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Lições de Direitos Humanos-1

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Lições de Direitos Humanos

Neca Maciel
necavirgiliomaciel@gmail.com
APRESENTAÇÃO

As lições sobjudice, versam sobre temas introdutórios aos direitos humanos


dirigidos para quem pretende iniciar-se na aspiração de um mundo melhor, baseado
no respeito pela dignidade da pessoa humana. Por isso, são destinatários desta obra,
os estudantes dos cursos de licenciatura em Direito, no entanto, o seu conteúdo foi
elaborado de forma a poder atingir outros segmentos da sociedade, tais como
profissionais já em exercício das suas carreiras, nomeadamente do sector da
administração da justiça, paralegais, parlamentares e servidores públicos.
CAPITULO-I
TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS

Num contexto de relações de dominação e, vistos como direitos dos mais fracos ou vulneráveis, os “direitos humanos” não representam muito para as elites económicas, políticas ou sociais, sendo por essa razão que tal expressão é mais
popular pelo seu preconceito do que pelo seu conceito. As vezes, mesmo os que promovem e protegem os direitos humanos, como os que os desafiam, não têm um profundo conhecimento da sua relevância jurídica.
I. Conceito dos Direitos Humanos
Então, o que são afinal os direitos humanos?
 Num sentido geral, os direitos humanos constituem o núcleo de direitos que protegem a
vida e a dignidade da pessoa humana1. Porém, a simplicidade desta afirmação contrasta
com a dificuldade de explicação do seu conteúdo, na medida em que é difícil definir a
dignidade humana.
 Afinal, em que consiste a dignidade humana?
 Ao lado desta inquietação, vem outra que emerge da circunstância de as expressões
“direitos humanos” e “direitos fundamentais” serem usadas em sinonímia, podendo
nalguns casos, serem tratadas com alguma diversidade. É o que acontece, para
exemplificar, com a Constituição da República de Moçambique que, no artigo 11,
determina os objectivos fundamentais do Estado, nomeadamente a promoção e defesa dos
direitos humanos pese, embora, o capítulo que trata dos direitos pertinentes ao homem
aparecer com a epígrafe de direitos fundamentais.
Cont…

No entanto, o artigo 43 da lei mãe estabelece que a interpretação e aplicação das


normas referentes aos direitos fundamentais fazem-se de harmonia com a declaração
universal dos direitos do homem e a carta africana dos direitos humanos e dos povos.
Terá o legislador constituinte entendido haver uma equivalência mútua entre os dois
conceitos ou, antes pelo contrário, usa-as consciente da sua diversidade e
complementaridade? Estas e outras questões são frequentes para quem se
autonomizar inicia no campo científico dos direitos humanos.
Cont…

Assim, em conclusão, pode-se afirmar que os direitos humanos são direitos inerentes à
pessoa humana, visando a protecção da sua dignidade. Por isso, que são comumente
considerados direitos inalienáveis e universais. Na verdade, a expressão “direitos
humanos” é usada para designar um amplo conjunto de direitos essenciais para a
dignidade da pessoa humana.
II. Características e Princípios dos Direitos Humanos
Os direitos humanos têm caracteristicas próprias. Porém, não há unanimidade entre autores sobre o número de caracteristicas dos direitos humanos, assim como sobre a
sua terminologia. Para efeitos da presente obra elegeram-se algumas caracteristicas que, em razão de seus efeitos para a interpretação e aplicação dos direitos humanos,
merecem especial atenção, a saber:

a) Universalidade . Esta caracteristrica revela-se em três planos. No primeiro plano, os direitos humanos têm um
carácter erga omnes, uma vez que o seu titular é o ser humano, não importando qualquer distinção de raça, credo,
sexo, nacionalidade, idade ou qualquer outro elemento que o distinga. No segundo plano, a universalidade centra-se
no seu sentido temporal, isto é, que os direitos humanos não são afectados por desenvolvimentos históricos ou
superações tecnológicas. Os indíviduos têm direitos pelo facto de serem seres humanos independentemente do
tempo. O terceiro plano diz respeito ao âmbito espacial da universalidade em que os direitos humanos são de alcance
internacional ou seja reconhecem-se em toda as parte do mundo.
b)Indivisibilidade- Em termos técnico jurídicos, a caracteristica de indivisibilidade
fundamenta-se na não discriminação, coferindo aos direitos humanos igual
importância. Dito por outras palavras, os Estados não se podem furtar de garantir
um direito sob argumento de que determinados direitos não são justiciáveis. A
prática de discriminar os direitos humanos tem a sua história ligada aquando da
aprovação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais em 1966.
Porém, o reconhecimento da indivisibilidade como característica essencial de
direitos humanos deu-se, no plano internacional, com a Conferência Internacional
sobre Direitos Humanos de 1968, em Teerão e reafirmado na conferência Mundial
de Direitos Humanos de Viena em 1993.
Irrenunciabilidade – os direitos humanos são irrenunciáveis, na medida em que estão ligados à condição humana.
Renuciar tais direitos implicaria renunciar a própria condição humana. Os direitos humanos são indisponíveis,
pois o seu titular, mesmo que deseje renunciar, não pode fazê-lo. No nosso direito interno temos uma experiência
de irrenunciabilidade de direitos, em relação, por exemplo, aos direitos de personalidade. Com efeito, o artigo 69
do Código Civil moçambicano estabelece que ninguém pode renunciar, no todo ou em parte, à sua capacidade
jurídica.
e) inalienabilidade - Quer dizer que os direitos humanos não podem ser transferidos, seja a título gratuito, seja
por meio oneroso. Como muito bem refere Reinado Silva e Pereira6, esta caracteristica não implica dizer que
os direitos subjectivos resultantes da força de trabalho ou ainda que não violem o princípio da dignidade da
pessoa humana não possam ser objecto de transação, pois, por exemplo há uma diferença nítida entre a
alineação da força de trabalho e do direito do trabalho. A caracteristica da inalienabilidade dos direitos
humanos reporta-se ao seu conteúdo moral, pessoal, individual inerente à condição humana e que não podem
ser alienados sob pena de se converter em objecto.
f) Imprescritibilidade – os direitos humanos não dependem do prazo ou tempo necessário para a sua realizaçao.
Dito por outras palavras , os direitos humanos podem ser evocados a todo tempo.
Além das caractíticas acima referidas, a doutrina dos direitos humanos avança outras, tais como a inviolabilidade,
mas que neste trabalho não vão ser analisadas.
c) Interdependência – os direitos humanos estão relacionados entre si, não sendo possível efectivar uns
sem os outros, Por exemplo, não é possível realizar os direitos económicos, sociais e culturais sem realizar
os direitos civis e políticos.

A II Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, realizada em Viena, na sua Declaração e


Programa de Acções , artigo 5º, reafirmou esta característica, referindo que “ todos os direitos humanos
são universais, indivisíveis e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos globalmente, de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. As
particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em consideração, assim como os diversos
contextos históricos, culturais e religiosos….”.
III. Direitos Humanos e Áreas Afins
 Com vista à melhor compreensão e delimitação do conceito e amplitude dos
direitos humanos, importa mencionar, concisamente, as grandes diferenças com
as áreas consideradas afins, sendo de destacar os (a) direitos fundamentais, (b)
direito internacional público, (c) direito humanitário e (d) direito penal
internacional, justamente, pela sua incidência sobre o mesmo objecto de estudo,
“a pessoa humana” e/ou as “relações internacionais”.
 No entanto, tratando-se de uma área multidisciplinar, os direitos humanos podem
incidir e até confundir-se com outras áreas jurídicas. Todavia, a escolha destas
quatro disciplinas jurídicas para a sua abordagem, neste capítulo, como
prioritária, funda-se na ligação mais estreita que têm com os direitos humanos.
A. Direitos Fundamentais

 Os direitos humanos são um conjunto de garantias inerentes à existência da pessoa


humana, albergados como verdadeiros para todos os Estados e consagrados nos diversos
instrumentos de Direito Internacional Público. Estes direitos encontram a sua
consagração tanto no direito internacional como no direito interno.
 Os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, consagrados
constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos direitos humanos, que visam garantir
a existência digna (ainda que minimamente) de cidadãos de um determinado Estado.
 Com efeito, o Prof. Gomes Canotilho explica que tal como certos direitos fundamentais
pressupõem uma referência humana, não sendo susceptíveis de gozo e exercícios por
parte de pessoas colectivas, também existem na Constituição direitos fundamentais cuja
titularidade pertence às pessoas colectivas como tais, e não aos seus membros
individualmente considerados.
B. Direito Internacional Público
 O Direito Internacional dos Direitos Humanos ou simplesmente Direitos
Humanos são de origem essencialmente internacional. Dito de outro modo, os
direitos humanos são parte integrante do direito internacional público, isto é,
trata-se de uma relação de género e espécie.
 O direito internacional geral, para além de regular as questões relacionadas com
a dignidade da pessoa humana – objecto dos direitos humanos – inclui outros
campos de regulamentação, tais como a responsabilidade dos Estados, relações
diplomáticas e consulares, relações sobre a delimitação e utilização do Mar,
relações sobre a a delimitação e utilização do espaço aéreo, relações cósmicas
entre outras.
Cont…

