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Acórdão Nº 1779589
EMENTA
2. Nos processos de competência do Tribunal do Júri, apenas quando a contrariedade com a prova
existente nos autos for evidenciada, de forma manifesta, é que a Justiça togada poderá rever o veredito
do Conselho de Sentença, e, caso o anule, determinar a realização de um novo julgamento, por uma
única vez.
3. Não sendo as qualificadoras - motivo fútil, perigo comum e recurso que dificultou a defesa dos
ofendidos - evidentemente divorciadas do acervo probatório e tendo sido reconhecidas pelo Conselho
de Sentença, a sua incidência é medida que se impõe, em atenção à soberania dos vereditos e à
competência para julgamento constitucionalmente prevista.
4. Os motivos do crime foram utilizados como qualificadora, justificando que a pena-base seria fixada
dentro dos parâmetros previstos no art. 121, § 2º, do CP, não como circunstância judicial negativa.
5. As consequências para três das vítimas transbordam, em muito, aquelas inerentes à tentativa de
homicídio qualquer, razão pela qual deve ser mantida a reprovabilidade em relação a essa circunstância
judicial.
6. A existência de confissão do réu foi matéria debatida em plenário, razão pela qual, de acordo com o
entendimento adotado no STJ, deve ser acolhida como atenuante aplicável ao caso concreto.
7. De acordo com o acervo probatório colhido nos autos, o réu efetuou mais de 10 (dez) disparos de
arma de fogo, em ambiente densamente ocupado, sendo possível constatar que praticou todos os atos
de execução, fazendo tudo que lhe era possível para consumar o delito. Assim, aproximando-se da
consumação, deve ser mantida a fração de diminuição aplicada na sentença.
9. Mesmo nas hipóteses de reconhecimento de dano moral in re ipsa, o pedido inicial de indenização,
na denúncia, mostra-se necessário para a condenação à reparação dos danos. Tema 983, STJ.
10. Tendo o réu permanecido foragido por longo período após a expedição do mandado de prisão e
tendo gravado vídeo afirmando expressamente que não pretendia se entregar à Justiça, a manutenção
da prisão preventiva mostra-se necessária.
12. Recurso do Ministério Público conhecido e parcialmente provido. Recurso do réu conhecido em
parte e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
A defesa do réu manifesta interesse em recorrer com fulcro no art. 593, III, “a”, “b”, “c”, “d”, do CPP
(ID 48963710) e, em suas razões (ID 48963718), requer o provimento do recurso para anular a r.
sentença, que alega ser contrária à prova dos autos quanto à autoria e quanto às qualificadoras.
Subsidiariamente, postula a reforma da r. sentença para que seja aplicada a pena conforme requerido;
que haja a impronúncia; que sejam decotadas as qualificadoras do motivo fútil e do recurso que
dificultou a defesa da vítima e do perigo comum, desclassificando a conduta para homicídio tentado
simples e; que seja anulada a decisão de pronúncia, por excesso de linguagem.
Contrarrazões apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (ID 48963724) e pelo réu (ID 48963725).
A d. Procuradoria de Justiça oficia pelo conhecimento dos recursos interpostos e, no mérito, pelo
desprovimento da apelação interposta por Geovane e pelo provimento do apelo do Ministério Público,
a fim de aplicar o concurso formal impróprio e fixar o valor mínimo indenizatório em favor da vítima
Victor Hugo no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (ID 49575589).
É o relatório.
VOTOS
A defesa do réu manifesta interesse em recorrer com fulcro no art. 593, III, “a”, “b”, “c”, “d”, do CPP
(ID 48963710) e, em suas razões (ID 48963718), sustenta que a condenação foi contrária à prova dos
autos, afirmando que os depoimentos prestados em juízo possuem diversas contradições.
Alega que não foi colhido nenhum depoimento que aponte o réu como suposto autor do delito.
Destaca que não pode amparar a condenação a prova produzida exclusivamente no âmbito do
inquérito policial ou baseada em “ouvi dizer” e que não foi confirmada no contraditório judicial.
Reforça que um desentendimento prévio não autoriza presumir a autoria das tentativas de homicídio,
tendo o réu veementemente negado o cometimento dos delitos. Salienta que, de acordo com os
depoimentos das testemunhas, o atirador estava de capuz, concluindo que inexiste prova em juízo que
incrimine o réu e que a decisão dos jurados é absolutamente contrária à prova dos autos.
De igual maneira, entende que não houve prova de que o homicídio tentado tenha se dado por motivo
fútil, considerando que os motivos do crime não foram apurados. Ressalta que todas as vítimas
disseram peremptoriamente que não usam drogas, o que afastaria o motivo decorrente da venda de
entorpecente de má qualidade.
Assevera que o atirador tinha um alvo certo e objetivo, razão pela qual deve ser afastada a
qualificadora de perigo comum.
Aduz que o atirador estava sozinho e as vítimas estavam em grande grupo, não havendo falar em
dificuldade de defesa das vítimas.
Afirma que o motivo do delito não pode ser utilizado para qualificar o tipo penal e majorar a
pena-base, sob pena de bis in idem. Acrescenta que as consequências do crime, embora graves, são
inerentes ao homicídio. Postula a fixação da pena-base no mínimo legal.
Em relação à segunda fase da dosimetria, entende que o aumento foi por demais elevado, defendendo
que seja de apenas 1/6 (um sexto) da pena em razão das agravantes genéricas.
Afirma que o vídeo em que o réu confessa extraprocessualmente a prática do crime deve ser
considerado como confissão espontânea, com a devida compensação e preponderância em relação às
agravantes.
Em relação à fração de diminuição decorrente da tentativa, pede que seja aplicado 2/3 (dois terços),
por não ter havido perigo de vida.
Quanto ao crime continuado, pede que seja aplicada a fração de ¼ (um quarto), por terem sido
reconhecidas 5 (cinco) vítimas.
Prequestiona os seguintes dispositivos: art. 593, III, “c” e “d”, do CPP; art. 155 do CPP; art. 59 do CP;
artigo 65, III, “d”, do CP; art. 67 do CP; e art. 71, parágrafo único, do CP.
