2011 - Andrea de Lima Ribeiro Sales
2011 - Andrea de Lima Ribeiro Sales
2011 - Andrea de Lima Ribeiro Sales
PROGRAMA DE POS.GRADTIAÇÃO:
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO, COI\TEXTOS
cot\TEMpoRÂNEos E DEMANDAS POPULARES (PPGEduc)
DISSERTAÇÃO
20ll
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - Seropédica
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR - Nova Iguaçu
PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO :
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO, CONTEXTOS
coNTEMpoRÂNEos E DEMANDAS POPULARES (PPGEduc)
cle Mestre
Dissertação submetida como requisito parcial parc obtenção do grau
em Educação, no curso de pós-Graduação e
Educação, contextos
Contemporâneos e Demandas Populares'
Seropédica, RJ.
Iìevereiro de 20ll
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T O teatro jesuita como instrumento
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sécu1os XVI e XVI T / AnCrea de Lima
Ribe- ro .Saies )t^\1.,
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J- i "
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DISSERTAÇÃO APROVADA EM
tem me permitido
Agradeço inicialmente a Deus que até aqui, entre tantas coisas,
neste planeta'
levantar todos os dias, estudar e cumprir com meus deveres
paciência e compreensão
Agradeço também a meu marido Marcelo pelo incentivo,
pelos vários momentos que fiquei longe de sua presença'
ttazido ao mundo para que,
Agradeço a minha mãe Maria pelo incentivo e por ter me
de alguma forma, eu possa fazer parte da história
e memória de muitos companheiros e
Amanda,
companheiras de luta. Minhas irmãs Aline e Natália e minhas três preciosidades:
risos.
pelas preciosas orientações,
Agradeço ao professor e amigo de sempre, Bessa Freire,
não somente na construção deste trabalho, mas dos
auxílios em minha vida acadêmica'
presente que Deus me deu'
Agradeço à minha amiga valéria Luz...ttm grande
e Patrícia pelo apoio que me
Agradeço as companheiras do Proíndio: Daiane, Monique
deram.
"Ou,qNoo ,4cHTEr ,4pRENDER A LER E EscREvER, EN1ARE| A ALFABmzaÇÃo co 'ro OITEM coÌ'ípRÀ uM pEIxE ouE
rEM EsprlitA. Tnn x rsptNtus r r,scotn o ouE EU ewNA. " AÍ-row Knn.tlr (r.17 oo rrvno Ts MANDEI
uv r,r.sunruuo, 20C7, No rnruo)
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ALneh oe ARA?oNcA. NHiNDE-ivA KUERv t*lsou)
Abstract
SALES, Andrea de Lima Ribeiro. The Jesuit theater as an educational tool in schools for
Indians of the 16th and 17th.201l, 95p. Thesis (MA in Education, Contexts and
Contemporary Popular Demand). Institute of Education / Multidisciplinary Institute. Federal
Rural University of Rio de Janeiro, Seropédica, 2011.
It's about the memory and the identity of the pedagogical instrument "theater", used by the
Jesuits during the 16th and 17th centuries, placed i the context of catechesis and school
education for the natives. We'll observe much more of the implications to this instrument in
culture, oral, and many other divisions, the strengthening and possible dissemination of
memory erasure of native people rvho somehow participated in this process. We were
expecting to conduct our inquiries about the colonial period, in order to identiff and critically
evàluate-the use of historical elements. The results were significant for the Jesuit and
colonizing venture established in Btazllian land.
p.lg-Íigura l- primeiro Mapa do Rio de Janeiro. Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque de.
Jesuítas e a Destruição da Alma Indígena. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. P.87.
p.l5-Íigura 3- Ciclos Missionários. Fonte: HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil
colônia: 1 550-1800-3". Ed.- São Paulo; Brasiliense, 1994.P.1 1
p.2g-Íigu ra 4- Mapa da Expansão Jesuíta. Fonte: LEITE, Serafim. História da Companhia de
Indígenas E Missão Jesuíta. São Bernardo Do Campo: Nhanduti Editora, 2009, 144. Tradução
Parcial Leszek Lech Antoni.P'32
P.Sl-figura 9- São Lourenço.
Fonte:rvww.saolourencodaserra.sp.gov.brlclipartlimagelpadroeiro-sao-lourenco
jpg
Fonte: STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil; prímeiros registros sobre o Brasil. Porto
Alegre, RS: L&PM,2010. P.171.
p.SS- Figura lZ- Localïzada no altar da igreja, trata-se da marca de pata de animal (existem
que edificou
apenas alguns desenhos deste). Que permite identificar um dos grupos indígenas
P.55-figura 13- Localizada no altar da igrej4 trata-se de grafismos com três linhas
em formato de semi triângulo (existem viírios deste pelo altar). Identifica um dos grupos
indígenas que edificou a atual Igreja de São Lourenço dos Índios. Fonte: Arquivo pessoal da
autora. Em 1010812009.
autora. Em 10/0812009.
P,56-Íigura 15- Fachada da lgreja de São Lourenço dos Indios em Niterói.
FoNTE: /rr'rtw.NELnJR.cor'.r.sR/ponrAoNDsIR-IcREl-sLINDIos.HrM
:
SUMÁRIO
TNTRODUÇÃO. """"""""'l
1 Os Pedagogos da oralidade e a presença colonial.. """"""'6
rememorar um dos fatos históricos relevantes para os povos indígenas que viveram em terras
brasileiras nos séculos XVI e XVII'
E um tema relevante não sonrente para a História da Educação Escolar nacional mas
também pretende ser provocativo às reflexões sobre as práticas escolares indígenas ou não
indígenas atuais. Sua importância se dá na memória e na identidade de um instrumento
presente em minha vida. Exatamente o tempo em que me ensinaram o que é ser pesquisadora.
Foi na UERJ, entre os anos de 2005 a 2008, quando tive a oportunidade de ser bolsista de
Extensão e depois de Iniciação Científìca pelo Proíndio. Ali, tive excelentes professores, os
quais já citados nos agradecimentos e acima de tudo condutores de meu fazer político e
temáúíca do teatro. Na descoberta de várias fontes primárias sobre a escola para indígenas e
todo processo de inserção dessa instituição em suas vidas, percebi o quanto o uso do recurso
pedagogico teatro causou resultados não imediatos, mas a cufto prazo, se comparado a outros.
Importante salicntar que o teatro, tal conro conhecemos hoje, não foi instituído no
Brasil pelos jesuítas. Como veremos mais à frente, encenações já ocorriam no país com outros
objetivos.
Na escol a para índios, esta, sim, implementada por jesuítas, e fora dela, o teatro foi
utilizado como uma ferramenta de grancle utilidade para as tinalidades coloniais. Esta fase SE
que foi
apresenta de t-orma significativa ao calnpo da História da Educação Escolar Brasileira
preciso momento, garimpar algutrs preciosos daCos objetivando também a diminuição dessa
carência encontrada.
O que nos propusemos a fazer nas páginas a seguir, foi uma pesquisa baseada em
levantamentos de dados a partir, sobretudo, de fontes primárias e secundárias,
complementadas com visitas a locais ainda existentes relacionados diretamente ao tema,
de Janeiro. Foram realizadas também visitas à Igreja de São Lourenço dos Índios em Niteroi.
Igreja localizada onde no século XVI havia uma aldeia de Temiminó e foi enccnada a
Os destaques para os livros citaclos abaixo, deve-se à relevância das informações para
Carlos Moura com o trabalho " Teatro a bordo de nâus porhrguesas nos séculos XV,
- XVI, XVII e XVI[";
- De Vicente SalÍes "Épocas do teatro no Grão Pará ou apresentação de teatro de
- época";
'O Teatro de Anchieta", de José de Anchieta com tradução e notas do Padre Armando
-
Cardoso;
- c)Indígenas:
- De João Adolfo Hansen "A civilização pela palavra";
"O combate dos soldados de Cristo na tena dos papageios" de Luis Felipe Baêta
Neves;
-
De Roberto Gambini " O espellro índio: os jesuítas e a destruição da alma indígena";
'A língua mais geral do Brasil nos séculos XVI e XVII de Maria Carlota Rosa;
'Rio Babel: o história das língrns gerais na Amazõnia'' de José R. Bessa Freire;
inicialmente, em uma segunda banca de Qualifrcação, depois fui relaxando e frcando feliz
com os acontecimentos. Isto porque os professores Francisco Lobo e Osmar Fávero foram os
avaliadores e coordenadores do grupo em que fiz minha apresentação, ambos trouxeram cópia
do artigo e com vários destaques. Ficaram entusiasmados com o tema apresentado e
indicaram uma bibliografia que me foi de grande valia: "O Combate dos soldados de Cristo na
terra dos papagaios", de Luiz Felipe Baeta Neves. O professor Francisco Lobo solicitou
informações cle quando acontecerá a defesa, de uma cópia definitiva da dissertação e pediu
attoúzação parc utilizar o trabalho que apresentei em um artigo que estava fazendo.
A XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas: Fronteiras e ldentidades:
pesquisadores da temática jesuítica nas Américas. Entre eles destacamos as presenças de Ruth
capÍtulo 1.
E, para ftnalíza,r houve a encenação da peça "A Máscara de Taré" do grupo teatral A
Turma do Dionísio. Esta peça conta como foi o contato dos portugueses, espanhóis e jesuítas
com os povos indígenas. Quando terminou, pudemos fazer perguntas ao elenco e fiz um
intervenção parabenizando o ator que fez o padre, pois em alguns tnomentos ele lembrava
fielmente a figura de Anchieta em algumas cartas, O rapaz respondeu que estudou algumas
cartas para fazet aquelas cenas e que esperava ter reconstituído com qualidade o que
apresentou e se eu aprovavao que ele fez, tendo em vista os meus esfudos sobre o teatro. Foi
XVU. Rememotar a existência dos pedagogos da oralidade, como foi o processo de inserção
dos colonizadores portugueses e dos jesuítas no Brasil. E, finalmente, realizarmos um breve
histórico do que foi a escola para índios e do que denominamos de tentativas de conversão.
No capítulo 2, também divido em trôs momentos, trabalharemos com o conceito do
teatro jesuíta nos séculos XVI e XVII, retratando a importância da memória vicentina como
eixo para a existência desse teatro e o carâter pedagógico desse instrumento com suas
linguagens. E permeando com as possíveis consequências sof idas pelos povos indígenas.
