conceito inicial de desprescrição tenha sido proposto
inicialmente em 2003, é na última década que o tema tem sido
mais estudado.

QUADRO 1 Medicamentos comercializados no Brasil e relacionados na Escala de


Risco Anticolinérgico

Muito forte (3 pontos Forte (2 pontos por Moderado (1 ponto por


por fármaco) fármaco) fármaco)

Amitriptilina Amantadina Carbidopa-levodopa

Atropina Baclofeno Entacapona

Benzatropina Cetirizina Haloperidol

Carisoprodol Cimetidina Metocarbamol

Ciproeptadina Clozapina Metoclopramida

Clorferniramina Ciclobenzaprina Mirtazapina

Clorpromazina Desipramina Paroxetina

Diciclomina Loperamida Pramipexol

Difenidramina Nortriptilina Quetiapina

Flufenazina Olanzapina Ranitidina


QUADRO 1 Medicamentos comercializados no Brasil e relacionados na Escala de
Risco Anticolinérgico

Flufenazina Olanzapina Ranitidina

Hidroxizina Proclorperazina Risperidona

Hiosciamina Pseudoefedrina Selegilina

Imipramina Tolterodina Trazodona

Meclizina Ziprasidona

Oxibutinina

Perfenazina

Prometazina

Tioridazina

Tiotixeno

Tizanidina

Trifluoperazina

Risco grave: somatória final de pontos ≥ 3.


Fonte: Gorzoni e Fabbri (2017).

Atualmente, já existem diretrizes para a desprescrição de


determinados medicamentos (disponíveis em inglês ou em
francês). As classes contempladas são inibidores da bomba de
prótons (IBP), benzodiazepínicos, hipoglicemiantes,
anticolinesterásicos e antipsicóticos na demência. Note que,
dentre essas classes, apenas os benzodiazepínicos e
determinados hipoglicemiantes figuram entre os medicamentos
potencialmente inapropriados para idosos. O uso excessivo e
frequentemente desnecessário de IBP, anticolinesterásicos,
antipsicóticos e hipoglicemiantes tornou tais categorias
meritórias de destaque dentre aquelas cuja suspensão
comumente é mais benéfica do que arriscada. Nesse sentido,
outras drogas a serem lembradas (embora ainda não disponham
de diretrizes para a desprescrição) são estatinas (quando na
prevenção primária), betabloqueadores (exceto na insuficiência
cardíaca com fração de ejeção reduzida), medicamentos para
asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (há um
excesso de cerca de 30% de diagnósticos errados de tais
condições, por não usarem a espirometria), antimuscarínicos
para incontinência urinária, relaxantes musculares (drogas
largamente consumidas no Brasil), laxativos, nitratos,
furosemida, antivertiginosos, antidepressivos, suplementos
(como ferro, cálcio, vitamina D, polivitamínicos), opioides e
antiagregantes plaquetários (prevenção primária).
A desprescrição depende da participação do paciente (ou seu
responsável) no processo terapêutico, e a boa comunicação é
fundamental no processo. A capacidade de comunicação, a
condição sintomática e a experiência de efeitos adversos, assim
como a confiança no profissional, são fatores importantes a
serem considerados da parte do paciente. Este pode ter atitudes
contraditórias, como o desejo de consumir menos remédios em
conflito com o medo de se abster dos benefícios do tratamento.
Pacientes e médicos tendem a superestimar os benefícios do
tratamento, e, da parte dos médicos, há certa tendência à inércia
terapêutica, sobretudo se o paciente está bem de maneira geral.
Feitas todas essas considerações, estudos têm demonstrado que
os pacientes de modo geral estão abertos à ideia da
desprescrição e que ela é factível na “vida real”. Determinados
métodos mostraram-se ineficazes, como intervenções apenas
educacionais. Ainda não se sabe se a desprescrição gradual é
melhor que a “em massa” (suspensão concomitante de diversos
medicamentos). Os estudos têm demonstrado que, mais do que o
método de execução, é a comunicação e o acompanhamento
frequente do paciente que proporcionam o sucesso da
desprescrição.
Algumas classes farmacológicas são particularmente difíceis
de serem desprescritas: benzodiazepínicos (assim como as
“drogas Z”: zolpidem, zaleplona e zopiclona) e IBP. Drogas que
não trazem nenhum alívio sintomático (ou que até podem trazer
efeitos adversos cuja presença apenas a suspensão e a
subsequente cessação do sintoma vai tornar evidente), como
estatinas e antiagregantes plaquetários, são de desprescrição
relativamente fácil.
Até o momento, duas metanálises avaliaram os efeitos da
desprescrição. Os resultados não são tão empolgantes: a
conclusão geral é que se trata de um processo trabalhoso e que
pode ser benéfico para um subgrupo de pacientes. Nem todos os
estudos conseguiram demonstrar redução de mortalidade, e
pacientes muito idosos (> 80 anos) e portadores de demência
são os menos beneficiados nesse sentido. Alguns estudos
demonstraram impacto importante na redução de quedas, mas
poucos demonstraram benefício em desfechos cognitivos, e ainda
mostraram casos de maus desfechos associados à desprescrição,
como descompensação de insuficiência cardíaca com a
suspensão de diuréticos, aumento de fraturas vertebrais com a
descontinuação de bifosfonatos e piora comportamental na
demência com a suspensão de antipsicóticos.
Apesar de tais resultados ante o problema contemporâneo da
polifarmácia excessiva e dos riscos de reação adversa a
medicamentos, a desprescrição permanece como estratégia
razoável e promissora. O fato de tal assunto apenas ter ganhado
destaque na última década torna o número de estudos
disponíveis relativamente escassos e com metodologia bastante
heterogênea. A tendência é que se realizem estudos mais amplos
e com metodologia mais adequada.
A preocupação com o uso excessivo de medicamentos não se
resolve apenas com sua restrição: há que valorizar e tornar
disponível o tratamento não farmacológico. A grande maioria das
condições crônicas apresentadas pelos idosos se beneficia de
medidas conservadoras. Infelizmente, serviços de fisioterapia,
acompanhamento nutricional ou psicoterapêutico são pouco
disponíveis no SUS. Espera-se que a maior disseminação do
conhecimento sobre os tópicos aqui discutidos proporcione em
um futuro próximo uma melhor adequação dos recursos de
saúde disponíveis para os idosos.
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Avaliação pré-operatória geriátrica 7

Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami


Paulo de Oliveira Duarte

INTRODUÇÃO
Estima-se que o número de idosos, no Brasil, aumentará
de 30 milhões em 2020 para cerca de 65 milhões até 2050.
Consequentemente, espera-se aumento expressivo da
demanda por procedimentos cirúrgicos pela maior
prevalência de doenças nessa população, tais como
doenças ateroscleróticas, neoplasias, doenças
osteoarticulares, catarata, distúrbios do assoalho pélvico
etc. Concomitante ao aumento da demanda, com o avanço
da tecnologia e das técnicas cirúrgicas e anestésicas,
procedimentos que há pouco tempo eram contraindicados
nos mais idosos vêm se tornando mais frequentes graças ao
alto nível de segurança conquistado em alguns centros.
Neste capítulo, discorreremos sobre os principais desafios
das cirurgias na população idosa e das possíveis
contribuições da geriatria especificamente no contexto pré-
operatório.

PARTICULARIDADES DA CIRURGIA EM IDOSOS


Reserva fisiológica limitada

O envelhecimento desencadeia uma série de alterações


em diferentes órgãos e sistemas que, de forma simplificada,
resulta na depleção das reservas fisiológicas e na menor
capacidade da pessoa idosa em manter o equilíbrio
fisiológico em face das adversidades e insultos agudos,
como é o caso das cirurgias (Figura 1).
Esse envelhecimento orgânico aumenta o risco de várias
complicações no perioperatório (Quadro 1), com destaque
para labilidade pressórica, delirium, complicações
trombóticas, desnutrição e constipação intestinal. Além
disso, a recuperação pós-cirúrgica tende a ser mais lenta,
refletindo em maior tempo de internação, risco maior de
perda funcional e necessidade de reabilitação pós-
operatória.

FIGURA 1 Envelhecimento, reserva fisiológica e risco.

O risco dessas complicações e perda funcional estão


diretamente ligados ao grau de vulnerabilidade basal do
paciente, assim como à intensidade do insulto agudo
cirúrgico. Tal como bem ilustrou estudo de Lawrence et al.
(2004), cirurgias abdominais de maior porte, como a
duodenopancreatectomia, resultaram em perda funcional
mais pronunciada e por tempo médio maior de 6 meses
quando comparadas às cirurgias de menor porte como as
herniorrafias, cujo tempo médio para reabilitação foi de
apenas 3 semanas. Ainda nesse estudo, foram apontados
fatores relacionados à recuperação funcional mais lenta:
pior funcionalidade basal, sintomas depressivos no pré-
operatório e a presença de complicações graves no pós-
operatório. Importante destacar que cirurgias
minimamente invasivas, como cirurgias oftalmológicas para
catarata e muitos procedimentos por radiointervenção, são
bem tolerados mesmo em idosos mais vulneráveis. Dessa
forma, o conhecimento quanto ao porte cirúrgico, sua
complexidade, tempo anestésico e ao grau de
vulnerabilidade da pessoa idosa são fatores importantes
que fazem parte da avaliação pré-operatória. Tal
conhecimento ajuda a antever possíveis complicações,
permitir ações preventivas (p. ex., delirium e eventos
trombóticos) e detectar precocemente complicações para
melhor manejo (p. ex., eventos cardíacos isquêmicos
agudos).
Importante ressaltar, no entanto, que esse consumo de
reservas ocorre de forma muito heterogênea na população,
tornando a idade cronológica limitada para compreensão
adequada da complexidade da pessoa idosa e de seu grau
de vulnerabilidade. Deve-se, portanto, ter muita cautela em
garantir que a idade cronológica em si não seja usada como
uma ferramenta isolada para determinar as opções de
tratamento.

QUADRO 1 Envelhecimento orgânico e implicações

Sistema Mudanças Implicações


QUADRO 1 Envelhecimento orgânico e implicações

Imunológico ↑ Inflamação basal ↑ Suscetibilidade a infecções


(inflammaging). e sepse.
↓ Resposta imunológica ↓ Cicatrização.
adaptativa.

Hematológico ↓ Resposta plaquetária a ↑ Risco de complicações


óxido nítrico. trombóticas.

Nervoso central ↓ Volume cerebral. ↑ Suscetibilidade a delirium.


↑ Patologia
neurodegenerativa.

Cardiovascular ↑ Enrijecimento arterial. ↓ Perfusão de órgãos.


↑ Hipertrofia ventricular ↓ Resposta compensatória à
esquerda. variação de volume.
↑ Resistência vascular ↑ Risco de arritmias atriais.
periférica.
↑ Fibrose miocárdica.

Respiratório ↓ Musculatura respiratória. ↓ Tosse efetiva.


↓ Transporte mucociliar. ↑ Atelectasias.
↓ Elasticidade de fibras ↑ Infecções pulmonares.
alveolares. ↑ Embolia pulmonar.
↓ Capacidade vital.

Gastrointestinal ↑ Perda de musculatura ↑ Disfagia, aspiração e


orofaríngea. desnutrição.
↓ Trânsito gástrico. ↑ Suscetibilidade a efeitos
↓ Depuração hepática de colaterais de drogas.
drogas. ↑ Constipação.

Endocrinológico ↓ Ativação do sistema renina- ↓ Resposta compensatória à


angiotensina-aldosterona. hipovolemia.

Renal ↓ Fluxo sanguíneo renal e ↓ Depuração renal de drogas.


taxa de filtração glomerular. ↑ Sensibilidade à
hipoperfusão renal.

Síndrome de fragilidade no contexto perioperatório

A avaliação da síndrome de fragilidade se torna


intuitivamente uma avaliação a ser considerada nesse
contexto como forma de melhor avaliar o grau de
vulnerabilidade da pessoa idosa. Embora não haja consenso
quanto a sua definição, fisiopatologia ou à melhor
ferramenta para sua avaliação, a fragilidade pode ser
definida como síndrome caracterizada por redução em
força, resistência e funções fisiológicas que aumentam a
vulnerabilidade de um indivíduo a aumento de
dependência, internações e morte.
No momento, existem várias ferramentas que se
propõem a avaliar a fragilidade nesse contexto, algumas
tipicamente utilizadas na geriatria, como pela avaliação
fenotípica de Linda Fried, outras criadas especificamente
para o contexto pré-operatório com base em variáveis
independentes de risco identificadas em estudos clínicos
(Quadro 2).
Independentemente da ferramenta utilizada, a
fragilidade está associada com complicações pós-
operatórias, tempo de internação prolongado, perda
funcional e, a depender da escala utilizada, risco maior de
morte para cirurgias de médio a grande porte. Como
exemplo, Makary et al. (2010) utilizaram os cinco critérios
de Fried (perda ponderal, força de preensão palmar, gasto
energético basal, velocidade de marcha e fadiga) para
classificar 594 idosos submetidos a diferentes tipos de
cirurgia (Tabela 1). Perceba como a fragilidade, assim como
o porte cirúrgico, são fatores importantes no que diz
respeito ao risco perioperatório.
Nenhuma avaliação de fragilidade, no entanto,
demonstrou boa acurácia para predizer mortalidade no pós-
operatório. A avaliação de fragilidade segundo Fried e a
Escala Clínica de Fragilidade de Kenneth Rockwood, por
exemplo, possui sensibilidade de apenas 56 e 60% e
especificidade de 65 e 59%, respectivamente, para predizer
mortalidade no pós-operatório. A fragilidade não deve,
portanto, assim como a idade cronológica, ser fator isolado
para contraindicação cirúrgica, mas sim ser mais um
marcador útil para antever possíveis complicações pós-
operatórias, o que permite melhor preparo da equipe,
paciente, seus familiares e cuidadores.

QUADRO 2 Principais variáveis pré-operatórias de risco em idosos

Variável Definições usadas nos Elevação de risco no pós-


estudos operatório

Anemia Hematócrito ≤ 34%. Delirium; perda funcional.


Hemoglobina < 11 g/dL.

Multimorbidade Índice de Charlson ≥ 3. Perda funcional.

Desnutrição Albumina < 3 mg/dL. Delirium; infecções;


Perda ponderal > 10% em deiscência cirúrgica; perda
6 meses. funcional.
IMC < 18,5 kg/m2.

Depressão GDS 15 ≥ 5. Delirium; perda funcional;


GDS 5 ≥ 2. tempo de internação
PHQ-2 positivo. prolongado; uso maior de
analgésicos; mortalidade em
cirurgias cardíacas.

Déficit Mini-Cog ≤ 3. Delirium; tempo de


cognitivo internação prolongado; perda
funcional; mortalidade.

Dependência Índice de Katz ≥ 1. Complicações; perda


funcional funcional.

Risco de ≥ 1 queda nos últimos 6 Complicações; perda


quedas meses. funcional; readmissões.
TUG ≥ 15 segundos.

Abuso de Questionário Cage positivo Complicações; delirium por


álcool para abuso de álcool. abstinência; tempo
prolongado de internação;
mortalidade.
QUADRO 2 Principais variáveis pré-operatórias de risco em idosos

Tabagismo Uso ativo do tabaco. Tempo de internação


prolongado; perda funcional;
mortalidade.

Inflamação Proteína C-reativa ≥ 3 mg/L. Delirium

GDS: Escala de Depressão Geriátrica; IMC: índice de massa corporal; PHQ:


Patient Health Questionnaire; TUG: Timed Up and Go.

TABELA 1 Fragilidade segundo Fried e desfechos cirúrgicos em idosos

Número de critérios de fragilidade (Fried)

0-1 2-3 4-5

Cirurgia de pequeno porte

Tempo de internação (médio 0,7 1,2 1,5


em dias)

Complicações pós-operatórias 3,9 7,3 11,4


(%)

Necessidade de reabilitação 0,8 0 17,4


pós-alta (%)

Cirurgia de grande porte

Tempo de internação (médio 4,2 6,2 7,7


em dias)

Complicações pós-operatórias 19,5 33,7 43,5


(%)

Necessidade de reabilitação 2,9 12,22 42,11


pós-alta (%)

Expectativa de vida

Fator de pouco significado para populações mais jovens,


a expectativa de vida se torna um dos pilares da decisão
compartilhada cirúrgica em idosos, especialmente nos
octogenários e nonagenários, tendo em vista que por vezes
o paciente não terá tempo de vida para vivenciar os
benefícios da cirurgia proposta. Para tanto, sugere-se o uso
de instrumentos prognóstico segundo a idade e
comorbidades, como índices de Lee e Shonberg, dentre
outras, que podem ser encontradas no site
https://eprognosis.ucsf.edu.

Emergências cirúrgicas

Os pacientes idosos evoluem de modo muito pior a


cirurgias de urgência e emergência do que às eletivas
(risco 3 a 10 vezes maior). Dessa forma, a idade avançada
do paciente pesa a favor de abordagem cirúrgica eletiva
quando há risco de evolução para situações de urgência. E,
uma vez instalada a situação de urgência e emergência (p.
ex., abdome agudo, fratura de colo de fêmur etc.), salvo
poucas exceções, é em geral preferível a pronta abordagem
cirúrgica, dada a maior morbimortalidade associada com
tratamentos conservadores, mesmo em idosos frágeis.
Nesse contexto emergencial, geralmente há pouco espaço
para a avaliação pré-operatória geriátrica.

Preparo pré-operatório adequado reduz riscos

O preparo pré-operatório otimizado para cirurgias


eletivas é essencial, especialmente nos idosos. Quando o
preparo não é adequado, os riscos perioperatórios se
elevam. Alguns fatores podem ser melhorados no pré-
operatório, com benefícios mais pronunciados nessa
população. Destacam-se correção da desidratação,
correção de anemias graves, controle de hipertensão,
controle de hiperglicemias, cessação do tabagismo e
etilismo e otimização do tratamento de doença pulmonar
obstrutiva crônica e asma, caso presentes.

PAPEL DA GERIATRIA NO CONTEXTO PRÉ-


OPERATÓRIO
A geriatria muito tem a contribuir com as equipes de
cirurgia e anestesia, especialmente nas cirurgias mais
complexas. Destacam-se as seguintes qualificações
atribuídas aos geriatras, importantes nesse contexto:

Identificar riscos e sugerir cuidados pós-operatórios.


Identificar e manejar síndrome geriátricas.
Prover revisão medicamentosa para otimizar o número
de medicações, reduzir interações de risco e efeitos
adversos.
Colaborar com e/ou comandar equipes
multidisciplinares.
Capacidade de oferecer cuidados personalizados pela
integração dos objetivos e valores da pessoa idosa, suas
comorbidades e prognóstico à luz da medicina baseada
em evidência.
Assistir pacientes e familiares, no esclarecimento de
objetivos de cuidado e na tomada de decisão.

AVALIAÇÃO GERIÁTRICA PRÉ-OPERATÓRIA


A avaliação pré-operatória objetiva identificar os riscos
potenciais e otimizar o paciente antes da cirurgia. O
Programa Nacional de Melhoria da Qualidade Cirúrgica do
Colégio Americano de Cirurgiões (ACS NSQIP) juntamente
com a Sociedade Americana de Geriatria desenvolveram
em 2012 diretrizes que norteiam essa avaliação, ao
acrescentar componentes da Avaliação Geriátrica Ampla
(AGA) à avaliação tradicional anestésica e cardíaca.
Conforme conclusão de revisão sistemática realizada
pelo grupo Cochrane, o uso da AGA no contexto pré-
operatório, embora haja necessidade de mais estudos,
provavelmente resulta em menor risco de morte e maiores
chances de retorno dos idosos ao mesmo local em que
viviam antes da admissão hospitalar, além de reduzir o
tempo de internação e o custo hospitalar, sem dados
suficientes, no entanto, para conclusão quanto ao impacto
em complicações pós-operatórias ou readmissões. A seguir
são apresentados os componentes principais da avaliação
geriátrica pré-operatória.

Rede de suporte

Racional: com a possível perda funcional transitória


pós-operatória, o paciente poderá receber alta mais
dependente e com necessidade de cuidados. A ausência de
suporte adequado associa-se a tempo de internação mais
prolongado, além de maior morbidade 30 dias pós-
intervenção.
Modo: avaliar rede de apoio, com quem o paciente
reside e se há rede empenhada em prestar os cuidados
domiciliares em caso de perda funcional no pós-operatório,
que inclui administração de medicações, troca de curativos
e garantia de retornos ao serviço.
Possíveis intervenções: buscar determinar o
responsável pelas decisões médicas do paciente caso este
perca a capacidade decisória e considerar avaliação e
seguimento precoce de equipe de serviço social caso haja
rede fragilizada.
Funcionalidade

Racional: pacientes mais dependentes têm maior risco


de complicações, incluindo perda funcional mais
pronunciada no pós-operatório.
Modo: avaliar funcionalidade por meio de escalas como
a de Katz para atividade básicas e de Lawton para
atividades instrumentais de vida diária (vide capítulo sobre
escalas).
Possíveis intervenções: orientar rede de apoio a se
organizar previamente para possível perda funcional e
considerar encaminhamento para avaliação com
fisioterapia e/ou terapia ocupacional para possíveis
intervenções pré-operatórias.

Fragilidade

Racional: a fragilidade está associada a tempo de


internação prolongado, perda de funcionalidade e
complicações pós-operatórias. Além disso, a depender da
escala, aumento do risco de morte quando comparados aos
não frágeis para cirurgias de médio a grande porte.
Modo: embora se possa utilizar os cinco critérios de
Fried conforme discussão anterior, outros instrumentos têm
sido propostos por serem de mais fácil aplicação e sem
perda de acurácia quando comparados à avaliação
fenotípica de Fried. O Quadro 3 apresenta dois dos
instrumentos propostos.
Possíveis intervenções: embora motivo de grande
pesquisa, ainda não há evidências suficientes para
indicação de alguma intervenção específica para pacientes
frágeis com impacto em redução de desfechos negativos no
pós-operatório. Recomendam-se, se possível, exercícios
para fortalecimento muscular associada a dieta
hiperproteica, especialmente se houver indícios de
desnutrição.

Risco de quedas

Racional: pacientes com maior risco de quedas têm


maior risco de complicações, perda funcional e
readmissões no pós-operatório.
Modo: questionar histórico de quedas nos últimos 6
meses ou realizar o Timed Up and Go (TUG). Serão
considerados de alto risco aqueles com ao menos 1 queda
ou com TUG ≥ 15 segundos.
Possíveis intervenções: orientar quanto ao risco de
quedas e a medidas preventivas, encaminhar para
programas de fisioterapia para treinos de equilíbrio e
fortalecimento muscular, se disponível, e reduzir ou
suspender medicações associadas com quedas, quando
possível.

Cognição

Racional: entre os idosos encaminhados para cirurgias


eletivas, 20 a 44% são portadores de algum grau de déficit
cognitivo sem a devida avaliação, manejo ou seguimento. A
presença de déficit cognitivo é um dos principais fatores de
risco para delirium no pós-operatório. Além disso, poderá
prejudicar o processo de decisão compartilhada e o
consentimento para a cirurgia.
Modo: avaliar déficit cognitivo por meio de escalas de
rastreio como o Miniexame do Estado Mental, 10- Point
Cognitive Screener (10-CS) ou Mini-Cog. Caso haja déficit
cognitivo, avaliar também a capacidade do paciente de
compreender os riscos e benefícios da cirurgia proposta e a
capacidade para assinar o termo de consentimento livre e
esclarecido.
Possíveis intervenções: na presença de déficit
cognitivo, orientar paciente e acompanhantes sobre os
riscos de complicações pós-operatórias, especialmente
quanto a delirium, e identificar um responsável pelas
decisões em saúde caso o paciente não tenha capacidade
decisória já no pré-operatório, ou venha a perder tal
capacidade no pós-operatório. Além disso, orientar quanto
à importância da presença de acompanhante durante a
internação e algumas medidas preventivas como uso de
óculos e aparelhos auditivos (caso faça uso), uso de
pequenos objetivos pessoais como fotos e a orientação
temporal e espacial. Informar as equipes que cuidarão do
paciente no perioperatório a adotar medidas preventivas,
como evitar o uso de medicações de risco como
benzodiazepínicos, estimular a deambulação precoce,
evitar desidratação, retirar dispositivos invasivos o mais
precocemente possível, manejar dor e constipação
adequadamente etc. Informar a equipe a inserir o paciente
em programa hospitalar para prevenção e manejo de
delirium caso disponível. Tais medidas, especialmente
programas como os baseados no HELP (Hospital Elderly
Life Program), são capazes de reduzir a incidência de
delirium em até 40%, suas complicações, tempo de
internação e custo hospitalar.

QUADRO 2 Ferramentas para avaliação de fragilidade no pré-operatório

Escala Considerações
QUADRO 2 Ferramentas para avaliação de fragilidade no pré-operatório

Escala de Fried Critérios: perda ponderal não intencional ≥ 4,5 kg no


Modificada último ano, baixa força de preensão palmar conforme
Fried (vide capítulo sobre escalas), anemia
(hemoglobina < 12,9 g/dL para homens e < 11,4 g/dL
para mulheres) e classificação da ASA ≥ 3.
Classificação de fragilidade: presença de 3 a 4 critérios
(elevado risco).

Escala Clínica de Critérios: o paciente é classificado em 9 categorias a


Fragilidade depender de seu grau de funcionalidade física e
cognitiva obtidas por anamnese.
Classificação de fragilidade: categoria ≥ 4.

ASA: Sociedade Americana de Anestesiologia.

Depressão

Racional: assim como o déficit cognitivo, a depressão é


prevalente e subdiagnosticada nos idosos. A depressão
associa-se a maior percepção álgica, uso maior de
analgésicos, tempo de internação prolongado e delirium no
pós-operatório. Também é fator de risco independente de
mortalidade para cirurgias cardíacas, tanto valvares quanto
de reperfusão miocárdica.
Modo: aplicar escalas de rastreio como o Patient Health
Questionaire de 2 itens (PHQ-2) ou a Escala de Depressão
Geriátrica (GDS) de 5 ou 15 perguntas. Tanto o PHQ-2
quanto o GDS 15 encontram-se reproduzidos no capítulo
sobre escalas deste livro.
Possíveis intervenções: realizar as intervenções para
risco de delirium descritas no item anterior e encaminhar
para equipe capaz de prosseguir com investigação,
tratamento ou seguimento de possível transtorno
depressivo. Não há evidências quanto aos benefícios de
prosseguir com a investigação e iniciar o devido tratamento
de transtornos depressivos no que diz respeito a desfechos
pós-cirúrgicos, embora seja encorajado, especialmente
quando possa estar contribuindo para desnutrição, déficit
cognitivo e perda funcional.

Nutrição

Racional: a desnutrição associa-se a aumento de risco


de complicações pós-operatórias, especialmente infecciosas
(pneumonia, infecção do trato urinário, infecção de sítio
operatório), e de complicações de ferida cirúrgica
(deiscências e fístulas), além de tempo de internação
prolongado.
Modo: embora escalas como a Miniavaliação
Nutricional possa ser utilizada, sugere-se a avaliação de
três itens: presença de índice de massa corporal (IMC) <
18,5 kg/m2, albumina < 3 g/dL e perda ponderal > 10 a
15% em 6 meses. A presença de qualquer um dos três
sugere risco nutricional severo.
Possíveis intervenções: encaminhar para avaliação e
seguimento com equipe de nutrição e, a depender do
contexto, para nutrologia. A seguir são apresentadas
algumas recomendações específicas segundo o último
consenso da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e
Metabolismo (Espen) de 2021:

Pacientes com risco nutricional severo (conforme os


critérios apresentados) devem receber terapia
nutricional antes de cirurgia de grande porte, mesmo no
contexto oncológico. Um período de 7 a 14 dias pode ser
apropriado.
Sempre que possível, preferir as vias oral ou enteral.
A nutrição parenteral estará reservada para os pacientes
com desnutrição ou risco nutricional severo quando a
necessidade energética não puder ser obtida por via
enteral.
A suplementação nutricional deverá ser ofertada a todos
os pacientes oncológicos desnutridos e pacientes de alto
risco, especialmente idosos frágeis e sarcopênicos, que
serão submetidos a cirurgia abdominal de grande porte.
Preferir suplementos imunomoduladores contendo
arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos 5 a 7
dias antes da cirurgia, principalmente para pacientes
oncológicos.
A nutrição enteral ou suplementação nutricional oral
deverão ser iniciadas previamente à internação
hospitalar para evitar tempo de internação desnecessária
e infecção hospitalar.

Medicações e polifarmácia

Racional: mais de 50% dos idosos com indicação


cirúrgica recebem alguma medicação potencialmente
inapropriada durante a internação cirúrgica. Além disso, a
polifarmácia, comum nessa população, associa- se a
aumento do risco de déficit cognitivo, morbidade,
mortalidade, baixa aderência medicamentosa e
readmissões hospitalares secundárias a interações
medicamentosas.
Modo: revisar medicações de uso, incluindo as não
constantes em prescrição médica e fitoterápicos. Avaliar
aderência, interações, posologia, adequação segundo a
função renal e avaliar possíveis riscos segundo critérios de
Beers e Stopp/Start.
Possíveis intervenções: suspender todas as
medicações não essenciais, trocar medicações de risco por
alternativas mais seguras, corrigir doses segundo função
renal e, caso seja necessária a introdução de novas
medicações, que seja em menor número possível.

Abuso de álcool e uso do tabaco

Racional: o abuso de álcool está associado com maior


risco de complicações, incluindo infecções, abstinência,
tempo de internação prolongado e mortalidade. Já o uso do
tabaco associa-se a complicações pulmonares, tempo de
internação prolongado, perda funcional e mortalidade.
Modo: questionar o histórico de tabagismo e potencial
abuso de álcool por meio do questionário Cage (a seguir). A
resposta positiva para ao menos duas perguntas das quatro
do Cage sugere abuso.

1. O(a) senhor(a) já tentou diminuir ou cortar a bebida?


2. O(a) senhor(a) já ficou incomodado(a) ou irritado(a) com
outros porque criticaram seu jeito de beber?
3. O(a) senhor(a) já se sentiu culpado(a) por causa do seu
jeito de beber?
4. O(a) senhor(a) já teve de beber para aliviar os nervos ou
reduzir os efeitos de uma ressaca?

Possíveis intervenções: caso haja abuso de álcool, a


cirurgia eletiva deverá ser postergada até o devido
tratamento do etilismo. Caso não seja possível, estará
indicada a suplementação vitamínica com ácido fólico 5 mg
e tiamina 100 a 300 mg via oral 1 vez ao dia, que deverão
ser continuados no perioperatório. Além disso, a equipe
anestésica e a cirúrgica deverão ser informadas quanto ao
risco de abstinência durante a internação. No caso do
tabagismo, buscar intervenções para cessá-lo ao menos 8
semanas antes da cirurgia.
Risco cardiológico

Racional: embora o risco de complicações cardíacas


ocorram em menos de 4% em paciente submetidos a
cirurgias não cardíacas, mesmo para aqueles com elevado
risco, idosos são mais vulneráveis a complicações de
eventos adversos cardiovasculares. Dessa forma, todos os
pacientes idosos devem ser avaliados quanto a risco
perioperatório cardíaco segundo diretrizes, como as da
Sociedade Brasileira de Cardiologia de 2017 ou as da
Sociedade Europeia de Cardiologia de 2022.
Modo: foge ao escopo deste capítulo a descrição da
avaliação cardiovascular completa, e, em muitos serviços,
tal avaliação é feita pela equipe de cardiologia.
Resumidamente, a avaliação parte de história clínica e de
exame físicos dirigidos a condições cardiovasculares,
estimativa de capacidade funcional em MET, risco
cardiovascular segundo o tipo de cirurgia e conforme
escores de risco como o índice de Lee. Possíveis
intervenções: a depender dos achados mencionados,
poderão estar indicadas estratificações invasivas ou não
invasivas para investigação de doença arterial coronariana,
investigação de valvopatias e insuficiência cardíaca, e
orientações quanto a medicações específicas no
perioperatório, como betabloqueadores, inibidores da
enzima conversora de angiotensina (iECA), estatinas,
diuréticos, antiplaquetários e anticoagulantes. Pode-se
ainda sugerir monitoramento pós-operatório com
marcadores de necrose miocárdica e eletrocardiograma
(ECG) seriados em ambiente de unidade de terapia
intensiva (UTI).

AVALIAÇÃO DE RISCO CIRÚRGICO


A AGA descrita ajuda a detectar alguns riscos, como o
de delirium, e sugerir e instituir intervenções que possam
reduzir complicações, porém carece de informações
objetivas, especialmente de mortalidade, para as diferentes
cirurgias possíveis. Mesmo a avaliação da fragilidade, como
já detalhado, é falha para essa avaliação. Neste sentido,
sugere-se a ferramenta desenvolvida pelo Colégio
®
Americano de Cirurgiões, conhecida como ACS NSQIP
Surgical Risk Calculator (www.riskcalculator.facs.org). Essa
ferramenta foi desenvolvida a partir de banco de dados de
mais de 5 milhões de cirurgias em 874 hospitais nos EUA
desde 2016, com boa acurácia na predição de eventos
naquela população. Para seu cálculo é necessário, além do
tipo específico de procedimento cirúrgico, 20 variáveis
clínicas, fornecendo estimativa de risco de 18 desfechos
diferentes dentro dos primeiros 30 dias pós-intervenção,
incluindo mortalidade, tempo de internação, perda
funcional, pneumonia etc.
Deve-se ter em mente que esse índice de risco deve
complementar e nunca substituir a opinião pessoal da
equipe. A melhor avaliação de risco partirá da visão
compartilhada das equipes envolvidas na avaliação global
desse paciente.

OPERAR OU NÃO OPERAR


A partir da avaliação global obtida pelos passos acima
(AGA, ferramenta ACS NSQIP® Surgical Risk Calculator e
expectativa de vida obtida pelos índices de sobrevida),
juntamente com o conhecimento da condição cirúrgica e a
existência ou não de tratamentos alternativos, chega-se a
um consenso da equipe quanto aos melhores tratamentos
possíveis. Obviamente esse consenso exige comunicação
entre as equipes envolvidas e outras equipes que poderão
acrescentar a essa avaliação, por exemplo, da oncologia
para os casos oncológicos. Pode ser consenso, por exemplo,
que os benefícios não justificam os riscos, sendo propostos
tratamentos mais conservadores. É comum, no entanto, a
existência de mais de um tratamento possível, e o que o
definirá será a decisão compartilhada a partir dos valores e
desejos do paciente ou seu representante. Para tanto, a
ferramenta do “Melhor e Pior Cenário” poderá ser útil. Por
ela são expostos os melhores e piores cenários possíveis
segundo os tratamentos propostos para chegar àquele que
melhor se adéqua aos desejos e valores do paciente,
principalmente no que diz respeito à perda de
funcionalidade, perda de qualidade de vida e sobrevida.

PAPEL DA PRÉ-HABILITAÇÃO
A pré-habilitação objetiva aumentar as reservas
fisiológicas previamente a algum insulto agudo, como a
cirurgia, visando a melhor e mais rápida recuperação,
possivelmente reduzindo também eventos adversos (Figura
2).
Inicialmente, os estudos focaram isoladamente
programas voltados em exercícios físicos, no entanto novos
estudos têm sugerido benefício superior ao adicionar
estratégias visando a otimização nutricional e psicológica
(controle de ansiedade), conhecido como pré-habilitação
“trimodal”. Não há no momento de forma clara como e por
quanto tempo realizá-la. É consenso, no entanto, que a pré-
habilitação deverá ser individualizada, considerando a
capacidade basal, nutrição, cognição e sintomas de humor
de cada paciente e o tempo razoável para postergar o
procedimento cirúrgico, o que poderá ser um desafio no
contexto oncológico.
Embora resultados de estudos iniciais em cirurgias
abdominais sejam promissores, muito ainda precisa ser
estudado. Mais pesquisas sobre pré-habilitação para os
pacientes idosos são necessárias, principalmente quanto a
eficácia e segurança de diferentes tipos de exercício, e a
exigência mínima de proteínas e outros nutrientes a fim de
aumentar a força muscular e as reservas fisiológicas,
especialmente na população idosa frágil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A demanda por tratamentos cirúrgicos está sendo
alavancada pelo envelhecimento populacional.
A geriatria tem muito a oferecer no pré-operatório de
idosos candidatos a procedimentos cirúrgicos.
A atenção e o manejo das questões específicas dos idosos
se tornam imprescindíveis no contexto pré- operatório ao
permitirem a redução de riscos e procedimentos mais
seguros.
Os desejos e valores dos idosos deverão ser explorados e
alinhados com as expectativas cirúrgicas.
FIGURA 2 Modelo da pré-habilitação no contexto operatório.

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8 Atividade física

Natalia Oliveira Trajano da Silva


José Renato G. Amaral

INTRODUÇÃO
Ao envelhecer, fisiologicamente ocorre redução de
massa muscular. É estimado que, a partir da quinta década
de vida, ocorra perda de 1-2% de massa muscular por ano.
Fibras musculares de contração rápida têm diminuição de
quantidade e volume; além disso, com o envelhecimento
ocorre aumento de gordura corporal e redução de massa
óssea. Essas alterações, associadas à inatividade física,
contribuem para o desenvolvimento da sarcopenia, a qual
aumenta o risco do indivíduo desenvolver uma das
síndromes geriátricas mais temidas, a fragilidade.
Atualmente, é esperado que até 2060 o número de
indivíduos com mais de 65 anos ultrapassará os 98 milhões.
Assim, para que essa população possa continuar
contribuindo para sociedade, precisamos de medidas para
incentivar o envelhecimento ativo, e uma das principais
delas é a promoção da prática de atividade física. Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), se a população
mundial fosse fisicamente mais ativa, cerca de 4 milhões de
mortes por ano poderiam ser evitadas.
BENEFÍCIOS
Os benefícios da atividade física estão descritos no
Quadro 1.
Não é de hoje que os profissionais e leigos sabem que
atividade física reduz o risco de doenças cardíacas,
auxiliando no controle de morbidades como diabetes tipo 2
e hipertensão arterial sistêmica. Em 2008, Peterson et al.
mostraram que a aptidão aeróbica é preditor de morbidade
e mortalidade associadas a doenças cardiovasculares. Com
os anos de estudos, ser fisicamente ativo mostrou benefício
não só na redução da mortalidade de doenças relacionadas
ao coração, mas também como um forte aliado para
melhorar a saúde mental, auxiliando no controle de
sintomas de ansiedade, depressão e distúrbios do sono.

QUADRO 1 Benefícios da atividade física

Controle de morbidades, como hipertesão e diabetes tipo 2.

Redução dos sintomas de ansiedade, depressão e distúrbio do sono.

Prevenção de quedas.

Prevenção de doenças oncológicas.

Aumento da densidade mineral óssea.

Controle de dor crônica.

Fator de risco reversível de declínio cognitivo.

Redução de mortalidade por todas as causas.

Pesquisas vêm nos mostrando que a inatividade física é


um dos fatores de risco reversíveis para o desenvolvimento
da doença de Alzheimer. Acredita-se que o indivíduo que se
exercita tem maior chance de manter o volume adequado
do hipocampo reduzindo o risco de declínio cognitivo.
A proteção da saúde do aparelho musculoesquelético
pode ser obtida por meio da prática de exercício físico
resistido (aquele em que o músculo vence uma resistência),
que gera estresse mecânico das fibras musculares e dos
ossos, o que estimula o aumento da densidade mineral
óssea, de modo que a atividade física não só é capaz de
reduzir a taxa de quedas em idosos como também reduz a
gravidade das lesões causadas pela queda, como fratura ou
internação.
Outro grande benefício em ser fisicamente ativo é o
controle da dor crônica. Estudos evidenciam que tanto o
tempo sedentário quanto o tempo de atividade física atuam
significativamente na função inibitória da dor, avaliada pelo
teste de modulação condicionada da dor. Quanto menos
sedentário e mais ativo o indivíduo é, maior a capacidade
inibitória da dor no organismo. Indivíduos que se exercitam
possuem menores pontuações em testes quantitativos e
qualitativos de dor.
Doenças oncológicas também mostraram ter associação
com a atividade física. Conforme informações do Fundo
Mundial de Pesquisa em Câncer e do Instituto Americano
de Pesquisa em Câncer, a atividade física está relacionada à
diminuição do risco de câncer de cólon. Além disso,
evidências mostram associação entre atividade física e
diminuição do risco de câncer de mama e de endométrio.
Segundo dados de 2019 publicados por Rezende et al.,
estima-se que aproximadamente 27% das mortes de
brasileiros por doenças oncológicas poderiam ser evitadas
com mudança do estilo de vida, dentre elas a prática de
atividade física regular. Na verdade, a atividade física já se
provou capaz de reduzir a mortalidade por todas as causas.
CLASSIFICAÇÃO

Exercício físico aeróbio

São exercícios contínuos de longa duração, que utilizam


grandes grupos musculares e aumentam o consumo de
oxigênio pelo organismo. Sua intensidade geralmente é
classificada com base na frequência cardíaca. A orientação
do Colégio Americano de Medicina do Esporte classifica o
exercício aeróbio moderado quando o indivíduo atinge 64-
76% da frequência cardíaca máxima para a idade.
Entretanto, tratando-se de pacientes idosos, muitos
utilizam medicações que reduzem a frequência cardíaca,
por exemplo, os betabloqueadores, o que pode falsear esse
controle. Além disso, utilizar os batimentos cardíacos como
parâmetro dificulta a orientação da atividade, portanto,
para classificar a intensidade do exercício físico, podemos
utilizar a orientação do Questionário Internacional de
Atividade Física (IPAQ), descrita a seguir.

Atividades físicas vigorosas são aquelas que precisam de


um grande esforço físico e que fazem respirar muito
mais forte que o normal.
Atividades físicas moderadas são aquelas que precisam
de algum esforço físico e que fazem respirar um pouco
mais forte que o normal.

Exercício físico resistido

É aquele em que são realizadas contrações musculares


contra resistências. Geralmente as resistências são os
pesos, como halteres, mas podem ser também o peso do
próprio corpo, como nos exercícios isométricos.
A associação do treino resistido com treino aeróbio
mostrou maior redução de risco de complicações de
diabetes mellitus tipo 2 e de doenças cardiovasculares
quando comparado com a apenas atividade aeróbia. Esse
tipo de exercício é o melhor para perda óssea atenuada
devido ao atrito que o músculo gera no osso, estimulando
aumento da densidade mineral óssea, e também pode ser a
intervenção mais eficaz para prevenir a sarcopenia.

Equilíbrio e flexibilidade

São exercícios que enfatizam a amplitude de movimento,


o controle do deslocamento da massa corporal e o
alinhamento postural. Dentre os exercícios de equilíbrio e
flexibilidade, o Tai Chi é o mais bem estudado. Em 2017,
uma revisão sistemática envolvendo mais de 3.800
indivíduos, foi publicada no British Medical Journal (BMJ)
mostrando associação significativa entre a chance de cair
menos nos indivíduos que praticavam o Tai Chi. Além disso,
outros estudos apontam que o Tai Chi pode trazer
benefícios na funcionalidade devido a sua exigência de
dupla tarefa, estimulando assim a função executiva.

CONTRAINDICAÇÕES
Ao contrário do que muitos pensam, as contraindicações
cardiovasculares absolutas para prescrição de atividade
física para idosos não são muitas, conforme apresentado no
Quadro 2.

QUADRO 2 Contraindicações cardiovasculares para prescrição de atividade


física em idosos

Aneurisma de aorta dissecante.


QUADRO 2 Contraindicações cardiovasculares para prescrição de atividade
física em idosos

Estenose aórtica grave.

Insuficiência cardíaca descompensada.

Infarto agudo do miocárdio.

Angina instável.

Tromboembolismo pulmonar agudo.

Taquicardia ventricular.

Miocardite.

Morbidades como estenose aórtica moderada, arritmias


supraventriculares, hipertensão não tratada ou não
controlada, cardiomiopatia hipertrófica e insuficiência
cardíaca compensada são consideradas contraindicações
relativas.

QUANDO RECOMENDAR O TESTE DE ESFORÇO?


O US Prevent Services Task Force refere ser
desnecessário realizar teste de esforço para a maioria das
pessoas que procuram iniciar exercícios leves a moderados,
inclusive aumentando a intensidade de forma adequada e
gradual, posicionando-se contra o teste de esforço de rotina
se o indivíduo apresenta baixo risco de eventos cardíacos.
Na atualização de 2018, especialistas mencionaram que
não há evidências suficientes para concluir os benefícios ou
malefícios de realizar teste de esforço como triagem de
eventos cardiovasculares em adultos assintomáticos em
nível intermediário ou alto risco.
Seguindo as orientações do Colégio Americano de
Medicina do Esporte, podemos prescrever exercícios físicos
conforme o fluxograma adaptado apresentado na Figura 1.

RECOMENDAÇÕES
Para prescrever atividade física para indivíduos acima
de 60 anos, utilizamos as orientações da Organização
Mundial da Saúde (OMS), publicadas no novo Guideline em
2020.
Recomenda-se que idosos realizem ao menos 150-300
minutos por semana de atividade física aeróbica de
intensidade moderada ou 75-150 minutos por semana de
atividade física aeróbica de intensidade vigorosa ou uma
combinação dessas atividades ao longo da semana,
podendo otimizar essas orientações para mais de 300
minutos semanais de atividade aeróbica moderada ou fazer
mais de 150 minutos por semana de atividade aeróbica
vigorosa.
FIGURA 1 Fluxograma adaptado para prescrição de exercícios físicos, segundo
o Colégio Americano de Medicina do Esporte.

Recomenda-se também que idosos realizem atividades


de fortalecimento muscular de moderada intensidade pelo
menos 2 vezes na semana e exercícios que enfatizem o
equilíbrio e o treinamento de força ao menos 3 vezes por
semana.
Em função das eventuais limitações, idealmente o tipo
de atividade deve ser individualizado: por exemplo, um
indivíduo portador de limitações osteoarticulares
importantes de membros inferiores pode se beneficiar mais
de um treino visando ao fortalecimento e ganho de
amplitude nos membros antes de se dedicar a atividades
aeróbias que lhe possam ser desconfortáveis, como
caminhada ou bicicleta. A parceria com profissionais como
fisioterapeutas e educadores físicos ajuda muito nesse
planejamento.
Devemos sempre orientar a redução do tempo de
comportamento sedentário, pois ele aumenta a mortalidade
por todas as causas. Assim, mesmo quando as metas acima
não são atingidas, deve-se encorajar diminuir o máximo
possível desse comportamento.
Um programa que vem ganhando espaço para auxiliar a
prescrição de atividade física para idosos é o ViviFrail,
idealizado na Europa com o intuito de melhorar a
capacidade funcional da população idosa. Trata-se de uma
cartilha para que profissionais de saúde possam orientar
exercícios do tipo multicomponentes para indivíduos acima
de 60 anos. É possível acessá-lo por meio do site oficial
https://vivifrail.com/, que disponibiliza todo o material para
selecionar o tipo de exercício mais adequado para cada
paciente mediante simples testes funcionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o envelhecimento da população mundial, medidas
para garantir a funcionalidade e a qualidade de vida desses
indivíduos são necessárias. A melhor maneira de atingir
esse objetivo é manter-se ativo.
Vários são os benefícios da atividade física regular, como
controle de dor, sintomas de ansiedade, depressão e
distúrbios do sono; redução de quedas, fraturas, risco de
declínio cognitivo e de doenças oncológicas; além de
diminuir a mortalidade por todas as causas.
Programas de incentivo à atividade física e de redução
do comportamento sedentário são necessários, assim como
seu estímulo por intermédio dos profissionais de saúde.

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SEÇÃO II

Doenças cardiovasculares nos idosos


Hipertensão arterial no indivíduo idoso e muito 9
idoso

Fernando Nobre
Décio Mion Júnior

INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é o maior fator de
risco para doença vascular aterosclerótica e para quase
todas as outras manifestações de doenças cardiovasculares
(DCV), aumentando de modo contínuo e gradual a chance
de mortalidade, doença arterial coronariana (DAC),
insuficiência cardíaca (IC), hipertrofia ventricular esquerda
(HVE), fibrilação atrial (FA), acidente vascular encefálico
(AVE), doença arterial periférica (DAP) e doença renal
crônica (DRC), como expresso na Figura 1.
FIGURA 1 Risco relativo para as principais e possíveis manifestações da
hipertensão arterial sistêmica.
AVE: acidente vascular encefálico; DAC: doença arterial coronariana; DAP:
doença arterial periférica; DRC: doença renal crônica; IAM: infarto agudo do
miocárdio; IC: insuficiência cardíaca.

Por ser de alta prevalência na população, a HAS assume


impacto ainda maior, e seu diagnóstico, tratamento e
controle são objetivos a serem alcançados, a bem da
melhor evolução das pessoas portadoras da doença.

CONCEITOS
A classificação de hipertensão arterial em pacientes
idosos e muito idosos deve obedecer aos mesmos critérios
adotados na população adulta em geral (Tabela 1).

EPIDEMIOLOGIA
As populações idosas estão em franco crescimento em
todo o mundo, e o Brasil não é uma exceção. A Figura 2
exibe a distribuição da população brasileira por faixa etária
em 2016 e a projeção entre 2000 e 2035 em todo o planeta.
Assim, há uma conjunção de dois fatores comuns na
população: hipertensão arterial e indivíduos idosos,
tornando a HAS um tema recorrente entre os idosos.

FISIOPATOLOGIA
A manutenção da pressão arterial (PA) é resultado do
débito cardíaco (DC) e da resistência vascular periférica
(RVP).

TABELA 1 Classificação da pressão arterial em indivíduos adultos

Classificação PAS (mmHg) PAD (mmHg)

Normal ≤ 120 ≤ 80

Pré-hipertensão 121-139 81-89

Hipertensão estágio 1 140-159 90-99

Hipertensão estágio 2 160-179 100-109

Hipertensão estágio 3 ≥ 180 ≥ 110

PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.


Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser
utilizada para classificação da pressão arterial. Considera-se hipertensão
sistólica isolada se PAS ≥ 140 mmHg e PAD ≤ 90 mmHg, devendo ser também
classificada em estágios 1, 2 ou 3.
FIGURA 2 Distribuição da população brasileira por faixa etária em 2016
(acima) e projeção entre 2000 e 2035 da população mundial segundo as idades.
DC: débito cardíaco; FC: frequência cardíaca; PA: pressão arterial; RVS:
resistência vascular sistêmica; VS: volume sistólico.

Em idosos há aumento da RVP, acarretando que a


fisiopatologia da HAS esteja fundamentada particularmente
nessa variável.
A onda de pulso é a composição da forma criada pela
contração ventricular e a reflexão dessa mesma onda. Se a
elasticidade das artérias estiver normal, essa reflexão
ocorrerá durante a diástole. Porém, nos casos de
enrijecimento arterial a reflexão ocorrerá mais
rapidamente, somando-se ao novo componente sistólico
gerado, o que aumenta a pressão arterial sistólica (PAS).
Esse é o mecanismo pelo qual a PAS estará
sistematicamente elevada em idosos. Esse fenômeno é
definido como Augmentation Index, sem uma tradução
apropriada e usual em português, definido como a
diferença entre o segundo (P2) e o primeiro (P1) pico
sistólico (Figura 3).
Em pacientes idosos é frequentemente observado
aumento da PAS, pelas razões acima expostas, diminuição
da PAD e, por conseguinte, diminuição do fluxo coronariano
(lembrando que o enchimento das coronárias ocorre
durante a diástole), fato que pode ter importância clínica
especialmente nos pacientes com doença arterial
coronariana. Geralmente também é observado aumento da
espessura do miocárdio ventricular esquerdo, com redução
da distensibilidade dessa câmara e, portanto, déficit do
relaxamento do mecanismo responsável pela alta
prevalência de IC com fração de ejeção preservada
(ICFEP).
Além das adaptações circulatórias nos idosos, é
observado com frequência aumento do átrio esquerdo (AE),
responsabilizado pela ocorrência comum de fibrilação atrial
nesses indivíduos. A pressão de pulso – PP (diferença entre
PAS e PAD) – é importante marcador de risco para DAC,
determinado sobretudo pela perfusão coronariana reduzida
e pela redução acentuada da PAD (Figura 4).

DIAGNÓSTICO
Com o advento da monitorização ambulatorial da
pressão arterial (MAPA), permitindo o registro da PA fora
do consultório, foi possível definir quatro padrões de
comportamento dessa variável (Figura 5):

Hipertensão.
Normotensão.
Hipertensão do avental branco (HAB).
Hipertensão mascarada (HM).
FIGURA 3 Fisiopatologia da elevação da pressão arterial sistólica no paciente
idoso, concorrendo para o aparecimento da hipertensão sistólica isolada comum
nesses indivíduos.

FIGURA 4 Chance de doença arterial coronariana por nível de pressão de


pulso. PAS: pressão arterial sistólica.
FIGURA 5 Diversos comportamentos da pressão arterial: hipertensão,
normotensão, hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada. *
Normotensão do avental branco. ** PA na vigília.
MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial.

Hipertensão do avental branco

É a condição clínica em que a PA tem comportamento


anormal no consultório (com valores sistematicamente ≥
140 × 90 mmHg), com média das medidas de PA na vigília
pela MAPA ≤ 135 × 85 mmHg. Em geral, a prevalência é
alta, entre 30-40%, podendo ser maior em pessoas de idade
muito avançada e aumentando com a idade, mais comum
em mulheres e em não fumantes.
Lesões em órgãos-alvo são menos frequentes do que em
pacientes com hipertensão. Entretanto, há maior atividade
simpática, maior probabilidade de desenvolverem HVE e,
também, maior probabilidade de aparecimento de
hipertensão no médio prazo.
Assim, pacientes com HAB parecem não ter uma
evolução tão inocente quanto se supunha e necessitam de
seguimento periódico com indicação para realização de
MAPA ou monitorização residencial da pressão arterial
(MRPA), com intervalos entre 1-2 anos. É consensual na
literatura que esses pacientes, além do seguimento, devem
receber suporte terapêutico representado por modificações
de estilo de vida ou tratamento não medicamentoso.
Como HAB é mais comum nos indivíduos idosos, esse
diagnóstico deve fazer parte da avaliação dessa população
em especial.

Hipertensão mascarada

Hipertensão mascarada é a condição clínica na qual a PA


tem comportamento normal no consultório (com valores
sistematicamente < 140 × 90 mmHg), com média das
medidas de PA na vigília pela MAPA ≥ 135 × 85 mmHg.
A prevalência da HM é variável segundo diversos
estudos de prevalência, porém está entre 10-17% em
estudos de base populacional.
Vários fatores podem elevar a PA fora do consultório em
relação à àquela nele obtida, como idade jovem, sexo
masculino, tabagismo, consumo de álcool, atividade física,
hipertensão induzida pelo exercício, ansiedade, estresse,
obesidade, diabetes mellitus, doença renal crônica e
história familiar de hipertensão arterial sistêmica. A
prevalência é maior quando a PA do consultório está no
estágio 1 (entre 140-159 × 90-99 mmHg). Metanálises de
estudos prospectivos indicam que a incidência de eventos
cardiovasculares é cerca de duas vezes maior na HM do
que na normotensão, sendo comparável com a da
hipertensão arterial sistêmica.
Em diabéticos, está associada a um risco maior de
nefropatia, especialmente quando há elevação da PA
durante o sono.
Embora não haja estudos que demonstrem
inequivocamente benefícios com o tratamento
medicamentoso, parece, pelo risco imposto por essa
condição, que devam receber tratamento com
medicamentos. Nesse caso, o controle da PA deverá ser
feito por meio da MAPA ou MRPA.
Os diversos comportamentos da PA identificados pela
MAPA e medidas de consultório têm prognósticos
diferentes, como expresso na Figura 6.
FIGURA 6 Valor prognóstico de cada um dos diversos comportamentos da
pressão arterial ou maior ou igual a 130 x 80 mmHg pela MRPA.

Medida casual

A medida da PA é o modo comumente empregado para


fazer o diagnóstico de HAS no consultório. Embora o
emprego de MAPA/MRPA tenha oferecido benefícios claros
para o estabelecimento dos diversos comportamentos
identificando, além da hipertensão, outras formas como
HAB e HM, a medida de consultório tem sido o padrão para
caracterização do diagnóstico. Para tanto, medir a PA
dentro das normas ideais é absolutamente necessário,
devendo ser medida em toda avaliação por médicos de
qualquer especialidade e demais profissionais da saúde
devidamente capacitados.
Recomenda-se pelo menos a medição da PA a cada 2
anos para adultos com PA ≤ 120/80 mmHg e anualmente
para aqueles > 120/80 mmHg, porém < 140/90 mmHg. A
medida da PA pode ser feita com esfigmomanômetros
manuais, semiautomáticos ou automáticos. Esses
equipamentos devem ser validados e calibrados
regularmente, pelo menos a cada 6 meses ou se houver
sugestão de descalibração. A PA deve ser medida no braço,
devendo-se utilizar manguito adequado à sua
circunferência, além da atenção com outros cuidados, como
estabelecido na (Figura 7).
Hipotensão ortostática deve ser suspeitada em pacientes
diabéticos, disautonômicos e naqueles em uso de
medicação anti-hipertensiva. Especial cuidado nos
pacientes idosos, nos quais a PA deve ser obrigatoriamente
obtida na posição de pé, após, pelo menos, 3 minutos nessa
posição, em todas as avaliações. Hipotensão ortostática é
definida como a redução da PAS ≥ 20 mmHg ou da PAD ≥
10 mmHg.
FIGURA 7 Recomendações para a medida da pressão arterial em consultório.

Medida pela monitorização ambulatorial da pressão arterial


(MAPA)

A MAPA é o método que permite a obtenção de medidas


automáticas da PA durante 24 horas ou mais enquanto o
paciente realiza suas atividades usuais (Figura 8).
Está indicada nas situações definidas no Quadro 1.
Utilizando-se as medidas de consultório, o paciente
deverá ser considerado hipertenso se realizadas pelo
menos duas medidas em duas diferentes ocasiões e a média
delas for ≥ 140/90 mmHg. Igualmente será portador de
HAS se as medidas obtidas pela MAPA nas 24 horas forem
≥ 130/80 mmHg e igualmente se as médias pela MRPA
forem, também, ≥ 130 × 80 mmHg. Considerando as
medidas de consultório e MAPA, deve-se adotar como
valores anormais os expressos na Tabela 2.
A Diretriz Brasileira de Hipertensão VIII estabeleceu um
fluxograma para o diagnóstico dos diversos
comportamentos da pressão arterial, com vistas a
orientações e tratamento (Figura 9).

FIGURA 8 Registro de pressões arteriais durante 24 horas pela monitorização


ambulatorial da pressão arterial.

QUADRO 1 Principais indicações para a monitorização ambulatorial da


pressão arterial

Suspeita de hipertensão do avental branco:


Hipertensão arterial estágio 1 no consultório.
PA alta no consultório em indivíduos assintomáticos sem LOA e com baixo
risco cardiovascular total.
QUADRO 1 Principais indicações para a monitorização ambulatorial da
pressão arterial

Suspeita de hipertensão mascarada:


PA entre 130/85 e 139/89 mmHg no consultório.
PA < 140/90 mmHg no consultório em indivíduos assintomáticos com LOA
ou com alto risco cardiovascular total.

Identificação do efeito do avental branco em hipertensos.

Grande variação da PA no consultório na mesma consulta ou em consultas


diferentes.

Hipotensão postural, pós-prandial, na sesta ou induzida por fármacos.

PA elevada de consultório ou suspeita de pré-eclâmpsia em mulheres grávidas.

Confirmação de hipertensão resistente.

LOA: lesão de órgão-alvo; PA: pressão arterial.

Feito o diagnóstico, as condutas para o tratamento


devem ser adotadas, mas será necessário que o paciente
tenha seu risco cardiovascular calculado, pois pacientes
com o mesmo nível de PA podem ter riscos diferentes
segundo a presença de fatores de risco, lesões de órgãos-
alvo e/ou doenças associadas. Deve-se utilizar a tabela de
estratificação do risco seguindo o que está expresso no
Quadro 2.

TABELA 2 Valores considerados anormais para PAS e PAD nas medidas de


consultório e monitorização ambulatorial da pressão arterial

Categoria PAS (mmHg) PAD (mmHg)

Consultório ≥ 140 e/ou ≥ 90

MAPA

Vigília ≥ 135 e/ou ≥ 85

Sono ≥ 120 e/ou ≥ 70


TABELA 2 Valores considerados anormais para PAS e PAD nas medidas de
consultório e monitorização ambulatorial da pressão arterial

24 horas ≥ 130 e/ou ≥ 80

MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; PAD: pressão arterial


diastólica; PAS: pressão arterial sistólica. Com relação à MRPA, valores ≥ 130 ×
80 mmHg devem ser considerados anormais.

FIGURA 9 Diagnóstico dos vários tipos de comportamento da pressão arterial.


PA: pressão arterial; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial;
MRPA: monitorização residencial da pressão arterial; PAS: pressão arterial
sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.

TRATAMENTO
O tratamento da HAS tem por objetivo reduzir a
morbidade e a mortalidade impostas pela doença em
qualquer idade, incluindo idosos e muito idosos.
Qualquer medicamento que reduza a PA para valores
desejáveis às condições daquele paciente (Quadro 3) pode
ser empregado para o tratamento, considerando,
entretanto, que em certos casos haverá benefícios especiais
com algumas classes específicas de medicamentos, como
antagonistas de canais de cálcio e diuréticos tiazídicos em
baixas doses em idosos, fármacos que bloqueiam o sistema
renina-angiotensina em pacientes com diabetes ou
insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. A
maioria das diretrizes faz referências a essas indicações
preferenciais. Para o início do tratamento medicamentoso e
para a instituição de medidas não medicamentosas ou de
mudanças de estilo de vida, devem ser seguidas as
orientações expressas no Quadro 4.
Sem prejuízo das orientações para mudanças de estilo
de vida que devem ser fornecidas e mantidas em todos os
níveis de alterações da PA, o tratamento medicamentoso
deverá ser instituído segundo as orientações expressas na
Figura 10.

CONTROLE, ACOMPANHAMENTO E METAS


Há uma discussão sustentada há algumas décadas sobre
o que se denomina “curva em J”, que expressa uma
redução de eventos com a redução da PA, até que, a partir
de determinado valor, começa a haver aumento da
morbidade. Esse aspecto foi muito estudado, e o estudo
Invest demonstrou com clareza esse achado (Figura 11).
QUADRO 2 Estratificação do risco de acordo com os níveis de pressão
arterial e presença de fatores de risco adicionais, lesões em órgãos-alvo,
doenças cardiovascular ou renal presentes

PAS 130-139 HAS estágio HAS estágio HAS estágio


ou PAD 85- 1 PAS 140- 2 PAS 160- 3 PAS ≥ 180
89 159 ou PAD 179 ou PAD ou PAD 1 ≥
90-99 100-109 110

Sem fator de Sem risco Risco baixo Risco Risco alto


risco adicional moderado

1-2 fatores Risco baixo Risco Risco alto Risco alto


de risco moderado

≥ 3 fatores Risco Risco alto Risco alto Risco alto


de risco moderado

Presença de Risco alto Risco alto Risco alto Risco alto


LOA, DCV,
DRC ou DM

DCV: doença cardiovascular; DM: diabetes mellitus; DRC: doença renal crônica;
HAS: hipertensão arterial sistêmica; LOA: lesão em órgão-alvo; PAD: pressão
arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

QUADRO 3 Metas ideais a serem atingidas para pacientes com


características peculiares definidas após a estratificação de risco

Categoria Meta Classe Níveis de


recomendada evidência

Hipertensão estágios 1 e 2, < 140/90 I A


com risco CV baixo e mmHg
moderado e HA estágio 3

Hipertensão estágios 1 e 2 < 130/80 I A**


com risco CV alto mmHg*

CV: cardiovascular; HA: hipertensão arterial.


* Para pacientes com doenças coronarianas, a PA não deve ficar < 120/70
mmHg, particularmente com a diastólica abaixo de 60 mmHg, pelo risco de
hipoperfusão coronariana, lesão miocárdica e eventos cardiovasculares.
** Para diabéticos, a causa de recomendação é IIB, nível de evidência.
QUADRO 4 Indicações para o início do tratamento anti-hipertensivo:
recomendações e intervenções no estilo de vida e emprego de medicamentos

Situação Abrangência (medida casual) Recomendação

Início de Todos os estágios de hipertensão e PA Ao diagnóstico


intervenções no 135-139/85-89 mmHg
estilo de vida

Hipertensos estágios 2 e 3 Ao diagnóstico

Hipertensos estágio 1 e alto risco CV Ao diagnóstico

Hipertensos idosos com idade até 79 PAS ≥ 140 mmHg


anos

Hipertensos idosos com idade ≥ 80 PAS ≥ 160 mmHg


anos

Início da terapia Hipertensos estágio 1 e risco CV Aguardar 3-6


medicamentosa moderado ou baixo meses pelo efeito
de intervenções
no estilo de vida

Indivíduos com PA 130-139/85-89 Ao diagnóstico


mmHg sem DCV preexistente ou alto
risco CV

Indivíduos com PA 130-139/85-89 Não recomendado


mmHg sem DCV preexistente e risco
CV baixo ou moderado

CV: cardiovascular; DCV: doença cardiovascular; PA: pressão arterial; PAS:


pressão arterial sistólica.
FIGURA 10 Risco relativo para as principais e possíveis manifestações da
hipertensão arterial sistêmica.
AVE: acidente vascular encefálico; DAC: doença arterial coronariana; DAP:
doença arterial periférica; DRC: doença renal crônica; IAM: infarto agudo do
miocárdio; IC: insuficiência cardíaca.
FIGURA 11 Risco de eventos por idade e pressão arterial.

O estudo Sprint avaliou os benefícios de uma redução


mais intensiva da PAS (< 120 mmHg) versus um nível
convencionalmente aceito, com PAS < 140 mmHg. Os
desfechos primários avaliados nos dois grupos com
diferentes metas de controle eram: infarto agudo do
miocárdio (IAM), outras síndromes coronarianas, AVE, IC
ou morte por causas cardiovasculares.
As conclusões do Sprint indicaram que, em pacientes de
alto risco cardiovascular, não diabéticos, a meta de PAS <
120 mmHg comparada com PAS < 140 mmHg resultou em
menores taxas de eventos cardiovasculares fatais e não
fatais, morte por qualquer causa, apesar de taxas mais
altas de eventos adversos no grupo de tratamento mais
intensivo (PAS < 120 mmHg).
Assim, ainda restam dúvidas se o controle mais
intensivo, como proposto nesse estudo, apesar dos
benefícios de redução de eventos, seria recomendado
amplamente considerando a ocorrência de eventos
adversos, alguns deles graves. As Diretrizes Europeias de
Hipertensão recomendam metas a serem atingidas no
tratamento dos pacientes idosos como expresso no Quadro
5.
Em indivíduos idosos e muito idosos há natural
tendência de elevação da PAS com redução da pressão
arterial diastólica. Em função dessa fisiopatologia comum a
essa população, há uma acentuação da pressão de pulso,
importante marcador de risco.

TRATAMENTO DA HAS NOS PACIENTES MUITO IDOSOS


(≥ 80 ANOS)
Os indivíduos muito idosos, com 80 anos ou mais, no
estudo Treatment of hypertension in patients 80 years of
age or older – Hyvet (Beckett et al.), foram avaliados com o
objetivo de saber se o tratamento anti-hipertensivo poderia
reduzir o risco de AVE. Eles foram tratados com
indapamida com a possível associação de perindopril para
que a meta de PA de 150 × 80 mmHg fosse atingida ×
placebo.
Após 2 anos de acompanhamento, o grupo de
tratamento ativo exibiu uma redução de 15/6,1 maior que o
placebo, tendo havido 30% de redução da taxa de AVE fatal
ou não; 39% a menos de mortes por doença
cerebrovascular; 21% de redução de mortes por todas as
causas e, o mais surpreendente, 64% de diminuição de IC.

QUADRO 5 Objetivos e metas a serem atingidos com o tratamento anti-


hipertensivo em pacientes idosos segundo as Diretrizes Europeias de
Hipertensão
QUADRO 5 Objetivos e metas a serem atingidos com o tratamento anti-
hipertensivo em pacientes idosos segundo as Diretrizes Europeias de
Hipertensão

1. Idosos com PAS ≥ 160 mmHg: há sólidas evidências para reduzir a PAS
entre 140-150 mmHg.
2. Em idosos (porém < 80 anos) com bom estado de saúde, pode ser
considerada PAS < 140 mmHg, se bem tolerada.
3. Em muito idosos saudáveis (> 80 anos) com PAS inicial ≥ 160 mmHg, é
recomendado nível entre 140-150 mmHg.
4. Em pacientes idosos frágeis, é recomendado monitorar o tratamento de
conformidade com as comorbidades presentes e os efeitos adversos do
tratamento anti-hipertensivo.
5. A tolerabilidade ao tratamento deverá ser sempre bem avaliada.
6. Todos os medicamentos anti-hipertensivos podem ser utilizados em idosos,
apesar de diuréticos e antagonistas dos canais de cálcio serem preferíveis.

PAS: pressão arterial sistólica.

Os autores concluem que os resultados evidenciam que


o tratamento anti-hipertensivo com indapamida com ou
sem perindopril em pessoas com idades ≥ 80 anos de idade
é benéfico estimando-se os benefícios obtidos no presente
estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
HAS é uma doença comum na população em geral e em
particular nos idosos, tendo grande impacto na saúde
cardiovascular.
Os pacientes idosos estão aumentando em todo o
mundo, inclusive no Brasil. Assim, a associação das duas
condições torna-se relevante, e é preciso estar atento para
o diagnóstico das alterações de PA nessa população
especial de pessoas.
Esse grupo de indivíduos tem fisiopatologia peculiar,
com elevação da PA fundamentalmente devida à elevação
da RVP, apresentando-se frequentemente com PAS elevada
e manutenção, ou mesmo redução, da PAD, com
consequente aumento da pressão de pulso, um importante
marcador de risco cardiovascular.
O diagnóstico deve ser cuidadosamente conduzido,
sobretudo para que seja definido a quais grupos de
comportamento esses pacientes pertencem: normotensão,
hipertensão do avental branco, hipertensão mascarada e
hipertensão arterial sistêmica.
O tratamento deve seguir as orientações das principais
diretrizes, em busca de metas de controle que se
correlacionem com o melhor prognóstico, devendo ser
aplicado de forma racional e cuidadosa tanto aos idosos e
mesmo nos muito idosos com idades ≥ 80 anos.
Como de resto em toda medicina, deve-se individualizar
as condutas e buscar o tratamento do idoso com HAS e não
a hipertensão arterial sistêmica do idoso.

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10 Diabetes mellitus

Marcelo Valente

INTRODUÇÃO
O diabetes é uma doença de elevada prevalência na
população idosa. Estima-se que nos EUA aproximadamente
50% das pessoas com idade maior ou igual a 65 anos tenha
pré-diabetes e 25% da população idosa tenha diabetes. No
Brasil, a prevalência de diabetes entre adultos na faixa
etária de 20 a 79 anos era de 10,5% em 2021.
Considerando apenas idosos com idade maior ou igual a 65
anos, a prevalência atingia 19% em 2019.
Idosos com diabetes têm elevadas taxas de perda de
capacidade funcional, multimorbidades e mortes
prematuras quando comparados a idosos sem diabetes.
Além disso, apresentam maior risco de adquirir síndromes
geriátricas, como demência, fragilidade, queda e
polifarmácia, que terão impacto direto no cuidado com o
diabetes.

PARTICULARIDADES DO DIABETES NO IDOSO


É importante ressaltar que fatores de risco como
história familiar de diabetes, alimentação inadequada,
diminuição da atividade física e polifarmácia estão mais
presentes nessa faixa da população. É comum o paciente
idoso ingerir uma proporção maior de carboidratos
complexos e simples, além de gordura saturada e uma
proporção menor de proteínas e fibras. Entre os principais
motivos para esse fato, estão o menor custo e a maior
facilidade para conservação, preparo e consumo dos
carboidratos, a dificuldade na mastigação das proteínas e a
anorexia relacionada ao envelhecimento. A diminuição da
atividade física está relacionada principalmente à
fragilidade e à sarcopenia, a outras comorbidades que
provocam dor ou dificultam a mobilidade (osteoartrite,
doença de Parkinson) e ao medo de sofrer quedas. Entre as
classes de medicamentos utilizados pelos idosos que
interferem nos níveis glicêmicos, podemos citar diuréticos,
estatinas, corticoides e antipsicóticos.
Com relação aos fatores intrínsecos que elevam a
prevalência do diabetes entre os idosos, há
particularidades relacionadas tanto à diminuição da
secreção quanto ao aumento da resistência insulínica.
Sabe-se que o depósito amiloide presente no pâncreas do
idoso com diabetes, assim como a diminuição da secreção
de amilina, contribuem para a diminuição da primeira fase
de secreção da insulina. Com isso, os níveis de glicemia
pós-prandial são mais elevados no idoso. Na prática pode
ocorrer um aumento de 5,6 a 6,6 mg/dL/década na glicemia
pós-prandial. Outros potenciais mecanismos seriam:
diminuição da massa de células beta e diminuição da
sensibilidade da célula beta às incretinas produzidas pelo
intestino (GLP-1 e GIP).
Já o aumento da resistência insulínica tem como
mecanismos principais a diminuição da massa muscular e o
aumento da gordura visceral, reduzindo a captação de
glicose pelos tecidos periféricos. Outros mecanismos
propostos seriam: diminuição da quantidade de
transportador de glicose 4 (GLUT-4) no músculo e
diminuição dos níveis séricos de fator de crescimento
semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). A produção hepática
de glicose é normal no idoso com diabetes, ao contrário do
jovem, portanto a liberação hepática de insulina não é
aumentada. Na prática clínica isso se reflete com níveis de
glicemia de jejum apenas levemente elevados, podendo
ocorrer aumento de 0,7 a 1,1 mg/dL/década.
Os hormônios contrarreguladores, ou seja, aqueles
liberados na vigência de uma hipoglicemia para proteção
do indivíduo, também sofrem alterações com o
envelhecimento. Idosos diabéticos apresentam menor
liberação do glucagon em resposta a uma hipoglicemia.
Quando a hipoglicemia se prolonga, também ocorre menor
liberação de hormônio do crescimento (GH).
Na prática, a hipoglicemia pode ser mais difícil de ser
reconhecida no idoso, pois os sintomas neuroautonômicos
(tremor, palpitação, sudorese) ocorrem em níveis mais
baixos de glicemia e os sintomas neuroglicopênicos
(confusão mental, convulsão, dificuldade na fala) ocorrem
em níveis mais altos quando comparado ao jovem. Além
disso, pode ser confundida com outras condições
frequentes como labirintopatia periférica, ataque isquêmico
transitório, distúrbios visuais. No idoso com demência a
hipoglicemia pode se apresentar como distúrbio de
comportamento, como agitação ou apatia.
METAS DE CONTROLE DO DIABETES NO IDOSO
O estabelecimento da meta ideal de controle do
diabetes, por meio da hemoglobina glicada, depende da
realização de uma avaliação geriátrica ampla para que o
idoso possa ser categorizado. A diretriz recente da
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) além do parâmetro
da hemoglobina glicada, traz como novidade a inclusão de
metas para idosos em monitorização contínua de glicose
(CGM). Parâmetros como o tempo no alvo (TIR – time in
range) e o tempo em hipoglicemia podem ser utilizados
(Tabela 1). A International Diabetes Federation (IDF)
estabelece suas metas após classificar o paciente idoso em
categorias funcionais (Quadro 1). A American Diabetes
Association (ADA), em parceria com a American Geriatric
Society (AGS), de maneira semelhante, categoriza os idosos
para estabelecer suas metas de controle (Quadro 2).

ABORDAGEM TERAPÊUTICA NÃO FARMACOLÓGICA


Modificações no estilo de vida fazem parte do
tratamento do diabetes no idoso, assim como no jovem. A
orientação alimentar do idoso segue os princípios básicos
estabelecidos para o indivíduo com diabetes sem
complicações. É importante ajustar as calorias da dieta de
acordo com o peso do paciente. Nos pacientes com
sarcopenia, atenção especial deve ser dada à ingesta
proteica. A recomendação é estimular o consumo de 1,2 a
1,5 g de proteína/kg/dia, desde que a função renal permita.
Para os hipertensos a recomendação é limitar a ingesta de
sal a 6 g/dia e, para aqueles que apresentam
hipercolesterolemia, o consumo de gordura saturada deve
ser menor do que 7% da quantidade inicialmente proposta.
O exercício físico é fundamental como intervenção
terapêutica não farmacológica para o controle do diabetes.
A prescrição do exercício deve ser guiada pelas condições
do paciente. Deve-se levar em conta as limitações físicas,
habilidades, preferências e a presença de outras condições
associadas ao diabetes. É importante realizar uma
avaliação cardiológica antes de iniciar um programa de
exercícios físicos. O ideal é a prescrição de exercícios
combinados, incluindo aeróbicos e resistidos.

TABELA 1 Metas de tratamento, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes

Pacientes Idoso Idoso Idoso muito


DM1 ou saudável* comprometido* comprometido*
DM2

HbA1c % <7 < 7,5 < 8,5 Evitar sintomas


de hiper ou
hipoglicemia

Glicemia de 8-130 80-130 90-150 100-180


jejum pré e
pós-
prandial

Glicemia 2 < 180 < 180 < 180 –


horas pós-
prandial

Glicemia ao 90-150 90-150 100-180 110-200


deitar

TIR 70-180 > 70% > 70% > 50% –


mg/dL

T Hipog < < 4% < 4% < 1% 0


70 mg/dL

T Hipog < < 1% < 1% 0 0


54 mg/dL

Classificação do estado clínico do idoso


TABELA 1 Metas de tratamento, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes

Saudável Comprometido Muito comprometido

Poucas comorbidades Múltiplas Doença terminal.**


crônicas. comorbidades Comprometimento
Estado funcional crônicas.* funcional grave. ● ●
preservado. Comprometimento Comprometimento
Estado cognitivo funcional leve a cognitivo leve.
preservado. moderado.●
Comprometimento
cognitivo
moderado.

* As comorbidades crônicas consideradas incluem: câncer, artrite


reumatoide, insuficiência cardíaca congestiva, depressão grave, enfisema,
doença de Parkinson, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral,
insuficiência renal crônica classe III ou pior.
** Câncer metastático, ICC CF III-IV, DPOC em oxigenoterapia, IRC em diálise.

Comprometimento de 2 ou mais AIVD.
●●
Comprometimento de 2 ou mais ABVD.
ABVD: atividades básicas de vida diária; AIVD: atividades instrumentais de
vida diária; AR: artrite reumatoide; AVC: acidente vascular cerebral; DRC Est
< 3: doença renal crônica a partir do estágio 3; IAM: infarto agudo do
miocárdio; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; DPOC: doença pulmonar
obstrutiva crônica; DRC: doença renal crônica; DM1: diabetes mellitus tipo 1;
DM2: diabetes mellitus tipo 2; HbA1c: hemoglobina glicada; T Hipog: tempo
em hipoglicemia; TIR: time in range
Fonte: adaptada de SBD (2022).

QUADRO 1 Metas de tratamento − International Diabetes Federation (IDF)

Categoria funcional Meta de HbA1C (%)

1. Independente 7-7,5%
(independente, sem prejuízo nas AVD e sem auxílio
de cuidadores)

2. Dependente 7-8%
(indivíduos com prejuízo nas AVD, auxílio de
cuidadores e risco de institucionalização)
QUADRO 1 Metas de tratamento − International Diabetes Federation (IDF)

2a. Fragilidade Até 8,5%


2b. Demência

3. Cuidados paliativos Evitar hiperglicemia


(indivíduos com doenças sistêmica grave ou sintomática
maligna, com expectativa de vida < 1 ano)

AVD: atividades de vida diária.


Fonte: adaptado de IDF (2013).

QUADRO 2 Metas de tratamento − American Diabetes Association


(ADA)/American Geriatrics Society (AGS)

Característica do Metas de Metas de PA Dislipidemia


paciente/estado de saúde HbA1c (mmHg)

Saudável/bom < 7,5% < 140/80 Usar estatina


(poucas doenças crônicas
coexistentes, cognição e
funcionalidade preservadas)

Complexo/intermediário < 8% < 140/80 Usar estatina


(múltiplas doenças crônicas
coexistentes, ≥ 3 ou prejuízo
de 2+ AIVD, ou prejuízo
cognitivo leve a moderado)

Muito complexo/ruim < 8,5% < 150/90 Considerar o


(institucionalizados ou uso de
doenças crônicas em estágio estatina na
final, ou dependência de 2+ prevenção
ABVD, ou prejuízo cognitivo secundária
moderado a grave)

ABVD: atividade básica de vida diária; AIVD: atividade instrumental de vida


diária; HbA1c: hemoglobina glicada; PA: pressão arterial.
Fonte: adaptado de ADA (2019).

ABORDAGEM TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA


A escolha do esquema terapêutico farmacológico para
controle do diabetes no paciente idoso é um grande
desafio. O sucesso dessa escolha passa pela montagem de
um complexo quebra-cabeças, devendo o médico
considerar diversos fatores e, com base nesses dados,
construir o perfil do paciente e avaliar a classe de
medicamento que mais se encaixa para aquele perfil. A
SBD atualizou sua diretriz em 2022 propondo dois
algoritmos para tratamento do diabetes tipo 2. O primeiro
algoritmo para o paciente sem complicações
cardiovasculares ou renais (Figura 1), e o segundo para o
paciente com doença cardiovascular aterosclerótica (Figura
2).
A seguir, são comentadas, resumidamente, as
particularidades de cada classe de medicamento utilizada
para tratamento do diabetes no idoso.

Biguanidas

A metformina, única representante dessa classe, é um


medicamento de primeira linha no tratamento do diabetes
no idoso. Tem como principal mecanismo de ação diminuir
a produção hepática de glicose e como mecanismos
secundários melhorar a captação muscular e diminuir a
absorção intestinal de glicose. É um medicamento que tem
ótima relação custo-benefício. Tem baixo custo, boa
potência para redução da hemoglobina glicada e segurança
cardiovascular demonstrada pelo estudo UKPDS. Apresenta
como efeitos adversos principais: náusea, epigastralgia,
diarreia e distensão abdominal.
A apresentação XR reduz a chance de ocorrência de
efeitos adversos. O medicamento não deve ser utilizado
quando o clearance de creatinina (CLCr) estiver abaixo de
30 mL/minuto, e deve ter sua dose corrigida em pacientes
com CLCr abaixo de 60 mL/minuto.

FIGURA 1 Diabetes mellitus 2 sem complicações cardiovasculares ou renais.

FIGURA 2 Diabetes mellitus 2 com doença cardiovascular aterosclerótica.


Alguns aspectos de interesse para o idoso devem ser
mencionados: o medicamento não deve ser utilizado em
pacientes com insuficiência cardíaca descompensada e
deve ser suspenso temporariamente naqueles pacientes
que serão submetidos a exames contrastados devido ao
risco de acidose lática. Deve-se monitorizar a vitamina B12,
já que o medicamento diminui sua absorção, e ter cuidado
ao prescrevê-lo para o paciente frágil com perda de peso.
Por outro lado, a metformina pode melhorar o perfil
lipídico, reduzir esteatose hepática e tem baixo risco de
causar hipoglicemia.

Sulfonilureias

As sulfonilureias têm como principal mecanismo de ação


aumentar a produção endógena de insulina pela célula
beta, com duração de ação de média a prolongada.
Sulfonilureias de ação prolongada como a clorpropamida e
a glibenclamida devem ser evitadas no idoso pelo maior
risco de hipoglicemia. Deve-se dar preferência para a
prescrição da gliclazida ou glipizida. É uma classe que tem
bom potencial para redução da hemoglobina glicada, com
baixo custo, porém com elevado risco para hipoglicemias.
A glibenclamida pode piorar o recondicionamento
cardíaco pós-isquêmico, porém o estudo Advance
demonstrou efeito neutro da gliclazida para eventos
cardiovasculares. Essa classe de medicamento não deve ser
administrada em idosos que apresentem CLCr < 30
mL/minuto.

Glinidas

As glinidas são medicamentos com mecanismo de ação


semelhante ao das sulfonilureias, ou seja, estimulam a
produção endógena de insulina pela célula, porém com
curta duração (1 a 3 horas). Dessa maneira, a principal
utilização é para tratamento das hiperglicemias pós-
prandiais. Tem custo moderado, e a repaglinida tem melhor
potência do que a nateglinida.
São medicamentos que podem piorar o
recondicionamento cardíaco pós-isquêmico. É possível
ocorrer hipoglicemia, porém pode-se omitir a dose caso o
idoso não faça determinada refeição.

Glitazonas

A pioglitazona é o único representante dessa classe,


após a rosiglitazona ter sido retirada do mercado por
aumentar risco de infarto agudo do miocárdio. As
glitazonas têm como mecanismo de ação principal melhorar
a sensibilidade à insulina no músculo e no tecido adiposo
por meio de efeito agonista no receptor ativado por
proliferador de peroxissoma gama (PPAR-gama). Tem
potência e custo moderado e como efeitos adversos
principais pode causar edema de membros inferiores,
anemia dilucional e ganho de peso.
Algumas considerações importantes devem ser feitas
para o uso na população idosa: o medicamento não pode
ser utilizado em pacientes com insuficiência cardíaca e
pode aumentar o risco de fratura periférica em mulheres
pós-menopausa. Por outro lado, pode melhorar a esteatose
hepática e reduzir a espessura médio-intimal carotídea.
Hipoglicemias são raras.

Inibidores da alfaglicosidase

A acarbose é o único representante dessa classe. Seu


mecanismo de ação principal consiste em inibir a enzima
alfaglicosidase, retardando a absorção pós-prandial de
glicose e com isso atenuando a hiperglicemia pós-prandial.
A tolerância desse medicamento entre os idosos é baixa
em razão dos efeitos adversos frequentemente
apresentados, como flatulência, cólicas abdominais,
diarreia e obstipação intestinal.

Inibidores da DPP-4

Os inibidores da dipeptidil petpidase-4 (DPP-4) têm


como mecanismos de ação principal o aumento da vida
média do peptídeo semelhante a glucagon-1 (GLP-1)
endógeno, por meio da inibição da enzima DPP-4, principal
responsável pela degradação do GLP-1. Essa ação depende
do estímulo da glicose. Quando a vida média do GLP-1
aumenta, ocorre estimulação da secreção de insulina pela
célula beta e diminuição da produção de glucagon pela
célula alfa.
Estão disponíveis para uso clínico: vildagliptina,
sitagliptina, alogliptina, saxagliptina, linagliptina e
evogliptina. Esses medicamentos podem ser utilizados em
idosos com insuficiência renal, devendo-se apenas fazer
ajustes na dosagem de cada representante. Exceção se faz
à linagliptina e à evogliptina, que não necessitam de
ajustes.
É uma classe de potência intermediária e custo
moderado. Apresenta baixa incidência de efeitos adversos
para a população idosa. Os principais efeitos adversos são
dor articular, urticária e pancreatite aguda. Pode ser usada
em idosos frágeis, hipoglicemias são raras e tem efeito
neutro no peso.
Os inibidores de DPP-4 têm efeito neutro em eventos
cardiovasculares e mortalidade por doença cardiovascular.
Agonistas dos receptores GLP-1

Os agonistas dos receptores GLP-1 têm múltiplos


mecanismos de ação. Além do aumento da secreção de
insulina e da redução da produção e síntese de glucagon
pelo pâncreas, lentificam o esvaziamento gástrico e
promovem efeito sacietógeno central, com consequente
redução do apetite e perda moderada de peso. Apresenta
bom potencial de redução da hemoglobina glicada, porém
apresenta elevado custo.
O fato de ser injetável faz com que a adesão seja menor
entre os idosos, uma vez que são necessárias habilidades
visual, motora e cognitiva para utilização correta do
medicamento.
Algumas considerações importantes para a utilização
entre os idosos: pacientes com síndrome metabólica
apresentam o perfil ideal para uso, pois, além da perda de
peso, outro efeito interessante é a redução dos níveis da
pressão arterial sistólica. Os estudos de segurança
cardiovascular demonstram perfil favorável, com redução
de eventos e diminuição da mortalidade cardiovascular. A
hipoglicemia é rara, porém efeitos adversos
gastrointestinais, como náusea, vômito e diarreia, podem
limitar o uso em alguns pacientes. Há risco de pancreatite
aguda. Deve ser evitado no idoso com síndrome da
fragilidade e em idosos com CLCr abaixo de 30 mL/minuto.
Estão disponíveis para uso clinico: liraglutida,
dulaglutida, semaglutida, lixisenatida e exenatida. A
dulaglutida e a semaglutida são administradas
semanalmente, enquanto os outros necessitam de aplicação
subcutânea diária. A semaglutida foi o primeiro agonista do
receptor GLP-1 lançado recentemente por via oral.
Inibidores do SGLT-2

Os inibidores do cotransportador de sódio/glicose 2


(SGLT-2) atuam impedindo a reabsorção de sódio e glicose
no túbulo proximal, promovendo glicosúria. Estão
disponíveis para uso clínico: dapaglifozina, empaglifozina e
canaglifozina. Devido a seu mecanismo de ação, alguns
efeitos adversos podem limitar a utilização na população
idosa: aumento da incidência de infecção genital e urinária,
poliúria, desidratação, hipotensão e confusão mental.
Portanto, é uma classe de medicamento que deve ser
evitada no idoso com síndrome da fragilidade.
A canaglifozina foi associada a maior risco de
amputação de membros inferiores e a maior risco de
fraturas. Pode beneficiar idosos com síndrome metabólica
devido aos efeitos de redução do peso e da pressão arterial
sistólica, porém pode ocorrer aumento dos níveis de LDL
colesterol. Não deve ser administrado em idosos com CLCr
abaixo de 30 mL/minuto.
Os estudos sobre segurança demonstram benefícios
tanto na redução de eventos como na mortalidade por
doenças cardiovasculares.

Insulinas

Em razão da dificuldade no manuseio de seringas e


agulhas, do receio de hipoglicemias e dos diversos falsos
conceitos sobre a utilização da insulina, frequentemente os
médicos não prescrevem ou adiam sua utilização entre os
idosos.
Há diversas indicações para utilização de insulina no
paciente idoso. Dentre as principais, estão: pacientes com
emagrecimento rápido, níveis de hemoglobina glicada
acima de 9% ou glicemias acima de 300 mg/dL, doença
renal ou hepática grave, coma hiperosmolar, infecções que
necessitam de hospitalização, internados para
procedimentos cirúrgicos e ineficácia ao tratamento
farmacológico com outros antidiabéticos.
Tem como principais efeitos adversos a hipoglicemia e o
ganho de peso. Apresenta efeito neutro em estudos de
segurança cardiovascular.
O custo do tratamento é muito variável, dependendo do
tipo e da dose de insulina utilizada. Enquanto as insulinas
NPH humana e regular são disponibilizadas gratuitamente
para a população, os análogos de ação prolongada
(glargina 100, glargina 300, detemir ou degludeca) podem
ter custo elevado a depender da dose utilizada.
Os análogos apresentam menor risco de hipoglicemia
quando comparados à insulina NPH, devendo-se, por esse
motivo, priorizá-la na síndrome da fragilidade.
Para melhor controle das hiperglicemias pós-prandiais,
recomenda-se a utilização das insulinas ultrarrápidas
(asparte, lispro ou glulisina). As preparações bifásicas de
insulina e de análogos de insulinas podem ser opções para
aqueles que apresentam hábitos de vida mais regulares,
menores flutuações da glicemia e dificuldade para realizar
duas aplicações.
É importante comentar sobre o recente lançamento do
dispositivo para monitorização da glicemia no fluido
intersticial. Esse dispositivo permite que o paciente
monitore sua glicemia com mais frequência e sem punctura
digital. Dessa maneira ocorre diminuição do estresse na
monitorização, além da melhora na qualidade de vida
desses pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento de idosos com diabetes deve obedecer aos
mesmos princípios aplicados a indivíduos mais jovens.
Não há evidências de que o controle glicêmico rigoroso
em idosos evite eventos cardiovasculares.
A terapia intensificada em idosos com diabetes está
associada a maior risco de hipoglicemia.
A escolha do melhor esquema de tratamento
medicamentoso para o diabetes no idoso deve ser baseado
na análise dos seguintes fatores: duração do diabetes,
presença de complicações macro e microvasculares,
presença de doença cardiovascular, presença de demência
ou fragilidade, capacidade funcional, risco de hipoglicemia,
suporte social e financeiro, expectativa de vida e
preferências do paciente.
Quando a insulinoterapia é necessária em pacientes
idosos, as insulinas basais mais modernas devem constituir
a primeira opção, em virtude da menor incidência de
hipoglicemias.

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Insulinoterapia no idoso 11

Giovana de Gobbi Azevedo


Patricia Moreira Gomes

INTRODUÇÃO
O aumento da expectativa de vida populacional está
atrelado a maior prevalência de diabetes mellitus (DM) no
idoso, sobretudo o DM tipo 2 (DM2). No entanto, devido ao
envelhecimento dos pacientes, o número de portadores de
DM tipo 1 (DM1) e outros tipos de DM também tem se
elevado. Diante desse cenário, torna-se imprescindível que
o geriatra seja capaz de manejar o tratamento do idoso em
insulinoterapia, seja ele DM1, DM2 ou pancreatectomizado,
e reconhecer as peculiaridades que existem por trás de
cada paciente, independentemente de sua faixa etária.
Os consensos elaborados para orientar o tratamento de
pacientes idosos portadores de DM geralmente dividem
esse grupo em três grandes categorias:

1. Pacientes saudáveis sem comprometimento cognitivo ou


funcional e com expectativa de vida prolongada (> 10-
15 anos).
2. Pacientes com algumas comorbidades e/ou um grau leve
de comprometimento cognitivo ou funcional.
3. Pacientes portadores de múltiplas comorbidades, com
importante declínio cognitivo ou funcional e baixa
expectativa de vida (< 5 anos).

Dessa forma, antes de iniciar ou ajustar um esquema de


insulina é necessária uma anamnese, além de avaliação
clínica minuciosa. Pacientes portadores de complicações
microvasculares, sem função pancreática residual e/ou
dependentes de cuidados, são mais suscetíveis a apresentar
episódios de hipoglicemia grave, muitas vezes fatal. Um
estudo observacional prospectivo publicado por Schwartz
et al. em 2008 verificou que o controle glicêmico intensivo
de idosos em terapia insulínica esteve associado a maior
risco de quedas, principalmente naqueles cujos valores de
hemoglobina glicada (HbA1c) estiveram abaixo de 6%,
provavelmente devido a episódios de hipoglicemia. Já
Huang et al. demonstraram uma relação entre valores de
HbA1c < 6% e aumento do risco de mortalidade em idosos.
Em adultos de forma geral, objetivamos um valor de
HbA1c ≤ 7%, no entanto tal valor não se aplica aos
pacientes idosos, principalmente os mais frágeis. Dessa
forma, as doses de insulina devem ser tituladas de acordo
com alvos glicêmicos individualizados, conforme será
discutido adiante e tendo por objetivo principal minimizar
os episódios de hipoglicemia.

TIPOS DE INSULINA
Desde o desenvolvimento da primeira insulina derivada
de extrato pancreático de origem canina, em 1921, o
tratamento do DM vem sofrendo evoluções constantes a
partir do desenvolvimento da tecnologia de DNA
recombinante. As insulinas são diferenciadas de acordo
com seu perfil de ação farmacocinética em: ultrarrápidas
(UR), rápidas, intermediárias, longas, ultralongas e pré-
misturas (Quadro 1 e Figura 1).

QUADRO 1 Resumo das propriedades farmacocinéticas das insulinas


humanas e análogas

Humanas Início de ação Pico de ação Duração do


efeito

NPH 2-4 horas 4-10 horas 10-18 horas


(intermediária)

Regular (rápida) 0,5-1 hora 2-3 horas 5-8 horas

Análogas de Início de ação Pico de ação Duração do


ação rápida efeito

Asparte 5-15 minutos 0,5-2 horas 3-5 horas


(Novorapid®)

Lispro 5-15 minutos 0,5-2 horas 3-5 horas


(Humalog®)

Glulisina 5-15 minutos 0,5-2 horas 3-5 horas


(Apidra®)

Análogas de Início de ação Pico de ação Duração do


ação UR efeito

Faster-aspart 0-10 minutos 0,35-2 horas 3-5 horas


(Fiasp®)

Inalável 12 minutos 33-55 minutos 1,5-4,5 horas


tecnosfera
(Afrezza®)

Análogas de Início de ação Pico de ação Duração do


ação longa efeito

Glargina 2-4 horas Mínimo 20-24 horas


(Lantus®,
Basaglar®)

Detemir 1-3 horas 6-8 horas 12-20 horas


(Levemir®)
QUADRO 1 Resumo das propriedades farmacocinéticas das insulinas
humanas e análogas

Análogas de Início de ação Pico de ação Duração do


ação UL efeito

Glargina U 300 6 horas Ausente 36 horas


(Toujeo®)

Degludeca 2 horas Ausente 42 horas


(Tresiba®)

Pré-misturas Início de ação Pico de ação Duração do


efeito

70% NPH/30% 0,5-1 hora 3-12 horas (duplo) 10-16 horas


regular

75% NPL/25% 5-15 minutos 1-4 horas (duplo) 10-16 horas


lispro

50% NPL/50% 5-15 minutos 1-4 horas (duplo) 10-16 horas


lispro

70% NPA/30% 5-15 minutos 1-4 horas (duplo) 10-16 horas


asparte

NPA: protamina neutra asparte; NPH: protamina neutra Hagedorn; NPL:


protamina neutra lispro; UL: ultralonga; UR: ultrarrápida.
Fonte: SBD (2020).

FIGURA 1 Perfis de ação das insulinas.


Adaptado de: McMahon et al., 2007.
O surgimento das insulinas análogas de ação rápida e
UR tornou possível um melhor controle da excursão
glicêmica pós-prandial, assim como as análogas de ação
longa e UL possibilitaram menores taxas de hipoglicemia,
sobretudo durante a madrugada. Dessa forma, em
associação, essas novas insulinas possibilitam menor
variabilidade glicêmica e contribuem para um aumento do
tempo no alvo. Apesar de as insulinas análogas não se
encontrarem disponíveis no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS) para pacientes portadores de DM2, desde
2018 vêm sendo disponibilizadas canetas de insulina
humana NPH e regular descartáveis (em tubetes de 3 mL)
e agulhas para caneta aplicadora a pacientes que se
enquadrem nas faixas etárias definidas pelo governo. No
início do ano de 2022, seu fornecimento foi ampliado para
adultos a partir de 45 anos, sejam DM1 ou DM2, o que
contribui para a adesão dos pacientes, sobretudo idosos, ao
tratamento.
De forma geral, em idosos, deve-se evitar a utilização de
um esquema complexo de múltiplas injeções diárias de
insulina (basal-bolus) que possam dificultar a compreensão
do paciente. Deve-se dar preferência às insulinas análogas
de ação longa ou UL por possuírem um perfil
farmacocinético mais fisiológico e estarem associadas a
menor risco de hipoglicemia.

INSULINIZANDO O IDOSO
Não existe uma orientação específica quanto à maneira
adequada de iniciar a insulinização do paciente idoso. De
forma geral, conforme a última diretriz da Associação
Americana de Diabetes (ADA), deve-se iniciar a insulina
para pacientes que apresentem glicemia de jejum ≥ 300
mg/dL, HbA1c > 10% ou diante de sintomas
hiperglicêmicos (poliúria, polidipsia, polifagia). No entanto,
pacientes idosos geralmente relatam queixas inespecíficas
diante de tal descontrole, como fadiga e perda ponderal, o
que pode passar despercebido a um olhar menos atento e
cuidadoso. Conforme sugestão da Diretriz Luso-Americana
para tratamento do DM2, também se deve considerar o
início de insulina para aqueles que não atinjam o controle
glicêmico desejado apesar de estarem em uso otimizado de
até quatro classes de antidiabéticos orais.
A ADA sugere que, para pacientes adultos que
necessitem de terapia injetável com insulina, a dose inicial
de insulina basal prescrita seja de 10 unidades (UI) ou 0,1-
0,2 UI/kg/dia. Em caso de utilização da NPH, é necessário
que seja aplicada antes de dormir (bed time). Em média a
cada 3 dias, realiza-se uma titulação da dose de acordo com
a glicemia de jejum alvo. Se houver necessidade de
aumento progressivo da dose de insulina basal, pode-se
dividi-la em 2 vezes ao dia (2/3 pela manhã e 1/3 bed time).
Caso o paciente mantenha a HbA1c fora do alvo desejado
apesar do uso de > 0,5 UI/kg/dia de insulina basal ou
apresente importante descontrole glicêmico pós-prandial,
será necessário adicionar uma insulina prandial. Tal dose
poderá ser fixa (4 UI) ou calculada a partir da insulina
basal (10% da dose) antes da(s) refeição(ões) em que
ocorre maior excursão glicêmica. A dose poderá ser
aumentada ou reduzida em 10-20% de acordo com a
necessidade.

APLICAÇÃO DA INSULINA
Agulhas de 4 mm de comprimento para uso com caneta
injetora e de 6 mm para as seringas devem ser as escolhas
de primeira linha, visto que são mais seguras, confortáveis
e menos dolorosas. As agulhas de 4 mm devem ser
inseridas de forma perpendicular, sem necessidade de
prega subcutânea, devido ao baixo risco de administração
intramuscular. Já as de 6 mm necessitam da prega, a qual
deve ser realizada delicadamente com os dedos polegar e
indicador.

FIGURA 2 Algoritmo de insulinoterapia no idoso.


NPH: protamina neutra Hagedorn.
Fonte: adaptada de American Diabetes Association (2020).
A insulina pode ser aplicada em diversos locais (Figura
3):

Braços: face posterior, 3-4 dedos abaixo da axila e acima


do cotovelo.
Nádegas: quadrante superior lateral externo.
Coxas: face anterior e lateral externa superior, 4 dedos
abaixo da virilha e acima do joelho.
Abdome: regiões laterais direita e esquerda, com
distância de 3-4 dedos da cicatriz umbilical.

FIGURA 3 Locais mais apropriados para a aplicação da insulina.


Fonte: SBD (2017).

Os pacientes também devem se lembrar da necessidade


de realizar um rodízio dos pontos de aplicação para reduzir
a variabilidade glicêmica e a ocorrência de lipo-hipertrofia.
As canetas ou frascos de insulina que não tiverem sido
abertos devem ser mantidos sob refrigeração com
temperaturas entre 2-8°C. Já as insulinas em uso podem ser
armazenadas em temperatura ambiente (até 30°C) por
tempo especificado pelo fabricante.

MONITORIZAÇÃO GLICÊMICA E METAS TERAPÊUTICAS


Atrelado ao emprego das insulinas análogas, os
pacientes idosos usuários de múltiplas doses diárias de
insulina (MDI) também se beneficiam do uso de novas
tecnologias e dispositivos que possibilitem a monitorização
contínua de glicose, principalmente aqueles com histórico
de episódios frequentes de hipoglicemia ou incapacidade
de reconhecimento destes. Um estudo clínico multicêntrico
e randomizado denominado Diamond demonstrou que
pacientes com idade ≥ 60 anos, portadores de DM1 ou
DM2 em uso de MDI, apresentaram melhora dos níveis de
HbA1c e menor variabilidade glicêmica após a instalação
de dispositivos capazes de monitorar continuamente e de
forma real a glicose intersticial desses pacientes em
comparação à automonitorização da glicosimetria capilar.
Idosos portadores de DM possuem características
clínicas heterogêneas e necessitam de um plano
terapêutico diferenciado e de metas individualizadas. O
tempo de duração da doença, as complicações associadas,
o status funcional e a presença de sarcopenia e/ou
síndrome da fragilidade são alguns fatores que devem ser
avaliados antes da instituição do tratamento e da definição
de alvos glicêmicos.
Apesar de não existirem muitos ensaios clínicos
randomizados tendo por objetivo avaliar desfechos
associados à intensidade de controle glicêmico em
pacientes diabéticos acima de 80 anos, um grande estudo
denominado Accord (Action to control cardiovascular risk
in diabetes) mudou paradigmas ao sugerir um aumento do
risco de mortalidade por todas as causas em pacientes
idosos portadores de DM2 que obtiveram um controle
glicêmico mais rigoroso (HbA1c média de 6,4% versus
7,5% nos grupos de tratamento intensivo e padrão,
respectivamente), o que não foi reportado em outros
importantes estudos como o Advance (Action in diabetes
and vascular disease) e o VADT (Veterans affairs diabetes
trial). Em idosos, os benefícios sabidamente associados ao
controle glicêmico intensivo, tais como redução de
complicações micro e macrovasculares, estiveram
inversamente associados às comorbidades,
comprometimento funcional e, consequentemente, à
expectativa de vida dos pacientes, conforme sugerido por
uma simulação computacional.
A nova diretriz desenvolvida pela Sociedade Brasileira
de Diabetes (SBD) sugere que, após uma análise ampla e
pormenorizada das características clínicas do paciente
idoso, é possível classificá-lo em uma das seguintes
categorias: saudável, comprometido ou muito
comprometido. Pacientes considerados saudáveis são
aqueles que possuem poucas comorbidades e um estado
funcional e cognitivo preservado. Os muito comprometidos
são os portadores de doença terminal e que apresentam
declínio funcional e cognitivo grave. Já os classificados
como comprometidos apresentam características
intermediárias às dos grupos previamente citados. A
depender dessa estratificação é que as metas terapêuticas
serão definidas (Quadro 2).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o envelhecimento populacional, o número de
pacientes idosos portadores de DM em insulinoterapia vem
aumentando substancialmente. O surgimento de insulinas
análogas mais fisiológicas e de dispositivos que
possibilitam a monitorização contínua da glicose intersticial
tem impactado de forma positiva o tratamento do DM como
um todo, sobretudo no idoso. Levando em consideração a
heterogeneidade desse grupo, os alvos glicêmicos devem
ser criteriosamente definidos para que os pacientes,
principalmente os mais frágeis e/ou portadores de outras
síndromes geriátricas, não sejam submetidos a um controle
glicêmico rigoroso e desnecessário.

QUADRO 2 Metas individualizadas para o tratamento de pacientes idosos


portadores de diabetes mellitus de acordo com a diretriz de 2022 da SBD

SBD 2022 Idoso Idoso Idoso muito


saudável comprometido comprometido

HbA1c (%) < 7,5 < 8,5 Evitar sintomas de


hipo ou hiperglicemia

Glicemia de jejum e 80-130 90-150 100-180


pré-prandial (mg/dL)

Glicemia 2 horas < 180 < 180 –


pós-prandial (mg/dL)

Glicemia ao deitar 90-150 100-180 110-200


(mg/dL)

HbA1c: hemoglobina glicada.


Fonte: SBD (2022).

Devemos sempre ponderar riscos e benefícios para


evitar episódios de hipoglicemia, quedas e até mesmo o
aumento da mortalidade geral desses pacientes, pois,
tratando-se de diabetes mellitus na população idosa, muitas
vezes o bom pode ser inimigo do ótimo.
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12 Dislipidemias no idoso

Loren Suyane Oliveira de Andrade


José Renato G. Amaral

INTRODUÇÃO
Denominam-se dislipidemias alterações isoladas ou
combinadas do metabolismo das proteínas transportadoras
de lipídios, que são insolúveis no plasma, e dos
triglicerídeos. As principais lipoproteínas são a de alta
densidade (HDL colesterol ou HDL-c) e a de baixa
densidade (LDL colesterol ou LDL-c).
Tais alterações são fatores de risco para a doença
aterosclerótica: 70% das manifestações precoces de doença
coronariana associam-se à dislipidemia. Como o risco
absoluto de doença aterosclerótica aumenta com a idade e
diante das evidências do benefício do tratamento das
dislipidemias em idosos, trata-se de um tema importante
para a prática geriátrica e cardiológica.

DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO
Segundo a diretriz brasileira, as dislipidemias
classificam-se quanto à etiologia ou quanto à dosagem
laboratorial. Em relação à etiologia, podem ser primárias,
quando o distúrbio é de origem genética, ou secundárias,
decorrentes de estilo de vida inadequado, de certas
patologias ou de medicamentos. Na população idosa, a
grande maioria dos casos é de etiologia secundária. Quanto
à dosagem laboratorial, classificam-se da seguinte maneira:

Hipercolesterolemia isolada: aumento isolado do LDL-c


(≥ 160 mg/dL).
Hipertrigliceridemia isolada: aumento isolado de
triglicerídeos (≥ 150 mg/dL ou ≥ 175 mg/dL, se a
amostra for obtida sem jejum).
Hiperlipidemia mista: aumento do LDL-c e dos
triglicerídeos; se triglicerídeos ≥ 400 mg/dL, o cálculo do
LDL-c pela fórmula de Friedewald é inadequado,
devendo-se considerar a hiperlipidemia mista quando o
não HDL-c ≥ 190 mg/dL.
HDL-c baixo: redução do HDL-c (homens < 40 mg/dL e
mulheres < 50 mg/dL) isolada ou em associação ao
aumento de LDL-c ou de triglicerídeos.

TRATAMENTO

Medicamentos hipolipemiantes

Há diversas classes de medicamentos hipolipemiantes.


Uma vez que, ao longo das últimas décadas, o tratamento
das dislipidemias vem sendo extensamente pesquisado por
meio de estudos clínicos de boa qualidade e com grande
número de pacientes, a escolha do agente apropriado deve
ser realizada de acordo com as diretrizes disponíveis.

Estatinas
São inibidores competitivos da 3-hidroxi-3metilglutaril
coenzima A (HMG-CoA) redutase, enzima que atua no
controle da taxa da síntese do colesterol. Essa inibição leva
ao aumento da expressão do receptor hepático de LDL e ao
aumento da depuração dessa partícula da circulação.
É a classe de medicamentos hipolipemiantes mais
estudada, demonstrando 25% de redução de risco relativo
de desfechos cardiovasculares, com baixo risco de eventos
adversos (musculoesqueléticos < 0,1%; lesão hepática
grave: 0,001%; diabetes mellitus: 0,2%/ano).
A Figura 1 ilustra as estatinas disponíveis e suas
respectivas potências.

Ezetimiba
Fármaco que inibe a absorção de colesterol na borda em
escova do intestino delgado, levando à diminuição dos
níveis de colesterol hepático e ao estímulo à síntese do
receptor de LDL, com consequente redução do nível
plasmático de LDL-c de 10 a 25%. A dose empregada é de
10 mg/dia.

Fibratos
Estimulam os receptores nucleares denominados
receptores ativados por proliferadores peroxissomais alfa
(PPAR-alfa, peroxisome proliferator-activated receptor
alpha), o que leva ao aumento da produção e da ação da
LPL (lipase lipoproteica), responsável pela hidrólise
intravascular dos triglicerídeos, reduzindo assim suas taxas
séricas de 30 a 60%.
Os efeitos colaterais são infrequentes: distúrbios
gastrointestinais, mialgia, astenia, litíase biliar, diminuição
de libido, erupção cutânea, prurido, cefaleia e perturbação
do sono. Casos de rabdomiólise têm sido descritos com a
associação de estatinas com genfibrozila.

FIGURA 1 Reduções do colesterol da lipoproteína de baixa densidade com as


estatinas e as doses disponíveis no mercado nacional.
LDL-c: low density lipoprotein-cholesterol (cholesterol-lipoproteína de baixa
densidade).
Fonte: Faludi et al. (2017).

Essa classe consiste na primeira escolha apenas quando


os triglicerídeos estão acima de 500 mg/dL devido ao risco
de pancreatite. Não são utilizadas no contexto de
prevenção de doença cardiovascular, haja vista não terem
comprovado efeito em redução de desfechos.

Inibidores da proproteína convertase subtilisina/cexina tipo


9
A PCSK9 (proprotein convertase subtilisin/kexin type 9)
é uma enzima que se liga ao receptor da LDL para
promover sua degradação intra-hepática. Ao inibi-la,
aumenta a disponibilidade de receptores de LDL no
hepatócito, aumentando o clearance do LDL-c da
circulação. O resultado é uma redução de cerca de 60% nos
níveis de LDL-c.
Estão disponíveis: alirocumabe e evolocumabe, ambos
de aplicação subcutânea − alirocumabe a cada 2 semanas,
na dose de 75 ou 150 mg, e evolucumabe com injeção de
140 mg, a cada 2 semanas, ou 420 mg, 1 vez por mês.
Em geral, são seguros e bem tolerados. É descrita a
ocorrência de nasofaringite, náuseas, fadiga e aumento da
incidência de reações no local da injeção. Ainda em estudo
de fase 3 há o inclisiram, projetado para atingir o RNA
mensageiro do PCSK9 e, assim, inibir a sua síntese.

Indicações de tratamento das dislipidemias

Prevenção primária
O tratamento das dislipidemias é uma estratégia de
prevenção primária de eventos clínicos decorrentes de
doença aterosclerótica. Nesse contexto se encaixa o
tratamento com estatinas para redução do LDL-c, dada a
estreita e comprovada relação entre seus valores e o risco
de eventos cardiovasculares e a mortalidade decorrente
deles.
Primeiramente, recomenda-se para todos os pacientes
sob risco de desenvolver doenças cardiovasculares
mudanças de estilo de vida: alimentação saudável com
pouca gordura saturada, exercício físico e perda de peso.
Para avaliar a indicação de iniciar o tratamento com
estatinas, é recomendada a avaliação do risco
cardiovascular em 10 anos utilizando as calculadoras de
risco. As diversas diretrizes oferecem calculadoras
diferentes, cada uma englobando uma faixa etária um
pouco diferente e categorizando os pacientes em diferentes
níveis de risco. Entre os diversos algoritmos existentes, a
diretriz brasileira recomenda o Escore de Risco Global
(ERG), que estima o risco de infarto do miocárdio, acidente
vascular encefálico, insuficiência cardíaca, fatais ou não
fatais, ou insuficiência vascular periférica em 10 anos.*
Entretanto, indivíduos com condições de alto risco não
necessitam dessa avaliação para iniciar o tratamento com
estatinas, como portadores de aterosclerose na forma
subclínica (ultrassonografia de carótidas com presença de
placa, índice tornozelo-braquial < 0,9, escore de cálcio
arterial coronariano > 100, ou presença de placas
ateroscleróticas na angiotomografia de coronárias);
aneurisma de aorta abdominal; doença renal crônica com
taxa de filtração glomerular < 60 mL/minuto e
concentrações de LDL-c ≥ 190 mg/dL.
São também considerados de alto risco pacientes com
diabetes mellitus tipos 1 ou 2, com LDL-c entre 70 e 189
mg/dL e doença aterosclerótica subclínica ou presença de
estratificadores de risco (idade ≥ 48 anos no homem e ≥ 54
anos na mulher, diagnóstico há mais de 10 anos, história
familiar de parente de primeiro grau com doença
cardiovascular prematura, tabagismo, hipertensão arterial
sistêmica, síndrome metabólica, albuminúria > 30 mg/g de
creatinina e/ou retinopatia, taxa de filtração glomerular <
60 mL/minuto).
Para aqueles que são submetidos ao cálculo de risco, as
seguintes categorias são possíveis, de acordo com o ERG:

Alto risco: homens > 20% e mulheres > 10%.


Risco intermediário: homens entre 5 e 20% e mulheres
entre 5 e 10%.
Baixo risco: ambos < 5%.

De acordo com o risco, são estabelecidas as seguintes


metas de LDL-c:

Alto risco: < 70 mg/dL.


Risco intermediário: < 100 mg/dL.
Baixo risco: < 130 mg/dL.

Sabe-se que os benefícios da estatina surgem em longo


prazo, após anos de tratamento, especialmente no contexto
da prevenção primária. Ademais, a população de idosos
acima de 75 anos foi incluída em pequena proporção nos
ensaios clínicos. Portanto, é necessária avaliação
individualizada e decisão compartilhada com esses
pacientes para indicação de estatinas.
Isso não significa, contudo, que não haja benefício para
esses pacientes. Estudos já mostraram que idosos recebem
menos estatinas do que pacientes mais jovens, em especial
no cenário da prevenção primária, às vezes pelo
desconhecimento do benefício da medicação ou pelo receio
dos riscos da polifarmácia. Metanálise publicada em 2019
evidenciou tendência a menor redução de risco relativo no
grupo com mais de 75 anos; sabendo-se que o risco
absoluto de eventos nessa faixa etária é maior, a redução
de risco absoluto tem maior magnitude, de modo que o
benefício da estatina se mantém nessa subpopulação.
Vale lembrar que os ensaios clínicos que avaliaram
estatinas para prevenção primária utilizaram doses de
potência baixa a moderada (pravastatina 40 mg, lovastatina
20 a 40 mg, atorvastatina 10 mg, rosuvastatina 10 mg);
para indivíduos com alto risco de eventos, contudo, é
recomendada estatina de alta potência, que, quando não
tolerada, pode ser substituída pelo inibidor da PCSK9.
Uma vez iniciada a terapia com estatina, uma nova
dosagem do perfil lipídico deve ser realizada em 8 a 12
semanas. Se a meta tiver sido atingida, a coleta deve ser
repetida anualmente. Para a decisão sobre o tratamento,
mais importante do que a análise isolada do fator idade é a
avaliação individualizada dos pacientes com
multimorbidades não cardíacas e expectativa de vida
inferior a 5 anos, visto que os benefícios da terapia são
limitados nesse contexto e podem trazer malefícios, na
medida em que contribuem para a polifarmácia.

Prevenção secundária
A prevenção secundária tem como objetivo evitar novos
eventos cardiovasculares naqueles pacientes com doença
cardiovascular estabelecida, portanto considerados com
risco cardiovascular alto ou muito alto. Esses pacientes
apresentam alto risco de desenvolver eventos vasculares
ateroscleróticos futuros.
Existe ainda um subgrupo classificado como de muito
alto risco, que são aqueles com infarto agudo do miocárdio
(IAM) no último ano, hipercolesterolemia familiar, diabetes
com lesão em órgão-alvo, doença renal crônica em estágio
avançado, doença aterosclerótica múltipla ou obstrução
arterial acima de 50% em qualquer território.
É consenso das diversas diretrizes que esses pacientes
se beneficiam do tratamento com estatina de alta potência,
pois reduzem o risco de novos eventos em cerca de 20%,
com um número de pacientes necessários para tratar
(NNT) de 33 a 100 a cada 10 anos de tratamento para cada
redução de 38,7 mg/dL de LDL-c. São consideradas
estatinas de alta potência: atorvastatina 40 a 80 mg ou
rosuvastatina 20 a 40 mg. É esperado que elas reduzam o
LDL-c em 50% ou mais.
Diversos ensaios clínicos têm mostrado que a magnitude
de redução do risco cardiovascular é proporcional ao grau
de redução do LDL-c. Entretanto, ainda há divergências no
que tange às metas de LDL-c a serem atingidas. Apesar de
alguns estudos terem mostrado segurança de manter níveis
muito baixos de LDL-c, como 30 mg/dL, ainda não se sabe
ao certo a partir de que valor se perde o benefício adicional
da terapia.
Na prevenção secundária, a terapia inicial deve
consistir, portanto, em estatina de alta potência,
independentemente do valor de base do LDL-c, visando à
redução de pelo menos 50%. Após o início da terapia, esses
pacientes devem ser reavaliados com dosagem do perfil
lipídico em 4 a 12 semanas inicialmente; em seguida, a
cada 3 a 12 meses. Se essa meta não for atingida ou o
paciente mantiver LDL-c ≥ 70 mg/dL, uma vez confirmada
a adequada adesão medicamentosa, parte-se para a terapia
dupla ou tripla.
A segunda droga de escolha, em geral, será a ezetimiba,
devido ao menor custo e maior facilidade de uso. Se ainda
assim o paciente mantiver LDL-c ≥ 70 mg/dL, deve-se
considerar um inibidor da PCSK-9, que pode ser adicionado
à terapia dupla ou substituir a ezetimiba. Em pacientes de
muito alto risco, pode-se considerar o inibidor da PCSK-9
como segunda droga. Naqueles com efeitos colaterais
importantes com a estatina, a primeira estratégia é trocar
por outra estatina ou reduzir a dose.
O estudo Improve-it, que comparou sinvastatina e
sinvastatina mais ezetimiba em pacientes com síndrome
coronariana aguda, mostrou que a terapia dupla levou à
maior redução do LDL-c e do desfecho primário composto
(mortalidade cardiovascular, infarto não fatal, angina
instável com necessidade de hospitalização, nova
revascularização miocárdica e acidente vascular cerebral –
AVC não fatal) em um seguimento de 6 anos, com NNT de
50 para prevenir evento cardiovascular maior em 7 anos.
O estudo Fourier, por sua vez, comparou pacientes com
doença cardiovascular estabelecida no uso de estatina de
potência moderada a alta associada a inibidor da PCSK-9
(evolocumabe) ou placebo. Após acompanhamento de 2,2
anos, a adição do evolocumabe reduziu o risco do desfecho
primário combinado: mortalidade cardiovascular, IAM,
AVC, angina instável e revascularização miocárdica.
Entretanto, analisados separadamente, não houve redução
de mortalidade cardiovascular ou por todas as causas. O
Fourier foi um estudo de grande importância também por
mostrar segurança em atingir níveis de LDL-c tão baixos
quanto 30 mg/dL.
Apesar de a maioria dos estudos ter incluído uma
parcela menor de idosos com 75 anos ou mais, os
benefícios das estatinas na prevenção secundária são
evidentes em análises de subgrupo. Ademais, essa é a
população que apresenta maior risco absoluto de eventos
cardiovasculares, portanto a que tende a apresentar maior
benefício.
Metanálise que visou avaliar os benefícios e a segurança
das estatinas em pacientes de diferentes faixas etárias
demonstrou que a redução de risco relativo de eventos
cardiovasculares era semelhante nos pacientes jovens e
naqueles com mais de 75 anos no cenário da prevenção
secundária. Essa metanálise também corroborou a
segurança com o uso das estatinas, na medida em que não
houve aumento na incidência de câncer e na mortalidade
por causas não vasculares.
No cenário da prevenção secundária, os benefícios das
estatinas são mais consistentes e podem ser observados em
um intervalo de tempo mais curto. Ainda assim, em se
tratando dos grandes idosos, o tratamento deve ser
individualizado, com base nos dados da avaliação geriátrica
ampla e no grau de fragilidade. Indivíduos com doenças
crônicas avançadas e expectativa de vida limitada não
viverão tempo suficiente para se beneficiar da ação das
estatinas, portanto seu emprego constitui medida fútil.
Ademais, deve-se lembrar que os idosos são mais
suscetíveis aos efeitos colaterais dos medicamentos e às
interações medicamentosas devido à polifarmácia.
Portanto, idealmente, a máxima start low, go slow, but go
deve ser seguida, ou seja, iniciar estatina em baixa dose,
aumentando lentamente conforme a tolerância e tentando
chegar à dose-alvo. Por outro lado, não subtratar pacientes
idosos apenas em função da idade.

*
A calculadora pode ser obtida no site do Departamento de Aterosclerose da
Sociedade Brasileira de Cardiologia: departamentos.cardiol.br. (Acesso jan
2023.)

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13 Doença arterial coronariana em idosos

Gustavo Jardim Volpe


Olga Laura Sena Almeida
Laís Araújo dos Santos Vilar

DEFINIÇÃO
A doença arterial coronariana (DAC), também conhecida
como doença cardíaca isquêmica, é definida pela presença
de um ou mais sintomas, sinais ou complicações
cardiovasculares decorrentes da oferta insuficiente de
sangue e oxigênio ao miocárdio por um mecanismo
obstrutivo arterial. A causa mais comum é a obstrução das
artérias coronarianas epicárdicas devido à aterosclerose.
Há evidências mostrando uma forte ligação entre o
envelhecimento e a doença aterotrombótica, com aumento
significativo do risco de doença cardiovascular em idosos.
Essa associação é de grande importância, visto que a
prevalência populacional de idosos vem crescendo de modo
exponencial, especialmente no Brasil. Além disso, há ainda
uma sub-representatividade dessa população nos ensaios
clínicos, com pouca evidência da segurança e eficácia de
alguns tratamentos nessa faixa etária.
O espectro clínico da DAC varia desde a isquemia
silenciosa em pacientes assintomáticos, condição mais
prevalente em idosos, até manifestações clínicas mais
graves da doença, como a síndrome coronariana aguda
(SCA). O diagnóstico e a abordagem dessas condições
serão descritos em detalhes no decorrer deste capítulo.

EPIDEMIOLOGIA
Doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito
em homens e mulheres idosas. Mais de 80% de todas as
mortes atribuídas a causas cardiovasculares ocorrem em
pessoas com mais de 65 anos. No Brasil, dados do
Ministério da Saúde (DATASUS) mostram que as doenças
cardiovasculares são a principal causa de morte em
qualquer faixa etária, porém com maior prevalência com o
envelhecimento. O registro Nhanes (National Health and
Nutrition Examination Survey) reportou maior prevalência
de DAC em homens (30,6%) comparados com mulheres
(21,7%) octogenários, com dados semelhantes mostrados
também no FHS (Framingham Heart Study).
Aproximadamente metade dos pacientes apresenta um
evento de SCA como a primeira manifestação da doença
aterosclerótica. A idade média do primeiro episódio de SCA
é de 65 anos nos homens e de 70 anos nas mulheres. A
prevalência e a incidência de infarto agudo do miocárdio
(IAM) aumentam dramaticamente com a idade, sendo 7
vezes mais prevalente e 10 vezes mais incidente em idosos
entre 65 e 74 anos, com aumento da incidência ainda maior
naqueles com mais de 80 anos. Um dado que chama a
atenção é que mais de 40% dos infartos são clinicamente
silenciosos em pacientes com 75 anos ou mais,
especialmente nas mulheres, o que retarda o início do
tratamento e aumenta a mortalidade. Além disso, há
predominância de SCA sem supradesnivelamento do
segmento ST nessa faixa etária, diferente do que ocorre em
pacientes mais jovens. É importante destacar também que
pacientes com mais de 85 anos têm lesões vasculares mais
complexas, com maior acometimento triarterial e de tronco
da artéria coronária esquerda, além de maior taxa de
calcificação, tortuosidade e lesões ostiais. Octogenários
representam 20% das hospitalizações por infarto e 30% de
todas as mortes hospitalares por SCA.
A idade é um fator de risco independente para desfechos
adversos na SCA. As principais razões para essa evolução
desfavorável são atraso na chegada ao hospital, maior
dificuldade diagnóstica, menor probabilidade de receber
tratamento intervencionista, menor taxa de uso de
betabloqueador e maior número de comorbidades
associadas. Em estudo de banco de dados nacional, a
utilização de terapias comprovadamente eficazes após SCA
aumentou nos últimos 15 anos tanto nos muito idosos
(idade > 80 anos) quanto nos mais jovens (< 50 anos),
sendo tal aumento associado à melhora da sobrevida pós-
alta nos dois grupos.
Sabe-se que a DAC em idosos está associada a pior
prognóstico, com elevada morbimortalidade e aumento do
risco de perda de funcionalidade, déficit cognitivo e custos
em saúde. O aumento da vulnerabilidade do idoso com DAC
é consequência de vários fatores: doença coronariana mais
extensa e mais grave, diminuição da reserva cardíaca, além
do aumento da prevalência e associação de fatores de risco
cardiovasculares, multimorbidades e doença subclínica.

FISIOPATOLOGIA
O evento inicial da doença aterosclerótica é a lesão
endotelial, que pode ser química, mecânica ou inflamatória.
O principal fator envolvido nesse processo é a
hipercolesterolemia. Sabe-se que a lipoproteína de baixa
densidade (LDL) difunde-se na parede das artérias
coronarianas, sofrendo oxidação e desencadeando uma
severa resposta inflamatória que leva à disfunção
endotelial. Esse processo inflamatório perturba o equilíbrio
entre o óxido nítrico, agente vasodilatador e
antiproliferativo, e a endotelina, agente vasoconstritor,
além de liberar fatores quimiotáticos e de crescimento no
local da aterosclerose, atraindo ainda mais células
inflamatórias. O resultado é que a LDL oxidada é absorvida
pelos macrófagos, levando ao desenvolvimento de um
núcleo lipídico envolvido por células musculares lisas e
tecido fibroso, que forma a placa aterosclerótica.
Existem dois tipos de placa aterosclerótica, que levarão
a diferentes manifestações clínicas da DAC: a placa estável
e a instável. A placa estável tem um pequeno núcleo
lipídico, com poucas células inflamatórias, e é coberta por
uma capa fibrosa espessa. Essa placa é de crescimento
lento e tipicamente causa a angina estável, que se
manifesta quando há aumento da demanda miocárdica e é
de caráter mais crônico. A placa instável é de maior risco
para evento cardiovascular grave e consiste em um grande
núcleo lipídico trombogênico coberto por uma fina capa
fibrosa. O processo inflamatório na periferia da placa leva à
liberação de metaloproteinases que degradam a capa
fibrosa, com consequente ruptura da placa, causando a
SCA. A Figura 1 ilustra o vaso coronariano não
aterosclerótico comparado ao vaso acometido pelas
diferentes placas descritas.
Existem inúmeras alterações que ocorrem com o
envelhecimento e que contribuem para o desenvolvimento
de DAC no idoso. O Quadro 1 resume as principais
alterações relacionadas à idade que alteram o balanço
homeostático, favorecendo o dano e dificultando o reparo
tecidual, o que leva a alterações na estrutura vascular e
cardíaca, com impacto direto na ocorrência, apresentação e
manifestações da DAC no idoso.

FIGURA 1 Representação de uma circulação coronariana normal comparada à


circulação da doença aterosclerótica coronariana.
SCA: síndrome coronariana aguda.

QUADRO 1 Alterações relacionadas à idade que favorecem o


desenvolvimento de doença arterial coronariana no idoso

Aumento dos níveis séricos de LDL.


Oxidação e redução das propriedades ateroprotetoras das HDL.
Alterações na elasticidade da parede vascular com disfunção endotelial.
Desequilíbrio na síntese e degradação da matriz extracelular.
Modificações no sistema hemostático favorecendo um estado de
hipercoagulabilidade e prejuízo da fibrinólise.
Alterações nos canais de cálcio dos miócitos.
Disfunção mitocondrial com aumento das espécies reativas de oxigênio.
Capacidade cardíaca regenerativa reduzida.

HDL: lipoproteínas de alta densidade.


FATORES DE RISCO
Os fatores de risco para DAC em idosos são os mesmos
de pacientes mais jovens e estão resumidos no Quadro 2. O
controle adequado desses fatores sabidamente reduz o
risco de evento cardiovascular.

QUADRO 2 Principais fatores de risco para doença arterial coronariana em


idosos

Diabetes mellitus.
Hipertensão arterial sistêmica.
Dislipidemia.
Tabagismo.
Obesidade.
Sedentarismo.
História familiar positiva em parentes de primeiro grau do sexo masculino
antes dos 55 anos e do sexo feminino antes dos 65 anos.

QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico clássico da DAC crônica manifesta-se
como uma angina estável, caracterizada por dor
retroesternal ou precordial, em aperto, difusa, irradiada
para o ombro ou braço esquerdos, epigástrio e/ou pescoço.
Costuma apresentar-se de forma crônica, ter duração
menor que 20 minutos, ser tipicamente desencadeada pelo
esforço ou estresse emocional, com melhora ao repouso ou
com uso de nitrato. Entretanto, em idosos, a dor precordial
típica ocorre em apenas metade dos pacientes e, após os 80
anos de idade, somente uma minoria de pacientes
apresenta o quadro clínico clássico.
Grande parte dos idosos com DAC crônica não relaciona
os sintomas cardiovasculares ao esforço físico, o que pode
ser atribuído à atividade física limitada, déficit cognitivo ou
perceção de dor alterada por outras condições clínicas.
Além disso, a isquemia silenciosa ocorre com maior
frequência nesses pacientes, manifestando-se de forma
assintomática ou com sintomas atípicos como dispneia,
ortopneia, dispneia paroxística noturna e arritmias
cardíacas, os quais são descritos como “equivalentes
anginosos”. A DAC crônica pode, ainda, manifestar-se
nesses pacientes como dor no ombro ou nas costas,
fraqueza, fadiga, desconforto epigástrico e dor pós-prandial
ou noturna, tornando necessário o diagnóstico diferencial
com doenças osteomusculares, doença ulcerosa péptica,
doença do refluxo gastroesofágico, colelitíase, depressão e
ansiedade.
A SCA pode manifestar-se de diferentes maneiras, como
angina em repouso com duração maior que 20 minutos,
angina aos esforços com aumento progressivo da
intensidade (“angina em crescendo”) ou angina de início
recente, em menos de 2 meses. A ocorrência dor anginosa
2 semanas após um IAM, bem como a presença de B3,
sopro mitral, crepitações pulmonares ou hipotensão
arterial ao exame físico durante um episódio de dor
retroesternal, também são sugestivos de SCA.
Em idosos com SCA, a apresentação com sintomas
atípicos também é mais comum. A dor torácica é relatada
em apenas 40% daqueles ≥ 80 anos quando comparados a
80% nos ≤ 65 anos de idade. Os sintomas comuns nessa
faixa etária são: dispneia (29,4%), sudorese (26,2%),
náuseas e vômitos (24,3%), síncope e pré-síncope (19,1%).
Nesses pacientes, principalmente naqueles com estado
cognitivo mais comprometido, o delirium deve ser também
valorizado como possível manifestação de SCA.
O Quadro 3 resume as principais manifestações clínicas
atípicas de DAC no idoso.
DIAGNÓSTICO

Doença arterial coronariana crônica

A avaliação inicial dos pacientes com angina estável ou


dor torácica crônica inclui história clínica detalhada, exame
físico para descartar causas não cardíacas e realização de
testes e procedimentos para confirmação diagnóstica e
avaliação da gravidade da DAC, que serão detalhados mais
adiante.
Dentre os exames laboratoriais a serem solicitados para
pacientes com angina estável, são recomendados: glicemia
de jejum, perfil lipídico, hemoglobina e creatinina, além de
hormônio tireoestimulante (TSH) em mulheres. O
eletrocardiograma (ECG) de repouso deve ser solicitado de
rotina, porém deve-se ter em mente que na população idosa
ele tem alta prevalência de achados importantes, como
ondas Q patológicas, bloqueios de ramo, hipertrofia
ventricular esquerda, alterações da onda ST-T e
fibrilação/flutter atrial, o que limita sua utilidade como
ferramenta de triagem.

QUADRO 3 Principais manifestações atípicas de doença arterial coronariana


no idoso

Doença arterial coronariana Síndrome coronariana aguda


crônica

Dispneia. Dispneia súbita.


Ortopneia. Diaforese.
Dispneia paroxística noturna. Náuseas/vômitos.
Dor no ombro ou nas costas. Mal-estar inespecífico.
Fraqueza inespecífica. Síncope.
Fadiga. Edema agudo de pulmão.
Desconforto epigástrico. Delirium.
Os exames diagnósticos complementares para avaliação
detalhada da angina estável devem ser indicados com base
na probabilidade de DAC significativa, que depende do tipo
de dor, do sexo, da idade e das comorbidades do paciente.
Após a estimativa da probabilidade pré-teste, deve-se
classificá-la como baixa (< 10%), intermediária (10 a 90%)
e alta (> 90%). Em pacientes com baixa probabilidade de
DAC, os exames complementares devem ser dirigidos para
a pesquisa de causas não cardíacas. Nos casos de
probabilidade intermediária ou alta, deve-se prosseguir
com a estratificação cardiovascular individualizada.
Para prosseguir com a investigação diagnóstica, na
maioria dos casos, inicialmente são realizados testes não
invasivos, visto que a mortalidade geral de pacientes com
angina estável é baixa, entre 1,2 e 2,4% ao ano. Em idosos,
é inadequado optar por métodos diagnósticos invasivos,
que têm maior incidência de complicações, quando não há
evidência clara de benefício. Como opções de exames não
invasivos, estão disponíveis ECG de esforço (teste
ergométrico), ecocardiograma com estresse, cintilografia
miocárdica com estresse, ressonância magnética cardíaca
com estresse e a angiotomografia de coronárias.
O Quadro 4 descreve os exames diagnósticos que podem
ser solicitados no idoso para estratificação cardiovascular
não invasiva e suas especificidades.

QUADRO 4 Exames diagnósticos não invasivos para estratificação


cardiovascular no idoso

Exame Especificidades
QUADRO 4 Exames diagnósticos não invasivos para estratificação
cardiovascular no idoso

Teste ergométrico Condições físicas podem limitar sua realização em


idosos, tais como instabilidade de marcha, mobilidade
reduzida, déficit cognitivo, comorbidades
descompensadas.
Anormalidades no ECG de repouso impossibilitam a
avaliação do segmento ST: bloqueio de ramo esquerdo,
uso de marca-passo, pré-excitação.
O escore Duke não foi capaz de predizer mortalidade
cardiovascular ou IAM em adultos idosos.

Ecocardiografia O estresse pode ser físico ou com uso de dobutamina.


transtorácico com Permite a detecção de alterações da mobilidade
estresse segmentar em repouso e durante o estresse.
Permite avaliação da função ventricular e da
viabilidade miocárdica.
Tem maior sensibilidade e especificidade que o teste
ergométrico, em torno de 88% de sensibilidade e 83%
de especificidade.

Cintilografia O estresse pode ser físico ou farmacológico


miocárdica com (adenosina, dipiridamol ou dobutamina).
estresse Dipiridamol e adenosina estão contraindicados na
presença de doença do nó sinusal, bloqueio
atrioventricular avançado e broncoespasmo.
Apresenta sensibilidade de 95% e especificidade de
75% para detecção de obstrução coronariana grave.

Angiotomografia Método anatômico não invasivo: pode detectar e


computadorizada quantificar a doença aterosclerótica sem requerer o
de artérias uso de estresse farmacológico ou físico.
coronárias Acurácia reduzida para quantificação de estenoses em
idosos devido à alta prevalência de calcificação nessa
faixa etária.
Insuficiência renal limita o uso de contraste.
Necessita de controle adequado da frequência cardíaca
(50-60 bpm).
Apresenta aproximadamente sensibilidade de 95% e
especificidade de 80% para detecção de obstrução
coronariana > 50%.
QUADRO 4 Exames diagnósticos não invasivos para estratificação
cardiovascular no idoso

Ressonância Estresse deve ser farmacológico (adenosina,


magnética dipiridamol ou dobutamina).
cardíaca com Dipiridamol e adenosina estão contraindicados na
estresse presença de doença do nó sinusal, bloqueio
atrioventricular avançado e broncoespasmo.
Alta resolução espacial com possibilidade de avaliar
outros parâmetros de caracterização tecidual do
miocárdio (fibrose, edema, função).
Claustrofobia pode ser limitação.
Poucos estudos voltados para a avaliação de isquemia
em pacientes idosos.

bpm: batimentos por minuto; ECG: eletrocardiograma; IAM: infarto agudo do


miocárdio.

A realização de cinecoronariografia diagnóstica é um


procedimento invasivo que permite não só o diagnóstico de
DAC como a quantificação de sua gravidade, sendo
fundamental para definição terapêutica em alguns casos. É
recomendada para pacientes com testes não invasivos de
alto risco para lesão de tronco da artéria coronária
esquerda ou de doença multiarterial, pacientes com angina
estável refratários à terapia medicamentosa otimizada,
pacientes com angina estável e disfunção ventricular,
pacientes com angina estável ou equivalentes anginosos
recorrentes dentro de 9 a 12 meses após a intervenção
coronária percutânea e pacientes com história de morte
súbita ou arritmia ventricular grave. Nesses casos, a
realização de cinecoronariografia deve ser considerada
como primeira opção.
Por seu caráter invasivo, é um exame que acarreta mais
riscos de complicações, como nefropatia induzida por
contraste, especialmente em idosos com mais de 75 anos.
Complicações vasculares maiores podem ocorrer em 3,6%
dos pacientes idosos submetidos a angiografia coronária
diagnóstica. Porém, a idade por si só não consiste em uma
limitação à realização desse procedimento. A única
contraindicação absoluta para a realização desse exame é a
recusa por parte do paciente ou de seus familiares (quando
este estiver incapacitado) para autorizar a execução do
procedimento. Dessa forma, quando considerada a
solicitação da cinecoronariografia em pacientes com idade
avançada, a abordagem deve ser caso-específica, pesando
os potenciais riscos e benefícios da avaliação invasiva.

Síndrome coronariana aguda

Diante da suspeita de SCA, preconiza-se a realização de


ECG de 12 derivações em no máximo 10 minutos para todo
paciente que se apresenta no pronto-socorro com sintomas
sugestivos, com repetição após 4 a 8 horas da admissão, ou
a qualquer momento em caso de instabilidade
hemodinâmica ou precordialgia recorrente. As alterações
de ECG sugestivas de isquemia são alterações do segmento
ST, bloqueio de ramo esquerdo (BRE) novo, inversões
transitórias da onda T e surgimento de onda Q patológica.
No entanto, o ECG é inespecífico em 43% dos idosos > 85
anos de idade.
Há evidências que mostram um retardo na realização de
ECG em idosos com suspeita de SCA, com tempo médio
entre a admissão no pronto-socorro e o primeiro ECG de 7
minutos a mais nos pacientes acima de 85 anos de idade,
quando comparados com aqueles abaixo de 65 anos.
Mulheres acima de 85 anos apresentam média de atraso de
45 minutos entre a chegada e o primeiro ECG,
provavelmente pela apresentação clínica atípica.
Devem ser solicitados, também, os marcadores
bioquímicos de necrose miocárdica na admissão e após 6 a
9 horas se a primeira dosagem for normal ou discretamente
elevada. A troponina de alta sensibilidade é o marcador de
escolha. A radiografia simples do tórax também deve ser
solicitada para realização do diagnóstico diferencial de
outras causas de precordialgia e para a avaliação de
congestão pulmonar.
Após essa avaliação inicial, o paciente que não tiver
supradesnivelamento do segmento ST nem marcadores de
necrose miocárdica positivos recebe o diagnóstico de
angina instável e deve ser classificado quanto ao risco de
morte ou IAM em baixo, médio ou alto risco por meio de
escores de risco padronizados, como o Thrombolysis in
Myocardial Infarction (TIMI) Risk e o Global Registry of
Acute Coronary Events (Grace), por exemplo. Essa
estratificação é importante por direcionar para uma melhor
estratégia na abordagem diagnóstica e terapêutica,
aumentando o uso de antitrombóticos, anticoagulação e
revascularização miocárdica, com consequente redução do
risco de morte, infarto e isquemia recorrente na população
idosa. Deve-se ressaltar que ter mais de 70 anos de idade
confere risco moderado (70 a 75 anos) a alto (> 75 anos)
para doença coronariana. Também se recomenda a
avaliação do risco de sangramento durante a hospitalização
por meio do escore CRUSADE (Can rapid risk stratification
of unstable angina patients supress adverse events), que
tem acurácia relativamente alta para estimar o risco de
sangramento por incorporar variáveis de admissão e de
tratamento, e que em população brasileira foi preditor não
apenas de sangramento, mas também de mortalidade intra-
hospitalar.
Pacientes sem alteração do segmento ST porém com
elevação de marcadores de necrose miocárdica são
diagnosticados com IAM sem supradesnivelamento de ST e
imediatamente classificados como alto risco.
Pacientes classificados como baixo risco são submetidos
a estratificação não invasiva, que deve ser realizada
idealmente em até 72 horas e pode ocorrer em regime
ambulatorial. Pacientes classificados como médio e alto
risco devem ser submetidos a cinecoronariografia precoce,
dentro de 72 e 24 horas, respectivamente. Pacientes que
apresentem características de maior gravidade, como
angina refratária, sinais e sintomas de insuficiência
cardíaca ou insuficiência mitral nova, angina recorrente ou
angina em repouso apesar do tratamento clínico adotado
devem ser encaminhados para cinecoronariografia
idealmente em até 2 horas. Há evidências de benefícios da
estratégia intervencionista precoce, principalmente em
idosos.
Pacientes com supradesnivelamento de ST no ECG
admissional já têm o diagnóstico estabelecido de IAM com
supradesnivelamento de ST, devendo ser prontamente
encaminhados para terapia de reperfusão mecânica ou
farmacológica, conforme será descrito adiante.
A Figura 2 resume o fluxograma de atendimento do
paciente com suspeita de SCA.

TRATAMENTO
A transição demográfica com aumento da população
idosa representa um grande desafio dentro do tratamento
das doenças cardiovasculares, uma vez que os pacientes
idosos não têm representatividade em ensaios clínicos. Isso
torna as decisões terapêuticas nessa população mais
difíceis, visto que não há respaldo suficiente na literatura
médica quanto à eficácia e segurança dos tratamentos
disponíveis como em pacientes mais jovens. Pacientes com
idade igual ou superior a 75 anos correspondem a apenas
10% dos pacientes avaliados em ensaios clínicos. Além
disso, as apresentações atípicas da DAC em idosos, com
consequente atraso no diagnóstico, repercutem muitas
vezes em tratamento inadequado.

FIGURA 2 Fluxograma de atendimento do paciente idoso com suspeita de SCA.


ECG: eletrocardiograma; IAM: infarto agudo do miocárdio; SCA: síndrome
coronariana aguda.

Na tomada de decisão, é extremamente relevante a


avaliação da funcionalidade do idoso, especialmente com
relação a seu grau de dependência para as atividades de
vida diária. A tomada de decisão baseada exclusivamente
na idade cronológica, sem levar em consideração as
comorbidades e o grau de dependência e atividade física do
idoso, pode levar a iatrogenias, com super ou
subtratamentos.
Historicamente, médicos tendem a ser mais
conservadores e a usar terapias menos agressivas em
idosos. Por exemplo, o Minap (Myocardial Ischaemia
National Audit Project) demonstrou que, entre 2009 e
2010, 32,2% dos pacientes com IAM com supra ST ≥ 85
anos de idade receberam angioplastia primária em
comparação com 52,1% naqueles com idade < 55 anos. No
entanto, dada sua condição de alto risco, os idosos com
coronariopatia são um grupo com grande probabilidade de
experimentar benefícios em sua resposta clínica e estado
funcional ao serem submetidos à terapia de
revascularização. Há evidências que mostram que, quanto
mais idoso for o paciente, maior a mortalidade esperada na
SCA sem supradesnivelamento de ST e, portanto, maior o
benefício dos tratamentos em termos de redução de
mortalidade, tanto proporcional quanto absoluta. Os idosos
também são mais propensos a sofrer complicações durante
o processo terapêutico, devido a alterações fisiológicas
relacionadas à idade, fragilidade e comorbidades. Logo, a
decisão sobre investigar DAC em idosos e submetê-los a
terapia de revascularização é complexa. Nesse cenário, a
fragilidade é um preditor importante e independente de
mortalidade, permanência hospitalar mais prolongada,
aumento do risco de sangramento e morbidade na
população idosa com SCA.
O manejo terapêutico de DAC crônica e SCA deve seguir
de forma geral os mesmos procedimentos e medicações
recomendados para a população adulta, conforme as
diretrizes mais atuais.

Doença arterial coronariana crônica


O tratamento farmacológico da angina estável tem por
objetivo: prevenir a ocorrência de SCA, reduzir a
mortalidade e os sintomas anginosos, promovendo melhor
qualidade de vida. O manejo ideal de diabetes, hipertensão
e outros fatores de risco cardiovascular em pacientes
idosos pacientes com DAC é essencial, embora
frequentemente desafiador devido aos efeitos colaterais de
medicação e/ou suas interações. Orientações dietéticas,
exercício físico, perda de peso e cessação do tabagismo são
modificações no estilo de vida fundamentais no tratamento
da DAC, embora os pacientes mais velhos tenham menor
probabilidade de receber tais intervenções em comparação
com os indivíduos mais jovens.
O tratamento clínico medicamentoso baseia-se no uso de
antiagregantes plaquetários, estatinas e inibidores da
enzima conversora de angiotensiva (iECA) ou bloqueadores
do receptor de angiotensina (BRA), que comprovadamente
reduzem mortalidade. Na contraindicação absoluta ao uso
de ácido acetilsalicílico (AAS), os derivados tienopiridínicos
(clopidogrel e ticlopidina), antagonistas da ativação
plaquetária mediada pela adenosina difosfato (ADP), podem
ser usados.
Os betabloqueadores não reduzem mortalidade em
pacientes com DAC estável (nível de evidência C), mas
devem ser usados como droga antianginosa de primeira
linha nesses pacientes (nível de evidência A). Outras
opções de drogas anti-isquêmicas que podem ser usadas
em caso de contraindicação ou refratariedade ao uso de
betabloqueadores são: bloqueadores dos canais de cálcio
(diltiazem ou verapamil) na ausência de disfunção
ventricular, trimetazidina e nitratos de ação prolongada. A
ivabradina também pode ser utilizada para controle da
frequência cardíaca em pacientes sintomáticos com
frequência cardíaca acima de 70 batimentos por minuto
(bpm), em ritmo cardíaco sinusal e com terapia otimizada.
As principais indicações de terapia intervencionista na
DAC crônica, seja por intervenção coronariana percutânea
(ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM),
estão resumidas no Quadro 5.
Até o momento, nenhum grande ensaio clínico
comprovou que a estratégia invasiva na coronariopatia
crônica reduz as taxas de infarto e morte se comparada ao
tratamento clínico otimizado. Em geral, pacientes com DAC
estável e de baixo risco devem ser inicialmente tratados
com terapia medicamentosa otimizada, especialmente
aqueles com comorbidades de alto risco, anatomias
coronarianas difíceis, levemente sintomáticos e sem
isquemia extensa.
Em pacientes com boa expectativa de vida e sintomas
refratários à terapia medicamentosa otimizada, a terapia
intervencionista pode ser indicada quando tecnicamente
viável e com um nível de risco aceitável. Nesse momento, a
CRM segue como estratégia preferencial nos pacientes com
DAC triarterial e características clínicas e angiográficas de
maior gravidade: idade avançada, fração de ejeção
reduzida, disfunção renal, doença vascular periférica,
diabetes mellitus ou escore Syntax > 22 na
cinecoronariografia. No entanto, em pacientes com menor
risco, a ICP demonstra um perfil de segurança equivalente
ao da CRM e pode ser postulada como estratégia de
revascularização inicial.

Síndrome coronariana aguda

Todos os pacientes diagnosticados com SCA devem ser


mantidos em repouso no leito, com acesso venoso
periférico e monitorização multiparamérica contínua.
Oxigênio suplementar deve ser ofertado para manter a
saturação de oxigênio maior que 92%. Além disso devem
receber, nos primeiros 10 minutos da admissão, 200 a 300
mg de AAS para serem mastigados. Para fins didáticos,
descreveremos inicialmente o manejo terapêutico de
angina instável e IAM sem supradesnivelamento de ST,
seguido pelo manejo terapêutico do IAM com
supradesnivelamento de ST.

Angina instável ou infarto agudo do miocárdio sem


supradesnivelamento de ST
Para controle da dor, podem ser administrados nitratos.
Inicialmente, pode-se usar o dinitrato de isossorbida 5 mg
sublingual, sendo feitas, no máximo, 3 doses. Se não
houver resposta adequada, pode-se iniciar nitroglicerina
endovenosa, 5 a 10 mcg/minuto, aumentando a dose até o
alívio dos sintomas. Esses tratamentos são contraindicados
caso haja hipotensão arterial (pressão arterial sistólica –
PAS < 90 mmHg ou queda de PA > 30% em pacientes
hipertensos). O uso de sildenafil nas últimas 24 horas ou
tadalafila nas últimas 48 horas também contraindica a
administração dessas medicações. O betabloqueador deve
ser introduzido, rotineiramente, nas primeiras 24 horas,
com o objetivo de manter a frequência cardíaca em torno
de 60 bpm, exceto em casos de contraindicação (sinais de
disfunção ventricular ou asma, p. ex.). Nos casos em que os
pacientes persistem com dor, mesmo após o uso de nitrato
e betabloqueador, pode ser usado o diltiazem se não houver
sinais de disfunção ventricular, na dose de 30 a 60 mg, via
oral, a cada 8 horas.
QUADRO 5 Principais indicações de terapia intervencionista na doença
arterial coronariana crônica

Pacientes sintomáticos com estenose coronariana > 50% e angina limitante


a despeito da terapia medicamentosa otimizada.
Pacientes com alto risco de SCA.
Pacientes com disfunção ventricular.

SCA: síndrome coronariana aguda.

Devem ser introduzidos também estatina, iECA e um


segundo antiagregante plaquetário. Há três opções de
antiagregante plaquetário disponíveis no mercado que
podem ser utilizados na SCA:

1. Clopidogrel, com ataque de 300 mg.


2. Prasugrel, que é contraindicado em idosos com idade
maior que 75 anos, em pacientes de baixo peso (< 60
kg) e pacientes com antecedentes de acidentes vascular
encefálico ou ataque isquêmico transitório.
3. Ticagrelor, que, em relação ao clopidogrel, foi capaz de
reduzir a mortalidade, sendo o medicamento de
primeira escolha, se disponível.

A despeito de idosos terem maior risco de sangramento,


o uso de dupla antiagregação plaquetária reduz a taxa de
mortalidade em pacientes acima de 65 anos.
Associada aos antiplaquetários, a anticoagulação deve
ser realizada nos pacientes classificados com risco
intermediário ou alto. Nesses pacientes, seu uso deve ser
feito desde a admissão até a realização da angioplastia
coronariana. Naqueles em que for mantido apenas
tratamento clínico sem angioplastia, deve-se manter a
anticoagulação por 8 dias ou até a alta hospitalar. As
opções disponíveis são a heparina não fracionada, a
enoxaparina e o fondaparinux. A opção de primeira escolha
em idosos é a enoxaparina, na dose de 1 mg/kg,
subcutânea, a cada 12 horas, com ajuste da dose para 0,75
mg/kg em pacientes com mais de 75 anos. Naqueles com
clearance de creatinina abaixo de 30 mL/minuto/1,73 m2,
administra-se 1 mg/kg de 24 em 24 horas.
Em pacientes com angina instável de baixo risco, se não
apresentarem recorrência da dor, pode-se considerar a alta
com seguimento ambulatorial para estratificação
cardiovascular em no máximo 72 horas. Idealmente, em
pacientes com fatores de risco para doença coronariana, a
estratificação deve ser realizada com testes não invasivos
ainda no hospital. Caso haja a presença de isquemia ou
obstrução grave, o paciente deve ser encaminhado para
estratificação invasiva com cinecoronariografia.
Pacientes com risco intermediário e alto devem ser
prontamente internados e submetidos à
cinecoronariografia em 24 horas da admissão. Em
pacientes de risco intermediário com alto risco de
sangramento ou insuficiência renal, pode-se considerar
inicialmente a realização de teste não invasivo. Pacientes
de alto risco e com sinais de instabilidade devem ser
encaminhados para a cinecoronariografia de emergência.
De forma geral, a angioplastia é restrita geralmente
apenas ao vaso culpado, salvo em casos excepcionais, como
pacientes em choque cardiogênico com outras lesões
críticas residuais. Quando há indicação cirúrgica, o
clopidogrel é imediatamente suspenso e se aguardam 5
dias para o procedimento.

Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST


Em pacientes com SCA com supradesnivelamento do
segmento ST, o objetivo do tratamento é a recanalização do
vaso culpado no menor tempo possível. A angioplastia
primária é o método de eleição. Caso haja indisponibilidade
de serviço de hemodinâmica ou não seja possível a
transferência do paciente a um serviço de hemodinâmica
com realização de angioplastia dentro de 120 minutos, é
indicada terapia fibrinolítica para todos os pacientes que
tenham iniciado sintomas em no máximo 12 horas. O tempo
porta-agulha ideal, isto é, o tempo decorrido entre a
entrada do paciente no hospital e o início da trombólise, é
de no máximo 30 minutos. Atenção deve ser dada às
contraindicações absolutas aos trombolíticos, descritas no
Quadro 6.
Há evidências mostrando que pacientes idosos com mais
de 75 anos e sintomas iniciados há no máximo 12 horas
apresentam redução significativa nas taxas de mortalidade
quando tratados com trombolíticos. Desse modo, existe
benefício demonstrado na utilização de trombolíticos
também nessa faixa etária, não sendo a idade um fator
limitante para a utilização desse tipo de terapia de
reperfusão. No entanto, comparativamente a pacientes
mais jovens, idosos apresentam maior taxa de mortalidade
relacionada ao uso de trombolíticos devido às alterações da
complacência vascular, hipertrofia e remodelamento
ventricular e redução da resposta adrenérgica. Além disso,
entre pacientes submetidos a trombólise, idosos têm maior
risco de ruptura cardíaca e hemorragia intracraniana.
Esses riscos podem ser reduzidos com o ajuste das doses
de anticoagulantes e antiplaquetários.
Caso o paciente apresente contraindicação à trombólise
ou esteja instável, com choque cardiogênico e sinais de
disfunção grave do ventrículo esquerdo, este deve ser
estabilizado hemodinamicamente e encaminhado para
outro serviço onde seja possível a realização de
cinecoronariografia.
QUADRO 6 Contraindicações absolutas ao uso de trombolíticos

Doença terminal.
Lesão vascular ou neoplasia no sistema nervoso central.
História prévia de coagulopatia hemorrágica.
Acidente vascular hemorrágico prévio.
Acidente vascular isquêmico nos últimos 3 meses.
Trauma significante na cabeça ou rosto nos últimos 3 meses.
Sangramento ativo ou diátese hemorrágica (exceto menstruação).
Dissecção aguda de aorta.

Evidências na literatura apontam resultados mais


favoráveis quando a angioplastia primária é realizada em
idosos, principalmente pela menor incidência de
complicações hemorrágicas. Em um recente registro com
pacientes ≥ 75 anos com IAM com supra ST e DAC
acometendo múltiplos vasos, a ICP multiarterial foi
relacionada com melhores resultados especialmente com
procedimentos estagiados (não realizados no mesmo dia).
Entre aqueles submetidos a ICP multiarterial, a completude
da revascularização definida anatomicamente não teve
influência prognóstica.
Todos os pacientes que sofreram IAM, com ou sem
supradesnivelamento de ST, devem receber estatina,
betabloqueador, iECA ou BRA, por tempo indefinido, e um
bloqueador do receptor de adenosina difosfato (ADP) por 1
ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A DAC é uma condição muito prevalente em idosos, com
elevada morbimortalidade, e pode se manifestar de forma
aguda ou crônica. As manifestações clínicas no idoso são,
com frequência, atípicas, o que dificulta o diagnóstico e
atrasa o tratamento, piorando o prognóstico nesses
pacientes. Quando confirmada, o tratamento deve ser
prontamente instituído, considerando as particularidades e
a funcionalidade do idoso para a tomada de decisão. A
individualização terapêutica deve ser sempre realizada,
evitando iatrogenias, promovendo o aumento da sobrevida
e preservando a qualidade de vida do paciente.

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14 Insuficiência cardíaca

Marcus Vinicius Simões


Leonardo Pippa Gadioli

INTRODUÇÃO
A insuficiência cardíaca (IC) pode ser definida como uma
síndrome clínica complexa, na qual o coração é incapaz de
bombear sangue suficiente para atender às necessidades
metabólicas do organismo, ou pode fazê-lo somente com
elevações das pressões de enchimento. Atualmente, a IC é
considerada epidemia global com elevada morbidade e
mortalidade. Além da alta prevalência, a IC é uma condição
de mau prognóstico quando atinge suas fases clínicas mais
avançadas, sendo que apenas 50% dos pacientes
sobrevivem 5 anos. Essa sobrevida é menor em
comparação com diversos tipos de cânceres (neoplasia de
mama, útero, próstata e linfoma não Hodgkin).
A IC acomete 1 a 2% da população adulta, atingindo
aproximadamente 23 milhões de pessoas ao redor do
mundo. Vale salientar que as principais causas de IC estão
ligadas a doenças crônico-degenerativas como hipertensão
arterial, diabetes mellitus e doença arterial coronária,
sendo, portanto, uma condição com incidência fortemente
ligada ao envelhecimento da população. De fato, a
prevalência da IC dobra a cada década de vida, atingindo
aproximadamente 10% da população após os 80 anos de
idade. Estima-se que na população acima dos 40 anos de
idade o risco de desenvolver a doença ao longo da vida seja
em torno de 20%.
No Brasil, não há levantamentos estatísticos
populacionais sobre a prevalência da IC. Resultados do I
Registro Brasileiro de IC (Registro Breathe) salientam a
importância da síndrome no nosso meio, mostrando elevada
taxa de mortalidade intra-hospitalar e a contribuição de
etiologias consideradas como doenças negligenciadas, tais
como a doença reumática e a doença de Chagas.

CLASSIFICAÇÃO
A IC pode ser classificada de acordo com o grau de
incapacidade física causada pela doença (classe funcional
pela New York Heart Association – NYHA e/ou escala de
atividade específica – SAS). A determinação da classe
funcional permite a avaliação da evolução da doença, do
prognóstico e a monitoração ao longo do tempo do efeito de
medidas terapêuticas, devendo ser obtida na abordagem
inicial e repetida a cada consulta de acompanhamento.
A mais amplamente conhecida classificação funcional é
a da New York Heart Association (NYHA), que, no entanto,
apresenta algumas limitações. O emprego de parâmetros
vagos e subjetivos na caracterização da capacidade física a
torna um instrumento de baixa reprodutibilidade na prática
clínica. É comum que classes intermediárias sejam
artificialmente criadas (p. ex., classe II/III), representando
a imprecisão dos parâmetros utilizados.
Para tornar mais objetiva e aumentar a
reprodutibilidade da classificação funcional da NYHA,
Goldman et al. propuseram uma abordagem apoiada em
uma escala de atividades físicas específicas, com gasto
metabólico de oxigênio previamente conhecido. O Quadro 1
resume os aspectos usados nas duas abordagens para
determinação da classe funcional. A Figura 1 mostra uma
proposta simplificada de perguntas no formato de um
algoritmo para rápida determinação da classe funcional
baseada na escala de atividades específicas.
A síndrome de IC também pode ser classificada como IC
aguda, caracterizada pelo rápido início ou agravamento de
sintomas até manifestações graves em repouso ou mínimos
esforços, ocorrendo ao longo de 1 a 2 semanas; enquanto
IC crônica se refere a sintomas estáveis e persistentes por
pelo menos 3 meses.
A IC pode ainda ser classificada de acordo com seu
estágio evolutivo ou a gravidade do acometimento
estrutural/funcional do coração (Figura 2). Essa
classificação é mais recente e salienta o conceito de que a
IC, na grande maioria das vezes, desenvolve-se a partir de,
ou é agravada, por fatores de risco não controlados agindo
longo tempo antes do início da doença, como hipertensão
arterial, diabetes mellitus, etilismo, agentes cardiotóxicos.
Essa classificação realça a importância da prevenção da IC,
mediante o controle desses fatores de risco. Além disso, as
recomendações terapêuticas podem ser graduadas
conforme o estágio evolutivo em que se encontra um dado
paciente.

QUADRO 1 Classificação funcional pela New York Heart Association (NYHA) e


pela Escala de Atividades Específicas (SAS)
QUADRO 1 Classificação funcional pela New York Heart Association (NYHA) e
pela Escala de Atividades Específicas (SAS)

Classe Classificação funcional (NYHA) Classificação pelas atividades


físicas específicas (SAS), com
correspondentes gastos
metabólicos expressos em
MET (equivalente metabólico)

I Pacientes com doença cardíaca, Pacientes podem executar até o


mas sem limitação para atividade final qualquer atividade que
física. Atividade física usual, não requeira ≥ 7 MET.
causa fadiga, dispneia, palpitação Esporte recreativo (futebol,
desproporcional (desmedida) ou basquete).
angina. Caminhar 8 km/hora, jogging.

II Pacientes com doença Pacientes podem completar


cardíaca resultando em qualquer atividade requerendo
limitação leve da atividade ≥ 5 MET, mas não podem
física. completar atividades que
Atividade física usual resulta requeiram 7 MET.
em fadiga, palpitações, Limpeza pesada, faxina.
dispneia ou angina. Caminhar a 6 km/hora no
plano.
Trabalho em construção civil.

III Pacientes com doença Pacientes podem executar até o


cardíaca resultando em fim qualquer atividade que
acentuada limitação das requeira > 2 MET, mas não
atividades físicas, sendo ainda conseguem completar tarefas que
confortáveis ao repouso. requeiram MET.
Atividade física menor que a Caminhar lentamente no
usual, causa fadiga, plano.
palpitações, dispneia ou Vestir-se ou despir-se sozinho.
angina. Tomar banho.
Lavar janelas, pendurar roupa
lavada.
QUADRO 1 Classificação funcional pela New York Heart Association (NYHA) e
pela Escala de Atividades Específicas (SAS)

IV Paciente com doença cardíaca Pacientes não podem ou não são


resultando em inabilidade capazes de executar atividades
para executar qualquer físicas requerendo > 2 MET
atividade física sem listadas no item imediatamente
desconforto. acima. Sintomas podem ocorrer
Sintomas de insuficiência em repouso.
cardíaca ou de angina podem
estar presentes mesmo em
repouso.
Se qualquer atividade é
executada, o desconforto
aumenta.

Fonte: adaptada de Ainsworth et al., 2000.


Equivalente metabólico (1 MET = 3,5 mL/kg/minuto de consumo de oxigênio).
FIGURA 1 Algoritmo prático para determinação da capacidade funcional pelo
emprego da escala de atividade específica (SAS).
Fonte: adaptada de Goldman et al. (1981).
FIGURA 2 Estágios de evolução da insuficiência cardíaca de acordo com a
American Heart Association e as medidas terapêuticas recomendadas para o
manejo em cada estágio.
BRA: bloqueadores de receptores da angiotensina; CDI: cardiodesfibrilador
implantável; DAV: dispositivo de assistência ventricular; HDLZ: hidralazina; iECA:
inibidores da enzima conversora da angiotensina; iNRA: inibidor da neprislina e
dos receptores da angiotensina; iSGLT2: inibidor do cotransportador de sódio e
glicose tipo 2.

A IC pode ser também classificada de acordo com o


status da função sistólica ventricular esquerda global,
mensurada pela fração de ejeção do ventrículo esquerdo
(FEVE), usualmente medida pelo ecocardiograma, em IC
com FEVE reduzida (ICFER) (< 40%), IC com FEVE
levemente reduzida (41 a 49%) e IC com FEVE preservada
(FEVE ≥ 50%). Recentemente, as sociedades de cardiologia
ao redor do mundo endossaram a nova definição e
classificação universal de IC, acrescentando a IC com
fração de ejeção melhorada (ICFEm) para pacientes com
FEVE prévia < 40%, e tiveram um aumento de 10 pontos
percentuais atingindo taxas acima de 40%. Estima-se que
metade dos pacientes com IC exiba FEVE preservada,
sendo mais comum em mulheres, idosos, diabéticos e
portadores de hipertensão arterial sistêmica (HAS).

FISIOPATOLOGIA DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM


FRAÇÃO DE EJEÇÃO REDUZIDA
O componente fisiopatológico central da síndrome de IC
é a precoce ativação reflexa de sistemas neuro-hormonais,
desencadeada pela redução do débito cardíaco causada
pela perda de massa miocárdica contrátil secundária a
lesão miocárdica cicatricial, com hipoperfusão de órgãos-
chave e estímulo de pressorreceptores arteriais e
quimiorreceptores. Dessa forma, ocorre intensa e
sustentada hiperatividade adrenérgica, do sistema renina-
angiotensina-aldosterona e do hormônio antidiurético. A
ativação desses sistemas não só contribui para a gênese
dos sintomas mediante retenção de sódio e água, com
aumento da volemia, e redução da perfusão tissular por
vasoconstricção, como provoca remodelamento cardíaco
com hipertrofia miocárdica, fibrose intersticial e
perivascular, com deterioração progressiva da função
sistólica cardíaca. Dessa forma, fecha-se um círculo vicioso
de agravamento progressivo da disfunção cardíaca e
acentuação da síndrome clínica de IC (Figura 3).

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações cardinais da síndrome clínica de IC
são dispneia, edema e fadiga aos esforços. A dispneia surge
inicialmente desencadeada aos esforços físicos. Nas fases
mais avançadas, a dispneia pode ocorrer em repouso,
caracteristicamente acompanhada de ortopneia e dispneia
paroxística noturna.

O paciente senta na cadeira, curva-se e toca seus pés. É considerado


“bendopneia” se surgir dispneia em até 30 segundos na posição. A
palavra original inglesa é bendopnea, que deriva do verbo to bend,
que significa dobrar.

O exame físico pode confirmar a presença de congestão


sistêmica (edema de membros inferiores, turgência venosa
jugular, refluxo hepatojugular, hepatomegalia congestiva,
derrame pleural, ascite) e de congestão pulmonar
(estertores inspiratórios nas bases pulmonares), bem como
sinais de redução da perfusão tissular (extremidades frias
com cianose e redução da velocidade de enchimento
capilar). A detecção de redução da pressão sistólica denota
IC grave, significando mau prognóstico. Outros achados no
exame físico, como alterações no ictus cordis, sopros
valvares orgânicos, terceira e quarta bulha, podem indicar
a presença de cardiopatia subjacente e auxiliar no
diagnóstico da forma de cardiopatia.

FIGURA 3 Círculo vicioso da ativação neuro-humoral.

O peso corpóreo é um parâmetro fundamental que deve


ser registrado na avaliação inicial e durante todo o
acompanhamento do paciente. O aumento do peso
significativo (1 a 2 kg) em curto período de tempo é
indicativo de retenção hidrossalina significativa e precede o
aparecimento ou acentuação de outros sintomas da IC
descompensada. A monitoração domiciliar do peso e ajuste
da dose de diurético é uma medida efetiva de controle do
paciente com IC grave que pode reduzir o número de
internações hospitalares.
CONFIRMAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DA INSUFICIÊNCIA
CARDÍACA
Deve-se enfatizar que a IC é uma síndrome de
diagnóstico eminentemente clínico, e, apesar de todo
avanço tecnológico e científico dos últimos anos, a análise
de sintomas e sinais é ainda a principal forma de
diagnóstico. Contudo, dispneia, fadiga e edema podem ser
difíceis de interpretar, particularmente na população de
idosos, obesos e portadores de pneumopatia. Portanto, a
suspeita clínica inicial deve ser seguida de testes mais
objetivos para detectar a disfunção cardíaca.
A Figura 4 ilustra os critérios diagnósticos da IC, em que
sinais/sintomas típicos devem ser conjugados a resultados
de ecocardiograma, para constatar alterações estruturais
ou funcionais cardíacas, e de dosagem de peptídeos
natriuréticos, para evidenciar a congestão ou aumento da
pressão de enchimento das cavidades cardíacas.
Nos casos em que o diagnóstico diferencial da dispneia é
difícil (particularmente nos obesos mórbidos, idosos,
portadores de pneumopatia crônica), a confirmação do
diagnóstico de IC pode ser feita mediante a detecção de
níveis séricos elevados de peptídeo natriurético,
principalmente em pacientes sem uso prévio de diurético –
ver Tabela 1. O peptídeo natriurético (BNP) ou seu
precursor (NT-pró-BNP) é um marcador bioquímico
produzido pelos cardiomiócitos e cujos níveis séricos se
elevam precocemente pela distensão das paredes do
coração nas sobrecargas de volume ou pressão. Além de
serem usados para diagnóstico, os peptídeos natriuréticos
podem ser usados para estratificação prognóstica.
FIGURA 4 Algoritmo diagnóstico na suspeita clínica de insuficiência cardíaca.
BNP: peptídeo natriurético do tipo B; DAC: doença arterial coronariana; IAM:
infarto agudo do miocárdio; HAS: hipertensão arterial sistêmica; IC: insuficiência
cardíaca; NT-pró-BNP: porção N-terminal do peptídeo natriurético tipo B.
Fonte: adaptada da Diretriz Europeia de Insuficiência Cardíaca da Sociedade
Europeia de Cardiologia (2016).

Nos casos em que persiste dúvida quanto ao diagnóstico


de IC ou a dosagem do BNP não é disponível, a constatação
de rápida perda ponderal (2 a 3 kg) após a utilização de
diuréticos e vasodilatadores pode ser útil para confirmar o
diagnóstico de IC.

TABELA 1 Valores dos peptídeos natriuréticos e interpretação para auxílio


diagnóstico

Biomarcador IC altamente IC possível IC improvável


provável

Emergência

BNP > 400 100-400 < 100

NT-pró-BNP

< 50 anos > 450 300-450 < 300

50-75 anos > 900 300-900 < 300

> 75 anos > 1.800 300-1.800 < 300

Ambulatório

BNP < 35-50

NT-pró-BNP < 125

BNP: peptídeo natriurético do tipo B; IC: insuficiência cardíaca; NT-pró-BNP:


porção N-terminal do peptídeo natriurético tipo B.
Fonte: Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca (2018).

DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO E DE COMORBIDADES


Na abordagem inicial do paciente com IC, além da
classe funcional, do estágio evolutivo e da condição
fisiopatológica (FEVE preservada ou reduzida), é também
fundamental a definição das etiologias específicas da IC e
das comorbidades presentes. Essas informações são
críticas para o planejamento da terapêutica, uma vez que o
tratamento da doença de base e o controle dos fatores de
risco (diabetes, hipertensão arterial, etilismo, tabagismo,
dislipidemia) são importantes determinantes do sucesso do
tratamento. A maior parte dos casos de ICFER tem como
etiologia a cardiopatia isquêmica, HAS, etilismo, a doença
de Chagas, a valvopatia reumática ou degenerativa.
A investigação da cardiopatia isquêmica em paciente
com ICFER deve ser realizada inicialmente por minuciosa
anamnese e exame físico, culminando com exames
complementares. A cineangiocoronariografia deve ser
realizada em pacientes com angina típica ou naqueles sem
angina, porém com fatores de risco para doença arterial
coronariana. A estratificação não invasiva doença
isquêmica (ecocardiograma com estresse, cintilografia
miocárdica de perfusão, ressonância magnética cardíaca
(RMC) com imagens de realce tardio de contraste
paramagnético e angiotomografia de coronárias) pode ser
feita em pacientes que não se encaixam nas características
descritas acima.
Além de identificar a presença da fibrose miocárdica
típica da cardiopatia isquêmica, é também importante
reconhecer a presença de isquemia miocárdica vigente,
uma vez que a revascularização de regiões alvo de
territórios vasculares isquêmicos pode associar-se à
melhora da função ventricular esquerda e a maior impacto
positivo no prognóstico.
Além disso, são importantes fatores precipitantes de
descompensação ou agravantes da síndrome de IC, que
devem ser pesquisados rotineiramente nos pacientes com
piora de sintomas, hospitalizações ou progressão de
disfunção: infecção, interrupção da medicação ou falta de
adesão ao esquema terapêutico, ingestão excessiva de
sódio e/ou fluidos, anemia, embolia arterial pulmonar,
disfunção tireoidiana, arritmias cardíacas (bradi ou
taquiarritmias), uso abusivo de álcool, uso inadvertido de
drogas anti-inflamatórias não esteroides (Aine), uso de
agentes inotrópicos negativos (bloqueadores dos canais de
cálcio, propafenona).

EXAMES COMPLEMENTARES
A avaliação diagnóstica complementar laboratorial de
rotina pode contribuir para identificar distúrbios
metabólicos ou condições subjacentes que devem receber
atenção terapêutica. Os exames complementares devem
incluir função renal, eletrólitos, função hepática, dosagem
de hormônio estimulador da tireoide (TSH), glicemia, ácido
úrico, sorologia para doença de Chagas (na presença de
epidemiologia positiva), perfil de ferro (ferro sérico,
ferritina e saturação de transferrina).
O ECG de repouso deve ser pedido em todos os casos e
pode trazer informação útil sobre a etiologia (presença de
zonas eletroinativas na cardiopatia isquêmica), presença de
arritmias (fibrilação e flutter atriais), presença de complexo
QRS alargado (acima de 150 ms implica mau prognóstico).
A radiografia simples do tórax deve ser obtida de rotina,
podendo informar sobre o grau de cardiomegalia, presença
e intensidade da congestão pulmonar e derrame pleural.
Informa ainda sobre comorbidades associadas, como
doenças da aorta e do parênquima pulmonar.
O ecocardiograma é exame de imagem extremamente
útil, e deve ser obtido em todos os casos por fornecer
informações-chave de valor prognóstico que orientam a
terapia, como o grau de remodelamento cardíaco, a
presença de hipertrofia, o valor da fração de ejeção, o
estado do aparelho valvar e do pericárdio.
Exames de medicina nuclear podem ser também úteis
nos pacientes com IC para avaliar sequencialmente a
fração de ejeção dos ventrículos direito e esquerdo,
mediante o emprego da ventriculografia nuclear,
particularmente naqueles pacientes sem janela acústica
para realização de ecocardiograma; e avaliação da
presença de viabilidade miocárdica e isquemia pelo
emprego da cintilografia de perfusão miocárdica.
A RMC fornece informações anatômicas e funcionais,
assim como avaliação de fibrose miocárdica e viabilidade.
Devido a sua alta resolução espacial, permite avaliação
precisa dos volumes ventriculares, da função sistólica
ventricular, da massa e espessura do miocárdio, sendo
considerada padrão-ouro na avaliação desses parâmetros.
É excelente opção quando o ecocardiograma não oferece
diagnóstico preciso da etiologia da cardiopatia. Além das
informações anatômicas e funcionais, a RMC permite
diferenciação entre miocardiopatia isquêmica e não
isquêmica.
Fibrose miocárdica pode ser identificada por gadolínio
com a técnica de realce tardio. Na miocardiopatia
isquêmica o realce tardio encontra-se no subendocárdio ou
tem apresentação transmural, enquanto na miocardiopatia
não isquêmica localiza-se no mesocárdio e no epicárdio. O
realce tardio também está presente em outras
miocardiopatias que cursam com insuficiência cardíaca,
como miocardite, sarcoidose, miocardiopatias infiltrativas e
miocardiopatia hipertrófica.
A RMC com gadolínio está contraindicada em
portadores de insuficiência renal avançada com clearance
de creatinina < 30 mL/kg/minuto. Os agentes de contraste
contendo gadolínio são excretados inalterados quase
exclusivamente pelos rins. Nessa situação pode-se
desenvolver fibrose nefrogênica sistêmica caracterizada
pelo espessamento e endurecimento irreversível da pele
que recobre as extremidades e tronco e fibrose de outras
estruturas profundas como músculo, fáscia, pulmão e
coração.
O teste cardiopulmonar (TCP), atualmente, é
considerado o método padrão-ouro na avaliação funcional
cardiorrespiratória. pois permite avaliar a capacidade
funcional de forma objetiva pela medida direta do consumo
de oxigênio ( O2). Além disso, a mensuração da produção
de gás carbônico ( CO2) e da ventilação minuto ( E),
somada a variáveis obtidas a partir dessas medidas em
conjunto com a monitorização eletrocardiográfica,
hemodinâmica (frequência cardíaca e pressão arterial) e
oximetria de pulso, permite uma análise integrada dos
sistemas cardiovascular, pulmonar, metabólico e
musculoesquelético.
O TCP também pode ser muito útil no diagnóstico
diferencial de dispneia, principalmente por discriminar a
dispneia de origem cardíaca da dispneia de origem
pulmonar. No contexto da IC, o TCP propicia informações
diagnósticas e prognósticas, sendo o método recomendado
para triagem de pacientes candidatos a transplante
cardíaco.
As principais variáveis prognósticas obtidas pelo TCP
são: o VO2 pico, relação entre VE e produção de CO2
(VE/VCO2 slope), ventilação oscilatória e inclinação da
eficiência da captação do oxigênio (OUES).

HISTÓRIA NATURAL DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA


A partir das premissas de que a síndrome de IC no
mundo ocidental contemporâneo é quase sempre devida à
disfunção do músculo cardíaco, na grande maioria das
vezes originada a partir de sequela de infarto miocárdico
antigo, e que a disfunção miocárdica é uma condição
progressiva impulsionada pela ativação neuro-humoral
persistente, podemos observar que os pacientes com IC
evoluem ao longo de suas vidas seguindo uma história
natural que se repete com relativa frequência. Essa história
natural está ilustrada na Figura 5.
FIGURA 5 História natural do paciente com insuficiência cardíaca, com as
diversas fases ou momentos clínicos de evolução: 1: início do tratamento com
melhora dos sintomas; 2: platô de estabilidade clínica; 3: início de internações
hospitalares e piora progressiva da condição clínica; 4: estágio avançado ou
refratário; 5: fase terminal, com óbito por falência progressiva de bomba.
Fonte: adaptada de Goodlin et al. (2009).

Segundo esse modelo evolutivo, os pacientes iniciam


seus sintomas alguns meses ou anos após o
estabelecimento de lesão miocárdica (momento 1 da Figura
5). Logo após o estabelecimento de tratamento
farmacológico adequado, sempre incluindo doses máximas
toleradas dos bloqueadores neuro-humorais capazes de
melhorar os sintomas e a função ventricular esquerda, os
pacientes exibem melhora clínica e ascendem ao patamar
de estabilidade (momento 2). Os pacientes permanecerão
neste “patamar de estabilidade clínica”, durante tempo
menor (meses) ou maior (anos), de acordo com a gravidade
da cardiopatia subjacente e outros fatores prognóstico (ver
adiante). Durante essa fase estável, “patamar de
estabilidade clínica”, o modo preferencial de morte dos
pacientes é a morte súbita. Grande parte dos pacientes
continuará a exibir piora progressiva da disfunção cardíaca
(momento 3), e, com remodelamento cardíaco continuado,
vão experimentar piora de sintomas, internações
hospitalares e piora progressiva da IC, adentrando o
estágio D, com IC refratária, com alta mortalidade
(momento 4), que usualmente se dá nessa fase por falência
progressiva da bomba cardíaca (momento 5); são
necessários tratamentos alternativos como o transplante
cardíaco ou implante de dispositivos de assistência
ventricular para restabelecer um prognóstico mais
favorável. Nessa fase mais avançada é usual considerar a
instituição de cuidados paliativos visando à melhora da
qualidade de vida, particularmente naqueles pacientes
refratários com internações prolongadas e repetidas não
candidatos ao transplante cardíaco.
É pertinente salientar que os momentos mais valiosos
para estabelecer um melhor prognóstico e intervir na
história natural da IC são o momento 1, quando se pode
obter remodelamento reverso e melhora significativa da
função cardíaca e portanto melhor prognóstico, e o
momento 2, em que os pacientes estáveis podem ter seu
tratamento otimizado para permanecerem no platô estável
com melhor prognóstico e postergar ou evitar a IC
avançada e seu significado ominoso.

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA


Várias opções terapêuticas medicamentosas e não
medicamentosas, incluindo dispositivos implantáveis,
podem ser usados no tratamento da IC. A terapia deve ser
individualizada conforme a progressão da doença e a
gravidade das manifestações (Figuras 1 e 6). Vale salientar
que as medidas de controle dos fatores de risco e das
condições agravantes da IC devem ser iniciadas em todos
os casos: controle do peso com dieta apropriada, se
paciente com índice de massa corporal (IMC) > 35 a 40
kg/m2, atividade física regular, controle da HAS,
tratamento da dislipidemia e do diabetes mellitus, cessação
do tabagismo e da ingestão alcoólica.
Para os pacientes com IC em estágio A, apenas as
medidas de controle dos fatores de risco estão
recomendadas. Para aqueles no estágio B (presença de
alteração estrutural cardíaca assintomática), deve-se
adicionalmente considerar o uso de drogas que possam
bloquear o processo de remodelamento ventricular e
impedir, ou postergar, a progressão da doença estrutural
para disfunção ventricular sintomática. Dessa forma, são
recomendados os inibidores da enzima de conversão da
angiotensina (iECA), ou os bloqueadores dos receptores de
angiotensina (BRA) em substituição a estes nos casos de
intolerância ao iECA, e os betabloqueadores em pacientes
após infarto agudo do miocárdio.
Para os pacientes com IC sistólica sintomática (estágios
C e D), um panorama geral do emprego sequencial das
diversas opções de terapia encontra-se delineado na Figura
6. A pedra angular do tratamento é o emprego precoce até
dose-alvo (mostradas eficazes em grandes estudos) ou
doses máximas toleradas para cada paciente dos agentes
bloqueadores neuro-hormonais que aliviam sintomas e
prolongam a sobrevida: Arni ou iECA (ou BRA nos
intolerantes), iSGLT-2, betabloqueadores e antagonistas da
aldosterona.
FIGURA 6 Fluxograma de tratamento da insuficiência cardíaca crônica
sintomática por disfunção sistólica.
bpm: batimentos por minuto; BRA: bloqueadores dos receptores de
angiotensina; CDI: cardiodesfibrilador implantável; FC: frequência cardíaca;
FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; H: hidralazina; iECA: inibidores
da enzima de conversão da angiotensina; N: nitrato; NYHA: New York Heart
Association; TRC: terapia de ressincronização cardíaca.
Diuréticos de alça, mais usualmente furosemida, devem
ser empregados ao longo de todo o curso do tratamento na
dose suficiente para controle das manifestações de
congestão, apenas se elas estiverem presentes, sendo as
mais comuns edema, turgência jugular, hepatomegalia
congestiva, ortopneia e dispneia paroxística noturna.
À luz das evidências atuais, o modelo convencional de
sequenciamento farmacológico de tratamento da ICFER,
atingindo dose-alvo tolerada de cada droga antes de
introduzir a seguinte, tornou-se obsoleto em virtude do
surgimento de drogas com grande impacto em redução da
mortalidade que não são bloqueadores neuro-hormonais,
como o iSGLT-2, e pelo retardo da otimização terapêutica
por até 6 meses quando se usa o sequenciamento
convencional, privando os pacientes de maior benefício
mais precoce de redução de mortalidade. Atualmente, o
modelo de sequenciamento farmacológico ideal propõe a
introdução das 4 classes de drogas (INRA, betabloqueador,
antagonista da aldosterona e iSGLT-2) em 4 semanas, ainda
que em doses iniciais, procedendo-se posteriormente à
titulação das doses até as doses-alvo, conforme toleradas.
Uma proposta de sequência de tratamento seguindo
esses princípios está ilustrada na Figura 7, podendo ser
empregada em pacientes sem sinais e sintomas de
congestão mais grave. Naqueles mais congestos e mais
graves, é recomendável que a introdução do
betabloqueador seja postergada e uma droga com ação
vasodilatadora como o INRA deve ser usada logo no
primeiro momento.
FIGURA 7 Novo modelo de otimização do tratamento farmacológico na ICFER
(insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida).

