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2011 - Andrea de Lima Ribeiro Sales

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UT\IVERSIDADE FEDE,RAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

IIISTITUTO DE EDUCAçÃO - Seropédica

INSTITUTO MULTIDISCIPLII\AR - Nova Iguaçu

PROGRAMA DE POS.GRADTIAÇÃO:
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO, COI\TEXTOS
cot\TEMpoRÂNEos E DEMANDAS POPULARES (PPGEduc)

DISSERTAÇÃO

O TEATRO JESUÍTA COMO INSTRUMENTO


pnDAGocrco NA ESCoLA pARA Íxulos Dos sECULos xvl E
XVII

AI\[}REA Dtr LIMA RIBEIR(} SALES

20ll
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - Seropédica
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR - Nova Iguaçu
PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO :
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO, CONTEXTOS
coNTEMpoRÂNEos E DEMANDAS POPULARES (PPGEduc)

o TEATRo JESUÍTA COMO INSTRUMENTO PEDAGOGICO NA


ESCOLA PARI ÍXnrOS DOS SECULOS XVI E XVII

ANDREA DE LIMA RIBEIRO SALES

Sob a orientação do Profèssor


Aloísio Jorge de Jesus Monteiro

cle Mestre
Dissertação submetida como requisito parcial parc obtenção do grau
em Educação, no curso de pós-Graduação e
Educação, contextos
Contemporâneos e Demandas Populares'

Seropédica, RJ.
Iìevereiro de 20ll
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Fundação BIBLIOTECA F{ACIOI{AL


MrNrsrÉRIo DA cULTURA

Escritório de llireitos Auíorais

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UFRRJ / Biblioteca do lnstituto MultiCisciplinar

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s1 63r Sales, Andrea de Lima Ribeiro, L919-
T O teatro jesuita como instrumento
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Dissertação (mestrado) ljnivers idade


FeCeral Rural do Rio de Janeì-ro,
Instit.uto de Educação / Ínstituto
Mult,idisciplinar. Curso de Pós-Graduação
em EcÌtrcação, Cont.extos Contemporâneos e
DemanCas Fopu'l alres.
Bibii cgrai l a: L=. 64-6E .

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Brasil História, Séc. XVII Teses. 3.
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Teatro na educação cristã Brasil


Histórj-a Teses. I. Monteiro, Al-oísj-o
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Multirjrscipiinar" IiI. tít.uic.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANBIRO.
INSTITUTO DE EDUCAÇÃOI INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR.
CURS9 DE pos-bnaoulçÃo EM
EDUCAÇÃg, CONTBXTOS
CONTEMPORÂNEOS E DEMANDAS POPULARES.

ANDREA DE LIMA RIBEIRO SALES

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em


Educação, no Curso de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e
Demandas Populares,área de concentração em Educação.

DISSERTAÇÃO APROVADA EM

Dr. Aloísio Jorge de Jesus Monteiro' UFRRJ.


Orientador

Dr. José Ribamar Bessa Freire. UERJ/UNIRIO.

Dro Roberta Maria Lobo. UFIìRJ.

Df Amparo Villa CuPolillo. UFRRJ.

Dr' Vera Kauss. TINIGRANRIO.


Dedicatória

Dedíco este tr"abalho a Deus e a todas e todos


que me auxilìaram e acreditaram que eu

venceria mais esta etaPa!


Agradecimentos

tem me permitido
Agradeço inicialmente a Deus que até aqui, entre tantas coisas,
neste planeta'
levantar todos os dias, estudar e cumprir com meus deveres
paciência e compreensão
Agradeço também a meu marido Marcelo pelo incentivo,
pelos vários momentos que fiquei longe de sua presença'
ttazido ao mundo para que,
Agradeço a minha mãe Maria pelo incentivo e por ter me
de alguma forma, eu possa fazer parte da história
e memória de muitos companheiros e
Amanda,
companheiras de luta. Minhas irmãs Aline e Natália e minhas três preciosidades:

Guilherme e o caçulinha Alexandre que fazem meus momentos de stress se tornarem em

risos.
pelas preciosas orientações,
Agradeço ao professor e amigo de sempre, Bessa Freire,
não somente na construção deste trabalho, mas dos
auxílios em minha vida acadêmica'
presente que Deus me deu'
Agradeço à minha amiga valéria Luz...ttm grande
e Patrícia pelo apoio que me
Agradeço as companheiras do Proíndio: Daiane, Monique

deram.

Agradeço aos Guarani que com sua sabedoria me ensinam


em vários momentos a

repensar sobre minha vida.


de help'
Agradeço à minha emiga pedagoga Bruna Viana pelos momentos
Rosangela, Leandro,
Agradeço aos meus companheiros e companheiras de tnestrado:
Jéssica. verinha, professoras Roberta'
Fabiana,R afael, Rosi, Fernanda, Fernando, Amanda e
meu coração e
Amparo, Marília e professor Aloísio, vocês sabem qual o lugar de vocês em
com vocês valeram por uma
memória. Lhes agradeço de verdade! os tempos de convivência
fraldas acadêmicas e entrei
vida inteira! Tenho cresciclo muito com vocês, acho que sai clas
direto na terceira idade.
estes Cois anos.
Agradeço à CAPES pelo fìnanciamento colrì bolsa durante
a todas e todos que conheci nestes tetnpos e que não posso
listar aqui por
Agradeço
que acreditaram em mim quanto aos
conta de minha memória falha. Agradeço tanto aqueles
degrau do show de minha vida' A
que ainda duvidam e apostarn que não subirei rnais nenhum
por cima'
final de contas, todos precisamos de barreiras para saltar
PREFÁClo

.O DO PRESENTE,NEM SE RËCI]SA DE RÊM4R CONTNA A


CN)/VOT H]STO ADOR NÃO SE SUJE]TA AS IMPOS]ÇÕES

,rznÉ. " Rorar.oo Venres (PnerÁclo nE VIsÃo Do PARAiso,20l0)

"Ou,qNoo ,4cHTEr ,4pRENDER A LER E EscREvER, EN1ARE| A ALFABmzaÇÃo co 'ro OITEM coÌ'ípRÀ uM pEIxE ouE

rEM EsprlitA. Tnn x rsptNtus r r,scotn o ouE EU ewNA. " AÍ-row Knn.tlr (r.17 oo rrvno Ts MANDEI
uv r,r.sunruuo, 20C7, No rnruo)

"Prnt vu'q tvltqr4ao t 4v7Y

HA t',tBAE MCÊ HÁ coÊ JEYMÁ

HA A'TABE N)E RO NHENO HAGUA

HÁE J,4 wRÊ-

E 'tsstu, lltrcs 't ts:uuDÃo ERÁ Mulro PESADÁ

E rongur auos
ÀMÁNHECâU DE NOYO.

E gu,tt'too onuos etM DoRMIR

- É pÁM o MUNDI moo." Ctaern DA ALDETA DE ARApoNcA Acosm*ro ne Srve (co CeNros ol
ALneh oe ARA?oNcA. NHiNDE-ivA KUERv t*lsou)

"Nós vevos, uts o qut sttutx, nul"


Awnne,l Stss
(ounlr.ne uve num rll pós sM ANcRA nos Ren,l2ll 1/2010)
Resumo

SALIIS, Andrea de Lima Ribeiro. O teatro jesuíta como instrumento pedagógico na


escola para índios dos séculos XVI e XVII. 2011,95p. Dissertação (Mestrado em Educação,
Contextos Contemporâneos e Demandas Populares). Instituto de Educação/ Instituto
Multidisciplinar. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ,2011-

Trata-se da memória e da identidade do instrumento pedagogico "teatro", utilizado pelos


jesuítas nos séculos XVI e XVII, inserido no contexto da catequese e da educação escolar
pata índios. Observaremos ainda as irnplicações deste instrumento na cultura, na oralidade e,
entre tantos outros, no fortalecimento on possível apagamento da difusão da memória dos
povos indígenas que de alguma fonna participaram desse processo. Pretendemos conduzir
norru, indãgaçõei sobre o período colonial, com o objetivo de identificar e avaliar
criticamente, o uso de alguns elementos históricos. Os resultados foram significativos para
empreitada j esuítica e colon izadora estabelec ida em terras brasileiras.

Palavras-chave : Teatro Jesu íta ;Instrumento pedago g ico ;Indígenas'


-

Abstract

SALES, Andrea de Lima Ribeiro. The Jesuit theater as an educational tool in schools for
Indians of the 16th and 17th.201l, 95p. Thesis (MA in Education, Contexts and
Contemporary Popular Demand). Institute of Education / Multidisciplinary Institute. Federal
Rural University of Rio de Janeiro, Seropédica, 2011.

It's about the memory and the identity of the pedagogical instrument "theater", used by the
Jesuits during the 16th and 17th centuries, placed i the context of catechesis and school
education for the natives. We'll observe much more of the implications to this instrument in
culture, oral, and many other divisions, the strengthening and possible dissemination of
memory erasure of native people rvho somehow participated in this process. We were
expecting to conduct our inquiries about the colonial period, in order to identiff and critically
evàluate-the use of historical elements. The results were significant for the Jesuit and
colonizing venture established in Btazllian land.

Keywords: Jesuit Theater; pedagogical instrument; Natives.


Lista de Gravuras

p.lg-Íigura l- primeiro Mapa do Rio de Janeiro. Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque de.

Visão do paraíso; Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Colonízação do Brasii. São

Paulo: Companhia das Letras, 2010. P. 276.


p.l3-Íigu rt Z -Chegada dos Jesuítas. Fonte: GAMBINI, Roberto. O Espelho Índio: Os

Jesuítas e a Destruição da Alma Indígena. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. P.87.
p.l5-Íigura 3- Ciclos Missionários. Fonte: HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil
colônia: 1 550-1800-3". Ed.- São Paulo; Brasiliense, 1994.P.1 1
p.2g-Íigu ra 4- Mapa da Expansão Jesuíta. Fonte: LEITE, Serafim. História da Companhia de

Jesus no Brasil. S. I. Lisboa: Portugália; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938.


10

V.:II., 25 cm. (Tomo Iv).


p.3l-Íïgura S- Tocador de Gaita de Fole. Fonte: MOURA, Carlos Francisco. Teatro a Bordo
de Naus portuguesas nos Séculos XV, XVI, XVII e XVIII Rio de Janeiro: Instituto Luso-

brasileiro de Historia- Liceu Literário Português, 2000. P.24


p.33-figura 6- Representação da Primeira Missa. Fonte: www.infoescola.com.br
p.38-figura7 - Arte da Gramática de Anchieta: Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque de.
Visão do paraíso: Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil' São

Paulo: Companhia das Letras,20l0' P'288


p.4l-figura 8 - Índios e Jesuítas. Fonte: suess Paulo; Melià, Bartolomeu; Beozzo, José
Povos
Oscar;pre zia,Benedito; Chamorro, Graciela;Langer, Protásio. Conversão Dos Cativos.

Indígenas E Missão Jesuíta. São Bernardo Do Campo: Nhanduti Editora, 2009, 144. Tradução
Parcial Leszek Lech Antoni.P'32
P.Sl-figura 9- São Lourenço.
Fonte:rvww.saolourencodaserra.sp.gov.brlclipartlimagelpadroeiro-sao-lourenco
jpg

P.S2-figura 10- Martírio de São Lourenço (autor desconhecido)'


Fonte : http: I diretodasacristi
I a. blo gs pot. com/2 0 I 0-0 8-0 8-arch ive. html

P.53- figura 11- Ritual antropofágico dos Tupinambâ'

Fonte: STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil; prímeiros registros sobre o Brasil. Porto
Alegre, RS: L&PM,2010. P.171.
p.SS- Figura lZ- Localïzada no altar da igreja, trata-se da marca de pata de animal (existem
que edificou
apenas alguns desenhos deste). Que permite identificar um dos grupos indígenas

a atual Igreja de SÍo Lonrenço dos Índios. Fonte: arquivo


pessoal da autora. Em 1010812009.
-

P.55-figura 13- Localizada no altar da igrej4 trata-se de grafismos com três linhas
em formato de semi triângulo (existem viírios deste pelo altar). Identifica um dos grupos
indígenas que edificou a atual Igreja de São Lourenço dos Índios. Fonte: Arquivo pessoal da
autora. Em 1010812009.

P.56-Íigura 14- Localizada no altar da igreja, trata-se de grafismos com três


linhas sinuosas em formato de cruz ou X ( há poucos deste desenho). Identifica um dos grupos
rnorgenas que edificou a atual Igreja de São Lowenço dos indios. Fonte: Arquivo pessoal da

autora. Em 10/0812009.
P,56-Íigura 15- Fachada da lgreja de São Lourenço dos Indios em Niterói.
FoNTE: /rr'rtw.NELnJR.cor'.r.sR/ponrAoNDsIR-IcREl-sLINDIos.HrM

:
SUMÁRIO

TNTRODUÇÃO. """"""""'l
1 Os Pedagogos da oralidade e a presença colonial.. """"""'6

l.1Breve histórico da Companhia de Jesus no Brasil """"'11


l.ZTentativas de conversão....'."""' """""'14
1.3 Breve histórico da escola para indígenas' """""21

2 O teatro e os indígenas nos séculos XW e XVII"' """""""31

2.1 OTeatro de Anchieta e a memória vicentin a""" """"""'35


2.2 Oinstrumento pedagógico "teatro""' """"39
2.3 As linguagen, i.utrulisJesuítas dos séculos XVI e
XVII.. """"42

3 Breve Memória e História do Auto de sãoLourenço."..'... """"""""45


3.1 Os lugares de memóriadaencenação"""' """""48
3.2 Apedãgogia do Auto de São Lourenço ""51
3.3 O uso dos corpos "subordinados livres""" """""""73

4 Considerações Íinais.... """"76

5 Referências bibliográficas.. ""'79


INTRODUÇAO

Dissertar sobre essa temática significa ir mais além de um levantamento bibliográfico,


cr üzar e dialogar com as fontes e as épocas vividas. Representa a oportunidade de retomar e

rememorar um dos fatos históricos relevantes para os povos indígenas que viveram em terras
brasileiras nos séculos XVI e XVII'
E um tema relevante não sonrente para a História da Educação Escolar nacional mas

também pretende ser provocativo às reflexões sobre as práticas escolares indígenas ou não
indígenas atuais. Sua importância se dá na memória e na identidade de um instrumento

pedagogico utilizado nos primórdios da educação escolarizada.


parumelhor compreensão da escolha do tema, é preciso voltarmos a um passado bem

presente em minha vida. Exatamente o tempo em que me ensinaram o que é ser pesquisadora.

Foi na UERJ, entre os anos de 2005 a 2008, quando tive a oportunidade de ser bolsista de

Extensão e depois de Iniciação Científìca pelo Proíndio. Ali, tive excelentes professores, os

quais já citados nos agradecimentos e acima de tudo condutores de meu fazer político e

pedagógico. E, no Mestrado da UFRRJ, compreendi que é preciso ser pesquisadora e paciente

na arte de garimpar e encontrar aquilo que parece ser quase impossível.

Foi realizando pesquisas para a monografra de graduação em Pedagogia, intitulada


.,Da escolapara índios à escola indígena: o caso do Rio de Janeiro" que me deparei com a

temáúíca do teatro. Na descoberta de várias fontes primárias sobre a escola para indígenas e

todo processo de inserção dessa instituição em suas vidas, percebi o quanto o uso do recurso
pedagogico teatro causou resultados não imediatos, mas a cufto prazo, se comparado a outros.

O uso dele se deu antes mesmo da existência da Escola Elementar ou de Primeiras


Letras para as crianças inclígenas. Antes mesmo de se pensar em um teatro nos moldes que
conhecemos hoje, uma folna de entretenimento ou expressões corporais que podem falar sem

esboçar uma palavra sequer.

Importante salicntar que o teatro, tal conro conhecemos hoje, não foi instituído no
Brasil pelos jesuítas. Como veremos mais à frente, encenações já ocorriam no país com outros
objetivos.
Na escol a para índios, esta, sim, implementada por jesuítas, e fora dela, o teatro foi

utilizado como uma ferramenta de grancle utilidade para as tinalidades coloniais. Esta fase SE
que foi
apresenta de t-orma significativa ao calnpo da História da Educação Escolar Brasileira

direcionada para povos que, anteriormente a cualquer modelo educacional instituído, jâ


possuíam seus modos próprios de educação, os quais a História nos revela que, por muito

tempo, thes foram negados e ate meslno apagados de suas culturas.


Esse modelo educacional ao qual estavam submetidos não lhes pertencia, não
respeitava suas culturas, suas línguas, seus saberes e muito menos os processos próprios de
aprendizagem.

Durante o desenvolvimento das pesquisas, foi percebida uma carência de informações


e fontes mais direcionadas para o que chamamos de teatro dos jesuítas. Encontramos
pouquíssimos, mas relevantes trabalhos nesta área. O que não nos impediu de, até o último e

preciso momento, garimpar algutrs preciosos daCos objetivando também a diminuição dessa

carência encontrada.
O que nos propusemos a fazer nas páginas a seguir, foi uma pesquisa baseada em
levantamentos de dados a partir, sobretudo, de fontes primárias e secundárias,
complementadas com visitas a locais ainda existentes relacionados diretamente ao tema,

também explicitado para uso de fonte primária.


As linhas seguintes são resultado de pesquisas em fontes primárias e secundárias,
realizadas no Arquivo Nacional e Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro, ambos no Rio

de Janeiro. Foram realizadas também visitas à Igreja de São Lourenço dos Índios em Niteroi.

Igreja localizada onde no século XVI havia uma aldeia de Temiminó e foi enccnada a

primeira vez o Auto de São Lourenço.


Pesquisamos nas fontes prin:árias os documentos relacionados ao 'oteatro dos jesuítas"

ou "teatro e jesuítas", arquivos, coleções e caftas de José de Anchieta e Nóbrega. E


importante frisar que as cartas e coleções foram nossa primeira obra de referência.

Quanto às fontes secundárias, destacamos os estudos realizados nos escritos de alguns


autores, dentre eles: Serafim Le ite, padre, historiador e jesuíta que trabalhou nos arqttivos de
Portugal e da Conrpanhia de Jesus em lì.oma e consultou oufros milhares de docuntentos para
fazer sua obra monurnental em 10 'fômcs sobre "A História clos jesuítas no Brasil". Esta foi a

segunda obra de referência etn nossa pesquisa.

Os destaques para os livros citaclos abaixo, deve-se à relevância das informações para

o andamento da dissertação. As obras a seguir foram encontradas no decorrer das pesquisas e

outras provenientes das disciplinas do Mestrado. Todas foram consultadas e fichadas.

Dividimos as bibliografias em três categorias: a) Teóricas, b) Teatro e c) Indígenas.


_ a)BibliograÍias Teóricas:
MaÌcus Motta em "Anchieta, dívida de papel";
-
-. Egídio Shimitz que possui um trabalho sobre a "filosofia educacional da Companhia
de Jesus";

- A C Cichorro da Gama. "História da lgreja no Brasil", organizado por Hoomaert,


- Azzi, Grijp e Brod;
'A Igreja no Brasil Colônia" de Eduardo HoornaeÍ;
'O Descobrimento do Brasil" de Max Justo Guedes;
Walter Benjamin "O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov e "
- Sobre o conceito de História";

'História do corpo. vol l- da Renascença às Luzes" de Corbin, Courtine e Vigarello;

- Pierre Nora "Entre memória e história: a problemática dos lugares".


-, b) Teatro:

Carlos Moura com o trabalho " Teatro a bordo de nâus porhrguesas nos séculos XV,
- XVI, XVII e XVI[";
- De Vicente SalÍes "Épocas do teatro no Grão Pará ou apresentação de teatro de
- época";
'O Teatro de Anchieta", de José de Anchieta com tradução e notas do Padre Armando
-
Cardoso;

"Cartas, correspondência ativa e passiva" também de José de Anchieta com notas do


Padre Helio Viotti;
A obra "O Auto de São Lourenço" cuja autoria é atribuída a José de Anchieta.