No capítulo 3, ainda em três momentos, nos proponÌos a resgatar a memória e a
história do Auto de São Lourenço, os lugares de tnemória das encenações, suas adaptações, os
artistas, a pedagogia desse Auto e' por fim, o uso dos corpos "subordinados livres".
referências bibliográficas.
Esperamos contribuir com todos quanto tiverem acesso à leitura desse trabalho no que
diz respeito às ref'lexões sobre o LÌso de um instrumento de arte, nos séculos XVI e XVII,
como um aparente objeto de doutrinanrento e subordinação.
capírulo 1: os PEDAGOGOS DA ORALIDADE E A PRESENÇA COLONIAL
É possível visualizar todas as ações descritas acima. Elas não dizem respeito às
redondezas das grandes malocas. E,stas também planejadas e construídas pelos indígenas.
Elizabeth Pissolato (2007: 328), afirma que entre os Guarani Mbya, a transmissão de
sabedoria ultrapassa os limites da fala, e preciso contar. Assim, apresenta o exemplo de como
e quem é responsável por ensinar essa arte:
V/alter Benjamin (1994) nos faz compreender o quanto a ação de narrar algo é de
suma importân cia para a humanidade. Mas que, para isso, é preciso falar com o corpo, deixar
fluir as aproximações e permitir que a experiência passe de pessoa a pessoa constituindo-se,
marcas de sabedoria daquele que possui o dom dessa arte. Dessa forma, também é preciso
desenvolver o dom de ouvir, para que as marcas do ouvinte de hoje estejam impressas no
momento em que essa história for contada novamente'
E isso ocorre entre os povos inclígenas. A medida que uma história e narrada, está
sendo tecida e garrhalìdo novos fios nas mentes dos ouvintes. Por isso há diferentes formas de
narrar e recontá-las.
Um exemplo encontrado em uma crônica de Freire (2010) é a existência do pütchipü
'u na cultura dos índios Wayuu, conhecidos como Guajiro que constihtem, atualmente, cerca
de 500 mil habitantes e estão na Venezuela e Colômbia. Faz 500 anos que o pütchipü'u atua
na aldeia. Ele é "o "mestre da palavra', o "dono do verbo", enfim unx índio sábío,
Enquanto as sociedades não indígenas criam leis e sistemas punitivos para quem não
as obedece, esse personagem indígena tem a função de apaziguar os conflitos, "restabelecer a
paz e o equilíbrio das relações sociais." Os direitos dos povos indígenas da Colômbia foram
de Janeiro.
No início era tudo escuro, nãotiúa nem animais, muito menos
humanos. De repente, surge um tipo de faísca, vindo de muito
longe...então se transforma em um ser muito poderoso, que
chamamos de criador de todas as coisas' (SILVA, 2009:7-9 ).
Ainda em Benjamin (199a), quando estas histórias deixam de ser contadas, acabam se
perdendo. O mesmo acontece quando as relações pessoais são abreviadas por imediatismos.
Ou quando os mais antigos portadores do saber são exilados em hospitais ou sanatórios com
objetivo de serem silenciados.
Para este momento, o recorte temporal desta dissertação são os séculos XVI e XVII.
Pretendemos demonstrar o qttanto tudo que descrevemos foi rapidamente percebido pelos
estrategistas co lonizadores.
Apontar que, na produção teatral jcsuíta, estavam contidas e foram tomadas sem
empréstimo, a oralidade, musicalidadc e produção cultural. Tudo isso visando o alcance de
objetivos inimagináveis. Ou seja, para irem além do que pretendiam em terras brasileiras.
Convidamos a algumas reflexões: Como foi possível aos portugueses desembarcarem
com uma estratégia de dominação cultural, se nem ao menos sabiam da existência de
Como pensar tão rápido nesta estratégia, se afinal de contas os documentos históricos
relatam ter ocorrido um erro náutico que os trouxe para estas bandas da América?
Veremos, nas próximas linhas, um breve relato histórico do que foram a chegada,
permanência e tentativas de conversão portuguesa.
Figura 1- primeiro mapa do Rio de Janeiro. Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque de.
Visão do Paraíso; os motìvos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. P . 27 6'
i l't:,S. í- .rr.rt,rj71.r,.. J,ìrt,. Èr'iJi.r. ,:"1Ìl r,ilìli r;,'r 1ì,,r:,,,.'.r.u,.'. I;;,:;1. ì ì !li; 1 ;1,. 1I
f . i y.r,, 1 5,r ;,i,i,:., JJ-. rt, f! r ; i r,r..r:'t r,\i a,: rìtr r.,,.,' / .JiJ i;.i.i'ì,j.
10
1.1- Breve histórico da companhia de Jesus no Brasil
para dissertar sobre esta parte do capítulo um e dos demais subtítulos, nos apoiamos
nas reflexões de Eduardo Hoornaert ( Belga nascido em 1930, Sacerdote formado desde
1955
obra histórica " O combate dos soldados de Cristo natena dos Papagaios"
aliança,no século XV, se deu, nas palavras de Dom Henrique,"...pata a defesa e o aumento
da santa fé e a redução dos infiéis ". (F{OORNAERT, 1977:35).
A Ordem de Cristo foi fundada com recursos da Ordem dos Templários. Portugal
deixou de ser terca de agricultura para se tornar proprietário de mares que nlÌnca foram
navegados para, em seguida, se apossar de diferentes terras conhecidas depois cotno futuras
colônias . Essa mudança deveu-se à parceria da Igreja com o Estado'
A aliança com o Estado e a organização da igreja no Brasil, segundo Hoornaert (1984:
que
l2). Se deu pelo controle do padroado. E também pela prerrogativa da Coroa Portuguesa
de 1551 ".
Dessa forma, no Brasil, a obediência dos missionários era devida ao Rei de Porfugal e
não ao papa. Como uma das normas, era de praxe das navegações possuir um capelão a
t1
No contexto político de colonização, o cristianismo foi bastante representativo na
identidade portuguesa. A luta não se dava apenas pela conquista de novas terras, mas pela
pâtria e religião. Ação impetrada, independente dos habitantes que povoavam estas terras.
Hoornaert (Ig77) afïrma que os indígenas sofreram com esta lógica colonialista pois
representavam possíveis "inintigos da fë e da civilização" .
Suess (2009:13) nos relata que, pelo insucesso das Capitanias Hereditárias, Dom João
III prevê a iminente perda da colônia. Erapreciso " domar o povo para conquistar o Brasil ". E
quem aplicaria esse remédio seriam os jesuítas. Assim, em 29 de março de 1549,
desembarcaram na Bahia de Todos os Santos os seguintes padres: Manuel da Nobrega, João
de Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes, Antônio Pires e os irmãos Diogo Jácome e Vicente
Rodrigues.
No entanto, segundo Hoornaert (1977:49), os primeiros padres tinham um mal ou
nenhum domínio sobre a língua da terra. Recorreram a dois colaboradores que entraram na
Companhia, mas já viviam no Brasil: Pero Correia, português abastado que chegott nos anos
de 1533-1534, encontrado em São Vicente e chamado, por Nóbrega, de "virtuoso, sábio e
melhor língua do Brasil".
Outro colaborador foi Antônio Rodrigues, ex soldado da conquista espanhola antes de
entrar na Companhia de Jesus, no ano de 1553 em São Vicente. Ele dominava a língua Tupi e
por isso foi aproveitado por Men de Sá na gerra do Paraguaçu " para falar aos indígenas e
assim justificar -pelo menos para os conquistadores- as violências que em seguida iam
acontecer". E nas palavras de Men de Sá: " Dei na aldeia e a destruí e matei todos os que
quiseram resistir, e à vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram atrás".
Para Hoolraert (1984: 125 e 126), o que os jesuítas possuíam era uma pedagogia
evangelizadora que consistia ern declarar que não se identificavam com a "totalidade
colonizad ora". eue não podiam se aliançar com ela e nem com a colonizada. De modo que,
sendo um projeto pedagógico, objetivava alcançar uma espécie de novo valor: " o valor do
outro como outro".
E para evitar que atrapalhassem o processo civilizatório, era necessário colonizar e,
acima de tudo, "aportuguesar". (HOORNAERT, l97l:2ll). Para atingir estes objetivos,
algumas ações educativas foram necessárias. Dentre elas: a inserção portuguesa entre os
indígenas.
12
Descaradamente foi preciso impressioná-los de forma amistosa e para tal enviaram
vários degredados com dotes artísticos para entorpecê-los. Esses graciosos representavam
uma falsa versão dos europeus que so foi revelada por completo quando da chegada dos
primeiros missionários. Veremos esta trajetoria mais detalhadamente no capítulo dois'
Um exemp.lo do contato encontramos quando os jesuítas chegaram no litoral da Bahia
e encontraram o pau-brasil, uma ánrore que os índios chamavam de Ibirapitinga e Arabutã
que media de dez a quinze rnetros cle altura e tronco de um metro de diâmetro. E, para
carregar os navios e encontrar as melhores árvores, a"ajuda" dos índios era imprescindível.
para isso, era preciso obter um trabalho compulsório, para o qual os índios ofereceram
resistência. Seria essa uma forma de escravidão ou uma novíssima forma trabalhista de se
tratar os colonizados?
A seguir, veremos algun-ras tentativas e estratégias de tornar os indígenas cativos na
colônia.
jesuítas
Figura 2 -Chegada dos jesuítas. Fonte: GAMBINI, Roberto. O espelho índio: os e
13
1.2: TENTATIVAS DE CONVERSAO
A extração do pau-brasil foi um bom negócio até meados de 1530. Após isso, outras
fontes deveriam ser exploradas, mas para um resultado mais positivo, era necessária a
presença dos membros da Cornpanhia de Jesus para que servissem de intermediários nesta
nova empreitada. O objetivo declarado era a catequização dos índios para convertê-los à fé
cristã, mas por trás dessa catequização estavam as prováveis explorações econômicas e a
escravidão passiva. O índio batizado e convertido aprendia a obedecer, a cumprir horários e a
entrar no processo Produtivo.