As classes medicamentosas empregadas para o


tratamento da ICFER são apresentadas de forma sintética
nos quadros a seguir.

Terapia medicamentosa

Inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA) e


bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA)

Por que prescrever?


Aumentam a sobrevida, melhoram os sintomas e capacidade funcional e
reduzem hospitalização.

Mecanismos de ação:
Efeito vasodilatador arteriolar e venoso, reduz a pré e a pós-carga ventricular
esquerda, dessa forma contribuindo para a facilitação da ejeção ventricular,
aumento do débito cardíaco e redução dos sintomas. Bloqueiam a ação da
angiotensina-2 sobre o miocárdio, reduzindo assim a extensão da fibrose
intersticial, da apoptose e evitando/retardando o remodelamento reverso e a
perda progressiva da função sistólica.
Inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA) e
bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA)

Principais indicações:
Potencialmente empregados em todos os pacientes com FEVE < 40%.
Terapia de primeira linha em pacientes sintomáticos (CF II-IV NYHA) em
associação com betabloqueadores e antagonistas da aldosterona.
Assintomáticos (CF I – NYHA) com FEVE < 40%.

Contraindicações:
Angioedema, estenose de artéria renal bilateral e gestantes.

Medicações e doses:
iECA Dose inicial Dose-alvo Frequência ao dia
Captopril 6,25 mg 50 mg 3 vezes ao dia
Enalapril 2,5 mg 10-20 mg 2 vezes ao dia
Lisinopril 2,5-5 mg 40 mg 1 vez ao dia
Perindopril 2 mg 16 mg 1 vez ao dia
Ramipril 1,5-2,5 mg 10 mg 1 vez ao dia
BRA
Candesartana 4-8mg 32 mg 1 vez ao dia
Losartana 25 mg 100-150 mg 1 vez ao dia
Valsartana 40 mg 160 mg 2 vezes ao dia

Como usar?
Iniciar de preferência o iECA com baixa dose e progredir até a dose máxima
tolerada.
Reservar o uso do BRA para os pacientes intolerantes ao iECA por tosse ou
angioedema.
Valores de pressão entre 90 e 100 mmHg não contraindicam o início ou
progressão da terapia.
Checar função renal e eletrólitos no início e a cada 2 semanas após ajuste
da dose.
Incrementar (dobrar) a dose a cada 2 semanas se possível.
Não iniciar iECA ou BRA se potássio > 5,5 mEq/L e/ou creatinina > 2,5 mg.
Inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA) e
bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA)

Resolvendo problemas:
Deve-se interromper o tratamento se potássio sérico > 6 mEq/L e reduzir a
dose se > 5,5 mEq/L.
O aumento de creatinina de até 50% dos valores basais, desde que abaixo de
3 mg, ainda é aceitável.
Se houver hipotensão sintomática, considerar a retirada dos nitratos,
bloqueadores dos canais de cálcio e diuréticos (se não houver sinais de
congestão).
Caso ocorra tosse seca persistente (20% dos pacientes), pode ser feita a troca
do iECA por BRA.

Betabloqueadores

Por que prescrever?


Aumentam a sobrevida, melhoram os sintomas e reduzem a hospitalização.
Reduzem o risco de morte súbita.

Mecanismo de ação:
Inibem a hiperatividade adrenérgica, promovem a recuperação energética da
fibra cardíaca, inibem apoptose, reduzem o estresse parietal e o consumo
miocárdico de oxigênio, reduzem isquemias e arritmias. A longo prazo,
aumentam o volume sistólico ejetado, promovem remodelamento reverso,
aumento da fração de ejeção e melhoram a performance diastólica.

Principais indicações:
Potencialmente em todos os pacientes estáveis com FEVE < 40%.
Terapia de primeira linha em pacientes sintomáticos (CF II-IV NYHA) em
associação com iECA e antagonistas da aldosterona.
Assintomáticos (CF I – NYHA) com FEVE < 40% após infarto agudo do
miocárdio.
Betabloqueadores

Contraindicações absolutas:
Bloqueio atrioventricular de segundo e terceiro graus (na ausência de
marca-passo permanente).
IC descompensada ou choque circulatório.
Contraindicações relativas:
Asma é contraindicação relativa [é possível prescrever bloqueador beta-2-
seletivo (bisoprolol) e monitorizar].
Frequência cardíaca < 50 bpm, intervalo PR > 0,24 segundo.
Nos pacientes com obstrução arterial periférica sintomática, usar o
carvedilol, que possui ação vasodilatadora periférica mediante bloqueio
simultâneo dos receptores alfa-1-adrenérgicos.
Hipoperfusão periférica
DPOC não é contraindicação.

Medicações e doses:
Dose Dose-alvo Frequência ao
inicial dia
Bisoprolol 1,25 mg 10 mg 1 vez ao dia
Carvedilol 3,125 mg 25 mg (< 85 kg) e 50 mg (> 85 2 vezes ao dia
kg)
Succinato 12,5-25 mg 200 mg 1 vez ao dia
de
Metoprolol

Como usar?
Iniciar baixa dose e progredir até a dose máxima tolerada.
Incrementar (dobrar) a dose a cada 2 semanas se possível.
Carvedilol promove vasodilatação arterial periférica (ação
alfabloqueadora), conferindo melhor tolerância na fase de titulação da
droga em pacientes com disfunção ventricular grave.
Bisoprolol é o agente de escolha em pacientes com antecedentes de asma
brônquica ou DPOC, ou que apresentaram sibilância e broncoespasmo com
uso de carvedilol ou metoprolol.
Betabloqueadores

Resolvendo problemas:
Se houver piora da classe funcional e aumento dos sinais de congestão
(edema, dispneia) com um aumento programado da dose, pode-se tentar
aumentar a dose de diuréticos ou dos vasodilatadores para compensação
do quadro e garantir o uso da droga.
Caso ocorra hipotensão sintomática (ou PAS < 85 mmHg), deve-se cogitar
a redução da dose dos diuréticos ou vasodilatadores (iECA/BRA), se em
doses altas, dando prioridade para o emprego do betabloqueador.
Reduzir a dose ou suspender a medicação se houver bradicardia
importante, hipotensão arterial grave, alargamento do intervalo PR > 0,28
segundo, broncoespasmo grave ou agudização de DPOC.
No desenvolvimento de bradicardia, considerar a suspensão de outras
drogas concomitantes que possam estar contribuindo para redução da
frequência cardíaca como digital e amiodarona, priorizando a manutenção
do uso de betabloqueador.

Antagonistas dos receptores de mineralocorticoides

Por que prescrever?


Aumentam a sobrevida, melhoram os sintomas e reduzem a hospitalização.
Estão associados à redução do risco de morte súbita.

Mecanismo de ação:
Bloqueiam a ação da aldosterona sobre o miocárdio, com efeito
antirremodelamento, antifibróticos, aumentam a captação miocárdica de
norepinefrina, diminuem a perda de potássio, além de ação antiarrítmica com
diminuição de morte súbita.

Principais indicações:
Terapia de primeira linha em pacientes sintomáticos (CF II-IV NYHA) com FEVE
≤ 35% em associação com iECA e betabloqueador.
Assintomáticos (CF I – NYHA) com FEVE ≤ 40% após infarto agudo do
miocárdio.

Contraindicações absolutas:
Uso simultâneo da combinação de iECA com BRA, ou outro diurético
poupador de potássio (amilorida).
Doença de Addison, hiperpotassemia ou outras condições associadas com
anúria; uso de eplerenona concomitante; hiperpotassemia.

Medicações e doses:
Dose inicial Dose-alvo Frequência ao dia
Espironolactona 25 m 25-50 mg 1 vez ao dia
Como usar?
Recomenda-se a introdução da espironolactona após a otimização das
doses de iECA ou BRA, devido ao risco de hiperpotassemia.
Não iniciar se potássio > 5 mEq/L e/ou creatinina > 2,5 mg.
Checar potássio sérico 1 semana e 4 semanas após o início ou aumento de
dose.

Resolvendo problemas:
A ginecomastia é frequente; se acentuada e dolorosa pode ser considerada
a interrupção do medicamento.
Recomenda-se reduzir a dose à metade se potássio sérico > 5,5 mEq/L e
interromper o uso se > 6 mEq/L.
Caso a creatinina eleve-se > 2,5 mg/dL durante o tratamento, deve-se
reduzir a dose pela metade.
Caso a creatinina > 3,5 mg/dL, deve-se suspender a droga.
Cuidado com o uso de sal com baixo conteúdo de sódio e alto conteúdo de
potássio.

Inibidores da neprilisina e dos receptores da angiotensina


(sacubitril/valsartana)

Por que prescrever?


Aumentam a sobrevida, reduzem a morte súbita e diminuem a hospitalização

Mecanismo de ação:
Duplo mecanismo de ação:
1. Bloqueiam a neprilisina (endopeptidase neutra que degrada peptídeos
vasoativos como o BNP, bradicinina e adrenomedulina), produzindo aumento
dos níveis séricos e potencializando a ação do BNP endógeno com efeito
natriurético, antifibróticos miocárdicos, efeito vasodilatador periférico
(aumento da produção de óxido nítrico), reduzindo a liberação de renina e
angiotensina-II.
2. Bloqueiam os receptores da angiotensina, trazendo os efeitos benéficos dos
BRA.

Principais indicações:
Em substituição ao iECA (ou BRA), para pacientes com ICFER sintomática
(FEVE ≤ 40%), já em uso de terapia tripla otimizada para reduzir
mortalidade e morbidade.
Potencialmente em todos os pacientes com ICFER sem prescrição prévia de
iECA ou BRA.

Contraindicações:
Concomitante ou dentro de 36 horas da última dose de iECA.
Concomitante ao BRA.
História pregressa de angioedema.
Gestantes e lactantes.
Insuficiência hepática grave (Child-Pugh C).
Uso concomitante de alisquereno em pacientes com diabetes.
Hipersensibilidade ao iECA e/ou BRA.
Potássio > 5,5 mEq/L.

Medicações e doses:
Dose inicial Dose-alvo Frequência ao dia
Sacubitril/valsartana 24/26 ou 49/51 mg 97/103 mg 2 vezes ao dia

Como prescrever?
Pacientes em uso de iECA: deve-se suspender 36 horas antes do início do
sacubitril/valsartana.
Pacientes em uso de BRA: não é necessário o período de 36 horas.
Qual dose deve ser prescrita?
Dose moderada ou alta de IECA ou BRA => iniciar 49/51 mg 12/12 horas.
(Equivalente ≥ 10 mg por dia de enalapril ou ≥ 50 mg por dia de losartana)
Baixa dose de IECA ou BRA => iniciar 24/26 mg 12/12 horas.
(Equivalente < 10 mg por dia de enalapril ou < 50 mg por dia de losartana)
ou
Sem uso prévio de iECA ou BRA ou
Doença renal crônica (clearance de creatinina < 30 mL/minuto/1,73 m2)
Idosos (idade ≥ 75 anos)
Insuficiência hepática moderada (Child Pugh B)

Como usar?
Checar função renal e eletrólitos no início e 2 semanas após ajuste da dose.
Incrementar (dobrar) a dose a cada 2 semanas se possível, na ausência de
hipotensão arterial sintomática, piora da função renal ou hiperpotassemia.

Resolvendo problemas:
Deve-se interromper o tratamento se potássio sérico > 6 mEq/L, ou reduzir
dose se potássio > 5,5 mEq/L, devendo-se rever e corrigir outros fatores
indutores de hiperpotassemia (uso de espironolactona, alimentos ricos em
potássio, uso concomitante de Aine).
Se houver hipotensão sintomática, considerar a retirada dos nitratos,
bloqueadores dos canais de cálcio, anlodipino ou outros hipotensores que
não têm impacto em aumentar sobrevida.
Se houver hipotensão sintomática, é recomendado que se reduza a dose do
diurético de alça, se não houver sinais de congestão.

iSGLT2
Por que prescrever?
Aumenta a sobrevida, melhora os sintomas e reduz a hospitalização.

Mecanismo de ação:
Vasoconstrição da arteríola aferente, diminuindo a pressão intraglomerular
com melhora da função renal, natriurese, aumento do metabolismo energético
cardíaco, diminuição da pré e pós-carga e diminuição da atividade simpática.

Principais indicações:
Terapia de primeira linha em pacientes com FEVE ≤ 40%.

Contraindicações absolutas:
Alergia.
Gravidez e aleitamento materno.
Taxa de filtração glomerular < 20 mL/minuto/ 1,73 m2.
Sintomas de hipotensão: pressão arterial sistólica < 95 mmHg.

Medicações e doses:
Dose inicial Dose-alvo Frequência ao dia
Dapagliflozina 10 mg 10 mg 1 vez ao dia
Empagliflozina 10 mg 10 mg 1 vez ao dia

Como usar?
Verifique a função renal ao iniciar a terapia e monitore regularmente. Sabe-
se que a TFG diminui ligeiramente após o início, mas os inibidores de SGLT-
2 parecem ser renoprotetores.
Monitore a glicemia regularmente, sobretudo quando o paciente é
diabético. Considere a modificação de outras drogas diabéticas.
Identificar os fatores de risco que predispõem à cetoacidose diabética e
elimine-os, se possível.
Monitore o equilíbrio hidroeletrolítico regularmente, sobretudo quando um
paciente está tomando diuréticos, é idoso e/ou frágil. Considere um ajuste
de terapia diurética e fluido.

Resolvendo problemas:
Infecções geniturinárias:
Os pacientes devem ser monitorados no contexto de sintomas e sinais de
infecções fúngicas geniturinárias.
Hipoglicemia:
Outros medicamentos para diabetes (particularmente derivados de insulina
e/ou sulfonilureia) podem predispor à hipoglicemia; neste caso, a estratégia de
tratamento do diabético precisa ser modificada.
Desidratação, hipotensão e insuficiência renal pré-renal:
Os inibidores de SGLT-2 podem intensificar a diurese, principalmente
quando acompanhados de Sac/Val e terapia diurética.
O equilíbrio de fluidos precisa ser monitorado. As doses de diuréticos
juntamente com a ingestão de líquidos devem ser equilibradas para evitar
desidratação, hipotensão sintomática e insuficiência renal pré-renal.
Pacientes idosos e frágeis correm um risco particular de desenvolver essas
complicações.

Diuréticos de alça

Por que prescrever?


Alívio de sintomas e sinais congestivos e redução da volemia.

Mecanismo de ação:
Os diuréticos de alça atuam na alça de Henle e produzem efeito potente sobre
a excreção de água e sódio, mantendo sua eficácia mesmo na situação de
queda da função renal leve a moderada (muito frequente nos pacientes com
IC).

Principais indicações:
Potencialmente em todos os pacientes com sinais e sintomas de congestão
volêmica, independentemente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
Devem ser prescritos em combinação com iECA, betabloqueador e
antagonista da aldosterona.

Contraindicações absolutas:
Pacientes euvolêmicos.
Hipersensibilidade à medicação.

Medicações e doses:
Diuréticos de alça Dose inicial Dose máxima diária
Furosemida 20-40 mg 40-240 mg (dividida em 2 doses diárias)
Bumetanida 0,5-2 mg 10 mg (dividida em 2 doses diárias)
Diuréticos de alça

Como usar?
Recomenda-se utilizar a menor dose necessária para obter a resolução
progressiva dos sinais/sintomas de congestão ou efeito clínico desejado
(redução de peso corpóreo: 1 a 2 kg/dia nos pacientes hospitalizados).
Monitorizar sinais clínicos de congestão e o peso a cada consulta.
Em pacientes com IC sintomática é usual que se mantenha por longo
tempo a dose de diurético de alça que foi cuidadosamente ajustada para
atingir o estado de euvolemia, não sendo necessária a retirada do diurético
ou redução da dose, uma vez que a própria redução da volemia provoca
uma redução do efeito diurético e a manutenção de um estado de
euvolemia.
Naqueles pacientes em estado euvolêmico, isto é, sem sinais congestão e
assintomáticos (CF-I), tardiamente (> 6 meses) após a titulação até a dose
máxima de iECA/BRA e betabloqueador, a cuidadosa redução ou suspensão
do diurético deve ser considerada, devendo-se monitorar a recrudescência
do quadro congestivo.
Checar função renal e eletrólitos 1 a 2 semanas após início ou aumento de
dose.

Resolvendo problemas:
Assintomáticos e com hipotensão arterial: reduzir a dose se não houver
sinais e sintomas de congestão.
Hipotensão sintomática: reduzir a dose se não houver sinais e sintomas de
congestão e considerar a retirada dos nitratos, bloqueadores dos canais de
cálcio.
Hipocalemia e hipomagnesemia: considerar aumento da dose de iECA ou
BRA, prescrição de antagonista da aldosterona e suplementos de potássio e
magnésio.
Nos casos refratários ao tratamento com diuréticos de alça (resistência ao
diurético), a associação com diurético tiazídico, promovendo o bloqueio
sequencial do néfron, pode produzir aumento do efeito diurético.
Os efeitos adversos mais frequentes são distúrbios eletrolíticos
(hipomagnesemia e hipocalcemia) e metabólicos (hiperuricemia,
hiperglicemia e hiperlipidemia).

Diuréticos tiazídicos
Diuréticos tiazídicos

Por que prescrever?


Os diuréticos tiazídicos têm potência diurética muito reduzida e não são
usados para combater a congestão nos paciente com IC.
Mas podem ser usados para promover o bloqueio sequencial do néfron em
pacientes com congestão persistente e síndrome de resistência diurética,
apesar do uso de doses elevadas de diuréticos de alça, para alívio de sintomas
e sinais congestivos e redução da volemia.

Mecanismo de ação:
Os diuréticos tiazídicos agem no túbulo contorcido distal e têm ação
natriurética modesta quando usados isoladamente, mas podem potencializar
grandemente o efeito dos diuréticos de alça.

Principais indicações:
Síndrome de resistência diurética em pacientes com congestão refratária
apesar do uso de doses elevadas de diuréticos de alça.

Contraindicações:
Pacientes euvolêmicos.
Hipersensibilidade à medicação.

Medicações e doses:
Tiazídicos Dose inicial Dose máxima diária
Hidroclorotiazida 50 mg 200 mg
Clortalidona 50 mg 200 mg

Na insuficiência cardíaca, diferente do que se pratica na HAS, a dose inicial de


diuréticos tiazídicos é mais alta = 50 mg/dia. A ideia é produzir efeito diurético
significativo e produzir bloqueio do néfron, o que não é necessário na HAS em
que se inicia doses de 12,5 mg
Diuréticos tiazídicos

Como usar?
Deve-se iniciar com a dose de 50 a 100 mg ao dia, podendo-se progredir
até 200 mg ao dia.
O efeito de bloqueio do néfron ocorre a partir de um “limiar de dose”,
sendo que alguns pacientes não respondem à dose de 50 mg e necessitam
de doses maiores, de 100 a 200 mg/dia.
Ao atingir o efeito de bloqueio do néfron, a diurese exibe incremento
importante (praticamente dobra o volume urinário em 24 horas).
Quando os sinais e sintomas de hipervolemia se resolvem, o diurético
tiazídico deve ser suspenso, uma vez que não há fenômeno de “frenagem
diurética” quando se usa a associação de diuréticos de alça + tiazídicos
para bloqueio sequencial do néfron.
Quando o efeito diurético precisa ser reduzido para garantir um ritmo mais
brando de retirada de volume, deve-se manter a dose por tomada que
alcançou o efeito de bloqueio e reduzir a frequência de administração do
diurético tiazídico, que passa a ser administrado em dias alternados ou a
cada 3 dias, uma vez que redução da dose abaixo de 50 mg/dia não produz
bloqueio do néfron.
Monitorizar sinais clínicos de congestão e o peso a cada consulta.
Checar função renal e eletrólitos 1 a 2 semanas após início ou aumento de
dose.

Resolvendo problemas:
É comum o desenvolvimento de hiponatremia, situação em que o diurético
tiazídico pode ser substituído por acetazolamida (250 mg a 2 g/dia), que se
associa a menor espoliação de sódio.
A hipocalemia também pode ocorrer com frequência e deve ser manejada
com o uso concomitante de doses mais elevadas de espironolactona ou
reposição de potássio.
Outros efeitos adversos frequentes são distúrbios eletrolíticos
(hipomagnesemia e hipocalcemia) e metabólicos (hiperuricemia,
hiperglicemia e hiperlipidemia).

Ivabradina

Por que prescrever?


Reduzir hospitalizações e melhorar os sintomas de insuficiência cardíaca.
Ivabradina

Mecanismo de ação:
Inibe especificamente o canal If do nó sinusal, modulando suas correntes
iônicas e reduzindo a frequência cardíaca no repouso e durante o esforço. É
um agente bradicardizante puro, sem outros efeitos cardiovasculares de
hipotensão ou fadiga, sem indução de broncoespasmo.

Principais indicações:
Pode ser adicionada à terapia-padrão em doses máximas toleradas (iECA/BRA,
betabloqueador, diuréticos) para controle de sintomas e redução do número
de internações em pacientes com ICFER crônica em ritmo sinusal, que
persistem com FC ≥ 70 bpm.

Contraindicações:
Pacientes instáveis (síndrome coronariana aguda, AVC, AIT, hipotensão
grave).
Doença do nó sinusal.
Bloqueio atrioventricular de segundo e terceiro graus.
Frequência cardíaca < 60 bpm.
Fibrilação atrial.
Gestantes e lactantes.
Insuficiência hepática grave.

Medicações e doses:
Dose inicial Dose-alvo Frequência ao dia
Ivabradina 2,5-5 mg 7,5 mg 2 vezes ao dia

Como prescrever?
Idade ≥ 75 anos: iniciar 2,5 mg 12/12 horas.
Idade < 75 anos: iniciar 5 mg 12/12 horas.

Como usar?
Reavaliar a FC após 2 a 4 semanas.
Aumentar a dose em 2,5 mg/tomada caso FC ainda > 60 bpm.
Diminuir a dose caso FC < 50 bpm.
FC ideal (50 a 60 bpm).
Ivabradina

Resolvendo problemas:
Deve-se interromper ou diminuir a dose se FC < 50 bpm e sintomas de
bradicardia.
A ivabradina pode também interagir com a corrente Ih da retina, que é
muito semelhante à corrente If cardíaca, produzindo fenômenos visuais
luminosos transitórios chamados de fosfenos que geralmente desaparecem
durante o tratamento, raramente causa de descontinuidade da medicação.
Cuidado com a interação com medicações que inibem a isoenzima CYP3A4
do citocromo P450. Exemplo: antifúngicos (cetoconazol, itraconazol),
antibióticos macrolídeos e inibidores da protease (nelfinavir e ritonavir).

Digoxina

Por que prescrever?


Melhora os sintomas e reduz a hospitalização por IC descompensada.

Mecanismo de ação:
Efeito inotrópico positivo, produz leve natriurese e associa-se à redução da
taxa de condução atrioventricular do estímulo elétrico cardíaco.

Principais indicações:
A digoxina pode ser adicionada à terapia-padrão (iECA/BRA,
betabloqueador, diuréticos) para controle de sintomas e redução do
número de internações em pacientes com ICFER (FEVE ≤ 45%) em ritmo
sinusal ou com fibrilação atrial controle de frequência ventricular, que
persistam gravemente sintomáticos (CF III-IV), que tenham internações
hospitalares recentes.

Contraindicações:
Doença do nó sinusal.
Bloqueio atrioventricular de segundo e terceiro graus.
Intolerância pregressa à digoxina.
Disfunção do VE assintomática ou ICFEP em ritmo sinusal.
Síndrome de pré-excitação ventricular.
Disfunção hepática e cirrose hepática.

Medicações e doses
Dose Dose de Frequência ao dia
inicial manutenção
Digoxina 0,25 mg 0,125-0,25 mg 1 vez ao dia, ou dias
alternados

Como usar?
Análises post hoc de estudos clínicos recentes e registros têm sugerido que
a digoxina pode associar-se a risco aumentado de morte súbita em
pacientes com fibrilação atrial quando os níveis séricos ultrapassam 1,2
ng/mL, sendo sugerida a monitoração do seu nível sérico.
Mulheres, idosos e pacientes com disfunção renal ou massa magra
reduzida devem receber doses reduzidas de 0,125 mg/dia.
Alguns medicamentos podem elevar o nível sérico da digoxina e predispor
à intoxicação: amiodarona, diltiazen, verapamil, quinidina, e alguns
antibióticos.
Recomenda-se monitorar regularmente a digoxinemia, sendo o nível sérico
ideal entre 0,7 e 0,9 ng/mL.

Resolvendo problemas:
Deve-se reduzir a dose caso identifique digoxinemia > 0,9 ng/mL.
Mulheres, idosos e pacientes com disfunção renal ou massa magra
reduzida, aspectos associados a maior risco de intoxicação digitálica,
devem receber doses reduzidas de 0,125 mg/dia e em dias alternados.
Devem-se reconhecer manifestações de intoxicação digitálica:
náuseas/vômitos, visão amarelada (xantopsia), arritmia ventricular e
distúrbios de condução AV, taquicardia atrial com bloqueio AV.

Combinação de hidralazina e nitrato

Por que prescrever?


Aumenta a sobrevida, melhora os sintomas e reduz a hospitalização.

Mecanismo de ação:
Hidralazina (HDLZ) é um vasodilatador arteriolar direto, e o nitrato é um
vasodilatador venoso mediado por óxido nítrico, os quais oferecem os efeitos
hemodinâmicos da mesma natureza que os iECA/BRA. A combinação das
drogas também age no miocárdio, reduzindo o estresse oxidativo, diminuindo
lesão das fibras miocárdicas e associando-se à indução de remodelamento
reverso.

Principais indicações:
Disfunção sistólica sintomática em classe funcional II-IV (NYHA), com
contraindicações ao IECA/BRA (insuficiência renal e/ou hipercalemia)
independentemente da etnia.
Disfunção sistólica sintomática para negros autodeclarados (maior força de
indicação e evidência de benefícios) ou não negros em classe funcional III-
IV (NYHA), apesar da terapêutica otimizada.

Contraindicações:
Hidralazina: doença arterial coronariana grave sintomática e lesões
valvares com estenose grave.
Hidralazina: alergia ou síndrome lupus-like induzida.
Nitrato: uso concomitante com sildenafila e tadalafila.

Medicações e doses:
Dose Dose- Frequência ao
inicial alvo dia
Hidralazina + dinitrato de 25/10 mg 100/40 3 vezes ao dia
isossorbida mg

Como usar?
Usar com cuidado ou evitar o uso se pressão arterial sistólica < 90 mmHg,
ou na presença de hipotensão sintomática.
É usual que a pressão arterial apresente aumento paradoxal após a
introdução das drogas, traduzindo aumento do volume sistólico ejetado em
face da redução da impedância ejetiva do VE.
A dose deve ser titulada a cada 2 a 4 semanas, com monitoração de
sintomas hipotensivos e níveis de PA ≥ 90 mmHg.
Deve-se prescrever a combinação de hidralazina + nitrato a cada 8 horas.
Não é necessário prescrever doses assimétricas do nitrato.

Resolvendo problemas:
O efeito colateral mais frequente é a hipotensão, mas usualmente se alivia
com o tempo. Para reduzir a intensidade desse efeito colateral, deve-se
cogitar a redução da dose de outros agentes hipotensores eventualmente
em uso (que não iECA/BRA, betabloqueador/espironolactona).
Raramente pode ocorrer a síndrome semelhante a lúpus (lupus-like)
(artralgia, exantema cutâneo, febre, pericardite/pleurite), o que indica a
suspensão.

Terapia não medicamentosa

Restrição hídrica e salina


A restrição de sódio na insuficiência cardíaca sempre foi
fortemente recomendada. Recentemente essa orientação
vem apresentando pontos de controvérsia. Alguns estudos
têm indicado que dietas com teor muito reduzido de sódio
(consumo diário < 2 g de sódio/dia) podem associar-se a
maior ativação neuro-hormonal e maior mortalidade, bem
como menor ingesta de proteínas e desnutrição. Por outro
lado, a restrição dietética inferior a 3 g de sódio por dia
associou-se a benefícios apenas nos portadores de IC
avançada, mas não foram observados efeitos benéficos nos
pacientes com IC leve.
Apesar de as evidências atuais não apontarem para um
nível definitivo de restrição de sal na dieta, deve-se
salientar que o consumo médio de sal é tipicamente
elevado na população geral e também entre os portadores
de IC, de modo que a recomendação geral para uma
ingestão de sal em níveis não superiores a 5 g ao dia para
portadores de IC deve ser empregada. A restrição hídrica
com ingestão máxima de 1.000 a 1.500 mL/dia está
indicada nos pacientes com classe funcional avançada (CF
III e IV) e com sinais congestivos refratários.

Vacinação
Portadores de IC devem receber anualmente vacinação
para influenza. Atualmente, também está indicada a vacina
para Covid-19. De modo adicional, a vacinação para
pneumococo polivalente deve ser realizada em dose única
com possibilidade de reforço a cada 5 anos.

Reabilitação cardiovascular
A reabilitação cardiovascular, conduzida em sessões de
treinamento monitoradas por profissional experiente e
incluindo exercícios aeróbios e resistidos, pode aumentar a
capacidade aeróbica e recuperar a massa muscular,
produzindo melhora dos sintomas e aumento da capacidade
de esforço. Pode ser indicada em pacientes com IC
moderadamente sintomática (CF II-III) e clinicamente
estáveis. De maneira geral a reabilitação cardiovascular
acompanha-se de redução de hospitalização e sintomas,
melhora na qualidade de vida e na autoestima dos
pacientes.
Os pacientes que mais se beneficiam do programa de
reabilitação são aqueles que, apesar da terapia
farmacológica otimizada, persistem com sintomas de fadiga
e dispneia na ausência de outros sinais de hipervolemia ao
exame físico (pacientes “secos). Esse quadro de “dispneia
residual” ou “dispneia seca” pode dever-se à exacerbação
de reflexos originados na musculatura periférica que
provocam hiperventilação desproporcional aos esforços
desenvolvidos e decorrem da presença de hipoperfusão e
atrofia da musculatura esquelética, secundárias à IC, que
podem ser mitigados pelo treinamento físico.

A abordagem multidisciplinar da insuficiência cardíaca


A abordagem multidisciplinar da IC, também conhecida
como “Clínica de IC”, é um programa de manejo da doença
que inclui várias medidas: atividades educativas voltadas
para o paciente quanto à doença e seus cuidados,
esclarecimento e envolvimento dos familiares e cuidadores
no tratamento, suporte psicológico e nutricional,
reabilitação física, programa de orientação e monitoração
do peso domiciliar com dose variável de diuréticos, contato
frequente (presencial ou telefônico) com enfermeira
especializada em IC para detecção precoce de acentuação
de sintomas que caracterizem precocemente a
descompensação da IC e possam ser tratados
ambulatorialmente, reduzindo as taxas de reinternação.
Outro ponto-chave desse programa é a orientação e
preparação da alta dos pacientes internados com IC,
medida que reduz de forma significativa a taxa de
reinternação precoce.
As clínicas de IC têm mostrado em estudos
multicêntricos efeito positivo em prolongar a sobrevida e
promover a redução de reinternações nos pacientes com IC
avançada e risco elevado, principalmente nos pacientes
com internações recentes ou curso clínico instável.

Terapia de ressincronização cardíaca


A terapia de ressincronização cardíaca (TRC), mediante
implante de marca-passo multissítio, baseia-se no conceito
de que o remodelamento ventricular esquerdo avançado
está associado a importante retardo da progressão da onda
de contração da parede lateral do ventrículo esquerdo em
relação à parede septal, que é a mais precocemente
ativada. Esse dessincronismo intraventricular esquerdo
causa agravamento da disfunção sistólica (redução da
FEVE) e diastólica do ventrículo esquerdo, além de
acentuação da insuficiência mitral funcional.
O restabelecimento do sincronismo contrátil pela TRC é
uma opção não medicamentosa efetiva para melhora dos
sintomas e aumento da sobrevida em pacientes com IC
avançada. Contudo, uma parcela dos pacientes, cerca de
30%, não apresentam resposta favorável à TRC. Nesse
cenário, diversos estudos identificaram as melhores
características clínicas de pacientes hiper-respondedores,
como sexo feminino, etiologia não isquêmica, duração do
QRS ≥ 150 ms, padrão típico de bloqueio de ramo esquerdo
2
(BRE), átrio esquerdo de menor volume e IMC < 30 kg/m .
Atualmente, a indicação de TRC restringe-se a pacientes
em ritmo sinusal que persistam sintomáticos apesar do
tratamento clínico otimizado e que apresentam FEVE ≤
35% e QRS alargado ≥ 150 ms com morfologia de BRE.
Nos pacientes com QRS entre 130 e 150 ms com
morfologia de BRE e ritmo sinusal, a TRC também pode ser
indicada, mas com menor evidência de benefício.
Vale reforçar que a indicação da TRC somente deve ser
considerada após análise crítica cautelosa dos critérios de
indicação e a constatação de que o tratamento
medicamentoso está plenamente otimizado há pelo menos
3 meses, incluindo sacubitril-valsartana, iSGLT-2,
betabloqueadores e antagonista da aldosterona nas doses
preconizadas ou nas máximas doses toleradas.

Cardiodesfibrilador implantável
O implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI) tem
o objetivo de prevenir a morte súbita, uma vez que cerca de
80% são decorrentes de arritmias ventriculares como
taquicardia ventricular (TV) e fibrilação ventricular (FV).
As indicações para implante de CDI podem ser divididas
em prevenção primária e secundária. Na prevenção
primária, recomenda-se o implante de CDI em pacientes
com disfunção sistólica (FEVE ≤ 35%) sintomática em
classe funcional II-III (NYHA) de etiologia isquêmica, pelo
menos 40 dias após o infarto e 90 dias após cirurgia de
revascularização miocárdica com terapêutica otimizada e
com boa expectativa de vida em 1 ano. Na etiologia não
isquêmica, a indicação é semelhante à etiologia isquêmica,
porém a terapêutica otimizada deve ter mais de 6 meses de
evolução.
Na prevenção secundária, recomenda-se o implante de
CDI em pacientes sobreviventes de parada cardíaca devido
a FV ou TV sustentada, na presença de TV sustentada
estável ou instável e na presença de síncope recorrente
com indução de taquicardia ventricular instável ou FV no
estudo eletrofisiológico invasivo.

Abordagem na insuficiência cardíaca refratária


Pacientes que se apresentam acentuadamente
sintomáticos (classe funcional III ou IV), mesmo após o
estabelecimento de terapêutica adequada com doses
otimizadas, podem ser considerados portadores de IC
refratária. Ainda que esse quadro clínico possa dever-se à
própria gravidade da cardiopatia, na abordagem desses
doentes é altamente recomendado que se busquem
ativamente e se removam os fatores agravantes ou
contribuintes para a refratariedade.
O Quadro 2 lista os principais aspectos clínicos e
laboratoriais que devem ser explorados nessa situação.
Para aqueles pacientes que permanecem refratários (CF
III-IV), com disfunção de órgãos, hospitalizações frequentes
por IC (> 1 por ano), hipotensão persistente e frequência
cardíaca elevada, deve ser considerado o encaminhamento
para o especialista em IC, sendo candidatos a tratamentos
alternativos como o transplante cardíaco

Transplante cardíaco
O transplante cardíaco é um tratamento alternativo que
pode restabelecer a sobrevida em níveis aceitáveis a longo
prazo e deve ser considerado em portadores de IC exibindo
mau prognóstico com CF III ou IV persistente com sintomas
incapacitantes (estágio D) e sem alternativa de tratamento
clínico ou cirúrgico. Um dos grandes desafios encontra-se
na seleção de candidatos que mais se beneficiem do
procedimento em termos de sobrevida e qualidade de vida,
uma vez que o número de doadores é muito escasso. Dados
da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO)
revelam um número de 150 a 200 transplantes cardíacos
realizados no Brasil nos últimos anos.

QUADRO 2 Indicações de transplante cardíaco

Classe de Indicação
recomendação
QUADRO 2 Indicações de transplante cardíaco

I IC avançada na dependência de drogas inotrópicas e/ou


suporte circulatório mecânico.

IC avançada classe funcional III persistente e IV com


tratamento otimizado na presença de outros fatores de mau
prognóstico.

IC avançada e VO2 de pico ≤ 12 mL/kg/minuto em pacientes


em uso de betabloqueadores.

IC avançada e VO2 de pico ≤ 14 mL/kg/minuto em pacientes


intolerantes a betabloqueadores.

Arritmias ventriculares sintomáticas e refratárias ao manejo


com fármacos, dispositivos elétricos e procedimentos de
ablação.

IIa IC refratária e VO2 de pico ≤ 50% do previsto em pacientes


com < 50 anos e mulheres.

Doença isquêmica com angina refratária sem possibilidade


de revascularização.

IIb IC refratária e VO2 de pico ajustado para massa magra ≤ 19


mL/kg/minuto em pacientes com IMC > 30.

IC refratária e equivalente ventilatório de gás carbônico


(relação VE/VCO2) > 35 particularmente se VO2 de pico ≤ 14
mL/kg/minuto e/ou teste cardiopulmonar submáximo (RER <
1,05).

III Disfunção sistólica isolada.

Prognóstico adverso estimado apenas por escores


prognósticos ou VO2 de pico isoladamente.

IC classe funcional NYHA III-IV sem otimização terapêutica.

IC: insuficiência cardíaca; IMC: índice de massa corporal; VO2: consumo de


oxigênio; VE/VCO2: equivalente ventilatório de gás carbônico; RER: coeficiente
respiratório; NYHA: New York Heart Association.

A avaliação objetiva da capacidade funcional com


mensuração direta do consumo máximo ou pico de oxigênio
(VO2) pelo teste cardiopulmonar deve ser realizada em
todos os possíveis candidatos. Deve-se enfatizar que o
achado de fração de ejeção gravemente reduzida não
representa isoladamente indicação de transplante. O
Quadro 2 sumariza as indicações de transplante cardíaco
segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de
Cardiologia.

PARTICULARIDADES NO TRATAMENTO DA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NO IDOSO
À luz das evidências atuais, apenas um estudo
multicêntrico randomizado e placebo-controlado foi
realizado em indivíduos portadores de IC e com idade > 70
anos, o estudo Seniors (Study of effects of nebivolol
intervention on outcomes and rehospitalization in seniors
with heart failure), que demonstrou eficácia do nebivolol
em reduzir hospitalizações por IC. Na maioria dos outros
estudos, os muitos idosos são excluídos ou sub-
representados. Apesar disso, subanálises de estudos com
iECA (Heart outcomes prevention evaluation – Hope), BRA
(Candesartan in heart failure: assessment of reduction in
mortality and morbidity – Charm-Alternative) e
betabloqueadores (Organized program to initiate lifesaving
treatment in hospitalized patients with heart failure –
Optimize-HF) e com sacubitril/valsartana (Paradigm-HF)
observaram eficácia semelhante aos relatados no grupo
geral.
Recentemente, análise post hoc do estudo Dapa-HF
também mostrou efeitos consistentes em todas as
categorias de idade para todos os resultados do estudo. É
importante salientar que a magnitude do efeito da
dapagliflozina na redução do desfecho composto de morte e
internação por IC e o desfecho secundário de visita urgente
por IC e hospitalização foi numericamente maior naqueles
com idade maior que 75 anos em comparação com
categorias de idade mais jovem. Dessa forma, recomenda-
se tratamento análogo aos indivíduos portadores de IC com
idade > 70 anos em comparação com os indivíduos mais
jovens, porém com maior atenção para interações
medicamentosas e tolerabilidade.

QUADRO 3 Condições associadas à IC refratária ao tratamento

Baixa aderência à terapêutica medicamentosa.

Ingesta de sal superior à recomendada (2-3 g/dia).

Hipervolemia persistente causada por resistência ao diurético de alça


(necessidade de otimização da dose e/ou associação de diuréticos tiazídicos).

Uso de medicações que interferem com boa evolução da IC: AINH (causam
disfunção renal e hipervolemia), drogas inotrópicas negativas como
propafenona e bloqueadores de canal de cálcio (exceção para anlodipina).

Presença de comorbidades como anemia, hiper ou hipotireoidismo,


insuficiência renal

FA sem controle adequado da FC


AINH: anti-inflamatórios não hormonais; FA: fibrilação atrial; FC: frequência
cardíaca; IC: insuficiência cardíaca.

Particularmente, o controle cardiovascular mais


deficiente do idoso pode fazê-lo mais propenso à hipotensão
postural e reduzir a tolerabilidade das medicações
bloqueadoras neuro-hormonais que têm efeito intrínseco de
redução da pressão arterial.
Adicionalmente, é comum o idoso exibir bradicardia ou
incompetência cronotrópica por disfunção do nó sinusal,
também associada ao avançar da idade, fazendo com que a
monitoração do ritmo cardíaco e da frequência cardíaca
seja mais rigorosa.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FRAÇÃO DE EJEÇÃO


PRESERVADA
A insuficiência cardíaca com fração de ejeção
preservada (ICFEP) é responsável 30 a 55% das
internações por IC descompensada, de acordo com
registros e estatísticas dos EUA e Europa. Nos últimos
anos, a prevalência de ICFEP em relação à ICFER vem
aumentando, com estimativa de tornar-se o fenótipo de IC
predominante nas próximas décadas. Esse aumento de
prevalência prende-se em grande parte ao envelhecimento
da população, uma vez que a ICFEP é a forma
preponderante de IC nos idosos. Desse modo, pode-se dizer
que a ICFEP é um importante e crescente problema de
saúde pública.
Grande parte desses pacientes é formada por idosos,
com predominância do gênero feminino, obesos,
hipertensos de longa evolução, diabéticos, portadores de
fibrilação atrial e doença aterosclerótica coronariana.
Notadamente, pacientes com ICFEP apresentam maior
prevalência de comorbidades não cardíacas em
comparação com aqueles portadores de IC com fração de
ejeção reduzida (ICFER).
No que tange aos mecanismos fisiopatológicos, a ICFEP
também difere da ICFER (Figura 8). A hipótese
fisiopatológica mais atual sugere que a ICFEP seja fruto de
anormalidades do cardiomiócito (aumento da rigidez,
sobrecarga de cálcio) e da matriz extracelular secundários
à ação de citocinas inflamatórias que causam disfunção
microvascular agindo ao longo da vida nos pacientes com
comorbidades associadas ao aumento da atividade
inflamatória sistêmica, como obesidade, diabetes,
hipertensão arterial, doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC) e disfunção renal.

Quadro clínico

Os sinais e sintomas de ICFEP são indistinguíveis


daqueles exibidos pelos pacientes com ICFER, à exceção da
menor presença de terceira bulha e de cardiomegalia. Nos
últimos anos, diversos estudos têm mostrado que a ICFEP é
bastante heterogênea e complexa em relação à
fisiopatologia de suas manifestações clínicas, com grande
variação individual dos mecanismos e das anormalidades
funcionais/estruturais. De forma geral, além da disfunção
diastólica, são mecanismos amplamente aceitos como
contribuintes para a disfunção cardíaca nos pacientes com
ICFEP: marcante incompetência cronotrópica durante
esforço, disfunção endotelial e insuficiente vasodilatação
arteriolar periférica, rigidez arterial, disfunção sistólica
atrial esquerda, desacoplamento ventrículo-arterial,
aumento das pressões de enchimento do VE durante
esforço.
Outro aspecto marcante é a heterogeneidade dos
fenótipos clínicos encontrados quando da apresentação dos
pacientes, conforme resumido no Quadro 4.
Ao contemplar o Quadro 4, é relevante considerar que
os pacientes podem inicialmente apresentar-se com o
fenótipo mais brando de dispneia aos esforços, podendo
permanecer nesse estágio por longo tempo e,
eventualmente, progredir para fenótipos mais graves, com
manifestações congestivas e/ou hipertensão pulmonar pós-
capilar muito evidentes, havendo correspondente piora do
prognóstico nessas últimas fases. Por outro lado, não é
incomum encontrar pacientes cuja primeira manifestação
de ICFEP sejam os fenótipos mais graves congestivos, sem
que haja em sua história pregressa o comemorativo de
dispneia aos esforços precedendo o aparecimento da
síndrome congestiva.

FIGURA 8 Fisiopatologia da insuficiência cardíaca com fração de ejeção


preservada (ICFEP).
Fonte: adaptada de Lam et al. (2018).

QUADRO 4 Fenótipos da ICFEP

Fenótipo Inicial – Congestão Hipertensão


ambulatorial evidente pulmonar
QUADRO 4 Fenótipos da ICFEP

Clínica Elevação da Congestão Hipertensão


pressão de pulmonar e/ou pulmonar pós-
enchimento do VE sistêmica. capilar com
induzida pelo IC remodelamento
exercício, descompensada, do VD e
manifestação de podendo haver congestão venosa
dispneia aos hospitalização. sistêmica
esforços, paciente Disfunção predominante.
ambulatorial diastólica
comumente
detectada em
repouso.

Peptídeos Normal ou Elevado Frequentemente


natriuréticos levemente elevado
elevado

ICFEP: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; VD: ventrículo


direito; VE: ventrículo esquerdo.
Fonte: adaptado de Shah et al. (2014).

Diagnóstico da insuficiência cardíaca com fração de ejeção


preservada

Na suspeita clínica de ICFEP, os pacientes devem ser


inicialmente avaliados com história clínica, exame físico e
ECG. É importante ressaltar que dispneia e intolerância aos
esforços são sintomas altamente sugestivos de IC, mas
muito inespecíficos e frequentes em idosos com
comorbidades. Desse modo, o diagnóstico de ICFEP deve
obedecer rigorosamente aos critérios diagnósticos
estabelecidos recentemente na diretriz brasileira de
insuficiência cardíaca.
A Figura 9 ilustra o algoritmo diagnóstico de ICFEP, de
acordo com a última diretriz da Sociedade Brasileira de
Cardiologia (2021).
De modo diverso em relação ao que ocorre na ICFER,
existem limitações no diagnóstico da ICFEP. Dessa forma, a
utilização dos escores H2FPEF e HFA PEFF (Quadros 5 e 6)
favorece principalmente o diagnóstico ou a exclusão da
doença. Assim, os pacientes considerados de alta e baixa
probabilidade são considerados como tendo ou não ICFEP,
respectivamente. Nos pacientes com baixa probabilidade
para a ICFEP, recomenda-se a investigação de outras
causas de dispneia e fadiga. No entanto, os pacientes com
probabilidade intermediária, a avaliação da função
diastólica durante estresse, que pode ser realizado
mediante teste hemodinâmico invasivo ou ecocardiografia
de estresse diastólico, é capaz de auxiliar no diagnóstico de
ICFEP.
FIGURA 9 Algoritmo diagnóstico de ICFEP proposto pela Sociedade Brasileira
de Cardiologia (2021).
ECG: eletrocardiograma; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; ICFEP:
insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; RX; radiografia.
Fonte: SBD (2021).

QUADRO 5 Descrição do H2FPEF escore

Sigla Variável clínica Valores Pontos (0-9)

H2 Heavy (peso) IMC > 30 kg/m2 2


Hipertensão arterial ≥ 2 anti-hipertensivos 1

F Fibrilação atrial Paroxística e 3


persistente
QUADRO 5 Descrição do H2FPEF escore

P Hipertensão pulmonar Pressão sistólica na 1


artéria pulmonar
pelo ECO > 35 mmHg

E Elder (idade) > 60 anos 1

F Filling pressure (pressões Doppler tecidual E/é > 1


de enchimento) 9

ECO: ecocardiograma; IMC: índice de massa corporal.


Fonte: adaptado de Reddy et al. (2018).

QUADRO 6 Escore HFA PEFF para diagnóstico de ICFEP

Critérios Maior (2 pontos) Menor (1 ponto)

Funcional e’ septal < 7 ou E/e’ 9-14 ou


e’ lateral < 10 ou GLS < 16%
E/e’ < 15 ou
Velocidade RT < 2,8 m/s
(PSAP > 35 mmHg)

Morfológico VAEI > 34 mL/m2 ou VAEi 29-34 mL/m2 ou


Massa VE . 149/122 g/m2 Massas VE > 115/95 g/m2
(H/M) e (H/M) ou
ERP > 0,42 ERP > 0,42 ou
Septo ou PP ≥ 12 mm

Biomarcador (ritmo NT-pró-BNP > 220 pg/mL NT-pró-BNP 125-220


sinusal) ou pg/mL ou
BNP > 80 pg/mL BNP 35-80 pg/mL

Biomarcador NT-pró-BNP > 660 pg/mL NT-pró-BNP > 365-660


(fibrilação atrial) ou pg/mL ou
BNP > 240 pg/mL BNP > 105-240 pg/mL
QUADRO 6 Escore HFA PEFF para diagnóstico de ICFEP

BNP: peptídeo natriurético do tipo B; ERP: espessura relativa de parede; GLS:


strain global longitudinal; H: homens; ICFEP: insuficiência cardíaca com fração
de ejeção preservada; M: mulheres; NT-pró-BNP: peptídeo natriurético N-
terminal pró-tipo B: PP: parede posterior; VAEi: índice de volume atrial
esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; velocidade RT: velocidade do fluxo de
regurgitação da valva tricúspide.
Fonte: adaptado de Pieske et al. (2020).

A probabilidade baixa (0 ou 1 ponto) praticamente exclui


o diagnóstico de ICFEP. Por outro lado, a probabilidade alta
(6 a 9 pontos) permite estabelecer o diagnóstico. Ao
observar a probabilidade intermediária (2 a 5 pontos),
deve-se realizar testes adicionais para confirmação
diagnóstica.

Etiologias específicas da ICFEP

De forma semelhante ao que se preconiza para a ICFER,


após o diagnóstico firmado de ICFEP, também se
recomenda a busca de etiologias específicas que podem
levar a esse fenótipo clínico que não seja puramente
decorrente da ICFEP “primária”, ou seja, aquela advinda
do remodelamento cardíaco causado por hipertensão,
obesidade, diabetes, sedentarismo e envelhecimento.
Dentre as etiologias específicas, devem ser
particularmente pesquisadas a cardiomiopatia hipertrófica
e a amiloidose cardíaca. Esta última condição,
particularmente nas formas selvagens da amiloidose
cardíaca por transtirretina (AC-ATTR), parece ser mais
comum do que anteriormente se pensava, podendo estar
presente como causa específica de ICFEP em homens
idosos em até 12% dos casos. Dessa forma, é recomendado
ter em mente sinais de alerta que podem indicar a
presença de AC-ATTR, como neuropatia periférica
sensitivo-motora, intolerância a anti-hipertensivos e
hipotensão postural, síndrome do túnel do carpo bilateral,
sinais de infiltração miocárdica no ECG (baixa voltagem ou
desproporção de espessura de paredes do VE com a
voltagem do QRS relativamente não aumentada; paredes
ventriculares espessadas no ecocardiograma com septo
interventricular > 12 mm e aspecto granuloso e sinal de
apical sparing do strain longitudinal global).
Maiores detalhes sobre esse assunto podem ser
encontrados no recente Posicionamento sobre diagnóstico e
tratamento da amiloidose cardíaca publicado pela SBC
(Simões et al., 2021).

Tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção


preservada

Até o momento, nenhum estudo clínico mostrou


benefício na redução de mortalidade em portadores de
ICFEP. Por outro lado, nos últimos anos foram publicados
dois estudos pivotais (Emperor-Preserved e Deliver) que
evidenciaram redução do desfecho composto de morte
cardiovascular, hospitalização ou visitas urgentes ao
pronto-socorro por descompensação da IC em 21 e 18%,
respectivamente. Esses dois estudos balizaram a prescrição
de iSGLT-2 na ICFEP com classe de recomendação IIa, nível
de evidência A pela diretriz mais atual (2022) da Sociedade
Americana de Cardiologia (AHA). Na prática, a abordagem
do tratamento da ICFEP deve ser fundamentada em cinco
principais pilares:

1. Controle da hipervolemia e sintomas congestivos com


diuréticos de alça em doses eficazes.
2. Controle dos níveis de pressão arterial e da frequência
cardíaca (fibrilação atrial).
3. Tratamento das comorbidades para diminuir sintomas e
progressão da doença.
4. Prescrição de iSGLT-2 (empagliflozina ou dapagliflozina)
para redução de morte cardiovascular, hospitalizações e
melhora dos sintomas.
5. Prescrição de espironolactona e BRA para possível
redução de hospitalizações e melhora da capacidade
funcional deve ser considerada, particularmente como
drogas preferenciais para controle da hipertensão
arterial nessa população.

Reabilitação cardiovascular na ICFEP

A utilização do exercício físico na IC crônica promove


melhora dos sintomas, da qualidade de vida e da função
diastólica avaliada pelo ecocardiograma. Adicionalmente,
observam-se efeitos benéficos na função endotelial,
hemodinâmica, marcadores inflamatórios, ativação neuro-
hormonal, bem como estrutura e função da musculatura
esquelética.
Dentre os estudos de treinamento físico em pacientes
com ICFEP, o estudo Ex-DHF é considerado o principal.
Nele foram randomizados 64 pacientes com ICFEP para
treinamento supervisionado aeróbico e resistido
adicionalmente ao tratamento padrão versus tratamento
padrão isolado. Observou-se aumento do VO2 pico após 3
meses no grupo treinado, bem como remodelamento
reverso atrial e melhora da função diastólica.
Adicionalmente, recente metanálise indigitou que o
treinamento físico foi seguro e mostrou-se uma intervenção
factível para a melhora dos sintomas e para ganho em
capacidade funcional e endurance. Ganhos em fatores
periféricos e não cardíacos, particularmente na
musculatura esquelética, são os maiores contribuintes para
a melhora da capacidade funcional relacionada ao
treinamento em pacientes idosos com ICFEP.

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Millene Rodrigues Camilo


José Rosemberg Costa Lima Filho
Lara Guimarães Queiroz Silva
Thiago Oscar Goulart
Octávio Marques Pontes Neto

INTRODUÇÃO
Globalmente, o acidente vascular cerebral (AVC) está
entre as principais causas de óbito e de incapacidade
permanente. Dentre a população, indivíduos mais idosos
que sofrem um AVC têm maior risco de mortalidade, maior
incapacidade, hospitalização mais prologada e são menos
propensos a receber alta para domicílio. De fato, entre
aqueles acima de 65 anos, após 6 meses de um AVC
isquêmico, cerca de 26% ficam dependentes para
atividades de vida diária, 30% permanecem incapazes de
deambular sem assistência e 46% apresentam déficits
cognitivos. Estima-se que, entre 2010 e 2050, o número de
casos de AVC mais que dobrará, com maior aumento entre
os idosos acima de 75 anos e grupos minoritários,
particularmente hispânicos.
Define-se o AVC como um episódio agudo decorrente de
disfunção focal do cérebro, retina ou medula espinhal com
duração superior a 24 horas, ou com qualquer duração, se
imagem (tomografia computadorizada ou ressonância
nuclear magnética) ou autópsia mostrarem infarto focal ou
hemorragia relevante para os sintomas. Cabe ressaltar que,
em alguns casos, quando há melhora espontânea dos
déficits neurológicos, principalmente nas primeiras horas,
podemos estar diante de um ataque isquêmico transitório
(AIT). Além da reversão completa dos déficits, para que se
defina um AIT é necessário exame de neuroimagem que
comprove a ausência de lesão tecidual. Após um AIT, o
risco de AVC isquêmico é de 3 a 15% em 90 dias.
O AVC pode ser dividido em duas principais categorias:

1. O isquêmico, responsável por cerca de 80% dos casos,


decorrente da obstrução arterial, levando à redução
drástica da perfusão cerebral em determinado território.
2. O hemorrágico, correspondente aos aproximados 20%
restante dos casos, originado a partir da ruptura de um
vaso intracraniano.

Nos últimos anos, houve importantes avanços no


tratamento do AVC isquêmico agudo, possibilitando
melhores desfechos clínicos e, consequentemente, redução
do impacto socioeconômico. A seguir, serão abordadas
especificamente as terapias de recanalização, bem como
outros aspectos relevantes sobre essa dramática doença
cerebrovascular.

EPIDEMIOLOGIA
Nos últimos anos, a população mundial tem
experimentado uma importante mudança em sua estrutura
demográfica. O envelhecimento populacional com o
aumento da expectativa de vida traz consigo grandes
impactos na saúde pública. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) estima que para o ano de 2025 a população
mundial será composta por cerca de 828 milhões de
pessoas acima de 65 anos, com aumento ainda mais
expressivo na América Latina, acarretando, portanto,
elevadas taxas de prevalência e incidência de doenças
crônicas não transmissíveis.
Em 2020, segundo dados do Sistema de Informação de
Mortalidade, o AVC foi responsável por cerca de 99 mil
óbitos, sendo a segunda causa de mortalidade no Brasil.
Contudo, em 2022, segundo dados da Associação dos
Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen), houve
um aumento de 8,3% de óbitos por AVC. Em consequência
disso, o AVC retornou como principal causa de óbito no
Brasil. Globalmente, permanece como segunda causa,
sendo responsável por cerca de 6,6 milhões de óbitos no
mundo.

FATORES DE RISCO
O AVC apresenta múltiplos fatores de risco, sendo seu
reconhecimento fundamental para a implementação de
estratégias públicas e individuais de prevenção primária e
secundária. Os fatores de risco podem ser divididos em não
modificáveis e modificáveis. Entre os não modificáveis
incluem-se idade, raça, sexo e hereditariedade.
Considerando a importância desses fatores na faixa etária
geriátrica, destacamos que o risco de AVC dobra a cada
década após os 55 anos, com discreta prevalência na
população masculina idosa.
Quanto aos fatores de risco modificáveis, demonstrou-se
que hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus
dislipidemia, tabagismo, alcoolismo, obesidade,
sedentarismo, causas cardíacas, fatores dietéticos e
psicossociais combinados representam um risco atribuível
populacional maior que 90% para a ocorrência de AVC.
Portanto, o controle adequado desses fatores seria capaz
de reduzir de forma expressiva a incidência do AVC na
população. Por sua extrema importância, ressaltaremos a
seguir alguns dos principais fatores de risco modificáveis.

Hipertensão arterial

A HAS é o principal fator de risco para a ocorrência do


AVC, sendo responsável por cerca de 48% do risco
atribuível à população. Indivíduos normotensos acima de
55 anos têm 90% de risco de desenvolver hipertensão ao
longo da vida. E o risco para a ocorrência de AVC em
hipertensos é 3 vezes maior do que em normotensos.
Portanto, o tratamento intensivo da hipertensão arterial
com a mudança no estilo de vida e/ou uso de medicações,
objetivando valores < 140 × 90 mmHg, é fundamental para
a redução da prevalência de AVC na população geral.

Diabetes mellitus

Diabetes mellitus (DM) é fator de risco independente


para AVC com importante relação com a ocorrência e
recorrência de eventos cerebrovasculares. A presença de
DM aumenta em 2 vezes o risco de AVC. Medidas como
mudança no estilo de vida e implementação do tratamento
farmacológico têm demonstrado redução no risco de AVC.

Dislipidemia

A dislipidemia é um importante fator de risco


aterogênico. Contudo, existe uma complexa relação entre
dislipidemia e AVC. Enquanto o LDL-colesterol apresenta
forte associação com a ocorrência de AVC isquêmico, o
mesmo não se observa com o colesterol total. Para cada 1
mmol/L (39 mg/dL) de redução das taxas de LDL-colesterol
com o uso de estatinas, é atribuída uma queda de 21% no
risco de AVC.

Tabagismo

Assim como HAS e DM, o tabagismo tem mostrado


importante relação com a ocorrência de AVC,
especialmente para doença de pequenos vasos. O
tabagismo aumenta em cerca de 2 vezes o risco de AVC,
podendo potencializar os efeitos de outros fatores de risco,
incluindo HAS. A cessação do tabagismo está associada a
uma rápida redução do risco de AVC e outros eventos
cardiovasculares a um nível que se aproxima, mas não
atinge, aquele de quem nunca fumou. O consumo de tabaco
por via não inalatória – ato de mascar tabaco –, assim como
o tabagismo passivo, também estão relacionados à
ocorrência de AVC.

Alcoolismo

A relação entre o consumo de álcool e o AVC está


fortemente associada à quantidade ingerida e ao tipo de
AVC. Evidências mais recentes têm demonstrado que o
consumo leve a moderado de álcool (até 2 doses/dia para
homens e 1 dose/dia para mulheres) tem fator protetor
para AVC, ao passo que o consumo excessivo aumenta o
risco de AVC isquêmico. O consumo de álcool tem uma
relação linear mais direta com AVC hemorrágico, de modo
que sua ingestão, mesmo em pequenas quantidades, parece
aumentar o risco de hemorragia.
Obesidade e dieta

A obesidade é um importante componente da síndrome


metabólica, além da dislipidemia, hipertensão arterial,
resistência à insulina, estado protrombótico e pró-
inflamatório. Quando comparados a indivíduos de peso
normal, aqueles com sobrepeso e obesos têm risco
aumentado de AVC isquêmico em 22 e 64%,
respectivamente. O aumento da circunferência abdominal,
mais que o peso global (índice de massa corpórea – IMC),
está cada vez mais sendo reconhecido como preditor de
risco para AVC.
A chamada dieta do Mediterrâneo, rica em frutas e
vegetais, tem sido associada à redução do risco de AVC.
Possivelmente essa redução também está relacionada à
influência da dieta na prevenção e no controle da
hipertensão, diabetes, obesidade e dislipidemia.

Fibrilação atrial

Dentre as várias causas cardíacas, a fibrilação atrial (FA)


é reconhecida como um dos principais fatores de risco para
AVC. De fato, indivíduos com FA têm cerca de 5 vezes mais
chance de sofrerem um AVC em comparação aos não
portadores. Estima-se que a prevalência de FA seja de 5 a
9% em indivíduos entre 60 e 80 anos e de 10% naqueles
acima de 80 anos. Assim, com o progressivo aumento da
expectativa de vida e o envelhecimento populacional,
espera-se um aumento no desenvolvimento de FA em
idosos.
O diagnóstico de FA impõe grandes desafios, sobretudo
pela ocorrência de FA paroxística, não sendo, por muitas
vezes, flagrada durante os exames de rotina
(eletrocardiograma e Holter). No entanto, o aumento do
risco de AVC é similar para FA paroxística, persistente e
permanente. Nesses casos é fundamental a pesquisa ativa
de sinais sugestivos de atriopatia, como taquicardia
supraventricular paroxística, extrassístoles atriais
pareadas, dilatação atrial acentuada, aumento do NT-pró-
BNP, uma vez que esses achados estão associados tanto à
FA quanto ao tromboembolismo. Os pacientes pós-AVC com
FA têm indicação formal de anticoagulação contínua.
Mesmo os idosos se beneficiam da anticoagulação, embora
possam ter risco aumentado para sangramento.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas do AVC caracterizam-se por
déficits neurológicos focais de início súbito, que podem
envolver sintomas leves até manifestações graves e
incapacitantes. Os déficits mais comuns incluem alteração
de linguagem, tais como dificuldade para se expressar ou
para compreender; dificuldade na articulação da fala;
redução de força e/ou sensibilidade em um membro ou
hemicorpo; incoordenação motora e desequilíbrio; tontura
e alteração visual. É importante salientar que os sintomas
têm instalação súbita e geralmente são persistentes,
portanto esse é um dado relevante para que seja feita a
adequada suspeita diagnóstica, tendo em vista que é um
quadro que requer atenção imediata.
Para avaliação clínica do AVC, utilizamos a National
Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS), uma escala que
avalia o exame físico neurológico por estes itens:

1. Consciência (nível de consciência, orientação quanto ao


mês atual e à idade e realização de comandos verbais).
2. Olhar conjugado horizontal.
3. Campos visuais.
4. Paresia facial.
5. Força muscular nos quatro membros.
6. Ataxia apendicular.
7. Sensibilidade.
8. Linguagem.
9. Disartria.
10. Extinção/negligência.

A pontuação varia de 0 a 42 e tem relação direta com a


gravidade do AVC, bem como com o desfecho funcional a
longo prazo, com maiores pontuações associadas a piores
desfechos.
Nos pacientes que apresentam déficits neurológicos
focais transitórios sem alteração no exame físico
neurológico, caracterizando um possível AIT, pode-se
utilizar a escala ABCD2, que prediz o risco de um posterior
AVC. Essa escala avalia idade, pressão arterial (PA),
características dos sintomas (fraqueza muscular e
alteração da fala), duração dos sintomas e presença de
diabetes. O escore varia de 0 a 7 pontos, com pontuações
de 0 a 3 representando baixo risco, 4 a 5 moderado risco e
6 a 7 alto risco de AVC.

DIAGNÓSTICO
Diante de um paciente com quadro clínico suspeito, a
realização de neuroimagem é obrigatória. A tomografia
computadorizada (TC) de crânio sem contraste é o exame
de escolha na fase aguda, tanto por sua disponibilidade
quanto pela rápida aquisição de imagem, devendo ser
realizada, idealmente, em até 25 minutos após a admissão
hospitalar. O objetivo principal da TC de crânio é excluir a
presença de sangue ou outras lesões que contraindiquem a
realização da terapia de reperfusão.
Geralmente, nas primeiras horas do AVC isquêmico, a
TC de crânio será normal ou terá apenas alterações
precoces, como a perda da diferenciação de substância
branca e cinzenta. Isso indica que a lesão isquêmica ainda
não está estabelecida e, provavelmente, o paciente terá
benefício do tratamento, caso seja elegível. A TC de crânio
deve ser repetida após 12 a 24 horas do início dos
sintomas, ou antes em caso de piora neurológica, para
avaliação da área isquêmica em formação e de possíveis
complicações. Além da TC de crânio, também é indicada a
realização da angiotomografia (ângio-TC) de vasos
cervicais e intracranianos, principalmente para
identificação de oclusão proximal de grandes vasos, o que
pode denotar a necessidade de trombectomia mecânica.

ETIOLOGIA E PREVENÇÃO SECUNDÁRIA


A etiologia do AVC isquêmico é de extrema importância
para definição de profilaxia secundária adequada e redução
do risco de recorrência de novos eventos.
Para fins de determinação dos subtipos de AVC
isquêmico, diversas classificações têm sido propostas ao
longo dos anos. Um sistema para classificação foi
desenvolvido para o Trial of Org 10172 in acute stroke
treatment (Toast). Esta classificação foi elaborada a partir
das características clínicas e resultados de estudos
complementares. É composta por 5 categorias com base
nas principais etiologias:

1. Aterosclerose de grande artéria.


2. Oclusão de pequenos vasos.
3. Cardioembolismo.
4. Outra etiologia determinada.
5. Origem indeterminada.

Embora amplamente utilizada em estudos clínicos, a


classificação de Toast tem sido largamente criticada, uma
vez que superestima o grupo de etiologia indeterminada ao
incluir nessa categoria pacientes com pelo menos duas
etiologias potenciais, com investigação negativa ou
incompleta. Assim, Amarenco et al. propuseram uma
classificação fenotípica, cujo objetivo é não negligenciar
outros grupos de doenças diagnosticadas no paciente que
pudessem estar relacionadas ao evento isquêmico
principal. Para isso, todos os pacientes devem ser
classificados e investigados de acordo com 4 fenótipos
(ASCOD) predefinidos (A: aterosclerose; S: doença de
pequenos vasos; C: doenças cardíacas; O: outras causas; D:
dissecção). Para cada um dos fenótipos investigados usa-se
uma pontuação (0: doença não presente, 1: doença
presente e causa definida do AVC; 2: causalidade incerta;
3: doença presente, mas pouco provável de ser a causa
direta do AVC; 9: investigação não finalizada ou não
realizada) e o nível de evidência com base no instrumento
diagnóstico utilizado na investigação de cada doença.
A aterosclerose de grandes vasos é responsável por
aproximadamente 15% dos casos de AVC isquêmico,
principalmente na circulação carotídea (artérias carótidas
internas e artérias cerebrais médias). Dessa maneira, é
indicada a realização de estudo de vasos cervicais e
intracranianos em todos os pacientes com AVC isquêmico
ou AIT para avaliar a presença de estenoses ou oclusões e
indicar a terapia adequada. Essa avaliação deve ser feita
idealmente através de angio-TC de vasos cervicais e
intracranianos, que geralmente é realizada na fase aguda,
mas também podem ser utilizados outros métodos, como a
angiorressonância ou a ultrassonografia.
Os eventos cardioembólicos são relacionados a cerca de
35% dos casos de AVC isquêmico, sendo uma das causas
mais frequentes. Podem estar associados à FA, insuficiência
cardíaca com fração de ejeção reduzida, valvulopatias e
cardiomiopatias. Por isso, é recomendada avaliação
cardiológica inicial por meio de eletrocardiograma e
ecocardiograma transtorácico. O Holter 24 horas também
deve ser realizado em alguns casos selecionados,
principalmente em pacientes idosos, hipertensos e que
possuam alta suspeita de FA paroxística que não foi
evidenciada no eletrocardiograma.
A doença de pequenos vasos é multifatorial, acomete
principalmente os idosos e está relacionada a outras
comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes e
tabagismo. É responsável pela maioria dos eventos
isquêmicos lacunares, nos quais a lesão formada na
neuroimagem geralmente está localizada em região
subcortical e tem diâmetro menor que 15 mm. A TC de
crânio é um método limitado para avaliação de doença de
pequenos vasos, sendo ideal a realização de ressonância
nuclear magnética (RM).
Outras causas menos comuns de eventos
cerebrovasculares isquêmicos, principalmente em
pacientes jovens, são doenças inflamatórias como a
vasculite primária do sistema nervoso central, doenças
infecciosas como sífilis, endocardite bacteriana,
trombofilias, doenças autoimunes, estado protrombótico
associado à neoplasia e doenças genéticas como
Cadasil/Carasil, doença de Fabry e Melas. A investigação
dessas causas raras deve ser individualizada, levando em
consideração idade do paciente, comorbidades, quadro
clínico e padrão de imagem.
O AVC isquêmico de causa indeterminada pode ser
aquele em que ainda não foi realizada investigação
etiológica completa, ou em que mesmo após a realização
dos principais exames não foi identificada a causa ou foi
identificada mais de uma possível causa. A ausência de
etiologia definida após a investigação adequada caracteriza
o AVC criptogênico. Dentro desse grupo, temos aqueles de
provável etiologia embólica, os quais têm um padrão não
lacunar na neuroimagem, não estando associados à
estenose de grandes vasos e não sendo identificada uma
fonte emboligênica cardíaca após investigação padrão,
sendo denominados ESUS (Embolic Stroke of
Undetermined Source). Nesses casos, é necessária a
ampliação da investigação com ecocardiograma
transesofágico, monitorização prolongada de ritmo
cardíaco e, em alguns casos selecionados, TC ou RM
cardíaca.
A profilaxia secundária do AVC isquêmico envolve
medidas comportamentais e terapia medicamentosa. São
recomendadas mudanças no estilo de vida, com dieta
balanceada, perda ponderal e realização de atividade física
regularmente. A alimentação deve ser baseada na dieta
mediterrânea com consumo de vegetais, carnes magras e
gorduras monoinsaturadas, além de redução no consumo
de sódio (< 2,5 g/dia). Exercícios físicos são estimulados
quando possível, idealmente com atividades de moderada
intensidade por 150 minutos/semana. A cessação do
tabagismo tem grande relevância na redução do risco de
recorrência de eventos cerebrovasculares, assim como é
recomendada redução no consumo de bebidas alcoólicas.
O controle de fatores de risco como HAS, DM e
dislipidemia é imperativo. A terapia com anti-hipertensivos
orais deve ser iniciada ou ajustada, com o objetivo de
manter a PA menor que 130 × 80 mmHg. Pacientes
diabéticos descompensados necessitam de ajuste
medicamentoso para atingir meta de hemoglobina glicada
abaixo de 7%. O uso de hipolipemiante para redução do
LDL-colesterol deve ser iniciado ou a dose ajustada,
preferencialmente com estatina de alta potência
(atorvastatina 40-80 mg/dia ou rosuvastatina 20-40
mg/dia), visando atingir LDL menor que 70 mg/dL.
A terapia antitrombótica é definida de acordo com a
etiologia, podendo ser utilizados antiagregantes
plaquetários (p. ex., ácido acetilsalicílico – AAS e/ou
clopidogrel) ou anticoagulantes orais (p. ex., varfarina ou
anticoagulante oral direito – DOAC). Na fase aguda,
principalmente nas primeiras 48 horas, é recomendado o
início do AAS, tendo em vista seu benefício precoce na
redução de recorrência do AVC. Após a realização dos
exames para investigação etiológica, direcionamos a
terapia antitrombótica adequada.
De forma geral, pacientes com AVC isquêmico
secundário a eventos cardioembólicos farão uso de
anticoagulantes orais caso não haja contraindicação.
Porém, a definição sobre tempo de início e qual
anticoagulante utilizar deve ser individualizada, a depender
da idade do paciente, gravidade do AVC, tamanho da lesão,
presença ou não de complicações hemorrágicas, controle
pressórico, entre outros. Nos demais casos, a grande
maioria dos pacientes permanecerá com antiagregante
plaquetário, podendo ser indicada, em determinadas
situações, dupla antiagregação por período determinado.
TRATAMENTO CLÍNICO GERAL
O AVC é uma emergência médica. Dessa forma, deve ser
tratado com prontidão, levando em conta a rápida
percepção dos sintomas, o acionamento da equipe de
saúde, o transporte para hospital de referência, além do
atendimento seguindo o ABC preconizado pelo ACLS
(Advanced Cardiovascular Life Support).
Uma máxima no tratamento do AVC é a frase “Tempo é
cérebro”. Por conta disso, a conscientização da população e
de profissionais de saúde para a célere percepção de
sintomas relativos ao AVC são imprescindíveis para o
pronto diagnóstico e por conseguinte o tratamento. Escalas
foram criadas visando o reconhecimento dos sintomas mais
comuns de AVC. Como exemplo, destaca-se a Escala de
Cincinatti, que surgiu a princípio nos EUA e a posteriori foi
validada com adaptação cultural para o Brasil, resultando
no acrônimo SAMU: Sorria (para avaliar paralisia facial),
Abrace (hemiparesia), Música (falar/cantar e verificar
disartria ou afasia) e Urgência (indicando a necessidade de
ação imediata).
O estudo Racecat, realizado na região da Catalunha,
demonstrou que o transporte imediato de pacientes com
suspeita de oclusão proximal para um serviço terciário com
todos os recursos potencialmente necessários para o
tratamento do AVC, inclusive equipe de radiologia
intervencionista para trombectomia, não foi superior no
desfecho funcional dos pacientes. Assim, o rápido
transporte para um centro hospitalar em um área mais
próxima com suporte por telemedicina tem tanto benefício
quanto uma área mais distante com mais recursos.
No Brasil, o transporte é realizado pelo Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), porém o
desconhecimento da população sobre como acioná-lo tem
sido um obstáculo importante para o pronto atendimento.
Isso pôde ser comprovado em um estudo brasileiro que
verificou que a maioria das pessoas entrevistadas não sabia
que o número do Samu era 192, sendo que muitos
responderam até mesmo 911 (número de emergência dos
EUA).
É imperativo ressaltar que toda essa necessidade de
prontidão ao atendimento ao AVC não deve fazer a equipe
médica negligenciar o ABC. Por vezes, pacientes com AVC,
em especial com lesão extensa, podem ter rebaixamento de
nível de consciência, podendo demandar uma via aérea
assegurada por meio de intubação orotraqueal. Assim como
pacientes com diversas comorbidades (p. ex., insuficiência
cardíaca e HAS) podem estar com a respiração e a
hemodinâmica comprometidas, necessitando de adequada
abordagem desses quesitos antes de proceder ao
atendimento do AVC em si, com tratamento específico.

TRATAMENTO ESPECÍFICO
O tratamento específico do AVC isquêmico consiste nas
terapias de recanalização, que visam à recuperação da
perfusão do tecido cerebral antes que a região de
penumbra, a qual sofre redução do fluxo, mas sem morte
neuronal, torne-se uma região isquemiada. Para isso,
existem duas terapias, que podem ser realizadas a
depender das indicações e contraindicações: a trombólise
endovenosa e a trombectomia mecânica (TM). Antes da
inovação que essas terapias provocaram no tratamento do
AVC isquêmico, os pacientes acometidos não tinham
nenhum tratamento específico, e com isso não eram tidos
como casos de urgência. Esses tratamentos mudaram
sobremaneira o atendimento ao paciente com AVC,
tornando-o uma emergência médica.

Trombólise endovenosa

A trombólise representa a primeira terapia de


recanalização no contexto do AVC isquêmico e consiste na
administração endovenosa de trombolítico, com o objetivo
de dissolver o trombo no lúmen arterial e recuperar a
perfusão do tecido cerebral.
Em 1995, o NINDS, um estudo controlado e
randomizado, utilizou o alteplase como trombolítico para
tratar o AVC isquêmico agudo em comparação ao placebo,
com janela de ictus até 3 horas. Verificou-se uma melhora
do desfecho funcional substancial, aferida pela escala
modificada de Rankin (mRS). Houve um aumento da
transformação hemorrágica, no entanto o benefício da
trombólise foi superior a esse risco.
Para a administração do alteplase, necessita-se verificar
se há alguma contraindicação, por exemplo:

Uso de anticoagulante recente (o tempo pode variar


conforme cada anticoagulante).
AVC isquêmico extenso nos últimos 3 meses.
AVC hemorrágico prévio.
Déficits neurológicos mínimos.
Plaquetas < 100.000, entre outros.

Vale ressaltar que algumas dessas contraindicações


podem ser relativas e, mesmo presentes, a depender do
caso, pode-se administrar o medicamento, ficando essa
decisão a cargo do especialista. A dose do alteplase é de
0,9 mg/kg (máximo de 90 mg), sendo administrada em
bolus (10% da dose) e infusão do restante em 1 hora. Além
disso, para o bolus da medicação necessita-se de uma PA
abaixo de 185/110 mmHg; e, para a infusão restante,
180/105 mmHg.
A janela para trombólise endovenosa foi estendida para
4,5 horas, a partir da publicação do estudo europeu
ECASS-3, em 2008. Essa janela foi estabelecida, uma vez
que após esse tempo o risco de transformação hemorrágica
superava o benefício da trombólise. Contudo, o advento de
novas tecnologias de avaliação de neuroimagem, como TC-
perfusão, permitiu a indicação da trombólise endovenosa
até 9 horas, em casos selecionados.
Atualmente, está em estudo a utilização de tenecteplase
(TNK) como trombolítico. Medicação já consolidada para o
tratamento de infarto agudo do miocárdico e que apresenta
potenciais benefícios em relação ao alteplase, já que é
realizada apenas em bolus. Com esse intuito, foi realizado o
estudo Extend-IA TNK com até 4,5 horas do ictus, o qual
demonstrou que o TNK antes da trombectomia foi
associado a maior incidência de reperfusão e melhor
desfecho funcional. Atualmente, ensaios clínicos com TNK
estão em andamento no Brasil, inclusive com extensão da
janela terapêutica.

Trombectomia mecânica

Apesar do grande avanço que a trombólise endovenosa


trouxe para o tratamento do AVC isquêmico agudo,
verificou-se que, em alguns casos, tinha menor eficácia
para a recanalização da artéria acometida, em especial
quando a obstrução era proximal. De fato, essa eficácia é
de cerca de 6% para o topo da artéria carótida interna
(ACI), ao passo que é de cerca de 44% na segunda porção
da artéria cerebral média (M2). Por conta disso,
desenvolveu-se outra técnica para a recanalização do vaso,
chamada trombectomia mecânica (TM), que consiste na
retirada mecânica do trombo intra-arterial, utilizando
procedimento de radiologia intervencionista e lançando
mão de dispositivos como Aspiração ou Stentriever,
introduzindo-os via punção arterial (radial ou femoral). Não
havia comprovação dessa técnica até meados de 2015, pois
estudos como Merci e Penumbra foram negativos para
melhora do desfecho funcional. Atribui-se esse fato à
necessidade de evolução dos dispositivos e de melhora no
desenho dos estudos. Essas questões técnicas foram
aprimoradas, resultando em 5 grandes ensaios clínicos
randomizados independentes e controlados para TM de
circulação anterior (ACI ou ACM proximal) com janela até 6
horas. Posteriormente, foi realizada uma metanálise,
Hermes, comprovando excelente benefício da TM para
melhora do desfecho funcional (mRS) em 90 dias após o
ictus.
A janela para TM de circulação anterior foi, então,
estendida em 2018, com os estudos Dawn (até 24 horas) e
Defuse (até 16 horas), os quais utilizaram neuroimagem
multimodal (TC-perfusão), com o uso do software Rapid,
para seleção de pacientes que tinham uma relação entre
penumbra e core isquêmico favorável ao procedimento.
Os estudos supracitados foram realizados em países
desenvolvidos. Contudo, foi realizado no Brasil o Resilient
(2020), um estudo controlado, randomizado, multicêntrico,
com resultado favorável para TM em comparação ao
controle, com janela de até 8 horas do ictus. Na presente
data, encontra-se em andamento o Resilient Extend,
também brasileiro, multicêntrico, randomizado e
controlado, com o intuito de expandir a janela para 24
horas, sem necessidade de TC-perfusão.
A circulação posterior ainda carece de comprovação
científica quanto ao benefício. Publicaram-se os estudos
Best (Liu, 2020) e Basics (Langezaal, 2021), os quais foram
negativos. Porém, em análise de subgrupo, verificou-se que
havia melhora na mRS após 90 dias do ictus. Com isso,
desenharam-se dois estudos para TM em AVC isquêmico de
circulação posterior, o Attention (6 a 12 horas do tempo de
oclusão da basilar, determinado como o tempo de início da
piora súbita, como rebaixamento do nível de consciência) e
o Baoche (6 a 24 horas do ictus ou do último horário visto
bem), os quais também validaram tal técnica para a
circulação posterior.
Atualmente, tem-se buscado aprimorar tal técnica para
casos em que o vaso é recanalizado, porém sem prover
melhora do desfecho funcional. Tal fenômeno nomeamos de
recanalização fútil. Em 2022, o estudo Choice demonstrou
que a infusão intra-arterial de alteplase 0,25 mg/kg após a
TM pode resultar em melhor funcionalidade. Acredita-se
que parte do fenômeno se deva à doença cerebral de
pequenos vasos, porém mais estudos são requeridos para
averiguar essa hipótese.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O AVC está entre as principais causas de óbito e
incapacidade no mundo.
Com o controle dos fatores de risco modificáveis, há uma
redução de até 90% do risco de AVC.
O AVC é uma emergência médica. O rápido
reconhecimento de seus sintomas e a transferência do
paciente para um centro de referência são essenciais.
O tratamento de fase aguda do AVC isquêmico consiste
na tentativa de recanalização arterial por meio da
trombólise endovenosa e/ou trombectomia mecânica.
Estudos em andamento no Brasil investigam o uso de
tenecteplase, bem como a extensão da janela
terapêutica.
A investigação etiológica é fundamental para a
instituição adequada da profilaxia secundária.

BIBLIOGRAFIA
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16 Desafios da anticoagulação no idoso

Paulo José Fortes Villas Boas


Adriana Polachini do Valle
Pâmela Stábile da Silva
Pedro Manoel Marques Garibaldi
Diego Villa Clé
Vânia Ferreira de Sá Mayoral

INTRODUÇÃO
Com o envelhecimento populacional, os eventos tromboembólicos
passam a ser importantes causas de morbidade e mortalidade na
população idosa. Em parcela desses pacientes o tratamento a curto ou
longo prazo com medicamento anticoagulante provavelmente será
necessário em algum momento da vida.
Essa faixa etária representa grupo com alto risco tromboembólico,
mas também está associada a alto risco hemorrágico. Assim, há uma
tendência a subutilizar os anticoagulantes nessa parcela da população,
seja por subestimar o risco tromboembólico e/ou superestimar o risco
de sangramento. Porém, os pacientes com maior risco hemorrágico
muitas vezes são aqueles que terão maior benefício com a terapia
anticoagulante.
Contribuem para o maior risco de sangramento na população
geriátrica a idade avançada e a presença de fatores fisiológicos
(redução da função renal) e patológicos (multimorbidades: doenças
cardiovasculares, pulmonares, renais e demências; risco aumentado de
quedas; baixo peso, fragilidade e polifarmácia com interações
farmacológicas). Por essas condições, a tomada de decisão clínica sobre
a anticoagulação se torna ainda mais desafiadora.
Entre as condições clínicas relacionadas a fenômenos
tromboembólicos e que apresentam elevada prevalência na população
idosa tem-se: trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar (EP)
e acidente vascular encefálico (AVE) decorrente de fibrilação atrial
(FA).
TROMBOSE VENOSA PROFUNDA E EMBOLIA PULMONAR

Epidemiologia

Tromboembolismo venoso (TEV), que inclui embolia pulmonar (EP) e


trombose venosa profunda (TVP), é um grande problema de saúde,
levando a significativas morbidade e mortalidade. Como o aumento da
idade é um fator de risco para o desenvolvimento de um TEV, sua
incidência na população idosa é maior do que na população adulta em
geral, sendo inferior a 1 por 10 mil pessoas/ano na população mais
jovem, aumentando para 1 por 100 pessoas/ano em idosos, com o risco
dobrando a cada década após os 40 anos. Quarenta por cento dos
eventos ocorrem em pacientes com 70 anos de idade ou mais.
Os fatores de risco para o aumento da incidência em pacientes
geriátricos incluem doenças malignas, imobilização, insuficiência
cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), diabetes e uso
de terapia de reposição hormonal. Os idosos também apresentam maior
mortalidade com TEV do que a população adulta em geral devido à
maior incidência de EP e à coexistência de comorbidades.

Etiologia e fisiopatologia

O TEV é uma patologia multicausal. As duas condições, TVP e EP,


embora clinicamente distintas, apresentam importantes semelhanças
em relação à fisiopatologia e ao tratamento. Os mecanismos
fisiopatológicos associados aos TEV resumidamente têm como base a
tríade de Virchow, que corresponde a lesão endotelial (traumática ou
não), estase venosa e hiperviscosidade.
A idade representa o principal fator de risco para a ocorrência de
TEV. Esse achado está associado a fatores fisiológicos específicos da
idade associados ao acúmulo de fatores de risco convencionais,
adquiridos ou genéticos, que são de maior prevalência na população
idosa (imobilização ou fragilidade, neoplasias, hospitalização
prolongada), atingindo assim o limiar de trombose. Os principais
fatores de risco para eventos tromboembólicos são apresentados no
Quadro 1.

QUADRO 1 Principais fatores de risco para eventos tromboembólicos

Idade > 75 anos Trauma


QUADRO 1 Principais fatores de risco para eventos tromboembólicos

Imobilidade/restrição de mobilidade Neoplasia

História prévia de TVP ou EP Tratamento quimioterápico

Cirurgia Obesidade

Tabagismo Trombofilia hereditária

Insuficiência venosa crônica Tromboembolismo prévio

Doença clínica aguda ou internação Terapia de reposição hormonal


prolongada

Neoplasias mieloproliferativas Síndrome nefrótica

Síndrome do anticorpo antifosfolipídico Cateterização venosa central

EP: embolia pulmonar; TVP: trombose venosa profunda.

O aumento da incidência de TVP na população idosa pode ser


explicado pela redução do trofismo e da massa musculares, reduzindo a
bomba muscular dos membros inferiores e levando à estase venosa.
Nessa faixa etária ocorre um remodelamento nos vasos venosos, que
leva à disfunção endotelial, favorecendo as propriedades coagulantes, a
estase venosa e a diminuição da retenção de trombos e êmbolos,
respectivamente. Ocorre aumento progressivo de fatores pró-
coagulantes (fatores de coagulação VII, VIIIa e XI) e de peptídeos
relacionados com hipercoagulabilidade, como fragmentos de
protrombina.
Independentemente de tais considerações, a maior prevalência de
doenças como AVE, imobilidade ou câncer no idoso predispõe a maior
incidência de TEV. Em pessoas que serão submetidas a procedimentos
cirúrgicos, o risco de TEV está mais relacionado com o tipo de cirurgia
ou a presença de comorbidades do que com a própria idade.
Pessoas que irão realizar viagens prolongadas, com duração de mais
de 8 horas, devem ser avaliadas quanto ao risco de TEV e orientadas a
respeito de medidas preventivas. A imobilização prolongada que ocorre
nos períodos pós-operatórios está fortemente associada à TVP. Com
frequência, EP tem ocorrido após a alta hospitalar, pois durante a
internação o paciente é forçado a deambular, o que não ocorre na
residência; além disso, a tendência atual é reduzir a hospitalização ao
menor período possível.
Situações nas quais ocorre lesão endotelial, como em cirurgias
ortopédicas, em especial de quadril e joelho ou traumatismos,
aumentam o risco de TVP, especialmente em pacientes com estados
subclínicos de hipercoagulabilidade. Pacientes vítimas de AVE
isquêmico agudo apresentam TVP como complicação frequente,
acometendo principalmente o membro paralisado.
Doenças malignas, pela síntese e secreção de pró-coagulantes,
podem se apresentar com TVP idiopática, trombose venosa recorrente
e trombose em locais incomuns. Deve-se suspeitar de malignidade em
casos de trombose recorrente, mesmo em vigência do uso adequado de
terapia anticoagulante, e em pacientes com tromboflebite migratória,
na ausência de outras causas detectáveis. Doença inflamatória
intestinal, veias varicosas e uso prolongado de cateteres venosos
profundos são outras condições que merecem ser citadas como fatores
predisponentes, bem como uma história de TVE prévio.
O estrogênio, mesmo nas baixas dosagens utilizadas na reposição
hormonal pós-menopausa, pode dobrar o risco de TEV. O risco também
é aumentado para o raloxifeno, modulador seletivo de receptor de
estrogênio.

FIBRILAÇÃO ATRIAL
A prevalência da FA aumenta com a idade. Em 2016 existiam cerca
de 3 milhões de indivíduos com FA nos EUA, com projeções de dobrar
no ano de 2050, com mais de 50% dos indivíduos afetados tendo mais
de 80 anos de idade. A FA é mais comum em homens do que em
mulheres de todas as idades. A prevalência é de 0,5% na população
entre 50 e 59 anos e de 8,8% nos maiores de 80 anos. Em idosos, a FA
ocorre mais comumente no quadro de anomalias valvares, hipertensão,
doença arterial coronariana (DAC) ou insuficiência cardíaca. Pode
ocorrer em idosos com doenças sistêmicas, como pneumonia, e após
cirurgia cardíaca e não cardíaca. São condições precipitantes
adicionais da FA: hipertireoidismo (incluindo subclínico), doença
pulmonar aguda ou crônica, distúrbios respiratórios relacionados com o
sono, EP e doença pericárdica.
A FA não ameaça a vida de imediato, mas pode resultar em
complicações significativas quando não tratada adequadamente, sendo
a principal complicação o AVE. Alterações cognitivas, insuficiência
cardíaca e implicações socioeconômicas também são consequências
importantes da FA. Em pacientes com insuficiência cardíaca, a FA foi
considerada fator de risco independente para mortalidade.
As diretrizes nacionais e internacionais sobre FA recomendam que
se utilize o escore CHA2DS2-VASc para a estratificação de risco (cuja
sigla é explicada na Tabela 1), estimando o risco anual de AVE nesses
pacientes (Tabela 2).

TABELA 1 Escore de CHA2DS2-VASc para avaliação de risco para fenômenos


tromboembólicos em pacientes portadores de fibrilação atrial

CH2DS2-VASc Pontuação

Congestive heart failure/left ventricular dysfunction (ICC/disfunção 1


ventricular esquerda)

Hypertension (hipertensão) 1

Age ≥ 75 yrs (idade ≥ 75 anos) 2

Diabetes mellitus 1

Stroke/transient ischemic attack/TE (histórico de AVE) 2

Vascular disease (prior myocardial infarction, peripheral artery disease or 1


aortic plaque) (doença vascular)

Age 65-74 yrs (idade 65-74 anos) 1

Sex category (i.e. female gender) (sexo feminino) 1

AVE: acidente vascular encefálico; ICC: insuficiência cardíaca congestiva.

TABELA 2 Escore CHA2DS2-VASc e taxa ajustada de AVE em 1 ano (%)

Escore Taxa ajustada de AVE (%/ano)

0 0

1 1,3

2 2,2

3 3,2

4 4

5 6,7

6 9,8

7 9,6

8 6,7

9 15,2

AVE: acidente vascular encefálico.


A recomendação de anticoagulação segundo CHA2DS2-VASc é
descrita no Quadro 2.

QUADRO 2 Recomendação de anticoagulação segundo CHA2DS2-VASc

Escore Conduta

0 Não necessitam de anticoagulação.

1 Anticoagulação é opcional e fica na dependência do risco de


sangramento e opção do paciente, visto que o risco é considerado
baixo.

≥ 2 em homens Está indicado ACO, cujas opções são: varfarina, dabigatrana,


rivaroxabana, apixabana e edoxabana.
Quando da indicação de anticoagulação, é importante avaliar
o risco de sangramento.

ACO: anticoagulante oral.

INDICAÇÕES DO USO DE ANTICOAGULANTES


As principais indicações do uso de anticoagulantes correspondem à
profilaxia de TVE em situações clínicas e cirúrgicas, no tratamento de
TVP e EP e na prevenção de AVE nos pacientes com FA.
Algumas considerações devem ser feitas no momento de indicar a
anticoagulação e na escolha do anticoagulante com o objetivo de
maximizar a segurança do tratamento, haja vista maior risco de
sangramento nessa população. Deve-se excluir a presença de
contraindicações (sangramento ativo, distúrbio da coagulação, trauma
ou cirurgia recentes, história de sangramento no sistema nervoso
central – SNC –, entre outras) e avaliar a função renal, a presença de
comorbidades e o risco de quedas, aspectos farmacodinâmicos dos
anticoagulantes, a associação com agentes antiplaquetários e o desejo
e entendimento do paciente de/ou familiares. Em situações específicas
podem ser utilizados escores de risco como o HAS-BLED, que avalia o
risco de sangramento maior (Tabelas 3 e 4).

TABELA 3 Fatores de risco de sangramento

Hipertensão mal controlada 1

> 65 anos 1

História de sangramento 1

RNI lábil 1
TABELA 3 Fatores de risco de sangramento

Medicamentos (Aine, antiplaquetários) 1

Abuso de álcool 1

Disfunção renal 1

Disfunção hepática 1

ACO: anticoagulante oral; Aine: anti-inflamatórios não esteroides; RNI: razão normalizada
internacional.
Pontuação maior que 3 indica maior risco de hemorragia pelo ACO. Deve-se destacar, contudo,
que esse escore não contraindica o uso de ACO, mas orienta quanto à necessidade de
cuidados especiais para tornar o tratamento mais seguro. Estudos mostram 40% de não
utilização das recomendações sobre ACO da Sociedade Europeia de Cardiologia, associando-se,
portanto, a maiores desfechos desfavoráveis.

TABELA 4 Escore HAS-BLED

Escore HAS-BLED Risco de sangramento (%/ano)

0 1,13

1 1,02

2 1,88

3 3,74

4 8,7

5 12,5

6-9 >1

Controle pressórico

A hipertensão mal controlada aumenta o risco de AVE, inclusive


hemorrágico. Portanto, na população geriátrica, o controle pressórico
adequado é mandatório e as avaliações devem ser mensais. Para início
da anticoagulação, o alvo terapêutico para a pressão arterial (PA) é
abaixo de 160 × 90 mmHg, sendo ideal menor que 140 × 90 mmHg.
Quando a PA estiver acima de 180 × 100 mmHg, o início do tratamento
deve ser postergado até se obter o controle adequado.

MEDICAMENTOS UTILIZADOS NA ANTICOAGULAÇÃO

Antagonistas da vitamina K
O medicamento mais estudado entre os antagonistas da vitamina K
(AVK) é a varfarina. Os AVK levam à inibição da produção hepática de
fatores coagulantes (fatores II, VII, IX e X) e anticoagulantes (proteínas
C e S), predominando em longo prazo a função anticoagulante.
Os AVK apresentam características que interferem diretamente na
eficácia, riscos de anticoagulação e sangramento, embora com baixo
custo, ampla disponibilidade e grande experiência clínica. Apresentam
elevada interação com alimentos ricos em vitamina K (couve, espinafre,
brócolis), sendo necessário manter ingestão estável desses alimentos,
podendo restringir o hábito alimentar do paciente.
Ocorre também importante interação farmacológica, pela
similaridade de metabolização entre os fármacos pelo CIP2C9 hepático,
sendo necessária maior vigília em relação a medicamentos de uso
contínuo e habituais. São exemplos de medicamentos que aumentam a
metabolização da varfarina: azatioprina, barbitúricos, carbamazepina,
fenitoína, rifampicina. Associações de uso com outros medicamentos
que aumentam o RNI: ácido acetilsalicílico, anti-inflamatório não
esteroide (Aine), clopidogrel, inibidores seletivos da receptação da
serotonina, tiroxina. Outros medicamentos diminuem a metabolização
da varfarina: amiodarona, celecoxibe, eritromicina, flucinazol,
isoniazida, piroxicam, tamoxifeno.
A aderência ao uso dos AVK é afetada diretamente pela necessidade
de monitorização laboratorial, que deve ser estrita, uma vez que
estudos mostram que pacientes idosos mantêm a razão normalizada
internacional (RNI) fora do alvo terapêutico 50 a 60% do tempo,
estando esse dado diretamente relacionado com os riscos de TEV e
sangramento (hemorragia intracraniana), observados com RNI < 1,9 e
> 3,1, respectivamente.
Nos primeiros dias de uso de AVK o paciente pode apresentar um
estado de hipercoagulação devido ao efeito da varfarina sobre as
proteínas C e S, tornando necessária a utilização concomitante de
heparina, que deve ser mantida até o RNI atingir a faixa terapêutica
por 24 horas. O nível preconizado de RNI para anticoagulação é a
manutenção entre 2 e 3, porém, para portadores de prótese valvar na
posição mitral ou prótese metálica, o RNI deve ser mantido entre 2,5 e
3,5.
A recomendação atual para o início do uso de varfarina é:

Usar doses iniciais baixas para pacientes idosos < 85 anos (3 a 4 mg)
e 2,5 mg para pacientes idosos ≥ 85 anos, pacientes com síndrome
de fragilidade, desnutrição ou doença hepática e insuficiência renal
moderada a avançada (depuração de creatinina < 30 mL/minuto).
Mensurar o RNI em 3 dias. Se houver reajuste de dose, nova
mensuração em 7 dias. Se a dose permanecer estável, mensurar em
14 dias.
Na sequência a mensuração do INR é semanal durante os primeiros
90 dias em pacientes com maiores riscos, quaisquer que sejam, > 85
anos, fragilidade, insuficiência hepática ou renal, história de quedas,
comprometimento cognitivo, baixa escolaridade e tratamento inicial.

O ajuste para atingir a dose terapêutica deve ser realizado seguindo


estas orientações:

Paciente com valor de RNI inferior ao alvo definido: medicação deve


ser aumentada em 5 a 20% da dose semanal anterior.
Paciente com valor da anticoagulação acima do preconizado: ajustar
a dose do medicamento conforme o Quadro 3.

O uso dos AVK requer um controle adequado da anticoagulação,


definido como um tempo na faixa terapêutica (TTR, time in therapeutic
range) com média individual acima de 70%, o que está associado com
melhores resultados de eficácia e segurança. O TTR é percentual que o
RNI está dentro da faixa indicada.
O Escore SAMe-TT 2R2 foi elaborado como um meio de identificar um
controle deficiente da terapia com varfarina em pacientes com FA, em
que um paciente com escore de 0 a 2 pode responder bem à AVK com
um TTR elevado, enquanto outro com escore acima de 2 tem menor
probabilidade de alcançar um TTR ideal.

QUADRO 3 Orientação de conduta quando há RNI com mensuração supraterapêutica

Condição Conduta

RNI acima da faixa terapêutica, a) Suspender a dose de 1 dia e reavaliar causas


porém > 5, na ausência de associadas (medicamentos, alteração da dieta): reduzir
sangramento ou apenas com a dose até cessar a causa.
sangramento menor* b) Sem fatores associados: reduzir a dose.
QUADRO 3 Orientação de conduta quando há RNI com mensuração supraterapêutica

RNI de 5-9, na ausência de Suspender 1-2 doses subsequentes e avaliar:


sangramento ou apenas com Pacientes com baixo risco de sangramento ou causa
sangramento menor* associada: reduzir a dose até cessar a causa e
monitorizar RNI com maior frequência.
Em fatores associados: reduzir a dose e monitorizar
RNI com maior frequência.
Paciente com risco de sangramento: administrar
vitamina K (1,25 mg VO).

RNI > 9 na ausência de sangramento Suspender varfarina.


ou apenas com sangramento menor* Monitorizar RNI.
Administrar vitamina K (3,5 mg VO).

RNI > 9 na presença de Suspender varfarina.


sangramento maior** Administrar vitamina K (10 mg IV lentamente).
Em caso de urgência, usar plasma fresco e
concentrado de complexos protrombínicos.

Sangramento com risco de morte Suspender varfarina.


Administrar plasma fresco, concentrado de
complexos protrombínicos e vitamina K (10 mg IV
lentamente).

IV: intravenoso; RNI: razão normalizada internacional; VO: via oral.


* Sangramento menor: consiste primariamente em epistaxe e hematomas.
** Sangramento maior: necessita de intervenção, como hospitalização ou transfusão, ou
resulta em morbidade significativa (como sangramento intra-articular ou cerebral).

QUADRO 4 Escore SAMe-TT 2R2

Acrônimo Definições Escore

S Sexo (feminino) 1

A Idade (≤ 60 anos) 1

Me História médica (2 ou mais dos seguintes): hipertensão, diabetes, 1


DAC / infarto do miocárdio, DAP, ICC, AVC prévio, doença
pulmonar e doença hepática ou renal.

T Tratamento (interação medicamentosa, p. ex., amiodarona) 2

T Tabagismo (dentro de 2 anos) 2

R Raça (não brancos) 8

AVC: acidente vascular cerebral; DAC: doença arterial coronariana; DAP: doença arterial
periférica; ICC: insuficiência cardíaca congestiva.

Heparinas
O grupo das heparinas é composto predominantemente por heparina
não fracionada (HNF), heparina de baixo peso molecular (HBPM) e
fondaparinux. Atuam indiretamente, ligando-se à antitrombina, levando
a uma alteração conformacional dessa proteína e potencializando sua
ação inativadora dos fatores de coagulação, especialmente o fator Xa.
As heparinas mantêm sua importância clínica em cenários
específicos como: início da anticoagulação de TEV agudos previamente
à transição para cumarínicos e inibidores da trombina (inibidores do
fator Xa não necessitam do uso prévio de heparina), neoplasias,
síndrome coronariana aguda (SCA), profilaxia e ponte para cirurgias e
procedimentos. Tem-se que a via de administração parenteral dificulta
seu uso ambulatorial.
A HNF é uma mistura de glicosaminoglicanos, os quais ativam a
antitrombina para inativar a trombina (fator IIa) e o fator X ativado
(fator Xa), prevenindo a formação e a potencial disseminação de
trombos. A HNF pode ser administrada tanto por via subcutânea (SC)
como intravenosa (IV), e nesse caso é mais seguro o uso de bomba de
infusão. Pacientes idosos necessitam de doses menores da HNF para
atingir níveis terapêuticos de tempo de tromboplastina parcial ativada
(TTPa). A dose inicial de tratamento deve ser ajustada conforme o peso
do paciente.
Os efeitos adversos possíveis com o uso de HNF são risco de
hemorragia e trombocitopenia induzida pela heparina. A
trombocitopenia induzida pela heparina ocorre por volta de 14 dias
após o início da anticoagulação ou mesmo após sua suspensão e é
caracterizada pela queda de 50% da contagem de plaquetas ou valores
inferiores a 150 × 103/mcL.

Heparina de baixo peso molecular


As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) são derivadas da
HNF e apresentam maior afinidade com o fator Xa do que com a
trombina, sendo administradas apenas SC, com absorção e
anticoagulação conhecidas. A monitorização dos níveis do antifator Xa
não é recomendada, mas pode ser realizada nos casos em que se
suspeitar de alteração da anticoagulação por modificação em sua
farmacocinética e farmacodinâmica, o que pode ser observado em
obesos e gestantes, ou por acúmulo do fármaco, o que pode ocorrer em
idosos e nefropatas. Na prática clínica, a dosagem deve ser realizada
diante de sangramentos ou falência terapêutica. As HBPM disponíveis
são:

Enoxaparina: 100 unidades/mg de atividade antifator Xa.


Dalteparina: 156 unidades/mg de atividade antifator Xa.
Tinzaparina: 70 a 120 unidades/mg de atividade antifator Xa.
Nadroparina: várias formulações que têm atividade antifator Xa.

As HBPM mais comumente utilizadas são a dalteparina e a


enoxaparina.
Na prática clínica, as HBPM são mais amplamente utilizadas do que
a HNF devido a seu menor risco de sangramento e trombocitopenia,
além de sua facilidade posológica.
As complicações hemorrágicas e a trombocitopenia induzida por
heparina têm menor risco de ocorrência com o uso das HBPM quando
comparadas às HNF, de forma que, quando disponíveis, devem ser o
fármaco de escolha; em pacientes com doença renal crônica, porém,
seu uso deve ser individualizado. Uma revisão sistemática mostrou que,
após a estabilização clínica do paciente, a terapia em ambiente
hospitalar ou ambulatorial não mostrou diferença em relação aos
eventos adversos.

Fondaparinux sódico

É um análogo sintético da heparina que age apenas no fator Xa, não


apresentando ação na formação da trombina. A administração é feita
SC e tem absorção e ação anticoagulante conhecidas, não necessitando
de monitorização. Tem risco de sangramento semelhante ao das HBMP
e não causa trombocitopenia induzida pela heparina. No uso
individualizado em pacientes com clearance de creatinina (Clcr) < 50
mL/minuto há necessidade de ajuste de dose e o uso é contraindicado
com Clcr abaixo de 20 mL/minuto. O fondaparinux sódico deve ser
administrado SC 1 vez/dia, com dose habitual de 7,5 mg. Pacientes com
peso inferior a 50 kg devem ter a dose ajustada para 5 mg e os com
peso superior a 100 kg, aumentada para 10 mg/dia. A dose profilática é
de 2,5 mg, 1 vez/dia.

Anticoagulantes orais diretos

Como o nome sugere, os anticoagulantes orais diretos (ACD),


também denominados anticoagulantes orais não vitamina K, são
terapias-alvo que interferem pontualmente na cascata de coagulação.
São compostos por dois grupos principais: os inibidores diretos do fator
X (rivaroxabana, apixabana e edoxabana) e os inibidores diretos da
trombina (dabigatrana). São aprovados na prática clínica para a
profilaxia de AVE isquêmico em pacientes com FA não valvar,
tratamento agudo e manutenção de TEV e profilaxia de TEV após
procedimentos cirúrgicos.
Estudos com os ACD em comparação com varfarina, no contexto de
FA e profilaxia secundária de TEV, demonstraram, no subgrupo dos
idosos, eficácia similar na prevenção de fenômenos tromboembólicos,
com melhor perfil de sangramentos em algumas situações naqueles em
uso dos ACD. Esses achados difundiram o uso dessas medicações
dentro da população idosa, devendo ser feito de forma individualizada,
levando em consideração as propriedades farmacodinâmicas desses
medicamentos e fatores associados ao envelhecimento, como
polifarmácia, menor peso, constituição corporal e disfunção renal.
Foi observada maior aderência dos pacientes idosos em uso dos ACD
em relação aos AVK. Deve-se isso à manutenção de posologia estável,
sem necessidade de monitorização laboratorial na população com maior
restrição de mobilidade e dificuldade de acesso a exames laboratoriais.
Há menor interação com a alimentação, sem necessidade de dietas
restritivas ou de medicamentos. Deve-se atentar ao uso concomitante
de medicamentos como cetoconazol, rifampicina e verapamil, que
levam à potencialização e inibição do efeito anticoagulante.

Dabigatrana: inibidor direto da trombina IIa, foi aprovada para


prevenção de AVE em pacientes com FA não valvar, tratamento de
TVP e EP em pacientes já tratados com anticoagulante parenteral
por 5 a 10 dias. Indicada para reduzir o risco de TVP ou EP
recorrente em pacientes que foram tratados anteriormente.
Rivaroxabana: inibidor do fator Xa, foi aprovada para profilaxia da
TVP em pacientes submetidos à cirurgia de joelho ou quadril e para
prevenção de AVE em pacientes com FA não valvar; tratamento de
TVP e EP e prevenção de TVP e EP.
Apixabana: inibidor do fator Xa, foi aprovada para prevenção de AVE
em pacientes com FA não valvar e para profilaxia da TVP em
pacientes submetidos a substituição de joelho ou quadril.
Edoxabana: inibidor do fator Xa, foi aprovada para prevenção de AVE
em pacientes com FA não valvar e para tratamento de TVP e EP após
5 a 10 dias de terapia inicial com anticoagulante parenteral.
Comparação entre os anticoagulantes orais diretos
Comparados à varfarina, os ACD têm um rápido início de ação, sem
efeito pró-coagulante inicial, meia-vida curta, poucas interações com
alimentos e medicamentos, e não requerem titulação da dose ou
monitoramento por testes de sangue. O Quadro 6 resume suas
características.
Dabigatrana (inibidor da coagulação fator IIa) e rivaroxabana,
apixabana e edoxabana (inibidores do fator Xa) apresentam
semelhanças farmacológicas quanto ao início de ação anticoagulante,
mas diferenças quanto à eliminação, meia-vida e excreção renal. Não
existem trabalhos controlados randomizados comparando os ACD, não
sendo possível citar qual é o mais eficaz e seguro, porém é possível
identificar características que permitem a opção de um ACD em
detrimento de outro.
Em pacientes com maior risco de sangramento, a opção pode ser
apixabana 5 mg, 2 vezes ao dia (único ACD que não apresentou
associação com aumento de risco de sangramento gastrointestinal), ou
dabigatrana 110 mg, 2 vezes ao dia. Para indivíduos com 80 anos ou
mais e doença renal (taxa de filtração glomerular – TFG < 50
mL/minuto) a escolha pode ser apixabana. Rivaroxabana ou edoxabana
podem ser preferíveis em pacientes com FA e má adesão, tendo em
vista a comodidade posológica.
A eliminação renal é característica de todos os ACD, como
demonstra o Quadro 5. Assim, a função renal deve ser avaliada
previamente, ao início do tratamento, e anualmente, durante seu uso,
para avaliar a necessidade de ajuste da dose. A presença de disfunção
renal grave (Clcr < 15 mL/minuto) corresponde a um fator limitante
para o uso dessas medicações.

Antídotos específicos para anticoagulantes orais diretos


Têm surgido medicamentos-alvo com o objetivo de reverter a ação
anticoagulante dos ACD, porém não estão comercialmente disponíveis
no Brasil até o presente momento. Assim, diferentemente do que ocorre
com os cumarínicos, não há uma abordagem bem definida na vigência
de sangramentos em pacientes sob uso de ACD, gerando insegurança
em sua prescrição por parte dos médicos. Porém, isso não impacta em
maior morbidade ou mortalidade nos pacientes sob uso de ACD.
Estudos em pacientes em anticoagulação oral com ACD ou varfarina,
com sangramento no SNC, mostraram que, independentemente das
maiores opções de reversão no grupo da varfarina, este apresentou
maior mortalidade intra-hospitalar.

QUADRO 5 Características dos anticoagulantes orais diretos (ACD)

Apixabana Edoxabana Rivaroxabana Dabigatrana Varfarina

Mecanismo Fator Xa Fator Xa Fator Xa Fator IIa Inibe


(inibição) produção
II, VII, IX,
X

Dose-padrão 10 mg, 60 mg, 1x/dia. 15 mg, 2 x/dia, 150 mg, 2 x/dia. Dose
2x/dia, por 7 por 7 dias. ajustada
dias. Depois, 20 mg, pelo RNI
Depois, 5 1 x/dia. (RNI ideal:
mg, 2x/dia 2-3).

Redução de 2,5 mg, 2 30 mg, 1 15 mg, 1 x/dia, 110 mg, 2 x/dia, Dose
dose x/dia, se pelo x/dia, se se: se: ajustada
menos dois: qualquer: Clcr < 50 80 anos. pelo RNI.
> 80 Clcr < 50 mL/minuto. Uso de
anos. mL/minuto. verapamil.
Peso < 60 Peso < 60 Considerar se:
kg. kg. 75-80 anos.
Creatinina Clcr 30-50 mL.
> 1,33 Gastrite.
mg/dL.

Meia-vida 8-15 horas 10-14 horas 5-9 horas 12-18 horas 36-60
horas

Excreção renal 25% 35% 65% 80% 0%

Monitorização Não Não Não Não Sim (RNI)

Interação Glicoproteína Glicoproteína P Glicoproteína P Sim


medicamentosa P CIP3A4
CIP3A4

Interação Não Não Atrasa Vitamina K


alimentar absorção

Contraindicação Clcr < 15 Clcr < 15 Clcr < 15 Clcr < 30 –


mL/minuto. mL/minuto. mL/minuto. mL/minuto.
Doença Doença Doença Doença hepática
hepática hepática com hepática com com
grave. coagulopatia. coagulopatia. coagulopatia.
Hipertensão
grave
descontrolada.
QUADRO 5 Características dos anticoagulantes orais diretos (ACD)

Reduz Sim (SNC) Não Sim (SNC). –


sangramento significativo Aumento TGI
em idoso

Efeitos Náusea – Dispepsia/gastrite –


adversos

Agente para Andexanet Idarucizumabe Vitamina


reversão alfa (aprovado na K.
(aprovado Europa) Plasma
pela FDA) fresco.

Clcr: clearance de creatinina; FDA: Food and Drug Administration; RNI: razão normalizada
internacional; SNC: sistema nervoso central.

PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA TROMBOSE VENOSA PROFUNDA


E DA EMBOLIA PULMONAR

Indicação da prevenção

Em pessoas que serão submetidas a procedimentos cirúrgicos, o


risco de TEV está mais relacionado com o tipo de cirurgia ou com a
presença de comorbidades do que com a própria idade. Pacientes que
vão realizar viagens prolongadas, com duração de mais de 8 horas,
devem ser avaliados quanto ao risco de TEV e orientados a respeito de
medidas preventivas a serem tomadas e da indicação de profilaxia com
anticoagulação. O Quadro 6 apresenta as indicações de profilaxia para
TEV do American College of Chest Physicians (ACCP).

QUADRO 6 Recomendações de tromboprofilaxia para pacientes internados

Baixo risco Risco moderado Alto risco

Condições Cirurgias menores Maioria dos Artroplastia de


em pacientes com pacientes joelho ou
mobilidade submetidos a quadril/cirurgia de
preservada. procedimentos fratura de quadril.
Pacientes clínicos urológicos ou Trauma maior/lesão
com mobilidade ginecológicos. na medula espinal.
preservada. Pacientes clínicos
restritos ao leito.

Risco aproximado < 10% 10-40% 40-80%


de TEV sem
tromboprofilaxia
QUADRO 6 Recomendações de tromboprofilaxia para pacientes internados

Opção de Não há indicação de HBPM ou HNF em baixa HBPM ou fondaparinux


profilaxia tromboprofilaxia dose ou fondaparinux ou varfarina (RNI 2-3)
específica. ou ACD. ou ACD.
Estimular
deambulação
precoce e intensa.

ACD: anticoagulantes orais diretos; HBPM: heparina de baixo peso molecular; HNF: heparina
não fracionada; RNI: razão normalizada internacional; TEV: tromboembolismo venoso.

Posologia

Para o tratamento de TVP e EP pode ser utilizada HNF ou HBPM. As


doses de HNF são:

Dose inicial de 80 UI/kg.


Seguida de manutenção de 18 UI/kg/h, ajustada de acordo com o
TTPa, mantendo-o entre 1,5 e 2,5 vezes o valor basal do paciente e
evitando ultrapassar 1,5 vez o valor de controle nos pacientes
nefropatas.

Para profilaxia do TEV é 5.000 UI, 2 a 3 vezes ao dia, por 10 a 14


dias, em pacientes clínicos, e 10 a 30 dias em pacientes cirúrgicos ou
enquanto persistir o risco.
As doses recomendadas de HBPM são:

Tratamento do TEV:
– Enoxaparina (SC):
• 1 mg/kg, 2 vezes ao dia.
• 1,5 mg/kg, 1 vez ao dia, para os idosos com nefropatias.
– Dalteparina (SC):
• 200 UI/kg/dia, em uma única tomada.
• 100 Ul/kg, 2 vezes ao dia, em idosos com alto risco para
eventos hemorrágicos.
Profilaxia:
– Enoxaparina: 40 mg, se 1 vez ao dia.
– Dalteparina: 5.000 UI, se 1 vez ao dia.
Pacientes nefropatas: dose da HBPM a partir da dosagem da
atividade anti-Xa.
Prevenção de fenômenos tromboembólicos no paciente com fibrilação
atrial

Um estudo com pacientes idosos e diagnóstico de FA demonstrou


que o benefício da anticoagulação em prevenir TEV suplantou o risco
de sangramento, sendo maior ainda nos pacientes com idade mais
avançada. Isso demonstra que a idade isoladamente não deve ser
barreira para indicar a anticoagulação em indivíduos com indicação
terapêutica.
A partir da estratificação de risco de AVE pelo Escore CHA2DS2-
VASC, se a soma alcançar 2 pontos para homem e 3 para mulher, há
indicação formal da anticoagulação. No entanto, mesmo pacientes com
1 ou 2 pontos podem ter benefícios. Nessa situação, porém, a decisão
de anticoagular deve ser individualizada.
Para escolher o medicamento deve ser levado em consideração o
risco de sangramento (menor com os ACD), aderência do paciente,
potencial de interação medicamentosa, conveniência da dose,
efetividade, segurança, características e preferências do paciente e
aspectos sociais e econômicos. Um algoritmo sugerido para a utilização
dos sistemas de Escore CHA2DS2-VASc, HAS-BLED e SAMe-TT 2R2 na
determinação do risco de AVC, risco de sangramento e probabilidade
de eficácia do AVK, respectivamente, está demonstrado na Figura 1.

ANTICOAGULAÇÃO EM SITUAÇÕES COMUNS EM IDOSOS


Outros fatores que contribuem para a subutilização dos
anticoagulantes no idoso são o risco de queda e a presença de déficits
cognitivos. Respectivamente, estudos demonstram que em pacientes
com alto risco tromboembólico (p. ex., CHA2DS2-VASc ≥ 2) o risco de
queda não deve influenciar no uso da anticoagulação, assim como
pacientes com déficits cognitivos leves e moderados em uso de
anticoagulantes não apresentam maiores incidências de sangramento.

Neoplasias

A incidência de neoplasias aumenta com a idade, tornando-se uma


das principais causas de morbimortalidade nessa população. Sabe-se
que os indivíduos com câncer apresentam alto risco de TEV devido a
um estado de hipercoagulabilidade multifatorial, em que as células
neoplásicas agem como fator pró-coagulante através das moléculas de
adesão e liberação de citocinas.

FIGURA 1 Algoritmo de anticoagulação para pacientes latino-americanos com fibrilação atrial.


AAS: ácido acetilsalicílico; AINH: anti-inflamatório não hormonal; AVC: acidente vascular
cerebral; AVK: antagonista da vitamina K.; NOAC: anticoagulantes orais não antagonistas da
vitamina K (ACD); RNI: razão normalizada internacional; TTR: tempo na faixa terapêutica.

Fatores associados ao tumor (tipo, localização e estadiamento), ao


paciente (comorbidades e idade) e às terapias (quimioterapia, cirurgia,
radioterapia) interferem diretamente no risco de TEV, devendo ser
considerados na decisão da anticoagulação profilática em conjunto com
o risco de sangramento.
A profilaxia está bem estabelecida para pacientes internados que
apresentam mobilidade reduzida e após procedimentos cirúrgicos,
cenário no qual esse grupo apresenta 40% de risco de TVE. Deve ser
feita com HBPM, HNF ou fondaparinux. Para os pacientes
ambulatoriais a profilaxia não é rotina, devendo limitar-se a pacientes
sob uso de imunomoduladores, neoplasias de alto risco (pâncreas),
história prévia de TEV e escores de risco elevado.
O início de anticoagulação terapêutica deve ser garantido em todos
os pacientes com câncer e TEV novo ou recorrente. Na fase aguda
deve-se utilizar preferencialmente a HBPM, limitando o uso da HNF
aos pacientes com disfunção renal. Os cumarínicos e os ACD não são
opções na fase aguda. A anticoagulação deve ser mantida por no
mínimo 3 a 6 meses, podendo ser prolongada em pacientes com
malignidade ativa e com alto risco de recorrência (alta carga tumoral,
metástase e uso de imunomoduladores). É importante considerar risco
de sangramento, qualidade de vida e custo.
A terapia de manutenção deve ser realizada preferencialmente com
HBPM, embora estudos mostrem a eficácia dos ACD.

Pacientes com risco de queda

Em pacientes com 75 anos ou mais, somente a história de quedas


frequentes aumenta o risco de sangramento intracraniano. Diante
desses dados, é possível afirmar que anticoagulação isolada para essa
população não aumenta o risco de evento hemorrágico, porém, quando
acontece, é mais grave e apresenta maior mortalidade nos primeiros 30
dias.
Em geral, o risco de sangramento é inferior ao risco de AVE no idoso
portador de FA. No idoso com história de duas ou mais quedas ao ano
(considerado “caidor” crônico) é importante identificar os fatores
predisponentes para quedas, principalmente os modificáveis (uso de
medicamentos, hipotensão ortostática, déficits visuais, causas
extrínsecas). Caso esses fatores não estejam presentes, a escolha de
anticoagulação deve ser individualizada.
Em pacientes com CHA2DS2-VASc maior ou igual 3, com história de
quedas frequentes, o benefício da anticoagulação é superior ao risco de
sangramento intracraniano. Porém, caso aconteça queda e haja
evolução para sangramento intracraniano, a anticoagulação deve ser
suspensa. Pacientes com CHA2DS2-VASc abaixo de 2 não devem ser
anticoagulados. Os ACD apresentam menor risco de sangramento
intracraniano quando comparados com os AVK e devem ser o fármaco
de escolha para essa população.

Déficit cognitivo
A ocorrência de eventos tromboembólicos está associada a risco
para demência 2 a 3 vezes maior, pela presença de infartos cerebrais
silenciosos e redução volumétrica encefálica, muitas vezes devido à FA.
Assim, em pacientes com demência, é necessária uma avaliação
individualizada do benefício da anticoagulação.
Fatores de risco para AVE e trombose sistêmica em portadores de
FA e de eventos tromboembólicos devem ser levados em conta, assim
como a fase de demência em que o paciente se encontra. Nesses
pacientes o envolvimento da família ou cuidador é fundamental para
aumentar a aderência na terapêutica.

Fragilidade

Evidências de estudo recente que avaliou a eficácia e a segurança da


anticoagulação em idosos frágeis com FA demonstraram que o
tratamento com anticoagulantes orais foi associado a riscos reduzidos
de AVC isquêmico e morte cardiovascular, sem aumento do risco de
sangramento maior. Esse benefício foi maior com os anticoagulantes
orais diretos do que com a varfarina. Os resultados favoráveis foram
mais evidentes em indivíduos com pontuação CHA2DS2-VASc maior ou
igual a 3.

CONTRAINDICAÇÕES PARA ANTICOAGULAÇÃO


De modo geral, as contraindicações clínicas para anticoagulação, até
o momento, são:

Expectativa de vida menor do que 6 meses.


Demência grave.
Dependência funcional grave.
Depuração de creatinina < 15 mL/minuto.
Insuficiência hepática moderada/grave (Child-Pugh B ou C).
Sangramento ativo ou alto risco de sangramento recorrente.

São contraindicações relativas, principalmente por falta de dados, as


condições clínicas:

Síndrome da fragilidade.
Idade > 90 anos.
Câncer.
Desnutrição ou disfagia.
Polifarmácia.

Desse modo, a decisão de iniciar ou não a anticoagulação deve ser


individualizada e sempre compartilhada com o paciente (quando
possível), familiares e cuidadores.

MANEJO DA ANTICOAGULAÇÃO EM PACIENTES QUE SERÃO


SUBMETIDOS A PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS
O manejo da anticoagulação em pacientes submetidos a
procedimentos cirúrgicos é desafiador, pois interromper a
anticoagulação para um procedimento aumenta transitoriamente o
risco de tromboembolismo. Ao mesmo tempo, cirurgia e procedimentos
invasivos têm associado riscos de sangramento que são aumentados
pelos anticoagulantes administrados para prevenção de
tromboembolismo.
Se o paciente sangrar com o procedimento, o anticoagulante pode
precisar ser interrompido por um período mais longo, resultando em
um período mais longo de risco tromboembólico aumentado. Um
equilíbrio entre reduzir o risco de tromboembolismo e prevenir
sangramentos excessivos deve ser alcançado para cada paciente.
Questões adicionais estão relacionadas com o anticoagulante
específico usado. Para aqueles que utilizam AVK (p. ex., varfarina), o
efeito anticoagulante demora vários dias até que seja reduzido e depois
restabelecido no perioperatório; os riscos e benefícios da substituição
por agente de ação mais curta, como a heparina, durante esse período
não são claros. Os ACD têm meia-vida mais curta, facilitando a
interrupção e a retomada rápida, mas os inibidores diretos do fator Xa
não possuem um antídoto específico aprovado para o medicamento, o
que suscita preocupações sobre o tratamento do sangramento e o
manejo de pacientes que necessitam de cirurgia urgente ou
procedimento invasivo.
É importante observar que riscos trombóticos e hemorrágicos
podem variar dependendo das circunstâncias individuais, e dados de
estudos randomizados ou estudos observacionais bem projetados não
estão disponíveis para orientar a prática em muitos contextos. Além
disso, o melhor substituto para a resolução completa do efeito
anticoagulante nem sempre é conhecido ou está disponível para os
ACD. Assim, a abordagem deve ser usada como orientação clínica e não
deve substituir o julgamento do médico nas decisões sobre o manejo
anticoagulante perioperatório de pacientes individuais.
Na abordagem devem ser avaliadas algumas condições:

Risco tromboembólico estimado: um risco tromboembólico maior


aumenta a importância de minimizar o intervalo sem anticoagulação.
Deve-se estimar o risco tromboembólico para pacientes com FA com
base na idade e em comorbidades. Para aqueles com TVP recente ou
EP, o risco é estimado com base no intervalo desde o diagnóstico. Se
o risco tromboembólico for transitoriamente aumentado (p. ex., AVC
recente, EP recente), deve-se preferir adiar a cirurgia até que o risco
retorne à linha de base, se possível. Para pacientes com mais de uma
condição que predispõe ao tromboembolismo, a condição com maior
risco tromboembólico tem precedência.
Estimativa do risco de sangramento: maior risco de sangramento
confere maior necessidade de hemostasia perioperatória e, portanto,
um período mais longo de interrupção anticoagulante. O risco de
sangramento é dominado pelo tipo e urgência da cirurgia; algumas
comorbidades dos pacientes também contribuem.
Determinar o tempo de interrupção do anticoagulante: esse tempo
depende do agente específico que o paciente está recebendo, como
será visto posteriormente. Considerações adicionais podem ser
necessárias para indivíduos com função renal ou hepática reduzida.
Determinar se é necessário usar anticoagulação em ponte: para a
maioria dos pacientes, não há necessidade do uso de anticoagulação
em ponte (uso de um agente parenteral de ação curta para reduzir o
intervalo sem anticoagulação), porque aumenta o risco de
sangramento sem reduzir a taxa de tromboembolismo. No entanto,
alguns pacientes sob uso de varfarina com risco tromboembólico
especialmente alto (p. ex., válvula cardíaca mecânica e AVC recente)
podem se beneficiar da ponte com heparina ou HBPM.

Procedimentos com baixo risco de sangramento (p. ex., extrações


dentárias, pequenas cirurgias de pele) geralmente podem ser
realizados sem interrupção da anticoagulação. Intervenções
odontológicas como limpeza, extração e procedimentos endodentários
(tratamento de canal) podem ser realizadas em vigência do uso do ACD
ou da varfarina, sendo recomendado que o paciente receba enxague
bucal pró-hemostático (p. ex., ácido tranexâmico) antes e depois. Se um
sangramento maior for esperado, 2 dias antes o ACD deve ser
descontinuado e retomado na noite posterior ao procedimento.
Pequenas cirurgias, como retirada de lesões de pele, injeções intra-
articulares e cirurgia de catarata, podem ser realizadas com segurança
durante o uso concomitante de ACD ou varfarina, desde que o INR
esteja dentro dos limites terapêuticos. Quando da realização de outros
procedimentos cirúrgicos, a suspensão do ACO precisa ser
individualizada. Há necessidade de avaliar:

Anticoagulante utilizado.
Função renal do paciente, risco de tromboembolia, indicação prévia
da anticoagulação, tempo decorrido desde o episódio trombótico e
tipo de procedimento.
Tipo de cirurgia (risco de sangramento baixo ou alto).
Caráter da cirurgia (eletiva ou de urgência).
Tipo de anestesia (geral, espinhal ou regional).

Quando do uso de ACO, esses medicamentos devem ser suspensos


na realização de procedimentos de alto risco. O tempo de suspensão
dependerá do Clcr, conforme o Quadro 7.
Em caso de realização de procedimentos de urgência em pacientes
anticoagulados com varfarina, esta deve ser suspensa e é possível
utilizar a vitamina K IV, o concentrado de complexo protrombínico, que
apresenta pouco respaldo na literatura, ou o plasma fresco congelado,
com duração de 6 horas. Em intervenções cirúrgicas que necessitam
ser realizadas em 24 a 96 horas, os pacientes devem receber a vitamina
K oral, na dose de 2 a 3 mg a cada 8 a 24 horas, até a redução da RNI
para uma faixa segura.
Procedimentos anestésicos como o bloqueio neuroaxial (anestesia
espinal, anestesia epidural ou analgesia epidural contínua) devem ser
evitados em pacientes com discrasias sanguíneas ou sob uso de
anticoagulantes, estando contraindicadas anestesias e analgesias
neuroaxiais em pacientes com o RNI > 1,5, TP > 1,5 vez o controle e
contagem plaquetária < 50.000/mm.

MONITORIZAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE SOB


ANTICOAGULANTES ORAIS
Pacientes submetidos à terapia de anticoagulação devem ser
avaliados rotineiramente para risco de AVE e sangramentos, e, quando
o risco de sangramento for maior do que a possibilidade de eventos
cerebrovasculares, o tratamento deve ser descontinuado. É importante
ressaltar, contudo, que o risco de eventos tromboembólicos e a taxa de
mortalidade se encontram elevados na população com alto risco
hemorrágico, e essa decisão deve ser compartilhada com o paciente e a
família. Um paciente em fase final de doença não tem aumento de
sobrevida com a anticoagulação, que deve ser descontinuada.
Indivíduos em terapia anticoagulante com sangramento intracraniano
devem ter a terapia suspensa.

QUADRO 7 Intervalo entre a última dose da ACO e o início do procedimento cirúrgico

Agente Administração Intervalo

Varfarina Oral 1-8 dias, dependendo do RNI.


RNI ≤ 1,5 m, média de 5 dias.

HNF IV ou SC Dependendo da dose: IV 2-6 horas, e SC, 12-24 horas.

HBPM SC 24 horas.

Fondaparinux SC 36-48 horas.

Dabigatrana Oral Clcr ≥ 50 mUmin: 1-2 dias.


Clcr < 50 mUmin: 3-5 dias.

Rivaroxabana Oral Função renal normal: ≥ 1 dia.


Clcr 60-90 mUmin: 2 dias.
Clcr 30-59 mUmin: 3 dias.

Apixabana Oral Clcr > 60 mUmin: 1-2 dias.


Clcr 50-59 mUmin: 3 dias.
Clcr < 30-49 mUmin: 5 dias.

AAS Oral 7-10 dias.

Clopidogrel Oral 5 dias.

AAS: ácido acetilsalicílico; Clcr: clearance de creatinina; HBPM: heparina de baixo peso
molecular; HNF: heparina não fracionada; IV: intravenoso; RNI: razão normalizada
internacional; SC: subcutâneo.

RECOMENDAÇÕES PARA USO DE ANTICOAGULANTES ORAIS EM


ADULTOS COM FIBRILAÇÃO ATRIAL
Escolha do tipo de anticoagulação: para a maioria dos pacientes
com FA com indicação de anticoagulação, recomenda-se um
anticoagulante oral direto (DOAC) em vez de um AVK (p. ex.,
varfarina) (grau 1A).
Considerações para mudar para um DOAC: para pacientes com
FA que foram tratados com varfarina e estão confortáveis com a
medição periódica da razão normalizada internacional (INR) com um
tempo anual na faixa terapêutica (TTR) de pelo menos 70%, sugere-
se a consideração de mudar para DOAC (grau 2B). No entanto, é
razoável continuar com AVK nesses pacientes por questões de custo
e preferência do paciente.
Quando usar um AVK: ressalvas à preferência geral pelo uso de
DOAC em vez de AVK em pacientes com FA com indicação de
anticoagulação incluem:
– Estenose mitral reumática grave ou clinicamente significativa
2
(área valvar mitral ≤ 1,5 cm ).
– Válvulas cardíacas mecânicas de qualquer tipo e em qualquer
localização.
– Válvula bioprotética (cirúrgica ou transcateter) implantada nos 3
a 6 meses anteriores.
– Interações medicamentosas (indutores de bomba de efluxo de
drogas de glicoproteína P, que podem diminuir o efeito
anticoagulante dos DOAC) ou antivirais que podem aumentar o
efeito anticoagulante dos DOAC.

POSSÍVEIS RAZÕES PARA USAR UM AVK


Pacientes que possivelmente não cumprirão a dose 2 vezes ao dia de
dabigatrana ou apixabana e que não podem tomar rivaroxabana ou
edoxabana 1 vez ao dia devido à intolerância.
Pacientes para os quais os agentes DOAC levarão a um aumento
inaceitável no custo do tratamento.
Pacientes com doença renal crônica grave cuja taxa de filtração
glomerular estimada (Clcr de Cockcroft-Gault) é inferior a 30
mL/minuto.

MODIFICAÇÃO DA CLASSE DO ANTICOAGULANTE


Em algumas situações clínicas, é necessária a modificação da
prescrição da classe do anticoagulante.
A seguir, serão apresentadas algumas recomendações na forma de
quadros. Elas oferecem uma orientação para alternar o uso dos
medicamentos, porém não substituem o julgamento clínico dos riscos
individuais de trombose e sangramento do paciente.

QUADRO 8 Modificação do uso de DOAC para varfarina

Medicação em Modo de modificar


uso

Dabigatrana Sobrepor varfarina com dabigatrana por 3 dias (função renal normal); 2
dias (CrCl 30-50 mL/minuto); ou 1 dia (CrCl 15-30 mL/minuto); observar que
a dabigatrana pode contribuir para a elevação do INR.
OU
Sobrepor varfarina com dabigatrana até que o INR seja terapêutico com
varfarina.*

Apixabana Se for necessária anticoagulação contínua, descontinuar apixabana e iniciar


anticoagulante parenteral com varfarina; continuar o agente parenteral até
que o INR seja terapêutico com varfarina (PI). Observar que o apixabana
pode contribuir para a elevação do INR*
OU
Sobrepor a varfarina com apixabana até que o INR seja terapêutico com a
varfarina, testando imediatamente antes da próxima dose de apixabana
para minimizar o efeito da apixabana na elevação do INR.*

Edoxabana Reduzir a dose pela metade (p. ex., 60-30 mg/dia ou 30-15 mg/dia) e iniciar
varfarina concomitantemente. Descontinuar edoxaban quando o INR for ≥
2; observar que o edoxaban pode contribuir para a elevação do INR*
OU
Descontinuar edoxaban e iniciar anticoagulante parenteral com varfarina;
continuar o agente parenteral até que o INR seja terapêutico com
varfarina*
OU
Sobrepor a varfarina com edoxaban até que o INR seja terapêutico com a
varfarina, testando imediatamente antes da próxima dose de edoxaban
para minimizar o efeito do edoxaban na elevação do INR.*

Rivaroxabana Suspender a rivaroxabana e iniciar anticoagulante parenteral com


varfarina; continuar o agente parenteral até que o INR seja terapêutico com
varfarina. Observar que a rivaroxabana pode contribuir para a elevação do
INR*
OU
Sobrepor varfarina com rivaroxabana até que o INR seja terapêutico com
varfarina, testando imediatamente antes da próxima dose de rivaroxabana
para minimizar o efeito da rivaroxabana na elevação do INR.*
QUADRO 8 Modificação do uso de DOAC para varfarina

CrCl: depuração de creatinina; DOAC: anticoagulante oral direto; INR: razão normalizada
internacional; ASH: Diretriz de prática clínica da Sociedade Americana de Hematologia; PI:
bula; PT: tempo de protrombina.
* Dois a três dias de sobreposição após o INR se tornar terapêutico podem ser necessários em
indivíduos com maior risco de trombose, porque o PT/INR entrará na faixa terapêutica antes
que ocorra a anticoagulação completa. Em indivíduos com sobreposição de varfarina e um
DOAC, o DOAC pode contribuir para a elevação do INR.
Indivíduos que mudam de um DOAC para varfarina são mais propensos a necessitar de
anticoagulação contínua se tiverem um evento tromboembólico recente ou se apresentarem
risco especialmente alto de tromboembolismo.

QUADRO 9 Modificação do uso de varfarina para DOAC

Dabigatrana Interromper a varfarina, monitorar o TAP/INR e iniciar a dabigatrana quando


INR for < 2.

Apixabana Interromper a varfarina, monitorar PAT/INR e iniciar apixabana quando INR


for < 2.

Edoxabana Interromper a varfarina, monitorar o PAT/INR e iniciar o edoxaban quando


INR for ≤ 2,5.

Rivaroxabana Interromper a varfarina, monitorar o PAT/INR e iniciar a rivaroxabana


quando INR for < 3.

DOAC: anticoagulante oral direto; INR: razão normalizada internacional.

QUADRO 10 Modificação do uso de um DOAC para outro diferente

Qualquer DOAC Iniciar o segundo DOAC quando a próxima dose do primeiro DOAC deveria
ter vencido; não se sobreponha

DOAC: anticoagulante oral direto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A população idosa apresenta maior incidência de TEV e é o grupo
com maior benefício do uso da anticoagulação. Assim, não se deve
subestimar o risco tromboembólico dessa população, a despeito do
maior risco de sangramento.
O escore CHA2DS2-VASc deve ser utilizado para avaliação de risco
para fenômenos tromboembólicos em pacientes portadores de FA.
A idade, o risco de queda e o déficit cognitivo não devem ser
barreiras para a anticoagulação. A avaliação de risco de
sangramento deve ser realizada de forma cautelosa.
Embora os cumarínicos ainda sejam opções efetivas e seguras, os
ACD apresentam vantagens como facilidade posológica e de
monitorização, menos interações e menor risco de sangramento em
algumas situações.
A escolha da terapia anticoagulante deve ser realizada de forma
individualizada, levando em consideração fatores como função renal,
interações medicamentosas, risco de sangramento e desejo do
paciente.
A HBPM continua sendo a terapia de escolha em pacientes com TEV
associados a neoplasias, tanto para tratamento na fase aguda quanto
na manutenção. O tempo de tratamento deve ser de no mínimo 3
meses, devendo ser individualizado em relação ao risco de
recorrência e risco de sangramento.

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SEÇÃO III

Doenças pulmonares e gastrointestinais


Asma no idoso 17

Marcelo Bezerra de Menezes

INTRODUÇÃO
Sendo asma um assunto muito amplo e a fim de
enfatizar peculiaridades do idoso, opto neste capítulo por
não abordar exacerbações agudas de asma e não expor
explícita e detalhadamente os esquemas terapêuticos e os
passos do tratamento mais aceitos.
Há documentos de qualidade que apresentam
adequadamente esses pontos, sendo o mais bem aceito o da
Global Initiative for Asthma (GINA), atualizado anualmente
e disponível em https://ginasthma.org. Pela carência de
textos sobre particularidades do idoso asmático e a
abundância de textos gerais, considero mais proveitoso
fornecer aqui informações e opiniões específicas sobre
asma nessa população, que podem complementar os textos
gerais.

EPIDEMIOLOGIA
Apesar das inúmeras dificuldades em diagnosticar asma
no idoso, estima-se que a doença tenha uma prevalência
entre 4 e 13% em indivíduos com 65 anos ou mais, com
grande variabilidade entre países/regiões geográficas.
Independentemente da prevalência, sabe-se que idosos têm
maior morbidade e mortalidade por asma do que não
idosos. Particularidades do idoso e lacunas do
conhecimento da doença nessa faixa etária contribuem
para esse quadro.
A definição mais aceita e atual (endossada pelo
documento GINA) será usada nos tópicos subsequentes:

“A asma é uma doença heterogênea, geralmente caracterizada por


inflamação crônica de vias aéreas. É definida por história de sintomas
respiratórios como chiado, falta de ar, aperto no peito e tosse que variam
no tempo e em intensidade, além de limitação variável de fluxo aéreo
expiratório.”

FISIOPATOLOGIA: INFLAMAÇÃO
“A asma é uma doença heterogênea, geralmente caracterizada por
inflamação crônica de vias aéreas.”

Reconhecer o substrato inflamatório da doença é


essencial para seu tratamento correto, que visa à redução
de sintomas e de mortalidade, de exacerbações e de
obstrução persistente das vias aéreas. O desenvolvimento
de asma em um indivíduo decorre de interações entre
elementos genéticos e ambientais, mas no caso dos idosos
há fenômenos extras a estudar. Do ponto de vista
inflamatório:

Imunossenescência: alterações funcionais imunes em


idosos que levam a uma resposta atenuada após lesão
tecidual/eventos patogênicos.
Inflammaging: células senescentes, embora não se
proliferem adequadamente, mantêm atividade
inflamatória sistêmica de baixa intensidade e
persistente.

Uma gama grande de alterações celulares e de liberação


de mediadores já foi descrita em decorrência desses
processos, que vêm sendo associados ao desenvolvimento
de doença cardiovascular, síndrome da fragilidade do idoso
e outras. Aventa-se que ao menos uma parcela dos
asmáticos idosos possa ter menor resposta ao tratamento
habitual por essas alterações imunológicas. Sendo um
tópico ainda pouco conhecido no contexto da asma, é
prudente apenas reconhecer que a fisiopatologia da doença
no idoso pode diferir da asma no não idoso, e que
individualizar a abordagem é importante.

QUADRO CLÍNICO
“... É definida por história de sintomas respiratórios como chiado, falta de
ar, aperto no peito e tosse que variam no tempo e em intensidade, ...”

O quadro clínico típico de asma conta com dispneia,


chiado, aperto no peito e tosse geralmente seca, que
caracteristicamente pioram mediante exposição a
antígenos, irritantes ou mudanças climáticas. Também
típicos são a piora durante a madrugada ou nas primeiras
horas da manhã e algum alívio após a inalação de
broncodilatadores. Esses elementos são as manifestações
clínicas da hiper-responsividade brônquica: a via aérea
responde “excessivamente” a diversos tipos de estímulo
(irritantes, alérgenos etc.), com contração de musculatura
lisa brônquica e redução transitória de calibre dos
brônquios. Sintomas sugestivos de hiper-responsividade
brônquica sempre devem ser bem explorados na anamnese
de paciente com sintomas respiratórios. Se típicos, podem
direcionar o diagnóstico para uma doença predominante ou
exclusivamente de via aérea (em detrimento, p. ex., de
doenças de parênquima pulmonar ou cardiovasculares).
No caso dos idosos, mesmo que os sintomas não sejam
típicos à primeira abordagem, é adequado explorá-los, já
que a asma tem uma grande prevalência e pode se
apresentar atipicamente. À semelhança de outras
condições patológicas, o idoso tende a ter uma atitude mais
estoica diante das manifestações clínicas: a percepção de
dispneia é multifatorial, influenciada por fatores
psicológicos e fisiológicos, e nem sempre tem boa
correlação com gravidade do acometimento das vias
aéreas. No caso da população idosa, há alguns pontos
importantes:

Hipopercepção: para um mesmo grau de obstrução de


vias aéreas, idosos tendem a ter menos sintomas.
Não relato dos sintomas: mesmo percebendo o sintoma,
é comum que o idoso não o identifique como algo
anormal ou relevante, e sim como inerente ao processo
de envelhecimento e suas limitações. Ademais, déficits
cognitivos podem dificultar ainda mais o relato.
Comorbidades: são comuns comorbidades às quais o
paciente atribui sintomas e limitações: doenças
cardiovasculares, osteoarticulares e depressão são
exemplos prevalentes.

O exame físico mais típico de indivíduos com obstrução


de vias aéreas conta com sibilos (por vezes, roncos)
expiratórios. Se presentes, ajudam a direcionar o
diagnóstico para uma doença que acomete vias aéreas, mas
a ausência não a exclui (no caso da asma, vale lembrar que
os sintomas “variam com o tempo e em intensidade” –
definição acima).
Quanto à atitude do médico, muitos profissionais
consideram que a asma acomete idosos muito mais
raramente do que é real. É preciso ter em mente que nem
todo asmático tem as características clínicas mais aceitas
como típicas: início antes dos 12 anos de idade, presença
de atopia manifesta em outros sistemas ou sintomas
característicos (vide item seguinte).

FENÓTIPOS/ENDÓTIPOS
“A asma é uma doença heterogênea, ...”

A heterogeneidade da asma vem sendo a cada dia mais


valorizada e utilizada em passos da abordagem que vão do
diagnóstico ao tratamento. Fenótipos são os subtipos de
doença classificados de acordo com características clínicas
observadas. Endótipos são subtipos definidos por
mecanismos fisiopatológicos distintos. Há décadas,
pesquisadores vêm fazendo esforços para agrupar
asmáticos em fenótipos e endótipos, o que pode influenciar
diagnóstico e tratamento.
Um exemplo de classificação divide a doença em:

Asma alérgica (início na infância, história de atopia).


Asma não alérgica (padrão inflamatório heterogêneo).
Asma de início tardio (geralmente sem alergia, tende a
ser refratária a corticosteroide inalatório).
Asma com obstrução fixa (conta com remodelamento de
vias aéreas).
Asma com obesidade (pouca inflamação eosinofílica).
Há outras classificações, mas esta ilustra bem como os
pacientes podem ser diferentes embora contem com a
mesma doença. É comum que médicos refutem a ideia de
asma de início tardio, geralmente sem alergia e muitas
vezes com um padrão inflamatório predominantemente
neutrofílico (característica que pode conferir relativa
refratariedade ao tratamento). No entanto, e apesar de
inúmeras discussões, até o momento os vários
fenótipos/endótipos encaixam-se no que ora definimos
como asma.
Em idosos, as caracterizações fenotípicas são ainda
menos estudadas e estabelecidas, mas há evidências de que
não só a idade de diagnóstico deve ser levada em conta.
Inúmeras diferenças têm sido encontradas entre asmáticos
idosos que têm início mais precoce da doença (asma de
longa duração) e início mais tardio (asma de início tardio),
independentemente da idade em que é realizado o
diagnóstico. Alguns estudos apontam para o fato de que,
quando identificada no idoso, a doença de início mais
precoce conte com mais atopia, pior função pulmonar e que
acometa mais frequentemente os não obesos.
O que deve ser enfatizado para o geriatra é que, embora
a caracterização de fenótipos e endótipos não seja bem
estabelecida em idosos, a heterogeneidade não deve ser
assumida como exclusiva de pacientes mais jovens. Isso
pode ajudar o médico a não descartar asma como hipótese
diagnóstica mesmo que haja manifestações atípicas.

OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS


“... além de limitação variável de fluxo aéreo expiratório.”
Mesmo havendo heterogeneidade, a hiper-
responsividade brônquica é um elemento muito típico cujas
manifestações clínicas foram descritas anteriormente. Ela
não é patognomônica de asma: pode ocorrer em diversas
outras doenças crônicas (doença pulmonar obstrutiva
crônica – DPOC –, bronquiectasias etc.) ou transitoriamente
em situações agudas (exemplo: após infecção viral aguda
de vias aéreas superiores). No entanto, e como já exposto,
o registro de sintomas e sinais típicos no idoso pode não
ser simples.
Felizmente, há formas de documentar objetivamente a
limitação variável do fluxo aéreo. O geriatra precisa estar
minimamente familiarizado com a espirometria (Figura 1)
para saber quando solicitar, e é importante conhecer um
pouco da terminologia referente a ela. Espirometria é um
exame que registra como o ar entra e sai dos pulmões,
possibilitando diagnóstico de distúrbios ventilatórios
(obstrutivo com ou sem resposta a broncodilatador,
restritivo, misto). A espirometria diagnostica o distúrbio
ventilatório, mas não é um exame que tem como resultado
uma entidade nosológica. Ou seja: pode evidenciar um
padrão compatível com uma doença, mas não ter como
laudo um nome de doença (asma, DPOC etc.). Alguns
conceitos básicos úteis para o geriatra:
FIGURA 1 Realização de espirometria.

1. Distúrbio obstrutivo é caracterizado por uma relação


VEF1/CVF reduzida (VEF1: volume expiratório forçado no
primeiro segundo; CVF: capacidade vital forçada). O
software do espirômetro calcula valores previstos para
diversos parâmetros obtidos no exame a partir de
características do indivíduo (sexo, estatura e idade são
as principais). Há obstrução quando a relação VEF1/CVF
está abaixo do limite inferior da normalidade calculado
pelo software. É incorreto considerar que relação
VEF1/CVF < 0,7 é sempre sinônimo de obstrução.
Embora esse valor seja bastante difundido e usado no
diagnóstico de DPOC, não deve ser usado
indistintamente para diagnóstico de obstrução. Seu uso
para DPOC também é questionável, embora
parcialmente justificável pela praticidade quando usado
pelo clínico geral. A relação VEF1/CVF tem uma queda
em valor absoluto com a idade, fisiologicamente; assim,
usar valores corrigidos para as características do
paciente é importantíssimo, sobremaneira no caso de
idosos. O geriatra não deve se espantar em obter
espirometrias em que o valor de VEF1/CVF é menor do
que 0,7, porém não há obstrução, uma vez que esse
valor pode estar acima do limite inferior da normalidade
para aquele indivíduo.
2. Resposta a broncodilatador é avaliada objetivamente ao
se realizar espirometria antes e após o uso de
broncodilatador inalado. Se houver aumento de VEF1 ou
de CVF de 10% ou mais em relação ao previsto, há
resposta ao broncodilatador (esse é o critério mais
recentemente proposto; existem outros classicamente
usados). O significado da resposta é que aquele
indivíduo, naquela situação pré-broncodilatador, tinha
uma obstrução ao menos parcialmente causada por
contração de musculatura lisa brônquica (que relaxa sob
ação de broncodilatador). É, portanto, uma evidência de
hiper-responsividade brônquica. Preencher o critério de
resposta a broncodilatador não implica que o indivíduo
deixe de ter obstrução após a medicação; isso pode ou
não acontecer. A Figura 2 mostra resultado típico de
distúrbio obstrutivo com resposta a broncodilatador,
mesmo com persistência de obstrução na segunda
situação.

A execução de espirometria de boa qualidade técnica


demanda do paciente adequada compreensão do
procedimento, coordenação e cumprimento de comandos
dados pelo técnico que realiza o exame. Idosos podem ter
dificuldade em atender todos esses requisitos por inúmeros
motivos, mas laboratórios de função pulmonar de boa
qualidade, que contam com técnicos experientes e
persistentes, comumente conseguem obter bons exames.
Assim, o médico que indica a espirometria deve ser
cauteloso ao assumir a priori que o paciente não
conseguirá realizá-la. Há pacientes que não conseguem
realizar os procedimentos, mas, sendo um exame que
mostra objetivamente uma característica fisiopatológica
típica da doença, e sabendo das dificuldades em confiar em
sintomas relatados, documentar a obstrução variável de
fluxo aéreo é extremamente importante para diagnóstico e
seguimento do asmático.

FIGURA 2 Detalhe de espirometria de asmática de 65 anos de idade


acompanhada no HCFMRP-USP. VEF1/CVF observado antes da administração de
broncodilatador (“Observado pré-BD”) é menor do que o limite inferior da
normalidade, portanto há obstrução. Variação absoluta (em volume) do VEF1
após administração de broncodilatador (“Observado pós-BD” – “Observado pré-
BD”) = 0,78 L. Variação em relação ao previsto (“Variação absoluta”/“previsto”)
= 35%. Trata-se, então, de distúrbio obstrutivo com resposta a broncodilatador.
Notar que, após broncodilatador (“Observado pós-BD”), VEF1/CVF permanece
abaixo do limite inferior da normalidade, portanto ainda há obstrução.
BD: broncodilatador; CVF: capacidade vital forçada; HCFMRP-USP: Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo.

Asmáticos idosos comumente têm mais remodelamento


de vias aéreas do que asmáticos não idosos. O
remodelamento é caracterizado por certas alterações
estruturais em vias aéreas (hiperplasia de células
caliciformes, fibrose subepitelial, hipertrofia e hiperplasia
de camada muscular). Sendo estruturais, contribuem para
a obstrução das vias aéreas, mas não sofrem efeito agudo
de broncodilatadores. Assim, a variação espirométrica pós-
broncodilatador em idosos asmáticos tende a ser menor do
que o típico para não idosos.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de asma no idoso deve ser feito da mesma
forma que no não idoso: história clínica, exame físico e
exames de função pulmonar (comumente, espirometria)
sugestivos/compatíveis. As particularidades clínicas e
espirométricas do idoso explicitadas previamente devem
ser levadas em consideração, assim como a maior
prevalência de comorbidades. Portanto, é importante que
sejam realizados exames subsidiários que descartem outras
doenças potencialmente responsáveis pelo quadro. É
recomendável que sejam feitos ao menos radiografia de
tórax e eletrocardiograma para uma triagem simples de
outras doenças respiratórias (doenças intersticiais, p. ex.) e
cardiovasculares (arritmias, insuficiência cardíaca). A
quantidade e a natureza de outros exames necessários
devem ser individualizadas. A pouca percepção/pouco
relato de sintomas dificultam o diagnóstico de asma no
idoso, além de dificultar sobremaneira a avaliação de
controle clínico durante o acompanhamento. Assim, o uso
de parâmetros mais objetivos de acometimento fisiológico
(espirometria é o mais usado) deve ser encorajado entre os
médicos.
Uma das maiores dificuldades em diagnóstico
diferencial no idoso é distinguir entre asma e DPOC, já que
ambas compartilham várias características. Entre os
pneumologistas muito se discute quanto a critérios
diagnósticos de uma sobreposição asma-DPOC. Ainda não
há consenso mesmo sobre se essa sobreposição deve ser
considerada uma entidade nosológica à parte; considero
que, se a dúvida entre diagnóstico de asma ou DPOC
persistir, o paciente deve ser encaminhado a um
especialista.

TRATAMENTO
Não há protocolo específico para tratamento de idosos
asmáticos, portanto a terapêutica segue os consensos mais
aceitos mundialmente, como o GINA. A seguir, alguns
aspectos do tratamento relevantes para o geriatra.

Dispositivos inalatórios

O esteio do tratamento farmacológico da asma são


medicações inaladas, que têm mais efeito local em vias
aéreas e menos efeitos colaterais sistêmicos. A variedade
de dispositivos inalatórios é grande; o uso deles pode
contar com muitos passos até ativação e liberação
adequadas de droga. Vários passos exigem coordenação e
cognição preservadas, acuidade visual adequada, esforço
inspiratório considerável etc. Mesmo a presença de um
único erro de técnica nos vários passos de ativação do
dispositivo pode gerar não liberação ou liberação de dose
insuficiente da medicação. Erros na técnica do uso dos
dispositivos são muito frequentes, não só no Brasil e não só
em idosos. Exemplo: um estudo envolvendo asmáticos
australianos e de vários países europeus com mais de 18
anos de idade, que usavam dispositivos inalatórios
cronicamente, mostrou que 55% deles cometiam entre um
e dez erros graves no uso do dispositivo.
No caso dos idosos, diversos estudos (inclusive no
Brasil) já mostraram que a prevalência de erros é ainda
maior do que em não idosos. Um recente estudo conduzido
por nosso grupo de pesquisa no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto identificou que
apenas 19,5% dos asmáticos idosos avaliados usavam os
dispositivos corretamente (dados ainda não publicados).
Some-se a isso a frequente polifarmácia, o esquecimento
do uso da medicação, comorbidades etc. Assim, ao escolher
o esquema terapêutico, sugiro mostrar os diversos
dispositivos disponíveis e sempre que possível escolher
qual/quais são utilizados melhor por cada paciente. Se há
necessidade de uso de mais de uma droga (p. ex.,
corticosteroide + beta-agonista de ação prolongada), o
ideal é usar formulações em que um mesmo dispositivo já
contenha ambas, assim como formulações que demandem o
menor número possível de aplicações por dia. Infelizmente,
nem sempre é possível contemplar todas essas
especificações; entre outros motivos, por questões
financeiras. O programa de medicações de alto custo do
Sistema Único de Saúde (SUS) fornece medicações
inalatórias para asma; nosso grupo de pesquisa e outros já
publicaram análises de dados do SUS mostrando que a
instauração desse programa teve impacto em reduzir
internações hospitalares. Nem sempre, no entanto, há
muitas opções de dispositivos inalatórios; assim, se a opção
for por usar as medicações disponíveis no SUS, é
importante que o médico conheça quais dispositivos
existem em sua região antes da prescrição.

Tipos de medicação (de controle e de alívio)

Para adesão adequada, o paciente deve compreender


que o tratamento conta com dois tipos de medicação:

1. Medicações de controle.
2. Medicações de alívio.
Medicações de controle
Usadas para evitar sintomas. À exceção de casos mais
leves, devem ser usadas diariamente, independentemente
de haver sintomas. Por vezes, é difícil que o paciente
compreenda ou aceite o uso diário de uma medicação
estando assintomático (vide tratamento de outras doenças
crônicas como hipertensão arterial sistêmica), portanto o
uso assíduo deve ser reforçado a cada consulta. Estudos
duplo-cegos randomizados placebo-controlados em asma
muito comumente não incluem idosos; no entanto, um
princípio deve ser sempre levado em conta: para
tratamento de manutenção sempre deve haver
corticosteroide inalado (CEi). É uma classe de droga que
comprovadamente reduziu a mortalidade, a frequência de
sintomas, de exacerbações e que promove melhora de
qualidade de vida de asmáticos. É errado prescrever outras
classes de droga inaladas de controle sem associação com
eles (uma grande diferença em relação ao tratamento da
DPOC, diga-se).
O médico que prescreve medicações para idosos pode
preocupar-se com potenciais efeitos colaterais. Metanálises
e revisões sistemáticas de literatura avaliando efeitos
colaterais de CEi (fraturas, desenvolvimento de catarata e
outros) mostram que boa parte dos estudos de qualidade
não contempla especificamente idosos; alguns incluem
indivíduos com outras doenças, como DPOC; o tipo de CEi
testado nem sempre foi o mesmo etc.
A maioria dos grandes estudos que testaram eficácia e
segurança de medicações para asma excluiu idosos, o que
reduz ainda mais o conhecimento a respeito. No entanto,
diante de uma conduta que comprovadamente tem
benefício versus efeitos colaterais não homogênea e
plenamente conhecidos, recomenda-se o tratamento com
essas drogas em idosos. Certamente é preciso rever
paciente a paciente e consulta a consulta se há indícios de
efeitos colaterais atribuíveis aos corticosteroides,
principalmente se prescritas doses equivalentes ou maiores
do que 1.000 mcg/dia de budesonida (o documento GINA
conta com uma excelente tabela de equivalência de doses
que pode ser consultada por qualquer médico).

Medicações de alívio
Usadas para alívio de sintomas quando eles surgem.
Beta-agonistas e anticolinérgicos inalados são as principais
drogas, e recentemente vem crescendo a tendência a
sempre administrar CEi quando se usa um beta-agonista de
alívio. A proposta de tratamento preferencial do GINA
(“caminho 1”, naquele documento) é de uso de formoterol
(beta-agonista de ação prolongada) + CEi em baixa dose
para alívio. Essa suposta mudança de paradigma tem
gerado dúvidas e ansiedade entre os médicos prescritores,
principalmente porque nem sempre há acesso a
formulações adequadas de forma universal. O uso de
formoterol + budesonida como alívio em todos os passos do
tratamento (“caminho 1”) traz vantagens como:

“Garantir” que pacientes usem CEi (esteio do


tratamento) mesmo que a adesão seja subótima (o que é
muito comum em idosos).
Evitar que pacientes confiem excessivamente em beta-
agonistas de ação curta e os usem como medicação de
controle em detrimento de CEi (beta-agonistas de ação
curta comumente são “preferidos” por pacientes por
gerar alívio rápido de sintomas).
Facilidade posológica com uso de um dispositivo
inalatório apenas.
No entanto, até o momento não é amplamente aceito ou
peremptoriamente demonstrado que asmáticos que usam
CEi diariamente e beta-agonista isolado para alívio evoluem
pior do que os que usam formoterol + budesonida para
alívio. Outro problema para a prática do prescritor: a
combinação de medicações comprovadamente efetiva para
esse fim é APENAS formoterol + budesonida em baixa
dose, e não qualquer beta-agonista de ação longa com
qualquer CEi; é improvável que todos tenham acesso a essa
formulação. Ainda não há estudos suficientes em nosso
contexto avaliando se, do ponto de vista de saúde pública, o
fornecimento de formoterol-budesonida como medicação de
alívio + controle, como recomendado pelo GINA, é factível,
efetivo, custo-efetivo e se seria aceito em países como o
Brasil. Assim, estamos diante de uma situação em que há
um esquema terapêutico que tem se tornado o mais
preconizado no mundo e uma realidade que por ora não
acompanha essa tendência.
Neste momento, minha sugestão é que, se o paciente
tiver condições de usar a “caminho 1” do GINA, pode fazê-
lo. Se não houver condições, o “caminho 2” (em que a
medicação de alívio é beta-agonista de ação curta) deve ser
tomado e provavelmente será o mais prevalente em nosso
meio por ora. O médico não deve se sentir acanhado por
não cumprir a sugestão preferencial do GINA; o uso das
alternativas condizentes com a realidade de cada paciente
e que são comprovadamente efetivas não é ilícito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que haja muitas lacunas no conhecimento sobre
asma no idoso, alguns pontos principais são de grande
importância para o geriatra:
O diagnóstico e o tratamento devem seguir, via de regra,
os protocolos usados para não idosos.
É preciso insistir em caracterização meticulosa de
sintomas, mesmo que atípicos, uma vez que a doença é
heterogênea e idosos tendem a perceber/relatar menos
sintomas do que não idosos.
Sempre que os pacientes tiverem condição, tentar
documentar objetivamente a obstrução de vias aéreas e
hiper-responsividade brônquica por espirometria.
A cada consulta, a adesão e a técnica do uso de
dispositivos inalatórios devem ser checadas.
Se indicado tratamento com medicações de controle,
corticosteroide inalado deve ser usado.

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18 Doença pulmonar obstrutiva crônica no idoso

Abel de Barros Araújo Filho


Aldo Agra de Albuquerque Neto

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma
condição pulmonar heterogênea caracterizada por
sintomas respiratórios crônicos (tosse, dispneia e
expectoração) secundários a anormalidades nas vias aéreas
(bronquite, bronquiolite) e/ou alvéolos (enfisema), que
causam obstrução aérea persistente e frequentemente
progressiva. Tais alterações são associadas à exposição
significativa a partículas e gases tóxicos.
A DPOC é uma doença prevalente na população idosa,
com elevada morbidade e mortalidade. É subdiagnosticada
nas faixas etárias mais elevadas devido à inespecificidade
dos sintomas (frequentemente a dispneia é atribuída a
patologias cardiovasculares) e à subutilização de testes de
função pulmonar, especialmente na atenção primária.
Idosos com tosse produtiva crônica e dispneia deveriam ser
avaliados por espirometria, principalmente na presença de
fatores de risco para a doença, como a exposição ao
tabagismo e a queima de biomassa.
Evidências clínicas e patológicas de acometimento de
vias aéreas (bronquite crônica) e de parênquima pulmonar
(enfisema) habitualmente estão presentes em todos os
pacientes, porém com variação significativa na magnitude
de cada componente entre indivíduos, de modo que a
apresentação clínica e radiológica é bastante heterogênea.

EPIDEMIOLOGIA
A prevalência, a morbidade e a mortalidade da DPOC
variam bastante entre diferentes países. Um estudo
populacional realizado em cinco capitais da América Latina
mostrou uma prevalência de DPOC de 15,8% na cidade de
São Paulo em indivíduos com mais de 40 anos. É
consideravelmente maior no sexo masculino, porém há uma
tendência à redução dessa diferença devido ao aumento
progressivo de mulheres fumantes observado nas últimas
décadas. Apesar da elevada prevalência, apenas 1 em cada
8 pacientes com DPOC detectado na pesquisa já havia
recebido o diagnóstico da doença, evidenciando a grande
quantidade de casos subdiagnosticados e, portanto,
subtratados no país. A prevalência da doença aumenta com
a idade. Dos 40 aos 59 anos, fica em torno de 9,2%,
elevando-se para 22,6% entre 60 e 79 anos. Em 1990, era a
sexta causa de morte e passou para a quarta desde os anos
2000. Em 2019, causou mais de 3 milhões de mortes e
passou a ser a terceira causa de morte no mundo.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
A maioria dos pacientes portadores de DPOC tem
história atual ou pregressa de tabagismo, que é
reconhecido como o mais importante fator para o
desenvolvimento da doença, principalmente em países
desenvolvidos. Entretanto, de 1/4 até 1/3 dos pacientes
nunca fumaram, sendo o quadro atribuído a tabagismo
passivo, poeira ocupacional, fumaça química, combustão de
biomassa (lenha, carvão vegetal, esterco de animais e
restos de lavoura) e poluição ambiental. No Brasil e nos
demais países em desenvolvimento, ainda é bastante
comum o diagnóstico de DPOC em pacientes com histórico
de exposição a fogão a lenha. A queima de biomassa em
ambientes internos é um fator de risco importante em
mulheres não fumantes que são expostas a concentrações
elevadas de poluentes durante o ato de cozinhar,
principalmente em áreas rurais. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) estimou em 40,9% a
proporção de moradores rurais e em 2,6% a de moradores
da zona urbana que utilizavam fogão a lenha no país.
Com o avançar da idade, ocorrem alterações na parede
torácica e na arquitetura do parênquima pulmonar que
modificam a fisiologia respiratória e aumentam o trabalho
para respirar (Quadro 1). Portanto, a população idosa é
particularmente suscetível a doenças que cursem com
perda de função pulmonar, pois o sinergismo das alterações
fisiológicas e patológicas pode levar a apresentações
clínicas mais graves nesse grupo de pacientes.
A partir dos 30 anos de idade, indivíduos saudáveis não
fumantes perdem cerca de 30 mL/ano do volume
expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1). A
capacidade vital forçada (CVF) também declina com a
idade, com aceleração da queda de VEF1 e CVF a partir dos
65 anos. A relação VEF1/CVF também é reduzida em idosos,
podendo levar a falsos diagnósticos de obstrução
brônquica. O volume residual (VR), que é o volume de ar
que persiste nos pulmões após uma expiração completa,
eleva-se aproximadamente 50% entre 20 e 70 anos de
idade. A força da contração diafragmática é 25% menor na
oitava década de vida em comparação à terceira.
A relação entre a ventilação alveolar (V) e a perfusão
capilar pulmonar (Q) determina a capacidade do pulmão de
realizar trocas gasosas de oxigênio (O2) e gás carbônico
(CO2). As alterações fisiológicas tanto na ventilação quanto
na perfusão pulmonar existentes nos idosos promovem um
desequilíbrio V/Q, com consequente prejuízo nas trocas
gasosas. A pressão arterial de O2 (PaO2) costuma ser
reduzida nessa população, enquanto a pressão arterial de
CO2 (PaCO2) geralmente se encontra preservada devido ao
aumento compensatório no volume-minuto (volume
corrente x frequência respiratória).
O aumento do número de células inflamatórias, que
resulta em produção anormal de citocinas pró-
inflamatórias, e o desequilíbrio entre a formação de
radicais livres e a capacidade antioxidante, resultando em
sobrecarga oxidativa, provavelmente são mecanismos
envolvidos na inflamação local e sistêmica de pacientes
portadores de DPOC.

QUADRO 1 Alterações no sistema respiratório com o envelhecimento

Alterações na estrutura pulmonar

Alteração na rede de fibras de colágeno.


Dilatação de ductos alveolares e alargamento do alvéolo.
Redução do recolhimento elástico dos pulmões.

Alterações na estrutura extrapulmonar

Alterações degenerativas da coluna (p. ex., cifose).


Aumento do diâmetro anteroposterior do tórax.
Redução da curvatura do diafragma.
Redução da massa dos músculos respiratórios.
QUADRO CLÍNICO
O sintoma mais característico da DPOC é a dispneia,
geralmente progressiva e com piora aos esforços.
Frequentemente, é atribuída a outras condições como
cardiopatia, obesidade, sedentarismo ou ao próprio
envelhecimento. A limitação da realização de esforços
físicos na rotina dos idosos frágeis dificulta a detecção da
dispneia em estágios iniciais, ficando evidente apenas
quando evolui para os pequenos esforços ou mesmo ao
repouso. A tosse habitualmente é produtiva, sendo
frequentes os episódios de exacerbação com piora na
quantidade e no aspecto da expectoração, que se torna
mais amarelo-esverdeada, e pode levar à busca por
atendimento em pronto-socorro por associação a sibilância
e piora da dispneia. Infecções de vias aéreas superiores
costumam desencadear piora dos sintomas habituais.
A DPOC tem sido cada vez mais compreendida como
uma doença sistêmica, no contexto de aumento de
mediadores inflamatórios, e associada a diversas
comorbidades clínicas. A sarcopenia, a depender da
definição utilizada, afeta 15 a 25% dos pacientes com
DPOC, e tem impacto na performance funcional e qualidade
de vida do paciente. Pacientes com sarcopenia têm menor
tolerância ao exercício físico, maiores escores na escala de
dispneia e maior gravidade da DPOC.
A inflamação sistêmica pode ser um fator importante no
desenvolvimento de sarcopenia nos portadores de DPOC, e
níveis mais elevados de interleucina-6 (IL-6) e fator de
necrose tumoral alfa (FNT-alfa) têm sido encontrados
nesses subgrupos de pacientes. Fadiga, perda de peso e
hiporexia são problemas comuns em pacientes com DPOC.
Também é maior o risco de ansiedade e depressão. Uma
revisão sistemática publicada em 2017 mostrou que até
30% dos pacientes com DPOC têm depressão associada.
Osteopenia, osteoporose e fraturas patológicas são
frequentes em pacientes portadores de DPOC. Em um
estudo realizado com 3.321 tabagistas e ex-tabagistas, foi
encontrada baixa densidade mineral óssea (BDMO) em 84%
dos pacientes com DPOC muito grave contra 58% na
população geral do estudo. A DPOC foi associada a BDMO e
fraturas de vértebras após ajustes para uso de corticoides,
idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e carga
tabágica. Diversos estudos já reportaram a associação de
DPOC e de disfunção cognitiva. Um estudo de coorte que
acompanhou 4.150 idosos por 6 anos mostrou que os
escores nos testes de cognição foram significativamente
menores em pacientes com DPOC grave.

DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES


A avaliação da função pulmonar é necessária para o
diagnóstico de DPOC e para quantificar a intensidade da
obstrução nas vias aéreas. O diagnóstico é mais provável
em pacientes acima de 40 anos, fumantes ou ex-fumantes,
especialmente com carga tabágica acima de 10 maços/ano.
No contexto clínico apropriado, o diagnóstico de DPOC é
confirmado com um resultado de espirometria que
evidencie um VEF1/CVF abaixo de 0,7 após o uso de
broncodilatador, que define uma obstrução não reversível
ao fluxo aéreo. Entretanto, já se reconhece que a utilização
dessa relação VEF1/CVF leva a um superdiagnóstico de
obstrução e DPOC, em especial na população idosa. Como
comentado anteriormente, valores de VEF1, CVF e
VEF1/CVF diminuem com a idade em proporções diferentes.
Ao interpretar os dados da espirometria nesse subgrupo,
deve-se dar preferência ao uso do limite inferior da
normalidade (ou percentil 5%) utilizando valores de
referência apropriados (Figura 1).
A prova de função pulmonar ou espirometria é um
exame não invasivo geralmente realizado com boa
confiabilidade em mais de 80% dos idosos. Sua realização
pode ser particularmente difícil em idosos frágeis, devido à
necessidade de esforço expiratório intenso, e em pacientes
com quadro de demência, devido à dificuldade de
compreensão das manobras. Também não é possível
realizar o exame em pacientes traqueostomizados. Nesses
casos, o julgamento clínico e demais exames
complementares devem guiar a conduta terapêutica.
É importante que o pneumologista faça uma análise
cuidadosa das curvas fluxo x volume e volume x tempo da
espirometria para verificar se a técnica utilizada foi
adequada e, portanto, se o exame é confiável. Algumas
contraindicações ao método, como infarto agudo do
miocárdio recente, descolamento de retina e aneurisma de
aorta, devem ser levadas em consideração antes da
solicitação do exame, assim como o exame não deve ser
realizado em vigência de infecção respiratória ou próximo a
períodos de exacerbação, o que pode subestimar a função
pulmonar do paciente.

Altura (cm): 153,0 Idade no teste: Protocolo de esforço: ATS


Peso (kg): 48,0 61 1994
Sexo: feminino Série prevista: Crapo 1981,
Polgar (Peds) 1971

Results Pred LLN Pre %Prd Post %Prd %Chg

CVF (L) 2,60 – 1,44 55% 1,36 52% –6%

VEF1 (L) 2,10 – 0,51 24% 0,60 29% 18%

VEF1/CVF 0,80 – 0,35 44% 0,44 55% 25%


FEF25-75% 2,23 – 0,13 6% 0,23 10% 77%
(L/s)

PFE (L/s) 5,55 – 1,61 29% 1,88 34% 17%

FIGURA 1 Paciente de 61 anos, sexo feminino, tabagista ativa, 80 maços/ano.


Espirometria simples evidenciando distúrbio ventilatório obstrutivo muito grave
com CVF reduzida. VEF1/CVF = 0,44 pós-broncodilatador, compatível com
obstrução não reversível. VEF1 < 30% no contexto clínico adequado configura
DPOC muito grave (estágio Gold IV).
%Chg: percentual de mudança do parâmetro pós-broncodialtador; %Prd:
percentual do valor predito; CVF: capacidade vital forçada; FEF 25-75%: fluxo
expiratório forçado 25-75%; LLN: limite inferior da normalidade; PFE: pico de
fluxo expiratório; Post: teste pós-broncodilatador; Pre: teste pré-broncodilatador;
VEF1: volume de ar exalado no primeiro segundo da manobra de CVF.
Fonte: acervo pessoal.

Exames complementares adicionais podem ser


solicitados para corroborar o diagnóstico, avaliar
diagnósticos diferenciais ou a gravidade da doença. A
radiografia de tórax pode apresentar como achados:
aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, retificação
de cúpulas diafragmáticas, aumento do espaço
retroesternal, arcos costais retificados e aumento dos
espaços intercostais, coração verticalizado “em gota” e
hipertransparência pulmonar (Figura 2).
A tomografia de tórax não é indicada de rotina para o
diagnóstico da DPOC e deve ser solicitada apenas na
suspeita de outros diagnósticos como neoplasia, embolia
pulmonar ou bronquiectasias. Nesse método, o achado de
enfisema pulmonar é comum em fumantes ou ex-fumantes e
não confirma diagnóstico de DPOC. Dois estudos sobre
screening para neoplasia de pulmão utilizando tomografia
de tórax de baixa dosagem (TCBD) mostraram melhora de
sobrevida em pacientes de 55 a 74 anos de idade, fumantes
ou ex-fumantes há menos de 15 anos, com carga tabágica
acima de 30 maços/ano.
FIGURA 2 Paciente de 70 anos, sexo masculino, tabagista ativo, 52 maços/ano,
portador de DPOC. Radiografia simples de tórax mostrando aumento dos
espaços intercostais, retificação de cúpulas diafragmáticas, coração
verticalizado e hipertransparência pulmonar.
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.
Fonte: acervo pessoal.

Gasometria arterial deve ser solicitada em pacientes


com saturação de O2 abaixo de 92% à oximetria de pulso ou
na presença de sinais clínicos de cor pulmonale. Pode
mostrar PaO2 reduzida e PaCO2 e bicarbonato elevados,
evidenciando quadro de insuficiência respiratória crônica,
mais comum em pacientes com VEF1 abaixo de 50%. O
hemograma completo pode apresentar quadro de
policitemia em pacientes expostos a hipoxemia crônica. Na
presença de sinais clínicos de cor pulmonale, deve ser
solicitado ecocardiograma.

TRATAMENTO
O tratamento na DPOC tem como objetivo reduzir os
sintomas respiratórios, a limitação das atividades, a piora
da função pulmonar, o número de exacerbações e melhorar
a qualidade de vida. Divide-se em tratamento não
farmacológico, baseado na promoção da cessação do
tabagismo, vacinação, exercício físico com reabilitação
pulmonar e tratamento farmacológico.
Aproximadamente 12% da população acima de 65 anos
na Europa, 9% nos EUA e 7,4% no Brasil (Vigitel 2021) são
tabagistas. A cessação do tabagismo melhora a dispneia e
outros sintomas respiratórios, reduz a progressão da piora
da função pulmonar, aumenta a sobrevida e reduz o risco
para doenças cardiovasculares e neoplasia em pacientes
com DPOC. Para melhor taxa de sucesso, deve-se combinar
a terapia farmacológica específica com a terapia cognitivo-
comportamental, focada na mudança de hábitos
relacionados com o tabagismo, que pode ser oferecida em
grupo ou de forma individual. São drogas de primeira linha
para tratamento de tabagismo: vareniclina, bupropiona e
terapia de reposição de nicotina. Nortriptilina e clonidina
são considerados tratamentos de segunda linha, e seu uso
deve ser desencorajado em pacientes idosos devido ao
perfil desfavorável de efeitos colaterais nessa população.
Infecções traqueobrônquicas virais ou bacterianas estão
envolvidas em 50 a 70% das exacerbações. Vacinação anti-
influenza e antipneumocócica tem mostrado resultados
positivos na prevenção de exacerbação em pacientes com
DPOC. A vacina anti-influenza deve ser administrada
anualmente. No mercado existem duas vacinas
antipneumocócicas: uma vacina pneumocócica
polissacarídica 23-valente (VPP-23) não conjugada a
carreador proteico, que possui antígenos da parede de 23
sorotipos pneumocócicos, e a pneumocócica conjugada 13-
valente (VPC-13), que utiliza um carreador proteico para os
antígenos polissacarídeos. Esta última formulação aumenta
o efeito imunogênico e confere proteção mais duradoura.
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)
recomenda atualmente para idosos (> 60 anos) vacinação
sequencial antipneumocócica, iniciando com uma dose da
VPC-13 seguida de uma dose da VPP-23 após 6 a 12 meses
e uma segunda dose da VPP-23 5 anos depois da primeira.
Se a segunda dose de VPP-23 for aplicada antes dos 65
anos, é recomendada uma terceira dose depois dessa idade,
com intervalo mínimo de 5 anos da última dose. Portadores
de DPOC devem ser imunizados contra SARS-CoV-2 (covid-
19) em linha com as recomendações nacionais. O Center of
Disease Control (CDC) tem recomendado a vacina tríplice
bacteriana (dPTa) para indivíduos que não tenham recebido
a vacinação na adolescência e a vacina para herpes-zóster
rotineiramente, recomendação também presente no Global
Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD).
Pacientes com DPOC têm perda na quantidade e na
qualidade da musculatura e estão dentro de uma espiral da
dispneia (Figura 3). Quebrar essa espiral é um desafio ao
tratamento da doença, devido à grande resistência e às
dificuldades para a realização de exercícios físicos. Quando
praticados regularmente, proporcionam significativa
melhora sintomática e de qualidade de vida. O treinamento
físico é o melhor meio disponível para melhorar a função
muscular na DPOC, e todo paciente com DPOC deve ser
estimulado a realizar esse tipo de atividade.
Um conceito maior do que apenas exercício físico é a
reabilitação pulmonar, que, segundo a recomendação
conjunta da American Thoracic Society (ATS) e da
European Respiratory Society (ERS), “é uma intervenção
abrangente baseada em uma avaliação completa do
paciente, seguida por terapias personalizadas que incluem,
mas não limitadas a, treinamento físico, educação e
mudança de comportamento, projetadas para melhorar a
condição física e psicológica de pessoas com doença
respiratória crônica e promover a adesão a longo prazo aos
comportamentos de melhoria da saúde”. É objetivo da
reabilitação a minimização do impacto dos sintomas,
aumento da capacidade de exercício, promoção da
autonomia e da participação em atividades cotidianas e
melhora da qualidade de vida relacionada com a saúde.

FIGURA 3 Espiral da dispneia na doença pulmonar obstrutiva crônica.