O direito internacional dos direitos humanos tem como objecto a


regulamentação de um conjunto de valores considerados universais que
promovem e protegem a dignidade da pessoa humana. Este ramo revolucionou
o direito internacional ao transformar o indíviduo em um dos seus principais
sujeitos em roptura com o direito internacional clássico em que o Estado era o
principal se não o único sujeito.
C. Direito Humanitário
 O Direito Internacional Humanitário (ou Direito dos Conflitos Armados) é um
ramo do Direito Internacional Público constituído pelas normas convencionais ou
de origem consuetudinária especificamente destinadas a regulamentar os
problemas que surgem em períodos de conflito armado. Os direitos humanos são
direitos inerentes à todas as pessoas por sua condição de seres humanos
independentemente das circunstâncias, isto é, devem ser respeitados todo o tempo
independentemente das circunstâncias.
 De acordo com alguns instrumentos de Direitos Humanos, os Governos podem
suspender algumas normas em situações de emergência pública que ponham em
perigo a vida da nação, desde que tais suspensões sejam proporcionais à crise e
sua aplicação não seja indiscriminada ou infrinja outra norma do direito
internacional, inclusive o Direito Internacional Humanitário..
D. Direito Penal Internacional
 O ramo de direito internacional que visa à repressão, pelos tribunais nacionais e
internacionais, de crimes internacionais de genocídio, crimes contra
humanidade, crimes de guerra e agressão, de entre outros. Isto é a área do direito
internacional público que visa a responsabilização do indivíduo que comete
crime sob a jurisdição do Tribunal sendo, individualmente responsável e
passível de sanção. É, entretanto, a área de direito internacional público que
versa sobre a responsabilização dos indivíduos por violação de direitos
humanos. Neste sentido, os direitos humanos têm o seu objecto mais vasto que o
direito penal internacional.
IV. Breve Evolução Histórica dos Direitos Humanos
 A evolução histórica dos direitos humanos coincide com a história da limitação do poder estadual em
vários quadrantes do mundo.
 Como muito bem refere Flavia Piovesan, inicialmente, os direitos humanos foram pensados pelos
filósofos do mundo antigo, enquanto simples expressões de pensamentos individuais, serviam apenas
como propostas de actuação do Estado. Com efeito, as origens dos direitos humanos podem ser
encontradas tanto na filosofia grega quanto nas várias religiões do mundo.
 Como ilustra grande parte da história da humanidade, a pessoa humana foi adquirindo, de uma forma
progressiva, os seus direitos e responsabilidades por meio de sua participação como membro ou parte de
um grupo – por ex. família, religião, classe social, comunidade e Estado. A maioria das sociedades teve
regras similares, uma das quais a chamada "regra de ouro", que significa "faça aos outros o que gostaria
que fizessem a si mesmo; e não faça aos outros o que não gostaria que lhe fizessem".
 De acordo com a Flávia Piovesan, somente quando ocorre a positivação destas teorias filosóficas de
direitos humanos, enquanto limitação ao poder estatal, é que se pode falar de direitos humanos, enquanto
um autêntico sistema de direitos no sentido escrito da palavra, isto é, enquanto direitos positivos ou
efectivos.

Cont…

Os Vedas Hindu, o Código de Hamurabi da Babilônia, a Bíblia, o Alcorão, e os Analectos de


Confúcio, são cinco das mais antigas fontes escritas que abordam questões ligadas aos direitos das
pessoas, incluindo os seus deveres e responsabilidades. Na verdade, todas as sociedades, na tradição
oral ou escrita, tiveram sistemas de justiça próprios, bem como formas específicas de cuidar do bem-
estar dos seus membros.