Requer o provimento do recurso para anular a r. sentença, que alega ser contrária à prova dos autos
quanto à autoria e quanto às qualificadoras.
Subsidiariamente, postula a reforma da r. sentença para que seja aplicada a pena conforme requerido;
que haja a impronúncia; que sejam decotadas as qualificadoras do motivo fútil e do recurso que
dificultou a defesa da vítima e do perigo comum, desclassificando a conduta para homicídio tentado
simples e; que seja anulada a decisão de pronúncia, por excesso de linguagem.
Explana que o caso concreto caracteriza o instituto do concurso formal impróprio, na forma do art. 70,
2ª parte, do CP. Argumenta que a continuidade delitiva exige mais de uma ação, havendo crimes
subsequentes como continuação do primeiro. Aduz que o agente praticou uma só conduta que se
desdobrou em várias consequências, atingindo diversas vítimas, defendendo que o ato de efetuar
disparos de fogo, ainda que diversos, consubstancia apenas uma conduta. Aponta a autonomia de
desígnios, considerando que foram efetuados de 10 a 14 disparos.
Discorre sobre as espécies de danos que ensejam a responsabilidade civil. Elucida que o dano moral
decorre da violação a direitos personalíssimos, entre os quais estão a integridade física e a psicológica,
à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
Reforça que existem danos morais que são presumidos (dano moral in re ipsa), bastando a prova da
prática do ato ilícito para a sua configuração. Pontua que o STJ tem entendido pela desnecessidade de
instrução probatória prévia quando se trata de dano moral in re ipsa decorrente de delito.
Narra que a vítima Victor Hugo, segurança da festa onde ocorreram os disparos, informou, na
audiência de instrução, que perdeu o baço, um rim, ficou paraplégico e com um pedaço do projétil
alojado atrás do seu coração, não tendo sido procurado pelo réu ou por seus familiares para qualquer
auxílio, mesmo impossibilitado de trabalhar.
Conclui que, diante das consequências pessoais gravíssimas percebidas pela vítima Victor Hugo,
inexiste óbice para que seja fixado mínimo indenizatório, ao menos a título de danos morais, no
patamar mínimo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Requer que o apelo seja provido para aplicar o concurso formal impróprio ao final da dosimetria, em
vez da continuidade delitiva, e para fixar valor mínimo a título de indenização por danos morais in re
ipsa, em favor da vítima Victor Hugo Cavalcante.
1. Do apelo do réu
Inicialmente, cumpre esclarecer que, de acordo com a ata da sessão de julgamento (ID 48963710), a
Defesa apresentou recurso com fulcro no art. 593, III, “a”, “b”, “c” e “d”, do CPP.
Todavia, em suas razões recursais (ID 48963718), o réu desenvolveu argumentos relacionados à
suposta decisão contrária à prova dos autos, sendo essa hipótese mencionada na alínea “d” do referido
dispositivo legal, e ao erro na aplicação da pena, o que se encontra previsto na alínea “c” do inciso III
do art. 593 do CPP.
Com efeito, o caso dos autos não denota situação fático-jurídica em que tenha ocorrido nulidade
posterior à pronúncia ou em que a sentença proferida tenha sido contrária à lei expressa ou à decisão
dos jurados, sendo essas hipóteses elencadas nas alíneas “a” e “b” do inciso III do art. 593 do CPP.
2. Havendo indícios de autoria contra o réu em crime doloso contra a vida e comprovada a
materialidade do delito, fundamental preservar a competência do órgão constitucionalmente
competente para a apreciação dos fatos e o seu julgamento, devendo a acusação ser admitida e
remetida ao Tribunal do Júri para apreciação das controvérsias, em razão do Princípio "In dubio pro
societate" e da competência constitucional conferida ao Conselho de Sentença, conforme 5º, inciso
XXXVIII, alínea "d", da Constituição Federal.
4. O arcabouço probatório produzido nos autos indica que os crimes foram praticados por motivo
fútil, pois o denunciado assim agiu em decorrência de ter ficado insatisfeito com o questionamento
feito por vítimas em relação à qualidade de drogas por ele vendidas; mediante recurso que dificultou
a defesa da vítima, pois o denunciado surpreendeu as vítimas, abordando-as de costas, enquanto
estavam desatentas participando de uma festa; e de perigo comum, pois consta dos autos que havia
de 200 a 300 pessoas na festa e o acusado efetuou disparos aleatórios em relação a um grupo de
pessoas. Qualificadoras mantidas.
5. Não merece acolhimento o pleito defensivo para a revogação da prisão preventiva, porquanto
permanecem hígidos os motivos ensejadores de sua prisão preventiva e a fundamentação utilizada
para a sua manutenção é idônea.
Logo, os pedidos mencionados encontram-se claramente alcançados pela preclusão, razão pela qual
não podem ser reapreciados e, portanto, não merecem ultrapassar a fase de conhecimento.
2. O pedido de absolvição sumária refere-se a matéria preclusa, uma vez que a Defesa deixou de
sustentá-la no primeiro recurso em sentido estrito.
Embora a incidência das qualificadoras - motivo fútil e recurso que dificultou a defesa das vítimas -
também tenha sido objeto do recurso em sentido estrito (ID 36636240), é possível observar que as
qualificadoras foram mantidas na fase de pronúncia devido aos indícios probatórios e à competência
do júri para apreciar a controvérsia, razão pela qual subsiste o interesse no exame de tais
circunstâncias nessa nova fase do procedimento especial do júri.