A reabilitação pulmonar é indicada para a maioria dos


pacientes com DPOC, apresentando maior evidência de
benefícios para doença moderada a grave. Hoje há
dificuldades para encaminhar os pacientes para centros de
referência em reabilitação. No entanto, já existem
evidências de que a reabilitação domiciliar, de custo mais
baixo, pode ser tão efetiva quanto a realizada em centros
especializados.
Também faz parte da reabilitação o ensinamento das
técnicas de conservação de energia, que nada mais são que
a adoção de certas posturas que diminuem o gasto
energético para realização das atividades de vida diária e
atividade física. São exemplos dessas técnicas: uso de
cadeira para tomar banho, organização da disposição dos
utensílios em casa de acordo com a frequência do uso para
possibilitar o acesso com menor esforço e maneira de
calçar os sapatos com a perna dobrada sobre a outra,
evitando que o paciente se abaixe para amarrar o sapato e
que haja compressão do diafragma pelos órgãos
abdominais, com piora da dispneia.
O tratamento farmacológico na DPOC é composto de
várias classes de medicamentos, com dois objetivos: alívio
da dispneia por meio da broncodilatação e prevenção das
exacerbações. Para o primeiro objetivo são utilizados três
grupos de agentes broncodilatadores (Quadro 2): os beta-2-
adrenérgicos, os anticolinérgicos e, com menor
importância, as xantinas. Para o segundo objetivo também
são utilizados broncodilatadores, além de outras classes,
como corticoesteroides inalatórios, inibidor da
fosfodiesterase-4, macrolídeos e N-acetilcisteína.
Os broncodilatadores têm papel central no tratamento
da DPOC. As principais classes de broncodilatadores são os
beta-2-agonistas, que ativam o sistema simpático nas vias
aéreas, e os antagonistas muscarínicos, que agem inibindo
o sistema parassimpático. A ação broncodilatadora produz
relaxamento da musculatura lisa das vias aéreas,
resultando em redução da limitação ao fluxo aéreo e da
resistência das vias aéreas e, consequentemente,
melhorando a mecânica ventilatória, o que reduz a
hiperinsuflação pulmonar e o aprisionamento aéreo. A ação
dos broncodilatadores reflete no individuo clinicamente
com redução da dispneia e melhora na capacidade de
exercício.
Existem beta-2-agonistas e anticolinérgicos de curta e
de longa ação. Em pacientes pouco sintomáticos ou com
sintomas ocasionais, pode ser tentado o uso de medicação
de curta ação apenas para alívio ou prevenção de sintomas
antes dos esforços. Pacientes mais sintomáticos se
beneficiam de broncodilatadores de longa ação, podendo
ter benefício adicional pelo uso combinado de beta-2-
agonistas e anticolinérgicos, ainda mantendo as
medicações de curta duração antes dos esforços e para
resgate.
Deve ser dada atenção ainda para a escolha do
dispositivo inalatório para a população idosa, pois eles
podem ter dificuldade na geração de fluxo aéreo suficiente
para uso correto dos dispositivos em pó inalável e
incoordenação no uso dos aerossóis dosimetrados (o uso de
espaçador pode ajudar). A técnica de uso deve ser
conferida em todas as consultas, já que erros são comuns e
estão entre os principais motivos de não melhora dos
sintomas.
Dados mostram que a dupla broncodilatação com beta-2-
adrenérgicos e anticolinérgicos é benéfica na prevenção da
exacerbação. Recentemente, dois grandes estudos clínicos
evidenciaram que a terapia tripla (LABA + LAMA + ICS)
reduziram a mortalidade quando comparada à dupla
broncodilatação em pacientes sintomáticos com perfil
clínico exacerbador.
Os efeitos colaterais mais comuns dos beta-2-agonistas
são taquicardia sinusal e tremores de extremidades. Em
pacientes suscetíveis, podem desencadear distúrbios do
ritmo cardíaco, efeito que é raro quando utilizada a via
inalatória (via preferencial), porém mais frequente quando
utilizadas as vias oral ou parenteral, sendo desencorajado o
seu uso. Hipocalemia pode ocorrer especialmente quando
são utilizadas doses elevadas de beta-2-agonistas. Os
anticolinérgicos inalatórios têm baixa absorção sistêmica e
têm se mostrado drogas muito seguras a longo prazo. O
principal efeito colateral é a boca seca. Há relatos de
precipitação de crise de glaucoma agudo quando a
medicação é utilizada com nebulização, provavelmente
como resultado direto do contato entre a solução e os
olhos.

QUADRO 2 Medicações inalatórias utilizadas na terapia da DPOC

Droga (genérico) Tipo Duração da


ação

Beta-2-agonistas

Curta ação (SABA)

Fenoterol Gotas, aerossol 4-6 horas


dosimetrado

Salbutamol Gotas, aerossol 4-6 horas


dosimetrado

Longa ação (LABA)

Formoterol Pó seco 12 horas

Salmeterol Pó seco, aerossol 12 horas


dosimetrado

Indacaterol Pó seco 24 horas

Olodaterol Névoa suave 24 horas

Anticolinérgicos
QUADRO 2 Medicações inalatórias utilizadas na terapia da DPOC

Curta ação (SAMA)

Ipratrópio Gotas, aerossol 6-8 horas


dosimetrado

Longa ação (LAMA)

Tiotrópio Névoa suave 24 horas

Glicopirrônio Pó seco 12-24 horas

Umeclidínio Pó seco 24 horas

Combinação LABA + LAMA

Indacaterol + glicopirrônio Pó seco 12-24 horas

Vilanterol + umeclidínio Pó seco 24 horas

Olodaterol + tiotrópio Névoa suave 24 horas

Combinação LABA + ICS

Formoterol + beclometasona Pó seco, aerossol 12 horas


dosimetrado

Formoterol + budesonida Pó seco, aerossol 12 horas


dosimetrado

Salmeterol + fluticasona Pó seco, aerossol 12 horas


dosimetrado

Vilanterol + fluticasona Pó seco 24 horas

Tripla combinação LABA +


LAMA + ICS

Formoterol + beclometasona Aerossol dosimetrado 12 horas


+ glicopirrônio

Vilanterol + umeclidínio + Pó seco 24 horas


fluticasona

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; ICS: corticoesteroide inalatório;


Laba: b-2-agonista de longa ação; Lama: antimuscarínico de longa ação; Saba:
beta-2-agonista de curta ação; Sama: antimuscarínico de curta ação.
A teofilina, metilxantina mais utilizada, é metabolizada
pelo citocromo P450. O clearance da droga diminui com a
idade e sua janela terapêutica é estreita, com o benefício
clínico sendo alcançado apenas em níveis séricos próximos
à dose tóxica. O uso dessa classe não é recomendado de
rotina, sendo reservado para casos particulares de
refratariedade à terapia inalatória ou dificuldade de acesso
às medicações de primeira linha.
O documento Global Initiative for Chronic Obstructive
Lung Disease (GOLD) ainda coloca como opção terapêutica
o uso de corticoide inalatório em pacientes que apresentam
exacerbação grave, quando há internação, ou duas ou mais
exacerbações moderadas, quando o paciente necessita do
uso de corticoide oral ou venoso e/ou antibioticoterapia
para tratar sua exacerbação no último ano. Uma série de
estudos tem mostrado que a contagem de eosinófilos no
sangue periférico pode predizer a magnitude do efeito do
corticoide inalatório em prevenir futuras exacerbações.
Pouco ou nenhum efeito é observado em pacientes com
eosinófilos < 100 células/mcL. O limiar sugerido de 300
eosinófilos seleciona pacientes com maior probabilidade de
benefício clínico com a medicação. Não há indicação de
monoterapia com corticoide inalatório na DPOC. Em
pacientes que ainda permanecem com exacerbações
frequentes, apesar de terapia otimizada, existem no
momento três opções terapêuticas: macrolídeos, inibidor da
fosfodiesterase-4 e N-acetilcisteína.
Macrolídeos são antibióticos utilizados na DPOC com
objetivo de prevenção das exacerbações pelo efeito
imunomodulador inerente à classe, sendo indicado em
pacientes com história de tabagismo prévio. Os principais
estudos são com a azitromicina, sendo indicada na DPOC
em esquema de 500 mg, 3 vezes por semana. Até o
momento não se sabe exatamente o tempo de uso da
medicação, porém ela tem se mostrado segura. São
cuidados para o uso crônico de macrolídeos: avaliação do
intervalo QT, pois a medicação está associada a seu
prolongamento e pode aumentar o risco de arritmias
graves, e relato da associação com hipoacusia, devendo
haver monitorização audiométrica dos pacientes.

FIGURA 4 Tratamento farmacológico da DPOC.


CVF: capacidade vital forçada; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; Eos:
contagem de eosinófilos em sangue periférico (células/mcL); ICS:
corticoesteroide inalatório; LABA: b-2-agonista de longa ação; LAMA:
antimuscarínico de longa ação; VEF1: volume de ar exalado no primeiro segundo
da manobra de CVF.
Fonte: adaptada de Gold Report, 2023.
FIGURA 5 Manejo clínico da DPOC.
Fonte: adaptada de Gold Report, 2023.

O roflumilaste, inibidor da fosfodieterase-4, é uma


medicação anti-inflamatória de ação pulmonar que tem
como objetivo a redução das exacerbações. É uma
medicação oral de uso diário. As principais limitações são
diarreia, que habitualmente melhora com o uso contínuo,
perda ponderal, que pode limitar o uso em pacientes
caquéticos, e cefaleia. A N-acetilcisteína é um agente com
função antioxidante. Uma revisão sistemática colocou-a
como um agente que também pode ser benéfíco com o uso
crônico em pacientes com DPOC e história de exacerbação.
Oxigenoterapia domiciliar prolongada deve ser indicada
para pacientes que apresentam, na gasometria arterial em
ar ambiente, PaO2 < 55 mmHg ou < 60 mmHg na presença
de cor pulmonale ou policitemia secundária, pois a
correção da hipoxemia mostrou redução de mortalidade
nesse subgrupo de pacientes em estudos clínicos da década
de 1980, com uso de oxigênio por pelo menos 15 horas/dia.
O uso da ventilação não invasiva (VNI) com pressão
positiva está bem estabelecido na exacerbação aguda da
DPOC, com nível de evidência A. Estudos recentes têm
demonstrado também benefício clínico de redução de
reinternação e de mortalidade no subgrupo de pacientes
com hipercapnia persistente após internação por
exacerbação.
Cuidados paliativos devem ser integrados ao cuidado do
paciente com DPOC grave, especialmente em indivíduos
com insuficiência respiratória crônica, dispneia intensa,
limitação grave das atividades da vida diária e internações
frequentes, inclusive sendo necessária unidade de terapia
intensiva (UTI). A escolha do paciente pode ser
desafiadora, uma vez que é difícil predizer o prognóstico,
mas habitualmente são referenciados pacientes com DPOC
estágios Gold 3 e 4 mais exacerbações frequentes,
insuficiência respiratória hipercápnica e comorbidades
graves, como insuficiência cardíaca ou renal avançada.
Deve ser oferecido tratamento multidisciplinar com
pneumologista, psicólogo, fisioterapeuta e assistente social.
Sempre que possível, o paciente deve participar ativamente
das decisões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A DPOC é uma doença prevalente na população idosa
com elevada morbidade e mortalidade e tendência de
aumento nas próximas décadas.
É subdiagnosticada em idosos devido a sintomas
inespecíficos e à subutilização de testes de função
pulmonar.
Sintomas clínicos de dispneia, tosse crônica e
expectoração devem levar à solicitação de espirometria
na avaliação de pacientes idosos.
É uma doença sistêmica associada a fadiga, hiporexia,
sarcopenia, osteopenia, ansiedade e depressão.
Os objetivos do tratamento são melhorar sintomas e
prevenir piora da função pulmonar e exacerbações.
Cessação do tabagismo, medicações inalatórias e
reabilitação pulmonar são a chave do tratamento
individualizado de pacientes idosos com DPOC.

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Pneumonia no idoso 19

Luis Felipe Moraes Falavigna


Simone Bonafé Gianotto

DEFINIÇÕES E EPIDEMIOLOGIA
As infecções do trato respiratório inferior continuam
sendo uma das principais causas de mortalidade em todas
as idades – a quarta causa de mortalidade global – e a
principal entre as doenças infecciosas. Embora a
mortalidade esteja decaindo ao longo dos anos, o impacto
ainda é imenso: 2,5 milhões de mortes somente em 2019.
No Brasil, há mais de 600 mil internações ao ano devido à
pneumonia. Em 2022, houve mais de 45 mil mortes
decorrentes da doença. É causada por diversos agentes
patológicos, principalmente vírus e bactérias, embora
também possa decorrer de outros microrganismos, como
riquétsias, micobactérias, fungos e leveduras. O
envelhecimento está associado à deterioração orgânica, o
que não só aumenta o risco de adquirir a doença como
também determina quadro clínico e prognóstico distintos.
Assim, 80% das pneumonias em idosos são tratadas em
ambiente hospitalar.
A pneumonia constitui diagnóstico diferencial de quase
todas as demais doenças respiratórias. É definida por
infecção do parênquima pulmonar, em que a consolidação
da parte afetada e o preenchimento dos espaços alveolares
com exsudato composto por células inflamatórias e fibrina
são característicos. É frequentemente dividida pelo local de
infecção: pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e
pneumonia adquirida no hospital (nosocomial), este último
termo utilizado quando a infecção se dá após 48 horas da
internação hospitalar.
A incidência está entre 8 e 18 a cada mil indivíduos
idosos; entretanto, portadores de doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC) e em uso crônico de corticoide
sistêmico tiveram incidência maior, de 46 e 40 a cada mil
indivíduos, respectivamente. O risco de PAC é 4 vezes
maior nos indivíduos maiores de 65 anos e 10 vezes maior
naqueles acima de 85 anos, em comparação a adultos
abaixo de 45 anos e entre 50 e 64 anos, respectivamente.
Idosos com morbidades associadas, como cardiopatas,
diabéticos, dependentes de bebida alcoólica e asmáticos,
têm de 3 a 6 vezes maior risco de pneumonia do que
indivíduos mais jovens. Quando institucionalizados, esse
risco aumenta 11 vezes.
Devido ao desenvolvimento geralmente agudo da doença
e aos sintomas por vezes inespecíficos, aproximadamente
75% dos diagnósticos de pneumonia são realizados em
serviços de urgência e emergência. Ainda, a pneumonia
corresponde a 30 a 40% das internações em idosos, e o
risco de hospitalização é 9 vezes maior nos indivíduos entre
65 e 79 anos, e 25 vezes maior naqueles acima de 80 anos
quando comparados a adultos jovens.

FISIOPATOLOGIA, ETIOPATOGENIA E FATORES DE


RISCO
Independentemente da idade, a pneumonia ocorre
quando a capacidade de penetração e infecção do patógeno
suplanta os mecanismos de defesa do hospedeiro. As
alterações decorrentes do envelhecimento não só
aumentam o risco de infecção como também sua gravidade.
Alterações estruturais e funcionais aumentam o risco e a
gravidade da pneumonia no idoso. Esses fatores incluem:

1. Menor atividade mucociliar, um importante mecanismo


de defesa contra a entrada de patógenos nas vias aéreas
superiores e na árvore respiratória, o que gera uma
depuração mais lenta e menos eficiente das secreções
pelo sistema mucociliar.
2. Redução da força muscular e da mobilidade da parede
torácica, devido à alteração da articulação
costovertebral, calcificação da cartilagem costal, perda
de força muscular e mudanças na forma da caixa
torácica, como cifose ou escoliose.
3. Redução da complacência pulmonar, decorrente de
alterações no parênquima pulmonar, que afeta o recuo
elástico do pulmão.
4. Redução do reflexo de tosse e vômito, o que aumenta o
risco de microaspirações, principalmente silenciosa,
uma vez que alguns estudos demonstram disfagia
orofaríngea em até 91% dos idosos diagnosticados com
PAC.
5. Menor sensibilidade do centro respiratório à hipóxia e à
hipercapnia, fato este que pode atrasar o diagnóstico, o
tratamento ou subestimar a gravidade do quadro.
6. Maior colonização do trato respiratório, o que leva ao
aumento da probabilidade de aspiração química
complicar em pneumonia aspirativa.
7. Alteração da imunidade em idosos, muitas vezes
denominada inflammaging, que resulta em desregulação
da resposta imune inata e adquirida, em que há menor
proliferação celular, produção de interleucinas e
imunoglobulinas, além de redução da resposta de
anticorpos às vacinas.

A microaspiração continua sendo a causa mais comum


de pneumonia, mesmo em idosos, ainda que
macroaspiração, infecção por contiguidade e por
disseminação hematogênica também possam ocorrer. Os
fatores de risco para pneumonia em idosos estão listados
no Quadro 1. É importante salientar que, quanto maior o
número de comorbidades e menor o status funcional, pior
será o prognóstico do paciente. De forma semelhante,
pacientes residentes em instituições de longa permanência
(ILP), que geralmente apresentam multimorbidade e baixa
funcionalidade, apresentam risco 11 vezes maior de
pneumonia do que idosos da comunidade. Ainda, residentes
em ILP frequentemente apresentam fatores de risco para
aspiração, como disfagia moderada a grave ou presença de
alimentação por via alternativa (sonda nasoenteral ou
gastrostomia).

QUADRO 1 Fatores de risco para pneumonia em idosos

Morbidade ou Fatores Fatores Medicamentos


condição ambientais comportamentais
e sociais

Doença Residentes em Tabagismo Polifarmácia


respiratória ILP
crônica (p. ex.,
DPOC)
QUADRO 1 Fatores de risco para pneumonia em idosos

Apneia obstrutiva Infecção Abuso de álcool Corticoide


do sono respiratória inalatório ou oral
prévia (p. ex.,
influenza)

Cardiopatia Internação Doença IBP ou


hospitalar odontológica antagonista H2
recente < 3
meses

AVEa Contato com Benzodiazepínico


crianças

Demência Baixo nível


socioeconômico

Desnutrição

Fragilidade

Imunodepressãob

AVE: acidente vascular encefálico; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica;


IBP: inibidor de bomba de prótons ; ILP: instituição de longa permanência.
a
Principalmente quando compromete gânglios da base.
b
Portadores do vírus HIV, asplenia funcional ou anatômica, doença hepática
crônica, diabetes mellitus.

Há grande dificuldade para o diagnóstico etiológico da


PAC, a despeito das melhorias tecnológicas, além de
influência recente da vacinação. Portanto, no estudo Epic
de 2015, não houve agente identificado em 62% dos casos.
Nesse mesmo estudo, a infecção viral isolada correspondeu
a 22% dos casos e a bacteriana a 11%. Houve 3% de
coinfecção vírus-bactéria, porém esse dado variou em
outros periódicos, atingindo até 40%.
Estudos que incluem em seu escopo de trabalho a
reação em cadeia da polimerase (polymerase chain
reaction, PCR) como ferramenta de diagnóstico têm
detectado a presença de vírus em aproximadamente um
terço dos casos de PAC em adultos. Esse fato é
particularmente interessante uma vez que a infecção viral é
fator de risco para a pneumonia bacteriana. No mecanismo
fisiopatológico, certos vírus levam à destruição do epitélio
respiratório e expõem a membrana basal, regulam
positivamente as moléculas utilizadas pelas bactérias como
receptores e comprometem a função de neutrófilos e
macrófagos. O principal vírus envolvido nessa dinâmica é o
da influenza, porém há descrição de infecções causadas por
rinovírus, vírus sincicial respiratório, vírus parainfluenza,
adenovírus e metapneumovírus. Essa ação facilita a adesão
bacteriana e compromete a atividade bactericida do tecido
respiratório. Portanto, há maior suscetibilidade à infecção
bacteriana, particularmente ao Streptococcus pneumoniae,
e evidências que reforçam a indicação de testes
complementares, em especial os testes moleculares, como
a PCR, para o diagnóstico de vírus, notadamente nos casos
de PAC grave.
Em estudos realizados em idosos, dentre os agentes
bacterianos, o Streptococcus pneumoniae foi o principal e
corresponde a 20 e 85% dos casos em idosos, seguido do
Haemophilus influenza (2,9 a 29,4%). A Legionella é
detectada em 1 a 17,5% dos casos e em alguns estudos é
considerada a segunda ou terceira causa mais comum de
pneumonia em idosos, particularmente em casos de PAC
grave. Outros organismos atípicos, incluindo Mycoplasma
pneumoniae e Chlamydia spp., variaram quanto a sua
detecção em idosos. Porém, na maior parte dos estudos
foram mais raramente identificados em adultos com mais
de 65 anos. Pseudomonas aeruginosa foi identificada em 2
a 17% dos casos, porém estudos mais recentes revelaram
que menos de 3% dos casos estão relacionados com esse
patógeno. Staphylococcus aureus é citado com incidência
entre 1 e 25% dos casos de PAC.
Entre os residentes de ILP, o Streptococcus pneumoniae
(12,9%) também foi identificado como a causa mais comum
de pneumonia, seguido por Haemophilus influenzae (6,4%),
Staphylococcus aureus (6,4%) e Moraxella catarrhalis
(4,4%). As bactérias Gram-negativas entéricas foram
responsáveis por 4,2 a 14,3% dos casos, ou seja,
porcentagem significativamente maior do que nos idosos
não institucionalizados. O papel dos patógenos atípicos
(Chlamydia spp., Mycoplasma pneumoniae e Legionella) é
menos definido.
Apesar de o Staphylococcus aureus resistente a
meticilina (MRSA) ser uma importante causa de pneumonia
grave no idoso, particularmente naqueles
institucionalizados, sua incidência é menor do que 1% e a
colonização da orofaringe pelo Staphylococcus aureus é
mais frequente em pacientes que tiveram um episódio
anterior de influenza. Enterobactérias são detectadas entre
2 e 14% dos casos e estão associadas a doença cardíaca,
cerebrovascular e disfagia orofaríngea.
Em pacientes com pneumonia aspirativa grave, bacilos
Gram-negativos foram os patógenos mais isolados,
correspondendo a 49% dos casos. Os principais fatores de
risco para PAC foram hospitalização nos últimos 2 anos e
presença de qualquer doença pulmonar crônica. Os fatores
de risco para germes multirresistentes ou de maior
gravidade estão descritos no Quadro 2.

QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E DIAGNÓSTICOS


DIFERENCIAIS
O diagnóstico clínico de pneumonia em idosos é
complexo. Os sintomas clássicos de pneumonia geralmente
são menos frequentes do que em adultos jovens.
Ocasionalmente, a única expressão clínica pode ser a
presença de queixas inespecíficas, descompensação de
doença crônica (p. ex., insuficiência cardíaca), queda,
comprometimento funcional agudo ou subagudo ou
delirium. Sintomas atípicos são mais comuns em pacientes
com história prévia de baixa funcionalidade.

QUADRO 2 Fatores de risco para germes multirresistentes ou que têm maior


gravidade em idosos

Patógeno Fatores de risco

Streptococcus Uso de betalactâmico, macrolídeos ou quinolonas


pneumoniae não nos últimos 3 meses.
suscetível DPOC.
Provável pneumonia aspirativa.
Episódio prévio de pneumonia no último ano.

Pneumonia DPC grave com VEF, < 35% do previsto.


aeruginosa DPOC com < 4 ciclos de antibiótico no último ano.
Bronquiectasias.
Sonda nasoenteral ou nasogástrica.
Admissão em UTI ou necessidade de VM.
Hospitalização ≥ 2 dias nos últimos 3 meses.
Uso de antibiótico nos últimos 3 meses.
Disfagia ou provável aspiração.
Uso de IPB ou antagonistas H2.
Cultura prévia positiva para Pseudomonas
aeruginosa no último ano.
Imunossupressão.
Diagnóstico de PAC grave.

Haemophilus Uso de antibiótico nos últimos 3 meses.


influenzae resistente à
penicilina
QUADRO 2 Fatores de risco para germes multirresistentes ou que têm maior
gravidade em idosos

MRSA Rápida progressão de infiltrados pulmonares ou


derrame pleural.
Infiltrados bilaterais com cavitações.
Necrose pulmonar ao diagnóstico ou no início do
curso da doença.
Hemoptise.
Portadores de úlcera por pressão ou erupção
eritematosa.
Episódio prévio de infecção por Influenza.
Residentes em ILP.
Em diálise nos últimos 30 dias.
Hospitalização < 2 dias nos últimos 3 meses.
Uso de antibiótico nos últimos 3 meses.
Comorbidades (ICC, DM, demência, doença
cerebrovascular).

Enterobactéria Disfagia, DRGE, acamado, demência, doença


(bacilos Gram- cerebrovascular ou outras condições que
negativos ou aumentam o risco para aspiração.
anaeróbios) Doença periodontal ou má higiene oral.
Residentes em ILP.
Sonda nasoenteral.
Uso de IBP ou antagonistas H2.
Insuficiência cardíaca.

DM: diabetes mellitus; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; DRGE:


doença do refluxo gastroesofágico; IBP: inibidor da bomba de prótons; ICC:
insuficiência cardíaca congestiva; ILP: instituições de longa permanência;
MRSA: Staphylococcus aureus resistente à meticilina; PAC: pneumonia
adquirida na comunidade; UTI: unidade de terapia intensiva; VEF1: volume
expiratório forçado no primeiro segundo; VM: ventilação mecânica.

À medida que o paciente envelhece, o número de


sintomas decai e há maior chance de um quadro atípico.
Assim, a febre está ausente em 25 a 55% dos casos e, em
proporção similar, o idoso se apresenta com alteração do
nível de consciência. A presença de tosse associada a febre
foi observada em apenas um terço dos pacientes. Entre os
que residem em ILP, os sinais e sintomas relacionados com
pneumonia demonstraram ser mais sutis do que em
pacientes com PAC da mesma faixa etária. Febre e
sintomas respiratórios foram menos comuns do que no
idoso da comunidade, e houve maior presença de alteração
do estado mental (73% dos casos). Ainda, nesses indivíduos
institucionalizados a anamnese e o exame físico
apresentam baixa sensibilidade (47 a 69%) e especificidade
(58 a 75%) para o diagnóstico de pneumonia. Portanto, a
ausência de febre, hipoxemia ou sintomas respiratórios não
permite excluir o diagnóstico. Os quadros clínico-
radiológicos típico, atípico, misto e indefinido estão
descritos no Quadro 3.
O diagnóstico de pneumonia no idoso depende de alta
suspeição e deve ser considerado na presença de um dos
seguintes sinais ou sintomas: confusão, delírio,
desorientação ou perda de apetite. Particularmente em
idoso dementado, a rápida deterioração do quadro clínico
ou a fraqueza podem representar um indicador precoce de
pneumonia. De forma semelhante, a exacerbação de
doenças subjacentes, como insuficiência cardíaca, asma,
DPOC ou descontrole de diabetes, também pode indicar
infecção subjacente. Ao exame físico, frequência
respiratória maior do que 25 respirações por minuto (rpm)
e saturação periférica de oxigênio (SpO2) menor do que
90% (avaliada pela oximetria de pulso) têm alta
sensibilidade para pneumonia e, se presentes, indicam a
necessidade de avaliação laboratorial e radiológica
complementar para o diagnóstico de PAC. Nos residentes
em ILP, a saturação de oxigênio menor do que 94% foi
sensível e específica para o diagnóstico (80 e 91%,
respectivamente).
Todo paciente com suspeita de infecção deve realizar
radiografia de tórax posteroanterior e perfil. Nos casos da
impossibilidade dessas incidências, como em pacientes
acamados, proceder à posição anteroposterior com
cabeceira elevada a 45 graus para melhor avaliação do
parênquima pulmonar em detrimento da cabeceira a zero
grau. Particularmente em idosos, a radiografia pode não
detectar a pneumonia em até 30% dos casos,
especialmente nas primeiras 12 horas, em pacientes
desidratados ou neutropênicos.

QUADRO 3 Quadro clínico-radiológico de apresentação da pneumonia

Quadro típico Apresentação aguda (dias).


Febre alta (≥38ºC) com calafrios.
Tosse produtiva com expectoração purulenta.
Dor pleurítica.
Ausculta com crepitantes e/ou sopro tubário.
Radiografia de tórax com infiltrado / condensação
homogênea e bem delimitada com broncograma aéreo.a

Quadro Início subagudo ou insidioso.


atípico Tosse seca ou pouco produtiva e predomínio de sintomas
extrapulmonares (principalmente no início): febre variável,
mialgia, cefaleia, alteração do nível de consciência,
vômitos e diarreia.
Radiografia de tórax com infiltrado variável, distribuição
multifocal ou padrões intersticiais.b

Quadro misto Inicialmente de lenta progressão ou atípico, porém que


evolui para quatro típico (p. ex., Legionella spp.).

Quadro Sem orientação clara para um dos quadros clínicos ou com


indefinido dados compatíveis com ambos (típico e atípico).
a
Geralmente infecção por Staphylococcus pneumoniae, Haemophilus
influenzae e Moraxella catarrhalis.
b
Patógenos mais comuns: PAC zoonótica atípica: psitacose, febre Q ou
tularemia; PAC atípica não zoonótica: Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydophila pneumoniae ou Legionella spp.; Pneumonia viral: influenza,
parainfluenza, adenovírus ou vírus sincicial respiratório.
Quanto ao uso de outros métodos de imagem, a
ultrassonografia de tórax (UST) apresenta sensibilidade de
94 a 95% (e especificidade de 90 a 96% em mãos
experientes) e um valor preditivo negativo de 67% contra
60 e 25%, respectivamente, da radiografia de tórax. Os
principais achados ultrassonográficos na PAC são
consolidação, padrão intersticial focal, lesões subpleurais e
anormalidades na linha pleural. A tomografia
computadorizada (TC) de tórax é o método mais sensível na
identificação de acometimento infeccioso do parênquima
pulmonar, porém envolve alto custo e exposição à radiação.
Trata-se de exame útil principalmente nos casos em que a
acurácia da radiografia de tórax e da UST é baixa, como em
pacientes obesos, imunossuprimidos e indivíduos com
alterações radiológicas prévias. Além disso, está indicada
na suspeita de infecções fúngicas e para auxiliar na
exclusão de outros diagnósticos em casos selecionados
(citados em diagnósticos diferenciais). Ressalta-se ainda a
importância da TC de tórax na avaliação de complicações
da PAC, como abscesso de pulmão e derrame pleural
loculado, além de investigação da causa da falha
terapêutica.
Exames laboratoriais não são obrigatórios, porém
geralmente recomendados (Quadro 4). Dentre estes,
recomenda-se: hemograma completo, função renal
(creatinina e ureia), eletrólitos (sódio, potássio), glicemia,
bilirrubina total e frações, transaminases (aspartato
aminotransferase – AST e alanina aminotransferase – ALT)
e gasometria arterial (se SpO2 ≤ 93%, frequência
respiratória > 20 rpm ou comorbidade cardiorrespiratória).
Atualmente, diante da pandemia pela Covid-19, indica-se
também a realização da pesquisa para Sars-Cov-2 mediante
RT-PCR ou teste rápido de antígeno, principalmente quando
houver achados radiológicos sugestivos dessa afecção viral.
A realização de exames que busquem outras etiologias é
somente necessária para pacientes com PAC grave, ou que
não respondem à terapia empírica inicial ou, ainda,
naqueles internados em unidade de terapia intensiva (UTI).
Esses testes incluem: exame direto e cultura de escarro,
hemocultura, testes para detecção de antígenos urinários
para Staphylococcus pneumoniae e Legionella spp., testes
sorológicos e eventual cultura para germes atípicos.
O exame direto e a cultura de amostras de escarro (ou
de aspirado nasotraqueal para os que não conseguem
expectorar) devem obedecer aos critérios de qualidade da
amostra, isto é, menos de 10 células epiteliais e mais de 25
leucócitos por campo examinado. A especificidade foi bem
superior à sensibilidade (Staphylococcus pneumoniae: 91,5
contra 62,5%), muito semelhante aos resultados de outros
agentes bacterianos identificados. Destaca-se que o
tratamento empírico estava correto nos casos em que o
patógeno foi identificado.
Quanto às hemoculturas, recomenda-se a coleta de duas
amostras nos pacientes que serão internados e sempre
antes do início do tratamento antibiótico, ainda que o
tratamento não deva atrasar para esse fim. As
hemoculturas, coletadas previamente ao início do
antibiótico, são positivas para um patógeno em 7 a 16% dos
pacientes hospitalizados. Staphylococcus pneumoniae é o
responsável por dois terços das hemoculturas positivas.
O antígeno urinário para Staphylococcus pneumoniae é
um método rápido e pode ser útil especialmente em casos
graves. Sua sensibilidade na urina direta é em torno de
66% e sobe para 75 a 85% quando há bacteriemia,
enquanto a especificidade é maior que 95%. O resultado
pode ser obtido em pouco tempo (cerca de 15 minutos).
Algumas limitações incluem a possibilidade de falsos
positivos em casos de colonização por pneumococo ou
infecções por outros Streptococcus spp. Por sua vez, o
antígeno da Legionella na urina deve ser solicitado
especialmente em casos graves e epidemiologicamente
suspeitos, normalmente após verificação da negatividade
do antígeno pneumocócico. Deve-se levar em conta que só
detectam sorogrupos do tipo 1 (responsáveis por mais de
90% dos casos em humanos).

QUADRO 4 Exames recomendados para idosos com suspeita de PAC

Todos PAC grave ou Situações especiais


imunodeprimidos

Hemograma Exame direto e USG de tórax se diagnóstico dúbio ou


completo cultura de escarroc suspeita de complicações com
necessidade de realização à beira do
leito.

Creatinina e 2 hemoculturas Química e bioquímicae, citologia,


ureia bacterioscopia e cultura do líquido pleural
(se derrame pleural puncionável).

Eletrólitos Antígeno urinário Teste molecular em PAC grave com


(sódio e para suspeita de coinfecção viral ou por
potássio) Staphylococcus germes atípicos.
pneumoniae

Bilirrubina TC de tóraxd Considerar aspiração endotraqueal ou


total e LBAf nos pacientes em VM com evolução
frações desfavorável.

AST/TGO e
ALT/TGP

Glicemia

Gasometria
arteriala

Radiografia
do tóraxb
QUADRO 4 Exames recomendados para idosos com suspeita de PAC

ALT/TGP: alanina aminotransferase/transaminase glutâmico-pirúvica; AST/TGO:


aspartato aminotransferase/transaminase glutâmico-oxalacética; LBA: lavado
broncoalveolar; PAC: pneumonia adquirida na comunidade; TC: tomografia
computadorizada; USG: ultrassonografia; VM: ventilação mecânica.
a
Se SpO2 ≤ 93%, frequência respiratória > 20 rpm ou comorbidade
cardiorrespiratória.
b
Incidências posteroanterior e perfil (no caso de impossibilidade dessas
incidências, como em pacientes acamados, proceder a posição anteroposterior
com cabeceira elevada a 45 graus).
c
Proceder ao aspirado nasotraqueal para os que não conseguem expectorar.
d
Se paciente imunossuprimido ou com alterações radiológicas prévias (p. ex.,
pneumopatia intersticial).
e
pH, proteínas totais, lactato desidrogenase (LDH) e glicose do derrame
pleural e séricos são recomendados de rotina.
f
Para realização de exames químicos e bioquímicos, citologia, bacterioscopia e
cultura.

Para a detecção de germes atípicos, o teste molecular


film array respiratory panel é um teste multiplex, rápido (1
hora), que detecta 20 patógenos respiratórios (17 vírus e 3
bactérias, incluindo Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydophila pneumoniae e Bordetella pertussis). Outro
teste, o Nxtag Respiratory Pathogen Panel, é capaz de
identificar 18 vírus, além de Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydophila pneumoniae.
Os principais diagnósticos diferenciais incluem câncer
de pulmão, tromboembolismo pulmonar, asma, atelectasia,
DPOC exacerbado, insuficiência cardíaca com edema
pulmonar, hemorragia pulmonar, pneumonite química,
pneumopatia secundária ao uso de fármaco, doenças
reumáticas (principalmente vasculites e doenças do
colágeno) e doenças intersticiais (como sarcoidose e
pneumonite de hipersensibilidade).
TRATAMENTO
Uma vez feito o diagnóstico de pneumonia, estratificar o
paciente em relação à sua gravidade ajuda a reduzir a
mortalidade, além de definir o local de tratamento –
ambulatorial, enfermaria ou UTI. Também auxilia na
escolha do tratamento antimicrobiano e de sua via de
administração. Diversas escalas foram propostas e devem
ser utilizadas na avaliação inicial do idoso com pneumonia.
O Pneumonia Severity Index (PSI) é composto por 20
itens, entre característica demográfica, comorbidades,
alterações em exame físico, radiológicas e laboratoriais
(Quadro 5). A classificação é feita em 5 categorias e estima
a mortalidade em 30 dias de cada uma delas (Quadro 6).
Um ponto negativo dessa avaliação é o uso de muitas
variáveis, o que torna seu cálculo mais difícil em relação a
outras formas de avaliação. Outro método disponível é o
CURB-65 (Quadro 7). O acrônimo significa em inglês cada
um dos itens avaliados: confusão mental, dosagem de ureia
sérica (> 50 mg/dL), frequência respiratória (> 30 ipm) e
pressão arterial (pressão arterial sistólica < 90 mmHg ou
diastólica < 60 mmHg), além da idade maior ou igual a 65
anos. Como fica evidente na mudança de sua sigla, a forma
simplificada desse método (CRB-65) exclui a dosagem da
ureia e é de muita utilidade em ambientes onde o acesso a
exames laboratoriais é mais difícil ou os recursos são
escassos. No CRB-65, qualquer pontuação (≥ 2 quando
idade maior que 65 anos) indica internação. A maior
limitação desse método é a falta de inclusão de
comorbidades, o que pode aumentar as chances de
complicações do quadro; entretanto, é simples e de fácil
aplicabilidade em ambiente hospitalar ou não.
Adicionalmente, a falta de avaliação socioeconômica e
demográfica pode superestimar a capacidade do paciente
para o tratamento domiciliar, sendo que alguns podem não
aderir ao tratamento de forma correta, retornando depois
com piora do quadro. Quanto à decisão da internação em
UTI, sugere-se a versão simplificada das Diretrizes da
American Thoracic Society/Infectious Diseases Society of
America (ATS/IDSA) 2019 (Quadro 8).

QUADRO 5 Pontuação da Escala Pneumonia Severity Index

Fatores Comorbidades Exame físico Laboratório e


demográficos imagem

Doença Residentes em ILP Tabagismo Polifarmácia


respiratória
crônica (p. ex.,
DPOC)

Idade (1 ponto Neoplasia: +30. Alteração do pH < 7,35:


por ano). Doença NC: +20. +30.
Homens = hepática: +20. FR > 30 rpm: Ureia > 65
idade. ICC: +10. +20. mg/dL: +20.
Mulheres = Doença PAS < 90 Sódio < 130
idade – 10. cerebrovascular: mmHg: +20. mEq/L: +20.
ILP: +10. +10. Temperatura Glicose > 250
Doença renal: < 35º ou > mg/d: + 10.
+10. 45ºC: +15. Hematócrito <
FC ≥ 125 30%: +10.
bpm: +10. PaO2 < 60
mmHg: +10.
Derrame
pleural: +10.

FC: frequência cardíaca; FR: frequência respiratória; ICC: insuficiência cardíaca


congestiva; ILP: instituição de longa permanência; NC: nível de consciência;
PaO2: pressão arterial de O2; PAS: pressão arterial sistólica.

QUADRO 6 Estratificação de risco e local de tratamento sugerido pela Escala


Pneumonia Severity Index

Classe Pontuação Mortalidade (em Local de


30 dias) tratamento
QUADRO 6 Estratificação de risco e local de tratamento sugerido pela Escala
Pneumonia Severity Index

I 0 0,1% Ambulatorial

II < 70 0,6% Ambulatorial

III 71-90 2,8% Internação breve

IV 91-130 8,2% Internação

V > 130 29,2% Internação

QUADRO 7 Estratificação de risco e local de tratamento sugerido pela Escala


CURB-65

Pontuaçãoa Mortalidade (%) Local de tratamento

0 0,7 Ambulatorial

1 2,1 Ambulatorial

2 9,2 Internação breve

3 14,5 Internação

4 40 Internação (considerar UTI)

5 57 Internação (considerar UTI)

CURB-65: acrônimo de Confusion (confusão mental), blood urea nitrogen


(nitrogênio ureico no sangue) > 7 mmol/L, Respiratory rate (frequência
respiratória) ≥ 30, systolic blood pressure (pressão arterial sistólica) < 90
mmHg and diastolic blood pressure (pressão arterial diastólica) ≤ 60 mmHg,
age (idade) ≥ 65; UTI: unidade de terapia intensiva.
a
Somar 1 ponto a cada uma das variáveis descritas no acrônimo CURB-65.

Diversos consensos sugerem diferentes opções de


tratamento para a PAC, porém não há dados clínicos
suficientes que comprovem que uma guideline seja melhor
do que a outra. Sem dúvida, as classes betalactâmicos,
macrolídeos e quinolonas respiratórias são os pilares do
tratamento empírico da PAC. A escolha do antimicrobiano,
seja em associação ou não, deve levar em conta a
gravidade do quadro clínico, o patógeno mais provável, os
fatores de risco individuais, a presença de doenças
associadas, além de possível resistência antimicrobiana.
Segundo o Consenso Brasileiro, para os pacientes com
PAC aptos para tratamento ambulatorial há a opção do uso
de macrolídeo ou betalactâmico isolado. Essa
recomendação vai na contramão da americana e da
europeia, porém no Brasil se observa que a resistência ao
Pneumococo por macrolídeo é menor do que a encontrada
nesses países; assim, existe a possibilidade do uso de
monoterapia com betalactâmico ou macrolídeos para
pacientes ambulatoriais, sem comorbidades, que não
tenham utilizado antibióticos recentemente e não possuam
fatores de risco para resistência e contraindicação ou
história de alergia a essas drogas. Para aqueles indivíduos
com história de uso de antibiótico nos últimos 90 dias,
procedentes de área onde a resistência aos macrolídeos é
maior que 25% (p. ex., EUA) ou que apresentem
comorbidades, recomenda-se que o tratamento
ambulatorial da PAC seja feito com a associação do
betalactâmico com macrolídeo ou monoterapia com
quinolona respiratória por 5 a 7 dias. O ciprofloxacino,
embora seja uma fluoroquinolona de segunda geração, não
é recomendado para o tratamento da PAC por germes
comunitários. O uso de betalactâmico isolado pode ser
usado se houver exclusão confirmada de Legionella spp.
(Quadro 9).
A amoxicilina com clavulanato tem se mostrado uma boa
opção em casos leves de pneumonia. Essa medicação
possui cobertura para Streptococcus pneumoniae,
Haemophilus influenzae e germes encontrados com maior
frequência nas pneumonias do idoso. Além disso, essa
opção é altamente recomendada por consensos
internacionais, como o americano e o espanhol, associada
ou não com macrolídeo (preferencialmente a azitromicina).

QUADRO 8 Estratificação de risco segundo o consenso da American Thoracic


Society/Infectious Diseases Society of America (ATS/IDSA)

Critérios Critérios menores Indicação de


maiores internação em UTI

Choque Confusão mental. ≥ 1 critério maior


séptico. FR > 30 rpm. ou
Necessidade Ureia ≥ 50 mg/dL. ≥ 3 critérios menores.
de VM. PAS < 90 mmHg.
PaO2/FiO2 < 250.
Infiltrados multilobares.
Hipotermia (< 36ºC).
Hipotensão que requer
ressuscitação volêmica.
Leucopenia (< 4.000
células/mcL).
Trombocitopenia (<
100.000/mcL).

FiO2: fração inspirada de O2; FR: frequência respiratória; PaO2: pressão arterial
parcial de oxigênio; PAS: pressão arterial sistólica; VM: ventilação mecânica.

QUADRO 9 Orientação para antibioticoterapia em idosos com PAC

Estratificação Opções de Consideraçõesa


de risco antibioticoterapiaa
QUADRO 9 Orientação para antibioticoterapia em idosos com PAC

PSI I ou II Amoxicilina (VO 1 g 8/8 Utilizar quinolonas em caso


ou horas) ou de alergia a betalactâmicos
CURB-65 0 ou 1 amoxicilina/clavulanato (VO ou macrolídeos.
875/125 mg 8/8 horas) por
7 dias + azitromicina (VO
500 mg/dia) ou
claritromicina (VO 500 mg
12/12 horas ou 1 g LP/dia)
por 5 dias.
Levofloxacino (VO 500
mg/dia por 7 dias ou 750
mg/dia por 5 dias) ou
moxifloxacino (VO 400
mg/dia por 7 dias).
QUADRO 9 Orientação para antibioticoterapia em idosos com PAC

PSI III ou IV Ceftriaxona (EV 1 g 12/12 A associação de uma


ou horasb) ou cefalosporina de 3a
CURB-65 2 ou 3 ampicilina/sulbactam (EV 3 geração com um
(paciente g 6/6 horas) por 7-10 dias macrolídeo é a
internado + macrolídeo (azitromicina terapêutica mais
ou claritromicina VO ou EV) recomendada.
em enfermaria)
por 5-7 dias. Se corticoterapia
Ceftriaxona (EV 1 g 12/12 adjuvante:
horasb) ou metilprednisolona EV
amoxicilina/clavulanato (VO 0,5 mg/kg de 12/12
1 g/200 mg 8/8 horas) por horas por 5 dias ou
7-10 dias. prednisona 50 mg/dia
Levofloxacinoc (500 mg/dia por 7 dias.
por 7 dias ou 750 mg/dia Se suspeita de
por 5-7 dias) ou pneumonia aspirativa:
moxifloxacinoc (400 mg/dia utilizar cefalosporina de
por 7 dias). terceira geração ou
quinolona respiratória.
Se aspiração de
conteúdo gástrico,
pneumonia necrosante,
abscesso pulmonar ou
doença periodontal
grave:
amoxicilina/clavulanato
(EV 2 g 8/8 horas),
clindamicina,
moxifloxacino ou
piperacilina/tazobactam.
Se suspeita de
Pseudomonas spp.d:
piperacilina/tazobactan
(EV 4/0,5 g 6/6 ou 8/8
horas), meropenem (EV
1 g 8/8 horas),
levofloxacino (EV ou VO
750 mg/dias), ou
raramente polimixina B,
por 10-14 dias.
QUADRO 9 Orientação para antibioticoterapia em idosos com PAC

PSI IV ou V Ceftriaxona (EV 1 g 12/12 Recomendam-se ao


ou horasb) ou menos 10 dias do uso
CURB-65 4 ou 5 ampicilina/sulbactam (EV 3 de cefalosporinas ou
(paciente g 6/6 horas) por 7-14 dias quinolona respiratória
internado + macrolídeo (azitromicina para pacientes
ou claritromicina EV) por 5- internados em UTI.
em UTI)
7 dias. Azitromicina pode ser
ou
Ceftriaxona (EV 1 g 12/12 administrada somente 5
ATS/IDSA > 1
horasb) + levofloxacino (EV dias.
critério maior ou
500-750 mg/dia) ou Se suspeita de MRSA:
> 3 critérios
moxifloxacino (EV 400 linezolida (EV 600 mg
menores
mg/dia) por 7-14 dias. 12/12 horas),
vancomicina (EV 15-20
mg/kg/dose, máximo 2
g/dose, 12/12 ou 8/8
horas) ou clindamicida
(EV 600 mg 8/8 horas)
por 7-21 dias.
Se suspeita de ESBL:
ertapenem (EV 1 g/dia)
por 7-14 dias.

ESBL: enterobactérias produtoras de betalactamase de espectro estendido; EV:


endovenosa; LP: liberação prolongada; MRSA: Staphylococcus aureus
resistente a meticilina; PSI: pneumonia severity index; UTI: unidade de terapia
intensiva; VO: via oral.
a
Ajustar dose dos antimicrobianos nos pacientes com insuficiência renal.
b
Em casos selecionados, pode-se utilizar a posologia: 2 g/24 horas.
c
Primeira dose EV.
d
São fatores de risco: internação hospitalar recente (< 90 dias), uso prévio de
antibióticos < 90 dias, imunossupressão, uso de bloqueador gástrico,
alimentação enteral, hemodiálise e colonização intestinal prévia por bactéria
multirresistente ou MRSA nasal.

Um estudo em pacientes com PAC não grave avaliou o


tratamento com monoterapia (seja ela com betalactâmico
ou fluoroquinolona) e terapia combinada de betalactâmico
associado a macrolídeo. Não houve inferioridade entre os
esquemas quanto à mortalidade nos primeiros 90 dias.
Porém, outro estudo com pacientes que apresentavam PAC
moderada a grave demonstrou pior prognóstico no grupo
que utilizou a monoterapia com betalactâmicos em
comparação com a associação betalactâmico-macrolídeo.
Nesse estudo, houve maior tempo para estabilidade clínica
e maior taxa de readmissão hospitalar nos primeiros 30
dias, especialmente nos pacientes maiores de 65 anos.
De fato, a monoterapia com betalactâmico não é
recomendada para pacientes internados. A escolha entre
associá-los ao macrolídeo ou a fluoroquinolona deve ser
feita com base no padrão local referente a dados de
epidemiologia e possíveis resistências aos antimicrobianos.
Essa associação é recomendada principalmente para os
pacientes internados em UTI. Segundo a recomendação
brasileira, a terapia combinada deve ser utilizada em
pacientes com PAC grave e indicação de admissão em UTI
por reduzir a mortalidade. Deve incluir preferencialmente
um macrolídeo e um betalactâmico, por via intravenosa. A
administração dos antibióticos deve ocorrer o quanto antes.
O tempo de tratamento depende de uma série de
fatores: gravidade do quadro clínico inicial, presença de
complicações pulmonares e extrapulmonares, e tempo até
atingir a estabilidade clínica após o início da
antibioticoterapia. Em pacientes que se tornam afebris em
até 72 horas do início do antibiótico e atingem nesse
período estabilidade clínica, recomendam-se 5 a 7 dias de
tratamento. Estudo recente sugeriu intervalo mais curto de
tratamento para pacientes admitidos no hospital com PAC
que preencham os critérios de estabilidade clínica (apirexia
(temperatura ≤ 37,8°C), resolução ou melhora dos
sintomas respiratórios e nenhum tratamento antibiótico
adicional por qualquer causa). Neste estudo, a
descontinuação do tratamento com betalactâmicos após 3
dias não foi inferior a 8 dias de tratamento padrão.
Naqueles que demoram para estabilizar clinicamente ou
que apresentam infecção, confirmada ou suspeita, por
patógenos como Legionella pneumophila, Pseudomonas
aeroginosa ou MRSA, recomenda-se tratamento estendido
até 14 dias.
Para o tratamento do MRSA adquirido na comunidade,
os dados nacionais são escassos, porém os pacientes com
fatores de risco devem ser considerados para esse germe.
Os medicamentos de escolha para o tratamento são aqueles
que inibem a produção de toxina, como clindamicina,
linezolida ou vancomicina. Esses podem ser utilizados em
monoterapia, associados entre si (linezolida e clindamicina
ou vancomicina e clindamicina) ou à rifampicina no caso de
cepas resistentes ou de dificuldade de penetração em
tecido necrótico. O tratamento de pneumococo resistente à
penicilina é realizado com cefalosporinas de terceira ou
quarta geração. Recentemente, um estudo com
cefalosporina de quinta geração (ceftarolina) mostrou sua
superioridade ao uso de ceftriaxona para o tratamento de
pneumonia por pneumococo. Em locais com baixa
resistência aos betalactâmicos e em quadros de infecção
não grave, o uso de cefuroxima e ampicilina-sulbactam tem
sido uma opção segura, bem como de fluoroquinolonas,
uma vez que a resistência em pneumococos é rara com
essas medicações.
Nos casos de pneumonia por MRSA, a linezolida tem
demonstrado superioridade em relação ao tratamento com
vancomicina. O ertapenem é boa opção para tratamento
ambulatorial de enterobactérias produtoras de
betalactamase de espectro estendido (ESBL), pois sua
posologia é em dose única diária, via intramuscular ou
endovenosa, e pode ser aplicada em regime de hospital-dia.
O tratamento de Pseudomonas resistente é feito com base
em seu perfil de sensibilidade, em que as quinolonas
respiratórias, piperacilina com tazobactam, meropenem ou
polimixina B são opções viáveis, em monoterapia ou em
associação.
Apesar do tratamento empírico apropriado, as taxas de
mortalidade da doença se mantêm altas, especialmente
naqueles pacientes com PAC grave e admitidos em UTI.
Isso se deve à exacerbada resposta inflamatória do sistema
imunológico do paciente. Com o objetivo de melhorar a
evolução dos pacientes com PAC, o corticoide tem sido
administrado juntamente com a antibioticoterapia. Os
benefícios de seu uso incluem redução no tempo de
internação e estabilidade clínica mais rápida, além de
diminuir a evolução do quadro para síndrome da angústia
respiratória aguda do adulto (SARA) e a necessidade de
ventilação invasiva. O uso do corticoide em pacientes
graves mostrou-se não apenas seguro como benéfico em
diversos desfechos clínicos. Porém, ainda são necessários
mais estudos para avaliar seu real impacto sobre a
mortalidade. Adicionalmente, é notório lembrar quanto ao
cuidado no uso indiscriminado dessa terapia, utilizada
preferencialmente em pacientes com maior grau de
inflamação sistêmica. Nesse cenário, o uso da proteína C-
reativa pode ser um bom marcador para guiar essa terapia.
Vale lembrar que o corticoide não é indicado para pacientes
com PAC de menor gravidade e em tratamento
ambulatorial, pois existe o risco de hiperglicemia,
sangramento gastrointestinal e complicações
neuropsiquiátricas pelo seu uso (Quadro 9).
A procalcitonina é um biomarcador utilizado no auxílio
do diagnóstico e na estimativa de prognóstico dos
pacientes portadores de alguma condição clínica. Ela é
produzida em grande quantidade pelas células
parenquimatosas em resposta a toxinas bacterianas e
citocinas pró-inflamatórias, sendo pouco produzida em
infecções virais. Sua vantagem em relação à proteína C-
reativa é ser mais específica para infecções bacterianas,
uma vez que esta última se eleva em qualquer processo
inflamatório. Seu uso deve ser complementar à avaliação
clínica, e não deve ser usada como critério isolado para
conduta terapêutica. Orienta-se a utilizar a procalcitonina
durante o diagnóstico da PAC e juntamente com a proteína
C-reativa na avaliação da resposta ao tratamento
medicamentoso. Valores acima de 0,05 ng/mL sugerem
infecção bacteriana e acima de 0,85 ng/mL, infecção
pneumocócica. Quanto maior for o valor, pior o
prognóstico. Há risco aumentado de mortalidade para
valores maiores que 1 ng/mL. Considerar internação em
UTI principalmente se maior que 10 ng/mL.
Quanto ao tratamento não farmacológico, ressalta-se o
papel fundamental da reabilitação. Em estudo retrospectivo
com mais de 20 mil idosos, entre os pacientes que foram
submetidos a um curto período de reabilitação para
disfagia, aqueles com reabilitação precoce (iniciada em
ambiente hospitalar) foram mais propensos (OR 1,32; p <
0,001) a atingir a ingestão oral necessária ao dia na ocasião
da alta do que aqueles com reabilitação tardia (após a
internação). Outro estudo, também de coorte retrospectiva,
demonstrou que a fisioterapia iniciada nos primeiros 3 dias
da admissão e mantida por ao menos 7 dias reduziu a
mortalidade intra-hospitalar em 29%. Nesse estudo, o
número necessário para tratamento (NNT) foi de 53
pacientes. Da mesma forma, a mobilização precoce reduziu
o tempo de internação em pacientes com PAC. Esses dados
reforçam a adoção de medidas não farmacológicas em
idosos com pneumonia para reduzir complicações e o
tempo de internação. Atentar ainda para o controle de
comorbidades, a cessação do tabagismo e a vacinação
como medidas complementares ao tratamento descrito.
Exames de imagem para controle terapêutico não estão
indicados em pacientes com completa resolução clínica
após o tratamento adequado. Ainda assim, há uma
oportunidade para rastreio de câncer broncogênico,
naqueles que preencham os critérios para sua indicação, ou
para aconselhamento com a finalidade de reduzir fatores de
risco e promover maior qualidade de vida ao paciente.
FIGURA 1 Fluxograma proposto para diagnóstico e conduta da pneumonia
bacteriana em idosos.
ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase; ATS/IDSA:
American Thoracic Society/Infectious Diseases Society of America; CURB-65:
acrônimo de Confusion (confusão mental), blood urea nitrogen (nitrogênio ureico
no sangue) > 7 mmol/L, Respiratory rate (frequência respiratória) ≥ 30, systolic
blood pressure (pressão arterial sistólica) < 90 mmHg and diastolic blood
pressure (pressão arterial diastólica) ≤ 60 mmHg, age (idade) ≥ 65; FR:
frequência respiratória; PSI: Pneumonia Severity Index; SpO2: saturação
periférica de oxigênio; TC: tomografia computadorizada.

PREVENÇÃO
Influenza é uma infecção viral com manifestação
sistêmica e alto potencial para evolução desfavorável,
devido à forte associação entre infecção por influenza e
pneumonia bacteriana secundária. A vacina contra
influenza diminui a intensidade dos sintomas, a
necessidade de internação e a mortalidade pela doença.
Dados epidemiológicos de 2017 mostraram que quase 30%
das infecções por influenza foram causadas pelo subtipo B
e que esse número tem aumentado no decorrer dos últimos
anos.
Existem dois tipos de vacinas:

1. Vacina trivalente contra influenza: disponível no Sistema


Único de Saúde (SUS), nas unidades básicas de saúde
durante as campanhas de vacinação, sendo fornecida
apenas aos pacientes que se encontram no grupo
prioritário definido pelo Ministério da Saúde. Confere
imunidade para duas cepas do influenza A (H1N1 e
H3N2) e uma cepa do influenza B.
2. Vacina tetravalente ou quadrivalente contra influenza:
disponível em clínicas privadas, com as mesmas
indicações da vacina trivalente, que protege contra duas
cepas de influenza A (H1N1 e H3N2) e duas cepas de
influenza B.

Embora ambas as vacinas possam ser empregadas a


partir dos 6 meses de idade, a aplicação da vacina é
preconizada para grupos de risco pelo calendário do
Ministério da Saúde do Brasil, dos quais os indivíduos com
mais de 60 anos se encontram no grupo prioritário para
vacinação.
Outra vacina recomendada para o idoso é a vacina
pneumocócica. Atualmente, existem dois tipos de vacinas
contra pneumococo: vacina pneumocócica polissacarídica
23-valente (VPP-23) e vacina pneumocócica conjugada
(VPC). A primeira é não conjugada a carreador proteico e
possui antígeno contra 23 sorotipos. A segunda utiliza
carreador proteico para seus antígenos, o que promove
maior efeito imunogênico e proteção mais duradoura. A
formulação conjugada com 13 antígenos (VPC-13) está
indicada para adultos. Essa vacina é dada em dose única
em indivíduos acima de 50 anos, especialmente naquelas
com alguma comorbidade e mesmo naqueles que já
receberam a vacina VPP-23 (respeitando um período de 12
meses entre as 2 doses). Não existem dados sobre a
necessidade de revacinação até o momento. Para indivíduos
com 60 anos ou mais, a Sociedade Brasileira de
Imunizações (SBIm) recomenda uma dose da VPC-13 e uma
dose da VPP-23 sequencial. A revacinação da VPP-23 deve
ser feita 5 anos após a última dose, respeitando o intervalo
de 12 meses da VPC-13. Se a segunda dose tiver sido
aplicada antes dos 65 anos, deve-se realizar uma terceira
dose após essa idade com intervalo de pelo menos 5 anos
da última dose (Figura 2).
As duas vacinas demonstram redução da ocorrência de
doença pneumocócica invasiva na população adulta. As
vacinas polissacarídicas têm menor efetividade na
prevenção de PAC, especialmente em pacientes
imunossuprimidos. Ainda assim, ela reduz o risco de
pneumonia invasiva (OR 0,26, 95% CI 0,15-0,46) e não
invasiva (OR 0,46, 95% CI 0,25-0,84). A eficácia na
prevenção de pneumonia pneumocócica em idosos é de
27%, porém não reduziu a mortalidade por todas as causas
e apresenta declínio de efetividade após 5 anos. A vacina
conjugada reduz em até 45,6% os casos de PAC causados
pelos sorotipos contidos na vacina, 45% dos casos de
pneumonia bacteriana e 75% dos casos de doença
pneumocócica invasiva. A VPC-13 apresenta eficácia de
31% na prevenção de pneumonia pneumocócica em idosos.
Quando se considera a prevenção de pneumonia por
qualquer etiologia também nessa população, a eficácia é de
5%. É notório salientar que, assim como a VPP-23, também
não apresentou impacto na mortalidade. A coadministração
das vacinas de influenza e pneumocócica é segura e não
altera a efetividade de ambas as vacinas. Além da
vacinação, outras medidas de prevenção são relevantes:
cessação do tabagismo, controle de comorbidades e
prevenção de quedas (principalmente em pacientes
internados).

FIGURA 2 Esquema das vacinas pneumocócicas no idoso.


VPC-13: vacina pneumocócica conjugada 13-valente; VPP-23: vacina
pneumocócica polissacarídica 23-valente.

PROGNÓSTICO
As taxas de mortalidade na pneumonia permanecem
altas, apesar das opções de tratamento efetivo, aumento
das taxas de vacinação e aumento da disponibilidade de
testes diagnósticos. A taxa de mortalidade varia de 4,9 a
48% e se eleva com a idade e a gravidade da doença. Foi
observada taxa em torno de 30% em 2 a 5 anos, mesmo
naqueles sem comorbidades. Estudo realizado nos EUA em
2020 demonstrou taxa de mortalidade de 30% em 1 ano. A
idade é um preditor independente de mortalidade, mesmo
após o ajuste para comorbidades.
Outros preditores de mortalidade em idosos são: residir
em ILP, doença cerebrovascular, hepatopatia crônica, falha
de tratamento, imunossupressão, desnutrição e pneumonia
grave de acordo com o índice CURB-65. Além disso, a
admissão no hospital foi associada a um aumento da
mortalidade em comparação com pacientes que foram
tratados ambulatorialmente. Em uma revisão retrospectiva
recente de 2.320 adultos hospitalizados com PAC em cinco
centros de atendimento terciário nos EUA, 52 (2,2%)
morreram durante a internação. Cerca de metade dessas
mortes foi diretamente atribuível a PAC e mais de 60%
ocorreram em pacientes com idade acima de 65 anos e
naqueles com múltiplas comorbidades.
Em pacientes que receberam alta após a PAC, a taxa de
readmissão em 30 dias foi de 16 a 20% e a pneumonia foi
um dos principais motivos de reinternação. Os fatores para
readmissão são: idade, DPOC, tabagismo, alta pontuação
no PSI e admissão prévia à UTI. Além disso, a falha na
comunicação com pacientes acerca de sua doença e quanto
às recomendações de tratamento no momento da alta
também foi associada a risco maior de readmissão.
A causa da alta mortalidade é multifatorial, mas o
aumento da doença cardíaca, incluindo o infarto agudo do
miocárdio (IAM) e a insuficiência cardíaca, é um fato
relevante. Até 20% dos pacientes com pneumonia
pneumocócica bacterêmica podem apresentar essas
complicações cardiovasculares. A mais comum é a
insuficiência cardíaca, seguida por arritmia cardíaca e IAM.
Idade avançada, residência em ILP, doença cardiovascular
preexistente e gravidade da pneumonia estão associadas a
sua ocorrência. Esse risco não é apenas agudo como se
estende por vários meses até anos depois do tratamento da
pneumonia. O aumento da incidência de acidente vascular
encefálico (AVE) nos 6 meses após PAC, particularmente
nos primeiros 30 dias, também foi observado. A
hospitalização por pneumonia em idosos também está
associada a comprometimentos funcionais e cognitivos
subsequentes. Um estudo de coorte prospectivo com 1.434
pacientes de 50 anos ou mais demonstrou maior risco de
declínio funcional, comprometimento cognitivo e transtorno
depressivo.
Um aspecto importante quando se considera o
tratamento da pneumonia é que a infecção pode ser uma
complicação comum em pacientes idosos com fragilidade
importante e um prognóstico de vida limitado, sendo
frequentemente a causa final do óbito. A identificação
desses pacientes é muito importante para fornecer
tratamento paliativo adequado. Não foram demonstrados
benefícios claros do tratamento com antibiótico intravenoso
em pacientes com demência avançada ou portadores de
outras indicações de cuidados paliativos. Portanto, a
abordagem do paciente e/ou familiares e a implementação
do tratamento paliativo deve ser considerada
individualmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A PAC em idosos é importante causa de internação e
mortalidade. Idosos apresentam alterações correlacionadas
à idade que aumentam o risco de pneumonia, assim como
suas complicações. O quadro clínico frequentemente se
apresenta de modo atípico e o laboratório e os exames de
imagem podem resultar em pouca ou nenhuma alteração,
mesmo diante de doença grave.
O diagnóstico e o início do tratamento precoces são
importantes definidores de prognóstico. Há diversas
escalas para auxílio na definição do local de tratamento,
tendo sido citadas neste capítulo as principais. A
reabilitação é tratamento adjuvante capaz de reduzir tempo
de internação e mortalidade. Ainda, a vacinação constitui
medida efetiva de prevenção e deve ser realizada sempre
que possível.
Por último, deve-se sempre procurar conhecer o perfil
de resistência bacteriana local e considerar germes
multirresistentes como fatores de risco.

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20 Constipação intestinal no idoso

Bruna Macêdo de Carvalho


Helena Teixeira Araújo da Silva
José Renato G. Amaral

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
A constipação intestinal é uma queixa comum em
consultórios e enfermarias que prestam atendimento a
idosos e traz grande impacto na qualidade de vida dos
pacientes. A incidência de constipação intestinal em idosos
varia entre 24 e 54%, e dentre estes 10 a 19% fazem uso
diário de laxativos. Cerca de 30% dos pacientes internados
na enfermaria de Geriatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-
FMUSP) refere constipação intestinal, sendo esse um dos
principais fatores associados a delirium no ambiente
hospitalar.
A idade é considerada um fator de risco importante para
a constipação, e sua prevalência aumenta de forma
progressiva após os 60 anos. São outros fatores de risco:
gênero feminino, inatividade física, medicamentos
concomitantes, baixo poder aquisitivo, ansiedade e
depressão. Segundo os critérios de Roma IV, constipação
crônica funcional, também conhecida como constipação
crônica idiopática, é definida pela presença de pelo menos
dois dos seguintes:

Esforço evacuatório.
Uso de manobras digitais.
Sensação de evacuação incompleta.
Fezes endurecidas e irregulares.
Sensação de obstrução anorretal ou bloqueio de 25% dos
movimentos intestinais.
Frequência de evacuações inferior a 3 por semana.

Por definição, é necessário que os sintomas estejam


presentes nos últimos 3 meses, com início há pelo menos 6
meses, e que seja excluído o diagnóstico de síndrome do
intestino irritável com predomínio de constipação, que
apresenta como principal componente a dor abdominal. Na
prática clínica, a distinção entre as duas condições pode
ser difícil.
Constipação é um sintoma que pode ser secundário a
múltiplas doenças e medicamentos (Quadro 1) ou ser uma
condição primária, consequente da alteração funcional dos
cólons e da região anorretal. Faz parte da investigação uma
breve revisão dos medicamentos em uso pelo paciente, bem
como da interação entre eles. A constipação induzida por
opioides é bastante comum em idosos.

FISIOPATOLOGIA DA CONSTIPAÇÃO CRÔNICA


IDIOPÁTICA
Quando se considera a disfunção primária dos cólons,
existem dois mecanismos essenciais: lentificação do
trânsito intestinal e desordem da defecação. A lentificação
do trânsito intestinal pode ser secundária a desordens
miogênicas, metabólicas, neurológicas ou medicamentos,
como também pode ser primária pelo decréscimo do
número de células intersticiais de Cajal e diminuição da
resposta ao estímulo colinérgico, que ocorrem com o
envelhecimento. Durante a defecação, há um aumento
coordenado na pressão abdominal, por meio da contração
dos músculos da parede e do diafragma, concomitante com
o relaxamento do esfíncter anal. A falha nesse processo é
chamada de desordem para defecação ou defecação
dissinérgica. As desordens para defecação são causadas
pela redução da sensibilidade retal e pela incoordenação
durante a defecação secundária ao aumento da pressão no
esfíncter anorretal ou a propulsão inadequada do conteúdo
fecal.

QUADRO 1 Constipação em adultos idosos

Causa Exemplo

Medicamento Opioides.
Anti-hipertensivos (bloqueadores dos canais de
cálcio, diuréticos, betabloqueadores,
hidralazina, clonidina, metildopa etc.).
Benzodiazepínicos.
Antidepressivos tricíclicos e ISRS.
Inibidores da bomba de prótons.
Preparações de ferro.
Drogas antiepilépticas (carbamazepina,
fenitoína etc.).
Suplementos de cálcio.
Contraste baritado.
Hipolipemiantes (estatinas, colestiramina).
Antiparkinsonianos (anticolinérgicos e
dopaminérgicos).
Aine.
Anti-histamínicos anti-H1.
Anticolinérgicos antiespasmódicos (p. ex.,
escopolamina).
Agentes citostáticos.
QUADRO 1 Constipação em adultos idosos

Neurológico Lesão medular.


Doença de Parkinson.
Paraplegia.
Esclerose múltipla.
Neuropatia autonômica.

Gastrointestinal Neoplasia de cólon.


Massa extraintestinal.
Doença inflamatória do intestino.
Isquemia mesentérica.
Estenose cirúrgica.
Retocele ou enterocele.

Miogênico Dermatomiosite.
Polimiosite.
Esclerodermia.
Amiloidose.
Pseudo-obstrução intestinal.

Anorretal Fissura anal.


Estreitamento anal.
Doença inflamatória intestinal.
Proctite.
Prolapso retal.

Dieta ou hábitos de vida. Baixa ingesta hídrica.


Inatividade física / imobilismo.
Baixa ingesta de fibras.

Endócrino ou metabólico Diabetes.


Hipotireoidismo.
Hipercalcemia.
Hipo ou hipermagnesemia.
Porfiria.
Doença renal crônica.
Pan-hipopituitarismo.

Aine: anti-inflamatórios não esteroides; ISRS: inibidores seletivos da


recaptação de serotonina.

ACHADOS CLÍNICOS
A avaliação inicial de idosos com constipação deve
apresentar história clínica detalhada e exame físico com
foco em excluir causas secundárias. É importante
caracterizar o início e a duração dos sintomas, a forma e
consistência das fezes com auxílio da escala de Bristol
(Figura 1), comorbidades e cirurgias prévias, bem como
estar atento aos sinais de alarme (Quadro 2), que levarão a
uma investigação mais extensiva.
Devem ser parte do exame físico: inspeção da região
perianal e do reto e realização do toque retal. O toque
retal, que deve avaliar o tônus do esfíncter anal e a
presença de fezes na ampola retal, é uma ferramenta
importante na identificação de complicações relacionadas
com constipação crônica, como hemorroidas, fissuras anais,
prolapso anal, úlceras retais, impactação e incontinência
fecais.
FIGURA 1 Escala de Bristol.

QUADRO 2 Sinais de alarme

Hematoquezia.
Pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva.
Sintomas de obstrução.
Início agudo da constipação.
Constipação não responsiva ao tratamento.
Perda ponderal superior a 4,5 kg.
Alteração no calibre das fezes.
História familiar de câncer colorretal.
Doença inflamatória intestinal.
EXAMES COMPLEMENTARES
Pacientes que preenchem critérios de Roma IV para
constipação crônica idiopática não necessitam ser
submetidos a testes diagnósticos adicionais, que se tornam
importantes na presença de sinais de alarme (Quadro 2),
suspeita de causa orgânica, início dos sintomas após os 50
anos e na ausência de resposta ao tratamento. Nessas
situações devem ser solicitados exames laboratoriais, como
hemograma, perfil metabólico com dosagem de eletrólitos e
função tireoidiana, entre outros, de acordo com a etiologia
presumível, e colonoscopia. São realizadas a cada ano na
enfermaria de geriatria do HC-FMUSP 150 colonoscopias;
em 75% delas é encontrada alguma alteração, e em 10 a
15% são encontradas lesões neoplásicas.
Outros testes complementares podem ser solicitados de
forma individualizada de acordo com a hipótese
diagnóstica, como o estudo de trânsito colônico por meio de
cápsulas radiopacas, ressonância nuclear magnética na
suspeita de retocele, manometria anorretal e teste de
expulsão do balão nos casos de defecação dissinérgica, ou
ainda a defecografia.

TRATAMENTO

Medidas gerais

O primeiro passo para o tratamento da constipação


crônica funcional é a mudança nos hábitos de vida.
Medidas gerais como aumentar a ingestão hídrica (1 a 2
L/dia) e praticar atividade física são sugeridas, porém há
pouca evidência científica que as suporte. O ato de iniciar a
defecação é um reflexo condicionado que é mais ativo após
acordar e fazer refeições. É aconselhável encorajar os
pacientes a terem uma rotina regular de defecações, com
um treinamento de toalete. Recomenda-se pelo menos duas
idas ao banheiro, 30 minutos após as refeições, nas quais o
paciente deve permanecer sentado por pelo menos 5
minutos.
Em relação à dieta, é recomendada uma ingestão de
fibras de 20 a 30 g/dia. As fibras aumentam a massa fecal e
têm efeito propulsivo, embora possa levar semanas,
podendo vir acompanhado de distensão e flatulência. É
recomendada a introdução gradual de fibras na dieta para
adaptação do trato gastrointestinal e menor ocorrência de
eventos adversos. Além disso, a descontinuação de
medicações desnecessárias também consta entre os
primeiros passos do tratamento da constipação no idoso.

Laxativos

O uso de laxativos em idosos deve ser individualizado,


devendo-se ter em mente a história clínica do paciente,
suas comorbidades, interações medicamentosas, custos e
efeitos colaterais. Em linhas gerais, é respeitada a seguinte
ordem:

1ª escolha: formadores de fezes ou laxativos osmóticos.


2ª escolha: irritativos.

Medicamentos de segunda linha

Laxativos salinos como hidróxido de magnésio não foram


estudados para uso em idosos e devem ser usados com
cautela pelo risco de hipermagnesemia. Agentes emolientes
tais como óleo mineral e docusato de sódio são substâncias
bem toleradas e não agressivas. Devem ser administrados
com cautela em pacientes com distúrbios da deglutição
pelo risco de pneumonia lipoide. Supositórios de glicerina e
enemas, apesar de muito utilizados, têm eficácia clínica
limitada e podem causar danos à mucosa retal.
Supositórios de glicerina e de bisacodila podem ser usados
em idosos institucionalizados com defecação dissinérgica
para ajudar na impactação retal.

QUADRO 3 Medicamentos para constipação

Medicação Mecanismo Exemplos Principais efeitos


adversos

Formadores Polissacarídeos Psílio (p. ex., Bom perfil de


de massa naturais ou Metamucil®). segurança e poucos
sintéticos que Metilcelulose. efeitos colaterais,
exercem efeito Policarbofila como distensão
laxativo pelo cálcica. abdominal e
aumento de Dextrina de flatulência.
absorção de água trigo.
e da massa fecal.

Osmóticos Contêm íons ou PEG (1ª Dor abdominal e


moléculas não escolha).* flatulência.
absorvíveis que Lactulona. Os idosos são mais
aumentam a Sorbitol. suscetíveis a tais
absorção de água efeitos, que são
e a massa fecal. dose-dependentes.
Recomenda-se
iniciar tratamento
com baixas doses
(p. ex., 17 g/dia de
PEG).

Irritativos Afetam o Sene. Segurança e longo


transporte de Bisacodila. prazo não estudada.
eletrólitos através Picossulfato de
da mucosa sódio.
intestinal,
estimulando a
motilidade.
QUADRO 3 Medicamentos para constipação

PEG: polietilenoglicol.
* O uso de PEG é preferível ao uso de lactulona, por ter sido superior em
alguns estudos nos seguintes aspectos: aumento da frequência de
evacuações, alteração da consistência das evacuações e melhora do
desconforto abdominal.

Não é recomendada a utilização de enemas com fosfato


®
de sódio (p. ex., Fleet enema) para tratamento de
constipação em idosos. Em estudos retrospectivos, seu uso
foi associado a maior risco de complicações, como depleção
volêmica, hipotensão, hipo ou hipercalemia, hipocalcemia,
acidose metabólica e lesão renal aguda. Há maior risco de
eventos adversos quando é realizada dose superior a 1
aplicação em 24 horas e em pacientes com doença renal
crônica.

Secretagogos colônicos

Lubiprostona é um ácido graxo oral que ativa canais de


cloro tipo 2 nas células epiteliais do intestino, aumentando
a secreção de água no lúmen intestinal. Em estudos em
andamento, esse medicamento, na dose de 24 mcg 2 vezes
ao dia, tem se mostrado efetivo para o tratamento de
constipação em pacientes idosos. O efeito adverso mais
significativo é a náusea, que pode ser reduzida quando a
medicação é tomada durante as refeições. Até o momento
seu uso tem sido reservado para pacientes em que outras
terapias bem estabelecidas tenham sido insatisfatórias.
Linaclotida e plecanatida são agonistas do receptor C da
guanilato ciclase que estimulam a secreção de fluidos no
intestino e aumentam o trânsito intestinal. Estudos têm
demonstrado a efetividade desses medicamentos no
tratamento da constipação intestinal crônica. A linaclotida
é disponível em três doses: 72, 145 e 290 mcg ao dia, com
recomendação de iniciar a menor dose em idosos. Já a
plecanatida tem apresentação única de 3 mg ao dia.
Lubiprostona e linaclotida são medicamentos aprovados
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Antagonistas de opioides

Antagonistas dos receptores Mu periféricos podem ser


efetivos na constipação induzida por opioides, e, por não
cruzar a barreira hematoencefálica, não interferem no
controle de dor. Entre as drogas da classe estão naloxegol,
metilnaltrexone e naldemedina. O metilnaltrexone é
disponível em apresentação oral e subcutânea, além de ser
capaz de reverter o prurido induzido por opioides em
associação a constipação. Entretanto, faltam estudos que
justifiquem seu uso na população idosa.

Agonistas do receptor 5-HT4

A serotonina é um regulador da motilidade intestinal. A


prucaloprida é um agonista do receptor 5-HT4 seletivo que
tem se mostrado efetivo em acelerar o trânsito intestinal e
pode ser indicado em pacientes que não respondem
satisfatoriamente a fibras, laxativos osmóticos ou
irritativos. A dose recomendada é de 2 mg ao dia. A
medicação tem como principais efeitos adversos cefaleia,
náuseas e diarreia. Até o momento faltam estudos que
comprovem sua eficácia e segurança a longo prazo. Esse
medicamento é liberado pela Anvisa.

Inibidor do transportador de ácido biliar


O elobixibat é um inibidor do transportador de ácido
biliar que age localmente e se mostrou efetivo no
tratamento da constipação em comparação com placebo em
estudo randomizado com duração de 2 semanas. Entre os
efeitos adversos, pode apresentar diarreia e dor abdominal,
geralmente leves. Necessita-se de mais estudos que
comprovem a segurança em pacientes idosos.

Probióticos

Atualmente, existem evidências limitadas que


justifiquem o uso de probióticos para aceleração do trânsito
intestinal e frequência evacuatória. A maioria dos estudos é
heterogênea, e não se sabe quais seriam as cepas ideais.
Dessa forma, até o momento seu uso não é recomendado.

Impactação fecal

Nos casos mais graves de constipação, pode ocorrer a


impactação fecal. Nesse caso, o exame retal pode
evidenciar fezes endurecidas ocupando a ampola retal. É
importante ter em mente, no entanto, que a impactação
pode ocorrer acima do reto, com necessidade de exame
radiológico para sua detecção.
O tratamento da impactação fecal inclui fragmentação
manual seguida de enemas de água morna. Caso seja
ineficaz, pode ser necessária limpeza com auxílio de
retossigmoidoscópio. Em caso de dor abdominal importante
e suspeita de isquemia ou perfuração, uma tomografia de
abdome de urgência pode ser necessária, uma vez que
pode ter como complicação perfuração da úlcera
estercoral. Como a recorrência da impactação fecal é
comum, é importante tratar a constipação proativamente
com as medidas já citadas.
Biofeedback
Biofeedback é uma terapia indolor que consiste no
treinamento da musculatura do assoalho pélvico e da
parede abdominal. A técnica pode ser executada com o
auxílio de eletrodos e tem maior benefício para pacientes
com defecação dissinérgica. São necessários mais estudos
para estabelecer a eficácia dessa prática em idosos. Além
disso, independentemente da idade, é necessária uma
adequada capacidade mental e física para alcançar
resultados bem-sucedidos.

Cirurgia

A realização de colectomia subtotal é uma opção de


exceção para tratamento de constipação crônica funcional
e lentificação do trânsito intestinal quando não houve
resposta a outros tratamentos e o quadro clínico traz
grande repercussão sobre a qualidade de vida do paciente.
Além das complicações inerentes ao procedimento
cirúrgico (infecções, aderências etc.), alguns pacientes
desenvolvem diarreia.
Antes da realização do procedimento é necessária uma
investigação da motilidade do trato gastrointestinal,
incluindo manometria, a fim de evitar a ocorrência de
oclusão intestinal no pós-operatório.
Estudos sugerem que a idade está associada a maiores
taxas de complicação e mortalidade cardiovascular em 1
ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constipação é uma queixa comum na população idosa e
traz grande impacto na qualidade de vida dos pacientes.
Trata-se de um sintoma que pode estar associado a
múltiplas doenças e medicamentos ou ser consequência
da alteração funcional do cólon e da região anorretal.
Devem ser parte do exame físico a inspeção das regiões
perianal e retal e a realização do toque retal.
Pacientes que preenchem os critérios de Roma IV para
constipação crônica idiopática não necessitam ser
submetidos a testes diagnósticos adicionais, que se
tornam importantes na presença de sinais de alarme.
O uso de laxativos em idosos deve ser individualizado,
devendo-se ter em mente a história clínica do paciente,
suas comorbidades, interações medicamentosas, custos e
efeitos colaterais.

FIGURA 2 Manejo da constipação.

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21 Diarreia no idoso

Sandro da Costa Ferreira


Gabriela Carolina Borges
Juarez Roberto Vasconcelos

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
A diarreia é um sintoma comum em todas as faixas
etárias, inclusive nos idosos. Sua definição, embora varie
entre as diretrizes, consiste na presença de fezes com
consistência amolecida ou aquosa e frequência de
evacuações aumentada, tipicamente mais de 3 vezes ao dia.
Portanto, trata-se de um sintoma que reflete um aumento
no teor líquido das fezes, usualmente relacionado a um
distúrbio de absorção intestinal ou, ainda, a uma secreção
ativa e anormal de água pelo trato gastrointestinal.
Para melhor caracterização dessa manifestação, pode-se
utilizar a escala de Bristol, que facilita a visualização da
consistência e forma das fezes. Geralmente o paciente dirá
que suas evacuações se assemelham àquelas de números 6
ou 7.
Deve-se questionar também sobre a frequência e o
volume das evacuações. Isso porque a diarreia que se
origina por disfunções do intestino delgado usualmente é
volumosa, associada a cólicas e distensões, porém com
baixa frequência, enquanto as disfunções do intestino
grosso cursam com fezes de baixo volume e alta
frequência, tipicamente acompanhadas de dor ao evacuar e
produtos patológicos visíveis nas fezes.
Alguns autores classificam ainda as diarreias em
secretórias ou osmóticas. As primeiras se relacionam a
grandes volumes de fezes aquosas que persistem no jejum,
pois são consequência da hiperprodução do intestino
delgado. Já as osmóticas são menos volumosas e
desaparecem no jejum e, consequentemente, no período
noturno. Esta última classificação tem aplicação limitada,
mas pode auxiliar na diferenciação de distúrbios motores e
disabsortivos do trato digestivo.
Além disso, é importante também definir o início dos
sintomas: classifica-se como diarreia aguda aquela com 2
semanas ou menos de duração, como subaguda ou
persistente aquela com duração entre 14 e 30 dias e, por
fim, como crônica quando o quadro se arrasta por mais de
1 mês. Por fim, deve-se questionar o doente sobre a
presença de sinais de quebra de barreira mucosa intestinal,
como sangramento, pus ou muco nas fezes, que
caracterizam a diarreia invasiva ou inflamatória.

DIARREIAS AGUDAS

Etiologias

As diarreias agudas são usualmente autolimitadas e de


origem infecciosa. Os vírus (norovírus, rotavírus,
adenovírus) são os agentes etiológicos mais comuns, porém
bactérias (Salmonella, Campylobacter, Shigella,
Escherichia coli, Clostridioides difficile) e protozoários
(Giardia, Entamoeba, Cryptosporidium) também estão
comumente envolvidos.
O que diferencia clinicamente uma diarreia de etiologia
viral de uma bacteriana é a gravidade dos sintomas.
Embora a maioria das infecções não leve a toxemias
graves, as diarreias por agentes bacterianos cursam em
geral com uma frequência evacuatória maior, além de
sinais de invasão mucosa (mucorreia e hematoquezia) e
febre.
Além da caracterização da diarreia, a anamnese deve
investigar sobre viagens recentes, histórico alimentar,
exposições ocupacionais, animais de estimação, uso de
antibióticos recentes e história patológica pregressa. Essas
informações podem trazer pistas sobre o diagnóstico.
Viagens a locais com baixo saneamento básico, por
exemplo, devem aumentar a suspeição para infecções
parasitárias ou bacterianas. O uso recente de antibióticos
pode favorecer diarreia por Clostridioides difficile.

Avaliação clínica

Ao avaliar um indivíduo idoso com diarreia aguda,


particularmente em > 70 anos, deve-se atentar para sinais
de desidratação (mucosas secas, taquicardia, hipotensão
postural, tempo de enchimento capilar lentificado, redução
do volume urinário) e de toxemia. Devido à
imunossenescência, esses pacientes estão predispostos a
infecções mais graves e a maior incidência de disfunções
orgânicas como consequência, principalmente lesão renal
aguda. Por isso, na presença de sinais de diarreia invasiva
(com sangue, muco e/ou pus), orienta-se o uso de
antibioticoterapia empírica no tratamento, visto que esses
sinais aumentam as chances de tratar-se de uma etiologia
bacteriana, até mesmo por agentes produtores da toxina
Shiga (como a E. coli O157:H7).
Se disponível, pode-se solicitar um teste de painel
molecular ou ainda uma cultura das fezes para
determinação do agente etiológico, porém são exames
pouco disponíveis e de baixo rendimento. A pesquisa de
leucócitos fecais ou da lactoferrina pode ser mais acessível
aos serviços de pronto atendimento, auxiliando no
diagnóstico de diarreia invasiva.
A pesquisa de doenças parasitárias por métodos de
análise fecal não tem bom custo-benefício. Assim, sugere-se
terapia empírica naqueles pacientes com diarreia aguda
que residam em locais com tratamento de água e resíduos
ineficazes ou que tenham viajado recentemente.
É importante lembrar que o número de idosos com o
vírus da imunodeficiência humana (HIV) cresce a cada ano:
entre 2007 e 2017, o aumento foi de 657%, segundo o
Ministério da Saúde. Apenas em 2007 foram registrados
168 novos diagnósticos entre pessoas com mais de 60 anos
de idade, enquanto em 2018 esse número foi de 627.
Portanto, diante de comportamentos sexuais de risco, deve-
se realizar a investigação dessa possível causa de
imunossupressão que pode manifestar-se com diarreia,
tanto por HIV aguda quanto por infecção oportunista,
tipicamente Isospora beli, Crystosporidium e
Citomegalovírus.
Em surtos de diarreia aguda em instituições de longa
permanência de idosos, os agentes implicados por
veiculação hídrica contaminada ou surtos fecal-orais são
Giardia, Cryptosporidium e norovírus. Por isso, nessas
situações, a investigação de doenças parasitárias pode
oferecer maior benefício.

Abordagem e tratamento
O primeiro passo no tratamento do paciente idoso com
diarreia aguda é o manejo da desidratação, visto que ela é
a maior responsável pela morbidade nessa população. A
reposição de fluidos deve, se possível, ocorrer pela via oral,
com soros de reidratação que contenham sais, água e
açúcar. Isso porque, na maioria das doenças diarreicas, a
absorção intestinal de glicose via cotransporte sódio-
glicose permanece intacta. Assim, mesmo na vigência de
hipersecreção do delgado por infecção aguda, o intestino
continua capaz de absorver água desde que ela esteja
associada a glicose e sal. Caso não seja possível a reposição
oral, deve-se realizar hidratação venosa.
Na população idosa, o médico deve atentar para
comorbidades que predisponham à congestão sistêmica,
como insuficiência cardíaca e renal, e, a partir daí, realizar
a reidratação em alíquotas, evitando a hipervolemia. Da
mesma forma, é importante manter a nutrição desses
doentes, mesmo adaptando a dieta conforme a aceitação
com formulações mais brandas. Isso porque o jejum
prolongado pode predispor a quebras na barreira mucosa
dos enterócitos, facilitando a invasão de novos ou mais
patógenos.
Conforme discutido, dado o baixo rendimento dos
métodos diagnósticos para as diarreias agudas, o
tratamento empírico com antibióticos é frequentemente
adotado. É fundamental, contudo, compreender que a
maioria dos quadros agudos tem etiologia viral e que o uso
indiscriminado da antibioticoterapia promove efeitos
colaterais, aumento da resistência bacteriana, aumento do
risco de infecção posterior por Clostridioides difficile e,
ainda, erradicação da flora intestinal normal. Portanto, os
antibióticos devem ser reservados para pacientes com
doença grave (sinais de toxemia, desidratação grave, mais
de 6 evacuações por dia), sinais de diarreia invasiva (febre,
mucorreia e hematoquezia) ou em pacientes de altíssimo
risco (idosos frágeis, imunocomprometidos e com
comorbidades caquetizantes avançadas como insuficiência
cardíaca).
Recomenda-se o uso de azitromicina ou fluoquinolonas
(ciprofloxacino, levofloxacino, norfloxacino etc.) por 3 a 5
dias. Todavia, deve-se atentar na população idosa para os
riscos da utilização destas últimas, pois essa classe pode
estar relacionada à ocorrência de lesões do tecido
conjuntivo, especialmente na aorta e em tendões. Por isso,
tanto a agência americana Food and Drug Administration
(FDA) quanto o Ministério da Saúde recomendam que essas
medicações sejam evitadas em pacientes com doença
aterosclerótica documentada e idosos frágeis.
O uso de antidiarreicos pode ser feito naqueles
pacientes sem sinais de diarreia invasiva (afebris, com
fezes aquosas sem produtos patológicos). A loperamida é o
agente antimotilidade mais utilizado. A dose habitual é de 4
mg (2 comprimidos) de imediato, depois 2 mg após cada
evacuação até uma dose máxima de 16 mg/dia. A
racecadotrila é outra opção, embora menos disponível. Já o
uso de probióticos é controverso e tem grande
heterogeneidade de estudos clínicos, não havendo
nenhuma recomendação formal para seu uso.
Na suspeita de etiologia parasitária, a terapia empírica
pode ser feita com nitazoxanida por 3 dias ou albendazol
por 5 dias. Assim, haverá cobertura de protozoários e
helmintos.

DIARREIAS CRÔNICAS
A ocorrência de diarreia por períodos prolongados
(maiores que 30 dias) é bastante frequente em idosos,
ocorrendo em até 14% da população geriátrica, ao passo
que na população geral ocorre em uma frequência de 5%.
Importante destacar que há aumento da prevalência na
presença de comorbidades, tanto as diretamente
relacionadas ao trato gastrointestinal (como a doença
inflamatória intestinal) como as que se relacionam de
maneira indireta (como o diabetes mellitus). Outros fatores
também contribuem de maneira importante, como o
frequente uso de medicamentos, por vezes de maneira
desnecessária e sem a devida orientação médica.

Principais causas na população idosa

Conforme descrito, o uso de múltiplos medicamentos na


população idosa é uma das principais causas a serem
lembradas durante a anamnese. Destaque deve ser dado ao
uso de anti-hipertensivos (como os inibidores da enzima
conversora de angiotensina), antidiabéticos orais (como a
metformina) e anti-inflamatórios não esteroidais. Além
disso, o uso indiscriminado de suplementos (como os que
contêm magnésio) também exerce importante contribuição
nesse sentido. Por fim, deve-se atentar para o uso atual ou
recente de antibióticos, principalmente em idosos
hospitalizados, que pode desencadear a diarreia por
Clostridioides difficile, conforme discutido anteriormente
(Quadro 1).
Hábitos alimentares também podem induzir quadros
diarreicos crônicos, com destaque para a ingestão de
cafeína, adoçantes artificiais (como sorbitol) e álcool. A
intolerância à lactose também deve ser levada em
consideração, principalmente se os quadros diarreicos se
associam com a ingestão de leite/derivados e se outros
sintomas também estão presentes, como dor e distensão
abdominal. Nesses casos, existe uma deficiência da enzima
lactase (primária ou secundária a outras doenças
intestinais), fazendo com que a lactose não seja
adequadamente absorvida no intestino delgado e passe
mais rapidamente para o cólon, desencadeando maior
secreção de água e eletrólitos (mecanismo osmótico de
diarreia) e fermentação por bactérias (com liberação de gás
hidrogênio e consequente distensão abdominal).
A lembrança de uma neoplasia associada à diarreia deve
estar presente em populações idosas, principalmente na
presença de sinais de alarme, como sangramentos
recorrentes associados às evacuações, despertar noturno
(por dor ou diarreia) e perda ponderal não intencional, em
um período de tempo curto. Particularmente no caso de
neoplasias acometendo o intestino grosso, espera-se maior
frequência das evacuações, mas com menor volume,
havendo por vezes sangue nas fezes e tenesmo (vontade
imperiosa de defecar, com sensação de esvaziamento
incompleto).
Deve-se ressaltar a importância do rastreio de
neoplasias de cólon em indivíduos com idade superior a 45
anos, independentemente da presença de diarreia; esse
rastreio pode ocorrer até os 75 anos, desde que a
expectativa de vida seja de 10 anos ou mais.
Causas disabsortivas também devem ser lembradas, seja
por deficiências exócrinas (pancreatite crônica) ou
enzimáticas (deficiência de lactase, primária ou secundária,
promovendo intolerância à lactose). Alterações anatômicas
também podem gerar síndromes disabsortivas, seja em
consequência de procedimentos cirúrgicos (como
ressecções gástricas/intestinais) ou de patologias do trato
gastrointestinal (como fístulas no contexto da doença
diverticular complicada).

QUADRO 1 Medicamentos que causam diarreia

Sistema de atuação do Classe e exemplos


medicamento

Cardiovascular Antiarrítmicos (digoxina, procainamida).


Anti-hipertensivos (enalapril, captopril,
losartana, betabloqueadores, hidralazina,
metildopa).
Antilipemiantes (estatinas).
Diuréticos (furosemida, acetazolamida).

Sistema nervoso central Ansiolíticos (alprazolam, fluoxetina, lítio).


Antiparkinsonianos (levodopa).

Endócrino Hipoglicemiantes (metformina).


Agentes tireoidianos (levotiroxina).

Gastrointestinal Antiácidos (agentes contendo magnésio,


inibidores da bomba de prótons).
5-aminossalicitatos (mesalazina, olsalazina).
Ácido ursodexosicólico.

Musculoesquelético Anti-inflamatórios (colchicina, ibuprofeno,


naproxeno).

Outros Antibióticos (amoxicilina, ampicilina,


cefalosporinas, clindamicina).
Quimioterápicos.
Álcool.
Adoçantes (sorbitol).
Vitaminas (magnésio, vitamina C).

Doenças inflamatórias intestinais também têm


importância cada vez maior na população idosa. Sabe-se
que tais doenças possuem incidência bimodal, com o
primeiro pico na segunda década de vida e o segundo a
partir dos 65 anos de idade (cerca de 15% do total). Muitas
vezes, esse diagnóstico é tardio, pelo maior número de
diagnósticos diferenciais possíveis nessa faixa etária.
Nesses casos, a doença colônica (retocolite ulcerativa) tem
maior frequência que a doença acometendo o delgado e
demais segmentos do trato gastrointestinal (doença de
Crohn).
As apresentações também costumam ser menos graves
nessa faixa etária, embora as hospitalizações cursem com
maior morbidade em comparação com pacientes jovens.
A diarreia por ácidos biliares (também denominada
diarreia colerética), por sua vez, deve ser interrogada se
existe o relato de colecistectomia ou ressecções ileais.
Nesses casos, há menor absorção ileal dos ácidos biliares,
que surgem em maior quantidade no cólon, implicando
mecanismo osmótico de diarreia, ou seja, maior secreção
de água e eletrólitos; além disso, a presença dos ácidos
biliares promove aumento direto da motilidade intestinal.
A ocorrência de quadro diarreico aquoso não
sanguinolento em mulheres idosas deve levantar a suspeita
de colite microscópica; outras características aumentam
essa suspeita, como a presença concomitante de doenças
autoimunes e o uso de determinados medicamentos, como
inibidores de bombas de prótons.
O supercrescimento bacteriano de delgado é uma causa
menos frequente na população geral, mas que adquire
maior importância entre idosos. Essa condição se
caracteriza por maior colonização intestinal por
microrganismos aeróbios/anaeróbios, devendo ser
particularmente lembrada nos casos de distúrbios da
motilidade (que podem ocorrer em pacientes diabéticos,
por exemplo) e de alterações estruturais/pós-cirúrgicas.
Outro fator contribuinte é a hipocloridria gástrica
(comumente em idosos pelo uso prolongado dos inibidores
da bomba de prótons).
A hipótese de transtorno funcional também deve ser
aventada entre os idosos, desde que causas orgânicas
tenham sido excluídas, seja pela avaliação clínica ou por
exames complementares. Sendo a diarreia crônica em
indivíduos com idade superior a 50 anos um sinal de alarme
para causas orgânicas, por vezes é necessário realizar
exames complementares (como a colonoscopia) antes de
considerar o transtorno funcional em idosos.
Particularmente no caso da síndrome do intestino
irritável (forma diarreica), além da ausência dos sinais de
alarme, existe a dor abdominal recorrente (uma ou mais
vezes por semana, nos últimos 3 meses), que se relaciona
com a defecação, mudança na frequência das evacuações
ou mudança na consistência das fezes (pelo menos duas
dessas características, conforme os critérios de Roma IV).

Abordagem da diarreia crônica no idoso

A abordagem envolve de forma indispensável uma


anamnese direcionada para os fatores possivelmente
relacionados: cirurgias prévias, hábitos alimentares,
medicamentos utilizados e comorbidades (como diabetes e
hipertireoidismo). Além disso, é necessário interrogar
ativamente se existem sinais de alarme – a ocorrência de
tais sinais deve direcionar para exames complementares
como a colonoscopia, considerando essencialmente a
possibilidade de neoplasia.
FIGURA 1 Sugestão de fluxograma de investigação da diarreia crônica em
idosos.
TSH: hormônio estimulador da tireoide.

Outros exames complementares podem ser solicitados


em uma investigação inicial, a saber: hemograma, perfil de
ferro (ferro, ferritina e capacidade total de ligação do
ferro), hormônio estimulador da tireoide – TSH (pela
possibilidade de hipertireoidismo associado), calprotectina
fecal/lactoferrina fecal (provas de atividade inflamatória
utilizadas na suspeita de doença inflamatória intestinal) e o
parasitológico de fezes. Adicionalmente, podem ser
solicitados outros exames, de acordo com as hipóteses
imaginadas durante a anamnese.
Particularmente nos casos de uso atual ou recente de
antibiótico, em que se suspeita de diarreia por
Clostridioides difficile, pode ser realizada pesquisa de
toxina para essa bactéria nas fezes (toxinas A e B). O
tratamento envolve inicialmente a suspensão do antibiótico
utilizado; casos leves e graves envolvem também
prescrição de vancomicina oral, 125 mg a cada 6 horas;
alternativamente, pode ser prescrito o metronidazol oral,
500 mg a cada 8 horas. Casos fulminantes envolvem dose
maior de vancomicina oral (500 mg a cada 6 horas),
podendo ser associado metronidazol endovenoso (500 mg a
cada 8 horas).
Diante da associação da diarreia com ingestão de leite e
derivados, suspeitando-se de intolerância à lactose,
idealmente é realizado o teste respiratório de hidrogênio,
que mede a quantidade de gás hidrogênio expirado após a
ingestão de 25 a 50 g de lactose – quantidades liberadas
superiores a 20 ppm são indicativas de intolerância à
lactose. Entretanto, em locais com menos recursos
diagnósticos, deve-se considerar diminuir a ingesta de leite
ou alimentos contendo lactose, observando se há melhora
dos sintomas.
As características das evacuações podem induzir a
hipótese de esteatorreia – fezes espumosas, de odor fétido,
que por vezes ficam aderidas ao vaso. Nesses casos pode
ser solicitada pesquisa de elastase fecal. Em casos
selecionados, como em etilistas de longa data com suspeita
de pancreatite crônica, pode-se realizar a ressonância
magnética. Após confirmada associação da esteatorreia
com pancreatite crônica, o tratamento envolve o uso de
suplementação de enzimas pancreáticas, 2 cápsulas (50 mil
unidades) durante as principais refeições e 1 cápsula (25
mil unidades) durante os lanches.
Conforme discutido, doenças inflamatórias intestinais
também têm importância na população idosa, e, diante da
suspeita desse diagnóstico etiológico, deve-se lançar mão
de ferramentas diagnósticas, como a calprotectina fecal e a
colonoscopia com biópsia. Exames de imagem também têm
papel relevante, particularmente a enterotomografia e a
enterorressonância.
A associação de dados clínicos, laboratoriais,
endoscópicos, histológicos e de imagem favorece o
diagnóstico, não havendo um exame definitivo. Esses casos
devem ser preferencialmente referenciados para um
especialista, visando ao início da terapia de remissão (com
corticoides, p. ex.), seguida da terapia de manutenção.
Quadros diarreicos que surgem após ressecções ileais
ou colecistectomias induzem a hipótese de diarreia por
ácidos biliares, conforme comentado anteriormente. Nesses
casos pode-se fazer uso empírico da colestiramina,
inicialmente em baixas doses (2 g, 1 ou 2 vezes ao dia).
Caso haja a suspeita clínica de colite microscópica, é
necessário realizar colonoscopia com biópsia, mesmo que
não sejam observadas alterações macroscópicas durante o
exame colonoscópico. A histologia poderá revelar um
percentual de linfócitos maior que 20%, nos casos de colite
linfocítica; pode também ser visualizada uma banda
colônica subepitelial de colágeno espessada, favorecendo o
diagnóstico de colite colagenosa. O manejo desses casos
envolve a suspensão de possíveis medicamentos
implicados, como anti-inflamatórios não esteroidais. Além
disso, podem ser utilizados antidiarreicos, como a
loperamida.
O uso de corticoides também se faz necessário nas
doenças ativas: pode ser utilizada a budesonida oral, 9 mg
ao dia, por 6 a 8 semanas, com posterior desmame (6 mg
ao dia por 2 semanas, em seguida 3 mg ao dia por mais 2
semanas).
A suspeita de supercrescimento bacteriano de delgado,
por sua vez, também requer exames confirmatórios,
preferencialmente cultura de aspirado do duodeno ou, de
forma menos invasiva, a medida seriada do hidrogênio
expirado. O tratamento envolve o uso de antibióticos, com
destaque para a rifaximina (1 comprimido de 550 mg a
cada 8 horas, durante 14 dias). Esquemas alternativos de
tratamento envolvem o uso de ciprofloxacino, metronidazol,
sulfametoxazol-trimetroprima e amoxicilina-clavulanato.
Diante da suspeita de doença celíaca, marcadores
sorológicos devem ser solicitados, com destaque para a
antitransglutaminase IgA; o diagnóstico definitivo é
realizado a partir da análise histológica duodenal.
Confirmado o diagnóstico, o tratamento envolve a exclusão
de alimentos contendo glúten da dieta (trigo, centeio e
cevada).
Os transtornos funcionais, como a síndrome do intestino
irritável, são de diagnóstico clínico, mas podem ser
necessários exames complementares em casos
selecionados, conforme discutido anteriormente. A
abordagem terapêutica desses casos envolve uma
adequada relação médico-paciente, esclarecendo sobre o
caráter benigno da condição.
Outra estratégia não medicamentosa possível é a adoção
de dieta com baixo teor de oligo, di e monossacarídeos
fermentáveis e polióis (Fodmap); esses carboidratos de
cadeia curta são mal absorvidos e osmoticamente ativos no
lúmen intestinal.
Dentre as estratégias medicamentosas, antidiarreicos
como a loperamida merecem destaque, podendo ser
ingerida antes das refeições. Antiespasmódicos também
podem ser utilizados para alívio da dor, com destaque para
a mebeverina e a papaverina. Outra opção são os
antidepressivos tricíclicos (como a amitriptilina e
nortriptilina), particularmente se são detectados
transtornos depressivos ou ansiosos em associação (Quadro
2).

QUADRO 2 Revisão sobre causas de diarreia e seus respectivos tratamentos

Causa Investigação Tratamento

Diarreia por Clostridioides Toxinas A e B fecais Metronidazol ou


difficile vancomicina via oral

Intolerância à lactose Teste respiratório de Redução de ingesta e


hidrogênio lactase

Pancreatite crônica Elastase fecal Enzimas pancreáticas


(esteatorreia)

Doenças inflamatórias Calprotectina fecal, Imunossupressão


intestinais colonoscopia e
endoscopia digestiva alta
com biópsias

Diarreia por ácidos biliares Pacientes com histórico Colestiramina


de colecistectomia

Colite microscópica Biópsias do cólon via Loperamida e


colonoscopia corticoesteroides

Supercrescimento Cultura de aspirado Rifaximina,


bacteriano duodenal ou teste ciprofloxacino ou
respiratório de hidrogênio metronidazol
QUADRO 2 Revisão sobre causas de diarreia e seus respectivos tratamentos

Doença celíaca Testes sorológicos e Exclusão de glúten da


biópsia endoscópica do dieta
duodeno

Transtornos funcionais Ausência de sinais de Antiespasmódicos,


alarme, exames normais e antidiarreicos e
história sugestiva orientação sobre
Fodmap

Fodmap: oligo, di e monossacarídeos fermentáveis e polióis.

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SEÇÃO IV

Doenças osteomioarticulares
Lombalgias: princípios básicos, avaliação, 22
tratamento e reabilitação

Daniel Rubio de Souza


Flávia Tiemi Tashiro Nakamura

INTRODUÇÃO
Não há dúvida da enorme importância epidemiológica
da ocorrência de dores lombares na população. É possível
afirmar que todo ser humano experimentará pelo menos
um episódio de dor lombar durante sua vida. Essa queixa é
uma das principais causas de procura pelo médico e uma
das principais causas de afastamento temporário ou
definitivo do trabalho. Sua incidência e prevalência
aumentam com o envelhecimento.
Estima-se que 13,5% da população brasileira seja
acometida por lombalgia não específica. Vinte a 30% dos
casos são recorrentes ou crônicos, gerando incapacidade
funcional e diminuição da participação social. Por isso não
há como questionar o enorme impacto sobre a saúde
populacional e seus consequentes custos econômicos
associados.
Portanto, todo médico, independentemente de sua
especialidade, deveria dominar os princípios básicos da
abordagem e tratamento inicial das lombalgias.
FISIOPATOLOGIA
A causa das dores lombares é certamente um dos
grandes mistérios da medicina. Muitos atribuem a causa a
uma ou outra estrutura, mas essa disputa continuará sem
vencedores. Múltiplas estruturas podem gerar dor, porém o
consenso é de que as causas são multifatoriais e se
sobrepõem. Quanto mais crônica a queixa, mais difícil será
apontar uma causa específica.
As principais fontes nociceptivas são os discos
intervertebrais, as facetas articulares e as alterações
degenerativas dos platôs vertebrais. No entanto, há vasta
investigação sobre a grande incidência de alterações
dessas estruturas identificadas por exames de imagem em
pacientes assintomáticos. É possível concluir que os
achados de exames, especialmente em população mais
idosa, devem ser interpretados com parcimônia. Vale,
contudo, ressaltar que, de forma primária (como principal
causa) ou secundária, a dor de origem muscular, em
especial a síndrome dolorosa miofascial, deve ser
considerada, na maior parte dos casos, de lombalgia.
Acredita-se que a soma de alterações posturais,
alterações degenerativas e a predisposição de ordem física,
emocional e social (Quadros 1 e 2) possa desencadear
processos que culminem com a manifestação dolorosa.
Outro conceito importante para o entendimento do
quadro de dor é o fenômeno da sensibilização central.
Quando há um estímulo nociceptivo periférico persistente,
as vias supressoras de dor nos níveis periférico, medular e
encefálico sofrem transformações funcionais e metabólicas.
Essas alterações podem não reverter mesmo após a
retirada do fator desencadeante inicial. Portanto, deve-se
considerar esse fenômeno na instituição de tratamento, isto
é, promover ações voltadas às alterações no sistema
nervoso central, principalmente nos casos mais crônicos.

QUADRO 1 Fatores de risco para dor lombar

Episódio prévio de lombalgia.


Outras dores crônicas.
Doenças crônicas (asma, cefaleia, diabetes etc.).
Doenças mentais.
Tabagismo.
Obesidade.
Antecedente familiar de lombalgia crônica.
Posturas inadequadas.
Tarefas manuais pesadas.
Fadiga.
Alta carga de trabalho.
Sobrecarga física e emocional.
Atividade frequente de inclinar o tronco ou carregar peso.

QUADRO 2 Fatores de risco para cronificação da lombalgia

Fatores Constituição muscular (tamanho e distribuição dos tipos de


biofísicos fibra).

Coordenação motora.

Fatores Depressão.
psicológicos
Ansiedade.

Catastrofismo.

Baixa autoestima.

Comportamento de medo e evitação.

Sensação de baixa autoeficácia.

Fatores sociais Baixo nível educacional.

Baixo nível socioeconômico.

INVESTIGAÇÃO
A quase totalidade das lombalgias terá causa
inespecífica. A investigação com exames complementares
deve ser direcionada a descartar causas específicas de dor
lombar quando há suspeita de fratura vertebral, doenças
inflamatórias, neoplasias, infecções e causas intra-
abdominais. Cerca de 1% dos casos de lombalgia estarão
relacionados com essas causas.
É recomendável que o clínico esteja atento às chamadas
bandeiras vermelhas (Quadro 3), conjunto de sinais e
sintomas que devem alertar para a possibilidade de causas
específicas de dor lombar. No entanto, investigações
recentes demonstram que até 80% das lombalgias não
específicas podem ter pelo menos uma bandeira vermelha;
portanto, mesmo com esses sinais o médico deve manter o
espírito crítico para solicitar exames. A realização de
exames está diretamente relacionada com maior ocorrência
de iatrogenia e intervenções mais agressivas e
desnecessárias.

CAUSAS ESPECÍFICAS DE LOMBALGIA

Fratura vertebral

É muito rara antes dos 50 anos, exceto se associada a


trauma de grande energia ou doença óssea. Sua
prevalência aumenta em pacientes com uso crônico de
corticoides. A ocorrência de trauma com contusão ou
abrasão da pele aumenta a suspeita. A dor pode cronificar
em até um terço dos casos.

Espondiloartrite axial
Acomete principalmente homens entre os 20 e os 40
anos de idade. Relaciona-se com a presença de HLA-B27.
Características clínicas incluem rigidez matinal lombar e
melhora com o exercício, mas não com o repouso. Muitas
vezes tem seu diagnóstico tardio.

QUADRO 3 Bandeiras vermelhas

Traumatismo grave.
Traumatismo moderado em pacientes > 50 anos.
Perda de peso.
Febre.
Uso de drogas intravenosas.
Imunossupressão.
História pessoal de câncer.
Osteoporose.
Uso crônico de corticoide.
Idade > 70 anos.
Déficit neurológico progressivo ou incapacitante.
Perda de controle esfincteriano.
Dor noturna (que desperta o paciente).
Sem melhora ao repouso ou ao decúbito dorsal horizontal.
Duração > 6 semanas

A principal doença desse grupo é a espondilite


anquilosante, mas ele também inclui artrites reativas,
artrite psoriásica e artrite da doença inflamatória
intestinal. A recente descoberta de medicações que podem
interferir na evolução dessa doença altamente
incapacitante deve chamar a atenção para essa suspeita em
pacientes jovens com queixa de lombalgia crônica ou
recorrente.

Neoplasias

Noventa e sete por cento das lesões tumorais na coluna


são metastáticas; portanto, deve-se estar atento a história
de adenocarcinomas (próstata, mama, pulmão, tireoide e
trato gastrointestinal). O tumor primário mais comum é o
mieloma múltiplo e geralmente se apresenta como dor
lombar persistente em pacientes com mais de 60 anos.
Sintomas sistêmicos como emagrecimento, perda de
apetite, dor noturna e não melhora com o repouso podem
estar presentes.

Infecções

Incluem espondilodiscite, osteomielite e abcesso


epidural. Geralmente o paciente tem história mais
arrastada com sintomas sistêmicos de febre, mal-estar e
dor intensa localizada. Pode estar associada a
procedimentos cirúrgicos ou infecções a distância
disseminadas via hematogênica. São causadas em geral por
infecção estafilocóccica. Há suspeitas em pacientes
imunossuprimidos e usuários de drogas intravenosas. Em
países em desenvolvimento, a prevalência de tuberculose é
alta.

Síndrome da cauda equina

Caracteriza-se por quadro de lombociatalgia de


instalação aguda associada a perda de controle
esfincteriano (geralmente incontinência ou retenção
urinária) e anestesia em sela associada ou não a déficit
motor distal. A suspeita desse quadro, principalmente nas
unidades de emergência, é de suma importância, pois a
intervenção cirúrgica precoce com descompressão pode
melhorar o prognóstico neurológico.

Síndromes dolorosas associadas à lombalgia

Síndrome dolorosa miofascial


Principal causa de dor lombar como síndrome principal
ou secundária. Pode mimetizar dores originadas em outros
sítios. Caracteriza-se por dor regional associada à região de
enduramento muscular, formando um cordão ou nódulo
muscular (banda tensa), na qual se pode encontrar uma
região mais dolorosa (ponto de gatilho miofascial) que, ao
ser pressionada, irradia dor para uma região específica
(região de dor referida). Associa-se à diminuição da
amplitude de movimento da articulação envolvida.
É geralmente causada pelo uso excessivo da
musculatura envolvida. Na lombalgia, comumente estão
envolvidos os músculos quadrado lombar, glúteos médio e
mínimo, paravertebrais lombares e piriformes.

Dor discogênica
Dor axial sem irradiação, com piora ao sentar e aos
movimentos de flexão e torção, e melhora ao repouso
deitado ou ao andar. Correlaciona-se com alterações de
Modic tipo 1 e desidratação de discos intervertebrais na
ressonância magnética.

Síndrome facetária
Dor localizada não axialmente e geralmente sem
irradiação para membros inferiores. Acomete indivíduos
mais idosos. Piora com hiperextensão, rotação e
lateralização da coluna, assim como ao mudar da posição
sentada para em pé. Pode ocorrer rigidez matinal. Não
piora com a manobra de Valsalva.

Dor sacroilíaca
Dor não axial que piora na posição sentada. Pode estar
relacionada com a síndrome facetária e ter origem
degenerativa ou inflamatória. A piora é desencadeada por
manobras de estresse da articulação sacroilíaca.

Dor radicular
Há alteração sensitiva (hipoestesia ou dor de
característica neuropática), diminuição de força e
diminuição ou ausência de reflexos profundos em
distribuição dermatoméria na raiz acometida. A intensidade
da apresentação e o acometimento muscular estão
relacionados com a intensidade da compressão. Pode ser
mimetizada por acometimento miofascial ou ainda por
compressão por síndrome dolorosa miofascial de músculo
piriforme. Sintomas de dor periféricos são de maior
intensidade que os de dor lombar.

Estenose do canal lombar


Geralmente tem origem degenerativa e acomete
pacientes idosos. Relaciona-se com diâmetros do canal
lombar menores do que 10 mm e estenose foraminal menor
do que 15 mm. Caracteriza-se por dor axial geralmente
associada a claudicação intermitente, isto é, os sintomas
aparecem ou pioram após caminhar alguns metros. Os
sintomas incluem dor de característica mista ou
neuropática e perda de força muscular. A algia também
piora ao ficar em pé ou descer escadas ou ladeiras. Pode
estar associada a bexiga neurogênica em casos graves.

TRATAMENTO
Ainda que esta condição clínica tenha alta prevalência e
que haja muitos estudos publicados, existem poucas
evidências para a maioria das recomendações devido a seu
amplo espectro de apresentações e às múltiplas
intervenções terapêuticas possíveis. Portanto, sempre se
deve escolher com sabedoria os tratamentos que
potencialmente tragam conforto e envolvam menor risco de
complicações secundárias.
A seguir, serão apresentadas as principais possibilidades
terapêuticas baseadas em nossa prática clínica e na
literatura consultada.

Medicação analgésica

Tanto nas lombalgias agudas como nas crônicas, a


medicação analgésica não consegue mudar o perfil
funcional dos pacientes, mas pode oferecer maior conforto
para enfrentar as crises álgicas. Como em todo caso de dor,
após a coleta de uma boa história clínica, deve ser
determinado se a dor tem mais características nociceptivas
ou neuropáticas.
Nas queixas de dor nociceptiva, devem ser indicados por
curtos períodos analgésicos comuns, anti-inflamatórios não
hormonais e opioides, conforme escala analgésica da
Organização Mundial da Saúde (OMS), atentando a todas
as contraindicações relacionadas com essas medicações. A
prescrição de opioides deve ser bem cuidadosa, devido ao
risco de dependência e ao aumento de morbimortalidade
observados em estudos recentes.
Em nossa experiência, o uso de ciclobenzaprina em
pacientes com dor miofascial associada pode ser benéfico.
Em dores com características neuropáticas, devem ser
associados analgésicos e antidepressivos (tricíclicos ou
duloxetina) ou anticonvulsivantes (carbamazepina,
gabapentina ou pregabalina). A injeção de corticoide
extraforaminal pode trazer algum benefício nas
lombociatalgias agudas quando realizada nos primeiros
dias de instalação do quadro clínico.

Exercícios e atividade física

O paciente deve ser estimulado a manter-se ativo e


trabalhando. Há forte correlação do tempo de inatividade e
afastamento do trabalho com mau prognóstico. Deve ser
evitado repouso no leito acima de 48 horas.
Não há consenso entre as modalidades de exercício a
serem recomendadas nos casos de lombalgias, mas se pode
afirmar que a realização de exercícios orientados com
profissional capacitado (geralmente o fisioterapeuta) pode
trazer benefício e diminuir o índice de recidivas. O
programa de exercícios deve ser individualizado e envolver
várias modalidades, como fortalecimento, alongamento,
mobilização, controle motor e treino cardiovascular. Os
exercícios devem ser introduzidos com cargas e
intensidade progressivas, respeitando a tolerância do
paciente.
Pacientes com lombalgia crônica podem ser
especialmente beneficiados com exercícios de controle
motor. Atividades como tai chi chuan e ioga também podem
ser adjuvantes no tratamento de pacientes crônicos.

Terapia manual, massagem e acupuntura

Essas terapias podem trazer benefício analgésico


imediato, mas não modificam a história natural da doença e
a funcionalidade do paciente. Logo, podem fazer parte do
arsenal de tratamento, como meio de permitir a realização
de exercícios, mas nunca como modalidade isolada.

Meios físicos
Muitas vezes pacientes são encaminhados para a
fisioterapia e submetidos somente a tratamentos
analgésicos passivos, através de meios físicos como
ultrassom, ondas curtas, laser, compressas e eletroterapia.
É sempre importante investigar a que modalidade de
fisioterapia o paciente foi submetido, pois tais meios físicos
não modificam a evolução da doença e devem apenas servir
de ponte para facilitar a realização de exercícios
terapêuticos.

Coletes e taping

Também são modalidades de terapia passiva que não


modificam a evolução da doença. Não devem ser usadas de
maneira isolada de outras medidas.

Educação em saúde

Informações educativas na forma verbal e escrita são


recomendadas a todos os pacientes, com ênfase nos
cuidados para evitar desencadeantes ou perpetuantes do
quadro álgico, diminuir a ansiedade em relação à doença,
diminuir peso corporal, manejar o estresse, manter
atividade física e realizar exercícios domiciliares.
Orientações relativas a cuidados com postura,
ergonomia e hábitos de vida são muito importantes, entre
elas:

Evitar atividades com flexão sustentada do tronco.


Evitar longos períodos de imobilidade sentado ou em pé.
Adequar a cadeira de trabalho (apoio de pés, joelhos e
quadris a 90 graus, apoio para braços).
Ajustar a tela do computador na altura dos olhos.
Evitar o uso excessivo do celular.
Alinhar bem a coluna durante o sono (adequar
travesseiros, usar almofada entre os joelhos, decúbito
lateral, colchão sem muita rigidez nem muito macio).
Evitar bolsas muito pesadas e distribuir o peso em
mochilas com duas alças.

Psicoterapia

Várias condições emocionais podem predispor à


cronificação e à manutenção de dor lombar. O clínico deve
estar atento às condições de humor e ansiedade do
paciente. Em casos crônicos, pode ser indicada uma
abordagem psicoterapêutica, em especial as terapias
cognitivo-comportamentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A lombalgia inespecífica é uma condição clínica muito
comum, e todo médico deveria estar minimamente
capacitado para seu atendimento. Uma intervenção
adequada deve visar ao conforto do paciente, evitar
condutas agressivas que aumentem a morbimortalidade
relacionada e identificar precocemente causas específicas
de lombalgia de evolução diferenciadas, como as relativas a
câncer, infecções e doenças inflamatórias.
As principais medidas terapêuticas para o tratamento
das lombalgias envolvem o uso de medicações analgésicas
adequadas, exercícios terapêuticos, orientações sobre a
evolução da doença e medidas posturais. Pacientes com dor
crônica demandam abordagens mais complexas,
geralmente com mais de uma modalidade terapêutica,
envolvendo uma equipe multiprofissional mais ampla e
maior enfoque em medidas de suporte psicológico.
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Princípios do tratamento e reabilitação da 23
osteoartrite

Daniel Rubio de Souza


Claudia Sayuri Furukawa Oshiro
Denise Junqueira dos Santos

INTRODUÇÃO
Osteoartrite é uma doença progressiva, dinâmica e
complexa que envolve processos inflamatórios,
biomecânicos e degenerativos da cartilagem, do osso
subcondral, assim como de toda a estrutura osteoarticular,
composta pela membrana sinovial, meniscos, ligamentos,
musculatura e gordura periarticular.
Segundo o Colégio Americano de Reumatologia (ACR),
pode-se definir a osteoartrite como “um grupo heterogêneo
de condições que levam a sinais e sintomas articulares, que
estão associados com defeitos na integridade da cartilagem
articular, além de mudanças relacionadas com o osso
subjacente à margem articular”. Embora seja mais
comumente relatada nos joelhos, pode ocorrer em qualquer
articulação do corpo; 5 a 25% das pessoas com osteoartrite
apresentam acometimento de várias articulações.
A osteoartrite é umas das principais causas de dor
crônica, sendo caracterizada por artralgia, rigidez,
restrição de movimento, crepitação, efusão ocasional,
graus variáveis de inflamação local e sofrimento
psicológico, resultando em perda de funcionalidade e da
qualidade de vida. O sintoma de dor está relacionado a
citocinas catabólicas e inflamatórias que levam à
sensibilização das vias nociceptivas pela ativação de nervos
aferentes primários em resposta à lesão tecidual. Além dos
mecanismos de dor nociceptiva periféricos, há o
componente neuropático central em pacientes com
osteoartrite.
No exame físico podem ser encontrados dor à palpação,
alargamento articular, aumento da temperatura local e
derrame articular na fase aguda. Em estágios mais
avançados o paciente pode evoluir com importante
limitação de movimento e instabilidade da marcha.

EPIDEMIOLOGIA
A osteoartrite é uma doença muito comum, sendo o
distúrbio articular mais prevalente no ser humano, com
alto custo individual, social e financeiro. Pode acometer
cerca de 6 a 12% da população adulta e mais de um terço
da população acima dos 65 anos de idade, com
predominância no sexo feminino e em indivíduos com
excesso de peso. É uma das dez principais causas de
incapacidade no mundo, e a principal causa na população
idosa.
As articulações mais acometidas são joelho, quadril e
mão. Aproximadamente 30% dos indivíduos maiores de 45
anos possuem evidência radiográfica de osteoartrite de
joelho, e metade destes apresenta sintomas. Em relação
aos fatores de risco, pode-se considerar que a idade, o sexo
feminino e a obesidade são fatores que aumentam a
probabilidade de desenvolver osteoartrite.
Com os crescentes índices de obesidade e a tendência
de envelhecimento populacional, a osteoartrite tende a ser
um problema clínico cada vez maior. A prevalência mundial
da osteoartrite de joelho é de aproximadamente 3,8%. Nos
EUA a prevalência é de 12,1%, e no Canadá, de 10,5%. Nos
EUA, estima-se por volta de 54 milhões de pacientes com
osteoartrite clínica, que corresponde a um custo anual
direto e indireto de cerca de 15 mil dólares por pessoa. Há
poucos dados consistentes da população brasileira, mas
estima-se a ocorrência em 4,14% da população adulta.
Em uma população de pacientes brasileiros com
obesidade mórbida foi observada ocorrência de 63,1% de
acometimento no joelho e de 40,8% nos quadris. No Brasil,
a osteoartrite ocupa o terceiro lugar na lista dos segurados
da Previdência Social, com 65% das causas de
incapacidade. Em estudo nacional recente publicado em
2022, foi identificado registro de 74.730 internações
hospitalares de indivíduos acima de 50 anos por
osteoartrite entre 2017 e 2021.

ETIOLOGIA
A etiologia da osteoartrite é bastante complexa e
envolve múltiplos fatores de origem biomecânica,
bioquímica e neuromuscular. Existem três fatores que
levam à degeneração articular na osteoartrite: lesão
cartilaginosa, remodelação de osso subcondral e
inflamação sinovial. Esses fenômenos ocorrem de maneira
independente e se integram em uma complexa cadeia de
reações mediadas por inúmeras vias. Isso explica a
necessidade de tratamentos multimodais e a falta de
resposta uniforme a medicações isoladas. A intensidade da
ocorrência desses fenômenos pode variar de indivíduo para
indivíduo.

FATORES DE RISCO
A identificação de fatores de risco (Quadro 1) é de
extrema importância para detectar indivíduos com
potencial para o desenvolvimento da doença. Sabe-se que
os principais fatores relacionados à osteoartrite são: idade,
obesidade, sexo feminino e injúria articular prévia.

QUADRO CLÍNICO
A história natural da osteoartrite costuma apresentar-se
de forma insidiosa como dor protocinética, com melhora ao
repouso, presença de crepitação, aumento do volume
articular, rigidez articular menor que 30 minutos, piora
pela manhã e após períodos prolongados de imobilidade.
Ao longo do tempo, essas alterações podem levar a
diminuição da amplitude articular e deformidades.
O acometimento em membros inferiores pode levar a
diminuição da mobilidade, ocasionando alterações
secundárias como perda da propriocepção e sarcopenia.
Essas alterações levam a um aumento de 2,5 vezes do risco
de queda, fraturas e de morbimortalidade.

QUADRO 1 Fatores de risco


QUADRO 1 Fatores de risco

Constitucionais Idade* > 45 anos. Clínicos Obesidade.*


Sexo feminino.* Grande ganho de
Etnia: negros > peso.
brancos> orientais. Comorbidades
clínicas.
Cirurgias
articulares prévias.
Esportes de
contato.
Contratura em
flexo.
Derrame articular.

Psicossociais Estratégias de Imagem Edema ósseo.


enfrentamento Perda de
precárias. cartilagem.
Alterações de saúde Sinovite.
mental. Gravidade
Traumas psicológicos. radiográfica.

* Principais fatores para incidência e progressão do acometimento articular.

Ao exame físico, é possível observar aumento do volume


articular, eventual espessamento sinovial, crepitações,
deformidades em varo, em valgo ou em flexão (indicadores
de gravidade da doença) e diminuição da amplitude de
movimento.
A presença de crepitação é sensível (89%), embora um
pouco inespecífica (58%). O achado de osteófitos nas
radiografias de joelho tem 91% de sensibilidade e 83% de
especificidade. A combinação de osteófitos e dor no joelho
tem boa sensibilidade (83%) e especificidade (93%).
Vale destacar que muitas vezes a dor articular pode
estar relacionada com síndrome dolorosa miofascial
(Quadro 2). Esse fenômeno pode ocorrer de forma primária
ou secundária às alterações articulares. Por isso é
necessário palpar a musculatura de áreas adjacentes à
articulação durante o exame físico.
Estudos afirmam que a sensibilização à dor se mostrou
independente da gravidade da alteração radiográfica ou da
duração da doença, no entanto a presença de sinovite e o
derrame articular estão diretamente relacionados à dor
apresentada pelo paciente acometido por osteoartrite.
Pacientes com dor crônica de origem osteoartrítica
também estão sujeitos a desenvolver sensibilização central.
Sabe-se que um estímulo nociceptivo periférico contínuo e
intenso pode levar a alterações neuroquímicas e
metabólicas nas vias centrais de supressão e percepção de
dor. Essas alterações levam à amplificação da percepção
dolorosa na região dolorida e até mesmo a aumento da área
de percepção de dor. Mesmo com o afastamento do fator
desencadeante, por exemplo, a colocação de uma prótese,
pode ocorrer manutenção da dor local.

DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES


O diagnóstico de osteoartrite é essencialmente clínico.
Deve ser baseado sobretudo nas características clínicas e
nos fatores de risco, uma vez que é extremamente
prevalente. Radiografias simples não são obrigatórias, mas,
assim como os exames laboratoriais, devem ser solicitadas
quando há necessidade de avaliar possíveis complicações,
apresentação atípica, infecção ou neoplasia. Na radiografia
podem ser identificados danos articulares estruturais, e sua
especificidade aumenta quando há presença de osteófitos
ou estreitamento do espaço articular.

QUADRO 2 Articulações mais acometidas por osteoartrite e musculatura


associada
QUADRO 2 Articulações mais acometidas por osteoartrite e musculatura
associada

Área de dor Músculos


relatada

Mão Abdutor do dedo Flexor superficial Peitoral maior


mínimo dos dedos

Braquial Flexor ulnar do Peitoral menor


carpo

Coracobraquial Grande dorsal Pronador redondo

Escalenos Infraespinal Serrátil anterior

Extensor radial do Interósseos Serrátil posterior


carpo (curto e
longo)

Extensor ulnar do Oponente do Subclávio


carpo polegar

Flexor radial do Palmar longo Tríceps


carpo

Quadril Quadril Ilíaco Psoas

Adutor da coxa Multifídeos Quadrado lombar


(curto e longo)

Adutor magno Pectíneo Sartório

Grácil Piramidal Vasto intermédio

Joelho Adutor da coxa Glúteo mínimo Sóleo


(curto e longo)

Adutor magno Grácil Tensor da fáscia


lata

Bíceps femoral Reto femoral Vasto lateral

Fibular longo e Semimembranoso Vasto medial


breve

Gastrocnêmio Semitendinoso
As radiografias de quadril e joelho são tipicamente
avaliadas utilizando a classificação Kellgren Lawrence:

Grau 0: ausência de patologia.


Grau 1: presença questionável de osteófitos.
Grau 2: presença definida de osteófitos.
Grau 3: estreitamento do espaço articular.
Grau 4: estreitamento avançado do espaço articular.

As alterações radiográficas mais comuns são diminuição


de espaço articular, osteófitos, esclerose cortical e cistos
subcondrais.
Não há necessidade de ressonância magnética na
suspeita de osteoartrite, no entanto sua realização é
importante na suspeita de fratura por insuficiência
subcondral, tumor ou infecção. A associação entre dor e
alteração estrutural vista na radiografia nem sempre está
presente. A solicitação de exames de imagem está
diretamente associada a maior número de intervenções
cirúrgicas desnecessárias e maior iatrogenia.
Uma adequada anamnese com investigação de sintomas
típicos de osteoartrite deve ser feita antes da solicitação de
exame de imagem, pois, em indivíduos idosos, alterações
radiográficas assintomáticas são muito prevalentes.

TRATAMENTO
O tratamento da osteoartrite deve respeitar toda a
complexidade da doença, por isso é recomendável utilizar
diversas estratégias terapêuticas associadas à abordagem
multiprofissional. Os principais objetivos do tratamento
são:

Alívio da dor.
Diminuição da incapacidade.
Desaceleração da progressão da doença.
Promoção de estratégias de enfrentamento.
Impedimento de complicações secundárias.
Retardo do tratamento cirúrgico.

As terapias disponíveis objetivam o alívio da dor e da


limitação funcional. A cirurgia deve ser considerada após a
falha de resposta aos tratamentos conservadores. A seguir,
serão descritas as principais estratégias de tratamento da
osteoartrite.

Exercício físico

Indicado pelas principais diretrizes de osteoartrite, o


exercício físico deve ser a principal estratégia e o foco
principal do tratamento. Além disso, a atividade física traz
outros benefícios às condições gerais de saúde como um
todo. Pode haver resistência do paciente à recomendação
de atividade física, pois a dor está associada ao movimento
e muitos profissionais de saúde podem ter recomendado
repouso no passado. Exercícios com enfoque no
fortalecimento dos músculos dos membros inferiores
oferecem melhorias na funcionalidade e na dor de paciente
com osteoartrose de joelho e quadril.
Os exercícios devem respeitar os limites de cada pessoa
e ser individualizados em relação à intensidade, volume e
progressão, principalmente para pacientes com múltiplos
acometimentos articulares ou portadores de outras
comorbidades. A abordagem inicial deve ser
preferencialmente realizada por um fisioterapeuta e deve
incluir atividade aeróbica, alongamento, exercício resistido
e de equilíbrio.
Alguns guidelines recomendam atividades como ioga e
tai chi, pois são práticas que incluem exercício de força,
equilíbrio e atuam na prevenção de quedas. Recomendam-
se alongamentos, fortalecimento muscular iniciando com
exercícios isométricos, sem flexões extremas, com aumento
de carga de 10% por semana até atingir 1 hora diária.
Exercícios aquáticos podem trazer benefícios quando há
grande limitação, mas não podem ser usados como terapia
exclusiva, pois o suporte do próprio peso é importante para
o fortalecimento muscular. Estudos comprovam que a
atividade terrestre promove maior controle do sintoma de
dor a longo prazo do que exercícios aquáticos.
Há relato em estudos de que indivíduos portadores de
osteoartrite de quadril e joelho apresentam 20% a mais de
risco de mortalidade em comparação ao grupo controle de
mesma idade, provavelmente devido à baixa prática de
atividade física.

Perda de peso

Recomenda-se perda de 5 a 7,5% do peso em pacientes


com índice de massa corporal (IMC) acima de 25. A
combinação de dieta e exercício pode resultar em perda de
peso substancial, alívio da dor, melhora funcional e redução
dos marcadores inflamatórios em comparação com o
exercício isolado.

Programa educativo

O paciente deve ser orientado sobre sua doença: o que


é, como evolui, fatores de piora e melhora, fatores de risco
associados, sinais de alerta, prognóstico e riscos
relacionados com a colocação de prótese. Os principais
guidelines defendem como tratamento de primeira linha a
junção de perda de peso para pacientes com sobrepeso ou
obesidade, programas de educação compostos por
definição de metas, orientação sobre exercício físico e uso
correto das medicações em caso de permanência dos
sintomas.

Terapia cognitivo-comportamental

O objetivo da terapia cognitivo-comportamental é


transformar pensamentos negativos, avaliar crenças e
percepções considerando soluções positivas e fornecer
ferramentas para mudar padrões cognitivos e
comportamentais negativos.
Alguns guidelines citam essa terapia como adjuvante no
tratamento medicamentoso, principalmente em pacientes
com sintomas depressivos e ansiosos relacionados ao
quadro de dor articular crônica.

Tratamento farmacológico

O tratamento medicamentoso da osteoartrite tem se


concentrado no uso de analgesia paliativa. Apesar de vários
avanços na compreensão da fisiopatologia da osteoartrite e
da expectativa de desenvolver uma medicação que pudesse
funcionar tanto para alívio sintomático como para inibir a
progressão da condição, as chamadas drogas modificadoras
de doença ainda não puderam comprovar sua efetividade
com estudos robustos.
As medicações servem para controle dos sintomas
mantidos mesmo após adoção de medidas não
farmacológicas. Felizmente, existem inúmeras linhas de
pesquisa com diferentes substâncias oferecendo
perspectivas promissoras.
Anti-inflamatórios não hormonais: podem trazer alívio da
dor, mas devem ter o uso restrito a períodos breves pelos
grandes riscos associados. Seu uso abusivo pode
propiciar lesão de mucosa gástrica, sangramento
digestivo e insuficiência renal. A utilização deve ser
evitada em idosos, indivíduos portadores de outras
comorbidades crônicas, em usuários de anticoagulante e
de corticosteroides. As principais diretrizes recomendam
que seu uso seja feito na menor dose e no menor tempo
possível. Uma opção é a formulação tópica, com bons
resultados no controle álgico de osteoartrite de mãos e
joelhos, além de apresentar melhor perfil de segurança.
Paracetamol: é menos eficaz do que os anti-inflamatórios
não hormonais no manejo de dor, mas pode ser usado
como adjuvante no tratamento. Seu uso deve ser evitado
em pacientes portadores de doença hepática.
Dipirona: apesar do largo uso, não existem estudos de
sua eficácia na osteoartrite. Existem evidências de uso
seguro na literatura, porém é proibida em vários países
pelo risco (muito raro) de agranulocitose. Acredita-se
que possa ser uma droga importante para analgesia
adjuvante no tratamento da osteoartrite.
Opioides: podem ser analgésicos eficazes,
principalmente se utilizados juntamente com analgésico
simples. Porém, devem ser usados por períodos curtos,
pois estão associados a importantes efeitos colaterais,
como sonolência, tontura, constipação e náusea, além do
risco de abuso e intoxicação. Seu uso é desencorajado
pela maioria dos guidelines de osteoartrite.
Capsaicina tópica: é uma substância derivada de
pimentas com o potencial de aliviar a dor por meio da
regulação negativa da atividade do receptor nociceptivo.
Seu uso promove a dessensibilização das fibras
nociceptivas e a inibição da transmissão de estímulos da
dor.
Duloxetina: a dor da osteoartrite, como as demais dores
crônicas, também está associada à mediação pelo
sistema nervoso central (SNC). A duloxetina é um
antidepressivo inibidor da recaptação de serotonina e
noradrenalina e atua na redução da sensibilização
central à dor. Ensaios clínicos randomizados
comprovaram sua eficácia no controle de sintomas da
osteoartrite. Outras drogas com ação no SNC, como a
venlafaxina e os gabapentinoides, também
demonstraram efeito benéfico na osteoartrite.

Meios físicos

Não modificam o curso da doença, mas podem oferecer


analgesia adjuvante ao tratamento.

Compressas quentes ou frias: apesar da ausência de


comprovação de seu benefício com ensaios clínicos
robustos, alguns pacientes referem alívio da dor e do
edema, principalmente após exercício extenuante.
Estimulação elétrica nervosa transcutânea: a
estimulação elétrica nervosa transcutânea é um tipo de
eletroterapia indicada para controle de sintoma na
osteoartrite de joelhos e quadril. Seu mecanismo é
composto por uma corrente elétrica de baixa tensão e
alta frequência através de eletrodos na pele para
estimulação de fibras nervosas A-beta e bloqueio da
transmissão do sinal nociceptivo no corno dorsal da
medula espinhal. Apesar de apresentar efeitos adversos
mínimos, não deve ser usada por pessoas usuárias de
marca-passo ou outros dispositivos eletrônicos. Há
outras eletroterapias disponíveis para o controle álgico
da osteoartrite (p. ex., terapia de campo eletromagnético
pulsado, terapia pulsada de ondas curtas), porém não há
evidências suficientes para indicar seu uso.
Acupuntura: alguns estudos comprovam o benefício em
pacientes com osteoartrite de joelho.
Terapia por ondas de choque: os dados ainda são
recentes, mas há sinais de que seja um bom tratamento
adjuvante.

Órteses e meios auxiliares de marcha

Podem ser meios adjuvantes para analgesia e melhora


funcional. Apesar de estudos com desenhos de vários
vieses, não causam efeitos colaterais graves e podem trazer
potenciais benefícios. Embora existam poucos estudos
robustos que defendam seu papel na redução da dor, várias
diretrizes recomendam a utilização de auxiliares de marcha
para melhorar a estabilidade e reduzir o risco de quedas,
um problema comum em idosos portadores de osteoartrite.
Sua prescrição deve ser sempre feita por profissional com
experiência, que deve treinar e orientar o uso do
equipamento de forma correta.

Bengala.
Joelheira elástica: seu mecanismo de ação é
desconhecido, mas auxilia na instabilidade articular.
Joelheira com suporte antivaro no joelho.
Palmilhas antivaro ou antivalgo: em especial na
osteoartrite unicompartimental de joelho.
Taping lateral de patela.
Splint para base de polegar.
Calçado biomecânico: os resultados dos ensaios clínicos
realizados ainda não comprovaram benefício no controle
de sintomas com o uso desses dispositivos, porém podem
ser um auxílio adicional para melhoria da marcha e
estabilidade articular.

Nutracêuticos e fitoterápicos

Foram desenvolvidos como potenciais drogas


modificadoras de doença, no entanto sua efetividade em
relação à prevenção ainda não está comprovada. O uso de
óleo de peixe, vitamina D, glicosamina e sulfato de
condroitina é desencorajado na osteoartrite pelas
principais diretrizes. Ainda há necessidade de maiores
estudos para confirmação de sua ação no controle dos
sintomas da doença.
Os fitoterápicos têm importante participação no
tratamento das dores articulares pela medicina popular. No
entanto, suas evidências científicas ainda são fracas.
Existem estudos que sugerem que tenham potencial
analgésico semelhante aos anti-inflamatórios sem, no
entanto, causar os mesmos riscos e efeitos colaterais.
Exemplos de nutracêuticos que podem servir como
adjuvantes no tratamento analgésico:

Diacereína: tem efeito anti-inflamatório por inibir a


interleucina-1. Apesar de alguns pacientes referirem
melhora dos sintomas com diacereína, seu uso é
desencorajado pelas principais diretrizes devido à
ausência de evidências claras demonstrando algum
benefício.
Cúrcuma e Boswellia serrata: esses agentes possuem
propriedades anti-inflamatórias e analgésicas vistas em
estudos com significância estatística. Porém, há
necessidade de ensaios maiores para determinar a
relevância clínica e suas indicações.
Colágeno hidrolisado: sua suplementação tem sido
utilizada para diminuir a degeneração da cartilagem e
retardar a progressão da osteoartrite. Apesar do baixo
risco de efeito colateral, estudos não comprovaram
melhora funcional e sintomática em longo prazo.
Insaponificáveis de abacate e soja: são feitos de frações
insaponificáveis de um terço de óleo de abacate e dois
terços do óleo de soja. In vitro, foi identificada melhora
no desequilíbrio entre processos anabólicos e catabólicos
em tecido cartilaginoso, porém não se evidenciou
melhora clínica significativa e melhora estrutural em
estudos de longo prazo.
Extrato de Boswellia serrata e pycnogenol: alguns
estudos identificaram ação anti-inflamatória dessas
substâncias, com melhora considerável da dor em
pacientes com osteoartrite, mas há necessidade de
estudos do tipo ensaio clínico mais robustos para
comprovação de sua eficácia.
Glucosamina e condroitina: seu uso não é estimulado por
diretrizes desenvolvidas por organizações profissionais,
visto que há resultados conflitantes de ensaios clínicos
randomizados para o tratamento de osteoartrite de
joelho. No entanto, alguns pacientes apresentam
benefício de diminuição da dor e melhora da
funcionalidade com sulfato de glucosamina ou
condroitina, principalmente na dose de 1.500 mg/dia e
800 mg/dia, respectivamente.
Óleo de peixe: tem sido estudado na artrite reumatoide
com resultados positivos, provavelmente por meio dos
efeitos anti-inflamatórios dos ácidos eicosapentaenoico e
docosa-hexaenoico. Apesar de pacientes terem relatado
melhora na dor e na funcionalidade em estudo com
duração de 2 anos, seu benefício clínico na osteoartrite
ainda não está claro.

Terapias intra-articulares

Têm papel de adjuvante no tratamento da osteoartrite,


em especial de joelhos.

Corticoides: podem ser infiltrados facilmente nos joelhos,


mas em outras articulações, como no quadril, a aplicação
deve ser feita sob a orientação de um aparelho de
ultrassom. O efeito é local e tem baixa ação sistêmica
comparada à do corticoide oral. Sua ação analgésica
dura em torno de 3 meses, e seu uso deve ser evitado em
caso de suspeita de infecção osteoarticular. Alguns
estudos relatam que infiltrações repetidas também
podem contribuir para a degeneração articular, por isso
não se deve realizar aplicações com intervalos menores
do que 4 a 6 meses.
Ácido hialurônico: apesar do aumento do uso e da
melhora dos sintomas em alguns pacientes, há
controvérsia na interpretação dos estudos realizados
sobre seu benefício. O uso deve ser avaliado em caso de
falência terapêutica com as medidas de primeira linha. A
baixa comprovação de benefício em estudos e o alto
custo devem ser avaliados juntamente com o paciente.
Toxina botulínica: ainda não há evidência científica
robusta para sua indicação.
Plasma rico em plaquetas (PRP): é derivado do sangue
autólogo, sendo as plaquetas seu principal constituinte.
O mecanismo de ação não é bem compreendido, mas
acredita-se que sua atuação articular se deva a altas
concentrações de fatores de crescimento, que podem
mediar a proliferação de células-tronco mesenquimais e
aumentar a síntese de matriz e a formação de colágeno.
Apesar de estar sendo cada vez mais utilizado, seu uso
ainda não é encorajado pelos principais guidelines no
manejo da OA.
Proloterapia: são infiltrações intra e periarticulares de
soluções hipertônicas, geralmente de dextrose. Seu
mecanismo de ação não é bem definido. Apesar de os
estudos necessitarem de maior aprofundamento, parece
ter bom potencial para terapia adjuvante na osteoartrose
de joelho e de quadril. Ainda não há evidência sobre uso
em osteoartrite em mão.

Alterações biomecânicas e tecnologias assistivas

Alterações biomecânicas: a reeducação postural e a


mudança de hábitos podem ter benefício no manejo da
dor. Portanto, recomendações sobre evitar saltos altos,
evitar escadas, evitar posturas agachadas e reorganizar
as atividades domésticas e de trabalho podem trazer
vantagens ao paciente.
Tecnologias assistivas: equipamentos que facilitem as
atividades de vida diária e prática podem trazer bastante
conforto, como calçadeiras, pegadores de objetos,
elevação de assento sanitário.

Encaminhamento para cirurgia protética

É importante identificar os sinais de falha no tratamento


conservador para o encaminhamento correto ao tratamento
cirúrgico. Os principais sinais da falência do tratamento
clínico são:

Dor persistente mesmo com analgesia otimizada.


Evitar andar em ambiente externo.
Limitação para atividades da vida diária.
Alteração radiográfica compatível com quadro clínico.

Pacientes com dor persistente mesmo após a otimização


da terapia medicamentosa, restrição das atividades diárias
e alteração radiográfica por osteoartrose principalmente de
quadril e joelhos são candidatos a artroplastia total do
joelho (ATJ) ou de quadril (ATQ). Nos EUA, são realizadas
anualmente mais de 700 mil cirurgias de ATJ e 330 mil de
ATQ. Menos de 10% das ATJ e 20% das ATQ precisam de
reabordagem cirúrgica ao longo de 20 anos. Estudos
comprovam a eficácia da artroplastia de joelhos e de
quadril em idosos e mais de 10% das ATJ;
aproximadamente 20% das ATQ precisam ser revisadas ao
longo de 20 anos.
Uma opção cirúrgica para pacientes com osteoartrite de
joelho é a colocação de uma prótese unicompartimental.
Pode ser uma alternativa para pacientes idosos ou
indivíduos com múltiplas comorbidades, pois o tempo de
reabilitação é mais curto, com possibilidade de alta precoce
e menor taxa de complicações em pós-operatório.
A seleção pré-operatória dos pacientes deve ser feita
com cuidado, pois possíveis resultados insatisfatórios são
mais comuns em indivíduos com certas características, por
exemplo, portadores de transtornos depressivos,
osteoartrite com alteração radiográfica pequena,
osteoartrite com sintomas leves e obesos. A decisão pelo
tratamento cirúrgico deve ser feita de forma compartilhada
com o paciente após serem fornecidos dados sobre
possíveis resultados.
Ainda assim, o clínico tem participação importante na
identificação e no tratamento da sensibilização central
(cerca de 25% dos pacientes mantêm quadro álgico após a
protetização de quadril). O preparo pré-operatório deve
visar ao controle das comorbidades e à estabilização
clínica, além de garantir humor estável e tratamento de
possíveis infecções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A osteoartrite é uma doença de etiologia complexa e não
totalmente esclarecida. Há alta prevalência populacional e
expectativa de aumento dos casos pelo envelhecimento
populacional e pelo aumento nos casos de obesidade. É a
doença que mais causa incapacidade em idosos, e seu
impacto social e econômico é enorme.
O tratamento envolve uma série de ações integradas e
necessita de atenção multiprofissional. A realização de
exercícios e o controle do peso são as principais medidas.
São terapias complementares: educação do paciente, uso
de medicações analgésicas, medidas de proteção articular e
postural além de eventuais procedimentos mais invasivos,
como infiltrações articulares, que podem prorrogar a
indicação de prótese.

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24 Osteoporose

Maria do Carmo Sitta


Tabatha Loureiro de Proença Sé

INTRODUÇÃO
A osteoporose é uma doença osteometabólica que se
caracteriza pela redução da massa óssea e alteração de sua
microarquitetura, resultando em fragilidade óssea e
suscetibilidade a fraturas.
As fraturas e suas complicações são as principais
manifestações clínicas, tornando essa doença um
importante problema de saúde pública, principalmente por
estar relacionada ao envelhecimento da população, uma
vez que sua prevalência aumenta exponencialmente a
partir dos 50 anos. Até o surgimento da primeira fratura, as
manifestações clínicas são bem inespecíficas. Diante desse
fato, a investigação na prática ambulatorial se realiza por
meio de fatores preditivos para futuras fraturas e exclusão
de causas secundárias, acrescidas de exame complementar
como a densitometria óssea (DXA), ferramentas como
calculadora FRAX e rastreio de fraturas de fragilidade. As
fraturas típicas ocorrem no colo do fêmur, vértebras e
antebraço, porém todos os ossos são suscetíveis.
A fratura de colo de fêmur é a mais grave manifestação
da osteoporose; 5 a 20% das vítimas desse tipo de fratura
falecerão no mesmo ano em que ocorreu o evento e cerca
de 50% dos sobreviventes ficarão incapacitados ou
dependentes de modo permanente.
A osteoporose pode ser classificada em primária ou
secundária. A primária pode ser de dividida em:

Tipo I ou pós-menopausa: caracterizada por aumento da


reabsorção óssea.
Tipo II ou senil, caracterizada por diminuição da
formação óssea.

A osteoporose secundária, decorrente de outras


patologias, pode ser desencadeada por doenças endócrinas,
reumatológicas, renais, síndrome de má absorção, uso de
medicamentos e neoplasias (Quadro 1).

FATORES DE RISCO
Os fatores de risco mais importantes para a redução da
densidade mineral óssea (DMO) na osteoporose primária
estão relacionados principalmente a:

Idade maior que 50 anos.


Etnia – caucasianos e asiáticos.
Sexo feminino.
Pós-menopausa.
História familiar de osteoporose (parentesco de primeiro
grau).
História prévia de fratura.
Baixo índice de massa corporal (IMC).
Tabagismo.
Etilismo.
Diabetes mellitus.

QUADRO 1 Causas de osteoporose secundária

Endocrinopatias: Doenças reumáticas:


Hipogonadismo. Artrite reumatoide.
Hiperparatireoidismo.
Hipertireoidismo.

Medicamentos: Doenças gastrointestinais:


Corticoesteroides. Doenças inflamatórias intestinais.
Anticonvulsivantes. Doença celíaca.
Anticoagulantes: Ileostomias.
– Varfarina – inibidor de vitamina K. Hepatopatias.
Doenças renais (DRC).

DRC: doença renal crônica.

AVALIAÇÃO DA MASSA ÓSSEA


A medida da massa óssea é a maior determinante
mensurável do risco de fratura por osteoporose, sendo a
DXA a melhor forma de quantificá-la. A massa óssea
aumenta durante a infância e a adolescência, atinge seu
pico na terceira década de vida e depois inicia um declínio
progressivo e contínuo com a idade. A mulher adulta tem
menor massa óssea em relação ao homem em todas as
idades, e apresenta acentuada aceleração de perda de
massa óssea durante os 5 anos seguintes à menopausa. A
perda de massa óssea associada à idade é de
aproximadamente 1% ao ano e pode acelerar até 5% ao ano
após a menopausa (Figura 1).

DENSITOMETRIA COM DUPLA ENERGIA


A densitometria com dupla energia (DXA, double energy
X-ray absorptiometry) é o principal exame disponível e o
único que está padronizado pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) para diagnóstico de osteoporose e
osteopenia. Além de mensurar a DMO, fornece dois índices
que auxiliam o diagnóstico:

FIGURA 1 Evolução da massa óssea ao longo dos anos.

T-Score: representa o desvio-padrão (DP) da DMO em


relação à média de adulto jovem (20 a 30 anos) e está
indicado para mulheres pós-menopausa e homens acima
de 50 anos.
Z-Score: representa o número de DP em relação à média
da DMO para a população de mesma idade, indicado
para mulheres pré-menopausa e homens menores que 50
anos.

As medidas de densitometria são realizadas na coluna


lombar e no colo do fêmur. São avaliadas as vértebras L1,
L2, L3 e L4 e o fêmur proximal (colo do fêmur ou a média
do fêmur do total).
Interpretação do valor do desvio-padrão (DP) para T-
Score:

Normal: ≥ −1.
Osteopenia: −1 a −2,5.
Osteoporose: ≤ −2,5.

EM QUAIS PACIENTES SE DEVE MEDIR A DENSIDADE


MINERAL ÓSSEA?
A National Osteoporosis Foundation (NOF) recomenda
que a DXA seja realizada nas seguintes situações:

Todas as mulheres com 65 anos ou mais.


Mulheres com deficiência estrogênica com menos de 45
anos.
Mulheres na peri e pós-menopausa com fatores de risco.
Mulheres com amenorreia secundária prolongada (> 1
ano).
Todos os indivíduos que tenham sofrido fratura sem
trauma ou com trauma mínimo.
Indivíduos com evidências radiográficas de osteopenia
ou fraturas vertebrais.
Homens com 70 anos ou mais.
Indivíduos que apresentam perda de estatura (> 2,5 cm)
ou hipercifose torácica.
Indivíduos em uso de corticoides por mais de 3 meses
(dose > 5 mg de prednisona).
2
Mulheres com baixo IMC (< 19 kg/m ).
Portadores de doenças ou sob uso de medicamentos
associados à perda de massa óssea.
Para monitoramento da evolução da doença e dos
diferentes tratamentos disponíveis.
AVALIAÇÃO DE RISCO DE FRATURA (FRAX)
O Instrumento de Avaliação do Risco de Fratura (FRAX)
é um algoritmo que permite a estimativa do risco de fratura
do colo do fêmur e de fratura osteoporótica maior (quadril,
coluna, úmero e antebraço) nos próximos 10 anos em
pacientes não tratados. Essa ferramenta está disponível no
site https://abrasso.org.br/calculadora/calculadora/ e usa
como parâmetros: idade, sexo, peso, altura, DMO do colo
do fêmur, antecedente pessoal de fratura, antecedente de
fratura de quadril em parentes de primeiro grau, presença
de artrite reumatoide, tabagismo atual, uso de
glicocorticoides, osteoporose de causa secundária e
etilismo.
Considera-se um paciente como sendo de alto risco de
fratura quando seu risco de fratura de quadril é maior que
3% ou quando seu risco combinado de fratura
osteoporótica maior é maior que 20%. A inclusão da DXA
referente ao colo do fêmur é opcional, não sendo
necessária para calcular o FRAX, porém quando incluída no
algoritmo aumenta a acurácia da porcentagem de risco.
O FRAX permite orientar a seleção dos pacientes que
merecem o tratamento farmacológico e contribui também
para a estratificação de risco. Considera-se por convenção
de cada país o valor considerado para avaliar o risco de
fraturas.
Atualmente, são reconhecidas várias limitações dessa
ferramenta, apesar de ser validada em mais de 60 países.
Ajustes têm sido propostos; por exemplo, na última diretriz
britânica (2022), as orientações foram para que portadores
de diabetes mellitus tipo 2 (doença não incluída na
ferramenta) sejam marcados como se tivessem artrite
reumatoide, dados seus riscos semelhantes de contribuição
para desenvolvimento de osteoporose. Com relação ao uso
de glicocorticoides, a calculadora não considera ajuste com
relação à dose, o que diminui a precisão nesses casos. O
FRAX também não considera o risco de quedas; essa
mesma diretriz sugere que, para indivíduos com duas ou
mais quedas no último ano, os riscos sejam aumentados em
30% (multiplicado por 0,3).

AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA: MARCADORES BIOQUÍMICOS


ÓSSEOS
Os marcadores bioquímicos são a determinação da
alteração do metabolismo ósseo. Conhecendo o defeito do
metabolismo ósseo é possível traçar uma terapêutica mais
racional com a utilização de medicamentos para inibir a
reabsorção ou para aumentar a formação óssea. A
osteocalcina, a fosfatase alcalina óssea, o peptídeo
procolágeno, a osteonectina e a sialoproteína óssea II são
os principais marcadores séricos de formação óssea. Os
principais marcadores de reabsorção disponíveis são as
dosagens séricas dos fragmentos amino e carboxiterminais
das moléculas de colágeno tipo I, como os interligadores N-
terminais (NTX) e os interligadores C-telopeptídeo (CTX).
Este último vem sendo muito utilizado na prática clínica
como marcador de resposta de drogas antirreabsortivas.
Seus níveis aumentam com a reabsorção óssea (p. ex., pós-
menopausa), consequentemente diminuindo após o início
de drogas antirreabsortivas como os bifosfonatos.
FIGURA 2 Instrumento de avaliação do risco de fratura (FRAX®).
Fonte: Centre for Metabolic Bone Diseases. Disponível em:
http://www.shef.ac.uk/FRAX/.
* O teste preditivo pode ser acessado em http://www.shef.ac.uk/FRAX/. Clicar em
Calculation Tool e selecionar o país Brasil, pois já é validado em português.

Deve-se também determinar a dosagem de cálcio,


fósforo, fosfatase alcalina, fosfatase ácida, vitamina D e
calciúria de 24 horas. Na urina, o cálcio de 24 horas deve
estar acima de 75 mg/24 horas. O cálcio urinário baixo
sugere deficiência de vitamina D ou baixo aporte de cálcio
na dieta, e reflete a baixa absorção intestinal do cálcio.

TRATAMENTO

Definição quanto ao início do tratamento

O tratamento da osteoporose não é padronizado e se


divide em não farmacológico e farmacológico. Ambos são
muito importantes para o manejo e a prevenção de
fraturas. Para todos os pacientes, os tratamentos não
farmacológicos devem ser aconselhados e otimizados,
sendo eles: ajustes na dieta com relação a ingestão de
cálcio, correção do nível sérico de vitamina D, atividade
física regular, redução do risco de quedas e mudança de
estilo de vida com redução dos fatores de riscos associados.
O tratamento farmacológico está indicado para mulheres
pós-menopausa e homens com idade acima de 50 anos que
apresentem:

Diagnóstico de osteoporose na densitometria óssea, T-


escore < -2,5.
Histórico pessoal de fratura por fragilidade (quadril ou
vertebral) independente do T-escore.
Densitometria óssea com T-escore entre -1 e -2,5, com
alto risco de fratura nos próximos 10 anos (> 3% fêmur
ou > 20% para fratura osteoporótica maior) calculados
pelo FRAX Brasil.

A decisão terapêutica tem se norteado pela


estratificação de risco. Não existe nenhum consenso sobre
qual a melhor classe para se iniciar o tratamento da
osteoporose, geralmente as drogas de primeira escolha são
os bifosfonatos. O auxílio da ferramenta FRAX não define o
tratamento isoladamente em alguns países, a exemplo do
Brasil e da Europa, onde avaliam-se mais fatores
associados. Nesse caso, os resultados percentuais do FRAX
são estratificados em um gráfico para tomada de decisão.
Nos EUA, por sua vez, o resultado percentual de fratura de
fêmur e fratura maior é suficiente para validar a indicação
de introdução de tratamento farmacológico.
Vários medicamentos estão aprovados para o tratamento
da osteoporose. São eles:
Inibidores da reabsorção óssea: bifosfonatos,
denosumabe, estrogênio, moduladores seletivos do
receptor de estrogênio (SERMs) e calcitonina.
Estimuladores de formação óssea: teriparatida;
abaloparatida e romosozumabe.

Apesar dos antirreabsortivos serem a terapêutica mais


utilizada, a individualização de acordo com a estratificação
de risco do paciente está cada vez mais frequente na
prática clínica. A estratificação, mesmo que não consensual
em baixo risco, alto risco e muito alto risco, auxilia na
tomada de decisão para escolha da droga elegível,
atendendo assim a necessidade e urgência da prevenção de
fraturas e ganho de massa óssea.
Ainda não existe nenhum consenso em torno das
diretrizes sobre a classificação de muito alto risco, no
entanto é importante separar essa classificação, pois pode-
se direcionar esse grupo para uma terapia específica de
tratamento. Como referência, podem-se considerar os
critérios definidos pela diretriz da Sociedade Americana
dos Endocrinologistas Clínicos, que classificam os
pacientes de muito alto risco que apresentam: fraturas
durante o tratamento de osteoporose nos últimos 12 meses;
múltiplas fraturas (> 2 sítios ósseos); fraturas em uso de
drogas que reduzem massa óssea, como corticosteroides;
valores muito baixo na DXA (T-escore < -3); Pacientes
caidores crônicos e pacientes com FRAX maior que 30%
para fratura osteoporótica maior e mais de 4,5% para
fratura de quadril.
Em pacientes com muito alto risco, a introdução de
drogas anabólicas, como o recém-aprovado anticorpo
monoclonal romosozumabe, torna-se a primeira escolha
terapêutica, bem como mudanças de agentes terapêuticos
para melhor resposta. Apesar disso, os antirreabsortivos
representados pelos bifosfonatos continuam sendo a
primeira escolha de tratamento, não só pela diminuição de
risco de fraturas maiores e de quadril, mas também porque
apresentam eficácia comprovada de prevenção de fraturas
nos estudos de evidência clínica, além de terem custo mais
acessível de tratamento e, no caso do Brasil,
disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

Tratamento não farmacológico

Para os pacientes com diagnóstico de osteopenia e


osteoporose, bem como promoção de envelhecimento bem-
sucedido, aconselham-se:

Medidas de prevenção de quedas (correção de déficits


visuais e auditivos, medidas de segurança na residência,
calçados adequados e avaliação da marcha).
Redução de fatores de risco, como cessação de
tabagismo, diminuição de uso excessivo de cafeína e
álcool.
Dieta rica em cálcio, manutenção da vitamina D.
Exercícios físicos regulares.

Os exercícios físicos combinados, aeróbicos e resistidos,


reduzem a taxa de perda de massa óssea, melhoram a força
muscular e também o equilíbrio e a estabilidade. Exercícios
regulares semanal (totalizando 150 minutos), incluindo 3
vezes de exercícios resistidos (45 a 60 minutos),
demonstram capacidade de melhorar a massa óssea e
reduzir risco de fraturas. Atualmente, a prescrição de
exercícios resistidos colabora para potencializar o efeito
dos medicamentos prescritos e tem demonstrado um
alicerce importante para o tratamento não farmacológico
da osteoporose. A prescrição adequada e individualizada é
fundamental para pacientes com fraturas vertebrais para
evitar o risco de compressão sobre as vértebras ou o
surgimento de novas fraturas.

Tratamento farmacológico

Cálcio e vitamina D
A ingesta adequada de cálcio é fundamental para a
saúde óssea. A via preconizada é preferencialmente pela
ingesta alimentar. A recomendação diária varia de acordo
com a faixa etária e as condições clínicas: para adultos até
70 anos de idade, a dose recomendada é de 1.000 mg/dia,
para mulheres na pós-menopausa (> 50 anos) e para
homens > 70 anos, segundo o Institute of Medicine (IOM),
a dose recomendada é de 1.200 mg/dia. A recomendação
de ingesta é preferencialmente pela via alimentar, porém,
se houver necessidade de suplementação, é importante
saber a posologia para orientação de efeitos colaterais e
dosagem adequada. São as opções de suplementação:
carbonato de cálcio (40% de cálcio elementar), essa forma
de apresentação depende da acidez gástrica para melhor
absorção, sendo indicada sua ingestão durante as
refeições; e citrato de cálcio (21% de Ca elementar) pode
ser ingerido em qualquer horário do dia, não depende da
acidez gástrica, ou lactobionato + gliconato de cálcio (em
pó) 500 mg de cálcio elementar, também não depende da
acidez gástrica (sua absorção intestinal é melhor que do
carbonato de cálcio). Citrato e gliconato de cálcio podem
ser indicados para pacientes com acloridria, por apresentar
melhor absorção. É importante saber que o nosso intestino
consegue absorver apenas 1.000 mg de cálcio durante cada
refeição, sendo inadequado usar dosagens muito superiores
a essa. A suplementação deve ser controlada por meio de
solicitação laboratorial de cálcio sérico, paratormônio
(PTH) e calciúria de 24 h. Esta última ajuda a adequação da
dose: taxas de 2 a 4 mg de calciúria/kg/dia são ideais, mas
em pacientes com nefrolitíase deve-se manter a calciúria <
200 mg/24 h. Os efeitos colaterais mais comuns são
constipação intestinal, dispepsia e urolitíase. Efeitos
cardiovasculares ainda não foram comprovados em estudos
clínicos.
A vitamina D tem um papel importantíssimo no
metabolismo mineral ósseo, sendo imprescindível sua
manutenção adequada em pacientes com perda de massa
óssea acentuada. Atualmente, recomendam-se níveis
superiores a 30 ng/mL em indivíduos mais vulneráveis à
deficiência de vitamina D, como: idosos > 60 anos,
mulheres pós-menopausa, doenças como
hiperparatireoidismo primário e secundário, doenças
ósseas como osteomalácia e raquitismo, doença renal
crônica e má absorção intestinal (incluindo cirurgias
bariátricas). Pacientes com osteopenia ou osteoporose,
segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia (SBEM), deverão manter níveis idealmente de
vitamina D, entre 30 e 60 ng/mL.
A suplementação de vitamina D3 (colecalciferol) para
indivíduos sem doença óssea é sugerida na dose diária de
400 a 800 UI, especialmente em pacientes com baixa
ingestão de alimentos ricos em vitamina D (salmão, atum,
sardinha e ovos), baixa exposição ao sol ou com má-
absorção.
Considera-se deficiência de vitamina D, valores < 20
ng/mL para a população geral e < 30 ng/mL para pacientes
com risco aumentado ou doença óssea estabelecida. O
tratamento consiste em:
Deficiências graves < 20 ng/ml: doses elevadas de
vitamina D3 (calcitriol) ou colecalciferol 50.000 UI por
semana, ou 7.000 UI diária, durante 6 a 8 semanas.
Deficiências leves 20-30 ng/mL: doses de 7.000 UI
semanal ou de 1.000 UI dia são suficientes.

É possível avaliar o nível sérico de 25-OH-vitamina D,


que se tornou um recurso muito útil para a sua reposição e
suplementação. Níveis tóxicos são descritos acima de 150
ng/mL. Outro fator importante é a dosagem antes da
introdução de drogas antirreabsortivas de alta potência,
como ácido zoledrônico, denosumabe e anabólicos, como
teleparatide e romosozumabe. Nesses casos, os níveis de
vitamina D deverão estar adequados, para evitar
hipocalcemia ou mesmo a diminuição da própria vitamina D
em caso, por exemplo, de estar sob uso de teleparatide.

Estrógeno e moduladores seletivos do receptor de


estrógeno
A reposição de estrogênio em mulheres menopausadas
protege contra fraturas tardias por osteoporose. Além do
efeito sobre a massa óssea, o estrogênio promove melhora
do equilíbrio e coordenação, minimizando o risco de
quedas. Todavia, os riscos associados ao seu uso
prolongado (câncer de mama, infarto, acidente vascuular
encefálico, trombose), sua recomendação deve ser
individualizada e seu uso deve ser iniciado no pós-
climatério imediato e sintomático.
O raloxifeno apresenta os mesmos benefícios da
reposição hormonal a nível ósseo, com interação no
receptor de estrogênio. Sua atuação se dá por inibir a
reabsorção óssea por meio de um mecanismo agonista
estrogênico no receptor específico e antagonista no sistema
nervoso central e na mama. Seu uso é por comprimidos de
60 mg, que devem ser tomados na dose de 1
comprimido/dia. O raloxifeno é a primeira droga da classe
dos moduladores seletivos do receptor de estrógeno
(SERM) aprovada para prevenção e tratamento da
osteoporose pós-menopausa, porém não demonstrou
proteção em fratura de quadril. É indicado em mulheres
pós-menopausa com contraindicação a bifosfonatos, sem
indicação de terapia hormonal. Os efeitos colaterais são:
sintomas vasomotores, edema, cãibra e risco de
tromboembolismo venoso (TEV) aumentado.

Calcitonina
A calcitonina do salmão (Fortical®) atua como inibidor
de receptores dos osteoclastos, com efeito antirreabsortivo
e hipocalcemiante. Porém seu uso de forma contínua
favorece muito a taquifilaxia. Trata-se de medicação pouco
utilizada na atualidade por ter seu efeito limitado, não
demonstrando eficiência para diminuir a prevalência de
novas fraturas. Apresenta importante ação analgésica
óssea, pela liberação de endorfinas, e um mecanismo de
acomodação do receptor após 2 a 3 anos de uso e perde
sua ação de inibir a reabsorção óssea. É utilizada na forma
injetável (subcutâneo ou intramuscular), na dose de 50 a
100 UI/dia. Na forma de spray nasal, a dosagem eficiente é
de 100 a 200 UI/dia. Demonstrou efeito protetor na fratura
vertebral apenas. Não demonstrou eficiência para diminuir
a prevalência de novas fraturas.

Bifosfonatos
Os bifosfonatos são potentes inibidores da reabsorção
óssea e comprovadamente aumentam a massa óssea e
diminuem a frequência de novas fraturas. São
antirreabsortivos usados para o tratamento da osteoporose
e doenças que aumentam o remodelamento ósseo. São
efetivos para prevenir a perda óssea associada à deficiência
de estrógenos, ao uso de glicocorticoides e à imobilidade.
São considerados um tratamento de primeira linha na
osteoporose e na prevenção de fraturas.
Os bifosfonatos são análogos do pirofosfato e se ligam
aos cristais de hidroxiapatita na superfície óssea,
particularmente em sítios de remodelação ativa. Essa
classe de medicamentos inibe diretamente os osteoclastos,
diminuindo a ação reabsortiva e a produção de enzimas
lisossomais. Diminuem também a reabsorção óssea e
reduzem o turnover ósseo, principalmente durante os 2
primeiros anos de tratamento. Há diminuição tanto dos
marcadores de reabsorção quanto de formação óssea,
mostrando diminuição do processo de remodelação. O
predomínio do bloqueio da reabsorção sobre a formação
leva a aumento da DMO, que ocorre por meio de um
aumento do processo da mineralização óssea.
Os bifosfonatos são absorvidos no intestino delgado, e,
em condições ideais, menos de 5% da dose oral do
alendronato de sódio é absorvida (a absorção varia e 0,5 a
7%). A absorção é significativamente reduzida se forem
administrados com alimentos que contêm cálcio ou bebidas
que não a água. Cerca de 20 a 50% dos bifosfonatos
absorvidos se ligam à superfície óssea após 12 a 24 horas
de sua administração. Não são metabolizados no organismo
e são excretados de forma intacta pela urina. Devido à
eliminação renal, não devem ser usados em pacientes com
insuficiência renal grave (clearance de creatinina inferior a
35 ml/minuto). A hipocalcemia é rara.
Podem ocorrer alguns efeitos colaterais no trato
gastrointestinal, como esofagite, náuseas e vômitos. Um
efeito colateral grave e raro relacionado com bifosfonatos é
a osteonecrose de mandíbula, relatada principalmente em
pacientes com câncer e que fazem uso de altas doses por
via intravenosa.
Há relatos de aumento da frequência de fraturas
diafisárias e atípicas de fêmur, que podem estar
relacionadas com o uso prolongado de bifosfonatos (> 10
anos), e ainda se questiona qual o tempo de seu uso mais
apropriado. Embora não haja consenso, é razoável
considerar intercalar o uso por 5 a 10 anos com períodos
de descanso (“holiday”) para que não haja desaceleração
intensa do mecanismo de metabolismo ósseo. Dessa classe,
estão disponíveis alendronato de sódio, risedronato de
sódio, ibandronato de sódio e ácido zoledrônico.

Alendronato de sódio
O alendronato de sódio está disponível em comprimidos
de 10 mg para uso diário e de 70 mg para uso semanal,
sendo que esta última posologia é a mais utilizada. Deve
ser tomado com água, com grande intervalo da dose do
comprimido de cálcio e também do horário das refeições.
Recomenda-se preferencialmente o uso em jejum e 30
minutos antes da refeição. O comprimido não deve ser
ingerido na posição deitada, pelo risco de úlcera esofágica.
Contraindicações absolutas para o uso do alendronato são:
insuficiência renal grave e doenças do trato
gastrointestinal alto, como acalásia e estenose de esôfago.
A doença do refluxo gastroesofágico é considerada
contraindicação relativa. Os maiores inconvenientes são os
efeitos colaterais digestivos, como gastrite e esofagite. O
comprimido de uso semanal passou a ser alternativa
segura, pois ameniza os efeitos dispépticos indesejáveis e
aumenta a aderência ao tratamento. Essa medicação
demonstrou redução de fratura vertebral, não vertebral e
colo de fêmur.

Risedronato de sódio
O risedronato está disponível nas apresentações de 5 mg
para uso diário, 35 mg para uso semanal e 150 mg para uso
mensal e tem se mostrado eficaz em aumentar a DMO de
coluna e fêmur e proteção a qualquer tipo de fratura. O
risedronato também é eficaz para prevenir a perda da
massa óssea em pacientes com uso crônico de corticoides.
São válidas as mesmas recomendações citadas para o
alendronato. Até o momento, é o bifosfonato que melhor
demonstrou redução de fraturas de fêmur.

Ibandronato de sódio
O ibandronato apresenta as mesmas características
farmacológicas dos demais bifosfonatos e pode ser usado
na dose mensal de 150 mg por via oral ou 3 mg por via
intravenosa a cada 3 meses. Apresenta a vantagem de
melhorar a aderência e a tolerância ao tratamento via oral,
porém estudos recentes demonstraram menor eficácia em
prevenção de fraturas de quadril. É considerada a
medicação de menos valia dos bifosfonatos.

Zoledronato (ácido zoledrônico)


O uso do zoledronato intravenoso tem efeito protetor
para qualquer tipo de fratura. É aprovado para uso em
hipercalcemia maligna, mieloma múltiplo, metástases
ósseas e doença de Paget, como também para osteoporose
na dose única anual de 5 mg, ou prevenção 5 mg a cada 2
anos. Facilita a aderência ao tratamento e pode ser uma
alternativa para pacientes com intolerância gástrica ao uso
de bifosfonatos orais. Seu uso pode ser realizado em 3 anos
consecutivos, após esse período, necessita de reavaliação
ou troca de terapêutica (holiday).

Teriparatida
A teriparatida (Forteo®) é um paratormônio
recombinante sintético (PTH 1-34), que tem efeito
anabólico ósseo, por meio da inibição da esclerostina e da
ação nos osteoblastos por meio da via IGF-1 e da redução
expressão do RANKL. O PTH, quando usado de forma
intermitente (forma contínua causa hiperparatireodismo
com efeito reabsortivo ósseo), exerce função anabólica,
com aumento principalmente do osso trabecular. É
recomendado para osteoporose grave, muito alto risco de
fraturas e osteoporose induzida por glicocorticoides. Sua
posologia consiste em injeções subcutâneas na dose de 20
mcg/dia por 24 meses. Esse tempo foi determinado pelo
risco de osteossarcoma e pico máximo de aumento da
densidade mineral óssea, após esse período é necessária
reintrodução de outra terapia como os antirreabsortivos
para evitar perda de massa óssea. São contraindicações
absolutas os casos de hipercalcemia não esclarecidos,
hiperparatireoidismo e doença de Paget. Como efeitos
colaterais, pode haver hipercalcemia transitória, mas o
cálcio não apresenta oscilações significativas nas 24 horas,
vertigem, cãibras, náuseas, vômitos e hipercalciúria.

Denosumabe
®
O denosumabe (Prolia ) é um anticorpo monoclonal
humano e faz parte da classe dos imunobiológicos, com
efeito anti-RANKL (proteína reguladora dos osteoclastos).
Tem ação antirreabsortiva e supressora na remodelação
óssea. É opção de tratamento para os pacientes com
doença renal crônica (ClCr < 30 mL/min), pacientes que
estão fazendo o holiday dos bifosfonatos, como também
alternativa segura para pacientes com intolerância
gástrica, má adesão terapêutica dos antirreabsortivos ou
falha terapêutica de outras drogas, sendo sua indicação
individualizada. Sua posologia é mais tolerável, podendo
ser administrado 60 mg, a cada 6 meses, por via
subcutânea, e pode ser usada por até 3 anos descritos pela
maioria das diretrizes. Porém não existe consenso sobre o
tempo para a sua descontinuação. Os principais efeitos
colaterais são: rash cutâneo, alergias e infecção de pele
(eczema, celulite, dermatite). Além do custo ser elevado, o
principal fator negativo é que, após a suspensão da droga,
a perda de massa óssea é rápida e todo o ganho durante o
tratamento se torna reversível, principalmente por não
apresentar efeito residual, apresentando assim risco de
múltiplas fraturas. Para suspensão do tratamento, é
necessário um plano terapêutico, para evitar perda de
massa óssea importante e risco de fraturas. Contraindicado
em pacientes imunossuprimidos ou com doenças crônicas
dermatológicas.

Romosozumabe
É um anticorpo monoclonal, com efeito bloqueador da
proteína esclerostina (responsável por inibir a formação
óssea, liberada pelos osteócitos e osteoblastos), sendo
assim, ao ser bloqueada pelo romosozumabe, permite não
só a formação como também a não reabsorção óssea. Essa
medicação tem efeito duplo de atuação, anabólico e
antirreabsortivo, e é a droga mais nova para tratamento de
osteoporose, porém indicada apenas para pacientes com
osteoporose grave ou com muito alto risco de
desenvolvimento de novas fraturas. É uma droga injetável,
subcutânea, mensal com dosagem de 210 mg. Estudos
recentes com mulheres pós-menopausa demonstraram
aumento da densidade mineral óssea nos primeiros 12
meses de tratamento e redução significativa de fraturas.
Atualmente, o tempo de tratamento preconizado é de 1 ano,
visto que estudos com utilização da droga por 2 anos não
demonstraram aumentos significativos de massa óssea após
esse período. É necessária a reintrodução de outra terapia,
como os bifosfonatos, para evitar perda de massa óssea. Os
principais efeitos colaterais consistem em cefaleia,
artralgias e reações cutâneas no local da aplicação. Essa
medicação já está disponível no Brasil, com um fator
desfavorável de ter alto custo.

Outros tratamentos

O hormônio de crescimento (GH, growth hormone) só


mostrou eficiência em pacientes com deficiência
comprovada. Em pacientes com níveis séricos normais de
fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1,
insulin-like growth factor 1), o uso é controverso e os
efeitos colaterais apresentados o contraindicam nesses
casos.
Androgênios não são recomendados para a maioria das
mulheres devido a seus efeitos virilizantes. Podem ser
recomendados em casos especiais para melhora da massa
muscular ou em pacientes com hipopituitarismo. A
testosterona é recomendada em homens que apresentem
osteoporose e deficiência comprovadas.
O melhor entendimento do metabolismo ósseo permitirá
em poucos anos o desenvolvimento de terapias mais
efetivas para prevenção de fraturas e melhora da qualidade
óssea. O Quadro 2 resume as principais terapias
disponíveis e as doses utilizadas.
QUADRO 2 Opções, doses, indicações e efeitos comprovados de
medicamentos utilizados para o tratamento da osteoporose

Medicamento Mecanismo de Dose Prevenção de


ação fraturas

Calcitonina Antirreabsortivo 100-200 UI spray Não comprovada


nasal

Alendronato de Antirreabsortivo 10 mg/dia Coluna


sódio 70 mg/semana Fêmur*
VO

Risendronato de Antirreabsortivo 5 mg/dia Coluna


sódio 35 mg/semana Fêmur
VO

Ibandronato de Antirreabsortivo 150 mg/mês VO Coluna


sódio Fêmur*

Ácido zoledrônico Antirreabsortivo 5 mg/ano IV Coluna


Fêmur

Denosumabe Antirreabsortivo 60 mg/semestre Coluna


SC Fêmur*

Teriparatida ↑ Formação 20 mcg/dia SC Coluna


Fêmur

IV: intravenoso; SC: subcutâneo; VO: via oral.


* Efeito positivo provável, mas ainda controverso.

ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Pacientes em tratamento deverão ser acompanhados
quanto à tolerância e à aderência terapêutica desde o
primeiro mês após seu início, sendo necessárias, na
sequência, avaliações anuais para verificar a eficácia da
medicação escolhida, por meio da densitometria óssea,
para comparação de ganho ou perda de DMO. As
radiografias (coluna torácica e lombar) deverão ser
solicitadas nos intervalos de 3, 5 e 10 anos a contar do
início do tratamento, com o objetivo de rastreio de novas
fraturas.
A individualização e estratificação de risco anual devem
nortear a decisão terapêutica. As classes de medicações
não reabsortivas e anabólicas óssea necessitam de
intervalos (holiday) para evitarem efeitos colaterais graves
de uso prolongado. No caso dos bifosfonatos, são
preconizados para os usos orais pausas de 5-10 anos e,
para os injetáveis, pausas de 3 anos. No caso dos
anabólicos, cada medicação apresentará determinação do
tempo de uso e exige plano terapêutico para que o paciente
não tenha perda de massa óssea e aumento do risco de
fraturas. Importante destacar que o tempo dessas pausas
atualmente tem sido ponderado de acordo com a
estratificação de risco do paciente, observando-se a melhor
terapêutica e o melhor manejo do tempo de administração
de cada classe de forma individualizada. A seguir, encontra-
se um resumo do acompanhamento ambulatorial:

Manutenção da DMO: manter o tratamento se tolerável e


repetir após 1 ano.
Aumento da DMO: pode-se manter o tratamento e repetir
a cada 2 anos.
Diminuição da DMO: confirmar aderência, avaliar fatores
de risco e benefício de troca do tratamento. Repetir DXA
após 1 ano para confirmar. Realizar os marcadores
bioquímicos especialmente de reabsorção, que deverão
estar reduzidos nos pacientes em uso de bifosfonatos e
raloxifeno (CTX), ou de formação, no caso da teriparatida
(osteocalcina).
Diminuição da DMO após segundo ano: modificar o
tratamento farmacológico e pesquisar causas
secundárias. Repetir a densitometria após 1 ano para
verificar a resposta terapêutica.
Fraturas na vigência de denosumabe ou bifosfonatos
sugerem troca de terapêutica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os métodos para aferição da densidade óssea são
capazes de detectar pacientes com maior risco de fratura,
que podem se beneficiar dos tratamentos disponíveis. No
seguimento com DXA, somente após 1 ano se pode ter
noção real da eficiência do tratamento instituído. Os
marcadores bioquímicos, quando disponíveis, podem
revelar após 3 meses se o tratamento instituído está
modificando o metabolismo ósseo, principalmente com
diminuição dos marcadores de reabsorção óssea.
Com base nas evidências atuais e na análise de custo-
benefício, sugere-se a medida da DMO em mulheres com
mais de 65 anos ou antes dos 65 anos, mas com fatores de
risco para osteoporose e fratura, permitindo eleger as
pacientes que possam se beneficiar do tratamento
medicamentoso preventivo.
Para o tratamento, as doses necessitam ser adaptadas
para cada paciente e os medicamentos podem ser
combinados de acordo com a gravidade da osteoporose e as
doenças preexistentes. Há evidências de que o tratamento
é eficaz e mais longo em mulheres com osteoporose e com
maior número de fatores de risco em relação às mulheres
sem osteoporose.
Os medicamentos antirreabsortivos agem nos
osteoclastos, inibindo o processo de reabsorção e
diminuindo a perda de massa óssea. Ao se inibir a
reabsorção, pode haver uma diminuição da remodelação
óssea, mas existe ganho de DMO por meio de um processo
de mineralização secundária. Há evidências de que os
medicamentos antirreabsortivos, como alendronato,
risedronato e raloxifeno, contribuem para a diminuição do
número de novas fraturas no período pós-menopausa, em
que predomina o aumento da reabsorção óssea. Há,
entretanto, situações em que predomina a diminuição do
processo de formação óssea, e nesses casos, ao se inibir a
reabsorção, haverá bloqueio ainda maior da formação e da
remodelação óssea. Esse processo é particularmente
importante no homem e na mulher idosa após os 85 anos.
Em caso de osteoporose grave ou de fraturas na
vigência do tratamento antirreabsortivo deve-se optar pelo
uso da teriparatida. Quando há dúvida sobre a disfunção do
metabolismo ósseo, seus marcadores bioquímicos são
fundamentais para colaborar na decisão da terapêutica
mais racional.
Há boas perspectivas de tratamento e reversão da
osteoporose, mas a melhor medida ainda é a prevenção
com dieta rica em cálcio, sol (fonte de vitamina D),
suplementação de vitamina D e atividade física. Toda
fratura osteoporótica representa uma oportunidade perdida
de fazer a prevenção ou a detecção precoce de uma doença
que, além da alta mortalidade, interfere radicalmente na
qualidade de vida do indivíduo.

