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O Portador Do Archote

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LUCIFER

o anunciador da aurora.

ORIGEM E SIGNIFICADO DO NOME Etimologicamente, a palavra lucifer resulta da conjugao das expresses latinas LUCIS (da luz) e FERRE (fazer, trazer, portar), e designa, literalmente, aquele que faz, traz ou porta a luz, o alumiador, o anunciador da aurora, o porta-luz. Na antiguidade romana, era esse adjetivo o nome do planeta Vnus. Como se sabe, Vnus, por sua proximidade ao sol, mostra-se nos cus, como uma brilhante estrela, nos momentos que antecedem a aurora. Na observao dos antigos romanos, era como se esse planeta fizesse o papel de arauto do sol, anunciando a aurora, o raiar do dia, o nascer do astro-rei, razo porque o tinham como a brilhante estrela da manh. Na mitologia romana, Lucifer era um deus. Filho de Jpiter e de Aurora, Lucifer era o chefe ou o condutor de todos os outros astros. Era ele quem tomava conta dos cavalos e do carro do Sol e, auxiliado pelas Horas, era quem atrelava e desatrelava os corcis. reconhecido pelos seus cavalos brancos, na abbada celeste, quando anuncia aos mortais a chegada da Aurora, sua me. Os cavalos de conduzir eram-lhe consagrados. (Mythologie Grecque et Romaine, Pierre Commelin, 1837).

Na astrologia, Lucifer era personificado na apario matutina do planeta Vnus (Ccero, De Natura Deorum. 2,53). Ovdio menciona que cada novo dia comea quando Lucifer brilha radiante no cu, chamando a

humanidade para seus afazeres dirios. Lucifer excede em brilho as estrelas mais radiantes (Heridas, 11,46).
Em grego, o mesmo que Eosphoros (o que traz a aurora) ou Phosphoros (o que traz a luz).

O MITO

Na verso mais atual da Bblia no se encontra o nome Lucifer. Porm, nas edies mais antigas esse nome constava pelo menos em duas passagens, uma no Livro de Isaas, 14:12, e outra na Segunda Epstola de Pedro, 1:19. 1- Em tal antiga verso, teria o profeta Isaas registrado, no captulo 14, versculo 12 do seu livro, os seguintes dizeres: "Ento, castes do cu, Lucifer, filho da manh! Fostes abatido por terra, tu que prostrava as naes!" Querem alguns que o profeta esteve a se referindo ao anjo que, segundo a doutrina da Queda, desobediente ao Deus criador e derrotado numa guerra nos cus, teria cado na Terra. No entanto, no pode haver verdade em tal entendimento. Primeiramente, porque lucifer, sendo uma palavra LATINA, no poderia constar de um manuscrito HEBREU (Livro de Isaas), escrito, por volta do ano 730 A.C., antes mesmo do surgimento da linguagem Romana.

Ademais, no Captulo 14, do seu manuscrito original hebreu, o profeta Isaas no fala sobre um anjo cado, no menciona o nome Lucifer e nem faz qualquer aluso a Satan, mas, sim, refere-se ao rei da Babilnia, Tiglath-Pileser III, que auto-denominava-se "Heilel Ben Shachar" (- ) cuja traduo literal "Brilhante Filho da Aurora"-, e que durante a vida dedicou-se a perseguir os filhos de Israel. O nome evoca o esplendor pessoal do monarca, o qual, sempre em magnficas roupagens e acompanhado de numerosa corte, punha-