- c)Indígenas:
- De João Adolfo Hansen "A civilização pela palavra";

Do padre Leonel Franca " O método pedagógico clos jesuítas";

"O combate dos soldados de Cristo na tena dos papageios" de Luis Felipe Baêta
Neves;
-
De Roberto Gambini " O espellro índio: os jesuítas e a destruição da alma indígena";

'A língua mais geral do Brasil nos séculos XVI e XVII de Maria Carlota Rosa;

'Rio Babel: o história das língrns gerais na Amazõnia'' de José R. Bessa Freire;

"A heresia dos índios" de Ronaldo Vainfas;

"Decir el cuerpo" de Graciela Chanorro.


_ J
Participamos de eventos que nruito contribuíram para os estudos da dissertação, dos
quais destacamos: II Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade: saberes locais, educação
e autonomia (UCDB/I\4S-2009). A sua importância se deu no contato com vários acadêmicos
e lideranças indígenas de Mato Grosso do Sul. Além destes, a presença de Gersem Bani\rya e

de outros pesquisadores indígenas enriqueceu as informações do quadro sobre as

consequências de uma escola não indígena.

Seminário Discente: Ciência e ldeologia: para quem serye a produtividade nas


pesquisas em educação? (UFF- 2010). Durante a apresentaçáo de meu trabalho, me senti,

inicialmente, em uma segunda banca de Qualifrcação, depois fui relaxando e frcando feliz
com os acontecimentos. Isto porque os professores Francisco Lobo e Osmar Fávero foram os
avaliadores e coordenadores do grupo em que fiz minha apresentação, ambos trouxeram cópia
do artigo e com vários destaques. Ficaram entusiasmados com o tema apresentado e

indicaram uma bibliografia que me foi de grande valia: "O Combate dos soldados de Cristo na

terra dos papagaios", de Luiz Felipe Baeta Neves. O professor Francisco Lobo solicitou
informações cle quando acontecerá a defesa, de uma cópia definitiva da dissertação e pediu
attoúzação parc utilizar o trabalho que apresentei em um artigo que estava fazendo.
A XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas: Fronteiras e ldentidades:

Povos indígenas e Missões Religiosas, realizada no mês de agosto, na cidade de Dourados,


Mato Grosso do Sul (UFGD-2O10) e organizado por Graciela Chamorro (trabalhamos o livro
"Decir el cuerpo" na dissertação). Neste evento participaram diversos e importantes

pesquisadores da temática jesuítica nas Américas. Entre eles destacamos as presenças de Ruth

Montserrat, Bartolomeu Meliá e Aryon Rodrigues, especialistas em língua Guarani. Além


deles,o alemão Harald Thun apresentou indicações de manuscritos dos jesuítas que pesquisou
e outras informações sobre seus estudos, dentre eles: os Chiquitanos, habitantes da baixa
Bolívia, sentem 'oamor pelo chicote dos jesuítas" a ponto de terem nomeado o chicote de
Professor Pedro Moreno, que "saca lo nralo y pone lo bueno". TratarenÌos esta questão no

capÍtulo 1.

E, para ftnalíza,r houve a encenação da peça "A Máscara de Taré" do grupo teatral A
Turma do Dionísio. Esta peça conta como foi o contato dos portugueses, espanhóis e jesuítas
com os povos indígenas. Quando terminou, pudemos fazer perguntas ao elenco e fiz um
intervenção parabenizando o ator que fez o padre, pois em alguns tnomentos ele lembrava
fielmente a figura de Anchieta em algumas cartas, O rapaz respondeu que estudou algumas
cartas para fazet aquelas cenas e que esperava ter reconstituído com qualidade o que
apresentou e se eu aprovavao que ele fez, tendo em vista os meus esfudos sobre o teatro. Foi

uma oportunidade sem igual ter participado desse evento.


Além dos trabalhos nos arquivos, participações em eventos nacionais e internacionais
e visitas a lugares de memória, investigamos e identificamos algumas Teses, Dissertações e

artigos que aprese:ìtaram dados substanciais relacionados ao tema em questão.

Quanto ao refelencial teórico, vamos trabalhar com algumas categorias e conceitos do


campo da pedagogia, da antropologia e da história, como 'teatro','pedagogia da oralidade',
'história a contrapelo'.
Os capítulos que compõern cste trabalho estão distribuídos da seguintc forma:
No capítulo l, abordaremos em três tópicos, dando destaque para os séculos XVI e

XVU. Rememotar a existência dos pedagogos da oralidade, como foi o processo de inserção
dos colonizadores portugueses e dos jesuítas no Brasil. E, finalmente, realizarmos um breve
histórico do que foi a escola para índios e do que denominamos de tentativas de conversão.
No capítulo 2, também divido em trôs momentos, trabalharemos com o conceito do
teatro jesuíta nos séculos XVI e XVII, retratando a importância da memória vicentina como

eixo para a existência desse teatro e o carâter pedagógico desse instrumento com suas

linguagens. E permeando com as possíveis consequências sof idas pelos povos indígenas.
No capítulo 3, ainda em três momentos, nos proponÌos a resgatar a memória e a
história do Auto de São Lourenço, os lugares de tnemória das encenações, suas adaptações, os
artistas, a pedagogia desse Auto e' por fim, o uso dos corpos "subordinados livres".

O capítulo 4 está clirecionado para as considerações finais e, na sequência, as

referências bibliográficas.
Esperamos contribuir com todos quanto tiverem acesso à leitura desse trabalho no que

diz respeito às ref'lexões sobre o LÌso de um instrumento de arte, nos séculos XVI e XVII,
como um aparente objeto de doutrinanrento e subordinação.
capírulo 1: os PEDAGOGOS DA ORALIDADE E A PRESENÇA COLONIAL

Cultivavam, em grandes roças comunitárias, mandioca, milho'


abóbora, feijão, amendoim, tabaco, pimenta e muitas árvores
fiutíferas. Plantavam e teciam algodão com o qual faziarn suas
redes de dormir. Fabricavam cestas de cipó, panelas e vasos de
barro, machados de pedra, facas de casco de tartaruga, agulhas
de espinhas de peixe e muitos instrumentos musicais de sopro e
percussão (FREIRE e MALHEIROS, 2009:26).

É possível visualizar todas as ações descritas acima. Elas não dizem respeito às

atividades realizadas por diplomados em agroecologia, engenheiros civis ou de alimentos e

muito menos, produtos originários das fábricas de ferramentas e utensílios domésticos do


atual século XXI.
Antes mesmo do século XVI, os realizadores desses feitos foram os povos Tupi, que
viviam em terras brasileiras antes de qualquer colonizadot estrangeiro deixar as marcas de

seus pés nesse solo.

Detentores de sabedoria considerada refinada, foram perfeitos em tudo que fizeram'


Especialistas no cnltivo de diversos tipos de verdnras, frutas e grãos. Não podemos esquecer
da arte de plantar e tecer algodão. E, dos segredos da saúde abundante que possuíam:

Que a suposta longevidade dos índios fosse efeito dos bons


céus, bons ares, boas águas de que desfrutavam eles, é o qlle a
todos resulta patente...sem aquelas qualidades, como explicar,
segundo as ideias do tempo, o fato de não grassarem aqui, antes
da conquista, várias enfermidades já notórias ao europeu...
(I{OLAND A,2010:370).

para o exercício das atividades, se fazia necessário produzir os próprios instrumentos.

euanto às matérias primas: barro, pedras e peixes, eram encontrados em abundância


nas

redondezas das grandes malocas. E,stas também planejadas e construídas pelos indígenas.

E em meio a tanto trabalho, cujo resultado destinava-se à produção coletiva e não ao

individualismo, momentos de festas e descanso precisariam acontecer. Como lemos na citação


que dá início às nossas reflexões, as mentes planejantes e mãos possuidoras de habilidades,

eram aS mesmas que elaboravam oS instrumentos musicais.


Ao som dos cânticos, das batidas instrumentais, das reuniões, das danças e narrações,
os indígenas realizavam e rcalizam o que nenhum computador da afualidade conseguitt
fazer...eles transmitiam e transmitem os saberes entre si com o uso de um recurso primordial

que não precisa de energia eletrica ou escrita para existir'..a palavra'

Classificamos, nesta dissertação, os povos indígenas em toda história anterior e aÍual,


como os pedagogos da oralidade. A palavra e utilizada entre eles como um recurso de

aprendizageffi, dos valores culturais, da propriedade linguística e, principalmente, produtora


de saberes interculturais. Observemos o que nos ensinam as enciclopédias humanas Guarani:

Os sábios e as sábias Guarani dizem que o ser humano é, em


sua origem, uma palavra soúada. A mulher para engravidar
sonha a palavra.(LADEIRA, 1992:320).

O trecho apresentado não se trata de versos de efeito. Mas de provocações a nós


mesmos no que diz respeito à própria existência. Se nos dermos um pouco de tempo para
inferirmos sobre essa afirmativa, poderemos enxergar os seguintes momentos:
- Em sua grande maioria, as mulheres "sonham" em ser mães,

- Quando os pais anunciam a gravidez dizem.-A família vai crescer!


- Daí por diante os "nomes" começam a ser selecionados e) algumas vezes, quando do

momento do nascimento, surge outro nome.


Neste momento o leitor pode até nos designar como fugitivos da questão apresentada
páginas atrás. Mas é justamente a parÍir das ilustrações apresentadas que tentamos

compartilhar e fazer mais claraa essência do conceito "pedagogos da oralidade".

Elizabeth Pissolato (2007: 328), afirma que entre os Guarani Mbya, a transmissão de
sabedoria ultrapassa os limites da fala, e preciso contar. Assim, apresenta o exemplo de como
e quem é responsável por ensinar essa arte:

...a forma típica da tradução da transmissão de poderes e saberes


por Nhanderu e tantbem a do contar (-mombe'u)...e necessário
"ouvir bem" (- endu porã), "escutar atentamente" (-japy<ala) o
que Nhanderu conta, seja no sonho, na reza, numa impressão
que venha à consciência. Deve-se "perguntar" (- porandu),
"pedir" (-jejure) a Nhanderu orientação para a própria vida.

V/alter Benjamin (1994) nos faz compreender o quanto a ação de narrar algo é de
suma importân cia para a humanidade. Mas que, para isso, é preciso falar com o corpo, deixar
fluir as aproximações e permitir que a experiência passe de pessoa a pessoa constituindo-se,

assim, na fonte recorrida pelos narradores'


por isso que o narrador também é conselheiro. O que faz com que a narrativa contenha

marcas de sabedoria daquele que possui o dom dessa arte. Dessa forma, também é preciso
desenvolver o dom de ouvir, para que as marcas do ouvinte de hoje estejam impressas no
momento em que essa história for contada novamente'
E isso ocorre entre os povos inclígenas. A medida que uma história e narrada, está

sendo tecida e garrhalìdo novos fios nas mentes dos ouvintes. Por isso há diferentes formas de

narrar e recontá-las.
Um exemplo encontrado em uma crônica de Freire (2010) é a existência do pütchipü
'u na cultura dos índios Wayuu, conhecidos como Guajiro que constihtem, atualmente, cerca

de 500 mil habitantes e estão na Venezuela e Colômbia. Faz 500 anos que o pütchipü'u atua
na aldeia. Ele é "o "mestre da palavra', o "dono do verbo", enfim unx índio sábío,

especialísta no manejo da linguagem. Essa habilidade é transmitida pelo

grande legislador, que segundo as narrativas míticas é um


pássaro, que dita as primeiras norïnas de vida em sociedade". os
Wayuu consideram os conflitos sociais não como formas
indesejadas de patologia social, mas como eventos cíclicos
inerentes à vida comunitária, que abrem a possibilidade de
recompor as relações sociais, solucionando as desavenças
através do diálogo. (FREIRE, 20 10: I )

Enquanto as sociedades não indígenas criam leis e sistemas punitivos para quem não
as obedece, esse personagem indígena tem a função de apaziguar os conflitos, "restabelecer a

paz e o equilíbrio das relações sociais." Os direitos dos povos indígenas da Colômbia foram

reconhecidos em lggl desde então, as atividades jurídicas do pütchipü'u estão sendo


estudadas e reconhecidas por governantes e juízes.

A seguir veremos um exemplo de como surgiu o criador de todas as coisas na


concepção dos Guarani. Sendo-nos possível dizer que há outras versões dependendo do grupo
indígena que irá ltarrar essa ternática. O texto pertence ao Professor Guarani Sérgio da Silva
que lecionou na Escola Polo Tava Mirim, localizada na aldeia de Itaxi em Parati Mirim, Rio

de Janeiro.
No início era tudo escuro, nãotiúa nem animais, muito menos
humanos. De repente, surge um tipo de faísca, vindo de muito
longe...então se transforma em um ser muito poderoso, que
chamamos de criador de todas as coisas' (SILVA, 2009:7-9 ).
Ainda em Benjamin (199a), quando estas histórias deixam de ser contadas, acabam se

perdendo. O mesmo acontece quando as relações pessoais são abreviadas por imediatismos.

Ou quando os mais antigos portadores do saber são exilados em hospitais ou sanatórios com
objetivo de serem silenciados.
Para este momento, o recorte temporal desta dissertação são os séculos XVI e XVII.
Pretendemos demonstrar o qttanto tudo que descrevemos foi rapidamente percebido pelos
estrategistas co lonizadores.

Apontar que, na produção teatral jcsuíta, estavam contidas e foram tomadas sem
empréstimo, a oralidade, musicalidadc e produção cultural. Tudo isso visando o alcance de
objetivos inimagináveis. Ou seja, para irem além do que pretendiam em terras brasileiras.
Convidamos a algumas reflexões: Como foi possível aos portugueses desembarcarem
com uma estratégia de dominação cultural, se nem ao menos sabiam da existência de

humanos por estas terras?

Como pensar tão rápido nesta estratégia, se afinal de contas os documentos históricos
relatam ter ocorrido um erro náutico que os trouxe para estas bandas da América?

Veremos, nas próximas linhas, um breve relato histórico do que foram a chegada,
permanência e tentativas de conversão portuguesa.
Figura 1- primeiro mapa do Rio de Janeiro. Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque de.
Visão do Paraíso; os motìvos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. P . 27 6'

Itr,ltl i,r{ ur:ttììr'r trtr'"ì..1 Èìt';l:lr.':r- Ìir.

i l't:,S. í- .rr.rt,rj71.r,.. J,ìrt,. Èr'iJi.r. ,:"1Ìl r,ilìli r;,'r 1ì,,r:,,,.'.r.u,.'. I;;,:;1. ì ì !li; 1 ;1,. 1I

f . i y.r,, 1 5,r ;,i,i,:., JJ-. rt, f! r ; i r,r..r:'t r,\i a,: rìtr r.,,.,' / .JiJ i;.i.i'ì,j.

10
1.1- Breve histórico da companhia de Jesus no Brasil

para dissertar sobre esta parte do capítulo um e dos demais subtítulos, nos apoiamos

nas reflexões de Eduardo Hoornaert ( Belga nascido em 1930, Sacerdote formado desde
1955

e membro da Comissão de Estudos da l{istoria da Igreja na AméricaLatina). Nos debruçamos

em suas seguintes literaturas " A Igreja no Brasil Colônia (1500-1800)" e no tomo 2 da


..História da Igreja no Brasil" organizada por ele e outros autores. Além do autor citado' nos

identificamos com os escritos de Luis Felipe Baêta Neves (Brasileiro, Doutor em

Antropologia e mencionado em livros de Michel Maffesoli e Michel de Certeau)' Lemos a

obra histórica " O combate dos soldados de Cristo natena dos Papagaios"

Antes de realizarmos um breve relato do trabalho jesuítico no Brasil, é preciso


descrevermos as origens dessa Ordem e a parceria formada com a Coroa Portuguesa
ea

aliança,no século XV, se deu, nas palavras de Dom Henrique,"...pata a defesa e o aumento
da santa fé e a redução dos infiéis ". (F{OORNAERT, 1977:35).

A Ordem de Cristo foi fundada com recursos da Ordem dos Templários. Portugal

deixou de ser terca de agricultura para se tornar proprietário de mares que nlÌnca foram
navegados para, em seguida, se apossar de diferentes terras conhecidas depois cotno futuras
colônias . Essa mudança deveu-se à parceria da Igreja com o Estado'
A aliança com o Estado e a organização da igreja no Brasil, segundo Hoornaert (1984:
que
l2). Se deu pelo controle do padroado. E também pela prerrogativa da Coroa Portuguesa

tinha o Rei na figura de Grão-Mestre de "...três tradicionais ordens militares e religiosas de


portugal: a de Cristo (a mais importante), a de São Tiago da Espada e a de São Bento, a partir

de 1551 ".
Dessa forma, no Brasil, a obediência dos missionários era devida ao Rei de Porfugal e

não ao papa. Como uma das normas, era de praxe das navegações possuir um capelão a

bordo. Assim, em 1500:

...chegaram ao Brasil... na frota de Pedro Álvares cabral, oito


franciscanos em cornpaúia do frei Henrique de
Coimbra...casualmente outros franciscanos: dois italianos em
porto seguro em 15 I 5 (um se afoga no Rio do Frade, o outro
volta), dois cm São Vicente em 1523,...espanhóis em
l538...chegam normalmente numa viagem de regresso da índia
ou desembarcam por causa de um naufi'ágio. (HOORNAERT,
1977 33).

t1
No contexto político de colonização, o cristianismo foi bastante representativo na
identidade portuguesa. A luta não se dava apenas pela conquista de novas terras, mas pela
pâtria e religião. Ação impetrada, independente dos habitantes que povoavam estas terras.

Hoornaert (Ig77) afïrma que os indígenas sofreram com esta lógica colonialista pois
representavam possíveis "inintigos da fë e da civilização" .

Suess (2009:13) nos relata que, pelo insucesso das Capitanias Hereditárias, Dom João

III prevê a iminente perda da colônia. Erapreciso " domar o povo para conquistar o Brasil ". E
quem aplicaria esse remédio seriam os jesuítas. Assim, em 29 de março de 1549,
desembarcaram na Bahia de Todos os Santos os seguintes padres: Manuel da Nobrega, João
de Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes, Antônio Pires e os irmãos Diogo Jácome e Vicente

Rodrigues.
No entanto, segundo Hoornaert (1977:49), os primeiros padres tinham um mal ou
nenhum domínio sobre a língua da terra. Recorreram a dois colaboradores que entraram na
Companhia, mas já viviam no Brasil: Pero Correia, português abastado que chegott nos anos
de 1533-1534, encontrado em São Vicente e chamado, por Nóbrega, de "virtuoso, sábio e
melhor língua do Brasil".
Outro colaborador foi Antônio Rodrigues, ex soldado da conquista espanhola antes de
entrar na Companhia de Jesus, no ano de 1553 em São Vicente. Ele dominava a língua Tupi e

por isso foi aproveitado por Men de Sá na gerra do Paraguaçu " para falar aos indígenas e

assim justificar -pelo menos para os conquistadores- as violências que em seguida iam
acontecer". E nas palavras de Men de Sá: " Dei na aldeia e a destruí e matei todos os que
quiseram resistir, e à vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram atrás".
Para Hoolraert (1984: 125 e 126), o que os jesuítas possuíam era uma pedagogia

evangelizadora que consistia ern declarar que não se identificavam com a "totalidade
colonizad ora". eue não podiam se aliançar com ela e nem com a colonizada. De modo que,
sendo um projeto pedagógico, objetivava alcançar uma espécie de novo valor: " o valor do
outro como outro".
E para evitar que atrapalhassem o processo civilizatório, era necessário colonizar e,
acima de tudo, "aportuguesar". (HOORNAERT, l97l:2ll). Para atingir estes objetivos,
algumas ações educativas foram necessárias. Dentre elas: a inserção portuguesa entre os
indígenas.