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Sarcopenia, dinapenia e síndrome da 25
fragilidade

Olga Laura Sena Almeida


Victor de Carvalho Brito Pontes
Eduardo Ferriolli

SARCOPENIA E DINAPENIA

Definição

A perda progressiva de massa muscular que ocorre com


o envelhecimento já era conhecida de longa data.
Entretanto, foi o Professor Irwin Rosenberg, em 1989, que
propôs o termo “sarcopenia” para descrever a redução da
massa muscular relacionada com a idade. Esse termo é de
origem grega; sarx significa carne e penia, perda.
Com o passar dos anos e o avanço dos conhecimentos
sobre o tema, esse conceito foi sendo modificado. Em 2010,
o European Working Group on Sarcopenia in Older People
(EWGSOP) definiu que o diagnóstico de sarcopenia exige
não apenas a perda de massa muscular, mas também a
perda de função (força ou desempenho) do músculo
esquelético que ocorre com o envelhecimento. Desde então,
a sarcopenia é definida como uma síndrome caracterizada
pela perda progressiva e generalizada de massa e função
muscular, que aumenta consideravelmente o risco de
eventos adversos em idosos, como quedas e fraturas, perda
de funcionalidade e qualidade de vida, incapacidade física,
com elevada morbidade e mortalidade associadas.
Esse novo conceito decorre de fortes evidências de que
a força muscular não depende somente da massa e que a
relação entre força e massa não é linear. Portanto, definir
sarcopenia apenas em termos de massa muscular seria
muito restritivo e teria valor clínico limitado. Alguns
autores até propuseram que a sarcopenia seria apenas
parte de um processo que, além de alterações musculares,
envolveria também alterações no sistema nervoso e que,
por isso, deveria ser denominada dinapenia. Porém, em
2010 foi definido que, apesar de “dinapenia” ser um termo
mais amplo e que descreve melhor a perda de função
muscular, sarcopenia já era um termo amplamente
reconhecido e, portanto, não deveria ser substituído.
Em 2018, foi publicado o Consenso Europeu de
Sarcopenia revisado (EWGSOP2), em que houve uma
atualização de sua definição original, incorporando os
avanços científicos relacionados com o tema na última
década. As principais mudanças ocorridas foram que a
sarcopenia passou a ser considerada uma doença muscular,
com código internacional de doenças próprio (CID-10-CM
código M62.84), e que o papel da força muscular
ultrapassou definitivamente o papel da massa muscular
como principal componente desse processo.
O fato de a massa e a qualidade musculares serem
tecnicamente difíceis de medir na prática clínica foi
determinante para que, na presença isolada de redução da
força muscular, já se faça o diagnóstico provável de
sarcopenia para início da investigação de suas causas e de
seu tratamento. A expectativa é que essa mudança facilite a
identificação imediata de sarcopenia no consultório,
permitindo intervenções terapêuticas mais precoces.

Epidemiologia

É difícil realizar uma comparação robusta da


prevalência de sarcopenia entre diferentes populações
devido à ampla variedade de fatores que influenciam seu
início, progressão e diagnóstico. Além disso, a variabilidade
de definições, o uso de diferentes métodos para
mensuração da massa magra e a heterogeneidade das
populações estudadas dificultam uma estimativa fidedigna
de sua prevalência. Uma revisão sistemática utilizando os
critérios diagnósticos do EWGSOP demonstrou que a
prevalência de sarcopenia varia de 1 a 29% em idosos da
comunidade, 14 a 33% naqueles vivendo em instituições de
longa permanência e está presente em cerca de 10% dos
idosos hospitalizados.
Em outra metanálise publicada recentemente, incluindo
os diferentes critérios diagnósticos propostos, a
prevalência de sarcopenia em idosos da comunidade variou
consideravelmente de acordo com o método utilizado.
Quando empregado o EWGSOP2, a prevalência média foi
de 12,9%, com intervalo de confiança 95% de 9,9 a 15,9%.
Diversos estudos demonstraram aumento dos custos de
hospitalizações de pacientes com sarcopenia, embora com
metodologia e padrão de qualidade variando
consideravelmente. Em estudo publicado recentemente foi
estimado que, nos EUA, a presença de sarcopenia
aumentava, por pessoa, em 2.315 dólares o custo anual de
internação, com o custo total de 19,12 bilhões de dólares
em idosos.
No Brasil, estima-se que a prevalência de sarcopenia na
população idosa seja em torno de 17%, porém ainda não há
estudos avaliando o impacto dessa condição nos gastos em
saúde pública. A expectativa é que em 2030 o Brasil tenha
cerca de 30,5 milhões de idosos, sendo que cerca de 5,2
milhões serão idosos sarcopênicos.

Fisiopatologia e classificação

A fisiopatologia da sarcopenia é multifatorial e envolve


alterações hormonais, nutrição inadequada, inatividade
física, redução da síntese de proteínas, aumento da
proteólise, perda de neurônios motores, perda da
integridade neuromuscular, aumento da gordura
intramuscular e inflamação crônica. A Figura 1 mostra de
forma resumida os principais mecanismos envolvidos no
desenvolvimento da sarcopenia em idosos.
A sarcopenia pode ser classificada em primária ou
secundária de acordo com a causa subjacente. A sarcopenia
primária, também chamada de sarcopenia relacionada com
a idade, é aquela em que nenhuma outra causa, além do
envelhecimento, é evidente. Por outro lado, a sarcopenia
secundária ocorre quando uma ou mais causas são
evidentes, como inatividade física, doenças sistêmicas e
desnutrição. Em muitos idosos, a causa da sarcopenia é
multifatorial, dificultando sua classificação.
Recentemente foi proposta a classificação da sarcopenia
também em aguda ou crônica. A sarcopenia aguda é aquela
com duração menor que 6 meses, relacionada com alguma
doença ou lesão aguda, enquanto a sarcopenia crônica é
aquela com duração maior que 6 meses e que está
associada a condições crônicas e progressivas, com elevado
risco de mortalidade. Essa distinção pretende ressaltar a
necessidade de realizar avaliações periódicas em indivíduos
que possam estar em risco de sarcopenia, a fim de
determinar a rapidez com que a condição está se
desenvolvendo e de facilitar a intervenção precoce, com
tratamentos que possam ajudar a prevenir ou retardar a
progressão da sarcopenia e seus desfechos desfavoráveis.

FIGURA 1 Mecanismos fisiopatológicos da sarcopenia.


Fonte: adaptada de Cruz-Jentoft et al. (2010a).
GH: hormônio do crescimento (growth hormone); IGF-1: fator de crescimento
semelhante à insulina tipo 1 (insulin-like growth factor 1).

O Quadro 1 apresenta as classificações de sarcopenia já


descritas.

Quadro clínico e rastreio

Na prática clínica, a sarcopenia manifesta-se com sinais


inespecíficos, tais como instabilidade de marcha, fraqueza
e lentidão para andar, quedas frequentes, perda de peso ou
massa muscular, dificuldade para subir escadas e se
levantar sozinho de uma cadeira e dificuldade para
carregar objetos pesados. Se o diagnóstico e o tratamento
não forem realizados precocemente, seus portadores
evoluem com perda progressiva de funcionalidade e
aumento da dependência para as atividades de vida diária.
O novo consenso europeu recomenda o uso do
questionário Sarc-F como triagem para o risco de
sarcopenia na prática diária, por meio do autorrelato de
idosos sobre sinais característicos de sarcopenia, podendo
ser utilizado em idosos da comunidade e em outros
ambientes clínicos. O Sarc-F é um questionário de cinco
itens, cujas respostas se baseiam na percepção do paciente
sobre suas limitações em força, capacidade de andar,
levantar-se de uma cadeira, subir escadas e quedas. A
pontuação varia de 0 a 10, com 0 a 2 pontos para cada
componente. Sugere-se que um escore igual ou maior que 4
é preditivo de sarcopenia e piores desfechos clínicos.
O Sarc-F tem sensibilidade baixa a moderada e elevada
especificidade para predizer perda de força muscular,
identificando principalmente os casos mais graves. Por ser
uma ferramenta barata e de fácil aplicação, recomenda-se
seu uso de maneira rotineira na prática clínica.
É importante ressaltar ainda que, durante sua validação
no Brasil, foi visto que o Sarc-F sozinho não se mostrou
adequado como ferramenta de triagem de sarcopenia.
Porém, quando associado à medida da circunferência da
panturrilha, houve melhora significativa em seu
desempenho para rastreio dessa síndrome. O Quadro 2
mostra a versão brasileira do questionário Sarc-F.

QUADRO 1 Classificação de sarcopenia segundo o EWGSOP2

Primária x secundária Aguda x crônica


QUADRO 1 Classificação de sarcopenia segundo o EWGSOP2

Sarcopenia primária: relacionada com Sarcopenia aguda: duração < 6


a idade, sem outra causa justificável. meses, relacionada com alguma
doença ou lesão aguda.

Sarcopenia secundária: relacionada Sarcopenia crônica: duração > 6


com inatividade física, ingestão meses, associada a condições
proteica inadequada ou doenças crônicas e progressivas.
crônicas.

EWGSOP2: European Working Group on Sarcopenia in Older People 2.

QUADRO 2 Ferramenta de rastreio para sarcopenia (Sarc-F)

Componente Questão Pontuação

Força Quanto de dificuldade você tem Nenhuma = 0


para levantar e carregar 5 kg? Alguma = 1
Muita ou não
consegue = 2

Assistência para Quanto de dificuldade você tem Nenhuma = 0


caminhar para atravessar um cômodo? Alguma = 1
Muita, usa auxiliar de
marcha ou não
consegue = 2

Levantar de uma Quanto de dificuldade você tem Nenhuma = 0


cadeira para levantar de uma cama ou Alguma = 1
cadeira? Muita ou não
consegue sem ajuda
=2

Subir escadas Quanto de dificuldade você tem Nenhuma = 0


para subir um lance de escadas Alguma = 1
de 10 degraus? Muita ou não
consegue = 2

Quedas Quantas vezes você caiu no Nenhuma = 0


último ano? 1 a 3 quedas = 1
4 ou mais quedas = 2

Diagnóstico
O Consenso Europeu de Sarcopenia revisado
(EWGSOP2) destacou a força muscular como preditor
importante de desfechos adversos, que antecede a redução
da massa muscular, tornando o diagnóstico de sarcopenia
provável quando a presença de baixa força muscular
estiver presente. Dessa forma, em sua definição atual, o
EWGSOP2 definiu baixa força muscular como parâmetro
primário de sarcopenia, cujo diagnóstico é confirmado pela
presença de redução de massa muscular associada. Caso o
baixo desempenho físico também esteja presente, a
sarcopenia é considerada grave. O Quadro 3 descreve os
critérios diagnósticos de sarcopenia segundo o EWGSOP2.
Existem diversas maneiras de mensurar os parâmetros
físicos exigidos para o diagnóstico de sarcopenia. A seguir,
serão descritos os métodos recomendados pelo EWGSOP2
para identificação de cada critério diagnóstico.

QUADRO 3 Critérios para o diagnóstico de sarcopenia segundo o EWGSOP2

1. Baixa força muscular.


2. Baixa quantidade ou qualidade muscular.
3. Baixa performance física.

Na presença do critério 1, o diagnóstico de sarcopenia é provavel, já sendo


indicada a investigação de sua causa e o início do tratamento.
A documentação adicional do critério 2 confirma o diagnóstico de
sarcopenia.
Se os critérios 1, 2 e 3 estiverem presentes, a sarcopenia é considerada
grave.

EWGSOP2: European Working Group on Sarcopenia in Older People 2.

1. Força muscular:
– Força de preensão palmar: é um importante preditor
de desfechos clínicos desfavoráveis, como maior
tempo de internação hospitalar, piora da
funcionalidade, piora da qualidade de vida
relacionada à saúde e morte. Correlaciona-se
moderadamente com a força em outros segmentos do
corpo, de modo que serve como substituto confiável
para medidas mais complexas de força do braço e da
perna. Por ser um método de aferição simples e de
baixo custo, é recomendado para uso rotineiro na
prática hospitalar, em ambientes clínicos
especializados e na saúde comunitária. O uso de um
dinamômetro portátil bem calibrado é recomendado
para a medida da força de preensão manual. Os
pontos de corte atualmente recomendados são de 27
kgf em homens e de 16 kgf em mulheres. Valores
inferiores a eles, quando presentes, sugerem baixa
força muscular.
– Teste de levantar-se e sentar na cadeira 5 vezes sem
usar as mãos: pode ser usado para avaliar a força dos
músculos das pernas, especialmente do grupo
muscular do quadríceps. Esse teste mede a
quantidade de tempo necessária para um paciente
levantar-se e sentar na cadeira 5 vezes sem usar o
apoio dos braços. O ponto de corte atualmente
recomendado é de 15 segundos. Valores acima disso
sugerem baixa força muscular.
2. Massa muscular esquelética:
– Ressonância magnética (RM) e tomografia
computadorizada (TC): são métodos de imagem de
elevada precisão e considerados o padrão-ouro para
estimativa da massa muscular, especialmente em
pesquisas. Apresentam uso limitado na prática
clínica devido a seu custo elevado e baixa
disponibilidade. Além disso, os pontos de corte ainda
não estão bem definidos.
– Absorciometria de raios x de dupla energia (DXA): é
um método não invasivo amplamente utilizado para
determinar a quantidade de massa muscular, medida
pela massa magra corporal total ou massa muscular
esquelética apendicular. A massa muscular se
correlaciona com o tamanho do corpo. Dessa forma,
a quantificação da massa muscular esquelética
apendicular deve ser ajustada para o tamanho
corporal do indivíduo, utilizando fórmulas
específicas, corrigidas para o peso, altura ou índice
de massa corporal (IMC). Os pontos de corte
recomendados são de 20 kg ou 7,0 kg/m2 para
2
homens e de 15 kg ou 6 kg/m para mulheres.
– Bioimpedância elétrica (BIA): é usada para
estimativa da massa muscular esquelética total ou
apendicular. O equipamento da BIA não mede a
massa muscular diretamente, obtendo uma
estimativa com base na condutividade elétrica do
corpo inteiro, por meio de uma equação de conversão
que é calibrada com uma referência de massa magra
medida por DXA em uma população específica. O
equipamento da BIA é portátil, de fácil aplicação e
amplamente disponível.
– Medidas antropométricas: embora a antropometria
seja usada com frequência para avaliar o estado
nutricional de idosos, não é uma boa ferramenta para
mensuração da sua massa muscular. Apesar disso, a
circunferência da panturrilha pode ser usada como
um substituto diagnóstico para mensuração em
locais onde não existem outros métodos diagnósticos
disponíveis. O ponto de corte utilizado é de 31 cm.
Valores abaixo disso predizem baixa massa muscular
e baixo desempenho físico, com redução da
sobrevida em idosos.
3. Desempenho físico:
– Teste de velocidade de marcha (TVM): consiste na
medida do tempo que o paciente leva para percorrer
uma distância de 4 m em sua velocidade habitual. É
considerado um teste rápido, seguro e altamente
confiável para a predição de resultados adversos,
como incapacidade, comprometimento cognitivo,
necessidade de institucionalização, quedas e
mortalidade. É fácil de ser realizado e altamente
recomendado para uso na prática clínica. O ponto de
corte é de 0,8 m/s. Valores ≤ 0,8 m/s sugerem
sarcopenia grave.
– Short Physical Performance Battery (SPPB): consiste
em uma bateria de testes que incluem avaliação da
velocidade de marcha, do equilíbrio e do tempo para
levantar-se e se sentar na cadeira. A pontuação
máxima é de 12 pontos, e uma pontuação ≤ 8 pontos
indica pior desempenho físico. É mais utilizado em
pesquisa devido à necessidade de um tempo maior
para execução do teste.
– Teste Timed-Up and Go (TUG): consiste no tempo
que a pessoa gasta para levantar de uma cadeira
com braços, andar uma distância de 3 m, virar,
retornar e se sentar novamente. Considera-se pior
desempenho físico um ponto de corte ≥ 20 segundos.
É um teste que prediz mortalidade e é de fácil
aplicação na prática diária.
– Teste de caminhada de 400 m: avalia a capacidade de
caminhar da pessoa e sua resistência física. Os
participantes devem completar 20 voltas de 20 m o
mais rápido possível, sendo permitidas até duas
paradas de descanso durante o teste. Considera-se
um marcador de pior desempenho físico se a pessoa
não consegue completar o percurso ou o faz em um
tempo ≥ 6 minutos.

O Quadro 4 resume os principais testes utilizados para


mensuração de força muscular, massa esquelética e
desempenho físico e seus respectivos pontos de corte.
A Figura 2 mostra o algoritmo Find-Assess-Confirm-
Severity (F-A-C-S), proposto pelo EWGSOP2 para avaliação
de sarcopenia na prática clínica, que consiste no rastreio
de casos, na avaliação e confirmação diagnóstica e na
determinação de sua gravidade.

Tratamento

A abordagem terapêutica da sarcopenia consiste em


intervenções não farmacológicas e farmacológicas. Quanto
mais precoce for a intervenção, maior é a chance de
reversibilidade clínica.

QUADRO 4 Pontos de corte para sarcopenia segundo EWGSOP2

Teste Pontos de corte Pontos de corte


para homens para mulheres

Força muscular < 27 kg < 16 kg


Força de preensão palmar > 15 s > 15 s
Teste de sentar-se e levantar
da cadeira 5 vezes

Massa muscular < 20 kg < 15 kg


Esquelética apendicular < 7 kg/m2 < 6 kg/m2
Esquelética apendicular/altura
QUADRO 4 Pontos de corte para sarcopenia segundo EWGSOP2

Desempenho físico ≤ 0,8 m/s


Velocidade de marcha ≤ 8 pontos
SPPB ≤ 20 s
TUG Não completou ou
Caminhada de 400 m levou ≤ minutos para
completar

EWGSOP2: European Working Group on Sarcopenia in Older People 2; SPPB:


Short Physical Performance Battery; TUG: timed-up and go.
FIGURA 2 Algoritmo F-A-C-S para avaliação diagnóstica de sarcopenia,
segundo EWGSOP2.
BIA: bioimpedância elétrica; DXA: absorciometria de radiografia de dupla
energia; EWGSOP2: European Working Group on Sarcopenia in Older People 2; F-
A-C-S: Find-Assess-Confirm-Severity; RNM: ressonância nuclear magnética;
SPPB: Short Physical Performance Battery; TC: tomografia computadorizada;
TUG: timed-up and Go; TVM: teste de velocidade da marcha.

É importante destacar ainda que o tratamento efetivo da


sarcopenia exige uma abordagem multidisciplinar,
envolvendo outros profissionais da área da saúde, como
fisioterapeutas, educadores físicos e nutricionistas,
permitindo uma abordagem ampla do paciente e melhores
resultados terapêuticos. A educação do paciente e de seus
familiares também é um pilar importante do tratamento
para melhor adesão a longo prazo.

Tratamento não farmacológico

Atividade física: a prescrição de treinamento físico


resistido pode ser eficaz para melhora de força muscular,
massa muscular e desempenho físico em idosos
sarcopênicos e é considerada o tratamento de primeira
linha nesses pacientes. Treinamento resistido refere-se a
qualquer atividade física que provoca contração
muscular pelo uso de resistência externa, como halteres,
pesos livres, uso de bandas elásticas e o próprio peso
corporal. Na prática, deve-se prescrever exercício físico
resistido de acordo com as metas e preferências do
paciente, sob supervisão de um educador físico ou
fisioterapeuta para realização de um treinamento
individualizado.
Suplementação proteica: a prescrição de uma dieta
hiperproteica pode ser benéfica para idosos
sarcopênicos, apesar do baixo grau de evidência
científica para essa recomendação até o momento.
Apesar disso, recomenda-se considerar a suplementação
de leucina e seu derivado metabólico, o
hidroximetilbutirato (HMB). Deve-se ainda discutir com o
paciente sobre a importância de uma ingestão proteico-
calórica adequada. É importante destacar ainda que a
suplementação proteica deve ser combinada à atividade
física para melhores resultados, apesar da fraca
evidência devido à heterogeneidade dos estudos.
Suplementação de vitamina D: existem evidências
insuficientes para determinar que a suplementação de
vitamina D por si só seja eficaz em idosos sarcopênicos.
Porém, recomenda-se a suplementação de vitamina D em
idosos sarcopênicos com níveis séricos deficientes de 25-
hidroxivitamina D (< 20 ng/mL).
Suplementação de ácidos graxos ômega-3: há alguns
estudos mostrando benefício da suplementação de
ômega-3 na dose de 2 a 3 g/dia para ganho e qualidade
de massa muscular, especialmente em mulheres idosas
sarcopênicas.

Tratamento farmacológico

Intervenções farmacológicas não são recomendadas


como terapia de primeira linha para o manejo terapêutico
da sarcopenia, mas há as seguintes opções:

Hormônios anabólicos: a evidência atual é insuficiente


para recomendar o tratamento de sarcopenia com
hormônios anabolizantes, como testosterona e
moduladores seletivos do receptor androgênico.
Outras intervenções farmacológicas: não há evidências
que justifiquem o uso de medicamentos como hormônio
do crescimento (GH), anamorelina (agonista da grelina),
anticorpos contra miostatina ou actina, perindopril
(inibidor da enzima conversora de angiotensina – iECA) e
espindolol (antagonista não específico de receptores
adrenérgicos beta-1 e beta-2) na prática clínica como
tratamento de primeira linha para a sarcopenia.

SÍNDROME DA FRAGILIDADE

Definição

Há algumas décadas, o conceito de fragilidade era


restrito à funcionalidade do paciente, e eram considerados
frágeis aqueles idosos com algum grau de dependência
física ou incapacidade. Entretanto, com os avanços
científicos relacionados com o tema, esse conceito foi se
transformando ao longo do tempo, levando em
consideração os mecanismos fisiopatológicos envolvidos,
apesar de ainda ser utilizado de forma errônea.
A definição mais utilizada para síndrome da fragilidade
foi proposta em 2001 por Fried et al., que definiram essa
condição como um estado de vulnerabilidade fisiológica
relacionado com a idade, resultante de reservas
homeostáticas multissistêmicas comprometidas e de
capacidade reduzida do organismo de resistir aos
estressores. Embora existam divergências com relação aos
critérios diagnósticos dessa condição, a definição é
praticamente consensual entre os diferentes autores.
Na prática clínica, o que se observa é que idosos frágeis
são mais vulneráveis a eventos estressores, quando
comparados com aqueles não frágeis, evoluindo com perda
progressiva de funcionalidade a cada novo evento. A Figura
3 ilustra a resposta do idoso frágil a algum evento estressor
comparada com a do idoso não frágil.
Em 2013, foi publicado um consenso sobre a síndrome
da fragilidade, após uma reunião das principais autoridades
sobre o tema, com o objetivo de reavaliar sua definição e
estabelecer as prioridades de pesquisa acerca dessa
importante condição. Nesse consenso, foi definida como
uma síndrome médica, com múltiplas causas e
contribuintes, caracterizada pela diminuição da força,
resistência e função fisiológicas, que aumenta a
vulnerabilidade do indivíduo a um estado de maior
dependência, com elevado risco de morte.
FIGURA 3 Comparação entre a resposta do idoso frágil e do idoso não frágil a
algum evento estressor.
Fonte: adaptada de Clegg et al. (2013).

Independentemente do conceito utilizado, sabe-se que


idosos frágeis são grandes usuários dos serviços de saúde
por apresentarem risco maior de quedas, perda de
funcionalidade, hospitalizações, institucionalizações e
óbito. Portanto, é fundamental o entendimento dessa
condição para a identificação e intervenção precoces,
reduzindo as taxas de complicações e os custos em saúde.

Epidemiologia

Estima-se que a prevalência da síndrome da fragilidade


varie de 4 a 59% em idosos da comunidade, com
prevalência média de 9,9% de frágeis e 44,2% de pré-
frágeis. O número variado de definições operacionais e a
heterogeneidade das amostras envolvidas nos estudos
populacionais explicam a substancial diferença entre as
taxas de prevalência dessa condição na população geral.
Observa-se ainda que a prevalência da síndrome da
fragilidade aumenta substancialmente com a idade, sendo
de 4% entre 65 e 69 anos, 7% entre 70 e 74 anos, 9% entre
75 e 79 anos, 16% entre 80 e 84 anos e 26% acima de 85
anos.
No estudo Fibra, realizado no Brasil, observou-se
prevalência de frágeis de 9,1%, com elevada prevalência de
idosos pré-frágeis, 49,6%. Além disso, observou-se que os
frágeis eram mais velhos, realizavam mais consultas
médicas, tinham maior chance de internação e mais
eventos cerebrovasculares, diabetes, neoplasias,
osteoporose e incontinência fecal e urinária, o que confirma
que a presença de fragilidade implica desfechos negativos.

Fisiopatologia

A síndrome da fragilidade é uma condição clínica


caracterizada por declínio espiral de energia decorrente de
um tripé de alterações relacionadas com o envelhecimento,
composto por sarcopenia, desregulação neuroendócrina e
disfunção imunológica. A combinação dessas alterações
fisiopatológicas leva à redução acentuada da massa
muscular e a um estado inflamatório crônico que, quando
associados a algum evento estressor, como doenças agudas
ou crônicas, imobilidade e redução da ingestão alimentar,
leva a um ciclo vicioso de redução de energia e aumento da
dependência e suscetibilidade a agressores.
Essa diminuição acelerada das reservas fisiológicas do
idoso frágil acomete vários sistemas além do muscular e é
determinada por mecanismos complexos do
envelhecimento, como combinação de fatores genéticos e
ambientais com mecanismos epigenéticos que regulam a
expressão de múltiplos genes, causando danos celular e
molecular cumulativos. A Figura 4 ilustra resumidamente a
fisiopatologia da síndrome da fragilidade.

Quadro clínico e diagnóstico

A síndrome da fragilidade manifesta-se como perda de


peso significativa, fadiga, baixo nível de atividade física,
lentidão e perda de força muscular. São comuns ainda a
presença de distúrbios da marcha e equilíbrio, relato de
quedas frequentes, sintomas depressivos, redução da
massa óssea, alterações cognitivas e déficits sensoriais,
ainda que não sejam, muitas vezes, utilizados como
critérios diagnósticos.
Existem inúmeras ferramentas diagnósticas que podem
ser utilizadas para detecção de pacientes frágeis na prática
clínica, porém, até o momento, não há consenso a respeito
da melhor, que seja universalmente aceita e empregada. As
mais utilizadas estão descritas em detalhes a seguir:

Fenótipo: embora criticado por vários autores devido a


sua complexidade e dificuldade de aplicação na prática
clínica, é a ferramenta mais avaliada e aplicada
mundialmente para a detecção da síndrome da
fragilidade, especialmente em seus aspectos físicos. É
composta por cinco itens. A presença de três ou mais
critérios caracteriza o idoso como frágil, um ou dois
como pré-frágil e nenhum como não frágil. Os critérios
diagnósticos do fenótipo estão descritos no Quadro 5.
FIGURA 4 Fisiopatologia da síndrome da fragilidade.
Fonte: adaptada de Clegg et al. (2013).

QUADRO 5 Critérios diagnósticos do fenótipo

Redução da força de preensão < percentil 20 da população, corrigido por


palmar gênero e IMC.

Redução da velocidade de < percentil 20 da população, em tese de


marcha caminhada de 4,6 m, corrigido por gênero e
estatura.

Perda de peso não intencional > 4,5 kg referidos ou 5% do peso corporal, se


medido, no último ano

Sensação de exaustão Autorreferida (aplicação do questionário CES-


D)

Atividade física baixa < percentil 20 da população em kcal/semana


(versão curta do questionário Minnesota)

CES-D: Center for Epidemiological Scale – Depression; IMC: índice de massa


corporal.
Levando em conta que os itens de redução da força de
preensão manual e lentidão da marcha podem sofrer
influência de características antropométricas da população
estudada, um subprojeto do estudo Fibra mostrou que os
pontos de corte para força de preensão palmar e velocidade
de marcha na população brasileira utilizando os critérios do
fenótipo são menores do que os originais do estudo
estadunidense. Essa informação é relevante quando se usa
a escala do fenótipo para diagnóstico de síndrome da
fragilidade no Brasil porque ao utilizar os cortes originais é
possível superestimar o diagnóstico.

Escala Frail: é fácil de ser aplicada e menos complexa


que a do fenótipo, com pontuação semelhante. Vale
ressaltar que, quando comparada com a do fenótipo, tem
baixa sensibilidade e elevada especificidade, sendo uma
excelente ferramenta de triagem para utilização no
consultório. É também composta por cinco itens. A
presença de três ou mais critérios caracteriza o idoso
como frágil, um ou dois como pré-frágil e nenhum como
não frágil. Seus critérios diagnósticos estão descritos no
Quadro 6.

QUADRO 6 Critérios diagnósticos da Escala Frail

Fadiga.
Resistência (capacidade de subir um lance de escadas).
Deambulação (capacidade de andar um quarteirão).
Comorbidade (≥ doenças).
Perda de peso (> 5%).

Escala Study of Osteoporotic Fractures (SOF): outra


opção disponível para uso na prática diária, ainda mais
simples que a Frail, utiliza apenas três critérios. A
presença de dois ou mais critérios caracteriza o idoso
como frágil, um como pré-frágil e nenhum como não
frágil. O SOF prediz risco de quedas, incapacidade,
fratura e morte de forma semelhante ao instrumento do
fenótipo, tornando-se útil para identificar idosos da
comunidade com alto risco de fragilidade na prática
clínica. Os critérios diagnósticos do SOF estão descritos
no Quadro 7.
Índice de fragilidade: envolve a avaliação de múltiplos
domínios e baseia-se na detecção de déficits funcionais e
biológicos acumulados, classificando o idoso desde muito
saudável até gravemente frágil. Trata-se de um modelo
de acúmulo de déficits, no qual é contado o número de
deficiências e condições para criar um índice de
fragilidade, resumindo de forma quantitativa a
vulnerabilidade da pessoa. Alguns autores destacam a
vantagem dessa escala de quantificar o grau de
fragilidade, conforme exposto; outros a criticam por
envolver não apenas aspectos da fragilidade em si, mas
também aspectos funcionais, que fugiriam do conceito
original de fragilidade. De qualquer maneira, a
fragilidade diagnosticada tanto pelo conceito do fenótipo
quanto pelo do acúmulo de déficits é preditora de
desfechos negativos semelhantes.

QUADRO 7 Critérios diagnósticos da escala Study of Osteoporotic Fractures


(SOF)

Perda de peso de pelo menos 5% no período de 2 anos, intencional ou não.


Incapacidade de levantar-se da cadeira 5 vezes seguidas sem a ajuda das
mãos.
Resposta “NÃO” à pergunta: “Você se sente cheio de energia?” (item 13 da
escala de depressão geriátrica).

Atualmente, há ainda evidências do benefício de alguns


biomarcadores para o diagnóstico e acompanhamento da
síndrome da fragilidade. Estes pertencem a diferentes vias
e processos ligados direta ou indiretamente a inflamação,
remodelação muscular, lesão da junção neuromuscular e
sinalização do crescimento muscular. Entre os
biomarcadores inflamatórios, oito mediadores inflamatórios
circulantes parecem possuir maior associação à diminuição
de massa muscular e força e ao comprometimento da
função física em idosos: proteína C-reativa, fator
estimulante de colônias de granulócitos e monócitos (GM-
CSF, do inglês granulocyte-macrophage colony-stimulating
factor), interferon-gama, interleucinas-6 e 8,
mieloperoxidase, P-selectina e fator de necrose tumoral alfa
(TNF-alfa). Esses e outros novos biomarcadores têm
ganhado espaço nos últimos anos, porém sua utilização na
prática clínica ainda necessita de mais evidências e não se
trata do objetivo deste capítulo o detalhamento teórico de
suas aplicabilidades.

Tratamento

O padrão-ouro para o atendimento de idosos com


fragilidade é a realização de uma avaliação geriátrica
ampla (AGA). É a partir da AGA que será elaborado um
plano terapêutico multidimensional do paciente. Deve ser
realizada de preferência por uma equipe multidisciplinar
envolvendo médicos geriatras, enfermeiros, fisioterapeutas,
terapeutas ocupacionais, nutricionistas e assistentes
sociais. Essa abordagem terapêutica comprovadamente
reduz internações hospitalares e institucionalizações.
O objetivo da AGA é determinar as deficiências e
incapacidades do idoso frágil e planejar seu cuidado e
assistência a médio e longo prazos, tanto do ponto de vista
médico como do psicossocial e funcional. Por meio da AGA
é possível identificar comorbidades descompensadas com
otimização do tratamento, revisar o uso de medicamentos
inadequados aplicando os critérios STOPP/START
(instrumento de triagem para prescrições de pessoas
idosas/instrumento de triagem para alertar para o
tratamento correto) ou os critérios de Beers, identificar
déficits sensoriais e funcionais, comprometimento cognitivo
e alterações do humor, além de vulnerabilidades sociais
que podem contribuir para o processo de fragilização do
idoso. O objetivo dessa avaliação é propor um tratamento
individualizado de acordo com as necessidades de cada
paciente.
Para o tratamento da síndrome da fragilidade, aplica-se
ainda uma abordagem terapêutica semelhante à da
sarcopenia, baseada na terapia não farmacológica, com
treino físico aeróbico e resistido e dieta hiperproteica. A
atividade física parece ter um papel importante no aumento
da força muscular e melhor desempenho físico, embora não
aumente consistentemente a massa muscular em idosos
mais frágeis, sedentários e residentes na comunidade. A
combinação de vários tipos de exercício em um programa
individualizado parece ser uma boa alternativa.
A suplementação proteica tem sido recomendada como
estratégia nutricional crucial em idosos com perda de peso
associada à síndrome da fragilidade. A suplementação de
proteína pode aumentar a massa muscular, reduzir
complicações, melhorar a força de preensão palmar e
produzir ganho de peso. Recomenda-se para pessoas idosas
a ingestão de proteínas de 1,2 g/kg/dia por dieta ou
suplementação. Idosos frágeis com doenças agudas ou
crônicas precisam de ingestão de proteína ainda maior, em
torno de 1,2 a 1,5 g/kg/dia. A suplementação de
aminoácidos essenciais, como leucina (dose de 2,5 g/dia) e
beta-HMB (metabólito ativo da leucina), sozinhos ou
associados a exercício físico resistido, parecem ter algum
efeito na massa e função muscular, embora as evidências
ainda sejam limitadas.
Em suma, o tratamento da síndrome da fragilidade
baseia-se essencialmente na implementação de um plano
nutricional e de atividade física associado à intervenção
sobre problemas detectados pela AGA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sarcopenia e síndrome da fragilidade são condições de
reconhecimento relativamente recente, porém de suma
importância no cuidado à saúde do idoso. Apesar de
semelhantes em alguns aspectos, a sarcopenia refere-se à
perda de função de um sistema específico (o muscular),
enquanto a síndrome da fragilidade acomete múltiplos
sistemas, ambas levando a aumento do risco de perdas
funcionais, morbidade e mortalidade.
A dinapenia, por sua vez, refere-se exclusivamente à
perda de função neuromuscular e não é um termo
atualmente empregado na prática clínica. Pela importância
clínica dessas condições, o geriatra deve estar sempre
atento a sua presença, para diagnóstico e intervenções
precoces. O tratamento de ambas se baseia na realização
de atividade física e na intervenção nutricional. Não há
medicações disponíveis até o presente momento para o
tratamento específico dessas condições.
Para o tratamento da síndrome da fragilidade, é
essencial a aplicação da AGA, com planejamento e
implementação de uma intervenção individualizada.
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Tonturas no idoso 26

Antonio Carlos Pereira Barretto Filho

INTRODUÇÃO
A mobilidade é uma função humana básica necessária
para a independência, a interação social e a execução das
atividades da vida diária. Com o envelhecimento normal,
ocorrem apenas pequenas alterações na marcha e no
equilíbrio, que não são suficientes para afetar de maneira
significativa a mobilidade de indivíduos idosos. Entretanto,
atualmente é frequente que os idosos apresentem o que se
chama de “envelhecimento patológico”, com a presença de
doenças associadas e hábitos de vida pouco saudáveis.
Nesse caso, pode haver alterações da marcha e do
equilíbrio bastante significativas, devidas, porém, a
comorbidades e não ao envelhecimento.

DADOS EPIDEMIOLÓGICOS
A prevalência de alteração significativa na marcha e/ou
no equilíbrio em indivíduos idosos não é grande. Imagens
estereotipadas do envelhecimento utilizando como símbolo
o idoso com bengala não refletem em absoluto o que se
encontra na população em geral. A noção disseminada de
que todo idoso apresenta uma marcha peculiar e diferente
da do jovem está incorreta.
Na realidade, sabe-se que apenas um quarto dos
pacientes acima dos 65 anos de idade apresentam alguma
limitação para a execução das atividades da vida diária,
como limpar a casa, lavar roupas ou fazer compras. Mesmo
entre os pacientes acima dos 85 anos, apenas metade
apresenta alguma limitação funcional. Entretanto, um terço
dos idosos que vivem na comunidade relatam ao menos
uma queda no ano anterior, e a incidência aumenta com a
idade. Todos os anos nos EUA ocorrem 250 mil fraturas de
quadril e 10 mil mortes como resultado de quedas em
idosos.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
A mobilidade depende do bom funcionamento de três
esferas:

1. Os sensores (propriocepção, sistema vestibular e visão).


2. Integração (no sistema nervoso central – SNC).
3. Os efetores (sistema musculoesquelético).

Distúrbios da marcha e do equilíbrio podem ocorrer


devido a problemas nas três esferas ou, como é muito
comum no idoso, a uma somatória de alterações, por vezes
pequenas, em vários sistemas concomitantemente. A causa
de uma alteração na marcha e/ou no equilíbrio no idoso é
frequentemente multifatorial. Além da análise da função do
sistema nervoso central e periférico, não se deve esquecer
de avaliar a visão, cuja alteração comumente tem papel
importante nesses quadros.
O enfraquecimento do sistema efetor do movimento
(musculoesquelético), muito comum em idosos fragilizados
ou com descondicionamento físico, pode se apresentar com
alteração da marcha, mas também aparentar uma alteração
do equilíbrio, ocasionada pela falta de força muscular para
cumprir as ordens do sistema nervoso e manter a postura.
Atenção especial deve ser dada aos medicamentos em
uso. Vários deles podem diminuir a coordenação, a
cognição e/ou os reflexos posturais, afetando a marcha e o
equilíbrio (Quadro 1).

QUADRO 1 Principais medicamentos que podem afetar a marcha e o


equilíbrio

Benzodiazepínicos (especialmente os de longa duração).


Neurolépticos.
Antidepressivos tricíclicos.
Anticolinérgicos.
Anti-histamínicos.
Relaxantes musculares.
Anti-hipertensivos.
Álcool.
Anticonvulsivantes.
Opioides.
Hipoglicemiantes.
Outros hipnóticos e sedativos.

QUADRO CLÍNICO
A tontura é uma das principais queixas do idoso
ambulatorial. É a mais comum para visitas ao médico na
população acima dos 75 anos e a terceira razão mais
comum para a visita em pacientes acima dos 65 anos.
Há apenas um pequeno declínio da função vestibular
com a idade. Entretanto, há também um declínio dos
mecanismos compensatórios (principalmente dos sistemas
neuromuscular e visual e também da propriocepção), o que
deixa os idosos vulneráveis a condições de instabilidade
postural às quais uma pessoa jovem poderia facilmente se
adaptar.
Em pacientes jovens, geralmente o principal tipo de
tontura é a vertigem; em idosos, é a tontura tipo
desequilíbrio. Torna-se mais frequente em idosos a
presença de mais de um tipo de tontura, seja por
associação de doenças, seja porque a tontura leva o idoso a
limitar em demasiado suas atividades, acarretando um
quadro de desequilíbrio por descondicionamento físico.
Apesar de haver aumento da prevalência de causas
centrais de vertigem, as causas periféricas ainda são as
mais comuns no idoso – sendo a vertigem posicional
paroxística benigna (VPPB) a mais comum –, assim como no
jovem, e não a chamada “labirintite”. As causas de pré-
síncope são as mesmas, mas a prevalência de doenças
cardíacas e de hipotensão postural aumenta. Na tontura
tipo desequilíbrio do idoso surge o déficit sensorial
múltiplo, causa pouco presente em jovens e que,
juntamente com a fraqueza de membros inferiores e o uso
de medicações, constitui a maioria dos diagnósticos. As
doenças neurológicas, diferentemente do que ocorre com
os jovens, não são a causa principal de desequilíbrio no
idoso.
Independentemente do tipo de tontura no idoso, sua
causa costuma ser multifatorial. Déficits visuais são muito
comuns, e a perda de força muscular é quase regra, de
modo que tais deficiências também podem ser cofatores ou
uma das causas.
Além da possibilidade de mais de um diagnóstico como
causa principal, comumente alguma medicação em uso tem
papel causal ou é cofator na tontura. Em qualquer tipo de
tontura no idoso, as medicações e seus efeitos colaterais
têm um papel muito maior que no jovem, seja pelo maior
número de medicações em uso, seja pela maior
sensibilidade do idoso aos efeitos colaterais. Uma revisão
detalhada deve ser realizada, e medicações que possam
estar implicadas devem ter sua indicação discutida. É
comum que o idoso faça uso crônico de antivertiginosos, o
que é deletério e muitas vezes mal indicado para pacientes
que não apresentam nem nunca apresentaram vertigem. O
uso crônico de medicações sedativas é igualmente ruim, e a
consulta por queixa de tontura é um ótimo momento para
trabalhar em sua cessação, se for possível.
O sistema musculoesquelético é um órgão de choque no
idoso. O envelhecimento normal reduz a massa muscular, o
que é agravado pelo frequente sedentarismo. Pode-se dizer
que o idoso não tem reserva funcional no sistema muscular.
A maioria dos idosos normais não consegue se levantar
rapidamente de uma cadeira e o faz utilizando 100% da
capacidade muscular do quadríceps, daí a afirmação de que
a reserva é zero. Dessa forma, trabalhar para melhorar o
sistema musculoesquelético é benéfico em qualquer idoso,
sobretudo naqueles com tontura, e é um dos pilares do
tratamento do desequilíbrio no idoso.
O sistema visual é outro muito afetado em idosos e
também não se deve ao envelhecimento normal. Deve-se
testar sistematicamente a acuidade visual do idoso com
tontura e lembrá-lo da necessidade da consulta anual com o
oftalmologista. Mesmo quando o déficit visual não está
diretamente implicado na tontura, a melhora da visão
geralmente traz alívio ao quadro de tontura, por ser um dos
órgãos do sistema vestibular que mais conseguem
compensar o déficit de outros, além de contribuir
significativamente para a segurança do paciente com
tontura.
Para determinar a causa da queixa de tontura no idoso,
primeiro se deve discernir o tipo de tontura. Queixas de
tontura tipo vertigem elicitam determinada abordagem,
descrita no tópico seguinte. Se há queixa de pré-síncope
e/ou síncope, há a necessidade de uma investigação mais
detalhada se a causa não for evidente. O Quadro 2 lista
algumas das principais causas de pré-síncope no idoso.
Não havendo descrição de quadros de vertigem ou pré-
síncope, a pergunta seguinte é se a tontura afeta o
equilíbrio do paciente. Se a tontura é apenas um sintoma
referido e o equilíbrio está mantido, chama-se tontura tipo
atordoamento, cujas causas principais são psicológicas ou
psiquiátricas. Havendo sinal ou sintoma de prejuízo do
equilíbrio e não havendo vertigem ou pré-síncopes no
momento em questão, chama-se tontura tipo desequilíbrio,
o tipo mais comum de tontura no idoso, e sua abordagem é
descrita em um dos tópicos a seguir. É importante ressaltar
novamente que muitos idosos relatam mais de um tipo de
tontura, e cabe ao médico discernir separadamente se há
episódios vertiginosos, pré-sincopais ou de desequilíbrio e
abordar cada uma dessas queixas da maneira apropriada.

VERTIGEM NO IDOSO
Vertigem é a sensação de movimento ilusório, não
necessariamente rotatório, do paciente em relação ao
ambiente ou o contrário. Perguntar ao paciente se ele sente
“rodar” não é, portanto, adequado, devendo-se perguntar
se há sensação de movimento durante a tontura. Sintomas
associados, como náusea e vômitos, e sintomas
autonômicos, como sudorese fria, são indicativos de
vertigem, mesmo que o paciente não descreva sua tontura
como tal, e sugerem causa periférica, apesar de poderem
ser vistos em doenças vestibulares centrais.

QUADRO 2 Principais causas de pré-síncope no idoso

1. Doenças cardiocirculatórias: qualquer condição que reduza o débito


cardíaco, valendo destacar:
Arritmias.
Infarto agudo do miocárdio.
Tromboembolismo pulmonar.
Hipersensibilidade do seio carotídeo.
Estenose aórtica.
2. Hipotensão postural.
3. Episódio vasovagal (ou síncope neurocardiogênica).
4. Hipoglicemia.
5. Hipocapnia e hipóxia.
6. Síndrome do pânico.
7. Isquemia vertebrobasilar.
8. Convulsão.
9. Síncope da micção.

Os diagnósticos mais comuns no idoso com crises


vertiginosas são de causas periféricas: VPPB, vestibulopatia
periférica (labirintite ou neuronite) e doença de Menière. A
maioria das causas centrais de vertigem é incomum e deve
ser suspeitada quando existem sinais e sintomas
neurológicos associados, nistagmo de características
centrais ou quando há uma evolução diferente daquela
esperada nas causas periféricas.
A vertigem originária do ouvido interno frequentemente
tem início súbito. História de instalação gradual de um
quadro de vertigem direciona para o SNC. A vertigem
intermitente é típica de doenças do ouvido interno,
enquanto sintomas contínuos remetem ao SNC. Quando a
vertigem é intermitente, a duração dos episódios é
importante. Entre as causas mais comuns, a VPPB
apresenta crises de menos de 1 minuto, a doença de
Menière tem crises habituais de horas de duração e a crise
de neuronite vestibular usualmente dura dias.
Tontura ou vertigem desencadeada por movimentos da
cabeça ou do corpo, especialmente olhar para cima ou para
baixo, suscitam imediatamente a hipótese de VPPB, que
deve ser descartada com a manobra propedêutica descrita
mais adiante. Faz diagnóstico diferencial com hipotensão
postural ou tontura ortostática. É importante lembrar que
vários tipos de tontura pioram com o movimento,
independentemente da etiologia.

VERTIGEM POSICIONAL PAROXÍSTICA BENIGNA


É a causa mais comum de vertigem no idoso (e também
no adulto em geral). Seu diagnóstico e tratamento são
inteiramente realizados com manobras à beira do leito,
dispensando-se exames complementares e medicações.
A doença deve-se à presença de partículas de carbonato
de cálcio (otólitos) flutuando na endolinfa do canal
semicircular posterior, que se desprendem da mácula do
utrículo por razões desconhecidas e se depositam no canal
semicircular posterior do labirinto por ação da gravidade e
dos movimentos da cabeça. Quando o canal semicircular
posterior é ativado por movimentos da cabeça ou do corpo,
a presença dos otólitos aparentemente leva a um sinal
disfuncional que ocasiona a vertigem.
Classicamente, o paciente relata tontura ou vertigem em
crises de curta duração (menos de 1 minuto), causada por
movimentos da cabeça. Os movimentos mais comuns são
olhar para cima, abaixar-se e rolar na cama. O quadro tem
início súbito, e as primeiras crises costumam ser
acompanhadas de náuseas, vômitos, quedas e grande
incapacitação. Com a evolução, os movimentos são
instintivamente evitados e há habituação, com diminuição
progressiva dos sintomas. Sem tratamento, o quadro
costuma ser autolimitado (provavelmente por habituação
neurológica, mesmo com os otólitos presentes), com
duração de semanas a mais de 1 ano. A grande limitação
dos movimentos da cabeça ou o uso de antivertiginosos
pode levar à perpetuação da doença.
O diagnóstico pode ser realizado com a manobra de Dix-
Hallpike (Figura 1).
Existem várias manobras para o tratamento da VPPB. A
mais aceita e utilizada é a manobra de Epley (Figura 2), por
ter substrato fisiopatológico. Ela é chamada de manobra de
reposição canalicular por perfazer a rotação equivalente ao
canal semicircular posterior, jogando os otólitos de volta ao
utrículo. Pacientes com doença cervical avançada ou com
obstrução carotídea e/ou vertebrobasilar importante têm
contraindicação relativa para a realização da manobra. Os
idosos em geral, exceto nos casos supracitados, conseguem
realizar as manobras e respondem ao tratamento como os
jovens.
FIGURA 1 Manobra de Dix-Hallpike. A manobra é positiva quando o paciente
descreve tontura (que pode ser rotatória ou não), iniciada após uma latência de
1 a 5 segundos da manobra (tontura imediatamente após a manobra deve ser
avaliada com maior profundidade) e que tenha duração de 10 a 40 segundos.
FIGURA 2 Manobra de Epley. Esta manobra parte da posição de cabeça
pendente obtida após a manobra de Dix-Hallpike, com a cabeça virada para o
lado afetado e a ser tratado. Deve-se esperar a cessação da vertigem ou
nistagmo antes de começar. A manobra consiste em rodar a cabeça do paciente
lentamente para o outro lado, perfazendo 225 graus, até o nariz do paciente
apontar para o chão.

VESTIBULOPATIA PERIFÉRICA (LABIRINTITE VIRAL


AGUDA E NEURONITE VESTIBULAR)
É a correta denominação da condição chamada de
“labirintite” pelos leigos e infelizmente também por
membros da classe médica. Várias condições, como a VPPB
e a doença de Menière, acabam sendo englobadas na
denominação pouco precisa de “labirintite”, o que deve ser
combatido. Denomina-se vestibulopatia periférica um
conjunto de condições de evolução geralmente benigna,
cuja fisiopatologia ainda é bastante discutida. O
diagnóstico de vestibulopatia periférica é baseado em
sinais e sintomas clínicos típicos, porém não
patognomônicos. No seguimento do caso, é importante
considerar causas centrais e progressivas de vertigem.
O quadro típico é o aparecimento súbito e espontâneo
de vertigem moderada ou severa. Como todo quadro de
vertigem intensa e de início súbito, costuma ser
acompanhado de náuseas e vômitos. A vertigem piora com
mudanças de posição da cabeça e do corpo, como ocorre
geralmente com outros tipos de vertigem. A crise mais
intensa de vertigem dura tipicamente alguns dias, e a
vertigem cessa totalmente em até 6 semanas. O nistagmo
pode ainda ser demonstrado por meses, sobretudo por
meio da eletronistagmografia.
Não há tratamento específico. Os pacientes devem ser
orientados de que os sintomas mais intensos duram alguns
dias e a vertigem cessa em 4 a 6 semanas, e devem ajustar
suas atividades à intensidade dos sintomas. Muitos
pacientes necessitam de repouso no leito nos primeiros
dias para controle sintomático, e o médico deve estimular o
retorno às atividades assim que possível, com medicação
sintomática se necessário.
O uso de medicações antivertiginosas geralmente é
indicado, mas não é necessário em todos os casos. As
medicações são somente sintomáticas e podem até
atrapalhar a recuperação do paciente, pois inibem a
compensação vestibular, que leva à remissão dos sintomas.
No ato da prescrição, o paciente deve ser orientado de que
o uso deve ser limitado a poucos dias e de que o uso
crônico apresenta riscos.
DOENÇA DE MENIÈRE
A doença de Menière é caracterizada por crises de
vertigem classicamente acompanhadas de hipoacusia
flutuante, zumbido e plenitude auricular (sensação de
“ouvido entupido”). Entretanto, não é incomum que a
tétrade clássica de sintomas não esteja toda presente. A
crise dura de minutos a 1 hora (às vezes algumas horas),
geralmente com nistagmo espontâneo presente ao exame.
Acredita-se que os sintomas se devam a uma hidropsia
endolinfática, ou seja, a um excesso de fluido endolinfático
na cóclea e no labirinto, com consequente aumento da
pressão no sistema endolinfático. Isso leva aos três
sintomas que geralmente antecedem a vertigem. É
provável que a vertigem se deva a um vazamento súbito de
endolinfa, que cede após a normalização da pressão e a
cicatrização. A evolução da doença pode levar a hipoacusia
e zumbido fora das crises por lesão neurossensorial. Os
sintomas são unilaterais na maioria dos casos. A vertigem
pode ser acompanhada de náuseas e vômitos,
principalmente nos primeiros episódios.
A audiometria, exame muito importante na suspeita
dessa doença, demonstra perda neurossensorial
predominante nas frequências mais baixas (o contrário da
presbiacusia ou hipoacusia por exposição a ruído, nas quais
há perda em frequências mais altas). Essa alteração
começa nos estágios mais iniciais da doença, mas pode não
ser encontrada na época da primeira crise.
O tratamento clássico envolve dieta e uso de diuréticos,
tipicamente hidroclorotiazida, na dose de 25 a 50 mg/dia,
além de antivertiginosos ou antieméticos nas crises. Se o
paciente tiver outra condição clínica, como hipertensão
arterial, trocar o tratamento para tiazídico, diante da
suspeita de Menière, pode solucionar o problema. Dieta
hipossódica pode ser o tratamento em casos leves. O
tratamento é mais bem conduzido por um
otorrinolaringologista, que, além de confirmar o
diagnóstico, pode oferecer tratamento cirúrgico para os
casos mais severos ou refratários a tratamento clínico.

DESEQUILÍBRIO NO IDOSO
Desequilíbrio é a sensação de perda do equilíbrio sem a
sensação de movimento ilusório (chamada vertigem) ou a
iminência de perda da consciência (chamada pré-síncope).
É o tipo mais comum de tontura nos idosos. Tipicamente,
os pacientes não relatam sintomas quando sentados ou
deitados, mas sentem-se desequilibrados ao levantar ou
andar. Casos graves podem gerar sintomas com o paciente
sentado, ou seja, dificuldade de se equilibrar sentado em
uma cadeira.
O desequilíbrio usualmente se instala quando há
disfunção da integração entre os dados gerados pelos
órgãos sensoriais envolvidos no equilíbrio e o sistema
efetor musculoesquelético. Os órgãos sensoriais principais
são os órgãos do ouvido interno, a visão e o sistema
proprioceptivo. É importante ressaltar que frequentemente
a visão ou a propriocepção têm um papel mais importante
no quadro do idoso do que os labirintos. Muitos casos
prontamente nomeados de “labirintite” têm seu principal
fator causal centrado no sistema visual ou proprioceptor,
na integração realizada pelo SNC ou no sistema
musculoesquelético.
Doenças neurológicas, juntamente com medicações, são
as principais causas de desequilíbrio em pacientes jovens.
No idoso, o diagnóstico mais importante é o déficit
sensorial múltiplo, e a fraqueza de membros inferiores
pode ser a causa ou estar associada a ela. Como esse
paciente geralmente utiliza mais de uma medicação, uma
delas pode ser a causa ou um cofator.
O déficit sensorial múltiplo pode incluir baixa acuidade
visual, descondicionamento físico com pobre controle
postural, uso de medicações, doença da coluna cervical,
hipofunção vestibular uni ou bilateral e neuropatia
periférica leve, entre outros. O tratamento consiste em
identificar e corrigir as alterações passíveis de intervenção.
A correção da visão é muito importante, pois o sistema
visual consegue compensar significativamente déficits em
outros sistemas. Fisioterapia ou atividade física devem ser
indicadas para melhora da força muscular e da
coordenação. Os medicamentos em uso devem ser revistos,
e aqueles não essenciais devem ser retirados ou ter sua
dose reduzida quando possível.
Fraqueza muscular suficiente para causar desequilíbrio
pode decorrer apenas de descondicionamento físico em
pacientes idosos. Perda significativa da força muscular
necessária para realizar uma tarefa rotineira pode ocorrer
após poucos meses do abandono dessa tarefa. Essa é uma
complicação comum do idoso com tontura de qualquer tipo,
que limita suas atividades por medo de cair ou receio dos
familiares de que o idoso sofra quedas e acaba agravando
ou associando o desequilíbrio à queixa de tontura.
Pacientes com história de limitação das atividades
diárias anterior ao início do quadro de desequilíbrio podem
ter o descondicionamento físico como cofator ou até mesmo
causa principal do sintoma e podem ser orientados a fazer
caminhadas ou a retomar suas atividades como parte do
tratamento. É importante explicar para o paciente que a
obtenção do recondicionamento geralmente demora
semanas ou meses.

DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES


Havendo alteração do equilíbrio, primeiro se deve
verificar se há crises de vertigem e/ou de pré-síncope.
Crises vertiginosas geralmente decorrem de causas
periféricas, mas não devem ser esquecidas as causas
centrais, mais raras, porém mais graves. As principais
causas de vertigem no idoso são VPPB, doença de Menière
e neuronite vestibular (ou “labirintite”), e o primeiro passo
na diferenciação é verificar a duração das crises de
vertigem, respectivamente, de poucos minutos, poucas
horas e várias horas ou dias. A investigação de pré-síncope
é a mesma de síncope, sendo a maioria dos diagnósticos
uma condição cardiovascular que reduza o débito cardíaco.
Havendo desequilíbrio (que pode coexistir com crises de
vertigem ou pré-síncope, que também precisam ser
diagnosticadas), o diagnóstico é frequentemente
multifatorial. Doenças neurológicas podem ser uma das
causas. Outras causas associadas incluem baixa acuidade
visual, descondicionamento físico com pobre controle
postural por fraqueza muscular e uso de medicações.
Em toda consulta, se possível, deve ser perguntado
explicitamente ao paciente se ele sofreu quedas. Os
pacientes idosos costumam omitir a ocorrência de quedas,
ora devido à percepção de que quedas são “normais” na
terceira idade, ora por medo de parecerem mais frágeis ou
mais doentes. Os pacientes também podem temer que os
familiares limitem suas atividades ao saber que estão
caindo.
EXAME FÍSICO
O exame físico deve incluir medida da acuidade visual
(que pode ser obtida com cartazes padronizados), exame
neurológico e exame das articulações em busca de
alterações e limitações. O exame neurológico deve incluir o
teste de Romberg e a busca ativa de sinais de
parkinsonismo e de alterações cerebelares. A força
muscular deve ser testada. Deve incluir também um exame
da marcha.
A busca por hipotensão postural deve ser realizada com
o paciente previamente deitado por alguns minutos,
medindo-se a pressão arterial, o que é feito novamente
após 3 minutos em pé. Uma queda de pelo menos 20 mmHg
na pressão sistólica ou de 10 mmHg na pressão diastólica é
considerada hipotensão postural.

TRATAMENTO
Uma vez identificadas as causas para alteração do
equilíbrio ou quedas do paciente, o tratamento é
direcionado às causas. O tratamento das causas específicas
é abordado nos respectivos tópicos. Além disso, algumas
medidas gerais se aplicam à maioria dos casos:

Readequar os medicamentos em uso: medicamentos são


uma causa ou cofator comum de distúrbios da
mobilidade em idosos (Quadro 1). Se presentes, devem
ser retirados ou ter suas doses reduzidas.
Identificar e tratar a hipotensão postural.
Identificar baixa acuidade visual e tratá-la ou
encaminhar ao oftalmologista para avaliação.
Indicar um programa de exercícios, se possível sob
orientação, para melhora da força muscular e do
equilíbrio. Exercícios resistidos (musculação), ginástica
para terceira idade e Tai Chi Chuan são boas opções. Os
casos mais leves podem ser orientados para caminhadas
de pelo menos 30 minutos quase todos os dias ou
hidroginástica. Os casos mais severos necessitam de
fisioterapia.
Rastrear osteoporose e déficit de vitamina D e tratar, se
necessário. A reposição de vitamina D é indicada se a
dosagem de 25-hidrocolecalciferol for menor que 50
nmol/L. Além de reduzir o risco de fraturas, essa
providência melhora a força muscular e o equilíbrio.

Essas medidas gerais, mesmo que não corrijam a causa


principal do distúrbio de marcha e/ou equilíbrio do idoso,
podem por si sós resolver o problema ao restituir ao idoso
mecanismos compensatórios eficientes, como visão e força
muscular, e eliminar cofatores que aumentam a magnitude
do problema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O prognóstico do idoso com queixa de tontura é variável,
dependendo das doenças ou condições causadoras. Muitas
causas dispõem de tratamento adequado, ainda que
parcial, e outras são irreversíveis, principalmente doenças
neurológicas. Entretanto, a atuação nos mecanismos
compensatórios traz resultados na maioria dos casos.
Trabalhar para melhorar a visão e a força muscular dos
pacientes em geral diminui ou até elimina o problema,
mesmo sem a solução da causa de base. O mesmo ocorre
quando as medicações em uso são revistas. Reduzindo-se
os riscos ambientais, as quedas podem ser diminuídas
significativamente ou até eliminadas.
Alterações do equilíbrio são comuns na terceira idade,
mas não são parte do envelhecimento normal. A maioria
dos idosos não tem alterações notáveis do equilíbrio. Um
terço dos idosos vivendo em comunidade sofreram queda
no ano anterior. Muitos não relatam a queda
espontaneamente, por isso se deve perguntar sempre. O
principal tipo de tontura no idoso é o desequilíbrio, que é
multifatorial.
As causas mais comuns de vertigem no idoso são VPPB e
doença de Menière, seguidas pela vestibulopatia periférica
(“labirintite”). Deve-se atentar para o diagnóstico das duas
primeiras e questionar o excesso de diagnósticos de
“labirintite”. Na abordagem do idoso com alteração do
equilíbrio e/ou quedas, é importante:

Rever as medicações em uso e remover ou reduzir a dose


das medicações inadequadas.
Realizar exame neurológico em busca de alterações da
marcha, do equilíbrio e da força muscular, doença de
Parkinson e doenças cerebelares.
Questionar a possibilidade de síncopes associadas a
quedas.
Avaliar a acuidade visual e tratá-la se necessário.
Buscar ativamente a presença de hipotensão postural e
tratá-la.
Identificar riscos ambientais e eliminá-los.
Indicar um programa de atividade física.
Rastrear osteoporose e déficit de vitamina D.
Orientar o uso de calçados adequados.
Indicar bengalas ou andadores se necessário.
Além de tratar as causas imediatas, atuar nas causas
secundárias e nos mecanismos compensatórios traz bons
resultados na maioria dos casos.

BIBLIOGRAFIA
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1985;1(3):501-12.
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SEÇÃO V

Neoplasias, doenças hematológicas,


endocrinológicas e geniturinárias no idoso
Câncer de mama: screening e tratamento 27

Diocésio Alves Pinto de Andrade


Paulo Henrique Aires de Freitas

INTRODUÇÃO
O câncer de mama é o tumor mais frequente no sexo
feminino, excluindo os tumores de pele não melanoma.
Dados norte-americanos de epidemiologia do câncer
(Surveillance, Epidemiology, and End Results Program –
SEER) apontam para mais de 278 mil casos novos de
câncer de mama nos EUA em 2022, sendo que a
mortalidade no mesmo período ultrapassa 43 mil casos. No
Brasil, os dados epidemiológicos de câncer são fornecidos
pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e apontam que,
para o triênio 2023-2025, o número de casos novos de
câncer de mama feminino previsto é de 74 mil por ano, o
que corresponde a 10,5% de todos os tumores malignos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) distingue a
definição de idoso de acordo com o nível socioeconômico de
cada população. Nos países desenvolvidos, consideram-se
idosas todas as pessoas acima de 65 anos, sendo que a
faixa etária considerada nos países em desenvolvimento é
de 60 anos. Assim como a tendência mundial das últimas
décadas, a expectativa de vida do brasileiro também está
em crescimento. No início do século XXI, a expectativa de
mulher brasileira estava entre 73 e 74 anos, e dados
projetados para 2050 apontam que essa expectativa
ultrapassará os 80 anos. Com isso, é esperado que o
número de casos novos de câncer de maneira geral e, por
conseguinte, de mama aumente exponencialmente nos
próximos anos, visto que um dos principais fatores de risco
para o desenvolvimento de qualquer câncer é a idade.

AVALIAÇÃO DO IDOSO COM CÂNCER


Apesar da definição cronológica de idoso pela OMS, a
avaliação clínica desse paciente é muito mais importante
para a definição de seu estado geral e de possível
tratamento oncológico a que possa ser submetido. Deve-se
levar em conta vários fatores, a saber:

Função cognitiva.
Presença e grau de gravidade de suas comorbidades.
Estado emocional e nutricional.
Nível de dependência cotidiana.
presença de síndrome geriátricas.
Uso de fármacos.
Condições socioeconômicas.

Existem inúmeras ferramentas e nomogramas que


podem ser utilizados para predizer a condição clínica do
paciente. Entre os mais utilizados estão a Avaliação
Geriátrica Integral (CGA, Comprehensive Geriatric
Assessment) e o Índice de Charlson. Além disso, o
oncologista avaliará fatores específicos relacionados com o
paciente e a doença que ele apresenta:
Risco de morte pelo câncer (estadiamento e grau de
diferenciação do tumor).
Risco de morte por outras causas (comorbidades).
Potenciais efeitos adversos do tratamento.
Preferência do paciente e familiares.

A Sociedade Internacional de Oncogeriatria (SIOG),


considerando esse cenário, categorizou os idosos com
câncer em quatro grupos quanto ao risco-benefício de
receber um tratamento oncológico:

1. Saudáveis: sem comorbidades sérias, funcionalmente


independentes, sem desnutrição, aptos a receber
tratamento oncológico.
2. Vulneráveis: dependentes em uma ou mais atividades da
vida diária, presença de uma comorbidade não
controlada, risco de desnutrição, presença de problemas
geriátricos reversíveis, aptos a receber tratamento
oncológico após resolução dos problemas geriátricos.
3. Frágeis: dependentes em uma ou mais atividade da vida
diária, presença de uma ou mais comorbidades não
controladas, desnutrição grave, presença de problemas
geriátricos irreversíveis, aptos a receber tratamento
oncológico adaptado após intervenção geriátrica.
4. Graves: condições precárias de saúde, combinações de
múltiplas deficiências, a serem encaminhados a
cuidados paliativos exclusivos.

CÂNCER DE MAMA: CARCINOGÊNESE E SCREENING


O principal fator de risco para o desenvolvimento do
câncer de mama é ser mulher, lembrando que 1% dos
tumores acontecem no sexo masculino. Em seguida, o fator
de risco mais importante é a idade: 75 a 80% dos casos
ocorre acima dos 50 anos. Outros fatores de risco estão
associados a hábitos de vida (sedentarismo, obesidade,
consumo de álcool), exposição aumentada ao estrógeno
(menarca precoce, menopausa tardia, nuliparidade,
primeira gestação após 35 anos, terapia de reposição
hormonal – TRH – na menopausa) e fatores genéticos
(mutação do gene BRCA-1 e/ou BRCA-2). Existem alguns
fatores de proteção ao desenvolvimento do câncer de mama
(mastectomia profilática, atividade física regular, uso de
tamoxifeno quando do diagnóstico de carcinoma ductal in
situ), porém o maior impacto em sua prevenção é a
realização de screening anual com mamografia a partir dos
40 anos, a chamada prevenção secundária.
Com o envelhecimento da população, o questionamento
que ainda persiste é até quando realizar esse rastreamento.
Ainda não há consenso a respeito do término da prevenção
secundária do câncer de mama em idosas. Está
comprovado que até os 70 anos esse rastreamento deve ser
realizado. A partir da oitava década de vida, as sociedades
de oncologia e mastologia espalhadas por diversos países
levam em consideração a expectativa de vida da paciente.
Consideram que mulheres apresentando expectativa de
vida acima de 7 anos devem prosseguir seu rastreamento
mamográfico anual, visto que este impactaria a sobrevida
dessas pacientes.

TRATAMENTO DO CÂNCER DE MAMA EM IDOSAS


Historicamente, as pacientes idosas com diagnóstico de
câncer de mama têm suprimido o tratamento standard
devido a sua idade cronológica. Um estudo de 2003
mostrou que mulheres com câncer de mama acima de 80
anos que não receberam o tratamento ideal tiveram uma
sobrevida global mediana muito aquém daquelas que
puderam receber o tratamento padrão. Comparado com o
tratamento padrão (cirurgia conservadora seguida de
radioterapia), que atingiu sobrevida câncer-específica em 5
anos de 90%, as pacientes que receberam outras
modalidades de tratamento apresentaram taxa de
sobrevida câncer-específica variando de 42 a 82% (Tabela
1).
Um segundo estudo populacional norte-americano
(SEER database), com mais de 49 mil mulheres
diagnosticadas com câncer de mama e idade superior a 67
anos, em estágio precoce (I ou II), avaliou as características
anatomopatológicas, o tratamento recebido e a sobrevida
apresentada por essa população. O estudo demonstrou que,
quanto mais idosa a paciente, menor é o esforço
terapêutico implementado, quer cirúrgico, quer de
tratamento complementar de quimioterapia, impactando a
sobrevida global (Tabela 2 e Figura 1).

TABELA 1 Sobrevida de câncer específica em 5 anos de acordo com


tratamento terapêutico recebido por pacientes com câncer de mama acima de
80 anos

Tipo de tratamento (N) Sobrevida câncer-específica em 5


anos (%)

Cirurgia conservadora – terapia 90


adjuvante (57)

Mastectomia (55) 82

Cirurgia conservadora (28) 63

Mastectomia – terapia adjuvante (78) 62

Tamoxifeno (132) 51

Nenhum tratamento (48) 46


TABELA 1 Sobrevida de câncer específica em 5 anos de acordo com
tratamento terapêutico recebido por pacientes com câncer de mama acima de
80 anos

Miscelânea (9) 42

TABELA 2 Características clínicas e patológicas de pacientes com câncer de


mama inicial (estágios I e II) de acordo com a faixa etária

Grupos por faixa etária (anos)

Características 67-69 70-74 75-79 80-84 85-89 ≥ 90 P


(%) (%) (%) (%) (%) (%)

Nenhum 11 15,3 21,1 34,1 50,1 71,5 <


linfonodo 0,001
examinado

Nenhum 68,4 64,9 60,5 49,3 35,9 16,8 <


linfonodo 0,001
positivo

Morte por 8,2 7,8 7,8 9,1 11,1 15,3 <


câncer de mama 0,001

Morte por outra 14,1 19,5 27,5 40,7 53,9 67,4 <
causa 00,001

FIGURA 1 Quimioterapia adjuvante em pacientes linfonodo-positivos e com


receptores hormonais positivos por faixa etária.
Tratamento cirúrgico

A avaliação da técnica cirúrgica empregada em


pacientes idosas também é motivo de controvérsias,
normalmente realizando cirurgias menos extensas
conforme a idade da paciente aumenta. Relacionados
especificamente com a abordagem axilar ou não das
pacientes idosas, dois estudos demonstraram que não há
diferença em termos de sobrevida global quando a paciente
se apresenta clinicamente com a axila negativa.
O primeiro estudo avaliou 671 pacientes com mais de 70
anos, das quais 499 não foram submetidas a dissecção
linfonodal axilar. A mortalidade câncer-específica foi
idêntica em ambos os grupos (14% no grupo sem dissecção
linfonodal versus 13,6% no grupo com dissecção
linfonodal), porém com maior taxa de recidiva axilar no
grupo que não realizou dissecção linfonodal (5,8% versus
0%).
O segundo estudo, em 473 pacientes com idade mediana
de 74 anos, também avaliou a qualidade de vida e a
sobrevida global e livre de doença de quem se submeteu ou
não ao esvaziamento axilar. A sobrevida global e livre de
doença foi idêntica em ambos os grupos, sendo que o grupo
não submetido a esvaziamento axilar apresentou menos
efeitos colaterais e melhor qualidade de vida por meio de
questionários próprios para essa mensuração.

Radioterapia

O tratamento de radioterapia no câncer de mama passou


a ter um significado muito importante desde a descoberta
da desnecessidade de cirurgias mutiladoras, como as
mastectomias radicais que não preservam os músculos
peitorais. Estudos demonstraram que a realização de
quadrantectomia seguida de radioterapia adjuvante não
impactava na sobrevida das pacientes quando comparada
às mastectomias supracitadas.
Em pacientes idosas acima de 70 anos, um grande
estudo publicado em 2004, com mais de 600 pacientes com
câncer de mama inicial que realizaram apenas
quadrantectomia, avaliou se era possível omitir a
radioterapia adjuvante. A população do estudo foi
extremamente selecionada, pois os tumores tinham menos
de 2 cm de diâmetro e todas as pacientes eram receptoras
hormonais positivas. O braço standard recebeu tamoxifeno
por 5 anos, associado a radioterapia adjuvante, e o braço
experimental, apenas tamoxifeno pelo mesmo período. Os
resultados demonstraram que a sobrevida global de ambos
os grupos em 5 anos foi idêntica (87% versus 86%), porém
com discreto aumento em termos de recorrência
locorregional para pacientes que não receberam
radioterapia (4% versus 1%). Desconsiderando essa
população extremamente selecionada do estudo
previamente descrito, a radioterapia deve ser sempre
indicada para todas as pacientes idosas que tenham
condições clínicas para recebê-la e pode ser omitida se a
expectativa de vida da paciente for menor do que 5 anos.

Quimioterapia

A definição de um tratamento quimioterápico em


qualquer que seja o tumor avaliado acontece após a
realização de estudos clínicos, em que o melhor tratamento
até então será comparado com o tratamento novo em
estudo. Quando se avalia a população que normalmente
participa desses estudos, vê-se que apenas 8% são idosos
(acima de 65 anos) e apenas 2% têm mais de 70 anos.
Vários estudos demonstraram que a paciente idosa com
câncer de mama tem os mesmos benefícios que uma
paciente jovem em termos de resposta e/ou sobrevida,
porém à custa de maior toxicidade. Um estudo
retrospectivo publicado em 2005 avaliou se havia diferença
entre as populações jovem e idosa (< e ≥ 65 anos) de um
pool de pacientes de 4 grandes trials previamente
publicados (CALGB7581, CALGB8082, CALGB8541 e
CALGB9344) com diferentes regimes de quimioterapia em
termos de sobrevida livre de progressão, sobrevida global e
mortalidade relacionada com o tratamento. O estudo
mostrou que os fatores de proteção (menor tamanho do
tumor, menor número de linfonodos comprometidos, uso de
quimioterapia adjuvante e tamoxifeno) independem da
idade da paciente, beneficiando tanto as pacientes jovens
quanto as idosas. Há apenas maior toxicidade discreta para
as pacientes idosas, que são manejáveis por uma equipe
multidisciplinar bem-preparada.
Devido ao potencial de toxicidade dos regimes clássicos
de quimioterapia para o tratamento do câncer de mama no
idoso (antracíclicos e taxanos), um estudo publicado em
2009 avaliou se a capecitabina traria resultados não
inferiores em termos de sobrevida global e livre de
recidiva. Foram randomizadas 633 pacientes com mais de
65 anos e diagnóstico de câncer de mama (65% delas com
mais de 70 anos) para receberem o tratamento standard de
quimioterapia em um braço e a capecitabina no braço
experimental. O estudo mostrou que o uso de capecitabina
aumenta em 2 vezes o risco de recidiva em pacientes com
receptores hormonais positivos e em 3 vezes em pacientes
triplo-negativas. A sobrevida global em 3 anos foi de 91%
para as pacientes do braço que recebeu tratamento padrão
e de 86% para as pacientes que receberam capecitabina.
O tratamento de câncer de mama Her-2-positivo utiliza
duas moléculas com potencial de cardiotoxicidade:
trastuzumabe e pertuzumabe. Não há estudos específicos
para pacientes idosas com esse perfil, porém dois estudos
menores tentaram avaliar o perfil de tolerância dessas
pacientes com esses medicamentos. O primeiro estudo foi
uma análise de subgrupo do estudo Cleopatra, que mostrou
que o duplo bloqueio (trastuzumabe + pertuzumabe) era
melhor do que o bloqueio único (trastuzumabe). Essa
análise de subgrupo avaliou os resultados das 127
pacientes com mais de 65 anos que participaram do estudo
pivotal previamente descrito (total de 808 pacientes). Os
resultados encontrados mostraram que as pacientes idosas
tiveram maior sobrevida global recebendo duplo bloqueio
quando comparado com as pacientes abaixo dos 65 anos
(21,6 meses versus 17,2 meses), porém à custa de maior
toxicidade (gastrointestinal, fadiga, astenia, vômitos e
disgeusia).
Um segundo estudo retrospectivo avaliou os principais
fatores de risco para pacientes idosas que utilizaram
trastuzumabe durante o tratamento para câncer de mama.
De um banco de dados com mais de 9 mil pacientes, 2.200
que receberam trastuzumabe foram avaliadas, sendo que a
média de idade delas era de 71 anos. Foram encontrados
quatro fatores de risco que aumentam a chance de uma
paciente desenvolver insuficiência cardíaca congestiva
(ICC) utilizando trastuzumabe:

1. Idade maior do que 80 anos.


2. História prévia de doença coronariana e hipertensão
arterial.
3. Uso prévio de antracíclicos.
4. Administração semanal de trastuzumabe.
Haveria assim alguns fatores preditores para evitar o
desenvolvimento de ICC em pacientes idosas com câncer
de mama Her-2-positivo.
Mais recentemente, foram aprovados novos tratamentos
para o câncer de mama Her-2-positivo – tucatinibe, T-DM1
e trastuzumabe-deruxtecana. Esses agentes são eficazes na
população idosa, porém apresentam maior toxicidade,
principalmente cardíaca e diarreia.
O trastuzumabe-deruxtecana também foi aprovado para
pacientes com baixa expressão de Her-2. A pneumonite
relacionada a essa droga ocorre em cerca de 15% dos
pacientes e pode ser fatal. É necessária uma vigilância
rigorosa para o diagnóstico precoce e o tratamento desse
efeito adverso grave.
A associação de quimioterapia com imunoterapia com
inibidores de checkpoint contra o receptor de morte celular
programada (PD-1) e o ligante de morte celular
programada (PD-L-1) foi mais recentemente implementada
no tratamento de pacientes com câncer de mama triplo
negativo com doença localmente avançada e metastática.
Ainda não existem estudos específicos para população
idosa com câncer de mama triplo negativo, porém estudos
utilizando inibidores de checkpoint na população idosa com
outros tipos de câncer demonstram benefícios e efeitos
colaterais semelhantes quando comparados à população
mais jovem. Porém individualmente, o efeito do estado
funcional ruim e comorbidades devem ser considerados.

Tratamento endócrino (hormonioterapia)

A hormonioterapia para o tratamento de câncer de


mama com expressão de receptores hormonais está bem
estabelecida nos cenários adjuvante, neoadjuvante,
metastático e na hormonioterapia primária. O benefício da
hormonioterapia adjuvante é muito claro, porém a adesão
ao tratamento é um grande desafio. Quanto maior a adesão,
melhor o desfecho clínico. Apesar disso, a taxa de adesão
ao tratamento avaliada por diversos estudos varia de 20 a
60%. Acompanhar essas pacientes e conseguir aumentar
sua adesão ao tratamento deve ser objetivo tanto dos
oncologistas quanto dos geriatras assistentes.
No cenário neoadjuvante, o uso de hormonioterapia é
uma opção segura para pacientes com câncer de mama
com expressão de receptores hormonais inicialmente
inoperáveis. O padrão é utilizar inibidores de aromatase
(anastrozol, letrozol ou exemestano), pois estudos já
demonstraram sua superioridade em relação ao uso de
tamoxifeno.
A hormonioterapia primária ocorre quando se utiliza o
tratamento endócrino em pacientes não metastáticas de
forma definitiva em detrimento do tratamento cirúrgico.
Essa abordagem é particularmente útil em pacientes com
contraindicação ao tratamento cirúrgico ou muito idosas.
Essa conduta é embasada por estudo que não demonstrou
diferença de sobrevida global em pacientes que receberam
cirurgia, cirurgia e tamoxifeno ou apenas tamoxifeno.
No cenário metastático, o padrão atual é o uso de
inibidores de aromatase ou fulvestranto associados aos
inibidores de CDK4/6. Os três inibidores de CDK4/6,
palbociclibe, ribociclibe e abemaciclibe, são tratamentos
eficazes e toleráveis em idosos. Uma análise agrupada do
FDA de três ensaios clínicos randomizados de diferentes
inibidores de CDK4/6 combinados com inibidores de
aromatase para o tratamento de primeira linha de mulheres
na pós-menopausa com câncer de mama metastático
positivo para receptor hormonal foi realizada para avaliar o
efeito da idade nos resultados do tratamento e toxicidades.
Pacientes com 75 anos ou mais (n = 198) tratados com um
inibidor de CDK4/6 e um inibidor de aromatase tiveram
sobrevida livre de progressão mediana de 31,1 meses em
comparação com 13,7 meses para pacientes tratados
apenas com inibidor de aromatase. A incidência de eventos
adversos de graus 3 e 4 foi de 88,8% em pacientes com 75
anos ou mais, em comparação com 73,4% em pacientes
mais jovens. Os eventos adversos mais comuns em
pacientes ≥ 70 anos foram fadiga, lesão renal aguda e
neutropenia. Assim, é necessário acompanhamento
rigoroso das pacientes que realizam esse tipo de
tratamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pacientes idosas com diagnóstico de câncer de mama,
sobretudo aquelas com mais de 75 anos, devem sempre
passar em avaliação com um geriatra (se possível
oncogeriatra), a fim de ter uma boa avaliação clínica que
permita realizar o melhor tratamento oncológico
disponível. Deve-se considerar não mais sua idade
cronológica, mas sua funcionalidade, utilizando as diversas
ferramentas disponíveis no momento.
O screening com mamografia anual deve ser realizado
independentemente da idade da paciente, levando em
consideração sua expectativa de vida. O ideal é
interromper a realização da mamografia quando a
expectativa de vida for menor do que 7 anos, sempre
discutindo com a paciente e familiares as decisões
tomadas.
Com relação ao tratamento oncológico geral,
independentemente se cirurgia, radioterapia e/ou
quimioterapia, nenhum dos tratamentos deve ser suprimido
da paciente considerando apenas a idade cronológica.
Vários estudos demonstraram que há um prejuízo em
termos de sobrevida global e sobrevida livre de progressão
se os tratamentos não forem realizados. Deve-se ficar
atento, pois a paciente idosa com câncer de mama é mais
frágil quando comparada com outra de menor idade;
porém, os efeitos colaterais (cirúrgicos, radioterapêuticos e
sobretudo quimioterápicos) podem ser manejados por
equipes multidisciplinares, minimizando o risco de
subtratamento e piores desfechos câncer-específicos.
Os novos agentes no tratamento sistêmico do câncer de
mama (inibidores de CDK4/6, inibidores de checkpoint
imune e terapia alvo anti-Her-2) mostram eficácia similar
na população idosa quando comparada à população jovem,
porém aumento da toxicidade principalmente quando
avaliados fora de contexto de estudo clínico. Assim, é
indispensável o acompanhamento rigoroso dessas
pacientes ao utilizar esses novos medicamentos.

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Câncer de cólon 28

Maria Laura Lazaretti Perini

INTRODUÇÃO
No Brasil, segundo os dados do Instituto Nacional do Câncer
(INCA), o câncer colorretal é a segunda neoplasia maligna mais
incidente em homens (perde para câncer de próstata) e em
mulheres (perde para o câncer de mama), excluindo o câncer de
pele não melanoma. Estima-se, para cada ano do triênio de
2020-2022, 20.520 casos de câncer colorretal em homens, e
20.470 casos em mulheres. Esses valores correspondem a um
risco estimado de 19,63 casos novos a cada 100 mil homens e
19,03 casos para cada 100 mil mulheres. Trata-se de um câncer
passível de tratamento, e com alta chance de cura se
diagnosticado precocemente, entretanto, a demora no
diagnóstico o torna responsável pela terceira causa de
mortalidade por câncer.

AVALIAÇÃO DO IDOSO COM CÂNCER


Aproximadamente 54% dos novos casos e 70% da
mortalidade por câncer ocorrem em pacientes ≥ 65 anos de
idade. Apesar da alta incidência de câncer nessa população, há
poucas diretrizes que abordam a avaliação e o tratamento do
paciente idoso oncológico.
Pacientes idosos são menos propensos a receber tratamento
oncológico padrão em comparação aos indivíduos mais jovens.
As possíveis razões para essa prática incluem preocupações com
o aumento da toxicidade, causas concomitantes de morbidade e
mortalidade, falta de acesso aos cuidados de saúde e preferência
do médico ou do paciente. Por outro lado, sabemos que a idade
cronológica não fornece informações suficientes das pessoas
idosas para ser usada como fator preditor de tolerância ao
tratamento isolado, devido à grande heterogeneidade desse
grupo.
Sabemos ainda que as escalas utilizadas por oncologistas
para avaliação prognóstica Karnofsky [KPS] ou Eastern
Cooperative Oncology Group [ECOG], não são suficientes para
avaliar com precisão a funcionalidade de idosos previamente ao
tratamento oncológico. Assim, os principais consensos da
American Society of Clinical Oncology (ASCO), da European
Society for Medical Oncology (ESMO), da National
Comprehensive Cancer Network (NCCN) e da International
Society for Geriatric Oncology (SIOG) recomendam que pessoas
com idade ≥ 65 anos devam passar por avaliação geriátrica
(AGA) antes de iniciar o tratamento oncológico.
A AGA demanda tempo, recursos humanos especializados e
muitas vezes é mal remunerada, dificultando a utilização dessa
avaliação em muitos sistemas de saúde. Assim, para auxiliar os
oncologistas na triagem de fragilidade dos idosos, algumas
ferramentas estão sendo usadas, como Vulnerable Elders
Survey-13 (VES-13) e a ferramenta francesa G8, esta última já
com validação em nosso país (Apêndices A e B,
respectivamente).
Todos os pacientes idosos frágeis ou pré-frágeis avaliados
pelos instrumentos citados deveriam ser encaminhados ao
geriatra antes de iniciar o tratamento oncológico, visando
identificar fatores de risco e gerar intervenções para melhorar o
prognóstico ao longo do tratamento oncológico.
Por meio da AGA o geriatra consegue auxiliar o oncologista a:
Detectar problemas que não são encontrados pela história e
pelo exame físico na avaliação inicial do oncologista.
Auxiliar nas decisões de tratamento do câncer, usando para
isso ferramentas de toxicidade oncológica como Carg
Chemotherapy Toxicity Tool e Chemotherapy Risk Assessment
Scale for High-Age Patients (CRASH) Score.
Avaliar a sobrevida livre de doença oncológica por meio do e-
Prognosis.
Prever complicações e efeitos colaterais do tratamento, bem
como o declínio funcional do paciente.
Melhorar a saúde mental, o status nutricional, o controle
álgico e a qualidade de vida do paciente.
Identificar e tratar novas comorbidades durante o
acompanhamento.

FATORES DE RISCO
O principal fator de risco para o câncer colorretal (CCR) é a
idade; 70% dos casos envolvem pacientes acima de 65 anos.
Entre outros fatores de risco, podemos citar: obesidade,
sedentarismo, tabagismo prolongado, alto consumo de carne
vermelha ou processada, baixa ingesta de cálcio, consumo
excessivo de álcool e alimentação pobre em frutas e fibras.
Existem fatores de origem hereditária que aumentam o risco,
como: histórico familiar de câncer colorretal e/ou pólipos
adenomatosos, algumas condições genéticas, como a polipose
adenomatosa familiar e o câncer colorretal hereditário sem
polipose, histórico de doença inflamatória intestinal crônica
(retocolite ulcerativa ou doença de Crohn) e diabetes tipo 2; e
ainda fatores como a exposição ocupacional à radiação
ionizante.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Para reduzir a morbimortalidade, é importante o diagnóstico
precoce das lesões, com aumento na taxa de sobrevida em 5
anos para cerca de 90% e isso é possível por meio do rastreio de
câncer colorretal.

Indicação de rastreio do câncer colorretal

Em pessoas com risco médio de CCR, a American Cancer


Society recomenda iniciar o rastreio aos 45 anos e mantê-lo
regularmente até os 75, desde que apresente expectativa de vida
superior a 10 anos (o e-Prognosis é um instrumento que nos
auxilia nesse cálculo).
Para pessoas de 76-85 anos, a decisão de fazer o rastreio
deve ser baseada nas preferências da pessoa, expectativa de
vida, saúde geral e histórico de exames anteriores.
Pessoas com mais de 85 anos não devem mais fazer o
rastreamento do câncer colorretal.

Quem são as pessoas consideradas de risco médio para câncer


colorretal?

Indivíduos que não tenham:

História pessoal de câncer colorretal ou certos tipos de


pólipos.
História familiar de câncer colorretal.
História pessoal de doença inflamatória intestinal (retocolite
ulcerativa ou doença de Crohn).
Síndrome de câncer colorretal hereditário confirmado ou
suspeito, como polipose adenomatosa familiar (FAP), síndrome
de Lynch (câncer de cólon hereditário sem polipose ou
HNPCC), Turcot, Peutz-Jeghers e síndrome de polipose
associada a MUTYH.
História pessoal de irradiação para o abdome ou pelve para
tratamento de câncer anterior.
Nestes casos o rastreio deve ser iniciado antes dos 45 anos e
com maior frequência por serem considerados grupo de alto
risco para CCR.

Opções para o rastreio de câncer colorretal

Teste imunoquímico fecal altamente sensível (FIT) anual.


Teste de sangue oculto nas fezes altamente sensível à base de
guaiaco (gFOBT) anual.
Teste de DNA de fezes multidirecionado (mt-sDNA) a cada 3
anos.
Colonoscopia virtual a cada 5 anos.
Sigmoidoscopia flexível a cada 5 anos.
Colonoscopia a cada 10 anos (considerada padrão-ouro, pois
permite a visualização de lesões sincrônicas, e a ressecção da
lesão suspeita).

Se optado por exame de rastreio que não seja a colonoscopia,


e este apresentar resultado alterado, é indicada a realização de
colonoscopia em momento oportuno.

Apresentação clínica do câncer colorretal

Sintomas e/ou sinais suspeitos.


Indivíduos assintomáticos que diagnosticam em exame de
screening de rotina.
Apresentação em emergências com obstrução intestinal,
peritonite ou, raramente, sangramento gastrointestinal agudo.
FIGURA 1 Algoritmo para diagnóstico do câncer de cólon localizado.
CCR: câncer colorretal.

Quais são os sintomas/sinais associados ao câncer colorretal?

Mudança no hábito intestinal (diarreia, constipação,


afilamento das fezes com duração maior que alguns dias).
Tenesmo (sensação de necessidade de evacuar que não
melhora com evacuação).
Sangramento retal ou sangramento nas fezes (hematoquezia,
melena).
Dor abdominal.
Anemia ferropriva inexplicada.
Massa palpável no reto ou no abdome.
Fraqueza e fadiga.
Perda de peso não intencional.
Distensão abdominal, náuseas e vômitos são indicadores de
obstrução intestinal.

Diante da suspeita de CCR, tão importante quanto a história


clínica e o exame físico é a realização de um exame proctológico
(toque retal).
ESTADIAMENTO
O diagnóstico definitivo é realizado por meio do
anatomopatológico.
Após o diagnóstico deve-se solicitar:

Exames laboratoriais (hemograma, coagulograma, função


hepática e renal, albumina, além do marcador tumoral
antígeno carcinoembriogênico – CEA).
Exames de imagens seccionais – tomografia computadorizada
ou ressonância magnética de abdome e pelve; raio X ou
tomografia computadorizada (TC) de tórax (preferencialmente
TC para tumor retal) para completar o estadiamento e auxiliar
na decisão terapêutica.
PET scan é utilizado para casos selecionados, como
planejamento de ressecção de metástase hepática ou
investigação de elevação de marcadores com TC normais.

Utilizamos o sistema TNM do American Joint Committee on


Cancer (AJCC) para estadiamento do câncer colorretal, em que
T se refere ao tamanho do tumor, N ao número de linfonodos
acometidos e M à presença de metástase a distância.
O Quadro 1 mostra esse estadiamento.
Comorbidade, dependência funcional e idade avançada estão
associadas à mortalidade pós-operatória precoce em pacientes
com neoplasias gastrointestinais.
A Sociedade Internacional de Oncologia Geriátrica (SIOG)
recomenda que os pacientes com CCR maiores de 65 anos sejam
avaliados quanto aos efeitos colaterais fisiológicos mais comuns
do envelhecimento, capacidade física, mental e suporte social, a
fim de ajustar a opção terapêutica e evitar toxicidades
desnecessárias.

TRATAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL NO IDOSO


Atualmente, a maioria dos pacientes com estádio I ou II é
tratada e curada com a cirurgia. O tratamento com
quimioterapia adjuvante é reservado para pacientes com estádio
II alto risco de recorrência e estádio III.
São considerado pacientes estádio II de alto risco: tumor pT4,
menos de 12 linfonodos ressecados, obstrução ou perfuração
intestinal, tumores pouco diferenciados, invasão perineural e/ou
linfovascular, sendo CEA elevado no pré-operatório uma
indicação controversa. Pacientes com proficiência de genes de
reparo, por apresentarem melhor prognóstico e menor ou
ausência de benefício à quimioterapia com fluoropirimidinas
isoladas, em geral são apenas seguidos.
O tratamento-padrão para pacientes com CCR em estádio II
de alto risco e III é a cirurgia seguida por quimioterapia
adjuvante, enquanto para aqueles pacientes com CCR
metastático a quimioterapia sistêmica isolada ou em combinação
com terapia-alvo é geralmente o tratamento de escolha.

QUADRO 1 Estadiamento de acordo com a AJCC 8ª edição

T – Tumor primário.
Tx: Tumor primário não pode ser acessado.
T0: Sem evidência de tumor primário.
Tis: Carcinoma in situ, carcinoma intramucosa.
T1: Tumor invade a submucosa.
T2: Tumor invade a muscular própria.
T3: Tumor atravessa a muscular própria, atingindo tecidos pericólicos.
T4:
a Tumor invade o peritônio visceral.
b Tumor invade outros órgãos ou estruturas adjacentes e/ou perfura o peritônio
visceral.
QUADRO 1 Estadiamento de acordo com a AJCC 8ª edição

N – Linfonodos.
Nx: Linfonodos regionais não podem ser avaliados.
N0: Ausência de metástases em linfonodos regionais.
N1: Metástase em 1 a 3 linfonodos regionais:
a Metástase em 1 linfonodos regional.
b Metástase em 2-3 linfonodos regionais.
c Depósitos tumorais na subserosa mesentérica ou em tecidos pericólicos ou
perirretais não peritonizados sem a presença de metástases linfonodais.
N2: Metástase em 4 ou mais linfonodos regionais:
a Metástase em 4-6 linfonodos regionais.
b Metástase em 7 ou mais linfonodos regionais.

M – Metástases a distância.
M0: Ausência de metástases a distância.
M1: Presença de metástase a distância:
a Metástase confinada a um órgão ou sítio (p. ex., fígado, pulmão, ovário, linfonodo
não regional).
b Metástases em mais de um órgão ou sítio.
c Metástases na superfície peritoneal isolada, ou acompanhada de metástase em
outros órgãos ou sítios.

Estádio I: T1N0M0 E T2N0M0.


Estádio II:
a: T3N0M0.
b: T4aN0M0.
c: T4bN0M0.
Estádio III:
a: T1N1M0, T2N1M0, T1N2aM0.
b: T3N1M0, T4aN1M0, T2N2aM0, T3N2aM0, T1N2bM0, T2N2bM0.
c: T4aN2aM0, T3N2bM0, T4aN2bM0, T4bN1M0, T4bN2M0.
Estádio IV:
a: qqTqqNM1a.
b: qqTqqNM1b.
c: qqTqqNM1c.

AJCC: American Joint Committee on Cancer.


Fonte: AJCC (2017-2018).

Os quimioterápicos utilizados no tratamento do câncer de


cólon são:

Fluoropirimidinas (5-FU, que é intravenoso, e a capecitabina,


seu equivalente oral, que não pode ser utilizada se ClCr < 30,
deve ser ajustada para a função renal, e apresenta interação
medicamentosa com dicumarínicos. Ambos podem provocar
vasoespasmo coronariano, mais frequentemente em pacientes
com coronariopatia descompensada).
Irinotecano.
Oxaliplatina (tem como efeito colateral a neuropatia periférica
sensitiva, e possui uso questionável em > 70 anos).

Entre os anticorpos monoclonais utilizados no tratamento,


estão:

Bevacizumabe (aumenta o risco de trombose arterial em


maiores de 65 anos, e é contraindicado se hipertensão severa
não controlada, história de infarto agudo do miocárdio e
acidente vascular cerebral em menos de 12 meses ou história
de doença tromboembólica arterial). Pacientes com trombose
venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar, sem
instabilidades após 3 meses de anticoagulação e sem
intercorrências de sangramento, podem ser considerados para
o uso.
Cetuximabe.
Panitunumabe.

Para pacientes com câncer retal, o tratamento pode envolver


apenas cirurgia, tratamento pré-operatório com radioterapia de
curta duração, quimiorradioterapia, quimioterapia sistêmica
seguido de quimiorradioterapia. Após a cirurgia, segue-se
discussão de quimioterapia adjuvante para os casos que não
utilizaram na neoadjuvância.

QUIMIOTERAPIA ADJUVANTE
Tem como objetivo erradicar micrometástases, diminuir o
risco de recidivas e melhorar a sobrevida global.

Estádio II com alto risco de recorrência e proficiência de


genes de reparo: a recomendação é de fluoropirimidina
adjuvante (5-FU com leucovorin (LCV), 5-FU infusional ou
capecitabina por 6 meses), com melhora comprovada na
sobrevida global pelo estudo Quasar. A capecitabina é um
equivalente oral ao 5-FU, com melhora na sobrevida
comprovada pelo estudo X-ACT, porém que precisa ter a
toxicidade avaliada conforme função renal.
Estádio III, quimioterapia adjuvante com fluoropirimidinas e
oxaliplatina por 6 meses mostrou ter o mesmo impacto na
redução de risco e na sobrevida global em todas as faixas
etárias, com toxicidade aceitável em maiores de 70 anos
(pacientes de baixo risco – pT3pN1 – podem ser tratados com
3 meses de CAPOX como alternativa aos 6 meses baseado em
estudo de não inferioridade). A adição de oxaliplatina a esse
esquema causou aumento de sobrevida livre de progressão de
doença e de sobrevida global, conforme demonstrado pelo
estudo MOSAIC, NSABP C-07, e XELOXA. Assim, o tratamento
padrão adjuvante para maiores de 70 anos, e expectativa de
vida média de pelo menos 5 anos, estádio III, é 5-FU/LCV ou
capecitabina, devendo a oxaliplatina ser discutida conforme
status, performance e alto risco.

O algoritmo apresentado na Figura 2, publicado pela


American Society of Clinical Oncoloy em 2013, permite avaliar a
melhor terapia adjuvante ao perfil do idoso conforme sua
funcionalidade e expectativa de vida.

DOENÇA METASTÁTICA
Nos pacientes idosos com estádio IV, o tratamento é
geralmente paliativo, com o objetivo de melhorar a qualidade
de vida, sendo utilizadas as novas classes quimioterápicas, os
anticorpos monoclonais e o inibidor oral de multiquinase
regorafenib. As opções mais utilizadas são o Folfox (5-FU/LCV
e oxaliplatina) e o Folfiri (5-FU/LCV e irinotecano), tendo
como opção o XELOX (capecitabina e oxaliplatina). A adição
do anticorpo monoclonal anti-VEGF, bevacizumabe em idosos,
parece ter o mesmo benefício encontrado na população mais
jovem; cetuximabe e panitunumabe podem ser incorporados à
quimioterapia se RAS selvagem e BRAF selvagem. Em caso de
metástase exclusivamente hepática, os pacientes podem ser
cirurgicamente curados.
Mais recentemente, os inibidores de checkpoint imunológico,
como pembrolizumabe, foi aprovado como primeira linha
metastática em pacientes com instabilidade microssatélites,
no estudo de fase III Keynote-177.

FIGURA 2 Algoritmo para tratamento adjuvante em idosos com câncer colorretal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de o câncer colorretal ser a segunda neoplasia
maligna mais incidente em homens e mulheres, e de a idade ser
o principal fator de risco, o diagnóstico precoce aumenta a taxa
de sobrevida consideravelmente. O geriatra pode auxiliar o
oncologista desde o diagnóstico precoce quando exames de
rastreio são indicados, até a tomada de decisão do tratamento
oncológico, além do acompanhamento da saúde mental, status
nutricional, controle álgico, melhorando o prognóstico e a
qualidade de vida do paciente idoso.

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APÊNDICES

Apêndice A – versão final do VES-13

PONTUAÇÃO: 1 ponto para idade 75-84


1. Idade 3 pontos para idade ≥ 85

2. Em geral, comparando com outras pessoas de sua idade, você diria que a sua saúde
é:

Ruim* (1 PONTO) PONTUAÇÃO: 1 ponto para regular ou ruim


Regular* (1 PONTO)
Boa
Muito boa ou
Excelente

3. Em média, quanta dificuldade você tem para fazer as seguintes atividades físicas:

Nenhuma Pouca Média Muita Incapaz


dificuldade dificuldade dificuldade dificuldade* de
fazer*

Curvar-se, agachar [ ] [] [] [ ]* [ ]*
ou ajoelhar-se

Levantar ou [] [] [] [ ]* [ ]*
carregar objetos
com peso
aproximado de 5
kg?

Elevar ou estender [ ] [] [] [ ]* [ ]*
os braços acima
do nível do ombro?

Escrever ou [] [] [] [ ]* [ ]*
manusear e
segurar pequenos
objetos?

Andar 400 m [] [] [] [ ]* [ ]*
(aproximadamente
4 quarteirões)?

Fazer serviço [] [] [] [ ]* [ ]*
doméstico pesado
como esfregar o
chão ou limpar
janelas?
PONTUAÇÃO: 1 ponto para cada resposta
“muita dificuldade” ou “incapaz de fazer” nas
questões 3a até 3f. Considerar no máximo 2
pontos.

4. Por causa de sua saúde ou condição física, você tem alguma dificuldade para:
a. fazer compras de itens pessoais (como produtos de higiene pessoal ou
medicamentos)?
[ ] SIM → Você recebe ajuda para fazer compras? [ ] SIM* [ ] NÃO

[ ] NÃO

[ ] NÃO FAÇO COMPRAS → isso acontece por causa de sua [ ] SIM* [ ] NÃO
saúde?
b. lidar com dinheiro (como controlar suas despesas ou pagar contas)?
[ ] SIM → Você recebe ajuda para lidar com dinheiro? [ ] SIM* [ ] NÃO

[ ] NÃO

[ ] NÃO LIDO COM DINHEIRO → isso acontece por causa de [ ] SIM* [ ] NÃO
sua saúde?
c. atravessar o quarto andando? É PERMITIDO O USO DE BENGALA OU ANDADOR.
[ ] SIM → Você recebe ajuda para andar? [ ] SIM* [ ] NÃO

[ ] NÃO

[ ] NÃO ANDO → isso acontece por causa de sua saúde? [ ] SIM* [ ] NÃO
d. realizar tarefas domésticas leves (como lavar louça ou fazer limpeza leve)?
[ ] SIM → Você recebe ajuda para tarefas domésticas leves? [ ] SIM* [ ] NÃO

[ ] NÃO

[ ] NÃO FAÇO TAREFAS DOMÉSTICAS LEVES → isso acontece [ ] SIM* [ ] NÃO


por causa de sua saúde?
e. tomar banho de chuveiro ou banheira?
[ ] SIM → Você recebe ajuda para tomar banho de chuveiro [ ] SIM* [ ] NÃO
ou banheira?

[ ] NÃO

[ ] NÃO TOMO BANHO DE CHUVEIRO OU BANHEIRA → Isso [ ] SIM* [ ] NÃO


acontece por causa da sua saúde?

CLASSIFICAÇÃO FINAL: PONTUAÇÃO: considerar 4 pontos


para uma mais respostas “sim” nas
Não vulnerável = questões 4a até 4e.
pontuação ≤ 3
Vulnerável = pontuação
≥3
Apêndice B: Escala G8 de fragilidade

Itens Escore

1 Nos últimos três meses houve diminuição da ingesta


alimentar devido a perda do apetite, problemas
digestivos ou dificuldade para mastigar ou deglutir?

Diminuição severa da ingesta 0


Diminuição moderada da ingesta 1
Sem diminuição da ingesta 2

2 Perda de peso nos últimos 3 meses

> 3 kg 0
Paciente não sabe informar 1
1-3 kg 2
Sem perda de peso 3

3 Mobilidade

Restrito ao leito ou à cadeira de rodas 0


Deambula mas não é capaz de sair de casa 1
Normal 2

4 Problemas neuropsicológicos

Demência ou depressão graves 0


Demência ou depressão leves 1
Sem problemas psicológicos 2

5 Índice de massa corporal (IMC) = peso em kg (estatura


em m2)

< 18,5 0
18,5 ≥ IMC < 21 1
21 ≥ IMC < 23 2
≥ 23 3

6 Utiliza mais de três medicamentos diferentes por dia

Sim 0
Não 1

7 Em comparação a outras pessoas da mesma idade, como


o paciente considera a sua saúde?

Pior 0
Paciente não soube informar 0.5
Igual 1
Melhor 2
8 Idade (anos)

> 85 0
80-85 1
< 80 2

Total ___/17
A pontuação total é a soma dos escores em cada um dos 8 itens.
Um escore total ≤ 14 é considerado normal.
Doenças da próstata 29

Flavio Eduardo Trigo Rocha


Valmir Machado de Melo Filho

INTRODUÇÃO
Até poucos anos, homens com idade superior a 40 anos
que apresentavam sintomas urinários recebiam o
diagnóstico de prostatismo. Tratava-se de denominação
inapropriada, já que os sintomas muitas vezes não estavam
relacionados com problemas na próstata. Assim, o termo foi
gradualmente substituído por “sintomas do trato urinário
inferior” (LUTS, lower urinary tract symptoms). Estão
incluídos variados sintomas que são divididos em três
categorias pela International Continence Society (ICS)
(Quadro 1):

1. Armazenamento.
2. Esvaziamento.
3. Pós-miccionais.

Esses sintomas podem ter diferentes etiologias,


incluindo doenças que acometem primariamente bexiga,
próstata, uretra ou outros órgãos. Dentre as condições
clínicas mais comuns que levam ao aparecimento de LUTS,
destacam-se hiperplasia prostática benigna, infecções do
trato urinário, estreitamento uretral, síndrome da bexiga
hiperativa, doenças neurológicas e outras.
Os LUTS podem trazer sérios incômodos para os
pacientes e acarretar significativo impacto negativo na
capacidade de trabalho, qualidade de vida, atividades
sociais e vida sexual. Além de seu impacto nos indivíduos,
podem resultar em efeitos econômicos para a sociedade.
Constrangimento, preocupações com o custo de exames e
tratamentos ou a crença de que LUTS são uma
consequência inevitável do envelhecimento ou
consequência natural de ter tido filhos (no caso de
mulheres não nulíparas) podem ser obstáculos que
impedem os portadores de LUTS de procurarem um médico
ou de falarem com ele sobre seus sintomas. Assim, é muito
importante conhecer a extensão e o impacto desse
problema e garantir que os indivíduos afetados sejam
adequadamente tratados.

QUADRO 1 Sintomas do trato urinário inferior

Armazenamento Esvaziamento Pós-miccionais

Urgência Hesitação Sensação de


esvaziamento incompleto

Frequência Jato fraco Gotejamento pós-


miccional

Noctúria Intermitência

Urgeincontinência aos Desconforto/disúria


esforços

Gotejamento terminal

No Brasil, um estudo recentemente publicado com mais


de 5 mil indivíduos acima de 40 anos avaliou pela primeira
vez a prevalência de LUTS na população geral de 5 grandes
cidades representativas das 5 áreas geográficas do país:

1. Porto Alegre (Sul).


2. São Paulo (Sudeste).
3. Goiânia (Centro-Oeste).
4. Recife (Nordeste).
5. Belém (Norte).

O estudo demonstrou alta prevalência de LUTS: 69% em


homens e 82% em mulheres. Mesmo quando se usou uma
definição mais restrita de forma a considerar sintomáticos
somente os indivíduos que referissem sintomas em pelo
menos metade das vezes, 40% dos homens e 59% das
mulheres foram considerados sintomáticos. A prevalência
de LUTS tende a aumentar com a idade para ambos os
gêneros (Figura 1).
Tanto para homens quanto para mulheres, os principais
sintomas de esvaziamento são jato fraco (18,9 e 15,9%) e
gotejamento terminal (25,2 e 17,7%); as queixas mais
comuns de armazenamento são frequência miccional (27,7
e 32,3%) e noctúria (27,1 e 32,4%). Os sintomas pós-
miccionais diferem, pois o gotejamento pós-miccional é o
mais prevalente nos homens (17,2%) e o esvaziamento
incompleto (13,8%), nas mulheres. Quando considerada a
definição mais restritiva (sintomas ocorrendo em pelo
menos metade das vezes), as características permanecem
semelhantes para homens e mulheres.
O estudo mostrou também que, independentemente do
gênero, os sintomas não costumam aparecer isoladamente.
Isto é, na maior parte dos indivíduos com LUTS é comum a
coexistência de sintomas de armazenamento, esvaziamento
e pós-miccionais. A importância dessa informação é que,
diante de paciente com queixas do trato urinário, não se
deve concentrar a avaliação somente nos sintomas de
dificuldade de esvaziamento ou nos de armazenamento, já
que a maioria dos pacientes apresenta sintomas mistos.

FIGURA 1 Distribuição da prevalência de LUTS por gênero e idade. Prevalência


de LUTS conforme os sintomas ocorrem em menos ou mais da metade do tempo
(A) ou em mais da metade do tempo (B).
LUTS: sintomas do trato urinário inferior (LUTS, lower urinary tract symptoms).

Embora não se deva considerá-la a única causadora de


sintomas miccionais, a próstata é uma das principais
envolvidas na gênese dos sintomas miccionais nos homens,
daí a importância de sua avaliação e distinção entre as
possíveis patologias.

HIPERPLASIA PROSTÁTICA BENIGNA


A hiperplasia prostática benigna (HPB) é um distúrbio
proliferativo dos componentes estromais e, em menor
proporção, das células epiteliais da próstata, muito comum
em homens acima de 50 anos. A parte da próstata mais
afetada é a zona de transição, onde aparecem nódulos na
região periuretral; por esse motivo anatômico, está
diretamente associada a alterações miccionais.
A HPB pode ser assintomática, e há pouca correlação
entre sintomas e a presença de aumento prostático ao
exame físico ou no ultrassom. Os sintomas surgem em uma
fase mais avançada da HPB, prejudicam a qualidade de
vida e levam o paciente a procurar tratamento;
normalmente os sintomas de armazenamento costumam
incomodar mais que os de esvaziamento. Trata-se de uma
afecção progressiva em que os fatores hormonais e o
avançar da idade influenciam de maneira significativa. A
HPB em sua fase inicial não manifesta sintomas no trato
urinário inferior, mas sua progressão pode levar à
obstrução de saída de urina e subsequente hipertrofia da
parede da bexiga, culminando com retenção urinária
aguda, infecção recorrente do trato urinário, cálculos
vesicais, divertículo vesical, hematúria, incontinência
paradoxal e insuficiência renal crônica. No entanto, a HPB
não é fator de risco para neoplasia de próstata.
A prevalência das alterações histológicas está
diretamente relacionada com a idade, chegando a 50% aos
60 anos; em levantamento realizado por meio de necropsias
chega a corresponder a 90% na oitava década de vida.
Consequentemente, os sintomas urinários também pioram
em pessoas mais idosas. Os itens necessários na avaliação
de pessoas com HPB são:
História clínica: parte mais importante da avaliação,
permitindo caracterizar os tipos de sintomas, frequência
e comprometimento da qualidade de vida, além de breve
investigação neurológica e identificação de fatores de
risco, uso de medicamentos e história de tabagismo.
Exame físico: avaliar abdome, pelve e períneo, realizar
avaliação sensitiva e motora de pelve e membros
inferiores, procurar evidências de manipulações prévias
(cicatrizes), assim como a realização do toque retal com
caracterização da próstata (tamanho, presença de
nódulos, consistência).
Questionários de sintomas: International Prostate
Symptom Score (IPSS) para planejar e acompanhar o
tratamento tanto medicamentoso quanto cirúrgico.
Diário miccional: caracteriza a hora e o volume
urinário de cada micção. É recomendado principalmente
para os pacientes nos quais a noctúria é o principal
sintoma predominante. O diário deve ser preenchido por
3 dias consecutivos e permite confirmar as queixas do
paciente. Por essa ferramenta é possível identificar, por
exemplo, a poliúria e a poliúria noturna (volume urinário
noturno maior que 1/3 do total diário), sendo nesta
última importante a investigação de causas secundárias.
Exames laboratoriais: o principal exame inicial a ser
realizado em todos os pacientes é a urina tipo I, com o
propósito de identificar piúria, glicosúria, proteinúria,
cetonúria ou bacteriúria como sinal de outros
diagnósticos alternativos. A urocultura é indicada apenas
se sintomas sugestivos de infecção urinária, como
disúria. Ureia e creatinina séricas devem ser solicitados
quando há suspeita de comprometimento da função
renal, sendo necessária ultrassonografia (US) de rins e
vias urinárias em caso de alteração para avaliação de
hidronefrose secundária. A dosagem de antígeno
prostático específico (PSA) não auxilia no diagnóstico da
HPB, mas serve como parâmetro no tratamento quando
há a proposta de uso de um inibidor da 5-alfarredutase,
visto que a medicação leva a uma redução dos valores de
PSA. No entanto, o exame é um indicativo de volume
prostático, mas não se correlaciona com a intensidade
dos sintomas.
Medida de resíduo pós-miccional: todos os pacientes
com sintomas de HPB devem ter avaliada a medida do
resíduo urinário após a micção. O mesmo pode ser
avaliado por meio de US de rins e vias urinárias com
avaliação da bexiga após a micção, ou cateterização após
uma micção espontânea. Apesar de em homens normais
o resíduo ser inferior a 12 mL, valores de resíduo
miccional preocupam apenas a partir de 250 mL.
Imagem da próstata: a US prostática não é necessária
para o diagnóstico de HPB e deve ser solicitada apenas
quando o tratamento a ser proposto depender do
tamanho prostático (inibidores de 5-alfarredutase ou
terapias cirúrgicas).
Estudos de fluxo e pressão: fluxometria livre e estudo
urodinâmico (extremos de idade > 80 anos e < 50 anos,
próstatas pequenas < 30 g, pacientes com resíduo
elevado > 300 mL e esvaziamento < 150 mL ou
refratariedade ao tratamento clínico-cirúrgico).
Cistoscopia: indicada apenas se história sugestiva de
estenose de canal uretral.

Tratamento

A depender dos sintomas, o tratamento das queixas


miccionais causadas pelo aumento da próstata pode seguir
pelos três caminhos descritos a seguir.

Mudança do estilo de vida


As modificações do estilo de vida são a primeira linha de
tratamento para os pacientes com HPB e consistem em:

Redução da ingesta hídrica antes de dormir e antes de


viagens.
Redução de consumo de diuréticos, como álcool e café.
Redução do consumo de substâncias irritantes vesicais.
Evitar a constipação.
Controle de peso.
Micção programada: consiste no paciente urinar com
uma frequência determinada independentemente da
vontade de urinar, principalmente naqueles indivíduos
com grande quantidade de resíduo pós-miccional.
Urinar duas vezes seguidas no caso de indivíduos com
muitos sintomas obstrutivos.

Tratamento medicamentoso
Nos casos em que as mudanças de estilo de vida não são
suficientes, o tratamento deve ser discutido
individualmente com o paciente, expondo os prós e contras
de cada terapêutica. Normalmente, o tratamento
medicamentoso é preferido, deixando as abordagens
cirúrgicas para quadros refratários, no entanto as
mudanças de estilo de vida devem ser sempre mantidas. A
resposta entre o início do tratamento medicamentoso e a
melhora dos sintomas depende do medicamento escolhido.
É importante estar atento também a outras medicações
que podem piorar os sintomas do HPB. A multimorbidade e
a polifarmácia estão comumente presentes nesses
pacientes. Diuréticos e medicamentos anticolinérgicos
costumam piorar os sintomas de LUTS, assim como outros
vasodilatadores podem intensificar os efeitos colaterais das
medicações utilizadas no tratamento da HPB.
Os principais medicamentos para auxílio no alívio dos
sintomas da HPB são os alfabloqueadores e os inibidores da
fosfodiesterase.
Alfabloqueadores: costumam ser os agentes
farmacológicos iniciais nos pacientes com HPB, e seus
efeitos costumam ser percebidos em alguns dias. O
medicamento age relaxando a musculatura lisa da uretra
prostática e do colo vesical e diminui a resistência do trato
urinário inferior. Tontura e congestão nasal são os efeitos
adversos mais comuns, assim como a hipotensão postural,
percebida principalmente entre os alfabloqueadores menos
seletivos e com mais efeitos sistêmicos, como a doxazosina.
Já os mais seletivos da próstata, como a tansulosina,
causam menos hipotensão postural, porém estão mais
associados a distúrbios ejaculatórios, como a ejaculação
retrógrada e a anejaculação. Devido ao efeito hipotensor,
recomenda-se seu uso à noite, antes de dormir, e em idosos
essa introdução deve ser feita com reavaliação precoce,
dado o aumento do risco de quedas associado.
Inibidores da fosfodiesterase: costumam ser os
agentes de escolha em indivíduos com sintomas de HPB
associados a disfunção erétil. Estudos demonstraram
melhora dos sintomas de LUTS com a medicação. Os
principais efeitos adversos são cefaleia, pletora, congestão
nasal, sinusite, mialgia e dispepsia. Não há benefício em
associar os inibidores da fosfodiesterase com os
alfabloqueadores. A tadalafila 5 mg ao dia é o principal
inibidor da fosfodiesterase utilizado no tratamento da HPB.
Agonistas beta-3 e antimuscarínicos: por vezes, o
aumento do volume prostático e a consequente obstrução
podem ocasionar modificação da estrutura detrusora,
gerando contrações não inibidas, que levam à
preponderância dos sintomas de armazenamento e
urgência. A inibição dos receptores muscarínicos ou o
estímulo dos receptores adrenérgicos beta-3 impedem a
contração exagerada, controlando o componente vesical do
LUTS.
A mirabegrona é a principal representante dos agonistas
de beta-3, e na população idosa é o medicamento de
escolha diante do seu perfil com poucos efeitos adversos
(aumento pressórico). Já os antimuscarínicos levam a boca
seca, aumento do risco de quedas e piora cognitiva, e tem
seu uso restrito a indivíduos com sintomas irritativos mas
sem resíduo pós-miccional elevado devido ao aumento do
risco de obstrução urinária aguda associada.
Em homens com sintomas de bexiga hiperativa, as
principais classes de droga para tratamento são os
agonistas beta-3-adrenérgicos e os anticolinérgicos.
Inibidores da 5-alfarredutase: o bloqueio da ação da
di-hidrotestosterona possibilita a diminuição do estímulo
sobre o estroma, levando a redução de volume prostático e
consequentemente das chances de retenção urinária e
necessidade de cirurgia. Essa classe de medicamentos está
indicada nos pacientes com aumento prostático ao toque
retal ou por via ultrassonográfica (próstata com tamanho
maior que 35 g), no entanto são mais efetivos em impedir a
progressão da doença do que na melhora dos sintomas.
Quando pensamos em redução de progressão da HPB, a
principal classe é a dos inibidores da 5-alfarredutase.
O PSA também pode ser usado como um parâmetro de
aumento prostático, e pacientes com valores abaixo de 1,5
ng/mL não costumam se beneficiar do uso da medicação. O
máximo efeito de melhora de sintomas ocorre após 6 a 12
meses do uso da medicação, e consegue-se manter a
redução do tamanho prostático a longo prazo, reduzindo a
necessidade de cirurgia prostática.
O tratamento deve ser mantido indefinidamente para
prevenção de recidivas. O principal efeito adverso é a
diminuição da libido, disfunção erétil, distúrbios
ejaculatórios, ginecomastia e dor mamária. Como o PSA é
reduzido com o uso dessa classe de medicamento, deve ser
medido antes do início do uso. Estima-se que o valor do
PSA em um homem em uso crônico do inibidor de 5-
alfarredutase esteja reduzido pela metade. A finasterida e a
dutasterida são as duas principais drogas dessa classe.
A combinação do inibidor da 5-alfarredutase com o
alfabloqueador é indicada em indivíduos com sintomas de
HPB moderados a graves e com evidência de aumento
prostático. Há estudos demonstrando melhor progressão
clínica sintomática, assim como redução no número de
complicações.

Tratamento cirúrgico
Continua sendo a modalidade mais eficiente para alívio
dos sintomas e complicações da doença. Deve ser indicado
nos casos de sintomas refratários ao tratamento clínico
medicamentoso. Outra indicação clássica é o paciente com
retenção urinária aguda que falham à retirada do cateter
vesical de demora em pelo menos duas tentativas após o
ajuste de medicações. Presença de hematúria recorrente,
cálculos vesicais e hidronefrose bilateral com disfunção
renal são outras indicações cirúrgicas.
A partir do momento em que há a indicação cirúrgica é
importante a avaliação quanto à estratificação de risco do
paciente, identificando a presença ou não de fragilidade,
assim como o comprometimento cognitivo. Nesse contexto,
os riscos e benefícios devem ser levados em conta, assim
como a melhora de condições pré-operatórias e a
consequente melhora do desfecho cirúrgico, como correção
de status nutricional inadequado e cessação de tabagismo.
As complicações sexuais dos procedimentos como
disfunções ejaculatórias devem estar claras ao paciente.
As principais formas de tratamento cirúrgico da HPB
são: incisão transuretral da próstata, ressecção
endoscópica da próstata, vaporização da próstata (com
cautério elétrico ou laser), enucleação da próstata por
cirurgia aberta, laser, laparoscopia ou robô-assistida.
Técnicas menos invasivas para pacientes críticos com alto
risco cirúrgico podem ser empregadas, apesar dos menores
índices de sucesso, como embolização prostática, lift de
uretra prostática ou radiofrequência com transmissão
convectiva de calor. A escolha do método dependerá
basicamente de fatores como volume prostático, tecnologia
e recursos disponíveis, experiência do cirurgião e presença
de complicações locais.

NEOPLASIA DE PRÓSTATA
No passado, antes do advento do PSA sérico, o
urologista habitualmente fazia o diagnóstico de câncer de
próstata com base na alteração no exame digital da
próstata por toque retal, sintomas miccionais ou sintomas
decorrentes de metástases ósseas. O surgimento do PSA
possibilitou o diagnóstico precoce em pacientes
assintomáticos, levando à redução da mortalidade e à
diminuição de doença localmente avançada, mas também
aumentou a frequência de pacientes com doença de baixo
volume e baixo risco, ocasionando tratamento em pacientes
com tumores possivelmente indolentes.
O PSA, no entanto, não é específico da neoplasia
prostática, e em caso de aumento é importante pensar no
diagnóstico diferencial de prostatite ou manipulação
prostática, que causam aumento transitório desse
marcador, assim como a HPB, que é causa de aumento
persistente. Por isso, em caso de PSA aumentado é
importante uma nova dosagem após algumas semanas que
confirme que os níveis se mantêm elevados. Uma
ferramenta utilizada para reduzir a incidência de falsos
positivos do câncer de próstata é a dosagem da parcela
livre do PSA, pois o câncer de próstata está associado a
menor porcentagem da fração livre do PSA. Uma relação
PSA livre/PSA total inferior a 0,15 é altamente suspeita de
câncer.
A neoplasia de próstata é o segundo câncer mais
diagnosticado em homens. No entanto, sem a realização do
screening diagnóstico a maior parte das neoplasias
prostáticas não se torna clinicamente evidente. A
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)
recomenda “o não rastreio para câncer de próstata, mama
ou colorretal em idosos assintomáticos com expectativa de
vida inferior a 10 anos, ou seja, idosos fisicamente
vulneráveis” (vide as “Dez recomendações para escolhas
sensatas em saúde”, disponíveis no site da SBGG).
A American Geriatrics Society (AGS) também dispõe
sobre o assunto de modo parecido, mas não estabelece um
limite de sobrevida estimada, apenas orientando que “não
se recomende rastreio para câncer de próstata, mama ou
colorretal sem considerar a expectativa de vida e os riscos
da investigação, do sobrediagnóstico e do excesso de
tratamento” (tanto as recomendações da SBGG como as da
AGS foram feitas em parceria com a organização Choosing
Wisely).
A U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF)
recomenda que se discutam os riscos e benefícios do
rastreio do câncer de próstata com homens de 55 a 69
anos, e que não se realize o rastreio a partir dos 70 anos. Já
as diretrizes das Sociedades de Urologia recomendam que
o rastreamento de neoplasia de próstata deve ser realizado
com base no histórico clínico, exame digital retal da
próstata e dosagem de PSA sérico a partir dos 50 anos, e
após os 75 anos se paciente tiver expectativa de vida
superior a 10 anos.
Em casos de toque suspeito ou elevação do PSA (valores
entre 2,5 e 4 ng/mL possuem risco intermediário de cerca
de 24%, e valores acima de 4 ng/mL possuem risco mais
acentuado, de cerca de 40%), deve ser realizada biópsia da
próstata guiada por US transretal, com retirada de pelo
menos 12 fragmentos. Em casos indicados, a realização do
procedimento com fusão de imagens combinadas de
ressonância da próstata pode melhorar a punção e o
resultado do exame.
A ressonância magnética passou a ser uma importante
ferramenta para avaliação de pacientes com neoplasia de
próstata, possibilitando não apenas o auxílio no diagnóstico
em casos mais complexos, mas também um melhor
estadiamento e planejamento cirúrgico, se necessário.
Tipicamente, lesões de alto risco na ressonância
apresentam alto sinal nas imagens ponderadas em T2,
realce aumentado na fase de captação e maior restrição na
fase de difusão.
A cintilografia óssea é outro exame importante na
avaliação de estadiamento dos pacientes, pois permite a
identificação de possíveis lesões ósseas metastáticas,
principalmente em pacientes de alto risco. O surgimento da
tomografia computadorizada de emissão de pósitrons
(PET/CT, positron emission tomography, computed
tomography) com antígeno da membrana prostático
específico (PSMA-68Ga, prostate-specific membrane
antigen), presente em uma quantidade muito maior nas
células neoplásicas, vem mudando consideravelmente a
avaliação de metástases locais ou a distância e no
seguimento de pacientes com recidiva bioquímica, por
possuir ótimas taxas de especificidade de valor preditivo
negativo.
O tratamento de pacientes com neoplasia de próstata
dependerá do risco acarretado pela neoplasia, avaliado por
diversas variáveis. Entre elas as mais comumente utilizadas
na prática clínica são: valor de PSA, diferenciação
histológica e estadiamento, conforme demonstrado na
Tabela 1.
Pacientes com baixo risco têm doença de baixo potencial
biológico para levá-los a óbito, podendo ser submetidos a
vigilância ativa, seguimento de perto com realização de
exames periódicos para acompanhamento do PSA, toque
retal e repetição da biópsia prostática periodicamente, a
fim de avaliar se há alguma mudança no padrão alterando a
classificação de risco do paciente. Nesse caso deve ser
proposto tratamento com intuito curativo ao paciente. O
objetivo de sua aplicação é a manutenção da qualidade de
vida, na comparação com os tratamentos ativos, sem trazer
prejuízo à sobrevida, quando os pacientes são
adequadamente selecionados e cuidadosamente
acompanhados.

TABELA 1 Classificação dos grupos de risco de câncer de próstata localizado

Risco PSA Gleason ISUP Estadiamento

Baixo < 10 <7 1 T1-T2a


TABELA 1 Classificação dos grupos de risco de câncer de próstata localizado

Intermediário 10-20 7 2/3 T2-T2c

Alto > 20 >7 4/5 ≥ T3

ISUP: International Society of Urological Pathology; PSA: antígeno prostático


específico (prostate-specific antigen).

A cirurgia com retirada da próstata e vesículas seminais


tem por objetivo a erradicação da doença, com bom
controle oncológico e preservação funcional, como potência
e função urinária. As vias de acesso que podem ser
utilizadas são aberta, laparoscópica e robô-assistida,
apresentando resultados semelhantes quanto a aspectos
oncológicos, funcionais e de qualidade de vida a longo
prazo, não havendo recomendação de qual é a via
preferencialmente recomendada, dependendo a escolha da
experiência do cirurgião e da disponibilidade de sua
aplicação. As principais complicações cirúrgicas de longo
prazo são impotência e incontinência urinária.
A radioterapia pode ser indicada aos pacientes como
forma de tratamento com intuito curativo. A técnica com
intensidade modulada tem melhores resultados funcionais
quando comparada com a técnica conformacional
tridimensional. Os pacientes devem ser orientados no
sentido de que os níveis de PSA tardam mais a declinar. A
longo prazo, tem índices semelhantes de incontinência e
impotência e pode ocasionar sintomas locais como cistite e
retite actínicas.
Em pacientes com alto risco perioperatório ou muito
frágeis, em que o tratamento definitivo não leve a um
aumento de sobrevida e possa prejudicar a qualidade de
vida, o conceito de watchful waiting é aplicado como uma
conduta conservadora e paliativa, visando ao controle da
doença, mas não sua erradicação. Essa conduta é apoiada
em achados de estudos de necropsia mostrando que
diversos pacientes morrem com o câncer, mas não do
câncer (60% dos pacientes acima de 80 anos) e no
seguimento de pacientes sob observação.
Em pacientes que se apresentam com doença
disseminada, o intuito do tratamento consiste no controle
de sua evolução, na estabilização dos sintomas e na
melhora da qualidade de vida, apoiando-se na privação
androgênica como seu principal pilar.

PROSTATITE
A prostatite é o terceiro diagnóstico mais comum de
acometimento prostático em pacientes idosos. Sua
prevalência varia de 2,2 a 16%, podendo acometer em
média 7% em sua forma crônica. Ela é responsável por 6 a
8% das visitas ambulatoriais de homens ao urologista.
As enterobactérias, especialmente a Escherichia coli,
são patógenos predominantes na prostatite bacteriana
aguda, e o acometimento costuma ocorrer por via uretral
ou por inoculação direta após biópsia prostática transretal
ou após manipulação uretral, como após cateterização ou
cistoscopia. Em homens sexualmente ativos, infecções
urogenitais causadas por Neisseria gonorrhoeae e
Chlamydia trachomatis. Nos casos de acometimento
crônico, o espectro é mais amplo, contando com germes
atípicos.
Os pacientes idosos, por apresentarem quadros de
imunodeficiência em alguns casos, podem ser acometidos
por outros germes, como Mycobacterium tuberculosis,
Candida sp. e outros patógenos raros. A classificação dos
tipos de prostatite leva em consideração o quadro clínico,
conforme mostrado no Quadro 2.
O diagnóstico da prostatite deve considerar a história
clínica com abordagem de sintomas associados e seu tempo
de início. Além dos sintomas semelhantes aos de cistite, o
homem pode apresentar também sintomas de esvaziamento
com hesitação e retenção urinária aguda. Exame físico é
importante na caracterização das queixas e permite
diferenciação entre os diagnósticos diferenciais. Nos
quadros agudos, além de sintomas de toxemia, o toque
retal costuma apresentar a próstata dolorosa e amolecida,
e os níveis de PSA tendem a ser elevados. É necessária a
avaliação urinária com urocultura, e a massagem prostática
deve ser desencorajada pelo risco de urosepse.
Em pacientes nas categorias II e III, o exame físico
apresenta poucos achados característicos, e a pesquisa de
pontos dolorosos de gatilho na pelve pode auxiliar na
investigação. O toque permite a avaliação de presença de
nódulos na próstata e a avaliação de coleta de urina após
massagem prostática. Nos casos crônicos o PSA pode estar
um pouco elevado.
Exames de imagem como US transretal e ressonância
magnética podem ser úteis em casos de suspeita de
diagnósticos diferenciais ou outras lesões prostáticas com
cistos prostáticos.
Quando confirmados os quadros de prostatite
bacteriana, devem ser tratados com antibiótico,
preferencialmente guiados pela cultura. Como em boa
parte dos casos a cultura pode não demonstrar a presença
de bactérias, mas ainda assim ser a causa do quadro de
prostatite, tratamentos empíricos podem ser instituídos em
algumas situações com alta suspeita de processo
infeccioso.
Na prostatite bacteriana crônica pode-se iniciar o
tratamento com medicação parenteral, uso de penicilinas
de amplo espectro, cefalosporinas de terceira geração ou
fluoroquinolonas (estas devem ser evitadas em pacientes
idosos). Após a melhora dos parâmetros infecciosos, deve
ser mantida terapia oral entre 2 e 4 semanas. Em caso de
presença de germes atípicos (Chlamydia trachomatis e
Mycoplasma), há a possibilidade de tratamento com
azitromicina e doxiciclina. A presença de Trichomonas
vaginalis deve ser tratada com metronidazol.

QUADRO 2 Sistema de classificação da prostatite do consenso do National


Institutes of Health

Tipo Nome e descrição

I Prostatite bacteriana aguda: início súbito, com sintomas sistêmicos,


dor perineal intensa, podendo ser acompanhados de sintomas
miccionais. Quadros mais graves podem evoluir para sepse.

II Prostatite bacteriana crônica: infecções urinárias recorrentes, padrão


intermitente de sintomas, com presença de bactérias na urina antes e
após massagem prostática.

III Prostatite não bacteriana crônica (SPDC): algia frequente ≥ 3 meses,


manifestando-se como dor perineal, suprapúbica, peniana ou
testicular. Queixa mais comum é de dor ao ejacular ou após.
Comprometimento importante da qualidade de vida.

III-A SPDC inflamatória: > 5 leucócitos/campo na urina após massagem


prostática.

III-B SPDC não inflamatória: < 5 leucócitos/campo na urina após massagem


prostática.

IV Prostatite inflamatória assintomática: achado de células inflamatórias


na urina sem sintomas presentes em pacientes sob investigação de
outras patologias. Nesse caso é preciso excluir tais diagnósticos antes
de considerar hipótese de prostatite crônica.

SPDC: síndrome da dor pélvica crônica.


Em pacientes que se apresentem com quadro clínico
grave ou sem resposta a antibioticoterapia inicial, deve ser
investigada a presença de abscesso prostático por exames
de imagem e ser considerada a drenagem prostática (por
punção ou ressecção).
Os quadros de dor pélvica inflamatória (III-A) devem ser
tratados com antibiótico empírico para descartar a
possibilidade de infecção bacteriana e associar o uso de
alfabloqueadores se houver sinais de obstrução urinária. As
queixas álgicas devem ser controladas com analgésicos e o
uso de anti-inflamatórios, se possível. Os casos não
inflamatórios necessitam de uso de sintomáticos e são de
manejo mais difícil. Por vezes, é necessária a associação de
analgésicos, relaxantes musculares, o uso de amitriptilina e
gabapentina (controle de dor crônica) e fisioterapia
(relaxamento miofascial), sendo ideal uma abordagem
multidisciplinar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sintomas do trato urinário inferior (LUTS) são
extremamente prevalentes na população geriátrica e
merecem especial atenção quanto maior for a idade do
paciente, tendo em vista o significativo impacto negativo na
qualidade de vida, atividades sociais, laborais e mesmo na
vida sexual do paciente.
Uma vez que o paciente idoso se torna sintomático, uma
avaliação cuidadosa deve ser realizada para determinar as
causas de LUTS a fim de que se possa intervir de forma
eficaz no alívio desses sintomas.
Atualmente se recomenda que sejam discutidos com
cada paciente os possíveis riscos e benefícios de se
submeter ou não ao rastreamento (paciente assintomático)
do câncer de próstata, com base em sua história familiar,
raça e etnia, comorbidades e principalmente seus valores
em relação aos possíveis desfechos a partir do
rastreamento, diagnóstico e tratamento.

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Anemia no idoso 30

Diego Villa Clé


João Henrique Nogueira

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
A anemia é achado frequente na população idosa, e sua
prevalência aumenta progressivamente de acordo com o
envelhecimento, o que possivelmente reflete o acúmulo de
disfunções orgânicas crônicas associadas às comorbidades.
A anemia não caracteriza patologia primariamente, mas
sim achado laboratorial e, por vezes, clínico, que traduz
redução da massa eritrocitária corporal. A anemia é
definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como
valores de hemoglobina abaixo de 13 g/dL para homens e
de 12 g/dL para mulheres, porém com base em estudos
populacionais que não levaram em conta pacientes com
mais de 65 anos. Com base na avaliação clínica, podemos
encontrar diferentes causas para a anemia, sendo a
deficiência de ferro e a inflamação crônica as etiologias
mais frequentes no idoso.
Além dessas causas, quando pacientes idosos são
submetidos à extensa investigação da anemia e não se
encontra a etiologia, pode-se caracterizar uma condição
clínica chamada de anemia inexplicada do idoso (UAE –
unexplained anemia in the elderly), associada ao conceito
do inflammaging, exemplificado adiante.
Apesar de a prevalência da anemia ser cada vez maior,
paralelamente ao envelhecimento, não se pode categorizá-
la como um processo natural, de modo que é importante
investigar sempre sua etiologia. Já foi demonstrado que
grande parcela dos pacientes idosos apresenta valor de
hemoglobina dentro da normalidade e que a maior parte
dos pacientes em investigação de anemia, em contexto
hospitalar, apresenta fator etiológico identificável.

EPIDEMIOLOGIA E RELEVÂNCIA CLÍNICA


A anemia pode afetar até 50% em indivíduos com 80
anos ou mais, conforme demonstrado na Figura 1. Foram
encontrados também piores desfechos clínicos quando a
anemia se associava a outras doenças, com aumento de
morbidade e mortalidade. Soma-se a isso maior tendência a
comprometimento cognitivo, fragilidade e quedas.
FIGURA 1 Aumento da prevalência da anemia em idosos com o avançar da
idade; coorte 19.758 pacientes ambulatoriais e hospitalizados.
Fonte: adaptado de Bach et al. (2014).

ETIOLOGIAS
Grandes estudos epidemiológicos de âmbito nacional são
necessários para determinar o perfil populacional entre
idosos.
Um dos maiores trabalhos que avaliaram a etiologia de
anemia em pacientes não institucionalizados – Third
National Health and Nutrition Examination Survey (Nhanes
III) – demonstrou que cerca de 10% dos pacientes acima de
65 eram anêmicos, sendo as principais etiologias:

1/3 apresentavam etiologia carencial, como deficiência


de vitamina B12, ácido fólico ou ferro, sendo este último
o mais comum isoladamente.
1/3 eram secundárias a doença renal crônica ou
secundária a patologias inflamatórias sistêmicas, como
artrite reumatoide, caracterizando anemia de doença
crônica.
1/3 restante permanece sem diagnóstico definitivo.

Estudos em pacientes internados mostraram taxa mais


elevada de identificação dos fatores etiológicos,
permanecendo sem definição diagnóstica apenas 15-25%
dos casos (Tabela 1).

QUADRO CLÍNICO
Habitualmente, pacientes com anemia leve são
assintomáticos. À medida que os níveis de hemoglobina
progressivamente se reduzem, os pacientes podem
apresentar sonolência, fraqueza muscular, cefaleia,
irritabilidade, palidez cutaneomucosa, intolerância aos
esforços e prejuízo cognitivo, mais ou menos acentuados a
depender dos níveis da concentração de hemoglobina e do
estado clínico do paciente.
A avaliação clínica deve considerar alguns aspectos
subjetivos relacionados a determinados sintomas, além do
tempo de instalação (e de progressão) da anemia, da
presença de comorbidades e da baixa reserva funcional,
que podem afetar a magnitude e as características das
manifestações clínicas, que podem diferir em pacientes
com o mesmo nível de hemoglobina. Como a anemia pode
acarretar distúrbios cognitivos e aumentar o grau de
dependência do idoso, é importante considerar a
possibilidade de a anemia ser fator subjacente à condição
do paciente, de modo que sua identificação, assim como
sua causa, devem ser sistematicamente investigadas.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
O primeiro passo é proceder à avaliação completa, com
história clínica e exame físico, seguido de investigação
laboratorial, com hemograma completo, contagem de
reticulócitos e, idealmente, análise morfológica do sangue
periférico. A depender das características da anemia,
podem estar indicadas a dosagem de vitamina B12, ácido
fólico, ferro sérico, saturação da transferrina ou a
capacidade de ligação do ferro, ferritina, função hepática e
aminotransferases, função renal e hormônio estimulador da
tireoide (TSH). Atenção especial deve ser dada aos
seguintes cenários:

TABELA 1 Taxa de ocorrência de fatores etiológicos

Etiologia Percentual

Anemia de doença crônica 30-45%

Anemia ferropriva 15- 30%

Deficiência de ácido fólico e vitamina B12 5-10%

Hemorragia aguda 5-10%

Neoplasia mielodisplásica 5%

Leucemia aguda/neoplasia linfoproliferativa 5%


crônica

Sem causa identificada 15-25%

Fonte: adaptada de Joosten et al. (1992).

Anemias associadas a deficiências carenciais: a anemia


ferropriva é a causa mais frequentemente, associada a
condições nutricionais, mas principalmente decorrente
de sangramento por trato gastrointestinal, cuja causa
pode ser o uso de medicamentos, como AAS e
anticoagulantes orais, ou alterações anatômicas do trato
digestivo e neoplasias. É mandatória a realização de
estudo endoscópico nos casos confirmados de anemia
ferropriva. Distúrbios nutricionais associados ao abuso
de álcool, anticonvulsivantes e metotrexato estão
associados a baixos níveis de folato. Infecção pelo
Helicobacter pylori, inibidores de bomba de prótons e
gastrite atrófica podem levar a má absorção e deficiência
de vitamina B12.
Contagem absoluta de reticulócitos e determinação do
volume corpuscular médio (VCM) das hemácias podem
ser usadas para guiar o processo de investigação
diagnóstica.
Pacientes com doença renal crônica, com taxa de
filtração glomerular < 45 mL/minuto/1,73m² (estágio
3B), apresentam maior prevalência de anemia devido à
redução dos níveis de eritropoetina associada, a menor
absorção de ferro e a maior propensão a sangramentos e
a perda de sangue, por exemplo, no caso de paciente
submetido à diálise crônica. Eventualmente, pode ser
necessário o uso de eritropoetina (atentar para
potenciais eventos adversos do uso de eritropoetina,
como a hipertensão arterial e os eventos trombóticos)
Eletroforese de proteínas séricas ou urinárias auxiliam
no diagnóstico de gamopatias monoclonais (mieloma
múltiplo, macroglobulinemia de Waldenström e
amiloidose), especialmente nos pacientes que
apresentam dor óssea, lesões osteolíticas, proteinúria,
hipercalcemia e neuropatia periférica (Figura 2).
Anemias associada condições inflamatórias ou doença
renal crônica: doenças associadas a inflamação crônica
levam ao aumento dos níveis de interleucina (IL)-1, que
promove aumento dos níveis de hepcidina (fundamental
no controle homeostático do ferro), cujo resultado é a
anemia devido à baixa disponibilidade de ferro e do
estoque fisiológico presente no sistema retículo-
endotelial. Idosos frágeis, com sarcopenia, apresentam
também estado pró-inflamatório, com aumento da IL-6 e
redução da eritropoetina, também contribuindo para
anemia.
Doenças onco-hematológicas: dentre as patologias
clonais destacam-se as leucemias agudas e síndrome
mielodisplásicas, necessitando de avaliação da medula
óssea e citogenética para confirmação diagnóstica.

FIGURA 2 Eletroforese de proteínas com a presença de pico monoclonal na


região de gamaglobulinas.

EXAMES LABORATORIAIS
A avaliação laboratorial deverá ser solicitada de acordo
com a suspeita clínica. A análise inicial para investigação
de anemia inclui, além do hemograma completo, a
contagem de reticulócitos e a análise morfológica do
sangue periférico. Os principais exames a serem
solicitados, valor de referências e interpretação estão
resumidos no Quadro 1.

DIAGNÓSTICO
A avaliação diagnóstica deve seguir um raciocínio das
potenciais causas, que determinam a necessidade de
confirmação por meio de exames laboratoriais. Haja vista
as inúmeras possibilidades diagnósticas nas quais a anemia
é manifesta, isolada ou não, segue abaixo um fluxograma
para guiar a investigação. A Figura 3 apresenta início de
investigação com base na análise morfológica, enquanto na
Figura 4 está exemplificada a avaliação das anemias
microcíticas e na Figura 5 condições macrocíticas.

INTERCONSULTA COM HEMATOLOGISTA


Alguns cenários clínicos estão associados à maior
prevalência de neoplasias hematológicas como fator
etiológico da anemia, por isso requerem avaliação por
hematologista (Quadro 2). Leucemias agudas e neoplasias
linfoproliferativas crônicas são doenças que classicamente
cursam com maior prevalência na população idosa.
Neoplasias categorizadas como agudas normalmente
resultam em quadro clínico de curso breve (dias ou
semanas) e são caracterizadas por comprometimento da
função hematopoética, em geral, devido ao acúmulo de
células neoplásicas na medula óssea, o que reduz a
hematopoese globalmente, o que se traduz, além da
anemia, em neutropenia e plaquetopenia.
QUADRO 1 Avaliação laboratorial

Exame Referência Interpretação

Ferro sérico 60-180 ug/dL A dosagem isolada do ferro sérico não deve
ser usada como sinônimo para diagnóstico de
anemia ferropriva devido a flutuações
fisiológicas durante o dia, bem como durante
o período pós-prandial.

Ferritina 40-200 ng/mL Melhor parâmetro para avaliação dos estoques


de ferro. Valor < 15 ng/mL determina
ferropenia, bem como < 41 ng/mL em
pacientes com anemia e/ou comorbidades.
Estudos clínicos sugerem dividir o valor da
ferritina por 3 em condições inflamatórias para
real avaliação dos estoques de ferro corporal.

TIBC 228-428 ug/dL TIBC deve ser utilizado para cálculo do índice
(capacidade de saturação da transferrina (IS) conforme a
total de seguinte fórmula:
ligação do IS (%) = Fe sérico / TIBC x 100 (referência 25-
ferro) 45%)

Contagem de 0,5-1,4% Habitualmente os valores absolutos refletem


reticulócitos 25-100 mil/uL melhor a presença de reticulócitos no sangue
(percentual e periférico. A interpretação deve ser baseada
absoluta) na presença ou ausência de reticulocitose em
face da anemia.

Ácido fólico > 3 ng/mL Pacientes sem restrições dietéticas ou etilismo


raramente apresentam deficiência de ácido
fólico. Valores limítrofes podem indicar a
necessidade de teste terapêutico.

Vitamina B12 > 300 pg/mL Concentração < 200 pg/mL são compatíveis
com deficiência de vitamina B12 e confirmam
diagnóstico em contexto clínico adequado.
Valores limítrofes podem indicar a
necessidade de teste terapêutico.

Eletroforese Distribuição Presença de pico monoclonal na região de


de proteínas habitual gamaglobulinas sugere doença como mieloma
múltiplo e necessita de avaliação por
hematologista
QUADRO 1 Avaliação laboratorial

TIBC: capacidade total de ligação de ferro.

FIGURA 3 Fluxograma com base na avaliação morfológica do tamanho médio


das hemácias (VCM).
LDH: lactato desidrogenase; TIBC: capacidade total de ligação de ferro; VCM:
volume corpuscular médio.

FIGURA 4 Investigação de anemias microcíticas.


TIBC: capacidade total de ligação de ferro.
FIGURA 5 Avaliação de anemia macrocítica.
TGI: trato gastrointestinal; VCM: volume corpuscular médio.

QUADRO 2

Achados clínicos Potenciais diagnósticos

Anemia e leucocitose (à custa de Neoplasias linfoproliferativas crônicas


linfócitos) (p. ex., leucemia linfocítica crônica e
linfomas)

Anemia com linfadenomegalias Linfomas

Anemia com macrocitose intensa Neoplasia mielodisplásica


(descartadas as condições carenciais)

Bicitopenia ou pancitopenia Leucemias agudas e síndrome de


falência medular

Anemia associada a hipercalcemia e Mieloma múltiplo


fraturas

Enquanto isso, as neoplasias crônicas habitualmente


apresentam curso clínico prolongado (semanas a meses, ou
até mesmo anos) e, com frequência, permitem a
manutenção da função hematopoética sendo encontrado no
hemograma leucocitose sem anemia ou plaquetopenia.

ANEMIA INEXPLICADA NO IDOSO


Mesmo após extensa avaliação, alguns pacientes
permanecem sem diagnóstico etiológico. Alguns trabalhos
americanos relatam que de 20-30% de idosos com anemia
em acompanhamento ambulatorial podem permanecer sem
conclusão diagnóstica. Estudos recentes sugerem que
existem diversos fatores associados ao envelhecimento,
como a redução da síntese de eritropoetina e menor
responsividade a ela, baixa reserva medular,
hipogonadismo e aumento da concentração de citocinas
inflamatórias, fatores que, isoladamente ou em
combinação, levam a anemia como consequência fisiológica
da senilidade. Surge então o conceito de anemia
inexplicada no idoso, que reúne os mecanismos descritos
anteriormente em um modelo fisiopatológico que
compreende diversas alterações fisiológicas do
envelhecimento e de suas interações. O aumento de
citocinas inflamatórias durante o envelhecimento faz parte
do conceito de inflammamaging.

TRATAMENTO
Deve ser sempre pautado na etiologia da anemia e não
apenas em suplementação ou suporte transfusional,
exceto quando a causa da anemia não puder ser
debelada ou mitigada.
Pacientes idosos podem potencialmente apresentar
etiologia multifatorial (anemia devido a sangramento
gastrointestinal, associada a hipotireoidismo e doença
renal crônica).
Reposição oral de 150-200 mg de ferro elementar por dia
para os casos de ferropenia com ou sem anemia (na
composição do sulfato ferroso, formulação amplamente
disponível, 20% da dose é equivalente ao ferro
elementar). Estudos recentes demonstram que, em casos
de intolerância gastrointestinal, as tomadas podem ser
em dose única e em dias alternados, sem prejuízo
terapêutico. Estudo clínico randomizado com pacientes
acima de 80 anos evidenciou eficácia semelhante na
tomada de 15, 50 ou 150 mg de ferro elementar por dia,
com menor incidência de eventos adversos no grupo que
recebeu menor dose.
Para a reposição de ferro por via parenteral, pode ser
calculada a quantidade a ser reposta com a seguinte
fórmula: Fe (ferro elementar a ser reposto) = peso × 2,1
(Hb alvo – Hb atual) + reserva; presumindo a reserva
como 500 mg e dividindo a doses com administração de
100-200 mg/dose em intervalos de 2-3 dias até completar
o tratamento. Existem ainda as opções de uso da
carboximaltose férrica ou derisolmaltose férrica. A
vantagem é que podem ser administrados em doses de
até 1.000 mg de ferro infundidos em apenas 15 minutos,
com risco mínimo de reação adversa. Esta posologia
facilita o tratamento e a necessidade do paciente ter de
retornar ao serviço várias vezes durante a terapia, além
de proporcionar tempo menor para o aumento da
hemoglobina.
A reposição de ácido fólico deve ser realizada via oral em
dose de 5 mg/semana.
A reposição de vitamina B12 habitualmente é realizada
via intramuscular (ampolas de 5.000 mcg), com doses
diárias, por 7 dias, seguidas de doses semanais durante
4 semanas e, então, mensais por, ao menos, 6 meses.
Estudos recentes demonstram desfechos clínicos
semelhantes com reposição por via sublingual diária de
vitamina B12 (considerar adesão e disponibilidade).
Recomenda-se a investigação do aparelho digestivo com
endoscopia. Pacientes com histórico de cirurgias
envolvendo estômago ou íleo terminal podem necessitar
de reposição perene.
Pacientes que apresentam valores limítrofes de vitamina
B12, ácido fólico ou ferritina podem ser submetidos a
teste terapêutico, com reavaliação após 3-4 semanas,
visto que a presença ou ausência de resposta pode
confirmar ou afastar determinada hipótese diagnóstica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A anemia não é em si uma doença, mas sim uma de suas
manifestações. A investigação deve ser sempre iniciada
com realização de hemograma completo, contagem de
reticulócitos e análise morfológica do sangue periférico.
Demais exames devem ser solicitados em contexto clínico
apropriado, para evitar desperdícios com exames
irrelevantes ou dolorosos.
Os casos de anemia ferropriva devem ter tratamento
baseado na reposição de ferro, bem como necessitam de
investigação do trato gastrointestinal com endoscopia e
colonoscopia para avaliação de sangramentos e neoplasias.
A presença de células imaturas no sangue periférico
(blastos), bem como a presença de demais citopenias de
instalação aguda, requer interconsulta imediata com
serviço de hematologia, visto aumento da incidência de
leucemias agudas na população idosa.
Alguns pacientes permanecem sem diagnóstico
etiológico definitivo após extensa avaliação clínica e
laboratorial, sendo compreendido cada vez mais o conceito
de inflammaging associado à senilidade.
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31 Principais patologias da tireoide em idosos

Raif Restivo Simão


Sami Liberman

INTRODUÇÃO
As patologias da tireoide são comuns na população
geral, aumentando sua incidência com o avançar da idade.
Há uma tendência de aumento dos níveis do hormônio
estimulador da tireoide (TSH, do inglês thyroid stimulating
hormone) com a idade, consequência de alterações
intrínsecas do metabolismo tireoidiano e do controle do
eixo hipotálamo-hipófise-tireoide. Esses dois fatores muitas
vezes levam a uma apresentação clínica atípica das
disfunções tireoidianas no indivíduo idoso, gerando
dificuldade em distinguir a senescência da senilidade. Por
outro lado, sabe-se que o aumento dos níveis de TSH está
associado a um aumento na longevidade, podendo
constituir um fator de adaptação do organismo.
A avaliação tireoidiana inclui a investigação de
alterações funcionais e anatômicas. Patologias não
tireoidianas podem se apresentar com sintomatologia
semelhante à de doenças próprias da tireoide, devendo
sempre ser levado em consideração que a apresentação
clínica das disfunções tireoidianas nos idosos é
frequentemente atípica. As alterações funcionais da
tireoide são comuns na população idosa e mais prevalentes
no sexo feminino.
A avaliação laboratorial da tireoide inclui
primordialmente a dosagem de T4 livre e TSH, o que
possibilita o diagnóstico e a condução clínica da maior
parte dos casos. É importante ressaltar que a solicitação de
exames deve ser feita após a avaliação clínica do paciente e
a formulação de uma hipótese diagnóstica, objetivando
promover a adequada interpretação dos resultados
laboratoriais. A Figura 1 ilustra a correta interpretação das
diversas condições existentes ao se avaliar a função
tireoidiana.
A tireoide sofre várias alterações funcionais e
anatômicas com a idade: há redução do peso da glândula,
do tamanho dos folículos e do conteúdo de coloide, além de
aumento de fibrose, frequentemente com infiltração
linfocítica acentuada. Sabe-se, ainda, que a meia-vida do
hormônio T4 livre aumenta para 9,3 dias na sétima década
de vida e que sua concentração sérica não é afetada.
O TSH pode aumentar ou diminuir com a idade em
função da ingestão de iodo. Entretanto, em geral, com o
passar da idade tende a ocorrer um leve aumento do TSH,
sugerindo a presença de um “set point alterado” do eixo
hipotálamo-hipófise-tireoide nos idosos, quando
comparados com indivíduos mais jovens (Figura 2).
Há também um aumento dependente da idade na
prevalência de anticorpos antitireoidianos. Por fim, é
importante relembrar que há diversas drogas que podem
induzir alterações da função tireoidiana e são utilizadas
com certa frequência em idosos, como a amiodarona e o
lítio.
FIGURA 1 Interpretação das diversas condições existentes ao se avaliar a
função tireoidiana.
ATD: medicamentos antitireoidianos (antithyroid drugs); FDH: hipertiroxinemia
disalbuminêmica familiar (familial dysalbuminemic hyperthyroxinemia); T3l: T3
livre; T4l: T4 livre; NTI: doença não tireoidiana (non-thyroid disease); TKI:
inibidor da tirosina quinase (tyrosine kinase inhibitor); TSH: hormônio
tireoestimulante. * Poderá estar total ou parcialmente suprimido.
Fonte: adaptada de Koulouri et al. (2013).
FIGURA 2 Distribuição dos valores de TSH por idade em uma população
saudável dos EUA.
Fonte: Surks et al. (2017).

HIPOTIREOIDISMO CLÍNICO E SUBCLÍNICO


O hipotireoidismo clínico (HipoC) se caracteriza por
níveis séricos de TSH elevados e níveis de T4 livre
reduzidos. Sua prevalência depende da população
estudada, variando de 2 a 7,4% na população acima de 60
anos. É mais frequente no sexo feminino (11,6%) do que no
masculino (2,9%). A etiologia mais frequente é a tireoidite
autoimune (doença de Hashimoto), seguida por
hipotireoidismo pós-tireoidectomia ou iodoterapia. Muitos
idosos eutireoidianos apresentam sinais e sintomas
semelhantes aos pacientes com HipoC, o que dificulta o
diagnóstico. Deve-se ficar atento a alterações metabólicas
(alterações de perfil lipídico), sintomas cardíacos
(bradicardia, sintomas de insuficiência cardíaca), miopatias
e sintomas cognitivos.
O tratamento dessa condição é feito com reposição do
hormônio levotiroxina – inicialmente na dose de 25
mcg/dia, com posterior aumento até a melhora dos
sintomas e a regularização dos níveis séricos. Após a
introdução ou modificações da dose de levotiroxina,
recomenda-se a repetição dos exames laboratoriais em 8 a
10 semanas. É importante orientar os pacientes quanto ao
modo adequado para tomada de tal medicação: esta deve
ser ingerida em jejum, com intervalo de no mínimo 30
minutos antes da primeira refeição do dia, separadamente
de quaisquer outras medicações – carbonato de cálcio,
sulfato ferroso e antiácidos são medicamentos comumente
utilizados que sabidamente reduzem a absorção de
levotiroxina. Deve-se, ainda, ressaltar que o comprimido
não pode ser cortado.
O hipotireoidismo subclínico (HipoSC), por sua vez,
caracteriza-se por níveis elevados de TSH e níveis normais
de T4 livre. Sua prevalência varia entre 4 e 10%, sendo
também mais frequente no sexo feminino. Além disso, a
frequência do HipoSC é maior em áreas em que a ingestão
de iodo é suficiente (23,9%, contra 4,2% nas áreas com
ingestão insuficiente). A taxa de conversão para o HipoC é
variável, podendo chegar a 4,3% ao ano em mulheres. Essa
progressão sofre influência de alguns fatores, como sexo,
idade, intensidade do aumento do TSH (> 10 mUI/L) e
presença de anticorpos positivos – principalmente o
anticorpo anti-TPO (antitireoperoxidase).
O tratamento do HipoSC depende do nível sérico de TSH
e da idade dos pacientes, pois, conforme mencionado
anteriormente, há uma alteração do set point do eixo
hipotálamo-hipófise-tireoide nos indivíduos idosos. Além
disso, alterações no status funcional da tireoide podem ser
consequência das diversas patologias crônicas presentes
em pacientes idosos. Portanto, recomenda-se cautela na
instituição de tratamento para essa doença, a fim de não
causar sobrediagnóstico e iatrogenias: valores de TSH
próximos ao limite superior da normalidade tendem a se
normalizar em ≥ 50% dos pacientes após 5 anos, sem
qualquer tipo de intervenção terapêutica. Assim, em
pacientes com idade ≥ 85 anos, não se recomenda o
tratamento caso TSH < 10 mUI/mL. Caso o nível sérico de
TSH seja > 10 mUI/mL, independentemente da idade,
recomenda-se o tratamento com levotiroxina, nos mesmos
moldes descritos anteriormente para o HipoC. Caso os
níveis de TSH estejam entre 7 e 9,9 mUI/mL em pacientes
< 85 anos, pode-se instituir o tratamento se houver risco de
piora de insuficiência cardíaca ou doença arterial
coronariana. Caso tais riscos não existam, recomenda-se a
observação clínica. Por fim, em pacientes < 85 anos com
TSH entre 4,5 e 6,9 mUI/mL, não é recomendado o
tratamento. Deve-se, porém, fazer uma observação clínica
rigorosa se tais pacientes apresentarem anti-TPO positivo,
pois tal achado está relacionado a maior chance de
evolução para HipoC.

HIPERTIREOIDISMO CLÍNICO (HIPERC) E SUBCLÍNICO


(HIPERSC)
A prevalência de hipertireoidismo na população acima
de 60 anos varia de 0,5 a 2,3%, sendo 10 vezes mais
frequente no sexo feminino. A etiologia mais comum é a
doença de Graves, com presença de anticorpos
antirreceptores de TSH (TRAb, do inglês thyroid receptor
antibody). Outras etiologias não incomuns são o bócio
multinodular tóxico e o adenoma tóxico.
As manifestações clínicas são menos intensas do que em
pacientes jovens, e muitas vezes sintomas como apatia e
anedonia (mais comumente relacionados ao HipoC) estão
presentes, dificultando a interpretação clínica e
laboratorial. A presença desses sintomas em um quadro de
HiperC, somada a perda ponderal e inapetência,
caracteriza o hipertireoidismo apatético, que é a
manifestação mais clássica em idosos. Outras complicações
possivelmente relacionadas ao quadro de HiperC em idosos
são arritmias (dentre as quais se destaca a fibrilação atrial,
que pode se apresentar agudamente em idosos) e piora
densitométrica em quadros de osteoporose.
O diagnóstico é confirmado com níveis elevados de T4
livre e suprimidos de TSH. Diante de um resultado de TSH
suprimido, é muito importante excluir o uso de biotina,
vitamina comumente encontrada em polivitamínicos, que
pode mimetizar HiperC laboratorialmente. Ademais, deve-
se ter em mente que condições não tireoidianas – tais como
uso de dopamina, dobutamina, altas doses de
glicocorticoides e outras drogas – podem levar à redução
da secreção de TSH, o que eleva ainda mais a necessidade
de uma anamnese detalhada antes da interpretação dos
resultados laboratoriais.
O tratamento medicamentoso do HiperC deve ser feito
utilizando-se 5 a 30 mg/dia de metimazol. A repetição dos
exames laboratoriais deve ser realizada após 4 a 6
semanas. A terapia com iodo radioativo e a tireoidectomia
são outras possibilidades de tratamento.
No HiperSC, são encontrados níveis suprimidos de TSH
associados a níveis normais de T4 livre. A prevalência varia
de 0,7 a 12,4% e depende de etiologia, sexo, idade e
sensibilidade do método laboratorial. A taxa de progressão
para quadros sintomáticos depende da intensidade da
supressão dos níveis de TSH, variando de 1 a 4% ao ano
dependendo da população estudada. Essa condição ganha
mais importância na população idosa por ser considerada
um fator de risco para o aparecimento de fibrilação atrial,
piora de osteopenia e osteoporose e declínio cognitivo.
Em face de um diagnóstico de HiperSC, o primeiro passo
é repetir os exames. Caso os novos resultados confirmem o
diagnóstico, recomenda-se a solicitação de TRAb e
ultrassonografia de tireoide, a fim de esclarecer a etiologia
do quadro. Os resultados laboratoriais devem, também,
servir como base para classificar o quadro em HiperSC leve
(valores de TSH baixos, porém mensuráveis – em geral
entre 0,1 e 0,4 mUI/mL) ou grave (valores de TSH muito
baixos, indetectáveis – em geral inferiores a 0,1 mUI/mL).
Enquanto o HiperSC leve tem grandes chances de
normalização, o HiperSC grave está associado a maior
chance de progressão para HiperC e a maior possibilidade
de repercussões clínicas. Assim, o HiperSC grave deve ser
tratado nos mesmos moldes de tratamento já descritos para
o HiperC, enquanto o HiperSC leve em geral pode ser
observado clinicamente. Consideramos tratar HiperSC leve
apenas quando o paciente apresentar grande risco de piora
do status basal (doença cardiovascular importante ou
osteoporose de difícil controle, p. ex.).

ALTERAÇÕES ANATÔMICAS DA TIREOIDE


As alterações anatômicas da tireoide são, na maioria dos
casos, achados de exames de imagem, podendo levar a uma
cascata iatrogênica. Portanto, é fundamental ser criterioso
e coerente na solicitação de tais exames de imagem.
Ademais, em face de uma alteração anatômica tireoidiana,
é necessário analisar criteriosamente os achados
encontrados, sempre correlacionando estes à anamnese e
ao exame físico dos pacientes. A neoplasia de tireoide
geralmente se apresenta como uma formação nodular, e,
mesmo sendo a neoplasia endócrina mais comum,
corresponde a menos de 1% do total de neoplasias.
Diante de uma alteração anatômica da tireoide, é
importante distinguir entre lesões benignas e malignas. Os
nódulos podem ser únicos ou múltiplos, funcionantes ou
não. Portanto, para fazer a distinção entre lesões benignas
e malignas, deve-se considerar características da anamnese
e exame físico dos pacientes, fazer a correta avaliação dos
níveis de TSH e analisar as características
ultrassonográficas do(s) nódulo(s). Na ultrassonografia,
características que predizem maior chance de malignidade
são: componente sólido, hipoecogenicidade, diâmetro
anteroposterior do nódulo maior do que seu diâmetro
transverso, margens irregulares, extensão extratireoidiana,
microcalcificações, calcificações periféricas e presença de
linfonodomegalias associadas (Figura 3).
FIGURA 3 Características ultrassonográficas sugestivas de malignidade. 1:
Nódulo hipoecogênico com microcalcificações e margens irregulares; 2: nódulo
hipoecogênico com margens irregulares; 3: nódulo hipoecogênico com diâmetro
anteroposterior maior do que o diâmetro transverso; 4: nódulo hipoecogênico
com margens irregulares e extensão extratireoidiana.
Fonte: adaptada de Haugen et al. (2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alterações estruturais e funcionais da tireoide são a
regra no envelhecimento, e é importante ter isso em mente
ante a interpretação de exames e o estabelecimento de
diagnósticos. Os níveis de TSH tendem a se elevar, sem que
isso represente um problema a ser corrigido. A detecção de
nódulos é bastante comum, porém o rastreio de neoplasia
de tireoide mais frequentemente leva a uma cascata
iatrogênica de consequências potencialmente graves que
propriamente a algum efeito benéfico para o paciente, pelo
que tal conduta é contraindicada.
As disfunções da tireoide fazem diagnóstico diferencial
com uma série de doenças comuns na terceira idade, e a
função da tireoide também pode ser afetada por
medicamentos de uso comum. Portanto, a compreensão
desses elementos é essencial para o adequado manejo das
alterações patológicas e a prevenção de iatrogenias.

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32 Incontinência urinária

Flavio Eduardo Trigo Rocha


Leonardo Trovo Zilotti

INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, tem ocorrido aumento significativo
da longevidade em ambos os sexos, com consequente
aumento das doenças próprias do idoso. O número de
consultas de pacientes idosos em consultórios urológicos,
que entre 1975 e 1986 nos EUA representava 28% do
movimento de consultórios urológicos, atualmente
representa 44% da demanda, correspondendo a 9,9
milhões de consultas anuais. O motivo que mais
frequentemente leva esses pacientes a procurar auxílio
médico são os sintomas do trato urinário inferior (TUI)
causados por diferentes disfunções miccionais. Com o
aumento da longevidade da população e,
consequentemente, da prevalência de comorbidades, a
preocupação deixou de ser apenas com doenças que
colocam em risco a sobrevida do paciente, mas também
com aquelas que impliquem limitações de suas atividades
normais.
A presença de sintomas do TUI é causa de morbidade e
redução da qualidade de vida em idosos de ambos os sexos.
O desconforto causado por esses sintomas aumenta com a
idade. A incontinência urinária é o problema mais comum e
afeta 15 a 35% dos idosos vivendo comunitariamente e 22 a
90% dos idosos institucionalizados em casas de repouso.
O TUI sofre diversas alterações durante o
envelhecimento. Tais alterações incluem a diminuição da
contratilidade detrusora, da capacidade vesical funcional,
da habilidade em postergar a micção e do fluxo urinário.
Ocorre também um aumento da prevalência de
hiperatividade detrusora e do volume urinário residual pós-
miccional. Também ocorre aumento da produção de urina
durante a noite e dos distúrbios do sono, favorecendo o
aparecimento de noctúria em ambos os sexos.
Incontinência urinária é definida como a perda de urina
fora da micção normal. Embora possa ocorrer em todas as
faixas etárias, a ocorrência de incontinência urinária
aumenta com o decorrer da idade. Calcula-se que 8 a 34%
das pessoas acima de 65 anos tenham algum grau de
incontinência urinária; em casas de repouso essa condição
atinge cerca de 50% dos pacientes. Os principais fatores de
risco para aumento de sua prevalência são dificuldade de
locomoção de alguns pacientes idosos, déficit cognitivo e
necessidade de ajuda para cuidados.
Em muitos casos, deve-se tentar distinguir se a causa
das perdas urinárias é decorrente de alterações do TUI ou
de distúrbios transitórios (delírio, medicamentos, infecção
urinária, atrofia vaginal, produção excessiva de urina,
déficit de mobilidade ou obstipação crônica), os quais,
quando corrigidos, poderão levar a melhora dos sintomas
de incontinência. Em casos de alterações anatômicas ou
funcionais do TUI, os sintomas tendem a apresentar caráter
permanente.
A incontinência por urgência constitui a principal causa
de incontinência urinária em pacientes idosos de ambos os
sexos (cerca de 60%); geralmente decorre de
hiperatividade detrusora e se manifesta clinicamente por
perda urinária precedida de desejo imperioso de urinar. A
incontinência urinária de esforço (IUE) representa 30% das
causas de incontinência em pacientes idosos do sexo
feminino; decorre de deficiência esfincteriana, de modo que
durante manobras de esforço (tosse, espirro etc.) a pressão
intravesical supera a pressão esfincteriana, gerando
perdas. Caracteriza-se clinicamente por perdas urinárias
relacionadas com aumentos da pressão intra-abdominal não
precedidas de desejo miccional.
A incontinência mista decorre da associação de
incontinência por urgência à incontinência de esforço. A
incontinência paradoxal representa importante causa de
incontinência urinária em homens idosos; decorre de
hiperdistensão vesical, geralmente secundária a um mau
esvaziamento, seja por obstrução, seja por
hipocontratilidade detrusora, permanecendo com a bexiga
cheia e perdendo urina por transbordamento. Manifesta-se
clinicamente por perdas em gotejamento associado a globo
vesical palpável (bexigoma). A incontinência total decorre
de lesão esfincteriana em consequência de cirurgias para
tratamento de hiperplasia prostática benigna e,
principalmente, câncer de próstata. Manifesta-se
clinicamente por perdas urinárias contínuas sem globo
vesical palpável ou resíduo significativo.

AVALIAÇÃO DO IDOSO INCONTINENTE


Na avaliação do paciente idoso com incontinência
urinária, inicialmente é preciso ater-se à história médica e
a doenças concomitantes. Assim, o paciente deve ser
inquirido objetivamente quanto à presença de diabetes,
hipertensão arterial e drogas utilizadas no controle dessas
condições, em especial o uso de diuréticos. Deve-se
interrogar o paciente, bem como seus familiares, quanto ao
hábito intestinal, mobilidade e status mental. Antecedentes
de patologias neurológicas, tais como acidente vascular
encefálico (AVE) e cirurgias prévias no TUI, devem ser
pesquisados de forma objetiva.
No exame físico deve-se pesquisar sinais de insuficiência
cardíaca congestiva (ICC), patologias neurológicas e
condições que restrinjam a mobilidade, como artrites e
artroses. A avaliação da genitália externa em mulheres
pode demonstrar sinais de vaginite atrófica, bem como a
presença de prolapsos vaginais. Podem-se realizar testes de
esforço visando comprovar a presença de perdas por
esforço. A palpação pélvica permite o diagnóstico de
massas tumorais, fecaloma, bem como bexigoma. O toque
retal em homens permite a avaliação do volume prostático,
atentando para a possibilidade de eventual obstrução
infravesical.
É recomendada a elaboração de um diário miccional,
que consiste na anotação por um período de 3 a 7 dias do
volume urinado, o horário de cada micção, a presença de
perdas urinárias, assim como os fatores que as
desencadearam. Esse recurso simples e barato permite
caracterizar as queixas do paciente quanto ao tipo de
incontinência e calcular o volume urinário diário.
Exames laboratoriais podem identificar causas
transitórias, por isso é muito importante a avaliação de
urina tipo 1, urocultura, glicemia e função renal. Para
afastar a presença de malformações ou cálculos, um exame
de imagem também pode ser útil, podendo-se iniciar com
ultrassonografia das vias urinárias e, se houver alguma
alteração, aprofundar a investigação com outros exames,
como tomografia computadorizada ou ressonância
magnética.
A realização de fluxometria livre em homens permite na
maioria dos casos afastar ou sugerir a presença de
obstrução infravesical. Trata-se de um exame totalmente
não invasivo e é importante em homens portadores de
incontinência por urgência, uma vez que pode ser
secundária à obstrução. A presença de um fluxo normal
pode praticamente excluir a ocorrência de incontinência
paradoxal. Pacientes que apresentam fluxo superior a 15
mL/segundo têm 85% de chance de não apresentarem
obstrução infravesical.
O estudo urodinâmico permitirá a correta caracterização
da queixa do paciente em casos mais complexos. Trata-se
de um exame bem tolerado em idosos e consiste no registro
gráfico da pressão intravesical e abdominal, enquanto a
bexiga é preenchida com soro fisiológico. Após o
enchimento, o paciente é orientado a urinar, e, além das
pressões, é também registrado o fluxo urinário. Assim, esse
exame permite analisar as duas fases do ciclo de micção
(armazenamento e esvaziamento), permitindo o correto
diagnóstico da causa da incontinência urinária.

TRATAMENTO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA NO


PACIENTE IDOSO
O tratamento da incontinência urinária deve ser
cuidadosamente adaptado a cada indivíduo. Isso é
particularmente verdadeiro entre pacientes geriátricos,
porque pode haver heterogeneidade substancial entre os
indivíduos com base em comorbidades, estado funcional e
objetivos do cuidado. As causas de insuficiência cardíaca
estabelecida em pacientes geriátricos são multifatoriais.

Medidas gerais

Deve-se descartar a presença de condições que possam


causar incontinência transitória e abordá-las como medida
inicial. Assim, distúrbios metabólicos que levem a alteração
da função cognitiva devem ser corrigidos; eventuais
infecções urinárias sintomáticas devem ser tratadas
adequadamente; disglicemias; reposição hormonal tópica
em caso de atrofia vaginal deve ser realizada, levando a
melhora na qualidade de vida da paciente.
Deve-se investigar a utilização de medicamentos, em
especial diuréticos, considerando eventuais trocas. O
tratamento de pacientes constipados pode melhorar a
incontinência por diminuir a compressão da bexiga e,
consequentemente, a pressão intravesical. Avaliar excessos
e orientar a redução da ingesta hídrica pode ser tentado
com certa cautela na população idosa, levando em
consideração que tal medida pode favorecer a constipação.
O sobrepeso e a obesidade são considerados fatores de
risco, especialmente se existir componente de
incontinência de esforço associado. A cessação do
tabagismo pode gerar diminuição da sintomatologia. O
paciente idoso deve sempre ser encarado de forma
holística, e não apenas avaliado por seus sintomas
miccionais, pois a melhora de condições que afetem
mobilidade, toalete e fatores psicológicos pode impactar
nos sintomas de incontinência. Pacientes que não urinem
frequentemente e talvez acumulem muita urina ou com
déficit cognitivo podem ser orientados a realizar micções
de horário.
Incontinência paradoxal

Pacientes portadores de incontinência paradoxal devem


ser tratados abordando a causa de eventual obstrução,
principalmente em homens. Uma eventual desobstrução
prostática normalmente resulta em drenagem adequada da
urina e cessação das perdas. Em pacientes com
incontinência paradoxal decorrente de hipocontratilidade
vesical, como ocorre em diabéticos, a drenagem
intermitente da bexiga por meio de autocateterismo
realizado 3 a 4 vezes ao dia resulta em esvaziamento
adequado sem aumento significativo no número de
episódios de infecção do trato urinário.

Incontinência urinária de esforço

Devem ser apontadas medidas comportamentais,


associadas à orientação para realização de fisioterapia. A
reabilitação do assoalho pélvico visa à recuperação da
musculatura do assoalho pélvico, proporcionando melhor
sustentação à bexiga, por meio da realização de exercícios
pélvicos. As técnicas utilizadas pela equipe de fisioterapia
podem ser contrações orientadas da musculatura pélvica,
uso de cones (pesos) progressivos ou biofeedback (auxílio
de eletromiografia para demonstração da contração e
melhora no aprendizado dos pacientes). Essas são formas
não invasivas, com bons resultados, mas que demandam
maior tempo de tratamento e dependem muito da
aderência do paciente.
O tratamento cirúrgico da IUE em idosos apresenta
resultados semelhantes àqueles obtidos em mulheres
jovens (taxas de sucesso de até 92%), embora a morbidade
seja maior. A utilização de slings de uretra média possibilita
melhor sustentação, diminuindo as perdas urinárias e
melhorando a qualidade de vida das pacientes. Vale
ressaltar que a abordagem da incontinência mista é
semelhante à de esforço, uma vez que a correção das
perdas por esforço leva à resolução da urgência em cerca
de 70% dos pacientes.

Incontinência de urgência

Como no caso da IUE, o tratamento inicial em idosos


com urgeincontinência deve incluir tratamento
comportamental e fisioterápico. O tratamento
comportamental baseia-se na adoção de determinadas
mudanças no comportamento diário como forma de evitar
os episódios de urgência e urgeincontinência. A primeira
mudança consiste na adequação da ingesta hídrica,
buscando-se ajustar ao redor de 1.500 mL por dia. Tal
medida resulta em melhora significativa dos sintomas em
cerca de 50% dos pacientes. A segunda medida consiste na
adoção de micções de horário, ou seja, o paciente é
orientado a urinar em intervalos fixos de tempo, evitando
que atinja um volume de urina dentro da bexiga suficiente
para desencadear urgência ou urgeincontinência. Outra
medida consiste em orientar o paciente quanto ao controle
da urgência, explicando que interrompa o que estiver
fazendo e se concentre em contrair o assoalho pélvico,
inibindo a urgência, logo após ir ao banheiro e urinar.
O tratamento medicamentoso visa controlar os sintomas
de bexiga hiperativa sem interferir no mecanismo da
micção. Podem ser classificados em medicamentos de ação
no sistema nervoso central (SNC) e de ação periférica. Este
último grupo pode ser dividido em medicamentos com
atuação nas fibras aferentes e de ação no nível motor, que
reduzem a excitabilidade do detrusor.
Até o momento, os medicamentos de maior eficácia e
estudo no tratamento da bexiga hiperativa têm sido os
anticolinérgicos. Diversos medicamentos dessa categoria já
foram utilizados, destacando-se dentre os mais conhecidos:
oxibutinina (Retemic®, Incontinol®), tolterodina
® ®
(Detrusitol ), solifenacina (Vesicare ) e darifenacina
®
(Fenazic ). Quando disponíveis, as apresentações de
liberação prolongada devem ser preferidas às formulações
convencionais, uma vez que diminuem a incidência de
efeitos adversos.
A oxibutinina representou durante muitos anos o padrão
no tratamento dos sintomas de hiperatividade detrusora.
Sua dosagem em adultos é de 2,5 a 5 mg, 2 a 3 vezes ao
dia, e, em crianças, 0,2 mg/kg/dose, 2 vezes ao dia.
Contudo, apresenta efeitos colaterais como obstipação
intestinal, tonturas, alterações cognitivas e principalmente
boca seca, que levam muitos pacientes a abandonar o
tratamento. Novas formas de oxibutinina utilizando
cápsulas de liberação lenta buscam uma distribuição mais
regular e parecem diminuir tais efeitos colaterais.
A tolterodina é um potente antimuscarínico, que
apresenta afinidade pelos receptores vesicais 5 vezes maior
que pelos receptores parotídeos. Diversos estudos
demonstraram redução significativa dos efeitos colaterais
comuns aos antimuscarínicos e, consequentemente, menor
abandono de tratamento. A dose varia de 1 a 2 mg, 2 vezes
ao dia. Além disso, a tolterodina, por sua menor
solubilidade, tende a ter menor concentração liquórica,
podendo ter também menor interferência na função
cognitiva, o que parece ser de grande importância,
especialmente em idosos.
A solifenacina tem sido o medicamento de primeira
escolha para tratamento dos sintomas de bexiga hiperativa
e apresenta melhor relação entre o resultado da diminuição
dos sintomas e menores taxas de efeitos colaterais. Em
estudos comparativos entre anticolinérgicos, a solifenacina
gerou menos xerostomia, todavia o mesmo potencial para
causar constipação. Pode ser administrada na dose de 5 a
10 mg por dia em dose única. Riscos e benefícios dos
medicamentos devem ser equilibrados com os resultados
observados em relação às funções miccional e cognitiva. Os
riscos de alteração cognitiva ou confusão com
anticolinérgicos são reais, embora a incidência global
relatada seja relativamente pequena. A descontinuação da
medicação geralmente resulta na resolução dos efeitos
colaterais.
Recentemente, foi lançada no mercado a mirabegrona
®
(Myrbetric ), um beta-3 agonista, buscando diminuir os
sintomas de frequência e urgência nos pacientes por meio
do estímulo ao relaxamento da musculatura detrusora, e
não à inibição de sua contração. Ela possui maior perfil de
segurança em relação a sintomas cognitivos e não causa
sensação de boca seca e constipação. Entretanto, o
tratamento deve ser constantemente reavaliado em
pacientes hipertensos pelo risco de descompensação
hipertensiva. Os beta-3-agonistas aparecem como
importante opção em pacientes idosos: a taxa de efeitos
adversos foi similar à do grupo placebo em estudos
randomizados, com eficácia igual ou superior ao
tratamento anticolinérgico no controle de sintomas. Essa
classe também oferece segurança para portadores de
glaucoma de ângulo fechado, já que anticolinérgicos são
contraindicados nessa população.
O tratamento medicamentoso da incontinência urinária
de urgência em pacientes geriátricos tende a gerar certa
insegurança no prescritor por conta da possibilidade de
comprometimento cognitivo secundário ao uso dessas
terapias. Existe divergência de evidência quanto ao
potencial para gerar declínio cognitivo. A recomendação
atual sugere uso cauteloso de anticolinérgicos,
principalmente se o paciente já é portador de qualquer
déficit cognitivo. A aplicação de testes cognitivos antes de
iniciar o uso e reavaliações seriadas depois é fortemente
recomendada. Em três ensaios clínicos randomizados, a
mirabegrona (beta-3 agonista) demonstrou segurança do
ponto de vista cognitivo.
Apesar de menos disponível, a estimulação elétrica tem
ganhado força como modalidade terapêutica mais recente
para a hiperatividade detrusora. A literatura traz evidência
de moderada qualidade sugerindo superioridade quando
comparada ao placebo e até mesmo à terapia
anticolinérgica.

Incontinência urinária pós-prostatectomia

A incontinência total em idosos geralmente decorre de


cirurgias prostáticas, seja por lesão direta do esfíncter, seja
por lesão de sua inervação. Embora seja muito mais
frequente após cirurgias para tratamento de câncer de
próstata, é igualmente devastadora quando ocorre após
cirurgias para tratamento de processos prostáticos
benignos. Cerca de 10% dos portadores de incontinência
pós-prostatectomia perdem urina por instabilidade
detrusora e podem ser tratados por meio de
anticolinérgicos. Nos outros 90%, ocorre predomínio de
lesão esfincteriana, e a perda urinária decorre da
diminuição da resistência uretral.
Nesses casos, o tratamento é feito por meio de
procedimentos que aumentem a resistência uretral.
Procedimentos não invasivos, como reabilitação do
assoalho pélvico, mostraram-se de baixa eficácia nesse
grupo de pacientes. Em pacientes com incontinência leve, a
injeção de polímeros como colágeno, teflon ou Vantris®
pode ser suficiente para aumentar a resistência uretral,
restaurando a continência.
Contudo, na maioria dos pacientes que apresentam
incontinência grave, o tratamento-padrão consistirá na
implantação de um esfíncter artificial (Figura 1). Trata-se
de uma prótese composta por três partes conectadas entre
si e preenchidas por soro, que são implantadas
cirurgicamente. A primeira parte é o cuff, que envolve a
uretra no nível bulbar e é conectado a uma bomba
implantada na parte superior do escroto e a um
reservatório implantado no espaço pré-vesical. Todo o
sistema é preenchido com soro, de modo que a pressão do
reservatório transmitida ao cuff mantenha a uretra ocluída.
Quando o paciente sente desejo miccional, ele ativa a
bomba que transfere o líquido do cuff para o reservatório,
permitindo a micção.
O esfíncter artificial apresenta eficácia ao redor de 90%
no tratamento da incontinência pós-prostatectomia, com
melhora significativa da qualidade de vida dos pacientes.
Trata-se de um procedimento pouco invasivo e bem
tolerado em idosos. Apresenta como principais
complicações a ocorrência de infecção e falência mecânica,
que podem ocorrer em até 15% dos pacientes. Outra
possibilidade de tratamento cirúrgico é a implantação de
slings masculinos para aumento da resistência uretral, que
apresentam taxas de sucesso um pouco inferiores quando
comparados com o uso de esfíncter artificial, porém teriam
menores taxas de infecção e de mau funcionamento.
FIGURA 1 Posicionamento do esfíncter artificial.

