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Mon. Rafaella Pereira

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CENTRO UNIVERSITÁRIO TABOSA DE ALMEIDA – ASCES-UNITA

BACHARELADO EM DIREITO

RAFAELLA PEREIRA ABREU

DELINQUÊNCIA JUVENIL: a família “disfuncional” como fator de


risco psicossocial

CARUARU
2016
RAFAELLA PEREIRA ABREU

DELINQUÊNCIA JUVENIL: a família “disfuncional” como fator de


risco psicossocial

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Centro Universitário Tabosa de Almeida –
ASCES – UNITA, como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a
orientação do Professor Dr. Orlando Rabelo.

CARUARU
2016
BANCA EXAMINADORA

Aprovada em: 08/12/2016

_______________________________________
Presidente: Prof. Dr. Orlando Rabelo

_______________________________
Primeiro Avaliador: Prof. Alexandre Costa

_______________________________
Segundo Avaliador: Prof.
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente а


Deus, por ser essencial em minha vida,
autor do mеυ destino, mеυ guia e socorro
presente nа hora da angústia. Aоs mеυs
pais, meu filho е minhas irmãs.
Dedico aos amigos com quem convivi
nesses espaços ао longo dos anos e
colaboraram fundamentalmente para a
minha formação acadêmica.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado saúde е força para superar as dificuldades, por
me presentear com a vida do meu filho, família e amigos.
A esta instituição de ensino, pelo ambiente criativo е amigável qυе
proporciona.
Ao meu orientador professor Orlando Rabelo, pelas correções е
incentivos.
Aos meus pais, que com carinho e amor me proporcionaram um ambiente
de paz durante a elaboração deste trabalho, além do apoio e do incentivo.
E a todos qυе direta оυ indiretamente fizeram parte da minha formação, о
meu muito obrigada.
RESUMO

O presente trabalho busca discutir as possíveis influências de famílias disfuncionais


no comportamento de jovens delinquentes. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
dedutiva e descritiva, utilizando-se da revisão integrativa da literatura, onde foram
consultados livros, artigos publicados em periódicos, documentos eletrônicos e a
legislação pertinente ao tema. Esta pesquisa propõe uma análise acerca da família,
da evolução das penas ao longo da história e das influências que a
disfuncionalidade do meio familiar podem proporcionar ao jovem, contribuindo de
forma intensa para o seu ingresso na criminalidade e, ainda, abordar a delinquência
de diversos ângulos, levantando a hipótese de que esta decorra de transtornos
psicossociais, bem como fazer uma análise do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e das medidas aplicáveis ao jovem infrator. Sendo assim, chegamos à
conclusão de que uma família disfuncional, além de comprometer o desenvolvimento
psicossocial de seus membros, pode também colaborar para o ingresso dos jovens
no crime.
Palavras-chave: Delinquência Juvenil; Família Disfuncional; Transtorno
Psicossocial.
ABSTRACT

This research intends to discuss about possible influences of dysfunctional families in


the behavior of minors aged offenders. By the way, a deductive and descriptive study
was done, based on integrative literature review, books, articles published by the
press, electronic documents and current law. This research proposes too analyzes
the family, the evolution of punishments throughout history and how the influences
that the dysfunctionality of its environment could take young people, contributing
definitely for their inclusion in the crime. It’s also to evaluate many points of view of
delinquency, considering it as a psychosocial disorder resultant, as well as to analyze
the ECA (Child and Adolescent Statute, in brazilian portuguese and an organ to
protect minors) and the punishments applicable to theseoffenders. In this case,
we conclude that a dysfunctional family affect the psychosocial development of its
membersand may contribute to put young people into crime.

Keywords: Juvenile Delinquency. Dysfunctional Family. Psychosocial Disorder.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9
1. CARACTERIZAÇÃO DA DELINQUÊNCIA ......................................................... 11
1.1 Evolução histórica do Direito Penal .................................................................... 13
1.2 Características do jovem delinquente ................................................................. 19

2. FAMÍLIA E JUVENTUDE ..................................................................................... 25


2.1 Tipos de famílias e vínculos parentais ................................................................ 29

3. RELAÇÃO FAMILIAR E OS RISCOS PARA A DELINQUÊNCIA. ...................... 33


3.1 Delinquência e transtornos psicossociais ........................................................... 39
3.2 Alguns apontamentos jurídicos .......................................................................... 40

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 43

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 45
9

INTRODUÇÃO

O presente estudo irá discorrer sobre a delinquência juvenil e a família


disfuncional como fator de risco psicossocial, de modo a criar uma reflexão acerca
do assunto, buscando compreender as influências no comportamento destes jovens.
Esta é uma temática recorrente no nosso cotidiano.
O objetivo ímpar da pesquisa é compreender quais os fatores
condicionantes para que o jovem ingresse na criminalidade, independentemente de
elementos exteriores, como perfil dos pais ou a condição econômica. E, como a
família tem influência nesse processo, será observado de quais maneiras esta pode
desenvolver fatores de risco psicossociais ou combatê-los.
Inicialmente, há uma pesquisa bibliográfica na qual se pretende conhecer
algumas das teorias explicativas da delinquência juvenil e, concomitantemente,
aprender de qual forma uma família disfuncional poderá ser um fator de risco na
adoção de comportamentos desviantes, partindo-se do pressuposto de que estes
manifestam fragilidade nos vínculos afetivos. As fontes utilizadas foram artigos
científicos e revisão literária
No primeiro capítulo, procura-se compreender as razões psicossociais que
levam os jovens à criminalidade, sob os pontos de vista da psicologia e do direito
para, assim, compreender o papel da família diante deste quadro social. Também se
busca realizar uma análise sintética a respeito da evolução da pena ao longo da
história da humanidade, abordando suas fases até chegar ao monopólio estatal,
bem como falar sobre o atual Código Penal e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), distinguindo a aplicação destes ante o critério biológico.
No segundo capítulo, busca-se fazer uma abordagem da relação entre
família e juventude, começando pelo viés da evolução legislativa no direito de
família, trazendo os novos sentidos que o Código Civil de 2002 e a literatura vêm
dando a esse instituto, rompendo com velhos estigmas quanto à estrutura
“tradicional” da família do século passado, assim como demonstrar o novo
entendimento acerca da família, demonstrando-se esta como um organismo em
movimento que independe de laços consanguíneos.
No terceiro capítulo, foi iniciada uma reflexão quanto aos riscos enfrentados
para proteger o jovem, evitando o ingresso dele na criminalidade. Será possível
observar que muitas situações enfrentadas durante a infância, decorrentes dos
10

estilos parentais adotados pelos pais ou responsáveis, influenciam diretamente no


comportamento adotado na adolescência, ainda mais se este jovem se encontrar em
uma situação de vulnerabilidade psicológica e afetiva.
Também se objetivou entender as fases nas quais a família se divide,
observando que estas muitas vezes se confundem e convivem em um mesmo lapso
temporal. O estudo volta-se, portanto, à fase da adolescência e aos conflitos
inerentes desta à relação familiar e as formas pelas quais as famílias podem
contribuir com a delinquência juvenil, dando ênfase ao fato de que uma família
funcional é capaz de reduzir o ingresso dos jovens na criminalidade, por meio dos
vínculos afetivos criados pelas figuras parentais.
Ainda foram feitos alguns apontamentos jurídicos com base nas legislações,
explicando as medidas cabíveis aos jovens infratores no Brasil.
11

1. CARACTERIZAÇÃO DA DELINQUÊNCIA

Compreender as razões psicossociais que conduzem o indivíduo a realizar


condutas delituosas, sob a ótica da personalidade e da perspectiva sociocultural em
que está inserido, é fundamental para a aplicação da lei penal. Esta avaliação se
torna essencial para que os juristas possam - com os elementos probatórios -
desenvolver teses eficazes para alcançar o fim desejado e proporcional ao caso
concreto. É por tais razões que o estudo do direito associado às outras ciências se
faz necessário, com o propósito de formular conceitos e fornecer elementos para
uma análise minuciosa a respeito da personalidade do delinquente.
No que tange às ciências criminais, a criminologia é um dispositivo de análise
do comportamento transgressor, buscando verificar as suas origens e motivações,
bem como, determinar quem, como e de qual maneira se dará a punição,
empenhando-se na procura de soluções capazes de extinguir ou prevenir a
consumação delitiva (GRECO, 2015).
É nesta perspectiva que a pena deixa de ter um fim meramente retributivo
durante o período humanitário, passando também a ter caráter de defesa social e
ressocializador do criminoso. Elevando os estudos do Direito Penal, ao considerar o
crime não apenas como efeito do livre arbítrio e quebra do pacto jurídico, mas,
sobretudo, entendendo este como produto de várias causas e exteriorização da
personalidade humana, Greco (2015) destaca que:

A pesquisa do criminólogo, esquecendo momentaneamente o ato criminoso


praticado, mergulha no seio da família do delinquente, no seu meio social,
nas oportunidades sociais que lhe foram concedidas, no seu caráter; enfim,
mais do que saber se a conduta praticada pelo agente era típica, ilícita ou
culpável, busca-se investigar todo o seu passado, que forma um elo
indissociável com o seu comportamento tido como criminoso. Retrocede-se,
em busca das possíveis causas do crime. Percebe-se, portanto, que o
conceito criminológico de comportamento delitivo é mais amplo do que
aquele adotado pelo Direito Penal. (GRECO, 2015, p. 40).