Encontramos, em Gambini (1998:136) a informação de que após alguns dias da
chegada, Nóbrega já se sente tão à vontade que declarava em suas cartas que "Hé gente que
neúum coúecimento tem de Deus, nem ídolos, fazem tudo quanto lhe dizem". Sobre essa afirmativa
reduções ou aldeias. Importante não relacionar esses ambientes históricos apenas às reduções
do sul do país ou da Amazônia. O aldeamento, diz ele, "Foi talvez a experíência mais válida
que partiu da institr,tição eclesiástíca, até hoie."
A "licença" pata os primeiros aldeamentos partiu da "MesQ de Consciência e
14
I
O acordo firmado dizia que os jcsuítas deveriam organizar as aldeias que dessa forma,
passariam a constituir "territórios livres e intocáveis". A base legal foi o "direito de asilo" que
não se aplicava aos escravos. Por isso os jesuítas requereram a administração sobre os
aldeamentos para que os índios não se tornassem escravos da Coroa Portuguesa. Ao final,
vamos retornar a este Pensamento.
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15
Segundo Hoornaert (1994:29-3T), durante os três primeiros séculos da evangelizaçáo
no Brasil, funcionou o chamado ciclo da evangelizaçáo missionária. Divididos em cinco
ciclos: "litorâneo, seftanejo, maranhense, mineiro e paulista." Que por sua vezftcaram a cargo
de quatro Ordens do Padroado Real (Lisboa): "Jesuítas, Franciscanos, Carmelitas e
Beneditinos." Não esquecendo de outras duas que pertenciam a "De Propaganda Fide
centros da colônia. Isso aconteceu, principalmente, nos ciclos sertanejo e maranhense. Ainda
em Hoornaeft (1994:39-43), no Maranhão ocorreram os maiores embates entre os moradores
portugueses e os jesuítas. Isso porque "...o estado maranhense era mais pobre do que o
brasileiro e não podia comprar com facilidade escravos africanos". Importante lembrar que
nessa região a economia "...era baseada ua coleta dos produtos naturais ou "drogas do sertão".
Uma figura marcante nos enfrentamentos foi o Padre Antônio Vieira. Ele declarava
que " Os outros cristãos têm obrigação de crer a fe: os portugueses tem a obrigação de a crer e
mais de a propagar". E quanto ao relacionamento com os indígenas afirma que "...são por
ordem divina, beneficiários de um direito anterior a qualquer outro "direito humano"...à
liberdade...moradia...casamento...terta..." Tudo isso é o mesmo que o "direito à salvação."
No entanto, pregava o direito à liberdade como secundário ea salvação como
primordial:
Desta fotma Vieira sempre defendeu os "descimentos" militares
que caçavam índios uo interior dos rios amazonenses e na
realidade dizimavam as populações indígenas de maneira
drástica: o envolvimento ideológico impediu-lhe um olhar mais
sereno do que estava passando na realidade. (HOORNAERT,
1994:43).
Serrão (1529-15S6) que foi Padre e Reitor do Colégio Jesuíta no Rio de Janeiro, alegando que
não havia outra saída:
l6
E porque não há gente de trabalho nestas partes para alugar por
jornal, nem materiais se acham de compra, nos é necessário
termos muito escravaria e gente de terra, governada e mantida
de nossa mão...havia duas formas de transformar em escravo
aquele índio que vivia livremente em sua aldeia de origem.
Obtinha-se escravos indígenas através da Guerra Justa e dos
Resgates, ambas formas aprovadas pelo rei, abençoadas pela
religião... (FREIRE, 1997 :44).
Enquanto alguns conseguiam fugir, outros não tiveram a mesma sorte e lhes cabiam a
Guerra Justa: invasão armada dos territórios indígenas pelas tropas com objetivo de
capturar o maior número de indivíduos incluindo mulheres e crianças. Em seguida, estes
tornavam-se propriedades de seus captores, vendidos como escravos aos colonos, à coroa
portuguesa e aos missionários. Representando, assim, um verdadeiro recrutamento de força de
trabalho.
Os Resgates: operação comercial realizada entre portugueses e índios "amigos". Os
colonos trocavam objetos por índios prisioneiros de "tribos aliadas". No entanto, este
prisioneiro denorninado "índio de corda", estava amarrado e pronto para ser devorado pelos
captores.
Assim,, deveriam trabalhar como escravos para seus "salvadores". É desse fato que os
Grande parte dessas práticas se davam do descimento dos indígenas "do interior para
zona litorânea, ou para a confluência de rios, na região amazõnica." IJm dos casos mais
T7
.,Missão dos Mares Verdes", de 1624. Nela, os 'Jesuítas João Martins e
clássicos foi da
Antônio Bellavia desceram 450 indígenas Paranubis do interior do atual estado de Minas
atual cidade de Vitoria do
Gerais para a aldeia cristã dos Reis Magos, nas proximidades da
Espírito Santo." (HOORNAERT, 197 I :126)'
por Hoornaert
A seguir, trechos de um relato encontrado por Seraf,tm Leite e citado
(1977 127):
jesuítas colher os
Hoornaert (1917) adverte que, para a pedagogia evangelizadora dos
preciso formar aldeamentos long e de fazendas, povoamentos pottugueses e etc'
O
frutos, era
destaque que o autor faz e para o caso do seguinte tipo de aldeamento:"IJm aldeamento
livre...Nossa Senhora da Assunção na serra da lbiapaba, no atual estado
do Ceará (hoje
(POLLAK)' Foi
Consideramos essas aldeias de repartição como "lugares de mem ória"
apropriado para
com a existência delas que se possibilitou a existência de um espaço
a
18
De acordo com Hoornaert (1977), os jesuítas não apoiavam as políticas de
aprisionamento descritas acima. No entanto, cabe-nos destacar que não era possível continuar
a empreitada pedagógica catequética de docilização, pacifìcação e doutrinamento dos
indígenas se não existisse um lugar para isso.
Como vimos, foram diversas as formas cle dominação sobre os povos indígenas, apesar
dos documentos oficiais chamarem de "livres" os índios que foram repartidos e aldeados.
Encontramos informações em Freire e Malheiros de que a devolução dos repartidos muitas
vezes não ocorria por diferentes fatos.
Dentre eles, urn forçoso e falso casamento de colonos, de índias escravas com os
índios dos aldeamentos missionários. Dessa forma, não se podia mais separá-los, tendo em
vista a santidade do matrimônio.
Reflitamos no seguinte: se os aldeamentos, na concepção jesuíta, foram feitos para
defender os indígenas de uma provável escravidão, então, por que foram organizados de
forma que atendessetn aos interesses daqueles que os tornaram "cativos em sua liberdade"?
Walter Benjamin (L994) nos convida a revelarmos a "históriaa contrapelo", ou seja,
contarmos a história que está silenciada, que não está revelada, descrita ou legitimada nas
bibliografias oficiais.
Nestas breves linhas, buscamos revelar o contrapelo da história das estratégias de
tornar os indígenas cativos, tendo como foco principal as rememorações dos aldeamentos de
repartição.
Além da representação simbólica de depósito de indígenas pertencentes a diversas
etnias, línguas e localidades, eles também foram palcos da inclusão das escolas para índios
conhecidas talnbém por escolas de primeiras letras ou elementar. Este foi o espaço para
utilização do instrumento pedagógico teatro, que já havia feito parte da vida dos indígenas
quando do início da colonização.
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20
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basear, entre outros títulos, em alguns dos dez tomos da obra História da Companhia de
Jesus no Brasil, elaborada pelo padre jesuíta e historiador Serafim Leite (1890-1969)
que
trabalho de Serafim, citarei trechos de minha monografia intitulada "Da escola para índios a
escola indígena: o caso do Rio de Janeiro", no curso de Pedagogia, concluído na Universidade
2. Colégios e
pública
Colégios estava aberta, em princípio, a todos os filhos de portugueses e a instrução era
e gratuita (LEITE,, 1938:143). No entanto, o destaque aqui fica para o primeiro modelo de
escola.
afirmar isso. No cntanto, para a época, era considerado um avanço intelectual com relevante
destaque.
O pe. Leonel Franca dedicou seus estudos ao que denominou de Método Pedagógico
dos jesuítas. E ao longo desse e do próximo capítulo, destacaremos várias contribuições do
valioso trabalho.
No processo de construção de um plano de estudos para as insituições de ensino
jesuítas, cabe destaque para as ações de diferentes personagens. Dentre eles está o Pe. Nadal,
21
Reitor do Colégio de Messina, em Roma, no ano de 1551. Ele foi responsável por formular o
..de Studio Societatis Jesu", onde se encara aorganização completa dos estudos. Desde
tratado
as classes de gramáúica até às faculdades superiores de carâter universitâtio". (FRANCA,
1952:9).
Alguns anos se passaram e a continuação desse grande projeto pedagógico ficou por
conta de Ledema, que foi Prefeito de Estudos ldeal. E,le teve por tarefa realizar a revisão e
ampliação do programa de estudos do Colégio Romano. Mesmo com auxílio de vários
colaboradores, não chegou a frnalizar o seu " De Ratione et Ordine Studiorum Collegii
Romani", QUe foi publicado no Monumenta Pedagogica'"
Como vimos nas descrições apresentadas, várias regras de estudos foram elaboradas e
modificadas. Dessa forma, é possível afirmar que antes mesmo do método final dcs jesuítas
ser aprovado, os usos das normas que existiram foram aplicadas nos Seminários, Colégios e
O Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu foi finalizado depois de 40 anos de
elaboração. Uma comissão composta por seis membros e selecionada pelo Pe. Aquaviva, no
ano de 1584, que eram "...representantes das principais nações da Europa e das mais
importantes províncias da Ordem... João Azor, da Espanha; Gaspar Gonzales, de Portugal;
Jacques Tirie, da França; Pedro Busen (Buys), da Austria; Antonio Ghuse (Gusano), da
Germânia; Estevam Tucci, de Roma." (FRANCA, 1952:19)'
Leonel Franca nos infonna que todos destacavam três horas por dia para os estudos,
leitura, discussões e consultas sobre diversos documentos do acervo jesuíta. Depois, foram
estabelecendo normas, costumes, "usos e relatórios das diferentes províncias...princípios
disciplinares...todo o imenso material pedagógico que se acumulara em mais de 40 anos de
experiência e que agoraestava na fase de codificação definitiva". (1952:19).