1.1 Da autoria
Nos presentes autos, a denúncia (ID 36635744) descreve os fatos ocorridos nos seguintes termos:
“Em 8 de janeiro de 2020, domingo, por volta de 15h30, no interior da residência situada no
Condomínio Residencial Monte Verde, Conjunto CM, Lote 2º, Próximo ao Posto da PRF,
Ceilândia/DF, GEOVANE MEDEIROS DE AGUIAR, JEOVÁ ANDRADE DE AGUIAR e JEAN
MEDEIROS DE AGUIAR, de forma livre e consciente, com dolo de matar, ou, ao menos, assumindo o
risco de causar o resultado morte, efetuaram disparos de arma de fogo contra as vítimas Vitor Hugo
Cavalcante Reis, Natanael da Silva Oliveira, Matheus Lima de Andrade Alves, Leonardo Henrique
Mendonça, Bryan de Sousa Nascimento, Fernanda Eduarda de Oliveira Costa e Rebeca Mayara da
Silva, causando nas 5 primeiras vítimas, as lesões descritas nos laudos de exame de corpo de delito –
lesões corporais – indireto, juntados respectivamente nos IDs: 85503007, 85503008, 85503009,
85503010, 85503011.
(...)
DA DINÂMICA FÁTICA
Conforme apurado, no dia do crime, as vítimas e o denunciado GEOVANE estavam em uma festa
rave. Em dado momento, ainda no período da manhã, algumas das vítimas adquiriram uma porção
de ‘lolo’ que estava sendo comercializada por GEOVANE no local. Ao experimentarem o
entorpecente, as vítimas não aprovaram a qualidade do produto e questionaram GEOVANE,
afirmando que o entorpecente fornecido se tratava de Thinner.
Em seguida ocorreu uma discussão entre GEOVANE e algumas das vítimas. Logo depois, os ânimos
se acalmaram e os envolvidos permaneceram no local.
Após a discussão, GEOVANE se afastou do grupo, realizou contato telefônico com o seu genitor
JEOVÁ e o informou sobre o desentendimento em que havia se envolvido.
JEOVÁ e seu outro filho JEAN, com uma arma de fogo no interior do veículo GM/Onix, de cor
branca, se deslocaram para o local da festa.
JEOVÁ chegou ao local, por volta das 15h00, conduzindo o veículo em alta velocidade, realizou uma
manobra perigosa, conhecida como cavalo de pau, estacionou o carro no local, desembarcou do
automóvel junto com JEAN e se dirigiu à portaria. Em seguida, JEOVÁ e JEAN se identificaram ao
segurança, falaram que GEOVANE havia ligado para informar que tinha sofrido agressão no interior
da festa.
Pouco depois, JEOVÁ, GEOVANE e JEAN saíram da festa, se deslocaram até o veículo GM/Onix,
branco, que JEOVÁ havia estacionado no local.
GEOVANE ingressou no carro, pegou a arma de fogo que JEOVÁ e JEAN havia trazido, ocultou a
arma em suas vestes, retornou para a festa acompanhado pelo genitor e pelo irmão e entraram no
local sem que fossem submetidos a nova revista pessoal.
Já no interior da festa, GEOVANE se aproximou de seus desafetos, sacou a arma de fogo e efetuou
diversos disparos de arma de fogo na direção das vítimas.
Após efetuar os disparos, GEOVANE correu até o veículo e se evadiu do local na companhia de
JEOVÁ e JEAN e na posse da arma de fogo.
As 5 vítimas atingidas pelos disparos foram socorridas ao Hospital Regional de Ceilândia, onde
receberam pronto e eficaz atendimento médico.
Com efeito, ao contrário do que sustenta a il. Defesa, a prova testemunhal produzida em juízo foi
uníssona no sentido de apontar o réu como autor dos disparos que atingiram as vítimas.
“Por ocasião de sua oitiva em juízo, ID 106748396, a vítima FERNANDA informou que se
encontrava na festa onde os fatos ocorreram.
Destacou ter visto que GEOVANE, também conhecido como GALEGUINHO, efetuou os diversos
disparos de arma de fogo, bem com que ele usavauma blusa preta, com capuz.
(...)
Durante sua oitiva em juízo, ID 106748396, a vítima REBECA informou que se encontrava na festa,
na companhia de FERNANDA.
Destacou que escutou os disparos e que, quando olhou para trás, visualizou o atirador, o qual vestia
moletom de cor cinza com capuz, e que conseguiu o reconhecer pelas vestimentas. Além disso,
acrescentou que seus amigos informaram que os disparos foram efetuados pelo acusado GEOVANE,
vulgo GALEGUINHO.
(...)
Ao ser ouvida em juízo, ID 111405224, a vítima NATANAEL esclareceu que se encontrava na festa
rave, na qual se faziam presentes mais de 200 pessoas.
(...)
Acrescentou, ainda, que antes dos disparos, um amigo teria pedido ao declarante para levar BRUNO
embora, tendo em vista que GEOVANE havia dito que efetuaria os disparos contra aquele, em
razão da discussão ocorrida.
(...)
JOHNY, durante sua oitiva em juízo, ID 106748396, informou que é DJ e que tocou na festa.
(...)
Explicou que, ato contínuo, os dois ocupantes foram para trás do carro, e uma pessoa que se
encontrava na festa foi até o veículo e se sentou no banco do motorista.
Sustentou que, neste momento, o declarante e ALISSON não viram arma de fogo, mas que escutaram
barulho de arma sendo municiada e que, ato contínuo, o frequentador da festa fez um gesto como se
colocasse a arma na cintura.
Aduziu que, em seguida, mencionado rapaz deixou o automóvel e retornou para a festa, sem ser
revistado, oportunidade em que os outros dois ocupantes voltaram para dentro do carro e ficaram
aguardando.
Confirmou que o rapaz que teria municiado a arma de fogo era o mesmo que teve sua foto
veiculada no grupo de WhatsApp, o qual seria o autor dos disparos efetuados.
(...)
Ao ser ouvida em juízo, ID 111405224, a testemunha LUCAS informou que o atirador era loiro, tinha
olhos azuis, corpo tatuado, e que, por ocasião dos disparos, vestia uma blusa de cor preta, com
capuz. Sustentou que, na hora da discussão, o atirador estava sem blusa.
(...)
Por ocasião de seu interrogatório judicial, ID 116958304, o acusado JEOVA informou que somente
foi à festa para buscar seu filho GEOVANE, o qual teria ligado para o interrogando e informado que
teria se envolvido em uma discussão, acerca da venda de loló, e que estaria acuado.