se de p desde a aurora. (A ele o Rei Luiz XIV da Frana apelidou de O Rei Sol). Tal Tiglath-Pileser III, ou Heilel Ben Shachar, foi o formador do Imprio Assrio, tendo subido ao trono em 745 A.C.. Sob o governo desse monarca, o poder Assrio no oriente-mdio incrementou-se grandemente em resultado s campanhas de conquista por ele adotadas. Logo que se tornou rei da Babilnia, invadiu ele e submeteu Urartu (atual Armnia), cuja hegemonia, sob o reinado de Sarduri II, estendeu-se ao norte da mesopotmia e Sria. Ele ento tomou Arpad, aps trs anos de cerco, e conduziu vrias campanhas ao este. Inscries assrias registram que, em 739, Tiglath-Pileser teve uma vitria sobre Azariah (Uzziah), rei de Jud, cujos feitos esto descritos em 2 Cronicas 26:6-15. Em 733 A.C., seus exrcitos conquistaram a Filstia, na costa do Mediterrneo, submeteram Damasco e ocuparam a maior parte de Israel, vindo as regies ao norte a serem provncias assrias, sendo os habitantes mortos a espada ou deportados para a Babilnia e outras partes do imprio assrio. Esse rei deixou inmeras inscries em baixo-relevo, dando conta dos seus grandiosos feitos. Numa delas diz ele: "O povo da terra de Omri eu deportei para a Assria, com seus pertences." Isso tambm confirma exatamente o texto bblico do Livro 2 Reis, 15:29 "Nos dias de Pekah, rei de Israel, veio Tiglathpileser rei da Assria, e tomou Ijon, e Abelbethmaachah, e Janoah, e Kedesh, e Hazor, e Gilead, e Galilee, toda a terra de Naphtali, e os levou cativos para a Assria." Em 728 A.C., Ahaz, filho de Jotham, era o Rei de Jud. Esse reinado marcou o fim da real independncia de Jud. Uma coaliso entre Pekah, de Israel, e Rezin, da Sria, atacou-o e quase tomaram Jerusalem. Ahaz buscou a ajuda do poderoso Heylel Ben Shachar, que o defendeu dos inimigos mas, em troca, exigiu tributos de Jud. Ahaz mandou ouro do Templo em pagamento. Nesse tempo, a maior figura de Jud era exatamente o profeta ISAAS de que ora se diz, o qual se opunha ferrenhamente aliana com os assrios. Ahaz foi denunciado na Bblia por suas brbaras abominaes e o seu sacrilgio com o ouro do Templo. No Livro de Isaas, o Captulo 14, tomado em sua inteireza, um vaticnio contra esse Brilhante Filho da Aurora. Nos versculo 12 a 15, o profeta caracteriza a arrogncia desse rei, o qual exaltava-se s alturas, como se fosse um deus, vindo, porm, ao cho, destroado pela vingana do Senhor contra aqueles que exaltavam a si mesmos e perseguiam os filhos de Israel.

Eis como a disse o profeta Isaas, referindo-se queda do rei babilnio: Como caste do cu, Brilhante, filho da aurora! Como foste atirado terra,

tu que prostravas as naes! E, no entanto, dizias no teu corao: 'Hei de subir at o cu, acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono, estabelecer-me-ei na montanha da Assemblia, nos confins do norte. Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altssimo.' E, contudo foste precipitado ao Xeol, nas profundezas do abismo. Os que te vem fitam os olhos em ti, e te observam com toda ateno, perguntando: porventura este o homem que fazia tremer a terra, que abalava os reinos?".
J no Versculo 4, Isaias diz que, quando Israel fosse restaurada, essa nao levantaria sua espada contra o Rei da Babilnia. O versculo 12 uma parte desse vaticnio e diz sobre a queda do rei madrugador. O que ocorreu foi que, nos anos 382 a 390 d.C., ao traduzir o Velho Testamento hebraico para o latim da sua Vulgata (primeira verso da Bblia Crist), o romano SO JERNIMO, tomando como fonte, no a verso grega (a Septuaginta), mas, sim, os prprios escritos originais hebreus (a Tanach), houve por transmudar, equivocadamente, o nome hebraico Heilel Ben Shachar (Brilhante Filho da Aurora) pelo termo latino "Lucifer", que, como ele prprio sabia, era deveras o nome do mitolgico filho da deusa Aurora, representado no cu pela brilhante estrela da manh (Vnus). (Interessante observar que na Septuaginta o nome hebrico Heilel Ben Shachar houvera sido transladado como Phosphoros (Phos=luz; Phoros=trazer). (Septuaginta o nome de uma traduo da Tor para o idioma grego, feita no sculo III a.C.. Ela foi encomendada pelo Fara Ptolomeu II (287 a 247 a.C.), rei do Egito, para ilustrar a recm inaugurada Biblioteca de Alexandria. A traduo ficou conhecida como Os Setenta, ou Septuaginta (palavra latina que significa setenta), ou ainda LXX, pois setenta e dois rabinos trabalharam nela, e, segundo a lenda, teriam acabado a traduo em setenta e dois dias. A Septuaginta foi usada como base para diversas tradues do Velho Testamento). Em razo da equivocada transmutao levada a cabo por So Jernimo, a verso latina do Livro de Isaas, no captulo 14, versculo