Numa espécie de gestação, nove meses com essa equipe se passaram e os trabalhos
foram concluídos. Seguiu para leitura do Pe. Geral Aquaviva, dos seus assistentes e, por fim,
por uma .....comissão de professores do Colégio Romano". Como se não bastasse, os escritos
22
foram submetidos
0,...a um estudo crítico de toda a companhia". Na sequencia, foi utilizado
internamente, impresso e enviado em 1586 para todos os Provinciais'
Não se tratavaapenas de um Projeto de Estudos utilizado oficialmente por mais de 200
anos nas instituições jesuíticas, mas segundo Franca, se tratou de "um código
de leis", cujos
A seguir veremos algumas regras que foram utilizadas nas escolas para indígenas.
Importante frisar que isso se deu antes mesmo da oficialização do método. Em seguida
escolas para índios que funcionavam em taipas. Eram escolas de ler, escrever, contar,
cantar e
tanger onde o ensino era ministrado por missionários e não houve indícios de um
professor
indígena ter lecionado nesta instituição. (LEITE,L938). No tomo I dos escritos de Serafim
Leite, encontramos como se dava a formação dos jesuítas que atuavam nas Escolas
Elementares:
Entre os estudantes jesuítas havia duas categorias. Uns que se
destinavam a letrados: professores e pregadores; outros, à
conversão do gentio...Influía também o coúecimento da língua
indígena, sendo em geral escolhidos, para o mister da
conversão, oS que a falavam melhor. Acabados os estudos de
gramática, e às vezes durante êles, iam para as aldeias dos
índior, aprendiam língua a eaplicavam-se a
Teologia
moral...LEITE, I 93 8:83).
z)
(
educação escolar? E, já que era tão necessária, quem deveria ser o professor? Foram
questões
que ficaram no ar sem respostas, pois existia um não reconhecimento dos valores indígenas,
partes, mas resulta dos desejos de um único grupo independente da reação e ação da outra
parte. Isto se configura a partfu das observações nas entrelinhas de como foi o currículo' a
respeito destas classes escolares relatada por ele de uma maneira um pouco cautelosa e
preocupante, pois ele temia " o crescimento dos nossos meninos, pois retornam aos exemplos
dos pais...preocup açáo, porqlre eles voltam ao vômito dos antigos costumes". (MOTTA'
2000:35).
Este texto mostra qual o valor atribuído à cultura indígena naquela época. Algo tão
24
...há escolas de trezentos e sessenta moços, que já sabem ler e
escrever...Nóbrega refere que, na Aldeia do Espírito Santo, eram
150. P. Melo diz que na mesma Aldeia, um ano depois a
frequência era de trezentos. Por sua vez António Rodrigues
refere que na do Bom Jesus de Tatuapara ,haverâ na nossa
escola 400 meninos. (LEITE,1938:25).
Parece que havia uma certa disputa entre as diferentes escolas elementares quanto ao
Mas ao mesmo tempo, a escola de Piratininga era motivo de orgulho para Anchieta.
Observa-se que o objetivo declarado desta escola não era a aprendizagem do ABC,
mas a cateqvização, a multiplicação de discípulos para a Companhia. Apesar de pessoas de
todas as idades e sexos frequentarem estas escolas, a preferência era dada aos meninos
indígenas pois em vários escritos encontra-se diretamente a palavra meninos.
Mas estas viagens não foram bem sucedidas, pois os meninos morriam durante a ida
para a Europa, com os naufrágios, ou depois que lá chegavam por não se adaptarem às
condições locais.
regras impostas.
25
Os jesuítas ensinam os filhos dos Índios a ler e escrever, cantar
e ler português, que tomam bem e o falam com graça, e a ajudar
às missas; desta maneira os fazem políticos e homens...o
Visitador Cristóvão de Gouveia determinou, em 1586, que estas
aulas, de manhã e de tarde, durassem cada uma hora e meia.
(LEITE, 1938,,26).
É perceptível que o cotidiano não era o mesmo em todas as Aldeias, pois cada uma
apresentava sua especificidade de maneira que a autoridade jesuítica predominava.
Uma metodologia aplicada com êxito na época era relativa ao uso da língua. Era
considerada, de acordo com Leite, no Tomo I, um instrumento apto e próximo para a
conquista das almas. Aqui está a razão porque os jesuítas tanto urgiram no Brasil o estudo de
uma língua indígena, da família o tupi, que era compreendida em todo o litoral brasileiro,
chamada, frã época de Língua Geral e) hoje, conhecida, na Amazônia, pelo nome de
Nheengatu.(LEITE, 1 93 8 :28 ).
Portugal e fazer aquilo que os linguistas sabem hoje: que a melhor idade para um indivíduo
aprender outras línguas é quando se é criança de pouca idade. Pois bem, essas crianças vieram
para o país e forarn postas juntamente com as crianças Tupinambás, no litoral da Bahia, para
começavam a falar em Tupinambâ e nenhum índio falava português. (LEITE, 1938: 28)
26
Este ensino voltado para indígenas e revestido do signifïcado da catequese possuía em
sua grade curricular o ensino do alfabeto, a Gramíttica Portuguesa e, em consequência, a
leitura e escrita, os números, as músicas sacras e a Cartilha portuguesa que explicava a
Inicialmente, quem cuidava desta tarefa eram os próprios jesuítas, tanto nos Colégios
quanto nas Escolas Elementares, mas, apos determinações de Santo Inácio, o açoitador não
deveria ser mais um jesuíta e sim pessoas indicadas por eles, afim de não manchar o retrato
imaculado dos membros da ordem.(LEITE,l938: 86)
De acordo conì o autor, o cuidado que os índios tinham para cont seus filhos se
igualava ao nível do mimo. pois não havia nenhuma espécie de castigo físico e muito menos
moral. Magalhães Gandavo descreve essa forma cultural de criação da seguinte fonna:
"Todos criam seus filhos viciosamente...sem nenhuma maneira de castigo..." ( LEITE, 1938:
e0).
Dessa forma, quando os Padres tinham que agir energicamente contra os pequenos, os
pais não gostavam e os afastavam da presença dessa educação baseada na força bruta, cujos
Sendo assim, a qual informação podemos dar créditos? Receberiam mesmo os jesuítas
chicotes? E para qual finalidade? Será que Franca não se deixou ir além nestas questões de
A inserção dos jesuítas no processo historico do país vai além do ensino público
religioso e básico para crianças indígenas. Não seria incorreto dizer, com ajuda de Foucault
(2004), que está interligada à eficiência da acumulação primitiva de um tipo de capital. Por
isso, foi preciso o uso de técnicas de "docilizaÇão", "domesticação", "disciplinamento" e
28
No entanto, entendemos que, depois deste "disciplinanÌento", o corpo adquire um
"doutrinamento", pois aquelas que antes eram somente regras a serem seguidas, acabam
ficando tão internalizadas e introjetadas, que passam a vigorar como forma de vida dos
indivíduos, quase como se fizessem pafte de sua nattreza. Abordaremos esta questão com
mais detalhes no tópico 3.1.
A história revela que a educação escolar jesuíta para os indígenas se apresentou como
um instrumento utilizado para tornar a força de trabalho deles apta para a produção nos
escolas, os pais não estariam impedidos de trabalhar por causa do cuidado com os filhos,
tendo em vista que os adultos também participavam de ensinamentos básicos relacionados aos
trabalhos agrícolas e ofícios artesanais.(FRElRE, 2004)
Essa foi a lógica do pensamento jesuíta, mas a realidade foi outra. De acordo com
Leite (1938), os pais recorriam aos padres para que suas crianças fossem devolvidas e quando
isso não acontecia, os mesmos fugiam dos aldeamentos jesuíticos que tinham a função de
verdadeiros depósitos de mão de obra para trabalho contpulsório.
Esses fatos sc repetiram por mais de 200 anos, sob a égicle dos jesuítas e por outros
quase 150 anos nas mãos dos Capuchinhos e de outras missões. Uma das conclusões que
podemos indicar é que os rnétodos utilizados nessa escola para índios desconheceu as formas
populações.
Talvez seja pelo motivo abordado acima. Os povos indígenas senìpre tiveram seus
arquitetos, engenheiros, professores e sábios, no entanto, ainda hoje lhes são negaclos esses
reconhecimentos.
Dessa forma, Íìa sua atividade pedagógica, a escola criada pelos jesuítas na colônia do
Brasil, ignorou as línguas indígenas, não levou em conta os saberes históricos e educacionais
que esses povos possuíam, os processos próprios de aptendizagoffi, isto é, a maneira que eles
tinham de ensinar e aprender a partir da oralidade, transmitida pelas mais variaclas línguas e
Ocorrenclo, assirn, uma cliscriminação das etnias, das identidades e das culturas que
durante este processo foram dizimadas assim como as almas destes povos. Assim, podemos
29
afirmar que o período jesuítico representou uma educação religiosa para índios usando como
língua de instrução e catequese a Língua Geral que era de base indígena.
Depois dessa breve explanação, nos questionamos até que ponto foram cumpridos os
objetivos de ensinar a ler, escrever, catequizar e capacitar para o trabalho? São indagações
que não podem se esgotar e muito menos serem refletidas apenas para aquela época, pois
trata-se de história e a história é viva.
30
CAPÍTULO 2: O TEATRO E OS INDÍGENAS NOS SECULOS XVI E XVII
3l
Pedro Alvares observou o quanto Dias alegrava os índios com suas exibições e
Podemos observar que a presença destes portugueses em meio aos índios não era
apenas para risos e festas, mas também, como aponta Guedes, para levar "papagaios verdes e
outras aves" para as naus. Seriam estes presentes ou as primeiras explorações de espécies da
fauna brasileira?
Pela "ingenuidade de seus instintos"ficariam por um momento
presos pela música e pela cor que os levaria, por sua
luminosidade e musicalidade, a compreender a quem deveriam
realmente admirar e venerar. (NEVES: 1978:76).
Moura (2000:26) explica que depois destas manifestações nas aldeias, outras se deram
dentro das naus portuguesas que aportaram no Brasil entre os séculos XVI e XVIL Cada
representação se diferenciava pela presença dos tripulantes que fïcariam na terra conquistada.
no capítulo anterit-rr. Abençoadas pela Igreja e pelo Estado, eram justificadas pela convicção
colonialista de que os índios, por trão recuarem e se submeterem ao regime escravista
português, foram considerados "bárbaros e inimigos da civilização cristã". (HOORNAERT,
l97l:212).