O controle social desempenhado sobre o delinquente também é estudo da


criminologia. A reação da sociedade exerce restrição indispensável na prevenção da
delinquência, a iniciar pela família, abrangendo desde a mera desaprovação dos
pais a algumas condutas juvenis desapropriadas, até o sistema penal controlado
pelo Estado.
12

Com o avanço da contemporaneidade, a delinquência juvenil tornou-se uma


temática relevante, trazendo preocupação a todos. Não há uma só nação que não
precise lidar com este desafio. Na maior parte das conferências e projetos de
segurança pública, esta surge como uma questão primária.
Para lidar com este problema, uma estratégia pode ser ir à fonte e buscar
compreender suas causas, para - a partir de então - definir as medidas de
prevenção. Entendendo este como um problema macro, que atinge a esfera
particular do indivíduo e da sua família, trata-se de uma disfunção social, que afeta
diretamente a política de segurança pública.
Nessa direção, Izquierdo (apud NUNES, 2013), considera a delinquência
juvenil como um acontecimento específico e intenso de desvio e inadaptação,
admitindo que a percepção do problema varia de acordo com as características de
quem o observa.
O autor pensa que, para o jurista, delinquente é todo e qualquer um que
transgrida a norma; para a psicologia, o comportamento delinquencial é uma
sucessão de causas, algumas predisponentes e outras desencadeantes; e, para o
cidadão comum, este é um tema que muda bastante de acordo com o termômetro
da sociedade, variando entre os que entendem que a única solução é pela
repressão, propondo medidas como a redução da maioridade penal, e aqueles que
não partilham dessa opinião, centralizando a causa do problema no ambiente e na
falta de estrutura – nesse caso, básicas, que vão desde cuidados sentimentais por
parte da família a uma boa política pública em torno da educação, saúde e
segurança.
É importante destacar que a delinquência é um tema com muitas faces e é
um fato complexo da realidade. Então, é difícil chegar a uma única definição. No
sentido jurídico, a delinquência se refere aqueles indivíduos que violam as normas; e
no aspecto psicológico do termo, versa sobre aqueles que descumprem as normas,
contudo sob causas de perturbação mental. Por isso, as leis são um parâmetro para
o reconhecimento do transtorno antissocial de personalidade, uma vez que todo
delinquente é jurídico, visto que independentemente de motivação, ambos
desrespeitam o ordenamento (LOPES, 2016).
Os comportamentos desviantes não são admitidos pela maior parte da
sociedade, pois toda a comunidade deve seguir o “dever-ser”, o comportamento
13

previsto do homem comum. A norma diz o que deve ser feito e essa é a conduta
esperada. Quando algo foge desta realidade, surge a transgressão.
A diferenciação dos termos de uma disciplina em relação à outra é essencial
para elucidar que muitas podem ser as causas para a condição da delinquência.
Dentre estas, existe um grupo de delinquentes que vão além da desviância, são
pacientes de um transtorno de personalidade, merecendo atenção singular.
Como já referido, delinquência não é um conceito psicopatológico, mas
jurídico. Ele surge da situação do menor em face da lei, embora muitos também
mereçam a característica de psiquiatricamente anômalos diante dos conflitos
internos que provocam sua conduta. O delito não é o principal elemento e nem o
mais importante, pois varia conforme as razões socioculturais e em decorrência das
mudanças históricas. (NUNES, 2013).

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL

O estudo da evolução histórica do Direito Penal e dos princípios que o


norteiam se faz imprescindível para a compreensão correta da mentalidade
criminosa, bem como para traçarmos uma linha comum de teorias que influenciaram
todo o sistema punitivo contemporâneo.
A história da humanidade se confunde com o Direito Penal, pois nas primeiras
formas de sociedade das quais se tem conhecimento, o homem criminoso - quando
não existia nem o conceito de crime - era punido pelo restante da comunidade na
qual estava inserido, coexistindo também a chamada vingança privada. Nesta, o
próprio ofendido buscava punir o ofensor, a priori sem nenhuma limitação por parte
do Estado, buscando apenas a satisfação encontrada na vingança.

A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que
compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à
agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a
proporção, nem mesmo com sua justiça. Em regra, os historiadores
consideram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a
vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-se que
esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem
por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência
concomitante dos princípios característicos de cada um: uma fase penetra a
outra, e, durante tempos, está ainda permanece a seu lado. (NORONHA,
1980, p. 20).
14

A noção de punição pelos atos atentatórios sempre esteve evidente, desde a


própria concepção de sociedade. Inicialmente as sanções não se originavam de leis
formais, mas sim de regras culturais e dos costumes, destinadas a compensação ou
retribuição, ligados ao sentimento de justiça, pretendendo assim a volta do status
quo ante (GRECO, 2015).

A vingança e a pena, confundindo-se uma com a outra, reduzia-se a um


ferimento tal que bastasse para ressarcir a vítima ou seus amigos, ou a dor
causada ao ofendido. Mas, aplicava-se naturalmente, segundo os impulsos
e instintos de cada um e de acordo com o dano. (LOMBROSO, 2010, p. 91).

Para Greco (2015), a edição da Lei de Talião é um importante avanço, diante


da época na qual é datada, pois, mesmo que primitivamente, carregava consigo uma
noção de proporcionalidade, por meio do “olho por olho” e “dente por dente”, apesar
de ainda estar presa à vingança privada.
A vingança divina foi um período no qual a religião influenciava diretamente o
Direito Penal e a repressão ao delinquente, tendo por finalidade atenuar a ira dos
deuses ofendidos com a prática do crime. Como aponta Bitencourt (2012), esse
período é marcado por punições severas e cruéis aplicadas pelos sacerdotes por
meio de missão divina. Destacam-se as legislações como o Código de Manu, o
Pentateuco e os Cinco Livros, os quais têm como característica central a intolerância
decorrente do caráter teocrático.
As regras morais, nessa época, eram a base da legislação vigente e das
sociedades cheias de misticismos e crenças espirituais. Todos os fenômenos
naturais como, por exemplo, a chuva, demonstravam o temperamento dos deuses, o
que ensejava as práticas de sacrifícios e oferendas, sendo a pena uma de suas
espécies (GRECO, 2015).
O homem, conforme esclarece Pimentel (2012),

Não compreendendo a verdadeira natureza dos fenômenos que o


cercavam, ligava os efeitos manifestados a causas misteriosas,
sobrenaturais, que, no entanto, poderiam ser controladas mediante a prática
de rituais ou o oferecimento de dádivas e sacrifícios. Por isso, procurava
obter o que julgava bom e necessário para a vida através de propiciações
aos entes que acreditava regessem o destino, até nas mais particulares
situações. Da mesma forma, o mal poderia ser conjurado com os ritos e
sacrifícios adequados. “Totem” e “tabu” são instituições que provam a
submissão do homem primitivo a esse domínio da magia, levando-o a
buscar o alívio das tensões ansiosas na favorável disposição das entidades
protetoras, evitando tudo o que pudesse, direta ou indiretamente, ofendê-
15

las. A prática de ações proibidas acarretava a ira dos entes sobrenaturais,


capaz de prodigalizar-lhe pesados castigos. A palavra, “tabu”, ou “tapu”, de
origem polinésia, não tem tradução literal. Significava, ao mesmo tempo, o
sagrado e o proibido. (PIMENTEL, 2012, p. 759).

Com a sociedade um pouco mais organizada em relação ao desenvolvimento


político, surge a figura das assembleias. Superando o entendimento das fases da
vingança divina e da vingança privada, a vingança pública tinha por objetivo principal
a segurança de um chefe soberano ou monarca, através da repressão criminal,
mantendo a natureza cruel e severa da pena, pretendendo a intimidação da
população. Não era mais o ofendido, ou mesmo os sacerdotes, os agentes
responsáveis pela sanção, mas sim o soberano (rei, príncipe, regente)
(BITENCOURT, 2012).
Embora o homem ainda estivesse amedrontado neste período histórico, é
possível verificar um avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e
sim pelo Estado, que toma para si o poder coercitivo.
É em meados do século XIX, no período humanitário, que temos um grande
arcabouço teórico, a fim de conceituar o crime, o delinquente e as penas,
significando um enorme avanço para o Direito Penal. Muito embora no plano fático
ainda não se vislumbrassem essas mudanças, as leis continuavam inspiradas nos
castigos corporais, na pena capital e nos excessos de crueldade. É somente na
segunda metade do século que a situação começa a ser reformada, removendo-se
velhas concepções arbitrárias, defendendo as liberdades do indivíduo e a dignidade
do homem. Grandes filósofos e juristas da época começam a censurar abertamente
em suas obras a legislação vigente. (GUZMAN apud BITENCOURT, 2012).
A pena privativa de liberdade, nesta época, era uma exigência meramente
processual, pois o acusado devia ser apresentado ao juiz antes da sentença. Desta
forma, se fosse condenado, a aplicação da pena era corporal de morte. A prisão era
instrumento para evitar a fuga do indivíduo, impossibilitando a aplicação da sanção.
Portanto, o corpo do acusado era ferramenta de punição. (GRECO, 2015)
Durante os séculos XVIII e XIX, os pensamentos liberais ganharam força com
influência das revoluções Norte-Americana e Francesa e a queda dos governos
absolutistas. Surge a Escola Clássica, com representantes como Carmignani e
Carrara. Para esta escola, a pena é destinada a reestabelecer o status quo ante
quebrado pela ocorrência do delito, é um mal proporcional ao causado pelo crime.
Contudo, a pena se adequa ao tipo penal e não a quem cometeu a infração. Na
16

opinião de Pimentel (2012), é “fácil perceber-se o grave equívoco em que incorreram


os adeptos dessa corrente, sem embargo do respeito que nos merecem seus
ilustres nomes”. (PIMENTEL, 2012, p. 764).
Em suma, o fato de haver uma punição com castigos físicos não apagará os
efeitos trazidos pelo crime e os motivos de sua ocorrência. O legado desses juristas,
sem dúvida, se faz no campo preventivo. A ideia principal dessa corrente é que, por
medo da sanção, o indivíduo é levado a não cometer delitos, frente a essa influência
negativa que a pena exerce diretamente na sociedade. Entendendo assim, a lei
funciona como limite para as futuras transgressões e não como vingança pelo delito
já cometido.
Montesquieu e Voltaire, que foram filósofos iluministas e humanitários, faziam
severas críticas aos excessos da lei penal e propunham a proporcionalidade da
pena em razão do crime cometido, devendo levar em conta as características
pessoais do delinquente e, principalmente, retirar a punição sobre o corpo do
acusado. (FERNANDES apud BITENCOURT, 2012).
Trazendo para uma aplicação prática desse pensamento, vemos que a idade,
característica pessoal do indivíduo, é extremamente relevante para aplicação da lei
penal. De tal forma, no Brasil temos o seguinte: somente os maiores de 18 anos de
idade são passíveis de responsabilização penal, restando à legislação específica o
tratamento oferecido aos menores, que, por sua vez, também não cometem “crime”,
mas sim ato infracional.
Além do mais, esse aporte também advém dos pensamentos de Jean
Jacques Rousseau. Para ele, a sociedade originou-se de um pacto, através do qual
as pessoas cediam parte de sua liberdade em troca de proteção por parte do
Estado. Adotando, desta forma, o entendimento do crime como uma ruptura deste
pacto, o criminoso deve ser punido pelo mal que causou não só a vítima, como
também à comunidade como um todo. (SHECAIRA, 2014).
Lopez (apud NUNES, 2013) corroborando o entendimento de Rousseau,
entende que o homem é essencialmente livre, mas, através dos obstáculos
encontrados no seu caminho, ele se agrupa, objetivando superar desafios, sendo
que a partir deste momento, renuncia uma parcela de sua liberdade e passa a focar
no bem comum da comunidade.
Sobre a escola clássica, instauraram-se duras críticas dos positivistas porque,
em seus princípios, procuravam demonstrar que a justiça não é incontestável e o
17

