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Auto Retrato

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AUTO-RETRATO

eli
Nov. 2008
Magro, de olhos azuis, carão moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,


Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,


Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos, por taça escura
De zelos infernais, letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades


(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades.

Eis Bocage, em quem luz algum talento;


Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Bocage
Auto-retrato

Poeta é certo mas de cetineta


fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes


suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã


que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate


palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

José Carlos Ary dos Santos


AUTO-RETRATO

O'Neill (Alexandre), moreno português,


cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.

Se a visagem de tal sujeito é o que vês


(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui uma pequena frase censurada...).

No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill)


e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito ) das maneiras mil

que são a semovente estátua do prazer.


Mas sofre de ternura, bebe demais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...

Alexandre O’Neill
por Bual

Espáduas brancas palpitantes


asas no exílio dum corpo,
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia
ANOS 40, OS MEUS

Do eléctrico andava a correr meio mundo


subia a colina ao castelo-fantasma
onde um pavão alto me aflorava muito
em sonhos à noite. E sofria de asma

Alma e ar reféns dentro do pulmão


(como um chimpanzé que à boca da jaula
respirava ainda pela estendida mão).
Salazar três vezes, no eco da aula.

As verdiças tranças prontas a espigar


escondiam na auréola os mais duros ganchos.
E o meu coito quando jogava a apanhar
era nesse tronco do jardim dos anjos

Que hoje inda esbraceja numa árvore passiva.


níqueis e organdis, espelhos e torpedos
Acabou a guerra meu pai grita «Viva».
Deflagram no rio golfinhos brinquedos.

Já bate no cais das colunas uma


onda ultramarina onde singra um barco
pra cacilhas e, no céu que ressuma
névoas águas mil, um fictício arco-

-íris como que é, no seu cor-a-cor,


uma dor que ao pé doutra se indefine.
No cinema lis luz o projector
e o FIM através do tempo retine.

Luiza Neto Jorge


Nasci no Porto mas vivo há muito em Lisboa.
Durante a minha infância e juventude passava os verões na praia da Granja, de
que falo em tantos dos meus poemas e contos.
Estudei no Colégio Sagrado Coração de Maria, no Porto, e quando tinha 17 anos
inscrevi-me na Faculdade de Letras de Lisboa, em Filologia Clássica, curso que,
aliás, não terminei. Antes de 25 de Abril de 1974 fiz parte de diversas
organizações de resistência, tendo sido um dos fundadores da Comissão Nacional
de Socorro aos Presos Políticos.
Depois de 25 de Abril de 1974 fui deputada à Assembleia Constituinte (1975-
1976) e detesto escrever currículos...
[...]
Comecei a inventar histórias para crianças quando os meus filhos tiveram
sarampo. Era no inverno e o médico tinha dito que eles deviam ficar na cama, bem
cobertos, bem agasalhados. Para isso era preciso entretê-los o dia inteiro.
Primeiro, contei todas as histórias que sabia. Depois, mandei comprar alguns
livros que tentei ler em voz alta. Mas não suportei a pieguice da linguagem nem a
sentimentalidade da "mensagem"; uma criança é uma criança, não é um pateta.
Atirei os livros fora e resolvi inventar. Procurei a memória daquilo que tinha
fascinado a minha própria infância. Lembrei-me de que quando eu tinha 5 ou 6
anos e vivia numa casa branca na duna - a minha mãe me tinha contado que nos
rochedos daquela praia morava uma menina muito pequenina. Como nesse tempo,
para mim, a felicidade máxima era tomar banho entre os rochedos, essa menina
marinha tornou-se o centro das minhas imaginações. E a partir desse antigo
mundo real e imaginário, comecei a contar a história a que mais tarde chamei
Menina do Mar.
Os meus filhos ajudavam. Perguntavam:
- De que cor era o vestido da menina?
- O que é que fazia o peixe?
Aliás, nas minhas histórias para crianças quase tudo é escrito a partir dos lugares
da minha infância