A presença desse teatro entre os indígenas era possível até mesrno nos momentos em
J/,
Essas considerações nos fazem compreender o quanto "as expressões corporais e a
impressão global" de tudo que compunha o cenário dos sermões, atr aiam os observadores
indígenas.
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Em uma breve análise do quadro "a primeira tnissa" (evento ocorrido no dia 26 de
abril de 1500, eln Coroa Vermelha, sul do atual estado da Bahia e celebrada pelo Frei
Henrique de Coimbra). Podelnos perceber o quanto a cena se faz emblemática, ttão no que diz
respeito ao ato da realização de um monrento religioso, mas aos indígcnas que, neste
momento. são a plateia. Aincla não são os atores principais, não sabem reproduzir ott encenar
33
Temos que rememorar QUe, como vimos no primeiro capítulo, os primeiros
responsáveis pelo uso dessa estratégia foram os Franciscanos, tendo em vista que os primeiros
jesuítas aportaram anos mais tarde. A seguir, veremos, por Neves, uma análise da Primeira
Missa:
A presença jesuíta representou um marco para o uso do instrumento teatro. Ele deixou
de ter um cunho somente religioso para ganhar o porte doutrinário e evangelizador. Os atores
e cantores passam a ser os próprios indígenas. As indumentárias não são mais as batas finas e
Nas págillas que seguem, veremos mais detalhes sobre o que foi e a representatividade
desse teatro jesuíta no espaço escolar e fora clele. Importante frisar que um recurso facilitador
34
2.Iz O TEATRO DE ANCHIETA E A MEMORIA VICENTINA
Abaixo, Suess (2009:31) relata algumas ações dos observadores jesuítas. Diz que a
"música e festividade litúrgica" foram motivos de "fascinação dos índios." E isso foi sempre
perceptível entre os "inacianos." Ao ponto de acontecer que a chegada dos missionários nas
aldeias eram "precedidas por uma procissão, com canções e danças das crianças."Facilitando
assim, a"aceitação da mensagem".
Eis um relato entre Nóbrega e Simão Rodrigues encontrado, por Suess, no livro
"Catta dos Primeiros jesuítas no Brasil", organizado por Serafim Leite.
dizer que foram verdadeiros chamarizes e artifícios utilizados para a captura dos indígenas.
Aos poucos, esse recurso foi sendo introduzido na escola elementar. Veremos esta fase coln
mais detalhes no tópico 2.2, que trata do teatro colno instrumento pedagógico. Por ora, vamos
compreender mellror as memórias desse recurso pedagógico.
O início cias encenações teatrais se confunde com a chegada tra Bahia, em 1553, do
ainda irmão Joseph de Anchieta, com seus poucos 19 anos, formado em Letras, um brilhante
aluno de destaque da Companhia quando passou a fazer parte de seus quadros. Nesta época,
conheceu, além de enfermidades que permaneceram ate a morte no ano de 1597 em Coimbra,
diversas obras literárias, dentre elas as peças e os autos do mestre Gil Vicente e de sua escola.
para as praias da Bahia foi um caso peculiar. Pero lÌodrigues, considerado o l" biógrafo clo
35
S';a vinda a estas partes se azou desta maneira. Sucedeu cair em
uma grave enfermidade, em que foi curado com a caridade e
diligência que a companhia em toda parte costuma; mas o
doente não alcançava perfeita saúde, pelo que andava mui
desconsolado, cuidando que não tinha forças para continuar com
os ministérios da companhia t ] depois, por conselho dos
médicos, pareceu ao superior mandá-lo a esta terra que havia
farna ser mais sadia por causa dos mantimentos leves e dos ares
benignos. (RODRIGUES, 1978: 28).
"aportuguesamento."
Não devenÌos esquecer que ambos possuíam vários colaboradores nessa batalha pela
fé. Mas como os dois foram considerados líderes de suas épocas, os relatos históricos dão
maior destaque aos feitos deles dois.
Alguns escritos acadêmicos que pesquisamos apresentam certas dirvidas no que diz
respeito à fonte artística estudada por Anchieta. Uns dizem que era homem de grande
inteligência e que por si só elaborou o teatro no Brasil.Outros afirmam que Gil Vicente foi sua
grande inspiração enquanto esteve na Europa. Porém, 'onão desenvolveu o espírito crítico
frente a sociedade feudal." (SUESS, 2009: 39). Mas escolheu outros alvos para combater.
O fato é que a metodologia teatral inserida por Anchieta e equipe, no Brasil, de nada
se igualava ao anterior às suas práticas.
teatro português, ulÌ1 autor de transição entre a ldade Média e o Renascimento. Spina (1975:
2l) afirma que houve uma mudança teatral da época quebrando a "estética dos olhos e do
ouvido, para impor uma estética da reflexão".
O homem passou a ser o tema fundatnental em suas peças e não mais o vislumbre dos
cenários ou apenas momentos de lazer para os espectadores. Os diálogos em primeiro plano,
36
as sátiras, a identificação do autor em algum personagem e a particip ação do público foram as
Tendo sido sua primeira representação, em 1502, para D. Maria, doente por causa do
nascimento do infante D. João, ficou conhecido por Monólogo da Visitação. O idioma
utilizado foi o espanhol, pois se tratava da imitação do Auto del repelón de Juan del Encina .
Portanto, Anchieta adquiriu, na esçola vicentina, o gosto pelo teatro e, de acordo com
o Padre Cardoso (1977 17), muitas otrras dele são características das de Gil Vicente. No
decorrer da dissertação, trataremos dessas características e de outros pontos do teatro de
Anchieta.
Por ora, graças a este e outros indícios, sabemos que o teatro já havia se instituído nas
escolas elementares e nos colégios. Assim, Anchieta pode ser um dos nomes mais importantes
O fato é que apenas dois anos da chegacla de Anchieta, ensinando latim aos estudantes
jesuítas, primeiras letras aos filhos dos índios e portugueses e aprendendo os usos da língua
Tupi escreveu a Arte da Gramática da Língua mais usada na costa do Brasil ou como é
mais conhecida, A Gramática Tupi, que foi levada, por Nóbreg1 para a Bahia em 1556.
De acordo com informações de Viotti (1984:14), a partir dos conhecimentos em
Tupi"...traduziu um Catecismo, compôs nela o Diálogo da Fé e diversas outras Instruções."
Os espetáculos eram representados em momentos e lugares específicos e para públicos
37
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Figura 7 ' Arte da Gramática de Anchieta: Fonte: HOLANDA, Sérgio Buarque d,e. Visão do
Paraíso: o.ç nxotivos edênicos t'to descobrintento e colonização do Brasil. São paulo:
Companhia das Letras, 2010. P.288
38
2.2: O INSTRUMENTO PEDAGOGICO "TEATRO"
O que descrevemos diz respeito a uma semioficialização do teatro dos jesuítas em suas
instituições de ensino, tendo em vista que ele desempenhava um "importante papel na
Renascença". Apesar do teor provocativo, em algumas colônias, que alguns colégios estavam
dando aos seus autos, chegou-se até a pensar na possibilidade de retirá-lo da grade escolar. No
Além destes, trazia os objetivos específicos que a educação deveria ser aapàzdefazer
seus alunos "mais homens" e "subordinados livres". E que, para isso, injetaria em suas vidas
Depois desta época, os atores foram "alunos brancos, mamelucos, pardos e dispunham
de auditórios maiores" e os objetivos foram estritamente de "preparação para a vida pública"
39
cidades ou igrejas. E, dessa forma, os lugares das apresentações eram relativos aos acolhidos
pelos eventos listados acima, fossem eles, colégios, praças públicas, salas de aula, igrejas,
entre outros.
houve normas para Tragédias e comédias. Neste caso, nos cabe os seguintes questionamentos:
Por que não houve regras para Autos, Cânticos e Sermões? E por que os diálogos saíram das
40
Talvez encontremos respostas nas palavras do Pe. Anchieta em uma de suas
numerosas cartas:
...Que nenhum ou certamente muito pouco fruto se pode colher
deles [isto é, dos índios], se a força e o auxílio do braço secular
não acudirem para domá-los e submetê-los ao jugo da
obecliência. (ANCHIETA, | 5 54:7 6).
',t.
Figura 8 - Indígenas e jesuítas. Fonte :Suess Paulo; Melià, Bartolomeu; Beozzo, José Oscar;
Prczia, Benedito; Chatnorro, Graciela; Langer, Protásio. Conversão dos Catiyos. Povos
indígenas e missão jesuíta. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2009, 144. Tndução
parcial Leszek Lech Antoni.P.32
41
2.3: AS LINGUAGENS TEATRAIS JESUÍUS NOS SECULOS XVI E XVII
Todo este gentio desta costa, que também se derrama mais de
200 leguas pelo sertão, e os mesmos Carijós que pelo serlão
chegam ate às selras do Peru, têm uma mesma língua que é
grandissimo bem para a sua conversão. (SUESS, 2009:26-7).
Anchieta sabiam que a cultura dos Tupi "representava a humanidade sem graça." Sendo os
jesuítas "guerreiros contra o diabo e a carne".(SUE,SS,2009).
Freire (2004:57), afirma que "...a língua brasílica, o nome dado pelos jesuítas à língua
Tupinambá, usada na catequese pelos jesuítas em todo o litoral brasileiro desde o século
XVI."
Mas aprender esta línguanão era tão fácil quanto parece. Segundo Suess (2009: 16,23-
8), Nóbre ga era gago e essa pode ser uma das razões para nunca ter aprendido o Tupi. Por
isso, precisava da ajuda de interlocutores, como, por exemplo, Diogo Álvates Correia, o
Caramuru, que por volta de 1510, chegou à Bahia e tornou-se o tradutor das primeiras
orações. Pero Corrêa e Manuel de Chaves, "homens antigos na terra e línguas". Depois disso
a "doutrina na língua do Brasil" foi ensinada aos mestiços, filhos e filhas dos portugueses e
aos escravos da terra. Por outro lado, Anchieta se valeu do uso de colaboradores nos estudos
da língua e cultura Tupi. Pudemos observar essa qualidade do padre no tópico 2.1.