BIBLIOGRAFIA
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33 Insuficiência renal crônica

Ana Carolina Devitto Grisotto


José Renato G. Amaral
Venceslau Antônio Coelho

DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA
A insuficiência renal crônica (IRC) é caracterizada por
perda ou ineficiência das funções dos rins (reguladoras,
excretoras e endócrinas), mantida por 3 meses ou mais.
Atualmente, acomete cerca de 700 milhões de pessoas no
mundo todo, e o aumento de sua incidência tem grande
relação com o envelhecimento populacional.
Sabe-se que a prevalência da IRC aumenta com a idade,
chegando a atingir cerca de um terço da população idosa, o
que pode ser explicado tanto pelo fato de a taxa de filtração
glomerular (TFG) diminuir com o envelhecimento como
pela maior prevalência de doenças que têm os rins entre
seus órgãos-alvo, além da exposição a outros fatores de
risco, como explicado a seguir.

FISIOPATOLOGIA
A IRC ocorre em decorrência de fatores desencadeantes,
que podem ser uma alteração renal estrutural de base, uma
doença sistêmica com acometimento renal ou exposição a
toxinas que levem à redução dos néfrons funcionantes, e
levam a um conjunto de mecanismos que envolvem o
processo de hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis
remanescentes, evoluindo com a esclerose e a redução da
função dos rins.
O envelhecimento está relacionado a alterações
estruturais e fisiológicas que impactam no funcionamento
dos rins. Durante o processo de envelhecimento, a cada
ano a massa renal diminui cerca de 10% e a TFG decresce
em cerca de 1 mL/minuto/1,73 cm³, bem como o fluxo
sanguíneo renal também diminui.
Também ocorre desequilíbrio entre fatores
vasodilatadores e vasoconstritores relacionado à
senescência, com comprometimento da autorregulação
renal. As alterações estruturais vasculares ocorrem em
toda a árvore renal e são semelhantes às vistas em vasos
sistêmicos, incluindo arteriosclerose e hipertrofia das
camadas média e íntima. Essas alterações levam a fibrose
intersticial glomerular e a atrofia dos túbulos, e como
consequência, hipertrofia compensatória nos glomérulos
restantes, que passam a trabalhar em regime de
hiperfiltração. Esse mecanismo adaptativo, embora
inicialmente benéfico, com o tempo causa danos aos
glomérulos das unidades remanescentes, resultando em
proteinúria e disfunção renal progressiva, o que parece ser
o principal responsável pelo desenvolvimento de IRC
mesmo naqueles em que a doença de base está curada ou o
fator desencadeante, resolvido.

FATORES DE RISCO
Além da própria idade, doenças crônicas que cursam
com acometimento renal, como diabetes mellitus e
hipertensão arterial (que são as principais causas de IRC
no Brasil e no mundo), são os principais fatores de risco
para a IRC. Outros fatores de risco bem definidos para a
IRC são doença cardiovascular, tabagismo, doença
estrutural do trato urinário, etilismo, história familiar de
doença renal, doença renal hereditária e uso de drogas
potencialmente nefrotóxicas.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da IRC se baseia principalmente em
exames laboratoriais e de imagem, uma vez que nos
estágios iniciais a IRC é em geral assintomática. Os
principais exames são a dosagem da creatinina sérica, a
dosagem da albuminúria em 24 horas e/ou a relação
albumina/creatinina em amostra isolada de urina, e a
realização da ultrassonografia (US) de rins e vias urinárias.
Portanto, os portadores de condições potencialmente
lesivas aos rins devem ser rastreados para disfunção renal
por meio desses exames.
A dosagem da creatinina sérica é útil para a avaliação
da TFG estimada por equações. Na população idosa, a
estimativa da TFG por meio de equações tem sido
desafiadora. A fórmula mais usada e recomendada
atualmente é a CKD Epidemiology Collaboration Equation
(CKD-EPI), apesar de a população idosa ter sido apenas
uma pequena parte da coorte incluída na validação dessa
equação. Por esse motivo, foram desenvolvidas duas
fórmulas para a estimativa da TFG em idosos, a Berlin
Initiative Study (BIS)-1, baseada na creatinina sérica, e a
BIS-2, baseada na creatinina e na cistatina séricas. No
entanto, estudos mais recentes não confirmaram a
superioridade dessas fórmulas em relação à CKD-EPI para
o diagnóstico de IRC nessa população. Para seu cálculo,
basta saber a creatinina sérica, a idade e o sexo do
paciente; sua fórmula, bem como ferramentas de cálculo,
são amplamente disponíveis na internet, sem custo.
A alteração na relação albumina/creatinina na urina
pode ser um marcador mais precoce da presença de dano
renal, definido por excreção de albumina maior ou igual a
30 mg/dia ou equivalente.
A ultrassonografia de rins e vias urinárias é importante
para a corroboração da cronicidade das alterações
laboratoriais e para avaliação de presença de alterações
estruturais que possam causar ou contribuir para a lesão
renal, sobretudo em pacientes com suspeita de obstrução
das vias urinárias, história familiar de doença policística ou
rápida progressão da perda de função renal.

CLASSIFICAÇÃO E PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA


RENAL CRÔNICA
A classificação da IRC pode ser feita de acordo com a
etiologia, a TFG e a albuminúria (Tabelas 1 e 2).

TABELA 1 Classificação da IRC baseada na TFG

Categorias TFG (mL/min/1,73 Definição


m²)

Estágio 1 ≥ 90 Normal ou elevada

Estágio 2 60-89 Levemente reduzida

Estágio 3a 45-59 Leve a moderadamente


reduzida

Estágio 3b 30-44 Moderada a gravemente


reduzida
TABELA 1 Classificação da IRC baseada na TFG

Estágio 4 15-29 Gravemente reduzida

Estágio 5 < 15 Falência renal

IRC: insuficiência renal crônica; TFG: taxa de filtração glomerular.

TABELA 2 Categorias da albuminúria na doença renal crônica

Categorias Taxa de albuminúria Definição


(mg/24 horas)

A1 < 30 Normal a levemente


aumentada

A2 30-300 Moderadamente aumentada

A3 > 300 Gravemente aumentada

Para o diagnóstico de IRC, deve ser levada em


consideração a probabilidade pré-teste da doença, em
conjunto com os achados laboratoriais e de imagem. A
diminuição isolada da TFG em idosos saudáveis não deve
ser usada como único critério para a IRC, já que ocorre
declínio fisiológico da TFG com o envelhecimento normal.
A progressão da IRC está relacionada a diversos fatores,
como a etiologia da IRC, o estágio, idade, sexo, controle
dos fatores de risco e taxa de albuminúria.

PREVENÇÃO E MANEJO DA INSUFICIÊNCIA RENAL


CRÔNICA
O manejo geral da IRC envolve o tratamento de causas
reversíveis de insuficiência renal, a fim de prevenir ou
retardar a evolução da doença renal, controlar possíveis
sintomas e complicações, ajuste da posologia de
medicamentos quando apropriado, de acordo com a TFG
estimada, e identificar quando é necessário referenciar ao
especialista.
Como vimos, a idade, por si só, é um fator de risco para
IRC, portanto o uso de drogas nefrotóxicas deve ser evitado
em idosos. Os pacientes devem ser orientados a ter cautela
com medicamentos de compra livre e uso comum, como
anti-inflamatórios. Evidentemente, por vezes será
necessário o uso de um agente potencialmente nefrotóxico
em um paciente idoso, como determinados antibióticos ou
contrastes para exame de imagem. Nesses casos, é
fundamental o cálculo do clearance para ajuste da dose a
ser usado.
O controle da pressão arterial (PA) é de extrema
importância no manejo da IRC. Mudanças no estilo de vida
são fundamentais no controle da PA e incluem a ingesta de
até 2 g de sódio ao dia (5 g de cloreto de sódio) em
pacientes com PA elevada e IRC e realização de atividade
física de moderada intensidade por pelo menos 150
minutos semanais. As diretrizes mais recentes recomendam
a meta de 120 mmHg de pressão arterial sistólica (PAS)
para pacientes com IRC não dialíticos, inclusive em idosos,
quando tolerada. Nesse grupo, deve-se atentar para o
maior risco de hipotensão postural e quedas, além de maior
suscetibilidade a efeitos colaterais dos medicamentos. É
recomendado iniciar o tratamento medicamentoso para
controle da pressão arterial nos pacientes com IRC drogas
que tenham efeito nefroprotetor, como inibidores da
enzima conversora de angiotensina (iECA) ou bloqueadores
do receptor da angiotensina II (BRA), especialmente
naqueles com albuminúria.
O controle glicêmico deve ter como alvo o valor da
hemoglobina glicada em torno de 7%, que deve, no entanto,
ser individualizado nos pacientes idosos, de acordo com o
risco de hipoglicemia, podendo variar entre 6,5 e 8%. Em
pacientes diabéticos com disfunção renal, os inibidores da
SGLT-2 têm se apresentado como uma boa opção por
diminuir a progressão para doença renal terminal,
sobretudo nos pacientes com albuminúria superior a 300
mg/dia (categoria A3), podendo esses medicamentos,
inclusive, ser indicados para pacientes não diabéticos mas
que já apresentem albuminúria nesses níveis.
Para pacientes com mais de 50 anos de idade,
recomenda-se o uso de estatinas, independentemente da
TFG e da albuminúria. É importante ressaltar que o uso de
estatinas em pacientes com mais de 75 anos e que não
tenham diabetes mellitus é questionável.
Deve ser encorajada a cessação do tabagismo em todos
os pacientes com IRC, devido a maior risco de doença
cardiovascular, que é a principal causa de morte em
pacientes com IRC, bem como maior risco de progressão da
doença renal.
Para pacientes com TFG menor que 30 mL/minuto/1,73
cm², sugere-se uma redução na ingesta de proteínas para
0,8 g/kg/dia. Especialmente para os pacientes idosos, deve-
se levar em consideração o risco de desnutrição e
sarcopenia, sendo recomendado o seguimento com equipe
de nutrição especializada.

COMPLICAÇÕES
As complicações relacionadas à IRC são mais
prevalentes a partir do estágio 3, e incluem:

Distúrbios hidroeletrolíticos: a hipervolemia pode ser


manejada com diuréticos de alça, nos pacientes com
diurese preservada e tratamento conservador, mas o uso
deve ser feito com cautela no paciente idoso, pela
diminuição da capacidade renal de reabsorção do sódio,
podendo levar à depleção de volume e piora súbita da
TFG. Para aqueles que apresentem acidose metabólica
com bicarbonato abaixo de 22 mmol/L, é recomendada a
suplementação com bicarbonato de sódio por via oral.
Distúrbio mineral e ósseo: é importante a dosagem
sérica de cálcio, fósforo, vitamina D e PTH nesses
pacientes, e feita a correção quando houver
hiperfosfatemia, hipocalcemia e deficiência de vitamina
D. Vale lembrar que bisfosfonados não devem ser
utilizados em pacientes com clearance de creatinina
abaixo de 30 mL/minuto.
Anemia: é definida como hemoglobina (Hb) < 13 g/dL em
homens e < 12 g/dL em mulheres. A avaliação inclui
dosagem de reticulócitos, ferritina e saturação de
transferrina. O alvo terapêutico deve ser entre 10 e 12
g/dL. No paciente idoso, é importante estar atento para
outras causas contribuintes para a anemia.

ENCAMINHAMENTO AO ESPECIALISTA
O encaminhamento ao nefrologista é indicado nos
seguintes casos:

Lesão renal aguda ou piora sustentada da TFG.


2
TFG < 30 mL/minuto/1,73 m (estágios 4 e 5).
Proteinúria persistente e significativa: razão albumina-
creatinina ≥ 300 mg/g ou ≥ 30 mg/mmol ou ≥ 300 mg
em urina de 24 horas.
Progressão da IRC.
Avaliação urinária com presença de hematúria (cristais
hemáticos ou hemácias > 20 por campo).
Hipertensão e IRC sem controle pressórico com quatro
ou mais anti-hipertensivos.
Anormalidades persistentes de potássio sérico.
Nefrolitíase recorrente ou extensa.
Doença renal hereditária.

O acompanhamento com nefrologista é importante


também para o planejamento de opções terapêuticas de
terapia de substituição renal (TSR) de forma precoce,
quando indicada e considerando estado clínico global,
qualidade de vida e valores do paciente.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA E QUALIDADE DE


VIDA
A IRC avançada apresenta uma alta carga de sintomas
físicos e psicológicos, levando a grande impacto na
qualidade de vida do paciente. Embora a TSR possa
aumentar significativamente a expectativa de vida e
permitir uma qualidade de vida razoável, nos idosos a IRC
muitas vezes coexiste com outras doenças em estágios
avançados ou síndromes geriátricas, como fragilidade,
incapacidade funcional ou demência, que podem piorar
com o início da diálise. Nessa população, a vantagem da
TSR pode ser pequena ou até mesmo inexistente em
comparação ao tratamento conservador, que tem sido uma
alternativa à diálise nesses pacientes.
Os pacientes com IRC, especialmente em estádios
avançados, têm indicação, em maior ou menor grau, de
cuidados paliativos. Estratégias e ações de cuidados nos
pacientes com IRC incluem avaliação periódica de
sintomas, avaliação do prognóstico por meio de
ferramentas validadas, comunicação adequada e centrada
nos valores do paciente, tomada de decisão compartilhada,
planejamento de cuidados avançados e cuidados de fim de
vida.
A maioria dos pacientes com IRC apresenta cerca de 6 a
20 sintomas simultâneos, incluindo dor, prurido, náuseas,
constipação, dispneia, anorexia, fadiga e distúrbios do
sono, que podem ter interações importantes entre si (p. ex.,
dor e prurido podem contribuir para a insônia).
A estimativa de prognóstico é de fundamental
importância, e deve ser discutida com o paciente quando
aplicável. Devem-se levar em consideração os fatores de
risco para a progressão da doença renal, a avaliação
geriátrica ampla, o estado nutricional, a presença de
disfunção cognitiva e a presença de critérios de fragilidade.
Essas ferramentas auxiliam na implementação de medidas
preventivas e de suporte, bem como auxiliam a identificar
os pacientes com maior risco de óbito, e facilita também a
comunicação com o paciente.
Apesar do avanço do desenvolvimento de cuidados
paliativos na doença renal, ainda existe grande lacuna
entre a teoria e a prática no Brasil. Nesse contexto, o papel
do geriatra pode ser fundamental para diminuir a lacuna
existente e proporcionar maior qualidade de vida aos
idosos com IRC.

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Infecção urinária e bacteriúria assintomática 34

Felipe Vecchi Moreira


Milton Roberto Furst Crenitte
Vinicius Barbosa de Oliveira Silva

INTRODUÇÃO
As infecções do trato urinário (ITU) são condições
altamente prevalentes, responsáveis por cerca de 8 milhões
de atendimentos ambulatoriais e 100 mil internações de
idosos anualmente. Contudo, apesar de sua importância,
equívocos conceituais ainda são frequentes, que levam à
indicação de tratamentos por vezes inadequados. A
população geriátrica está particularmente sujeita a essas
dificuldades, visto que muitas vezes apresenta
manifestações atípicas e a interpretação dos exames
complementares pode ser complicada.
Dessa forma, conceitua-se bacteriúria como a presença
de pelo menos 100 mil unidades formadoras de colônia por
mL de um mesmo agente infeccioso em cultura de urina
colhida sob técnica asséptica em duas amostras
consecutivas em mulheres ou uma amostra em homens.
Quando a bacteriúria associa-se a sintomas compatíveis,
sejam eles baixos (cistite), altos (pielonefrite), sistêmicos
(sepse de foco urinário) ou atípicos (como ocorre
frequentemente em idosos), conceituam-se as infecções de
trato urinário. Na ausência desses sintomas, fala-se em
bacteriúria assintomática.

FATORES DE RISCO EM IDOSOS


São considerados fatores de risco para ITU:

Envelhecimento, por questões multifatoriais, como


atrofia urogenital, imunossenescência, alteração do pH e
da microbiota vaginal e disfunções vesicais
(incontinência e retenção urinária).
Comorbidades associadas, como diabetes mellitus (DM),
hiperplasia prostática benigna (HPB), prolapso de órgãos
pélvicos, alterações anatômicas do trato urinário e
bexiga neurogênica.
Infecção urinária prévia.
Medicações, particularmente os inibidores do
cotransportador de sódio-glicose (SGLT-2) (p. ex.,
dapaglifozina).
Questões comportamentais: atividade sexual, coito anal
receptivo, uso de fraldas, necessidade de sondagem
vesical (o risco de ITU com sondagem vesical de demora
é maior que com o cateterismo vesical intermitente),
institucionalização em estabelecimentos de longa
permanência.

PATOGÊNESE
A maioria das ITU inicia-se por colonização ascendente
do trato urinário (> 95%), particularmente em mulheres
(uretra mais curta). Certos fatores são facilitadores, como
obstrução do trato urinário, tanto por fatores anatômicos
(HPB, litíase e estenoses) quanto por fatores funcionais
(DM, bexiga neurogênica e imunossenescência).
Considerando a proximidade do trato urinário com a
região anorretal, os agentes etiológicos mais comuns na
colonização ascendente são enterobactérias e outros
germes colonizadores do intestino. Em ordem de
prevalência, os agentes mais comuns são: Escherichia coli,
Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus saprophyticus,
Enterococcus, Proteus e Pseudomonas (Figura 1).
A minoria dos casos (< 5%) de ITU ocorre por
disseminação hematogênica e habitualmente é mais grave.

CLASSIFICAÇÃO
As infecções do trato urinário podem ser classificadas:

Quanto à presença de sintomas: sintomática e


assintomática.
Quanto ao sítio da infecção: ITU baixa (uretrite e cistite),
ITU alta (pielonefrite) e sepse de foco urinário.
Quanto à tendência de recorrência: esporádica (< 2
eventos por ano ou < 1 evento a cada 6 meses) ou
recorrente (≥ 3 ITU por ano em mulheres ou ≥ 2 ITU por
ano em homens). ITU recorrentes são subclassificadas
em recidiva (colonização pelo mesmo microrganismo da
infecção anterior, sendo habitualmente precoce e
frequentemente ocorrendo por falha no tratamento
inicial) e reinfecção (colonização por microrganismo
diferente da ITU anterior, podendo ocorrer a qualquer
momento e devendo suscitar a pesquisa por fatores
facilitadores para ITU).
Maior detalhamento dessa classificação pode ser
visualizado no Quadro 1.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A apresentação clínica das ITU pode ser desde
inexistente (bacteriúria assintomática), variando desde
sintomas típicos a depender de sua localização até
sintomas atípicos, muito frequente em idosos.

FIGURA 1 Prevalência de agentes etiológicos causadores de infecção do trato


urinário (ITU).

QUADRO 1 Classificação de infecção urinária

Infecção urinária
QUADRO 1 Classificação de infecção urinária

Baixa (trato Não complicada Cistite:


urinário abaixo (sem alteração colonização com
dos ureteres) funcional ou lesão tissular na
estrutural do mucosa cística.
sistema)
Prostatite aguda:
infecção
prostática.

Complicada (com ITU abaixo do Funcional: bexiga


alteração ureter com neurogênica.
estrutural ou presença de Estrutural:
anatômica que fatores que urolitíase ou HPB.
interfira nos interferem no Cateter: SVD.
mecanismos de funcionamento Sistêmicos: rim
defesa ou no adequado do policístico,
fluxo urinário) sistema. imunossupressão.

Alta (trato Não complicada Pielonefrite:


urinário acima (sem alteração colonização com
dos ureteres: funcional ou lesão tissular no
rim) estrutural do parênquima
sistema) renal.

Complicada (com ITU acima do Funcional: bexiga


alteração ureter (rim) com neurogênica.
estrutural ou presença de Estrutural:
anatômica que fatores que urolitíase ou HPB.
interfira nos interferem no Cateter: SVD.
mecanismos de funcionamento Sistêmicos: rim
defesa ou no adequado do policístico,
fluxo urinário) sistema. imunossupressão.

HPB: hiperplasia prostática benigna; ITU: infecção do trato urinário;

ITU baixas (cistite) manifestam-se como quadro agudos


de sintomas urinários baixos, como algúria terminal,
disúria, urgência, noctúria, hesitação, incontinência,
polaciúria e desconforto suprapúbico. ITU altas
(pielonefrite) também são quadros agudos, que podem
coexistir com sintomas urinários baixos, mas que
igualmente apresentam febre, calafrios, náuseas e vômitos,
dor lombar, prostração e adinamia, podendo ou não evoluir
para sinais de sepse.
Idosos com ITU frequentemente apresentam
sintomatologia atípica ou pouco exuberante. São
frequentes alteração do nível de consciência (agitação ou
sonolência), piora funcional, declínio cognitivo ou anorexia.
Outra dificuldade comum em pacientes geriátricos é a
presença de doenças que dificultam a avaliação clínica do
paciente, como síndromes, demências ou sequelas de
acidente vascular encefálico. Essas requerem maior
atenção clínica, com reavaliações frequentes e vigilância
maior dos sinais e sintomas clínicos que podem se
apresentar.

EXAMES COMPLEMENTARES
Exames complementares são desnecessários para
indicar tratamento em pacientes com sintomatologia típica.
Contudo, eles são importantes para documentar o
diagnóstico e identificar o agente etiológico e sua
suscetibilidade por meio de cultura com teste de
sensibilidade de antimicrobianos.
Exames de urina (urina tipo 1, urina rotina ou EAS) são
exames simples, de baixo custo, que, em situações de ITU,
demonstram urina turva, com odor fétido, com leucocitúria,
nitrito positivo, leucócito esterase positiva e cilindros
leucocitários (em casos de pielonefrite). Hematúria e
proteinúria discretas e transitórias podem ocorrer.
O Gram de gota tem resultado rápido e pode direcionar
o agente etiológico mesmo antes do resultado da
urocultura. Contudo, a urocultura, com achado do germe
específico, é a melhor forma de documentar a ITU e
direcionar seu tratamento por meio do teste de
sensibilidade antimicrobiana.
Exames laboratoriais também são úteis, especialmente
em pacientes com manifestações atípicas, em busca de
sinais sistêmicos de infecção, como leucocitose e aumento
de marcadores inflamatórios – proteína C-reativa (PCR) e
velocidade de hemossedimentação (VHS).
Exames de imagem são úteis especialmente quando se
suspeita de ITU complicada, como obstrução do trato
urinário e abscesso. Desses, são frequentemente usados o
ultrassom de rins e vias urinárias e a tomografia
computadorizada.

DIAGNÓSTICO
Para estabelecer o diagnóstico de ITU no idoso,
inicialmente devem ser avaliadas algumas características
do paciente, como sua capacidade de fornecer informações,
se vive na comunidade ou em instituição de longa
permanência e se possui algum tipo de cateter vesical.
Em face dessas informações, consideram-se as
possibilidades a seguir.

Paciente da comunidade

Com sintomas típicos: coletar exame de urina tipo 1 e


urocultura e iniciar antibioticoterapia empírica. O
resultado negativo dos exames sugere a suspensão do
tratamento.
Com sintomas pouco específicos: observar sintomas por
1 semana. Se aparecerem sintomas típicos, tratar
conforme orientado anteriormente; se houver resolução
dos sintomas, seguir observação clínica; caso haja
persistência de sintomas atípicos, coletar urina tipo 1 e
urocultura; se urocultura positiva, tratar como ITU; se
negativa, buscar outras causas para sintomatologia.

Paciente institucionalizado ou de difícil avaliação clínica

Considerar quadro da ITU se presente ao menos um


critério clínico e um laboratorial dos listados a seguir:

Clínicos:
– Disúria de início recente ou quadro álgico em região
genital.
– Febre ou leucocitose associada a pelo menos um dos
seguintes sintomas: dor lombar aguda, dor
suprapúbica, hematúria macroscópica, surgimento de
urgência ou polaciúria.
– Na ausência de febre, a presença de pelos menos dois
dos sintomas acima.
Laboratoriais:
– Urocultura com crescimento ≥ 100 mil unidades
formadoras de colônias (UFC), com um único
microrganismo isolado na amostra.

Paciente com uso de sonda vesical de demora

Crescimento de pelo menos 100.000 UFC em urocultura,


que pode ser coletado do próprio cateter se introduzido
recentemente (até 7 dias) ou por um novo cateter.
Associado a algum dos seguintes critérios: febre,
calafrios, hipotensão sem sítio de infecção definido;
alteração do nível de consciência ou leucocitose sem
outro motivo aparente; dor lombar; presença de pus
perissonda, dor local ou região genital.
Quadros sugestivos de ITU em homens devem sempre
chamar a atenção, considerando a menor prevalência desse
diagnóstico nessa população. Portanto, deve-se sempre (1)
considerar diagnósticos diferenciais, como uretrites; (2)
avaliar fatores adicionais, como prostatite e ITU
complicadas (obstrução urinária, alterações anatômicas
etc.) e (3) considerá-los como fatores de risco para ITU
recorrente, devendo ser menor o limiar para propedêutica
de imagem e de antibioticoprofilaxia.

TRATAMENTO
Para indicar o tratamento correto para a ITU, deve-se
inicialmente estabelecer corretamente o diagnóstico. Dessa
forma, todas as bacteriúrias sintomáticas devem ser
tratadas o mais precocemente possível, de modo a reduzir
o risco de complicações e a duração dos sintomas. Apenas
em situações particulares as bacteriúrias assintomáticas
serão tratadas.
A primeira etapa é esclarecer corretamente o tipo de
ITU: se sintomática ou não, sua localização/gravidade, a
presença de complicações e/ou se se trata de recidiva ou
infecção.
Deve-se incentivar o tratamento não medicamentoso, o
controle de comorbidades associadas (p. ex., DM), a
revisita à prescrição (p. ex., inibidores de SGLT-2),
orientações comportamentais/higiene e hidratação
satisfatória.
Para cistites não complicadas (mulheres, com primeira
ITU, sem fatores obstrutivos e E. coli como agente
provável), o tratamento empírico com antibiótico oral por 3
a 5 dias é a primeira escolha. Pela IDSA (Infectious
Diseases Society of America – Sociedade Americana de
Doenças Infecciosas), as melhores opções nessa situação
são: sulfametoxazol + trimetropina (800/160 mg de 12/12
horas), fosfomicina (3 g em dose única), nitrofurantoína
(100 mg de 6/6 horas) e norfloxacino (400 mg de 12/12
horas).
Para mais detalhes quanto à eficácia e aos efeitos
colaterais comuns, ver o Quadro 2. Ressalta-se que
quinolonas têm sido cada vez menos utilizadas em idosos,
pelo risco aumentado de delirium, complicações
osteomusculares e cardiovasculares.
Para ITU baixas complicadas (em homens, com
alterações anatômicas ou funcionais associadas e/ou
situações de recidiva e infecção), deve-se idealmente
direcionar o tratamento por cultura, com tratamento
antibiótico oral por 7 a 10 dias. Em casos de prostatite
documentada, esse tratamento pode ser estendido por até
28 dias. Além disso, é fundamental a abordagem de fatores
complicadores, quando possível.
Para pielonefrites, alguns cuidados são necessários. É
obrigatória a coleta de urocultura com antibiograma, e
recomendável também a coleta de hemoculturas.
Recomenda-se considerar antibioticoterapia endovenosa
por pelo menos 48 horas, podendo ser descalonada para
antibiótico oral e alta hospitalar a depender da evolução do
paciente. Apenas em casos particulares não complicados,
sem repercussão sistêmica, sem complicadores clínicos e
com garantia de aderência o tratamento ambulatorial pode
ser considerado desde o princípio, o que é incomum na
população geriátrica.

QUADRO 2 Tratamentos propostos para cistite não complicada


QUADRO 2 Tratamentos propostos para cistite não complicada

Fármaco e dose Eficácia Eficácia Efeitos colaterais


clínica bacteriana comuns
estimada estimada
(%) (%)

Nitrofurantoína, 100 84-95 86-92 Náuseas, cefaleia


mg, 2x/dia, por 5-7
dias

SMX-TMP, 1 90-100 91-100 Exantema, urticária,


comprimido de DC, náuseas, vômitos,
2x/dia, por 3 dias anormalidades
hematológicas

Fosfomicina, envelope 70-91 78-83 Diarreia, náuseas,


de 3 g para dose cefaleia
única

Pivmecilinam, 400 55-82 74-84 Náuseas, vômitos,


mg, 2x/dia, por 3-7 diarreia
dias

Fluoroquinolonas – a 85-95 81-98 Náuseas, vômitos,


dose varia de acordo diarreia, cefaleia,
com o agente; sonolência
esquema de 5-7 dias

De modo geral, estudos mais recentes têm demonstrado


que o tratamento antibiótico por 7 dias não é inferior ao
tratamento por 10 a 14 dias, como preconizado
anteriormente. Escolhas iniciais para antibioticoterapia
empírica em pacientes da comunidade são ceftriaxona (1 g
de 12/12 horas), ceftazidima (1 g de 12/12 horas e
ciprofloxacino (200 mg de 12/12 horas). Não se deve
utilizar norfloxacino, fosfomicina e nitrofurantoína para
tratamento de ITU alta, uma vez que não penetram
adequadamente no parênquima renal.
Além disso, recomenda-se especialmente, em casos de
ITU alta sem melhora adequada após o início da
antibioticoterapia, afastar complicações, como abscesso e
obstrução do trato urinário, mediante exames de imagem.
Além disso, deve-se sempre buscar a compensação de
doenças crônicas, a correção de obstruções, retirar ou
substituir cateteres, sempre com a finalidade de
restabelecer o pleno funcionamento do sistema urinário.
Ressalta-se que, além da escolha do antibiótico, o
tratamento no paciente geriátrico requer maior atenção
clínica, com reavaliações periódicas, visando detectar
precocemente a ausência de resposta terapêutica, possíveis
efeitos colaterais do tratamento (náuseas, vômitos,
diarreia) e novas intercorrências clínicas (desidratação,
delirium), uma vez que o suporte clínico adequado é
fundamental para a total recuperação desses doentes. Não
é necessária a realização de reavaliação laboratorial de
rotina – isso deve ser reservado aos casos de persistência
dos sintomas após o tratamento ou recorrência em um
período menor do que 2 semanas.

BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA
Definida como a presença de bacteriúria significativa,
com ou sem piúria, na ausência de sinais e sintomas
indicativos de ITU, trata-se de uma condição muito
prevalente na população geriátrica, podendo atingir até
50% dos residentes de instituições de longa permanência e
até 20% das mulheres idosas da comunidade.
A bacteriúria assintomática geralmente é uma condição
benigna, visto que sua ocorrência não aumenta a
mortalidade nem causa lesão renal. Além disso, administrar
antibióticos nessas condições não reduz as taxas de
complicações, aumenta as possibilidades iatrogênicas e
pode, paradoxalmente, aumentar o risco de ITU.
De acordo com o consenso sobre bacteriúria
assintomática da ISDA de 2013, a única indicação de
rastreio de bacteriúria assintomática em pacientes idosos é
no pré-operatório de procedimentos urológicos invasivos.
O Quadro 3 detalha recomendações adicionais sobre
diagnóstico de bacteriúria assintomática.

MEDIDAS PREVENTIVAS
Muito se fala sobre antibioticoprofilaxia de ITU, porém
há evidências na literatura de que a estratégia mais
importante para reduzir o risco de reinfecção e recidiva de
ITU é não farmacológica. Especialmente em idosos, em que
fatores comportamentais e higiênicos são bastante
prevalentes, deve-se ter especial atenção a essas
recomendações. Dessa forma, recomenda-se manter boa
hidratação, micções frequentes, urinar sempre ao deitar-se
e após a relação sexual, depletar completamente o volume
da bexiga em todas as micções, evitar ducha íntima,
higiene anal anteroposterior, tratamento da constipação,
evitar o uso de fraldas ou, quando inevitável, garantir
trocas frequentes e evitar o uso de sondas vesicais de
demora quando possível, trocando-as por cateterismo
vesical intermitente sob técnica asséptica.
O uso de extratos de cranberry não conta com um nível
de recomendação significativo, sendo seu papel na
prevenção de ITU controverso em metanálises previamente
publicadas. Por isso, alguns especialistas justificam que,
devido ao baixo risco de efeitos colaterais, o cranberry
pode ser tentado.

QUADRO 3 Recomendações referentes à bacteriúria assintomática


QUADRO 3 Recomendações referentes à bacteriúria assintomática

Recomendação Nível de Grau de


evidência recomendação

Não usar o rastreio e o tratamento da


bacteriúria assintomática nas seguintes
situações:

Mulheres sem fatores de risco 2A A

Pacientes com DM compensado 1B A

Mulheres no pós-menopausa 1A A

Idosos institucionalizados 1A A

Pacientes com trato urinário reconstruído 2B B


ou disfuncional

Usuários crônicos de SVD 1B B

Pacientes transplantados renais 1B B

Pacientes com ITU de repetição 1B A

Rastrear e tratar bacteriúria assintomática 1A A


antes de procedimentos urológicos, com
possível quebra de mucosa

Rastrear e tratar bacteriúria assintomática 1A A


em mulheres grávidas

DM: diabetes mellitus; ITU: infecção do trato urinário; SVD: sonda vesical de
demora.

O estrógeno tópico vaginal tem boa evidência para


redução do risco de ITU. Desde a década de 1990, Raz e
Eriksen mostraram o efeito protetor dessas medidas, com
RR 0,25 (IC 95% 0,13-0,50) e RR 0,64 (IC 95% 0,47-0,86),
respectivamente.
Estudos recentes têm sido realizados com probióticos
para prevenção de ITU, particularmente com instilação
vaginal de lactobacilos do gênero Rhamnosus, com
resultados encorajadores.
A imunoterapia oral é representada pelo medicamento
Uro-Vaxon® (OM-89), constituído por um lisado de 18
sorotipos de Escherichia coli, para o qual já há indicações
comprovando sua eficácia protetora (RR 0,73; IC 95% 0,6-
0,89).
A antibioticoprofilaxia para ITU deve ser considerada
em mulheres com ≥ 3 ITU em 1 ano ou homens com ≥ 2
ITU em 1 ano e/ou na vigência de fatores complicadores
anatômicos ou fisiológicos (DM, obstrução urinária, cálculo,
bexiga neurogênica). Para tanto, deve-se garantir a
esterilidade do trato urinário (urocultura negativa) antes de
iniciado o tratamento, que é feito com antibiótico oral em
dose reduzida por duração entre 3 e 12 meses. As
principais drogas utilizadas com essa finalidade são
nitrofurantoína, sulfametoxazol-trimetropina, cefalexina e
norfloxacino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ITU representam um problema de saúde pública para
a população geriátrica. Por um lado, são inúmeros os
desafios em seu diagnóstico, principalmente em indivíduos
com déficit cognitivo ou dificuldade em comunicação. Por
outro, os riscos do tratamento desnecessário de casos de
bacteriúria assintomática também são alarmantes.

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Sexualidade 35

Mayra de Almeida Frutig


Michele Melo Bautista

INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os países da
América Latina vêm aumentando significativamente a expectativa de
vida nas últimas duas décadas. No Brasil a expectativa de vida ao
nascer já alcança os 76 anos.
A proporção de idosos com vida sexual ativa vem aumentando,
reforçando a necessidade de preparo dos profissionais e a importância
da abordagem ativa do assunto. Porém, mitos de que os idosos são
pessoas assexuadas por falta de interesse sexual dificultam a
abordagem sobre como o envelhecimento pode modificar as
capacidades sexuais, retardando os esclarecimentos para promoção de
melhores condições de saúde.
Aqueles idosos que residem em instituições de longa permanência
tendem a enfrentar ainda mais barreiras (menor qualidade de saúde,
maior índice de disfunção sexual, dificuldade de parceiros, ausência de
privacidade e repreensão dos profissionais que trabalham nessas
instituições) no aspecto da sexualidade quando comparados aos da
população geral. A sexualidade não se restringe ao fator biológico,
sendo na verdade biopsicossociocultural. Por conta disso, acaba por
constituir um relevante indicador de saúde.

ALTERAÇÕES NA FUNÇÃO SEXUAL ASSOCIADAS AO


ENVELHECIMENTO
O ciclo sexual normal é composto por cinco estágios:
1. Desejo (libido): pensamentos referentes às fantasias de atividade
sexual. Ativado pelo hipotálamo (mediado pela testosterona) e por
estruturas límbicas no encéfalo.
2. Excitação: ativada pelo desejo e contato com o parceiro, mediada
por hormônios. No homem, manifesta-se por ereção peniana,
enquanto nas mulheres ocorre aumento do fluxo sanguíneo na
vagina, no clitóris e no tecido mamário e lubrificação vaginal. Nessa
fase, o estímulo nervoso e o fluxo sanguíneo levam ao aumento das
frequências cardíaca e respiratória.
3. Platô: sensação de euforia sexual que precede o orgasmo, com
produção de secreções pré-ejaculatórias no homem e elevação do
útero e grandes lábios vaginais na mulher.
4. Orgasmo: manifesta-se por ejaculação masculina e contrações da
musculatura genital feminina.
5. Resolução: fase de relaxamento após o orgasmo, na qual ocorre
período refratário à ocorrência de nova excitação.

As mudanças fisiológicas que ocorrem no processo do


envelhecimento normalmente podem modificar a resposta sexual dos
idosos de ambos os sexos, principalmente na faixa etária acima 75
anos. As Tabelas 1 e 2 mostram algumas alterações que impactam a
função sexual dos idosos durante a senescência (o chamado
“envelhecimento normal”) e a senilidade (o envelhecimento
patológico):

ABORDAGEM DA SEXUALIDADE
Para avaliar a sexualidade no idoso é necessário questionar não
apenas sobre a saúde física, mas também sobre a saúde psicológica e a
satisfação do idoso durante a intimidade sexual. A anamnese deve
apresentar linguagem acessível, evitar julgamentos quanto à
orientação sexual, garantindo, inclusive, a privacidade do paciente. A
história médica inclui comorbidades, medicações em uso e fatores de
risco orgânicos e psicológicos para disfunção sexual. Na história
sexual, é importante verificar a presença de relacionamentos
(conjugais ou extraconjugais), frequência e qualidade dos atos sexuais
(prévia e atual), antecedente de infecções sexualmente transmissíveis
(IST), uso de preservativos e prática de masturbação. O exame físico
também deve ser completo, incluindo avaliação uroginecológica. Em
casos específicos, podem ser necessários exames (p. ex., para
investigar disfunções hormonais e painel sorológico de IST se houver
comportamento de risco).

TABELA 1 Alterações da sexualidade relacionadas com a senescência (envelhecimento


normal), conforme fases do ciclo sexual

Fase Homem ♂ Mulher ♀

Excitação Diminuição da congestão vascular Diminuição das congestões


escrotal vasculares genital e mamária

Diminuição da elevação testicular Diminuição das secreções vaginais

Ereção peniana retardada Excitação retardada

Platô Diminuição das secreções pré- Redução da elevação do útero e dos


ejaculatórias grandes lábios

Orgasmo Curta duração Curta duração

Redução da contração prostática e Contrações uterinas e vaginais mais


uretral curtas e em menor quantidade

Resolução Retração peniana e abaixamento Rápida reversão ao estágio pré-


testicular rápidos excitatório

Período refratário prolongado

TABELA 2 Alterações da sexualidade relacionadas com a senilidade (envelhecimento


patológico)

Medicamentos (impotência ou perda da libido)

Doenças que levam à impotência

Depressão com perda de interesse em sexo

Perda funcional após cirurgia de próstata ou útero

Barreiras físicas (cateteres ou outros dispositivos)

Perda de mobilidade (por artrite ou AVC)

Alteração da imagem corporal (amputação de membros, mastectomia)

AVC: acidente vascular cerebral.

DISFUNÇÕES SEXUAIS NO IDOSO


A disfunção sexual é caracterizada, segundo os critérios
diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-5, Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders), quando alterações da resposta sexual (em qualquer fase do
ciclo) não atribuíveis ao envelhecimento normal estão presentes por
um período mínimo de 6 meses consecutivos e levam ao prejuízo do
bem-estar do paciente. O diagnóstico requer a exclusão de problemas
mais bem explicados por transtorno mental não sexual ou por
perturbação grave no relacionamento.
Nas mulheres, o transtorno do desejo ou da excitação sexual
feminina tem prevalência de 45%. A dor genitopélvica aparece em 40%
das idosas e distúrbios do orgasmo ocorrem em quase 40% dos casos.
Já nos homens, a principal disfunção sexual é a erétil, acometendo até
40% (principalmente acima de 70 anos). Hipogonadismo sintomático e
distúrbios de ejaculação são disfunções menos frequentes (inferiores a
10%).

TRATAMENTO DAS DISFUNÇÕES SEXUAIS NO IDOSO


O primeiro passo para melhorar a qualidade do relacionamento do
paciente com seu parceiro é deixar claro que o desejo do idoso de
manter relações sexuais e de falar sobre sexualidade é natural e
reflete preocupação com sua saúde e bem-estar. Psicoterapia
individual e de casal são estratégias que auxiliam no aumento da
qualidade das relações e na melhora da autoestima.
Ressaltar a importância das preliminares, já que o estímulo
necessário para a excitação na terceira idade é maior e mais
demorado, e enfatizar que o prazer não é alcançado apenas pelo ato
sexual propriamente dito e que outras estratégias (massagem e
masturbação) podem ser úteis, além da sugestão de posições sexuais
adaptadas, dependendo da limitação física do paciente para minimizar
dor e fadiga.
A prática de exercício físico gera benefícios à função sexual, com
melhorias no desejo e na função global, ainda mais se o paciente for
portador de doenças crônicas, como diabetes mellitus, hipertensão
arterial sistêmica e obesidade, associado ao tratamento
medicamentoso adequado.

POSSÍVEIS CAUSAS DE DISFUNÇÃO SEXUAL


Segundo os últimos estudos, existe clara relação entre saúde física
e função sexual. Doenças que trazem danos aos sistemas vascular e
neurológico do aparelho geniturinário podem ser associadas a causas
de disfunção sexual. Estudos apontam maior prevalência de disfunção
sexual em indivíduos com diabetes mellitus, podendo afetar todas as
fases do ciclo sexual. Outras condições médicas ao aumento do risco
de disfunção sexual incluem: doença cardiovascular,
hipertrigliceridemia, hipertensão, doença neurológica, doença
geniturinária e distúrbios psiquiátricos.
Deve-se sempre revisar as medicações em uso, avaliando quais
podem ser causadoras de disfunção sexual para que possam ser
retiradas ou substituídas por outras. Estima-se em 59% a prevalência
de disfunções causadas por psicotrópicos, incluindo-se todas as classes
de antidepressivos, com maior prevalência na classe dos inibidores
seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e na venlafaxina fica em
torno de 58 a 73%, comparada a 25% da mirtazapina, 5 a 15% da
bupropiona, 8% da trazodona e 2% da vortioxetina. A classe de
antidepressivos ISRS pode reduzir a libido em ambos os sexos, afetar a
excitação (lubrificação nas mulheres e função erétil nos homens),
causar anorgasmia no sexo feminino e aumentar a latência para
ejaculação no sexo masculino. Como estratégia para disfunção
relacionada com o uso de ISRS, é possível inicialmente aguardar até 8
semanas para o melhor efeito antidepressivo, que por vezes pode
trazer melhora na satisfação sexual. Outras estratégias possíveis para
essa disfunção são: atingir a mínima dose terapêutica efetiva; reduzir a
dose e associar outro antidepressivo com menor efeito sobre a função
sexual; e trocar por outro antidepressivo.
Para o sexo masculino o tratamento da hiperplasia prostática
benigna também pode trazer consequências. Os inibidores da
alfarredutase-5 (finasterida, dutasterida) podem reduzir a libido,
causar disfunção erétil ou distúrbio da ejaculação. Os bloqueadores
alfa-adrenérgicos (doxasozina, tansulosina) podem aumentar a libido;
entretanto, são associados à ejaculação retrógrada.
Em relação ao álcool, doses pequenas inicialmente promovem o
aumento da ereção e do desejo sexual, devido a seu efeito
vasodilatador. No entanto, maiores quantidades podem causar
sedação, diminuir a libido e causar disfunção sexual transitória. O
alcoolismo crônico pode provocar, além da disfunção hepática, a
redução dos níveis de testosterona e o aumento dos níveis de
estrógeno. Pode levar a polineuropatia alcoólica, que afeta
diretamente a inervação peniana.
Outras patologias causando distúrbios do sistema nervoso central
(SNC), como síndromes demenciais, parkinsonismos, acidente vascular
encefálico, esclerose múltipla e traumatismo raquimedular, afetam
direta e indiretamente a função sexual.

DISFUNÇÕES SEXUAIS MASCULINAS

Disfunção erétil

A disfunção erétil (DE) é a dificuldade de obter ou manter uma


ereção com rigidez adequada até o final da relação sexual em mais de
75% das vezes. A DE tem alta prevalência em idosos, perfazendo a
principal causa de disfunção sexual, e afeta 67% dos idosos acima de
70 anos. Entretanto, apenas 5% dos homens recebem tratamento. Pelo
aumento da expectativa de vida, calcula-se que a prevalência de DE
nos Estados Unidos aumentará em 30% até o ano de 2025.

Etiologia
A aquisição e a manutenção da ereção peniana é, primariamente,
um fenômeno vascular, desencadeado por sinais neurológicos e
facilitado apenas na presença de um meio hormonal apropriado e
fatores psicológicos.
A DE pode ter causas vasculares (diabetes mellitus, hipertensão
arterial sistêmica, dislipidemia, doença coronariana e cerebrovascular,
pós-radioterapia, tabagismo), neurogênicas (doença de Parkinson,
esclerose múltipla, demências em geral, etilismo, pós-prostatectomia),
anatômicas (fratura peniana e doença de Peyronie), endócrinas (hiper
e hipotireoidismo, hiperprolactinemia e deficiência de testosterona,
sendo a última controversa como causa isolada de DE), psicogênicas
(transtornos ansiosos e depressivos), medicamentosas (Tabela 3) ou
mistas, mais comum em idosos, que costumam ter mais fatores
orgânicos do que psicogênicos, ao contrário dos jovens.

Diagnóstico
O Índice Internacional de Função Erétil (IIEF) é um escore
composto de 15 questões em cinco domínios: função erétil, orgasmo,
desejo sexual, satisfação sexual e satisfação geral. Foi validado para
diagnosticar e graduar a DE e verificar a efetividade do tratamento.
Cada questão tem valor que varia de 1 a 5 e a soma das respostas gera
um escore final para cada domínio, com valores baixos indicando
qualidade da vida sexual ruim. Exames específicos, como o Doppler
peniano, a arteriografia pélvica e os estudos neuroendocrinológicos,
são solicitados apenas para casos de exceção entre os idosos.

TABELA 3 Principais medicações envolvidas na etiologia da disfunção erétil

Medicação Fase do ciclo sexual afetada

Antidepressivos em geral, notadamente ISRS Desejo e orgasmo

Espironolactona Excitação

Diuréticos tiazídicos Excitação e platô

Bloqueadores adrenérgicos (clonidina, Excitação e platô


alfametildopa, propranolol)

Digitálicos (digoxina) Excitação

Cetoconazol Desejo e excitação

Cimetidina Desejo e excitação

Metoclopramida Excitação

ISRS: inibidor seletivo da recaptação da serotonina.

Tratamento
Mudança no estilo de vida
A atividade física aeróbica por cerca de 3 horas/semana melhora o
desempenho sexual inclusive entre idosos, assim como redução de
massa gorda, cessação de tabagismo ou etilismo e controle dos fatores
de risco cardiovasculares auxiliam no tratamento da DE.
Terapêutica de primeira linha: inibidores da fosfodiesterase-5
A eficácia, associada à facilidade de uso e o perfil de poucos efeitos
colaterais dos inibidores da fosfodiesterase-5 (iFDE5), se baseia no
papel do óxido nítrico na vasodilatação peniana, mediada por
guanosina monofosfato cíclico (GMPc), responsável por iniciar e
manter uma ereção. A perda da ereção é relacionada com o
catabolismo do GMPc pela enzima fosfodiesterase-5; os iFDE5
garantem maior atuação do GMPc, resultando em ereções mais
efetivas e duradouras.
Os iFDE5 não serão eficazes se o idoso não realizar os estímulos
físicos e emocionais necessários para o início de uma ereção
adequada. São contraindicados em pacientes sob uso de nitratos e
devem ser prescritos com bastante cautela em pacientes que tomam
bloqueadores alfa-adrenérgicos pelo risco de hipotensão. A Tabela 4
mostra as principais medicações desta classe.
Terapêuticas de segunda linha
Dispositivos de ereção a vácuo
Os dispositivos não são invasivos, têm baixas taxas de complicações
e não têm restrições na frequência de utilização. Contudo, exigem boa
destreza manual, levam à perda do ângulo agudo da ereção e induzem
a descoloração do pênis. Os dispositivos podem causar contusão pela
constrição e interferem na ejaculação, sendo comuns queixas de dor
ou falta de ejaculação anterógrada (40% dos casos). Pacientes em
anticoagulação ou com discrasias sanguíneas devem ter cautela no
uso.
Dispositivo intrauretral com alprostadil
O supositório de alprostadil (prostaglandina E1) produz
relaxamento e dilatação arteriolar, com consequente ereção. Após sua
administração e massagem local, a ereção ocorre em 15 minutos, com
duração de 30 a 60 minutos. A resposta terapêutica efetiva ocorre em
torno de 60% dos pacientes. O inconveniente é a necessidade de
habilidade na técnica de aplicação, o que restringe seu uso. O efeito
adverso mais frequente é a dor peniana durante a aplicação. Também
podem ocorrer taquicardia, tontura e síncope pelo escape de
alprostadil para a circulação. Na parceira podem ocorrer prurido,
desconforto vaginal e indução de trabalho de parto, sendo
contraindicado na gravidez.

TABELA 4 Lista dos inibidores da fosfodiesterase e suas principais características no


tratamento da disfunção erétil

Princípio Marca de Dose Instruções Duração Efeitos Interações


ativo referência habitual de uso do colaterais medicamentosas
efeito
TABELA 4 Lista dos inibidores da fosfodiesterase e suas principais características no
tratamento da disfunção erétil

Sildenafila Viagra® 50-100 mg 1 hora 4 horas Cefaleia, Todos os inibidores


antes da dispepsia, do citocromo P450
relação diarreia, (p. ex., inibidores
sexual, rinite, de protease,
sem epistaxe, certos
ingesta distúrbios antifúngicos e
alimentar visuais macrolídeos)
(visão aumentam as
azulada) concentrações
séricas dos iFDE5.
Vardenafila Levitra® 5-10 mg 1 hora 4 horas Os Evitar uso de suco
antes da mesmos de toranja
relação da (grapefruit).
sexual, sildenafila,
sem exceto
ingesta alterações
alimentar visuais

Tadalafila Cialis® 10-20 mg 1 hora Até 36 Os


antes das antes da horas mesmos
relações ou relação da
2,5-5 mg sexual ou sildenafila,
diariamente uso diário, exceto
sem alterações
restrição visuais
de ingesta
alimentar

Avanafila Spedra® 100-200 15 min 6-18 Os


mg antes da horas mesmos
relação da
sexual, sildenafila,
sem exceto
ingesta alterações
alimentar visuais

iFDE5: inibidores da fosfodiesterase-5.

Injeção peniana (intracavernosa)


A combinação de prostaglandina E1 (alprostadil), papaverina e
fentolamina apresentou eficácia superior ao uso isolado de qualquer
uma dessas substâncias, com menos efeitos colaterais. Após a
aplicação, deve-se massagear o corpo do pênis por 30 segundos e a
ereção ocorrerá em 5 a 10 minutos. Deve-se restringir o uso dessa
técnica para até 3 vezes/semana, diminuindo a probabilidade de
eventos adversos (dor, hematoma ou fibrose peniana). A taxa de
sucesso chega a 80%. Geralmente os pacientes que não respondem ao
tratamento são aqueles com DE arterial grave ou anormalidades
venosas.
Terapêutica medicamentosa oral para disfunção erétil psicogênica
Para a DE psicogênica e transtorno de humor associado, as opções
terapêuticas que menos interferem na sexualidade são trazodona,
mirtazapina, bupropiona e vortioxetina. Há risco de priapismo (ereção
prolongada, acima de 4 horas de duração).
Tratamento psicológico
Acredita-se que quase todos os idosos afetados por DE tenham
tanto fatores orgânicos quanto psíquicos. História clínica que sugere
etiologia psicogênica inclui: início súbito, relacionado com algum
evento da vida (separação conjugal, viuvez, aposentadoria, entre
outros); manutenção de ereções noturnas ou matinais; DE
intermitente; história de conflitos de relacionamento familiar e
conjugal. Entre as técnicas de terapia psicossexual destacam-se:
terapia comportamental, cognitiva, psicoanalítica e psicoeducacional.

Transtorno do desejo sexual masculino hipoativo

A desordem da libido tem prevalência em cerca de 10% em homens,


a qual aumenta com a idade e frequentemente acompanha outra
desordem sexual, como a disfunção erétil; por conseguinte, a
anamnese deve incluir uma sequência cronológica.
As principais causas relacionadas são: medicamentosa (inibidores
de receptação de serotonina, inibidores da alfarredutase-5, analgésicos
opioides), alcoolismo, depressão, fadiga, problemas conjugais, doenças
sistêmicas e deficiência de testosterona.

Hipogonadismo masculino

O hipogonadismo é o reflexo da diminuição da espermatogênese e


da produção de testosterona. A partir dos 50 anos, há um declínio dos
níveis séricos de testosterona total (0,4-0,8% ao ano) e livre (1-2% ao
ano), e aumenta o nível de globulina ligante de hormônios sexuais
(SHBG, sex hormone binding globulin). Ocorre menor variação dos
níveis séricos de testosterona ao longo do dia: enquanto nos jovens
existe um pico matinal, nos idosos tende a existir um nível em platô.
Porém, mesmo com essas alterações o hipogonadismo sintomático não
é considerado fisiológico.
A queda patológica dos níveis de testosterona, além de impactar
nas fases do ciclo sexual dos idosos (particularmente no desejo, na
excitação e no platô), também pode levar a repercussões em outros
sistemas: obesidade central, fadiga, perdas óssea e de massa e força
muscular, diminuição da velocidade de marcha, anemia e distúrbios de
humor e da cognição.
A obesidade visceral (central) está associada ao aumento nos níveis
de peptídeo C, glicose e insulina, desempenhando efeito negativo
sobre os níveis de testosterona. Em obesos há aumento da atividade da
enzima aromatase, que transforma testosterona em estradiol na
corrente sanguínea, suprimindo a testosterona por feedback negativo,
levando à diminuição da lipólise e aumento da deposição de gordura
abdominal, constituindo-se por conseguinte um ciclo vicioso.

Etiologia e diagnóstico
A deficiência androgênica do envelhecimento masculino (DAEM),
com componentes de hipogonadismo primário e secundário, não
ocorre em todos os idosos. Não se deve fazer rastreamento de DAEM
em homens assintomáticos e sem queixas, exceto em diabéticos e
obesos. O critério para diagnóstico da DAEM baseia-se na coexistência
de níveis séricos baixos de testosterona total ou livre com sinais e
sintomas compatíveis com hipogonadismo. Os sintomas mais comuns
são: diminuição da libido, DE, aumento da gordura visceral, perda de
massa muscular, perda de massa óssea, diminuição dos pelos,
depressão, desânimo, dificuldade de concentração, perda da memória,
irritabilidade, declínio do sono e anemia.
Os níveis séricos normais de testosterona total variam entre 300 e
800 ng/dL. Considera-se hipogonadismo valores menores que 231
ng/dL, mas as repercussões clínicas tendem a aparecer com níveis
inferiores a 150 ng/dL. A distinção entre hipogonadismo primário e
secundário se faz pela dosagem de hormônio folículo estimulante
(FSH, follicle-stimulating hormone) e hormônio luteinizante (LH,
luteinizing hormone), que estarão aumentados apenas no
hipogonadismo primário. Em alguns casos serão necessários a
dosagem de SHBG e o exame da testosterona livre (que pode ser
dosada pelo método de diálise ou calculada).

Tratamento
O tratamento do hipogonadismo se baseia na reposição de
testosterona, com o objetivo de atingir níveis séricos normais (300-400
ng/dL em idosos, diferente do patamar de 500-600 ng/dL em jovens).
No entanto, tem benefício comprovado somente para idosos com
hipogonadismo sintomático. As opções de tratamento são descritas na
Tabela 5.

Ejaculação retardada

Consiste na ejaculação com retardo acentuado, com baixa


frequência marcante ou ausente em ao menos 75% das relações por no
mínimo 6 meses de evolução, e que trazem dano ao paciente. O homem
relata dificuldade ou incapacidade para ejacular apesar de estimulação
adequada e desejo de ejacular. A definição de retardo não tem limites
precisos, pois não há consenso do que seria um tempo razoável.

TABELA 5 Principais apresentações de testosterona utilizadas no tratamento do


hipogonadismo masculino

Tipo de Substância Posologia Local de Considerações


formulação aplicação

Testosterona IM Enantato de 100-200 mg a Coxas Podem causar


de longa duração testosterona cada 2 semanas (autoaplicação) grande flutuação
(200 mg/mL) e ou nádegas dos níveis séricos
cipionato de (outra pessoa de testosterona
testosterona aplicando)
(100 ou 200
mg/mL)

Testosterona IM Undecanoato de Dose inicial de Glúteo médio Risco de embolia


de muito longa testosterona 750 mg, seguida gordurosa
duração (250 mg/mL ou de 750 mg após associada à
1.000 mg/4 mL) 4 semanas, e injeção
depois 750 mg
trimestralmente

Adesivos Testosterona 1-2 adesivos/dia Dorso, abdome, Risco de rash


transdérmicos transdérmica de braço ou parte cutâneo, difícil
24 horas de superior da coxa adesão ao
duração na pele sem tratamento
(Androderm® ou lesões
Andropatch®)
TABELA 5 Principais apresentações de testosterona utilizadas no tratamento do
hipogonadismo masculino

Pomadas e géis Testosterona 1 dose/dia Dorso, abdome, Nem todos os


tópicos (pele) tópica a 1%, coxa ou axila, em idosos com
1,62% ou 2% pele sem lesões hipogonadismo
(Testogel®, alcançam níveis
Androgel®) séricos normais
de testosterona
com esta
preparação

Testosterona oral Undecanoato de 40-80 mg, 2 Oral (ingesta de Efeitos colaterais


testosterona (40 ×/dia (após café comprimido) gastrointestinais
mg) e após jantar)

Implante SC Testosterona em 150-450 mg a Quadril (SC) Necessidade de


implante (75 mg) cada 3-6 meses incisão para
implante; risco
de infecção e
fibrose no local

Testosterona Testosterona em 30 mg, 2 ×/dia Cavidade oral Má adesão,


bucal tópica goma (30 mg) irritação pela
goma

IM: intramuscular; SC: subcutâneo.

São fatores a serem avaliados para ponderação etiológica e/ou


terapêutica: relativos à parceira (p. ex., problemas sexuais, estado de
saúde), ao relacionamento, individuais (p. ex., questões de imagem
corporal, psiquiátricas, morbidades e medicações), além de culturais
ou religiosos.

Ejaculação precoce

Atualmente definida como ejaculação que quase sempre ocorre


antes ou dentro de aproximadamente um minuto da penetração;
inabilidade para retardar a ejaculação em pelo menos quase todas as
penetrações e relato de experiências negativas com dano psíquico e
frustração.
É a principal causa de disfunção sexual em jovens. Em
contrapartida, sua prevalência não é muito estudada em idosos. Em
estudo com mais de 800 idosos, a ejaculação precoce é sutilmente
menos comum na faixa etária entre 65 e 74 anos quando comparada
com homens entre 57 e 64 anos.
A etiologia muitas vezes é incerta ou obscura. Sabe-se que fatores
psicológicos podem estar relacionados. Como manejo, o suporte
psicológico individual e de casal e o tratamento farmacológico podem
ser os pilares de atuação. No que tange às medicações, são opções
antidepressivos inibidores de receptação de serotonina (como
paroxetina), analgésicos opioides (tramadol é o único estudado para
este fim) e o uso de anestésico na glande (p. ex., lidocaína gel). Como
tratamento não farmacológico também podem ser implementadas
técnicas como start-stop (início e cessação sequenciados) ou
compressão da base do pênis durante o intercurso sexual.

Ejaculação retrógrada

A ejaculação retrógrada (que ocorre em direção à bexiga) está


associada a cirurgias de próstata ou bexiga ou uso de
alfabloqueadores. O paciente não elimina sêmen pela uretra durante o
orgasmo. O tratamento envolve orientação e analgesia se houver relato
de dor. Em casos selecionados, pelo risco de infertilidade, podem ser
usadas pseudoefedrina e imipramina.

DISFUNÇÕES SEXUAIS FEMININAS


Para as mulheres a sexualidade tende a ser moldada pelas
mudanças fisiológicas e psicológicas trazidas pela menopausa. As
consequências desse evento são atrofia urogenital, diminuição da
lubrificação e vasocongestão, declínio da sensibilidade nas zonas
erógenas e diminuição da libido e da resposta sexual.
Doenças que afetam a mobilidade e a atividade física reduzem o
desejo sexual. A imagem corporal e o sentimento de atração também
sofrem modificações com o envelhecimento, resultando em menor
interesse na atividade sexual. Além disso, dor ou problemas físicos
como artrite e incontinência urinária podem aumentar o desconforto
ou causar dificuldades durante a atividade sexual.
Em geral, e considerando os problemas sexuais como um todo,
parece factível que 40% da população feminina seja afetada, com
prevalência maior de 50% em mulheres perimenopausadas e pós-
menopausadas.
Várias patologias trazem reflexo direto sobre a função sexual
feminina. Um exemplo é a incontinência urinária, responsável por
disfunção sexual em 26 a 47% das mulheres idosas. O tratamento
cirúrgico dessa condição nem sempre traz bons resultados. Uma
revisão sistemática mostrou que em 32% dos casos não há melhora e
em 13% existe piora clínica relatada por associação de mais uma
queixa, a dispareunia. A histerectomia pode trazer reflexo positivo
para as que sofrem de dor ou sangramento uterino ou negativo para as
que já apresentam problemas sexuais ou têm transtorno depressivo
associado.
Neoplasias ginecológicas também podem trazer reflexos negativos,
com dispareunia secundária ao processo de cirurgia ou radioterapia
local, supressão ovariana cirúrgica ou farmacológica induzida. Câncer
de mama e seu tratamento também podem resultar em danos físicos
(p. ex., mastectomia), psíquicos ou até hormonais, com o uso de
bloqueadores hormonais.
As principais disfunções sexuais na mulher idosa são: transtorno da
excitação sexual feminina, transtorno da dor genitopélvica e
transtorno do orgasmo feminino.

Transtorno da excitação sexual feminina

Tem prevalência crescente com o avançar da idade e atinge cerca


de 47% na faixa etária de 66 a 74 anos. O diagnóstico é feito pela
presença de pelo menos três dos seguintes critérios:

1. Interesse reduzido ou ausente na atividade sexual;


2. Redução ou ausência de pensamentos eróticos ou fantasias;
3. Redução da iniciativa e refratariedade à intenção do parceiro de
iniciar uma relação;
4. Redução do prazer em pelo menos 75% das relações sexuais;
5. Redução da excitação em resposta a qualquer tipo de estímulo
(verbal, visual ou outros).

A depressão está presente em 17 a 26% das mulheres com baixo


desejo sexual; por conseguinte, deve sempre ser aventada a
possibilidade de transtorno de humor associado.
A flibanserina (Addyi®), droga intitulada como “viagra feminino”, foi
liberado pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos
em 2015 como tratamento do baixo desejo sexual em mulheres na pré-
menopausa. Trata-se de uma terapia de uso diário e que tem interação
com vários fármacos e com o álcool. Sua eficácia se mostrou limitada.
Transtorno da dor genitopélvica ou penetração

Pode ser subdividido em duas categorias: dispareunia (dor genital


recorrente ou persistente associada à relação sexual, que causa
desconforto pessoal) e vaginismo (espasmo involuntário recorrente ou
persistente da musculatura do terço externo da vagina, que interfere
na penetração vaginal e causa lesões e aflição).
Este transtorno é diagnosticado quando há dificuldades recorrentes
ou permanentes com um dos seguintes aspectos: penetração vaginal
durante o ato sexual; dor pélvica ou vulvar durante tentativas de
penetração; medo marcado em sentir dor em antecipação a ato sexual
ou durante a penetração vaginal; tensão dos músculos do assoalho
pélvico durante a penetração.
O transtorno da dor genitopélvica aumenta em prevalência com o
fator idade, baixo nível educacional, baixa condição econômica,
estresse ou problemas emocionais e prevalência de sintomas do trato
urinário. Por último, este transtorno está associado à deterioração da
qualidade de vida das pacientes.

Transtorno do orgasmo feminino

Caracteriza-se pela ausência, demora ou pouca frequência de


orgasmo ou intensidade muito reduzida das sensações orgásticas em
pelo menos 75% das relações sexuais. Este distúrbio afeta 25% das
mulheres e tem sua prevalência aumentada com a idade. Um estudo
aponta um percentual de 34% de anorgasmia para mulheres entre 57 e
85 anos.

Diagnóstico das disfunções sexuais femininas

É importante obter uma história clínica completa, incluindo


antecedentes ginecológicos e sexuais. Além dos itens já abordados
para todos os pacientes com disfunções sexuais, deve-se fazer os
seguintes questionamentos para as idosas: status menopausal;
histórico gestacional; antecedente de cirurgias ou neoplasias pélvicas;
dor pélvica ou vulvovaginal; sensação de vagina seca; sangramentos;
incontinências urinária e fecal.
Em casos selecionados, há indicação de exames complementares
como ultrassonografia transvaginal, culturas para gonorreia e clamídia
(obtidas do colo uterino) e níveis séricos de hormônio estimulador da
tireoide (TSH, thyroid stimulating hormone) e prolactina. Não é
recomendada de rotina a dosagem de hormônios andrógenos para
mulheres.

Tratamento das disfunções sexuais femininas

Medidas não farmacológicas


Além das medidas gerais já abordadas (educação, terapia de casal,
psicoterapia), há benefício com as seguintes abordagens: fisioterapia
com reabilitação pélvica (em casos de dor pélvica ou hipertonia do
assoalho pélvico); tratamento das incontinências (urinária e fecal); uso
de lubrificantes vaginais à base de água; vibradores ou livros com
temas eróticos.

Medidas farmacológicas
A reposição de testosterona pode ser tentada por 3 a 6 meses em
mulheres na pós-menopausa com transtorno do desejo hipoativo, que
não obtiveram resultados com as medidas não farmacológicas. A
referida reposição deve ser suspensa se a melhora não for atingida e
não deve ser utilizada por mais de 24 meses diante da ausência de
estudos de segurança e eficácia.
Os estrogênios sistêmicos (combinados ou não com progesterona)
só beneficiam pacientes com disfunção sexual associada ao climatério
sintomático, devendo ser usados por poucos anos e contraindicados
fora desse contexto. O estrogênio tópico pode ser usado em casos de
incontinência urinária e para atrofia vaginal, com melhora da
dispareunia.
O ospemifeno é uma medicação oral aprovada pela FDA como
alternativa ao uso de lubrificantes vaginais no tratamento da
dispareunia associada à atrofia genital. No entanto, exige uso diário e
não tem segurança comprovada para pacientes com fatores de risco
para neoplasia mamária ou embolia pulmonar.
A tibolona é um esteroide sintético com propriedades estrogênicas,
progestagênicas e androgênicas, aprovada para uso em mulheres
menopausadas na Europa, porém está associada ao risco de neoplasia
de mama e acidente vascular cerebral.

INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS EM IDOSOS


A prevalência em indivíduos acima de 65 anos de infecção por
clamídia aumentou em 52%, gonorreia em 75% e sífilis em 64% entre
os anos de 2010 e 2014. Aproximadamente 21% dos diagnósticos de
HIV e 27% dos casos de Aids em 2013 foram em pessoas acima de 50
anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação em saúde é a melhor estratégia para a construção de
conceitos que visualizem o idoso como um indivíduo livre para
vivenciar sua sexualidade, desprendida de mitos e preconceitos que
se solidificaram socialmente. É importante ressaltar que tais ações
educativas devem envolver tanto idosos como não idosos, pois o
envelhecimento é inerente ao ser humano e questões sobre a
sexualidade precisam ser discutidas no percurso de todas as etapas
da vida.
A maioria dos homens e mulheres com mais de 60 anos relataram
em pesquisas que eles têm relações sexuais pelo menos uma vez por
mês. O preditor mais influente da atividade sexual parece ser a
saúde física em homens mais velhos e a qualidade da relação
conjugal em mulheres mais velhas.
Os princípios gerais de tratamento das disfunções sexuais devem
incluir tratamento de doenças crônicas, adaptações com tratamento
para limitações físicas ou dor, educação, psicoterapia individual ou
de casal, terapia farmacológica, além de informações sobre o
envelhecimento normal.

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SEÇÃO VI

Neuropsiquiatria geriátrica
Envelhecimento cognitivo, comprometimento 36
cognitivo leve e principais aspectos da
avaliação cognitiva

Daniel Apolinario
Paula Schimidt Brum

ENVELHECIMENTO CEREBRAL

Aspectos estruturais

O envelhecimento cerebral pode ser entendido como um


processo multifatorial envolvendo componentes como
estresse oxidativo, disfunção mitocondrial, ativação
inflamatória, deposição anômala de proteínas e acúmulo
progressivo de lesões microvasculares. Esses processos são
acompanhados da redução apoptótica do número de
neurônios e diminuição do número de sinapses. Do ponto
de vista estrutural, observa-se a partir dos 40 anos uma
perda do volume da substância branca e da substância
cinzenta, resultando em diminuição do peso do encéfalo a
uma taxa de 5% por década. Estudos de volumetria têm
revelado que o córtex pré-frontal e o striatum são as
regiões mais afetadas pelo envelhecimento.
Em um estudo com análise post-mortem do encéfalo de
467 indivíduos, uma prevalência elevada de lesões
neuropatológicas foi encontrada em idosos falecidos sem
demência, incluindo corpos de Lewy neocorticais (6%),
microinfartos (25%), macroinfartos (29%), deposição de
substância amiloide (82%) e emaranhados neurofibrilares
(100%). Tais achados demonstram que a presença
expressiva de lesões neuropatológicas subclínicas é
observada como parte do que se tem chamado de
envelhecimento cognitivo normal.

Aspectos funcionais

Acompanhando as alterações estruturais já descritas,


observa-se no envelhecimento um declínio lentamente
progressivo de grande parte das funções cognitivas. Em
testes neuropsicológicos sensíveis, indivíduos com 80 anos
apresentam desempenho de cerca de um desvio-padrão
abaixo daquele observado aos 50 anos. O declínio associado
ao envelhecimento mostra-se particularmente pronunciado
nas tarefas que envolvem memória episódica e velocidade
psicomotora. Por outro lado, algumas funções relacionadas
com o vocabulário e os conhecimentos mostram-se estáveis
ou até melhoram com o envelhecimento.
Uma das características marcantes no processo de
envelhecimento cognitivo é a heterogeneidade. Mesmo em
populações de idosos saudáveis, excluindo-se indivíduos
com doença neurológica ou psiquiátrica, observam-se
trajetórias de envelhecimento cognitivo muito diversas. Os
fatores que explicam essa heterogeneidade têm sido alvo
de grande interesse. Em um estudo que acompanhou 856
idosos sem demência com avaliações neuropsicológicas
anuais (representando o envelhecimento cognitivo normal),
as alterações neuropatológicas explicaram 41% da
variância observada na velocidade do declínio cognitivo,
sugerindo que uma parte das alterações cognitivas
observadas no envelhecimento pode ser atribuída ao
acúmulo de lesões neuropatológicas subclínicas,
especialmente depósitos de proteína amiloide e
emaranhados neurofibrilares.
Entre os outros fatores que podem explicar a
heterogeneidade das trajetórias cognitivas no
envelhecimento podem ser citados herança genética, traço
de personalidade, transtornos psiquiátricos, privação de
estímulos por déficits sensoriais e fatores relacionados com
o estilo de vida na composição de um construto protetor
denominado reserva cognitiva.

Reserva cognitiva
A ideia subjacente à existência de uma reserva cognitiva
deriva de observações sobre a discrepância entre a carga
de lesões patológicas no encéfalo e as manifestações
clínicas (comprometimento cognitivo). Evidências
acumuladas nos últimos anos indicam que indivíduos mais
escolarizados, com maior envolvimento em atividades
intelectualmente estimulantes e maior engajamento em
atividades sociais resistem melhor às lesões
neuropatológicas e apresentam menor risco de declínio
cognitivo.
O indivíduo com reserva cognitiva mais alta seria capaz
de tolerar uma quantidade maior de agressões
neuropatológicas antes de desenvolver sintomas. Achados
de neuroimagem funcional sugerem que o encéfalo de uma
pessoa com maior reserva cognitiva pode contornar o efeito
de lesões neuropatológicas através da ativação de recursos
de processamento mais econômicos, estabelecimento de
vias neurais alternativas e outros mecanismos
compensatórios. Há ainda evidências experimentais que
reforçam a plausibilidade biológica da teoria da reserva
cognitiva. Animais alocados em ambientes mais
estimulantes apresentam neurogênese intensificada e
níveis mais elevados de fator neurotrófico derivado do
cérebro (BDNF, brain-derived neurotrophic factor),
elementos importantes para a manutenção da plasticidade
cerebral. Em suma, há um corpo de evidências bem
sedimentado indicando que o envolvimento em atividades
intelectualmente estimulantes e de interação social podem
modificar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento
e reduzir o risco de transtornos neurocognitivos.

QUEIXAS COGNITIVAS
As queixas cognitivas são comuns entre os idosos,
constituem uma fonte importante de preocupação e
frequentemente determinam procura de atendimento
médico. Em estudos populacionais, cerca de metade das
pessoas idosas afirma apresentar dificuldade em tarefas
com demanda cognitiva.

Fatores associados às queixas cognitivas

A utilidade da percepção do indivíduo sobre seu próprio


desempenho cognitivo tem sido questionada. É comum que
o idoso com declínio cognitivo não tenha boa percepção do
quadro, em um fenômeno denominado anosognosia. De
fato, em uma metanálise de 50 estudos que reuniram
58.778 participantes, foi encontrada uma associação fraca
entre a presença de queixa e a presença de déficit
cognitivo. Assim, recomenda-se que as estratégias de
rastreio e de avaliação nunca sejam baseadas
exclusivamente na opinião do próprio indivíduo sobre seu
desempenho, mas sim em testes objetivos e relatos de
informantes com convívio próximo. Se, por um lado, uma
associação fraca tem sido observada entre a percepção
subjetiva e a presença de déficit, por outro lado
associações fortes têm sido encontradas entre as queixas
cognitivas e sintomas psiquiátricos como depressão e
ansiedade. Assim, frente a uma queixa cognitiva, uma
avaliação de sintomas psiquiátricos deve ser tomada como
prioridade.

Anamnese das queixas cognitivas

O idoso com queixas cognitivas deve ter seus relatos


valorizados através de uma anamnese dirigida. Entre as
questões a serem realizadas são sugeridas as seguintes:

Há quanto tempo você tem notado essas alterações?


Você acredita que os sintomas pioraram no último ano?
Outras pessoas do seu convívio notaram e comentaram
que sua memória está pior?
Você acha que sua memória está abaixo do que seria
esperado para sua faixa etária?
Essas dificuldades lhe preocupam ou lhe incomodam?
Por quê?
Por favor, dê exemplos de situações do dia a dia em que
essas dificuldades acontecem.

Além de garantir que as queixas estão sendo ouvidas e


valorizadas, a anamnese dirigida pode fornecer
informações importantes na estratificação de risco. Queixas
numerosas, contadas em detalhes, hipervalorizadas e nas
quais predominam as distrações são mais características de
transtornos depressivos ou ansiosos. Por outro lado,
queixas vagas, subvalorizadas, com predomínio de
esquecimentos e que foram estimuladas por um familiar
são mais características dos transtornos neurocognitivos.

Declínio cognitivo subjetivo

O termo declínio cognitivo subjetivo (DCS) tem sido


utilizado para caracterizar um quadro de queixa cognitiva
persistente em indivíduos em que não se observa a
presença de comprometimento cognitivo ou transtorno
psiquiátrico após avaliação cuidadosa. A Tabela 1
apresenta os critérios diagnósticos propostos para DCS.

TABELA 1 Critérios para declínio cognitivo subjetivo (1 e 2 devem estar


presentes)

1. Percepção persistente, do próprio indivíduo, de declínio nas capacidades


cognitivas em comparação com um estado prévio e não relacionado com
evento agudo.
2. Desempenho normal em testes cognitivos padronizados em comparação
com referências normativas ajustadas para idade, sexo e escolaridade.
Critérios de exclusão:
Diagnóstico de comprometimento cognitivo leve, doença de Alzheimer
prodrômica ou demência.
Sintomas que podem ser explicados por transtornos psiquiátricos, doença
neurológica, diagnósticos médicos, uso de medicamentos ou substâncias.

A relevância do DCS como diagnóstico tem encontrado


suporte em estudos recentes indicando que os idosos com
essa condição apresentam risco levemente aumentado de
desenvolver demência nos anos subsequentes. Atualmente
nenhuma medicação ou intervenção não farmacológica é
recomendada como rotina para idosos com DCS. O
indivíduo deve ser tranquilizado e, caso o quadro persista,
a avaliação cognitiva pode ser repetida anualmente.
Investigações com neuroimagem e biomarcadores não
adicionam informações relevantes nesses casos e devem
ser evitadas. Atividades de estimulação cognitiva, interação
social e prática de exercícios devem ser recomendadas
como medidas preventivas que compõem um estilo de vida
saudável. O treino cognitivo pode ser indicado para
indivíduos frustrados com as dificuldades e que desejam
melhorar seu desempenho.

COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE


O termo comprometimento cognitivo leve (CCL) designa
um declínio das funções cognitivas acima do que seria
esperado no envelhecimento normal, mas que não chega a
comprometer a independência em atividades de vida diária
e, portanto, não preenche critérios para demência. Em
alguns casos o CCL corresponde à fase inicial de um
processo neurodegenerativo com grande risco de evolução
para demência, representando uma janela com potencial
para intervenções. Em outros casos, o CCL está associado a
condições clínicas potencialmente reversíveis que podem
ser abordadas com sucesso se identificadas precocemente.
Os critérios de Petersen modificados para CCL são
descritos a seguir:

O indivíduo não apresenta desempenho cognitivo normal,


mas não chega a preencher critérios para diagnóstico de
demência.
Há relato de declínio cognitivo (do próprio indivíduo ou
de um informante) em conjunto com a observação de
comprometimento em testes objetivos.
As atividades de vida diária estão preservadas ou há
comprometimento mínimo nas atividades instrumentais
complexas.
Subtipos de comprometimento cognitivo leve conforme os
domínios cognitivos comprometidos

Inicialmente, o CCL é classificado como amnésico ou


não amnésico de acordo com a presença ou não de
comprometimento de memória. Subsequentemente, o CCL
é classificado como único ou de múltiplos domínios de
acordo com os testes cognitivos alterados. Assim, o
indivíduo com CCL pode receber uma das quatro
classificações a seguir:

1. amnésico de único domínio;


2. amnésico de múltiplos domínios;
3. não amnésico de único domínio;
4. não amnésico de múltiplos domínios.

Essa classificação descreve de forma simplificada o


perfil neuropsicológico dos déficits e baseia-se na hipótese
de que o comprometimento diferencial dos domínios reflete
diferentes neuropatologias subjacentes. De fato, estudos
prospectivos confirmaram que o CCL amnésico evolui com
maior frequência para demência por doença de Alzheimer,
e o CCL não amnésico apresenta maior probabilidade de
evoluir para demências associadas a outras
neuropatologias.

Taxas de conversão para demência

Em uma metanálise de 41 estudos de coorte que


descreveram desfechos em pacientes com CCL, a taxa de
conversão para demência foi de 9,6% ao ano em centros
especializados e 4,9% em amostras da comunidade.
Indivíduos com CCL apresentaram risco de evolução para
demência quase 14 vezes maior quando comparados com
os que não o possuem.
Alguns dados iniciais deram a ideia de que, se
acompanhados por tempo suficiente, todos os pacientes
com CCL acabariam desenvolvendo demência no longo
prazo. No entanto, em estudos com seguimento prolongado
foi possível notar que a taxa cumulativa de conversão ao
final do período de observação raramente ultrapassa 50%.
Em uma metanálise de estudos com seguimento prolongado
(pelo menos 5 anos), foi encontrada uma taxa cumulativa
de conversão de 31%. Em outro estudo foram
acompanhados 874 indivíduos com CCL até a morte,
perfazendo um tempo de seguimento médio de 7,9 anos.
Desses indivíduos, apenas 47% desenvolveram demência,
ao passo que 39% mantiveram o diagnóstico de CCL e 14%
apresentaram reversão dos déficits.
De forma geral os estudos com seguimento de longo
prazo refutam a hipótese de que todos os casos de CCL
representam uma condição progressiva e de transição
inevitável para a demência. Ao contrário, as evidências
acumuladas até o momento apontam para a necessidade de
investigar causas potencialmente reversíveis e avaliar o
risco de conversão conforme as particularidades de cada
caso.

Fatores associados a um maior risco de evolução para


demência

Idade: a probabilidade de o CCL representar uma doença


neurodegenerativa evolutiva é muito baixa em indivíduos
abaixo de 65 anos, a menos que haja história familiar
sugestiva para mutação autossômica dominante. Por
outro lado, alguns estudos têm encontrado taxas de
conversão próximas a 100% para CCL amnésico, com
déficits mais graves nas faixas etárias avançadas.
Gravidade dos déficits cognitivos: a ideia de que o CCL
com déficit cognitivo mais grave apresenta maior risco
de evolução para demência já foi demonstrada em
diversos estudos. Alguns autores propõem que o CCL
seja classificado como inicial para z-escores na faixa de
-1 a -1,5 e tardio para z-escores abaixo de -1,5. Em um
estudo prospectivo que comparou controles com CCL
amnésico, o risco de conversão para demência foi 2
vezes maior nos pacientes com CCL inicial e 11 vezes
maior nos pacientes com CCL tardio.
Subtipo de CCL de acordo com os domínios
comprometidos: estudos prospectivos têm revelado que o
CCL amnésico está associado a maior risco de demência
em comparação com o CCL não amnésico e que o
comprometimento de múltiplos domínios está associado
a maior risco do que o comprometimento de um domínio
isolado. Assim, o CCL amnésico de múltiplos domínios é
o subtipo associado às maiores taxas de conversão para
demência.
Comprometimento em atividades instrumentais: antes de
apresentar perda da independência funcional, o
indivíduo com CCL em progressão começa a encontrar
dificuldades, como maior lentidão e maior número de
erros. Observa-se então o abandono progressivo de
atividades mais complexas, o desenvolvimento de
estratégias adaptativas e a necessidade crescente de
supervisão. Pontuações indicativas de maior
comprometimento em questionários de atividades
instrumentais estão associadas a maior risco de
progressão para demência.
Sintomas neuropsiquiátricos: sintomas
neuropsiquiátricos semelhantes àqueles observados na
demência, porém de menor intensidade, têm sido
encontrados nos indivíduos com CCL. Em revisão
sistemática que incluiu 21 estudos, os sintomas
encontrados com maior frequência nos pacientes com
CCL foram depressão (30%), distúrbios do sono (18%) e
apatia (15%). Estudos longitudinais têm revelado que a
presença desses sintomas está associada a maior risco
de conversão para demência.
Biomarcadores: no paciente com CCL, a redução de
Abeta42 e o aumento de T-tau e P-tau no líquor estão
associados a maior risco de progressão para demência
por doença de Alzheimer. Outros biomarcadores de
neuroimagem também têm se mostrado promissores
nessa função. No entanto, os biomarcadores não estão
bem padronizados para a prática clínica e não devem ser
solicitados como rotina. Recomenda-se que sejam
considerados em casos selecionados conduzidos por
especialistas com experiência nesse campo.

Abordagem do CCL

A investigação de um quadro de CCL requer a aplicação


de testes sensíveis para avaliar os principais domínios
cognitivos (memória, atenção, linguagem, funções
executivas e funções visuoespaciais). Quando uma
avaliação neuropsicológica não está disponível, devem ser
utilizados testes globais com sensibilidade suficiente para
detectar CCL, como o Montreal Cognitive Assessment
(MoCA) ou o Addenbrook’s Cognitive Examination III (ACE-
III). São ainda fundamentais para o diagnóstico o exame
neurológico dirigido, o rastreio de sintomas psiquiátricos e
a entrevista com um informante de convívio próximo.
Assim como ocorre nos quadros de demência, deve ser
conduzida investigação cuidadosa de fatores
potencialmente reversíveis, incluindo revisão dos
medicamentos em uso, com atenção especial aos agentes
anticolinérgicos e sedativos. Um exame de neuroimagem
estrutural deve ser realizado em todos os casos. A
ressonância magnética é o método de escolha, embora a
tomografia computadorizada possa substituí-la em
ambientes sem acesso a esse recurso. Entre os exames
laboratoriais para investigação de causas potencialmente
reversíveis, a dosagem de vitamina B12 e o hormônio
estimulador da tireoide (TSH, thyroid stimulating hormone)
são obrigatórios. Outros exames básicos devem ser
considerados caso não tenham sido realizados no último
ano: hemograma completo, sódio, cálcio, função renal e
função hepática. Alguns exames podem ser considerados
conforme a apresentação do quadro e os fatores de risco:
dosagem de ácido fólico, sorologia para sífilis, sorologia
para HIV, análise de líquido cefalorraquidiano.
Os casos de CCL devem ser acompanhados com
reavaliações anuais, incluindo aplicação de testes
cognitivos sensíveis para o quadro. Devem ser
apresentadas estratégias de estimulação cognitiva,
interação social e atividade física. Nenhum tratamento
farmacológico deve ser indicado como rotina. Os
anticolinesterásicos têm sido utilizados nos casos tardios
ou já limítrofes, em que a evolução para um quadro
demencial é um cenário provável para os próximos meses.
No entanto, as evidências de benefícios para os
anticolinesterásicos não estão claras nesses casos.
AVALIAÇÃO COGNITIVA DO IDOSO
A suspeita de comprometimento cognitivo geralmente é
levantada a partir de uma das quatro seguintes situações:

1. Queixa cognitiva do próprio indivíduo;


2. Relato de declínio cognitivo observado por um
informante de convívio próximo;
3. Teste de rastreio cognitivo com resultado alterado;
4. Comportamento sugestivo observado por um
profissional de saúde (p. ex., necessidade de repetir
orientações na consulta, dificuldade de adesão ao
regime medicamentoso).

A suspeita de comprometimento cognitivo deve ser


investigada de forma minimamente sistematizada,
incluindo aplicação de testes cognitivos, avaliação de
sintomas psiquiátricos e, sempre que possível, entrevista
com um informante de convívio próximo.

Fatores que devem ser levados em conta na escolha dos


testes cognitivos

Dezenas de testes cognitivos foram desenvolvidos e


estão disponíveis para o uso na prática clínica. Ao escolher
um teste cognitivo, o profissional deve levar em conta
inicialmente qual o objetivo principal da testagem. O teste
será utilizado como rastreio inicial? Para estabelecer
diagnóstico em um indivíduo com suspeita? Para traçar um
perfil cognitivo que possa auxiliar na definição da etiologia?
Em reavaliações de seguimento longitudinal? Para avaliar
capacidades (p. ex., direção veicular, tomada de decisões)?
Além de ser guiada pelo objetivo da testagem, a escolha
do teste cognitivo deve ser baseada na avaliação das
evidências de validade publicadas, na qualidade das
normas disponíveis, no tempo de aplicação requerido, na
necessidade de materiais especiais (que podem dificultar a
aplicação), na adequação das tarefas propostas ao perfil
sociocultural da população-alvo e na adequação do nível de
dificuldade ao grau de comprometimento cognitivo
esperado. A seguir, serão feitas recomendações práticas
sobre os testes cognitivos mais utilizados no Brasil.

Testes cognitivos ultrarrápidos


Os testes cognitivos ultrarrápidos são aplicados em
cerca de 2 a 5 minutos e visam obter a maior acurácia no
menor tempo possível. São utilizados na atenção primária,
em estratégias de rastreio populacional, como componente
de uma avaliação multidimensional, no ambiente hospitalar
ou em qualquer situação com restrição de tempo.
Os testes ultrarrápidos geralmente combinam subtestes
de orientação temporal, fluência verbal, desenho do relógio
e memorização de três palavras ou nome e endereço. Na
América do Norte e na Europa os testes cognitivos
ultrarrápidos mais utilizados são o Mini-Cog e o General
Practitioner Assessment of Cognition (GPCOG). No entanto,
o uso desses instrumentos não se popularizou no Brasil,
provavelmente porque ambos requerem o desenho de um
relógio, tarefa de difícil interpretação em populações de
baixa escolaridade.
Sugerimos o uso do 10-point Cognitive Screener (10-
CS), teste que pode ser aplicado em 2-3 minutos, composto
pelos subtestes de orientação (dia, mês e ano), fluência
verbal (animais em 1 minutos) e memória (aprendizado e
evocação de três palavras). O 10-CS pode ser aplicado em
2-3 minutos, tem acurácia superior à do Miniexame do
Estado Mental (MEEM), não requer materiais específicos,
pode ser aplicado em pacientes com déficit motor ou visual,
pode ser aplicado por telefone, sofre pouca influência da
escolaridade e é um instrumento de domínio público. As
regras e aplicação e interpretação do 10-CS podem ser
consultadas na Figura 1.

Testes cognitivos globais


Os testes globais são compostos por um conjunto de
subtestes que avaliam diversas funções cognitivas em um
só instrumento, com tempos de aplicação variando de 7 a
40 minutos. Além de permitirem um mapeamento das
principais funções cognitivas, esses testes fornecem um
escore global obtido pela soma dos seus subitens. Os testes
cognitivos globais são utilizados em apoio à formulação de
diagnósticos clínicos e podem ser úteis no monitoramento
de pacientes comprometidos através do escore global em
reavaliações periódicas.
O MEEM foi desenvolvido em 1975 e por muitos anos
ocupou a posição de teste mais utilizado nessa função. As
evidências acumuladas ao longo das últimas décadas foram
revelando limitações importantes do MEEM, incluindo a
avaliação insuficiente de domínios importantes como a
memória episódica e as funções executivas, a baixa
acurácia para casos leves, a presença de tarefas
constrangedoras para indivíduos de baixa escolaridade e o
efeito teto para indivíduos com alta escolaridade. Além
disso, os direitos autorais do MEEM foram vendidos para
uma editora norte-americana que não permite a
reprodução dos formulários do teste. Assim, atualmente são
raras as situações da prática clínica em que o MEEM pode
ser considerado a melhor escolha.
O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) foi validado
em 2005 e desde então vem ganhando popularidade no
mundo todo, especialmente por ser capaz de detectar
quadros de comprometimento cognitivo leve. O MoCA é
composto por 13 subtestes que avaliam os principais
domínios cognitivos de forma equilibrada e fornece um
escore que varia de 0 a 30 pontos. Sua aplicação toma 10 a
12 minutos, fazendo dele uma ferramenta viável para a
prática clínica ambulatorial no contexto de especialidades
como Geriatria, Neurologia e Psiquiatria.*
A principal limitação do MoCA é sua inviabilidade em
indivíduos de baixa escolaridade, em quem o teste é difícil
de ser aplicado e toma tempo excessivo, além de
apresentar propriedades psicométricas limitadas e
dificuldade de interpretação quanto ao que pode ser
considerado um resultado normal. De forma geral
recomenda-se que o MoCA não seja utilizado em indivíduos
com menos de 4 anos de escolaridade. No entanto, nossa
experiência clínica tem revelado que o teste também não é
adequado para alguns indivíduos com escolaridade entre 4
e 8 anos. Uma versão do MoCA para populações de baixa
escolaridade (MoCA-B) foi desenvolvida e parece ser
promissora, mas ainda se encontra em fase de validação no
Brasil.
FIGURA 1 Ficha do 10-point Cognitive Screener.
Fonte: Apolinario et al., 2016.

Avaliação neuropsicológica
A avaliação neuropsicológica é realizada por um
profissional especializado, geralmente psicólogo com curso
de pós-graduação nessa área. Consiste na aplicação de um
conjunto amplo de testes que podem tomar de 1 a 6 horas,
selecionados para avaliar de forma aprofundada os
principais domínios cognitivos, como aprendizado,
memória, linguagem, atenção, funções executivas, funções
visuoespaciais, cognição social e inteligência pré-mórbida.
Como resultado tem-se um relatório que incorpora
impressões subjetivas do examinador e medidas objetivas
com percentil e z-escores corrigidos para idade e
escolaridade. O déficit em um determinado domínio é
definido através de um z-escore ≤ -1,5 (percentil ≤ 7) em
um dos testes que representam o domínio ou através de
dois testes com z-escore < -1,0 (percentil ≤ 16) no mesmo
domínio.
A avaliação neuropsicológica é especialmente útil nas
seguintes situações clínicas:

investigar quadros leves nos quais um teste cognitivo


global se mostrou insuficiente para o diagnóstico;
monitorar pacientes com CCL em reavaliações anuais;
auxiliar na determinação do diagnóstico etiológico das
síndromes demenciais, especialmente em casos atípicos;
auxiliar nas decisões sobre capacidades, como direção
veicular e tomada de decisão em atos da vida civil.

A avaliação neuropsicológica tem algumas limitações


que devem ser ressaltadas:
1. Trata-se de um recurso relativamente caro e nem
sempre disponível;
2. A qualidade das avaliações e dos relatórios é muito
heterogênea e depende da experiência do profissional;
3. No Brasil faltam boas referências normativas;
4. A aplicação de múltiplos testes frequentemente resulta
em falso positivo.

Por fim, é importante ressaltar que a interpretação das


avaliações neuropsicológicas depende de uma formação
sólida em neuropsiquiatria geriátrica por parte do
profissional médico. Esse recurso pode resultar em erros
diagnósticos graves quando interpretado por profissionais
sem experiência nessa área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo foram descritas as principais alterações
estruturais e funcionais do envelhecimento cerebral, foram
feitas sugestões para a abordagem das queixas cognitivas,
foi apresentado o conceito de DCS, foi revisada a
abordagem do CCL e foram feitas recomendações práticas
sobre a avaliação cognitiva do idoso.

*
As versões do MoCA para o Brasil podem ser encontradas no seguinte endereço
eletrônico: mocatest.org.

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Doença de Alzheimer: diagnóstico, 37
classificação e tratamento

Andrea Silva Gondim


Camila Pinto De Nadai
Jarbas de Sá Roriz Filho

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
A doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de
demência neurodegenerativa no mundo e se caracteriza
pela progressão lenta de seus sintomas. O primeiro caso de
DA foi descrito pelo psiquiatra e neurologista alemão Alois
Alzheimer, em 3 de novembro de 1906, na paciente
chamada Auguste Deter, e a patologia passou a receber
essa nomenclatura por Kraepelin, em 1910. A demência
pode ser definida como uma síndrome, caracterizada por
um declínio cognitivo ou comportamental, cujos sintomas
interferem nas atividades de vida diária (AVD), não são
explicáveis por delirium ou transtorno psiquiátrico maior e
levam a prejuízo funcional em relação a níveis prévios.
A DA consiste em um transtorno progressivo e
irreversível que altera a função cognitiva, incluindo os
seguintes domínios: memória, funções executivas,
habilidades visuoespaciais, linguagem e personalidade ou
comportamento, caracterizando-se por evolução lenta e
gradual. Acarreta prejuízo funcional e perda de autonomia
progressiva, causando aos pacientes dependência e
necessidade de cuidados. Essas alterações cursam com
importante impacto na qualidade de vida do paciente e de
sua família. Não só causa sofrimento importante para
pacientes e cuidadores como também ocasiona grande ônus
econômico para a sociedade. Os principais desafios atuais
consistem na falta de biomarcadores confiáveis para
diagnóstico precoce e na ausência de estratégias eficazes
para prevenção e tratamento.

EPIDEMIOLOGIA
A DA é reconhecida como importante problema de saúde
pública mundial. Sua incidência e prevalência aumentam
progressivamente com a idade no mundo. Estima-se que
existam, atualmente, cerca de 50 milhões de pessoas
acometidas por alguma forma de demência no mundo, 10
milhões de novos diagnósticos por ano e cerca de 60%
devidos à DA. No Brasil, por sua vez, são estimados cerca
de 1,7 milhão de idosos com demência.
Uma revisão sistemática incluindo 273 estudos estimou
que cerca de 74,7 milhões de indivíduos estariam
acometidos com a doença em 2030 e 131,5 milhões em
2050. Atualmente, cerca de 60% das pessoas com
diagnóstico de demência residem em países com baixa ou
média renda. Projeções sugerem que, entre 2015 e 2050,
haverá um incremento em 116% do número de pessoas
com demência em países de alta renda e de 264% em
países de baixa renda. Trata-se de doença que causa
grande impacto financeiro: em 2015, o gasto anual em todo
o mundo foi avaliado em torno de 818 bilhões de dólares,
com previsão de aumentar para aproximadamente 2
trilhões de dólares em 2030, o que corresponde a cerca de
1,09% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Ainda não se conhece a verdadeira etiologia da DA, a
despeito de esforços contínuos da comunidade científica,
porém se sabe que há componentes genéticos e ambientais
envolvidos em sua gênese, agindo por meio de interações
complexas. O principal fator de risco é a idade avançada.
Há aumento progressivo de diagnóstico de demências,
dentre elas a DA, a partir de 60 anos de idade. Outros
fatores de risco associados são: traumatismo craniano,
gênero feminino (após 80 anos de idade), nível educacional,
condição socioeconômica, história familiar positiva, história
prévia de depressão, síndrome de Down, tabagismo,
obesidade, sedentarismo, diabetes mellitus, hipertensão
arterial sistêmica e gene de suscetibilidade (genótipo Apoε
4).
Em nível celular, a DA é caracterizada pela perda
progressiva de neurônios corticais, relacionada com a
deposição de proteínas anormais, principalmente no córtex
entorrinal, no hipocampo e no córtex cingulado posterior.
De acordo com a hipótese amiloide, a patogênese da DA é
explicada por acúmulo, agregação e toxicidade de peptídeo
β-amiloide (Aβ) no cérebro, produzido pela proteína
precursora amiloide (PPA). A PPA parece estar envolvida na
plasticidade neuronal e na formação de sinapses. Outro
possível mecanismo estudado como causa de DA é a
formação de emaranhados neurofibrilares, constituídos de
agregação anormal da proteína tau hiperfosforilada (p-tau).
Os principais achados patológicos encontrados na DA
são a degeneração sináptica e a perda neuronal, com a
deposição de placas senis e de emaranhados
neurofibrilares no córtex cerebral. As placas senis são
lesões extracelulares contendo o peptídeo Aβ, que se
origina a partir da proteína PPA. Os emaranhados
neurofibrilares são inclusões intraneurais verificadas nos
citoplasmas dos neurônios, compostas de bandas de
elementos citoesqueléticos anormais, cujo componente
principal é a p-tau, que estabiliza o sistema de
microtúbulos neuronais.
Em pessoas sem diagnóstico de demência, a PPA é
clivada pela ação da enzima α-secretase. Na DA, ocorre a
liberação do peptídeo Aβ da PPA a partir de vias anormais e
alternativas, envolvendo a ação das atividades das enzimas
β-secretase e γ-secretase, por um processo denominado
endoproteólise, sem a ação da enzima α-secretase. A
sequência bioquímica de Aβ nos depósitos de amiloide da
DA apresentam-se em com variações de comprimento,
sendo que a maioria dos peptídeos Aβ termina no
aminoácido 40 e são denominados Aβ40. Outra fração de
Aβ, resultante de divisões em diferentes pontos quando o
Aβ é clivado, que termina geralmente no aminoácido 42, é
denominada Aβ42.
A proteína tau, em condições fisiológicas, estabiliza o
sistema de microtúbulos no interior dos neurônios,
formados pelas proteínas α e β tubulinas, a fim de
transportar substâncias do corpo celular para a terminação
sináptica. Na DA, ocorre um processo de fosforilação
anormal da proteína tau, que instabiliza as tubulinas e
produz distrofia e edema dos microtúbulos, o que causa a
morte neuronal.
Mutações em genes que codificam a PPA, a presenilina 1
e a presenilina 2, que constituem outras enzimas que
compõem o complexo da γ-secretase, também podem ser
causa de DA. As formas genéticas de DA são raras, e o
padrão de herança é autossômico dominante. O gene da
PPA se localiza no cromossomo 21, cuja trissomia define o
diagnóstico da síndrome de Down, frequentemente
associada à DA.
A compreensão atual do papel de Aβ em DA se
concentra em sua contribuição para patologia e sintomas
cerebrais. Entretanto, embora a maior parte dos peptídeos
Aβ seja gerada no cérebro, uma quantidade considerável de
Aβ é também produzida em sistemas periféricos. Por isso,
propõe-se que a DA possa não ser apenas um distúrbio
cerebral, pois hoje já se sabe que fatores sistêmicos podem
interagir com o cérebro para modificar o processo da DA.

QUADRO CLÍNICO
A DA se caracteriza, na maioria dos casos, pela perda
progressiva de memória e de outras funções cognitivas e
costuma ter início após os 60 anos de idade. Alterações na
memória e na realização de AVD são as primeiras
alterações observadas. Em fases posteriores, outros
sintomas neuropsiquiátricos se manifestam, como
depressão, agitação psicomotora e alucinações. As formas
de progressão são variáveis entre indivíduos diferentes, e
os sintomas pioram gradual e continuamente. A duração da
doença, desde seu início até a morte, é de
aproximadamente 12 anos, entretanto em alguns pacientes
pode ser mais curta ou mais longa, variando entre 2-25
anos e tendo como fatores que alteram a sobrevida:
gravidade da doença, gênero e idade. Sua evolução clínica
pode ser dividida em 3 estágios, conforme descrito no
Quadro 1.
Em geral, a DA manifesta-se inicialmente com a forma
típica amnéstica, em cerca de 85% dos casos. Entretanto,
há outras apresentações menos frequentes, que iniciam
com predomínio de alterações da linguagem, das
habilidades visuoespaciais e das funções executivas ou
motoras complexas. As formas atípicas mais comuns são: a
variante logopênica da afasia progressiva primária (vlAPP)
e a visuoespacial-apráxica da atrofia cortical posterior.
O aumento progressivo de estudos científicos a respeito
da doença sugere que ela se manifesta além do cérebro.
Essas alterações sistêmicas podem não estar apenas
relacionadas com efeitos secundários da degeneração do
cérebro, mas também podem refletir processos ligados à
progressão da doença. Um número crescente de estudos
indica que uma série de anormalidades sistêmicas pode
exacerbar a progressão da DA.
Atualmente, sabe-se que pacientes com diabetes
mellitus são aproximadamente 1,4-2 vezes mais propensos
a desenvolver DA do que indivíduos saudáveis. Também, há
algumas evidências que sugerem que o metabolismo
lipídico anormal está associado com um risco aumentado
de DA. Há, ainda, estudos indicando que doença
cardiovascular é uma das principais comorbidades em
pacientes com DA esporádica. Além disso, há trabalhos
mostrando que a disfunção renal aumenta o risco de
comprometimento cognitivo e de demência, sugerindo que
a melhora da função renal pode ser uma abordagem
promissora para a prevenção e tratamento da DA. Por sua
vez, os distúrbios respiratórios do sono estão associados
com risco aumentado de comprometimento cognitivo leve
ou de demência de início precoce.

QUADRO 1 Fases de evolução da doença de Alzheimer


QUADRO 1 Fases de evolução da doença de Alzheimer

Estágio Duração Clínica Características


média importantes

Leve 2-3 anos Piora progressiva dos Alteração de memória


sintomas amnésticos, declarativa episódica.
comprometimento de
outras funções
cognitivas, disfunção
executiva, leve
desorientação espacial,
sintomas
neuropsiquiátricos
(apatia, depressão,
ansiedade) e leve
distúrbio de linguagem.

Intermediária 2-10 anos Deterioração mais Alteração da


acentuada do déficit de capacidade de
memória, sintomas aprendizado, alteração
focais, distúrbios de na memória remota e
linguagem mais no julgamento,
evidentes, apraxia sintomas
ideomotora, neuropsiquiátricos,
desorientação perda de habilidade
temporoespacial, outros para ABVD.
sintomas
neuropsiquiátricos
(delírios, alucinações,
agitação), maior
dependência.

Avançada 8-12 anos Agravamento das Todas as funções


alterações de cognitivas gravemente
linguagem, síndrome comprometidas
de imobilismo,
dependência total,
complicações
infecciosas e morte.

ABVD: atividades básicas da vida diária.

DIAGNÓSTICO
Não existe ainda um exame específico para detectar a
DA, portanto o diagnóstico é baseado na história clínica
obtida do paciente e de sua família. A avaliação clínica deve
se iniciar pela anamnese, que deve ser direcionada para
identificar os domínios cognitivos afetados, o impacto na
funcionalidade do paciente e os sintomas comportamentais
presentes. Os domínios cognitivos a serem investigados
são: memória, atenção, funções visuoespaciais, praxias,
funções executivas e linguagem.
O processo fisiopatológico da doença inicia antes dos
sintomas aparecerem. No espectro sindrômico do declínio
cognitivo, estão o comprometimento cognitivo leve (CCL),
em que o paciente não apresenta prejuízo de autonomia, o
declínio cognitivo subjetivo (DCS), nos indivíduos que
apresentam desempenho normal nos testes
neuropsicológicos a despeito de apresentarem queixas
cognitivas, e a demência, como apresentado na Figura 1.
Em 2011, o National Institute on Aging and Alzheimer’s
Association Disease and Related Disorders Association
(NIA-AA) e a Academia Brasileira de Neurologia criaram
conjuntos separados de diretrizes diagnósticas para os
estágios sintomáticos ou clínicos da DA, que incluíam
comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência. Os
critérios definidos pelo NIA-AA para diagnóstico de DA
estão listados no Quadro 2. Na prática clínica, para o
diagnóstico de demência, é necessário que haja sintomas
cognitivos ou comportamentais que comprometam a
funcionalidade do paciente em comparação com sua
condição prévia e interfiram com a habilidade na realização
de atividades usuais. O comprometimento da cognição é
identificado por meio da realização de anamnese com o
paciente e com familiares ou cuidadores.
FIGURA 1 Continuum do declínio cognitivo no envelhecimento normal e
patológico.
Fonte: Consenso de Demências. Dementia and Neuropsychology, setembro de
2022.

QUADRO 2 Critérios diagnósticos de demência pelo National Institute on


Aging and Alzheimer’s Association Disease and Related Disorders Association
(NIA-AA) e pela Academia Brasileira de Neurologia

1. Demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou


comportamentais (neuropsiquiátricos) que:
1.1. Interferem com a habilidade no trabalho ou em atividades usuais.
1.2. Representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e
desempenho.
1.3 Não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo) ou doença
psiquiátrica maior.

2. O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado mediante


combinação de:
2.1. Anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da
história.
2.2. Avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou
avaliação neuropsicológica. A avaliação neuropsicológica deve ser realizada
quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado pelo médico não
forem suficientes para permitir diagnóstico confiável.
QUADRO 2 Critérios diagnósticos de demência pelo National Institute on
Aging and Alzheimer’s Association Disease and Related Disorders Association
(NIA-AA) e pela Academia Brasileira de Neurologia

3. Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo


dois dos seguintes domínios:
3.1. Memória, caracterizado por comprometimento da capacidade para
adquirir ou evocar informações recentes, com sintomas que incluem: repetição
das mesmas perguntas ou assuntos, esquecimento de eventos, compromissos
ou do lugar no qual guardou seus pertences.
3.2 Funções executivas, caracterizado por comprometimento do raciocínio, da
realização de tarefas complexas e do julgamento, com sintomas tais como:
compreensão pobre de situações de risco, redução da capacidade para cuidar
das finanças, de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou
sequenciais.
3.3. Habilidades visuoespaciais, com sintomas que incluem: incapacidade de
reconhecer faces ou objetos comuns, encontrar objetos no campo visual,
dificuldade para manusear utensílios, para vestir-se, não explicáveis por
deficiência visual ou motora.
3.4. Linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita), com sintomas que
incluem: dificuldade para encontrar e/ou compreender palavras, erros ao falar
e escrever, com trocas de palavras ou fonemas, não explicáveis por déficit
sensorial ou motor.
3.5. Personalidade ou comportamento, com sintomas que incluem alterações
do humor (labilidade, flutuações incaracterísicas), agitação, apatia,
desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição,
comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis.

O exame neurológico não evidencia alterações


significativas para o diagnóstico nas fases iniciais. São
utilizados exames de neuroimagem estrutural: tomografia
computadorizada (TC) de crânio, para investigar causas
secundárias de demência (hidrocefalia ou hematoma
subdural), ou ressonância magnética (RM) de encéfalo,
para identificar alterações estruturais da DA. A RM pode
ser indicada na possibilidade de verificar atrofia na região
hipocampal ou doença cerebrovascular, principalmente
doença de pequenos vasos. A TC pode ter valor semelhante
ao da RM para descartar lesões estruturais, como
hidrocefalia, tumor, hematoma subdural, e na avaliação de
atrofia hipocampal.
É importante que sejam excluídos os diagnósticos
diferenciais, como o estado confusional agudo (delirium) e
a depressão. Outros diagnósticos que devem ser
investigados são: doença tireoidiana, uso de substâncias,
insuficiência hepática, deficiência de vitamina B12,
distúrbios no metabolismo do cálcio, outras alterações
metabólicas, infarto cerebral, neurossífilis e neoplasias.
Devem ser solicitados os exames laboratoriais: hemograma
completo, creatinina, TSH, albumina, enzimas hepáticas,
vitamina B12, cálcio iônico, reações sorológicas para sífilis
e sorologia para vírus da imunodeficiência humana (HIV).
As causas secundárias devem ser investigadas por
serem potencialmente tratáveis, a fim de ser instituído
tratamento precoce. A causa mais frequente de demência
secundária é a demência vascular; outras causas
secundárias que devem ser investigadas são déficit de
vitamina B12, neurossífilis e hidrocefalia de pressão
normal. Demências autoimunes, priônicas e infecciosas são
causas mais raras e que se apresentam como quadros
rapidamente progressivos. Depressão é um dos principais
diagnósticos diferenciais de demência, porém o quadro
depressivo pode ser fator de risco ou manifestação inicial
de quadro demencial. Outra possível etiologia que deve ser
investigada é o uso de medicações psicoativas,
especialmente benzodiazepínicos, antipsicóticos e
indutores de sono não benzodiazepínicos.
A avaliação do estado mental é, hoje, um componente
importante para o diagnóstico. Podem ser utilizados testes
cognitivos para mensuração objetiva das alterações: o
Miniexame do Estado Mental (MEEM) é o mais conhecido,
utilizado e difundido no Brasil e em todo o mundo (Figura
2). Na versão brasileira do MEEM, os pontos de corte por
escolaridade são: para analfabetos, 19; para 1-4 anos, 24;
para 5-8 anos, 26; para 9-11 anos, 27; para mais de 11
anos, 28. São vantagens do MEEM: facilidade na aplicação,
familiaridade dos médicos com o teste e possibilidade de
estadiamento da doença. Pacientes com DA perdem 2-3
pontos por ano no MEEM em média.
Também são instrumentos de rastreio para o diagnóstico
de demência, avaliados em estudos no Brasil: teste de
Informação-Memória- Concentração de Blessed, Cognitive
Abilities Screening Instrument – Short (CASI-S), exame
cognitivo de Addenbrooke-versão revisada, Montreal
Cognitive Assessment (MoCA) e lista de palavras do Cerad.
Dentre eles, o MoCA tem sido sugerido como instrumento
amplamente divulgado no mundo e tem se mostrado eficaz
para diagnóstico de DA (Figura 3). O MoCA avalia maior
número de domínios cognitivos que o MEEM. O tempo do
teste é estimado em torno de 10-20 minutos, e a pontuação
máxima possível é de 30 pontos. Pode ser uma alternativa
em pacientes com diagnóstico de CCL ou demência leve,
com escolaridade alta (> 12 anos) ou para avaliação de
funções executivas. Podem ser considerados os seguintes
pontos de corte para o diagnóstico de demência por
escolaridade: analfabetos, 8 pontos; 1-4 anos de
escolaridade, 15 pontos; 5-8 anos, 16; 9-11 anos, 19 e
acima de 11 anos, 21 pontos. Outros testes cognitivos
também utilizados são o teste do desenho do relógio e o
teste de fluência verbal, bem como alguns questionários de
avaliação respondidos por cuidadores ou familiares. O
exame neuropsicológico deverá ser realizado quando a
avaliação clínica realizada pelo médico não for suficiente
para a definição diagnóstica.
MINIEXAME DO ESTADO MENTAL

Orientação:

Qual é o (ano) (estação) (dia/semana) (dia/mês) e (mês)?


Onde estamos (país) (estado) (cidade) (rua ou local) (andar)?

Registro:

Dizer três palavras: vaso, carro, tijolo. Pedir para prestar atenção, pois terá
que repetir mais tarde. Pergunte pelas três palavras após tê-las nomeado.
Repetir até que evoque corretamente e anotar o número de vezes.

Atenção e cálculo

Subtrair: 100-7 (5 tentativas: 93 – 86 – 79 – 72 – 65)

Evocação:

Perguntar pelas 3 palavras anteriores: vaso, carro, tijolo

Linguagem:

Identificar lápis e relógio de pulso


Repetir: “Nem aqui, nem ali, nem lá”.
Seguir o comando de três estágios: “Pegue o papel com a mão direita, dobre
ao meio e ponha no chão”.
Ler “em voz baixa” e executar: FECHE OS OLHOS
Escrever uma frase (um pensamento, ideia completa)
Copiar o desenho:

FIGURA 2 Miniexame do Estado mental (MEEM).

QUADRO 3 Diagnóstico da demência da doença de Alzheimer


QUADRO 3 Diagnóstico da demência da doença de Alzheimer

Demência da doença de Alzheimer provável:


Preenche critérios para demência e tem adicionalmente as seguintes
características:
I. Início insidioso (meses ou anos).
II. História clara ou observação de piora cognitiva.
III. Déficits cognitivos iniciais e mais proeminentes em uma das seguintes
categorias:
Apresentação amnéstica (deve haver outro domínio afetado).
Apresentação não amnéstica (deve haver outro domínio afetado).
Linguagem (lembranças de palavras).
Visuoespacial (cognição espacial ou agnosia para objetos ou faces e
alexia).
Funções executivas (alteração do raciocínio, julgamento e solução de
problemas).
IV. Tomografia ou, preferencialmente, ressonância magnética do crânio deve
ser realizada para excluir outras possibilidades diagnósticas ou comorbidades,
principalmente a doença vascular cerebral;
V. O diagnóstico de demência da DA provável não deve ser aplicado quando
houver:
Evidência de doença cerebrovascular importante definida por história de
AVC temporalmente relacionada ao início ou piora do comprometimento
cognitivo; ou presença de infartos múltiplos ou extensos; ou lesões
acentuadas na substância branca evidenciadas por exames de
neuroimagem; ou
Características centrais de demência com corpos de Lewy (alucinações
visuais, parkinsonismo, distúrbio comportamental do sono REM e flutuação
cognitiva); ou
Características proeminentes da variante comportamental da demência
frontotemporal (hiperoralidade, hipersexualidade, perseveração) ou
Características proeminentes de afasia progressiva primária manifestando-
se como a variante semântica (com discurso fluente, anomia e dificuldades
de memória semântica) ou como a variante não fluente (com agramatismo
e/ou apraxia de fala importante); ou
Evidência de outra doença concomitante e ativa, neurológica ou não
neurológica, ou de uso de medicação que pode ter efeito substancial sobre
a cognição.

AVC: acidente vascular cerebral; DA: doença de Alzheimer; REM: rapid eye
movement.
Fonte: adaptado de McKhann et al. (2011) e Frota et al. (2011).
Na avaliação de um quadro de demência, é importante a
avaliação da funcionalidade do paciente. O instrumento
mais usado no Brasil é o Questionário de Atividades
Funcionais (QAF) de Pfeffer (material suplementar),
constituído de 10 questões voltadas para avaliação de
atividades instrumentais. A escala de Katz pode ser
utilizada para avaliação de atividades básicas da vida
diária.
A punção lombar deve ser realizada em idade inferior a
65 anos (demência de início pré-senil); em casos de
apresentação ou curso clínico atípicos; na presença de
hidrocefalia ou imunossupressão; se houver a hipótese
diagnóstica de câncer metastático, de vasculite, doença
priônica ou infecção do sistema nervoso central; e também
em pacientes com sorologia sérica positiva para sífilis.
Exames laboratoriais e de neuroimagem, como RM e
tomografia por emissão de pósitrons amiloide (PET), podem
ser complementares ao diagnóstico. Vários radiotraçadores
PET podem ser usados para detectar Aβ no cérebro, e
alguns biomarcadores para DA foram validados para uso
diagnóstico em pesquisas, incluindo os níveis de Aβ42, tau
total e tau fosforilada no líquido cefalorraquidiano (LCR).
No entanto, essas abordagens são invasivas ou caras, o que
as torna inviáveis na prática clínica.
FIGURA 3 Montreal Cognitive Assessment.

Entre 10-30% dos indivíduos diagnosticados


clinicamente com demência da DA por especialistas não
apresentam alterações neuropatológicas na autópsia, e
uma proporção semelhante tem estudos normais de
amiloide PET ou Aβ42 no liquor. Além disso, as alterações
neuropatológicas da DA estão frequentemente presentes
sem sinais ou sintomas, especialmente em pessoas idosas.
Por outro lado, estudos comparativos de imagens com
autópsias estabeleceram que o PET é um substituto in vivo
válido para depósitos de Aβ no parênquima cerebral e na
parede dos vasos.
Para confirmação da patologia da DA in vivo, deve haver
presença das patologias amiloide e tau. A patologia
amiloide pode ser confirmada pela dosagem no LCR ou pela
captação no PET-amiloide. A patologia tau pode ser
identificada por meio de dosagem da fosfo-tau no LCR ou
pela captação no PET-tau. O PET-FDG, por sua vez, é um
biomarcador de neurodegeneração cujo padrão metabólico
pode sugerir a patologia das demências com boa
sensibilidade e especificidade.
Nas definições mais atuais, um indivíduo com evidência
apenas de deposição de Aβ (com PET amiloide anormal ou
baixa relação Aβ42 ou Aβ42/Aβ40 no LCR), com
biomarcador patológico tau normal, seria denominado
“alteração patológica de Alzheimer”. O termo “doença de
Alzheimer” seria aplicado apenas quando houvesse
evidência tanto de biomarcadores Aβ quanto de tau
patológico. Essas definições são aplicadas
independentemente dos sintomas clínicos. Estudos indicam
que a progressão das medidas dos biomarcadores consiste
em um processo contínuo que começa antes dos sintomas.
A medição precisa dos níveis plasmáticos de Aβ ou tau
ainda constitui um desafio. Atualmente, a busca pela
identificação de novos biomarcadores periféricos para
diagnóstico e prognóstico de DA representa uma promessa
para o direcionamento de novas pesquisas.
Os biomarcadores específicos para DA são a dosagem do
peptídeo beta-amiloide e de tau fosforilada (fosfo-tau) no
LCR e a tomografia computadorizada com emissão de
pósitrons (PET) com marcador para peptídeo amiloide e
PET com marcador para proteína tau. A indicação clínica
para uso dos biomarcadores consiste na identificação de
indivíduos com quadro clínico de DA leve e dúvida
diagnóstica da etiologia de demência.
Para fins de pesquisa, a NIA/AA de 2018 incluiu a
classificação AT(N): para estar no espectro da DA é preciso
haver evidência de acúmulo do peptídeo Aβ, sendo a DA
definida pela combinação da positividade desse marcador
(A+) e de marcadores indicativos da presenca da proteína
tau fosforilada (T+). Também utiliza marcadores de
neurodegeneração (N+):

A -: nao está no espectro da DA.


A+: espectro da DA.
A+/T+: DA.
A+/T-/N+: DA + suspeita de outro processo patológico
não DA.

TRATAMENTO
Atualmente, não existem medicamentos eficazes para
prevenção ou tratamento da DA. Intervenções
modificadoras da doença devem envolver alvos
biologicamente definidos, e a síndrome demencial ainda
não denota um alvo biológico específico. Além disso, a fim
de descobrir intervenções que previnam ou retardem o
início dos sintomas, é necessária uma definição biológica
da doença que inclua a fase pré-clínica.
Os principais objetivos do tratamento incluem a melhora
da qualidade de vida, do desempenho funcional e da
autonomia dos pacientes. Os cuidados com o paciente com
diagnóstico de DA devem ser individualizados e envolver
uma equipe interdisciplinar, a fim de contemplar as
peculiaridades de condutas de cada profissional. Os
familiares e cuidadores são elementos muito importantes
para oferecer os cuidados domiciliares contínuos, por isso
precisam ser abordados e assistidos pelos profissionais de
saúde.
As medicações disponíveis para tratamento sintomático
de DA, na atualidade, são os inibidores da
acetilcolinesterase (iAchE), fármacos colinomiméticos, e a
memantina, um antagonista não competitivo de afinidade
moderada dos receptores NMDA (N-metil-d-aspartato) de
glutamato. Os objetivos do tratamento farmacológico
incluem estabilizar o comprometimento cognitivo e o
comportamento dos pacientes. São iAchE a donepezila, a
rivastigmina e a galantamina. Sua prescrição deve ser
iniciada na menor dose possível e escalonada a cada 4
semanas até a dose máxima tolerada pelo paciente. Sua
utilização tem por resultados a melhora da cognição e do
funcionamento global dos indivíduos. Estão indicados nas
fases leve e intermediária. Os principais efeitos adversos
descritos são perda de peso, dor abdominal, náuseas,
vômitos, anorexia, diarreia, síncope, cefaleia, tontura,
fadiga, sonolência e bradicardia. A memantina é indicada
nas fases intermediária e avançada da DA. Seus efeitos
colaterais mais comuns incluem cefaleia, alucinações,
insônia, agitação, diarreia e incontinência urinária. A dose
diária recomendada é de 20 mg ao dia, e o tratamento deve
ser iniciado com 5 mg ao dia durante a primeira semana,
com aumento de 5 mg a cada semana até a dose máxima de
manutenção a ser utilizada.
A donepezila é um derivado da piperidina, um inibidor
reversível da colinesterase, sua via de eliminação é
hepática, tem meia-vida de cerca de 70 horas e é
administrada em dose única diária. A rivastigmina é um
inibidor pseudoirreversível da colinesterase, com
metabolização renal e meia-vida plasmática de
aproximadamente 1 hora, porém com persistência de efeito
inibidor enzimático em torno de 10-12 horas. Deve ser
administrada por via oral, 2 vezes ao dia, e em forma
transdérmica de liberação contínua com troca do adesivo a
cada 24 horas. A galantamina é um inibidor reversível da
colinesterase, tem meia-vida de 7 horas e metabolização
hepática e renal. É administrada 1 vez ao dia por via oral.
FIGURA 4 Visão geral do tratamento farmacológico da doença de Alzheimer.
Fonte: Consenso de Demências. Dementia and Neuropsychology, setembro de
2022.

A abordagem farmacológica deve estar associada à não


farmacológica. Estratégias de reabilitação cognitiva devem
ser utilizadas nas fases leve e intermediária da DA, como
musicoterapia, terapia ocupacional e atividade física. O
atendimento nutricional, fisioterápico e fonoaudiológico e
as intervenções de enfermagem são muito importantes nas
diversas fases da doença. Também são recomendadas as
intervenções educacionais com os cuidadores, com o
objetivo de reduzir as inquietações em ambiente domiciliar.
Para os sintomas comportamentais e psicológicos da
demência (SCPD), as medidas farmacológicas devem ser
instituídas apenas após esgotadas as medidas não
farmacológicas, e quando não houver fatores causadores
reversíveis, como impactação fecal, dor ou retenção
urinária. Existem evidências para uso de antipsicóticos
para controle de agitação e agressividade. Em alguns
casos, podem ser utilizados os anticolinesterásicos, a
memantina, alguns antidepressivos, carbamazepina e
gabapentina. Os benzodiazepínicos devem ser evitados. Um
sintoma neuropsiquiátrico comum é o transtorno do sono:
higiene do sono e intervenções não farmacológicas podem
ser úteis; antipsicóticos e zolpiclona ou zolpidem podem ser
clinicamente úteis no tratamento da insônia na DA.
Estão indicados os cuidados paliativos desde o
diagnóstico da DA, por se tratar de doença com curso
progressivo e irreversível, com o objetivo de oferecer ao
paciente a melhor qualidade de vida possível e evitar seu
sofrimento. É importante que sejam utilizadas técnicas de
comunicação adequadas com paciente e familiares e que
sejam observados os controles de sintomas físicos,
psíquicos, sociais e espirituais nas fases mais avançadas da
doença, quando o paciente se encontra em terminalidade,
evitando sofrimento ao idoso e aos seus familiares.
Artigo publicado em novembro de 2022, no New
England Journal of Medicine, descreve resultados de
moderado menor declínio nas medidas de cognição e
função do que o placebo com Lecanemab, um anticorpo
monoclonal IgG1 que se liga com alta afinidade às
protofibrilas solúveis em Aβ: um estudo de fase 3,
multicêntrico, duplo-cego, com duração de 18 meses,
envolvendo pessoas de 50 a 90 anos de idade com doença
de Alzheimer precoce, com evidência de presença de
amiloide em tomografia por emissão de pósitron (PET) ou
em teste de líquido cefalorraquidiano. Foram inscritos
1.795 participantes, sendo 898 designados para receber
Lecanemab e 897 para receber placebo. Houve associação
com a redução de marcadores de amiloide cerebral em
pessoas com doença de Alzheimer precoce e também
resultou em menor declínio cognitivo quando comparado a
placebo, nesses pacientes, no período de 18 meses.
Entretanto, o estudo ainda mostrou algumas limitações,
devido aos eventos adversos que ocorreram, relacionados à
infusão: hemorragia cerebral e edema cerebral em alguns
voluntários. Portanto, ainda há necessidade da realização
de estudos mais prolongados para determinar a eficácia e
segurança do Lecanemab na doença de Alzheimer.
Questões práticas para prescrição de iAchE e
memantina:

Os iAchE são contraindicados em pacientes com


bradicardia ou bloqueio atrioventricular > 1º grau).
Deve-se ter cautela na prescrição de iAchE a pacientes
com doença pulmonar obstrutiva crônica ou asma.
Interrupção ou troca deve ser considerada quando não
houver benefício clínico ou na ocorrência de eventos
adversos relevantes aos iAchE, podendo também ser
considerada redução da dose.
Evitar interrupções abruptas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de doença com alta prevalência em todo o
mundo, a doença de Alzheimer, caracterizada por uma
disfunção neurodegenerativa crônica e progressiva, precisa
ser reconhecida pela identificação de alterações nos
domínios cognitivos de idosos que apresentem também
comprometimento de funcionalidade. Dentre os testes
cognitivos utilizados, o MEEM e o MoCA são os mais
difundidos e o diagnóstico pode ser detectado por meio da
anamnese e da realização de exames que investiguem os
possíveis diagnósticos diferenciais. É uma doença que
causa grande sofrimento aos pacientes e a seus familiares.
Ainda não são conhecidos biomarcadores confiáveis para
diagnóstico precoce, nem estratégias eficazes para
tratamento. É importante que a comunidade científica
persista na busca de evidências que identifiquem o
processo fisiopatológico da DA.

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38 Doença de Parkinson no idoso

João Carlos Papaterra Limongi


Maria do Carmo Sitta
Helena Palocci

INTRODUÇÃO
A doença de Parkinson é a segunda condição
neurodegenerativa mais frequente depois da doença de
Alzheimer. A doença foi descrita pela primeira vez por
James Parkinson em seu Ensaio sobre a paralisia aguda, de
1817, características que décadas depois, por iniciativa de
Charcot, passaram a ser conhecidas por seu nome. As
manifestações clínicas são predominantemente motoras e
incluem: tremor de repouso, bradicinesia, rigidez muscular
e alterações posturais. Distúrbios não motores são
frequentes e podem ocorrer muitos anos antes do início dos
sinais motores, como anosmia, obstipação intestinal e
depressão. Em fases mais avançadas, transtornos
cognitivos, psiquiátricos e disfunções autonômicas são
comuns. Trata-se de uma doença degenerativa de evolução
crônica e progressiva.
Os termos “doença de Parkinson” e “parkinsonismo”
referem-se a condições diversas. A doença de Parkinson
constitui uma entidade nosológica com características
clínicas, anatomopatológicas e bioquímicas bem definidas.
Por outro lado, parkinsonismo ou síndrome parkinsoniana
são termos mais abrangentes, que compreendem uma série
de condições (inclusive a doença de Parkinson) que têm em
comum combinações variáveis de sinais e sintomas
presentes na doença de Parkinson.

EPIDEMIOLOGIA
Estimativas da incidência da doença de Parkinson
variam entre 5 e 35 casos por 100 mil pessoas/ano, a
depender das características demográficas das populações
estudadas. A incidência média em estudos que levam em
conta dados neuropatológicos para o diagnóstico é de 21
casos por 100 mil indivíduos/ano. É menos comum antes
dos 50 anos de idade, mas a incidência aumenta 5 a 10
vezes após a sexta década. A prevalência estimada é de 94
casos por 100 mil pessoas, ou aproximadamente 0,3% na
população geral de 40 anos ou mais e maiores que 3% em
indivíduos acima de 80 anos de idade. É duas vezes mais
comum no sexo masculino na maioria das populações
estudadas.
Indivíduos idosos podem apresentar sinais de
parkinsonismo secundário devido ao uso de certos
medicamentos com efeitos adversos que podem provocar
rigidez, bradicinesia e tremor.

FATORES DE RISCO
Alguns fatores de risco são:

Idade.
Sexo masculino.
História familiar em parentes de primeiro grau.
Exposições ambientais (herbicidas, pesticidas e metais
pesados).
Comorbidades: obesidade, diabetes tipo 2, síndrome
metabólica, história de traumatismo cranioencefálico,
história de melanoma e câncer de próstata.

Em contrapartida, alguns estudos apontam o tabagismo


e o uso de cafeína como fatores protetores.

ETIOPATOGENIA E MECANISMOS DE DEGENERAÇÃO


A principal característica anatomopatológica da doença
de Parkinson é a degeneração de neurônios da substância
negra, especificamente de sua zona compacta. A intensa
perda de neurônios dopaminérgicos observada já nas fases
iniciais da doença sugere que a degeneração dessa área
tem início muito antes dos primeiros sintomas motores.
Observa-se perda neuronal em outras estruturas do tronco
cerebral e do prosencéfalo basal, como área tegmental
ventral, locus coeruleus, núcleo motor dorsal do vago e
núcleo basal de Meynert.
Neurônios localizados na porção compacta da
substância negra, ricos em melanina, produzem dopamina,
e suas fibras se projetam para o estriado (putâmen e
caudado). Neurônios localizados na área tegmental ventral
também produzem dopamina e se projetam principalmente
para áreas límbicas. Outros neurotransmissores, como
noradrenalina e serotonina, encontram-se moderadamente
reduzidos em áreas específicas do tronco cerebral, como o
locus coeruleus e os núcleos da rafe. Embora não existam
evidências que relacionem o envolvimento desses
neurotransmissores na produção de distúrbios motores,
admite-se que estejam implicados no aparecimento de
alguns sintomas psiquiátricos e cognitivos.
As novas informações adquiridas nos últimos 10 anos
sobre os mecanismos envolvidos no processo de
degeneração celular na doença de Parkinson apontam para
a existência de processo ativo de toxicidade neuronal que
provavelmente está relacionada com estresse oxidativo.
Dos vários mecanismos possivelmente implicados na
degeneração celular na doença de Parkinson, os seguintes
têm sido objeto de especial interesse: ação de neurotoxinas
ambientais, produção de radicais livres, anormalidades
mitocondriais, excitotoxicidade, predisposição genética e
agregação de proteínas tóxicas.
A característica neuropatológica mais marcante é a
deposição anormal de alfassinucleína no interior do
citoplasma, sobretudo de neurônios dopaminérgicos. Os
corpos de Lewy, descritos há mais de um século como
característicos da doença de Parkinson, constituem-se de
agregados de alfassinucleína. No início da doença, corpos
de Lewy ocorrem em neurônios dopaminérgicos e
colinérgicos do tronco cerebral e no bulbo olfatório. Com a
progressão da doença, são também encontrados em regiões
límbicas e corticais.
Embora apenas 5 a 10% dos pacientes com doença de
Parkinson sejam hereditários, o estudo desses casos tem
revelado informações fundamentais para a compreensão
dos mecanismos etiopatogênicos, uma vez que proteínas
codificadas por genes associados a essas formas
hereditárias parecem estar envolvidas em processos
moleculares que, quando anormalmente modificados,
podem desencadear processo neuropatológico semelhante
ao que ocorre na forma esporádica.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Sintomas motores

A doença de Parkinson é clinicamente definida pela


presença de bradicinesia e pelo menos um dos outros
sintomas cardinais (rigidez ou tremor de repouso). O início
dos sintomas motores é geralmente unilateral, e certa
assimetria persiste durante toda a evolução da doença.
Uma quarta característica, a instabilidade postural, é
comumente mencionada, embora geralmente não ocorra
até o momento da fase mais tardia da doença e, portanto,
não esteja incluída em nenhum critério diagnóstico.

Tremor
É o sintoma mais frequente e o que mais chama a
atenção, embora não seja o mais incapacitante. É ainda o
sintoma de apresentação em aproximadamente 70 a 80%
dos pacientes com doença de Parkinson, e a porcentagem
de pacientes com tremor em algum momento do curso da
doença é alta, variando de 79 a 100%.
O tremor é rítmico, relativamente lento quando
comparado com outros tipos de tremor (4 a 7 Hz) e ocorre
principalmente quando o membro está em repouso. Quando
o paciente movimenta um membro, o tremor ali presente
cessa de imediato para retornar logo após o fim do
movimento.
No início da doença, o tremor ocorre em um lado e
assim permanece por períodos variáveis. Após algum
tempo, o outro lado também é acometido, podendo
aparecer na cabeça, mandíbula, lábio e membros
inferiores. Podem se agravar com o estresse emocional e
desaparecem durante o sono. Deve ser diferenciado do
tremor essencial que se caracteriza por ser de alta
frequência, piora com as atitudes e movimentos
voluntários, além de se intensificar muito em situações
associadas a maior ansiedade.

Rigidez
A rigidez muscular decorre do aumento da resistência
que os músculos oferecem quando um segmento do corpo é
deslocado passivamente. Em outras palavras: para cada
grupo de músculos existe outro que possui atividade
antagonista. Dessa forma, quando um músculo é ativado
para realizar determinado movimento, em condições
normais, seu antagonista é inibido para facilitar esse
movimento. Na doença de Parkinson, essa inibição não é
feita de modo eficaz, provavelmente como resultado de
anormalidade de influências descendentes que chegam à
medula espinal. Como consequência, os músculos ficam
mais tensos e contraídos e o paciente se sente rígido e com
pouca mobilidade.
Quando determinado membro é deslocado passivamente
pelo examinador, observam-se, superpostos à rigidez,
curtos períodos de liberação rítmicos e intermitentes,
fenômeno que recebe o nome de sinal da roda dentada. A
rigidez é responsável pelas alterações posturais do
indivíduo. A postura geral do paciente se modifica: existe
predominância dos músculos flexores, de modo que a
cabeça permanece fletida sobre o tronco, este, sobre o
abdome, os joelhos parcialmente fletidos e os membros
superiores são mantidos ligeiramente à frente com os
antebraços semifletidos na altura do cotovelo.

Acinesia e bradicinesia
O termo acinesia refere-se à redução da quantidade de
movimento, enquanto a bradicinesia significa lentidão na
execução do movimento. O paciente apresenta redução da
movimentação espontânea em todas as esferas; os termos
“fraqueza”, “cansaço” e “incoordenação” são bastante
utilizados pelos pacientes para descrevê-la. Nos braços, a
bradicinesia geralmente começa distalmente com
diminuição da destreza manual dos dedos, com dificuldade
em realizar tarefas simples, como abotoar roupas, amarrar
cadarços, digitar ou tirar moedas do bolso. Nas pernas,
queixas comuns relacionadas à bradicinesia ao caminhar
incluem arrastar as pernas, passos mais curtos (arrastados)
ou sensação de instabilidade. Os pacientes também podem
ter dificuldade em se levantar de uma cadeira ou sair de
um carro. À medida que a doença progride, pode ocorrer
congelamento da marcha e festinação. A mímica facial, por
sua vez, torna-se menos expressiva, transmitindo com
menor intensidade sentimentos e emoções que por sua vez
se mantêm preservados. A caligrafia torna-se menos legível
e de tamanho reduzido, fenômeno conhecido por
micrografia. As atividades diárias, antes realizadas com
rapidez e desembaraço, são agora lentificadas, à custa de
muito esforço, inclusive o caminhar. A bradicinesia é a
principal causa de incapacidade na doença de Parkinson.

Instabilidade postural
A instabilidade postural é um comprometimento dos
reflexos posturais mediados centralmente que causam
sensação de desequilíbrio e grande risco de quedas. É
testada clinicamente com o teste de “puxar”, no qual o
examinador fica atrás do paciente e o puxa firmemente
pelos ombros. Pacientes com reflexos posturais normais
devem ser capazes de manter o equilíbrio e a retropulsão
não mais do que um passo. Pacientes com doença de
Parkinson e instabilidade postural, por outro lado, tendem
a cair ou dar vários passos para trás.
Como a instabilidade postural geralmente não aparece
no curso inicial da doença, os pacientes com sinais
parkinsonianos que caem no início do curso da doença
precisam ser investigados para outras síndromes
parkinsonianas para diagnóstico diferencial, como paralisia
supranuclear progressiva ou atrofia de múltiplos sistemas.

Sintomas não motores

Além dos sintomas motores, outras manifestações


podem ocorrer, muitas das quais podem ser tratadas com
medicação apropriada. A intensidade desses sintomas é
variável em cada caso, e eles podem ou não aparecer em
determinado paciente.
Os sintomas incluem:

Transtornos de humor: depressão, ansiedade e


apatia/abulia.
Distúrbios do sono.
Distúrbios cognitivos.
Psicose e alucinações.
Fadiga.
Disfunção autonômica.
Disfunção olfativa.
Dor e distúrbios sensoriais.
Achados dermatológicos: dermatite seborreica,
hiperidrose, dermatofitose.

Depressão
Sintomas depressivos ocorrem em 40 a 50% dos
pacientes, ocasionalmente como queixa inicial. Embora
considerada reativa a uma condição que limita a atividade
normal, pacientes com doença de Parkinson costumam ter
depressão mais frequentemente se comparados com
pacientes portadores de outras doenças ainda mais
incapacitantes.
Em alguns pacientes, a depressão é acompanhada de
ansiedade e raramente de episódios de agitação. A
intensidade dos sintomas depressivos pode variar desde
quadros leves até aqueles mais graves, em que a depressão
se torna o sintoma mais importante e um dos fatores
determinantes de incapacidade. Nesses casos, o tratamento
específico com medicamentos antidepressivos e
psicoterapia de apoio é fundamental para o controle dos
sintomas.
Alterações emocionais também são comuns. Pacientes
podem sentir-se inseguros e temerosos quando submetidos
a situações novas. Podem evitar sair ou viajar, e muitos
tendem a se retrair e a evitar contatos sociais. Alguns
perdem a motivação e ficam excessivamente dependentes
dos familiares.

Distúrbios do sono
Compreendem ampla gama de sintomas que incluem:
dificuldade em conciliar o sono, sono fragmentado,
inversão do ciclo vigília-sono, síndrome das pernas
inquietas. Esse fenômeno ocorre como resultado de uma
combinação de fatores (que incluem frequentes cochilos
durante o dia e dificuldade progressiva para dormir à
noite). São frequentes os sonhos “reais” ou “vívidos” (em
que o paciente tem dificuldade em distinguir o sonho da
realidade) e o distúrbio de comportamento do sono REM
(rapid eye movement, em que o paciente parece “atuar”
durante o sonho, com movimentos dos membros e
verbalizações).

Distúrbios cognitivos
Durante os primeiros anos da doença, a maior parte dos
pacientes não apresenta declínio intelectual. Isso significa
que a capacidade de raciocínio, percepção e julgamento de
modo geral se encontram conservadas. Entretanto, alguns
pacientes relatam dificuldades com a memória (geralmente
na forma de “brancos” momentâneos), cálculos e em
atividades que requerem orientação espacial. Tais
alterações podem ocorrer em qualquer estágio da doença,
mas são mais intensas nas fases mais evoluídas e nos
pacientes mais idosos.
Demência pode ocorrer em mais da metade dos
pacientes nos casos mais avançados. Quando ocorre no
início da doença, deve-se levar em conta a possibilidade de
outros diagnósticos, como a doença de corpos de Lewy. Em
pacientes idosos, os próprios medicamentos
antiparkinsonianos podem contribuir para a produção de
alterações mentais. Por exemplo, o uso de anticolinérgicos
pode resultar em distúrbios de memória e, em casos mais
graves, confusão mental e alucinações.

Disfunção autonômica
Problemas autonômicos na doença de Parkinson incluem
ortostase, constipação, disfagia, diaforese, dificuldades
urinárias e disfunção sexual.
A hipotensão ortostática é muito comum, mesmo
relativamente cedo no curso da doença, com uma
prevalência cumulativa de aproximadamente 60%. Os
fatores de risco incluem idade avançada, disfunção
cognitiva e maior duração da doença. Além da doença em
si, a hipotensão ortostática pode ser agravada ou causada
por agentes antiparkinsonianos, incluindo levodopa,
agonistas da dopamina e inibidores da monoamina oxidase
tipo B (MAO B) e outras drogas, particularmente
bloqueadores alfa-adrenérgicos, como tansulosina para
prostatismo.
Sintomas urinários comuns incluem frequência,
urgência e incontinência de urgência, e podem surgir como
resultado da própria doença ou pela ação de alguns
medicamentos. Na avaliação urodinâmica pode-se
evidenciar a redução da capacidade de armazenamento da
bexiga devido às contrações involuntárias do músculo
detrusor nos estágios iniciais do enchimento da bexiga.
A disfunção sexual pode variar de hipoatividade a
hipersexualidade e pode afetar até 25% dos pacientes. O
comportamento sexual hipoativo na doença de Parkinson
geralmente se manifesta como diminuição do interesse e
impulso e pode ser multifatorial, entre eles a depressão, a
rigidez axial e a bradicinesia. Pacientes do sexo masculino
podem ter incapacidade de atingir ou manter uma ereção,
enquanto pacientes do sexo feminino podem apresentar
aperto vaginal, secura, incapacidade de atingir o orgasmo
ou micção involuntária durante o sexo.

Distúrbios da fala
Podem estar presentes no início da doença e tendem a
se agravar com o passar do tempo. A voz fica mais fraca, o
volume de voz diminui e pode haver rouquidão. Outra
característica marcante é o que se denomina fala
monótona: as frases são emitidas de modo constante,
pausado, com perda da entonação e cadência naturais que
conferem à fala sua musicalidade e capacidade de
expressão emocional. Alguns pacientes tendem a acelerar o
ritmo da fala, de modo a encurtar o tempo de emissão de
uma frase, embaralhando as palavras e dificultando sua
compreensão.

Sialorreia
Ao contrário do que se imaginava, esse sintoma não
decorre do aumento de produção de saliva, mas da maior
dificuldade em degluti-la. Em condições normais, engole-se
saliva automaticamente à medida que vai sendo produzida.
Na doença de Parkinson, esse comportamento motor
automático (assim como vários outros) deixa de ser
realizado, o que leva a acúmulo de saliva, que pode
escorrer pelo canto da boca. Medicações anticolinérgicas
são benéficas, mas não devem ser indicadas para o idoso.
Injeções de toxina botulínica nas glândulas
submandibulares são consideradas o tratamento mais
eficaz e seguro.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da doença de Parkinson é essencialmente
clínico. As primeiras manifestações ocorrem em um dos
lados do corpo, geralmente nos membros superiores.
Discreto tremor em um dos dedos da mão ou diminuição do
balanço automático do braço durante a marcha geralmente
constituem as primeiras manifestações motoras.
Bradicinesia mais tremor ou rigidez deve estar presente
para considerar o diagnóstico. Além disso, uma resposta
satisfatória com levodopa corrobora positivamente o
diagnóstico. Embora não existam marcadores biológicos
para a doença de Parkinson, recentemente têm sido
utilizados exames de imagem que podem auxiliar no
diagnóstico clínico em casos mais complexos quando há
dúvidas diagnósticas.
O exame de tomografia computadorizada com emissão
de fótons (SPECT-CT, single photon emission computed
tomography), com utilização de isótopos radioativos, como
o [99mTc] Trodat, permite a estimativa de depleção
dopaminérgica pré-sináptica presente na doença de
Parkinson e outros parkinsonismos neurodegenerativos (p.
ex., atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supranuclear
progressiva). Esse exame é altamente preciso (98 a 100%
de sensibilidade e especificidade) na detecção de perda de
células nigroestriatais em indivíduos com parkinsonismo,
útil na distinção entre doença de Parkinson e tremor
essencial.
A ressonância magnética pode ser considerada para
excluir diagnósticos diferenciais como outras síndromes
parkinsonianas, acidente vascular encefálico ou
hidrocefalia. Técnicas avançadas têm potencial diagnóstico
e prognóstico futuro em pesquisas.
O exame de ultrassom com Doppler transcraniano de
estruturas cerebrais profundas pode revelar aumento da
ecogenicidade da substância negra sugestiva da doença de
Parkinson. Essa alteração ocorre em mais de 90% dos
pacientes com doença de Parkinson e sugere
comprometimento funcional do sistema dopaminérgico
nigroestriatal. Entretanto, o alto índice de falsos positivos
limita a utilização do método como teste diagnóstico.

Diagnóstico diferencial

A doença de Parkinson é a forma mais frequente de


parkinsonismo e constitui cerca de 75% de todas as
síndromes parkinsonianas. Como não se conhece a causa
da doença de Parkinson, ela é também chamada de
parkinsonismo primário. As outras formas são:
parkinsonismo secundário, parkinsonismo atípico e
parkinsonismo associado a outras condições.
Dentre as características clínicas sugestivas da presença
de síndromes parkinsonianas que não a doença de
Parkinson, destacam-se: ausência de tremor, alterações
posturais e comprometimento da marcha nas fases iniciais,
evidências de acometimento de outros sistemas, como
sinais piramidais, cerebelares, autonômicos, cognitivos-
comportamentais e resposta reduzida à levodopa. O Quadro
1 elucida alguns diagnósticos diferenciais e quando pensar
neles.
O parkinsonismo secundário compreende condições em
que uma causa específica pode ser identificada. As
principais causas são:

Parkinsonismo pós-encefalítico: entre 1915 e 1926, uma


epidemia de encefalite viral, denominada encefalite
letárgica, acometeu milhões de pessoas em todo o
mundo até desaparecer poucos anos depois. Cerca de um
terço dos pacientes morreram na fase aguda. Muitos dos
sobreviventes desenvolveram sintomas de parkinsonismo
depois de meses até anos. O parkinsonismo pós-
encefalítico era semelhante à doença de Parkinson, mas
diferia desta por originar menos tremor e mais rigidez e
acinesia e por produzir movimentos involuntários na
cabeça e nos olhos, conhecidos como “crises
oculogíricas”. Na época da Segunda Guerra Mundial,
cerca da metade de todos os pacientes com
parkinsonismo havia sido vítima de encefalite letárgica
anos antes. Nos dias de hoje, encefalites produzidas por
outros vírus podem esporadicamente causar
parkinsonismo.
Parkinsonismo medicamentoso: uma forma reversível de
parkinsonismo pode ser produzida pelo uso de algumas
medicações usadas em psiquiatria (haloperidol,
clorpromazina e outras), contra vômitos
(metoclopramida) e contra vertigens (flunarizina), entre
outras. A retirada ou redução da dosagem resulta em
melhora dos sintomas. Entretanto, o desaparecimento
completo dos sintomas pode levar muitos meses para
ocorrer. O Quadro 2 mostra a relação dos principais
medicamentos que podem desencadear um
parkinsonismo medicamentoso ou agravar a doença
preexistente.
Parkinsonismo vascular: é mais comum em pacientes
hipertensos ou naqueles que apresentam outros fatores
de risco para doença vascular. Resulta da oclusão de
pequenos vasos cerebrais profundos que irrigam os
núcleos da base. Com o tempo, múltiplos pequenos focos
de isquemia nessa região produzem parkinsonismo.
Como na maioria das vezes os vasos afetados não se
restringem a essa região, é comum o aparecimento de
outras manifestações neurológicas, como fraqueza
muscular e demência. O tremor é raro nessa forma de
parkinsonismo, e muitas vezes só os membros inferiores
são acometidos. Medicamentos antiparkinsonianos não
são muito eficazes nessa forma de parkinsonismo.

QUADRO 1 Diagnósticos diferenciais

Características do paciente Diagnósticos alternativos


possíveis
QUADRO 1 Diagnósticos diferenciais

Uso de medicação antagonista de Parkinsonismo induzido por


dopamina (metoclopramida; medicamento
clorpromazina, prometazina,
medicações antipsicóticas)

Sintomas limitados às pernas por mais Parkinsonismo vascular


de 3 anos

Dificuldade em olhar para baixo ao Paralisia supranuclear progressiva


exame físico

Disfunções cerebelares Atrofia de múltiplos sistemas

QUADRO 2 Medicamentos que podem desencadear parkinsonismo

Neurolépticos: Antieméticos e antivertiginosos:


Clorpromazina (Amplictil®). Flunarizina.
Haloperidol (Haldol®). Cinarizina.
Aripiprazol. Metoclopramida.
Levomepromazina (Neozine®). Bromoprida.
Propericiazina (Neuleptil®).
Sulpirida (Equilid®, Sulpan®).
Tiaprida (Tiapridal®).

Anti-hipertensivos e Antidepressivos:
antiarrítmicos: Lítio.
Metildopa. Sertralina.
Reserpina. Fluoxetina.
Amiodarona. Paroxetina.

Parkinsonismo tóxico: algumas substâncias tóxicas –


como monóxido de carbono e manganês – podem
produzir parkinsonismo. No início da década de 1980,
uma substância contida em um tóxico semelhante à
heroína foi responsável por inúmeros casos de
parkinsonismo em pacientes usuários dessas drogas.
Essa substância foi identificada como 1-metil-4-fenil-
1,2,3,6-tetraidropiridina (MPTP). O parkinsonismo
produzido pelo MPTP é irreversível e muito semelhante à
doença de Parkinson. A descoberta do MPTP tornou
possível a obtenção de modelos experimentais de grande
utilidade para a compreensão das causas que levam à
doença de Parkinson.

TRATAMENTO

Tratamento não farmacológico

A atividade física com caminhada, natação,


hidroginástica, exercícios resistidos, dança, tai chi e
exercícios em grupo é recomendada para todos em todas as
fases. Nas fases de maior impacto, moderadas ou
avançadas há necessidade de um profissional de
fisioterapia para orientar o tratamento de manutenção e
reabilitação. A fisioterapia motora é recomendada desde as
fases iniciais para prevenir as alterações posturais, manter
força muscular, equilíbrio, alongamento e capacidade
funcional. Colabora com a prevenção de quedas e, nas
fases tardias, ajuda a evitar complicações de retrações
motoras e no treino para marcha com apoio ou órteses,
quando indicado.
A fonoaudiologia deve ser também indicada desde as
fases iniciais, devido a alterações como sialorreia, fala e
disfagia progressiva. O ideal é que o paciente seja avaliado
desde o diagnóstico para que se identifiquem alterações
sutis que já possam ser abordadas na fase inicial. A terapia
ocupacional pode ser recomendada em casos em que o
paciente necessite de adaptações funcionais em suas
atividades de vida diária, especialmente nas fases mais
avançadas.
É importante vigiar o peso, as alterações nutricionais e
contar com a orientação especializada da nutricionista para
uso de suplementos ou adaptações dietéticas, quando
indicado. Programas de reabilitação colaboram para
manter o paciente mais ativo e independente, treinando-o
para usar todos os recursos musculares e neurológicos, e o
ajudam a manter a independência e a qualidade de vida.

Tratamento farmacológico

Estão disponíveis vários medicamentos capazes de


melhorar significativamente a maioria dos sintomas. Todos
são considerados terapias sintomáticas, e nenhum foi
estabelecido como modificador de doença ou neuroprotetor.
As opções terapêuticas vão depender das condições de
cada paciente: idade, sintomas predominantes e estágio da
doença são alguns dos fatores que o médico deve levar em
conta na hora de planejar o tratamento.
O conhecimento do metabolismo da levodopa e da
dopamina no sangue periférico e no cérebro é fundamental
para o manuseio apropriado dessas drogas (Figura 1). O
tratamento clínico baseia-se fundamentalmente na
reposição farmacológica de dopamina, o que tem sido feito
atualmente com efetividade e sofisticação crescentes com a
introdução de novas tecnologias, como a estimulação
cerebral profunda.
FIGURA 1 Metabolismo da dopamina no sangue periférico e intracerebral.
AADC: aminoácido aromático descarboxilase; BHC: barreira hematoencefálica;
COMT: catecol-O-metiltransferase; MAO: monoaminoxidase.

Levodopa
É o medicamento mais eficaz no alívio dos sintomas
parkinsonianos, mas nem sempre deve ser administrada no
início da doença. Nessa fase, a maioria dos especialistas
prefere iniciar o tratamento com medicamentos menos
potentes e reservar a levodopa para as fases mais
avançadas. A levodopa é um aminoácido (3,4-di-
hidroxifenilalanina) que se transforma em dopamina pela
ação da enzima dopadescarboxilase.
A levodopa é rapidamente absorvida na porção proximal
do intestino delgado. Alguns fatores, como redução da
motilidade do estômago e ingestão de alimentos ricos em
proteínas próxima do horário da tomada da medicação,
podem retardar ou mesmo reduzir a absorção da levodopa.
Parte dela é metabolizada em dopamina antes de conseguir
atingir o cérebro. A enzima responsável por essa
transformação é a dopadescarboxilase. Por esse motivo, a
levodopa é sempre administrada com uma substância que
inibe a dopadescarboxilase periférica.
Os medicamentos à base de levodopa disponíveis no
mercado já vêm associados a um inibidor da
dopadescarboxilase. Existem dois inibidores utilizados
clinicamente: carbidopa e benserazida.
Em geral, após 20 a 30 minutos da tomada da
medicação o efeito antiparkinsoniano começa a aparecer.
Como discutido anteriormente, alguns fatores, como a
dieta, podem retardar o início do efeito terapêutico. A
duração do efeito de cada dose também é variável e
depende, entre outros fatores, do estágio da doença. Nas
fases iniciais, quando ainda existem células cerebrais
capazes de funcionar como “depósitos” e armazenar a
dopamina produzida pela levodopa, cada dose pode ser
eficaz durante mais de 6 horas, de modo que 2 a 3
tomadas/dia podem ser suficientes para o controle dos
sintomas.
Nos primeiros 5 anos de tratamento com levodopa os
sintomas podem ser controlados com relativa facilidade.
Após esse período, muitos pacientes começam a
experimentar complicações do tratamento. À medida que a
doença progride e mais células cerebrais degeneram, o
cérebro perde a capacidade de armazenamento de
dopamina e a duração do efeito torna-se progressivamente
menor. Observa-se então o fenômeno de “deterioração do
fim da dose”, em que os sintomas voltam a aparecer antes
da próxima tomada da medicação. O tempo de benefício vai
sendo encurtado progressivamente ao longo do tempo, o
que exige o encurtamento progressivo dos intervalos de
administração da levodopa.
Outra complicação da levodopaterapia é representada
pelo aparecimento de discinesias. Discinesias são
movimentos involuntários anormais de natureza contínua,
em forma de dança, que podem acometer membros, tronco
ou face e lembram os movimentos da coreia. Podem ocorrer
em várias situações. A mais fácil de ser corrigida é a que
ocorre quando a levodopa é utilizada em excesso, o que
resulta em estimulação excessiva dos receptores de
dopamina. Nesses casos, a simples redução da dose basta
para resolver o problema. Entretanto, na maioria das vezes,
a situação é mais complexa, pois as discinesias resultam de
alterações na maneira como os receptores respondem à
dopamina, e sua resolução vai depender de ajustes mais
complexos que envolvem reorganização das tomadas
diárias e associação com outros medicamentos. Essa fase
do tratamento costuma ser crítica, e o contato com o
neurologista deve ser constante, pois ajustes frequentes
podem ser necessários.
Podem ocorrer distúrbios psiquiátricos na forma de
alucinações, principalmente quando são utilizadas doses
mais altas. As alucinações são quase sempre visuais, como
a percepção de pessoas estranhas ou já falecidas dentro de
casa. São também comuns os delírios, que são ideias ou
crenças falsas e sem qualquer embasamento lógico que são
interpretadas como verdadeiras. Exemplo comum de delírio
produzido pelo uso de medicação antiparkinsoniana são os
chamados delírios persecutórios, em que ocorre a
percepção ilógica de que alguém, geralmente conhecido ou
familiar, esteja conspirando contra sua pessoa. Em alguns
casos, a simples redução da medicação antiparkinsoniana
pode resolver esses sintomas. Outras vezes, entretanto,
torna-se necessário o emprego de medicação antipsicótica
específica.
Náuseas e vômitos podem ocorrer no início do
tratamento. Podem ser evitados com o uso de doses
pequenas no início, seguidas de aumento gradual. Outras
vezes, pode ser necessário o uso de um antiemético como a
domperidona.
Os medicamentos que contêm levodopa disponíveis no
mercado são: Prolopa® (levodopa 200 mg e benserazida 50
mg), Prolopa® BD (levodopa 100 mg e benserazida 25 mg),
Prolopa® DR (levodopa 200 mg e benserazida 50 mg,
®
comprimido de dupla liberação), Prolopa HBS (levodopa
100 mg e benserazida 25 mg, cápsula de liberação lenta),
Prolopa® dispersível (levodopa 100 mg e benserazida 25
mg, comprimido dispersível), Levocarb e Carbidol®
(levodopa 250 mg e carbidopa 25 mg).

Agonistas da dopamina
São substâncias que têm ação semelhante à da
dopamina. Diferem da levodopa por não necessitarem de
transformação enzimática para serem ativas. Por outro
lado, como são substâncias que apenas mimetizam a ação
da dopamina, seu efeito antiparkinsoniano não é tão
potente.
O efeito farmacológico dos agonistas tem como base sua
ação nos chamados receptores da dopamina. Esses
receptores, localizados nas células do estriado, são
diretamente influenciados pela dopamina, que
normalmente é produzida na substância negra. Quando
ativados por um agonista, esses receptores respondem de
maneira semelhante, de modo que a função motora pode
ser restabelecida a partir desse modo alternativo de
estimulação. Os primeiros agonistas utilizados eram
derivados da ergotamina, como a bromocriptina.
Entretanto, os efeitos colaterais relacionados com a
ergotamina (isquemia de extremidades, fibrose intersticial)
levaram ao desenvolvimento de novas alternativas. Em
nosso meio estão disponíveis dois agonistas não
ergolínicos: pramipexol e rotigotina.
O pramipexol tem alta afinidade por receptores
dopaminérgicos D2 e D3. Estudos farmacocinéticos
demonstram que o pramipexol é rápida e eficazmente
absorvido após a ingestão, alcança picos plasmáticos em 1
a 3 horas e sua meia-vida é de 8 a 12 horas. O pramipexol
deve ser titulado gradativamente até a obtenção de efeito
terapêutico adequado. A dose inicial é de 0,375 mg/dia,
com incrementos semanais até a dose máxima de 4,5
mg/dia em 3 tomadas. Existem duas formulações
disponíveis que diferem no modo de absorção. A
formulação de absorção rápida deve ser administrada 3
vezes/dia, e a apresentação de absorção prolongada deve
ser administrada 1 vez/dia pela manhã. As seguintes
posologias estão disponíveis para a formulação de liberação
prolongada: 0,375, 0,75, 1,5 e 3 mg.
A rotigotina tem afinidade por receptores D3, D2 e D1. É
administrada em forma de adesivo transdérmico e
possibilita a estimulação dopaminérgica eficaz e de
potência equivalente aos agonistas utilizados por via oral.
Os adesivos liberam 2, 4, 6 ou 8 mg de substância ativa em
24 horas. A dose inicial recomendada é de adesivo de 2 mg,
aplicado 1 vez/dia, a qual, de acordo com a tolerância, pode
ser aumentada em 2 mg/semana até, em média, 8 mg/dia. A
menor dose eficaz é de 4 mg/dia. Os efeitos colaterais mais
frequentes incluem hipotensão ortostática, taquicardia,
sonolência, insônia, sonhos anormais, alucinações
(raramente reações paranoides), dermatite de contato e
prurido nos locais de aplicação. Episódios de sonolência
irresistível, transtornos de controle do impulso, como
hipersexualidade e jogo patológico, são efeitos adversos
comuns a todos os agonistas da dopamina.

Inibidores da monoaminoxidase-B
A enzima monoaminoxidase-B (MAO-B) ocorre
principalmente no cérebro e age na transformação da
dopamina em seu metabólito, o ácido homovanílico. É,
portanto, uma das enzimas responsáveis pela remoção
natural da dopamina após ter sido utilizada pelo seu
receptor. Medicamentos inibidores da MAO-B, como a
selegilina, atuam reduzindo a velocidade de remoção da
dopamina, aumentando seu tempo de vida útil e elevando
seus níveis. O efeito sintomático obtido com a selegilina é
discreto, mas muitas vezes suficiente para o controle dos
sintomas iniciais da doença. Quando administrado em
conjunto com a levodopa, pode potencializar sua eficácia,
aumentando a duração do efeito antiparkinsoniano. Deve
ser administrada na primeira parte do dia em uma ou duas
tomadas. Quando administrada à noite, pode causar
insônia.
Mais recentemente, a razagilina e a safinamida vieram
integrar o arsenal de inibidores da MAO-B disponíveis para
o tratamento de Parkinson. Têm sido usadas principalmente
como adjuvantes à levodopaterapia, podendo auxiliar no
controle de complicações motoras como discinesias ou
“wearing-off”.
As doses habituais dos inibidores da MAO-B são:

Selegilina: 5 a 10 mg/dia.
Rasagilina: 0,5 a 1 mg/dia.
Safinamida: 50 a 100 mg/dia.

Inibidores da catecol-O-metiltransferase
Outra enzima importante no metabolismo da dopamina é
a catecol-O-metiltransferase (COMT). Ocorre tanto no
cérebro quanto fora dele e é responsável, junto com a
MAO-B, pela remoção de dopamina. Entretanto, essa
enzima atua também sobre a levodopa, transformando-a em
3-O-metildopa, uma substância sem efeito terapêutico.
Dessa forma, parte da levodopa é perdida, pois somente a
porção restante vai entrar no cérebro e ser transformada
em dopamina.
Medicamentos que inibem a COMT, como a entacapona
e a tolcapona, são utilizados para aumentar a eficácia da
levodopa nas fases em que ocorrem oscilações importantes
do efeito terapêutico. Sua administração deve ser feita
concomitantemente às tomadas de levodopa. É necessário o
controle das enzimas hepáticas durante seu uso devido à
hepatotoxicidade que esses medicamentos podem
apresentar, principalmente na fase inicial do tratamento.

Amantadina
Originalmente um antiviral, teve sua ação
antiparkinsoniana descoberta por acaso. Apresenta ação
apenas moderada e tem sido ainda hoje bastante utilizada
nas fases iniciais da doença. Seu perfil farmacológico é
curioso – foi considerada durante muitos anos apenas como
tendo leve ação anticolinérgica e dopaminérgica.
Atualmente, sabe-se que a amantadina atua também como
antagonista de receptores excitatórios. Tais receptores
existem normalmente em várias regiões do cérebro,
incluindo os gânglios da base, e respondem a determinados
neurotransmissores excitatórios, como o glutamato. Em
determinadas situações, essa transmissão excitatória torna-
se exagerada, podendo levar a dano celular em um
processo denominado excitotoxicidade. O uso da
amantadina ampliou-se nos últimos anos como adjuvante
nos casos de flutuações motoras importantes, e há quem
defenda a possibilidade de que possa atuar como droga
neuroprotetora.
Efeitos colaterais da amantadina incluem alterações
vasculares periféricas na forma de manchas cutâneas nas
pernas (livedo reticular), edema de membros inferiores,
secura da boca, obstipação intestinal, confusão mental e
alucinações. Esses efeitos adversos limitam sua indicação
no idoso.

Anticolinérgicos
São substâncias que inibem a ação da acetilcolina.
Foram os primeiros medicamentos utilizados no tratamento
da doença de Parkinson. Anticolinérgicos atuam como
antiparkinsonianos ao restabelecer o equilíbrio entre
acetilcolina e dopamina que ocorre na doença de
Parkinson. Têm ação apenas moderada e agem
principalmente contra o tremor. Nem sempre são bem
tolerados, principalmente em pacientes idosos. Entretanto,
pode ser uma boa opção em pacientes jovens em quem se
deseja adiar a introdução da levodopa e quando o tremor é
o sintoma predominante.
Estão disponíveis em nosso meio o biperideno e o
triexifenidil, que são equivalentes, mas podem ser
tolerados de modo diverso em cada paciente. Os efeitos
colaterais podem ser periféricos e centrais. Os periféricos
incluem boca seca, borramento visual, obstipação intestinal
e retenção urinária. Os efeitos centrais são mais frequentes
em idosos e incluem: sonolência, perda de memória,
confusão e alucinações. Por essas considerações, não
devem ser prescritos para o idoso.
Estratégias de resgate sob demanda

Períodos de desligamento súbitos podem ocorrer na


doença de Parkinson avançada, mesmo com a otimização
de terapia dopaminérgica. Nesses casos, os pacientes
podem se beneficiar de medicações de resgate sob
demanda, disponíveis em outros países. Entre eles, a
apomorfina, um potente agonista de dopamina formulado
para aplicação subcutânea e sublingual, e o levodopa
inalatório.

Tratamento da fase avançada e das complicações motoras

Pacientes com doença de Parkinson avançada


geralmente fazem uso de múltiplas medicações, incluindo
antiparkinsonianos e medicamentos indicados para outras
condições clínicas. São na maioria indivíduos idosos,
embora não seja incomum em pacientes ainda jovens em
estágios avançados. Complicações sistêmicas são
frequentes nessa população e podem contribuir para o
agravamento do quadro de doença de Parkinson se não
forem adequadamente tratadas.
Após alguns anos de evolução da doença de Parkinson, a
maioria dos pacientes já fez uso de levodopa e já
experimentou pelo menos um agonista da dopamina.
Entretanto, os sintomas pioram lenta, mas
inexoravelmente, e o benefício proporcionado pelo
medicamento parece já não ser o mesmo do início. Além
disso, complicações motoras, autonômicas e psiquiátricas,
a maioria induzida pelo próprio medicamento, dominam o
quadro e podem ser mais incapacitantes do que os próprios
sintomas da doença de Parkinson.
Cerca de metade dos pacientes tratados com levodopa
por período de 5 a 6 anos irá desenvolver complicações
motoras. A natureza primária dessas complicações não é
totalmente conhecida, mas tem sido sugerido que a
estimulação intermitente dos receptores dopaminérgicos
estriatais pela levodopa exógena tenha papel importante.
Essa estimulação pulsátil produzida pela levodopa é
resultado da biodisponibilidade oscilatória da levodopa
quando administrada por via oral. As principais causas para
essa oscilação incluem:

Esvaziamento gástrico lento.


Flutuações na absorção intestinal e na passagem através
da barreira hematoencefálica, determinadas pela
competição entre a levodopa e aminoácidos da dieta.
Perda da capacidade de armazenamento e de conversão
pré-sináptica em dopamina pela perda neuronal
progressiva.

As principais complicações motoras observadas no curso


da doença de Parkinson e as estratégias terapêuticas
utilizadas são descritas a seguir.

Deterioração de fim de dose
Esse fenômeno ocorre quando o efeito da dose
administrada se torna progressivamente mais curto e passa
a ter duração inferior a 4 horas. Nesses casos, as
estratégias terapêuticas incluem as seguintes:

1. Redistribuição das doses de levodopa e redução dos


intervalos de administração.
2. Agonistas da dopamina em associação com levodopa.
3. Inibidores da COMT: a adição de um inibidor da COMT
aumenta o tempo de ação da levodopa; entretanto,
muitas vezes podem aparecer discinesias ou outros
sintomas de hiperatividade dopaminérgica, de modo que
a dosagem de levodopa deve ser reduzida em 20 a 30%
logo após a introdução do inibidor da COMT.
4. Levodopa de liberação lenta: o emprego de formulações
de liberação lenta em associação ou substituição à
levodopa convencional pode produzir aumento do tempo
em fase on.

Fenômeno on-off
Nas fases mais avançadas da doença de Parkinson
alguns pacientes apresentam períodos off, que aparecem
de modo abrupto e imprevisível, sem relação aparente com
a tomada de medicamentos. Quando retornam à fase on, o
benefício terapêutico costuma ser consideravelmente
prejudicado pela ocorrência de discinesias. O tratamento
de pacientes nessa fase constitui grande desafio, mesmo
para o clínico experimentado. Algumas medidas podem ser
tentadas, mas nem sempre os benefícios são evidentes. A
abordagem desses casos inclui:

Mapeamento minucioso da ocorrência das fases on e off


durante vários dias, com o objetivo de estabelecer um
padrão farmacocinético para as flutuações.
Redistribuição da proteína da dieta.
Adição de um inibidor da COMT.
Adição de um agonista dopaminérgico.

Discinesias
São movimentos involuntários anormais, geralmente
com características coreiformes, mas podem se manifestar
como distonia, mioclonias ou tiques. A emergência de
discinesias está relacionada com o uso crônico da levodopa,
mas pode ocorrer ou se agravar com outros
dopaminérgicos, desde que tenha havido exposição prévia à
levodopa. São mais comuns e mais intensas em pacientes
mais jovens e podem acometer qualquer região do corpo.
As discinesias são reversíveis e desaparecem com a
redução ou retirada da medicação dopaminérgica.
Entretanto, muitas vezes, a simples redução da dose
resulta em piora do quadro e reaparecimento dos sintomas
da doença de Parkinson. Em certos casos, os limites entre a
dose mínima requerida para o controle da doença de
Parkinson e a dose máxima permitida pelas discinesias são
bastante estreitos.
Discinesia de pico de dose é a forma mais comum de
discinesia. Está diretamente relacionada com o pico de
concentração plasmática e costuma ocorrer de forma
previsível. No início, é bem controlada com a redução das
doses individuais e do intervalo entre as tomadas.
Eventualmente, torna-se necessária a redução da dose total
de levodopa ou a retirada da selegilina. É comum o
aparecimento de discinesias após a introdução de
inibidores da COMT no regime terapêutico, o que pode ser
evitado tendo-se sempre em mente a necessidade de
redução da levodopa quando um inibidor da COMT for
administrado.
Nas fases mais avançadas da doença de Parkinson, as
discinesias tornam-se mais intensas e prolongadas, muitas
vezes persistindo durante todo o tempo do período on.
Nesses casos, a associação de um agonista da dopamina
permite a redução da dose da levodopa e a melhora das
discinesias sem prejuízo do efeito antiparkinsoniano.

Quedas
Raramente se observam quedas nas fases iniciais da
doença de Parkinson, particularmente em pacientes não
idosos. Quando ocorrem nessas condições, deve ser
reavaliado o diagnóstico de doença de Parkinson, sendo
consideradas outras possibilidades diagnósticas, por
exemplo, a paralisia supranuclear progressiva ou outras
formas de parkinsonismo atípico. Entretanto, nas fases
mais avançadas de doença de Parkinson, particularmente
nos indivíduos mais idosos, as quedas tornam-se mais
frequentes e motivo de preocupação constante em virtude
de seu potencial de morbidade e mortalidade.
De modo geral, as quedas relacionadas com a doença de
Parkinson podem ser atribuídas a quatro causas básicas:

1. Bloqueios motores.
2. Instabilidade postural.
3. Discinesias.
4. Hipotensão postural.

Essas causas podem agir isoladamente ou em várias


combinações em cada caso. A anamnese cuidadosa dos
episódios de queda e o exame neurológico devem revelar os
mecanismos determinantes para que se possa planejar a
terapêutica mais apropriada. Além das causas citadas,
devem ser excluídos fatores não diretamente relacionados
com a doença de Parkinson, como doença sistêmica aguda
(pneumonia, síncope, arritmia cardíaca) ou crônica
(doenças articulares, anemia, insuficiência respiratória).
Os bloqueios motores constituem uma das complicações
mais refratárias à manipulação farmacológica. Bloqueios
motores podem ocorrer com qualquer movimento, mas são
mais evidentes e intoleráveis quando ocorrem durante a
marcha. Podem ocorrer no início da marcha, quando a
pessoa se vira em torno do próprio eixo, passa através de
uma porta ou de um espaço estreito ou tenta realizar outra
atividade simultaneamente enquanto anda.
Outro fenômeno relacionado é a festinação, que consiste
no deslocamento progressivo do centro de gravidade para a
frente durante a marcha, produzido pela inclinação da
parte superior do corpo para a frente, não acompanhada
pelos membros inferiores, cujos passos curtos são
insuficientes para trazer os pés de volta para o eixo de
gravidade.
A hipotensão ortostática é provavelmente pouco
diagnosticada como causa de quedas. Sua importância deve
ser ressaltada por ser potencialmente capaz de responder a
medicações e medidas físicas específicas. O tratamento da
hipotensão postural vai depender das causas específicas
que forem diagnosticadas. Se houver suspeita de que
determinado medicamento possa ser a causa, sua dose
deve ser reduzida ou o medicamento suspenso. Elevação do
decúbito durante a noite, suplementação de sal na dieta,
meias elásticas e administração de mineralocorticoides,
como fludrocortisona, prednisona em baixa dose ou
medicamentos alfa-agonistas, como a midodrina, são
medidas eficazes no controle desses sintomas.

Tratamento cirúrgico

Algumas estratégias para controle de sintomas motores,


em pacientes refratários à terapia medicamentosa ou
quadros avançados, vêm ganhando espaço no cenário da
doença. A estimulação cerebral profunda (deep brain
stimulation – DBS) envolve a colocação cirúrgica de
eletrodos unilaterais ou bilaterais transcranianos no núcleo
subtalâmico ou no globo pálido interno, ligados a uma
bateria semelhante a um marca-passo. Essa estratégia pode
ser usada para tratar efeitos do desgaste que envolvem as
flutuações motoras, discinesias e tremor grave, mas exigem
avaliações em centros especializados para determinar a
elegibilidade do paciente. As características associadas a
piores resultados incluem idade avançada (maior que 75
anos), comprometimento cognitivo e presença de sintomas
não responsivos à levodopa.

Tratamento de sintomas não motores

O tratamento de sintomas não motores na doença de


Parkinson se assemelha aos tratamentos para esses
sintomas em populações gerais, com algumas
particularidades.
As abordagens para tratamento da depressão na doença
de Parkinson seguem as indicações para populações em
geral. O uso de inibidores seletivos de recaptação de
norepinefrina e serotonina pode ser útil. Para a demência
da doença de Parkinson, há evidência para uso de
rivastigmina (3 a 12 mg/dia), e possivelmente o uso de
donepezila ou galantamina.
O tratamento da psicose da doença deve começar com o
desmame de medicamentos potencialmente contribuintes,
como anticolinérgicos, amantadina, agonistas de dopamina
e inibidores da MAO-B e, às vezes, levodopa. Se a psicose
persistir ou o desmame for limitado pelo ressurgimento de
sintomas motores, existem três opções principais:
pimavanserina, clozapina e quetiapina. Dentre as opções, a
quetiapina é mais comumente usada na prática clínica, pela
menor restrição de efeitos adversos e uso.
O distúrbio comportamental do sono REM pode ser
manejado com melatonina (6 a 15 mg) como agente de
primeira linha e clonazepam, se necessário, apesar de seu
uso limitado na população idosa em face dos riscos de
efeitos adversos.
Tratamentos para características autonômicas são
semelhantes às terapias em outras condições, com foco
para manejo não farmacológico. Fludrocortisona ou
midodrina podem ser úteis em casos selecionados de
hipotensão postural. Procinéticos, como a domperidona, e
laxativos são comumente usados.

Cuidados paliativos

A doença de Parkinson e os distúrbios


neurodegenerativos parkinsonianos geralmente se
desenvolvem de forma lenta e progressiva ao longo de
anos. Ferramentas preditivas validadas para prognóstico de
fim de vida são limitadas para doença de Parkinson, e pode
ser difícil determinar o momento mais apropriado para o
encaminhamento para cuidados paliativos.
A importância de reconhecer que um paciente possa
estar se aproximando de uma fase final de vida está em
oferecer suporte ao paciente afetado, bem como a seus
familiares e cuidadores, com acompanhamento
multidisciplinar que aborde seus problemas físicos,
psicossociais e espirituais durante esse período. Os
cuidados paliativos têm papel essencial nessas condições
ao longo da progressão da doença, incluindo tratamento de
sintomas motores e não motores, planejamento avançado
de cuidados e suporte ao cuidador.

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Diagnóstico e tratamento das demências vasculares e 39
potencialmente reversíveis

Laiss Bertola de Moura Ricardo


Roberta Diehl Rodriguez
Claudia Kimie Suemoto

DEMÊNCIA VASCULAR

Definição

A demência vascular (DV) é definida pela presença de déficit em um ou


mais domínios cognitivos (função executiva, linguagem, memória, velocidade
de processamento, entre outros), secundária ao hipofluxo cerebral e/ou à
presença de lesões cerebrais isquêmicas ou hemorrágicas. Recentemente, o
termo distúrbio neurocognitivo maior vascular tem sido recomendado pela
Associação Americana de Psiquiatria ao invés do termo DV. A DV apresenta
diversas etiologias, o que tem dificultado o consenso sobre os critérios
clínicos e neuropatológicos dessa doença.

Dados epidemiológicos

A DV é a segunda causa mais comum de demência após a doença de


Alzheimer. A prevalência de DV varia de acordo com a população estudada,
sendo reportada uma prevalência de 8 a 45%. No Brasil, um estudo
neuropatológico mostrou que a prevalência pode ser 35%, o que sugere um
benefício importante do controle dos fatores de risco cardiovascular na
prevenção dessa etiologia de demência. A prevalência de DV aumenta com a
idade, sendo que o risco de DV dobra a cada 5,3 anos a partir dos 65 anos de
idade. Após um acidente vascular cerebral (AVC), 15 a 30% dos indivíduos
desenvolvem sintomas compatíveis com uma síndrome demencial dentro dos
3 primeiros meses do evento. Fatores de risco associados à DV incluem
idade avançada, baixa escolaridade, sexo feminino, localização e tamanho do
AVC e presença de fatores de risco cardiovasculares, tais como diabetes,
hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, sedentarismo, doença cardíaca,
fibrilação atrial, dislipidemia, hiper-homocisteinemia, apneia obstrutiva do
sono, hipóxia decorrente de hipoperfusão cerebral ou oxigenação,
encefalopatia vascular familiar e apolipoproteína E alelo épsilon-4.

Etiologia e fisiopatologia

A DV tem etiologia variada. Pode ser secundária à hipoperfusão cerebral


aguda ou crônica ou a eventos hemorrágicos ou isquêmicos. Entre as causas
isquêmicas, a DV pode ocorrer devido a um infarto único de grandes vasos
(DV cortical), como em um infarto extenso secundário à oclusão da artéria
cerebral média; ou devido a infartos lacunares secundários à doença de
pequenos vasos (DV subcortical). A DV pode ainda ser causada por um
infarto único em área estratégica, por exemplo, no tálamo, hipocampo ou
gânglios da base (Figura 1). A hipoperfusão pode ser aguda, como nos casos
de encefalopatia anóxica após parada cardíaca; ou crônica, como na
presença de insuficiência cardíaca grave ou hipotensão postural crônica.

FIGURA 1 Imagem axial FLAIR demonstra infarto recente em área estratégica envolvendo o tálamo
direito.
Fonte: acervo pessoal de Roberta Diehl Rodriguez.

A demência secundária à hipoperfusão normalmente ocorre em áreas de


penumbra entre regiões irrigadas por grandes artérias e afeta a substância
branca. Microscopicamente, é possível encontrar uma variedade de lesões
cerebrovasculares associadas à DV, tais como infartos secundários à oclusão
de grandes vasos, infartos lacunares (< 1 cm), microinfartos e
arterioloesclerose hialina (espessamento de pequenos vasos).
É importante ressaltar que a doença cerebrovascular pode coexistir com
outras doenças neurodegenerativas, principalmente a doença de Alzheimer.
Quanto maior a idade da amostra estudada, maior a chance da presença de
múltiplas patologias, o que dificulta a caracterização clínica e representa
desafio ainda maior para o desenvolvimento de tratamentos eficazes para as
demências.

Quadro clínico

O quadro clínico da DV varia de acordo com a etiologia e a localização


das lesões cerebrovasculares. A DV após eventos hemorrágicos e eventos
isquêmicos corticais de grandes vasos é acompanhada de sintomas
cognitivos de início abrupto próximo ao evento vascular. Os sintomas
cognitivos podem vir acompanhados de déficit focal, tal como fraqueza de
membros. Os sintomas cognitivos tendem a piorar em degraus devido à
ocorrência de novos eventos isquêmicos. Já os sintomas cognitivos
associados à DV secundária a eventos isquêmicos subcorticais podem
apresentar início insidioso e não ser acompanhados de déficits focais
específicos, sendo difícil sua diferenciação do quadro clínico da doença de
Alzheimer.

FIGURA 2 A. Arteriolosclerose hialina caracterizada pelo depósito de material hialino entre o endotélio
e a camada média (aumento de 100 vezes). B. Microinfarto crônico em córtex temporal com cavitação
(seta) (aumento de 25 vezes).
Fonte: Biobanco para Estudos em Envelhecimento da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Imagens cedidas por Roberta Diehl Rodriguez.

Quanto à avaliação neuropsicológica, observa-se principalmente alteração


da velocidade de processamento (sinalizada por lentificação), disfunção
executiva e déficit de atenção. Dessa forma, avaliações que contemplem
testes cronometrados, tais como o Trail Making Test parte A ou a primeira
parte do teste Stroop Victoria, são capazes de mensurar o aumento do
tempo de reação do paciente sem que esse desempenho seja afetado por
outra possível dificuldade cognitiva decorrente do quadro. Na avaliação do
funcionamento executivo é essencial mensurar as funções nucleares
(controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória operacional), uma vez
que essas funções constituem a base para processos executivos mais
complexos. Considerando que o sistema atencional apresenta múltiplas
circuitarias e os déficits podem ser variados, é importante avaliar o volume
de informação analisado, bem como a ocorrência de erros e/ou omissões em
testes de cancelamento que contemplem a seleção, sustentação, alternância
e divisão do foco atencional. Outros domínios, como memória, linguagem e
praxia, podem ser afetados de acordo com a localização das lesões,
caracterizando a correlação estrutura-função.
O aparecimento ou exacerbação de sintomas neuropsiquiátricos é comum
e representa uma sobrecarga importante para o paciente e sua família.
Depressão, apatia e labilidade emocional são comuns em pacientes com DV,
enquanto delírios e alucinações são menos frequentes. A taxa de declínio
cognitivo é semelhante em indivíduos com DV e doença de Alzheimer, mas a
taxa de mortalidade é maior nos primeiros, principalmente devido a doenças
cardiovasculares e cerebrovasculares, sendo que a média de sobrevida é de
3 a 5 anos.