12
Descaradamente foi preciso impressioná-los de forma amistosa e para tal enviaram
vários degredados com dotes artísticos para entorpecê-los. Esses graciosos representavam
uma falsa versão dos europeus que so foi revelada por completo quando da chegada dos
primeiros missionários. Veremos esta trajetoria mais detalhadamente no capítulo dois'
Um exemp.lo do contato encontramos quando os jesuítas chegaram no litoral da Bahia
e encontraram o pau-brasil, uma ánrore que os índios chamavam de Ibirapitinga e Arabutã
que media de dez a quinze rnetros cle altura e tronco de um metro de diâmetro. E, para
carregar os navios e encontrar as melhores árvores, a"ajuda" dos índios era imprescindível.
para isso, era preciso obter um trabalho compulsório, para o qual os índios ofereceram

resistência. Seria essa uma forma de escravidão ou uma novíssima forma trabalhista de se
tratar os colonizados?
A seguir, veremos algun-ras tentativas e estratégias de tornar os indígenas cativos na
colônia.

jesuítas
Figura 2 -Chegada dos jesuítas. Fonte: GAMBINI, Roberto. O espelho índio: os e

a destruição da alma indígena. Rio de Janeiro: E,spaço e Tempo, 1988. P. 87.

13
1.2: TENTATIVAS DE CONVERSAO

...a conversão, marcada pelo batismo, tinha como resultado a


passagem da vida tribal integrada para uma existência anônima
nas fronteiras de uma sociedade colonial'..(GAMBINI, 1988:
lee).

A extração do pau-brasil foi um bom negócio até meados de 1530. Após isso, outras
fontes deveriam ser exploradas, mas para um resultado mais positivo, era necessária a
presença dos membros da Cornpanhia de Jesus para que servissem de intermediários nesta

nova empreitada. O objetivo declarado era a catequização dos índios para convertê-los à fé
cristã, mas por trás dessa catequização estavam as prováveis explorações econômicas e a
escravidão passiva. O índio batizado e convertido aprendia a obedecer, a cumprir horários e a
entrar no processo Produtivo.
Encontramos, em Gambini (1998:136) a informação de que após alguns dias da

chegada, Nóbrega já se sente tão à vontade que declarava em suas cartas que "Hé gente que

neúum coúecimento tem de Deus, nem ídolos, fazem tudo quanto lhe dizem". Sobre essa afirmativa

de Nóbrega, Gambini comenta o seguinte:

Enr seu egocentrismo que não vê alem do nariz, ele "descobre"


que os índios não conhecem o verdadeiro Deus...não existindo
então nada, apenas um vazio religioso (razão pela qual ele os vê
como "papel em branco")...o batismo tornou-se para os índios
uma espécie de porta estreita que era preciso atravessar para se
tornar minimamente aceito pela nova ordem.
(GAMBINI,1998: 136 e 199).

Hoornaert (1994:15 el6) explica que no quadro de organização de formação do Brasil,


algo de suma importância foram os chamados aldeamentos. Conhecidos por missões,

reduções ou aldeias. Importante não relacionar esses ambientes históricos apenas às reduções
do sul do país ou da Amazônia. O aldeamento, diz ele, "Foi talvez a experíência mais válida
que partiu da institr,tição eclesiástíca, até hoie."
A "licença" pata os primeiros aldeamentos partiu da "MesQ de Consciência e

orclens". Ela funcionava como "(Jme espécie de tribunal missionário"responsável pelas


decisões que diziam respeito às ações missionárias. Foi firmado um acordo oficialmente na
,,em do terceiro Governador-Geral Men
Bahia 30 de julho de I 556", durallte a administração
de Sá.

14
I

O acordo firmado dizia que os jcsuítas deveriam organizar as aldeias que dessa forma,
passariam a constituir "territórios livres e intocáveis". A base legal foi o "direito de asilo" que

não se aplicava aos escravos. Por isso os jesuítas requereram a administração sobre os

aldeamentos para que os índios não se tornassem escravos da Coroa Portuguesa. Ao final,
vamos retornar a este Pensamento.

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Figura 3- Ciclos Missionários. Fonte: HOORNAERT, Eduardo. A lgreia no Brosil- Colonia:


1550-1800-3 . ed.- São Paulo; Brasiliense, I 994'P.11

15
Segundo Hoornaert (1994:29-3T), durante os três primeiros séculos da evangelizaçáo
no Brasil, funcionou o chamado ciclo da evangelizaçáo missionária. Divididos em cinco
ciclos: "litorâneo, seftanejo, maranhense, mineiro e paulista." Que por sua vezftcaram a cargo
de quatro Ordens do Padroado Real (Lisboa): "Jesuítas, Franciscanos, Carmelitas e

Beneditinos." Não esquecendo de outras duas que pertenciam a "De Propaganda Fide

(Roma)...os Capuchinhos e Oratorianos."

No entanto, o sistema de aldeamentos causou uma "enorme diminuição da população


indígena...terminando na sua completa eliminação do litoral atingido pela cana-de-açúcar."
Somando como causas a este evento estavam as "novas relações de trabalho impostas pelos
brancos aos indígenas."

Com intuito de diminuir as perdas indígenas, os jesuítas afastaram os aldeamentos dos

centros da colônia. Isso aconteceu, principalmente, nos ciclos sertanejo e maranhense. Ainda
em Hoornaeft (1994:39-43), no Maranhão ocorreram os maiores embates entre os moradores
portugueses e os jesuítas. Isso porque "...o estado maranhense era mais pobre do que o
brasileiro e não podia comprar com facilidade escravos africanos". Importante lembrar que
nessa região a economia "...era baseada ua coleta dos produtos naturais ou "drogas do sertão".

Uma figura marcante nos enfrentamentos foi o Padre Antônio Vieira. Ele declarava
que " Os outros cristãos têm obrigação de crer a fe: os portugueses tem a obrigação de a crer e

mais de a propagar". E quanto ao relacionamento com os indígenas afirma que "...são por
ordem divina, beneficiários de um direito anterior a qualquer outro "direito humano"...à
liberdade...moradia...casamento...terta..." Tudo isso é o mesmo que o "direito à salvação."
No entanto, pregava o direito à liberdade como secundário ea salvação como

primordial:
Desta fotma Vieira sempre defendeu os "descimentos" militares
que caçavam índios uo interior dos rios amazonenses e na
realidade dizimavam as populações indígenas de maneira
drástica: o envolvimento ideológico impediu-lhe um olhar mais
sereno do que estava passando na realidade. (HOORNAERT,
1994:43).

Para os portuglÌeses, os indígenas precisavam, a qualquer custo, serem vencidos nesta


gnerra denominada também cle "Justa". Uma escravidão justificada nas palavras de Gregório

Serrão (1529-15S6) que foi Padre e Reitor do Colégio Jesuíta no Rio de Janeiro, alegando que
não havia outra saída:

l6
E porque não há gente de trabalho nestas partes para alugar por
jornal, nem materiais se acham de compra, nos é necessário
termos muito escravaria e gente de terra, governada e mantida
de nossa mão...havia duas formas de transformar em escravo
aquele índio que vivia livremente em sua aldeia de origem.
Obtinha-se escravos indígenas através da Guerra Justa e dos
Resgates, ambas formas aprovadas pelo rei, abençoadas pela
religião... (FREIRE, 1997 :44).

Enquanto alguns conseguiam fugir, outros não tiveram a mesma sorte e lhes cabiam a

fixação. E, assim, restando os aldeamentos, considerados como "ponto de partida da formação


moral e cultural". (SOUSA, 1960:83). Segundo Freire e Malheiros (1997: 42-44), as logísticas

dessas guerras se davam da seguinte forma:

Guerra Justa: invasão armada dos territórios indígenas pelas tropas com objetivo de
capturar o maior número de indivíduos incluindo mulheres e crianças. Em seguida, estes
tornavam-se propriedades de seus captores, vendidos como escravos aos colonos, à coroa
portuguesa e aos missionários. Representando, assim, um verdadeiro recrutamento de força de

trabalho.
Os Resgates: operação comercial realizada entre portugueses e índios "amigos". Os
colonos trocavam objetos por índios prisioneiros de "tribos aliadas". No entanto, este
prisioneiro denorninado "índio de corda", estava amarrado e pronto para ser devorado pelos
captores.

Assim,, deveriam trabalhar como escravos para seus "salvadores". É desse fato que os

europeus divulgavam, erroneamente, a presença de muitos grupos antropófagos, para que os


resgates fossem considerados atos legais.

Destacaremos outra forma de logística de guerra utilizada contra os indígenas: os

Descimentos. Freire e Malheiros explicam como se davam essas ações:

Expedições em princípio não tnilitares, realizadas por


missionários...objetivo de convencer os indios que "descessem"
de suas aldeias de origem para viverem em novos
aldeamentos...uma espécie de armazem onde os índios...depois
de catequizados, eram alugados e...repartidos entre os
colrnos...missionários e o serviço real da coroa...etn troca de um
pagamento...período de dois a seis meses- findo o qual deveriam
ser devolvidos à aldeia. (1997 47 e 48).

Grande parte dessas práticas se davam do descimento dos indígenas "do interior para

zona litorânea, ou para a confluência de rios, na região amazõnica." IJm dos casos mais
T7
.,Missão dos Mares Verdes", de 1624. Nela, os 'Jesuítas João Martins e
clássicos foi da
Antônio Bellavia desceram 450 indígenas Paranubis do interior do atual estado de Minas
atual cidade de Vitoria do
Gerais para a aldeia cristã dos Reis Magos, nas proximidades da
Espírito Santo." (HOORNAERT, 197 I :126)'
por Hoornaert
A seguir, trechos de um relato encontrado por Seraf,tm Leite e citado

(1977 127):

foi sobremaneira penoso, mas


...o descimento pelo rio doce
os índios estavam animados: nunca se ouviu algum que se
queixasse no meio de tantos trabalhos, coisas que em
índios é mui rara e mui digna de notar...o final deste
descimento é trágico: chegando os nativos à aldeia dos
Reis Magos, eles são contaminados pelos demais...adoecer
delas (das bexigas)...dos quais muitos morreram, mas
batizados e instruídos na fé.

jesuítas colher os
Hoornaert (1917) adverte que, para a pedagogia evangelizadora dos
preciso formar aldeamentos long e de fazendas, povoamentos pottugueses e etc'
O
frutos, era
destaque que o autor faz e para o caso do seguinte tipo de aldeamento:"IJm aldeamento
livre...Nossa Senhora da Assunção na serra da lbiapaba, no atual estado
do Ceará (hoje

Viçosa), fundado por Luís Figueira e companheiros'"


No ano de 1700, foi considerado o maior aldeamento do Brasil. Com quatro mil almas.
Sendo o uso da "rnilícía" local o motivo de tamanha força:

Dividimos os índios todos em companhias, nomeando-lhes


por capitães e cabos a alguns mais beneméritos e de mais
autoridade...aos quais fizemos SuaS caixas de guefra,
manclando-os com seus principais passar mostra em
algumas ocasiões para os ter exercitados e prontos não só
para a defesa contra os tapuias'..mas também para
socorrerem e ajudarem aos brancos, se o pedir a
necessidade. (HOORNAERT , l9J7:1 30)'

(POLLAK)' Foi
Consideramos essas aldeias de repartição como "lugares de mem ória"
apropriado para
com a existência delas que se possibilitou a existência de um espaço
a

construção do teatro dos jesuítas durante os séculos XVI e XVII.


Michael Pollak nos ajuda a

que "Existem lugares da memória,


compreender a importância desses lugares quando explica

lugares particularmente ligados a uma letrtbrança"'" (POLLAK,


1992:202)'

18
De acordo com Hoornaert (1977), os jesuítas não apoiavam as políticas de

aprisionamento descritas acima. No entanto, cabe-nos destacar que não era possível continuar
a empreitada pedagógica catequética de docilização, pacifìcação e doutrinamento dos
indígenas se não existisse um lugar para isso.
Como vimos, foram diversas as formas cle dominação sobre os povos indígenas, apesar

dos documentos oficiais chamarem de "livres" os índios que foram repartidos e aldeados.
Encontramos informações em Freire e Malheiros de que a devolução dos repartidos muitas
vezes não ocorria por diferentes fatos.

Dentre eles, urn forçoso e falso casamento de colonos, de índias escravas com os
índios dos aldeamentos missionários. Dessa forma, não se podia mais separá-los, tendo em
vista a santidade do matrimônio.
Reflitamos no seguinte: se os aldeamentos, na concepção jesuíta, foram feitos para
defender os indígenas de uma provável escravidão, então, por que foram organizados de
forma que atendessetn aos interesses daqueles que os tornaram "cativos em sua liberdade"?
Walter Benjamin (L994) nos convida a revelarmos a "históriaa contrapelo", ou seja,
contarmos a história que está silenciada, que não está revelada, descrita ou legitimada nas

bibliografias oficiais.
Nestas breves linhas, buscamos revelar o contrapelo da história das estratégias de
tornar os indígenas cativos, tendo como foco principal as rememorações dos aldeamentos de
repartição.
Além da representação simbólica de depósito de indígenas pertencentes a diversas
etnias, línguas e localidades, eles também foram palcos da inclusão das escolas para índios
conhecidas talnbém por escolas de primeiras letras ou elementar. Este foi o espaço para
utilização do instrumento pedagógico teatro, que já havia feito parte da vida dos indígenas
quando do início da colonização.

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Figura 4- Mapa da Expansão Jesuíta. Fonte:LEITE, Serafim. História da Companhia de


Jeíus no BrasíL S. I. Lisboa: Portugália; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. 10 v.:
i1.,25 cm. (Tomo IV).

20
(

1.3 BREVE HISTORICO DA ESCOLA PARA INDÍGENAS

Buscando apresentar este contexto histórico de forma fiel e reflexiva, procurei me

basear, entre outros títulos, em alguns dos dez tomos da obra História da Companhia de

Jesus no Brasil, elaborada pelo padre jesuíta e historiador Serafim Leite (1890-1969)
que

trabalhou as fontes primárias no Arquivo da Cia. de Jesus, em Roma, no Arquivo Histórico


Ultramarino, em Lisboa e na Biblioteca e arquivo público de Évora, effi Portugal, além de
outros arquivos europeus de menor porte. Esses tomos reconstroem a trajetoria da Companhia
educacional
de Jesus em alguns estados do Brasil e, acima de tudo, a trajetória da construção

escolar levando à compreensão dos seus funcionamentos pedagogicos e curriculares. Além


do

trabalho de Serafim, citarei trechos de minha monografia intitulada "Da escola para índios a
escola indígena: o caso do Rio de Janeiro", no curso de Pedagogia, concluído na Universidade

do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2007 .

Em todo o tempo procuraremos diálogar com os autores como tentativa de

reconstrução e retorno a um tempo onde se questiona a necessidade original de uma educação


escolar.

De acordo com Serafim Leite (1938), o ensino existente no país oferecido,


inicialmente, pelos jesuítas estava dividido em três modelos:
l. Escolas de ler, escrever, contar, cantar e tanger;

2. Colégios e

3. Seminários, sendo que nos Seminários admitiam-se, de preferência, os que se

destinavam à carreira eclesiástica e a instrução era particular; enquanto que a admissão


nos

pública
Colégios estava aberta, em princípio, a todos os filhos de portugueses e a instrução era
e gratuita (LEITE,, 1938:143). No entanto, o destaque aqui fica para o primeiro modelo de
escola.

Estes modelos escolares possuíam currículos próprios e diferenciados. Parece óbvio

afirmar isso. No cntanto, para a época, era considerado um avanço intelectual com relevante
destaque.

O pe. Leonel Franca dedicou seus estudos ao que denominou de Método Pedagógico
dos jesuítas. E ao longo desse e do próximo capítulo, destacaremos várias contribuições do
valioso trabalho.
No processo de construção de um plano de estudos para as insituições de ensino

jesuítas, cabe destaque para as ações de diferentes personagens. Dentre eles está o Pe. Nadal,

21
Reitor do Colégio de Messina, em Roma, no ano de 1551. Ele foi responsável por formular o
..de Studio Societatis Jesu", onde se encara aorganização completa dos estudos. Desde
tratado
as classes de gramáúica até às faculdades superiores de carâter universitâtio". (FRANCA,
1952:9).

Alguns anos se passaram e a continuação desse grande projeto pedagógico ficou por
conta de Ledema, que foi Prefeito de Estudos ldeal. E,le teve por tarefa realizar a revisão e
ampliação do programa de estudos do Colégio Romano. Mesmo com auxílio de vários
colaboradores, não chegou a frnalizar o seu " De Ratione et Ordine Studiorum Collegii
Romani", QUe foi publicado no Monumenta Pedagogica'"

...devia servir de norma a todos os colégios da compaúia.


concebida num plano grandioso e compreensivo, a obra não
pôde infelizmente ser levada a termo por seu autor, colhido pela
morte em 1575. Ainda assim, representa a maior contribuição
individual na elaboração do Ratio definitivo de 1599.
(FRANCA , 195213).

Como vimos nas descrições apresentadas, várias regras de estudos foram elaboradas e

modificadas. Dessa forma, é possível afirmar que antes mesmo do método final dcs jesuítas

ser aprovado, os usos das normas que existiram foram aplicadas nos Seminários, Colégios e

nas Escolas Elementares.

O Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu foi finalizado depois de 40 anos de
elaboração. Uma comissão composta por seis membros e selecionada pelo Pe. Aquaviva, no
ano de 1584, que eram "...representantes das principais nações da Europa e das mais
importantes províncias da Ordem... João Azor, da Espanha; Gaspar Gonzales, de Portugal;
Jacques Tirie, da França; Pedro Busen (Buys), da Austria; Antonio Ghuse (Gusano), da
Germânia; Estevam Tucci, de Roma." (FRANCA, 1952:19)'
Leonel Franca nos infonna que todos destacavam três horas por dia para os estudos,
leitura, discussões e consultas sobre diversos documentos do acervo jesuíta. Depois, foram
estabelecendo normas, costumes, "usos e relatórios das diferentes províncias...princípios
disciplinares...todo o imenso material pedagógico que se acumulara em mais de 40 anos de
experiência e que agoraestava na fase de codificação definitiva". (1952:19).
Numa espécie de gestação, nove meses com essa equipe se passaram e os trabalhos
foram concluídos. Seguiu para leitura do Pe. Geral Aquaviva, dos seus assistentes e, por fim,
por uma .....comissão de professores do Colégio Romano". Como se não bastasse, os escritos

22
foram submetidos
0,...a um estudo crítico de toda a companhia". Na sequencia, foi utilizado
internamente, impresso e enviado em 1586 para todos os Provinciais'
Não se tratavaapenas de um Projeto de Estudos utilizado oficialmente por mais de 200
anos nas instituições jesuíticas, mas segundo Franca, se tratou de "um código
de leis", cujos

documentos originários para sua formatação foram provenientes de diversas ações


pedagógicas rcalizadas em diferentes nações.
Nações estas que já possuíam os jesuítas atuando f,rrmemente. " Raro exemplo de uma
da
ampla sistematização pedagogica eÍn que a mais estrita unidade resultott harmoniosamente
mais variada colaboração." (FRANCA, I 952:23)'

A seguir veremos algumas regras que foram utilizadas nas escolas para indígenas.

Importante frisar que isso se deu antes mesmo da oficialização do método. Em seguida

traremos alguns escritos do cotidiano dessas escolas.