42
indígenas dariam crédito de confiança aos jesuítas e, com isso, a batalha estava ganha. Segue
um Relato de Nóbrega quando se encontrou com um pagé:
Freire (2004) nos informa que, anos mais tarde, nas conquistas das terras amazônicas,
os padres declaravam abertamente suas posições acerca das línguas indígenas. Isso porque a
diversidade linguística dessa região era enorme e precisava ser vencida. Mas para isso não
poderiam ser utilizadas. A utilização de uma outra língua era necessária para que eles
Esse foi considerado um dos motivos para criação da língua geral como língua de
outros." As línguas faladas por eles eram classificadas por "Nheengaíbas", o que quer dizer
"língua má ou fala incompreensível." Mas o êxito na pacificação só foi alcançado graças aos
intérpretes indígenas desqualificados por ele. A nós cabe a seguinte reflexão: O que levava os
indígenas a se tornarem intérpretes? Acreditamos que não foram trocas de favores, mas
possíveis imposições.
É importante relembrarmos que estas foram as línguas utilizadas nas diferentes formas
teatrais nos séculos XVI e XVII dentro dos aldeamentos. Os Autos, Diálogos, Sermões e
Cânticos foram escritos, em sua grande maioria, utilizando a língua Tupi ou a Língua de
contato, Espanhol e Português. Havia alguns Cânticos em Latim entoados por meninos índios.
Lévi Strauss (de acordo com Suess,2009) e as leituras emNeves (1978), nos advertem
que o uso do Tupi e, depois, da língua geral não foram "inocentes" e nem mesmo unla
43
"demonstração de profundo respeito" às culturas e tradições indígenas. Mas sim de ter como
função primária afaciliÍação da servidão.
O aprendizado da língua Tupi se dava entre os jesuítas com auxílio de intérprete civis
e dos meninos e homens indígenas. Atividade que ocorria nos horários escolares e nas
reuniões noturnas. Dessa forma, muitos escritos foram traduzidos do Latim para o Tupi.
GAMBINI (1998:198), nos informa, que "Nóbrega mandou ftaduzir, entre outros, os
meninos indígenas que eram enviados pelos padres para pregar aos adultos.
Ficamos com as considerações de Neves (1978), no que diz respeito aos objetivos da
conversão. Que não se tratou de "substituir religiões" ou " apresentar uma nova", mas...
E por estes motivos que nos propomos, no capítulo seguinte, escovar a contrapelo o
uso dos "corpos subordinados livres" dos indígenas, os lugares de memória das encenações e
a pedagogia do Auto de São Lourenço que consideramos como um dos mais representativos
44
CAPÍTULO 3: BREVB MEMORIA E HISTORIA DO AUTO DE SÃO LOURENÇO
atos e foi escrito em três línguas faladas na época: Português, Castelhano e Tupi. Mesmo
assim, apenas no ato 3 estão presentes as 3 línguas. O primeiro e o quarto ato foram escritos
em Português e Castelhano. O segundo e o quinto apresentam-se em Português e Tupi.
Qual foi a real participação dos índios na formulação e na montagem do Auto de São
Lourenço? Como obter a visão dos índios sobre o teatro jesuíta sem fazer aquilo que
Benjamin chamava de fazer a história a contrapelo? Essa história a contrapelo é a história
contada pelos vencidos, é o momento em que as vozes que permaneceram no processo de
emudecimento histórico têm a oportunidade de virem à tona e mostrarem sua versão.
Faz-se necessário compreendermos o que significavam os autos: Moura (2000:70),
utilizando palavras do Frei Domingos Vieira, explica que a palavra Auto " é a forma racional
encenado no Rio de Janeiro em 1587.De acordo com Cardoso (1971), os alunos que fizeram
parte dessa apresentação eram todos do Rio e não cita se eram indígenas ou não indígenas. No
experiências e as vivências adquiridas do universo das bibliotecas vivas que erant os mais
"enraizados" (HALL, 2003} Como vimos no capítulo l, eles possuíam sua próprias formas
do fazer artístico. E por isso mesmo eram absolutamente capazes de contribuir com qualquer
montagem teatral que quisessem, bastando para isso um convite.
45
Hansen (2000:25) afirma que no:
divulgação católioa da retórica no que tange o eusino das técnicas, das artes e das letras em
geral. Um dos métodos utilizados para o sucesso da retórica foi a "pronuntiatio", a
Companhia.
A autoria do Auto de São Lourenço vem sendo posta em dúvida, porque não se sabe se
foi integralmente elaborada por Anchieta ou se a sua autoria foi dividida com Manuel do
Couto, devido à caligrafia diferenciada e de diferentes letras que aparecem no caderno
manuscrito de Anchieta que foi ordenado padre no ano de 1567. Mais à frente dedicaremos
um capítulo à análise deste Auto e a importância da escrita em línguas diferentes, discutindo
as razões do uso de cada língua em contextos diferenciados.
Serafim Leite (1938) aponta que Ferdinand Wolf observava que os índios iár
"...possuíam talento e uma predisposição para o movimento oratório e paraa música". Além
disso, há registros , embora posteriores, atribuídos aos índios de danças como a do "Poracé,
Dabucuri, Varaquidtã", entre outras, e canções tupi, como a descrita abaixo, que foi registrada
por "Barbosa Roclrigues na Poranduba Amazonense":
Andira Iurupari
Umucu ce ratâ;
Cururu mirá catu
U mundeca çeralâ.
Tradução:
O morcego, demónio
Apagou meu fogo;
O sapo, gente boa,
Acendeu meu fogo.
(LEITE, 1938.294).
46
De acordo com Monteiro "algumas novas formas emergentes de territorialização,
muitas vezes, acabam por aprofundar um processo de desterrìÍorialização...ou seja, visam a
recomporeadeslocaroespaço,acultura,aeconomiaeaorganizaçãosocialepolíticadeum
grupo específïco..." (MONTEIRO, 2006:1 08).
-2.
E possível afirmar, de acordo com os registros históricos, QUe os jesuítas jâ faziam uso
ensinar religião, mas a promover cultura religiosa, vivência e moralidade cristã." Com base
nisto, inferimos que, à medida em que ocorre a promoção, a cultura e a vivência de algo, está
implícito que este algo foi ou está sendo ensinado. Logo, o teatro jesuítico visava o ensino da
religião, tendo em vista, que este era um instrumento pedagógico e catequético utilizado nas
escolas para índios.
Outro ponto que tnerece reflexão encontramos, ainda, em Cardoso (1977:44), quando
o mesmo cita Sábato Magaldi:
O esforço de aculturação, nesse empreendimento gigantesco de
trazer os índios para a crença cristã, moldou a forma de um
novo veículo cênico, que não podia ser inteiramente autóctone,
mas não se pautava por rígidas regras estrangeiras.
Podemos observar que ele acredita no teatro como ponte para religião, mas, ao mesmo
tempo, declara que as peças não se pautavam "em rígidas regras estrangeiras."
Discordando dessa afirmativa, observamos QUe, se tais peças não estivessem sob
rígidas regras externas, as rnesmas teriam, como autores, os próprios indígenas e não teriam
recebido tantos elogios estrangeiros devido aos incansáveis ensaios. A conclusão de Sábato
4l
3.1: OS LUGARES DE MEMORIA DA ENCENAçÃO
Pollak nos faz compreender que, a partir das narrativas presentes nas cartas jesuíticas,
nos documentos analisados por Serafim Leite, Hoornaert e tantos outros pesquisadores,
podemos inferir sobre diversos mornentos do fazer teatraljesuítico e apontar que a história
Mesmo sem ter encontrado nenhum a çarta ou documento que contivesse a fala dos
disciplinas dos jesuítas. Durante os séculos XVI e XVII, as encenações possuíam seus lugares
e momentos próprios para acontecerem. Jávimos isto no capítulo,l no entanto, é importante
rememorarmos como se davam as dinâmicas das aldeias.
48
Os falsos momentos de lazer eram preenchidos pelas recepções aos visitantes:
tamborim. Danças, breves diálogos e, ao final, segundo Cardim, os meninos pediam a bênção
ao padre visitador. Tudo perfeitamente cronometrado a ponto de proporcionar espanto a quem
visitava.
Não encontramos nenhum documento que descrevesse o tempo destinado aos ensaios
e recepções dos Visitadores. Apenas que o ensaio do Auto de São Lourenço foi realizado por
Manuel do Couto. Também não encontramos nada referente aos castigos e punições no caso
do não cumprimento ou imperfeição nas representações.
A seguir, pretendemos conduzir sua leitura e percepção a uma das produções mais
adaptação dele foi encenada pelo Núcleo de Investigação Teatral da UERJ, no Teatro Noel
ele, trata-se de uma adaptação do Auto incluindo trechos de diversas caftas de Anchieta. Por
se tratar de um teatro épico, optou-se por inserir personagens e momentos ocorridos naquele
ano de 1998. Para Dacosta, o espectador é que deveria enxergar essa inserção a partir do
esboço que os atores realizavam. Outro diferencial estava relacionado às músicas que
compuseram essa peÇa, desde cantos indígenas e gregorianos até rock. Ele finaliza suas
impressões afirmando que: " Não só a coerência interna das situações do séc. XVI sofre
50
3.2: APEDAGOGIA DO AUTO DE SÃO LOURENÇO
Anchieta ficou responsável por acompanhá-lo. Nosso recorte frcapara a visita que fez, em 10
de agosto de 1584, à aldeia de São Lourenço dos Índios, situada onde hoje é Niterói. Na
ocasião trouxe de Porfugal a relíquia de São Sebastião e para comemorar houve a
representação do Auto de São Lourenço. Assim, de uma só vez, se introduziram dois santos
entre os Temiminós.
esquerda representando a forma que foi morto e uma palma na mão direita que significa o
5l
Mas a história de Lourenço se espalhou por Roma devido à crueldade de sua morte: foi
amarrado em uma grelha e assado vivo! Dessa forma, seu reconhecimento como homem
bondoso e mártir lhe rendeu vários santuários pelo mundo e festas grandiosas consideradas
uma das maiores depois de São Pedro e São Paulo.