No entanto, somente por volta dos séculos XI ao século XII (Idade Média) é que ganha força o ideal
de limitação do poder dos governantes, pela consagração de direitos comuns a todos os indivíduos.
Nesta época temos as primeiras declarações, codificando direitos e liberdades individuais, podendo
destacar-se desde logo a Magna Charta Libertatum de 1215 e mais tarde ainda Habeas Corpus Act de
1679 e o Bill of Rights de 1689, instrumentos que no entanto pecavam por não conter uma filosofia
abrangente de direitos humanos, sendo que as liberdades eram muitas vezes vistas como direitos
conferidos aos particulares ou grupos de indivíduos em função de sua posição ou status social.
Cont..

 As primeiras Declarações de direitos humanos, com filosofia de direitos humanos claramente definida e
abragente, foram as do Estado americano de Virgínia, em 1776 e, posteriormente, a declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, tendo, o termo “direitos humanos” ou “direitos do homem”
aparecido, pela primeira vez, nesta Declaração, no contexto da revolução francesa.
 A partir destes acontecimentos, os direitos humanos deixam de ser meras intenções e tornaram-se
direitos positivos e exigíveis10.
 Curiosamente, numa fase embrionária, a evolução da luta pela consagração dos direitos humanos
verificou-se num contexto interno, doméstico. Por exemplo, a Constituição Francesa de 1791 veio
incorporar os direitos previstos na Declaração de Direitos do Homem de 1789. Este facto significou a
constitucionalização e positivação de direitos humanos em detrimento da sua universalização.
 Contudo, a concepção contemporânea dos direitos humanos veio a surgir no século XX como resultado
das duas grandes guerras mundiais que banalizaram a dignidade da pessoa humana. Trata-se de período
histórico em que os direitos humanos ganham protagonismo na arena internacional.
Cont…

 Assim, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, foi criada a Liga (ou Sociedade) das Nações,
em 1919, na sequência das negociações sobre o Tratado de Versalhes que culminram com o acordo de
paz, assinado após a Primeira Guerra Mundial, no grande Palácio de Versalhes em França, entre a
Alemanha e os Aliados. Os objetivos do acordo incluíam, de entre outros, o desarmamento, prevenção
da guerra através da segurança colectiva, resolução de conflitos entre países, por meio da diplomacia e
negociação e por fim a melhoria do bem-estar global.
 A Liga das Nações surgiu em consequência dos horrores da Primeira Guerra Mundial e foi a primeira
tentativa de consolidar uma organização universal para a paz. Acreditava-se que futuros conflitos só
poderiam ser impedidos se fosse criada uma instituição internacional permanente, encarregada de
negociar e garantir a paz.
Cont…

 Com a Liga das Nações quase morribunda não foi possível evitar o eclodir da Segunda Guerra
Mundial cujas consequências em relação aos direitos humanos foram muito mais graves do que as
verificadas na I Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial violou todas as formas da dignidade
da pessoa humana.
 As atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, fizeram o mundo repesentar um
novo modelo de protecção dos direitos humanos como forma de evitar um novo acontecimento
trágico. Houve necessidade de se estabelecerem marcos inderrogáveis de direitos a serem
observados por todos os Estados no pós-guerra, marcando o fim do ideal segundo o qual os Estados
eram supremos em decidir a forma como deviam tratar os seus cidadãos.
 Nesse contexto, a adopção da Carta das Nações Unidas em 1945, surge como a premissa maior do
reconhecimento internacional da necessidade de se envidar todos os esforços para a protecção
internacional dos direitos humanos.
 A Carta, distintamente, menciona o papel das Nações Unidas na promoção e estímulo do respeito
pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião.12 A ideia de promulgar uma “carta internacional dos direitos humanos” foi
também considerada por muitos como basicamente implícita na Carta.
Cont…

 Dois anos após a aprovação da Carta, foi estabelecida a Comissão das Nações Unidas para os
Direitos Humanos (Comissão) e, posteriormente, surge a Declaração, adoptada a 10 de Dezembro de
1948 em São Francisco, que significou um patamar elevado na consagração da universalidade dos
direitos humanos.
 A Declaração é formada por um preâmbulo e 30 artigos que enumeram os direitos humanos e
liberdades fundamentais de que são titulares todos os homens e mulheres, sem qualquer
discriminação. O Artigo 1º da mesma expõe a filosofia subjacente à Declaração, reafirmando que:
“todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência
e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
 A Declaração surgiu como um código moral ‘universal’, porque não possui um carácter impositivo
ou imperativo. Delineou as linhas gerais dos direitos civis e políticos, bem como dos direitos
económicos, sociais e culturais. Tais colocações são consideradas actuais, mesmo que estejam longe
de serem postas em prática por todas as nações do mundo. E tornou-se a base de grande parte do
direito internacional e da carta internacional dos direitos humanos.
Cont.