Afirmou que se encontrava na portaria e que apenas ouviu os disparos, mas que GEOVANE lhe
confidenciou que havia atiradoe que o entrevero anterior teria ocorrido entre este e oito pessoas.”
Nessa ordem de ideias, embora outras testemunhas tenham narrado que “ficaram sabendo” que o
atirador seria Geovane, é patente que diversas vítimas e testemunhas afirmaram com convicção, em
juízo, que viram o réu atirando ou descreveram exatamente os seus atributos físicos e vestimentas.
Sendo assim, constata-se que, de acordo com os relatos supratranscritos, o réu efetivamente praticou a
conduta característica do homicídio qualificado tentado.
Ademais, é cediço que, nos processos de competência do Tribunal do Júri, apenas quando a
contrariedade com a prova existente nos autos for evidenciada, de forma manifesta, completamente
divorciada dos elementos coligidos no processo, de cunho teratológico, revestindo-se de verdadeira
criação mental dos jurados, é que a Justiça togada poderá rever o veredito do Conselho de Sentença, e,
caso o anule, determinar a realização de um novo julgamento.
No entanto, não há qualquer elemento probatório, nos autos, que indique que o réu não foi o atirador
e, portanto, não há falar em decisão contrária às provas dos autos, estando a sua versão completamente
isolada.
Ao revés, vale destacar que, já em âmbito judicial, após o recebimento da denúncia, o réu, assistido
por dois advogados, juntou aos autos vídeo em que narra, em detalhes, a dinâmica dos fatos e assume
a autoria dos tiros, alegando, entretanto, que a vítima Bryan o estava ameaçando (ID 36635755 e
36635756).
Em verdade, a versão apresentada pelo réu constitui tese de defesa que não foi acolhida pelos jurados,
sendo a condenação consectário das provas colhidas na instrução processual e da narrativa
apresentada pela acusação, de patente verossimilhança.
(...)
5. A soberania dos veredictos do Conselho de Sentença é princípio constitucional que só cede espaço
às decisões que não encontram mínimo apoio no contexto probatório. Desta feita, ao Corpo de
Jurados é lícito optar por uma das versões verossímeis dos autos, ainda que a versão não acatada
também possa ser sustentada, somente sendo considerada manifestamente contrária à prova dos
autos a decisão totalmente divorciada do acervo probatório - o que não ocorreu no caso dos autos.
6. Deve ser excluída a valoração negativa das circunstâncias do crime quando amparada em
fundamentação inidônea.
Por conseguinte, deve ser preservada a decisão dos jurados, que responderam afirmativamente ao
quesito “O acusado, Geovane Medeiros de Aguiar, foi o autor dos disparos efetuados contra a vítima
acima mencionada?”.
Assim, diante da competência do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, com a
soberania dos vereditos, nos termos do art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, a
manutenção da condenação é medida que se impõe, pois, não há qualquer dissonância entre o veredito
obtido e os elementos probatórios produzidos, de modo a autorizar a anulação do julgamento.
Não merece acolhida, pois, a tese defensiva quanto à ausência de comprovação da autoria.
Em relação às qualificadoras, foi reconhecida a incidência daquelas previstas no art. 121, § 2º, incisos
II (por motivo fútil), III (possa resultar perigo comum) e IV (mediante recurso que dificulte a defesa
do ofendido), do CP.
A exclusão das qualificadoras constantes na denúncia somente pode ocorrer quando manifestamente
improcedentes ou totalmente descontextualizadas do conjunto probatório, sob pena de usurpação da
competência do Júri, que, como juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, deve ter a oportunidade
de apreciar e decidir sobre a incidência, no caso concreto, de eventuais qualificadoras.
Destarte, pelos fundamentos já expostos, o magistrado não pode se sobrepor à decisão do Conselho de
Sentença quanto à incidência das qualificadoras, tendo em vista o reconhecimento dos jurados quanto
ao motivo fútil, ao perigo comum e ao recurso que dificulta a defesa das vítimas (ID 48963711, p.
3/7).
(...)
5. O pleito de exclusão da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, inciso IV, do CP, não merece
acolhida, haja vista que não é possível a exclusão de qualificadora reconhecida pelo Conselho de
Sentença pelo Tribunal, sob pena de ofensa ao princípio da soberania dos vereditos.5.1. Correto o
reconhecimento do recurso que dificultou a defesa da vítima quando demonstrado pelos elementos de
provas dos autos que os agentes do crime aguardaram o momento oportuno para alvejar a vítima na
saída do presídio, de forma inesperada, sem lhe dar oportunidade de defesa.
(...)
O fato de as vítimas não desejarem assumir, perante o juízo, que consumiam entorpecentes naquele
evento não afasta a motivação relatada, sendo certo que o uso de tóxicos constitui atividade ilícita e,
por conseguinte, não é exigível que as testemunhas confessem eventuais delitos que tenham cometido.
Nessa ordem de ideias, é plenamente plausível que o grupo de amigos não tenha apontado quem
efetivamente comprou a droga vendida pelo réu, limitando-se a narrar que houve a compra e venda e,
na sequência, a discussão.
Ainda assim, em plenário (ID 48963679), a testemunha Daniel afirmou categoricamente que seu
amigo Bruno era o comprador que reclamou da qualidade da droga.
No que se refere à qualificadora do perigo comum, vale consignar que, embora os tiros tenham sido
direcionados ao grupo de amigos que havia discutido com o réu, os disparos foram realizados em
ambiente com mais de 200 (duzentas) pessoas, chegando a alvejar indivíduos aleatórios, como
Leonardo e Victor Hugo, sendo que esse último trabalhava como segurança na festa.
Em relação à dificuldade de defesa das vítimas, importa ressaltar que as testemunhas foram
uníssonas no sentido de que foram surpreendidas com os disparos, sobretudo pelo fato de a discussão
ter ocorrido pela manhã e se encerrado cerca de 5 (cinco) horas antes dos tiros.