Hans Staden (2010) afirma err seus escritos contidos no livro l)uas viagens ao Brasil,
que, nos anos de 1550, foi preso pelos Tupinambá que estavam em Ubatuba. E por este
motivo pode descrever o cotidiano daquela aldeia incluindo o ritual antropofágico. Este
consistia em prender um inimigo c fazê-lo permanecer vivo como um hóspede especial por
muitos dias até que chegasse o momento do ritual em que toda aldeia participava. Por estar na
condição de preso, Stadem percebeu que poderia ser o prato principal da próxima festa. Ele
concluiu que o motivo destc ritual era vingar os indígenas que haviam sido mortos pelo povo
do inimigo.
52
Esta prática foi amplamente divulgada e temida entre os europeus e se dava da
seguinte forma:
53
Se realmente este relato for verdadeiro, podemos inferir que, para os Tupinambá que
assistiram à representação do Auto de São Lourenço, o momento em que o mártir foi
queimado não causou espanto algum, tendo em vista que queimar inimigos como forma de
vingança pelos outros indígenas foi uma prática comum entre eles.
Com essa afirmativa e nossas observações, tudo nos leva a crer que o Auto de São
Lourenço é mesmo uma narrativa histórica. Sendo assim, quais teriam sido os objetivos de
Anchieta quando adaptou esse auto para o Rio de Janeiro? Exaltar a vitória portuguesa,
diminuir, humilhar ou deixar de sobreaviso os indígenas presentes?
atual dessa apresentação e decidimos pl'ocurar esse "lugar de memória" (POLLAK, 1992)
documento devido a sua importância histórica não apenas para o teatro dos jesuítas, mas
também paÍa a história dos indígenas que ali viviam.
Em 10 de agosto de2010, dia de São Lourenço, visitamos, em Niterói,a igreja de São
Lourenço dos Índios. Ela foi reconstruída no ano de 1627 para abrigar o retábulo com a
imagem do santo que a nomeia. A igreja anterior, construída no mesmo lugar e que fez parte
das encenações clo Auto, foi construída em 1570. Desde 1920, a Igreja de São lourenço dos
Índios pertence à Secretaria de Cultura do município, cujo administrador responsável, o sr.
Egídio Perpétuo, foi nosso guia na visitação.
É um lugar onde, de fato, podemos respirar e rememorar os fatos ocorridos, capaz de
emocionar o visitante. Fomos autorizados a tirar fotos (que seguem abaixo), escolhemos as
que representam as identidades de cada grupo indígena que construitt aquela igreja. São
diferentes grafismos afixados no altar da Igreja e são como assinaturas daqueles povos.
54
Figura 12-Localizada no altar da igreja, trata-se da marca de pata de animal (existern apenas
alguns desenhos deste). Que.permite identificar um dos grupos indígenas que edificou a atual
Igreja de São Lourenço dos Inclios. Fonte: arquivo pessoal da autora. Enr 1010812009.
Figura 13- Localizada no altar da igreja, trata-se de grafismos com três linhas ern formato de
semi triângulo (existem vários deste pelo altar). Identifica um dos grupos indígenas que
edificou a atual Igreja de São Lourenço dos Índios. Fonte: arquivo pessoal da autora. Em
t010812009.
55
Figura \4- Localizada no altar da igreja, trata-se de grafismos com três linhas sinuosas em
formato de cruz ou x ( há poucos deste desenho). Identifica um dos grupos indígenas que
edificou a atual Igreja de São Lourenço dos Índios. Fonte: arquivo pessoal da autora. Em
1010812009.
Figura 15- Fachada tla Igreja de São Lourenço dos Indios em Niterói.
/wr.wv. n e lttt r. c o m. br I p ortl a on d e i r- i g rej
F o n te : I i n d i o s' htm
-s
56
Para compreendermos os valores históricos da aldeia de São Lourenço e as terras em
Explicou ainda que a aldeia foi extinta em 1866 e, no entanto, mais de 140 anos depois
(2006), a Prefeitura de Niteroi ainda cobrava o "laudêmio indígena". Ou seja, um tributo pago
aos chamados detentores do direito real sobre determinada ârea. Uma taxa de 5%o sobre o
valor dos imóveis de 34 ruas do Centro, Bairro de Fátima, São Lourenço, São Domingos e
57
Retomando as características dos Autos, em todos eles e nos Diálogos, Anchieta
inseria a presença de personagens demoníacos, não com o objetivo de amedrontar, mas para
mostrar que o exercício deles para os povos indígenas era "um exercício de sedução pela
mentira e aprisionafazendo-se passar por aspectos exteriores bons, favoráveis e, até, divinos."
(NEVES, 1978:85).
E como já apresentamos anteriormente, todos os recursos utilizados pelos jesuítas
dramaturgos eram próprios das culturas indígenas. Desde objetos pessoais até personagens
míticos, nada escapava das criações artísticas jesuíticas. De toda documentação que
encontramos durante quase dois anos de pesquisa, em nenhuma delas percebemos o uso
favorável ou amigável dos objetos e personagens. Eles ganhavam voz fla língua Tupi e
movimentos a partir dos corpos indígenas. O que de fato permite corroborar com o que
descreve Neves (1978), quando afirma que o teatro "foi uma forma de construir um espelho
O 5 atos que o compõem estão divididos em uma cantata, dois diálogos, um sermão e
A partir das nossas leituras nos arquivos, dos estudos de Serafim Leite, Cardoso e
Neves, podemos afirmar que os atores deste auto foram em parte alunos do Colégio do Rio de
Janeiro e também alguns indígenas. Isso porque o papel principal dos indígenas era
indígenas.
Parece que pouco interessava aos jesuítas também a reação do público, tendo em vista
que eram encenações destinadas a Visitadores e isso fazia transparecer uma falsa necessidade
58
aldeia. Estes viam no parente uma imagem distorcida e figurada do que eles possuíam como
próprios.
Fica uma dúvida: Por que os jesuítas não escreveram em suas cartas sobre o resultado
dessas representações? Se era tão importante detalhar o meio da história, por que não o
começo (ensaios) c o fim (objetivos alcançados)?
abrigo no coração...
xe apysykatú sokoáPe.
59
\-.
Opabi tekó aíba
mondébi katú opyápe.
Todos os Paraibiquaras
puseram-se em minhas mãos.
\-
Marataoáme tekoára (85)
oguerobiá xe fieénga.
Opá ypaúme ndoára,
\_,
\, opá Paraibiguára.
Nitibetár sembyróera...
Ko temiminó poxy
jandé rekó ogueroyrô...
60
Vivam provocando brigas
e cometam mil pecados.
De seu senhor afastados,
vem, e nas nossas intrigas, (145)
tokaú, tomondarõ,
toporepeflã oikóbo,
toipurú tekó poxy,
tosó ko tába sú.
Ejorí murú moingobo (145)
jandé neénga rupi!
Karaíba, ipó,
noikoangaipapyri bi.. .
Aujé ko temiminó
ndoguári Tupã rekó, (190)
ndosausúbi, nomotíbi...
Sebastião ameaça flechar Saravaia e, mais adiante, com ajuda de São Lourenço e do Anjo da
Guarda, os prendem.
6l
Sebastião: Eu vou flechar é ati! (335)
Aneda! Vai-te daqui!
Tajibone! Ejepeá! (335)
Ekoá ke suí, reá!
Iangaip Amomeé.
Namoángi...setá f,e,
xe aé aporomoingó
moropotára resé.
e a comunhão os segura.
62
São Lourenço angaturáma
marâna rerekoaroóra,
Uma cantiga chorada finaliza o segundo ato, como forma de festejar a vitória dos
Santos e do Anjo. Algumas informações de Cardoso (1977) nos auxiliarão a compreender e
os Temiminó vindos do Espírito Santo. Estes foram chefiados por Arariboia e auxiliaram na
Guaixaráerao chefe Tamoio que se aliou aos franceses e lutou contraEstácio eMem de Sá.
Mesmo depois de morto, teve seu espírito considerado como "centro das irradiações
malignas" patatoda a aldeia, avizinhança e o Brasil.
Aimbirê foi outro chefe Tamoio aliado aos franceses e sogro de um deles. Conta-se que era
muito valente e que quis matar Anchieta em lperuí no ano de 1563. Em 156l,foi morto,
credita-se a ele a condição de auxiliar de Guaixará e inimigo dos cristãos.
colonos.
63
-
Os Tupinambá eram da Bahia e foram pacificados e vencidos por Mem de Sá e locados
'Junto ao Rio Paraguaçu em 1559". Mais tarde, fugiram para o interior por conta dos ataques
dos colonos.
Os Tamoio estavam localizados desde Cabo Frio até Ubatuba. Foram vencidos por Estácio e
Mem de Sá no Rio e por Antônio Salema em Cabo Frio. Muitos morreram, outros foram para
o interior e, alguns , para as aldeias de São Lourenço e São Barnabé.
descrito como "espião, traidor e inimigo dos franceses." Para os jesuítas, ele é outro inimigo
dos cristãos.
O líder Temiminó Araribóia recebeu o nome de Martin Afonso depois da expulsão dos
E, oficialmente, pode ftcar com as terras da atual Niterói. Que pertenciam aos
franceses.
Tupinambá. Faleceu dois anos depois da representação do Auto de São Lourenço e,
atualmente, possui uma estáfua em frente ao terminal das barcas em Niterói.
Como é possível observar, ter lutado contra os portugueses foi motivo para serem
considerados inimigos dos jesuítas, da vizinhança e dos próprios indígenas. Guaixará e
Aimbirê foram dois chefes Tamoio enquadrados nessa logica dramatúrgica de Anchieta e
Companhia.
Mesmo depois de mortos, seus espíritos foram demonizados e ganharam vida em
corpos de prováveis atores indígenas. A eles e Saravaia foram atribuídas dezenas de mortes.
No entanto, como nos informa Cardoso (1977), os Paraibiquara foram dizimados e os
64
atividades indígenas eram carregadas de pecado e erros qlle deveriam ser eliminados a
qualquer custo.
Algumas reflexões merecem ser feitas: quem foram os heróis apresentados nesse 2o
ato do Auto de São Lourenço? Por que Araribóia não foi lembrado? Seria porque ainda era
vivo e poderia expulsar os jesuítas caso fosse identificado como inimigo de seu povo? Quais
teriam sido as reações dos espectaclores Temiminó quando viram dois de seus guerreiros
serem representados de forma tão negativa?Todas estas respostas poderiam estar nas cartas
dos detalhistas jesuítas ou no caderno de Anchieta. E por que foram omitidas?