 Concebida como “ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”, a Declaração
tornou-se um padrão por meio do qual se mede o grau de respeito e cumprimento das normas
internacionais de direitos humanos, sendo, até o presente a mais importante e ampla de todas as
declarações das Nações Unidas e uma fonte de inspiração fundamental para os esforços nacionais e
internacionais destinados a promover e proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Tem, também, ajudado a definir a orientação para todo o trabalho subsequente no campo dos
direitos humanos, assim como a proporcionar a filosofia básica a muitos instrumentos
internacionais que visam proteger os direitos e liberdades por ela proclamados.
 A mais significante mudança na arena internacional, depois da Segunda Guerra Mundial, foi o fim
da Guerra Fria, cujo evento final, foi simbolizado pela queda do muro de Berlim.
 É perante essa nova realidade internacional que se realiza, em Viena, em Junho de 1993, a Segunda
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que se tornou um ponto de referência no discurso
internacional dos direitos humanos, ao reafirmar a noção de indivisibilidade dos direitos humanos,
cujos preceitos devem aplicar tanto aos direitos políticos , quanto aos econômicos, sociais e
culturais.
V. Fontes dos Direitos Humanos
 O artigo 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (ETIJ), contém a enumeração das
“fontes formais de direito internacional”, denominação atribuída a um conjunto de normas que
indicam o processo de formação e revelação das normas jurídicas internacionais.
 Como discutido, os direitos humanos fazem parte do direito internacional público, por isso, que as
formas de formação e de revelação dos direitos humanos obedecem às mesmas regras vigentes no
direito internacional. Nestes termos o artigo 38 do ETIJ considera-se que o Tribunal, cuja função é
decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhes forem submetidas, aplicará:
 Os Direitos humanos são caracterizadas por multiplicidade de fontes convencionais,portanto, no
leque das fontes dor direitos humanos pode-se fazer referencias, seguintes:
A. Tratados Internacionais

 As convenções internacionais gerais, como as especiais, que estabeleçam regras expressamente


reconhecidas pelos Estados litigantes – para que um Estado faça parte de uma convenção e
consequentemente seja susceptível de ser demandado/ questionado ou que possa prestar contas, em
relação ao seu desempenho no que se refere ao respeito, protecção e realização dos direitos
humanos previstos num determinado instrumento internacional é necessário que estes tenham
ratificado esse instrumento.
 A Ratificação é “o acto interno pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu
consentimento em obrigar-se, por um acordo, celebrado ao nível internacional”, conforme define a
Convenção de Viena que dispõe sobre o Direito dos Tratados. Em outras palavras, trata-se do
processo de domesticação do documento no ordenamento jurídico nacional, confirmando o
compromisso do Estado de respeitar, obedecer e fazer cumprir as obrigações previstas em
determinado tratado perante a comunidade internacional.
 No ordenamento jurídico moçambicano as normas internacionais, validamente aprovadas e
ratificadas vigoram na ordem jurídica após a sua publicação no boletim oficial e enquanto vinculam
internacionalmente o Estado de Moçambique. (nº 2 do art. 17 da Constituição).
B. Costume Internacional
 Trata-se de práticas gerais aceites como sendo direito isto é, prática reiterada, com convicção de
obrigatoriedade.
 Para que uma prática tenha qualidade do direito consuetudinário internacional, dois elementos devem
ser demonstrados: (i) opinio iuris, ou seja, a convicção por parte dos Estados que eles são instados a
adoptar tal conduta, e (ii) a prática reiterada dos Estados.
 Desde logo, podemos apontar a Declaração que é hoje o documento mais importante já adoptado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas. Apesar de não tomar a forma de um tratado, sua história o fez
mais do que um instrumento que simplesmente oferece normas orientadoras. A ausência, por muitos
anos, de outros textos de referência, pois só foi em 1976 que os dois Pactos Internacionais de Direitos
Humanos entraram em vigor, criou condições para que a Declaração Universal gozasse de uma
autoridade incontestável.
 O Direito Internacional consuetudinário tem ainda um relevo importantíssimo na formação de normas
de Ius Cogens, ou seja, das normas de direito imperativo que regulam as relações entre os sujeitos do
direito internacional. A título exemplificativo, a proibição da escravatura, tortura e discriminação racial
são normas de ius cogens (normas imperativas).
C. Os Princípios Gerais de Direito Reconhecidos pelas Nações
Civilizadas
 Princípios gerais são normas internacionais imperativas nos termos do art. 53 da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados (1969) ,que estatui o seguinte. “É nulo o tratado que, no momento de sua
conclusão, conflitue com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente
Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é aceite e reconhecida pela
comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é
permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior do Direito Internacional geral da mesma
natureza.”
 Os princípios gerais reproduzem-se nas ordens jurídicas internas dos Estados, orientando-as, e também
no plano internacional. Alguns são concebidos e nascem no plano interno dos Estados, que são
transferidos ao plano jurídico internacional, enquanto outros também nascem e já regulam as relações
entre os Estados. Como exemplo de princípios comuns às ordens internas e internacionais, podem se
apontar os princípios de lex posterior derogat priori, pacta sunt servanda, princípio dos direitos
adquiridos e princípio da coisa julgada.
 Os direitos humanos, no entanto, são informados por muitos outros princípios, sendo de destacar os
princípios de igualdade, não discriminação, liberdade, universalidade dos direitos humanos.