Diagnóstico

Embora a anamnese e o exame físico sejam parte importante do


diagnóstico de DV, a realização de exames de neuroimagem é essencial, visto
que os critérios clínicos de DV, como preconizado pelo National Institute of
Neurological Disorders and Stroke e pela Association Internationale pour la
Recherche et l’Enseignement en Neurosciences (NINDS-AIREN), que
determinam que os sintomas cognitivos devem estar presentes em até 3
meses após o evento cerebrovascular, têm alta especificidade, mas baixa
sensibilidade. A tomografia computadorizada é suficiente para detecção de
infartos maiores e lesões extensas de substância branca, porém a
ressonância nuclear magnética (RNM) é preferível por mostrar com mais
precisão o local e a extensão das doenças cerebrovasculares. A presença de
múltiplas lacunas, infartos em locais estratégicos, lesões de substância
branca extensa (frequentemente definida como > 25%) ou uma combinação
dessas lesões são suficientes para o diagnóstico de DV (Figura 3). Atrofias
global e do hipocampo têm sido associadas a demência e extensão da
patologia vascular. Não é claro se essas atrofias são secundárias à doença
vascular ou à associação desta com doença neurodegenerativa, mas estudos
de autópsia mostraram que a atrofia hipocampal associou-se a DV e
esclerose hipocampal. Outros biomarcadores para DV, além da
neuroimagem, ainda não estão disponíveis.
Tratamento

Parte essencial do tratamento de DV inclui diagnóstico e tratamento das


comorbidades, assim como orientação e suporte aos pacientes e seus
cuidadores. O tratamento farmacológico da DV é semelhante ao da doença
de Alzheimer. Os sintomas cognitivos e comportamentais podem ser
controlados com anticolinesterásicos e memantina, porém os efeitos são
modestos. Doses e indicações desses medicamentos são os mesmos da
doença de Alzheimer (Tabela 1). O uso dessas medicações baseia-se nos
achados neuropatológicos e químicos que mostraram considerável
sobreposição da DV e da doença de Alzheimer com déficit colinérgico em
ambas as causas de demência.

FIGURA 3 Imagens axiais FLAIR demonstram microangiopatia como hipersinal confluente (A e B),
além de espaços perivasculares proeminentes em núcleos da base (A).
Fonte: acervo pessoal de Roberta Diehl Rodriguez.

Outros medicamentos, como alcaloides do ergot (hidergina e nicergolina),


ginkgo biloba, derivados da xantina (pentoxifilina e propentofilina) e
piracetam, foram testados em ensaios clínicos e considerados sem eficácia e,
portanto, não são recomendados no tratamento de pacientes com DV.
Bloqueadores de canais de cálcio, como nimodipino e nicardipino, foram
testados em grandes ensaios clínicos e mostraram benefícios mínimos.
Dessa forma, seu uso também não é recomendado atualmente.
O manejo dos sintomas comportamentais inclui tratamento não
farmacológico e farmacológico. O tratamento não farmacológico é de
extrema importância e deve ser sempre orientado para a prevenção e o
tratamento dos sintomas comportamentais (Tabela 2). Embora a evidência
não seja conclusiva, treinamento e suporte de cuidadores, implementação de
atividades (exercícios físicos, musicoterapia, terapia com animais) e
reestruturação do ambiente (limpeza, iluminação adequada, redução de
ruídos, melhora da acessibilidade) parecem diminuir a incidência de
sintomas comportamentais.
O tratamento farmacológico dos sintomas comportamentais está indicado
quando estes geram estresse significativo ou quando há risco evidente de
dano físico para o paciente ou seu cuidador. É importante lembrar que o uso
de anticolinesterásicos e memantina pode melhorar também os sintomas
comportamentais. O tratamento farmacológico baseia-se na introdução de
antidepressivos inibidores da receptação de serotonina na presença de
sintomas depressivos e ansiosos. O uso desses medicamentos pode diminuir
concomitantemente sintomas de agitação e agressividade. O uso de
trazodona (dose inicial de 25 mg) está indicado principalmente na presença
de agitação e distúrbios do sono.
O uso de neurolépticos está indicado na presença de sintomas psicóticos
(alucinação, delírios e paranoia) e agitação importantes. O uso de
neurolépticos atípicos é preferido na menor dose necessária para controle
dos sintomas e sua suspensão deve ser reavaliada continuamente, de
preferência nos primeiros 4 meses de uso, sempre considerando o risco de
efeitos adversos (parkinsonismo, sedação, efeitos anticolinérgicos, ganho de
peso) e o risco de aumento da mortalidade por eventos cardiovasculares com
o uso crônico. Para crises de agitação e agressividade importantes, o uso de
haloperidol está indicado, podendo ser administrado com cuidado por via
intramuscular ou intravenosa. Além dos sintomas extrapiramidais
frequentes, a ocorrência de prolongamento do segmento QT deve ser
monitorada através da realização de eletrocardiograma e dosagem sérica de
potássio. Os neurolépticos mais usados são descritos na Tabela 3.

TABELA 1 Medicações usadas no tratamento de demência vascular

Medicação Classe Dose Dose final, Indicações Contraindicações


medicamentosa inicial escalonamento
da dose

Donepezila Anticolinesterásico 5 mg, 1 10 mg, 1 Sintomas


vez/dia vez/dia, cognitivos e
aumentar após 4 comportamentais
semanas da DV leve a
moderada
TABELA 1 Medicações usadas no tratamento de demência vascular

Galantamina Anticolinesterásico 4 mg, 2 12 mg, 2 Sintomas Não usar na


vezes/dia vezes/dia, cognitivos e presença de
aumentar em 4 comportamentais insuficiência renal
mg, 2 vezes/dia, da DV leve a ou hepática
a cada 4 moderada
semanas até a
dose máxima

Rivastigmina Anticolinesterásico 1,5 mg, 6 mg, 2 Sintomas Cuidado em


2 vezes/dia, cognitivos e pacientes com
vezes/dia aumentar em comportamentais insuficiência renal
1,5 mg, 2 da DV leve a ou hepática, ou na
vezes/dia, a moderada presença de baixo
cada 4 semanas peso corporal
até a dose
máxima

Memantina Antagonista da 5 mg, 1 10 mg, 2 Sintomas Cuidado em


NMDA vez/dia vezes/dia, cognitivos e pacientes com
aumentar em 5 comportamentais insuficiência renal
mg a cada 1 da DV moderada
semana até a a grave
dose máxima

DV: demência vascular; NMDA: N-metil-D-aspartato.

Em relação à prevenção primária, o uso de anti-hipertensivos para o


controle da hipertensão arterial sistêmica parece prevenir DV através da
diminuição da incidência de AVC de acordo com uma metanálise que incluiu
alguns ensaios clínicos randomizados. Entretanto, até o momento o controle
de diabetes e dislipidemia não diminuiu a incidência de DV em metanálises
de ensaios clínicos. O uso de antiagregantes plaquetários como aspirina em
ensaios clínicos para prevenção de DV também não mostrou resultados
positivos.
Recentemente, dois grandes ensaios clínicos europeus testaram a
hipótese de que intervenções multidomínios, incluindo o controle agressivo
dos fatores de risco cardiovascular, poderiam diminuir a incidência de
demência. No estudo FINGER, a intervenção multidomínio (dieta, exercício
físico, treinamento cognitivo e monitoramento dos fatores de risco
cardiovascular) melhorou o desempenho cognitivo global e também o
desempenho em funções executivas e de velocidade de processamento após
2 anos. No estudo preDIVA, a intervenção multidomínio semelhante também
diminuiu a incidência de demência não Alzheimer após 2 anos.

TABELA 2 Tratamento não farmacológico dos sintomas comportamentais em pacientes com


demência

Problema Orientação
TABELA 2 Tratamento não farmacológico dos sintomas comportamentais em pacientes com
demência

Paciente sem rotina específica Manter uma rotina diária de atividades.


durante o dia, sem horário
específico para a realização das
atividades diárias

Problemas físicos gerando Monitorar e intervir precocemente se houver a presença de dor,


agitação ou delirium constipação ou outros problemas físicos.

Polifarmácia Revisar medicação, suspendendo o uso de medicações


desnecessárias e adequando a dose para a menor efetiva.
Pesquisar se o início dos sintomas comportamentais coincide com
a introdução de um novo medicamento.
Considerar que o sintoma possa ser devido a efeitos colaterais ou
interações medicamentosas.

Agitação, agressividade ou delírios Não discutir com o paciente, respeitar sua opinião mesmo
quando incorreta.
Evitar ameaças ou censura.
Redirecionar a atenção do paciente para uma atividade
prazerosa.
Reconhecer que o paciente está chateado, tranquilizá-lo e
oferecer ajuda.
Evitar expor o paciente a situações que parecem desencadear o
comportamento agressivo ou agitado.

Déficits sensoriais (visuais e/ou Falar lenta e calmamente em um tom de voz normal.
auditivos) Avaliar e otimizar visão e audição através do uso de óculos e
prótese.

Desorientação temporal e espacial Orientar o paciente quanto a local e data atuais sempre que
necessário.

Alterações do sono Revisar a higiene do sono.


Reafirmar a necessidade de fixar horários para dormir, inclusive
ambiente adequado.
Evitar que o paciente durma muito durante o dia.
Estimular a exposição solar diurna.

TABELA 3 Neurolépticos usados no controle de sintomas comportamentais da demência

Medicação Classe Dose inicial, via Dose máxima Efeitos colaterais


medicamentosa de
administração

Olanzapina Atípico 2,5 mg, 1 vez/dia, 5 mg, 2 vezes/dia Parkinsonismo, ganho


VO de peso, diabetes,
hipercolesterolemia

Risperidona Atípico 0,5 mg, 1 vez/dia, 1 mg, 2 vezes/dia Parkinsonismo, ganho


VO de peso, elevação da
prolactina

Quetiapina Atípico 25 mg, 1 vez/dia, 75 mg, 2 vezes/dia Ganho de peso,


VO diabetes, sedação
TABELA 3 Neurolépticos usados no controle de sintomas comportamentais da demência

Haloperidol Típico 0,5 mg, IM ou IV 10 mg/dia Parkinsonismo,


prolongamento do
intervalo QT

IM: intramuscular; IV: intravenosa; VO: via oral.

DEMÊNCIAS POTENCIALMENTE REVERSÍVEIS

Definição

O termo demência refere-se a uma doença cerebral ou sistêmica que leva


a um prejuízo cognitivo combinado com um prejuízo funcional, social e/ou
ocupacional. São recomendadas ações clínicas que visem excluir potenciais
causas reversíveis, tais como alterações nutricionais, hormonais, eventos
vasculares, tumores, hidrocefalia de pressão normal e depressão. A exclusão
dessas causas é de suma importância, visto que as demais causas
neurodegenerativas de demência são irreversíveis, sem cura ou prevenção
efetiva.

Dados epidemiológicos

As chamadas demências potencialmente reversíveis correspondem a


cerca de 9% dos quadros demenciais e referem-se aos casos que não
possuem etiologia neurodegenerativa, mas que por um momento são
clinicamente compatíveis com os critérios de demência. Essa prevalência é
compatível com a identificada em um estudo nacional feito na cidade de São
Paulo e varia conforme a faixa etária estudada. Sua etiologia é
potencialmente tratável e seus sintomas, ao menos parcialmente, são
reversíveis. O uso dessa terminologia ainda é bastante ambíguo, levantando
o debate se os quadros potencialmente reversíveis devem mesmo ser
denominados demenciais.

Etiologia e fisiopatologia

As causas mais comuns de demência potencialmente reversíveis são:


quadros metabólicos (hipotireoidismo e deficiência de vitamina B12),
hidrocefalia de pressão normal, depressão e tumores, mas são ainda listados
quadros relacionados a traumas neurológicos (concussões e hematomas
subdurais), uso de medicamentos e de outras substâncias (álcool e drogas
ilícitas). Como se pode verificar, a etiologia das demências potencialmente
reversíveis é altamente variável.

Quadro clínico
As etiologias relacionadas com o surgimento de demências de caráter
reversível estão associadas a um início de sintomatologia pré-senil ou na
fase adulta intermediária. Os estudos costumam indicar o início dos
sintomas em média antes dos 70 anos e sinalizam uma redução da incidência
das causas reversíveis nos idosos mais velhos, enquanto se observa um
aumento significativo das causas irreversíveis. Para cada etiologia os
estudos sugerem uma idade média de aparecimento dos sintomas, portanto
há grande variabilidade. Por exemplo, quadros relacionados com
hidrocefalia de pressão normal possuem maior incidência de diagnóstico
entre os 60 e 79 anos, enquanto quadros relacionados com tumores tendem
a ter maior incidência em jovens adultos (a partir dos 30 anos) até o início
da fase idosa (70 anos).
Em geral, os sintomas são caracterizados de forma mais recente, ou seja,
são observados como iniciados mais rapidamente, porém com intensidade
mais leve do que aqueles caracterizados por pacientes com quadros
neurodegenerativos. A percepção subjetiva dos sintomas sinaliza uma
diferença para esses dois grandes grupos de demências. Pacientes com
demências reversíveis tendem a observar a presença dos sintomas de forma
mais rápida, uma vez que o aparecimento de queixas é em sua maioria
incompatível com o desempenho cognitivo esperado para aquela etapa do
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, em um primeiro momento, quadros
neurodegenerativos que acometem pessoas mais idosas tendem a ter seus
sintomas caracterizados popularmente como esperados para aquela fase do
desenvolvimento.

Diagnóstico

Considerando a grande variabilidade de quadros potencialmente


reversíveis, a Tabela 4 sintetiza o que deve ser investigado em cada uma
dessas condições e o perfil cognitivo de declínio normalmente apresentado.
Como se pode ver na Tabela 4, muitos dos perfis cognitivos possíveis para
os quadros potencialmente reversíveis são similares a quadros
degenerativos. Essa similaridade torna necessária a realização de exames
laboratoriais de neuroimagem para verificação dessas causas, bem como
uma boa construção de história clínica dos sintomas para evitar confusões
diagnósticas.

Tratamento

Apesar de por um tempo ter sido considerado na literatura que o


tratamento da etiologia reverteria por completo os sintomas demenciais
nesses quadros, estudos mais recentes demonstram que a maioria dos
pacientes não apresenta melhora total e estabelecem que não é possível
determinar o grau de melhora a priori. Uma pequena parcela apresenta
atenuação dos sintomas ou remissão completa deles (0,29% e 0,31%,
respectivamente, dos 9% do total de pacientes que apresentam quadros
reversíveis), conforme metanálise realizada.

TABELA 4 Demências potencialmente reversíveis

Principais Investigação clínica Possível perfil cognitivo


causas

Hipotireoidismo Dosagem sanguínea de TSH, Déficits atencionais, mnemônicos episódicos, de


T4 livre e T3 funcionamento executivo e lentificação da
velocidade de processamento.

Deficiência de B12 Dosagem sanguínea de Déficit mnemônico episódico e alteração do


vitamina B12 humor.

Hidrocefalia de Exame de neuroimagem: Déficit mnemônico episódico, atencional e


pressão normal tomografia computadorizada incontinência urinária, associados a alteração de
ou RNM, preferencialmente marcha.

Depressão Avaliação do humor Déficits atencionais, do funcionamento executivo,


da velocidade de processamento, com impacto
sobre o sistema mnemônico episódico.

Tumores Exame de neuroimagem: Déficit cognitivo dependente da relação estrutura-


tomografia computadorizada função. Achados comuns incluem déficit
ou RNM, preferencialmente atencional e na velocidade de processamento.

Infecções (p. ex., VDRL (sífilis) e, se positivo, Déficits de velocidade de processamento,


sífilis e HIV) pesquisar por sífilis no líquor; coordenação visuomotora, sistema executivo e
sorologia para HIV atencional, com impacto sobre o sistema
mnemônico episódico.

RNM: ressonância nuclear magnética; TSH: thyroid-stimulating hormone (hormônio estimulador da


tireoide); VDRL: venereal disease research laboratory.

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40 Demência com corpúsculos de Lewy

Wilson Roberto Picco Júnior


Silvio Ramos Bernardes da Silva Filho
Paulo de Oliveira Duarte

INTRODUÇÃO
A demência com corpúsculos de Lewy (DCL) – assim
denominada na quinta edição do Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (DSM-5) – recebeu vários
nomes ao longo dos anos, como doença dos corpúsculos de
Lewy difusos, doença de Alzheimer (DA) variante com
corpúsculos de Lewy, doença dos corpúsculos de Lewy
cortical e demência senil de corpúsculos de Lewy, muito
por não se saber ao certo se é uma entidade com achado
compartilhado de corpúsculos de Lewy corticais ou se
representa um espectro da mesma doença, com
apresentações clínicas variáveis.
Uma diferença importante entre a demência na doença
de Parkinson (DP) e a DCL está no tempo entre o início da
alteração cognitiva e os sintomas motores prévios, que na
primeira geralmente acontece após 1 ano de evolução e na
segunda com menos de 1 ano.

EPIDEMIOLOGIA
A DCL é a terceira causa mais comum de demência,
atrás apenas da DA e da demência vascular. A prevalência
da doença aumenta com a idade, sendo mais comum em
homens 4:1. Pela apresentação clínica com sinais e
sintomas muito variáveis, é um desafio diagnóstico na
prática clínica atual. Um estudo de revisão de 2016
mostrou taxa de prevalência variando entre 0,3 e 24,4%.
Esses valores provavelmente são subestimados, tendo em
vista alguns estudos que mostraram maior prevalência
quando se tem o foco na identificação da doença incluindo
exame neurológico.

FISIOPATOLOGIA
Atualmente, é classificada como sinucleinopatia devido
ao fato de as inclusões neuronais de alfassinucleína
atuarem na perda neuronal e, consequentemente, nos
achados clínicos. Está associada a alterações patológicas
que se sobrepõem a outras doenças neurodegenerativas,
como DA e DP. A atrofia cortical é menos importante do que
na DA, porém com atrofia inicial importante nas áreas
límbicas, como amígdalas e giro do cíngulo. Pode
apresentar deposição de proteína beta-amiloide e placas
senis, mas alterações da proteína tau e emaranhados
neurofibrilares são incomuns. A princípio há perda
neuronal colinérgica significativa, responsável pela clínica
da doença, associada também a um déficit dopaminérgico
por morte neuronal e participação da alfassinucleína no
metabolismo de dopamina. A DCL e DP são duas
expressões diferentes de um mesmo problema subjacente.
Apesar de a DCL ser considerada uma doença
esporádica, alguns estudos têm fornecido embasamento
para considerar fatores genéticos desempenhando um
papel de até 60% de suscetibilidade da doença.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA
A apresentação clínica ocorre com alteração cognitiva
progressiva, incapacitante, com curso flutuante e
inicialmente com alteração de atenção e funções executiva
e visuoespacial, ao contrário da DA, que se inicia com
preservação de memória episódica. Um estudo
acompanhado de confirmação neuropatológica mostrou que
a ausência de comprometimento visuoespacial no estágio
inicial ajuda a excluir o diagnóstico de DCL com valor
preditivo negativo de 90%. Até 85% dos pacientes podem
apresentar alterações comportamentais do sono REM
(rapid eye movement, ou movimento ocular rápido),
caracterizadas por sonhos vívidos e assustadores
acompanhados de intensa atividade motora, como
movimentos repetidos de tronco e membros e vocalizações,
podendo preceder a alteração cognitiva em até duas
décadas (Figura 1).
FIGURA 1 Modelo hipotético prodrômico da doença de Alzheimer (A) e
demência com corpúsculos de Lewy (B).
CCL: comprometimento cognitivo leve.

Alucinações visuais podem ocorrer em até dois terços


dos pacientes e, diferentemente da DA, apresentam-se no
início do quadro clínico, com características vívidas,
coloridas, tridimensionais, em forma de objetos
inanimados, animais ou pessoas. Os pacientes com esses
sintomas parecem ter déficits de atenção e função
executiva mais importantes, porém com grau semelhante
de comprometimento visuoespacial em relação aos que não
apresentam essa queixa.
Outro sintoma bem frequente é o parkinsonismo, que
acomete por volta de 75% dos pacientes, com predomínio
do comprometimento axial cursando com instabilidade
postural, hipomimia facial, disartria e hipofonia, com
tremor menos frequente e de menor intensidade do que a
doença de Parkinson.
Além disso, o paciente pode apresentar quadro de
hipersensibilidade a neurolépticos, com parkinsonismo e
alteração de nível de consciência mais frequente com
antipsicóticos típicos. Menos comumente se apresenta com
disfunção autonômica, como incontinência urinária ou
retenção, associada a hipotensão ortostática, tontura,
lipotimia e quedas frequentes. Outras alterações
psiquiátricas menos comuns, como delírios de conteúdo
complexo, alucinações auditivas, depressão e ansiedade,
também podem estar associadas ao quadro clínico.

DIAGNÓSTICO
A suspeita diagnóstica de DCL se apresenta após a
realização de anamnese minuciosa e exame físico completo,
com achados de sinais, sintomas e evolução compatível com
a doença. Atualmente o diagnóstico é realizado a partir de
critérios clínicos propostos por um consórcio de
especialistas, com a última atualização em 2017, sendo
incorporados como critérios a avaliação com
polissonografia, cintilografia miocárdica, novos exames de
neuroimagem e eletrofisiologia. Essas alterações têm como
objetivo melhorar os subdiagnósticos realizados com os
critérios propostos anteriormente, que mostravam
especificidade de 95%, mas com sensibilidade de apenas
32% quando comparados à realização de autópsias.
Com isso, é proposta a classificação em demência com
corpúsculos de Lewy provável, possível ou menos provável
com base nos critérios descritos no Quadro 1.

QUADRO 1 Critérios revisados para o diagnóstico de demência com


corpúsculos de Lewy possível e provável

Essencial para o diagnóstico de DCL é a demência, definida como um declínio


cognitivo progressivo com interferência nas funções sociais ou ocupacionais
normais ou nas atividades diárias.
O comprometimento da memória pode não necessariamente ocorrer nos
estágios iniciais, mas geralmente é evidente com a progressão. Déficits em
testes de atenção, função executiva e capacidade visuoperceptiva podem
ocorrer precocemente.

Critérios principais (os três primeiros ocorrem precocemente e podem persistir


ao longo do curso):
Cognição flutuante com variações pronunciadas na atenção.
Alucinações visuais recorrentes que normalmente são bem formadas e
detalhadas.
Transtorno do comportamento do sono REM, que pode preceder o declínio
cognitivo.
Uma ou mais características cardinais espontâneas do parkinsonismo
bradicinesia (definida como lentidão de movimento e decréscimo em
amplitude ou velocidade), tremor em repouso ou rigidez.

Critérios de suporte:
Sensibilidade grave a antipsicóticos, instabilidade postural, quedas repetidas,
síncope ou outros episódios transitórios de falta de resposta, disfunção
anatômica grave (p. ex., constipação, hipotensão ortostática, incontinência
urinária), hipersonia, alucinações em outras modalidades, delírios
sistematizados, apatia, ansiedade e depressão.

Biomarcadores indicativos:
Captação reduzida de dopamina nos gânglios basais demonstrada por
SPECT ou PET.
Cintilografia miocárdica anormal (baixa captação de iodo 123-MIBG).
Confirmação polissonográfica de alteração do sono REM sem atonia.
QUADRO 1 Critérios revisados para o diagnóstico de demência com
corpúsculos de Lewy possível e provável

Biomarcadores de suporte:
Preservação relativa das estruturas do lobo temporal medial na TC ou RM.
Baixa captação generalizada no SPECT ou PET perfusão ou metabolismo
com redução de atividade occipital.
Atividade de onda lenta posterior proeminente no EEG com flutuações
periódicas no período pré-alfa ou faixa teta.

DCL provável:
a. Dois ou mais critérios principais, com ou sem a presença de biomarcadores;
ou
b. Um critério principal associado a pelo menos um biomarcador indicativo.

DCL provável não pode ser diagnosticada apenas com base em


biomarcadores.

DCL possível:
a. Um critério principal na ausência de biomarcadores indicativos; ou
b. Um ou mais biomarcadores indicativos na ausência de critérios principais.

DCL é menos provável:


a. Na presença de qualquer outra doença física com distúrbio cerebral,
incluindo lesões cerebrovasculares suficientes para explicar em parte ou no
total o quadro clínico, embora estes não excluam um diagnóstico de DCL e
possam servir para indicar patologias mistas ou múltiplas que contribuam para
a apresentação clínica; ou
b. Se as características parkinsonianas forem a única característica clínica
principal a aparecer pela primeira vez em um estágio de demência grave.

DCL: demência com corpúsculos de Lewy; EEG: eletroencefalograma; MIBG:


metaiodobenzilguanidina; PET: positron emission tomography (tomografia de
emissão de pósitrons); REM: rapid eye movement (movimento ocular rápido);
RM: ressonância magnética; SPECT: single photon emission computed
tomography (tomografia computadorizada com emissão de fótons); TC:
tomografia computadorizada.

A DCL deve ser diagnosticada quando a demência


ocorre antes ou concomitantemente com o parkinsonismo.
O termo demência da doença de Parkinson deve ser usado
para descrever a demência que ocorre no contexto da
doença de Parkinson bem estabelecida. Em pesquisas em
que é necessário fazer distinção entre DCL e demência da
doença de Parkinson, a regra de 1 ano entre o início da
demência e o parkinsonismo continua sendo recomendada.

EXAMES COMPLEMENTARES
Além da anamnese e do exame físico, exames
complementares como biomarcadores indicativos ou de
suporte para diagnóstico de DCL provável ou possível
auxiliam no diagnóstico diferencial da etiologia da
síndrome demencial. Os exames inicialmente mais
solicitados são ressonância magnética (RM) e tomografia
computadorizada (TC), que mostram menor atrofia da
região mesial temporal do que na DA (Figura 2).
O uso de SPECT (single photon emission computed
tomography – tomografia computadorizada com emissão de
fótons) e de PET (positron emission tomography –
tomografia de emissão de pósitrons) mostra redução da
perfusão e do metabolismo global na DCL, sendo mais
marcado na região occipital. Dois estudos demonstraram
que o hipometabolismo occipital é o achado que melhor
distingue entre essas duas doenças, com alta taxa de
sensibilidade e especificidade (Figura 3).
O uso de ligantes específicos relacionados com cada
uma das técnicas também auxilia no diagnóstico
diferencial. A SPECT com transportador de dopamina
demonstrou baixa atividade desse neurotransmissor em
caudado e putâmen quando comparado com pacientes com
DA. PET com marcador amiloide demonstrou aumento de
deposição dessa substância em relação aos pacientes-
controle ou com demência na DP. Em ambas as técnicas foi
demonstrada redução cortical da atividade da
acetilcolinesterase em comparação com o grupo controle
ou pacientes com DA.

FIGURA 2 Imagem comparativa na ressonância magnética entre demência


com corpúsculos de Lewy (A) e doença de Alzheimer (B). Imagens coronais T1
de um homem de 61 anos com DCL patologicamente comprovada (A) e um
homem de 69 anos com DA (B). Há preservação relativa dos lobos temporais
mediais e das estruturas do hipocampo no paciente com DCL em comparação
com o paciente com DA.
DA: doença de Alzheimer; DCL: demência com corpúsculos de Lewy.
FIGURA 3 Neuroimagem representativa na demência com corpúsculos de
Lewy e na demência na doença de Alzheimer.
DA: doença de Alzheimer; DCL: demência com corpúsculos de Lewy; FDG-PET:
18F-fluorodeoxiglicose PET; FP-CIT SPECT: tomografia computadorizada de
emissão de fóton único com beta-2I-2-betacarbometoxi-3-beta-(4-iodofenil)-N-
(3-fluoropropil) nortropano; RM: ressonância magnética.

A cintilografia miocárdica com iodo123-


metaiodobenzilguanidina (MIBG) mostra baixa captação na
DCL, com altas taxas de sensibilidade e especificidade no
diagnóstico diferencial para DA, com alguns estudos
mostrando valores preditivos positivos de 100%. Além
disso, podem ser realizados polissonografia, que confirma
alteração comportamental do sono REM, não sendo vista
atonia durante essa fase do sono, e eletroencefalograma,
que pode demonstram atividade lenta com ondas sharp
temporais.
Os biomarcadores ainda não são usados amplamente na
prática clínica, mas, devido à possibilidade de detecção de
deposição de alfa-sinucleína no trato gastrointestinal e na
pele, apresentam grande potencial a ser explorado. Um
estudo demonstrou deposição de alfa-sinucleína em fibras
nervosas da pele de 18/18 pacientes com DCL e ausência
do achado em 25 pacientes-controle e 23 pacientes com DA
ou demência frontotemporal (DFT).

TRATAMENTO
O manejo dos pacientes com DCL atualmente é um
desafio devido à rápida progressão da doença em
comparação com a DA, com sobrevida média de 6 anos, à
ausência de drogas modificadoras de sua evolução e aos
poucos estudos randomizados que embasam o uso de
drogas para manejo de sintomas. Além disso, a droga usada
no tratamento de um sintoma pode contribuir para piora
importante de outro sintoma que também compõe o quadro
clínico da doença. Portanto, orientar familiares e
cuidadores quanto à evolução da doença e às limitações no
tratamento e até mesmo no manejo de sintomas se torna
peça fundamental para conduzir o caso com foco na
manutenção da qualidade de vida.
Evidências crescentes sugerem que os cuidadores
devem ser orientados sobre estratégias de distração e
direcionamento, agindo de forma calma e tranquilizadora
nos momentos de maior ansiedade (Quadro 2).
Uma revisão sistemática mostrou benefício a curto prazo
na implementação de atividades, musicoterapia,
intervenções sensoriais como massagem e treinamento de
habilidades de comunicação centrada na pessoa, mas
outras medidas, como terapia cognitivo-comportamental e
estimulação cognitiva, ainda carecem de estudos que
comprovem seus benefícios
Os anticolinesterásicos ainda são a primeira linha
terapêutica, com estudos mostrando benefício do uso de
donepezila e rivastigmina não apenas na cognição, mas
também nas flutuações, sintomas psicóticos e até mesmo
parkinsonianos. Em alguns casos podem apresentar
resposta importante, mas efêmera. A memantina surge
como droga de segunda linha, em especial para os sintomas
cognitivos, neuropsiquiátricos e distúrbios do sono REM.
O uso de neurolépticos é limitado pelo potencial de
hipersensibilidade, que pode induzir a piora de
parkinsonismo, confusão mental e disfunções autonômicas.
Estudos randomizados e controlados por placebo sugerem
eficácia limitada dessa classe de medicamentos. Se a
terapia antipsicótica for necessária, dar preferência ao uso
da classe de atípicos em doses muito baixas.

QUADRO 2 Intervenções psicossociais para o manejo de sintomas


comportamentais
QUADRO 2 Intervenções psicossociais para o manejo de sintomas
comportamentais

Manter uma rotina.


Avaliar a presença de dor e constipação.
Revisar os medicamentos, especialmente os introduzidos recentemente.
Não discordar; respeitar os pensamentos, mesmo que incorretos.
Interação física: manter o contato visual e chegar ao mesmo nível de
altura.
Falar devagar e calmamente.
Evitar apontar o dedo, repreender ou ameaçar.
Redirecionar a pessoa para uma atividade agradável ou oferecer uma
comida de que ela possa gostar.
Validar a possibilidade de a pessoa estar chateada com alguma coisa.
Assegurar à pessoa que você quer ajudá-la.
Evitar pedir para fazer o que pareça desencadear uma resposta agitada ou
agressiva.

Antidepressivos, ansiolíticos, benzodiazepínicos e


anticonvulsivantes também parecem não apresentar
benefício segundo a maioria dos estudos.
Para o controle de alteração comportamental do sono
REM é indicada como primeira escolha a melatonina na
dose de 3 a 15 mg/dia antes de dormir, também podendo
ser usado o clonazepam 0,25 a 1,5 mg/dia. Estabelecer um
ambiente seguro para o sono a fim de prevenir traumas
também é uma medida importante.
O tratamento do parkinsonismo é similar ao da DP,
porém com menos sucesso no controle de sintomas e
podendo exacerbar sintomas psicóticos e alterações do
sono REM. Sugere-se início de tratamento com levodopa na
dose de 50 mg, 3 vezes/dia, pela menor incidência de
efeitos colaterais.
O Quadro 3 resume as principais drogas, nos diferentes
desfechos analisados, e a força de recomendação pelo
sistema GRADE (Grading of Recommendations Assessment,
Development and Evaluation).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A demência com corpúsculos de Lewy é a terceira causa
de demência, atrás apenas de doença de Alzheimer e da
demência vascular.
Seu diagnóstico é clínico, e os sintomas mais comuns
são, além do déficit cognitivo flutuante, o parkinsonismo, as
alucinações visuais e alteração comportamental do sono
REM.
O manejo clínico é um desafio em razão da ausência de
drogas modificadoras da doença e da presença de poucos
estudos randomizados que embasam o uso de drogas para
manejo de sintomas.

QUADRO 3 Níveis de evidência e grau de certeza (GRADE) das intervenções


farmacológicas em pacientes com demência com corpúsculos de Lewy

Desfechos Medicação Nível de Classificação


evidência GRADE – grau
de certeza

Sintomas cognitivos Donepezila 1 Alto


Rivastigmina 2 Alto
Memantina 2 Alto
Galantamina 4 Baixo

Sintomas Donepezila* 1 Moderado


neuropsiquiátricos Rivastigmina 2 Moderado
Memantina 2 Baixo
Olanzapina 2 Baixo
Aripiprazol 4 Baixo
Quetiapina 4 Muito baixo
Clozapina 4 Muito baixo
Paroxetina 4 Muito baixo

Distúrbio do sono Memantina 2 Moderado


REM Ramelteona 4 Baixo
Clonazepan 4 Muito baixo

Sintomas motores Levodopa 3 Moderado


QUADRO 3 Níveis de evidência e grau de certeza (GRADE) das intervenções
farmacológicas em pacientes com demência com corpúsculos de Lewy

Síndrome das pernas Gabapentina 4 Baixo


inquietas

Mortalidade Memantina 2 Baixo


Donepezila 4 Baixo

* Apenas alucinações e flutuação cognitiva.


REM: rapid eye movement.
Nível de evidência: 1: revisões sistemáticas de estudos randomizados; 2:
estudo randomizado ou observacional com efeito elevado; 3: estudo coorte; 4:
estudos caso/controle, série de casos.
Grau de certeza: alto: efeito verdadeiro é similar ao efeito estimado;
moderado: efeito verdadeiro está próximo ao efeito estimado; baixo: efeito
verdadeiro pode ser marcadamente diferente do efeito estimado; muito baixo:
efeito verdadeiro é provavelmente diferente do estimado.

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41 Demência frontotemporal

Wilson Roberto Picco Júnior


Silvio Ramos Bernardes da Silva Filho
Paulo de Oliveira Duarte

INTRODUÇÃO
O termo demência frontotemporal (DFT) é utilizado para
designar uma condição clínica neurodegenerativa com
alteração comportamental, de função executiva e
linguagem, associada a uma degeneração focal do lobo
frontal ou temporal. Essa nomenclatura passou a ser
utilizada recentemente, a partir de 1994, mas a primeira
descrição de um paciente com essas características foi feita
por Arnold Pick em 1892.
No diagnóstico de DFT estão várias síndromes clínicas,
entre elas a variante comportamental (DFTvc), afasia
progressiva primária variante semântica (APPvs) e afasia
progressiva primária variante não fluente ou agramática
(APPnf). A terceira variante da afasia progressiva primária,
a logopênica (APPl), é tipicamente associada à doença de
Alzheimer (DA), portanto não é incluída como síndrome da
DFT.
A Figura 1 resume a sobreposição de distúrbios do
espectro de DFT (DFTvc, paralisia supranuclear
progressiva – PSP, degeneração corticobasal – DCB, doença
do neurônio motor – DFT-DNM, APPvc, APPnf) e sua
neuropatologia (DLFT-tau, DLFT-TDP, DLFT-FET, DLFT-
UPS), com uma pequena porção de síndromes causadas por
anormalidade da DA. A síndrome clínica da APPl está
altamente correlacionada com as alterações da DA.

EPIDEMIOLOGIA
Há escassez de dados quanto à real prevalência e
incidência dessa doença, principalmente no Brasil. Além
disso, pela nomenclatura e critérios diagnósticos recentes
esses dados provavelmente são subestimados. Com os
dados disponíveis no momento, a DFT seria a terceira
causa de demência neurodegenerativa na população idosa
e com incidência similar à DA antes dos 65 anos. Uma
metanálise de 73 artigos mostrou prevalência de 3 a 26%
nessa população.
A média de idade de início da doença é de 58 anos,
existindo relatos de diagnóstico dos 20 aos 80 anos,
embora o início antes dos 40 ou após os 75 anos seja
incomum. A doença parece afetar proporcionalmente
homens e mulheres. Apresenta alta taxa de história familiar
positiva para demência ou alterações psiquiátricas, com
padrão autossômico dominante de 10 a 25% dos casos.

FISIOPATOLOGIA
A alteração patológica da DFT é caracterizada por perda
neuronal, gliose e alterações microvasculares nos lobos
frontal, temporal anterior, córtex do cingulado anterior e da
ínsula. Corpos de inclusão também são encontrados na
microscopia, e a classificação neuropatológica é
subdividida de acordo com as proteínas encontradas. Em
aproximadamente metade dos casos é encontrada
hiperfosforilação da proteína tau. Nos casos restantes,
anteriormente definidos como demência sem histopatologia
definida, atualmente estão envolvidas as proteínas TDP-43
(transactive response DNA-binding protein with molecular
weight 43kDa) e FUS (fused in sarcoma). Em geral, as
síndromes clínicas da DFT se correlacionam relativamente
bem com o padrão de atrofia cerebral, mas não com o
subtipo patológico subjacente.
FIGURA 1 Correlações clínicas e patológicas nos distúrbios do espectro da
doença frontotemporal.
3R: proteína tau 3R; 4R: proteína tau 4R; aDLFT-U: degeneração de lobo
frontotemporal atípica-ubiquitina positiva; APP: afasia progressiva primária;
APPl: afasia progressiva primária logopênica; APPnf: afasia progressiva primária
variante não fluente; APPvs: afasia progressiva primária variante semântica; DA:
doença de Alzheimer; DCB: degeneração corticobasal; DCIB: doença por corpos
de inclusão basofílicos; DFIIN: doença com filamentos de inclusão intermediários
neuronais; DFLT-FET: degeneração de lobo frontotemporal relacionada às
proteínas da família FET (FUS, EWS e TAF15); DFLT-tau: degeneração de lobo
frontotemporal relacionada à proteína tau; DFLT-TDP: degeneração de lobo
frontotemporal relacionada à proteína 43; DFLT-UPS: degeneração de lobo
frontotemporal – sistema ubiquitina-proteassoma; DFT-DNM: demência
frontotemporal – doença do neurônio motor; DFTvc: demência frontotemporal
variante comportamental; DGA: doença com grãos argirofílicos; Pick: doença de
Pick; PSP: paralisia supranuclear progressiva; TGG: taupatia glial globular.

Considerando o caráter familiar prevalente nessa


doença, identificou-se que as mutações nos genes C9orf72,
MAPT e GRN são responsáveis por cerca de 60% dos casos
de DFT hereditárias. O teste genético deve ser considerado
em pacientes com demência frontotemporal e forte história
familiar de distúrbios neurológicos autossômicos
dominantes, incluindo DFT, DA, parkinsonismo, doença dos
neurônios motores, miopatia do corpo de inclusão ou
psicose de início tardio.
FIGURA 2 Critérios diagnósticos para diagnóstico clínico de DFT.
APP: afasia progressiva primária; APPnf: afasia progressiva primária variante não
fluente; APPvs: afasia progressiva primária variante semântica; DFT: demência
frontotemporal; DFTvc: demência frontotemporal variante comportamental.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Demência frontotemporal com variante comportamental


É o subtipo mais comum, podendo acometer até metade
dos pacientes. Os sintomas iniciais são alteração de
personalidade, desinibição e apatia. A desinibição pode
cursar com comportamentos sociais inadequados, ações
impulsivas e inconsequentes, comportamentos criminosos,
ruína financeira e comentários sexuais inadequados, porém
com libido diminuída.
A apatia cursa com redução do interesse no trabalho,
hobbies, interação social e higiene, sintomas
frequentemente confundidos com depressão. Os pacientes
podem apresentar ainda hiperoralidade com mudanças na
dieta, aumentando o consumo de doces, álcool e tabaco,
além de comportamentos compulsivos com movimentos
estereotipados, perseveração, rituais e uso repetido de
determinada frase. Podem apresentar diminuição de
sensibilidade à dor. Inicialmente demonstram déficit de
várias habilidades executivas, com relativa preservação das
visuoespaciais. A maioria dos pacientes não apresenta
insight das mudanças comportamentais ocorridas e do
sofrimento familiar que isso acarreta.
FIGURA 3 Proteína tau na doença de Pick. A imagem mostra a fotomicrografia
do giro frontal médio de um paciente com doença de Pick. A imuno-histoquímica
do tau demonstra numerosos corpos Pick (setas pretas) e células de Pick (setas
brancas).

Afasia progressiva primária variante semântica

Em ambas as variantes de APP o déficit de linguagem é


predominante nos dois primeiros anos da doença, com
ausência ou pouca alteração comportamental. Essa
variante é caracterizada por afasia semântica e agnosia
associativa, com relativa preservação de fluência, repetição
e gramática. Apresenta anomia para pessoas, lugares e
objetos, nesse caso mesmo com pistas táteis, olfativas e
gustativas. Essa dificuldade também é mais pronunciada
para substantivos do que para verbos ou pronomes.
Dificuldade para compreensão de palavras isoladas,
principalmente as menos usadas, também é comum.
Afasia progressiva primária variante não fluente

Caracterizada por discurso hesitante, elaborado e lento,


além de omissão ou abuso da gramática (agramatismo). A
anomia é mais marcada para verbos do que para
substantivos. Apresenta inconsistência no discurso, com
inserções, deleções, transposições, distorções e dificuldade
de entendimento de construções sintáticas complexas.
Com a progressão da doença o discurso se torna mais
empobrecido, com possibilidade de mutismo nos estágios
avançados. A compreensão de palavras isoladas, o
reconhecimento de objetos, o comportamento social e a
memória se mantêm preservados no início da doença.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de DFT é clínico, mas exames
laboratoriais e de imagem são necessários para excluir
outras causas para os sintomas apresentados. Como os
pacientes têm pouco ou nenhum insight da doença, a
presença do familiar no momento da história clínica se
torna essencial ao diagnóstico. Comportamento social
inadequado, transtornos alimentares, comportamentos
estereotipados e apatia na ausência de alteração de
memória ou déficit visuoespacial significativo são muito
específicos e sensíveis para o diagnóstico de DFTvc.

QUADRO 1 Consenso internacional dos critérios diagnósticos da variante


comportamental da demência frontotemporal

I. Doença neurodegenerativa

O sintoma a seguir deve estar presente para atender aos critérios de DFTvc:
A. Deterioração progressiva da cognição ou do comportamento por
observação ou histórico.
QUADRO 1 Consenso internacional dos critérios diagnósticos da variante
comportamental da demência frontotemporal

II. Possível DFTvc

Três dos seguintes sintomas comportamentais ou cognitivos (A-F) devem estar


presentes para atender aos critérios. É necessário que os sintomas sejam
persistentes ou recorrentes.
A. Desinibição comportamental precoce* [um dos seguintes sintomas (A.1-
A.3) deve estar presente].
A.1 Comportamento socialmente inadequado.
A.2 Perda de maneiras ou decoro.
A.3 Ações impulsivas, precipitadas ou descuidadas.
B. Apatia ou inércia precoces [um dos seguintes sintomas (B.1-B.2) deve estar
presente].
B.1 Apatia.
B.2 Inércia.
C. Perda precoce de simpatia ou empatia [um dos seguintes sintomas (C.1-
C.2) deve estar presente].
C.1 Resposta reduzida às necessidades e aos sentimentos de outras
pessoas.
C.2 Interesse social ou inter-relação diminuídos.
D. Comportamento perserverativo, estereotipado ou compulsivo/ritualístico
precoce [um dos seguintes sintomas (D.1-D.3) deve estar presente].
D.1 Movimentos repetitivos simples.
D.2 Comportamentos complexos, compulsivos ou ritualísticos.
D.3 Estereotipia da fala.
E. Hiperoralidade e alterações na dieta [um dos seguintes sintomas (E.1-E.3)
deve estar presente].
E.1 Preferências alimentares alteradas.
E.2 Compulsão alimentar, aumento do consumo de álcool ou cigarro.
E.3 Exploração oral ou consumo de objetos não comestíveis.
F. Perfil neuropsicológico, déficits executivos, com preservação relativa de
memória e funções visuoespaciais [um dos seguintes sintomas (F.1-F.3)
deve estar presente].
F.1 Déficits nas tarefas executivas.
F.2 Preservação relativa da memória episódica.
F.3 Preservação relativa de habilidades visuoespaciais.

III. Provável DFTvc


QUADRO 1 Consenso internacional dos critérios diagnósticos da variante
comportamental da demência frontotemporal

Todos os seguintes sintomas (A-C) devem estar presentes para atender aos
critérios:
A. Atende aos critérios para possível DFTvc.
B. Apresenta declínio funcional significativo (por relatório do cuidador, Escala
de Avaliação de Demência Clínica ou Questionário de Atividades
Funcionais).
C. Resultados de imagem consistentes com DFTvc [um dos seguintes
sintomas (C.1-C.2) deve estar presente].
C.1 Atrofia frontal e/ou frontotemporal na RM ou TC.
C.2 Hipoperfusão ou hipometabolismo frontal ou frontotemporal em PET ou
SPECT.

IV. DFTvc com definição patológica de DFLT

O critério A e o critério B ou C devem estar presentes para atender aos


critérios.
A. Atende aos critérios para DFTvc possível ou provável.
B. Evidência histopatológica de DFLT na biópsia post-mortem.
C. Presença de uma mutação patogênica conhecida.

V. Critérios de exclusão para DFTvc

Os critérios A e B devem ser respondidos negativamente para qualquer


diagnóstico de DFTvc. O critério C pode ser positivo para um possível DFTvc,
mas deve ser negativo para provável DFTvc.
A. O padrão de déficits é mais bem explicado por outros distúrbios do sistema
nervoso não degenerativo ou outras condições clínicas.
B. Os distúrbios comportamentais são mais bem explicados por um
diagnóstico psiquiátrico.
C. Biomarcadores fortemente indicativos da doença de Alzheimer ou outro
processo neurodegenerativo.

* Como diretriz geral, “precoce” refere-se à apresentação dos sintomas nos


primeiros 3 anos.
DFLT: degeneração do lobo frontotemporal; DFTvc: demência frontotemporal
variante comportamental; PET: positron emission tomography (tomografia de
emissão de pósitrons); RM: ressonância magnética; SPECT: single photon
emission computed tomography (tomografia computadorizada com emissão
de fótons); TC: tomografia computadorizada.

Demência frontotemporal variante comportamental


Em 2011, foram publicados os novos critérios para
diagnóstico de DFTvc pelo International Behavioral Variant
FTD Criteria Consortium, contemplando alterações clínicas
e testes neuropsicológicos, exames de imagem e
biomarcadores.
Para o diagnóstico de DFTvc possível é necessária
história clínica ou observação direta de deterioração
progressiva do comportamento ou da cognição, somada a
pelo menos três destes seisubc critérios: desinibição, apatia
ou inércia, perda de empatia, comportamentos
perseverativos, compulsivos ou estereotipados,
hiperoralidade e alteração do perfil neuropsicológico
específico (déficit executivo, com preservação de memória
e habilidades visuoespaciais).
DFTvc provável necessita preencher critérios para
DFTvc possível associados a declínio funcional significativo
e alteração de neuroimagem compatíveis com a patologia,
além do preenchimento de todos os critérios de exclusão: o
padrão dos déficits não pode ser explicado por outra
doença neurodegenerativa, o transtorno comportamental
não pode ser explicado por um diagnóstico psiquiátrico e
não há biomarcadores fortemente indicativos de DA ou
outro processo neurodegenerativo. Para o diagnóstico de
DFTvc possível são necessários apenas os dois primeiros
critérios de exclusão.

Afasia progressiva primária

São usados critérios propostos por um consenso de


especialistas realizado em 2011, com posterior
subclassificação da afasia em semântica e não fluente.
Dessa forma, para obter o diagnóstico é necessário
preencher três critérios positivos: alteração clínica mais
importante relacionada com a linguagem, com impacto nas
atividades diárias e afasia mais proeminente no início dos
sintomas; ausência dos quatro critérios de exclusão:
sintomas podem ser explicados por outra doença
neurodegenerativa, outra alteração psiquiátrica, alteração
proeminente de memória episódica, visual e
visuopercepção e alteração comportamental.

Variante semântica

Para o diagnóstico clínico, é necessário o preenchimento


de dois critérios principais: nomeação de objetos e
compreensão de palavra única prejudicadas; e três de
quatro secundários: reconhecimento de objetos, dislexia
superficial ou disgrafia, sem alteração de repetição ou da
fala.
O diagnóstico suportado por imagem necessita do
preenchimento dos critérios clínicos associados a alteração
em exame de imagem com predominante atrofia do lobo
temporal anterior ou hipoperfusão ou hipometabolismo da
mesma área cerebral vista na tomografia computadorizada
com emissão de fótons (SPECT, single photon emission
computed tomography) ou na tomografia de emissão de
pósitrons (PET, positron emission tomography),
respectivamente.

QUADRO 2 Critérios diagnósticos de afasia progressiva primária

Inclusão: os critérios 1 a 3 devem ser respondidos positivamente

1. O aspecto clínico mais proeminente é o déficit de linguagem.


2. Esses déficits são a principal causa de prejuízos nas atividades da vida
diária.
3. A afasia deve ser o déficit mais proeminente no início dos sintomas e nas
fases iniciais da doença.
QUADRO 2 Critérios diagnósticos de afasia progressiva primária

Exclusão: os critérios 1 a 4 devem ser respondidos negativamente

1. Os déficits são mais bem explicados por outras doenças não degenerativas
do sistema nervoso central ou outras condições clínicas.
2. O distúrbio cognitivo é mais bem explicado por um diagnóstico psiquiátrico.
3. Alteração proeminente inicial de memória episódica, memória visual e
visuopercepção.
4. Distúrbio comportamental inicial proeminente.

QUADRO 3 Critérios diagnósticos de afasia progressiva primária variante


semântica

I. Diagnóstico clínico de APPvs

Os dois principais critérios devem estar presentes:


1. Nomeação de confronto prejudicada.
2. Compreensão de palavra única prejudicada.

Pelo menos três dos critérios de diagnóstico a seguir devem estar presentes:
1. Reconhecimento de objetos prejudicado, particularmente para itens de
baixa frequência ou de baixa familiaridade.
2. Dislexia de superfície ou disgrafia.
3. Repetição poupada.
4. Produção de fala poupada.

II. Diagnóstico de APPvs baseado em imagem

Os dois critérios devem estar presentes:


1. Diagnóstico clínico da APPvs.
2. A imagem deve mostrar um ou mais dos seguintes resultados:
A. Atrofia predominante do lobo temporal anterior.
B. Hipoperfusão ou hipometabolismo predominante no lobo temporal anterior
no SPECT ou PET.

III. APPvs com definição patológica

Diagnóstico clínico (critério 1 abaixo) e critério 2 ou 3 devem estar presentes:


1. Diagnóstico clínico da APPvs.
2. Evidência histopatológica de uma doença neurodegenerativa específica (p.
ex., DFLT-tau, DFLT-TDP, DA, outras).
3. Presença de mutação patogênica conhecida.
QUADRO 3 Critérios diagnósticos de afasia progressiva primária variante
semântica

APPvs: afasia progressiva primária variante semântica; DA: doença de


Alzheimer; DFLT-tau: degeneração de lobo frontotemporal – relacionada à
proteína tau; DFLT-TDP: degeneração de lobo frontotemporal – relacionada à
proteína 43; PET: positron emission tomography (tomografia de emissão de
pósitrons); SPECT: single photon emission computed tomography (tomografia
computadorizada com emissão de fótons).

Para definição de patologia é necessário diagnóstico


clínico associado a evidência de alteração histopatológica
específica (proteína tau, TDP-43 ou FUS) ou presença de
mutação patogênica conhecida.

Variante não fluente

Diferentemente da variante semântica, no diagnóstico


clínico é necessário preencher um dos critérios principais
(agramatismo ou apraxia de fala) associado a dois de três
critérios secundários: compreensão prejudicada de
sentenças sintaticamente complexas, sem dificuldade na
compreensão de palavra única e na nomeação de objetos.
O diagnóstico suportado por imagem necessita dos
critérios clínicos associados a predominante atrofia (por
ressonância nuclear magnética – RNM), hipoperfusão (por
SPECT) ou hipometabolismo (por PET) frontoinsular
posterior esquerdo; a definição patológica necessita dos
mesmos critérios da variante semântica.

EXAMES COMPLEMENTARES
Com o avanço dos exames de neuroimagem, atualmente
existem muitas opções para contribuir com o diagnóstico
de DFT e suas possíveis subclassificações. A ressonância
magnética pode contribuir, além do diagnóstico diferencial
de outras doenças, com o direcionamento para o subtipo da
DFT (Figura 4). PET, SPECT e RNM funcionais podem
demonstrar hipoperfusão e hipometabolismo nas áreas já
citadas.

QUADRO 4 Critérios diagnósticos de afasia progressiva primária variante não


fluente

I. Diagnóstico clínico de APPnf

Pelo menos um dos seguintes critérios principais deve estar presente:


1. Agramatismo na produção da linguagem.
2. Discurso difícil e interrompido, inconsistente, com erros de som e
distorções (apraxia da fala).

Pelo menos 2 de 3 dos critérios a seguir devem estar presentes:


1. Compreensão prejudicada de frases sintaticamente complexas.
2. Compreensão de uma palavra preservada.
3. Conhecimento sobre objetos preservado.

II. Diagnóstico de APPnf baseada em imagem

Os dois critérios seguintes devem estar presentes:


1. Diagnóstico clínico de APPnf.
2. A imagem deve mostrar um ou mais dos seguintes resultados:
A. Atrofia frontoinsular posterior esquerda predominante na RM.
B. Hipoperfusão ou hipometabolismo frontoinsular posterior esquerdo
predominante no SPECT ou PET.

III. APPnf com definição patológica

Diagnóstico clínico (critério 1 abaixo) e critério 2 ou 3 devem estar presentes:


1. Diagnóstico clínico de APPnf.
2. Evidência histopatológica de uma doença neurodegenerativa específica (p.
ex., DFLT-tau, DFLT-TDP, DA, outras).
3. Presença de mutação patogênica conhecida.
QUADRO 4 Critérios diagnósticos de afasia progressiva primária variante não
fluente

APPnf: afasia progressiva primária variante não fluente; DA: doença de


Alzheimer; DFLT-tau: degeneração de lobo frontotemporal; DFLT-TDP:
degeneração de lobo frontotemporal – relacionada à proteína 43; PET: positron
emission tomography (tomografia de emissão de pósitrons); RM: ressonância
magnética; SPECT: single photon emission computed tomography (tomografia
computadorizada com emissão de fótons).
FIGURA 4 Padrões característicos de atrofia em subtipos de DFT vistos em
neuroimagem estrutural. Pacientes com DFTvc mostram atrofia bilateral das
regiões frontal mesial e orbital (setas superiores). No APPvs, a atrofia é
lateralizada (esquerda > direita) e atinge os lobos temporais anteriores e os
polos temporais (setas do meio). APPnf é caracterizada por atrofia da ínsula
esquerda, opérculo frontal, pré-frontal dorsolateral e lobos temporais superiores
(setas inferiores).
DFT: demência frontotemporal.

Além disso, o uso de PET com traçador amiloide pode


contribuir com diagnóstico diferencial para DA, devido à
ausência de contribuição da proteína amiloide na
fisiopatologia da DFT. Um exame considerado promissor
para auxílio no diagnóstico diferencial seria o PET com
traçador de proteína tau, que está sendo testado em
pacientes com demência e teria o potencial de diferenciar
DA, taupatias não DA e não taupatias. Como citado
anteriormente, a presença de biomarcadores e análise
genética podem contribuir com o diagnóstico diferencial.

TRATAMENTO
Atualmente, não existe droga modificadora da doença;
portanto, o foco do tratamento deve ser dirigido ao manejo
dos sintomas. Os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina (particularmente sertralina, paroxetina e
citalopram) podem ser usados para tratar agitação,
desinibição, estereotipias, obsessões/compulsões,
distúrbios alimentares e depressão (grau C; nível de
evidência 4). A trazodona pode ser usada nas doses de 150
a 300 mg por dia para tratar sintomas neuropsiquiátricos
(grau B; nível de evidência 2b).
Antipsicóticos podem ser usados com cautela para tratar
alucinações e casos extremos de agitação em pacientes
com qualquer subtipo de DFT (grau C; nível de evidência
4). Os anticolinesterásicos não são recomendados para
retardar o declínio cognitivo em pacientes com DFTvc
(grau C; nível de evidência 4). No entanto, a galantamina
(16 a 24 mg por dia) pode ser particularmente eficaz nas
variantes APP (grau B; nível de evidência 2b). A memantina
(20 mg por dia) não é recomendada em ambos os subtipos
de DFT e ainda está associada a piora do desempenho
cognitivo (nota A; nível de evidência 1a).
Nas variantes linguísticas do DFT, a fluência da fala
pode ser melhorada com o uso de bromocriptina (grau B;
nível de evidência 2b) ou carbidopa/levodopa e amantadina
(grau C; nível de evidência 4). Carbidopa/levodopa e
amantadina podem melhorar os sintomas parkinsonianos,
como bradicinesia e rigidez (grau C; nível de evidência 4).
A ocitocina intranasal pode ser eficiente para melhorar a
empatia e a relação paciente-cuidador, mas necessita de
estudos maiores para confirmar esse achado. O lítio (dose a
ser ajustada de acordo com as concentrações séricas) pode
ser recomendado para tratar agitação em pacientes com
DFT (grau C; nível de evidência 4). Entre as drogas
antiepilépticas, o topiramato (100 a 150 mg por dia) pode
ser usado para reduzir distúrbios alimentares e transtorno
por uso de álcool em pacientes com DFT (grau C; nível de
evidência 4). Estimulantes podem melhorar humor, apatia e
controle de impulso em pacientes com DFTvc sem
distúrbios comportamentais exacerbados (grau C; nível de
evidência 4).
Poucos estudos são direcionados ao tratamento não
farmacológico da doença, mas técnicas de distração e
redirecionamento podem contribuir com o manejo de
sintomas comportamentais, assim como reabilitação de
linguagem ou técnicas de comunicação alternativa podem
contribuir com a afasia. Além disso, a orientação dirigida à
família e aos cuidadores quanto à apresentação clínica,
evolução e prognóstico da doença deve ser o foco principal
nas consultas de retorno, bem como avaliação sistemática e
manejo de possível estresse do cuidador.
O Quadro 5 resume as principais medidas não
farmacológicas e farmacológicas a serem testadas no
manejo dos sintomas apresentados pelos pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A demência frontotemporal engloba várias síndromes
clínicas.
QUADRO 5 Checklist e estratégias possíveis no manejo de sintomas na
demência frontotemporal

Problemas Estratégias possíveis

Dificuldade de Fonoaudiologia; auxiliares e dispositivos de comunicação;


comunicação cartão de alerta ou pulseira.

Desinibição, Modificação ambiental; supervisão; evitar gatilhos;


impulsividade e atividades programadas (assegurar estimulação mental
perambulação adequada); configuração de limite e redirecionamento;
dispositivos de rastreamento.

Apatia Reinterpretação (para cuidadores); rotinas; envolver


interesses prévios (p. ex., quebra-cabeças, música); avaliar
humor/impacto no atendimento; excluir comorbidade
intercorrente.

Depressão, Apoio e aconselhamento psicológico; considerar ISRS.


ansiedade

Agitação, Evitar gatilhos; atividades de deslocamento; excluir


agressão comorbidade intercorrente; considerar ISRS, considerar
neuroléptico.

Delírios, Considerar neuroléptico de nova geração caso sejam


alucinações angustiantes ou perturbadores.

Comportamento Avaliação dietética, odontológica e de deglutição;


alimentar monitorar peso; controlar o acesso a alimentos e/ou álcool;
anormal, disfagia discussão sobre alimentação assistida quando apropriado;
considerar ISRS (hiperfagia).

Hipersexualidade, Evitar gatilhos; configuração de limite e redirecionamento;


outras atividades substitutas; considerar ISRS.
compulsões

Distúrbios de Rotinas de sono e “higiene”; evitar cafeína/álcool à noite,


sono cochilos durante o dia; exercício regular; considerar estudo
do sono para excluir convulsões noturnas, apneia do sono,
parassonia; revisar a lista de medicamentos; considerar
agente com potencial sedativo (p. ex., mirtazapina),
melatonina.
QUADRO 5 Checklist e estratégias possíveis no manejo de sintomas na
demência frontotemporal

Dor anormal, Cuidados com avaliações médicas, interpretação de


percepção de sintomas (evitar sub/superinvestigação).
temperatura

Deficiência Modificação ambiental; auxiliares de mobilidade;


motora fisioterapia; revisar a lista de medicamentos; considerar
tentativa de levodopa/agonista de dopamina.

Disfunção vesical Modificação ambiental (dicas/auxílio para ir ao banheiro,


e intestinal acesso ao banheiro); continência/avaliação urológica
(abordar prostatismo, outros fatores intercorrentes); excluir
infecção; tratar a constipação; absorventes, fraldas;
medicamentos de nova geração para hiperatividade da
bexiga, quando indicado.

ISRS: inibidores seletivos da recaptação de serotonina.

A DFT é a terceira causa de demência neurodegenerativa


em idosos, com incidência similar à doença de Alzheimer
antes dos 65 anos.
O diagnóstico é clínico, e as principais manifestações são
alterações comportamentais e de linguagem, a depender
da variante da DFT.
Atualmente, não existe droga modificadora da doença;
portanto, o foco do tratamento está no manejo de
sintomas.

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Manejo das manifestações neurocomportamentais 42
associadas às demências

Camila Pinto De Nadai


Andrea Silva Gondim
Jarbas de Sá Roriz Filho

INTRODUÇÃO
Pacientes com demência apresentam comprometimento da
memória e de outras funções cognitivas, principalmente em fase
avançada, impedindo assim que se estabeleça uma relação
adequada de seus estados emocionais e tornando certos tipos de
comportamentos mais observados por familiares e cuidadores.
Os sintomas de comprometimento cognitivo podem estar
acompanhados de sintomas comportamentais e psicológicos, que
tendem a aparecer em qualquer fase da doença. Estima-se que
quase todos os indivíduos portadores de demências
desenvolverão esses sintomas à medida que suas doenças
progridem. Os sintomas comportamentais e psicológicos podem
ser os primeiros sinais e sintomas neuropsiquiátricos; embora
haja flutuação, tendem a se agravar ao longo do curso da doença.
Estão associados com vários desfechos negativos, como declínio
cognitivo mais rápido, prejuízo funcional e reduzida capacidade
de executar as atividades básicas de vida diária (ABVD),
aumentando assim o risco de quedas, fraturas e
institucionalização.
Os sintomas comportamentais e psicológicos das demências
(SCPD) compreendem um amplo espectro de sintomas não
cognitivos, sinais e sintomas de distúrbios da percepção,
pensamento, humor e comportamento. São extremamente
relevantes porque causam profundo impacto, angústia e
incapacidade ao paciente e seus familiares/cuidadores, tornando
a relação desgastante e exaustiva. Tendem a ser mais
devastadores que os sintomas cognitivos e apresentam pior
prognóstico, má qualidade de vida e institucionalização precoce,
além do alto custo com os cuidados. Cerca de 30% dos custos
com os cuidados de pacientes demenciados que vivem na
comunidade estão diretamente atribuídos ao manejo dos
sintomas comportamentais e psicológicos.
Sintomas comportamentais e psicológicos das demências
representam um significativo desafio para os cuidados e o
manejo dos portadores de doenças neurológicas progressivas.
Esses sintomas neuropsiquiátricos incluem apatia,
agressividade/agitação, ansiedade, depressão, sintomas
psicóticos, desinibição, euforia e alterações do sono. Podem estar
presentes em todos os estágios da demência, mas tendem a
aumentar progressivamente com o declínio cognitivo,
principalmente a partir da fase moderada da doença.
As alterações comportamentais e psicológicas podem ser
resultantes do comprometimento de áreas cerebrais específicas e
de prejuízo nos circuitos cerebrais, secundário ao déficit
cognitivo e ao sofrimento pela doença e pelas comorbidades
psiquiátricas. Os comportamentos podem ser extremamente
estressantes para o paciente e sua família. Um apropriado
manejo pode melhorar significativamente a qualidade de vida de
todos os envolvidos.

DADOS EPIDEMIOLÓGICOS
A prevalência dos SCPD pode variar bastante, dependendo do
tipo de amostra estudada e dos métodos utilizados para avaliá-
los. Em alguns estudos, a prevalência varia entre 60-90%,
podendo apresentar episódios periódicos (flutuantes) ou crônicos
(alternando períodos de exacerbação seguidos de remissão
parcial). Geralmente, surgem ao longo da evolução da demência
de maneira não linear, podendo também evoluir linearmente por
um período de tempo e subsequentemente diminuir sua
frequência.
Em residentes de instituições de longa permanência, a
prevalência é elevada. Estima-se que ocorra em cerca de 78%,
mas esse número pode ser ainda maior por conta da
subnotificação dos sintomas. A frequência dos SCPD se eleva na
fase moderada e decai na fase avançada. A intensidade dos
diferentes tipos de SCPD pode variar nas fases de um quadro
demencial, embora desilusões, alucinações, apatia e
irritabilidade sejam reportadas em todas as fases de modo
similar. Depressão e ansiedade são mais comuns durante a fase
inicial e moderada da demência. Já na fase avançada dos quadros
demenciais, pela perda da condição física, permite que ocorra
menos agressão e a apatia torna-se mais prevalente.
Apatia, depressão, agitação e ansiedade parecem ser os
sintomas mais prevalentes, embora os transtornos do sono
causem mais angústia aos cuidadores. Agitação é o sintoma mais
associado a pior qualidade de vida do cuidador, podendo levar à
sobrecarga do cuidado. Embora os sintomas psicológicos e
comportamentais estejam presentes em todas as demências, a
frequência e a distribuição podem variar de acordo com o tipo e
a gravidade da demência.
A prevalência de agitação situa-se em torno de 30-50% na
demência na doença de Alzheimer, sendo a terceira mais comum
manifestação neuropsiquiátrica, atrás da apatia e da depressão.
Impacta negativamente a cognição, o estado funcional e a
qualidade de vida do paciente e do cuidador e está associada a
maior taxa de admissões, elevado uso de medicamentos, período
de internamento prolongado e maior mortalidade.

ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA
Múltiplas etiologias para SCPD são estudadas, como causas
genéticas, psicossociais, neurobiológicas, clínicas e físicas que
parecem interagir de forma dinâmica para dar origem a
comportamentos desafiadores. Então, a etiologia dos SCPD é
complexa, multifatorial e não completamente compreendida.
Fatores genéticos, neuroendócrinos, neuropatológicos e de
neuroimagem têm sido investigados, e existe alguma evidência
de que a patologia de certas áreas cerebrais contribui para o
surgimento dos sintomas específicos psicológicos e
comportamentais. Por exemplo, acentuada disfunção do lobo
frontal em algumas pessoas responde a estímulos ambientais, e
isso também é relatado aos sintomas psicóticos. Atrofia no giro
cingular anterior está associada com apatia, e estudos de
neuropatologia confirmam a importância dessa área na
manifestação da apatia.
Fatores como dor, desidratação, infecção, constipação e troca
de medicações, assim como fatores ambientais como alteração da
temperatura e da rotina, podem exacerbar os sintomas
comportamentais e psicológicos das demências. SCPD também
podem ser um meio de comunicar uma necessidade não
satisfeita. Outros fatores, como depressão, solidão,
comprometimento cognitivo e sensorial e até mesmo o modo
como é realizado o cuidado pessoal pelo cuidador, podem
contribuir para o surgimento dos sintomas comportamentais e
psicológicos. Então, a etiopatogenia provavelmente resulta da
interação entre fatores biológicos (alterações estruturais,
comorbidades e medicações), fatores psicológicos (história
pessoal, personalidade) e fatores sociais (rede de apoio, arranjos
pessoais).
Em pacientes com doença de Alzheimer e sintomas
depressivos, há redução significativa do metabolismo no córtex
frontal superior direito (medido por meio de tomografia por
emissão de prótons – PET) e maiores densidades de placas senis
e emaranhados neurofibrilares na formação hipocampal em
comparação com casos de pacientes com doença de Alzheimer
sem depressão. Delírios parecem estar relacionados com a menor
atividade em áreas corticais pré-frontais, principalmente a
direita, achado observado em dois estudos, um utilizando
tomografia computadorizada de emissão de fóton único (SPECT)
e o outro PET. Também ocorre associação entre maior
comprometimento de áreas frontais e temporais direitas e maior
intensidade das manifestações neuropsiquiátricas na demência
frontotemporal. Já na demência por corpúsculos de Lewy, é
observado hipofluxo occipital ao SPECT, o que indica
acometimento de áreas corticais primárias e secundárias ao
processamento visual. Compreender a neurobiologia no contexto
da demência de Alzheimer poderia contribuir para o
desenvolvimento de novas terapias. A maior parte dos estudos
para tentar mapear a progressão da doença de Alzheimer
concentra-se no córtex cerebral. No entanto, para os SCPD,
síndromes distintas têm diferentes bases neurobiológicas.

QUADRO CLÍNICO (PRINCIPAIS SINTOMAS


COMPORTAMENTAIS E PSICOLÓGICOS DAS DEMÊNCIAS)

Apatia

É o distúrbio do comportamento mais proeminente na doença


de Alzheimer e nas demências vasculares. Ocorre redução da
motivação, falta de iniciativa e indiferença, marcada pelo
desinteresse nas atividades de vida diária e no cuidado pessoal,
assim como nas interações sociais. Os diagnósticos diferenciais
mais importantes da apatia são depressão e delirium hipoativo.
Piora o prognóstico e causa muito impacto na realização das
ABVD e, portanto, estresse para o cuidador. Geralmente, ocorre
entre 55-90% dos portadores de demência.

Depressão

Muito prevalente em pacientes portadores da demência de


Alzheimer, portadores de demências vasculares e na doença de
Parkinson. Pode coexistir com a apatia. O humor deprimido é
encontrado em quase metade dos indivíduos com demência, e a
depressão maior, em cerca de 10-20%. Nem sempre é fácil
estabelecer um diagnóstico de depressão diante de um quadro de
demência, pois ambas podem produzir sinais e sintomas de
déficit cognitivo. Mais prevalente nos estágios iniciais de um
quadro demencial, podendo estar presente tristeza, pensamentos
pessimistas, choro fácil e fadiga. Em pacientes com demência,
sintomas depressivos são manifestados clinicamente, com
redução do apetite e baixa energia, além de irritabilidade e
isolamento social. Estão associados com desfechos adversos
como piora da qualidade de vida, declínio funcional e aumento do
risco de óbito.

Ansiedade

Pode surgir isoladamente ou associada a outros sintomas.


Pode ser a primeira manifestação, ao lado da queixa de memória,
em um declínio cognitivo progressivo.

Agitação e agressividade

São sintomas presentes em um terço dos casos de demência


em pacientes que vivem na comunidade, mais frequentes com o
agravamento da doença. Ocasionam maior dificuldade ao
cuidador, maior número de lesões, uso de neurolépticos e
institucionalizações. Podem ser verbais, como reclamações e
ameaças, e físicas, como resistência aos cuidados, ato de cuspir
ou agressões.

Sintomas psicóticos

São comuns nas demências, inclusive na doença de Alzheimer,


podendo variar entre 11,6-34%. Incluem sintomas como delírios,
alucinações e ausência de insight. As alucinações são mais
encontradas na demência por corpúsculos de Lewy e depois na
demência vascular.

Transtornos do sono

Estima-se que mais de 50% dos pacientes portadores de


demência apresentem alguma alteração do sono em algum
momento da doença. O sono na doença de Alzheimer é
tipicamente fragmentado, com frequentes despertares noturnos,
cochilos diurnos, dificuldade de iniciar o sono e redução do sono
rapid eye movement (REM).

Comportamento sexual inapropriado

A literatura ainda é escassa sobre o tema. Intervenções não


farmacológicas podem ser realizadas, como remoção de fatores
precipitantes, estratégias de distração e oportunidades para
aliviar impulsos sexuais. Alguns fármacos podem piorar a
desinibição, como os benzodiazepínicos e agonistas da dopamina.
Entre as medidas farmacológicas, utilizam-se antidepressivos
(inibidores seletivos da recaptação de serotonina – ISRS – e
mirtazapina), antipsicóticos, estrogênios, anticonvulsionantes e
anticolinesterásicos.

DIAGNÓSTICO
A abordagem deve seguir os seguintes passos:

História clínica detalhada: os SCPD devem ser avaliados


clinicamente, com perguntas diretas ao paciente e ao cuidador.
Deve-se caracterizar o início, a duração e o tipo de sintoma,
assim como sua intensidade, a existência de flutuação, a
repercussão no paciente e no cuidador e a presença de outros
sintomas associados.
Investigação diagnóstica:
– Avaliar se o tipo de demência foi caracterizado e solicitar
exames complementares (especialmente de neuroimagem)
caso seja necessário. Diversas escalas foram desenvolvidas.
Duas são sobre avaliação específica para pacientes com
demência: Behavioral Pathology in Alzheimer Disease
Rating Scale (Behave-AD) e Neuro Psychiatric Inventory
(NPI). Esta última foi traduzida para o português e é a mais
amplamente utilizada para a caracterização dos SCPD.
Possui boa especificidade e confiabilidade, mas pode levar
15-20 minutos para completá-la. Esses dois instrumentos
de diagnóstico são essencialmente utilizados em protocolos
de pesquisa, mas, dependendo da disponibilidade de tempo
durante a consulta, podem ser aplicados na prática clínica.
Algumas perguntas úteis podem ser realizadas para o
cuidador e familiares (Quadro 1).
– Uma metanálise utilizando essa escala encontrou que
apatia foi o sintoma mais encontrado, seguido de
depressão, ansiedade, distúrbios do sono, irritabilidade,
alterações alimentares, desinibição, alucinações e euforia.
Essa escala possui algumas limitações: não consegue
captar comportamentos repetitivos, compulsivos e
somatoformes, além de depender do relato do cuidador.

QUADRO 1 Perguntas para avaliar SCPD

Quais comportamentos o paciente geralmente apresenta?


O que mudou?
Onde e quando ocorreram os SCPD?
Como os SCPD têm afetado o paciente, o cuidador e os familiares?
Alguma mudança recente, como troca de medicação ou alteração ambiental?
Consegue identificar o que desencadeia esses sintomas?
Conhece alguma estratégia para ajudar?
Quais os riscos identificáveis para o paciente, o cuidador e os familiares?
O que a família/cuidador acha do novo comportamento?

SCPD: sintomas comportamentais e psicológicos das demências.


Fonte: adaptado de Loi et al. (2015).

Exclusão de causas secundárias: como diagnóstico diferencial,


deve-se sempre excluir que os sintomas sejam causados por
condições orgânicas, por fármacos ou outras condições
mentais. A exclusão de uma causa secundária é obrigatória.
Causas infecciosas, distúrbios hidroeletrolíticos e
descompensações de doenças crônicas, como as endócrino-
metabólicas, doenças cardiovasculares e pulmonares. Dos
medicamentos potencialmente causadores, são
principalmente, os que possuem atividade anticolinérgica
(antiparkinsonianos e antidepressivos tricíclicos), alguns anti-
hipertensivos, alguns antibióticos, benzodiazepínicos,
corticoides e anti-inflamatórios não esteroides (Aine). Outros
possíveis fatores desencadeantes podem ocorrer devido à
presença de dor, mudança do ambiente, ruídos extremos,
mudança na rotina diária, déficits sensoriais (visual e auditivo)
e presença de maus-tratos.

TRATAMENTO
O manejo dos sintomas comportamentais e psicológicos
envolve tanto abordagem farmacológica como abordagem não
farmacológica. A terapia farmacológica é essencialmente
sintomática e não exerce impacto satisfatório na evolução das
doenças neurodegenerativas. Já as intervenções não
farmacológicas são preferíveis e devem ser a primeira linha de
tratamento. Então, o primeiro passo no manejo desses sintomas
consiste sempre em realizar uma avaliação cuidadosa e a
correção de qualquer fator desencadeante físico, psicossocial e
ambiental, além da abordagem não farmacológica.
Entretanto, quando a abordagem não farmacológica não é
suficiente para reduzir ou controlar os sintomas ou quando estes
são muito intensos e ocasionam sofrimento ao paciente e a seus
familiares/cuidadores, existe a indicação de iniciar um
tratamento farmacológico. O manejo desses sintomas requer uma
abordagem direcionada, com foco em um comportamento
específico e com planejamento individualizado de intervenções.
Sempre considerar fatores que possam estar causando ou
exacerbando esse tipo de comportamento.

Abordagem não farmacológica

As técnicas não farmacológicas têm sido efetivas no


tratamento de sintomas neuropsiquiátricos, mas a qualidade de
evidência para cada tipo de intervenção ainda é considerada
baixa. O que se sabe é que as estratégias não farmacológicas são
mais efetivas do que a abordagem farmacológica e devem ser
utilizadas como primeira linha no tratamento. Essas estratégias
compreendem vários tipos de intervenções: estimulação sensorial
(aromaterapia, massagem, fototerapia, atividades de jardinagem,
dança, musicoterapia), estimulação cognitiva, técnicas
comportamentais e terapia com animais.
Esse manejo não farmacológico exige que se trabalhe
diretamente com o cuidador, envolvendo-o na implementação de
condutas terapêuticas. Em pacientes institucionalizados,
evidências mostraram que atividades com os pacientes, como
estímulos táteis (massagens) e musicoterapia, são eficazes em
reduzir a agitação e em melhorar a ansiedade e a depressão.
Para a depressão, estão indicados exercícios, atividades
recreativas prazerosas (como jardinagem) e terapia cognitivo-
comportamental, embora esta última apresente limitação em
pacientes com demência grave. Estão indicadas conexões sociais
e atividades envolventes. Intervenções como terapia com
animais, estimulação cognitiva, terapia ocupacional, exercício
combinado a interação social e alteração ambiental mostraram-se
também eficazes.
A musicoterapia é usada como terapia alternativa em alguns
casos de demência por meio de participação ativa, como tocar
algum instrumento/cantar, ou de participação passiva (apenas
escutar). Os benefícios incluem redução de dor e efeitos
relaxantes. O poder da música permite uma privilegiada
comunicação quando a linguagem verbal está reduzida ou
abolida. A intervenção com música pode reduzir
significativamente a agitação.
Para a apatia, são recomendadas as terapias que estimulam a
criatividade, modificações comportamentais e a realização da
higiene do sono. Ler para a pessoa e encorajá-la a fazer
perguntas em pequenos grupos ou de forma individual, assim
como montar quebra-cabeças e participar de atividades
sensoriais, podem ser úteis. Música, estimulação sensorial com o
toque, cheiro e som, além do contato com animais de estimação,
também parecem ser efetivos.
Para a ansiedade, identificar e eliminar o gatilho. Manter a
rotina e reduzir o estresse. Musicoterapia e terapia cognitivo-
comportamental apresentam a melhor evidência.
Alterações ambientais, como falta de rotina e de atividades
prazerosas, podem piorar os SCPD. A segurança do domicílio
também é importante. Para tanto, deve-se fornecer educação
para o cuidador para que promova uma adequada comunicação
com o paciente, estimulando assim o desenvolvimento de
atividades significativas e a criação de uma rotina. Algumas
estratégias podem ser utilizadas de acordo com o tipo de SCPD:
sons da natureza podem reduzir a agressão verbal, assim como a
educação/orientação ao cuidador, conforme mencionado.
Atividades recreativas individuais melhoram o humor, e a escuta
de uma música que o paciente goste pode reduzir também a
agressividade.
Os médicos, com a ajuda dos cuidadores, devem avaliar e
tratar desconfortos físicos como sede, fome, dor e dificuldades de
higiene. Privação do sono, fadiga, depressão, solidão e
estressores sociais servem como gatilhos emocionais. Sintomas
físicos e emocionais podem ser conduzidos estabelecendo rotinas
para higienização, alimentação, administração de medicamentos,
sono e socialização. Intervenções com estimulações sensoriais
incluem acupuntura, aromaterapia, massagem e musicoterapia.
Outra intervenção psicossocial inclui terapia assistida com
animais, que parece ter algum impacto sobre a apatia.
A aromaterapia consiste em uma terapia complementar
indicada para tratar distúrbios do sono e outros sintomas
comportamentais das demências. Evidências sugerem que a
terapia com luz pode melhorar as alterações do ritmo circadiano
que ocorrem com o envelhecimento e, consequentemente,
ajudam a melhorar os distúrbios do sono. Já a musicoterapia (na
qual os pacientes podem apenas escutar a música ou tocar algum
instrumento) estimula vários aspectos cognitivos, emocionais,
sociais e físicos.
É fundamental orientar o familiar/cuidador para que procure
sempre identificar algum fator associado ao aparecimento do
sintoma ou comportamento alterado. Muitas vezes é possível
identificar as situações que provocam mudanças
comportamentais para que possam ser adotados estímulos ou
distrações a fim de reduzir os SCPD. Por exemplo, colocar música
suave durante o banho ou realizar a higiene pessoal ou a troca de
roupas pode tranquilizar o paciente. Outra recomendação
importante é que se tente evitar ao máximo o confronto com o
paciente, procurando sempre oferecer alternativas, outros
estímulos ou atividades que possam causar interesse e assim
permitir que os cuidados necessários sejam realizados.

Algumas medidas comportamentais recomendadas

Durante o dia, o ambiente deve ser iluminado; à noite, é


necessário reduzir a intensidade luminosa e sonora (funciona
como ajuste do relógio biológico).
Estabelecer rotinas:
– Ter horários fixos para ir ao banheiro.
– Ter horários fixos para dormir e acordar.
– Ter horários fixos para se alimentar.
Deixar objetos familiares ao redor, relógio e calendário.
Durante as conversas, dar informações claras e simples.
Explicar novamente o que ocorre, se for necessário.
Manter o paciente alimentado e hidratado.
Deixar o paciente junto à família.
Reduzir o barulho.
Manter o paciente em um ambiente com temperatura
agradável.

Tratamento farmacológico

A eficácia do tratamento farmacológico é considerada


pequena para alguns sintomas dos SCPD. Alguns cuidados
especiais devem ser lembrados antes de iniciar tais
medicamentos: checar as funções hepática e renal do paciente; a
maioria dos medicamentos é lipofílica, ou seja, acumula mais
devido ao fato de as reservas de gordura estarem aumentadas, e
a hipoalbuminemia pode tornar o fármaco mais biodisponível no
idoso. Por isso, deve-se sempre iniciar a medicação em dose
baixa e aumentar progressivamente, monitorando o surgimento
de efeitos colaterais e a interação com outros fármacos.
Tratamento medicamentoso para um quadro de agitação mais
grave que não responde às estratégias não farmacológicas pode
incluir antidepressivos, antipsicóticos e até memo estabilizadores
do humor. Contudo, nenhuma dessas medicações é aprovada pela
Food and Drug Administration (FDA) para tratar a agitação, e seu
uso off-label é controverso devido à pobre eficácia e ao alto risco
de efeitos adversos, particularmente a mortalidade com
antipsicóticos.
O processo do envelhecimento e o próprio processo
degenerativo do sistema nervoso central de um quadro
demencial podem levar a aumento de sensibilidade de alguns
receptores às drogas e a uma intensidade maior de efeitos
colaterais. Um exemplo é o que acontece na demência de Lewy,
que apresenta hipersensibilidade aos neurolépticos, com
manifestações extrapiramidais acentuadas com o uso de
antipsicóticos. Os critérios para escolha das drogas a serem
utilizadas baseia-se na semelhança fenomenológica com sinais e
sintomas de transtornos psicóticos, ansiosos ou afetivos
observados em pacientes não dementes. Algumas questões
podem ser formuladas antes de iniciar o tratamento: será que o
sintoma é responsivo ao tratamento farmacológico? Qual classe é
mais bem indicada para o sintoma apresentado? Quais efeitos
colaterais podem ser desencadeados por esse fármaco? Por
quanto tempo deverá ser usado? As classes de psicofármacos
mais utilizadas são os neurolépticos, os antidepressivos, os
benzodiazepínicos, os inibidores das colinesterases e a
memantina.

Neurolépticos
São sempre usados para o tratamento de sintomas graves e
refratários, embora a FDA não tenha aprovado seu uso pela baixa
evidência de benefício e alta capacidade de causar prejuízo.
Devem ser considerados se o comportamento expõe a risco o
paciente e outros. Só há dois medicamentos licenciados para o
tratamento dos SCPD em demência: pimavanserina (psicose
associada na doença de Parkinson) e risperidona, para
tratamento de agressividade (somente no Canadá e no Reino
Unido). No restante dos casos, o uso dos neurolépticos
permanece off-label e guiado pelo julgamento clínico.
São os medicamentos de primeira escolha quando há sintomas
como delírio, alucinações e agitação importante. Há também boa
resposta quando existe hostilidade, agressão física e
comportamento violento. Os neurolépticos atípicos (risperidona,
olanzapina, quetiapina e aripiprazol) são preferíveis em relação
aos convencionais ou de primeira geração (clorpromazina,
levomepromazina e haloperidol) por apresentarem menor efeito
indesejado sobre a cognição e o sistema extrapiramidal.
A propriedade farmacológica marcante dessa classe é o
antagonismo do receptor dopaminérgico D2. Os atípicos possuem
um antagonismo inferior ao dos receptores dopaminérgicos,
portanto são mais seguros e têm menos efeitos anticolinérgicos.
São os medicamentos mais eficazes para o controle das
manifestações psicóticas em idosos portadores de quadros
demenciais. Entretanto, apresentam risco aumentado de acidente
vascular encefálico (AVE) e de mortalidade para eventos
cardíacos. A FDA alertou que os neurolépticos típicos também
estão associados a maior mortalidade; o risco de morte é
proporcional ao aumento da dose. Mesmo assim, os benefícios
superam os riscos, desde que o uso seja cauteloso, a duração seja
a menor possível e a família esteja informada dos possíveis
riscos.
Os efeitos antidopaminérgicos são mais comuns entre os
neurolépticos de primeira geração (típicos), mas também podem
ocorrer com os de segunda geração (atípicos). Alguns efeitos
adversos incluem efeitos anticolinérgicos, manifestações
extrapiramidais, síndrome neuroléptica maligna,
hiperprolactinemia, hipotensão postural, sedação e
prolongamento do intervalo QT. O uso prolongado está associado
com aumento do risco de síndrome metabólica, obesidade,
diabetes, hipertensão e dislipidemia. O aumento do risco de AVE,
eventos cardiovasculares e morte é uma importante preocupação
clínica, e ainda não se sabe se esse risco é efeito da classe ou de
alguma droga específica.
A escolha do neuroléptico deve ser realizada na análise dos
riscos e benefícios de cada paciente (Tabela 1). Na demência por
corpúsculos de Lewy, há sensibilidade aos neurolétpticos,
portanto seu uso deve ser mais restrito a casos de difícil controle
de SCPD. Nesses casos, pode-se usar antipsicóticos que causem
menos movimentos extrapiramidais e em doses baixas, por
exemplo, 12,5-25 mg de quetiapina ou 6,25-25 mg de clozapina.
A risperidona é o mais estudado, e sua eficácia nos SCPD é bem
estabelecida. É o único com uso aprovado nas agências
reguladoras no Reino Unido, Austrália e Canadá; em doses baixas
apresenta menos efeitos extrapiramidais e se destaca para tratar
agressividade. A olanzapina também é eficaz para o tratamento
da agitação e da agressividade nas doses de 5-10 mg/dia.
Aripiprazol melhora a psicose e a agitação sem gerar ganho de
peso. Aripiprazol também causa pouca sedação, não eleva os
níveis de prolactina nem prolonga o intervalo QT. Quetiapina e
clozapina estão indicados quando há parkinsonismo associado,
por causarem menos efeitos extrapiramidais. Por conta disso, os
antipsicóticos atípicos são os mais administrados. Principalmente
risperidona, aripiprazol e olanzapina foram avaliados em vários
estudos e mostraram melhora nos sintomas de agitação grave,
agressão e psicose.

TABELA 1 Neurolépticos atípicos mais empregados

Neuroléptico Dose inicial Faixa terapêutica Administração


(mg/dia)

Risperidona 0,25 mg 0,25-2 mg 1-2x/dia

Olanzapina 2,5 mg 2,5-10 mg 1-2x/dia

Quetiapina 12,5 mg 12,5-100 mg 1-2x/dia

Aripiprazol 10 mg 10-30 mg 1x/dia

Fonte: adaptado de Saab e Aranha (2015).


Antidepressivos
São bastante empregados no tratamento dos SCPD, já que
depressão é muito frequente, tanto isoladamente como associada
a outros sintomas neuropsiquiátricos. Os antidepressivos podem
influenciar a cognição por ação direta em neurotransmissores
específicos ou indiretamente pela melhora dos sintomas de
humor. A administração de antidepressivos pode melhorar não
somente os sintomas cognitivos, mas também a agitação e a
agressividade (Tabela 2).
Estudos mostram eficácia com o uso dos inibidores seletivos
de receptação de serotonina (ISRS) para tratar a depressão na
demência, e alguns ISRS estão mais indicados para tratar a
agitação na demência, como sertralina e citalopram na dose de
até 30 mg/dia. Estes apresentam efeitos colaterais menos graves
do que os apresentados pelos antidepressivos tricíclicos; incluem
sintomas gastrointestinais, inquietude, redução do apetite e da
libido, perda de peso, hiponatremia e insônia. O citalopram
apresenta um perfil favorável de uso devido à baixa propensão de
interações medicamentosas. Já a fluoxetina possui meia-vida
elevada e forte interação com outros fármacos. Para portadores
de demência de Alzheimer, o citalopram mostrou reduzir a
agitação, e há evidências de que pode melhorar outros sintomas,
como os delírios. Os tricíclicos não estão indicados devido aos
efeitos anticolinérgicos, podendo prejudicar mais ainda a
cognição. Mirtazapina e trazadona se mostram benéficas para
melhora da agitação em pacientes demenciados por possuírem
propriedades sedativas, que auxiliam nas alterações do sono.

Benzodiazepínicos
O sintoma que melhor responde é a ansiedade aguda. Os de
meia-vida longa (diazepam) não são indicados, pelo risco maior
de quedas. Já os de meia-vida curta constituem a melhor escolha,
mas devem ser utilizados por tempo limitado e em baixas doses.
Os efeitos colaterais mais comuns são sonolência excessiva,
ataxia, amnésia e confusão mental, além da dependência. Os
benzodiazepínicos apresentam benefícios modestos, com
indicação no tratamento de pacientes com ansiedade aguda ou
para aqueles que necessitem de sedação para procedimentos
pontuais. Um planejamento cuidadoso deve ser feito para a
retirada após um uso prolongado, pois a dependência e a
abstinência poderão acontecer. Quando empregados por um
período superior a 3-6 semanas, já pode haver a necessidade de
redução gradual da dose para suspendê-los.

Inibidores da acetilcolinesterase/memantina
São ferramentas no tratamento dos SCPD, mas exercem um
efeito discreto, que pode ser observado após várias semanas de
uso. Parecem ter efeito positivo principalmente na depressão e
na ansiedade. Os medicamentos disponíveis são os inibidores da
acetilcolinesterase (rivastigmina, donepezila e galantamina) e a
memantina (antagonista receptor do glutamato). A memantina é
mais efetiva na agitação, nas alucinações e na agressividade.

TABELA 2 Antidepressivos mais utilizados

Fármaco Dose inicial (mg/dia) Dose diária (mg/dia)

Sertralina 10 20-30

Citalopram 25 50-100

Fonte: adaptado de Saab e Aranha (2015).

Esses três inibidores de colinesterase podem atrasar o


declínio cognitivo na fase inicial a moderada, enquanto a
memantina ou memantina associada a donepezila podem ajudar
nos sintomas cognitivos e comportamentais em fase moderada e
tardia da doença, por regularem a hiperatividade do glutamato.
Exercem um efeito modesto no tratamento, não há resultado
sobre a progressão da doença e podem estar associados a efeitos
adversos como cefaleia, perda de apetite, bradicardia e quedas.
Como já mencionado, na demência da doença de Alzheimer os
inibidores da acetilcolinesterase podem ser iniciados assim que
realizado o diagnóstico. Se já estiver presente algum SCPD, estes
são preferência em face de qualquer outro psicotrópico de maior
toxicidade. Estão recomendados no manejo da sintomatologia
comportamental, e os efeitos mais significativos são na
depressão, na apatia e no comportamento motor aberrante, mas
já foi observada redução no escore total do inventário
neuropsiquiátrico. Seus efeitos indesejáveis constituem
principalmente sintomas do trato digestivo, como náuseas,
vômito e diarreia. Também ocasionam benefício na demência de
Lewy, especialmente na apatia, alucinação, delírio, ansiedade e
depressão.
Podem ser administrados isoladamente ou associados a
memantina (antagonista do receptor glutamatérgico NMDA; esta
possui eficácia contra agitação, fobia, irritabilidade e delírio). A
terapia combinada traz diversas vantagens em pacientes com
múltiplos SCPD, podendo reduzir a dose dos neurolépticos e de
outros psicotrópicos.

Canabinoides
Existem mais de 100 componentes químicos que derivam da
planta Cannabis, incluindo o principal componente ativo
canabinoide 9-tetra-hidrocanabidiol (THC) e o canabidiol (CBD).
Ainda não são recomendados para controle farmacológico de
SCPD devido à baixa evidência de eficácia e pelas reações
adversas, como piora cognitiva. Os efeitos adversos mais
relatados foram tontura, náusea, fadiga, boca seca, sonolência,
desorientação, confusão mental e alucinações.
Pesquisas sobre uso de Cannabis medicinal para aliviar os
sintomas neuropsiquiátricos associados a demência de Alzheimer
são limitadas. Não há evidência de qualidade suficiente que
sugira algum impacto no controle desses sintomas nem
segurança ou efetividade. Além disso, a dosagem ideal, assim
como a proporção de THC (nabilona) e o tipo de canabidiol
medicinal. ainda precisam ser estabelecidos. Futuras pesquisas
devem avaliar o significado clínico por meio de resultados
padronizados, da identificação de efeitos adversos menores e
maiores, além de desfechos a longo prazo. A maior parte dos
estudos até o momento apresentou limitações metodológicas,
como pequena amostra de participantes, período curto de
acompanhamento, e poucos foram os ensaios clínicos
randomizados e controlados com placebo.

TABELA 3 ICE orais/memantina

Fármaco Administrações Ingerir com Dose Intervalo Dose


por dia alimentos inicial para recomendada
(mg/dia) aumento (mg/dia)
de dose

Donepezila 1 Desnecessário 5 4-6 10


semanas

Rivastigmina 2 Necessário 3 (1,5- 2 6-12


2x) semanas

Galantamina 1 Recomendável 8 4 16-24


ER semanas

Memantina 1-2 Desnecessário 5 1 semana 20

Fonte: adaptado de Saab e Aranha (2015).

Então, o papel neuroprotetor do sistema canabinoide ainda é


objeto de pesquisa. Há fraca evidência no controle da ansiedade,
humor e distúrbios do sono. Pesquisas adicionais são necessárias
para entender a farmacodinâmica em humanos e avaliar os riscos
e benefícios de seu uso, principalmente em populações
vulneráveis como os idosos com demência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os SCPD afetam quase todos os indivíduos portadores de
demências ao longo do curso da doença. Embora possa haver
flutuação, raramente desaparecem. Estão associados a prejuízo
das ABVD, pior qualidade de vida, institucionalização precoce e
aumento da mortalidade. Causam bastante impacto também na
vida dos cuidadores, podendo levar a um quadro de
sobrecarga/estresse emocional.
Os sintomas comportamentais e psicológicos estão entre os
maiores desafios dos cuidados de pacientes com demência e
ainda permanecem com tratamento subótimo.
As medicações psicotrópicas são atualmente as mais
utilizadas, principalmente os neurolépticos, entretanto se deve
sempre avaliar o risco x benefício de sua administração. Essas
medicações podem não ter efeitos consideráveis sobre alguns
sintomas mais estressantes para os familiares, o que pode
acarretar maior risco de hospitalização e até mesmo
institucionalização.
Estratégias não farmacológicas apresentam substancial
evidência como primeira linha de tratamento, mas ainda
precisam ser mais bem utilizadas.

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Delirium no idoso 43

Thiago Junqueira Avelino da Silva


Flávia Barreto Garcez
Natália de Castro Carvalho

INTRODUÇÃO
Delirium é uma síndrome neuropsiquiátrica constituída
pela alteração aguda e flutuante do estado mental,
associada à dificuldade em focar, manter ou alternar a
atenção, e que geralmente se associa a uma condição
orgânica subjacente, correspondendo ao que seria um
quadro de insuficiência cerebral aguda. Ele aparece
quando o indivíduo é incapaz de manter a homeostase
cerebral em face de um ou mais agentes nocivos (Quadro
1).
Com o envelhecimento populacional, o delirium tem
importância crescente na atenção à saúde do idoso. Até
50% dos idosos hospitalizados são afetados pelo delirium
durante a internação e estima-se que mais de USD 160
bilhões sejam gastos anualmente nos EUA com o distúrbio.
Além disso, o delirium muitas vezes representa o ponto
inicial de uma cascata de eventos que leva a complicações
clínicas e prognóstico desfavorável, incluindo declínio
cognitivo e funcional, prolongamento de hospitalizações,
maior risco de institucionalização e maior
morbimortalidade.
A implementação de medidas de prevenção e o
reconhecimento precoce do delirium são fundamentais
para a redução desses desfechos, que revelam o evidente
impacto do delirium na saúde do idoso.

EPIDEMIOLOGIA
A prevalência de delirium na comunidade é baixa (1 a
2%), podendo chegar até 40% nas instituições de longa
permanência. Sua instalação costuma determinar a ida dos
pacientes às unidades de pronto atendimento, onde a
prevalência é de aproximadamente 25%. No entanto,
apenas 24 a 35% dos casos de delirium são identificados
nesse cenário. A frequência de delirium muda de acordo
com o ambiente estudado e o método de avaliação, com as
maiores incidências ocorrendo em unidades de terapia
intensiva (UTI), cuidados pós-operatórios e cuidados
paliativos. Contudo, é um distúrbio que acomete
especialmente indivíduos idosos, com incidência acumulada
descrita entre 29 e 64% em enfermarias gerais e
geriátricas.

QUADRO 1 Critérios para diagnóstico de delirium segundo o Diagnostic and


Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition

A – Distúrbio da atenção (capacidade de dirigir, focar, sustentar e redirecionar


atenção e consciência).

B – O distúrbio desenvolve-se ao longo de um curto período (em geral, de


horas a dias), representando mudança em relação ao padrão basal e com
tendência a flutuar no decorrer do dia.

C – Alteração cognitiva associada (déficit de memória, desorientação,


linguagem, percepção visuoespacial).
QUADRO 1 Critérios para diagnóstico de delirium segundo o Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition

D – As alterações não são bem explicadas por distúrbio neurocognitivo


preexistente, em evolução ou estabelecido, e não ocorrem no contexto de
coma.

E – Existem evidências a partir de história, exame físico ou achados


laboratoriais de que o distúrbio é causado por consequências fisiológicas
diretas de uma condição médica geral, abstinência ou intoxicação por
droga, ou efeito colateral de medicamento.

A disponibilidade de dados específicos da população


brasileira é limitada e com grande discrepância de
resultados. A maior parte dos estudos brasileiros se
dedicou a populações internadas em UTI, com taxas de
incidência de delirium que variaram de 9 até 93%. Outros
trabalhos demonstraram que a incidência de delirium em
idosos com fratura de quadril pode variar entre 13 e 60%.
Variações na seleção, no tamanho e nas características
amostrais, além de diferenças nas ferramentas e nos
critérios para diagnóstico de delirium, são algumas das
explicações para as diferenças encontradas. Dados sobre a
frequência do problema em unidades de internação gerais
ou geriátricas brasileiras são ainda mais raros, mas foi
observado delirium em 47% de 1.409 idosos internados em
uma enfermaria de geriatria entre 2009 e 2015.
Além de comum, a ocorrência de delirium parece estar
associada a maior risco de complicações e prognóstico
desfavorável. Idosos acometidos falecem ainda durante a
internação em 25 a 33% dos casos, e já foi descrito
delirium como o principal preditor de mortalidade intra-
hospitalar em uma enfermaria geriátrica. O estado
confusional agudo também está associado a aumento dos
custos, internações mais prolongadas, aumento do risco de
institucionalização e complicações clínicas mais frequentes,
como úlceras de pressão, quedas e infecções pulmonares.
Um estudo realizado no Hospital das Clínicas de São
Paulo com pacientes acima de 50 anos e infectados pela
covid-19, antes do advento da vacina, evidenciou que 1 a
cada 3 pacientes com covid-19 apresentou delirium durante
a internação. Nesse contexto, o delirium foi associado de
maneira independente a aumento da mortalidade intra-
hospitalar, do tempo de internação, da necessidade de
ventilação mecânica e da admissão em UTI.

FISIOPATOLOGIA E ETIOLOGIA
Os mecanismos que levam à instalação de delirium são
complexos e ainda pouco compreendidos. Com o
envelhecimento, há uma redução da população neuronal,
do fluxo sanguíneo e de neurotransmissores reguladores do
estresse, bem como anormalidades da transmissão
colinérgica. Há também uma alteração da resposta das
células da glia aos estímulos nosológicos. Assim, alterações
metabólicas cerebrais, resultantes de hipóxia, hipo ou
hiperglicemia, inflamação sistêmica, estresse, privação de
sono, uso de medicamentos e aumento da permeabilidade
da barreira hematoencefálica, podem se combinar, levando
à perda de homeostase neurológica e ao desencadeamento
do delirium.
No entanto, o comprometimento de mecanismos
compensatórios explica apenas em parte a maior
suscetibilidade de idosos ao desenvolvimento de delirium.
Conhecendo a natureza multifatorial da síndrome, é pouco
provável que exista um único conjunto de componentes
contribuindo para sua instalação. O mais plausível é que
diferentes conjunções de fatores possam atuar
simultaneamente e compor estruturas causais variáveis,
levando à desorganização de redes neurais complexas e à
consequente insuficiência cerebral aguda. O intricado
equilíbrio entre fatores psicológicos, neurológicos e
imunológicos parece ter particular relevância para esse
processo, e estudos indicam que ativação imune e
inflamação crônicas, características da imunossenescência,
desempenham um papel central na fisiopatologia do
delirium.
Do ponto de vista clínico, o desenvolvimento do delirium
depende de uma complexa relação entre fatores que
conferem vulnerabilidade ao paciente e a exposição a
agentes nocivos, conhecidos respectivamente como fatores
predisponentes (Quadro 2) e fatores precipitantes (Quadro
3).

QUADRO 2 Fatores predisponentes para a ocorrência de delirium

Características Idade
demográficas
Sexo masculino

Cognição Déficit cognitivo preexistente

Depressão maior

Episódios anteriores de delirium

Funcionalidade Dependência funcional

Imobilidade

História de quedas

Sedentarismo

Percepção sensorial Déficit visual

Hipoacusia

Comorbidades Acidente vascular encefálico prévio


QUADRO 2 Fatores predisponentes para a ocorrência de delirium

Disfunção renal crônica

Hepatopatia crônica

Doenças metabólicas

Doenças neurológicas

Aids

Desnutrição

Hipoalbuminemia

Doença avançada ou grave

Fratura ou trauma

Múltiplas doenças coexistentes

Drogas Polifarmácia

Uso crônico ou em associação de psicotrópicos

Etilismo

Aids: síndrome da imunodeficiência humana.

QUADRO 3 Fatores precipitantes da ocorrência de delirium

Condições clínicas Infecções


agudas
Distúrbios hidreletrolíticos, distúrbios acidobásicos,
desidratação

Uremia

Hipoglicemia, hiperglicemia

Hipoxemia, hipercapnia

Febre, hipotermia

Hipoperfusão, choque

Dor
QUADRO 3 Fatores precipitantes da ocorrência de delirium

Retenção urinária

Anemia aguda

Doença coronariana aguda

Encefalopatia hipertensiva

Hipotireoidismo, hipertireoidismo descompensados

Insuficiência adrenal

Constipação, obstrução intestinal

Doenças neurológicas Acidente vascular encefálico agudo


agudas
Meningites, encefalites

Tumores de sistema nervoso central

Convulsão

Trauma cranioencefálico

Sangramento intracraniano

Cirurgias Cirurgias cardíacas

Cirurgias ortopédicas

Circulação extracorporal prolongada

Cirurgias não cardíacas

Medicamentos e Psicotrópicos, benzodiazepínicos e outros sedativos


drogas
Ação anticolinérgica

Ação anti-histamínica

Opioides

Abstinência de álcool, drogas, medicamentos

Quinolonas

Ambiente Hospitalização
QUADRO 3 Fatores precipitantes da ocorrência de delirium

Admissão em UTI

Contenção física

Sondas e cateteres

Privação de sono

UTI: unidade de terapia intensiva.

Quanto mais fatores predisponentes estão presentes, ou


quanto maior seu impacto sobre a reserva fisiológica
individual (síndrome demencial, por exemplo), maior a
vulnerabilidade para delirium, e, portanto, menor a
intensidade de agressores necessários (fatores
precipitantes) para que ele ocorra.

QUADRO CLÍNICO
As principais características do delirium são a instalação
aguda e o curso flutuante. Aguda, pois as alterações da
cognição e da atenção tornam-se evidentes em algumas
horas ou poucos dias. Curso flutuante, porque seus
sintomas variam de intensidade ao longo do dia, podendo
inclusive cursar com períodos assintomáticos e intervalos
de lucidez. No entanto, em idosos, o início do quadro pode
ser insidioso, precedido por alguns dias de irritabilidade,
insônia e diminuição da concentração.
A alteração da atenção se caracteriza pela dificuldade
em focar, manter ou alternar a atenção. Percebe-se que os
pacientes afetados têm dificuldades para realizar tarefas
que exijam algum foco, como recitar os meses de trás para
a frente, obedecer a comandos com múltiplas etapas ou
acompanhar uma conversa, sendo facilmente distraídos.
O delirium representa uma disfunção global da
cognição, cursando com o comprometimento de outros
domínios cognitivos além da atenção. Pacientes com
delirium podem, por exemplo, apresentar alterações de
memória, principalmente da memória recente, com
dificuldades para assimilar novas informações. Também se
observam com frequência:

Alterações de orientação temporal e espacial.


Desorganização do pensamento, que pode se tornar
fragmentado, lentificado ou acelerado.
Alucinações auditivas ou visuais.
Disnomias e disgrafias, alterações da linguagem
consideradas bastante sensíveis em delirium.
Alterações do humor com labilidade emocional.
Alterações do ciclo sono-vigília, com sonolência diurna e
sono noturno fragmentado e reduzido.
Alterações de atividade psicomotora. O delirium pode ser
classificado, conforme os padrões predominantes de
psicomotricidade, em delirium hipoativo, hiperativo ou
misto. Pacientes com delirium hiperativo frequentemente
têm pensamento acelerado, estado de consciência
hiperalerta, com agitação, alucinações, agressividade e
alterações autonômicas como taquicardia, sudorese e
rubor facial. É menos frequente que o delirium hipoativo,
porém mais facilmente reconhecido devido à
exuberância da apresentação. Já pacientes com delirium
hipoativo geralmente têm menor movimentação
espontânea, pensamento lentificado, letargia e
sonolência. Apesar de ser a apresentação fenotípica mais
comum de delirium, é menos diagnosticada e tem pior
prognóstico. No delirium misto, as formas hiperativas e
hipoativas se alternam no decorrer do tempo.
Por fim, delirium subsindrômico é um termo empregado
para caracterizar a situação clínica em que uma pessoa
apresenta uma ou mais características de delirium,
entretanto não preenche todos os critérios para confirmar o
diagnóstico. Delirium subsindrômico pode acontecer
precedendo delirium ou persistindo após sua resolução,
sendo também relacionado a pior prognóstico, declínio
funcional, declínio cognitivo e aumento de mortalidade.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de delirium é clínico e engloba duas
etapas essenciais: a detecção do delirium e o
esclarecimento de suas causas (Quadro 5).
Academicamente, o delirium é definido pela presença
dos critérios da quinta edição do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).
No entanto, inúmeros instrumentos foram desenvolvidos
nos últimos anos para uma melhor sistematização do
diagnóstico de delirium na prática clínica. Destacam-se
dentre esses instrumentos o Confusion Assessment Method
(CAM), instrumento validado para o português e que
abrange nove itens de avaliação:

1. Início agudo e curso flutuante.


2. Déficit de atenção.
3. Desorganização do pensamento.
4. Alteração do nível de consciência.
5. Desorientação.
6. Déficit de memória.
7. Distúrbios sensoriais.
8. Alteração de atividade psicomotora.
9. Alteração do ciclo sono-vigília.
Em sua versão curta e mais comumente utilizada,
apenas as primeiras quatro características do CAM são
avaliadas, sem prejuízo importante para sensibilidade e
especificidade diagnósticas do instrumento (Quadro 4). O
CAM é um instrumento simples e de fácil aplicação por
profissionais da saúde treinados, com sensibilidade de 94 a
100% e especificidade de 90 a 95%.
O diagnóstico diferencial principal de delirium é com as
síndromes demenciais. Apesar de apresentarem
características clínicas que as diferenciam do delirium,
como preservação da capacidade de manter a atenção ou
um declínio cognitivo de curso mais lento (meses a anos), a
distinção pode ser difícil em algumas situações. Na
demência vascular, por exemplo, o declínio cognitivo ocorre
de modo abrupto. A demência por corpúsculos de Lewy, por
sua vez, pode apresentar alucinações e oscilações de
cognição no início do quadro. Além disso, a própria
sobreposição de delirium e demência pode dificultar o
diagnóstico correto.

QUADRO 4 Critérios empregados na versão curta do Confusion Assessment


Method para diagnóstico de delirium

SIM NÃO

1. Início agudo (ou curso flutuante): há evidência e uma


mudança aguda ou flutuante do estado mental de base do
paciente?

2. Distúrbio de atenção
a. O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-
se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?
□ Ausente a todo momento da entrevista.
□ Presente em algum momento da entrevista, porém levemente.
□ Presente em algum momento da entrevista, de maneira marcante.
□ Incerto.
QUADRO 4 Critérios empregados na versão curta do Confusion Assessment
Method para diagnóstico de delirium

b. Se presente ou anormal, esse comportamento variou


durante a entrevista, isto é, tendeu a surgir e desaparecer ou
aumentar e diminuir de gravidade?
□ Incerto □ Não aplicável

3. Pensamento desorganizado: o pensamento do paciente


era desorganizado ou incoerente, com conversação dispersiva
ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico ou
mudança imprevisível de assunto?

4. Alteração do nível de consciência: em geral, como você classificaria o


nível de consciência do paciente?
□ Alerta (normal)
□ Vigilante (hiperalerta)
□ Letárgico (sonolento, facilmente acordável)
□ Estupor (dificuldade para despertar)
□ Coma
□ Incerto

Devem estar presentes os itens 1 e 2 acrescidos do item 3 ou


4.

QUADRO 5 Investigação clínica em pacientes com quadro de delirium

Anamnese Exame físico Exames


complementares
QUADRO 5 Investigação clínica em pacientes com quadro de delirium

Perguntar ativamente sobre: Procura ativa por: Sugestão de screening


Doenças prévias. Fácies de infectometabólico:
Medicações em uso. dor/posição Hemograma.
Sintomas infecciosos. antálgica. Função renal.
Descompensação clínica. Lesões orais. Eletrólitos (incluindo
Hidratação. Lesões por cálcio).
Traumas/cirurgias/quedas. pressão. Função e enzimas
Constipação. Bexigoma. hepáticas.
Mudança de Fecaloma. Glicemia.
ambiente/cuidadores. Sinais de Gasometria.
Abuso de descompensação Proteína C-reativa.
substâncias/abstinência. das doenças de Urina 1 com
base. urocultura.
Sinais infecciosos. Imagem pulmonar.
ECG.
Demais exames devem
ser solicitados conforme
história clínica ou se
houver ausência de
etiologia clara na
investigação inicial.

ECG: eletrocardiograma.

Transtornos psiquiátricos primários, como depressão


maior, transtorno bipolar e esquizofrenia, possuem alguns
sintomas semelhantes ao delirium, mas em geral a
cognição se preserva. A distinção pode se tornar mais
difícil na presença de sintomas psicóticos ou quando existe
desorganização do pensamento. Em todas essas situações,
a anamnese cuidadosa e o exame físico detalhado são
fundamentais para a elucidação correta do diagnóstico.

PREVENÇÃO E TRATAMENTO
O plano de cuidados para pacientes com delirium se
fundamenta em quatro princípios básicos:
1. Evitar fatores precipitantes que desencadeiam e
agravam o estado confusional.
2. Identificar e tratar a causa do delirium, como doenças
agudas e descompensações de doenças crônicas.
3. Promover medidas de suporte e reabilitação para evitar
declínio físico e cognitivo.
4. Controlar sintomas psicomotores que coloquem em risco
o paciente, seu tratamento ou a equipe assistencial.

A estratégia mais efetiva para diminuir o impacto do


delirium na saúde do idoso é a prevenção primária. Um
estudo em 852 idosos hospitalizados avaliou a
implementação de protocolos de intervenção para controle
de seis fatores de risco para delirium:

1. Déficit cognitivo.
2. Privação de sono.
3. Imobilidade.
4. Déficit visual.
5. Hipoacusia.
6. Desidratação.

Até 40% dos casos de delirium foram evitados por meio


de medidas simples, tais como disponibilizar o cronograma
de atividades do dia, estimular jogos de palavras, oferecer
bebidas quentes na hora de dormir, tocar músicas
relaxantes, ajustar horários de medicações respeitando o
tempo de sono, reduzir ruídos sonoros, mobilizar
rotineiramente, garantir o acesso a óculos e próteses
auditivas, otimizar a iluminação de ambientes e estimular a
ingesta hídrica. Esses achados serviram de base para o
desenvolvimento do Hospital Elder Life Program (HELP),
um programa de prevenção do delirium e declínio funcional
que já foi implementado em mais de 200 hospitais no
mundo todo. Recentemente, uma metanálise que avaliou 14
estudos utilizando o HELP comprovou tanto a redução de
delirium em pacientes hospitalizados quanto a redução de
quedas.
Não há evidências que fundamentem o uso de medidas
farmacológicas para o tratamento primário de delirium,
existindo indícios até mesmo de aumento de duração e
mortalidade com o uso de antipsicóticos e
anticolinesterásicos para esse fim. Pacientes com
hiperatividade psicomotora intensa ou agressividade,
colocando a si ou a outros em risco, podem necessitar de
contenção química (Figura 1). Neste caso, a classe de
medicamentos recomendada é a de antipsicóticos, que
devem ser utilizados com cautela devido aos possíveis
efeitos colaterais.
FIGURA 1 Fluxograma de tratamento farmacológico de agitação perigosa em
pacientes com delirium.
1. O uso de antipsicóticos, em especial haloperidol IV, está associado ao risco de
alargamento do intervalo QT. Se QT > 500 ms, nenhum antipsicótico deve ser
prescrito; se QT > 460 ms, distúrbios de Mg++ e K+ devem ser pesquisados e
corrigidos antes de seu uso. No caso do haloperidol IV, deve-se utilizar apenas o
lactato de haloperidol (e não decanoato de haloperidol) e em dose cumulativa
máxima de 2 mg/dia.
2. Se o tratamento farmacológico for necessário por mais de 7 dias, deve-se
substituir o haloperidol por antipsicótico atípico devido ao risco de efeitos
extrapiramidais. A droga de preferência é a quetiapina em dose inicial de 12,5 a
25 mg/da, 1 vez/dia ou a cada 12 horas. A dose pode ser aumentada a cada 2
dias até um máximo de 100 mg/dia (50 mg/dia em idosos frágeis). Após o
controle de sintomas, reduzir a dose pela metade e retirar gradualmente em 2 a
3 dias.
ECG: eletrocardiograma; IM: intramuscular; IV: intravenoso; VO: via oral.

Benzodiazepínicos, anti-histamínicos ou outros sedativos


devem ser evitados e estão mais frequentemente
associados a desfechos adversos (o tratamento específico
de delirium tremens não está contemplado neste capítulo).
Da mesma forma, o uso de contenção mecânica não é
recomendado em pacientes com delirium, podendo agravar
o quadro e ocasionar lesões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O delirium, que pode ser considerado uma insuficiência
orgânica, é um problema comum e potencialmente grave
em pacientes idosos, com impacto em mortalidade,
funcionalidade e cognição. O diagnóstico de delirium é
clínico e pode ser sistematizado com o Confusion
Assessment Method (CAM), que avalia tempo de instalação,
flutuação de sintomas, déficit de atenção, desorganização
do pensamento e nível de consciência.
Múltiplos fatores precipitantes e desencadeantes podem
interagir para produzir um quadro de delirium e devem ser
conhecidos tanto para a implementação de medidas
preventivas como de tratamento. A melhor estratégia de
combate ao delirium é a prevenção e o Hospital Elder Life
Program, o modelo de programa a ser implementado para
tanto. O tratamento de delirium se fundamenta na reversão
de fatores desencadeantes, e o tratamento medicamentoso
deve se restringir a pacientes com agitação perigosa.

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Depressão no idoso 44

Eduardo Borges de Oliveira


Ana Julia de Lima Bomfim
Madson Alan Maximiano-Barreto
Marcos Hortes Nisihara Chagas

INTRODUÇÃO
A depressão maior está entre os transtornos mentais
que mais acometem a população mundial. Caracteriza-se
pela presença de sintomas cardinais como humor
deprimido ou perda de interesse de forma acentuada,
ocasionando prejuízo no dia a dia por período maior do que
2 semanas.
Os transtornos depressivos, segundo o Manual de
Diagnóstico e Estatística em Saúde Mental, na sua quinta e
mais recente atualização (DSM-5), são divididos em:
transtorno disruptivo da desregulação do humor, transtorno
depressivo persistente, transtorno disfórico pré-menstrual
e transtorno de depressão maior.
A depressão maior é o transtorno mental que mais
acomete a população idosa, e sua prevalência pode variar a
depender do ambiente em que o indivíduo está inserido.
Apresenta impacto altamente expressivo na
morbimortalidade nessa faixa etária, podendo se
manifestar como episódio único ou de forma recorrente.
A transição demográfica acentua os contrastes
observados nas formas de apresentações e abordagens de
todas enfermidades, não sendo diferente nas
psicopatologias. A forma acelerada desse fenômeno, típica
de países em desenvolvimento como o Brasil, redunda na
necessidade de rápida adaptação dos serviços de saúde em
seu enfrentamento.
Este capítulo abordará, com enfoque na prática clínica,
os aspectos relevantes dos transtornos depressivos na
população geriátrica.

EPIDEMIOLOGIA DA DEPRESSÃO
A prevalência de depressão maior em idosos apresenta
variações de acordo com a metodologia e os critérios
adotados para o diagnóstico. Por exemplo, existem
diferenças expressivas na prevalência de transtornos
depressivos de acordo com o local do estudo (comunidade,
instituição de longa permanência – ILP, unidades de
atenção básica, entre outros). Quando há rastreio de
transtornos depressivos na comunidade, a prevalência
varia de 4,8 a 14,6%; contudo, nas pesquisas realizadas em
ILP ou hospitais, a prevalência pode chegar a 22%.
Muitos fatores favorecem a instalação de sintomas
depressivos em idosos. O Quadro 1 apresenta alguns
fatores que corroboram a alta incidência de transtornos de
ansiedade e depressão na população idosa.

QUADRO 1 Fatores que contribuem para a ocorrência dos transtornos


depressivos no idoso

Fatores sociais Fatores ambientais Fatores biológicos

Baixa escolaridade Institucionalização Sexo feminino


QUADRO 1 Fatores que contribuem para a ocorrência dos transtornos
depressivos no idoso

Viuvez Eventos estressantes Doença cerebrovascular

Solteiro ou separado Traumas psicológicos Uso de medicamento

Residir sozinho Doenças psiquiátricas

Baixo nível econômico Doenças crônicas

Limitações físicas Uso excessivo de álcool

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
A depressão manifesta-se a partir da interação entre
fatores sociais, psicológicos, biológicos, genéticos e
epigenéticos.
Fatores estressores, bem como vivências e demandas
externas relacionadas com o contexto, podem contribuir
para o desencadeamento ou a manutenção do episódio
depressivo. Além disso, doenças cardiovasculares e de
transtornos de uso de substâncias, como determinados
medicamentos e álcool, são considerados fatores de risco e
podem influenciar no prognóstico do transtorno. Nessa
faixa etária, devem ser destacadas ainda a existência de um
número cada vez maior de idosos morando sozinhos, a
presença de comorbidades clínicas, a polifarmácia e as
inúmeras mudanças presentes no envelhecimento.
Em relação aos fatores endógenos, a fisiopatologia é
complexa. Norepinefrina, serotonina e dopamina são os
principais neurotransmissores associados à modulação do
humor. A deficiência e o funcionamento inadequado de um
ou mais desses neurotransmissores resultam na
suprarregulação compensatória dos receptores pós-
sinápticos, induzindo à depressão. Com o envelhecimento,
existe decréscimo desses neurotransmissores, o que pode
contribuir para maior prevalência de depressão.
Entretanto, ainda não existem evidências definitivas quanto
à fisiopatologia da depressão.
Além disso, as lesões cerebrais decorrentes de eventos
vasculares podem levar a sintomas depressivos
clinicamente significativos e depressão. Esse quadro é
frequentemente denominado depressão vascular e pode ser
acompanhado de declínio cognitivo, especialmente
alterações do funcionamento executivo e atenção.

QUADRO CLÍNICO
Na população idosa, a depressão maior apresenta
características clínicas particulares, dificultando o
diagnóstico diferencial e, consequentemente, o tratamento
desses transtornos em idosos. Na anamnese, é fundamental
obter informações acerca da vivência de episódios
anteriores ou saber se o primeiro episódio ocorreu na
velhice, uma vez que essas informações podem influenciar
no tratamento e no prognóstico do paciente.
De maneira geral, sintomas como alterações de sono e
psicomotoras, sintomas somáticos, fadiga ou perda de
energia e anedonia são mais prevalentes em idosos. Em
contrapartida, os idosos com depressão geralmente não
apresentam sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva
ou inapropriada.
A depressão de início tardio pode anteceder a redução
da função cognitiva, acometendo especialmente a atenção,
a memória de trabalho, a memória episódica, a função
executiva e a velocidade de processamento.
Outro aspecto fundamental é o diagnóstico diferencial
entre depressão e demência. Alguns pacientes com
depressão têm sintomas acentuados de disfunção cognitiva,
de difícil diferenciação dos sintomas da demência. Esse
quadro clínico é conhecido como pseudodemência, em que
sintomas depressivos estão associados a um déficit
cognitivo reversível, uma vez que, tratados os sintomas da
depressão, esse prejuízo pode ser revertido.
Por fim, sabe-se que a prevalência de tentativas de
suicídio no idoso é menor quando comparada com outras
faixas etárias. Entretanto, os índices de morte em
decorrência do suicídio são maiores nessa população, uma
vez que os idosos utilizam métodos mais letais para o
suicídio, comunicam menos sua intenção e apresentam
saúde mais frágil. Em idosos, o transtorno psiquiátrico está
presente em 71 a 97% dos casos de suicídio, sendo a
depressão maior o transtorno mais associado.

DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES


Escalas e critérios diagnósticos clássicos e consagrados
na literatura para o reconhecimento da depressão no
adulto jovem são também importantes no paciente idoso,
porém devem ser avaliados com bastante cautela, como
será esclarecido.
As principais ferramentas são o DSM-5 e o CID-10.
Pelo DSM-5, para o diagnóstico de depressão maior,
cinco sintomas devem estar presentes durante o período
mínimo de 2 semanas, e pelo menos um dos sintomas é
humor deprimido ou perda de interesse ou prazer. Além
disso, os sintomas causam prejuízo significativo em relação
ao funcionamento anterior (Quadro 2).
Por outro lado, a Classificação Estatística Internacional
de Doenças (CID-10) estabelece três níveis de intensidade
do episódio depressivo: leve, moderado e grave. O
diagnóstico é realizado de acordo com a presença de
sintomas fundamentais e sintomas acessórios por no
mínimo 2 semanas (Quadro 3). Outro transtorno depressivo
importante em idosos é a distimia ou o transtorno
depressivo persistente, caracterizado pela presença de
menos sintomas depressivos (dois ou mais), porém de
forma crônica (mais de 2 anos), podendo o humor ficar
mais irritável do que deprimido.

QUADRO 2 Critérios para o diagnóstico de episódio depressivo maior de


acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doença Mental (DSM-5)

Cinco ou mais dos seguintes sintomas presentes durante o período de 2


semanas:
Humor deprimido.
Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as
atividades.
Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta.
Insônia ou hipersonia.
Agitação ou retardo psicomotor.
Fadiga ou perda de energia.
Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem
ser delirantes).
Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão.
Pensamentos recorrentes de morte e/ou ideação suicida.

QUADRO 3 Critérios para o diagnóstico de episódio depressivo de acordo


com a CID-10

Sintomas fundamentais:

Humor deprimido.
Perda de interesse.
Fatigabilidade.

Sintomas acessórios:
QUADRO 3 Critérios para o diagnóstico de episódio depressivo de acordo
com a CID-10

Diminuição de concentração e atenção.


Diminuição de autoestima e autoconfiança.
Ideias de culpa e inutilidade.
Visões desoladas e pessimistas do futuro.
Ideação suicida ou comportamento autolesivo.
Perturbação do sono.
Redução do apetite.

Escala:
Leve: dois sintomas fundamentais + dois sintomas acessórios.
Moderado: dois sintomas fundamentais + três a quatro sintomas acessórios.
Grave: três sintomas fundamentais + quatro ou mais sintomas acessórios.

Deve-se considerar ainda que idosos podem apresentar


sintomas depressivos significativos, com intensas
repercussões clínicas e sociais, mesmo sem a presença do
diagnóstico de depressão maior pelos critérios clássicos,
como o DSM-5 e a CID-10. Em linhas gerais, tais critérios
apresentam baixa sensibilidade para a detecção de
transtornos depressivos relevantes na terceira idade, sendo
a individualização diagnóstica imperativa nessa faixa
etária.
Para o diagnóstico diferencial do episódio depressivo, é
fundamental a avaliação clínica cautelosa para identificar a
presença de episódio maníaco ou hipomaníaco anterior,
assim como a presença de alteração de humor devido aos
efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição
médica.
Da mesma forma, a presença de sintomas em
consequência de eventos exógenos é significativamente
mais frequente no idoso, como o luto, doenças com
comprometimento funcional e mesmo perdas materiais.
Tais componentes devem sempre ser investigados por meio
de anamnese detalhada baseada na história do indivíduo e,
sempre que possível, abordados e minimizados.
A depressão maior e os transtornos de ansiedade
apresentam sobreposição de sintomas. Exemplificando,
ambos possuem como critérios a presença de alterações de
sono, fatigabilidade, diminuição da concentração e da
atenção. Geralmente os transtornos de ansiedade
relacionam-se não apenas com a depressão, mas também
com outros transtornos psiquiátricos.
Conforme relatado anteriormente, é importante a
realização do diagnóstico diferencial entre os transtornos
mentais e outras condições clínicas nos idosos, sendo mais
frequente a necessidade de realizar exames
complementares, quando comparados a indivíduos jovens.
Delirium, anemia crônica, arritmias e alterações na tireoide
são exemplos de quadros clínicos que comumente levam a
sintomas depressivos e de ansiedade. Além disso, deve-se
ressaltar que a maioria das doenças clínicas aumenta o
risco para depressão, não apenas pelas limitações muitas
vezes inerentes ao quadro, mas também por alterações
biológicas resultantes dessa patologia.

TRATAMENTO
O tratamento da depressão no idoso é, assim como em
qualquer faixa etária, subdividido em medidas não
farmacológicas e farmacológicas, que devem, via de regra,
ser oferecidos em conjunto ao paciente.

Tratamento não farmacológico

Psicoterapia
É a modalidade mais utilizada no tratamento da
depressão. Esse método tem amplo respaldo científico,
sendo sua eficácia demonstrada, de forma contundente, por
meio de diversos ensaios clínicos controlados.
Diante das diversas abordagens, como psicoterapia
grupal, psicoterapia interpessoal, psicodinâmica e terapia
cognitivo-comportamental (TCC), a TCC associada ao uso
de medicamentos apresenta resultados significativos em
curto e longo prazos. Um estudo com o objetivo de
identificar a eficácia da TCC em idosos com depressão
apresentou redução de 70% dos sintomas da doença.
Apesar da eficácia comprovada e semelhante à da
população adulta jovem, a efetividade da psicoterapia no
idoso, por outro lado, é menor. Fatores culturais,
financeiros e funcionais da população geriátrica são
determinantes na menor adesão observada nessa faixa
etária. Políticas de esclarecimento e acesso a essa
modalidade devem ser intensificadas.

Eletroconvulsoterapia
Também eficaz no paciente idoso, deve ser considerada
em situações de depressão refratária e intolerância a
sucessivas tentativas farmacológicas. Importante ressaltar
que, por demandar procedimento anestésico, não
raramente idosos apresentam contraindicação a sua
aplicação, pelas condições clínicas, em especial as doenças
cardiovasculares e respiratórias, altamente prevalentes
nessa faixa etária.

Tratamento farmacológico

Antidepressivos
A instituição da terapia com antidepressivos deve
sempre ser considerada no idoso com sintomas
depressivos, havendo ou não preenchidos os critérios
diagnósticos clássicos anteriormente descritos. Com baixa
sensibilidade, tais ferramentas, embora úteis, não devem
ser necessariamente positivas para iniciar-se a
farmacoterapia. A repercussão funcional global no paciente
deve ser imperativa nessa tomada de decisão.
Na escolha do medicamento antidepressivo e de sua
dose, diversos fatores devem ser considerados, como
interações medicamentosas, potencial de efeitos colaterais,
sintomas de ansiedade e depressão, gravidade do quadro,
história prévia de depressão e presença de outras
comorbidades clínicas.
Os antidepressivos são classificados de diversas formas,
havendo classes bem definidas e outros medicamentos mais
modernos e com efeitos farmacológicos mais complexos,
impossibilitando suas classificações de forma agrupada.
Seus mecanismos de ação atuam nos mecanismos
fisiopatológicos descritos anteriormente, promovendo
ajustes nas referidas vias neurotransmissoras.
Em linhas gerais, procura-se subdividir os
antidepressivos em classes, de forma simples e didática,
respeitando seus mecanismos de ação e a ordem
cronológica de desenvolvimento. São elas:

Inibidores da monoamino-oxidase (Imao): inibem a


degradação de aminas em geral, promovendo maior
tônus destas. São pouco seletivos, apresentam interações
múltiplas, acarretando assim baixa tolerabilidade pelos
efeitos colaterais, como agitação, ansiedade, tremores,
taquicardia, insônia e crises hipertensivas. Raramente
utilizados em idosos. Exemplos: fenelzina e
moclobemida.
Antidepressivos tricíclicos (ADT): atuam inibindo a
recaptação de serotonina e noradrenalina sinápticas. São
de baixo custo, porém exibem baixa tolerabilidade,
especialmente em idosos, por seu efeito anticolinérgico e
toxicidade cardiovascular. Têm como efeitos secundários
os potenciais analgésico, sedativo e de promover ganho
de apetite e peso. Exemplos: amitriptilina, imipramina,
clomipramina, nortriptilina.
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS):
atuam inibindo, de forma relativamente seletiva, a
recaptação de serotonina sináptica. São atualmente os
mais utilizados e geralmente a primeira escolha em
idosos, têm boa eficácia e tolerabilidade. Reações
comuns: disfunções gastrointestinais e sexuais,
tremores, ansiedade, agitação e xerostomia,
especialmente no início do tratamento. Exemplos:
fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram e
escitalopram.
Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina
(IRSN, ou “duais”): atuam, como os tricíclicos, inibindo a
recaptação de serotonina e noradrenalina sinápticas,
porém de forma bastante seletiva e ainda exibindo
efeitos secundários por vezes úteis, como analgésico e
ansiolítico. Exemplos: venlafaxina, desvenlafaxina,
duloxetina.
“Outros” antidepressivos: mecanismos de ação e
estrutura molecular próprios, exibem efeitos geralmente
mais complexos e específicos, mas geralmente o efeito
antidepressivo se dá via inibição de recaptação de
aminas neurotransmissoras. Exemplos e efeitos
específicos:
– Trazodona: efeito positivo sobre o sono.
– Bupropiona: pró-dopaminérgico, podendo atuar
positivamente sobre parkinsonismos, disfunções
sexuais e compulsões, como o tabagismo.
– Mirtazapina: efeito dual, porém com atividade
complexa e atuando sobre a insônia e a redução de
apetite/peso
– Vortioxetina: tem efeito pró-colinérgico, sendo
lançada como boa opção em pacientes com declínio
cognitivo e na depressão refratária, porém ainda
carece de estudos contundentes quanto a tais
potenciais. Náuseas e vômitos são relativamente
comuns, como efeitos colaterais.
– As dosagens habituais dos medicamentos descritos
constam no Quadro 4, no entanto é de suma
importância a compreensão de que seu início e
progressão devem ser feitos de maneira bastante
criteriosa. Via de regra, idosos apresentam
expressivamente maior taxa de efeitos colaterais,
sendo fundamentais a instituição de doses mais
baixas e a progressão gradual e monitorada. As
dosagens máximas expressas costumeiramente não
são toleradas.
Benzodiazepínicos: também são muito utilizados nesses
transtornos, porém são potencialmente inadequados e
com perfil de efeitos colaterais muitas vezes danosos,
como propensão a quedas, déficit cognitivo e reação
paradoxal mais frequente.
Antipsicóticos atípicos: opção bastante interessante nos
casos de depressão psicótica, insônia e agitação
associadas a casos depressivos e como potencializadora
de medicamentos antidepressivos. Em relação a este
último efeito, têm demonstrado superioridade em
estudos recentes, quando comparados à associação de
antidepressivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em razão da alta prevalência de depressão em
indivíduos idosos, é essencial a formação de profissionais
capacitados para atender a essa demanda, bem como a
formulação de políticas públicas que visem ao acesso a
serviços especializados e ao monitoramento desse
transtorno. Além disso, políticas de promoção à saúde e
prevenção com o objetivo de intervir nos fatores de risco e
precipitantes podem auxiliar na mudança desse perfil
epidemiológico.

QUADRO 4 Antidepressivos utilizados e doses recomendadas no tratamento


de depressão em idosos

Medicamento Classe Dose média (mín-máx)


em mg/dia

Citalopram ISRS 20 (10-40)

Escitalopram ISRS 10 (5-20)

Fluoxetina ISRS 20 (10-60)

Paroxetina ISRS 20 (10-40)

Sertralina ISRS 50 (25-200)

Duloxetina ISRS 60 (60-120)

Venlafaxina ISRS 150 (75-225)

Desvenlafaxina ISRS 50 (50-100)

Bupropion IRND 150 (150-300)

Mirtazapina – 30 (15-45)
QUADRO 4 Antidepressivos utilizados e doses recomendadas no tratamento
de depressão em idosos

Trazodona – 150 (150-300)

Nortriptilina – 50 (50-150)

Agomelatina – 25 (25-50)

Vortioxetina – 10 (5-20)

IRND: inibidores seletivos de recaptação de norepinefrina e dopamina; ISRN:


inibidores seletivos da recaptação da serotonina e norepinefrina; ISRS:
inibidores seletivos da recaptação da serotonina.

É essencial a entrevista clínica detalhada e criteriosa,


conhecendo as especificidades da depressão no idoso. As
limitações diagnósticas de ferramentas clássicas como o
DSM, apesar de ser padrão ouro para diagnóstico dos
transtornos psiquiátricos no adulto jovem, devem sempre
ser consideradas. Esses são elementos fundamentais para
adequadas detecção e terapêutica das síndromes
depressivas nessa faixa etária.
Ressalta-se que os transtornos depressivos no idoso
apresentam diversas consequências sociais, ambientais e
psicológicas que precisam ser levadas em consideração
dentro e fora do ambiente clínico.

BIBLIOGRAFIA
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Disorders (DSM-5®). 5.ed. American Psychiatric Pub; 2013.
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45 Ansiedade no idoso

Eduardo Borges de Oliveira


Ana Julia de Lima Bomfim
Madson Alan Maximiano-Barreto
Marcos Hortes Nisihara Chagas

INTRODUÇÃO
Os transtornos de ansiedade estão entre as
psicopatologias que mais acometem a população mundial.
A ansiedade é uma emoção normal dos indivíduos, que
auxilia na identificação de determinadas ameaças no meio
e proporciona comportamentos de cautela, esquiva,
enfretamento ou fuga.
O medo é uma resposta emocional a uma ameaça real ou
percebida, gerando excitabilidade autonômica aumentada,
pensamentos de perigo imediato e comportamentos de luta
ou fuga.
Considera-se a ansiedade patológica quando o indivíduo
passa a apresentar preocupação e medo de forma excessiva
e não adaptativa, com prejuízo social significativo.
O Manual Diagnóstico e Estatística de Saúde Mental, na
sua quinta e mais recente atualização (DSM-5), divide os
transtornos de ansiedade em: agorafobia, transtorno de
pânico, transtorno de ansiedade social ou fobia social e
transtorno de ansiedade generalizada. Desses, o transtorno
de ansiedade generalizada (TAG) é o mais prevalente na
população idosa.
Deve-se destacar a ocorrência frequente de sintomas de
ansiedade e depressivos de forma comórbida, resultando
em quadros mais graves e crônicos. Do ponto de vista
causal, sempre devem ser levados em consideração fatores
ambientais, sociais e biológicos, tendo a idade um papel
fundamental nesses três componentes.
A transição demográfica acentua os contrastes
observados nas formas de apresentações e abordagens de
todas as enfermidades, não sendo diferente nas
psicopatologias. A forma acelerada desse fenômeno,
observada em países em desenvolvimento, como o Brasil,
redunda na necessidade de rápida adaptação dos serviços
de saúde no seu enfrentamento.
Este capítulo abordará, com enfoque na prática clínica,
os aspectos relevantes dos transtornos ansiosos na
população geriátrica.

EPIDEMIOLOGIA DA ANSIEDADE
Os transtornos de ansiedade apresentam variações na
prevalência de acordo com os critérios adotados para sua
identificação e local do estudo. Quando se trata da
prevalência desse transtorno identificado em estudos
realizados na comunidade, a taxa é de aproximadamente
15%, enquanto em estudos que controlam de forma mais
rigorosa o cenário clínico, a prevalência chega a 28%. Em
idosos acima de 65 anos, o TAG é o mais prevalente e afeta
cerca de 4,5% dessa população, seguido do transtorno de
ansiedade da separação (2,7%) e da agorafobia (2,4%).
O Quadro 1 apresenta alguns fatores que corroboram a
alta incidência de transtornos de ansiedade e depressão na
população idosa.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
A etiologia da ansiedade é multifatorial e envolve
aspectos psicológicos, biológicos e sociais. A ansiedade
normalmente surge em resposta a eventos estressores, mas
também pode ser consequência de alterações genéticas.
Ademais, na presença de outras comorbidades clínicas, a
ansiedade pode surgir como sintoma somático ou efeito
colateral de medicamentos, o que é especialmente
importante no idoso.
No que se refere à fisiopatologia, a amígdala
desempenha função principal nos circuitos subjacentes aos
sintomas de ansiedade e medo, e disfunções desses
circuitos estão associadas aos sintomas. A regulação desses
circuitos é mediada por neurotransmissores como
serotonina, ácido gama-aminobutírico (GABA, gamma-
aminobutyric acid), noradrenalina e outros. A amígdala
mantém conexões com diversas regiões cerebrais,
integrando informações sensoriais e cognitivas e
possibilitando, dessa forma, a resposta ao medo. Respostas
autonômicas e cardiovasculares, como aumento da
frequência cardíaca e da pressão arterial, estão
relacionadas com os sentimentos de medo e são mediadas
por conexões entre a amígdala e o locus coeruleus. Na
ansiedade, essas respostas podem se manifestar de
maneira contínua e inadequada, aumentando o risco de
problema cardiovascular, de isquemia cardíaca e de morte
súbita.
Eventos estressores crônicos podem resultar em
alteração endócrina, na qual o eixo hipotálamo-hipófise-
adrenal (HPA, hypothalamus-pituitary-adrenal) é ativado,
ocasionando aumento da síntese e da liberação de cortisol.
O frequente aumento de cortisol pode piorar outras
manifestações clínicas, dificultando a terapêutica de
doenças crônicas já frequentes nos idosos.

QUADRO CLÍNICO
Na população idosa, a ansiedade tem características
clínicas particulares, dificultando o diagnóstico diferencial
e, consequentemente, o tratamento desses transtornos
nessa faixa etária. Na anamnese, é fundamental obter
informações acerca da vivência de episódios anteriores,
bem como procurar especificar em quais momentos da vida
ocorreram.
Assim como em quadros depressivos, os transtornos de
ansiedade podem afetar a função cognitiva em idosos,
especialmente os domínios de memória e atenção.
Para o diagnóstico de TAG, o DSM-5 estabelece como
critério a presença de três ou mais dos sintomas
apresentados no Quadro 2, ocorrendo na maioria dos dias
por no mínimo 6 meses. As características fundamentais
são ansiedade e preocupação excessivas, resultando em
prejuízo social significativo. Assim como na depressão
maior, deve-se excluir a presença da perturbação devido a
efeitos fisiológicos de substâncias e a outra condição
médica, por exemplo, doenças cardíacas e hipertireoidismo.

QUADRO 1 Fatores que contribuem para a ocorrência dos transtornos de


depressão e ansiedade no idoso

Fatores sociais Fatores ambientais Fatores biológicos

Baixa escolaridade Institucionalização Sexo feminino


QUADRO 1 Fatores que contribuem para a ocorrência dos transtornos de
depressão e ansiedade no idoso

Viuvez Eventos estressantes Doença


cerebrovascular

Solteiro ou separado Traumas psicológicos Uso de medicamento

Residir sozinho Doenças psiquiátricas

Baixo nível econômico Doenças crônicas

Limitações físicas Uso excessivo de


álcool

QUADRO 2 Critérios para o diagnóstico de transtorno de ansiedade


generalizada de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doença
Mental (DSM-5)

Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele.


Fatigabilidade.
Dificuldade de se concentrar ou sensações de “branco” na mente.
Irritabilidade.
Tensão muscular
Perturbação do sono (dificuldade em conciliar ou manter o sono, ou sono
insatisfatório e inquieto).

Apesar de se destacarem apenas os critérios do TAG, os


demais transtornos de ansiedade também devem ser
investigados nos idosos. O transtorno de ansiedade social é
caracterizado por medo e avaliação negativa em situações
sociais. Nesse caso, deve ser destacado que as situações
sociais enfrentadas na velhice são diferentes daquelas
enfrentadas por adultos jovens, o que poderia levar ao sub-
reconhecimento desse transtorno em idosos.
O transtorno de pânico deve ser suspeitado na presença
de ataques de pânico (ansiedade) que surgem sem causa
aparente, devendo-se sempre descartar outras condições
clínicas. Nesse transtorno é comum o surgimento de
agorafobia (medo de situações em que não se tem auxílio
ou não se pode escapar), porém esta pode estar presente
mesmo sem o transtorno de pânico e deve ser considerada
em idosos.
A depressão maior e o TAG apresentam sobreposição de
sintomas. Embora os sintomas fundamentais para o
diagnóstico desses transtornos se diferenciem, ambos
apresentam como critérios a presença de alterações de
sono, fatigabilidade, diminuição da concentração e da
atenção. Geralmente, os transtornos de ansiedade
relacionam-se não apenas com a depressão, mas também
com outros transtornos psiquiátricos.
Conforme relatado anteriormente, é importante a
realização do diagnóstico diferencial entre os transtornos
mentais e outras condições clínicas nos idosos, sendo
frequentemente necessária a realização de exames
complementares. Delirium, anemia crônica, arritmias e
alterações na tireoide são exemplos de quadros clínicos que
comumente levam a sintomas depressivos e de ansiedade.
Além disso, deve-se ressaltar que a maioria das doenças
clínicas aumenta o risco para depressão, não apenas pelas
limitações muitas vezes inerentes ao quadro, mas também
por alterações biológicas resultantes dessa patologia.

TRATAMENTO
O tratamento dos transtornos de ansiedade é diverso e
multidimensional, sendo a farmacoterapia e a psicoterapia
seus dois grandes pilares. Os medicamentos utilizados são
chamados de psicotrópicos ou psicofármacos pela ação no
sistema nervoso central (SNC), e tanto na depressão
quanto nos transtornos de ansiedade deve ser dada
preferência aos antidepressivos.
Os antidepressivos utilizados no tratamento desses
quadros psicopatológicos no Brasil são apresentados no
Quadro 3. Na escolha do antidepressivo e da dose, diversos
fatores devem ser considerados, como interações
medicamentosas, potencial de efeitos colaterais, sintomas
de ansiedade e depressão, gravidade do quadro, história
prévia de depressão e presença de outras comorbidades
clínicas. Os benzodiazepínicos também são muito utilizados
nesses transtornos, porém são potencialmente inadequados
e devem ser usados de forma bastante criteriosa em idosos,
uma vez que essa classe acarreta aumento na incidência de
quedas, piora do déficit cognitivo e reação paradoxal mais
frequente.

QUADRO 3 Antidepressivos utilizados e doses recomendadas no tratamento


de ansiedade em idosos

Medicamento Classe Dose média (mín-máx) em


mg/dia

Citalopram ISRS 20 (10-40)

Escitalopram ISRS 10 (5-20)

Fluoxetina ISRS 20 (10-60)

Paroxetina ISRS 20 (10-40)

Sertralina ISRS 50 (25-200)

Duloxetina ISRN 60 (60-120)

Venlafaxina ISRN 150 (75-225)

Desvenlafaxina ISRN 50 (50-100)

Bupropiona IRND 150 (150-300)

Mirtazapina – 30 (15-45)

Trazodona – 150 (150-300)


QUADRO 3 Antidepressivos utilizados e doses recomendadas no tratamento
de ansiedade em idosos

Nortriptilina – 50 (50-150)

Agomelatina – 25 (25-50)

Vortioxetina – 10 (5-20)

IRND: inibidores seletivos de recaptação de norepinefrina e dopamina; ISRN:


inibidores seletivos da recaptação da serotonina e norepinefrina; ISRS:
inibidores seletivos da recaptação da serotonina.

A psicoterapia é, via de regra, indicada no tratamento


dos transtornos de ansiedade. Diante das diversas
abordagens, a terapia cognitivo-comportamental (TCC),
associada ou não ao uso de medicamentos, apresenta
resultados significativos, no curto e longo prazos. A TCC
tem como objetivo a reestruturação de crenças e costumes,
possibilitando melhora na capacidade do indivíduo
entender e gerenciar seus próprios comportamentos.
As técnicas da TCC procuram modificar funcionamentos
neurais relacionados à ativação de circuitos frontais,
diminuindo a reatividade emocional ligada a áreas
mesocorticolímbicas. Além disso, essas técnicas têm
apresentado impacto positivo no campo da saúde mental,
assim como seus métodos de aprendizagem e técnicas
adaptativas, e também assim, nas problemáticas
apresentadas pelos indivíduos.
Um estudo com o objetivo de identificar a eficácia da
TCC em idosos com depressão apresentou redução de 70%
dos sintomas da doença. Outro estudo realizado em idosos
com ansiedade e prejuízo cognitivo mostrou que a TCC
pode melhorar tanto os sintomas de ansiedade quanto o
comprometimento cognitivo.
Diversos ensaios clínicos controlados têm demonstrado
a eficácia dessa abordagem, possibilitando a redução da
recaída entre pacientes sob uso ou não de medicamentos
nos mais diversos transtornos psiquiátricos.
Em suma, esse método não farmacológico tem
demonstrado cientificamente, de forma progressivamente
mais contundente, sua eficácia.
O Quadro 4 apresenta as técnicas da TCC utilizadas no
tratamento desses transtornos.
Vale ressaltar que as outras modalidades de terapia
também podem ser utilizadas, porém apresentam número
menor de estudos realizados, especialmente em idosos.
Também é importante salientar que a psicoterapia, ao ser
implementada, deve sempre considerar as características
individuais e a gravidade do transtorno.

QUADRO 4 Técnicas utilizadas na terapia cognitivo-comportamental para


tratamento de depressão e ansiedade em idosos

Depressão Ansiedade

Psicoeducação Manejo terapêutico

Técnicas de relaxamento Reestruturação cognitiva

Tarefas de casa Técnicas de relaxamento

Treino de assertividade e Técnicas de exposição


habilidades sociais

Role playing Técnicas de resolução de problemas

Registro de pensamento Gerenciamento do sono

Monitoramento de humor

Ativação comportamental

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela alta prevalência dos transtornos ansiosos em
indivíduos de 60 anos ou mais, é essencial a formação de
profissionais capacitados para atender a essa demanda,
bem como a formulação de políticas públicas que visem ao
acesso a serviços especializados e a seu adequado
monitoramento. Além disso, políticas de promoção à saúde
e prevenção com o objetivo de intervir nos fatores
precipitantes e de risco para a ocorrência desses
transtornos podem auxiliar na mudança desse perfil
epidemiológico.
A entrevista clínica detalhada e cuidadosa utilizando os
critérios do DSM-5 é padrão-ouro para diagnóstico dos
transtornos psiquiátricos. Entretanto, deve-se ressaltar que
os transtornos possuem diversas consequências sociais,
ambientais e psicológicas, que precisam ser levadas em
consideração dentro e fora do ambiente clínico.
Por fim, a utilização da TCC tem apresentado resultados
positivos na terapêutica desses transtornos e, quando
associada ao uso de antidepressivos, possibilita a
diminuição das recaídas e auxilia na minimização dos sinais
e sintomas da depressão maior e ansiedade em idosos.

BIBLIOGRAFIA
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Distúrbios do sono mais frequentes na terceira 46
idade

Erika Satomi

INTRODUÇÃO
Queixas relacionadas ao sono são frequentes no
consultório daqueles que atendem a população idosa. É
estimado que ao menos metade dos idosos tenha ao menos
uma queixa, sendo as mais comuns insônias e sonolência
diurna, e muitas queixas de sono podem ser indicadoras de
saúde precária. Em um estudo com 3 anos de
acompanhamento, idosos tiveram a resolução de seus
sintomas de sono com a melhora da saúde, sugerindo que
sono de má qualidade não é consequência do
envelhecimento normal. Apesar da elevada prevalência de
queixas de sono, muitas vezes crônicas, em cerca de
metade dos casos o problema não é diagnosticado.
Alguns distúrbios frequentes na população idosa
costumam ter impacto negativo no sono, como síndromes
dolorosas; osteoartrite; doenças do trato digestivo,
pulmonares, cardíacas, renais, urológicas e
neuropsiquiátricas. Nessas situações, tanto os sintomas das
doenças como complicações a elas relacionadas, ansiedade
pela condição e efeitos adversos relacionados a seu
tratamento contribuem para piora do sono. Por outro lado,
nem sempre queixas de sono são acompanhadas por
doenças sistêmicas, e as alterações do sono podem trazer
diversas complicações, como piora da qualidade de vida e
do risco cardiovascular, piora cognitiva, aumento do risco
de quedas, de institucionalização e da mortalidade.

ALTERAÇÕES COMUNS NO ENVELHECIMENTO


O padrão de sono não é estático, sofre modificações
desde o momento em que nascemos. O tempo total de sono
decresce cerca de 10 minutos por década; aos 60 anos, o
tempo total de sono é em média 30 minutos menor que aos
40 anos. Além disso, outras alterações ocorrem ao longo do
passar da vida adulta, como aquelas relacionadas à
arquitetura do sono, que pode ser avaliada por meio da
polissonografia. Ocorre redução de eficiência do sono
(tempo total de sono/tempo na cama), aumento da
proporção de sono superficial (N1 e N2) e redução do sono
de ondas lentas (N3) e do sono REM (rapid eye movement),
além de aumento do tempo desperto após o início do sono
(WASO – wake up after sleep onset), mas geralmente sem
maior dificuldade para voltar a dormir novamente (Quadro
1). Por outro lado, apenas a eficiência do sono parece
diminuir significativamente após os 60 anos. Mesmo com
essas alterações, a maioria dos idosos saudáveis considera
seu sono em geral de boa qualidade.
Considerando as alterações descritas, é importante
ressaltar que existe uma diversidade muito grande de
parâmetros de sono entre os indivíduos idosos. Um painel
de especialistas da National Sleep Foundation sugere que a
duração de sono entre 6 e 9 horas seja adequada na
população idosa e que valores fora dessa margem possam
ser deletérios. Essa recomendação é baseada no fato de
que idosos que dormem nessa faixa de duração têm melhor
cognição, saúde física, mental e qualidade de vida. Outros
parâmetros de sono de qualidade são: latência do sono
(tempo entre o apagar das luzes e o início do sono) abaixo
de 60 minutos, até 2 despertares por noite e eficiência do
sono acima de 74%.

QUADRO 1 Modificações dos parâmetros do sono comuns no envelhecimento

Parâmetro de sono Alteração

Tempo total de sono Reduzido

Eficiência do sono Reduzido

Sono REM Reduzido

Sono de ondas lentas (N3) Reduzido

Sono superficial (N1 e N2) Aumentado

Tempo desperto após o início do sono Aumentado


(WASO)

Pico de sono noturno Mais precoce

REM: rapid eye movement; WASO:


wake after sleep onset.

Outra alteração marcante no envelhecimento é a


tendência de sonolência noturna mais precoce, com horário
de início do sono mais cedo e também despertar pela
manhã mais precoce. Isso é devido ao avanço de fase do
ritmo circadiano. Esse padrão não é observado apenas no
ciclo sono-vigília, mas também na secreção de melatonina e
cortisol (cerca de 1 hora mais cedo em relação a adultos
jovens). Com isso, o horário de sono desejado pode não
coincidir com o ritmo circadiano endógeno, o que não
necessariamente deve ser tratado. Intervenções como
cronoterapia e terapia de luz noturna devem ser iniciadas
apenas se houver impacto funcional ou social significativo.

INSÔNIA
A insônia é definida como uma queixa de perturbação do
sono na presença da oportunidade adequada para o sono
por pelo menos 1 mês. A queixa pode consistir em
dificuldade para iniciar o sono, para mantê-lo, despertar
muito precoce ou sono não restaurativo ou de má
qualidade. Além disso, a dificuldade em relação ao sono
deve surtir efeito negativo nas funções diárias.
A insônia pode ser classificada como primária ou
comórbida. A primeira implica que não foi identificada
nenhuma outra causa para a alteração do sono. A segunda
é a mais comum e associada a doenças psiquiátricas (p. ex.,
ansiedade, depressão, abuso de substâncias), doenças
sistêmicas (p. ex., cardiopulmonares, neurológicas),
medicações e outros distúrbios primários do sono (p. ex.,
síndrome da apneia obstrutiva do sono, síndrome das
pernas inquietas). Por esse motivo, idosos com pior
qualidade de saúde e em uso de polifarmácia estão mais
vulneráveis a apresentar esse problema. Nesses casos, a
anamnese detalhada é essencial, incluindo avaliação de
descompensação de comorbidades, uso de medicações,
horário de ingesta destas e investigação dirigida à queixa
de sono e sua repercussão diurna (Quadros 2 e 3). Nessa
população é comum que a insônia seja multifatorial.
Apesar da alta frequência da prescrição de medicações
para o tratamento da insônia, terapias não farmacológicas
demonstraram serem tão eficazes quanto, mais duradouras
e mais seguras. Dentre elas, terapia cognitivo-
comportamental multimodal, incluindo instruções de
higiene do sono, controle de estímulo e terapia de restrição
de sono com reestruturação cognitiva, parece ser a mais
eficaz. Outras modalidades, como terapia de relaxamento,
massagem, atividade física, cronoterapia e terapia de luz,
são usadas para tratamento da insônia.

QUADRO 2 Medicações que podem contribuir para a insônia

Betabloqueadores.
Broncodilatadores.
Corticosteroides.
Descongestionantes.
Diuréticos.
Inibidor de recaptação de serotonina/inibidor de recaptação de serotonina e
noradrenalina.
Medicações que contenham cafeína ou nicotina.

QUADRO 3 Anamnese sobre o sono

A que horas você costuma ir dormir?


Quanto tempo costuma levar para que você pegue no sono?
Você costuma despertar no meio da noite? Quantas vezes? É fácil voltar a
dormir?
A que horas você costuma acordar pela manhã?
Após despertar de manhã, quanto tempo leva para você sair da cama?
Você tira cochilos durante o dia?
Você tem dificuldade para ficar acordado durante o dia? (vide Escala de
Sonolência de Epworth – Quadro 4)
Você costuma usar medicamentos ou álcool para ajudar a dormir?

QUADRO 4 Escala de Sonolência de Epworth


QUADRO 4 Escala de Sonolência de Epworth

Qual a probabilidade de você cochilar ou dormir, não apenas se sentir


cansado, nas seguintes situações? Considere o modo de vida que você tem
levado recentemente. Mesmo que você não tenha feito algumas dessas coisas
recentemente, tente imaginar como elas o afetariam. Escolha o número mais
aproximado para responder a cada questão.
0 = nunca cochilaria
1 = pequena probabilidade de cochilar
2 = probabilidade média de cochilar
3 = grande probabilidade de cochilar

Sentado e lendo.
Assistindo à TV.
Sentado quieto, em um lugar público (p. ex., em um teatro, reunião ou
palestra).
Andando de carro por uma hora sem parar, como passageiro.
Sentado quieto após o almoço sem bebida de álcool.
Em um carro parado no trânsito por alguns minutos.

A higiene do sono é útil quando usada em conjunto com


outras modalidades, mas isoladamente para o tratamento
de insônia parece ser pouco eficaz. A avaliação inclui
hábitos de sono, comportamentos e fatores ambientais que
possam contribuir negativamente para o sono.
A terapia de restrição de sono consiste em limitar o
tempo na cama para consolidar o tempo de sono; diversos
estudos comprovam sua eficácia no tratamento de insônia
crônica em idosos. O paciente deve ser orientado a reduzir
o tempo em que permanece na cama para a quantidade de
sono real. A estimativa do tempo de sono deve ser feita por
meio de um diário de sono (por 2 semanas). Se o indivíduo
relata permanecer 8 horas na cama, mas dormir 5 horas e
meia, deve ser aconselhado a limitar seu tempo na cama
ente 5 horas e meia e 6 horas. O tempo permitido na cama
é ajustado em 15 a 20 minutos conforme a melhora da
eficácia do sono. Uma variante, a compressão do sono usa
técnica semelhante, mas com a redução gradual do tempo
na cama.
Já o controle de estímulo tem como objetivo eliminar
comportamentos no quarto que podem exacerbar a insônia.
Assistir televisão (ou manusear o celular) na cama,
trabalhar ou estudar na cama, programar tarefas do dia
seguinte e discutir problemas no quarto são exemplos de
comportamentos que geram associação negativa entre a
cama e o descanso. Algumas instruções podem ajudar no
controle de estímulo e na prática de uma boa higiene do
sono:

Manter um ritual de sono (p. ex., ouvir música relaxante


ou tomar banho quente 1 hora antes de dormir).
Garantir um quarto tranquilo e confortável (temperatura,
ruídos, claridade).
Ir para o quarto apenas quando estiver sonolento.
Se não conseguir pegar no sono, sair do quarto e
retornar apenas quando sonolento novamente.
Evitar exercícios intensos pelo menos 2 horas antes do
horário previsto para dormir.
Evitar substâncias estimulantes ou que possam
fragmentar o sono, como cafeína, nicotina e álcool.
Evitar atividades no quarto que o mantenham desperto
(p. ex., ver TV, trabalhar, usar o computador). Usar o
quarto para dormir e fazer sexo.
Dormir no quarto. Evitar dormir em outro ambiente.
Manter uma rotina estável de horários para ir para a
cama e principalmente despertar. Levantar todos os dias
de manhã no mesmo horário, independentemente do
tempo que tiver dormido.
Evitar cochilos diurnos. Se o fizer, limitar o cochilo a 30
minutos e se possível evitar cochilar após as 14 horas.
O tratamento farmacológico inclui o uso de
benzodiazepínicos, sedativos não benzodiazepínicos,
agonistas do receptor de melatonina (ramelteon) e
antagonistas do receptor de orexina. A escolha da
medicação depende das características da droga e do tipo
de queixa de insônia do paciente. Deve ser iniciada na
menor dosagem possível, tendo em vista a maior
sensibilidade ao efeito de pico e a redução do clearance.
Tanto benzodiazepínicos como sedativos não
benzodiazepínicos agem ligando-se ao receptor gabaérgico,
porém os últimos são mais seletivos da subclasse de
receptor alfa-1, gerando sedação, mas com efeito mínimo
como ansiolítico, amnésico e anticonvulsivante. Ambos têm
ação na redução da latência de sono, número de
despertares noturnos, tempo total de sono e qualidade do
sono a curto prazo. Se usados em conjunto, têm ação
aditiva. Seu uso prolongado pode causar tolerância,
dependência, insônia rebote, sedação residual diurna,
incoordenação motora, comprometimento cognitivo e
aumento do risco de quedas. Tendo em vista a resposta
equivalente ou superior da terapia comportamental a longo
prazo, o uso dessas drogas deve ser evitado, e os critérios
de Beers recomendam fortemente evitar essas medicações
em idosos.
Benzodiazepínicos de longa duração com meia-vida
acima de 20 horas (p. ex., clonazepam, diazepam,
flurazepam) têm ação prolongada durante o dia e incorrem
no risco de acumulação, não sendo recomendados para o
tratamento de insônia. Já os de ultracurta duração (p. ex.,
triazolam), indicados para insônia de início da noite, podem
causar síndrome de abstinência e insônia rebote no início
da manhã, além do risco de dependência e piora da
ansiedade. O temazepam é um exemplo de
benzodiazepínico de curta duração com meia-vida de 8
horas e não tem metabólitos, portanto oferece menor risco
de acumulação e de dependência. Porém, para indivíduos
com insônia de início sua demora para início de ação pode
ser um problema.
Hipnossedativos não benzodiazepínicos demonstraram
ser eficazes no manejo de curto prazo da insônia, e seus
efeitos adversos parecem ser menos intensos quando
comparados aos benzodiazepínicos antigos, porém ainda
presentes. Zaleplon é uma medicação de início rápido e de
curta duração, indicada para aqueles que têm dificuldade
para iniciar o sono. Já o zolpidem é apresentado em duas
formulações: de curta e longa duração. O de curta duração
tem meia-vida maior em relação ao zaleplon: 2,9 horas.
Essa medicação parece não alterar a integridade da
arquitetura do sono, principalmente quanto ao sono REM e
ao sono de ondas lentas. Seus efeitos adversos mais
comuns são tontura, cefaleia, agitação e pesadelos.
Zopiclona tem meia-vida mais longa: 5 horas, e em idosos
pode chegar a 7 horas. Seus efeitos adversos mais
frequentes são gosto amargo, vertigem, artralgia, diarreia
e cefaleia.
O ramelteon pertence à classe de agonistas seletivos de
receptor de melatonina (MT1 e MT2) e demonstrou efeito
benéfico tanto em medidas subjetivas quanto objetivas de
latência e tempo total de sono. Também não demonstrou
efeito significativo em relação a potencial de abuso,
impacto motor ou cognitivo, risco de insônia rebote ou
sintomas de abstinência.
Uma nova classe de tratamento de insônia é o
antagonista dual do receptor de orexina. Essa classe de
drogas tem ação totalmente distinta das anteriores, uma
vez que tem como foco os neuropeptídeos, que promovem a
vigília e regulam o ciclo sono-vigília. Demonstrou reduzir a
latência de sono e aumentar o tempo total de sono. Mesmo
em idosos, a medicação foi bem tolerada e parece ser
segura. Porém, estudos de uso de longo prazo ainda não
estão disponíveis.
Outras classes de medicamentos têm sido usadas, como
anti-histamínicos, antidepressivos, antipsicóticos e
anticonvulsivantes, porém sem evidência robusta de
efetividade. Apesar de diversos antidepressivos terem ação
sedativa e serem frequentemente prescritos para insônia,
eles têm ação supressora de sono REM e de ondas lentas, e
na ausência de transtorno depressivo, devem ser evitados
pelos potenciais efeitos adversos (hipotensão postural,
tontura, arritmias cardíacas etc.). Mesmo a trazodona, um
antidepressivo frequentemente prescrito para a insônia em
idosos por sua ação mais sedativa, apesar da eficácia inicial
quanto à latência e à eficiência do sono, não tem evidência
de eficácia sustentada superior a 1 semana. A única
medicação antidepressiva aprovada pela Food and Drug
Administration (FDA) é a doxepina, que demonstrou
melhorar latência, duração e qualidade do sono por até 12
semanas.
A terapia inicial combinada (farmacológica + não
farmacológica) parece ser boa alternativa, uma vez que os
fármacos podem gerar alívio de curto prazo, enquanto a
terapia cognitiva confere benefício sustentado de longo
prazo.

SÍNDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO


Outra condição frequente na população idosa é a
síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS). Nessa
condição ocorre uma redução parcial ou completa do fluxo
respiratório devido à obstrução das vias respiratórias altas
mesmo na presença do esforço respiratório. Isso resulta em
hipoxemia, mudanças na atividade do sistema nervoso
autônomo (com aumento da pressão arterial sistêmica e
pulmonar e mudanças do fluxo cerebral) e
microdespertares que são importantes contribuintes para
sintomas de sonolência excessiva diurna e impacto
neurocognitivo. A prevalência de quadros moderados a
graves aumenta com o envelhecimento. Em jovens adultos
é de 10% em homens e 3% em mulheres, enquanto em
idosos é de 17% em homens e 9% em mulheres.
Outro tipo de apneia do sono é a central, caracterizada
pela redução parcial e completa do fluxo respiratório
devido à perda temporária do esforço ventilatório por
disfunção do sistema nervoso central ou cardíaco. Ela é
comum em indivíduos com insuficiência cardíaca
congestiva, particularmente com padrão de Cheyne Stokes.
Este capítulo tratará da SAOS por sua maior prevalência na
população idosa.
Sintomas e sinais presentes em indivíduos com SAOS
incluem: ronco, testemunho de apneia, engasgos
respiratórios, cefaleia matutina, noctúria e obesidade
(apesar de esta não ser necessária, principalmente na
população idosa). Além disso, alterações anatômicas das
vias aéreas superiores, asiáticos e a presença de
comorbidades como fibrilação atrial, insuficiência cardíaca,
acidente vascular encefálico, hipertensão de difícil
controle, diabetes e obesidade são comuns em idosos com
SAOS.
A investigação deve incluir anamnese
(preferencialmente com parceiro) quanto a sonolência
excessiva diurna, roncos, apneias testemunhadas, noctúria,
comprometimento cognitivo e comorbidades que possam
estar associadas. A sonolência diurna pode ser quantificada
com base na Escala de Sonolência de Epworth, descrita no
Quadro 4. Caracteriza-se sonolência excessiva diurna
quando a pontuação é maior ou igual a 10. No exame físico
deve constar avaliação anatômica de vias aéreas
superiores: nasal (p. ex., pólipos, desvio de septo),
orofaringe (p. ex., Mallampati modificado 3 ou 4, aumento
de tonsilas, macroglossia), estrutura esquelética
mandibular (p. ex., retrognatia), estrutura dentária e
obesidade (incluindo circunferência cervical > 41 cm em
mulheres e > 43 cm em homens).
Aqueles com suspeita de SAOS necessitam de
confirmação por meio de exame objetivo, a polissonografia
ou monitor portátil (opção para indivíduos com
probabilidade pré-teste alta de SAOS e sem comorbidades
graves). Na polissonografia são analisados
eletroencefalograma, eletro-oculograma, eletromiograma
de queixo e tíbia, fluxo de vias aéreas, saturação de
oxigênio, esforço respiratório, eletrocardiograma e posição
corporal. Já o monitor portátil analisa fluxo respiratório,
esforço respiratório e saturação de oxigênio. O diagnóstico
de SAOS é feito a partir da quantificação do índice de
apneia-hipopneia (IAH): na presença de IAH ≥ 15
eventos/hora ou IAH ≥ 5 eventos/hora em indivíduos que
relatam episódios de sono não intencionais durante o dia,
sonolência diurna, sono não restaurador, fadiga, insônia,
sensação de engasgo ou parada respiratória ou
companheiro que descreva ronco alto e/ou pausas
respiratórias durante o sono. A classificação é definida
como:

IAH 5 a 14: SAOS leve.


IAH 15 a 30: SAOS moderada.
IAH > 30: SAOS grave.

Não há tratamento farmacológico para a SAOS. Deve-se


encorajar a perda de peso naqueles com obesidade (perda
de peso de 10% demonstrou redução de 26% do IAH),
procurar repousar em posição não supino, evitar o uso de
álcool, sedativo-hipnóticos e opioides. Além disso, a
primeira linha de tratamento consiste no uso do dispositivo
de pressão contínua nas vias aéreas, mais conhecido pela
sua sigla em inglês, CPAP. A pressão positiva contínua
ajuda na manutenção da adequada abertura das vias
aéreas. Diversos estudos confirmam que indivíduos idosos
toleram o uso noturno de CPAP. A pressão a ser usada no
CPAP é determinada por meio de sua titulação durante a
polissonografia (estudo de noite inteira ou estudo split
night, no qual o paciente tem seu diagnóstico confirmado
nas primeiras 2 horas de exame com IAH ≥ 20
eventos/hora, sendo realizada a titulação na fase seguinte
do mesmo exame). No caso de pessoas edentadas, o uso de
CPAP pode ser mais complexo pela associação de
reabsorção óssea maxilar e mandibular, o que dificulta o
ajuste da máscara.
Outras opções são os dispositivos orais, que deslocam a
mandíbula para a frente, em casos de SAOS leve a
moderada. Todavia, da mesma maneira que para o CPAP, é
necessária avaliação da dentição e arcada, pois são
necessários ao menos 8 dentes saudáveis em cada uma das
arcadas para o ancoramento desse dispositivo. Já
tratamentos cirúrgicos podem servir para terapia de
reconstrução de vias respiratórias altas ou procedimentos
de by-pass, e são indicados em pacientes com obstrução
anatômica grave (p. ex., hipertrofia tonsilar).
A suplementação de oxigênio não é recomendada para o
tratamento de SAOS, pois, apesar de poder reduzir a
hipoxemia noturna, tem o potencial de prolongar apneias e
de piorar a hipercapnia noturna em pacientes com doença
respiratória como comorbidade.

SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS


A síndrome das pernas inquietas (SPI) é caracterizada
pela sensação desagradável em membros inferiores que
atrapalha o sono. Ela pode ser primária ou idiopática,
geralmente de início mais precoce e sem fatores
predisponentes, com provável base genética; ou
secundária, resultante de diversas doenças ou condições
que costumam ter deficiência de ferro como anemia
ferropriva, doença renal crônica e gestação.
A descrição do desconforto usualmente é de urgência de
movimentar os membros inferiores, mas também pode ser
de inquietação, fisgada, dormência, queimação, coceira ou
dor. Ocorre em períodos de repouso e inatividade, com
variação circadiana, pior à noite, afetando o sono e a
qualidade de vida do indivíduo. O sintoma pode afetar um
ou os dois membros inferiores e até outras partes do corpo,
como membros superiores. Seu diagnóstico é clínico,
baseado em cinco critérios clínicos principais:

1. Necessidade ou urgência em mover as pernas,


usualmente acompanhada por desconforto.
2. Os sintomas são piores ou ocorrem exclusivamente em
repouso ou na inatividade, como quando o indivíduo está
sentado ou deitado.
3. Ocorre alívio total ou parcial com a movimentação.
4. Os sintomas pioram ou ocorrem exclusivamente à noite.
5. Os sintomas não são mais bem explicados por outras
doenças ou condições.

A presença de antecedente familiar, resposta a agonista


dopaminérgico e índice de movimento periódico de
membros na polissonografia são critérios que corroboram o
diagnóstico.
Os sintomas de SPI podem ser exacerbados por diversas
medicações (antidepressivos tricíclicos, lítio, inibidor de
recaptação de serotonina, antipsicóticos), ingesta de
cafeína, sedentarismo, uso de tabaco e maior índice de
massa corpórea (IMC).
Exames complementares geralmente devem incluir
hemograma e perfil de ferro além de outros de acordo com
a suspeita clínica (p. ex., função renal, hormônio
estimulador da tireoide – TSH –, enzimas hepáticas). A
polissonografia não é necessária como rotina, mas, se
houver dúvida diagnóstica, a presença de movimento
periódico de membros serve como critério de suporte,
tendo em vista que 80% dos pacientes com SPI apresentam
movimentos periódico de membros.
O tratamento não farmacológico consiste em exercícios
físicos aeróbicos, uso de compressão pneumática
intermitente, luz infravermelha e acupuntura. Quanto à
suplementação de ferro, não há evidência de qualidade
quanto a sua eficácia, dose ou via de administração, mas
seu uso baseia-se no fato de que valores menores de 50
mg/L estão associados a aumento de risco de SPI, mesmo
na presença de valores normais de hemoglobina.
As classes de primeira escolha no tratamento
farmacológico são: agonistas dopaminérgicos (não
derivados do ergot), levodopa, derivados do ergot,
anticonvulsivantes (gabapentina e pregabalina), opioides e
benzodiazepínicos. Dentre todas essas opções, o
pramipexol é o mais estudado da classe de agonista
dopaminérgico disponível no Brasil. A dose de início
recomendada é de 0,125 mg 2 horas antes do início dos
sintomas. Normalmente é bem tolerado, e os raros efeitos
adversos costumam ser: comportamento compulsivo,
náusea, cefaleia, sonolência, hipotensão ortostática e
confusão.
Já a levodopa é recomendada para casos nos quais os
sintomas são intermitentes e com uso conforme a
necessidade em vez de diariamente. Deve-se atentar ao
risco do fenômeno de augmentation, que consiste na piora
do sintoma que ocorre mais cedo e com maior área
acometida, em pacientes que estavam controlados
inicialmente por meio de tratamento medicamentoso com
ação de agonista dopaminérgico. Isso costuma ocorrer com
maior frequência em indivíduos em uso de levodopa em
comparação àqueles em uso de pramipexol e ropinirol.
Derivados do ergot não são considerados primeira escolha
pelo risco de efeitos adversos graves, como doença
fibrótica (retroperitoneal, valvar cardíaca, pulmonar,
pleural e pericárdica).

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Neuroimagem nas demências 47

Gustavo Novelino Simão


Felipe Arriva Pitella

INTRODUÇÃO
O significativo aumento na expectativa de vida da
população foi acompanhado de maior incidência de
doenças crônicas e de processos degenerativos, incluindo o
acometimento do sistema nervoso central, tornando a
demência um problema cada vez mais prevalente em uma
população com maior porcentagem de idosos.
O termo demência se refere a uma síndrome clínica em
vez de uma doença específica, e se caracteriza por uma
condição adquirida que causa declínio cognitivo suficiente
para comprometer as atividades da vida diária de uma
pessoa. Várias doenças podem levar a perdas cognitivas e
acarretar demência, incluindo trauma, infecções, doenças
inflamatórias, entre outras. Aqui, serão ressaltadas as
doenças neurodegenerativas e vasculares, que
classicamente têm aumento significativo de sua incidência
com o envelhecimento.
As doenças neurodegenerativas se caracterizam pela
disfunção e perda neuronal progressiva. O acometimento
dos sistemas funcionais difere entre as doenças
neurodegenerativas e está associado a largo espectro de
manifestações clínicas. Enquanto a compreensão clássica
de doenças neurodegenerativas enfatiza predileções
regionais ou lobares, como o envolvimento dos lobos
temporal e parietal em doença de Alzheimer (DA) ou dos
lobos frontotemporais em demência frontotemporal (DFT),
estudos têm demonstrado que doenças neurodegenerativas
resultando em demências atingem em larga escala redes
neurais. Contudo, o conceito de localização regional de
doenças neurodegenerativas continua sendo uma
ferramenta útil ao interpretar imagens de pacientes com
um quadro neurodegenerativo.
Nesse contexto, médicos nucleares e radiologistas se
tornaram membros essenciais da equipe multidisciplinar
responsável pelo cuidado dessa população com doenças
neurodegenerativas.
O intuito deste capítulo é discutir o papel das diferentes
técnicas de neuroimagem, incluindo a tomografia
computadorizada (TC), a ressonância magnética (RM), a
tomografia com emissão de pósitrons (PET) e a tomografia
computadorizada com emissão de fóton único (SPECT) no
auxílio ao diagnóstico das etiologias neurodegenerativas
mais frequentes que levam à demência.

MÉTODOS ESTRUTURAIS DE NEUROIMAGEM


Tradicionalmente, os estudos seccionais em
neuroimagem tinham como principal objetivo excluir
causas que poderiam simular síndromes demenciais ou que
poderiam ter uma conduta cirúrgica (p. ex., hematomas
subdurais). Atualmente, o uso da neuroimagem se
expandiu, sendo utilizada não apenas para exclusão de
doenças, mas também para identificar alterações
específicas que possam auxiliar o clínico no diagnóstico da
causa da síndrome demencial e no grau de
neurodegeneração.
Apesar de a RM ser a modalidade de escolha para a
avaliação de demência, a TC, com o advento dos aparelhos
multi-slice, com sua capacidade de reconstruções em
diferentes planos com alta resolução, possibilita a avaliação
de atrofia, incluindo a região temporal mesial. A RM, com
sua alta resolução de contraste, é superior na avaliação dos
tecidos e na redução volumétrica. Apesar de ser o exame
de preferência, deve-se considerar a limitação de
realização em pacientes em uso de marca-passo, pouco
colaborativos, o tempo mais prolongado de exame e seu
custo mais alto. Um protocolo básico em RM para a
avaliação de demência deve incluir (Figura 1):

Sequência volumétrica T1 isotrópica, com boa


diferenciação entre as substâncias branca e cinzenta,
que possibilite boas reconstruções em diferentes planos,
sendo adequada para avaliação da morfologia encefálica
e de atrofia.
Sequências T2 e FLAIR, que são mais adequadas para
demonstrar áreas de hipersinal principalmente
relacionadas a microangiopatia e para avaliação de
lacunas.
Sequência T2* ou SWI (imagem de suscetibilidade
magnética), que são mais sensíveis para demonstrar
(micro)hemorragias e calcificações.
Sequência de difusão, muito sensível para demonstrar
áreas de infarto recente e muito importante na avaliação
de pacientes com suspeita de doença priônica.
O uso do meio de contraste intravenoso estará indicado
principalmente na suspeita de processos inflamatórios e
neoplásicos.

Quando a imagem estrutural é ambígua e não leva a um


diagnóstico, a imagem funcional pode adicionar
importantes informações.

NEUROIMAGEM FUNCIONAL: A MEDICINA NUCLEAR


Dentre as técnicas da medicina nuclear, a tomografia
por emissão de fóton único (SPECT, do inglês Single photon
emission computed tomography) e a tomografia por
emissão de pósitrons (PET, do inglês positron emission
tomography) são modalidades que utilizam radiofármacos
para a avaliação de diferentes fenômenos funcionais
(classicamente perfusão cerebral para SPECT ou
metabolismo para PET), embora hoje exista uma infinidade
de traçadores que permitem o estudo de muitos eventos
moleculares no cérebro.

FIGURA 1 Protocolo básico em ressonância magnética para avaliação de


demência.
DCJ: doença de Creutzfeldt-Jacob; MPR: multiplanar reconstruction; SC/SB:
substância cinzenta e substância branca.
A evolução das técnicas nucleares em direção à imagem
molecular permitiu a detecção in vivo de fenômenos
característicos de doenças neurodegenerativas, como
distúrbios da função dopaminérgica, depósitos beta-
amiloides ou de agregados de proteína tau por meio de
traçadores específicos.
Embora o foco da neuroimagem nuclear tenha mudado
para PET-CT (do inglês, Positron emission
tomography/computed tomography), e mais recentemente
PET-RM (do inglês, positron emission tomography/magnetic
resonance), o custo mais baixo e a maior disponibilidade do
SPECT o tornam alternativa ainda válida para o estudo de
pacientes com demência.

SPECT cerebral

Dentre as aplicações, o SPECT de perfusão cerebral


merece destaque. Os principais radiofármacos aplicados no
método são o ECD (etilenodicisteinato de dietila) e o
HMPAO (hexametilpropilenoaminooxima), marcados com o
radioisótopo tecnécio-99m (99mTc). Ambos são compostos
neutros e lipofílicos, capazes de atravessar a barreira
hematoencefálica e, a seguir, as membranas celulares,
sofrendo modificação intracelular e por consequência
retenção cerebral. A distribuição desses traçadores é
dependente da perfusão cerebral.

PET cerebral com [18F]-FDG

O metabolismo cerebral da glicose está intimamente


ligado à função neuronal e sináptica, sendo responsável por
aproximadamente 95% de trifosfato de adenosina (ATP)
necessário para exercer a função cerebral. A avaliação do
consumo regional de glicose cerebral pode ser feita com o
2-[18F]-fluoro-2-desoxi-D-glicose ([18F]-FDG), um análogo
de glicose que difere desta devido à substituição de um
grupo hidroxila na segunda posição do carbono pelo
radionuclídeo flúor-18. Posteriormente ao transporte
facilitado para os neurônios, o [18F]-FDG concentra-se
intracelularmente e fica retido após a fosforilação pela
enzima hexoquinase. Trata-se do radiofármaco mais
amplamente utilizado em PET-CT, tanto para aplicações
oncológicas quanto no campo da neurologia.
Embora as demências tenham características
histopatológicas subjacentes específicas, em geral se
manifestam com perda neuronal, alteração gliótica e
diminuição da conexão sináptica. O dano tecidual cerebral
é detectado como áreas de hipometabolismo, com
assinaturas metabólicas distintas. Por vezes há
sobreposição significativa de fenótipos clínicos e ocorrência
concomitante de doenças distintas, contudo cada tipo de
patologia geralmente começa em uma região característica
do cérebro e evolui em um padrão previsível, resultando
assim em síndromes clínicas reconhecíveis. O
reconhecimento da distribuição da captação cortical de
18
[ F]-FDG pode levar à confirmação de diagnósticos
clinicamente suspeitos, bem como conduzir a diagnósticos
que se apresentam de forma atípica.

O ENVELHECIMENTO NORMAL E A NEUROIMAGEM


ESTRUTURAL
Com as tendências demográficas atuais, o aumento da
perspectiva de vida da população vem acompanhado da
necessidade de compreender melhor as alterações
fisiopatológicas decorrentes do envelhecimento, incluindo a
compreensão desse processo no encéfalo, para melhor
atender às necessidades desse grupo. O envelhecimento é
um processo complexo que compreende a interação de
diferentes fatores intrínsecos, celulares e locais, assim
como de fatores ambientais.
O envelhecimento cerebral pode ocorrer de maneira
normal ou alterada. Quando alterado, muitas vezes está
ligado às doenças neurodegenerativas, com manifestações
clínicas significativas. Quando normal, habitualmente não
há manifestações clínicas significativas, e pode ser
subdividido em envelhecimento encefálico bem-sucedido,
com mínimas alterações morfológicas em comparação a
indivíduos jovens, e envelhecimento encefálico típico ou
usual, no qual alterações estruturais esperadas no processo
de envelhecimento estão presentes.
Apesar de não serem exigidos formalmente como
critério de demência, os exames de neuroimagem
desempenham um papel cada vez mais importante nessa
avaliação e estão indicados mesmo em indivíduos mais
idosos. A avaliação em neuroimagem é baseada na
comparação com os achados observados no paciente com
demência, com os padrões esperados para a faixa etária,
sendo, portanto, importante compreender os achados
habituais no envelhecimento encefálico usual. Essa
distinção, porém, pode ser difícil, com sobreposição de
muitos aspectos em neuroimagem. De maneira geral, o
estudo por RM é recomendado em relação à TC,
principalmente por sua maior sensibilidade para lesões
vasculares, assim como para alguns raros tipos de
demência.
Achados de imagem no envelhecimento encefálico usual:

Leve a moderada redução volumétrica encefálica,


caracterizada pelo alargamento dos ventrículos
cerebrais, assim como sulcos corticais e fissuras
cerebrais, acometendo igualmente as regiões frontais e
parietais (Figura 2).
Discreta redução volumétrica temporal mesial, com leve
alargamento do sulco hipocampal, habitualmente mais
bem avaliada por RM, mas reconstruções coronais por
TC também podem auxiliar nessa avaliação.
Alargamento dos espaços perivasculares, caracterizados
por pequenas imagens ovoides ou alongadas, com
mesma intensidade de sinal do líquido cerebrospinal
(LCS), mais evidentes junto às regiões laterais da
comissura anterior (região da substância perfurada
anterior), substância branca subcortical frontoparietal,
centros semiovais, núcleos da base e mesencéfalo.
FIGURA 2 Tomografia computadorizada no envelhecimento encefálico. A e B:
axial e coronal em TC demonstrando o alargamento de sulcos corticais e
fissuras, assim como o leve alargamento do sistema ventricular em idosa com
cognição preservada (84 anos). No corte coronal, observa-se o aspecto
preservado da região temporal mesial (seta).
TC: tomografia computadorizada.