livre arbítrio não é real, pois são preceitos que variam constantemente conforme o
nível ético do modelo social. A escola positivista tem como um dos seus fiéis
representantes Cesare Lombroso, que evidenciou os seus pensamentos na obra O
homem delinquente. Ele acreditava que o conhecimento criminológico deveria ser
constituído de racionalidade, observação e especulação do mundo jurídico (GRECO,
2015).
Grande também foi a contribuição da Escola Neoclássica, que despertando
para o problema da responsabilidade penal, privou os loucos e os menores do rol
dos puníveis (PIMENTEL, 2012).
Os apontamentos de Lombroso (2010) sobre as causas biopsíquicas do crime
colaboraram indiscutivelmente no avanço da sociologia criminal, ressaltando os
elementos antropológicos. A partir disso, surgiram estudos diferenciados sobre as
causas do crime, alterando até mesmo os conceitos clássicos sobre a pena privativa
de liberdade. Além da teoria do homem nato, outra contribuição importante de
Lombroso foi incluir nas ciências criminais a observação do criminoso por meio do
estudo indutivo-experimental (BITENCOURT, 2012).
Quanto à acepção de proporcionalidade entre crime e castigo, foi Marques de
Beccaria quem colaborou de maneira mais efetiva. A preocupação dele era a
adequação da pena diante do crime cometido, principalmente com o fato de que
esta proporção tornava a punição mais eficaz. Ele ressaltou a necessidade de
políticas preventivas, devendo as leis serem claras e de fácil compreensão,
privilegiando a razão, na escolha pela liberdade.
Portanto, para Beccaria, a justiça deveria ter um bom funcionamento e ser
livre de corrupção, as sociedades deveriam melhorar as políticas públicas e valorizar
a educação. Desta forma, se utilizando da razão, ficaria a cargo do homem escolher
delinquir, e optando por esse viés, saber exatamente qual seria seu castigo
(NUNES, 2013).
Uma nova visão da criminalidade foi a desenvolvida pelo marxismo, que
considera a culpa pelo crime enquanto um resultado das estruturas econômicas, de
modo que o delinquente é uma vítima inocente e fragilizada daquelas condições. O
grande culpado é o corpo social, pois se cria um determinismo social e econômico
que exclui, descarta e elimina quem não se adequa a este padrão (SHECARIA,
2014).
18

Da mesma forma, a linha teórica levantada por Thomas Morus, jurista e


humanista inglês, destacando seu pensamento utópico, indica um vínculo entre a
criminalidade e os fatores socioeconômicos, mostrando a influência da sociedade no
desencadeamento da conduta delitiva. Para Morus, o crime não é de outro modo
que o retorno de múltiplos elementos existentes nas sociedades, como, por
exemplo, a ineficiência de estruturas básicas, guerras, o meio social, o ócio, déficits
educativos e outros. Os fatores socioeconômicos eram evidenciados pelo jurista,
que não se esquivou de criticar a desigual divisão de riquezas como componente
favorecedor do crime (PABLOS apud NUNES, 2013).
Isso pode levar a crer que diante de uma desproporcional distribuição de
renda e negligente política pública, tenhamos o fator econômico como um
propiciador do crime, ainda mais quando focalizamos a discussão, sob o ponto de
vista da delinquência juvenil. O que, todavia, não é verdadeiro, não aplicando assim
as teorias marxistas ao trabalho em tela, pois ao analisarmos de fato esse tema em
nossa sociedade é possível que até venha a existir casos em que se justificaria o
uso dessas teorias. Mas, em sua maioria, existem outras causas predisponentes e
desencadeantes da criminalidade juvenil, não estando, portanto, o jovem desprovido
de renda fadado ao crime.
É com base em um grande arcabouço teórico que vimos a origem do
comportamento criminoso atribuído a traços de personalidade, causas biológicas,
aspectos intrínsecos e individuais do ser humano, a razões socioeconômicas, numa
tentativa de achar uma explicação para o comportamento delinquencial. Bem como,
as origens da pena e como se deu essa transformação ao longo do tempo.
Atualmente o Código Penal Brasileiro utiliza o critério biológico para excluir do
rol dos imputáveis os menores de 18 anos. A inimputabilidade por imaturidade
natural decorre, portanto, de presunção da lei advinda da política criminal, que
entende que os adolescentes até essa idade não possuem capacidade de
discernimento, ficando a cargo de a legislação especial atender esse tema, como
designou a Constituinte no artigo 228 da CF/88: “são penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (GRECO,
2015).
Desta maneira, o adolescente não é considerado capaz de seguir pelos seus
entendimentos, principalmente neste sentido. O que o Constituinte Brasileiro
pretendeu ao observar o limite mínimo para a aplicação da sanção penal foi instituir
19

uma legislação específica para tratar do tema, que foi consagrado pela Lei 8.069 de
1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto é um documento “baseado nas convenções e declarações dos
direitos da criança da ONU e nas regras de Beijing, documento internacional que
estabeleceu regras para o tratamento do jovem em conflito com a lei” (MARTINS
FILHO, 2007, p. 46).
A sanção no Estatuto da Criança e do Adolescente tem natureza diversa da
penal, porque objetiva outras finalidades que vão além da punição. Assim, aos
menores de 18 anos são aplicadas medidas protetivas e socioeducativas. Mesmo
não tendo o caráter de sanções penais, visam a uma orientação ou repressão contra
o infrator. Deste modo, as medidas protetivas estão previstas no ECA, artigo 101, I a
VII, e podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente pelo Conselho Tutelar em
procedimento administrativo e tem natureza socioeducativa (PEREIRA, 2016).
As medidas socioeducativas que estão previstas no ECA, artigo 112, I a VII,
podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente pelo juiz mediante persecução
socioeducativa instaurada em juízo (sob segredo de justiça), possuindo natureza
pedagógica, retributiva e sancionatória. Vale ressaltar que o Estatuto da Criança e
do Adolescente protege a criança e o adolescente sob a égide dos princípios da
Proteção Integral, da Prioridade Absoluta, da Condição de Pessoa em
Desenvolvimento e da Participação Popular, constituindo dever da família, da
sociedade e do Estado agir conforme eles (CF, artigo 227). Serão aplicados
obrigatoriamente os princípios constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa
em favor das crianças, quando sujeitas ao procedimento administrativo. Às crianças
somente se aplicam as medidas protéticas, enquanto que ao adolescente poderão
aplicar-se também as medidas socioeducativas (PEREIRA, 2016).

1.2 CARACTERÍSTICAS DO JOVEM DELINQUENTE

Definir delinquência juvenil é difícil, pois muitos estudiosos somam a este


conceito não apenas os comportamentos delituosos, mas condutas desordenadas e
imprevisíveis, de modo que indisciplina, consumo de drogas lícitas e ilícitas,
transtornos afetivos e episódios de inadaptação se confundem. Contudo, existe a
possibilidade de um menor ser inadaptado, apesar de não ser delinquente (NUNES,
2013).
20

A adolescência é uma etapa do desenvolvimento em que se verifica uma


pluralidade de alterações na vida dos indivíduos, pois retrata uma fase de transição
entre a infância - ligações extremamente parentais - e a vida adulta, onde as
interações com o mundo vão além do ambiente familiar (FERNANDES, 2012).
Para Laranjeira (2007), a conexão entre a adolescência e a transgressão é
capaz de ser, em último caso, necessária para o desenvolvimento, para o
crescimento e para a obtenção de alternativas de socialização. Observamos que
esse pensamento faz sentido, ainda mais se aplicado na infância, fase na qual o
comportamento desviante é seguido de uma advertência pelos pais, fazendo com
quem não venha a se repetir, sendo demonstrado por estes qual a ação correta no
caso concreto, levando a criança a aprender com a conduta errada.
O objetivo desse desvio pode estar relacionado com artifícios que buscam a
solução do conflito, no senso de adaptação. O comportamento antissocial delineado
nesse período de adolescência pode ser encarado como extremamente normativo,
além de representar uma tentativa de manifestar autonomia em relação ao próprio
contexto familiar.
Dessa forma, o desempenho adequado da família auxilia a impedir ou
diminuir os impulsos desviantes, reduzindo as perspectivas do surgimento de
comportamentos delinquenciais. No momento em que as funções familiares são
rompidas ou se dissolvem, a família perde a habilidade para monitorar os
comportamentos dos filhos. Por consequência, aumentam as chances de o
adolescente delinquir (FERREIRA apud FERNANDES, 2012).
Portanto, nesse período de transformações hormonais e psicossociais, as
inadaptações ficam mais claras diante das responsabilidades que serão encaradas
na vida adulta. Faz-se necessário que estejam presentes os vínculos afetivos na
vida deste jovem, sendo o apoio familiar um preventivo tanto de transtornos
antissociais quanto de desvios delituosos.
As exteriorizações do comportamento delinquente, pela importância que
possuem, mostram uma enorme inquietação das identificações, distúrbios graves
dos vínculos familiares na categoria psicoafetiva e socioeconômica, dificultando o
ajustamento comunitário e a aprendizagem, tanto em termos de regras escolares
quanto nos valores e normas socioculturais (SCARAMELLA et al, apud
LARANJEIRA, 2007).
21