Nesse sentido, algumas das vítimas narram a dificuldade de identificação do atirador, por estarem de
costas e, quando perceberam os disparos, logo foram alvejadas, o que reforça a tese da
impossibilidade de defesa.
Por conseguinte, não sendo as qualificadoras evidentemente divorciadas do acervo probatório e, tendo
sido reconhecidas pelo Conselho de Sentença, a sua incidência é medida que se impõe.
2. Da pena
Em relação à sanção aplicada, consoante relatado, a Defesa defende a sua redução mediante os
argumentos lançados nas razões recursais (ID 48963718), ao passo que o il. Parquet postula a
aplicação do concurso formal impróprio na unificação das penas.
Tendo em vista a identidade, ainda que parcial, do objeto recursal, passo ao exame conjunto dos
apelos quanto à individualização da pena.
Verifico que a culpabilidade, nesta fase funcionando como juízo de reprovabilidade da conduta, não
vai além do tipo penal.
O acusado registra maus antecedentes, possuindo condenação criminal transitada em julgada (sic)
que, formalmente, configura reincidência (art. 63 do CP), dada a data do trânsito definitivo - ID
155272097. Valoro-as, pois, a título de agravante, na próxima fase da dosagem da pena, deixando de
apreciá-las neste instante.
Quanto à conduta social e à personalidade do réu, inexistem elementos probatórios aptos a permitir a
valoração específica dessas circunstâncias.
O motivo atribuído ao réu é fútil, e utilizo-o para qualificar o crime e fixar a pena-base.
As consequências do crime são extremamente graves quanto a esta vítima. Em razão do disparo, a
vítima ficou incapacitada para as ocupações habituais por longo período, internada por bastante
tempo, sofrendo fratura e submetendo-se a cirurgia, a endossar a gravidade do que aconteceu. Está
sem conseguir andar até a data de hoje, em cadeira de rodas, sem trabalhar, devido à lesão na
medula que sofreu.
No que toca ao comportamento da vítima, não vislumbro conduta contundente desta que seja apta à
mensuração de tal circunstância.
Na terceira fase, não há causas de aumento, mas desponta a causa de diminuição correspondente à
tentativa. Tendo em vista a quantidade de disparos efetuados e o fato de a vítima ter sofrido risco de
morte, diminuo a pena pelo mínimo de (1/3), tornando-a DEFINITIVA em 14 (CATORZE) ANOS DE
RECLUSÃO.
Verifico que a culpabilidade, nesta fase funcionando como juízo de reprovabilidade da conduta, não
vai além do tipo penal.
O acusado registra maus antecedentes, possuindo condenação criminal transitada em julgada que,
formalmente, configura reincidência (art. 63 do CP), dada a data do trânsito definitivo - ID
155272097. Valoro-as, pois, a título de agravante, na próxima fase da dosagem da pena.
Quanto à conduta social e à personalidade do réu, inexistem elementos probatórios aptos a permitir a
valoração específica dessas circunstâncias.
O motivo atribuído ao réu é fútil, e utilizo-o para qualificar o crime e fixar a pena-base.
As consequências do crime são graves quanto a esta vítima. Em razão do disparo, a vítima ficou
internada no hospital alguns dias e submeteu-se a procedimento cirúrgico, a denotar a gravidade do
que aconteceu.
No que toca ao comportamento da vítima, não vislumbro conduta contundente desta que seja apta à
mensuração de tal circunstância.
Na terceira fase, não há causas de aumento, mas desponta a causa de diminuição correspondente à
tentativa. Tendo em vista a quantidade de disparos efetuados, bem como o fato de a vítima, embora
atingida, não ter sofrido risco de morte, diminuo a pena pela metade (1/2), tornando-a DEFINITIVA
em 10 (DEZ) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
Verifico que a culpabilidade, nesta fase funcionando como juízo de reprovabilidade da conduta, não
vai além do tipo penal.
O acusado registra maus antecedentes, possuindo condenação criminal transitada em julgada que,
formalmente, configura reincidência (art. 63 do CP), dada a data do trânsito definitivo - ID
155272097. Valoro-as, pois, a título de agravante, na próxima fase da dosagem da pena.
Quanto à conduta social e à personalidade do réu, inexistem elementos probatórios aptos a permitir a
valoração específica dessas circunstâncias.
O motivo atribuído ao réu é fútil, e utilizo-o para qualificar o crime e fixar a pena-base.
No que toca ao comportamento da vítima, não vislumbro conduta contundente desta que seja apta à
mensuração de tal circunstância.
Na terceira fase, não há causas de aumento, mas desponta a causa de diminuição correspondente à
tentativa. Tendo em vista a quantidade de disparos efetuados, bem como o fato de a vítima, embora
atingida, não ter sofrido risco de morte, diminuo a pena pela metade (1/2), tornando-a DEFINITIVA
em 09 (NOVE) ANOS DE RECLUSÃO.
- TENTATIVA DE HOMICÍDIO (VÍTIMA LEONARDO)
Verifico que a culpabilidade, nesta fase funcionando como juízo de reprovabilidade da conduta, não
vai além do tipo penal.
O acusado registra maus antecedentes, possuindo condenação criminal transitada em julgada que,
formalmente, configura reincidência (art. 63 do CP), dada a data do trânsito definitivo - ID
155272097. Valoro-as, pois, a título de agravante, na próxima fase da dosagem da pena.
Quanto à conduta social e à personalidade do réu, inexistem elementos probatórios aptos a permitir a
valoração específica dessas circunstâncias.
O motivo atribuído ao réu é fútil, e utilizo-o para qualificar o crime e fixar a pena-base.
As consequências do crime são graves quanto a esta vítima. Em razão do disparo, a vítima ficou
internada no hospital alguns dias e submeteu-se a procedimento cirúrgico, a denotar a gravidade do
que aconteceu.
No que toca ao comportamento da vítima, não vislumbro conduta contundente desta que seja apta à
mensuração de tal circunstância.