D. Doutrina, Jurisprudência e Equidade

 O art. 38 do ETIJ menciona a doutrina, a jurisprudência e a equidade como métodos de


interpretação do Direito. Estes não têm sido considerados fontes de Direito Internacional, mas sim
ferramentas de auxílio. São as chamadas fontes mediatas cujo principal papel é a persuasão.
 No sistema africano temos várias decisões que foram tomadas pela Comissão Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos que apresenta uma interpretação que, de alguma forma, está a
contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Direito Internacional dos direitos
humanos do mundo. Um exemplo disso, pode ver-se no caso SERAC v Nigéria, onde ficou
considerado que “é evidente que os direitos colectivos, os direitos ambientais e outros direitos
sociais e económicos são elementos essenciais dos direitos humanos em África e que não há na
Carta um único direito que não possa ser efectivado” trazendo aqui a característica da
interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos e a dos direitos implícitos.
Cont…

 No mesmo sentido, o caso Media Right Agenda e outra V Nigéria22 evidencia que as únicas
razões legítimas para as limitações dos direitos e das liberdades na Carta Africana estão
consagradas no art. 27 n˚ 2, ao considerar que uma limitação não pode ter como
consequência que o direito em si seja ilusório”.
 Para além da jurisprudência, também temos como fontes materiais a doutrina, os escritos
dos professores de direitos de reconhecido mérito que servem de inspiração para a
interpretação dos direitos humanos. Nos seus escritos, estes de forma científica, trazem as
várias formas de interpretação dos instrumentos internacionais que podem servir de
fundamento das decisões sobre matérias de direitos humanos.
VI. A questão das Responsabilidades face aos Direitos
Humanos
 A primeira questão que se coloca no que concerne à responsabilidade em face dos direitos humanos
é a seguinte: “a quem cabe respeitá-los ou garantir o seu respeito?”
 Parece óbvio que a responsabilidade primária deva recair sobre o Estado, isto porque a presença e o
poder da autoridade estatal são tão dominantes em todas as esferas de nossas vidas que os direitos
humanos frequentemente são concebidos como um conjunto de princípios, ou pactos, entre o Estado
e os que são governados por ele.
 Por outras palavras, os Estados são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de
seus direitos humanos, isto porque, em princípio, os mais notáveis, abusos, omissões e transgressões
no que concerne aos direitos humanos, são de responsabilidade do Estado, por via de seus agentes e
órgãos (polícia, judiciário, legislativo, serviços públicos e política externa).
 Argumenta-se, no entanto, que os direitos humanos vão além da relação entre o Estado e o indivíduo,
como refere Oscar Vilhena Vieira, por três razões:
Cont…