Assim, independentemente de modelo ou padrão familiar, o que deve ser


levado em consideração é a qualidade dos vínculos criados no seio familiar e,
consequentemente, nos ambientes de maior proximidade e importância na vida do
jovem. Sendo este um ser em formação, necessita de apoio, limites e afeto, o que
facilitará o seu processo de exteriorização social e aprendizagem.
As circunstâncias socioeconômicas e as relações parentais na família, os elos
de confiança criados entre o jovem e seu responsável, as coerções internas e
externas, supervisão e punições, são fatores importantíssimos para a composição
familiar. Isto posto, encontram-se delineamentos com os quais a família pode intervir
negativamente, contribuindo com a criminalidade por parte dos menores: sujeição a
contextos e práticas educativas disfuncionais (FONSECA apud MOREIRA, 2013). O
que não significa que as características psicossociais dos componentes familiares
são determinantes para o bom desenvolvimento do jovem, mas sim que estas não
são relevantes se estivermos num contexto de afetividade e proteção deste jovem.
Observa-se assim que a presença em um ambiente social disfuncional, no
qual se vivenciam episódios de violência, será favorável à adesão de
comportamentos agressivos por parte do adolescente que está submetido aos
mesmos. Desta forma, as lacunas no processo de aprendizagem e sociabilização do
indivíduo são causadores da prática de atos delinquentes e, futuramente, o possível
ingresso no mundo da desviança (XAVIER, 2012).
Deste modo, saímos da ideia de um modelo “certo” de família. Há diversas
configurações que também o são, pois agora levamos em consideração o critério da
afetividade para conceituar família, e não mais o consanguíneo. Sobretudo, se os
vínculos afetivos e familiares forem adequados, as características psicossociais dos
pais não influenciam o desenvolvimento. Logo, não importa se os pais são pobres,
adolescentes ou homossexuais. Se amarem e cuidarem das necessidades básicas
dos filhos, estes não terão prejuízo algum em seu desenvolvimento.
Uma parte dos adolescentes autores de ato infracional podem apresentar
condutas violentas, que são explicadas pelo padrão das relações constituídas dentro
do seio familiar. Esse padrão incorporado no ambiente familiar geralmente é
transportado para as relações sociais fora de casa (KOLLER et al, apud NARDI,
2010).
Segundo Costa (apud BENAVENTE, 2002), a eclosão da delinquência juvenil
nas classes mais baixas e nos grupos etnicamente minoritários se justifica pelo
22

esgotamento dos institutos tradicionais de socialização, como a família, a escola e a


igreja, bem como pelas deficiências no processo de integração do jovem à
sociedade, a exemplo da dificuldade ao acesso do primeiro emprego.
Assim, em uma pesquisa feita na periferia por Ceccarelli (2001), ele
demonstra que a falta de poder aquisitivo afeta diretamente aqueles que estão em
formação, principalmente, formação do caráter. Nas palavras do autor, esta
pesquisa mostra que:

Como qualquer criança, elas têm sonhos para o futuro baseados em


modelos identificatórios: querem ser bombeiros, policiais, médicos etc. A
partir dos 10/11 anos estes sonhos desaparecem, e grande parte deles são
obrigados a roubar, vender drogas, prostituir-se como única possibilidade de
sobrevivência. Numa escala mais ampla, temos os assaltos, sequestros,
estupros e outras tantas condutas violentas e mortíferas perpetradas por
aqueles que não têm nenhuma razão para respeitar as imposições sociais
quando a própria sociedade os relega ao degredo. (CECCARELLI, 2001, p.
5).

Contudo, mais relevante do que os recursos financeiros para a formação do


caráter são, sem dúvidas, os laços de afeto criados pelo adolescente com os seus
familiares. Mesmo que, conforme Ceccarelli (2001), a delinquência possa ser,
também, e não somente, resposta de um social patológico. Ou seja, quando o
psiquismo não tem como controlar seus movimentos pulsionais, os medos que
fundam esse autocontrole não mais se sustentam. A partir de então, surge a
delinquência, com uma descrença naquilo que a sociedade propaga como sendo
bom e útil, porque essas pessoas não têm acesso aos valores que estão em xeque
na propaganda dos institutos.
A forma mais eficaz de reverter esses medos e inseguranças é quando o
jovem é preparado preventivamente para a sociedade. Essa preparação se dá com
a primeira instituição social a qual o homem está inserido: a família.
Vale lembrar que apesar de ser a “maioria”, a delinquência não é um mal que
assola apenas as famílias “pobres”. É importante destacar que a classe média tem
sofrido com as mesmas angústias, que por muito tempo ficou evidenciada na
literatura como sendo uma especificidade das classes mais baixas. Laranjeira (2007)
dá a sua opinião quanto a essa questão:
Não acho que o problema seja da classe menos favorecida. O abandono e
a terceirização ocorrem em todas as classes sociais. Não posso deixar de
indagar, com tristeza, até que ponto estamos colhendo os frutos de algumas
décadas de abandono e terceirização de crianças e adolescentes, quando
vemos a violência campeando e atingindo inclusive crianças e jovens que,
23

teoricamente, não teriam passado por grandes necessidades na vida.


(LARANJEIRA, 2007, p. 65).

É chocante quando estamos diante desses casos, pois delinquência e


pobreza sempre foram usadas como sinônimos e, “de repente”, acontece dessa
ligação não fazer mais tanto sentido. Jovens que frequentam boas escolas, que têm
uma boa vizinhança e pais que podem oferecer o que deveria ser básico para todo
mundo, como saúde, segurança e educação, delinquem tanto quanto os que estão
na favela servindo de “aviãozinho” - o que não é mostrado na televisão, ou até é
mostrado, mas não nas mesmas proporções.
O que mais preocupa não são as condutas em si, mas a motivação que foge
do padrão. Nesta pesquisa, vê-se que a família tem um papel essencial de suporte
para prevenir estes acontecimentos. Desta forma, seja por força da estimulação da
mídia para o consumo ou por uma escolha de uma prática criminosa como uma
alternativa sensual, o crime não é, para todos, algo entendido como um mal em sua
totalidade (KATZ apud BANDEIRA DE MELO, 2014).
Há fatores por trás da motivação do crime que preocupam tanto quanto a
conduta em si. A insignificância dada aos valores que são tratados no ambiente
familiar - e repassados para os mais jovens - e os motivos fúteis para o cometimento
dos crimes são elementos sérios desse quadro da criminalidade juvenil.
Se voltarmos os nossos olhos para a sociedade brasileira, a ênfase no
sucesso, na ambição e no consumo, especialmente através da mídia, está em
divergência com as possibilidades da grande maioria dos indivíduos de acesso aos
meios lícitos para a conquista destas metas. O impulso midiático possivelmente
pode explicar, em parte, o crime ligado à intenção de obter lucro, até mesmo para
garantir o consumo (BANDEIRA DE MELO, 2014).

A violência campeia e, pior, não só entre os desvalidos, mas cada vez mais
entre jovens teoricamente sem muitos problemas econômicos ou que estão
longe da miséria. A classe média jovem está partindo para a agressão. Por
quê? (MARTINS FILHO, 2007, p. 12).

A resposta se encontra muitas vezes nos conflitos familiares, que podem


inviabilizar o sujeito dentro de uma patologia social, gerada por um arranjo político-
social perverso que não assegura a continuação do processo civilizatório e pode
causar comportamentos marginais (CECCARELLI, 2001)
24

Isto explica porque, às vezes, essas crianças têm tudo o que querem
materialmente, mas não têm amor, carinho, afeto. Infelizmente, muitas evidências
nos levam hoje a acreditar que, salvo exceções, tais crianças podem vir a se tornar
adultos como os que se tornarão, muito provavelmente, as crianças que advém de
lares caóticos e disfuncionais, pois essas crescem achando que são estorvos,
sentindo-se sem valor e não merecedoras de cuidado. É uma espécie de abandono
afetivo. Os pais suprem as necessidades materiais e delegam a função de criação a
outras pessoas que recebem por isso. Essa terceirização, que acontece já há algum
tempo, tem nos mostrado hoje - na realidade com a qual nos deparamos e que não
foi bem-sucedida - que os papéis e funções parentais não podem ser substituídos
por um estranho (MARTINS FILHO, 2007).
Os resultados desse abandono afetivo e terceirização, onde ninguém toma
para si a função de “criar”, são de cada vez mais crianças e adolescentes cheios de
si, sem educação social e respeito ao próximo, com altos graus de delinquência e
transtornos psicossociais.
25

2. FAMÍLIA E JUVENTUDE

O termo família tem muitas acepções e que muda constantemente por


diversos fatores. É correto afirmar que - na época atual - o modelo de família
tradicional conhecida e vivenciada no século passado concedeu espaço à variedade
de outras formas de família, diferentes do padrão nuclear tradicionalmente
estabelecido (OLIVEIRA, 2009).
O Código Civil de 1916 tutelava os direitos e deveres da família nessa época,
estabelecida exclusivamente pela união matrimonial de um homem e uma mulher.
Na versão inicial apresentava aspectos discriminatórios da compreensão de família,
fazendo distinção entre os membros pela hierarquia estabelecida, impedindo o seu
rompimento e marginalizando as pessoas unidas sem o casamento e os filhos
surgidos fora dessa conjugação, também havendo meramente a referência dessas
relações extramatrimoniais e filhos ilegítimos com objetivo de excluí-los de possíveis
direitos (DIAS, 2011).
Com as transformações sociais ocorridas na segunda metade do século XX, o
surgimento da Constituição Federal de 1988 e as inovações que privilegiam a
dignidade do ser humano, que concedem igualdade entre homem e mulher,
ensejaram a aprovação do Código Civil de 2002.
Sob essa nova ordem jurídica acontece um chamamento dos pais a uma
“paternidade consciente” e a conjectura de uma realidade familiar objetiva, na qual
os laços de afeto sobrevêm à verdade biológica, mesmo depois de avanços
genéticos ligados aos estudos do DNA. É incontestável que a convivência familiar e
em comunidade é um direito fundamental, assim como dar prioridade à família
socioafetiva, à igualdade no reconhecimento e trato dos filhos, o dever mútuo de
ambos os pais no exercício do poder familiar, e o reconhecimento da família
monoparental (GONÇALVES, 2014).
Neste sentido, José Filho (apud OLIVEIRA, 2009), ressalta a volubilidade
característica da família:

(...) tem que ser entendida enquanto uma unidade em movimento, sendo
constituída por um grupo de pessoas que, independente de seu tipo de
organização e de possuir ou não laços consanguíneos, busca atender: às
necessidades afetivo-emocionais de seus integrantes, através do
estabelecimento de vínculos afetivos, amor, afeto, aceitação, sentimento de
pertença, solidariedade, apego e outros; às necessidades de subsistência-
26

alimentação, proteção (habitação, vestuário, segurança, saúde, recreação,


apoio econômico);às necessidades de participação social, frequentar
centros recreativos, escolas, igrejas, associações, locais de trabalho,
movimento, clubes (de mães, de futebol e outros). (JOSÉ FILHO apud
OLIVEIRA, 2009, p. 150).