Na terceira fase, não há causas de aumento, mas desponta a causa de diminuição correspondente à
tentativa. Tendo em vista a quantidade de disparos efetuados, bem como o fato de a vítima, embora
atingida, não ter sofrido risco de morte, diminuo a pena pela metade (1/2), tornando-a DEFINITIVA
em 10 (DEZ) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
Verifico que a culpabilidade, nesta fase funcionando como juízo de reprovabilidade da conduta, não
vai além do tipo penal.
O acusado registra maus antecedentes, possuindo condenação criminal transitada em julgada que,
formalmente, configura reincidência (art. 63 do CP), dada a data do trânsito definitivo - ID
155272097. Valoro-as, pois, a título de agravante, na próxima fase da dosagem da pena.
Quanto à conduta social e à personalidade do réu, inexistem elementos probatórios aptos a permitir a
valoração específica dessas circunstâncias.
No que toca ao comportamento da vítima, não vislumbro conduta contundente desta que seja apta à
mensuração de tal circunstância.
Na terceira fase, não há causas de aumento, mas desponta a causa de diminuição correspondente à
tentativa. Tendo em vista a quantidade de disparos efetuados, bem como o fato de a vítima, embora
atingida, não ter sofrido risco de morte, diminuo a pena pela metade (1/2), tornando-a DEFINITIVA
em 09 (NOVE) ANOS DE RECLUSÃO.
- CONTINUIDADE DELITIVA
A continuidade delitiva deve ser reconhecida. O artigo 71 do Código Penal aplica o benefício ao
autor que pratica mais de um crime, mediante mais de uma ação, nas mesmas condições de tempo,
lugar, maneira de execução e outras semelhantes.
Os crimes são da mesma espécie. Foram praticados nos mesmos dia, lugar, horário e forma de
execução. A motivação é a mesma, e o vínculo volitivo entre as condutas está presente. Entendo
desproporcional e injustificada, acresça-se, eventual consideração a respeito do concurso material.
Segundo o parágrafo único do artigo 71 do Código Penal, a sanção mais grave (14 – catorze) anos
pode ser aumentada até o triplo. No caso, aplico o aumento dessa pena em dobro, compreendendo-o
razoável em virtude do enorme montante de disparos (no mínimo dez, mas há relatos de cerca de
quinze disparos) e da quantidade de vítimas atingidas (ao menos cinco), bem como diante dos
antecedentes e dos demais relatos trazidos aos autos. A gravidade avulta na espécie. A sanção
definitiva fica em 28 (VINTE E OITO) ANOS DE RECLUSÃO.” (grifos nossos)
Inicialmente, a Defesa se insurge contra o desvalor conferido aos motivos do crime, na primeira fase
da dosimetria, alegando que tal circunstância não pode ser utilizada para qualificar e para majorar a
pena-base, sob pena de bis in idem.
Em verdade, as penas-bases fixadas em 14 (catorze) anos foram aquelas referentes a Victor Hugo,
Natanael e Leonardo, em virtude das consequências mais graves suportadas por tais vítimas.
Denota-se, assim, que as penas-bases foram aumentadas em 1/6 (um sexto) da pena mínima abstrata,
de 12 (doze) anos, para o homicídio qualificado, devido ao reconhecimento de apenas uma
circunstância judicial negativa.
A esse respeito, não há como acolher a tese de que as consequências são inerentes ao tipo penal, pois,
enquanto as vítimas Bryan e Matheus foram alvejadas pelos disparos sem maiores complicações, a
vítima Natanael teve seu intestino perfurado e, por isso, passou cerca de 2 (dois) anos sem conseguir
trabalho, usando uma bolsa de colostomia.
A vítima Leonardo, por sua vez, teve de se submeter a procedimento cirúrgico para colocação de
platina em sua perna atingida e, com isso, havia perdido parte dos movimentos do membro até o
momento da audiência de instrução.
Por fim, a vítima Victor Hugo perdeu o baço, um rim, ficou paraplégico e com um pedaço do projétil
alojado atrás do seu coração, estando impossibilitado de trabalhar e sem ter conseguido sua
aposentadoria até o momento do julgamento em plenário.
Logo, as consequências para essas três vítimas transbordam, em muito, aquelas inerentes à tentativa
de homicídio qualquer, razão pela qual deve ser mantida a maior censura na individualização da pena.
Em relação à segunda fase da dosimetria, a il. Defesa defende que o aumento seja de apenas 1/6 (um
sexto) da pena em razão das agravantes genéricas.
Todavia, considerando a existência de 3 (três) agravantes - reincidência, perigo comum e recurso que
dificultou a defesa dos ofendidos –, é acertado o aumento em 1/6 (um sexto) da pena-base para cada
uma delas, a fim de alcançar reprimenda adequada e proporcional.
Embora o réu tenha negado a autoria dos fatos em plenário e, de igual maneira, em suas razões
recursais, de acordo com a Súmula n. 545 do STJ, “quando a confissão for utilizada para a formação
do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal
”.
No Tribunal do Júri, a questão exige maior cautela, pois, devido à ausência de fundamentação na
decisão adotada pelo Conselho de Sentença, torna-se de difícil exame o uso da confissão para o
convencimento dos jurados.
1. É cabível o reconhecimento da confissão espontânea quando ela for usada para a formação do
convencimento do julgador. No Tribunal do Júri, a alteração procedimental decorrente da Lei n.
11.689/2008 expurgou das indagações feitas aos jurados os quesitos relativos às agravantes e às
atenuantes. Assim, como a regra de julgamento das decisões do Tribunal do Júri é a da íntima
convicção, é imprescindível que a confissão ocorra perante o Conselho de Sentença ou que seja
arguida pela defesa técnica durante o plenário.
2. No caso em exame, não foi registrado na ata de julgamento perante o Tribunal do Júri que o
acusado confessou a prática delitiva ou que foi suscitada tese, nos debates, que pudesse ensejar a
aplicação da atenuante. Desse modo, as instâncias ordinárias agiram em conformidade com a
jurisprudência do STJ.