 (1) Eles exigem submissão individual voluntária a uma obrigação correlata de respeitar o
direito dos outros e criam, portanto, obrigações intersubjectivas;
 (2) Eles são afectados, tanto positiva quanto negativamente, por autoridades não-estatais;
 (3) O encolhimento dos mandatos dos Estados face ao processo de globalização, promove a
redução do papel da autoridade pública.
 Ademais, a própria linguagem da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu art.
28, menciona explicitamente a necessidade de uma protecção e respeito dos direitos
humanos no seio de “uma ordem social e internacional” o que implica outros agentes,
incluindo indivíduos, comunidades, outras autoridades não-estatais, corporações e a
comunidade internacional como sujeitos de obrigações em relação aos direitos humanos.
A. A Responsabilidade do Estado face aos Direitos
Humanos
 Os Estados são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos
humanos. Assim, os direitos humanos geraram pelo menos quatro níveis de obrigações para os
Estados, ou seja, as obrigações de respeitar, proteger, promover e cumprir - e estas obrigações
são universalmente aplicáveis a todos os direitos.
 A obrigação de respeitar é essencialmente uma obrigação negativa, isto é, o Estado deve abster-
se de praticar actos que ponham em perigo as pessoas, enquanto as obrigações de promover,
proteger e cumprir são essencialmente obrigações positivas, o que requer que o Estado tome
medidas legislativas, administrativas e outras para assegurar que as pessoas gozem dos seus
direitos humanos, bem como para proteger as pessoas contra violações de seus direitos por
terceiros.
Cont…

 Assim, a obrigação de respeitar, requer que o Estado se abstenha de qualquer medida que possa
privar as pessoas do gozo de seus direitos ou de capacidade para satisfazer esses direitos por seus
próprios esforços
 Por obrigação de promover os direitos humanos, entende-se que o Estado deve se certificar de que
os indivíduos são capazes de exercer os seus direitos e liberdades, por exemplo, promovendo a
tolerância, sensibilização, e até mesmo a construção de infra-estruturas.
 Já, a obrigação de proteger exige que o Estado previna e sancione as violações dos direitos humanos
por parte de terceiros. Esta obrigação é normalmente considerada como uma função central dos
Estados, que têm de evitar que danos irreparáveis sejam causados aos cidadãos. Impõem-se então
aos Estados, (i) evitar violações de direitos por parte de qualquer indivíduo ou actores não estatais,
(ii) evitar e eliminar incentivos para violações dos direitos de terceiros e, (iii) garantir acesso aos
recursos legais quando ocorram violações, a fim de evitar privações adicionais de direitos humanos.
 Por fim, a obrigação de cumprir requer que o Estado tome medidas para assegurar que as pessoas
sob a sua jurisdição gozem de oportunidades para obter a satisfação das necessidades básicas,
conforme estabelecido e reconhecido pelos instrumentos de direitos humanos.
B. A Responsabilidade dos Entes Privados
 Toda a construção conceitual em torno dos direitos humanos esteve fundamentada na necessidade
de se limitar a actuação do Estado-opressor para garantir o respeito à liberdade dos indivíduos, ou
de se compelir o Estado negligente a implementar determinados direitos, como são os casos dos
direitos sociais e dos direitos civis e políticos.
 Dessa forma, a aplicabilidade dos direitos humanos – segundo a doutrina tradicional dominante
entre os séculos XVI e XIX – esteve permanentemente pautada numa relação vertical entre o
Estado e os cidadãos e não numa relação horizontal, isto é, nas relações de carácter privado. 28 Um
outro enfoque ainda carente de uma exploração teórica consolidado tem a ver com a eficácia
horizontal dos direitos humanos, pela qual, em princípio, os direitos humanos também devem ser
respeitados no âmbito das relações privadas.
VII. Restrições e Limitações de Direitos Humanos
 Em algumas situações, alguns direitos humanos podem entrar em choque com outros direitos
humanos e, por isso, tem de se buscar um justo equilíbrio entre os mesmos por forma a gerir
potenciais violações. Nestes casos de conflito entre direitos é necessário que se faça um juízo
sobre a prioridade de um sobre o outro. A decisão pode ser tomada tanto a nível judicial quanto
pelo legislador. O problema, no entanto, é decidir sobre tal prioridade e ainda encontrar os
fundamentos que legitimem a priorização de direitos. Torna-se então necessário que se
estabeleçam regras que permitam a clara destrinça entre os limites legítimos e ilegítimos, ou
melhor entre os limites e violações dos direitos.
 Todavia, como muito bem diz Manfred Nowak são poucos os direitos humanos que são
considerados absolutos ou ilimitados, tais como a proibição da tortura ou escravatura,
 Os tratados internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, e
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, propõem um "teste de três etapas" para
determinar a legitimidade de restrições aos direitos humanos.
Cont…