A família mudou e os novos modelos são resultados do quadro social e


econômico da contemporaneidade, transformando numa espécie de metamorfose
familiar os tipos conservadores e patriarcais em diversas formas de percepção da
sua composição, refazendo os arranjos familiares, de forma que ganham novos
níveis estruturais e várias maneiras de se ver e perceber a organização destes
modos, compondo novas funções para os seus membros, uns em relação aos
outros.
A sociologia divide o ciclo de vida familiar em um estudo metodológico a partir
das características comuns a cada fase. No início da década de 1950, esses
conceitos, passam a integrar os estudos da terapia familiar, com objetivo de explicar
o desenvolvimento da família e do indivíduo. Desta maneira, em 1980, Mônica
McGoldrick e Betty Carter escreveram sobre o progresso nos estágios do ciclo de
vida na família americana de classe média, dando enfoque tri-geracional,
descrevendo as etapas de desenvolvimento e as dificuldades encontradas na
transição de cada estágio (ALMEIDA, 2005).
Assim, a família é dividida em fases: a primeira é a fase na qual se encontra o
estado de aquisição, sem filhos ou com crianças pequenas; na segunda, os pais
estão num processo de amadurecimento e os filhos passando pela adolescência;
enquanto na terceira, os pais estão geralmente com meia idade, e os filhos saindo
de casa para construir suas próprias famílias; na quarta fase, também chamada de
estado tardio, a vida torna-se muito semelhante com o estado primário, onde a
convivência volta a ser somente do casal, muito embora que nesta os filhos
recorrem à sabedoria dos pais para que os auxiliem na formação e educação da
nova geração (ALMEIDA, 2005).
Independentemente de qual fase se encontre a família, sob ela recairá o
manto protetivo do Estado, como preleciona o artigo 226 da Constituição Federal de
1988, “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”
(BRASIL, 1988).
Atentos ao fato de que a família é composta por diversos membros vivendo
em fases distintas do seu desenvolvimento individual, há uma sobreposição de
27

etapas, que causam impactos durante essa transição. Entretanto, essas


particularidades não podem ser consideradas para qualquer tipo de discriminação
em relação aos membros que a compõem, em razão dos princípios constitucionais
que regem a unidade familiar, buscando com isso, sua coesão.
Assim, temos no artigo 1º, inciso III, da Constituição e no artigo 18 do ECA,
elencado o princípio da dignidade da pessoa, que de forma ampla se aplica ao
Direito de família, garantindo o desenvolvimento de todos os membros.
Conforme Tepedino (apud GONÇALVES, 2014),

A milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e


reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à
tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em
particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.
(TEPEDINO apud GONÇALVES, 2014, p. 18).

Inclusive, para a realização de seus anseios e interesses afetivos como parte


desse princípio, ainda temos por reger o direito de família, os princípios da igualdade
jurídica de todos os filhos, consagrado no Art. 226, §7º; o princípio da igualdade
jurídica dos cônjuges e dos companheiros no Art. 226 §5º; o princípio da
paternidade responsável e do planejamento familiar; o princípio da comunhão plena
de vida; e o princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar.
Segundo Dias (2015), os princípios da liberdade e da igualdade são - em
linhas gerais - de suma importância para o direito de família que, inclusive, acaba
com discussões ultrapassadas, como a questão de gênero na gestão do contexto
familiar, visto que pós Constituição de 1988, homem e mulher passam a ter
tratamento isonômico, compartilhando dos mesmos direitos e deveres em relação
um com o outro e na criação dos filhos.

Todos têm a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem
como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. A liberdade
floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da autoridade
parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos, bem
como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poder familiar
voltada ao melhor interesse do filho. Em face do primado da liberdade, é
assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável
hétero ou homossexual. Há a liberdade de dissolver o casamento e extinguir
a união estável, bem como o direito de recompor novas estruturas ele
convívio. (DIAS, 2015, p. 46).
28

Substancialmente, para este estudo se faz o princípio da comunhão plena,


também consagrada no artigo 1511 do Código Civil de 2002. Pois por este resta
claro que imprescindivelmente se faz o liame subjetivo da afetividade, que vem a
sobrepor qualquer outro critério de classificação ou formação da família. O afeto e o
companheirismo entre o jovem e seus familiares vêm a ser mais importantes que os
fatores da consanguinidade, por exemplo, o que se busca quando o Estado intervém
no corpo familiar, por meio do instituto da família substituta, previsto no artigo 19 do
ECA.
Especialmente, voltaremos o estudo para a fase dos filhos adolescentes e
seus impactos. Entendendo a juventude como uma etapa, cuja vulnerabilidade e
receptividade para o mundo exterior é maior que a fase anterior, porém sem a
maturidade suficiente da idade adulta, a sociologia tem uma perspectiva quanto aos
desvios característicos desta fase, pois tem entendido que os jovens estão atrelados
a dois modelos: o controle social e o da identidade cultural (LARANJEIRA, 2007).
Deste modo, vemos que os jovens buscam uma identificação, necessitando
durante esta busca estabelecer independência dos pais, para se sentirem reais,
compreendendo qual o papel preestabelecido. Sem, contudo, conformar-se com ele.
Os jovens estão cobertos de questionamentos, não sabem o que se tornarão, o que
esperar e onde buscar. Está tudo imerso e, consequentemente, isso acarreta um
sentimento de irrealidade, assim, são obrigados a tomar atitudes na medida em que
a sociedade as exige (WINICOOT, 2011).
Todavia, essa fase é considerada por muitos como um acontecimento
universal, que se dá em todos os locais e com todos os povos. O começo e a
continuidade dessa evolução variam de acordo com a cultura e a sociedade, ou seja,
vai depender do ambiente sociocultural e econômico no qual o jovem está inserido.
Assim, a adolescência não é uma passagem idêntica para todas as pessoas, mesmo
que estejam vivendo as mesmas experiências culturais. Ela costuma ser um lapso
temporal conflitante e cheio de turbulências, mas, ainda assim, há pessoas que
atravessam essa fase sem manifestar grandes problemas e dificuldade de
adaptação (PRATTA, 2007).
Mesmo que possa ser entendida como uma fase pela qual todo mundo passa,
a adolescência não acontece da mesma forma para todos e depende muito do
ambiente sociocultural e econômico no qual o indivíduo está inserido. São essas
condições que vão determinar as responsabilidades que esse jovem terá. A cultura,
29

a época, cada ambiente trata de forma característica diferenciada essa fase


evolutiva. Enquanto há indivíduos que atravessam sem grandes problemas, há
outros que sofrem grandes dificuldades de adaptação durante esta passagem da
infância para a vida adulta, evoluindo de um estado de intensa dependência para
uma condição de autonomia pessoal.
Faz-se necessário ressaltar que não é só o jovem que sofre com os
transtornos dessa passagem, as pessoas que convivem com ele - amigos,
professores e principalmente a família - também são afetadas diretamente.
Isso porque a família não é simplesmente a soma de seus membros, mas um
sistema formado pelo conjunto de relações interdependentes no qual a alteração de
um elemento induz a do restante transformando todo o grupo, que passa de um
estado para outro (PRATTA, 2007)

2.1 TIPOS DE FAMÍLIAS E VÍNCULOS PARENTAIS

Como já foi explanado, a família mudou bastante, e como consequência


passamos a vê-la como um organismo funcional, e não meramente como um
organograma, estrutura rígida e hierárquica.
Mais importante que ter em sua composição um pai e uma mãe é saber se
estes cumprem com o papel e a função que o jovem necessita, ainda sem laços de
consanguinidade. Nesse sentido, uma pesquisa de Chaves (et al, apud BAPTISTA,
2001):

Com relação a representação social da família entre jovens, um estudo


abordando relações interpessoais, os papéis dos membros da família, o
significado destes papéis para o adolescente e a concepção de família entre
jovens estudantes baianos, de 15 a 22 anos de idade. Os resultados de
adolescentes estudantes de escolas públicas demonstraram que 54%
raramente ou nunca conversavam com seus pais sobre suas dificuldades.
As mães são, para a maioria dos sujeitos, as responsáveis pela educação.
Para 89% dos jovens, a família é sinônimo de união, confiança e apoio; no
entanto, 37% das meninas gostariam que houvesse mais diálogo na relação
familiar. Quanto à adolescentes de escolas particulares, apenas 8%
consideraram suas próprias famílias como ideal, porém todos os sujeitos
acreditavam ser a família indispensável. Os autores ainda discutem os
indícios de uma educação baseada no autoritarismo, na qual prevalece o
controle dos pais sobre a liberdade dos filhos. (CHAVES et al, apud
BAPTISTA, 2001, p. 6).
30