1. Consoante dispõe a Súmula 545/STJ, ‘a atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida,
ainda que tenha sido parcial ou qualificada, seja ela judicial ou extrajudicial, e mesmo que o réu
venha a dela se retratar, quando a manifestação for utilizada para fundamentar a sua condenação’
(AgRg no AREsp 1640414/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado
em 09/06/2020, DJe 18/06/2020).
De toda sorte, a existência de confissão do réu foi matéria debatida em plenário, razão pela qual, nos
moldes dos julgados acima expostos, deve ser acolhida como atenuante aplicável ao caso concreto.
Por conseguinte, a agravante da reincidência, reconhecida na r. sentença, deve ser compensada com a
confissão espontânea, subsistindo apenas as agravantes do perigo comum e do recurso que dificultou a
defesa das vítimas.
Por essa razão, redimensionando as penas na segunda fase da dosimetria, em relação aos crimes
cometidos contra as vítimas Victor Hugo, Natanael e Leonardo, as penas intermediárias de cada um
passam a ser de 18 (dezoito) anos e 8 (oito) meses; quanto aos homicídios tentados contra Matheus e
Bryan, as penas intermediárias devem ser de 16 (dezesseis) anos.
Na terceira fase, a il. Defesa pugna pela aplicação da fração de 2/3 (dois terços) para diminuição da
pena em virtude da tentativa, alegando que não houve perigo de vida.
Crime consumado
I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
Tentativa
II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do
agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único – Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao
crime consumado, diminuída de um a dois terços.”
Em verdade, consoante previsto no dispositivo legal acima transcrito, a tentativa deve ser punida com
a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços, observado o iter criminis
percorrido pelo agente.
De acordo com o acervo probatório colhido nos autos, o réu efetuou mais de 10 (dez) disparos de
arma de fogo, em ambiente densamente ocupado, sendo possível constatar que praticou todos os atos
de execução, fazendo tudo que lhe era possível para consumar o delito.
O fato de as vítimas terem sido prontamente assistidas e terem respondido bem às intervenções
médico-hospitalares, mediante procedimentos cirúrgicos e internações, afastou o resultado morte, mas
não torna a conduta do réu menos reprovável ou distante da execução do homicídio.
Portanto, devem ser mantidas as frações aplicadas na r. sentença, sendo ela de 1/3 (um terço) para o
delito praticado contra a vítima Victor Hugo, perfazendo a pena definitiva de 12 (doze) anos, 5
(cinco) meses e 10 (dez) dias; e de ½ (metade) para as demais vítimas, o que torna a pena definitiva
de:
Em relação ao crime continuado, a il. Defesa requer que seja aplicada a fração de ¼ (um quarto), por
terem sido reconhecidas 5 (cinco) vítimas dentre as 7 (sete) apontadas na decisão de pronúncia. O
Ministério Público postula seja aplicado o concurso formal impróprio ao final da dosimetria, em vez
da continuidade delitiva.
Com efeito, a continuidade delitiva consiste em ficção jurídica para beneficiar o agente que, embora
pratique diversos delitos por meio de mais de uma conduta, possui unidade de desígnios, supondo-se,
então, que os crimes subsequentes são continuação do primeiro. Destarte, para o seu reconhecimento,
é exigido que sejam crimes da mesma espécie, praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e
maneira de execução.
Todavia, se houver pluralidade de desígnios, não se encontra preenchido o requisito subjetivo para
configuração do crime continuado, razão pela qual a hipótese representará concurso material, quando
derivar de mais de uma conduta, ou formal, se, apesar de serem diversos delitos, houver apenas uma
conduta.
A esse respeito, assim leciona Guilherme de Souza Nucci (2021, in: Código Penal Comentado, p.
464):
“Entretanto, na segunda parte, está previsto o concurso formal imperfeito: as penas devem ser
aplicadas cumulativamente se a conduta única é dolosa e os delitos concorrentes resultam de
desígnios autônomos. A intenção do legislador, nessa hipótese, é retirar o benefício daquele que,
tendo por fim deliberado e direto atingir dois ou mais bens jurídicos, cometer os crimes com uma só
ação ou omissão. Tradicional exemplo nos fornece Basileu Garcia: se o agente enfileira várias
pessoas e com um único tiro, de arma potente, consegue matá-las ao mesmo tempo, não merece o
concurso formal, pois agiu com desígnios autônomos.”
No caso dos presentes autos, o réu se desentendeu com um grupo de amigos e, após transcorridas
algumas horas, disparou mais de uma dezena de tiros contra aquelas pessoas, não se importando com
o fato de haver outras centenas de indivíduos na festa.
A conduta dolosa do agente, ainda que possamos ter como única (efetuar disparos), representa crimes
concorrentes que derivam de desígnios autônomos, diante do número de vítimas pretendidas.
Por essa razão, deve ser aplicado o concurso formal impróprio, previsto na segunda parte do art. 70,
caput, do CP, que assim dispõe:
“Concurso formal
Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos
ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas
aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto,
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”
1. Para a configuração do crime continuado é necessário que as ações criminosas, pelas condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhanças, estejam dentro de um mesmo contexto
fático, ou seja, os delitos subsequentes sejam continuação do crime antecedente, aproveitando-se das
mesmas oportunidades ou relações nascidas do primeiro crime. O crime continuado, nos termos
susa delineados, exige, melhor dizendo que, haja a demonstração de ter havido uma relação de
continuidade entre os delitos. Esta relação se estende no tempo obrigatoriamente, já que o
dispositivo legal prevê isso e determina que as mesmas condições de tempo, lugar, maneira de
execução estejam presentes.
2. No presente caso, não se identifica qualquer relação de continuidade, mas tão somente crimes
autônomos e com desígnios autônomos. O apelante queria matar uma das vítimas e não se importou
em efetuar diversos disparos de arma de fogo em local público, sabendo que poderia atingir
diversas outros transeuntes, como de fato ocorreu no caso. Por óbvio, tendo sido os crimes
praticados na mesma oportunidade, terão obrigatoriamente as mesmas condições de tempo, lugar e
maneira de execução.