Em meados do século XVI, muitas aldeias do Rio de Janeiro e da Bahia possuíam as

escolas para índios que funcionavam em taipas. Eram escolas de ler, escrever, contar,
cantar e

tanger onde o ensino era ministrado por missionários e não houve indícios de um
professor

indígena ter lecionado nesta instituição. (LEITE,L938). No tomo I dos escritos de Serafim

Leite, encontramos como se dava a formação dos jesuítas que atuavam nas Escolas

Elementares:
Entre os estudantes jesuítas havia duas categorias. Uns que se
destinavam a letrados: professores e pregadores; outros, à
conversão do gentio...Influía também o coúecimento da língua
indígena, sendo em geral escolhidos, para o mister da
conversão, oS que a falavam melhor. Acabados os estudos de
gramática, e às vezes durante êles, iam para as aldeias dos
índior, aprendiam língua a eaplicavam-se a
Teologia
moral...LEITE, I 93 8:83).

Ainda nos esfudos de LEITE (1938), encontramos informações sobre os primeiros


professores jesuítas que lecionaram para os indígenas:

Na Baía,... o primeiro mestre-esçola foi Vicente Rodrigues


(1549), o primeiro professor de latim, António Blasques (1553'
depois de l3 de Julho), o primeiro leitor de casos de
consciência, Quirício caxa (1565), o primeiro professor de
Artes ou Filosofia. Gonçalo Leite (1572), e o primeiro lente de
Teologia especulativa, Inácio Tolosa. (LEITE, 1938:85).

z)
(

Mas, haveria realmente necessidade da existência de uma instituição escolar para


povos que possuíam seus processos próprios de aprendizagem? Quais os objetivos reais dessa

educação escolar? E, já que era tão necessária, quem deveria ser o professor? Foram
questões

que ficaram no ar sem respostas, pois existia um não reconhecimento dos valores indígenas,

uma negação da existência cultural de vários povos'


Estas indagações fizeram parte da trajetoria de vários grupos indígenas, deixando
marcas por muitas vezes amaÍgas, tendo em vista que essa nova posição educacional não
foi

inserida de forma Pacífica.


Sabemos que tudo que é imposto não é resultado de uma construção coletiva de ambas
as

partes, mas resulta dos desejos de um único grupo independente da reação e ação da outra
parte. Isto se configura a partfu das observações nas entrelinhas de como foi o currículo' a

metodologia e a disciplina de que estas escolas para índios possuíam e se valiam.


Descreveremos um relato de Anchieta informando como era a escola na Aldeia de

Piratininga (atual estado de são Paulo) no ano de 1554:

Aqui estamos presentes 12 da companhia, separados do


convívio dos portugueses- naquela casa pobrezinha, feita de
barro e pau, tendo palha como telhado. Pequena: 14 passos de
comprimento e l0 de largura, a abrigar a escola, a enfermaria, o
dormitório,orefeitório,acozinhaeadespensa.
(MOTTA,2000:33).

Ainda em escritos do Padre Anchieta também podemos encontrar informações a

respeito destas classes escolares relatada por ele de uma maneira um pouco cautelosa e

preocupante, pois ele temia " o crescimento dos nossos meninos, pois retornam aos exemplos

dos pais...preocup açáo, porqlre eles voltam ao vômito dos antigos costumes". (MOTTA'
2000:35).
Este texto mostra qual o valor atribuído à cultura indígena naquela época. Algo tão

exageradamente etnocêntrico é qualificar as culturas de outros povos como se fossem "uma


coisa suja, podre e intragável".

Nas Aldeias da Bahia, passada a chegada de Mem de Sá, o movimento escolar e


catequético aumentou grandemente, conforme alguns padres relatam em suas cartas:
O

número de alunos cresceu e, em 1559, escreveu o Governador a El rei D. Sebastião:

24
...há escolas de trezentos e sessenta moços, que já sabem ler e
escrever...Nóbrega refere que, na Aldeia do Espírito Santo, eram
150. P. Melo diz que na mesma Aldeia, um ano depois a
frequência era de trezentos. Por sua vez António Rodrigues
refere que na do Bom Jesus de Tatuapara ,haverâ na nossa
escola 400 meninos. (LEITE,1938:25).

Parece que havia uma certa disputa entre as diferentes escolas elementares quanto ao

número de frequentadores. Quanto maior o número, maior competência de seus instrutores.

Mas ao mesmo tempo, a escola de Piratininga era motivo de orgulho para Anchieta.

Na nossa escola de ler, escrever e cantar, tão bem conduzida


pelo mestre António Rodrigues, existem l5 índios já batizados,
130 admitidos no catecismo e preparados para o batismo 36, de
todas as idades e de ambos os sexos. O meu agrado é tamanho.
Todos os domingos lhes celebramos a missa.
(MOTTA,2000:3 5).

Observa-se que o objetivo declarado desta escola não era a aprendizagem do ABC,
mas a cateqvização, a multiplicação de discípulos para a Companhia. Apesar de pessoas de
todas as idades e sexos frequentarem estas escolas, a preferência era dada aos meninos
indígenas pois em vários escritos encontra-se diretamente a palavra meninos.

Nóbrega tinha também os olhos postos nos meninos índios e


dêles esperava tirar bons discípulos. Mandou admitir, em 1557,
I
vinte de l0 a I anos; ordenou que estudassem Gramática e
queria enviar os melhores à Europa para voltarem depois
hornens de çonfiança, preparados condignamente em letras e
virludes. Mas para isso haviam de ficar lâ muito tempo,
acrescenta êle. (LEITE, 1938: 80).

Mas estas viagens não foram bem sucedidas, pois os meninos morriam durante a ida
para a Europa, com os naufrágios, ou depois que lá chegavam por não se adaptarem às

condições locais.

O cotidiano das Escolas elementares era caracterizado por catequese e adestramento,


de forma que existiam horários proprios para fudo, menos para o direito de dizerem não às

regras impostas.

25
Os jesuítas ensinam os filhos dos Índios a ler e escrever, cantar
e ler português, que tomam bem e o falam com graça, e a ajudar
às missas; desta maneira os fazem políticos e homens...o
Visitador Cristóvão de Gouveia determinou, em 1586, que estas
aulas, de manhã e de tarde, durassem cada uma hora e meia.
(LEITE, 1938,,26).

É perceptível que o cotidiano não era o mesmo em todas as Aldeias, pois cada uma
apresentava sua especificidade de maneira que a autoridade jesuítica predominava.

Nas Aldeias, organizadas de modo estável, a distribuição


quotidiana fazia-se assim, com ligeiras variantes:... Ao romper
cla manhã, tocava-se a campaiúa ( substituindo-as mais tarde o
sino) a chamar à missa. Juntavam-se os meninos à porta da
Igreja ou dentro no altar-mor. Ajoelhavam-se, repartidos em
dois coros iguais, geralmente os meninos a um lado, as meninas
a outro. depois catecismo dialogado, a princípio na língua
portuguesa e, mais tarde, também na tupi- guarani. Tomavam-
se, para isso, as disposições necessárias...Acabada a doutrina,
repetiam as invocações do princípio. Depois dum ligeiro
almôço, começava a escola: ler, escrever, cantar e tocar
instrumentos, conforme o jeito de cada um...Nalgumas Aldeias,
a escola terminava de manhã com a Ladainha dos Santos, de
tarde com a Salve- Rainha. E os meninos iam para suas casas.
(LEITE, 1938: 26-27).

Uma metodologia aplicada com êxito na época era relativa ao uso da língua. Era
considerada, de acordo com Leite, no Tomo I, um instrumento apto e próximo para a

conquista das almas. Aqui está a razão porque os jesuítas tanto urgiram no Brasil o estudo de

uma língua indígena, da família o tupi, que era compreendida em todo o litoral brasileiro,

chamada, frã época de Língua Geral e) hoje, conhecida, na Amazônia, pelo nome de

Nheengatu.(LEITE, 1 93 8 :28 ).

No início do período colonial, decidiu-se trazer 300 crianças de um orfanato em

Portugal e fazer aquilo que os linguistas sabem hoje: que a melhor idade para um indivíduo
aprender outras línguas é quando se é criança de pouca idade. Pois bem, essas crianças vieram
para o país e forarn postas juntamente com as crianças Tupinambás, no litoral da Bahia, para

ensiná-los a falar português, mas, em menos de um mês, os pequenos órfãos portugueses já

começavam a falar em Tupinambâ e nenhum índio falava português. (LEITE, 1938: 28)

Os jesuítas usaram, inicialmente, a Língua Geral como língua de instrução e de


catequese obrigando os índios de diferentes famílias linguísticas a adotarem essa língua, que

acabou servindo de ponte para a portugalização.

26
Este ensino voltado para indígenas e revestido do signifïcado da catequese possuía em
sua grade curricular o ensino do alfabeto, a Gramíttica Portuguesa e, em consequência, a
leitura e escrita, os números, as músicas sacras e a Cartilha portuguesa que explicava a

doutrina Cristã. Foi um processo desagregador e destruidor das formas tradicionais de


educação indígena. Em seu conjunto, estas atividades recebiam o nome de elementos ou "
Indorum pueros elementa docet."(LEITE, 1938:I45).
De certa forma, as prâtrcas educacionais jesuítas eram recheadas de disciplinamento e

adestramento, entendendo-se o significado dìsciplina como sinônimo de castigos físicos e


morais. Pôr em prâtica um currículo repleto de temas variados e em desacordo com a forma
de vida indígena exigia uma metodologia diferenciada à base da imposição de poder e suÍras.

Inicialmente, quem cuidava desta tarefa eram os próprios jesuítas, tanto nos Colégios
quanto nas Escolas Elementares, mas, apos determinações de Santo Inácio, o açoitador não

deveria ser mais um jesuíta e sim pessoas indicadas por eles, afim de não manchar o retrato
imaculado dos membros da ordem.(LEITE,l938: 86)

Leite descreve categoricamente alguns exemplos:

Não basta haver bons Professores. E mister a disciplina. Ora a


disciplina colegial, no século XVI, era rigorosa... naquele
tempo, alem das repressões, reclusão ou privação de recreios,
usavam-se os castigos corporais... o instrumento: uma vergasta
fina em número regulado de antemão pela natureza da falta e
em local onde não ferisse nem quebrasse ôsso, ao f,rndo das
costas... e eram dos açoitadores, unl para bater outro para
segurar, mas Santo Inácio determinou que não fossem mais os
jesuítas que batessem e sim pessoas de fora... (LEITE, 1938:
88).

De acordo conì o autor, o cuidado que os índios tinham para cont seus filhos se

igualava ao nível do mimo. pois não havia nenhuma espécie de castigo físico e muito menos

moral. Magalhães Gandavo descreve essa forma cultural de criação da seguinte fonna:
"Todos criam seus filhos viciosamente...sem nenhuma maneira de castigo..." ( LEITE, 1938:
e0).

Dessa forma, quando os Padres tinham que agir energicamente contra os pequenos, os

pais não gostavam e os afastavam da presença dessa educação baseada na força bruta, cujos

frequentadores deveriam aprender debaixo de um adestramento, como se fossem animais

selvagens que precisassem ser docilizados.


27
No entanto, Leonel Franca afirma que:

Os jesuítas não eram amigos dos castigos corporais. Não


os suprimiram de todo, mas alistaram-se decididamente
entre os que mais contribuíram para suavizar a
disciplina...no dia solene da investidura, como símbolo da
sua missão disciplinadora, recebia oficialmente o
professor um chicote.(FRANCA, 1 952:60).

Sendo assim, a qual informação podemos dar créditos? Receberiam mesmo os jesuítas

chicotes? E para qual finalidade? Será que Franca não se deixou ir além nestas questões de

disciplinas ou tentou suavizar o lado castigador dos jesuítas?


Uma consequência dessas ações ocorre entre os Chiquitanos da Bolívia. A ideia de
apanhar pelo amor foi internalizada a ponto de nomearem o chicote Professor Pedro Moreno
"que saca lo malo y pone lo bueno". (FREIRE,2010).

Em uma crônica de Freire (2010) encontramos a informação que Harald Thun


pesquisou o Manuscrito Gülich, que é uma enciclopédia do cotidiano das Reduções eln que
jurídico paternal dos religiosos até os castigos corporais designados aos índios.
Nesta pesquisa, conta Freire (2010), Thun contrapôs os dados da enciclopédia com
informações de jesuítas do século XVIII, entre eles Antônio Sepp, QU€ justifica a "paudagogia
dos missionários". Dizia o jesuíta:

É preciso instigar os índios com palavras e até com o


chicote; um índio chicoteia o outro por ordem do
missionário, como faz o professor com o aluno, de tal
sorte que a pessoa castigada jamais se queixa nem dá o
menor sinal de impaciência; ao contrário, depois de
receberem os açoites, procuram o padre, beijam a sua mão
e dizem: 'Senhor Padre, aguyó beté yebis, que quer dizer:
agradeço mil vezes as chicotadas que me corrigiram e me
fizer am apren d er a ter juízo. (FREIRE, 20 | 0 :2).

A inserção dos jesuítas no processo historico do país vai além do ensino público
religioso e básico para crianças indígenas. Não seria incorreto dizer, com ajuda de Foucault
(2004), que está interligada à eficiência da acumulação primitiva de um tipo de capital. Por
isso, foi preciso o uso de técnicas de "docilizaÇão", "domesticação", "disciplinamento" e

"doutrina" sobre os indígenas QUe, de certa forma, atrapalhavam a progressiva invasão


colonizadora.

28
No entanto, entendemos que, depois deste "disciplinanÌento", o corpo adquire um
"doutrinamento", pois aquelas que antes eram somente regras a serem seguidas, acabam
ficando tão internalizadas e introjetadas, que passam a vigorar como forma de vida dos
indivíduos, quase como se fizessem pafte de sua nattreza. Abordaremos esta questão com
mais detalhes no tópico 3.1.
A história revela que a educação escolar jesuíta para os indígenas se apresentou como

um instrumento utilizado para tornar a força de trabalho deles apta para a produção nos

termos da economia local.


Enquanto as crianças foram ''sequestradas" (GAMBINI,l988) de suas famílias para as

escolas, os pais não estariam impedidos de trabalhar por causa do cuidado com os filhos,
tendo em vista que os adultos também participavam de ensinamentos básicos relacionados aos
trabalhos agrícolas e ofícios artesanais.(FRElRE, 2004)
Essa foi a lógica do pensamento jesuíta, mas a realidade foi outra. De acordo com
Leite (1938), os pais recorriam aos padres para que suas crianças fossem devolvidas e quando
isso não acontecia, os mesmos fugiam dos aldeamentos jesuíticos que tinham a função de
verdadeiros depósitos de mão de obra para trabalho contpulsório.
Esses fatos sc repetiram por mais de 200 anos, sob a égicle dos jesuítas e por outros

quase 150 anos nas mãos dos Capuchinhos e de outras missões. Uma das conclusões que
podemos indicar é que os rnétodos utilizados nessa escola para índios desconheceu as formas

de saberes históricos e educacionais que os povos indígenas possuíam discriminando as

etnias, as identiclades, suas línguas, seus processos próprios de aprendizagem e suas

pedagogias da oralidade, revelando-se como um processo dizimador de culturas e ethos dessas

populações.

Talvez seja pelo motivo abordado acima. Os povos indígenas senìpre tiveram seus

arquitetos, engenheiros, professores e sábios, no entanto, ainda hoje lhes são negaclos esses

reconhecimentos.
Dessa forma, Íìa sua atividade pedagógica, a escola criada pelos jesuítas na colônia do

Brasil, ignorou as línguas indígenas, não levou em conta os saberes históricos e educacionais
que esses povos possuíam, os processos próprios de aptendizagoffi, isto é, a maneira que eles

tinham de ensinar e aprender a partir da oralidade, transmitida pelas mais variaclas línguas e

sem a escrita alfabética.

Ocorrenclo, assirn, uma cliscriminação das etnias, das identidades e das culturas que

durante este processo foram dizimadas assim como as almas destes povos. Assim, podemos

29
afirmar que o período jesuítico representou uma educação religiosa para índios usando como
língua de instrução e catequese a Língua Geral que era de base indígena.

Depois dessa breve explanação, nos questionamos até que ponto foram cumpridos os
objetivos de ensinar a ler, escrever, catequizar e capacitar para o trabalho? São indagações
que não podem se esgotar e muito menos serem refletidas apenas para aquela época, pois
trata-se de história e a história é viva.

30
CAPÍTULO 2: O TEATRO E OS INDÍGENAS NOS SECULOS XVI E XVII

Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando uns


diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos...Diogo
Dias...levou consigo um gaiteiro nosso...e meteu-se com eles a
dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam...
(GUEDES, 1998:53).

O trecho acima encontra-se na carta do "descobrimento" de Pero Yaz de Caminha.


Carlos Moura (2000), afirma que o teatro chega à terras brasileiras dentro das naus da armada
de Cabral. Explica, ainda, que o termo "gracioso" é o mesmo que ator cômico e que a

presença deste personagem entre os indígenas se deu por várias vezes.

Figura 5- Tocador de gaita de fole. Fonte:MOURA, Carlos Francisco. Teatro a bordo de


naus portuguesas nos séculos
'W, WI, Xï41e XVIII Rio de Janeiro: Instituto Luso-Brasileiro
de História- Liceu Literário Português.2000. P.24

3l
Pedro Alvares observou o quanto Dias alegrava os índios com suas exibições e

ordenou outras vezes que ele fosse ter com eles:

O capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem


lâ na aldeia ( e a outras, se houvessem novas delas) e que, em
toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os
mandassern. E assim :e foram. (GUEDES, 1998:56).

Podemos observar que a presença destes portugueses em meio aos índios não era

apenas para risos e festas, mas também, como aponta Guedes, para levar "papagaios verdes e

outras aves" para as naus. Seriam estes presentes ou as primeiras explorações de espécies da
fauna brasileira?
Pela "ingenuidade de seus instintos"ficariam por um momento
presos pela música e pela cor que os levaria, por sua
luminosidade e musicalidade, a compreender a quem deveriam
realmente admirar e venerar. (NEVES: 1978:76).

Moura (2000:26) explica que depois destas manifestações nas aldeias, outras se deram
dentro das naus portuguesas que aportaram no Brasil entre os séculos XVI e XVIL Cada

representação se diferenciava pela presença dos tripulantes que fïcariam na terra conquistada.

Se tivessem rnissionários a bordo, só havia recitações de "cantos líricos" ou "poesias sacras".


Mas se não houvesse nenhum jesuíta presente, os marinheiros encenavam diversos tipos de
"comédias" e algumas delas com teor "profano".
Esse relacionamento não logrou grande êxito e foi endurecido com o passar de alguns
anos e, principalmente, com o estabelecimento das "guerras santas", que já foram detalhadas

no capítulo anterit-rr. Abençoadas pela Igreja e pelo Estado, eram justificadas pela convicção
colonialista de que os índios, por trão recuarem e se submeterem ao regime escravista
português, foram considerados "bárbaros e inimigos da civilização cristã". (HOORNAERT,

l97l:212).
A presença desse teatro entre os indígenas era possível até mesrno nos momentos em

que ocorriatn os sermões:

Os relatos históricos nos fazem supor que o sermão era antes de


mais nada um espetáculo impressionante, onde entravam
recursos os mais variados da expressão corporal...o nível da
comunicação não se situa pois na audição da palavra...mas sim
na impressão global causada pelo pregador como num
teatro...também nas igrejas iâ estabelecidas das cidades
o sermão funcionava como num teatro.
litorâneas brasileiras
(HOORNAERT, 1977 :330).

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Essas considerações nos fazem compreender o quanto "as expressões corporais e a

impressão global" de tudo que compunha o cenário dos sermões, atr aiam os observadores

indígenas.