A interação de figuras parentais e dos filhos ainda são um tabu para muitas
famílias. Falar sobre todos os assuntos, sentar e conversar, dedicar tempo e
atenção aos filhos está cada vez mais impossível, por conta da loucura do dia a dia.
A junção destes dois fatores desencadeia um abandono afetivo no jovem.
Diante da diversidade de composições familiares que temos hoje, é
imprescindível lembrar que no meio dessas relações - casais que não se respeitam,
violência doméstica, divórcios, alienação parental, adoção, etc. - existe um ser
humano em formação que tem necessidades físicas e emocionais, e que o não
suprimento de apenas uma dessas necessidades faz adoecer a outra metade.
Não estou, com isso, afirmando que a estrutura “pai-mãe-filho“ é a correta
para as famílias. A discussão vai além. Entender que, embora não se tenha esse
“padrão”, faz-se necessário que as funções de criar, educar e amar os filhos sejam
cumpridas, independentemente de qual será a formação do núcleo familiar e como é
a divisão e a hierarquia deste.
Do que adianta a família “tradicionalmente” estabelecida com valores bem
definidos e padrão de vida médio, que deixa seu adolescente/criança abandonada
aos cuidados de terceiros, com valores diferentes dos da casa, ou pior, sem ter a
possibilidade de percepção de valor? Porque esta é a realidade. Às vezes a criança
é exposta a tantas pessoas que não cumprem com as funções familiares, a tantos
contextos diferentes e quase não veem os pais, que não tem a possibilidade de se
adaptar aos valores morais, sociais e religiosos adotados por eles. Essa dificuldade
se perpetra na adolescência, gerando insegurança e rebeldia.
Nesse sentido, Osório (apud PRATTA, 2007) afirma que a família possui
funções primordiais no desenvolvimento desses indivíduos, dentre as estudadas por
ele, destacamos a função psicológica, que é agrupada em três categorias, dar afeto
ao recém-nascido, é aspecto fundamental para assegurar a sobrevivência emocional
do indivíduo, bem como, oferecer suporte e moderação para os anseios existenciais
dos seres humanos durante o seu desenvolvimento, apoiando-os na superação das
"crises vitais" que eles atravessam ao longo da existência.
Um bom exemplo é a fase da adolescência, na qual se proporcionar um
ambiente adequado, que permita experiências típicas do processo de aprendizagem,
que serão capazes de desenvolver a cognição do ser humano (OSÓRIO apud
PRATTA, 2007). Diante disso, mais importante que a estrutura, como já vimos, são
as funções desempenhadas pela família, o que vem fazendo com que a doutrina
31

amplie o conceito de família, para abarcar as situações não descritas na


Constituição Federal.
É importante essa nova divisão para desatrelar ao binarismo pai e mãe, que é
constituído na heterossexualidade compulsória, diferenciando o exercício das
funções a partir do posicionamento que os sujeitos ocupam nessa relação.
Paternidade e maternidade são termos fabricados conforme um arranjo social
histórico, o que leva a pensar ser impossível que a “função paterna” seja
desempenhada por um corpo que não seja o masculino. Essa articulação entre
paternidade e criminalidade não pode ser um argumento, pois mais significativo se
faz entender que essa função hoje pode ser desempenhada por outro membro da
família e, não obrigatoriamente, isso possa desencadear a delinquência do jovem.
A ausência de paternidade - entendida como um homem desempenhando
esse papel - não induz o jovem à criminalidade. Já a precariedade dos vínculos
familiares é um argumento forte e que vem sendo entendido pelos estudiosos como
fator de risco ensejador da delinquência juvenil. É, pois, um discurso que incentiva a
adoção. Entendendo a realidade do Brasil, onde convivemos com um alto número de
crianças em total abandono e às margens da criminalidade, ser incluído em uma
família, mesmo com essa flexibilização do conceito da palavra, é melhor do que
estar fora desse arranjo social (WAGNER, 2005).
Haja vista a imprescindibilidade da presença familiar na existência do
indivíduo e, tendo em conta os efeitos negativos da ausência desse vínculo na vida
do filho, é inegável que o abandono afetivo constitui ato atentatório à dignidade da
pessoa humana em processo de desenvolvimento e capaz de gerar danos
irreparáveis.
Por conseguinte, o ambiente familiar é capaz de amparar o jovem,
proporcionando-lhe de fato um desenvolvimento psicológico e social que lhe são
devidos por direito, podendo ter como alternativa a ruptura desse elo com sua
família biológica, o Estado intervir e oferecer um lar substituto, quando o seu
originário - por algum motivo - se dissolveu e não mais se faz capaz de cumprir com
seus deveres para com o jovem (ELIAS, 2005).
Assim, o abandono afetivo é atentatório não só ao princípio da dignidade
humana, mas, certamente, aos direitos fundamentais da Criança e do Adolescente,
pois impede o seu pleno desenvolvimento, seja social, intelectual e psicológico.
32

Segundo, Bronfenbrenner (apud CECCONELLO, 2003) são três as


características mais importantes, capazes de estabelecer a relação familiar. São
elas: o afeto, a reciprocidade e o equilíbrio de poder. Um influencia o outro a partir
de suas atitudes. A diferença será o quanto e quem terá mais influência. Desta
forma, as relações têm um caráter recíproco.
Compreender que um pode exercer mais domínio sobre o outro é o primeiro
passo para compreender a relação de poder, principalmente se estiver confortável
diante desse poder, o que demonstra estar numa situação de equilíbrio. Além de
reciprocidade e equilíbrio de poder, a característica que desempenha papel de
extrema importância para o desenvolvimento saudável é o afeto. Assim, conforme
sejam mais positivas e calorosas as relações entre pais e filhos, melhor será o
processo de adaptação dos jovens.
A família e os grupos mais próximos do jovem são, portanto, imprescindíveis
no desenvolvimento de sua personalidade, preenchendo as lacunas típicas da fase
de adolescência durante esse processo de adaptação social. Com este referencial, o
jovem ficará menos propenso a um comportamento antissocial, pois, a não
socialização e a falta de integração com os grupos mais próximos, assim como a
ausência de vínculos familiares, desencadeia um sentimento de marginalização -
acontecimento que pode dar origem a atos delinquentes, isso explica grande parte
da delinquência juvenil, a qual poderá prolongar-se durante a vida adulta (BORN et
at, apud XAVIER 2012).
33

3. RELAÇÃO FAMILIAR E OS RISCOS PARA A DELINQUÊNCIA

A relação familiar é de suma importância para o desenvolvimento dos


adolescentes, contudo alguns contextos podem trazer riscos e situações de
vulnerabilidade que acarretam na delinquência juvenil.
A responsabilidade dos pais está ligada aos comportamentos de proteção e
permissão, que proporcionam a autoafirmação dos filhos e sua construção de
individualidade. Nesse sentido, Baumrind (apud CECCONELLO, 2003) propõe a
divisão da função familiar em estilos parentais emergentes, que são os seguintes: o
autoritativo, o autoritário, o indulgente e o negligente.
O estilo autoritativo é consequência da reunião de dois fatores importantes: a
exigência e a responsabilidade. Os pais ou responsáveis autoritativos são aqueles
que estabelecem regras claras para o comportamento dos filhos e estão sempre
enfatizando a necessidade de seguir-se conforme essas regras. Eles estão
presentes no dia a dia dos filhos, monitorando, corrigindo atitudes negativas e
parabenizando as positivas, a comunicação, o diálogo e o respeito mútuo são a base
desse estilo. Estes pais ainda são afetuosos e responsáveis com as necessidades
dos filhos, fazendo com que desde cedo o adolescente conviva e faça parte da
tomada de decisões, proporcionando o desenvolvimento saudável de suas
habilidades (BAUMRIND apud CECCONELLO, 2003).
Já o estilo autoritário é resultado da fusão de excesso de controle sem quase
nenhuma responsabilidade. Pais autoritários são extremamente rígidos na criação
dos filhos, estabelecem regras demais e um alto grau de exigência da criança para
obedecer a essas regras, através da autoridade e ordens que trazem castigos como
consequência do descumprimento. Eles não são adeptos do diálogo e reagem com
rejeição as opiniões e questionamentos da criança (BAUMRIND apud
CECCONELLO, 2003).
O estilo indulgente é produto da união entre baixo controle e excesso de
responsabilidade. São pais que, contrários aos autoritários, não determinam os
limites a serem seguidos pela criança, não iniciam o processo de maturidade e
tomadas de decisões, ou seja, são superprotetores. Excessivamente tolerantes
afetivos e comunicativos, estão sempre prontos a satisfazer quaisquer necessidades
e desejos dos filhos, não sabem exercitar o poder do “não” (BAUMRIND apud
CECCONELLO, 2003).
34

O estilo negligente é consequência da combinação entre controle e


responsabilidade em níveis baixos. São adultos que não demonstram envolvimento
afetivo com a criança, não são exigentes, não controlam e nem observam o
comportamento dos filhos, suprem apenas com as necessidades básicas. São o
oposto dos indulgentes. Os pais negligentes estão sempre interessados na própria
individualidade (GLASGOW et al, apud CECCONELLO, 2003).
Isso nos faz refletir que muitas vezes o responsável pela criança não sabe
como criar, podendo ser o estilo por ele adotado reflexo de como foi tratado pelos
seus familiares, ou apenas o medo e a insegurança de sentir a responsabilidade da
criação de um ser independente de si mesmo. O questionamento é o que deve e o
que é correto fazer diante de situações corriqueiras, nas quais vão surgindo os
parâmetros e critérios adotados pelos pais. Considerando esta situação, verificamos
os elementos do estilo indulgente nas práticas paternas: exigir pouco é quase tão
prejudicial que exigir demais dos filhos, sem regras predeterminadas, as crianças e,
posteriormente, os adolescentes, não saberão os limites de sua atuação (SANTOS,
2006).
É a partir desse primeiro modelo de controle social que a criança tem contato
na infância que será definida a resposta de como o adolescente enfrentará os
desafios da não desviança. Isso porque, dentro dos limites impostos, a criança
aprenderá a conviver em sociedade, a respeitar o espaço e as diferenças do outro.
Faz-se necessária a compreensão de que essas regras devem ser válidas para
todos e que haja coerência nos parâmetros de agir do jovem, acordado com suas
necessidades e responsabilizado pelos seus atos. Nunca dizer não à criança faz
com o jovem sinta-se sem vinculação a lei.
A infância é a melhor fase para prevenir a delinquência juvenil, conforme
Martins Filho (2007), “não espere que os problemas apareçam na adolescência ou
que sejam resolvidos nesse período. Quando os problemas chegam na
adolescência, já se perdeu muito tempo de prevenção e orientação” (MARTINS
FILHO, 2007, p. 77).
Entretanto, em um sentido oposto, o excesso de punição, revela a adoção do
estilo autoritário, e também é um fator de risco para a delinquência juvenil.
Principalmente quando nos remetemos a castigos corporais, pois é uma pratica
fundada no abuso de poder dos responsáveis e contraria de forma substancial a
ideia de que a família é e deve ser um instituto baseado nas relações de afetividade
35