Focos de hipersinal na substância branca cerebral, nas


sequências ponderadas em T2, são habitualmente
divididos em acometimento profundo/subcortical e
periventricular, ambos podendo ter correlação com
microangiopatia. O acometimento periventricular apenas
na margem em banda ou junto aos cornos ventriculares é
atribuído a descontinuidade do epêndima e a aumento do
fluido extracelular e usualmente representa um
fenômeno do envelhecimento.
Microssangramentos, detectados em RM, por sequências
de suscetibilidade magnética, T2* ou SWI (suscetibility
weighted image), mais frequentemente visualizados nos
tálamos, núcleos da base e fossa posterior.
Alterações vasculares como tortuosidade e
espessamento/calcificações parietais.
A deposição de ferro em determinadas regiões
encefálicas, como núcleos da base, núcleo subtalâmico,
substância negra e núcleos denteados, ocorre com o
passar dos anos e se manifesta como hipossinal nas
sequências de suscetibilidade magnética.

ACHADOS EM NEUROIMAGEM NAS DIFERENTES


CAUSAS DE DEMÊNCIA

Doença de Alzheimer

Principal causa de síndrome demencial nos países


ocidentais (no mundo), a DA foi descrita inicialmente em
1906, por Alois Alzheimer. Essa doença neurodegenerativa
é caracterizada por achados microscópicos clássicos que
incluem a placa neurítica extracelular, que consiste na
deposição de material amiloide e por emaranhados
neurofibrilares intracelulares, consistindo na proteína tau
hiperfosforilada. Juntos são os principais marcadores da
DA. Placas amiloides podem também ser observadas em
pacientes com ou sem demência, porém as placas
neuríticas, apenas em pacientes com demência.
As causas da doença não são bem conhecidas, porém
uma série de fatores de risco já está determinada, sendo a
idade o mais importante. Outros fatores de risco incluem o
sexo feminino e riscos vasculares. Alterações genéticas já
estão estabelecidas como causa de DA, com uma forma
familiar autossômica dominante, de início precoce,
associada a mutação na proteína precursora de amiloide
nos genes PSEN1 e PSEN2, que corresponde a menos de
1% dos casos. A associação genética também pode ser
observada na DA esporádica, associada ao alelo da
apolipoproteína E4, que aumenta o risco da doença, apesar
de não ser necessário ou suficiente para desenvolvê-la.
O início da doença ocorre entre os 40 e os 90 anos, é
insidioso e as manifestações clínicas evoluem no decorrer
dos anos. Mais de 85% dos casos de DA se caracterizam
por desordem amnéstica progressiva. Apresentações
clínicas atípicas de DA com síndromes corticais focais não
amnésticas, como afasia logopênica, atrofia biparietal,
atrofia cortical posterior (ACP) e variante frontal da DA,
também são observadas.
O diagnóstico de DA tipicamente é realizado por um
grupo multidisciplinar com base na história clínica,
incluindo sintomas clínicos, uma série de avaliações
neuropsiquiátricas, físicas e funcionais e, se disponível,
exames de imagem, incluindo TC, RM e PET, além de testes
sanguíneos e biomarcadores no LCS.
Em 2018, a National Institute on Aging and Alzheimer’s
Association (NIA/AA) formalizou uma nova definição
biológica de DA, com a integração de biomarcadores e a
declaração de que o termo se refere uma série de achados
neuropatológicos e portanto sua definição in vivo é por
biomarcadores, independentemente do estado clínico do
paciente.
As alterações cognitivas são atualmente consideradas
um estágio da doença, incluindo um estágio pré-clínico,
assintomático, um estágio prodrômico, com déficit
cognitivo sem impacto nas atividades da vida diária, e a
demência, com alterações cognitivas que impactam nas
atividades diárias do indivíduo.
Nessa nova definição de DA, os biomarcadores têm um
papel fundamental na definição diagnóstica, na qual a
presença de biomarcadores para amiloide e tau (PET e
marcadores LCS) define o diagnóstico de DA, e marcadores
de neurodegeneração (RM, PET-FDG) e alterações
cognitivas não são específicos para DA, mas indicam o
estágio de gravidade da doença.
Mais recentemente, o International Working Group
recomendou que o diagnóstico de DA esteja restrito à
ocorrência da positividade dos biomarcadores em
associação com os fenótipos específicos da doença, e que a
positividade de biomarcadores em indivíduos não
comprometidos cognitivamente deve ser considerada
apenas como indivíduos em risco para progressão de DA, já
que alguns podem nunca desenvolver as manifestações
clínicas ao longo da vida.
Quando biomarcadores não estão disponíveis, os
critérios de NIA/AA 2018 introduzem o conceito da
síndrome clínica de Alzheimer, que se aplica a indivíduos
com alterações cognitivas leves e demência e se refere a
definições de DA provável e possível de acordo com os
critérios prévios de NINCDS-ADRDA (1984 – National
Institute of Neurological and Communicative Disorders and
Stroke e Alzheimer’s Disease and Related Disorders
Association) e NIA/AA (2011).

Neuroimagem estrutural
Como uma entidade neurodegenerativa, a DA está
inevitavelmente associada a atrofia cerebral, e sua
distribuição observada nos estudos de neuroimagem
estrutural reflete a fisiopatologia da doença, que mais
frequentemente acomete as regiões temporal mesial
(Figuras 3 e 4) e parietal e mais raramente em maior grau
a região frontal.
O estudo de neuroimagem reflete as alterações
neuropatológicas do acometimento do córtex entorrinal e
do hipocampo e em seguida de regiões corticais
associativas, como o cíngulo e a região parietal, geralmente
de maneira bilateral e simétrica (Figura 5). Em
consequência da atrofia, pode ser observado aumento da
distância fimbriossubicular, alargamento do sulco
hipocampal, assim como do corno temporal do ventrículo
lateral e da fissura coroide. Importante ressaltar que o
acometimento hipocampal ocorre no decorrer da doença,
assim como sua progressão, portanto a ausência de atrofia
temporal mesial não exclui o diagnóstico de DA.

FIGURA 3 Tomografia computadorizada na doença de Alzheimer. A e B:


imagens axiais em TC demonstrando a atrofia das regiões temporais mesiais
(seta), sem alargamento significativo das demais regiões cerebrais.
TC: tomografia computadorizada.
FIGURA 4 Ressonância magnética em idosa com cognição preservada e
paciente com doença de Alzheimer. A: imagem coronal T1 em idosa com
cognição normal, com a preservação das regiões temporais mesiais. B: imagem
coronal T1 demonstrando a atrofia das regiões temporais mesiais (seta).

FIGURA 5 Ressonância magnética na doença de Alzheimer. A, B e C: imagens


coronal, axial e sagital em T1 demonstrando a atrofia das regiões temporais
mesiais (seta) e o alargamento dos sulcos parietais em relação aos demais lobos
cerebrais (ponta de seta).

Para avaliar o grau de acometimento da região temporal


mesial, pode-se utilizar a Escala de Sheltens para avaliação
do hipocampo (Figura 6) e a Escala ERICA para avaliação
do córtex entorrinal (Quadro 1). Existem métodos
quantitativos com análise de volume das regiões temporais
mesiais.
Pacientes com DA de início mais precoce (abaixo de 65
anos) podem apresentar história familiar e alterações
genéticas, principalmente relacionadas ao metabolismo da
proteína amiloide (presença do alelo APOE4). O achado
mais característico é a atrofia mais proeminente em
regiões posteriores, principalmente parietal do pré-cúneo e
do cíngulo posterior (Figura 7), com preservação da região
temporal mesial.
Na prática clínica diária, devido aos diferentes padrões
da atrofia que podem ocorrer, a avaliação cerebral global e
não apenas de uma região específica, como a região
temporal mesial, deve ser considerada, além de sua
progressão.

Neuroimagem funcional
Os achados típicos incluem diminuição da captação de
18
[ F]-FDG no córtex de associação parietal, temporal, no
cíngulo posterior e pré-cúneo, e ainda na região de
associação frontal em indivíduos em estágio mais avançado
da doença, ou como variante frontal da DA, com
preservação relativa de captação no córtex sensório-motor
primário, no córtex visual, gânglios da base, tálamos,
tronco encefálico e cerebelo (Figura 8). A diminuição da
captação de [18F]-FDG no cíngulo posterior é considerada
um sinal precoce de DA.
FIGURA 6 Escala MTA para avaliação de atrofia temporal mesial.
MTA 0: sem atrofia.
MTA 1: alargamento da fissura coroide.
MTA 2: também há alargamento do corno temporal do ventrículo lateral.
MTA 3: perda moderada do volume do hipocampo (perda em altura).
MTA 4: perda acentuada do volume do hipocampo.
Abaixo de 75 anos: escore 2 ou mais é anormal.
Acima de 75 anos: escore 3 ou mais é anormal.

QUADRO 1 Escala de ERICA para avaliação do grau de atrofia do córtex


entorrinal. Um escore de 2 ou 3 tem alta acurácia para distinguir indivíduos
com declínio cognitivo leve de indivíduos com Alzheimer (acurácia 91%,
sensibilidade 83% e especificidade 98%).

Escala de ERICA

ERICA 0 Volume normal do córtex entorrinal e do giro para-hipocampal.


QUADRO 1 Escala de ERICA para avaliação do grau de atrofia do córtex
entorrinal. Um escore de 2 ou 3 tem alta acurácia para distinguir indivíduos
com declínio cognitivo leve de indivíduos com Alzheimer (acurácia 91%,
sensibilidade 83% e especificidade 98%).

ERICA 1 Leve atrofia do córtex entorrinal e do giro para-hipocampal.


Alargamento do sulco colateral.

ERICA 2 Moderada atrofia do córtex entorrinal e do giro para-


hipocampal.
Fenda entre o córtex entorrinal e o tentório cerebelar
adjacente.

ERICA 3 Acentuada atrofia do córtex entorrinal e do giro para-


hipocampal.
Alargamento da fenda entre o córtex entorrinal e o tentório
cerebelar adjacente.

Ambos os hemisférios são frequentemente envolvidos,


mas o envolvimento assimétrico não é incomum, portanto,
o diagnóstico de DA não deve ser baseado na
“bilateralidade” dos achados. Pacientes com início precoce
(idade de início da demência inferior a 65 anos) tendem a
mostrar uma diminuição mais acentuada da captação em
comparação com pacientes de início tardio.
FIGURA 7 Ressonância magnética na doença de Alzheimer de início precoce. A
e B: imagens sagital e axial em T1 demonstrando a atrofia predominando nas
regiões parietais, com alargamento de sulcos e redução de giros (setas).
FIGURA 8 PET-FDG em paciente com doença de Alzheimer, mostrando
hipometabolismo glicolítico temporoparietal e frontal bilateral. Atividade
metabólica preservada no lobo occipital, área motora primária, tálamos, núcleos
da base e cerebelo.

O hipometabolismo do lobo occipital pode ser observado


em casos raros, notadamente na ACP, variante da DA.
Hipometabolismo lateral do lobo occipital na ACP é um
achado comum, com envolvimento assimétrico. Esses
pacientes podem apresentar déficits progressivos e
relativamente seletivos em habilidades de associação
visual.

Demência com corpos de Lewy

É a segunda causa mais comum de demência


neurodegenerativa, definida histopatologicamente por
inclusões neuronais esféricas, caracterizadas por
agregados de alfassinucleína e ubiquitina, denominados
corpos de Lewy. Faz parte do grupo das
alfassinucleinopatias, caracterizadas pela presença de
corpos de Lewy em regiões corticais e subcorticais (sistema
límbico, neocortical, tronco cerebral) cerebrais.
Clinicamente, a doença com corpos de Lewy (DCL) é
caracterizada por um início insidioso com declínio cognitivo
progressivo e flutuante, acompanhado de sintomas visuais,
frequentemente alucinações, e parkinsonismo. O
parkinsonismo, geralmente menos grave que na doença de
Parkinson (DP), com predomínio de instabilidade postural e
alteração da marcha. Flutuações no nível de consciência
são observados em até 80% dos casos com DCL. Outra
característica é uma sensibilidade aos neurolépticos, que
podem determinar piora nos sintomas. As manifestações
podem ser semelhantes às da demência relacionada à DP,
que é diferenciada da DCL pela ordem do início dos
sintomas: o parkinsonismo sem declínio cognitivo aparece
inicialmente e depois ocorre a demência.

Neuroimagem estrutural
A avaliação por métodos estruturais de neuroimagem
habitualmente não é específica, sendo o achado mais
frequente a atrofia encefálica global, com alargamento dos
ventrículos cerebrais, sulcos corticais e fissuras (Figura 9).
Em comparação com a DA, há relativa preservação das
estruturas temporais mesiais, que podem apresentar
atrofia, porém esta ocorre de forma proporcional às demais
regiões do parênquima encefálico. Adicionalmente, a perda
do hipersinal da região do nigrossomo 1 na sequência de
suscetibilidade magnética de alta resolução é descrita
como útil no diagnóstico de doenças parkinsonianas
neurodegenerativas, dando suporte ao diagnóstico de DCL.

FIGURA 9 Ressonância magnética na demência de corpos de Lewy. A: coronal


T1. B: axial T2, demonstrando a redução volumétrica global, sem predomínio
lobar, com preservação relativa da região temporal mesial e com
microangiopatia caracterizada pelas áreas de hipersinal T2 na substância branca
cerebral.

Neuroimagem funcional
No padrão clássico de PET-FDG é relatada diminuição da
captação de [18F]-FDG no lobo occipital em DCL, em
particular no córtex visual primário. Alteração semelhante
é vista em DP com demência. A diminuição da captação de
18
[ F]-FDG no córtex occipital é considerada um
biomarcador de “suporte” para DCL. Tal como referido
previamente, hipometabolismo no córtex de associação
visual também pode ser observado na DA. Desse modo, a
atividade no córtex visual primário pode diferenciar com
mais precisão DCL de DA. O sinal da “ilha do cíngulo”, em
que a captação de [18F]-FDG está preservada no cíngulo
posterior na DCL, foi relatado e pode ajudar na
interpretação de imagens (Figura 10). No entanto, esse
sinal não foi validado por resultados de autópsia.
Se houver suspeita clínica de DCL, outras ferramentas,
como DAT-SPECT ou cintilografia miocárdica com [I-123]-
metaiodobenzilguanidina (MIBG), devem ser consideradas,
sobretudo para diferenciar de DA.

Degeneração lobar frontotemporal

O termo degeneração lobar frontotemporal (DLFT)


engloba um grupo heterogêneo de doenças
neurodegenerativas progressivas, que incluem alterações
comportamentais, cognitivas e de linguagem associada a
degeneração dos lobos frontais e região anterior dos lobos
temporais. Esse grupo de síndromes clínicas pode
apresentar diferentes achados histopatológicos com
possíveis etiologias esporádicas e genéticas. A classificação
pode ser baseada na apresentação clínica, nos achados
histopatológicos ou nas alterações genéticas e moleculares.
FIGURA 10 PET-FDG em paciente com demência por corpos de Lewy,
mostrando hipometabolismo glicolítico temporoparietal e occipital bilateral,
particularmente na área visual primária, com preservação do cíngulo posterior
(sinal da “ilha do cíngulo”).

Em relação à apresentação clínica, podem ser


observadas três principais síndromes: a variante
comportamental da demência frontotemporal (vcDFT), a
afasia progressiva não fluente (APNF) e a demência
semântica (DS), que irão refletir topograficamente a perda
neuronal e a localização da atrofia. Do ponto de vista
histopatológico, mediante alterações morfológicas e imuno-
histoquímicas, são frequentemente utilizados os achados
quanto à positividade para tau TDP-43 e FUS. Em relação à
parte genética, os genes e o tipo de defeito genético
relacionados ao MAPT, GRN, VCP, CHMP2B, TARDP e
FUS.

SÍNDROMES CLÍNICAS E ACHADOS EM NEUROIMAGEM


A abordagem por síndromes clínicas será aqui utilizada
devido à correlação de achados estruturais em
neuroimagem com regiões anatômicas acometidas,
acarretando atrofia.

Variante comportamental da demência frontotemporal


(vcDFT)

A variante comportamental de DFT (ou doença de Pick),


associada à proteína tau, é a forma mais comum de DFT.
Anteriormente chamada de doença de Pick, o termo agora
é usado para descrever neurodegeneração, que exibe
corpos de Pick associados com agregados de tau (3R tau).
Tem seu início tipicamente antes dos 65 anos, com
significativo comprometimento na personalidade e no
comportamento e relativa preservação da memória, gnosia
e praxia. As alterações comportamentais podem incluir
desinibição, apatia, perda de simpatia, comportamento
perseverante ou estereotipado, alterações dietéticas,
associados a disfunção executiva, com relativa preservação
da memória e das funções visuoespaciais.

Neuroimagem estrutural
Os exames de imagem podem dar importante suporte ao
diagnóstico, demonstrando a atrofia simétrica ou
assimétrica dos lobos frontais e temporais, com um
gradiente anteroposterior (Figura 11) e com acometimento
inicial habitualmente relacionado ao córtex orbitofrontal.
As imagens estruturais também podem demonstrar atrofia
na região anterior do lobo temporal, com redução da
amígdala e da cabeça do hipocampo. Na evolução da
doença, a atrofia pode se estender até a região dorsolateral
do córtex frontal, e os giros apresentam redução
progressiva em sua espessura. Estágios avançados
assumem um aspecto de “lâmina de faca”. O acometimento
subcortical e profundo, com áreas de gliose e
desmielinização, principalmente nos casos mais avançados,
podem ser observadas como áreas de hipersinal T2/FLAIR.
Em períodos iniciais da doença, o aspecto em imagem
estrutural pode estar normal.

Neuroimagem funcional
No PET-FDG pode ser observado hipometabolismo
temporal anterior e frontal, e ainda hipometabolismo no
núcleo caudado. O envolvimento do lobo temporal anterior
difere do padrão em DA, em que o lobo temporal médio-
posterior é normalmente envolvido. O envolvimento
assimétrico dos hemisférios é comum (Quadro 2).

AFASIA PRIMÁRIA PROGRESSIVA


A afasia primária progressiva (APP) pode ser
categorizada em três subtipos, que apresentam
características clínicas e patológicas distintas. A variante
semântica da afasia progressiva primária (svAPP) é
frequentemente associada com TDP-43; a variante não
fluente (agramática) da APP é frequentemente associada à
tau; por sua vez, a variante logopênica da APP é
frequentemente associada à DA. Estudo de PET-FDG pode
auxiliar nessa diferenciação (Quadro 3).

FIGURA 11 Ressonância magnética na variante comportamental da


degeneração lobar frontotemporal. A: axial FLAIR. B: axial T2. C: sagital T1,
demonstrando a redução volumétrica de predomínio frontal (setas), bilateral,
com gradiente anteroposterior, áreas de hipersinal T2/FLAIR na substância
branca frontal e significativa redução da espessura dos giros frontais.

QUADRO 2 Padrões de imagem do PET-FDG cerebral, com caracterização dos


achados mais comuns do metabolismo glicolítico em subestruturas em
demências

DA DFT DCL ACP

Cíngulo Normal Reduzido Normal Normal


anterior (típico) ou
reduzido

Lobo Normal Reduzido Normal Normal


temporal (típico) ou
anterior reduzido

Gânglios da Normal Normal Normal Normal


base (típico) ou (típico) ou
reduzido caudado pode
estar reduzido
QUADRO 2 Padrões de imagem do PET-FDG cerebral, com caracterização dos
achados mais comuns do metabolismo glicolítico em subestruturas em
demências

Lobo frontal Normal Reduzido Normal Normal


inicialmente, inicialmente,
reduzido em reduzido em
doença doença
avançada avançada

Lobos Reduzido Normal Reduzido Reduzido


temporal inicialmente, (tipicamente
posterior e reduzido em assimétrico)
parietal doença
avançada

Pré-cúneo Reduzido Normal Reduzido Reduzido


inicialmente, (tipicamente
reduzido em assimétrico)
doença
avançada

Cíngulo Reduzido Normal Normal ou Reduzido


posterior inicialmente, reduzido
reduzido em (sinal da ilha
doença do cíngulo
avançada posterior)

Córtex Normal Normal Normal Normal


sensório- (típico) ou
motor reduzido
primário

Lobo Normal Normal Reduzido no Reduzido no


occipital córtex visual córtex de
primário associação
(occipital visual
medial) (occipital
lateral)

ACP: atrofia cortical posterior; DA: doença de Alzheimer; DCL: demência por
corpos de Lewy; DFT: demência frontotemporal.

Variante não fluente (agramática): caracterizada por


dificuldade crescente em falar, apraxia da fala,
agramatismo, compreensão prejudicada de frases
complexas, dificuldade de deglutição e sintomas motores
semelhantes aos observados em outros tipos de DFT. Em
estudos de neuroimagem estrutural destaca-se o
acometimento no hemisfério dominante, classicamente
em regiões ao redor da fissura de Sylvius (Figura 12),
que se apresenta alargada, com atrofia da região
opercular frontal e do córtex insular. Acometimento
frontal superior temporal superior e parietal inferior
também pode ser observado. O déficit de metabolismo no
PET-FDG é visto predominantemente na região lateral
esquerda do córtex frontal posterior, córtex frontal
medial superior e ínsula.
Variante semântica ou demência semântica: este
distúrbio neurodegenerativo progressivo consiste no
prejuízo da habilidade de nomeação e compreensão de
palavras, com preservação na produção da fala. Há
relativa preservação da cognição não verbal e da
memória. Inicialmente há a anomia, mas tende a ocorrer
progressão para afasia do tipo não fluente e possíveis
sintomas comportamentais. A imagem estrutural
geralmente demonstra o acometimento temporal
assimétrico, com maior comprometimento à esquerda,
gradiente anteroposterior e giros em “lâmina de faca” no
decorrer da doença (Figura 13). O comprometimento da
amígdala e do hipocampo também pode ocorrer. Déficit
de atividade glicolítica em grau discreto pode ser visto
no lobo frontal inferior.

QUADRO 3 Padrões de imagem do PET-FDG cerebral, com caracterização dos


achados mais comuns do metabolismo glicolítico em subestruturas em afasias
primárias progressivas
QUADRO 3 Padrões de imagem do PET-FDG cerebral, com caracterização dos
achados mais comuns do metabolismo glicolítico em subestruturas em afasias
primárias progressivas

Semântica Hipometabolismo nos giros superior, médio e inferior do lobo


temporal anterior esquerdo e no úncus

Agramática Hipometabolismo no lobo frontal médio e inferior esquerdo e


nos giro pré-frontal

Logopênica Hipometabolismo nos giros superior, inferior e médio esquerdo


da região temporoparietal

ACP: atrofia cortical posterior; DA: doença de Alzheimer; DCL: demência por
corpos de Lewy; DFT: demência frontotemporal.
FIGURA 12 Ressonância magnética na afasia primária progressiva, variante
não fluente. A e B: coronal e sagital T1, exame inicial de 2014, sem alterações.
C e D: coronal e sagital T1. Exame de 2019 demonstrando a atrofia ao redor da
fissura de Sylvius (setas) no hemisfério cerebral esquerdo (dominante).

Variante logopênica: caracterizada por dificuldade na


nomeação e repetição de frases e incapacidade de reter
informação verbal complexa, de início tipicamente por
volta dos 50 anos, sendo considerada uma forma de DA.

A neuroimagem estrutural com RM demonstra redução


volumétrica no córtex temporal posterior e no lobo parietal
inferior, com o hemisfério esquerdo mais gravemente
afetado do que o direito, no qual há captação diminuída em
18F-FDG PET. Os achados são semelhantes aos vistos em
DA, no entanto o córtex parietotemporal direito pode estar
poupado, ao contrário do padrão típico de DA.

Degeneração corticobasal

Doença neurodegenerativa rara, caracterizada como


uma taupatia, com diferentes fenótipos clínicos, com início
em torno dos 64 anos, leve predominância feminina e
sobrevida média de 6,5 anos. A principal forma de
apresentação é com a síndrome corticobasal (SCB), que
também pode ser observada em outras doenças
neurodegenerativas. A SCB é caracterizada por sinais
corticais e extrapiramidais. Apraxia, déficits sensoriais
corticais e o fenômeno da mão alienígena são os principais
sinais corticais, enquanto parkinsonismo assimétrico,
distonia e mioclonus compõem os sinais extrapiramidais.
A degeneração corticobasal (DCB) pode apresentar-se
com outros fenótipos clínicos, como síndrome
comportamental frontal e espacial, síndrome de afasia
progressiva primária agramática não fluente e síndrome de
paralisia supranuclear progressiva símile. Patologicamente,
há comprometimento neuronal e glial, e placas astrocíticas
relacionadas a lesões tau são consideradas patognomônicas
de DCB. Inicialmente, há o comprometimento do córtex
pré-frontal dorsolateral e núcleos da base, e regiões
posteriores são afetadas com a evolução da doença.

Neuroimagem estrutural
Os exames de neuroimagem estrutural têm como
principal achado a atrofia cortical assimétrica, mais
evidente na região rolândica (Figura 14). A atrofia cortical
torna-se mais acentuada com a progressão da doença.
Regiões com hipersinal T2/FLAIR na substância subjacente
às regiões atróficas também são descritas, assim como
atrofia e alteração de sinal dos núcleos da base.

FIGURA 13 Ressonância magnética na afasia primária progressiva, variante


semântica. A, B e C: coronal, axial e sagital T1, demonstrando a atrofia temporal
assimétrica com maior comprometimento à esquerda (seta) e com significativa
redução de giros, que apresentam aspecto em “lâmina de faca”.
FIGURA 14 Ressonância magnética na degeneração corticobasal. Axial T1,
demonstrando a atrofia assimétrica com maior comprometimento rolândica
esquerda à esquerda (seta).

Neuroimagem funcional
A DCB, assim como a paralisia supranuclear progressiva
(PSP) e a atrofia de múltiplos sistemas (AMS), compõe um
grupo de doenças parkinsonianas atípicas, em que o DAT-
SPECT geralmente mostra déficit de transportador
dopaminérgico. Isoladamente, o DAT-SPECT tem papel
limitado no diagnóstico diferencial entre PSP, DCB e AMS,
enquanto os padrões de alteração no PET-FDG auxiliam
nesse diagnóstico em síndromes parkinsonianas. Na DCB, o
PET-FDG mostra diminuição da atividade glicolítica nas
regiões frontoparietais (córtex sensório-motor)
assimetricamente, com envolvimento do corpo estriado ou
tálamo ipsilateral ao lado afetado.

Síndromes parkinsonianas

Doença de Parkinson
A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais
comum, sendo superada apenas pela DA, e teve um
aumento significativo de sua prevalência nas últimas três
décadas. A DP faz parte do grupo das sinucleinopatias, nas
quais há deposição da proteína alfassinucleína, agregando-
se de forma anômala ao tecido neuronal e formando os
corpos de Lewy, característica patológica desse grupo de
doenças.
Apesar desses marcadores patológicos, a fisiopatologia
da doença não está totalmente esclarecida, devido ao
acometimento de múltiplas vias no processo
neurodegenerativo. Ainda não existe um biomarcador que
possa definir o diagnóstico de DP. O diagnóstico é baseado
nos sintomas clínicos, com a presença de parkinsonismo,
uma designação sindrômica, com um conjunto de sintomas
motores. A bradicinesia é uma característica fundamental,
mas compreende outros achados, como o tremor de
repouso, um movimento involuntário e rítmico, e a rigidez,
com aumento do tônus muscular e da resistência na
movimentação passiva.
Os distúrbios motores causam incapacidade progressiva,
com prejuízo das atividades diárias e redução na qualidade
de vida. Há também alteração de postura, tipicamente
fletida, e na marcha, que é lenta, de base estreita e com
passos curtos. Apesar de ser considerada desordem
motora, uma série de sintomas não motores pode estar
presente, com hiposmia, constipação, disfunção urinária,
hipotensão ortostática, perda de memória e distúrbios do
sono. O diagnóstico clínico é suportado por reposta clara à
terapêutica dopaminérgica.
Neuroimagem estrutural
As neuroimagens estruturais habitualmente não
demonstram alterações significativas na DP. Apesar disso,
devem fazer parte do processo diagnóstico, pois auxiliam
na distinção de formas secundárias e atípicas de síndromes
parkinsonianas, já que alguns achados em neuroimagem
estrutural, apesar de apresentarem baixa sensibilidade,
podem ser específicos para algumas entidades.
Algumas técnicas mais recentes em neuroimagem, como
a sequência para avaliação de neuromelanina e a técnica
de suscetibilidade magnética, têm potencial para a
avaliação da doença nigral na DP. A avaliação da
neuromelanina tem demonstrado sensibilidade e
especificidade acima de 80% na diferenciação de DP e
indivíduos-controle. Já a técnica de suscetibilidade
magnética, com perda da área de hipersinal nigral dorsal,
referida como correspondente à região do nigrossomo-1 em
pacientes com DP, tem demonstrado alta sensibilidade e
especificidade para diferenciação de indivíduos controle,
sendo sugerida como um potencial biomarcador. Apesar de
potencial marcador precoce da DP, o achado não é indicado
para diferenciar a DP de outras síndromes parkinsonianas
degenerativas.
Neuroimagem funcional
Pelo consenso europeu, o PET-FDG é recomendado para
uso clínico na avaliação de DP com déficit cognitivo,
inclusive pelo valor prognóstico que o PET possui em
determinar futuros déficits cognitivos. Nesses casos, o PET-
FDG demonstra áreas de hipometabolismo, com uma
correlação entre estado mental e a extensão de
envolvimento cortical e subcortical na transição de DP para
demência de Parkinson, como no parietal lateral, occipital,
córtex de associação temporal, cíngulo anterior, pré-cúneo
e núcleo caudado. Nos pacientes com DP foi identificado
esse padrão cognitivo, que porém não se correlaciona com
o déficit motor.

Síndromes parkinsonianas atípicas


Grupo de doenças degenerativas que mimetizam
características da DP, com aspectos clínicos heterogêneos,
geralmente graves e rápida progressão. Algumas entidades
entram no diagnóstico diferencial das síndromes
parkinsonianas atípicas, incluindo a AMS, a PSP, a DCB e a
degeneração lobar frontotemporal (DLFT), por terem como
apresentação principal ou sinal acompanhante o
parkinsonismo. No passado, a PSP e a DCB eram
denominadas síndromes Parkinson-plus, sendo atualmente
consideradas desordens relacionadas à DFT por serem
taupatias, refletindo as diferenças patológicas em relação
às alfassinucleinopatias como a AMS e a DA.
Atrofia de múltiplos sistemas
Doença neurodegenerativa com início na idade adulta,
esporádica e progressiva, caracterizada por graus variáveis
de parkinsonismo, ataxia cerebelar, insuficiência
autonômica, disfunção urogenital e desordem corticospinal.
O diagnóstico definitivo de AMS requer estudo
neuropatológico demonstrando inclusões gliais
citoplasmáticas e aglomerações de alfassinucleínas
associada à neurodegeneração estriatonigral ou
olivopontocerebelar.
A doença frequentemente se inicia com disfunção
vesical ou erétil. A apresentação motora está geralmente
relacionada a parkinsonismo, com bradicinesia, rigidez,
instabilidade de marcha e menos frequentemente tremor,
mas ataxia cerebelar pode ser a manifestação motora de
significativa percentagem dos pacientes. Com base nessas
alterações clínicas, quando há predomínio dos sintomas
cerebelares, o termo AMS-C é utilizado. Quando os
sintomas parkinsonianos predominam, utiliza-se AMS-P,
sendo o curso da doença semelhante nas duas formas.
Em estágios avançados da doença, pode ocorrer déficit
cognitivo, especialmente com disfunção executiva, podendo
ocorrer demência. Nos critérios diagnósticos, AMS
provável é definida com a presença de falência autonômica
mais parkinsonismo ou ataxia cerebelar, e uma pobre
resposta terapêutica à levodopa.
Neuroimagem estrutural
O estudo em neuroimagem estrutural, sendo a RM o
método de escolha, pode ser normal no início da doença.
Na forma AMS-P, ressalta-se a atrofia putaminal, associada
a hipossinal na sequência T2 na margem lateral do
putâmen, resultante da deposição de substâncias
paramagnéticas, incluindo o ferro. Sequências como T2* e
SWI também podem demonstrar a deposição do material
paramagnético. A presença de uma imagem linear com
hipersinal T2 na margem posterolateral do putâmen,
denominada putaminal slit, em decorrência de
neurodegeneração e gliose, também pode ser observada
(Figura 15).
Já na forma AMS-C, em que predominam os sintomas
cerebelares, as alterações são mais evidentes na fossa
posterior, com atrofia cerebelar, eventualmente com
hipersinal T2/FLAIR na cortical. Há também atrofia da
ponte, dos pedúnculos cerebelares médios e superiores,
que podem apresentar hipersinal T2/FLAIR. Outro achado
bastante sugestivo é a presença do “sinal da cruz” em
imagens axiais da ponte na sequência T2, também
denominada hot-cross bun sign, que decorre da perda
seletiva de fibras pontocerebelares transversas e de
neurônios da rafe pontina mediana (Figura 16).

FIGURA 15 Ressonância magnética na AMS-P. A e B: axial T2 e FLAIR


demonstrando atrofia putaminal, associada a hipossinal na margem lateral do
putâmen (seta) e com linha de hipersinal na região lateral, putaminal slit (ponta
de seta).
AMS: atrofia de múltiplos sistemas.
FIGURA 16 Ressonância magnética na AMS-C. A e B: axiais T2 demonstrando a
atrofia da ponte e do cerebelo, com sinal da cruz (seta) e o hipersinal no
pedúnculo cerebelares médios (ponta de seta). C: sagital T1 demonstrando a
atrofia da ponte e do cerebelo.
AMS: atrofia de múltiplos sistemas.

Neuroimagem funcional
O estudo de PET-FDG demonstra hipometabolismo
bilateral no cerebelo, na ponte e no putâmen. A
lateralidade dos sintomas se correlaciona com a
apresentação clínica. No caso de hipometabolismo
cerebelar isolado, deve-se considerar outras etiologias,
como ataxia espinocerebelar ou síndrome paraneoplásica.

Paralisia supranuclear progressiva

Relaciona-se a uma desordem neurodegenerativa


progressiva, esporádica e com início na idade adulta a
partir dos 40 anos. A forma clássica da PSP, designada de
síndrome de Richardson, tem a combinação de início
precoce de instabilidade postural e quedas, associada a
disfunção motora do olhar vertical. Outras variantes
clínicas de PSP foram observadas, incluindo o predomínio
inicial de disfunção motora ocular (PSP-OM), instabilidade
postural (PSP-PI), com parkinsonismo (PSP-P),
apresentação cognitiva ou comportamental frontal (PSP-F),
congelamento da marcha (PSP-PGF), síndrome corticobasal
(PSP-DCB), ataxia cerebelar (PSP-C), esclerose lateral
amiotrófica (PSP-PLS) e desordens de linguagem (PSP-SL).
Devido à grande variedade de manifestações clínicas, o
diagnóstico precoce e confiável de PSP é um grande
desafio. Os critérios diagnósticos de PSP foram revisados
em 2020 pela Movement Disorder Society com pontos
mandatórios de inclusão e exclusão. Clinicamente, quatro
principais domínios funcionais com manifestações clínicas
características foram propostos: disfunção motora ocular,
instabilidade postural, acinesia e disfunção cognitiva. Em
cada domínio foram colocadas três características clínicas
principais estratificadas com níveis de confiabilidade. O
diagnóstico definitivo é neuropatológico, demonstrando a
deposição de tau em inclusões neuronais e gliais, com
perda neuronal, gliose e emaranhados neurofibrilares nos
núcleos da base, mesencéfalo e núcleos cerebelares.

Neuroimagem estrutural
A neuroimagem estrutural tem um importante papel na
exclusão de outras doenças, como leucoencefalopatias,
doença vascular, hidrocefalia e neoplasias. Pode também
demonstrar alterações que dão suporte ao diagnóstico
clínico. A atrofia predominante no mesencéfalo (Figura 17),
com perda da convexidade superior do tegmento
mesencefálico, retificação ou aspecto côncavo, mostra um
aspecto em imagens sagitais denominado “sinal do
pinguim” ou “ sinal do beija-flor”. Quando observada no
plano axial, a atrofia determina um aspecto referido como
“sinal do Mickey Mouse”. Pode ocorrer a presença de
hipersinal T2/FLAIR no mesencéfalo, com alta
especificidade para a entidade.
FIGURA 17 Ressonância magnética na PSP. A: sagital T1 demonstrando a
significativa redução de volume do mesencéfalo (seta). B: axial FLAIR
demonstrando o hipersinal no mesencéfalo (ponta de seta).

A avaliação quantitativa pode ser realizada utilizando a


razão entre a área do mesencéfalo e a da ponte em imagens
sagitais. Um valor abaixo de 0,15 tem alta sensibilidade e
especificidade para PSP.

Neuroimagem funcional
Estudo de PET-FDG mostra hipometabolismo glicolítico
no lobo frontal medial e dorsolateral, no cíngulo anterior e
no núcleo caudado (particularmente contralateral ao lado
clinicamente mais afetado).

Demência vascular

Vários termos têm sido utilizados para relacionar o


declínio cognitivo e a demência de causa vascular,
incluindo demência vascular, declínio cognitivo vascular,
desordem cognitiva vascular, entre outros. É a segunda
causa mais frequente de demência, depois da DA, sendo
uma desordem com prejuízo cognitivo diretamente
relacionado à lesão vascular no cérebro.
Essa deficiência cognitiva reflete o acometimento de
áreas do domínio cognitivo, em decorrência de lesão de
uma artéria que nutre um grande território ou do acúmulo
de doença de pequenas artérias. Existem diferentes
critérios diagnósticos para demência vascular, sendo dois
aspectos fundamentais: o estabelecimento da presença do
declínio cognitivo e a determinação de doença vascular
como a dominante, se não a única, responsável pelo déficit
cognitivo.
A demência vascular pode ser classificada em cinco
grupos de acordo com o mecanismo da lesão
cerebrovascular:

1. Demência por múltiplos infartos.


2. Demência por infarto único em posição estratégica.
3. Doença dos pequenos vasos.
4. Hipoperfusão.
5. Demência hemorrágica.

Pode ocorrer associação entre os diferentes


mecanismos.
Para determinar evidências de uma doença
cerebrovascular significativa, o processo diagnóstico se
baseia na avaliação da história clínica, no exame físico e na
neuroimagem. A demonstração de anormalidades na
neuroimagem é crítica para aumentar a acurácia do
diagnóstico.
Os achados em neuroimagem são variados e não há
achado patognomônico de demência vascular. É
fundamental que os achados em neuroimagem sempre
sejam considerados diante de um contexto clínico, e sua
extensão, natureza e localização devem ser consideradas.
Alguns trabalhos tentaram definir uma mínima evidência
radiológica necessária para fundamentar o diagnóstico.
Pelos critérios de NINDS-AIREN, requer múltiplos infartos
de grandes artérias ou um infarto único em posição
estratégica, múltiplas lacunas nos núcleos da base e
substância branca cerebral ou extensas lesões na
substância branca cerebral (Quadro 4).

Infarto de grandes artérias

O mecanismo da lesão cerebrovascular relacionada a


grandes vasos que pode acarretar a demência pode estar
relacionado à presença de múltiplos infartos
corticais/subcorticais (Figura 18) ou à presença de um
infarto único estrategicamente localizado (Figura 19), como
o acometimento de regiões como hipocampo, tálamo medial
e vias talamocorticais. Na fase crônica do infarto, a imagem
é caracterizada pela perda de volume, formação de
cavidades, aumento de sulcos e de ventrículos adjacentes e
gliose no parênquima cerebral ao redor.

QUADRO 4 Definições operacionais pela parte radiológica dos critérios de


NINDS-AIREN

Topográfico
QUADRO 4 Definições operacionais pela parte radiológica dos critérios de
NINDS-AIREN

Infarto de grande vaso:


Definido como defeito no parênquima cerebral em um território arterial
com acometimento da substância cinzenta.
Artéria cerebral anterior: acometimento bilateral.
Artéria cerebral posterior: acometimento dá região medial do tálamo ou
região inferomedial do lobo temporal.
Áreas de associação em território da artéria cerebral média com
acometimento:
Lobo parietotemporal (como o giro angular).
Córtex têmporo-occipital.
Infartos em zonas de fronteira vascular entre as:
Artérias cerebrais média e anterior.
Artérias cerebrais média e posterior.

Doença de pequenos vasos:


Múltiplas lacunas nos núcleos da base e substância branca frontal.
Extensas lesões na substância branca cerebral.
Lesões talâmicas bilaterais.

Gravidade das lesões

Doença de grandes vasos no hemisfério dominante.


Infartos bilaterais em grandes artérias.
Leucoencefalopatia acometendo mais de 25% de toda a substância branca
cerebral.
FIGURA 18 Ressonância magnética em infarto extenso/múltiplos infartos. A e
B: axial T2 e coronal FLAIR, demonstrando extensas cavidades no hemisfério
cerebral esquerdo, decorrentes de infartos, com formação de múltiplas áreas de
encefalomalacia e cavidades (setas).

Infartos em zona de fronteira vascular

São infartos que ocorrem no limite distal de irrigação


entre mais de um território vascular. Podem ocorrer em
fronteira superficial (cortical) ou profunda (interna). A
fisiopatologia é controversa e possivelmente multifatorial.
O mecanismo hemodinâmico, que inclui a estenose ou
oclusão em arterial proximal, como na artéria carótida
interna, ou hipotensão sistêmica, é a principal causa de
infartos de fronteira. Habitualmente, os infartos em
fronteira têm formato de cunha que se estende da margem
lateral dos ventrículos até a superficie cortical, estendendo-
se paralelamente ao ventrículo, uni ou bilaterais (Figura
20).
FIGURA 19 Ressonância magnética em infarto único em região estratégica. A
e B: axial T2 e T1, demonstrando a cavidade decorrente de infarto no território
da artéria cerebral posterior, com acometimento da região temporal mesial,
com comprometimento hipocampal e extensão para a região occipital (seta).

FIGURA 20 Ressonância magnética em infarto em território de fronteira


vascular. A, B e C: axiais e coronal FLAIR, demonstrando o acometimento
parassagital bilateral, com áreas de hipersinal T2/FLAIR na substância branca
cerebral (seta) e regiões com comprometimento cortical na transição entre os
territórios vasculares das artérias cerebrais média, anterior e posterior, com
formação de cavidades (ponta de seta).

Doença de pequenos vasos


Geralmente uma doença lentamente progressiva, que
não inclui a clássica apresentação em degraus da doença
vascular de grande vasos e tem como apresentação clínica
a síndrome cognitiva subcortical. A neuroimagem tem
papel extremamente relevante no diagnóstico, e o principal
achado está relacionado a áreas de hipodensidade em TC e
de hipersinal T2 em RM na substância branca cerebral.
Diferentes escalas podem ser utilizadas para quantificar o
comprometimento da substância branca cerebral, sendo a
escala de Fazekas (Figura 21) possivelmente a mais
conhecida. Outros achados podem estar presentes na
doença microvascular, como a presença de infartos
lacunares, micro-hemorragias e alargamento de espaços
perivasculares (Figura 22).
A doença de pequenos vasos tem como principal
etiologia a fibro-hialinólise decorrente principalmente da
hipertensão arterial sistêmica. Outras doenças de
diferentes etiologias, como a angiopatia amiloide, causas
genéticas como o CADASIL (cerebral autosomal dominant
arteriopathy with subcortical infarcts and
leukoencephalopathy), o CARASIL (cerebral autosomal
recessive arteriopathy subcortical infarcts and
leukoencephalopathy), doenças imunomediadas, como a
vasculite primária, lúpus eritematoso sistêmico, assim
como etiologias infecciosas, radioterapia, entre outras.
FIGURA 21 Ressonância magnética e a classificação de Fazekas (modificada),
axial FLAIR.
A: Fazekas 1 - pequenos focos esparsos de hipersinal T2, na substância branca
cerebral. B: Fazekas 2 - início de áreas de confluência de hipersinal T2. C:
Fazekas 3 - extensas áreas confluentes de hipersinal T2.

FIGURA 22 Ressonância magnética nos achados de microangiopatia em


neuroimagem. A: axial FLAIR demonstrando as áreas de hipersinal T2 na
substância branca cerebral e a presença de infartos lacunares nos tálamos
(setas). B: axial T2, notando-se as áreas de hipersinal T2 na substância branca e
o alargamento dos espaços perivasculares nas regiões nucleocapsulares (seta),
descrito como aspecto crivoso. C: axial SWI (sequência de suscetibilidade
magnética) com focos de acentuado hipossinal compatíveis com micro-
hemorragias (seta).
O padrão típico no PET-FDG consiste em
hipometabolismo com margens que seguem um padrão
vascular no território das artérias cerebrais anterior, média
ou posterior, geralmente com evidência de encefalomalacia
na região correspondente nas imagens de TC. Se o lobo
frontal ou cápsula interna está envolvida, hipometabolismo
no cerebelo contralateral pode ser visto devido a diásquise
cerebrocerebelar cruzada.

Doença de Huntington

A doença de Huntington (HD) é uma doença


neurodegenerativa fatal causada por um número
anormalmente aumentado de repetições CAG no gene da
huntingtina, localizado no cromossomo 4p. Geralmente
entre a idade de 40 a 50 anos há perda significativa de
neurônios GABAérgicos espinhosos médios no núcleo
caudado, putâmen e córtex cerebral, resultando em
sintomas comportamentais progressivos, coreia e
disfunções cognitivas.
O estudo em neuroimagem estrutural pode demonstrar o
afilamento cortical e a atrofia do estriado, mais conspícua
nos núcleos caudados, mais bem evidenciada em cortes
coronais (Figura 23). O grau de atrofia do caudado e o da
atrofia cortical se correlacionam, respectivamente, com a
gravidade da coreia e da perda cognitiva. Como os
neurônios estriatais GABAérgicos afetados contêm a
maioria dos receptores de dopamina no corpo estriado,
diminuições nos receptores D1 e D2 acompanham a
extensão de perda celular.
Estudos do sistema dopaminérgico com PET ou SPECT
podem demonstrar essa alteração, que se correlaciona com
a duração da doença e sua gravidade. Além disso, a
captação dopaminérgica também é reduzida no neurônio
pré-sináptico.
Quanto ao PET-FDG, mostra hipometabolismo no corpo
estriado, córtex frontal e temporal nos pacientes com HD e
em portadores assintomáticos. Os portadores de DH que se
tornam sintomáticos tendem a apresentar menor
metabolismo no núcleo caudado em comparação aos que
permanecem assintomáticos em um período de 5 anos.
Outros traçadores de PET demonstram ainda níveis
aumentados de micróglia ativada no corpo estriado, fato
que se correlacionou com a probabilidade de início da
doença e gravidade clínica.

Doença de Creutzfeldt-Jakob

A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma doença


neurodegenerativa rara e fatal, cujas principais
características clínicas são deterioração mental
rapidamente progressiva, mioclonia, ataxia e distúrbios
visuais. Seu diagnóstico clínico pode ser desafiador, e a
confirmação definitiva é obtida por biópsia cerebral. O
FDG-PET como ferramenta diagnóstica mostra alta
especificidade e sensibilidade, superior à da RM,
especialmente nos estágios iniciais da doença. No entanto,
devido à alta sensibilidade e especificidade das
anormalidades do eletroencefalograma, alterações na RM,
normalmente mostrando hipersinal nos núcleos da base,
tálamos e/ou córtex, principalmente em imagens
ponderadas em difusão (Figura 24), mas também T2 e
FLAIR, e detecção de proteína 14-3-3 no líquido
cefalorraquidiano, o valor diagnóstico adicional do FDG-
PET para o diagnóstico de DCJ é provavelmente limitado. O
padrão de imagem mais observado em estudos de PET-FDG
é de hipometabolismo nas regiões medial e lateral do
córtex frontal e parietal, geralmente de forma assimétrica.

FIGURA 23 Ressonância magnética na doença de Huntigton. A: coronal T1


demonstrando o aumento do corno frontal dos ventrículos laterais em
decorrência da atrofia dos núcleos caudados (seta). B: axial T2 evidenciando a
redução dos putamens (seta) e da cabeça dos núcleos caudados.
FIGURA 24 Ressonância magnética na doença de Creutzfeldt-Jakob. A: axial
FLAIR demonstrando o hipersinal estriatal (seta) bilateral e o discreto hipersinal
cortical (ponta de seta). B: axial difusão demonstrando o característico
hipersinal na região dos núcleos da base (seta) e o acometimento cortical (ponta
de seta).

Hidrocefalia de pressão normal (HPN)

Caracterizada como uma síndrome potencialmente


reversível, caracterizada clinicamente pelo alargamento
dos ventrículos cerebrais, comprometimento cognitivo,
apraxia de marcha e incontinência urinária, sua
fisiopatologia ainda não está esclarecida. A forma
idiopática não demonstra evidência pregressa de
meningite, hemorragia intracraniana, tumor cerebral ou
trauma e geralmente inicia após os 60 anos.
O guideline internacional recomenda os seguintes
achados-chave em neuroimagem para HPN:
1. Alargamento dos ventrículos laterais com indice de
Evans ≥ 0,3.
2. Ausência macroscópica de obstrução de fluxo liquórico.
3. Pelo menos um dos achados de suporte:
Alargamento do corno temporal dos ventrículos laterais
não atribuível a atrofia hipocampal.
Ângulo calosal entre 40º e 90º.
Alterações periventriculares em TC ou RM devido a
alteração no conteúdo de água e não totalmente
atribuível a doença microvascular ou desmielinização.
Flow void no aqueduto mesencefálico ou no quarto
ventrículo.

O guideline japonês de 2021 ressalta os seguintes


achados em neuroimagem:

Padrão DESH (alargamento desproporcionado do espaço


liquórico subaracnoide): ventriculomegalia com índice de
Evans ≥ 0,3, associada com redução dos sulcos na alta
convexidade, junto à linha média, e alargamento das
fissuras de Sylvius (Figura 25).
Possiblidade de um padrão não DESH em HPN.
FIGURA 25 Ressonância magnética na hidrocefalia de pressão normal. A: axial
T2 demonstra a dilatação ventricular e alargamento de sulcos corticais. B:
coronal T1 demonstra o alargamento das fissuras de Sylvius (ponta de seta) e a
redução de sulcos na alta convexidade (seta), caracterizando o alargamento
desproporcionado do espaço subaracnóideo. Ângulo calosal de 61°.

Cisternocintilografia na hidrocefalia de pressão normal


Aplicada para avaliação do fluxo liquórico, a indicação
mais comum da cisternocintilografia é a suspeita de HPN.
Outras indicações do método incluem pesquisa de fístulas
liquóricas e avaliação da perviedade de derivações
cirúrgicas.
Diferenciar a HPN de uma dilatação ventricular
secundária na atrofia cortical cerebral pode ser difícil em
estudos radiológicos como TC ou RM. Nesse contexto, a
avaliação da dinâmica liquórica por meio da
cisternocintilografia pode contribuir para o diagnóstico
diferencial. O método consiste na aquisição de imagens
seriadas após a administração intratecal de [99mTc]-DTPA ou
[111I]-DTPA. O DTPA permite a avaliação da dinâmica do
líquor devido a sua solubilidade não lipídica, alto peso
molecular, elevada estabilidade e por não ser metabolizado
ou absorvido por via transependimal. A exposição do
sistema nervoso central à radiação no procedimento,
representada pela dose absorvida, é aceitável.
O padrão de imagem em HPN mostra uma dinâmica
liquórica alterada, com lentificação do radiofármaco em
atingir as circunvoluções cerebrais, clareamento lentificado
nos hemisférios cerebrais e refluxo persistente para
ventrículos laterais. Na hidrocefalia não obstrutiva
generalizada, que apresenta como principal causa a atrofia
cerebral isolada, os achados cintilográficos são de retardo
do traçador em chegar no espaço subaracnóideo, que se
apresenta alargado, podendo ocorrer refluxo não
persistente para os ventrículos laterais, além de
clareamento normal nos hemisférios cerebrais (Figura 26).

OUTROS TRAÇADORES EM PET-CT

Amiloide

O exame de PET com marcador beta-amiloide (PET


amiloide), utilizado para avaliar depósitos de placas beta-
amiloide no cérebro, está revolucionando o campo de
atuação em DA desde sua introdução, há mais de uma
década. Os critérios diagnósticos recentemente atualizados
para demência em DA incorporam biomarcadores
moleculares da fisiopatologia da doença: PET amiloide e
biomarcadores liquóricos amiloide e tau.
FIGURA 26 A: paciente saudável, com densidade de TDA preservada nos
corpos estriados. B: imagens transversais de estudos de SPECT com [99mTc]-
TRODAT-1 em pacientes com DP, classificados em graus: I – acometimento de
um dos putamens; II – acometimento bilateral dos putamens; IIIa –
acometimento dos putamens e do um dos núcleos caudados; IIIb – envolvimento
bilateral dos putamens e núcleos caudados.
DP: doença de Parkinson; SPECT: tomografia computadorizada com emissão de
fóton único.

O primeiro traçador de PET desenvolvido para se ligar


especificamente às placas fibrilares A-beta foi o composto-B
de Pittsburgh marcado com 11C ([11C]-PIB), introduzido em
2004. Até agora, esse foi o traçador de PET mais bem
caracterizado e mais amplamente usado para o estudo de
depósitos de amiloides no cérebro humano, tanto em DA
quanto em outras doenças neurodegenerativas. Esse
traçador não se liga a outros depósitos de proteínas que
frequentemente ocorrem de forma concomitante com o
depósito de placas amiloides, como emaranhados
neurofibrilares ou alfassinucleína.
O uso de imagens de PET amiloide é considerado mais
adequado quando pacientes apresentam comprometimento
cognitivo que pode ser atribuído à DA, mas em casos em
que há incerteza clínica, e a confirmação da presença ou
ausência de depósitos de proteína amiloide mudaria a
certeza diagnóstica. Em outras palavras, em um paciente
de 70 anos apresentando quadro progressivo de
comprometimento da memória episódica com disfunção das
funções executivas, atrofia do hipocampo e
hipometabolismo glicolítico temporoparietal, o PET
amiloide não é particularmente útil, pois um amiloide
positivo no PET não alteraria significativamente o grau já
elevado de confiança diagnóstica.
Por outro lado, o resultado de um exame de PET
amiloide poderia substancialmente mudar a confiança
diagnóstica para pacientes que apresentam fenótipos como
ACP, SCB e APP, em que DA é uma das possíveis patologias
de base.
Os critérios de uso apropriado enfatizam que o PET
amiloide é atualmente mais provavelmente útil quando o
paciente tem objetivamente comprometimento cognitivo
confirmado, quando a causa do comprometimento cognitivo
permanece incerta após uma avaliação abrangente por um
especialista em demência, quando o diagnóstico diferencial
inclui DA e quando se espera que o conhecimento da
presença ou ausência de doença A-beta possa aumentar a
certeza diagnóstica ou alterar o manejo do paciente.
Por meio de uma abordagem mais objetiva, o uso de PET
amiloide é considerado apropriado nos seguintes casos:
Paciente com sintomas persistentes ou progressivos
inexplicados de CCL.
Os principais critérios clínicos para possível DA estão
presentes, porém há uma apresentação clínica pouco
clara, como um curso clínico atípico ou uma
apresentação etiologicamente mista.
O paciente tem demência progressiva e a idade de início
foi atipicamente precoce (geralmente definida como ≤ 65
anos).

O uso de PET amiloide é considerado inadequado nas


seguintes situações:

O paciente atende aos critérios clínicos básicos para DA


provável e teve a idade típica de início dos sintomas.
Há necessidade de determinar a gravidade da demência.
O paciente é assintomático e tem histórico familiar de
DA ou demonstrou ser portador do alelo ε4 da
apolipoproteína E.
O paciente tem uma queixa cognitiva que não foi
confirmada no exame clínico.
Como teste para um paciente suspeito de ser portador de
mutação autossômica dominante em vez de
genotipagem.
O paciente é assintomático.
Por razões não médicas (p. ex., cobertura de seguro ou
triagem de emprego).

Modelos da sequência fisiopatológica da DA sugerem


que o acúmulo de beta-amiloide ocorre no início do
processo neurodegenerativo. Usando métodos visuais ou
semiquantitativos, diversos trabalhos revelaram aumento
da retenção de PIB em comparação com controles. Na DA,
a distribuição in vivo do PIB demonstrou refletir a
distribuição neuropatológica de placas fibrilares beta-
amiloides.
O padrão de aumento de concentração em relação aos
controles foi observado no córtex pré-frontal, pré-cúneo e
cíngulo posterior, e menos evidente no córtex parietal
lateral, temporal e no corpo estriado. Captação no córtex
sensório-motor primário e visual, bem como temporal
medial, hipocampo e amígdala, foi muito semelhante entre
os grupos. Como o cerebelo mostra pouca captação do
traçador, achado confirmado por resultados post mortem, é
frequentemente usado como região de referência.
Indivíduos com CCL que têm um exame de PET amiloide
positivo são geralmente considerados como tendo DA
prodrômica e apresentam maior probabilidade de progredir
para demência em relação aos pacientes com PET amiloide
negativo. Numerosos estudos em CCL demonstraram que a
captação de PIB nesses pacientes é intermediária entre DA
e controles.
Em relação a outras demências, sabe-se que tanto a DCL
quanto a demência da DP são caracterizadas na autópsia
pela presença de corpos de Lewy corticais. Alguns estudos
com PET amiloide evidenciaram que a carga amiloide in
vivo em DCL no cérebro foi significativamente maior do
que nos controles, similar à apresentada em DA, enquanto
a concentração entre Parkinson com ou sem demência e os
controles foi semelhante.

QUADRO 5 Situações de aplicação de PET amiloide consideradas apropriadas

Recomendações para PET amiloide


QUADRO 5 Situações de aplicação de PET amiloide consideradas apropriadas

Paciente com sintomas persistentes ou progressivos inexplicados de CCL.


Principais critérios clínicos para possível DA estão presentes, porém há uma
apresentação clínica pouco clara, como um curso clínico atípico ou uma
apresentação etiologicamente mista.
Paciente com demência progressiva e idade de início atipicamente precoce.

CCL: comprometimento cognitivo leve; DA: doença de Alzheimer.

Em DFT, uma vez que a deposição de amiloide não é


uma característica patológica, a imagem do PIB pode
apresentar importante papel na diferenciação com DA. O
padrão de PIB cortical em DFT tem se mostrado
semelhante ao de controles saudáveis.
A deposição de amiloide também é um fator
neuropatológico marcador de outras demências e
distúrbios do movimento, como na angiopatia amiloide
cerebral (AAC), em que a captação de PIB na região
occipital se apresenta relativamente maior em comparação
aos pacientes com DA, consistente com a distribuição dessa
patologia na autópsia. Em APP e ACP o padrão de imagem
não se diferencia de DA.

Tau

Embora a imagem de PET amiloide tenha contribuído de


forma significativa para aumentar a confiança diagnóstica
na avaliação do paciente com demência, estudos mostram
que a localização e a magnitude de deposição de proteína
tau se correlacionam melhor com neurodegeneração e
sintomas do que a amiloide. Esse fato é confirmado in vivo
em estudos de PET em que a topografia da deposição
amiloide não se correlaciona com quadros clínicos,
especialmente em subtipos atípicos de DA.
O primeiro radiotraçador desenvolvido para a imagem
da proteína tau no cérebro com PET foi o [18F]-FDDNP,
seguido do [18F]-FSB35 e do [18F]-FP-curcumin. No entanto,
todos esses radioligantes ligam-se tanto a neurofibrilas
tubulares (NFT) quanto às placas A-beta no cérebro,
portanto apresentavam valor diagnóstico limitado.
O desenvolvimento de uma série de derivados de
quinolonas viabilizou uma ligação a NFT de tau com maior
afinidade do que as fibrilas de beta-amiloide. Atualmente
são vários os radiotraçadores de proteína tau aplicados in
vivo, que mostram uma ligação seletiva ao filamento
helicoidal pareado hiperfosforilado tau (PHF-tau). As
principais classes de radiotraçadores tau são derivados de
quinolona, derivados de benzotiazol e piridinas de
benzimidazóis.
No atual momento não há consenso ou recomendação
sobre indicações/contraindicações para a aplicação clínica
de imagens de PET tau, apesar de ser uma poderosa
ferramenta de pesquisa em taupatias. Considera-se a
aplicação clínica nos seguintes cenários:

A causa do comprometimento cognitivo permanece


incerta após avaliação clínica abrangente por
especialista.
A história da doença e os exames de rotina não
confirmaram o diagnóstico definitivo de DA.
Há necessidade de diferenciar a DA de outras taupatias
neurodegenerativas.
Há necessidade de determinar a gravidade da deposição
de tau na DA.

Quanto ao padrão de imagem no PET tau, indivíduos


jovens cognitivamente normais mostram poucos focos de
retenção do radiofármaco. Em idosos com capacidade
cognitiva normal, não é observada retenção cortical focal,
mas um aumento da captação do radiofármaco no
mesencéfalo, caudado, putamens, globo pálido e tálamo.
Os pacientes com DA apresentam retenção significativa
do radiotraçador tau no estágios avançados, como na
região temporal lateral inferior, no cíngulo posterior e na
região parietal lateral. Um exame positivo para deposição
de tau deve ser interpretado em associação com imagens
de PET amiloide para diagnosticar a DA, sempre com
correlação clínica.
Resultados negativos de tau com PET amiloide positivo
indicam pacientes que possivelmente desenvolveram DA.
No caso de PET tau e amiloide positivos, a combinação
indica a existência de DA. Resultados negativos de PET
amiloide indicam que o paciente provavelmente não tem
DA, enquanto resultados negativos de PET tau sugerem
que, em pacientes com CCL, é improvável que avancem
para demência de Alzheimer.

OUTROS MÉTODOS

SPECT/PET do sistema dopaminérgico

Além dos rastreadores de perfusão e de metabolismo


cerebral, avanços significativos têm sido observados nos
últimos anos no uso de radiotraçadores para a avaliação do
sistema dopaminérgico. A avaliação da integridade
nigroestriatal é realizada utilizando-se radiotraçadores de
três alvos moleculares pré-sinápticos diferentes (AACD,
VMAT e transportador dopaminérgico – DAT) ou de
receptores pós-sinápticos. Esses traçadores são regulados
de forma distinta em determinadas desordens e dependem
muitas vezes do grau de evolução da doença.
Dentre os marcadores para SPECT cerebral, um dos
123
mais utilizados no mundo é o análogo de tropano [ I]-FP-
99m
CIT, enquanto no Brasil está disponível o [ Tc]-TRODAT-1.
Tais radiofármacos são tropanos que se ligam a
transportadores de dopamina (DAT) no terminal pré-
sináptico, portanto são capazes de avaliar a densidade dos
DAT no corpo estriado, sendo aplicados principalmente na
detecção e diagnóstico diferencial entre doenças com ou
sem degeneração dopaminérgica, em destaque a DP.
São inúmeras as aplicações de estudos do sistema
dopaminérgico, sobretudo em doenças do sistema
extrapiramidal. Algumas das aplicações, como
diferenciação de DA e DCL por meio da avaliação da
densidade de transportadores pré-sinápticos da dopamina,
são consensuais na avaliação das encefalopatias associadas
às síndromes parkinsonianas. Em DCL é esperado déficit de
densidade de DAT, enquanto na DA espera-se que a
densidade de DAT esteja preservada. Várias são as
desordens parkinsonianas associadas com déficit
dopaminérgico estriatal, algumas das quais podem cursar
com demência. Em geral, o padrão de imagem no DAT-
SPECT nessas desordens, como em DP (Figura 26), AMS,
PSP, DCB, DCL e doença de Huntington, é de déficit de
captação no corpo estriado, com fenótipos variáveis.

MIBG cardíaco

Outra ferramenta para avaliação e diagnóstico


diferencial de doenças que cursam com parkinsonismo é a
cintilografia miocárdica com [123I]-MIBG ou [131I]-MIBG
(MIBG cardíaco), originalmente desenvolvida para avaliar
terminações nervosas simpáticas cardíacas pós-
ganglionares pré-sinápticas em doenças cardíacas como
insuficiência cardíaca congestiva. Nesse contexto, o MIBG
cardíaco tem sido utilizado para diferenciar a DP de outros
parkinsonismos, bem como DCL de DA. A cintilografia com
MIBG é baseada em evidências de que norepinefrina (NE) e
MIBG têm os mesmos mecanismos para captação,
armazenamento e liberação. O estudo avalia a
concentração do traçador na área cardíaca pela relação
entre coração e mediastino (H/M), e ainda o índice de
washout entre imagem precoce e tardia (Figura 27).
Déficit de concentração traduzida por baixo índice H/M
foi obtido em 90% dos pacientes com DP e em 94,1% dos
pacientes com DCL, enquanto a proporção foi normal em
89,1% dos controles (em 100% na DA), o que representa
uma sensibilidade e especificidade de MIBG em torno de
90%. O Quadro 6 resume os achados nos principais
diferenciais do MIBG cardíaco.
FIGURA 27 Estudos de MIBG cardíaco. A: paciente com captação preservada
do radiofármaco na projeção da área cardíaca, com relação H/M normal (≥ 1,6).
B: paciente com déficit da captação de MIBG na projeção da área cardíaca,
sugerindo déficit de terminações nervosas simpáticas cardíacas pós-
ganglionares.
H/M: coração/mediastino; MIBG: cintilografia miocárdica com [I-123]-
metaiodobenzilguanidina.

QUADRO 6 Padrões de imagem do MIBG cardíaco, sendo descrito em cada


desordem o padrão de captação na área cardíaca como normal ou reduzido

DP Redução (90%) Redução (90%) DCL

PSP Normal ou Normal Tremor


discretamente essencial
reduzido

DCB Normal ou Normal ou AMS


discretamente discretamente
reduzido reduzido
QUADRO 6 Padrões de imagem do MIBG cardíaco, sendo descrito em cada
desordem o padrão de captação na área cardíaca como normal ou reduzido

AMS: atrofia de múltiplos sistemas; DCB: degeneração corticobasal; DCL:


demência por corpos de Lewy; DP: doença de Parkinson; PSP: paralisia
supranuclear progressiva.

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SEÇÃO VII

Cuidados em situações especiais


Perda involuntária de peso e nutrição 48

José Renato G. Amaral


Cybele Cunha Faria

INTRODUÇÃO
A perda de pelo menos 5% do peso habitual de um idoso
em um período de 6 a 12 meses sem o propósito de
emagrecimento deve ser motivo de preocupação. A perda
involuntária de peso é uma queixa frequente na prática
clínica, que acomete em torno de 15 a 20% da população
idosa comunitária e entre 50 e 65% dos institucionalizados
e hospitalizados. É associada a maior mortalidade e
desfechos adversos relacionados com sarcopenia e
síndrome da fragilidade. A perda de peso pode estar ou não
relacionada com condições como desnutrição ou caquexia,
e sua etiologia pode compreender desde alterações de fácil
correção até doenças sistêmicas graves.
Um dos fenômenos mais conhecidos do envelhecimento
é o relativo a aumento da gordura corporal à custa de
perda de massa magra. Tal alteração está no cerne do
aumento da resistência à insulina que se observa na
senescência e provavelmente é uma das principais causas
para a discrepância observada no desempenho funcional
entre homens e mulheres, que são mais afetadas pela
fragilidade, pois, em comparação com os homens, têm em
média menos reserva musculoesquelética.
Apenas em função da alteração de composição corporal
seria esperada perda de pelo menos 100 g/ano a partir dos
60 anos. Na prática, as trajetórias de evolução do peso ao
longo da vida têm grande variação, mas de fato o peso
médio dos idosos é menor do que o dos adultos e há
proporcionalmente mais indivíduos de baixo peso entre
idosos e mais de sobrepeso entre adultos. Na média é mais
comum que idosos percam peso do que ganhem.
Embora possam ser contraintuitivos ou eventualmente
mal interpretados, tais fatos são bem estudados e
documentados. Como nas primeiras décadas do
envelhecimento o menor gasto energético basal decorrente
das alterações da composição corporal não é acompanhado
de redução proporcional de apetite, é comum que o pico da
massa corporal do indivíduo ocorra entre 55 e 65 anos, o
que geralmente se associa a aumento da circunferência
abdominal (o chamado spread da meia-idade). Muitos
idosos mais jovens, particularmente os mais atentos à
saúde, receiam continuar ganhando peso nas fases mais
avançadas da vida, e muitos profissionais de saúde
recomendam metas de peso, em desacordo com as
melhores evidências de benefício à saúde e à longevidade.
As maiores taxas de sobrevida são observadas em
indivíduos que envelhecem com índices de massa corporal
2
(IMC) que correspondem a sobrepeso, entre 25 e 30 kg/m .
Mesmo os efeitos adversos da obesidade parecem ser
atenuados no envelhecimento, enquanto o baixo peso, já
2
abaixo de 22 kg/m , reiteradamente se mostra associado a
desfechos negativos, sendo crítico um valor em torno de
18,5 kg/m2. Em suma, dados observacionais mostram que o
peso médio dos idosos é menor do que o dos adultos,
entretanto, na população idosa, os IMC mais vantajosos
(associados a melhores desfechos) são maiores do que na
população adulta.

CAUSAS DA PERDA INVOLUNTÁRIA DE PESO


As razões para o menor peso dos idosos são diversas e
variam bastante entre os indivíduos. Uma delas já foi
discutida: a própria lipossubstituição da massa magra, que
tende a declinar em torno de 3 kg por década após os 50
anos de idade (principalmente à custa de músculo
esquelético). Alterações no estilo de vida, na preferência
alimentar e condições de saúde podem contribuir
significativamente para a perda de peso observada no
envelhecimento. Diversos autores usam o termo “anorexia
do envelhecimento” para denominar a perda de apetite e
subsequente redução na ingesta alimentar além do que
seria esperado para a senescência, e tal condição atinge em
torno de 30% da população idosa, a quem confere maior
risco de mortalidade.
Várias alterações fisiológicas predispõem o indivíduo à
tal anorexia do envelhecimento. Diminuição de funções
sensoriais como olfato e paladar, menor eficiência
mastigatória, lentificação do esvaziamento gástrico e
modificações no balanço entre hormônios e peptídeos
sacietogênicos, como colecistoquinina, peptídeo
semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) e leptina versus
orexígenos, como opioides e neuropeptídeo Y, com o efeito
daqueles sobrepujando o destes, figuram entre as
principais razões para a saciedade mais precoce e menor
prazer às refeições.
Diversas condições patológicas podem concorrer para a
perda involuntária de peso. O Quadro 1 relaciona
problemas sociais, psíquicos e clínicos comumente
associados. O Quadro 2 também relaciona os principais
transtornos encontrados.
Na maioria dos casos de perda involuntária de peso em
idosos, além das alterações próprias do envelhecimento
sobre o metabolismo energético e os mecanismos de fome e
saciedade, encontram-se um ou mais fatores patológicos
associados. Frequentemente, o efeito adverso de
medicamentos também está implicado na gênese do
problema, ou seja, todos os elementos habituais que
permitem incluir a perda de peso entre as síndromes
geriátricas; não se deve esquecer que se trata de um dos
critérios mais bem-aceitos entre os propostos para a
síndrome de fragilidade.

QUADRO 1 Causas comuns de perda involuntária de peso em idosos

Sociais Pobreza

Morar só

Isolamento emocional

Desinformação nutricional

Psíquicas Demência

Depressão

Luto

Anorexia ou bulimia

Alcoolismo

Manipulação

Fobias

Clínicas Doença sistêmica grave

Neoplasia
QUADRO 1 Causas comuns de perda involuntária de peso em idosos

Efeito de drogas

Problemas com dentição, mastigação ou deglutição

Doenças do aparelho digestório

Incapacidade funcional

QUADRO 2 Os nove D da perda de peso em idosos

1. Dentição.
2. Disfagia.
3. Disgeusia.
4. Disfunção.
5. Drogas.
6. Depressão.
7. Demência.
8. Diarreia.
9. Doença.

O Quadro 3 lista as principais categorias de fármacos


envolvidas e seus respectivos efeitos. Cenários em que se
combinam efeito adverso de drogas, fatores sociais como
morar só ou sempre se alimentar desacompanhado,
transtornos psíquicos como depressão e fatores clínicos
como dores ou doenças crônicas descompensadas são
comumente encontrados na avaliação dos casos.
Isoladamente, as causas mais frequentes de perda
involuntária de peso são transtornos psiquiátricos,
sobretudo depressão (causa mais frequente em populações
ambulatoriais), neoplasias malignas (achado frequente em
casuísticas de pacientes hospitalizados), doenças (não
neoplásicas) do trato gastrointestinal e distúrbios
endócrinos. Doenças sistêmicas em fase avançada como
insuficiência cardíaca, doença renal crônica e doenças
pulmonares crônicas constantemente se manifestam como
síndromes consumptivas. Infecções crônicas também
devem ser consideradas, cabendo lembrar da síndrome da
imunodeficiência humana (aids) e da tuberculose. O Quadro
4 sumariza os achados de estudos observacionais sobre
causas de perda de peso e suas respectivas taxas de
ocorrência.

QUADRO 3 Medicamentos cujos efeitos adversos podem contribuir para a


perda de peso

Efeito Droga

Anorexia Amantadina, anfetaminas, antibióticos, antipsicóticos,


anticonvulsivantes, benzodiazepínicos,
descongestionantes, igoxina, ISRS, levodopa,
metformina, nicotina, opioides, teofilina.

Disgeusia ou disosmia Acetazolamina, álcool, alopurinol, anfetaminas,


ou ambos antibióticos, anticolinérgicos, anti-histamínicos,
bloqueadores de canais de cálcio, carbamazepina,
espironolactona, estatinas, fenitoína, ferro,
hidralazina, hidroclorotiazida, iECA, levodopa, lítio,
metimazol, metformina, opioides, penicilamina,
propranolol, quimioterápicos, selegilina, terbinafina,
tricíclicos.

Disfagia Aine, alendronato, antibióciso, anticolinérgicos,


bisfosfonados, corticosteroides, ferro, levodopa,
potássio, quimioterápicos, quinidina, teofilina.

Náuseas ou vômitos Agonistas dopaminérgicos, amantadina, antibióticos,


bisfosfonados, digoxina, estatinas, fenitoína, ferro,
ISRS, levodopa, metformina, opioides, potássio,
teofilina, tricíclicos.

Xerostomia Anticolinérgicos, anti-histamínicos, clonidina,


diuréticos.

Aine: anti-inflamatórios não esteroidais; iECA: inibidores da enzima de


conversão da angiotensina, ISRS: inibidores seletivos da receptação da
serotonina.
QUADRO 4 Sumário dos achados dos principais estudos observacionais sobre
causas da perda involuntária de peso em idosos

Neoplasias (16-36%).
Transtorno psiquiátrico (9-42%).
Doença gastroinestinal (6-19%).
Doença endócrina (4-11%).
Doença cardiovascular (2-9%).
Distúrbio nutricional ou alcoolismo (4-8%).
Doença respiratória (± 6%).
Distúrbio neurológico (2-7%).
Infecção crônica (2-5%).
Doença renal (4%).
Doença do tecido conjuntivo (2-4%).
Induzida por medicamentos (2%).
Causa desconhecida (10-36%).

Uma vez conhecidas as principais causas de perda


involuntária de peso em idosos e diante de seu potencial
repercussão, é importante sistematizar a abordagem
desses casos.

AVALIAÇÃO CLÍNICA
A perda involuntária de peso pode ser uma queixa
espontânea do paciente ou de seu responsável ou pode ser
detectada pelo clínico atento que o acompanha. Boa parte
dos pacientes não dá a devida importância à perda de peso
ou mesmo não se apercebe dela, enquanto até metade dos
pacientes que se queixam de terem emagrecido muito não
tem registro documentado de tal ocorrência. Diante disso, é
fundamental que se tenha o registro do peso do indivíduo a
cada consulta, e, na ausência de melhores informações,
roupas largas ou próteses dentárias frouxas podem ser
bons indícios de emagrecimento recente.
Uma anamnese detalhada pode apontar problemas
evidentes, como questões familiares ou sociais, efeitos
adversos de medicamentos, sintomas depressivos ou
psicóticos, disfunções cognitivas ou problemas clínicos. O
exame físico deve abranger inspeção cuidadosa da
cavidade oral, observação do trofismo muscular e da
adequação das vestes, palpação de cadeias ganglionares e
pesquisa de massas palpáveis. Além da avaliação de peso e
altura, a obtenção de algumas medidas antropométricas,
como a aferição da circunferência braquial (no ponto médio
entre olécrano e acrômio) e da circunferência da
panturrilha (o maior perímetro da panturrilha com o
indivíduo em pé), pode ajudar a estimar o estado
nutricional: a circunferência de panturrilha inferior a 31
cm sugere desnutrição em ambos os sexos. Se possível (p.
ex., no caso de pacientes internados), a observação do
paciente se alimentando pode auxiliar o clínico a
compreender melhor os eventuais entraves à boa nutrição.
A Figura 1 resume uma proposta de avaliação
sistematizada da queixa. Para todos os casos é
recomendada avaliação laboratorial sucinta, que deve
abranger hemograma, marcadores de doença inflamatória,
parâmetros do metabolismo glicêmico e de função
tireoidiana, de função renal e marcadores de afecções
digestivas, além de dosagem de albumina e radiografia de
tórax. Pela avaliação inicial, a maioria das etiologias já
poderá ser classificada como social, psiquiátrica, doença
sistêmica, doença do aparelho digestório, infecção crônica
ou neoplasia maligna. Para a definição mais precisa das
doenças desses três últimos grupos podem ser necessários
exames mais específicos.
Uma vez que é de alta prevalência entre portadores de
perda involuntária de peso e por se tratar de uma doença
potencialmente letal, é legítima a preocupação de
pesquisar a presença de câncer. Em geral, com os exames
sugeridos na Figura 1 acrescidos de exames de rastreio
para as neoplasias mais comuns, é possível ter uma
avaliação abrangente de potenciais focos de câncer.
Estudos prévios tentaram estabelecer quais os melhores
preditores de neoplasia entre indivíduos que se apresentam
com perda involuntária de peso, e entre os parâmetros
mais consistentes estão idade avançada, baixos níveis de
albumina sérica e níveis aumentados de fosfatase alcalina.
Foi demonstrado que uma avaliação inicial composta por
exames laboratoriais (hemograma, proteína C-reativa,
aminotransferases, desidrogenase láctica, fosfatase
alcalina, albumina e ferritina), radiografia de tórax e
ultrassonografia de abdome, quando resulta em achados
completamente normais, aponta para baixa probabilidade
de doença orgânica, particularmente neoplasia. Na maioria
dos casos em que foi feito o diagnóstico de neoplasia, o
exame físico já evidenciou alterações sugestivas, e, quando
a neoplasia se manifesta, a princípio, pela perda de peso ou
caquexia, isso geralmente indica mau prognóstico. Por
outro lado, também tem sido demonstrado que uma
avaliação inicial negativa se associa a bom prognóstico, ou
seja, a significativa proporção de pacientes para quem não
se estabelece um diagnóstico orgânico (o que inclui aqueles
com doenças psiquiátricas e os casos em que não se chegou
a diagnóstico evidente) evolui no longo prazo com
estabilização ou melhora de seu quadro clínico.

DIAGNÓSTICO DE DESNUTRIÇÃO
A Academia de Nutrição e Dietética e a Sociedade
Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (Aspen), em
2012, propuseram os seguintes critérios, com pelo menos
duas destas seis características:
FIGURA 1 Avaliação da perda involuntária de peso.
ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase; CMV:
citomegalovírus; GGT: gamaglutamiltransferase; HIV: vírus da imunodeficiência
humana; PCR: proteína C-reativa; PSA: prostate-specific antigen (antígeno
prostático específico); PSOF: pesquisa de sangue oculto nas fezes; TC:
tomografia computadorizada; TSH: thyroid stimulating hormone (hormônio
estimulador da tireoide); USG: ultrassonografia; VHS: velocidade de
hemossedimentação.

1. Consumo insuficiente de energia.


2. Perda de peso.
3. Perda de massa muscular.
4. Perda de gordura subcutânea.
5. Acúmulo de fluido localizado ou generalizado que possa
mascarar a perda de peso.
6. Diminuição da força de preensão palmar (handgrip).

A Iniciativa Global de Liderança em Desnutrição (GLIM),


com o objetivo de desenvolver um consenso global sobre os
parâmetros de identificação e diagnóstico de desnutrição
para facilitar a comparação da prevalência e resultados de
seu tratamento, propôs novos critérios em 2018. Desse
modo, o diagnóstico de desnutrição requer a combinação
de pelo menos um critério fenotípico e um critério
etiológico, demonstrados no Quadro 5.
Para a triagem de desnutrição, a miniavaliação
nutricional (MAN) é uma ferramenta simples, bem
difundida e validada.

QUADRO 5 Critérios fenotípicos e etiológicos para diagnóstico de desnutrição

Critérios fenotípicos Critérios etiológicos

Perda Baixo IMC Redução da Redução da Inflamação


ponderal (kg/m²) massa muscular ingesta
(%) alimentar ou
disabsorção
QUADRO 5 Critérios fenotípicos e etiológicos para diagnóstico de desnutrição

> 5% em 6 < 20 se < 70 Por métodos de Redução Doenças


meses ou > anos (< 18,5 composição significativa por agudas ou
10% em se asiáticos) corporal (DXA, mais de 2 crônicas com
mais de 6 ou < 22 se > tomografia ou semanas ou componente
meses. 70 anos (< ressonância). doenças inflamatório
20 se Ou dados disabsortivas importante.
asiáticos). antropométricos do trato
(circunferência gastrointestinal.
da panturrilha <
31 cm e
braquial < 22
cm para
mulheres e <
23 cm para
homens).

IMC: índice de massa corporal.


Fonte: adaptado de T. Cederholm

QUADRO 6 Algoritmo para diagnóstico de desnutrição

Triagem:

Rastreio para desnutrição, com testes validados (p. ex.: MAN)

Os parâmetros usados dependerão do teste aplicado: ingesta alimentar, perda


ponderal não intencional, IMC, apetite, idade e doenças associadas.

Diagnóstico

Avaliação Identificação de Diagnóstico de


nutricional comorbidades e fatores desnutrição
específica associados
QUADRO 6 Algoritmo para diagnóstico de desnutrição

Anamnese e Doenças disabsortivas Critérios fenotípicos


exame físico. (p. ex., pancreatite (perda ponderal não
Medidas crônica, anemia intencional, baixo IMC
antropométricas perniciosa). e perda de massa
(circunferência da Doenças metabólicas muscular).
panturrilha e (DM, hipertireoidismo) Critérios etiológicos:
braquial). e doenças catabólicas redução da ingesta
Exames (p. ex., neoplasias). alimentar ou absorção;
laboratoriais. Depressão e outras inflamação crônica ou
condições que levam à aguda.
redução do apetite.
Efeitos adversos de
medicamentos (p. ex.,
anticolinesterásicos,
inibidores SGLT2).

DM: diabetes mellitus; IMC: índice de massa corporal; MAN: miniavaliação


nutricional.
Fonte: adaptado de Carla Gressies MSc.

TRATAMENTO
O tratamento da desnutrição requer a reversão de sua
causa e a adequada recuperação nutricional. Para a
estimativa de quantidade de energia a ser fornecida para
idosos, podem ser usadas as seguintes equações:

Para mulheres: 354,1 – (6,91 × idade) + CAF × (9,36 ×


peso [kg] + 726 × altura [m]).
Para homens: 661,8 – (9,53 × idade) + CAF × (15,91 ×
peso [kg] + 539,6 × altura [m]).

O coeficiente de atividade física (CAF) é determinado da


seguinte forma:

Sedentário = 1.
Baixa atividade = 1,12.
Ativo = 1,27.
Muito ativo = 1,45.

A maneira mais simples de estimar a necessidade


calórica é por meio da chamada “regra de bolso”: 25 a 35
calorias/kg de peso/dia, lembrando que em pacientes
desnutridos é mais seguro iniciar o aporte calórico com
valores mais baixos, pelo risco de realimentação. Dessas
calorias, pelo menos 30% devem ser fornecidas através de
lipídios e o consumo de fibras em torno de 25 g/dia. O
aporte proteico varia em função da lesão: sem estresse
orgânico, o idoso deve consumir de 0,8 a 1 g/kg/dia de peso
de proteína, aumentando para 1,5 g/kg/dia em casos de
pós-operatório ou sepse, podendo chegar até 2 g/kg/dia na
sepse grave.
Deve-se estar atento para a deficiência de
micronutrientes, pois há um aumento das doenças do trato
gastrointestinal nessa população, com consequente
redução da biodisponibilidade (p. ex., gastrite atrófica em
que há disabsorção da vitamina B12). Há redução da
síntese de vitamina D através da pele e de sua absorção
intestinal com o avançar da idade. A suplementação está
indicada quando há níveis insuficientes de 25-
hidroxivitamina D (menor que 20 ng/mL). A necessidade
diária gira em torno de 800 a 1.000 unidades/dia, embora
requeira mais estudos para definir o impacto da reposição
no aumento de massa muscular e quais seriam os níveis
séricos de 25-hidroxivitamina D ideias.
A abordagem do paciente desnutrido deve ser
preferencialmente multidisciplinar, em parceria com uma
equipe de nutrição e envolvimento variável de outros
profissionais, como fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas
ocupacionais, assistentes sociais, fisioterapeutas e equipe
de enfermagem, a depender do caso, no intuito de
investigar e tratar efetivamente a etiologia da perda de
peso.
É necessário se certificar de que pacientes que, por
diferentes motivos (transtorno neurocognitivo,
incapacidade física, entre outros), necessitam de
assistência para obter as refeições ou simplesmente se
alimentar estejam recebendo o auxílio necessário. No
mesmo sentido, devem ser pesquisados eventuais
problemas relacionados com o contexto familiar e social,
para seu devido encaminhamento junto à equipe
gerontológica.
Como visto, diversas alterações fisiológicas próprias do
envelhecimento têm impacto negativo sobre o apetite.
Algumas estratégias podem auxiliar nesse aspecto, como
reforçar o sabor dos alimentos com o uso de temperos,
cuidar da adequada apresentação e temperatura de serviço
das refeições e respeitar as preferências individuais. Dietas
muito restritivas, a exemplo das comumente oferecidas aos
pacientes, sobretudo durante hospitalizações (hipossódica,
para diabéticos etc.), frequentemente levam a grande
restrição calórica e subsequente perda de peso. Assim, em
diversas situações é vantajoso adotar dieta mais
permissiva, ainda que sob pena de ser eventualmente
necessário aferir com maior frequência parâmetros como
pressão arterial e glicemia capilar.
Outras estratégias, como aumentar a densidade calórica
e proteica dos alimentos, podem ser de grande auxílio em
situações de ingesta alimentar reduzida. As opções incluem
aumentar conteúdo proteico nas refeições, com uso de leite
comum e derivados ou leite em pó, ovos, tofu, carnes,
preparados à base de proteína do soro do leite (whey
protein) ou ainda intensificar o aporte calórico com adição
de óleos saudáveis (como azeite de oliva, óleo de milho ou
canola) ou mel nos alimentos. Adicionar lanches nos
intervalos entre as refeições principais também é uma
alternativa.
Más condições dentárias e de higiene oral ou mesmo
edentulismo podem influenciar na redução de ingesta
alimentar em idosos, prejudicando o processo de
mastigação e até mesmo o paladar (como a má higiene da
língua e infecções como candidíase oral). É preciso, dessa
forma, identificar os problemas orais, avaliar o ajuste de
próteses dentárias, orientar sobre higiene oral adequada e,
quando necessário, encaminhar os casos para avaliação e
tratamento odontológicos. Pacientes com disfagia, além de
treinamento fonoaudiológico para reabilitação, podem
necessitar de adaptações na consistência dos alimentos e
de líquidos espessados para conseguirem aporte alimentar
adequado e menor risco de broncoaspiração.
O tratamento de transtornos psíquicos deve ser feito de
modo bastante criterioso, uma vez que vários
psicofármacos têm efeitos diversos sobre o apetite. De
maneira geral, os antidepressivos de uso mais seguro em
idosos são os inibidores seletivos da recaptação da
serotonina (ISRS), que podem ser indicados na maioria dos
casos de depressão associada a perda de peso. No longo
prazo, indivíduos tratados com ISRS tendem a ganhar peso
(sobretudo com paroxetina), mas deve ser lembrado que
uma pequena parte dos pacientes pode experimentar
efeitos adversos gastrointestinais (xerostomia, náuseas, dor
epigástrica, diarreia), que podem agravar o quadro. Com
isso, em pacientes com perda acentuada de peso ou
elevado risco nutricional (IMC < 20 kg/m2), pode ser mais
conveniente o uso de um antidepressivo com efeito
orexígeno, como mirtazapina.
Não é raro encontrar sintomas psicóticos associados a
transtornos depressivos que cursam com perda de peso –
por vezes, ideação de doença ou contaminação estão no
cerne da recusa à alimentação. Nesses casos, antipsicóticos
atípicos podem ser bem indicados, por terem menos efeitos
adversos sobre motricidade e, entre eles, a olanzapina
tende a promover maior estimulação do apetite.
As principais drogas para o tratamento de demências, os
anticolinesterásicos, têm efeito anorexígeno. É sempre
pertinente revisar sua indicação, em especial nas fases
mais avançadas desses quadros, que por si sós já se
associam a perda de peso. Nos casos em que o uso de
anticolinesterásico se mostra benéfico, mas a perda de
peso é uma preocupação, uma opção razoável é o uso da
rivastigmina transdérmica, que, por não sofrer passagem
hepática, associa-se bem menos aos indesejáveis efeitos
gastrointestinais da droga.
Sintomas psíquicos podem estar associados também a
dor crônica, que comumente acarreta redução de ingesta
alimentar. Mais uma vez, é preciso cuidado na escolha dos
fármacos para analgesia, dada a miríade de efeitos que
podem exercer sobre o apetite e todo o funcionamento do
trato gastrointestinal. Deve-se lembrar então da
importância do adequado reconhecimento das causas da
dor crônica e da frequente indicação de tratamento não
medicamentoso para as síndromes dolorosas mais comuns
em idosos. Antidepressivos como duloxetina e venlafaxina
estão bem indicados em quadros depressivos com dor
associada; a duloxetina é o que mais apresenta efeitos
gastrointestinais. De maneira geral, evita-se o uso de
antidepressivos tricíclicos em geriatria, e tal ressalva é
mantida diante de indivíduos com perda de peso. Por fim, a
bupropiona é um antidepressivo que exige atenção quando
usado por ser um potencial indutor da perda de apetite.
Em casos de ingesta alimentar muito comprometida ou
de desnutrição importante, pode-se lançar mão de
suplementos nutricionais orais, no intuito de interromper a
perda e promover ganho de peso. Tais compostos são
combinações de carboidratos, gorduras, proteínas e outros
nutrientes, e estão disponíveis em diferentes apresentações
(líquido, pó, espessado) e tipos (alta densidade proteica,
fibras ou hipercalóricos). Os suplementos são considerados
com alto teor proteico se > 20% da composição for
proteínas, e hipercalóricos se contiverem mais que 1,5
kcal/mL ou grama. Os suplementos devem ser oferecidos
nos intervalos entre as refeições principais e não devem
substituir nenhuma delas. Embora não haja evidências de
impacto positivo na mortalidade ou funcionalidade da
população geral de idosos, o uso de suplementos orais tem
benefícios em idosos malnutridos.
A indicação de orexígenos, substâncias estimulantes do
apetite, deve ser realizada com bastante critério. Para
pacientes com anorexia ou caquexia relacionada com
câncer, há evidências de benefícios para o aumento de
apetite com o uso de análogos da progesterona (como
acetato de megestrol), corticosteroides e ciproeptadina,
ainda que não seja acompanhado de ganho de peso em
todos os casos. Nos demais cenários, tais substâncias
devem ser evitadas por não haver estudos suficientes sobre
seu uso em idosos.
Para aqueles pacientes com perda involuntária de peso
grave, sem resposta a outras intervenções, em estado de
desnutrição ou em risco de progressão para tal quadro, há
a opção de iniciar terapia nutricional por via enteral caso a
dieta via oral não esteja suprindo as necessidades calóricas
e nutricionais do indivíduo e a capacidade absortiva
intestinal esteja preservada, ainda que parcialmente.
Nessas circunstâncias, devem ser avaliadas
criteriosamente a indicação, a opinião do paciente ou
cuidador responsável, a via de administração que será
adotada (p. ex., sonda nasogástrica, gastrostomia) e as
contraindicações de cada paciente.
Em situações de cuidados paliativos, no contexto da
terminalidade, ou em outros casos particulares, pode ser
adotada a dieta de conforto, em que o objetivo, mais que o
aporte nutricional, é a preservação da qualidade de vida e a
satisfação dos valores, crenças, cultura e preferências do
paciente e familiares, não mais sendo priorizadas rígidas
metas calóricas, pois a quantidade ofertada será a que for
aceita pelo paciente.
Finalmente, como a perda de peso associada à caquexia
decorre de um estado inflamatório sistêmico com
consequente aumento do catabolismo, secundário a uma
doença orgânica (insuficiência cardíaca, doença pulmonar
obstrutiva crônica, câncer, doenças reumatológicas, entre
outras), é importante lembrar que sem a resolução da
doença que dá origem a tal estado é virtualmente inútil
insistir no aporte nutricional para a resolução da perda de
peso ou da desnutrição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perda involuntária de peso e a desnutrição são
situações comuns na população idosa, e associam-se a
risco de fragilidade, adoecimento e mortalidade, de
modo que é mister que o geriatra saiba reconhecê-las e
tratá-las.
A perda involuntária de peso é um dos principais
marcadores de fragilidade.
A investigação da perda de peso já foi bastante estudada,
e há vários algoritmos propostos para sua execução;
neste capítulo apresentamos nossa sugestão. No sentido
de evitar desperdícios e iatrogenias diagnósticas,
convém lembrar que a investigação da perda de peso não
precisa ser exaustiva, e que frequentemente causas não
orgânicas podem ser responsáveis pelo quadro. Além
disso, uma investigação inicial negativa geralmente
indica bom prognóstico.
Alguma perda progressiva de peso, bem como certa
perda de apetite e saciedade mais precoce, são comuns
no envelhecimento. A desnutrição, porém, não deve ser
encarada como “natural”, devendo ser identificada e
tratada.
O tratamento da desnutrição começa com a identificação
das necessidades nutricionais do indivíduo, passa pela
retirada de eventuais restrições desnecessárias e pode
incluir o uso de suplementos nutricionais.
O uso de estimulantes do apetite não costuma ser
recomendado, pelos efeitos adversos a eles associados e
pela escassez de evidências clínicas que amparem seu
emprego.

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49 Manejo das lesões por pressão

Lígia Carvalheiro Fernandes

INTRODUÇÃO
Lesões de pele e tecidos moles induzidas por pressão estão entre
as condições mais comuns encontradas em pacientes hospitalizados
ou que requerem cuidados institucionais de longo prazo. Por
definição, trata-se de um dano localizado na pele e/ou tecidos moles
subjacentes, geralmente sobre uma proeminência óssea ou
relacionada ao uso de dispositivo médico ou a outro artefato. A
lesão ocorre como resultado da pressão intensa e/ou prolongada em
combinação com o cisalhamento, mas é, adicionalmente,
influenciada pelo microclima, nutrição, perfusão, comorbidades e
pela sua condição. A pele superficial é menos suscetível ao dano
induzido por pressão do que os tecidos mais profundos, portanto a
aparência externa pode subestimar a extensão do dano.
A alteração da nomenclatura “úlcera por pressão” por “lesão por
pressão” foi realizada desde 2016, pela National Pressure Ulcer
Advisory Panel (NPUAP), uma organização norte-americana
dedicada à prevenção e ao tratamento de lesões por pressão. Além
disso, a mesma instituição realizou algumas mudanças nos termos
classificatórios e acrescentou duas novas definições.
A Política Nacional de Segurança do Paciente, criada pelo
Ministério da Saúde em 2013, possui um de seus eixos com a
temática da prevenção de lesões por pressão, visto que os danos
decorrentes dificultam o processo de recuperação funcional,
frequentemente causando dor e levando ao desenvolvimento de
infecções graves. Ainda, estão associadas a internações
prolongadas, sepse e mortalidade.
Quanto à etiologia, as lesões podem ser causadas por fatores
internos e externos. Os fatores externos são aqueles que impedem a
circulação sobre a superfície da pele, como a pressão, o
cisalhamento e a fricção, sendo o primeiro fator o mais importante,
uma vez que um tecido mole é comprimido entre uma saliência
óssea e uma superfície dura, causando a isquemia.
Já os fatores intrínsecos incluem idade extrema, má nutrição,
imobilidade, alteração do nível de consciência, incontinência
urinária ou fecal, peso corporal, diminuição da sensibilidade à dor,
desidratação, alterações respiratórias, hipertermia, uso de
medicamentos (analgésicos, esteroides e sedativos), presença de
doenças crônicas como o diabetes, alterações circulatórias e
etilismo.

CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA
A classificação atualmente adotada engloba os seguintes
estágios:

Estágio 1: caracterizado por pele íntegra com área localizada de


eritema que não embranquece e que pode parecer diferente em
pele de cor escura; ou, ainda, a presença de eritema que
embranquece ou mudanças na sensibilidade, temperatura ou
consistência (endurecimento) podem preceder as mudanças
visuais. Cabe mencionar que mudanças na cor não incluem
descoloração púrpura ou castanha; estas podem indicar dano
tissular profundo.
Estágio 2: consiste na perda da pele em sua espessura parcial
com exposição da derme. Neste estágio, o leito da ferida é viável,
de coloração rosa ou vermelha, úmido e pode também
apresentar-se como uma bolha intacta (preenchida com exsudato
seroso) ou rompida. O tecido adiposo e tecidos profundos não são
visíveis. Nesse estágio, tecido de granulação, esfacelo e escara
não estão presentes.
Estágio 3: ocorre perda da pele em sua espessura total, na qual
a gordura é visível, e, frequentemente, tecido de granulação e
epíbole estão presentes. Esfacelo e/ou escara pode estar visível.
A profundidade do dano tissular varia conforme a localização
anatômica; áreas com adiposidade significativa podem
desenvolver lesões profundas. Podem ocorrer descolamento e
túneis. Não há exposição de fáscia, músculo, tendão, ligamento,
cartilagem e/ou osso. Quando o esfacelo ou escara prejudica a
identificação da extensão da perda tissular, deve-se classificá-la
como lesão por pressão não classificável.
Estágio 4: há perda da pele em sua espessura total e perda
tissular com exposição ou palpação direta da fáscia, músculo,
tendão, ligamento, cartilagem ou osso. Esfacelo e/ou escara pode
estar visível. Epíbole (lesão com bordas enroladas), descolamento
e/ou túneis ocorrem frequentemente. A profundidade varia
conforme a localização anatômica. De maneira semelhante,
quando o esfacelo ou escara prejudica a identificação da
extensão da perda tissular, deve-se classificá-la como lesão por
pressão não classificável.
Lesão por pressão não classificável: ocorre perda da pele em
sua espessura total e perda tissular não visível. Perda da pele em
sua espessura total e perda tissular na qual a extensão do dano
não pode ser confirmada porque está encoberta pelo esfacelo ou
escara. Ao ser removido (esfacelo ou escara), lesão por pressão
em estágio 3 ou estágio 4 ficará aparente. Escara estável (isto é,
seca, aderente, sem eritema ou flutuação) em membro isquêmico
ou no calcâneo não deve ser removida.
Lesão por pressão tissular profunda: apresenta-se por
descoloração vermelho-escura, marrom ou púrpura, persistente e
que não embranquece. Pele intacta ou não, com área localizada e
persistente de descoloração vermelho-escura, marrom ou
púrpura que não embranquece ou separação epidérmica que
mostra lesão com leito escurecido ou bolha com exsudato
sanguinolento. Dor e mudança na temperatura frequentemente
precedem as alterações de coloração da pele. A descoloração
pode apresentar-se diferente em pessoas com pele de tonalidade
mais escura. Essa lesão resulta de pressão intensa e/ou
prolongada e de cisalhamento na interface osso-músculo. A ferida
pode evoluir rapidamente e revelar a extensão atual da lesão
tissular ou resolver sem perda tissular. Quando tecido necrótico,
tecido subcutâneo, tecido de granulação, fáscia, músculo ou
outras estruturas subjacentes estão visíveis, isso indica lesão por
pressão com perda total de tecido (lesão por pressão não
classificável ou estágio 3 ou estágio 4).
Lesão por pressão relacionada a dispositivo médico: essa
terminologia descreve a etiologia da lesão, ou seja, resulta do uso
de dispositivos criados e aplicados para fins diagnósticos e
terapêuticos. A lesão por pressão resultante geralmente
apresenta o padrão ou forma do dispositivo. Essa lesão deve ser
categorizada usando o sistema de classificação de lesões por
pressão.
Lesão por pressão em membranas mucosas: é encontrada
quando há histórico de uso de dispositivos médicos no local do
dano.

AVALIAÇÃO CLÍNICA
O manejo das lesões de pele e tecidos moles induzidas por
pressão começa com a avaliação clínica da ferida e uma avaliação
abrangente da condição médica geral do paciente e dos fatores de
risco para identificar condições reversíveis.
As áreas identificadas de danos na pele devem ser avaliadas
quanto ao comprimento, largura e profundidade; presença de
fístulas, tecido necrótico ou exsudato; e evidências de cicatrização,
como a presença de granulação.
A dor é frequentemente associada a lesões de pele e tecidos
moles induzidas por pressão, e a dor pode ser uma manifestação
precoce de uma ferida em desenvolvimento. Uma avaliação
abrangente da dor deve ser realizada em todos os indivíduos com
lesões de pele e tecidos moles induzidas por pressão.
As infecções prejudicam a cicatrização de feridas. A
possibilidade de infecção deve ser considerada mesmo na ausência
de sinais sistêmicos, como febre e leucocitose. A infecção das lesões
por pressão pode apresentar sinais locais de envolvimento dos
tecidos moles, como calor, eritema, sensibilidade local, secreção
purulenta e presença de odor fétido. No entanto, as manifestações
da infecção podem ser variáveis, sendo o atraso na cicatrização da
ferida o único sinal de infecção.
Tais lesões podem servir como reservatórios para organismos
resistentes, como Staphylococcus aureus resistente à meticilina,
enterococos resistentes à vancomicina e bacilos Gram-negativos
multirresistentes.
Outras complicações possíveis são:

Tratos sinusais que se comunicam com as vísceras profundas,


incluindo o intestino ou a bexiga.
Calcificação heterotópica ocasional.
Amiloidose sistêmica devido ao estado inflamatório crônico
decorrente da úlcera.
Carcinoma de células escamosas. Isso pode se desenvolver em
uma ferida crônica e deve sempre ser considerado naqueles com
uma ferida que não cicatriza.

É importante distinguir úlceras por pressão de úlceras


relacionadas a diabetes, insuficiência arterial ou insuficiência
venosa. No entanto, estas também predispõem ao desenvolvimento
de lesões induzidas por pressão, e muitas feridas, particularmente
nas extremidades inferiores, têm etiologia multifatorial.
Adicionalmente, medir o risco do desenvolvimento da lesão é a
base do planejamento das ações preventivas e terapêuticas.
Uma das principais escalas utilizadas para aferir o risco de um
indivíduo desenvolver lesão por pressão é a escala de Braden
(Quadro 1). Foi desenvolvida por Barbara Braden e Nancy
Bergstrom, em 1988, e visa identificar pacientes em risco de lesões
por pressão. O método classifica os pacientes em 6 subescalas –
percepção sensorial, umidade, atividade, mobilidade, nutrição e
fricção e cisalhamento –, usando pontuações que variam de 1 a 3 ou
4.
A interpretação consiste na somatória dos pontos obtidos, sendo:

Risco muito alto: 6-9 pontos.


Risco alto: 10-12 pontos.
Risco moderado: 13-14 pontos.
Baixo risco: 15-18 pontos.
Sem risco: 19-23 pontos.

QUADRO 1 Escala de Braden

Percepção 1. Totalmente 2. Muito 3. Levemente 4. Nenhuma


sensorial limitado: limitado: limitado: limitação:
Capacidade de Não reage (não somente reage responde a responde a
reagir geme, não se a estímulo comando comandos
significativamente segura a nada, doloroso. Não é verbal, mas verbais. Não
à pressão não se esquiva) capaz de nem sempre é tem déficit
relacionada ao a estímulo comunicar capaz de sensorial que
desconforto doloroso, desconforto comunicar o limitaria a
devido ao nível exceto por meio desconforto ou capacidade de
de consciência de gemido ou expressar sentir ou
diminuído ou agitação. Ou necessidade de verbalizar dor
devido à possui alguma ser mudado de ou desconforto.
sedação ou deficiência posição, ou tem
capacidade sensorial que certo grau de
limitada de limita a deficiência
sentir dor na capacidade de sensorial que
maior parte do sentir dor ou limita a
corpo. desconforto em capacidade de
mais de metade sentir dor ou
do corpo. desconforto em
1 ou 2
extremidades.

Umidade 1. 2. Muito 3. 4. Raramente


Nível ao qual a Completamente molhada: a pele Ocasionalmente molhada:
pele é exposta a molhada: a pele está molhada: a pele a pele
umidade é mantida frequentemente, fica geralmente está
molhada quase mas nem ocasionalmente seca, e a troca
constantemente sempre, molhada, de roupa de
por molhada. A requerendo uma cama é
transpiração, roupa de cama troca extra de necessária
urina etc. deve ser trocada roupa de cama somente nos
Umidade é pelo menos 1 por dia. intervalos de
detectada às vez por turno rotina
movimentações
do paciente.
QUADRO 1 Escala de Braden

Atividade 1. Acamado: 2. Confinado à 3. Anda 4. Anda


Grau de atividade confinado à cadeira: a ocasionalmente: frequentemente:
física cama. capacidade de anda anda fora do
andar está ocasionalmente quarto pelo
gravemente durante o dia, menos 2 vezes
limitada ou nula. embora por dia e dentro
Não é capaz de distâncias muito do quarto pelo
sustentar o curtas, com ou menos 1 vez a
próprio peso sem ajuda. cada 2 horas
e/ou precisa ser Passa a maior durante as
ajudado a se parte de cada horas em que
sentar. turno na cama está acordado.
ou cadeira.

Mobilidade 1. Totalmente 2. Bastante 3. Levemente 4. Não


Capacidade de imóvel: não faz limitado: faz limitado: faz apresenta
mudar e controlar nem mesmo pequenas frequentes, limitações:
a posição do pequenas mudanças embora faz importantes
corpo mudanças na ocasionais na pequenas, e frequentes
posição do posição do mudanças na mudanças sem
corpo ou corpo ou posição do auxílio.
extremidades extremidades corpo ou
sem ajuda. mas é incapaz extremidades
de fazer sem ajuda.
mudanças
frequentes ou
significantes
sozinho.
QUADRO 1 Escala de Braden

Nutrição 1. Muito pobre: 2. 3. Adequado: 4. Excelente:


Padrão usual de nunca come Provavelmente Come mais da Come a maior
consumo uma refeição inadequado: metade da parte de cada
alimentar completa. Raramente maioria das refeição. Nunca
Raramente come uma refeições. recusa uma
come mais de refeição Come um total refeição.
1/3 do alimento completa. de 4 porções de Geralmente
oferecido. Come Geralmente alimento rico ingere um total
2 porções ou come cerca de em proteína de 4 ou mais
menos de metade do (carne e porções de
proteína (carnes alimento laticínios) todo carne e
ou laticínios) oferecido. dia. laticínios.
por dia. Ingere Ingestão de Ocasionalmente Ocasionalmente
pouco líquido. proteína inclui recusará uma come entre as
Não aceita somente 3 refeição, mas refeições. Não
suplemento porções de geralmente requer
alimentar carne ou aceitará um suplemento
líquido. Ou é laticínios por complemento alimentar
mantido em dia. oferecido.
jejum e/ou Ocasionalmente Ou é alimentado
mantido com aceitará um por sonda ou
dieta líquida ou suplemento regime de
IV por mais de alimentar ou nutrição
cinco dias recebe abaixo parenteral total,
da quantidade o qual
satisfatória de provavelmente
dieta líquida ou satisfaz a maior
alimentação por parte das
sonda. necessidades
nutricionais
QUADRO 1 Escala de Braden

Fricção e 1. Problema: 2. Problema em 3. Nenhum


cisalhamento requer potencial: move- problema:
assistência se, mas sem move-se
moderada a vigor, ou requer sozinho na
máxima para se mínima cama ou
mover. É assistência. cadeira e tem
impossível Durante o suficiente força
levantá-lo ou movimento muscular para
erguê-lo provavelmente erguer-se
completamente ocorre certo completamente
sem que haja atrito da pele durante o
atrito da pele com o lençol, movimento.
com o lençol. cadeira ou Sempre
Frequentemente outros. Na maior mantém boa
escorrega na parte do tempo posição na
cama ou mantém posição cama ou
cadeira, relativamente cadeira.
necessitando de boa na cama ou
frequentes na cadeira mas
ajustes de ocasionalmente
posição com o escorrega.
máximo de
assistência.
Espasticidade,
contratura ou
agitação leva a
quase
constante
fricção.

A extensão e a magnitude das complicações psicossociais não


foram bem definidas, e o apoio psicossocial muitas vezes não é
considerado. Pacientes com lesões de pele e tecidos moles
induzidas por pressão sofrem de dor e perda de controle sobre suas
vidas. O tratamento de feridas interrompe as atividades normais da
vida diária, e os pacientes muitas vezes se sentem estigmatizados.
Isso resulta em mudanças no estilo de vida que levam ao isolamento
social, depressão e redução da qualidade de vida relacionada à
saúde.

CUIDADOS GERAIS
Após a avaliação adequada, o manejo da lesão se inicia com a
limpeza, a partir do uso de soro fisiológico (SF) 0,9%,
preferencialmente morno, em jato.
O desbridamento que visa à remoção do tecido desvitalizado,
quando houver necessidade, deverá ocorrer sem agredir o tecido de
granulação, por meio de um dos processos a seguir:

Mecânico (jato de SF 0,9% ou gazes).


Enzimático (cobertura tópica primária com enzimas proteolíticas)
ou autolítico (cobertura tópica primária com facilitadores da ação
dos macrófagos e da atividade proteolítica endógena).
Instrumental conservador (tesoura/bisturi).
Cirúrgico.

Deve-se fornecer alívio adequado da dor, pois as lesões induzidas


por pressão podem ser bastante dolorosas. Fatores locais que
podem estar contribuindo para a dor, como isquemia, infecção ou
ruptura da pele ao redor, devem ser abordados.
A avaliação inicial e contínua da dor deve ser documentada
usando uma escala de dor. A avaliação visa identificar o tipo e a
extensão da dor presente para que a terapia apropriada possa ser
fornecida. A dor pode ser classificada como intermitente, que
ocorre no momento do desbridamento da ferida, cíclica, que ocorre
no momento da troca do curativo, ou dor persistente, que ocorre o
tempo todo.
Medicamentos analgésicos não opioides orais podem ser usados
para dor leve. Analgésicos opioides podem ser necessários para dor
moderada a intensa.
Anestésicos locais tópicos (p. ex., lidocaína) têm sido usados e
podem proporcionar alívio da dor por um curto período de tempo,
mas há pouca evidência de eficácia em estudos clínicos. Os opioides
tópicos, como um gel de morfina, mostraram algum benefício em
pequenos estudos. Curativos de espuma com liberação de
ibuprofeno podem ser usados, se disponíveis. No entanto, muitos
pacientes com lesões profundas necessitarão de terapia sistêmica
para dor.
A presença de biofilme bacteriano (fina camada de
microrganismos aderida à superfície de uma estrutura) pode
prejudicar a cicatrização de feridas. Além disso, pacientes com
feridas profundas devem ser avaliados quanto à presença de
osteomielite.
Pacientes com lesões de pele e tecidos moles induzidas por
pressão geralmente estão em estado catabólico crônico. A
otimização da ingestão de proteínas e calorias totais é importante,
particularmente para pacientes com lesões por pressão nos estágios
3 e 4.
Se a ingestão oral não for adequada para garantir calorias,
proteínas, vitaminas e minerais suficientes, recomenda-se a
suplementação nutricional com nutrição enteral ou parenteral (de
acordo com as capacidades da unidade de saúde) para corrigir as
deficiências, embora as evidências de ensaios clínicos que apoiem
essa abordagem sejam limitadas.
Os esteroides anabolizantes (p. ex., a oxandrolona) às vezes são
recomendados em pacientes com depleção de proteínas e perda de
peso.
O posicionamento adequado e o suporte para minimizar a
pressão nos tecidos devem ser fornecidos a todos os pacientes,
principalmente aqueles com feridas abertas. O desenvolvimento de
novas áreas de danos na pele deve levar à revisão do método e
intensidade das medidas preventivas.
Até o momento, não há estudos randomizados disponíveis para
identificar se o reposicionamento faz diferença nas taxas de
cicatrização ou no regime de reposicionamento ideal. Diversos
protocolos apontam para uma frequência de mudança de decúbito
de cerca de 2 em 2 horas.
A eficácia das superfícies de suporte na promoção da
cicatrização foi estudada em vários ensaios clínicos randomizados
com resultados inconsistentes. Os custos associados aos leitos
elétricos tornam-se particularmente significativos quando se
considera que o tratamento por pelo menos 2 meses é normalmente
necessário. No entanto, superfícies de suporte especializadas
parecem ser benéficas e devem ser usadas em vez de um colchão
padrão.
As características de uma superfície de suporte que podem
auxiliar na prevenção incluem:
Ar fluidizado: fornece redistribuição de pressão através de um
meio fluido criado, forçando o ar através dos grânulos.
Pressão alternada: fornece redistribuição de pressão por meio de
mudanças cíclicas na carga e descarga.
Rotação lateral: fornece rotação sobre um eixo longitudinal.
Baixa perda de ar: fornece um fluxo de ar para ajudar a controlar
o calor e a umidade da pele.
Multizonificado: diferentes segmentos da superfície de suporte
têm diferentes características de redistribuição de pressão.

A posição e a inclinação da cabeça de indivíduos confinados a


uma cama provavelmente são importantes. É recomendado que os
pacientes sejam posicionados em um ângulo ≤ 30 graus quando
deitados de lado para evitar pressão direta sobre o trocânter maior
ou outras proeminências ósseas; no entanto, tal inclinação faz com
que as pessoas deslizem na cama mais de 10 cm, resultando em
fricção e forças de cisalhamento nos tecidos que cobrem a região
lombar e o sacro.
A condição da pele quanto a temperatura, cor, turgor, estado de
umidade e integridade da pele deve ser inspecionada e
documentada diariamente. Manter a pele limpa e seca, evitando o
excesso de ressecamento e descamação, é o objetivo principal.
Adicionalmente, a limpeza da pele deve ser feita com um agente de
limpeza com pH balanceado que minimize a irritação; deve ser
evitada água quente e não são recomendadas as massagens
vigorosas sobre proeminências ósseas.
O microclima, temperatura, umidade e fluxo de ar
imediatamente adjacente à pele, está sendo cada vez mais
reconhecido como um importante contribuinte para o
desenvolvimento de lesões cutâneas e de tecidos moles induzidas
por pressão.
Temperaturas cutâneas mais altas são transmitidas diretamente
aos tecidos mais profundos e aumentam a probabilidade de lesões
mais graves na pele e nos tecidos moles.
O excesso de umidade aumenta o atrito e contribui para que as
forças de cisalhamento sejam transmitidas aos tecidos mais
profundos, tornando a pele mais suscetível à ruptura. O excesso de
umidade pode surgir de outras fontes, incluindo suor e drenagem
de feridas próximas. Além disso, produtos químicos na urina e nas
fezes podem irritar a pele. O uso de curativo adequado pode ajudar
a limitar a drenagem. Superfícies de suporte especializadas,
incluindo leitos de baixa perda de ar e fluidizados a ar, também
podem ajudar a controlar o microambiente.

TRATAMENTO
O tratamento de feridas segue os princípios gerais de tratamento
de feridas, que incluem desbridamento do tecido necrótico e
curativos apropriados ou tamponamento para promover a
cicatrização do leito da ferida e cobertura da ferida, quando
indicado.
O tratamento específico é orientado pelo estágio da lesão
cutânea. O desenvolvimento de lesão por pressão deve ser
considerado uma indicação de que o paciente está em alto risco
para outras lesões induzidas por pressão, e medidas preventivas
intensivas devem ser tomadas.
Em suma,

Lesões cutâneas de estágio 1 devem ser cobertas para proteção.


Lesões por pressão em estágio 2 geralmente precisam de pouco
desbridamento e requerem um curativo que mantenha um
ambiente úmido na ferida.
Os estágios 3 e 4 de pressão ou lesões mais profundas
geralmente requerem desbridamento do tecido necrótico e,
possivelmente, tratamento da infecção. Após a preparação
adequada do leito da ferida, a cobertura pode envolver enxerto
de pele ou outros procedimentos de transferência de tecido.

Devem ser estabelecidos objetivos terapêuticos apropriados que


considerem o potencial de alta, qualidade de vida, preferências de
tratamento e prognóstico.
Pacientes com feridas persistentes que não cicatrizam devem ser
reavaliados para identificar infecção ou a presença de causas
reversíveis de isquemia.
Os seguintes parâmetros de cuidado devem ser monitorados
diariamente e documentados:
Avaliação da úlcera.
Estado do curativo, se presente.
Estado da área ao redor da úlcera.
Presença de dor e adequação do controle da dor.
Presença de possíveis complicações, como infecção.

O progresso da cicatrização é mais bem descrito por escalas que


capturam mudanças na área de superfície, extensão de tecido
necrótico e exsudato e a presença de tecido de granulação.
Algumas possibilidades de coberturas condizentes com o estágio
da lesão são apresentadas no Quadro 2.

INICIATIVAS DE QUALIDADE
Os principais componentes de iniciativas de prevenção bem-
sucedidas estão listados a seguir:

Educação continuada da equipe sobre as melhores práticas de


prevenção.
Formulários padronizados para documentar o aparecimento de
úlceras e intervenções.
Disponibilização de um profissional capacitado no manejo de
úlceras, como enfermeiro estomaterapeuta.
Instrução para incentivar mudança de decúbito, a cada 2 horas.
Minimização das barreiras para obter suprimentos necessários,
como colchões especiais e sobreposições.
Obtenção de conhecimentos adicionais por meio de consultas.
Uso de auditoria e feedback.

QUADRO 2 Coberturas condizentes com o estágio da lesão

Estágio Características Coberturas Período de troca

Estágio 1 Hiperemia Áreas com Placa de Até 7 dias


moderada ou alta hidrocoloide
exposição ao
cisalhamento/fricção

Áreas com pouca AGE Cada 6 horas


exposição ao
cisalhamento/fricção
QUADRO 2 Coberturas condizentes com o estágio da lesão

Áreas com Protetores Cada 6 horas


exposição à cutâneos (solução
umidade polimérica, óxido
de zinco)

Estágio 2 Bolha Intacta Gaze + AGE Cada 12 horas

Lesão Sem/pouco Placa de Até 7 dias / cada


superficial exsudato hidrocoloide / 24 horas
malha não
aderente estéril

Moderado Moderado exsudato Malha não Cada 24 horas


exsudato aderente estéril

Estágios 3 e Escara Sem sangramento Papaína 10% Cada 24 horas


4
Necrose Com sangramento Hidrogel com
úmida alginato de cálcio e
Necrose mista sódio (gel)
Intolerância à
papaína

Esfacelo Pouco/moderado Papaína 6% Cada 12 horas

Camada espessa Papaína 10% Cada 12 horas

Com sangramento Hidrogel com Cada 24 horas


alginato de cálcio e
Tecido misto sódio (gel)
Intolerância à
papaína

Exsudato Sem infecção Alginato de cálcio Até 5 dias


em grande e sódio (placa ou
quantidade fita)

Com infecção Alginato de cálcio Cada 24 horas


e sódio com prata
Sem sangramento (placa ou fita)

Exsudato Sem infecção Alginato de cálcio até 5 dias


em grande e sódio (placa ou
quantidade fita)

Com infecção Alginato de cálcio Cada 24 horas


e sódio com prata
(placa ou fita)
QUADRO 2 Coberturas condizentes com o estágio da lesão

Tecido de Sem/com Malha não


granulação sangramento aderente
estéril.
Hidrogel com
alginato de
cálcio e sódio
(gel).

Sensibilidade à Malha não Cada 24 horas


papaína aderente,
estéril.
Hidrogel com
alginato de
cálcio e sódio
(gel).

Ferida Debridada Terapia por Até 5 dias


complexa pressão
negativa.
Alginato de
cálcio e sódio
com prata
(placa ou fita).

AGE: ácido graxo essencial.

BIBLIOGRAFIA
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saúde. Nota Técnica GVIMS/GGTES n. 03/2017. Agência Nacional de Vigilância
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Prevalence (IPUP) Survey Database. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2021;48:492.
50 Maus-tratos em idosos

Renato Braga Vieira


Rômulo Rebouças Lôbo

INTRODUÇÃO
Maus-tratos (MT) em idosos é uma situação frequente,
apesar de menos divulgada e conhecida do que o ideal.
Trata-se de problema de saúde pública, com consequências
individuais e para a sociedade, sendo considerada a
condição geriátrica prevalente mais passível de medidas
preventivas. Estima-se que 1 em cada 10 idosos venha a
sofrer algum tipo de abuso por alguém “de confiança” a
cada ano, embora o número de casos relatados a
autoridades seja bem menor. Outros dados mostram que o
número de casos não relatados pode ser ainda maior,
chegando a um caso relatado a cada 24 ocorrências.
Causas para subnotificação incluem ausência de
ferramentas adequadas de rastreio, ausência de
treinamento formal e ações educativas em relação aos
sinais de MT, bem como ausência de habilidades de
reconhecimento e para reportar as ocorrências.
As consequências negativas associadas a MT são:
aumento de mortalidade (2-3 vezes maior risco de morte),
maior incidência de demência (desfecho e fator de risco) e
depressão. Outros desfechos negativos são idas frequentes
a setores de emergência, hospitalização e
institucionalização. Estima-se custo anual de USD 5,3
bilhões nos Estados Unidos, com tendência a crescimento
desse valor com o envelhecimento da população. Os
abusadores costumam ser pessoas próximas à vítima, como
cônjuge ou filho adulto, em cerca de 25% dos casos.
Muitas vezes as vítimas de MT são incapazes de
denunciar por razões como isolamento social, presença de
doença grave, demência ou podem mesmo evitar a
denúncia por medo de represálias, sensação de culpa,
desejo de proteger o abusador, crenças culturais ou medo
de institucionalização, contribuindo para a subnotificação e
o sub-reconhecimento de casos. Enquanto isso, entre
profissionais de atendimento a idosos, é possível citar os
seguintes fatores: falta de conscientização acerca de MT,
treinamento inadequado, informação insuficiente sobre
recursos disponíveis para lidar com MT, falta de tempo
para conduzir uma avaliação detalhada, preocupação sobre
envolvimento com o sistema legal e desejo de não quebrar
o segredo médico. Ademais, é frequente a dúvida se as
lesões vistas são causadas por abuso ou sequelas de
acidentes ou outras morbidades, contribuindo para a
subnotificação.
São definidos como “ações intencionais que causam
dano ou sério risco a um idoso, causado por cuidador ou
outra pessoa em relação de confiança com o mesmo, ou
falha do cuidador na satisfação das necessidades básicas e
de proteção do paciente”. A Tabela 1 apresenta os fatores
de risco para MT.

TABELA 1 Fatores de risco para ocorrência de maus-tratos


TABELA 1 Fatores de risco para ocorrência de maus-tratos

Vítima Abusador

sexo feminino déficit cognitivo


idade avançada história familiar de comportamento
déficit cognitivo abusivo
coabitação sexo masculino
isolamento social e rede de doença mental
suporte frágil idade > 40 anos
problemas mentais dependência para substâncias
abuso de substâncias dependência financeira
dependência do abusador para
cuidados

Apesar de frequentes, MT em idosos é tema ainda


subnotificado e, consequentemente, subestimado. Pesquisa
em bases de dados científicos mostra precisão menor em
relação à definição do tema, bem como número de
publicações bastante inferior quando se compara ao tema
de MT em crianças, por exemplo. O conceito de
polivitimização tem sido incorporado à seara de MT em
idosos. Trata-se de casos em que há ocorrência simultânea
ou sequencial de diferentes tipos de MT contra um
indivíduo ou quando um mesmo tipo de abuso é cometido
sequencialmente por diferentes pessoas.
A proposta deste capítulo é mostrar os principais
aspectos relacionados com MT em idosos, sem a pretensão
de esgotamento do tema, mas principalmente no intuito de
fornecer maior estofo teórico para aplicar na prática diária
e promover a conscientização sobre tema tão relevante
mas, infelizmente, ainda negligenciado.

SUBTIPOS
Os tipos de MT mais frequentemente descritos são:
abuso sexual, emocional ou psicológico, negligência,
exploração financeira e abuso físico, podendo ainda ser
citado o abandono.
Abuso físico consiste na inflição de dor ou dano físico ao
idoso, podendo resultar em contusões, hematomas,
ferimentos, entre outros. Abuso sexual ocorre quando há
toque ou atividade sexual não consentida com idosos, que
são comumente vulneráveis e inaptos para entender ou dar
consentimento, ou em caso de atos forçados. MT
psicológicos incluem ataques verbais, ameaças, assédio ou
intimidação, frequentemente levando a resignação,
desesperança, medo, ansiedade e comportamento arredio.
Negligência ocorre quando da falha do cuidador ou do
próprio idoso (autonegligência) em prover suas
necessidades básicas de vida, levando-o a situações de
risco e vulnerabilidade. Abuso financeiro ocorre pelo mau
uso ou uso indevido dos recursos do idoso para vantagem
de terceiro ou benefícios indevidos.

Negligência

A negligência é definida como a falha em prover


cuidados básicos a um paciente cujos cuidado e
atendimento das necessidades de vida foram terceirizados,
podendo ser ativa ou passiva, intencional ou não
intencional. É o tipo mais comum, reconhecido e reportado
de MT, com potencial para danos importantes ao paciente,
como risco de morte triplicado para suas vítimas. Barreiras
à adequada notificação incluem desconhecimento sobre o
tema, falta de tempo, medo de retaliações etc. As vítimas
geralmente são frágeis e reticentes em denunciar o
sofrimento a que são expostos, frequentemente por medo
ou vergonha.
Conscientização sobre sinais de negligência e alto índice
de suspeição são necessários para reconhecimento dos
casos. Indícios comuns incluem sinais de desnutrição,
desidratação, higiene precária e vestimentas inadequadas,
muitas vezes acompanhadas de úlceras por pressão em
casos de pacientes mais fragilizados. Outro sinal que deve
sempre ser valorizado é a queda inesperada e progressiva
do estado de saúde de um indivíduo. Fatores de risco para
negligência incluem: interdependência paciente-cuidador,
isolamento social e coabitação. São características do
cuidador que favorecem negligência e abuso: doença
mental, retardo de desenvolvimento, demência, abuso de
substâncias, deficiência física, dependência financeira da
vítima e falta de conhecimento ou experiência como
cuidador.

Rastreio
É recomendado o questionamento sobre MT em
pacientes idosos, sendo parte da avaliação rotineira.
Paciente e cuidador devem ser entrevistados
separadamente quando possível. Ficar atento a possível
relutância por parte do cuidador para deixar o paciente
sozinho, pois pode ser um indicador de MT.
Sugestões de perguntas para pacientes ao rastrear
negligência e abuso:

Você se sente seguro?


Sente que suas necessidades são atendidas?
Alguém já machucou ou vem machucando você?
Tem sido ignorado ou deixado sozinho?
Seu cuidador depende de você financeiramente?
O cuidador tem histórico de abuso de substância?
O cuidador tem histórico de doença mental?

Sugestões de perguntas para um suposto agressor ao


rastrear negligência ou abuso:

Que tipo de ajuda o idoso necessita?


O que o idoso é capaz de fazer sozinho?
Quais suas expectativas sobre o idoso? Sente-se capaz de
atendê-las?
Sente-se frustrado como cuidador?
Há algo que precise para cuidar melhor dessa pessoa?

Exame físico
Avaliação física pode auxiliar na suspeita de negligência
(e de autonegligência); sinais sugestivos são relacionados
com higiene precária: unhas mal cuidadas e sujas, má
higiene cutânea, cabelos desgrenhados, dentição precária,
lesões sugestivas de câncer de pele não tratadas ou não
investigadas, dermatite de fraldas, intertrigo, lesões
associadas a maceração cutânea, úlceras por pressão, entre
outras.

Autonegligência

Embora a autonegligência não seja citada entre as


formas de MT em muitos textos, é um dos tipos mais
prevalentes, associado a elevação da morbimortalidade,
sendo fator de risco independente para óbito. Assim como
outras síndromes geriátricas, a autonegligência ocorre em
um contínuo de gravidade e tende a se agravar ao longo do
tempo se não for reconhecida e remediada.
Não há etiologia bem definida, mas traços de
personalidade, alterações de comportamento e transtorno
psiquiátrico prévio são citados como possíveis associações.
O desenvolvimento progressivo de disfunção executiva tem
sido descrito como importante precedente para o
desenvolvimento de autonegligência. Nesse sentido,
transtornos mentais como esquizofrenia, demência, abuso
de álcool e transtornos psicóticos são frequentemente
descritos em pacientes portadores dessa condição.
Fatores de risco relacionados são idade avançada, sexo
masculino, déficit cognitivo, depressão, delirium, doenças
clínicas (p. ex., acidente vascular cerebral, fratura de
quadril), dependência social e funcional, eventos
estressores (p. ex., luto), histórico de isolamento social e
abuso de álcool e substâncias. Outros fatores citados são
etnia afro-americana e baixo nível socioeconômico, embora
esteja presente em todo espectro demográfico e de estrato
socioeconômico.

Definição
A autonegligência seria definida como o comportamento
de uma pessoa idosa que ameaça a si própria, sua saúde e
sua segurança. Geralmente se manifesta através da recusa
ou falha em prover a si mesmo cuidados com alimentação,
roupas, higiene, bem como questões de segurança. Outra
definição propõem identificar autonegligência quando
presente pelo menos uma das seguintes situações: descuido
persistente com a higiene pessoal ou do ambiente; recusa
repetida de serviços ou tratamentos que poderiam
melhorar sua qualidade de vida; e ameaça à própria
segurança por comportamentos de risco.
Em relação à gravidade do quadro, três domínios de
indicadores são descritos: 1) higiene pessoal (p. ex., cabelo
descuidado, roupas sujas, pele e unhas em condições
precárias); 2) funcionalidade (p. ex., declínio cognitivo e em
atividades da vida diária); e 3) ambiente negligenciado
(evidência de incapacidade para cuidar da casa e dos
recursos existentes).

Modelo
A Figura 1 apresenta um modelo que correlaciona
diversos aspectos da autonegligência.

Avaliação e abordagem
Emprego de avaliação geriátrica ampla com análise
médica, funcional e psicossocial é considerado
fundamental. Informações sobre as habilidades funcionais
do idoso devem ser buscadas, sendo muitas vezes
necessárias informações de terceiros como vizinhos,
locatários, amigos, familiares etc. A avaliação proposta
inclui o rastreio através de checklist simplificado, composto
por duas questões: 1) o indivíduo entende suas
circunstâncias? 2) o indivíduo está falhando em
autocuidado e autoproteção? Cada uma dessas questões
deve ser respondida em relação aos seguintes domínios:
atividades da vida diária (básicas e instrumentais), controle
e organização da casa ou habitação, e autoproteção. A
Figura 2 apresenta uma proposta de abordagem para
autonegligência.
FIGURA 1 Autonegligência: modelo.
FIGURA 2 Autonegligência: avaliação.

MAUS-TRATOS FÍSICOS E EXAME FÍSICO


Exame físico da pele, aliado a história clínica detalhada,
é capaz de fornecer indícios de MT físicos. Lembrar que a
pele do idoso sofre alterações relacionadas com o
envelhecimento, apresentando-se mais fina, com maior
fragilidade capilar, cicatrização lentificada, além de sinais
de fotoexposição prolongada ao longo da vida. Lembrar
ainda que o uso de medicamentos pode influenciar alguns
achados, como antiagregantes plaquetários e
anticoagulantes, que deixam os pacientes mais propensos
ao surgimento de equimoses e pequenos hematomas por
vezes espontâneos.
Frequentemente, sinais físicos de MT são interpretados
erroneamente como sequelas relacionadas com
envelhecimento, medicamentos, outras doenças, como
contusões e úlceras, ou eventos acidentais como quedas.
Os tipos de MT mais associados a achados físicos são abuso
físico, negligência, autonegligência e abuso sexual.
Avaliação física detalhada com achados suspeitos aliada a
história clínica vaga ou inconsistente fornecem pistas
necessárias à identificação de MT.
Diferenciar padrões de lesões acidentais das provocadas
é importante para suspeitar de MT. Púrpuras senis são
associadas ao envelhecimento e ocorrem em áreas
fotoexpostas, geralmente na região dorsal e interna de
mãos e braços. Hematomas devem ser avaliados, podendo
ocorrer em locais distais a contusões provocadas por
extravasamento de sangue. Dados mostram que 90% das
contusões acidentais ocorrem em extremidades, enquanto
lesões provocadas são vistas em pescoço, orelhas, genitália,
nádegas, planta dos pés. Múltiplas lesões aparentando
“idades” diferentes, algumas recentes outras em
cicatrização, reforçam a suspeita de MT. Lesões sugestivas
de serem causadas por objetos como cintos e sapatos
também devem levantar a suspeita de MT. Outro dado
descrito é que em torno de 90% dos idosos vítimas de MT
se recordam do evento que originou pelo menos uma lesão,
enquanto entre idosos com lesões acidentais esse
percentual é de 25%.
Lesões de defesa são vistas com frequência em punhos e
antebraços, chamando mais a atenção se múltiplas,
correspondendo à tentativa de se desvencilhar de
agressões. Outro tipo de lesão comum em MT são
queimaduras (calor, química, elétrica, radiação), sendo as
mais comuns por água quente e por radiação solar, sendo
frequente a associação a negligência ou supervisão
inadequada. Em pacientes vítimas de queimadura por água
quente e capazes de algum tipo de defesa, lesões em
padrão de esguicho ou respingos são encontradas, bem
como padrão em luva ou bota sugere imersão forçada de
um determinado membro em água quente. Queimaduras
por objetos quentes como cigarro e ferro deixam lesões de
formato reconhecível. O exame físico é apenas parte do
quebra-cabeças. Considerar aspectos fisiológicos,
funcionalidade, histórico médico e possíveis mecanismos de
lesão. Lembrar que o mecanismo de lesão deve ser
compatível com a história clínica relatada. As Figuras 3 a 6
apresentam lesões suspeitas para negligência e MT físicos.
FIGURA 3 Lesões maceradas com infecção secundária.
Fonte: arquivo dos autores.

AVALIAÇÃO
Quando ocorre a suspeita de MT deve ser coletada
história clínica detalhada, com particular atenção a
aspectos culturais e psicossociais. Assim, aspectos
detalhados de exame físico geral e cutâneo que possam
corroborar com a suspeita devem ser documentados, bem
como avaliação de funcionalidade, aspectos do
comportamento do paciente, como reage aos
questionamentos, dinâmica e conflitos familiares. A
documentação fotográfica é particularmente importante em
casos de lesões ao exame físico.

FIGURA 4 Úlcera profunda em calcâneo.


Fonte: arquivo dos autores.

FIGURA 5 Equimose em antebraço.


Fonte: arquivo dos autores.
FIGURA 6 Equimose em panturrilha.
Fonte: arquivo dos autores.

Profissionais de saúde eventualmente relutam em


reportar MT devido a uma série de razões: sutileza dos
sinais clínicos, negação pela própria vítima e
desconhecimento sobre procedimentos de denúncia da
suspeição. Também podem contribuir: preocupação quanto
a prejuízos na relação médico-paciente, receio de retaliação
pelo abusador, limitações de tempo, dúvidas sobre a
efetividade de fazer a denúncia e a falsa premissa de que
se fazem necessárias evidências inequívocas, não bastando
somente a suspeita, para formalizar a denúncia.

Avaliação clínica
Diversos instrumentos se propõem ao rastreio e à
identificação de MT, cada um com vantagens e
desvantagens em aspectos como tempo e facilidade para
aplicação, confiabilidade interaplicadores, validade em
diferentes populações e cenários, entre outros. No entanto,
tal heterogeneidade não invalida seu uso como tentativa de
rastreio e, se bem utilizados, podem ser de grande auxílio
na identificação de casos de MT.
Entre os instrumentos citados, estão Conflict Tactics
Scale, Elder Abuse Assessment Instrument, Brief Abuse
Screen for the Elderly, Geriatric Mistreatment Scale, entre
outros. Aqui serão descritos brevemente dois desses
instrumentos, sem prejuízo ou demérito em relação aos
demais.
Desenvolvido em 2008, o instrumento Elder Abuse
Suspicion Index (EASI) consiste em seis questões para
rastreio de MT (Tabela 2) e encontra-se validado para uso
em idosos cognitivamente preservados. As cinco primeiras
questões são respondidas pelo paciente e a sexta pergunta
pelo aplicador do instrumento. Qualquer resposta positiva,
exceto para a primeira questão, enseja investigação
adicional.

TABELA 2 Questões do Elder Abuse Suspicion Index

1. Você depende de terceiros para alguma das seguintes atividades: tomar


banho, vestir-se, fazer compras, ir ao banco ou fazer refeições?

2. Alguém o proibiu de pegar comida, roupas, medicamentos, óculos,


aparelhos auditivos, ter acesso a cuidados médicos ou de estar com
pessoas com as quais você gostaria?

3. Tem se sentido triste por algo dito por alguém que o fez se sentir
envergonhado ou ameaçado?
TABELA 2 Questões do Elder Abuse Suspicion Index

4. Alguém tentou forçá-lo a assinar papéis ou usar seu dinheiro contra sua
vontade?

5. Alguém o assustou, o tocou contra sua vontade ou o machucou?

6. Profissional: maus-tratos podem estar associados a pouco contato visual,


comportamento arredio, desnutrição, higiene ruim, cortes, contusões,
roupas inadequadas, problemas com medicação. Você notou algo assim?

TABELA 3 Achados clínicos e laboratoriais comumente associados a MT

Condição clínica Laboratório Exame físico Causas

Desidratação Hipernatremia; Taquicardia; Privação de


ureia ou creatinina turgor cutâneo líquidos (p. ex.,
elevada, ácido diminuído; olhos para diminuir
úrico elevado, encovados; troca de fraldas),
hemoconcentração hipotensão negligência
postural;
fecaloma

Desnutrição Albumina e IMC baixo; Privação de


transferrina sarcopenia; alimentos;
baixas; anemia; caquexia; declínio descuido com
linfopenia; funcional dentição; disfagia;
colesterol indiferença a
diminuído preferências
alimentares;
abuso financeiro

Hiper ou Elevação de CPK; Alteração da Ventilação


hipotermia testes tireoidianos temperatura; inadequada ou
alterados sinais de sepse; calor excessivo;
desidratação roupas
inadequadas;
hipertermia por
neurolépticos
TABELA 3 Achados clínicos e laboratoriais comumente associados a MT

Rabdomiólise Aumento de CPK Contusões, sinais Trauma;


sérico; de quedas, lesões imobilização
mioglobinúria; por contenção prolongada com
hipernatremia; física; sinais de contenção física;
hipofosfatemia; desnutrição ou uso errado de
hipercalemia; IRA desidratação neurolépticos

Intoxicações Níveis séricos de Sedação Medicamentos em


drogas alterados excessiva; doses excessivas
euforia; déficit com intuito de
cognitivo; sedar, conter ou
depressão; causar dano ao
eventos paciente
cardiovasculares

Infecções ITU recorrentes; Disúria ou piúria; Abuso sexual;


sinais de aspiração múltiplas UPP com alimentação
pulmonar na Rx; sinais de infecção forçada;
IST; infecções em negligência
UPP

CPK: creatinofosfoquinase; IMC: índice de massa corporal; ITU: infecção do


trato urinário; Rx: radiografia; IST: infecção sexualmente transmissível; UPP:
úlcera por pressão.

A utilização da abordagem pelo SOAP (subjective,


objective, assessing, plan) pode ser aplicada na
identificação e no manejo de pacientes vítimas de MT.
Dados subjetivos (S) são as afirmações feitas pelo paciente
e pelo cuidador, incluindo motivo da consulta, queixa
principal, dados pertinentes de história clínica, revisão de
sistemas, histórico médico, familiar e social – nessa fase
podem ser identificados indícios de MT. Dados objetivos (O)
são os sinais indicativos de MT identificados pelo
profissional atendente quando do exame físico, bem como a
observação das interações entre o idoso e seu cuidador. A
avaliação (A) inclui a etapa de raciocínio crítico sobre o
caso, com a formulação de hipóteses diagnósticas e
diagnósticos diferenciais. A etapa de planejamento (P)
consiste das intervenções programadas para a resolução
dos problemas identificados.
Seja qual for a abordagem escolhida para a avaliação,
após identificação de casos suspeitos devem ser buscados
meios e ações para manutenção da segurança do paciente.
Serviços comunitários e na rede de saúde primária, suporte
social alternativo com familiares e amigos, fornecimento de
contatos em serviços de segurança e apoio e fornecimento
de meios de transporte em caso de necessidade devem ser
identificados para auxílio nessa etapa de planejamento e
intervenção. Caso o contato com o possível abusador
continue a ocorrer, estratégias de vigilância e redução de
danos devem ser programadas. Além disso, uma estratégia
de seguimento ao paciente deve ser planejada e
implementada o mais brevemente possível.
Expressões vagas ou aparentemente desconexas podem
ser um pedido de ajuda pelo idoso e a valorização e
investigação de tais expressões podem ser a porta de
entrada para que o idoso exponha sua real situação. É
importante entrevistar o idoso separadamente, para que
ele possa expor livremente alguma situação, bem como a
entrevista com o cuidador deve ocorrer de forma a permitir
que ele exponha sua visão. Eventualmente, a utilização de
visitas domiciliares pode ser reveladora.

Cuidadores

É comum que as pessoas esqueçam que cuidadores


também necessitam de assistência, bem como de suporte
para conseguirem prover o melhor cuidado a idosos
vulneráveis. Setenta e cinco por cento dos cuidadores são
familiares, 70% do sexo feminino, muitos realizando suas
funções sem suporte algum e com necessidades físicas e
psicológicas ignoradas e não atendidas. Nesse sentido, é
importante frisar que tal situação leva ao aumento do risco
de MT, na medida em que fragiliza o cuidador que pode
eventualmente incorrer em MT.
Cuidadores estão expostos a situações estressantes,
doenças, outros papéis e preocupações familiares que
competem com o ato de cuidar de um idoso, muitas vezes
não conseguem conciliar emprego externo e cuidado com o
paciente, culminando em demissão e consequências
financeiras. A maioria dos cuidadores têm pouco ou
nenhum preparo específico antes de assumir tal papel.
Setenta por cento dos cuidadores familiares encaram tal
tarefa como obrigação, em grande parte das vezes sem
possibilidade de alívio ou descanso e frequentemente
assumindo o cuidado de forma solitária, sem auxílio dos
demais familiares, que poderiam se revezar nos cuidados.
A presença de demência no idoso eleva a sobrecarga
sobre o cuidador, tendo em vista a necessidade de
supervisão constante ou quase constante, maior frequência
de incontinência, problemas comportamentais como
agressividade, com ameaça à segurança. Com isso, tal
sobrecarga leva muitas vezes a isolamento geográfico e
social, tendo em vista a impossibilidade de o cuidador
manter atividades externas e de interesse próprio. Tais
aspectos podem ser exacerbados por questões culturais e
socioeconômicos, acarretando queda tanto na qualidade do
cuidado dispensado como na qualidade de vida do cuidador.

TABELA 4 Necessidades dos cuidadores

Informação e educação sobre doenças

Recursos para o cuidado em domicílio e na comunidade


TABELA 4 Necessidades dos cuidadores

Contatos para emergências

Grupos de suporte

Serviços de transporte

Auxílio com necessidades pessoais, saúde mental e física

PREVENÇÃO
As medidas de prevenção são fundamentais para
diminuir a prevalência de MT em idosos. Trata-se do
conjunto de ações mais efetivo e importante na redução do
impacto que o problema pode causar. Estratégias para
prevenção incluem: discussão e conscientização acerca de
ageísmo; divulgação de indicadores subjetivos e objetivos
de MT; incrementar o rastreio de MT nos diversos cenários
clínicos; estabelecer detecção e prevenção de MT em
idosos como rotina no cuidado de sáude.
O termo ageísmo foi cunhado em 1969 e se refere ao
comportamento de discriminação contra idosos
simplesmente pela idade e pelo processo de
envelhecimento em si. Pode levar a desatenção e
negligência com problemas de saúde dos idosos, bem como
aceitação e equalização do envelhecimento como condição
de estado de saúde inferior. O ageísmo tem sido ligado a
declínio funcional, depressão, isolamento, incrementando o
risco de MT e mortalidade precoce, relacionando de forma
errônea o achado de sinais de MT com o envelhecimento
em si e mascarando uma possível suspeição da situação
real que ocasionou os sinais encontrados.
Quando da avaliação inicial do idoso suspeito de MT,
alguns sinais e lesões podem já ter desaparecido, estando
em estágio subclínico de difícil identificação, requerendo
maior índice de suspeição e detalhamento na avaliação
clínica e física. Os principais indicadores de MT, que devem
ser conhecidos e pesquisados estão descritos na Tabela 5.
A otimização do rastreio de MT em idosos deve lançar
mão de ferramentas de avaliação abrangentes, sendo a
avaliação geriátrica ampla (AGA) de conhecimento dos
profissionais que lidam comumente com idosos, capaz de
fornecer um perfil detalhado do estado de saúde e
funcionalidade do paciente através da avaliação da saúde
física e mental, bem-estar, aspectos psicossociais e
domínios cognitivos, áreas diretamente relacionadas com o
risco de MT. Em conjunto, uma avaliação periódica de
fatores de risco para MT permite melhor vigilância.
Medidas propostas para combate aos MT incluem:
campanhas informativas e de conscientização sobre o tema;
treinamento educativo direcionado a profissionais que
lidam diretamente com idosos, focando no papel dos
cuidadores acerca da abordagem de casos suspeitos;
divulgação de informação legal acerca da proteção do
idoso.
Profissionais de saúde se encontram em posição vital
para o rastreio e prevenção de MT. A avaliação funcional,
cognitiva e de bem-estar psicossocial é fundamental para
entender e identificar possíveis fatores predisponentes e
precipitantes associados à ocorrência de MT. Estima-se que
a presença de 3 a 4 fatores de risco leve a aumento de 4
vezes no risco de um idoso sofrer MT, com elevação
exponencial para mais de 20 vezes em relação a idosos sem
fatores de risco naqueles com 5 ou mais fatores de risco
presentes. Detecção e intervenção precoces, como
tratamento efetivo de problemas subjacentes,
disponibilização de serviços comunitários e envolvimento
de familiares podem retardar e evitar casos de MT.
Ferramentas de rastreio de MT em idosos devem ser
capazes de prover avaliação multidisciplinar objetiva; no
entanto a definição de uma ferramenta ideal ainda é uma
necessidade e testagens adicionais dos instrumentos
propostos são necessárias para atestar sua validade e
confiabilidade.
Setores de emergência são locais onde vítimas de MT
são atendidas com frequência e por essa razão o rastreio e
a vigilância têm maior chance de identificar casos. Nesse
contexto, alterações radiológicas descritas podem auxiliar
na suspeita inicial de MT (Tabela 6).

TABELA 5 Indicadores de maus-tratos

Físicos Fraturas, lesões, picadas, queimaduras, contusões, quedas


repetidas, idas repetidas à emergência, alopecia traumática

Sexual Dificuldade para andar ou sentar, dor em região genital,


doença venérea, sangramento vaginal ou anal, contusão
genital ou mamária, roupas íntimas manchadas de sangue

Psicológico Agitação, depressão, ideação suicida, hipervigilância para


com o cuidador, retraimento, comportamento não usual
(sugamento, mordida, choro, balanço e automutilação)

Financeiro Incapacidade de comprar medicamentos, perda inexplicável


de recursos, perda de pensões ou benefícios

Negligência Desidratação, desnutrição, úlceras por pressão, não melhora


ou não reabilitação, uso irregular de medicamentos, idas
frequentes ao hospital, queimaduras por urina, quedas
repetidas, higiene precária, perda de peso sem explicação

Abandono Abandono em hospitais e transporte público, períodos


sozinhos de forma não segura

Autonegligência Aparência descuidada, arredio, deprimido, isolado, condições


de vida de risco, condições de saúde não tratadas, perda de
peso, higiene precária, desidratação
TABELA 6 Achados radiográficos

Achados radiográficos sugestivos de maus-tratos

Injúrias incompatíveis com o mecanismo reportado

Injúrias em diversos estágios de recuperação, particularmente em regiões


maxilofaciais e extremidades superiores

Padrões de lesão incomuns em casos acidentais (p. ex., fratura de diáfise


ulnar)

PANORAMA NACIONAL
A identificação de sinais de violência contra pessoas
idosas, frequentemente negligenciada, deve ser notificada
por meio de ficha de notificação compulsória. O
preenchimento possibilita auxiliar as vítimas na defesa de
seus direitos, resguarda os profissionais para que não se
configure omissão e ainda contribui para o registro
epidemiológico desses agravos externos à saúde. A
notificação compulsória é registrada na Vigilância de
Violência Interpessoal e Autoprovocada do Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (VIVA-SINAN) do
Ministério da Saúde.
O art. 19 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)
prevê que casos de suspeita ou confirmação de violência
praticada contra idosos serão objeto de notificação
compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à
autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente
comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos:
Conselho Municipal ou Estadual dos Direitos do Idoso,
Delegacias de Polícia e Ministério Público. Qualquer pessoa
pode fazer a denúncia de MT. O Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos disponibiliza ferramentas
para facilitar o registro da denúncia:
Disque 100, com discagem gratuita e funcionamento 24
horas/dia.
Aplicativo Proteja Brasil, que pode ser baixado
gratuitamente para o celular.
Ouvidoria On-line, em que se registra a denúncia
preenchendo o formulário disponível em
http://www.humanizaredes.gov.br/ouvidoria-online/.

As denúncias são analisadas e encaminhadas aos órgãos


competentes para que sejam realizadas as devidas
apurações. Dados referentes ao ano de 2018 das denúncias
de violência contra idosos pelo Disque 100 mostram que
negligência, abuso financeiro, violências psicológica e física
foram as formas de MT mais denunciadas (Figura 7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
MT em idosos é um tema relevante, porém pouco
discutido e com baixo nível de conhecimento e
conscientização por profissionais de saúde e pela
população em geral. Melhorias nesse sentido ensejam
treinamento específico aos profissionais envolvidos e
aperfeiçoamento nas estruturas e fluxos de acolhimento de
denúncias. Diante da importância da temática e com o
objetivo de sensibilizar a sociedade para o combate das
diversas formas de violência cometida contra o idoso, a
Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Rede
Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa
(INPES), instituiu em 2006 a data de 15 de junho como Dia
Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa
Idosa.
Para o sucesso na abordagem de MT torna-se essencial o
envolvimento de profissionais de diferentes áreas, sendo de
particular importância o serviço social e a enfermagem,
além da equipe médica. Tais profissionais devem rastrear e
avaliar os abusos em potencial. Pode ser difícil firmar o
diagnóstico de MT, mas conhecer sinais e sintomas e
manter alto índice de suspeição pode ajudar a identificar
vítimas e abusadores. O conhecimento dos tipos de abuso,
fluxos de atendimento, serviços envolvidos na assistência
aos idosos e leis de proteção é de fundamental importância.
Em conjunto a equipe terá melhores condições de
identificar casos e fornecer suporte aos idosos. Para tanto,
a avaliação do idoso pelos componentes da equipe permite
diferentes olhares sobre cada caso, com preenchimento de
lacunas que atendimentos isolados poderiam deixar.

FIGURA 7 Denúncias de violência ao idoso no Brasil pelo disque 100 (2018).

Além disso, é necessário que se fortaleça


institucionalmente e em nível de órgãos de governo a
cultura de combate aos MT em idosos. Serviços de abrigo
para vítimas, equipes formadas para avaliar a capacidade
de idosos viverem e se manterem sozinhos, bem como a
criação de fluxos e instâncias de suporte a pacientes,
cuidadores e profissionais de saúde envolvidos na linha de
frente no contato com o problema. Ratifica-se finalmente
que medidas de prevenção e rastreio devem ser as
principais a serem implementadas e disseminadas nos
diversos cenários, sem prejuízo das medidas de
saneamento e remediação de casos já estabelecidos.
Detectar a ocorrência de violência não é na maioria das
vezes uma tarefa fácil. Essa violência costuma ser velada e
ocultada pelos seus protagonistas, vítimas e agressores.
Porém, identificar a violência é uma necessidade e
responsabilidade de todos, incluindo profissionais de saúde,
que devem estar conscientes de que enfrentarão desafios e
que precisarão superar dificuldades para assegurar a
atenção integral à saúde do idoso.

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Cuidados paliativos e comunicação 51

Edison Iglesias de Oliveira Vidal


Fernanda Bono Fukushima

“O sofrimento só é intolerável quando ninguém se


importa.” (Cicely Saunders)

INTRODUÇÃO
De acordo com a International Association for Hospice &
Palliative Care (IAHPC), os cuidados paliativos são
cuidados holísticos de pessoas com importante sofrimento
relacionado à saúde devido a doenças graves e
especialmente daqueles próximos ao fim da vida. Seu
objetivo consiste em melhorar a qualidade de vida e reduzir
o sofrimento não apenas de pacientes, mas também de seus
familiares e cuidadores.
Pode-se afirmar que os cuidados paliativos surgiram
como resposta ao fracasso histórico da prática médica
tradicional em promover o alívio do sofrimento em
circunstâncias relacionadas a doenças graves e ao fim da
vida. Muito além da atenção à saúde de pessoas próximas
da morte, o desenvolvimento dos cuidados paliativos
contribuiu enormemente para o aprimoramento de diversas
áreas dentro da medicina, envolvendo desde o manejo de
uma variedade de sintomas e a comunicação na saúde de
forma geral até a abordagem da espiritualidade como
dimensão dos indivíduos.
Neste capítulo, abordaremos os princípios fundamentais
dos cuidados paliativos dentro da geriatria com ênfase
sobre aspectos relacionados à comunicação. Desejamos
que, ao término da leitura, torne-se evidente que a boa
prática da geriatria deve ser compreendida como
indissociável dos cuidados paliativos. De fato, da mesma
forma como a pediatria pode ser pensada como cuidados no
início de vida, em grande medida, a geriatria pode ser
concebida como cuidados no fim da vida em seu sentido
mais amplo.

PRINCÍPIOS DOS CUIDADOS PALIATIVOS


Dentre os princípios para a prática dos cuidados
paliativos propomos como ponto de partida aquilo que
Cicely Saunders, fundadora dos cuidados paliativos
modernos, considerava o maior compromisso necessário
para aqueles que ingressam nessa área: o de escutarmos
nossos pacientes acerca de suas necessidades e objetivos.
O tipo de escuta a que Saunders se refere corresponde ao
que atualmente se denomina escuta compassiva ou
empática, que envolve uma qualidade de presença
caracterizada pela abertura, abstenção de julgamento e
interesse genuíno em compreender os sentimentos e
prioridades de pacientes e seus familiares.
O princípio da escuta compassiva está intimamente
alinhado com outros três princípios essenciais à prática dos
cuidados paliativos: a dor total, a natureza do sofrimento e
os cuidados conservadores da dignidade.
O conceito da dor total reconhece que a dor relatada por
pacientes com doenças graves resulta da interação de
componentes de ordem física (e.g., compressão neural pelo
tumor), como de componentes emocionais (e.g., depressão),
sociais (e.g., preocupações relacionadas a seus entes
queridos) e espirituais (e.g., sensação de perda de sentido
na vida). De forma complementar, a proposta de Eric
Cassel sobre a natureza do sofrimento postula que este
ocorre em função da percepção de uma ameaça à
integridade do indivíduo em relação a qualquer uma das
múltiplas dimensões (e.g., corporal, familiar, papéis sociais,
transcendental) que o constituem como pessoa. Já o
princípio dos cuidados conservadores da dignidade,
proposto por Chochinov, ressalta que a noção de dignidade
corresponde à percepção de valor que cada pessoa sente
em relação a si mesma e que, no campo dos cuidados
paliativos, essa percepção é influenciada por uma
variedade de fatores concernentes não apenas à doença e
ao controle de seus sintomas, mas também a questões
existenciais e sociais diversas, incluindo a própria maneira
como nos enxergamos através dos olhos dos outros.
Os três princípios elencados brevemente no parágrafo
anterior convergem para a necessidade da escuta
compassiva e atenta como meio não apenas de diagnóstico
das múltiplas dimensões envolvidas na experiência de
adoecimento, mas também como recurso terapêutico. O
ponto essencial a ser internalizado é o de que, quando nos
privarmos desse tipo de escuta e ignorarmos a
multidimensionalidade da dor, do sofrimento e da
percepção de dignidade dos pacientes, não apenas a
efetividade das intervenções médicas que implementamos
pode ser comprometida como as abordagens diagnósticas e
terapêuticas que propomos, a despeito de nossas melhores
intenções, podem terminar por ser fonte de mais
sofrimento para nossos pacientes e seus familiares. Esses
princípios fazem-se presentes sobretudo no campo da
comunicação, como será visto a seguir.

PRINCÍPIOS PARA COMUNICAÇÃO EM CUIDADOS


PALIATIVOS
A comunicação ocupa um lugar central na prática da
geriatria e dos cuidados paliativos. É por meio dela que são
avaliados os sintomas dos pacientes para chegar a um
diagnóstico e monitoramos a resposta a intervenções
terapêuticas. É pela comunicação que pacientes são
informados sobre sua situação de saúde, acerca dos
diferentes graus de incerteza relacionados a seu
prognóstico e possibilidades de tratamento. Sobretudo, é
por meio da comunicação que podemos buscar
compreender suas fontes de sofrimento, discutimos
objetivos, desenvolvemos planos compartilhados de
cuidados e construímos relações terapêuticas e de
confiança. Diversas situações de comunicação envolvendo
pacientes com doenças graves são tão ou mais desafiadoras
que muitos procedimentos cirúrgicos e demandam o
mesmo grau de treinamento e preparação.
Antes de abordarmos protocolos específicos de
comunicação, convém discutir alguns princípios
fundamentais envolvidos e ilustrados na Figura 1.

Autenticidade: “Ninguém se importa com o quanto você


sabe até que saibam o quanto você se importa”

Esta famosa citação de Theodore Roosevelt denota um


importante princípio para a prática da comunicação na
área da saúde e é especialmente relevante quando nos
encontramos diante de situações críticas. De fato, na maior
parte dos contatos entre profissionais de saúde e
pacientes/familiares paira no ar uma pergunta silenciosa,
porém contundente, relativa à medida com a qual os
profissionais se importam com eles. Nossa atitude verbal e,
sobretudo, não verbal será constantemente escrutinada até
que pacientes/familiares se sintam seguros de que nos
importamos autenticamente. É sobre essa base de
segurança que repousa a confiança necessária para as
relações entre profissionais e pacientes/familiares.
FIGURA 1 Princípios para comunicação em cuidados paliativos.
Figura gentilmente cedida pela Dra. Fernanda Bono Fukushima.

A literatura sobre comunicação em cuidados paliativos é


repleta de orientações sobre técnicas acerca de como
transmitir ao paciente a impressão de que estamos ouvindo
atentamente. Tais técnicas envolvem, por exemplo, o
silêncio, o olho no olho, acenos com a cabeça, uma postura
fletida em direção ao paciente, interjeições (e.g., “hum-
hum”) e frases como “conte-me mais a respeito”.
Acredita-se que essas técnicas, por si sós, são
substitutas pouco eficazes para os comportamentos verbais
e não verbais que fluem naturalmente do ato de nos
importarmos genuinamente com o paciente. Se nosso ponto
de partida não for o fato de nos importamos
verdadeiramente com a pessoa diante de nós, qualquer
uma dessas abordagens soará como um ato mecânico,
inautêntico. Por isso, o primeiro passo para uma
comunicação bem-sucedida envolve adotarmos uma
postura interna de compaixão, na qual reconhecemos o
valor intrínseco do paciente e de sua família como seres
humanos e nos imbuímos da intenção de contribuir para a
redução dos seus sofrimentos. Infelizmente não se trata de
algo óbvio, e, de fato, há evidências consistentes de que os
médicos passam por um processo de declínio em sua
capacidade de empatia ao longo dos anos de sua formação.

Escuta compassiva/empática
A escuta compassiva/empática, já mencionada
previamente como elemento estruturante dos cuidados
paliativos, tem caráter terapêutico e, por si só, pode
contribuir para a redução do sofrimento das pessoas. Em
sua essência, ela consiste em estar presente de forma
integral para o sofrimento alheio. O primeiro elemento
necessário para exercitar esse tipo de escuta envolve a
postura interna descrita no princípio anterior. O segundo
componente envolve, a partir da escuta atenta, tentar
imaginar como nosso interlocutor está se sentindo e as
necessidades que se encontram por trás desses
sentimentos. O mais importante não é que consigamos
“acertar” exatamente os sentimentos e as necessidades dos
pacientes e de seus familiares, mas o esforço, ainda que
silencioso, por compreendê-los. Tal intencionalidade e
esforço exercem seu papel terapêutico provavelmente
através do tipo de conexão que possibilitam com
pacientes/familiares, a qual lhes transmite a segurança de
não estarem sozinhos em seu sofrimento, bem como de seu
valor (dignidade) como indivíduos.
Esse tipo de escuta requer um esforço consciente para
resistir a três hábitos comuns e que costumam interrompê-
la: (1) julgar, (2) tentar minimizar a situação e (3) dar
conselhos/propor soluções. Com isso, não queremos dizer
que conselhos e proposições de soluções não possam ser
úteis, mas que, em situações complexas e de grande
sofrimento, idealmente, o primeiro esforço deveria ser o da
escuta compassiva. Uma vez que a conexão almejada por
meio desse tipo de escuta tenha sido estabelecida, haverá
espaço para aconselhamento e discussão de outras
estratégias para lidar com os problemas existentes e uma
chance maior de que estes sejam levados em consideração.
A escuta compassiva requer que nos esforcemos para
tentar compreender o que se encontra por trás das
palavras e gestos de nossos pacientes e de seus familiares.
Por exemplo, quando um paciente recusa um procedimento
potencialmente útil ou solicita uma intervenção
potencialmente inapropriada, antes de manifestarmos
nossa opinião e tentarmos “educar” o paciente, devemos
buscar entender o que está por trás desses
posicionamentos, tateando os motivos e sentimentos que os
originaram. Ao fazer isso, frequentemente encontraremos
medos, crenças e sofrimentos dos mais diversos. É a partir
dessa compreensão que podemos começar a construir
respostas verbais e não verbais adequadas para endereçar
tais questões.
Outro exemplo que nos parece relevante é o de uma
filha que agride verbalmente um profissional de saúde que
está cuidando de seu pai moribundo. No mais das vezes, em
situações como essa, por trás das palavras ríspidas
encontra-se enorme sofrimento diante da percepção de
morte iminente do paciente. Se o profissional se restringir
à superfície das palavras ditas, sua reação poderá ser
defensiva ou, até mesmo, um improdutivo “contra-ataque”.
Por outro lado, se o profissional conseguir compreender e
se conectar com o sofrimento que se esconde por trás das
palavras da filha, é possível que ele nem sequer se sinta
atacado e que consiga construir uma resposta baseada na
compaixão engendrada pelo reconhecimento daquele
sofrimento, que corresponde a um passo essencial para
conquistar a confiança necessária, conforme descrito no
primeiro princípio elencado nesta seção.

Humildade cultural
O princípio da humildade cultural, proposto
originalmente dentro do contexto da área de educação
médica, integra-se à escuta compassiva ao ratificar a
necessidade de adotarmos uma atitude respeitosa de
abertura e curiosidade genuína perante os pontos de vista
de pacientes e de seus entes queridos, evitando
julgamentos e assumindo uma postura de reflexão crítica
sobre como nossa própria cultura pessoal e profissional
pode estar influenciando nossa interação com eles. Sem a
devida humildade cultural, aumenta o risco de incorrermos
em posturas paternalistas em que acabamos impondo
nossos valores de forma velada aos nossos pacientes.
A humildade cultural se manifesta, por exemplo,
quando, ao realizarmos discussões sobre objetivos de
cuidados, esclarecemos que pessoas diferentes veem a vida
e o mundo de formas diferentes e que uma mesma situação
de adoecimento pode representar para algumas pessoas
uma condição aceitável, enquanto outras pessoas a
perceberiam como um estado pior que a própria morte.

Antes de explicar, pergunte

Em nossa ansiedade para lidarmos com situações de


comunicação desafiadoras, como as que envolvem dar más
notícias, frequentemente nos apressamos em informar o
paciente e sua família acerca de uma série de dados que
julgamos importantes sem antes darmos o passo
fundamental de buscar descobrir o que eles têm
compreendido e imaginado sobre tudo o que está
acontecendo relacionado à experiência de adoecimento e
seus cuidados de saúde. É essencial reconhecer que
precisamos tomar como base para a estruturação da nossa
estratégia de comunicação o nível de compreensão de
nossos interlocutores, de modo a construir o alinhamento
necessário para que a comunicação siga adiante. Sem isso,
há o risco de incorrermos em monólogos ao invés de
diálogos, bem como de passarmos a infeliz impressão de
que não nos importamos com a perspectiva do paciente.
Além disso, sempre que houver a possibilidade de
envolver uma pessoa de confiança do paciente como seu
representante no processo de comunicação, também
devemos perguntar sobre as preferências do paciente em
relação ao quanto de informação ele deseja ou não receber
sobre seu quadro clínico.

Use linguagem simples, dê informações em pequenos


pedaços e verifique a compreensão

É fundamental usarmos linguagem simples e direta, com


o menor número possível de termos médicos e levando em
consideração a necessidade de adequar a quantidade de
informação fornecida nos diferentes momentos do diálogo à
complexidade e peso afetivo que ela carrega. Por exemplo,
após comunicar o diagnóstico de um câncer ou outra
doença grave, é importante aguardar e observar as
respostas verbais e não verbais de pacientes e reagir
empaticamente a elas, antes de discutir os próximos passos
diagnósticos ou terapêuticos. Adicionalmente, devemos
reconhecer que não é possível saber de antemão se aquilo
que consideramos “simples” foi suficientemente claro para
os pacientes ou se sequer fomos ouvidos porque, por
exemplo, eles se encontravam imersos em seus
pensamentos e sentimentos, ainda digerindo um pedaço de
informação comunicado anteriormente, enquanto
falávamos. Por isso, devemos estar vigilantes em relação às
palavras que usamos e atentos às reações verbais e não
verbais de nossos interlocutores.
Sempre que houver qualquer margem de dúvida acerca
da compreensão do que foi discutido, devemos buscar
confirmar sua medida tomando o cuidado de deixar claro
que não estamos testando o paciente, conforme será
exemplificado mais à frente, no tópico sobre comunicação
de notícias difíceis. De forma semelhante, os profissionais
de saúde também devem buscar confirmar se
compreenderam corretamente o que os pacientes
desejavam expressar com suas mensagens (e.g., “Gostaria
de confirmar se entendi você de maneira adequada.
Quando você disse X, você quis dizer que Y? É isso?”).
Finalmente, devemos ter cuidado com sentidos
implícitos das palavras que usamos. Por exemplo, ao dizer
que “de agora em diante vamos apenas realizar medidas de
conforto”, podemos estar transmitindo erroneamente a
ideia de que o paciente está recebendo “menos” cuidados.

Maior ênfase sobre desfechos importantes para os pacientes


do que sobre detalhes técnicos de procedimentos

É comum que profissionais de saúde, em suas discussões


com pacientes/familiares, dediquem uma parte maior de
seu tempo descrevendo detalhes técnicos de possíveis
intervenções diagnósticas ou terapêuticas do que sobre os
desfechos possíveis relacionados às mesmas. Trata-se de
erro comum e que deve ser evitado. A questão que precisa
ser compreendida aqui não é a de que os pacientes não
devem ser esclarecidos sobre os procedimentos em si, mas
a de que eles dão mais importância a informações sobre os
prováveis desfechos clínicos das intervenções médicas
(e.g., “Como eu vou ficar depois da cirurgia?”), porque é
apenas a partir destas últimas que poderão julgar qualquer
relação risco-benefício existente.

Diante de conflitos e de sofrimentos refratários, construa


um diagnóstico diferencial e considere a distinção entre
“necessidades” e “estratégias”

Da mesma forma que, quando nos encontramos diante


de um paciente com uma queixa de dor torácica,
imediatamente abrimos chaves de diagnóstico diferencial
envolvendo múltiplas causas, desde síndromes
coronarianas agudas até dor musculoesquelética, quando
diante de conflitos envolvendo profissionais,
pacientes/familiares, devemos considerar os diagnósticos
diferenciais desses conflitos, os quais podem incluir desde
falhas de comunicação, experiências prévias com outros
profissionais de saúde, negação, conflitos familiares,
sentimento de culpa decorrente de anos de distanciamento
familiar, até diferenças culturais legítimas sobre o
significado de uma boa morte e pressões financeiras de
diferentes ordens. De forma semelhante, quando diante de
dor e sofrimentos refratários, devemos abrir um leque de
diagnósticos diferenciais que considere os quatro
componentes do conceito de dor total, bem como as
dimensões do indivíduo que possam estar ameaçadas.
Dentro do contexto tanto de conflitos interpessoais como
de sofrimento refratário relacionado à percepção de
ameaça a diferentes dimensões do indivíduo, muitas vezes
é útil considerar erros de distinção entre “estratégias” e
“necessidades”. Por exemplo, dois filhos podem se
encontrar em conflito acerca da decisão por levar seu pai
com demência em fase avançada ao hospital para tratar
uma pneumonia ou por tentar manejar tal episódio em
casa. Um profissional de saúde hábil em sua comunicação
com os filhos poderá ajudá-los a perceber que a
necessidade dos dois é a mesma (i.e., proteger o pai do
sofrimento) e que o ponto de discórdia envolve tão somente
a estratégia para atender a tal necessidade. O
reconhecimento do objetivo comum de proteger o pai
facilitará em muito que seja alcançado um consenso acerca
da melhor estratégia para atingir esse objetivo levando em
conta as vantagens e desvantagens de cada estratégia.
Outro exemplo relevante envolve o de um pai com
quadro de dor oncológica mal controlada e que afirma que
uma de suas maiores fontes de sofrimento envolve não mais
conseguir jogar bola com seu filho de 8 anos em função de
sua doença. A escuta atenta pode nos revelar que o ato de
jogar bola, para o paciente, representa uma estratégia para
atender a suas necessidades de troca afetiva com o filho e
de se sentir inteiro em seu papel de pai, que se encontra
ameaçado pela doença. Ao reconhecermos a necessidade
que está por trás da estratégia que não é mais viável,
podemos tentar delinear juntos outras estratégias para
atender a tal necessidade, como, por exemplo, jogar
videogame juntos ou ler histórias à noite para o filho.
A seguir, abordaremos algumas situações comuns
relacionadas à comunicação em cuidados paliativos na
geriatria para ilustrar como os princípios descritos acima
se manifestam por meio de protocolos específicos.
Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que
protocolos são tentativas de traduzir didaticamente
princípios complexos em pequenos passos com o objetivo
de facilitar sua implementação. Em cada um dos protocolos
de comunicação descritos serão fornecidos exemplos de
frases que podem ser usadas. No entanto, é essencial que
esses exemplos não sejam repetidos mecanicamente e que
cada profissional encontre suas próprias palavras, ou seja,
aquelas com as quais se sente verdadeiramente confortável
durante os diálogos com pacientes/familiares.

COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIAS DIFÍCEIS


O Spikes é o mais difundido protocolo de comunicação
de notícias difíceis no mundo. Trata-se de um protocolo de
6 passos guiados pelo acrônimo SPIKES em inglês,
conforme descrito a seguir.
S – Setting-up the interview (Preparação). Esta etapa
envolve desde a preparação mental para o processo de
comunicação até questões relacionadas ao ambiente onde a
conversa irá ocorrer. O profissional de saúde deve ter
revisado os dados do diagnóstico do paciente e ter clareza
sobre os próximos passos possíveis, ainda que de curto
prazo, a partir da comunicação do diagnóstico. O ambiente
deve permitir que as pessoas estejam sentadas, com
privacidade; idealmente, um familiar ou pessoa amiga
deveria estar presente. Interrupções devem, sempre que
possível, ser evitadas e celulares colocados no modo
silencioso ou desligados.
P – Perception (Percepção). Esta etapa, bem com a etapa
seguinte, corresponde à implementação do princípio “antes
de explicar, pergunte” e pode ser exemplificada por meio
da frase a seguir:
“Nem sempre as coisas que os médicos explicam para os
pacientes ficam claras, e é comum que haja dúvidas,
então eu gostaria de começar perguntando o que você
tem entendido do que está acontecendo até agora com
você e sobre os exames que você fez”.
I – Invitation (Convite). Nesta etapa, devem-se explorar
as preferências dos pacientes em relação à comunicação de
diagnóstico e prognóstico. Trata-se de descobrir como e
com quem as informações deverão ser compartilhadas nas
próximas etapas do processo de comunicação.
“As pessoas são diferentes umas das outras desde a
forma como reagem a determinados remédios até como
preferem ser informadas sobre seus problemas de saúde.
Por exemplo, algumas pessoas, se fossem fazer uma
cirurgia para tirar uma unha encravada, gostariam de ser
informadas sobre todos os detalhes (por exemplo, tipo de
anestesia, risco de infecção e sangramento...). Já outras
pessoas prefeririam que esses detalhes fossem
comunicados a um filho ou outra pessoa. Com qual tipo
de pessoa você se parece mais? Com as que desejam
saber os detalhes do que está acontecendo ou com as que
preferem que outras pessoas recebam essas
informações?”

K – Knowledge (Conhecimento). O primeiro componente


deste passo corresponde ao processo de alinhamento, no
qual fazemos a ponte entre a percepção do paciente e seu
estado de saúde.
“Então você entendeu que perdeu cerca de 15 kg nos
últimos 6 meses e que estávamos fazendo exames para
descobrir a causa da perda de peso.”

O segundo componente deste passo envolve dar a


informação em pequenos pedaços, sendo comum começar
com um “tiro de alerta” do tipo “Infelizmente, as notícias
do resultado do seu exame não são boas”. Muitas vezes,
após o “tiro de alerta”, o próprio paciente verbaliza a
pergunta sobre seu diagnóstico “Doutor, eu estou com um
câncer?”, ao que o profissional deve responder com a
verdade.
E – Emotions and Empathic Responses (Emoções e
Empatia). Esta etapa ocorre em paralelo e de forma
iterativa com a etapa anterior. Os profissionais de saúde
devem utilizar os recursos verbais e não verbais que
decorrem espontaneamente da escuta
compassiva/empática, abordada previamente, para
responder às emoções do paciente, propiciando um espaço
de segurança para seus sentimentos e pensamentos. A
escuta compassiva pode se dar inteiramente em silêncio
como pode se valer de falas breves, situação em que, por
exemplo, tentamos tatear nomeando os sentimentos que o
paciente pode estar experienciando. “Você está sentindo...
(e.g., medo, raiva, decepção, tristeza)?” Adicionalmente, a
escuta compassiva também pode se beneficiar de
perguntas abertas, tais como “Neste momento o que está
preocupando mais você?”.
S – Strategy and Summary (Estratégia e Sumário). Uma
vez que o paciente tenha recebido informação e empatia
suficiente, devemos estabelecer uma estratégia que
contemple ao menos o próximo passo. Por exemplo, “Neste
momento, vou aumentar a dose do medicamento para a dor
e encaminhar você para uma avaliação com meus colegas
do serviço de oncologia. Depois, eu gostaria de revê-lo em
uma semana para saber como você está passando. Se a dor
não melhorar suficientemente até lá, vou introduzir um
novo medicamento”.

DISCUSSÃO DE OBJETIVOS DE CUIDADOS


O protocolo Spikes de comunicação de notícias difíceis
serviu como base para outros protocolos de comunicação
mais amplos que incorporam a discussão de objetivos de
cuidados e prioridades de tratamento como um passo
adicional. Os passos iniciais relativos à preparação,
avaliação da perspectiva/entendimento de pacientes e
familiares, bem como de determinação da forma como as
informações devem ser compartilhadas, permanecem
essencialmente os mesmos. O passo relativo à discussão de
objetivos de cuidados se insere imediatamente antes do
passo final de definição da estratégia a ser seguida.
Os princípios da humildade cultural, dos cuidados
conservadores da dignidade, da natureza do sofrimento e
da escuta compassiva devem guiar as discussões de
objetivos de cuidado, as quais habitam o verdadeiro
processo de tomada de decisão compartilhada. O objetivo
dessas discussões não é o de convencer
pacientes/familiares a “aceitarem” os “cuidados paliativos”,
conforme definidos pela equipe de saúde, mas o de
descobrir as prioridades do binômio paciente/família para
juntos traçarmos os caminhos possíveis para alcançá-las.
De fato, a essência dos cuidados paliativos se materializa
mais no processo de identificação de valores/objetivos e
construção conjunta de planos de cuidado do que
simplesmente nas decisões de limitação de medidas
invasivas.
Devemos reconhecer a existência de uma variedade de
objetivos legítimos que vão desde a cura e o prolongamento
da vida até o alívio do sofrimento, passando pela
preservação da funcionalidade, autonomia, proteção dos
entes queridos e realização de desejos específicos. É
importante reconhecer que múltiplos objetivos podem
existir ao mesmo tempo e que em diversas circunstâncias
alguns deles podem competir entre si e demandar escolhas
priorizando uns em detrimento de outros.
Recomenda-se que o passo relativo à discussão de
objetivos de cuidados propriamente ditos seja iniciado
tentando estabelecer objetivos gerais. Isso pode se dar por
meio de perguntas como esta: “Neste momento, quais são
as suas maiores preocupações?”. Adicionalmente, podemos
traçar uma linha num pedaço de papel ou usar nossas mãos
para indicar os limites de uma linha imaginária cujos
extremos representam, de um lado, o objetivo de prolongar
a vida a qualquer custo, e, do outro, o objetivo exclusivo de
conforto, conforme exemplificado no Quadro 1.

QUADRO 1 Exemplo de estratégia para elicitar objetivos gerais


QUADRO 1 Exemplo de estratégia para elicitar objetivos gerais

“Cada pessoa tem objetivos e prioridades diferentes em relação a seus


cuidados de saúde. Para algumas pessoas, o principal objetivo é tentar
prolongar a vida ao máximo, mesmo que por apenas algumas horas ou dias.
Essas pessoas estão neste canto dessa linha imaginária entre as minhas mãos.
Para elas, se houver uma chance de viver alguns dias a mais, valeria a pena,
por exemplo, ser cuidado em uma unidade de terapia intensiva, inclusive
respirando com ajuda de máquinas e se alimentando através de tubos, mesmo
que estivessem inconscientes e sem possibilidade de voltar a se comunicar.
Por outro lado, há pessoas que estão deste outro lado dessa linha imaginária,
cuja preocupação é exclusivamente não sofrer, por exemplo, sentindo dor e
falta de ar. As pessoas que estão nesta ponta estão preocupadas apenas com
sua qualidade de vida e sequer gostariam de receber tratamentos cuja função
principal fosse prolongar suas vidas. Por exemplo, caso tivessem uma
pneumonia, elas gostariam de receber tratamentos para aliviar a dor, a febre e
a falta de ar, mas não gostariam de receber antibióticos para tratar a
pneumonia, pois nesse caso prefeririam ter uma morte natural causada pela
pneumonia a ter sua vida prolongada.
Além disso, grande parte das pessoas se encontra em algum lugar entre esses
extremos, umas mais para um lado gostariam de receber antibióticos para
tentar tratar uma pneumonia, mas não gostariam de ir para o hospital. Outras
pessoas, mais próximas do outro lado, gostariam de ser tratadas em um
hospital, mas não gostariam de ir para uma unidade de terapia intensiva.
Nesta linha imaginária, onde você acha que você se encontra, mais para cá ou
mais para lá? Por quê?”

Figura gentilmente cedida pela Dra Fernanda Bono Fukushima.

Naturalmente, o exemplo descrito no Quadro 1 pode ser


adaptado para situações como a de um paciente com
demência em fase avançada, situação em que a conversa se
dá com um representante do paciente. Nesse caso, nosso
enfoque deve ser tentar entender, da melhor forma
possível, o que o paciente, caso estivesse lúcido e capaz de
se comunicar de forma efetiva, consideraria prioritário.
Para situações em que o representante se sinta inseguro
sobre as prioridades do paciente, podemos lançar mão de
estratégias para tentar obter uma “anamnese de valores”,
como as descritas no Quadro 2.
Com base nas informações obtidas acerca das
prioridades dos pacientes, seja diretamente, por meio de
seu autorrelato, seja indiretamente, por intermédio de seus
representantes, devemos verificar se compreendemos
adequadamente os valores que nos foram relatados (e.g.,
“Se eu entendi corretamente o que você me contou, é
provável que se seu pai soubesse que estaria numa
situação como esta, que a prioridade dele seria...”), para
apenas em seguida discutir opções específicas e realizar
recomendações de tratamentos/abordagens consistentes
com esses valores (e.g. “Com base nesse entendimento, eu
recomendo que façamos... porque... Isso faz sentido para
você?”).
É fundamental notar que não se trata de oferecer um
menu de opções de condutas médicas, esclarecer as
vantagens, desvantagens, riscos e benefícios de cada uma e
aguardar como um garçom a escolha dos clientes.
Discussões de objetivos de cuidados integram um processo
de decisão compartilhada no qual especialistas na área
médica e especialistas no paciente (o paciente em si e/ou
seu representante) compartilham informações entre si para
chegarem juntos à proposição de um caminho a seguir e
que, necessariamente, será reavaliado ao longo do tempo.
QUADRO 2 Exemplos de perguntas para tentar colher uma anamnese de
valores por meio de um representante de pacientes incapazes de se
comunicar de forma eficaz

“Você poderia me contar como sua mãe era? Quais eram as coisas mais
importantes para ela? Em relação à saúde, ela tinha algum medo
específico?”
“Quando ela começou a ficar doente e ter dificuldade de se cuidar sozinha,
quais eram as maiores preocupações dela?”
“Quão importante sua mãe considerava sua própria autonomia? Como ela
se sentia quando precisava pedir ajuda dos filhos para alguma tarefa que
tinha dificuldade de fazer sozinha?”
“Ela chegou a ver alguém em uma situação semelhante à situação em que
ela está hoje ou alguém que estivesse acamado e incapaz de se comunicar
seja pessoalmente ou mesmo na TV? Nesse caso, ela chegou a fazer algum
comentário do tipo: ‘se algo assim acontecesse comigo...’?”
“Com base no que você conhece da sua mãe, existe alguma situação de
saúde que você acha que ela consideraria como um estado pior do que a
morte? Por quê?”