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Figura 6- represeltação da Prime irir Missa. Fonte :www. infoescola. com. br

Em uma breve análise do quadro "a primeira tnissa" (evento ocorrido no dia 26 de
abril de 1500, eln Coroa Vermelha, sul do atual estado da Bahia e celebrada pelo Frei
Henrique de Coimbra). Podelnos perceber o quanto a cena se faz emblemática, ttão no que diz

respeito ao ato da realização de um monrento religioso, mas aos indígcnas que, neste
momento. são a plateia. Aincla não são os atores principais, não sabem reproduzir ott encenar

cada parte necessáriapara que se concretize aquele espetáculo.

33
Temos que rememorar QUe, como vimos no primeiro capítulo, os primeiros
responsáveis pelo uso dessa estratégia foram os Franciscanos, tendo em vista que os primeiros
jesuítas aportaram anos mais tarde. A seguir, veremos, por Neves, uma análise da Primeira

Missa:

Se é evidente a representação "teatral" de tais procedimentos, é


fundamental lembrar que paru a simbologia da época a cruznão
é o símbolo da cruz, é a ctuz mesma...o sinal de algo maior, um
sinal de santiclade;...a cruz fincada quer dizer que a terra é
efetivamente cristã (Fé e Império não são distintos,
reafirmamos) e a cruz foi efetivamente plantada...e ela vai lavrar
a tena brasileira, que é um campo inculto no qual se plantou a
civilização..."o povo" que nela habita...será lavrado (esculpido)
pelos que alcançaram a cruz...exibindo a superioridade.
(NEVES, 1978:77-8).

A presença jesuíta representou um marco para o uso do instrumento teatro. Ele deixou
de ter um cunho somente religioso para ganhar o porte doutrinário e evangelizador. Os atores

e cantores passam a ser os próprios indígenas. As indumentárias não são mais as batas finas e

brancas. Mas sim as tangas, plumárias e pertences dos inclígenas.

Nas págillas que seguem, veremos mais detalhes sobre o que foi e a representatividade
desse teatro jesuíta no espaço escolar e fora clele. Importante frisar que um recurso facilitador

para propagação desse instrumento foram os aldeamentos.

34
2.Iz O TEATRO DE ANCHIETA E A MEMORIA VICENTINA

Para principiar nossa incursão no teatro jesuíta, destacaremos os escritos de Paulo


Suess, dos padres Serafim Leite, Viotti e Cardoso.

Abaixo, Suess (2009:31) relata algumas ações dos observadores jesuítas. Diz que a

"música e festividade litúrgica" foram motivos de "fascinação dos índios." E isso foi sempre
perceptível entre os "inacianos." Ao ponto de acontecer que a chegada dos missionários nas
aldeias eram "precedidas por uma procissão, com canções e danças das crianças."Facilitando
assim, a"aceitação da mensagem".

Eis um relato entre Nóbrega e Simão Rodrigues encontrado, por Suess, no livro
"Catta dos Primeiros jesuítas no Brasil", organizado por Serafim Leite.

Tivemos missa cantada com diácono e subcliácono: eu disse


missa, e o Pe. Navarro a epístola, outro o evangelho, Leonardo
Nunez e outro clérigo com leigos de boas vozes regiam o coro.
Fizemos procissão com grande música, a que respondiam as
trombetas. Ficaram os índios espantados de tal maneira, que
depois pediam ao Pe. Navarro que lhes cantasse asi como na
procissão fazia. Outra procissão se fez dia de Corpus Christi
rnui solemne, eÍn que jugou toda a artelharia que estava na
cerca, as ruas tnuito enramadas, ouve danças e invenções à
maneira de Portugal. (LEfTE,1956: 129).

Essas procissões eram atividades frequentemente utilizadas pelos jesuítas. Podemos

dizer que foram verdadeiros chamarizes e artifícios utilizados para a captura dos indígenas.

Aos poucos, esse recurso foi sendo introduzido na escola elementar. Veremos esta fase coln
mais detalhes no tópico 2.2, que trata do teatro colno instrumento pedagógico. Por ora, vamos
compreender mellror as memórias desse recurso pedagógico.
O início cias encenações teatrais se confunde com a chegada tra Bahia, em 1553, do
ainda irmão Joseph de Anchieta, com seus poucos 19 anos, formado em Letras, um brilhante
aluno de destaque da Companhia quando passou a fazer parte de seus quadros. Nesta época,
conheceu, além de enfermidades que permaneceram ate a morte no ano de 1597 em Coimbra,

diversas obras literárias, dentre elas as peças e os autos do mestre Gil Vicente e de sua escola.

Outras, ele conheceu em Portugal e no Brasil. (VIOTTI, 1984 e CARDOSO,1977).


Suess (2009:25) retoma alguntas literaturas e nos esclarece que a vinda de Anchieta

para as praias da Bahia foi um caso peculiar. Pero lÌodrigues, considerado o l" biógrafo clo

padre, detalha como foi este momento:

35
S';a vinda a estas partes se azou desta maneira. Sucedeu cair em
uma grave enfermidade, em que foi curado com a caridade e
diligência que a companhia em toda parte costuma; mas o
doente não alcançava perfeita saúde, pelo que andava mui
desconsolado, cuidando que não tinha forças para continuar com
os ministérios da companhia t ] depois, por conselho dos
médicos, pareceu ao superior mandá-lo a esta terra que havia
farna ser mais sadia por causa dos mantimentos leves e dos ares
benignos. (RODRIGUES, 1978: 28).

Nóbrega e Anclrieta tiveram papéis diferentes na tentativa salvacionista das almas


indígenas. Suess (2009), aponta que Nóbrega era organizado e conhecedor das leis, enquanto
que Anchieta se valeu das artes e conhecimentos das culturas como principal estratégia para o

"aportuguesamento."
Não devenÌos esquecer que ambos possuíam vários colaboradores nessa batalha pela
fé. Mas como os dois foram considerados líderes de suas épocas, os relatos históricos dão
maior destaque aos feitos deles dois.
Alguns escritos acadêmicos que pesquisamos apresentam certas dirvidas no que diz
respeito à fonte artística estudada por Anchieta. Uns dizem que era homem de grande
inteligência e que por si só elaborou o teatro no Brasil.Outros afirmam que Gil Vicente foi sua
grande inspiração enquanto esteve na Europa. Porém, 'onão desenvolveu o espírito crítico
frente a sociedade feudal." (SUESS, 2009: 39). Mas escolheu outros alvos para combater.

O fato é que a metodologia teatral inserida por Anchieta e equipe, no Brasil, de nada
se igualava ao anterior às suas práticas.

De Gil Vicente, que era um observador crítico da sociedade


feudal, Anchieta aprendeu a arte dos "autos". O alvo
denunciatório do teatro anchietano é a cultura indígena. Santos
e demônios são recategorizados por Anchieta na religião
indígena. (SUESS, 2009.24).

Gil Vicente (1465-1536?)' de local (Espanha ou Portugal), e data de nascimentos


incertos, mas com representativo reconhecimento de suas obras, é considerado o fundador do

teatro português, ulÌ1 autor de transição entre a ldade Média e o Renascimento. Spina (1975:

2l) afirma que houve uma mudança teatral da época quebrando a "estética dos olhos e do
ouvido, para impor uma estética da reflexão".
O homem passou a ser o tema fundatnental em suas peças e não mais o vislumbre dos
cenários ou apenas momentos de lazer para os espectadores. Os diálogos em primeiro plano,

36
as sátiras, a identificação do autor em algum personagem e a particip ação do público foram as

grandes marcas deste teatro popular vicentino.

Tendo sido sua primeira representação, em 1502, para D. Maria, doente por causa do
nascimento do infante D. João, ficou conhecido por Monólogo da Visitação. O idioma
utilizado foi o espanhol, pois se tratava da imitação do Auto del repelón de Juan del Encina .

Fazendo deste molnento, segundo Spina,o da criação do teatro português.

Portanto, Anchieta adquiriu, na esçola vicentina, o gosto pelo teatro e, de acordo com
o Padre Cardoso (1977 17), muitas otrras dele são características das de Gil Vicente. No
decorrer da dissertação, trataremos dessas características e de outros pontos do teatro de
Anchieta.
Por ora, graças a este e outros indícios, sabemos que o teatro já havia se instituído nas
escolas elementares e nos colégios. Assim, Anchieta pode ser um dos nomes mais importantes

do desenvolvimento desse instrumento, no entanto, contemporâneos seus merecem, segundo


Leite (1938), ser lembrados: "Aleixo António, Manuel do Couto,Luiz Figueira, Jerónimo da
Gama, Gabriel Malagrida,Luiz de Mesquita, Julião Xavier". E, outros possíveis que a história
ainda revelará.

O fato é que apenas dois anos da chegacla de Anchieta, ensinando latim aos estudantes
jesuítas, primeiras letras aos filhos dos índios e portugueses e aprendendo os usos da língua
Tupi escreveu a Arte da Gramática da Língua mais usada na costa do Brasil ou como é
mais conhecida, A Gramática Tupi, que foi levada, por Nóbreg1 para a Bahia em 1556.
De acordo com informações de Viotti (1984:14), a partir dos conhecimentos em
Tupi"...traduziu um Catecismo, compôs nela o Diálogo da Fé e diversas outras Instruções."
Os espetáculos eram representados em momentos e lugares específicos e para públicos

determinados. No entanto, seus primeiros atores indígenas recebiam, costumeiramente, papéis


que combatiam as culturas ameríndias e procuravam apagar suas línguas e suas memórias.

As visitas de novos cristãos...reiterava as possibilidades de


representação "teatral" invertendo o que realmente acontecia:
eram os "índios" que estavam sendo visitados mas a eles não se
prestavam honras- eram ou estranhos e pitorescos artista on
encenadores de uma peculiar cerimônia cristã que causava
espanto e admiração aos visitantes. (NEVES, 1978: 139).

37
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Figura 7 ' Arte da Gramática de Anchieta: Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque d,e. Visão do
Paraíso: o.ç nxotivos edênicos t'to descobrintento e colonização do Brasil. São paulo:
Companhia das Letras, 2010. P.288

38
2.2: O INSTRUMENTO PEDAGOGICO "TEATRO"

Os abusos correntes não levaram, porém, os jesuítas a abrir mão


de um instrumento educativo de primeiro valor. o teatro escolar
foi regulamentado severamente mas introduzido no Ratio. As
suas vantagens formativas já as enumerou Bacon, nun trecho
em que, precisamente, se refere como encômios, à pedagogia
dos jesuítas. As declamações teatrais, diz
o autor do novum
organon, "fortalecem a memória, educam a voz, apuram a
dição, aprimoram os gestos e as atitudes, inspiram a confiança e
o domínio de si...(FRANCA, 1952:72).

O que descrevemos diz respeito a uma semioficialização do teatro dos jesuítas em suas
instituições de ensino, tendo em vista que ele desempenhava um "importante papel na
Renascença". Apesar do teor provocativo, em algumas colônias, que alguns colégios estavam
dando aos seus autos, chegou-se até a pensar na possibilidade de retirá-lo da grade escolar. No

entanto, após reformulações, ocorreram as determinações citadas inicialmente.


Extra oficialmente, o uso do Ratio Studiorum esteve presente nas Escolas Elementares.
Em todo o quadro apresentado das regras para as escolas elementares no capítulo anterior,
obseramos a ratificação dele no uso do teatro. Isso para que os indígenas pudessem alcançar
o "auto-controle e a hannonia dos apetites individuais".

Além destes, trazia os objetivos específicos que a educação deveria ser aapàzdefazer
seus alunos "mais homens" e "subordinados livres". E que, para isso, injetaria em suas vidas

três faculdades: memória, vontade e inteligência. (HANSEN, 2000:25).


Além disso, os objetivos do teatro do século XVI não eraln os mesmos dos afuais.
Vejamos o que relata Serafim Leite (1938: 297):

O teatro da Cornpanhia, com escopo essencialmente humano e


progressivo, nos seus começos divertia, entretinha e ensin aya o
índio, corÌl elementos tirados da vida brasileira de então,
anhangas, plumagens, expressões tupis, ceftamente a primeira
manifestação do teatro brasileiro.

Depois desta época, os atores foram "alunos brancos, mamelucos, pardos e dispunham
de auditórios maiores" e os objetivos foram estritamente de "preparação para a vida pública"

ensinando os "bons costumes e os princípios sólidos" estabelecidos pela Companhia.

Os momentos em que aconteciam os "Diálogos, Tragédias, Comédias, Autos ou


peças" eram os referentes às festas de recepção de Padres e autoridades locais ou estrangeiras,

encerramento de ano letivo, distribuição de prêrnios ou ainda em inaugurações de Colégios,

39
cidades ou igrejas. E, dessa forma, os lugares das apresentações eram relativos aos acolhidos
pelos eventos listados acima, fossem eles, colégios, praças públicas, salas de aula, igrejas,
entre outros.

Recitavam-se, inicialmente em tupi, português e castelhano os versos, prosas, músicas


com uso de instrumentos, orações eloquentes e, principalmente, encenavam-se autos e peças
feitas pelos jesuítas.
Em 1585, Aquaviva concede ao Provincial do Brasil que os
Diálogos se representem em vernáculo, mas as Tragédias e
Comedias como "coisas mais escolásticas e graves" devem ser
em latim. (LEITE, 1938:601).

Atentemos para o ano em que Aquaviva se pronunciou a espeito de novas regras,


1585. Portanto,40 anos depois da chegada dos jesuítas, das escritas de diálogos e tragédias no

idioma que os autores desejassem.


Não se trata apenas de quatro décadas que se passaram, mas de produções carregadas
de ideologias doutrinárias que foram aplicadas sem nenhuma contra-indicação. No capítulo 3,
refletiremos um pouco mais sobre o uso dessas ideologias.
Finalmente, em janeiro de 1599, o Ratio é oficializado para ser utilizado nas Escolas
Elementares, Colégios e Seminários administrados pelos jesuítas. Uma amostra do conteúdo
já foi vista no capítulo anterior. O destaque que faremos está descrito nas regras do Reitor, ou
seja, nas normas que seria de sua responsabilidade observar:

13. Tragédias e comédias- O assunto das tragédias e comédias


que convém sejam raras e só em língua latina, deve ser sagrado
e piedoso; nada de haver nos entreatos que não seja em Latim e
conveniente; personagens e hábitos femininos são proibidos.
(FRANCA, 1952:135).

Observemos o seguinte: as regras de 1585 incluíam os diálogos. De 1599 em diante, só

houve normas para Tragédias e comédias. Neste caso, nos cabe os seguintes questionamentos:

Por que não houve regras para Autos, Cânticos e Sermões? E por que os diálogos saíram das

normatizações do Ratio? Será que os jesuítas construíram Autos, Diálogos, Cânticos e

Sermões para driblar as determinações do próprio Ratio?

40
Talvez encontremos respostas nas palavras do Pe. Anchieta em uma de suas

numerosas cartas:
...Que nenhum ou certamente muito pouco fruto se pode colher
deles [isto é, dos índios], se a força e o auxílio do braço secular
não acudirem para domá-los e submetê-los ao jugo da
obecliência. (ANCHIETA, | 5 54:7 6).

',t.

Figura 8 - Indígenas e jesuítas. Fonte :Suess Paulo; Melià, Bartolomeu; Beozzo, José Oscar;
Prczia, Benedito; Chatnorro, Graciela; Langer, Protásio. Conversão dos Catiyos. Povos
indígenas e missão jesuíta. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2009, 144. Tndução
parcial Leszek Lech Antoni.P.32

41
2.3: AS LINGUAGENS TEATRAIS JESUÍUS NOS SECULOS XVI E XVII
Todo este gentio desta costa, que também se derrama mais de
200 leguas pelo sertão, e os mesmos Carijós que pelo serlão
chegam ate às selras do Peru, têm uma mesma língua que é
grandissimo bem para a sua conversão. (SUESS, 2009:26-7).

As palavras iniciais da citação pertencem a Anchieta e estão registradas no livro


"Breve informação do Brasil", de 1584. Nestas palavras destacamos, pelo menos, quatro
momentos preocupantes para o padre e, por que não dizer, para os demais representantes da

Companhia. São os seguintes:

Identificação de uma língua comum entre os "gentios";


Localização de acesso a estes povos;
Apontar um facilitador para conversão dos mesmos;
Produzir um registro escrito dessas línguas para servir como guia de bolso aos
próximos missionários e outras gerações.
Não se podia iniciar uma empreitada de grande porte, como foram as tentativas de
conversão, sem ter as respostas para os pontos levantados acima. Afinal de contas, Nóbrega e

Anchieta sabiam que a cultura dos Tupi "representava a humanidade sem graça." Sendo os
jesuítas "guerreiros contra o diabo e a carne".(SUE,SS,2009).

Freire (2004:57), afirma que "...a língua brasílica, o nome dado pelos jesuítas à língua
Tupinambá, usada na catequese pelos jesuítas em todo o litoral brasileiro desde o século
XVI."
Mas aprender esta línguanão era tão fácil quanto parece. Segundo Suess (2009: 16,23-

8), Nóbre ga era gago e essa pode ser uma das razões para nunca ter aprendido o Tupi. Por
isso, precisava da ajuda de interlocutores, como, por exemplo, Diogo Álvates Correia, o
Caramuru, que por volta de 1510, chegou à Bahia e tornou-se o tradutor das primeiras
orações. Pero Corrêa e Manuel de Chaves, "homens antigos na terra e línguas". Depois disso

a "doutrina na língua do Brasil" foi ensinada aos mestiços, filhos e filhas dos portugueses e
aos escravos da terra. Por outro lado, Anchieta se valeu do uso de colaboradores nos estudos

da língua e cultura Tupi. Pudemos observar essa qualidade do padre no tópico 2.1.

De acordo com Neves (1978:92-3), essa "conquista do saber indígena" se dava na


tarefa de conquistar o "chefe" e este era o "pagé (feiticeiro)". Para eles, o pagé detinha o saber

do grupo a ser dominado e reduzido. E se ele fosse "desmascatado", todos os demais

42
indígenas dariam crédito de confiança aos jesuítas e, com isso, a batalha estava ganha. Segue
um Relato de Nóbrega quando se encontrou com um pagé:

Trabalhei, vendo tão grande blasfêmia, por ajuntar toda a aldeia


em altas vozes aos quais desenganei e contradisse o que ele (o
"feiticeiro") dizia, por muito espaço de tempo,...(Nóbrega,
cartas do Brasil,caÍta ao Dr. Martin de Azpilcueta Navarro
[Coimbra], de Salvador, l0 de agosto de 1549, p.56). (NEVES,
1978:93).

Freire (2004) nos informa que, anos mais tarde, nas conquistas das terras amazônicas,
os padres declaravam abertamente suas posições acerca das línguas indígenas. Isso porque a

diversidade linguística dessa região era enorme e precisava ser vencida. Mas para isso não
poderiam ser utilizadas. A utilização de uma outra língua era necessária para que eles

alcançassem "disciplina para força de trabalho indígena atravtis da cotequese."

O próprio padre Antônio Vieira, em seu "Sermão do Espirito


Santo", pregado em São Luís do Maraúão na véspera de uma
viagem ao Amazonas, usou um sem-número de adjetivos para
desqualificá-las, tratando-as de línguas "bárbaras",
"incompreensíveis", "desatliculadas", "embrulhadas",
"hórri das", "irraci onai s", "escuras". . (FREIRE, 2004 :5 l -2).
.

Esse foi considerado um dos motivos para criação da língua geral como língua de

contato e "criação de uma nova comunidade de fala."Vieira foi o responsável pela


"pacifïcaÇão", em 1658, dos "Mamainá, Aruan, Anajá, Mapuá, Sacaca, Guajará, Pixipixi e

outros." As línguas faladas por eles eram classificadas por "Nheengaíbas", o que quer dizer
"língua má ou fala incompreensível." Mas o êxito na pacificação só foi alcançado graças aos
intérpretes indígenas desqualificados por ele. A nós cabe a seguinte reflexão: O que levava os
indígenas a se tornarem intérpretes? Acreditamos que não foram trocas de favores, mas

possíveis imposições.