e equilíbrio de poder. Tal prática engloba punição física e privação de privilégios ou


ameaças, forçando a criança a ajustar seu comportamento às reações punitivas dos
responsáveis (CECCONELLO, 2003).
Existem, assim, formas através das quais estes podem adotar para utilizar o
poder “hierárquico”, de modo a modificar o comportamento dos filhos. Um exemplo é
por meio da indução, que incentiva uma ação voluntária por parte da criança; outro é
através de práticas coercitivas, que comprovem a posição privilegiada dos pais
frente aos filhos, ficando a critério dos mesmos escolher qual meio será usado para
supervisionar o comportamento destes (HOFFMAN apud CECCONELLO, 2003).
Levando em consideração que estas práticas podem trazer emoções
intensas, como medo e ansiedade, que interferem negativamente na habilidade que
a criança pode ter para ajustar o seu comportamento à situação, as estratégias
coercitivas geram o controle do comportamento por meio da ameaça de punições
externas e acentuam o entendimento acerca dos valores e dos padrões morais,
como características externas. Enquanto que, quando usada a técnica da indução,
há uma internalização moral desses valores (CECCONELLO, 2003). Ou seja, a
criança absorve melhor quando usado o meio da indução.
A família tem em si o poder de transmitir valores éticos e morais ao jovem,
dando um suporte para o desenvolvimento individual e social deste. Por isso este
ambiente deve ser o melhor e mais adequado para a criação de vínculos de
afetividade e carinho uns com os outros. Proporcionar a satisfação dos interesses
imediatos do jovem, sem uma responsabilização e um contrapeso de deveres - ou
não oferecer meios através de condutas omissas - só aumentam os riscos
psicossociais no enfrentamento da realidade.
Destarte, os estilos autoritário, indulgente e negligente coincidem com
resultados negativos do desenvolvimento dos filhos, e como características estão os
problemas de comportamento, o abuso de substâncias psicoativas, baixa
autoestima, fracasso escolar e transtornos antissociais (STEINBERG et al, apud
CECCONELLO, 2003).
Como ficou evidenciado, o uso de drogas é um fator de risco para a
delinquência juvenil e é também uma demonstração de que a família fracassou com
aquele indivíduo. Segundo Santos (2006), em pesquisas citadas por ele, o retrato
dos primeiros contatos com esse mundo da drogadição:
36

A literatura aponta que o primeiro contato com a droga geralmente ocorre


na adolescência, uma vez que esta fase é marcada por muitas e profundas
mudanças, tanto físicas quanto psíquicas, as quais tornam o adolescente
mais vulnerável (Antón, et al., 1999; Ramos, 2001; Pillon, 2004). (...) a
vulnerabilidade característica dessa etapa, pode ser agravada pelo próprio
sentimento de onipotência presente nessa fase, uma vez que o adolescente
sente-se indestrutível e imune a qualquer problema de saúde vivenciado
pelas outras pessoas (Castillo, 2005). (...) Entretanto, apesar de os
adolescentes serem encarados como um grupo de risco, no que diz respeito
ao uso de substâncias psicoativas, (...) os principais deles estão
relacionados às características individuais e sociais, incluindo nesta última,
a sociedade como um todo e a família. (SANTOS et al, 2006, p. 317)

Assim, as condutas dos pais podem estar ligadas ao consumo de drogas


pelos filhos. A ausência de uma relação afetiva e de apego dentro de casa pode
fazer com que os adolescentes se envolvam com drogas e/ou desenvolvam
condutas antissociais. Portanto, a família, mais uma vez, se mostra como fator
protetivo e preventivo de ações danosas ao desenvolvimento do adolescente,
entendendo esta numa acepção de funcionalidade.
Mais uma questão que, segundo alguns estudos, contribuem para a disfunção
da família e, consequentemente para a delinquência juvenil, é a violência dentro do
ambiente familiar. Rompendo com a visão do organismo protetivo, de forma que o
abuso e os maus tratos vindos de quem têm por obrigação e dever de cuidar, traz
consequências irreparáveis para o desenvolvimento psíquico da criança. Geralmente
isso se dá de maneira reflexa ao tratamento recebido pelos genitores durante a
infância. Pais que receberam educação severa e/ou foram vítimas de maus tratos na
infância apresentam maior risco para repetir esta experiência com seus próprios
filhos. (BELSKY et al, apud CECCONELLO, 2003).
Com isso, corrobora a existência do “ciclo de violência”. Quando a criança é
tratada com austeridade e severidade, tende a propagar esse tratamento para o
indivíduo mais frágil da relação. Isso ocorre na adolescência, e quando adultos, que
passam a ocupar o papel de pai/mãe, na relação com os seus filhos. Segundo
Bandura (apud CECCONELLO, 2003, p. 51), “este ciclo de violência é explicado
pela Teoria da Aprendizagem Social através dos processos de modelação ou de
reforço, que podem desencadear o efeito da transmissão intergeracional”.
De acordo com esta, a aprendizagem se dá por meio da observação e do
reforço, como incentivos permanentes de um determinado comportamento, neste
caso, um comportamento excessivamente rígido e violento não capacita e não
37

amadurece o jovem como ser humano, ao contrário, proporciona uma situação


psíquica de medo e incapacidade.
Vale salientar, porém, que esse ciclo de violência familiar pode ser quebrado
com a existência de fatores capazes de mediar essa situação, como por exemplo, o
apoio de membros que estão fora dessa relação, a coesão e a resiliência familiar, de
forma, que, se torne possível a superação desse evento.
São fatores contributivos para a extinção desse ciclo: a criação de um
relacionamento amoroso estável, que ofereça apoio e bem-estar emocional aos pais;
o envolvimento em grupos de autoajuda e redes de apoio, com auxílio dos
profissionais psicólogos e assistentes sociais; e a participação e o engajamento em
outros macrossistemas, a exemplo da igreja, escola e do trabalho.
É importante para o jovem perceber interesse dos pais acerca de suas
atividades, seus medos, sonhos, sua vida como um todo. Essa preocupação,
combinada com diálogo e respeito mútuo, favorece a imposição de limites, sem que
isso seja sinônimo de traumas e desentendimentos. Conversar com os pais sobre
sexo, drogas e estilos de vida, reflete a clareza de respostas que fazem parte de um
turbilhão de dúvidas que a adolescência gera na mente do indivíduo.
Schenker (2005) pontua algumas práticas que os pais deveriam exercer com
os filhos, segundo ela, como resultado de suas pesquisas, restaram claros que
alguns pontos devem ser destacados:

Para os adolescentes é fundamental que pais e educadores estejam atentos


a alguns parâmetros relacionais: (a) uma comunicação livre e fluente com
os pais ou com adultos que lhes servem de modelo fortalece
emocionalmente o jovem; (b) e evita o engajamento em comportamentos de
risco; (c) elogios dos pais às conquistas dos filhos e dos educadores a seus
estudantes são o alimento da autoestima; (d) a colocação de expectativas
claras por parte dos pais e professores, aliada a uma educação com
autoridade, que envolve afeto, controle e trato democrático, favorece o
desenvolvimento psicológico saudável e o sucesso escolar do adolescente;
(e) o monitoramento das atividades dos jovens, seja por pais ou
educadores, mostra que eles estão investindo na segurança dos jovens; (...)
por fim, o incentivo ao engajamento nas atividades da escola, da
comunidade e de movimentos sociais ou de solidariedade é um potente
fator protetor. (SCHENKER, 2005, p. 714)

Observa-se que diálogo e interesse pelo jovem são mecanismos de defesa e


prevenção da delinquência, e são fortalecedores da convivência familiar.
Até o momento, a literatura expõe que os jovens de famílias disfuncionais
têm mais probabilidade de se envolverem em comportamentos de risco, quando
38

comparados a jovens provenientes de famílias funcionais e operantes


(FERNANDES, 2012).
Um estudo realizado pela Fundação Osvaldo Cruz (Brasil), Universidade do
País Basco (Espanha) e Universidade de Los Andes (Colômbia) avaliou
adolescentes que usam drogas e os que não fazem uso dessas substâncias. De
acordo com os dados colhidos, a predisposição ao vício está intimamente referente
ao papel da família, isto é, a funcionalidade da família, o que dispõe o
comportamento do jovem frente às substâncias psicoativas. Ainda conforme o
estudo, os jovens que não usam drogas são provenientes de ambientes onde se
fazem presente os valores familiares, como afeto, diálogo e apoio mútuo (DIEGUEZ
apud SANTOS, 2006).
Fatores estressores da vida, capazes de desequilibrar as emoções - como
morte, doenças ou acidentes entre os componentes da família e amigos; mudanças
de escola ou de residência; separação, divórcio ou novos casamentos dos pais; e
problemas financeiros na família - podem provocar o uso abusivo de drogas quando
associados a outros elementos predisponentes.
Apesar disso, essas mesmas circunstâncias podem permitir o crescimento
interior desses jovens, constituindo-se em elementos de fortalecimento e de
amadurecimento. Tudo vai depender de como esse jovem, foi preparado
psicologicamente para as adversidades da vida.
Os jovens são público-alvo da mídia escrita e audiovisual. E esses meios
geralmente influenciam a tomada de decisão a respeito de vários assuntos nas vidas
deles. Pais e educadores são capazes de moderar o risco potencial da exposição e
contribuírem com o amadurecimento destes, inclusive sobre o uso de substâncias
ilícitas, bem como, a delinquência juvenil.
A vivência em um contexto de violência, drogas e evasão escolar, são
aspectos com os quais o jovem, autor de atos infracionais, está exposto. É
necessário se fazer lembrar que, em situação oposta, há eventualidades em que
mesmo em uma família coesa e funcional haja a transgressão por um de seus filhos.
Não existem regras claras quando tratamos de desenvolvimento pessoal, apenas
teorias que buscam compreender como se dão esses processos. Ademais, na
maioria desses casos, temos por trás uma família disfuncional.
39