A seguir, rJaremos prosseguimento as nossas indagações com base em trechos dos três
atos finais.
O 3" ato foi escrito em Português, Tupi e Castelhano. Este trecho do Auto descreve
como o Anjo utilizava Aimbirê e Saravaia para afogar Décio e Valeriano, algozes de São
Lourenço. Continuemos, nas traduções e estudos de Cardoso (1977:166-178).
Nde rembiëra e,
oikobé morubixaba
São Lourenço jukapé.
65
-
Nei! Tasó
aipó freénga mopó,
xe bojá reifiãngetábo.
Saravái, jorí ekaguábo, (675)
aeré koríjasó
tubixaba akangâkábo.
koipó guaianârayra?
To! Temiminó, serã... (685)
Aujebeté taupá
Jakaré-guasú pepyra!
Ndoporomeégi abá.
Oâyra, kuakúpa, (705)
aémo ojubyk uká.
66
i-
Kuei sé ko aporapití,
ajurujúba jukábo,
uifrem oerapoanguatuábo.
Tasó nde pyri, korí,
de castelhanos invictos...
Aeré tasepefiã!
67
Y
-
Sepefraã, Sarauái!
Anga jâ,
angaipabóra ajuká,
Xe ratápe seroáne.
Apiâba, guaibi, kufi áne,
68
No momento da escrita, Anchieta e seu apoiadores possibilitaram um encontro
curioso para a História. Como dissemos, Aimbirê foi um dos líderes dos Temiminó nos anos
de 1500. Saravaia, considerado espírito do mal, foi auxiliar de Aimbirê, No entanto, Décio e
executar a história de um Santo queimado por Imperadores. Que, mais tarde, ressurge para
aprisionar dois personagens indígenas caracterizados como demônios. No entanto, ao final, os
mesmos são utilizados para matar os algozes do Santo. A demonstração que se pretendia seria
mostrar que os jesuítas são representantes dos portugueses mortos por antigos líderes
Temiminó? E que, naquele momento, os Temiminó da aldeia de São Lourenço estavam
aprisionados e que seriam utilizados como atores para tentarem matar a si próprios?
Como dissemos, trata-se apenas de uma conjecfura baseada nos fatos teatralizados.
Cardoso e Leite nos informam que a escrita de Anchieta termina nesse ato. Os dois finais
encontram-se com outra letra. O que para eles indica mais de um autor e provável apoio de
Anchieta.
E válido esclarecermos uma das falas de Saravaia quando cita alguns grupos
indígenas e diz que o banquete do qual se servirá será concedido por Jacaréguaçu.
No ato IV são inseridos, pelo Anjo, o "Temor e o Amor de Deus". A estes cabe o
papel de admoestar os ouvintes quanto a seus pecados e consequência das desobediências.
69
e--
Duramente te darão
70
"pois, quanto tem, te dou!"
Para ftnalizar, no 5o ato ocorreu dança e música cantada por 12 meninos índios.
Observemos alguns trechos:
moraséia, myryryma,
karaí moflánga ndi.
Gentios Imperadores
por sobre brasas te assaram,
Tupã momburuareté,
71
a
entoarem uma canção declarando que não confiariam mais em seus pajés? Seria uma forma de
72
3.3: O USO DOS CORPOS "SUBORDINADOS LIVRES"
É com essa afirmação cle Neves que iniciaÍnos esse tópico. O uso do corpo e da alma
foram recorrentes em todo teatro dos jesuítas. E possível dizer que, sem eles e a peclagogia da
oralidade, os resultados do uso desse instrumento pedagógico não teria sido tão favoráveis
para os missionários.
Neves (1978:54-55), nos informa que para os portugueses "...o corpo é o lugar de
assim, era preciso "domar a canle", disciplinar e doutrinar. Para Gélis (2008), o ato de domar
Toda modelação que foi realizada nos corpos indígenas possuía um único objetivo:
Enr Neves (1978:134), ettcotttramos unì trecho de uma carta que Anclrieta escreveu
em janeiro de 1565, cliretamente de São Vicente ao Geral Diogo Lainez, onde informava
que:"Nós outros lhes mostramos as disciplinas com que se domam A carne, falando-lhes
também dos jejuns, abstinência e outros rernédios que tínhamos."
Os métodos para que essa subordinação acontecesse foram a criação dos aldeamentos
e a catequização. Ambos davam respaldo aos missionários para que pudessem aplicar suas
leis.
73
Além dos indígenas estarem aldeados e iniciados na catequização, era preciso batízár
los para que aquele corpo alcançasse a doutrina e a própria alma pois "um corpo sem alma [é]
Gambini (1998:201), nos informa que os índios batizados precisavam cumprir com
algumas determinações. Dentre elas a de que toda sexta feira deveriam participar de
procissões. Anchieta afirmava que este ato significava que eles estavam se disciplinando até o
sangue. O padre ainda explica que isso acontecia porque os meninos indígenas sofriam
carregar uma culpa permanente, com a possibilidade de que qualquer de seus atos ou
pensamentos fosse considerado "errado e punível."
As próximas etapas dessa tarefa jesuítica foram destinadas a retirar do corpo indígena
tudo que lembrasse o ser anterior. Desde a retirada dos adornos até a inclusão das roupas. Um
exemplo foi o ocorrido com o tembetá que era uma pedra polida e redonda inserida no lábio
inferior dos jovens.Fazia parte dos rituais de alguns grupos e "associava-se avirilidade e ao
senso de individualidade. O padre Navarro dizia que o tembetá irnpedia a pronúncia do
Não se buscava apenas cobrir os corpos dos indígenas. Era preciso "corrigir o corpo do
Brasil". E a possibilidade de um o'corpo culto que é o europeu", foi um dos meios para que
saíssem do estágio "animalesco e bruto" que se encontravam. (NEVES, 1978:134).
muito menos a marca da "cuhura cristã no corpo." A homogeneização através do vestuário foi
um grande avanço se comparado com a situação de nudez. Criangas e adultos foram obrigados
autllizar o mesmo tipo de roupa. Ela "esconde, rouba ao olhar coisas que se sabe que existem,
mas que não se pode olhar nem nominar."( NEVES, 1978:133-135).
no teatro Jesuíta. Sejam elas como atores ou telespectadores. E isso so foi possível graças a
inserção da actio oratoria no currículo da escola para índios. Torres (2006:145) explica que "
Actio oratoria...é o momento em que as palavras adquirem vida na linguagem de seu corpo."
Segundo Moura (2000), o teatro dos jesuítas, ou como ele chama de 'ootm teatro no
Brasí\", teve fim em meados do século XVil quando o teatro, da forma que temos hoje, foi
inserido no Brasil. Todo o teor sagrado foi retirado e em seu lugar ficaram as comédias
profanas e as tragédias que representavam as conquistas portuguesas.
A pedagogia jesuítica determinou, por muitos anos, que o corpo pecador do indígena
era despossuído de alma. E que, para enconÍrâ-la, era preciso "dominar a carne", subordinar
indígenas era o desejo pela vida e não cordas invisíveis manipuladas pelos padres. Por isso,
75
4- Considerações finais
Há muito que ser investigado, encontrado e não apenas respondido, mas refletido
sobre o uso do teatro nos séculos XVI e XVII, um instrumento artístico e sofisticado para
aquele período. Percebemos que nos cabe, neste momento, realizar algumas considerações,
ao invés de conclusões, sobre tudo que descrevemos nestas páginas.
aplicadas em uma guerra onde só pudesse sair um lado vencedor. E se alguém do outro lado
quisesse se manter vivo, deveria se subordinar às regras estabelecidas pelos venccdores da
batalha.
uma escolarização básica, criar uma língua de contato e utilizar os indígenas como
indígenas.
sacerdotes. Esse teatro perdurou até o século XVIII, mas com a presença de sacerdotes cada
76
vez menor. Em terra, a utilização de missas e procissões que atraíam vários indígenas devido
ao uso das vestimentas dos padres, das músicas e sons instrumentais.
Com os jesuítas, surge Llm novo fazq teatral, não mais um teatro com bonecos ou
artistas mudos. Agora, a base está nos diálogos e, principalmente, no teor dessas falas. Para
complementar e não ficar somente nas duras palavras foi preciso vestir os personagens. Aos
indígenas, coube os papéis dos inimigos dos cristãos, do Brasil e dos variados grupos
indígenas que viam e ouviam estes Autos. Na prática, teve fim no século XVII, com o
Por fim, no terceiro capítulo, rememoramos o Auto de São Lourenço, sua adaptação e
linguagens pedagógicas para ser encenado na aldeia dos Temiminó em 1587. Um dos
povo e da igreja. Guaixará e Aimbirê, chefes Tamoio que originalmente lutaram contra os
portugueses, agora são prisioneiros de dois santos que, em nome de Louretrço, devem destruir
assim, que da mesma forma que a escola para índios apresentou um quadro desfavorável para
os povos indígenas dos séculos XVI e XVII, o teatro instituído pelos jesuítas também
apresentou diversos pontos que podem ter contribuído para a evasão escolar, apagamento das
culfuras dos povos indígenas da época e fugas de outros diversos dos domínios dos
aldeamentos.
Pretendemos ter contribuído para uma nova visão sobre a inserção de um instrumento
artístico no currículo escolar, nosso recorte ficou nos séculos XVI e XVII, mas convidamos
que, todo o ternpo, reflitamos sobre nossas práticas escolares e ttão escolares, sejam elas
realizadas em um ambiente de educação formal ou doméstico.
E, na perspectiva do inacabamento das coisas, de que tudo não é, mas está sendo,
pretendemos dar continuidade aos estudos sobre os povos indígenas em um período pós
77
-
\-. século XVII e instigar a ouhos pesquisadores que, a partir deste trabalho, sigam as "pistas"
78
5- Referências bibliográÍicas
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- por Waldir da Cunha).
.- Notas do prof. José Ribamar Bessa Freire, coordenador do Programa de Estudos dos Povos
.- Indígenâs da UERI (PROINDIO) para sua fala na audiência pública da Aldeia Tekoá Itarypu
... (Camboinhas) na Câmara de Vereadores de Niterói no dia 04 dejulho de 2008-
- Sinopse do espetáculo "Anchieta e Guaixariás. Uma criação a partir do Auto de São Lourenço
.' e de Cartas de José de Anchieta.
83