É importante relembrarmos que estas foram as línguas utilizadas nas diferentes formas
teatrais nos séculos XVI e XVII dentro dos aldeamentos. Os Autos, Diálogos, Sermões e

Cânticos foram escritos, em sua grande maioria, utilizando a língua Tupi ou a Língua de
contato, Espanhol e Português. Havia alguns Cânticos em Latim entoados por meninos índios.

Lévi Strauss (de acordo com Suess,2009) e as leituras emNeves (1978), nos advertem
que o uso do Tupi e, depois, da língua geral não foram "inocentes" e nem mesmo unla

43
"demonstração de profundo respeito" às culturas e tradições indígenas. Mas sim de ter como
função primária afaciliÍação da servidão.
O aprendizado da língua Tupi se dava entre os jesuítas com auxílio de intérprete civis
e dos meninos e homens indígenas. Atividade que ocorria nos horários escolares e nas

reuniões noturnas. Dessa forma, muitos escritos foram traduzidos do Latim para o Tupi.
GAMBINI (1998:198), nos informa, que "Nóbrega mandou ftaduzir, entre outros, os

Dez Mandamentos, a Criação e a Encarnação e o Inferno." E estes chegavam através dos

meninos indígenas que eram enviados pelos padres para pregar aos adultos.
Ficamos com as considerações de Neves (1978), no que diz respeito aos objetivos da

conversão. Que não se tratou de "substituir religiões" ou " apresentar uma nova", mas...

Um trabalho de de-çulturação que não pode deixar de fora


quase nenhum aspecto da cultura dos que atinge, pois deve
aculturá-los progressiva e seguramente na totalidade dos
elementos do que servia a civilização. (NEVES, 1978:l4l).

E por estes motivos que nos propomos, no capítulo seguinte, escovar a contrapelo o
uso dos "corpos subordinados livres" dos indígenas, os lugares de memória das encenações e

a pedagogia do Auto de São Lourenço que consideramos como um dos mais representativos

para o teatro da época.

44
CAPÍTULO 3: BREVB MEMORIA E HISTORIA DO AUTO DE SÃO LOURENÇO

No Rio de Janeiro, o Auto de São Lourenço foi encenado em Niterói, na Aldeia de

São Lourenço em dez de agosto de 1587. A composição do Auto de São Lourenço se dá em 5

atos e foi escrito em três línguas faladas na época: Português, Castelhano e Tupi. Mesmo

assim, apenas no ato 3 estão presentes as 3 línguas. O primeiro e o quarto ato foram escritos
em Português e Castelhano. O segundo e o quinto apresentam-se em Português e Tupi.

Qual foi a real participação dos índios na formulação e na montagem do Auto de São

Lourenço? Como obter a visão dos índios sobre o teatro jesuíta sem fazer aquilo que
Benjamin chamava de fazer a história a contrapelo? Essa história a contrapelo é a história
contada pelos vencidos, é o momento em que as vozes que permaneceram no processo de
emudecimento histórico têm a oportunidade de virem à tona e mostrarem sua versão.
Faz-se necessário compreendermos o que significavam os autos: Moura (2000:70),
utilizando palavras do Frei Domingos Vieira, explica que a palavra Auto " é a forma racional

da literatura dramáttica porfuguesa, correspondente aos Mistérios e Moralidades francesas e

inglesas do século XV."


Um dos autos mais representativos foi o Auto da Pregação Universal de l561, gue
sofreu adaptações e foi encenado com o nome de São Vicente e São Lourenço como é mais
conhecido, tendo sido encomendado por Manuel da Nóbrega. Como dissemos no início, foi

encenado no Rio de Janeiro em 1587.De acordo com Cardoso (1971), os alunos que fizeram

parte dessa apresentação eram todos do Rio e não cita se eram indígenas ou não indígenas. No

tópico 3.1 traremos detalhes sobre essa apresentação.


Da mesma forma que Anchieta possuía narrativas para elaborar seus Diálogos, Autos
ou peças, os indígenas também possuíam e mais desenvolvida sua arte de narrar. O padre
poderia ter suas experiências de viagens, lugares e leifuras, mas aos índios pertenciam as

experiências e as vivências adquiridas do universo das bibliotecas vivas que erant os mais

velhos, outras formas foram os cânticos sagrados e a observação frequente.

Os indígenas não chegaram ao Brasil dentro de naus, mas aqui iâ estavam

"enraizados" (HALL, 2003} Como vimos no capítulo l, eles possuíam sua próprias formas

do fazer artístico. E por isso mesmo eram absolutamente capazes de contribuir com qualquer
montagem teatral que quisessem, bastando para isso um convite.

45
Hansen (2000:25) afirma que no:

...século XVI, os jesuítas passaram a definir a representação em


geral como Theatrum Sacrum,Teatro Sacro ou encenação da
sacralidade da teologia-política que reativa a eloquência dos
antigos autores pagãos e dos padres e doutores da igreja
patrística e escolástica como modelo oral...

O mesmo Hansen (2000:30,31) denomina de "civrlização pela palavra" o uso da

divulgação católioa da retórica no que tange o eusino das técnicas, das artes e das letras em
geral. Um dos métodos utilizados para o sucesso da retórica foi a "pronuntiatio", a

declamação, aprendendo a acompanhá-la de gestos corporais que tambem faziam parte da


"actio" retórica. Dessa forma, tornou-se fundamental a difusão do teatro nos colégios da

Companhia.
A autoria do Auto de São Lourenço vem sendo posta em dúvida, porque não se sabe se

foi integralmente elaborada por Anchieta ou se a sua autoria foi dividida com Manuel do
Couto, devido à caligrafia diferenciada e de diferentes letras que aparecem no caderno
manuscrito de Anchieta que foi ordenado padre no ano de 1567. Mais à frente dedicaremos
um capítulo à análise deste Auto e a importância da escrita em línguas diferentes, discutindo
as razões do uso de cada língua em contextos diferenciados.

Serafim Leite (1938) aponta que Ferdinand Wolf observava que os índios iár

"...possuíam talento e uma predisposição para o movimento oratório e paraa música". Além
disso, há registros , embora posteriores, atribuídos aos índios de danças como a do "Poracé,

Dabucuri, Varaquidtã", entre outras, e canções tupi, como a descrita abaixo, que foi registrada
por "Barbosa Roclrigues na Poranduba Amazonense":

Andira Iurupari
Umucu ce ratâ;
Cururu mirá catu
U mundeca çeralâ.
Tradução:
O morcego, demónio
Apagou meu fogo;
O sapo, gente boa,
Acendeu meu fogo.
(LEITE, 1938.294).

46
De acordo com Monteiro "algumas novas formas emergentes de territorialização,
muitas vezes, acabam por aprofundar um processo de desterrìÍorialização...ou seja, visam a

recomporeadeslocaroespaço,acultura,aeconomiaeaorganizaçãosocialepolíticadeum
grupo específïco..." (MONTEIRO, 2006:1 08).
-2.
E possível afirmar, de acordo com os registros históricos, QUe os jesuítas jâ faziam uso

dessa estratégia de desterritoúalização apontada por Monteiro e, em consequência, além dos

campos citados no fragmento acima, houve também um deslocamento e recomposição das


identidades de parte dos indígenas daquele período.
Apesar disso, Cardoso (1977:46) opina que "...o teatro jesuítico não era destinado a

ensinar religião, mas a promover cultura religiosa, vivência e moralidade cristã." Com base
nisto, inferimos que, à medida em que ocorre a promoção, a cultura e a vivência de algo, está
implícito que este algo foi ou está sendo ensinado. Logo, o teatro jesuítico visava o ensino da
religião, tendo em vista, que este era um instrumento pedagógico e catequético utilizado nas
escolas para índios.

Outro ponto que tnerece reflexão encontramos, ainda, em Cardoso (1977:44), quando
o mesmo cita Sábato Magaldi:
O esforço de aculturação, nesse empreendimento gigantesco de
trazer os índios para a crença cristã, moldou a forma de um
novo veículo cênico, que não podia ser inteiramente autóctone,
mas não se pautava por rígidas regras estrangeiras.

Podemos observar que ele acredita no teatro como ponte para religião, mas, ao mesmo

tempo, declara que as peças não se pautavam "em rígidas regras estrangeiras."
Discordando dessa afirmativa, observamos QUe, se tais peças não estivessem sob
rígidas regras externas, as rnesmas teriam, como autores, os próprios indígenas e não teriam
recebido tantos elogios estrangeiros devido aos incansáveis ensaios. A conclusão de Sábato

aponta numa clireção:


Os autos, voluntariamente ou não, conforme se considere a
fìnalidade pedagógica que lhes foi atribuída, são o primeiro
esforço...de realização de uma expressão humana, à paisagem
física e social, à nova realidade americana como adequação de
valores cristãos e europeus aos valores indígenas, processo de
çonsciente identificação do colonizador corr a terra colonizada.

4l
3.1: OS LUGARES DE MEMORIA DA ENCENAçÃO

Ao privilegrar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das


minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias
subterrâneas QUe, como parte integrante das culturas
minoritárias e dominadas, se opõem à "memória oficial", no
caso a memória nacional. (POLLAK, 1989:3)

Pollak nos faz compreender que, a partir das narrativas presentes nas cartas jesuíticas,
nos documentos analisados por Serafim Leite, Hoornaert e tantos outros pesquisadores,
podemos inferir sobre diversos mornentos do fazer teatraljesuítico e apontar que a história

predominante se referia à memória nacional.

Mesmo sem ter encontrado nenhum a çarta ou documento que contivesse a fala dos

indígenas, propomos, nesta dissertação, fazer conhecidas as "memórias subterrâneas" que


foram e ainda estão silenciadas pela "memória oficial". Para isso,a forma encontrada tem sido
os momentos de rcflexão realizados em determinados pontos.

Nos escritos de Neves (1978), encontramos reveladas e afirmadas algumas faces do


teatro jesuítico. No momento da produção de um Auto, as formas de imposição, demonstração

de quem domina e as consequências da desobediência se apresentam nas falas e

representações. Ressaltando o fato de que toda a catequese possuía um objetivo maior: de

introduzir culturas diferentes e matrizes alheias às dos indígenas.

...o teatro foi uma forma de construir um espelho destruidor das


culturas indígenas...a semântica do teatro "representa" uma luta;
Deus e o diabo lutam na vida. (NEVES, 1978:83-84).

Toda engenhosidade da montagem teatral possuía um cunho agressivo contra as

culfuras indígenas, classificadas como práticas pertencentes ao mal e dignas de serem


eliminadas. O "bem" era representado pela figura dos santos e anjos que reproduziam as

disciplinas dos jesuítas. Durante os séculos XVI e XVII, as encenações possuíam seus lugares
e momentos próprios para acontecerem. Jávimos isto no capítulo,l no entanto, é importante
rememorarmos como se davam as dinâmicas das aldeias.

O tempo das aldeias tinha três grandes escansões: práticas


religiosas, desempenho das tarefas econôtnicas e o que hoje se
chamari a "lazer".(NEVES, I 97 8:l 37).

48
Os falsos momentos de lazer eram preenchidos pelas recepções aos visitantes:

Chegando o padre à terra começaram os frautistas tocar as


frautas com muita festa...os meninos índios, escondidos em um
fresco bosque, cantavam várias cantigas devotas em quanto
comemos...outros sairam com uma dança d'escudos a
portugueza, fazendo muitos trocados e dançando ao som da
viola, pandeiro e tamboril e frauta, e juntamente representavam
um breve diálogo...tudo causava devoção debaixo de taes
bosques, em terras estranhas, e muito mais por não se esperarem
(CARDIM, 1939:258-259).
taes festas de gente tão barbara...

Em cada trecho da descrição citada, é possível observarmos uma cronologia artística.


Tempos para todas as coisas. Momentos de cantos vindos do bosque, solos de flauta, viola e

tamborim. Danças, breves diálogos e, ao final, segundo Cardim, os meninos pediam a bênção
ao padre visitador. Tudo perfeitamente cronometrado a ponto de proporcionar espanto a quem

visitava.
Não encontramos nenhum documento que descrevesse o tempo destinado aos ensaios
e recepções dos Visitadores. Apenas que o ensaio do Auto de São Lourenço foi realizado por
Manuel do Couto. Também não encontramos nada referente aos castigos e punições no caso
do não cumprimento ou imperfeição nas representações.

Leite (1938) afirma que as cartas jesuíticas revelam e transparecem detalhes do


cotidiano. Sendo assim, por que foram omitidas as informações detalhadas dos ensaios e das
prováveis punições? O prêmio à obediência seria a permanência na aldeia ou, caso cotttrário,

seriam vendidos como escravos?


O ensino da arte estava presente no período escolar e nos espaços das igrejas (LEITE,
1938: 25). Mas é importante refletirmos o seguinte: como e por que "ensinar" arte a quem já
nascia com esse dom? A resposta se refere ao tipo de prática artística escolhida e delimitada a

ser seguida, a arte cla catequese.

A seguir, pretendemos conduzir sua leitura e percepção a uma das produções mais

conhecidas e reconhecidas dos jesuítas: O Auto de São Lourenço. Percebemos o

reconhecimento a este Auto e a sua atualidade quando, em 19 de abril de 1998, uma

adaptação dele foi encenada pelo Núcleo de Investigação Teatral da UERJ, no Teatro Noel

Rosa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em comemoração aos 500 anos de


"Descobrimento" e sob o eixo : Dos litorais do Descobrimento ao Brasil Pitoresco.
Com o texto de José de Anchieta, dramaturgia e encenação de José Dacosta,
coordenação geral de Nanci de Freitas e um elenco formado por alunos da universidade dc
49
diversos cursos, mais de 400 anos depois da primeira encenação no Rio de Janeiro, o Núcleo
de Investigação Teatral da UERJ produziu seu primeiro espetáculo: " Anchietas e Guaixarás:
uma criação a partir do Auto de São Lourenço e de cartas de José de Anchieta". Encontramos,
nos escritos dessa peça alguns relatos da professora Nanci de Freitas e de José Dacosta
explicando os motivos que levaram à escolha desse Auto.
Para a professora Nanci, o Auto de São Lourenço representou um "auto de fé" e de
o'coerção". O plurilinguismo dele justificava "a necessidade didática de alcançar pessoas de

culturas diversas que, já àquele tempo, entrelaçavam-se em território brasileiro."O esquema


dos autos era de "manipulaçáo simbólica". E,le foi um "teatro épico, forma utílizada também
no teatro medieval onde a narratividade se desenrola fora de um tempo sequencial e histórico
como na cena do Império Romano."Para ela, a cena em que os algozes de São Lourenço o
queimam na grelha serve para "ilustrar o castigo que os pecadores deverão sofrer queirnando
no fogo do inferno e condena-se a prâtica do ritual antropofágico como coisa do diabo."
Dessa forma, segundo ela, só restavam aos indígenas duas alternativas: "reconciliar ou
sucumbir."
José Dacosta explica o caráúer processual do espetáculo encenado na UERJ. Segundo

ele, trata-se de uma adaptação do Auto incluindo trechos de diversas caftas de Anchieta. Por
se tratar de um teatro épico, optou-se por inserir personagens e momentos ocorridos naquele

ano de 1998. Para Dacosta, o espectador é que deveria enxergar essa inserção a partir do
esboço que os atores realizavam. Outro diferencial estava relacionado às músicas que

compuseram essa peÇa, desde cantos indígenas e gregorianos até rock. Ele finaliza suas
impressões afirmando que: " Não só a coerência interna das situações do séc. XVI sofre

deslizes. O nosso próprio chão também treme."

50
3.2: APEDAGOGIA DO AUTO DE SÃO LOURENÇO

Para realização deste tópico, utilizaremos, entre outros, os escritos de CARDOSO


(re77) e NEVES (1978).
Como vimos anteriormente, dentre os motivos das encenações, estava a presença de
Visitadores. Um deles foi o P. Cristóvão de Gouveia que percorreu todos os territórios
administrados pelos j esuítas.
Cardoso (1977) informa que Gouveia foi recebido com festas por onde passou e que

Anchieta ficou responsável por acompanhá-lo. Nosso recorte frcapara a visita que fez, em 10

de agosto de 1584, à aldeia de São Lourenço dos Índios, situada onde hoje é Niterói. Na
ocasião trouxe de Porfugal a relíquia de São Sebastião e para comemorar houve a

representação do Auto de São Lourenço. Assim, de uma só vez, se introduziram dois santos

entre os Temiminós.

Algo que justifica a importância de São Lourenço no Auto de Anchieta e característica


da mesma que a pessoa dele exerceu pela Europa anÍiga. São Lourenço foi urn diácono
martirizado pelo imperador Valeriano no século 238 d.C. Juntamente com ele, muitos
membros do clero foram executados. A estátua que Íìzeram do santo trás uma grelha na mão

esquerda representando a forma que foi morto e uma palma na mão direita que significa o

martírio pelo qual passou.

Figura 9- São Lourenço.


Fonte:wwrv.saolourencodaserra.sp.gov.br/clipartllmagelpadroeiro_sao_lourenco jpg

5l
Mas a história de Lourenço se espalhou por Roma devido à crueldade de sua morte: foi
amarrado em uma grelha e assado vivo! Dessa forma, seu reconhecimento como homem
bondoso e mártir lhe rendeu vários santuários pelo mundo e festas grandiosas consideradas
uma das maiores depois de São Pedro e São Paulo.

Figura 10- Martírio de São Lourenço


(autor desconhecido)
Fo n te : http l l direto d as ac r i s t i a. b l o g s p ot. c o m/2 0 1 0*0 8_0 8-arch iv e htm l
: .

Hans Staden (2010) afirma err seus escritos contidos no livro l)uas viagens ao Brasil,
que, nos anos de 1550, foi preso pelos Tupinambá que estavam em Ubatuba. E por este
motivo pode descrever o cotidiano daquela aldeia incluindo o ritual antropofágico. Este

consistia em prender um inimigo c fazê-lo permanecer vivo como um hóspede especial por
muitos dias até que chegasse o momento do ritual em que toda aldeia participava. Por estar na

condição de preso, Stadem percebeu que poderia ser o prato principal da próxima festa. Ele
concluiu que o motivo destc ritual era vingar os indígenas que haviam sido mortos pelo povo
do inimigo.

52
Esta prática foi amplamente divulgada e temida entre os europeus e se dava da
seguinte forma:

Como é costume deles quando querem comer um homem,


preparam uma bebida de raízes que chama de cauim. Somente
depois da festa da bebida é que o matam...quando começam a
beber, fazem vir o prisioneiro. Ele tem de beber com os
selvagens...terminam de beber, descansam...no dia seguinte
constroem para o prisioneiro uma pequena barraca no lugar
onde deverá morrer...bem antes do amanhecer dançam e cantam
ao redor...tiram da barraca...desmontam...soltam a muçurana de
seu pescoço e passam-na em volta do corpo e depois puxam-na
com força, dos dois lados...fiça amarrado no centro...põem à
frente dele pequenas pedras para que possa atirá-las contra as
mulheres que andam ao redor dele...estão pintadas e depois de
ter sido esquartejado,devem andar em volta das cabanas com os
quatro primeiros pedaços... fazem uma fogueira, a uma distância
de cerca de dois passos do escravo...o algoz golpeia o
prisioneiro na nuca...as mulheres arrastam-no para cima da
fogueira, arrancam toda sua pele, deixam-no inteiramente
branco e tapam seu traseiro para que nada lhe escape...
(STADEN,2O I 0: 9 l -l 65).

Figura 1t- Ritual antropofágico dos Tupinambá.


Fonte: STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil: primeiros regístros sobre o Brasil. Porto
Alegre, RS: L&PM, 201 0. P. 1 7 1 .