Sophia de Mello Breyner Andresen


Aos cinquenta anos dei por mim a fumar ao espelho e a perguntar E agora, José?
Fumar ao espelho, qualquer José sabe isso, é confrontarmo-nos com o nosso rosto
mais quotidiano e mais pensado. Por trás, em fundo, tem-se um cenário do
presente imediato (a porta do quarto, um cabide vazio) mas esse presente, logo à
segunda fumaça já é passado (a porta desfez-se, o cabide voou) e tanto mais
passado quanto mais mergulhamos no cigarro. O olhar envelheceu, foi o que foi.
[…]
Certo, cinquentas…muito ano. Muito silêncio, muita humilhação. Mas diz-me,
espelho, vale a pena recordá-los? A que propósito agora esse arranhar de ferida,
essa recriminação? […]
Mas fumar ao espelho não é só ver para trás olhando de frente. É também um
modo-josé de futurar, para lá do rosto que o repete e que fumega. […]
Não, nisto de alguém se interrogar ao espelho, olhos nos olhos, é consoante. Tem
muitos ângulos – e tu estás aí, que não me deixas mentir. Vários ângulos. Há
quem procure, santa inocência, fazer um discurso de silêncio capaz de estilhaçar o
vidro e há quem espere receber, por reflexo da própria imagem, algum calor
animal que desconhece. Seja como for, o que dói, e
assusta, e é triste e desastradamente cómico neste exercício, é o pleonasmo de si
mesma em que a pessoa se transforma. Repete-
se. Se bem que com feroz independência (todo o seu esforço é esse) repete-se em
imagens controversas que a possas explicar.
[…]
Aqui tens, José, o homem que te interroga. Que te fuma e te duvida. Que te
acredita.
E com esta me despeço, adeus até outro dia, e que a terra nos seja leve por muitos
anos e bons neste lugar e nesta companhia.
Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês?

Cardoso Pires por Cardoso Pires, entrev. de Artur Portela


AUTO-RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,


tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles

Retrato Falante

Não há quem não se espante, quando


mostro o retrato desta sala,
que o dia inteiro está mirando,
e à meia-noite em ponto fala.

Cada um tem sua raridade:


selo, flor, dente de elefante.
Uns tem até felicidade!
Eu tenho o retrato falante

Minha vida foi sempre cheia


de visitas inesperadas,
a quem eu me conservo alheia,
mas com as horas desperdiçadas.

Chegam, descrevem aventuras,


sonhos, mágoas, absurdas cenas.
Coisas de hoje, antigas, futuras...
(A maioria mente, apenas.)
E eu, fatigada e distraída,
digo sim, digo não - diversas
respostas de gente perdida
no labirinto das conversas.

Ouço, esqueço, livro-me - trato


de recompor o meu deserto.
Mas, à meia-noite, o retrato
tem um discurso pronto e certo.

Vejo então por que estranho o mundo


andei, ferida e indiferente,
pois tudo fica no sem-fundo
dos seus olhos eternamente.

Repete palavras esquivas


sublinha, pergunta, responde,
e apresenta, claras e vivas,
as intenções que o mundo esconde.

Noutra noite me disse: " A morte


leva a gente. Mas os retratos
são de natureza mais forte,
além de serem mais exatos.

Quem tiver tentando destruí-los,


por mais que os reduza a pedaços,
encontra os seus olhos tranqüilos
mesmo rotos, sobre os seus passos.

Depois que estejas morta, um dia,


tu, que és só desprezo e ternura,
saberás que ainda te vigia
meu olhar, nesta sala escura.

Em cada meia-noite em ponto,


direi o que viste e o que ouviste.
Que eu - mais que tu - conheço e aponto
quem e o que te deixou tão triste."

Cecília Meirelles
Auto-retrato

Provinciano que nunca soube


Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

Manuel Bandeira
POEMA AUTOBIOGRÁFICO

Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Para o angu das manhãs...
Portanto eu venho da massa,
Eu sou um trabalhador...
Ouvi o ritmo das máquinas,
E o borbulhar das caldeiras...
Obedeci ao chamado das sirenes...
Morei num mucambo do ""Bode"",
E hoje moro num barraco na Saúde...
Não mudei nada...

Solano Trindade
SERÃO DO MENINO POBRE

Na sala pobre da casa da roça


papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
— desde criança fascinou-me o maravilhoso.
Às vezes, Mamãe parava de costurar
— a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.

Quando Mamãe morreu


o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não lia os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.

Ascânio Lopes
Auto-retrato falado

Venho de um Cuiabá e de ruelas entortadas.


Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da
Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do
chão, pessoas humildes, aves,árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de
estar entre as pedras e lagartos.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.
Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me
sinto como que desonrado e fujo para o
Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo
que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de
gado. Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só
faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.

Manoel de Barros
Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.


Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida
é porosidade e comunicação
A vontade de amar que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas,
sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança Itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas
que ora te ofereço:
este são Benedito do velho santeiro Alfredo Durval;
este couro de anta, estendido no sofá
da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Carlos Drummond de Andrade


No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…
E, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
Minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!