3.1 DELINQUÊNCIA E TRANSTORNOS PSICOSSOCIAIS

Os comportamentos delinquenciais dos jovens vêm sendo objeto de estudo


de diversos ramos científicos. Na criminologia, o enfoque se dá sob os contornos
legais e os jovens que cometem condutas antissociais. Já para a psicologia forense,
essa abordagem é feita com base em uma perspectiva desenvolvimentista,
destacando o desvio de “normalidade” psíquica. A sociologia tem por objeto as
dinâmicas sociais e o surgimento, manutenção e alteração dos comportamentos
antissociais na sociedade.
Para Winnicott (2011), a problemática quanto aos transtornos psicossociais e
a adolescência está centrada no fato de que há indivíduos onde esta incidência se
dá em maior grau de complexidade, e não conseguem atingir o estágio de
desenvolvimento emocional, encarando a vida de maneira distorcida.
Se entendermos a delinquência como sintoma de uma patologia da
personalidade, e a partir disso fazer um estigma em relação aos perigos para a
sociedade, entraremos numa discussão sem fim, que não trará resultados práticos.
Mais significativo, porém, é diagnosticar esse transtorno e assumí-lo como estratégia
de socialização do jovem, com os contextos familiar, escolar e cultural. Pois,
“encontram-se em muitos delinquentes, marcas de desespero e de autodestruição”
(BENAVENTE, 2002, p. 638).
Quem se relaciona com o abandono afetivo do ser em desenvolvimento, a
vida ou a morte não têm mais sentido ou diferença quando não preparamos o nosso
psicológico para os problemas diários enfrentados na sociedade e, certamente, o
abandono é um desencadeador desses transtornos, que buscam fugas imediatas
para os seus conflitos internos.
Os jovens, que estão em um estado diferenciado de vulnerabilidade em razão
de dificuldades no processo de socialização, de acordo com Pedersen (apud NARDI,
2010), podem vir a sofrer problemas psicossociais associados a um relacionamento
distante com os pais.
A investigação da severidade e continuidade destas condutas poderá
conduzir a um diagnóstico concludente. Apenas desta forma se dará a distinção
entre os comportamentos de desajuste social e desajuste psicológico, e se sua
incidência é transitória ou permanente (BENAVENTE, 2002).
40

Frequentemente, esses desajustes são embasamento da delinquência, pois


como já fora explanado, todo delinquente é jurídico, mas em alguns casos a
motivação é advinda de transtornos psicossociais ou psicológicos. Segundo
Benavente,

Os comportamentos desviantes podem ter origem na tentativa de libertação


da tensão interna insuportável, marcada pelo sentimento de perda de algo
bom que se conjuga com o medo de ser rejeitado. Esta incessante procura
do que perdeu, pode estar associada à destruição. Em alguns casos, a
procura de separação e independência face às figuras parentais (vividas
como superprotetoras ou despóticas) desagua num círculo de
culpa/punição. Os comportamentos podem também enquadrar-se numa
problemática tentativa de repressão da dor mental através de condutas ao
lado do sentir. Ocorre a substituição do sentir pelo agir, ou uma associação
entre o agir e o sentir. Instala-se um ciclo de mal-estar e de desadaptação.
(BENAVENTE, 2002, p. 641).

A solidão, o individualismo e o egoísmo típicos dessa fase, muitas vezes


podem encobrir um transtorno psicossocial, e pode levar a resultados mais danosos
para o comportamento de um ser em transformação, como o jovem, merecendo
atenção redobrada e sensibilidade por parte da família para diagnosticar e reverter
esse quadro. O jovem, o adolescente, a criança, precisa de cuidados de diversas
naturezas, inclusive emocional, por meio do exercício das funções parentais
embasadas no afeto.

3.2. ALGUNS APONTAMENTOS JURÍDICOS

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, (de 13 de Julho de


1990) foi estruturado com base na Constituição Cidadã de 1988, e revogou a Lei
no 6.697, de 10 de outubro 1979, o antigo Código de Menores.
Frente as inovações do ECA, sem dúvidas, a mais importante foi o
reconhecimento da criança e do adolescente como titulares de direitos
fundamentais, vislumbrado no princípio da proteção integral, que concerne à vida, à
saúde, a liberdade, ao respeito, aos direitos a uma convivência familiar e social etc.
É o que diz respeito o artigo 3º:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
41

Objetivou-se com o novo diploma uma política preventiva e protetiva do jovem


ficando a cargo não só do Estado assegurar sua efetividade, dividindo com a
sociedade e com a família esse encargo. Como resta claro no artigo 4º da lei
mencionada.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

Sobretudo a família se mostra essencial no cuidado dos filhos, inclusive


quando o jovem, por ventura, venha a delinquir, este não perde a condição de
sujeito de direito, e necessita contar com o auxílio e a presença de seus familiares,
para a reintegração ao meio social.
O jovem, como já mencionado, não responde penalmente, ficando a cargo do
ECA definir as medidas de punição ao cometimento do ato infracional, pois este é o
termo correto para ser utilizado, e não crime, como usualmente é difundido.
Assim, o jovem, em termos mais genéricos, ou para melhor entendermos,
usando a nomenclatura dada pela lei, o adolescente é o indivíduo que possui idade
entre 12 e 18 anos, enquanto que criança é, para os efeitos da lei, a pessoa de até
12 anos completos, são passiveis de um tratamento diferenciado, pois adotamos o
critério biológico no direito brasileiro para excluí-los do rol dos imputáveis.
Nesse sentido, o artigo 112 e incisos do ECA exemplificam as sanções
cabíveis aos jovens delinquentes sem, contudo, negligenciar os direitos de proteção
e educação:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

Portanto, de acordo com a gravidade e reincidência em condutas delitivas,


será aplicada a medida que melhor se ajustar ao caso concreto e, também que de
acordo com o Estatuto, aos adolescentes são cabíveis as medidas de proteção e
42

socioeducativas, enquanto que as crianças somente estas. Também, Digiácomo


(2013) esclarece as diferenças entre a pena e as medidas socioeducativas:

Enquanto as penas possuem um caráter eminentemente retributivo/punitivo,


as medidas socioeducativas têm um caráter preponderantemente
pedagógico, com preocupação única de educar o adolescente acusado da
prática de ato infracional, evitando sua reincidência. Como o ato infracional
não é crime e a medida socioeducativa não é pena, incabível fazer qualquer
correlação entre a quantidade ou qualidade (se reclusão ou detenção) de
pena in abstrato prevista para o imputável que pratica o crime e a medida
socioeducativa destinada ao adolescente que pratica a mesma conduta, até
porque inexiste qualquer prévia correlação entre o ato infracional praticado
e a medida a ser aplicada, nada impedindo - e sendo mesmo preferível, na
forma da Lei e da Constituição Federal - que um ato infracional de natureza
grave receba medidas socioeducativas em meio aberto. A aplicação das
medidas socioeducativas não está sujeita aos parâmetros traçados pelo CP
e doutrina penalista para a "dosimetria da pena” (...). A aplicação das
medidas socioeducativas está sujeita a princípios e regras específicas.
(DIGIÁCOMO, 2013, p. 163).

Dentre as medidas, uma que merece comento é a prevista no inciso VI do


supramencionado artigo, que prevê a internação do jovem em estabelecimento
educacional, devendo esta ser aplicada somente em último caso como meio de
ressocialização e responsabilização do infrator (TAVARES, 2010).
Também é importante citar o artigo 35, inciso IX da Lei 12.594/12 (Lei do
Sinase), que institui como princípio de aplicação das medidas socioeducativas o
“fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo”
(BRASIL, 2012).
O vínculo afetivo com a família é essencial para manter o jovem amparado
emocionalmente para que não venha a delinquir e, caso isso aconteça, é ainda mais
importante que se faça presente - enquanto trilha - o caminho da ressocialização,
considerando esta como um núcleo funcional e ligado pela afetividade, e que está
envolvida no processo de educação e desenvolvimento do jovem, mesmo que este,
por ventura, tenha enveredado por um caminho desviante do esperado.
43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inspiração deste projeto surgiu de uma discussão sobre o papel da família


na vida do jovem delinquente, chegando à conclusão de que independentemente de
padrões ou modelos, a família tem a função de educar e dar suporte ao
desenvolvimento do jovem, como medida preventiva e principalmente como
ressocializadora. Infelizmente, se esta não estiver apta a passar esses valores
morais, éticos e jurídicos aos jovens, de nada adiantará essa convivência. Ao
contrário, uma família disfuncional é capaz de desencadear riscos psicossociais,
causando transtornos antissociais e jurídicos, resultando entre outros problemas, na
delinquência juvenil.
Para tanto, passamos por uma análise de como a pena e o Direito Penal se
desenvolveram até chegarmos ao ponto de dissociar os jovens do rol dos imputáveis
e deixar a cargo de uma legislação específica dar o tratamento adequado,
objetivando, enfim, não só punir o adolescente infrator, mas, sobretudo, ressocializá-
lo.
Ainda abordamos as inovações trazidas pela Constituição de 1988, as
influências no Código Civil e no reconhecimento do núcleo familiar, e também, os
temas relativos aos estilos parentais, desligando a ideia de modelo de família
tradicional/ideal.
Ademais, fizemos uma revisão de literatura acerca de teorias que buscaram
explicar essa situação particular, associando os transtornos antissociais
desenvolvidos durante a adolescência com a prevalência do abandono afetivo
desses jovens por suas famílias, entre outros riscos psicossociais, como a violência,
uso de drogas, abandono afetivo e a prevalência de estilos parentais autoritários e
negligentes com os filhos, bem como a terceirização da criação, fenômeno que só
tem aumentado com o tempo.
Ainda de acordo com essas teorias, as soluções ora apresentadas são
simples e que surtem efeitos imediatos, como o diálogo e a inserção em outros
grupos de referência, como a igreja, escola, trabalho. A participação em grupos de
apoio e rodas de conversa, a presença de profissionais psicólogos e assistentes
sociais, como também a criação de projetos voltados para o envolvimento dos
jovens com a sociedade, se possível com enfoque intergeracional, efetivando assim,
a passagem de valores morais, éticos e sociais.
44

O apoio e a criação dos laços afetivos dentro do núcleo familiar são capazes
de superar as adversidades, que são características das mudanças típicas da
adolescência, criando um referencial para que os filhos possam tomar por base,
diante de decisões difíceis e situações de risco.
45

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