53
Se realmente este relato for verdadeiro, podemos inferir que, para os Tupinambá que
assistiram à representação do Auto de São Lourenço, o momento em que o mártir foi
queimado não causou espanto algum, tendo em vista que queimar inimigos como forma de
vingança pelos outros indígenas foi uma prática comum entre eles.
Com essa afirmativa e nossas observações, tudo nos leva a crer que o Auto de São
Lourenço é mesmo uma narrativa histórica. Sendo assim, quais teriam sido os objetivos de
Anchieta quando adaptou esse auto para o Rio de Janeiro? Exaltar a vitória portuguesa,
diminuir, humilhar ou deixar de sobreaviso os indígenas presentes?

O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades


históricas para impor ao frrturo-voluntária ou involuntariamente-
determinada imagem de si próprias...importa não isolar os
documentos do conjunto de monumentos de que fazem parte...
(GOFF, 545 e 548).

Encontramos, nas Cartas de Anchieta, a infonnação sobre a primeiravez que um Auto

foi encenado no Rio de Janeiro. E em Carcloso (1971) encontramos a informação do local

atual dessa apresentação e decidimos pl'ocurar esse "lugar de memória" (POLLAK, 1992)

QUe, em conjunto com os escritos pode ser considerado um monumento em forma de

documento devido a sua importância histórica não apenas para o teatro dos jesuítas, mas
também paÍa a história dos indígenas que ali viviam.
Em 10 de agosto de2010, dia de São Lourenço, visitamos, em Niterói,a igreja de São
Lourenço dos Índios. Ela foi reconstruída no ano de 1627 para abrigar o retábulo com a
imagem do santo que a nomeia. A igreja anterior, construída no mesmo lugar e que fez parte
das encenações clo Auto, foi construída em 1570. Desde 1920, a Igreja de São lourenço dos
Índios pertence à Secretaria de Cultura do município, cujo administrador responsável, o sr.
Egídio Perpétuo, foi nosso guia na visitação.
É um lugar onde, de fato, podemos respirar e rememorar os fatos ocorridos, capaz de
emocionar o visitante. Fomos autorizados a tirar fotos (que seguem abaixo), escolhemos as

que representam as identidades de cada grupo indígena que construitt aquela igreja. São
diferentes grafismos afixados no altar da Igreja e são como assinaturas daqueles povos.

54
Figura 12-Localizada no altar da igreja, trata-se da marca de pata de animal (existern apenas
alguns desenhos deste). Que.permite identificar um dos grupos indígenas que edificou a atual
Igreja de São Lourenço dos Inclios. Fonte: arquivo pessoal da autora. Enr 1010812009.

Figura 13- Localizada no altar da igreja, trata-se de grafismos com três linhas ern formato de
semi triângulo (existem vários deste pelo altar). Identifica um dos grupos indígenas que
edificou a atual Igreja de São Lourenço dos Índios. Fonte: arquivo pessoal da autora. Em
t010812009.

55
Figura \4- Localizada no altar da igreja, trata-se de grafismos com três linhas sinuosas em
formato de cruz ou x ( há poucos deste desenho). Identifica um dos grupos indígenas que
edificou a atual Igreja de São Lourenço dos Índios. Fonte: arquivo pessoal da autora. Em
1010812009.

Figura 15- Fachada tla Igreja de São Lourenço dos Indios em Niterói.
/wr.wv. n e lttt r. c o m. br I p ortl a on d e i r- i g rej
F o n te : I i n d i o s' htm
-s

56
Para compreendermos os valores históricos da aldeia de São Lourenço e as terras em

seus arredores, é importante narrarmos um fato que encontramos descrito em documento no

arquivo do Proindio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Em 4 dejulho de 2008


ocorreu uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Niteroi para apresentação de
argumentos que levem ao reconhecimento da Aldeia Tekoá Itarypu instalada em

Camboinhas. Na ocasião, Bessa Freire apresentou evidências lristóricas, linguísticas e

arqueológicas das terras que hoje conhecemos por Niterói:

A sesmaria doada a Arariboia e a seus descendentes que


falavam língua da família tupi-guarani estendia-se em uma
légua de costa da chamada Praia Grande, hoje Niterói. O núcleo
central da aldeia era a encosta de um moÍro, depois denominado
de São Lourenço. Durante 300 anos, essas terras abrigaram os
filhos e netos da geração de Arariboia, embora partes delas
fossem decepadas e loteadas gradualmente entre os foreiros.
Por deliberação do Governo Provincial, em 1866 foi decretada a
extinção da aldeia, sob a alegação de que os que ali viviam
"somente de índios tem o nome".

Explicou ainda que a aldeia foi extinta em 1866 e, no entanto, mais de 140 anos depois
(2006), a Prefeitura de Niteroi ainda cobrava o "laudêmio indígena". Ou seja, um tributo pago
aos chamados detentores do direito real sobre determinada ârea. Uma taxa de 5%o sobre o

valor dos imóveis de 34 ruas do Centro, Bairro de Fátima, São Lourenço, São Domingos e

Ingâ. Bessa Freire conclui dizendo que

A legislação municipal que instituiu o imposto se baseava em


duas leis do Império, de 1850 e 1854. Contra ele se rebelou com
justa razão o vereador Paulo Eduardo Gomes, em 2005. De
qualquer forma, ao receber esses impostos dos moradores da
antiga Aldeia de São Lourenço por habitarem terras indígenas, o
Município reconhecia o direito dos índios sobre a terra.

57
Retomando as características dos Autos, em todos eles e nos Diálogos, Anchieta

inseria a presença de personagens demoníacos, não com o objetivo de amedrontar, mas para

mostrar que o exercício deles para os povos indígenas era "um exercício de sedução pela
mentira e aprisionafazendo-se passar por aspectos exteriores bons, favoráveis e, até, divinos."
(NEVES, 1978:85).
E como já apresentamos anteriormente, todos os recursos utilizados pelos jesuítas

dramaturgos eram próprios das culturas indígenas. Desde objetos pessoais até personagens
míticos, nada escapava das criações artísticas jesuíticas. De toda documentação que

encontramos durante quase dois anos de pesquisa, em nenhuma delas percebemos o uso
favorável ou amigável dos objetos e personagens. Eles ganhavam voz fla língua Tupi e

movimentos a partir dos corpos indígenas. O que de fato permite corroborar com o que
descreve Neves (1978), quando afirma que o teatro "foi uma forma de construir um espelho

destruidor das culturas indígenas."


Não pretendemos, nas linhas a seguir, realizar um estudo detalhado do que foi o Auto
de São Lourenço. Outros pesquisadores já se debruçaram sobre esta questão. O que faremos é

a apresentação dos personagens, transcrição de alguns trechos e reflexões sobre estes.

O 5 atos que o compõem estão divididos em uma cantata, dois diálogos, um sermão e

uma dança. Na tradução de Cardoso (1977: 142), encontramos os seguintes personagens:

Guaixará, chefe dos diabos; Aimbirê e Saravaia: seus criados;


Tataurana, IJrubu, Jaguaruçu, Caborê: compaúeiros destes.
Velha que hospeda Guaixará; Décio, Imperador romano.
Valeriano, seu colega. São Sebastião, padroeiro do Rio de
Janeiro. São Lourenço, padroeiro da aldeia. Anjo da guarda da
aldeia, com asas de canindé. Cativos, que acompaúam os
diabos. Meninos, que cantam e dançatn.

A partir das nossas leituras nos arquivos, dos estudos de Serafim Leite, Cardoso e

Neves, podemos afirmar que os atores deste auto foram em parte alunos do Colégio do Rio de

Janeiro e também alguns indígenas. Isso porque o papel principal dos indígenas era

representar os chamados personagens do mal, não importando se fossem míticos ou heróis

indígenas.

Parece que pouco interessava aos jesuítas também a reação do público, tendo em vista

que eram encenações destinadas a Visitadores e isso fazia transparecer uma falsa necessidade

em agradá-los. Quando, na verdade, o que se clesejava era a obediência dos habitantes da

58
aldeia. Estes viam no parente uma imagem distorcida e figurada do que eles possuíam como
próprios.
Fica uma dúvida: Por que os jesuítas não escreveram em suas cartas sobre o resultado
dessas representações? Se era tão importante detalhar o meio da história, por que não o
começo (ensaios) c o fim (objetivos alcançados)?

Quanto às características de cada ato, temos o seguinte:


O ato 1 descreve uma cantata em Português e Espanhol sobre a cena do martírio de
São Lourenço. O santo aparece queimado na grelha e declarando que se está queimando é

pelo amor que sente Por Deus.

No 2o ato, os Diálogos são em Português e Tupi. Neste momento, surgem Guaixará,


Aimbirê e Saravaia querendo destruir a aldeia em pecados. No entanto, São Lourenço, São
Sebastião e o Anjo da Guarda os prendem. É o maior ato, possui 650 frases. Seguimos, na
tradução de Cardoso (1 977:145- I 65):

Guaixará: E boa coisa beber,


até vomitar, cauim.
_!_ .
E lsto o malor prazer,
isto só, varnos dizer (25)
isto é gloria, isto sim!"
Mbaé eté kaú guasú
kaui mojebyjebyra.
Aipo sausukatupyra.
Aipó afré jamombeú, (25)
aipó imomorangimbyra!

Aimbirê: Em suma fiquei contente,


e, ao ver a depravação, (7s)

tranquilizei-me: eles dão


aos vícios de toda a gente

abrigo no coração...

Te, xe resemõ toryba.

Sekó poxy repiakápe, (7 s)

xe apysykatú sokoáPe.

59
\-.
Opabi tekó aíba
mondébi katú opyápe.

\- Guaixará: Aos ilhéus, bons caiçaras, (85)

"- aos fréis Maratauãos

meus sermões não foram vãos.

Todos os Paraibiquaras
puseram-se em minhas mãos.
\-
Marataoáme tekoára (85)
oguerobiá xe fieénga.
Opá ypaúme ndoára,
\_,
\, opá Paraibiguára.

\, Xe PóPe oânga meénga.

Aimbirê: Vês tu os Tupinambás,


esse do Paraguaçú,
_ que com Deus não tinham paz?
\J
Perdi-os todos, nem fu (125)
rastro algum deles verás.

Maéne, tupinambás Paraguasúpe ndaroéra,


!Tupã osybae puerá,
opakatu jamombá. ( 125)

Nitibetár sembyróera...

Estes Temiminós bravos

detestam as nossas leis.

Ko temiminó poxy
jandé rekó ogueroyrô...

Guaixará: vem pois torná-los


escravos:

que bebam, façam agravos, (140)

blasfemem, como infiéis.

60
Vivam provocando brigas
e cometam mil pecados.
De seu senhor afastados,
vem, e nas nossas intrigas, (145)

oh! envolve estes malvados.

Ejorí saánga, rõ,


to Tupãfleengábi, (140)

tokaú, tomondarõ,
toporepeflã oikóbo,
toipurú tekó poxy,
tosó ko tába sú.
Ejorí murú moingobo (145)
jandé neénga rupi!

De certo os cristãos de bem


tão rebeldes não seriam...
Os Temiminós porém

a lei de Deus não retém, (190)

não amam, nem apreciam.

Karaíba, ipó,
noikoangaipapyri bi.. .

Aujé ko temiminó
ndoguári Tupã rekó, (190)

ndosausúbi, nomotíbi...

A partir do parágrafo 270, os personagens São Lourenço, São Sebastião e Anjo da


Guarda, ainda em Português e Tupi, surgem para dar fim a Guaixará e companheiros.
Lourenço pergunta a cada um deles quem são e quais atribuições possuem. Na sequencia, São

Sebastião ameaça flechar Saravaia e, mais adiante, com ajuda de São Lourenço e do Anjo da
Guarda, os prendem.

6l
Sebastião: Eu vou flechar é ati! (335)
Aneda! Vai-te daqui!
Tajibone! Ejepeá! (335)
Ekoá ke suí, reá!

Uns aos outros certamente (380)


provocam algumas vezes.

Ojepé jombé, nipó

Iangaip Amomeé.

Aimbirê: Não sei, mas frequentemente


eu induzo meus fregueses

a tudo que é indecente.

Namoángi...setá f,e,

xe aé aporomoingó

moropotára resé.

Lourenço: Mas existe a çonfissão, (405)


remédio senhor da cura.
Os índios que enfermos são

com ela se curarão,

e a comunhão os segura.

Oikobé jemombeú, (405)


sosánga moeirabijára.

Abâ ánga maraárra,


ipupé opoeirakatu.

Sakipuéri Tupã rríra.

Anjo: São Lourenço virtuoso


calca o inferno furioso; (567)
protegendo vosa gente,

a leva ao eterno gozo.

62
São Lourenço angaturáma

osarõ f,e pe retâma, (561)

afrínga reytyka pa,


pee te, pe mopuáma.

Também São Sebastião,


que foi soldado de guerra,

ao Tamoio forte então (575)

derrotott de tal feição


que nem há mais sua terra.

São Sebastião abé,

marâna rerekoaroóra,

tamúia kyreymbaguéra, (575)


omombáb erimbaé.

Nitibangái setambuéra. (CARDOSO, 1 977 : 145-165).

Uma cantiga chorada finaliza o segundo ato, como forma de festejar a vitória dos
Santos e do Anjo. Algumas informações de Cardoso (1977) nos auxiliarão a compreender e

refletir sobre os trechos do segundo ato destacados até o momento:


Os indígenas que habitavam a aldeia de São Lourenço, na época da encenação do Auto, eram

os Temiminó vindos do Espírito Santo. Estes foram chefiados por Arariboia e auxiliaram na

expulsão dos franceses em 1567.

Guaixaráerao chefe Tamoio que se aliou aos franceses e lutou contraEstácio eMem de Sá.
Mesmo depois de morto, teve seu espírito considerado como "centro das irradiações
malignas" patatoda a aldeia, avizinhança e o Brasil.
Aimbirê foi outro chefe Tamoio aliado aos franceses e sogro de um deles. Conta-se que era
muito valente e que quis matar Anchieta em lperuí no ano de 1563. Em 156l,foi morto,
credita-se a ele a condição de auxiliar de Guaixará e inimigo dos cristãos.

Os ilhéus eram provavelmente caiçaras e habitantes da atual llha do Governador.

Maratauã: hoje é conhecido como Rio Maracanã.


paraibiquara: indígenas que habitavam aParaíba e foram dizimados nas revoltas contra os

colonos.

63
-
Os Tupinambá eram da Bahia e foram pacificados e vencidos por Mem de Sá e locados
'Junto ao Rio Paraguaçu em 1559". Mais tarde, fugiram para o interior por conta dos ataques
dos colonos.

Os Tamoio estavam localizados desde Cabo Frio até Ubatuba. Foram vencidos por Estácio e

Mem de Sá no Rio e por Antônio Salema em Cabo Frio. Muitos morreram, outros foram para
o interior e, alguns , para as aldeias de São Lourenço e São Barnabé.

Saravaia: pode ser "adaptação de salvagem" como os portugueses pronunciavam. Ele é

descrito como "espião, traidor e inimigo dos franceses." Para os jesuítas, ele é outro inimigo
dos cristãos.

O líder Temiminó Araribóia recebeu o nome de Martin Afonso depois da expulsão dos
E, oficialmente, pode ftcar com as terras da atual Niterói. Que pertenciam aos
franceses.
Tupinambá. Faleceu dois anos depois da representação do Auto de São Lourenço e,
atualmente, possui uma estáfua em frente ao terminal das barcas em Niterói.

Como é possível observar, ter lutado contra os portugueses foi motivo para serem
considerados inimigos dos jesuítas, da vizinhança e dos próprios indígenas. Guaixará e

Aimbirê foram dois chefes Tamoio enquadrados nessa logica dramatúrgica de Anchieta e

Companhia.
Mesmo depois de mortos, seus espíritos foram demonizados e ganharam vida em
corpos de prováveis atores indígenas. A eles e Saravaia foram atribuídas dezenas de mortes.
No entanto, como nos informa Cardoso (1977), os Paraibiquara foram dizimados e os

Tupinambá espalhados por um único motivo: "os ataques dos colonos."

Quanto aos espectadores Temiminos da aldeia de São Lourenço, as promessas não


eram das melhores. Os inimigos prometiam lhes dar fim a partir da cauinagem, brigas,

contendas, blasfêmias e pecados.

As manifestações culfurais de povos extintos e dos próprios Temiminó se apresentam


detalhadamente descritas nas falas dos personagens. É a prova de que o autor ou autores do

Auto conheciam ou pelo menos possuíam informações das tradições indígenas.


Nos parece que em nenhum momento houve inocência da parte autoral. Isso é
perceptível pela ênfase que se dá no ato 2 ao uso do Português e Tupi. Aos nomes dos
personagens indígenas que se transformam em seres malignos. E, no momento final do ato,

onde é demonstrada a superioridade dos Santos.

Os seres são aprisionados e com eles a possibilidade de disseminar os "maus"


costumes também. Das leituras que fizemos, obsenramos que, para os jesuítas, todas as

64
atividades indígenas eram carregadas de pecado e erros qlle deveriam ser eliminados a

qualquer custo.
Algumas reflexões merecem ser feitas: quem foram os heróis apresentados nesse 2o

ato do Auto de São Lourenço? Por que Araribóia não foi lembrado? Seria porque ainda era

vivo e poderia expulsar os jesuítas caso fosse identificado como inimigo de seu povo? Quais

teriam sido as reações dos espectaclores Temiminó quando viram dois de seus guerreiros
serem representados de forma tão negativa?Todas estas respostas poderiam estar nas cartas
dos detalhistas jesuítas ou no caderno de Anchieta. E por que foram omitidas?

A seguir, rJaremos prosseguimento as nossas indagações com base em trechos dos três

atos finais.

O 3" ato foi escrito em Português, Tupi e Castelhano. Este trecho do Auto descreve
como o Anjo utilizava Aimbirê e Saravaia para afogar Décio e Valeriano, algozes de São
Lourenço. Continuemos, nas traduções e estudos de Cardoso (1977:166-178).

Anjo: Para teu despojo imenso


ficam os Imperadores
que mataram São Lourenço.

Queimem-se no fogo intenso, (660)


em pena de seus horrores.

Nde rembiëra e,

oikobé morubixaba
São Lourenço jukapé.

Tokái nde ratá pupé, (660)

tasepy murú angaipâba.

Aimbirê: Pronto! Irei


executar vossa lei,

reunir a minha laia.


Vem beber, ó Saravaia! (675)
Vamos, hoje fende

as cabeças desta arraiat.

65
-

Nei! Tasó
aipó freénga mopó,
xe bojá reifiãngetábo.
Saravái, jorí ekaguábo, (675)
aeré koríjasó

tubixaba akangâkábo.

Saravaia: É aquele guaitacâ


ou frlho de guainá?
Um temiminó talvez... (685)
Um banquete destavez
Jacareguaçu me dá.

Seko aujepé guaitaká,

koipó guaianârayra?
To! Temiminó, serã... (685)
Aujebeté taupá
Jakaré-guasú pepyra!

Aimbirê: Os índios jamais entregam


seus fïlhos, mas os desviam, (705)
e a afogá-los se negam.

Ndoporomeégi abá.
Oâyra, kuakúpa, (705)
aémo ojubyk uká.

Na sequencia Aimbirê convida Saravaia e o quatro companheiros para devorarem os


Imperadores Décio e Valeriano...

Caborê: Andei por aqui outrora


destroçando mil franceses,
indo-me glorioso embora.

Irei a teu lado agora

66
i-

devorar estes fregueses. (750)

Kuei sé ko aporapití,
ajurujúba jukábo,
uifrem oerapoanguatuábo.
Tasó nde pyri, korí,

aipó tubixába guábo. (750)

Valeriano: O Décio, cruel tirano, (835)


já pagas e pagarár
contigo Valeriano,
porque Lourenço, sem dano

assado, nos assará.