Maiores detalhes sobre o processo de decisão


compartilhada, incluindo os limites existentes à autonomia
de profissionais de saúde, pacientes e familiares, bem como
a distinção entre tratamentos fúteis em senso estrito e
tratamentos potencialmente inapropriados, ultrapassam o
escopo deste capítulo e podem ser encontrados em outras
referências facilmente acessíveis.
Ainda no que tange à questão das discussões sobre
objetivos de cuidado, é comum que os profissionais de
saúde vivenciem certa tensão entre o desejo de contribuir
para que pacientes/familiares mantenham a esperança e a
necessidade de prepará-los para problemas futuros. O
caminho para lidar com essa tensão envolve reconhecer
que a esperança é um mecanismo psicológico de proteção
do indivíduo e que não se trata de ou ter esperança ou se
preparar, mas que é possível defender ambos os objetivos.
Uma das estratégias dialógicas desenvolvidas para dar
conta dessa perspectiva é denominada em inglês “Hope for
the best and prepare for the worst”, que pode ser expressa,
por exemplo, conforme descrito a seguir, no contexto de
uma conversa com um paciente que esperava por um
milagre.

“Eu estou do seu lado e rezo para que sua esperança se


concretize e um milagre aconteça e cure sua doença.
Seguiremos trabalhando para que você tenha o melhor
cuidado de saúde que estiver ao nosso alcance. Ao
mesmo tempo, entendo que milagres são eventos que
fogem ao nosso controle e que dependem apenas da
vontade de Deus. Às vezes, o milagre que Deus prepara
para uma pessoa não é a cura de uma doença, mas que
ela consiga estar sem dor e na companhia das pessoas
que ama. Então, ao mesmo tempo que vamos continuar
orando pela cura, acho que também é importante nos
prepararmos para a possibilidade de que as coisas
aconteçam de outro jeito. Por exemplo, se a cura não
ocorrer, que outras coisas seriam importantes para
você?”.

PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS


O planejamento antecipado de cuidados (PAC) foi
definido recentemente como “um processo que apoia
adultos de qualquer idade e em qualquer estado de saúde a
compreender e compartilhar seus valores, objetivos de vida
e preferências em relação a cuidados de saúde futuros” e
cujo objetivo é “assegurar que as pessoas recebam
cuidados de saúde consistentes com seus valores, objetivos
e preferências durante doenças graves e crônicas” (Sudore
et al., 2017). É importante notar que essa definição é
bastante diferente de visões ultrapassadas que
consideravam que o objetivo último do PAC era a
elaboração de uma diretiva antecipada de vontade (DAV).
De acordo com o Institute of Medicine dos EUA, as DAV
devem ser vistas como um conjunto de ferramentas úteis
em um processo continuado de PAC. Além disso, a evolução
histórica do PAC, corporificada por meio da definição do
parágrafo anterior, tem migrado de um processo voltado
para a tomada antecipada de decisões para um processo de
preparação para a tomada de decisão em tempo real em
um momento futuro informada pelo compartilhamento de
valores e objetivos dos pacientes com seus representantes
e profissionais de saúde.
O coração do PAC repousa sobre a comunicação entre
profissionais de saúde, pacientes e seus
familiares/representantes e requer a aplicação dos
princípios descritos previamente neste capítulo.
Descrevemos a seguir uma sequência de passos para um
processo de PAC baseado na proposta de Sudore e Fried
(2010) e que pode ser integrado a elementos previamente
apresentados do protocolo Spikes de forma bastante
natural.
O primeiro passo do processo ora proposto se inicia com
o convite para o PAC e pode seguir em linhas gerais o
exemplo a seguir.

“Para mim, é muito importante respeitar as prioridades e


os valores dos meus pacientes em relação a seus
tratamentos de saúde. Uma das coisas que me
preocupam é quando acontece algo inesperado como um
acidente de carro ou um derrame e meus pacientes se
encontram em uma situação em que não conseguem se
comunicar comigo para me dizerem como gostariam ou
não de ser cuidados. Por isso, eu gosto de conversar com
meus pacientes para entender as coisas que são
importantes para eles e quem eles gostariam que
tomassem decisões sobre sua saúde em seu nome caso
algo assim acontecesse. Podemos conversar sobre isso
hoje ou em nossa próxima consulta?”.

O segundo passo envolve a identificação de um


representante:

“Se você sofresse um derrame ou um acidente de carro e


estivesse em coma, sem conseguir se comunicar, quem é
a pessoa que você gostaria que tomasse decisões sobre a
sua saúde junto com os médicos?”.
“Você já contou isso para ela? Você sabe se ela aceitaria
exercer esse papel?”.
“Será que ela poderia vir junto com você na sua próxima
consulta para que possamos conversar juntos?”

O terceiro passo compreende o ato de explorar os


valores dos pacientes:

“O que tem passado pela sua cabeça desde o seu


diagnóstico? Quais são suas maiores preocupações a
esse respeito?”
“Quando você esteve hospitalizado no mês passado,
quais foram suas maiores preocupações? Como seria
para você se (o problema que levou à hospitalização)
acontecesse de novo?”
“Você já viu alguém pessoalmente ou mesmo na TV que
você considerasse que estava em uma situação de saúde
que você achava pior do que a morte?”.
“Existe algum tratamento de saúde que você jamais
gostaria de receber?”.
“Você já viu alguém que teve um acidente de carro ou
um derrame grave e a pessoa ficou em coma, totalmente
dependente para tudo, acamada e sem conseguir se
comunicar? Algumas pessoas acham que viver desse jeito
vale a pena e gostariam de receber tratamentos para
terem sua vida prolongada em situações como essa,
inclusive através de máquinas para respirar e de
alimentação por tubos, mesmo que nunca mais fossem
acordar. Outras pessoas pensam que viver desse jeito
seria pior do que morrer e não gostariam de receber
esse tipo de tratamento se o mais provável fosse que
ficariam assim para sempre. Finalmente, outras pessoas
aceitariam receber esse tipo de tratamento apenas por
um período de teste, até os médicos terem clareza sobre
suas chances de recuperação. Você se parece mais com
que tipo de pessoa?”.

O quarto passo consiste em verificar se compreendemos


adequadamente os valores dos pacientes.

“Então, se entendi corretamente o que você me disse,


neste momento as coisas mais importantes para você
são...”.
“Você consideraria um estado de saúde [...] como pior
que a morte porque...”.
“Você jamais aceitaria [...] tratamentos porque...”.

O quinto passo envolve estabelecer o grau de liberdade


que o paciente daria ao seu representante:

“É muito difícil conseguir prever tudo que pode


acontecer com a gente... Podem ocorrer situações em
que seu representante tenha dificuldade em seguir
aquilo que você disse que gostaria... Nesses casos, há
pacientes que dariam total liberdade a seu representante
para agir como achasse melhor. Já outros pacientes não
dariam essa liberdade a seus representantes, e outros
pacientes ainda dariam liberdade apenas em relação a
determinadas decisões. Como seria isso para você?”.

Finalmente, o sexto passo corresponde à documentação


do conteúdo da conversa de PAC no prontuário do paciente
sob a forma de uma DAV e, idealmente, em um receituário
contendo o resumo da conversa e as recomendações de
cuidados feitas pelo médico em função do PAC. Os Quadros
3 e 4 exemplificam esse tipo de registro em prontuário e
em receituário, respectivamente.

QUADRO 3 Exemplo de registro de planejamento antecipado de cuidados em


prontuário sob a forma de uma diretiva antecipada de vontade

DIRETIVA ANTECIPADA DE VONTADE


Hoje, [data], realizei discussão de planejamento antecipado de cuidados com o
paciente e seu filho [Fulano].
O paciente relatou que seu maior medo é o de ficar acamado e se tornar um
fardo para sua família. Disse ainda que gosta muito de poder estar com seus
netos e de cuidar das plantas do seu quintal. Relata que consideraria estar
acamado, incapaz de cuidar de suas plantas ou de conversar com outras
pessoas como uma situação pior do que a morte. Relata que não gosta de ir
para o hospital, mas que aceita ser hospitalizado desde que não venha a ficar
acamado indefinidamente.
O paciente relata ainda que gostaria que seu filho, [Fulano], seja seu
representante para decisões relacionadas à sua saúde e que daria total
liberdade a ele para tomar decisões a esse respeito, mesmo que tais decisões
eventualmente possam ir contra suas preferências, porque sua maior
preocupação é com o sofrimento de sua família.

QUADRO 4 Exemplo de registro de planejamento antecipado de cuidados em


receituário sob a forma de recomendações de cuidado
QUADRO 4 Exemplo de registro de planejamento antecipado de cuidados em
receituário sob a forma de recomendações de cuidado

RECOMENDAÇÕES DE CUIDADOS
A paciente acima é portadora de demência na doença de Alzheimer em fase
avançada (FAST 7c). Hoje, [data], realizei discussão de planejamento
antecipado de cuidados com [Ciclana], filha da paciente. A filha demonstra
compreender que a paciente se encontra em fase avançada da demência e
informa que, pelo que conhece de sua mãe, entende que, no presente
momento da evolução de sua doença, deve ser dada prioridade total ao
conforto da paciente em detrimento de intervenções com o intuito de
prolongar a vida.
Em função disso, recomendo que, em caso de intercorrências, a
paciente não seja submetida a passagem de sonda de alimentação,
ventilação mecânica ou reanimação cardiopulmonar. A paciente deve
receber medicamentos para tratamento da dor e de quaisquer
sintomas desconfortáveis. Em caso de dúvida, favor entrar em
contato comigo pelo número [99-99999999].

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo aborda princípios de comunicação em
cuidados paliativos e sua aplicação por meio de protocolos
de comunicação relacionados a três situações comuns à
prática da geriatria. Ratifica-se que os passos descritos nos
protocolos e os exemplos mencionados ao longo do texto
têm caráter didático e ilustrativo, com o objetivo de
facilitar sua aplicação na prática clínica dos leitores.
É por meio da prática e da reflexão sobre ela que é
possível aprimorar-se nas complexas tarefas de
comunicação que envolvem os cuidados paliativos.

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52 Manejo da dor aguda e crônica no idoso

Eugênia Jatene Bou Khazaal Berjeaut


Gabriella Pequeno Costa Gomes de Aguiar
Marcos Daniel Cabral Saraiva

INTRODUÇÃO
Definida pela International Association for the Study of Pain
(IASP) como uma experiência sensitiva e emocional
desagradável associada ou relacionada com lesão real ou
potencial dos tecidos, a dor apresenta alta prevalência em
idosos, acometendo 25-50% dos que vivem na comunidade e até
80% dos institucionalizados. No entanto, dentre os idosos,
apenas 50% recebem tratamento adequado para dor.
Apesar de prevalente, os idosos tendem a ser hesitantes em
relatar dor, seja pela percepção de que ela ocorre de forma
natural com o envelhecimento, seja pelo medo do seu significado
ou pelo temor de perder sua independência. Dessa forma, a fim
de evitar a subnotificação e especialmente o subtratamento, é
necessário o questionamento ativo e rotineiro sobre dor durante
a consulta.
A abordagem da dor em idosos é desafiadora, tendo em vista
a presença frequente de comorbidades, polifarmácia, dificuldade
de comunicação, alteração cognitiva, redução da reserva
fisiológica, perda funcional e ponderal, além da possibilidade de
apresentações atípicas de dor.

FISIOPATOLOGIA DA DOR
A dor resulta da ativação de terminações periféricas de
neurônios aferentes primários nociceptores, que são
responsáveis pela detecção e transmissão de estímulos
dolorosos. Esses neurônios possuem o corpo celular localizado
no gânglio da raiz dorsal da medula espinal, e seu
prolongamento percorre o nervo até atingir o órgão periférico, o
que constitui a fibra sensitiva. Existem dois tipos de fibras
sensitivas nervosas aferentes relacionadas com a nocicepção:
fibras A-delta mielinizadas e fibras C amielínicas. As fibras A-
delta são de maior diâmetro e conduzem rapidamente, sendo
despolarizadas por estímulos mecânicos e térmicos breves. As
fibras C são menores e conduzem lentamente, sendo
despolarizadas por estímulos químicos ou eventualmente por
estímulos mecânicos e térmicos persistentes.
Uma vez captado pelo sistema nervoso periférico, o estímulo
sensitivo é processado pelo sistema nervoso central (SNC). A dor
é considerada uma experiência multidimensional, ou seja,
apresenta não apenas um componente sensitivo, mas também
componentes afetivo e cognitivo associados. Essa experiência
multidimensional é explicada por conta de sua regulação
complexa e do envolvimento de diversas áreas cerebrais, como
córtex somatossensitivo, córtex insular, córtex pré-frontal,
hipocampo e amígdala. A ascendência dos estímulos
nociceptivos pelo SNC sofre ações modulatórias (excitatórias ou
inibitórias) de origem segmentar local e supraespinal, sendo
atualmente bastante estudadas por sua relação com a origem de
processos álgicos e também por serem alvo de tratamentos para
o controle da dor. O controle supraespinal, conhecido como
controle inibitório descendente da dor, é constituído
basicamente por neurônios serotoninérgicos e noradrenérgicos,
e é regulado pelos seguintes núcleos do tronco encefálico:
substância cinzenta periaquedutal, bulbo rostral ventromedial e
tegumento pontino dorsolateral.
A dor que se torna persistente envolve os processos
fisiopatológicos de sensibilização periférica e central,
esquematizados na Figura 1. A sensibilização periférica se
desenvolve no local da lesão tecidual ou do processo inflamatório
persistente e se caracteriza pela liberação de substâncias
inflamatórias e algiogênicas, resultando na redução do limiar
dos nociceptores locais. Já a sensibilização central se caracteriza
pelo aumento da excitabilidade dos neurônios da coluna dorsal
da medula espinal, desencadeando uma facilitação do SNC a
estímulos nociceptivos, com redução do limiar da dor e aumento
de área receptiva. Existem características clínicas sugestivas de
sensibilização periférica, como alodínea e hiperalgesia primária,
restritas ao local lesado e de curta duração. Já a hiperalgesia
secundária, caracterizada por dor na área circunjacente à lesão,
é considerada uma consequência da sensibilização central.

NOCICEPÇÃO NO ENVELHECIMENTO
No processo de envelhecimento, são descritas alterações
estruturais no sistema nociceptivo em diversos locais do sistema
nervoso e que podem explicar em parte a maior prevalência de
dor persistente nessa faixa etária:

Encéfalo: perdas neuronais e emaranhados neuronais


neurofibrilares em diversos núcleos corticais podem estar
relacionados com a perda nos mecanismos de inibição
descendente da dor.
FIGURA 1 Fisiopatologia da dor.

Sistema nervoso periférico: redução no número e na


funcionalidade de fibras sensitivas, redução da velocidade de
condução nervosa e fluxo sanguíneo endoneural.
Medula espinal: alteração na expressão de
neurotransmissores e redução no número de neurônios
noradrenérgicos e serotoninérgicos no corno posterior
relacionado com o controle inibitório descendente.

Em relação à percepção de dor, observa-se redução do limiar


da dor, menor tolerância para estímulos nociceptivos e aumento
do limiar para estímulos não nociceptivos e dor visceral, gerando
com isso ausência de dor em situações como infarto agudo do
miocárdio, por exemplo.

CLASSIFICAÇÃO DA DOR
As síndromes dolorosas podem ser classificadas de acordo
com o tempo de instalação e a fisiopatologia.

Tempo de instalação
Aguda: resultado da estimulação do sistema somatossensorial
por estímulos nociceptivos, geralmente resultando em reações
de hiperatividade autonômica (taquicardia, hipertensão
arterial, sudorese etc.) (p. ex., dor após trauma, dor visceral e
dor no perioperatório).
Crônica ou persistente: dor que persiste além da solução de
seu processo etiológico (em linhas gerais utiliza-se o corte de
3 meses). Atualmente, a dor persistente é considerada um
estado patológico bem definido, e não apenas um sintoma,
sendo caracterizada pela disfunção do sistema
somatossensorial e acompanhada dos processos de
sensibilização periférica e central descritos na fisiopatologia
da dor. Os termos dor persistente e dor crônica são
frequentemente usados de forma intercambiável, no entanto,
pela conotação negativa do último, o termo dor persistente
vem sendo mais utilizado na literatura atual. As principais
causas de dor persistente em idosos são: doenças
osteoarticulares (especialmente as degenerativas), síndrome
dolorosa miofascial, neuropatias e doença vascular periférica.

Fisiopatologia

Fisiológica: dor causada por estímulo nociceptivo (térmico,


elétrico, químico ou mecânico).
Nociceptiva: dor causada por lesão tecidual ou processo
inflamatório (p. ex., dor pós-traumática e artrite reumatoide).
Neuropática: causada por lesão do sistema somatossensitivo,
seja do sistema nervoso central ou periférico (p. ex., neuralgia
pós-herpética e neuropatia diabética).
Disfuncional: caracterizada pela ausência de lesão tecidual ou
do sistema somatossensitivo (p. ex., síndrome fibromiálgica).
Mista: presença concomitante de pelo menos dois tipos de dor
(p. ex., na lombalgia é frequente a associação de dor
neuropática e dor nociceptiva).

CONSEQUÊNCIAS DA DOR NO ENVELHECIMENTO


A dor persistente em idosos está geralmente associada a
comorbidades e merece maior atenção por parte dos
profissionais de saúde, tendo em vista seu impacto direto na
qualidade de vida e na capacidade funcional do indivíduo.
Quando mal controlada, a dor está associada a prejuízos na
execução das atividades da vida diária (AVD), alteração na
mobilidade, risco de quedas, fragilidade, dependência,
isolamento social, distúrbios do humor, alterações cognitivas,
insônia, perda de peso, além do aumento dos custos em saúde.

AVALIAÇÃO DA DOR NO ENVELHECIMENTO


A avaliação adequada da dor é essencial para que ocorra o
tratamento eficaz. A realização de uma abordagem completa
envolve fatores psicossociais, cognitivos, neuropsicológicos,
clínicos e comportamentais envolvidos no quadro álgico. Além
disso, a caracterização de funcionalidade, mobilidade, qualidade
do sono, apetite, alterações ponderais, humor e disfunções
cognitivas prévias é essencial para guiar o manejo do quadro,
estabelecendo metas atingíveis.
Durante a anamnese e o exame físico objetiva-se determinar a
causa da dor, identificar comorbidades que podem impactar em
sua experiência e expressão (como demência e depressão) e
detectar fatores que influenciam na escolha do tratamento
(como imobilidade e insuficiência cardíaca). A dor deve ser bem
caracterizada, o tipo de dor deve ser diferenciado e a
investigação de antecedentes pessoais, incluindo traumas e
medicamentos em uso, é fundamental. A dimensão psicoafetiva
do paciente e de seus familiares deve ser analisada, definindo a
relação temporal entre dor e alterações de humor ou
comportamento (dor como expressão de tristeza, ansiedade ou
isolamento social). Considerando sua influência por fatores
culturais, espirituais, sociais e familiares, compreender a
interpretação da dor pelo paciente e suas expectativas também
auxilia no tratamento, bem como a detecção de comportamentos
dissociados do componente físico da dor, observando a possível
ocorrência de “ganhos secundários”.
O exame físico é importante para identificar manifestações
comportamentais da dor, principalmente em pacientes com
dificuldade de expressão verbal. Inspeção, palpação e avaliação
de sinais neurológicos são obrigatórias para a caracterização da
dor. A repetição do exame físico durante o tratamento auxilia no
manejo do quadro, a fim de determinar a eficácia do tratamento
e excluir novas condições.
Exames de imagem e testes diagnósticos são considerados
após a evidência de alterações em exame físico ou devido a
causas específicas de dor (reumatológica, infecciosa,
oncológica), tendo em vista a crescente ocorrência de achados
de exames em pacientes assintomáticos. Da mesma forma, em
pacientes com queixas consideráveis de dor, a imagem pode ser
frustrada, caracterizando a dissociação clínico-radiológica.
Nesses casos, a dor deve ser reconhecida como legítima e
tratada da forma adequada.
No Brasil, poucos instrumentos de avaliação foram
traduzidos, adaptados transculturalmente e validados. O uso das
escalas é útil para comparação da intensidade da dor no mesmo
paciente em diferentes momentos. Elas são divididas em
unidimensionais e multidimensionais. As unidimensionais são as
mais usadas, avaliam a intensidade da dor e são fáceis e rápidas
de aplicar. As escalas visuais numéricas (Figura 2) são as
preferidas, devido a suas propriedades psicométricas e reduzida
demanda linguística. A escala de descritores verbais (Figura 3)
também possui boas propriedades com idosos, diferentemente
da escala visual analógica ou da escala de faces, que têm
frequentemente levado a respostas não aceitáveis nessa faixa
etária.
As escalas multidimensionais, por sua vez, captam o impacto
da dor na qualidade de vida. Com desenvolvimento mais recente,
a Geriatric Pain Measure (GPM) (Quadro 1) é uma escala
multidimensional de rápida aplicação e fácil, validada para uso
no Brasil. Ela avalia a dor e seu impacto no humor, nas AVD e na
qualidade de vida, compreendendo as dimensões sensório-
discriminativa, motivacional-afetiva e cognitivo-avaliativa da dor.
Existem outras escalas, porém nem todas foram validadas
para uso no Brasil. O Brief Pain Index (BPI) é um dos mais
utilizados, por ser breve, fácil e validado também para dor
oncológica. Para dor neuropática, instrumentos específicos como
Neuropathic Pain Scale (NPS), Selfsupport version of the Leeds
Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs (S-LANSS) e o
Douleur Neuropathique 4 (DN4) podem ser utilizados.

FIGURA 2 Escala visual numérica.

FIGURA 3 Escala de descritores verbais.

QUADRO 1 Questionário Geriatric Pain Measure: versão em português

Por favor, responda cada pergunta, Resposta Nota


marcando “sim” ou “não”.

1. Você tem ou acha que teria dor com ( ) Não ( ) Sim


atividades intensas como: correr, levantar
objetos pesados ou participar de atividades
que exigem esforço físico?
QUADRO 1 Questionário Geriatric Pain Measure: versão em português

2. Você tem ou acha que teria dor com ( ) Não ( ) Sim


atividades moderadas como: mudar uma
mesa pesada de lugar, usar um aspirador
de pó, fazer caminhadas ou jogar bola?

3. Você tem ou acha que teria dor quando ( ) Não ( ) Sim


levanta ou carrega uma sacola de compras?

4. Você tem ou acha que teria dor se ( ) Não ( ) Sim


subisse um andar de escadas?

5. Você tem ou teria dor se subisse apenas ( ) Não ( ) Sim


alguns degraus de uma escada?

6. Você tem ou teria dor quando anda mais ( ) Não ( ) Sim


do que um quarteirão?

7. Você tem ou teria dor quando anda um ( ) Não ( ) Sim


quarteirão ou menos?

8. Você tem ou teria dor quando toma ( ) Não ( ) Sim


banho ou se veste?

9. Você já deixou de trabalhar ou fazer ( ) Não ( ) Sim


atividades por causa da dor?

10. Você já deixou de fazer algo de que ( ) Não ( ) Sim


você gosta por causa da dor?

11. Você tem diminuído o tipo de trabalho ( ) Não ( ) Sim


ou outras atividades que faz devido à dor?

12. O trabalho ou suas atividades já ( ) Não ( ) Sim


exigiram muio esforço por causa da dor?

13. Você tem problemas para dormir devido ( ) Não ( ) Sim


à dor?

14. A dor impede que você participe de ( ) Não ( ) Sim


atividades religiosas?

15. A dor impede que você participe de ( ) Não ( ) Sim


qualquer outra atividade social ou
recreativa (além de serviços religiosos)?

16. A dor impede ou impediria você de ( ) Não ( ) Sim


viajar ou usar transportes comuns?

17. A dor faz você sentir fadiga ou cansaço? ( ) Não ( ) Sim


QUADRO 1 Questionário Geriatric Pain Measure: versão em português

18. Você depende de alguém para lhe ( ) Não ( ) Sim


ajudar por causa da dor?

19. Em uma escala de 0 a 10, com 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10


significando sem dor e 10 significando a
pior dor que você possa imaginar, como
está a sua dor hoje?

20. Nos últimos sete dias, em uma escala 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10


de 0 a 10, com 0 significando sem dor e 10
significando a pior dor que você possa
imaginar, indique o quanto em média sua
dor tem sido intensa.

21. Você tem dor que nunca some por ( ) Não ( ) Sim
completo?

22. Você tem dor todo dia? ( ) Não ( ) Sim

23. Você tem dor várias vezes por semana? ( ) Não ( ) Sim

24. Durante os últimos 7 dias, a dor fez ( ) Não ( ) Sim


você se sentir triste ou depressivo?

Forma de pontuar: dê 1 ponto para cada Soma total (0-42):


“Sim” e some as respostas numéricas.

[] [] [] AJUSTE
Dor suave (≤ Dor Dor severa (pontuação total × 2,38)
30) moderada (≥ 70) (0-100):
(30-69)

Fonte: adaptado de Motta et al. (2015).

Com o declínio das funções cognitivas, instrumentos


específicos que fossem capazes de avaliar indivíduos com dor e
síndromes demenciais tornaram-se necessários, principalmente
em casos de demência avançada. No Brasil, os principais
instrumentos adaptados transculturalmente e validados são o
Pain Assessment Checklist for Seniors with Limited Ability to
Communicate (PACSLAC) e a Pain Assessment in Advanced
Dementia – Brasil (PAINAD-Br). O PACSLAC é uma avaliação
extensa, criada especialmente para pacientes com demência
avançada, e requer monitorização ao longo do tempo. Já a
PAINAD-Br (Quadro 2) é um instrumento breve, de fácil
aplicação, composto pelos seguintes indicadores: respiração,
vocalização, expressão corporal e consolabilidade. Possui alta
sensibilidade (92%), porém baixa especificidade (62%) para
detectar dor em idosos com demência.

TRATAMENTO DA DOR
O controle da dor é um direito humano fundamental e, para
um tratamento eficaz, deve ser multimodal, multidimensional e
interdisciplinar. A Figura 4 ilustra as diversas modalidades e
dimensões do tratamento da dor. A indicação de cada
modalidade de tratamento depende da etiologia, do tipo
(nociceptiva, neuropática, mista), da intensidade e duração
(aguda ou persistente) da dor. Um dos passos mais importantes
do tratamento, especialmente da dor persistente, é a educação e
a orientação do paciente e de familiares quanto à etiologia da
dor, às expectativas e à importância da multimodalidade para
seu tratamento. É importante ressaltar que o tratamento envolve
tanto medidas específicas voltadas para a etiologia (p. ex.,
orientações e condutas específicas para osteoartrose) quanto
medidas voltadas para o tratamento geral da dor, que serão
descritas a seguir.
FIGURA 4 Tratamento multimodal, multidimensional e interdisciplinar da dor.

QUADRO 2 Escala de avaliação de dor na demência avançada (PAINAD-Br)

Instruções: Observe o paciente por 5 minutos antes de pontuar os comportamentos


dele ou dela. Pontue os comportamentos de acordo com a tabela a seguir. O paciente
pode ser observado em diferentes condições (p. ex., em repouso, durante uma
atividade agradável, durante o recebimento de cuidados, após medicação para dor).

Comportamento 0 1 2 Pontuação

Respiração Normal Dificuldade Respiração


independente de ocasional para ruidosa e com
localização respirar dificuldades
Curto período Longo período
de de
hiperventilação hiperventilação
Respiração
Cheyne-Stokes
QUADRO 2 Escala de avaliação de dor na demência avançada (PAINAD-Br)

Vocalização Nenhum Resmungos ou Chamados


negativa gemidos perturbadores
ocasionais. repetitivos.
Fala baixa ou Resmungos ou
em baixo tom, gemidos altos.
de conteúdo Choro.
desaprovador
ou negativo.

Expressão facial Relaxada Tensa. Rígida.


Andar Punhos
angustiado ou cerrados.
aflito de um Joelhos
lado para o encolhidos.
outro. Puxar ou
Inquietação. empurrar para
longe.
Comportamento
agressivo.

Consolabilidade Sem Distraído(a) ou Incapaz de ser


necessidade tranquilizado(a) controlado(a),
de consolar por voz ou toque. distraído(a) ou
tranquilizado(a).

Total

Pontuação: O total de pontos varia de 0 a 10 pontos. Uma possível interpretação da


pontuação é: 1-3: dor leve; 4-6: dor moderada; 7-10: dor severa. Essas variações são
baseadas em uma escala-padrão de dor de 0-10, mas não foram comprovadas na
literatura para essa avaliação.

Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS)


desenvolveu a escada analgésica e os cinco princípios para o
tratamento da dor, que até os dias de hoje são respeitados
(Figura 5). São eles:

Tratamento farmacológico da dor

Analgésicos simples
Paracetamol
Historicamente, é considerado um analgésico seguro, com
poucos efeitos colaterais. Em idosos, recomenda-se dose máxima
de 2 g/dia, divididos em intervalos de 6-8 horas, pelo risco de
hepatotoxicidade. O mecanismo de ação não é bem definido, mas
acredita-se que possui metabólito com ação no receptor
canabinoide ou da ciclo-oxigenase 3 (COX-3). Seus efeitos mais
evidentes são analgésicos e antipiréticos, com ação anti-
inflamatória pouco significativa.
Dipirona
Apresenta como mecanismo de ação a inibição da COX-3, com
efeito analgésico e antipirético. Em idosos, tem dose teto de 4
g/dia, divididos em intervalos de 6-8 horas. Pelo seu raro efeito
adverso de granulocitopenia, seu uso não é permitido nos EUA.
Reações de hipersensibilidade são os efeitos adversos mais
comumente encontrados.
Viminol
Analgésico não narcótico e não inflamatório, com mecanismo
de ação central pouco esclarecido. Pode ser usado na dose de 70
mg, com dose teto de 560 mg/dia, divididos em intervalos de 6-8
horas. Efeitos adversos descritos incluem: náuseas, constipação
e retenção urinária.

Anti-inflamatórios não esteroides (AINE)


Quando necessários, devem ser usados na dor aguda e de
origem inflamatória, de maneira criteriosa e por curto período.
Recomenda-se o uso concomitante de inibidor de bomba de
prótons para minimizar o risco de hemorragia gastrointestinal.
Pacientes sob uso de AINE devem ser avaliados periodicamente
quanto a sua função renal, coagulação, pressão arterial e função
cardíaca, principais sítios de efeitos adversos.
Classificados em inibidores da COX-1 e 2 (p. ex., ibuprofeno,
naproxeno, diclofenaco, cetorolaco, nimesulida, tenoxicam) e
inibidores seletivos da COX-2, também são conhecidos como
coxibes (p. ex., celecoxibe, parecoxibe). Muitos estudos
evidenciaram aumento de efeitos adversos cardiovasculares com
o uso dos inibidores seletivos da COX-2, embora estes reduzam o
risco de efeitos gastrointestinais quando comparados aos não
seletivos e não ocasionem broncoespasmo em pacientes com
asma induzida por AINE ou ácido acetilsalicílico (AAS). No caso
do uso de inibidores seletivos da COX-2 em pacientes com risco
cardiovascular, recomenda-se o uso profilático de AAS. No
entanto, essa medida acaba reduzindo seu baixo potencial de
efeito gastrointestinal.

FIGURA 5 Escada analgésica da dor adaptada da Organização Mundial da Saúde.

Para reduzir a possibilidade de efeito adverso em idosos, é


recomendado o uso de AINE com menor meia-vida, como
ibuprofeno, em vez de AINE com meia-vida longa, como as
oxicanas (piroxicam, tenoxicam, meloxicam).

Anti-inflamatórios hormonais
Eficazes no controle da dor inflamatória e por lesão tumoral
óssea, compressão radicular e de partes moles, agem inibindo a
produção de prostaglandinas, com consequente redução de
edema e inflamação. Devem ser reservados para essas situações
específicas e por curto intervalo de tempo. São efeitos colaterais
comuns: descontrole glicêmico, insônia, agitação psicomotora,
hemorragia gastrointestinal.

Opioides
Classificados em fortes ou fracos, podem ser usados em dores
tipo nociceptiva ou neuropática. Os opioides podem também ser
classificados em típicos ou atípicos. Opioides atípicos
proporcionam analgesia não só por atividade opioide, mas
também por atividade não opioide, e, portanto, podem ter
atributos diferentes dos opioides convencionais. São exemplos
de opioides atípicos: tramadol, buprenorfina, metadona e
tapentadol.
Em idosos, são recomendadas doses iniciais mais baixas do
que doses terapêuticas, com titulação de 30-50% da dose diária,
conforme a demanda. Não devem ser utilizados dois opioides
simultaneamente, e, caso se opte pela rotação de opioide, deve
ser respeitada a equipotência analgésica (Quadro 3) e a redução
de 25-50% da dose (com exceção da conversão para a metadona,
em que a dose deve ser reduzida em 75-90%, e da conversão
para a fentanila, em que não há a necessidade de redução da
dose). Sempre que um opioide é prescrito, o paciente deve ser
orientado sobre o uso da dose de resgate, geralmente 1/6 da
dose total diária prescrita.
Os efeitos adversos mais comuns são: constipação intestinal
(o que motiva a prescrição simultânea de laxativos e ajuste da
dieta), náuseas e vômitos, confusão mental, euforia, bradicardia,
hipotensão, miose, supressão do reflexo da tosse, prurido (por
liberação histamínica), imunossupressão, hiperalgesia, boca
seca, retenção urinária e mioclonia. A depressão respiratória e a
sedação são raras e podem ser revertidas com o antagonista
naloxona. O risco de dependência de opioides, apesar de baixo,
vem sendo discutido intensamente nos últimos anos,
especialmente no tratamento da dor persistente não oncológica.
Estudos recentes têm mostrado que a terapia analgésica com
opioide não é superior, além de ser desaconselhada quando
comparada a um esquema de tratamento multimodal para dores
persistentes osteomusculares, como lombalgia e osteoartrose de
joelhos.

QUADRO 3 Equipotência de opioides

Codeína 10 mg VO Morfina 1 mg VO
QUADRO 3 Equipotência de opioides

Tramadol 5 mg VO Morfina 1 mg VO

Oxicodona 20 mg VO Morfina 30 mg VO

Tapentadol 2,5 mg VO Morfina 1 mg VO

Morfina 20 mg IV Morfina 30 mg VO

Metadona Morfina 30-90 mg/dia VO Morfina VO 4:1 metadona VO

Morfina 90-300 mg/dia VO Morfina VO 8:1 metadona VO

Morfina > 300 mg/dia VO Morfina VO 12:1 metadona


VO

Fentanila TD 25 mcg Morfina 60-134 mg VO

50 mcg Morfina 135-224 mg VO

75 mcg Morfina 225-314 mg VO

100 mcg Morfina 314-400 mg VO

Buprenorfina TD Buprenorfina 5 mg TD Morfina < 30 mg/dia VO

Buprenorfina 10 mg TD Morfina 30-80 mg/dia VO

IV: intravenosa; TD: transdérmica; VO: via oral.

Opioides fracos
Codeína
É um derivado natural do ópio, agonista de receptor mu, que
é metabolizada in vivo em morfina via CIP2D6, isoenzima do
sistema enzimático P450. Seus metabólitos são excretados por
via renal, o que justifica cautela no uso em pacientes com
disfunção desse órgão. Tem apresentações em comprimido (7,5,
30 ou 60 mg) e solução VO (3 mg/mL), com posologia indicada a
cada 4-6 horas; há associações com paracetamol ou diclofenaco.
Possui ação antitussígena, o que por vezes justifica sua escolha
entre os demais opioides. Doses acima de 360 mg/dia atingem
teto terapêutico, estando indicada mudança para opioide forte.
Uma observação importante é que 6-10% dos caucasianos
têm algum grau de deficiência do CIP2AD6, sendo
metabolizadores fracos e acarretando, portanto, efeito
analgésico deficitário. Por outro lado, 16-29% dos africanos do
norte, etíopes e árabes e 3-6,5% dos afro-americanos são
metabolizadores ultrarrápidos e, com isso, apresentam maior
risco de desenvolver efeitos colaterais de toxicidade por opioide
mesmo em doses baixas.
Tramadol
Análogo sintético da codeína, apresenta, além de ação em
receptores opioides, mecanismo extra de inibição da recaptação
de serotonina e noradrenalina e antagonismo aos receptores n-
metil-d-aspartato (NMDA). Por conta desse mecanismo adicional,
o tramadol é indicado também no tratamento da dor
neuropática. Deve ser usado com cautela na insuficiência
hepática ou renal. A via de escolha desse fármaco é VO, por
possuir biodisponibilidade 3 vezes maior do que a parenteral. As
apresentações disponíveis são em solução VO de 50 ou 100
mg/mL, comprimido de liberação lenta de 100 ou de 37,5 mg
(associado a 325 mg de paracetamol) e comprimido de liberação
imediata de 50 e 100 mg. Doses maiores que 400 mg/dia podem
reduzir o limiar convulsivo, devendo ser evitadas. Outro efeito
colateral a ser observado é a síndrome serotoninérgica,
especialmente quando há associação de tramadol com
antidepressivos.
Opioides fortes
Morfina
Eficaz e segura, essa é a droga de escolha no tratamento da
dor moderada a forte, tem meia-vida útil de 2-4 horas e a dose é
titulada de acordo com a necessidade do paciente. Em idosos,
recomenda-se iniciar com 2,5-5 mg a cada 6-8 horas e ajustar
conforme a tolerância. Não apresenta teto posológico, sendo a
dose limite aquela que proporciona alívio completo da dor com
efeitos adversos controláveis. Inicialmente são utilizadas
formulações de ação rápida e após atingir analgesia efetiva são
substituídas por formulações de ação lenta para facilitar a
posologia, reservando-se os de ação rápida para resgate. No
Brasil estão disponíveis: supositório, comprimido de liberação
imediata de 10 e 30 mg, solução VO de 10 mg/mL, comprimido
de liberação lenta de 30, 60 e 100 mg e ampolas de 2 e 10
mg/mL. A dose de morfina VO não precisa ser convertida se a via
de administração for modificada para retal; entretanto, se a VO
for substituída para subcutânea (SC), a dose deverá ser reduzida
pela metade; caso haja conversão da VO para intravenosa (IV), a
dose total deve ser reduzida em um terço.
Oxicodona
Apresenta potência analgésica 1,5-2 vezes maior do que a
morfina VO. As formulações disponíveis são comprimidos
revestidos VO de 10, 20 e 40 mg, que têm por característica uma
dupla camada de liberação que possibilita primeiro pico em 1
hora e segundo pico após 6 horas, sendo administrados a cada
12 horas (por conta dessa propriedade não é possível partir a
medicação ao meio para doses inferiores a 10 mg). Não há no
Brasil formulações de liberação imediata, por isso a dose de
resgate deve ser feita com morfina de ação rápida. O alto custo
da medicação acaba sendo uma das barreiras ao seu uso em
nosso meio.
Metadona
Na prática clínica, apresenta-se como boa alternativa ao uso
de morfina, com ganho adicional em casos de dor neuropática,
por seu antagonismo aos receptores NMDA e inibição à
recaptação de serotonina e noradrenalina. Além disso, pode ser
usada em pacientes com insuficiência renal ou hepática sem
ajuste de dose. Em idosos que nunca utilizaram opioides, inicia-
se a metadona com dose de 2,5 mg a cada 8-12 horas, com
ajuste a cada 5-7 dias, pois essa droga apresenta meia-vida
longa e imprevisível, com risco de acúmulo e toxicidade
graduais, sendo a náusea um sinal de alerta para intoxicação.
Outro efeito adverso é a arritmia, principalmente do tipo torsade
de pointes, o que justifica evitar a associação da metadona com
drogas que competem com ela pela isoenzima metabolizadora do
CIP3A4.
Tapentadol
Opioide forte com ação analgésica central por meio de dois
mecanismos: (1) agonista sobre receptores opioides e (2) ação
inibitória sobre a recaptação da noradrenalina. Indicado para
pacientes com dor aguda e crônica de moderada a forte
intensidade, em especial quando há componente de dor
neuropática, como nas lombalgias. A posologia pode ser iniciada
com 50 mg via oral 2 vezes ao dia, com progressão de dose a
cada 3 dias, até a dosagem máxima diária de 250 mg 2 vezes ao
dia. O tapentadol pode ser usado em pacientes com insuficiência
renal ou hepática leve a moderada sem ajuste de dose. Pelo seu
duplo mecanismo de ação, estudos relatam menor frequência de
efeitos colaterais, como náuseas e constipação, quando
comparados a outros opioides típicos, como a morfina, além de
boa tolerabilidade para pacientes idosos.
Fentanila
Este opioide sintético é 100 vezes mais potente do que a
morfina. Embora tenha apresentações pelas vias intramuscular
(IM), IV e transdérmica (TD), somente esta última é usada no
manejo da dor crônica de forte intensidade em idosos. Opioide
de escolha em caso de insuficiência renal, hepática ou em
pacientes com impossibilidade de medicação VO ou IV, apresenta
baixa liberação histamínica e depressão cardiovascular e
menores efeitos nauseantes, obstipantes e sedativos. Existem
disponíveis adesivos com liberação de 25, 50, 75 e 100
mcg/hora, que, após aplicados, levam 24 horas para agir e
mantêm liberação contínua por 72 horas. O resgate pode ser
feito com morfina de ação rápida, e na conversão deve-se
calcular a dose total de morfina usada em 72 horas.
Buprenorfina
Essa droga é 30-60 vezes mais potente do que a morfina e é
menos sedativa, nauseante e obstipante, além de causar menos
efeito disfórico por seu antagonismo kappa. Está disponível no
Brasil em adesivos de 5, 10 e 20 mg, que podem ser combinados
entre si. Demora 3 dias para atingir o pico de ação, e o adesivo
precisa ser trocado a cada 7 dias. O resgate pode ser feito com a
formulação sublingual (dose inicial: 0,2-0,8 mg a cada 8 horas;
dose equivalente de buprenorfina transdérmica 5 mg: 0,12
mg/dia buprenorfina sublingual). Não causa hiperalgesia
induzida por opioide, efeito adverso caracterizado por
sensibilização nociceptiva com resposta paradoxal, ou seja,
aumento da sensibilidade à dor causado pela exposição a
opioides, podendo gerar inclusive alodinia, geralmente
suspeitada na ocorrência de dor abdominal forte.

Medicações adjuvantes
São drogas cujo efeito primário não consiste em analgesia,
mas que em associação com analgésicos potencializam seus
efeitos, podendo ser usados em todos os degraus da escala
analgésica da OMS. São especialmente utilizados e possuem
grande importância em pacientes com dor neuropática e dor
persistente, atuando em vias do controle inibitório descendente
de dor.
Antidepressivos
Atuam por meio do bloqueio da recaptação de noradrenalina
ou serotonina, tendo ação analgésica adjuvante independente da
ação no humor. Em idosos, são preferíveis antidepressivos duais
para esse fim, embora os tricíclicos também sejam efetivos. Têm
benefício bem estabelecido na dor neuropática (isolada ou
associada à dor nociceptiva), dor disfuncional (fibromialgia),
profilaxia da enxaqueca e dor persistente. Exercem ação
sedativa, ansiolítica e miorrelaxante, além de melhorar a
qualidade do sono e estabilizar o humor.
Os antidepressivos duais mais usados para o tratamento da
dor em idosos são venlafaxina e duloxetina. A duloxetina é
iniciada na dose de 30 mg/dia, podendo chegar a 120 mg/dia. Há
contraindicação formal em pacientes com clearance de
creatinina inferior a 30 mL/minuto, e é necessário ajuste em
pacientes com insuficiência hepática. A venlafaxina é iniciada na
dose de 37,5 mg/dia e pode chegar a 225 mg/dia. No uso de
antidepressivos duais, um dos principais efeitos colaterais a ser
observado é o aumento da pressão arterial.
Na indisponibilidade dos antidepressivos duais, os tricíclicos
podem ser utilizados com cautela, preferencialmente
nortriptilina (menor efeito anticolinérgico) ou amitriptilina. A
ação anticolinérgica, anti-histamínica e antialfa-1-adrenérgica os
tornam medicamentos com alto risco de efeitos colaterais para
idosos como: sonolência, confusão mental, declínio cognitivo,
boca seca, retenção urinária, constipação intestinal, quedas por
hipotensão ortostática e ganho de peso. Há contraindicação
formal em pacientes com glaucoma de ângulo fechado e
bloqueios de condução. A nortriptilina pode ser iniciada com 10
mg à noite, podendo atingir a dose máxima de 25-50 mg/dia. A
amitriptilina pode ser iniciada com 10 mg à noite, podendo
atingir a dose máxima de 25-50 mg/dia.
Anticonvulsivantes
Os principais representantes são gabapentinoides
(gabapentina e pregabalina), carbamazepina e oxcarbazepina.
Por seu efeito nos sistemas nervosos central e periférico, são
bastante utilizados em dores do tipo neuropática e persistente.

Gabapentinoides
Atuam modulando a proteína alfa-2-delta-1 do canal de cálcio
do tipo N. A gabapentina reduz os níveis de glutamato e aumenta
os níveis de ácido gama-aminobutírico (GABA) e serotonina no
SNC. Já a pregabalina tem efeitos indiretos nos canais de cálcio,
glutamato, noradrenalina e substância P. São consideradas
seguras e com pouca interação medicamentosa, porém é
necessário ajuste em pacientes com insuficiência renal. Os
efeitos adversos mais comuns são sonolência e tontura. A dose
inicial da gabapentina é 300 mg à noite (100 mg em idosos
frágeis), com dose teto de 1.200 mg, 3 vezes ao dia (3.600
mg/dia). A dose inicial de pregabalina é 75 mg à noite (50 mg em
idosos frágeis), com dose máxima de 300 mg a cada 12 horas.
Carbamazepina ou oxcarbazepina
A carbamazepina tem sua melhor indicação na neuralgia do
trigêmeo, mas pode ser usada em outras dores neuropáticas com
componente paroxístico. Possui ação anticolinérgica, o que
justifica a cautela em seu uso, além de controle periódico de
hemograma, função hepática e renal (iniciar com 100-200 mg, 1-
2 vezes ao dia, dose máxima de 1.200 mg/dia). A oxcarbazepina
deriva da carbamazepina, mas tem melhor tolerabilidade e
segurança (iniciar com 150-300 mg, 1-2 vezes/dia, com dose
máxima de 2.400 mg/dia). A dose de oxcarbazepina deve ser
reduzida pela metade em pacientes com clearance menor que 30
mL/minutos.

Relaxantes musculares
Indicados para dor de origem musculoesquelética,
especialmente espasmos agudos (lombalgia ou cervicalgia),
síndrome dolorosa miofascial, fibromialgia e espasmos de origem
central. Apresentam diversos mecanismos de ação (Quadro 4), e
por conta dos importantes e frequentes efeitos colaterais,
especialmente em idosos, sua utilização tornou-se bastante
restrita, sendo preferíveis os métodos físicos para alívio das
dores a que são destinados.

Agentes tópicos
Alguns medicamentos podem ser utilizados como agentes
tópicos no tratamento da dor. Os principais representantes são:
capsaicina, lidocaína, amitriptilina, AINE tópico e mentol.
A capsaicina, substância presente na pimenta, tem como
mecanismo de ação a dessensibilização de fibras C (via ação na
substância P) e encontra-se disponível a 0,025 e 0,075%, sendo
administrada 3-4 vezes ao dia. Está indicada na literatura para
tratamento de dor neuropática de diferentes etiologias
(neuralgia pós-herpética, neuropatia diabética, neuralgia do
trigêmeo), além de dor persistente por osteoartrose e disfunção
temporomandibular. Os efeitos adversos mais comuns são
queimação, hiperemia e edema no local da aplicação, que
tendem a desaparecer ao longo do tempo. A lidocaína é
particularmente útil na dor localizada, atuando em canais de
sódio e impedindo a transmissão do potencial de ação, podendo
ser usada em patch a 5% ou gel a 2%. A amitriptilina tópica, na
concentração de 2-4%, também é indicada para dor neuropática,
podendo ser combinada com lidocaína. Outras substâncias
utilizadas são AINE tópicos (indicados para afecções
musculoesqueléticas inflamatórias em pacientes com
intolerância ou contraindicação a AINE VO) e mentol (redução
da sensibilidade de fibras A-delta e C, utilizado na dor tipo
musculoesquelética).

Outras opções terapêuticas


Na literatura, são descritas outras opções farmacológicas
para controle de dor como: neurolépticos (p. ex., clorpromazina),
agonistas alfa-adrenérgicos (clonidina), antagonistas NMDA
(cetamina e memantina), bisfosfonados, calcitonina,
benzodiazepínicos, canabinoides, toxina botulínica e
radiofármacos ou radioterapia.

Tratamento da dor aguda versus dor persistente

Quando tratamos pacientes com dor, a avaliação do tempo de


instalação é fundamental, dado que o tratamento para dor aguda
apresenta diferenças significativas quando comparado ao
tratamento da dor persistente, conforme descrito no Quadro 5.

QUADRO 4 Principais relaxantes musculares utilizados na prática clínica

Relaxante Mecanismo de ação Particularidades


muscular

Ciclobenzaprina Estrutura semelhante à da Efeitos anticolinérgicos, anti-


amitriptilina histamínicos e antialfa-1-
adrenérgicos

Baclofeno Agonista GABA-B Uso em espasticidade

Carisoprodol Ação no receptor GABA-A Risco de adição


QUADRO 4 Principais relaxantes musculares utilizados na prática clínica

Orfenadrina Ação em receptor histamínico Efeitos anticolinérgicos,


(H1), serotoninérgico, NMDA, sonolência e tontura
muscarínico e bloqueador do
canal de sódio

Tiocolchicosídeo Ação no receptor GABA-A Ansiedade, convulsão, insônia


e diarreia

Tizanidina Alfa-2-agonista (glutamato e Bradicardia, hipotensão


aspartato), semelhante à postural e sonolência
clonidina

GABA: ácido gama-aminobutírico; NMDA: n-metil-d-aspartato.

QUADRO 5 Particularidade do tratamento da dor aguda versus dor persistente

Dor Aguda Persistente

Comportamento Alerta Sofrimento ou incapacidade

Etiologia Precisa Incerta, variada ou indefinida

Causas Poucas Diversas

Anormalidades psíquicas Variáveis Marcantes

Remoção da causa Eficaz Insatisfatória

Analgésicos Eficazes Insatisfatórios

Medicação adjuvante Eventualmente eficaz Eficaz

Psicoterapia Eventualmente eficaz Eficaz

Medicina física Eficaz Eficaz

Tratamento da dor neuropática

Em linhas gerais, no tratamento da dor neuropática podem


ser utilizados para seu controle tanto gabapentinoides
(gabapentina e pregabalina) quanto antidepressivos (tricíclicos
ou duais). Em caso de não resposta, pode-se considerar a
associação das duas classes descritas anteriormente. Se há
necessidade de uso de opioides, recomenda-se
preferencialmente o uso de tramadol e metadona, dado que
apresentam, além da ação em receptores opioides, antagonismo
aos receptores NMDA e inibição à recaptação de serotonina e
noradrenalina. Nos casos de dor neuropática localizada, podem
ser utilizados ainda medicamentos tópicos como lidocaína ou
capsaicina. Carbamazepina ou oxcarbazepina devem ser
consideradas somente nos casos de paroxismo, como nevralgia
do trigêmeo, por conta do perfil de efeitos colaterais. Em todos
os casos de dor neuropática deve-se sempre associar medidas
não farmacológicas, e em algumas situações poderão ser
necessários métodos invasivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dor é um sintoma altamente prevalente em idosos e para o
tratamento adequado é preciso um diagnóstico etiológico
correto e avaliação clínica detalhada. O tratamento multimodal,
multidimensional e interdisciplinar é sempre a melhor opção no
tratamento de dor em idosos.

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Manejo de sintomas em cuidados paliativos: fadiga, 53
dispneia e sedação paliativa

Luciana Louzada Farias


Francine de Cristo Stein

INTRODUÇÃO
A maioria dos pacientes em cuidados paliativos (CP), sobretudo em
fase mais avançada da doença, apresentará sintomas físicos e emocionais
que podem impactar de maneira significativa sua qualidade de vida. A
avaliação criteriosa desses pacientes e o tratamento sintomático eficaz
podem aliviar ou até mesmo eliminar a maioria dos sintomas que trazem
desconforto e sofrimento ao paciente e seus familiares.
Alguns aspectos constituem um desafio no manejo de sintomas nos
pacientes em CP. Muitos pacientes apresentam sintomas múltiplos, e a
percepção de desconforto proporcionado por determinado sintoma é de
caráter individual e variável; ou seja, um sintoma pode causar desconforto
de intensidade diferente em cada indivíduo. Isso ocorre pela interferência
de aspectos de domínios físico, emocional, espiritual e social na percepção
de sofrimento causado por certo sintoma. Além disso, os pacientes em CP
comumente recebem polifarmácia, apresentam nível sérico de albumina
reduzido e disfunção renal, tendo, assim, maior suscetibilidade a
interação medicamentosa, iatrogenias e efeitos adversos de medicação
(sobretudo em sistema nervoso central – SNC – com maior ocorrência de
delirium e sedação).
A avaliação dos sintomas em CP deve ser realizada continuadamente,
podendo ser utilizadas escalas de avaliação sintomática. A escala utilizada
deve ser abrangente e prática, capaz de identificar e quantificar os
sintomas mais prevalentes e de monitorar resposta ao tratamento. A
escala mais comumente utilizada para esse fim é Escala de avaliação de
Edmonton (ESAS).
Os sintomas mais prevalentes em pacientes em CP são: dor, dispneia,
fadiga, delirium, sintomas emocionais (depressão, ansiedade, insônia) e
sintomas do trato gastrointestinal (náusea, constipação, diarreia), sendo a
fadiga o sintoma mais comum, conforme ilustrado na Tabela 1. A
prevalência desses sintomas pode variar de acordo com a doença de base
do paciente e a fase de evolução da doença.
Neste capítulo será abordado o manejo clínico da fadiga e da dispneia
e a abordagem terapêutica de controle de sintomas refratários em CP, por
meio da sedação paliativa.

FADIGA
A fadiga é o sintoma mais comum em cuidados paliativos e um dos
mais subdiagnosticados e subtratados, podendo ter um impacto negativo
na qualidade de vida dos pacientes. Sua prevalência varia em 36-78% em
estudos de pacientes com câncer em vários estágios da doença. É definida
como uma sensação subjetiva e persistente de cansaço e exaustão (física,
emocional e/ou cognitiva) relacionada à doença ou a seu tratamento,
desproporcional ao nível de atividade física recente, que não melhora com
repouso e sono e que interfere na capacidade funcional do indivíduo ou
em seu tratamento. É um sintoma complexo, multidimensional, bastante
influenciado por componente emocional e que pode ter múltiplos fatores
contribuintes ou agravantes, como os relacionados no Quadro 1.

TABELA 1 Prevalência de sintomas em doenças avançadas (câncer, aids, ICC, DPOC, IRC)

Câncer Aids IC DPOC IRC V

Dor 35-96% 63-80% 41-77% 34-77% 47-50%

Depressão 3-77% 10-82% 9-36% 37-71% 5-60%

Ansiedade 13-79% 8-34% 49% 51-75% 39-70%

Delirium 6-93% 30-65% 18-32% 18-33% –

Fadiga 32-90% 54-85% 69-82% 68-80% 73-87%

Dispneia 10-70% 11-62% 60-88% 90-95%

Insônia 9-69% 74% 36-48% 55-65% 31-71%

Náusea 6-68% 43-49% 17-48% – 30-43%

Constipação 23-65% 34-35% 38-42% 27-44% 29-70%

Diarreia 3-29% 30-90% 12% – 21%

Anorexia 30-92% 51% 21-41% 35-67% 25-64%


TABELA 1 Prevalência de sintomas em doenças avançadas (câncer, aids, ICC, DPOC, IRC)

Aids: síndrome da imunodeficiência humana; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; IC:
insuficiência cardíaca congestiva; IRC: insuficiência renal crônica.
Fonte: Journal of Pain and Symptom Management, 2006.

Avaliação clínica e diagnóstico

A avaliação da fadiga em pacientes em cuidados paliativos pode ser


complexa sobretudo por seu caráter multidimensional. Deve envolver
rotineiramente a avaliação da gravidade, início, duração e nível de
interferência nas atividades de vida diária. É importante questionar a
presença desse sintoma ativamente por meio de perguntas como:

Você se sente cansado?


Esse cansaço melhora quando descansa ou dorme?
Esse cansaço te impede de fazer o que costuma fazer?

QUADRO 1 Fatores relacionados à fadiga

Sintomas relacionados à doença: dor, ansiedade, depressão, dispneia, náusea, anorexia,


insônia

Tratamento do câncer

Anemia

Transtornos do humor

Infecção

Descondicionamento

Hipóxia

Desidratação

Polifarmácia

Comorbidades (doença renal, hepática, cardíaca, pulmonar)

Disfunção autonômica

Citocinas inflamatórias

Identificado o sintoma, é importante quantificá-lo por meio de uma


escala numérica (0 a 10) ou ainda por instrumentos específicos (como o
inventario breve de fadiga, p. ex.) e obter história clínica atenta e
completa com: revisão de medicamentos em uso, estado atual da doença
do paciente, comorbidades, exame físico e exames laboratoriais para
identificar possíveis fatores causais relacionados e mensuração do
impacto da fadiga nas atividades da vida diária (AVD) e na qualidade de
vida. Dessa forma, será possível identificar a presença de fatores
contribuintes potencialmente reversíveis ou tratáveis, e assim direcionar
adequadamente o diagnóstico e o tratamento.

Tratamento

O manejo da fadiga envolve o tratamento das causas reversíveis


identificadas e o tratamento sintomático, por meio de medidas
farmacológicas e não farmacológicas, devendo idealmente envolver uma
abordagem da equipe interdisciplinar (Figura 1).

Abordagens não farmacológicas

Das várias estratégias de tratamento, o exercício tem maior evidência


clínica, com várias metanálises concluindo que atividade física tem um
efeito benéfico moderado na fadiga relacionada ao câncer. Há também
evidências para o benefício de intervenções psicológicas e educacionais,
em instrução em autocuidado, técnicas de enfrentamento e
gerenciamento das atividades ao longo do dia com técnicas de contenção
de energia.
Para tanto, algumas estratégias podem ser trabalhadas com pacientes,
cuidadores e familiares no manejo não farmacológico:

Planejar períodos de descanso e períodos de atividade para maximizar


a energia para coisas que são realmente importantes para o paciente.
Ajudar o paciente a delegar tarefas que não é mais capaz de realizar e
organizar assistência, quando necessário.
FIGURA 1 Tratamento da fadiga.

Quando a fadiga é leve, estimular a atividade física moderada para


preservar a função muscular. À medida que a fraqueza avança, utilizar
dispositivos de auxílio como andadores e barras de apoio para ajudar a
preservar a mobilidade.

Vale ressaltar que as metas de reabilitação devem ser


continuadamente analisadas e (re)definidas, e cuidadosamente
ponderadas quando o paciente tem uma expectativa de vida curta, para
assegurar que os benefícios do tratamento sejam superiores aos
potenciais danos.

Tratamento farmacológico

Os estudos de fármacos que demonstraram eficácia no tratamento da


fadiga em cuidados paliativos são poucos e limitados, e não há evidência
de superioridade de uma droga em relação a outra. Entre as medicações
estudadas estão os glicocorticoides e os psicoestimulantes.

Glicocorticoides: são potencialmente úteis para pacientes em CP com


fadiga que estão nas fases terminais do câncer avançado ou outra
doença grave. São capazes de reduzir sintomas de fadiga, dor e náusea
e melhoram o apetite e a qualidade de vida geral em pacientes com
câncer avançado. A dexametasona é o corticoide com mais estudos.
Para pacientes que estão na fase terminal de sua doença, um teste
terapêutico de 2 semanas com um glicocorticoide (p. ex., prednisona
20-40 mg ou dexametasona 4-8 mg todas as manhãs) pode ser feito. O
uso de corticoides por períodos prolongados não é recomendado, pois
seus efeitos colaterais podem impactar negativamente a qualidade de
vida do paciente. Um exemplo é a fraqueza muscular, que pode ser
agravada pelo uso do corticoide, podendo acentuar o sintoma da fadiga.
Outros efeitos colaterais que podem ocorrer incluem infecção,
candidíase oral, insônia, alterações de humor, mialgia, fraqueza
muscular, elevação da glicemia, sintomas de gastrite, soluços, edema,
tontura e perda óssea.
Psicoestimulantes: o papel dos psicoestimulantes (metilfenidato e
modafinila) em CP não é bem definido, particularmente para pacientes
com doenças graves que não o câncer. Os estudos apontam benefícios
para pacientes com fadiga severa que não respondem ao uso do
glicocorticoide ou que têm contraindicação a ele. São medicações
geralmente bem toleradas e seguras. No entanto, deve-se ter cautela
em pacientes com doenças cardíacas ou distúrbios cognitivos como
delirium, por exemplo, pois podem agravá-los. Para a recomendação de
seu uso em doenças além do câncer são necessários mais estudos, mas
um teste terapêutico com metilfenidato ou modafinil é razoável para
pacientes que não responderam a corticoides ou têm
contraindicações/efeitos adversos a estes, ou ainda que têm efeito de
sedação relacionada a opioide.

DISPNEIA
A dispneia é uma sensação ou experiência subjetiva, caracterizada pela
percepção desconfortável da respiração, que pode estar associada ou não
a hipoxemia, taquipneia ou ortopneia. Pode ser percebida e/ou descrita de
diversas formas pelo paciente: dificuldade de respirar, receio “de não
conseguir respirar”, sensação de avidez por ar: “fome de ar”, necessidade
de mais força para respirar, sensação de respiração rápida e incompleta,
sensação de sufocamento.
Assim como a fadiga, deve ser ativamente questionada. Mais de 70%
dos pacientes apresentam dispneia nos últimos dias de vida, e sua origem
com frequência é multifatorial. É um sintoma angustiante de ser
vivenciado e testemunhado, e seu manejo deve ser imediato, incluindo a
identificação de potenciais causas subjacentes e precipitantes e o
tratamento adequado, observando sempre a proporcionalidade deste.
Do ponto de vista fisiopatológico, a sensação de dispneia pode surgir
do aumento da demanda ventilatória, do comprometimento do processo
mecânico de ventilação ou de ambos (Figura 2). A percepção da dispneia
surge do córtex sensorial, que integra informações de múltiplas fontes,
incluindo quimiorreceptores periféricos e centrais, mecanorreceptores
(provenientes de grandes vias aéreas, parênquima pulmonar e parede
torácica) e centros motores respiratórios (tanto na medula como no córtex
motor).

Avaliação clínica e diagnóstico

A avaliação da dispneia deve incluir avaliação minuciosa, em busca de


causas potencialmente reversíveis. Isso inclui a realização de exames
complementares individualizados, laboratoriais e de imagem, com o
intuito de identificar causas agravantes potenciais e de guiar opções
terapêuticas proporcionais ao quadro clínico e à fase da doença do
paciente. Muitos pacientes com dispneia que não estão na fase de fim de
vida podem melhorar de forma considerável ao receberem o tratamento
específico para uma dessas causas identificáveis, como uso de antibióticos
para pneumonia, anticoagulação para embolia pulmonar, diureticoterapia
e ventilação não invasiva na congestão pulmonar, transfusão de hemácias
para anemia sintomática, radioterapia em obstrução tumoral brônquica,
toracocentese ou pleurodese para derrame pleural, se indicados, dentre
outros.
Importante ressaltar que, para prosseguir com a elaboração de
adequado plano de cuidados, é importante caracterizar a(s) doença(s)
subjacente(s) do paciente e sua fase de evolução, bem como avaliar a
dispneia quanto sua causa, intensidade, fatores desencadeantes, de
melhora ou piora, além de atentar ao componente emocional.
A dispneia, assim como a fadiga e a dor, é um sintoma complexo em
cuidados paliativos, de caráter multidimensional e influenciado por
componentes físico, social e emocional, sobretudo ansiedade e medo.
Tratamento

O tratamento da dispneia deve ser realizado em concomitância com


tratamento da causa precipitante específica se presente e indicado, e deve
incluir medidas não farmacológicas multidisciplinares e medidas
farmacológicas.

FIGURA 2 Etiologias da dispneia de acordo com seu mecanismo.


TEP: tromboembolismo pulmonar.

As medidas gerais não farmacológicas de suporte usadas para aliviar a


sensação de falta de ar incluem:

Técnicas de relaxamento e apoio psicossocial.


Modificação no nível de atividade, além do uso de barras no banheiro e
de cadeira de rodas para aumentar a autonomia do paciente e de sua
família.
Aumento da ventilação do ambiente com a abertura da janela ou o uso
de ventilador.
Realização de fisioterapia respiratória. Uso de dispositivos de
ventilação não invasiva, quando indicado.
Utilização de medidas antissecretivas e de aspiração de vias aéreas, se
indicado.
Oxigenoterapia, quando houver indicação.

A prescrição de oxigênio generalizada não é justificada para o alívio da


dispneia, sobretudo na fase de fim de vida. No entanto, com base em
evidências de qualidade moderada, um teste de suplementação de
oxigênio para alívio da dispneia pode ser realizado em pacientes
hipoxêmicos. Em contraste, nenhum estudo sugeriu benefício para
pacientes não hipoxêmicos, e o uso generalizado nessa população não é
recomendado.

Manejo farmacológico

Os opioides sistêmicos são os agentes farmacológicos mais eficazes e o


tratamento de escolha para o controle sintomático da dispneia de
qualquer causa. São capazes de reduzir a sensação de dispneia. Seu
mecanismo de ação é desconhecido, mas sabe-se que existem receptores
opioides em SNC, na árvore respiratória e nos alvéolos. A dose deve ser
individualizada e titulada até o paciente afirmar que está confortável ou
até que inquietação ou outro sinal indireto de dispneia seja controlado.
A administração pode ser feita por via oral, subcutânea ou endovenosa.
O opioide mais comumente utilizado para dispneia intensa é a morfina,
por via endovenosa ou subcutânea, pelo seu rápido início de ação e
posologia. Deve ser realizada uma dose inicial em bolus, com reavaliação
do paciente, avaliando a necessidade de manutenção de dose fixa
intermitente e a realização de resgates entre as doses fixas, se necessário
(bolus 1-5 mg EV/SC + dose fixa 4/4 horas ou 6/6 horas + resgate s/n). A
necessidade de titulação de dose deve ser avaliada de acordo com o
controle dos sintomas, assim como a necessidade de início de infusão
contínua (Quadro 2).
Vale ressaltar que a depressão respiratória por opioides é rara se o uso
for correto e devidamente titulado.
Os benzodiazepínicos podem ser associados aos opioides na presença
de componente de ansiedade. Revisões sistemáticas de um pequeno
número de estudos concluíram que as evidências não sustentam um papel
para os benzodiazepínicos como estratégia de manejo rotineiro da
dispneia na ausência de ansiedade. No entanto, os benzodiazepínicos são
um importante adjuvante da terapia quando a ansiedade, uma
característica comum na dispneia e especialmente na dispneia grave, é
significativa.

QUADRO 2 Opioides no tratamento da dispneia intensa


QUADRO 2 Opioides no tratamento da dispneia intensa

Dimorf bolus 1-5 mg EV/SC + dose fixa 4/4 horas ou 6/6 horas + dose de resgate s/n.
Obs. 1. Se uso atual de opioide: dose de uso + 25-50%.
Obs. 2. Reduzir dose: na disfunção renal, DPOC (metade da dose).
Titular dose: incorporar doses de resgate utilizadas na dose diária ou aumentar a dose diária
em 25-50%.
Titular resgates: se sintomas não melhorarem após 2 resgates (separados por 15 minutos),
aumentar a dose.
Avaliar a necessidade de início de infusão contínua de 1 bolus/hora, durante 4 horas
consecutivas. Se escape sintomas/efeito de fim de dose com dose fixa intermitente (somatório
das doses fixa + resgate utilizadas).

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; EV: endovenoso; SC: subcutâneo.

Corticoides estão indicados nos casos com broncoespasmo e etiologia


por linfangite carcinomatosa, obstrução de vias aéreas ou síndrome de
veia cava superior. Pode-se utilizar dexametasona 8-16 mg VO, EV/SC ou
hidrocortisona, com redução gradual até a menor dose efetiva, quando
apropriado.
Se houver persistência de dispneia com refratariedade terapêutica a
despeito da otimização medicamentosa e não medicamentosa realizadas,
pode estar indicado o início de sedação paliativa, abordada a seguir.

SINTOMAS REFRATÁRIOS E SEDAÇÃO PALIATIVA


Sedação paliativa é uma medida clínica utilizada em pacientes em
cuidados paliativos com doença avançada, em fase de fim de vida, para o
alívio de um sintoma severo e refratário à terapêutica convencional
otimizada instituída.
Consiste na administração de medicações sedativas que cursam com
redução do nível de consciência do paciente, e é realizada, na maioria das
vezes, na fase de terminalidade de vida. O objetivo primordial da prática
da sedação paliativa é trazer conforto e alívio de sofrimento, amenizando
sintomas refratários ao tratamento clínico otimizado, permitindo que o
processo de morte ocorra de forma natural e digna e, com isso,
promovendo a ortotanásia.
Um sintoma é considerado refratário quando a terapêutica
convencional está otimizada e é incapaz de promover o alívio adequado do
sintoma, ou quando o tratamento convencional está associado a efeitos
colaterais intoleráveis, ou ainda quando esse tratamento não é capaz de
promover alívio sintomático em tempo hábil para o paciente.
A avaliação da refratariedade de um sintoma deve ser realizada de
forma criteriosa, por equipe multiprofissional com expertise em cuidados
paliativos. Não é incomum pacientes em CP em fase avançada de doença
apresentarem múltiplos sintomas, alguns deles de difícil controle.
Entretanto, muitos desses sintomas podem não ser refratários, ou seja,
podem ser potencialmente reversíveis com a otimização de medidas
clínicas, não estando indicada nesse contexto a sedação paliativa.
A distinção entre um sintoma de difícil controle e um sintoma
refratário requer a análise da(s) doença(s) e do prognóstico do paciente,
da presença de condições potencialmente reversíveis causadoras desse
sintoma, e a revisão criteriosa de todas as estratégias instituídas para o
controle desse sintoma. A identificação de medidas terapêuticas
adicionais a serem otimizadas e de abordagens potencialmente
modificadoras do sintoma a serem instituídas pode culminar na não
indicação da sedação paliativa. Além disso, não é incomum ocorrer
sofrimento familiar e da equipe multiprofissional que assiste o paciente
em face da terminalidade da vida, e o desejo de início de sedação por
parte do paciente/familiares ou equipes assistentes pode estar pautado
nesse sofrimento e na confusão de conceitos, sem necessariamente haver
a presença de um sintoma refratário.
Cabe ainda ressaltar que a análise de refratariedade de um sintoma e a
determinação da intolerabilidade e do sofrimento proporcionado por ele
são de caráter individual e podem ser vivenciadas de forma diferente
entre os pacientes.
Assim, análise de refratariedade sintomática e indicação ou não de
sedação paliativa devem ser realizadas, preferencialmente, por equipe
multiprofissional capacitada em CP, de forma consensual com as demais
equipes que assistem o paciente. A indicação de sedação paliativa deve
ser realizada com base na análise dos itens do Quadro 3.

QUADRO 3 Análise da indicação de sedação paliativa

Prognóstico do paciente: a doença é irreversível e a morte é esperada em horas/dias?

Sintomas do paciente: os sintomas são intoleráveis para o paciente?

Métodos diagnósticos: foram realizados todos os esforços diagnósticos para identificar potenciais
causas reversíveis do sintoma?

Recursos terapêuticos: foram utilizados todos os recursos terapêuticos (farmacológicos e não


farmacológicos) disponíveis para o controle adequado dos sintomas?

Avaliação multiprofissional: foi realizada adequada avaliação multiprofissional para


identificação/tratamento do sintoma/intercorrência?

Avaliação terapêutica: existem opções de tratamento potencialmente eficazes que não


comprometam o nível de consciência?
QUADRO 3 Análise da indicação de sedação paliativa

Análise de refratariedade: os sintomas são considerados refratários às medidas realizadas?

Após indicada a sedação paliativa, a discussão e o consentimento sobre


seu uso devem ser realizados com paciente e/ou família antes de seu
início (analisando a capacidade de decisão do paciente nessa etapa e sua
vontade sobre participar ou não das tomadas de decisão). Deve-se
explicar o objetivo da sedação paliativa, a forma como será iniciada, o que
esperar após seu início, como serão monitorados os sintomas e a melhora
do paciente e até possibilidade de descontinuidade da sedação.
É imprescindível informar e enfatizar que o paciente continuará a
receber todo o tratamento sintomático de conforto e cuidados
necessários. Após o início da sedação paliativa a família deve continuar a
receber apoio, acolhimento e informação sobre o status clínico, o
tratamento e asexpectativas.
É importante ressaltar que sedação paliativa se faz com drogas
sedativas e não com medicações analgésicas (como opioides, p. ex.) e que,
após início da sedação paliativa, deve-se manter o uso das medicações de
controle sintomático do paciente. Pacientes que estejam em uso de
opioides (para controle de dor ou dispneia, p. ex.) não devem interromper
seu uso o após o início da sedação paliativa. Assim como as medicações
sintomáticas, todo cuidado para conforto do paciente e/ou família deve ser
mantido de forma multidisciplinar.
A decisão sobre qual medicação sedativa utilizar e sua via de
administração deve ser feita de maneira individualizada, de acordo com a
necessidade de cada paciente, usando a menor dose efetiva para o
controle do sintoma refratário. O objetivo é atingir e manter um nível de
sedação o mais superficial que permita manejo sintomático efetivo.
Na maioria das vezes a sedação paliativa é administrada de forma
contínua até o óbito, uma vez que sua indicação ocorre sobretudo em
pacientes com doença avançada e em fase de terminalidade de vida.
Entretanto, com menor frequência, uma modalidade de sedação de
caráter intermitente e transitório pode ser indicada em alguns casos, com
objetivo de sedação transitória que promova alívio sintomático efetivo
enquanto se progride para um tratamento paliativo sintomático não
sedativo específico.
A prevalência de uso de sedação paliativa na literatura varia de acordo
com a população estudada, oscilando entre 10-50%, com prevalência
média de 20-30%. Os sintomas refratários que mais comumente requerem
o uso de sedação paliativa são dispneia, dor, delirium hiperativo e
convulsão.
O uso da sedação paliativa para o manejo de sintomas psicológicos e
sofrimento existencial é controverso por diversos motivos. São sintomas
cuja caracterização de refratariedade é difícil dada sua natureza e
dinamismo, e que podem melhorar com o tratamento medicamentoso e
não medicamentoso multidisciplinar adequado e com o tempo de
processamento, aceitação e adaptação. Além disso, raramente, são
sintomas ameaçadores da vida, e sua presença não necessariamente está
ligada a um estágio avançado de deterioração clínica e terminalidade.
Segundo a Associação Europeia de Cuidados Paliativos, essa indicação
deve ser realizada em casos restritos e de maneira muito selecionada.
A medicação mais comumente utilizada para sedação paliativa é o
midazolam, sendo a droga de escolha na maioria dos casos. O midazolam
é um benzodiazepínico de meia-vida curta e início de ação e titulação de
dose rápidos, capaz de promover sedação efetiva em nível adequado.
Alternativas ao midazolam menos utilizadas são o propofol e o
fenobarbital, e geralmente são reservadas para casos de refratariedade ao
midazolam.
Nos casos em que a indicação de sedação ocorre por delirium
hiperativo refratário ao tratamento otimizado, os neurolépticos
(geralmente a clorpromazina) são as medicações indicadas como primeira
escolha. Nesses casos o midazolam é utilizado em associação ao
neuroléptico em caso de refratariedade de manejo sintomático com ele.
Têm surgido na literatura alguns trabalhos com o uso da
dexmedetomidina em CP em unidade de terapia intensiva (UTI). A
dexmedetomidina é uma medicação alfa-2 agonista bastante utilizada em
pacientes críticos, que tem como vantagem seu efeito analgésico e
sedativo e propriedades sedativas singulares conhecidas como “sedação
consciente”, permitindo ao paciente ter os efeitos benéficos da sedação,
mas manter-se conscientes. Isso permite proporciona ao paciente um
conforto sintomático enquanto se mantém comunicativo e cooperativo.
Deve-se salientar que seu efeito analgésico tem um efeito teto e muitas
vezes se precisa combinar com opioide para manejo sintomático de dor e
dispneia.
As doses, as formas e as vias de infusão das medicações utilizadas
estão descritas no Quadro 4.

QUADRO 4 Medicamentos e formas de administração preconizada em sedação paliativa


QUADRO 4 Medicamentos e formas de administração preconizada em sedação paliativa

Medicamento Bolus Diluição Velocidade de Via de Observação


infusão administração

Midazolam 2-5 mg. 60 mg Iniciar com Endovenosa ou Máximo: 20


Repetir a diluídos em 0,5-1,5 subcutânea. mg/hora.
cada 1 48 mL SF mg/hora.
hora 0,9%. Se não
conforme Concentração controle:
controle de 1 mg/mL considerar
dos de solução. novo bolus
sintomas. e aumento
de 50% da
dose a cada
60 minutos
(até
alcançar a
sedação
desejada).

Clorpromazina 12,5-25 mg 250 mg Contínua: 3-5 Endovenosa ou Máximo:


EV ou SC de diluídos em mg/hora. subcutânea. 150 mg/24
12/12 horas 200 mL de SF horas.
(máximo 4/4 0,9%. Pode ser
horas). Concentração associada
de 1 mg/mL ao
de solução. midazolam.

Fenobarbital 2-3 mg/kg 2.000 mg 0,5-2 Endovenosa ou Máximo: até


(100- 200 diluídos em mg/kg/hora. subcutânea. 2.400 mg/dia.
mg) EV ou 90 mL de em
SC lentos. SF 0,9%.
Concentração
de 20 mg/mL
de solução.

Propofol Inicial: bolus 0,5- Contínua: 5-80 Endovenosa. Uso exclusivo


3 mg/kg (sem mcg/kg/minuto. em UTI.
diluição).

EV: endovenoso; SC: subcutâneo; SF: soro fisiológico; UTI: unidade de terapia intensiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos aspectos primordiais do cuidado paliativo consiste no manejo
sintomático efetivo, proporcionando alívio sintomático, além de auxílio no
estabelecimento do plano de cuidado e da meta terapêutica adequados
para cada etapa de evolução da doença. Nesse contexto, o
acompanhamento precoce do paciente pela equipe de CP é capaz de
promover tratamento clínico mais eficiente, reduzindo o sofrimento do
paciente e/ou familiares.
Nos casos de refratariedade terapêutica sintomática, deve ser lançado
o uso do recurso de sedação paliativa. Algumas considerações a respeito
da sedação paliativa são importantes. Deve ser bem distinguida da
eutanásia, que consiste na administração deliberada de uma droga letal
que tem como objetivo abreviar a vida e causar a morte; e do suicídio
assistido, no qual o médico provê os meios para o paciente cometer o
suicídio. Outra consideração importante é que não há evidências de que o
uso da sedação paliativa antecipe a morte.
O conhecimento desses conceitos é de fundamental importância para
que os pacientes que recebem assistência em cuidados paliativos possam
vivenciar o menor sofrimento possível na fase de finitude e terminalidade
de vida e possam ter uma morte digna.

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54 Sobrecarga do cuidador

Juliano Silveira de Araújo


Fábio Campos Leonel
Maria Guiomar Silveira de Araújo Azevedo

INTRODUÇÃO
O aumento da expectativa de vida associado à elevação
da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis
(DNCT: cardiovasculares, neurodegenerativas, oncológicas)
contribuiu de forma relevante para o aumento do número
de idosos com algum grau de dependência. No Brasil, em
2018, as pessoas acima de 60 anos correspondiam a 15,4%
da população total, e estima-se que até o ano de 2060 esse
contingente populacional deverá atingir 30%,
evidenciando, assim, o fenômeno do envelhecimento.
As DCNT em pessoas idosas são a principal causa de
disfuncionalidade na maioria dos países sul-americanos,
incluindo o Brasil. A disfuncionalidade se refere a
deficiências, limitação de atividades ou restrição na
participação comunitária e social.
O grande desafio relacionado ao envelhecimento é
alcançá-lo sem apresentar uma ou mais doenças que
limitem a vida diária, acarretando dependência de outras
pessoas. Porém, quando a incapacidade funcional ocorre, a
família é quem assume, direta ou indiretamente (por
intermédio da figura do cuidador formal contratado), a
tarefa do cuidado diário ao idoso, muitas vezes sem a
preparação e o conhecimento adequados para
desempenhar tal papel.
Considera-se cuidador aquela pessoa que assume a
responsabilidade pelo cuidado do idoso ou de outro ser
humano com algum grau de incapacidade ou dependência,
podendo ser um membro da família ou não, que na maioria
das vezes desenvolve o trabalho sem formação específica
voltada para o cuidado de idosos dependentes e sem
remuneração.
Os primeiros estudos sobre cuidados de pessoas idosas
surgiram na década de 1960, no contexto de pacientes
psiquiátricos, sendo seguidos por pesquisas com o perfil de
cuidadores de “idosos frágeis” (década de 1980) e
posteriormente sobre cuidadores de “idosos com
demência”, com ênfase na doença de Alzheimer (década de
1990).
A partir dos anos 2000, a profissão de cuidador de idoso
vem ganhando destaque e importância no âmbito nacional.
De acordo com o Ministério da Saúde, a ocupação de
cuidador integra a Classificação Brasileira de Ocupações
(CBO) sob o código 5162, definindo o cuidador como
alguém que “cuida a partir dos objetivos estabelecidos por
instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando
pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal,
educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida”.
A sobrecarga do cuidador está frequentemente
associada a depressão, ansiedade, fadiga física e mental,
estresse, falta de apoio social e pior qualidade de vida. No
âmbito do burnout do cuidador, principalmente no contexto
de assistência domiciliar na fase final de vida, observa-se
aumento no surgimento de atitudes paternalistas, abusos e
agressões à pessoa idosa.

FATORES RELACIONADOS AO ESTRESSE DO


CUIDADOR

Sintomas comportamentais e psicológicos da demência

Os sintomas comportamentais e psicológicos da


demência (SCPD), prevalentes em 80 a 90% dos quadros
demenciais, contemplam um conjunto de 12 sintomas,
divididos em: hiperatividade (agitação, euforia, desinibição,
irritabilidade, comportamento motor aberrante); psicose
(alucinações, delírios e distúrbios do sono); afetivos
(depressão e ansiedade) e apatia (apatia e alterações
alimentares). O Inventário Neuropsiquiátrico (NPI-Q) é a
ferramenta mais utilizada na avaliação dos pacientes com
sintomas comportamentais.
Os SCPD estão associados ao maior grau de
comprometimento cognitivo, assim como ao aumento na
velocidade de progressão da doença, além de aumentarem
os custos do cuidado e de estarem entre os mais
importantes fatores de institucionalização precoce.
Na literatura nacional, os sintomas que apresentaram
maior prevalência foram apatia, comportamento motor
aberrante, ansiedade e depressão. Ferrara et al.
evidenciaram uma piora na qualidade de vida do cuidado à
medida que os sintomas comportamentais aumentavam de
magnitude em estudos com cuidadores de pacientes com
doença de Alzheimer.

Aspectos clínicos do paciente


A presença de multimorbidades, a polifarmácia (uso
concomitante de cinco ou mais medicamentos), os déficits
sensoriais e determinadas etiologias de transtorno
neurocognitivo maior não apresentaram associação com o
estresse do cuidador. O acometimento psiquiátrico prévio
do paciente apresenta relação direta com o surgimento da
sobrecarga do cuidador.

Funcionalidade

Em 2060 estima-se que a população de idosos


quadruplicará. O aumento da expectativa de vida associado
à sobrecarga de doenças crônicas implicará o aumento de
pessoas idosas com incapacidades.
Dados nacionais apontam que cerca de 40% dos
indivíduos com 65 anos ou mais necessitam de auxílio para
realizar alguma atividade instrumental de vida diária
(AIVD), como cuidar de finanças, fazer compras, realizar
limpeza do domicílio e preparar refeições. Cerca de 10%
desse grupo necessita de auxílio para o autocuidado
(atividades básicas de vida diária – ABVD), proporção que
se eleva conforme o aumento das faixas etárias (mais de
30% entre octogenários e cerca de mais de 50% nos
nonagenários).
No âmbito da funcionalidade, os dados da literatura
apresentam divergências. Apesar de a maior dependência
proporcionar maior tempo de cuidado promovido pelo
cuidador, a piora da funcionalidade não é acompanhada por
aumento no nível de estresse devido ao processo de
adaptação do cuidador, gerando maior confiança com as
experiências vividas e redução no sentimento de
sobrecarga.
Características do cuidador

Os estudos sobre cuidadores informais apontam para um


predomínio de mulheres na tarefa de cuidador principal. Os
principais perfis são de esposas idosas cuidando dos seus
cônjuges e de filhas (geralmente solteiras) cuidando de
seus pais.
A faixa etária predominante dos cuidadores informais e
formais ficou entre 36 e 56 anos. Esse resultado pode ser
relacionado ao fato de que os adultos jovens dispõem de
mais vitalidade para realizar os cuidados.
A escolaridade apresenta um reflexo positivo na tarefa
de cuidar. Os cuidadores com maior escolaridade,
principalmente com nível superior, desenvolvem melhores
estratégias orientadas para a resolução de problemas,
assim como capacidades práticas, maior conhecimento e
uso de recursos sociais, favorecendo a dinâmica do
cuidado.

ASPECTOS DO CUIDADOR FORMAL


Os cuidadores formais de idosos são profissionais
remunerados para prestar auxílio ao idoso no desempenho
de suas atividades básicas e instrumentais de vida diária,
visando à preservação da independência e autonomia,
assim como minimizando agravos e doenças.
Apesar de a maioria desses profissionais exercer tal
atividade nos domicílios dos idosos, outros cenários, como
os hospitais e as instituições de longa permanência, são
também campos de atuação.
A idade dos cuidadores formais varia entre 25 e 65 anos,
com média próxima da quinta década de vida. O vínculo
estabelecido entre cuidador e paciente tem duração em
torno de 2 anos, apresentando esses idosos mediana de
idade de 78 anos e, em sua grande maioria, elevado grau
de dependência e imobilismo.
A jornada de trabalho pode variar de 44 horas até
extremos de 72 horas semanais, sendo a grande maioria
remunerada pelo Regime de Pagamento Autônomo (RPA),
com a média de 1 a 2 salários-mínimos.

JORNADA DE TEMPO
Para o cuidador informal, a tarefa de cuidar
frequentemente está associada ao abandono da profissão,
das atividades de lazer e do autocuidado. Os registros na
literatura relatam que 70% dos cuidadores dedicam-se 10
ou mais horas por dia e quase 2/3 deles não realizam
rodízio com outros membros do clã familiar.

ASPECTOS AMBIENTAIS
Residir com o paciente pode gerar um comportamento
dual entre “tensão” e “bem-estar”. Os núcleos familiares
que conseguem atender às demandas de seus familiares
relatam experiência positiva nesse contexto de cuidado. Por
outro lado, a insuficiência de recursos pode acarretar
tensão no contexto familiar, acarretando conflitos entre os
membros devido à falta de resolutividade e à não execução
das tarefas propostas. Em relação aos pacientes, a
preservação do vínculo familiar é vista de forma favorável,
uma vez que suas demandas podem ser atendidas de forma
ampla.

ASPECTOS FINANCEIROS
Em pesquisas realizadas nos meses que antecederam a
pandemia, 95% dos idosos contribuíam financeiramente
para seus lares, sendo 68% deles chefes de suas famílias. A
problemática financeira reside no fato de os proventos
serem inferiores a três salários-mínimos, associado ao
abandono total ou parcial das atividades laborais pelos
cuidadores e à presença de um lar multigeracional (três
gerações ou mais), sustentado por uma renda reduzida.

ESCALAS UTILIZADAS NA AVALIAÇÃO DO ESTRESSE


DO CUIDADOR
Os sinais de estresse do cuidador devem ser
pesquisados de forma ativa pelos profissionais da equipe
multidisciplinar. Algumas ferramentas descritas são
utilizadas, principalmente, como forma de padronização em
pesquisas e nos ambulatórios de ensino. Entretanto, devido
ao tempo necessário para sua aplicação, não são
imprescindíveis na busca e suspeição de estresse do
cuidador.

Self Reporting Questionnaire-20


Desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) e validado para o português, o Self-Reporting
Questionnaire-20 (SRQ-20) contempla 20 questões
dicotômicas (Sim/Não) que abordam sintomas psíquicos e
somáticos. Conforme definido em análise de curva ROC, o
ponto de corte maior ou igual a 7 pontos apresenta
acurácia satisfatória.

Zarit Burden Interview (ZBI)


A escala de sobrecarga do cuidador de Zarit contempla
22 itens e tem como objetivo avaliar o impacto percebido
do cuidar sobre a saúde física e emocional, atividades
sociais e a condição financeira. Trata-se de uma escala
likert de 5 pontos (0 a 4 pontos), podendo variar de 0 a 88
pontos, obtendo a maior pontuação proporcionalmente ao
grau de sobrecarga do cuidador. Sua versão simplificada
com 12 itens (ZBI-12) tem se tornado uma alternativa
rápida e eficiente no rastreio de sobrecarga do cuidador.

Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey


O SF-36 consiste em um instrumento preditor de
qualidade de vida do cuidador, traduzido e validado para o
português, com espectro multidimensional (8 dimensões) e
constituído de 36 itens (pontuação entre 0 a 100 pontos)
que contemplam:

Funcionalidade.
Aspectos físicos e dor.
Estado geral de saúde e vitalidade.
Aspectos sociais.
Aspectos psicoemocionais.

Inventário Neuropsiquiátrico – Versão Cuidador

O Inventário Neuropsiquiátrico (NPI-Q,


Neuropsychiatric Inventory-Questionnaire) é constituído
por 12 itens, que possibilitam determinar a presença de
sintomas comportamentais, sua frequência e intensidade. A
pontuação é calculada a partir da multiplicação da
frequência (1 a 3) pela intensidade (1 a 4 pontos), variando
de 0 a 144 pontos.
MODALIDADES DE ABORDAGEM DO ESTRESSE DO
CUIDADOR
As modalidades de intervenção visam ao bem-estar físico
e emocional do cuidador e à redução de sua sobrecarga,
que representa um dos elementos mediadores do estresse.
Tais medidas podem ser adotadas de forma individual ou
em grupo, presencialmente ou a distância (contato
telefônico, videoconferência), com ênfase em medidas
multimodais e interdisciplinares. As intervenções junto aos
cuidadores só serão efetivas se pensadas, programadas e
executadas em diferentes dimensões (física, psicológica,
social e financeira).
Os principais objetivos a serem alcançados são:

Aumentar a capacidade de resolução de problemas e o


desenvolvimento de habilidades.
Reduzir o isolamento dos cuidadores.
Fortalecer os vínculos dos elos do cuidado.
Aumentar o conhecimento sobre o processo de
envelhecimento e os problemas de saúde específicos de
cada faixa etária.

COMO OFERECER APOIO AO CUIDADOR EM


SOFRIMENTO
A construção do vínculo de cuidados entre paciente,
profissional de saúde e familiar/cuidador é imprescindível
no planejamento do cuidar.
A capacidade de escuta é uma habilidade necessária no
reconhecimento do sofrimento do cuidador, seja familiar ou
formal, e a busca ativa, por meio de questões simples
“como está sendo a experiência de cuidar?”, deve ser
encorajada em cada atendimento médico.
A última etapa da consulta pode ser utilizada como
forma de rastrear o sofrimento do cuidador, identificar suas
estratégias de autocuidado e acompanhamento em saúde.
Para os cuidadores que não seguem regularmente com
equipes de saúde, pode ser ofertado um acolhimento breve
na própria consulta médica, com perspectiva de
atendimento em segundo momento conforme vínculo entre
as partes e estabelecimento de relação médico-paciente,
conforme dispõem os arts. II e VI, Capítulo I, do Código de
Ética Médica (CEM):
Artigo 02 - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano,
em benefício da qual deverá agir com máximo de zelo e o melhor da sua
capacidade profissional.
Artigo 06 - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará
sempre em seu benefício [...];

Os cuidadores que já realizam acompanhamento médico


periódico deverão ser encorajados a buscar por suporte
com seu assistente. Nas condições de sofrimento extremo,
é possível uma intervenção preliminar desde que se
respeitem os ditames da relação médico-médico, conforme
descrito no Capítulo VII do CEM (relação entre médicos),
art. 82:
É vedado ao médico:
Alterar prescrição ou tratamento de paciente, determinado por outro
médico, mesmo quando investido em função de chefia ou de auditoria, salvo
em situação de indiscutível conveniência para o paciente, devendo
comunicar imediatamente o fato ao médico responsável.

REDE DE APOIO/DIVISÃO DE TAREFAS


A grande maioria dos cuidadores não recebe nenhum
apoio na divisão de cuidados. O apoio da família
(psicológico, social, financeiro) constitui importante
recurso para o sentimento de valorização pessoal do
cuidador.
Nas famílias com maior poder aquisitivo, surge há
possibilidade de se contratar um cuidador formal como
opção na divisão de tarefas. Apesar do aumento na procura
dos cursos de capacitação, uma boa parcela dos indivíduos
que se propõem a realizar a tarefa de cuidador formal não
apresenta qualificações específicas relacionadas ao
cuidado.

MANEJO DOS SINTOMAS NEUROPSIQUIÁTRICOS DOS


PACIENTES
No âmbito do controle dos sintomas comportamentais,
as medidas não farmacológicas são prioritárias e podem ser
combinadas com o uso de psicotrópicos. Como formas de
abordar o paciente, destacam-se:

Monitorizar sintomas de desconforto (dor, frio ou calor,


sede, fome, constipação) como gatilhos de sintomas
comportamentais.
Evitar conflitos, conforme o entendimento de que os
sintomas comportamentais não são intencionais.
Criar rotinas de atividades diárias, de forma simples,
sem obrigar o paciente a realizar tarefas das quais ele
não goste ou com sinais de sobrecarga.
Conversar de forma clara, simples e acolhedora.
Adequar o ambiente de convívio: melhorar as condições
de iluminação, minimizar os estímulos sonoros e
programar o ambiente para o início do pôr do sol (evitar
a síndrome de sundowning).
Ofertar terapias alternativas: massagem, arteterapia,
musicoterapia, terapia com animais.

O uso de psicotrópicos (haloperidol, clorpromazina,


risperidona, quetiapina, olanzapina, aripiprazol, clozapina e
demais) está indicado nos casos de sintomas refratários e
riscos para paciente e cuidador.
Os antipsicóticos atípicos devem ser preferencialmente
utilizados devido ao menor perfil de efeitos colaterais. A
prescrição deve ser revista periodicamente, e, sempre que
possível, deve-se realizar a redução de doses ou a
suspensão de medicamentos.
Nos últimos anos, o canabidiol tem sido utilizado para
controle dos sintomas comportamentais (principalmente
agitação, desinibição, agressividade e irritabilidade), com
perfil de segurança adequado para a população idosa,
entretanto necessita ainda de estudos robustos no contexto
de efeitos em longo prazo.

PSICOEDUCAÇÃO
A psicoeducação, baseada na terapia cognitivo-
comportamental (TCC), tem contribuído para o manejo do
estresse do cuidador por ser uma modalidade de resultados
em curto prazo, que permite trabalhar desde pensamentos
automáticos até questões centrais do indivíduo, sempre
considerando os eventos desencadeadores dos sintomas.
Essas intervenções normalmente focam a modificação de
crenças relacionadas à doença e ao papel do cuidador,
encorajando-o no engajamento em atividades prazerosas e
envolvendo outros familiares nos cuidados.

ATIVIDADE FÍSICA
A prática de atividade física é outra importante
intervenção no estresse do cuidador. As atividades
aeróbicas (p. ex.: caminhada), que podem ser realizadas
inclusive com a participação dos pacientes, apresentaram
relação positiva na qualidade de vida e fortalecimento de
vínculos.

INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICA PARA O CUIDADOR


Os cuidadores que apresentam quadro psiquiátrico
prévio ou desenvolvido durante a tarefa de cuidar, como
depressão, transtorno de ansiedade, entre outros, devem
receber o tratamento adequado e adaptado para sua rotina
de cuidados. O uso de antidepressivos, quando indicado,
apresentou bons resultados em relação ao estresse do
cuidador, qualidade de vida e cuidado ofertado.

HOSPITALIZAÇÃO DO PACIENTE
Nos casos de sobrecarga importante, com riscos para o
paciente ou o cuidador, a hospitalização do paciente pode
ser uma opção, pois possibilita observar se há impacto
positivo no estado de saúde do cuidador. É importante que
seja feito um investimento junto à equipe multidisciplinar
da instituição com o objetivo de promover a transferência
de conhecimentos ao cuidador como parte do planejamento
da alta hospitalar do paciente.

INSTITUCIONALIZAÇÃO
A admissão em instituições de longa permanência (ILP)
é recomendada nos casos de risco de maus-tratos, estresse
incapacitante do cuidador e ausência de suporte social.
Observa-se redução no relato de sintomas depressivos
após a institucionalização dos pacientes, sugerindo que tais
acometimentos podem ser agravados com a prática do
cuidar. O reconhecimento e a intervenção precoce na
sobrecarga do cuidador podem evitar a entrada dos idosos
em instituições ou até memo promover sua retirada das ILP.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sobrecarga do cuidador é uma condição com potencial
para gerar muitos outros problemas desencadeadores de
comprometimento na qualidade de vida (aspectos físicos,
psicológicos e sociais). Por isso, é importante contar com
uma rede adequada de suporte profissional que possa ao
menos minimizar parte desse problema por meio de
intervenções mais eficazes e continuadas.
Afinal, um cuidador capacitado e em equilíbrio para
prover suporte poderá oferecer um cuidado de melhor
qualidade.

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Modalidades de assistência aos idosos e 55
soluções para o século XXI

Milton Luiz Gorzoni

INTRODUÇÃO
O processo de transição demográfica – quando ocorre
progressiva inversão da pirâmide etária (menos crianças e
mais idosos) – tornou-se fenômeno mundial e em rápido
crescimento desde a segunda metade do século passado.
Incluem-se nesse processo demográfico países como o
Brasil, onde a velocidade do envelhecimento populacional
observada nos últimos 40 anos aumentou o número de
idosos (idade igual ou maior a 60 anos) de 3 para mais de
14 milhões (acréscimo de aproximadamente 500%).
Criam-se assim dois desafios para a saúde pública
brasileira:

1. Como otimizar o atendimento – quantitativa e


qualitativamente – adequado, em face do rápido
crescimento dessa faixa etária?
2. Qual a maneira de formar profissionais habilitados a
atender idosos na mesma velocidade do aumento
demográfico deles?
Cabe também a observação de que populações idosas
não envelhecem de modo uniforme, ou seja, haverá grupos
de idosos com especiais demandas – físicas, mentais,
sociais e econômicas – que requererão diferentes
abordagens e soluções.
Utilizando como princípio e meta a preservação de dois
direitos fundamentais aos seres humanos, autonomia
(capacidade de autogestão) e independência (habilidade de
desempenhar funções do cotidiano), há várias modalidades
de atenção ao idoso que estão sendo incorporadas ou
adaptadas nas últimas décadas:

ATENDIMENTO DOMICILIÁRIO
A atenção domiciliária ao idoso está se tornando opção
estratégica para seus cuidados, notadamente pós-
hospitalização e a longo prazo. Equipes multiprofissionais –
devidamente treinadas e motivadas – apresentam potencial
de assistência domiciliária com a incorporação de insumos,
equipamentos e de orientação aos familiares dos pacientes.
Esse processo de desospitalização torna o idoso menos
vulnerável a iatrogenias sabidamente mais frequentes em
ambiente hospitalar. Provoca também o retorno a seu local
de moradia, permitindo melhor interação com a rotina
domiciliar e com os integrantes de sua família.
Merece menção o fato de que a alta hospitalar não
encerra o ciclo de atendimento aos pacientes em geral e
aos idosos em particular, ou seja, se não houver um
atendimento pós-hospitalização efetivo, o risco de
reinternações torna-se fato concreto e sobrecarrega os
sistemas público e o privado de saúde.
É necessário fazer referência à legislação vigente sobre
o atendimento domiciliar ao idoso. Portarias do Ministério
da Saúde (MS 2.527, de 27/10/2011, e MS 963, de
27/05/2013) contribuem para embasar a integração de
programas municipais e federais quanto aos recursos
financeiros e humanos para o atendimento a idosos
dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS). As Leis n.
10.741 (01/10/2003) e n. 12.896 (18/12/2013) contemplam
o idoso com o direito – no caso de impossibilidade de
locomoção – a atendimento domiciliar para atendimento
público e privado visando primariamente à emissão de
laudo de saúde para fins periciais do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), direitos sociais e isenção tributária.
Resumindo: equipes multiprofissionais motivadas e
habilitadas para manter ou reabilitar idosos em seus
domicílios reduzirão o custo dos cuidados de pacientes
nessa faixa etária e o estresse de seus familiares.
Colaborarão também para a manutenção de sua autonomia,
independência e dignidade.

CENTRO-DIA
A proposta básica sobre a necessidade de centros-dia
relaciona-se com a oferta de atenção social e cuidados
pessoais diferenciados aos idosos. Permite processos de
socialização e o desenvolvimento de atividades que
promovam o retorno da autoestima, reduzindo assim o
risco de institucionalização e de segregação – atualmente
denominado “etarismo” (da palavra inglesa ageism) – e
contribuindo para a reinclusão social e familiar dos idosos.
Exemplo comum ocorre com idosos cujos familiares
desenvolvem atividades laborativas durante o dia e
necessárias para a estabilidade financeira do núcleo
familiar. Há, porém – por parte da família –, disponibilidade
para cuidados noturnos e em fins de semana a seus
parentes de mais idade. O centro-dia não apenas permite
oferecer uma alternativa ao confinamento domiciliar como
reduz o estresse dos familiares sobre atividades diárias
relacionadas aos idosos, como refeições e consumo de
medicamentos nos horários preestabelecidos.

HOSPITAL-DIA
Acrescentando-se às duas modalidades anteriores de
assistência aos idosos, o hospital-dia visa ao
desenvolvimento ou à complementação de tratamentos
medicamentosos e/ou de reabilitação que exigiriam longa
permanência hospitalar em pacientes com doenças de
maior complexidade. Procura também a redução de
hospitalizações apenas para finalidades terapêuticas.
Obviamente necessita de equipe multiprofissional e de
planta física adequada para seus objetivos de assistência
aos pacientes dessa faixa etária.
Centros-dia são regulamentados pela Portaria do
Ministério da Saúde n. 2.414, de 23/03/1998.

AMBULATÓRIOS
Espera-se que, devido ao rápido crescimento da
população idosa, a rede de atenção básica desenvolva
modelos de atendimento diferenciado para esse segmento
etário. Merece especial atenção a identificação de grupos
de risco – como idosos frágeis ou os com disfunção
cognitiva grave – e o processo constante de equipes
multiprofissionais sobre a reabilitação de pacientes dessa
faixa de idade. Há igual prioridade sobre os idosos
saudáveis que devem ser contemplados com programas de
promoção e educação em saúde.
Sumarizando: ambulatórios – independentemente de sua
função ou especialidade – devem ter como objetivo atender
adequadamente a três segmentos diferenciados nessa faixa
etária:

1. Idosos saudáveis, visando mantê-los independentes e


autônomos por intermédio de orientações adequadas
quanto à alimentação e à atividade física, por exemplo.
2. Idosos com doenças crônicas, procurando compensá-los
regularmente de doenças tais como hipertensão arterial
e diabetes mellitus, reduzindo assim o risco de
complicações do padrão de insuficiências renais e
cardíacas a médio prazo.
3. Idosos em fase avançada de doenças graves ou
complexas, definindo o processo de cuidados paliativos
ou a normatização do segmento ambulatorial em, por
exemplo, sequelados de acidentes vasculares cerebrais
ou de fraturas de fêmur.

Requerem menção os trabalhos de Aliberti et al. (2018)


e de Saraiva (2021) sobre a aplicabilidade da Avaliação
Geriátrica Compacta de 10 minutos (AGC-10) na predição
de desfechos em centros-dia e em ambulatórios. A AGC-10
encontra-se em processo de validação nacional, mas já é
merecedora de atenção para a prática clínica ambulatorial.

ENFERMARIAS
Dificuldades de acesso regular ao sistema de saúde e a
rotatividade de membros de suas equipes colaboram com a
tendência de idosos procurarem serviços de emergência e
aumentarem suas taxas de hospitalização. Internações
prolongadas, além de expor pacientes desse segmento de
idade a iatrogenias, provocam efeitos deletérios à
capacidade funcional dos idosos. Deve-se, assim,
considerar a perspectiva de internação hospitalar em
situações de real gravidade ou de risco de morte,
programando-se a partir do primeiro dia intra-hospital de
um programa de desospitalização breve com
acompanhamento em outras modalidades de atendimento a
idosos.
Recomenda-se a leitura dos artigos de Hshieh et al.
(2018) e de Inouye et al. (2000 e 2006) sobre o Hospital
Elder Life Program (Help), no qual, por intermédio de
mínimas equipes multiprofissionais (médico, enfermeira e
assistente social) habilitadas aos cuidados com idosos,
foram obtidas reduções significativas nos quadros de
delirium e de quedas, no tempo de permanência hospitalar
e no custo total das internações

UNIDADES DE CUIDADOS INTERMEDIÁRIOS


Unidades de cuidados intermediários (UCI) ou unidades
críticas de emergência apresentam como finalidade a
atenção a pacientes – independentemente da faixa de idade
– oriundos de serviços de emergência em condições clínicas
graves e com suporte avançado de vida como ventilação
mecânica e/ou em uso de fármacos vasoativos e
monitoração intensiva para possíveis intervenções. Idosos
se beneficiam das UCI por encontrarem nelas ambiente
menos hostil a eles, permitindo a presença de um
acompanhante e oferecendo local com menor grau de
ruídos, luminosidade e movimentação de profissionais da
saúde.
Colaboram também com a definição de critérios de
admissão em unidades de terapia intensiva (UTI).
UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA
Cabe inicialmente a observação de que a idade do
paciente não deve ser considerada critério de exclusão ou
de inclusão de idosos em UTI.
O critério mais simples e prático relaciona-se a
investigar como era o grau de funcionabilidade do paciente
antes da internação, ou seja, há longevos (idade igual ou
maior de 80 anos) absolutamente capazes não apenas de
serem internados em UTI como também de receber alta de
seus leitos.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina n.
2.156/2016 colabora na definição de critérios de admissão
em UTI, notadamente quanto à possibilidade de reversão
de quadro clínico grave ou de pós-operatório imediato de
cirurgias de médio ou grande porte.

INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA


Instituições de longa permanência para idosos (ILPI)
visam promover atenção integral a internados dessa faixa
etária. Apresentam como intenção básica a prevenção e/ou
a limitação de riscos e de agravos – como quedas e
desnutrição, por exemplo – de idosos que moram sozinhos
ou sem suporte social adequado, notadamente os que
apresentam algum grau de dependência física ou mental.
AS ILPI tornaram-se uma proposta para a prestação de
assistência aos idosos, permitindo-lhes a possibilidade de
manutenção de seu bem-estar físico, mental e social. Por
outro lado, devido à diversidade de atos legislativos e de
políticas públicas, a definição de parâmetros mínimos ainda
se encontra em discussão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há várias modalidades de assistência aos idosos, mas,
como observado neste capítulo, a velocidade do
envelhecimento populacional torna cada vez mais
necessárias soluções criativas, práticas e de baixo custo
para que esse segmento etário não se torne um real
problema de saúde pública.

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Apêndice
Escalas práticas para avaliação geriátrica

Daniel Ossamu Goldschmidt Kiminami


Paulo de Oliveira Duarte

AVALIAÇÃO GLOBAL DO IDOSO


Com objetivo de realizar uma avaliação global da saúde do idoso de forma
breve, será apresentado a seguir um instrumento de rastreio multidimensional
compacto baseado na AGA, a Avaliação Global Compacta de 10 minutos (em inglês,
10-minute Targeted Geriatric Assessment [10-TaGA]), desenvolvida com base
em consenso de especialistas brasileiros. Trata-se de um instrumento rápido e de
fácil aplicação, sendo necessários apenas uma balança, uma fita métrica e um
cronômetro. Os parâmetros avaliados são suporte social, uso recente do sistema
de saúde, ocorrência recente de quedas, número de medicações em uso,
funcionalidade, cognição, autoavaliação de saúde, sintomas depressivos, avaliação
nutricional e prova de mobilidade. Cada domínio é pontuado como normal (0
ponto), alteração leve (0,5 ponto) ou alteração grave (1 ponto). O resultado final é
obtido a partir da soma de pontos dividida por 10 (ou pelo número de parâmetros
avaliados, caso não seja possível a realização de todos) para a obtenção do índice
10-TaGA. É considerado de baixo risco 0-0,29; médio risco 0,3-0,39 e alto risco 0,4-
1. A 10-TaGA é uma opção para identificar condições geriátricas, prever desfechos
adversos e guiar os cuidados dos idosos em serviços de saúde, especialmente em
cenários com escassez de tempo e recursos.
TESTES DE AVALIAÇÃO COGNITIVA
O Miniexame do Estado Mental (MEEM) é um dos testes de rastreio
cognitivo mais utilizados mundialmente, dada sua facilidade de aplicação e boa
capacidade para mensurar perdas cognitivas, além de ser útil como instrumento
para monitorar evolução cognitiva ao longo do tempo. Consiste em uma bateria
simples de 20 testes, com pontuação que varia de 0 a 30, com tempo médio para
aplicação de 5 minutos. O MEEM tem sensibilidade de 76,9% (95% IC = 70,1-
83,1%) e especificidade de 89,9% (95% IC = 82,5-95,4%). A interpretação dos
resultados dependerá do grau de escolaridade do paciente. Pode-se adotar como
ponto de corte, abaixo do qual sugere-se déficit cognitivo, a mediana segundo
escolaridade de população estudada por Brucki et al. (2003).

MINIEXAME DO ESTADO MENTAL (MEEM)

ORIENTAÇÃO TEMPORAL
Pergunte ao indivíduo: (dê um ponto para cada resposta correta)
□ Que dia é hoje?
□ Em que mês estamos?
□ Em que ano estamos?
□ Em que dia da semana estamos?
□ Qual a hora aproximada? 0,5 pontos ( )

ORIENTAÇÃO ESPACIAL
Pergunte ao indivíduo: (dê um ponto para cada resposta correta)
□ Em que local nós estamos? (consultório, dormitório, sala – apontando para o chão)
□ Que local é este aqui? (apontando ao redor num sentido mais amplo: hospital, casa de repouso, própria
casa)
□ Em que bairro nós estamos ou qual o nome de uma rua próxima?
□ Em que cidade nós estamos?
□ Em que Estado nós estamos? 0,5 pontos ( )

MEMÓRIA IMEDIATA
Eu vou dizer três palavras e você irá repeti-las a seguir:
PENTE, VASO, LARANJA
(dê 1 ponto para cada palavra repetida corretamente na 1ª vez, embora possa repeti-las até três vezes para o
aprendizado, se houver erro)
0,3 pontos ( )
ATENÇÃO E CÁLCULO
Subtração de setes seriadamente (100 – 7, 93 – 7, 86 – 7, 79 – 7, 72 – 7, 65).
Considere 1 ponto para cada resultado correto. Caso haja erro, corrija-o e prossiga.
Considere correto se o examinado espontaneamente se autocorrigir
Deve-se dizer: Quanto é 100 menos 7? E menos 7? E menos 7?
0,5 pontos ( )
EVOCAÇÃO DAS PALAVRAS
Pergunte quais as palavras que o sujeito acabara de repetir (1 ponto para cada).
□ PENTE □ VASO □ LARANJA
0,3 pontos ( )
NOMEAÇÃO
Apontar e solicitar que nomeie (1 ponto para cada).
□ CANETA □ RELÓGIO
0,2 pontos ( )
REPETIÇÃO
Preste atenção: vou lhe dizer uma frase e quero que você repita depois de mim:
“NEM AQUI, NEM ALI, NEM LÁ”
Considere apenas se a repetição for perfeita
0,1 ponto ( )
COMANDO
“Pegue o papel com a mão direita (1 ponto), dobre-o no meio (1 ponto) e coloque-o no chão (1 ponto)”
Total de 3 pontos. Se o sujeito pedir ajuda no meio da tarefa, não dê dicas.
0,3 pontos ( )
LEITURA
Mostre a frase escrita FECHE OS OLHOS e peça para o indivíduo fazer o que está sendo mandado (1 ponto).
Não auxilie se pedir ajuda ou se só ler a frase sem realizar o comando
0,1 ponto ( )
FRASE
Peça ao indivíduo para escrever uma frase. Se não compreender o significado, ajude com: alguma frase que
tenha começo, meio e fim; alguma coisa que aconteceu hoje; alguma coisa que queira dizer. Para a correção
não são considerados erros ortográficos ou gramaticais (1 ponto).
0,1 ponto ( )
CÓPIA DO DESENHO
Mostre o modelo e peça para fazer o melhor possível. Considere apenas se houver 2 pentágonos
interseccionados (10 ângulos) formando uma figura de quatro lados ou com dois ângulos (1 ponto).
LEITURA 0,1 ponto ( )
CÓPIA DO DESENHO

FECHE
OS OLHOS

DISTRIBUIÇÃO DOS ESCORES NA AMOSTRA TOTAL E POR ESCOLARIDADE

N Média Desvio- Média – 1,5 Mediana


padrão DP

Grupo todo 433 24,63 3,72 19,05 20

Analfabetos 77 19,51 2,8 15,25 20

1-4 anos de escolaridade 211 24,76 2,96 20,32 25

5-8 anos de escolaridade 72 26,15 2,35 22,662 26

9-11 anos de escolaridade 47 27,74 1,81 25,02 28

> 11 anos de 26 28,27 2,01 25,25 29


escolaridade

Fonte: Brucki et al., 2003.

Para pacientes com MEEM menor ou igual a 10, pode-se utilizar a escala
MEEM grave para acompanhamento. O MEEM grave tem escore total de 30
pontos e avalia conhecimento autobiográfico, função visuoespacial, função
executiva, linguagem, fluência verbal de animais e soletração.

MEEM GRAVE

Solicitar que o(a) paciente diga o seu nome: (Um ponto se a resposta for próxima
do correto; três pontos se a resposta por completamente correta).
Primeiro: ________________________________________ ( ) máximo 3 pontos
Último: __________________________________________ ( ) máximo 3 pontos (6) ________

Data de nascimento: ( ) 01 ponto se qualquer elemento for correto e ( ) 02 pontos se


a resposta for completamente correta. (2) ________

Repita as palavras: (01 ponto para cada palavra)


Pássaro: ________________________ ( )
Casa: __________________________ ( )
Sombrinha: ______________________ ( ) (3) ________
Siga as instruções: Um ponto por atender o comando e dois pontos por manter o (4) ________
comando após 5 segundos até que se ordene que pare.
Levante a sua mão ( ) 2 ou ( ) 1 ponto
Feche os seus olhos ( ) 2 ou ( ) 1 ponto

Nomeação de objetos simples: Um ponto para cada objeto


Caneta ______________________ ( )
Relógio ______________________ ( )
Sapato ______________________ ( ) (3) ________

Desenhe o círculo: a partir de um comando: (01 ponto)

(1) ________

Cópia de um quadrado: (01 ponto)


(1) ________

Escrever o nome: Dê 1 ponto se a resposta for aproximada e 2 pontos se a resposta


for completamente correta.
Primeiro: ____________________________ ( )
Último: ______________________________ ( ) (3) ________

Fluência de animais: (número de animais em um minuto)


( ) 1-2 animais = 01 ponto ( ) 3-4 animais = 02 pontos ( ) > 4 animais = 03 pontos

Soletre a palavra: “BOI” (01 ponto para cada letra dita em ordem correta)
B=()
O=()
I=() (3) ________

TOTAL MÁXIMO: 30 pontos ________ (30)

O Rastreio Cognitivo de 10 pontos (do inglês 10-Point Cognitive Screener


[10-CS]) é outro instrumento de triagem rápida e cognitiva validado para a
população brasileira, com ajuste para escolaridade. Possui boa acurácia pela curva
ROC, com área sob a curva 0,85 e 0,90 para déficit cognitivo e demência,
respectivamente. A pontuação varia de 0 a 10, e a soma final de pontos (10-CS)
deverá ser ajustada pela escolaridade do indivíduo, chegando-se ao resultado final
de no máximo 10 pontos (10-CS-Edu).

POINT COGNITIVE SCREENER (10-CS)

ORIENTAÇÃO

Em que ano estamos? 0 1

Em que mês estamos? 0 1

Que dia do mês é hoje? 0 1

APRENDIZADO

Agora eu vou dizer o Versão Versão B Versão C Não pontua


nome de 3 objetos A chapéu relógio
para você óculos moeda chave
memorizar. Assim caneta lanterna vassoura
que eu terminar, martelo
repita os 3 objetos
(até 3 tentativas, se
necessário)

FLUÊNCIA VERBAL

Agora eu quero que 1. 11. 21. Animais e pontos


você me diga o 2. 12. 22.
maior número de 3. 13. 23.
animais que 4. 14. 24. 0-5 0
conseguir, o mais 5. 15. 25. 6-8 1
rápido possível. Vale 6. 16. 26. 9-11 2
qualquer tipo de 12-14 3
7. 17. 27.
animal. Vou marcar o ≥ 15 4
8. 18. 28.
tempo no relógio e
contar quantos 9. 19. 29.
animais você 10. 20. 30.
consegue dizer em 1
minuto.

EVOCAÇÃO

Agora me diga quais Versão A Versão B Versão C


eram os 3 objetos óculos chapéu relógio 0 1
que pedi para você caneta moeda chave 0 1
memorizar. martelo lanterna vassoura 0 1

AJUSTE PARA ESCOLARIDADE (10-CS-Edu)

Sem + 2 pontos (máximo de 10) 10-CS: ________________


escolaridade
formal:
1-3 anos de + 1 ponto (máximo de 10) 10-CS-Edu: _____________
escolaridade:
INTERPRETAÇÃO DO 10-CS-Edu

≥ 8 pontos: Normal
6-7 pontos: Comprometimento cognitivo possível
0-5 pontos: Comprometimento cognitivo provável

A Bateria Breve de Rastreio Cognitivo é composta pelo teste de memória de


figuras, fluência verbal semântica e desenho do relógio. Leva cerca de 7 minutos
para ser aplicada. Exige 2 páginas impressas contendo 10 e outra 20 figuras
predefinidas. Vide a seguir as instruções para sua aplicação.

BATERIA BREVE DE RASTREIO COGNITIVO

Mostre a folha contendo as 10 figuras e pergunte: “Que figuras são estas?”


Obs.: se não for capaz de perceber adequadamente um ou dois itens ou de nomeá-los, não corrija. Aceite o
nome que o paciente deu e considere-o correto na avaliação da memória.

Erros de percepção: o paciente confunde o objeto _______ (0-10)


PERCEPÇÃO VISUAL
(ex.: avião com um peixe ou o balde com um copo) (esperado ≥ 9)

Erros de nomeação: o paciente identifica a figura mas _______ (0-10)


não se lembra da palavra (ex.: faz o gesto de pentear- (esperado ≥ 9)
NOMEAÇÃO
se mas não se lembra da palavra pente, ou diz ser
animal mas nao se lembra do nome tartaruga)

Esconda as figuras e pergunte: “Que figuras eu acabei de lhe mostrar?”

MEMÓRIA INCIDENTAL _______ (0-10)


(esperado ≥ 5)
Mostre as figuras novamente durante 30 segundos dizendo: “Olhe bem e procure memorizar estas figuras”
(se houver déficit visual importante, peça que memorize as palavras que você vai dizer; diga os nomes dos
objetos lentamente, um nome/segundo; fale a série toda duas vezes).

_______ (0-10)
MEMÓRIA IMEDIATA
(esperado ≥ 7)

Mostre as figuras novamente durante 30 segundos dizendo: “Olhe bem e procure memorizar estas figuras”

_______ (0-10)
APRENDIZADO
(esperado ≥ 7)

Interferência: teste de fluência verbal e o desenho do relógio.

“Você deve falar todos os nomes de animais (qualquer bicho) de que se lembrar, no menor tempo possível.
Pode começar.” Anote o número de animais nomeados em 1 minuto. Considere “boi” e “vaca” como dois
animais, mas “gato” e “gata” como um só. Se disser “passarinho, canário e peixe”, conte como dois, ou seja,
a classe vale como nome se não houver outros nomes da mesma classe.

Animais ________
FLUÊNCIA VERBAL (esperado ≥ 13 ou 9
se analfabeto)

Dê uma folha de papel em branco e diga:


“Desenhe um relógio com todos os números. Coloque ponteiros marcando 2h45”.

DESENHO DO RELÓGIO _______ (0-10)

Ao terminar o desenho do relógio, pergunte:


“Que figuras eu lhe mostrei há alguns minutos?”. Se necessário, reforce, dizendo figuras desenhadas numa
folha de papel. O indivíduo examinado tem até 60 segundos para responder.

MEMÓRIA TARDIA _______ (0-10)


(5 MINUTOS) (esperado ≥ 6)

Mostre a folha contendo 20 figuras e diga:


“Aqui estão as figuras que eu lhe mostrei hoje e outras figuras novas. Quero que você me diga quais você já
tinha visto há alguns minutos”.
Itens inseridos erroneamente devem ser descontados, de modo que, se lembrar de 8 itens corretos e incluir
um item errado, seu escore será de 8 (acertos) menos 1 (erro) = 7.

_______ (0-10)
RECONHECIMENTO
(esperado ≥ 9)

PONTUAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA BATERIA BREVE DE RASTREIO COGNITIVO

A maioria das pessoas acerta 10 pontos nas duas tarefas.


PERCEPÇÃO VISUAL E
Mais de um erro é sugestivo de agnosia ou distúrbio de nomeação ou da
NOMEAÇÃO
percepção visual.

Esperado: ao menos 5 pontos. No entanto, não é levado em conta. É


MEMÓRIA INCIDENTAL importante para que o indivíduo se esforce para obter o melhor
resultado.

Esperado: ao menos 7 pontos.


MEMÓRIA IMEDIATA
Escore ≤ 4 indica comprometimento na atenção.

Esperado: ao menos 7 pontos.


APRENDIZADO Escore ≤ possui sensibilidade de 90,4% e especificidade de 74,5% para
diagnóstico de demência ou distúrbio cognitivo.

Esperado: ao menos 6 pontos.


MEMÓRIA TARDIA (5
Escore ≤ 5 possui sensibilidade de 82,2% e especificidade de 90,4% para
MINUTOS)
diagnóstico de demência ou distúrbio cognitivo.
RECONHECIMENTO Esperado: 9 a 10 pontos.

Anormal: abaixo de 9.

Indivíduos alfabetizados devem falar 13 ou mais.


FLUÊNCIA VERBAL
Analfabetos sem declínio cognitivo devem falar 9 animais ou mais.

Este teste é mais influenciado pela escolaridade.


Relógio e número estão corretos (10-6):
10 – hora certa;
9 – leve distúrbio nos ponteiros (p. ex., ponteiro das horas sobre o 2);
8 – distúrbios mais intensos nos ponteiros (p. ex., anotando 2:20);
7 – ponteiros completamente errados;
6 – uso inapropriado (p. ex., uso de código digital ou de círculos
envolvendo números);
DESENHO DO RELÓGIO
Desenhos do relógio e dos números incorretos (5-1):
5 – números em ordem inversa ou concentrados em alguma parte do
relógio;
4 – números faltando ou situados fora dos limites do relógio;
3 – números e relógio não mais conectados. Ausência de ponteiros;
2 – alguma evidência de ter entendido as instruções mas com vaga
semelhança com um relógio;
1 – não tentou ou não conseguiu representar um relógio.

Os testes mais importantes para o diagnóstico de demência da doença


de Alzheimer ou da doença cerebrovascular são:
Aprendizado (≤ 6);
Memória tardia (≤ 5);
RESUMO Fluência verbal (≤ 12).
Para outras demências, como a demência com corpos de Lewy, o
desenho do relógio pode ser útil;
Nas afasias progressivas a nomeação pode se mostrar alterada;
Na demência frontotemporal a fluência verbal poderá ser muito baixa.

QUADRO – FOLHA CONTENDO 10 FIGURAS PARA A BATERIA BREVE DE


RASTREIO COGNITIVO
QUADRO – FOLHA CONTENDO 20 FIGURAS PARA A BATERIA BREVE DE
RASTREIO COGNITIVO.
O Mini-Cog é de rápida aplicabilidade (cerca de 5 minutos), com boa
sensibilidade e especificidade para déficit cognitivo, 91% (80-96%) e 86 % (74-
93%), respectivamente. O Mini-Cog não deve ser aplicado em idosos com
escolaridade ≤ 4 anos.

MINI-COG
REGISTRO DE 3 PALAVRAS
Obter a atenção do paciente e dizer: “Eu vou falar três palavras que eu gostaria que o(a) Sr(a). repetisse
agora para mim e tentasse lembrar. As três palavras são [selecionar grupo de palavras abaixo]. Por favor, me
diga as palavras agora”.
Se o paciente não for capaz de repetir as três palavras após três tentativas, prossiga com o desenho do
relógio.

Versão 1 Versão 2 Versão 3 Versão 4 Versão 5 Versão 6


Banana Filha Vila Rio Capitão Líder
Nascer do sol Paraíso Cozinha Nação Jardim Estação do ano
Cadeira Montanha Bebê Dedo Fotografia Mesa

DESENHAR RELÓGIO
Cronometre 3 minutos e diga: “A seguir, gostaria que o(a) Sr(a). desenhasse um relógio para mim. Primeiro
coloque todos os números em seus lugares”.
Quando estiver completo, diga: “Agora, coloque os dois ponteiros do relógio marcando 11 horas e 10
minutos”.
Repetir as instruções quantas vezes for necessário. Este passo não testa a memória.
Prosseguir para a evocação caso terminado ou caso não esteja completo em 3 minutos.

EVOCAÇÃO
Solicitar que o paciente se lembre das três palavras do registro.
Diga: “Quais foram as três palavras que eu pedi para o(a) Sr(a). se lembrar?”.

PONTUAÇÃO INTERPRETAÇÃO
3 palavras recordadas Negativo para déficit cognitivo.
1-2 palavras recordadas + desenho do relógio Negativo para déficit cognitivo.
normal* Positivo para déficit cognitivo.
1-2 palavras recordadas + desenho do relógio Positivo para déficit cognitivo.
anormal*
0 palavra recordada

* Considerar o desenho do relógio anormal se:


Todos os números estiverem posicionados na sequência correta e em posição aproximadamente correta
(ex., 12, 3, 6 e 9 estão nas posições de referência).
Não houver falta de números ou números duplicados.
Braços do relógio apontam para 11h10. Tamanho dos braços ou o pequeno avanço esperado do braço das
horas em relação ao número 11 não são considerados.
Incapacidade ou recusa a desenha o relógio é considerado anormal.

O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) é uma ferramenta de rastreio


cognitivo breve e útil para diagnóstico de comprometimento cognitivo leve (CCL) e
para seguimento cognitivo ao longo do tempo. O tempo para sua aplicação é de 10
a 15 minutos, e o escore total máximo é de 30 pontos. É constituído de 11
subtestes que avaliam atenção, funções executivas, memória, linguagem,
habilidades visuoespaciais e orientação. Mostrou-se mais sensível para detecção
de comprometimento cognitivo leve (CCL) e fase inicial de demência na doença de
Alzheimer ou demências não Alzheimer que o MEEM. O valor de corte dependerá
da idade e escolaridade do paciente, conforme tabela adiante.
VALORES DE CORTE PARA MOCA SEGUNDO IDADE E ESCOLARIDADE
Idade Z- Escolaridade (anos) Escolaridade (anos)
(anos) escore

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

50-59 ≤ –1,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
12 13 14 15 16 16 17 18 19 20 20 21 21 21 22 22 23 23 24 19 24

≤ 1,5 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
9 11 12 13 14 15 15 16 17 17 18 18 19 19 20 21 21 22 22 23 32

≤–2,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
7 9 10 11 12 13 13 14 15 15 16 17 17 17 18 19 20 20 21 21 22

60-69 ≤ –1,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤17 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤


11 12 13 14 15 16 16 18 18 19 19 20 20 21 21 22 22 23 23 23

≤ –1,5 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
8 10 11 12 13 14 14 15 16 16 17 17 18 19 19 20 20 21 21 22 22

≤ –2,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
6 8 9 10 11 12 12 13 14 14 15 16 16 17 18 18 19 19 20 20 21

70-79 ≤ –1,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤2 ≤ ≤ ≤
10 11 12 13 15 15 15 16 17 17 18 18 19 19 20 20 21 1 22 22 22

≤ –1,5 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
7 9 10 11 13 13 13 14 15 15 16 17 17 18 18 19 19 20 20 21 21

≤ –2,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤15 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
5 7 8 9 11 11 11 12 13 14 14 15 16 17 17 18 18 19 19 20

≥ 80 ≤ –1,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
9 10 11 12 13 14 14 15 16 16 17 17 18 18 18 19 19 20 20 21 21

≤ –1,5 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
7 8 9 10 11 12 12 13 14 14 15 16 16 17 17 18 18 19 19 20 20

≤ –2,0 ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤ ≤
4 6 7 8 9 10 10 11 12 13 13 14 14 15 16 16 17 17 18 18 19

Pontos de corte para escore total do MoCA não incluindo o ponto adicional para baixa escolaridade. Sugerem-
se valores correspondentes a Z-escore ≤ –1,0 para rastreio que favoreça sensibilidade e os valores
correspondentes a Z-escore ≤ –1,5 para rastreio que privilegie especificidade. Indivíduos com
comprometimento cognitivo leve tipicamente pontuam na faixa de –1,0 a –2,0. Indivíduos com demência
usualmente pontual abaixo de –2,0.
Tabela extraída de Apolinario D et al. Normative data for the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) and the
Memory Index Score (MoCA-MIS) in Brazil: adjusting the Nonlinear effects of education with fractional
polynomials. Int J Geriatr Psychiatry. 2018;1-7.

A variante do MoCA, o MoCA Basic ou MoCA-B foi desenvolvido para auxiliar


no diagnóstico de CCL em pacientes com baixa escolaridade. O MoCA-B avalia os
mesmos domínios do MoCA original. O tempo para sua aplicação é de
aproximadamente 15 minutos. Soma-se um ponto no escore total final caso o
paciente tenha menos de 4 anos de escolarização. A pontuação total máxima é de
30 pontos. A versão de língua inglesa considera um escore < 24 pontos para
identificação de CCL. Não há, no entanto, estudos robustos para valores de corte
para a população brasileira.
O Memory Impairment Screen (MIS) é uma ferramenta de rastreio
interessante baseada no aprendizado controlado e recordação sem e com pistas. É
breve, com tempo para aplicação de cerca de 4 minutos. Sua pontuação varia de 0
a no máximo 8 pontos. Considera-se teste alterado e sugestivo de déficit cognitivo
quando a pontuação total é ≤ 4 pontos. Poderá ser uma boa escolha para pacientes
com incapacidade motora por não exigir escrita, porém é limitado em pacientes
que não sabem ou não conseguem ler. Outra limitação do teste é que não avalia a
habilidade visuoespacial ou a função executiva, que poderão estar afetadas em
quadros demenciais específicos.

MEMORY IMPAIRMENT SCREEN – MIS

Instruções para aplicação

APRENDIZADO – Não pontua


1. Mostre uma folha de papel com as 4 palavras a serem memorizadas impressas em caixa alta e com no
mínimo 24 de tamanho de fonte
AGRIÃO – TARTARUGA – CAMINHÃO – FLAUTA
2. Ao mostrar a folha, diga ao paciente:
“Esta folha contém 4 palavras. Leia por favor as 4 palavras em voz alta duas vezes e as memorize”.
3. Diga que cada palavra pertence a uma categoria diferente. Diga a categoria (pista) (Verdura – Animal –
Meio de transporte – Instrumento musical) uma por vez e peça que o indivíduo diga qual das palavras da
folha melhor se encaixa naquela categoria (ex., “Qual delas é a verdura?”). Permitir 5 tentativas.
Incapacidade de realizar esta tarefa é indicativo de déficit cognitivo.
4. Em seguida retire a folha. Diga:
“Pedirei para me falar as palavras novamente em alguns minutos”.
INTERFERÊNCIA - Não pontua
5. Faça procedimento distrator por 2 a 3 minutos. Nesta fase não há padronização e não é contabilizado no
escore final. Exemplos possíveis: contar de 1 até 20 e depois de 20 até 1, subtrair 7 de 100
sequencialmente, soletrar a palavra MUNDO de trás para a frente.
RECORDAÇÃO LIRE – 2 pontos por palavra
6. Pedir para o indivíduo dizer as 4 palavras aprendidas. Permita 5 segundos por palavra recordada. Prossiga
caso não haja mais palavras recordadas em 10 segundos.
RECORDAÇÃO COM PISTA – 1 ponto por palavra
7. Diga a categoria (pista) referente às palavras não recordadas na recordação livre (ex., “Qual era a
verdura?”). Pule esta etapa caso o indivíduo já tenha recordado as 4 palavras na recordação livre.

Palavra Categoria (pista) Recordação livre (2 Recordação com pista


pontos) (1 ponto)

Agrião Verdura

Tartaruga Animal

Caminhão Meio de transporte

Flauta Instrumento musical

Soma de pontos (0-8)


(Déficit cognitivo provável se ≤ 4)

O Picture Memory Impairment Screen é similar ao MIS, porém utiliza


figuras impressas no lugar das palavras, com o objetivo de abranger pessoas
analfabetas.

Picture Memory Impairment Screen – PMIS


Instruções para aplicação

APRENDIZADO – Não pontua


1. Mostre uma folha de papel com as 4 figuras e diga ao indivíduo:

“Esta é uma folha contendo 4 figuras para você aprender e memorizar. Cada figura faz parte de uma
categoria diferente. Diga-me por favor em voz alta o que você vê em cada figura”.
2. Em seguida, diga:

“Para ajudar o senhor(a) a entender, eu vou te dizer a categoria e gostaria que me dissesse qual figura
pertence a ela”. Por exemplo: “Qual dessas figuras é um item que dá luz?”. Caso o paciente dê uma
resposta errada, repita a categoria para que dê outra resposta.

3. Quando as 4 figuras tiverem sido nomeadas, retire a folha e diga:

“Pedirei para me falar as figuras novamente mais tarde”.


INTERFERÊNCIA – Não pontua
4. Faça procedimento distrator por 2 a 3 minutos. Nesta fase não há padronização e não é contabilizada no
escore final. Exemplos possíveis: contar de 1 até 20 e depois de 20 até 1, subtrair 7 de 100
sequencialmente, soletrar a palavra MUNDO de trás para a frente.
RECORDAÇÃO LIVRE – 2 pontos por palavra.
5. Pedir para o indivíduo dizer as 4 figuras da folha de papel em qualquer ordem. Permita 20 segundos nesta
etapa para as 4 figuras. Prossiga caso nao haja mais palavras recordadas em 10 segundos.
RECORDAÇAÕ COM PISTA – 1 ponto por palavra
6. Diga a categoria (pista) referente às palavras não recordadas na recordação livre (ex., “Qual era a fruta?”).
Pule esta etapa caso o indivíduo já tenha recordado as 4 figuras na recordação livre.

Palavra Categoria (pista) Recordação livre (2 Recordação com pista


pontos) (1 ponto)

Vela Item que dá luz

Banana Fruta

Avião Meio de transporte

Olho Parte do corpo

Soma de pontos (0,8)


(Déficit cognitivo provável se ≤ 5)
Figuras do Picture Memory Impairment Screen – PMIS.

ESTADIAMENTO DA DEMÊNCIA
A Escala de Estadiamento do Declínio Funcional em Pacientes com Demência
de Alzheimer (Functional Assessment Staging Test – FAST) é um instrumento
adequado para o seguimento longitudinal da evolução dos pacientes,
especialmente daqueles com demência de moderada a grave. O paciente é
classificado com base na observação do paciente e em informações do cuidador.

ESCALA FAST

Estágio Características Diagnóstico clínico

1 Nenhuma dificuldade objetiva ou subjetiva Adulto normal

2 Dificuldade subjetiva para encontrar palavras ou de Idoso normal


lembrar-se de onde se encontram os objetos

3 Decréscimo do funcionamento no trabalho, evidente para DA incipiente


os colegas

4 Decréscimo na habilidade de executar tarefas complexas DA leve


(ex., manejar finanças, executar compras, planejar um
jantar)
5 Requer assistência na escolha de trajes adequados DA moderada

6A Requer auxílio para vestir-se DA moderada a grave

6B Requer auxílio para tomar banho adequadamente

6C Requer auxílio para manuseio da “toalete” (ex., dar a


descarga, enxugar-se)

6D Incontinência urinária

6E Incontinência fecal

7A Fala restrita a meia dúzia de palavras por dia DA grave

7B Vocabulário inteligível limitado a uma única palavra por dia

7C Perda da capacidade de andar

7D Perda da capacidade de sentar-se na cama

7E Perda da capacidade de sorrir

7F Perda da capacidade de manter a cabeça ereta

DA: demência na doença de Alzheimer.

Outra escala utilizada para avaliar a gravidade não só da demência na doença


de Alzheimer como em outras doenças que cursam com quadros demenciais é a
Escala de Avaliação Clínica da Demência (Clinical Dementia Rating – CDR).
Trata-se de uma entrevista semiestruturada (não reproduzida) aplicada tanto no
paciente quanto no acompanhante para obter informações quanto a capacidades
em seis domínios: memória, orientação, discernimento e resolução de problemas,
relacionamento com a comunidade, casa e passatempos, e cuidados pessoais.
Originalmente, o CDR era pontuado seguindo algoritmo próprio. Para facilitar a
pontuação, atualmente se pode seguir o método da “soma das caixas” (sum of
boxes). Por esse método, o escore final é dado pela soma da pontuação de cada
domínio, com total variando de 0 a 18. De acordo com estudo nacional, os
seguintes valores de corte demonstraram boa sensibilidade de 92,8 a 100% e
especificidade de 95 a 98,3%, com boa diferenciação entre CCL e demência
(acurácia de 96,9% no estudo), independentemente do grau de escolaridade: 0 =
normal; 0,5 a 4 = comprometimento cognitivo leve; 4,5 a 8 = demência leve; 8,5 a
14 = demência moderada; ≥ 14,5 = demência grave.

Escala de Avaliação Clínica da Demência pela Soma das Caixas (CDR – Sum of Boxes)

Domínios 0 0,5 1 2 3

Memória Sem perda da Pequenos Perda moderada da Grave perda de Perda grave da
memória ou esquecimentos memória, mais memória; memória;
pequenos frequentes, acentuada quanto somente somente
esquecimentos recordação aos acontecimentos informações permanecem
ocasionais parcial de recentes; o bem aprendidas fragmentos
acontecimentos; problema interfere são retidas;
esquecimentos nas atividades do novas
não dia a dia informações são
significativos rapidamente
esquecidas
Orientação Totalmente Totalmente Dificuldade Grave Orientado(a)
orientado(a) orientado(a), moderada com as dificuldade com somente com
com exceção de inter-relações de as inter-relações relação a ele(a)
ligeira tempo; orientado(a) de tempo; mesmo(a)
dificuldade com para o local do geralmente
as inter-relações exame; pode ter desorientado(a)
de tempo uma desorientação com relação ao
geográfica em tempo e
lugares fora do frequentemente
local do exame a lugares

Discernimento Resolve os Ligeira Dificuldade Incapacidade Incapaz de fazer


e resolução de problemas do incapacidade moderada para séria para lidar julgamentos ou
problemas dia a dia e lida para resolver lidar com com problemas, resolver
bem com os problemas, problemas, semelhanças e problemas
negócios e os semelhanças e semelhanças e diferenças; o
assuntos diferenças diferenças; o julgamento
financeiros; julgamento social social
bom geralmente é geralmente está
entendimento mantido comprometido
com relação à
capacidade de
julgamento no
passado

Relacionamento Funciona de Ligeira Incapaz de Nenhuma Nenhuma


com a modo incapacidade funcionar intenção de intenção de
comunidade independente e nessas independentemente funcionar de funcionar de
habitual no atividades nessas atividades, modo modo
trabalho, nas apesar de ainda independente independente
compras, nos poder estar fora de casa. fora de casa.
grupos engajado(a) em Aparenta estar Aparenta estar
voluntários ou alguma delas; suficientemente muito doente
sociais parece normal à bem para ser para ser
primeira vista levado(a) a levado(a) a
eventos fora de acontecimentos
casa fora de casa

Casa e Vida Vida doméstica, Comprometimento Somente as Nenhuma


passatempos doméstica, passatempos e leve, porém tarefas mais atividade
passatempos e interesses definitivo nas simples são doméstica
interesses intelectuais atividades mantidas; significativa
intelectuais ligeiramente domésticas; interesses muito
bem mantidos comprometidos abandono de restritos são
tarefas mais difíceis pouco mantidos
– passatempos e
interesses mais
complicados são
abandonados

Cuidados Totalmente – Necessita de Precisa de Precisa de muita


pessoais capaz de se incentivo assistência para ajuda com
cuidar se vestir, fazer a relação aos
higiene, cuidar cuidados
de seus objetos pessoais;
pessoais incontinência
frequente

AVALIAÇÃO DE HUMOR
A seguir há duas escalas úteis para rastreio de depressão em idosos. Não
devem ser utilizadas de forma isolada para o diagnóstico de transtornos
depressivos, mas alertam para a existência de sintomas que poderão configurar
quadros psiquiátricos que cursam com humor depressivo, como episódio
depressivo maior. A Escala de Depressão Geriátrica de 15 itens (GDS-15)
possui o seguinte padrão estatístico segundo estudos: sensibilidade de 86,8%,
especificidade de 82,4%, valor preditivo positivo de 50,8%, valor preditivo
negativo de 96,8%, área sob a curva ROC de 0,91 (P < 0,001; 95% IC = 0,86-0,96)
para episódio depressivo maior segundo DSM-IV, ao se assumir o valor de corte de
4/5 (sem depressão/com depressão).
Já o Questionário de Saúde do Paciente (Patient Health Questionnaire –
PHQ) de dois itens (PHQ-2) consiste em dois parâmetros que mensuram a
frequência do humor deprimido e anedonia; suas respostas são pontuadas em uma
escala de Likert de 0 a 3, com pontuações totais de 0 a 6. No PHQ-2, os escores
elevados são indicadores de maior intensidade de sintomas depressivos. O PHQ-2
possui o seguinte padrão estatístico, segundo estudos: sensibilidade de 100%,
especificidade de 77%, área sob a curva ROC de 0,88 (P =0,0024; 95% IC = 0,87-
0,89) para episódio depressivo maior segundo o DSM-IV, ao se assumir o valor de
corte de 2/3 (sem depressão / com depressão).

ESCALA DE DEPRESSÃO GERIÁTRICA DE 15 ITENS (GDS-15)

ITENS NÃO SIM

1. De maneira geral, o(a) senhor(a) está basicamente satisfeito(a) com sua vida? 1 0
2. O(a) senhor(a) abandonou muitas das coisas que fazia ou gostava de fazer? 0 1
3. O(a) senhor(a) acha sua vida sem sentido atualmente? 0 1
4. O(a) senhor(a) está geralmente aborrecido? 0 1
5. O(a) senhor(a) está de bom humor a maior parte do tempo? 1 0
6. O(a) senhor(a) se sente inseguro, achando que alguma coisa ruim vai lhe acontecer? 0 1
7. De maneira geral, o(a) senhor(a) costuma se sentir feliz? 1 0
8. O(a) senhor(a) costuma se sentir desamparado(a)? 0 1
9. O(a) senhor(a) prefere ficar em casa em vez de sair e fazer alguma outra coisa? 0 1
10. O(a) senhor(a) tem mais dificuldades para se lembrar das coisas do que a maioria 0 1
das pessoas? 1 0
11. O(a) senhor(a) acha que vale a pena estar vivo hoje? 0 1
12. O(a) senhor(a) costuma se sentir menos útil com a idade que tem hoje? 1 0
13. O(a) senhor(a) se sente bem-disposto? 0 1
14. O(a) senhor(a) acha que sua situação não pode ser melhorada? 0 1
15. O(a) senhor(a) acha que a maioria das pessoas está em melhores condições que
o(a) senhor(a)?

Interpretação: 0 a 4 = normal; 5 a 15 = transtorno depressivo provável.

PHQ-2 – Patient Health Questionnaire

Nas últimas duas semanas, com que Nenhuma vez Alguns dias Mais da Quase todos
frequência você foi incomodado(a) por metade dos os dias
qualquer um dos problemas abaixo? 0 1 dias 3
1. Pouco interesse ou pouco prazer em 0 1 2 3
fazer as coisas. 2
2. Se sentir “para baixo”, deprimido(a) ou
sem perspectiva.
Escore total 0 a 2 – normal Escore total (soma):
Escore total 3 a 6 – transtorno depressivo
provável

Quando, no entanto, se objetiva o seguimento dos sintomas depressivos e


resposta a tratamentos instituídos, o instrumento de nove parâmetros (PHQ-9) é
mais indicado.

PHQ-9 – Patient Health Questionnaire

Nas últimas duas semanas, com que


Mais da
frequência você foi incomodado(a) Quase todos
Nenhuma vez Alguns dias metade dos
por qualquer um dos problemas os dias
dias
abaixo?

1. Pouco interesse ou pouco prazer em 0 1 2 3


fazer as coisas.

2. Sentir-se “para baixo”, deprimido(a) ou 0 1 2 3


sem perspectiva.

3. Dificuldade para pegar no sono ou 0 1 2 3


permanecer dormindo ou dormiu mais
do que de costume.

4. Sentir-se cansado(a) ou com pouca 0 1 2 3


energia.

5. Falta de apetite ou comendo demais. 0 1 2 3

6. Sentir-se mal consigo mesmo(a) ou 0 1 2 3


achar que é um fracasso ou que
decepcionou sua família ou a você
mesmo(a).

7. Dificuldade para se concentrar nas 0 1 2 3


coisas como ler o jornal ou ver
televisão.

8. Lentidão para se movimentar ou falar, 0 1 2 3


a ponto das outras pessoas
perceberem. Ou o oposto – estar tão
agitado(a) que você ficava andando de
um lado para o outro mais do que de
costume.

9. Pensar em se ferir de alguma maneira 0 1 2 3


ou que seria melhor estar morto(a).

Escore total 0 a 9 – normal


Escore total (soma):
Escore total 10 a 27 – transtorno depressivo provável

Se você assinalou qualquer um dos problemas, indique o grau de dificuldade para realizar seu trabalho, tomar
conta das coisas em casa ou para se relacionar com as pessoas.

( ) Nenhuma dificuldade ( ) Alguma dificuldade ( ) Muita dificuldade ( ) Extrema dificuldade

A Escala Cornell de Depressão em Demência é um instrumento


especificamente desenvolvido para avaliar sinais e sintomas de transtorno
depressivo maior em pacientes com demência. Mostrou-se confiável, válida e
sensível de acordo com critérios de escalas psiquiátricas. Foi elaborada de forma a
obter informações, não somente pelo exame clínico do paciente, mas também por
meio de questionário aplicado ao cuidador. Trata-se de um instrumento de rastreio
e seguimento, e não deve ser usada para diagnóstico. É especialmente útil para
avaliar resposta a intervenções, como início de antidepressivos. É confiável para
pacientes com MEEM ≥ 17 pontos (faltam estudos em populações com MEEM
menor).

Escala Cornell de Depressão em Demência

As avaliações devem ser baseadas nos sinais e sintomas que ocorreram durante a semana anterior à
entrevista. Não se deve marcar ponto se o sintoma for resultado de uma incapacidade física ou de uma
doença.

Sistema de pontuação
a = não avaliável 0 = ausente
1 = leve ou intermitente 2 = grave

A. SINAIS RELACIONADOS AO HUMOR


1. Ansiedade; expressão ansiosa; ruminações; preocupações.
2. Tristeza; expressão triste; voz triste; choroso.
3. Falta de reação a eventos prazerosos.
4. Irritabilidade; facilmente aborrecido; temperamento explosivo.

B. DISTÚRBIOS DE COMPORTAMENTO
5. Agitação; inquietação; agitação constante das mãos; puxa cabelo.
6. Retardo; movimentos lentos; fala lenta; reação lenta.
7. Queixas físicas múltiplas (escore 0 se forem apenas sintomas intestinais).
8. Perda de interesse; menor envolvimento em atividades usuais (pontue
apenas se a alteração ocorrer agudamente em menos de 1 mês).

C. SINAIS FÍSICOS
9. Perda do apetite; come menos que o usual.
10. Perda de peso (marque 2 pontos se for maior que 2,5 kg em 1 mês).
11. Falta de energia; facilmente fatigado; incapaz de sustentar atividades.

D. FUNÇÕES CLÍNICAS
12. Variação diurna de humor; os sintomas são piores pela manhã.
13. Dificuldade para dormir; mais tarde que o usual para este indivíduo.
14. Desperta muitas vezes durante o sono.
15. Despertar precoce; mais cedo que o usual para este indivíduo.

E. DISTÚRBIOS DE IDEAÇÃO
16. Suicídio; sente que a vida não vale a pena.
17. Baixa autoestima; culpa-se; deprecia-se; sentimentos de fracasso.
18. Pessimismo; antecipa o pior.
19. Delírios congruentes com o humor; delírios de pobreza, doença ou
perda.

DELIRIUM
Selecionamos a ferramenta mais conhecida: Confusion Assessment Method
(CAM), em versão curta, traduzido para o português pelo grupo Hospital Elder
Life Program. O CAM possui sensibilidade de 94% (95% IC 91-97%) e
especificidade de 89% (95% IC 85-94%) para delirium. A fim de melhor avaliar o
paciente quanto a desatenção e pensamento desorganizado, sugere-se a aplicação
de algum teste de avaliação cognitiva, como o Mini-Cog ou alguns testes simples
como sugeridos a seguir.

Confusion Assessment Method (CAM)

AUSENTE PRESENTE

1. Mudança aguda no estado mental OU curso flutuante


durante o dia □

Períodos de confusão, desorientação, alteração de INTERROMPER SEM
Seguir adiante
comportamento, representando mudança em relação ao estado DELIRIUM
habitual

2. Déficit de atenção □

Não acompanha a conversa, alheio ao que se passa ou INTERROMPER SEM
Seguir adiante
dificuldade no teste de atenção DELIRIUM

3. Alteração do nível de consciência


Presente se qualquer classificação exceto normal

Sonolento Normal Inquieto □
DELIRIUM
Sedação leve Agitado Seguir adiante
CONFIRMADO
Sedação moderada Muito agitado
Combativo

4. Pensamento desorganizado

Apresenta ideias sem lógica, incoerentes, muda o tema da □
DELIRIUM
conversa de forma imprevisível ou comete erros nas questões SEM DELIRIUM
CONFIRMADO
avaliadas

O CAM é positivo quando alterações nos itens 1 E 2 estão presentes em adição ao item 3 OU 4.

Copyright (c) Adaptado de Inouye SK et al. Clarifying confusión: the Confusion Assessment Method. A new
method for detectation of delirium. Ann Intern Med. 1990;113:941-8. Copyright 2003, Hospital Elder Life
Program, LLC.

Detalhes quanto aos itens do CAM

ITEM 1. Mudança aguda do estado mental


Leve em conta: comportamento e discurso observados durante a entrevista, testes cognitivos aplicados,
relatos do acompanhante e observações da equipe de enfermagem nas últimas 24 horas.

ITEM 2. Teste de atenção


Visando melhor avaliar a atenção do paciente, considere a aplicação dos seguintes testes simples. Caso o
paciente esteja muito sonolento ou não coopere com os testes, considere essas alterações como evidência de
déficit de atenção.

Diga ao paciente: “Diga os meses do ano de trás para a frente. Comece em


dezembro e volte até chegar em janeiro”.
Capaz de
articular a fala □ Finalizou sem erros em menos de 60 segundos.

□ Apresentou erros não autocorrigidos ou tempo ≥ 60 segundos.

Incapaz de Diga ao paciente: “Eu vou dizer uma sequência de 10 letras. Toda vez que ouvir a
articular a fala letra A aperte a minha mão”. (C – A – S – A – B – L – A – N – C – A)
□ Finalizou com no máximo 2 erros.

□ Apresentou 3 ou mais erros ou foi incapaz de executar.

ITEM 4. Organização do pensamento


Avalie a coerência do discurso ou faça as questões de resposta sim/não abaixo (respondidas verbalmente ou
acenando com a cabeça). Considerar pensamento desorganizado se ≥ 2 erros).

“Uma pedra flutua na água?” □ Acerto □ Erro

“Há peixes no mar?” □ Acerto □ Erro

“Um quilo pesa mais do que dois quilos?” □ Acerto □ Erro

“Você pode bater um prego com um martelo?” □ Acerto □ Erro

AVALIAÇÃO DE FUNCIONALIDADE
A Escala de Katz avalia o grau de dependência para atividades básicas da vida
diária (ABVD), e as escalas de Lawton e de Pfeffer mensuram o grau de
dependência para as atividades instrumentais da vida diária (AIVD). A Escala de
Katz foi traduzida e validada para uso no Brasil. A concordância da tradução
corrigida para o acaso (kappa ponderado) foi de 0,91. O alfa de Cronbach variou
de 0,80 a 0,92. A seguir uma versão simplificada e prática da Escala de Katz.

ESCALA DE KATZ

Atividade Independência Sim Não

Não recebe assistência ou somente recebe em uma parte do


Banho 1 0
corpo

Escolhe as roupas e se veste sem nenhuma ajuda (pode receber


Vestir-se 1 0
ajuda para amarrar os sapatos)

Vai ao banheiro, limpa-se e ajeita as roupas sem ajuda (pode usar


Higiene pessoal objetos para apoio como bengala, andador ou cadeira de rodas e 1 0
pode usar comadre ou urinol à noite, esvaziando-o de manhã)

Deita-se e sai da cama, senta-se e levanta-se da cadeira sem


Transferência ajuda (pode estar usando objeto para apoio, como bengala ou 1 0
andador)

Continência Controle inteiramente a micção e evacuação 1 0

Alimentação Alimenta-se sozinho 1 0

Soma (0-6)

INDEPENDENTE – 6
DEPENDÊNCIA MODERADA – 4
MUITO DEPENDENTE – 2 ou menos

No caso da Escala de Lawton e Brody, a pontuação varia de 3 a 1 para cada


item, com maior pontuação conforme maior independência. A pontuação máxima é
21. Não há ponto de corte estabelecido, mas permite uma avaliação qualitativa da
capacidade funcional do idoso. Faltam estudos transculturais brasileiros bem
elaborados.

ESCALA DE LAWTON E BRODY

Procure recordar, em cada atividade a ser questionada, se o(a) sr(a). a faz sem ajuda, com algum auxílio ou
não a realiza de maneira alguma.

Telefone
Em relação ao uso do telefone...
( 3 ) capaz de ver os números, discar, receber e fazer ligações sem ajuda.
( 2 ) capaz de responder ao telefone, mas necessita de um telefone especial ou de ajuda para encontrar os
números ou para discar.
( 1 ) completamente incapaz de usar o telefone.

Viagens
Em relação às viagens…
( 3 ) capaz de dirigir seu próprio carro ou viajar sozinho de ônibus ou táxi.
( 2 ) capaz de viajar exclusivamente acompanhado.
( 1 ) completamente incapaz de viajar.

Compras
Em relação à realização de compras...
( 3 ) capaz de fazer compras, se fornecido transporte.
( 2 ) capaz de fazer compras, exclusivamente acompanhado.
( 1 ) completamente incapaz de fazer compras.

Preparo de refeições
Em relação ao preparo de refeições...
( 3 ) capaz de planejar e preparar refeições completas.
( 2 ) capaz de preparar pequenas refeições, mas incapaz de cozinhar refeições completas sozinho.
( 1 ) completamente incapaz de preparar qualquer refeição.

Trabalho doméstico
Em relação ao trabalho doméstico...
( 3 ) capaz de realizar trabalho doméstico pesado (p. ex., esfregar o chão).
( 2 ) capaz de realizar trabalho doméstico leve, mas necessita de ajuda nas tarefas pesadas.
( 1 ) completamente incapaz de realizar qualquer trabalho doméstico.

Medicações
Em relação ao uso de medicamentos...
( 3 ) capaz de tomar os remédios na dose certa e na hora certa.
( 2 ) capaz de tomar os remédios, mas necessita de lembretes ou de alguém que os prepare.
( 1 ) completamente incapaz de tomar remédios sozinho.

Dinheiro
Em relação ao manuseio do dinheiro...
( 3 ) capaz de administrar necessidades de compra, preencher cheques e pagar contas.
( 2 ) capaz de administrar compras menores, mas necessita de ajuda com cheques e o pagamento de contas.
( 1 ) completamente incapaz de administrar dinheiro.

O Questionário de Atividades Funcionais (Functional Activities


Questionnaire), também conhecido como Questionário de Pfeffer, avalia o
desempenho em 11 atividades mais complexas do que aquelas avaliadas pela
escala criada por Lawton e Brody, o que o torna uma ferramenta diagnóstica para
distinguir indivíduos com o envelhecimento típico daqueles com demência por
meio de melhor balanço entre sensibilidade e especificidade (0,85 e 0,81,
respectivamente), quando comparado com a Escala de Lawton e Brody (0,57 e
0,92, respectivamente).

Questionário de Pfeffer

1. Ele (ela) manuseia seu próprio dinheiro?


0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
2. Ele (ela) é capaz de fazer as compras sozinho (por exemplo, de comida e roupa)?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
3. Ele (ela) é capaz de esquentar água para café ou chá e apagar o fogo?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
4. Ele (ela) é capaz de preparar comida?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
5. Ele (ela) é capaz de manter-se em dia com as atualidades, com os acontecimentos da comunidade ou da
vizinhança?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
6. Ele (ela) é capaz de prestar atenção, entender e discutir um programa de rádio, televisão ou um artigo de
jornal ou revista?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
7. Ele (ela) é capaz de lembrar de compromissos, acontecimentos familiares, feriados?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
8. Ele (ela) é capaz de manusear seus próprios remédios?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
9. Ele (ela) é capaz de andar pela vizinhança e encontrar o caminho de volta para casa?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
Questionário de Pfeffer

10. Ele (ela) é capaz de cumprimentar seus amigos adequadamente?


0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
11. Ele (ela) pode ser deixado em casa de forma segura?
0 = Normal 0 = Nunca o fez, mas poderia fazer agora
1 = Faz com dificuldade 1 = Nunca fez e teria dificuldade agora
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
TOTAL (0-33)

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. p.146-47.

AVALIAÇÃO DE CAPACIDADE FÍSICA


O Timed Up and Go (TUG) possui tradução e validação para uso nacional.
Como informam os autores do estudo, há falta de consenso quanto a alguns
detalhes do teste, como uso ou não de apoio de braços nas cadeiras e se o
caminhar é habitual ou rápido. O valor de corte para melhor predizer risco de
quedas em idosos da comunidade varia um pouco na literatura. O valor de corte de
≥ 13,5 segundos demonstrou sensibilidade de 80% e especificidade de 100%, com
poder de predição de quedas de 90%. No entanto, é importante ressaltar que os
valores considerados adequados são menores e dependem da idade: uma pessoa
de 60 a 69 anos deve ser capaz de completar o teste em 9 segundos; uma pessoa
de 70 a 79 anos, em 10,2 segundos; e de 80 a 99 anos, em 12,7 segundos. Tempos
maiores exigem avaliação mais detalhada da marcha e de outros fatores de risco
para quedas.

Timed Up and Go (TUG)

Utilizar cadeira, de preferência com altura de 46 cm, com apoio de braços (altura 20 cm) e encosto a 90º.

Fazer marcação no chão a 3 m da cadeira.

O paciente poderá usar um auxílio de locomoção, como andador ou bengala, casa faça uso dele.

Recorrer a calçado de uso habitual.

Orientar o paciente a se levantar logo após a palavra “vai”, a andar em um ritmo seguro e confortável, no
passo de seu dia a dia, até a linha marcada no chão ao final de 3 m, a virar e a sentar-se novamente.

Pode-se realizar um primeiro teste não cronometrado para aprendizagem, com descanso posterior de pelo
menos 1 minuto sentado.

Disparar o cronômetro (pelo avisador) após a palavra “vai” e interrompê-lo após o contato das nádegas do
idoso com o assento da cadeira.

O Short Physical Performance Battery (SPPB) é um teste simples, com


tempo para aplicação de 5 a 10 minutos, composto por três avaliações dos
membros inferiores: equilíbrio, velocidade da marcha e sentar e levantar da
cadeira. Essas funções representam tarefas essenciais para uma vida
independente. O SPPB tem alto poder preditivo para risco de quedas, incidência
de incapacidade, institucionalização, hospitalização e mortalidade em idosos da
comunidade. Pode ser usado para seguimento ao longo do tempo e para avaliar
resposta a intervenções instituídas. A pontuação varia de 0 a no máximo 12. 0 a 3
pontos: incapacidade ou capacidade ruim; 4 a 6 pontos: baixa capacidade; 7 a 9
pontos: capacidade moderada e 10 a 12 pontos: boa capacidade. Veja a seguir as
instruções para aplicação do SPPB.
AVALIAÇÃO SENSORIAL
Perda auditiva é normalmente não reconhecida pelo paciente e afeta mais de
80% dos idosos acima de 80 anos. Apenas de 10 a 20% dos idosos com perda
auditiva fazem uso de aparelhos auditivos. Ainda, a perda auditiva de moderada a
grave associa-se a aumento de 3 a 4 vezes na incidência de quadros demenciais.
Embora a audiometria seja o padrão ouro para avaliação mais precisa de perdas
auditivas, além de se questionar o próprio paciente e/ou acompanhante quanto a
perdas auditivas, avaliações simples como o teste do sussurro poderão ser
realizadas em consultório. O Teste do Sussurro tem inúmeras variações. A seguir,
sugerimos uma variação com embasamento em estudo realizado com população
brasileira. As palavras do teste demonstraram área sob a curva ROC em torno de
92%, sensibilidade de 93-94%, especificidade de 90%, valor preditivo positivo de
95% e valor preditivo negativo de 85% para perda auditiva.

Teste do sussurro

Passo 1: O teste do sussurro deve ser realizado em uma sala silenciosa, com o idoso sentado em uma cadeira.
O examinador deve orientar o idoso:

“O(a) sr(a). deve ficar de olhos fechados, e, a seu lado, vou sussurrar uma palavra e/ou uma frase. Se o(a)
sr(a). a ouvir, repita-a, por favor”.

Passo 2: O examinador deve posicionar-se a uma distância de aproximadamente 33 cm, na altura da orelha
testada do idoso, e, fora de seu campo visual, deve sussurrar a palavra “sapato” ou a frase “o ônibus está
atrasado” e aguardar a resposta. Na outra orelha, deve sussurrar a palavra “janela” ou a frase “parece que
vai chover” e aguardar a resposta.

Passo 3: Se o idoso repetir corretamente as palavras ou frases, considera-se que PASSOU no teste. Se o idoso
não conseguir repetir as palavras ou as frases corretamente, considera-se que FALHOU no teste.

Passo 4: Os idosos com falha no teste devem ter o conduto auditivo externo inspecionado e, em caso de rolha
de cerume, ser encaminhados para remoção dela e retestados. Os idosos com ausência de rolha de cerume
devem ser encaminhados para a realização da audiometria.

A perda da acuidade visual, além de muito prevalente na população idosa,


impacta negativamente a qualidade de vida e a capacidade funcional. As principais
causas de perda visual grave em idosos são: degeneração macular relacionada à
idade, complicações oculares do diabetes, glaucoma e catarata relacionada à
idade. Dois testes práticos que poderão ser realizados em consultório são o Teste
de Snellen e Teste com Tela de Amsler. Enquanto o Teste de Snellen busca
avaliar a acuidade visual do idoso, o Teste de Amsler procura detectar alterações
específicas da retina, como ocorre na degeneração macular relacionada à idade.

Teste de Snellen

A tabela representada (Figura 1), em caráter ilustrativo, é fixada a uma altura de 1,5 metro em parede clara e
bem iluminada, a uma distância de 5 metros do idoso avaliado (Figura 2), que deverá estar confortavelmente
sentado. Cada olho deverá ser testado com a cobertura do olho contralateral, sem comprimi-lo. Se possível,
utilizar instrumento próprio para cobertura (Figura 3). Realizar o teste com o auxílio das lentes corretivas
usuais do paciente (se ele fizer uso delas).

O idoso deverá discriminar as figuras progressivamente menores.

O idoso deverá ser capaz de enxergar mais da metade do total de figuras de cada linha. Por exemplo: em
linha com 6 figuras, o idoso deverá acertar, no mínimo, 4 delas.

Registrar o valor decimal ou em fração máximo de cada olho.

Encaminhá-lo ao oftalmologista se acuidade ≤ 0,7 em pelo menos um dos olhos ou se houver diferença de 2
ou mais linhas em acuidade de um olho em relação ao outro.

Figura 1

Figura 2
Figura 3

Teste de Amsler

A Figura 4 representa a tela de Amsler. Utilizar reproduções da tela em tamanho padronizado, que poderão ser
obtidas em lojas ou impressos da internet.

Testar cada olho com o auxílio de lentes corretivas usuais em ambiente claro.

Solicitar que o idoso cubra o olho não testado sem comprimi-lo.

A uma distância de cerca de 35 cm, solicitar que ele fixe sua visão no ponto central da tela e que diga se há
alguma distorção, desaparecimento de linhas, pontos embaçados ou escuros. Repita o processo com o outro
olho.

O paciente poderá marcar onde verificou anormalidade na tela.

A Figura 5 ilustra o teste de Amsler visto por indivíduo com degeneração macular relacionada à idade.

Considerar encaminhamento para oftalmologista no caso de presença de anormalidades.

Figura 4
Figura 5

AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
Dentre as ferramentas validadas para a avaliação nutricional do idoso, e
principalmente de risco nutricional, a Miniavaliação Nutricional (MAN) está
entre as mais conhecidas e validadas para uso em diferentes contextos. Trata-se
de avaliação simples e rápida de identificação de idosos com risco de desnutrição
ou que já estão desnutridos. Desenvolvida em parceria com a Nestlé, possui
correlação com morbidade e mortalidade.
AVALIAÇÃO DE FRAGILIDADE
Há mais de 50 escalas e ferramentas para avaliar a fragilidade. Selecionamos
algumas das mais importantes com validação nacional. Os critérios de Linda
Fried et al. para avaliação de fragilidade, também conhecida como fragilidade
física ou por fenótipo, configuram uma das formas mais conhecidas de avaliação. A
despeito de ser pouco prática para uso no dia a dia, dada sua importância, está
reproduzida a seguir. Pacientes classificados como frágeis segundo esses critérios
estão mais sujeitos a eventos adversos, como fratura de quadril, perda de
funcionalidade, hospitalização e morte, em uma média de seguimento de 5,9 anos.

Fragilidade fenotípica segundo critérios de Fried et al.

Critérios Avaliação

Perda de peso Perda ponderal não intencional ≥ 4,5 kg ou ≥ 5% do peso corporal no último ano.

Fraqueza Média em kgf de três medidas consecutivas tomadas com dinamômetro hidráulico
manual. Pontua-se abaixo do 1º quintil da amostra do estudo original (corrigido para
sexo e índice de massa corpórea em kg/m2):

Homens Mulheres

IMC kgf IMC Kgf

≤ 24 ≤ 29 ≤ 23 ≤ 17

24,1-26 ≤ 30 23,1-26 ≤ 17,3

26,1-28 ≤ 31 26,1-29 ≤ 18

> 28 ≤ 32 > 29 ≤ 21

Exaustão e fadiga Fadiga indicada pelas respostas “sempre” ou “quase sempre” a, pelo menos, um dos
dois itens do Center for Epidemiological Study – Depression (CES-D) abaixo:
“Na última semana, o(a) sr(a). sentiu que teve que fazer esforço para cumprir suas
tarefas habituais?”
□ nenhum dia □ vários dias □ quase sempre □ sempre
“Na última semana, o(a) sr(a). sentiu que não conseguiu levar adiante suas coisas?”
□ nenhum dia □ dias □ quase sempre □ sempre

Lentidão Lentidão da marcha, quando a média de três medidas consecutivas do tempo (em
segundos) para percorrer 4,6 metros no plano, em passada usual, é superior ao
percentil 80 da amostra do estudo original (as médias são ajustadas por sexo e altura):

Homens Mulheres

Altura (cm) Tempo (s) Altura (cm) Tempo (s)

≤ 173 ≥7 ≤ 159 ≥7

> 173 ≥6 > 159 ≥6

Baixo gasto Baixa taxa de gasto calórico semanal em exercícios físicos e em atividades domésticas
energético autorrelatados segundo Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire. Pontuam para
este critério aqueles cuja taxa de gasto calórico em kcal localiza-se abaixo do 1º quintil
da amostra (com ajuste por sexo):

Homens Mulheres

383 kcal/semana < 270 kcal/semana

(0) Não Frágil (1-2) Pré-Frágil (3-5) Frágil

O Índice de SOF (Study of Osteoporotic Fractures) é uma escala de fácil


aplicação para avaliação de fragilidade. Mostrou-se equiparável aos critérios de
Fried et al. para detecção de eventos adversos relacionados à fragilidade, porém
de maneira mais prática. Tal índice, ainda, revelou-se sensível para prever risco de
quedas (odds ratio [OR] 2,01; 95% intervalo de confiança [IC] 1,05-3,83, P =
0,035), hospitalizações (OR 2,08; 95% IC 1,02-4,24; P = 0,045) e morte (OR 3,07;
95% IC 1,02-4,24, P = 0,045).

Índice de SOF

Critério Como avaliar

Perda de peso Perda ponderal ≥ 5% no último ano, intencional ou não.


Pontua se perda presente.

Teste de levantar e sentar Realizado em cadeira sem braços.


Levantar e sentar da cadeira cinco vezes consecutivas sem o auxílio dos
braços. Pontua se não conseguir realizar a tarefa completamente.

Exaustão Perguntar: “O(A) senhor(a) se sente cheio de energia?”.


Pontua se a resposta for negativa.

(0) Robusto (1) Pré-Frágil (2-3) Frágil

A Escala FRAIL é outra de fácil aplicação para a detecção de fragilidade com


validação nacional. Diferentemente de outras escalas, ela não necessita de
avaliação física. Fragilidade por essa escala associou-se a perda de funcionalidade
[OR 3,95; 95% IC 2,73-5,72; P < 0,001] e mortalidade (hazard ratio [HR] 2,27;
95% IC 1,70-3,04; P < 0,001) após 4 a 8 anos em homens com idade ≥ 65 anos.

Escala FRAIL

1 MARCHA
SIM NÃO
No último mês, conseguiu andar por um quarteirão sem dificuldade?

2 FORÇA
SIM NÃO
No último mês, conseguiu subir um lance de escada sem dificuldade?

3 FADIGA
NÃO SIM
No último mês, sentiu-se cansado na maior parte do tempo?

4 PERDA PONDERAL
NÃO SIM
No último ano, perdeu peso? Quanto? (considerar ≥ 5% do peso)

5 MULTIMORBIDADE
NÃO SIM
Presença de cinco ou mais diagnósticos médicos (entre os 11 listados)*

(0) Robusto (1-2) Pré-Frágil (3-5) Frágil

* Hipertensão, diabetes, câncer (exceto de pele não melanoma), doença pulmonar crônica, doença arterial
coronariana ou infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, angina, asma, artrite, acidente vascular cerebral e
doença renal crônica.

A Escala Clínica de Fragilidade (ECF) foi desenvolvida por Rockwood et al.


(2005) e recentemente validada no Brasil. Trata-se de um instrumento prático que
não exige avaliação física ou instrumentos como dinamômetro de força. Com base
na história clínica, classifica-se o indivíduo nas nove categorias possíveis segundo
sua funcionalidade e grau de dependência. A escala também dispõe de adendo
para casos de síndrome demencial. O estudo original demonstrou alta correlação
(r = 0,80) com o Índice de Fragilidade (Frailty Index). Além disso, cada incremento
de uma categoria aumentou o risco de morte em 70 meses em 21,2% (95% IC =
12,5%–30,6%) e o ingresso em instituição de longa permanência em 23,9% (95%
IC = 8,8%–41,2%) em modelos multivariados ajustados para idade, sexo e
educação. Dada sua praticidade, vem sendo utilizado em diversos cenários na
prática clínica geriátrica.

ESCALA CLÍNICA DE FRAGILIDADE

Pessoas que estão robustas, ativas, com energia e


motivadas. Essas pessoas normalmente se exercitam
1 MUITO ATIVO regularmente. Elas estão entre as mais ativas para a sua
idade.

Pessoas que não apresentam nenhum sintoma ativo de


doença, mas estão menos ativas que as da categoria 1.
2 ATIVO Frequentemente se exercitam ou são muito ativas
ocasionalmente, exemplo: em determinada época do ano.

Pessoas com problemas de saúde bem controlados, mas


não se exercitam regularmente além da caminhada de
3 REGULAR rotina.

Apesar de não depender dos outros para ajuda diária,


frequentemente os sintomas limitam as atividades. Uma
4 FRAGILIDADE MUITO
LEVE queixa comum é sentir-se mais lento e/ou cansado ao longo
do dia.

Estas pessoas frequentemente apresentam lentidão mais


evidente e precisam de ajuda para atividades instrumentais
de vida diária mais complexas (finanças, transporte,
5 LEVEMENTE FRÁGIL trabalho doméstico pesado). Tipicamente, a fragilidade leve
progressivamente prejudica as compras e passeios
desacompanhados, preparo de refeições, medicações e
tarefas domésticas leves.

Pessoas que precisam de ajuda em todas as atividades


externas e na manutenção da casa. Em casa,
6 MODERAMENTE
FRÁGIL
frequentemente têm dificuldades com escadas e
necessitam de ajuda no banho e podem necessitar de
ajuda mínima (apoio próximo) para se vestir.

Completamente dependentes para cuidados pessoais, por


qualquer causa (física ou cognitiva). No entanto, são
7 MUITO FRÁGIL aparentemente estáveis e sem alto risco de morte (dentro
de 6 meses).

Completamente dependentes, aproximando-se do fim da


8 SEVERAMENTE
FRÁGIL
vida. Tipicamente incapazes de se recuperarem de uma
doença leve.

Aproximando-se do fim da vida. Esta categoria se aplica a


pessoas com expectativa de vida < 6 meses, sem outra

9 DOENTE TERMINAL
evidência de fragilidade. (Muitas pessoas com doenças
terminais conseguem ainda se exercitar até momento
próximo da morte.). Ex.: pacientes com câncer de pâncreas
metastático.

PONTUANDO FRAGILIDADE EM PESSOAS COM DEMÊNCIA


ESCALA CLÍNICA DE FRAGILIDADE

O grau de fragilidade corresponde ao grau de demência. Sintomas comuns na demência leve incluem
esquecimento dos detalhes de um evento recentes, apesar da recordação do evento em sim, repetindo a
mesma pergunta/história, e afastamento de eventos sociais.
Na demência moderada, a memória recente está muito comprometida apesar de aparentemente lembrar bem
de fatos do passado. Quando solicitadas, elas são capazes de fazer o cuidado pessoal.
Na demência grave, elas não conseguem realizar cuidados pessoais sem ajuda.
Na demência muito grave, são geralmente acamados. Muitos são virtualmente mudos.

SARCOPENIA
O SARC-F é um instrumento de fácil aplicação, sem necessidade de outros
instrumentos ou exame físico para a detecção de sarcopenia. Atualmente é o
instrumento sugerido para a triagem de sarcopenia pelo European Working Group
on Sarcopenia in Older People (EWGSOP). Pode ser autoaplicado. Possui baixa
sensibilidade (25%), mas boa especificidade (81,4%), o que o torna instrumento
falho para triagem, porém popular, dadas a facilidade de aplicação e a tendência
de detectar os casos mais graves de sarcopenia. O SARC-F avalia a força muscular,
a capacidade de levantar-se de uma cadeira, a capacidade de subir escadas e a
frequência de quedas. Buscando melhorar a sensibilidade dessa escala,
acrescentou-se a ela o parâmetro de mensuração da circunferência da panturrilha
direita (média de duas medidas). Tal escala modificada mostrou-se melhor que o
SARC-F como instrumento de triagem, com área sob a curva ROC = 0,779, contra
0,592 obtida com a escala original.

SARC-F modificado

Componentes Perguntas Pontuação

Força Qual é sua dificuldade em levantar ou Nenhuma = 0


carregar 4 kg?
Alguma = 1

Muito ou incapaz = 2

Assistência ao caminhar Qual é sua dificuldade em caminhar Nenhuma = 0


através de um quarto?
Alguma =1

Muito, com ajuda ou incapaz = 2

Levantar da cadeira Qual é sua dificuldade em sair da cama Nenhuma = 0


ou da cadeira?
Alguma = 1

Muito ou incapaz sem ajuda = 2

Subir escadas Qual é sua dificuldade em subir 10 Nenhuma = 0


degraus?
Alguma = 1

Muito ou incapaz = 2

Quedas Quantas vezes você caiu no último ano? Nenhuma = 0

1 a 3 quedas = 1
SARC-F modificado

4 ou mais quedas = 2

Circunferência da Mensurar circunferência exposta da Mulheres: Homens:


panturrilha panturrilha direita do paciente com as
pernas relaxadas e pés 20 cm separados > 33 cm = 0 > 34 cm = 0
um do outro.
≤ 33 cm = 10 ≤ 34 cm = 10

(0-10) Sem sinais de sarcopenia no momento. Considerar reavaliações periódicas.


(11-20) Alto risco de sarcopenia. Proceder com exames diagnósticos complementares.

Timed Up and Go (TUG)

Utilizar cadeira, de preferência, com altura de 46 cm, com apoio de braços (altura de 20 cm) e encosto a
90º.
Fazer marcação no chão a 3 metros da cadeira.
O paciente poderá usar um auxílio de locomoção, como andador ou bengala, caso faça uso dele.
Recorrer a calçado de uso habitual.
Orientar o paciente a se levantar logo após a palavra “vai”, a andar em um ritmo seguro e confortável, no
passo de seu dia a dia, até a linha marcada no chão ao final de três metros, a virar e a sentar-se
novamente.
Pode-se realizar um primeiro teste não cronometrado para aprendizagem, com descanso posterior de pelo
menos 1 minuto sentado.
Disparar o cronômetro (pelo avaliador) após a palavra “vai” e interrompê-lo após o contato das nádegas do
idoso no assento da cadeira.

INCONTINÊNCIA URINÁRIA
Dada a elevada prevalência, morbidade e subnotificação, recomenda-se o
rastreio ativo de incontinência urinária (IU) em todos as mulheres com idade ≥ 65
anos. A seguir há um método rápido para avaliação de IU e seu impacto na
qualidade de vida. O International Consultation on Incontinence
Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) poderá ser autoaplicado, em caso de
idosos alfabetizados, ou aplicado por um avaliador. Tal instrumento não só permite
identificar a presença e a intensidade das perdas como também aborda seu
impacto subjetivo em qualidade de vida e sugere o subtipo da IU: esforço, urgência
ou mista. Tal instrumento possui tradução e validação nacional, com alfa de
Cronbach satisfatório de 0,88. Embora o ICIQ Escore de 0-21 possua maior
importância para pesquisa, poderá ser utilizado como parâmetro para mensurar
resposta a tratamentos instituídos.
ESTRESSE DO CUIDADOR
Existem diversos instrumentos padronizados para avaliar a sobrecarga do
cuidador, sendo o mais utilizado em termos internacionais a Entrevista ou Escala
de Zarit de Sobrecarga do Cuidador (Zarit Burden Interview). Tal escala possui
tradução e validação nacional. Por essa escala, 22 itens são pontuados de 0 a 4,
com valor total que varia de 0 a 88. Quanto maior a pontuação, maior o grau de
estresse.

Entrevista de Zarit de sobrecarga de cuidador

INSTRUÇÕES: A seguir, encontra-se uma lista de afirmativas que reflete como as pessoas algumas vezes se
sentem quando cuidam de outra pessoa. Depois de cada afirmativa, indique com que frequência o(a) sr(a). se
sente de determinada maneira (nunca = 0, raramente = 1, algumas vezes = 2, frequentemente = 3 ou
sempre = 4). Não existem respostas certas ou erradas.

1. O(A) sr(a). sente que S* pede mais ajuda do que necessita?


2. O(A) sr(a). sente que, por causa do tempo que gasta com S, não tem tempo suficiente para si mesmo(a)?
3. O(A) sr(a). se sente estressado(a) entre cuidar de S e suas outras responsabilidades com a família e o
trabalho?
4. O(A) sr(a). se sente envergonhado(a) com o comportamento de S?
5. O(A) sr(a). se sente irritado(a) quando S está por perto?
6. O(A) sr(a). sente que S afeta negativamente seus relacionamentos com outros membros da família ou
amigos?
7. O(A) sr(a). sente receio pelo futuro de S?
8. O(A) sr(a). sente que S depende do(a) sr(a).?
9. O(A) sr(a). se sente tenso(a) quando S está por perto?
10. O(A) sr(a). sente que sua saúde foi afetada por causa de seu envolvimento com S?
11. O(A) sr(a). sente que não tem tanta privacidade como gostaria por causa de S?
12. O(A) sr(a). sente que sua vida social tem sido prejudicada porque está cuidando de S?
13. O(A) sr(a). não se sente à vontade em ter visitas em casa por causa de S?
14. O(A) sr(a). sente que S espera que o(a) sr(a). cuide dele(a), como se o(a) sr(a). fosse a única pessoa de
quem ele(a) pudesse depender?
15. O(A) sr(a). sente que não tem dinheiro suficiente para cuidar de S, somando suas outras despesas?
16. O(A) sr(a). sente que será incapaz de cuidar de S por muito mais tempo?
17. O(A) sr(a). sente que perdeu o controle de sua vida desde a doença de S?
18. O(A) sr(a). gostaria de simplesmente deixar que outra pessoa cuidasse de S?
19. O(A) sr(a). se sente em dúvida sobre o que fazer por S?
20. O(A) sr(a). sente que deveria estar fazendo mais por S?
21. O(A) sr(a). sente que poderia cuidar melhor de S?
22. De uma maneira geral, o quanto o(a) sr(a). se sente sobrecarregado(a) por cuidar de S**?

*No texto, S refere-se a quem é cuidado pelo entrevistado. Durante a entrevista, o entrevistador usa o nome
dessa pessoa.
**Neste item, as respostas são: nem um pouco = 0, um pouco = 1, moderadamente = 2, muito = 3,
extremamente = 4.

FUNCIONALIDADE FAMILIAR
Dentro do contexto de instrumentos de triagem que investigam a rede de
suporte familiar do idoso, é apresentado a seguir o APGAR de Família,
desenvolvido por Smilkstein em 1978. Esse instrumento avalia cinco componentes
considerados básicos para a funcionalidade de qualquer família: adaptação,
companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva. O
acrônimo APGAR, proveniente da língua inglesa, deriva de Adaptation (adaptação),
Partnership (companheirismo), Growth (desenvolvimento), Affection (afetividade) e
Resolve (capacidade resolutiva). No Brasil, a tradução e a adaptação do
instrumento foram realizadas com o objetivo de verificar as propriedades de
medida do Family APGAR quando aplicado com idosos independentes,
dependentes e seus cuidadores. A escala de respostas varia entre 0, que
corresponde a “nunca”, e 4, ou seja, “sempre”. A somatória dos valores obtidos
representa o escore que sugere a qualidade da funcionalidade familiar.

APGAR de Família

Perguntas a serem realizadas Nunca Raramente Algumas Quase Sempre


(0) (1) vezes sempre (4)
(2) (3)

Estou satisfeito(a), pois posso recorrer a minha


família em busca de ajuda quando alguma coisa
está me incomodando ou preocupando.

Estou satisfeito(a) com a maneira pela qual minha


família e eu conversamos e compartilhamos os
problemas.

Estou satisfeito(a) com a maneira como minha


família aceita e apoia meus desejos de iniciar ou
buscar novas atividades e procurar novos caminhos
ou direções.

Estou satisfeito(a) com a maneira pela qual minha


família demonstra afeição e reage a minhas
emoções, como raiva, mágoa ou amor.

Estou satisfeito(a) com a maneira pela qual minha


família e eu compartilhamos o tempo juntos.

1 a 8 pontos: elevada disfunção familiar


9 a 12 pontos: moderada disfunção familiar
13 a 20 pontos: boa funcionalidade familiar

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