3. Entendimento contrário, de que todos os crimes idênticos e cometidos no mesmo momento devem
ser considerados na forma continuada, levaria à extinção da modalidade concurso formal impróprio
e do concurso material, o que não se deve tomar como correto.
I - Se o agente, por meio de ação única (disparo de arma de fogo), fracionada em diversos atos
executórios (múltiplos disparos) e com desígnios autônomos, alcança dois resultados típicos
distintos, deve ser aplicada a regra do concurso formal impróprio, não a do crime continuado.
II - A constatação de que os delitos foram cometidos em razão de confronto entre gangues rivais, que
o recorrente efetuou diversos disparos em direção às duas vítimas e continuou atirando mesmo após
uma elas já ter caído ao chão evidencia a autonomia de desígnios.
Nesse diapasão, aplicadas as penas já calculadas de forma cumulativa, a reprimenda definitiva totaliza
43 (quarenta e três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, tornando prejudicado o pedido de
redução da fração atinente ao crime continuado.
3. Da indenização
Conforme o art. 387, IV, do CPP, ao proferir sentença penal condenatória, o julgador fixará valor
mínimo para reparação dos danos causados pela infração, em favor da vítima.
No entanto, a denúncia delimita os fatos acerca dos quais o réu deve se defender e, por conseguinte,
para que o magistrado possa impor um mínimo indenizatório em caso de condenação, deve ser
oportunizado o contraditório e a ampla defesa acerca da questão, devendo haver pedido expresso
nesse sentido, no momento processual adequado, o que não ocorreu na espécie.
Nada obstante as incontestes lesões sofridas pela vítima Victor Hugo, verifica-se que, na denúncia (ID
36635744), não foi formulado qualquer pedido indenizatório, seja a título de reparação pelos danos
morais ou, ainda, pelos danos materiais, a fim de auxiliar no custeio de medicamentos e tratamentos
médicos permanentes.
Por oportuno, insta registrar que, mesmo nas hipóteses de reconhecimento de dano moral in re ipsa, o
pedido inicial de indenização mostra-se necessário para a condenação à reparação dos danos. Nesse
sentido, o col. STJ julgou o Tema 983, sob a sistemática dos recursos repetitivos, in verbis:
1. O Superior Tribunal de Justiça - sob a influência dos princípios da dignidade da pessoa humana
(CF, art. 1º, III), da igualdade (CF, art. 5º, I) e da vedação a qualquer discriminação atentatória dos
direitos e das liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), e em razão da determinação de que "O
Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações" (art. 226, § 8º) - tem avançado na
maximização dos princípios e das regras do novo subsistema jurídico introduzido em nosso
ordenamento com a Lei n. 11.340/2006, vencendo a timidez hermenêutica no reproche à violência
doméstica e familiar contra a mulher, como deixam claro os verbetes sumulares n. 542, 588, 589 e
600. 2. Refutar, com veemência, a violência contra as mulheres implica defender sua liberdade (para
amar, pensar, trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de
sua proteção jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou
atenuem o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher.
3. A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma
tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e legitimação da
vítima, particularmente a mulher, no processo penal.
4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008,
nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que,
consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização
para as duas espécies de dano - o material e o moral -, desde que tenha havido a dedução de seu
pedido na denúncia ou na queixa.
5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais experimentados
pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de
que a fixação, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de
violência doméstica, independe de indicação de um valor líquido e certo pelo postulante da
reparação de danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo
com seu prudente arbítrio.
6. No âmbito da reparação dos danos morais - visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de
comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza -, a Lei Maria da Penha,
complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o
juízo único - o criminal - possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à
humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada.
7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico,
do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada
pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher
como pessoa.
8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos com a violência
doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento
integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as
possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante
juízos diversos.
9. O que se há de exigir como prova, mediante o respeito ao devido processo penal, de que são
expressão o contraditório e a ampla defesa, é a própria imputação criminosa - sob a regra, derivada
da presunção de inocência, de que o onus probandi é integralmente do órgão de acusação -, porque,
uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem
têm mesmo como ser demonstrados.
10. Recurso especial provido para restabelecer a indenização mínima fixada em favor pelo Juízo de
primeiro grau, a título de danos morais à vítima da violência doméstica.
TESE: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível
a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da
acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de
instrução probatória.”
(REsp n. 1.643.051/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em
28/2/2018, DJe de 8/3/2018.)
Todavia, cumpre esclarecer que o indeferimento do pedido indenizatório, na esfera penal, decorre
tão-somente da inexistência de pedido expresso na denúncia, podendo a vítima buscar toda espécie de
reparação cabível perante o juízo cível, com a instrução adequada, abrangendo eventual pensão
alimentar em face da alegada impossibilidade de trabalho, em virtude das consequências geradas pelo
crime.
4. Da revogação da prisão
Nesse interregno, a Defesa acostou aos autos vídeo (ID 36635755 e 36635756) em que o réu, assistido
por advogado, assume a autoria dos crimes e, embora questionado por várias vezes, afirma
veementemente que não se entregaria à Justiça, embora ciente de que pende contra ele mandado de
prisão em aberto.
Destarte, diante da prova da existência dos crimes e dos evidentes indícios da autoria, corroborados
pela manutenção da condenação nessa esfera recursal, a prisão preventiva é medida que se impõe,
ainda antes do trânsito em julgado da sentença, especialmente para assegurar a aplicação da lei penal,
nos termos do art. 312 do CPP.
Indefiro, pois, o pedido defensivo.
5. Do prequestionamento
No que se refere ao pedido formulado pela il. Defesa, de prequestionamento de diversos dispositivos
legais, o entendimento é que basta o compreendido pela matéria versada no acórdão para interposição
de eventuais recursos perante as instâncias extraordinárias. Nestes termos, o julgado pelo colendo
STJ:
(AgInt nos EREsp n. 1.494.826/SC, relator Ministro Jorge Mussi, Corte Especial, julgado em
25/5/2021, DJe de 27/5/2021.) (grifo nosso)
É como voto.
DECISÃO