12, passou a referir-se a lucifer: Ento, castes do cu, Lucifer, filho da

manh!
Dada a oficialidade da Vulgata, e com o passar do tempo, telogos, escritores e poetas entrelaaram o equvoco com a Doutrina da Queda (da Tradio judaica), e pelos sculos afora a metamorfose se firmou, passando o nome Lucifer a designar um anjo desobediente, expulso dos cus e condenado eternamente ao inferno. Na tradio crist, Lucifer, a brilhante estrela da manh dos romanos, ora o mesmo que Satan, o Mal, e, ironicamente, o "Prncipe das Trevas". Os Cristos vieram a ter a crena de que Satan (ou o Mal, ou Lucifer que eles equipararam a Satan) um ser que sempre teve existido. E, pior, eles tambm pensavam que os profetas do Velho Testamento acreditavam na existncia de tal criatura. E a escritura de Isaas foi usada como prova disso. No entanto, os escritores originais do Velho Testamento no tinham tal conceito, no acreditavam nem ensinavam isso como doutrina. 2- J na Segunda Epstola de Pedro, captulo 1, versculo 19, esse apstolo houve consignado, no grego da poca, o seguinte dizer: , , , , . , (kai ecomen bebaioteron ton profhtikon logon w kalwV poieite proseconteV wV lucnw fainonti en aucmhrw topw ewV ou hmera diaugash kai fwsforoV anateilh en taiV kardiaiV umwn). Versando para o latim esse texto grego do apstolo Pedro, So Jernimo assim o traduziu: Et habemus firmiorem propheticum sermonem, cui

bene facitis attendentes quasi lucernae lucenti in caliginoso loco, donec dies illucescat, et lucifer oriatur in cordibus vestris.
Em portugus, tal verso de So Jernimo significa: E temos

afirmado o sermo proftico, e fazeis bem em dar ateno a ele, como a uma candeia luminosa em local escuro, at o alvorecer do dia, e se levante lucifer em vossos coraes.
Ora, novamente equivocou-se So Jernimo. De fato, o texto grego de Pedro no diz e se levante lucifer em vossos coraes, mas sim e se levante fosphoros em vossos coraes. Como j visto acima, o termo grego fosphoros significa literalmente o trazedor da luz, designando a brilhante estrela da manh. Tudo isso esteve a confundir os cristos, os quais identificam o prprio Cristo como a estrla da manh, termo, alis, usado como tema central em muitos sermes cristos. O prprio Jesus referiu-se a si mesmo, no livro Apocalipse 22:16, como sendo ele prprio a estrela

da manh: "Eu, Jesus, tenho enviado meu anjo para testemunhar essas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a descendncia de David, e a brilhante estrela da manh". Como modo de fazer extinguir a fonte dessa incmoda confuso, a Igreja Catlica, no outono de 1908, sob o papado de Pio X, revisando o texto da Vulgata, fez dar ao Livro de Isaas a traduo literal do texto original hebreu, no que assim fez desaparecer do Livro de Isaas a referncia ao nome Lucifer. O mesmo no aconteceu, porm, com a segunda epstola de Pedro, a qual, em algumas atuais verses do Novo Testamento, ainda continua a fazer referncia a lucifer (como algo bom, frise-se). O equvoco foi como que assim desfeito, mas o mito ainda perdura, lamentavelmente, fazendo com que, em sua ignorncia, milhes e milhes de pessoas continuem a perpetuar, por geraes afora, a insensata crena de que o Deus criador, em sua infinita sabedoria e bondade, teve sido, no entanto, capaz de criar uma inteligncia essencialmente m, para com ela ameaar e atormentar os Seus prprios filhos, criados Sua imagem e semelhana, tendo Ele dado a tal criatura o nome Lucifer. Antes de tal equvoco de So Jernimo, o nome lucifer no tinha m conotao. Ao contrrio, como informa o historiador Franz Hinkelammert, na tradio crist do primeiro milnio o nome Lucifer era muito freqente at para o prprio Jesus. Encontramo-lo na liturgia do Sbado Santo por ocasio da beno do crio pascal, aparece tambm na segunda carta de Pedro e nome freqente entre os cristos, tendo existido um So Lucifer, que foi Bispo Catlico de Cagliari, na Siclia, nos anos 370 D.C.). Diversos outros usaram lucifer como adjetivo para algo luminoso, que d claridade, que traz luz (Ovdio. Heridas. 11, 46), o que traz um facho (Ovdio. Heridas. 20, 192) ou mesmo jornada, dia (Proprcio. 2, 15, 28). Por isso, quando posta na boca de Jesus a afirmao de que ele a brilhante estrela da manh, o escriba quis dizer que era ele, Jesus, e no algum dolo pago que o antecedesse neste ttulo, a brilhante estrela da manh (Ap 22,16). Como de tudo isso se pode concluir, Lucifer, seja personificado em Vnus, a estrela da manh, seja como ente divino da mitologia romana, nada tem a ver com as escrituras bblicas, assim como deveras nada tem a ver com anjo cado, com inferno, com sat ou com qualquer outra figura relacionada ao mal. A m-fama que ainda lhe atribuda, decorrente de mero equvoco de escriba tradutor, de todo improcedente. Em sua ignorncia, o vulgo, no tendo como perceber o engano, evidentemente por completo desconhecimento dos fatos, continua inocentemente a perpetu-lo, infelizmente.
-x-

Texto composto por Nelson Saraiva Filho Janeiro, 1992

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