 A primeira parte deste teste requer que a restrição seja prescrita por lei; a segunda requer que a
restrição ou limitação do direito tenha por fim servir a um propósito legítimo, e por fim a
terceira etapa do teste requer que seja uma restrição necessária numa “sociedade aberta e
democrática."
 Porem, tanto na Declaração Universal dos Direitos do Homem como no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem podemos encontrar
especial ênfase para a importância de avaliar a legitimidade das restrições numa "sociedade
democrática". Tendo em conta que a enumeração de interesses a serem protegidos em caso de
limitação de direitos é ampla e de difícil definição, notamos que a interpretação que se dá aos
mesmos varia de uma sociedade para outra e de um sistema político para outro.
VIII. Direitos Humanos e seu Impacto na Paz
e Segurança das Nações
 Conforme tivemos oportunidade de abordar, os direitos humanos são amplamente baseados em
valores morais e preferências filosóficas. Como tal, eles tendem a ser entendidos como abstractos
esforços intelectuais. No entanto, é inegável que o respeito pelos direitos humanos tem tido um
impacto enorme nos dias de hoje, que inclui a construção e manutenção da paz e segurança a
nível individual, nacional e global.
 Desde logo, a busca pelo respeito e observância dos direitos humanos, na sua essência reflecte a
busca pelo respeito e observância da integridade física e moral dos indivíduos. A ideia da
inviolabilidade dos direitos e liberdades fundamentais visa proteger o indivíduo como um agente
independente e moral. Por outro lado, uma política de respeito pelos direitos humanos constitui
um dos pré-requisitos para o alcance de segurança nacional, isto é, a paz interna baseada num
amplo consenso social sobre a legitimidade de um dado regime político em vigência num Estado.
Cont…

 Desta feita, tem se afirmado que:


 “a protecção efectiva dos direitos humanos promove a paz e a estabilidade em
âmbito nacional, não apenas permitindo que as pessoas usufruam de seus direitos
e liberdades básicas, mas também proporcionando uma estrutura básica
democrática, cultural, económica, política e social, dentro da qual os conflitos
podem ser solucionados de modo pacífico. A protecção efectiva dos direitos
humanos é, em consequência, uma condição prévia essencial para a paz e a
justiça no âmbito internacional, visto que estabelece salvaguardas que oferecem à
população meios para aliviar a tensão social no âmbito doméstico, antes que a
mesma alcance proporções que criem uma ameaça em larga escala.”
IX. Interpretacao dos Direitos Humanos
 O processo da interpretação das leis constitui o coração da profissão jurídica, na medida em que
o jurista é constantemente confrontado com a necessidade de ter de revelar o sentido das normas
jurídicas, isto porque, nem sempre, o autor da norma consegue exprimir com exactidão o seu
pensamento em palavras. Mesmo um texto aparentemente simples pode suscitar dúvidas sobre o
respectivo sentido.
 É por esta razão que a hermêutica jurídica ocupa um lugar central no estudo do Direito, na
medida em que a interpretação das leis constitui uma ferramenta de trabalho de qualquer
profissional da área jurídica. Normalmente, os processos de interpretação da lei costumam ser
categorizados do seguinte modo: a) Quanto ao autor da interpretação: distingue-se entre a
interpretação autêntica, doutrinal e jurisprudencial, consoante ela for feita pelo autor da norma,
pelos jurisconsultos académicos ou pelos tribunais, respectivamente;
 b) Quanto ao modo de interpretação: a doutrina encontra diferenças entre a interpretação literal e
interpretação teleológica, porque equanto esta última procura obter o sentido da norma através da
lógica das coisas, recorrendo para o efeito a vários processos técnicos.
Cont…

 c) Quanto ao resultado: a interpretação da lei pode ser classificada em declarativa, aquela que se
limita a extrair o sentido da norma, coincidente com o respectivo texto legal. A intepretação
restritiva, aquela a que se chega quando do processo interpretativo conclui-se que o legislador
disse mais do que deveria ter dito. Pode-se ter, igualmente, a intepretação extensiva, quando o
intéprete conclui que o legislador disse menos do que deveria ter dito.
 Desde logo porque a fonte primária das normas de direitos humanos são as convenções e tratados
internacionais cuja interpretação segue, ainda, as regras consagradas na Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados37, segundo a qual “Um tratado deve ser interpretado de boa-fé
segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu
objectivo e finalidade” (Destaque nosso).
 Segundo VILLIGER, a interpretação à luz de seu objectivo e finalidade e de boa fé, a que se
refere a Convenção, procura assegurar a efectividade dos dispositivos do tratado.
Referencias Bibliograficas

 VARIMELO, Arquimedes Joaquim, et al. Lições de


Direitos Humanos. Associação Centro de Direitos
Humanos. 2013;

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