Mário Quintana
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

José Luís Peixoto

quando nasci. esperava que a vida.


me trouxesse. a terra. quando nasci.
esperava que a vida. me trouxesse.
as árvores. e os pássaros. e as crianças.
quando nasci. tinha o mundo. todo.
depois dos olhos. depois dos dedos.
e não percebi. não percebi. nada.
nunca imaginei. quando nasci. que a vida.
quando nasci. já era a escuridão. a escuridão.
em que estava. quando nasci.

José Luís Peixoto


entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou a cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem
o mundo. eu sou o que não devia ser e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco da alegria,
porque mil mãos e dez mil dedos me percorrem o corpo
e me beijam. entre mim e o meu silêncio há uma
confusão de equívocos que não entendo e não admito.
sou arrogante, porque sou do pais em que inventaram
a arrogância. sou miserável. que sei eu? sou um viajante
com destino traçado, como o fumo deste cigarro que
desaparece indeciso e já esqueceu de onde veio. e rio,
rio, rio, perdido e desalmado, de dentes sujos e quase
doente, porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer em cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo aceso, em cada estrela. rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuvens, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.

José Luís Peixoto

como não tenho lugar no silêncio onde morrem as gaivotas,


despeço-me no oceano e deixo que o céu me conheça.
talvez a serenidade possa ser as minhas mãos a serem uma
brisa sobre a terra e sobre a pele nua de uma mulher.
esse dia, esperança de amanhã, poderá chegar e estarei dormindo.
hoje, sou um pouco de alguma coisa, sou a água salgada
que permanece nas ondas que tudo rejeitam e expulsam
na praia. as gaivotas sobrevoam o meu corpo vivo. os meus
cabelos submersos convidam o silêncio da manhã, raios de sol atravessam
o mar tornados água luminosa. aqui, estou vivo e sou alguém
muito longe.

José Luís Peixoto


Auto-retrato com a musa

1.

vejo-me ao espelho: a cara


severa dos sessenta,
alguns cabelos brancos,
os óculos por vezes
já mais embaciados.

sobrancelhas espessas,
nariz nem muito ou pouco,
sinal na face esquerda,
golpe breve no queixo
(andanças da gilette).

ia a passar fumando
mais uma cigarrilha
medindo em tempo e cinza
coisas atrás de mim.
que coisas? tantas coisas,

palavras e objectos,
sentimentos, paisagens.
também pessoas, claro,
e desfocagens, tudo
o que assim se mistura

e se entrevê no espelho,
tingindo as suas águas
de um dúbio maneirismo
a que hoje cedo. e fico
feito de tinta e feio.

quem amo o que é que pode


fazer deste retrato?
nem sabê-lo de cor,
nem tê-lo encaixilhado,
nem guardá-lo num livro,

nem rasgá-lo ou queimá-lo,


mas pode pôr-se ao lado
e ter prazer ou pena
por nos achar parecidos
ou não achar. quem amo

não fica desenhado,


fica dentro de mim
e é quando mais me apago
e deixo de me ver
e apenas me confundo,
amador transformado
na própria coisa amada
por muito imaginar.
assim nem john ashberry,
nem o parmegianino,

nem espelho convexo,


nem mesmo auto-retrato.
só uma sombra que é
na sombra de quem amo
provavelmente a minha.

quem amo tem cabelos


castanhos e castanhos
os olhos, o nariz
direito, a boca doce.
em mais ninguém conheço

tal porte do pescoço


nem tão esguias mãos
com aro de safira,
nem tanta luz tão húmida
que sai do seu olhar,

nem riso tão contente,


contido e comovente,
nem tão discretos gestos,
nem corpo tão macio
quem amo tem feições

de uma beleza grave


e música na alma
flutua nas volutas
de um madrigal antigo
em ondas de ternura.

é quando eu sinto a musa


pousando no meu ombro
sua cabeça, assim
me enredo horas a fio
e fico a magicar.

Vasco Graça Moura


Tinha o tamanho da praia
o corpo era de areia.
E ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
princípio da veia.

E quando as mãos se estenderam


a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.

Largou o sonho nos barcos


que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.

E quando o seu corpo se ergueu


Voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar que a retém.

Natália Correia
ESCOLA SECUNDÁRIA ANTÓNIO ARROIO

10º - ANO .. TURMA-F

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