! Oh Decio, cruel tirano! (835)


Ya pagas,y pagarát
contigo Valeriano,
porque Lorenzo cristiano

asado nos asará.

Aimbirê: Oh! Castelhanos malditos, (840)


(são castelhanos eu acho)

alegram-me esse seus ditos

de castelhanos invictos...

Daqui a pouco os despacho!

To, kasiána pikó? (840)


Kasiána fle serã...
Xe roryb. Aujé nipo!
Kasiámo, taikó!

Aeré tasepefiã!

67

Y
-

Valeriano: Xe, akái!


Xe, akái !

Aimbirê: Viestes do Paraguai,


que falas em guarani?

Todas línguas aprendi... (870)


Avança tu, Saravai,
aqui teus golpes, aqui!

? Vinisteis del ParaguaY,


que habláis em carijó?

Todas las lenguas sé Yo. (870)

Sepefraã, Sarauái!

Ko nde momboitába, ko!

Depois de terem matado os Imperadores, Aimbirê e Saravaia festejam com as coroas


nas cabeças e advertem:

Saravaia: Como os tais,


eu mato os que pecam mais,

dando-os comigo ao meu Poço: (1080)


homens todo, velho e moço,

presas minhas eternais,

levo todos como almoço.

Anga jâ,

angaipabóra ajuká,

Xe ratápe seroáne.
Apiâba, guaibi, kufi áne,

koára pukúi, xe rembiá


serasóbo, iguábo Páne.

68
No momento da escrita, Anchieta e seu apoiadores possibilitaram um encontro
curioso para a História. Como dissemos, Aimbirê foi um dos líderes dos Temiminó nos anos
de 1500. Saravaia, considerado espírito do mal, foi auxiliar de Aimbirê, No entanto, Décio e

Valeriano foram Imperadores que ordenaram a morte do diácono Lourenço no século 3.

Períodos distintos, personagens e fatos diferentes por certo. No entanto, é possível


conjecturar, ler a contrapelo e inferir sobre o enredo do Auto da seguinte forma: pensar e

executar a história de um Santo queimado por Imperadores. Que, mais tarde, ressurge para
aprisionar dois personagens indígenas caracterizados como demônios. No entanto, ao final, os
mesmos são utilizados para matar os algozes do Santo. A demonstração que se pretendia seria
mostrar que os jesuítas são representantes dos portugueses mortos por antigos líderes
Temiminó? E que, naquele momento, os Temiminó da aldeia de São Lourenço estavam
aprisionados e que seriam utilizados como atores para tentarem matar a si próprios?
Como dissemos, trata-se apenas de uma conjecfura baseada nos fatos teatralizados.
Cardoso e Leite nos informam que a escrita de Anchieta termina nesse ato. Os dois finais

encontram-se com outra letra. O que para eles indica mais de um autor e provável apoio de
Anchieta.
E válido esclarecermos uma das falas de Saravaia quando cita alguns grupos

indígenas e diz que o banquete do qual se servirá será concedido por Jacaréguaçu.

Guaitacá: índios que moravam entre o cricapé e o Cabo de São


Tomé. Guaianá: índios estabelecidos entre Angra dos Reis e
Cananeia...Jacaréguaçu: nome de índio, filho de Cuúambeba e
aliado dos françeses. (CARDOSO, 1977:167).

No ato IV são inseridos, pelo Anjo, o "Temor e o Amor de Deus". A estes cabe o
papel de admoestar os ouvintes quanto a seus pecados e consequência das desobediências.

Temor: Pecador, como te entregas


a teus vícios, tão obsceno?
Tu deles estás pleno,
engolindo, tão a cegas,
a culpa, com seu veneno? (75)

Pecador, ?Cómo te entregas

a los vícios, tansin freno?

De los cuales estás lleno,

69
e--

enguliendo, tan a ciegas,


la culpa, com su veneno? (75)

O pecado que tu amas


São Lourenço tanto odiou,

que mil penas suportou,

e queimado numas chamas,

por não pecar, expirou. (95)

Del pecado que tú amas


San Lorenzo tanto huyó,

que mil penas padeció,

y quemado en unas llamas,


por no pecar, expiró. (95)

Duramente te darão

remorso fuas misérias.

Tuas culpas deletérias

teus tormentos dobrarão

"e tuas feridas sérias." (120)

Pena sin fin te darán

em los fuegos infernales

tus deleites sensuales.

Tus tormentos doblarán,


y tus heridas mortales. (120)

Amor de Deus: Por que tu não morras, moÍïe,


com amor mui singular...
Dâ a vida pelos bens
que sua morte ganhou.

Seu amor te conquistou: (300)

dá-lhe tudo quanto tens,

70
"pois, quanto tem, te dou!"

Porque tu no mueras, muere

com amor muy singular...

Da tu vida por los bienes


que su mente te ganó.

Suyo eres, tuyo no.


Dale todo cuánto tienes,
pues, cuánto tiene, te dió. (CARDOSO, 1977:179-lS7).

Para ftnalizar, no 5o ato ocorreu dança e música cantada por 12 meninos índios.
Observemos alguns trechos:

Rejeito o viver antigo: (10)


em pagés não confiando,

nem dançando, nem guardo,


curandeirismo não sigo.

Toroityk oré poxy, ( l0)


pajé rerobiareyma,

moraséia, myryryma,
karaí moflánga ndi.

Gentios Imperadores
por sobre brasas te assaram,

e o corpo todo sarjaram

em férrea grelha de dores [...] (50)

Tupã momburuareté,

tatá pupé nde resúri.

Opá nde reté raíri


itártiãia pupé. (50)

71
a

Tremem de ter te matado (55)


esses maus chefes antigos.

Vem guardar-nos, muito amado!

Que fiquemos a teu lado,


assustando aos inimigos.

Oryry, nde jukaré, (55)


Tupã sumarã rreia.
Ejorí oré rekyia,
toroikó nde ypypefre,
oré sumarã mondya. (CARDOSO, 1977:188-190).

Procuramos, com estas breves reproduções de trechos do Auto de São Lourenço,


promover reflexões sobre as possír'eis causas e consequências de sua escrita e representação.
Tentamos imaginar o que foi cada momento de ensaio das falas dos personagens. Quais foram
os reais motivos tlos indígenas que se deixaram ser atores? O que levou os meninos índios a

entoarem uma canção declarando que não confiariam mais em seus pajés? Seria uma forma de

resistênciapara manterem-se vivos? Não pretendemos esgotar as inferências realizadas aqui e

muito menos supor respostas para elas.


No tópico a seguir, explicaremos um pollco mais sobre os usos que os jesuítas faziam
dos corpos dos indígenas.

72
3.3: O USO DOS CORPOS "SUBORDINADOS LIVRES"

Afligir o corpo resulta em beneficiar a alma, ferir o corpo é


aproximá-lo da alma. (NEVES, I 978:55).

É com essa afirmação cle Neves que iniciaÍnos esse tópico. O uso do corpo e da alma
foram recorrentes em todo teatro dos jesuítas. E possível dizer que, sem eles e a peclagogia da
oralidade, os resultados do uso desse instrumento pedagógico não teria sido tão favoráveis
para os missionários.

A perspectiva que daremos ao estudo do corpo em nosso trabalho se relere ao seu


significado nos séculos XVI e XVII. Para isso, nos apoiaremos nos estudos de Hoornaert
(1977), Neves (1978), Gambini (1998),Gélis, Pellegrin e Courtine (2008) e Chamorro (2009).

Neves (1978:54-55), nos informa que para os portugueses "...o corpo é o lugar de

inscrição dos aspectos visíveis da animalidade, da escassa humaniclade." Ou seja, uma


oposição à alma clue significava um "lugar de pureza." Gélis (2008), complementa dizenclo
que esse é o "corpo do pecador" que é só desordem e incapaz de controlar as paixões. Sendo

assim, era preciso "domar a canle", disciplinar e doutrinar. Para Gélis (2008), o ato de domar

a carne significa submissão à disciplina,

Toda modelação que foi realizada nos corpos indígenas possuía um único objetivo:

transformá-los em corpos "subordinados livres." Esse conceito pertence ao ratio studiorum já


mencionado no capítulo 2 e diz respeito ao uso do corpo indígena que, ao mesmo tempo que
possuía uma "liberdade" denominada pelos jesuítas, deveria se submeter às determinações
que lhes eram impostas (HANSEN, 2000:25).

Enr Neves (1978:134), ettcotttramos unì trecho de uma carta que Anclrieta escreveu

em janeiro de 1565, cliretamente de São Vicente ao Geral Diogo Lainez, onde informava
que:"Nós outros lhes mostramos as disciplinas com que se domam A carne, falando-lhes
também dos jejuns, abstinência e outros rernédios que tínhamos."

Os métodos para que essa subordinação acontecesse foram a criação dos aldeamentos

e a catequização. Ambos davam respaldo aos missionários para que pudessem aplicar suas
leis.

A evangelizaçã.o, qlÌe na realidade significa doutrinação, não


forma cornunidade, antes destrói os laços
a culflrra, produz o índio generico
existentes,...descaraçteriza
(massificaclo) e pretérito (que pertence a uma cultura
considerada primitiva). (HOORNAERT, 1977 :1 3 l).

73
Além dos indígenas estarem aldeados e iniciados na catequização, era preciso batízár
los para que aquele corpo alcançasse a doutrina e a própria alma pois "um corpo sem alma [é]

como um exército sem chefe." (Pellegrin, 2008:137) .

Gambini (1998:201), nos informa que os índios batizados precisavam cumprir com
algumas determinações. Dentre elas a de que toda sexta feira deveriam participar de

procissões. Anchieta afirmava que este ato significava que eles estavam se disciplinando até o

sangue. O padre ainda explica que isso acontecia porque os meninos indígenas sofriam

"açoites" e "emulação entre si."


Dessa forma, "o batismo implicava obediência e o reconhecimento da autoridade
jesuítica sobre a alma e o corpo do indivíduo." A partir desse momento o indivíduo passava a

carregar uma culpa permanente, com a possibilidade de que qualquer de seus atos ou
pensamentos fosse considerado "errado e punível."

As próximas etapas dessa tarefa jesuítica foram destinadas a retirar do corpo indígena
tudo que lembrasse o ser anterior. Desde a retirada dos adornos até a inclusão das roupas. Um
exemplo foi o ocorrido com o tembetá que era uma pedra polida e redonda inserida no lábio
inferior dos jovens.Fazia parte dos rituais de alguns grupos e "associava-se avirilidade e ao
senso de individualidade. O padre Navarro dizia que o tembetá irnpedia a pronúncia do

português e que por isso deveria ser retirado.

O resultado desse gesto- a retirada da pedra redonda que


simbolizava o self- era um menino doutrinado capaz de repetir
palavras sem sentido. Aí temos, em síntese, o que é a conversão.
(GAMBINI, I 998 : 192-193).

Não se buscava apenas cobrir os corpos dos indígenas. Era preciso "corrigir o corpo do
Brasil". E a possibilidade de um o'corpo culto que é o europeu", foi um dos meios para que
saíssem do estágio "animalesco e bruto" que se encontravam. (NEVES, 1978:134).

Os adornos foram tirados progressivanrente. Isso porque não representavam roupas e

muito menos a marca da "cuhura cristã no corpo." A homogeneização através do vestuário foi
um grande avanço se comparado com a situação de nudez. Criangas e adultos foram obrigados

autllizar o mesmo tipo de roupa. Ela "esconde, rouba ao olhar coisas que se sabe que existem,
mas que não se pode olhar nem nominar."( NEVES, 1978:133-135).

Mark Münzel, do Departarnento de Antropologia da Universidade de Marburgo na


Alemanha, prefaciando o livro Decir el cuerpo de Graciela Chamorro afirma que: "...e1
cuerpo no es el enemigo del espíritu religioso, sino uma parte de él...el cuerpo, pues, no es
74
pecado, sino pertenece a la inteligencia, sabiduría y alegría humanas." (CHAMORRO,
2009.27).
Dialogando com o descrito acima e as leituras realizadas no livro a História do Corpo
(2008), na segunda referênçia encontramos a afirmação que diz que o que não tem alma não
tem corpo. E se é assim, por que os jesuítas iatn contra o que pregavam se valendo do uso dos
corpos indígenas?
Dissemos e demonstramos ao longo desse texto como foram as presenças indígenas

no teatro Jesuíta. Sejam elas como atores ou telespectadores. E isso so foi possível graças a
inserção da actio oratoria no currículo da escola para índios. Torres (2006:145) explica que "
Actio oratoria...é o momento em que as palavras adquirem vida na linguagem de seu corpo."

Segundo Moura (2000), o teatro dos jesuítas, ou como ele chama de 'ootm teatro no
Brasí\", teve fim em meados do século XVil quando o teatro, da forma que temos hoje, foi
inserido no Brasil. Todo o teor sagrado foi retirado e em seu lugar ficaram as comédias
profanas e as tragédias que representavam as conquistas portuguesas.
A pedagogia jesuítica determinou, por muitos anos, que o corpo pecador do indígena
era despossuído de alma. E que, para enconÍrâ-la, era preciso "dominar a carne", subordinar

livremente e doutrinar através da catequese e do batismo.


No entanto, é importante percebermos que o que movimentava os corpos dos

indígenas era o desejo pela vida e não cordas invisíveis manipuladas pelos padres. Por isso,

ficamos com as palavras de Chamorro:

Pero el cuerpo no es sólo sujeto a restriciones...los discursos de


los "mal contentos" indígenas...y la persistencia de los
indígenas em sus "malas costumbres" son unas de las formas de
transgresión del nuevo orden. (CHAMORRO, 2009:340).

75
4- Considerações finais

Realizamos quase dois anos de pesquisas em fontes primárias encontradas no Arquivo


Nacional e Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Buscamos as fontes secundárias nestes
mesmos arquivos, em bibliotecas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da

Universidade Federal da Grande Dourados, €ffi indicações das disciplinas do curso de


Mestrado em Educação, em indicações de professores avaliadores das apresentações de

trabalhos que fizemos e também na internet.


Além dos momentos das pesquisas documentais, fomos à Igreja de São Lourenço dos
Índios que consideramos como principal lugar de memória do teatro jesuíta existente em
Niterói, no Rio de Janeiro. E, agora, realizando a escrita desta dissertação, não temos o

sentimento de término da pesquisa, mas corroborando com a perspectiva Benjaminiana, temos


a percepção de um inacabamento das coisas.

Há muito que ser investigado, encontrado e não apenas respondido, mas refletido
sobre o uso do teatro nos séculos XVI e XVII, um instrumento artístico e sofisticado para

aquele período. Percebemos que nos cabe, neste momento, realizar algumas considerações,
ao invés de conclusões, sobre tudo que descrevemos nestas páginas.

No capítulo primeiro, em suas três partes, vimos um pequeno histórico da Companhia


de Jesus no Brasil, seus atores principais, a realidade dramatúrgica diëria da convivência com

os indígenas, as tentativas de conversão dos povos e a inserção da escola para indígenas.

Para os jesuítas, conviver com os indígenas significava afastâ-los de seus "tnaus


costumes, selvageria e aberrações". As estratégias foram delimitadas como se fossem

aplicadas em uma guerra onde só pudesse sair um lado vencedor. E se alguém do outro lado
quisesse se manter vivo, deveria se subordinar às regras estabelecidas pelos venccdores da

batalha.

No segundo capítulo, vimos as estratégias sendo colocadas em prática. Foram tarefas


jesuíticas: decifrar a língua mais falada por esses povos, aldear, catequizar, batizar, oferecer

uma escolarização básica, criar uma língua de contato e utilizar os indígenas como

personagens de um teatro que não apresentou correspondências positivas às culturas

indígenas.

Inicialmente, um teatro a bordo dos navios com a presença de marinheiros e

sacerdotes. Esse teatro perdurou até o século XVIII, mas com a presença de sacerdotes cada

76
vez menor. Em terra, a utilização de missas e procissões que atraíam vários indígenas devido
ao uso das vestimentas dos padres, das músicas e sons instrumentais.

Com os jesuítas, surge Llm novo fazq teatral, não mais um teatro com bonecos ou
artistas mudos. Agora, a base está nos diálogos e, principalmente, no teor dessas falas. Para

complementar e não ficar somente nas duras palavras foi preciso vestir os personagens. Aos
indígenas, coube os papéis dos inimigos dos cristãos, do Brasil e dos variados grupos
indígenas que viam e ouviam estes Autos. Na prática, teve fim no século XVII, com o

surgimento de outro modelo teatral e o enfraquecimento dos jesuítas no cenário político. E,


quanto aos motivos, só encontramos estes. Mas podemos inferir sobre outro: Estariam em
falta os artistas indígenas para interpretarem os papéis dos inimigos? Ou será que os indígenas
"transgrediram" tanto que foram expulsos das aldeias e ganharam o aprisionamento nas casas

dos colonos como prêmios?

Por fim, no terceiro capítulo, rememoramos o Auto de São Lourenço, sua adaptação e

linguagens pedagógicas para ser encenado na aldeia dos Temiminó em 1587. Um dos

momentos de maior destaque foi o das transformações de herois indígenas em inimigos do

povo e da igreja. Guaixará e Aimbirê, chefes Tamoio que originalmente lutaram contra os
portugueses, agora são prisioneiros de dois santos que, em nome de Louretrço, devem destruir

os Imperadores assassinos do santo que foi grelhado.


Enfim, deixarnos nossas reflexões e conjecturas sobre a importância dos pedagogos da
oralidade, os possíveis motivos da escrita do Auto de São Lourenço, sobre o uso dos "corpos
subordinados livres" e sobre tantos outros pontos destacados ao longo do texto. Inferimos,

assim, que da mesma forma que a escola para índios apresentou um quadro desfavorável para
os povos indígenas dos séculos XVI e XVII, o teatro instituído pelos jesuítas também
apresentou diversos pontos que podem ter contribuído para a evasão escolar, apagamento das

culfuras dos povos indígenas da época e fugas de outros diversos dos domínios dos

aldeamentos.

Pretendemos ter contribuído para uma nova visão sobre a inserção de um instrumento

artístico no currículo escolar, nosso recorte ficou nos séculos XVI e XVII, mas convidamos

que, todo o ternpo, reflitamos sobre nossas práticas escolares e ttão escolares, sejam elas
realizadas em um ambiente de educação formal ou doméstico.

E, na perspectiva do inacabamento das coisas, de que tudo não é, mas está sendo,
pretendemos dar continuidade aos estudos sobre os povos indígenas em um período pós

77
-

\-. século XVII e instigar a ouhos pesquisadores que, a partir deste trabalho, sigam as "pistas"

deixadas e encontrem seus 'qvoos e pousos".


-

78
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a-

_. AÍquivos visitados:

- Arquivo Nacional

* Coleção Padre José de Anchieta. Guia de Fundos do Arquivo Nacional, vol. IL 1991:
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-. Biblioúeca Nacional

- Coleção Capistrano de Abreu. Fichário analítico- G. 4; José Honório Rodrigues (org.)- 3


* vols: Conespoádêncir de Capistrano de Abreu, RI, Biblioteca Nacional, 1954;

Guia das Coleções de manuscritos da Biblioteca Nacional (apostila de uso intemo elaborada
- por Waldir da Cunha).

Arqlivo do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Universidade do Estado do


o de Janeiro

.- Notas do prof. José Ribamar Bessa Freire, coordenador do Programa de Estudos dos Povos
.- Indígenâs da UERI (PROINDIO) para sua fala na audiência pública da Aldeia Tekoá Itarypu
... (Camboinhas) na Câmara de Vereadores de Niterói no dia 04 dejulho de 2008-

- Sinopse do espetáculo "Anchieta e Guaixariás. Uma criação a partir do Auto de São Lourenço
.' e de Cartas de José de Anchieta.

.- Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

rquivo Cônego Joaquim Caetano Femandes Pinheiro.

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